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Portuguese Pages [703] Year 2014
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Capa: Danilo Oliveira Produção: Freitas Bastos
CIP – Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. R629p Roger, Franklin Princípios institucionais da defensoria pública : De acordo com a EC 74/2013 (Defensoria Pública da União) / Franklin Roger, Diogo Esteves. – Rio de Janeiro : Forense, 2014. Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-5075-0 1. Direito constitucional. I. Esteves, Diogo. II. Título. 13-04932
CDU: 342
“Seja a mudança que você deseja ver no mundo.” (MAHATMA GANDHI – 1869/1948)
Para meu pai Jance (in memoriam) e minha mãe Tereza, pela minha formação. Para meus eternos mestres e amigos, Dr. Marcelo Barucke, Dr. José Aurélio de Araújo e Dr. Raymundo Cano, cujos ensinamentos me permitiram ingressar na carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. Para minha esposa Amanda, por tudo… DIOGO ESTEVES
Dedico este livro ao meu pai, minha mãe (in memoriam) e à minha esposa Raquel, como agradecimento pelo carinho que me dedicam, cujo sentimento também é recíproco. Se pude ter a oportunidade de escrever um trabalho deste porte, o fiz graças aos meus pais que se empenharam em me fornecer subsídios e formação moral durante minha vida. Não posso deixar de destacar que o trabalho também é fruto do amor e carinho de minha esposa Raquel Nery, que aceitou abrir mão da minha atenção nas inúmeras noites em claro. FRANKLYN ROGER ALVES SILVA
Este livro é uma singela homenagem a todos os Defensores Públicos, que se empenham diariamente em conferir dignidade e cidadania às parcelas mais esquecidas da sociedade. OS AUTORES
PREFÁCIO
A história da Defensoria Pública caracteriza-se por constantes superações e afirmações. Instituição vocacionada à tutela dos direitos humanos mediante o patrocínio das pretensões individuais e coletivas da população desfavorecida, seu poder político institucional não é suficiente para ombrear-se com os poderes republicanos tradicionais em um Estado culturalmente autoritário, mesmo em época de manifestações sociais. O processo de criação e estruturação de nossa Instituição, no âmbito da República, sempre esteve atrelado ao raro sentimento social dos nossos governantes e ao caminho trilhado pelos defensores. Lamentamos que o produto deste esforço de crescimento tenha nos deixado cicatrizes dolorosas que acabaram desviando nosso olhar e nosso caminho. Ora a Defensoria Pública se curva subserviente e gostosamente aos poderes tradicionais, notadamente o executivo, ora se aproxima, também de forma subserviente, de movimentos ditos sociais, apropriados por forças partidárias tradicionais e veículos de interesses políticos partidários. Nossa função é, e sempre será, servir como acesso à justiça para os mais desfavorecidos. Contudo, para que isso aconteça da melhor forma possível, não podemos ser subservientes a quem quer que seja. É claro que o diálogo com poderes tradicionais deve ser constante, mas saudável: não somos um órgão subordinado à Corte ou uma banca de advocacia para associações. Neste desencontro, acabamos esquecendo a verdadeira razão pela qual existimos como instituição, passando a empreender nossos maiores esforços não no atendimento ao destinatário de nossos serviços, mas numa luta condominial desnecessária e ridícula. Então, nos omitimos e vivemos passivos no seio de uma sociedade de iniquidades, cumprindo os desígnios canonizados pelo famoso verso de um dos autores citados neste livro, DANTE ALIGHIERI: “Os lugares mais sombrios do Inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral”. Somente a independência “para fora” e a união “para dentro” é que propiciarão crescimento sólido e duradouro. Pois o pior não é a escolha por um ou por outro senhor, mas o fratricídio que se instalou entre nós e destroçou a cláusula mínima de diálogo e de respeito mútuo através do reconhecimento do outro como defensor público. Portanto, nada melhor que um livro como este que, através da sua elevação acadêmica, representa a boa afirmação institucional, pois fortalece nossa independência, e a proveitosa união de toda doutrina anterior construída ao longo de nossa história. Muitos doutrinadores-defensores precederam o presente livro; grandes defensores públicos retiraram do pó a doutrina que firmou as bases desta Instituição. Todos, grandes em seus temas, estão presentes nas citações ou nos debates expressos no livro: JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, HUMBERTO PEÑA DE MORAES, LIGIA MARIA BERNARDI, LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO, PAULO CESAR RIBEIRO GALLIEZ, JOSÉ AUGUSTO GARCIA, CLÉBER FRANCISCO ALVES; para citar apenas alguns em homenagem a todos. No entanto, jamais alcançamos tamanha extensão exigida pelo tema como neste livro, pois seus Autores foram fiéis ao apuro científico, mediante a análise e a validação dos institutos e dos
enunciados argumentativos por meio do seu confronto com as diversas matérias e doutrinas de Direito aplicáveis; experimentando e testando, no livre saber, não somente doutrinas pretéritas, mas suas próprias convicções. O texto evita ainda, sabiamente, a mera submissão ao esprit de corps. É o gosto pela altitude, pelos cumes, pelo ar rarefeito, que a real doutrina e o espírito científico exigem. A diferença entre gratuidade de justiça e assistência jurídica gratuita – conceitos aplicados a todo tempo de maneira atécnica –, a busca pela sistematização e classificação das doutrinas acerca da presunção iuris tantum de pobreza e o reconhecimento da natureza de condição suspensiva da execução para a regra do artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 são alguns exemplos deste elevado esforço. Temos, finalmente, séria doutrina sobre a intervenção da curadoria especial nos processos da infância e da juventude; questão que tem levado a jurisprudência a debates infindáveis, sem a consideração dos mais comezinhos institutos de Direitos Humanos ou de Direito Processual: “Desde o advento da Declaração de Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 1959, a criança deixou de ser encarada como simples recipiente passivo e passou a ser vista como autêntico sujeito de direitos”. É nada menos que desumano pretender reduzir a participação das diversas instituições obrigadas a zelar pela defesa de crianças e adolescentes à disputa de vaidades institucionais por espaço pretensamente valioso. Mas este espaço é unicamente o espaço do sofrimento da família destroçada. Nada mais justo e adequado que o equilíbrio da colegialidade formada pelos juízes, serventuários, equipes técnicas, Ministério Público e Defensoria Pública para caminhar em direção à melhor solução humana possível para o conflito que representa a tragédia humana. Lembremo-nos todos que somos muitas vezes “humanos demasiados humanos”, colocando-nos avessos à mudança de opinião e à pretensão diversa daquela que elegemos inicialmente, não havendo nada mais eficaz do que o contraditório participativo para demonstrar que nos equivocamos. Como foi possível observar das recentes adoções “apressadas” impostas às famílias do nordeste, amplamente divulgadas pela imprensa, a celeridade sem contraditório só gera injustiça. Pelo todo dito, o título “Princípios Institucionais da Defensoria Pública” não dá ao leitor a verdadeira extensão do livro que terá em suas mãos, pois, além dos princípios de nossa Instituição, em verdade, a obra trata da “Defensoria Pública” ou da “Assistência Jurídica Gratuita”. Sorte daqueles que estão vindo, pois não vão precisar buscar e juntar aqui e acolá, os dispersos pedaços de doutrina institucional criada a marteladas e cujas partes, muitas das vezes, nunca dialogaram entre si. Agradeço aos autores, honrado, a oportunidade a mim dada de prefaciá-los, como também às fraternas citações, parabenizando-os enfim pela bela arquitetura montada sobre as bases sedimentadas por todos que lhes precederam nessa persistente e teimosa história da Defensoria Pública. JOSÉ AURÉLIO DE ARAUJO Rio de Janeiro, 22 de julho de 2013
APRESENTAÇÃO
Ao cuidar da evolução da Defensoria Pública no Brasil, em texto de alguns anos atrás, citei “A flor e a náusea”, de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: “Uma flor nasceu na rua! / Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. / Uma flor ainda desbotada / ilude a polícia, rompe o asfalto. / Façam completo silêncio, paralisem os negócios, / garanto que uma flor nasceu”. A cada dia que passa, o poema diz mais sobre a trajetória nativa da Defensoria Pública. Bem como a flor de DRUMMOND, nascida em pleno asfalto, a Defensoria soava francamente implausível em nosso solo, marcado por iniquidades seculares. Mesmo assim, a instituição resistiu, vingou. E não parou de avançar, apesar das muitas pedras no caminho (ainda DRUMMOND…). Fazendo pouco de maus presságios, a flor virou floresta. Não se trata de retórica vazia. Coroando sucessivas conquistas – iniciadas, sobretudo, a partir de 1988, com a constitucionalização da Defensoria –, a edição da Lei Complementar nº 132, em 2009, rompeu o selo da maioridade da instituição, que assumiu o papel de uma grande agência nacional de afirmação e efetivação dos direitos humanos, voltada para quem deles mais precisa, as pessoas e grupos carentes. Pois bem, era de se esperar que, ao avanço da Defensoria no país, correspondesse o florescimento de uma doutrina institucional igualmente pujante. Tal expectativa é confirmada, com sobras, pelo livro que tenho a honra de apresentar, Princípios Institucionais da Defensoria Pública, de DIOGO ESTEVES e FRANKLYN ROGER. A quem escreve uma apresentação incumbe ressaltar os pontos positivos da obra. Aqui, a tarefa se apresenta ao mesmo tempo tranquila e complexa, dependendo do ângulo examinado. Tranquila porque há muito a destacar nesse formidável trabalho. Complexa em função justamente da abundância de conteúdos relevantes trazidos pelos autores – não é fácil selecionar dentro de um conjunto tão vasto. Acabei de falar em abundância, e eis aí um termo bastante apropriado para definir a doutrina de FRANKLYN ROGER e DIOGO ESTEVES. Impressionam na obra não só a variedade dos assuntos versados, mas também a profundidade empreendida pelos autores. No que toca à abundância digamos horizontal do livro, saliente-se que os temas são explorados e problematizados nas mais diversas perspectivas, contribuindo para tanto a vivência prática de ESTEVES e ROGER, combativos defensores públicos no Estado do Rio de Janeiro. Ao leitor é dado um panorama amplo acerca das vicissitudes, atuais ou potenciais, de cada matéria. Tome-se, por exemplo, o capítulo sobre as prerrogativas dos defensores, especialmente a intimação pessoal e o prazo em dobro. Dado o extenso raio das abordagens, descobrir algum aspecto não cogitado pelos autores torna-se quase uma tarefa de gincana. Melhor, abre-se espaço para questões que, conquanto sejam pouco visitadas pela doutrina em geral, revelam-se de grande importância para o acesso substancial à justiça prometido constitucionalmente. É o caso da gratuidade em relação a atividades cartorárias extrajudiciais. Como de hábito, o tema se vê esquadrinhado profusamente pela obra, que, além disso, não foge da
discussão mais decisiva do tópico, a saber: quais as medidas cabíveis diante de um indevido indeferimento da gratuidade no plano cartorário? Ainda no ponto da abrangência das abordagens, vale assinalar que os autores também não se furtaram a enfrentar o impacto, na seara da Defensoria Pública, de inovações recentes ocorridas no sistema de justiça brasileiro. Vejam-se a propósito as lúcidas considerações do livro acerca das repercussões, nas garantias e prerrogativas dos defensores, do processo eletrônico e da tendência de uniformização de entendimentos jurisprudenciais e formação de precedentes vinculantes. Tanta extensão horizontal não prejudicou a profundidade das análises, muito pelo contrário. Também esse apuro analítico, no plano vertical, merece ser sublinhado. A obra que vem a lume revela um trabalho de pesquisa admirável, em termos doutrinários e jurisprudenciais. No entanto, não é só. Dados históricos e referências ao direito estrangeiro são largamente empregados. ROGER e ESTEVES exibem ainda muito conhecimento sobre os atos internos da Defensoria Pública, notadamente as Defensorias da União e do Estado do Rio de Janeiro. Dominando todas essas fontes, os autores proporcionam ao leitor uma grande riqueza de informações. Os temas são perscrutados meticulosamente e, sempre que existente alguma controvérsia, declinam-se as várias correntes de pensamento a respeito da matéria. Por sinal, tamanho é o aprofundamento dado a alguns assuntos que eles poderiam, sem qualquer dúvida, merecer uma obra à parte. Bom exemplo disso é o capítulo sobre gratuidade de justiça e assistência jurídica gratuita. O mesmo se diga do capítulo acerca da curadoria especial. Em substância, portanto, são vários os livros aninhados nos Princípios Institucionais de DIOGO ESTEVES e FRANKLYN ROGER. Acrescente-se que os autores não se escondem atrás das múltiplas fontes e correntes apresentadas na obra. Invariavelmente, eles se posicionam sobre as polêmicas relevantes. À guisa de ilustração, mencione-se a controvérsia atinente à aplicabilidade do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) aos defensores públicos. De forma vigorosa, e valendo-se de argumentação farta, ESTEVES e ROGER rejeitam a aplicabilidade do Estatuto, ao mesmo tempo em que afirmam a constitucionalidade plena do § 6º do art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009), segundo o qual “[a] capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público.” Peço licença, no ponto, para subscrever enfaticamente o pensamento dos autores. Não duvido que, em senso lato, os defensores exercem advocacia (coisa que se dá com os próprios membros do Ministério Público, quando atuam de maneira parcial). De resto, é algo que muito me honra. Daí não deriva, todavia, a conclusão de que os defensores, integrantes de uma instituição dita essencial e autônoma pela Constituição da República, devam ficar compulsoriamente vinculados à gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil, com a possibilidade inclusive de responsabilização correicional (além naturalmente da que já está prevista no seio da própria Defensoria). Onde está, em nossa Constituição, uma base mínima, implícita que seja, para esse estupendo salto hermenêutico? Não consigo ver, positivamente. Teria então a OAB algum direito não escrito, natural ou fundamental, à subordinação dos defensores? Decerto que não. Pudesse se acreditar na submissão dos defensores à OAB, em que pese a ausência completa de autorização constitucional, as consequências seriam absurdas. De fato, a OAB teria poderes para
sancionar qualquer defensor público até mesmo com a suspensão das atividades postulatórias, desfalcando os quadros não raro deficitários da Defensoria. Isso estorvaria o exercício de múnus constitucional, prejudicando a assistência jurídica integral às pessoas carentes. Em outras palavras, interesse puramente corporativo atropelaria a força normativa da Constituição de 1988, sobretudo no que diz respeito a direitos fundamentais nela encartados. Difícil imaginar contrassenso maior. Prossiga-se. Outro ponto alto da obra de FRANKLYN ROGER e DIOGO ESTEVES é a veemência com que se repudiam eventuais ingerências espúrias do poder político na atuação da Defensoria. O chefe institucional, apesar de escolhido pelo Governador do Estado (ou pelo Presidente da República, no caso da Defensoria Pública da União), não pode jamais ceder a tais pressões, por exemplo, manobrando para evitar que determinada ação seja proposta em face do poder público. Reputam os autores extremamente grave tal conduta, valendo lembrar que “[a]s funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público” (§ 2º do art. 4º da Lei Complementar), norma caríssima ao perfil independente da instituição. Decididamente, os méritos da obra não são poucos. Entre eles também se alinham o equilíbrio e a rejeição a posições corporativas destituídas de razoabilidade. Ao mesmo tempo em que preconizam uma Defensoria Pública forte e altiva, respeitando-se ao máximo as garantias e prerrogativas dos seus integrantes, os autores não perdem a oportunidade de ressalvar que a independência funcional da Defensoria não é absoluta, assim como não são absolutas as garantias dos seus membros. Quase encerrando, sinto-me tentado, diante de obra tão amiga da argumentação e da dialética, a debater algumas questões específicas, em relação às quais ouso divergir dos abalizadíssimos autores. Apesar da temeridade desse proceder, vamos lá. Um primeiro ponto concerne ao sentido da expressão “assistência jurídica integral e gratuita”, presente no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição brasileira. Para os autores, acompanhados por outros doutrinadores ilustres, o constituinte originário “acabou sendo contaminado pela balbúrdia existente em nossa ordem jurídica, negligenciando a adequada separação terminológica dos institutos” (da assistência jurídica e da gratuidade). Penso um pouco diferente. É certo que a balbúrdia apontada realmente existe, frequentemente confundindo a legislação pátria os institutos da assistência e da gratuidade. Sem embargo, não faço críticas ao constituinte. “Assistência jurídica integral e gratuita” pode ser entendida, sem qualquer inconveniente, como assistência lato sensu, abarcando a assistência em senso estrito (nas precisas palavras dos autores, “a prestação não onerosa de serviço de orientação legal e de defesa dos direitos do necessitado econômico, em juízo ou fora dele”) e a gratuidade de justiça. Dessa forma se deixa claro que não só a assistência jurídica propriamente dita está tutelada constitucionalmente, mas também o direito à gratuidade, inclusive no que tange a emolumentos extrajudiciais, compreensão extremamente relevante para o acesso à justiça. Ou seja, embora de certa forma reproduza uma confusão terminológica, parece-me que, no final das contas, a expressão constitucional se mostra feliz, reforçando os direitos fundamentais dos necessitados. Também manifesto alguma dissidência no ponto da aferição da hipossuficiência das pessoas jurídicas. Na jurisprudência brasileira, como bem indicam os autores, prevalece a seguinte distinção: enquanto as pessoas naturais contam com a presunção (relativa) de hipossuficiência, às pessoas jurídicas toca o ônus de comprovarem a sua insuficiência de recursos. Tal orientação não tem o apoio
dos autores, para quem também as pessoas jurídicas, até mesmo aquelas com fins lucrativos, deveriam ser favorecidas pela presunção de hipossuficiência. Diversamente, penso que é justo exigir das pessoas jurídicas a comprovação da própria carência, com exceção das entidades efetivamente filantrópicas (cujos recursos devem ser canalizados para a realização dos seus fins altruísticos). Em especial quando a pessoa jurídica tem fins lucrativos, a presunção de carência não se revela adequada. Havendo tal alargamento, corre-se o risco de enfraquecer globalmente a presunção, prejudicando quem dela mais necessita, as pessoas naturais, destinatárias por excelência do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita. Não se pretende, veja-se bem, negar às pessoas jurídicas esse direito fundamental, mas sim condicioná-lo, de maneira razoável e guardando compatibilidade com a figura do postulante. Um último ponto a debater é a Ouvidoria externa. Consideram os autores que “não subsiste qualquer óbice que impeça o Defensor Público aposentado de concorrer ao cargo de OuvidorGeral”, à medida que a aposentadoria suprime as garantias e prerrogativas do cargo, de modo que o defensor passa a não mais integrar a carreira. É o entendimento que tem prevalecido na Defensoria do Estado do Rio de Janeiro, onde todos os Ouvidores, até agora, vieram do grupo dos aposentados. Muito embora do ponto de vista formal estejam mais uma vez certos os autores, é de se ponderar que o propósito da Lei Complementar nº 132/2009, ao instituir a Ouvidoria externa no âmbito da Defensoria Pública, foi seguramente outro. Levando em conta a relevância cada vez maior assumida pela instituição, e em homenagem à democracia participativa – tão encarecida nas históricas manifestações de junho de 2013 –, quis-se, e quer-se, incluir na estrutura da Defensoria alguém que tenha um olhar verdadeiramente externo a respeito da instituição e dos seus serviços, a fim de aproximá-la ainda mais dos seus destinatários. Não fosse assim, nem faria maior sentido a Ouvidoria dita externa. Os colegas aposentados, que já deram tanto pela instituição, não têm naturalmente esse olhar externo. E nem poderiam ter. Todos nós, defensores em atividade e defensores aposentados, fazemos parte, indissoluvelmente, da mesma instituição, do mesmo time, da mesma camisa. No Estado do Rio de Janeiro, o defensor aposentado chega a votar na eleição para Defensor Público geral. Por tudo isso, entendo que o aposentado não pode ser considerado alguém “externo”, para fins de ocupar o cargo de Ouvidor. Penso mesmo que tal qualificação significa sensível capitis diminutio para o aposentado. Feitas essas considerações sobre algumas poucas discordâncias que tenho em relação ao alentado conteúdo da obra, parece-me que o meu prazo já está esgotado (ainda que pudesse ser contado em dobro…). É hora enfim de concluir. Minha última palavra só pode ser de agradecimento. Agradeço em primeiro lugar como defensor público. O livro de DIOGO ESTEVES e FRANKLYN ROGER, repleto de excelência, é um verdadeiro presente para a instituição, contribuindo para que ela se fortaleça ainda mais. E agradeço também em nome próprio. A extrema gentileza dos autores, ao convidar-me para fazer esta apresentação, permitirá que meu nome esteja de alguma forma associado, perenemente, a uma obra notável, que marcará por muito e muito tempo, e certamente por várias edições, a doutrina institucional da Defensoria Pública. É, certamente, “carona” das mais generosas que já tive em minha
vida. JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA Defensor Público Professor de Teoria Geral do Processo e Processo Civil da UERJ e da FGV/RJ
SUMÁRIO
Introdução 1 – Histórico 1.1 Do desenvolvimento da Defensoria Pública no âmbito nacional 1.2 Do desenvolvimento da Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro 1.2.1 Do modelo de Defensoria Pública implementado pelo Distrito Federal e posteriormente mantido pelo Estado da Guanabara 1.2.2 Do modelo de Assistência Judiciária criado pelo antigo Estado do Rio de Janeiro 1.2.3 Da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e da unificação do modelo de Defensoria Pública a partir de 1975 2 – A Constituição Federal e a Defensoria Pública 2.1 A posição constitucional da Defensoria Pública no Estado Democrático de Direito contemporâneo 2.2 A Defensoria Pública como instrumento de democratização e universalização do acesso à justiça 2.3 Da Defensoria Pública como cláusula pétrea e norma de repetição obrigatória pelas Constituições Estaduais 2.3.1 Das limitações impostas ao poder constituinte derivado reformador e do reconhecimento da Defensoria Pública como cláusula pétrea 2.3.2 Das limitações impostas ao poder constituinte derivado decorrente e do reconhecimento da Defensoria Pública como norma de repetição obrigatória pelas Constituições Estaduais 2.4 Da autonomia funcional, administrativa e financeira 2.4.1 Do reconhecimento constitucional da autonomia funcional, administrativa e financeira das Defensorias Públicas dos Estados (EC nº 45/2004), da Defensoria Pública do Distrito Federal (EC nº 69/2012) e da Defensoria Pública da União (EC nº 74/2013) 2.4.2 Da delimitação conceitual da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública 2.4.3 Do veto imposto ao art. 3º, parágrafo único, da LC nº 132/2009 2.4.4 Da controvérsia acerca da autonomia legislativa da Defensoria Pública 2.5 A Defensoria Pública e a repartição constitucional de competências legislativas 2.5.1 Da repartição constitucional de competências legislativas dentro do Estado Federal 2.5.2 Da competência constitucional para legislar sobre a Defensoria Pública 2.6 Da regulamentação normativa da Defensoria Pública 2.6.1 Constituição Federal 2.6.2 Lei Complementar nº 80/1994 2.6.3 Constituições Estaduais 2.6.4 Leis Estaduais regulamentadoras das Defensorias Públicas dos Estados 2.6.5 Lei nº 1.060/1950 2.6.6 Da controvérsia acerca da aplicabilidade da Lei Federal nº 8.906/1994 (EAOAB)
em relação à Defensoria Pública 2.7 Da impossibilidade de criação de Defensorias Públicas Municipais Questões 3 – Da Gratuidade de Justiça e da Assistência Jurídica Gratuita 3.1 Conceitos e distinções fundamentais 3.1.1 Assistência judiciária e assistência jurídica. Diferenciação. 3.1.2 Gratuidade de justiça e assistência jurídica gratuita. Separação ontológica dos institutos. 3.1.3 Dos modelos de assistência jurídica dos Estados contemporâneos 3.2 Da prerrogativa exclusiva do Defensor Público para aferir o direito à assistência jurídica gratuita nos atendimentos prestados pela Instituição 3.3 Da hipossuficiência econômica 3.3.1 Conceituação e delimitação jurídica 3.3.2 Sistema de presunção juris tantum de pobreza 3.3.3 Da diferenciação entre critério objetivo fixo e presunção objetiva de elegibilidade 3.4 Da inexigibilidade de comprovação da perspectiva de êxito da demanda como requisito para a concessão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita 3.5 Titularidade dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita 3.6 Da controvérsia acerca da admissibilidade e dos requisitos para o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor das pessoas jurídicas 3.6.1 Corrente Inadmissionista 3.6.2 Corrente Admissionista 3.6.3 Da hipossuficiência econômica das pessoas jurídicas e sua aferição 3.7 Da controvérsia acerca da admissibilidade e dos requisitos para o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor dos entes despersonalizados 3.8 Dos serviços abrangidos pela assistência jurídica gratuita 3.9 Do momento adequado para a formulação do pedido de assistência jurídica gratuita estatal e do procedimento administrativo indicado para a análise e reconhecimento do direito 3.10 Das despesas abrangidas pela gratuidade de justiça 3.10.1 Das despesas processuais em espécie 3.10.2 Da natureza jurídica da dispensa legal de pagamento constante do art. 3º da Lei nº 1.060/1950 3.10.3 Da superada controvérsia acerca da dispensa do depósito prévio na ação rescisória quando reconhecido o direito à gratuidade de justiça 3.10.4 Do direito à elaboração gratuita da planta exigida para a propo-situra da ação de usucapião 3.11 Da gratuidade de justiça parcial 3.12 Da mitigação da regra do recolhimento antecipado das despesas processuais e da possibilidade de pagamento parcelado ou postergado 3.13 Do momento processual adequado para a formulação do pedido de gratuidade de justiça e do procedimento judicial adotado para a análise e reconhecimento do direito 3.14 Do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça ex officio 3.15 Do alcance temporal da decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça
3.15.1 Corrente prospectiva 3.15.2 Corrente retroativa 3.16 Das formas de denegação do direito à gratuidade de justiça e dos efeitos temporais produzidos pelas respectivas decisões 3.17 Da impugnação à gratuidade de justiça 3.18 Da necessidade de fundamentação da decisão judicial que resolve a questão da gratuidade de justiça 3.19 Do recurso cabível contra as decisões de indeferimento, cassação e revogação da gratuidade de justiça 3.19.1 Dos efeitos do recurso interposto contra a decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça 3.19.2 Da inexigibilidade de preparo no recurso interposto contra a decisão de não reconhecimento, revogação ou cassação da gratuidade de justiça 3.20 Da gratuidade de justiça nas hipóteses de sucessão processual 3.21 Da condenação sucumbencial do beneficiário da gratuidade de justiça 3.21.1 Da controvérsia acerca da não recepção do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 pela Constituição Federal 3.21.2 Da abrangência do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 3.21.3 Da suspensão da exigibilidade do pagamento da verba sucumbencial em virtude do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça 3.21.4 Da aplicação automática do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 3.21.5 Da natureza jurídica do prazo quinquenal do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 3.21.6 Do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça após o trânsito em julgado e da controvérsia acerca da possibilidade de aplicação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 3.21.7 Da perda da condição de hipossuficiente dentro do prazo quinquenal do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 e do instrumento processual adequado para a revogação do direito à gratuidade de justiça 3.22 Gratuidade de justiça e atividades cartorárias extrajudiciais 3.22.1 Dos critérios legais para a fixação dos emolumentos 3.22.2 Da dispensa objetiva do recolhimento dos emolumentos no registro civil de nascimento e no assento de óbito 3.22.3 Da dispensa subjetiva do recolhimento dos emolumentos nas hipóteses de reconhecimento do direito à gratuidade de justiça 3.22.4 Da medida judicial cabível contra a recusa indevida do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça pelo cartório 3.22.5 Da formulação de requerimentos e requisições aos cartórios extrajudiciais pela Defensoria Pública Questões 4 – Da Natureza Jurídica da Defensoria Pública e dos Defensores Públicos 4.1 Da natureza jurídica da Defensoria Pública 4.2 Da natureza jurídica do Defensor Público 4.3 Da relação jurídica estabelecida entre assistido e Defensoria Pública 4.3.1 Da dispensa objetiva de mandato para a prática dos atos ordinários do processo e da necessidade de autorização específica do assistido para a prática de atos que demandem
poderes especiais Questões 5 – Princípios Institucionais 5.1 Definição 5.2 Dos princípios institucionais em espécie 5.2.1 Da unidade 5.2.2 Da indivisibilidade 5.2.3 Da independência funcional 5.2.4 A previsão legal exemplificativa dos princípios institucionais e a extensão panprincipiologista preconizada pela doutrina Questões 6 – Objetivos 6.1 Definição 6.2 Dos objetivos em espécie 6.2.1 A primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais 6.2.2 A afirmação do Estado Democrático de Direito 6.2.3 A prevalência e efetividade dos direitos humanos 6.2.4 A garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório Questões 7 – Funções Institucionais 7.1 Definição 7.2 Da tradicional classificação das funções institucionais em típicas e atípicas 7.3 Da nova classificação das funções institucionais em tradicionais (ou tendencialmente individualistas) e não tradicionais (ou tendencialmente solidaristas) 7.4 Das funções institucionais em espécie 7.4.1 Prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados 7.4.2 Busca da solução extrajudicial de conflitos mediante emprego de métodos alternativos 7.4.3 Difusão e conscientização sobre os direitos humanos, cidadania e das normas existentes no ordenamento jurídico 7.4.4 Assistência interdisciplinar dos órgãos de apoio 7.4.5 Assistência jurídica perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias 7.4.6 Representação nos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos 7.4.7 Legitimação para a propositura de ação civil pública e demais demandas coletivas sob diferentes vertentes 7.4.8 Impetração de ações constitucionais em defesa das funções e prerrogativas institucionais 7.4.9 Promoção da defesa dos direitos fundamentais dos necessitados 7.4.10 Defesa dos interesses da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis 7.4.11 Acompanhamento de inquérito policial
7.4.12 Patrocínio da ação penal nos casos admitidos em lei 7.4.13 Exercer a curadoria especial 7.4.14 Atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes 7.4.15 Atuar em favor de vítimas de tortura, abusos sexuais ou qualquer forma de discriminação, opressão ou violência 7.4.16 Atuar nos Juizados Especiais 7.4.17 Participar dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais 7.4.18 Execução das verbas de sucumbência – honorários advocatícios 7.4.19 Convocação de audiências públicas 7.5 O tratamento das funções institucionais pela legislação do Estado do Rio de Janeiro 7.6 Da legitimidade do Defensor Público Geral para o ajuizamento da Representação de Inconstitucionalidade 7.7 Da legitimidade do Defensor Público Geral Federal para apresentar proposta de edição de Súmula Vinculante 7.8 Teoria dos poderes implícitos e investigação criminal defensiva 7.9 A necessidade de reflexão acerca da repartição do ônus probatório e a fase da descoberta (discovery) 7.10 Atuação em caráter itinerante 7.11 Instituição de força-tarefa no âmbito da Defensoria Pública Questões 8 – Da Curadoria Especial 8.1 Definição 8.2 Hipóteses legais de atuação da curadoria especial 8.2.1 Incapaz sem representante legal (art. 9º, I, 1ª parte do CPC, e art. 142, parágrafo único, 2ª parte do ECA) 8.2.2 Incapaz quando os interesses deste colidirem com os do representante legal (art. 9º, I, 2ª parte do CPC, e art. 142, parágrafo único, 1ª parte do ECA) 8.2.3 Réu preso (art. 9º, II, 1ª parte do CPC) 8.2.4 Réu revel citado por edital ou com hora certa (art. 9º, II, 2ª parte do CPC) 8.2.5 Citando impossibilitado de receber citação (art. 218 do CPC) 8.2.6 Ausente (art. 1.042, I, do CPC) 8.2.7 Incapaz quando concorrer na partilha com o seu representante legal (art. 1.042, II, do CPC) 8.2.8 Idoso com comprovada incapacidade (art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994) 8.2.9 Interdição (art. 1.179 do CPC) 8.2.10 Criança ou adolescente em situação de risco por conduta omissiva ou comissiva de seu representante legal 8.2.11 Da controvérsia acerca da atuação da curadoria especial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis 8.3 Natureza jurídica da curadoria especial 8.4 Dos poderes e dos limites da curadoria especial 8.4.1 Da atuação do curador especial no polo passivo 8.4.2 Da atuação do curador especial no polo ativo
8.5 Da condenação sucumbencial do curatelado 8.6 Dos honorários devidos à curadoria especial Questões 9 – Direitos dos Assistidos 9.1 Definição 9.2 Dos direitos dos assistidos em espécie 9.2.1 Do direito à informação 9.2.2 Do direito à qualidade e à eficiência do atendimento 9.2.3 Do direito de revisão da pretensão no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público 9.2.4 Do direito ao patrocínio dos direitos e interesses pelo Defensor Público natural 9.2.5 Do direito à atuação de Defensores Públicos distintos no caso de colidência ou de antagonismo de interesses entre os destinatários de suas funções Questões 10 – Garantias 10.1 Definição 10.2 Das garantias em espécie 10.2.1 Independência funcional 10.2.2 Inamovibilidade 10.2.3 Irredutibilidade de vencimentos 10.2.4 Estabilidade 10.3 Legitimidade para defesa judicial das garantias Questões 11 – Prerrogativas 11.1 Definição 11.2 Das prerrogativas em espécie 11.2.1 Intimação pessoal 11.2.2 Prazo em dobro 11.2.3 Restrições quanto à prisão dos Defensores Públicos 11.2.4 Recolhimento diferenciado à prisão 11.2.5 Uso de vestes talares e insígnias privativas da Defensoria Pública 11.2.6 Vista dos processos judiciais ou dos procedimentos administrativos 11.2.7 Comunicação pessoal e reservada com o assistido e livre trânsito em estabelecimentos prisionais 11.2.8 Exame de autos de flagrante, inquérito e processos 11.2.9 Manifestação por meio de cota 11.2.10 Poder de requisição 11.2.11 Representação processual independentemente de mandato 11.2.12 Prerrogativa de não ajuizamento de demanda 11.2.13 Tratamento isonômico 11.2.14 Oitiva como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados 11.2.15 Investigação policial de infração penal praticada por membro da Defensoria Pública
11.2.16 Acesso a banco de dados de caráter público e a locais que guardem pertinência com as atribuições da Defensoria Pública 11.3 Foro privativo por prerrogativa de função estabelecido em favor dos membros da Defensoria Pública em Constituição Estadual 11.4 Prerrogativas estabelecidas na Lei Complementar Estadual nº 06/1977 11.4.1 Porte de arma de fogo 11.4.2 Utilização de meios de comunicação do Estado e dos municípios 11.4.3 Ingressar nos recintos das audiências e sessões de julgamento 11.4.4 Usar da palavra durante as audiências e sessões de julgamento 11.5 Legitimidade para defesa judicial das prerrogativas Questões 12 – Deveres 12.1 Definição 12.2 Dos deveres em espécie 12.2.1 Residência na localidade onde atua 12.2.2 Desempenho regular das funções 12.2.3 Representação ao Defensor Público Geral sobre irregularidades 12.2.4 Fornecimento de informações à administração superior 12.2.5 Presença no órgão de atuação e nos atos judiciais 12.2.6 Arguição da suspeição e impedimento 12.2.7 Interpor os recursos cabíveis e promover revisão criminal 12.3 Deveres decorrentes do sistema processual 12.4 Deveres impostos pela Lei Complementar Estadual nº 06/1977 12.5 Decálogo do Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro Questões 13 – Proibições 13.1 Definição 13.2 Das proibições em espécie 13.2.1 Exercício da advocacia 13.2.2 Atividades que conflitem com o cargo ou com princípios éticos 13.2.3 Recebimento de qualquer quantia ou vantagem em razão de suas atribuições 13.2.4 Exercer o comércio ou participar de sociedade comercial 13.2.5 Exercício de atividade político-partidária e atuação na Justiça Eleitoral 13.3 Proibições impostas pela Lei Complementar Estadual nº 06/1977 Questões 14 – Atribuição, Impedimento e Suspeição dos Membros da Defensoria Pública 14.1 Da atribuição 14.1.1 A natureza jurídica da atribuição 14.1.2 A capacidade postulatória do membro da Defensoria Pública 14.1.3 A aferição da possibilidade de atuação em favor do assistido – Avaliação da condição de hipossuficiência econômica pela Defensoria Pública como fase prévia da aferição de atribuição 14.1.4 O conflito de atribuições entre membros da Defensoria Pública
14.1.5 O conflito de atribuições entre membros de Defensorias Públicas diversas 14.1.6 A Defensoria Pública tabelar – órgão com atribuição residual para substituição 14.1.7 Das atribuições legais em espécie 14.2 Do impedimento 14.3 Da suspeição 14.3.1 O motivo de foro íntimo e o conflito com convicções de ordem pessoal 14.4 Do acolhimento do impedimento e da suspeição 14.5 Da falibilidade de alguns critérios de substituição dos membros da Defensoria Pública Questões 15 – Estrutura e Organização Administrativa da Defensoria Pública 15.1 Delimitação jurídica do tema 15.2 Composição nacional da Defensoria Pública 15.2.1 Da modificação estrutural realizada pela Emenda Constitucional nº 69/2012 no âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios 15.2.2 Da atuação das Defensorias Públicas dos Estados e da Defensoria Pública do Distrito Federal perante as Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar 15.2.3 Da controvérsia acerca da exclusividade da Defensoria Pública da União para atuação nos Tribunais Superiores 15.3 Os órgãos de composição da Defensoria Pública 15.3.1 O Defensor Público Geral 15.3.2 O Subdefensor Público Geral 15.3.3 O Conselho Superior 15.3.4 A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública 15.3.5 Os órgãos de atuação da Defensoria Pública 15.3.6 Os órgãos de execução da Defensoria Pública 15.3.7 A Ouvidoria-Geral das Defensoria Públicas dos Estados 15.3.8 Da pretendida criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública 15.4 A carreira de Defensor Público 15.4.1 O escalonamento da carreira na Defensoria Pública da União 15.4.2 O escalonamento da carreira na Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios 15.4.3 O escalonamento da carreira nas Defensorias Públicas dos Estados 15.4.4 O ingresso na carreira de Defensor Público 15.4.5 A nomeação e posse na Defensoria Pública 15.4.6 A lotação dos membros da Defensoria Pública 15.4.7 As modalidade de remoção dos membros da Defensoria Pública 15.4.8 A promoção dos membros da Defensoria Pública 15.5 Os estagiários da Defensoria Pública Questões 16 – Organização Administrativa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.1 Delimitação jurídica do tema 16.2 Dos eventuais conflitos existentes entre a Lei Complementar Federal nº 80/1994 e a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 16.3 Os órgãos de composição da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
16.3.1 O Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro 16.3.2 Os Subdefensores Públicos Gerais do Estado do Rio de Janeiro 16.3.3 O Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.3.4 A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.3.5 Os órgãos de atuação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.3.6 A Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.4 A carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro 16.4.1 O escalonamento da carreira na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.4.2 O ingresso na carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro 16.4.3 A nomeação e posse na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.4.4 A lotação dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.4.5 A remoção dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.4.6 A promoção dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 16.4.7 Modalidades de reingresso na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 17 – Férias e Afastamentos dos Membros da Defensoria Pública 17.1 Das férias dos membros da Defensoria Pública 17.2 Dos afastamentos dos membros da Defensoria Pública 17.3 Do direito de greve no âmbito da Defensoria Pública Questões 18 – Regime Disciplinar da Defensoria Pública 18.1 Delimitação jurídica do tema 18.2 Correição no âmbito da Defensoria Pública 18.3 Infrações disciplinares 18.4 O tratamento da matéria disciplinar no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 18.4.1 A sindicância 18.4.2 O processo disciplinar 18.4.3 Revisão do processo disciplinar 18.4.4 O uso abusivo do poder disciplinar 18.5 A não submissão dos membros da Defensoria Pública ao Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil Questões Gabarito das Questões Objetivas Referências
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a Defensoria Pública tem sofrido inúmeras transformações que a colocaram no patamar de verdadeira Instituição afeta à garantia da função jurisdicional do Estado Democrático de Direito. As Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios adquiriram autonomia funcional, administrativa e financeira por meio das Emendas Constitucionais nº 45/2004, nº 69/2012 e nº 74/2013, além de sofrerem verdadeira reformulação estrutural por meio da Lei Complementar nº 132/2009. A Defensoria Pública como Instituição integrante das funções essenciais à justiça tem atribuição constitucional e legal para a defesa da cidadania, garantindo a democratização e a universalização do acesso à justiça. No âmbito processual, a Defensoria Pública adquiriu legitimidade para, em nome próprio, ajuizar ações coletivas lato sensu, homologar prestações alimentares em favor de idosos constituindo títulos executivos, além de participar dos procedimentos de inventário e divórcio extrajudiciais. Como se sabe grandes poderes trazem grandes responsabilidades e muitas das transformações implementadas pela Defensoria têm incomodado outras setores da sociedade e dos próprios poderes estatais. Assim, frequentemente nos deparamos com tristes situações em que nossa Instituição é criticada por uma suposta e falaciosa omissão, principalmente no campo da execução penal, sendo apresentadas diversas alternativas, como a criação de convênios com escritórios de advocacia para o exercício de uma “defesa dativa”. O estudo dos Princípios Institucionais da Defensoria Pública ainda não recebeu a devida atenção por parte da doutrina, não obstante subsistam diversos trabalhos extraordinários que analisam, pontualmente, diversos aspectos dessa fantástica matéria. A proposta dessa singela obra é analisar criteriosamente as características e princípios da Defensoria Pública, permitindo que os profissionais possam entender quais as funções, a natureza jurídica e os postulados que norteiam a atuação do Defensor Público. A disciplina dos princípios institucionais integra o ramo do Direito Público, a medida que suas normas tratam da organização administrativa da Defensoria Pública, além de disposições processuais referentes às atribuições da Instituição. Trata-se de obra alinhada com a melhor doutrina e com a jurisprudência dos tribunais superiores e locais, indicando as orientações dominantes acerca dos temas que envolvem o dia a dia de atuação institucional. Destinamos esse livro aos membros das diversas Defensorias Públicas espalhadas pelo país, a magistrados, promotores, advogados e professores que se debruçam sobre o estudo da matéria institucional. Para os candidatos a concurso público para provimento de cargos da Defensoria Pública, o trabalho se apresenta como fonte de consulta e estudo, garantindo ampla análise vertical e horizontal dos temas abordados. O livro adota divisão didática, apresentando os temas conforme sua aplicabilidade no âmbito da
Defensoria Pública da União, na Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, nas Defensorias Públicas dos Estados e, especificamente, o regramento adotado no Estado do Rio de Janeiro. Posições políticas e ideológicas não se confundem com o trabalho acadêmico aqui proposto, de sorte que o leitor terá à disposição um material técnico acerca dos Princípios Institucionais da Defensoria Pública.
CAPÍTULO 1
HISTÓRICO
1.1 DO DESENVOLVIMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ÂMBITO NACIONAL No Brasil, a justiça gratuita tem suas origens mais remotas fincadas nas Ordenações Filipinas, sancionadas em 1595 durante o domínio castelhano de Filipe I1. Embora não tratasse da questão da gratuidade de maneira sistemática, as ordenações previam o direito à isenção de custas para a impetração de aggravo (Livro III, Título LXXXIV, Parágrafo 10)2 e livravam os presos pobres do pagamento dos feitos em que fossem condenados (Livro I, Título XXIV, Parágrafo 43)3. De Portugal e com as mesmas Ordenações Filipinas, “veio também a praxe do advogado patrocinar gratuitamente os miseráveis e os indefesos que procurassem o juízo tanto nas causas cíveis quanto nas criminais”4, revelando os primeiros traços da assistência judiciária no país. Em razão deste costume, estabelecia o Livro III, Título XX, Parágrafo 14 que o juiz deveria preferir, no momento da nomeação, “o advogado de mais idade e de melhor fama ao mais moço e principiante, a fim de que não fosse mais perito o da parte contrária”5. Além das esparsas previsões constantes das Ordenações Filipinas, outros regulamentos legais destinados à proteção dos pobres em juízo foram sendo firmados ao longo do tempo, de forma variada e assistemática, como o Alvará de 16 de fevereiro de 1654, a Lei de 6 de dezembro de 1672 e, ainda, o Alvará de 5 de março de 17506. Posteriormente, em 3 de dezembro de 1841, foi editada a Lei nº 261 dispondo acerca da isenção do pagamento de custas pelo réu pobre, que sucumbisse em demanda contra ele ajuizada. Segundo estabelecia o art. 99 do referido diploma legal: “sendo o réo tão pobre que não possa pagar as custas, perceberá o escrivão a metade dellas do cofre da camara municipal da cabeça do termo, guardado o seu direito contra o réo, quanto á outra metade”. Pouco tempo depois, passou a vigorar o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, regulamentando as partes policial e criminal da Lei nº 261/1941, e confirmando no art. 469 a isenção do pagamento de custas em favor do réu hipossuficiente7. Além disso, através da Lei nº 150, de 9 de abril de 1842, “o pobre que sustentasse litígio em juízo seria isentado de pagar o dízimo de chancelaria – uma forma de taxa cobrada pela autenticidade de documentos”8. No ano de 1870, JOSÉ TOMÁS NABUCO DE ARAÚJO, então presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, deu um decisivo passo na caminhada histórica da assistência jurídica aos necessitados, sugerindo que a entidade assumisse o papel de prestar consultoria jurídica e de oferecer defesa às pessoas pobres em juízo9. Anos depois, o IAB voltaria a insistir no tema solicitando, em 14 de março de 1882, a “nomeação de um grupo de advogados para que tomasse a si a defesa de réus desvalidos que tivessem de responder a júri”, objetivando evitar os abusos registrados nos julgamentos criminais da
época e visando conferir maior solidificação à defesa dos réus indigentes10. No entanto, o esforço individualizado deste instituto não se mostrou suficiente para garantir o pleno e perene acesso dos menos afortunados à justiça. Tornava-se claro que a implementação de uma assistência judiciária eficiente e duradoura não poderia depender unicamente do empenho caritativo de alguns nobres advogados, sendo necessária a elaboração de uma legislação específica sobre o tema, que se mostrasse capaz de atender às necessidades da grande massa juridicamente pobre do final do século XIX. Então, em 14 de novembro de 1890, um primeiro impulso legislativo foi dado na direção do desenvolvimento de uma assistência jurídica sistematizada e ampla, sendo editado o Decreto nº 1.030, organizando a justiça do Distrito Federal pós-proclamação da República (ocorrida em 15 de novembro de 1889). De acordo com o art. 175 do mencionado decreto, o Ministro da Justiça encontrava-se “autorizado a organizar uma comissão de patrocínio gratuito dos pobres no crime e cível”. Quase sete anos depois, em atenção ao dispositivo acima citado, foi editado o Decreto nº 2.457, de 8 de fevereiro de 1897, estruturando a Assistência Judiciária do Distrito Federal, com o objetivo de promover o “patrocínio gratuito dos pobres” que fossem “litigantes no cível ou no crime, como autores ou réos, ou em qualquer outra qualidade” (art. 1º). De acordo com a referida norma, considerava-se juridicamente pobre, para fins de concessão do direito à assistência gratuita, toda pessoa que estivesse “impossibilitada de pagar ou adeantar as custas e despezas do processo sem privar-se de recursos pecuniarios indispensaveis para as necessidades ordinarias da propria manutenção ou da familia” (art. 2º)11. Para a obtenção do benefício, deveria o interessado na assistência judiciária dirigir petição ao juiz perante o qual estivesse ou devesse ser proposta a causa, indicando sua qualificação pessoal e o objeto da ação; outrossim, deveria realizar a afirmação solene de sua condição econômica e efetuar a juntada de provas que atestassem sua pobreza (art. 15). Após o recebimento da petição, o juiz submeteria o requerimento à análise da Assistência Judiciária do Distrito Federal, que avaliaria a pobreza afirmada pelo suplicante e emitiria parecer sobre o caso (art. 16). Em seguida, com base na análise emitida pela Assistência Judiciária, o magistrado prolataria sua decisão, não cabendo contra esta qualquer espécie de recurso (art. 18). Admitida a concessão da assistência judiciária ao requerente, o serviço abrangeria a “prestação de todos os serviços necessarios para a defesa de seus direitos em Juizo, independentemente de sellos, taxa judiciaria, custas e despezas de qualquer natureza, inclusive a caução judicatum solvi” (art. 4º). Para estruturar adequadamente o serviço, a Assistência Judiciária do Distrito Federal restou originalmente composta por uma Comissão Central e por várias Comissões Seccionais (art. 5º), sendo cada uma delas composta por três membros, dentre os quais um seria o presidente (art. 7º). A escolha do presidente da Comissão Central caberia ao Ministro da Justiça e os outros dois integrantes seriam escolhidos pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (art. 7º, § 1º). A partir de então, os membros da Comissão Central escolheriam os integrantes das Comissões Seccionais, devendo-se observar a renovação anual dos cargos (art. 7º, § 2º). Como se pode notar, o Decreto nº 2.457 de 1897 criou o primeiro modelo legalmente organizado
de prestação de assistência judiciária aos menos afortunados, sendo os atendimentos realizados por advogados periodicamente indicados para integrarem as comissões seccionais (art. 11). Além disso, este diploma traçou as primeiras linhas delineadoras da gratuidade de justiça, definindo quem seriam seus beneficiários, a forma de postulação e as isenções abrangidas pelo benefício12. Por volta de 1910, diante do sucesso alcançado pelo modelo implementado no Distrito Federal, esse serviço de assistência judiciária passou a ser oferecido perante a Justiça Federal13. Outrossim, a exemplo do que se passou a praticar na capital do país, diversos estados da federação iniciaram a implementação e regulamentação da assistência judiciária no âmbito estadual, como o Rio Grande do Sul (em 1895), São Paulo (em 1920), Pernambuco (em 1923) e Minas Gerais (em 1925)14. Importante observar, no entanto, que não havia ainda o desenvolvimento de órgãos governamentais permanentes e organizados em carreira, especialmente voltado para a assistência legal dos necessitados. Nessa época, seguindo a linha traçada pelo Decreto nº 2.457 de 1987, realizava-se o atendimento dos menos abastados ainda por meio de profissionais liberais, nomeados episodicamente para a defesa dos direitos do litigante pobre. Em 16 de julho de 1934, foi promulgada a Constituição Federal de 1934 prevendo, em seu art. 113, nº 32, que a União e os Estados deveriam conceder “aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”15. Percebe-se, portanto, que a Carta Política havia elevado o direito à assistência judiciária à estatura de norma constitucional, prevendo ainda a criação de órgãos especiais destinados ao atendimento das pessoas necessitadas. Com isso, demonstrou o constituinte o propósito de que a assistência judiciária fosse prestada de modo especializado por órgãos estatais devidamente criados para esse fim. Paralelamente a isso, garantiu-se também a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos, positivando em nível constitucional o direito à gratuidade de justiça. Conforme destaca o ilustre professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, a Carta Política de 1934 cuidou de duas dimensões distintas e complementares: a justiça gratuita e a assistência judiciária16. Primeiramente, previu a dispensa do pagamento das custas judiciárias, estatuindo a “isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”; adicionado a isso, previu a prestação gratuita dos serviços judiciários, impondo à União e aos Estados a criação de “órgãos especiais” para assistir aos necessitados17. Dando aplicabilidade ao referido dispositivo constitucional, o Estado de São Paulo criou o primeiro serviço governamental de Assistência Judiciária do Brasil (em 1935)18, sendo seguido pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em flagrante retrocesso, porém, a Constituição Federal de 1937 não previu qualquer direito no que tange a assistência judiciária, voltando a matéria a ser regulada unicamente pela legislação infraconstitucional. Dois anos mais tarde, com a edição do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939), o legislador regulamentou em âmbito nacional as normas relativas ao benefício da justiça gratuita (Livro I, Título VII, Capítulo II), ampliando e difundindo para todo o país regras até então previstas unicamente em ordenamentos estaduais. Claramente inspirado no Decreto nº 2.457 de 1897, estabelecia o art. 68 do CPC/1939 que: “a parte que não estiver em condições de pagar as custas do processo, sem prejuizo do sustento próprio ou da família, gozará do
benefício de gratuidade”. Para que fizesse jus ao benefício, a parte interessada deveria mencionar em petição dirigida ao juiz da causa seus rendimentos ou vencimentos, bem como seus encargos pessoais e de família (art. 72), sendo punido na forma da lei penal aquele que prestasse declarações falsas (art. 72, parágrafo único). O pedido deveria ainda ser instruído “com o atestado de pobreza expedido, independentemente de selos ou emolumentos, pelo serviço de assistência social” ou “pela autoridade policial do distrito ou circunscrição” em que residisse o solicitante (art. 74). Após analisar o requerimento, o juiz prolataria decisão julgando de plano o pedido de gratuidade (art. 75), sendo-lhe facultada a realização de instrução sumária para melhor apreciação da matéria (art. 75 in fine c/c art. 685). Uma vez concedida a gratuidade, esta abrangeria todas as instâncias, estendendo-se desde o ajuizamento da ação até o encerramento das providências executivas (art. 71). Entretanto, caso fosse constatada de maneira superveniente a inexistência ou o desaparecimento de qualquer dos requisitos necessários à concessão da gratuidade, poderia o benefício ser revogado pelo julgador, nos termos do art. 77 do CPC/1939. Como não havia ainda um serviço de assistência judiciária organizado em âmbito nacional, o parágrafo único do art. 68 estabelecia que o advogado responsável pelo atendimento do litigante pobre seria escolhido pela própria parte beneficiária da justiça gratuita, ou nomeado pelo juiz da causa, em não havendo a indicação do interessando. Apesar dos avanços trazidos pelo CPC/1939, em especial no que tange a regulamentação da justiça gratuita em âmbito nacional, percebe-se que o Estado, sob a égide da Constituição de 1937, não assumiu qualquer comprometimento com a criação de um serviço de assistência judiciária integral, gratuito e público. Aliás, repetindo a omissão legislativa do CPC/1939, limitou-se o Código de Processo Penal de 1941 (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) a prever que, caso fosse constatada a pobreza do acusado ou querelante, seria pelo magistrado indicado profissional liberal para a atuação pro bono na causa penal (arts. 32 e 263 do CPP). A inércia estatal apenas foi parcialmente solucionada com a promulgação da Carta Magna de 1946, que devolveu à assistência judiciária sua anterior estatura constitucional (art. 141, § 35)19. No entanto, em claro recuo em relação ao ordenamento constitucional de 1934, deixou a Carta Política de 1946 de indicar a forma de viabilização desse direito, não sendo previsto qual órgão estatal efetivaria a assistência aos menos afortunados. Essa omissão dificultou o crescimento organizado e uniforme de órgãos governamentais voltados para o atendimento jurídico dos necessitados, provocando a heterogeneidade dos modelos de assistência judiciária implementados pelo país. Em face do lacônico texto constitucional, vários estados da federação preocuparam-se em criar órgãos estatais específicos de auxílio legal aos pobres (como no estado de Minas Gerais20, no antigo estado do Rio de Janeiro21 e no estado de Pernambuco22), enquanto outros continuaram a credenciar advogados para a prestação gratuita da assistência judiciária. Dando continuidade à caminhada evolucionista do acesso à justiça, em 05 de fevereiro de 1950 foi editada a Lei nº 1.060, estabelecendo os requisitos necessários para a concessão da gratuidade de
justiça, as isenções abrangidas pelo benefício, a forma de postulação e como a assistência judiciária seria prestada aos litigantes necessitados. Encampando boa parte das normas previstas pelo CPC/1939, que teve seus artigos 68 a 79 revogados por este novo diploma legal, passou a Lei nº 1.060/1950 a estabelecer que faria jus à gratuidade de justiça e à assistência judiciária gratuita “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, parágrafo único – vigente até os dias atuais). Para que obtivesse os benefícios, deveria a parte interessada requerer sua concessão ao juiz competente, “mencionando, na petição, o rendimento ou vencimento que percebe e os encargos próprios e os da família” (art. 4º). Outrossim, deveria o requerimento vir acompanhado de atestado de pobreza emitido pela autoridade policial ou pelo prefeito municipal (art. 4º, § 1º). Se não houvesse fundadas razões para indeferir o pedido, o juiz deveria deferi-lo de plano, determinando que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, indicasse o advogado que patrocinaria a causa (art. 5º, § 1º). Caso ainda não existisse o serviço de assistência na unidade federativa, caberia a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais (art. 5º, § 2º). Por fim, nos municípios onde não houvesse subseções da OAB, o próprio juiz faria a nomeação do advogado para o patrocínio da causa (art. 5º, § 3º), sendo este obrigado a atuar no feito, salvo justo motivo, sob pena de multa de Cr$200,00 a Cr$1.000,00 (art. 14, caput). Posteriormente, consolidando a garantia de um mínimo amparo legal aos necessitados, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215 de 27 de abril de 1963) instituiu como dever profissional dos advogados a prestação da assistência judiciária aos necessitados. Amenizando as consequências deste dever funcional e, ao mesmo tempo, valorizando o trabalho desempenhado por estes profissionais liberais, o Estado de São Paulo editou a Lei nº 7.469 de 26 de novembro de 1962, estabelecendo que os advogados dativos seriam compensados pelos cofres públicos em virtude de suas atuações em benefício dos litigantes pobres. Com o advento da Constituição Federal de 1967, a assistência judiciária “passou a ser entendida como órgão de estado incumbido da postulação e da defesa em todas as instâncias, dos direitos dos juridicamente necessitados”23. No entanto, do mesmo modo que a Constituição anterior, a Carta Política de 1967 previu a assistência judiciária como norma não autoaplicável, dependendo sua regulamentação da edição de lei infraconstitucional (art. 150, § 32, CF/1967)24. Em 1969, foi editada a Emenda nº 1 à Constituição de 1967, adaptando a Carta Política ao regime autoritário implantado pela Junta Militar e dando fisionomia jurídica ao regime de poder de fato25. No entanto, no que tange a assistência judiciária a previsão constitucional constante da Magna Carta de 1967 restou integralmente mantida, sem sofrer qualquer alteração redacional (art. 153, § 1º). No final dos anos 1960 e ao longo das décadas de 1970 e 1980, o serviço estatal de Assistência Judiciária restou implementado em diversos estados da federação, consolidando o entendimento de que o acesso das camadas mais pobres à justiça deveria ser franqueado por órgãos governamentais permanentes e organizados em carreira, evitando-se o inconveniente e dificultoso sistema de nomeação de advogados pro bono. Como exemplo, podemos mencionar os estados do Acre26, Amazonas27, Bahia28, Espírito Santo29, Mato Grosso do Sul30, Minas Gerais31 e Rio Grande do Sul32.
Outro salto evolucional significativo no desenvolvimento da gratuidade de justiça e no fortalecimento da assistência judiciária foi dado em 1986 e 1989, quando foram realizadas importantes mudanças na Lei nº 1.060/1950. Inicialmente, com a edição da Lei nº 7.510/1986, restou instituído o sistema da presunção de hipossuficiência econômica, estabelecendo-se que a parte faria jus a gratuidade de justiça mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não possuiria condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família (art. 4º da Lei nº 1.060/1950 – vigente até os dias atuais). Desse modo, passou-se a dispensar a apresentação de atestado de pobreza e a descrição pormenorizada dos rendimentos e encargos do requerente, sendo considerado presumidamente pobre aquele que afirmasse esta condição na petição inicial (art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950 – ainda vigente). Em um segundo momento, foi editada a Lei nº 7.871/1989, que acrescentou o § 5º ao art. 5º da Lei nº 1.060/1950 e previu a intimação pessoal do Defensor Público para todos os atos processuais, bem como a contagem em dobro de todos os prazos. A partir da segunda metade da década de 1980, iniciou-se o processo de redemocratização do país, instaurando-se os trabalhos da Constituinte de 1987/1988. Nesse momento, revelou-se extremamente importante a participação de diversos integrantes da assistência judiciária do país, que depositaram seus esforços para que a Defensoria Pública fosse reconhecida, pela nova Constituição, como instrumento de acesso das camadas mais pobres à justiça. Ao ser promulgada, em 5 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil trouxe a assistência jurídica integral e gratuita como direito fundamental (art. 5º, LXXIV) e autoaplicável (art. 5º, § 1º). Deve-se observar que a nova Constituição, ao utilizar-se do vocábulo “assistência jurídica” em substituição à expressão “assistência judiciária”, acabou aumentando significativamente a amplitude do serviço assistencial fornecido à população carente, abrangendo dentre os direitos fundamentais não apenas a assistência legal para a propositura, defesa e acompanhamento das ações judiciais, mas também a orientação jurídica extrajudicial (como, por exemplo, a elaboração de contratos, a pactuação de acordos e o aconselhamento jurídico preventivo). Além disso, o Poder Constituinte de 1988 previu, de maneira expressa, qual seria a entidade governamental responsável pela orientação jurídica e a defesa dos necessitados, consolidando a Defensoria Pública como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado” (art. 134, caput)33. Posteriormente, com a edição da Lei Complementar nº 80/1994, a Defensoria Pública restou regulamentada a nível nacional, sendo prevista sua forma de organização interna, suas funções, seus princípios institucionais e os direitos, garantias, prerrogativas, proibições e impedimentos de seus membros. Recentemente, com a edição da Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009, foram realizadas diversas mudanças na Lei Complementar nº 80/1994, introduzindo inovações substanciais nas normas gerais de organização da Defensoria Pública, além de inovação na Lei nº 1.060/1950. Desse modo, torna-se claro que a Defensoria Pública, ao longo da história, tem se fortalecido como Instituição essencial para a materialização do acesso à justiça, fornecendo aos menos favorecidos os recursos necessários para superarem os obstáculos que os impedem de alcançar a plenitude seus direitos.
1.2 DO DESENVOLVIMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Durante o Segundo Reinado, por intermédio do Acto Adicional de 183434, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada no Município Neutro da Corte e capital do Império do Brasil35, passando Niterói a ser a capital da então província do Rio de Janeiro36. Posteriormente, com o fim do Império (em 1889), a cidade do Rio de Janeiro transformou-se na capital da República dos Estados Unidos do Brasil, transmudando-se o Município Neutro em Distrito Federal e a província do Rio de Janeiro em estado. Apenas em 21 de abril de 1960, durante o governo de Juscelino Kubitschek, foi a capital federal transferida para Brasília, no planalto central do país (art. 4º das disposições transitórias da Constituição de 1946)37. A partir de então, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se o Estado da Guanabara (Lei nº 3.752, de 14 de abril de 1960)38, possuindo a referida cidade-estado existência federativa distinta do restante do Estado do Rio de Janeiro. A fusão dos dois entes federativos somente ocorreu em 15 de março de 1975, por intermédio da Lei Complementar nº 20/1974, editada durante a presidência do general Ernesto Geisel. Por força da referida norma, o antigo Estado do Rio de Janeiro uniu-se ao Estado da Guanabara, passando os dois entes federativos a constituírem um estado unitário. Desde então, conserva o novo Estado do Rio de Janeiro a situação territorial que possuía antes da criação do Município Neutro da Corte Imperial, assumindo a cidade do Rio de Janeiro o papel de capital estadual. Como não poderia ser diferente, as circunstâncias históricas que marcaram o desenvolvimento deste estado acabaram por influenciar diretamente o processo original de criação e evolução da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Em virtude da divisão administrativa originalmente imposta pelo Império e posteriormente mantida pela República, a Defensoria restou inicialmente cindida em dois modelos distintos, que tiveram evolução legislativa paralela e apenas foram unificados em 1975: o primeiro criado pelo antigo Estado do Rio de Janeiro, e o segundo desenvolvido pelo Distrito Federal (e posteriormente mantido pelo Estado da Guanabara). Desse modo, para que seja feita uma análise histórica clara do desenvolvimento da Defensoria Pública no Rio de Janeiro, torna-se imprescindível realizar um estudo distinto destes dois sistemas paralelamente desenvolvidos. 1.2.1 Do modelo de Defensoria Pública implementado pelo Distrito Federal e posteriormente mantido pelo Estado da Guanabara
A origem da assistência judiciária na capital do país data de 8 de fevereiro de 1897, dia em que foi editado o Decreto nº 2.457, criando a Assistência Judiciária do Distrito Federal39. De acordo com o referido decreto, a assistência legal aos menos afortunados seria prestada por uma Comissão Central e por várias Comissões Seccionais, compostas por advogados nomeados anualmente para os cargos. Deve-se observar, portanto, que a atuação dos integrantes da assistência judiciária da capital se dava de maneira meramente episódica, não havendo ainda a estruturação de um órgão governamental permanente e organizado em carreira, com profissionais próprios e especializados.
Em 9 de janeiro de 1948, foi editada a Lei nº 216 dispondo sobre a “Composição do Ministério Público do Distrito Federal”, no atual município do Rio de Janeiro. Dando efetividade à Constituição de 1946, que já previa a assistência judiciária gratuita aos carentes (art. 141, § 35, da CF/1946), estabelecia o art. 1º da Lei nº 216/1948 que caberia à carreira inicial do Ministério Público a realização do atendimento judiciário dos juridicamente necessitados. Posteriormente, em 20 de julho de 1958, durante o governo do Presidente Juscelino Kubitscheck, restou disciplinado o “Código do Ministério Público do Distrito Federal” (Lei nº 3.434/1958). De acordo com o mencionado diploma legal, o serviço de assistência judiciária no Distrito Federal e nos Territórios deveria ser prestado pelo Ministério Público, que detinha incumbência de promover a “defesa dos interesses das pessoas definidas como pobres” (art. 3º, II). Nessa época, a carreira do Ministério Público era formada pelos cargos de Defensor Público, Promotor Substituto, Promotor Público, Curador e Procurador de Justiça (art. 44). O ingresso na carreira se dava por intermédio de concurso público de provas e títulos, sendo o candidato nomeado inicialmente para o cargo de Defensor Público (art. 45). Posteriormente, por força da antiguidade e do merecimento, os integrantes da carreira eram gradualmente promovidos, podendo chegar ao cargo de Procurador de Justiça (art. 51). Nota-se, assim, que a assistência judiciária seria prestada por ocupantes dos cargos iniciais da carreira do Ministério Público do Distrito Federal, que possuíam na época a denominação de Defensores Públicos. Outrossim, a atuação dos Defensores se encontrava adstrita à atividade jurisdicional, competindo-lhes basicamente promover a defesa dos réus nas ações penais e a proteção dos interesses dos menores e dos juridicamente pobres no juízo cível (arts. 40 a 43 da Lei nº 3.434/1958). Com a mudança do Distrito Federal para Brasília, este modelo de assistência foi mantido pelo recém-criado Estado da Guanabara, perdurando até a extinção dessa unidade federativa com a criação do novo Estado do Rio de Janeiro, em 1975. 1.2.2 Do modelo de Assistência Judiciária criado pelo antigo Estado do Rio de Janeiro
Paralelamente ao modelo de Defensoria Pública implementado no Distrito Federal e mantido, posteriormente, pelo Estado da Guanabara, foi pelo antigo Estado do Rio de Janeiro desenvolvido modelo legislativo autônomo de Assistência Judiciária. Primeiramente, por intermédio da Lei Estadual nº 2.188 de 21 de julho de 195440, foram criados seis cargos isolados de Defensores Públicos41, inseridos na estrutura administrativa da ProcuradoriaGeral da Justiça. Conforme salienta o professor JORGE LUÍS ROCHA, tratavam-se de cargos de provimento efetivo, sendo seus ocupantes nomeados por mera indicação do Poder Executivo42. Posteriormente, em 08 de dezembro de 1962, restou editada a Lei nº 5.111 (“Lei Orgânica do Ministério Público e da Assistência Judiciária”), atribuindo aos integrantes do Ministério Público o patrocínio gratuito, nos feitos cíveis e criminais, dos juridicamente necessitados. Por intermédio da referida norma, foi criado, no antigo Estado do Rio de Janeiro, o “Quadro do Ministério Público” que, à época, era constituído de duas letras: “A” e “B”. A letra “A” correspondia ao Ministério Público, em sentido estrito; a letra “B” correspondia à Assistência Judiciária. Como se observa, portanto, assim como no Distrito Federal (e posteriormente no Estado da
Guanabara), também no antigo Estado do Rio de Janeiro a Defensoria Pública se manteve originalmente inserida dentro da carreira do Ministério Público, sendo a assistência aos necessitados prestada por integrantes do parquet. Após a promulgação da Constituição Estadual de 1967, foi editado o Decreto-Lei nº 286, de 23 de maio de 1970, estruturando e organizando a Assistência Judiciária no antigo Estado do Rio de Janeiro. Segundo leciona JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, após o advento da mencionada lei, a Assistência Judiciária passou a caracterizar-se como “Órgão do Estado, destinado, nos termos do parágrafo 32, do artigo 153 da Constituição Federal, e artigo 199 da Constituição Estadual, a prestar patrocínio jurídico aos necessitados, sob o comando do Procurador-Geral da Justiça, chefe, igualmente, do Ministério Público”43. Originalmente a carreira era composta por 51 (cinquenta e um) cargos de Defensores Públicos de 3ª entrância, 18 (dezoito) cargos de Defensores Públicos de 2ª entrância e 16 (dezesseis) cargos de Defensores Públicos de 1ª entrância, com função de substituição (art. 4º, II, do DL nº 286/1970), além dos Defensores Públicos com função de Assessores, que atuavam junto à Procuradoria-Geral de Justiça (art. 4º, I, do referido Diploma Legal). Os Defensores Públicos ocupantes dos cargos isolados anteriormente criados por lei passaram a integrar a carreira como ocupantes dos cargos de 3ª entrância. Desse modo, a defesa dos juridicamente necessitados deixou de ser atribuição do Ministério Público e passou a ser incumbência dos integrantes da Assistência Judiciária, órgão com existência distinta à do MP, mas igualmente subordinado ao Procurador-Geral da Justiça. O sistema de organização da Assistência Judiciária restou aprimorado com a edição da Lei nº 6.958/1972, que criou a “Corregedoria da Assistência Judiciária”, nos mesmos moldes da criada para o Ministério Público, como órgão orientador e disciplinador dos aspectos técnicos e administrativos das funções exercidas pelos Defensores Públicos44. Este modelo jurídico-assistencial vigorou até a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, ocasião em que mostrou-se necessária nova regulamentação normativa com o objetivo de unificar os dois modelos de Defensoria vigentes nestes entes federados. 1.2.3 Da fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e da unificação do modelo de Defensoria Pública a partir de 1975
Com a unificação dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 15 de março de 1975 (Lei Complementar nº 20/1974), os dois modelos autônomos de assistência aos juridicamente necessitados precisavam de urgente e impostergável homogeneização. Tendo a cidade do Rio de Janeiro sido novamente incorporada ao restante do estado, não se poderia admitir a existência de duas espécies distintas de Defensores Públicos na mesma unidade federativa: a primeira compondo carreira autônoma junto à Assistência Judiciária (modelo implementado pelo antigo Estado do Rio de Janeiro, pelo Decreto-Lei nº 286/1970) e a segunda integrando os quadros do Ministério Público (modelo vigente no Estado da Guanabara, por força da Lei nº 3.434/1958). Essa dicotomia impedia a interligação do sistema vigente na capital com aquele implementado no restante do estado, além de tornar confusa a própria estrutura interna do Ministério Público.
Com o objetivo de solucionar este impasse, em 15 de março de 1975, foi editado o Decreto-Lei nº 11, organizando o Ministério Público e a Assistência Judiciária no novo Estado do Rio de Janeiro. Por intermédio desta norma, fez o legislador estadual expressa opção pelo modelo de assistência judiciária adotado pelo antigo Estado do Rio de Janeiro, “mantendo as instituições do Ministério Público e da Assistência Judiciária, organizadas independentemente, sob a chefia única do Procurador-Geral da Justiça, deixando-se de lado o inadequado sistema de assistência vigente no antigo Estado da Guanabara”45. Embora estivessem igualmente submetidos à Procuradoria-Geral de Justiça, possuíam o Ministério Público e a Assistência Judiciária existência autônoma, sendo sua estrutura interna regulamentada de forma independente (art. 3º do DL nº 11/1975). O Ministério Público deixou definitivamente de possuir a incumbência de defender os juridicamente pobres, sendo retirado de seu quadro funcional o cargo de Defensor Público. A Assistência Judiciária, por sua vez, passou a ser composta por um quadro funcional denominado “Quadro da Assistência Judiciária” (art. 50 do DL nº 11/1975), preenchido por Defensores Públicos integrantes da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª categorias. Outrossim, todas as funções institucionais atribuídas aos Defensores pela Lei nº 3.434/1958 e pelo Decreto-Lei nº 286/1970 foram incorporadas pelo Decreto-Lei nº 11/1975, unificando o trabalho desenvolvido no Estado da Guanabara e no antigo Estado do Rio de Janeiro (art. 51 do DL nº 11/1975). Além disso, os membros do Ministério Público, da Assistência Judiciária e da ProcuradoriaGeral da Justiça do antigo Estado do Rio de Janeiro, bem como os membros do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da Justiça do extinto Estado da Guanabara foram transferidos para o novo estado unificado, com os respectivos cargos e funções (art. 76 do DL nº 11/1975). Do mesmo modo, foram transferidos à Procuradoria-Geral da Justiça do novo Estado do Rio de Janeiro todos os bens e servidores destinados ao Ministério Público, à Assistência Judiciária e às Procuradorias-Gerais da Justiça dos antigos estados, agora unificados (art. 79 do DL nº 11/1975). Com isso, formou-se um sistema único de assistência aos juridicamente necessitados, homogeneizando os antagônicos sistemas paralelamente vigentes. Posteriormente, em 23 de julho de 1975, com a promulgação da nova Constituição Estadual do Rio de Janeiro, foi criado capítulo próprio para a Assistência Judiciária, atribuindo à Instituição a “postulação e defesa, em todas as instâncias, dos direitos dos juridicamente necessitados”46. Conforme leciona IDEEL COELHO DA SILVA, “a colocação da Assistência Judiciária a nível constitucional deveu-se à Emenda de autoria do então Deputado Alberto Francisco Torres, um batalhador incansável em favor da Instituição. Visava-se, então, que a Assistência Judiciária alcançasse segurança constitucional, segundo o modelo orgânico e disciplinar conferido ao Ministério Público, único tratamento capaz de lhe garantir a necessária independência funcional”47. Dois anos depois, restou editada a Lei Complementar nº 06/1977, dispondo sobre a organização da Assistência Judiciária e estabelecendo o regime jurídico de seus membros. Por intermédio dessa lei, restaram regulamentadas as atribuições, as garantias, as prerrogativas, os direitos, os deveres, as proibições e os impedimentos dos integrantes da Assistência Judiciária. Outrossim, foram traçadas as regras de composição e estruturação da carreira, bem como estabelecidas as funções a serem desempenhadas por cada um dos órgãos da Instituição48.
De acordo com HUMBERTO PEÑA DE MORAES e JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, “essa lei consolidou os princípios mais modernos e eficientes de estruturação de organismo público, destinado à prestação de assistência judiciária”49. Em 24 de junho de 1981, foi editada a Emenda Constitucional nº 16, alterando o art. 82, parágrafo único da Constituição Estadual e colocando a Assistência Judiciária sob a chefia do Secretário de Estado de Justiça50. Desse modo, deixou a Instituição de subordinar-se à ProcuradoriaGeral de Justiça, passando para a estrutura administrativa da Secretaria de Estado de Justiça, sob a chefia do respectivo secretário de Estado51. Ainda em 1981, com o advento da Lei Complementar nº 18, publicada no DO de 29.06.1981, foi criada a Coordenadoria da Assistência Judiciária, bem como readequados alguns dispositivos da LC nº 06/1977 às modificações trazidas pela EC nº 16. No ano seguinte, com a edição da Lei Estadual nº 635, de 20 de dezembro de 1982, nova conquista foi alcançada pela categoria, sendo instituído o “Dia do Defensor”, comemorado oficialmente no dia 19 de maio52. Com o advento da Lei Estadual nº 1.146, de 26 de fevereiro de 1987, foi fundado o Centro de Estudos Jurídicos da Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo realizar estudos de temas jurídicos de interesse da Instituição, promover cursos, seminários, palestras e, de um modo geral, promover o aprimoramento intelectual dos membros da carreira. Posteriormente, em 21 de julho de 1987, foi editada a Emenda Constitucional nº 37, desagregando a Assistência Judiciária da Secretaria de Estado de Justiça e criando a ProcuradoriaGeral da Defensoria Pública. Com a modificação da Constituição Estadual, garantiu-se autonomia política à Instituição, passando o chefe institucional a denominar-se “Procurador-Geral da Defensoria Pública”. Além disso, com a reforma trazida pela EC nº 37, operou-se a modificação da denominação atribuída à Instituição, passando a Assistência Judiciária a ser chamada de Defensoria Pública. Conforme destaca o professor PAULO GALLIEZ, com o brilhantismo que lhe é peculiar, “a substituição da expressão ‘Assistência Judiciária’ foi de suma importância para o crescimento institucional da Defensoria Pública, posto que essa não é a única modalidade de assistência que presta”53. Com o objetivo de adequar a LC nº 06/1977, aos novos dispositivos constantes da Constituição Estadual, foi editada a Lei Complementar nº 55/1989, substituindo-se as expressões “Assistência Judiciária” por “Defensoria Pública” e “Chefe da Assistência Judiciária” por “Procurador-Geral da Defensoria Pública”. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o modelo de Defensoria Pública vigente no Rio de Janeiro encontrou enquadramento simétrico na nova ordem constitucional, tendo em vista que a Instituição já se encontrava estruturada neste estado como organismo governamental dotado de autonomia política e desvinculado das demais carreiras jurídicas. Após a edição da LC nº 80/1994, a denominação jurídica do Chefe da Defensoria Pública restou modificada, deixando de ser chamado de Procurador-Geral da Defensoria Pública, para ostentar a denominação de Defensor Público Geral do Estado. Outrossim, o centro de competência administrativa da Defensoria Pública passou a chamar-se Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro.
Durante décadas, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro se apresentou como uma das mais bem estruturadas do país, servindo de parâmetro para a implementação dos serviços jurídicoassistenciais nos demais estados brasileiros. Deve-se observar que, embora tenham sido concluídas em 1595, durante o reinado de Filipe I, as Ordenações Filipinas apenas entraram em vigor após sua impressão em 1603, quando já reinava Filipe II. 2 Ordenações Filipinas, Livro III, Título LXXXIV, Parágrafo 10: “Em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de rais, nem por onde pague o aggravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma Del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como se pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o aggravo”. 3 Ordenações Filipinas, Livro I, Título XXIV, Parágrafo 43: “E quanto ao pagamento dos feitos dos presos pobres, que na Casa da Suplicação per nova aução se tratarem, ou per appellação, ou aggravo a ela vierem, se depois de finalmente serem desembargados, os ditos presos, ou outrem por eles não tirarem suas sentenças até dous mezes, contados do dia da publicação, por dizerem que são tão pobres, que não têm per onde pagar o salário aos Scrivães mandamos ao Chanceler da Casa, que fazendo elles certo de sua pobreza, mande contar os feitos; e tudo o que se achar per conta, que os ditos presos devem aos Scrivães de seu salário, e ao Procurador dos pobres (se por eles procurou), lhes mande pagar a metade de seus salários do dinheiro da Chancellaria da dita Casa. E per seus mandados fará o Recebedor da Chancellaria os pagamentos perante o Scrivão dela, para que serem levados em conta, e para a outra metade lhes ficará seus direito resguardado para a haverem dos ditos pobres, depois que tiverem per onde pagas.” 4 ROCHA, Jorge Luís. História da Defensoria Pública e da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 124. 5 RAMALHO, Joaquim Inácio. Praxe brasileira. Rio de Janeiro: s/ed., 1869, pág. 76, apud MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle T. da. Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984, pág. 82. 6 SOUZA, Mário Guimarães. O advogado. Rio de Janeiro: s/ed., 1935, pág. 312. 7 Art. 469 do Regulamento nº 120/1842: “Se o réo condemnado fôr tão pobre que não possa pagar as custas, o escrivão haverá metade dellas do cofre da camara municipal da cabeça do termo; ficando-lhe salvo o direito para haver a outra metade do mesmo réo, quando melhore de fortuna”. 8 ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 129. 9 Segundo defendia Nabuco de Araújo: “No estado actual da nossa legislação, e atendendo às despesas que uma demanda custa, pode-se dizer, sem medo de errar, que a igualdade perante a lei não é não uma palavra vã. Que importa ter direito, se não é possível mantelo? Se um outro pode vir privar-nos delle? Que importa ter uma reclamação justa, se não podemos apresentál-a e seguil-a por falta de dinheiro? A lei é, pois, para quem tem dinheiro, para quem pode suportar as despezas das demandas.” (NABUCO, Joaquim. Um estadista do império. Rio de Janeiro: s/ed., Tomo III, 1883, pág. 463/464) 10 COSTA, Sandra Regina S. Os limites da proteção: a defensoria pública do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CPDOCFGV, 2000, apud ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 124. 11 Deve-se observar que, de acordo com o art. 3º do Decreto nº 2.457/1897, não poderiam gozar do benefício da Assistência Judiciária “as corporações e associações de qualquer especie, nem tampouco o estrangeiro no civel, salvo quando houver reciprocidade de beneficio no paiz a que pertencer”. 12 As regras contidas no Decreto nº 2.457/1897 orientaram a criação do Livro I, Título VII, Capítulo II do CPC de 1939 (que dispõem acerca da justiça gratuita) e a edição da Lei nº 1.060/1950 (que regulamenta o direito à assistência judiciária e à justiça gratuita). 13 ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 138. 14 ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 139. 15 Art. 113 da CF/1934: “A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.” 16 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo, in Temas de Direito Processual – Quinta Série, São Paulo: Saraiva, 1994. 17 “Porém, apesar de tal determinação, a União jamais cumpriu o comando constitucional, e somente uns poucos Estados o fizeram.” (VITAGLIANO, Roberto. Defensoria Pública e estado democrático de direito, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1988, ano I, n.1, pág. 34) 18 Em São Paulo, a assistência judiciária passou a ser prestada por órgão próprio, criado pela Lei Estadual nº 2.497/1935, com atribuições apenas para a Comarca da Capital. O referido órgão denominava-se “Consultório Jurídico do Serviço Social” e fazia parte do Departamento de Assistência Social do Estado. Em 1939, a Lei Estadual nº 10.000, que organizou o Ministério Público de São Paulo, atribuiu ao parquet o dever de prestar a assistência judiciária aos necessitados, especialmente quando não houvesse advogados que 1
pudessem se incumbir de prestar o serviço. (LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Garantia de acesso à Justiça: assistência judiciária e seu perfil constitucional, in CRUZ E TUCCI, Rogério (org.). Garantias Constitucionais do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 78) 19 Art. 141 da CF/1946: “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (…) § 35 O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.” 20 O Decreto-Lei nº 2.131, de 2 de julho de 1947, regulamentado posteriormente pelo Decreto-Lei nº 2.481, de 23 de setembro daquele ano, instituiu o “Serviço de Assistência Judiciária” no Estado de Minas Gerais. 21 Em 9 de janeiro de 1948, foi editada, no antigo Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 216, estabelecendo que a assistência judiciária gratuita aos carentes seria prestada pelos integrantes da carreira inicial do Ministério Público. 22 Os serviços de assistência judiciária em Pernambuco foram organizados por intermédio da Lei Estadual nº 2.028, de 1º de janeiro de 1955. 23 MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência Judiciária. Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984, pág. 110. 24 Art. 150 da CF/1967: “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) § 32 Será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na forma da lei.” 25 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 1986, pág. 179. 26 Por intermédio da Emenda Constitucional nº 02, editada em 26 de abril de 1971, a Constituição do Estado do Acre restou alterada, atribuindo-se à Procuradoria-Geral daquela unidade federativa o dever de prestar assistência judiciária aos necessitados. 27 A assistência judiciária no Amazonas foi estabelecida pelo Decreto nº 7.004, de 09 de fevereiro de 1983, que criou o Departamento de Assistência Judiciária, no âmbito da Secretaria de Estado do Interior e Justiça. Antes disso, o encargo da prestação jurisdicional gratuita estava a cargo de “advogados de ofício” que foram transformados em consultores técnicos do poder executivo, por força da Lei nº 1.478, de 3 de dezembro de 1981. (ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 154) 28 Na Bahia, a assistência judiciária em matéria penal já havia sido oficialmente estabelecida pela Lei Estadual nº 2.315, de 15 de março de 1966, quando foram nomeados os primeiros Defensores Públicos, ainda vinculados ao Ministério Público. Posteriormente, em 28 de outubro de 1975, foi criada a Coordenação de Assistência Judiciária (CAJ), órgão originalmente vinculado à SETRABES (Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social), assumindo a incumbência de prestar a assistência jurídica e judiciária gratuitas para a população. Mais tarde, a Lei nº 4.856/1985 de 30 de dezembro de 1985, criou a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE), englobando membros atuantes na área criminal, vinculados ao Ministério Público do Estado da Bahia e à Procuradoria. Então, em maio de 1986, os monitores que prestavam serviço à CAJ foram abrangidos pela instituição e empossados como Defensores Públicos. 29 Em 22 de julho de 1977, no estado do Espírito Santo, foi editada a Lei nº 3.143, organizando a Procuradoria-Geral e fundando a Procuradoria da Assistência Judiciária. (ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 151) 30 No Mato Grosso do Sul, a assistência aos necessitados já se encontrava prevista na Constituição Estadual (art. 141, VII), desde a criação daquela unidade da Federação. No entanto, apenas em 1982, por intermédio da Lei nº 343, o estado organizou a Assistência Judiciária como um órgão do Poder Público, integrado ao Sistema Estadual de Justiça. (ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 154) 31 Em Minas Gerais, a Lei nº 3.314 criou o Serviço de Assistência Judiciária e a carreira de Advogado Judiciário. Posteriormente, na década de 1970, já sob a denominação de Procuradoria de Assistência Judiciária, a assistência judiciária do Estado mineiro passou a integrar a Secretaria de Interior e Justiça (Decretos nº 17.122 e nº 17.373). (ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 151) 32 A assistência judiciária no estado do Rio Grande do Sul remonta à segunda metade da década de 1960, época em que tal serviço integrava a Consultoria-Geral do Estado. Alguns anos mais tarde, a Consultoria passou a ser denominada de Procuradoria-Geral do Estado, incluindo em seu organograma a Unidade de Assistência Judiciária. 33 Deve-se observar que a previsão constante do art. 134 da CF/1988 remonta o velho art. 113, nº 32 da CF/1934. No entanto, nesta antiga Carta Política não havia a previsão específica de qual órgão seria o responsável pela assistência aos juridicamente necessitados, sendo apenas prevista a criação de “órgãos especiais” para esse fim. Nesse ponto a Constituição Federal de 1988 apresenta verdadeiro avanço, pois estabelece de forma específica a Defensoria Pública como instituição responsável pela orientação jurídica e a defesa dos necessitados. 34 O Ato Adicional, proclamado por lei em 12 de agosto de 1834, introduziu modificações fundamentais na Constituição de 1824. Por intermédio da referida lei, foram criadas Assembleias Legislativas provinciais (o que proporcionava maior autonomia para as Províncias), extinto o Conselho de Estado, instituída a regência una, mantida a vitaliciedade do Senado e transformada a cidade do Rio de Janeiro em município neutro da corte. 35 O Brasil teve como sua primeira capital a Cidade do São Salvador da Bahia de Todos os Santos, que foi sede da administração colonial até o ano de 1763, quando a capital foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro.
Note que a cidade de Niterói era então conhecida como “Vila Real da Praia Grande”, tendo sido reconhecida pelo Reino de Portugal em 1819. A denominação “Nictheroy”, que significa águas escondidas em tupi, apenas passou a ser utilizada em 1835, ano seguinte à sua elevação à condição de capital da província do Rio de Janeiro. 37 Art 4º do ADCT da CF de 1946: “A Capital da União será transferida para o planalto central do Pais. (…) § 4º Efetuada a transferência, o atual Distrito Federal passará a constituir o Estado da Guanabara.” 38 Estabelecia o art. 1º da Lei 3.752/1960 (Lei San Tiago Dantas): “art. 1º Na data em que se efetivar a mudança da Capital Federal, prevista no art. 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o atual Distrito Federal passará, em cumprimento do que dispõe § 4º do mesmo artigo, a constituir o Estado da Guanabara, com os mesmos limites geográficos, tendo por Capital e sede do Governo a Cidade do Rio de Janeiro.” 39 O Decreto nº 2.457/1897, em virtude de sua relevância histórica no desenvolvimento nacional da justiça gratuita e da assistência judiciária, restou analisado de maneira detalhada no item 1.1 deste capítulo. 40 Lei 2.188, de 21 de julho de 1954: “Art. 1º Ficam criados, no Quadro da Justiça, 6 (seis) cargos isolados de Defensor público, padrão ‘P’, cujos ocupantes deverão ser bacharéis em direito. Art. 2º Os ocupantes de defensor público, subordinados à Procuradoria Geral, funcionarão nas Comarcas para que forem designados sendo-lhes facultado o exercício da advocacia cível e criminal, respeitadas as restrições constantes do Regulamento Geral da Ordem dos Advogados. Art. 3º Entre as atribuições do defensor público se inclui a de advogado de ofício nas causas cíveis em que tenha sido deferida a Justiça Gratuita, cabendo aos juízes dos respectivos processos a designação do que de funcionar na forma da lei processual vigente e mais a de patrocinar em todas as instâncias, a defesa de acusados pobres e remis”. 41 Por ocasião da edição da Lei nº 2.188/1954, foram nomeados os seguintes Defensores para ocuparem os seis cargos criados pela referida lei estadual: Dr. José de Carvalho Leomil, Dr. Messias de Moraes Teixeira, Dr. Alcy Amorim da Cruz, Dr. Nelson Joaquim da Silva, Dr. Herval Basílio e Dr. Antônio Carlos Nunes Martins. 42 ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 07/08. 43 SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Op. cit. 44 SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Op. cit. 45 SILVA, Ideel Coelho da. Breve Histórico da Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, in Boletim da Defensoria Pública, ano II, julho de 1985, apud GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 17. 46 Constituição Estadual do Rio de Janeiro (1975): “Art. 82. A Assistência Judiciária é o órgão do Estado incumbido da postulação e da defesa, em todas as instâncias, dos direitos dos juridicamente necessitados, nos termos da lei. Parágrafo único. O Procurador-Geral da Justiça é o chefe da Assistência Judiciária. Art. 83. A Assistência Judiciária é organizada em carreira e os seus membros ingressarão nos cargos iniciais mediante concursos públicos de provas e títulos.” 47 SILVA, Ideel Coelho da. Op. cit. 48 “Assim, verifica-se que, a partir da instituição da carreira em 1970 com o Decreto-lei nº 286 até a Lei Complementar nº 06, em 1977, que lhe deu praticamente total autonomia administrativa, a assistência Judiciária, em curtíssimo espaço de tempo, passou a ombrearse com a secular instituição do Ministério Público.” (SILVA, Ideel Coelho da. Op. cit.) 49 MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Op. cit. 50 Art. 1º da Emenda Constitucional nº 16: “O parágrafo único, do artigo 82, da Constituição do Estado passa a vigorar com a seguinte redação: ‘O Secretário de Estado de Justiça é o Chefe da Assistência Judiciária’.” 51 ROCHA, Jorge Luís. Op. cit., pág. 63. 52 “No dia 19 de maio de 1303, faleceu, em França, Santo Ivo de Kermartin, doutor em Teologia, Direito, Letras e Filosofia, nascido em Kermartin, em 17 de outubro de 1253. Santo Ivo notabilizou-se, especialmente, por dedicar toda a sua erudição e cultura à defesa, nos tribunais, dos pobres, órfãos, viúvas e todos aqueles considerados desassistidos da fortuna. Exerceu funções oficiais de julgador em Rennes e, registra a História, oferecia os seus emolumentos e honorários aos pobres sendo incansável na busca da paz e da concórdia entre os litigantes. Patrono e modelo dos Advogados, entregou-se à defesa dos pobres e oprimidos contras os poderosos.” (SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Op. cit.) 53 GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 18. 36
CAPÍTULO 2
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A DEFENSORIA PÚBLICA
2.1 A POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO CONTEMPORÂNEO Visando evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do indivíduo, a Constituição Federal de 1988, seguindo a tradicional divisão de Poderes consagrada por Montesquieu, disciplinou criteriosamente a organização das funções do Estado (Título IV – “Da organização dos Poderes”), dividindo-as entre o Poder Legislativo (Capítulo I), o Poder Executivo (Capítulo II) e o Poder Judiciário (Capítulo III). Ao lado destes elementares Poderes Estatais, e dentro do mesmo Título IV, foi pela Carta Magna instituído um quarto complexo orgânico, intitulado “Funções Essenciais à Justiça” (Capítulo IV), compreendendo o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública. Dessa forma, constata-se que a Constituição Federal, ao organizar os Poderes Estatais, não se limitou às descentralizações tradicionais decorrentes da tripartição dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), sendo instituído um quarto complexo orgânico que, embora não possa ser definido como um quarto Poder, recebeu a seu cargo o exercício de uma quarta função política, ao lado da função legislativa, da executiva e da jurisdicional: a função de provedoria de justiça1. Trata-se de moderna disposição organizacional, decorrente da Evolução do Direito Político e da necessidade de criação de mecanismos de controle das funções estatais, garantindo-se o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e a perpetuidade incondicional do Estado Democrático de Direito (art. 3º-A da LC nº 80/1994)2. Note-se, portanto, que a Defensoria Pública não se encontra vinculada a nenhum dos Poderes Estatais, revelando-se errônea a afirmação de que a Instituição estaria integrada ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário. Em verdade, a Defensoria Pública caracteriza-se como uma instituição extrapoder, não dependendo de nenhum dos Poderes do Estado e não podendo nenhum de seus membros receber instruções vinculantes de qualquer autoridade pública3. Foi por essa razão que o legislador constituinte incluiu as funções essenciais à justiça em capítulo próprio (Capítulo IV), junto ao título dedicado aos Poderes do Estado. Se pretendesse vincular as funções essenciais à justiça a algum dos Poderes Estatais, o legislador constituinte as teria incluído em seção inserida dentro do capítulo destinado ao Poder Legislativo (Capítulo I), ao Poder Executivo (Capítulo II), ou ao Poder Judiciário (Capítulo III), e não em capítulo autônomo ao lado das funções executiva, legislativa e judiciária4. A colocação tópica e o conteúdo do capítulo destinado às “Funções Essenciais à Justiça”
revelam a renúncia por parte do constituinte em definir explicitamente a Defensoria Pública entre os Poderes do Estado, outorgando-lhe a necessária autonomia para que possa atuar de maneira ativa na defesa da ordem jurídica democrática do país5. Nesse sentido, defendendo a impossibilidade de vinculação das Defensorias Públicas estaduais a qualquer outra estrutura do Estado, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.569/PE, in verbis: (…) a vinculação da Defensoria Pública a qualquer outra estrutura do Estado se revela inconstitucional, na medida em que impede o pleno exercício de suas funções institucionais, dentre as quais se inclui a possibilidade de, com vistas a garantir os direitos dos cidadãos, agir com liberdade contra o próprio Poder Público. (STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 02-04-2007)
Outrossim, seguindo esta mesma linha de raciocínio, torna-se importante observar que, ao definirmos a Defensoria Pública como função essencial à justiça, é preciso ter em mente que a expressão justiça restou empregada pelo legislador constitucional em seu sentido mais amplo, garantindo uma extensiva atuação institucional junto à todos os Poderes Estatais, com o objetivo de preservar os valores constitucionalmente estabelecidos. A essencialidade à justiça, portanto, não se refere apenas à atuação perante o Poder Judiciário, meramente realizando a distribuição de ações e promovendo a defesa dos réus em juízo. O termo justiça deve ser analisado de maneira mais extensiva, permitindo a atuação da Defensoria Pública perante cada um dos Poderes do Estado, exigindo a realização do valor justiça por todos eles6. Corroborando este entendimento juspolítico da Defensoria Pública, manifestou-se o brilhante professor DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, em um dos mais primorosos artigos já publicados sobre o tema: A essencialidade à justiça não se deve entender que se refira apenas à ação que desempenham perante o Poder Judiciário, ou seja, perante a “Justiça” no sentido orgânico, mas, verdadeiramente, referida a todos os Poderes do Estado, enquanto diga respeito à realização do valor justiça por qualquer deles. Justiça está entendida, assim, no seu sentido mais amplo, condizente com todos os valores que deve realizar o Estado Democrático de Direito, como finalidade última do poder na vida social, sem nenhum qualificativo parcializante que possa permitir que se restrinja, de alguma forma, tanto o âmbito de atuação quanto a designação das advocacias dos interesses constitucionalmente garantidos. A essencialidade deve ser compreendida, em consequência, como qualidade das funções de controle que lhes cabe exercer (…). (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 23)
Para ilustrar a amplitude do trabalho desenvolvido pelos Defensores Públicos, basta lembrar que o art. 134 da CRFB atribui à Instituição a realização da “orientação jurídica” e da “defesa” dos necessitados em “todos os graus”, incluindo-se aqui a atuação institucional perante as instâncias administrativas7. Além disso, o art. 4º, II, da LC nº 80/1994 prevê como função institucional da Defensoria Pública a promoção prioritária da composição extrajudicial dos conflitos de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de solução de litígios. Com isso, em sendo identificada a atuação ilegal de qualquer estrutura estatal em detrimento de seus assistidos, pode o Defensor, no exercício de sua função constitucional de controle, atuar diretamente sobre a administração pública, priorizando a resolução extrajudicial do problema.
Isso ocorre diariamente nos núcleos de primeiro atendimento, por exemplo, nos casos de negativa de fornecimento de medicamentos pelo executivo municipal, estadual ou federal. Antes de realizar a propositura da competente ação judicial para compelir o poder público a fornecer os medicamentos necessários ao tratamento do enfermo, mostra-se comum realizar-se a expedição de ofício solicitando ao ente público responsável a concessão administrativa da medicação prescrita. Trata-se de hipótese de atuação direta da Defensoria Pública perante o poder executivo, visando garantir a observância da legalidade e o respeito a direito fundamental constitucionalmente estabelecido. No caso dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, também a atuação da Defensoria Pública não se encontra adstrita à esfera judicial. De acordo com o art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985, a Defensoria Pública e os demais órgãos públicos legitimados se encontram autorizados a celebrar Termos de Ajustamento de Conduta – TACs, solucionando extrajudicialmente o conflito de interesses, de modo a evitar a desnecessária propositura da Ação Civil Pública ou Coletiva8. Percebe-se, portanto, que o trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública não se encontra adstrito à atuação perante o Poder Judiciário. A própria disposição topográfica da Instituição na Constituição Federal revela a intenção do legislador originário de outorgar-lhe amplitude para que exerça, de forma plena e desimpedida, o controle sobre a atuação de cada um dos Poderes Estatais9. É claro que, na grande maioria dos casos, o exercício da função de controle se dará mediante a provocação do Poder Judiciário, até porque este é o responsável por garantir a observância da legalidade nos atos públicos. No entanto, isso não significa que a Defensoria Pública esteja limitada à atuação jurisdicional ou impedida de atuar diretamente perante os demais Poderes do Estado. Manifestando-se nesse sentido, temos o posicionamento do ilustre professor SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, in verbis: Não nos deixemos impressionar com a ênfase que alguns dispositivos desse Capítulo IV atribuem ao relacionamento da atividade dessas instituições com a função jurisdicional (cf.artigos 127, 131, 132 e 134). É claro que a justiça, mesmo a abrangente, a compreensiva, se faz, em grande parte, mediante a provocação e a prestação da função jurisdicional. Mas não só através desse meio. E tanto é assim, que a atuação dessas instituições se desenvolve, também, em face de outros Poderes. (FERREIRA, Sérgio de Andréa. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991. 3º v. págs.12/13)
Por fim, importante observar que a Defensoria Pública representa o elo fundamental entre a sociedade e o Estado, servindo como instrumento constitucional de transformação social e de implementação democrática de um regime socialmente mais justo10. Dessa forma, a ideia de essencialidade à justiça deve também se ensanchar para abranger a noção de justiça social, garantindo a difusão igualitária da cidadania (art. 3º, III, da CRFB, c/c o art. 3º, I, da LC nº 80/1994). 2.2 A DEFENSORIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRATIZAÇÃO E UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA “Deixai toda a esperança, vós que entrais”. A frase lapidada em A Divina Comédia de DANTE ALIGHIERI11 reflete a realidade da justiça brasileira décadas atrás. Os menos afortunados simplesmente não tinham acesso à prestação jurisdicional, tendo em vista os altos custos do processo e a inexistência dos Juizados de pequenas causas, criados somente no ano de 1984. A população, ao
buscar as repartições públicas, era direcionada a inúmeros setores sem que seus problemas fossem efetivamente solucionados. O serviço de advocacia era caro e não permitia o amplo acesso das classes menos favorecidas. A Defensoria Pública ainda estava se aparelhando, sendo certo que em alguns Estados-membros o serviço jurídico-assistencial público sequer havia sido estruturado. Cansados de caminhar em círculos sem alcançar a solução para os problemas diuturnos, o cidadão acabava deixando o seu direito de lado, diante da fadiga, da falta de informação e da deficiência do serviço público. Ao longo dos anos, muito se discutiu acerca dos obstáculos existentes no caminho para a prestação jurisdicional estatal: os custos e o tempo de duração dos processos, a ausência de instituições capazes de assegurar assistência judiciária aos menos favorecidos e a tutela de direitos coletivos. Em abordagem nova e compreensiva dos problemas relacionados ao acesso efetivo à justiça nas sociedades contemporâneas, os professores MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH desenvolveram notável e prestigiado estudo12, no qual realizam a análise comparativa dos problemas da justiça em mais de 30 países, catalogando seus principais obstáculos e quais mecanismos foram implementados na tentativa de solucionar esses impasses. Dentre os principais problemas relacionados ao acesso à justiça são indicados os altos custos para o início e prosseguimento de um processo (despesas judiciais e honorários) e a consequente inviabilidade do direito de ação. Além disso, restou indicada também a dificuldade em se solucionar as causas de menor complexidade em tempo razoável, o que poderia conduzir os litigantes a celebrarem acordos ruins a fim de concluir rapidamente a lide posta em juízo. O próprio desenrolar do rito processual, que tem por escopo a manutenção da segurança e da ordem jurídica, acaba sendo visto pelo leigo como um instrumento de desserviço. O tempo de duração de uma demanda judicial, diante da infinidade de recursos e incidentes processuais acaba se revelando como alguns dos diversos obstáculos à entrega da prestação jurisdicional. É bem verdade que fatores econômicos também se apresentam como obstáculos ao acesso à justiça, uma vez que a disparidade financeira entre as partes causa um desequilíbrio na relação processual. Nem todos podem arcar com os altos custos dos recursos, da produção de determinadas provas e até mesmo da constituição de advogados. O litígio habitual, uma verdadeira praga da sociedade moderna, também emperra a máquina estatal, haja vista a existência de indivíduos que se utilizam do judiciário para obter indenizações pelas mais infundadas razões. A tutela dos direitos difusos também é encarada como obstáculo, haja vista que a ausência de mecanismos capazes de tutelar questões coletivas desestimula as partes a percorrerem individualmente o caminho do judiciário para satisfação de suas pretensões. Em muitas situações, o custo individual de uma demanda não compensaria a obtenção do resultado final da lide. Entretanto, em uma demanda coletiva, tal argumentação poderia ser sobreposta, pois em uma única demanda diversos interessados seriam alcançados. Diante de toda essa problemática, os professores MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH observam que o processo evolutivo dos variados instrumentos utilizados para solucionar os obstáculos do acesso à justiça está sedimentado em três grandes ondas renovatórias. A primeira
delas, referente à assistência judiciária aos pobres, revela a necessidade de órgãos encarregados de prestar assistência aos menos afortunados, patrocinando os direitos desta parcela humilde da população. A segunda onda renovatória, por sua vez, se relaciona com a superação dos problemas inerentes à representação e defesa dos direitos “difusos” em juízo, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor13. Por fim, a terceira onda renovatória expõe o problema dos procedimentos judiciais, seus custos e seu tempo de duração, sendo formuladas propostas alternativas, como a prevalência da oralidade e a concentração dos ritos processuais; a redução dos custos do processo, seja pela supressão das custas processuais e da taxa judiciária ou pela instituição de órgãos jurisdicionais autônomos que possam solucionar questões de pequenas causas de modo gratuito; a adoção de métodos alternativos de solução de conflitos como a arbitragem, já incorporada no Brasil pela Lei nº 9.307/1996; a conciliação prevista no Código de Processo Civil e na Lei nº 9.099/1995, com reflexos no procedimento criminal (composição civil dos danos nos Juizados Especiais Criminais); a mediação, ainda não incorporada ao direito pátrio, mas já discutida no Congresso Nacional14. Dentro dessa perspectiva, a institucionalização e o fortalecimento da Defensoria Pública constituem vertentes de materialização da primeira onda renovatória, garantindo a democratização e a universalização do acesso à ordem jurídica justa. “Recuperai toda a esperança, vos que entrais”. Nossa atual realidade permite colocar nas portas das Defensorias Públicas do país uma releitura da frase cunhada por DANTE ALIGHIERI, que apenas reflete o acolhimento institucional dos necessitados. 2.3 DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO CLÁUSULA PÉTREA E NORMA DE REPETIÇÃO OBRIGATÓRIA PELAS CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS O poder constituinte representa a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado15. Em linhas gerais, o poder constituinte pode ser dividido em duas espécies: (i) poder constituinte originário (ou competência constituinte de 1º grau); e (ii) poder constituinte derivado (ou competência constituinte de 2º grau). O poder constituinte originário é o responsável pela criação da nova ordem constitucional. Por não estar subordinado ao Direito positivo pré-existente e por constituir a base do ordenamento jurídico, o poder constituinte originário se qualifica como autônomo e inicial. Relevante consignar, no entanto, que contemporaneamente o poder constituinte originário não pode ser tecnicamente qualificado como ilimitado e incondicionado, pois encontra limitações e condicionamentos na realidade fática e no direito suprapositivo. Nesse sentido, leciona o professor LUÍS ROBERTO BARROSO, com sua peculiar didática: É fora de dúvida que o poder constituinte é um fato político, uma força material e social, que não está subordinada ao Direito positivo preexistente. Não se trata, porém, de um poder ilimitado ou incondicionado. Pelo contrário, seu exercício e sua obra são pautados tanto pela realidade fática como pelo Direito, âmbito no qual a dogmática pós-positivista situa os valores civilizatórios, os direitos humanos e a justiça. Contemporaneamente, é a observância de critérios básicos de justiça que diferencia o direito do “não direito”. A força bruta não se legitima apenas pela circunstância de se travestir da forma constitucional. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 133)
Todavia, a efetividade desses limites sempre encontra dificuldades na realidade prática, haja
vista o conhecimento convencional no sentido de que a obra do poder constituinte originário não comporta controle judicial. Por essa razão, normalmente a concretização desses limites precisará ser afirmada no plano da legitimidade e não no plano da legalidade16. O poder constituinte derivado, por sua vez, dimana da própria ordem constitucional, estando juridicamente subordinado e procedimentalmente condicionado às prescrições impostas pelo constituinte originário. Por constituir competência juridicamente vinculada, o poder constituinte derivado conhece limitações constitucionais expressas e implícitas, sendo passível de controle de constitucionalidade. Em essência, o poder constituinte derivado pode ser dividido em duas subespécies: (a) poder constituinte derivado reformador; e (b) poder constituinte derivado decorrente. O poder constituinte derivado reformador denota a possibilidade de serem realizadas alterações ao texto constitucional, de modo a garantir sua perene adaptação à evolução histórica, às mudanças da realidade e às novas demandas sociais (art. 60 da CRFB). Embora possua vocação de permanência, a ordem constitucional não pode permanecer eternamente imutável, sob pena de perder sintonia com seu tempo e de ser derrotada pela realidade. Por isso, o poder constituinte originário instituiu mecanismos de reforma constitucional, conferindo capacidade adaptativa às suas prescrições normativas. Essa atividade reformadora, porém, deve sempre respeitar as condições e os limites impostos pelo poder constituinte originário. O poder constituinte derivado decorrente, por outro lado, designa a competência dos Estadosmembros para realizarem sua auto-organização por meio das respectivas constituições estaduais. Desse modo, o poder constituinte derivado decorrente atua em caráter de complementariedade, perfazendo a obra do constituinte originário no âmbito estadual, sempre respeitando os princípios impostos pela Constituição Federal (art. 25 da CRFB). 2.3.1 Das limitações impostas ao poder constituinte derivado reformador e do reconhecimento da Defensoria Pública como cláusula pétrea
O poder constituinte originário, ao prever a possibilidade de alteração das normas constitucionais através de processo legislativo especial e mais dificultoso que o ordinário, qualificou a Constituição da República Federativa do Brasil como rígida, estabelecendo a ideia de supremacia da ordem constitucional17. Essas formalidades para produção e alteração das normas constitucionais são importantes para a consolidação de sua eficácia, pois se pudessem ser modificadas sem qualquer processo legislativo especial, restaria comprometida a produção concreta de seus efeitos18. No exercício do poder constituinte derivado reformador, o Congresso Nacional se encontra submetido a duas espécies de limitações constitucionais: (i) limitações expressas; e (ii) limitações implícitas. As limitações expressas, por sua vez, restam subdivididas em três subespécies: (a) circunstanciais; (b) materiais; e (c) formais. Os limites circunstanciais impedem a realização de modificações no texto constitucional em momentos de anormalidade institucional, de modo a prevenir a ocorrência de perturbações na liberdade e na independência dos órgãos incumbidos da reforma. Desse modo, o art. 60, § 1º, da
CRFB determina que “a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. As limitações materiais, por seu turno, procuram preservar o núcleo imodificável da Constituição Federal. De acordo com o art. 60, § 4º, da CRFB, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Essas matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, tradicionalmente denominado como “cláusulas pétreas”. Importante observar que o dispositivo constitucional não proíbe apenas as emendas que expressamente suprimam as matérias contidas nas cláusulas de intangibilidade; a vedação impede qualquer espécie de erosão do conteúdo substantivo das matérias protegidas. Essas cláusulas traduzem o esforço do constituinte em assegurar a identidade constitucional, evitando que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança no núcleo das decisões políticas e dos valores fundamentais sedimentados na Constituição Federal. As limitações formais resultam diretamente da rigidez constitucional, que demanda a existência de procedimento específico para a realização de reformas constitucionais, que deve ser mais complexo do que o procedimento adotado para a aprovação da legislação ordinária. Segundo determina o art. 60 da CRFB, a Constituição Federal apenas poderá ser objeto de emenda por proposta de iniciativa: de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do Presidente da República; de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Apresentada a proposta, a matéria será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 60, § 2º). Sendo aprovada, a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem (art. 60, § 3º)19. Relevante consignar, ainda, que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5º). Por fim, por intermédio das limitações implícitas são vedadas modificações que alterem: (a) o titular do poder constituinte originário; (b) o titular do poder constituinte derivado reformador; (c) a norma constitucional que prevê as limitações expressas; e (d) o procedimento que disciplina a reforma constitucional. Se essas matérias pudessem ser mudadas, de nada adiantaria estabelecer vedações ao poder de reforma.
Realizada a análise das limitações impostas ao poder constituinte derivado reformador, surge a seguinte questão: poderia a Defensoria Pública ser suprimida do texto constitucional por intermédio de eventual reforma realizada na Constituição Federal? Dentro do constitucionalismo contemporâneo, a Defensoria Pública assume posição de significativa importância na efetivação dos direitos fundamentais individuais e coletivos. O direito à assistência jurídica estatal gratuita aos necessitados resta inserido no rol de direitos fundamentais protegidos pelo art. 60, § 4º, da CRFB, deixando clara a intenção do legislador em assegurar o perene e igualitário acesso à justiça. Por conseguinte, o próprio legislador quis estabelecer no art. 134 da CRFB o monopólio da assistência jurídica estatal gratuita nas mãos da Defensoria Pública. Essas duas considerações nos levam a observar que, sendo o serviço de assistencia jurídica estatal gratuita insuscetível de extinção e sendo conferida à Defensoria Pública o seu monopólio, a proteção concedida ao art. 5º, LXXIV, também deve ser estendida ao próprio art. 134 da CRFB. Na verdade, para os carentes e necessitados, que compõem a grande maioria da sociedade brasileira, a Defensoria Pública funciona como instrumento de concretização de todos os direitos e liberdades constitucionais. Tanto que a própria existência constitucional da Defensoria Pública restou expressamente associada pelo art. 134 da CRFB ao direito fundamental à assistência jurídica estatal gratuita. Justamente por isso, a Defensoria Pública recebeu do constituinte originário o qualificativo de “função essencial à justiça” (Título IV, Capítulo IV), sendo considerada “instituição essencial à função jurisdicional do Estado” (art. 134 da CRFB). Seguindo a acepção lexicográfica do termo “essencial”, a Defensoria Pública deve ser compreendida como parte necessária ou indispensável da ordem constitucional. Afinal, sem a atuação permanente e efetiva da Defensoria Pública, os direitos fundamentais de milhões de pessoas
hipossuficientes restariam desprovidos de toda e qualquer proteção jurídica, constituindo simples palavras lançadas no papel. Por constituir garantia instrumental que materializa todos os direitos fundamentais e assegura a própria dignidade humana, a Defensoria Pública deve ser considerada requisito necessário ou indispensável do sistema constitucional moderno, integrando o conteúdo material da cláusula pétrea estabelecida no art. 60, § 4º, IV, da CRFB20. Em razão de sua importância e de sua essencialidade na preservação igualitária da ordem jurídico-constitucional, a Defensoria Pública constitui parte integrante da identidade política, ética e jurídica da Constituição Federal, estando sua existência e suas características elementares permanentemente preservadas da ação erosiva do poder constituinte derivado reformador. Seguindo essa linha de posicionamento, o professor FELIPE CALDAS MENEZES sustenta que a Defensoria Pública seria considerada cláusula pétrea por instrumentalizar a garantia constitucional da assistência jurídica integral e gratuita, tendo sido esse posicionamento encampado pelo art. 1º da LC nº 80/1994 (com redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009): Outra inovação importante do conceito de Defensoria Pública que merece destaque é a sua qualificação como Instituição permanente. Fazendo-se um comparativo entre a redação do art. 134 e a do art. 127, relativo ao Ministério Público, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pode-se notar a ausência da palavra permanente no primeiro dispositivo. Seria, então, possível concluir que a Defensoria Pública poderia ser extinta por Emenda Constitucional? Mesmo antes da nova redação do art. 1º da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, havia posicionamento em sentido negativo tanto da doutrina quanto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em razão de a garantia constitucional da assistência jurídica integral e gratuita instrumentalizar-se por meio desta Instituição (art. 134 c/c art. 5º, inciso LXXIV), sendo, portanto, cláusula pétrea a própria existência da Defensoria Pública (art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). O legislador infraconstitucional encampou este posicionamento incluindo a expressão permanente no conceito do art. 1º da Lei Complementar nº 80/1994, após a redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009. Ademais, a qualificação pelo legislador complementar da Instituição como expressão permanente e instrumento do regime democrático deixa ainda mais evidente o seu caráter permanente, posicionamento que ganha força ainda maior para aqueles que consideram haver vedação, ainda que implícita, da alteração do referido regime (art. 1º, caput da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). (MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e específicas relativas à organização da Defensoria Pública da União. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 137/138)
Importante compreender, ainda, que ao disciplinar a organização dos Poderes Estatais, o constituinte originário não se limitou às descentralizações tradicionais decorrentes da tripartição dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), sendo instituído um quarto complexo orgânico intitulado “Funções Essenciais à Justiça” (Capítulo IV), compreendendo o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública. Por intermédio dessa moderna disposição organizacional, a Constituição Federal colocou a cargo da Defensoria Pública o exercício de uma quarta função política, ao lado da função legislativa, da executiva e da jurisdicional: a função de provedoria de justiça. Desse modo, o constituinte originário considerou a Defensoria Pública tão imprescindível à existência do Estado Democrático de Direito quanto o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Além disso, por integrar um quarto complexo orgânico e por exercer uma quarta função política,
a Defensoria Pública se submete ao mesmo princípio de harmonia e independência entre as manifestações de Poder do Estado (art. 2º da CRFB), estando alcançada pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, III da CRFB. Assim, do mesmo modo que o Poder Legislativo, no exercício da competência constituinte reformadora, não pode suprimir o Poder Executivo ou o Poder Judiciário, também não pode mutilar, enfraquecer ou diminuir a Defensoria Pública. Nesse sentido, leciona o professor DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, in verbis: A Constituição brasileira de 1988, ao organizar o Poder Estatal, não se limitou, como o fizeram as anteriores, às descentralizações tradicionais entre os complexos orgânicos denominados de Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, instituindo um quarto complexo orgânico que, embora não conformando um quarto Poder, recebeu a seu cargo a função essencial de provedoria de justiça perante todos os demais Poderes do Estado. Repise-se que o legislador constitucional não as instituiu como funções “auxiliares”, dispensáveis ou substituíveis, mas como funções “essenciais”, no sentido de serem tão imprescindíveis à existência do Estado Democrático de Direito quanto qualquer das demais do mesmo Título IV, o que as submete ao mesmo princípio de harmonia e independência entre as manifestações de Poder do Estado, consubstanciado no art. 2º, da Constituição, e alçado à cláusula pétrea, no art. 60, § 4º, III. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça, Revista de Direito da Defensoria Pública. Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 22)
Relevante consignar que o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados distintos, já teve a oportunidade de reconhecer e de reafirmar a essencialidade da Defensoria Pública no quadro juspolítico contemporâneo: Defensoria pública. Relevância. Instituição permanente essencial à função jurisdicional do estado. O defensor público como agente de concretização do acesso dos necessitados à ordem jurídica. A Defensoria Pública, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por essa razão que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconsequente pelo Poder Público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas – carentes e desassistidas –, que sofrem inaceitável processo de exclusão jurídica e social, depende da adequada organização e da efetiva institucionalização desse órgão do Estado. De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apoiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República. Direito a ter direitos: uma prerrogativa básica, que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades. Direito essencial que assiste a qualquer pessoa, especialmente àquelas que nada têm e que de tudo necessitam. Prerrogativa fundamental que põe em evidência – cuidando-se de pessoas necessitadas (CF, art. 5º, LXXIV) – a significativa importância jurídico-institucional e político social da Defensoria Pública. (STF – Pleno – ADI nº 2903/PB – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 01-12-2005) A Defensoria Pública se revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/1988). Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não convive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira. (STF – Pleno – ADI nº 3700/RN – Relator Min. Carlos Britto, decisão: 15-10-2008)
Por fim, devemos salientar que o caráter intangível da Defensoria Pública restou expressamente reconhecido pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, ao analisar a constitucionalidade da Proposta de Emenda Constitucional nº 12/2007, in verbis: No que concerne à análise material da proposição em comento, isto é, a sujeição de seu objeto às cláusulas constitucionais imutáveis – as denominadas cláusulas pétreas – impõe-se ressaltar que a prestação da assistência jurídica, integral e gratuita encontra-se no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, protegida pela
cláusula pétrea do inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60 da Carta Magna. Desse modo, qualquer alteração que possa ameaçar tal direito fundamental, ainda que por Proposta de Emenda Constitucional, deve ser rejeitada, especialmente quando enfraquece a instituição Defensoria Pública, órgão estatal que efetiva o acesso à justiça no modelo atual e ampliado pela Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 45/2004). (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Relator Dep. Valtenir Pereira, emissão: 16-07-2008) 2.3.2 Das limitações impostas ao poder constituinte derivado decorrente e do reconhecimento da Defensoria Pública como norma de repetição obrigatória pelas Constituições Estaduais
A Constituição Federal assegura autonomia aos Estados-membros, consubstanciada na capacidade de auto-organização, de autolegislação, de autogoverno e de autoadministração. Como primeiro elemento da autonomia estadual, a capacidade de auto-organização se concretiza por meio do exercício do poder constituinte derivado decorrente, caracterizado pela edição das Constituições Estaduais (art. 25 da CRFB). Por dimanar do originário, o poder constituinte derivado decorrente resta limitado pela zona de determinações e pelo conjunto de restrições contidos na Constituição Federal. Segundo estabelece o art. 25, in fine, da CRFB, a atividade constituinte dos Estados-membros deve observar os princípios previstos na Constituição Federal: Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
Embora o dispositivo não indique expressamente quais seriam esses princípios, a pesquisa do texto constitucional indica a existência de três grupos distintos de princípios que circunscrevem a atuação do constituinte estadual: (i) os princípios constitucionais sensíveis; (ii) princípios federais extensíveis; e (iii) os princípios constitucionais estabelecidos. Os princípios constitucionais sensíveis dizem respeito basicamente à organização dos poderes governamentais dos Estados, sendo assim denominados porque sua inobservância pelos Estadosmembros, no exercício de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado Federal, a intervenção na autonomia política. De acordo com o art. 34, VII da CRFB, são considerados princípios constitucionais sensíveis: (a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; (b) direitos da pessoa humana; (c) autonomia municipal; (d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e (e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. Os princípios federais extensíveis, por sua vez, são aqueles que integram a estrutura da federação brasileira21, sendo qualificados como normas centrais comuns à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios22. Por fim, os princípios constitucionais estabelecidos podem ser definidos como “regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama pesquisa no texto da Constituição”23. Doutrinariamente, essas limitações podem ser divididas em três grupos: (a) limitações expressas; (b) limitações implícitas; e (c) limitações decorrentes do sistema constitucional24.
Dentro das limitações expressas de caráter mandatório, encontra-se inserida a determinação categórica que obriga o Estado-membro a dispor, em sua estrutura constitucional, sobre a organização da Defensoria Pública, observando as características, atribuições, direitos e garantias constantes dos arts. 134 e 135 da CRFB. Nesse sentido, ensina o professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, in verbis: Limitações expressas ao Constituinte Estadual – São consubstanciadas em dois tipos de regras: umas de natureza vedatória e outras, mandatórias. As primeiras proíbem explicitamente os Estados de adotar determinados atos ou procedimentos, tais como as dos arts. 19, 150 e 152, intervir nos Municípios, salvo ocorrência de um dos motivos estritamente considerados no art. 35, mas terá que regular o processo de intervenção, nas hipóteses possíveis, ao teor do art. 36. As mandatórias consistem em disposições que, de maneira explícita e direta, determinam aos Estados a observância de princípios, de sorte que, na sua organização constitucional e normativa, hão que adotá-los, o que importa confranger sua liberdade organizatória aos limites positivamente determinados; assim, por exemplo, o Constituinte Estadual tem que dispor: (…) sobre a organização da Defensoria Pública com as atribuições, direitos e garantias constantes dos arts. 134 e 135. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 613/614)
Desse modo, os Estados-membros não possuem a faculdade de optar pela instituição e manutenção da Defensoria Pública, estando submetidos à determinação constitucional explícita que previamente impõe a criação do serviço jurídico-assistencial público em âmbito estadual25. Além disso, a organização estrutural da Defensoria Pública em âmbito estadual deve seguir o parâmetro normativo delineado pelos arts. 134 e 135 da CRFB, sendo vedado ao poder constituinte derivado decorrente realizar a implementação de modelo jurídico-assistencial público diverso daquele previsto pelo poder constituinte originário. Se os Estados-membros, no exercício de sua capacidade de auto-organização, deixarem de realizar a previsão normativa da Defensoria Pública em suas respectivas Constituições Estaduais ou realizarem essa previsão de maneira diversa daquela estabelecida pela Constituição Federal, estarão incidindo em inegável inconstitucionalidade material. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição Estadual de Santa Catarina, que determinava que Defensoria Pública seria “exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita”, organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Santa Catarina (OAB/SC). De acordo com o STF, o modelo modelo jurídicoassistencial público previsto na referida norma constitucional estadual seria absolutamente diverso daquele previsto no art. 134 da CRFB, representando “grave desrespeito a uma ordem do constituinte, que não se limitou à exortação genérica do dever de prestar assistência judiciária, mas descreveu, inclusive, a forma que deve ser adotada na execução desse serviço público, não dando margem a qualquer liberdade por parte do legislador estadual”. Com base nesse fundamento, a ADI nº 4.270/SC restou julgada procedente, sendo reconhecida a inconstitucionalidade do art. 104 da CESC e admitida a continuidade dos serviços prestados pelo Estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB/SC pelo prazo máximo de um ano da data do julgamento da referida ação, ao fim do qual deveria estar estruturada e em funcionamento a Defensoria Pública daquela unidade federada, seguindo o modelo delineado pela Constituição Federal: Art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina. Lei complementar estadual 155/1997. Convênio com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) para prestação de serviço de “defensoria pública dativa”. Inexistência, no Estado de Santa Catarina, de órgão estatal destinado à orientação jurídica e à defesa dos necessitados. Situação institucional que configura
severo ataque à dignidade do ser humano. Violação do inc. LXXIV do art. 5º e do art. 134, caput, da redação originária da Constituição de 1988. Ações diretas julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade do art. 104 da constituição do Estado de Santa Catarina e da lei complementar estadual 155/1997 e admitir a continuidade dos serviços atualmente prestados pelo Estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB/SC pelo prazo máximo de 1 (um) ano da data do julgamento da presente ação, ao fim do qual deverá estar em funcionamento órgão estadual de defensoria pública estruturado de acordo com a Constituição de 1988 e em estrita observância à legislação complementar nacional (LC 80/1994). (STF – Pleno – ADI nº 4270/SC – Relator Min. Joaquim Barbosa, decisão: 14-03-2012)
2.4 DA AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA Como função essencial à justiça, possui a Defensoria Pública a incumbência constitucional de proteger os interesses das pessoas afligidas pelo injusto estigma da exclusão social, garantindo-lhes a efetiva proteção contra eventuais violações comissivas ou omissivas de seus direitos. No entanto, para que possa exigir a observância do valor justiça, seja pelo Estado seja por entidades privadas, necessita a Defensoria Pública de instrumentos que lhe garantam liberdade de atuação, protegendo-a contra eventuais ingerências políticas ou represálias administrativas e financeiras. Não se pode esquecer que a defesa dos direitos dos menos favorecidos, muitas vezes, colide com os interesses dos ocupantes dos cargos políticos e das grandes empresas que financiaram suas campanhas eleitorais. Por essa razão, necessita a Defensoria Pública de autonomia em relação às demais funções estatais, garantindo-se que o seu objetivo fundamental de proteção dos necessitados não seja desviado por interesses governamentais paralelos26. Neste tópico, passaremos a analisar as peculiaridades legislativas referentes à autonomia constitucional e infraconstitucional das Defensorias Públicas dos Estados, da Defensoria Pública do Distrito Federal e da Defensoria Pública da União. 2.4.1 Do reconhecimento constitucional da autonomia funcional, administrativa e financeira das Defensorias Públicas dos Estados (EC nº 45/2004), da Defensoria Pública do Distrito Federal (EC nº 69/2012) e da Defensoria Pública da União (EC nº 74/2013)
Com o advento da EC nº 45/2004, passou o art. 134, § 2º, da Constituição Federal a assegurar às Defensorias Públicas dos Estados sua necessária autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária, obedecendo-se os limites estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias: Art. 134, § 2º, da CRFB: Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.
Inicialmente, portanto, a Emenda Constitucional nº 45/2004 formalizou a previsão da autonomia funcional e administrativa apenas em relação às Defensorias Públicas dos Estados, razão pela qual a doutrina tradicional vinha afastando essas características em relação à Defensoria Pública da União e à Defensoria Pública do Distrito Federal27. No entanto, realizando a análise sistemática da Carta Magna, se revelava incompreensível a exclusão operada pelo constituinte reformador, não havendo qualquer razão jurídica que fundamentasse a quebra da isonomia institucional entre os diversos ramos da Defensoria Pública.
Afinal, o único fator que separa as diversas ramificações estruturais da Defensoria Pública é a distribuição constitucional de atribuições, não havendo qualquer elemento distintivo adicional. Na verdade, a autonomia institucional da Defensoria Pública constitui decorrência lógica de sua própria função constitucional. Como função essencial à justiça (Título IV, Capítulo IV da CRFB), a Defensoria Pública encontra-se encarregada da irrenunciável missão constitucional de exercer o controle das funções estatais, neutralizando o abuso e a arbitrariedade emergentes da luta de classes28. Desse modo, para que possa atuar de maneira ativa na defesa da ordem jurídica democrática do país, torna-se imprescindível que os membros da Instituição possuam a necessária autonomia em relação aos demais Poderes do Estado. Não só autonomia funcional, mas autonomia administrativa e financeira, evitando-se pressões indiretas e retaliações orçamentárias indevidas por parte das demais estruturas estatais, em resposta à eventual e incômoda atuação dos Defensores. Conforme leciona o professor PAULO GALLIEZ, com sua peculiar argúcia: (…) havendo conveniência por parte do Estado na manutenção da pobreza, o trabalho da Defensoria Pública deverá estar sempre voltado ao necessitado, e só a ele será dirigido, inexistindo assim qualquer liame ideológico entre a Defensoria Pública e o Estado, haja vista que seus interesses e objetivos são, nesse particular, antagônicos. É claro que a sobrevivência da Defensoria Pública depende do Estado, mas com ele não se confunde, posto que sua atuação, na realidade, se destina à classe socialmente oprimida pelo Estado. (GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública, o Estado e a Cidadania, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 05)
Portanto, em virtude da imprescindibilidade da Defensoria Pública na defesa dos direitos fundamentais, não se pode admitir sua vinculação a qualquer dos Poderes Estatais, devendo a Instituição permanecer livre e independente na luta pela preservação do Estado Democrático de Direito29. Outrossim, realizando-se uma análise sistemática da Carta Magna, verifica-se que a autonomia da Defensoria Pública decorre de sua própria posição topográfica no texto constitucional, estando a Instituição incluída em capítulo próprio, junto às “Funções Essenciais da Justiça” (Capítulo IV), e separada ontologicamente das demais funções estatais (legislativa, executiva e judiciária). Se o constituinte originário pretendesse negar à Defensoria Pública sua necessária autonomia funcional, administrativa e financeira, teria atrelado suas funções institucionais, administração e finanças a algum dos Poderes do Estado, incluindo-a dentro do capítulo destinado ao Poder Legislativo (Capítulo I), ao Poder Executivo (Capítulo II), ou ao Poder Judiciário (Capítulo III). Ao prever a Defensoria Pública em capítulo autônomo, houve a renúncia por parte do constituinte em definir explicitamente a Instituição entre os Poderes do Estado, outorgando-lhe a necessária autonomia para o exercício de suas atribuições constitucionais30. Desse modo, entendemos que a Emenda Constitucional nº 45/2004 meramente explicitou a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública, que já constava implicitamente no sistema constitucional. Justamente por isso, não poderia a Emenda Constitucional nº 45/2004 ter realizado a distinção interna entre as Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União, prevendo a autonomia institucional somente em relação à primeira. Afinal, o ordenamento constitucional é um sistema, possuindo como pressuposto básico para sua sólida manutenção a existência de ordem e unidade entre suas partes. Tendo sido a referida emenda constitucional editada no exercício competência reformadora, deveria respeitar a harmonia sistêmica erigida pelo Poder Constituinte
originário, subordinando-se e condicionando-se às regras expressas e implícitas do quadro normativo constitucional vigente31. Ao agir de modo diverso, violando o sistema constitucional e quebrando a isonomia institucional existente entre os ramos da Defensoria Pública, a Emenda Constitucional nº 45/2004 tornou parcialmente inconstitucional o art. 134, § 2º, da CRFB. Recentemente, entretanto, esse vício omissivo parcial relativo de inconstitucionalidade32 restou sanado pelo poder constituinte derivado reformador, que realizou a edição das Emendas Constitucionais nº 69/2012 e nº 74/2013. Segundo determina o art. 2º da Emenda Constitucional nº 69/2012, devem ser aplicados à Defensoria Pública do Distrito Federal os mesmos princípios e regras que, nos termos da Constituição Federal, regem as Defensorias Públicas dos Estados. Com isso, a EC nº 69/2012 ampliou o espectro subjetivo de incidência do art. 134, § 2º da CRFB, determinando que a autonomia institucional nele prevista também fosse aplicada em relação à Defensoria Pública do Distrito Federal33. In verbis: Art. 2º da EC nº 69/2012: Sem prejuízo dos preceitos estabelecidos na Lei Orgânica do Distrito Federal, aplicam-se à Defensoria Pública do Distrito Federal os mesmos princípios e regras que, nos termos da Constituição Federal, regem as Defensorias Públicas dos Estados.
Em seguida, a Emenda Constitucional nº 74/2013 realizou a inclusão do § 3º ao art. 134 da CRFB, prevendo que o disposto no § 2º do referido artigo também seria aplicável à Defensoria Pública da União e do Distrito Federal. Com essa cláusula genérica, a Emenda Constitucional nº 74/2013 estendeu à Defensoria Pública da União a mesma autonomia institucional expressamente reconhecida pelo art. 134, § 2º, da CRFB em relação às Defensorias Públicas dos Estados, além de reafirmar a autonomia institucional da Defensoria Pública do Distrito Federal – já reconhecida pelo art. 2º da EC nº 69/2012. Art. 134, § 3º, da CRFB: Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.
Podemos concluir, portanto, que as Emendas Constitucionais nº 69/2012 e nº 74/2013 não realizaram a criação de preceito jurídico novo, pensando de novo o que já havia sido pensado no Congresso Nacional anteriormente. O que as referidas emendas constitucionais realizaram, na verdade, foi pensar até o fim aquilo que já se havia começado a pensar no momento da promulgação da Constituição de 1988, preservando a real vontade do povo – verdadeiro e único titular do Poder Constituinte originário. O que se pretendeu com a criação das “Funções Essenciais à Justiça” foi exatamente a instituição de mecanismos de controle a serem exercidos sobre as atividades estatais, protegendo o cidadão do recorrente abuso e da habitual prepotência do Estado. Impossível, portanto, admitir que a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Distrito Federal permanecessem aprisionadas por uma camisa de força e impedidas de exercer livremente sua função de controle, dentro de sua área territorial de atuação. 2.4.2 Da delimitação conceitual da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública
Conforme salientado anteriormente, as Emendas Constitucionais nº 45/2004, nº 69/2012 e nº
74/2013 reconheceram expressamente a autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. A autonomia funcional garante à Defensoria Pública plena liberdade de atuação no exercício de suas funções institucionais, submetendo-se unicamente aos limites determinados pela Constituição Federal, pela lei e pela própria consciência de seus membros. Diante de sua autonomia funcional, a Instituição se encontra protegida de toda e qualquer ingerência externa, garantindo-se aos Defensores Públicos a possibilidade de agir com liberdade na defesa dos direitos das classes socialmente oprimidas, inclusive contra o próprio Poder Público34. Por outro lado, a autonomia administrativa permite à Defensoria Pública praticar, de maneira independente e livre da influência dos demais Poderes Estatais, atos próprios de gestão, tais como: adquirir bens e contratar serviços; estabelecer a lotação e a distribuição dos membros da carreira e dos servidores; compor os seus órgãos de administração superior e de atuação; elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; organizar os serviços auxiliares; praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal; elaborar seus regimentos internos; praticar atos gerais de gestão administrativa, financeira e de pessoal; etc35. Por força da autonomia administrativa outorgada pela EC nº 45/2004 e subjetivamente ampliada pelas ECs nº 69/2012 e nº 74/2013, resta vedada a vinculação da Defensoria Pública a qualquer outra estrutura do Estado, reafirmando-se sua posição como instituição extrapoder. Em defesa da autonomia administrativa das Defensorias Públicas dos Estados, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 3.569/PE36, declarou inconstitucional a vinculação da Instituição à estrutura da Secretaria da Justiça, reconhecendo a eficácia plena e imediata do art. 134, § 2º, da CRFB: EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: art. 2º, inciso IV, alínea c, da Lei Estadual 12.755, de 22 de março de 2005, do Estado de Pernambuco, que estabelece a vinculação da Defensoria Pública estadual à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos: violação do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, com a redação da EC 45/2004: inconstitucionalidade declarada. 1. A EC 45/2004 outorgou expressamente autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, além da iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º): donde, ser inconstitucional a norma local que estabelece a vinculação da Defensoria Pública a Secretaria de Estado. 2. A norma de autonomia inscrita no art. 134, § 2º, da Constituição Federal pela EC 45/2004 é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, dado ser a Defensoria Pública um instrumento de efetivação dos direitos humanos. II. Defensoria Pública: vinculação à Secretaria de Justiça, por força da LC Estadual (PE) 20/1998: revogação, dada a incompatibilidade com o novo texto constitucional 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal – malgrado o dissenso do Relator – que a antinomia entre norma ordinária anterior e a Constituição superveniente se resolve em mera revogação da primeira, a cuja declaração não se presta a ação direta. 2. O mesmo raciocínio é aplicado quando, por força de emenda à Constituição, a lei ordinária ou complementar anterior se torna incompatível com o texto constitucional modificado: precedentes. (STF, Pleno, ADI nº 3.569/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 02.04.2007)
No plano financeiro, a autonomia administrativa e funcional da Defensoria Pública traduz-se pela iniciativa de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias. Trata-se da possibilidade outorgada à Instituição de delimitar, dentro de sua própria estrutura, os recursos necessários para atender as suas despesas37. Embora o art. 134, § 2º, da CRFB não faça menção expressa à autonomia financeira da Defensoria Pública, esta ideia encontra-se integralmente contida no referido dispositivo
constitucional38. Conforme define HELY LOPES MEIRELLES, “a autonomia financeira é a capacidade de elaboração da proposta orçamentária e de gestão e aplicação dos recursos destinados a prover as atividades e serviços do órgão titular da dotação”39. Portanto, tendo a Defensoria Pública a prerrogativa de elaborar sua proposta orçamentária e tendo a Instituição plena liberdade na gestão dos recursos, possui, em verdade, autonomia financeira, mesmo que não tenha o legislador constituinte se utilizado de tal denominação técnica40. Neste ponto, torna-se importante destacar que, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Constituição Estadual e a Lei Complementar nº 06/1977 reconhecem expressamente a autonomia financeira da DPGE/RJ, in verbis: Art. 181 da CERJ: Lei complementar disporá sobre e organização e funcionamento da Defensoria Pública, bem como sobre os direitos, deveres, prerrogativas, atribuições e regime disciplinar dos seus membros, observadas, entre outras: I – as seguintes diretrizes: (…) b) autonomia administrativa e financeira, com dotação orçamentária própria, assegurada a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na Lei de diretrizes orçamentárias. Art. 4º LC 06/1977: A Defensoria Pública gozará de autonomia administrativa e financeira, dispondo de dotação orçamentária própria (…).
Com o advento da LC nº 132/2009, a autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas Estaduais, bem como sua iniciativa para elaboração da proposta orçamentária, restaram consolidadas na legislação infraconstitucional, sendo incluídos os arts. 97-A e 97-B no texto original da LC nº 80/1994, in verbis: Art. 97-A: À Defensoria Pública do Estado é assegurada autonomia funcional, administrativa e iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, cabendo-lhe, especialmente: I – abrir concurso público e prover os cargos de suas Carreiras e dos serviços auxiliares; II – organizar os serviços auxiliares; III – praticar atos próprios de gestão; IV – compor os seus órgãos de administração superior e de atuação; V – elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; VI – praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo da Carreira, e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; VII – exercer outras competências decorrentes de sua autonomia. Art. 97-B: A Defensoria Pública do Estado elaborará sua proposta orçamentária atendendo aos seus princípios, às diretrizes e aos limites definidos na lei de diretrizes orçamentárias, encaminhando-a ao Chefe do Poder Executivo para consolidação e encaminhamento ao Poder Legislativo. § 1º Se a Defensoria Pública do Estado não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do caput. § 2º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo com os limites estipulados no caput, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fim de consolidação da proposta orçamentária anual. § 3º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. § 4º Os recursos correspondentes às suas dotações orçamentárias próprias e globais, compreendidos os créditos suplementares e especiais, ser-lhe-ão entregues, até o dia 20 (vinte) de cada mês, na forma do art. 168 da Constituição Federal.
§ 5º As decisões da Defensoria Pública do Estado, fundadas em sua autonomia funcional e administrativa, obedecidas as formalidades legais, têm eficácia plena e executoriedade imediata, ressalvada a competência constitucional do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas. § 6º A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Defensoria Pública do Estado, quanto à legalidade, legitimidade, aplicação de dotações e recursos próprios e renúncia de receitas, será exercida pelo Poder Legislativo, mediante controle externo e pelo sistema de controle interno estabelecido em lei.
Verifica-se, portanto, que a Lei Complementar nº 132/2009 não se limitou apenas a repetir o texto do art. 134, § 2º, da CRFB, realizando, também, a regulamentação da elaboração da proposta orçamentária pela Defensoria Pública dos Estados41. De acordo com o art. 97-B, § 1º, se a Defensoria Pública do Estado não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na lei de diretrizes orçamentárias. Além disso, se a proposta orçamentária for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fim de consolidação da proposta orçamentária anual (art. 97-B, § 2º). Durante a execução orçamentária do período em exercício, não poderá haver a realização de despesas que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 97-B, § 3º). Segundo estabelece o art. 97-B, § 4º, da LC nº 80/1994, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias próprias e globais da Defensoria Pública, compreendidos os créditos suplementares e especiais, deverão ser entregues até o dia 20 de cada mês, na forma do art. 168 da Constituição Federal. Como forma de fiscalizar a gestão orçamentária das Defensorias Públicas dos Estados, o art. 97B, § 6º, submete a análise contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Instituição ao controle externo do Poder Legislativo, por intermédio do Tribunal de Contas. Deve-se observar, ainda, que a LC nº 132/2009 não estabeleceu o modo de elaboração e aprovação da proposta orçamentária no âmbito interno das Defensorias Públicas dos Estados. Conforme muito bem salienta GUILHERME FREIRE DE MELO BARROS, “a redação do art. 97-B se limita a afirmar que a ‘Defensoria do Estado elaborará sua proposta orçamentária (…)’”42. Com efeito, caberá à legislação estadual de cada ente federativo disciplinar o procedimento interno para o trâmite da referida proposta. Por fim, com relação à Defensoria Pública do Distrito Federal, a Emenda Constitucional nº 69/2012 estabeleceu o prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional e a Câmara Legislativa do Distrito Federal elaborem, por intermédio de comissões especiais, os projetos de lei necessários à regulamentação da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública do Distrito Federal43. 2.4.3 Do veto imposto ao art. 3º, parágrafo único, da LC nº 132/2009
Após ser regularmente aprovada no Congresso Nacional, a Lei Complementar nº 132/2009 previa em seu art. 3º, parágrafo único, que seria assegurado à Defensoria Pública como um todo
autonomia administrativa e funcional. In verbis: Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Parágrafo único: À Defensoria Pública é assegurada autonomia administrativa e funcional.
No entanto, após ser remetido para a sanção presidencial, o parágrafo único do referido artigo restou vetado pelo Presidente da República, nos termos do art. 66, § 1º, da CRFB. De acordo com a mensagem de veto presidencial: A Constituição Federal somente concedeu autonomia a dois órgãos. O art. 99 previu a autonomia administrativa e financeira ao Poder Judiciário e o § 2º do art. 127 estabeleceu autonomia funcional e administrativa ao Ministério Público. Por outro lado, não se concebe a concessão de autonomia administrativa e funcional a um órgão que deve estar sob o comando do Chefe do Poder Executivo, como é o caso da Defensoria Pública.
As razões suscitadas pela Chefia do Poder Executivo, entretanto, mostram-se absolutamente equivocadas, tendo sido desperdiçada excelente oportunidade de regulamentar a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública em sua integralidade. Conforme salientado ao longo deste capítulo, a moderna análise das Funções Essenciais à Justiça revela ser equivocado afirmar sua ligação aos poderes executivo, legislativo ou judiciário. Em verdade, o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública compõem um quarto complexo orgânico, autônomo e desvinculado dos Poderes Estatais. Trata-se do que DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO denominou de Procuraturas Constitucionais44, responsáveis pelo controle da atividade estatal, da perpetuidade da federação, da observância da separação de poderes, da prevalência do regime democrático e da eterna proteção aos direitos fundamentais do cidadão. Justamente por isso, necessitam os exercentes desta suprema função Constitucional da necessária autonomia para o enfrentamento das ilegalidades eventualmente praticadas pelos Poderes do Estado. Afinal, mais importante do que redigir uma Constituição é garantir a sua aplicação prática, impedindo o desrespeito das normas nela insculpidas e preservando a ordem jurídica democrática instituída. Se for admitida a vinculação deste quarto complexo orgânico a qualquer outra estrutura estatal, poderemos estar permitindo que fiscalizador e fiscalizado sejam, ao final, concentrados na mesma figura, tornando o controle das atividades do Estado um autêntico simulacro de fiscalização; um teatro de marionetes, onde os exercentes das funções fiscalizadoras são controlados pelo ente estatal fiscalizado. Certamente não foi esta a intenção do Poder Constituinte originário, e não pode ser esta a interpretação dada ao Título IV, Capítulo IV da Constituição Federal, sob pena de colocarmos a ordem jurídico-constitucional em risco. Conclui-se, portanto, serem flagrantemente equivocados os argumentos suscitados na mensagem de veto presidencial, revelando o receio do poder público em permitir que a Defensoria Pública alcance a plenitude de sua polivalente utilidade constitucional. Importante observar, por fim, que não obstante tenha sido vetado o art. 3º, parágrafo único, da LC nº 132/2009, foi pela Chefia do Poder Executivo curiosamente sancionado o art. 10, II do referido diploma legal, que estabelece: Art. 10. Ao Conselho Superior da Defensoria Pública da União compete: (…)
II – opinar, por solicitação do Defensor Público Geral, sobre matéria pertinente à autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública da União.
Verifica-se, portanto, ter subsistido na redação final da lei disposições antagônicas com o veto imposto ao art. 3º, parágrafo único, da LC nº 132/2009, prevendo de maneira residual a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública da União. Na época, o dispositivo retratava a regulamentação normativa de uma autonomia que nunca havia vigorado, lembrando, na eterna causalidade da vida, o berço construído para uma criança natimorta. Com a recente edição da Emenda Constitucional nº 74/2013, porém, a normatividade latente do dispositivo voltou a irradiar efeitos, devolvendo vida para a autonomia institucional da Defensoria Pública da União. 2.4.4 Da controvérsia acerca da autonomia legislativa da Defensoria Pública
Embora tenha previsto de maneira expressa a autonomia funcional, administrativa e financeira das Defensorias Públicas dos Estados (art. 134, § 2º, da CRFB), da Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 2º da EC nº 69/2012, c/c o art. 134, § 3º, da CRFB) e da Defensoria Pública da União (art. 134, § 3º, da CRFB), a Constituição Federal não previu a autonomia legislativa da Instituição. Pela literalidade do texto constitucional, portanto, não possui a Defensoria Pública iniciativa de lei, não podendo deflagrar os processos legislativos de interesse da Instituição (criação e extinção de cargos, estipulação da política remuneratória, fixação do plano de carreira etc.)45. Nesse aspecto, portanto, permanece a Defensoria Pública vinculada ao Poder Executivo, como já teve a oportunidade de afirmar o Supremo Tribunal Federal: A EC 45/2004 não conferiu à Defensoria Pública a iniciativa legislativa para criação de cargos, outorgada ao Ministério Público: neste ponto, segue a Defensoria Pública vinculada ao Poder Executivo estadual (Constituição, art. 61, § 1º). (STF, Pleno, ADI nº 3.596/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 02.04.2007)
No entanto, é importante considerar que a função constitucional exercida pela Defensoria Pública não comporta qualquer espécie de vinculação ou subordinação aos Poderes Estatais. Se a Defensoria Pública pretende garantir o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e a perpetuidade incondicional do Estado Democrático de Direito (art. 3º-A da LC nº 80/1994), não pode estar submetida à qualquer espécie de pressão indireta ou sujeita à qualquer tipo de retaliação política, em revide à eventual atuação funcional dos Defensores Públicos. Para que possa exercer plenamente sua função constitucional de controle, deve a Defensoria Pública permanecer blindada contra indesejáveis interferências externas, perenizando sua liberdade de fiscalização e de efetivação dos direitos fundamentais. Para tanto, assegurar apenas a poética autonomia funcional, administrativa e financeira não é o suficiente; enquanto a Defensoria Pública continuar dependendo da chefia do Poder Executivo para o encaminhamento de toda e qualquer proposta legislativa de interesse institucional, não haverá plena autonomia para o exercício de sua polivalente função constitucional. Esse quadro de subordinação velada mantêm a Defensoria Pública inserida no jogo político governamental, permitindo que o Chefe do Poder Executivo continue a utilizar sua iniciativa de lei como forma de pressionar o Defensor Público Geral, trocando o encaminhamento de determinados projetos de lei de interesse institucional pelo compromisso de não atuação da Defensoria Pública em
determinadas áreas sensíveis da administração pública. Embora esse panorama escuso possa parecer hiperbólico ao leitor, para aqueles que se encontram inseridos no cotidiano institucional essa violência funcional se revela mais comum do que nossa moralidade gostaria. Por isso, é preciso um esforço interpretativo de cunho progressista para que se garanta que a liberdade de atuação da Defensoria Pública não fique apenas no mundo das abstrações e das ideias46. Em uma análise comparativa entre os arts. 134, § 2º, e 127, § 2º, da CRFB, percebe-se que ao Ministério Público e à Defensoria Pública restou outorgada pela Constituição Federal idêntica autonomia administrativa47. No entanto, em relação ao Ministério Público o texto constitucional indicou expressamente o conteúdo básico que caracteriza essa autonomia, autorizando o parquet a “propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira”. Embora a Constituição Federal tenha utilizado redação mais sintética em relação à Defensoria Pública, não realizando a indicação expressa de sua iniciativa de lei, essa característica se encontra ínsita ao próprio conceito de autonomia administrativa. Afinal, possuir plena autonomia administrativa significa poder praticar os atos próprios de gestão e organização institucional, propondo ao legislativo a criação e extinção de cargos, a fixação do plano de carreira, a estipulação da política remuneratória etc. Como a autonomia administrativa reconhecida em favor da Defensoria Pública e do Ministério Público é idêntica, podemos admitir que o sintético art. 134, § 2º, seja interpretado extensivamente, tendo por base o analítico art. 127, § 2º. Não se pretende com isso reinventar a autonomia institucional da Defensoria Pública, mas assegurar a coerência e a unidade das interações normativas constitucionais. Vale lembrar: a Constituição Federal não constitui simples somatório de regras avulsas ou mera conjunção de normas em vigência simultânea; o texto constitucional compõe um sistema harmônico de normas jurídicas, que caminha em unidade de sentido. Portanto, se o conceito de autonomia administrativa previsto para o Ministério Público e para a Defensoria Pública é idêntico, seu conteúdo também deve ser o mesmo, sob pena de gerar contumélia irremissível ao arcabouço lógico da Constituição. Nesse sentido, defendendo que a autonomia administrativa da Defensoria Pública deve também garantir a iniciativa legislativa, aplicando analogicamente o art. 127, § 2º da CRFB, leciona o professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, in verbis: A Emenda 45/2004 não foi tão explícita ao conceder essa autonomia às Defensorias Públicas Estaduais, como o fora o art. 127 em relação ao Ministério Público, porque ali se indicou seu conteúdo básico. A identidade de situações nos permite dizer que os conceitos expedidos em relação ao Ministério Público valem também aqui. (…) A autonomia administrativa significa que cabe à Instituição organizar sua administração, suas unidades administrativas, praticar seus atos de gestão, decidir sobre situação funcional de seu pessoal, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus serviços auxiliares, prover cargos nos termos da lei, estabelecer a política remuneratória, observado o art. 169, e os planos de carreira de seu pessoal, tal como está previsto para o Ministério Público. Já que o conceito é idêntico, seu conteúdo também há de sê-lo. (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, pág. 615/616)
2.5 A DEFENSORIA PÚBLICA E A REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS
Objetivando garantir a coexistência harmônica dos diversos entes federados dentro de um mesmo Estado único, prevenindo a ocorrência de conflitos e possibilitando a coordenação de esforços, realizou a Constituição Federal a repartição das competências legislativas, indicando quais matérias normativas cada integrante da federação estaria autorizado a legislar. Com efeito, para que possamos compreender adequadamente cada um dos diplomas legais que regulamentam a Defensoria Pública no território nacional, torna-se importante entender como a Constituição Federal realizou essa repartição de competências legislativas e quais os entes federados que receberam a autorização constitucional para legislar sobre a Defensoria, além de entender, é claro, o limite dessa autorização. Nesse tópico, analisaremos cada uma das regras de competência constitucional e suas ramificações dentro do Estado Federal; em seguida, realizaremos a aplicação prática desses conceitos no particular universo da Defensoria Pública. 2.5.1 Da repartição constitucional de competências legislativas dentro do Estado Federal
Como se sabe, a Constituição de 1988 adotou como forma de Estado o federalismo, prevendo em seu art. 1º que a República Federativa do Brasil seria “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”, todos autônomos e possuidores da quádrupla capacidade de auto-organização, autogoverno, autoadministração e autolegislação (art. 18 CRFB)48. Dessa forma, a autonomia concedida aos entes federados não se revela como sendo apenas administrativa; cada um deles goza também de autonomia política, podendo por suas próprias autoridades elaborar e executar suas próprias leis49. É claro que essa autonomia concedida às unidades federadas não é ilimitada. Ao exercerem seu poder de autonormatização (ou autolegislação), cada um dos integrantes da federação deve respeitar a ordem central do Estado federal e, também, a autonomia das demais ordens parciais de cada região50. Apenas desta forma mostra-se possível garantir a coexistência de comunidades jurídicas autônomas dentro de um mesmo todo unitário. Como forma de materializar esse mecanismo de limitação ao poder de autonormatização dos entes federados e ao mesmo tempo respeitar a autonomia inerente ao modelo federalista, a Constituição da República realizou a repartição material de competências51 entre o governo central e os governos locais. Com isso, a Carta Magna delimitou o âmbito de atuação normativa de cada unidade federada e tornou possível o harmônico relacionamento entre as diversas instâncias de poder (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), prevenindo a ocorrência de conflitos e permitindo a coordenação de esforços52. É através dessa delimitação de competências normativas que se torna possível a pluralização de ordens jurídicas em uma mesma federação, permitindo-se que cada unidade federada melhor atenda às necessidades de sua comunidade regional ou local, sem com isso quebrar a ordem unificadora da comunidade total – materializada no próprio Estado Federal. Nesse sentido, manifestando-se sobre a estrutura fundamental do Estado Federal, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento da ADI nº 2.995/PE, em formidável voto proferido pelo Ministro CELSO DE MELLO, in verbis: A Constituição da República proclama, na complexa estrutura política que dá configuração ao modelo federal de Estado, a
coexistência de comunidades jurídicas responsáveis pela pluralização de ordens normativas próprias que se distribuem segundo critérios de discriminação material de competências fixadas pelo texto constitucional. O relacionamento normativo entre essas instâncias de poder – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios – encontra fundamento na Constituição da República, que representa, no contexto político-institucional do Estado brasileiro, a expressão formal do pacto federal, consoante ressaltam, em autorizado magistério, eminentes doutrinadores (…). O estatuto constitucional, em que reside a matriz do pacto federal, estabelece, entre a União e as pessoas políticas locais, uma delicada relação de equilíbrio, consolidada num sistema de discriminação de competências estatais, de que resultam – considerada a complexidade estrutural do modelo federativo – ordens jurídicas parciais coordenadas entre si, subordinadas à comunidade total, que é o próprio Estado Federal (…). Na realidade, há uma relação de coalescência, na Federação, entre uma ordem jurídica total (que emana do próprio Estado Federal, enquanto comunidade jurídica total, e que se expressa, formalmente, nas leis nacionais) e uma pluralidade de ordens jurídicas parciais, que resultam da União Federal, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse contexto, as comunidades jurídicas parciais são responsáveis pela instauração de ordens normativas igualmente parciais, sendo algumas de natureza central, imputáveis, nessa hipótese, à União (enquanto pessoa política de caráter central) e outras de natureza regional (estados-membros/DF) ou de caráter local (municípios), enquanto comunidades periféricas revestidas de autonomia institucional. (STF, Pleno, ADI nº 2.995/PE, Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 13.12.2006)
Importante observar, portanto, que não há hierarquia entre os atos normativos editados pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. O que se tem são campos de atribuição distintos, que delimitam a competência legislativa e indicam qual matéria pode ou não ser legislada por cada unidade federada. A regra geral que orienta a divisão de competências legislativas e administrativas entre as entidades componentes do Estado Federal é a da predominância do interesse. De acordo com essa regra, à União são atribuídas as questões de predominante interesse geral, aos Estados-membros as de predominante interesse regional, aos Municípios as matérias de ordem local e ao Distrito Federal cumulativamente as questões de interesse regional e local (com exceção da regra exposta no art. 22, XVII da CRFB)53.
Seguindo esta linha de raciocínio, o legislador constitucional previu no art. 22 da CRFB54 as matérias que, em virtude de seu predominante interesse geral, restaram atribuídas à competência legislativa privativa da União (ex.: direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; desapropriação; águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; comércio exterior e interestadual; nacionalidade, cidadania e naturalização)55. Relevante consignar, no entanto, que as matérias elencadas no art. 22 da CRFB admitem delegação aos Estados-membros56, de acordo com a expressa disposição do art. 22, parágrafo único, in verbis:
Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre: (…) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Para que seja admitida a delegação de competência, porém, torna-se necessário que: (i) a delegação seja realizada por intermédio de lei complementar (art. 22, parágrafo único, da CRFB); (ii) seja indicada a questão específica a que se refere a delegação, realizando-se a plena particularização e delimitação do objeto (art. 22, parágrafo único, da CRFB); e, por fim, (iii) deve a delegação abranger todos os Estados-membros, sob pena de violação do princípio da igualdade federativa (art. 19 da CRFB). Apenas quando presentes cumulativamente esses três requisitos será possível a aplicação do art. 22, parágrafo único da Constituição Federal, delegando-se aos Estados a competência legislativa para a edição de normas privativas da União. Nada impede, porém, que a União retome sua competência e legisle, a qualquer momento, sobre a mesma matéria objeto da delegação. Afinal, a delegação não se equipara à abdicação da competência legislativa57. Lecionando sobre o tema, em melhores e mais didáticos termos, tem-se a abalizada doutrina do professor ALEXANDRE DE MORAES: A Constituição Federal faculta à União, no art. 22, parágrafo único, a delegação de assuntos de sua competência legislativa privativa aos Estados, desde que satisfeitos três requisitos:
requisito formal: a delegação deve ser objeto de lei complementar devidamente aprovada pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; requisito material: somente poderá ser delegado um ponto específico dentro de uma das matérias descritas nos vinte e nove incisos do art. 22 da Constituição Federal, pois a delegação não se reveste de generalidade, mas de particularização de questões específicas do elenco das matérias incluídas na privatividade legislativa da União. Assim, nunca se poderá delegar toda a matéria existente em um dos citados incisos; requisito implícito: o art. 19 da Constituição Federal veda a criação por parte de qualquer dos entes federativos de preferências entre si. Dessa forma, a Lei Complementar editada pela União deverá delegar um ponto específico de sua competência a todos os Estados, sob pena de ferimento do princípio da igualdade federativa. (MORAES, Alexandre de. Op. cit. pág. 302/303) Em virtude do termo utilizado no caput do art. 22 da CRFB e da previsão constante de seu parágrafo único, a doutrina costuma realizar a distinção entre os conceitos de competência privativa e competência exclusiva, afirmando que a primeira seria delegável e a segunda indelegável. No entanto, conforme observa de maneira pontual o professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, “a Constituição Federal não é rigorosamente técnica nesse assunto”58. Além de enumerar as matérias atribuídas à competência legislativa privativa da União (art. 22 da CRFB) e de possibilitar sua delegação aos Estados-membros (art. 22, parágrafo único, da CRFB), a Carta Magna criou, também, uma área de atuação legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24 da CRFB).
Esse modelo, derivado da Constituição de Weimar59, permite que a União realize a fixação de normas gerais relativas às matérias elencadas no art. 24 da CRFB, cabendo aos Estados-membros e Distrito Federal normatizar os aspectos específicos, de acordo com as peculiaridades de cada unidade federada. Trata-se do que a doutrina denomina de competência concorrente não cumulativa ou vertical60, mediante a qual outorga-se ao ente central a competência para fixação das normas gerais (art. 24, § 1º, da CRFB61 – competência geral), ficando os entes regionais incumbidos de realizar a devida especificação dos pormenores (art. 24, § 2º, da CRFB62 – competência suplementar). Obviamente, tratando-se de competência meramente suplementar, não se encontram os Estadosmembros autorizados a violar ou desvirtuar os parâmetros gerais estabelecidos pela norma geral editada pela União, devendo sempre respeitar os parâmetros genéricos traçados pela ordem central. Como informa o próprio sentido léxico da palavra, a competência dos Estados-membros é suplementar, ou seja, serve de complementação às normas editadas pela União63. Do mesmo modo, mas observando o outro lado da moeda, também a União esbarra em limitações lógicas no exercício de sua competência legislativa concorrente. Assim como os Estados-membros, que se encontram tolhidos aos aspectos complementares e específicos de normatização, a União se encontra limitada aos aspectos genéricos da norma. Ao realizar a regulamentação de alguma das matérias elencadas no art. 24 da CRFB, não pode a União extrapolar sua competência genérica e avançar aos aspectos precisos da matéria a ser legislada, pormenorizando questões específicas da norma64. A competência legislativa da União deve sempre orientar-se para as diretrizes gerais da lei, relegando aos Estados-membros o exercício de sua normatização adicional e específica65. Importante observar, porém, que enquanto não for editada pela União a norma geral a respeito das matérias elencadas no art. 24 da CRFB, goza o Estado-membro temporariamente de competência legislativa plena, podendo legislar sobre os aspectos gerais e específicos da matéria normativa ainda não regulamentada (art. 24, § 3º, da CRFB66). Essa plenitude de normatização, no entanto, é sempre temporária, haja vista que, a qualquer momento, poderá a União exercer sua competência legislativa e realizar a edição de norma versando sobre os aspectos gerais da matéria já regulamentada pelo Estado. Nesse caso, a norma editada pela União suspenderá a eficácia da norma editada anteriormente pelo Estado, naquilo que lhe for contrário (art. 24, § 4º, da CRFB67). Sobre o tema, analisando de maneira precisa a competência legislativa concorrente fixada pelo art. 24 da CRFB, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento da ADI 2.9037/PB: Tratando-se de temas objeto de competência concorrente a que alude a Carta Política, dentre os quais a própria Defensoria Pública (CF, art. 24, XIII), há uma precisa delimitação jurídica que bem discrimina o âmbito material de intervenção normativa de cada uma dessas pessoas políticas, reservando-se, à União Federal, a competência para legislar sobre normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e atribuindo-se, ao Estado-membro, o exercício de “competência suplementar” (CF, art. 24, § 2º, in fine). É relevante assinalar, neste ponto, que nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), nas quais se estabelece verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal e os Estados-membros (RAUL MACHADO HORTA, Estudos de Direito Constitucional, p.336, item n.2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas, torna-se imperioso distinguir, em tal matéria, a existência de 2 (duas) ordens de legislação: de um lado, a legislação nacional de princípios ou de normas gerais, cuja formulação incumbe à União Federal (CF, art. 24, § 1º) e de outro as leis estaduais de aplicação e execução das diretrizes fixadas pela União Federal (CF, art. 24, § 2º).
Isso significa, portanto, que a União Federal, ultrapassando o domínio normativo das regras gerais, não pode, sob pena de transgredir domínio constitucionalmente reservado ao Estado-membro, editar legislação que desça a pormenores, que minudencie condições específicas ou que se ocupe de detalhamentos que descaracterizam o coeficiente de maior generalidade e abstração que se requer das normas gerais referidas no texto da Constituição, pois estas, mais do que as fórmulas simplesmente genéricas contidas nas leis em sentido material, hão de veicular princípios, diretrizes e bases essenciais à regulação de determinada matéria especificada no art. 24 da Carta Política. Desse modo, e se é certo, de um lado, como adverte PONTES DE MIRANDA (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 01, de 1969, tomo II/169-170, item n.3, 2ª ed., 1970, RT), que, nas hipóteses referidas no já mencionado art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe, quanto a elas, de poderes ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir a esfera de competência normativa dos Estados-membros, não é menos exato, de outro, que o Estadomembro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, consubstanciada na Lei Complementar nº 80/1994), não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade. (…) Cabe assinalar, no entanto, neste ponto, que, inexistindo legislação nacional sobre normas gerais, os Estados-membros poderão exercer “a competência legislativa plena, para atender suas peculiaridades” (CF, art. 24, § 3º), tal como esta Suprema Corte já teve o ensejo de reconhecer e proclamar (RTJ 166/406-407, Rel. Min. CELSO DE MELLO) (STF – Pleno – ADI 2.903 – Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 1º-12-2005)
Concluí-se, portanto, que a União possui duas esferas distintas de competência legislativa constitucional: (i) competência privativa (art. 22 da CRFB), lembrando-se ser esta passível de delegação aos Estados-membros e Distrito Federal (art. 22, parágrafo único da CRFB); e (ii) competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24 da CRFB). Competência privativa da União (art. 22 da CRFB)
Obs.: Possibilidade de delegação aos Estados-membros e Distrito Federal (art. 22, parágrafo único, da CRFB) União Competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24 da CRFB)
Seguindo na análise das competências legislativas, passamos agora a analisar as matérias atribuídas aos Estados-membros. Nesse ponto, observar-se que a Constituição Federal adotou peculiar sistema, reservando aos Estados todas as matérias não atribuídas explícita ou implicitamente à União e aos municípios. Trata-se do sistema de competência remanescente ou reservada, adotado pelo constituinte originário no art. 25, § 1º, da CRFB, in verbis: Art. 25: Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Esta técnica de repartição de competência, adotada originariamente pela Constituição norteamericana68, busca preservar a autonomia dos Estados-membros em relação à União, reservando ao governo local um espaço de atuação legislativa maior do que aquele guardado ao governo central, que resta tolhido às competências taxativamente previstas pelo texto constitucional. Deve-se observar, no entanto, que apesar de adotar o sistema de competência remanescente ou
residual, a Constituição Federal realizou a discriminação de algumas competências explícitas dos Estados-membros (art. 18, § 4º, e art. 25, § 3º, da CRFB). Primeiramente, o texto constitucional informa de maneira expressa competir aos Estados-membros, por intermédio de lei estadual, realizar “a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios”, uma vez atendidos os requisitos estabelecidos pelo art. 18, § 4º, da CRFB69. Em um segundo momento, possibilita a Constituição, também, que os Estados instituam “regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões”, por intermédio de lei complementar estadual (art. 25, § 3º, da CRFB)70. Percebe-se, portanto, que a Constituição criou um estreito rol de competências legislativas explícitas, contrapondo-as à regra geral que fixa a competência legislativa estadual como sendo remanescente ou residual71. Com isso, pretendeu claramente o legislador conceder maior espaço para a atuação legislativa dos Estados-membros, respeitando e dando vida a essência fundamental do princípio federativo. Além da competência legislativa remanescente ou residual (art. 25, § 1º, da CRFB) e do estreito rol de competências legislativas explícitas (arts. 18, § 4º, e 25, § 3º, da CRFB), os Estados-membros podem, ainda, legislar sobre as matérias de competência concorrente com a União (art. 24 da CRFB) e sobre as matérias de competência privativa da União quando objeto de delegação (art. 22, parágrafo único da CRFB). Conforme analisado anteriormente, a competência concorrente dos Estados-membros possui caráter eminentemente suplementar, cabendo-lhes normatizar sobre os aspectos específicos da legis materiae. Enquanto à União resta outorgada a competência para a edição de normas gerais, aos Estados-membros relega-se a competência para realizar a especificação da norma, adequando-a às peculiaridades de cada unidade federada (competência suplementar complementar). Apenas quando a União restar inerte na edição da lei, adquirirá o Estado-membro temporariamente competência legislativa plena, podendo editar normas de caráter geral e específico (competência suplementar supletiva). Por derradeiro, em relação à competência delegada pela União, cumpre lembrar que esta se encontra prevista no art. 22, parágrafo único da CRFB, e apenas é admitida se for realizada por intermédio de lei complementar que indique, de maneira específica, a questão material a ser legislada. Além disso, deve a delegação abranger genericamente todos os Estados-membros, de modo a não se impor violação ao princípio da igualdade federativa. Sendo assim, os Estados-membros possuem quatro esferas distintas de competência legislativa constitucional: (i) competência remanescente ou residual (art. 25, § 1º, da CRFB); (ii) competência explícita (arts. 18, § 4º, e 25, § 3º, da CRFB); (iii) competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24 da CRFB); e, por fim, (iv) competência delegada pela União (art. 22, parágrafo único da CRFB). Competência remanescente ou residual (art. 25, § 1º, da CRFB)
Competência explícita (art. 18, § 4º e art. 25, § 3º, da CRFB)
Estados
Competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24 da CRFB)
Competência delegada pela União (art. 22, parágrafo único, da CRFB)
Complementando o estudo da repartição das competências legislativas, a Constituição Federal fixou, nos incisos I e II do art. 30, a competência legislativa dos Municípios, pautando-a na predominância do interesse local. Segundo estabelece a referida norma, in verbis: Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.
Possui o Município, portanto, além da competência para edição de sua própria Lei Orgânica (art. 29 da CRFB), duas espécies de competência distintas: (i) competência exclusiva (art. 30, I da CRFB); e (ii) competência suplementar (art. 30, II, da CRFB). Fala-se em competência exclusiva pois a Constituição Federal outorga aos Municípios – e apenas a eles – a competência para legislar sobre os assuntos de interesse local. Dessa forma, tanto a União quanto os Estados-membros encontram-se impedidos de normatizar sobre os aspectos estritamente locais, devendo respeitar a organização autônoma municipal. Sobre o tema, já teve a oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal, em voto proferido na ADI 3.549, in verbis: O poder constituinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios da Constituição da República, que lhes assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o respeito à organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente. O art. 30, I, da Constituição da República outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre assuntos de interesse local. A vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põe-se no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla vacância. Ao disciplinar matéria, cuja competência é exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a autonomia desses entes, mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF – Pleno – ADI 3.549 – Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão: 17-09-2007)
Dentro da competência exclusiva dos Municípios encontra-se inserida a competência especial para elaboração da lei instituidora do Plano Diretor, que deverá ser aprovado pela Câmara Municipal e será obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes (art. 182 e § 1º da CRFB). De acordo com a referida norma, o plano diretor deverá ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, revelando-se como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana72. Por sua vez, a competência suplementar dos municípios, expressamente prevista pelo art. 30, II da CRFB, permite que a legislação municipal supra as lacunas da legislação federal e estadual, regulamentando e ajustando sua aplicação às peculiaridades locais73. Deve-se observar, porém, que aos Municípios não é permitido contrariar ou violar as normas estaduais ou federais, devendo tão somente preencher os espaços legislativos deixados pela União ou pelos Estados-membros74. Importante observar, neste ponto, que seja no exercício da competência exclusiva, seja no exercício da competência suplementar, encontra-se o legislativo municipal diretamente atrelado e limitado à regulamentação de matérias de predominante interesse local75. Ou seja, a competência
constitucional outorgada aos Municípios circunscreve-se aos assuntos inerentes à sua esfera administrativa e organizacional, não sendo admissível que as normas municipais alcancem áreas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados76. Conforme explica ALEXANDRE DE MORAES, “interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estado) ou geral (União)”77. Dentro dessa linha, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que é competência dos municípios “legislar sobre a distância mínima entre postos de revenda de combustíveis”78, “fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”79, “legislar sobre questões que respeitem a edificações ou construções realizadas no seu território”80 etc. Para facilitar a compreensão do leitor, podemos resumir a competência legislativa municipal por intermédio do seguinte quadro esquemático: Competência exclusiva (art. 30, I, da CRFB)
Municípios
Competência suplementar (art. 30, II, da CRFB)
Por fim, encerrando a análise das competências legislativas, cumpre lembrar que, de acordo com o art. 32, § 1º, da CRFB, ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios, excetuando-se a competência para a organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal, bem como a organização administrativa destes, que resta expressamente inserida dentro da competência privativa da União (art. 22, XVII, da CRFB). 2.5.2 Da competência constitucional para legislar sobre a Defensoria Pública
Após a realização de um breve e sintético estudo sobre a repartição constitucional de competências legislativas dentro do Estado Federal, passaremos à análise da aplicação concreta destas regras ao particular universo da Defensoria Pública. Para tanto, tendo em vista a necessidade de individualizar e particularizar a competência constitucional outorgada a cada ente federativo, examinaremos separadamente cada um dos ramos da Defensoria Pública, dividindo-os de acordo com sua atribuição circunscricional. A)
DA COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA DOS ESTADOS: De acordo com o art. 24, XIII da CRFB, a competência para legislar sobre “assistência judiciária e Defensoria Pública” encontra-se inserida dentro da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal. In verbis:
Art. 24: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) XIII – assistência jurídica e Defensoria pública.
Dessa forma, verifica-se que a Constituição, neste particular, adotou a já estudada competência concorrente não cumulativa ou vertical, outorgando à União a competência para a fixação de normas gerais sobre assistência judiciária e Defensoria Pública (art. 24, § 1º, da CRFB – competência geral), e aos Estados-membros a competência para normatizar os aspectos específicos desta matéria, adequando-a às peculiaridades de cada unidade federada (art. 24, § 2º, da CRFB – competência suplementar). Sendo assim, a competência para a edição de normas sobre as Defensorias Públicas Estaduais encontra-se dividida entre a União e o Estado-membro ao qual pertence a Defensoria, cabendo ao primeiro legislar sobre aspectos gerais e ao segundo realizar a devida normatização dos pormenores. Deve-se observar, no entanto, que o critério adotado pelo legislador constituinte não permite que se fale em superioridade hierárquica das leis federais sobre as leis estaduais. Na verdade, o que existe é divisão material de competências, atribuindo-se ao ente central e a cada um dos entes regionais parcelas distintas da legis materiae. Por essa razão, há inconstitucionalidade tanto na invasão da competência da União pelo Estado-membro como na hipótese inversa81. Por expressa disposição do art. 24, § 1º da CRFB, encontra-se a União tolhida aos aspectos genéricos da norma, devendo apenas definir orientações gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados. Ao exercer sua competência legislativa concorrente, não pode a União ultrapassar sua generalidade e adentrar aspectos precisos da matéria, legislando, por exemplo, sobre a distribuição dos Defensores Públicos no interior de cada Estado-membro. Como já afirmado, a competência legislativa da União deve sempre buscar as diretrizes gerais da matéria, deixando a cargo dos Estados-membros o exercício da normatização adicional e específica. Do mesmo modo, mas em posição oposta, devem os Estados-membros tão somente complementar as normas editadas pela União, respeitando os aspectos legais genéricos traçados pela ordem central. Assim, se a norma geral prevê a Ouvidoria-Geral como órgão auxiliar da Defensoria Pública do Estado, não pode a norma estadual banir o referido órgão e ignorar a orientação expedida pela ordem central da Federação. Repita-se: a competência dos Estados-membros caracteriza-se como suplementar, razão pela qual não pode o legislativo estadual violar ou desvirtuar os parâmetros gerais estabelecidos pela norma editada pela União. Apenas quando restar a União omissa na edição da lei geral, estará o Estado-membro temporariamente autorizado a legislar de forma plena, podendo abordar tanto os aspectos gerais como os aspectos específicos da norma. Nesse sentido, mostra-se expressa a redação do art. 24, § 3º da CRFB, in verbis: Art. 24, § 3º, da CRFB: Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
Importante lembrar que, a qualquer momento, poderá a União exercer sua competência legislativa e realizar a edição de lei versando sobre os aspectos gerais da matéria já regulamentada pelo Estado. Nessa hipótese, de acordo com o art. 24, § 4º, da CRFB, a norma editada pela União suspenderá a eficácia da norma editada anteriormente pelo Estado, naquilo que lhe for contrário. In verbis:
Art. 24, § 4º, da CRFB: A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Note que aqui a Constituição não fala em revogação, mas em suspensão da eficácia da lei estadual. Embora haja uma aparente semelhança entre ambos os institutos, não deve o operador do direito permitir que as aparências prejudiquem o adequado exame científico das questões jurídicas. Afinal, como diria o ditado, “capitão de fragata não é o mesmo que cafetão de gravata”. De fato, tanto a suspensão da eficácia quanto a revogação produzirão o mesmo efeito imediato: impedir que a norma atingida produza seus regulares efeitos no ordenamento jurídico. No entanto, os efeitos não imediatos revelam-se distintos, podendo-se claramente identificar a diferença. Na revogação, os dispositivos da lei atingida são retirados do ordenamento jurídico de maneira irreversível. Com efeito, se eventualmente a lei nova for revogada, não haverá a repristinação tácita dos dispositivos da lei antiga, tendo em vista que os mesmos não mais integram o universo jurídico (art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657/1942)82. Por outro lado, na suspensão da eficácia, os dispositivos da lei estadual antiga apenas estarão com seus efeitos suspensos enquanto estiver em vigor a lei federal fixadora das normas gerais. Se futuramente a União revogar a referida norma, os dispositivos da lei estadual, que se encontravam até então suspensos, readquirirão automaticamente sua eficácia, voltando a regular a matéria. B)
DA COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO: O dispositivo constitucional que regulamenta a competência para legislar sobre a Defensoria Pública da União é o mesmo que regula a competência legislativa das Defensorias Públicas Estaduais, ou seja, o art. 24, XIII, da CRFB. No entanto, os efeitos da referida norma sobre a específica esfera da DPU serão completamente distintos dos identificados em relação às Defensorias Públicas dos Estados. Embora o caput do art. 24 da CRFB faça expressa referência à competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, não poderão os Estados-membros e o Distrito Federal editar normas supletivas para complementar a legislação atinente à Defensoria Pública da União. Isso porque a DPU, como o próprio nome indica, atua em âmbito nacional, devendo ser regulamentada por lei complementar federal (art. 134, § 1º, da CRFB). Permitir que normas estaduais regulamentem a Defensoria Pública da União, significaria permitir a invasão da esfera normativa federal pelo legislativo estadual. Se a legislação estadual é discutida e votada dentro da particular esfera do Estado-membro, não poderá produzir efeitos em relação à União e muito menos em relação aos demais Estados. Como já estudado, a convivência harmônica dentro do Estado Federal apenas se revela possível em virtude da limitação à autonomia de cada ente federado e do dever de respeito mútuo imposto a cada um dos integrantes do Federalismo. Sendo assim, o exercício do poder de autonormatização deve sempre obedecer a teleologia da repartição material de competências, pautando-se no princípio básico da predominância do interesse para evitar a invasão da esfera legislativa do ente federado vizinho. Conclui-se, portanto, que a competência para legislar sobre a Defensoria Pública da União será exclusivamente atribuída à União, não sendo aplicável, neste particular, as regras dos §§ 2º e 3º do
art. 24 da CRFB. Mesmo que a União mostre-se omissa em relação à normatização da Defensoria Pública da União, não poderão os Estados-membros ou o Distrito Federal editar normas suplementares sobre o tema. De fato, melhor teria andado o legislador se tivesse realizado a devida distinção entre as Defensorias Públicas, incluindo a Defensoria Pública da União no rol do art. 22 (competência legislativa privativa da União) e as Defensorias Públicas Estaduais no rol do art. 24 da CRFB (competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal). Esta partição legislativa, inclusive, se mostraria mais consentânea com o art. 48, IX, da Constituição Federal, que incumbe o Congresso Nacional e, consequentemente, a União de legislar sobre a organização da Defensoria Pública da União e dos Territórios. C)
DA COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS: Segundo estabelecia a redação original do art. 22, XVII da CRFB, competia privativamente à União legislar sobre a “organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes”. Paralelamente, o art. 21, XIII, da CRFB atribuía à União a competência administrativa para “organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios”. Dessa forma, podemos perceber que ao regulamentar a competência legislativa e administrativa referente à Defensoria Pública do Distrito Federal o legislador constituinte havia originalmente estabelecido verdadeira exceção ao princípio da predominância do interesse. Mesmo se tratando de matéria de predominante interesse regional, a organização da Defensoria Pública do Distrito Federal se encontrava inserida dentro da esfera de competência da União, materializando autêntica limitação à capacidade de autonormatização e de auto-organização do Distrito Federal. Recentemente, entretanto, a Emenda Constitucional nº 69/2012 realizou a modificação dos arts. 21, XIII, e 22, XVII, da CRFB, redistribuindo as atribuições de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal. In verbis: Art. 21 da CRFB: Compete à União: (…) XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios. Art. 22 da CRFB: Compete privativamente à União legislar sobre: (…) XVII – organização judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa destes.
Com isso, a competência para legislar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal passou a seguir a regra genérica do art. 24, XIII, da CRFB (competência concorrente não cumulativa ou vertical), sendo outorgada à União a competência para a fixação de normas gerais (art. 24, § 1º, da CRFB – competência geral) e ao Distrito Federal a competência para normatizar os aspectos específicos da matéria (art. 24, § 2º, da CRFB – competência suplementar). Como os Territórios Federais são considerados descentralizações administrativas da União (art. 18, § 2º, da CRFB), a organização da Defensoria Pública dos Territórios permanece sobre a esfera
de competência da própria União, seguindo nesse ponto inalterados os arts. 21, XIII, e 22, XVII, da CRFB. 2.6 DA REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA Encerrada a análise da competência legislativa constitucional e sua aplicação no âmbito da Defensoria Pública, passaremos a examinar os diversos diplomas legais que conferem base normativa ao serviço jurídico-assistencial público no país. 2.6.1 Constituição Federal
A existência jurídica da Defensoria Pública possui base fundamental na própria Constituição Federal, que delineia os contornos normativos da Instituição e determina a edição de norma regulamentar pelo legislativo federal. De acordo com o art. 134, § 1º, da CRFB, “Lei Complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados”. Em relação à Defensoria Pública da União e às Defensorias Públicas dos Estados, o referido dispositivo constitucional guarda perfeito equilíbrio com o art. 24, XIII, da CRFB, que fixa a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre “assistência judiciária e Defensoria Pública”, atribuindo à União a competência para “estabelecer normas gerais” (art. 24, § 1º) e aos Estados a competência para normatizar os aspectos específicos, de acordo com as particularidades de cada unidade federada (art. 24, § 2º). Nesse ponto, portanto, o art. 134, § 1º, da CRFB simplesmente especifica que, em relação à União, a Lei Complementar deverá organizar de forma plena a Defensoria Pública e, em relação aos Estados, deverá apenas prescrever normas gerais para a organização de suas Defensorias. No que tange à Defensoria Pública do Distrito Federal, entretanto, o art. 134, § 1º, da CRFB apresenta evidente conflito com a nova redação do art. 22, XVII, da CRFB, recentemente introduzida pela Emenda Constitucional nº 69/2012. Em virtude dessa incipiente alteração, a competência para organizar a Defensoria Pública do Distrito Federal deixou de pertencer privativamente à União e passou a integrar a esfera legislativa concorrente da União e do Distrito Federal (art. 24, XIII, da CRFB). Com isso, não cabe mais a União organizar plenamente a Defensoria Pública do Distrito Federal, por meio de Lei Complementar; agora, deve a União estabelecer apenas as normas gerais (art. 24, § 1º, da CRFB), cabendo ao Distrito Federal normatizar os aspectos específicos da matéria (art. 24, § 2º, da CRFB). Portanto, nesse particular, deve o art. 134, § 1º, da CRFB ser interpretado em conformidade com a Emenda Constitucional nº 69/2012, aplicando à Defensoria Pública do Distrito Federal os mesmos princípios e regras que, nos termos da Constituição Federal, regem as Defensorias Públicas dos Estados. De acordo com o art. 61, § 1º, II, d, da CRFB, são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que dispuserem sobre a organização das Defensorias Públicas da União, bem como as leis que realizarem a previsão das normas gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal. Dentro dessa ótica, para que se preserve o paralelismo com a Constituição Federal, a legislação a ser editada em cada uma das unidades da federação, dispondo
sobre a regulamentação específica das Defensorias Públicas estaduais, será de iniciativa dos Governadores dos Estados83. Questão interessante surge quando se analisa a possibilidade de edição de medida provisória que venha a dispor sobre a organização da Defensoria Pública. Segundo determina o art. 62, § 1º, I, c da CRFB, resta vedada a edição de medida provisória relativa a “organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros”. No entanto, embora disponha sobre o Poder Judiciário e o Ministério Público, o referido dispositivo mostra-se silente quanto à Defensoria Pública. Por essa razão, poderíamos de forma desavisada concluir que seria admissível a edição de medida provisória que versasse sobre a organização da Defensoria. Deve-se observar, porém, que o art. 62, § 1º, III, da CRFB impede a edição de medida provisória sobre matéria “reservada a lei complementar”. Sendo assim, tendo o art. 134, § 1º, da CRFB determinado expressamente que apenas Lei Complementar poderia regulamentar a organização da Defensoria Pública, conclui-se que não será possível a edição de medida provisória sobre o tema – mesmo diante da omissão do art. 62, § 1º, I, c da CRFB84. Em tese, apenas poderia ser realizada a edição de medida provisória em relação às matérias não relacionadas à organização da Defensoria Pública. 2.6.2 Lei Complementar nº 80/1994
Em atenção à determinação do art. 134, § 1º, da CRFB, foi editada a Lei Complementar nº 80/1994 (recentemente modificada pela LC nº 132/2009), possuindo duas finalidades distintas: (i) organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios; e (ii) prescrever as normas gerais para a organização das Defensorias Públicas Estaduais85. Assim, ao organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, a Lei Complementar nº 80/1994 mostra-se exaustiva, cuidando detalhadamente de sua estrutura, carreira, atribuições, direitos e responsabilidades (Título II – “Da Organização da Defensoria Pública da União” e Título III – “Da Organização da Defensoria Pública do Distrito Federal e Dos Territórios”). Por outro lado, ao dispor sobre as Defensorias Públicas Estaduais, a Lei Complementar nº 80/1994 traça apenas as normas gerais sobre a matéria, deixando a cargo dos Estados-membros a devida especificação dos pormenores (Título IV – “Das Normas Gerais para a Organização da Defensoria Pública dos Estados”). Como resultado prático, observamos a presença de diversos dispositivos com redação concisa e, não raro, remetendo ao legislador estadual o dever de normatizar o tema86. Essa técnica legislativa pode ser facilmente percebida ao compararmos, por exemplo, as atribuições do Defensor Público Geral da União (art. 8º) e do Defensor Público Geral do Estado (art. 100). In verbis: Art. 8º São atribuições do Defensor Público Geral, dentre outras: I – dirigir a Defensoria Pública da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação; II – representar a Defensoria Pública da União judicial e extrajudicialmente; III – velar pelo cumprimento das finalidades da Instituição; IV – integrar, como membro nato, e presidir o Conselho Superior da Defensoria Pública da União; V – submeter ao Conselho Superior proposta de criação ou de alteração do Regimento Interno da Defensoria Pública Geral da
União; VI – autorizar os afastamentos dos membros da Defensoria Pública da União; VII – estabelecer a lotação e a distribuição dos membros e dos servidores da Defensoria Pública da União; VIII – dirimir conflitos de atribuições entre membros da Defensoria Pública da União, com recurso para seu Conselho Superior; IX – proferir decisões nas sindicâncias e processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União; X – instaurar processo disciplinar contra membros e servidores da Defensoria Pública da União, por recomendação de seu Conselho Superior; XI – abrir concursos públicos para ingresso na carreira da Defensoria Pública da União; XII – determinar correições extraordinárias; XIII – praticar atos de gestão administrativa, financeira e de pessoal; XIV – convocar o Conselho Superior da Defensoria Pública da União; XV – designar membro da Defensoria Pública da União para exercício de suas atribuições em órgão de atuação diverso do de sua lotação ou, em caráter excepcional, perante Juízos, Tribunais ou Ofícios diferentes dos estabelecidos para cada categoria; XVI – requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à atuação da Defensoria Pública; XVII – aplicar a pena da remoção compulsória, aprovada pelo voto de dois terços do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, assegurada ampla defesa; XVIII – delegar atribuições a autoridade que lhe seja subordinada, na forma da lei. XIX – requisitar força policial para assegurar a incolumidade física dos membros da Defensoria Pública da União, quando estes se encontrarem ameaçados em razão do desempenho de suas atribuições institucionais; XX – apresentar plano de atuação da Defensoria Pública da União ao Conselho Superior. Art. 100. Ao Defensor Público Geral do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representando-a judicial e extrajudicialmente.
No primeiro caso, a Lei Complementar nº 80/1994 detalha de forma exaustiva as atribuições do Defensor Público Geral da União; todavia, no segundo caso, ao dispor sobre as atribuições do Defensor Público Geral do Estado, a lei apenas traça uma diretriz de caráter genérico, meramente orientando a atividade suplementar do legislador estadual. Em virtude dessa peculiar estrutura normativa, muitas matérias tratadas detalhadamente em relação à Defensoria Pública da União, à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios são apresentadas superficialmente em relação às Defensorias Públicas dos Estados, deixando ao legislativo estadual a tarefa de regulamentá-la87. Devemos lembrar, nesse ponto, que a redistribuição da competência para legislar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal, realizada recentemente pela Emenda Constitucional nº 69/12, deverá acarretar a modificação da Lei Complementar nº 80/1994. Isso porque não se encontra mais inserida na esfera de competência da União a organização plena da Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 22, XVII, da CRFB); com a modificação operacionalizada pela EC nº 69/2012, deve a União estabelecer apenas as normas gerais (art. 24, § 1º, da CRFB), cabendo ao Distrito Federal normatizar os aspectos específicos de sua Defensoria Pública (art. 24, § 2º, da CRFB). Com efeito, deverão ser suprimidas do Título III da Lei Complementar nº 80/1994 todas as normas que extrapolem a competência genérica da União e avancem sobre aspectos específicos da organização da Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 3º da EC nº 69/2012). Por fim, com base nos ensinamentos do professor GUILHERME PEÑA DE MORAES, é importante
destacar que a Lei Complementar nº 80/1994 caracteriza-se como “lei nacional no que concerne às normas gerais para a organização das Defensorias Públicas estaduais, conquanto aplica-se indistintamente à totalidade dos Estados, alcançando todos os habitantes do território nacional”88. Não se trata, portanto, de lei federal, haja vista não incidir apenas sobre os jurisdicionados da União, mas de lei nacional, pois atinge potencialmente todos os habitantes do país89. 2.6.3 Constituições Estaduais
No exercício do poder constituinte derivado decorrente, os Estados-membros devem dispor sobre a organização da Defensoria Pública em suas respectivas Constituições Estaduais, observando as características, atribuições, direitos e garantias constantes dos arts. 134 e 135 da CRFB. Se o poder constituinte derivado decorrente deixar de realizar a previsão normativa da Defensoria Pública ou realizar essa previsão de maneira diversa daquela estabelecida pelo constituinte originário, estará incidindo em inegável inconstitucionalidade material. Atualmente, a Defensoria Pública possui previsão expressa em todas as Constituições dos Estados que integram a federação: Acre – arts. 126 a 128 da CEAC; Alagoas – arts. 159 a 160 da CEAL; Amapá – arts. 154 a 158 da CEAP; Amazonas – arts. 102 e 103 da CEAM; Bahia – arts. 144 e 145 da CEBA; Ceará – arts. 146 a 149 da CECE; Espírito Santo – art. 123 da CEES; Goiás – art. 120 da CEGO; Maranhão – arts. 109 a 111 da CEMA; Mato Grosso – arts. 116 a 120 da CEMT; Mato Grosso do Sul – arts. 140 a 143 da CEMS; Minas Gerais – arts. 129 a 131 da CEMG; Pará – arts. 190 a 192 da CEPA; Paraíba – arts. 140 a 146 CEPB; Paraná – arts. 127 e 128 da CEPR; Pernambuco – art. 73 da CEPE; Piauí – arts. 153 e 154 da CEPI; Rio de Janeiro – arts. 179 a 181 da CERJ; Rio Grande do Norte – art. 89 da CERN; Rio Grande do Sul – 120 a 123 da CERS; Rondônia – arts. 105 e 106 da CERO; Roraima – arts. 102 e 103 da CERR; Santa Catarina – art. 104 e 104-A da CESC90; São Paulo – art. 103 da CESP; Sergipe – arts. 123 e 124 da CESE; e Tocantins – art. 53 da CETO. Além disso, a Defensoria Pública restou prevista no art. 114 da Lei Orgânica do Distrito Federal. 2.6.4 Leis Estaduais regulamentadoras das Defensorias Públicas dos Estados
Como vimos anteriormente, em virtude da competência concorrente não cumulativa ou vertical do art. 24, XIII, da CRFB, a Lei Complementar nº 80/1994 tratou da organização das Defensorias Públicas Estaduais de maneira meramente genérica, deixando a cargo do legislador estadual o detalhamento normativo da matéria. Assim, atendendo ao disposto no art. 97 da LC nº 80/199491, cada um dos Estados-membros restou incumbido de realizar a edição de sua própria lei estadual, minudenciando as questões organizacionais da Defensoria Pública de sua unidade federada. Logicamente, por se tratar de competência suplementar, encontra-se o legislativo estadual tolhido aos parâmetros genéricos estabelecidos pela União Federal (art. 24, §§ 1º e 2º, da CRFB), não podendo fugir das diretrizes gerais traçadas pela Lei Complementar nº 80/1994. Vale lembrar que, antes do advento da Lei Complementar nº 80/1994, os Estados-membros possuíam competência legislativa plena para dispor sobre a organização das Defensorias Públicas Estaduais, nos termos do art. 24, § 3º, da CRFB92. Dessa forma, como a matéria não havia ainda sido regulamentada pelo ente central, os Estados podiam normatizar sobre os aspectos genéricos e
específicos da Instituição. No entanto, com a edição da referida Lei Complementar, todas as normas jurídicas editadas pelos Estados-membros, que se mostraram contrárias às normas gerais traçadas pela União, tiveram sua eficácia suspensa, nos termos do art. 24, § 4º, da CRFB93. Note, portanto, que o conflito entre a Lei Complementar nº 80/1994 e eventual lei estadual anterior que lhe contrarie não se resolve por meio de revogação, mas por intermédio do instituto da suspensão de eficácia94. Embora possa parecer a mesma coisa, pois em ambos os casos a norma atingida deixará de produzir seus regulares efeitos, existem diferenças básicas que separam ontologicamente os institutos. No caso da revogação, os dispositivos da lei atingida são retirados do ordenamento jurídico de maneira irreversível; logo, em havendo a revogação da lei nova, não haverá a repristinação tácita dos dispositivos da lei antiga (art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657/1942)95. Já no caso da suspensão da eficácia, os dispositivos da lei estadual antiga apenas terão seus efeitos suspensos durante a vigência da lei federal genérica; se futuramente a União revogar a referida norma, os dispositivos da lei estadual, que se encontravam até então suspensos, readquirirão automaticamente sua eficácia, voltando a regular a matéria. Por outro lado, caso haja o conflito entre a Lei Complementar nº 80/1994 e eventual lei estadual editada posteriormente, não será aplicado o instituto da suspensão de eficácia; nesse caso, como já teve a oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal, haverá inconstitucionalidade por violação da competência concorrente não cumulativa do art. 24, XIII, da CRFB. In verbis: É inconstitucional lei complementar estadual, que, ao fixar critérios destinados a definir a escolha do Defensor Público Geral do Estado e demais agentes integrantes da Administração Superior da Defensoria Pública local, não observa as normas de caráter geral, institutivas da legislação fundamental ou de princípios, prévia e validamente estipuladas em lei complementar nacional que a União Federal fez editar com apoio no legítimo exercício de sua competência concorrente. (STF, Pleno, ADI 2.903, Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 1º.12.2005)
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, foi editada a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 regulamentando a organização da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. A referida norma estadual, que possui respaldo no art. 181 da Constituição Estadual96, encontra-se estruturalmente dividida em oitos partes distintas: (i) disposições gerais preliminares, que traça normas gerais sobre a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (arts. 1º a 4º); (ii) organização da Defensoria Pública do Estado, que regulamenta as atribuições e a forma de funcionamento dos órgãos da administração superior e dos órgãos de atuação (arts. 5º a 25); (iii) carreira, dispondo basicamente sobre o provimento nos cargos, a composição da carreira e a forma de preenchimento dos órgãos de atuação (arts. 26 a 81); (iv) direitos, garantias e prerrogativas (art. 82 a 128); (v) deveres, proibições e impedimentos (arts. 129 a 136); (vi) responsabilidade funcional, cuidando do procedimento disciplinar e das sanções cabíveis (arts. 137 a 173); (vii) estágio forense, regulamentando parte fundamental da Defensoria Pública do Estado – os estagiários de direito (arts. 174 a 176); e, por fim, (viii) disposições finais e transitórias (arts. 177 a 190). Atualmente, encontra-se em trâmite no Estado do Rio de Janeiro Projeto de Lei Complementar que pretende adequar os dispositivos da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 às inovações trazidas pela Lei Complementar Federal nº 132/2009, que recentemente modificou a LC nº 80/1994. 2.6.5 Lei nº 1.060/1950
Embora não disponha diretamente sobre a Defensoria Pública, a Lei nº 1.060/1950 possui estreita correlação com o universo jurídico da Instituição, pois regula a concessão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica aos necessitados. Claramente inspirado no Código de Processo Civil de 193997, o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 1.060/1950 define o conceito de necessitado econômico como sendo “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Complementando essa regra, o art. 4º da Lei nº 1.060/1950, com redação dada pela Lei nº 7.510/1986, instituiu o sistema da presunção de hipossuficiência econômica, prevendo que o necessitado poderá usufruir dos benefícios “mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. Dessa forma, em virtude de expressa disposição legal, se revela desnecessária a apresentação de atestado de pobreza ou de qualquer outra prova da necessidade econômica do requerente para que possa gozar da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita, sendo considerado presumidamente pobre aquele que afirme esta condição na petição inicial (art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950). Percebe-se, portanto, que o estudo da Defensoria Pública não pode ser realizado de maneira dissociada da Lei nº 1.060/1950, pois é neste diploma legal que encontramos o conceito de necessitado econômico e o procedimento para a aferição de sua hipossuficiência financeira. Essas são noções fundamentais para que se verifique a admissibilidade da atuação da Defensoria Pública em suas funções típicas, ou seja, aquelas que dependem da insuficiência de recursos do destinatário do serviço. Por derradeiro, é importante lembrar que o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 (incluído pela Lei nº 7.871/1989), fugindo um pouco da temática do resto da lei, contém norma aplicável especificamente à Defensoria Pública98, garantindo ao Defensor Público as prerrogativas de intimação pessoal e da contagem em dobro de todos os prazos. Cabe questionar, no entanto, se o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 seria formalmente constitucional diante do disposto no art. 134, § 1º, da CRFB, que determina caber a lei complementar organizar a Defensoria Pública. Para responder a essa questão, primeiramente, precisamos delimitar quais matérias se encontram inseridas dentro do conceito organizacional de Defensoria Pública e, portanto, submetidas ao procedimento legislativo diferenciado imposto às leis complementares. No sentido léxico, organizar significa sistematizar, constituir, pôr em ordem, estabelecer as bases. No sentido jurídico, analisando especificamente a significação empregada pelo legislador constituinte ao editar o art. 134, § 1º, da CRFB, o termo organizar pode ser empregado em sentido restrito ou em sentido amplo: no primeiro caso, o termo organizar abrangeria apenas a sistematização das bases estruturais da Defensoria Pública, compreendendo tão somente a regulamentação da estrutura, das atribuições e da carreira; no segundo caso, o termo organizar seria empregado de forma mais ampla, englobando também os direitos, as garantias, as prerrogativas, os deveres, as proibições, os impedimentos, os objetivos e a responsabilidade funcional. Desse modo, dependendo da forma como se interprete o termo organizar inserido no art. 134, §
1º, da CRFB, o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 poderá ser tido como formalmente inconstitucional ou não. Se entendermos que normatizar sobre a organização da Defensoria Pública abranja também a regulamentação das prerrogativas dos membros da Instituição, dentre as quais se encontram inseridas a intimação pessoal e a contagem em dobro dos prazos, invariavelmente estaremos reconhecendo a inconstitucionalidade formal do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950, por violação ao art. 134, § 1º, da CRFB. Do contrário, se entendermos que as prerrogativas dos Defensores não se encontram inseridas dentro do conceito de organização, estaremos afastando a exigência de regulamentação por lei complementar e reconhecendo a constitucionalidade formal do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950. Analisando de maneira detida o quadro normativo da Lei Complementar nº 80/1994, observamos que o legislador incluiu dentro do Título II, destinado à “Organização da Defensoria Pública da União”, ao lado dos capítulos destinados a regulamentação da estrutura e da carreira (Capítulos I e II), capítulo próprio dispondo sobre os direitos, garantias e prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União (Capítulo IV). O mesmo se diga em relação à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (Título III, Capítulo IV) e às Defensorias Públicas dos Estados (Título IV, Capítulo IV), que também possuem capítulo próprio regulamentando a matéria. Com efeito, parece ter o legislador empregado o termo organizar em seu sentido mais amplo, alargando seu perímetro denotativo. Além disso, o próprio art. 134, § 1º, da CRFB, após estabelecer que apenas lei complementar poderia dispor sobre a organização da Defensoria Pública, traçou os parâmetros genéricos de estruturação da Instituição, positivando a garantia da inamovibilidade e proibindo os Defensores Públicos de exercerem a advocacia. Logo, o próprio legislador constituinte entendeu conveniente ampliar o sentido organizacional da Defensoria Pública, para inserir dentro do conceito de organização garantias e proibições. Com efeito, parece claro que o termo organizar, inserido no art. 134, § 1º, da CRFB, deva ser compreendido em seu sentido amplo, abrangendo tanto a regulamentação da estrutura, das atribuições e da carreira, como também a normatização dos direitos, garantias, prerrogativas, deveres, proibições, impedimentos, objetivos e responsabilidade funcional. Por essa razão, não poderiam as prerrogativas da Defensoria Públicas serem reguladas por lei ordinária federal, estando a referida matéria submetidas à reserva de lei complementar (art. 134, § 1º, da CRFB). Observe, ainda, que o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 restou incluído no referido diploma pela Lei nº 7.871/1989, portanto, após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. No entanto, independentemente dos questionamentos realizados acerca da constitucionalidade formal do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950, isso não afeta em nada as prerrogativas de intimação pessoal do Defensor Público e da contagem em dobro de todos os prazos, que continuam subsistindo no ordenamento jurídico por estarem previstas expressamente nos arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994, com redação recentemente modificada pela LC nº 132/2009. Aliás, tendo a Lei Complementar nº 80/1994 regulado inteiramente as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro, podemos concluir que o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 restou parcialmente revogado pelos arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994 (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657/1942)99. Apenas não houve a total revogação da norma (ab-rogação), em virtude da expressão “ou quem exerça cargo equivalente”
contida no art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950, que permite a aplicação das prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro em relação a sujeitos estranhos ao quadro da Defensoria Pública e, portanto, não inseridos no regime legal da Lei Complementar nº 80/1994. 2.6.6 Da controvérsia acerca da aplicabilidade da Lei Federal nº 8.906/1994 (EAOAB) em relação à Defensoria Pública
A Lei Federal nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), classifica a atividade desenvolvida pela Defensoria Pública como sendo “atividade de advocacia”, sujeitando os Defensores Públicos ao regime estabelecido pela referida lei, além do regime próprio a que se subordinem. In verbis: Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). § 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.
Com isso, a Lei nº 8.906/1994 pretende que os Defensores Públicos se mantenham subordinados à Ordem dos Advogados do Brasil e sujeitos ao regime disciplinar imposto pela referida entidade. Desse modo, caso restasse evidenciada a prática de alguma infração disciplinar pelo membro da Defensoria Pública (art. 34), poderia o infrator ser submetido a processo administrativo perante o Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho Seccional, em cuja base territorial tenha ocorrido a falta (art. 70), e sofrer a aplicação de sanção disciplinar, havendo a possibilidade, inclusive, de ser excluído e impedido de exercer sua profissão (arts. 35 e ss.). Além disso, por considerar que os integrantes da Defensoria Pública exercem “atividade de advocacia” (art. 3º, § 1º), todos os Defensores Públicos estariam obrigados a possuir e manter regular inscrição perante a Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º, caput)100. Por expressa disposição do art. 4º da Lei nº 8.906/1994, seriam nulos todos os atos privativos de advogado praticados por Defensor Público não inscrito perante a OAB. Para que pudessem obter sua regular inscrição perante a Ordem dos Advogados do Brasil, estariam os Defensores Públicos obrigados a preencher os requisitos do art. 8º da Lei nº 8.906/1994, dentre os quais se encontra a “aprovação em Exame da Ordem”101. Essa exigência, inclusive, consta expressamente do Provimento nº 114/2006, do Conselho Federal da OAB, que dispõe sobre a advocacia pública e nessa categoria inclui os Defensores Públicos: Provimento nº 114, de 10 de outubro de 2006 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Art. 1º A advocacia pública é exercida por advogado inscrito na OAB, que ocupe cargo ou emprego público ou de direção de órgão jurídico público, em atividade de representação judicial, de consultoria ou de orientação judicial e defesa dos necessitados. Art. 2º Exercem atividades de advocacia pública, sujeitos ao presente provimento e ao regime legal a que estejam submetidos: I – os membros da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, da Consultoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil; II – os membros das Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal; III – os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das respectivas
entidades autárquicas e fundacionais; IV – os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas junto aos órgãos legislativos federais, estaduais, distrital e municipais; V – aqueles que sejam estáveis em cargo de advogado, por força do art. 19 do ADCT. Art. 3º O advogado público deve ter inscrição principal perante o Conselho Seccional da OAB em cujo território tenha lotação. Parágrafo único. O advogado público, em caso de transferência funcional ou remoção para território de outra Seccional, fica dispensado do pagamento da inscrição nesta, no ano em curso, desde que já tenha recolhido anuidade na Seccional em que esteja anteriormente inscrito. Art. 4º A aprovação em concurso público de provas e de provas e títulos para cargo na advocacia pública não exime a aprovação em exame de ordem, para inscrição em Conselho Seccional da OAB onde tenha domicílio ou deva ser lotado.
Em virtude dessa exigência, não bastaria ao candidato obter a regular aprovação no concurso público para o cargo de Defensor Público, sendo obrigatória também a aprovação no Exame da Ordem para que pudesse exercer suas funções institucionais. Essa afirmação, inclusive, encontraria respaldo na própria Lei Complementar nº 80/1994, que estabelece como requisito para o ingresso na carreira de Defensor Público Federal o “registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la” (art. 26)102. Seguindo essa linha de pensamento, o professor GUILHERME FREIRE DE MELO BARROS defende a aplicação subsidiária da Lei nº 8.906/1994 (EAOAB) em relação aos membros da Defensoria Pública: Aplicação subsidiária do Estatuto da Advocacia: o defensor público atua na assistência jurídica do hipossuficiente prestando-lhe esclarecimentos técnicos e patrocinando-lhes demandas judiciais. É, pois, um advogado, se bem que público, tal como os procuradores dos entes públicos. Daí estar submetido também ao Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) – naturalmente em matérias não disciplinadas por suas legislações específicas (LC 80/1994 e legislações estaduais respectivas). A imposição de sanção disciplinar por um órgão não impede que outro venha a analisar a matéria, dentro de sua esfera de controle. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Bahia: Jus Podivm, 2010, pág. 63)
No mesmo sentido, leciona o professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, em parecer emitido por solicitação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil103: Os Defensores Públicos são advogados e, como tais, hão de ficar sob a disciplina da Advocacia estabelecida em seu Estatuto. Ninguém pode, por princípio, procurar em juízo sem a devida inscrição na Entidade da Advocacia. (…) O art. 133 da Constituição estatui que o advogado é indispensável à administração da justiça. Temos então que verificar se os Defensores Públicos são ou não indispensáveis à administração da justiça em favor dos necessitados. Se não o são, vamos extinguir as Defensorias Públicas. Se o são, vamos mantê-las e fortalecê-las, porque prestam um serviço social da mais alta importância. Ora, se concluirmos que os Defensores Públicos são indispensáveis à administração da justiça, e o são, podemos afirmar peremptoriamente, então é porque estão enquadrados na dicção do art. 133 da Constituição, ou seja, é porque são advogados. E o que é um advogado? A resposta não requer grandes cogitações, porque basta dizer: o advogado é a pessoa que tem capacidade postulatória em juízo. O advogado é um profissional habilitado para o exercício do ius postulandi. Daí se tira que a Advocacia é um múnus e uma profissão; no dizer de Couture: “é uma árdua fadiga posta a serviço da Justiça”. Advogado é, especialmente, a pessoa formada em direito inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, porque é essa inscrição que transforma o simples bacharel em advogado. É essa inscrição que confere ao bacharel o direito de postular em juízo. A Constituição não disse que a pessoa titular de um diploma de direito é indispensável à administração da justiça. Disse que o advogado é que é indispensável à administração da justiça e isto significa: só o advogado pode postular em juízo. Esse é o sentido da regra constitucional, portanto quem não for advogado, ou seja, quem não for formado em direito e inscrito na Ordem dos Advogados não tem legitimidade para postular em juízo, não bastando, portanto, nomeação de um bacharel em direito para o serviço público, para que tenha legitimação para postular em juízos. Repitamos: sem inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, nenhuma pessoa, só por ser formada em direito, tem legitimidade para o exercício do ius postulandi. (SILVA, José Afonso da. Parecer emitido por solicitação do Conselho
Federal da OAB, analisando as disposições da LC nº 80/1994, emissão: 14.08.2010)
Embora possa parecer convincente para os mais desavisados, a argumentação meramente indutiva e puramente legalista que fundamenta esse posicionamento se revela mais frágil do que aparenta. Primeiramente, devemos lembrar que o art. 134, § 1º, da CRFB determina que a Defensoria Pública seja regulamentada por intermédio de lei complementar. Com isso, o poder constituinte originário impôs requisito formal para a validade das normas infraconstitucionais que disponham sobre a Defensoria Pública, exigindo que sejam aprovadas pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 69 da CRFB), não sendo suficiente a maioria simples exigida em relação às leis ordinárias (art. 47 da CRFB). Essa exigência formal de regulamentação por espécie normativa diferenciada objetiva conferir maior rigidez aos preceitos legais relacionados à Defensoria Pública, que em virtude de sua importância no ordenamento jurídico não podem comportar alterações volúveis e constantes através do processo legislativo ordinário. Justamente por isso, sendo o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) qualificado normativamente como lei ordinária, não poderia dispor sobre a Defensoria Pública. Ao prever que os Defensores Públicos estariam subordinados à Ordem dos Advogados do Brasil e sujeitos ao regime jurídico imposto pela referida entidade, a Lei nº 8.906/1994 incidiu em flagrante inconstitucionalidade formal, violando o disposto no art. 134, § 1º, da CRFB104. Nesse sentido, leciona o professor CLÉBER FRANCISCO ALVES, com sua peculiar argúcia: Diferentemente do que pensam alguns integrantes das classes jurídicas, o Defensor Público não é um advogado no sentido específico do termo. Por isso, entendemos que a norma do art. 3º, § 1º, da Lei nº 8.906/1994 – que é o Estatuto da Advocacia – ao estabelecer que os membros da Defensoria Pública estão sujeitos ao regime jurídico daquela Lei, não deve ser considerada como válida e eficaz, pois padece de vício de inconstitucionalidade formal. A Constituição Federal determina que a Defensoria Pública será regulada mediante lei complementar que, no caso, é a Lei Complementar nº 80/1994. Não há nessa Lei nenhum dispositivo estabelecendo obrigatoriedade de os Defensores Públicos Estaduais serem vinculados à Ordem dos Advogados do Brasil para exercerem seu múnus constitucional. Destarte, não poderia uma lei ordinária posterior estabelecer qualquer exigência nesse sentido. (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para todos! Assistência jurídica gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 325)
Além de não respeitar o procedimento legislativo constitucionalmente estabelecido para a edição de normas relativas à Defensoria Pública, a Lei nº 8.906/1994 apresenta patente incompatibilidade de conteúdo com a Constituição Federal. Ao dispor sobre as “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV – Capítulo IV), a Constituição Federal inseriu dentro desse moderno complexo orgânico quatro funções distintas: o Ministério Público (Seção I), a Advocacia Pública (Seção II), a Advocacia (Seção III) e a Defensoria Pública (Seção III). Portanto, a organização tópica e o próprio conteúdo do capítulo destinado às “Funções Essenciais à Justiça” revelam a intenção do constituinte em separar a Defensoria Pública da advocacia comum105. Se a atuação funcional da Defensoria Pública refletisse verdadeiro labor advocatício, a Seção III não precisaria ser denominada “Da Advocacia e da Defensoria Pública”; bastaria que a referida seção fosse intitulada “Da advocacia” e nenhuma distinção adicional precisaria ser realizada. Ao formalizar a criação de duas denominações distintas, o constituinte pretendeu definir explicitamente a instituição de duas funções também distintas, que possuem apenas
em comum a adjetivação “essencial à justiça”106. Aliás, após a edição da Emenda Constitucional nº 19/1998, os membros da Defensoria Pública não podem sequer ser qualificados como advogados públicos, tendo em vista ser esta nomenclatura constitucionalmente reservada aos membros da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (arts. 131 e 132 da CRFB)107. Seguindo essa linha de raciocínio, ensina o ilustre professor PAULO GALLIEZ, in verbis: De fato, de acordo com os artigos 131 e 132, Seção II, da Carta de 1988, somente os integrantes das carreiras da AdvocaciaGeral da União e das Procuradorias dos Estados e dos Distrito Federal praticam atos de advocacia pública, estando assim excluídos dessa qualificação os Defensores Públicos, que são na realidade agentes políticos do estado, posto não serem procuradores nem advogados. (GALLIEZ, Paulo. Op. cit., pág. 46)
Ademais, a função constitucional exercida pela Defensoria Pública não comporta qualquer espécie de vinculação ou subordinação à entidades externas. Precisamente por essa razão, as Emendas Constitucionais nº 45/2004, nº 69/2012 e nº 74/2013 reconheceram expressamente a autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas dos Estados, da Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 2º da EC nº 69/2012 c/c art. 134, § 3º, da CRFB) e da Defensoria Pública da União (art. 134, § 3º, da CRFB). Se a Defensoria Pública pretende garantir o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e a perpetuidade incondicional do Estado Democrático de Direito (art. 3º-A da LC nº 80/1994), não pode estar submetida à qualquer espécie de pressão exógena ou sujeita à qualquer tipo de retaliação, em revide à eventual atuação incômoda dos Defensores Públicos. Dentro dessa ordem de ideias, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de proclamar, por diversas vezes, a autonomia da Defensoria Pública em face do Poder Executivo e da própria Ordem dos Advogados do Brasil: Ação direta de inconstitucionalidade. Organização e estrutura da administração pública. Defensoria pública do Estado de Minas Gerais. Leis delegadas nº 112 e nº 117, ambas de 2007. 1. Lei Delegada nº 112/2007, art. 26, inc. I, alínea h. Defensoria Pública de Minas Gerais órgão integrante do Poder Executivo mineiro. 2. Lei Delegada nº 117/2007, art. 10: expressão “e a Defensoria Pública”, instituição subordinada ao Governador do Estado de Minas Gerais, integrando a Secretaria de Estado de Defesa Social. 3. O art. 134, § 2º, da Constituição da República, é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. 4. A Defensoria Pública dos Estados tem autonomia funcional e administrativa, incabível relação de subordinação a qualquer Secretaria de Estado. Precedente. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF – Pleno – ADI nº 3965/MG – Relatora Min. Cármen Lúcia, decisão: 07-03-2012) Ação de descumprimento de preceito fundamental – ADPF. Art. 109 da Constituição do Estado de São Paulo e art. 234 da Lei Complementar Estadual nº 988/2006. Defensoria Pública. Assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Previsões de obrigatoriedade de celebração de convênio exclusivo com a seção local da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. Inadmissibilidade. Desnaturação do conceito de convênio. Mutilação da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria. Ofensa consequente ao art. 134, § 2º, c/c o art. 5º, LXXIV, da CF. Inconstitucionalidade reconhecida à norma da lei complementar, ulterior à EC nº 45/2004, que introduziu o § 2º do art. 134 da CF, e interpretação conforme atribuída ao dispositivo constitucional estadual, anterior à emenda. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida como ADPF e julgada, em parte, procedente, para esses fins. (STF – Pleno – ADI nº 4163/SP – Relator Min. Cezar Peluso, decisão: 29-02-2012)
Importante salientar, ainda, que ao consagrar o princípio de que “o advogado é indispensável a administração da justiça”, o art. 133 da CRFB não entregou nas mãos desses profissionais o monopólio para a postulação em juízo. Conforme posicionamento consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, “a constitucionalização desse princípio não modificou a sua noção, não ampliou o seu alcance e nem tornou compulsória a intervenção do advogado em todos os processos”108. Por
isso, nem todo aquele que formula postulação em juízo necessita obrigatoriamente ser advogado. Na verdade, o próprio ordenamento jurídico nos apresenta diversas hipóteses em que o jus postulandi é exercido por pessoas estranhas aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (habeas corpus, revisão criminal, demanda proposta perante o Juizado Especial Cível etc.)109. Dessa forma, podemos concluir que todos dispositivos da Lei nº 8.906/1994 que pretendem assegurar aos advogados exclusividade para a postulação em juízo, que visam equiparar a atividade desenvolvida pela Defensoria Pública à atividade advocatícia e que ambicionam manter os Defensores Públicos subordinados à Ordem dos Advogados do Brasil padecem de manifesta inconstitucionalidade material, por violarem o art. 134, §§ 2º e 3º da CRFB c/c art. 2º da EC nº 69/2012 e por subverterem toda a sistemática normativa inerente às funções essenciais à justiça. Deixando de lado a análise constitucional da matéria e adentrando o campo da teoria geral do direito, subsistem ainda outros argumentos de consistente base hermenêutica que afastam a aplicabilidade da Lei nº 8.906/1994 em relação à Defensoria Pública. Com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, o legislador inseriu na Lei Complementar nº 80/1994 dispositivo expresso garantindo aos membros da Defensoria Pública capacidade para postular em juízo, independentemente de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil: Art. 4º, § 6º, da LC nº 80/1994: A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público.
Em virtude do conflito existente entre o art. 4º, § 6º, da LC nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009) e os dispositivos constantes da Lei nº 8.906/1994, essas normas não podem coexistir simultaneamente na intimidade de um mesmo ordenamento jurídico. Para resolver essa antinomia, a teoria geral do direito reconhece a existência de dois critérios distintos: (i) hierárquico; e (ii) cronológico. Pelo critério hierárquico, quando estamos diante de regras de diferente escalão normativo, prevalece a regra hierarquicamente superior; por outro lado, pelo critério cronológico, quando o conflito ocorre entre regras alocadas no mesmo patamar da pirâmide jurídica, prepondera a regra temporalmente posterior, sendo o dispositivo legal precedente considerado revogado (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – DecretoLei nº 4.657/1942)110. Nesse diapasão, se entendermos que lei complementar e lei ordinária possuem idêntica graduação normativa, pelo critério cronológico o art. 4º, § 6º, da LC nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009) deverá preponderar sobre os dispositivos contidos na Lei nº 8.906/1994, por se tratar de norma temporalmente posterior. De outra forma, se entendermos que a lei complementar possui escalão normativo mais elevado, pelo critério da hierarquia deverá também prevalecer o art. 4º, § 6º, da LC nº 80/1994, por estar inserido em diploma legal hierarquicamente superior. De qualquer maneira, portanto, acaba preponderando a norma que reconhece capacidade postulatória ao Defensor Público, independentemente de qualquer espécie de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Ao analisar a questão, o professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO apresentou o seguinte parecer:
Para a unidade e coerência do Direito não podem conviver normas (de um mesmo ordenamento jurídico) incompatíveis entre si, sejam elas de diferente ou igual hierarquia. O Direito não tolera a coexistência de disposições que, na intimidade de um mesmo sistema, se antagonizem reciprocamente. Daí que, para resolver os possíveis conflitos que irrompam, costuma-se dizer que no âmbito da própria teoria geral do Direito são reconhecidos dois distintos critérios (o da sucessividade e o da hierarquia), os quais, de resto, não são utilizáveis indiferentemente; aplicam-se, um ou outro, conforme a posição das normas em conflito; a saber: (a) quando se esteja perante conflito entre normas sediadas em escalões diversos da pirâmide jurídica, o critério para solvê-lo é o da hierarquia das normas. (…) Assim, o conflito entre normas de distinta hierarquia resolve-se pela não aplicabilidade da norma inferior, que é eliminada do sistema (seja por haver nascido inválida, seja por haver se tornado inválida, caso em que não mais poderá deflagrar os efeitos que lhe corresponderiam). (b) quando o conflito é entre normas alocadas no mesmo escalão da pirâmide jurídica, o critério para solvê-lo é o da sucessividade. A norma posterior revoga a anterior. (…) Vindo-se a aplicar os critérios mencionados, de duas uma: ou se considera que a lei ordinária, lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, isto é, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil é norma da mesma hierarquia da Lei Complementar nº 80 de 12.01.94, com redação atualizada que lhe confere a Lei Complementar nº 132, de 07.10.2009, ou se considera que esta última é lei de hierarquia superior. A entender-se que são uma e outra leis de equivalente hierarquia, o critério para solver o conflito é, pois, o da sucessividade; ou seja: prevalece a norma posterior. Neste caso, a disposição segundo a qual a “capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público” evidentemente prepondera sobre a norma que estatui que a atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. A entender-se, de outra sorte, ou seja, que são normas de igual hierarquia, mas que, como sustentam muitos, as leis complementares são superiores às leis ordinárias, novamente solver-se-á o conflito com a prevalência da lei reguladora do exercício de cargo de Defensor Público sobre o Estatuto da OAB. Ou seja: nem em uma, nem em outra hipótese considerar-se-á obrigatório que o Defensor Público esteja presentemente inscrito na OAB para exercer sua capacidade postulatória. Em suma: nenhum dos critérios de interpretação mencionados concorre em prol da norma residente na lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, mas ambos abicam na conclusão oposta. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer emitido por solicitação da Associação dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo, emissão: 08.07.2011)
No que tange ao art. 26 da LC nº 80/1994, que estabelece como requisito para o ingresso na carreira de Defensor Público Federal o “registro na Ordem dos Advogados do Brasil”, entendemos que o referido dispositivo restou também revogado pela Lei Complementar nº 132/2009. Isso porque, ao estabelecer que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”, o art. 4º, § 6º, da LC nº 80/1994 tornou absolutamente dispensável o registro do membro da Defensoria Pública nos quadros da OAB, seja no momento da inscrição para a realização do concurso público ou após o efetivo ingresso na carreira111. Por fim, analisando a questão sobre a ótica eminentemente prática, podemos observar que as atividades desenvolvidas pelos advogados e pelos Defensores Públicos apresentam características fundamentalmente distintas. De acordo com o art. 5º da Lei nº 8.906/1994, “o advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato”, devendo possuir procuração assinada pelo cliente para que possa praticar regularmente os atos processuais. O Defensor Público, por sua vez, não atua mediante procuração; seus poderes decorrem diretamente de lei, bastando ao assistido afirmar sua hipossuficiência para que constitua o patrocínio da Defensoria Pública no processo. Não havendo mandato, não há também substabelecimentos, termos de renúncia ou possibilidade de revogação do mandato pelo assistido. Além disso, o art. 22 da Lei nº 8.906/1994 estabelece que “a prestação de serviço profissional
assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. No entanto, segundo expressamente determina a Lei Complementar nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é vedado “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições” (arts. 46, III, 91, III, e 130, III). Outrossim, com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, essa separação ontológica entre advogados e Defensores Públicos restou ainda mais evidenciada, sendo significativamente ampliadas as funções institucionais de caráter eminentemente coletivo da Defensoria Pública. A reafirmação da legitimidade para a propositura de demandas coletivas (art. 4º, VII, VIII, X e XI), a autorização legal para convocar audiências públicas (art. 4º, XXII) e para participar dos conselhos de direitos (art. 4º, XX) demonstram que a atuação funcional da Defensoria Pública não mais se encontra adstrita à defesa dos direitos subjetivos individuais das pessoas economicamente necessitadas. Com essa nova racionalidade funcional, a ideia simplória de que os Defensores Públicos seriam simples advogados dos pobres restou definitivamente soterrada112. Em síntese conclusiva, portanto, seja pela inconstitucionalidade formal e material dos dispositivos da Lei nº 8.906/1994, seja pelo efeito revogatório produzido pelo art. 4º, § 6º, da Lei nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009) ou, ainda, pela própria lógica do sistema jurídico-processual, a atividade desenvolvida pela Defensoria Pública não deve ser equiparada à atividade advocatícia, não havendo qualquer espécie de vinculação ou subordinação dos Defensores Públicos à Ordem dos Advogados do Brasil113. Nesse ponto, vale transcrever a preleção do professor PAULO GALLIEZ, in verbis: Para que a Defensoria Pública possa seguir serenamente seu trajeto em direção ao progresso e ao futuro, é preciso que entidades representativas de profissionais assemelhados, como a Ordem dos Advogados do Brasil, compreendam e admitam sua autonomia e independência obtidas após anos de luta, culminado com a inscrição na Carta Magna de 1988, acontecimento de extraordinária importância para a Instituição. Apesar do respeito e admiração que possam desfrutar essas entidades, é de se frisar no entanto que a tentativa de intromissão será repelida a todo tempo, tendo em vista que a Defensoria Pública já se acha suficientemente estruturada, inclusive com legislação própria, estando apta para organizar e disciplinar a atividade profissional de seus pares. (GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. As Prerrogativas da Defensoria Pública em Face da Lei nº 7.871, de 08.11.1989. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, ano V, n. 6, pág. 119)
Atualmente, a questão é objeto da ADI nº 4.636/DF, que analisa a constitucionalidade do art. 4º, § 6º, da Lei nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009). Embora a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade ainda esteja pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, já existe parecer proferido pelo Ministério Público Federal reconhecendo a “ausência de prescrição constitucional no sentido de que os membros da Defensoria Pública estejam inscritos na OAB, para fins de obtenção de capacidade postulatória”114. 2.7 DA IMPOSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE DEFENSORIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS A Constituição Federal, em seu art. 24, XIII, outorgou à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre “assistência jurídica e Defensoria Pública”, excluindo essa matéria, portanto, da esfera de competência municipal. Deve-se observar, outrossim, que o art.
30 da CRFB, ao listar as competências dos Municípios, nenhuma menção realiza ao serviço de assistência jurídica municipal. Além disso, quando efetua o delineamento organizacional da Defensoria Pública, o art. 134 da Constituição Federal faz referência apenas às Defensorias Públicas dos Estados, da União, do Distrito Federal e Territórios, não sendo realizada qualquer alusão à possibilidade de implementação de Defensorias Públicas no âmbito municipal. O silêncio do legislador constituinte aqui é eloquente. Se a Constituição Federal não outorga aos Municípios a competência para legislar sobre assistência judiciária e Defensoria Pública (art. 24, XIII e art. 30 da CRFB), e, ao mesmo tempo, não prevê a criação de Defensorias Públicas no âmbito municipal (art. 134, § 1º, da CRFB), é intuitiva a pretensão do legislador constituinte no sentido vedar a veiculação de tal matéria pelo ente político municipal115. Esse posicionamento, inclusive, possui respaldo na análise histórica dos serviços públicos de assistência judiciária no Brasil, tendo em vista que a própria Constituição de 1934 já previa em seu art. 113 que apenas a União e os Estados concederiam aos necessitados assistência judiciária, mediante a criação de órgãos especiais116. Por questão de similitude com o Poder Judiciário e com o Ministério Público, deve a Defensoria Pública ser organizada apenas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios117. Nesse aspecto, a autonomia política dos municípios é limitada, não sendo admissível que a estrutura organizacional da Federação brasileira seja desestabilizada para que se transfira aos entes políticos municipais a competência para orientar juridicamente os necessitados. De acordo com a doutrina de CLÉBER FRANCISCO ALVES, esse padrão constitucional de organização do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública apenas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, excluindo-se os Municípios, além de encontrar-se profundamente ligado ao federalismo, possui intrínseca relação com a necessária autonomia e independência que se deve preservar para o exercício dessas funções da justiça: Uma Defensoria Pública Municipal, ou mesmo qualquer outro órgão prestador de assistência jurídica e judiciária em nível municipal, dificilmente poderia conceder a seus membros as condições institucionais indispensáveis para o bom exercício de suas funções, notadamente no que se refere à independência e autonomia. Ficariam os “advogados” integrantes desse tipo de serviço muito mais vulneráveis às pressões e interesses locais; isto fatalmente comprometeria o desempenho de suas atribuições, circunstância que ocorreria igualmente se houvesse a figura do juiz municipal ou do promotor de justiça municipal. (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 314)
Conclui-se, portanto, que em virtude do silêncio proposital e expressivo do legislador constituinte, não se revela possível aos Municípios efetuar a criação de Defensorias Públicas municipais ou de qualquer outra espécie de serviço público para prestação de assistência judiciária, sob pena de inconstitucionalidade118. Na verdade, diante do disposto no art. 1º da Lei nº 1.060/1950119, o que se admite apenas é a “colaboração” dos Municípios, auxiliando os Estados e a União na adequada prestação da assistência jurídica gratuita aos necessitados. Essa colaboração, segundo destaca CLÉBER FRANCISCO ALVES, pode ser prestada por intermédio de “parcerias para melhorar a infraestrutura física dos locais de funcionamento da Defensoria Pública, na cessão de recursos humanos, especialmente estagiários de direito, para apoiar o trabalho dos Defensores Públicos, além de auxílio para o melhor
aparelhamento tecnológico, inclusive com a cessão de equipamentos, de mobiliário etc.”120. O que não se pode admitir é que o Município institua serviço autônomo de prestação de assistência jurídica gratuita aos necessitados, exercendo, sem permissão legal e sem respaldo constitucional, atividade típica da Defensoria Pública. Nesse sentido, a Assessoria de Direito Constitucional e de Direito Administrativo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro emitiu histórico parecer, subscrito pela a eminente Defensora Pública GLAUCE MENDES FRANCO, sustentando a inconstitucionalidade da Resolução nº 1.644/1988, que pretendia criar a Coordenadoria de Assistência Judiciária da Procuradoria-Geral da Câmara Municipal de Niterói: Da inconstitucionalidade da Resolução nº 1.644/1988, da Câmara Municipal de Niterói. Incompetência Municipal para a criação de Defensorias Públicas Municipais, ainda que com outra denominação, para a prestação de assistência judiciária aos juridicamente necessitados. Impossibilidade da criação, pela Câmara Municipal, a pretexto de organizar seus serviços auxiliares, de uma “Coordenadoria de Assistência Judiciária”, incumbida da postulação e defesa dos direitos dos juridicamente necessitados, perante o Poder Judiciário Estadual. (…) Ao Município, à evidência, é vedada a criação de órgãos de postulação e defesa em juízo dos direitos dos juridicamente necessitados, verdadeiras Defensorias Públicas. A prestação de assistência judiciária que é devida a todos os indivíduos do Estado não é, logicamente, matéria de predominante interesse do Município, nem pode ser considerada em níveis concorrentes diferentes, onde, sob alguns ângulos, predomine um interesse municipal que descarte as pretensões federais e regionais ou que a estas venha, sob um prisma próprio, especificar ou complementar. O Município tem interesse no atendimento jurídico de sua população tanto quanto o tem, por exemplo, relativamente ao serviço postal, que é serviço federal. De sua competência, porém, só se admitem os assuntos em que o interesse local seja específico ou mais relevante que o federal ou o regional. Não é o caso. Fundamentalmente, é de se considerar que os serviços jurídicos e judiciários não são, por natureza, de interesse municipal, salvo no que diz respeito à defesa judicial e extrajudicial dos seus próprios interesses ou dos interesses dos órgãos do governo local. (…) Na Federação Brasileira, a estrutura do Poder Judiciário é estabelecida apenas a nível federal e estadual. Não exercendo funções judiciárias, não tem o Município interesse em manter serviços correlatos a estas funções. Ao contrário, não dispondo o Município sequer de uma estrutura judiciária própria, a viabilização do acesso da população carente a um serviço de justiça que não lhe pertence, não lhe diz respeito. (FRANCO, Glauce Mendes. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1988, ano I, n.2, pág. 159/169 – emissão do parecer: 13-07-1988)
Do mesmo modo, já se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar a Representação por Inconstitucionalidade nº 28/1991, que suspendeu liminarmente os efeitos da Portaria nº 118/1989, que havia institucionalizado a Defensoria Pública municipal em Campos dos Goytacazes: Suspendo os efeitos da Portaria municipal n. 118/1989, do Sr. Prefeito Municipal de Campos dos Goytacazes, que dispôs sobre a atividade típica da Defensoria Pública, na assistência judiciária devida aos necessitados pelo Estado. O sistema federativo fica alcançado e o ato normativo impugnado, além de criar ônus para o próprio Município, interfere em atribuições constitucionais específicas da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que há anos mantém defensores públicos em cada órgão do Poder Judiciário, além de núcleo de atendimento em Campos. Há prejuízo até em termos de reputação profissional da operosa classe dos defensores públicos, a justificar o deferimento da liminar, sem olvidar a fumaça do bom direito, diante dos textos da Constituição do Estado havidos como violados na representação.” (TJ/RJ – Órgão Especial – ReprInconst 28/91 – Relator Des. Pedro Américo Rios Gonçalves, decisão: 04-09-1991)
Por fim, importante salientar que a Proposta de Emenda à Constituição nº 12/2007, que pretendia criar Defensorias Públicas Municipais nos municípios com mais de 500 mil habitantes, restou arquivada após a emissão de parecer reconhecendo sua manifesta inconstitucionalidade material, por afrontar a forma federativa de Estado e por criar obrigação para os municípios ferindo o princípio da simetria constitucional. In verbis:
As alterações pretendidas pela presente Proposta de Emenda à Constituição são manifestamente inadmissíveis ao pretenderem instituir a Assistência Jurídica integral e gratuita aos necessitados por meio de Defensorias Públicas Municipais, transferindo a responsabilidade conferida pelo Legislador Constituinte Originário aos Estados-Membros, Distrito Federal e União para os Municípios. (…) Devemos lembrar que não há Poder Judiciário e nem Ministério Público Municipais, não sendo por acaso tal opção constitucional. Assim, não seria nada razoável a criação de uma Defensoria Pública municipal em desconformidade com o sistema políticoadministrativo no contexto do sistema de Justiça. Nesse sentido, não se justifica, seja sob o ponto de vista das finanças públicas, seja do ponto de vista da função institucional, que dois entes federativos sejam concorrentes na prestação do mesmo serviço público. A melhor solução, ao contrário, é o fortalecimento das Defensorias Públicas de incumbência dos Estados-membros, que já possuem a competência constitucional, opção que o legislador brasileiro vem tomando nos últimos vinte anos (…). (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Relator Dep. VALTENIR PEREIRA, emissão: 16-07-2008)
QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – VI CONCURSO): É constitucional a criação de Defensoria Pública pelo Município? Questão 02 (DPGE/RJ – XVII CONCURSO): Qual o sentido da Defensoria Pública no Estado Neoliberal, onde a redução do espaço público é cada vez mais acentuada? Questão 03 (DPGE/RJ – XVIII CONCURSO): Explique a distinção constitucional entre a natureza da atuação do Defensor Público e a do advogado. Questão 04 (DPGE/RJ – XXIII CONCURSO): Considerando o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994) e a Lei Complementar 80/1994, como dirimir eventual conflito no caso de o candidato ao cargo de Defensor Público não ter registro na OAB no momento de sua posse? Fundamente. Questão 05 (DPGE/MG – 2009): O defensor público pode ser considerado agente público de transformação social. Por que a Defensoria Pública é essencial à consolidação de um Estado Democrático de Direito? Fundamente sua resposta, analisando as garantias e os princípios constitucionais pertinentes. Questão 06 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): O Defensor Público coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública de certo Estado, em virtude de grave rebelião ocorrida dentro do presídio, decide que os Defensores em exercício no referido Núcleo, por cautela, não ingressarão naquele estabelecimento penitenciário até a cessação completa do conflito. Tal postura desagrada algumas autoridades do Estado. Semanas depois, entra em vigor lei estadual que estabelece a vinculação do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, com a submissão de seus membros à tutela do Secretário de Estado titular da Pasta. No que concerne a esse diploma normativo, é correto afirmar
que: (A) a matéria não pode ser tratada por lei estadual, uma vez que compete á União legislar privativamente sobre assistência jurídica e Defensoria Pública; (B) o diploma é constitucional, pois compete privativamente aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre Direito Penitenciário e Defensoria Pública; (C) a lei padece de vício de inconstitucionalidade, na medida em que viola a Lei Complementar nº 80/1994, que prescreve normas para organizar a Defensoria Pública, sem violar ditames constitucionais; (D) o diploma estrutura a administração direta do Estado e organiza a Defensoria Pública, sem violar ditames constitucionais; (E) a lei ofende a Constituição Federal, pois viola a autonomia da Defensoria Pública. Questão 07 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): “Às Defensorias Públicas são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no artigo 99, § 2º.” (art. 134, § 2º, da Constituição Federal). Esse artigo trata das Defensorias Públicas: (A) somente da União; (B) somente dos Estados; (C) da União e dos Estados; (D) dos Estados e do Distrito Federal; (E) da União, dos Estados e do Distrito Federal. Questão 08 (DPGE/SE – 2005): Julgue as assertivas abaixo: (A) A disciplina sobre organização e funcionamento da Defensoria Pública no âmbito dos estados e do DF é matéria inserida na competência concorrente, de forma que compete à União legislar, por meio de lei complementar, sobre normas gerais, e aos estados e o DF, sobre normas específicas. (B) É vedada a edição de medida provisória que disponha sobre a organização do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como sobre a carreira e as garantias de seus membros. Questão 09 (DPGE/AC – 2006): Acerca da disciplina da Defensoria Pública e dos precedentes dos Tribunais Superiores, assinale a opção correta: (A) A Constituição estadual pode, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), ampliar as atribuições da Defensoria Pública, como, por exemplo, determinar a defesa de servidor público por ato de improbidade que tenha cometido em razão do exercício do cargo público. (B) Em regra, a Defensoria Pública da União deve acompanhar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgamento dos recursos interpostos por defensores públicos estaduais, bem como deve
ser intimada das decisões e acórdãos por ele proferidos. (C) O poder de legislar sobre Defensoria Pública insere-se no âmbito da competência concorrente, cabendo à União legislar sobre normas gerais e, aos estados e ao Distrito Federal, legislar sobre questões específicas. (D) Para o STF, a ação civil de ressarcimento de dano, em face de crime, quando o titular do direito for pobre, poderá ser promovida pelo Ministério Público, mesmo quando a Defensoria Pública competente estiver devidamente instalada e em pleno funcionamento. Questão 10 (DPGE/BA – 2006): Segundo dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, relativamente às Defensorias Públicas: I – Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. II – Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. III – A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. Analisando as assertivas acima, verifica-se que: (A) Todas estão corretas. (B) Apenas a I está correta. (C) apenas a II está correta. (D) apenas III está correta. (E) Apenas II e III estão corretas. Questão 11 (DPGE/SP – 2006): A Defensoria Pública possui: (A) iniciativa de lei referente a sua estrutura. (B) iniciativa de sua proposta orçamentária. (C) iniciativa de lei referente à criação e extinção de cargos e à fixação de vencimentos e vantagens. (D) prerrogativa de se manifestar sobre projetos de lei referentes a sua estrutura. (E) poder de veto sobre projetos de lei referentes a sua estrutura. Questão 12 (DPGE/RO – 2007): Lei complementar que trate de normas gerais para a organização da Defensoria Pública do Estado é da iniciativa privativa do seguinte órgão: (A) Senado Federal; (B) Governo do Estado;
(C) Congresso Nacional; (D) Assembleia Legislativa; (E) Presidência da República. Questão 13 (DPGE/CE – 2007): Em relação à Defensoria na Constituição Federal de 1988, julgue o item que se segue: (A) A Defensoria Pública da União tem autonomia funcional e administrativa. Questão 14 (DPGE/MS – 2008): Tendo em vista o que disciplina a Constituição Federal a respeito da Defensoria Pública, analise as afirmativas a seguir: I – A Defensoria Pública é instituição auxiliar à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, na forma da lei. II – Lei complementar organizará a Defensoria Pública dos Estados, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e da vitaliciedade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. III – Às Defensorias Públicas da União e dos Estados são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. IV – Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, excluídos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos da Defensoria Pública, ser-lhe-ão entregues, em duodécimos, até o dia 20 de cada mês. Pode-se afirmar que: (A) apenas III está correta. (B) apenas IV está correta. (C) apenas I e II estão corretas. (D) nenhuma afirmativa está correta. Questão 15 (DPGE/ES – 2009): Julgue as assertivas abaixo: (A) No exercício da autonomia funcional, administrativa e orçamentária, as Defensorias Públicas submetem-se ao limite de gastos com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. (B) A autonomia funcional e administrativa e a iniciativa da própria proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias são asseguradas às Defensorias Públicas Estaduais e afiançam a legitimidade destas para iniciativa de projeto de lei para criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, política remuneratória e plano de carreira. Questão 16 (DPGE/MA – 2009): A autonomia funcional da Defensoria Pública, assegurada pela Constituição Federal, significa que:
(A) os Defensores Públicos têm independência funcional; (B) os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário não são hierarquicamente superiores aos Defensores Públicos; (C) o Defensor Público Geral deve ser eleito pela carreira, através de lista tríplice, nomeando o Governador o mais votado; (D) o controle da utilização dos recursos orçamentários da Defensoria Pública será interno e exercido pelo Conselho Superior; (E) a Defensoria Pública deve conduzir suas atividades na forma da lei, visando à plena realização das suas atribuições institucionais, sem subordinação alguma ao Poder Executivo, cujos atos normativos não a alcançam. Questão 17 (DPGE/AL – 2009): Julgue a assertiva abaixo: (A) De acordo com o entendimento do STF, é inconstitucional lei editada pelo estado-membro que prevê a vinculação da DPE a determinada secretaria de estado. Questão 18 (DPGE/SP – 2010): O artigo 134 da Constituição Federal de 1988 erigiu a Defensoria Pública à condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com a incumbência de desempenhar a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, quando de sua promulgação, significou: (A) o estabelecimento de um inédito dever estatal, de prestação de assistência jurídica integral e gratuita. (B) relevante conquista da cidadania, universalizando o direito de acesso gratuito ao Poder Judiciário. (C) a conquista de autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas Estaduais. (D) importante avanço em relação à ordem constitucional anterior, que vinculava as Defensorias Públicas às Procuradorias Estaduais. (E) retrocesso em relação ao texto constitucional anterior, que não vinculava a Defensoria Pública ao Poder Judiciário. Questão 19 (DPGE/SP – 2010): De acordo com a legislação vigente, são reflexos da autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública do Estado a possibilidade de: (A) compor os seus órgãos de administração superior e de atuação, definindo a respectiva retribuição pecuniária. (B) elaboração da própria proposta orçamentária, encaminhando-a ao Poder Legislativo Estadual. (C) abrir concursos públicos, prover seus cargos e elaborar suas folhas de pagamento. (D) abrir concursos públicos e ampliar seus cargos. (E) praticar atos próprios de gestão, submetendo-os à fiscalização do Tribunal de Contas da União. 1
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça, Revista de Direito da
Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 22 “São duas as ‘grandes qualidades’ do Estado Constitucional: Estado de Direito e Estado Democrático. O Estado de Direito caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1) primazia da lei, (2) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade, (3) observância obrigatória da legalidade pela administração pública, (4) separação de poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos, (5) reconhecimento da personalidade jurídica do Estado, que mantém relação jurídica com os cidadãos, (6) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional, (7) em alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo. (…) Por outro lado, e de maneira complementar, a defesa de um Estado Democrático pretende, precipuamente, afastar a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder.” (MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2008, pág. 05/06) 3 Nesse sentido, manifestando-se de maneira semelhante no direito comparado, tem-se a abalizada doutrina de Humberto Quiroga Lavié (LAVIÉ, Humberto Quiroga. Estudio analítico de la reforma constitucional, Buenos Aires: Depalma, 1994, pág. 65). 4 Em sentido semelhante, leciona o professor Cléber Francisco Alves: “Parece inequívoco que a sistematização adotada pela Constituição Federal brasileira de 1988, no que se refere ao Título Organização dos Poderes, quis indicar a conveniência de que tais órgãos, especialmente o Ministério Público e a Defensoria Pública, não sejam mais considerados como formalmente integrantes do Poder Executivo. Essas entidades devem ser revestidas de autonomia, em razão de sua condição peculiar de órgãos detentores de uma parcela da soberania do Estado, no desempenho de seu múnus constitucional. Esse entendimento inclusive fica mais evidente em razão do contraste que pode ser feito com o tratamento dado pela Constituição, por exemplo, ao Tribunal de Contas, que – embora também gozem de certa autonomia – foram expressamente regulados dentro do capítulo do Poder Legislativo, numa indicação expressa de sua vinculação e caráter de ‘acessoriedade’ à missão própria dos órgãos parlamentares. Não foi esse o caso da Defensoria Pública e do Ministério Público que receberam tratamento diferenciado, sendo que ambas as instituições foram disciplinadas em seções próprias de um mesmo capítulo fora dos três Poderes clássicos. Não parece razoável admitir que isso tenha ocorrido por mero acaso. Por esse motivo, entendemos que não mais podem ser consideradas tais instituições como órgãos do Poder Executivo.” (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 309) 5 Estabelece o art. 4º, § 2º, da LC nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009 que “as funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”. 6 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit. pág. 23. 7 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, pág. 13. 3º v. 8 Art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” 9 Do mesmo modo, os demais organismos políticos que compõem as “funções essenciais à justiça” também desempenham suas atribuições funcionais perante os demais Poderes Estatais, e não apenas perante o Poder Judiciário (ex vi: art. 129, II da CRFB atribui ao Ministério Público a função institucional de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos” aos direitos assegurados na Constituição; art. 131 da CRFB faz menção à representação extrajudicial pela Advocacia-Geral da União, que assessora o Poder Executivo; art132 da CRFB confere às Procuradorias locais o exercício da função ampla de “consultoria jurídica das respectivas unidades federativas”). Nesse sentido: FERREIRA, Sérgio de Andréa. Op. cit., pág. 13. 10 ROBOREDO, Carlos Eduardo Freire. A Defensoria Pública e sua essencialidade constitucional, in Livro de Estudos Jurídicos, Volume 4, Rio de Janeiro: Editora Instituto de Estudos Jurídicos, 1992, pág. 115. 11 ALIGHIERI, Dante. A divina comédia, São Paulo: Martin Claret, 2002. 12 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002. 13 A defesa dos direitos coletivos, expressão aqui utilizada em seu mais largo sentido, se afigura como fundamental na sociedade moderna, em que as grandes massas sofrem diuturnas violações aos seus direitos. O objetivo do processo coletivo é permitir que um sem número de indivíduos seja beneficiado por decisão judicial sem que cada um tenha que percorrer, individualmente, o caminho do judiciário para satisfazer suas pretensões. 14 Importante observar, no entanto, que a instituição de todas essas políticas deve ter em mente que os direitos e garantias fundamentais não podem ser suprimidos ao argumento de uma falsa racionalização da atividade jurisdicional. (CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Op. cit., pág. 163) 15 MORAES, Alexandre de. Op. cit., pág. 02. 16 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 139. 17 MORAES, Alexandre. Op. cit., pág. 660. 18 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos, São Paulo: Saraiva, 1992, pág. 141. 19 Na fase constitutiva do processo legislativo de emenda constitucional não há participação do Presidente da República, tendo em vista 2
que o titular do Poder Constituinte derivado reformador é o Poder Legislativo. Desse modo, não haverá necessidade de sanção ou veto presidencial. Sendo aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional, a emenda constitucional seguirá diretamente à fase complementar, para promulgação e publicação. 20 De acordo com Nelson Nery Costa, “o art. 134 é cláusula pétrea indireta, pois assegura a disposição prevista no inciso LXXIV, do art. 5º do texto constitucional”. (COSTA, Nelson Nery. Manual do Defensor Público, Rio de Janeiro: GZ editora, 2010, pág. 26) 21 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 506/509. 22 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 611/612. 23 SILVA, José Afonso. Op. cit., pág. 613. 24 SILVA, José Afonso. Op. cit., pág. 613. 25 Atualmente, todas as Constituições Estaduais do país possuem previsão normativa expressa dispondo sobre a organização da Defensoria Pública nos respectivos Estados-membros: Acre – arts. 126 a 128 da CEAC; Alagoas – arts. 159 a 160 da CEAL; Amapá – arts. 154 a 158 da CEAP; Amazonas – arts. 102 e 103 da CEAM; Bahia – arts. 144 e 145 da CEBA; Ceará – arts. 146 a 149 da CECE; Espírito Santo – art. 123 da CEES; Goiás – art. 120 da CEGO; Maranhão – arts. 109 a 111 da CEMA; Mato Grosso – arts. 116 a 120 da CEMT; Mato Grosso do Sul – arts. 140 a 143 da CEMS; Minas Gerais – arts. 129 a 131 da CEMG; Pará – arts. 190 a 192 da CEPA; Paraíba – arts. 140 a 146 CEPB; Paraná – arts. 127 e 128 da CEPR; Pernambuco – art. 73 da CEPE; Piauí – arts. 153 e 154 da CEPI; Rio de Janeiro – arts. 179 a 181 da CERJ; Rio Grande do Norte – art. 89 da CERN; Rio Grande do Sul – 120 a 123 da CERS; Rondônia – arts. 105 e 106 da CERO; Roraima – arts. 102 e 103 da CERR; Santa Catarina – art. 104 e 104-A da CESC; São Paulo – art. 103 da CESP; Sergipe – arts. 123 e 124 da CESE; e Tocantins – art. 53 da CETO. 26 Com muita sabedoria o renomado Defensor Público Roberto Vitagliano pondera que “o menos afortunado deve ser assistido, em suas questões contra os poderosos e até contra o Estado, por quem possua condições de resistência a qualquer tipo de pressão” (VITAGLIANO, Roberto. Defensoria Pública e o estado democrático de direito, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1988, ano I, n.1, pág. 37). 27 Nesse sentido: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2008, pág. 639 / BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Salvador: Editora Podivm, 2010, pág. 143. 28 GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública, o Estado e a Cidadania, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 07. 29 Nesse sentido: STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 2-4-2007 / STF – Segunda Turma – RE 599620 AgR/MA – Rel. Min. EROS GRAU, decisão: 27-10-2009. 30 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit. 31 “Obra do poder constituinte derivado, a emenda à Constituição sujeita-se aos limites determinados pelo poder constituinte originário. Cabe, assim, eventual declaração de inconstitucionalidade, seja por razões formais ou materiais.” (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 129) 32 “A inconstitucionalidade será total quando colher a íntegra do diploma legal impugnado. E será parcial quando recair sobre um ou vários dispositivos, ou sobre fração de um deles, inclusive uma única palavra. (…) Diz-se que a omissão parcial é relativa quando a lei exclui de seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício em violação ao princípio da isonomia.” (BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., pág. 36/38) 33 Em virtude dessa nova regra constitucional, o art. 114, § 1º, da Lei Orgânica do Distrito Federal restou alterada pela Emenda à Lei Orgânica nº 61/2012, passando a prever que “à Defensoria Pública do Distrito Federal é assegurada, nos termos do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, e do art. 2º da Emenda Constitucional nº 69, de 29 de março de 2012, autonomia funcional e administrativa, cabendo-lhe elaborar, nos termos da lei de diretrizes orçamentárias, sua proposta orçamentária e encaminhá-la ao Poder Executivo para consolidação da proposta de lei de orçamento anual e submissão ao Poder Legislativo”. 34 Estabelece o art. 4º, § 2º, da LC nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009 que “as funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”. 35 De acordo com Gustavo Corgosinho, “a autonomia administrativa pode ser resumida na capacidade atribuída a determinado órgão para assumir integralmente a condução e a gestão dos seus próprios interesses e negócios, subordinando-se apenas e tão somente ao seu regime jurídico administrativo” (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 64). 36 No mesmo sentido: STF – Segunda Turma – RE 599620 AgR/MA – Rel. Min. Eros Grau, decisão: 27-10-2009 / STF – Pleno – ADI nº 3965/MG – Relatora Min. Cármen Lúcia, decisão: 07-03-2012. 37 Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Direito Público: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 70. 38 Importante lembrar que, embora tenha o constituinte tratado da autonomia financeira do Poder Judiciário de forma expressa (art. 99, caput da CRFB), o mesmo não ocorreu em relação à autonomia financeira do Ministério Público (art. 127, § 2º, da CRFB), que apenas possui tal previsão de maneira explícita no art. 3º da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). 39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2013. 40 Corroborando este posicionamento, tem-se a lição de Frederico Rodrigues Viana de Lima: “A iniciativa de proposta orçamentária
implica, por outras palavras, em autonomia financeira, pois cabe à Defensoria Pública delinear, desde que respeitados os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, os recursos financeiros que necessita para desempenhar o seu mister constitucional.” (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Salvador: Editora JusPodivm, 2010, pág. 92) 41 Note que os §§ 1º, 2º e 3º do art. 97-B da LC nº 80/1994, em verdade, repetem os §§ 4º, 5º e 6º do art. 127 da CRFB, outorgando à Defensoria Pública tratamento semelhante ao conferido ao Ministério Público na elaboração de sua proposta orçamentária. In verbis: Art. 127: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (…) § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. § 3º O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. § 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º. § 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. § 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. 42 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Op. cit., pág. 144. 43 Art. 3º da EC nº 69/2012: “O Congresso Nacional e a Câmara Legislativa do Distrito Federal, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional e de acordo com suas competências, instalarão comissões especiais destinadas a elaborar, em 60 (sessenta) dias, os projetos de lei necessários à adequação da legislação infraconstitucional à matéria nela tratada.” 44 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., pág. 26. 45 Importante observar que o art. 134, § 2º, da CRFB confere apenas “iniciativa de sua proposta orçamentária”, não havendo a previsão de iniciativa de lei (autonomia legislativa). 46 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 312. 47 Art. 134, § 2º da CRFB: “Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.” Art. 127, § 2º, da CRFB: “Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.” 48 MORAES, Alexandre de. Op. cit., pág. 269. 49 “É característico do Estado federal que essa atribuição dos Estados-membros de legislar não se resuma a uma mera concessão da União, traduzindo, antes, um direito que a União não pode, a seu talante, subtrair das entidades federadas; deve corresponder a um direito previsto na Constituição Federal.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 798) 50 Importante observar, neste ponto, que a formação da legislação federal, em virtude da influência que esta exerce sobre a ordem central e, consequentemente, sobre cada uma das ordens parciais, deve contar com a necessária participação de cada um dos Estadosmembros da federação. Com isso, garante-se que a vontade central do Estado federal seja produzida em observância ao princípio democrático, assegurando-se a participação de todos aqueles que serão afetados direta ou indiretamente pela norma geral. Dentro do modelo federativo brasileiro, deposita-se no Senado Federal a função de representação paritária dos Estados-membros, equilibrando o prestígio dos Estados mais populosos na Câmara dos Deputados. 51 De acordo com José Afonso da Silva competência é a “faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de Poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções”. (SILVA, José Afonso da. Op. cit., pág. 479) 52 “Como no Estado Federal há mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território e sobre as mesmas pessoas, impõe-se a adoção de mecanismo que favoreça a eficácia da ação estatal, evitando-se conflitos e desperdícios de esforços e recursos. A repartição de competências entre as esferas do federalismo é o instrumento concebido para esse fim.” (MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. pág. 798/799) 53 MORAES, Alexandre de. Op. cit, pág. 294.
As matérias previstas no art. 22 da CRFB não excluem a competência decorrente de outras disposições constitucionais, tais como arts. 48, 149, 164, 178, 184 da CF. 55 Relevante esclarecer que o conceito de Estado Federal não se confunde com o de União. O Estado Federal é composto pelo conjunto formado entre União, Estados-membros, Distrito Federal e municípios, constituindo pessoa jurídica de direito internacional. Já a União, é parte do Estado Federal (ente federativo), qualificando-se como pessoa jurídica de direito público interno. A confusão entre esses conceitos distintos muitas vezes ocorre pelo fato de caber à União o exercício das atribuições de soberania do Estado brasileiro (ex.: União atua em nome de toda a Federação quando se relaciona internacionalmente com outros países). No entanto, para a perfeita compreensão do modelo federalista torna-se importante ao leitor manter clara em sua mente essa diferenciação conceitual básica. 56 Por força do disposto no art. 32, § 1º, da CRFB, entendemos que essa possibilidade de delegação também se estende ao Distrito Federal. 57 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. pág. 818. 58 SILVA, José Afonso da. Op. cit., pág. 419. 59 MORAES, Alexandre de. Op.cit., pág. 304. 60 “No âmbito da legislação concorrente, a doutrina tradicionalmente classifica-a em cumulativa sempre que inexistirem limites prévios para o exercício da competência, por parte de um ente, seja a União, seja o Estado-membro, e em não cumulativa, que propriamente estabelece a chamada repartição vertical, pois, dentro de um mesmo campo material (concorrência material de competência), reserva-se um nível superior ao ente federativo União, que fixa os princípios e normas gerais, deixando-se ao Estado-membro a complementação. A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e o Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis.” (MORAES, Alexandre de. Op. cit. pág. 304) 61 Art. 24, § 1º, da CRFB: “No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.” 62 Art. 24, § 2º, da CRFB: “A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.” 63 “A competência do Estado-membro ou do Distrito Federal refere-se às normas específicas, detalhes, minúcias (competência suplementar). Assim, uma vez editadas as normas gerais pela União, as normas estaduais deverão ser particularizantes, no sentido de adaptação de princípios, bases, diretrizes a peculiaridades regionais.” (MORAES, Alexandre de. Op. cit., pág. 305) 64 “A competência da União é direcionada somente às normas gerais, sendo de flagrante inconstitucionalidade aquilo que delas extrapolar.” (MORAES, Alexandre de. Op. cit., pág. 305) 65 “Nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), nas quais se estabelece verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal e os Estados-membros (Raul Machado Horta, Estudos de Direito Constitucional, p. 366, item 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de entender incabível a ação direta de inconstitucionalidade, se, para o específico efeito de examinar-se a ocorrência, ou não, de invasão de competência da União Federal, por parte de qualquer Estado-membro, tornar-se necessário o confronto prévio entre diplomas normativos de caráter infraconstitucional: a legislação nacional de princípios ou de normas gerais, de um lado (CF, art. 24, § 1º), e as leis estaduais de aplicação e execução das diretrizes fixadas pela União Federal, de outro (CF, art. 24, § 2º). Precedentes. É que, tratando-se de controle normativo abstrato, a inconstitucionalidade há de transparecer de modo imediato, derivando, o seu reconhecimento, do confronto direto que se faça entre o ato estatal impugnado e o texto da própria Constituição da República.” (STF – Pleno – ADI 2.344-QO – Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 23-11-2000). 66 Art. 24, § 3º, da CRFB: “Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.” 67 Art. 24, § 4º, da CRFB: “A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.” 68 Na Constituição norte-americana estabelece no art. I, Seção 8ª as competências da União, enquanto que a X Emenda à Carta Política estadunidense relega aos Estados os poderes remanescentes ou reservados. 69 “EC 15/1996, que deu nova redação ao § 4º do art. 18 da CRFB. Modificação dos requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios. Controle da constitucionalidade da atuação do poder legislativo de reforma da Constituição de 1988. Inexistência de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios. Precedente: (…). Ação julgada improcedente” (STF – Pleno – ADI nº 2.395 – Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão: 9-5-2007). No mesmo sentido: STF – Pleno – ADI nº 2.381-MC – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 20-62001. “EC 15/1996. Criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, nos termos da lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar e após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal. Inexistência da lei complementar exigida 54
pela CF. Desmembramento de Município com base somente em lei estadual. Impossibilidade.” (STF – Pleno – ADI nº 2.702 – Rel. Min. Maurício Corrêa, decisão: 5-11-2003) Importante observar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, por intermédio da ADI nº 3.682, reconheceu a omissão inconstitucional do legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar a que se refere o § 4º do art. 18 da CRFB, na redação dada pela EC nº 15/1996. 70 “Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões. CF, art. 25, § 3º. Constituição do Estado do Rio de Janeiro, art. 357, parágrafo único. A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, depende, apenas, de lei complementar estadual.” (STF, Peno, ADI nº 1.841 – Rel. Min. Carlos Velloso, decisão: 1º-8-2002) 71 “Vale observar que a Constituição, no tocante a matéria tributária, enumerou explicitamente a competência dos Estados – art. 155. No aspecto tributário, é a União que detém competência, além de expressa, residual, permitindo-se-lhe a instituição de outros tributos, além dos enumerados para ela e para as outras pessoas políticas.” (MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. pág. 819) 72 O STF, ao julgar a Adin nº 826-9/AP – Rel. Min. Sydney Sanches, entendeu que a norma prevista no art. 182 da CRFB não pode ser alterada pelas Constituições Estaduais, não sendo admissível a extensão da obrigatoriedade do Plano Diretor para municípios que não possuam mais de vinte mil habitantes, sob pena de violação ao princípio da autonomia municipal. 73 STJ – 1ª Turma – REsp nº 29299/RS – Rel. Min. Demócrito Reinaldo, decisão: 28-09-1994. 74 STF – 2ª Turma – AI nº 622.405-AgR – Rel. Min. Eros Grau, decisão: 22-05-2007. 75 STJ – 1ª Turma – Resp. nº 29.299-6/RS – Relator Min. Demócrito Reinaldo, decisão: 29-08-1994. 76 Nesse sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do RE 313.060, in verbis: “A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios.” (STF – 2ª Turma – RE nº 313.060 – Relator Min. Ellen Gracie, decisão: 29-11-2005) 77 MORAES, Alexandre de. Op. cit., pág. 308. 78 STF – 1ª Turma – RE nº 566.836-ED – Relator Min. Cármen Lúcia, decisão: 30-06-2009. 79 Súmula 645 do STF: “É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.” 80 STF – 1ª Turma – AI nº 491.420-AgR – Relator Min. Cezar Peluso, decisão: 21-2-2006. 81 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 822. 82 A Lei nº 12.376/2010 alterou a emenda original do Decreto-Lei nº 4.657/1942, substituindo a denominação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” por “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”. 83 Nesse sentido, leciona o professor Alexandre de Moraes: “As referidas matérias cuja discussão legislativa depende da iniciativa privativa do Presidente da República (CF, art. 61, § 1º) são de observância obrigatória pelos Estados-membros que, ao disciplinar o processo legislativo no âmbito das respectivas Constituições estaduais, não poderão afastar-se da disciplina constitucional federal.” (MORAES, Alexandre de. Op. cit., pág. 646) 84 Não obstante o art. 62, § 1º, III, c/c o art. 134, § 1º da CRFB proíba a edição de medida provisória que disponha sobre a organização da Defensoria Pública, encontra-se em trâmite no Congresso Nacional a PEC nº 487/2005, que pretende modificar a atual redação do art. 62, § 1º, I, c e do art. 68, § 1º, I, da Constituição, vedando a edição de medida provisória e de lei delegada que versem sobre a “organização do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, a carreira e a garantia de seus membros”. De acordo com a justificativa apresentada pela referida Proposta de Emenda Constitucional, almeja-se com a mudança “não permitir que essa Instituição – a Defensoria Pública – sofra ingerências casuísticas do Poder Executivo na condução das suas atividades”. Além disso, a proposta pretende a modificação do art. 85, II, da Constituição Federal, passando a considerar crime de responsabilidade do Presidente da República qualquer ato contra o livre exercício da Defensoria Pública. 85 A Lei Complementar nº 80/1994 encontra-se estruturalmente dividida em cinco partes distintas: (i) disposições gerais (arts. 1º a 4º-A); (ii) organização da Defensoria Pública da União (arts. 5º a 51); (iii) organização da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (arts. 52 a 96); (iv) normas gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados (arts. 97 a 135); e (v) disposições finais e transitórias (arts. 136 a 149). 86 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 83. 87 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 83. 88 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros Editores, 1999, pág. 149. 89 Nesse sentido, leciona o professor Sílvio Roberto Mello Moraes: “A Lei Complementar nº 80 é a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública. É Lei nacional e não federal, pois de acordo com a distinção apontada por Geraldo Ataliba e acolhida por Michel Temer, aquela alcança todos os habitantes do território nacional, enquanto esta incide apenas sobre os jurisdicionados da União. A presente LC, além de organizar as Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios, estabelece normas gerais, a serem
obedecidas pelos Estados, quando da organização de suas Defensorias Públicas. Destarte, as normas estabelecidas neste texto são dirigidas não só à União, como também ao Distrito Federal, Territórios e Estados membros da Federação.” (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 16) 90 Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 104 da CESC, ao julgar a ADI nº 4.270/SC. (STF, Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão: 14.03.2012) 91 Art. 97 da LC nº 80/1994: “A Defensoria Pública dos Estados organizar-se-á de acordo com as normas gerais estabelecidas nesta Lei Complementar.” 92 Art. 24, § 3º, da CRFB: “Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.” 93 Art. 24, § 4º, da CRFB: “A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.” 94 Vale destacar, nesse ponto, os ensinamentos do professor Guilherme Peña de Moraes: “Cabe afirmar que, de acordo com o artigo 24, §§ 3º e 4º, combinado com o art. 24, XIII, da Constituição Federal, os Estados, antes do advento da Lei Complementar nº 80, de 1994, podiam organizar suas próprias Defensorias Públicas, estabelecendo, inclusive, normas gerais para tal; porém após o advento do instituto legal, todas as normas jurídicas estabelecidas pelas unidades da Federação que lhe forem contrárias terão a eficácia suspensa, devendo os Estados, através de legislação própria, organizarem suas respectivas Defensorias Públicas, segundo as normas gerais estabelecidas pela Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública.” (MORAES, Guilherme Braga Peña de. Assistência Jurídica, Defensoria Pública e o Acesso à Jurisdição no Estado Democrático de Direito, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, pág. 40) 95 A Lei nº 12.376/2010 alterou a emenda original do Decreto-Lei nº 4.657/1942, substituindo a denominação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” por “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”. 96 Art. 181 da CE/RJ: “Lei complementar disporá sobre e organização e funcionamento da Defensoria Pública, bem como sobre os direitos, deveres, prerrogativas, atribuições e regime disciplinar dos seus membros”. 97 O art. 68 do CPC/1939 estabelecia que “a parte que não estiver em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, gozará do benefício de gratuidade (…)”. 98 Nesse sentido, decidindo pela aplicabilidade das prerrogativas do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 apenas aos Defensores Públicos: STJ, Quinta Turma – HC 32874/SP – Relator Min. Felix Fischer, decisão 17-08-2004 / STJ – Quinta Turma – REsp 654951/DF – Relatora Min. Laurita Vaz, decisão: 04-11-2004. 99 A Lei nº 12.376/2010 alterou a emenda original do Decreto-Lei nº 4.657/1942, substituindo a denominação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” por “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”. 100 Nesse sentido: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Estatuto da Advocacia e da OAB, Brasília: Conselho Federal da OAB, 1998, pág. 59 / RAMOS, Gisela Gondim. Estatuto da Advocacia: comentários e jurisprudência selecionada, Florianópolis: OAB/SC, 1999, pág. 65. 101 Art. 8º da Lei nº 8.906/1994: “Para inscrição como advogado é necessário: I – capacidade civil; II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV – aprovação em Exame de Ordem; V – não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI – idoneidade moral; VII – prestar compromisso perante o conselho.” 102 Art. 26 da LC nº 80/1994: “O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga.” 103 O referido parecer encontra-se anexado à ADI nº 4.636/DF, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por objeto a constitucionalidade do art. 4º, inciso V e § 6º, da LC nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009. 104 Segundo observa Rogério dos Reis Devisate, “a Constituição Federal é clara ao estabelecer que somente Lei Complementar poderá dispor sobre a Defensoria Pública e sobre o atuar dos Defensores Públicos”. Dessa forma, possuindo a Lei nº 8.906/1994 status de lei ordinária (federal) “não poderia dispor sobre a Defensoria Pública”. (DEVISATE, Rogério dos Reis. Categorização: um ensaio sobre a Defensoria Pública. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2004, ano XV, n.19, pág. 371) 105 “Ao contrário do que possa parecer, os artigos 133 a 135 da Constituição Federal não nivelam a atuação dos Defensores Públicos aos Advogados. Lendo-se atentamente aqueles dispositivos, observa-se que enquanto o advogado é tido apenas como indispensável à administração da Justiça (art. 133), a Defensoria Pública é, por sua vez, Instituição essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134).” (GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. As Prerrogativas da Defensoria Pública em Face da Lei nº 7.871 de 08/11/1989, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, ano V, n.6, pág. 130) 106 As Propostas de Emenda Constitucional nº 487/2005 e nº 247/2013 pretendem incluir no Capítulo IV (“Das Funções Essenciais à Justiça”) do Título IV (“Da Organização dos Poderes”), depois do art. 133 da CRFB, uma nova Seção IV, intitulada “Da Defensoria Pública”. Assim, a Seção III passaria a denominar-se “Da Advocacia”, reservando-se a Seção IV seguinte apenas para a Defensoria Pública.
De acordo com Rogério dos Reis Devisate, com a Emenda Constitucional nº 19/1998, “a Defensoria Pública não mais pode ser incluída, mesmo em linguajar não técnico, no rol dos ‘advogados públicos’, o que para alguns pode pouco significar, mas o que, no nosso sentir, salvo melhor juízo, muito passa a representar para a consolidação da Instituição em âmbito nacional, por meio de uma melhor compreensão do seu verdadeiro alcance e espaço jurídico-político”. Com a alteração realizada na Constituição Federal, os Defensores Públicos “acabam saindo do universo que, na doutrina e nas discussões acadêmicas, envolvia um gênero até então chamado de ‘advocacia pública’ para um espaço próprio, ímpar, exclusivo, ou seja, passam a ocupar, com a sua atuação, com seu múnus constitucional peculiar, o seu lugar incomunicável a qualquer outro seguimento, qual seja, aquele imanente à instituição a que pertencem: a Defensoria Pública”. (DEVISATE, Rogério dos Reis. Op. cit., pág. 372) 108 STF – Pleno – RvC nº 4886/SP – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 29-03-1990. 109 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ACESSO À JUSTIÇA. JUIZADO ESPECIAL. PRESENÇA DO ADVOGADO. IMPRESCINDIBILIDADE RELATIVA. PRECEDENTES. LEI 9.099/1995. OBSERVÂNCIA DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. RAZOABILIDADE DA NORMA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. FACULDADE DA PARTE. CAUSA DE PEQUENO VALOR. DISPENSA DO ADVOGADO. POSSIBILIDADE. 1. Juizado Especial. Lei 9.099/1995, art. 9º. Faculdade conferida à parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado. Ofensa à Constituição Federal. Inexistência. Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à justiça. Precedentes. 2. Lei 9.099/1995. Fixação da competência dos juízos especiais civis tendo como parâmetro o valor dado à causa. Razoabilidade da lei, que possibilita o acesso do cidadão ao judiciário de forma simples, rápida e efetiva, sem maiores despesas e entraves burocráticos. Ação julgada improcedente.” (STF – Pleno – ADI nº 1539/UF – Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, decisão: 24-04-2003) 110 A Lei nº 12.376/10 alterou a emenda original do Decreto-Lei nº 4.657/1942, substituindo a denominação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” por “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”. 111 Em sentido contrário, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello entende que o art. 4º, § 6º, e o art. 26 da LC nº 80/1994 são direcionados a coisas diferentes: “um deles, que demanda inscrição na OAB, está volvido a um requisito de capacitação profissional, aptidão técnica, a ser demonstrada no instante da admissão, feito o que, está cumprido o necessário. O segundo deles, confere capacidade postulatória e a faz depender tão só, ou seja, ‘exclusivamente’, como ali está dito, à nomeação e posse no cargo. Donde, para atuar em juízo (ou extrajudicialmente) na defesa dos interesses a seu cargo, o Defensor nada mais necessita senão estar investido nas funções que lhe correspondem. Ou seja: não necessita permanecer inscrito na OAB. Não são raras no Direito as hipóteses em que é exigido um determinado requisito para a constituição de uma certa situação, mas não o é para a persistência dela. Assim, para que alguém ingresse em certos cargos públicos (como os de policial militar por exemplo) exige-se uma determinada compleição corporal e uma certa aptidão física, mas não é exigido que as mantenha ao longo do tempo. Para aceder à posição de professor titular, demandam-se provas de que possua uma aptidão didática em um certo nível, mas a perda deste nível ao longo do tempo não implica na destituição do cargo. (…) Em suma: não há confundir a previsão de um requisito para a constituição de uma certa situação jurídica com a necessidade de sua persistência para que permaneça a situação em causa.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer emitido por solicitação da Associação dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo, emissão: 08-07-2011) 112 SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição? Uma nova Defensoria Pública pede passagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 113 De maneira inovadora, o professor Rogério dos Reis Devisate sustenta que “o atuar de cada Defensor Público não poderia ser visto como um ato de ‘advogar’, embora em parte a tal conduta se assemelhe, merecendo ser tratado como um ‘ato de Defensoria Pública’, ou, num neologismo, naturalmente sempre estranho a primeira impressão, que poderíamos ousar chamar de um ato de ‘defensorar’. Sim, pois os advogados (profissionais liberais ou da advocacia pública) naturalmente são aqueles que ‘advogam’, os promotores ‘oficiam’ ou ‘promovem’ e os Defensores Públicos praticam um ‘ato de Defensoria Pública’ – pensamos ousadamente ‘defensoram’.” (DEVISATE, Rogério dos Reis. Op. cit., pág. 368) 114 STF – ADI nº 4636/DF – Relator Min. GILMAR MENDES, pendente de julgamento. 115 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 94/95. 116 ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 313. 117 “A Defensoria Pública deve seguir o mesmo padrão constitucional de organização do Poder Judiciário brasileiro, com estrutura própria e diferenciada para atuar no âmbito da esfera de competências judiciais da União Federal e também na esfera das competências judiciais dos Estados. Portanto, do mesmo modo como não há previsão de um Poder Judiciário municipal ou de um Ministério Público municipal, igualmente também não seria admissível uma Defensoria Pública municipal.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 312/313) 118 Importante destacar, nesse ponto, o posicionamento contrário do nobre professor Guilherme Peña de Moraes, que defende ser admissível a prestação de assistência jurídica aos necessitados pelos Municípios, nos termos do art. 1º da Lei 1.060/1950, sendo-lhes vedada apenas a instituição de Defensorias Públicas municipais. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria 107
Pública, São Paulo: Malheiros Editores, 1999, pág. 148/149) Art. 1º da Lei nº 1.060/1950: “Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei.” 120 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 315. 119
CAPÍTULO 3
DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA E DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA
3.1 CONCEITOS E DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS As expressões assistência judiciária, assistência jurídica e gratuidade de justiça vêm sendo utilizadas ao longo dos anos sem o adequado desvelo técnico. De fato, essa confusão terminológica se deve, em grande parte, à própria deficiência técnica da Lei nº 1.060/1950, que se utiliza inadvertidamente do termo assistência judiciária para designar (i) o serviço público de assistência dos necessitados em juízo (art. 1º); (ii) o órgão estatal responsável pela prestação do serviço de assistência dos hipossuficientes (art. 5º, §§ 1º, 2º e 5º, e art. 18)1; e (iii) o benefício de isenção de despesas processuais, ou seja, como sinônimo de gratuidade de justiça (arts. 3º, 4º, § 2º, 6º, 7º, 9º, 10, 11). Em virtude do completo embaralhamento terminológico operado pela Lei nº 1.060/1950, restou oficializada a verdadeira balbúrdia hermenêutica, sendo a adequada conceituação dos institutos negligenciada pela legislação2, pela doutrina3 e pela jurisprudência4. No entanto, é importante que se compreenda que os termos assistência judiciária, assistência jurídica e gratuidade de justiça designam institutos distintos, que dispõem de disciplinas jurídicas próprias e que são dotados de particularidades que os extremam uns dos outros. Embora o uso equivocado dessas expressões já esteja profundamente enraizado na praxe forense, como uma doença degenerativa tendente a corromper as ideias e a impedir a adequada evolução dos raciocínios, já está mais do que na hora de sepultarmos os erros e de nos libertarmos das carcomidas representações conceituais equivocadas. A maturidade do processo de desenvolvimento do acesso à justiça apenas poderá ser alcançada quando os conceitos de assistência judiciária, de assistência jurídica e de gratuidade de justiça forem criteriosamente separados e compreendidos; enquanto isso não acontecer, os patronos dos menos afortunados continuarão sem saber exatamente o que postulam e os juízes a não entender precisamente o que deferem ou indeferem. Afinal, a imprecisão é o prelúdio da falha e o sintoma indiciário do desconhecimento. Por fim, antes de adentrarmos a análise específica e aprofundada do tema, é importante salientar que, embora seja comum se referir à assistência jurídica, à assistência judiciária e à gratuidade de justiça como sendo “benefícios”, essa terminologia não é a mais adequada para adjetivar os institutos. Na verdade, por corresponder a um dever estatal constitucionalmente estabelecido, seu adimplemento não se configura um mero “benefício”, mas autêntico direito subjetivo público de que é titular o cidadão5. Por se relacionarem diretamente com o inafastável direito de acesso à justiça e,
consequentemente, com a própria dignidade humana, a assistência jurídica, a assistência judiciária e a gratuidade de justiça não podem ser encaradas como simples favores legais, concedidos como forma de caridade. Em virtude de sua indispensabilidade para a formação e manutenção do Estado Democrático de Direito contemporâneo, os direitos que garantem o acesso à justiça devem ser considerados como autênticos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados pelo art. 5º, XXXV e LXXIV, da CRFB. Tradicionalmente, os direitos que salvaguardam o acesso à justiça têm sido classificados como direitos fundamentais sociais, compondo a segunda geração dos direitos fundamentais. Nesse sentido, analisando especificamente o direito à assistência jurídica gratuita, ensina FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA: A Assistência Jurídica integral e gratuita se traduz em direito fundamental social, compondo a segunda dimensão dos direitos fundamentais, colimando corrigir a desigualdade material (concreta e fática) que é resultado da carência de recursos. Proporciona ao sujeito materialmente incapaz o usufruto das mesmas benesses jurídicas que um cidadão mais abastado desfrutaria, equilibrando pela via jurídica a desigualdade fatual existente. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Salvador: Editora JusPodivm, 2010, pág. 66)
Por outro lado, em virtude de sua indispensabilidade à liberdade fundamental humana e à plena igualdade jurídica de todos os cidadãos perante a lei, os direitos que garantem o acesso à justiça têm sido considerados por alguns estudiosos como direitos fundamentais civis, como leciona o eminente professor CLÉBER FRANCISCO ALVES: Na nossa opinião, o direito de acesso à Justiça, incluída especialmente a assistência judiciária gratuita para os necessitados, se traduz num direito de caráter primordialmente civil – e não propriamente um direito social – indispensável mesmo ao exercício pleno da prerrogativa fundamental da liberdade humana e do respeito à igualdade jurídica de todos os cidadãos. Isto porque, à medida que o Estado assumiu o monopólio da prestação jurisdicional e criou para desempenhar essa função todo um aparato burocrático dotado de extrema complexidade e sofisticação, passa a ter a obrigação de assegurar a cada pessoa a possibilidade real e efetiva de não ser prejudicada na defesa de seus direitos e interesses legítimos em razão da insuficiência de recursos econômicos para custear as despesas inerentes ao acionamento dessa máquina estatal. Do contrário, o Estado estaria favorecendo indevida discriminação entre as pessoas, na medida em que os mais ricos poderiam violar impunemente os direitos fundamentais dos mais pobres, na certeza de que estes estariam impossibilitados de exercer a autotutela dos seus interesses, assim como estariam impedidos de obter a prestação jurisdicional estatal adequada para reparar tais violações de direitos por incapacidade de arcar com as despesas necessárias para um enfrentamento justo e equânime diante do tribunal, com a garantia de “igualdade de armas”. (ALVES, Cléber Francisco. Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 38)
Essa diferenciação, no entanto, tem perdido relevância com a cada vez mais estreita aproximação das gerações dos direitos fundamentais. Em virtude das novas formas com que se tem encarado valores tradicionais, alguns clássicos direitos fundamentais vêm sendo revitalizados, ganhando importância e atualidade; com isso, determinadas noções legendárias sobre as dimensões dos direitos fundamentais vêm perdendo conteúdo, dificultando a identificação das fronteiras de cada uma das gerações. Todavia, independentemente do enquadramento dado entre as gerações dos direitos fundamentais, os direitos à gratuidade de justiça, à assistência jurídica e à assistência judiciária devem ser considerados como elementos instrumentais da própria dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB), pois garantem o acesso à justiça e a efetividade de todos os demais direitos fundamentais. Por essa razão, integram o mínimo existencial de cada indivíduo, constituindo elemento indispensável para a vida humana digna.
3.1.1 Assistência judiciária e assistência jurídica. Diferenciação
Em uma análise diacrônica, a palavra assistência assume a ideia de auxílio, ajuda, amparo ou socorro; significa auxiliar, ajudar, amparar ou socorrer aquele que necessita6. No mundo jurídico, em virtude da inegável deficiência econômica e cultural dos indivíduos, a assistência legal se liga à ideia nuclear de igualdade no acesso à justiça, buscando assegurar ao necessitado todo o auxílio, a ajuda ou o amparo de que precise para alcançar a plenitude de seus direitos, independentemente de sua natural condição de fortuna. A expressão assistência judiciária, que historicamente remonta às primeiras ações estatais de acessibilidade à justiça, envolve fundamentalmente os recursos e instrumentos indispensáveis à defesa dos direitos do necessitado em juízo7. Consiste no auxílio, na ajuda ou no amparo prestado estritamente no campo judicial. Como bem sintetiza o professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, “toda ação que exprima a atividade de amparar alguém em uma relação jurídico-processual expressa uma ação de assistência judiciária”8. A expressão assistência jurídica, por outro lado, possui conotação bem mais ampla, abrangendo toda e qualquer atividade assistencial concernente ou relacionada ao universo do Direito. Consiste no auxílio, na ajuda ou no amparo prestado no campo jurídico – dentro ou fora de uma relação jurídico-processual. Assim, enquanto a assistência judiciária é prestada estritamente na esfera judicial, a assistência jurídica é prestada extensivamente onde estiver o direito. Por essa razão, o conceito de assistência jurídica, além de englobar a própria noção de assistência judiciária, abrange também a atividade assistencial pré-judicial ou pré-judiciária e a extrajudicial ou extrajudiciária. Apontando a diferenciação técnica entre os termos assistência judiciária e assistência jurídica, leciona resumidamente o professor LEONARDO GRECO, in verbis: A assistência jurídica integral é mais ampla do que a assistência judiciária, vez que esta se refere apenas aos meios necessários à defesa dos direitos do assistido em juízo, ao passo que aquela inclui o aconselhamento jurídico extrajudicial, independentemente da existência ou da possibilidade de uma demanda em juízo (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 380)
Constituem arquétipos de assistência jurídica, por exemplo, o esclarecimento de dúvidas, a orientação jurídica preventiva, a elaboração de contratos, o auxílio legal para a conclusão de negócios jurídicos em geral, a composição extrajudicial de conflitos, a atuação em processos administrativos, a defesa de interesses em instâncias extrajudiciais, a conscientização da população sobre seus direitos, etc. Não podemos esquecer, ainda, que a assistência jurídica, por englobar integralmente o conceito de assistência judiciária, também pode ser caracterizada pela propositura de ações judiciais, pela apresentação de defesa e pela atividade de acompanhamento do processo judicial, em todas as instâncias, até o seu encerramento. Inovando em relação aos diplomas constitucionais anteriores, que apenas previam o direito à assistência judiciária (art. 113, nº 32, da CF/1934; art. 141, § 35, da CF/1946; art. 150, § 32, da CF/1967), a Constituição Federal de 1988 previu dentre os direitos e garantias fundamentais a “assistência jurídica integral e gratuita” (art. 5º, LXXIV, da CRFB). A evolução terminológica não ocorreu de maneira irrefletida; ao abandonar a velha nomenclatura, o legislador constituinte pretendeu inaugurar uma nova realidade no campo do acesso igualitário à
justiça, garantido a assistência legal não apenas dentro do processo (judiciária), mas também fora dele (jurídica). Deve-se observar, ainda, que o legislador constituinte agregou à expressão “assistência jurídica” o adjetivo “integral”, que representa verdadeira chave hermenêutica, direcionada a assegurar ao hipossuficiente todos os meios necessários à adequada tutela de seus direitos. Dessa forma, o direito à “assistência jurídica integral e gratuita” tem como objetivo fundamental propiciar aos deserdados de fortuna o pleno e perene acesso à justiça, garantindo a democratização e a universalização social do acesso à ordem jurídica justa. Afinal, justiça apenas para alguns não constitui verdadeira justiça, mas odiosa discriminação, incompatível com os ditames do Estado Democrático de Direito9. Sobre a mudança de nomenclatura adotada pela Constituição Federal, já teve a oportunidade de se manifestar o insigne e extraordinário professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA: Nota-se desde logo uma inovação capital: a Constituição abandona aquela orientação restritiva de cuidar do assunto unicamente com referência à defesa em juízo; abandona a concepção de uma assistência puramente judiciária, e passa a falar em “assistência jurídica integral”. Obviamente, alarga de maneira notável o âmbito da assistência, que passa a compreender, além da representação em juízo, além da defesa judicial, o aconselhamento, a consultoria, a informação jurídica e, também, a assistência aos carentes em matéria de atos jurídicos extrajudiciais, como, por exemplo, os atos notariais e outros que conhecemos. Ora, essa inovação tem uma importância que não pode ser subestimada, porque justamente um dos fatores que mais contribuem para perpetuar as desigualdades nesse campo é a falta de informação. Acredito que haja uma enorme demanda reprimida de prestação jurisdicional, resultante da circunstância de que grande parcela, larga faixa da população do nosso país, pura e simplesmente, não tem qualquer informação sobre os seus direitos. Haverá também, do lado oposto, a vantagem consistente em, por meio da assessoria, do aconselhamento, prevenir certo número de litígios que só acabam por ser levados ao judiciário exatamente em razão da pouca informação, em razão do desconhecimento, em razão da apreciação errônea que as pessoas fazem das suas próprias situações jurídicas. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1991, n.5, pág. 130)
Por derradeiro, devemos observar que a assistência jurídica e, consequentemente, a assistência judiciária podem ser divididas em duas espécies distintas: (i) privada e (ii) pública. No primeiro caso, a assistência jurídica será prestada por advogado particular, por intermédio de contrato verbal ou escrito. Ao pactuar a prestação dos serviços advocatícios, o profissional liberal poderá atuar a título oneroso, convencionando o valor dos honorários a serem pagos em virtude do patrocínio da causa (art. 22 da Lei nº 8.906/1994), ou a título gratuito, laborando de forma caritativa (advocacia pro bono) ou concordando em receber unicamente os honorários sucumbenciais em caso de êxito final no litígio (regime de contingency fee ou conditional fee). Por outro lado, a assistência jurídica pública (ou estatal) será prestada exclusivamente pela Defensoria Pública, restando vedado ao Poder Público realizar a destinação de recursos para o custeio ou a manutenção de qualquer modelo jurídico-assistencial diverso (art. 134 da CRFB, c/c o art. 4º, § 5º, da LC nº 80/1994)10. Nesse caso, não haverá a celebração de contrato, sendo o auxílio legal prestado por intermédio de relação jurídico-administrativa estabelecida com a Defensoria Pública. Além disso, a fruição do serviço jamais poderá ser condicionada ao pagamento de qualquer quantia pelo assistido hipossuficiente, sendo assistência jurídica pública prestada em caráter eminentemente gratuito. Deve-se ressalvar, no entanto, que dentre as funções institucionais atribuídas à Defensoria Pública existem aquelas consideradas atípicas, ou seja, que independem da condição de hipossuficiente do indivíduo para que sejam adequadamente desempenhadas (ex.: defesa técnica do
réu em processos criminais, quando não for constituído advogado particular). Nessa hipótese, embora a prestação da assistência jurídica não possa ser condicionada ao pagamento prévio de qualquer quantia por parte do destinatário do serviço, poderá a Defensoria Pública requerer judicialmente a fixação de honorários pelo desempenho da função atípica (ex: réu em processo criminal, embora possuindo condições econômica de arcar com o pagamento de honorários advocatícios, deixa de constituir advogado para realizar sua defesa em juízo, sendo nomeada a Defensoria Pública para o patrocínio do feito; nesse caso, poderá a Defensoria, ao final do processo, requerer o arbitramento de honorários em decorrência da assistência judiciária prestada ao acusado).
3.1.2 Gratuidade de justiça e assistência jurídica gratuita. Separação ontológica dos institutos
A gratuidade de justiça (ou justiça gratuita) é a dispensa provisória da antecipação do pagamento das despesas judiciais ou extrajudiciais, necessárias ao pleno exercício dos direitos do hipossuficiente, em juízo ou fora dele. A dispensa do pagamento das despesas processuais será sempre qualificada inicialmente como provisória; isso porque o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça não acarreta a automática exoneração da obrigação de arcar com o pagamento das despesas processuais. A dispensa do pagamento apenas perderá sua provisoriedade após esgotado o prazo quinquenal estabelecido pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950, ocasião em que as despesas processuais se tornarão definitivamente inexigíveis; nesse meio tempo, a dispensa do pagamento subsistirá apenas e tão somente enquanto perdurar o estado de hipossuficiência econômica do beneficiário11. A gratuidade de justiça deve abranger toda e qualquer despesa necessária ao pleno exercício dos direitos do hipossuficiente econômico, em juízo ou fora dele. Qualquer obstáculo monetário que impeça ou dificulte o acesso do hipossuficiente à justiça deverá ser removido pela gratuidade, garantindo-se a plena e constante marcha em busca da ordem jurídica justa. Sendo assim, todas as despesas judiciais necessárias ao regular desenvolvimento do processo e à efetiva participação do hipossuficiente na relação jurídico--processual deverão ser abarcadas pela
gratuidade (ex: custas em sentido estrito, taxa judiciária, honorários periciais, etc.). Do mesmo modo, todos os atos extrajudiciais necessários à defesa ou ao pleno exercício de direitos do necessitado econômico também deverão ser abrangidos pela justiça gratuita (ex.: emolumentos relativos à autenticação de documento, à averbação de divórcio, ao registro de imóvel etc.). Segundo sintetiza AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, “nenhuma despesa pode ser excluída, por mais especial que seja, pois isto implicaria a negativa da garantia constitucional da isonomia, do direito de ação e do contraditório”12. Embora sejam frequentemente utilizados como sinônimos, os conceitos de gratuidade de justiça e de assistência jurídica gratuita são absolutamente distintos. A gratuidade de justiça constitui instituto de direito processual, quando a dispensa da antecipação do pagamento ocorre em relação jurídico-processual (ex.: dispensa do recolhimento das custas iniciais do processo), ou de direito extraprocessual, quando a dispensa se dá perante as serventias extrajudiciais (ex.: dispensa do pagamento dos emolumentos relativos à expedição de determinada certidão). No primeiro caso, quando o direito à gratuidade de justiça se manifesta em uma relação processual, a responsabilidade por seu reconhecimento é atribuída ao juiz ou tribunal responsável pela análise e julgamento da causa. No segundo, quando o direito se exterioriza extraprocessualmente, seu reconhecimento deverá ser realizado pelo delegatário do serviço notarial ou registrário, sob a obrigatória e constante supervisão do juiz competente. Além disso, o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça gera uma postura negativa por parte do Estado, que se abstém de exigir o pagamento antecipado de todas as despesas necessárias ao exercício dos direitos do hipossuficiente econômico, judicial ou extrajudicialmente. Assim, não há a prestação de um serviço, nem desempenho de qualquer atividade; identifica-se apenas a assunção de uma postura passiva por parte do Estado13. A assistência jurídica gratuita, por sua vez, constitui instituto de Direito Administrativo14, traduzindo a prestação não onerosa de serviço de orientação legal e de defesa dos direitos do necessitado econômico, em juízo ou fora dele. Por constituir instituto de Direito Administrativo, o reconhecimento do direito à assistência jurídica estatal gratuita deverá ser realizado de maneira exclusiva pelo Defensor Público com atribuição para efetuar o atendimento da parte necessitada. De acordo com o art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994, sempre que o Defensor Público entender não haver hipótese de atuação institucional, deverá oficiar o Defensor Público Geral para que seja exercido o controle de legalidade sobre sua decisão funcional de abstenção, podendo o chefe da Instituição, se for o caso, indicar outro Defensor para atuar na defesa dos interesses do hipossuficiente e, ainda, instaurar procedimento disciplinar contra aquele que se recusou a prestar o atendimento devido, quando evidenciada possível desídia. Ademais, ao contrário do que ocorre com a gratuidade de justiça, o direito à assistência jurídica gratuita desperta uma conduta positiva do Estado, que deverá assumir postura atuante para garantir a adequada proteção dos direitos do economicamente necessitado15. Apontando de maneira resumida a diferenciação conceitual entre os institutos, os processualistas FREDIE DIDIER JÚNIOR e RAFAEL OLIVEIRA explicam: A despeito de serem constantemente utilizadas como sinônimos, os conceitos de justiça gratuita, de assistência judiciária e de
assistência jurídica são distintos:
a) justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária, consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento dos honorários de advogado; b) assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público (ex.: defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou não com o Poder Público, como, por exemplo, os núcleos de prática jurídica das faculdades de direito); c) assistência jurídica compreende, além do que já foi dito, a prestação de serviços jurídicos extrajudiciais (como, por exemplo, a distribuição, por órgão do Estado, de cartilha contendo direitos básicos do consumidor) – trata-se, como se vê, de direito bem abrangente. (DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Benefício da Justiça Gratuita, Salvador: JusPodivm, 2008, pág. 11) Nesse ponto, portanto, já podemos preparar o adequado funeral para sepultarmos definitivamente alguns erros recorrentes no cotidiano forense. Primeiramente, é importante observar que a questão posta à análise do magistrado refere-se unicamente ao direito à gratuidade de justiça; quem possui atribuição para reconhecer o direito à assistência jurídica estatal gratuita é o Defensor Público, como decorrência natural de sua independência funcional. Dessa forma, poderá o Defensor Público continuar prestando assistência jurídica à parte que entender ser hipossuficiente, mesmo que o juiz da causa tenha denegado o direito à gratuidade de justiça (o tema será analisado de maneira mais detalhada adiante). Em segundo lugar, para que faça jus à gratuidade de justiça, não há necessidade de que a parte esteja obrigatoriamente assistida pela Defensoria Pública; embora seja a Defensoria Pública o órgão estatal responsável por prestar a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (art. 134 da CRFB), nada impede que o carente de recursos escolha o patrocínio de advogado particular16. Essa escolha em nada interfere no direito à gratuidade de justiça. Do mesmo modo, o advogado particular não é obrigado a declarar que atua a título gratuito para que seu cliente possa ver reconhecido o direito à gratuidade de justiça. O pagamento de honorários contratuais ao advogado não constitui entrave automático ao direito à justiça gratuita; é claro que o pagamento de vultuosa remuneração antecipada ao advogado poderá evidenciar a não hipossuficiência econômica da parte e, consequentemente, afastar o direito à gratuidade de justiça. No entanto, não há qualquer óbice lógico ou jurídico ao pagamento de honorários, por exemplo, de forma parcelada ou mesmo condicionada ao final êxito no litígio (regime de contingency fee ou conditional fee)17. Esse entendimento, inclusive, restou consolidado no enunciado da Súmula nº 40 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que estabelece: Súmula nº 40 do TJ/RJ: Não e obrigatória a atuação da Defensoria Pública em favor do beneficiário da gratuidade de justiça, facultada a escolha de advogado particular para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de firmar declaração de que não cobra honorários.
Assim, embora ambos os institutos dependam do reconhecimento da hipossuficiência econômica
do indivíduo para serem aplicados, a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita não podem ser confundidas, possuindo disciplinas jurídicas próprias e caracteres distintivos bastante extremados. 3.1.3 Dos modelos de assistência jurídica dos Estados contemporâneos
Para adimplir o compromisso de prestar a assistência jurídica aos necessitados, os Estados contemporâneos, influenciados pela cultura e pela história local, adotaram caminhos diversos e desenvolveram modelos variados. Por essa razão, antes de conhecermos nosso próprio sistema de assistência jurídica, com suas virtudes e deficiências, passaremos a analisar de forma rápida e sucinta os quatro principais sistemas ou modelos jurídico-assistenciais presentes no mundo. A)
MODELO Pro Bono: No modelo pro bono, a assistência jurídica aos necessitados é prestada por intermédio profissionais liberais (advogados particulares), que atuam sem receber qualquer espécie de contraprestação pecuniária dos cofres públicos. A atividade jurídica é exercida em regime assistencial caritativo e imbuída do aspecto humanitário18. Embora constitua modelo arcaico e anacrônico, o modelo pro bono ainda possui grande importância nos países do continente americano, especialmente no que tange à assistência judiciária nas causas cíveis19. B)
SISTEMA Judicare: Assim como ocorre no modelo pro bono, no sistema judicare a assistência jurídica é também prestada por advogados particulares. Entretanto, nesse sistema a atividade desempenhada pelos profissionais liberais é remunerada casuisticamente pelos cofres públicos. De acordo com CLÉBER FRANCISCO ALVES, o sistema judicare “embora seja normalmente associado ao sistema em vigor na Inglaterra após o ano de 1949, na verdade tem suas origens remotas na Alemanha que, desde 1919, passou a reconhecer aos advogados que fossem designados para assumir o patrocínio dos interesses das pessoas pobres o direito de cobrar do Estado o reembolso dos gastos realizados na prestação dos serviços”20. Com a gradual evolução do modelo assistencial vigente no país, a Alemanha passou a prever, a partir de 1923, não apenas o reembolso, mas também a remuneração pelos serviços prestados pelo profissional do direito, delineando os traços fundamentais do sistema judicare. Geralmente, nos países que adotam o sistema judicare, a análise dos requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita é realizada por órgãos públicos, que avaliam casuisticamente a condição econômica da parte e o mérito da causa a ser proposta21. Em sendo reconhecido o direito à assistência jurídica gratuita, a parte elege o advogado liberal que patrocinará sua causa, podendo escolher livremente qualquer dos profissionais habilitados previamente junto ao órgão estatal competente22; em não sendo realizada a escolha pela parte, ocorre a indicação automática do advogado, observando-se os critérios de rotatividade
próprios de cada país. Após o término dos serviços jurídico-assistenciais, o profissional liberal recebe uma remuneração estatal pelos serviços prestados, pagas com recursos oriundos dos cofres públicos23. O sistema judicare é considerado por muitos estudiosos como sendo o modelo de assistência jurídica mais adequado, tendo em vista ser outorgado ao hipossuficiente econômico a possibilidade de escolha do advogado particular que patrocinará seus interesses24. Segundo PIERO CALAMANDREI, o vínculo de confiança existente entre a parte e seu advogado constituiria garantia essencial à plenitude de defesa; por essa razão, deveria o pobre ter a mesma liberdade de escolha do advogado que tem aquele que paga a remuneração do seu patrono, sob pena de ser colocado em posição de flagrante inferioridade em relação ao seu adversário25. No entanto, para que a liberdade de escolha fosse efetivamente garantida, deveria o sistema judicare remunerar os advogados com os mesmos valores praticados por eles no mercado; somente assim seria possível atrair a totalidade dos profissionais liberais e evitar o desinteresse na prestação da assistência jurídica aos necessitados. Contudo, como o pagamento de remuneração em nivelamento com o mercado acarretaria custo extremamente elevado para o Estado, nenhum país do mundo adota esse utópico patamar contraprestacional; na grande maioria dos casos, os valores pagos pelo sistema judicare se mostram reduzidos e sequer se aproximam da média forense, o que desestimula muitos advogados a atuarem sob o regime da assistência jurídica gratuita. Com razão, portanto, leciona o professor CLÉBER FRANCISCO ALVES, considerado uma das maiores autoridades no país no estudo da assistência jurídica: Em tese, parece uma característica louvável, na medida em que permite que, assim como ocorre com as pessoas de melhor poder aquisitivo, também os menos favorecidos economicamente possam escolher e “contratar” os profissionais mais competentes e melhor qualificados para patrocinar sua causa. Todavia, de fato essa não é a realidade. Primeiramente porque os valores que são pagos pelo Estado como contraprestação pelos serviços prestados pelo advogado ao beneficiário da AJ dificilmente chegarão próximo dos honorários normalmente cobrados dos demais clientes particulares, em especial dos mais abastados economicamente, o que desestimula os advogados mais famosos e com uma extensa carteira de clientes a atuarem sob o regime da AJ. Essa circunstância, aliada ao fato de que o advogado procurado pelo virtual beneficiário da AJ não está obrigado a aceitar a causa, torna de fato bastante estreito o leque de alternativas disponíveis para escolha do profissional que assumirá o patrocínio da causa. (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 182) C)
SALARIED STAFF MODEL: No salaried staff model os advogados laboram sob regime de dedicação exclusiva e recebem remuneração fixa por período de trabalho diário, independentemente da carga de serviço ou de tarefas efetivamente cumpridas26. Ao contrário do sistema judicare, portanto, no salaried staff model não há o pagamento de remuneração casuística em virtude de cada atividade jurídica executada; nesse modelo, os advogados integram corpo de profissionais especializados na prestação de assistência jurídica gratuita aos necessitados, percebendo como contraprestação por seus serviços remuneração fixa. O salaried staff model se desdobra em duas submodalidades. Na primeira delas, “o próprio poder público opta pela criação de organismos estatais destinados à prestação direta dos serviços de assistência judiciária (e eventualmente também de assistência jurídica extrajudicial), contratando para tanto advogados que, neste caso, manterão vínculo funcional com o próprio ente público”27. Na segunda submodalidade, “os serviços podem ser prestados por entidades não estatais, via de regra
sem fins lucrativos, que recebem subsídios dos cofres públicos para custeio de suas despesas, inclusive para o pagamento dos advogados contratados cujo vínculo empregatício será estabelecido com essas respectivas entidades e não com o Estado”28 (ex.: Neighborhood Law Offices, implementados nos Estados Unidos na década de 1960). No salaried staff model, como ocorre o pagamento de remuneração fixa aos advogados, todas as causas são tratadas de maneira igualitária, independentemente da relevância econômica do feito29. Além disso, a assistência jurídica é prestada de maneira integrada e especializada, garantindo-se tanto a defesa individualizada dos necessitados econômicos quanto a tutela coletiva das classes menos favorecidas. No entanto, por não proporcionar liberdade de escolha, o salaried staff model tem sido objeto de críticas por parte de alguns estudiosos. Outrossim, em virtude da crescente demanda, o salaried staff model em muitos países não tem sido capaz de estruturar-se de maneira adequada, de modo a prestar o serviço jurídico-assistencial de maneira rápida e efetiva. D)
SISTEMA HÍBRIDO OU MISTO: O sistema híbrido ou misto não constitui propriamente um modelo cientificamente distinto de assistência jurídica aos necessitados; na verdade, trata-se da reunião dos modelos básicos acima mencionados, em diversas combinações possíveis, caracterizando autêntica relação de complementaridade. Nesse complexo hibridismo, o titular do direito à assistência jurídica gratuita pode escolher ser atendido por advogado liberal habilitado no sistema judicare ou optar pela assistência dos profissionais integrantes do salaried staff model. E)
A DEFENSORIA PÚBLICA E O MODELO BRASILEIRO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA: No Brasil, o legislador constituinte realizou a adoção expressa do salaried staff model, incumbindo a Defensoria Pública de realizar a assistência jurídica integral e gratuita dos necessitados (art. 134 da CRFB). Com isso, formalizou-se a opção pela criação de organismo estatal destinado à prestação direta dos serviços jurídico-assistenciais, com profissionais concursados, titulares de cargos públicos efetivos e remunerados de maneira fixa diretamente pelo Estado, sob regime de dedicação exclusiva (art. 134, § 1º, da CRFB). Embora custeada por recursos públicos, a Defensoria Pública encontra-se desvinculada dos Poderes Estatais, podendo livremente exercer os serviços de assistência jurídica gratuita aos necessitados, “inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público” (art. 4º, § 2º, da LC nº 80/1994). Com isso, resta assegurada a independência funcional do Defensor Público na tomada de decisões polêmicas e protegida a Instituição de ataques políticos nos casos mais controversos. Além disso, o art. 4º, VII, VIII, X e XI, da LC nº 80/1994, e o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985 permitem que a Defensoria Pública exerça a mais ampla defesa dos interesses das pessoas necessitadas enquanto classe, estando a Instituição legitimada a propor ações coletivas, na sua mais ampla concepção (Ação Civil Pública e Ação Coletiva).
De acordo com o art. 4º, § 5º da LC nº 80/1994, o serviço jurídico-assistencial gratuito mantido pelo Poder Público deverá ser exercido com exclusividade pela Defensoria Pública, sendo vedada qualquer outra forma de custeio ou fornecimento de assistência jurídica estatal. Nesse sentido, inclusive, já teve a oportunidade de se manifestar o Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento da ADI nº 4.163/SP, in verbis: É dever constitucional do Estado oferecer assistência jurídica gratuita aos que não disponham de meios para contratação de advogado, tendo sido a Defensoria Pública eleita, pela Carta Magna, como o único órgão estatal predestinado ao exercício ordinário dessa competência. Daí, qualquer política pública que desvie pessoas ou verbas para outra entidade, com o mesmo objetivo, em prejuízo da Defensoria, insulta a Constituição da República. (STF – Pleno – ADI nº 4.163/SP – Relator Min. Cezar Peluso, decisão: 29-02-2012)
Ressalta-se, entretanto, que sistema judicare pode ser ainda encontrado de maneira subsidiária no modelo brasileiro de assistência jurídica, sendo aplicável nas hipóteses em que a Defensoria Pública não tenha sido adequadamente estruturada para exercer amplamente suas funções institucionais (art. 5º, § 2º, da Lei nº 1.060/1950). Nesses casos, o juiz encontra-se autorizado a realizar a nomeação de advogado dativo para exercer o patrocínio jurídico dos necessitados, possuindo o profissional nomeado direito ao recebimento de honorários fixados judicialmente, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado (art. 22, § 1º, da Lei nº 8.906/1994). Em decorrência do elevado índice de pobreza existente no Brasil, o modelo de assistência legal adotado no país tem sido alvo de críticas em virtude do acúmulo de trabalho e do excessivo número de causas atribuídas ao Defensor Público, o que fatalmente prejudicaria a qualidade do serviço prestado à população. Além disso, por se contrapor ao sistema judicare, o modelo de assistência legal adotado pelo país tem sido criticado por não permitir a livre escolha do advogado pela parte, o que comprometeria o vínculo de confiança entre o hipossuficiente e o Defensor Público que o representa.30. De fato, nenhum sistema de assistência jurídica contemporâneo se mostra isento de críticas, não podendo qualquer deles ser qualificado como correto ou ideal. Na realidade, como destaca o professor ROGER SMITH, em todos os sistemas jurídico-assistenciais já estudados existe apenas uma constante: “bons serviços de assistência jurídica gratuita públicos correspondem sempre a níveis altos de disponibilização de recursos financeiros”31. Em virtude disso, os modernos estudos sobre a assistência jurídica no mundo tem deixado de lado a busca utópica pelo modelo perfeito, e tem procurado, de maneira realística, a adequada maximização da relação custo-benefício, dadas as peculiaridades de cada país. Dentro dessa ótica, analisando os gastos gerados pelo sistema judicare e pelo salaried staff model, ainda paralelamente vigentes no Estado de São Paulo, o professor VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA destaca: Ao contrário do que ocorre com os defensores públicos, que têm remuneração mensal fixa, os advogados que prestam serviço por meio do convênio com a OAB recebem por processo ou audiência. Em razão dessa disparidade, dentre outras, são gastos hoje no Estado de São Paulo quase 4 vezes mais com o convênio com a OAB (R$ 272 milhões) do que com toda a infraestrutura (e não apenas os salários) da Defensoria Pública (R$ 75 milhões). (SILVA, Virgílio Afonso da. Parecer sobre o convênio entre a Defensoria Pública do Estado e a OAB/SP na prestação de assistência judiciária, Revista da Defensoria Pública, São Paulo, 2011, n. 02, pág. 171)
Na verdade, em virtude da especialidade dos serviços prestados pela Defensoria Pública e de sua crescente equipe de apoio, composta por funcionários e estagiários concursados, o salaried staff model adotado pelo Brasil, se comparado com outros modelos vigentes no mundo, tem proporcionado um elevado grau de aproveitamento dos recursos públicos. Sem dúvida, a Defensoria Pública ainda não se encontra suficientemente estruturada para garantir o atendimento rápido e eficaz de toda a população carente do país32; no entanto, se os recursos atualmente concentrados nas Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal fossem pulverizados no mercado forense por intermédio do sistema judicare, o resultado final em termos de número de pessoas atendidas e qualidade do serviço prestado seria inegavelmente menor. Por essa razão, entendemos que o salaried staff model adotado pelo Brasil, embora não possa ser considerado como ideal, apresenta-se como sendo aquele que melhor maximiza a relação custobenefício, oferecendo maior qualidade e quantidade de serviço jurídico-assistencial pelo mínimo de dispêndio das verbas públicas. Outrossim, embora os defensores do sistema judicare critiquem o modelo de assistência jurídica vigente no país por não permitir ao pobre a livre escolha do advogado que patrocinará sua causa, essa verrina encontra-se fundada em clássica perspectiva liberal, pressupondo a capacidade individual de escolher o melhor para si no momento da realização da defesa jurídica de seus interesses. No entanto, é importante ter em mente que a liberdade de opção não garante a qualidade da escolha; permitir que o hipossuficiente econômico decida qual advogado deverá prestar-lhe a assistência jurídica não garante que sua escolha será a mais adequada ou oportuna, mormente em virtude das barreiras sociais e culturais geralmente impostas às classes menos favorecidas. Ademais, ainda que o estabelecimento do vínculo de confiança entre o advogado e seu cliente seja de incontestável importância, esse atributo não é uma decorrência automática do sistema judicare; afinal, confiança não se contrata, se conquista. Sobre o tema, posiciona-se, uma vez mais, a abalizada doutrina do professor CLÉBER FRANCISCO ALVES: A modalidade ordinária de designação do profissional jurídico, no caso, o Defensor Público, a ser encarregado de prestar a assistência jurídica tem sido objeto de críticas em razão do fato de que não permite a livre escolha do advogado pela parte, comprometendo o estabelecimento do vínculo de confiança considerado de fundamental importância na relação entre o advogado e o cliente. Essa crítica está marcada por uma perspectiva tipicamente liberal, tendo como pressuposto o entendimento de que deve ser prestigiado de modo quase absoluto o livre arbítrio e a autonomia do indivíduo, reconhecendo-lhe capacidade para escolher o melhor para si. Há uma presunção de que, o simples fato de deixar ao arbítrio do indivíduo a prerrogativa de escolha do seu advogado, fatalmente se alcançará o maior bem. Isto, no nosso entender, não é totalmente verdadeiro. Mesmo porque a grande maioria dos destinatários da assistência jurídica e judiciária prestada pelo Estado não possui as mínimas condições fáticas para exercer de modo efetivo a liberdade de escolha do melhor profissional capaz de lhes prestar os serviços jurídicos necessários. Por isso lhes é quase que indiferente se terão um advogado de sua livre escolha, ou se terão um advogado previamente assinalado, em função de critérios objetivos da divisão funcional adotada pela Defensoria Pública. O mais importante é a qualidade do serviço a ser prestado. É certo que não se pode negar uma visão paternalista nesta última perspectiva, que se apresenta como alternativa à perspectiva de cunho liberal. Mas o fato é que certamente essa opção do ordenamento jurídico brasileiro pelo modelo de “advogados” públicos, sem admitir a possibilidade de livre escolha pelo destinatário do serviço, não foi feita tanto com amparo em perspectivas ideológicas, mas sobretudo em perspectivas pragmáticas, de busca de melhores resultados em termos de “custo-benefício” e de otimização na prestação do serviço, e também em razão de uma realidade que já possuía raízes históricas consolidadas na realidade brasileira. Além do mais, essa é a regra geral inerente à lógica do serviço público em âmbito mundial: por exemplo, se o cidadão procura um hospital público não tem a faculdade de escolher livremente o médico que lhe prestará assistência. (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit. pág. 292/293)
Por fim, apesar de exercer com exclusividade o serviço jurídico-assistencial público (ou estatal), a Defensoria Pública não guarda o monopólio da assistência jurídica gratuita33, sendo admissível que advogados particulares prestem o serviço em caráter caritativo (pro bono) ou sob o regime de contingency fee (ou conditional fee), condicionando o pagamento de honorários ao final êxito no litígio34. Com isso, resta conferido ao modelo brasileiro importante traço de flexibilidade no que tange a escolha do profissional que deverá prestar a assistência jurídica gratuita35. Recentemente, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 62/2009, estruturando o serviços de assistência jurídica voluntária. De acordo com a referida resolução, os tribunais deverão realizar o cadastramento de advogados voluntários, que se mostrem interessados na prestação de assistência jurídica sem contraprestação pecuniária do assistido ou do Estado (art. 1º). 3.2 DA PRERROGATIVA EXCLUSIVA DO DEFENSOR PÚBLICO PARA AFERIR O DIREITO À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA NOS ATENDIMENTOS PRESTADOS PELA INSTITUIÇÃO Em virtude da evolução do Direito Político e da necessidade de criação de mecanismos de controle das funções estatais, a Constituição Federal de 1988, ao organizar os Poderes do Estado (Título IV – “Da organização dos Poderes”), não se limitou às descentralizações tradicionais decorrentes da tripartição consagrada por Montesquieu, instituindo ao lado do Poder Legislativo (Capítulo I), do Poder Executivo (Capítulo II) e do Poder Judiciário (Capítulo III) um quarto complexo orgânico, intitulado “Funções Essenciais à Justiça” (Capítulo IV), compreendendo o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública. Embora não possa ser qualificado como um quarto Poder, esse novo grupamento recebeu a seu cargo o exercício de uma quarta função política, ao lado da função legislativa, da executiva e da jurisdicional: a função de provedoria de justiça36. Com isso, pretendeu o legislador constituinte criar um sistema independente de fiscalização e controle dos Poderes Estatais, garantindo-se o respeito aos direitos fundamentais e a perpetuidade do Estado Democrático de Direito. Dentro desse quadro, preocupada em assegurar a efetiva proteção legal das classes menos favorecidas e tradicionalmente marginalizadas, a Constituição Federal incumbiu expressamente a Defensoria Pública de realizar a assistência jurídica integral e gratuita dos necessitados (art. 5º, LXXIV, c/c o art. 134 da CRFB), garantindo-lhes o perene e igualitário acesso à ordem jurídica justa. Como forma de salvaguardar a Instituição de interferências externas, especialmente comuns quando se exerce a defesa dos interesses dos economicamente vulneráveis, o legislador constituinte desvinculou a Defensoria Pública das demais estruturas estatais37, regulamentando-a em capítulo autônomo (Capítulo IV) e fora dos capítulos destinados aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (Capítulos I, II e III, respectivamente). Por essa razão, não há qualquer relação hierárquica entre os membros da Defensoria Pública e os integrantes dos Poderes do Estado, não sendo admissível que seus membros recebam instruções vinculantes de qualquer autoridade pública. Quando atende ao comando constitucional e exerce a defesa dos interesses dos necessitados, em
juízo ou fora dele, a Defensoria Pública possui soberania na tomada de decisões, não podendo sofrer a ingerência de qualquer agente externo. Essa altivez abrange também (e especialmente) a seleção dos destinatários finais de seus serviços jurídico-assistenciais38; afinal, de nada adiantaria garantir a poética independência funcional no atuar do Defensor Público se interesses escusos pudessem decidir quem seria favorecido por essa atuação. Nesse sentido, lecionam de maneira primorosa JOSÉ AURÉLIO DE ARAÚJO e SAULLO TASSIO GATO CABRAL: Na classificação dos agentes públicos, os Defensores Públicos estão inseridos como agentes políticos, pois dotados da prerrogativa da independência funcional. Como princípio primordial, a independência funcional está diretamente ligada à insurreição do Defensor Público contra os demais poderes do Estado no exercício de suas funções, haja vista ser a Defensoria Pública considerada pela Constituição como instituição essencial à função jurisdicional do Estado e possuir, a princípio, a capacidade de demandar contra quaisquer dos entes estatais.
Por tal razão, não pode o defensor público se sujeitar a influências externas no desempenho de suas atribuições, sendo vedada a ingerência através de constrangimento, ou seja, pressão política, manipulação de remuneração, dentre outras. Assim, seus atos administrativos, como a identificação dos requisitos necessários ao deferimento da gratuidade, estão sob o pálio desta independência funcional. (ARAÚJO, José Aurélio de. CABRAL, Saullo Tassio Gato. A atribuição exclusiva do Defensor Público para aferir o direito à gratuidade de justiça, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2006, n.21, pág. 186) Portanto, quem afere e reconhece o direito à assistência jurídica estatal gratuita é o Defensor Público com atribuição para realizar o atendimento do necessitado econômico, não sendo admitida a interferência vinculante de qualquer autoridade pública na escolha dos destinatários finais dos serviços prestados pela Instituição. Nessa ótica, quando o indivíduo ingressa em juízo como autor, réu ou interveniente, a questão colocada à análise do juiz refere-se unicamente ao reconhecimento do direito à gratuidade de justiça; não possui o julgador qualquer ingerência quanto ao direito à assistência jurídica estatal gratuita reconhecida administrativamente pelo Defensor Público39. Mesmo que a gratuidade de justiça seja denegada pelo juiz ou tribunal, não poderá o Defensor Público ser impedido de continuar prestando a assistência jurídica gratuita ao indivíduo. Caso entenda ser inadequada a atuação positiva do Defensor Público, deverá o juiz realizar a expedição de ofício à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, para que fiscalize a atividade funcional do membro da Instituição. Importante considerar, nesse ponto, que o Defensor Público nada ganharia se tentasse, de maneira indiscriminada, utilizar sua independência funcional como forma de prestar atendimento gratuito para pessoas abastadas, a não ser um volume maior de trabalho e um número maior de processos40. Em 2007, após a formalização de questionamento por parte de membro do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, o professor PAULO GALLIEZ, na qualidade de Coordenador-Geral das Assessorias da DPGE/RJ, proferiu parecer reconhecendo a prerrogativa exclusiva do Defensor Público para aferir o direito à assistência jurídica gratuita nos atendimentos prestados pela Instituição:
Determinado Juiz de Direito, oficiando à Defensoria Pública, questiona sobre o patrocínio da Defensoria Pública em prol de pessoa jurídica, incluindo a possibilidade da atuação do Defensor Público após decisão indeferitória da gratuidade de justiça, sem que tenha sido interposto recurso, solicitando parecer sobre o assunto. (…) a independência funcional assegura a plena liberdade de ação do defensor público perante todos os órgãos da administração pública, especialmente o judiciário. O princípio em destaque elimina qualquer possibilidade de hierarquia diante dos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia. Assim, nada impede que o Defensor Público, na prática de seus atos profissionais, continue patrocinando os interesses de seus assistidos, mesmo que o benefício da justiça gratuita venha a ser revogado por decisão judicial, cabendo a si, exclusivamente, a responsabilidade pelos critérios de avaliação da situação econômica de cada assistido. (GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. Distinção entre assistência judiciária e assistência jurídica. Patrocínio da Defensoria Pública em favor de pessoa jurídica. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2007, n.22, pág. 280/281)
Na hipótese inversa, utilizando o mesmo raciocínio, não poderá também o magistrado determinar de maneira vinculante que o Defensor Público atue em favor de alguma parte que esteja processualmente desprovida de capacidade postulatória nos autos. Assim, toda e qualquer intimação judicial determinando a atuação compulsória da Defensoria Pública deverá ser recebida como simples solicitação de análise, cabendo ao Defensor Público natural a realização da avaliação dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito à assistência jurídica estatal gratuita41. Caso o Defensor Público entenda inexistir hipótese de atuação institucional, deverá dar imediata ciência do fato ao Defensor Público Geral, que decidirá a controvérsia, indicando, se for o caso, outro Defensor Público para atuar (art. 4º, § 8º, da LC nº 80/1994)42. Do mesmo modo, não concordando com a inatuação do Defensor Público, poderá o magistrado realizar a expedição de ofício à Corregedoria da Defensoria Pública, para que seja exercida a fiscalização sobre a atividade funcional negativa do membro da Instituição. Em virtude de sua importância prática, a questão restou inclusive regulamentada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União, por intermédio da inspiradora e didática Resolução nº 09/200543, in verbis: Resolução nº 09, de 6 de julho de 2005 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União Dispõe sobre a identificação da hipótese de atuação da Defensoria Pública da União e sobre o deferimento da assistência jurídica. Art. 1º À Defensoria Pública da União, por seu Defensor natural, cabe decidir sobre a prestação da assistência jurídica, identificando a existência, ou não, das hipóteses de atuação institucional previstas no artigo 4º da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Parágrafo único. Por Defensor natural tem-se o membro da Defensoria Pública da União titular do órgão de atuação com atribuições para oficiar no processo, judicial ou administrativo, previamente estabelecidas e mediante livre e equitativa distribuição. Art. 2º As intimações judiciais determinando a atuação compulsória da Defensoria Pública da União deverão ser recebidas como simples abertura de vista à instituição para avaliação, positiva ou negativa, da hipótese de atuação e deferimento, ou não, da assistência jurídica. Art. 3º Recomenda-se que em todos as suas manifestações processuais, judiciais ou extrajudiciais, o Defensor Público da União se utilize da seguinte fórmula introdutória: “… A Defensoria Pública da União, na defesa de Fulano de Tal, nos termos do decidido no procedimento administrativo nº 2005/00001, vem interpor o presente recurso…” ou “…Fulano de Tal, necessitado juridicamente assistido pela Defensoria Pública da União, nos termos do decidido no procedimento administrativo nº 2005/00001, deixa de recorrer da sentença de fls. 92-99…”.
Não se pode deixar de salientar, ainda, que a assistência jurídica gratuita constitui instituto de Direito Administrativo, não dependendo sua concretização de qualquer intervenção judicial prévia. Basta lembra que ao celebrar acordos, elaborar contratos ou atuar em processos administrativos, o Defensor Público não necessita pleitear previamente o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita por parte do Poder Judiciário; na verdade, a prática desses atos jurídicoassistenciais sequer é levada ao conhecimento do juiz ou tribunal. Da mesma forma, quando a defesa dos interesses do necessitado econômico demanda a instauração de processo judicial, a prestação dos serviços jurídico-assistenciais obrigatoriamente antecederá a postulação em juízo. Por uma questão de lógica, portanto, não pode o magistrado ser o responsável pelo reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita; afinal, se a exordial foi distribuída é porque o direito à assistência já foi administrativamente reconhecido e o serviço jurídico já foi devidamente prestado. Corroborando esse posicionamento, temos a lição de FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, em obra recentemente publicada sobre o tema: A assistência jurídica integral e gratuita jamais poderia ser deferida pelo Poder Judiciário. Não só por se tratar de serviço público prestado exclusivamente pela Defensoria Pública, mas também pela circunstância de que a sua concretização não depende, em muitas vezes, de intervenção judicial. Existem inúmeras situações em que o serviço de assistência jurídica é prestado pela Defensoria Pública sem que o Poder Judiciário sequer tome conhecimento de sua atuação, a exemplo da defesa do assistido em processo administrativo disciplinar. O que o Poder Judiciário se encarrega de analisar e deferir é o direito à justiça gratuita, instituto consagrado pela Lei nº 1.060/1950 e que possibilita à parte hipossuficiente isentar-se do pagamento antecipado das despesas processuais. Por essa razão, incumbe à instituição Defensoria Pública, como exclusiva responsável pela prestação do serviço público de assistência jurídica integral e gratuita, e diante da independência funcional que lhe é inerente (art. 3º, LC nº 80/1994), exercer a função de avaliar a alegação de hipossuficiência, para que, reconhecendo-a, possa prestar a assistência jurídica prevista constitucionalmente. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 70/71)
Seja pela ótica constitucional ou pela lógica jurídica, a análise dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito à assistência jurídica estatal gratuita deve ser considerada prerrogativa exclusiva do Defensor Público natural, cabendo ao magistrado unicamente exercer o controle sobre o adequado recolhimento das despesas processuais44 (aferindo a presença dos requisitos necessários ao reconhecimento da gratuidade de justiça) e a fiscalização do pressuposto processual da capacidade postulatória45 (verificando a presença nos autos do instrumento de nomeação da Defensoria Pública como patrocinadora da causa – afirmação de hipossuficiência). Recentemente, a Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manifestou sua adesão a esse posicionamento, em decisão proferida pelo ilustre Desembargador MARCO ANTÔNIO IBRAHIM, in verbis: Administrativo. Processual civil. Defensor Público. Determinação judicial de cessação do patrocínio da Defensoria Pública. Impossibilidade. Inexistência de relação de hierarquia ou subordinação entre Defensores Públicos e Magistrados. (…) O Poder Judiciário não tem como intervir na relação cliente-advogado e, do ponto de vista meramente administrativo, é da Defensoria Pública o juízo de oportunidade e conveniência da atividade de representação judicial dos necessitados, respeitados os limites éticos e disciplinares impostos pela própria instituição. (…) Afirma-se, pois, a discricionariedade da Defensoria Pública quanto à avaliação de ser, ou não, seu assistido carente de recursos. Se, diferentemente do Juiz, o Defensor Público entende que seu assistido é necessitado a justificar a atuação da Defensoria Pública, nada pode o Juiz fazer a respeito. Afinal de contas, o Magistrado decide sobre a concessão, ou não, da gratuidade de justiça e não sobre a representação judicial da parte. Entre os membros da Defensoria Pública e a Magistratura não há qualquer relação de hierarquia ou subordinação (artigo 82, Lei Complementar Estadual nº 6/1977).” (TJ/RJ – Vigésima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0022925-73.2009.8.19.0000 –
Relator Des. Marco Antonio Ibrahim, decisão: 02-09-2009)
3.3 DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA Tendo sido realizada a adequada diferenciação ontológica entre assistência judiciária, assistência jurídica e gratuidade de justiça, iniciaremos o estudo do conceito de hipossuficiência (ou necessidade) econômica, bem como a forma legal de aferição dessa particular condição de vulnerabilidade. Esse tema se revela de primordial importância pois a hipossuficiência econômica constitui pressuposto básico para o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça, à assistência jurídica gratuita e, consequentemente, à assistência judiciária gratuita. 3.3.1 Conceituação e delimitação jurídica
Seguindo a tradição legislativa brasileira, a conceituação normativa de hipossuficiente (ou necessitado) econômico tem sido classicamente realizada de forma aberta e bastante flexível. No final do século XIX, no antigo Distrito Federal, o art. 2º do Decreto nº 2.457/1897 já considerava como pobre toda pessoa que, tendo direitos a serem judicialmente tutelados, estivesse “impossibilitada de pagar ou adeantar as custas e despezas do processo sem privar-se de recursos pecuniarios indispensaveis para as necessidades ordinarias da propria manutenção ou da família”. Posteriormente, ampliando o modelo normativo instituído pelo Decreto nº 2.457/1897 para todo o território nacional, o art. 68 do Código de Processo Civil de 1939 passou a prever que a parte que não estivesse “em condições de pagar as custas do processo, sem prejuizo do sustento próprio ou da família” gozaria do benefício de gratuidade. Finalmente, encampando a disciplina normativa do CPC/1939, que teve seus artigos 68 a 79 revogados por este novo diploma legal, passou a Lei nº 1.060/1950 a conceituar o necessitado econômico como sendo “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, parágrafo único – vigente até os dias atuais). Diante da simples análise do texto normativo, verifica-se que o conceito de hipossuficiência econômica não guarda sinonímia com o conceito de miserabilidade; o reconhecimento do estado de necessidade, para efeito da outorga da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita, dispensa a demonstração do estado de extrema penúria ou pobreza franciscana46. Na verdade, como leciona o professor JORGE AMERICANO, basta que o indivíduo esteja colocado na contingência de “deixar perecer o seu direito por falta de meios para fazê-lo valer em juízo, ou ter que desviar para o custeio da demanda e constituição de patrono os recursos indispensáveis à manutenção própria, e dos que lhe incumbe alimentar”47. Portanto, não há um critério objetivo rígido ou parâmetro matemático previamente estabelecido para que se reconheça a qualidade de hipossuficiente do indivíduo; para que seja considerado necessitado, basta que sua condição econômica não lhe permita arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família48. A análise do direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, assim, dependerá de
um juízo de equidade, no qual deverão ser ponderados todos os rendimentos do postulante e seus razoáveis gastos pessoais e familiares, para que se constate se o saldo remanescente é suficiente para arcar com o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, sem prejudicar o sustento da própria parte e de seu núcleo familiar49. Desse modo, a constatação da hipossuficiência econômica depende da avaliação de dois fatores pessoais ou endógenos (rendimentos e despesas do núcleo familiar do postulante) e dois fatores jurisdicionais ou exógenos (despesas processuais e honorários advocatícios). Somente após o equacionamento desses fatores se revela possível constatar o enquadramento típico no art. 2º, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950. Dentro do conceito de rendimentos, devem ser compreendidos todos os valores regularmente auferidos pelo postulante, tais como salários, pensões, valores provenientes de aluguéis, lucros oriundos de investimentos, etc. Por outro lado, o conceito de despesas pessoais e familiares deverá abranger todos os razoáveis gastos cotidianos do núcleo familiar a que pertencer o postulante, sendo relevante apurar nesse cálculo quantas pessoas integram esse grupo, se dentre essas há alguma que demande cuidados médicos constantes ou possua necessidades especiais que ocasionem gastos de natureza excepcional. Evidentemente, as despesas pessoais e familiares do postulante deverão ser moderadas e dotadas de essencialidade, não admitindo-se o cômputo de caprichos suntuosos ou desejos de luxo50. Além da análise desses dois fatores endógenos ou pessoais (rendimentos e despesas), deverão ser considerados ainda os fatores exógenos ou jurisdicionais, ou seja, o valor estimado das despesas necessárias ao deslinde do processo e os valores normalmente cobrados para a devida contratação de advogado. Para tanto, torna-se importante avaliar a natureza da causa, o tipo de pedido formulado, as diligências que deverão ser realizadas e as provas que deverão ser produzidas para o adequado desfecho do processo. Apenas assim se poderá estimar o valor provável dos encargos processuais e a quantia expectável dos honorários advocatícios. Por fim, realizando o equacionamento matemático entre os rendimentos e as despesas, o saldo remanescente dessa subtração deve se mostrar suficiente para suportar as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem privar o núcleo familiar do postulante do mínimo necessário para uma existência digna. Embora a Lei nº 1.060/1950 fale em “sustento”, esta expressão não abrange apenas o necessário à manutenção física ou material do indivíduo e de sua família, mas todo o necessário para que essas pessoas possam viver de acordo com a dignidade humana51. Segundo MAURÍCIO VIDIGAL, o pagamento dos encargos processuais e honorários advocatícios não poderá impedir que o postulante e sua família tenham “acesso à necessidade vital básica indicada no inciso IV, do art. 7º, da Constituição Federal (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência)”52. Se qualquer desses bens não puder ser alcançado em virtude dos fatores exógenos, deverá ser garantido ao postulante o direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950). No mesmo sentido, já se posicionou o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, in verbis: Não é necessário o estado de miserabilidade para que o requerente possa gozar da gratuidade de justiça. Basta que declare que,
se tiver de arcar com as despesas do processo, terá de se privar das necessidades básicas asseguradas pela nossa Constituição (moradia, alimentação, transporte, lazer, etc.), estando, assim, configurada sua situação de necessitado. (TRF2 – Primeira Turma – Apelação Cível nº 200151010093633 – Relatora Regina Coeli M. C. Peixoto, decisão: 07-10-2002)
O patrimônio daquele que pleiteia a concessão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita não é parâmetro sólido para se determinar a condição de necessitado. Ser o requerente proprietário ou possuidor de casa própria, ou de pequeno patrimônio não é motivo para o indeferimento do benefício53, pois não se mostra razoável exigir que o indivíduo se desfaça do teto que lhe fornece abrigo e proteção, ou que aliene os bens que lhe garantem o mínimo existencial para que consiga buscar judicialmente a defesa de seus direitos54. Do mesmo modo, se o indivíduo for proprietário de dois imóveis, utilizando um para sua moradia e outro como sua única fonte de renda, não se poderá negar-lhe peremptoriamente a condição de hipossuficiente financeiro55. A condição de necessitado, entretanto, não tem sido reconhecida para aqueles que possuem patrimônio expressivo e de grande liquidez econômica; nesses casos, mesmo que a renda do indivíduo não seja suficiente para fazer frente às despesas processuais e honorários, mostra-se razoável exigir o desfazimento de parte dos bens para o pagamento dos encargos do processo56. O mesmo raciocínio deve ser empregado em relação àqueles que possuem investimentos em aplicações financeiras; caso o rendimento financeiro gerado pela aplicação desses valores seja a única fonte de renda do indivíduo, ou sirva como essencial complementação de outra renda reduzida, não se poderá exigir que o interessado se desfaça dessa quantia para arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios; afinal, o acesso à justiça não pode ocasionar a ruína financeira do indivíduo. Evidentemente, se as aplicações financeiras somarem vultuosa quantia e proporcionarem representativa remuneração mensal, a princípio não poderá o interessado ser abrangido pelo conceito de necessitado. Além disso, é importante salientar que a análise da hipossuficiência econômica não pode ser relacionada com o bem da vida que se pretende obter com a final prestação jurisdicional57; uma coisa é a expectativa futura de recebimento de determinados valores ou bens, outra completamente diferente é a possibilidade, no presente, de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. Sobre o tema, leciona o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, com sua particular proficiência: Não há qualquer relação entre o bem da vida pleiteado e a possibilidade, no presente, de arcar com as despesas e honorários. Desta forma, não se deve pura e simplesmente indeferir o benefício pelo fato de se tratar de ação de usucapião de imóvel, ou de inventário, ou de cobrança de quantia volumosa. O que até pode ocorrer, em situações tais, é a perda da condição de beneficiário após a demanda, se a parte for vencedora. Mas, até que obtenha o bem da vida pleiteado – e se o obtiver –, a parte não terá condições de arcar com as despesas, fazendo jus ao benefício. E, além disso, sendo vencedora a parte beneficiária, mesmo que isso a faça perder a condição de necessitada, não lhe caberá arcar com as custas do processo, mas sim à parte contrária, vencida. Apenas no caso de inventário, se os bens transmitidos forem de tal monta que retirem do sucessor a qualidade de beneficiário, pode-se admitir que sejam devidas as custas, a final. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 86/87)
Como se percebe, portanto, o modelo nacional proporciona ampla margem de elasticidade na análise da hipossuficiência do indivíduo, permitindo que sejam levadas em conta todas as circunstâncias da situação econômica concreta da pessoa que pretenda ver reconhecido seu direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita58.
Com isso, evita-se o cultivo de critérios normativos estreitos ou rígidos, que potencialmente restrinjam ou limitem o acesso de necessitados anômalos à ordem jurídica justa; afinal, justiça restrita ou limitada acaba sendo a sua própria negação59. 3.3.2 Sistema de presunção juris tantum de pobreza
A natural dificuldade de avaliação externa da real condição econômica da parte levou a legislação nacional a adotar, ao longo da história, diversos critérios sistêmicos de enfrentamento do problema. Em sua redação original, a Lei nº 1.060/1950 exigia que o postulante especificasse detalhadamente seus rendimentos e encargos, apresentando, em conjunto com a petição, atestado de pobreza expedido pela autoridade policial ou pelo prefeito municipal. Posteriormente, com a edição da Lei nº 5.478/1968, foi estabelecida uma nova sistemática de comprovação da pobreza, aplicável unicamente para as ações de alimentos; de acordo com a referida norma, a apresentação de atestado de pobreza seria dispensado nessas espécies de ação, bastando para a demonstração do estado de hipossuficiência a mera afirmação, por escrito, da condição de necessitado econômico. Mais adiante, com a edição da Lei nº 6.654/1979, passou-se a admitir a substituição do vexatório atestado de pobreza pela apresentação da Carteira de Trabalho e Previdência Social, devidamente legalizada. No mesmo ano, a Lei nº 6.707/1979 passou a considerar presumidamente hipossuficiente os trabalhadores que percebessem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, dispensando-lhes a apresentação da certidão de pobreza60. No entanto, apesar das contínuas modificações evolutivas identificadas ao longo dos anos, o sistema de comprovação de hipossuficiência então vigente apresentava uma série de imperfeições e formalidades inconvenientes. Primeiramente, a exigência de apresentação do atestado de pobreza submetia os necessitados econômicos à grave constrangimento, além de sobrecarregar a autoridade policial e o prefeito municipal com atribuição incompatível com as funções públicas por eles exercidas. Além disso, a substituição do atestado de pobreza pela apresentação da Carteira de Trabalho não resolvia amplamente o problema, pois grande parcela da população pertencia – e ainda pertence – ao mercado informal. Do mesmo modo, a fixação do critério objetivo de dois salários mínimos para fins de presunção de hipossuficiência representou poucos avanços práticos, pois a comprovação dessa renda também exigia a apresentação do contrato de trabalho. Durante a década de 1980, o governo federal iniciou um arrojado programa nacional destinado à desburocratização dos serviços públicos, objetivando simplificar os procedimentos administrativos e dispensar a prática de formalidades desnecessárias ou não justificáveis61. Nesse contexto, foi editada a Lei nº 7.510/1986, que alterou a redação do art. 4º da Lei nº 1.060/1950 e instituiu o sistema de presunção de pobreza para fins de concessão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita. Com isso, passou a ser dispensada a apresentação de qualquer prova relativa à condição econômica do requerente, bastando a simples afirmação de que não seria capaz de prover as despesas processuais e os honorários advocatícios sem o sacrifício de seu sustento próprio ou de sua família62. In verbis: Art. 4º A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
§ 1º Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.
Assim, a simples afirmação de hipossuficiência passou a gerar a presunção juris tantum de necessidade econômica, simplificando e facilitando o acesso do litigante pobre à justiça63. Embora essa presunção não se qualifique como absoluta, pois não existe certeza quanto à veracidade da hipossuficiência afirmada, o ônus da prova deixou de ser atribuído ao postulante64. Apenas poderá ser exigida a apresentação de provas concretas, relativas a condição econômica do requerente65, caso as circunstâncias do caso concreto tornem inverossímil a hipossuficiência afirmada (art. 5º da Lei nº 1.060/1950). Não havendo nos autos elementos que ponham em dúvida a alegada hipossuficiência, caberá à parte contrária ilidir a presunção juris tantum de pobreza do requerente, apresentando elementos probatórios que comprovem sua capacidade econômica (art. 7º da Lei nº 1.060/1950). Dissertando sobre o tema, leciona o professor LEONARDO GRECO, com sua peculiar argúcia: Desde o advento da Lei nº 1.060/1950, o legislador utilizou vários critérios para comprovação da necessidade, desde a atestação da pobreza pelo delegado de Polícia ou pelo prefeito, até a exibição de carteira de trabalho com salário não inferior a um determinado valor. Desde 1986, por força da Lei 7.510, o artigo 4º da Lei 1.060/1950 dispensou o requerente de apresentar qualquer prova a respeito da sua situação econômica, bastando a sua simples afirmação de que não dispõe de meios para prover às despesas do processo sem sacrifício para o seu sustento ou o de sua família. A lei cria, portanto, uma presunção de pobreza em favor daquele que a afirma. Essa presunção é relativa, podendo ser ilidida por prova em contrário apresentada pelo adversário, bem como exigir a apresentação de provas concretas pelo requerente, se as circunstâncias da causa tornarem inverossímel a sua simples afirmação de pobreza. (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 381/382)
Com o advento da Constituição Federal de 1988, instaurou-se profunda controvérsia doutrinária acerca da forma de demonstração da hipossuficiência econômica, haja vista ter o art. 5º, LXXIV previsto expressamente como direito fundamental a “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Diante da disposição literal da referida norma constitucional, foram erigidas três correntes jurídicas distintas, que se antagonizam quanto à subsistência e extensão da presunção juris tantum de hipossuficiência: (i) corrente comprovacionista; (ii) corrente moderada; (iii) corrente presumicionista. A)
CORRENTE COMPROVACIONISTA: Para a corrente comprovacionista o art. 5º, LXXIV, da CRFB, ao exigir a comprovação da insuficiência de recursos, teria revogado o art. 4º da Lei nº 1.060/195066. Dessa forma, não mais subsistiria no ordenamento jurídico o sistema de presunção juris tantum de hipossuficiência, passando a ser constitucionalmente exigível a comprovação da situação de necessidade econômica. Segundo os partidários dessa corrente, portanto, para fazer jus à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, deveria o requerente demonstrar cabalmente sua incapacidade financeira de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 333 do CPC). O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em diversos precedentes, já manifestou expressamente
sua simpatia pela corrente comprovacionista67, tendo inclusive editado a Súmula nº 39, consagrando ser admissível “ao Juiz exigir que a parte comprove a insuficiência de recursos, para obter concessão do benefício da gratuidade de Justiça (art. 5º, inciso LXXIV da CF)”. Agravo de instrumento. Gratuidade de Justiça. Deferimento. Inconformismo da parte contrária. A gratuidade de justiça, espécie do gênero isenção tributária, é ato vinculado, condicionado à comprovação, pelo interessado, de não possuir efetivamente, meios e recursos para fazer frente às custas do processo. Situação dos Agravados que não se inclui no perfil de miserabilidade jurídica, conforme os termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal. Provimento do recurso e revogação da gratuidade de justiça concedida. (TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Relator Des. Pedro Freire Raguenet – Agravo de Instrumento nº 005756483.2010.8.19.0000, decisão: 12-01-2011) Agravo regimental alegando a gratuidade de justiça é benefício legalmente garantido, bastando a apresentação de declaração de hipossuficiência. Benefício pleiteado que depende da comprovação da hipossuficiência, cabendo ao órgão julgador determinar a comprovação da condição de carente, podendo indeferi-la àqueles que assim não procederem, como estabelece a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIV. Carência financeira não comprovada. Inobservância do disposto no art. 5º, LXXIV Constituição Federal. Desprovimento do recurso. (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação nº 0137447-18.2006.8.19.0001 – Relator Des. Gilberto Dutra Moreira, decisão: 29-04-2009) Impugnação à Justiça Gratuita. Revogação do benefício inicialmente concedido. Se, por um lado, a isenção de custas é assegurada ao hipossuficiente econômico (Lei 1.060/1950), por outro, a Constituição Federal exige a comprovação da insuficiência de recursos (art. 5º, inciso LXXIV). A concessão da gratuidade de justiça pressupõe um estado de miserabilidade, que não permite ao postulante arcar com o pagamento das custas processuais. A apelante-impugnada, não comprovou a alegada hipossuficiência. Improvimento do recurso. (TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Apelação nº 0008589-58.2005.8.19.0209 – Relator Des. Maldonado de Carvalho, decisão: 24-04-2007) B)
CORRENTE MODERADA: Partindo da diferenciação conceitual entre os institutos da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita, a corrente moderada sustenta que o art. 5º, LXXIV, da CRFB teria exigido expressamente a comprovação da necessidade econômica apenas para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita. De acordo com essa corrente, ao afirmar que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, a Constituição Federal teria limitado a exigência probatória ao instituto da assistência jurídica68. Com isso, o legislador constituinte não teria eliminado o sistema de presunção juris tantum de hipossuficiência previsto pelo art. 4º da Lei nº 1.060/1950, mas apenas limitado seu âmbito de extensão ao instituto da gratuidade de justiça. Na prática, portanto, haveria uma distinção em relação à forma de demonstração da hipossuficiência econômica para fins de reconhecimento dos direitos à assistência jurídica gratuita e à gratuidade de justiça. No caso da assistência jurídica gratuita, não se aplicaria a presunção juris tantum de hipossuficiência, necessitando o interessado fazer prova de sua insuficiência de recursos perante o órgão estatal responsável pela realização de seu atendimento jurídico, ou seja, perante a Defensoria Pública. Por outro lado, em relação à gratuidade de justiça continuaria em vigor a presunção juris tantum estabelecida pelo art. 4º da Lei nº 1.060/1950, bastando ao interessado afirmar sua hipossuficiência econômica para que fizesse jus ao benefício69. Segundo destaca HÉLIO MÁRCIO CAMPO, “enquanto o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, está endereçado para o órgão que presta a assistência jurídica, de modo que é ali que tem o postulante de fazer prova da insuficiência de meios econômicos, o art. 4º, da Lei nº 1.060/1950, refere-se ao processo em que atuará o assistido, que não necessita provar mais nada, mas
simplesmente alegar a carência”70. Desse modo, o preceito constitucional seria de âmbito administrativo (art. 5º, LXXIV, da CRFB) e o constante da lei federal teria contorno eminentemente processual (art. 4º da Lei nº 1.060/1950). Sustentando esse posicionamento, manifesta-se FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA: A Constituição de 1988, além de ampliar para o campo jurídico a atribuição de assistência aos necessitados, impôs em contrapartida, como requisito para a sua concessão, a necessidade de se demonstrar a insuficiência de recursos. Esta medida também é inovadora, uma vez que as Constituições passadas sempre foram lacônicas e até mesmo omissas neste ponto. Atribuíam apenas o dever aos Estados de prestar assistência judiciária gratuita aos necessitados, nada dizendo com relação aos requisitos exigidos para a sua fruição. Ao contrário do que preceitua a Lei 1.060/1950, que reclama para a justiça gratuita apenas a afirmação da incapacidade econômica, a assistência jurídica integral e gratuita prevista no art. 5º, LXXIV, da Constituição, e prestada pela Defensoria Pública, por força do art. 134, pressupõe algo a mais. Não se mostra suficiente a mera afirmação ou a simples declaração de inaptidão financeira. O texto constitucional vai adiante, exigindo que se comprove a incapacidade. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 69)
Do mesmo modo, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já teve a oportunidade de adotar o posicionamento defendido pela corrente moderada, em julgados da relatoria do ilustre Desembargador NAGIB SLAIBI: Direito Constitucional. Indeferimento da gratuidade dos serviços judiciários. Afirmação de que não possui disponibilidade de recursos para efetuar o pagamento das despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio e da sua família. Cabimento. Direito à assistência judiciária gratuita. Afirmação por simples petição. Garantia do direito fundamental que assegura o acesso à Justiça. Art. 5º, XXXV e LXXIV, da Constituição da República. A assistência jurídica integral e gratuita prevista na Carta Política, no art. 5º, LXXIV, refere-se à consulta e orientação extrajudicial, representação em juízo e gratuidade do serviço judicial, que será prestado exclusivamente pelo Estado, através da Defensoria Pública. Já a assistência judiciária corresponde ao serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, podendo ser prestado pelo Estado, por entidades não estatais e até por particular. E, por fim a gratuidade de justiça que tem previsão na Lei 1060/1950, compreende a gratuidade de todas as custas e despesas judiciais ou não, relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do beneficiário em juízo. Assim, verifica-se que é um instituto de natureza processual. A comprovação da hipossufiência econômica deverá ser realizada perante a Defensoria Pública e não ao Poder Judiciário, pois este não defere a assistência jurídica integral e gratuita, mas tão somente a gratuidade de justiça. Assim, é forçoso reconhecer que basta a simples afirmação para o deferimento da gratuidade dos serviços judiciários pelo juiz e, caso a parte possua patrimônio incompatível com a afirmação, deverá ser impugnado pela parte contrária, e, em caso de revogação do benefício, aplicar-se-á as sanções processuais, bem como criminais. Provimento de plano do recurso. (TJ/RJ, Sexta Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0053993-70.2011.8.19.0000, Rel. Des. Nagib Slaibi, decisão: 03.11.2011)71 C)
CORRENTE PRESUMICIONISTA: De acordo com a corrente presumicionista, a norma insculpida no art. 5º, LXXIV, da CRFB não teria revogado o disposto no art. 4º da Lei nº 1.060/1950, permanecendo hígido e intato o sistema de presunção juris tantum de hipossuficiência. Em virtude da profundidade e da qualidade de seus argumentos, que superam largamente a interpretação estritamente literal defendida pelas correntes contrárias, entendemos que a corrente presumicionista se apresenta como a que melhor dispõe sobre a matéria. Primeiramente, é importante que se compreenda que os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados estabelecem apenas padrões mínimos de proteção. Com isso, nada impede que a legislação infraconstitucional, ao conferir concreção normativa aos direitos fundamentais, estabeleça regras mais benéficas que as previstas na Constituição72. Ao assegurar o direito à “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”, o legislador constituinte não especificou a forma de realização dessa comprovação – e nem lhe caberia fazê-lo, por mais analítica que fosse a Constituição. Desse modo, restou atribuída à legislação infraconstitucional a tarefa de regulamentar a matéria, disciplinando o procedimento e a forma de demonstração da insuficiência de recursos. Nesse diapasão, ao instituir o sistema de presunção juris tantum de hipossuficiência e ao prever que a demonstração da necessidade econômica se daria mediante simples afirmação, a Lei nº 1.060/1950 nada mais fez do que regulamentar a parte final do art. 5º, LXXIV, da CRFB. Embora a norma regulamentadora tenha sido editada antes da regra constitucional regulamentada, verifica-se a existência de uma relação de plena compatibilidade e complementaridade entre os dispositivos, pois o art. 4º da Lei nº 1.060/1950 busca a facilitação do acesso à justiça e maximização da eficácia do direito fundamental previsto no art. 5º, LXXIV da CRFB. Além disso, o sistema de presunção juris tantum de hipossuficiência estabelecido pelo art. 4º da Lei nº 1.060/1950 evita que o desprovido de fortuna seja submetido à constrangedora e humilhante exigência de provar a própria pobreza. Na verdade, essa invasão da esfera individual e essa exigência indiscriminada de demonstração da própria desgraça pessoal violam o princípio da dignidade humana, que impede a prática de toda e qualquer conduta que menospreze a estima que merecem as pessoas enquanto seres vivos. Em última análise, portanto, a Lei nº 1.060/1950 busca conciliar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB) com a exigência probatória constante da parte final do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, substituindo a vexatória prova de pobreza pela simples e digna afirmação de hipossuficiência. Ao analisar a questão, o emérito professor LEONARDO GRECO sintetiza que: Diante dessas disposições infraconstitucionais, pode-se pensar que o advento da Constituição de 1988 significou um retrocesso em matéria de assistência judiciária, ao exigir do seu beneficiário a comprovação de sua condição de necessitado. A doutrina e a jurisprudência, entretanto, não interpretam literalmente a parte final do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição. Isso porque, em primeiro lugar, os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados são estabelecidos em padrões mínimos de proteção, o que não impede que a legislação infraconstitucional estabeleça regras mais benéficas; em segundo lugar, porque a prova da pobreza passou a ser considerada constrangedora ou humilhante para o necessitado, ou seja, entende-se que a prova própria da miséria de certo modo viola a dignidade humana, na medida que obriga o necessitado a expor todo o seu drama de vida, sua insuficiência de recursos. A presunção relativa decorrente da simples afirmação de ausência constitui um meio de prova, porque sujeita aquele que prestar declaração falsa à multa, correspondente ao décuplo das custas (art. 4º, § 1º), o que não obriga o juiz a aceitá-la, em face de outra prova que o convença do contrário ou da ausência de qualquer prova para robustecê-la, se a considerar necessária em face da pouca credibilidade da situação alegada. (GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 383/384)
Esse panorama se revela ainda mais grave quando se exige, de forma indiscriminada, a apresentação de dados fiscais e pessoais das partes, o que importa em flagrante violação ao princípio também constitucional da inviolabilidade de dados (art. 5º, X e XII, da CRFB). De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a quebra de sigilo fiscal e bancário deve ocorrer apenas em hipóteses excepcionais, em respeito à dignidade humana73. Nesse sentido, já se manifestaram os brilhantes professores JOSÉ AURÉLIO DE ARAÚJO e SAULLO TASSIO GATO CABRAL, em um dos melhores artigos já publicados sobre o tema: A exigência linear, objetiva e programática da comprovação prévia da gratuidade, mesmo diante da afirmação de hipossuficiência assinada perante o defensor público, sem evidência alguma nos autos de não ser a mesma fidedigna, importa em inversão exorbitante da presunção legal iuris tantum e em flagrante obstáculo ao exercício do direito constitucional de ação. (…)
Agrava-se o panorama quando se constata a exigência indiscriminada de dados fiscais e pessoais das partes, importando em violação corriqueira do princípio também constitucional da inviolabilidade de dados (art. 5º, X e XII, CR), consectário necessário do princípio da dignidade da pessoa humana. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consagrou a excepcionalidade da quebra de sigilos fiscal e bancário, mesmo em hipótese de maior gravidade, como a execução fiscal, para fins de penhora. Parece-nos que todos os processos em que haja a determinação de juntada de dados bancários e fiscais da parte fornecidos pela Receita Federal ou por instituições financeiras deverão se submeter às exigências do segredo de justiça, determinado pelo art. 155 do Código de Processo Civil. (ARAÚJO, José Aurélio de. CABRAL, Saullo Tassio Gato. Op.cit., pág. 183/184)
Imprescindível que se compreenda, ainda, que a Constituição Federal de 1988 teve a clara intenção de ampliar os direitos individuais e sociais74. A norma insculpida no art. 5º, LXXIV, da CRFB, inclusive, se apresenta como um claro exemplo disso, substituindo o antigo e singelo direito à assistência judiciária (art. 113, nº 32, da CF/1934; art. 141, § 35, da CF/1946; art. 150, § 32, CF/1967), pelo amplo direito à assistência jurídica integral e gratuita. Desse modo, a previsão constante do art. 5º, LXXIV, da CRFB não pode ser interpretada de maneira estritamente literal, ignorando a vontade do constituinte originário e restringindo direito já consolidado na Lei nº 1.060/1950 (com as modificações trazidas pela Lei nº 7.510/1986). Diante da gradativa evolução dos mecanismos legais de demonstração da hipossuficiência econômica, não se mostra plausível supor que regra constitucional, claramente mais ampla e moderna, tivesse a intenção de promover um retrocesso normativo no sistema brasileiro de acesso à justiça75. Ademais, por aplicação do princípio da proibição de retrocesso, não se pode admitir que, uma vez alcançado certo grau de desenvolvimento e concreção dos direitos fundamentais, se implemente a indevida reversão das conquistas obtidas e a redução dos graus de segurança social já atingidos76. A caminhada evolutiva dos direitos fundamentais deve sempre representar uma marcha para frente. Corroborando esse posicionamento, destacamos a abalizada lição de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, in verbis: Sucede que alguns estão pretendendo vislumbrar no texto constitucional um sinal de retrocesso, na medida em que interpretam a cláusula da Constituição de 1988, segundo a qual o Estado prestará assistência aos que comprovarem insuficiência de recursos. Dá-se ao texto uma interpretação literal, para concluir-se que a Constituição de 1988 teria revogado aquela disposição introduzida pela Lei nº 7510, que dispensava a comprovação. A mim não parece razoável essa interpretação. Ela peca por ser estreitamente literalista. É óbvio que a Constituição de 1988 jamais pretendeu restringir a concessão do benefício; ao contrário, ela quis ampliálo. Com todos os seus defeitos, é uma Constituição marcada pela preocupação social. É possível que, em alguns pontos, tenha ficado aquém do que devia, e é até possível também que, noutros momentos, ela tenha tido o seu quê de utópica, mas não importa: o fato central, a verdade inquestionável é que ela procurou assegurar o avanço da comunidade brasileira no sentido de uma organização social mais equânime, menos marcada por desníveis intoleráveis; e não iria certamente dar marcha a ré nesse processo evolutivo. Temos que interpretar o texto com o espírito aberto ao sentido geral da Constituição. A meu ver continua sendo perfeitamente possível, e até diria obrigatório, ao juiz aplicar a disciplina dada pela Lei nº 7.510. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., pág. 133)
Por fim, não nos parece adequada a posição sustentada pela corrente moderada, no sentido de que a norma insculpida no art. 5º, LXXIV, da CRFB tenha restringido a exigência de comprovação da insuficiência de recursos apenas ao instituto da assistência jurídica gratuita, o que representaria a manutenção do sistema de presunção em relação à gratuidade de justiça. Conforme salientado anteriormente, as expressões assistência judiciária, assistência jurídica e gratuidade de justiça não têm sido utilizadas pela legislação com o adequado cuidado técnico. De fato, a principal legislação nacional sobre o tema ignora completamente a diferenciação conceitual de cada um dos institutos.
Pela simples leitura dos dispositivos da Lei nº 1.060/1950, observa-se que o legislador se utiliza do termo assistência judiciária para designar o serviço público de assistência aos necessitados em juízo (art. 1º), para denominar o órgão estatal responsável pela prestação do serviço de assistência dos hipossuficientes (art. 5º, §§ 1º, 2º e 5º, e art. 18) e como sinônimo de gratuidade de justiça (arts. 3º, 4º, § 2º, 6º, 7º, 9º, 10, 11). Com isso, parece claro que o constituinte originário, ao editar o art. 5º, LXXIV da CRFB, acabou sendo contaminado pela balbúrdia hermenêutica existente em nossa ordem jurídica, negligenciando a adequada separação terminológica dos institutos77. Por essa razão, assim como não se pode erguer um prédio sobre areia movediça, não se deve depositar sobre a literalidade da norma constitucional toda a base de um raciocínio teórico. Além disso, analisando a questão sob o prisma prático, o raciocínio sustentado pela corrente moderada não parece guardar coerência com a caminhada evolutiva do sistema de assistência jurídica brasileiro. Segundo salientado anteriormente, o sistema de presunção juris tantum de hipossuficiência foi criado pela Lei nº 7.510/1986 com o objetivo de desburocratizar o serviço público de assistência judiciária e de facilitar o acesso das classes menos favorecidas à justiça. Conferir ao art. 5º, LXXIV da CRFB a interpretação pretendida pela corrente moderada representaria claro retrocesso na busca pelo acesso à ordem jurídica justa, ressuscitando a soturna e malfadada burocratização do serviço de assistência à população carente. Sustentando posicionamento semelhante, já se manifestou o Defensor Público CLÉBER FRANCISCO ALVES: Há autores que interpretam que a exigência de comprovação de insuficiência de recursos seria aplicável não para a outorga da gratuidade de justiça, mas sim na fase anterior à propositura de medidas judiciais, quando do atendimento inicial pela Defensoria Pública, especificamente para a obtenção da assistência jurídica gratuita. Ou seja, caberia à Defensoria Pública estabelecer, previamente ao atendimento que presta aos que procuram o órgão, um procedimento próprio de controle para comprovação de que a parte que vem em demanda de seus serviços é efetivamente hipossuficiente. Não nos parece ser essa a melhor interpretação do dispositivo constitucional. A evolução legislativa do sistema brasileiro estruturado para garantir às pessoas pobres igualdade de acesso aos direitos e à Justiça indica que há um propósito de desburocratizar e facilitar a prestação do serviço. Por isso, não há razão para que a Defensoria Pública crie exigências ou formalidades que não estão previstas em lei para fins de comprovação de insuficiência de recursos por parte daqueles que a procuram. A criação de rotinas e procedimentos para a realização desse controle representaria um pesado ônus para a já precária estrutura dos órgãos de atuação da Defensoria Pública, cujo custo-benefício certamente não justifica esse dispêndio de recursos materiais e humanos. (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 283/284)
Conclui-se, portanto, ser melhor e mais adequado conceder à afirmação de hipossuficiência presunção juris tantum de veracidade, tanto para a gratuidade de justiça quanto para a assistência jurídica gratuita – e, consequentemente, para a assistência judiciária. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consagrou a subsistência do sistema de presunção relativa de hipossuficiência, entendendo ter sido a norma do art. 4º da Lei nº 1.060/1950 recepcionada pela Constituição Federal de 1988: Processo civil. Gratuidade de justiça. Pedido formulado pela parte. Indeferimento pelo tribunal a quo. Comprovação da hipossuficiência. Requisito não exigido pela Lei 1.060/1950. 1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a declaração feita pelo interessado, nos termos do artigo 4º da Lei 1.060/1950, de que sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo de seu sustento e de sua família é suficiente para a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, não carecendo tal declaração de maior dilação comprobatória. 2. Agravo regimental improvido. (STJ – Sexta Turma – AgRg no Ag nº 1009703/RS – Relatora Min. Maria Thereza de Assis
Moura, decisão: 27-05-2008) Ação de impugnação de gratuidade de justiça. Deferimento do benefício. Declaração de insuficiência de recursos do requerente. Presunção iuris tantum. Desconstituição. Ônus da parte adversa. Veracidade não infirmada. Revolvimento de matéria fáticoprobatória. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Controvérsia que orbita em torno da concessão do benefício da gratuidade de justiça pelas instâncias de origem com base na declaração de insuficiência de recursos do impugnado, cuja veracidade não foi afastada apesar da contrariedade do impugnante. 2. No caso de concessão da assistência judiciária gratuita, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza. 3. O Tribunal de origem, com base na análise do acervo fático-probatório dos autos, entendeu que o autor não poderia arcar com as custas processuais sem prejuízo do seu sustento ou de sua família, o que mostra inviável a revisão do acórdão por esta Corte, pois infirmar tal fundamento ensejaria o reexame de provas, procedimento defeso, em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – Primeira Turma – AgRg no Ag 1289175/MA – Relator Min. Benedito Gonçalves, decisão: 17/05/2011)
Lamentavelmente, entretanto, o cenário cotidiano revela o aumento gradativo das exigências judiciais de comprovação da insuficiência de recursos para fins de concessão da gratuidade de justiça. Na grande maioria dos casos, embora reconheçam formalmente a presunção juris tantum de veracidade da hipossuficiência afirmada pelo interessado, os magistrados acabam afastando-a de maneira indiscriminada e determinando a apresentação de provas documentais, notadamente de declaração de imposto de renda ou de certidão demonstrando a isenção desse tributo, sob o argumento de que, diante das circunstâncias do caso concreto, é admissível a exigência de comprovação da insuficiência de recursos (art. 5º da Lei nº 1.060/1950)78. Em virtude dessa infeliz postura comprovacionista camuflada, muitas vezes gastam-se meses com intimações, juntada de declarações, documentos e esclarecimentos, até que, finalmente, possa ser reconhecido o direito à gratuidade de justiça e, consequentemente, deferida liminar urgente requerida pelo deserdado de fortuna79. 3.3.3 Da diferenciação entre critério objetivo fixo e presunção objetiva de elegibilidade
Conforme salientado, a definição de hipossuficiente econômico (ou necessitado – art. 134 da CRFB), encontra-se expressa no art. 2º, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950, que estabelece: “considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”80. No entanto, a largueza e a amplitude do conceito de hipossuficiente econômico tem suscitado críticas81, inclusive em sistemas assistenciais estrangeiros que também não utilizam standards legislativos objetivos prévios82. Para evitar a heterogeneidade interpretativa na aplicação prática do conceito de hipossuficiência, surgiram algumas propostas jurídicas tendentes a homogeneizar os parâmetros de renda para o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, dentre as quais se destacam os critérios objetivos fixos e as presunções objetivas de elegibilidade. Embora os conceitos se assemelhem quanto ao objetivo homogeneizante, os institutos possuem
características e consequências jurídica práticas absolutamente distintas, razão pela qual não devem ser confundidos. No caso do critério objetivo fixo, a norma indica de maneira objetiva e rígida aqueles que deverão ser considerados hipossuficientes econômicos para fins de reconhecimento do direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, geralmente estabelecendo parâmetros fixos de renda (ex: norma que reconheça o direito à gratuidade de justiça apenas àqueles que percebam remuneração de até 2 salários mínimos; ou norma que reconheça o direito à assistência jurídica gratuita tão somente para aqueles que sejam isentos no imposto de renda). Por outro lado, na presunção objetiva de elegibilidade a norma estabelece parâmetro objetivo dentro do qual o interessado gozará de presunção absoluta de hipossuficiência, sendo automaticamente considerado titular do direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita; para aqueles que estiverem fora do parâmetro objetivo traçado pela norma, porém, apenas será reconhecida a condição de necessitado econômico se efetivamente demonstrada a insuficiência de recursos para suportar o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (ex.: norma que reconheça o direito à gratuidade de justiça àqueles que recebam remuneração de até 2 salários mínimos e, também, para aqueles que não possuam condições de arcar com os encargos processuais, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família). Note, portanto, que a presunção objetiva de elegibilidade não limita o direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita apenas àqueles que se enquadrem dentro do parâmetro objetivo traçado pela norma, admitindo o reconhecimento dos direitos a outros indivíduos com condição econômica superior ao patamar legislativo. Porém, aos indivíduos que se enquadrem dentro do parâmetro objetivo de elegibilidade traçado pela regra, não se exige que o pagamento dos encargos processuais efetivamente comprometa o sustento próprio ou da família; essa presunção subsiste e decorre da própria norma que fixa o parâmetro. O legislador presume de forma absoluta que a renda auferida pelo indivíduo não se mostra suficiente para garantir o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios sem que seja comprometida sua subsistência. Todavia, para aqueles que possuam condição econômica superior ao parâmetro legislativo, será normalmente exigida a demonstração da efetiva incapacidade econômica para que sejam reconhecidos os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita. No Brasil, como o art. 4º, § 1º da Lei nº 1.060/1950 estabelece a presunção juris tantum de hipossuficiência econômica, a presunção objetiva de elegibilidade separa os necessitados em dois grupos distintos: (i) aqueles que se enquadram no parâmetro legislativo e possuem a presunção absoluta de hipossuficiência; e (ii) aqueles que possuem renda superior a traçada pela norma e que, portanto, possuem apenas a presunção relativa de hipossuficiência. A legislação nacional e o direito comparado apresentam alguns exemplos de critério objetivo fixo e de presunção objetiva de elegibilidade, que serão a seguir analisados para que possamos compreender melhor a questão. A)
DA PRESUNÇÃO OBJETIVA DE ELEGIBILIDADE CRIADA PELO ART. 790, § 3º, DA CLT E PELO ART. 14 DA LEI Nº 5.584/1970 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO:
Fugindo um pouco da sistemática da Lei nº 1.060/1950, o art. 790, § 3º, da CLT prevê que fazem jus a gratuidade de justiça “àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”. De maneira semelhante, o art. 14 da Lei nº 5.584/1970 prevê o direito à assistência judiciária gratuita “a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Importante observar, nesse ponto, que embora o art. 14 da Lei nº 5.584/1970 conserve sua redação original e exija a comprovação da incapacidade econômica do interessado, essa norma deve ser interpretada em conformidade com as modificações posteriores do sistema brasileiro de acesso à justiça. A partir da edição da Lei nº 7.510/1986 restou implementado o modelo de presunção juris tantum de hipossuficiência econômica, deixando-se de exigir a comprovação da insuficiência de recursos e passando-se a exigir a mera declaração de pobreza. Além disso, o próprio sistema trabalhista restou renovado com a edição da Lei nº 10.537/2002, que passou a dispensar a comprovação da insuficiência de recursos para fins de gratuidade de justiça. Com isso, o art. 14 da Lei nº 5.584/1970 deve ser tido como parcialmente revogado, substituindo-se a comprovação da necessidade econômica e pela simples declaração de hipossuficiência. Superadas essas considerações iniciais e passando a análise do art. 790, § 3º, da CLT e do art. 14 da Lei nº 5.584/1970, observamos que, no âmbito da Justiça do Trabalho, existem duas hipóteses distintas onde se admite a concessão da gratuidade de justiça (art. 790, § 3º, da CLT) e da assistência jurídica gratuita (art. 14 da Lei nº 5.584/1970): (i) quando o postulante auferir remuneração mensal de até 2 salários mínimos; ou (ii) quando declarar, sob as penas da lei, que não possui condições de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. No primeiro caso, em virtude da presunção objetiva de elegibilidade criada pela norma, basta que o postulante receba remuneração mensal de até 2 salários mínimos para que faça jus à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita. Mesmo que no caso concreto essa remuneração torne possível o pagamento das despesas processuais e honorários, sem prejuízo do sustento da própria parte ou de sua família, não lhe poderá ser negada a fruição dos direitos. Isso porque o legislador presume, de forma objetiva e absoluta, que a renda de até 2 salários mínimos não é suficiente para garantir a subsistência digna do núcleo familiar e, ao mesmo tempo, permitir o pagamento dos encargos processuais. A segunda hipótese, por sua vez, retrata a tradicional regra genérica de hipossuficiência, admitindo a concessão da gratuidade para aquele que afirmar sua hipossuficiência econômica, na forma do art. 4º da Lei nº 1.060/1950. Nesse caso, para que seja considerado hipossuficiente, exigese que o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios efetivamente comprometa o sustento do indivíduo ou de sua família, prevalecendo nesse particular a tradicional presunção
relativa de hipossuficiência econômica (art. 4, § 1º, da Lei nº 1.060/1950). B)
DA PRESUNÇÃO OBJETIVA DE ELEGIBILIDADE CRIADA PELA LEI ESTADUAL Nº 3.350/1999 (ESTADO DO RIO DE JANEIRO) EM FAVOR DOS MAIORES DE 60 ANOS: De acordo com o art. 17, X, da Lei Estadual nº 3.350/1999 (Estado do Rio de Janeiro), são isentos do pagamento de custas, além dos beneficiários da gratuidade de justiça, “os maiores de 60 (sessenta) anos que recebam até 10 salários mínimos”83. Nesse caso, diante dos elevados gastos que surgem com o envelhecimento, o legislador estadual criou presunção objetiva de elegibilidade em favor dos maiores de 60 anos, presumindo de maneira absoluta que o recebimento de 10 salários mínimos pela pessoa dessa idade não se mostra suficiente para garantir sua subsistência e, ao mesmo tempo, permitir o pagamento das despesas processuais. Sendo assim, se a pessoa maior de 60 anos auferir renda mensal inferior a 10 salários mínimos, fará jus de forma automática à gratuidade de justiça, gozando de presunção absoluta de hipossuficiência econômica. Com isso, de nada adianta à parte contrária oferecer impugnação (art. 7º da Lei nº 1.060/1950) comprovando que a renda de até 10 salários mínimos auferida pelo maior de 60 anos lhe permitiria arcar com o pagamento das despesas e honorários; isso não importa. A lei estabelece presunção objetiva de elegibilidade, considerando o indivíduo, de maneira absoluta, presumidamente hipossuficiente. Para que a impugnação tenha êxito, portanto, deverá a parte contrária demonstrar que o beneficiário da gratuidade, na verdade, recebe remuneração superior a 10 salários mínimos e que possui condições de arcar com os encargos processuais, sem prejudicar o sustento próprio e de sua família; somente assim poderá obter êxito em sua pretensão impugnativa. Por outro lado, caso o maior de 60 anos receba renda mensal superior ao parâmetro objetivo de elegibilidade traçado pela norma, apenas terá direito à gratuidade de justiça caso o pagamento das despesas processuais realmente comprometa o sustento próprio ou de sua família, subsistindo em seu favor a presunção juris tantum de hipossuficiência estabelecida pelo art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950. Note que a legislação cria regra específica para os maiores de 60 anos de idade, sem prejudicar o direito à gratuidade de justiça estabelecido genericamente pela Lei nº 1.060/1950 (art. 17, I, da Lei nº 3.350/1999). C)
DOS PARÂMETROS ADOTADOS COMO PRESUNÇÃO OBJETIVA DE ELEGIBILIDADE PELAS DEFENSORIAS PÚBLICAS DOS ESTADOS E PELA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO: Como forma de facilitar a análise da hipossuficiência econômica e de uniformizar a titularização do direito à assistência jurídica gratuita, diversas Defensorias Públicas têm traçado presunções objetivas de elegibilidade, baseados em parâmetros de renda pessoal ou familiar daquele que pretenda obter o atendimento jurídico gratuito. De acordo do com o III Diagnóstico da Defensoria Pública – 2009, elaborado pelo Ministério da Justiça as Defensorias Públicas dos Estados têm adotado os seguintes parâmetros de renda, para fins de concessão da assistência jurídica gratuita: (a) até 6 salários mínimos: Ceará; (b) até 5 salários
mínimos: Mato Grosso do Sul; (c) até 4 salários mínimos: Acre e Piauí; (d) até 3 salários mínimos: São Paulo, Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Maranhão; e (e) até 2 salários mínimos: Amapá. No âmbito federal, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União editou a Resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006, estabelecendo como parâmetro para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita a isenção do imposto de renda. In verbis: Resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União Disposições gerais sobre a necessidade Art. 1º Presume-se necessitado todo aquele que integre família cuja renda mensal não ultrapasse o valor da isenção de pagamento do imposto de renda. § 1º Família é a unidade formada pelo grupo doméstico, eventualmente ampliado por outros indivíduos que possuam laços de parentesco ou afinidade, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros. § 2º Renda familiar mensal é a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade dos membros da família maiores de dezesseis anos, excluindo-se os rendimentos concedidos por programas oficiais de transferência de renda e de benefícios assistenciais. Art. 2º Todo aquele que não se enquadrar no critério estabelecido para a presunção da necessidade poderá requerer a assistência jurídica gratuita demonstrando que, apesar de sua renda ultrapassar o limite estabelecido no caput do art. 1º, não tem como arcar com os honorários de advogado e com as custas processuais sem prejuízo do seu próprio sustento ou do de sua família. Art. 3º Independente da renda mensal, não se presume necessitado aquele que tem patrimônio vultoso.
Desse modo, no âmbito da Defensoria Pública da União, aquele que se mostrar isento no imposto de renda gozará de presunção absoluta de hipossuficiência, independentemente de perquirições acerca de sua real capacidade de arcar com o pagamento dos honorários advocatícios. Outrossim, de acordo com o art. 2º da Resolução nº 13/2006, aqueles que não se enquadrarem nos critérios de isenção do imposto de renda poderão fazer jus à assistência jurídica gratuita, desde que demonstrem sua incapacidade econômica de arcar com o pagamento dos encargos oriundos do processo. Criticável, no entanto, a redação do referido dispositivo normativo, que exige a comprovação da hipossuficiência econômica perante o órgão de atuação da Defensoria Pública da União para que seja reconhecido o direito à assistência jurídica gratuita. Por conta dessa exigência, resta flagrantemente violada a presunção iuris tantum de necessidade econômica estabelecida pelo art. 4º, § 1º da Lei nº 1.060/1950, revelando sinais indiciários de que o Conselho Superior da Defensoria Pública da União teria se inclinado favoravelmente pela adoção da corrente moderada84, no que tange à análise da hipossuficiência. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, embora ainda não existam parâmetros objetivos de hipossuficiência normativamente traçados, em julho de 2011 foram formuladas algumas propostas de enunciados, que ainda se encontram pendentes de discussão e aprovação pelos membros da referida Instituição. In verbis: Proposta de Enunciado nº 04: É, indiscutivelmente, assistido da Defensoria o indivíduo que possuir renda familiar de até quatro salários mínimos. Justificativa: Segundo pesquisa do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o salário mínimo que deveria ser praticado no Rio de Janeiro, ou seja, aquele capaz de custear para o indivíduo e sua família moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (art. 7º. IV da CF) seria de R$ 2.293,31. O DIEESE considerou nessa pesquisa uma família de 2 adultos e 2 crianças ou 3 adultos. Sendo este o valor considerado suficiente
para garantir todo o mínimo existencial ao cidadão, o que o exceder é indicativo de capacidade geradora de recursos. Ao revés, o indivíduo que ganha menos do que isso indiscutivelmente não tem essa capacidade eis que sua renda familiar não é capaz de lhe garantir o mínimo existencial. Para se evitar a desvalorização da cifra, optou-se por converter o valor nominal para salário mínimo. Proposta de Enunciado nº 05: Não é assistido da Defensoria Pública o indivíduo que possuir renda familiar acima de nove salários mínimos. Justificativa: Alguns colegas têm estabelecido um limite máximo, além do critério mínimo. Conforme dados do IBGE, a classe média no Brasil tem renda entre R$ 1.126,00 e R$ 4.854,00. Já a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa considera classe C quem tem renda entre R$ 962,00 e R$ 1.459,00 e Classe B quem ganha entre R$ 2.656,00 e R$ 4.754,00. No Estado do Rio de Janeiro, a classe C corresponde a 52,7% da população. Estes números sustentam a razoabilidade do critério escolhido, uma vez que, de ordinário, pessoas inseridas no contexto de classe alta ou A não constituem o público-alvo da Defensoria Pública, já que esta mesma qualificação lhes proporciona facilidades em termos de geração de recursos. Proposta de Enunciado nº 06: O Defensor Público poderá dar aplicação elástica aos parâmetros objetivos contidos nos enunciados 4 e 5 se, no uso de sua independência funcional e conforme o princípio da razoabilidade, assim indicar a realidade do caso concreto, podendo, inclusive, fazer uso do questionário socioeconômico. Justificativa: A criação de critérios objetivos tem por escopo, acima de tudo, dotar o Defensor de ferramentas normativas que lhe permitam o exercício menos conflituoso de sua autonomia funcional, principalmente nas hipóteses de negativa de atendimento. Outro objetivo é promover a segurança jurídica e a equidade de tratamento entre os assistidos, restaurando a confiança nas análises realizadas no âmbito da Defensoria. Portanto, nada exclui e nem poderia, a independência funcional e a confiança que se deve ter no prudente arbítrio o Defensor para aquilatar as situações de exceção. D)
DA PRESUNÇÃO OBJETIVA DE ELEGIBILIDADE NO DIREITO COMPARADO: No sistema francês, o art. 4º da Lei 91.647, de 10 de julho de 1991, estabelece a aplicação de parâmetros objetivos para a aferição da hipossuficiência econômica do requerente, determinando que a média de seus ganhos mensais, apurada no ano civil anterior, seja comparada com tabela governamental previamente editada e anualmente atualizada, conforme prevê o art. 1º do Decreto nº 91-1266/1991. Segundo os valores atualizados em 1º de janeiro de 2011, fazem jus ao benefício total (aide totale) os requerentes cuja renda mensal não exceda 929 €. Aqueles que perceberem entre 929 € e 1.393 € farão jus apenas ao benefício parcial (aide partielle). A legislação francesa estabelece, ainda, algumas hipóteses de elegibilidade automática, onde a concessão do benefício ocorre independentemente da análise da renda do indivíduo. Assim, as pessoas cadastradas em programas sociais mantidos pelo governo (como os beneficiários do Fundo Nacional de Solidariedade – FNS ou do Rendimento Mínimo de Inserção – RMI) encontram-se dispensadas de comprovar sua renda mensal. Do mesmo modo, não se exige a comprovação de renda dos menores de idade e das pessoas que tenham sido vítimas de crimes contra a vida ou contra a integridade pessoal, bem como de seus sucessores que pretendam ingressar judicialmente para obter a reparação civil dos danos85. Deve-se observar, no entanto, que o sistema francês admite a concessão do benefício para pessoas que excedam o patamar de renda previamente estabelecido em casos excepcionais, diante das particularidades do litígio e dos prováveis custos do julgamento (art. 6º da Lei nº 91-647)86. Com isso, não há na França a adoção de critério objetivo fixo; os valores remuneratórios legalmente estabelecidos constituem autêntica presunção objetiva de elegibilidade. No entanto, ao contrário do que ocorre no Brasil, o sistema francês não prevê qualquer presunção relativa de hipossuficiência, sendo exigido daquele cuja renda exceder os parâmetros legalmente
traçados a efetiva demonstração de sua incapacidade econômica, perante os organismos colegiados – denominados Bureaux d’Aide Juridictionelle – responsáveis pela análise do direito à assistência judiciária. E)
DA IMPOSSIBILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS FIXOS PARA O RECONHECIMENTO DOS
DIREITOS À GRATUIDADE DE JUSTIÇA E À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA:
As normas que estabelecem critérios objetivos fixos, como salientado anteriormente, indicam de maneira objetiva e rígida os indivíduos considerados hipossuficientes econômicos, não deixando ao operador do direito margem interpretativa no momento de aplicação da regra. Na história legislativa recente podemos encontrar exemplos de proposições normativas que tentaram implementar, no sistema brasileiro, critérios objetivos fixos para a análise da hipossuficiência econômica dos jurisdicionados. É o caso do PLP nº 327/2006 e do PL nº 6.932/200687, que tinham como objetivo alterar a redação original do art. 2º, parágrafo único e do art. 4º, caput, da Lei nº 1.060/1950, estabelecendo o patamar de 2 salários mínimos como limite para o reconhecimento da hipossuficiência econômica da parte: Art. 2º parágrafo único: Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, e desde que a renda mensal individual ou familiar seja inferior ou igual a 2 (dois) salários mínimo. Art. 4º A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante a comprovação de que sua renda mensal não ultrapasse 2 (dois) salários mínimos.
Observe, no entanto, que a previsão legal e abstrata de critérios objetivos fixos para a aferição da hipossuficiência, por não permitir a consideração da variada e variável casuística humana, não possui aptidão nenhuma para regular de forma adequada os instrumentos de facilitação do acesso à justiça. Afinal, o Direito, que de antemão se predispõe a ser justo, deve sempre buscar sua proporção no real e no concreto. Como dizia DANTE ALIGHIERI, de maneira límpida e poética: “jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae servata servat societatem; corrupta, corrumpit” (“o Direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a”)88. Sendo assim, por ignorarem as reais e concretas variáveis inerentes à particular situação econômica do indivíduo, jamais poderão os critérios objetivos fixos de aferição da hipossuficiência serem adjetivados de justos; afinal, justiça restrita, limitada ou condicionada acaba sendo a sua própria negação89. Por representar a potencial exclusão da apreciação do Poder Judiciário de violações aos direitos das pessoas necessitadas, entendemos que qualquer norma que venha a estabelecer critérios objetivos fixos para fins de concessão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita deverá ser considerada materialmente inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º, XXXV, da CRFB90.
3.4 DA INEXIGIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA PERSPECTIVA DE ÊXITO DA DEMANDA COMO REQUISITO PARA A CONCESSÃO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA E DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA Por considerar que a contribuição do litigante para o custeio da administração da justiça exerce a importante função de freio à propositura de demandas infundadas, o sistema europeu normalmente exige a prévia demonstração da perspectiva de êxito da demanda como requisito para o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita. Dessa forma, além do pressuposto extrínseco, caracterizado pela incapacidade econômica de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, exige-se ainda a presença de pressuposto intrínseco, consistente na probabilidade de sucesso da demanda ou defesa que se pretende deduzir em juízo. Na Alemanha, o § 118 do Zivilprozessordnung (ZPO) exige, para que seja reconhecido o direito à assistência legal nos procedimentos judiciais civis (Prozesskostenhilfe – PKH), a prévia demonstração da razoável expectativa de êxito da demanda91. A doutrina alemã, inclusive, sustenta que a análise da viabilidade poderia abranger o exame antecipado do próprio panorama executivo, podendo ser recusada a concessão do benefício caso a tutela jurisdicional não apresente razoável perspectiva de efetivação92. No sistema francês, o pedido de concessão da Aide Juridique deve ser realizado por intermédio de formulário apresentado perante organismos colegiados denominados Bureaux d’Aide Juridictionelle, que funcionam na sede de cada um dos Tribunais de Grande Instância. Nesse formulário, deverá o requerente informar os dados concernentes à comprovação de sua insuficiência de recursos, além de especificar, de forma sucinta, os fatos e fundamentos que embasam a pretensão jurídica a ser deduzida em juízo (art. 33 do Decreto nº 91-1266, de 19 de dezembro de 1991)93. Com base nessas informações, os membros do Bureau competente avaliam a situação econômica do requerente e a viabilidade jurídica de sua pretensão (art. 7º da Lei 91-647, de 10 de julho de 1991)94, concedendo ou denegando a Aide Juridique postulada95. No direito italiano, o exame da perspectiva de sucesso da pretensão é realizado por uma comissão formada por um magistrado, dois membros do Ministério Público e um membro da Ordem dos Advogados (Decreto-Lei nº 3.282 de 1923). Esse julgamento preambular sobre a probabilidade de êxito da postulação conta, inclusive, com a participação da parte adversária, que pode apresentar por escrito sua contestação, impugnando não só a hipossuficiência do requerente, mas também os próprios fatos e argumentos que compõem o mérito da causa. Essa arquitetura sistêmica presente em algumas das principais democracias europeias tem sido objeto de profundas controvérsias doutrinárias, gerando apreciações polêmicas e contraditórias inclusive perante a própria Corte Europeia de Direitos Humanos96. Não obstante as posições em sentido contrário, entendemos que a exigência de comprovação prévia da perspectiva de êxito da demanda cria em desfavor do necessitado econômico exigência que claramente desequilibra a isonomia processual e hostiliza a inafastabilidade do controle jurisdicional. Primeiramente, como a análise da viabilidade jurídica da postulação avalia o próprio mérito da
causa, existe o risco de que o órgão responsável por este juízo preliminar acabe subtraindo da autoridade judicial competente o exercício pleno da jurisdição97. Além disso, as desvantagens econômicas e culturais do hipossuficiente muitas vezes dificultam ou mesmo impedem a adequada exposição de sua posição jurídica de vantagem perante o órgão responsável pela concessão da assistência jurídica e da gratuidade de justiça, principalmente sob a ótica da produção probatória. A situação, na realidade, concretiza um autêntico paradoxo, pois o necessitado econômico solicita a assistência jurídica gratuita por não ter condições de promover sozinho a defesa de seus interesses, mas, para fazer jus ao benefício, deve antes demonstrar a viabilidade jurídica e a perspectiva de êxito de sua pretensão. Ademais, mesmo que o juízo preliminar sobre a viabilidade jurídica da demanda se mostre positivo, estará o necessitado econômico ingressando na relação jurídico processual em inegável posição de desvantagem, pois já terá sido obrigado a expor seus argumentos e provas antecipadamente. Com isso, poderá a parte adversa se preparar com antecedência, derrubando com mais facilidade a pretensão deduzida pelo litigante pobre em juízo. Não resta dúvida, portanto, que esse juízo prévio acerca da probabilidade de sucesso da pretensão trafega na contramão do movimento de acesso à justiça; ao invés de adotar ações afirmativas no sentido de beneficiar o litigante pobre e de compensar a natural desvantagem gerada por sua carência de recursos, esse sistema acaba desequilibrando ainda mais os pratos da balança processual. Na verdade, enquanto o indivíduo financeiramente abastado pode ingressar diretamente com a demanda e obter a imediata tutela jurisdicional de seu direito, o litigante pobre, para que tenha idêntico direito judicialmente tutelado, necessita alcançar a vitória por duas vezes seguidas: a primeira perante o órgão responsável pela concessão do benefício judiciário, e a segunda perante o juiz natural responsável pelo efetivo julgamento do litígio. Em contrapartida, para que o hipossuficiente se veja atingido pela derrota definitiva, basta que sua pretensão seja rechaçada uma única vez. Assim, transladando os ensinamentos de MAURO CAPPELLETTI, conclui-se que, apesar de pregar a igualdade, a justiça nesse sistema se mostra um pouco mais igual para os ricos e um pouco menos para os pobres: Por un lado, para poder actuar y vencer la propia causa, la parte pobre debe vencerla dos veces – la primera ante el juez innatural, o sea ante la comisión, y la segunda, ante el verdadero y propio tribunal –; por otro lado, para perder definitivamente la propia causa, a la parte pobre le basta perdela una sola vez (…) La justicia qué diantre! Es igual para todos: pero es un poco más igual para los ricos y un poco menos para los pobres. (CAPPELLETTI, Mauro. La justicia de los pobres. Processo, Ideologias, Sociedad. Buenos Aires: Ejea, 1974, p. 144)
Em uma análise histórica do direito brasileiro, constata-se que a exigência da perspectiva de êxito da demanda já foi exigida como requisito prévio para a concessão da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita pelo Decreto nº 2.457/1897 e pelos Códigos de Processo Civil do Estado de São Paulo, da Bahia e de Pernambuco – lembrando que, à época, a competência para legislar sobre Direito Processual era atribuída aos Estados. Do mesmo modo, o anteprojeto do Código de Processo Civil de 1939 trazia dispositivo que determinava que a parte que pretendesse gozar da gratuidade de justiça deveria, antes de iniciado o processo ou no curso dele, alegar e provar “que a ação que intentou ou pretende intentar, ou a defesa
que opôs ou pretende opor, oferece probabilidade de êxito”98. O referido dispositivo, entretanto, foi suprimido por ter prevalecido o entendimento de que a observância do requisito poderia perigosamente implicar no prejulgamento do próprio mérito da causa. Atualmente, a legislação nacional não exige qualquer demonstração prévia da probabilidade de sucesso da postulação para que sejam reconhecidos os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, bastando para tanto que o necessitado econômico afirme não ser capaz de arcar com o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatício, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 4º da Lei nº 1.060/1950). Ao contrário do que se possa inicialmente imaginar, a ausência de um juízo preliminar sobre a perspectiva de êxito da demanda não gera para o demandante hipossuficiente uma licença automática para que ingresse com demandas infundadas ou para que se utilize dos serviços judiciários para molestar seus possíveis adversários. Embora o beneficiário da gratuidade de justiça esteja isento do pagamento das verbas sucumbenciais no caso de derrota, o sistema processual civil possui mecanismos para inibir e evitar o demandismo desenfreado. De acordo com o art. 14, III, do CPC, aquele que formula pretensões e alega defesa ciente de que são destituídas de fundamento viola o dever de probidade e lealdade processual, estando sujeito ao pagamento de multa e de indenização à parte contrária (arts. 16 ao 18 do CPC). Ressalta-se, ainda, que o beneficiário da gratuidade de justiça, apesar de isento do pagamento das verbas sucumbenciais, não se encontra liberado do pagamento das sanções repressivas impostas pela legislação processual civil, podendo ser condenado ao pagamento de multa e de indenização nas hipóteses de violação da lisura processual99. Afinal, a tentativa de compensar a desigualdade oriunda da incapacidade econômica do litigante hipossuficiente não pode servir como justificativa para gerar a imunidade para a prática de toda e qualquer conduta processual imoral e abusiva (Súmula nº 101 do TJ/RJ)100. Nesse sentido, leciona FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, em recente obra publicada sobre o tema: A isenção prevista na Lei 1.060/1950 não abrange multas (punitivas ou coercitivas). A tentativa de compensar a desigualdade existente entre ricos e pobre não implica na conclusão de que o benefício da justiça gratuita possa servir de escudo contra práticas ilícitas. Se houvesse essa permissão, a desigualdade ocorreria em favor do hipossuficiente, uma vez que o estimularia a litigar de forma abusiva, na certeza de que não poderia ser punido. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 36)
Além disso, a Lei Complementar nº 80/1994 e o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994) impedem, respectivamente, que o Defensor Público e o advogado particular patrocinem lides temerárias ou infundadas. Segundo estabelecem os arts. 44, XII, 89, XII, e 128, XII, da LC nº 80/1994, possuem os Defensores Públicos a prerrogativa de “deixar de patrocinar ação, quando ela for manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte”, devendo, entretanto, comunicar o fato ao Defensor Público Geral e informar as razões de seu proceder. Logo, toda e qualquer demanda patrocinada pela Defensoria Pública passa obrigatoriamente pelo filtro crítico do Defensor responsável pela realização do atendimento; em sendo constatado que a ação é manifestamente incabível ou mesmo inconveniente aos interesses da parte, deverá o Defensor Público se abster de patrocinar a causa.
Importante deixar claro, no entanto, que essa prerrogativa não pode ser confundida com a análise da perspectiva de êxito da demanda. O Defensor Público não pode se recusar a patrocinar determinada causa por entender que as chances de sucesso são reduzidas ou que o custo a ser suportado pelo Estado com o ajuizamento da ação não justifica o módico benefício econômico perseguido pela parte; o Defensor Público possui o dever de franquear o amplo acesso dos pobres à justiça, mesmo que as chances de êxito sejam mínimas ou que o objetivo final do processo seja modesto101. Segundo explica o professor CLÉBER FRANCISCO ALVES, o Defensor Público somente estará dispensado de patrocinar a causa quando “tiver a convicção do não cabimento de qualquer medida ou de que as medidas em tese possíveis podem acabar se revelando contrárias aos interesses da parte”102. Conclui-se, portanto, que a mecânica jurídica adotada pelo sistema brasileiro revela-se mais adequada, por proporcionar um melhor equacionamento entre a tutela dos direitos fundamentais das pessoas pobres e a prevenção contra o demandismo desenfreado. É lógico que o sistema não é perfeito, e nem se pretende aqui sustentar essa visão ufanista. Todavia, no confronto entre a tutela efetiva dos direitos fundamentais e o combate ao litígio habitual, não resta dúvida que se revela mais adequado privilegiar a primeira. 3.5 TITULARIDADE DOS DIREITOS À GRATUIDADE DE JUSTIÇA E À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA De acordo com o art. 2º, caput, da Lei nº 1.060/1950, terão direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita “os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho”103. Essa regra encontra-se em sintonia redacional com o disposto no art. 5º, caput, da CRFB, que reconhece apenas “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país” os direitos fundamentais elencados no referido dispositivo104. Desse modo, verifica-se a ocorrência de flagrante discriminação legislativa em relação aos estrangeiros não residentes no país, sendo os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita restritivamente atribuídos aos brasileiros e às pessoas de nacionalidade estrangeira que possuam residência no Brasil105. Seguindo a literal disposição da Lei nº 1.060/1950, portanto, estrangeiros hipossuficientes que estejam apenas de passagem pelo território nacional não teriam direito à gratuidade de justiça ou à assistência jurídica gratuita, estando à mercê de toda espécie de ilegalidade e inegavelmente lançados à própria sorte106. Entretanto, em virtude do significado e da importância dos direitos fundamentais previstos no art. 5º da CRFB, bem como da relevância jurídica dos benefícios concedidos pela Lei nº 1.060/1950, não devem os dispositivos em comento ser objeto de interpretação restritiva e meramente literal. Ao analisarmos a questão, é importante ter em mente que diversos direitos fundamentais elencados no art. 5º da CRFB, que se ligam diretamente à própria dignidade humana (art. 1º, III da CRFB), não podem ser negados ao estrangeiro não residente no país, uma vez que a própria
qualidade de ser humano constitui condição suficiente para garantir a titularidade desses direitos. Negar ao estrangeiro não residente no país o gozo desses direitos fundamentais, significa negar o próprio reconhecimento de sua condição humana e abjurar a própria humanidade do Estado Constitucional brasileiro. Além disso, não se pode olvidar que a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita materializam o inafastável direito fundamental de acesso à justiça, sem o qual a pessoa humana não se realiza, não convive e, muitas vezes, nem mesmo sobrevive107. Por essa razão, o art. 5º da CRFB e, consequentemente, o art. 2º da Lei nº 1.060/1950 devem ser interpretados em consonância com o sumo princípio da dignidade da pessoa humana, impedindo-se que o fator meramente circunstancial da nacionalidade seja utilizado como fundamento para afastar a titularidade dos direitos fundamentais, e para justificar o cometimento de abusos e a prática de arbitrariedades108. Nesse sentido, lecionam os professores GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO: O caput do art. 5º reconhece os direitos fundamentais “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país”. A norma suscita a questão de saber se os estrangeiros não residentes estariam alijados da titularidade de todos os direitos fundamentais. A resposta deve ser negativa. A declaração de direitos fundamentais da Constituição abrange diversos direitos que radicam diretamente no princípio da dignidade do homem – princípio que o art. 1º, III da Constituição Federal toma como estruturante do Estado democrático brasileiro. O respeito devido à dignidade de todos os homens não se excepciona pelo fator meramente circunstancial da nacionalidade.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 272)
De fato, existem determinados direitos fundamentais que, em virtude de sua intrínseca ligação com o país, direcionam-se intuitivamente ao cidadão brasileiro (como, por exemplo, os direitos políticos). No entanto, os direitos considerados emanações necessárias do princípio da dignidade humana, devem ser assegurados a todos, independentemente de sua nacionalidade ou de sua residência109. Dessa forma, o art. 5º, caput, da CRFB deve ser interpretado de forma que, em relação aos estrangeiros não residentes no país, sejam negados apenas os direitos fundamentais que, por sua própria natureza, não se direcionem indistintamente a todos os seres humanos110. Ao julgar o HC nº 94.016/SP, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a condição jurídica de estrangeiro não residente no país “não o desqualifica como sujeito de direitos e titular de garantias constitucionais e legais”, impedindo a adoção “de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório”. De acordo com o STF, independentemente da nacionalidade, não se pode negar ao indivíduo, por exemplo, “as prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal”, dentre as quais se inclui o “direito ao benefício da gratuidade”111. Deve prevalecer, portanto, a concepção de que os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita são de titularidade universal, sendo a qualidade de ser humano condição suficiente para garantir o seu exercício. Irrelevante indagar-se, portanto, o local de residência do estrangeiro, podendo ser ele beneficiário da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita, bastando para tanto que afirme sua hipossuficiência econômica, na forma do art. 4º da Lei nº 1.060/1950112. Nesse sentido, já teve a oportunidade de se pronunciar o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar recurso interposto contra decisão que deferiu a gratuidade de justiça a estrangeiro
não residente no país, in verbis: EMENTA: Gratuidade de Justiça – Revogação – A simples afirmação de pobreza, pelo beneficiário, gera a presunção de sua ocorrência, até prova em contrário, nos termos da lei de regência – Para a revogação desse benefício, torna-se indispensável provar-se a inexistência, ou o desaparecimento dos requisitos, ensejadores de sua concessão – Não tem sentido em se denegar esse benefício a estrangeiro, embora não residente no Brasil, se vem ele necessitar da Justiça brasileira, para a defesa de seus direitos – Desprovimento do recurso. VOTO: (…) O simples fato de tanto a Constituição Federal, como a Lei de Assistência Judiciária, em seus arts. 5º e 2º, respectivamente, se referirem a estrangeiros residentes no Brasil, não significa dizer que a proteção legal que elas deferem tenha por destinatário, apenas, estes últimos e não os não residentes que, por qualquer motivo, tenham que recorrer à Justiça Brasileira, para a defesa de seus direitos. Seria utilizar, incorreta e indevidamente, a meu ver, o argumento “a contrario sensu”, pois tal exegese levaria a situações absurdas e não condizentes com um Estado de Direito, as quais nem os Constituintes, nem os legisladores ordinários tiveram em mira, ao estabelecerem tais disposições normativas. É evidente que a proteção constitucional aos direitos individuais, previstos no art. 5º e seus diversos incisos, da Carta Política, ora em vigor, também se estende aos estrangeiros, não residentes no país e que aqui eventualmente se encontrem, pois não se conceberia que a eles não fosse outorgada a mesma proteção, quando dela necessitassem. O mesmo se deve dizer, quanto ao benefício da Assistência Judiciária, se eles, porventura, tiverem que recorrer à Justiça Brasileira, para a defesa de seus direitos e se encontrarem na situação de hipossuficientes, a que essa lei almeja tutelar. Afasta-se, assim, essa interpretação restritiva, que os Apelantes pretendem dar a esses dispositivos do ordenamento jurídico. (…) Correta, pois, a r. decisão recorrida, fica ela integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso interposto. (TJ/RJ – Segunda Câmara Cível – Apelação nº 0011143-26.1996.8.19.0000 – Relator Des. Luiz Odilon Bandeira, decisão: 17-121996)
Por derradeiro, cumpre destacar que o “Protocolo de Las Leñas” formalizou entre os países integrantes do Mercosul o compromisso de prestarem assistência mútua e ampla cooperação jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, a fim de contribuir para o desenvolvimento das relações de integração entre os países membros. De acordo com o referido protocolo, os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados partes gozarão, nas mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado parte, do livre acesso à jurisdição para a defesa de seus direitos e interesses (art. 3º). Do mesmo modo, o art. 1º do “Acordo Sobre o Benefício da Justiça Gratuita e Assistência Jurídica Gratuita entre os Estados Partes do Mercosul” estabelece que “os nacionais, cidadãos e residentes habituais de cada um dos Estados Partes gozarão, no território dos outros Estados Partes, em igualdade de condições, dos benefícios da justiça gratuita e da assistência jurídica gratuita concedidos a seus nacionais, cidadãos e residentes habituais”. Com isso, resta proibida a realização de qualquer discriminação de estrangeiros integrantes do Mercosul, devendo-lhes ser deferido, em igualdade com os nacionais, os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, independentemente de possuírem ou não residência no país onde se busque a jurisdição113. Em relação aos países não integrantes do Mercosul, a “Convenção Sobre o Acesso Internacional a Justiça”, assinada em Haia, estabelece que “os nacionais e os habitualmente residentes em qualquer Estado Contratante terão direito de receber assistência judiciária para procedimentos judiciais referentes a matéria civil e comercial em outro Estado Contratante, nas mesmas condições que receberiam caso fossem nacionais ou residentes habituais daquele Estado”. Sendo assim, também os estrangeiros originários dos países signatários da Convenção de Haia
terão inegável direito à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita enquanto estiverem em território brasileiro, independentemente de possuírem ou não residência neste país. 3.6 DA CONTROVÉRSIA ACERCA DA ADMISSIBILIDADE E DOS REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS À GRATUIDADE DE JUSTIÇA E À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA EM FAVOR DAS PESSOAS JURÍDICAS Em virtude de suas naturais limitações, necessita o ser humano da cooperação de outros indivíduos para a realização de certas atividades imprescindíveis para a vida em sociedade. Dessa induvidosa necessidade social, surgiram agrupamentos humanos dotados de organização própria e interesses próprios, estruturados para a realização de objetivos específicos. Com a difusão das formas associativas, tornou-se clara a necessidade do Direito reconhecer essa realidade humana e incorporá-la ao mundo normativo, possibilitando a adequada regulamentação jurídica desse fenômeno social e econômico114. Para disciplinar a vida social desses entes coletivos, permitindo sua adequada interação com as pessoas naturais e com outros agrupamentos humanos, o Direito reconheceu sua personalidade jurídica e sua capacidade de direito, tornando-os sujeitos de direitos e obrigações, de maneira similar ao que ocorre com as pessoas biologicamente concebidas115. Assim, surge a figura da pessoa jurídica, gerada como ente autônomo e com existência distinta das pessoas naturais que a integram. Reconhecer personalidade jurídica e capacidade de direito às pessoas jurídicas significa permitir que estes entes coletivos titularizem relações jurídicas e exerçam os atos da vida civil, de maneira independente em relação aos seus integrantes. Com isso, a pessoa jurídica pode, por si só, adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou defender direitos. Como decorrência direta de sua capacidade de direito e em respeito ao princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, às pessoas jurídicas é reconhecido, também, o direito de reclamar, em nome próprio, a proteção judicial de seus interesses (art. 7º do CPC). Diante de sua personalidade jurídica própria, as pessoas jurídicas possuem capacidade de ser parte, devendo ser presentadas em juízo, ativa ou passivamente, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores (art. 12, VI do CPC). Importante observar, nesse ponto, que não deverão integrar o polo ativo ou passivo da demanda os integrantes da pessoa jurídica em litisconsórcio, pois a personalidade jurídica do ente coletivo exclui por completo qualquer ideia de condomínio ou comunhão. Quem deverá ocupar singularmente o polo da relação processual será a própria pessoa jurídica, cuja personalidade jurídica lhe outorga a capacidade de ser parte e capacidade de estar em juízo. Não se deve confundir, ainda, os institutos da representação e da presentação. A representação processual visa suprir a incapacidade do litigante, outorgando-lhe capacidade de estar em juízo (art. 8º do CPC) – ex.: menor absolutamente incapaz que pretende postular alimentos em face de seu genitor, deve ser representado processualmente por sua genitora. A pessoa jurídica, entretanto, não é absoluta ou relativamente incapaz, não necessitando, assim, ser representada ou assistida para figurar como autora ou ré em demandas judiciais. De fato, por não possuir organismo biopsíquico, necessita a pessoa jurídica tão somente que seus integrantes supram sua falta de personalidade física,
presentando-a em juízo. Portanto, mostra-se incorreto afirmar que a pessoa jurídica é representada por seus sócios ou diretores; na verdade, os integrantes do ente coletivo apenas presentam a pessoa jurídica, em juízo ou fora dele. Se as pessoas jurídicas possuem o direito de figurar nos polos da relação processual, poderão ocorrer situações em que o ente coletivo, em virtude de sua precária condição econômica, esteja incapacitado de postular judicialmente a proteção de seus direitos ou de exercer sua defesa, por não possuir capital suficiente para arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. Nesses casos, questiona-se: poderá a pessoa jurídica pleitear o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita? Ao longo do presente tópico, examinaremos cuidadosamente as diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais erigidas sobre o tema, analisando, inicialmente, a questão da admissibilidade, ou não, do reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor das pessoas jurídicas; em seguida, estudaremos os requisitos necessários para a titularização dos referidos direitos, examinando a forma de aferição da hipossuficiência econômica dos entes coletivos. 3.6.1 Corrente Inadmissionista
De acordo com a corrente inadmissionista, a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita seriam conceitos criados e normatizados para serem aplicados apenas em favor de pessoas físicas, sendo inadmissível sua ampliação para beneficiar pessoas jurídicas. Ao delinear a abrangência subjetiva da gratuidade de justiça e da assistência judiciária, o art. 2º, caput, da Lei nº 1.060/1950116 afirma que os benefícios seriam aplicáveis apenas aos “nacionais ou estrangeiros residentes no país”, não fazendo o dispositivo qualquer referência às pessoas jurídicas117. Com efeito, haveria na hipótese um silêncio eloquente do legislador, excluindo do âmbito de aplicação da norma toda e qualquer pessoa jurídica. Além disso, ao definir o conceito de necessitado o parágrafo único do art. 2º e o caput do art. 4º da Lei 1.060/1950 o caracteriza como sendo “aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”118. Dessa forma, não sendo aplicáveis às pessoas jurídicas os conceitos de “sustento próprio” e de “família”, não seria admissível reconhecer em favor delas os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita119. Por fim, realizando uma interpretação histórica da Lei nº 1.060/1950, os partidários dessa corrente sustentam que a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita foram culturalmente idealizadas para tutelarem os direitos das pessoas físicas hipossuficientes e para garantir-lhes o acesso à justiça, estando as pessoas jurídicas, portanto, excluídas do próprio espírito da norma. Esse posicionamento restou defendido pelo professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao analisar os dispositivos da LC nº 80/1994, em parecer emitido por solicitação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil120, in verbis: Não é preciso muito esforço para concluir que o conceito de pessoa necessitada só se aplica a pessoa natural, jamais a pessoa jurídica. (…) Bem o diz o conceito de necessitado estabelecido no parágrafo único do art. 2º da Lei 1060, de 3.2.1950, ainda em vigor: “Considera-se necessitado, para fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do
processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. (SILVA, José Afonso da. Parecer emitido por solicitação do Conselho Federal da OAB, analisando as disposições da LC nº 80/1994, emissão: 14.08.2010)
Do mesmo modo, alguns julgados mais antigos prolatados pelos Tribunais de Justiça dos Estados vinham sustentando a inadmissibilidade do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça em favor das pessoas jurídicas, podendo esse posicionamento ser adequadamente ilustrado pelas seguintes decisões: Assistência judiciária. Gratuidade. Não pode se valer dos benefícios da assistência judiciária pessoa jurídica, pois a lei isenta do pagamento das custas aquele que não possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família. (TJ/RJ – TA Cível – Agr.608/96 – Relator Juiz Mauro Fonseca Pinto Nogueira, decisão: 17-12-1996) Justiça gratuita. Pessoa jurídica. Impossibilidade. A pessoa jurídica não faz jus ao benefício da gratuidade da Justiça, nos termos da Lei 1.060/1950. Assim, não só pela interpretação literal destes dispositivos, como também pela interpretação sistemática de toda a lei, instituidora do benefício, o legislador quis beneficiar somente a pessoa física.” (TJ/RS – 7ª Câmara Cível – Agr.195.076.773 – Relator Juiz VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS, decisão: 09-08-1995) Agravo de Instrumento. Gratuidade de Justiça. Pessoa jurídica. Embora divergente a matéria, tem entendido esta Câmara que não faz jus a pessoa jurídica ao benefício da gratuidade, que se reserva aos carentes, como pessoas naturais. (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0013746-33.2000.8.19.0000 – Relator Des. Sylvio Capanema, decisão: 11-04-2000) Agravo de Instrumento. Gratuidade de justiça. Requerimento por pessoa jurídica. Impossibilidade. A pessoa jurídica não faz jus ao benefício da gratuidade de justiça. Recurso improvido. (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 000867470.1997.8.19.0000 – Relator Des. Gabriel Curcio, decisão: 16-12-1997)
Atualmente, com o avanço da busca pelo acesso amplo à justiça, a corrente inadmissionista tem perdido força e sido plenamente suplantada pela corrente admissionista. De fato, em virtude da fragilidade de suas bases estruturais e por conta do apego excessivo à literalidade da Lei nº 1.060/1950, a corrente inadmissionista tem sido considerada obsoleta e arcaica121, mostrando-se incompatível com a ordem constitucional vigente. 3.6.2 Corrente Admissionista
Para a corrente admissionista, a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita seriam aplicáveis tanto às pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas, não havendo justificativa plausível para a criação de discriminações artificiais. Inicialmente, torna-se importante lembrar que a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita objetivam garantir àqueles que não possuem condições econômicas de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios o inafastável direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV da CRFB). Desse modo, negar ao necessitado econômico os direitos à gratuidade e à assistência jurídica significa negar-lhe o próprio direito de acesso à ordem jurídica justa, independentemente de ser ele pessoa física ou jurídica. O direito fundamental de acesso à justiça deve manter-se ligado à ideia de facilitação da postulação e defesa de direitos, e não de restrição. Por essa razão, não se pode permitir que as pessoas jurídicas economicamente necessitadas sejam abstratamente excluídas do âmbito subjetivo de abrangência da gratuidade de justiça e da assistência jurídica gratuita, unicamente pelo fato de serem qualificadas como pessoas coletivas. Ao agir assim, cria-se perigosa muralha impeditiva do acesso ao judiciário, permitindo-se a proliferação de injustiças e ameaçando-se a integridade de toda ordem jurídica nacional vigente. Afinal, uma injustiça praticada contra um representa uma ameaça
contra todos. In hujusmodis causis, posicionou-se nesse sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Agravo de Instrumento. Gratuidade de Justiça. Pessoa Jurídica. O acesso ao judiciário, garantido constitucionalmente, é assegurado de modo amplo e, em consequência, o benefício da gratuidade de justiça deve ser concedido a todos quantos dele necessitarem, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Provimento do recurso. (TJ/RJ – Décima Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0024470-33.1999.8.19.0000 – Relator Des. Cassia Medeiros, decisão: 25-05-1999) Indeferimento da gratuidade. Agravo de Instrumento. Recurso provido. Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que indeferiu o pedido de gratuidade de justiça formulado, determinando o recolhimento respectivo. Negar o pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa jurídica debilitada economicamente, seria o mesmo que impedir-lhe o acesso à justiça, contrariando, assim, princípios constitucionais. Provimento do recurso. (TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 001590898.2000.8.19.0000 – Relator Des. Galdino Siqueira Netto, decisão: 31-10-2000)
Além disso, ao prever o direito fundamental à assistência jurídica gratuita, a Constituição Federal utilizou-se de fórmula genérica, determinando que o direito será reconhecido “aos que comprovem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, da CRFB)122. Com efeito, não tendo o legislador constituinte realizado qualquer distinção em relação às pessoas físicas ou jurídicas, não pode o intérprete fazê-lo; no caso de dúvida, deve sempre preferir-se a exegese que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados123. Não há, outrossim, qualquer impedimento para que pessoas jurídicas titularizem direitos fundamentais, estando historicamente superada a doutrina que sustentava a aplicabilidade dessa espécie de direitos apenas às pessoas físicas. É claro que determinados direitos fundamentais, por sua própria natureza, não podem ser aplicados às pessoas jurídicas, como o direito de votar, o de ser eleito para cargo público, ou direitos relacionados à prisão. No entanto, a maioria dos direitos fundamentais são suscetíveis de serem exercidos por pessoas jurídicas, havendo, inclusive, casos de direitos conferidos diretamente à própria pessoa jurídica, como o direito à não interferência estatal no funcionamento de associações (art. 5º, XVIII, da CRFB) e o direito de não serem elas compulsoriamente dissolvidas (art. 5º, XIX, da CRFB)124. Nesse sentido, lecionam os professores GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, in verbis: Não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos fundamentais, não obstante estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas humanas. Os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas podem tê-las por titular. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 271)
Importante esclarecer, ainda, que não existe no ordenamento jurídico qualquer vedação legal ao reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor das pessoas jurídicas, como havia no revogado art. 3º do Decreto nº 2.457, de 1987, que organizava a Assistência Judiciária no Distrito Federal125. Pela leitura atenta do art. 2º, caput, da Lei nº 1.060/1950, observa-se que o legislador autorizou titularização dos direitos pelos “nacionais ou estrangeiros residentes no país”, não sendo feita qualquer distinção restritiva em relação às pessoas físicas ou jurídicas126. Ademais, embora a Lei nº 1.060/1950 se utilize de fórmula pouco adequada ao definir o conceito
de necessitado econômico, indicando-o como sendo “aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, parágrafo único), não se deve interpretar o texto legal de maneira a impedir o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor das pessoas jurídicas. Analisando cuidadosamente o art. 2º, parágrafo único e o art. 4º, caput da Lei nº 1.060/1950, nota-se que o legislador utilizou-se de conjunção alternativa, determinando ser necessitado aquele que não possui condições econômicas para arcar com as custas processuais e honorários, “sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Com efeito, não há necessidade de cumulação dos dois requisitos; basta que o pagamento das custas e honorários comprometa seu sustento ou o sustento de sua família127. Sendo assim, nada impede que a pessoa jurídica se encontre em situação financeira precária e que o pagamento das custas e honorários comprometam sua própria manutenção. Não há necessidade do comprometimento do sustento da família, conceito este que seria inaplicável às pessoas jurídicas; exige-se apenas que as custas e honorários comprometam a sustentabilidade da pessoa jurídica, prejudicando, por exemplo, o adequado pagamento do salário dos funcionários, o adimplemento das contas, a quitação do aluguel, etc. Manifestando-se nesse sentido, temos o posicionamento do grande professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, in verbis: Há uma questão interessante que já foi objeto de decisões judiciais: podem as pessoas jurídicas pleitear o benefício? A meu ver nada impede que o façam; nem se objete com o texto legal, que fala da “família”. Fala alternativamente, diz: é preciso que o interessado esteja numa situação econômica que não lhe permita custear o processo sem prejuízo próprio ou da família. Não é preciso que as duas circunstâncias se cumulem; logo, o fato da pessoa jurídica não ter família, não impede que ela fique em dificuldades para prover à sua própria manutenção, e em tais condições não vejo nenhum obstáculo a que ela requeira e que se lhe conceda o benefício da gratuidade. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., pág. 131/132)
Além do mais, se a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita materializam os direitos fundamentais consagrados no art. 5º, incisos LXXIV e XXXV, da CRFB, qualquer interpretação puramente literal da Lei nº 1.060/1950, que limite a aplicação dos direitos nela previstos apenas às pessoas físicas, representará inconstitucional restrição à eficácia dos direitos fundamentais das pessoas jurídicas. Logo, para que se mantenham válidos os arts. 2º e 4º da Lei nº 1.060/1950, deve-se empregar a técnica da interpretação conforme a Constituição, excluindo toda e qualquer exegese que impeça a titularização dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita pelas pessoas jurídicas. Seguindo essa linha de pensamento e em conformidade com os ditames da corrente admissionista, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Agravo de Instrumento. Concessão de gratuidade de justiça à pessoa jurídica. Possibilidade. Provimento do recurso. A lei não interdita a concessão de gratuidade de justiça à pessoa jurídica. Na verdade, as garantias da Carta Política e a legislação infraconstitucional não distinguem entre pessoa física e pessoa jurídica para a concessão da gratuidade de justiça, pelo que, observados os pressupostos legais, o deferimento de tal favor legal é perfeitamente possível às pessoas jurídicas. (TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0032825-32.1999.8.19.0000 – Relator Des. Albano Mattos Correa, decisão: 16-111999)
Medida cautelar. Notificação. Gratuidade de justiça. Pessoa jurídica. Se a Carta Constitucional garante a todos acesso à Justiça, é de se admitir possam as pessoas jurídicas hipossuficientes financeiramente obter tal benefício. ” (TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0012193-53.1997.8.19.0000 – Relator Des. Walter Agostino, decisão: 03-03-1998) Gratuidade de Justiça. Pessoa jurídica. Possibilidade. Se a pessoa jurídica está em uma situação econômica, que não lhe permita custear o processo sem prejuízo de sua própria manutenção, pode ela pleitear e gozar os benefícios da gratuidade de justiça. Recurso provido. (TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Apelação nº 0003666-15.1997.8.19.0000 – Relator Des. Marlan Marinho, decisão: 05-05-1998) Gratuidade de justiça. Possibilidade do benefício ser deferido em favor de pessoa jurídica. Jurisprudência dominante. (TJ/RJ – Décima Sétima Câmara Cível – Apelação nº 0016100-65.1999.8.19.0000 – Relator Des. Fabricio Bandeira Filho, decisão: 17-111999)
Por fim, cumpre observar que o art. 4º da LC nº 80/1994 estabelece como função institucional da Defensoria Pública o exercício da ampla defesa e do contraditório em favor das pessoas naturais e jurídicas. Do mesmo modo, o art. 179, § 3º, V, h, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro também indica ser função da Defensoria Pública patrocinar os “interesses de pessoas jurídicas de direito privado”128. Com efeito, embora o direito à gratuidade de justiça não esteja expressamente positivado, o direito à assistência jurídica gratuita em favor de pessoas jurídicas encontra-se expressamente previsto em lei. In verbis: Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (…) V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses; Art. 179, § 3º, da CERJ: São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras que lhe são inerentes, as seguintes: (…) V – patrocinar: (…) h) os interesses de pessoas jurídicas de direito privado e necessitadas na forma da lei;
Em virtude de suas raízes constitucionais e por encontrar-se em sintonia com o movimento pelo acesso amplo à justiça, a corrente admissionista tem predominado largamente tanto na doutrina quanto na jurisprudência, mostrando-se cada vez mais escassas as decisões que inadmitem abstratamente o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor das pessoas jurídicas129. Antes de encerrarmos o estudo da corrente admissionista, porém, é importante apontar a existência de duas outras subcorrentes que divergem entre si quanto ao âmbito subjetivo de admissibilidade desses direitos: de um lado, a corrente admissionista restritiva pretende limitar a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita a determinadas pessoas jurídicas; de outro, a corrente admissionista ampliativa sustenta a possibilidade de reconhecimento dos direitos em favor de toda e qualquer pessoa jurídica. A)
CORRENTE ADMISSIONISTA RESTRITIVA: Para a corrente admissionista restritiva, apenas as pessoas jurídicas sem fins lucrativos poderiam titularizar os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita130. Segundo sustentam os partidários dessa corrente, a obtenção de lucro seria absolutamente incompatível com a situação de miserabilidade exigida pela Lei nº 1.060/1950.
Adotando esse posicionamento, o Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL argumenta que, no caso das pessoas jurídicas com fins econômicos, não seria “razoável que o Estado subsidie suas atividades, isentando-a do pagamento da taxa judiciária e das demais despesas com premiação do seu fracasso”. Afirma, ainda, que esse sistema de socialização de prejuízos seria extremamente injusto para todos aqueles que sofrem carências maiores e não as tem supridas pela ação estatal, salientando que “antes de salvar empresas frustradas, incumbe ao Estado assegurar os direitos básicos de uma imensa massa de desassistidos”131. Seguindo também essa corrente, o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI sustenta que apenas as pessoas jurídicas que “tenham por fim atividades filantrópicas, assistenciais, ou sejam reconhecidas como entidades de utilidade pública” poderiam fazer jus à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita132. Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça, em alguns julgados antigos, sustentou a inadmissibilidade do reconhecimento desses direitos em favor das pessoas jurídicas com finalidade lucrativa, in verbis: Processual civil – Assistência judiciária gratuita – Benefício não extensivo às pessoas jurídicas que visam a atividade lucrativa – Art. 2º da Lei nº 1.060/1950 – Inteligência – Precedentes jurisprudenciais. 1 – O ordenamento jurídico pátrio permite que a gratuidade da justiça alcance não só as pessoas físicas, mas também as pessoas jurídicas de fins tipicamente filantrópicos ou de caráter beneficente (…) 2 – O pressuposto da pobreza jurídica, definido na Lei nº 1.060/1950, não se coaduna com a atividade lucrativa perseguida pelas sociedades comerciais limitadas; e também por outras espécies de pessoas jurídicas voltadas para o auferimento de lucro. 3 – Recurso especial conhecido e improvido. Decisão unânime. (STJ – Primeira Turma – REsp 111423/RJ – Relator Ministro Demócrito Reinaldo, decisão 09-03-1999) Os arts. 2º, 4º e 6º da Lei nº 1.060/1950, não se coadunam com as pessoas jurídicas voltadas para atividades lucrativas, pois não se incluem estas no rol dos necessitados. O auferimento de lucro, prima facie, afigura-se incompatível com a situação de miserabilidade descrita na norma legal. A extensão do benefício deve ocorrer somente as pessoas jurídicas pias, filantrópicas, consideradas por lei socialmente relevantes, ou ainda, sem fins lucrativos. (STJ – Quinta Turma – REsp 223129/MG – Relator Ministro Jorge Scartezzini, decisão 05-10-1999)
Deve-se observar, no entanto, que a corrente admissionista restritiva se posta como alvo das mesmas críticas dirigidas à corrente inadmissionista, haja vista restringir de maneira inconstitucional a eficácia dos direitos fundamentais das pessoas jurídicas. Se o legislador constituinte não realizou qualquer distinção em relação às pessoas físicas ou jurídicas, e muito menos distinção em relação à finalidade lucrativa ou não dos entes coletivos, não pode o intérprete utilizar-se de exegese limitativa para artificialmente excluir determinado grupo do âmbito de proteção do direito fundamental previsto no art. 5º, LXXIV, da CRFB. Vale lembrar: no caso de dúvida, o intérprete deve sempre preferir a exegese que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais, e nunca o oposto. Por essa razão, a corrente admissionista restritiva possui minoritária expressão doutrinária e jurisprudencial, sendo largamente suplantada pela corrente admissionista ampliativa. B)
CORRENTE ADMISSIONISTA AMPLIATIVA: Para a corrente admissionista ampliativa, toda e qualquer pessoa jurídica pode ser beneficiada pela gratuidade de justiça e pela assistência jurídica gratuita, bastando, para tanto, que sua precária condição financeira não lhe permita arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios.
A existência ou inexistência de finalidade lucrativa não pode ser utilizada como fator de discriminação. Na verdade, se a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita visam garantir o acesso do necessitado econômico à justiça, não faz qualquer diferença analisar a natureza jurídica ou a finalidade da pessoa coletiva; o que verdadeiramente importa é a capacidade da pessoa jurídica de realizar o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. Embora possuam finalidades distintas e naturezas jurídicas diversas, no final das contas as pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos se encontrarão em situação idêntica: estarão buscando a proteção jurisdicional efetiva de seus direitos, e não terão condições econômicas de arcar com as despesas processuais e honorários133. Com efeito, no que tange à análise dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, não há qualquer fundamento jurídico que justifique a separação dos entes coletivos em razão de sua finalidade lucrativa ou beneficente. Por fim, deve-se ressaltar que a discriminação pretendida pela corrente admissionista restritiva não encontra qualquer respaldo no princípio da isonomia (art. 5º, caput da CRFB). De fato, com o objetivo de alcançar a igualdade material, a lei encontra-se autorizada a realizar distinções entre pessoas físicas ou jurídicas, ou mesmo entre as próprias pessoas jurídicas. No entanto, para que a desigualação seja válida, deve haver congruência lógica entre o fator de discrímen e a discriminação legalmente realizada134. No caso em análise, entretanto, observar-se que o elemento de diferenciação (finalidade lucrativa) não possui qualquer relação com o objetivo final da norma (garantir o acesso dos necessitados econômicos à justiça). Afinal, nada impede que uma empresa voltada ao comércio de produtos e serviços se encontre em situação econômica muito pior do que uma instituição sem fins lucrativos, que sobreviva de doações135. Com efeito, limitar o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita apenas em favor das pessoas jurídicas sem fins lucrativos não concretiza qualquer manifestação do princípio da igualdade; pelo contrário, concretiza verdadeira desigualdade ilógica, incongruente e arbitrária. Com acerto, posiciona-se o professor BRUNO GOMES BORGES DA FONSECA, em obra integralmente dedicada ao tema: Inaceitável a criação de requisitos supralegais para a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas. Limitar tal benefício a entidades de utilidade pública ou sem fins lucrativos, ou, ainda, a empresários individuais, microempresários ou empresários de pequeno porte é situação repudiável. Pode existir e não é muito difícil, que um empresário de pequeno porte tenha mais condições de purgar as despesas processuais do que uma mega sociedade empresária que está prestes a falir. Igualmente, existem – e não são poucas – pessoas físicas em melhores condições financeiras do que inúmeros empresários, sejam eles individuais ou não. Assim, a natureza jurídica da instituição não pode servir como fonte de diferenciação, ao menos, para a concessão da justiça gratuita, que, como vimos, visa permitir o acesso ao Poder Judiciário. O que deve importar in casu é a impossibilidade de se purgar as despesas processuais e os honorários advocatícios e nada mais. A existência de finalidade lucrativa ou não, outrossim, não pode ser utilizada como fator de diferenciação. Nada impede que um empresário, com fins comerciais, esteja numa situação mais delicada financeiramente, do que uma instituição que sobreviva de doações, valendo, desse modo, os mesmos argumentos utilizados nos parágrafos anteriores. (FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Gratuidade de Justiça às Pessoas Jurídicas, São Paulo: Edijur, 2004, pág. 78)
Em síntese, o que verdadeiramente importa no momento do reconhecimento dos direitos à
gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita é a condição econômica do requerente. Seja ele nacional ou estrangeiro, pessoa física ou jurídica, com fim lucrativo ou beneficente, se não possuir condições econômicas de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, deve ser beneficiado pela gratuidade de justiça e pela assistência jurídica gratuita. Esse é o posicionamento que melhor se adequa ao art. 5º, incisos LXXIV e XXXV, da CRFB, respeitando os direitos fundamentais da pessoa jurídica e possibilitando o amplo acesso à ordem jurídica justa. 3.6.3 Da hipossuficiência econômica das pessoas jurídicas e sua aferição
Superadas as discussões acerca da admissibilidade ou não do reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita em favor das pessoas jurídicas, resta analisar a forma como deverá ser aferida a hipossuficiência econômica dos entes coletivos. Conforme estudado anteriormente, o art. 4º, § 1º, da Lei 1.060/1950136 estabelece que o necessitado econômico poderá usufruir desses direitos, bastando, para tanto, que afirme sua hipossuficiência na própria petição inicial. Criou o referido dispositivo legal, portanto, verdadeira presunção juris tantum de necessidade econômica, dispensando a efetiva comprovação da miserabilidade afirmada. Segundo restou analisado, também, há na doutrina e jurisprudência severa discussão acerca da subsistência do art. 4º da Lei nº 1.060/1950, diante do confronto literal com o disposto no art. 5º, LXXIV da Constituição Federal de 1988. De acordo com a corrente comprovacionista, ao estabelecer que a assistência jurídica integral e gratuita será prestada “aos que comprovem insuficiência de recursos”, teria a Constituição Federal posto fim ao sistema da presunção de hipossuficiência, suplantando-o pela exigência da efetiva comprovação da miserabilidade jurídica do requerente. Adotando posicionamento intermediário, a corrente moderada defende que o art. 5º, LXXIV da CRFB teria limitado a exigência probatória ao instituto da assistência jurídica gratuita, subsistindo a presunção juris tantum de necessidade apenas em relação à gratuidade de justiça. Por fim, a corrente presumissionista sustenta que a presunção de hipossuficiência continuaria plenamente válida, tanto para a gratuidade de justiça quanto para a assistência jurídica gratuita, pois os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados seriam estabelecidos em padrões mínimos de proteção, não havendo qualquer impedimento para que a legislação infraconstitucional viesse a estabelecer regras mais benéficas do que a fixada pelo art. 5º, LXXIV, da CRFB. Seguindo essa última corrente, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm reconhecido amplamente a presunção de hipossuficiência em favor das pessoas naturais, exigindo para o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça apenas a declaração de miserabilidade, firmada pelo próprio interessado, conforme anteriormente estudado137. Neste tópico, entretanto, a discussão toma direção mais específica, voltando-se precisamente para a análise da possibilidade ou não do reconhecimento da presunção de hipossuficiência em favor das pessoas jurídicas. Novamente, por não ter feito o legislador qualquer distinção em relação às pessoas físicas ou jurídicas, seja na Constituição Federal ou na Lei nº 1.060/1950, mais adequado seria reconhecer a presunção de necessidade também em favor das pessoas coletivas, seguindo a linha de
posicionamento trilhada pelo STJ e pelo STF em relação às pessoas naturais. Nesse sentido, inclusive, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em alguns julgados: Assistência judiciária. A presunção de pobreza (Lei nº 1.060/1950, art. 4º, § 1º) aplica-se também às pessoas jurídicas, às quais poderá ser concedido o benefício da gratuidade, se não estiver ela em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio (art. 4, caput, da Lei nº 1.060/1950). (TJ/RJ – Quinta Câmara Cível – Apelação nº 000547108.1994.8.19.0000 – Relator Des. Humberto de Mendonca Manes, decisão: 13-09-1994) Agravo de Instrumento. Direitos Processual Civil e Constitucional. Assistência judiciária. Pessoa jurídica. Art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal. A recepção do contido na Lei n.1060/1950 deve ser ampla, sob pena de obstar-se o acesso à própria Justiça, direito este constitucionalmente garantido. Concessão do benefício mediante simples afirmação de necessidade. O fato de o pretendente ao benefício da justiça gratuita ser pessoa jurídica, não impede a concessão do benefício. O art. 4º, da Lei nº 1.060/1950, não faz distinção entre a pessoa natural e a jurídica, e exige tão somente a declaração de que a parte não tem condições de pagar as custas processuais, sem prejuízo de sua manutenção. Feita a declaração, ausente prova em contrário, é de ser deferida a gratuidade pretendida. Recurso provido. (TJ/RJ – Décima Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0037922-13.1999.8.19.0000 – Relator Des. Jose Pimentel Marques, decisão: 26-04-2000)
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal vinham aplicando a presunção de hipossuficiência apenas em relação às pessoas jurídicas sem fins lucrativos, para as quais bastaria o requerimento formulado junto à exordial, ficando a negativa do direito condicionada à comprovação, feita pela parte contrária, de que a afirmação não corresponderia com a realidade. Em relação às pessoas jurídicas com finalidade lucrativa, a sistemática adotada seria diversa, exigindo-se a efetiva comprovação da miserabilidade jurídica para que fosse reconhecido o direito à gratuidade de justiça138. Portanto, no primeiro caso (pessoa jurídica sem fins lucrativos) o ônus da prova seria atribuído à parte contrária, que deveria impugnar a hipossuficiência afirmada e demonstrar a efetiva capacidade econômica da entidade coletiva; na segunda hipótese (pessoa jurídica com fins lucrativos), o ônus probandi seria atribuído ao próprio ente coletivo, que deveria comprovar a miserabilidade afirmada no momento da realização do requerimento de gratuidade139. Demonstrando esse posicionamento, têm-se os didáticos julgados proferidos, respectivamente, pela Corte Especial e pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Embargos de divergência em recurso especial. Justiça gratuita. Concessão do benefício. Pessoa jurídica. Alegação de situação econômica-financeira precária. Necessidade de comprovação mediante apresentação de documentos. Inversão do onus probandi. I – A teor da reiterada jurisprudência deste Tribunal, a pessoa jurídica também pode gozar das benesses alusivas à assistência judiciária gratuita, Lei nº 1.060/1950. Todavia, a concessão deste benefício impõe distinções entre as pessoas física e jurídica, quais sejam: a) para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica. (…) b) já a pessoa jurídica, requer uma bipartição, ou seja, se a mesma não objetivar o lucro (entidades filantrópicas, de assistência social, etc.), o procedimento se equipara ao da pessoa física, conforme anteriormente salientado. II – Com relação às pessoas jurídicas com fins lucrativos, a sistemática é diversa, pois o ônus probandi é da autora. Em suma, admite-se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade. (EREsp 388.045/RS, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 01.08.2003, DJ 22-09-2003) Agravo regimental em recurso especial. Assistência judiciária gratuita. Sindicato. Pessoa jurídica sem fins lucrativos. Possibilidade. Comprovação da miserabilidade jurídica. Desnecessidade. Precedentes. 1. Esta Corte possui entendimento uníssono no sentido de que é possível conceder às pessoas jurídicas o benefício da assistência
judiciária gratuita, nos termos da Lei nº 1.060/1950. 2. Em se tratando de pessoas jurídicas sem fins lucrativos – tais como entidades filantrópicas, sindicatos e associações – é prescindível a comprovação da miserabilidade jurídica, para fins de concessão o benefício da assistência judiciária gratuita. 3. Agravo regimental improvido. (STJ – Quinta Turma – AgRg no REsp 1.058.554/RS – Rel. Ministro Jorge Mussi, decisão: 1610-2008)
Ocorre que a diferença primordial entre as pessoas jurídicas com fins lucrativos e sem fins lucrativos não reside na suficiência ou não de recursos para o custeio das despesas processuais, mas na possibilidade de haver distribuição de lucros aos respectivos membros. Além disso, muitas entidades sem fins lucrativos exploram atividade econômica em regime de concorrência com as sociedades empresárias. Por essas razões, entendeu o Supremo Tribunal Federal não ser razoável conferir tratamento desigual entre as pessoas jurídicas, consolidando-se o entendimento de que seria ônus da pessoa jurídica comprovar os requisitos para que fosse reconhecido os direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita, sendo irrelevante a finalidade lucrativa ou não da entidade requerente140. Benefício da gratuidade – Pessoa jurídica de direito privado – Possibilidade – Necessidade de comprovação da insuficiência de recursos financeiros – Inexistência, no caso, de demonstração inequívoca do estado de incapacidade econômica – Consequente inviabilidade de acolhimento desse pleito – Recurso improvido. – O benefício da gratuidade – que se qualifica como prerrogativa destinada a viabilizar, dentre outras finalidades, o acesso à tutela jurisdicional do Estado – constitui direito público subjetivo reconhecido tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica de direito privado, independentemente de esta possuir, ou não, fins lucrativos. Precedentes. – Tratando-se de entidade de direito privado – com ou sem fins lucrativos –, impõe-se-lhe, para efeito de acesso ao benefício da gratuidade, o ônus de comprovar a sua alegada incapacidade financeira (RT 787/359 – RT 806/129 – RT 833/264 – RF 343/364), não sendo suficiente, portanto, ao contrário do que sucede com a pessoa física ou natural (RTJ 158/963-964 – RT 828/388 – RT 834/296), a mera afirmação de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios. Precedentes. (STF – Segunda Turma – RE 192.715 AgR/SP – Relator: Min. Celso de Mello, decisão: 21-11-2006)
Recentemente, em virtude de dissídios jurisprudenciais relativos ao tema, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o posicionamento no sentido de ser necessária a prova da miserabilidade jurídica, independentemente de possuir a pessoa jurídica finalidade lucrativa ou não. In verbis: Súmula 481 do STJ: Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. Processo civil. Embargos de divergência. Assistência judiciária gratuita. Pessoa jurídica sem fins lucrativos. Necessidade de comprovação da miserabilidade jurídica. Precedente da Corte Especial. Embargos acolhidos. 1. O embargante alega que o aresto recorrido divergiu de acórdão proferido pela Corte Especial, nos autos do EREsp 690.482/RS, o qual estabeleceu ser ônus da pessoa jurídica, independentemente de ter finalidade lucrativa ou não, comprovar que reúne os requisitos para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. 2. A matéria em apreço já foi objeto de debate na Corte Especial e, após sucessivas mudanças de entendimento, deve prevalecer a tese adotada pelo STF, segundo a qual é ônus da pessoa jurídica comprovar os requisitos para a obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita, sendo irrelevante a finalidade lucrativa ou não da entidade requerente. 3. Não se justifica realizar a distinção entre pessoas jurídicas com ou sem finalidade lucrativa, pois, quanto ao aspecto econômico-financeiro, a diferença primordial entre essas entidades não reside na suficiência ou não de recursos para o custeio das despesas processuais, mas na possibilidade de haver distribuição de lucros aos respectivos sócios ou associados. 4. Outrossim, muitas entidades sem fins lucrativos exploram atividade econômica em regime de concorrência com as sociedades empresárias, não havendo parâmetro razoável para se conferir tratamento desigual entre essas pessoas jurídicas. 5. Embargos de divergência acolhidos. (STJ – Corte Especial – REsp n.603.137/MG – Relator Ministro Castro Meira, decisão:
23-08-2010) Embargos de divergência. Sindicato. Pessoa jurídica sem fins lucrativos. Gratuidade de justiça. Necessidade de prova da miserabilidade. Insuficiência de declaração de pobreza. – Na linha da jurisprudência da Corte Especial, as pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, para obter os benefícios da justiça gratuita, devem comprovar o estado de miserabilidade, não bastando simples declaração de pobreza. Embargos de divergência providos. (STJ – Corte Especial – EREsp 1185828/RS – Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, decisão: 09-06-2011)
De fato, revela-se desprovida de fundamento a realização de distinção entre as pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos, no que tange à análise dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita. Afinal, o elemento distintivo desses entes coletivos (possibilidade de haver distribuição de lucros às pessoas naturais que os integram) não possui qualquer relação com a análise da capacidade econômica da pessoa jurídica de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios. Nesse ponto, ao acabar com essa distinção incongruente, mostrou-se adequado o posicionamento adotado pelo STF e STJ. Curioso, porém, foi a consequência jurídica final desse raciocínio: afastar a presunção de hipossuficiência estabelecida pelo art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950 em relação a toda e qualquer pessoa jurídica. Na verdade, o mais adequado seria justamente o oposto, ou seja, aplicar a presunção de miserabilidade em relação a todas as pessoas jurídicas, independentemente de possuírem finalidade lucrativa ou não – assim como já vinham fazendo os Tribunais Superiores em relação às pessoas naturais. Se a Lei nº 1.060/1950, ao estabelecer a presunção de miserabilidade, não fez qualquer distinção em relação às pessoas físicas ou jurídicas, ou entre as próprias pessoas jurídicas, não poderia o intérprete criar artificialmente discriminações não previstas pelo legislador, mormente se tal diferenciação restringe o direito fundamental de acesso das pessoas jurídicas à justiça. Com a adoção desse posicionamento, o STJ e o STF acabaram por criar verdadeira bipartição da análise interpretativa do art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950, admitindo como válida a presunção de miserabilidade em relação às pessoas naturais, mas afastando-a em relação às pessoas jurídicas. 3.7 DA CONTROVÉRSIA ACERCA DA ADMISSIBILIDADE E DOS REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS À GRATUIDADE DE JUSTIÇA E À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA EM FAVOR DOS ENTES DESPERSONALIZADOS Determinadas comunidades de bens ou pessoas, embora desprovidas de personalidade jurídica, titularizam inúmeras relações jurídicas na sociedade moderna. Essas entidades são denominadas pessoas formais ou entes despersonalizados, podendo-se apontar como exemplo o condomínio edilício, a massa falida e a sociedade de fato. Veja-se, ilustrativamente, que um condomínio edilício, no plano concreto, efetiva diversas relações jurídicas, podendo atuar como contratante, como empregador, como consumidor e como contribuinte, dentre várias outras hipóteses141. Não obstante não lhes tenha sido reconhecida personalidade jurídica pelo sistema normativo, as pessoas formais podem ser sujeitos de direitos, adquirindo, exercitando, modificando, substituindo, extinguindo ou defendendo direitos. Do mesmo modo, esses entes despersonalizados, mesmo existindo apenas sob o prisma fático, são dotados de capacidade para serem parte nas relações
jurídico processuais, podendo estar em juízo como autores, réus ou intervenientes (art. 12 do CPC). Diante da possibilidade de ocupar o polo ativo ou passivo da relação processual, postulando a tutela jurisdicional ou defendendo-se contra a pretensão movida por outrem, torna-se importante analisar se a pessoa formal pode ser beneficiadas pela gratuidade de justiça e pela assistência jurídica gratuita, caso não possua condições de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. Sobre o tema subsiste profunda controvérsia doutrinária e jurisprudencial, sendo a questão tributária de ideologias hostis entre si. Assim como ocorre com as pessoas jurídicas, uma primeira corrente sustenta que as pessoas formais estariam excluídas do âmbito de abrangência subjetiva da gratuidade de justiça e da assistência jurídica, afirmando que o art. 2º caput da Lei nº 1.060/1950 não teria feito referência aos entes despersonalizados. Além disso, sustentam que os valores inerentes às despesas processuais e honorários advocatícios poderiam ser rateados entre os integrantes da pessoa formal, suprindo eventual necessidade econômica do ente despersonalizado. Nesse sentido, por incrível que pareça, foi formulada Proposta de Enunciado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em julho de 2011, estando a redação do dispositivo ainda sujeita a discussão e aprovação pelos membros da referida Instituição. In verbis: Proposta de Enunciado nº 10: Os Condomínios não estão abrangidos pela atuação da Defensoria Pública vez que se tratam de entes despersonalizados, cujo custeio se dá por rateio das despesas entre os condôminos. Justificativa: É autoevidente. As custas e honorários serão rateadas entre os condôminos como qualquer despesa condominial, afastando o ente despersonalizado da área de atuação da Defensoria.
Por outro lado, adotando exegese mais alinhada com os ditames do acesso amplo à justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB), uma segunda corrente tem admitido o reconhecimento dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica em favor das pessoas formais, sustentando inexistir norma expressa que impeça a titularização desses direitos pelos entes despersonalizados142. Ademais, observa que o direito fundamental à assistência jurídica gratuita encontra-se assegurado no art. 5º, LXXIV da Constituição Federal, não tendo o referido dispositivo constitucional realizado qualquer distinção entre pessoas naturais, jurídicas ou formais. Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro têm admitido o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça em favor das pessoas formais, desde que demonstrado pelo ente despersonalizado sua efetiva incapacidade econômica, in verbis: Processual civil. Justiça Gratuita. Condomínio residencial. Lei nº 1.060/1950. Ausência de restrição expressa do benefício a entidades dessa natureza. Cabimento, em tese, do pedido. Ônus da comprovação do estado de necessidade pelo requerente. Instâncias ordinárias que não examinaram a situação fática concreta. Retorno dos autos à vara para apreciação do mérito do pedido. I. Em tese, é possível ao condomínio residencial beneficiar-se da assistência gratuita prevista na Lei n. 1.060/1950, à míngua de norma expressa restritiva, cabendo, no entanto, ao requerente, a demonstração efetiva do seu estado de penúria, que o impossibilita de arcar com as custas processuais, o que deverá ser aferido pelas instâncias ordinárias. II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para determinar a volta dos autos à Vara de origem, a fim de que seja apreciado o mérito do pedido de gratuidade. (STJ – Quarta Turma – REsp 550843/SP – Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, decisão: 18-10-2004)
Assistência judiciária. Condomínio. 1. Possível o deferimento da assistência judiciária a condomínio que se declara incapaz de arcar com as despesas judiciais diante da alta inadimplência dos condôminos. Razoável, portanto, a base do pedido. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – Terceira Turma – REsp 654778/SP – Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, decisão: 15-12-2005) Decisão monocrática. Agravo de instrumento. Ação de cobrança de cotas condominiais. Indeferimento do pedido de gratuidade de justiça. Incapacidade financeira demonstrada. Indeferimento da gratuidade de justiça pelo juízo a quo. A pessoa jurídica, bem como a pessoa formal, faz jus ao benefício, desde que evidenciada sua condição de miserabilidade que impossibilite arcar com o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios. Situação de dificuldade econômica configurada, diante do levado nível de inadimplência, bem como dos débitos fiscais e parcelamento efetuado junto à concessionária de serviço público. Situação financeira do condomínio que pode se agravar com a imposição do adiantamento das despesas processuais. Já a criação de cotas extras para pagamento das custas processuais apenas acentuaria a inadimplência dos condôminos, dando ensejo a outras cobranças judiciais. Conjunto probatório que comprova a hipossuficiência declarada. Dá-se provimento ao recurso, nos termos do artigo 557, § 1º-A, do CPC. (TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0023391-96.2011.8.19.0000 – Relatora Des. Maria Augusta Vaz, decisão: 30-05-2011) Agravo de Instrumento. Ação de Cobrança de cotas condominiais. Indeferimento de gratuidade de justiça. Condomínio residencial voltado para pessoas de baixa renda. Alto número de inadimplentes. Parcelamento de débitos da CEDAE. Interposição de mais de quarenta ações de cobrança. Hipossuficiência comprovada. Não há óbice legal à concessão da gratuidade de justiça em favor de condomínios residenciais que não dispõem de condições econômicas suficientes para arcar com o pagamento das despesas do processo. Precedentes do STJ. Recurso a que se dá provimento de plano, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil para conceder a gratuidade de justiça ao condomínio agravante. (TJ/RJ – Vigésima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0023749-61.2011.8.19.0000 – Relator Des. Andre Ribeiro, decisão: 26-05-2011)
Ao contrário do que ocorre com as pessoas jurídicas, a aferição da hipossuficiência econômica dos entes despersonalizados poderá extravasar a análise das finanças da própria pessoa formal, podendo demandar a análise da situação econômica de seus integrantes. Isso porque o ente despersonalizado, como o próprio nome indica, não possui personalidade jurídica própria, sendo composto pela comunhão de pessoas e bens. Com efeito, a avaliação da hipossuficiência econômica, em determinados casos, poderá exigir a análise do capital posto a disposição da pessoa formal e da condição econômica dos seus integrantes, sendo necessário que ambos não somem quantia suficiente para o pagamento das despesas processuais e honorários, sem o prejuízo da manutenção do próprio ente despersonalizado ou do sustento de seus integrantes. Como forma de ilustrar o raciocínio, podemos citar o exemplo do condomínio edilício. Nesse caso, as despesas processuais e honorários advocatícios poderão ser custeados pelo fundo de reserva do condomínio ou por contribuição econômica extra cobrada dos condôminos, em uma espécie de rateio coletivo. Sendo assim, para que se possa afirmar que o ente despersonalizado se encontra em situação de miserabilidade jurídica, torna-se necessário: (i) que o próprio condomínio esteja em condição econômica precária, não possuindo capital suficiente para arcar com o pagamento das despesas e honorários; e (ii) que os condôminos não sejam individualmente capazes de arcar com o pagamento da contribuição extra, por se encontrarem também em dificuldades financeiras. Outrossim, segundo posicionamento majoritário adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, incumbe ao ente despersonalizado o ônus de demonstrar sua efetiva incapacidade econômica de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, não sendo suficiente a mera afirmação de hipossuficiência. 3.8 DOS SERVIÇOS ABRANGIDOS PELA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA
Com o advento da Constituição de 1988, houve significativa ampliação dos direitos individuais e sociais, especialmente no que tange à criação de efetivas condições de acesso à ordem jurídica justa pelas classes menos favorecidas143. Comprometida com a efetivação dos direitos fundamentais e preocupada em evitar que as conquistas normativas ficassem apenas no campo das abstrações jurídicas, o novo ordenamento constitucional substituiu o antigo e singelo direito à assistência judiciária, constante das Constituições precedentes (art. 113, nº 32, da CF/1934; art. 141, § 35, da CF/1946; art. 150, § 32, da CF/1967), pelo moderno e amplo direito à “assistência jurídica integral e gratuita” (art. 5º, LXXIV, da CF/1988). Essa evolução terminológica teve como objetivo principal assegurar a assistência legal não apenas dentro do processo (judiciária), mas também fora dele (jurídica), proporcionando o pleno e perene acesso dos economicamente necessitados à justiça. Outrossim, como ideia subjacente, a mudança visou garantir e prestigiar a efetiva isonomia jurídica, impedindo que desigualdades sociais e econômicas pudessem gerar empecilhos ao adequado exercício dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico144. Dentro dessa ótica, o direito à assistência jurídica gratuita deve assegurar ao deserdado de fortuna todas as providências, concernentes ou relacionadas ao Direito, que poderiam ser obtidas caso pudesse efetuar seu regular pagamento. No âmbito extrajudicial, a assistência jurídica deve englobar os serviços de orientação jurídica preventiva, consultoria legal, esclarecimento de dúvidas, auxílio na elaboração de contratos, aconselhamento jurídico para a conclusão de negócios jurídicos e assistência durante procedimentos não judiciais em geral. Importante observar que, nesse campo, exerce a Defensoria Pública importante função na pacificação extrajudicial de litígios, evitando a instauração de lides desnecessárias e reduzindo significativamente a carga de processos em trâmite perante o Poder Judiciário145. De acordo com o art. 4º, II, da LC nº 80/1994, constitui função institucional da Defensoria “promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos”. Para tanto, o art. 4º, § 4º, da LC nº 80/1994 e o art. 585, II, do CPC concedem ao acordo homologado perante o Defensor Público eficácia de título executivo extrajudicial. Sendo assim, antes de ajuizar uma demanda, deve o Defensor Público prioritariamente analisar se não seria viável ou mesmo mais satisfatório para o assistido a busca por uma solução extraprocessual para o conflito146. Em caso positivo, deverá ser solicitado formalmente o comparecimento da parte contrária à Defensoria Pública, sendo facultado o acompanhamento desta por advogado particular, para que seja realizada a tentativa de composição da contenda. Ainda na área extrajudicial, a assistência jurídica gratuita abrange também o auxílio na prática de atos notariais e registrários necessários à integral proteção dos interesses jurídicos dos necessitados econômicos (ex.: expedição gratuita de certidões, autenticação de documentos, formalização de registros e averbações, realização de inventário e divórcio consensual por escritura pública, lavratura de procurações etc.). Com razão, lecionam GUARACI CAMPOS VIANNA e NARA DE AMORIM PAMPLONA, ao analisar a
importância concreta da assistência jurídica gratuita para a prática de atos notariais e registrários: Forçoso é reconhecer que, a acessibilidade à justiça não deve ser restrita, como desejam alguns, à defesa dos direitos subjetivos materiais em juízo, já que o cidadão, mesmo o pobre, necessita por vezes, antes, depois ou fora da tutela jurisdicional, prevenir possíveis conflitos, exercitar certos interesses legítimos (como v.g., registrar um contrato preliminar de compra e venda, ocupando a posição de promitente comprador, para ter assegurado, sem discussões, o seu direito real de adjudicação compulsória, na hipótese de inadimplemento da outra parte contraente), colaborando com o próprio Estado na consecução do bem comum, na pacificação social, na estabilidade das relações jurídicas. (VIANNA, Guaraci de Campos. PAMPLONA, Nara de Amorim. Assistência Jurídica e Gratuita de Atos Extrajudiciais. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1990, n. 4, pág. 152)
Não podemos deixar de mencionar, ainda, o importante papel da Defensoria Pública na difusão e conscientização da população sobre seus direitos, bem como na orientação acerca dos mecanismos e órgãos responsáveis pela tutela de seus interesses. Ciente dessa missão, o legislador incluiu no art. 4º, III, da LC nº 80/1994, dentre as funções institucionais da Defensoria Pública “a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico”, positivando a atribuição informativa e conscientizadora da Instituição. Na verdade, a informação constitui um pressuposto lógico para a busca pela justiça; afinal, aquele que desconhece seus direitos não terá condições de identificar sua violação, e não saberá como fazer para exigir sua reparação. Por isso, o desconhecimento constitui a primeira barreira a ser vencida no caminho em busca da ordem jurídica justa147. Nesse sentido, destacando a elementar função da informação na busca pelo amplo acesso à justiça, leciona o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI: Como a falta de recursos vem, muitas vezes, acompanhada da falta de informação, o acesso à justiça é obstado até mesmo pelo fato do pobre desconhecer que tenha direitos a pleitear, ou que possa ter sucesso na tarefa de lutar por seus direitos. As barreiras culturais são, na verdade, mais difíceis de serem vencidas do que as barreiras econômicas. (…) Não vencida esta barreira, por melhor que seja o serviço de assistência jurídica, será este ineficaz, pois o pobre ou não irá até ele, por não identificar que tem direitos a defender, ou chegará diante do advogado sem chances favoráveis, após ter-se envolvido com problemas de difícil, ou impossível, solução. A falta de cultura chega a ser a própria causa de alguns problemas jurídicos, ou leva o pobre a envolver-se em conflitos, assumindo posição desfavorável. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 22/23)
Especificamente no campo administrativo, a assistência jurídica gratuita abrange toda e qualquer intervenção jurídica junto às repartições públicas, incluindo a atuação perante processos administrativos, com o objetivo de garantir a ampla defesa e o contraditório em favor dos necessitados econômicos. Embora não seja comum, a assistência jurídica deve englobar igualmente a atuação em procedimentos disciplinares instaurados perante entidades privadas ou paraestatais, garantindo todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa dos interesses dos necessitados econômicos. Por fim, na tradicional arena judicial, os serviços jurídico-assistenciais devem garantir fundamentalmente os recursos e instrumentos necessários para acesso aos órgão jurisdicionais148, nas esferas “penal, civil, militar ou do trabalho” (art. 2º da Lei nº 1.060/1950). Embora o dispositivo legal nada diga a respeito da Justiça Eleitoral, também deve ser garantida a prestação gratuita dos serviços assistências nessa esfera do direito149. Defendendo o caráter não exaustivo do art. 2º da Lei nº 1.060/1950, posiciona-se JOSÉ ROBERTO
DE
CASTRO, em antiga obra dedicada ao tema: O beneficiário da assistência judiciária terá justiça gratuita na Jurisdição Civil, Penal, Militar e do Trabalho. Em se tratando de lei de fundo totalmente social, entendemos que o artigo não é taxativo, mas meramente exemplificativo, entendendo-se, portanto, que o interessado sempre terá acesso ao Judiciário, não interessando a natureza do órgão jurisdicional. Entendimento contrário afrontaria o espírito da lei, bem como a tornaria obsoleta, pelo tempo, considerando que para cada nova justiça, que porventura fosse criada, haveria a necessidade de alteração da lei específica (1.060). (CASTRO, José Roberto de. Manual de Assistência Judiciária, Rio de Janeiro: Editora Aide, 1987, pág. 90/91)
Os serviços de assistência judicial devem compreender “todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias” (art. 9º da Lei nº 1.060/1950), abrangendo todos os expedientes judiciais necessários à postulação de direitos ou ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Em síntese, portanto, a assistência jurídica gratuita deverá ser prestada de maneira completa, sempre que houver necessidade de auxílio no campo jurídico, seja antes, durante ou depois do processo judicial; e até mesmo independentemente da existência ou da possibilidade de instauração de demanda em juízo150. 3.9 DO MOMENTO ADEQUADO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA ESTATAL E DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INDICADO PARA A ANÁLISE E RECONHECIMENTO DO DIREITO A análise e o reconhecimento do direito à assistência jurídica estatal gratuita são realizados administrativamente pela Defensoria Pública, no momento em que o assistido comparece ao órgão de atuação narrando seu problema para que seja adotada providência extrajudicial ou seja confeccionada a petição inicial (polo ativo), quando procura o atendimento da Instituição portando o mandado de citação para que seja oferecida a contestação (polo passivo) ou, ainda, no momento em que solicita à Defensoria qualquer outra espécie de intervenção no processo (interveniente). Pode ocorrer, também, a hipótese de renúncia ou revogação do mandado outorgado ao advogado particular no curso do processo, ocasião em que o assistido poderá solicitar à Defensoria Pública que proceda o acompanhamento do processo, a partir daquele momento; nesse caso, assim como nas hipóteses anteriores, a assunção da causa pelo Defensor Público apenas ocorrerá após a prévia análise da condição econômica do assistido. Excepcionalmente, mesmo que não haja esse contato prévio entre o assistido e a Defensoria Pública, poderá o juiz nomear o Defensor Público para assistir o réu diretamente em audiência, nos casos, por exemplo, de rito sumário ou sumaríssimo (rectius, rito especial da Lei nº 9.099/1995), onde faculta-se o oferecimento de contestação oral em audiência. Nesse caso, o assistido poderá receber o mandado de citação e comparecer diretamente em audiência, sem antes procurar o auxílio jurídico da Defensoria Pública151. No entanto, é importante ter em mente que a nomeação realizada pelo juiz não possui caráter vinculante, estando o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita submetido à análise exclusiva do Defensor Público. Caso o membro da Instituição, no exercício de sua independência funcional, entenda não haver espaço para atuação da Defensoria Pública, deverá oficiar o Defensor
Público Geral, que decidirá a controvérsia, indicando, se for o caso, outro Defensor Público para atuar (art. 4º, § 8º, da LC nº 80/1994)152. A análise da hipossuficiência econômica da parte deverá ser efetuada por intermédio de procedimento administrativo prévio, conduzido sob a supervisão do Defensor Público natural. Busca-se com esse procedimento evitar que aqueles para quem o serviço não foi dirigido dele usufruam em detrimento do atendimento aos realmente carentes153. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a análise da hipossuficiência econômica da parte é normalmente realizada por meio de uma triagem socioeconômica inicial, conduzida com base nas declarações prestadas por aqueles que procuram os serviços jurídicoassistenciais da Instituição. Entretanto, se as circunstâncias da causa evidenciarem que a hipossuficiência afirmada não condiz com a realidade, pode o Defensor Público determinar a apresentação de elementos probatórios que demonstrem a efetiva miserabilidade da parte154. No campo federal, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União editou a Resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006, regulamentando o procedimento administrativo para a análise e reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita. In verbis: Resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União Disposições gerais sobre a necessidade Art. 1º Presume-se necessitado todo aquele que integre família cuja renda mensal não ultrapasse o valor da isenção de pagamento do imposto de renda. § 1º Família é a unidade formada pelo grupo doméstico, eventualmente ampliado por outros indivíduos que possuam laços de parentesco ou afinidade, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros. § 2º Renda familiar mensal é a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade dos membros da família maiores de dezesseis anos, excluindo-se os rendimentos concedidos por programas oficiais de transferência de renda e de benefícios assistenciais. Art. 2º Todo aquele que não se enquadrar no critério estabelecido para a presunção da necessidade poderá requerer a assistência jurídica gratuita demonstrando que, apesar de sua renda ultrapassar o limite estabelecido no caput do art. 1º, não tem como arcar com os honorários de advogado e com as custas processuais sem prejuízo do seu próprio sustento ou do de sua família. Art. 3º Independente da renda mensal, não se presume necessitado aquele que tem patrimônio vultoso. Art. 4º O exercício da curadoria especial e da defesa criminal não depende de considerações sobre a necessidade econômica do seu beneficiário. Parágrafo único. O exercício da curadoria especial e da defesa criminal de quem não é hipossuficiente não implica na gratuidade constitucionalmente deferida apenas aos necessitados. Declaração de necessidade e pesquisa socioeconômica Art. 5º O Defensor Público deverá exigir de todo aquele que requerer a assistência jurídica a declaração de necessidade. Parágrafo único. Na declaração de necessidade o requerente deverá afirmar que não tem condições de arcar com as despesas inerentes à assistência jurídica. Art. 6º Também se exigirá do requerente da assistência jurídica que responda a pesquisa destinada à identificação do seu perfil social e econômico. Parágrafo único. Na pesquisa socioeconômica o requerente deverá fornecer dados sobre sua família, renda e patrimônio. Procedimento para a demonstração da necessidade Art. 7º A necessidade será aferida com base na pesquisa socioeconômica. Art. 8º O Defensor Público não exigirá qualquer explicação ou documento para o deferimento da assistência jurídica de todo aquele que se enquadre no critério estabelecido para a presunção de necessidade. § 1º O Defensor Público poderá, justificadamente, afastar a presunção de necessidade se identificar indícios de que as
informações prestadas pelo requerente da assistência judiciária não coincidem com a realidade. § 2º Afastada a presunção de necessidade, o Defensor Público deverá intimar o requerente da assistência judiciária demonstrar sua necessidade no prazo mínimo de dez dias. Art. 9º Todo aquele que não se possa presumir necessitado será intimado, no momento do atendimento inicial, a demonstrar sua necessidade no prazo mínimo de dez dias, sob pena de indeferimento do pedido nos termos do art. 12. Art. 10. Para a demonstração da necessidade, o requerente poderá se valer de qualquer meio de prova. Art. 11. De forma alguma o Defensor Público poderá exigir a demonstração de necessidade quando: I. não o fizer até trinta dias após a data do atendimento inicial; II. não intimar o requerente da assistência jurídica de que este não se presume necessitado no momento do atendimento inicial. Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a revisão da condição de necessitado. Indeferimento da assistência jurídica Art. 12. O Defensor Público deverá indeferir a assistência jurídica quando: I. o requerente não firmar a declaração de necessidade; II. o requerente não responder a pesquisa socioeconômica; III. o requerente não atender a intimação para a demonstração da necessidade no prazo determinado; IV. considerar, justificadamente, que o requerente não é necessitado. Parágrafo único. O Defensor Público poderá, justificadamente, deferir a assistência jurídica quando o requerente não responder a pesquisa socioeconômica se considerar comprovada a necessidade com base em outros elementos contidos nos autos do pedido de assistência. Art. 13. O Defensor Público deverá intimar o requerente do indeferimento da assistência jurídica no prazo máximo de dez dias contados da data da decisão. Parágrafo único. O requerente da assistência poderá, a qualquer tempo, reiterar o seu pedido apontando o equívoco do indeferimento ou alegando mudança de sua situação econômica, caso em que deverá demonstrar sua necessidade. Art. 14. O Defensor Público deverá comunicar o indeferimento ao Defensor Público Geral no prazo de dez dias contados da intimação do requerente. Revisão da necessidade Art. 15. O Defensor Público poderá exigir nova pesquisa socioeconômica a cada seis meses para rever a necessidade. § 1º Constatado a cessação da necessidade, o Defensor Público deverá intimar o assistido para constituir advogado no prazo de trinta dias contados da data da intimação. § 2º Antes do fim do prazo para a constituir advogado o assistido poderá pedir a revisão da decisão, demonstrando que persiste a sua necessidade. § 3º Mantida a revogação da assistência jurídica, e havendo processo judicial, o Defensor Público deverá comunicar sua decisão ao juízo, continuando a patrocinar os interesses da parte enquanto não for constituído advogado, durante o prazo fixado em lei. Disposição final Art. 16. Esta resolução entrará em vigor na data da sua publicação.
Importante salientar, por fim, que ao exigir a comprovação da necessidade econômica perante o órgão de atuação da Defensoria Pública da União, a Resolução nº 13/2006 do CSDPU acabou por negar vigência à presunção juris tantum de hipossuficiência estabelecida pelo art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950. Com isso, no que tange à análise da incapacidade econômica para fins de reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita, manifestou o Conselho Superior da Defensoria Pública da União sua inclinação indiciária pela corrente moderada155. 3.10 DAS DESPESAS ABRANGIDAS PELA GRATUIDADE DE JUSTIÇA
A formação e desenvolvimento do processo, bem como a prática de seus diversos atos geram despesas que precisam ser cobertas por algum tipo de receita. As despesas concretas (ou variáveis) derivadas do processo (distribuição, citação, provas periciais, etc.) são custeadas pelas respectivas partes, que devem realizar o recolhimento prévio antes da prática de cada ato. Por outro lado, as despesas gerais (ou fixas) decorrentes da administração da justiça (remuneração dos juízes, serventuários, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, manutenção dos órgão jurisdicionais, etc.) são cobertas de maneira mista pelo Estado, através das receitas oriundas dos impostos gerais, e pelas partes, por meio dos tributos específicos incidentes sobre a utilização dos serviços judiciais – como as taxas judiciárias e as custas stricto sensu156. De acordo com o art. 19 do CPC, o ônus do recolhimento antecipado das despesas processuais distribui-se entre as partes de acordo com o interesse de cada uma na prática de cada ato concretamente considerado157. Portanto, a parte que requerer a realização de diligência ou a prática de ato do qual resulte alguma despesa, deverá antecipar-lhe o pagamento158. Além disso, seguindo a regra do art. 19, § 2º do CPC, os atos processuais requeridos pelo Ministério Público ou determinados de ofício pelo juiz deverão ser custeados pelo autor159. Em síntese, portanto, o autor deverá arcar com as custas iniciais, com a taxa judiciária inicial, com as despesas de todos os atos que requerer e, ainda, com os valores inerentes aos atos requeridos pelo Ministério Público ou determinados de ofício pelo juiz; por sua vez, no polo oposto da relação processual, o réu será responsável apenas pelo custeio das despesas relativas aos atos que ele requerer ou praticar160. No entanto, a instauração e a continuidade do processo não podem permanecer condicionadas ao interesse arrecadatário do Estado; afinal, garantir o acesso à justiça é mais importante do que engordar a receita pública estatal161. Por essa razão, todo aquele que se encontrar impossibilitado de arcar com os encargos processuais, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, terá direito à gratuidade de justiça, restando dispensado de antecipar o pagamento de todo e qualquer valor necessário ao desenvolvimento válido do processo. De acordo com o art. 3º da Lei nº 1.060/1950, a gratuidade de justiça abrange as seguintes isenções: Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I – das taxas judiciárias e dos selos; II – dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; III – das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV – das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; V – dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade; VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.
Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal.
Primeiramente é relevante observar que o caput do referido dispositivo utiliza-se equivocadamente do termo “assistência judiciária”, quando na verdade deveria empregar o termo gratuidade de justiça162. Para variar, a Lei nº 1.060/1950 mais uma vez mostrou-se atécnica e imprecisa. Além disso, analisando de maneira específica as hipóteses de dispensa de pagamento constantes do art. 3º da Lei nº 1.060/1950, observamos que algumas delas encontram-se historicamente superadas, como é o caso do imposto do selo (inciso I) e das custas específicas devidas aos juízes e membros do Ministério Público (inciso II)163. Ademais, as diversas previsões do referido artigo encontram-se agrupadas de maneira confusa, não tendo o legislador se preocupado em categorizar tecnicamente as diferentes espécies de despesas. Importante salientar, em um segundo momento, que o rol previsto no art. 3º da Lei nº 1.060/1950 é meramente exemplificativo, podendo o beneficiário da gratuidade de justiça ser dispensado de antecipar o pagamento de outras despesas não expressamente previstas no dispositivo164. De fato, o próprio art. 9º da Lei nº 1.060/1950 assegura que “os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio”, eliminando qualquer interpretação restritiva do art. 3º do referido diploma legal. Na verdade, a Lei nº 1.060/1950 deve ser aplicada em conformidade com o art. 5º, incs. XXXV e LXXIV da CRFB, garantindo-se ao desprovido de fortuna a dispensa provisória do pagamento de todas as despesas judiciais ou extrajudiciais, necessárias ao pleno exercício de seus direitos, em juízo ou fora dele. Nesse sentido, posiciona-se AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, com sua tradicional dialética: Não é necessário para que se considere isento do pagamento de determinada verba, a previsão expressa em lei ordinária, pois o princípio constitucional do art. 5º, inciso LXXIV, no sentido em que o constituinte o empregou, é bastante para isentar de todas as verbas, principalmente se interpretado em conjunto com outros princípios constitucionais. Assim, qualquer menção em lei acerca das isenções compreendidas pela gratuidade só pode ser interpretada como sendo uma enumeração exemplificativa, jamais taxativa. Esta é, pois, a interpretação que deve ser dada ao art. 3º da Lei nº 1.060/1950. É de se acrescentar que o art. 9º da mesma Lei dispõe que “os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias”, o que é mais um argumento para confirmar este nosso entendimento., (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 36)
A rigor, depois dessa conceituação ampla e não exaustiva, nada mais seria necessário expor sobre a abrangência da gratuidade de justiça165. Todavia, para que o leitor possa conhecer adequadamente as diversas espécies de despesas existentes no ordenamento jurídico nacional e a relação de cada uma delas com o direito à gratuidade de justiça, passaremos a categorizá-las didaticamente, examinando as principais nuances de cada filo. 3.10.1 Das despesas processuais em espécie
Para o estudo do direito à gratuidade de justiça, não interessam os recursos arrecadados pelo Estado através dos impostos gerais para o custeio fixo da administração da justiça; esse estudo detalhado deve competir ao Direito Tributário, não possuindo qualquer liame com o exame da justiça gratuita.
Na verdade, para a análise do direito à gratuidade, importam verdadeiramente as contribuições compulsoriamente realizadas pelas partes para instaurar e desenvolver validamente a relação jurídico-processual. Ao realizarmos a separação técnica e didática das despesas processuais (ou custas lato sensu), podemos extrair desse gênero sete espécies distintas: (i) as custas stricto sensu, (ii) a taxa judiciária, (iii) os emolumentos, (iv) o ressarcimento de despesas com a utilização de serviços estranhos ao Poder Judiciário, (v) a remuneração de sujeitos auxiliares e secundários do processo, (vi) as multas, e (vii) os honorários de sucumbência166. A)
DAS CUSTAS STRICTO SENSU, DA TAXA JUDICIÁRIA E DOS EMOLUMENTOS: As custas stricto sensu, a taxa judiciária e os emolumentos são espécies tributárias com natureza jurídica de taxa, possuindo como fato gerador serviço público específico, divisível e efetivamente utilizado pelo contribuinte (art. 145, II da CRFB). Nesse sentido, analisando especificamente as custas stricto sensu, leciona JOSÉ DOMINGUES FILHO, em obra dedicada ao tema: A simples leitura dos arts. 77 e 79, do Código Tributário Nacional, evidencia que o caráter das custas não pode ser outro senão o das taxas vinculadas a um determinado serviço público, em razão de se tratar de: a) utilização efetiva, porquanto o contribuinte recorre de fato à prestação jurisdicional; b) específica, porque essa prestação pode ser vislumbrada como uma unidade; e c) divisível, eis que a prestação individualiza-se frente aos jurisdicionados. Mas não é só. As custas são fixadas unilateralmente pelo Poder Público, sem qualquer relação contratual entre o Estado e jurisdicionado, justificando sua cobrança. Nem seu pagamento é voluntário, porquanto, ressalvadas as isenções e gratuidades, o serviço forense depende da remuneração antecipada das custas fixadas em lei específica (CPC, art. 19). (DOMINGUES FILHO, José. Das Despesas, Honorários Advocatícios e Justiça Gratuita no Processo Civil. Campo Grande: Editora Contemplar, 2009, pág. 47)
Do mesmo modo, ao analisar a natureza jurídica das custas stricto sensu, da taxa judiciária e dos emolumentos, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência reconhecendo tratar-se de tributo da espécie taxa, conforme se verifica pela leitura dos acórdãos abaixo colacionados: As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécies tributárias, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. (STF – Pleno – ADI nº 1145/PB – Relator Min. Carlos Velloso, decisão: 03-10-2002) Custas e emolumentos. Serventias judiciais e extrajudiciais. Natureza jurídica. É da jurisprudência do Tribunal que as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais tem caráter tributário de taxa. (STF – Pleno – ADI nº 3694/AP – Relator Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 20-09-2006) Ação direta de inconstitucionalidade. Taxa judiciária. Natureza jurídica: tributo da espécie taxa. Precedente do STF. Sobre o tema da natureza jurídica dessa exação, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de se tratar de tributo da espécie taxa. Ela resulta da prestação de serviço público específico e divisível, cuja base de cálculo é o valor da atividade estatal deferida diretamente ao contribuinte. (STF – Pleno – ADI nº 948/GO – Min. Francisco Rezek, decisão: 09-11-1995)
As custas stricto sensu e a taxa judiciária constituem contribuições feitas pelas partes para o custeio fixo da administração da justiça, possuindo como fato gerador a utilização do serviço público judicial167. Segundo leciona o professor LEONARDO GRECO, “a coexistência dessas duas espécies de despesas remonta à época em que a receita oriunda das custas cabia ao escrivão e a da taxa judiciária, ao Estado”168. Nos dias atuais, entretanto, não há mais sentido na realização da cobrança simultânea desses dois tributos, haja vista possuírem a mesma destinação e o mesmo fato gerador.
Ao contrário das custas stricto sensu, a cobrança da taxa judiciária não possui previsão em todas as organizações judiciárias (como ocorre, por exemplo, na Justiça Federal). No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Decreto-Lei nº 05/1975 (Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro) prevê a cobrança da taxa judiciária, em qualquer procedimento judicial (art. 112), ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 113 e 114 do referido diploma tributário, sendo calculada, normalmente, com base no valor do pedido (art. 118). De maneira semelhante, a Lei Estadual nº 3.350/1999 prevê a cobrança das custas stricto sensu, estabelecendo sua cotação em valores fixos, segundo a natureza do processo e a espécie de recurso (art. 1º). Em ambos os casos, aqueles que se encontram amparados pela gratuidade de justiça estão expressamente dispensados de recolherem os tributos, conforme determinam o art. 115 do Código Tributário Estadual e o art. 17 da Lei Estadual nº 3.350/1999. Os emolumentos, por sua vez, constituem despesa concreta (ou variável) derivada da prática de atos notariais ou registrários169. São cobrados de acordo com cada ato praticado e cotados em valores fixos, estabelecidos pelo regime de custas de cada organização judiciária. No Estado do Rio de Janeiro, os emolumentos são fixados pela Lei Estadual nº 3.350/1999, que apresenta a seguinte previsão conceitual do tributo: Art. 34 da Lei nº 3.350/1999: Emolumentos são a remuneração devida pelos serviços notariais e de registros destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, sob chancela da fé pública.
Por serem qualificadas como taxas remuneratória de serviços públicos, as custas stricto sensu, a taxa judiciária e os emolumentos encontram-se sujeitos ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da proporcionalidade e da anterioridade170. Como aplicação prática desses postulados, as custas stricto sensu, a taxa judiciária e os emolumentos devem manter “razoável correlação com o custo da atividade prestada”171, não sendo admissível a cobrança de valores que sejam desproporcionais aos gastos efetivos do serviço prestado ou que venham a impedir o acesso à justiça172. Além disso, as custas stricto sensu, a taxa judiciária e os emolumentos devem ser instituídos por lei, não sendo admitida sua fixação por meio de decreto, resolução ou provimento. Reafirmando o princípio da reserva legal no âmbito tributário, já teve a oportunidade de se manifestar o Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões: Ação direta de inconstitucionalidade. Cabimento. Provimento nº 09/1997 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de MatoGrosso. Emolumentos: prestação dos serviços notariais e de registro. 1. Provimento nº 9/1997, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso. Caráter normativo. Controle concentrado de constitucionalidade. Cabimento. 2. Hipótese em que o controle normativo abstrato não se situa no âmbito da legalidade do ato, mas no exame da competência constitucional da autoridade que instituiu a exação. 3. A instituição dos emolumentos cartorários pelo Tribunal de Justiça afronta o princípio da reserva legal. Somente a lei pode criar, majorar ou reduzir os valores das taxas judiciárias. Precedentes. (STF – Pleno – ADI nº 1709/MT – Relator Maurício Corrêa, decisão: 10-02-2000) Representação de inconstitucionalidade. Custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais. Natureza jurídica. Decreto nº 16.685/1981, do Governo do Estado de São Paulo. Não sendo as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais, mas, sim, taxas, não podem eles ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade, garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa. Representação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do Decreto nº 16.685, de 26 de fevereiro de 1981, do Governo do Estado de São Paulo. (STF – Pleno – Rp nº 1094/SP – Relator Min. Soares Munoz, decisão: 08-08-1984)
Por fim, em virtude da competência tributária constitucionalmente estabelecida, cada ente federado deve instituir no âmbito de sua organização judiciária o regime de cobrança das custas stricto sensu, da taxa judiciária e dos emolumentos. Desse modo, cabe à União estabelecer o regime de cobrança da Justiça Federal e aos Estados-membros o regime de cada uma das Justiças Estaduais. Da mesma forma, a dispensa da obrigação do pagamento das custas stricto sensu, da taxa judiciária e dos emolumentos deve ocorrer por expressa disposição de quem instituiu a cobrança. Segundo leciona ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, “só a pessoa que validamente criou, por meio de lei, o tributo é que pode criar a isenção, desde que o faça, também, por meio de lei”173. Sendo assim, nenhum ente federado pode dispensar a cobrança de custas stricto sensu, taxa judiciária ou emolumentos instituídos por outra pessoa política, sob pena de usurpação de competência tributária. Por essa razão, embora o art. 3º da Lei nº 1.060/1950 possa dispor de maneira genérica sobre a gratuidade de justiça e sobre as hipóteses de dispensa de pagamento das despesas processuais, não poderia o dispositivo, por se tratar de norma federal, isentar o hipossuficiente do pagamento de taxas no âmbito das Justiças Estaduais; apenas lei editada pelo respectivo Estado-membro poderia prever a dispensa do pagamento de tributos por ele instituídos. No entanto, é importante ter em mente que a dispensa do pagamento das custas stricto sensu, da taxa judiciária e dos emolumentos, assim como de todas as demais despesas processuais, constitui derivação direta do inafastável direito de acesso à justiça, que deve ser garantido a todos independentemente de sua condição econômica ou social. Com isso, mesmo que não haja qualquer norma infraconstitucional prevendo a dispensa do pagamento dos encargos processuais, o art. 5º, XXXV e LXXIV, da CRFB possui força normativa suficiente para garantir ao hipossuficiente econômico o acesso gratuito à ordem jurídica justa. B)
DO RESSARCIMENTO DE DESPESAS COM A UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS ESTRANHOS AO PODER JUDICIÁRIO: De acordo com o professor LEONARDO GRECO, “essa espécie de despesa processual destina-se a cobrir os gastos necessários à prática de certos atos processuais ou ao próprio andamento do processo, gerados pela utilização de serviços estranhos ao Poder Judiciário”174. Ao contrário dos emolumentos, que remuneram atos praticados pela própria justiça e possuem valores fixos, as despesas com a utilização de serviços estranhos ao Poder Judiciário são gastos tidos com terceiros e ressarcidas de acordo com seu valor real175. Por isso, essa espécie de despesa não possui natureza tributária, constituindo autêntico gasto de ordem civil. Nessa espécie de despesa incluem-se os gastos com serviços postais (SEDEX, PAC, etc.), despesas de viagem, hospedagem e alimentação de testemunhas (art. 20, § 2º, do CPC), publicações de editais na imprensa privada (arts. 232, III, e 687 do CPC), entre outros. Os beneficiários da justiça gratuita restam dispensados de realizar o recolhimento dessas despesas processuais, que deverão ser custeadas pelo próprio Estado; no que tange às publicações de editais, estas serão realizadas apenas no órgão oficial quando a parte que requerê-las fizer jus à gratuidade, nos termos dos arts. 232, § 2º, e 687, § 1º, do CPC, c/c o art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 1.060/1950.
C)
DA REMUNERAÇÃO DE SUJEITOS AUXILIARES E SECUNDÁRIOS DO PROCESSO: Por vezes, o adequado deslinde da causa depende da colaboração de sujeitos auxiliares e secundários ao processo, que fornecem serviços especializados não disponíveis no âmbito da administração pública. Isso ocorre, principalmente, nos processos onde se mostra necessária a produção de prova técnica por perito particular. Nesse caso, os honorários periciais são propostos pelo próprio perito nomeado pelo juízo, que deverá apresentar nos autos petição informando a pretendida remuneração por seus serviços especializados. Após a regular manifestação das partes, que podem concordar ou não com os valores apresentados, o juiz arbitra os honorários e determina seu recolhimento, por meio de depósito no banco oficial. Depois de lavrado o laudo pericial e após serem prestados os esclarecimentos eventualmente solicitados pelas partes, o juiz autoriza a expedição de mandado de levantamento dos honorários depositados, que poderão ser regularmente sacados pelo perito, nos termos do art. 33, parágrafo único do CPC176. Como os valores recolhidos pela parte são voltados diretamente para a remuneração dos sujeitos auxiliares e secundários do processo, essa despesa processual não possui natureza tributária, sendo qualificada como gasto de natureza civil. Importante observar, nesse ponto, que se o perito integrar o quadro do funcionalismo público, como ocorre no caso dos avaliadores e contadores judiciais, os valores recolhidos pelas partes para o custeio da perícia não serão destinados diretamente para o profissional que executar o serviço pericial; na verdade, por tratar-se de funcionário público, o perito será remunerado pelo próprio Estado, de maneira fixa e independentemente do quantitativo de serviço executado. Nessa hipótese específica, portanto, as despesas relativas à perícia serão classificadas como custas stricto sensu e terão natureza jurídica de taxa, devendo os valores do serviço pericial serem cotados no próprio regimento de custas da unidade federada. Seguindo a regra do art. 19 do CPC, caberá a parte que requerer a produção da prova técnica o ônus de recolher antecipadamente os valores necessários a realização da perícia. O beneficiário da justiça gratuita, entretanto, encontra-se legalmente dispensado de realizar o pagamento dessa despesa processual, nos termos do art. 5º, incs. XXXV e LXXIV, da CRFB, c/c o art. 3º, V, da Lei nº 1.060/1950. Como reflexo natural dessa dispensa, surge a problemática do custeio da remuneração dos profissionais técnicos que atuam a pedido dos economicamente necessitados. No caso dos peritos vinculados ao quadro do funcionalismo público, não há qualquer mistério, pois seu salário será regularmente pago pelo próprio Estado, independentemente do recolhimento de qualquer valor por aquele que requereu a produção da prova. No entanto, em se tratando de perito particular, a questão ganha contornos de complexidade; afinal, os honorários periciais são custeados diretamente pela parte que requerer a produção da prova técnica, seguindo a determinação dos arts. 19 e 33 do CPC. Nesse caso, sendo o pedido de prova técnica formulado por beneficiário da gratuidade de justiça, como fica a questão do custeio da remuneração do perito particular? Inicialmente, em passado não muito remoto, a atuação em favor do carente de recursos era considerada dever honorífico do perito, que teria a obrigação profissional de laborar gratuitamente nos feitos amparados pela gratuidade de justiça. Assim, o profissional apenas receberia a
remuneração pelos serviços técnicos prestados, ao final do processo, caso a parte contrária restasse vencida e não fosse também hipossuficiente econômica. Como forma de justificar a atuação em caráter pro bono, dizia-se que o perito, por ser frequentemente nomeado pelo juiz para realizar perícias em outros processos, acabaria sendo compensado pelos valores referentes às demais provas técnicas remuneradas177. No entanto, na prática forense havia grande resistência por parte dos peritos particulares no momento da aceitação do encargo, sendo apresentadas pelos profissionais nomeados diversas justificativas para se desincumbirem da realização gratuita da perícia – que muitas vezes, inclusive, acarretava gastos materiais vultuosos com deslocamento, equipamentos, etc. Com isso, gastava-se meses ou, não raramente, anos para que se conseguisse produzir adequadamente a prova técnica necessária ao deslinde da causa. Além disso, essa situação criava ambiente fecundo para a ocorrência de distorções e imoralidades, já que o perito sabia de antemão que somente receberia seus honorários se a prova por ele produzida fosse favorável ao beneficiário da gratuidade de justiça178. Em virtude dessa problemática, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça consolidaram entendimento no sentido de não ser o perito obrigado a trabalhar gratuitamente ou a suportar as despesas inerentes à prova, cabendo ao Estado, como provedor do acesso à justiça, o custeio das perícias requeridas por beneficiários da gratuidade de justiça. In verbis: Recurso extraordinário. Investigação de Paternidade. Correto o acórdão recorrido ao entender que cabe ao Estado o custeio do exame pericial de DNA para os beneficiários da assistência judiciária gratuita, oferecendo o devido alcance ao disposto no art. 5º, LXXIV, da Constituição. Recurso extraordinário não conhecido. (STF – Primeira Turma – RE nº 207732/MS – Relatora Min. Ellen Gracie, decisão: 11-06-2002) Processual civil. Assistência judiciária. Perícia. Despesas materiais. Inclusão na gratuidade. Precedentes. As despesas pessoais e materiais necessárias para a realização da perícia e confecção do respectivo laudo estão abrangidas pela isenção legal de que goza o benefíciário da justiça gratuita. Como não se pode exigir do perito que assuma o ônus financeiro para execução desses atos, é evidente que essa obrigação deve ser desincumbida pelo Estado, a quem foi conferido o dever constitucional e legal de prestar assistência judiciária aos necessitados. Não fosse assim, a garantia democrática de acesso à Justiça restaria prejudicada, frustrando a expectativa daqueles privados da sorte de poderem custear, com seus próprios meios, a defesa de seus direitos. Recurso conhecido e provido. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 131815/SP – Relator Min. Cesar Asfor Rocha, decisão: 16-061998)
Importante observar, porém, que embora seja atribuído ao Estado o dever de custear a prova técnica requerida pelo beneficiário da gratuidade de justiça, não se encontra o poder público obrigado a realizar o recolhimento antecipado dos valores relativos à perícia. De acordo com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, os honorários periciais deverão ser pagos pelo Estado apenas ao final do processo e de maneira subsidiária, quando a parte sucumbente estiver amparada pela gratuidade de justiça (art. 12 da Lei nº 1.060/1950)179. Como forma de regulamentar o pagamento da remuneração devida aos peritos, o Conselho Nacional de Justiça editou recentemente a Resolução nº 127/2011, recomendando aos tribunais que destinem parte de seu orçamento ao pagamento das despesas necessárias à produção de provas técnicas requeridas pelos beneficiários da gratuidade de justiça. In verbis: Resolução nº 127, de 15 de março de 2011, do Conselho Nacional de Justiça Dispõe sobre o pagamento de honorários de perito, tradutor e intérprete, em casos de beneficiários da justiça
gratuita, no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus. Art. 1º Recomenda-se aos Tribunais que destinem, sob rubrica específica, parte do seu orçamento ao pagamento de honorários de perito, tradutor ou intérprete, quando, nos processos de natureza cível, à parte sucumbente no objeto da perícia for deferido o beneficio da justiça gratuita. Art. 2º Os Tribunais poderão manter banco de peritos credenciados, para fins de designação, preferencialmente, de profissionais inscritos nos órgãos de classe competentes e que comprovem a especialidade na matéria sobre a qual deverão opinar, a ser atestada por meio de certidão do órgão profissional a que estiverem vinculados. Art. 3º As Presidências dos Tribunais ficam autorizadas a celebrar convênios com profissionais, empresas ou instituições com notória experiência em avaliação e consultoria nos ramos de atividades capazes de realizar as perícias requeridas pelos juízes. Art. 4º A designação de perito, tradutor ou intérprete é cometida exclusivamente ao juiz da causa, sendo-lhe vedado nomear cônjuge, companheiro(a) e parente, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, de magistrado ou de servidor do juízo. Parágrafo único. Poderá o juiz, ainda, substituir o perito, tradutor ou intérprete, desde que o faça de forma fundamentada. Art. 5º São requisitos essenciais para a percepção dos honorários periciais, de tradutor ou intérprete, nas hipóteses em que a parte responsável pelo pagamento, porque sucumbente no objeto da perícia, é beneficiária da justiça gratuita, a fixação deles por decisão judicial e o trânsito em julgado da decisão. Art. 6º O valor dos honorários periciais, de tradutor ou intérprete, a serem pagos pelo Poder Judiciário em relação a pleito de beneficiário de gratuidade de Justiça, será limitado a R$ 1.000,00 (um mil reais), independentemente do valor fixado pelo juiz, que considerará a complexidade da matéria, os graus de zelo profissional e especialização do perito, o lugar e o tempo exigidos para a prestação do serviço e as peculiaridades regionais. § 1º O montante que eventualmente ultrapassar o valor previsto no caput poderá vir a ser cobrado pelo perito, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/1950. § 2º Ainda que haja processos incidentes, tais honorários deverão ser fixados em valor único, em razão da natureza da ação principal. § 3º A fixação dos honorários de que trata este artigo, em valor maior do que o limite estabelecido neste artigo, deverá ser devidamente fundamentada, podendo o juiz ultrapassar em até 5 (cinco) vezes o limite máximo definido neste artigo. Art. 7º Poderá haver adiantamento de despesas iniciais de perito, em valor equivalente a R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), se este, comprovadamente, demonstrar a necessidade de valores para a satisfação de despesas decorrentes do encargo recebido, efetuando-se o pagamento do saldo remanescente após o trânsito em julgado da decisão. Parágrafo único. Havendo reversão da sucumbência, quanto ao objeto da perícia, caberá ao Executado ressarcir o erário dos honorários periciais adiantados, sob pena de execução específica da verba. Art. 8º Se vencida na causa entidade pública, o perito, tradutor ou intérprete serão pagos conforme ordem de pagamento apresentada ao Tribunal respectivo. Art. 9º O pagamento dos honorários periciais, de tradutor ou intérprete efetuar-se-á mediante determinação do presidente do Tribunal, após requisição expedida pelo juiz do feito, observando-se, rigorosamente, a ordem cronológica de apresentação das requisições e as deduções das cotas previdenciárias e fiscais, sendo o valor líquido depositado em conta bancária indicada pelo perito. § 1º As requisições deverão indicar, obrigatoriamente: o número do processo, o nome das partes e respectivos CPF ou CNPJ; o valor dos honorários, especificando se de adiantamento ou se finais; o número da conta bancária para crédito; natureza e característica da perícia; declaração expressa de reconhecimento, pelo Juiz, do direito à justiça gratuita; certidão do trânsito em julgado e da sucumbência na perícia, se for o caso; endereço, telefone e inscrição no INSS do perito. § 2º O valor dos honorários será atualizado pelo IPCA-E ou outro índice que o substitua, a partir da data do arbitramento até o seu efetivo pagamento. Art. 10. Os valores de que trata esta Resolução serão reajustados anualmente, no mês de janeiro, por meio de Portaria do Presidente do Tribunal, com base na variação do IPCA-E do ano anterior ou outro índice que o substitua, desde que haja disponibilidade orçamentária. Parágrafo único. O disposto nos arts. 6º e 7º desta Resolução será aplicado aos honorários periciais devidos pelo Instituto Nacional de Seguro Social em ações de acidente de trabalho. Art. 11. Os Tribunais farão controle informatizado dos dados da ação, da quantidade de processos e de pessoas físicas assistidas, bem como do montante pago aos peritos. Art. 12. Caberá às Corregedorias dos Tribunais acompanhar o cumprimento desta Resolução no âmbito de suas competências.
Dessa forma, os honorários do perito, tradutor ou intérprete deverão ser custeados pela verba orçamentária do próprio tribunal responsável pela condução da causa, que destinará parcela de sua receita especificamente para esse fim. A nomeação do perito, tradutor ou intérprete será realizada exclusivamente pelo juiz natural, preferencialmente dentre os profissionais inscritos nos órgãos de classe competentes e com comprovada especialidade na matéria sobre a qual deverão opinar, sendo vedada a prática de nepotismo na escolha do profissional. Para facilitar a nomeação e baratear os custos, as presidências dos tribunais encontram-se autorizadas a firmar convênios com profissionais, empresas ou instituições com notória experiência nas áreas técnicas envolvidas nas perícias necessárias ao deslinde da causa. Para que seja realizado o pagamento da remuneração do perito, tradutor ou intérprete pelo Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça exige: (i) sejam os honorários fixados por decisão judicial; (ii) ocorra o trânsito em julgado da sentença; e (iii) seja a parte sucumbente beneficiária da justiça gratuita. Independentemente do valor real dos honorários arbitrados pelo juiz, a remuneração paga pelo Poder Judiciário deverá ser limitada ao patamar de R$ 1.000,00. Caso o valor dos honorários exceda esse limite máximo, o saldo remanescente poderá ser cobrado pelo perito diretamente da parte sucumbente, respeitando os ditames do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 (ex.: juiz fixa honorários periciais no valor de R$ 2.500,00 e, após o trânsito em julgado do processo, por ter restado sucumbente parte beneficiária da gratuidade, o Poder Judiciário paga em favor do perito remuneração no valor de R$ 1.000,00; nessa hipótese, os honorários remanescentes poderão ser cobrados da parte vencida, desde que esta sofra melhora superveniente de sua situação econômica e deixe a condição de hipossuficiente, dentro do prazo de cinco anos estabelecido pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950). De maneira estranha, impertinente e inconstitucional a Resolução nº 127/2011 do CNJ fixa como limite para o pagamento de honorários o valor de R$ 5.000,00, vedando abstratamente o arbitramento pelo juiz de remuneração que supere esse teto máximo. A determinação revela-se estranha, pois a prática cotidiana demonstra que algumas provas técnicas podem facilmente extrapolar esse patamar, mormente quando a complexidade da perícia exigir o dispêndio de longas horas de trabalho e aprofundado estudo. Além disso, a previsão normativa mostra-se impertinente, porque independentemente do valor real da perícia, o Poder Judiciário apenas irá custear R$ 1.000,00, sendo o valor remanescente cobrado da parte sucumbente, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Por fim, a norma revela-se formalmente inconstitucional, pois excede o âmbito administrativo do Poder Judiciário e avança para o campo legislativo do processo civil, violando o disposto no art. 22, I, da CRFB. Portanto, nesse particular, não deve a Resolução nº 127/2011 do CNJ ser aplicada pelos juízes e tribunais. O pagamento dos honorários será efetuado mediante determinação do presidente do tribunal, após requisição expedida pelo juiz do processo. As ordens de pagamento deverão observar rigorosamente a sequência cronológica de apresentação das requisições, sendo o valor líquido depositado em conta bancária indicada pelo perito. Em hipóteses excepcionais, o tribunal encontra-se autorizado a adiantar as despesas iniciais do
perito, até o limite de R$ 350,00, desde que a antecipação desses valores seja comprovadamente necessária a produção da prova técnica (ex: perícia química onde se mostre necessária a aquisição de produtos e substâncias que serão utilizados para a coleta e análise do material periciado). Após a edição da Resolução nº 127/2011 do CNJ, caberá a cada um dos tribunais do país a implementação efetiva, no âmbito de sua competência jurisdicional, desse novo sistema de custeio das provas técnicas requeridas por beneficiário da gratuidade de justiça, incumbindo às respectivas corregedorias fiscalizar o cumprimento das recomendações do Conselho Nacional de Justiça180. D)
DAS MULTAS: As multas constituem sanções pecuniárias impostas pelo juiz em razão do descumprimento de deveres processuais181, encontrando-se dispersas pelo Código de Processo Civil (por exemplo, vide arts. 14, 17, 18, 287, 461, 461-A e 538). Atualmente, as multas poderão ser impostas às partes, aos serventuários ou até mesmo contra terceiros. De acordo com o art. 35 do CPC, quando as multas forem fixadas contra as partes, elas reverterão em favor do adversário; por outro lado, quando impostas aos serventuários ou a terceiros, os valores reverterão em favor do próprio Estado, passando a integrar sua receita. Excepcionalmente, o art. 14, parágrafo único do CPC prevê hipótese de multa que sempre reverterá em favor do Estado, independentemente de quem venha a descumprir a ordem judicial182. A gratuidade de justiça não abrange as multas, sejam de caráter punitivo ou coercitivo183. Afinal, o reconhecimento da hipossuficiência da parte não lhe garante imunidade para a prática de toda e qualquer conduta processual ilegal, procrastinatória ou abusiva184. Nesse sentido, lecionam os processualistas FREDIE DIDIER JUNIOR e RAFAEL OLIVEIRA, in verbis: A gratuidade judiciária não abrange, nem poderia abranger, as multas processuais. Se assim não fosse, estar-se-ia admitindo um acesso irresponsável e inconsequente à justiça, consubstanciado no fato de o beneficiário poder, impunemente, abusar do direito de demandar, sem que nenhuma sanção lhe pudesse ser aplicada (nos casos de multa com caráter punitivo) ou sem que fosse possível impor-lhe medidas coercitivas para efetivação da tutela jurisdicional (nos casos de multa com caráter coercitivo). (DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., pág. 14)
Sobre o tema, já se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que editou a Súmula nº 101 consolidando a obrigatoriedade do pagamento da multa pelo beneficiário da gratuidade de justiça: Súmula nº 101 do TJ/RJ: A gratuidade de justiça não abrange o valor devido em condenação por litigância de má-fé. Justificativa: A litigância de má-fé constitui penalidade (sanção); portanto, ainda que beneficiária de gratuidade de justiça, a parte por ela condenada fica obrigada ao pagamento. Caso contrário, teria imunidade para qualquer tipo de comportamento processual, o que é imoral e inadmissível.
Não obstante o afastamento da gratuidade de justiça em relação à multa reflita relevante preocupação em evitar a prática impune de condutas processuais ilegais ou imorais pelo beneficiário da gratuidade de justiça, esse posicionamento acaba ignorando uma verdade social irretorquível: a sanção pecuniária atinge de maneira diferente as diversas camadas da população185. Enquanto o financeiramente abastado poderá nem mesmo sentir o impacto da multa em seu orçamento, o hipossuficiente econômico poderá ter sua situação financeira devastada pela imposição incondicional do pagamento da sanção pecuniária.
E)
DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA: De acordo com o art. 20 do CPC, “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. Pela análise literal do dispositivo, é possível constatar que o legislador não incluiu os honorários advocatícios, objeto de condenação na sentença, dentro do conceito de despesas. No entanto, apesar da literalidade da norma, os honorários advocatícios intrinsecamente constituem despesas processuais. Isso porque dentro do conceito de despesas processuais devem ser inseridos todos os gastos empreendidos para que o processo possa atingir sua finalidade social; e nesses dispêndios devem ser naturalmente contabilizados os gastos com o advogado, haja vista ser este indispensável à administração da justiça (art. 133 da CRFB). Inicialmente, os honorários sucumbenciais eram vistos como uma forma de ressarcir o litigante vencedor, ao menos em parte, pelos gastos despendidos com a contratação de advogado para a defesa de seus direitos. No entanto, esse entendimento apresentou gradativa evolução e, atualmente, os honorários de sucumbência constituem receita própria do advogado (art. 23 da Lei nº 8.906/1994), podendo ser executados de maneira autônoma pelo próprio vencedor ou por seu advogado. Os honorários advocatícios devem ser arbitrados pelo juiz, independentemente de requerimento expresso das partes, por ocasião do julgamento final de qualquer ação, principal ou incidente. Conforme determina o art. 20, § 3º, do CPC, os honorários deverão ser arbitrados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, observando-se o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo despendido. Outrossim, nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz (art. 20, § 4º, do CPC). Ao final do processo, os beneficiários da gratuidade de justiça sucumbentes deverão ser normalmente condenados ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, nos termos do art. 20 do CPC. No entanto, o débito será originalmente inexigível, em virtude da aplicação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 (conforme será analisado detalhadamente mais adiante). 3.10.2 Da natureza jurídica da dispensa legal de pagamento constante do art. 3º da Lei nº 1.060/1950
Após realizarmos a análise das despesas processuais em espécie, identificando quais possuem natureza tributária e quais possuem natureza civil, podemos identificar a real natureza jurídica da dispensa legal de pagamento constante do art. 3º da Lei nº 1.060/1950. No que tange às despesas processuais de natureza eminentemente civil, o art. 3º da Lei nº 1.060/1950 assumirá natureza jurídica de norma processual, que se contrapõe ao art. 19 do CPC e institui hipótese de dispensa provisória do recolhimento antecipado dos encargos processuais. No caso das despesas processuais de ordem tributária (custas stricto sensu, taxa judiciária e emolumentos), para que possamos realizar a adequada identificação da natureza jurídica da norma que dispensa o seu recolhimento, é importante compreendermos a diferença técnica entre imunidade e isenção.
Como se sabe, a Constituição Federal estabeleceu em seu texto a competência tributária de cada ente federativo, permitindo a sua instituição mediante lei. Nesse passo, a partir do rol de tributos apontados constitucionalmente, cada ente federativo pode exercer a sua competência tributária através da arrecadação de seus respectivos tributos, da regulamentação de seu fato gerador, da previsão de isenções e da própria extinção do tributo. No entanto, além de delinear os contornos normativos dos tributos e de delimitar as competências tributárias, a Constituição Federal também traçou espécies de isenções qualificadas, as quais foram chamadas de imunidades. Há certas situações em que o constituinte entendeu que não seria possível ao ente federado arrecadar o tributo, estabelecendo então, normas que limitam o poder de tributar. Assim, as normas constantes dos arts. 150, VI, 153, § 3º, III, 153, § 5º, 184, § 5º e 195, § 7º da CRFB refletem verdadeiras imunidades. Mas as limitações também não param por aqui. No exercício da competência tributária, pode o ente federativo quando da regulamentação legal do tributo estabelecer outras hipóteses de isenção, diversas daquelas constantes do texto constitucional. Ontologicamente, portanto, quando lidarmos com hipótese de isenção diretamente advinda da Constituição, estaremos diante de uma imunidade; se a fonte normativa for a lei, estaremos face a uma isenção. A partir dessa breve digressão, podemos constatar que as hipóteses de dispensa legal de pagamento constantes do art. 3º da Lei nº 1.060/1950, quando voltadas para despesas processuais de ordem tributária, possuirão inegável natureza jurídica de isenção (provisória), posto que sua fonte advém de lei ordinária. Em síntese conclusiva, portanto, em relação às despesas processuais de natureza eminentemente civil, o art. 3º da Lei nº 1.060/1950 assumirá natureza jurídica de norma processual, contrapondo-se ao art. 19 do CPC e estabelecendo hipótese de dispensa provisória do recolhimento antecipado dos encargos processuais. No que se refere às despesas processuais de natureza tributária (custas stricto sensu, taxa judiciária e emolumentos), a dispensa legal de pagamento constante do art. 3º da Lei nº 1.060/1950 assumirá natureza jurídica de isenção (provisória). 3.10.3 Da superada controvérsia acerca da dispensa do depósito prévio na ação rescisória quando reconhecido o direito à gratuidade de justiça
De acordo com o art. 488, II do CPC, para o ajuizamento da ação rescisória deverá o requerente “depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente”. Nesse ponto, a lei processual civil instituiu verdadeira espécie de multa sancionatória pelo ajuizamento temerário ou manifestamente infundado da ação rescisória, sendo o depósito prévio direcionado a garantir o efetivo adimplemento da referida sanção pecuniária. Pretendeu o legislador, com isso, desestimular e coibir a propositura de rescisórias destituídas de embasamento concreto, preservando o caráter excepcional dessa ação autônoma impugnativa. Diante da possibilidade de perda do valor do depósito em favor na parte contrária, os interessados no ajuizamento da rescisória restaram obrigados a refletir com mais cautela sobre eventual
perspectiva de êxito na demanda, sendo demovido eventual intuito aventureiro. Durante algum tempo, a jurisprudência manteve-se hesitante no que tange a dispensa do depósito prévio para os beneficiários da gratuidade de justiça. Alguns julgados entendiam que o depósito, por possuir natureza sancionatória, não estaria abrangido pela justiça gratuita; outros defendiam que a ação rescisória seria via excepcional e que não deveria ser obrigatoriamente franqueada àqueles que não pudessem realizar o recolhimento prévio do depósito186. No entanto, acabou prevalecendo o entendimento de que a exigência do depósito prévio em desfavor dos necessitados econômicos representaria inegável obstáculo na busca pela ordem jurídica justa187. Afinal, não dispensar o desprovido de fortuna da realização do depósito significaria impedilo de ajuizar a ação rescisória, criando-se odiosa discriminação econômica no âmbito processual. Se àquele que possui condições de arcar com o pagamento do depósito prévio é garantida a utilização dessa ação autônoma impugnativa como forma excepcional de revisão da sentença definitivamente consagrada, ao necessitado econômico deve ser garantido igual direito, sob pena de violação da isonomia material188. O direito à gratuidade de justiça deve assegurar a remoção de todos os obstáculos monetários que impeçam ou dificultem a continuidade da marcha processual pela justiça, seja nos caminhos normais do processo ou na excepcional via da ação rescisória. Adotando esse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o depósito inicial exigido para o ajuizamento da ação rescisória deveria obrigatoriamente ser abrangido pela gratuidade de justiça: Processual civil. Ação rescisória. Beneficiário da justiça gratuita. Depósito. Art. 488, II, CPC. Dispensa. 1. É inexigível o depósito do artigo 488, II, do Código de Processo Civil ao beneficiário da justiça gratuita, sob pena de afronta ao direito constitucional de livre acesso ao Judiciário. Precedentes. 2. Recurso especial provido. (STJ – Segunda Turma – REsp nº 1253338/SP – Relator Min. Castro Meira, decisão: 16-06-2011) Processual civil e previdenciário. Ação rescisória. Rurícola. Aposentadoria. Assistência judiciária gratuita. Depósito. Prévio. Desnecessidade. (…) É pacífico o entendimento desta Eg. Corte de que a parte beneficiária da Justiça Gratuita não está obrigada a fazer o depósito de que trata o artigo 488, II do Código de Processo Civil. (STJ – Terceira Seção – AR nº 2452/SP – Relator Min. Gilson Dipp, decisão: 08-09-2004) Processual civil. Ação rescisória. Depósito. Art. 488, II, do CPC. Beneficiário da justiça gratuita. Descabimento. I – A doutrina e a Jurisprudência dos tribunais afirmam entendimento no sentido de que a parte beneficiária da justiça gratuita não está obrigada a fazer o depósito de que trata o art. 488, II do CPC. II – Recurso conhecido e provido. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 40794/RJ – Relator Min. Waldemar Zveiter, decisão: 28-11-1994)
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a Súmula nº 108, consolidando a dispensabilidade do depósito prévio nas hipóteses de reconhecimento do direito à justiça gratuita: Súmula nº 108 do TJ/RJ: A gratuidade de justiça abrange o depósito na ação rescisória.
Com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, a dispensa do depósito prévio em favor dos beneficiários da gratuidade de justiça passou a constar expressamente do art. 3º, VII, da Lei nº 1.060/1950, restando legalmente superada qualquer controvérsia sobre o assunto: Art. 3º da Lei nº 1.060/1950: A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: (…) VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao
exercício da ampla defesa e do contraditório.
Embora o beneficiário da gratuidade da justiça esteja incontestavelmente dispensado de realizar o depósito prévio para o ajuizamento da rescisória, em sendo a ação inadmitida ou julgada improcedente, por unanimidade de votos, estará o hipossuficiente econômico obrigado a arcar, ao final do processo, com o pagamento da multa estabelecida pelo art. 488, II do CPC. Isso porque as despesas processuais que possuem natureza jurídica de multa não se encontram abarcadas pela justiça gratuita. Conforme salientado anteriormente, o reconhecimento da hipossuficiência econômica da parte não lhe garante imunidade para a prática de toda e qualquer conduta processual temerária ou abusiva. Sendo assim, o acórdão que inadmitir ou julgar improcedente a rescisória, por unanimidade, deverá condenar aquele que manejou a ação de maneira infundada ao pagamento da multa do art. 488, II do CPC, não sendo aplicável nesse particular a regra do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Essa norma apenas servirá para afastar a exigibilidade das demais despesas processuais e dos honorários advocatícios, não surtindo efeito sobre a multa em exame. 3.10.4 Do direito à elaboração gratuita da planta exigida para a propositura da ação de usucapião
De acordo com o art. 942 do CPC, a petição inicial da ação de usucapião deverá ser obrigatoriamente instruída com a planta do imóvel usucapiendo, sendo o documento considerado essencial para o regular processamento de demandas dessa natureza189. Muitas vezes, porém, essa exigência formal acaba gerando empecilhos à propositura da ação de usucapião pelos desprovidos de fortuna, haja vista não possuírem condições econômicas de contratar profissional habilitado para elaborar o desenho icnográfico do imóvel. Por essa razão, entendemos que a imposição linear, objetiva e programática de apresentação da planta nas ações de usucapião conspira contra o princípio constitucional do acesso à justiça, devendo a regra processual ser flexibilizada pela instrumentalidade do processo e sensibilizada pela realidade socioeconômica do país. Primeiramente, como o delineamento de uma vertente argumentativa adequada pressupõe o estudo do alicerce estrutural e teleológico da norma, a compreensão do real objetivo da exigência do art. 942 do CPC constitui ponto fundamental para a análise da legitimidade do comando e dos limites formalísticos da imposição. Nas ações de usucapião, em virtude da necessidade de delimitar com exatidão a área objeto da prescrição aquisitiva, a planta possui o condão de individualizar o imóvel objeto da demanda e indicar suas confrontações. Assim, resta garantida a adequada formação do juízo demarcatório ínsito à ação de usucapião, sendo expressamente traçados os limites da área a ser usucapida e indicados todos aqueles que deverão participar do processo para seja adequadamente consolidada a eficácia subjetiva da coisa julgada. Nesse diapasão, se o objetivo da norma é garantir apenas a individualização e delimitação do imóvel, não guarda harmonia com o princípio da instrumentalidade do processo a exigência formal e desmedida de apresentação do desenho icnográfico elaborado por profissional habilitado. Na verdade, em vista da teleologia da norma, nada impede seja a planta substituída por desenho esquemático simples elaborado pelo próprio jurisdicionado ou mesmo suprida por outros
documentos probatórios constantes dos autos. Como processo não constitui um fim em si mesmo, sendo genuíno instrumento de efetivação do direito material, não se deve prestigiar a idolatria das formalidades estéreis e desprovidas de motivação. Seguindo essa linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem reiteradamente afastado a exigência formal de apresentação de planta detalhada do imóvel, admitindo sua substituição por simples croqui ou por qualquer outro documento capaz de individualizar o imóvel usucapiendo e suas confrontações. In verbis: Apelação. Ação de usucapião. Indeferimento da petição inicial. Metragem do imóvel, planta detalhada elaborada por profissional habilitado. Desnecessidade. Qualificação suficiente das partes. Na hipótese dos autos, o processo foi extinto por não ter o autor, em tese, aditado adequadamente a petição inicial. Ocorre, porém, que firmou-se, no âmbito deste Tribunal, o entendimento segundo o qual, para o desenvolvimento válido e regular da ação de usucapião, basta a instrução com planta capaz de individualizar o imóvel usucapiendo. Isso porque, como instrumento de efetivação de direitos fundamentais, o processo não pode ser um obstáculo para o acesso à justiça pelos jurisdicionados. Considerando que, para os fins da ação de usucapião, a planta possui o simples condão de individualizar o imóvel objeto da ação, não seria condizente com o princípio da instrumentalidade do processo exigir uma planta elaborada por profissional habilitado. (TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Apelação Cível nº 000956085.2010.8.19.0203 – Relatora Des. Renata Cotta, decisão: 07-02-2012) Apelação cível. Ação de usucapião extraordinário. Sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, ante a ausência de planta detalhada do imóvel. Desnecessidade de tal providência quando presentes elementos suficientes à descrição dos limites do imóvel usucapiendo. (TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Apelação Cível nº 0003526-35.2003.8.19.0011 – Relator Des. Wagner Cinelli, decisão: 10-02-2012) Ação de usucapião. Indeferimento da inicial. Ausência de planta do imóvel usucapiendo. Artigo 942 do Código de Processo Civil. Sentença de extinção do processo sem resolução do mérito. Descabimento. Autores reconhecidamente hipossuficientes, cuja condição não se relaciona apenas com sua capacidade econômico financeira, mas também com a capacidade técnica de produzir provas. No que tange à planta da área, a mesma pode ser substituída por “croqui”, desde que o documento se mostre capaz de identificar o imóvel e suas confrontações admitindo-se que, no curso do processo, sejam produzidas as demais provas. Meio de efetivação dos direitos fundamentais. Direito de propriedade. Art. 5º, XXII da Constituição Federal. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Recurso a que se dá provimento, com base no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito. (TJ/RJ – Sétima Câmara Cível – Apelação Cível nº 0011518-85.2005.8.19.0202 – Relatora Des. Maria Henriqueta Lobo, decisão: 23-09-2011) Apelação cível. Ação de usucapião extinta pela não apresentação das plantas dos imóveis. Art. 942 do Código de Ritos. Autor que apresenta elementos suficientes para identificação de cada um dos lotes de terreno arrolados na petição inicial. Presentes os requisitos formais de procedibilidade para o regular processamento do feito. Sentença cassada. (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 0004507-40.1998.8.19.0011 – Relator Des. Pedro Saraiva Andrade Lemos, decisão: 15-06-2011)
Excepcionalmente, quando a complexidade da causa demandar a elaboração de desenho mais detalhado do imóvel, esse documento deverá ser também abrangido pela gratuidade de justiça, podendo a parte hipossuficiente requerer a nomeação de perito para que seja confeccionada gratuitamente a planta do bem190. Em sentido semelhante, leciona o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, in verbis: Nos termos do art. 942 do Código de Processo Civil, a petição inicial de usucapião deverá ser instruída com uma planta do imóvel usucapiendo. Tal exigência não pode implicar empecilho para o ajuizamento da ação de usucapião, caso o autor não tenha condições econômicas de contratar profissional habilitado a elaborar uma planta do imóvel. Assim, a inicial poderá ser instruída com um mero desenho, feito por qualquer pessoa, mesmo não habilitada, mediante o qual seja possível individuar o imóvel objeto da ação. Excepcionalmente, se a elaboração de tal planta demandar conhecimentos profissionais específicos, poderá a parte pleitear ao juiz, na inicial que este nomeie perito que elabore a planta do imóvel, após o que o feito prosseguirá, citando-se os réus. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op cit., pág. 45/46)
Por fim, é importante salientar que, em alguns municípios, esse serviço é oferecido gratuitamente à população carente pelos próprios órgãos administrativos da prefeitura municipal, bastando ao Defensor Público que realize a expedição de ofício solicitando a elaboração da planta do imóvel usucapiendo. Nessas localidades, portanto, o encaminhamento de pedido administrativo endereçado à municipalidade pode garantir uma maior celeridade na elaboração da planta, evitando-se as delongas inerentes à nomeação judicial de perito. Outrossim, com o objetivo de garantir a assistência jurídica integral preconizada pelo art. 5º, LXXIV da CRFB, o Departamento de Engenharia da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tem realizado a elaboração gratuita de plantas e perícias técnicas, em favor dos hipossuficientes econômicos atendidos pela Instituição. Entretanto, em virtude do ainda reduzido número de profissionais desse departamento e da cotidiana escassez de recursos, o serviço técnico-probatório prestado pela Defensoria Pública tem se limitado, na grande maioria dos casos, à região metropolitana do Rio de Janeiro. 3.11 DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA PARCIAL Em virtude da diversificada capacidade econômica dos variados integrantes do corpo social, poderemos encontrar situações limítrofes onde a parte não faça jus a isenção integral das despesas do processo, por não ser em absoluto necessitada, e, ao mesmo tempo, não possua condições de arcar com a integralidade dos valores inerentes às prestações processuais, por serem desproporcionais a seus rendimentos. Nesses casos, de acordo com o art. 13 da Lei nº 1.060/1950191, a gratuidade de justiça poderá ser concedida a título parcial, determinando-se o pagamento apenas de parcela das despesas processuais necessárias ao andamento do feito. Isso é possível em virtude da divisibilidade do objeto, que pode ser fracionado e exigido apenas em parte do litigante cujos rendimentos moderados não lhe permitam arcar com a integralidade das despesas processuais. Com efeito, poderá o magistrado (i) fixar percentual das despesas processuais a ser pago pelo litigante parcialmente necessitado antes da prática de cada ato processual, podendo este percentual variar de 1% até 99% (ex: juiz reconhece o direito à gratuidade de justiça parcial e determina que a parte deverá pagar apenas 30% das despesas processuais), ou (ii) determinar o pagamento de algumas despesas, que possam ser suportadas pela parte, e isentá-la do pagamento de outras, que não possam ser adimplidas em virtude de sua maior onerosidade (ex: juiz reconhece o direito à gratuidade de justiça parcial, determinado o recolhimento das custas iniciais e da taxa judiciária, e dispensa a parte do pagamento das despesas inerente à produção de determinada prova pericial considerada mais onerosa). Não obstante o art. 13 da Lei nº 1.060/1950 não faça qualquer menção aos honorários sucumbenciais, estes também se encontram abrangidos pela gratuidade de justiça parcial, podendo o magistrado determinar o pagamento de apenas parcela da verba honorária devida à parte contrária. Este raciocínio decorre da própria acessibilidade à justiça, pois a não redução dos honorários sucumbenciais poderia fazer com que o receio causado pela possibilidade de derrota inibisse
demasiadamente o exercício do direito de ação192. A não realização de menção aos honorários advocatícios pelo art. 13 da Lei nº 1.060/1950, se deve ao momento histórico em que foi editado o referido dispositivo, quando o Código de Processo Civil de 1939 apenas fixava a condenação ao pagamento de honorários em hipóteses excepcionais – como nos casos de litigância de má-fé (art. 63), quando a ação resultasse de dolo ou culpa do réu (art. 64) e nos casos de absolvição de instância (art. 205). Logo, se via de regra não havia condenação ao pagamento de honorários, não havia também a necessidade de se prever a isenção. Além disso, a Lei nº 1.060/1950 não pode ser interpretada ao pé da letra, até porque sua redação é arcaica e permeada por imperfeições técnicas e conceituais. Fundar qualquer conclusão na literalidade dos dispositivos da Lei nº 1.060/1950, significa construir raciocínio sobre terreno arenoso. Apesar de sua expressa previsão legal, a gratuidade de justiça parcial tem apresentado escassa aplicabilidade prática. Geralmente, ou o direito à gratuidade de justiça é reconhecido, isentando-se a parte do pagamento de todas as despesas processuais, ou denegado, determinando-se o recolhimento da integralidade das prestações. Em parte, essa inaplicabilidade cotidiana do instituto se deve a extrema dificuldade de realização do cálculo da capacidade econômica parcial e da fixação do percentual matemático adequado para a cobrança das despesas processuais, de forma a não comprometer o sustento da própria parte e de sua família. No entanto, apesar de sua reduzida utilização prática, a gratuidade de justiça parcial encontra-se plenamente em vigor, sendo perfeitamente admissível sua aplicação nos casos de necessidade econômica parcial, onde a parte não possua condições de arcar com a integralidade das despesas processuais. Nesse sentido, inclusive, foi editado o Enunciado nº 06 do Ato EMERJ nº SN1, de 25.11.2003: Ato EMERJ nº SN1, de 25.11.2003 6 – A concessão da gratuidade de Justiça pode ser total ou parcial aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV, CRFB/1988).
Ao contrário das despesas processuais, que admitem fracionamento e podem ser cobradas apenas em parte, a assistência jurídica gratuita não pode ser concedida de forma parcial, em virtude da própria indivisibilidade de seu objeto. De fato, não pode a Defensoria Pública defender os interesses de seu assistido apenas em parte, ou apenas durante uma parte do processo, deixando ao advogado particular a defesa do restante. Ou o Defensor Público assume a causa em sua integralidade ou não reconhece o direito à assistência jurídica gratuita; não há meio-termo. Com efeito, se o assistido possui debilidade econômica apenas parcial, não se pode negar-lhe o direito ao patrocínio gratuito oferecido pela Defensoria Pública, pois tal opção significaria a denegação do acesso à justiça. Nesses casos, a assistência jurídica gratuita deve ser normalmente prestada, em sua totalidade e sem discriminações. Entretanto, como a parte possui debilidade econômica apenas parcial, poderá a Defensoria Pública, ao final do processo, requer ao magistrado que arbitre honorários parciais, que serão devidos à Instituição pelos serviços jurídicos prestados na defesa da causa. Esses honorários, porém, serão fixados de maneira moderada e em percentual que não prejudique o sustendo da própria parte e
de sua família. 3.12 DA MITIGAÇÃO DA REGRA DO RECOLHIMENTO ANTECIPADO DAS DESPESAS PROCESSUAIS E DA POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO PARCELADO OU POSTERGADO O art. 19 do Código de Processo Civil estabelece como regra o recolhimento antecipado das despesas necessárias à prática de cada ato processual individualmente considerado, pois o Estado não trabalha fiado193. Contudo, objetivando preservar o inafastável direito de acesso à justiça e resguardar a própria feição humana do processo, a regra do recolhimento antecipado das despesas tem sido mitigada pelos tribunais, sendo em algumas hipóteses admitido o pagamento parcelado ou mesmo postergado dos valores necessários à prática dos atos processuais. No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o Enunciado nº 27 do Aviso nº 17/2006 do FETJ admite expressamente o recolhimento das custas e da taxa judiciária ao final do processo, bem como seu pagamento parcelado, como forma excepcional de mitigação da norma do art. 19 do CPC. In verbis: Enunciado nº 27 do Aviso nº 17/2006 do FETJ: Considera-se conforme ao princípio da acessibilidade ao Poder Judiciário (CF/1988, art. 5º, XXXV) a possibilidade, ao critério do Juízo em face da prova que ministre a parte autora comprovadamente hipossuficiente, desta recolher as custas e a taxa judiciária ao final do processo, ou de parcelar o recolhimento no curso do processo, desde, em ambas as situações, que o faça antes da sentença, como hipótese de singular exceção ao princípio da antecipação das despesas judiciais (CPC, art. 19), incumbindo à serventia do Juízo a fiscalização quanto ao correto recolhimento das respectivas parcelas194.
Embora possua ampla utilidade e aplicabilidade prática, o direito ao pagamento parcelado ou postergado ainda não foi objeto de estudo apurado, seja por parte da doutrina ou mesmo pela própria jurisprudência, que ainda se confunde e derrapa ao analisar a matéria. Antes de mais nada, é imprescindível ter em mente que o pagamento parcelado ou postergado não constitui favor ou benefício concedido pelo magistrado, mas autêntico direito subjetivo, que, embora não previsto expressamente em lei, deriva diretamente do art. 5º, XXXV, da CRFB. Em relação aos pressupostos, entendemos que o indivíduo terá direito ao pagamento parcelado ou postergado desde que: (i) não seja titular do direito à gratuidade de justiça (total ou parcial); e (ii) se encontre incapacitado de realizar o recolhimento antecipado das despesas processuais, em virtude do comprometimento episódico de sua renda ou do alto valor das custas lato sensu. O primeiro pressuposto enuncia a subsidiariedade do direito ao pagamento parcelado ou postergado, que apenas poderá ser reconhecido quando o indivíduo não fizer jus à justiça gratuita; se a debilidade econômica do sujeito for suficiente para qualificá-lo como verdadeiro hipossuficiente (ou necessitado), não será hipótese de pagamento parcelado ou postergado, mas de efetiva dispensa do recolhimento de toda e qualquer despesa processual. Não obstante a mixórdia jurisprudencial sobre o tema, é importante que fique claro que o direito ao pagamento parcelado ou postergado das despesas processuais não se confunde com o direito à gratuidade de justiça; não se trata de “espécie de gratuidade de justiça” ou de “gratuidade de justiça mitigada”, como já chegou a se manifestar o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro195. Os institutos
jurídicos são absolutamente distintos, sendo apenas aplicado o direito ao pagamento parcelado ou postergado quando o indivíduo não fizer jus à gratuidade de justiça. De acordo com o segundo pressuposto, para que haja o reconhecimento do direito ao pagamento parcelado ou postergado, o indivíduo deve restar incapacitado de realizar o recolhimento antecipado das despesas processuais, em virtude do comprometimento episódico de sua renda ou do alto valor das custas lato sensu. Nesse momento, podemos identificar o ponto fundamental de diferenciação entre direito à gratuidade de justiça e o direito ao pagamento parcelado ou postergado das despesas processuais: o fator motivador da incapacidade econômica do sujeito. Embora em ambos os casos se exija a incapacidade finaceira de antecipar o pagamento das despesas processuais, o elemento causador dessa incapacidade será diferente em cada um dos institutos e influenciará de maneira determinante a providência graciosa adotada em relação às custas lato sensu. No caso da gratuidade de justiça, a incapacidade econômica de arcar com o pagamento das despesas processuais decorre, normalmente, da reduzida remuneração auferida pelo indivíduo e/ou dos elevados gastos essenciais necessários à manutenção do núcleo familiar196. Nesse caso, o sujeito se qualifica como autêntico hipossuficiente econômico (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950), não possuindo condições de realizar o pagamento das despesas processuais – mesmo se parceladas ou postergadas – sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Com isso, a única providência jurídica capaz de possibilitar-lhe o efetivo acesso à justiça será a dispensa do pagamento das despesas processuais. Por outro lado, no caso do pagamento parcelado ou postergado, a incapacidade econômica de antecipar as despesas processuais deriva, geralmente, do comprometimento episódico da renda do sujeito com gastos não essenciais e imoderados e/ou do alto valor das custas lato sensu. Na primeira hipótese, ao contrário do que ocorre no direito à gratuidade de justiça, a indisponibilidade financeira não decorre de gastos de natureza essencial (como, por exemplo, despesas com alimentação, vestuário, higiene, educação, saúde etc.), mas de gastos não essenciais e imoderados (como o pagamento de elevado financiamento de veículo automotor ou de grande empréstimo para custeio de obra voluptuária). Como consequência lógica, não possuindo a remuneração ou os gastos do sujeito as qualidades módicas e moderadas necessárias ao reconhecimento da hipossuficiência econômica, não poderá serlhe outorgada a gratuidade de justiça, que deve ser reservada aos que dela verdadeiramente necessitem. Nesses casos, a momentânea incapacidade financeira da parte de suportar as despesas processuais deverá ser superada pelo reconhecimento do direito ao pagamento parcelado ou postergado dos valores necessários ao custeio da justiça. Essa benevolência jurídica não tem como objetivo premiar aquele que não sabe gerir sua fortuna ou planejar seus gastos, mas pretende reconhecer a deficitária cultura econômica do país. Afinal, não se pode negar que a poupança não faz parte da realidade ou da própria educação financeira do brasileiro de uma forma geral. De fato, com a habitualidade do pagamento parcelado, a tendência é que se gaste tudo aquilo que se ganha – ou até mais do que isso. Com efeito, diante desse incontestável quadro social e cultural, não pode o magistrado agir como um cobrador intransigente e exigir a todo custo o pagamento antecipado das despesas processuais
para que seja concedida a tutela jurisdicional devida. Afinal, o direito de acesso à justiça é mais importante do que eventual interesse arrecadatário do Estado197. Logo, o parcelamento ou a postergação do pagamento das despesas processuais, nas hipóteses de comprometimento da renda com gastos não essenciais e imoderados, antes de constituir prêmio ao mal gestor de fortuna, consolida medida criativa de facilitação do acesso à ordem jurídica justa, que por um lado respeita a deficitária educação financeira dos jurisdicionados, e por outro evita a banalização do direito à gratuidade de justiça. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em diversas oportunidades, já se manifestou favoravelmente ao reconhecimento do direito ao pagamento parcelado ou postergado, nos casos de comprometimento episódico da renda com gastos não essenciais e imoderados. In verbis: Decisão monocrática. Ação de revisão de cláusulas contratuais. Indeferimento da gratuidade de justiça. Possibilidade de recolhimento ao final do processo, antes da prolação da sentença. Os documentos acostados aos autos não são suficientes para assegurar o benefício, considerando que alguém que celebra contrato de arrendamento mercantil para compra de veículo GOL GER IV, com prestações mensais de R$ 967,68, não pode ser enquadrado como hipossuficiente. Além do mais, registre-se que as dificuldades individuais de cada um, por excesso de gastos, não servem de fundamento ao benefício pleiteado, devendo esse ser conferido àqueles que realmente o venham a necessitar. Esta Corte, em homenagem ao princípio constitucional do acesso à justiça – CF/1988, artigo 5º, XXXV, reconhece a possibilidade de pagamento das despesas ao final, desde que a parte comprove o recolhimento integral antes da sentença, cabendo à serventia judicial a fiscalização quanto ao cumprimento desta decisão. Provimento parcial ao agravo de instrumento, nos termos do artigo 557, § 1º-A, do CPC. (TJ/RJ, Primeira Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 0057564-49.2011.8.19.0000, Rel. Des. Maria Augusta Vaz, 07.11.2011)
Na segunda hipótese, o elevado valor das despesas cobradas no processo gera a inviabilização do recolhimento antecipado das custas lato sensu, mesmo possuindo a parte razoável condição econômica. Dentro dessa lógica, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem reconhecido o direito ao pagamento parcelado ou postergado, nas hipóteses em que, não havendo o direito à gratuidade de justiça, o vultoso valor das despesas for capaz de inviabilizar o acesso à justiça: Agravo de instrumento. Procedimento de jurisdição voluntária de cancelamento de gravame de inalienabildade ou subrogação. Recolhimento das custas ao final do processo. Possibilidade. Em que pese não restar configurada a hipossuficiência da agravante, por certo o vultoso valor das custas é capaz de inviabilizar seu acesso à Justiça. Imóvel objeto da principal no valor de R$ 3.121.282,00, sendo o valor da taxa judiciária de R$ 20.236,35. Pode-se inferir que a agravante, no atual momento, não está em condições de efetuar o pagamento das custas processuais e da taxa judiciária, sem prejuízo da sua viabilidade econômica, sendo razoável permitir que o recolhimento das despesas processuais seja feito ao final do processo, desde que antes da prolação da sentença, a fim de não obstaculizar o acesso à justiça. Possibilidade de recolhimento ao final do processo, em prestígio ao princípio da acessibilidade à justiça. (TJ/RJ – Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0054824-21.2011.8.19.0000 – Relatora Des. Monica Costa Di Piero, decisão: 09-11-2011) Agravo de instrumento. Indeferimento do pedido de gratuidade de justiça. Pretensão de realizar o recolhimento das custas e taxa judiciária ao final da lide. Hipótese em que o valor das custas e taxa judiciária se tornou elevado em razão da alteração do valor da causa. Rejeitar a pretensão da parte de recolher a diferença de custas e taxa judiciária ao final, em tese, pode obstaculizar o acesso à justiça. Recurso provido. (TJ/RJ – Décima Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 004324916.2011.8.19.0000 – Relator Des. Jose C. Figueiredo, decisão: 31/10/2011)
Imprescindível ressaltar, por fim, que o pagamento parcelado ou postergado não pode ser utilizado como artifício para aumentar a arrecadação estatal; se a situação econômica do sujeito for suficientemente frágil para qualificá-lo como hipossuficiente e permitir o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, não poderá o magistrado atuar como um autêntico vendedor de crediário e empurrar sobre a parte um parcelamento módico das despesas processuais. O direito ao pagamento parcelado ou postergado será sempre subsidiário ao direito à justiça
gratuita; apenas quando constatada a impossibilidade de reconhecimento da gratuidade total ou parcial, é que será possível a adoção do secundário direito ao recolhimento parcelado ou postergado. 3.13 DO MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA E DO PROCEDIMENTO JUDICIAL ADOTADO PARA A ANÁLISE E RECONHECIMENTO DO DIREITO O art. 4º da Lei 1.060/1950 faculta a inclusão do requerimento de gratuidade de justiça na própria petição inicial. Por simetria, embora seja silente a lei, pode o réu formular idêntico requerimento na peça de contestação198. Além disso, o pedido pode ser apresentado em qualquer outra fase processual, pois é perfeitamente possível que a parte, no momento da propositura da ação ou do oferecimento da contestação, disponha de condições econômicas para arcar com as despesas do processo e, posteriormente, sofra uma piora de sua saúde financeira. Em qualquer hipótese, não há autuação em apartado, devendo o pedido de gratuidade ser analisado nos próprios autos do processo. Observa-se, nesse ponto, que o art. 6º apresenta verdadeira incongruência sistêmica em relação aos demais dispositivos da Lei nº 1.060/1950. Pela expressa redação do mencionado artigo, o pedido de gratuidade formulado no curso do processo deveria ser “autuado em apartado, apensandose os respectivos autos aos da causa principal”199. No entanto, não há qualquer razão que justifique a adoção de procedimento diverso daquele exigido para a análise do pedido de gratuidade formulado na petição inicial. Com a simplificação trazida pela Lei nº 7.510/1986, que estabeleceu o sistema de presunção de necessidade econômica e passou a exigir apenas a declaração de hipossuficiência para o reconhecimento da gratuidade, tornou-se desnecessária a atuação do pedido em autos apartados; na verdade, essa medida serviria apenas para atrasar e dificultar o deslinde da causa principal, burocratizando demasiadamente a análise do direito à justiça gratuita. Por essa razão, em virtude da defasagem do art. 6º da Lei nº 1.060/1950, mesmo nos casos de pedido de gratuidade formulado no curso do processo, deve o pleito ser analisado dentro dos autos principais, dispensando-se a autuação em apartado. Nesse sentido, leciona o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI200, in verbis: Outro problema interpretativo que podemos apontar na Lei nº 1.060/1950 diz respeito ao pedido formulado no curso do processo. Tal pedido é permitido pelo art. 6º da Lei, que mantém a mesma redação original. Porém, conforme o pedido de concessão foi sendo simplificado, mediante leis posteriores, este art. 6º deveria ter sido adaptado, para ficar em consonância com o novo sistema. Ora, o artigo diz que o juiz pode “em face das provas, conceder ou denegar de plano o benefício de assistência” e que “a petição, neste caso será autuada em separado”. Com a simplificação feita pelas leis posteriores, não vemos porque o pedido de justiça gratuita formulado no curso do processo deve ter formalidades diversas daquelas exigidas initio litis. O procedimento previsto no art. 6º, portanto, não deve ser aplicado ao caso. Ao mencionar que o juiz concederá ou denegará o benefício em face das provas, o dispositivo se mostra defasado, por descuido do legislador em não adaptá-lo às novas exigências para a concessão do benefício da gratuidade. Mesmo no curso do processo, basta a mera declaração, feita na própria petição em que se solicita o benefício, não sendo de autuá-la em separado. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 99)
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, vem reiteradamente entendendo que “embora o pedido de gratuidade de justiça possa ser feito a qualquer tempo, quando a ação está em curso, deve ele ser formulado em petição avulsa, a qual será processada em apenso aos autos principais, constituindo
erro grosseiro a não observância dessa formalidade, nos termos do art. 6º da Lei nº 1.060/1950”201. Segundo determina o art. 5º da Lei nº 1.060/1950, após a formulação do pedido de gratuidade, o juiz “deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas”. Julgar de plano significa decidir de imediato, sem que sejam determinadas diligências para melhor instruir o pedido202. Com isso, pretende o legislador fazer valer a presunção legal de hipossuficiência constante do art. 4º da Lei nº 1.060/1950, estabelecendo expressamente que o direito à gratuidade de justiça deve ser reconhecido incontinenti, sem a necessidade de qualquer dilação probatória. Conforme leciona o professor ARAKEN DE ASSIS, a expressão de plano “denota o emprego de cognição sumária, baseada em juízo de verossimilhança”203. Em virtude da presunção juris tantum de hipossuficiência, não deverá o magistrado exigir a apresentação de maiores provas acerca da reduzida condição econômica da parte. No entanto, se as circunstâncias da causa ou os elementos trazidos aos autos evidenciarem que a hipossuficiência afirmada não condiz com a realidade, pode o magistrado denegar de plano a gratuidade requerida (art. 5º da Lei nº 1.060/1950), ou determinar a apresentação de elementos probatórios que demonstrem a efetiva miserabilidade (art. 130 do CPC)204. Não se mostra necessária a prévia colheita da manifestação da parte contrária para que seja analisada a gratuidade de justiça pelo magistrado. Embora seja diretamente afetada pelo reconhecimento do direito à justiça gratuita, sendo prejudicada pela isenção do pagamento das verbas sucumbenciais concedida ao beneficiário (art. 12 da Lei nº 1.060/1950), a parte contrária poderá oportunamente oferecer impugnação, nos termos do art. 7º da Lei nº 1.060/1950, requerendo a revogação ou a cassação da gratuidade. Por essa razão, nenhuma violação à ampla defesa e ao contraditório será cometida no reconhecimento inaudita altera pars do direito à gratuidade de justiça. Não obstante estabeleça o art. 5º da Lei nº 1.060/1950 o prazo de 72 horas, na prática o juiz analisa o pedido formulado na exordial autoral no momento da prolação do despacho inicial. Quando o pedido de gratuidade é formulado pelo réu em contestação, deveria o magistrado analisar o requerimento juntamente com a decisão que determina a abertura de vista para o autor apresentar réplica ou que a dispensa, por não se encontrarem presentes as hipóteses do art. 327 do CPC. No entanto, na prática profissional, ao receber a contestação, o juiz determina a imediata abertura de vista ao autor para a apresentação de réplica, sem sequer analisar o pedido de gratuidade ou mesmo a própria necessidade de réplica. Com isso, o pedido de gratuidade formulado pelo réu em contestação acaba sendo analisado apenas no momento da prolação do saneador, ou quando o réu formula algum requerimento posterior que necessite do recolhimento de custas ou, ainda, na própria sentença de procedência do pedido inicial (isso porque a sentença de improcedência não condena o réu em custas e, muitas vezes, sequer analisa a gratuidade requerida em contestação). Em relação ao pedido formulado no curso do processo, deve ser este juntado aos autos principais (ou autuado em apartado, para os que seguem a literalidade do art. 6º da Lei nº 1.060/1950) e remetido para a análise do magistrado, independentemente da fase em que se encontre o processo. Após a prolação da sentença, o pedido de gratuidade poderá ser requerido conjuntamente com a peça de interposição do recurso, devendo o requerimento ser analisado no momento da realização do
juízo de admissibilidade recursal pelo juiz singular. Importante salientar que, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, para que se isente a parte do pagamento do preparo, “o pedido de gratuidade de justiça deve ser realizado no momento da interposição do recurso, sob pena de deserção”205. Nesse caso, mesmo se negado o direito à gratuidade, não poderá o julgador declarar deserto o recurso, devendo abrir ao requerente oportunidade para recorrer da decisão denegatória ou para realizar o próprio recolhimento do preparo206. Nada impede, ainda, seja o pedido de gratuidade formulado junto ao Tribunal de Justiça, em momento posterior à interposição do recurso e após o primeiro juízo de admissibilidade realizado pelo juiz singular, ocasião em que o requerimento deverá ser analisado pelo relator do processo. Note, entretanto, que o pedido de gratuidade isentará a parte do pagamento das despesas processuais futuras, não retroagindo para isentar o recolhimento do preparo, conforme posicionamento dominante dos tribunais. Por fim, poderá o pedido de gratuidade ser formulado, ainda, perante o STF (art. 63 do RISTF e art. 3º, IV, da Resolução nº 462/2011) ou STJ (arts. 114 do RISTJ e 13 da Lei nº 11.636/2007), devendo o benefício ser requerido, por intermédio de petição avulsa207, ao presidente, antes da distribuição, ou ao relator do processo, nos demais casos. Importante observar, nesse ponto, que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça poderão reconhecer o direito à gratuidade de justiça quando o benefício for requerido de forma incidental no processo (ex: A propõe Ação Indenizatória em face de B, sendo o pedido condenatório julgado improcedente pelo juiz de primeiro grau; A interpõe Apelação e o Tribunal de Justiça nega provimento ao recurso, mantendo a decisão prolatada pelo juízo a quo; inconformado, A maneja Recurso Especial, com o objetivo de ver aplicada corretamente lei federal; no entanto, quando os autos já se encontram no STJ, A sofre uma abrupta mudança superveniente de sua condição econômica, tornando-se absolutamente necessitado. Nesse caso, poderá requerer a gratuidade de justiça diretamente perante o STJ, sendo o pedido analisado incidentalmente pelo relator nos autos do recurso interposto). Entretanto, caso o pedido de gratuidade de justiça seja o próprio objeto do Recurso Extraordinário ou Especial interposto, a análise do mérito do pedido provavelmente esbarrará no óbice da Súmula nº 07 do STJ208 ou da Súmula nº 279 do STF209, que impedem o reexame de matéria fática pelos Tribunais Superiores (ex.: A requer a gratuidade de justiça ao juiz de primeiro grau, sendo o pedido indeferido em virtude da existência de provas que demonstram a abastada condição econômica do postulante; inconformado, A interpõe Agravo de Instrumento, sendo negado provimento ao recurso pelo Tribunal de Justiça; então, A maneja Recurso Especial alegando ofensa à Lei nº 1.060/1950. Nesse caso, como depende o STJ revolver matéria fática para analisar o direito à gratuidade de justiça, não poderá o recurso ser conhecido pela referida Corte)210. Em síntese conclusiva, portanto, o direito à gratuidade de justiça pode ser pleiteado e, consequentemente, reconhecido em qualquer fase do processo, desde a propositura da ação até o trânsito em julgado da sentença, passando inclusive pela fase recursal. Ressalta-se, por fim, que a gratuidade de justiça reconhecida durante a fase cognitiva abrangerá também a fase executiva, não sendo necessária a formulação de novo pedido (art. 9º da Lei nº
1.060/1950). No entanto, para a propositura de ação rescisória e de ação anulatória, será necessária a renovação do pedido, pois se trata de nova demanda. 3.14 DO RECONHECIMENTO DO DIREITO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA EX OFFICIO De acordo com a posição tradicional, o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça dependeria obrigatoriamente de manifestação da parte interessada, que deveria declarar que não possui condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 4º da Lei nº 1.060/1950). Com isso, seria vedado ao juiz ou tribunal realizar o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça ex officio, tornando-se necessária a formulação de pedido expresso pela parte interessada211. Nesse sentido, posiciona-se JOSÉ DOMINGUES FILHO, em estudo realizada sobre o tema: Em obediência ao disposto no caput do art. 4º da Lei nº 1.060/1950, é vedado ao magistrado conceder de ofício os benefícios da assistência judiciária gratuita. É necessário que a parte o requeira. (DOMINGUES FILHO, José. Op. cit., pág. 393)
Da mesma forma, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência nº 103.240/RS, entendeu ser inamissível o reconhecimento do direito à justiça gratuita sem a manifestação da parte interessada: Processual civil. Justiça gratuita. Concessão ex officio. Impossibilidade. Lei 1.060/1950, art. 4º. A concessão do benefício da assistência judiciária gratuita pressupõe a manifestação da parte interessada de que não tem condições para arcar com as despesas do processo, sendo vedado ao juiz conceder tal benefício ex officio. Embargos acolhidos. (STJ – Terceira Seção – EREsp nº 103240/RS – Relator Min. Felix Fischer, decisão: 22-03-2000)212
No entanto, por constituir direito fundamental constitucionalmente estabelecido, entendemos que o direito à gratuidade de justiça deve ser reconhecido ainda que inexista requerimento do interessado. Afinal, quando estabeleceu o dever estatal de prestar a assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV) e de garantir o amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV), a Constituição Federal não condicionou tal dever jurídico ao requerimento do necessitado. Em todo o texto constitucional não há nenhuma norma expressa ou implícita nesse sentido. Sendo assim, a exigência formal de apresentação da afirmação de hipossuficiência (art. 4º da Lei nº 1.060/1950) não deve ser vista como uma condição prévia e inafastável ao reconhecimento do direito à gratuidade – até porque, se ostentasse essa qualidade seria inegavelmente inconstitucional. Na verdade, ao prever que a hipossuficiência seria demonstrada por intermédio de simples afirmação, pretendeu o legislador facilitar o acesso das classes mais pobres à justiça, evitando que exigências probatórias relativas à incapacidade econômica acabassem impedindo ou dificultando a obtenção da tutela jurisdicional devida. Desse modo, não se mostra necessária a formulação de pedido expresso para que seja reconhecido o direito à gratuidade de justiça; se as circunstâncias da causa ou os elementos probatórios trazidos aos autos evidenciarem a incapacidade econômica da parte de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, poderá o juiz reconhecer de ofício o direito à gratuidade, dispensando o recolhimento antecipado das custas lato sensu.
Se a hipossuficiência econômica resta evidenciada por outros meios, mostra-se ilógica e desnecessária a exigência formal de afirmação da necessidade para que seja consolidado o reconhecimento do direito à gratuidade; seria como exigir o pedido de socorro daquele que se encontra pendurado em um penhasco, para que somente então lhe fosse prestada a competente ajuda. Corroborando esse posicionamento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente admitido o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça de ofício pelo juiz ou tribunal: Processual civil. Benefício da justiça gratuita. Concessão de ofício. Possibilidade. 1. A jurisprudência assente na sexta turma é no mesmo sentido preconizado pelo acórdão atacado, vale dizer, não há julgamento “extra petita” no deferimento “ex officio” do benefício da justiça gratuita. (STJ – Sexta Turma – REsp nº 102835/RS – Relator Min. Fernando Gonçalves, decisão: 09-091997) É dever do Estado prestar assistência judiciária integral e gratuita, razão pela qual, nos termos da jurisprudência do STJ, permitese a sua concessão ex officio. (STJ – Sexta Turma – REsp nº 320019/RS – Relator Min. Fernando Gonçalves, decisão: 05-032002) Constitucional. Processual civil. Assistência jurídica gratuita. Garantia constitucional. Encargos da sucumbencia. Suspensão. Concessão de ofício. A Constituição Federal assegura aos necessitados a assistência jurídica integral, o que não afasta a obrigação pelos encargos da sucumbência, que deve ser suspensa, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Tratando-se de garantia constitucional de alta relevância para o exercício dos demais direitos, impõe-se o seu reconhecimento, inclusive, de ofício, que não configura julgamento ultra petita. (STJ – Sexta Turma – REsp nº 103240/RS – Relator Min. Vicente Leal, decisão: 22-04-1997)
Além disso, por se encontrar diretamente ligado ao interesse estatal em arrecadar os valores necessários ao custeio fixo da administração da justiça, a análise do direito à gratuidade de justiça constitui autêntica matéria de ordem pública, podendo, por essa razão, ser conhecida a qualquer momento pelo magistrado, independentemente de provocação. Essa afirmação encontra respaldo, inclusive, no próprio art. 8º da Lei nº 1.060/1950, que permite a revogação ou cassação da gratuidade ex officio pelo juiz ou tribunal213. Assim como há o interesse público em impedir a indevida utilização gratuita dos serviços judiciais, também existe o interesse público em garantir o acesso daqueles que necessitem à justiça214. 3.15 DO ALCANCE TEMPORAL DA DECISÃO QUE RECONHECE O DIREITO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA Conforme analisado anteriormente, o pedido de gratuidade de justiça pode ser formulado por qualquer das partes, mediante simples afirmação de hipossuficiência, em qualquer fase do processo (art. 6º da Lei nº 1.060/1950). Em havendo o reconhecimento do direito à gratuidade, haverá a dispensa do pagamento das despesas inerentes a todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias (art. 9º da Lei nº 1.060/1950). Conforme leciona CLÉBER FRANCISCO ALVES, “uma vez concedida a gratuidade de justiça, o ‘benefício’ se estende automaticamente para todas as instâncias às quais seja necessário levar a questão, abrangendo inclusive a interposição de recursos, a propositura de ações incidentais, e ainda as medidas de execução judicial para tornar materialmente efetiva a prestação jurisdicional”215. Desse modo, resta dispensado novo procedimento formal para confirmar a gratuidade de justiça anteriormente reconhecida.
No entanto, não especificou o legislador a partir de qual momento produzirá a decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça seus regulares efeitos isentivos. Em virtude dessa omissão normativa, dois posicionamentos distintos e antagônicos foram arquitetados para elucidar o alcance temporal da gratuidade de justiça: de um lado, a corrente prospectiva defende que a decisão que reconhece o direito à gratuidade produziria apenas efeitos ex nunc, não alcançando as despesas processuais consolidadas em momento anterior à formulação do pedido; por outro, a corrente retroativa propugna a produção de efeitos ex tunc, sustentando que a decisão retroagiria para abranger todas as despesas processuais – passadas, presentes e futuras – havidas a partir do momento de surgimento da necessidade econômica da parte. 3.15.1 Corrente prospectiva
De acordo com a corrente prospectiva, embora o art. 6º da Lei nº 1.060/1950 admita a formulação do pedido de gratuidade em qualquer momento ou fase do processo, o alcance temporal deste dispositivo deveria ser aplicado de maneira restritiva. Por essa razão, o reconhecimento do direito à gratuidade só produziria efeitos “quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido, ou aqueles que lhe sejam posteriores, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade”216. Pretende-se, com isso, garantir o direito de acesso à justiça sem que seja prejudicada a segurança jurídica inerente aos atos processuais já praticados e às despesas processuais já consolidadas217. Desse modo, se o pedido de gratuidade for formulado no curso do processo, o reconhecimento do direito à justiça gratuita deverá abarcar o ato processual relacionado ao momento do pedido e todas as despesas processuais subsequentes218; nunca as despesas passadas219. Para facilitar a compreensão e assimilação da definição exposta, podemos imaginar o seguinte exemplo: A propõe ação indenizatória em face de B, não postulando a gratuidade de justiça na petição inicial. Durante a fase instrutória, no entanto, diante da exigência judicial de recolhimento dos valores relativos à perícia técnica, a fórmula pedido de gratuidade de justiça, afirmando sua incapacidade econômica de arcar com o pagamento das despesas processuais, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. Nesse caso, o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça abrangerá o ato processual relacionado ao momento do pedido (perícia técnica) e todas as demais despesas processuais ulteriores – não as despesas já pagas. Note que o pedido de gratuidade, mesmo tendo sido formulado após a determinação de recolhimento dos valores relativos à perícia, abrangerá também essa despesa; isso porque o alcance temporal da gratuidade compreende as despesas relativas os atos processuais relacionados ao momento do pedido e que ainda não foram realizados em virtude da impossibilidade de pagamento. As despesas anteriores, porém, não serão abrangidas pela gratuidade, mesmo que ao tempo do pagamento a parte já fosse tecnicamente hipossuficiente. Outra hipótese bastante recorrente na jurisprudência ocorre quando a parte vencida, depois de ser condenada ao pagamento das verbas sucumbenciais pela sentença (art. 20 do CPC), vem a interpor apelação e, somente então, postula a justiça gratuita. De acordo com a corrente prospectiva, a gratuidade reconhecida em sede recursal apenas ocasionará a dispensa do pagamento das despesas processuais subsequentes, não podendo retroagir para dispensar o pagamento das verbas sucumbenciais incluídas na sentença220. Exemplo: A propõe ação indenizatória em face de B, que não postula a concessão da gratuidade de justiça, seja na contestação ou em qualquer outro momento do
processo. Encerrada a instrução processual, o juiz profere sentença, julgando procedente o pedido autoral e condenando B ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Inconformado, B interpõe apelação e postula, em fase recursal, a concessão da gratuidade de justiça. Nesse caso, de acordo com a corrente prospectiva, mesmo que o direito à gratuidade seja reconhecido pelo tribunal em sede recursal, a isenção abrangerá apenas as despesas processuais vindouras, não interferindo na condenação sucumbencial imposta pela sentença. Defendendo os efeitos meramente prospectivos (ex nunc) da decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça, posicionou-se o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, em obra dedicada ao tema221: A concessão da justiça gratuita produz efeitos a partir do momento em que o benefício foi requerido. Trata-se de decisão de natureza declaratória, e não constitutiva: o Juiz não concede o benefício, mas sim reconhece – declara – que a parte tem direito à gratuidade. Assim, quaisquer pagamentos que devam ser feitos após o pedido de gratuidade tornam-se inexigíveis do beneficiário. Este fica isento de qualquer desembolso após o momento do requerimento. Mesmo que a custa ou despesa seja relativa a ato anterior ao pedido, mas que não tenha sido paga até então, fica compreendida na isenção. Isto porque, desde que formulado o pedido de gratuidade, não tem a parte condições de fazer qualquer pagamento, senão com prejuízo do seu sustento. O fato de o ato ser anterior ao benefício não torna a situação diferente, nem faz com que o sustento atual do carente deixe de ser prejudicado. A concessão não irá, porém, retroagir para atingir pagamentos já feitos pelo beneficiário. Neste caso, é de se presumir que se o pagamento foi realizado é porque a parte tinha condições econômicas para tanto, não se podendo exigir a repetição dos valores pagos. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 105)
Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo de maneira reiterada que o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça produz apenas efeitos ex nunc, não podendo a isenção alcançar despesas processuais já consolidadas: Processo civil. Justiça gratuita. Retroatividade. Impossibilidade. A concessão do benefício da assistência judiciário gratuita não possui efeito retroativo. Negado provimento ao agravo. (STJ – Terceira Turma – AgRg no AREsp 48841/PR – Relatora Min. Nancy Andrighi, decisão: 18-10-2011) A gratuidade da justiça pode ser concedida em qualquer fase do processo, dada a imprevisibilidade dos infortúnios financeiros que podem atingir as partes, impossibilitando-as de suportar as custas da demanda. Todavia, a concessão do benefício só produzirá efeitos quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido, ou que lhe sejam posteriores, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade. Agravo improvido. (STJ – Terceira Turma – AgRg no Ag nº 979.812/SP – Relator Min. Sidnei Beneti, decisão: 21-10-2008) A concessão do benefício da justiça gratuita não possui efeito ex tunc. (STJ – Quarta Turma – AgRg no Ag 1212505/RJ – Relator Min. Luis Felipe Salomão, decisão: 24-05-2011)
Por fim, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio da Súmula nº 42, consolidou a impossibilidade de retroação da gratuidade de justiça concedida no curso do processo, in verbis: Súmula nº 42 do TJ/RJ: O benefício da gratuidade de justiça, concedido no curso do processo, em ambos os graus de jurisdição, alcança os atos subsequentes, se comprovadas as condições supervenientes e sem depender de impugnação.
Atualmente, a corrente prospectiva tem se mostrado francamente dominante, sendo cada vez mais escassos os posicionamentos doutrinários e precedentes judiciais que esposam a aplicabilidade retroativa dos efeitos isentivos da decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça222. Por essa razão, para que usufrua da plenitude temporal da gratuidade, deverá o hipossuficiente pleitear o reconhecimento do direito no primeiro momento em que se manifestar nos autos – no caso do autor, na petição inicial, e do réu, na contestação. Caso a necessidade econômica seja superveniente,
deverá a parte requerer o reconhecimento do direito à justiça gratuita tão logo se consolide sua incapacidade financeira de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 1.060/1950). 3.15.2 Corrente retroativa
Embora seja amplamente minoritária, isolada e quase esquecida, entendemos que a corrente retroativa é a que melhor e de maneira mais técnica analisa a questão do alcance temporal da gratuidade de justiça. O testemunho de conveniência sustentado pela corrente prospectiva não convence, e, na verdade, nem tenta convencer. Simplesmente afirma que os efeitos da decisão que reconhece o direito à gratuidade são ex nunc, e pronto. Mas as coisas não são porque são; as coisas são por uma razão. E, no mundo jurídico, quando se decide seguir por determinado caminho sem saber justificar a razão da escolha deste percurso, se estará correndo o sério risco de ser vitimado pelo efeito manada – onde todos seguem o mesmo caminho desacertado, por presumirem que os demais sabem para onde estão indo. Não se pode primeiro buscar o efeito convenientemente pretendido, para depois tentar fundamentá-lo juridicamente; antes de buscar o efeito temporal consequente, é preciso analisar o fundamento jurídico antecedente. Dentro da classificação das decisões judiciais em relação aos seus efeitos principais223, a decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça possui preponderante natureza declaratória, pois apenas reconhece o direito à dispensa provisória do pagamento das despesas processuais. A decisão judicial não cria o direito à gratuidade de justiça, mas apenas declara sua existência precedente. Por essa razão, justamente por não criar, modificar ou extinguir relação ou situação jurídica, não pode esse provimento judicial ser classificado como constitutivo. Repita-se: a decisão apenas declara direito preexistente. Em virtude da natureza eminentemente declaratória dessa decisão, revela-se inadequada a utilização do verbo “conceder” ao se resolver a questão da gratuidade. Na verdade, o juiz não “concede” a gratuidade de justiça, mas reconhece ou declara a existência de tal direito224. Conforme o caso, o conteúdo dessa declaração poderá ter caráter positivo ou negativo; na primeira hipótese, a decisão reconhecerá a existência do direito à gratuidade (decisão declaratória positiva) e, na segunda, afirmará sua inexistência (decisão declaratória negativa). Independentemente do reconhecimento ou não da existência do direito, portanto, terá a decisão que resolve a questão da justiça gratuita preponderante eficácia declaratória. Como consequência natural e lógica dessa premissa, infere-se que o direito à gratuidade de justiça já existe antes da decisão judicial que o reconhece ou declara. O indivíduo passa a possuir o direito à gratuidade a partir do momento em que sua condição econômica o torne incapaz de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios sem o prejuízo do sustento próprio ou de sua família; surgindo a hipossuficiência econômica, com ela nasce o direito à gratuidade de justiça. Para que titularize o direito à gratuidade, portanto, o indivíduo não necessita de qualquer decisão
judicial que venha a criar ou estabelecer a gratuidade; o direito existe por si só. Tanto é assim que o desprovido de fortuna pode procurar o Cartório de Registro de Imóveis, por exemplo, e requerer a expedição gratuita de certidão, sem que necessite, para tanto, de decisão judicial precedente. Por essa razão, deverá ser conferida à decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça eficácia retroativa (ex tunc), permitindo-se que seus efeitos isentivos retornem ao momento de nascimento do fato gerador do direito, ou seja, ao momento de surgimento da hipossuficiência econômica. Não se mostra adequado atrelar os efeitos temporais da gratuidade ao momento da realização do pedido. Afinal, o direito à gratuidade de justiça constitui matéria de ordem pública, podendo ser reconhecível ex officio pelo magistrado; ou seja, em havendo a caracterização da situação de hipossuficiência econômica, encontra-se o juiz autorizado a reconhecer o direito à justiça gratuita independentemente da formulação de pedido pela parte beneficiária. Por isso, na hipótese de inatuação do órgão julgador, que apenas vem a reconhecer o direito à justiça gratuita tardiamente, melhor e mais adequado é permitir que os efeitos da decisão retroajam até o momento do nascimento do direito, outorgando ao carente de recursos a plena fruição temporal da gratuidade. Em síntese, portanto, sendo formulado o pedido de gratuidade no curso do processo (art. 6º da Lei nº 1.060/1950), a decisão que reconhecer o direito à justiça gratuita deverá retroagir até a data do surgimento da hipossuficiência econômica da parte, isentando-a do pagamento de todas as despesas processuais havidas desde então225. E as despesas processuais pagas pelo indivíduo quando já se encontrava em situação de hipossuficiência econômica? Em havendo o reconhecimento tardio do direito à gratuidade de justiça, seria admissível a restituição desses valores eventualmente pagos? Se o pagamento das despesas foi exigido pelo órgão julgador no momento em que a parte já possuía a condição de hipossuficiente, significa que a determinação de recolhimento dos valores foi exarada em violação ao direito à gratuidade de justiça. Logo, conclui-se ser o pagamento legalmente indevido, devendo ser aplicado ao caso o disposto no art. 165, I do CTN e no art. 876 do CC/2002, que estabelecem o direito a restituição total do indébito, seja qual for a modalidade de pagamento. Trata-se de manifestação tributária e civil da proibição do enriquecimento sem causa e do empobrecimento injustificado, noção, aliás, que informa todo o ordenamento jurídico brasileiro (nemo potest locupletari detrimento alterius). Em relação às despesas processuais que possuem natureza jurídica de tributo (custas em sentido estrito, taxa judiciária e emolumentos), deverá ser aplicada a norma do art. 165, I do CTN; no que pertine às demais espécies de despesas, a restituição do indébito deverá ser regulada pelo art. 876 do CC/2002. Ressalta-se apenas que, no âmbito tributário, não se exige a prova da ocorrência de erro no pagamento, como ocorre na seara civilista (art. 877 do CC/2002)226. Enquanto no direito civil se exige por parte do indevido solvens a comprovação de haver obrado em erro ou sob a falsa noção da realidade, para que haja a repetição do indébito tributário basta que seja evidenciada a inexistência ou a inexigibilidade do tributo. Por ter realizado o pagamento das despesas processuais sem antes pleitear o reconhecimento da
gratuidade de justiça, presume-se que a parte possuía condições econômicas de fazê-lo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família. Por isso, ao requerer eventual restituição, deverá a parte demonstrar que sua hipossuficiência econômica precedeu o pagamento das despesas processuais e que o empenho de tais valores no processo efetivamente comprometeu o acesso de seu núcleo familiar ao mínimo necessário à dignidade humana. Nesse ponto em específico, em virtude da própria peculiaridade jurídica da questão, excepciona-se a presunção iuris tantum de hipossuficiência estabelecida pelo art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950. Importante que fique claro, porém, que o pagamento das despesas processuais no momento em que já possuía o indivíduo a condição de hipossuficiente não gera a renúncia ou a perda do direito à gratuidade de justiça227. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em poucos e escassos precedentes, já reconheceu à decisão que declara o direito à gratuidade de justiça no curso do processo eficácia ex tunc, admitindo que seus efeitos isentivos retornassem ao momento inicial do processo: Ação de despejo por falta de pagamento agravo retido – Efeito retroativo da concessão do benefício da gratuidade de justiça. (…) Concedida a gratuidade no curso do processo, seus efeitos devem retroagir ao seu início. (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação nº 0142757-10.2003.8.19.0001 – Relator Des. José GERALDO ANTONIO, decisão: 30-08-2005) 1. Agravo de instrumento contra decisão que indefere o benefício da gratuidade de justiça, em renovação de pedido. 2. Requerente que afirmou sua miserabilidade jurídica, na forma do art. 4º da Lei 1060/1950 e juntou cópia de declaração prestada à Receita Federal. 3. Antecedentes jurisprudenciais autorizando a concessão do benefício, o que pode ocorrer em qualquer fase do processo e até gerar efeitos retroativos. 4. Provimento liminar do recurso, com aplicação do art. 557, § 1º-A, do CPC. (TJ/RJ – Nona Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0025084-57.2007.8.19.0000 – Relator Des. PAULO MAURICIO PEREIRA, decisão: 23-05-2007)
Do mesmo modo, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, em julgado proferido pelo Ministro GILSON DIPP , in verbis: O pedido de assistência judiciária gratuita pode ser apresentado a qualquer tempo, independentemente da fase processual em que se encontra a ação. O requisito a ser observado é o da comprovação do estado de pobreza, nos termos do § 1º, do art. 4º, da Lei nº 1.060/1950. O deferimento da assistência judiciária gratuita gera efeitos retroativos ao início do processo. O acórdão recorrido não decidiu em contrariedade ao art. 6º, da Lei nº 1.060/1950. (STJ – Quinta Turma – REsp 182521/PR – Relator Min. GILSON DIPP, decisão: 03-11-1998)
3.16 DAS FORMAS DE DENEGAÇÃO DO DIREITO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA E DOS EFEITOS TEMPORAIS PRODUZIDOS PELAS RESPECTIVAS DECISÕES A denegação do direito à gratuidade de justiça pode ocorrer de três formas distintas: a) não reconhecimento (ou indeferimento); b) revogação; e c) cassação. Em qualquer das hipóteses, terá a decisão denegatória natureza declaratória negativa, em virtude da declaração de inexistência do direito à justiça gratuita. O não reconhecimento (ou indeferimento) ocorre quando a gratuidade requerida na petição inicial, na contestação ou por petição autônoma em outro momento processual é negada de plano pelo juiz ou tribunal228. Nesse caso, ao analisar os autos, o direito à justiça gratuita não é reconhecido pelo julgador, por não ser a parte requerente considerada economicamente hipossuficiente, nos termos do art. 2º, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950. Como a parte goza da presunção iuris tantum de necessidade econômica, o não reconhecimento
do direito à justiça gratuita apenas poderá ocorrer quando o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, entender inverossímel a hipossuficiência afirmada (art. 5º da Lei nº 1.060/1950). Mesmo assim, antes de negar reconhecimento ao direito à gratuidade de justiça, deverá o magistrado determinar a intimação do postulante, para que esclareça sua alegada necessidade e, eventualmente, apresente provas que atestem sua hipossuficiência. Não havendo nos autos elementos que ponham em dúvida a necessidade econômica afirmada, deverá o magistrado reconhecer o direito à justiça gratuita de plano, cabendo à parte contrária impugnar a gratuidade e apresentar elementos probatórios concretos que desconstituam a presunção juris tantum do beneficiário. Cumpre salientar, porém, que em virtude da natureza eminentemente declaratória da decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça, deve-se ter muito cuidado ao utilizar o termo “indeferimento” – que morfologicamente se contrapõe ao termo “deferimento”. Ao resolver a questão da gratuidade, o juiz não “defere” ou “indefere” a justiça gratuita, mas “reconhece” ou “não reconhece” a existência de tal direito. Portanto, os termos “deferimento” ou “indeferimento” devem ser apenas utilizados ao se fazer referência ao pedido de reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, e não ao se referir ao direito em si, pois o que o juiz “defere” ou “indefere” é o pedido de gratuidade, e não propriamente o direito à gratuidade. A revogação e a cassação da justiça gratuita, por sua vez, apenas poderão ocorrer quando já reconhecido inicialmente o referido direito pelo juiz ou tribunal. Ocorrerá a revogação com o desaparecimento da hipossuficiência anteriormente ostentada pela parte. Nessa hipótese, o indivíduo, que anteriormente qualificava-se como necessitado econômico e que teve o direito à gratuidade de justiça devidamente reconhecido, sofre melhora significativa de sua saúde financeira, deixando a condição de hipossuficiente; em virtude disso, passa a possuir capacidade econômica de arcar com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, perdendo de maneira superveniente o direito à justiça gratuita. No caso da cassação, por outro lado, há uma equivocada avaliação inicial da condição econômica da parte, que é erroneamente considerada hipossuficiente. Nesse caso, embora o direito à gratuidade de justiça tenha sido inicialmente reconhecido, constata-se posteriormente que a parte nunca preencheu os requisitos necessários para a titularização do referido direito. Em síntese, portanto, conclui-se que na revogação o direito à gratuidade de justiça, inicialmente existente e judicialmente reconhecido, desaparece posteriormente em virtude da melhora superveniente da condição econômica do beneficiário. Já na cassação, o direito à gratuidade de justiça nunca existiu, sendo equivocamente reconhecido pelo juiz ou tribunal229. Tanto a revogação quanto a cassação poderá ser decretada de ofício pelo juiz ou tribunal, desde que reste evidenciado nos autos o desaparecimento ou a inexistência inicial da condição de hipossuficiente (art. 8º da Lei nº 1.060/1950)230. Do mesmo modo, qualquer interessado poderá requerer a revogação ou a cassação da gratuidade, por meio da competente impugnação, desde que prove o desaparecimento ou a inexistência dos requisitos essenciais ao reconhecimento do referido direito (art. 7º da Lei nº 1.060/1950)231. Seja de ofício ou mediante provocação, deverá o juiz ou tribunal sempre realizar a oitiva da parte, atendendo aos ditames do contraditório participativo (art. 5º, LV, da CRFB).
Nesse sentido, lecionando sobre as diferentes formas de denegação do direito à gratuidade de justiça, manifesta-se o professor HÉLIO MÁRCIO CAMPO: O indeferimento do pedido de assistência judiciária dá-se de plano pelo juiz ou pelo tribunal, quer tenha ela sido requerida na peça provocativa da tutela jurisdicional, quer na ocasião da contestação, quer, ainda, por petição autônoma em qualquer fase do processo. A decisão indeferitória da postulação funda-se, nessa circunstância, na conclusão de não ter o peticionário direito ao beneplácito, por não ser necessitado nos termos do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 1.060/1950. (…) A revogação e a cassação do benefício operam-se quando já concedido este, em qualquer instância ou tribunal. Ocorre a revogação com o desaparecimento do requisito objetivo constante do parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 1.060/1950, de sorte a não ser mais necessitado. A apuração da inexistência do requisito necessário à respectiva concessão leva à cassação do benefício da assistência judiciária. Tanto o desaparecimento do estado de necessidade assim como a inexistência deste requisito no momento da postulação poderão ser conhecidos de ofício pelo juiz, em qualquer fase da lide, que decretará a revogação ou cassação do benefício, após ouvida a parte interessada dentro de quarenta e oito horas (art. 8º, da Lei n. 1.060/1950). Da mesma forma, poderão os sujeitos da relação jurídica de direito processual, aí incluído o Ministério Público, provocarem o órgão judicial, por meio da competente impugnação, no sentido de ser revogado ou cassado o benefício da assistência judiciária. (CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 96/97)
Os efeitos temporais produzidos pela decisão denegatória do direito à gratuidade de justiça, por sua vez, irão variar de acordo com a espécie de decisão proferida pelo julgador. No caso do não reconhecimento (ou indeferimento), como a gratuidade de justiça é negada de plano, não há a produção de qualquer efeito temporal anômalo. O direito simplesmente não é reconhecido pelo juiz ou tribunal e, consequentemente, a parte restará obrigada a realizar normalmente o recolhimento antecipado de todas as despesas processuais (art. 19 do CPC). Por outro lado, na hipótese de revogação da justiça gratuita, como a parte inicialmente possuía a condição de hipossuficiente e posteriormente sofreu melhora significativa de sua condição econômica, a decisão revogatória produzirá efeitos a partir da data em que se verificar o desaparecimento do estado de necessitado232 (ex.: juiz reconhece em favor de A o direito à gratuidade de justiça no momento do despacho inicial; no curso do processo, A ganha na loteria e deixa de qualificar-se como hipossuficiente; nesse caso, após a revogação da gratuidade, deverão ser cobradas de A apenas as despesas vindouras, não podendo a revogação retroagir para atingir as despesas passadas, relativas aos atos processuais já praticados). Na verdade, como a gratuidade de justiça se caracteriza pela dispensa provisória do pagamento das despesas processuais, os valores das despesas anteriores à revogação poderão ser objeto de cobrança, em face da parte sucumbente, apenas ao final do processo (art. 20 do CPC c/c Enunciado nº 18 do Aviso nº 17/2006 do FETJ)233. No caso da cassação, entretanto, como a condição de hipossuficiente nunca chegou a ser efetivamente ostentada pela parte, tendo sido o direito à gratuidade de justiça equivocadamente reconhecido pelo juiz ou tribunal, a decisão cassatória produzirá efeitos retroativos, obrigando o pagamento imediato de todas as despesas processuais passadas e presentes, bem como o pagamento oportuno de eventuais despesas futuras234 (ex: juiz reconhece em face de A o direito à gratuidade de justiça no momento do despacho inicial; no curso do processo, porém, descobre-se que A na verdade nunca foi hipossuficiente, sendo então cassada a gratuidade; nesse caso, para prosseguir regularmente com o processo, deverá A realizar o recolhimento de todas as despesas processuais das quais foi
dispensado do pagamento por conta da gratuidade)235. Corroborando esse posicionamento e delineando de maneira técnica a diferença entre os efeitos temporais produzidos pela decisão de revogação e de cassação da gratuidade de justiça, leciona CLÉBER FRANCISCO ALVES: No caso de revogação do “benefício” por “desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão”, os efeitos da decisão judicial serão ex nunc, ou seja, não retroativos. Já em caso de cassação do “benefício” quando se constatar que jamais existiram tais requisitos, os efeitos serão ex tunc, ou seja, retroativos. (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 289)
A jurisprudência, entretanto, não tem tratado a questão de forma rigorosamente técnica, sendo geralmente negligenciada a diferenciação conceitual entre os institutos da revogação e da cassação236; em grande parte, essa atecnia se deve à própria Lei nº 1.060/1950, que, além de não regulamentar os efeitos temporais produzidos pelas decisões que denegam o direito à gratuidade, se utilizou do termo revogação para cuidar, de forma indistinta, das hipóteses de desaparecimento superveniente e de inexistência inicial da condição de hipossuficiente (arts. 7º e 8º). Dessa forma, seja na hipótese de modificação superveniente de fortuna ou de errônea avaliação inicial da condição econômica da parte, os tribunais geralmente têm determinado o recolhimento retroativo de todas as despesas processuais237. 3.17 DA IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA Para o deferimento da gratuidade de justiça mostra-se desnecessária a manifestação da parte contrária (art. 5º da Lei nº 1.060/1950), haja vista ser o pedido endereçado ao Estado, verdadeiro e único arrecadador das custas, e não em face do outro litigante. Contudo, como o beneficiário da gratuidade de justiça se encontra dispensado do pagamento dos honorários sucumbenciais e de eventual despesa que a outra parte tenha adiantado (art. 12 da Lei nº 1.060/1950), não resta dúvida que o outro litigante também será atingido pelo reconhecimento do direito à gratuidade de justiça. Desse modo, para que se evite a infração ao princípio do contraditório, a outra parte poderá impugnar a gratuidade de justiça, nos termos do art. 7º da Lei nº 1.060/1950, requerendo a revogação ou a cassação do benefício238. A expressão “parte contrária” deve ser interpretada de forma ampla, compreendendo qualquer interessado que participe do processo, inclusive o Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei. Não há necessidade de que o impugnante se situe no polo oposto da relação processual; mesmo o litisconsorte de quem foi beneficiado pela gratuidade pode ter interesse em requerer a revogação ou cassação, haja vista a possibilidade de divisão das despesas processuais entre ambos239. Por outro lado, “estão excluídos de formularem a impugnação os que não fazem parte da relação jurídica de direito processual, muito embora o juízo de deferimento possa lhes trazer efeitos reflexos, tais como os auxiliares do juízo”240. De acordo com o art. 7º da Lei nº 1.060/1950, a impugnação pode ter como fundamento duas situações distintas: inexistência inicial ou desaparecimento superveniente da condição de hipossuficiente. No primeiro caso, a gratuidade será revogada e no segundo cassada, conforme analisado anteriormente.
Tendo em vista a presunção estabelecida pelo art. 4º, § 1º da Lei nº 1.060/1950 e as regras probatórias do art. 333 do CPC, o ônus de provar a inexistência ou o desaparecimento da condição de pobreza é do impugnante. De fato, o próprio art. 7º da Lei nº 1.060/1950 deixa isso claro ao prever que o impugnante poderá requerer a revogação ou cassação da gratuidade de justiça, “desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão”. Nesse sentido, tem se posicionado de maneira reiterada o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: O Tribunal de origem concluiu que, uma vez ofertada impugnação ao pedido de justiça gratuita, tal incidente seria suficiente para inverter o ônus da prova aos requerentes, cabendo a estes a demonstração de que não possuem condições financeiras para arcar com as despesas processuais. Ao considerar-se que cabe ao requerente da assistência judiciária gratuita provar sua condição de miserabilidade, foi olvidada a regra enunciada no art. 7º da Lei n.º1.060/1950, segundo a qual o ônus da prova sobre suposta inveracidade da declaração firmada pelo postulante incumbirá à parte adversa. Precedentes. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ – Segunda Turma – REsp 1211838/SP – Relator Min. CASTRO MEIRA, decisão: 02-12-2010) AGRAVO REGIMENTAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO LEGAL. ÔNUS DA PROVA. Para o benefício de assistência judiciária basta requerimento em que a parte afirme a sua pobreza, somente sendo afastada por prova inequívoca em contrário a cargo do impugnante. Precedentes. (STJ – Terceira Turma – AgRg no Ag 509905/RJ – Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, decisão: 29-11-2006)
Para comprovar a inexistência ou o desaparecimento superveniente da condição de hipossuficiente, todos os meios de prova são admitidos, desde que idôneos a demonstrar a situação econômica incompatível com a gratuidade de justiça. Caso seja necessária a produção de prova oral, poderá o juiz, inclusive, designar audiência de instrução especialmente para esse fim241. A impugnação deverá obrigatoriamente ser formulada por petição autônoma que será autuada em apartado, de modo a não suspender ou prejudicar o trâmite processual nos autos principais. Em sendo a impugnação oferecida dentro da contestação, deve ser rejeitada de plano pelo magistrado242. Embora a lei se mostre omissa, após a apresentação da impugnação à gratuidade, deverá o impugnado se manifestar sobre as alegações do impugnante, em respeito à ampla defesa e ao contraditório. Como a Lei nº 1.060/1950 não estabeleceu prazo, deve-se aplicar o prazo genérico de 05 dias previsto pelo art. 185 do Código de Processo Civil243, em não sendo assinado outro pelo magistrado (art. 177, in fine, do CPC). Em seguida, após a manifestação do impugnado, deverá o juiz deliberar sobre as provas, especificando-as se entender necessária a produção de outras além das já apresentadas, ou julgar antecipadamente a lide, em não havendo demais provas a serem produzidas. Em relação ao momento adequado para o oferecimento da impugnação, o art. 7º da Lei nº 1.060/1950 admite seja a revogação ou cassação requerida “em qualquer fase da lide”. No que tange ao desaparecimento da condição de hipossuficiente no curso do processo, mostrase intuitiva a razão da regra: por tratar-se de evento futuro e incerto, só poderá ser oferecida a impugnação se e quando ocorrer a melhora superveniente da condição econômica do beneficiário. No entanto, em relação à hipótese de inexistência inicial dos requisitos para a concessão da gratuidade, mais difícil se afigura a compreensão da flexibilidade temporal estabelecida pelo legislador244. De acordo com o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, a opção do legislador “se justifica na medida em que a parte contrária pode não conhecer com precisão a condição econômica do requerente da gratuidade, de modo que, vindo a descobrir posteriormente fatos que demonstram
existência de situação econômica avantajada, possa impugnar fundamentadamente a concessão do benefício”245. Apesar de legítima a opção do legislador, melhor seria submeter a impugnação fundada na inexistência initio litis da condição de hipossuficiente ao prazo regular de resposta, sob pena de preclusão. Afinal, como a inexistência da hipossuficiência econômica do beneficiário o acompanha desde o início do processo, seria adequado subordinar a impugnação à norma do art. 300 do CPC. Todavia, em virtude da expressa disposição legal, seja por conta da inexistência ou do desaparecimento superveniente da condição de hipossuficiente, poderá a impugnação ser oferecida em qualquer fase do processo, até o seu final trânsito em julgado (art. 7º da Lei nº 1.060/1950). Assim, nada impede seja a impugnação oferecida durante a fase de conhecimento, após a prolação da sentença ou mesmo na fase recursal. Sendo a revogação ou a cassação requerida após a prolação da sentença e antes da realização do primeiro juízo de admissibilidade do recurso pelo juízo a quo, caberá ao magistrado de primeira instância processar o pedido. No entanto, se a impugnação for oferecida após o primeiro juízo de admissibilidade, por questão de conveniência processual, é mais razoável que o apenso relativo à impugnação da gratuidade acompanhe o processo e que seu curso se desenvolva em segunda instância. Se a cassação da gratuidade for requerida após a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça, para o julgamento da apelação, deverá o pedido ser processado nos termos do Regimento Interno do Tribunal. Nesse caso, a impugnação preferencialmente deverá ser instruída com a documentação necessária para ilidir a presunção de hipossuficiência erigida em favor do beneficiário da gratuidade; no entanto, caso seja necessária a colheita de prova oral, poderá o tribunal baixar os autos para diligências ou expedir a competente carta de ordem. Dissertando sobre o processamento da impugnação à gratuidade perante o Tribunal de Justiça, leciona o Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, com seu particular conhecimento prático sobre a matéria: Em segunda instância, o relator do processo poderá de ofício revogar o benefício, colhendo a manifestação anterior da parte, salvo se o regimento interno do tribunal a que pertencer dispuser de forma diversa. Em regra, é ao relator como juiz preparador que compete proferir decisão dessa espécie. Assim como em primeira instância a revogação pode ser incluída no corpo da sentença, também a câmara poderá no acórdão agir da mesma forma, sempre ouvindo antes o interessado sobre as razões que recomendam a medida. É comum ela ser pleiteada de forma imprópria dentro de razões de apelação ou de contrarrazões. No primeiro caso, seu exame é possível desde que na sentença apelada haja decisão sobre a matéria. Nas outras hipóteses, essa pretensão não deve ser conhecida. (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 63)
A interpretação literal do art. 7º da Lei nº 1.060/1950 conduz à conclusão de que, mesmo superadas as vias ordinárias, poderia a revogação ou a cassação ser pleiteada perante o STF e o STJ, enquanto pendente de exame recursos extraordinário e especial. Entretanto, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 63, parágrafo único)246 e o Regime de Custas do Superior Tribunal de Justiça (art. 13, parágrafo único)247 determinam a prevalência da gratuidade de justiça já reconhecida em outras instâncias. Com efeito, o pedido de revogação ou de cassação da justiça gratuita não poderá ser formulado perante as instâncias extraordinárias e especial, até porque essas instâncias nos processos comuns apenas analisam matérias de direito, não cabendo avaliar a matéria fática que envolve a questão da gratuidade248.
Por fim, após o trânsito em julgado da sentença não será mais admissível o oferecimento da impugnação à gratuidade, tendo em vista o encerramento da relação processual. Nesse caso, como não há mais processo em curso, o interesse em demonstrar a capacidade econômica da parte contrária apenas existirá na hipótese de sucumbência do beneficiário da gratuidade de justiça, ocasião em que a sentença o condenará ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 20 do CPC) e suspenderá a exigibilidade do crédito pelo prazo de 5 anos (art. 12 da Lei nº 1.060/1950). Se dentro desse período o beneficiário perder a condição de hipossuficiente, poderá a parte contrária promover a execução do crédito sucumbencial, indicando na inicial executiva que o devedor sucumbente passou a apresentar condições econômicas de arcar com o pagamento dos referidos valores, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Por outro lado, havendo o decurso do prazo quinquenal sem que o beneficiário sucumbente perca a condição de hipossuficiente, o crédito se tornará definitivamente inexigível. Sendo assim, conclui-se que, após o trânsito em julgado, o direito à gratuidade de justiça não mais será objeto de discussão por intermédio de impugnação, devendo ser eventualmente questionado na própria fase executiva, conforme será detalhadamente analisado mais adiante, ao estudarmos o art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Embora a impugnação à gratuidade possa ser oferecida “em qualquer fase da lide” (art. 7º da Lei nº 1.060/1950), isso não significa que o mesmo pedido de revogação ou cassação possa ser sucessivamente reiterado pelo impugnante ao longo do processo. Realizada a impugnação e sendo esta julgada improcedente por cognição exauriente, opera-se a coisa julgada material, sendo vedada a renovação do pedido com base nos mesmos argumentos anteriormente rejeitados. Caso entenda ser desacertada a decisão de improcedência da impugnação, deverá o impugnante interpor tempestivamente o recurso cabível; do contrário, apenas poderá requerer novamente a revogação ou cassação da gratuidade com base em novos fatos, desconhecidos no momento da impugnação antecedente249. Seguindo essa linha, leciona CLÉBER FRANCISCO ALVES, in verbis: A decisão que julgar improcedente a impugnação à gratuidade de justiça faz coisa julgada, se não houver interposição de recurso, quando aos fatos alegados pelo impugnante. Isto não impede, todavia, que com base em outros fatos desconhecidos no momento em que foi suscitada a impugnação, venha a ser novamente requerida a revogação ou a cassação da gratuidade de justiça instaurando-se para tanto novo procedimento de impugnação cuja petição será também autuada em apartado, em apenso aos autos principais. Também existe a possibilidade de o juiz, de ofício, revogar ou cassar o “benefício”, desde que o faça com base em fatos diversos daqueles já apreciados em impugnação previamente decidida. (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 290)
Antes de encerrarmos o presente tópico, torna-se importante esclarecer, para que não subsistam dúvidas, que a impugnação regulada pelo art. 7º da Lei nº 1.060/1950 hostiliza apenas o direito à gratuidade de justiça; esse procedimento incidental não possui qualquer relação direta com o direito à assistência jurídica gratuita. Conforme estudado anteriormente, a avaliação e reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita, nos atendimentos prestados pela Defensoria, constitui prerrogativa exclusiva do Defensor Público. Desse modo, eventual revogação ou cassação da gratuidade de justiça pelo Poder Judiciário não provocará qualquer interferência direta na continuidade da prestação da assistência jurídica gratuita pela Defensoria Pública. Nada impede que o Defensor Público, com base nas informações constantes do procedimento de
impugnação à gratuidade de justiça, deixe de prestar a assistência jurídica gratuita ao indivíduo, por entender que a sua situação econômica se mostra incompatível com o referido direito – seja pela constatação da inexistência inicial ou pelo desaparecimento superveniente da condição de hipossuficiente. Contudo, a avaliação acerca da subsistência do direito à assistência jurídica gratuita deverá ser realizada única e exclusivamente pelo Defensor Público. Assim como não existe qualquer procedimento específico traçado em lei prevendo a forma como deverá ser reconhecido o direito à assistência jurídica gratuita pela Defensoria Pública, também não há qualquer exigência procedimental para as hipóteses de interrupção da prestação do serviço assistencial em virtude da constatação da inexistência ou do desaparecimento superveniente da condição de hipossuficiente. Todavia, caso seja constatado pelo Defensor Público que a situação econômica do indivíduo se mostra incompatível com o direito à assistência jurídica gratuita, deverá informar nos autos que a parte não mais se encontra sendo assistida pela Defensoria Pública e requerer a intimação do assistido para que constitua advogado particular250, nos termos do art. 13 do CPC. Além disso, deverá o Defensor Público dar imediata ciência do fato ao Defensor Público Geral, atendendo ao disposto no art. 4º, § 8º, da Lei Complementar nº 80/1994. 3.18 DA NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL QUE RESOLVE A QUESTÃO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA Diante da nova redação conferida ao art. 4º da Lei nº 1.060/1950 pela Lei nº 7.510/1986, alguns doutrinadores chegaram a sustentar que a gratuidade de justiça independeria de decisão judicial, pois o referido artigo prevê que “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”251. De fato, a fruição da gratuidade de justiça nos atos extrajudiciais independe de prévia decisão judicial que reconheça o direito à isenção. Assim, poderá o necessitado econômico comparecer ao Cartório de Registro Geral de Imóveis, por exemplo, e requerer gratuitamente a expedição de certidão de ônus reais, sem que precise, para tanto, de uma decisão judicial prévia que declare o direito à gratuidade. No entanto, no caso da justiça gratuita destinada para fins processuais, não se revela admissível o reconhecimento automático da gratuidade, ou mesmo o autorreconhecimento realizado pela própria parte. Nesse caso, como existe relação processual instaurada e submetida à análise do juiz, o reconhecimento ou não do direito à gratuidade de justiça obrigatoriamente deve passar pelo crivo do magistrado252. Deve-se observar, nesse ponto, que o art. 5º da Lei nº 1.060/1950, ainda em vigor, estabelece expressamente que o juiz deverá julgar de plano o pedido de gratuidade de justiça, dentro do prazo impróprio de 72 horas, devendo deferir o pedido à parte requerente a menos que possua fundadas razões para indeferi-lo. Com efeito, não resta dúvida que a gratuidade de justiça para fins processuais deve ser submetida à indispensável análise e julgamento do juiz condutor do processo; eventual omissão do órgão
julgador acerca do pedido de gratuidade formulado não traduz o reconhecimento automático do direito253. De acordo com AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI: A concessão da gratuidade deve sempre ser deferida por ato decisório do Juiz. Se este não se manifestar acerca do pedido de justiça gratuita formulado pela parte, convém reiterá-lo, a fim de obter decisão expressa sobre a questão. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 101)
Questão controvertida, no entanto, refere-se à necessidade ou não de fundamentação da decisão que reconhece ou não reconhece o direito à gratuidade de justiça. De acordo com uma primeira corrente, apenas a decisão de não reconhecimento da gratuidade precisaria ser fundamentada, sendo a motivação dispensada nas hipóteses de reconhecimento do direito. Esse posicionamento possui fundamento na interpretação literal do art. 5º da Lei nº 1.060/1950, segundo o qual o juiz deverá julgar o pedido de gratuidade “motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas”. Desse modo, teria o legislador criado clara diferenciação entre as decisões de reconhecimento e não reconhecimento do direito à gratuidade de justiça: no primeiro caso, não haveria opção, sendo obrigatória a devida fundamentação da decisão denegatória; no caso oposto, entretanto, seria ao magistrado aberta a faculdade de fundamentar ou não o reconhecimento do direito. Segundo essa corrente, quando o juiz reconhece o direito à gratuidade de justiça, o faz por não ter encontrado motivos suficientes para não reconhecê-lo, deixando, assim, prevalecer a presunção iuris tantum de veracidade da hipossuficiência afirmada. Dessa forma, embora possua conteúdo decisivo, a decisão de reconhecimento do direito à gratuidade se equipararia ao despacho de mero expediente, pois apenas declararia a validade da presunção de hipossuficiência legalmente afirmada. Nesse sentido, posicionou-se o Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, em obra dedicada ao tema: O indeferimento será sempre motivado com indicação das fundadas razões que o sustentam. O deferimento não precisa de exposição de seus fundamentos. Esse procedimento não viola o princípio constitucional da motivação das decisões (art. 93, IX da Constituição Federal). Deve ser entendido que, quando o juiz defere pura e simplesmente o requerimento sem expor suas razões, ele o está fazendo por não ter encontrado motivos relevantes para decidir de forma contrária. Somente viria retardar o andamento já moroso dos processos se, em decisões semelhantes, fosse exigida a exposição dos fundamentos do deferimento. Se vingasse a exigência, o resultado seria o uso de fórmulas vazias do tipo “presentes os requisitos legais, defiro o requerido” sem que a prestação jurisdicional se apresentasse como melhor por causa disso. A motivação, em regra, é essencial para afastar o arbítrio judicial, mas somente se faz necessária quando o juiz esteja realmente decidindo algo. Quando seu despacho se apresenta como se fosse de mero expediente, porque ainda que havendo decisão, ela decorre apenas de exame formal de requisitos de pedido, não há lugar para motivação. Caso se entenda de forma diversa, ao ordenar citação em qualquer processo, por exemplo, teria o juiz de demonstrar que a inicial não é inepta ou que não estão presentes razões justificativas do seu indeferimento. Há quem argumente, ainda, que a concessão sem fundamentação e sem ouvir a parte contrária não viola os princípios da motivação das decisões judiciais e do contraditório, em virtude da provisoriedade do deferimento, sempre sujeito à revogação de ofício ou por provocação da parte contrária se forem demonstrados ausentes os requisitos para a obtenção do benefício. (VIDIGAL, Maurício. Lei de Assistência Judiciária Interpretada, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, pág. 28)
Por outro lado, uma segunda corrente, a qual nos filiamos, defende que ambas as decisões deverão ser devidamente fundamentadas, independentemente de tratar-se de reconhecimento ou não reconhecimento do direito à gratuidade de justiça. De acordo com essa corrente, o art. 5º da Lei nº 1.060/1950 deve ser interpretado em conformidade com o art. 93, IX da Constituição Federal, que determina a obrigatoriedade de fundamentação de todos as decisões proferidas pelo Poder Judiciário254.
Além disso, não se pode confundir despacho de mero expediente com decisão interlocutória. O despacho de mero expediente constitui ato de mera ordenação do processo, desprovido de qualquer carga decisória e marcado pela irrecorribilidade (art. 162, § 3º, do CPC). A decisão interlocutória, por sua vez, resolve questão incidente no curso do processo, sem extingui-lo ou sem extinguir a fase processual de conhecimento ou liquidação, sendo impugnável pelo recurso de agravo (art. 162, § 2º, do CPC)255. Com efeito, por possuir inegável conteúdo decisório, o ato judicial que resolve a questão da gratuidade classifica-se como decisão interlocutória, estando sujeita à obrigatoriedade de fundamentação. A possibilidade de ser revogada ou cassada a gratuidade a qualquer momento não é motivo suficiente para dispensar a fundamentação da decisão que analisa o referido direito. Afinal, o deferimento ou indeferimento da tutela antecipada também pode ser revisto a qualquer momento, e ninguém ousaria dizer que tal decisão não precisaria ser fundamentada. Por fim, importante observar que, embora necessite de obrigatória fundamentação, a decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça, por ser decisão interlocutória extremamente simples, não necessita de motivação extensa ou profunda; basta que reconheça a miserabilidade afirmada e afaste a quebra da presunção juris tantum de veracidade da afirmação, em virtude da ausência de outros elementos probatórios256. De fato, a decisão utilizará de fórmula comum a ser aplicada na grande maioria dos processos, de forma automática e repetitiva; no entanto, a utilização de modelos de decisões decorre da notória e reconhecida repetitividade de causas semelhantes no poder judiciário. O simples fato de uma questão jurídica se mostrar repetitiva não afasta a necessidade de motivação. Sustentando esse posicionamento, tem-se a abalizada doutrina do professor HÉLIO MÁRCIO CAMPO: Muito embora o art. 5º, caput, da Lei nº 1.060/1950 faculte ao juiz motivar ou não o juízo de prelibação, esta parcela dispositiva está superada, haja vista que, por imposição do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, toda a decisão judicial tem de estar fundamentada. Concedendo ou não o benefício, o juiz ou o tribunal têm de expor as razões de seu convencimento, mesmo que de forma concisa (art. 165 do Código de Processo Civil), a fim de possibilitar a qualquer um dos sujeitos da relação jurídica processual manejar o recurso apropriado, de modo a precisar os motivos pelos quais está a impugnar a decisão. (CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 71)
3.19 DO RECURSO CABÍVEL CONTRA AS DECISÕES DE INDEFERIMENTO, CASSAÇÃO E REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA De acordo com o art. 17 da Lei nº 1.060/1950, “caberá apelação das decisões proferidas em consequência da aplicação desta lei; a apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença conceder o pedido”257. Pela análise literal do dispositivo, temos a impressão que toda e qualquer decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça se classifica como sentença e que o recurso cabível para impugná-la seria sempre a apelação. No entanto, mais uma vez a redação da Lei nº 1.060/1960 revela-se incorreta, inadequada e deselegante. Na verdade, para que se realize a adequada identificação do recurso cabível para impugnar
determinada decisão, antes de mais nada se deve identificar a natureza do provimento judicial impugnado. Diante da sistemática do art. 162 do CPC (recentemente alterada pela Lei nº 11.232/2005), a correto reconhecimento da natureza jurídica de determinada decisão depende da análise do conteúdo (art. 162, § 1º) e da finalidade (art. 162, §§ 2º e 3º) do ato judicial: Art. 162: Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.
De acordo com os professores NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, “toda e qualquer decisão do juiz proferida no curso do processo, sem extingui-lo, ou sem extinguir a fase processual de conhecimento ou de liquidação, seja ou não sobre o mérito da causa, é interlocutória”258. Por sua vez, “sentença é o pronunciamento do juiz que contém uma das matérias do CPC 267 ou 269 e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou a fase de conhecimento no primeiro grau de jurisdição”259. Dessa forma, para que se classifique como sentença, o ato decisório deverá (i) conter uma das matérias previstas nos art. 267 e 269 do CPC (art. 162, § 1º) e, cumulativamente, (ii) extinguir o processo ou a fase de conhecimento (art. 162, § 2º, a contrario sensu). Se o pronunciamento for proferido no curso do processo, sem colocar termo à relação processual, deverá ser definido como decisão interlocutória, mesmo que contenha alguma das matérias elencadas nos arts. 267 e 269 do CPC. Como exemplo, podemos citar a hipótese de exclusão de litisconsorte, em virtude de sua ilegitimidade (art. 267, VI, do CPC); nesse caso, mesmo julgando a causa em relação ao litisconsorte excluído, a decisão será classificada como interlocutória, pois o processo continua em relação ao outro litisconsorte260. Em outra hipótese, será também interlocutória a decisão que indefere parcialmente a inicial, por reconhecer a decadência de um dos pedidos cumulados; isso porque, embora tenha resolvido o mérito de um dos pedidos ao reconhecer decadência (art. 269, IV do CPC), o processo irá prosseguir, com a citação da parte ré para responder aos outros pedidos iniciais. Além disso, importante que se compreenda que o termo processo deve entendido de forma ampla, abrangendo o conjunto de todas as relações processuais deduzidas cumulativamente ou processadas em simultaneus processus. Assim, será considerada interlocutória a decisão que extinguir a reconvenção, ainda que com julgamento do mérito; isso porque o processo é o conjunto da ação principal e da ação reconvencional, de modo que a decisão que extingue uma delas será classificada como interlocutória, pois o processo não se extinguiu. Do mesmo modo, a decisão que julga a exceção de incompetência ou a impugnação ao valor da causa será também considerada interlocutória, embora resolva incidente processual autuado em apartado. Diante disso, a decisão que deferir ou indeferir o pedido de gratuidade de justiça initio litis, ou que reconhecer, revogar ou cassar o direito à gratuidade no curso do processo será sempre classificada como interlocutória, pois o juiz resolve questão incidente sem extinguir o processo ou
fase processual de conhecimento. Do mesmo modo, a decisão que julgar a impugnação a gratuidade de justiça será também considerada interlocutória, porque, embora resolva incidente processual autuado em apartado, não extingue todo o conjunto de relações processuais deduzidas em juízo261. Nesse sentido, leciona o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, com sua particular didática: O ato do juiz, que resolve o pedido de justiça gratuita, seja nos próprios autos do processo, seja em procedimento autuado em apartado, no caso de haver impugnação da parte contrária, não é sentença, mas decisão interlocutória. Em nenhum dos dois casos o processo se extingue. Não vemos qualquer diferença, no fato de haver ou não autuação em separado, que possa justificar uma classificação diferente ao ato decisório. É que a impugnação, embora autuada em apartado, não dá origem a uma outra relação processual, mas apenas a um procedimento incidente. A decisão, portanto, encerra o procedimento incidente, mas não o processo, de modo que sentença não pode ser. A autuação em apartado guarda semelhança com outros procedimentos incidentes previstos no Código, como a exceção de incompetência e a impugnação ao valor da causa. E tais incidentes são resolvidos por decisão interlocutória. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 104)
O sistema processual civil estabelece simétrica correspondência entre a natureza do ato judicial recorrível e o recurso contra ele cabível: (i) da sentença caberá apelação (art. 513); (ii) da decisão interlocutória caberá agravo (art. 522); e (iii) o despacho de mero expediente será irrecorrível (art. 504). Sendo assim, por possuir a decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça natureza jurídica de decisão interlocutória, a lógica normativa do art. 522 do CPC indicaria o cabimento de agravo de instrumento, seja quando a decisão fosse prolatada no curso do processo principal ou em incidente processual autuado em apartado. Todavia, a doutrina e a jurisprudência tem adotado solução intermédia, resgatando a vigência do art. 17 da Lei nº 1.060/1950 e harmonizando-o com a sistemática recursal do Código de Processo Civil262. Com isso, realizando uma separação didática das hipóteses recursais, teremos o seguinte quadro:
• Decisão proferida nos autos principais durante o regular curso do processo – agravo de instrumento: Quando a decisão que resolve a questão da gratuidade for proferida nos autos do processo principal, durante seu regular transcurso, será cabível a interposição de agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do CPC263. Nesse caso, como a interposição de apelação inevitavelmente prejudicaria o regular prosseguimento do processo, tem-se entendido ser o agravo de instrumento a via recursal mais adequada para possibilitar o reexame da matéria pelo Tribunal. Sendo assim, a decisão que deferir ou indeferir o pedido de gratuidade de justiça initio litis, ou que reconhecer, revogar ou cassar o direito à gratuidade no curso do processo será sempre impugnável por intermédio de agravo de instrumento264. In hujusmodis causis, tem sido este o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça: Conforme entendimento desta Corte, em se tratando de decisão sobre gratuidade de justiça nos autos da ação principal e não em autos apartados, o recurso cabível é o agravo de instrumento, em razão da natureza interlocutória do decisum. (STJ – Quarta Turma – AgRg no Ag 737212/SP – Relator Min. JORGE SCARTEZZINI, decisão: 20-06-2006) INDEFERIMENTO NOS AUTOS PRINCIPAIS DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RECURSO CABÍVEL.
PRECEDENTES. O agravo de instrumento é o recurso cabível contra a decisão que indefere o pedido de assistência judiciária nos autos principais. Subsistentes os fundamentos do decisório agravado, nega-se provimento ao agravo. (STJ – Quarta Turma – AgRg no REsp 156791/DF – Relator Min. CESAR ASFOR ROCHA, decisão: 04-09-2001)
Em relação às decisões denegatórias do direito à gratuidade (não reconhecimento, revogação ou cassação), não há qualquer dúvida ou polêmica remanescente; seja no momento inicial do processo ou durante o seu curso, a decisão denegatória será sempre impugnável por intermédio de agravo de instrumento. No entanto, em relação à decisão que reconhece o direito à gratuidade de justiça initio litis ou no curso do processo, existe na doutrina e jurisprudência secular controvérsia acerca do cabimento ou não de recurso na hipótese (ex.: A ingressa com Ação Indenizatória em face de B; juiz reconhece o direito à gratuidade de justiça em benefício de A e determina a citação de B; poderia B recorrer da decisão que reconheceu o direito à gratuidade em favor de A?) De acordo com uma primeira corrente, como a gratuidade de justiça é deferida sem a oitiva da parte contrária e como esta poderá oferecer impugnação para ver revista a decisão concessiva do benefício (art. 7º da Lei nº 1.060/1950), não haveria interesse recursal que justificasse a interposição de agravo. Para os que adotam esse posicionamento, somente existe o interesse em recorrer quando o recurso for o único meio colocado à disposição de quem o interpõe, para que seja alcançado, dentro do processo, situação jurídica mais favorável do que a proporcionada pela decisão recorrida; como subsistiria ainda a possibilidade do manejo da impugnação à gratuidade, não haveria a necessidade de interposição do agravo de instrumento. Defendendo esse posicionamento, manifesta-se o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI: Da decisão que concede o benefício da gratuidade prima facie não cabe recurso da parte contrária. Isto porque, nos termos da Lei, a concessão se faz sem a oitiva da parte contrária, que pode posteriormente oferecer impugnação em separado. Desta forma, sem que se apresente, primeiramente, tal impugnação, não se deve admitir recurso contra a decisão concessiva da justiça gratuita. Nestas circunstâncias, o recurso pode implicar supressão de um grau de jurisdição: se a concessão do benefício fundouse na mera presunção de veracidade da declaração do carente, quaisquer argumentos que tenha a parte contrária para elidir esta presunção devem ser trazidos primeiramente à apreciação do Juiz da causa, mediante impugnação; se a parte, sem impugnar, recorre diretamente da decisão, além de não ter interesse em recorrer, suprime um grau de jurisdição. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 112)
Uma segunda corrente, entretanto, sustentando posicionamento contrário, defende que a existência da via impugnativa em autos apartados não poderia interferir no direito ao duplo grau de jurisdição, pois haveria duas vias autônomas de defesa. Assim, poderia a parte contrária se insurgir contra a decisão que reconhece o direito à gratuidade por meio de agravo de instrumento (art. 522 do CPC) ou por intermédio de impugnação à gratuidade (art. 7º da Lei nº 1.060/1950), sendo-lhe facultada a escolha de qualquer das vias revisionais. Nesse sentido, tem se posicionado a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Recurso especial. Processo civil. Decisão concessiva de gratuidade de justiça. Agravo de instrumento. Interesse recursal. Impugnação em autos apartados. Possibilidade.
– A possibilidade, prevista na Lei 1.060/1950, de a parte contrária, por meio de impugnação em autos apartados, requerer a revogação da gratuidade de justiça não impede a interposição de agravo de instrumento para atacar a decisão concessiva do benefício. – A via adequada para impugnar decisões judiciais é a interposição de recurso, contudo, nesta
hipótese específica, a Lei 1.060/1950 concede à parte interessada outra opção para atacar o provimento jurisdicional, o que não limita o direito de recorrer. – Assim, conclui-se que contra decisão que concede assistência judiciária gratuita pode a parte interessada apresentar impugnação em autos apartados ou interpor agravo de instrumento. – Recurso especial conhecido e provido. (STJ – Terceira Turma – REsp 745595/SP – Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, decisão: 18-04-2006) Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é também cabível, além do incidente de impugnação, previsto na Lei nº 1.060/1950, a interposição de agravo de instrumento contra decisão que defere a assistência judiciária. Precedentes. (STJ – Quarta Turma – Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, decisão: 03-02-2011)
Segundo entendemos, entretanto, a admissibilidade recursal nesses casos dependerá do próprio conteúdo da decisão interlocutória que reconhece o direito à gratuidade de justiça. Caso a decisão tenha apreciado de forma equivocada os elementos probatórios colhidos nos autos e avaliado erroneamente a presença dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, estará o decisum maculado por autêntico error in judicando. Sendo assim, o oferecimento de impugnação nada mais faria do que revolver a mesma matéria já analisada pelo magistrado no momento da prolação da decisão; nenhum elemento probatório novo seria apresentado e as razões que justificariam a denegação da gratuidade já estariam contidas nos autos desde momento anterior ao decisum. Por essa razão entendemos que, nessa hipótese, encontra-se presente o interesse recursal, sendo admissível a interposição imediata de agravo de instrumento. No entanto, caso os autos não contenham qualquer elemento cognitivo que pudesse justificar o indeferimento ex officio da gratuidade, havendo a necessidade de apresentação de elementos probatórios novos pela parte contrária para que seja ilidida a presunção iuris tantum de hipossuficiência, entendemos não ser admissível a interposição direta de agravo de instrumento. Primeiramente, porque a via recursal direta ocasionaria inegável supressão de instância; e segundo porque a impugnação à gratuidade foi a via eleita pelo legislador para desconstituir a presunção de veracidade da hipossuficiência econômica afirmada pelo beneficiário.
• Decisão proferida em incidente processual autuado em apartado – apelação: Quando a decisão for proferida em incidente processual apartado, seja no caso de impugnação à gratuidade de justiça (art. 7º da Lei nº 1.060/1950) ou na hipótese de autuação do pedido de gratuidade formulado no curso do processo (para os que seguem a literalidade do art. 6º, in fine da Lei nº 1.060/1950), o recurso cabível será o de apelação, nos termos do art. 17 da Lei nº 1.060/1950265. Como nesse caso o incidente é autuado em apartado, o processamento da apelação e a remessa dos autos apartados ao tribunal em nada atrapalhará o regular transcurso do processo principal. Nesse sentido, leciona o Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL em formidável obra voltada para o tema: A literalidade do texto faz supor que a apelação é sempre o recurso apropriado, o que não é verdadeiro. A melhor orientação é a de que o recurso será apelação, sempre que a decisão for proferida em procedimento preparatório ou em apartado, e agravo quando lançado nos próprios autos. O motivo desse entendimento é evitar que haja paralisação do processo principal, enquanto se processa o recurso. Se ele fosse sempre apelação, haveria necessidade de seu processamento dentro dos autos e remessa destes
ao tribunal. (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 89)
Conclui-se, portanto, que nesses casos a decisão constitui verdadeira exceção ao princípio da correspondência, pois, embora seja classificada como decisão interlocutória (art. 162, § 2º, do CPC), será desafiada por recurso de apelação, em virtude da expressa disposição legislativa. Essa exceção à sistemática processual tem sido amplamente confirmada pela jurisprudência, que seguidamente reconhece a apelação como sendo o recurso cabível para impugnar a decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça nos incidentes processuais autuados em apartado: IMPUGNAÇÃO À CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – PROCEDÊNCIA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – NÃO CONHECIMENTO – ERRO GROSSEIRO – CABIMENTO DE APELAÇÃO (ART. 17 DA LEI Nº 1.060/1950) – INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional firmou entendimento no sentido do cabimento do recurso de apelação contra sentença que acolhe impugnação ao deferimento de assistência judiciária gratuita, processada em autos apartados aos da ação principal, não se aplicando o princípio da fungibilidade recursal na hipótese de interposição de agravo de instrumento. Isso porque inadmissível referido princípio quando não houver dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto, quando o dispositivo legal não for ambíguo, quando não houver divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto à classificação do ato processual recorrido e a forma de atacá-lo. (STJ – Quarta Turma – REsp 780637/MG – Relator Min. JORGE SCARTEZZINI, decisão: 08-11-2005) Assistência judiciária. Revogação do benefício. Quando a decisão que revoga o benefício da gratuidade da justiça é proferida em autos apartados, o recurso cabível é a apelação. (STJ – Terceira Turma – REsp 142946/SP – Relator Min. EDUARDO RIBEIRO, decisão: 15-10-1998)266
• Gratuidade de justiça resolvida na própria sentença: apelação Por fim, na excepcional hipótese de ser a questão da gratuidade de justiça resolvida na própria sentença, a decisão deverá ser objeto de apelação. Isso porque, para efeitos de recorribilidade, não se admite a divisão da sentença por capítulos. Embora a decisão resolva a questão da gratuidade de justiça e também as questões de mérito discutidas no processo, o recurso cabível contra ela será apenas o de apelação. Uma só sentença; um só recurso267.
•Direção adotada pelo novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010): Atualmente em trâmite no Congresso Nacional, o novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) pretende resolver a intrincada heterogeneidade de recursos atualmente aplicáveis para impugnar as decisões que resolvem a questão da gratuidade de justiça. De acordo com o art. 85, § 2º, do novo diploma processual civil, as decisões que apreciarem o requerimento de gratuidade em primeira instância serão todas impugnáveis por intermédio de agravo de instrumento, exceto quando a decisão for prolatada dentro da própria sentença. In verbis: Art. 85 do novo CPC: A parte com insuficiência de recursos para pagar as custas e as despesas processuais e os honorários de advogado gozará dos benefícios da gratuidade de justiça, na forma da lei. § 1º O juiz poderá determinar de ofício a comprovação da insuficiência de que trata o caput, se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos requisitos legais da gratuidade de justiça. § 2º Das decisões que apreciarem o requerimento de gratuidade de justiça, caberá agravo de instrumento, salvo quando a decisão se der na sentença. 3.19.1 Dos efeitos do recurso interposto contra a decisão que resolve a questão da gratuidade de justiça
De acordo com o art. 17 da Lei nº 1.060/1950, na hipótese de improcedência da impugnação à gratuidade de justiça, a apelação deverá ser recebida somente no efeito devolutivo. Na hipótese contrária, quando for julgada procedente a impugnação, sendo revogada ou cassada a gratuidade de justiça, a apelação deverá ser recebida em seu duplo efeito (devolutivo e suspensivo), seguindo a regra geral do art. 520 do CPC268. Com isso, a revogação ou cassação do benefício apenas irá produzir seus regulares efeitos após o exame de eventual recurso pela segunda instância. Por outro lado, no caso de decisão prolatada no bojo dos autos principais, a solução será um pouco diversa. Nesse caso, o agravo de instrumento será recebido legalmente apenas no efeito devolutivo, cabendo ao recorrente pleitear a concessão do efeito suspensivo ativo (rectius, antecipação de tutela recursal) diretamente ao relator do agravo, na forma do art. 527, III, c/c o art. 558 do CPC. Tendo a parte o direito à gratuidade de justiça denegado na instância de origem, eventual reconhecimento do efeito suspensivo pelo relator do agravo dispensará o recorrente do recolhimento de todas as despesas processuais havidas até o julgamento do recurso, ocasião em que será resolvida a questão da gratuidade pelo tribunal269. 3.19.2 Da inexigibilidade de preparo no recurso interposto contra a decisão de não reconhecimento, revogação ou cassação da gratuidade de justiça
Exigir do hipossuficiente o preparo do recurso para que possa exercer o direito ao duplo grau de jurisdição, poderia acabar por inviabilizar a tutela recursal do direito à gratuidade. Na verdade, a exigência do preparo criaria em face do hipossuficiente a paradoxa exigência de pagar para ver reconhecido seu direito de não pagar270. Por essa razão, a doutrina e a jurisprudência têm entendido ser inexigível o recolhimento do preparo para que seja admitido o recurso contra a decisão de não reconhecimento, revogação ou cassação da gratuidade de justiça. Afinal, se não fosse assim, “o pobre não poderia se valer dos recursos legalmente previstos, frustrando a garantia constitucional do acesso ao Poder Judiciário”271. Nesse sentido, disserta de maneira primorosa JOSÉ JORGE TANNUS NETO: Saliente-se que a ausência do preparo recursal, se pleiteado o benefício da justiça gratuita, não pode conduzir o exegeta na solução que importe na deserção do recurso, impondo-se o seu conhecimento. Isto porque há de ser relevada a falta de recolhimento do preparo recursal, tendo em vista que o recurso é interposto justamente contra decisão que indeferiu o pedido dos benefícios da justiça gratuita, sob pena de se negar o acesso à Justiça, garantia fundamental alçada à condição de cláusula pétrea pelo constituinte de 1988, notadamente no art. 5º, XXXV, segundo o qual: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional). (TANNUS NETO, José Jorge. Benefícios da Justiça Gratuita às pessoas jurídicas sem fins lucrativos, filantrópicas e congêneres, São Paulo: Editora Pilares, 2009, pág. 59)
3.20 DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA NAS HIPÓTESES DE SUCESSÃO PROCESSUAL A existência da pessoa natural termina com a morte (art. 6º do CC/2002), extinguindo-se, consequentemente, a personalidade civil inaugurada pelo nascimento com vida. No momento em que o indivíduo deixa de existir, ocorre a transferência automática da titularidade de seus bens e direitos aos seus sucessores (herdeiros legítimos e testamentários), evitando-se, assim, a situação de acefalia
patrimonial. Dentre os direitos materiais transmitidos pela abertura da sucessão, encontram-se naturalmente incluídos aqueles pendentes de discussão judicial, razão pela qual deverá ser formalizada nos autos do processo a substituição272 do falecido pelo seu espólio ou sucessores, nos termos do art. 43 do CPC. Como a sucessão processual não ocorre de maneira automática, deverá ser promovida a devida habilitação no processo, seguindo a forma prevista nos arts. 1.055 a 1.062 do CPC; nesse meio tempo, deverá o processo principal permanecer suspenso (art. 43 c/c art. 265, I do CPC), sob pena de serem considerados nulos os atos processuais praticados após o falecimento da parte. Por depender da situação pessoal da parte, a gratuidade de justiça não se transmite automaticamente para o sucedido, extinguindo-se com a morte do beneficiário273. Nada impede, entretanto, o reconhecimento do direito à gratuidade em favor dos sucessores do falecido, desde que estes se qualifiquem autonomamente como hipossuficientes e afirmem essa condição, na forma do art. 4º da Lei nº 1.060/1950. Nesse sentido, mostra-se a redação expressa do art. 10 da Lei nº 1.060/1950274, in verbis: Art. 10 do CPC: São individuais e concedidos em cada caso ocorrente os benefícios de assistência judiciária, que se não transmitem ao cessionário de direito e se extinguem pela morte do beneficiário, podendo, entretanto, ser concedidos aos herdeiros que continuarem a demanda e que necessitarem de tais favores, na forma estabelecida nesta Lei.
Consoante a terminologia do art. 69 do CPC/1939275, a gratuidade de justiça constitui direito personalíssimo, devendo sempre ser reconhecido individualmente e para o caso concreto. Dessa forma, o direito à gratuidade não é passível de transmissão, nem de sucessão; quem dele necessitar deverá pleiteá-lo individualmente, mesmo sendo qualificado como sucessor do beneficiário276. Além disso, o direito à justiça gratuita deverá ser pleiteado e reconhecido em cada processo singularmente considerado; o reconhecimento do direito à gratuidade em uma demanda não se expande automaticamente para outra em que o beneficiário seja parte277. Sobre o tema, posiciona-se a abalizada doutrina do processualista ARAKEN DE ASSIS: O art. 10 estipula a intransmissibilidade, mortis causa ou inter vivos, da gratuidade. Ela se extinguirá com a morte do beneficiário. É personalíssimo o benefício, como dizia o art. 69 do Código de 1939, e não passa ao adquirente do direito litigioso (art. 42), nem aos herdeiros do beneficiário, ressalva feita à obtenção por eles, preenchidos os requisitos legais, da mesma benesse. A intransmissibilidade decorre da avaliação objetiva do estado de necessidade, favorecendo a pessoa determinada, sem projeções futuras. (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 43)
Se a gratuidade não for concedida àquele que suceder o beneficiário, as despesas processuais deverão ser cobradas normalmente, incidindo apenas a partir do momento processual em que se verificou a sucessão. Não se pode admitir a cobrança retroativa de todas as despesas isentadas do sucedido, pois a revogação não possuirá efeitos ex tunc278. Na verdade, como na sucessão processual não há mudança da identidade jurídica das partes, mas apenas a mudança de sua identidade física, verifica-se a ocorrência de uma autêntica alteração superveniente da condição econômica da parte. De forma simplificada, seria como se uma das partes, durante o curso do processo, tivesse sofrido uma melhora significativa de sua saúde financeira, tornando-se capaz de arcar, a partir daquele momento, com o pagamento das custas e honorários.
Com efeito, como a perda do direito à gratuidade não decorre da falsa afirmação de hipossuficiência realizada no início do processo, mas de uma mudança superveniente do quadro econômico da parte, não deverá a decisão retroagir para alcançar as despesas anteriormente dispensadas. Nessas hipóteses, como a melhora da saúde financeira se deu no curso do processo, a revogação do benefício terá efeitos ex nunc, sendo cobradas apenas as despesas verificadas a partir do momento da sucessão processual. 3.21 DA CONDENAÇÃO SUCUMBENCIAL DO BENEFICIÁRIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA Vigora atualmente no sistema processual civil brasileiro o princípio da sucumbência, segundo o qual o vencido279 deve suportar todos os gastos oriundos do processo. Essa regra encontra-se expressa no art. 20 do CPC, que estabelece: “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. A parte vencida, portanto, deve suportar fundamentalmente duas obrigações geradas pela sucumbência: (i) o pagamento das despesas processuais antecipadas pela parte vencedora (custas judiciais, taxa judiciária, honorários periciais etc.); e (ii) o pagamento dos honorários advocatícios devidos à parte contrária. Sendo uma das partes beneficiária da justiça gratuita, a qualidade de hipossuficiente ostentada pelo litigante ocasionará importantes repercussões na seara sucumbencial – seja ele vencedor ou vencido ao final do processo. Caso o necessitado econômico venha a ser vencedor na demanda, a parte contrária deverá ser condenada ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, seguindo normalmente a regra do art. 20 do CPC. Após o trânsito em julgado da sentença, os honorários advocatícios serão revertidos em favor do prestador da assistência jurídica gratuita (Súmula nº 450 do STF)280 e as despesas processuais serão recolhidas em favor de seu destinatário original (Enunciado nº 18 do Aviso nº 17/2006 do FETJ)281; não será aplicada na hipótese a tradicional regra que determina o reembolso das despesas processuais ao vencedor da demanda, pois sendo beneficiário da justiça gratuita não poderá ser ressarcido por aquilo que não adiantou. Por outro lado, quando o beneficiário da justiça gratuita restar vencido na causa, ele deverá ser condenado regularmente ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 20 do CPC), sendo aplicada, entretanto, a norma do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Por questão de didática, essas duas diferentes situações sucumbenciais – beneficiário vencedor e beneficiário vencido – serão examinadas em capítulos distintos ao longo dessa obra: a análise das questões atinentes à vitória do beneficiário da gratuidade de justiça será realizada no Capítulo 7, dedicado às funções institucionais da Defensoria Pública, ocasião em que discorreremos sobre a execução e recebimento das verbas sucumbenciais (art. 4º, XXI, da LCnº 80/1994); e o exame dos principais pontos relacionados à derrota do hipossuficiente econômico será realizado a partir de agora, com a dissecação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. 3.21.1 Da controvérsia acerca da não recepção do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 pela Constituição Federal
Ao prever o direito à assistência judiciária gratuita, o art. 141, § 35 da Constituição Federal de 1946 relegou à lei ordinária o papel de regulamentar a forma como seria prestado o amparo legal gratuito aos necessitados. Por essa razão, o dispositivo constitucional possuía eficácia limitada, dependendo de integração por norma infraconstitucional para que pudesse produzir a plenitude de seus efeitos. In verbis: Art. 141 da CF de 1946: A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (…) § 35 O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.
De maneira semelhante, o art. 150, § 32, da Constituição Federal de 1967 também se reportou à lei ordinária, incumbindo o legislador infraconstitucional de regrar o direito à assistência judiciária: Art. 150 da CF de 1967: A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) § 32 Será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na forma da lei.
A Constituição Federal de 1988, entretanto, ao prever expressamente o direito à assistência jurídica gratuita e implicitamente o direito à gratuidade de justiça, não realizou qualquer alusão à eventual regulamentação ou complementação por norma infraconstitucional. Com efeito, por possuírem todos os elementos necessários à sua plena eficácia concreta, as normas constitucionais que preveem a assistência jurídica gratuita e a gratuidade de justiça possuem aplicação direta, imediata e integral. Por essa razão, alguns julgados têm entendido que a limitação ao direito à gratuidade de justiça imposta pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950, que permite a cobrança das verbas sucumbenciais em face do hipossuficiente vencido na hipótese de melhora significativa de sua condição econômica dentro do prazo legal de cinco anos, seria contrária à teleologia do art. 5º, incs. XXXV e LXXIV, da CRFB e, portanto, não teria sido recepcionada pela ordem constitucional vigente282. Assim, não poderia o beneficiário da gratuidade de justiça ser condenado ao pagamento das verbas sucumbenciais, caso restasse vencido ao final do processo. Tendo havido a perpetuação da incapacidade econômica da parte até o término do litígio, seria ela definitivamente liberada do pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, independentemente de eventual mudança superveniente de sua condição econômica. Nesse sentido, já se posicionou a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp nº 35.777-2/SP, in verbis: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MISERABILIDADE. SUCUMBÊNCIA DE RÉU QUE OBTEVE ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA. LEI N. 1.060/1950, ART. 12: NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 (ART. 5º, INCISO LXXIV). I – O art. 12 da Lei n. 1.060/1950, que dava o prazo de cinco anos para que se cobrasse do assistido judicial as “custas” (lato sensu), no caso da mudança de sua situação financeira-econômica, não foi recepcionado pelo novo ordenamento constitucional. A Constituição de 1988 (art. 5º, inc. LXXIV), diferentemente da Carta de 1969 (art. 153, § 32), não se reporta à lei infraconstitucional. II – Recurso especial não conhecido pela alínea a. Conhecido pela alínea c, mas improvido. (STJ – Sexta Turma – Resp nº 35.777-2/SP – Relator Min. ADHEMAR MACIEL, decisão: 25-10-1993)
Não obstante a solidez do raciocínio apregoado por essa corrente, o Supremo Tribunal Federal
tem entendido que “o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 foi recebido pela atual Constituição”283. De acordo com a Corte, o art. 5º, incs. XXXV e LXXIV da CRFB não isenta incondicionalmente os hipossuficientes econômicos do pagamento das despesas processuais, mas apenas lhes assegura os instrumentos necessários ao acesso à justiça, subentendendo-se que o faça enquanto persistir a carência financeira284. In verbis: Custas: condenação do beneficiário da justiça gratuita. O beneficiário da justiça gratuita, que sucumbe, é condenado ao pagamento das custas, que, entretanto, só lhe serão exigidas, se até cinco anos contados da decisão final, puder satisfazê-las sem prejuízo do sustento próprio ou da família: incidência do art. 12 da Lei 1.060/1950, que não é incompatível com o art. 5º, LXXIV, da CF. (STF – Primeira Turma – RE 184.841 – Relator Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 21-03-1995) 3.21.2 Da abrangência do art. 12 da Lei nº 1.060/1950
Segundo estabelece o art. 12 da Lei nº 1.060/1950, “a parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita”. Ao realizar a dificultosa leitura do referido dispositivo, gramaticalmente corrompido por uma redação confusa e disforme, a doutrina acabou extraindo três interpretações diversas e antagônicas quanto ao âmbito objetivo de incidência da justiça gratuita na sucumbência: (i) um primeiro entendimento afasta a aplicabilidade da gratuidade em relação às custas lato sensu e aos honorários sucumbenciais; (ii) uma segunda interpretação defende a aplicabilidade da justiça gratuita apenas em relação às custas lato sensu, excluindo-se os honorários; e, por fim, (iii) um terceiro posicionamento, amplamente majoritário, sustenta a incidência da gratuidade de justiça em relação às custas lato sensu e aos honorários sucumbenciais. A)
CORRENTE PLURILIMITATIVA: De acordo com a corrente plurilimitativa, o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça não teria o condão de dispensar o pagamento de qualquer verba sucumbencial, podendo o hipossuficiente econômico ser compelido executivamente a pagar as custas lato sensu e os honorários advocatícios, sem nenhuma restrição (art. 20 do CPC). Segundo esse posicionamento, como a gratuidade teria o objetivo precípuo de assegurar o acesso dos hipossuficientes econômicos à justiça, o reconhecimento desse direito acarretaria apenas a dispensa do adiantamento das despesas processuais, não impedindo a condenação ao pagamento das verbas sucumbenciais, que seria efetivada somente ao final do processo e após devidamente prestada a jurisdição285. Esse posicionamento, no entanto, além de contrariar a interpretação razoável do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, viola as garantias constitucionais da isonomia (art. 5º, caput) e do acesso à justiça (art. 5º, XXXV)286. Afinal, mesmo sendo a condenação sucumbencial imposta apenas ao final do processo, o receio da derrota e, consequentemente, de ser obrigado a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios, em prejuízo do sustento próprio ou de sua família, poderá inibir o hipossuficiente econômico de ingressar em juízo. Além disso, em virtude do abismo socioeconômico que divide o país, o peso real da condenação sucumbencial será sentido de maneira diferente pelo endinheirado e pelo desprovido de fortuna: enquanto o financeiramente abastado poderá nem mesmo
perceber o impacto da condenação em seu orçamento, o hipossuficiente econômico certamente terá sua situação financeira devastada pela imposição incondicional do pagamento das verbas sucumbenciais. Nesse sentido, leciona AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, com sua peculiar didática: Embora se possa dizer que a condenação seja imposta a final, após a parte beneficiada pela gratuidade ter exercido sem despesas as faculdades processuais a que teria direito, é de se considerar que o risco de ter que utilizar-se de seus parcos recursos para arcar com tais verbas pode levar a parte necessitada a ter receio de valer-se plenamente do processo. Pode ser induzida a fazer um mau – talvez péssimo – acordo, ante o receio de ver sua situação financeira ainda mais agravada pela condenação às verbas da sucumbência. Ou, pior, tal receio pode afugentá-lo por completo, levando-o a não propor a demanda. Por fim, o acesso à justiça deve ser entendido como acesso à ordem jurídica justa, e não como o simples fato de se permitir estar presente em juízo. Ao conceder o acesso à justiça do carente de recursos, não basta deixá-lo vir a juízo defender seus direitos, mas é necessário garantir-lhe efetiva participação no processo e que toda a sua atividade seja gratuita, do começo ao fim. Ser gratuito apenas o ingresso em juízo pode não ser suficiente para permitir o efetivo acesso à justiça, na medida em que o receio de perder – sempre presente e possível – e, consequentemente, ter de pagar as verbas de sucumbência, em detrimento do seu sustento, emerge como fator inibidor. O tratamento desigual se impõe, mesmo quanto ao pagamento de verbas de caráter sancionador, como o são as verbas decorrentes da sucumbência, até porque o peso de tal sanção atinge diferentemente as diversas camadas da população. Se para o economicamente suficiente pode servir de útil fator inibidor de demandas infundadas, para o hipossuficiente pode significar bloqueio intransponível a obstar toda e qualquer ação, enquanto que, para o rico, o risco de arcar com as verbas da sucumbência sequer será levado em conta, ao decidir se irá a juízo. E, se procurarmos uma solução fundada no justo, não há sentido em se impor tal sanção ao beneficiário, que a pagará em prejuízo do sustento próprio ou da família. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 54/55)
Por caminhar na contramão do movimento pela facilitação do acesso à justiça e por realizar autêntica interpretação contra legem, a corrente plurilimitativa possui minoritária expressão doutrinária e jurisprudencial, sendo seu estudo pertinente apenas para fins didáticos e históricos. B)
CORRENTE MONOLIMITATIVA: Para a corrente monolimitativa, a gratuidade de justiça aplicada na sucumbência asseguraria apenas a dispensa condicional do pagamento das custas lato sensu, não abrangendo os honorários advocatícios devidos à parte contrária. Como fundamento, os partidários dessa corrente sustentam que o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 teria feito referência somente às “custas”, não sendo realizada qualquer menção aos honorários advocatícios. Entretanto, realizando-se uma análise histórica do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, verifica-se ter sido a norma editada no momento em que vigia modelo legislativo completamente diverso do atual. Na época, encontrava-se ainda em vigor o sistema sucumbencial estabelecido pelo Código de Processo Civil de 1939, que apenas previa a condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios em situações excepcionais, como nas hipóteses de litigância de má-fé (art. 63)287, quando a ação resultasse de dolo ou culpa do réu (art. 64)288 e nos casos de absolvição de instância (art. 205)289. Sendo assim, como via de regra não havia condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, não era necessária a edição de norma que dispensasse o hipossuficiente econômico vencido do pagamento dessa despesa. Por isso, ao não incluir expressamente o termo “honorários” na redação original do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, não pretendeu o legislador excluir os honorários sucumbenciais do âmbito de incidência da gratuidade de justiça; ele não incluiu, simplesmente, porque não era necessário incluir. Além disso, ao listar as despesas abrangidas pela gratuidade de justiça, o art. 3º da Lei nº
1.060/1950 faz menção explícita aos honorários advocatícios (inciso V). Embora o dispositivo não faça qualquer distinção entre os honorários advocatícios próprios ou os devidos à parte contrária, a interpretação teleológica da norma indica que a dispensa de pagamento constante do art. 3º, V, da Lei nº 1.060/1950 refere-se aos honorários sucumbenciais; afinal os honorários do advogado do próprio hipossuficiente já se encontram abrangidos pelo instituto da assistência jurídica gratuita. Por realizar a interpretação desarrazoada do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 e por limitar de maneira ilegítima o direito à gratuidade de justiça, a corrente monolimitativa possui inexpressiva adesão doutrinária e jurisprudencial, sendo considerada apenas para fins acadêmicos. C)
CORRENTE EXTENSIONISTA (OU NÃO LIMITATIVA): Por fim, de acordo com a corrente extensionista (ou não limitativa), a gratuidade de justiça na sucumbência deve abranger tanto as custas lato sensu, quanto os honorários advocatícios devidos à parte contrária. Sem dúvida nenhuma, essa é a interpretação mais razoável do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 e a que melhor se ajusta ao art. 5º, XXXV, da CRFB. Embora o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 faça menção apenas às “custas”, a expressão deve ser interpretada em sentido amplo, abrangendo todos os gastos gerados pelo processo, dentre os quais naturalmente devem ser incluídos os honorários advocatícios devidos à parte contrária. Somente assim poderá o hipossuficiente econômico valer-se plenamente do processo para defender seus direitos, sem ser inibido de ingressar em juízo ou dissuadido a aceitar acordos desvantajosos em virtude do medo da ruína financeira no caso de derrota. Nesse sentido, disserta o professor HÉLIO MÁRCIO CAMPO, de maneira sintética e conclusiva: Não obstante aluda o art. 12 da Lei de Assistência Judiciária que o assistido ficará obrigado a pagar apenas as custas, deve-se entender que o legislador utilizou esta expressão no seu sentido lato, aí incorporados todos os custos do litígio, dentre os quais se encontra a verba honorária da parte contrária, porquanto não seria crível que pretendesse ele dar um tratamento diferenciando as taxas e despesas processuais em relação aos honorários advocatícios. (CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 93/94)
Em virtude de suas raízes constitucionais e por encontrar-se em sintonia com o movimento pelo acesso amplo à justiça, a corrente extensionista (ou não limitativa) tem predominado largamente tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sendo raras e quase extintas as decisões em sentido contrário. 3.21.3 Da suspensão da exigibilidade do pagamento da verba sucumbencial em virtude do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça
De acordo com a expressa disposição do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça não impede a condenação do beneficiário vencido ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios devidos à parte contrária. Segundo a jurisprudência uníssona do Superior Tribunal de Justiça, “o beneficiário da justiça gratuita não tem direito à isenção da condenação nas verbas sucumbenciais, apenas à suspensão do pagamento, enquanto durar a situação de pobreza, pelo prazo máximo de cinco anos”290. Sendo assim, em havendo a sucumbência do necessitado econômico, deverá a sentença impor regularmente a condenação ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, nos termos do art. 20 do CPC; no entanto, logo em seguida, deverá ser aplicada a regra do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, que suspende a exigibilidade do débito sucumbencial enquanto subsistir a
hipossuficiência, pelo limite de cinco anos. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a Súmula nº 41, in verbis: Súmula nº 41 do TJ/RJ: Quando vencido, o beneficiário da justiça gratuita deve ser condenado nos encargos sucumbenciais, conforme dispõe a Lei n. 1.060/1950.
Para que possa validamente instaurar a fase executiva, o título deve conjugar os atributos da certeza, da liquidez e da exigibilidade (art. 586, caput, c/c o art. 618, I, do CPC). A sentença que condena o hipossuficiente ao pagamento das verbas sucumbenciais constitui autêntico título executivo judicial (art. 475-N, I, do CPC), dotado de certeza e de liquidez. O título é certo, pois oferece segurança quanto à existência do crédito sucumbencial nele contemplado; é também líquido, pois inexiste dúvida quanto ao valor devido e ao objeto da condenação, podendo o débito sucumbencial ser calculado mediante simples operação aritmética e sem a necessidade de liquidação (art. 475-B do CPC). No entanto, a incidência do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 retira do título executivo o essencial atributo da exigibilidade, impedindo a instauração válida da fase executiva enquanto não restar adimplida a condição suspensiva imposta (art. 618, III, do CPC). Dessa forma, a execução do crédito sucumbencial estará condicionada a ocorrência de evento futuro e incerto, consistente na melhora superveniente da condição econômica do devedor, dentro do prazo máximo de cinco anos (art. 12 da Lei nº 1.060/1950, c/c o art. 614, III, do CPC). Seguindo essa linha de pensamento, tem se posicionado reiteradamente o Superior Tribunal de Justiça: Consoante determina o artigo 12 da Lei nº 1.060/1950, a concessão do benefício não afasta a condenação da parte vencida ao pagamento dos ônus de sucumbência, mas apenas viabiliza a suspensão da sua exigibilidade enquanto subsistente o estado de penúria do sucumbente. (STJ – Segunda Turma – REsp nº 1232604/RS – Relator Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, decisão: 26-04-2011) A parte vencida amparada pela gratuidade da justiça não está isenta dos honorários sucumbenciais, devendo ser fixados normalmente, ficando, contudo, suspensa sua exigibilidade até o prazo máximo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. (STJ – Segunda Turma – REsp nº 1188143/RJ – Relatora Min. ELIANA CALMON, decisão: 25-05-2010) A gratuidade de Justiça não impede a condenação em honorários advocatícios, mas apenas suspende a sua exigibilidade (Lei n.1060/1950, art. 12). (STJ – Terceira Turma – AgRg no REsp 1077487/SC – Relator Min. SIDNEI BENETI, decisão: 19-052009) Ao beneficiário da assistência judiciária vencido pode ser imposta a condenação nos ônus da sucumbência. Apenas a exigibilidade do pagamento é que fica suspensa, por cinco anos, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/1950. (STJ – Terceira Turma – EDcl no REsp nº 231137/RS – Relator Min. CASTRO FILHO, decisão: 04-03-2004) 3.21.4 Da aplicação automática do art. 12 da Lei nº 1.060/1950
Havendo o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, resta garantido ao hipossuficiente a dispensa provisória do pagamento de todas as despesas processuais necessárias ao adequado deslinde da causa, não sendo necessária a formulação de requerimento de gratuidade específico para cada verba que venha a surgir no curso do processo; uma vez reconhecido o direito à gratuidade, a dispensa provisória do pagamento das despesas processuais emergentes ocorre automaticamente por efeito de lei (ex vi legis).
Do mesmo modo, para incidência do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 não se mostra necessária a formulação de requerimento expresso pela parte interessada, nem mesmo de menção categórica do dispositivo pelo juiz no momento da prolação da sentença. Tendo havido o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça no curso do processo, a aplicação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 ocorrerá de maneira automática, mesmo que a observação não conste formalmente da sentença. Nesse sentido, editou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a Súmula nº 107, reconhecendo a aplicabilidade automática do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, mesmo quando ausente menção expressa ao dispositivo na sentença. In verbis: Súmula nº 107 do TJ/RJ: Ainda que não conste da sentença, é automática a aplicação do artigo 12, da Lei nº 1.060/1950, quando vencido beneficiário da gratuidade de justiça. Justificativa: A lei citada contem disposição expressa, em seu art. 12, determinando que, se a parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas vier a reunir, no futuro, condições de pagá-las, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, ficará a isso obrigada, estabelecendo, contudo, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, a contar da sentença final. Desta sorte, já existindo disposição legal expressa, é desnecessário e redundante sua menção pelo juiz ao prolatar a decisão. Isso se dá ex vi legis, constando, ou não, a observação no julgado. Se é ela omitida na sentença, inexiste interesse em recorrer. 3.21.5 Da natureza jurídica do prazo quinquenal do art. 12 da Lei nº 1.060/1950
Não obstante tenha o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 admitido a cobrança da verba sucumbencial em face do beneficiário vencido, na hipótese de ocorrência de melhora superveniente de sua condição econômica, o legislador impôs uma limitação temporal para a realização dessa arrecadação forçada. Segundo expressa determinação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, “se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita”. O prazo de cinco anos estabelecido pelo dispositivo constitui inovação da Lei nº 1.060/1950, pois o art. 78 do Código de Processo Civil de 1939 previa que a parte que tivesse sua hipossuficiência cessada deveria realizar o pagamento do débito sucumbencial a “qualquer tempo”291. Embora o art. 12 da Lei nº 1.060/1950 enuncie que após o decurso do prazo de cinco anos “a obrigação ficará prescrita”, em verdade não se trata propriamente de prazo prescricional. Como se observa pela leitura da norma, o prazo quinquenal referido no art. 12 da Lei nº 1.060/1950 não se volta para exercício do direito subjetivo patrimonial materializado no título executivo, mas se direciona ao implemento da condição. Enquanto não identificada a melhora superveniente da situação econômica do beneficiário da gratuidade de justiça, o crédito sucumbencial materializado na sentença será inexigível. O limite temporal de cinco anos, portanto, demarca o período em que a condição suspensiva deverá se implementar, não o período em que o título deverá ser executado. Esse raciocínio, por si só, retira do lapso temporal previsto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950 os atributos necessários para ser qualificado como prazo prescricional. Afinal, como o início da contagem da prescrição ocorre apenas com o surgimento da pretensão292, se o prazo de cinco anos previsto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950 fosse efetivamente considerado prescricional, sua contagem se iniciaria apenas quando o título executivo se tornasse exigível. Note, porém, que a própria lei informa que o prazo começará “a contar da sentença final”, momento em que o crédito sucumbencial pendente do implemento da condição não possui ainda o atributo da exigibilidade.
Em virtude dessa incongruência lógica, não pode o prazo quinquenal previsto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950 ser considerado prescricional. Na realidade, o prazo integra a condição suspensiva, impondo limite de tempo para a implementação do evento futuro e incerto. Nesse sentido, leciona o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, com sua peculiar argúcia: Conforme nos ensina Orlando Gomes, são pressupostos da prescrição: “a) a existência de um direito atual, suscetível de ser pleiteado em juízo; b) a violação desse direito”. O mesmo mestre ainda nos ensina que “para ocorrer a prescrição requer: a) a inércia do titular; b) o decurso do tempo. É preciso que o titular do direito não o exerça e que a inatividade se prolongue por algum tempo”. Ou, no dizer de Antônio Luis da Câmara Leal, são “elementos integrantes, ou condições elementares da prescrição: a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não exercício; c) continuidade dessa inércia por um certo lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso”. No caso em exame, nenhum dos requisitos mencionados por esses autores se verifica. Estando a exigibilidade condicionada à perda da qualidade de necessitado, não tem o credor como pleitear seu direito em juízo, até que a condição se verifique. Se o prazo quinquenal fosse, de fato, prescricional, só poderia começar a correr a partir do momento em que o direito passasse a ser exigível. Só começaria a correr com a verificação da condição. De outro lado, nenhuma violação ao direito ocorreu. Ora, não se pode falar em inércia do titular em não exigir direito inexigível, porque sujeito à condição suspensiva. (…) Ao que tudo indica, o prazo de cinco anos integra a condição. Em outras palavras, quis o legislador dizer que o beneficiário vencido ficará obrigado a pagar se perder a condição de beneficiário, e se a perder nos cinco anos seguintes ao trânsito em julgado da sentença. Assim como quem diz “dou-lhe um automóvel se se casar este ano”, o prazo integra a condição. Não é prazo prescricional, nem decadencial. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 58/59)
De fato, embora persista grande enleio doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, a questão não guarda muito mistério. Com o trânsito em julgado da sentença que condena o beneficiário da gratuidade de justiça ao pagamento das verbas sucumbenciais inicia-se a contagem do prazo quinquenal para o implemento da condição suspensiva293. Se após o decurso de cinco anos não for identificada melhora significativa da condição econômica do devedor, a obrigação pecuniária materializada na sentença se tornará definitivamente inexigível294. Por outro lado, perdendo o devedor o qualificativo de hipossuficiente dentro do quinquênio estabelecido pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950, restará a condição suspensiva plenamente adimplida, tornando-se exigível o crédito sucumbencial. A partir desse momento, surge para o credor a pretensão de satisfação do direito subjetivo patrimonial materializado na sentença e inicia-se a contagem do prazo prescricional para a execução do crédito. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (Súmula nº 150). Assim, poderá o credor, a partir do implemento da condição suspensiva, promover a execução das despesas processuais e honorários sucumbenciais dentro do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, II e III, do CC/2002. Existem, portanto, dois momentos distintos e dois prazos diversos: (i) o prazo para o implemento da condição suspensiva, que se encontra estabelecido no art. 12 da Lei 1.060/1950 e que se inicia a partir do trânsito em julgado da sentença que condena o hipossuficiente vencido ao pagamento das verbas sucumbenciais; e (ii) o prazo prescricional para a execução do crédito, que está previsto no art. 206, § 5º, II e III, do CC/2002 e que tem sua contagem iniciada com o implemento da condição suspensiva. No primeiro caso, o prazo não se encontra submetido às causas impeditivas, suspensivas ou
interruptivas da prescrição previstas na lei civil (art. 197 e seguintes do CC/2002); assim, transitada em julgado a sentença, o prazo para o implemento da condição corre ininterruptamente até atingir o quinquênio final295. Por outro lado, na segunda hipótese, por se tratar de prazo propriamente prescricional, encontra-se regularmente sujeito às regras que impedem, suspendem e interrompem a contagem da prescrição, expressas no Código Civil. 3.21.6 Do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça após o trânsito em julgado e da controvérsia acerca da possibilidade de aplicação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950
Com o trânsito em julgado, seguindo a regra do art. 20 do CPC, a parte vencida será condenada a “pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. Em sendo a parte vencida beneficiária da gratuidade de justiça, o juiz deverá aplicar a regra do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, reconhecendo a inexigibilidade do título executivo judicial no que tange às verbas sucumbenciais. Desse modo, apenas poderá ser promovida a execução das verbas sucumbenciais caso o vencido, dentro do prazo de cinco anos, perca a condição de hipossuficiente. Caso a parte vencida não tenha sido reconhecida como hipossuficiente no curso da fase cognitiva, seja porque a gratuidade de justiça não foi postulada ou por ter sido o pedido indeferido, a condenação ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios será plenamente exigível, não dependendo da implementação de qualquer condição para que sejam adotadas medidas executivas. Nesse caso, portanto, em não havendo o pagamento espontâneo, deverá o vencedor da causa ou seu patrono (arts. 23 e 24 da Lei nº 8.906/1994) instaurar a fase executiva em relação aos honorários advocatícios, requerendo o cumprimento de sentença (art. 475-J do CPC). Em relação às despesas processuais, por sua vez, deverá o Escrivão ou a Secretaria do Tribunal notificar o devedor para efetuar o pagamento no prazo de 60 (sessenta dias); em não sendo quitado o débito neste prazo, deverá ser expedida certidão especificando os valores devidos, a qual deverá ser encaminhada à Procuradoria-Geral do Estado, para fins de inscrição do débito em Dívida Ativa (art. 31 da Lei Estadual nº 3.350/1999)296. Nesse ponto, surge a questão: poderia o direito à gratuidade de justiça ser postulado e, consequentemente, reconhecido após o trânsito em julgado da sentença? Transitada em julgado a sentença, todas as alegações e defesas que as partes poderiam opor para influenciar o deslinde da causa são reputadas como deduzidas (art. 474 do CPC)297, evitando-se rediscussões e círculos viciosos. Esse fenômeno recebe o nome de eficácia preclusiva da coisa julgada. Segundo lecionam os professores NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, “a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança: a) as questões de fato, bem como as de direito efetivamente alegadas pelas partes ou interessados, tenham ou não sido examinadas pelo juiz na sentença; b) as questões de fato e de direito que poderiam ter sido alegadas pelas partes ou interessados, mas não o foram; c) as questões de fato e de direito que deveriam ter sido examinadas ex officio pelo juiz, mas não o foram”298. Irrelevante indagar-se, ainda, se a parte tinha ou não conhecimento do fato ou do direito dedutível, mas não deduzido, pois a eficácia preclusiva da coisa julgada restará caracterizada em qualquer das hipóteses.
Sendo assim, se o vencido já possuía a condição de hipossuficiente durante a fase cognitiva e não postulou a concessão da gratuidade de justiça ou, ainda, se postulou a concessão do benefício e o mesmo restou inadvertidamente indeferido pelo magistrado, com o trânsito em julgado da sentença a matéria não poderá ser rediscutida, estando abarcada pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Com isso, o pedido de gratuidade formulado após o trânsito em julgado não terá o condão de modificar eventual condenação sucumbencial consolidada na sentença. Com base no raciocínio desenvolvido até aqui, o ilustre processualista ARAKEN DE ASSIS entende que o reconhecimento do direito à justiça gratuita após o trânsito em julgado não poderia retroagir para dispensar o hipossuficiente vencido do pagamento das verbas sucumbenciais fixadas na sentença, sob pena de infringir a autoridade da coisa julgada. Assim, a gratuidade reconhecida na fase executiva apenas livraria o beneficiário das despesas processuais vincendas da própria execução. In verbis: Através do pedido tardio, o vencido busca se forrar da obrigação de pagar as verbas da sucumbência fixadas em sentença transitada em julgado. É bem verdade que o acesso à Justiça não pode ser negado, às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, na medida em que se encontrem impossibilitadas de atender à antecipação das despesas (art. 19, caput, do CPC) ou, por qualquer motivo, sua futura sucumbência. No entanto, a necessidade não é causa legal de remissão das obrigações contraídas em virtude do processo, e, sim, de isenção das despesas processuais futuras. Ademais, a extensão retroativa da gratuidade infringe o art. 9º da Lei nº 1.060/1950, segundo o qual o benefício só compreende os atos até a decisão final do litígio, em todas as instâncias. (…) Finalmente, a concessão da gratuidade, extinto o processo, inibiria eficácia própria da sentença, infringindo a autoridade de coisa julgada (art. 467 do CPC). Mercê do trânsito em julgado, as despesas e os honorários se transformaram em dívida do vencido, conquanto originada pelo processo. Corolário desse raciocínio é a possibilidade de o vencido interpor recurso em caráter autônomo e subordinado (art. 500 do CPC) para obter a gratuidade. A interposição do recurso impedirá a extinção do processo, provocando seu prolongamento, e, portanto, a ação ainda tramita, consoante reza o art. 6º, primeira parte, da Lei nº 1.060/1950. Objetar-se-á, talvez, que nada impede o deferimento da gratuidade na execução. E, realmente, não importa a função do processo – conhecimento, execução ou cautelar –, pois seja qual for ela há despesas, eventualmente insuportáveis. Por tal motivo, cabe conceder a gratuidade no processo de execução, livrando-se o beneficiário de todas as despesas vincendas da execução. De modo algum o benefício abrange o crédito exequendo, inclusive seus consectários, contemplados no título executivo judicial (art. 584, I, do CPC). Por fim, a medida sob foco, além de violar o princípio da responsabilidade patrimonial (art. 591 do CPC), se mostraria inócua: inexistindo bens, infrutífera se ostentará a execução; existindo bens aptos à satisfação da obrigação, perderá a pessoa sua qualidade de “necessitada”. (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 26/27)
No entanto, entendemos que o raciocínio não deve se limitar à análise da eficácia objetiva da coisa julgada. Na verdade, a questão vai um pouco mais além, adentrando a própria análise dos requisitos de admissibilidade da fase executiva. Não obstante o título judicial nasça certo, líquido e exigível (art. 586, caput c/c art. 618, I do CPC), permanecendo hígida a condenação sucumbencial constante da sentença, nada impede que, durante a fase executiva, seja oposta condição que suspenda a exigibilidade do crédito. De fato, essa possibilidade encontra-se expressa na legislação processual vigente, que admite a impugnação ao cumprimento de sentença fundada na “inexigibilidade do título” (art. 475-L, II do CPC). Desse modo, embora não possa modificar o conteúdo da sentença, poderá a hipossuficiência do devedor ser oposta como forma de alterar o status do título executivo, suspendendo sua exigibilidade e obstando o prosseguimento da execução. Note que os caracteres intrínsecos do título em nada são afetados pelo reconhecimento
extemporâneo do direito à gratuidade de justiça, não sendo operada qualquer modificação quanto ao mérito do direito declarado na sentença. Em realidade, a hipossuficiência econômica do executado gera reflexos apenas quanto à atualidade da obrigação pecuniária, que possui inobscurecível caráter extrínseco e se relaciona com a subsistência da pretensão de executar. Nesse sentido, admitindo a suspensão da exigibilidade do crédito sucumbencial em virtude do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça na fase executiva, já se posicionou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. EXECUÇÃO. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser concedido a qualquer tempo, mesmo na fase de execução. A condenação ao pagamento, de honorários advocatícios imposta no processo de conhecimento subsiste, mas a sua exigibilidade fica suspensa enquanto persistir a condição de necessitado da parte beneficiada. (TRF 4 – Turma de Férias – Apelação Cível nº 95.04.57793-8/RS – Relator AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, decisão: 11-01-1996)
Em relação aos honorários advocatícios, como sua cobrança depende da instauração da fase executiva (art. 475-J do CPC), deverá a hipossuficiência econômica ser alegada durante o cumprimento de sentença por intermédio de impugnação, conforme determina o art. 475-L, II, do CPC299. Assim, com o reconhecimento da incapacidade econômica do executado, a exigibilidade do título executivo judicial será suspensa e os valores referentes aos honorários sucumbenciais apenas poderão ser novamente cobrados caso ocorra a melhora superveniente da condição financeira do devedor, dentro do prazo quinquenal do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. No caso das despesas processuais, por outro lado, como a inscrição do débito em Dívida Ativa ocorre independentemente da instauração formal da fase executiva (art. 31 da Lei Estadual nº 3.350/1999), a condição de hipossuficiente do vencido deverá ser alegada por intermédio de petição autônoma dirigida ao juízo original do processo (Enunciado nº 35 do Aviso nº 17/2006 do FETJ)300. Por tratar-se de cognição superficial, não haverá a necessidade de adoção de providências cognitivas mais acentuadas, devendo a petição ser autuada e decidida dentro dos próprios autos principais. 3.21.7 Da perda da condição de hipossuficiente dentro do prazo quinquenal do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 e do instrumento processual adequado para a revogação do direito à gratuidade de justiça
Em havendo a sucumbência do beneficiário da gratuidade de justiça, deverá a sentença condenálo ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 20 do CPC), sendo a exigibilidade do débito suspensa em virtude da incidência do art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Sendo assim, apenas poderá ser promovida a execução das verbas sucumbenciais caso o vencido, dentro do prazo de cinco anos, sofra melhora superveniente de sua situação econômica e perca a condição de hipossuficiente. No entanto, com os olhos sempre fixos na realidade prática do processo, surge o questionamento: como deverá o credor proceder para demonstrar a integração da condição suspensiva imposta pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950? Seguindo a posição tradicional da doutrina, o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI sustenta ser necessária a propositura de ação autônoma301, seguindo o rito comum (ordinário ou sumário, conforme o caso), ante a ausência de previsão legal de procedimento próprio para se
discutir o implemento da condição suspensiva: Quanto às condenações acessórias impostas ao vencido beneficiário, tal sentença impõe condenação sujeita à verificação de condição suspensiva. Tal sentença não é título executivo, pois não tem exigibilidade, qualidade que só lhe será conferida pela verificação da condição de deixar o vencido de ser necessitado. A parte, portanto, para executar tal condenação, deverá inicialmente provar a verificação da condição, nos termos do art. 614, inciso II, do Código de Processo Civil. Mas, pergunta-se, como provar tal fato? Em que momento processual? Como realizar a prova no processo de execução? Não encontramos resposta razoável para tais indagações, na letra da lei, seja no Código, seja na Lei nº 1.060/1950. Vamos, novamente, recorrer à analogia, a fim de propor solução para o problema. Como se sabe, são requisitos do título executivo a certeza, a liquidez e a exigibilidade. A falta de qualquer um destes requisitos descaracteriza a sentença como título executivo. No caso de faltar liquidez à sentença, a lei prevê a necessidade de um processo de liquidação, que tem a natureza de processo de conhecimento, no qual será conferida liquidez à sentença, vedada qualquer outra discussão sobre o litígio. Assim, se faltar outro requisito – a exigibilidade que foi condicionada à verificação de certo fato –, também será necessário um processo de conhecimento, no qual se discutirá tão somente se se verificou o termo ou a condição, a fim de conferir o requisito à sentença. Seria conveniente que o Código houvesse previsto um procedimento próprio, simplificado, para apurar a verificação do termo ou condição – ou, como sugestão, houvesse determinado o procedimento dos arts. 801 e seguintes –; à falta de determinação legal, só poderemos nos valer do procedimento comum. Assim, a menos que a prova possa ser somente documental, acompanhando a petição inicial de execução, somente por um procedimento preparatório seria possível preencher o requisito. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 60/61)
Por sua vez, seguindo os rumos da doutrina alemã, o professor ARAKEN DE ASSIS entende ser conveniente a utilização analógica do incidente de impugnação à gratuidade, previsto no art. 7º da Lei nº 1.060/1950. In verbis: Deverá o vencedor se valer do incidente do art. 7º, caput, da Lei 1.060/1950, e pleitear a revogação da gratuidade ao juízo que condenou o beneficiário. Autuado em apenso o pedido, o juiz mandará ouvir o beneficiário, no prazo de cinco dias, colherá a prova pertinente e, em seguida, decidirá o incidente. Seja qual for o sentido do pronunciamento, caberá apelação (art. 17). Através desse singelíssimo procedimento, o credor se habilitará a executar o título, agora dotado de exigibilidade. (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 41)
Entretanto, adotando raciocínio diverso, entendemos que a análise cognitiva do implemento da condição suspensiva prevista no art. 12 da Lei nº 1.060/1950 deva seguir caminho procedimental distinto. Com o encerramento da fase de conhecimento, a sentença que condena o hipossuficiente vencido ao pagamento das verbas sucumbenciais cria em favor do vencedor autêntico título executivo judicial, nos termos do art. 475-N, I, do CPC. Embora o crédito sucumbencial dependa do implemento de condição suspensiva para se tornar exigível, isso não retira da sentença o qualificativo de título executivo. Na verdade, a sentença continua fazendo prova legal ou integral do crédito sucumbencial302, permanecendo válida, líquida e certa. A aplicação do art. 12 da Lei nº 1.060/1950 modifica apenas a atualidade da obrigação pecuniária, que passa a depender do implemento de condição suspensiva para se tornar exigível. Sendo assim, não se mostra lógico ou razoável exigir a instauração de novo processo de conhecimento apenas para que seja comprovada a integração da condição exigida pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Tal providência ignora a existência do título executivo anteriormente formado e deturpa toda a sistemática processual vigente, criando aberrante retrocesso procedimental. A instauração do processo de conhecimento se mostra necessária quando se pretende criar o título executivo, não quando se aspira a mera demonstração do implemento de condição prevista no título já existente.
Como a ocorrência da condição suspensiva constitui condição da ação executiva, a demonstração da melhora superveniente da capacidade econômica do devedor deverá ser realizada dentro da própria fase executiva, seguindo os ditames do art. 614, III, do CPC. Embora a cognição na fase executiva seja tênue ou rarefeita303, não se pode fugir da evidência de que há cognição na execução. Como observar CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “o juiz é seguidamente chamado a proferir juízos de valor no processo de execução – seja acerca dos pressupostos processuais, das condições da ação ou dos pressupostos específicos dos diversos atos a levar a efeito”304. Portanto, não há necessidade de instaurar novo processo de conhecimento para que seja demonstrado o implemento da condição suspensiva exigida pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950, podendo a perda da condição de hipossuficiente do devedor ser objeto de cognição na própria execução. Para tanto, deverá o devedor instruir a petição inicial da fase executiva “com a prova de que se verificou a condição” (art. 614, III do CPC), podendo essa comprovação ser realizada por duas formas básicas possíveis: por intermédio de prova documental, que indique a melhora financeira superveniente do devedor; ou, em havendo a necessidade de produção de prova testemunhal, por intermédio de justificação da condição (art. 599, I, do CPC). Em ambos os casos, o credor deverá narrar na inicial executiva, de maneira pormenorizada, os fatos que evidenciam a mudança superveniente da condição econômica do devedor, indicando os elementos probatórios que irão embasar suas alegações. No caso da prova estritamente documental, não há maiores problemas: os documentos serão juntados à exordial da execução e encaminhados para a análise do magistrado. Em havendo a necessidade de produção de prova testemunhal, por outro lado, deverá o credor requerer na inicial executiva a designação de audiência de justificação, nos termos do art. 599, I, do CPC. Durante essa audiência, que deverá obrigatoriamente contar com a participação do devedor, serão colhidos os depoimentos das testemunhas indicadas pelo credor, sendo pelo juiz, ao final, proferida decisão quanto a ocorrência ou não da condição suspensiva exigida pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Sendo pelo juiz constatada a efetiva capacidade econômica do devedor, deverá ser determinada sua intimação para que efetue o pagamento do débito sucumbencial no prazo de 15 dias, sob pena de incidência de multa no valor de 10% (art. 475-J do CPC). Após o decurso do prazo, em não havendo o adimplemento do montante exequendo, deverá ser expedido mandado de penhora e avaliação. Importante observar que a cognição sumária e limitada realizada nesse momento inicial, pela análise da prova documental ou dos depoimentos prestados pelas testemunhas do credor, não afasta o direito de defesa do executado de comprovar na impugnação, em cognição plena e exaustiva, a inocorrência da condição suspensiva (art. 475-L, II do CPC). A produção de provas no momento inicial da fase executiva ocorre de maneira eminentemente unilateral, pois objetiva permitir ao credor a explicitação do implemento da condição suspensiva, instrumentalizando a aplicabilidade prática do art. 614, III, do CPC. O contraditório na execução, embora inegável, ocorre de maneira diferida, sendo instaurado, nas obrigações por quantia certa, no momento da impugnação (art. 475-L do CPC). Por isso, ao ser inicialmente analisado o implemento da condição suspensiva, apenas o credor apresenta documentos
e produz prova testemunhal. Ao devedor será somente possível angularizar o debate sobre a subsistência de sua hipossuficiência econômica em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, ocasião em que poderá contrapor as alegações suscitadas pelo credor e produzir as provas que entender convenientes (art. 475-L, II, do CPC). Em sendo constatada a subsistência da necessidade econômica do executado, deverá a impugnação ser julgada procedente, extinguindo-se o cumprimento de sentença sem a satisfação do credor. Por conta do sistema de contraditório diferido existente na execução, entendemos inadequada a utilização do procedimento previsto no art. 7º da Lei nº 1.060/1950. Isso porque, no momento inicial da fase executiva, cumpre ao credor demonstrar unilateralmente o implemento da condição suspensiva; apenas em momento posterior, quando oportunizado o oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, poderá o devedor contraditar as alegações e as provas apresentadas pelo credor. Ao se utilizar analogicamente a impugnação à gratuidade de justiça, se estaria criando verdadeira incongruência com o processo executivo; afinal, ou se realiza o contraditório na forma do art. 7º da Lei nº 1.060/1950 (impugnação à gratuidade) ou na forma do art. 475-L, II, do CPC (impugnação ao cumprimento de sentença). Por se destinarem à mesma finalidade, as duas formas não podem subsistir validamente no sistema executivo. Independentemente das considerações que sejam feitas acerca das vantagens e desvantagens do contraditório postergado na execução, o fato é que essa foi a opção do legislador. Note que, por expressa disposição legal, a cognição plena e exaustiva sobre a inexigibilidade do título deve ser realizada no momento da impugnação ao cumprimento de sentença (art. 475-L, II do CPC) e não no momento inicial da fase executiva, onde cabe apenas ao credor provar a ocorrência da condição (art. 614, III do CPC). No direito comparado, podemos observar a adoção de procedimento semelhante ao por nós defendido no sistema processual civil português. De acordo com o art. 715º do novo CPC lusitano, a demonstração da ocorrência de condição deve ser realizada dentro do próprio processo executivo, podendo ser realizada a designação de audiência prévia para a colheita de elementos probatórios indicados pelo credor. Além disso, segundo leciona MIGUEL TEIXEIRA DE SOUZA, embora a audiência prévia conte com a participação do devedor, isso não lhe retira a possibilidade de formular oportuna oposição mediante embargos305. In verbis: Artigo 715º Obrigação condicional ou dependente de prestação 1 – Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação. 2 – Quando a prova não possa ser feita por documen- tos, o credor, ao requerer a execução, oferece de imediato as respetivas provas.
Por fim, é importante lembrar que, após o encerramento da fase cognitiva, em não havendo a instauração da execução, os autos processuais são arquivados de acordo com a tabela de temporalidade dos respectivos tribunais. Note, entretanto, que em sede de Juizados Especiais Cíveis,
os autos são descartados após exíguo prazo de arquivamento – no Estado do Rio de Janeiro, em apenas 180 dias. Desse modo, há que se compatibilizar a questão do descarte de autos com a suspensão da exigibilidade da cobrança de honorários advocatícios, tal como consta no art. 12 da Lei nº 1.060/1950. A redação do art. 53, § 4º, da Lei nº 9.099/1995 é clara ao afirmar que, na hipótese de o devedor não ser encontrado ou no caso de inexistência de bens, o processo de execução é extinto, devolvendo-se os documentos ao autor. Vê-se que, em tais situações, o processo terá como destino o descarte dos autos, o que poderia acarretar inúmeros prejuízos ao exequente. Diante de tal situação, o Fórum Nacional de Juizados Especiais editou o Enunciado nº 75 que determina a expedição de certidão de crédito, com o fim de permitir que o credor possa, futuramente, renovar a execução. Assim, em sede de Juizados Especiais Cíveis, para que seja garantida a exequibilidade futura do débito sucumbencial, deverá o credor requerer a expedição de certidão de crédito, garantindo a subsistência da prova legal de existência do título executivo. Somente dessa forma poderá o credor promover futura e eventual execução das verbas sucumbenciais, caso ocorra melhora superveniente da condição econômica do devedor, dentro do prazo legal de cinco anos estabelecido pelo art. 12 da Lei nº 1.060/1950. 3.22 GRATUIDADE DE JUSTIÇA E ATIVIDADES CARTORÁRIAS EXTRAJUDICIAIS A delegação de serviço público pode ser realizada à entidade privada por intermédio de lei ou por contrato. De maneira peculiar, no entanto, a delegação dos serviços públicos notariais e registrários restou efetivada por meio de norma constitucional. De acordo com o art. 236, caput da CRFB, “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Por intermédio dessa delegação constitucional o Estado atribui a determinado ente privado o exercício de atividade própria da administração, legitimando-o para a prática de atos que regulam interesses privados e públicos. A seleção daquele que deverá exercer a função delegada é realizada por intermédio de concurso público de provas e títulos (art. 236, § 3º da CRFB)306, devendo o candidato preencher os requisitos exigidos pelo art. 14 da Lei nº 8.935/1994. Concluída a seleção, os candidatos serão declarados habilitados de acordo com a rigorosa ordem de classificação do concurso (art. 19 da Lei nº 8.935/1994), sendo ultimada a delegação com o ato perfeito e acabado da outorga. A partir desse momento a delegação assume caráter irrevogável, só podendo ser cassada nas estritas hipóteses legais, obedecido o devido processo legal307. Os emolumentos cobrados pelo exercício da atividade notarial e de registro são revertidos diretamente àquele que exerce a função delegada, dando o necessário suporte econômico-financeiro para o exercício de suas funções e para a cobertura de todas as despesas, abatidas previamente as parcelas que a lei atribui ao Estado ou às instituições públicas (art. 14 da Lei nº 6.015/1973)308. Por conta dessa natureza variável da remuneração obtida pelos delegatários, alguns ofícios notariais e registrários mostraram certa relutância em reconhecer o direito à gratuidade dos serviços
cartorários309, sob a conveniente alegação de que, tratando-se de “ofícios privados” não estariam sujeitos ao comando isentivo que recairia apenas sobre os órgãos públicos310. Esse posicionamento, inclusive, chegou a ser sustentado pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que editou ato normativo, no início da década de 1990, prevendo que o direito à gratuidade de justiça nos serviços extrajudiciais somente se mostraria oponível em face do próprio Estado (estritamente considerado), não abrangendo as entidades particulares de um modo geral311. No entanto, a delegação da execução dos serviços notariais e de registro a particulares não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa312. Embora executado por pessoa de direito privado, o serviço notarial ou registrário continua sendo público, estando submetido à regulamentação e à fiscalização do Poder Público. Nesse sentido, leciona WALTER CENEVIVA, em obra dedicada ao tema: As relações entre o Poder Público delegante e o delegado se desenvolvem sob a discrição daquele, que:
a) emite a outorga e regula a atividade do delegado, impondo condições para o ingresso na função e para o exercício dela, podendo suspendê-la ou cassá-la, respeitado o direito de defesa; b) disciplina a responsabilidade administrativa do delegado, pelos fatos da serventia; c) define a fiscalização pelo Poder Judiciário, sob o juiz competente na comarca, e sob o órgão judiciário de segundo grau, o corregedor-geral, no Estado; d) fixa emolumentos, sendo as regras gerais de nível federal e as especiais variáveis em cada unidade da Federação. (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada, São Paulo, Saraiva, 2009, pág. 09) Assim, a cobrança dos emolumentos pela prática dos atos notariais ou registrários somente poderá ser realizada nas hipóteses legalmente previstas e nos valores fixados pelo Poder Público. Além disso, por se encontrar submetido ao regime de Direito Público, possui o notário ou registrador a obrigação de atuar gratuitamente nas hipóteses estabelecidas em lei, não podendo se utilizar de pretextos econômicos para se esquivar dos seus deveres funcionais. Afinal, ao receber a outorga para o exercício da atividade delegada, o notário ou registrador assume voluntariamente o ônus e o bônus da função cartorária, não sendo admissível que se recuse a praticar atos considerados não lucrativos. Como já dizia o ditado popular, não se pode comer a carne sem roer o osso. Ademais, não resta dúvida que, mesmo atuando gratuitamente em favor dos economicamente necessitados, o suporte econômico-financeiro auferido pelos notários e oficiais de registro se mostra altamente compensador. Na verdade, a remuneração mensal auferida pelos titulares das serventias nas grandes cidades supera largamente qualquer salário pago aos integrantes das demais carreiras públicas, demonstrando que, no final das contas, há muito mais carne para ser gualdida, do que osso para ser rilhado. Importante observar, ainda, que mesmo sendo considerado economicamente inviável o exercício da atividade notarial ou registrária em determinada localidade, seja em virtude do pouco volume de serviço ou da reduzida capacidade econômica da população, esse fato não poderá jamais afetar o
reconhecimento do direito à gratuidade de justiça em favor dos hipossuficientes econômicos. De acordo com o art. 44 da Lei nº 8.935/1994, nesses casos, o juiz da comarca deverá propor à autoridade competente a extinção da serventia e a anexação de suas atribuições ao serviço notarial ou registrário mais próximo. Analisando a questão de maneira didática, posiciona-se o professor DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, com sua peculiar argúcia: A delegação de serviço público pode ser feita a entidade privada pela lei (lato sensu) ou pelo contrato. Antes da Constituição de 1988 admitia-se a delegação por ato administrativo, hoje não mais possível. A peculiaridade da delegação dos serviços públicos notariais e registrários é a delegação constitucional, mas isso em nada lhe altera a essência: a execução privada de um serviço público não o “privatiza”. O delegatário recebe um munus público que deve cumprir segundo as regras públicas, embora os decorrentes bônus e ônus sejam privados. O que não pode fazer o delegatário de qualquer modalidade de serviço público é recusar-se a cumprir seu dever (para ele um munus) sob pretexto econômico, como, no caso, a gratuidade (para ele um ônus). Observe-se, como argumento de reforço, que ninguém está obrigado a ser delegatário de serviço público – este munus é assumido voluntariamente. Mas uma vez que se o aceite, seguem-no, juntamente com os esperados commodus, os inafastáveis ônus, que a ordem jurídica associa à atividade delegada. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Inclusão dos serviços notariais e registrários públicos na assistência jurídica integral. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, n.8, pág. 26)
Seguindo essa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal entendeu constitucional a dispensa de pagamento de emolumentos para os atos notariais e de registro, pois “não há direito constitucional à percepção de emolumentos por todos os atos que o delegado do poder público pratica”, inexistindo obrigação constitucional do Estado de instituir emolumentos para todos os serviços cartorários; na realidade, há apenas “o direito do serventuário em perceber, de forma integral, a totalidade dos emolumentos relativos aos serviços para os quais tenham sido fixados emolumentos”313. Do mesmo modo, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o Aviso CGJ nº 22/1995 confirmou o sentido impositivo da gratuidade dos atos notariais e registrários, sendo esse entendimento ratificado pelo Egrégio Conselho da Magistratura, ao julgar o Recurso Hierárquico interposto no processo nº 279/1995. 3.22.1 Dos critérios legais para a fixação dos emolumentos
De acordo com o art. 236, § 2º, da CRFB, restou atribuído à lei federal o papel de traçar as normas gerais para fixação dos emolumentos, cabendo aos Estados-membros e ao Distrito Federal a edição de lei regulamentar específica no âmbito de cada unidade federada. Trata-se do que a doutrina denomina de competência concorrente não cumulativa ou vertical, mediante a qual outorga-se ao ente central a competência para fixação das normas gerais, ficando os entes regionais incumbidos de realizar a devida especificação dos pormenores. Em cumprimento à referida norma constitucional, foi editada a Lei nº 10.169/2000, indicando os critérios básicos para a elaboração da tabela de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. Segundo determina a Lei nº 10.169/2000, ao fixar o valor dos emolumentos, os Estados-membros e o Distrito Federal deverão levar em conta “a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro” (art. 2º, caput). Além disso, como forma de preservar de maneira simultânea o interesse dos delegatários e o direito dos destinatários do serviço, o valor dos emolumentos
“deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados” (art. 1º, parágrafo único)314. Com isso, manifesta o legislador federal sua preocupação em preservar a modicidade na cobrança dos emolumentos, impedindo que a busca desmedida pelo lucro onere demasiadamente aqueles que necessitam dos serviços cartorários. O adequado cumprimento da Lei nº 10.169/2000 pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal depende da edição de lei local, não sendo admissível sua substituição por decretos, resoluções ou provimentos (art. 2º da Lei nº 10.169/2000)315. No Estado do Rio de Janeiro, os emolumentos são fixados pela Lei Estadual nº 3.350/1999, que confere concretude aos parâmetros objetivos genéricos traçados pela legislação federal. 3.22.2 Da dispensa objetiva do recolhimento dos emolumentos no registro civil de nascimento e no assento de óbito
A Lei nº 9.534/1997, que modificou a redação original do art. 45 da Lei nº 8.935/1994 e do art. 30 da Lei nº 6.015/1973, tornou gratuito o registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva, para todos os cidadãos, independentemente de sua condição econômica. Pretendeu o legislador, com isso, estimular a erradicação do subregistro de nascimento, assegurando a todos os indivíduos o acesso aos direitos decorrentes da cidadania. Ao analisar a constitucionalidade do dispositivo, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser revestida de proporcionalidade a limitação imposta aos serviços notariais e de registro, julgando improcedente a ADI nº 1.800/DF proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil, in verbis: Atividade notarial. Natureza. Lei 9.534/1997. Registros públicos. Atos relacionados ao exercício da cidadania. Gratuidade. Princípio da proporcionalidade. Violação não observada. Precedentes. Improcedência da ação. A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os “reconhecidamente pobres” do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. (STF – Pleno – ADI nº 1.800/DF – Relator para acórdão Min. Ricardo Lewandowski, decisão: 11-06-2007)
Como forma de preservar o equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais, o art. 8º da Lei nº 10.169/2000 determinou aos Estados-membros e ao Distrito Federal a implementação de mecanismos de ressarcimento pelos atos gratuitos praticados pelo registrador civil. Concedendo aplicabilidade prática à determinação normativa federal, foram instituídas pelos Estados-membros diversos fundos destinados a arrecadar e distribuir aos registradores civis os valores compensatórios pelos atos cartorários gratuitos. No Estado de Alagoas, por exemplo, a Lei Estadual nº 6.284/2002 criou o Fundo Especial para o Registro Civil – FERC e instituiu, como fonte de custeio para as compensações, o selo de autenticidade de atos, de utilização obrigatória em todos os serviços notariais e de registro. De maneira semelhante, foi editada no Estado do Paraná a Lei Estadual nº 13.228/2001, que criou o Fundo de Apoio ao Registro Civil das Pessoas Naturais – FUNARPEN e previu diversas formas de arrecadação de receita. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o art. 38, § 2º, da Lei Estadual nº 3.350/1999 previu que “os atos gratuitos instituídos por lei serão reembolsados pelo Fundo Especial do Tribunal de Justiça,
com o produto arrecadado pelos Selos de Fiscalização”. No entanto, ao julgar a Representação por Inconstitucionalidade nº 136/2000 o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu ser o referido dispositivo inconstitucional, por violar os arts. 152, § 2º, e 113, II, da Constituição Estadual316. Note que essa decisão judicial não afastou o direito à obtenção gratuita dos atos registrais. Na verdade, o que fez o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foi simplesmente reconhecer a inconstitucionalidade do art. 38, § 2º, da Lei Estadual nº 3.350/1999 por ter a emenda parlamentar que instituiu a norma acarretado aumento de despesa onerando o Fundo Especial do TJ/RJ, fato este que inquinou de inconstitucionalidade o dispositivo legal, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal317. Como forma de solucionar o problema e garantir o ressarcimento pelos atos gratuitos praticados pelas serventias extrajudiciais, o Estado do Rio de Janeiro editou a Lei nº 6.281/2012, que instituiu o Fundo de Apoio aos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro – FUNARPEN/RJ. 3.22.3 Da dispensa subjetiva do recolhimento dos emolumentos nas hipóteses de reconhecimento do direito à gratuidade de justiça
Além da gratuidade objetiva para a lavratura do registro civil de nascimento e do assento de óbito, a legislação prevê hipóteses de dispensa subjetiva do recolhimento dos emolumentos, em favor daqueles que não possuem condições econômicas de arcar com o pagamento dos atos notariais e de registro, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Por força do art. 236, § 2º, da CRFB, a legislação federal deve apresentar apenas “normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”, cabendo aos Estados-membros e ao Distrito Federal normatizar os aspectos específicos, de acordo com as peculiaridades de cada unidade federada. Obedecendo à competência legislativa traçada pela Constituição Federal, o art. 30, § 1º, da Lei nº 6.015/1973 prevê a dispensa do recolhimento dos emolumentos pelas certidões extraídas pelo cartório de registro civil em favor dos reconhecidamente pobres. Nesse ponto, a Lei de Registros Públicos cria uma segunda espécie de isenção, diferente daquela objetivamente instituída em relação à lavratura do registro civil de nascimento e do assento de óbito. Assim, enquanto esses atos de registro são realizados em benefício de toda e qualquer pessoa, independentemente de sua condição econômica, o art. 30, § 1º, da Lei nº 6.015/1973 prevê que as demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil serão gratuitas apenas para os reconhecidamente pobres. De maneira análoga e mais abrangente, o art. 3º, II da Lei nº 1.060/1950 prevê genericamente a dispensa do pagamento de emolumentos quando o ato notarial ou de registro for praticado em favor de beneficiário da gratuidade de justiça. Em virtude de sua amplitude material, o dispositivo engloba o próprio art. 30, § 1º, da Lei nº 6.015/1973 e garante, de maneira extensiva, a gratuidade de todo e qualquer ato notarial ou registrário praticado em benefício de pessoa economicamente hipossuficiente. No âmbito normativo do Estado do Rio de Janeiro, a isenção do pagamento dos emolumentos restou regulamentada pela Lei Estadual nº 3.350/1999, que estabelece serem gratuitos os “atos
notariais e/ou registrais em benefício do juridicamente necessitado quando assistido pela Defensoria Pública ou entidades assistenciais assim reconhecidas por lei” (art. 43, IV). Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar a Representação por Inconstitucionalidade nº 22/2007, reconheceu a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal em virtude da ausência de fonte de custeio. In verbis: Representação por Inconstitucionalidade. Gratuidade dos atos notariais estabelecida pelos incisos IV, V e VII do art. 43 da Lei 3.350/1999. Alegação de ofensa ao art. 112, § 2º, da Constituição Estadual por falta de indicação de fonte de custeio. Ocorrência por ter sido anteriormente declarado inconstitucional o disposto no § 2º do art. 38 da própria Lei 3.350/1999. Conforme reiteradamente decidido por este Órgão Especial, viola o disposto no § 2º do art. 112 da Constituição Estadual lei que outorga gratuidade no serviço público sem indicação da fonte de custeio. Embora a Lei 3.350/1990 tenha previsto a fonte de custeio para os atos cartorais gratuitos por ela instituídos, essa previsão tornou-se inócua por ter sido declarado inconstitucional o § 2º do seu art. 38. Procedência da representação. (TJ/RJ – Órgão Especial – Representação por Inconstitucionalidade nº 22/2007 – Relator Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO, decisão: 30-03-2009)
Para preservar equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais, o Estado do Rio de Janeiro editou recentemente a Lei Estadual nº 6.370/2012, instituindo o sistema de remuneração compensatória pelos atos extrajudiciais gratuitos. Relevante consignar, nesse ponto, que a não regulamentação normativa da gratuidade dos atos notariais e de registro pelos Estados-membros não afasta dos hipossuficientes econômicos a fruição desse direito. Por derivar diretamente do inafastável direito de acesso à ordem jurídica justa, a dispensa do recolhimento dos emolumentos pode ser alcançada pela aplicação direta do art. 5º, incs. XXXV e LXXIV, da CRFB, que possuem força normativa suficiente para garantir a realização gratuita dos atos notariais e registrários necessários à tutela dos direitos dos hipossuficientes econômicos318. Além disso, o art. 30, § 1º da Lei nº 6.015/1973 e o art. 3º, II, da Lei nº 1.060/1950 possuem substância normativa suficiente para irradiar efeitos concretos e salvaguardar provisoriamente a dispensa do recolhimento dos emolumentos em favor financeiramente necessitados, enquanto não for editada a lei estadual específica. Nesse meio tempo, o problema relativo à ausência de fonte de custeio para os serviços cartorários gratuitos deverá ser resolvido entre os cartórios extrajudiciais e o próprio Estado-membro, não podendo os juridicamente pobres serem privados de seus direitos em virtude da inoperância do legislativo estadual319. Para obter a gratuidade dos serviços cartorários extrajudiciais, deverá a parte interessada demonstrar sua hipossuficiência econômica no momento em que for requerida a prática do ato notarial ou registrário. Seguindo a regra do art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950, c/c o art. 30, § 2º, da Lei nº 6.015/1973, a comprovação da necessidade econômica deverá ser realizada por intermédio de simples declaração firmada pelo próprio interessado, atestando sua incapacidade financeira de arcar com o pagamento dos emolumentos, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Caso o requerente seja analfabeto, a declaração deverá ser feita a rogo, acompanhando a assinatura de duas testemunhas (art. 30, § 2º, in fine, da Lei nº 6.015/1973). Sendo afirmada a necessidade econômica pelo requerente, passa a militar em seu favor a presunção juris tantum de hipossuficiência, que somente cede espaço frente a elementos concretos que demonstrem a situação contrária ou diante da notoriedade do fato320. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, entretanto, manifestando sua simpatia pela corrente comprovacionista, editou o Ato Normativo nº 17/2009, determinando a prévia comprovação
da insuficiência de recursos para o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais: Art. 1º do Ato Normativo TJ/RJ nº 17/2009: A gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais depende de prévia comprovação de insuficiência de recursos, não bastando para tanto a mera declaração do interessado, razão pela qual deverão ser apresentados, no ato do requerimento, os seguintes documentos: I – Ofício da Defensoria Pública ou de entidades assistenciais assim reconhecidas por lei; II – Comprovante de renda familiar; e III – Declaração da hipossuficiência. § 1º O requerimento de gratuidade deverá ser formulado de forma fundamentada e apresentado, pelo próprio interessado na prática do ato, perante o serviço extrajudicial ao qual é dirigido.
Em virtude da dificuldade prática gerada pela referida orientação normativa, que acabou prejudicando a campanha permanente desenvolvida pela Defensoria Pública em busca da erradicação do subregistro e da consolidação da cidadania, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou recentemente o Ato Normativo nº 12/2011, estabelecendo ser dispensável a comprovação da hipossuficiência econômica “quando se tratar de ofício assinado pela Coordenação da Campanha Institucional Permanente da Defensoria Pública, acompanhado da declaração de hipossuficiência da parte interessada, para fins de obtenção de certidões relativas a atos de Registro Civil das Pessoas Naturais”. Por fim, importante observar que, nas hipóteses de atos notariais ou registrais efetivados por determinação judicial, a gratuidade de justiça reconhecida no curso do processo será extensível aos serviços extrajudiciais, sendo desnecessária a nova postulação perante o cartório321 (ex: registro de sentença de usucapião, averbação de sentença de divórcio, etc.) – art. 1º, § 4º, do Ato Normativo TJ/RJ nº 17/2009. Nesse sentido, inclusive, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA CONCEDIDA JUDICIALMENTE. EXTENSÃO AOS SERVIÇOS REGISTRAIS E NOTARIAIS RESPECTIVOS, NECESSÁRIOS AO PLENO CUMPRIMENTO DO JULGADO. EXECUTIVIDADE E EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. A gratuidade de justiça concedida em processo judicial deve ser estendida, para efeito de viabilizar o cumprimento de decisão do Poder Judiciário e garantir a prestação jurisdicional plena, aos atos extrajudiciais de notários e de registradores respectivos, indispensáveis à materialização do julgado. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF/1988), cabendo ressaltar que a abstrata declaração judicial do direito nada valerá sem a viabilidade da sua execução, do seu cumprimento. 2. A execução do julgado, inegavelmente, constitui apenas uma fase do processo judicial, nela permanecendo intacta a gratuidade de justiça e abrangendo todos os serviços públicos pertinentes à consumação do direito judicialmente declarado. 3. Agravo regimental não provido. (STJ – Segunda Turma – AgRg no RMS nº 24557/MT – Relator Min. CASTRO MEIRA, decisão: 07-02-2013) PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – GRATUIDADE JUDICIÁRIA – ATOS EXTRAJUDICIAIS RELACIONADOS A PROCESSO JUDICIAL – ISENÇÃO – ART. 3º, II DA LEI Nº 1.060/1950 – EXTENSÃO – ATOS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA – LEGALIDADE DO ATO. 1 – A gratuidade da justiça estende-se aos atos extrajudiciais relacionados à efetividade do processo judicial em curso, mesmo em se tratando de registro imobiliário. 2 – A isenção contida no art. 3º, II da Lei nº 1.060/1950 estende-se aos valores devidos pela extração de certidões de registro de imóveis, necessárias ao exercício do direito de ação. 3 – Legalidade do ato. 4 – Recurso ordinário não provido. (STJ – Segunda Turma – RMS nº 26493/RS – Relatora Min. ELIANA CALMON, decisão: 19-08-2008)
3.22.4 Da medida judicial cabível contra a recusa indevida do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça pelo cartório
Pela leitura do art. 38 da Lei nº 8.935/1994 e do art. 38, § 1º, da Lei Estadual nº 3.350/1999 se infere que a análise do direito à gratuidade de justiça deverá ser realizada pelo notário ou registrador, sob a fiscalização obrigatória e constante do juiz competente. Em sendo constatada a hipossuficiência econômica do interessado, deverá o notário ou registrador prestar gratuitamente o serviço cartorário requerido, restando vedada a prática de qualquer conduta discriminatória em relação ao beneficiário da justiça gratuita. Desse modo, não poderá ser fixado para a prática de atos gratuitos prazo mais longo do que aquele estabelecido para os atos onerosos, sendo proibida a concessão de tratamento diferenciado entre aqueles que pagam pelo serviço e aqueles que o recebem de forma graciosa. Além disso, segundo determina o art. 30, § 4º, da Lei nº 6.015/1973, é proibida a inserção de qualquer expressão que indique a condição de pobreza nas certidões expedidas a título gratuito. Caso o notário ou registrador tenha incerteza quanto ao reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, deverá deflagrar, de ofício ou mediante requerimento do interessado, o procedimento de dúvida previsto no art. 38, § 1º, da Lei Estadual nº 3.350/1999322, provocando a manifestação do juízo competente323. No entanto, em sendo recusado de plano pelo notário ou registrador o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, sem que haja a deflagração do procedimento de dúvida324, poderá o interessado provocar o controle jurisdicional por intermédio de duas medidas distintas: (i) mandado de segurança; ou (ii) ação de obrigação de fazer325. Embora destinado à defesa de direitos contra atos de autoridade, a jurisprudência tem considerado legítima a utilização do mandado de segurança contra ato praticado por particular no exercício de atividade delegada326. No caso de negativa do reconhecimento do direito à gratuidade de justiça por cartório extrajudicial, deverá figurar como autoridade coatora o notário ou registrador responsável pela serventia (art. 6º, § 3º, da Lei nº 12.016/2009), devendo o Estado-membro ao qual estiver vinculado o cartório ser devidamente indicado na inicial e cientificado para que, querendo, ingresse no feito (art. 6º c/c art. 7º, II da Lei nº 12.016/2009). No lado oposto da relação processual, o polo ativo deverá ser ocupado pelo indivíduo necessitado que teve indevidamente negado o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça, sendo juridicamente assistido pela Defensoria Pública327. Importante observar que o manejo do mandado de segurança exige a caracterização da certeza e da liquidez do direito, devendo a lesão ou a ameaça de lesão ao direito fundamental ser demonstrada por meio de prova pré-constituída. Por essa razão, o mandado de segurança não comporta dilação probatória, havendo a necessidade de que os fatos constitutivos do direito do impetrante sejam comprovados de plano no momento da impetração do remédio constitucional, conforme posicionamento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal: Refoge aos estreitos limites da ação mandamental o exame de fatos despojados da necessária liquidez, pois o iter procedimental do mandado de segurança não comporta a possibilidade de instauração incidental de uma fase de dilação probatória. A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato certo, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca. (STF – Pleno – MS 20.882/MA – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 23-06-1994)
Particularmente, entendemos mais adequada a utilização da ação de obrigação de fazer, haja vista a possibilidade de formulação cumulativa de pedido indenizatório. Afinal, a não realização gratuita do ato notarial ou registrário, além de obstaculizar o exercício legítimo de diversos direitos pelo indivíduo financeiramente debilitado, acarreta transtornos que violam sua dignidade e maculam sua higidez de espírito. Quando a serventia extrajudicial nega de forma temerária o direito à gratuidade, obriga o cidadão pobre a percorrer verdadeira via crúcis, sendo compelido a enfrentar a fila da Defensoria Pública, propor demanda judicial, aguardar que decisão seja proferida pelo juiz competente, esperar a citação e intimação da parte ré e, finalmente, obter gratuitamente o serviço notarial ou registrário. Não resta dúvida que tais transtornos devem ser indenizados; o tempo constitui o bem mais precioso do indivíduo, e o período de vida desperdiçado nunca poderá ser reposto ou recuperado. Além disso, se o resultado final do processo judicial apenas obrigar a serventia extrajudicial a praticar gratuitamente o ato notarial ou registrário indevidamente recusado, sem o pagamento de qualquer indenização ao necessitado lesado, o Poder Judiciário estará veladamente estimulando a prática de novas condutas abusivas semelhantes. Isso porque nem todos que tiveram seus direitos violados procuram a tutela jurisdicional; em muitos casos, diante da necessidade incontornável de realização do ato cartorário, o cidadão pobre e desinformado acaba desembolsando quantia que não possui para arcar com o pagamento dos emolumentos exigidos pelo notário ou registrador. Assim, a recusa reiterada do direito à gratuidade, quando não sancionada pecuniariamente pelo judiciário, acaba se tornando atividade lucrativa para os cartórios extrajudiciais, aumentando significativamente sua arrecadação. De acordo com o art. 22 da Lei nº 8.935/1994328 e o art. 28 da Lei nº 6.015/1973329, a responsabilidade civil pelos danos ocasionados pela falha na prestação dos serviços cartorários é pessoal do notário ou registrador, que deverá responder em nome próprio e com seu patrimônio particular. Por se tratar de delegação de serviço público, a responsabilidade civil do Estado será considerada meramente subsidiária, respondendo a administração pelos danos apenas quando exauridos os recursos financeiros do notário ou registrador330. Se o Estado escolheu mal aquele a quem atribuiu a delegação do serviço público, deve responder subsidiariamente caso o mesmo se torne insolvente. Não se pode falar em responsabilidade solidária na hipótese, pois a solidariedade apenas é gerada por lei ou por contrato. Além disso, o art. 22 da Lei nº 8.935/1994 e o art. 28 da Lei nº 6.015/1973, ao estabelecerem a responsabilidade direta e pessoal dos notários ou registradores, afastam expressamente qualquer espécie de solidariedade estatal331. Nesse sentido, reconhecendo a responsabilidade pessoal dos notários e registradores, em contraposição à responsabilidade subsidiária do Estado, já teve a oportunidade de se posicionar o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ADMINISTRATIVO. DANOS MATERIAIS CAUSADOS POR TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. No caso de delegação da atividade estatal (art. 236, § 1º, da Constituição), seu desenvolvimento deve se dar por conta e risco do delegatário, nos moldes do regime das concessões e permissões de serviço público. O art. 22 da Lei 8.935/1994 é claro ao estabelecer a responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que deve responder solidariamente o ente estatal. Tanto por se tratar de serviço delegado, como pela norma legal em comento, não há como imputar eventual responsabilidade pelos serviços notariais e registrais diretamente ao Estado. (STJ – Segunda Turma – REsp nº
108.7862/AM – Relator Min. HERMAN BENJAMIN, decisão: 02-02-2010)
Subsiste na doutrina e jurisprudência profunda controvérsia quanto à possibilidade de ser o próprio cartório extrajudicial também responsabilizado pelos danos causados pela má prestação dos serviços notariais ou registrários. De acordo com uma primeira corrente, embora destituídos de personalidade jurídica, possuiriam as serventias extrajudiciais personalidade judiciária, sendo equiparadas às pessoas formais – como a massa falida, o espólio, as heranças jacente e vacante e o condomínio. Por essa razão, seria o cartório legitimado a ocupar o polo passivo da relação processual, podendo responder civilmente pelos danos gerados pela falha na prestação dos serviços notariais ou registrários. Esse posicionamento pode ser encontrado em alguns julgados recentes proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Consoante entendimento desta Corte, ainda que não dotados de personalidade jurídica, possuem os Cartórios capacidade processual e, portanto, legitimidade para responder por danos causados em decorrência de suas atividades, bem como por falhas na prestação de seus serviços. Agravo Regimental improvido. (STJ – Terceira Turma – AgRg no REsp nº 124.945-1/PB – Relator Min. SIDNEI BENETI, decisão: 25-10-2011) Cartório de notas. Tabelionato. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva do cartório. Pessoa formal. Recurso conhecido e provido para reconhecer a legitimidade do cartório de notas por erro quanto à pessoa na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 476532/RJ – Relator Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, decisão: 20-052003)
Analisando a questão de forma mais técnica e refletida, entretanto, uma segunda corrente sustenta que as serventias extrajudiciais seriam desprovidas de personalidade jurídica e judiciária, não possuindo legitimidade para figurar ativa ou passivamente nos polos da relação processual. Pela análise das diversas pessoas formais enumeradas no art. 12 do CPC, percebe-se que estas constituem no mínimo uma universalização de bens ou de pessoas; no caso dos cartórios, entretanto, a situação é completamente distinta, pois além de não concentrarem universalidade de indivíduos, não possuem qualquer direito, dever ou bem capaz de gerar a equiparação à figura jurídica da pessoa formal. De acordo com o art. 21 da Lei nº 8.935/1994, “o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal”. Desse modo, a contratação de funcionários, a compra de equipamentos e até mesmo o pagamento do aluguel do espaço destinado ao cartório são realizados diretamente pelo notário ou registrador, que assume todas as obrigações e direitos pessoalmente332. Com isso, pertencem ao delegatário do serviço notarial ou registrário todos os bens existentes na serventia, sendo apenas transmitidos ao sucessor, no caso de extinção da delegação, os livros e demais documentos do ofício333. Além disso, por se tratar de delegação realizada diretamente pelo Poder Público, através de concurso público, a titularidade do serviço notarial ou registrário se caracteriza como originária. Com isso, não há sucessão na responsabilidade tributária (art. 133 do CTN), nem na trabalhista (art. 448 da CLT). Do mesmo modo, no que tange à responsabilidade civil, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente entendido que o dever de reparar os danos gerados pela má prestação do serviço notarial ou registrário pertence ao titular da serventia à época do incidente, não podendo o delegatário sucessor ser responsabilizado por ato ilícito praticado pelo delegatário sucedido334.
Sendo assim, não existe razão de ordem lógica ou jurídica que justifique a atribuição de personalidade judiciária e capacidade processual às serventias extrajudiciais. Na verdade, em linguagem simples e desataviada, o cartório constitui tão somente o espaço físico onde é exercida a função notarial ou registrária. Nada mais. Seguindo essa linha de pensamento, tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça em diversos precedentes: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DE FIRMA MEDIANTE ASSINATURA FALSIFICADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFÍCIO DE NOTAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA E JUDICIÁRIA. 1. Consoante as regras do art. 22 da Lei 8.935/1994 e do art. 38 da Lei n.º 9.492/1997, a responsabilidade civil por dano decorrente da má prestação de serviço cartorário é pessoal do titular da serventia à época do fato, em razão da delegação do serviço que lhe é conferida pelo Poder Público em seu nome. 2. Os cartórios ou serventias não possuem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda indenizatória, pois são desprovidos de personalidade jurídica e judiciária, representando, apenas, o espaço físico onde é exercida a função pública delegada consistente na atividade notarial ou registral. 3. Ilegitimidade passiva do atual titular do serviço notarial ou registral pelo pagamento de débitos atrasados do antigo titular. 4. Doutrina e jurisprudência acerca do tema, especialmente precedentes específicos desta Corte. 5. Recurso especial provido. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 1177372/RJ – Relator Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, decisão: 28-06-2011)335
Por fim, no que tange ao aspecto probatório, por se tratar eminentemente de relação de consumo (art. 2º c/c o art. 3º do CDC), mostra-se aplicável a regra do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, que determina a inversão do ônus da prova quando for verossímil a alegação formulada pelo consumidor ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Dessa forma, não há necessidade de comprovação da recusa da gratuidade por parte da serventia extrajudicial, até porque na grande maioria dos casos essa negativa ocorre de forma verbal e na ausência de testemunhas. Para que obtenha êxito na demanda, bastará ao demandante que demonstre sua hipossuficiência econômica, na forma do art. 4º, § 1º da Lei nº 1.060/1950. 3.22.5 Da formulação de requerimentos e requisições aos cartórios extrajudiciais pela Defensoria Pública
Quando encaminha expediente escrito ao cartório extrajudicial, indicando o ato notarial ou registrário a ser praticado, a Defensoria Pública poderá atuar de duas maneiras subjetivamente distintas: (i) de maneira indireta, como representante jurídico do cidadão hipossuficiente; ou (ii) de forma direta, como parte no exercício de sua função de controle. Na primeira hipótese, o expediente escrito encaminhado ao cartório deverá indicar a qualificação da parte requerente e informar que esta se encontra sendo assistida juridicamente pela Defensoria Pública. Caso o ato cartorário não se inclua dentre as hipóteses de dispensa objetiva do pagamento de emolumentos, como ocorre no caso do registro civil de nascimento e do assento de óbito (art. 45 da Lei nº 8.935/1994 e art. 30 da Lei nº 6.015/1973), o Defensor Público deverá postular o reconhecimento do direito à gratuidade de justiça pelo notário ou registrador, fazendo anexar ao ofício expedido ao cartório a afirmação de hipossuficiência subscrita pelo necessitado econômico336. Em virtude da variabilidade do custo dos diversos atos notariais ou registrários, o Defensor Público deverá observar, no momento em que postular a gratuidade de justiça perante as serventias
extrajudiciais, a proporcionalidade entre a capacidade financeira do interessado e o custo do notarial ou registrário singularmente considerado. Isso porque a avaliação da incapacidade econômica de arcar com os emolumentos cartorários, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, depende do equacionamento entre os rendimentos/despesas do interessado (fator endógeno) e o valor do ato notarial ou registrário requerido (fator exógeno). Nesse sentido, restou formulada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro a Proposta de Enunciado nº 07, que ainda se encontra pendente de discussão e aprovação pelos membros da referida Instituição. In verbis: Proposta de Enunciado nº 07: Quando o pedido de gratuidade de justiça guardar relação com procedimento extrajudicial, o Defensor Público deverá observar a proporcionalidade entre a capacidade financeira do assistido e o custo do ato em si. Justificativa: São inúmeros os atos extrajudiciais e eles variam muitíssimo em custo. A proposta é que, em princípio, sejam utilizados os mesmos critérios balizadores da gratuidade na atuação judicial, mas com atenção entre a proporcionalidade entre o custo do ato e a renda do assistido. P. ex., o assistido que ganha R$ 2.500,00 provavelmente não terá recursos para inscrição de título aquisitivo no RGI, mas poderá tranquilamente arcar com o pagamento da 2ª via de identidade.
Embora seja comum que os ofícios expedidos pela Defensoria Pública requisitem a prática do ato notarial ou registrário em favor do hipossuficiente econômico, na verdade essa espécie de pedido não pode ser propriamente definida como requisição. Pela técnica jurídica, a requisição constitui ato oficial, emanado do escalão primário do serviço estatal e que encerra ordem legal de índole administrativa. Desse modo, a requisição pressupõe imperatividade e autoexecutoriedade, estando apenas condicionada pela estrita legalidade que deve sempre informar a sua manifestação337. No caso dos serviços cartorários extrajudiciais, como a análise do direito à gratuidade é realizada pelo notário ou registrador, sob a fiscalização do juiz competente, o ofício expedido pela Defensoria Pública em nome do assistido não poderá conter ordem ou comando. Na realidade, o expediente escrito deverá apenas requerer a prática gratuita do ato notarial ou registrário, cabendo ao titular da serventia a análise dos pressupostos necessários ao reconhecimento do direito à gratuidade. Por essa razão, quando atua como representante jurídico do cidadão hipossuficiente, a Defensoria Púbica não formula propriamente uma requisição dos serviços cartorários, mas autêntico requerimento endereçado ao titular da serventia. Na segunda hipótese, quando atua diretamente como parte no exercício de função constitucional de controle, poderá a Defensoria Pública pedir aos cartórios certidões, documentos, informações ou esclarecimentos destinados a embasar eventual atuação transindividual. Nesse caso, como o serviço cartorário será pedido pela própria Defensoria Pública, não há necessidade de alegação ou demonstração da hipossuficiência econômica, estando a Instituição isenta do pagamento dos emolumentos cartorários, nos termos do art. 87, IX, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977: Art. 87 da LC nº 06/1977: São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública: (…) IX – agir, em Juízo ou fora dele, com dispensa de emolumentos e custas.
Com relação à natureza jurídica do pedido encaminhado pela Defensoria Pública, importante observar que, em virtude de sua legitimidade para a propositura de todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos hipossuficientes, a Instituição encontra-se legalmente autorizada a “requerer às autoridades
competentes as certidões e informações que julgar necessárias” para instruir o processo coletivo (art. 8º da Lei nº 7.347/1985). Além disso, em complementação à norma constante da Lei de Ação Civil Pública, a LC nº 80/1994 outorga ao Defensor Público a prerrogativa de requisitar das autoridades públicas certidões, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições (art. 44, X, art. 89, X, e art. 128, X). Combinando os dispositivos, portanto, conclui-se que, ao atuar em nome próprio no exercício de sua função constitucional de controle, o pedido encaminhado pela Defensoria Pública ao cartório será qualificado propriamente como requisição, concentrando verdadeiro comando de índole administrativa. Esse raciocínio decorre logicamente da própria função política e das atribuições coletivas conferidas à Defensoria Pública. Afinal, a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa no automático deferimento, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos338. Assim, estando a atuação da Defensoria Pública direcionada a tutela dos interesses da sociedade globalmente considerada, não cabe ao notário ou registrador exercer qualquer juízo de valor quanto ao pedido formulado, podendo apenas recusar a prática do ato cartorário quando a requisição for manifestamente ilegal. Em síntese, portanto, quando atua de maneira indireta, como representante jurídico do cidadão hipossuficiente, a Defensoria Pública formula requerimento ao cartório extrajudicial, cabendo ao notário ou registrador a análise dos pressupostos necessários ao reconhecimento do direito à gratuidade. Por outro lado, quando atua de forma direta, como parte no exercício de sua função de controle, a Defensoria Pública exprime legítima requisição direcionada à serventia extrajudicial, não cabendo ao notário ou registrador o exercício de qualquer juízo de valor frente ao comando administrativo exarado pela Instituição. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – IV CONCURSO): Dissertar: A Lei 1.060/1950 e a Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro – Defensoria Pública e justiça gratuita: distinção. Questão 02 (DPGE/RJ – IX CONCURSO): Conceitue e distinga: assistência jurídica pública, assistência judiciária, Defensoria Pública e justiça gratuita. Questão 03 (DPGE/RJ – XI CONCURSO): José da Silva, lavrador requereu os benefícios da gratuidade de justiça, com o objetivo de defender-se em Ação de Investigação de Paternidade, afirmando ser juridicamente pobre, porque não pode, sem o prejuízo próprio ou da família, pagar os honorários de advogado e despesas judiciais. O pedido feito, como é sabido, com fundamento no artigo 4º, caput, da Lei 1060, de 1950, com a redação dada pela Lei n. 7510, de 04.07.1986, foi indeferido, porque, consoante determina a Constituição, disse o Magistrado, não foi comprovada a insuficiência de recursos (art. 5º, LXVII, da CF).
(A) Qual o recurso cabível e a respectiva fundamentação? (B) Quais os pressupostos para a concessão da assistência jurídica? Questão 04 (DPGE/RJ – XIV CONCURSO): Tício procurou o núcleo da Defensoria Pública mais próximo de sua residência com o objetivo de propor ação de despejo por falta de pagamento em face de Mévio, inquilino de um de seus imóveis. Na inicial, o Defensor Público fez constar o esclarecimento de que o autor é aposentado pelo INSS e percebe pensão equivalente a um salário mínimo, contando também para sua manutenção e de sua família com a renda que lhe proporciona o aluguel de 5 (cinco) pequenas casas de sua propriedade, situadas em longínquo subúrbio do Rio de Janeiro. Os imóveis de sua propriedade são do tipo popular e rendem aluguéis irrisórios. Apesar de idoso, Tício tem 4 (quatro) filhos ainda menores e sua atual companheira para sustentar. Ademais, sendo portador de diabetes, Tício costuma ter gastos consideráveis com a compra de remédios. Assim a ação foi proposta constando da peça inaugural a afirmação de que cuida o art. 4º da Lei 1.060/1950, que garante ao Autor o benefício da Justiça Gratuita. Em despacho proferido na inicial, o Juiz indeferiu a gratuidade de justiça, sob o argumento de que o Autor é proprietário de 5 (cinco) imóveis e não comprovou a insuficiência de recursos como exige o inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal que no particular prevalece frente a norma legal. Como Defensor Público, redija o recurso cabível, respondendo no próprio texto as seguintes indagações: (A) Posicione-se quanto ao recurso cabível. (B) Por que o Autor faz jus a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita? (C) A norma da Constituição é incompatível com os termos da Lei 1.060/1950? Questão 05 (DPGE/RJ – XV CONCURSO): O Brasil, dentre outros Estados Federais de todo o Universo, é o de melhor organização da Defensoria Pública, instituída em sede constitucional, como predicamento de órgão do Poder Público, o que lhe confere posição relevante e exemplar no que atine a matéria. Assim, posto que constituíam temas ligados a instituição, de índole marcantemente democrática, responda: (A) Existe diferença entre assistência jurídica pública, Defensoria Pública e justiça gratuita? Justifique. Questão 06 (DPGE/RJ – XVII CONCURSO): A firma “Nova Liderança e Cia LTDA”, representada por seu sócio Líbero Espartense, alegando dificuldade financeira, procura o Núcleo da Defensoria Pública da Capital, pleiteando o patrocínio de ação judicial em face de um devedor. Distribuída a ação em 10/03/1999, o Juiz indefere de plano o pedido de gratuidade de justiça, em 15/03/1999, por ser incabível na espécie. Ato contínuo, o cartório abre vista ao Defensor Público, tendo este tomado ciência e retirado os autos somente dois dias após, em 19/03/1999, sexta-feira. Diante dessa decisão, redija a peça processual adequada, fundamentando-a e justificando-a de acordo com a legislação e a jurisprudência pertinentes, cabendo ao candidato indicar na peça a data correspondente ao último dia do prazo.
Questão 07 (DPGE/RJ – XVIII CONCURSO): É admissível a pessoa jurídica obter a assistência judiciária, ou isto só é possível para microempresas e entidades pias e beneficentes, sem fins lucrativos? Justifique a resposta, com base nas leis de regência. Questão 08 (DPGE/RJ – XIX CONCURSO): Cabe a condenação ao pagamento das custas e honorários de sucumbência da parte beneficiária da gratuidade de justiça quando vencida na lide? Justifique. Questão 09 (DPGE/RJ – XIX CONCURSO): Maria, assistida pela Defensoria Pública e afirmando ser juridicamente pobre, ajuíza ação em face de João, tendo o Juiz, de plano, deferido a Gratuidade de Justiça. Sendo João citado e, patrocinado por advogado particular, agrava, no prazo legal, do despacho que deferiu a Gratuidade de Justiça. Em suas razões, alega o agravante, sem juntar qualquer prova, que Maria mora em apartamento próprio em área nobre, não fez prova de seus ganhos, que possui um automóvel da marca Fiat Uno, ano 2000, e uma conta corrente em estabelecimento bancário, e que, portanto, não faz jus a Gratuidade de Justiça. Requer, ao final, que a mesma seja revogada. Na condição de Defensor Público de Maria, redija as contrarrazões do recurso interposto, fundamentando todos os aspectos processuais e de mérito a serem abordados. Questão 10 (DPGE/RJ – XX CONCURSO): Considerando-se a Assistência Jurídica como gênero dentre as atribuições da Defensoria Pública, quais seriam as suas espécies? Questão 11 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): O juiz indefere a gratuidade de justiça no julgamento do incidente de impugnação à gratuidade proposto pelo réu e de acordo com o art. 17 da Lei nº 1.060/1950. O recurso cabível para impugnar esta decisão é: (A) agravo retido, pois a decisão não causa lesão grave ou de difícil reparação; (B) agravo de instrumento, pois há interesse na imediata alteração da decisão; (C) apelação, por determinação legal; (D) embargos de declaração, ante a omissão da prestação jurisdicional; (E) agravo interno, para dar efeito suspensivo à decisão. Questão 12 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): Túlio Agripino, estudante de Direito, impetra habeas corpus em favor de seu padrasto, que foi preso em flagrante na comarca de Angra dos Reis pela prática de roubo. No dia seguinte Túlio vai ao encontro do Defensor publico com atribuição para o caso e informa que não requereu a gratuidade de justiça ao formular o remédio constitucional. Assim, postula o patrocínio da Defensoria Pública, afim de que não se repute deserto o habeas corpus. A respeito do tema, é correto afirmar que: (A) tanto o habeas corpus como o mandado de segurança são gratuitos por expressa previsão constitucional;
(B) o habeas corpus não prescinde de recolhimento de custas; (C) a ação civil pública e o habeas corpus exigem o recolhimento de custas somente após o seu julgamento; (D) passados cinco anos da decisão final, Túlio não será mais obrigado a pagar as custas; (E) o habeas corpus e o habeas data, conforme previsão constitucional, são gratuitos. Questão 13 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): A assistência judiciária, nos termos da Lei 1060/1950, compreende as seguintes isenções, EXCETO: (A) das taxas e dos selos; (B) dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça; (C) das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; (D) dos impostos devidos aos Órgãos Públicos; (E) das despesas com a realização do exame de código genético (DNA) eventualmente requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade. Questão 14 (DPGE/AC – 2006) Acerca da assistência judiciária gratuita e da atividade da Defensoria Pública, assinale a opção correta: (A) A pessoa jurídica cuja atividade vise lucro pode litigar sob o manto da gratuidade de justiça ou ser defendida pela Defensoria Pública. (B) Se a parte vencedora foi representada em juízo pela Defensoria Pública Estadual, é apropriada a condenação do estado-réu ao pagamento da verba advocatícia. (C) A assistência gratuita só pode ser concedida até a sentença de primeiro grau. (D) Não faz parte das atribuições dos Defensores Públicos a defesa dos necessitados em processos administrativos. Questão 15 (DPDF – 2006): Julgue a assertiva abaixo: (A) O beneficiário da justiça gratuita, quando vencido na ação, não é isento da condenação nos ônus da sucumbência, devendo ser condenado ao pagamento da verba honorária. Entretanto, essa obrigação fica suspensa pelo período de até cinco anos, caso persista o estado de miserabilidade, extinguindo-se após findo esse prazo. Questão 16 (DPGE/SP – 2007): É beneficiário da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei nº 1.060/1950, todo aquele: (A) cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. (B) Que tem renda familiar mensal de no máximo 3 salários mínimos. (C) que não possuir nenhum bem imóvel ou aplicação financeira.
(D) que não tiver vínculo empregatício formal. (E) que optar pelo serviço oferecido pelos poderes públicos federal ou estadual. Questão 17 (DPU – 2007) Julgue as assertivas abaixo: (A) Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição, nos termos da Lei nº 1.060/1950, sob pena de pagamento de até o décuplo das custas judiciais. (B) Segundo entendimento do STJ, é vedado à Defensoria Pública prestar assistência judiciária a pessoa jurídica. Questão 18 (DPGE/MS – 2008): Julgue a assertiva abaixo: (A) A parte que pretender gozar os benefícios da assistência judiciária requererá ao Juiz competente lhes conceda, mencionando, na petição, o rendimento ou vencimento que percebe e os encargos próprios e os da família. (B) Se o assistido puder atender, em parte, as despesas do processo, o Juiz mandará pagar as custas que serão rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento. Questão 19 (DPGE/CE – 2008): Em relação à assistência judiciária, julgue os itens a seguir: (A) O beneficiário da assistência judiciária não abrange o pagamento de honorários de sucumbência devidos pelo beneficiário no caso de derrota em ação. (B) O benefício da assistência judiciária pode ser revogado em qualquer fase do processo. Questão 20 (DPGE/MA – 2009): Em virtude de a Defensoria Pública ser instituição essencial à função jurisdicional do Estado, é da sua sucumbência prestar às pessoas necessitadas, de forma integral e gratuita: (A) assistência judicial; (B) assistência judiciária; (C) assistência jurídica, judicial e extrajudicial; (D) assistência jurisdicional; (E) assistência institucional. Questão 21 (DPGE/ES – 2009): A Defensoria Pública, prevista na CF e na CEES, vem regulamentada, respectivamente, pela Lei Complementar Federal nº 80/1994 e pela Lei Complementar Estadual nº 55/1994. Com base nos referidos diplomas infraconstitucionais, julgue os itens subsequentes. (A) A lei complementar federal citada assegura assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. A acepção atual da expressão necessitados abrange tanto os necessitados economicos como os necessitados jurídicos – pessoas que, de qualquer modo, em razão da hipossuficiência, estão em situação jurídica de vulnerabilidade em relação à parte contrária.
Questão 22 (DPGE/AL – 2009): Julgue as assertivas abaixo: (A) Se a parte requerente deixar de juntar provas de que não possui condições de pagar as custas o processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio ou de sua família, o juiz indeferirá o pedido de assistência judiciária. (B) O pedido de assistência judiciária deve ser feito na petição inicial, de forma que, depois de estabilizada a relação processual, não será lícito a qualquer das partes requerê-lo ao juiz. (C) Considere que Pablo, chileno residente no Brasil, tenha procurado a DP para ajuizar ação visando ser ressarcido de danos morais que lhe foram causados por Rodrigo. Nesse caso, é defeso à DP promover a ação pretendida por Pablo, já que, por disposição legal expressa, os benefícios da assistência judiciária têm como destinatários os brasileiros. (D) A assistência judiciária gratuita é benefício que pode ser concedido tanto às pessoas jurídicas sem fins lucrativos como às pessoas jurídicas com fins lucrativos. (E) Considere que Paulo tenha seu pedido de assistência judiciária gratuita deferido pelo juiz no curso de um processo contra Ricardo. Nesse caso, Ricardo poderá pedir a revogação dos benefícios concedidos a Paulo, se comprovar que inexistem os motivos que ensejaram o deferimento, mas não será lícito ao juiz decretar a revogação dos benefícios de ofício. Questão 23 (DPGE/RS – 2011): O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, previsto constitucionalmente e instrumentalizado pela Defensoria Pública, compreende: (A) prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, somente no segundo grau de jurisdição. (B) prestar orientação jurídica a todos os beneficiados pela Lei nº 1.060/1950. Assim considerados os nacionais ou estrangeiros, residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil ou do trabalho, excluída a Justiça Militar. (C) a impossibilidade de denegação ao atendimento do cidadão, tendo em vista a universalidade do direito prestado, desimportando que se trata de pessoa com elevado poder aquisitivo. (D) a função institucional da Defensoria Pública para propositura da ação penal pública, naqueles casos em que não houver órgão de atuação do Ministério Público. (E) promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Questão 24 (DPGE/PR – 2012): Quanto aos sistemas de assistência judiciária e jurídica gratuita, é correto afirmar que: (A) o sistema judicare é mais eficaz, pois permite que ao lado de servidores públicos atuem advogados em regime pro bono. (B) o sistema público é mais vantajoso, embora não esteja aparelhado para transcender os remédios individuais. (C) a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema judicare, que implica no exercício da assistência jurídica por profissionais concursados, sem prejuízo da atuação de advogados pro
bono. (D) o sistema público caracteriza-se por permitir às pessoas pobres maior conscientização de seus direitos e a transcendência da esfera individual. (E) o sistema pro bono consiste na atuação caritativa de advogados particulares e é vedado pela Constituição Federal de 1988. Em razão disso, durante muitos anos os órgãos estatais responsáveis pela prestação do serviço de assistência judiciária foram oficialmente denominados de “assistência judiciária” (ex.: Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado do Estado de São Paulo). Atualmente, embora a Constituição Federal tenha oficialmente denominado de “Defensoria Pública” o órgão estatal responsável pela prestação gratuita do serviço de assistência jurídica aos necessitados (art. 134), muitos doutrinadores ainda insistem em chamar esse órgão de “assistência judiciária”. Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Doutrina e Prática do Processo Civil Contemporâneo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 76 / GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Assistência Judiciária no Direito Brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 25. 2 Na legislação, podemos encontrar o termo assistência judiciária gratuita sendo inadequadamente utilizado como sinonímia de gratuidade de justiça, por exemplo, nos seguintes dispositivos: art. 54, parágrafo único da Lei nº 9.099/1995, art. 13, parágrafo único, da Lei nº 11.636/2007, arts. 232, § 2º, e 475-B, § 3º, do CPC. De forma igualmente embaralhada, a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) utiliza-se do termo assistência judiciária como serviço (art. 18, II e art. 34) e como órgão responsável pelo serviço de atendimento e orientação jurídica das mulheres vítimas de violência doméstica (art. 28). 3 Na doutrina, os termos assistência judiciária e assistência jurídica têm sido largamente empregados para designar a dispensa provisória do pagamento das despesas processuais, ou seja, como sinônimo de gratuidade de justiça. Nesse sentido: CAMPO, Hélio Márcio. Assistência Jurídica Gratuita, Assistência Judiciária e Gratuidade Judiciária, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, pág. 54/56 / LIMA, Cláudio Vianna de. Prática Forense, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1980, pág. 15/16. 4 Na jurisprudência, podemos encontrar diversos exemplos de julgados que se utilizam inadvertidamente dos termos assistência judiciária, assistência jurídica e gratuidade de justiça como sinônimos. Nesse sentido: STJ – Primeira Turma – REsp 1.082.376/RN – Relator Min. Luiz Fux, decisão: 17-02-2009 / STF – Primeira Turma – AI 580.880 AgR – Relator Min. Menezes Direito, decisão: 07-04-2009 / STF – Segunda Turma – RE 550.202 AgR – Relator Min. Cezar Peluso, decisão: 11/03/2008. 5 ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 264. 6 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 33. 7 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit, pág. 236/237. 8 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Salvador: Editora JusPodivm, 2010, pág. 53. 9 MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência Judiciária. Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984, pág. 144. 10 Segundo posicionamento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, “é dever constitucional do Estado oferecer assistência jurídica gratuita aos que não disponham de meios para contratação de advogado, tendo sido a Defensoria Pública eleita, pela Carta Magna, como o único órgão estatal predestinado ao exercício ordinário dessa competência. Daí, qualquer política pública que desvie pessoas ou verbas para outra entidade, com o mesmo objetivo, em prejuízo da Defensoria, insulta a Constituição da República.” (STF – Pleno – ADI nº 4163/SP – Relator Min. CEZAR PELUSO, decisão: 29-02-2012) 11 Nesse sentido, leciona Cléber Francisco Alves: “É importante salientar que, segundo entendimento dominante, tais isenções não têm caráter absoluto e definitivo. Na verdade não correspondem propriamente, como se poderia supor, à exoneração da obrigação de arcar com as despesas processuais. Consistem apenas na exclusão do dever de antecipar o respectivo pagamento, dever esse que seria a regra geral de acordo com o que estabelece o art. 19, do Código de Processo Civil. Isto quer dizer que as referidas isenções têm caráter provisório, e subsistem apenas e tão somente enquanto durar o estado de carência econômico-financeira da parte litigante.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 295) 12 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 35. 13 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 33. 14 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p.460, apud MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984, p. 93/94. 15 “Enquanto que, para conceder a mera gratuidade processual, basta ao Estado deixar de exigir o recolhimento de custas e demais despesas processuais, para cumprir com a promessa constitucional da assistência jurídica integral e gratuita deve o Estado estruturar1
se adequadamente, a fim de poder prestar o serviço. A garantia da assistência jurídica não se efetiva por si, mas depende da intervenção do Estado, que passará a assumir uma postura ativa.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 62) 16 “Agravo de Instrumento. Gratuidade de Justiça. Decisão que indefere o patrocínio gratuito por pessoa estranha à Defensoria Pública. A assistência judiciária não é exclusividade da Defensoria Pública, podendo sê-lo por qualquer advogado, desde que se disponha a servir ao judicante pobre. A Constituição Federal, ao atribuir à Defensoria Publica a defesa dos necessitados, não o fez com exclusividade, não sendo vedado a qualquer advogado poder também fazê-lo. O artigo 5º, parágrafo 4º da Lei n.1.060/1950 foi recepcionado pela Carta Magna. Provimento do recurso.” (TJ/RJ – Quarta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 001845089.2000.8.19.0000 – Relatora Des. CELIA MELIGA PESSOA, decisão: 22-08-2000) 17 Segundo Fredie Didier Junior e Rafael Oliveira, “o fato de a parte não estar não estar assistida por defensor público não a impede de pleitear e ter deferido o benefício da gratuidade. Por isso, a representação por advogado particular não pode ser tomada como prova da capacidade financeira da parte, a impedir a concessão do mencionado benefício. Basta pensar na possibilidade de o advogado ter sido contratado para receber remuneração apenas em caso de êxito na demanda, ou mesmo de estar atuando na causa por caridade.” (DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Benefício da Justiça Gratuita, Salvador: JusPodivm, 2008, pág. 11) 18 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 46. 19 Conforme destaca Cléber Francisco Alves, muitos países do continente americano apenas reconhecem como obrigação constitucional o dever de prestar assistência judiciária em causas criminais; com efeito, “no que se refere à assistência judiciária nas causas cíveis, embora existam alguns programas que contam com o financiamento público para determinados serviços jurídicos, ainda se revela de grande importância nesses países a atuação em caráter honorífico, pro bono publico, dos profissionais liberais que exercem a advocacia.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 49) 20 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 47. 21 “Vigente na Áustria, Holanda, França e Alemanha, entre outros países, consiste na faculdade que tem a parte menos favorecida economicamente de escolher um advogado particular de sua confiança, que é remunerado pelo Estado através de um fundo criado pela própria lei de assistência judiciária, para representá-la em juízo. O beneficiário, enquadrando-se dentro dos termos da lei, elege livremente um advogado, dentre aqueles que se encontram nos escritórios especializados para tal encargo, após realizados os procedimentos burocráticos de estilo, com a intervenção das entidades profissionais representativas.” (CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 17) 22 No direito francês, por exemplo, o art. 25 da Lei 91-647, de 10 de julho de 1991, prevê expressamente que os advogados serão escolhidos pelo próprio beneficiário da assistência jurisdicional. 23 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 48. 24 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 378/379. 25 CALAMANDREI, Piero. Processo e democrazia. Opere giuridiche, Napoli: Morano Editore, 1965, pág. 618. 26 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 49. 27 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 49. 28 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 49. 29 Como ressaltado pelo Ministro Joaquim Barbosa, durante o julgamento da ADI nº 4.270/SC, “enquanto o defensor público integrante de carreira específica dedica-se exclusivamente ao atendimento da população que necessita dos serviços de assistência, o advogado privado convertido em defensor dativo certamente prioriza, por uma questão de limitação da jornada de trabalho, os seus clientes que podem oferecer uma remuneração maior do que aquela que é repassada pelo Estado, a qual observa a tabela de remuneração básica dos serviços de advogado”. (STF, Pleno, ADI nº 4.270/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão: 14.03.2012) 30 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 379. 31 SMITH, Roger. Assistência jurídica gratuita aos hipossuficientes: modelos de organização e de prestação do serviço, Revista da Defensoria Pública, São Paulo, 2011, n.02, pág. 13. 32 De acordo com o professor Virgílio Afonso da Silva, “estima-se que mais de 70% da população economicamente ativa no Brasil sejam potenciais usuários dos serviços das defensorias públicas nos estados da federação”. Em números absolutos isso significa “algo em torno de 130 milhões de pessoas”. (SILVA, Virgílio Afonso da. Parecer sobre o convênio entre a Defensoria Pública do Estado e a OAB/SP na prestação de assistência judiciária, Revista da Defensoria Pública, São Paulo, 2011, n.02, pág. 171) 33 SALEM NETO, José. Prática da Justiça Gratuita: Direito a Honorários, São Paulo: LTr, 2000, pág. 23. 34 Súmula nº 40 do TJ/RJ: “Não e obrigatória a atuação da Defensoria Pública em favor do beneficiário da gratuidade de justiça, facultada a escolha de advogado particular para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de firmar declaração de que não cobra honorários.” 35 “Um certo traço de flexibilidade existente no modelo brasileiro, no que se refere à faculdade de escolha do advogado que patrocinará a causa, decorre do fato de que não existe um ‘monopólio’ da Defensoria Pública na prestação da assistência jurídica em geral, e da assistência judiciária em particular. Isto porque, também segundo uma tradição inerente à dimensão humanitária e solidária que deve caracterizar o exercício da advocacia privada, a lei não nega, em princípio, os ‘benefícios’ da gratuidade de justiça à parte que decida
buscar a assistência fora do órgão público especificamente encarregado de prestar esse serviço. Em tal situação lhe é permitido que escolha livremente seu advogado inscritos na dentre os profissionais liberais regularmente OAB. Nesses casos, todavia, não se impõe ao poder público o ônus de pagar os respectivos honorários do advogado que aceitar o patrocínio da causa, embora – se houver firme perspectiva de êxito na demanda – seja provável que o advogado procurado pela parte aceite e até mesmo demonstre particular interesse em prestar seus serviços sem cobrar previamente seus honorários, contentando-se com a perspectiva de vir a receber honorários de sucumbência, havendo ainda a possibilidade de firmar contrato para recebimento de honorários de resultado.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 293) 36 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 22. 37 STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 2-4-2007. 38 “O constituinte inscreve a assistência jurídica integral e gratuita como direito constitucional e institui a Defensoria Pública como órgão estatal para a consecução efetiva de tal direito, dando à instituição autonomia administrativa e financeira, bem como conferindo aos seus agentes políticos independência funcional. Portanto é razoável reconhecer que a atribuição para a aferição da presença dos requisitos para exercício do direito caiba à própria instituição.” (ARAÚJO, José Aurélio de. CABRAL, Saullo Tassio Gato. A atribuição exclusiva do Defensor Público para aferir o direito à gratuidade de justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2006, n. 21, pág. 184) 39 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 32. 40 ARAÚJO, José Aurélio de. CABRAL, Saullo Tassio Gato. Op. cit., pág. 185. 41 “Diante do novo regime constitucional de 1988 que erigiu a Defensoria Pública como órgão do Estado, que – por sua própria natureza – é dotado de autonomia funcional e administrativa, entendemos que é preciso adaptar ao novo contexto a interpretação da norma do art. 5º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950, que estabelece que, deferido o pedido de assistência judiciária, ‘o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias o advogado que patrocinará a causa do necessitado’. Nesse caso, o verbo determinar parece inadequado, pois somente seria razoável se houvesse algum vínculo hierárquico entre a Defensoria e o Judiciário.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 285) 42 No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Resolução DPGE/RJ nº 555/2010 regulamentou o procedimento a ser adotado na hipótese de recusa de atendimento por não possuir o interessado os requisitos necessários para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita, estabelecendo que: “Art. 1º: Na hipótese de o Defensor Público entender que o interessado não faz jus à assistência jurídica gratuita, e havendo inconformismo deste último, deverá a decisão ser comunicada, através de ofício, ao Defensor Público Geral, que reexaminará a questão em sede de recurso hierárquico. / (…) § 4º Entendendo o Defensor Público Geral estar configurada a hipossuficiência economica do interessado, designará para o atendimento o Defensor Público tabelar, que atuará por delegação do Defensor Público Geral.” 43 Em sentido semelhante, o Conselho Superior da Defensoria Pública de Minas Gerais editou a Deliberação nº 11, de 13 de setembro de 2005. 44 Art. 30 da Lei Estadual nº 3.350/1999: “Incumbe ao Juiz, com a colaboração do Escrivão mediante certidão, e à Secretaria do Tribunal a verificação do exato recolhimento das custas e taxa judiciária antes da prática de qualquer ato decisório.” 45 ARAÚJO, José Aurélio de. CABRAL, Saullo Tassio Gato. Op. cit., pág. 184. 46 RT, vol.586, p.127. 47 AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo, São Paulo: Saraiva & Cia. Editores, 1940, pág. 124. 48 Segundo leciona o Desembargador Maurício Vidigal, em obra dedicada ao tema, “prejuízo para o sustento próprio ou da família sucederá quando suportar o custo do processo vier a impedir que o interessando tenha acesso à necessidade básica indicada no inciso IV, do art. 7º, da Constituição Federal (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência). Se qualquer desses bens não puder ser utilizado em virtude das despesas processuais, haverá motivo para a concessão do benefício. Evidentemente, a estimativa de gastos com eles deve ser moderada, não se autorizando o cômputo de desejos de luxo.” (VIDIGAL, Maurício. Lei de Assistência Judiciária Interpretada, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, pág. 13/14) 49 “O conceito de necessitado não é determinado mediante regras rígidas, matemáticas, não se utilizando limites numéricos determinados. Têm direito ao benefício aqueles que não podem arcar os gastos necessários à participação no processo, na medida em que, contabilizados os seus ganhos e os seus gastos com o próprio sustento e da família, não lhe reste numerário suficiente para tanto. O direito ao benefício decorre da indisponibilidade financeira do sujeito.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 84/85) 50 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 14. 51 NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São Paulo: Saraiva, 1986, pág. 32. 52 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 14. 53 RT 967/71; RT 716/169; RT 590/226; RT 590/226. 54 Nesse sentido: VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 15/16. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 86.
“A propriedade sobre, digamos, três imóveis, impediria a gratuidade? E se seus proprietários forem um casal de idosos, que recebam uma mísera aposentadoria da Previdência Social – regra triste do nosso sistema previdenciário –, residam num dos imóveis, e do aluguel que recebem pelos outros dois obtenham apenas o suficiente para o seu sustento, não tendo qualquer outra fonte de renda? Sem hesitação afirmamos que nestas circunstâncias há o direito à gratuidade. Afronta o senso comum de justiça esperar que tais pessoas se desfaçam destes bens, dos quais extraem seu sustento, para arcar com as despesas processuais.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 86) 56 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 88. 57 RJTJ-SP 93/171; RJTJ-SP 100/174; RJTJ-SP 99/282; RJTJ-SP 101/276; RJTJ-SP 128/322; RT 599/78. 58 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 266/267. 59 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 22. 60 Nesse ponto, esclarece Augusto Tavares Rosa Marcacini que “o teto de dois salários mínimos dispensava o carente de provar a pobreza mediante atestado; não se tratava, pois, de teto para a concessão da gratuidade. Se percebesse mais de dois salários mínimos, mesmo assim faria jus ao benefício se se encaixasse no conceito de necessitado. Apenas que, neste caso, deveria haver a prova mediante o atestado de pobreza.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 96) 61 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 280. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 97. 62 A afirmação de hipossuficiência, quando realizada para fins de concessão da gratuidade de justiça, poderá ser realizada de duas formas distintas: (i) mediante a assinatura da própria petição que contenha o pedido de gratuidade de justiça; ou (ii) por intermédio de declaração autônoma, que deverá ser juntada aos autos em conjunto com a petição que requeira a concessão da gratuidade. Quando for realizada para fins de prestação da assistência jurídica gratuita, a afirmação de hipossuficiência deverá ser realizada, sem maiores formalidades, diretamente perante o Defensor Público responsável pela realização do atendimento. 63 STJ – Primeira Turma – REsp 1.052.158/SP – Relator Min. Francisco Falcão, decisão: 17-06-2008 / STJ – Quinta Turma – REsp 827.083/SP – Relator Min. Arnaldo Esteves, decisão: 06-09-2007. 64 STJ – Corte Especial – ERESP 388.045/RS – Relator Min. GILSON DIPP, decisão 22-09-2003. 65 De acordo com o professor Cléber Francisco Alves, “uma vez firmada pela parte a declaração a que alude o art. 4º, na atual redação da Lei nº 1.060/1950, deve o Juiz conceder automaticamente a gratuidade de justiça a qual somente poderá ser denegada se o magistrado tiver fundados elementos capazes de infirmar a presunção de carência estabelecida por lei.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 281/282) 66 Vale lembrar que “nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas, de revogação da lei anterior pela nova Constituição, por falta de recepção.” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 165) 67 Nesse sentido: TJ/RJ – Décima Nona Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0059047-17.2011.8.19.0000 – Relator Des. Guaraci de Campos Vianna, decisão: 30-11-2011 / TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0060228-53.2011.8.19.0000 – Relator Des. Lindolpho Morais Marinho, decisão: 23-11-2011 / TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 002699043.2011.8.19.0000 – Relator Des. Gilberto Dutra Moreira, decisão: 28-09-2011 / TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0029553-10.2011.8.19.0000 – Relator Des. Lindolpho Morais Marinho, decisão: 26-07-2011 / TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0017843-95.2008.8.19.0000 – Relator Des. Maldonado de Carvalho, decisão: 18-02-2008 / TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0006517-75.2007.8.19.0000 – Relator Des. Maldonado de Carvalho, decisão: 19-04-2007 / TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0004640-76.2002.8.19.0000 – Relator Des. Paulo Sergio Fabiao, decisão: 15-10-2002 / TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação nº 0033214-48.1998.8.19.0001 – Relator Des. Joao N. Spyrides, decisão: 05-06-2001. 68 Segundo sustenta Hélio Márcio Campo, “a comprovação da insuficiência de meios econômicos, exigida na Carta Magna, que deverá fazer o interessado, é para a obtenção da assistência jurídica gratuita, a qual, como gênero, abrange a judiciária, que é espécie.” (CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 65) 69 Defendendo esse posicionamento, sustenta o professor Araken de Assis: “A par de outros elementos dignos de registro, inexiste dúvida maior de que a distinção entre o benefício da justiça gratuita e o da assistência jurídica, contemplada no art. 5º, LXXIV, da Constituição, se baseará na desnecessidade de qualquer prova para fazer jus àquele. O texto constitucional apresenta sentido unívoco: o Estado prestará assistência jurídica somente àqueles que comprovarem a necessidade deste serviço. Talvez seja possível, no âmbito administrativo, revelar tal prova e acreditar nas alegações dos interessados. Aliás, miseráveis evidentes procuram, diariamente, os serviços estatais e seu estado geral de penúria é prova suficiente. Porém, jamais padeceria de inconstitucionalidade a lei que, regulando a assistência jurídica, indicasse as provas necessárias à verificação do estado de pobreza.” (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 22/23) 70 CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 67. 71 No mesmo sentido: TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0052213-95.2011.8.19.0000 – Relator Des. Nagib Slaibi, decisão: 14-10-2011 / TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0042635-11.2011.8.19.0000 – Relator Des. Nagib 55
Slaibi, decisão: 31-08-2011 / TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0029662-24.2011.8.19.0000 – Relator Des. Nagib Slaibi, decisão: 14-07-2011. 72 Em sentido semelhante, posiciona-se Angelo Maraninchi Giannakos: “Há quem entenda tal dispositivo se encontrar revogado pela Constituição Federal, que outorga o benefício da assistência jurídica apenas aos que comprovem insuficiência de recursos, mas a norma subsiste, em virtude de a Constituição garantir um mínimo – a concessão do benefício da gratuidade – aos que comprovem insuficiência de recursos. A União e o Estado podem ampliar a concessão de tal benefício a outros incapazes de suportar o pagamento das despesas judiciais e de honorários advocatícios.” (GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Assistência Judiciária no Direito Brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 44) 73 “Processual civil. Execução fiscal. Penhora. Quebra do sigilo bancário. 1. A jurisprudência desta Corte admite a quebra do sigilo bancário após a constatação da inviabilidade dos meios postos à disposição do exequente para a localização de bens do devedor. 2. A recorrente não demonstrou que teria adotado outras providências para a localização de bens penhoráveis para, então, justificar a providência excepcional então pleiteada. 3. Recurso especial improvido.” (STJ – Segunda Turma – REsp 740194/SP – Relator Min. Castro Meira, decisão: 21-06-2005) 74 BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência Jurídica, Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 55. 75 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 35 e 99. 76 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 246. 77 De acordo com Augusto Tavares Rosa Marcacini, “devido a certa confusão que se faz nos textos legislativos, acerca desses conceitos, pode-se afirmar que o legislador constituinte quis incluir a justiça gratuita no conceito de assistência jurídica integral e gratuita, tal qual, na Constituição anterior, a gratuidade processual podia ser extraída da garantia à assistência judiciária, prevista no art. 153, § 32.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 34) 78 Conforme observa o Desembargador Maurício Vidigal: “Hoje, há juízes preocupados com o aparente excesso de pedidos de justiça gratuita e, segundo a lei de que cada ação provoca reação contrária, conferindo interpretação restritiva à lei, na tentativa de impedir que alguns espertos consigam injustamente o benefício reservado para a multidão de carentes. O procedimento é equivocado, porque as restrições virão fatalmente a prejudicar quem tem direito ao benefício: é melhor que se defiram pedidos dos que poderiam arcar com o custo do processo do que correr o risco de vedar o acesso ao favor constitucional de quem o merece.” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 03) 79 ARAÚJO, José Aurélio de. CABRAL, Saullo Tassio Gato. Op. cit., pág. 180. 80 A expressão “sem prejuízo do próprio sustento ou da sua família” se originou do Zivilprozessordnung (ZPO), tendo sido adotada de forma semelhante originalmente pelo art. 2º do Decreto nº 2.457/1987 e, em seguida, pelo art. 68 do Código de Processo Civil de 1939. 81 ASSIS, Araken de. Garantia de acesso à Justiça: benefício da gratuidade. In CRUZ E TUCCI, Rogério (org.). Garantias Constitucionais do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 17. 82 COMOGLIO, Luigi Paolo. FERRI, Corrado. TARUFFO, Micheli. Lezioni sul processo civile, Vol. I, Il processo ordinario di cognizione, 5ª ed., Bolonha: Il Mulino, 2011, pág. 78/81 / TROCKER, Nicolò. Processo civile e constituzione, Milão: Giuffrè, 1974, pág. 302/305. 83 Art. 17 da Lei Estadual nº 3.350/1999: “São isentos do pagamento de custas: I – o beneficiário da justiça gratuita, observado o que dispuser a legislação federal e estadual específica; (…) X – os maiores de 60 (sessenta) anos que recebam até 10 salários mínimos.” 84 Conforme analisado anteriormente, a corrente moderada sustenta que o art. 5º, LXXIV, da CRFB teria exigido expressamente a comprovação da necessidade econômica apenas para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita. Segundo os partidários dessa corrente, ao determinar que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, a Constituição Federal teria limitado a exigência probatória ao instituto da assistência jurídica. 85 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 161. 86 Art. 6 da Lei nº 91-647: “L’aide juridictionnelle peut, à titre exceptionnel, être accordée aux personnes ne remplissant pas les conditions fixées à l’article 4 lorsque leur situation apparaît particulièrement digne d’intérêt au regard de l’objet du litige ou des charges prévisibles du procès ou, dans les litiges transfrontaliers mentionnés à l’article 3-1, si elles rapportent la preuve qu’elles ne pourraient faire face aux dépenses visées à l’article 24 en raison de la différence du coÛt de la vie entre la France et l’Etat membre où elles ont leur domicile ou leur résidence habituelle.” 87 O PLP nº 327/2006 restou devolvido por contrariar o disposto no art. 137, § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sendo sugerida a forma de Projeto de Lei. Atendendo a recomendação, a proposição normativa foi novamente apresentada no PL nº 6.932/2006, tendo o projeto sido arquivado nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 88 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 60. 89 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça, Revista de Direito da
Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 22. Art. 5º, XXXV da CRFB: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 91 Segundo leciona o professor Tobias Schrank, em artigo publicado no Oxford University Comparative Law Forum, aqueles que pretendem obter a assistência legal nos procedimentos judiciais civis (civil legal aid for court proceedings – Prozesskostenhilfe) precisam demonstrar que sua causa não é leviana ou temerária. Em relação à assistência legal para aconselhamento e representação extrajudicial nas causas cíveis e criminais (civil and criminal legal aid for out-of-court advice and representation – Beratungshilfe), não há exigência de perspectiva de êxito, embora deva o interessado demonstrar ao profissional responsável pelo serviço jurídico-assistencial que sua motivação não é fútil. Por fim, a assistência legal nas causas criminais de representação obrigatória (criminal legal aid for mandatory representation – Notwendige Verteidigung) não depende de qualquer análise prévia sobre o mérito da defesa; ressalta-se, no entanto, que apenas em determinados casos a representação nas ações criminais é obrigatória. (SCHRANK, Tobias. Legal Aid in Times of Economic Turmoil: Current Challenges in England and Germany, Oxford University Comparative Law Forum, 2011) 92 THOMAS, Heinz. PUTZO, Hans. Zivilprozebordnung, München: C.H. Beck’sche Verlagsbuch-handlung, 1985, pág. 281/282. 93 Normalmente, a parte interessada costuma entrar em contato diretamente com advogado que pretende constituir, narrando-lhe o problema e manifestando o interesse em contratá-lo por meio do Bureau d’Aide Juridictionelle. Caso aceite patrocinar a causa, o próprio advogado realiza o preenchimento do formulário, colhendo a assinatura do cliente e juntando a documentação necessária. Com isso, o requerimento de concessão da Aide Juridique pode ser formulado de maneira mais técnica, permitindo uma melhor explicitação da viabilidade da pretensão deduzida em juízo. Quando não tenha a oportunidade de manter contato prévio com advogado, a parte pode procurar diretamente o Bureau d’Aide Juridictionelle ou uma das entidades integrantes da rede de acesso ao direito (Aide à l’accès au Droit), existentes na região de seu domicílio, para que receba a orientação sobre a forma adequada de preenchimento do formulário. Além disso, nos casos onde a parte mesmo assim não conseguir expor adequadamente os fatos e fundamentos de sua pretensão jurídica, os membros do Bureau solicitam o comparecimento pessoal do requerente, para que preste maiores esclarecimentos, evitando-se o indeferimento indevido do pedido. (nesse sentido: ALVES, Cléber Francisco. Op. cit.) 94 art. 7º da Lei 91-647: “L’aide juridictionnelle est accordée à la personne dont l’action n’apparaît pas, manifestement, irrecevable ou dénuée de fondement”. 95 Importante destacar, ainda, com base nas lições do professor Cléber Francisco Alves, que no modelo francês “essa exigência da viabilidade jurídica da pretensão deduzida em juízo não se aplica quando o solicitante do ‘benefício’ da AJ figurar no polo passivo da demanda, em qualquer que seja a jurisdição, visto que toda pessoa levada às barras de um tribunal como réu ou acusado possui o inalienável direito de se defender.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 163) 96 GUINCHARD, Serge. Droit processuel – Droit commun et droit comparé du procès, Paris: Dalloz, 2005. 97 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 148. 98 Em sua integralidade, o dispositivo previa: “Para que a parte goze do benefício de gratuidade deverá, antes de iniciada a lide ou no curso dela, alegar e provar, além dos requisitos previstos nos arts. 57 a 59, que a ação que intentou ou pretende intentar, ou a defesa que opôs ou pretende opor, oferece probabilidade de êxito.” 99 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op.cit., pág. 135. 100 Súmula nº 101 do TJ/RJ: “A gratuidade de justiça não abrange o valor devido em condenação por litigância de má-fé.” Justificativa: “A litigância de má-fé constitui penalidade (sanção); portanto, ainda que beneficiária de gratuidade de justiça, a parte por ela condenada fica obrigada ao pagamento. Caso contrário, teria imunidade para qualquer tipo de comportamento processual, o que é imoral e inadmissível.” 101 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 273. 102 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 273. 103 “O texto nada diz a propósito da Justiça Eleitoral, mas, se necessária, a isenção deve ser concedida também perante ela, por força do comando constitucional, já que a assistência judiciária e a justiça gratuita estão contidas no conceito mais amplo de assistência jurídica integral.” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 24) 104 Do mesmo modo, o art. 95 da Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) prevê que “o estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis”. 105 Importante observar, nesse ponto, que a Lei nº 1.060/1950 apresentou grande avanço em relação ao CPC de 1939, que exigia para a concessão da gratuidade de justiça que o estrangeiro residisse no país e, cumulativamente, tivesse filho brasileiro ou que houvesse reciprocidade de tratamento por parte do país estrangeiro de onde o requerente se originasse (art. 70). 106 Esse entendimento tradicional acerca da titularidade dos direitos à gratuidade de justiça e à assistência jurídica gratuita pode ser adequadamente ilustrado pela lição de José Roberto de Castro: “Não há distinção entre o brasileiro e o estrangeiro. Estabelece-se, apenas, uma condição para que o estrangeiro usufrua da faculdade legal: morar em terras brasileiras. Cremos, mesmo, que a residência não precisa ter caráter definitivo, mesmo porque, na acepção da palavra, não se pode ter a residência como definitiva, porquanto, por razões das mais diversas, a mesma sempre é passível de mudanças. Por outro lado, não se pode entender como residência o trânsito, ainda que um pouco demorado, do estrangeiro por terras nacionais.” (CASTRO, José Roberto de. Manual de 90
Assistência Judiciária, Rio de Janeiro: Editora Aide, 1987, pág. 90) SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 163/164. 108 Segundo observa o professor Araken de Assis, “é errôneo utilizar a nacionalidade como elemento discriminatório de um problema essencialmente humano”. (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 17) 109 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 273. 110 Nesse sentido, ao comentar dispositivo semelhante da Constituição de 1967, Pontes de Miranda afirmou que: “o fato de uma Constituição haver falado de ‘nacionais e estrangeiros residentes no território’ não exclui a asseguração e a garantia de certos direitos fundamentais que, segundo a convicção geral ou de escol dos povos, a que ela aderiu, são de todos os seres humanos”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n.1 de 1969. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pág. 655) 111 STF – Segunda Turma – HC 94016/SP – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 16/09/2008. 112 Defendendo esse posicionamento: DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., pág. 28/29 / DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Volume II, São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 369 / LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 46/47. 113 O sistema francês possui previsão semelhante, constando da Lei nº 91-647, de 10 de julho de 1991, que o benefício da assistência jurídica (aide juridique) será prestado ao cidadão de nacionalidade francesa ou de um dos Estados-membros da União Europeia (art. 3º, primeiro parágrafo), ou ao cidadão de nacionalidade estrangeira que resida habitualmente na França, em situação regularizada (art. 3º, segundo parágrafo). Do mesmo modo, o sistema grego estabelece que poderão fazer jus ao benefício os cidadãos dos países membros da União Europeia, bem como os estrangeiros que residam legalmente em um dos países integrante da U.E. (art. 1º da Lei nº 3.226, de 04 de fevereiro de 2004). Portugal adota sistema parecido, prevendo fazer jus à assistência os nacionais do país e da União Europeia, bem como os estrangeiros que residam habitualmente em Portugal (art. 7º, 1 da Lei do Apoio Judiciário); além disso, a legislação portuguesa prevê que fazem jus a assistência os estrangeiros não residentes em qualquer país da União Europeia, desde que a legislação de seus países preveja reciprocamente os mesmos benefícios em favor dos portugueses (art. 7º, 2). 114 “O direito existe para pacificar e disciplinar a vida em sociedade e, por outro lado, tem de espelhar as necessidades dessa sociedade. É normatização da conduta humana, com vistas à garantia da vida em sociedade. Os valores do Direito não são criados abstratamente, representam a expressão da vontade social. Logo, o Direito não está à disposição de conceitos eternos, imutáveis. Ao revés, tem de se adaptar aos avanços da sociedade.” (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 02/03) 115 Conforme leciona o professor Oksandro Gonçalves, “o Estado percebeu a importância das formas associativas como elemento essencial da economia contemporânea, razão pela qual resolveu dotá-la de uma estrutura jurídica que fosse própria para acompanhar o desenvolvimento social. Assim, a pessoa jurídica é dotada de uma personalidade e capacidade jurídica por concessão do Estado, como sujeito de direitos e obrigações, como se faz com a pessoa natural”. (GONÇALVES, Oksandro. Desconsideração da Personalidade Jurídica, Curitiba: Juruá, 2004, pág. 38, apud FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 374) 116 Art. 2º da Lei nº 1.060/1950: “Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.” 117 Adotando essa linha de raciocínio, Maurício Antônio Ribeiro Lopes sustenta que “embora não exista qualquer disposição específica, pela redação da lei, verifica-se que o direito fica restrito apenas às pessoas físicas”. (LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Garantia de acesso à Justiça: assistência judiciária e seu perfil constitucional, in CRUZ E TUCCI, Rogério (org.). Garantias Constitucionais do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 82). No mesmo sentido, Artemio Zanon afirma que “apesar de haver decisões após a LAJ que concedem os benefícios da justiça gratuita também a algumas espécies de ‘pessoas jurídicas’, tenho para mim que tal não se deveria admitir ainda que se trate de sociedade de fins não lucrativos e que tenha ou não patrimônio e rendas próprias.” (ZANON, Artemio. Da assistência jurídica integral e gratuita, São Paulo: Saraiva, 1990, pág. 154) 118 Art. 2º, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950: “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.” Art. 4º da Lei nº 1.060/1950: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” 119 Utilizando-se desse argumento, posicionou-se o Desembargador Maurício Vidigal, em obra dedicada ao tema: “Ao apreciar pedidos de pessoas jurídicas diversas, entendi que, em princípio, a assistência judiciária não pode ser deferida para pessoa jurídica, porque objetiva assegurar o acesso à Justiça para quem tiver seu sustento prejudicado pelas despesas necessárias para o conseguir. Pessoas jurídicas, pela sua própria natureza não têm preocupação com seu sustento” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 20). 120 O referido parecer encontra-se anexado à ADI nº 4.636, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por objeto a constitucionalidade do art. 4º, inciso V e § 6º da LC nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009. 107
Nesse sentido: FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Gratuidade de Justiça às Pessoas Jurídicas, São Paulo: Edijur, 2004, pág. 39. Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 17. 123 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 1993, pág. 227. 124 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 271. 125 Art. 3º do Decreto nº 2.457 de 1987: “Não poderão gozar do benefício da Assistência Judiciária as corporações e associações de qualquer espécie (…).” 126 Nesse sentido, posicionou-se o professor Bruno Gomes Borges da Fonseca, em obra dedicada ao tema: “O artigo 2º, também da Lei nº 1.060/1950, igualmente, não impede a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas. Ora, refere-se o aludido dispositivo legal a nacionais ou estrangeiros, não esclarecendo se se trata de pessoa física ou coletiva. Se a Lei não fez distinção, não cabe o intérprete fazer, conforme regra multissecular de hermenêutica.” (FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Op. cit., pág. 75) 127 Adotando esse posicionamento, leciona Cláudio Vianna de Lima: “Não pode haver dúvida de que a referência, adicional, de sustento da família é exclusiva da pessoa física. Mas a conjunção que liga as duas formas de sustento referidas na lei (próprio ou da família) é alternativa, não importando na exclusão de uma pela outra ou na necessidade de conjugação das duas formas. Sustento, juridicamente, compreende muitas ideias, moradia, vestuário, comida e, também, a atividade própria da empresa, individual ou coletiva.” (LIMA, Cláudio Vianna de. Organização Judiciária e Assistência Legal, Rio de Janeiro: Forense, 1974, pág. 218) 128 O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil realizou a propositura da ADI nº 4636, ainda pendente de julgamento, questionando a constitucionalidade do art. 4º, inciso V da LC nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009. Do mesmo modo, o Procurador-Geral da República, atendendo às representações do Procurador-Geral da Justiça e da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, realizou a propositura da ADI nº 558, também pendente de julgamento, impugnando a constitucionalidade do art. art. 179, § 3º, V, da CERJ. 129 No sistema português, o art. 7º, 3 a Lei nº 34/2004 prevê a possibilidade de concessão do apoio judiciário às pessoas coletivas que demonstrem sua insuficiência econômica para arcar com os honorários dos profissionais forenses e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais do processo. 130 No direito francês, o art. 2º da Lei 91-647, de 10 de julho de 1991, estabelece que apenas as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, que tiverem sede na França e que não dispuserem de recursos suficientes poderão fazer jus ao benefício da assistência jurídica, in verbis: “article 2: (…) Son bénéfice peut être exceptionnellement accordé aux personnes morales à but non lucratif ayant leur siège en France et ne disposant pas de ressources suffisantes”. 131 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 20. 132 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 382/383. 133 FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Op. cit., pág. 77. 134 STF, Pleno, MI 58, Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 14.12.1990. 135 FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Op. cit., pág. 78. 136 Art. 4º da Lei nº 1.060/1950: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. § 1º Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.” 137 Nesse sentido: STF – Primeira Turma – RE 204305/PR – Relator Min. MOREIRA ALVES, decisão: 05-05-1998 / STF – Segunda Turma – RE 205.746 – Relator Min. Carlos Velloso, decisão: 26-11-1996. 138 Nesse sentido: STF – Segunda Turma – AI 726.444-AgR – Relator Min. Joaquim Barbosa, decisão: 08-09-2009 / STF – Segunda Turma – AI 646.251-AgR – Relatora Min. Ellen Gracie, decisão: 23-06-2009 / STF – Segunda Turma – AI 716.294-ED – Relator Min. Cezar Peluso, decisão: 31-3-2009. 139 Importante salientar, nesse ponto, que o art. 51 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) estabelece que “as instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de serviço ao idoso terão direito à assistência judiciária gratuita”. Nesse caso, não há que se travar qualquer discussão acerca da capacidade econômica da entidade, havendo a concessão do direito à assistência judiciária de forma objetiva pelo legislador. Basta que a entidade seja filantrópica ou não possua fins lucrativos e, cumulativamente, preste serviço ao idoso para que faça jus à gratuidade. 140 Seguindo esse mesmo posicionamento, as Câmaras de Coordenação da Defensoria Pública da União editaram o Enunciado nº 05, prevendo que “as pessoas jurídicas fazem jus a assistência jurídica da Defensoria Pública da União, desde que comprovem a insuficiência de recursos econômicos”. 141 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 144. 142 De acordo com os professores Fredie Didier Júnior e Rafael Oliveira, “podem ser beneficiários da justiça gratuita o condomínio, o nascituro, as heranças vacante e jacente, a massa falida e o espólio, desde que à semelhança de todos os demais legitimados, cumpram os requisitos exigidos para a sua concessão”. (DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., pág. 34) 121 122
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., pág. 133. ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 273. 145 “A atuação preventiva e a busca de meios alternativos de solução de conflitos deve ser uma tônica da atuação da Defensoria Pública. Muitos dos serviços que devem ser prestados pelos defensores públicos prescindem totalmente de intervenção do Judiciário. Assim, por exemplo, a expedição de ofícios e requerimentos endereçados a órgãos da administração pública para resguardo de direitos, obtenção de documentos diversos necessários para o pleno exercício da cidadania, orientação de consumidores, reconhecimento voluntário de paternidade, e até certos conflitos de vizinhança que podem ser resolvidos com a mediação dos defensores, sem necessidade de propositura de ação judicial, que muitas vezes nem seria possível, dadas as especificidades dos problemas enfrentados.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit, pág. 318/319) 146 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 71. 147 “Num primeiro nível está a questão de reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível. Essa barreira fundamental é especialmente séria para os despossuídos, mas não afeta apenas os pobres. Ela diz respeito a toda a população em muitos tipos de conflitos que envolvem direitos.” (CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, pág. 22/23) 148 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 236. 149 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 24. 150 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 21/22. 151 Importante destacar, no entanto, que alguns julgados tem entendido que o comparecimento do réu diretamente em audiência, sem antes realizar a regular constituição de Defensor Público para o acompanhamento jurídico do caso, ocasionaria a revelia, tendo em vista a disponibilidade do direito material discutido. 152 No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Resolução DPGE/RJ nº 555/2010 regulamentou o procedimento a ser adotado na hipótese de recusa de atendimento por não possuir o interessado os requisitos necessários para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita, estabelecendo que: “Art. 1º Na hipótese de o Defensor Público entender que o interessado não faz jus à assistência jurídica gratuita, e havendo inconformismo deste último, deverá a decisão ser comunicada, através de ofício, ao Defensor Público Geral, que reexaminará a questão em sede de recurso hierárquico. / (…) § 4º Entendendo o Defensor Público Geral estar configurada a hipossuficiência economica do interessado, designará para o atendimento o Defensor Público tabelar, que atuará por delegação do Defensor Público Geral.” 153 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 92. 154 De acordo com a Deliberação nº 88, de 5 de outubro de 2012, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, são documentos hábeis para fins de comprovação de hipossuficiência econômica da pessoa física (art. 34): (i) contracheque; (ii) carteira profissional; (iii) declaração do imposto de renda relativa ao exercício anterior; e (iv) declaração de próprio punho do empregador ou do sindicato profissional, devidamente subscrita. Todavia, caso o indivíduo não possua qualquer desses documentos, poderá o Defensor Público se valer de questionário sócioeconomico para avaliar a real capacidade econômica do sujeito (art. 34, parágrafo único). Em se tratando de pessoa jurídica, a incapacidade financeira poderá ser demonstrada por intermédio dos seguintes documentos, dentre outros (art. 35): (i) inscrição no sistema simples de tributação; (ii) certidão emitida pelo órgão competente de sua condição de microempresa ou firma individual; (iii) decretação judicial da falência e/ou recuperação judicial; (iv) três últimos balanços patrimoniais; e (v) comprovação documental da situação de superendividamento, consistindo na exibição de títulos protestados e extratos bancários atestando a insubsistência de fundos, sem prejuízo de outros documentos. Outrossim, estando as atividades empresariais paralisadas, poderá o Defensor Público solicitar que seja apresentada (art. 35, parágrafo único): (i) certidão de baixa na Junta Comercial ou, na hipótese de impossibilidade de pagamento de tributos necessários para obtenção da baixa, declaração de imposto de renda dos três últimos exercícios financeiros anteriores à paralisação da atividade comercial; (ii) três últimos balanços da empresa com demonstração de prejuízo; e (iii) qualquer outro documento hábil à comprovação da inatividade da empresa. 155 Como estudado anteriormente, a corrente moderada sustenta que o art. 5º, LXXIV, da CRFB teria exigido expressamente a comprovação da necessidade econômica apenas para o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita, prevalecendo a presunção juris tantum de hipossuficiente em relação ao instituto da gratuidade de justiça (art. 4º, § 1º, da Lei nº 1.060/1950). 156 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 363/366. 157 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 367. 158 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 219. 159 “O legislador optou por carrear ao autor os ônus do depósito antecipado das despesas processuais, porque em tese tem ele interesse no rápido desfecho da demanda. Se vencedor, o autor será reembolsado desse adiantamento pela parte perdedora; se vencido, não terá direito ao reembolso.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 220) 160 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 368. 161 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 366. 143 144
FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Op. cit., pág. 30. De acordo com o art. 95, parágrafo único, inciso II e art. 128, § 5º, inciso II, a da CRFB os juízes e membros do Ministério Público encontram-se expressamente impedidos receberem custas e emolumentos. 164 Não deve prevalecer o entendimento no sentido de que normas isentivas não podem ser ampliadas (JTACSP, 153/9). 165 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 36. 166 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 369. 167 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 370. 168 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 370. 169 “Emolumentos constituem a contraprestação pecuniária recebida por delegados do poder público, chamados tradicionalmente de escrivães.” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 28) 170 DOMINGUES FILHO, José. Op. cit., pág. 48. 171 STF, Pleno, ADI nº 2.655/MT, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão: 09.10.2003. 172 STF, Pleno, ADI nº 1.926 MC/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 19.04.1999. 173 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: RT, 1991, pág. 334, apud DOMINGUES FILHO, José. Op. cit., pág. 43. 174 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 371. 175 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 371. 176 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 373. 177 “Muitos profissionais, nomeados como peritos de confiança do juízo, acabam realizando laudos periciais, nos feitos em que a parte está ao abrigo da gratuidade de justiça, sem receber honorários, esperando que o mesmo juízo os nomeie em outras ações em que a parte não postulou a justiça gratuita, podendo pagar os honorários postulados pelo mesmo e arbitrados pelo juízo. ” (GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Op. cit., pág. 127) 178 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 371/372. 179 “INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. EXAME ‘FINGER PRINT DNA’. HONORÁRIOS PERICIAIS. ANTECIPAÇÃO PELO ESTADO. Na ação de investigação de paternidade, o Estado não se acha obrigado a adiantar as despesas da perícia, à falta de disponibilidade orçamentária. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, Quarta Turma, REsp 107.001/MS, Rel. Min. Barros Monteiro, decisão: 1º.06.2000) 180 No âmbito da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho já haviam sido editadas a Resolução nº 558/2007 do Conselho da Justiça Federal e a Resolução nº 35/2007 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, disciplinando o pagamento de honorários aos peritos, tradutores e intérpretes, nos casos de provas técnicas requeridas por beneficiários da justiça gratuita. 181 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 372. 182 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 372. 183 Nesse sentido: DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., pág. 14 / GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Op. cit., pág. 45 / LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 36. 184 Segundo observa o ilustre professor Barbosa Moreira, “a pobreza não justifica a concessão de um bill de indenidade quanto a comportamentos antijurídicos”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo, in Temas de Direito Processual – Quinta Série, São Paulo: Saraiva, 1994, pág. 52/53) 185 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 55. 186 JTACSP-RT, 105/427. 187 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 182. 188 “Embora não possa ser considerada como custa processual, é forçoso reconhecer que o exercício do direito de ação, neste caso, está condicionado ao depósito, de modo que exigi-lo do hipossuficiente equivaleria a negar-lhe o direito de propor a ação rescisória, o que é inadmissível. Nem se pode aceitar, em contrário o argumento de que a ação rescisória é via excepcional, que deve ter sua proliferação desestimulada, sendo o depósito necessário para dissuadir a lide temerária. Excepcional ou não, é uma via permitida pelo ordenamento, e deve sê-lo a todos, possam ou não arcar com o valor do depósito.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 39/40) 189 Art. 942 do CPC: “O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.” 190 “APELAÇÃO CÍVEL. Ação de usucapião extinta pela falta de documento essencial. Planta do imóvel que deve ser elaborada por perito judicial. Hipossuficiência para produção de prova. A gratuidade de justiça abrange toda a prestação jurisdicional. Precedentes no STJ.” (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 0003220-22.2006.8.19.0024 – Relator Des. PEDRO SARAIVA ANDRADE LEMOS, decisão: 28-10-2011) 162 163
Inspirado no § 115 do Zivilprozessordnung (ZPO), o art. 13 da Lei nº 1.060/1950 prevê: “Se o assistido puder atender, em parte, as despesas do processo, o Juiz mandará pagar as custas que serão rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento.” 192 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 90/91. 193 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 366. 194 Nova redação conferida pelo Aviso TJ nº 10, de 25/03/2004. 195 TJ/RJ – Décima Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0057617-30.2011.8.19.0000 – Relator Des. CELSO FERREIRA FILHO, decisão: 09-11-2011 / TJ/RJ – Décima Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0041660-86.2011.8.19.0000 – Relator Des. CELSO FERREIRA FILHO, decisão: 06-09-2011. 196 Muitas vezes a própria renda obtida pelo indivíduo já constitui indicativo seguro de sua hipossuficiência econômica, pois denota por si só sua incapacidade de suportar o pagamento das despesas processuais, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Em outros casos, embora a remuneração do sujeito seja razoável, os elevados gastos essenciais do núcleo familiar impedem a adequada realização do recolhimento das despesas processuais (como, por exemplo, nos casos de famílias numerosas, ou de núcleos familiares que possuem dependentes que necessitam de cuidados especiais). 197 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 366. 198 “Certa impropriedade, todavia, contém o caput do art. 4º, embora não suficiente para impedir o adequado entendimento da norma. Ao dizer ‘petição inicial’ esqueceu-se o legislador que o réu, por óbvio, pode também requerer o benefício. O que se pode perceber, com isso, é que não houve grande apuro técnico ao elaborar-se a regra do art. 4º ora vigente.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 98) 199 Art. 6º da Lei nº 1.060/1950: “O pedido, quando formulado no curso da ação, não a suspenderá, podendo o juiz, em face das provas, conceder ou denegar de plano o benefício de assistência. A petição, neste caso, será autuada em separado, apensando-se os respectivos autos aos da causa principal, depois de resolvido o incidente.” 200 No mesmo sentido: ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 288. 201 STJ – Primeira Turma – AgRg no REsp 1173343/DF – Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, decisão: 15-03-2011. No mesmo sentido: STJ – Primeira Turma – AgRg no Ag 1387261/MT – Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, decisão: 21-06-2011 / STJ – Segunda Turma – AgRg no Ag 1397200/PR – Relator Min. Mauro Campbell Marques, decisão: 23-08-2011 / STJ – Quarta Turma – AgRg na MC 17807/SP – Relatora Min. Maria Isabel Gallotti, decisão: 18-10-2011 / STJ – Primeira Turma – AgRg no Ag 1.306.182/SP, Relator Min. Luiz Fux, decisão: 18-08-2010. 202 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 42. 203 ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 27. 204 O art. 130 do CPC, ao estabelecer que ao juiz cabe, “de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo”, autoriza o magistrado a determinar a apresentação dos documentos necessários para a adequada análise do pedido de gratuidade. No entanto, diante da redação do art. 5º, caput, da Lei nº 1.060/1950 e da presunção iuris tantum de veracidade da afirmação de hipossuficiência, a colheita de novas informações deve constituir medida excepcional. 205 STJ – Sexta Turma – AgRg no Ag 461759/BA – Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, decisão: 01-03-2007. 206 STJ – Sexta Turma – AgRg no Ag 622403/RJ – Relator Min. Nilson Naves, decisão: 31-08-2005. 207 De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “o pedido de assistência judiciária gratuita formulado no curso da ação deve ser deduzido em petição a ser atuada em separado e processada em apenso aos autos principais (Lei 1.060/1950, art. 6º), configurando erro grosseiro a proposição no corpo da petição do recurso especial”. (STJ – Quarta Turma – AgRg no AREsp 663/DF – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 21/06/2011) 208 Súmula nº 07 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 209 Súmula nº 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. 210 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 44/46. 211 Seguindo essa linha de raciocínio, os professores Fredie Didier Júnior e Rafael Oliveira lecionam que “por imperativo dos arts. 128 e 460 do CPC, a decisão judicial deverá ater-se aos limites do que foi pedido, não podendo o magistrado, por exemplo, diante de um pedido de isenção de adiantamento das despesas de determinado ato, conceder o benefício para todo o processo”. (DIDIER JUNIOR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., pág. 49) 212 No mesmo sentido: STJ – Quarta Turma – AgRg no REsp nº 1089264/PR – Relator Min. Luis Felipe Salomão, decisão: 14-04-2009 / STJ – Quinta Turma – AgRg no REsp nº 1095857/RS – Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, decisão: 16-12-2010. 213 Súmula nº 43 do TJ/RJ: “Cabe a revogação, de ofício e a qualquer tempo, do benefício da gratuidade de justiça, desde que fundamentada.” 214 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 103. 215 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 274. 216 TRF4 – Quarta Turma – Apelação Cível nº 2007.71.05.004466-6 – Relator Jorge Antonio Maurique, decisão: 20-05-2011. 191
STJ – Terceira Turma – REsp 294581/MG – Relatora Min. Nancy Andrighi, decisão: 01/03/2001. STJ – Quinta Turma – REsp 271204/RS – Relator Min. Edson Vidigal, decisão: 24-10-2000. 219 De acordo com o Maurício Vidigal “se o beneficiado pagou custas e adiantou despesas antes de apresentar o requerimento, não há possibilidade de obter devolução por lhe ser concedida a assistência, uma vez que se presume ter praticado aqueles atos quando dispunha de meios para tanto sem sacrifício do sustento próprio e da família” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 55). No mesmo sentido, Fredie Didier Júnior e Rafael Oliveira lecionam que “o deferimento do benefício tem efeito ex nunc, constituindo situação jurídica nova, que não abrange as despesas processuais anteriores ao pedido” (DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA. Rafael. Op. cit., pág. 44). 220 De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, “se o réu requereu gratuidade apenas em sede de Apelação, o deferimento do benefício não o desobriga de pagar os honorários advocatícios que já estavam arbitrados na sentença (que assim transitou em julgado) nem de reembolsar as custas que o autor já havia desembolsado”. (TJ/RJ Décima Sexta Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0028666-65.2007.8.19.0000 Relator Des. MIGUEL ANGELO BARROS, decisão: 27-11-2007) 221 Em sentido semelhante, manifesta-se Artemio Zanon: “Filio-me às correntes doutrinária e jurisprudencial que pugnam pela temporariedade de os benefícios da assistência judiciária compreenderem todos os atos a partir do momento irrecorrível de sua obtenção, até decisão final, em todas as instâncias, e inadmissível a retroação, ou seja: isenção incidente sobre os atos já consumados, ditos pretéritos. (…) Sintetizando: se obtida, pelo autor, a justiça gratuita, nos termos do art. 4º, seus efeitos são para todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias; se obtido nos termos do art. 6º, evidentemente que também pelo autor da ação, o beneficio da assistência judiciária, somente a partir de sua concessão, é que há de produzir isenções, respeitados os encargos pretéritos. Por seu turno, se da justiça gratuita se socorrer o demandado, os benefícios hão de incidir, aqui sim, sobre os encargos passados, independentemente se o autor já veio residir em juízo ou não com os favores legais do art. 4º, ou tão somente na ocasião do art. 6º. Finalmente, se o requerido não se socorrer na primeira oportunidade em que se manifestar nos autos, nos moldes do art. 6º, e vem pleitear os benefícios no curso da lide, já dela efetivamente parte, pela triangularidade autor-juiz-réu, então dos atos que praticar e der causa arcará com o seu ônus, desobrigando-se apenas, incontestavelmente, dos que realizar e pleitear a partir da concessão dos benefícios do instituto social, respondendo, outrossim, pelos encargos dos atos processuais já realizados.” (ZANON, Artemio. Op. cit., pág. 149/150) 222 O Projeto de Lei nº 2003/2011 pretende tornar explícita a não retroatividade da gratuidade de justiça, acrescendo à Lei nº 1.060/1950 o art. 6º-A, contendo a seguinte redação: “O pedido de concessão de assistência judiciária gratuita pode ser formulado em qualquer fase do processo, em todas as instâncias, até o trânsito em julgado da decisão final e irrecorrível proferida em última instância. Sua concessão, entretanto, não tem efeito retroativo.” 223 Tradicionalmente, o direito continental europeu classifica os efeitos principais das decisões judiciais em três espécies: meramente declaratórios, constitutivos e condenatórios (classificação trinaria, tríplice ou ternária). No Brasil, existe tendência preponderante em se agregar a essas três espécies outros dois efeitos principais: mandamental e executivo lato sensu (classificação quinária). (GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 277/278) 224 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 285. 225 Em sentido semelhante: RJTAMG 34/292. 226 Art. 877 do CC/2002: “Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.” 227 Conforme leciona Luciano Amaro, o pagamento de qualquer quantia, a título de tributo, embora sem nenhuma ressalva, não implica confissão de dívida tributária. (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 393) 228 CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 95. 229 De acordo com o professor Cláudio Vianna de Lima, a cassação da gratuidade ocorrerá quando “provada a falsidade da afirmação dos pressupostos para o deferimento do benefício”; por outro lado, haverá revogação “quando fato superveniente determinar o desaparecimento das condições para a concessão da gratuidade”. (LIMA, Cláudio Vianna de. Op. cit., pág. 220) 230 “A revogação de ofício exige que se apresente demonstrada de plano a ausência de condições para sua permanência. Se a questão é de alta indagação, melhor é que se deixe para o adversário do interessado o ônus de a arguir pelo procedimento apropriado (art. 7º), que correndo em apartado não prejudicará o andamento do processo. Permitir o juiz atos probatórios dentro dos autos principais causa tumulto processual não recomendável e, se há necessidade deles, prevalece na sua ausência a presunção de pobreza conferida pela lei.” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 63) 231 Note que os arts. 7º e 8º da Lei nº 1.060/1950, ao regularem a matéria, apenas mencionam o instituto da “revogação” do direito à gratuidade, utilizando-o de maneira indistinta para as hipóteses de desaparecimento e de inexistência inicial da condição de hipossuficiente. No entanto, conforme salientado anteriormente, a redação da Lei nº 1.060/1950 não primou rigorosamente pela técnica jurídica. 232 De acordo com o professor Araken de Assis, “a revogação da gratuidade de justiça produz efeitos ex nunc, ou seja, a partir da data em que se verificou o desaparecimento do déficit financeiro, tornando devidas as despesas vincendas”. (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 40) 217 218
Enunciado nº 18 do Aviso nº 17/2006 do FETJ: “Na hipótese em que a parte autora, beneficiária da gratuidade, vencer a demanda, as custas, taxa judiciária e demais despesas judiciais devem ser cobradas do réu vencido, que recolherá o respectivo valor por meio de GRERJ, e não juntamente com o depósito judicial em favor da autora, posto não ter esta direito ao ressarcimento do que não adiantou.” 234 Segundo leciona Hélio Márcio Campo, “a cassação do benefício, porque inexistente, no momento da postulação, o requisito objetivo ao deferimento” obriga o beneficiário “a recolher as despesas a que até então estava dispensado e também as que terá de antecipar”. (CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 99) 235 Importante destacar que, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a apresentação de afirmação de hipossuficiência econômica contendo informações falsas não constitui infração penal, in verbis: “GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. FALSIDADE. A Turma reiterou o entendimento de que a apresentação de declaração de pobreza com informações falsas para obtenção da assistência judiciária gratuita não caracteriza os crimes de falsidade ideológica ou uso de documento falso. Isso porque tal declaração é passível de comprovação posterior, de ofício ou a requerimento, já que a presunção de sua veracidade é relativa. Além disso, constatada a falsidade das declarações constantes no documento, pode o juiz da causa fixar multa de até dez vezes o valor das custas judiciais como punição (Lei n. 1.060/1950, art. 4º, § 1º). Com esses fundamentos, o colegiado trancou a ação penal pela prática de falsidade ideológica e uso de documento falso movida contra acusado.” (STJ – Sexta Turma – HC nº 217.657/SP – Relator Min. VASCO DELLA GIUSTINA, decisão: 02-02-2012) 236 RTJES, 8:137; RT, 326:623; RJTJRS, 102:458. 237 TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0062219-64.2011.8.19.0000 – Relator Des. GILBERTO DUTRA MOREIRA, decisão: 02/12/2011 / TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 0004323-96.2003.8.19.0209 – Relator Des. GILBERTO DUTRA MOREIRA, decisão: 28/04/2011 / TJ/RJ – Nona Câmara Cível – Apelação Cível nº 006974883.2001.8.19.0001 – Relator Des. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA, decisão: 05/04/2011 / TJ/RJ – Vigésima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0055932-22.2010.8.19.0000 – Relatora Des. CONCEICAO MOUSNIER, decisão: 16/03/2011. 238 Importante observar, por oportuno, que no âmbito das ações de alimentos a impugnação a gratuidade de justiça é também regulada pelo art. 1º, § 4º, da Lei nº 5.478/1968. 239 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 57. 240 CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 72. 241 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 100/101. 242 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 58. 243 “A lei não traz maiores detalhes quanto ao procedimento da impugnação. Todavia, por respeito ao princípio do contraditório, o impugnado deve ter oportunidade de manifestar-se acerca do pedido de revogação do benefício formulado pela parte contrária. Deve, assim, o magistrado, ante a impugnação oferecida pela parte contrária, abrir vista ao beneficiário para se manifestar adequadamente, no prazo que assinar, ou na falta de fixação pelo Juiz, no prazo de cinco dias, conforme o art. 185 do Código de Processo Civil.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 100) 244 ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 30. 245 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 101. 246 Art. 63, parágrafo único do RISTF: “Prevalecerá no Tribunal a assistência judiciária já concedida em outra instância.” 247 Art. 13 da Lei nº 11.636/2007 (Regime de Custas do STJ): “A assistência judiciária, perante o Superior Tribunal de Justiça, será requerida ao presidente antes da distribuição, e, nos demais casos, ao relator. Parágrafo único: Prevalecerá no Superior Tribunal de Justiça a assistência judiciária já concedida em outra instância.” 248 VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 58. 249 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 101. 250 Sobre o tema, já se manifestou Cléber Francisco Alves: “No que se refere à assistência jurídica extrajudicial prestada pela Defensoria Pública, assim como não há na Lei nenhum procedimento específico exigido para a admissibilidade à fruição desse direito, também não há exigência procedimental para o caso em que o Defensor decida interromper o atendimento em razão da mudança abrupta da situação econômica patrimonial do seu assistido. Nesses casos, o cliente deve ser orientado a procurar um advogado particular, para prosseguir na defesa (…).” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 290) 251 “No caso de deferimento de plano do ‘benefício’, embora o art. 5º, da Lei nº 1.060/1950 indique a necessidade de motivação, no nosso entendimento isto parece que se tornou totalmente dispensável, inclusive em razão da nova redação do caput do art. 4, que estabeleceu, usando tempo verbal no futuro do presente para expressar ideia de imperatividade, que a simples afirmação da condição de necessitado implicará o gozo dos ‘benefícios’ da assistência judiciária (rectius, da gratuidade de justiça). Aqui aplica-se o princípio de que a dúvida deve ser interpretada em favor do postulante, em prol de quem milita a presunção legal de veracidade de sua afirmação.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 284) 252 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 102. 253 Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 29 / DIDIER JUNIOR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael. Op. cit., pág. 49. Em sentido 233
contrário: STJ – Quinta Turma – RMS 24147/PB – Relatora Min. LAURITA VAZ, 22-03-2011. Nesse sentido, leciona o professor Araken de Assis: “Quanto à desnecessidade de fundamentação, qualquer que seja o conteúdo da decisão interlocutória a respeito da gratuidade, ela há de ser motivada, por imposição do art. 93, IX, da CF/1988, ainda que concisamente (art. 165 do CPC). A cláusula ou não, inserta no art. 5º, caput, da Lei 1.060/1950 e inspirada no art. 75 do Código de 1939, é flagrantemente inconstitucional.” (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 28) 255 Art. 162 do CPC: “Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.” 256 Nesse sentido, manifesta-se Augusto Tavares Rosa Marcacini: “A decisão que concede de plano a gratuidade pode ser dada de forma concisa, haja vista que a motivação será sempre a mesma, e decorre da Lei. Ao conceder, sucintamente, a gratuidade, implicitamente está o juiz a dizer que a pobreza é presumida ante a declaração prestada, e que não há motivos visíveis que a afastem. Desnecessário, assim, motivar longamente a concessão, não sendo de considerar-se nula a decisão que não o fizer.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit. pág. 102/103) 257 A redação original do art. 17 da Lei nº 1.060/1950 previa o cabimento de agravo de instrumento contra a decisão concessiva do benefício, e de agravo de petição contra decisão denegatória. A Lei nº 6.014/1973, ao promover a adaptação da Lei nº 1.060/1950 ao novo Código de Processo Civil, passou a prever a apelação como sendo o recurso cabível. Segundo lembra o professor Cléber Francisco Alves, essa modificação buscava “garantir efeito suspensivo às decisões judiciais que deliberem sobre o ‘benefício’ da gratuidade de justiça. Assim, pelo regime anterior a 1973, o recurso cabível era o de ‘agravo de petição’. Já na sistemática do novo código, considerando que o recurso àquele equivalente, ou seja, o ‘agravo de instrumento’, não é dotado de efeito suspensivo, o legislador estabeleceu a ‘apelação’ como recurso cabível nas decisões sobre gratuidade de justiça e assistência judiciária. Entretanto, se o problema foi equacionado sob uma das perspectivas, ficou capenga sob a outra, já que o mesmo CPC de 1973 estabeleceu a apelação como recurso cabível apenas das sentenças, que são decisões terminativas do processo, na forma do art. 162, § 1º. E, via de regra, tanto a decisão que indefere quanto, sobretudo, a decisão que defere a gratuidade de justiça não põe termo ao processo.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 286) 258 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 431/432. 259 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 428. 260 Nesse sentido: STJ – Segunda Turma – REsp nº 675885-PR – Rel. Min. ELIANA CALMON, decisão: 21-04-2006 / STJ – Quarta Turma – AgRgAg nº 511964-SP – Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, decisão: 18-09-2003 / STJ – Quarta Turma – REsp nº 162151-SP – Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR JUNIOR, decisão: 30-04-1998. 261 Em sentido contrário, entendendo possuir a decisão que julga a impugnação à gratuidade de justiça natureza jurídica de sentença: CAMPO, Hélio Márcio. Op. cit., pág. 76. 262 ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 33. 263 Nesse sentido, posicionam-se os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade: “Processado o incidente no bojo dos autos principais, o ato que o decide é decisão interlocutória agravável (RT 606/131). A interposição de apelação (LAJ 17) pressupõe o procedimento em apartado do incidente de assistência judiciária.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 432) 264 RT 577/250; RT 613/126; RT 590/145; RT 606/131. 265 Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 29. 266 No mesmo sentido: STJ – Quarta Turma – AgRg no REsp 1000482/DF – Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, decisão: 06-05-2008 / STJ – Segunda Turma – REsp 772860/RN – Relator Min. CASTRO MEIRA, decisão: 14-03-2006 / STJ – Sexta Turma – REsp 152465/RS – Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO, decisão: 23-05-2000. 267 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 430. 268 “O art. 17, in fine, da Lei 1.060/1950 eliminou o efeito suspensivo da apelação interposta contra a sentença que conceder o pedido. Este ato surgirá no incidente autuado em apartado (art. 6º, segunda parte). Objetivou o legislador, neste ponto, deixar claro que o recurso da parte adversa não inibe a eficácia do ato e as despesas processuais continuam inexigíveis do beneficiário.” (ASSIS, Araken de. Op. cit., pág. 34) 269 “Se o benefício for negado em primeira instância e houver provimento de recurso dessa decisão sem que lhe seja atribuído efeito suspensivo, o efeito devolutivo será suficiente para afastar a eficácia de atos posteriores ao indeferimento e dele dependentes, tais como, extinção de processo por falta de pagamento das custas processuais. Conforme o entendimento amplamente majoritário, não será necessário apelar da sentença que puser fim ao processo pelo fundamento indicado.” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit, pág. 56) 270 “Basta pensar, na possibilidade de a parte, temendo o risco de vir a suportar sanções decorrentes de sua inação e para dar andamento ao processo com sacrifício de seu sustento, pagar as despesas dos atos processuais, para depois ver seu recurso provido e declarado 254
o seu direito, já irremissivelmente ferido, à gratuidade da justiça. Como seria reparado, acaso ainda fosse possível, o mal?” (ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Decisão que Aprecia Questão do Direito à Assistência Judiciária – Recurso Cabível, Revista de Processo, São Paulo, n.53, pág. 231) 271 STJ – Corte Especial – Rcl 675 – Relator Min. ARI PARGENDLER, decisão: 22-10-2001. 272 Importante observar que a expressão “substituição” utilizada pelo art. 43 do CPC mostra-se incorreta, pois na verdade substituição processual constitui legitimação ad causam extraordinária autônoma exclusiva. 273 “Morto o beneficiário da assistência judiciária, os direitos aos benefícios não se transmitem. Não há, aqui, a sucessão. A morte extingue os benefícios concedidos. Entretanto, poderão os herdeiros requerer os benefícios da Lei 1.060.” (CASTRO, José Roberto de. Op. cit., pág. 124) 274 Previsão semelhante consta do § 121 do Zivilprozessordnung (ZPO). 275 Art. 69: “O benefício de gratuidade é personalíssimo, extinguindo-se com a morte do beneficiário; poderá, entretanto, ser concedido aos herdeiros que continuarem a demanda, verificadas as condições previstas neste capítulo.” 276 ZANON, Artemio. Op. cit., pág. 153. 277 “Os benefícios são deferidos individualmente e para cada caso concreto (art. 10), o que traz à baila o fato de que, ocorrendo a morte do beneficiário e a ação persistir, seus sucessores deverão pleitear pessoalmente a concessão para si, não se transmitindo o benefício anterior, assim como o seu deferimento em um litígio não se expande para qualquer outro processo em que o beneficiário seja parte.” (GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Op. cit., pág. 96) 278 Em sentido contrário: “Se o benefício não for concedido a quem substituir o beneficiário por transmissão entre vivos ou causada pela morte, as custas e despesas já verificadas poderão ser exigidas do sucessor, procedendo-se como se tivesse havido revogação do favor.” (VIDIGAL, Maurício. Op. cit., pág. 67) 279 Ao explicar o conceito jurídico de vencido, os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam: “Vencido é o que deixou de obter do processo tudo o que poderia ter conseguido. Se pediu x, y e z, mas conseguiu somente x e y, é sucumbente quanto a z. Quando há sucumbência parcial, como no exemplo dado, ambos os litigantes deixaram de ganhar alguma coisa, caracterizando-se a sucumbência recíproca.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 222) 280 Súmula nº 450 do STF: “São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário de justiça gratuita.” 281 Enunciado nº 18 do Aviso nº 17/2006 do FETJ: “Na hipótese em que a parte autora, beneficiária da gratuidade, vencer a demanda, as custas, taxa judiciária e demais despesas judiciais devem ser cobradas do réu vencido, que recolherá o respectivo valor por meio de GRERJ, e não juntamente com o depósito judicial em favor da autora, posto não ter esta direito ao ressarcimento do que não adiantou.” 282 RT, 729/159. 283 STF – Primeira Turma – RE nº 244345/RJ – Relator Min. MOREIRA ALVES, decisão: 23/04/2002. 284 Nesse sentido: STF – Primeira Turma – RE 482.367-AgR – Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, decisão: 15-12-2009 / STF – Segunda Turma – RE 528.030-AgR – Relatora Min. ELLEN GRACIE, decisão: 1º-12-2009 / STF – Segunda Turma – RE 495.498-AgR – Relator Min. Eros Grau, decisão: 26-6-2007. 285 RJTJ-SP, vol.100, pág. 132, vol.116, pág. 244; RJTAC-SP, vol.82, pág. 273, vol.90, pág. 118, vol.95, pág. 322, vol.105, pág. 109, vol.111, pág. 247, vol.118, pág. 220, vol.120, pág. 274, vol.120, pág. 337, vol.121, pág. 321, vol.126, pág. 291; RT, vol.531, pág. 178, vol.538, pág. 107, vol.561, pág. 163, vol.585, pág. 119, vol.613, pág. 200, vol.629, pág. 188, vol.630, pág. 168, apud MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 52. 286 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 54. 287 Art. 63 do CPC/1939: “Sem prejuízo do disposto no art. 3º, a parte vencida, que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários do advogado.” 288 Art. 64 do CPC/1939: “Quando a ação resultar de dolo ou culpa, contratual ou extracontratual, a sentença que a julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária.” 289 A figura da absolvição de instância encontrava-se prevista no art. 201 do CPC/1939, sendo equivalente à atual extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC). Nesses casos, de acordo com o art. 205 do CPC/1939, o autor deveria ser “condenado ao pagamento das despesas feitas pelo réu com o preparo da defesa, inclusive honorários de advogado”, em valor arbitrado pelo juiz. 290 STJ – Terceira Turma – AgRg no AREsp nº 11735/SP – Relator Min. SIDNEI BENETI, decisão: 15-09-2011. 291 Art. 78 do CPC de 1939: “A parte isenta do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, em qualquer tempo, desde que possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família.” 292 Nesse sentido, afirma o Enunciado nº 14 da Jornada de Direito Civil: “o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo”. 293 De acordo com Augusto Tavares Rosa Marcacini, “a contagem do prazo tem início com o trânsito em julgado da sentença que condenou ao pagamento de honorários, seja a sentença definitiva ou simplesmente terminativa” (MARCACINI, Augusto Tavares
Rosa. Op. cit., pág. 59). Do mesmo modo, José Roberto de Castro leciona que o prazo “inicia-se a partir da coisa julgada”, devendo a expressão “sentença final” “ser entendida como aquela que passou em julgado, ou seja, fez a res judicata” (CASTRO, José Roberto de. Op. cit., pág. 133). 294 “Não verificada a condição, ou seja, após passados cinco anos, se não adquiriu o pobre condições de pagar a verba sem prejuízo do seu sustento ou o de sua família, a obrigação será tornada definitivamente inexigível: torna-se uma obrigação natural, desprovida de pretensão, tal qual a dívida prescrita. Daí ter o legislador utilizado o termo ‘prescrita’ na redação do texto, que só pode ser assim interpretado.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 59/60) 295 “Sobre a natureza do referido prazo, entende-se que não é de prescrição, conforme expresso no artigo, e sim de condição de que somente haverá obrigação de pagamento se verificada a condição, isto é, se em cinco anos houver perda da impossibilidade de arcar com o pagamento. O prazo, assim, não se suspende ou interrompe por ato do credor conservativo do direito: passados cinco anos de trânsito em julgado, a obrigação fica extinta sem jamais ter sido exigível.” (GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Op. cit., pág. 96) 296 Art. 31 da Lei Estadual nº 3.350/1999: “Os processos findos não poderão ser arquivados sem que o Escrivão ou a Secretaria do Tribunal certifique nos autos estarem integralmente pagas as custas e taxa judiciária. § 1º Constatada a existência de débito, o Escrivão ou a Secretaria do Tribunal notificará por via postal o devedor, para efetuar o pagamento em 60 (sessenta) dias. § 2º Decorrido o prazo previsto no parágrafo anterior sem que o débito tenha sido quitado, os autos do processo somente poderão ser arquivados, após ter o Escrivão ou a Secretaria do Tribunal expedido certidão sobre o fato, especificando todas as parcelas devidas, a qual deverá ser encaminhada à Procuradoria-Geral do Estado, para fins de inscrição do débito em Dívida Ativa. § 3º – A inobservância do disposto neste artigo implicará falta funcional grave. § 4º É dispensável a inscrição do débito em Dívida Ativa, se o seu valor total for inferior a 50 (cinquenta) UFIRs.” 297 Art. 474 do CPC: “Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.” 298 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 709. 299 “Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: (…) II – inexigibilidade do título.” 300 Enunciado nº 35 do Aviso nº 17/2006 do FETJ: “O requerimento de isenção do pagamento de custas processuais, decorrente de certidão de débito expedida por serventia judicial, por tratar de matéria jurisdicional, deverá ser encaminhado ao Juízo de origem, não comportando apreciação no âmbito das atribuições do Fundo Especial.” 301 Em sentido semelhante: LIMA, Cláudio Vianna de. Op. cit., pág. 232/233. 302 CARNELUTTI, Francesco. Istituzioni del processo civile italiano, Roma: Il Foro Italiano, 1956. 303 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, São Paulo: Perfil, 2005, pág. 128. 304 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, pág. 95/96. 305 SOUZA, Miguel Teixeira de Souza. Acção executiva singular, Lisboa: Lex, 1998, pág. 100. 306 Vale o registro de que diversos cartórios brasileiros ainda são ocupados por delegatários que ingressaram por nomeação sem o prévio concurso público, tendo em vista que a exigência do certame foi novidade introduzida pela Constituição de 1988. 307 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada, São Paulo, Saraiva, 2009, pág. 08. 308 CENEVIVA, Walter. Op. cit., pág. 35. 309 “A instituição da gratuidade do registro civil bem como da emissão da primeira via da certidão de nascimento pelo poder público, tirou a condição de sobrevivência do Registrador Civil. É impossível alguém trabalhar de graça, sem nada receber pelo exercício de sua profissão.” (MARTINELLI, Mario Lauro Tavares. A Gratuidade do Registro Civil e as Formas de Ressarcimento aos Registrários, Curitiba: JM Livraria Jurídica, 2008, pág. 08) 310 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Inclusão dos serviços notariais e registrários públicos na assistência jurídica integral, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, n.8, pág. 26. 311 DOERJ de 12-07-91, parte III, p.13, apud ROBOREDO, Carlos Eduardo Freire. A Defensoria Pública e a Requisição Gratuita dos Serviços Cartorários Extrajudiciais, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, n.6, pág. 145. 312 STF – Pleno – ADI nº 1.378-MC – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 30-11-1995. 313 STF – Pleno – ADC 5/DF – Relator Min. NELSON JOBIM, decisão: 11-06-2007. 314 O termo custo indica todo o conjunto das despesas operacionais e não operacionais do serviço, abrangendo as despesas gerais da serventia e os gastos específicos inerentes à prática do ato cartorário. Por outro lado, a remuneração adequada e suficiente deve garantir ao notário ou registrador qualidade de vida compatível com o exercício da função de delegado. (CENEVIVA, Walter. Op. cit., pág. 673) 315 Nesse sentido: STF – Pleno – ADI nº 1709/MT – Relator MAURÍCIO CORRÊA, decisão: 10-02-2000 / STF – Pleno – Rp nº 1094/SP – Relator Min. SOARES MUNOZ, decisão: 08/08/1984. 316 “São também inconstitucionais os parágrafos 2º e 3º do artigo 38 da Lei 3.350/1999, decorrentes de emenda parlamentar, uma vez que
impuseram obrigação que onera diretamente o Fundo Especial do Tribunal de Justiça. Invadiu-se aqui a competência exclusiva do Poder Judiciário de disciplinar tal matéria, à luz do artigo 152, § 2º, da Carta Estadual. Se tal matéria não pode ser regulada através de emenda legislativa do Governador do Estado, com maior razão não pode também ser regulada através de emenda parlamentar. Também não se pode deixar de reconhecer que ao impor a obrigação de reembolso dos atos gratuitos com recurso do Fundo, a Assembleia Legislativa, em realidade, aumentou as despesas do Pode Judiciário, violando ainda o art. 113, II, da Constituição Estadual.” (TJ/RJ – Órgão Especial – Representação por Inconstitucionalidade nº 136/2000 – Relator Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO, decisão: 10/12/2001) 317 “Inconstitucionalidade formal dos arts. 4º e 5º da Lei 227/1989, que desencadeiam aumento de despesa pública em matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Afronta aos arts. 25; 61, § 1º, II, a; e 63 da Constituição da República. Inconstitucionalidade material dos arts. 4º e 5º da Lei 227/1989, ao impor vinculação dos valores remuneratórios dos servidores rondonienses com aqueles fixados pela União para os seus servidores (art. 37, XIII, da Constituição da República). Afronta ao art. 37, X, da Constituição da República, que exige a edição de lei específica para a fixação de remuneração de servidores públicos, o que não se mostrou compatível com o disposto na Lei estadual 227/1989. Competência privativa do Estado para legislar sobre política remuneratória de seus servidores. Autonomia dos Estados-membros. Precedentes.” (STF – Pleno – ADI nº 64 – Relatora Min. Cármen Lúcia, decisão: 22-11-2007) 318 De acordo com GUARACI CAMPOS VIANNA e NARA DE AMORIM PAMPLONA, “mesmo ausente a legislação ordinária, em face da Constituição Federal, dos princípios gerais do Direito e da igualdade substancial de todos na lei e perante a lei, os que são juridicamente pobres possuem o direito à gratuidade de justiça no âmbito extrajudicial” (VIANNA, Guaraci de Campos. PAMPLONA, Nara de Amorim. Assistência Jurídica e Gratuita de Atos Extrajudiciais, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1990, n.4, pág. 152). 319 De acordo com Walter Ceneviva, caso a contraprestação pelo serviço cartorário não seja suficiente para garantir a adequada e suficiente remuneração do notário ou registrador, poderá ele “cobrar do Poder Público, como crédito próprio e pessoal, as diferenças cabíveis, dada a natureza alimentar da contraprestação” (CENEVIVA, Walter. Op. cit., pág. 673) 320 ROBOREDO, Carlos Eduardo Freire. Op. cit., pág. 154. 321 “O registro da sentença é ato de sua execução, que contempla a eficácia da sentença e a realização do direito subjetivo, e que a aceitação do exercício da delegação de registro compreende a assunção dos deveres previstos pela lei, entre eles, o de realizar atos de ofício sem cobrar emolumentos.” (VIDIGAL, Maurício. Op. Cit., pág. 28/29) 322 Art. 38, § 1º, da Lei Estadual nº 3.350/1999: “Nos casos de solicitação de gratuidade, excetuando-se os registros de nascimento e óbito, o notário ou registrador, em petição fundamentada, em 72 (setenta e duas) horas da apresentação do requerimento, poderá suscitar dúvida quanto ao referido benefício ao Juízo competente, a qual será dirimida também em igual prazo.” 323 No Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 3.350/1999 prevê, no seu art. 38, § 1º, “que os registradores e notários podem opor-se à isenção de emolumentos pretendida. Neste caso, dentro do prazo de 72 horas da apresentação do requerimento, devem suscitar dúvida a ser dirimida pelo juiz de direito que, ouvida a parte, devidamente representada pelo Defensor Público, decidirá se a gratuidade deve ou não ser concedida.” (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 286) 324 Importante observar que a jurisprudência dos tribunais não é pacífica quanto a possibilidade de dúvida inversa, ocasião em que o próprio interessado provoca o juiz competente que, admitindo o questionamento, determina a manifestação do notário ou registrador. 325 O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já considerou adequado, também, o pedido de alvará para o reconhecimento de gratuidade na prática de atos extrajudiciais (RT, 733/94). 326 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., pág. 533/534. 327 De acordo com Carlos Eduardo Freire Roboredo, a denegação do direito à gratuidade de justiça pelo cartório extrajudicial “importa no cometimento de patente ilegalidade, sanável através do mandado de segurança, havendo, neste, a possibilidade de colitigância ativa do Defensor Público e do seu assistido institucional, em litisconsórcio facultativo” (ROBOREDO, Carlos Eduardo Freire. Op. cit., pág. 163). No entanto, entendemos que ao pleitear o reconhecimento da gratuidade de justiça em favor de determinado indivíduo necessitado, a Defensoria Pública atua como seu representante jurídico; quem formula o pedido é o cidadão hipossuficiente, prestando a Defensoria Pública assistência jurídica para que a pretensão seja adequadamente exarada. Desse modo, em sendo injustificadamente recusada a prática gratuita do ato notarial ou registrário pelo cartório, quem possui legitimidade para figurar no polo ativo do mandado de segurança é o próprio cidadão hipossuficiente, e não a Defensoria Pública ou o Defensor Público. Na verdade, a Defensoria Pública apenas poderá figurar no polo ativo do mandado de segurança ou de eventual ação de obrigação de fazer, quando requerer a prática do ato cartorário diretamente como parte, no exercício de sua função constitucional de controle, e houver a recusa injustificada do notário ou registrador; nesse caso, por estar atuando em nome próprio na defesa dos interesses da sociedade globalmente considerada, terá a Defensoria Pública legitimidade para provocar, em nome próprio, o controle jurisdicional. 328 Art. 22 da Lei nº 8.935/1994: “Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direitos de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.” 329 Art. 28 da Lei nº 6.015/1973: “Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no
registro.” A responsabilidade civil do estado será considerada solidária apenas nas excepcionais hipóteses de cartórios ainda oficializados, conforme jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido: STF – Segunda Turma – RE nº 209354 AgR/PR – Relator Min. CARLOS VELLOSO, decisão: 02-03-1999 / STF – Segunda Turma – RE nº 518894 AgR/SP – Relator Min. AYRES BRITTO, decisão: 02-08-2011. 331 Em sentido contrário, o professor Gustavo Tepedino sustenta que a prestação de serviços públicos, por estar submetida ao Código de Defesa do Consumidor, atrairia a aplicação da disciplina dos acidentes de consumo e, consequentemente, a responsabilidade solidária dos fornecedores dos respectivos serviços. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pág. 197) 332 Nesse sentido: STJ – Quarta Turma – REsp 545.613/MG – Relator Min. CESAR ASFOR ROCHA, 08-05-2007. 333 “Perdendo o cargo, v.g., por aposentadoria, demissão, exoneração, morte etc., os móveis e utensílios utilizados pelo tabelião, nas instalações do cartório devem ser adquiridos ou indenizados pelo novo titular que o suceder. Os documentos arquivados, os livros em uso ou já terminados e demais papéis do ofício, permanecem em uso no cartório pelo novo titular. Esses objetos não pertencem mais ao notário outrossim ao poder público.” (PUGLIESE, Roberto J. Direito Notarial Brasileiro, São Paulo: Universitária de Direito, 1989, pág. 56) 334 STJ – Terceira Turma – REsp nº 911151/DF – Relator Min. MASSAMI UYEDA, decisão: 17-06-2010 / STJ – Quarta Turma – REsp nº 545613/MG – Relator Min. CESAR ASFOR ROCHA, decisão: 08-05-2007 / STJ – Segunda Turma – REsp nº 852770/SP – Relator Min. HUMBERTO MARTINS, decisão: 03-05-2007 / STJ – Terceira Turma – REsp nº 696989/PE – Relator Min. CASTRO FILHO, 23-05-2006. 335 Em sentido semelhante: STJ – Terceira Turma – REsp nº 911151/DF – Relator Min. MASSAMI UYEDA, decisão: 17-06-2010 / STJ – Terceira Turma – REsp nº 1097995/RJ – Relator Min. MASSAMI UYEDA, decisão: 21-09-2010. 336 De acordo com o art. 1º do Ato Normativo TJ/RJ nº 17/2009, além da declaração de hipossuficiência econômica, deverá o interessado apresentar comprovante de renda familiar, pois “a gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais depende de prévia comprovação de insuficiência de recursos, não bastando para tanto a mera declaração do interessado”. 337 ROBOREDO, Carlos Eduardo Freire. Op. cit., pág. 161. 338 STF – MS 26.547 MC/DF – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 23-05-2007. 330
CAPÍTULO 4
DA NATUREZA JURÍDICA DA DEFENSORIA PÚBLICA E DOS DEFENSORES PÚBLICOS
4.1 DA NATUREZA JURÍDICA DA DEFENSORIA PÚBLICA Determinar a natureza jurídica de um instituto significa analisar fundamentalmente a sua essência, identificando os pontos de afinidade ou similitude que esse instituto possui com uma grande categoria jurídica, de modo a possibilitar sua adequada classificação dentro do universo das figuras existentes no Direito. Dentro desse processo analítico, a doutrina vem tradicionalmente atribuindo à Defensoria Pública a natureza jurídica de órgão público, reconhecendo sua vinculação interna ao Poder Executivo. Nesse sentido, podemos destacar os seguintes posicionamentos doutrinários: A Defensoria Pública é um órgão. Ou seja, constitui um centro de atribuições específicas instituído para o desempenho de funções estatais, por intermédio de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertence. Tocante à esfera de ação, a Defensoria Pública é um órgão central, pois a sua atribuição de prestar a assistência jurídica integral é exercida em todo o território da base política em cuja estrutura administrativa é contida. Em relação à posição estatal, em conformidade com o escalonamento administrativo, a Defensoria Pública é um órgão do tipo independente, tendo em vista a independência funcional. (JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o princípio da justiça social, Curitiba: Juruá, 2005, pág. 90) A Defensoria Pública, sob o espectro da organização da Administração Pública, consiste em órgão, embora funcionalmente independente, vinculado ao Poder Executivo. (…) Entrementes, acerca da classificação dos órgãos públicos, a Defensoria Pública, com pertinência aos distintos critérios, é qualificada como órgão central, independente, de autoridade, composto, colegiado e obrigatório. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 160/161) Considerando o atual estágio de reconhecimento da Defensoria Pública, a quem foi atribuída autonomia plena, bem como a relevância de sua finalidade e das atribuições de seus órgãos de execução – os Defensores Públicos –, podemos classificá-la como sendo um órgão independente da administração pública direta. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 81)
No entanto, em virtude de sua atual posição constitucional e das múltiplas vertentes de sua autonomia, entendemos que a Defensoria Pública não pode ser tecnicamente classificada como órgão público. Como unidades abstratas que condensam os vários círculos de atribuições estatais, os órgãos públicos constituem simples repartições internas da pessoa jurídica a que pertencem. Com isso, subsiste estreita relação vinculativa entre o órgão público e a entidade em cuja intimidade estrutural se encontra inserido. Justamente por serem caracterizados como frações corpusculares da pessoa jurídica a que estão atrelados, os órgãos públicos não possuem personalidade autônoma ou vontade própria, que são atributos do corpo, e não das partes. Na verdade, como sintetiza CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “os órgãos não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais”1. Diversamente da concepção clássica de órgão, a Defensoria Pública não se encontra vinculada
ou subordinada a nenhuma estrutura estatal, não podendo nenhum de seus membros receber ordens ou comandos funcionais de qualquer autoridade pública2. Ao organizar os Poderes Estatais (Título IV – “Da organização dos Poderes”), a Constituição Federal não se limitou às descentralizações tradicionais, decorrentes da tripartição dos poderes consagrada por Montesquieu. Além dos Poderes Legislativo (Capítulo I), Executivo (Capítulo II) e Judiciário (Capítulo III), o constituinte formalizou a criação de um quarto complexo orgânico, intitulado “Funções Essenciais à Justiça” (Capítulo IV), no qual se encontra criteriosamente inserida a Defensoria Pública (Seção III). Com essa moderna disposição organizacional, o legislador constituinte pretendeu desvincular a Defensoria Pública das demais estruturas de poder, criando um sistema independente de fiscalização e controle das atividades estatais. Na verdade, a colocação tópica e o conteúdo do capítulo destinado às “Funções Essenciais à Justiça” revelam a renúncia por parte do constituinte em definir explicitamente a Defensoria Pública entre os Poderes Estatais, outorgando-lhe a necessária autonomia para que possa atuar de maneira ativa na defesa da ordem jurídica democrática do país. Por não estar acessoriamente vinculada a nenhum corpo principal e por não constituir simples plexo de atribuições da administração estatal, não pode a Defensoria Pública ser tecnicamente classificada como órgão público. Na realidade, em virtude de sua peculiar posição constitucional, a Defensoria Pública não deve ser enquadrada em nenhuma categoria jurídica preexistente no universo do Direito, integrando grupo autônomo e singular, juntamente com o Ministério Público. Precisamente por isso, o art. 134, caput da Constituição Federal deixa de qualificar a Defensoria Pública como sendo órgão público do executivo, do legislativo ou do judiciário, classificando-a lapidarmente como “instituição”, independente e desvinculada das tradicionais funções políticas3. Desse modo, como estrutura originária diretamente da Constituição Federal e representativa da função de provedoria de justiça, a Defensoria Pública possui natureza jurídica de Instituição Constitucional ou Instituição Primária do Estado Democrático de Direito contemporâneo. 4.2 DA NATUREZA JURÍDICA DO DEFENSOR PÚBLICO De maneira genérica, os agentes públicos são pessoas naturais integradas temporária ou definitivamente à estrutura estatal e incumbidas do exercício de determinada função pública. Dessa forma, no esconso dessa definição, são dois os requisitos necessários para a caracterização dos agentes públicos: a natureza estatal da atividade desempenhada (requisito objetivo) e a investidura no cargo ou função pública (requisito subjetivo). Seguindo a tradicional classificação delineada por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO4, o gênero agente público pode ser dividido em três espécies: (i) servidores estatais; (ii) particulares em colaboração com o Poder Público; e (iii) agentes políticos5. Primeiramente, são classificados como servidores estatais aqueles que se ligam às entidades governamentais por intermédio de relações profissionais de caráter não eventual, sob vínculo de dependência, estando sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico determinado pela pessoa jurídica a que servem. O grupo dos servidores estatais, por sua vez, se fragmenta em duas outras
subespécies: (a) servidores públicos (mantêm vínculo de trabalho profissional com as pessoas governamentais de direito público – União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de direito público); e (b) servidores das entidades governamentais de direito privado (mantêm vínculo de trabalho profissional com as pessoas governamentais de direito privado – empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público). Em segundo lugar, são inseridos na categoria dos particulares em colaboração com o Poder Público aqueles que, sem perderem sua qualidade de particulares, exercem função pública, ainda que seja apenas em caráter meramente episódico (por exemplo, jurados, recrutados para o serviço militar obrigatório, notários e registrários, concessionários e permissionários de serviços públicos, etc.). Por fim, chegando ao ponto que diretamente interessa ao presente trabalho, são classificados como agentes políticos aqueles titularizam os cargos fundamentais na organização política do país, compondo o esquema elementar de estruturação das funções estatais. Por exercerem atribuições vitais derivadas diretamente da Constituição Federal, os agentes políticos desempenham suas funções com plena liberdade funcional, possuindo prerrogativas e responsabilidades próprias. Seguindo essa direção conceitual, o professor HELY LOPES MEIRELLES define: Agentes Políticos: são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais. Têm normas específicas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhe são privativos. Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil, por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2013, pág. 78/80)
Podem ser classificados como agentes políticos os membros dos poderes políticos e das instituições governamentais essenciais à justiça, dentre os quais se incluem os membros da Defensoria Pública. Adotando essa linha de raciocínio, o professor SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, ao catalogar criteriosamente os agentes políticos, apresenta a seguinte listagem: Agentes Políticos – Membros dos poderes políticos e das instituições governamentais complementares essenciais à realização da justiça. Repartem-se, por seu turno, nos subconjuntos que seguem:
a) Titulares de cargos eletivos – Titulares de função pública política (cargo público político eletivo, mandato público eletivo: art. 54, II, d; art. 14, §§ 10 e 11; art. 38, I a IV), representativa, de investidura eletiva, a prazo certo, como é próprio do regime republicano (cf. arts. 1º, 14, §§ 4º e 11; 34, VII, a; 2º do ADCT), exercida nos órgãos constitucionais dos Poderes Legislativo e Executivo da União (Congressistas, Presidente e Vice-Presidente da República), dos Estados-membros (Deputados estaduais, Governadores e ViceGovernadores), dos Municípios (Vereadores, Prefeito e Vice-Prefeito Municipais), do Distrito Federal (Governador, Vice-Governador e Deputados Distritais) e, eventualmente,
dos Territórios (membros da Câmara Territorial). A remuneração é o subsídio. b) Magistrados – Titulares de funções (cargos) públicos exercidas nos órgãos jurisdicionais (art. 92 da CF), componentes do Poder Judiciário, dos quais são membros. Investidura efetiva mediante nomeação por concurso, adquirida ulteriormente a vitaliciedade, salvo os membros dos Tribunais que são, ab initio, vitalícios (art. 95, I). c) Membros dos Tribunais e Conselhos de Contas – Titulares (Ministros e Conselheiros) de funções (cargos) exercidas nessas instituições, auxiliares do Poder Legislativo (arts. 31, §§ 1º e 4º; 73 e §§ e 75, parágrafo único da CF). Investidura vitalícia, mediante escolha, em parte, pelo Executivo, (com aprovação do Legislativo), e em parte, pelo Legislativo (arts. 73, § 2º e 3º, e 75). d) Membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias locais, dos Estados e do Distrito Federal – Titulares de funções (cargos) exercidas nas mencionadas instituições de provedoria de justiça. Investitura efetiva mediante nomeação por concurso. Os membros do Ministério Público adquirem, ulteriormente, vitaliciedade. Cada um dos conjuntos citados é organizado obrigatoriamente em carreira (arts. 127 a 135 da CF). (FERREIRA, Sérgio de Andréa. Comentários à Constituição, 3º Volume, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, págs.112/113) Sendo assim, por titularizarem cargos fundamentais para a estruturação do Estado Democrático de Direito contemporâneo, desenvolvendo suas atribuições com liberdade funcional e possuindo prerrogativas e direitos próprios, os Defensores Públicos possuem natureza jurídica de agentes políticos6. Esse entendimento é consagrado pelo art. 37, XI, da CRFB, que, ao relacionar os agentes políticos remunerados mediante subsídio, menciona os “membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, os “detentores de mandado eletivo” e os “demais agentes políticos”, deixando entrever que outros sujeitos também seriam constitucionalmente considerados agentes políticos e remunerados por meio de subsídio. Logo em seguida, o legislador constituinte confirma serem os Defensores Públicos agentes políticos, prevendo serem eles “remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única” (art. 135 c/c art. 39, 4º da CRFB). Nesse sentido, entendendo possuir o Defensor Público natureza jurídica de agente político, lecionam HUMBERTO PEÑA DE MORAES e JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, em obra histórica dedicada ao estudo da matéria: Pelo fato, os Defensores Públicos fluminenses, desempenhando com liberdade técnica as suas atribuições institucionais, dotados de prerrogativas e responsabilidades próprias, além de destinatários de normas específicas para a investidura e conduta previstas na Constituição Estadual e leis complementares, se inserem, ao lado dos membros da Magistratura, dos do Ministério Público e dos Procuradores do Estado, entre os agentes políticos do Estado, circunstância que os diferencia dos servidores incluídos na espécie de agentes administrativos e sujeitos, portanto, ao regime estatutário comum. (MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência Judiciária. Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984, pág. 122)
No mesmo sentido, temos o posicionamento do professor GUSTAVO CORGOSINHO, nos seguintes termos:
Em nossa opinião, o que caracteriza o Defensor Público como agente político são as suas garantias, prerrogativas e competências. Estas o colocam em situação da mais completa autonomia e independência funcional, que, exercida dentro dos parâmetros da legalidade, torna-se oponível a todos os que pretendessem realizar qualquer tipo de ingerência externa em sua atuação, inclusive relativamente aos demais agentes políticos. Tudo isso, aliado à vocação para a transformação social – inerente à sua atuação –, nos leva a conclusão de que pode realmente ser considerado um agente político. (CORGOSINHO, Gustavo. Op. cit., pág. 106)
Importante observar, por derradeiro, que a Lei Complementar nº 80/1994, de maneira atécnica e aberrante, classifica os Defensores Públicos como “órgãos de execução” da Defensoria Pública (art. 5º, III, a; art. 53, III; e art. 98, III, a). No entanto, não podemos confundir os conceitos de órgão, de cargo e de agente público. Os órgãos são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais; os cargos são lugares criados no órgão, para serem providos por agentes; e os agentes, por sua vez, são as pessoas físicas que, titularizando o cargo, exercerão as funções públicas legalmente atribuídas ao órgão. Em síntese, o órgão é a unidade de ação; o cargo é o lugar reservado ao agente; e o agente é a pessoa física que exercita as funções do órgão. Por isso, não podemos identificar o órgão com o cargo e, muito menos, com o próprio agente7. Dentro dessa ordem de ideias, não podemos considerar o Defensor Público como órgão de execução da Defensoria Pública. Como agente político, o Defensor Público é a pessoa humana que infunde vida e vontade ao órgão de atuação, desempenhando as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 80/1994. 4.3 DA RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA ENTRE ASSISTIDO E DEFENSORIA PÚBLICA A dimensão da relação estabelecida entre assistido e Defensoria Pública possui características peculiares, diversas da relação contratual estabelecida entre cliente e advogado. Ontologicamente, o advogado é um profissional liberal que disponibiliza seus serviços no mercado, cabendo ao interessado buscar aquele profissional que poderá melhor atendê-lo, observando a qualidade técnica do trabalho, a relação de confiança, os preços eventualmente cobrados, etc. Nesse ponto, o advogado tem a liberdade de aceitar ou recusar os clientes que eventualmente venham a procurá-lo, diante do caráter autônomo de sua profissão e da consequente possibilidade de avaliar a conveniência de defender determinada causa. Sendo assim, para a formalização da relação contratual entre o advogado e o pretenso cliente deve haver o consenso entre ambos os pactuantes, possibilitando a adequada constituição da relação contratual de mandato. Somente através da consensualidade, caracterizada pela livre escolha do profissional pelo cliente e pela autônoma aceitação da causa pelo advogado, poderá o mandato ser adequadamente estabelecido. O instrumento que confere poderes ao advogado para atuar em juízo em nome do cliente é a procuração com cláusula ad judicia8. Sem ela não poderá o advogado atuar judicialmente na defesa dos interesses do constituinte (arts. 37, 1ª parte, do CPC, e 5º da Lei nº 8.906/1994), ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas em lei (art. 37, 2ª parte, do CPC e art. 266 do CPP). O vínculo estabelecido entre advogado e cliente possui natureza privada, havendo o ajuste da
retribuição pecuniária pela prestação dos serviços de advocacia. Assim, o advogado e o cliente definem a extensão da atuação (atividade de consultoria ou assistência jurídica), bem como o custo do serviço prestado (honorários contratuais). No âmbito da Defensoria Pública, por sua vez, a sistemática jurídica se afigura completamente diversa. Em primeiro lugar, por força da Constituição Federal e da própria Lei Complementar nº 80/1994, a atuação institucional da Defensoria Pública é pautada pelo princípio da indeclinabilidade das causas. Com isso, não possuem os Defensores Públicos a faculdade de escolher quais demandas irão patrocinar ou quais assistidos irão defender, devendo obrigatoriamente atuar sempre que restar demonstrada a hipossuficiência econômica daquele que solicita a assistência jurídica gratuita (atuação típica) ou restarem preenchidos os requisitos legais ensejadores da intervenção institucional (atuação atípica). Do mesmo modo, analisando a questão no panorama inverso, ao assistido também não é facultada a escolha do Defensor Público que deverá patrocinar sua causa. Em virtude dos princípios da unidade e da indivisibilidade (art. 3º da LC nº 80/1994), a escolha realizada pelo assistido recai sobre a Defensoria Pública institucionalmente considerada, sendo assistência jurídica gratuita prestada pelo Defensor Público ocupante do órgão com prévia atribuição, que pode ser substituído por critérios objetivos previamente estabelecidos9. Além disso, não basta o assistido querer ser atendido pela Defensoria Pública e o Defensor Público querer prestar o atendimento ao assistido; como ambos os sujeitos (Defensoria Pública e assistido) se encontram subordinados ao regramento imposto pela Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 80/1994, apenas poderá ser prestada a assistência jurídica estatal gratuita se restarem preenchidos os requisitos legais pertinentes. Por fim, não é possível pactuar cláusulas, disposições ou ajustes para definir o conteúdo e a extensão do serviço jurídico-assistencial público prestado pelos membros da Defensoria Pública, sendo os poderes para atuação na defesa dos interesses do assistido conferidos diretamente por lei mediante investidura no cargo (arts. 44, XI, 89, XI e 128, XI da LC nº 80/1994). Da mesma maneira, não é admitida a pactuação de honorários contratuais, sendo vedado o recebimento de qualquer espécie de honorários, percentagens ou custas processuais pelos Defensores Públicos em razão do exercício de suas atribuições (arts. 46, III, 91, III e 130, III da LC nº 80/1994), exceto os vencimentos previstos em lei. Dessa forma, o vínculo estabelecido entre o assistido e a Defensoria Pública possui características específicas que desnaturam a consensualidade e a fidúcia inerentes ao contrato de mandato. Por essa razão, a natureza das funções exercidas pela Defensoria Pública não se compatibiliza com a outorga de mandato, sendo legalmente dispensada a subscrição de procuração pelo assistido (arts. 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da LC nº 80/1994, e 16, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950)10. Na verdade, o vínculo estabelecido entre assistido e Defensoria Pública possui natureza estatutária, sendo regido por normas de direito público, já que as funções institucionais desempenhadas pelos Defensores Públicos devem obrigatoriamente observar o regime jurídico estatuído pela Lei Complementar nº 80/199411.
Nesse sentido, lecionam HUMBERTO PEÑA DE MORAES e JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA, in verbis: O vínculo mantido entre o membro do órgão público encarregado de dinamizar a assistência judiciária e o juridicamente necessitado deflui da dicção da lei e a investidura do agente no cargo e não da outorga de mandato. É um liame de natureza público-estatutária, exsurgente da legislação que estabelece a estrutura do órgão, comete atribuições específicas e disciplina as atividades dos seus componentes e não de natureza privatística-contratual. (MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Op. cit., pág. 153)
Esse vínculo público-estatutário se formaliza automaticamente mediante a simples afirmação de hipossuficiência pelo assistido (atuação típica) ou mediante o preenchimento dos requisitos legais ensejadores da intervenção institucional da Defensoria Pública (atuação atípica). Sendo esse regime incompatível com a outorga de mandato e não havendo, consequentemente, a subscrição de procuração pelo assistido, não haverá também substabelecimentos, termos de revogação e de renúncia. Se os interesses da parte estiverem sendo patrocinados por advogado particular e surgir o interesse em constituir a Defensoria Pública para o acompanhamento da causa, não poderá o advogado transferir os poderes outorgados pelo mandato através de substabelecimento. Nesse caso, o advogado deverá renúnciar ao mandato (deixando voluntariamente de patrocinar a causa) ou a parte deverá revogar o mandato (retirando compulsoriamente o advogado do feito); em seguida, deverá a Defensoria Pública ser constituída para o patrocínio da causa, por intermédio da afirmação de hipossuficiência – nas hipóteses de atuação típica – ou pela simples caracterização da hipótese legal de intervenção institucional – nas hipóteses de atuação atípica. Na situação inversa, sendo a causa patrocinada por Defensor Público e havendo o interesse na constituição de advogado particular, será preciso apenas realizar a juntada de procuração subscrita pela parte aos autos do processo para que cesse a atuação institucional da Defensoria Pública, assumindo o advogado a condução do processo. Seguindo essa linha de raciocínio, se manifesta o professor CLÉBER FRANCISCO ALVES, em obra dedicada ao tema: O art. 16, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950 dispensa a apresentação de instrumento de mandato – procuração – pelo Defensor Público. Bastará que a parte assine documento escrito – que pode ser a própria petição inicial – declarando sua condição de necessitado, na forma da lei, e informando que pretende ser patrocinada pela Defensoria Pública. Isto porque o que confere ao Defensor Público os poderes necessários para desempenhar a função que lhe foi atribuída por lei e pela Constituição é a sua investidura no cargo público e não a escolha da parte cujos interesses aquele terá o encargo de patrocinar. Por esse mesmo motivo, se a parte decidir abdicar do patrocínio da Defensoria Pública, não caberá renúncia nem substabelecimento em favor do advogado particular que venha a assumir a causa. Basta a mera outorga de procuração ao advogado particular que tenha aceito o patrocínio da causa, e respectiva juntada aos autos, para que cesse automaticamente a atuação da Defensoria Pública. Em contrapartida, se uma parte assistida por advogado particular tiver necessidade e quiser passar a ser patrocinada pela Defensoria Pública deve ser exigida a prévia renúncia do advogado (ou, em última análise, a revogação do mandato pelo outorgante), formalizada por escrito nos autos antes do ingresso do defensor, que se fará mediante simples juntada de “afirmação” de carência. Não cabe, pelas mesmas razões antes expostas, a figura do substabelecimento em favor do Defensor Público, pois este não atua mediante mandato. (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 294)
Para facilitar o estudo da matéria, podemos resumir a diferenciação entre a relação cliente/advogado e a relação assistido/Defensoria Pública através do seguinte quadro esquemático:
CLIENTE/ADVOGADO
ASSISTIDO/DEFENSORIA PÚBLICA
Relação de natureza privada
Relação de natureza pública
Advogado pode escolher as causas em que irá atuar (liberdade de contratação)
Defensor não pode escolher as causas em que irá atuar (princípio da indeclinabilidade das causas)
Cliente pode escolher advogado, sendo estabelecida relação de caráter intuitu personae
Assistido não pode escolher Defensor, sendo a relação regida pelos princípios da unidade e indivisibilidade
Poderes para atuação são conferidos por intermédio da outorga de mandato
Poderes para atuação são conferidos por lei mediante investidura no cargo, sendo dispensada a outorga de mandato
Podem ser pactuados honorários contratuais
Vedado o recebimento de honorários, percentagens ou custas processuais
Cliente firma procuração com cláusula ad judicia
Assistido afirma hipossuficiência (atuação típica)
4.3.1 Da dispensa objetiva de mandato para a prática dos atos ordinários do processo e da necessidade de autorização específica do assistido para a prática de atos que demandem poderes especiais
De acordo com a Lei Complementar nº 80/1994, constitui prerrogativa dos membros da Defensoria Pública “representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais” (arts. 44, XI, 89, XI e 128, XI, da LC nº 80/1994). De maneira semelhante, o art. 16, parágrafo único, da Lei nº 1.060/1950 não exige a outorga de mandato quando a parte for representada em juízo por integrante da entidade de direito público responsável pela prestação da assistência judiciária gratuita: Art. 16: Se o advogado, ao comparecer em juízo, não exibir o instrumento do mandato outorgado pelo assistido, o juiz determinará que se exarem na ata da audiência os termos da referida outorga. Parágrafo único. O instrumento de mandato não será exigido, quando a parte for representada em juízo por advogado integrante de entidade de direito público incumbido na forma da lei, de prestação de assistência judiciária gratuita, ressalvados:
a) os atos previstos no art. 38 do Código de Processo Civil; b) o requerimento de abertura de inquérito por crime de ação privada, a proposição de ação penal privada ou o oferecimento de representação por crime de ação pública condicionada. Sendo assim, a relação público-estatutária estabelecida entre assistido e Defensoria Pública habilita o Defensor Público a praticar todos os atos do processo (cláusula ad judicia), salvo “receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso” (art. 38 do CPC). Do mesmo modo, não poderá o membro da Defensoria Pública oferecer representação por crime de ação penal pública condicionada (art. 39 do CPP), requerer a instauração de inquérito policial em
virtude da prática de crime de ação penal privada (art. 5º, § 5º, c/c art. 44 do CPP), realizar a propositura de ação penal privada (art. 44 do CPP), renunciar ao exercício do direito de queixa (art. 50 do CPP), aceitar perdão por crime de ação penal privada (arts. 55 e 59 do CPP), oferecer exceção de suspeição (art. 98 do CPP) e arguir falsidade documental (art. 146 do CPP)12. Para a prática dessas condutas processuais o ordenamento jurídico exige poderes especiais, não incluídos nas capacidades gerais legalmente conferidas aos Defensores Públicos pela investidura no cargo (arts. 44, XI, 89, XI e 128, XI da LC nº 80/1994). Diante desse quadro normativo, como o membro da Defensoria Pública deverá proceder nesses casos? Seguindo a interpretação literal da Lei Complementar nº 80/1994, parcela da doutrina defende que a prática dos atos processuais que demandem poderes especiais dependeria obrigatoriamente da outorga de procuração. Por expressa opção legal, haveria nessa hipótese uma clara relação contratual de mandato, sendo aplicáveis “todas as peculiaridades inerentes a este tipo contratual, tal como a necessidade de apresentação de procuração por parte do Defensor Público para demandar em juízo”13. Nesse sentido, leciona o professor GUILHERME PEÑA DE MORAES, em publicação destinada ao estudo da matéria: Excepcionalmente, consoante os arts. 44, XI, in fine, 89, XI, in fine, e 128, XI, in fine, do regramento sob análise, para os atos do processo para os quais são legalmente exigidos poderes especiais enumerados no art. 38, in fine, do Código de Processo Civil, necessário se faz o instrumento de mandato. É dizer: se o ato processual reclamado extrapola os poderes ordinários é imprescindível a explícita concessão, na procuração, de poderes especiais. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 289)
Segundo entendemos, no entanto, essa interpretação meramente literal do dispositivo colide frontalmente com a própria disciplina normativa específica dos contratos de mandato. Por não possuírem os membros da Defensoria Pública a faculdade de escolher quais partes irão defender e por não terem os assistidos a possibilidade de escolher qual Defensor Público deverá patrocinar sua causa, restam mitigadas a consensualidade e a fidúcia inerentes ao mandato. Além disso, o contrato de mandato deve possuir caráter intuito personae, sendo a procuração outorgada para pessoa certa e determinada. Essa característica legal, entretanto, apresenta absoluta incompatibilidade com o princípio institucional da indivisibilidade (art. 3º da LC nº 80/1994), que permite a atuação sucessiva de diversos Defensores Públicos ao longo do processo. Em razão das particularidades que envolvem a atuação funcional da Defensoria Pública, que claramente não se compatibilizam com a outorga de mandato, a melhor solução é exigir a autorização ou a concordância específica do assistido para a prática dos atos que demandem poderes especiais, com a assinatura conjunta da petição, cota ou assentada. Seguindo essa linha de raciocínio, temos o brilhante posicionamento do professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, in verbis: O Defensor Público, representando seus assistido, seja em feito administrativo ou judicial, não depende da outorga de procuração, salvo nas hipóteses em que a lei venha a exigir poderes especiais. (…) Na realidade, censuramos o legislador por exigir a outorga de mandato nos casos em que a lei exige poderes especiais. Somos do entendimento que, nestes casos, bastaria a anuência expressa do assistido com os termos da petição que, obrigatoriamente, seria assinada por este e pelo Defensor Público, sem necessidade da formalidade da outorga de procuração, ato de natureza essencialmente “privatística-contratual”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 102/103)
Dentro da mesma ótica, ensina o professor CLÉBER FRANCISCO ALVES, de maneira clara e sintética: A dispensa de apresentação de instrumento de mandato, diz respeito somente ao exercício dos poderes incluídos na cláusula ad judicia. No que se refere aos poderes especiais do art. 38 do Código de Processo Civil será necessário colher autorização específica da parte patrocinada pela Defensoria Pública para a prática desses atos, quando for o caso. (ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 294)
QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – IV CONCURSO): Que condição é exigida para que o Defensor Público transija em juízo em nome do cliente? Questão 02 (DPGE/RJ – IV CONCURSO): É lícito ao Juiz de Direito exigir procuração ao Defensor para instruir pedido inicial de ação de consignação em pagamento? E de execução de título executivo extrajudicial referido no art. 585, II do Código de Processo Civil? Justifique. Questão 03 (DPGE/RJ – VI CONCURSO): Após uma avaliação, em procedimento de inventário, intimado o Defensor Público se manifestou favorável ao laudo. O Juiz, em despacho, determinou que viesse aos autos instrumento de mandato, com poderes para aquela manifestação. Pergunta-se: (A) Quais os poderes conferidos ao Defensor Público para estar em juízo pela parte assistida e o fundamento legal? (B) Você, Defensor Público, como procederia na hipótese? Justifique. Questão 04 (DPGE/RJ – VI CONCURSO): O Defensor Público postula em nome próprio ou como representante da parte? Justifique. Questão 05 (DPGE/RJ – X CONCURSO): Como se formaliza a admissão ao processo pela parte assistida pelo Defensor Público? Questão 06 (DPGE/RJ – XV CONCURSO): O Brasil, dentre outros Estados Federais de todo o Universo, é o de melhor organização da Defensoria Pública, instituída em sede constitucional, como predicamento de órgão do Poder Público, o que lhe confere posição relevante e exemplar no que atine a matéria. Assim, posto que constituíam temas ligados a instituição, de índole marcantemente democrática, responda: (A) O Defensor Público carece de mandato do assistido para representá-lo em juízo? Por quê? Questão 07 (DPGE/RJ – XV CONCURSO): Determinado Advogado, considerando que seu cliente não honrou com o pagamento dos honorários, junta substabelecimento, sem reservas de poderes, ao Defensor Público. O Juiz determina abertura de vista dos autos à Defensoria Pública
para que se prossiga na defesa da parte. Você, Defensor Público, recebendo os autos, como procederia? Questão 08 (DPU – 2007): Julgue a assertiva abaixo: (A) O defensor público representará a parte, independentemente de mandato, exceto para os atos que demandem poderes especiais. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 140. Nesse sentido: STF – Pleno – ADI nº 3965/MG – Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, decisão: 07-03-2012 / STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 2-4-2007. 3 Seguindo essa linha de raciocínio, a professora Alessandra de Souza Araújo leciona: “A Defensoria Pública é ‘instituição essencial à função jurisdicional do Estado’, com previsão no art. 134 da Carta Magna, bem como no art. 178 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Considera-se uma Instituição pela série de prerrogativas que dispõe, por ser regida por lei orgânica própria, bem como por ser orientada por peculiares princípios, como a independência funcional (art. 179, § 1º, da Constituição Estadual e art. 3º da Lei Complementar nº 80/1994), que significa ter dever somente quanto à lei e à sua consciência, o que é próprio dos agentes políticos.” (ARAÚJO, Alessandra de Souza. Foro por prerrogativa de função do Defensor Público, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2001, ano XIII, n.17, pág. 15) 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., pág. 245. 5 Adotando classificação diversa, o professor Hely Lopes Meirelles defende que o gênero agente público se divide em 5 espécies: (i) agentes políticos; (ii) agentes administrativos; (iii) agentes honoríficos; (iv) agentes delegados; e (v) agentes credenciados. Isso porque entende o referido doutrinador que “os servidores públicos não constituem uma espécie do gênero agente público, mas, apenas, uma subespécie da espécie agente agente administrativo”; esta espécie é que derivaria imediatamente do gênero agente público, para, ao depois, ao lado de outras espécies, se repartir em servidores públicos. Além disso, o referido autor diverge também da “inclusão dos agentes honoríficos na mesma categoria ou espécie dos agentes delegados, sob a denominação comum de particulares em colaboração com o Poder Público”, pois seriam “espécies distintas em face de suas marcantes peculiaridades”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2013, pág. 78) 6 Nesse sentido, entendendo que o Defensor Público seria efetivamente classificado como agente político: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 15/41 / SOUZA, Francisco Bastos Viana de. O Defensor Público como agente político do Estado. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1997, ano IX, n.11, pág. 52 / VANGELOTTI, Andreia Gonçalves. Defensor Público: agente político, agente administrativo ou uma classe de agentes especiais do Estado, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1997, ano IX, n.11, pág. 254/256. Em sentido contrário, entendendo que o conceito de agente político seria aplicável somente àqueles que efetivamente exercem função política de governo e administração, abrangendo unicamente os chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores dos Estados e do Distrito Federal e Prefeitos), os respectivos auxiliares imediatos (Ministros e Secretários dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios) e os membros das corporações legislativas (Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Distritais e Vereadores): CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007, pág. 526 / MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., pág. 245/246 / GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 1993, pág. 43 / PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 1994, pág. 354 / MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pág. 286. 7 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., pág. 77. 8 “O instrumento que habilita o advogado a, no interesse da parte, postular em juízo é a procuração com a cláusula ad judicia. A procuração é o instrumento de mandato. Sem a cláusula ad judicia, a procuração dada a advogado tem natureza negocial, não o autorizando a representar a parte em juízo.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 297) 9 “O cenário descrito não se diferencia, mutatis mutandis, daquele que se estabelece entre o paciente e o médico vinculado a hospital público. Diferentemente do contrato privado de prestação de serviços firmado entre o particular e o médico, no qual o caráter intuito personae se afigura presente, uma vez que são consideradas a experiência, o renome, o prestígio e os honorários cobrados pelo serviço, é certo afirmar que o mesmo não acontece no atendimento realizado pela rede pública de saúde. A consulta, os exames laboratoriais, o procedimento cirúrgico, enfim, toda a gama de serviços é conduzida pelo médico (agente público) designado pelo Estado, de acordo com a organização administrativa do órgão de saúde. Não se diz, neste último caso, que se entabulou contrato entre o paciente e o servidor público, pois o serviço público de saúde é prestado de acordo com a disciplina legal e, principalmente, a partir da organização administrativa que lhe é dada pelos entes públicos.” (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 352/353) 1 2
A dispensa objetiva de mandato é reafirmada pelo art. 91 do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010), que estabelece: “a representação processual pela Defensoria Pública se dará por mera juntada de declaração de hipossuficiência da parte, assinada por defensor público”. 11 Nesse sentido: ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 / LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit. / MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999 / MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da. Assistência Judiciária. Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984 / MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. Em sentido contrário, entendendo que o vínculo estabelecido entre a Defensoria Pública e o assistido possuiria natureza de contrato de direito privado: ETIENNE, Adolfo Figueiras. Da relação jurídica contratual existente entre o assistido e o Estado – Requisitos, eficácia, prova e consequências, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2004, ano XV, n.19. 12 Por apresentarem caráter restritivo de direitos, as exceções à cláusula ad judicia devem ser consideradas taxativas (numerus clausus), sendo interpretadas de modo estrito. Por isso, apenas se exige a outorga de poderes especiais nas hipóteses expressamente previstas em lei. 13 ETIENNE, Adolfo Figueiras. Op. cit., pág. 22. 10
CAPÍTULO 5
PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS
5.1 DEFINIÇÃO Os princípios conferem unidade e harmonia ao sistema jurídico, integrando suas diferentes partes e atenuando eventuais tensões normativas1. Por sintetizarem os valores básicos abrigados no ordenamento, os princípios presidem a intelecção dos preceitos legais e garantem a coerência no momento de sua aplicação2. Diferentemente das regras, que possuem relato mais objetivo e incidência mais específica, os princípios possuem maior grau de abstração e amplo espectro de incidência. Normalmente, os princípios carregam um fundamento ético, uma decisão política ou um valor socialmente relevante, indicando uma determinada direção a ser seguida pelo intérprete3. No âmbito da Defensoria Pública, os princípios institucionais espelham os postulados básicos e os valores fundamentais da Instituição, formando o núcleo essencial de sua sistemática normativa. Em virtude de sua natureza normogenética, os princípios institucionais atuam como diretrizes fundamentantes da Defensoria Pública, compondo seu espírito e servindo de critério para sua adequada compreensão. Por essa razão, a violação de um princípio institucional releva maior gravidade que a transgressão de uma regra jurídica qualquer. Afinal, a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. Como leciona CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a profanação de um princípio “é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”4. 5.2 DOS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS EM ESPÉCIE De acordo com o art. 3º da Lei Complementar nº 80/1994, “são princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”5. Esses princípios, enumerados de maneira meramente exemplificativa pelo legislador, compõem e integram o sistema normativo da Defensoria Pública, formando um conjunto interdependente e coerente entre si6. Ao contrário do que ocorre com o Ministério Público (art. 127, § 1º da CRFB), os princípios institucionais da Defensoria Pública não se encontram previstos expressamente na Constituição Federal, constando apenas da legislação infraconstitucional. No entanto, encontra-se atualmente em trâmite no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição nº 487/2005, que pretende modificar a atual redação do art. 134, § 1º da CRFB, incluindo no texto constitucional os princípios
institucionais da Defensoria Pública7. In verbis: Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, fundamentalmente, como expressão e instrumento do regime democrático, a promoção dos direitos humanos, a orientação jurídica e a tutela em todos os graus e instâncias, judicial e extrajudicialmente, de forma integral e gratuita, dos direitos e interesses individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei. § 1º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. 5.2.1 Da unidade
O princípio da unidade (art. 3º da LC nº 80/1994) ou unicidade (art. 179, § 2º, da CE/RJ) indica que a Defensoria Pública deve ser vista como instituição única, compondo seus membros um mesmo todo unitário8. Apesar de agir por intermédio de múltiplos braços, a Defensoria Pública consolida corpo único e encontra-se sob o comando singular do Defensor Público Geral. Em virtude da unidade da Instituição, os atos praticados pelo Defensor Público no exercício de suas funções não devem ser creditados ao agente, mas atribuídos à própria Defensoria Pública a qual integra9. Importante observar que, sob o prisma orgânico, a unidade somente existe no âmbito de cada Defensoria Pública, já que compõem estruturas organizacionais distintas e encontram-se sob chefia institucional diversa. Não é correto, portanto, falar em unidade orgânica entre Defensoria Pública Estadual e a Defensoria Pública da União, nem entre a Defensoria Pública de um Estado e a de outro. Essa consequência jurídica decorre do próprio sistema federativo, cuja forma de estruturação inspira a divisão de atribuições e a existência de autonomia entre as Defensorias Públicas. Em outras palavras, não há qualquer vinculação hierárquica, administrativa ou financeira entre as Defensorias Públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, possuindo cada uma delas organização autônoma e distinta10. No entanto, sob o prisma funcional, é possível identificar a unidade entre todas as Defensorias Públicas do país, haja vista desempenharem as mesmas funções institucionais e com a mesma finalidade ideológica. Na verdade, funcionalmente os diversos ramos da Defensoria Pública se encontram separados unicamente em virtude da distribuição constitucional de atribuições, criada para que a Instituição possa melhor proteger aos interesses dos necessitados. Por essa razão que o art. 2º da Lei Complementar nº 80/1994 estabelece que “a Defensoria Pública abrange: I – a Defensoria Pública da União; II – a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; III – as Defensorias Públicas dos Estados”. Justamente em virtude dessa unidade se mostra possível a atuação conjunta e complementar das Defensorias Públicas nas hipóteses de deslocamento de competência vertical e horizontal. Nas ações previdenciárias, por exemplo, poderá a demanda ser proposta pelo Defensor Público estadual perante a respectiva justiça estadual, quando a comarca não for sede de vara do juízo federal (art. 109, § 3º, da CRFB); em havendo a interposição de recurso, entretanto, após a apresentação das razões e contrarrazões, serão os autos remetidos ao Tribunal Regional Federal (art. 109, § 4º, da CRFB), onde o acompanhamento do processo será realizado por Defensor Público Federal de 1ª Categoria (art. 19, II, c/c art. 21 da LC nº 80/1994). Do mesmo modo, em havendo o declínio de competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal, deverá ser nomeado Defensor Público Federal para que dê continuidade ao atendimento da parte hipossuficiente.
5.2.2 Da indivisibilidade
O princípio da indivisibilidade (art. 3º da LC nº 80/1994) ou impessoalidade (art. 179, § 2º, da CE/RJ) constitui verdadeiro corolário do princípio da unidade, formando com ele verdadeira relação de logicidade e dependência. O princípio da indivisibilidade indica a existência de uma Instituição incindível, não podendo ser desagregada ou fracionada. Por isso, é possível afirmar que o princípio da indivisibilidade carrega uma função de contenção, impedindo qualquer mitigação ao princípio da unidade11. Por formarem um mesmo todo indivisível, os membros da Defensoria Pública podem substituir uns aos outros indiferentemente12, sem que haja solução de continuidade do serviço público de assistência jurídica gratuita. A indivisibilidade garante que a atuação da Defensoria Pública ocorra sempre de maneira ininterrupta, seja como representante jurídico do cidadão hipossuficiente ou como parte no exercício de sua função de controle. Por conta da indivisibilidade, os membros da Defensoria Pública não se vinculam aos processos em que atuam, sendo relativamente comum que um mesmo processo seja conduzido sucessivamente por Defensores Públicos distintos. Desde que observada a sistemática legal, um Defensor poderá substituir outro que se encontre afastado por ocasião de férias, licença, impedimento, suspeição, etc. Afinal, quando um membro da Defensoria Pública atua, quem na realidade está atuando é a própria Defensoria Pública13; por isso, a doutrina tem reconhecido a fungibilidade dos membros da Instituição. Importante observar, por fim, que o princípio da indivisibilidade não implica em vinculação de opiniões, não sendo o Defensor Público substituto obrigado a adotar a mesma linha de pensamento seguida pelo substituído. Obrigar o Defensor Público, que posteriormente assume determinada causa, a seguir a linha de posicionamento anteriormente adotada, significaria violentar sua consciência e sua independência funcional. Nesse sentido, leciona o saudoso professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, in verbis: A unidade e a indivisibilidade, permitem aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros, obedecidas as regras legalmente estabelecidas, sem quaisquer prejuízo para a atuação da Instituição, ou para a validade do processo. E isto porque cada um deles é parte de um todo, sob a mesma direção, atuando pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades. A unidade e a indivisibilidade, todavia, não implicam na vinculação de opiniões. Nada impede que um Defensor Público, que venha a substituir outro, tenha entendimento diverso sobre determinada questão e, portanto, adote procedimento diferente daquele iniciado pelo substituído. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 22) 5.2.3 Da independência funcional
A independência funcional (art. 3º da LC nº 80/1994 e art. 179, § 2º, da CE/RJ) garante ao Defensor Público a necessária autonomia de convicção no exercício de suas funções institucionais, evitando que interferências políticas ou fatores exógenos estranhos ao mérito da causa interfiram na adequada defesa da ordem jurídico democrática do país14. Em outras palavras, o princípio da independência funcional confere ao Defensor Público escudo invulnerável, que protege sua atuação profissional contra interesses escusos e contra os poderosos inimigos que, pertencentes às fileiras dos opressores e antidemocráticos, pretendem conservar o estado social desigualitário presente15. Em virtude de sua independência funcional, os Defensores Públicos podem atuar livremente no
exercício de suas funções institucionais, rendendo obediência apenas à lei e à sua própria consciência16. Isso significa que, além estarem livres de interferências externas, os Defensores Públicos funcionalmente não se encontram submetidos a qualquer poder hierárquico interno, não estando vinculados às recomendações exaradas pelo escalão superior da Defensoria Pública. Por essa razão, não pode o Defensor ser penalizado pelos atos probos praticados no estrito exercício de suas funções, mesmo que tal conduta contrarie orientação expedida pela chefia institucional da Defensoria Pública. Na verdade, por conta do princípio da independência funcional, a hierarquia interna existente na Instituição deve restringir-se às questões de ordem administrativa, nunca de caráter funcional ou técnico. Com isso, embora a chefia institucional da Defensoria Pública esteja autorizada a proferir as ordens e as diretrizes que entender necessárias, tais comandos devem permanecer restritos às questões administrativas. Não possui o Defensor Público Geral ou a administração superior atribuição para controlar o mérito dos pronunciamentos dos Defensores Públicos, sendo vedada a prolação de qualquer comando que invada ou viole a esfera funcional de atuação do membro da Instituição. Ao analisar o princípio da independência funcional e a inexistência de hierarquia de índole funcional entre a chefia institucional da Defensoria Pública e os demais membros da Instituição, o professor GUILHERME PEÑA DE MORAES leciona: Princípio institucional maior, a independência funcional traduz-se na inocorrência de subordinação hierárquica – ou seja, no desempenho de suas funções, os defensores públicos não estão adstritos, em qualquer hipótese, ao comando de quem quer que seja. Cabe acentuar que esse atributo é qualificado como ilimitado, pois os membros da Defensoria Pública, para o exercício de suas atribuições, não se encontram sujeitos, sequer, às recomendações dos órgãos de administração superior da Instituição, pautando suas condutas somente pela lei e por sua convicção. Aluda-se que, embora não haja subordinação hierárquica, há hierarquia administrativa. Em outros termos: apesar de não existir submissão escalonar no plano funcional, ocorre, no plano administrativo, sujeição hierárquica do defensor público com relação à chefia ou órgãos de direção superior da Instituição. Posto isto, a hierarquia verificada é, única e exclusivamente, administrativa, quer dizer, o Defensor Público Geral, em razão da autonomia administrativa própria do órgão que comanda, exerce funções de direção e de organização de seus serviços administrativos, nos limites dos poderes a ele conferidos. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública. São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 175)
Importante observar, no entanto, que a independência funcional do Defensor Público não é absoluta, pois se mostra inadmissível a existência de poderes absolutos no atual Estado Democrático de Direito. Ao contrário do indivíduo, que tem permissão para fazer tudo aquilo que a ordem jurídica não tenha proibido, aquele que exerce funções públicas apenas se encontra autorizado a fazer o que a ordem jurídica permite17. Com isso, a atuação do Defensor Público, assim como a de todo e qualquer agente político, deve estar obrigatoriamente baseada em autorização conferida por norma válida. Nesse ponto, a legalidade deve atuar como autêntica lanterna, iluminando o caminho a ser percorrido pelo Defensor Público no exercício de suas funções; tudo aquilo que permanecer nas sombras deverá ser repelido na atuação do membro da Defensoria Pública, por ser contrário à lei ou à Constituição. Além disso, o exercício da independência funcional deve guardar estreita observância com a
finalidade institucional da Defensoria Pública. Por constituir instrumento voltado para a defesa dos direitos dos hipossuficientes econômicos, o Defensor Público deverá sempre preferir, no momento da tomada de suas decisões, a solução que melhor atenda aos interesses das classes menos favorecidas. A)
DA DIFERENCIAÇÃO TÉCNICA ENTRE A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A AUTONOMIA FUNCIONAL: Embora seja comum a confusão doutrinária sobre o tema, a independência funcional e a autonomia funcional não devem ser consideradas expressões sinônimas. Não obstante a similitude vocabular, as expressões designam institutos jurídicos distintos e se direcionam para titulares diferenciados. A independência funcional (art. 3º da LC nº 80/1994) constitui princípio tendente a salvaguardar a liberdade de convicção do Defensor Público e o livre exercício de suas funções institucionais. Trata-se de instituto voltado para o Defensor Público individualmente considerado, protegendo sua consciência profissional contra ingerências externas, sejam oriundas dos órgãos governamentais, dos setores mais abastados da sociedade ou mesmo da própria administração superior da Defensoria Pública. Já a autonomia funcional assegura às Defensorias Públicas dos Estados (art. 134, § 2º, da CRFB), à Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 2º da EC nº 69/2012, c/c o art. 134, § 3º, da CRFB) e à Defensoria Pública da União (art. 134, § 3º, da CRFB) liberdade de atuação institucional, evitando toda e qualquer ingerência externa nos assuntos interna corporis. Trata-se de instituto direcionado para a Defensoria Pública globalmente considerada, garantindo a autonomia da Instituição frente aos Poderes Estatais e aos interesses das classes favorecidas. Em síntese, enquanto a independência funcional guarda relação singular com Defensor Público, a autonomia funcional se volta coletivamente para a Defensoria Pública; a primeira constitui garantia individual do Defensor Público e a segunda garantia institucional da Defensoria Pública. Apresentando a diferenciação técnica entre a independência funcional e a autonomia funcional, leciona GUSTAVO CORGOSINHO, de maneira clara e didática: A autonomia funcional é um princípio que visa salvaguardar a Defensoria Pública por inteiro, observada a mesma como um conjunto formado por todos os seus órgãos de execução, atuação e administração superior, ao passo que a independência funcional se traduz sob a forma de uma garantia conferida a cada um de seus órgãos e a cada um de seus membros, separadamente. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 63) B)
A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE DE ATUAÇÃO INSTITUCIONAL (ART. 4º, § 8º DA LC Nº 80/1994): Com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, o art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994 passou a prever hipótese bastante eloquente de aplicabilidade do princípio da independência funcional. De acordo com o referido dispositivo, “se o Defensor Público entender inexistir hipótese de atuação institucional, dará imediata ciência ao Defensor Público Geral, que decidirá a controvérsia, indicando, se for o caso, outro Defensor Público para atuar”. Dessa forma, caso o Defensor Público natural, ao analisar o caso concreto, entenda pelo não
enquadramento nas hipóteses de atuação institucional da Defensoria Pública, deverá dar imediata ciência do fato ao Defensor Público Geral, que exercerá o controle sobre a atuação negativa do membro da Instituição. Ao analisar a motivação apresentada, poderá o Defensor Público Geral concluir ser equivocada a recusa apresentada pelo Defensor Público natural. No entanto, como não existe hierarquia em relação aos assuntos de natureza funcional, não poderá o chefe da Instituição determinar que o Defensor Público natural atue naquele caso específico. Seguindo a expressa redação do art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994, deverá o Defensor Público Geral indicar “outro Defensor Público para atuar”. Importante observar, também, que o Defensor Público indicado não estará obrigado a atuar positivamente no caso. Assim como seu antecessor, poderá o novo Defensor Público avaliar livremente o quadro, podendo igualmente concluir pela inexistência de hipótese de atuação institucional, apresentando nova recusa18. Com a previsão constante do art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994, realiza o legislador o reconhecimento expresso e exemplificativo da independência funcional do Defensor Público frente à administração superior da Instituição, garantindo a plena liberdade de convicção no exercício de suas funções. C)
A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO NO CURSO DO PROCESSO: Em virtude de sua independência funcional, possui o Defensor Público plena liberdade para exercer a defesa dos interesses dos necessitados, não podendo sofrer qualquer interferência externa no exercício de suas funções. Por questão de lógica, essa liberdade de atuação deve abranger também o momento da seleção dos destinatários finais dos serviços jurídico-assistenciais prestados pela Defensoria Pública; afinal, de nada adiantaria garantir a independência funcional no atuar do Defensor Público se interesses escusos pudessem definir quem seria favorecido por essa atuação. Assim, quem analisa a existência de hipótese de atuação funcional é o Defensor Público com atribuição para realizar o atendimento da parte, não sendo admitida a interferência vinculante de qualquer autoridade pública na escolha dos destinatários finais dos serviços prestados pela Instituição. Por essa razão, nenhum juiz ou tribunal poderá impedir que o Defensor Público atue em benefício de determinado indivíduo, cujo direito à assistência jurídica estatal gratuita tenha sido administrativamente reconhecido pela Defensoria Pública. Do mesmo modo, nenhum juiz ou tribunal poderá determinar que o Defensor Público atue em favor de alguma parte que esteja processualmente desprovida de capacidade postulatória nos autos, cabendo exclusivamente ao Defensor Público natural analisar a existência de hipótese de atuação funcional. Caso não concorde com a atuação positiva ou negativa do Defensor Público, poderá o magistrado determinar a expedição de ofício à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, para que seja exercida a fiscalização sobre atividade funcional do membro da Instituição. Por fim, é importante observar que a seleção do profissional encarregado de atuar em determinado processo deverá ser realizada pela própria parte interessada, devendo sempre ser oportunizada a escolha entre o advogado de confiança e a Defensoria Pública. Tal opção recai única
e exclusivamente sobre a parte da relação processual, sendo vedado ao juiz impor a constituição de determinado advogado ou determinar a imediata atuação da Defensoria Pública19. 5.2.4 A previsão legal exemplificativa dos princípios institucionais e a extensão pan-principiologista preconizada pela doutrina
Por ser o principal canal de comunicação entre o sistema de valores e o sistema jurídico, os princípios não comportam enumeração taxativa20. Sendo assim, a enumeração constante do art. 3º da LC nº 80/1994 deve ser considerada meramente exemplificativa, sendo admissível a existência de outros princípios institucionais além daqueles expressamente previstos em lei. Em virtude dessa ausência de taxatividade, alguns doutrinadores têm sustentado a existência de princípios institucionais ínsitos à estrutura normativa da Defensoria Pública. De acordo com o professor PAULO GALLIEZ, “aos princípios institucionais da Defensoria Pública pode ser acrescentada a atuação do Defensor Público como instrumento de transformação social, que, para tanto, nas palavras do professor Emir Sader, basta estar imbuído de sentimentos morais de justiça, indignação, solidariedade e, sobretudo, por decisão política”21. Por sua vez, GUILHERME PEÑA DE MORAES afirma que, além dos princípios institucionais explícitos previstos no art. 3º da LC nº 80/1994, seria possível extrair da conjugação das normas constitucionais a existência de outros princípios institucionais implícitos: a permanência, a essencialidade, a isonomia e a autonomia administrativa22. No entanto, não nos parece que os preceitos indicados constituam autênticos princípios institucionais. Afinal, a ausência de taxatividade não pode servir de desculpa para que qualquer enunciado se transforme em princípio. Para que seja guindado à categoria de princípio, torna-se necessário que o preceito institucional condense os valores básicos e as diretrizes fundantes da Defensoria Pública. Além disso, é preciso estabelecer os contornos de uma objetividade possível, que permita ao princípio transitar de sua dimensão ética e abstrata para as motivações racionais próprias do cotidiano jurídico23. Não basta simplesmente realizar o lançamento de um standard principiológico, sem que seja agregada a sua definição um mínimo de densidade normativa; princípio não é simples adereço que confere plectro à regra. Na realidade, o descomprometimento com a deontologia do Direito tem gerado o fenômeno do pan-principiologismo, definido por LÊNIO LUIZ STRECK como sendo “verdadeira usina de produção de princípios despidos de normatividade”24. Esse frenético lançamento de princípios no mercado jurídico, sem qualquer criteriologia ou ordenação, tem ocasionado manentes prejuízos à operacionalidade do direito e à própria segurança das relações sociais. Diante desse quadro, não podemos contribuir para a inflação dessa bolha especulativa permitindo que toda e qualquer característica da Defensoria Pública seja elevada à categoria de princípio institucional. Vale lembrar: princípios são deontológicos e não teleológicos25. O estudo da estrutura normativa da Defensoria Pública deve evitar essa cosmovisão principialista, tratando cada espécie normativa dentro do espaço que lhes reserva o sistema jurídico – garantias institucionais, objetivos, prerrogativas, etc.
QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – XV CONCURSO): Funga-Funga foi preso e processado por tráfico de entorpecente com diversas agravantes. Interrogado, negou a autoria. Por ocasião das alegações finais orais, o órgão do parquet sensibilizado pela genitora do acusado, que chorava copiosamente, entendeu por pedir a desclassificação do delito para o tipo mais brando descrito no art. 16 da Lei nº 6.368/1976, à vista do que a defesa, incontinenti, teceu loas à fala do Ministério Público, concordando com o pedido, vez que seria essa a sua tese de defesa, sustentando apenas a desclassificação. Atendendo às partes, o MM. Juiz decidiu pela desclassificação do delito, administrando ao acusado pena privativa de liberdade de 6 meses e sursis. Inconformado FungaFunga apelou, vindo os autos ao Defensor Público que, embora em estágio confirmatório, exercia suas funções em substituição ao titular daquela vara, em gozo de férias, para apresentar as razões do inconformismo. Considerando-se a unidade da Defensoria Pública, pode o Defensor Público, em exercício no órgão adotar tese antagônica àquela anteriormente sustentada? Fundamente a resposta. Questão 02 (DPGE/RJ – XVII CONCURSO): Em que consiste o princípio da independência funcional do Defensor Público? Questão 03 (DPGE/RJ – XX CONCURSO): O Defensor Público titular de determinado órgão de atuação oferece apelação em processo criminal. Você, em substituição àquele colega, que afastouse para gozo de férias, recebe os autos para oferecimento das razões do recurso. Ao analisar os autos, você não vislumbra qualquer possibilidade de êxito no apelo. Neste caso, caberia desistência do recurso? Haveria a obrigatoriedade de oferecimento das razões recursais? Fundamente a resposta enfocando os princípios que envolvem a matéria. Questão 04 (DPGE/RJ – XXIII CONCURSO): O Corregedor-Geral da Defensoria Pública edita Ordem de Serviço, chancelada pelo Defensor Público Geral do Estado, determinando aos Defensores Públicos em exercício nos Núcleos de Primeiro Atendimento a prestação de assistência às pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, independentemente da apresentação de comprovante de sua hipossuficiência. O Defensor Público da Comarca de Sapucaia questiona a validade desse ato administrativo, alegando ferir a sua independência funcional. Assiste razão ao Defensor? Fundamente a resposta. Questão 05 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): Reportando-se à Lei Complementar nº 80/1994, verifica-se que o Defensor Público deve recorrer para qualquer instância ou Tribunal sempre que encontrar fundamento na lei, na jurisprudência ou na prova dos autos, remetendo cópia à Corregedoria-Geral. A contrario sensu, poderá fazê-lo, também, quando da não interposição, pois a Corregedoria poderá ter posicionamento diverso e designar outro Defensor para examinar a sua eventual interposição. Nesse caso, estaria sendo preservado o princípio:
(A) da unidade; (B) do zelo funcional; (C) da estabilidade; (D) da cidadania; (E) da inamovibilidade; Questão 06 (DPGE/RN – 2006): São princípios institucionais da Defensoria Pública, exceto: (A) unidade. (B) indivisibilidade. (C) independência funcional. (D) independência financeira. Questão 07 (DPGE/AC – 2006): A respeito da atuação da Defensoria Pública e da assistência judiciária, assinale a opção correta. (A) Conforme orientação firmada pelo STJ, o prazo em dobro previsto na legislação da assistência judiciária gratuita se estende aos advogados dativos ou nomeados ad hoc, que geralmente exercem a defesa das pessoas reconhecidamente carentes em locais onde inexistente a Defensoria Pública. (B) Os prazos em favor da Defensoria Pública contam-se da data do ciente e não na data da vista pessoal dos autos. (C) No âmbito estadual, o Defensor Público Geral deve ser nomeado pelo presidente da República, entre integrantes da carreira e maiores de 45 anos. (D) São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Questão 08 (DPGE/RO – 2007): São princípios institucionais da Defensoria Pública: (A) independência, imanência e defesa do interesse público estatal. (B) indivisibilidade, autonomia administrativa e imanência. (C) independência funcional, administrativa e política. (D) autonomia orçamentária, unidade e independência. (E) unidade, indivisibilidade e independência. Questão 09 (DPGE/ES – 2009) A Defensoria Pública, prevista na CF e na CEES, vem regulamentada, respectivamente, pela Lei Complementar Federal nº 80/1994 e pela Lei Complementar Estadual nº 55/1994. Com base nos referidos diplomas infraconstitucionais, julgue os itens subsequentes: (A) A previsão normativa da independência funcional no desempenho de suas atribuições assegura ao Defensor Público liberdade de bem escolher a tese a ser sustentada no feito sob a sua responsabilidade. É vedada a avocação pelo Defensor-Geral, salvo em caso de representação
do assistido e de constatar-se a ocorrência de desídia, negligência ou falta funcional, indicandose, de pronto, outro membro para patrocínio da causa. A autonomia ou independência funcional não desobriga o Defensor Público de se submeter a regras e procedimentos estabelecidos pela administração superior da Instituição. (B) A designação de Defensor Público para atuar em processo criminal no qual haja manifestação do sentenciado no intuito de apelar da sentença, com posição contrária à do Defensor natural no sentido de não recorrer, não ofende os princípios e as regras consagradas nas legislações complementares, especificamente, o princípio da independência funcional. Questão 10 (DPGE/MG – 2009): Sobre os aspectos principiológicos afetos à Defensoria Pública, assinale a alternativa INCORRETA: (A) A Defensoria Pública é uma instituição de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos, pois desempenha função constitucionalmente prevista: o acesso à justiça, que é um dos requisitos da dignidade da pessoa humana. (B) Os princípios da unidade e indivisibilidade podem ser conceituados com a ideia de ser a Defensoria Pública um todo orgânico, que não admite rupturas nem fracionamentos, sendo que seus membros devem estar sob a mesma chefia Institucional, e, também, que podem se substituir uns aos outros sem prejuízo para atuação institucional. (C) Entende-se o princípio da independência funcional como uma garantia a respaldar o Defensor Público no exercício de suas funções, ficando ele isento de pressão individual ou coletiva que possa comprometer a sua atuação imparcial e isenta de subjetivismo. (D) O Defensor Público, no desempenho de sua função, deve atender a todos os princípios administrativos, principalmente os da moralidade, eficiência e impessoalidade, podendo responder, caso transgrida alguns desses princípios, a processo administrativo-disciplinar instaurado também pela Procuradoria-Geral do Estado. (E) Em decorrência lógica de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, extrai-se o princípio do Defensor Público Natural, pois é garantida ao necessitado a assistência jurídica, gratuita e integral, para a produção de sua defesa. Questão 11 (DPGE/SP – 2009): Sobre a unidade e a indivisibilidade, princípios institucionais da Defensoria Pública do Estado, é correto afirmar: (A) conferem ao Defensor Público a garantia de agir segundo suas próprias convicções e a partir de seus conhecimentos técnicos. (B) asseguram aos destinatários do serviço a impossibilidade de alteração do Defensor Público no curso do processo. (C) fixam as atribuições do Defensor Público, que não podem ser alteradas posteriormente. (D) impedem a criação de Defensorias Públicas Municipais. (E) permitem aos Defensores Públicos substituírem-se uns aos outros, sem prejuízo para a atuação institucional ou para a regularidade processual.
Questão 12 (DPU – 2010): Julgue a assertiva abaixo: (A) Considere que determinado cidadão tenha sido condenado em processo criminal e o Defensor Público que o defendeu tenha entendido caber recurso da decisão, mas, por motivo de saúde, esse defensor tenha-se afastado da função e tenha sido substituído, e seu substituto tenha considerado incabível o recurso. Nessa situação, pelo princípio da unidade, o Defensor substituto está obrigado a recorrer da decisão, haja vista tratar-se de substituição. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro, in A Nova Interpretação Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pág. 29. 2 Segundo leciona Gustavo Corgosinho, a eficácia dos princípios se opera de duas formas diferentes: “na eficácia interna, o princípio atua como norma superior de interpretação para a compreensão do sentido das regras em face do regime jurídico”; por outro lado, “na eficácia externa, a norma incide para possibilitar a compreensão dos fatos perante as regras do regime jurídico, a fim de que se torne possível o estabelecimento de um ideal de coisas a ser buscado”. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 62) 3 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., pág. 31. 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 1993, pág. 409. 5 De maneira análoga, o art. 179, § 2º da Constituição Estadual do Rio de Janeiro prevê como princípios institucionais da Defensoria Pública “a unicidade, a impessoalidade e a independência funcional”. 6 GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 37. 7 Ao fundamentar a inclusão dos princípios institucionais da Defensoria Pública, a PEC nº 487/2005 apresenta a seguinte justificativa: “A igualdade democrática, por certo, efetiva-se na atuação de uma Defensoria Pública forte, autônoma e atuante. A assistência jurídica àqueles que não têm condições de pagar um advogado privado rompe as barreiras impostas pela estrutura econômica; ou, em outras palavras, impede que a igualdade de todos perante a lei seja contaminada pelas desigualdades econômica e social. Por outro lado, a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que não possuem recursos é condição básica para a solução de controvérsias de forma pacífica. Desta forma, o papel das Defensorias é absolutamente essencial para a realização de um Estado Democrático. Assim, é necessário garantir indiretamente aos necessitados e diretamente à Defensoria Pública os princípios institucionais da unidade, indivisibilidade e independência funcional, a fim de permitir amplo auxílio aos mais humildes e desconhecedores de seus direitos.” 8 De acordo com Guilherme Peña de Moraes, “pela unidade ou unicidade compreende-se que a Defensoria Pública constitui um todo orgânico submetido a idênticos fundamentos, direção e finalidade”. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 173) 9 Vale lembrar que “em conformidade com a teoria da imputação, as manifestações dos defensores públicos, na qualidade de titulares de órgãos de atuação, são atribuídas à Defensoria Pública, na condição de órgão composto, de sorte que a Defensoria Pública atua pela vontade externada dos defensores públicos que a integram”. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 174) 10 Dessa forma, portanto, a Defensoria Pública do Estado não está subordinada hierarquicamente à Defensoria Pública da União; o Defensor Público Geral Federal não detém poder de comando sob as Defensorias Públicas Estaduais. 11 GARCIA, Emerson. Ministério Público – Organização, Atribuições e Regime Jurídico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 62. 12 “O princípio da indivisibilidade significa que os atos dos Defensores Públicos fazem parte de um todo que não pode ser dividido, pois implica uma atuação uníssona e inquebrável da Defensoria Pública como instituição. Não se podem dividir seus atos, sob pena de perda da substância.” (COSTA, Nelson Nery. Manual do Defensor Público, Rio de Janeiro, GZ editora, 2010, pág. 43/44) 13 “Se os Defensores Públicos integram uma única Instituição, submetendo-se aos seus preceitos, mandamentos e diretrizes, e se podem ser substituídos no exercício de suas funções por outros membros desta mesma Instituição, é natural a conclusão de que não agem em seu próprio nome, mas sim no da Instituição do qual fazem parte.” (LIMA, Frederico Viana de. Defensoria Pública, Bahia: Juspodivm, 2010, pág. 100) 14 De acordo com Sílvio Roberto Mello Moraes, a independência funcional “é, sem sombra de dúvida, uma das mais valiosas garantias do Defensor Público, pois lhe permite atuar com inteira liberdade, sem sofrer qualquer tipo de censura ou limitação, seja por parte do Chefe da Instituição ou mesmo do próprio Chefe do Poder Executivo ou de qualquer outra autoridade. Age de acordo com a sua consciência e obediente, somente, à lei”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 94) 15 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 17. 16 “A independência funcional assegura a plena liberdade de ação do defensor público perante todos os órgãos da administração pública, especialmente o judiciário. Este princípio elimina qualquer possibilidade de hierarquia em relação aos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia. Trata-se de 1
princípio indisponível, inarredável diante de qualquer situação ou pretexto, cabendo ao Defensor Público, mediante postura adequada, impor-se pela educação, respeito e firmeza.” (GALLIEZ, Paulo. Op. cit., pág. 53) 17 GARCIA, Emerson. Op. cit., pág. 64. 18 Importante ressaltar, nesse ponto, a existência de posicionamento contrário, no sentido de que o Defensor Público indicado não poderia se recusar a atuar na hipótese, tendo em vista que o princípio da independência funcional não seria de todo absoluto. Sendo assim, por subsistir posicionamento institucional manifestado pela indicação do Defensor Público Geral, reconhecendo a existência de hipótese de atuação, o Defensor Público não poderia se recusar a prestar o atendimento. Como o ordenamento jurídico caminha na direção da uniformidade, sendo reflexo do princípio da unidade a necessidade de adoção de posturas uniformes, havendo a delegação pelo Defensor Público Geral, não poderia o membro da Defensoria Pública recusar-se a praticar o ato com fundamento na independência funcional. Nesse caso, estaria o Defensor Público atuando por designação do chefe institucional, não podendo se imiscuir a respeito da oportunidade e extensão da delegação. Posicionamento análogo vem sendo adotado no âmbito do Ministério Público, em relação à problemática do art. 28 do CPP. (Nesse sentido: CEBRIAN, Alexandre. GONÇALCES, Victor. Direito Processual Penal Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 100 / OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, São Paulo: Atlas, 2012, pág. 70) 19 De acordo com Silvio Roberto Mello Moraes, “caso o réu tenha constituído patrono e o mesmo venha a renunciar no curso da ação, deverá aquele ser intimado, primeiramente, para indicar novo advogado no prazo fixado pelo Juiz, não cabendo a intervenção imediata da Defensoria Pública, logo após a renúncia do causídico, sob pena de nulidade”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 27/28) 20 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., pág. 36. 21 GALLIEZ, Paulo. Op. cit., pág. 95. 22 MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 170/171. 23 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., pág. 36. 24 De acordo com o professor Lênio Luiz Streck, o fenômeno do pan-principiologismo tem tomado conta da operacionalidade do direito. Essa usina de princípios tem criado uma série de princípios despidos de normatividade, sendo citados como exemplos os princípios da confiança no juiz da causa, da afetividade, da proibição do atalhamento constitucional, da pacificação e reconciliação nacional, da rotatividade, do parcelaridade, etc. Importante observar, ainda, que um dos mais absurdos exemplos dessa superpopulação principiológica foi retirado do XXIII Concurso Público para Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, que continha a seguinte questão: “Um indivíduo hipossuficiente, interessado em participar da prática de modificação extrema do corpo (body modification extreme), decidiu se submeter a cirurgias modificadoras, a fim de deixar seu rosto com a aparência de um lagarto. Para tanto, pretende enxertar pequenas e médias bolas de silicone acima das sobrancelhas e nas bochechas, e, após essas operações, tatuar integralmente sua face de forma a parecer a pele do anfíbio. Frustrado, após passar por alguns hospitais públicos, onde houve recusa na realização das mencionadas operações, o indivíduo decidiu procurar a Defensoria Pública para assisti-lo em sua pretensão. Pergunta-se: você, como Defensor Público, entende ser viável a pretensão? Fundamente a resposta.” Ao que consta, teria recebido nota máxima o candidato que sustentasse a possibilidade do ajuizamento da ação, com base no princípio da felicidade. (STRECK, Lênio Luiz. O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto, Revista Consultor Jurídico, 2012) 25 STRECK, Lênio Luiz. Op. cit.
CAPÍTULO 6
OBJETIVOS
6.1 DEFINIÇÃO A previsão legal dos objetivos da Defensoria Pública também constitui inovação trazida pela reforma operada pela Lei Complementar nº 132/2009. Em harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (arts. 1º e 3º da CRFB), os objetivos institucionais elencados no art. 3º-A da LC nº 80/1994 designam os propósitos a serem satisfeitos pela atuação funcional da Defensoria Pública. Por apresentarem conteúdo aberto e irresoluto, os objetivos institucionais possuem ampla volubilidade e mutabilidade, sendo capazes de assumir novas formas e significados a medida que incorporam os valores jurídico-sociais germinados pelo processo evolutivo. Com isso, cada nova conquista gerada pela transposição das barreiras do conservadorismo acaba abrindo novas portas e revelando novos horizontes a serem buscados pela atuação funcional da Defensoria Pública, fazendo com que os objetivos institucionais nunca sejam realizados inteiramente. Por essa razão, os objetivos elencados no art. 3º-A da LC nº 80/1994 devem ser compreendidos como designação de direção a ser seguida, e não de destino a ser alcançado. 6.2 DOS OBJETIVOS EM ESPÉCIE O art. 3º-A da Lei Complementar nº 80/1994 elenca quatro objetivos a serem perseguidos pela Defensoria Pública durante o desempenho de suas funções institucionais: (i) a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; (ii) a afirmação do Estado Democrático de Direito; (iii) a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e (iv) a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Pela leitura dos dispositivos legais, podemos perceber que os objetivos da Defensoria Pública são cláusulas de natureza aberta e sentido fluido, capazes de proporcionar a mais ampla interpretação de seu espectro de incidência. 6.2.1 A primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais
De acordo com o art. 3º-A, I, da LC nº 80/1994, constitui objetivo da Defensoria Pública “a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais”. Considerada fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CRFB), a dignidade da pessoa humana está na origem dos direitos materialmente fundamentais e representa o núcleo essencial de cada um deles. Por essa razão, dentro da escala dos valores constitucionais, a dignidade humana é considerada valor superlativo, sendo o epicentro axiológico de toda a ordem jurídicoconstitucional.
O princípio da dignidade humana expressa valor físico, moral e psíquico a ser assegurado a todas as pessoas simplesmente pelo fato de existirem no mundo, constituindo um mínimo invulnerável do indivíduo1. Por serem todas as pessoas iguais em dignidade, a atuação funcional da Defensoria Pública deve garantir a respeito recíproco de cada pessoa à dignidade alheia, além de assegurar o respeito e a proteção da dignidade humana pelo Poder Público e pela sociedade em geral. Nesse âmbito de proteção fundamental da pessoa humana se inclui a tutela do mínimo existencial, que indentifica o conjunto de bens e utilidades básicas necessárias à subsistência digna e indispensáveis ao desfrute dos direitos em geral. Partindo da ideia de que todas as pessoas possuem idêntico valor intrínseco, o art. 3º-A, I da LC nº 80/1994 indica também como objetivo institucional da Defensoria Pública a redução das desigualdades sociais. Esse dispositivo legal reafirma o art. 3º, III da CRFB e qualifica a Defensoria Pública como instrumento implementador do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Sem dúvida, muitas são as causas da pobreza e variados são os círculos viciosos que contribuem para manter as pessoas na condição de miserabilidade2. Embora seja praticamente impossível indicar com segurança todos os fatos geradores e proliferadores da pobreza, uma coisa parece certa: essa condição social possui a grave consequência de privar aqueles que a vivem de voz3. Isso ocorre porque a pobreza leva as pessoas a acreditarem que são culpadas pela situação em que vivem, permanecendo mergulhadas na vergonha e no medo do julgamento alheio4. Em uma sociedade eminentemente capitalista, em que o indivíduo é aquilo que possui, os desprovidos de fortuna acabam vivenciado as constantes humilhações geradas pelas inúmeras carências materiais e pela vergonha da própria aparência5. Do descaso da sociedade e do desdém de outras pessoas nasce a falta de confiança em si mesmo e o isolamento social, fazendo com que as pessoas que vivem na pobreza não conheçam, não busquem e não exerçam seus direitos. Por representar o elo constitucional entre a sociedade e o Estado, a Defensoria Pública possui a irrenunciável função de promover a inclusão das classes sociais menos favorecidas, reitegrando à ordem jurídica estatal aqueles que historicamente permaneceram excluídos e marginalizados. Na verdade, a Defensoria Pública é a única estrutura estatal destinada expressamente a trabalhar juridicamente para garantir redução das desigualdades sociais, através da prestação da assistência jurídica integral e gratuita. Em premiado artigo publicado sobre o tema, a professora ANDRÉA SEPÚLVEDA BRITO CAROTTI defende que a atuação estratégica da Defensoria Pública orientada para a redução das desigualdades sociais poderia ser eficazmente concretizada através da formulação de uma política institucional de combate à pobreza através do Direito e da mudança do paradigma institucional de atendimento dos assistidos: Para que a Defensoria Pública passe a atuar mais estrategicamente na luta contra a erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, acreditamos ser necessária, em primeiro lugar, a formulação de uma política institucional de combate à pobreza através do Direito. No entanto, para que tal política seja, além de estratégica, o mais eficiente possível, cremos ser indispensável a participação das próprias pessoas vivendo na pobreza na sua formulação. (…) Há, de fato, muito que se aprender com aqueles que vivem na pobreza. E, embora, dentre os profissionais do Direito, sejam os Defensores Públicos os mais conscientes de tudo o que a pobreza envolve, é necessário que aprendamos ainda mais com nossos
assistidos, que os envolvamos em nossas decisões a respeito de políticas de redução da pobreza. Mas como seria possível colocar tal proposta em prática? A primeira observação que se deve fazer é a de que a pobreza é um fenômeno complexo e altamente sensível a variações locais e culturais. Desta forma, faz-se mister que as políticas institucionais sejam também locais. Assim, deveria caber a cada Defensoria (e talvez a cada grupo de órgãos dentro de cada região), a formulação de sua própria política institucional de redução da pobreza local. Para tanto, o primeiro passo consistiria na busca do significado de pobreza local. Consultas públicas são essenciais. Pesquisas podem ser levadas a efeito, com formulários simples, em que os assistidos que assim desejassem pudessem expressar suas opiniões sobre o que a pobreza representa e sobre suas maiores necessidades. Talvez seja essencial, também, que as Defensorias sejam integradas por sociólogos e assistentes sociais, especializados em tal área. Uma vez realizadas tais consultas, seria possível delinear-se um conceito local de pobreza. O passo seguinte consistiria em aplicar o Direito aos problemas identificados, para, então, definir-se a política institucional de redução da pobreza através do Direito, com foco inicial nas áreas mais urgentes para a melhoria da qualidade de vida da população necessitada. (…) Além da identificação de uma política institucional abrangente, que defina as diretrizes gerais de uma estratégia organizacional de redução da pobreza e das desigualdades sociais, é necessário, também, que as diversas Defensorias Públicas sejam capazes de identificar casos que demandem sua atuação direcionada para a redução da pobreza de um determinado indivíduo ou e determinada comunidade. Trata-se, aqui, da capacidade de identificação de casos paragmáticos de redução da pobreza. Para o fim de contribuir para uma eficaz identificação de tais casos, sugerimos ser necessária uma mudança no paradigma de atendimento dos assistidos, de um modelo reativo para outro proativo. O que denominamos “modelo reativo com foco no problema” consiste no modelo em que o Defensor Público atua em reação ao problema jurídico que lhe é posto, sem nada perguntar ao assistido que não seja estritamente relevante para a solução daquele problema específico. É importante frisar desde logo que nada há de errado em tal modelo. A ideia que se pretende avançar aqui é a de que tal não parece ser suficiente para a bem-sucedida identificação de casos paragmáticos. Um “modelo proativo com foco na pessoa”, ao contrário, demandaria que o Defensor Públivo ativamente identificasse casos graves de pessoas em situação de pobreza extrema. A maioria dos Defensores Públicos (senão a sua totalidade) já se deparou com casos assim. Quem não se recorda de ao menos um episódio em que, não encontrando solução legal para a penúria de determinado assistido, o Defensor Público lançou mão de seus próprios recursos (financeiros ou de outra natureza) para auxiliálo? O “modelo proativo” objetiva exatamente sistematizar tais experiências, para o fim de transformá-las em possíveis casos paragmáticos. (…) Todos os Defensores Públicos teriam o dever funcional de se colocarem em uma posição proativa em relação a seus assistidos, de forma a identificar os mais graves casos de extrema miséria. Tal não alteraria as atribuições, e não deveria acarretar um acréscimo substancial de trabalho. Talvez se possa afirmar que a posição proativa tem natureza mais psicológica do que operacional. Assim, caberia ao Defensor Público estar atento aos seus assistidos e, ao identificar um potencial caso gravíssimo de pobreza, simplesmente, formular ao assistido perguntas estratégicas previamente definidas e constantes de um formulário padrão. Tal poderia ou não confirmar a existência de um caso de pobreza extrema gravíssimo. Em seguida, os formulários correspondentes poderiam ser encaminhados a um órgão especialmente incumbido de lidar com a questão da redução da pobreza. A tal órgão caberia trabalhar com o assistido de forma holística, de forma a ajuizar todas as ações necessárias para a melhoria de sua condição de vida, identificando, também, se for o caso, a viabilidade do ajuizamento de ação coletiva, baseada na constatação de que um problema particular daquela pessoa pode constituir um problema de toda uma coletividade. Todas as ações deveriam necessariamente invocar, em seus fundamentos jurídicos, os direitos humanos aplicáveis. A possibilidade de realização de acordos extrajudiciais para a solução de um ou mais dos problemas encontrados deveria ser, também, considerada, assim como a orientação e o encaminhamento de tal pessoa aos mais diversos órgãos públicos, tudo com o fim de aliviar a pobreza em que ela vive. (CAROTTI, Andréa Sepúlveda Brito. Propostas para uma atuação estratégica da Defensoria Pública orientada à redução da pobreza, in Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 85/89)
Além disso, seria importante também provocar a alteração do cenário jurisprudencial no que tange à justiciabilidade dos direitos sociais. Como leciona a professora ANDRÉA SEPÚLVEDA BRITO CAROTTI, atualmente “nossa ‘jurisprudência social’, isto é, aquela voltada a direitos cuja aplicação tem o condão de acarretar mudanças sociais, pode-se dizer restrita à aplicação dos direitos à saúde e à educação, e mesmo tais casos não são frequentes, quando se examina a jurisprudência de nossas cortes superiores”6. Para assegurar o debate jurisprudencial sobre as questões sociais e garantir a sedimentação de posicionamentos favoráveis à redução da pobreza, a Defensoria Pública precisaria
concentrar seus esforços em três áreas sensíveis: “i) o inexpressivo número de ações coletivas versando sobre direitos sociais (casos paradigmáticos); ii) o inexpressivo número de ações individuais relevantes (casos paradigmáticos) que alcançam os tribunais superiores e (por que não ir mais longe?) os tribunais internacionais; e iii) o desconhecimento do aparato legislativo internacional dos direitos humanos, pelos operadores do direito”7. 6.2.2 A afirmação do Estado Democrático de Direito
Segundo preceitua o art. 3-A, II da LC nº 80/1994, constitui objetivo da Defensoria Pública “a afirmação do Estado Democrático de Direito”. Apesar das pequenas variações semânticas em torno do conceito de Estado Democrático de Direito, essa fórmula condensa duas qualidades importantes do Estado Constitucional contemporâneo: (i) o Estado Democrático, que denota a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou através de representantes eleitos, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, em eleições livres e periódicas; e (ii) o Estado de Direito, que proclama a primazia da lei e a observância obrigatória da legalidade pela administração pública, concretizando o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais incorporados à ordem constitucional. Como função essencial à justiça, a Defensoria Pública possui a irrenunciável incumbência de garantir a perpetuidade da democracia e a continuidade da ordem jurídica, afastando a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder. Para preservar os qualificativos do Estado Democrático, a Defensoria Pública exerce a fiscalização do processo eleitoral, assegurando que a escolha dos administradores e legisladores seja efetuada de maneira honesta e livre. Além disso, após a conclusão do escrutínio, a Defensoria Pública exerce o controle de legalidade, legitimidade e moralidade sobre a atuação administrativa e legislativa dos representantes eleitos pelo povo, garantindo o respeito às normas constitucionais e a racionalidade da ação política8. Essa atuação direcionada para garantir a adequada participação popular no processo de administração do estado e de elaboração das leis concretiza o fenômeno contemporâneo de devolução de poder à sociedade civil, na diástole da moderna democracia participativa. Por outro lado, para resguardar os designativos do Estado de Direito, a Defensoria Pública viabiliza a postulação judicial e extrajudicial dos direitos dos necessitados, garantindo o amplo e irrestrito acesso à justiça. Por intermédio dessa atividade jurídico-assistencial, a Defensoria Pública busca tornar efetivos – e não meramente simbólicos – os direitos inerentes ao cidadão comum, promovendo a inclusão das classes sociais que restaram historicamente excluídas da ordem jurídica justa9. Como observa CLÉBER FRANCISCO ALVES, “um verdadeiro Estado de Direito não pode existir se não houver mecanismos capazes de assegurar que a lei prevalecerá sempre sobre o arbítrio e sobre a força, independentemente das condições de fortuna ou de origem social”10. Em síntese conclusiva, portanto, sem a atuação concreta e efetiva da Defensoria Pública, a sociedade brasileira estaria impossibilitada de afirmar o Estado Democrático – pela cidadania sem ação –, de realizar o Estado de Direito – pela ilegalidade sem sanção – e de caminhar em busca da
justiça – pela imoralidade sem oposição11. 6.2.3 A prevalência e efetividade dos direitos humanos
Em conformidade com o art. 3º-A, III, da LC nº 80/1994, constitui objetivo da Defensoria Pública também “a prevalência e efetividade dos direitos humanos”. A justificação dos direitos humanos constitui tarefa demasiadamente complexa, envolvendo diversos valores e teorias capazes de construir um núcleo normativo comum e universalmente válido, com aptidão para garantir a proteção dos direitos mais básicos correlacionados à própria figura humana. Os direitos humanos não recebem essa denominação em virtude de sua titularidade, mas por seu caráter fundamental para a vida humana digna e por objetivarem a proteção de valores essenciais para que cada ser humano possa desenvolver suas capacidades potenciais. Por isso, a doutrina dos direitos humanos condensa a mais alta expressão da dignidade do homem. Por serem universalmente válidos e descontextuados no tempo e no espaço, os direitos humanos não podem e não devem se fundar unicamente no direito positivo; se os direitos humanos restassem ancorados apenas no ordenamento jurídico em vigor, seriam existencialmente variáveis – podendo subsistir hoje e desaparecer amanhã. Na verdade, os direitos humanos possuem fundamento numa ordem jurídica suprapositiva, fundada no direito natural. Desse modo, os direitos humanos não podem ser suprimidos ou ignorados, seja no plano normativo ou na realidade fática. Para tanto, subsiste a necessidade real e concreta de implementação de mecanismos de capilarização e de densificação da proteção dos direitos humanos. Justamente por isso, a Lei Complementar nº 132/2009 previu como objetivo institucional da Defensoria Pública a prevalência e efetividade dos direitos humanos (art. 3º-A, III, da LC nº 80/1994), como forma de assegurar maior proteção à vítima e de fortalecer o combate à impunidade. Sem dúvida, a atuação ativa e permanente da Defensoria Pública nesse campo aumenta a expectativa de resposta efetiva às graves violações dos direitos humanos, aprimorando a sistemática nacional de proteção da vida humana digna. Por restar constitucionalmente incumbida de prestar a assistência jurídica aos necessitados, a Defensoria Pública conserva permanente contato com a população carente e marginalizada, possuindo melhores condições de identificar eventuais violações aos direitos humanos – que, via de regra, ocorrem justamente em face dos desprovidos de fortuna. Como observa GUILHERME FREIRE DE MELO, de forma clara e inspiradora: É inegável que os casos mais flagrantes e recorrentes de violação dos direitos humanos ocorrem nos bolsões de pobreza de nosso País. Exemplos emblemáticos são as chacinas em favelas de grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, e a situação caótica do sistema penitenciário. São os marginalizados que mais têm seus direitos violados. Como a Defensoria Pública tem a missão constitucional de tutelar os direitos dos necessitados, intuitivamente se conclui que o exercício de suas atribuições inclui a tutela dos direitos humanos. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Bahia: Jus Podivm, 2010, pág. 39)
Como expressão e instrumento do regime democrático, a Defensoria Pública desempenha a importante função de “promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos”, além de “representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos” (art. 4º, III e VI, da LC nº 80/1994).
6.2.4 A garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório
Por fim, o art. 3-A, IV, da LC nº 80/1994 elenca como objetivo da Defensoria Pública “a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”. Como decorrência lógica do princípio político da participação democrática, a ampla defesa e o contraditório garantem o direito de informação (Recht auf Information), o direito de manifestação (Recht auf Äusserung) e o direito de ver seus argumentos considerados pelo julgador (Recht auf Berücksichtigung)12. Dentro da concepção de direito à informação resta inserida a adequada e tempestiva notificação do demandado acerca do ajuizamento da causa e de todos os atos praticados no processo. Essas notificações devem ser realizadas preferencialmente de forma real, sendo admitidas as comunicações fictas apenas em hipóteses excepcionais13. Após a cientificação do demandado, deve ser garantido o direito de manifestação, sendo possibilitado à parte apresentar alegações sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo, bem como produzir todas as provas que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito. Por fim, possui a parte o direito de ver suas alegações e provas analisadas pelo julgador, cabendo ao juiz considerar de forma séria e detida as razões apresentadas pelos litigantes. Para garantir a ampla e equilibrada participação dos interessados no processo, a defesa dos interesses em litígio deve ser efetuada por profissional tecnicamente habilitado, de modo que o deslinde da conflitualidade ocorra por motivos substantivos e não por eventual desdobramento na qualidade de atuação das partes. Como nem todos possuem condições de arcar com o pagamento dos honorários cobrados pelos advogados, a Constituição Federal garantiu aos necessitados o direito à assistência jurídica integral e gratuita prestada pela Defensoria Pública (art. 5º, LXXIV, c/c o art. 134 da CRFB). Nesse ponto, a atuação jurídico-assitencial da Defensoria Pública funciona como elemento equilibrador do status social no processo, garantindo aos deserdados de fortuna a mesma oportunidade de influir na formação da decisão judicial. Por essa razão, ao cumprir o objetivo preconizado pelo art. 3º-A, IV da LC nº 80/1994, a Defensoria Pública preserva e garante a realização processual do princípio da isonomia, dentro da essência filosófica da democracia. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/SP – 2006): Como a atuação da Defensoria Pública contribui para a efetivação dos fundamentos da República Federativa do Brasil previsto no artigo 1º, incisos II e III, e para o alcance dos seus objetivos fundamentais previstos no artigo 3º, incisos I, III e IV, ambos da Constituição Federal? Questão 02 (DPGE/SP – 2010): Entre os objetivos e fundamentos de atuação da Defensoria Pública, previstos na legislação federal e estadual, encontra-se: (A) a primazia da dignidade da pessoa humana.
(B) o repúdio ao terrorismo e ao racismo. (C) a garantia do desenvolvimento nacional. (D) a afirmação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (E) a judicialização dos conflitos. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2008, pág. 22. 2 CAROTTI, Andréa Sepúlveda Brito. Propostas para uma atuação estratégica da Defensoria Pública orientada à redução da pobreza, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 76. 3 CAROTTI, Andréa Sepúlveda Brito. Op. cit., pág. 76. 4 CAROTTI, Andréa Sepúlveda Brito. Op. cit., pág. 76. 5 Como observa William Douglas Resinente dos Santos, “gosta-se muito de dizer que o direito, notadamente o direito privado, está nos dias de hoje, em função do princípio da dignidade, ‘despatrimonializado’ e ligado a valores existenciais. Mas não raro se esquece que a dignidade e os valores existenciais dependem em boa parte de questões econômicas e patrimoniais. Não que limitemos a vida a questões econômicas e patrimoniais, mas não cabe esquecer delas.” (SANTOS, William Douglas Resinente dos. A Defensoria Pública como instrumento de efetivação do acesso à educação financeira, ao empreendedorismo e à ascenção social, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 101) 6 CAROTTI, Andréa Sepúlveda Brito. Op. cit., pág. 93. 7 CAROTTI, Andréa Sepúlveda Brito. Op. cit., pág. 95. 8 Como destaca Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a cidadania “é muito mais do que o poder de escolher governantes ou de se candidatar a cargos eletivos, mas o poder reconhecido de decidir como queremos ser governados e de controlarmos a legalidade, a legitimidade e a moralidade da atuação dos governantes, o que implica, necessariamente, na existência de instituições de provedoria de justiça, atuando a serviço desses valores cívicos”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 25) 9 BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. A nova dimensão da Defensoria Pública a partir das alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 132 na Lei Complementar nº 80/1994. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 02. 10 ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 158. 11 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., pág. 26. 12 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 547. 13 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo, in Estudos de Direito Processual, Rio de Janeiro: Faculdade de Direito de Campos, 2005, pág. 225/286. 1
CAPÍTULO 7
FUNÇÕES INSTITUCIONAIS
7.1 DEFINIÇÃO Ao tratar das funções institucionais, a Lei Complementar nº 80/1994 elenca as principais frentes de atuação da Defensoria Pública. A partir das funções institucionais, comuns a todos os Defensores Públicos, serão traçadas as atribuições dos diversos órgãos, de modo a garantir a atuação harmônica e ordenada da Instituição. Justamente por isso, muitas das funções institucionais se assimilam às atribuições previstas nas normas de organização da Defensoria Pública. Recentemente, a Lei Complementar nº 132/2009 ocasionou a pluralização das funções institucionais, increntando as atribuições não individualistas da Defensoria Pública. Em uma análise comparativa das funções institucionais elencadas no art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994 antes e depois da reforma trazida pela Lei Complementar nº 132/2009, podemos perceber que as atribuições de caráter coletivo restaram significativamente ampliadas, tanto no âmbito judicial quanto no âmbito extrajudicial: Redação anterior à Lei Complementar nº 132/2009: Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I – promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses; II – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; III – patrocinar ação civil; IV – patrocinar defesa em ação penal; V – patrocinar defesa em ação civil e reconvir; VI – atuar como Curador Especial, nos casos previstos em lei; VII – exercer a defesa da criança e do adolescente; VIII – atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais; IX – assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com recursos e meios a ela inerentes; X – atuar junto aos Juizados Especiais de Pequenas Causas; XI – patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado. Nova redação conferida pela Lei Complementar nº 132/2009: Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos; III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; IV – prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições;
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses; VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos; VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; IX – impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução; X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado; XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado; XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei; XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais; XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas; XIX – atuar nos Juizados Especiais; XX – participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos; XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores; XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.
A consolidação da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de demandas coletivas (art. 4º, VII, VIII, X e XI), a autorização legal para realizar a convocação de audiências públicas (art. 4º, XXII) e para participar dos conselhos de direitos (art. 4º, XX) evidenciam que a atuação institucional da Defensoria Pública não mais se encontra limitada a defesa dos direitos subjetivos individuais das pessoas economicamente necessitadas. Além disso, a atividade de difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (art. 4º, III) revela a preocupação do legislador em conferir à Defensoria Pública “o papel de uma grande agência nacional de promoção da cidadania e dos direitos humanos”1. Essa nova racionalidade funcional desmancha, de uma vez por todas, o estigma individualista que sempre acompanhou a trajetória da Defensoria Pública, consolidando a visão coletiva, preventiva e indutora de novas realidades sociais2. Importante ressaltar, entretanto, que esse novo perfil coletivo e solidário não afasta ou reduz o importante papel da Defensoria Pública na defesa individual dos necessitados. A grande maioria dos atendimentos prestados pela instituição continuará possuindo natureza eminentemente individual, garantindo a todos o direito de acesso à ordem jurídica justa3.
Na verdade, a diversificação das funções institucionais da Defensoria Pública visa o equilíbrio entre a ampla proteção individualizada dos direitos do cidadão e a eficiente tutela coletiva da sociedade. 7.2 DA TRADICIONAL CLASSIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS EM TÍPICAS E ATÍPicas De acordo com o art. 134, c/c o art. 5º, LXXIV, da CRFB, a Defensoria Pública restou incumbida de prestar a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. A interpretação literal do termo “necessitados” (art. 134 da CRFB), em conjugação com a expressão “insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, da CRFB) revela a função constitucional típica da Defensoria Pública, voltada para aqueles que não possuem condições econômicas de arcar com o pagamento das despesas necessárias ao pleno e adequado acesso à justiça. No entanto, o sistema jurídico e a realidade social contemporânea demonstram que a necessidade nem sempre se encontra relacionada à incapacidade econômica. Muitas vezes, a necessidade pode também constituir sinônimo de vulnerabilidade jurídica ou de fragilidade na estrutura organizacional. Esse caráter multifacetário da carência pode ser identificado, por exemplo, no caso da defesa do réu sem advogado na área criminal, na atuação da curadoria especial na área cível e na tutela dos interesses coletivos lato sensu. Por essa razão, o termo “necessitados” (art. 134 da CRFB) deve ser compreendido como verdadeira chave hermenêutica, capaz de englobar toda a amplitude do fenômeno da carência, em suas diversas concepções. Isso porque a atuação institucional motivada pela necessidade econômica (art. 134 c/c art. 5º, LXXIV da CRFB) representa para a Defensoria Pública apenas o mínimo constitucional, não podendo ser afastada a tutela objetiva de direitos fundamentais em razão da necessidade social, cultural, organizativa ou processual4. Justamente por isso, através de uma interpretação teleológica do texto constitucional, foram legalmente atribuídas à Defensoria Pública funções institucionais voltadas para a tutela dos direitos e interesses de sujeitos em situação de vulnerabilidade jurídica ou de grupos organizacionalmente frágeis. Dentro dessa ordem de ideias, os professores HUMBERTO PEÑA DE MORAES e JOSÉ FONTENELLE TEIXEIRA DA SILVA realizaram a tradicional divisão das funções institucionais da Defensoria Pública em típicas e atípicas5. Seguindo a destinação fundamental da Defensoria Pública, delineada pelo mínimo constitucional contido no art. 134 c/c art. 5º, LXXIV da CRFB, são consideradas funções típicas aquelas exercidas com o objetivo de tutelar direitos titularizados por hipossuficientes econômicos. Sempre que a atividade funcional da Defensoria Pública restar direcionada para a defesa dos interesses das pessoas desprovidas de recursos financeiros, estaremos diante de uma função estritamente típica. Não importa o modo como a função institucional será desempenhada, mas apenas o perfil econômico do indivíduo em favor do qual a atividade jurídico-assistencial será desenvolvida. Seja atuando judicial ou extrajudicialmente, a Defensoria Pública estará desempenhando função típica sempre que a hipossuficiência econômica do indivíduo for considerada a razão fundamentadora da
intervenção institucional. Por outro lado, serão funções atípicas todas aquelas que não se relacionarem com a deficitária condição econômica do sujeito, sendo desempenhadas pela Defensoria Pública independentemente da verificação da hipossuficiência do destinatário. Nesses casos, o fator econômico é irrelevante para que a Defensoria Pública possa exercer regularmente suas funções, bastando apenas que a hipótese legal de intervenção institucional esteja configurada. Com a entrega dessas funções à Defensoria Pública, o legislador pretendeu preservar o equilíbrio do sistema processual e garantir a tutela daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade jurídica ou de fragilidade organizacional. Por isso, ao desempenhar as funções atípicas, mais do que representar pessoas, a Defensoria Pública atua defendendo valores6. Analisando as distinções fundamentais entre as funções típicas e atípicas da Defensoria Pública, o professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES leciona: Podemos distinguir as funções da Instituição em típicas e atípicas. Típicas seriam aquelas funções exercidas pela Defensoria Pública na defesa dos direitos e interesses dos hipossuficientes. E atípicas seriam aquelas outras exercidas pela Defensoria Pública, independentemente da situação econômica daquele ou daqueles beneficiados com a atuação da Instituição. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 24)
No mesmo sentido, temos os ensinamentos do professor GUILHERME PEÑA DE MORAES, in verbis: Típicas são as exercidas pela Defensoria Pública na tutela de direitos e interesses de hipossuficientes econômicos, em atenção à debilidade patrimonial dos mesmos. Atípicas são as desempenhadas independentemente da situação econômico-patrimonial do destinatário da atividade institucional. Dessa maneira, entre as múltiplas funções satisfeitas pela Defensoria Pública sem que haja prequestionamento do estado juridicamente necessitado exurgem, no campo criminal, a defesa do réu e, na área cível, a curadoria especial. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 175)
7.3 DA NOVA CLASSIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS EM TRADICIONAIS (OU TENDENCIALMENTE INDIVIDUALISTAS) E NÃO TRADICIONAIS (OU TENDENCIALMENTE SOLIDARISTAS) Em virtude do avanço do solidarismo, da objetivação crescente dos institutos jurídicos e da pluralização do fenômeno da carência, uma nova racionalidade funcional restou implementada no âmbito da Defensoria Pública, gerando a inegável diversificação de suas atribuições institucionais. No campo legislativo, esse panorama restou particularmente evidenciado pela edição de dois diplomas legais de relevante conteúdo solidarista. Primeiramente, a Lei nº 11.448/2007 reconheceu expressamente a ampla legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações civis públicas. Posteriormente, a Lei Complentar nº 132/2009 ocasionou a modificação de inúmeras disposições da Lei Complementar nº 80/1994, consolidando o perfil não individualista da Defensoria Pública7. Diante dessa nova realidade legislativa, a tradicional classificação das funções institucionais em típicas e atípicas vem se revelando cada vez mais insuficiente. Por essa razão, o brilhante professor JOSÉ AUGUSTO GARCIA propõe uma nova classificação das funções institucionais da Defensoria Pública, dividindo-as em “funções tradicionais” (ou “tendencialmente individualistas”) e “funções não tradicionais” (ou “tendencialmente solidaristas”).
No primeiro grupo estariam inseridas as funções institucionais ligadas à atividade básica (ou mínima) da Defensoria Pública, classicamente associadas à carência econômica do indivíduo. No segundo grupo, por sua vez, estariam contidas as funções institucionais consideradas não tradicionais, que decorrem do solidarismo jurídico, dentre as quais se destacam as atribuições que tencionam a proteção concomitante de pessoas carentes e não carentes (ex.: ação civil pública relativa a direitos difusos), as atribuições que repercutem em favor de pessoas carentes e também beneficiam de forma nominal pessoas não necessariamente hipossuficientes (ex.: representação judicial de um casal abastado que visa à adoção de uma criança internada), as atribuições direcionadas a sujeitos possuidores de carências não econômicas e protegidos especialmente pela ordem jurídica (ex.: portadores de deficiência) e as atribuições que objetivam a proteção de valores relevantes do ordenamento jurídico (ex.: defesa do réu sem advogado na área criminal e atuação da curadoria especial na esfera cível). In verbis: Com a superação do modelo individualista, as funções da Defensoria pluralizaram-se e cresceram em versatilidade. Ganharam uma complexidade maior. A antiga dicotomia restou acanhada e insuficiente. Hoje, podemos enxergar pelo menos cinco tipos distintos de atribuições: a) atribuições ligadas à carência econômica; b) atribuições nas quais se tem, concomitantemente, a proteção de pessoas carentes e não carentes, como acontece, v.g., em uma ação civil pública relativa a direitos difusos; c) atribuições que beneficiam de forma nominal pessoas não necessariamente carentes, repercutindo porém a favor de pessoas carentes, como, por exemplo, a representação judicial de um casal abastado que visa à adoção de uma criança internada; d) atribuições direcionadas a sujeitos protegidos especialmente pela ordem jurídica, possuidores de outras carências que não a econômica, a exemplo de um portador de deficiência; e) e atribuições em favor primacialmente de valores relevantes do ordenamento, conforme as hipóteses da defesa do réu sem advogado na área criminal e da curadoria especial na área cível. Com a expansão verificada, as funções da Defensoria Pública passaram realmente a não mais caber na dicotomia típicas/atípicas. A simples leitura do rol acima reforça a necessidade de uma nova classificação, no mínimo uma nova terminologia. O que é realmente típico e o que é atípico no rol? Complicado dizer. Seria típica somente a atuação da letra “a”? Mas as hipóteses das letras “b” e “c” também não envolvem pessoas pobres? E a hipótese da letra “d”? É genuinamente atípica, à luz da hodierna pluralização do fenômeno da carência? (…) No mínimo, insista-se, há um sério problema terminológico, que não deve ser desprezado (para o bem ou para o mal, os nomes têm uma força própria; não fosse assim, os pais não se importariam tanto com o nome que dão aos filhos). Não parece adequado, na maioria dos casos, falar-se em funções “atípicas”. A terminologia dá a impressão de que estamos nos referindo a funções excepcionais ou mesmo extraconstitucionais, o que não se coaduna, positivamente, com a pujança assumida pelas atribuições institucionais desvinculadas de situações econômicas individuais. Realmente atípicas, a nosso juízo, seriam apenas aquelas atribuições completamente desligadas do mister postulatório, como a participação da Defensoria em um conselho destinado à formulação de políticas públicas (por exemplo, um conselho estadual de defesa da criança e do adolescente). Em atenção à nova realidade, propomos uma nova classificação – e uma nova dicotomia –, que é a seguinte: I) de um lado, as atribuições “tradicionais” – porquanto ligadas ao mister básico (mínimo) da Defensoria desde os seus primórdios –, ou “tendencialmente individualistas”, compreendendo apenas o item “a” do rol enunciado mais acima (atribuições ligadas ao critério econômico); II) Do outro lado, as atribuições “não tradicionais”, ou “tendencialmente solidaristas”, abrangendo todos os demais itens (“b”, “c”, “d” e “e”) do rol acima. (SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição? Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 37/38)
7.4 DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS EM ESPÉCIE
O art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994 elenca as funções institucionais da Defensoria Pública, indicando as principais atribuições legais da Instituição. Em virtude da constante mutabilidade social e da consequente adequação funcional da Defensoria Pública, as funções institucionais não comportam enumeração taxativa8. Dessa forma, a listagem constante do art. 4º da LC nº 80/1994 deve ser considerada meramente exemplificativa, sendo admissível que outras funções sejam atribuídas à Defensoria Pública por intermédio de previsão legal expressa ou por derivação constitucional9. De fato, o próprio art. 4º, caput da LC nº 80/1994 utiliza o termo “dentre outras”, no final do dispositivo, justamente para deixar bem claro que outras funções institucionais poderão ser atribuídas à Defensoria Pública. Ao longo deste tópico, realizaremos uma breve análise das funções institucionais elencadas pela Lei Complementar nº 80/1994, estando ciente de que o tentador aprofundamento na matéria acabaria fugindo do objetivo principal desta obra. 7.4.1 Prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados
A primeira função institucional elencada no art. 4º, I, da LC nº 80/1994 constitui mero desdobramento do texto constitucional, especificamente dos arts. 5º, LXXIV, e 134 da CRFB, que conferem à Defensoria Pública o honroso encargo de “prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus”. Por possuir o objetivo de viabilizar aos necessitados o amplo acesso à ordem jurídica justa, o dispositivo deve ser interpretado de forma ampla, abrangendo toda e qualquer atividade de orientação jurídica e de defesa dos interesses dos necessitados, tanto na esfera judicial quanto na esfera administrativa. Em linhas gerais, a orientação jurídica consiste em “subministrar atividades de consultoria, compreendendo o aconselhamento, a informação e a orientação em assuntos jurídicos”10. O exercício dessa ativididade jurídico-assistencial independe da instauração de qualquer processo judicial ou administrativo, podendo ser prestada apenas para esclarecer dúvidas, para elaborar contratos ou para auxiliar na conclusão de negócios jurídicos em geral. A atividade de defesa dos necessitados, por sua vez, concretiza autêntico mecanismo de proteção jurídica dos direitos fundamentais dos carentes e despossuídos, garantindo a todos os cidadãos – sejam ricos ou pobres – a mesma oportunidade de obter a justiça constitucionalmente prometida pelo Estado. O vocábulo “defesa” deve ser interpretado em ampla cognição, incorporando tanto as condutas processuais passivas (contestação, defesa, resposta) como as posturas ativas (propositura de ações judiciais, formulação de requerimentos administrativos). Como bem salientou GUARACI DE CAMPOS VIANNA, “ao se fazer valerem os direitos do homem, não se está defendendo apenas a pessoa, o cidadão, o criminoso, mas, acima de tudo, a lei”11. 7.4.2 Busca da solução extrajudicial de conflitos mediante emprego de métodos alternativos
Como a insatisfação de determinada pretensão jurídica pode gerar tensão entre os contentores, comprometendo a convivência hârmonica da sociedade, é importante que os conflitos sejam eliminados e seja encontrada a paz social12.
De forma geral, os meios ordinários para solução dos conflitos de interesses que surgem na sociedade podem ser divididos em três grupos distintos: (i) autotutela; (ii) autocomposição; e (iii) heterocomposição. Primeiramente, a autotutela consiste na imposição da vontade de uma das partes em detrimento da outra. Apesar da enérgica repulsa à autotutela como meio de satisfação de pretensões em benefício do mais forte ou astuto, o ordenamento jurídico a admite em casos excepcionais (desforço imediato para a tutela da posse, direito de cortar raízes e ramos de árvores limítrofes que ultrapassem a extrema do prédio, legítima defesa). Na autocomposição as partes celebram acordo de vontades, resolvendo consensualmente o conflito de interesses, seja pela desistência (renúncia à pretensão), pela submissão (renúncia à desistência oferecida à pretensão) ou pela transação (concessões recíprocas). Quando a autocomposição não pode ser espontaneamente realizada entre as partes, os envolvidos podem solicitar a participação de terceiro não interessado para auxiliar na solução do litígio. Como a intervenção objetiva apenas possibilitar a autocomposição, esse terceiro não interessado não recebe o poder de decidir o conflito, atuando apenas para auxiliar as partes na obtenção da solução consensual. Esse processo voluntário de composição do litígio pode ser realizado por intermédio de dois mecanismos procedimentais diversos: (a) mediação; e (b) conciliação. Na mediação, os litigantes buscam o auxílio de terceiro imparcial, que facilita a comunicação e a negociação, propiciando a resolução do problema. Durante o processo de composição, o mediador não exerce atividade opinativa ou sugestiva, deixando para as partes o encargo de criar suas próprias soluções. Nesse contexto, o mediador deve atuar como simples facilitador da resolução do problema, buscando contribuir para o restabelecimento ou manutenção da comunicação entre as partes envolvidas no conflito13. Na conciliação, por outro lado, os litigantes buscam o auxílio de terceiro imparcial, que conduz e orienta a elaboração do acordo, opinando e sugestionando. Embora não tenha a função de decidir, o conciliador pode interagir com as partes, sugerindo soluções para o conflito de interesses. Em muitos casos, no entanto, a via consensual resta irremediavelmente obstruída, não sendo possível a autocomposição do conflito de interesses. Nessas hipóteses, a contenda subsistente entre as partes deverá ser resolvida por intermédio da heterocomposição, onde terceiro não interessado irá realizar a emissão de juízo de valor acerca da situação conflituosa, decidindo definitivamente a questão14. A decisão proferida pelo julgador possui caráter impositivo e substitui a vontade das partes, realizando concretamente os desígnios do direito objetivo. A heterocomposição pode assumir, basicamente, duas formas: (a) arbitragem; ou (b) jurisdição. Na arbitragem, regulada pela Lei nº 9.307/1996, as pessoas maiores e capazes poderão escolher terceiro imparcial para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º). A escolha da via arbitral deve provir da vontade autônoma das partes envolvidas no conflito (art. 3º), seja através de ajuste contratual que anteceda ao litigio (cláusula compromissória – art. 4º) ou por meio de compromisso firmado após a eclosão do desacordo (compromisso arbitral – art. 9º). Por isso, a autoridade do árbitro não deriva de poder superior às partes, mas da própria autonomia volitiva das pessoas envolvidas na questão conflituosa.
Após regular o procedimento, o árbitro deverá analisar as alegações apresentadas pelas partes, decidindo de maneira impositiva o litígio. A sentença proferida pelo árbitro não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18), produzindo entre as partes os mesmos efeitos da sentença prolatada pelos órgãos jurisdicionais (art. 31). Inclusive, o art. 475-N, IV do CPC confere à sentença arbitral eficácia de título executivo judicial. Por fim, a jurisdição constitui função exclusivamente estatal, sendo exercida por candidato aprovado em concurso público e investido na autoridade de juiz (art. 93 da CRFB). Em razão de sua natureza pública, a jurisdição não encontra limites subjetivos (de pessoas) ou objetivos (de matéria), como ocorre na arbitragem. Além disso, a jurisdição resta dotada de coercibilidade e de autoexecutoriedade, podendo impor a autoridade de suas decisões. Como forma de destacar e estimular a atuação da Defensoria Pública no âmbito extrajudicial, o art. 4º, II, da LC nº 80/1994 prevê como função institucional “promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos”. Sendo assim, o Defensor Público se encontra legalmente autorizado a realizar mediação, conciliação, arbitragem e todas as demais formas de composição e administração de conflitos. Essa função institucional, no entanto, deve ser considerada eminentemente típica, dependendo da hipossuficiência econômica do indivíduo para que possa ser adequadamente desempenhada. Nesse ponto, surge a seguinte questão: seria necessário que todas as partes envolvidas no conflito de interesses fossem qualificadas como hipossuficientes, ou bastaria que apenas uma delas fosse economicamente necessitada? Ao analisar a questão, a Defensora Pública MARINA MAGALHÃES LOPES sustenta que a mediação e os outros métodos alternativos de solução de conflitos apenas poderão ser conduzidos pela Defensoria Pública quando todos os indivíduos envolvidos no litígio restarem incluídos na categoria de hipossuficientes, in verbis: A Defensoria Pública é instituição constitucionalmente reservada à orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados. Entendemos, assim, que a atuação do Defensor Público como mediador também deve estar de acordo com o preceito constitucional, vale dizer, é necessário que os indivíduos que se submeterão à mediação também se incluam na categoria de hipossuficientes. Daí, surge uma questão: na hipótese de apenas um dos indivíduos envolvidos em um conflito ser hipossuficiente, é possível que o Defensor Público atue como mediador? Acreditamos que não, uma vez que não estaria sendo respeitado o requisito da hipossuficiência. Não se deve aplicar aqui o mesmo entendimento utilizado para a legitimidade para a propositura de ações coletivas, a ideia de “hipossuficientes organizacionais”, aqueles indivíduos que apresentam vulnerabilidade em razão das relações jurídicas existentes na sociedade contemporânea, mesmo possuindo uma boa condição financeira. São os consumidores, usuários de serviços públicos, de planos de saúde, enfim, os que se submetem a uma série de contratos de adesão, que são isoladamente frágeis perante adversários poderosos do ponto de vista econômico, social, cultural ou organizacional. Esse raciocínio não pode ser utilizado para a mediação ou em outros métodos alternativos de solução de conflitos pois, nesse caso, não há que se falar em diversas espécies de hipossuficientes (a mediação geralmente ocorre entre dois ou mais indivíduos). Além disso, uma das características principais que deve ostentar o mediador é a neutralidade, que poderia não subsistir no caso de uma das partes não ser hipossuficiente (a parte que não fosse hipossuficiente poderia alegar que estaria sendo prejudicada pelo mediador). Não se trata aqui de limitação do acesso à justiça, uma vez que nada impede que as partes se submetam à mediação ou outro
método alternativo de solução de conflitos, desde que haja outro mediador que não o Defensor Público. E, na hipótese de ser impossível um acordo, restará às partes a via judicial. Assim, a atuação do Defensor Público se incluiria entre suas funções típicas, vale dizer, depende da condição econômica da parte. Antes de propor uma ação judicial o Defensor Público analisa se é ou não o caso de assistência jurídica, se a pessoa se enquadra ou não na categoria de hipossuficiente, o mesmo devendo ocorrer para que atue como mediador. (LOPES, Marina Magalhães. O Defensor Público como mediador – Uma nova forma de efetivação do acesso à justiça, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2012, ano XXIV, n.25, pág. 367/368)
Seguindo posicionamento diverso, no entanto, entendemos que o desempenho da função institucional prevista no art. 4º, II, da LC nº 80/1994 não depende da hipossuficiência de todos os envolvidos no conflito de interesses; restando configurada a necessidade econômica de ao menos um dos litigantes, poderá a Defensoria Pública conduzir a mediação, a conciliação ou a arbitragem para resolver o problema. Pessoas carentes e necessitadas não podem restar privadas desse importante meio alternativo de resolução de conflitos unicamente pela circunstância de estarem, por um azar do destino, envolvidas com outras mais afortunadas numa mesma situação conflituosa. Suponhamos, por exemplo, que um consumidor hipossuficiente procure a Defensoria Pública narrando a prática de conduta ilícita por determinada instituição financeira; nesse caso, a conciliação extrajudicial restaria afastada unicamente por se tratar de grande empresa, com vastos recursos financeiros? Imaginemos, ainda, que indivíduo economicamente necessitado seja agredido por rico empresário, sofrendo graves danos materiais e morais; nessa hipótese, não poderia a Defensoria Pública realizar a composição extrajudicial do litígio, seja por mediação ou por conciliação? Como decorrência natural do princípio da solidariedade, a hipossuficiência econômica de apenas um dos conflituantes deve ser considerada como fator suficiente para atrair a atribuição da Defensoria Pública para realizar a composição e a administração do conflito de interesses (art. 4º, II, da LC nº 80/1994), mesmo que o desempenho dessa função institucional envolva reflexamente pessoa economicamente abastada. Além disso, a subsistência de eventual iniquidade econômica entre as partes envolvidas no conflito não constitui fator capaz de afetar a neutralidade do membro da Defensoria Pública. Afinal, o profissionalismo e a impessoalidade que circunscrevem a atuação do Defensor Público constituem elementos capazes de refrear qualquer impulso ou inclinação pessoal que possa porventura prejudicar o adequado desempenho das funções mediadoras, conciliadoras ou arbitrais. Por fim, devemos lembrar que o art. 4º, II, da LC nº 80/1994 possui como objetivo principal, justamente, estimular a atuação extrajudicial da Defensoria Pública, como forma de evitar o ajuizamento desnecessário de demandas e contribuir para a desobstrução da justiça. Por isso, o dispositivo deve ser interpretado da forma mais ampla e abrangente possível, de modo a expadir a pacificação extrajudicial dos conflitos sociais15. Prosseguindo na análise do art. 4º, II, da LC nº 80/1994, devemos observar que a norma determina a utilização das técnicas de solução extrajudicial de conflitos de forma prioritária. Desse modo, o membro da Defensoria Pública apenas deverá realizar a propositura de demandas judiciais quando a via consensual restar irremediavelmente obstruída16. Nesse sentido, leciona o professor GUSTAVO CORGOSINHO, com seu peculiar brilhantismo: Essa competência em particular apresenta importância vital ao acesso a uma ordem jurídica justa, devendo ser evitada ao
máximo a judicialização de ações, recomendando-se que essa medida de chegar ao viés judicial ocorra apenas em último caso (ultima ratio). Com isso, propõe-se viabilizar ao Poder Judiciário – menos assoberbado com ações que poderiam ser evitadas – a possibilidade de oferecer maior celeridade aos processos já em andamento e também naqueles em que não tenha sido possível a composição inicial. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 107)
Importante observar que o instrumento de autocomposição firmado na presença do Defensor Público constitui título executivo extrajudicial, de acordo com o art. 4º, § 4º, da LC nº 80/1994, c/c o art. 585, II, do CPC. Por outro lado, a sentença arbitral proferida pelo membro da Defensoria Pública apresenta eficácia de título executivo judicial, nos termos do art. 31 da Lei nº 9.307/1996, c/c o art. 475-N, IV, do CPC. A)
DA PARTICIPAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NOS INVENTÁRIOS, PARTILHAS E DIVÓRCIOS EXTRAJUDICIAIS: A Lei nº 11.965, de 3 de julho de 2009, seguindo os passos da desjudicialização de determinadas atividades e procedimentos, prevê a possibilidade de Defensor Público realizar a lavratura de escritura pública de inventário e partilha extrajudiciais (art. 982, § 1º, do CPC), bem como realizar divórcio consensual por escritura pública em cartório (art. 1.124-A, § 2º, do CPC). In verbis: Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. § 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
Esses dispositivos constantes do Código de Processo Civil reafirmam a atuação extrajudicial da Defensoria Pública, corroborando a função institucional prevista no art. 4º, II, da LC nº 80/1994. B)
DA POSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO DE ALIMENTOS EM FAVOR DE IDOSOS: O Estatuto do Idoso, editado através da Lei nº 10.741/2003, contempla uma infinidade de direitos e mecanismos voltados à proteção dos idosos, assim compreendidos como todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (art. 1º). Prosseguindo com o espírito de engrandecimento da Defensoria Pública e reconhecendo sua natureza de função essencial à justiça, o art. 13 do Estatuto do Idoso (com redação dada pela Lei nº 11.737/2008) prevê que tanto o Ministério Público quanto a Defensoria Pública podem referendar transações referentes a alimentos, que passam a ter eficácia de título executivo extrajudicial. In verbis:
Art. 13. As transações relativas a alimentos poderão ser celebradas perante o Promotor de Justiça ou Defensor Público, que as referendará, e passarão a ter efeito de título executivo extrajudicial nos termos da lei processual civil.
A racionalização da atividade jurisdicional pressupõe o deslocamento de determinadas atribuições, que saem da esfera jurisdicional e passam a integrar outras instituições. Logo, não mais se afigura necessária a intervenção do Poder Judiciário para a homologação de transações alimentares em favor de idosos, uma vez que o Defensor Público goza de atribuição para legitimar o acordo de vontades, conferindo-lhe eficácia de título executivo. Relevante consignar, ainda, que “o acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil”, conforme posicionamento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça17. 7.4.3 Difusão e conscientização sobre os direitos humanos, cidadania e das normas existentes no ordenamento jurídico
Além de constituir um direito em si mesmo, a educação constitui pré-requisito indispensável para a realização de diversos outros direitos. Afinal, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado através do aparelho judiciário é preciso que haja o reconhecimento da existência do próprio direito juridicamente exigível pelo lesado. Somente aquele que tem consciência de seus direitos é capaz de buscar sua efetividade prática18. Muitas vezes, como a falta de recursos financeiros vem acompanhada da falta de informação, o acesso à justiça é obstado aos carentes e necessitados simplesmente pelo fato de desconhecerem que tenham direitos a pleitear, ou que possam ter sucesso na tarefa de lutar por seus direitos19. Por isso, a necessidade de informação é primordial e prioritária. O desconhecimento constitui a primeira barreira a ser vencida na busca pelo acesso à justiça. Não sendo superada essa barreira, por melhor que seja o serviço prestado pela Defensoria Pública, será ineficaz, pois o pobre não irá buscá-lo por desconhecer a existência de direitos ou por desconhecer a própria existência do serviço jurídico-assistencial público. Além disso, a falta de informação pode ser a própria causa de alguns problemas jurídicos, ou pode levar o indivíduo pobre a assumir posição desfavorável em determinados conflitos de interesses20. Justamente para garantir a inclusão jurídica das parcelas culturalmente marginalizadas pela sociedade, o art. 4º, III da LC nº 80/1994 determina ser função institucional da Defensoria Pública “promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico”. Com isso, resta legalmente reconhecida a necessidade de superação da barreira da desinformação e atribuída à Defensoria Pública a função de propagar o conhecimento sobre os direitos humanos, a cidadania e o ordenamento jurídico em geral. Importante salientar, nesse ponto, que a educação em direitos não corresponde exatamente à ideia de orientação jurídica21. Como leciona CLÉBER FRANCISCO ALVES, a orientação jurídica “se direciona especificamente para a solução de determinado(s) problema(s) individual(is), e geralmente ocorre no âmbito do atendimento individual, entre o defensor público e seu assistido”; por outro lado, “a educação para direitos tem um caráter mais generalista, de difusão do conhecimento jurídico e conscientização sobre cidadania”22.
A educação em direitos possui o escopo fundamental de garantir a aquisição dos conhecimentos, habilidades e valores necessários para que o indivíduo carente possa conhecer, compreender, afirmar e reivindicar os próprios direitos, sejam aqueles fixados no ordenamento jurídico interno, sejam os que emanam de instrumentos jurídicos da ordem internacional23. Por isso, o aprendizado jurídico não constitui um fim em si mesmo, mas objetiva assegurar a intervenção cultural na realidade das classes menos favorecidas, com o objetivo de transformação social24. Como observa PAULO GALLIEZ, “é justamente na conscientização que se inicia o processo de libertação”25. Para tanto, a Defensoria Pública deve adotar políticas educacionais destinadas a informar e conscientizar as classes menos favorecidas sobre seus direitos básicos, fazendo com que sejam capazes de identificar situações de violação à ordem jurídica e possam reivindicar a reparação devida. Esse trabalho de conscientização e educação jurídica deve ser exercido além das fronteiras dos gabinetes e dos fóruns, com a realização de campanhas informativas dirigidas para comunidades carentes, organizações civis, associações de moradores, grupos vulneráveis, escolas públicas, etc26. Segundo destaca o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, “o uso dos meios de comunicação de massa, em especial o rádio e a televisão, muito poderia contribuir neste sentido, seja dedicando programas especificamente voltados para o esclarecimento e a informação da população, seja inserindo em novelas as explicações jurídicas corretas sobre temas de interesse geral da população”27. Com isso, o Defensor Público assume a verdadeira posição de agente de educação jurídica28 e de transformação social29, prosseguindo na incessante busca pela elevação humana das classes menos favorecidas. Todavia, o trabalho de difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico não pode permanecer condicionado ao voluntarismo do membro da Defensoria Pública, sendo indispensável a criação de estruturas institucionais especialmente destinadas a implementação prática dessa função institucional. Como exemplo, pode ser mencionado o caso da Defensoria Pública de São Paulo, onde o exercício dessa atribuição é expressamente conferida à Coordenadoria de Comunicação, à Escola da Defensoria Pública e aos Núcleos Especializados (art. 65, III, c/c o art. 5º, II, da Lei Complementar Estadual nº 988/2006)30. 7.4.4 Assistência interdisciplinar dos órgãos de apoio
Diante da variada e variável casuística humana, muitos problemas levados ao conhecimento do Defensor Público não podem ser adequadamente tratados sob a perspectiva meramente jurídica, necessitando de tratamento interdisciplinar para que possam ser devidamente solucionados. Por essa razão, o art. 4º, IV, da LC nº 80/1994 estabelece como função institucional da Defensoria Pública “prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições”. Esse novo modelo de atuação institucional aprimora e potencializa a eficiência dos serviços prestados pela Defensoria Pública, permitindo que determinados problemas sejam analisados em perspectiva ampla por equipe técnica especializada, composta por psicólogos, assistentes sociais, contadores, médicos, engenheiros, agrimensores, dentre outros profissionais.
7.4.5 Assistência jurídica perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias
De acordo com o art. 4º, V, da LC nº 80/1994, constitui função institucional da Defensoria Pública “exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”. Em linhas gerais, o dispositivo possui o escopo de viabilizar aos litigantes carentes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da CRFB). Desse modo, “a Lei Complementar nº 132/2009 matém o compromisso da Instituição com o trabalho do qual se originou a Defensoria Pública, qual seja, o atendimento às necessidades individuais do cidadão nos processos judiciais cíveis ou criminais”31. A)
DA NATUREZA ATÍPICA DA DEFESA NO PROCESSO PENAL – ATUAÇÃO INDEPENDENTE DA CONDIÇÃO ECONÔMICA DO ASSISTIDO: Conforme salientado anteriormente, a atuação da Defensoria Pública no âmbito Processual Penal independe da condição econômica do assistido, razão pela qual a assistência jurídica deverá ser prestada para qualquer pessoa, ressalvado apenas o direito à percepção de honorários em razão da atuação, quando o acusado possuir suficiência de recursos. O problema, no entanto, reside na identificação do fundamento legal desta divisão. Isso porque, o art. 4º, IV da Lei Complementar nº 80/1994 não mais contempla a expressão “defesa em ação penal”, o que levaria o mais incauto a dizer que a reforma legislativa operada pela Lei Complementar nº 132/2009 teria remodelado a classificação das funções típicas e atípicas. Essa, todavia, não é a melhor orientação. A sistemática do Processo Civil é totalmente distinta daquela adotada pelo Processo Penal, tudo a começar pelos interesses deduzidos em juízo. A pretensão punitiva estatal é direito indisponível, de modo que presentes os pressupostos legais, o órgão com titularidade para deflagração da ação penal tem o dever de provocar o órgão jurisdicional para processar e julgar o fato criminoso. O mesmo, entretanto, não pode ser dito em relação ao Direito Processual Civil, onde a dedução da pretensão não é obrigatória, como regra, estando subordinada à conveniência de seu titular. Logo, a parte pode ou não ajuizar a demanda, podendo solucionar sua lide no campo judicial ou extrajudicial. No que tange ao direito de defesa, os dois ramos do Direito Processual detém caminhos diversos. No Processo Penal, a defesa técnica é um direito indisponível, de sorte que a representação do acusado por meio de profissional regularmente habilitado é obrigatória. Já no campo do Processo Civil, a defesa, como regra é um direito disponível, uma vez que o réu pode optar por não oferecer sua reposta e suportar os efeitos da revelia. Veja, até mesmo, que os efeitos da revelia são distintos no campo processual. Enquanto o art. 319 do Código de Processo Civil contempla a presunção relativa de veracidade dos fatos, o Código de Processo Penal assim não age, ante a necessidade de comprovação do fato delituoso.
A revelia no Processo Penal, pelo teor do art. 367 do CPP tem o condão apenas de tornar desnecessária a intimação do acusado para os termos do processo, intimando-se apenas o defensor constituído. Há que se compreender que o direito à defesa técnica no Processo Penal é indisponível e a oportunização da autodefesa também. No Processo Civil, tanto a oportunização da autodefesa e da defesa técnica é que são obrigatórias. Se estas não forem exercidas, não haverá nulidade a ser reconhecida Ademais, a própria Constituição Federal (art. 5º, LV) e o Código de Processo Penal (art. 261) exigem a presença da defesa técnica, sob pena de nulidade do processo. O Código de Processo Penal é ainda mais rigoroso com a defesa técnica realizada por Defensor Público ou dativo, pois exige a fundamentação em suas manifestações. A nosso ver, no entanto, o legislador enunciou o óbvio, pois independentemente de o acusado estar patrocinado por advogado ou pela Defensoria Pública, o exercício da defesa técnica deve ser pleno. Percebe-se, portanto, que no Direito Processual Penal a defesa é obrigatória, principalmente diante dos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório constantes do art. 5º, LV, da CRFB. A necessidade de uma defesa técnica no processo é o fator relevante capaz de constituir a atipicidade da função institucional da Defensoria Pública e sua consequente atuação independentemente da condição econômica do acusado. B)
DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO REPRESENTANTE JURÍDICO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: Diferentemente do direito de defesa que é obrigatório e indisponível, a atuação como assistente de acusação é facultativa e não determinante para o desenrolar da ação penal. Por esse motivo, a atuação da Defensoria Pública na qualidade de representante jurídico do assistente de acusação evidencia função de natureza típica, razão pela qual os legitimados para habilitação deverão possuir o qualificativo de hipossuficientes. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a redação do art. 130, III da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, ao vedar a atuação do Defensor Público “na qualidade de advogado constituído, como assistente do Ministério Público ou patrono de querelante, no juízo criminal”, já foi alvo de interpretações dúbias no âmbito da Defensoria Pública. Na época da edição da referida Lei Complementar Estadual, argumentou-se que a Defensoria Pública não poderia figurar na ação penal na qualidade de assistente de acusação, estando a atuação institucional restrita ao exercício do direito de defesa. No entanto, admitir que a Defensoria Pública não possa funcionar como assistente de acusação significa, simplesmente, recusar o encargo conferido pelo art. 5º, LXXIV, da CRFB. Nesse ponto, a Defensoria Pública não só pode como deve atuar como representante jurídico do assistente de acusação, em respeito à função constitucional de assistência jurídica (art. 134, c/c o art. 5º, LXXIV, da CRFB). É claro, no entanto, que tratando-se de função eminentemente típica, o interessado em se habilitar como assistente de acusação deverá ser qualificado como economicamente necessitado. C)
DA ATRIBUIÇÃO ANÔMALA DO ART. 456, § 2º, DO CPP:
O art. 456, § 2º, do CPP apresenta disposição que vem causando perplexidade aos membros da Defensoria Pública, diante do incompreensível tratamento conferido pelo legislador ao direito de defesa. No âmbito do Tribunal do Júri, sempre que o advogado do acusado não se fizer presente em plenário e não for outro constituído, o julgamento não poderá ser realizado diante da ausência de defesa técnica. Nesse caso, não sendo apresentada escusa legítima pelo advogado ausente, “o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão” (art. 456, caput do CPP). De acordo com o art. 456, § 1º, do CPP, “não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente”. Para permitir que o réu seja efetivamente submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri quando da realização na nova sessão, evitando que a sessão venha a ser novamente adiada por expedientes escusos dos advogados de defesa, o art. 456, § 2º, do CPP determina que “o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias”. Essa determinação normativa, no entanto, se afigura absurda e desprovida de fundamento. Não se pode admitir que o Defensor Público seja obrigado a dedicar o seu tempo estudando todo um processo e elaborando toda a defesa, na incerteza de participar ou não da sessão plenária. Incerteza esta, pois não há como saber se o advogado constituído comparecerá ao julgamento ou não. Se comparecer, o acusado tem direito a ser defendido pelo patrono de sua confiança, o que afastaria a atuação da Defensoria Pública que, no caso, é tratada como estepe, servindo de substituto caso o advogado constituído não compareça. Em outras palavras, a Defensoria Pública é intimada ad cautelam para preparar a defesa do acusado caso o seu advogado não compareça à sessão designada, tudo isso em pelo menos dez dias. Note-se que os processos de competência do Tribunal do Júri apresentam profunda complexidade e demandam notório esforço do Defensor Público durante a sessão plenária, principalmente pela necessidade de estudar com minúcias, todos os elementos de prova produzidos na fase do juízo da acusação. Por isso, nos parece ter razão o professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA ao sustentar que o prazo de dez dias deve ser interpretado em comunhão com a prerrogativa de intimação pessoal, razão pela qual o interstício temporal deverá levar em consideração a data designada e a intimação pessoal da Defensoria Pública32. Se a intimação pessoal da Defensoria Pública ocorrer em prazo inferior a dez dias da data do julgamento, abre-se a possibilidade de o Defensor Público recusar-se a participar da sessão plenária, não podendo a negativa sequer lhe ocasionar responsabilização administrativa. Ao recusar a participação no julgamento, o Defensor Público sempre terá em mente a garantia da ampla defesa que certamente restará prejudicada dado o exíguo prazo conferido para o estudo do processo. D)
DA IMPOSSIBILIDADE DE SER CONFERIDA À DEFENSORIA PÚBLICA A DEFESA IRRESTRITA DE PARTES NÃO HIPOSSUFICIENTES PELA LEGISLAÇÃO ESTADUAL: Não há dúvidas de que a legislação estadual pode ampliar o rol das funções institucionais
atribuídas Defensoria Pública, sendo delineado pela Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 80/1994 apenas um mínimo legal. Entretanto, a ampliação dessas funções deve observar os parâmetros constitucionalmente traçados pelo art. 134 da CRFB. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.022/RS, o Supremo Tribunal Federal vislumbrou inconstitucionalidade em norma estadual que contemplava como função institucional da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul a defesa de servidor público, na esfera cível ou criminal, em razão de ato praticado no desempenho da função. Segundo estabelecia a norma estadual, a função deveria ser obrigatoriamente desempenhada pela Defensoria Pública, independentemente da condição econômica do servidor público, bastando apenas que figurasse como parte no processo cível ou criminal. Ao analisar a questão, o STF partiu da premissa de que seria possível a previsão de função dessa natureza no bojo da legislação estadual. No entanto, não poderia a lei estadual afastar a necessidade de aferição da condição econômica do servidor público, como critério necessário para autorizar a atuação da Defensoria Pública. Nesse contexto, se a própria Constituição Federal confere à Defensoria Pública a função de prestar assistência jurídica em todos os graus aos necessitados nos termos da lei, a norma estadual não poderia afastar o preceito constitucional ampliando a função para aqueles que não fossem hipossuficientes, única e exclusivamente pelo fato de serem servidores públicos e responderem por ato praticado no desempenho do cargo. Com isso, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível à legislação ordinária proceder a implementação de novas funções institucionais, não podendo, porém, afastar indiscriminadamente o requisito da hipossuficiência econômica: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 45 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ALÍNEA A DO ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 9.230/1991 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ATRIBUIÇÃO, À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, DA DEFESA DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS PROCESSADOS CIVIL OU CRIMINALMENTE EM RAZÃO DE ATO PRATICADO NO EXERCÍCIO REGULAR DE SUAS FUNÇÕES. OFENSA AO ART. 134 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Norma estadual que atribui à Defensoria Pública do estado a defesa judicial de servidores públicos estaduais processados civil ou criminalmente em razão do regular exercício do cargo extrapola o modelo da Constituição Federal (art. 134), o qual restringe as atribuições da Defensoria Pública à assistência jurídica a que se refere o art. 5º, LXXIV. 2. Declaração da inconstitucionalidade da expressão “bem como assistir, judicialmente, aos servidores estaduais processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais”, contida na alínea a do Anexo II da Lei Complementar estadual 10.194/1994, também do estado do Rio Grande do Sul. Proposta acolhida, nos termos do art. 27 da Lei 9.868, para que declaração de inconstitucionalidade tenha efeitos a partir de 31 de dezembro de 2004. 3. Rejeitada a alegação de inconstitucionalidade do art. 45 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. 4. Ação julgada parcialmente procedente. (STF – Pleno – ADI nº 3.022/RS – Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, decisão: 02-08-2004) 7.4.6 Representação nos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos
Além da difusão e conscientização dos direitos humanos, também constitui função institucional da Defensoria Pública “representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos” (art. 4º, VI da LC nº 80/1994). O movimento de internacionalização dos direitos humanos constitui atividade recente na história, tendo surgido após o término da Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades cometidas pelo regime nazista33.
Diante da necessidade de reconstrução dos direitos humanos, como referencial ético orientador da ordem internacional contemporânea, tonificou-se a ideia de que a proteção da dignidade humana não poderia permanecer tolhida à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva. Em virtude de seu caráter universal, a tutela efetiva dos direitos humanos seria tema de legítimo interesse internacional, que justificaria o monitoramento e a responsabilização fora do domínio estatal reservado34. Com isso, a noção tradicional de soberania absoluta do Estado passa a sofrer um processo de revisão e de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos35. Partindo dessa concepção inovadora, em 1948 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, condensando princípios e valores a serem respeitados internacionalmente. Com base nesse conjunto normativo, iniciou-se o desenvolvimento concreto do direito internacional dos direitos humanos, mediante a implementação de inúmeros instrumentos de controle e de proteção internacionais. Refletindo a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, diversos tratados internacionais passaram a disciplinar a primazia da pessoa humana, formando um sistema internacional de proteção dos direitos humanos, que interage com os diversos sistemas nacionais e garante a maior efetividade possível na tutela do indivíduo. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a internacionalização dos direitos humanos é o palco “onde melhor se tem expressado em termos de convivência humana a chamada globalização, a ponto de poder afirmar-se que qualquer país que pretende credenciar-se à cooperação internacional deve satisfazer alguns standards mínimos: entre os quais a exigência de um consenso básico acerca da estrutura da legislação em que essa sociedade concreta deseja e quer viver; legislação que deve abranger, ao menos, o reconhecimento dos direitos contidos na Declaração das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, de 1948”36. No âmbito nacional, a ratificação de relevantes tratados internacionais de direitos humanos apenas ocorreu a partir do processo de democratização do país e, principalmente, com o advento da Constituição Federal de 1988. Desse momento em diante, foram incorporados pelo direito brasileiro diversos instrumentos internacionais relevante para a promoção e a tutela dos direitos humanos: (i) Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (ratificada em 20-07-1989); (ii) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (ratificada em 20-071989); (iii) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ratificado em 24-01-1992); (iv) a Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada em 24-09-1990); (v) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado em 24-01-1992); (vi) a Convenção Americana de Direitos Humanos (ratificada em 25-09-1992); (vii) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (ratificada em 27-11-1995); (viii) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte (ratificado em 13-08-1996); (ix) o Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado em 21-08-1996); (x) o Estatuto de Roma, responsável pela criação do Tribunal Penal Internacional (ratificado em 20-06-2002); e (xi) o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ratificado em 28-06-2002)37.
Importante observar, ainda, que recentemente o Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por intermédio do Decreto Legislativo nº 89/1998. Além disso, a Emenda Constitucional nº 45/2004 reconheceu expressamente a submissão do Brasil “à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão” (art. 5º, § 4º, da CRFB). Esse processo de incorporação de relevantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos revela o alinhamento do Brasil à sistemática internacional de tutela do indivíduo, inovando e reforçando o universo de direitos nacionalmente consagrados. No entanto, o grande desafio atual se concentra na implementação prática e na defesa cotidiana desses direitos humanos. Afinal, de nada adianta formalizar a previsão normativa de direitos se não forem instituídos mecanismos práticos e efetivos que garantam sua proteção. Justamente por isso, a Lei Complementar nº 132/2009 previu como função institucional da Defensoria Pública representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos (art. 4º, VI, da LC nº 80/1994). Sem dúvida, a atuação ativa e permanente da Defensoria Pública nesse campo tende a aprimorar o grau de resposta aos casos de violação a direitos humanos, aperfeiçoando a sistemática nacional de proteção da vida humana digna. Por restar constitucionalmente incumbida de prestar a assistência jurídica aos necessitados, a Defensoria Pública conserva permanente contato com a população carente e marginalizada, possuindo melhores condições de identificar eventuais violações aos direitos humanos – que, via de regra, ocorrem justamente em face dos desprovidos de fortuna. Nesse sentido, leciona o professor PAULO GALLIEZ, com sua peculiar argúcia: A representação aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos (inciso VI), abre espaço para denúncias de violações de direitos humanos quando não resolvidas satisfatoriamente no âmbito governamental ou se houver necessidade de intervenção de organizações ou tribunais internacionais, ressaltando-se que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional (art. 5º, LXXVIII, § 4º, da CF, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004). (GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pág. 71)
Quando a Defensoria Pública atuar na defesa de direitos humanos coletivamente considerados, essa função institucional terá natureza eminentemente atípica. Desse modo, não importará a condição econômica do grupo juridicamente beneficiado. Por outro lado, quando atua na defesa dos direitos humanos de pessoa individualmente considerada, a função institucional terá natureza típica mitigada. Desse modo, o indivíduo que possuir condições enconômicas de arcar com o pagamento de advogado para exercer a defesa de seus interesses junto aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, em princípio, não terá direito ao patrocínio da Defensoria Pública. No entanto, mesmo se tratando de pessoa financeiramente abastada, poderá a Defensoria Pública atuar na defesa de seus direitos humanos se as demais instituições jurídicas se mostrarem falhas ou omissas na tutela desses direitos. Isso porque os direitos humanos nunca e jamais poderão restar desprotegidos, pois a subsistência válida do Estado Democrático de Direito contemporâneo depende do respeito irrestrito à dignidade humana e requer a tutela eficiente nas hipóteses de violação. Importante ressaltar, por fim, que no âmbito internacional a OEA – Organização dos Estados Americanos aprovou a figura do Defensor Público Interamericano, por meio da AG/RES. 2656 (XLI-
O/11), cuja nomeação pressupõe a candidatura de Defensores Públicos brasileiros, a serem escolhidos pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP e pela Associação Interamericana de Defensorias Públicas – AIDEF. 7.4.7 Legitimação para a propositura de ação civil pública e demais demandas coletivas sob diferentes vertentes
O reconhecimento legislativo da legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento das ações coletivas é a questão mais tormentosa que a Instituição enfrenta atualmente, haja vista a intensa dedicação do Ministério Público em ver subtraída tal possibilidade. Antes da edição da Lei Complementar nº 80/1994, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) já contemplava a possibilidade de serem manejados pelos órgãos da administração pública direta ou indireta os instrumentos de tutela coletiva em favor dos consumidores. Dentro desse contexto, a Defensoria Pública passou a atuar no campo da tutela coletiva através de órgãos com atribuição para a defesa do consumidor, a exemplo da própria Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que possui em sua estrutura organizacional o Núcleo de Defesa do Consumidor – NUDECON38 e previsão específica de tutela dos direitos do consumidor no art. 22, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Posteriormente, a Lei nº 11.448/2007 realizou a inclusão do inciso II, no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), consolidando expressamente a legitimidade institucional para a tutela coletiva. Com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, foram introduzidas duas disposições referentes à defesa dos direitos difusos. Primeiramente, o art. 4, VII passou a reconhecer expressamente como função institucional da Defensoria Pública “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes”. Na mesma linha, o inciso VIII passou a contemplar a legitimação institucional para “exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal”. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 3943), objetivando a declaração de inconstitucionalidade da legitimação da Defensoria Pública para o ajuizamento da Ação Civil Pública, em razão do permissivo legal introduzido pela Lei nº 11.448/2007. Alternativamente, requer seja realizada a interpretação conforme do dispositivo legal, a fim de restringir a legitimidade da Defensoria Pública quando o interesse revelar a hipossuficiência econômica de seus destinatários. Não se pode deixar de reconhecer que a Constituição de 1988 e a Lei Complementar nº 80/1994 promoveram o grande salto da Defensoria Pública, fortalecendo o papel da Instituição no cenário jurídico. Querer fechar os olhos para o fato de ser o Defensor Público agente político de transformação social, cuja função é a de conscientização da cidadania e a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é pura ignorância. O acesso à justiça não é simplesmente o acesso aos tribunais, mas um leque de medidas tendentes a garantir uma vida mais adequada entre a coletividade, permitindo que todas exerçam e tenham seus direitos respeitados.
É inegável que vivemos em uma fase onde os direitos e garantias coletivos têm sido muito prestigiados. Basta pensarmos numa realidade fática que compreende a atuação eficaz do Ministério Público, a solidificação da Defensoria Pública, a facilitação do alcance dos Juizados Especiais Cíveis, bem como o fortalecimento do processo coletivo, materializado pelas Ações Populares e pelas Ações Civis Públicas. A fatia de tutela coletiva, entretanto, não pode ficar a cargo de poucas instituições e muito menos concentrada nas mãos do Ministério Público. Não é por outra razão que o legislador ampliou o rol de legitimados para o ajuizamento da Ação Civil Pública prevista na Lei nº 7.347/1985. A época em que a Defensoria Pública era encarada como simples escritório dos pobres definitivamente já passou. A)
TESES CONTRÁRIAS À LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA: No bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade que pretende a subtração da ampla legitimação da Defensoria Pública para o ajuizamento da Ação Civil Pública, basicamente é argumentado que a vocação da Defensoria Pública restringe-se ao atendimento individual, posto que a Constituição Federal atribui à Instituição apenas a função de assistência integral e gratuita aos necessitados. Outro ponto abordado consiste no fato de que, ao desempenhar a tutela coletiva, a Defensoria Pública estaria prestando assistência àqueles que não ostentam a condição de necessitados, ante a impossibilidade de individualizar os beneficiários da tutela coletiva. Alega-se ainda, mediante argumentação nitidamente egoísta, que a atribuição para tutela coletiva estaria afeta ao Ministério Público, por força do texto constitucional, o que inviabilizaria a coatuação da Defensoria Pública. É verdade que a referida demanda deduzida perante o Supremo Tribunal Federal contém pedido subsidiário de interpretação conforme, a fim de excluir da legitimação da Defensoria Pública a tutela dos interesses difusos, ante a indeterminação de seus titulares e impossibilidade de identificação da hipossuficiência econômica. Nesse sentido, inclusive, o professor EMERSON GARCIA sustenta que a Defensoria Pública estaria impossibilitada de efetuar a tutela de interesses difusos, estando sua atuação restrita aos interesses coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, onde seria possível realizar a identificação da hipossuficiência dos interessados e, consequentemente, aferir a pertinência temática39. B)
TESES FAVORÁVEIS À LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA: Os argumentos favoráveis à legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação coletiva são inúmeros e rechaçam, por completo, as alegações contrárias acerca do tema. De início, a simples indicação de que a ampliação do rol de legitimados para o ajuizamento da Ação Civil Pública amplia o acesso à justiça parece-nos o fator determinante para o prestígio da legitimidade da Defensoria Pública. Entretanto, podemos apontar ainda que a Defensoria Pública há muito não se encontra mais limitada a defesa dos direitos subjetivos individuais das pessoas economicamente necessitadas40. A tutela coletiva não pode ser restrita à hipossuficiência econômica dos indivíduos como
pressuposto para a atuação da Defensoria Pública. Sabe-se que as funções institucionais da Defensoria Pública podem ou não estar relacionadas às condições econômicas dos assistidos, conforme já analisado ao longo da obra. Nesse passo, a defesa dos interesses difusos e coletivos enquadra-se como verdadeira função atípica da Defensoria Pública, em razão da desvinculação da situação econômica dos beneficiários. Em consubstanciado estudo, o professor HUMBERTO DALLA BERNARDINA DE PINHO expõe com clareza a necessidade de se reconhecer a ampla legitimação da Defensoria Pública para a tutela de quaisquer direitos, inclusive aqueles tutelados por outras legislações, a exemplo do Estatuto da Cidade, da Lei Maria da Penha, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, etc41. A professora ADA PELEGRINI GRINOVER, em parecer solicitado pela Associação Nacional de Defensores Públicos – ANADEP, examina com minúcias, as razões pelas quais a legitimidade da Defensoria Pública deve ser a mais ampla possível42. Em síntese, a festejada processualista enumera os seguintes argumentos favoráveis a ampla e irrestrita legitimação da Defensoria Pública: 1) O objetivo do Ministério Público ao visar a supressão da legitimidade da Defensoria Pública é o de evitar a concorrência da instituição na tutela coletiva. 2) A Constituição Federal não prevê a exclusividade do Ministério Público para o ajuizamento da Ação Civil Pública, ao que se depreende do art. 129, § 1º, da CRFB. Em verdade, a ampliação do rol de legitimados apenas serve como soma de forças, permitindo que outra instituição também possa tutelar os interesses difusos. 3) A ampliação do rol de legitimados é apenas reflexo do movimento de crescente ampliação e facilitação do acesso à justiça. 4) A Constituição Federal no art. 134 não estabeleceu limites às atribuições da Defensoria Pública. A orientação jurídica e defesa dos necessitados é apenas uma das funções, sendo certo que a legislação pode estabelecer outras mais. 5) A interpretação do termo “necessitado” merece nova reflexão de modo a alcançar não apenas os hipossuficientes do ponto de vista econômico. A necessidade também é sinônimo de vulnerabilidade, de estrutura organizacional. 6) Muito antes da alteração da Lei de Ação Civil Pública a Defensoria Pública já atuava na tutela de interesses difusos, diante do permissivo constante do Código de Defesa do Consumidor. Em resposta aos quesitos analisados no parecer, conclui a processualista que a legitimidade da Defensoria Pública é a mais ampla possível, independentemente da natureza do interesse tutelado (difuso, coletivo ou individual homogêneo), não estando restrita a pertinência temática ou condição econômica de seus beneficiários. Não se pode admitir uma interpretação fechada do texto constitucional, principalmente no que versam as normas que estabelecem princípios, a exemplo dos arts. 5º, LXXIV, e 134. A hipossuficiência não é encarada apenas do ponto de vista econômico, mas reflete a ausência de compreensão técnica e educacional somada a fatores de ordem econômica e social, gerando uma desvantagem – desequilíbrio nas relações sociais.
É neste contexto que emerge a Defensoria Pública, como Instituição capaz de conferir assistência jurídica integral aos necessitados nas mais diferentes acepções, refletidos do ponto de vista difuso, coletivo ou individual homogêneo, independentemente da matéria versada (tutela do meio ambiente, patrimônio, etc.). Aliás, a questão organizacional das pessoas carentes é um dos fatores que mais aflige o intérprete quando lida com a tutela de interesses difusos. A dificuldade do acesso à justiça por parcelas da população, principalmente aquelas em que a miserabilidade chega a números assombrosos, faz com que a defesa transindividual apresente-se como instrumento apto a tutela dessa classe indeterminada de indivíduos, sendo verdadeiro dever da Defensoria Pública atuar na tutela desses direitos43. Do ponto de vista prático a Defensoria Pública também revela aptidão para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, principalmente por sua expertise no trato de atendimentos individuais, fator este de extrema relevância, se analisado do ponto de vista da liquidação e execução do título executivo judicial constituído pela Ação Civil Pública. O trato diário com as questões individuais e a divisão organizacional da Defensoria Pública permitem que a própria Instituição possa adotar a melhor estratégia para garantir a eficiência na execução individual, até porque, não se pode olvidar que o Ministério Público não dispõe de legitimidade para atuação individual. O trabalho da Defensoria Pública é feito por completo, posto que tem a legitimação não só para a obtenção do título executivo na Ação Civil Pública, mas também a legitimidade para as execuções individuais de todos alcançados pelo espectro da decisão. Nesse ponto, somos do entendimento de que a execução individual é desdobramento da atribuição para a tutela coletiva, de sorte que o aspecto da hipossuficiência econômica não pode ser aferido, visto que a Defensoria Pública, quando ajuizou a Ação Civil Pública buscou defender o interesse coletivo, não sendo razoável, ao final, virar às costas aos atendimentos concretos, ante a condição econômica da cada beneficiário. Em outras palavras, a Defensoria Pública, como desdobramento da legitimação para a tutela coletiva tem atribuição para a execução individual de qualquer beneficiário, independentemente da condição econômica. No entanto, se o beneficiário opta por ingressar na via judicial por meio de ação de conhecimento44, a tutela coletiva perderá espaço para a função de orientação e defesa individual dos necessitados, de modo que o requisito da hipossuficiência econômica deverá ser aferido. C)
TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E PRESIDÊNCIA DO INQUÉRITO CIVIL: Admitida a ampla legitimação da Defensoria Pública para a tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos independentemente do fator hipossuficiencia econômica, resta-nos debruçar sobre a possibilidade de a Defensoria Pública firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), bem como presidir Inquéritos Civis como fase antecedente ao ajuizamento das ações civis públicas. Ao que se expôs no presente capítulo a legitimação da Defensoria Pública encontra sede no inciso II do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, sendo certo que o § 6º do mesmo dispositivo prevê que os “órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial”. A simples aferição da natureza jurídica da Defensoria Pública colocaria uma pá de cal sobre qualquer discussão sobre o tema, tendo em vista estarmos diante de verdadeira Instituição de natureza pública, de modo a estar enquadrada no permissivo legal do art. 5º, § 6º, da Lei da Ação Civil Pública. Entretanto, podemos avançar nos argumentos, posto que a posição topográfica da Defensoria Pública no rol de legitimados também é fator a ser levado em consideração. Com efeito, da leitura do rol do art. 5º, percebe-se que a Defensoria Pública está entre as entidades públicas, visto que o Ministério Público ocupa o inciso I e as pessoas jurídicas de direito público interno o inciso III (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). As entidades associativas, todas elas de natureza privada ocupam o inciso V, estando, portanto, impossibilitadas de firmar o termo de ajustamento. O Termo de Ajustamento de Conduta não pode ser encarado como um acordo entre o causador do dano e as entidades públicas, até porque, lida-se com direito indisponível. O que se objetiva com o TAC é evitar o ajuizamento da Ação Civil Pública, a partir do momento em que o interessado opta por ajustar suas ações aos termos ali propostos. Aliás, firmado o termo de ajustamento de conduta, sequer há a necessidade do ajuizamento da Ação Civil Pública, até porque para alguns, encontra-se ausente o interesse de agir45, bastando a execução do termo, diante de sua natureza de título executivo extrajudicial. Tal não obsta, todavia, que o colegitimado ajuíze a demanda coletiva enquanto pendente um termo de ajustamento de conduta. Afigura-se plenamente possível que o Ministério Público firme o compromisso com a parte e a Defensoria Pública opte pelo ajuizamento da Ação Civil Pública, sem que a iniciativa do MP prejudique o andamento da demanda difusa. No que tange à presidência do inquérito civil, parece-nos que a divergência é mais acentuada. Isto porque, os arts. 8º e 9º da Lei da Ação Civil Pública, bem como o art. 129, III da Constituição Federal conferem tão somente ao Ministério Público a presidência do inquérito civil, estabelecendo, inclusive, procedimento específico para o arquivamento. Em que pese a impossibilidade da instauração do inquérito civil, nada impede que o membro da Defensoria Pública instaure procedimento administrativo para colher informações e embasar futura Ação Civil Pública46. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Resolução nº 382/2007 permite ao membro da Defensoria Pública instaurar procedimento de instrução com o fim de colher elementos que embasem a Ação Civil Pública. 7.4.8 Impetração de ações constitucionais em defesa das funções e prerrogativas institucionais
Segundo estabelece o art. 4º, IX, da LC nº 80/1994, constitui função institucional da Defensoria Pública “impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução”. Em razão da especificidade da matéria, a defesa judicial das prerrogativas dos membros da Defensoria Pública será melhor analisado no item 11.5, ao qual remetemos o leitor.
7.4.9 Promoção da defesa dos direitos fundamentais dos necessitados
Não obstante a discussão acerca da amplitude dos direitos humanos e a possível relação de conteúdo com os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, o art. 4º, X da LC nº 80/1994 confere à Defensoria Pública a função de “promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Desse modo, a Lei Complementar nº 132/2009 confirma que a defesa dos direitos do hipossuficiente econômico, seja do ponto de vista individual ou coletivo, constitui atribuição fundamental da Defensoria Pública47. 7.4.10 Defesa dos interesses da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis
Como parte da tendência moderna de implementação de ações afirmativas e de defesa dos grupos vulneráveis, o art. 4º, XI da LC nº 80/1994 prevê como função institucional da Defensoria Pública “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”. O dispositivo reflete a preocupação constitucional de garantir a especial tutela das pessoas naturalmente frágeis, como as portadoras de deficiência (art. 37, VIII), as crianças e os adolescentes (art. 227)48, os idosos (art. 230) e outros grupos sociais vulneráveis. Por possuírem todas as pessoas idêntico valor intrínseco, deve ser assegurado a todos igualdade de respeito e consideração, independente de raça, cor, sexo, religião ou condição social, funcionando a Defensoria Pública como instrumento de superação da intolerância, da discriminação, da violência, da exclusão social e da incapacidade geral de aceitar o diferente. Por essa razão, a atuação da Defensoria Pública na defesa dos interesses individuais e coletivos da criança, do adolescente, do idoso, dos portadores de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos vulneráveis não está relacionada à hipossuficiência econômica, sendo considerada função institucional eminentemente atípica49. Como destaca ROGÉRIO NUNES OLIVEIRA, “é embaraçosamente óbvio que a ‘vulnerabilidade’ aludida pela lei não tem relação alguma com as credenciais econômico-financeiras dos destinatários da assistência jurídica gratuita e integral que à Defensoria Pública toca prestar”50. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona o talentoso professor JOSÉ AUGUSTO GARCIA DE SOUSA, com sua peculiar didática: Exercer a defesa da criança e do adolescente, por sinal, é atribuição que os próprios termos do art. 4º, VII, da Lei Complementar 80/1994 já indicam ser atípica. Demais, na Justiça da Infância e da Juventude o processo é gratuito, por expressa disposição legal (art. 141, § 2º, da Lei 8069/1990). Assim, entendemos que a necessidade exigida para a prestação da assistência jurídica gratuita (art. 141, § 1º, da Lei 8.069/1990) deve ser encarada de modo abrangente, observados os eflúvios dos princípios constitucionais do solidarismo e do acesso à Justiça. Pense-se por exemplo em uma criança órfã, quase adolescente, que não tenha lar, vivendo em entidade oficial. A idade é avançada para eventual adoção e a figura da criança não atrai potenciais adotantes, geralmente interessados em estampas que lembrem infantes dinamarqueses. Porém, um casal, movido pelo mais puro espírito cristão, propõe-se a adotar a criança. Em virtude da relevância social do procedimento, temos a certeza de que a Defensoria Pública poderá atuar a favor do casal, sem que haja qualquer necessidade de indagar a sua fortuna (o casal poderá ser abastado ou não,
tanto faz). Aliás, o exemplo é bastante eloquente. Aparentemente, a Defensoria estará patrocinando o casal adotante; olhar mais atento, no entanto, revela que a beneficiada maior será a criança órfã. Para ficar somente em um exemplo mais, tome-se demanda intentada por pessoa portadora de deficiência cujo objeto esteja especificamente relacionado com a deficiência. A ação é individual, certo. Mas eventual resultado favorável poderá abrir portas para outras pessoas portadoras de deficiência, ao menos por conta da criação de um precedente. Ou seja, temos lide que, embora individual, refere-se a problema comum a uma determinada minoria (usando-se o termo para denominar grupos sociais merecedores de uma especial tutela) e para ela poder trazer benefícios, de maneira global. Dessa forma, paira sobre a causa autêntica “sombra” coletiva, conferindo à postulação contornos solidaristas. Assoma então o interesse social, razão pela qual o Ministério Público, consoante o art. 5º da Lei 7.853/1989, “intervirá obrigatoriamente nas ações públicas, coletivas ou individuais em que se discutam interesses relacionados à deficiência das pessoas”. Por tudo isso, novamente se afigura possível e adequada, a nosso juízo, a atuação atípica da Defensoria Pública em prol do portador de deficiência. Ou seja, a instituição funcionará com abstração completa da situação econômica da parte defendida. (SOUSA, José Augusto Garcia de. Solidarismo jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2004, ano XV, n.19, pág. 250)
Por fim, devemos lembrar que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) assegura a todas as mulheres em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado (art. 28). Com isso, objetiva o legislador, em cumprimento ao art. 226, § 8º, da CRFB, conferir ampla proteção à família, coibindo a violência doméstica e familiar, através do rol de institutos processuais, a exemplo das medidas protetivas de urgência, bem como pelo tratamento psicossocial prestado pela equipe multidisciplinar. 7.4.11 Acompanhamento de inquérito policial
Embora o acompanhamento da fase de inquérito policial ainda atormente a estrutura organizacional da Defensoria Pública, o art. 4º, XIV da LC nº 80/1994 estabelece como função institucional “acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado”. Diante da natureza pública e irrenunciável do direito de defesa, se revela imprescindível o acompanhamento do acusado pela defesa técnica desde o momento inicial da investigação policial, assegurando a legalidade dos atos praticados no inquérito e garantindo o observância dos direitos fundamentais do indiciado. Como lembra o professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, “no Estado do Rio de Janeiro havia sido criado um órgão de atuação, denominado Núcleo de Defesa da Cidadania, que tinha como finalidade assistir aos presos quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, nas Delegacias da Capital, sempre que o mesmo não tivesse advogado, num regime de plantão, funcionando o órgão 24 horas por dia”51. No entanto, em virtude da carência de investimentos estatais na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, essa iniciativa pioneira acabou sendo suspensa. Atualmente, nenhuma das Defensorias Públicas do país possui estrutura funcional suficiente para permitir a criação de órgãos de atuação com atribuição conexa às Delegacias de Polícia, a fim de garantir o regular acompanhamento das investigações. Com isso, subsiste flagrante iniquidade no que tange ao exercício do direito de defesa na fase pré-processual; enquanto aqueles que possuem condições econômicas de arcar com o pagamento de advogado particular recebem toda a orientação jurídica necessária no momento de prestarem seus depoimentos em sede policial e acompanham cuidadosamente todo o deslinde da investigação, os desprovidos de fortuna enfrentam sozinhos toda
a fase inquisitorial e, muitas vezes, sequer são informados do direito constitucional de permanecerem calados. Como forma de reduzir os efeitos negativos que essa realidade jurídico-social pode gerar sobre o direito fundamental de liberdade do indivíduo, os arts. 306, § 1º, e 289-A, § 4º do CPP determinam que a autoridade policial proceda a imediata comunicação de qualquer prisão cautelar ao órgão de atuação da Defensoria Pública, quando o preso não declinar dados qualificativos de seu advogado52. A)
A DEFENSORIA PÚBLICA E A COMUNICAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR: Para a lavratura do auto de prisão em flagrante, torna-se necessária a observância dos requisitos formais e materiais previstos no art. 304 do CPP, sob pena de tornar nula a prisão pré-cautelar. Porém, deve se trazer em destaque a recente garantia prevista no art. 306, § 1º, do CPP, com redação introduzida pela Lei nº 11.449/2007 e ratificada pela Lei nº 12.403/2011, consistente na comunicação da Defensoria Pública, com a consequente remessa de cópia de todos os documentos que instruem o auto de prisão, sempre que o indiciado não declinar os dados qualificativos de seu advogado. Segundo entendemos, a necessidade de comunicação da prisão do indiciado à Defensoria Pública se apresenta como um instrumento de segurança e garantia do controle da legalidade da prisão. Contudo, o descumprimento desse comando normativo, a nosso ver, não enseja a nulidade na prisão em flagrante, por vício de conteúdo formal53, uma vez que a comunicação se presta a permitir que aqueles que não possam indicar um advogado no momento de sua prisão possam ter garantida a atuação da Defensoria Pública que formalizará meios para a sua soltura, seja pela formulação de requerimento de liberdade provisória ou relaxamento de prisão, seja pela comunicação aos familiares para providenciarem documentos que embasem a liberdade do indiciado. Logo, a comunicação da prisão em flagrante à Defensoria Pública não se insere como requisito formal do auto, mas apenas como garantia ao indiciado de que sua prisão está sendo informada à profissional habilitado para a formulação de requerimento de soltura, caso o preso não saiba ou não possa indicar advogado de sua confiança. Apesar de não constituir nulidade, a omissão na comunicação à Defensoria Pública ocasionará falta funcional por parte da autoridade policial, posto que se trata de uma garantia processual do indiciado e um dever do Delegado de Polícia. Por fim, convém destacar que a alteração legislativa operada pela Lei nº 12.403/2011 ampliou, significativamente, a disciplina referente à comunicação das prisões cautelares. Enquanto o art. 306, § 1º do CPP assegura ao preso em flagrante a comunicação de sua prisão ao seu advogado ou à Defensoria Pública, o art. 289-A, § 4º do mesmo diploma determina a comunicação de qualquer outra prisão cautelar à Defensoria Pública. Portanto, não há mais como reconhecer que à comunicação de prisão restringe-se apenas à hipótese de prisão em flagrante. Qualquer outra modalidade de prisão cautelar deverá ser informada à Defensoria Pública quando do cumprimento do mandado de prisão. 7.4.12 Patrocínio da ação penal nos casos admitidos em lei
O ordenamento jurídico ainda contempla duas modalidades de ação penal manejadas pelo
ofendido ou seu representante legal, inobstante fortes críticas doutrinárias, em especial no tocante às ações penais privadas. Doutrinariamente, as ações penais são subdivididas em: (i) públicas; e (ii) privadas. As ações penais de natureza pública são classificadas como: (a) incondicionadas; (b) condicionadas à representação; e (c) condicionadas à requisição do Ministro da Justiça. No tocante às ações penais privadas, podem ser elas classificadas em: (a) ações penais privadas propriamente ditas; (b) ações penais privadas personalíssimas; e (c) ações penais privadas subsidiárias da pública – esta última classificação com sede constitucional (art. 5º, LIX da CRFB). A grande crítica dirigida às ações penais privadas refere-se ao fato de que a apuração da infração penal é de interesse do Estado e não apenas do ofendido. Nesse contexto, a legitimação exclusiva na ação penal privada, em razão do strepitus iudicii pode acarretar a impunidade do agente em razão da adoção dos princípios da oportunidade e disponibilidade, que conferem ao próprio ofendido o juízo de valor acerca da instauração e prosseguimento da ação penal. De toda sorte, constitui função institucional da Defensoria Pública “patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública”, nos termos do art. 4º, XV da LC nº 80/1994. A)
DA INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA DO ART. 68 DO CPP: Fenômeno muito pouco analisado pela doutrina, diz respeito à inconstitucionalidade progressiva a que está submetido o art. 68 do Código de Processo Penal. Dispõe a aludida norma que o Ministério Público terá legitimidade para promover a ação civil ex delicto e a execução da sentença condenatória quando o titular do direito à reparação for pobre. A primeira vista, o dispositivo do Código de Processo Penal é flagrantemente inconstitucional, haja vista que a Constituição de 1988, em seu art. 134, atribui à Defensoria Pública a orientação jurídica e defesa dos necessitados. Entretanto, não podemos nos olvidar que em alguns Estados da Federação ainda não foram criados ou implantados órgãos da Defensoria Pública e, diante de tal realidade, não poderia o constituinte denegar a assistência jurídica aos necessitados. Ao enfrentar a questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que enquanto pendente a criação da Defensoria Pública, o art. 68 do CPP terá validade no ordenamento jurídico, estando o parquet da respectiva unidade federada legitimado para a propositura das ações previstas no dispositivo. Todavia, onde houver Defensoria Pública regularmente instalada falecerá ao Ministério Público a atribuição para o ajuizamento da ação civil ex delicto. In verbis: LEGITIMIDADE. AÇÃO “EX DELICTO”. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA. VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. ASSISTÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS. SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria-Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento. (STF – Pleno – Re
nº 135328/SP – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 29-06-1994)
B) A LEGITIMIDADE PARA OS CRIMES CONTRA OS COSTUMES – EMBATE ENTRE A DEFENSORIA PÚBLICA E O MINISTÉRIO PÚBLICO: Não obstante ter logrado parcial vitória ao afastar a legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação civil ex delicti, a Defensoria Pública não foi capaz de encampar sua tese no que diz respeito à sua própria legitimidade para a propositura da ação penal nos crimes contra os costumes. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC nº 88143/RJ, não admitiu a tese de que o Ministério Público não teria legitimidade para propor ação penal pública condicionada à representação pela prática dos delitos contra os costumes, quando, apesar de ser a vítima pobre, o ente da federação possuir Defensoria Pública devidamente aparelhada. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro advogou a tese de que o art. 225, §§ 1º e 2º, do CP seria inconstitucional, em razão de ser o referido Estado-membro provido de Defensoria Pública devidamente estruturada, invocando, para tanto a tese da inconstitucionalidade progressiva, prestigiada pelo Pretório Excelso em relação ao art. 68 do CPP. O Supremo Tribunal Federal, ao afastar a pretensão da Defensoria Pública, reconheceu que havia nítida distinção entre o dever do Estado de prestar assistência judiciária aos hipossuficientes e as condições estabelecidas pelo Código Penal para a propositura da ação penal, acrescentando que a opção do legislador pela convivência entre os artigos 32 do CPP e 225 do CP visa impedir que depois de formalizada a representação, possa haver concessão de perdão ou abandono da causa, eis que após a formalização da representação seria possível a disposição de conteúdo material do processo, o que não deveria ser admitido. Tal discussão, entretanto, perdeu objeto por força da modificação ocorrida no Código Penal operada pela Lei nº 12.015/2009 que deu novo tratamento aos crimes contra os costumes, agora crimes contra a dignidade sexual, dando, inclusive, novos contornos às ações penais. 7.4.13 Exercer a curadoria especial
Segundo estabelece o art. 4º, XVI da LC nº 80/1994, constitui função institucional da Defensoria Pública “exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei”. Em razão da profunda complexidade da matéria, que ainda permanece inexplorada pela doutrina nacional, dedicaremos capítulo específico para a realização do estudo pormenorizado da curadoria especial. 7.4.14 Atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes
De acordo com o art. 38 do Código Penal, “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”54. Sendo assim, o recolhimento ao cárcere não despoja o indivíduo da proteção legal conferida pelo ordenamento jurídico, conservando o detento todos os direitos fundamentais não atingidos pela privação da liberdade. Realizando a previsão exemplificativa dos direitos dos presos, o art. 41 da Lei nº 7.210/1984 estabelece:
Art. 41 da LEP: Constituem direitos do preso: I – alimentação suficiente e vestuário; II – atribuição de trabalho e sua remuneração; III – Previdência Social; IV – constituição de pecúlio; V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado; X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI – chamamento nominal; XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
No entanto, a efetividade dos direitos fundamentais assegurados aos presos depende da existência de agentes, instrumentos e procedimentos capazes de fazer com que as normas jurídicas migrem do plano meramente abstrato para o campo das ações concretas. Para tanto, o art. 4º, XVII da LC nº 80/1994 (incluído pela LC nº 132/2009) prevê como função institucional da Defensoria Pública “atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais”. Por intermédio dessa previsão legal, o legislador pretendeu garantir o respeito à dignidade do preso, protegendo seus direitos fundamentais contra as tradicionais arbitrariedades e os recorrentes abusos cometidos no sistema prisional. Importante observar, nesse ponto, que a atuação funcional da Defensoria Pública na defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos encarcerados possui base universal, sendo exercida em favor de todos aqueles que se encontrem recolhidos em estabelecimentos policiais, penitenciários ou de internação de adolescentes. Por essa razão, o desempenho dessa função institucional não depende de qualquer consideração acerca da hipossuficiência econômica do preso, devendo a Defensoria Pública atuar de maneira atípica também em favor dos financeiramente abastados55. Além disso, a contratação de advogado no curso do processo criminal ou durante a própria fase de execução penal não impede que a Defensoria Pública atue na proteção dos direitos fundamentais do detento, prevenindo e coibindo a prática de abusos por parte da administração carcerária. Nesse ponto, devemos notar a existência de clara diferenciação entre a atuação processual defensiva durante o curso da ação penal ou no decorrer da própria fase de execução penal, e a atuação fiscalizatória protetiva exercida no interior dos estabelecimentos prisionais. No primeiro
caso, a intervenção da Defensoria Pública possui caráter individual e apenas restará autorizada quando o acusado não realizar a regular constituição de advogado nos autos do processo – ressalvada a legitimação ampla para o manejo do habeas corpus. Na segunda hipótese, a atuação institucional possui natureza eminentemente fiscalizatória e se encontra direcionada indistintamente para todos os indivíduos que estejam recolhidos ao cárcere, garantindo a perpetuidade incondicional do Estado de Direito dentro sistema prisional56. Para assegurar o adequado desempenho dessa função institucional, os arts. 44, VII, 89, VII e 128, VI da LC nº 80/1994 asseguram ao Defenssor Público o “livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento”57. Com isso, restaram abstratamente eliminadas todas as barreiras espaciais e temporais eventualmente impostas à adequada fiscalização do sistema prisional, reafirmando a intolerância do abditivo e a inadmissibilidade das práticas clandestinas. Outrossim, o art. 4º, § 11 da LC nº 80/1994 determina que os estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes deverão reservar “instalações adequadas ao atendimento jurídico dos presos e internos por parte dos Defensores Públicos, bem como a esses fornecerão apoio administrativo, prestarão as informações solicitadas e assegurarão acesso à documentação dos presos e internos, aos quais é assegurado o direito de entrevista com os Defensores Públicos”. Como exemplo prático de atuação protetiva na defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos encarcerados, podemos citar caso emblemático ocorrido no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e ilustrado no histórico parecer emitido pelo Defensor Público ROBERTO DUARTE BUTTER, in verbis: O ilustre Defensor Público Dr. Rogério Rabe, em 23 de julho do corrente ano, quando em exercício perante os órgãos de atuação da Defensoria Pública junto às Varas Criminais de Santa Cruz, requisitou ao Ilmo. Delegado Titular da 36ª Delegacia Policial (Santa Cruz), através do ofício 25/92 – DP.SC, fosse determinada a realização de perícia de local e médico legal nas dependências daquela unidade policial, principalmente na carceragem, e nos detentos lá reclusos, apresentando quesitos para, conforme se infere da simples leitura do mencionado ofício, avaliar as condições em que os presos recolhidos naquela unidade eram mantidos. Em 25 de julho, o Ilmo. Delegado Titular determinou ao SIG que solicitasse a realização da perícia requisitada, bem como fosse remetido ao DGPC cópia do ofício requisitório. O Diretor-Geral do DGPC, ao receber cópia reprográfica do ofício, determinou fosse o expediente encaminhado ao ilustre Chefe de Gabinete da Secretaria Estadual de Polícia Civil, sugerindo que o mesmo fosse examinado pela Assessoria Jurídica daquela Secretaria, objetivando o estabelecimento de conduta uniforme, em casos análogos, pelos dirigentes das unidades policiais. Remetidos os autos à Assessoria Jurídica da SEPC, foi elaborado parecer, subscrito pelo culto Dr. Edgard Baeta Neves Flores, concluindo, em suma, que a requisição do ilustre Defensor Público carecia de apoio legal, razão pela qual deveriam as Autoridades Policiais serem orientadas no sentido de não acatarem requisições de idêntico teor. O ilustre Chefe de Gabinete da SEPC, acatando sugestão contida no parecer, encaminhou o expediente, para ciência, a esta Procuradoria-Geral. O exame da matéria em questão demonstra, data venia do ilustre Assessor Jurídico da SEPC, que a requisição do Defensor Público Dr. Rogério Rabe encontra-se, integralmente, em conformidade com o ordenamento positivo. (…) Como acima mencionado, da simples leitura da requisição, constata-se que o ilustre Defensor Público Dr. Rogério Rabe objetivada avaliar se a carceragem da 36ª Delegacia Policial apresentava as mais mínimas condições de abrigar presos humanos, ou, ao menos, na quantidade que abrigava, para, se fosse o caso, pleitear, na defesa dos direitos fundamentais assegurados aos presos, as medidas que entendesse cabíveis. (…) Para o exercício de sua atribuição funcional (verificar se a carceragem da unidade policial apresentava condições para a permanência dos presos, e, se fosse o caso, requerer as medidas que entendesse cabíveis), poderia o Dr. Rogério Rabe valer-se
da prerrogativa funcional de requisitar, administrativamente da autoridade pública a realização de perícia, objetivando avaliar as condições da carceragem (através, inclusive, do exame médico dos presos). Assim temos, concessa venia, que o ilustrado Defensor Público poderia requisitar, e de forma genérica, a realização da perícia, visto que sua atribuição funcional alcançava a defesa dos direitos fundamentais assegurados a todos os presos recolhidos na carceragem da unidade policial. (…) Ante todo o exposto, concluo que:
a) os membros da Defensoria Pública podem, em razão de sua atribuição legal de defesa dos direitos fundamentais assegurados aos presos, requisitar dos Delegados Titulares das unidades policiais, com o escopo de verificar as condições físicas das carceragens e as de saúde (em sentido amplo) dos presos, a realização de perícia, visto que as Autoridades Policiais exercem, também, atividade administrativa, cabendo-lhes, inclusive, zelar pela conservação das dependências físicas da unidade policial e pela saúde dos presos recolhidos na unidade (poder-dever); b) a requisição do ilustre Defensor Público Dr. Rogério Rabe encontra amparo no ordenamento positivo; c) em caso de não realização da providência requisitada, poderá o ilustre Defensor Público, na defesa de suas prerrogativas funcionais, impetrar Mandado de Segurança contra ato do Ilmo. Delegado Titular da 36ª Delegacia Policial; d) caso seja baixado, no âmbito da SEPC, ato administrativo determinando aos dirigentes das unidades policiais para, em casos análogos, não efetivarem a providência requisitada, poderão os membros da Defensoria Pública, na defesa de suas prerrogativas funcionais, impetrar Mandado de Segurança contra tal ato, figurando como impetrada a autoridade signatária; e) a não realização da providência requisitada poderá, inclusive, configurar crime de abuso de autoridade, nos termos do artigo 3º, alínea j, da Lei nº 4.898/1965. É o parecer. Sub Censura. (BUTTER, Roberto Duarte. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 183/190 – emissão do parecer: 09-111992) Relevante salientar, por fim, que a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Resolução nº 330/2009, desobriga os membros da Defensoria Pública, da Magistratura e do Ministério Público a se submeterem a revista pessoal e aos detectores de metais ao adentrarem nos estabelecimentos prisionais estaduais. A)
A DEFENSORIA PÚBLICA E AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.313/2010: A Defensoria ganhou seu merecido espaço na Execução Penal, diante da edição da Lei nº 12.313/2010. Pela redação do art. 81-A da Lei de Execução Penal, caberá a Defensoria Pública velar pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. Para o exercício de suas funções a Defensoria Pública poderá requerer, nos termos do art. 81-B,
inciso I, da Lei de Execução Penal: a) todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo; b) a aplicação aos casos julgados de lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado; c) a declaração de extinção da punibilidade; d) a unificação de penas; e) a detração e remição da pena; f) a instauração dos incidentes de excesso ou desvio de execução; g) a aplicação de medida de segurança e sua revogação, bem como a substituição da pena por medida de segurança; h) a conversão de penas, a progressão nos regimes, a suspensão condicional da pena, o livramento condicional, a comutação de pena e o indulto; i) a autorização de saídas temporárias; j) a internação, a desinternação e o restabelecimento da situação anterior; k) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca; l) a remoção do condenado. Caberá ainda ao Defensor Público em exercício na Execução Penal: (i) requerer a emissão anual do atestado de pena a cumprir; (ii) interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária ou administrativa durante a execução; (iii) representar ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal; (iv) visitar os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento, e requerer, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; (v) requerer à autoridade competente a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal. Por fim, estabelece o novo regramento legal que o órgão da Defensoria Pública visitará periodicamente os estabelecimentos penais, registrando a sua presença em livro próprio, de modo a verificar e fiscalizar se os direitos dos presos estão sendo regularmente cumpridos. 7.4.15 Atuar em favor de vítimas de tortura, abusos sexuais ou qualquer forma de discriminação, opressão ou violência
Segundo estabelece o art. 4º, XVIII, da LC nº 80/1994, constitui função institucional da Defensoria Pública “atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas”. A intenção primordial do dispositivo é garantir o amparo jurídico das vítimas, visando preservar as liberdades públicas e democráticas, controlar e afastar os atos de barbárie e possibilitar a identificação dos torturadores. De acordo com ADRIANA FAGUNDES BURGUER e CHRISTINE BALBINOT, “essa atividade assume
importância, primeiro, porque recupera a confiança do cidadão no ordenamento jurídico, apagando a sensação de impunidade e inoperância do Estado para com a satisfação das suas necessidades. E mais, promove a paz social na medida em que os assistidos passam a confiar em que o Estado pode operar em seu favor (e não apenas contra eles), afastando a necessidade da vingança privada”58. Como o dispositivo não cogita da necessidade de aferição da condição econômica da vítima, a atuação da Defensoria Pública na preservação e reparação dos direitos violados pela prática de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência deve ser considerada função institucional eminentemente atípica59. 7.4.16 Atuar nos Juizados Especiais
Os Juizados Especiais possuem como base fundamental o art. 98, I da CRFB, que dispõe: Art. 98: A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (…) § 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.
Atualmente, o Sistema dos Juizados Especiais é regulamentado normativamente pelas Leis nº 9.099/1995 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais), nº 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais) e nº 12.153/2009 (Juizados Especiais Fazendários). Todavia, a verdadeira espinha dorsal desse sistema resta concentrada na Lei nº 9.099/1995, que estabelece os princípios fundamentais (arts. 2º e 13), as regras de interpretação (arts. 5º e 6º), a estrutura procedimental (art. 21 e seguintes) e o sistema recursal (art. 41 e seguintes), dentre outros aspectos. Em razão da importância sistêmica da Lei nº 9.099/1995, toda a interpretação sobre os Juizados Federais e sobre os Juizados Fazendários deve necessariamente partir das regras contidas no referido diploma legal60. De acordo com o art. 3º da Lei 9.099/1995, compete ao Juizado Especial Cível realizar a conciliação, o processamento e o julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: (i) as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; (ii) as enumeradas no art. 275, II do Código de Processo Civil; (iii) a ação de despejo para uso próprio; e (iv) as ações possessórias sobre bens imóveis de valor que não exceda a quarenta vezes o salário mínimo. Além disso, compete ao Juizado Especial promover a execução dos seus próprios julgados e dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9.099/1995). Por expressa disposição legal, restam afastadas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial (art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.099/1995). Nas causas de valor não superior a vinte salários mínimos, a assistência por advogado é considerada facultativa, podendo a parte realizar a propositura da ação e comparecer à audiência desacompanhada de profissional habilitado. No entanto, nas causas de valor superior, o acompanhamento da causa por advogado é considerada obrigatória.
Segundo determina o art. 9º, § 1º, da Lei 9.099/1995, “sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local”61. No âmbito dos Juizados Federais e dos Juizados Fazendários, o valor das causas possui patamar mais elevado, sendo admitidas as causas de competência da Justiça Federal (art. 3º da Lei nº 10.259/2001) e de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (art. 2º da Lei nº 12.153/2009) que não excedam sessenta salários mínimos. Como forma de instrumentalizar o acesso à justiça no Sistema dos Juizados Especiais, o art. 4º, XIX, da LC nº 80/1994 estabelece como função institucional da Defensoria Pública “atuar nos Juizados Especiais”. Questão controvertida, no entanto, tem sido determinar se a atuação da Defensoria Pública junto aos Juizados Especiais Cíveis seria função institucional típica ou atípica. De acordo com a doutrina majoritária, o fornecimento da assistência jurídica gratuita perante os Juizados Especiais Cíveis seguiria a regra geral do art. 134 c/c art. 5º, LXXIV da CRFB, sendo atividade voltada unicamente para aqueles que não fossem capazes de arcar com o pagamento das despesas com a contratação de advogado. Nesse sentido, leciona GUILHERME PEÑA DE MORAES, em sua tradicional obra: Perante os Juizados Especiais Cíveis a Defensoria Pública desenvolve dupla atividade, consistente na consultoria e na representação em juízo dos economicamente fragilizados. Advirta-se que, por força do art. 9º, caput e § 1º, do diploma supracitado, nas causas de valor até 20 salários mínimos a assistência é facultativa, podendo as partes comparecer pessoalmente ou ser assistidas por advogados, ao passo que nas de valor superior a assistência é obrigatória. Sem embargo, sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência jurídica prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial. Afirme-se, por oportuno, que a Defensoria Pública, atuando junto a esses órgãos judicantes, desenvolve função típica, sendo, pois, vinculada à debilidade patrimonial dos destinatários da atividade institucional, sendo mister o prequestionamento do estado econômico do juridicamente necessitado.” (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 198)
Do mesmo modo, a Defensora Pública DANIELA CALANDRA MARTINS sustenta que a atuação da Defensoria Pública perante os Juizados Especiais deve ser considerada função institucional típica, tendo em vista a inexistência de norma específica que determine a atuação atípica nessa hipótese: Os órgãos de atuação da Defensoria Pública junto aos Juizados Especiais exercem seu múnus, buscando assegurar o acesso à Justiça com efetividade da prestação jurisdicional mais célere em procedimento informal, adstritos à hipossuficiência da parte assistida eis que não há norma específica acerca da atuação atípica do membro da Defensoria Pública junto aos Juizados Especiais Cíveis. Assim, a intervenção do Defensor Público em qualquer feito que tramite perante o Juizado Especial Cível exigirá a afirmação de carência da parte nos termos do art. 4º, Lei 1.060/1950. E caso a parte não seja carente? A resposta parece óbvia: não haverá atuação do Defensor Público. (MARTINS, Daniela Calamandra. A assistência judiciária junto ao Juizado Especial Cível e a Defensoria Pública, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2003, ano XI, n.18, pág. 88)
De forma semelhante, o Defensor Público LEOPOLDO MUYLAERT adverte que a atuação da Defensoria Pública em favor daquele que possua condição abastada ou mesmo financeiramente equilibrada violaria o princípio da isonomia e infringiria a própria teleologia existencial da
Instituição, in verbis: A atuação da Defensoria Pública em favor daquele que possua notória possibilidade de arcar com honorários advocatícios mafere o princípio constitucional da isonomia, demais de infringir a própria teleologia de existência desta instituição. Com efeito, o dogma da isonomia inserido no corpo da Carta Política federal, assegura igualdade de tratamento a tantos quantos se encontrem em situações equivalentes, podendo-se afirmar, a contrario sensu, que tal princípio também se perfaz quando se assegura tratamento diferenciado àqueles que se encontram em situações diametralmente opostas. Pois bem, a carência de recursos do miserável, que justifica a atuação da Defensoria Pública, se opõe à condição abastada – ou mesmo financeiramente equilibrada – que afasta, de modo absoluto, a atuação daquele órgão estatal. Demais disso, a atuação do Defensor Público em favor daquele que possa pagar honorários advocatícios importa, induvidosamente, em afastar-se a atuação de advogados privados junto aos Juizados Especiais, caracterizando-se evidente captação de clientela que avilta a ética do profissional da advocacia, ex vi do disposto no inciso IV, do art. 34, da Lei nº 8.906/1994. (…) De lege lata, não se pode admitir ser a Defensoria Pública o órgão de assistência judiciária mencionado na Lei de Juizados Especiais, a não ser na hipótese em que o Requerente seja pessoa juridicamente necessitada. A redação do par.2º, do artigo 9º, da Lei nº 9.099, de 1995, interpretada sistemática e teleologicamente, afasta sua incidência sobre a Defensoria Pública mas deixa clara a possibilidade de instituição de órgão público de assistência judiciária junto aos Juizados, não excluindo, de outro lado a possibilidade de que a vontade legislativa se supra por convênios com entidades estatais e privadas – escritórios modelos de faculdades de Direito públicas e privadas – cujos agentes, entretanto, deverão dispensar a cobrança de honorários advocatícios e aos quais não se aplicarão as prerrogativas pessoais dos membros da Defensoria Pública. (MUYLAERT, Leopoldo. Assistência Jurídica Integral e Gratuita versus Assistência Judiciária: Atuação da Defensoria Pública junto aos Juizados Especiais Cíveis, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1996, ano VII, n.9, pág. 207/210)
Não obstante as abalizadas posições em sentido contrário, entendemos que a atuação da Defensoria Pública junto aos Juizados Especiais Cíveis constitui função institucional atípica, podendo ocorrer independentemente da verificação da hipossuficiência do destinatário do serviço jurídico-assistencial. Ao instituir o Sistema dos Juizados Especiais Cíveis, o legislador pretendeu superar uma das principais barreiras que dificultam o acesso à justiça nas causas de pequeno valor: a desproporção existente entre o bem da vida pleiteado e as despesas com o processo62. Como observa AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, muitas vezes “não se mostra financeiramente viável, para qualquer pessoa, rica ou pobre, pleitear em juízo o pretendido direito, na medida em que os gastos com advogados e com o pagamento das custas processuais, se não superam, em muito se aproximam do valor econômico do objeto litigioso”63. Por isso, o ingresso em juízo acaba não se revelando compensatório. Para evitar esse panorama inibidor do acesso efetivo à justiça, a Lei nº 9.099/1995 prevê que “o acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas” (art. 54). Além disso, estabelece que a assistência judiciária será prestada “por órgão instituído junto ao Juizado Especial” (art. 9º, § 1º, c/c o art. 56). Embora a Lei nº 9.099/1995 não tenha mencionado expressamente que o serviço jurídicoassistencial desenvolvido junto aos Juizados Especiais seria prestado pela Defensoria Pública, a interpretação histórica e sistemática da norma não permite atingir conclusão diversa. Na verdade, o art. 56 da Lei nº 9.099/1995 repetiu literalmente o art. 54 da Lei nº 7.244/1984 (Lei dos Juizados de Pequenas Causas), que, por sua vez, foi redigido no início da década de 1980, em período anterior à consolidação jurídica da Defensoria Pública64. Ademais, o art. 134 da CRFB c/c o art. 4º, § 5º, da LC nº 80/1994 determinam que o serviço
jurídico-assistencial gratuito mantido pelo Poder Público deverá ser exercido com exclusividade pela Defensoria Pública, sendo vedada qualquer outra forma de custeio ou fornecimento de assistência jurídica estatal65. Com efeito, o serviço de assistência judiciária referido nos arts. 9º, § 1º, e 56 da Lei nº 9.099/1995 deve obrigatoriamente ser prestado pela Defensoria Pública, que deverá viabilizar a reivindicação e a defesa jurisdicional das causas de pequeno valor, independentemente da condição econômica do litigante. De fato, a própria Lei Complementar nº 80/1994 reafirma esse entendimento ao prever a atuação nos Juizados Especiais como função institucional autônoma e separada da função geral de prestação de assistência jurídica integral e gratuita (art. 4º, XIX). Seguindo essa linha de raciocínio, ensina o Defensor Público FELIPE BORRING ROCHA, em obra especializada sobre o tema: A orientação majoritária tem sustentado que a atuação da Defensoria Pública somente deve ocorrer quando a parte for hipossuficiente e solicitar a assistência técnica. Em nosso entendimento, entretanto, a atuação da Defensoria Pública deve sofrer uma leitura ampliativa. Com efeito, nos Juizados Especiais o paradigma é a gratuidade (art. 54) e a não imposição de honorários advocatícios (art. 55), independentemente da condição econômica. Por que então a atuação da Defensoria Pública estaria vinculada à hipossuficiência? Na verdade, acreditamos que tendo afastado a incidência de ônus sucumbenciais para facilitar o acesso à Justiça, deva o Estado arcar com os custos da atuação judicial. Por essas razões, defendemos, minoritários, que todos aqueles que podem ser demandantes nos Juizados Especiais, sejam como autores ou como réus, independentemente da condição econômica, têm direito à assistência judiciária gratuita prestada pela Defensoria Pública naquele órgão. Importante lembrar, nesse ponto, que a Defensoria Pública tem funções típicas (relacionadas à hipossuficiência econômica do interessado) e atípicas (independentes da condição econômica dos interessados). A atuação em favor do réu criminal, da criança e do adolescente, do idoso, da mulher vítima de violência doméstica, dos direitos coletivos, dentre outros, são exemplos de atribuições que estão descvinculadas dos aspectos econômicos envolvidos. Por isso, a referência específica à atuação junto aos Juizados Especiais, prevista na Lei Orgânica da Defensoria Pública, nos afigura como mais uma função atípica deferida a essa Instituição. Aliás, se não fosse uma função atípica, a referência seria absolutamente desnecessária. Além disso, permitir que o autor ou o réu, mesmo com condições econômicas, disponha da assistência jurídica da Defensoria Pública nos Juizados, além de promover o acesso à Justiça, afasta a existência de demandas economicamente indefensáveis. Por exemplo, se uma pessoa é processada por suposto dano que causou, para se defender terá que constituir um advogado e remunerá-lo. De modo que, mesmo que ela saia vencedora, por não haver, em regra, ônus sucumbenciais, todo o valor da remuneração do advogado terá que ser pago pelo cliente. Assim, se o pedido de indenização for inferior ao valor dos honorários advocatícios, temos que a demanda se torna economicamente indefensável. Essa situação permite que sejam propostas nos Juizados Especiais ações absolutamente temerárias, mas que, por seu baixo valor, não compensam serem contestadas. Por isso, é importante a intervenção sem restrições da Defensoria Pública. (ROCHA, Felipe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, São Paulo: Atlas, 2012, pág. 88/89) 7.4.17 Participar dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais
De acordo com o art. 4º, XX, da LC nº 80/1994, também constitui função institucional da Defensoria Pública “participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos”. Em linhas gerais, os conselhos de direitos são instâncias de gestão e reflexão sobre políticas públicas, compostos por representantes de órgãos estatais e da sociedade civil, que exercem o importante papel de engajar a população em suas respectivas áreas, concretizando a democracia participativa e permitindo que diversos atores sociais tenham a oportunidade de opinar sobre as políticas públicas66. Por conhecer a realidade e as carências da população, o membro da Defensoria Pública pode
lançar sobre as políticas públicas um olhar crítico, direcionando a atenção dos órgãos governamentais para as necessidades básicas das classes menos favorecidas. Nesse sentido, lecionam ADRIANA FAGUNDES BURGUER e CHRISTINE BALBINOT, in verbis: O Defensor Público, agente político, cuja missão é a efetividade dos direitos constitucionalmente assegurados, deve dar uma contribuição especial nos conselhos, por conhecer a legislação e também a realidade e as carências de expressiva parcela da população. Enquanto participante dos conselhos, o Defensor Público é, na verdade, um porta-voz da população vulnerável, não só em termos econômicos, como também em termos organizacionais. É importante, ainda, a interação do Defensor Público com os demais representantes das entidades governamentais, bem ainda com os representantes da sociedade civil organizada, criando um ambiente propício à ampla discussão das relações sociais. A participação do Defensor Público deve ser convergente com sua atuação institucional, de forma que o Defensor seja vocacionado e engajado na área respectiva, para que a sua participação signifique uma contribuição enriquecedora. Essa nova atribuição deve ser compreendida também como a participação em audiências públicas e em consultas públicas, como as realizadas pelas agências reguladoras, em seminários e em conferências jurídicas, em debates entre as diversas entidades da sociedade civil e por meio do diálogo com os componentes dos demais conselhos de direitos, ou seja, em todos os atos que tornem visível a presença do Defensor Público na sociedade. (BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. A nova dimensão da Defensoria Pública a partir das alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 132 na Lei Complementar nº 80/1994. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 09) 7.4.18 Execução das verbas de sucumbência – honorários advocatícios
Seguindo a determinação do art. 4º, XXI, da LC nº 80/1994, a Defensoria Pública possui como função institucional “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores”. Como forma de facilitar o estudo desse importante dispositivo orçamentário, nos tópicos seguintes serão expostos ao leitor os mais relevantes aspectos relacionados à execução e ao recebimento das verbas sucumbenciais devidas à Defensoria Pública, sendo abordadas as atuais controvérsias doutrinárias e discussões institucionais acerca do tema. A)
DO DIREITO AO RECEBIMENTO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS PELA DEFENSORIA PÚBLICA: Por força do princípio da sucumbência, cabe ao vencido67 suportar todos os gastos oriundos do processo. No sistema processual civil brasileiro, essa regra encontra-se expressa no art. 20 do CPC, que determina: “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. A parte vencida, portanto, deve suportar basicamente duas obrigações geradas pela sucumbência: (i) o pagamento das despesas processuais antecipadas pela parte vencedora (custas judiciais, taxa judiciária, honorários periciais, etc.); e (ii) o pagamento dos honorários advocatícios devidos à parte contrária. Caso a demanda envolva beneficiário da justiça gratuita, essa regra sofrerá algumas variações em virtude da qualidade de hipossuficiente ostentada pelo litigante – que poderá ser vencedor ou vencido ao final do processo. Em um primeiro plano, quando o beneficiário da justiça gratuita restar vencido na causa, ele será condenado normalmente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, sendo
aplicada, entretanto, a norma do art. 12 da Lei nº 1.060/195068. Logo, a exigibilidade da obrigação restará suspensa, somente podendo ser cobrada se, no prazo legal de cinco anos, a parte vencida perder a condição de hipossuficiente. No caso oposto, em sendo o necessitado econômico vencedor da demanda, a parte contrária será também condenada ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. Deve-se observar, porém, que as despesas processuais devidas pelo vencido não serão revertidas em favor do vencedor da causa, como normalmente ocorre. Isso porque a parte vencedora, sendo beneficiária da justiça gratuita, não terá realizado o recolhimento antecipado de valor algum para a prática dos atos processuais. Com efeito, por não ter adiantado qualquer despesa, não terá direito ao ressarcimento de nenhum valor. Na verdade, portanto, por não terem sido ainda pagas pelo vencedor hipossuficiente, os valores relativos às custas, taxa judiciária e demais despesas serão recolhidos pela parte vencida em favor de seu destinatário original, e não em benefício da parte contrária. Consolidando este posicionamento, o Fundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou o Enunciado nº 18 do Aviso nº 17/2006, estabelecendo o seguinte: Enunciado nº 18 do Aviso nº 17/2006 do FETJ: Na hipótese em que a parte autora, beneficiária da gratuidade, vencer a demanda, as custas, taxa judiciária e demais despesas judiciais devem ser cobradas do réu vencido, que recolherá o respectivo valor por meio de GRERJ, e não juntamente com o depósito judicial em favor da autora, posto não ter esta direito ao ressarcimento do que não adiantou.
Em relação aos honorários sucumbenciais, entretanto, não se aplica o mesmo raciocínio. Embora o necessitado econômico não realize o pagamento de qualquer valor ao prestador da assistência jurídica gratuita, esse fato não isenta o vencido do pagamento da verba honorária. Isso porque os honorários sucumbenciais, fixados automaticamente pelo juiz, não tem por objetivo ressarcir a parte vencedora pelos gastos com a contratação do advogado, mas buscam remunerar o profissional do direito pelo trabalho desempenhado em juízo na defesa da causa. Em outras palavras, os honorários advocatícios não pertencem a parte vencedora do litígio, constituindo, na realidade, receita própria e autônoma do profissional do direito, conforme determina o art. 23 da Lei nº 8.906/199469. Desse modo, sempre que o hipossuficiente econômico mostrar-se vencedor na demanda, deverá a parte contrária arcar com o pagamento da verba honorária devida ao prestador da assistência jurídica gratuita. Nesse sentido, inclusive, tem-se o preceito sumular editado pelo Supremo Tribunal Federal, que elimina toda e qualquer dúvida que possa subsistir sobre o tema: Súmula nº 450 do STF: São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário de justiça gratuita.
Por questão de lógica, se a parte vencida for também hipossuficiente, será aplicada a norma do art. 12 da Lei nº 1.060/1950, mostrando-se apenas exigível o pagamento da verba honorária caso ocorra a perda da condição de necessitado econômico dentro do prazo de cinco anos estabelecido pelo referido artigo. Por determinação do art. 4º, XXI, da LC nº 80/1994, quando a parte vencedora for assistida pela Defensoria Pública, os honorários sucumbenciais deverão ser recolhidos em favor de fundos geridos pela própria Instituição e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, os honorários sucumbenciais obtidos pelo sucesso nas
demandas são revertidos em favor do Fundo Orçamentário Especial do CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública), criado pelo art. 3º, I, da Lei Estadual nº 1.146/1987. B)
DOS PARÂMETROS LEGAIS DE FIXAÇÃO DOS HONORáRIOS SUCUMBENCIAIS: De acordo com o § 3º do art. 20 do Diploma Processual Civil, os honorários deverão ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, observando-se o grau de zelo do profissional, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo Defensor Público, a competência com que conduziu os interesses de seu assistido e o tempo exigido para o seu serviço70. Como se observa, os critérios gerais para a fixação dos honorários são objetivos e devem ser sopesados pelo juiz no momento da prolação de sua decisão. Tratando-se de ação condenatória julgada procedente, o magistrado fica adstrito ao limite mínimo de 10% sobre o valor da condenação e ao teto máximo de 20% sobre a mesma base. Dentro dessa faixa, pode o juiz escolher de maneira motivada o percentual que entender adequado para remunerar o serviço prestado pelo Defensor Público no processo, sendo vedada sua fixação em salários mínimos71. No entanto, por força do disposto no § 4º do art. 20 do CPC, “nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não” os honorários deverão ser fixados de acordo com a “apreciação equitativa do juiz”. Nestas hipóteses, portanto, foram dispensados pelo legislador os estritos parâmetros objetivos de legalidade, devendo o magistrado realizar a fixação dos honorários, de forma motivada, levando-se em conta o justo72. Temos, assim, a indicação pelo legislador de cinco hipóteses distintas onde a fixação de honorários deverá ser realizada consonante os parâmetros de equidade: (i) causas de pequeno valor; (ii) causas de valor inestimável; (iii) causas em que não há condenação; (iv) causas em que for vencida a Fazenda Pública; e (v) execuções por título judicial ou extrajudicial. Nas causas de pequeno valor e naquelas cujo valor seja inestimável (causas onde não se vislumbra benefício patrimonial imediato – p.ex. nas ações de estado, de direito de família, etc.), não deve o juiz atrelar-se ao valor da causa no momento da fixação dos honorários. A verba honorária deverá ser estipulada de maneira equitativa, observando-se os parâmetros de justiça e o trabalho desenvolvido pelo profissional desde a instauração até o término do processo, podendo inclusive exceder o valor atribuído à causa73. Se fosse admitida a vinculação da verba honorária ao valor dado à causa, não seria o profissional do Direito devidamente remunerado por seu trabalho, desestimulando a litigância em determinadas hipóteses e, consequentemente, dificultando o acesso do lesado à tutela jurisdicional devida. O mesmo se diga em relação às causas onde não há condenação (p.ex. nas hipóteses de prolação de sentença meramente declaratória, incluídas aqui as que julgam improcedente ação condenatória74), pois não haverá valor condenatório para servir de base para a fixação de honorários75. Nestes casos, a fixação da verba honorária também deverá ser realizada de maneira equitativa, devendo o magistrado fundamentar sua decisão tendo em vista a valoração motivada do justo. Nas execuções, sejam fundadas em título judicial (cumprimento de sentença)76 ou extrajudicial77, também será devido o pagamento de honorários, mesmo que as execuções não sejam impugnadas ou
embargadas. Isso porque a instauração da execução decorrerá da não satisfação espontânea da obrigação pelo credor, que terá, por sua inércia, dado causa ao cumprimento de sentença ou à execução por título extrajudicial. Havendo embargos do executado ou impugnação ao cumprimento de sentença, tecnicamente serão devidos novos honorários pelo vencido, tendo em vista serem os embargos e a impugnação novas ações de conhecimento, incidentais à de execução78. Nesse sentido, elucidando melhor o tema, manifesta-se a abalizada doutrina dos professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: Se o devedor resistiu à pretensão (ação de conhecimento) e não satisfaz a obrigação (ação de execução), mesmo depois de reconhecida sua obrigação, pelo princípio da causalidade, porque deu causa ao ajuizamento da execução, responde pelas despesas do cumprimento de sentença (ação de execução) e pelos honorários de advogado. A incidência dos honorários ocorre pelo simples fato de haver execução de sentença, ainda que não impugnada ou embargada. Nos casos de cumprimento da sentença, nos termos do CPC 475-I a 475-R, além da multa de 10% sobre o valor da condenação, prevista para a hipótese de não cumprimento imediato da sentença transitada em julgado (CPC 475-J), são devidos honorários de advogado. Havendo embargos do executado na execução, que é outra ação de conhecimento, incidental à execução, tecnicamente são devidos novos honorários pelo vencido. Da mesma forma, havendo impugnação ao cumprimento da sentença, que é uma nova ação cujo objetivo pode ser a desconstituição do título judicial ou de sua eficácia, deve haver condenação em honorários de advogado. Assim, podem existir três condenações em honorários de advogado, quando se tratar de ação condenatória: a) na sentença da ação de conhecimento; b) na ação de execução (cumprimento da sentença), independentemente de ter havido ou não embargos; c) na ação de embargos do executado, ou de impugnação ao cumprimento da sentença, que é de conhecimento e visa desconstituir a eficácia executiva do título. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 225)
No que tange a condenação de honorários em face da Fazenda Pública79, discutível se mostra a constitucionalidade do art. 20, § 4º, do CPC. De acordo com o referido dispositivo, a fixação de honorários em face da Fazenda Pública, independentemente do valor da causa ou da natureza do procedimento (cognitivo ou executivo), deveria ser realizada de acordo com os parâmetros de equidade, o que permitiria, inclusive, a condenação em valor inferior aos 10% previstos no art. 20, § 3º, do CPC. Deve-se observar, no entanto, que a Fazenda Pública, se vencedora em ação condenatória, fará jus ao recebimento de honorários entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação. Com efeito, verifica-se que o art. 20, § 4º, do CPC confere a litigantes iguais tratamento absolutamente desigual, sem que seja apresentada qualquer razão jurídica que fundamente a aplicação impositiva de fator de discrímen. Afinal, em ambos os polos da demanda identifica-se a presença de profissionais capacitados para o exercício de suas funções, com qualificação jurídica suficiente para apresentarem pontos e contrapontos acerca do tema discutido em juízo. Não se revela justo, portanto, que um profissional seja abstratamente mais valorizado do que outro, apenas por estar litigando em favor da Fazenda Pública. Concluí-se, assim, que o art. 20, § 4º do CPC, por ofender o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput), revela-se parcialmente inconstitucional, no que tange a discriminação realizada em benefício da Fazenda Pública80. Nesse sentido, uma vez mais, tem-se o magistério dos professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY: A condenação da Fazenda Pública, vencida em ação condenatória, em percentual inferior a 10% de honorários, caracteriza
ofensa ao princípio constitucional da isonomia (CF 5º, caput), por tratar litigantes iguais com desigualdade. (…) Os litigantes tiveram despesas com advogados, de sorte que devem ser ressarcidos de forma igualitária. Isto porque a Fazenda, se vencedora em ação condenatória, teria a seu favor honorários entre 10% e 20%. Na parte em que discrimina a Fazenda Pública, a norma é inconstitucional. Em conclusão, quando a Fazenda Pública for vencida em ação condenatória, deverá o juiz fixar os honorários de advogado de acordo com o CPC 20 § 3º, entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o total da condenação, sendo-lhe vedado utilizar o critério do CPC 20 § 4º. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit, pág. 224)
No entanto, este posicionamento não tem obtido relevante acolhimento jurisprudencial. De fato, o art. 20, § 4º do CPC tem sido largamente empregado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como forma de limitar o teto dos honorários advocatícios devidos à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, nas demandas que versem sobre a prestação unificada à saúde (fornecimento de medicamentos, realização de cirurgias, etc.). De acordo com o referido Tribunal, o arbitramento dos honorários nas demandas dessa natureza deve observar os parâmetros de equidade, não devendo a verba sucumbencial exceder ao valor correspondente a meio salário mínimo nacional, independentemente do valor real da condenação imposta81. Esse entendimento restou consolidado no enunciado da Súmula nº 182 do TJ/RJ, in verbis: Súmula nº 182 do TJ/RJ: Nas ações que versem sobre a prestação unificada de saúde, a verba honorária arbitrada em favor do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública não deve exceder ao valor correspondente a meio salario mínimo nacional.
Ainda analisando a fixação de honorários em detrimento da Fazenda Pública, importante lembrar que o art. 1º-D da Lei nº 9.494/1997 dispõe que: “não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas”. Desse modo, ao contrário da regra geral do art. 20, § 4º, do CPC, tratando-se de execução contra a Fazenda Pública (art. 730 do CPC), não serão devidos pelo ente público honorários sucumbenciais decorrentes por si só do ajuizamento da execução. Apenas será admitida a cobrança no caso de sucumbência em embargos eventualmente opostos pela Fazenda Pública, por tratar-se de ação de conhecimento incidental ao procedimento executivo. Ao analisar a vedação imposta pelo art. 1º-D da Lei nº 9.494/1997, o STF entendeu que, por restar a Fazenda Pública condicionada ao pagamento por precatórios (art. 100 da CRFB) e por serem estes provenientes de obrigatória provocação do Poder Judiciário, seria razoável que a legislação infraconstitucional impedisse a cobrança de honorários no procedimento executivo. O mesmo, no entanto, não pode ser dito em relação às requisições de pequeno valor, onde a disciplina dos precatórios resta expressamente afastada pelo art. 100, § 3º, da Constituição Federal. In verbis: Execução, contra a Fazenda Pública, não embargada: honorários advocatícios indevidos na execução por quantia certa (CPC, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (CF/1988, art. 100, caput e § 3º). Embargos de declaração: ausência de contradição a sanar no acórdão embargado: rejeição. 1. Na medida em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Publica à “apresentação dos precatórios” e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve se submeter para adimplir o crédito. 2. O mesmo, no entanto, não ocorre relativamente à execução de quantias definidas em lei como de pequeno valor, em relação às quais o § 3º expressamente afasta a disciplina do caput do art. 100 da Constituição. (STF – Pleno – RE 420816 ED/PR – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão 21-03-2007)
Por derradeiro, cumpre salientar ser dispensável pedido expresso de condenação do réu em honorários, sendo decorrência natural da sentença a fixação da verba sucumbencial. Trata-se do que a doutrina denomina de pedido implícito, constituindo dever do magistrado, como destinatário
principal da norma insculpida no art. 20 do CPC, condenar o vencido nos honorários derivados da sucumbência na causa82. C)
DA INAPLICABILIDADE DO ART. 11, § 1º, DA LEI Nº 1.060/1950: Fugindo da regra do art. 20, § 3º do CPC, o art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060/1950 estabelece um limite diferenciado para o pagamento de honorários sucumbenciais quando o vencedor da demanda for beneficiário da assistência jurídica gratuita. De acordo com o referido dispositivo legal, os honorários nessas hipóteses “serão arbitrados pelo juiz até o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o líquido apurado na execução da sentença”. Com efeito, enquanto o art. 20, § 3º do CPC fixa genericamente o limite máximo dos honorários sucumbenciais no patamar de 20% sobre o valor da condenação, o art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060/1950 limita os honorários ao teto de 15% sobre o líquido apurado no cumprimento de sentença, colocando o patrono do beneficiário da justiça gratuita em flagrante posição de inferioridade remuneratória. No entanto, realizando-se uma análise histórica do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060/1950, verifica-se não ter sido essa a intenção do legislador ao criar a referida norma. Na época em que foi editada a Lei nº 1.060/1950, encontrava-se em vigor o sistema sucumbencial estabelecido pelo Código de Processo Civil de 1939, que apenas previa a condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios em situações excepcionais, como nos casos de litigância de má-fé (art. 63)83, quando a ação resultasse de dolo ou culpa do réu (art. 64)84 e nos casos de absolvição de instância (art. 205)85. Com isso, a remuneração dos advogados era primordialmente realizada por seus próprios clientes, não havendo, via de regra, a condenação da parte contrária ao pagamento dos honorários de sucumbência. Em virtude dessa sistemática, entretanto, identificava-se a ocorrência de um embaraço em relação aos hipossuficientes econômicos, pois estes naturalmente não possuíam condições de arcar com o pagamento dos honorários advocatícios devidos ao profissional que os representasse em juízo. Como forma de contornar essa problemática, o art. 76 do CPC/1939 criou verdadeiro sistema sucumbencial diferenciado, estabelecendo genericamente que, quando o vencedor da causa fosse beneficiário da assistência judiciária, os honorários de seu advogado seriam pagos pelo vencido86. Note que para a ocorrência dessa condenação sucumbencial não se exigia a caracterização de qualquer situação excepcional, exigindo-se apenas que o hipossuficiente econômico saísse como vencedor do litígio. Assim, quando o litigante fosse beneficiário da assistência judiciária, a condenação da parte contrária ao pagamento dos honorários sucumbenciais seria a regra, dependendo apenas da vitória na causa; nos demais casos, porém, a condenação em honorários seria medida excepcional, apenas autorizada nas hipóteses de litigância de má-fé, de dolo ou culpa do réu e de absolvição de instância. Seguindo essa mesma linha, o art. 11 da Lei nº 1.060/1950 confirmou a regra do art. 76 do CPC e estabeleceu o parâmetro de 15% sobre o líquido apurado na execução da sentença, como valor máximo para o arbitramento de honorários. Verifica-se, portanto, que o art. 11 da Lei nº 1.060/1950, no momento de sua edição, não tinha como objetivo colocar o patrono do beneficiário da assistência judiciária em posição de inferioridade remuneratória. Pelo contrário, buscava consolidar o direito à adequada remuneração do
prestador da assistência judiciária gratuita. Posteriormente, com a edição da Lei nº 4.632/1965, que modificou o art. 64 do CPC/1939, a condenação em honorários deixou de ser medida excepcional e passou a ser imposta para todos em função da sucumbência87. Com isso, a regra anteriormente aplicada apenas para os beneficiários da assistência jurídica gratuita restou difundida, também, para os não hipossuficientes, tornando-se uma consequência genérica da sucumbência. Inicialmente, não foi fixado pelo art. 64 do CPC/1939 qualquer percentual limitador dos honorários sucumbenciais, sendo apenas determinado que o arbitramento fosse realizado com moderação e de forma motivada (art. 64, § 1º do CPC/1939). Apenas com a edição do novo Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/1973), foram estabelecidos os parâmetros legais de fixação dos honorários, prevendo-se o limite mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º do CPC, com redação dada pela Lei nº Lei nº 5.925/1973). Com a edição dessas sucessivas leis processuais, portanto, observar-se que o direito ao recebimento dos honorários advocatícios e os parâmetros de arbitramento da remuneração receberam roupagem legal inteiramente nova. Dentro desse novo quadro normativo, o art. 11 da Lei nº 1.060/1950, que antes outorgava aos hipossuficientes um direito que a ninguém mais era atribuído, passou a garantir menos do que as demais normas processuais garantiam. É claro que essa defasagem normativa não foi uma consequência direta da vontade do legislador; se fosse assim, o art. 20 do CPC teria previsto percentuais de honorários distintos devidos para os beneficiários da assistência jurídica gratuita e para aos demais litigantes. Embora nenhuma das leis processuais posteriores tenha expressamente revogado art. 11 da Lei nº 1.060/1950, elas regulam inteiramente a mesma matéria tratada pelo referido artigo. Desse modo, de acordo com o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942)88, constata-se a clara ocorrência da revogação tácita do art. 11, § 1º da Lei nº 1.060/1950 pelas Leis nº 4.632/1965 e nº 5.869/1973 (Código de Processo Civil). In verbis: Art. 2º, § 1º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Portanto, quando necessitado econômico for vencedor da causa, os honorários advocatícios do prestador da assistência jurídica gratuita deverão ser fixados observando-se os parâmetros traçados pelo art. 20, § 3º, do CPC, devendo o valor ser arbitrado pelo magistrado entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação – desprezando-se, portanto, o teto de 15% fixado pelo art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060/195089. Nesse sentido, manifesta-se o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, em seu livro “Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita”, considerado um dos melhores estudos já realizados sobre o assunto: Segundo o Código de 1939, a condenação em honorários advocatícios da parte contrária era excepcional. Só havia condenação em honorários em caso de litigância de má-fé, ou quando o direito pleiteado pelo autor tivesse origem em dolo ou culpa do réu, ou, ainda, no caso de “absolvição de instância”, que na terminologia do Código de 1939, correspondia à nossa atual extinção do processo sem julgamento de mérito. Mas, por vezes, se a parte vencedora fosse beneficiária da gratuidade, a condenação em honorários era devida por força do art. 76 do Código, mesmo que não houvesse má-fé, dolo ou culpa. Assim, numa época em que a condenação de honorários era restrita a poucas hipóteses, os advogados eram basicamente remunerados pelos seus clientes. A fim de permitir remunerar o advogado do beneficiário, a regra do art. 76 impunha a condenação do vencido, sempre, a estas
verbas. O caput do art. 11 da Lei nº 1.060/1950, por seu turno, simplesmente repetiu, com outra ordem de palavras, a mesma regra contida no dispositivo do Código. (…) Na medida em que, desde a Lei nº 4.632/1965, a condenação em honorários passou a ser imposta a todos em função da sucumbência, o art. 11 foi revogado tacitamente; com o novo Código, então, que melhor regulamentou a matéria, não há como entendê-lo em vigor. Assim, o teto de 15% fixado no § 1º também é inaplicável, valendo o disposto no Código de 1973, segundo o qual o percentual máximo é de 20%. Se a regra do art. 11, originalmente, concedia ao beneficiário uma verba que a ninguém mais era devida, é equivocado entender que, com a generalização da condenação aos honorários, a norma passe a ter caráter restritivo, deixando o beneficiário em situação inferior. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 49/50)
Do mesmo modo, a jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça tem afastado a aplicabilidade do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060/1950, por entender que o mencionado dispositivo estaria revogado pelas normas processuais posteriores: Honorários de advogado. Assistência judiciária. A norma do artigo 11 e seu § 1º da Lei 1.060/1950 constituía, quando editada, exceção à regra contida no artigo 64 do Código de 39, segundo a qual só haveria condenação em honorários nas restritas hipóteses ali previstas. Deixou de subsistir, a partir de quando se consagrou legislativamente o princípio de que o sucumbente arcará com os honorários do adversário, em virtude apenas da sucumbência (Lei 4.632/1965). Incidência do disposto no § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 36.538-4/SP – Relator Min. EDUARDO RIBEIRO, decisão: 08.11.1998) PARTE VENCEDORA BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA GRATUITA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LIMITAÇÃO DO ART. 11, § 1º, DA LEI N. 1060/1950 – INAPLICABILIDADE – REGRA DO ART. 20, § 3º, DO CPC. (…) No que tange à limitação dos honorários advocatícios, prevista no art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060/1950, é de ter que tal regra deixou de subsistir a partir do advento do Código de Processo Civil de 1973, que instituiu, em seu art. 20, o sistema da sucumbência, elevando o percentual máximo a 20% do valor da condenação, para as sentenças condenatórias (CPC, art. 20, § 3º). Precedentes. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 963322/ES – Relator Min. SIDNEI BENETI, decisão: 02.06.2009) Sendo vencedora a parte que estava ao abrigo da assistência judiciária gratuita, a fixação de honorários advocatícios prevista no art. 11, § 1º da Lei nº 1.060/1950 pode ultrapassar o limite de 15% (quinze por cento), desde que observadas as regras previstas no CPC, norma geral que prevalece nobre a regra específica contida no mencionado dispositivo. Precedentes jurisprudenciais do STJ. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 157514/RS – Relator Min. WALDEMAR ZVEITER, decisão: 09.05.2000) D)
DA CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS QUANDO O VENCEDOR DA DEMANDA ESTIVER SENDO ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA: Conforme salientado ao longo dessa obra, não existe qualquer óbice que impeça a Defensoria Pública de atuar contra as pessoas jurídicas de direito público. De fato, a própria LC nº 80/1994 prevê expressamente em seu art. 4º, § 2º, que “as funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”. No entanto, embora seja pacífico o entendimento de que a Instituição encontra-se autorizada a patrocinar demandas movidas contra o Poder Público, a questão da admissibilidade ou não da condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública tem suscitado intrincados debates. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando atua contra a pessoa jurídica de direito público da qual é parte integrante”. A contrario sensu, o STJ reconhece “o direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face de ente federativo diverso, como, por exemplo, quando a Defensoria Pública Estadual atua contra Município”90. Sendo assim, se a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, litigar contra o próprio Estado do Rio de Janeiro, não terá a Instituição direito ao recebimento de honorários
sucumbenciais; da mesma forma, se a Defensoria Pública da União demandar contra a própria União, também não fará jus ao recebimento da verba honorária. A condenação ao pagamento de honorários de sucumbência apenas poderá ocorrer quando a Defensoria Pública atuar em face de ente público diverso daquele ao qual pertença, como, por exemplo, nas hipóteses em que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro patrocinar demanda movida contra qualquer município ou qualquer outro estado da federação. O Superior Tribunal de Justiça justifica tal posicionamento afirmando que a Defensoria Pública seria órgão desprovido de personalidade jurídica própria, sendo mantida e remunerada pelo próprio Estado ou pela própria União, conforme o caso91. Além disso, os honorários sucumbenciais, devidos nas ações ajuizadas pela Defensoria Pública, não seriam destinados à referida instituição, mas sim ao Estado ou à União92. Com efeito, caso a Defensoria Pública do Estado venha a se mostrar vencedora em ação intentada contra o próprio Estado, não seria possível a condenação desse ente público ao pagamento de honorários em benefício daquela Instituição, tendo em vista a caracterização da confusão entre a pessoa do credor e do devedor (art. 381 do CC/2002). Pelas mesmas razões, não seria possível também a condenação da União ao pagamento da verba honorária quando esta restasse vencida em demanda ajuizada pela Defensoria Pública da União. In verbis: A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul é órgão daquele Estado, desprovido de personalidade jurídica própria, o que torna descabida a condenação do ente público ao pagamento de verba honorária. Aliás, é o recorrido quem mantém a instituição, proporcionando, por certo, local para sua sede e remunerando seus integrantes. Efetivamente, os honorários advocatícios sucumbenciais, devidos nas ações ajuizadas pela Defensoria Pública, não são destinados à referida instituição, mas ao Estado para o qual presta serviços de assistência jurídica a pessoas carentes. Portanto, nas demandas em que a parte vencida for o próprio Estado, é evidente a confusão entre a pessoa do credor e a do devedor, prevista nos arts. 381, do Código Civil de 2002 (art. 1.049 do Código Civil de 1916), e 267, X, do Código de Processo Civil, sendo indevida a verba honorária sucumbencial. (STJ – Primeira Turma – AgRg no REsp 1054873 / RS – Relatora Min. DENISE ARRUDA, decisão: 11-11-2008)
Esse entendimento restou consolidado no enunciado da Súmula nº 421 do STJ, que estabelece: “os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a Súmula nº 80, consagrando idêntico posicionamento: “a Defensoria Pública é órgão do Estado do Rio de Janeiro. Logo, a este não pode impor condenação nos honorários em favor daquele Centro de Estudos, conforme jurisprudência iterativa do STJ”. Ainda, complementando esse entendimento, a Súmula nº 221 do TJ/RJ esclarece que: “os Municípios e as Fundações Autárquicas Municipais respondem pela verba honorária devida ao Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Publica, em caso de sucumbência”. No entanto, diante da moderna posição constitucional da Defensoria Pública e das recentes modificações trazidas pela LC nº 132/2009, esse posicionamento jurisprudencial não merece ser mantido. Inicialmente é importante lembrar que a Defensoria Pública não se encontra vinculada a qualquer estrutura estatal, tendo o Supremo Tribunal Federal, inclusive, reconhecido a impossibilidade dessa vinculação ao julgar a ADI nº 3.569/PE. Sendo assim, embora a sobrevivência da Defensoria Pública dependa das dotações orçamentárias repassadas pelo Estado ou pela União, conforme o
caso, a Instituição não se encontra vinculada ao ente federativo responsável por sua manutenção. Segundo o STF, a inexistência desse laço vinculativo constitui pressuposto fundamental para “o pleno exercício das funções institucionais da Defensoria Pública, dentre as quais se inclui a possibilidade de, com vistas a garantir os direitos dos cidadãos, agir com liberdade contra o próprio Poder Público”93 Ademais, com o reconhecimento da autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas dos Estados (EC nº 45/2004), da Defensoria Pública do Distrito Federal (EC nº 69/2012) e da Defensoria Pública da União (EC nº 74/2013), restou reafirmada a completa dissociação entre essas Instituições e os entes federados responsáveis pelo repasse de suas dotações orçamentárias (art. 134, § 2º, da CRFB). Isso significa que a Defensoria Pública possui completa autonomia na sua gestão administrativa e financeira, podendo aplicar seus recursos de maneira independente e sem qualquer interferência das demais estruturas estatais. Portanto, embora a Defensoria Pública pertença formalmente ao ente federativo responsável por sua manutenção, substancialmente esses dois sujeitos não consolidam a mesma figura. Cada uma dessas estruturas estatais possui gestão administrativa e financeira distintas, não havendo unidade existencial entre elas. Se a Defensoria Pública e o ente federativo que a mantém não compõe um mesmo todo unitário, não se pode afirmar a ocorrência de confusão (art. 381 do CC/2002) entre esses dois sujeitos. Vale lembrar: a confusão consiste na concentração, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor da obrigação, desaparecendo a pluralidade de situações jurídicas necessárias à existência da dívida94. Como consequência lógica, por não ser razoável exigir-se o pagamento contra si mesmo, essa concentração acaba gerando a extinção da obrigação. No caso da Defensoria Pública, no entanto, isso não ocorre. Quando o ente federativo é condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor da Defensoria, não há a concentração das qualidades de credor e devedor na mesma figura; a pluralidade de situações jurídicas subsiste em virtude da existência de dois sujeitos substancialmente distintos entre si. Portanto, não haverá na hipótese pagamento para si mesmo, mas pagamento à Instituição autônoma e desvinculada da estrutura do ente federativo devedor. A lógica do raciocínio é inquestionável: uma coisa é exigir que um indivíduo junte seu dinheiro e pague uma dívida a si mesmo, protagonizando uma autêntica cena de esquizofrenia. Outra situação completamente distinta é exigir que o ente federativo pague a uma Instituição autônoma a remuneração devida pelo trabalho desempenhado em juízo na defesa de uma determinada causa. No primeiro caso, os valores percorrem um círculo e retornam para o mesmo lugar de onde saíram; na segunda hipótese, a verba alcança destinação diversa de sua origem, sendo direcionada ao fundo gerido pela Defensoria Pública e utilizada, de maneira autônoma e independente, no aparelhamento da Instituição e na capacitação profissional de seus membros e servidores (art. 4º, XXI da LC nº 80/1994)95. Na verdade, o grande problema presente no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é, justamente, a utilização de preceitos do direito privado para a resolução de questões atinentes ao direito público, sem a adoção das devidas cautelas interpretativas. A complexa estrutura da administração pública impede que institutos criados originalmente para serem aplicados nas relações
travadas entre particulares sejam transportados, inadvertidamente, para regularem as obrigações financeiras existentes entre os diversos setores do Poder Público. Nesse sentido, sustentando a inaplicabilidade da confusão na esfera do direito público, manifestou-se o Procurador de Justiça LUIZ FABIÃO GUASQUE, em parecer publicado na Revista do Ministério Público do Estado Rio de Janeiro, in verbis: Honorários de sucumbência. Defensoria Pública. Princípio da legalidade. Norma de direito financeiro. Inaplicabilidade de preceitos do direito privado na esfera do Direito Público. Inexistência de confusão entre credor e devedor. Preceito que estabelece receita derivada e vinculada ao desenvolvimento científico da instituição. Norma que possibilita a continuidade do investimento, independentemente de juízo político, próprio das dotações orçamentárias. Sentido teleológico no sentido de assegurar viabilidade econômica, sem solução de continuidade. Prevalência do interesse público da atividade. Reforma da decisão. (…) Nunca é demais repetir, que todo o atuar da Administração Pública se funda no princípio da legalidade, nos termos do art. 37 da Constituição da República, havendo lei estadual, determinando o recolhimento dos honorários de sucumbência ao Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública. Soma-se isso, o fato de que as leis gozam de presunção de legitimidade, não tendo sido questionada, nem incidentalmente, a inconstitucionalidade do preceito que determina o recolhimento em ações patrocinadas pela Defensoria. Nos perdoem a ousadia, mas a premissa da confusão entre credor e devedor é instituto próprio do direito privado, inaplicável na esfera do Direito Público, posto que a norma em análise, consubstancia preceito de direito financeiro, onde se atribui a determinado departamento da instituição, a receita derivada decorrente das sumbências. No orçamento público são captadas receitas originárias, provenientes dos tributos, e as derivadas, decorrentes das receitas de bens públicos, aluguéis, leilões, etc. O orçamento do órgão do Estado: Defensoria Pública, é feito em decorrência das rubricas orçamentárias necessárias ao seu funcionamento, destinado ao atendimento do hipossuficiente, e elaborado dentro das propostas enviadas ao Executivo para análise como ato formalmente administrativo, mas de natureza legislativa, pois aprovado, por juízo de conveniência e oportunidade, pelos integrantes do legislativo estadual. Coisa diversa é a receita vinculada a determinado setor deste órgão, que por ter fundo próprio, possibilita a utilização e aplicação da verba de acordo com a produtividade e o resultado de sua atuação judicial. Portanto, em momento algum há confusão entre credor e devedor, apenas receita derivada e vinculada a determinada atividade, ou seja, fomento ao desenvolvimento técnico e científico do órgão do estado destinado a defesa judicial dos pobres. Assim como ocorre na isenção, ou seja, a incidência do fato gerador do tributo e a dispensa do pagamento, face ao juízo político quando a necessidade de se incentivar determinada atuação, que passa a não ser cobrada, em virtude da sua relevância ao interesse público, o Estado do Rio de Janeiro, por decisão política, resolveu criar receita derivada e com destinação específica, ao Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública. Em momento nenhum se pretendeu criar confusão entre pessoas que representam o Estado, mas apenas garantir a autonomia no investimento científico decorrente das vitórias obtidas por seus representantes, assegurando a continuidade no seu desenvolvimento científico, independentemente de injunções políticas dos Poderes Executivo e Legislativo. Portanto, em nossa modestíssima opinião, afastar o preceito por argumentos fundados em institutos do Direito Privado, é querer ser mais realista que o rei. (GUASQUE, Luiz Fabião. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro: MPRJ, jul./set. 2010, n.37, pág. 209/211 – emissão do parecer: 23-03-2005)
Por fim, torna-se importante observar que, após as modificações legislativas conduzidas pela LC nº 132/2009, passou o art. 4º, XXI, da LC nº 80/1994 a prever expressamente, como função institucional da Defensoria Pública, “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos”. Nota-se, portanto, que o legislador não realizou nenhuma distinção acerca de quais entes públicos deveriam ou não realizar o pagamento de honorários. Pelo contrário, o art. 4º, XXI da LC nº 80/1994 foi enfático ao afirmar que “quaisquer entes públicos” poderiam ser executados para o recebimento das verbas sucumbenciais decorrentes da atuação vitoriosa da Defensoria Pública96.
Com isso, restou expressamente afastada pelo legislador a ocorrência da confusão, sepultando-se definitivamente a tese materializada na Súmula nº 421 do STJ97. Corroborando esse posicionamento, leciona de forma conclusiva o professor GUILHERME FREIRE DE MELO: O dispositivo expressamente inclui a sucumbência devida por quaisquer entes públicos, o que incluiria, inclusive, o ente público de que faz parte a Defensoria. Em outras palavras, o dispositivo pretende contornar a jurisprudência do STJ, no sentido de que não há condenação em honorários quando o devedor é o próprio ente que custeia a Defensoria, em razão de confusão entre credor e devedor. Ao determinar a destinação a um findo específico o inciso XXI busca afastar a tese de confusão. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Op. cit., pág. 62) E)
DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA EXECUÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DEVIDOS À DEFENSORIA PÚBLICA: Originalmente, os honorários resultantes da sucumbência buscavam ressarcir o vencedor, ao menos em parte, pelos valores desembolsados com a contratação de seu advogado. Esse posicionamento encontrava-se embasado na disposição literal do art. 20 do CPC, que estabelece que “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. Além disso, segundo determinava a revogada Lei nº 4.215/1963, o advogado apenas faria jus aos honorários sucumbenciais na hipótese de não recebimento de qualquer remuneração por parte de seu cliente. Nesse caso, como o demandante vencedor não havia desembolsado qualquer quantia para o pagamento de seu advogado, não teria direito ao ressarcimento sucumbencial. Por essa razão, os honorários fixados pelo juiz na sentença seriam destinados ao advogado, garantindo-se ao profissional do direito a devida remuneração pelos serviços prestados em juízo. Como forma de ilustrar esse posicionamento, destacamos alguns julgados mais antigos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça: Execução. Liquidação da sentença. Honorários da sucumbência. Pagamento destinado ao vencedor da causa. Artigo 20, do Código de Processo Civil. Determina o artigo 20 da Lei Processual Civil que os honorários resultantes da sucumbência serão pagos ao vencedor e não ao patrono do vencedor. A verba honorária é, portanto, em princípio, destinada à parte, a fim de mitigar os prejuízos advindos do ajuizamento da causa. (STJ – Segunda Turma – REsp nº 27638/SP – Relator Ministro HÉLIO MOSIMANN, decisão: 06-02-1995) Os honorários e as despesas resultantes da sucumbência são, em princípio, destinados à parte, para compensar o vencedor do que despendeu com a contratação do seu advogado e com os gastos da causa. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 15338/RJ – Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, decisão: 12-05-1992) Processo Civil. Honorários da sucumbência. Inexistência de pacto contratual. Direito da parte. Exegese do art. 99, § 1º, da Lei nº 4.215/1963. Precedentes. Recurso desprovido. I – Na ausência de convenção em contrário, os honorários da sucumbência constituem direito da parte e se destinam a reparar ou minimizar seus prejuízos em função da causa ajuizada. II – Inexistindo avença, condiciona-se o direito autônomo do advogado, para postular executivamente em seu próprio nome os honorários da sucumbência, ao não recebimento de remuneração do seu constituinte. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 16489/PR – Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, decisão: 08-06-1992)
Todavia, esse entendimento sofreu gradativa evolução e, com o advento da Lei nº 8.906/1994, a verba sucumbencial passou a ser considerada expressamente como receita própria do advogado, sendo devida diretamente ao profissional do direito como forma de remunerá-lo pelo trabalho desempenhado em juízo na defesa da causa. In verbis: Art. 23 da Lei nº 8.906/1994: Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado,
tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
Com essa mudança de perspectiva, passou-se a reconhecer o direito autônomo do advogado à execução das verbas honorárias, conferindo-lhe a consequente legitimidade para atuar em nome próprio na fase executiva. O art. 24, § 1º, da Lei nº 8.906/1994, inclusive, faculta seja a execução dos honorários promovida “nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier”. Atualmente, portanto, entende-se que os honorários de sucumbência poderão ser executados pelo próprio vencedor ou por seu advogado indistintamente, sendo a verba, porém, considerada receita do profissional do direito98. Esse posicionamento vem sendo reiteradamente reconhecido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, como demonstram as decisões a seguir transcritas: A execução dos honorários advocatícios resultantes da sucumbência pode ser promovida tanto pelo advogado como pela parte por ele representada. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 910226/SP – Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, decisão: 02-09-2010) Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que, nos termos do art. 23 da Lei n. 8.906/1994 e da Súmula 306 do STJ, o advogado constituído e a parte possuem legitimidade concorrente para executar os honorários de sucumbência decorrentes de título executivo judicial. (STJ – Segunda Turma – REsp nº 1169967/RS – Relator Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, decisão: 19-08-2010)
A matéria, inclusive, restou tratada pela Súmula nº 306 do STJ, que consolidou a legitimação concorrente do advogado e da própria parte para a execução dos honorários sucumbenciais: Súmula nº 306 do STJ: Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.
No âmbito da Defensoria Pública, por sua vez, mostra-se discutível a existência de legitimidade concorrente para a promoção da execução dos honorários sucumbenciais. Uma primeira corrente defende a aplicação em relação à Defensoria Pública dos mesmos parâmetros de legitimidade consolidados em relação aos advogados particulares. De acordo com esse posicionamento, embora o entendimento construído pela jurisprudência se refira à legitimação executiva do profissional liberal, não haveria neste caso qualquer diferenciação ontológica que orientasse a criação de solução diversa em relação à Defensoria Pública. Sendo assim, nas demandas patrocinadas pela Defensoria, a legitimação para a execução dos honorários sucumbenciais seria atribuída, de forma concorrente, ao hipossuficiente vencedor da causa e à própria Defensoria Pública. No entanto, independentemente de quem promovesse a execução, a verba honorária seria considerada receita pertencente à Defensoria Pública, constituindo crédito exclusivo da Instituição em virtude do serviço prestado na defesa da causa99. Em sentido oposto, uma segunda corrente sustenta que os parâmetros de legitimidade traçados pela jurisprudência em relação aos advogados particulares não devem ser aplicados à Defensoria Pública. De fato, esse posicionamento nos parece ser mais razoável, haja vista a existência de profundas diferenciações que impedem a importação da solução empregada na esfera privada para dentro das relações institucionais da Defensoria Pública. Primeiramente é importante observar que a legitimação concorrente jurisprudencialmente
consolidada em relação aos profissionais liberais possui base fundamental nos arts. 23 e 24 da Lei nº nº 8.906/1994 (EOAB), Estatuto ao qual a Defensoria não se encontra subordinada. Vale lembrar que a Constituição Federal, ao dispor sobre a Defensoria Pública, previu expressamente que a Instituição fosse organizada por Lei Complementar, sendo formalmente inconstitucional sua regulamentação por Lei Ordinária. Além disso, existem diferenças fundamentais nas relações estabelecidas entre o advogado e seu cliente, e entre a Defensoria Pública e seu assistido: no primeiro caso há o estabelecimento de relação contratual, pautada pela pessoalidade e pela confiança; no segundo caso, a atuação do Defensor Público se dá por força de lei e de maneira impessoal, não havendo a pactuação de contrato entre o assistido e a Defensoria. Por essa razão, não se mostra razoável admitir que os honorários pertencentes exclusivamente à Defensoria Pública sejam executados livremente pelo hipossuficiente vencedor da causa, possibilitando-se que valores concernentes ao erário público sejam incorporados ao patrimônio particular de terceiros. Imaginemos a hipótese em que a Defensoria Pública, tendo exercido o patrocínio da causa durante toda a fase de conhecimento, restar desconstituída e substituída por advogado particular durante a fase executiva. Nesse caso, se for admitida a legitimação concorrente, poderia a parte vencedora, agora patrocinada por advogado, promover a execução e receber os honorários sucumbenciais pertencentes exclusivamente à Defensoria Pública, em virtude do trabalho desempenhado em juízo durante toda a fase de conhecimento. Após a plena satisfação da execução, caso não fossem repassados para a Defensoria Pública os valores a ela pertencentes, necessitaria a Instituição ingressar em juízo, promovendo nova demanda cognitiva em face de seu antigo assistido, objetivando o recebimento dos valores por este indevidamente auferidos. Isso se a Defensoria Pública viesse, de fato, a tomar conhecimento da lesão causada a sua receita, o que provavelmente sequer ocorreria. Não resta dúvida, portanto, que o melhor é prevenir a ocorrência de lesão ao erário e negar legitimidade ao vencedor da causa, evitando-se que promova a execução de honorários que não lhe pertencem. Nesse sentido, defendendo a legitimação exclusiva da Defensoria Pública para a execução dos honorários sucumbenciais devidos à Instituição, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA. ILEGITIMIDADE ATIVA. Carece de ação, por ausência de legitimidade, aquele que vencedor em causa patrocinada pela Defensoria Pública, propõe em nome próprio, execução de honorários que reverteram em favor do CEJUR/DP. Carência de Ação. Recurso provido. (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 2006.001.23008 – Relator Des. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ, decisão: 28-11-2006) Embargos à Execução. Rejeição liminar. Condenação em honorários de advogado em prol do CEJUR/DPGE. Inteligência do art. 739, III do CPC. Apelação. Legitimidade do exequente. Deve a cobrança de honorários devidos em prol da Defensoria Pública ser intentada por esta, em seu nome, e não em nome da parte. Ausência de contrato de mandato, não ocorrendo representação senão assistência judiciária, decorrente de comando legal. (TJ/RJ – Décima Oitava Câmara Cível – Apelação Cível nº 2007.001.53753 – Relator Des. PEDRO FREIRE RAGUENET, decisão: 08-11-2007)
Superadas as questões preliminares e afastada a legitimidade concorrente, cumpre analisar a quem pertence a legitimidade exclusiva para a execução dos honorários sucumbenciais. Tradicionalmente, tem sido reconhecida a legitimidade da Defensoria Pública para instaurar e
promover o cumprimento de sentença (art. 475-J do CPC) em relação aos honorários, sendo a referida verba destinada ao fundo próprio da referida Instituição, nos termos do art. 4º, XXI da LC nº 80/1994. Essa legitimação, inclusive, encontra-se fundamentada na própria Lei Complementar nº 80/1994, que estabelece como função institucional da Defensoria Pública a execução e o recebimento das verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação (art. 4º, XXI). Corroborando esse posicionamento, podem ser destacados inúmeros julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Defensoria Pública. Honorários advocatícios. Ilegitimidade ativa afastada. 1 – Legitimidade da Defensoria Pública, pois esta possui autonomia administrativa, orçamentária e financeira, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal, sendo órgão do Estado e que tem entre suas receitas os honorários advocatícios. (TJ/RJ – Quinta Câmara Cível – Apelação Cível nº 000342538.2008.8.19.0038 – Relator Des. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, decisão: 06-09-2011) Agravo de instrumento. Decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta pelo Município nos autos de execução de honorários advocatícios promovida pela Defensoria Pública. Legitimidade da Defensoria Pública para figurar no polo ativo da execução dos honorários advocatícios a ela destinados. (TJ/RJ – Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 002997786.2010.8.19.0000 – Relator Des. WAGNER CINELLI, decisão: 19-08-2010) Embargos à Execução. Ação Ordinária. Condenação da verba honorária destinada ao Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública. Legitimidade da Defensoria para execução dos honorários de sucumbência. (TJ/RJ – Décima Nona Câmara Cível – Apelação Cível nº 2007.001.55235 – Relator Des. MARCUS TULLIUS ALVES, decisão: 25-10-2007)
Paralelamente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro também tem reconhecido, de maneira reiterada, a legitimidade ativa do Centro de Estudo Jurídicos da Defensoria Pública para a execução dos honorários sucumbenciais devidos à Instituição. De acordo com a referida Corte, embora o CEJUR “não possua personalidade jurídica própria, possui capacidade processual para propor execução de honorários, na medida em que se trata de órgão integrante da estrutura da DPGE/RJ, na forma da Lei 1.146/1987”100. In verbis: Apelação Cível. Embargos à Execução. Defensoria Pública. Honorários advocatícios. Legitimidade. O CEJUR/DPGE, órgão integrante da estrutura administrativa da Defensoria Pública, tem capacidade processual para propor ação de execução de honorários advocatícios. Precedentes deste Tribunal. (TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 2009.001.56419 – Relator Des. VERA MARIA VAN HOMBEECK, decisão: 06-10-2009) Honorários advocatícios. Embargos à Execução. Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria pública CEJUR. Alegação de Ilegitimidade. Rejeição. Recurso dirigido contra decisão que rejeita Embargos à Execução, afastando a alegação de não ter o Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro personalidade jurídica a legitimar sua permanência no polo ativo visando a execução de honorários advocatícios. A remansosa orientação jurisprudencial desta Corte consolidou o entendimento de que o CEJUR, ente criado pela Lei Estadual 1146/1987, é órgão integrante da estrutura da Defensoria Pública, com receita própria, cujo Fundo Orçamentário é constituído, dentre outros, pelos recursos provenientes dos honorários advocatícios devidos à Defensoria Pública, e, portanto, possui legitimidade para figurar no polo passivo de pleito executório envolvendo verba honorária advocatícia de que é credor. (TJ/RJ – Décima Sexta Câmara Cível – Apelação Cível nº 2007.001.53541 – Relator Des. MARIO ROBERT MANNHEIMER, decisão: 07-01-2008) Apelação. Embargos à Execução. Execução de Honorários advocatícios. Legitimidade do CEJUR/DPGE, órgão integrante da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Precedentes deste Tribunal. Recurso a que se nega seguimento, nos termos do art. 557, caput, do CPC. (TJ/RJ – Décima Nona Câmara Cível – Apelação Cível nº 0003002-09.2009.8.19.0082 – Relator Des. RENATO RICARDO BARBOSA, decisão: 26-08-2010)
Existe, ainda, na esfera administrativa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, posição institucional materializada em parecer oficial emitido, em 2007, pelo então Defensor Público, e hoje Desembargador do TJ/RJ, professor MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO, no sentido de que o legitimado para a execução dos honorários advocatícios seria o “órgão de atuação da
Defensoria Pública”101. Nesse sentido, confira o seguinte trecho do parecer prolatado nos autos do Processo Administrativo CI/CEJUR/DPGE nº 005/2007: Diante da permissão legal concedida ao advogado pelo art. 23 da Lei 8.906/1994, deve-se preencher a lacuna deixada com relação à legitimidade do defensor público, para reconhecer aos órgãos de atuação a legitimidade para em nome próprio executarem os honorários em favor do Centro de Estudos Jurídico da Defensoria Pública do Estado. Do contrário ferir-se-ia o princípio da isonomia e também o interesse público, com lesão ao erário pela falta de efetividade na cobrança de verba pertencente ao Fundo Orçamentário Especial previsto no art. 3º, I, da Lei Estadual 1.146/1987. Devem-se, pois, entender legitimados os órgãos de execução da Defensoria para pleitear em nome próprio as verbas devidas ao Centro de Estudo Jurídicos. É o que nos parece, sub censura. (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Parecer emitido nos autos do Processo Administrativo CI/CEJUR/DPGE nº 005/2007, emissão: 13-03-2007)
Com a devida vênia, não obstante e notório e reconhecido brilhantismo do ilustre professor, não nos parece ser esse o posicionamento mais adequado sobre o tema. Como se sabe, a Defensoria Pública, como Instituição funcional, administrativa e financeiramente autônoma, manifesta sua vontade por meio dos diversos órgãos de atuação que integram sua estrutura administrativa. Dentro dessa peculiar formação, tal como ocorre nos seres biológicos, os órgãos se agrupam e se integram como partes para compor um todo unitário, trabalhando em conjunto para o adequado desempenho das funções gerais do corpo. No entanto, os órgãos não possuem existência autônoma ou vontade própria, que são atributos do corpo e não das partes. Por esse motivo, cada manifestação de vontade dos órgãos de atuação será sempre imputada à própria Defensoria Pública, como um braço que atua pelo corpo. Dessa forma, apesar de ser o responsável físico pela efetivação executiva da sentença, não será o órgão de atuação que irá figurar como parte no processo que executa os honorários sucumbenciais. Na verdade, como o órgão encontra-se integrado à estrutura administrativa da Instituição, quem deverá figurar como parte no polo ativo da execução será a própria Defensoria Pública. Em uma análise prática e concreta, a petição que instaurar o cumprimento de sentença (art. 475-J do CPC), objetivando o recebimento dos honorários, não deverá ter como exequente o “órgão de atuação da Defensoria Pública da Vara tal da Comarca tal”, mas sim a própria “Defensoria Pública”. O órgão de atuação constitui parte indissociável da Defensoria Pública, atuando sempre em nome da própria Instituição. Logo, não se pode reconhecer capacidade processual autônoma ao órgão para a promoção da execução dos honorários. Quando o órgão exerce determinada atividade, quem está atuando, na verdade, é a própria Defensoria Pública por intermédio do órgão. Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, não nos parece que seja necessário que se reconheça personalidade judiciária ao CEJUR para promover a execução dos honorários sucumbenciais devidos à Defensoria Pública. Afinal, trata-se de órgão que integra a estrutura administrativa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e que, inclusive, se encontra diretamente subordinado ao Defensor Público Geral do Estado (art. 1º da Lei Estadual nº 1.146/1987). Além disso, embora o art. 3º, I, da Lei Estadual nº 1.146/1987 preveja que o Fundo Orçamentário Especial do CEJUR terá como uma de suas fontes de recursos os honorários de sucumbência, o referido diploma legal não outorga ao CEJUR legitimação autônoma para a promoção da execução. Na realidade, revela-se absolutamente desnecessário que se reconheça personalidade judiciária aos órgãos de atuação da Defensoria Pública para que possam promover a execução dos honorários
sucumbenciais. Isso porque o Defensor Público Geral (arts. 7º e 100 da LC nº 80/1994) e cada um dos Defensores Públicos locais, por delegação, encontram-se autorizados a representar judicialmente a Instituição, podendo livremente promover a execução dos honorários em nome da própria Defensoria Pública, quantas vezes for necessário102. Em síntese conclusiva, portanto, entendemos que os órgãos de atuação e gestão interna da Defensoria Pública, por não possuírem existência autônoma ou vontade própria, não possuem capacidade processual para promover a execução dos honorários sucumbenciais devidos à Instituição. Com base na expressa redação do art. 4º, XXI da LC nº 80/1994, acreditamos que a legitimidade ativa para a execução dos honorários sucumbenciais deve ser outorgada, de maneira exclusiva, à própria Defensoria Pública, como Instituição una e indivisível (art. 3º da LC nº 80/1994). F)
DA DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DOS RECURSOS FINANCEIROS PROVENIENTES DAS VERBAS SUCUMBENCIAIS: De acordo com a expressa disposição do art. 4º, XXI, da LC nº 80/1994, os valores provenientes do sucesso no litígio deverão ser recolhidos em favor de “fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores”103 Fala-se aqui em fundos, no plural, pois cada uma das Defensorias Públicas do país deverá possuir seu próprio fundo, possibilitando o recebimento individualizado das verbas sucumbenciais pelas Defensorias Públicas da União, de cada um dos Estados e do Distrito Federal. Não há, portanto, um fundo conjunto para todas as Defensorias Públicas, mas vários fundos individualizados, que recebem separadamente as verbas sucumbenciais auferidas pelo sucesso no litígio. De fato, se cada Defensoria Pública possui sua própria dotação orçamentária, aplicando de maneira autônoma os recursos financeiros obtidos do ente público responsável por sua manutenção, não há como justificar a criação de um fundo conjunto de todas as Defensorias. Afinal, cada uma revela-se funcional, administrativa e financeiramente autônoma em relação às demais. Pela leitura da parte final do art. 4º, XXI da LC nº 80/1994, observa-se que os honorários sucumbenciais recebidos pela Defensoria Pública passaram a possuir, com o advento da LC nº 132/2002, destinação legal específica, devendo obrigatoriamente serem empregados, de maneira exclusiva, “para o aparelhamento da instituição e para a capacitação profissional de seus membros e servidores”. Aparelhar a instituição significa garantir os meios físicos para o pleno exercício da atividade funcional da Defensoria, estruturando os órgãos de atuação e assegurando os instrumentos necessários para um melhor atendimento dos economicamente necessitados. Esta expressão abrange os aspectos materiais, permitindo que as verbas sucumbenciais sejam empregadas na aquisição de melhores espaços físicos para a realização dos atendimentos, equipamentos mais modernos, mobiliários capazes de suportar a crescente demanda institucional, etc. Por outro lado, garantir a capacitação profissional significa investir na melhor preparação técnica e profissional dos membros e servidores da Instituição, aprimorando sua qualificação profissional por intermédio de cursos, palestras e treinamentos especializados. Constata-se, portanto, que a parte final do art. 4º, XXI, da LC nº 80/1994 indica um caminho
duplo pelo qual necessariamente as verbas sucumbências deverão seguir, garantindo-se a melhoria dos aspectos físicos ou da qualificação técnica da Defensoria Pública. Objetiva-se, com isso, possibilitar o adequado desenvolvimento da Instituição, assegurando-se a continuidade de investimentos para o aparelhamento de sua estrutura e para a capacitação de seu pessoal, independentemente de injunções políticas dos Poderes Executivo e Legislativo – próprias das dotações orçamentárias. Deve-se observar, outrossim, que a destinação legal específica dos recursos proveniente dos honorários sucumbenciais possui um segundo objetivo, que se encontra implícito no texto da LC nº 80/1994. Ao conceder uma finalidade específica ao capital obtido pelo recebimento da verba honorária, buscou-se evitar que os referidos valores fossem destinados ao pagamento de benefícios pecuniários aos integrantes da carreira, que estariam por via transversa infringindo a proibição estampada nos arts. 46, III, 91, III e 130, III da LC nº 80/1994. Se os membros da Defensoria Pública da União (art. 46, III), do Distrito Federal e Territórios (art. 91, III) e dos Estados (art. 130, III) encontram-se proibidos de “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições”, não poderão, por via análoga, receber benefícios oriundos das verbas sucumbenciais recolhidas pelo fundo da Instituição. Os valores recebidos a título de honorários sucumbenciais pela Defensoria Pública deverão ser destinados especificamente para a Instituição, garantindo-lhe aparelhamento físico e capacitação profissional. Em nenhuma hipótese poderão os valores serem revertidos diretamente em pecúnia aos membros da Instituição, seja a qualquer título ou pretexto. G)
DOS FUNDOS ESPECIAIS DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS: Além dos recursos provenientes do recebimento das verbas sucumbenciais (art. 4º, XXI da LC nº 80/1994 c/c art. 20 do CPC) alguns estados da federação instituíram importantes mecanismos autônomos de receita, destinados a tonificar a musculatura econômica da Defensoria Pública, que por muito tempo restou materialmente privada das verbas necessárias ao seu regular desenvolvimento e funcionamento. Trata-se do fundo especial criado e mantido principalmente pelo produto da arrecadação da taxa de polícia sobre as atividades notariais e de registro, que possuem valores e percentuais variados em cada unidade federada. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual nº 4.664/2005 criou o Fundo Especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – FUNDPERJ (art. 1º), que arrecada 5% das receitas incidentes sobre o recolhimento de custas e emolumentos extrajudiciais (art. 4º, III). De acordo com o art. 2º da referida Lei Estadual, “o FUNDPERJ tem por finalidade complementar os recursos financeiros indispensáveis ao custeio e aos investimentos da Defensoria Pública voltados para consecução de suas finalidades institucionais”, sendo vedada a aplicação da receita do fundo em despesas com pessoal. Embora o art. 4º da referida Lei Estadual traga a previsão de outras fontes de receita para o FUNDPERJ (recursos provenientes da transferência de outros fundos; auxílios, subvenções, doações e contribuições; recursos provenientes do produto da alienação de equipamentos da Defensoria
Pública; rendimentos de depósitos bancários ou aplicações financeiras; etc.), na realidade prática a maioria absoluta dos recursos destinados ao referido fundo realmente decorrem dos 5% cobrados sobre recolhimento de custas e emolumentos extrajudiciais (art. 4º, III)104. De fato, estes valores têm sido responsáveis por uma melhora significativa na estrutura funcional da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, ajudando a Instituição a nutrir-se após uma longa e rigorosa dieta imposta pelo poder público. A cobrança dos valores mencionados no art. 4º, III da Lei Estadual nº 4.664/2005 restou regulamentada pelo Ato Normativo Conjunto nº 04/2006 do TJ/RJ, que determinou o recolhimento da verba, por meio de GRERJ, a partir de 1º de julho de 2006105. Importante observar, por fim, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 36.343, entendeu ser constitucional a cobrança da referida taxa em favor do FUNDPERJ. In verbis: Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso III do art. 4º da lei n. 4.664, de 14 de dezembro de 2005, do Estado do Rio de Janeiro. Taxa instituída sobre as atividades notariais e de registro. Produto da arrecadação destinado ao Fundo Especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. É constitucional a destinação do produto da arrecadação da taxa de polícia sobre as atividades notariais e de registro, ora para tonificar a musculatura econômica desse ou daquele órgão do Poder Judiciário, ora para aportar recursos financeiros para a jurisdição em si mesma. O inciso IV do art. 167 da Constituição passa ao largo do instituto da taxa, recaindo, isto sim, sobre qualquer modalidade de imposto. O dispositivo legal impugnado não invade a competência da União para editar normais gerais sobre a fixação de emolumentos. Isto porque esse tipo de competência legiferante é para dispor sobre relações jurídicas entre o delegatário da serventia e o público usuário dos serviços cartorários. Relação que antecede, logicamente, a que se dá no âmbito tributário da taxa de polícia, tendo por base de cálculo os emolumentos já legalmente disciplinados e administrativamente arrecadados. Ação direta improcedente.” (STF – Pleno – ADI nº 3.643 – Relator Min. Carlos Britto, decisão 8-11-2006) 7.4.19 Convocação de audiências públicas
Por fim, de acordo com o art. 4º, XXII da LC nº 80/1994, constitui função institucional da Defensoria Pública “convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais”. De maneira geral, as audiências públicas constituem reuniões públicas informais, para as quais a comunidade interessada é convidada a comparecer para expressar suas opiniões e ouvir as respostas dos membros da Defensoria Pública e demais pessoas públicas convidadas. Não existem regras ou manuais que determinem a forma como deve ser conduzida uma audiência pública. Geralmente, é realizada uma apresentação de abertura, com a exposição do tema a ser discutido e indicados os principais pontos a serem tratados, sendo em seguida aberta a oportunidade para que os convidados formulem ponderações, questionamentos ou oposições. 7.5 O TRATAMENTO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS PELA LEGISLAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO As funções institucionais da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro são elencadas, primeiramente, no art. 179, § 3º, da CERJ, que estabelece: Art. 179, § 3º: São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras que lhe são inerentes, as seguintes: I – promover a conciliação entre as partes em conflitos de interesses; II – atuar como curador especial;
III – atuar junto às delegacias de polícia e estabelecimentos penais; IV – atuar como defensor do vínculo matrimonial; V – patrocinar; a) ação penal privada; b) ação cível; c) defesa em ação penal; d) defesa em ação civil; e) ação civil pública em favor das associações necessitadas que incluam entre suas finalidades estatutárias a proteção ao meio ambiente e a de outros interesses difusos e coletivos; f) os direitos e interesses do consumidor lesado, desde que economicamente hipossuficiente, na forma da Lei; g) a defesa do interesse do menor e do idoso, na forma da Lei; h) os interesses de pessoas jurídicas de direito privado e necessitadas na forma da Lei; i) a assistência jurídica integral às mulheres vítimas de violência específica e seus familiares.
Na mesma esteira, o art. 22 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 aponta outras funções institucionais da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que guardam estreita similaridade com aquelas elencadas na Lei Complementar nº 80/1994, como podemos perceber pela leitura do dispositivo a seguir transcrito: Art. 22: Aos Defensores Públicos incumbe, genericamente, o desempenho das funções de advogado dos juridicamente necessitados, competindo-lhes especialmente: I – atender e orientar as partes e interessados em locais e horários pré-estabelecidos; II – postular a concessão da gratuidade de justiça e o patrocínio da Defensoria Pública mediante comprovação do estado de pobreza por parte do interessado; III – tentar a conciliação das partes antes de promover a ação, quando julgar conveniente; IV – acompanhar, comparecer aos atos processuais e impulsionar os processos, providenciando para que os feitos tenham a sua tramitação normal, utilizando-se de todos os meios processuais cabíveis; V – interpor os recursos cabíveis para qualquer instância ou Tribunal e promover revisão criminal desde que encontrem fundamentos na lei, jurisprudência ou prova dos autos, remetendo cópia à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública; VI – sustentar, quando necessário, nos Tribunais, oralmente, ou por memorial, com cópia à Corregedoria-Geral, os recursos interpostos e as razões apresentadas por intermédio da Defensoria Pública; VII – propor a ação penal privada nos casos em que a parte for juridicamente necessitada; VIII – ajuizar e acompanhar as reclamações trabalhistas nas Comarcas onde o Juiz de Direito seja competente para processá-las e julgá-las; IX – exercer a função de defensor do vínculo matrimonial em qualquer grau de jurisdição; X – exercer a função de curador especial de que tratam os códigos de Processo Penal e de Processo Civil, salvo quando a lei a atribuir especificamente a outrem; XI – exercer a função de curador nos processos em que ao Juiz competir a nomeação, inclusive a de procurador à lide do interditando, quando a interdição for pedida pelo órgão do Ministério Público e na Comarca não houver tutor judicial; XII – impetrar habeas corpus; XIII – requerer a transferência de presos para local adequado, quando necessário; XIV – funcionar por designação do Juiz em ações penais, na hipótese do não comparecimento do advogado constituído; XV – requerer a internação de menores abandonados ou infratores em estabelecimentos adequados; XVI – diligenciar as medidas necessárias ao assentamento do registro civil de nascimento dos menores abandonados; XVII – requerer o arbitramento e o recolhimento aos cofres públicos dos honorários advocatícios, quando devidos; XVIII – representar ao Ministério Público, em caso de sevícias e maus-tratos à pessoa do defendendo;
XIX – defender no processo criminal os réus que não tenham defensor constituído, inclusive os revéis; XX – funcionar como Promotor ad hoc, sempre que nomeado pelo Juiz, nas hipóteses previstas em lei.
Importante observar que o disposto no art. 22, VIII, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 perdeu sua eficácia há anos, já que, com o aparelhamento da Justiça do Trabalho, os Juízes de Direito deixaram de exercer a competência trabalhista, de sorte que os Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro não mais possuem atribuição para ajuizar e acompanhar as reclamações trabalhistas (art. 14 da LC nº 80/1994). Outrossim, o exercício da função de defensor do vínculo matrimonial em qualquer grau de jurisdição (art. 22, IX, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977), já não mais tem espaço em nosso ordenamento jurídico, desde a edição do Código Civil de 2002. No exercício dessa função, a Defensoria Pública deveria atuar nos processos de separação e divórcio, objetivando a manutenção do vínculo conjugal. A previsão medonha de que o Defensor Público funcione por designação do juiz em ações penais, na hipótese do não comparecimento do advogado constituído, contida no art. 22, XIV da Lei Complementar nº 06/1977 representa apenas um passo para trás perante toda a doutrina construída sobre os princípios institucionais. Nas hipóteses de ausência do advogado constituído, não há como admitir a designação de Defensor Público para “cobrir” a falta de patrono. Não se pode olvidar que o acusado possui o direito de escolher um novo patrono ou eleger a própria Defensoria Pública para que patrocine seus interesses. Admitir que o magistrado imponha ao acusado a atuação da Defensoria Pública ou de um defensor dativo, sem lhe garantir o direito de escolha, é o mesmo que retornar ao nefasto sistema inquisitivo, onde cabia ao Juiz “promover a defesa do acusado”. Todo acusado tem o direito a escolha de sua defesa, em razão do princípio da confiança, como bem garante o art. 8º, itens “6” e “7” do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos – Decreto nº 678/1992). Dessa forma, antes da atuação da Defensoria Pública, o acusado possui o direito de ser intimado a fim de que possa constituir novo advogado ou indicar o patrocínio da Defensoria Pública106. Nesse sentido, leciona o Defensor Público LEONARDO LUIZ DE FIGUEIREDO COSTA, em artigo publicado sobre o tema: Havendo a necessidade de substituição do patrono, primeiramente deve ser intimado o réu, para que tome conhecimento do abandono ou da renúncia e para que nomeie, se quiser, outro patrono. Caso não o faça, será assistido pela Defensoria Pública (onde houver) ou por defensor dativo, nomeado pelo juiz. A ausência de intimação do réu desvirtua a ampla defesa, gerando uma nulidade processual insanável. Se a ausência de defensor constitui nulidade absoluta, na forma do art. 564, III, c do Código de Processo Penal, o mesmo ocorre com a nomeação de um defensor sem manifestação da vontade do réu. Há evidente violação à ampla defesa, que é uma injunção legal e dogma constitucional, com indiscutível caráter público, de tutela à liberdade e aos direitos individuais. (COSTA, Leonardo Luiz de Figueiredo. Exercício da Defensoria Pública, nomeação de defensor dativo e ampla defesa no processo penal. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2001, ano XIII, n.17, pág. 81)
Excepcionalmente, o Código de Processo Penal contempla duas hipóteses em que o juiz nomeará o Defensor Público para a prática de determinado ato processual, como se observa dos arts. 396-A, § 2º, e 408 do CPP, independentemente da vontade do acusado, uma vez que a defesa técnica e a oportunização da autodefesa no processo penal são direitos indisponíveis, como já exposto. E, mesmo assim, de acordo com o art. 263 do CPP o acusado terá o direito de, a todo tempo, nomear
advogado de sua confiança, ou de se defender em causa própria, caso tenha habilitação. No que tange ao art. 22, XX, da Lei Complementar nº 06/1977, devemos lembrar que a figura do Promotor ad hoc foi extirpada do ordenamento jurídico brasileiro, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que adotou o princípio da exclusividade da ação penal pública a cargo do Ministério Público. Desse modo, a previsão constante da referida legislação estadual não mais tem razão de ser, visto que as funções do Ministério Público só podem ser desempenhadas por integrantes de seu quadro, não se afigurando possível admitir que membros da Defensoria Pública assumam o posto interino de Promotores de Justiça107. Por fim, o art. 22, § 2º, da Lei Complementar nº 06/1977 possui previsão de constitucionalidade duvidosa, que merece atenção. De acordo com o dispositivo, “os Defensores Públicos darão assistência aos juridicamente necessitados que forem encaminhados aos órgãos de atuação por dirigentes de associações de moradores e de sociedades civis de natureza assistencial, por detentores de mandato popular, Vereadores, Prefeitos, Deputados, Senadores, bem como por Secretários de Estado e Municipais, sempre por intermédio das respectivas instituições, aos quais fornecerão as informações sobre a assistência prestada, quando solicitada”. A atuação institucional da Defensoria Pública em hipótese alguma pode restar atrelada a órgãos políticos ou movimentos sociais, diante da independência funcional dos Defensores Públicos e da universalização do acesso à justiça. Com efeito, presentes os requisitos configuradores do direito à assistência jurídica integral e gratuita, a Defensoria Pública deverá atuar, independentemente dos órgãos ou entidades que tenham realizado o encaminhamento do assistido. 7.6 DA LEGITIMIDADE DO DEFENSOR PÚBLICO GERAL PARA O AJUIZAMENTO DA REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE De acordo com o art. 125, § 2º, da CRFB, “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”. No exercício do poder constituinte derivado decorrente, diversos Estados-membros concederam, em suas respectivas constituições estaduais, legitimidade para que o Defensor Público Geral realize a propositura de Representação de Insconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual. Nesse sentido, por exemplo, normatiza o art. 162 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, in verbis: Art. 162: A representação de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou municipais, em face desta Constituição, pode ser proposta pelo Governador do Estado, pela Mesa, por Comissão Permanente ou pelos membros da Assembleia Legislativa, pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Defensor Público Geral do Estado, por Prefeito Municipal, por Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação na Assembleia Legislativa ou em Câmara de Vereadores, e por federação sindical ou entidade de classe de âmbito estadual.
Ao analisar a questão, o Supremo Tribunal Federal entendeu, em sede de medida liminar, ser plenamente constitucional a outorga de legitimidade ao Defensor Público Geral do Estado para a instauração do controle direto de constitucionalidade em âmbito estadual, tendo em vista que o art. 125, § 2º, da CRFB apenas impede que a legitimação para agir seja atribuída a um único órgão. In
verbis: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: IMPUGNAÇÃO A VARIOS PRECEITOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. (…) REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS LOCAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO (ART. 159): ARGUIÇÃO DE INVALIDADE, EM FACE DO MODELO FEDERAL DO ART. 103 CF, DA OUTORGA DE LEGITIMAÇÃO ATIVA A DEPUTADOS ESTADUAIS E COMISSÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ASSIM COMO AOS PROCURADORES-GERAIS DO ESTADO E DA DEFENSORIA PÚBLICA: SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA, A VISTA DO ART. 125 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (…) Alega-se a inconstitucionalidade e pleiteia-se a suspensão cautelar da inserção, no rol da legitimação ativa para a ação direta, das Comissões permanentes e membros da Assembleia Legislativa, assim como dos Procuradores-Gerais do Estado e da Defensoria Pública, porque, sustenta-se, são “autoridades que não poderiam dispor dessa prerrogativa, à luz do disposto nos arts. 103, 132 e 134 da Constituição Federal”. Estou, data vênia, em que carece de plausibilidade a arguição, a qual, de um lado, trai o mau vezo de reduzir o poder constituinte estadual à imitação servil da Constituição Federal e, de outro, não leva às consequências devidas as suas premissas, que induziriam a impugnação a outros tópicos do mesmo dispositivo. No tocante ao controle direto de constitucionalidade de âmbito estadual, a única regra federal a preservar é a do art. 125, § 2º, CF, que autoriza os Estados a instituir a representação e lhes veda apenas “a atribuição de legitimação para agir a um único órgão”. Não obstante, quiçá se pudesse questionar a exclusão, no Estado, dos correspondentes locais das autoridades e instâncias que, na alçada federal, foram legitimadas à ação direta: assim, v.g., a do chefe do Ministério Público do Estado. Não vejo base, entretanto, para impugnar a ampliação da iniciativa, pelo Estado, a outros órgãos públicos ou entidades: eventuais desbordamentos de sua atuação concreta, em relação às suas finalidades institucionais, poderão eventualmente ser questionadas à luz do requisito da pertinência temática; mas não inibem, em tese, o deferimento da legitimação. (STF – Pleno – ADI nº 558 MC/RJ – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 16-08-1991)
Segundo entendemos, o dispositivo não padece de nenhuma inconstitucionalidade, tendo em vista não haver nenhum óbice na Constituição Federal que impeça a ampliação dos legitimados no controle de constitucionalidade estadual108. O que a Constituição Federal veda é que o controle de constitucionalidade no âmbito dos Estados fique restrito a um único órgão com legitimação para agir, ante o teor do art. 125, § 2º. Logo, a ausência de simetria entre a Constituição do Estado e a Constituição Federal não é fundamento suficiente capaz de afastar a legitimidade do Defensor Público Geral. Atualmente, encontra-se em trâmite no Congresso Nacional a PEC nº 487/2005, que pretende modificar o art. 103, VI, da CRFB, outorgando ao Defensor Público Geral da União a legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. De acordo com a justificativa apresentada pela PEC nº 487/2005: No que tange à legitimidade na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, tem-se que a Constituição Federal permite o ajuizamento dessas ações abstratas pelo Procurador-Geral da República e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a participação do Advogado-Geral da União para defender o ato impugnado. Entretanto, a Defensoria Pública é, igualmente às instituições referidas, função essencial à Justiça (Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal), mas não foi admitida a sua legitimação nas ações de controle concentrado no Supremo Tribunal Federal, o que infringe indiretamente os interesses dos mais pobres que se veriam representados na mais Alta Corte do país. Acrescenta-se que os interesses do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil podem não representar as pretensões dos necessitados, pois o Ministério Público, a despeito de fiscalizar a lei, também é o titular da ação penal; e o Conselho Federal das Ordem dos Advogados do Brasil é uma entidade de fiscalização da advocacia. É relevante destacar, ainda, que as entidades de classe de âmbito nacional podem ajuizar, no interesse dos seus membros, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. Assim, é possível que uma associação que represente os Defensores Públicos de todo o país ajuíze essa ação abstrata na defesa dos interesses dos seus associados, que representa numericamente menos que a própria instituição, pois nem todos são filiados às respectivas associações. Contudo, não é justo que entidades de classe de âmbito nacional possam intentar essas ações de constitucionalidade em seu proveito e a Defensoria
Pública, que representa mais de 90 milhões de pessoas, não ter a mesma legitimidade.
7.7 DA LEGITIMIDADE DO DEFENSOR PÚBLICO GERAL FEDERAL PARA APRESENTAR PROPOSTA DE EDIÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE Com a Reforma do Poder Judiciário operada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, foi introduzido em nosso ordenamento jurídico a tão badalada Súmula Vinculante, enfrentada por muitos como a solução para os diversos problemas que assolam a prestação jurisdicional, principalmente no tocante ao tempo de duração das demandas. O processo legislativo para elaboração da Súmula Vinculante foi muito conturbado, com a apresentação do Projeto de Lei nº 6.636/2006 de autoria do Deputado Luiz Antônio Fleury, além do substitutivo apresentado pelo Deputado Maurício Rands. Após dois anos de discussões, emendas e projetos substitutivos, o Congresso Nacional logrou êxito em aprovar o Projeto de Lei nº 6.636/2006, convertido na Lei nº 11.417/2006, que regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal, disciplinando o procedimento para a edição, a revisão e o cancelamento do enunciado vinculante. A referida lei ordinária, em seu art. 3º, VI, confere ao Defensor Público Geral Federal a legitimidade para apresentar proposta de edição, revisão e cancelamento de enunciado integrante da Súmula Vinculante. O oferecimento da proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula, também denominado procedimento sumular, se apresenta como processo de caráter objetivo, já que não há o antagonismo das partes em jogo, muito menos a existência de uma lide. Para a edição do enunciado da súmula é necessário que a questão objeto do enunciado tenha natureza constitucional, que haja a reiteração de decisões tratando do tema e a presença do quórum de 2/3 dos membros do Supremo Tribunal Federal para a aprovação do verbete. Logo, cabe a Defensoria Publica da União, através da atuação do Defensor Público Geral Federal apresentar proposta para edição de novos enunciados da Súmula Vinculante a fim de fortalecer a imagem da Defensoria Pública e pacificar divergências jurisprudenciais existentes no ordenamento jurídico109. Também como faceta dessa legitimação, cabe ao Defensor Público Geral Federal controlar o conteúdo dos enunciados da Súmula Vinculante, propondo sua revisão ou até mesmo o cancelamento, quando constatado que o teor do verbete não mais exprime uma interpretação consentânea a realidade. 7.8 TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA De acordo com a teoria dos poderes implícitos, cujos contornos foram originalmente traçados pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCulloch vs. Maryland (1819), “quando o texto constitucional outorga competência explícita a determinado órgão estatal, implicitamente, pode-se interpretar, dentro de um contexto de razoabilidade e proporcionalidade, que a esse mesmo órgão tenham sido dados os meios necessários para a efetiva e completa realização
dos fins atribuídos”110. Trata-se da aplicação direta de uma lógica constitucional, segundo a qual a previsão dos fins importa na concessão dos meios. De fato, seria impossível para qualquer diploma legal listar textualmente todos os meios possíveis para a concretização de determinado fim, haja vista a impossibilidade de se prever, de forma antecipada e abstrata, todas as eventuais situações obstacularizadoras. Por isso, ao analisarmos os poderes constitucionais, devemos admitir certa margem de elasticidade, permitindo-se a utilização de poderes implícitos quando a persecução dos fins for juridicamente válida111. Lecionando sobre o tema, tem-se a sempre elucidativa doutrina do mestre RUI BARBOSA, in verbis: Não são as Constituições enumerações das faculdades atribuídas aos poderes dos Estados. Traçam elas uma figura geral do regime, dos seus caracteres capitais, enumeram as atribuições principais de cada ramo da soberania nacional e deixam à interpretação e ao critério de cada um dos poderes constituídos, no uso dessas funções, a escolha dos meios e instrumentos com que os tem de exercer a cada atribuição conferida. A cada um dos órgãos da soberania nacional do nosso regime, corresponde, implicitamente, mas inegavelmente, o direito ao uso dos meios necessários, dos instrumentos convenientes ao bom desempenho da missão que lhe é conferida. (…) Nos Estados Unidos, é, desde Marshall, que essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que – em se querendo os fins, se hão de querer, necessariamente, os meios; a de que se conferirmos os meios eficazes para exercer essas funções. (…) Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a parte – o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos meios (…). A questão, portanto, é saber da legitimidade quanto ao fim que se tem em mira. Verificada a legitimidade deste fim, todos os meios que forem apropriados a ele, todos os meios que a ele forem claramente adaptáveis, todos os meios que não forem proibidos pela Constituição, implicitamente se têm concedido ao uso da autoridade a quem se conferiu o poder. (BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição Federal Brasileira, volume I, Saraiva, 1932., pág. 203/225)
Seguindo essa linha de raciocínio, devemos observar que a Constituição Federal incumbiu a Defensoria Pública de realizar “a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (art. 134, caput, da CRFB). Desse modo, para que a Defensoria possa alcançar, de maneira efetiva e completa, os fins traçados pelo art. 134 caput da CRFB, torna-se necessário outorgar-lhe os meios apropriados para a realização da mais ampla defesa de seus assistidos, tanto no aspecto técnico quanto no aspecto probatório. Para tanto, não se mostra suficiente a simples abertura de vista para que a Defensoria Pública, no exíguo prazo de 10 dias, ofereça resposta arrolando suas testemunhas e indicando as provas que pretende produzir (art. 396 e art. 396-A, § 2º, do CPP). Afinal, as provas não caem do céu e as testemunhas defensivas não surgem por simples passe de mágica; a descoberta de evidências favoráveis ao imputado demanda tempo e recursos, seja para a localização de testemunhas, seja para a realização de diligências objetivando a colheita de outros elementos probatórios. O cotidiano da atuação profissional revela a existência de profunda desigualdade entre os polos antagônicos da relação processual penal. Enquanto a acusação dispõe de toda a fase de inquérito para ouvir testemunhas, coletar documentos, realizar perícias e reunir elementos informativos suficientes para embasar seu pedido condenatório, a defesa depende do esforço do próprio imputado e de seus familiares para que possa realizar a simples indicação das testemunhas que irão depor em juízo.
Embora o inquérito policial devesse, em tese, investigar de maneira pluridirecional as circunstâncias do crime, coletando elementos tanto para demonstrar a culpabilidade do imputado como também para exonerar eventual inocente, na prática isso não ocorre. Na realidade, o inquérito busca coletar tão somente elementos que comprovem a autoria e a materialidade delitiva; o caminho percorrido pela polícia judiciária e pelo Ministério Público durante a fase investigatória é unidirecional e orientado segundo propósitos acusatórios. Durante a fase investigativa não são propositalmente coletados elementos defensivos ou analisadas as diferentes hipóteses que poderiam isentar o acusado de culpa. O que move a atuação da polícia judiciária e do Ministério Público é a possibilidade de o imputado ser processado e condenado. Conforme leciona o professor ANTONIO SCARANCE FERNANDES, “não se trata de esconder elementos favoráveis à defesa, se existentes, pois isso configuraria grave infração funcional, mas de dirigir a investigação segundo propósitos e intenções da acusação, descurando-se na colheita do que é favorável à defesa”112. Em quantos inquéritos policiais é realizada a oitiva de testemunhas defensivas? Em quantos inquéritos são realizadas diligências requeridas pelo investigado? De fato, o próprio Código de Processo Penal mostra-se resistente em relação à tais práticas, afirmando em seu art. 14 que “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”. Portanto, de acordo com o próprio Código de Processo Penal, a oitiva de testemunhas ou a realização de diligências indicadas pelo investigado ficam ao livre critério da autoridade policial, que poderá ou não atender a solicitação defensiva de acordo com sua discricionariedade113. Tudo isso revela que o primordial objetivo do inquérito é realizar a colheita de elementos acusatórios, e não defensivos. Não podemos nos deixar enganar, ainda, pela falaciosa ideia de que o MP seria instituição imparcial e neutra na busca da justiça penal114. O Ministério Público, quando atua no âmbito penal, se apresenta como contraditor natural do imputado; é ele quem aduz a pretensão punitiva e formula o pedido condenatório, impulsionando toda a persecução judicial penal. Portanto, sendo ele titular de posições jurídicas ativas e passivas na relação processual, qualifica-se tecnicamente como parte, revelando-se extremamente ilógica e infundada sua construção a partir do conceito de imparcialidade115. Na relação processual penal, a imparcialidade é atributo exclusivo do juiz, que se posiciona de maneira equidistante em relação às partes parciais do processo (Ministério Público e imputado), analisando de maneira neutra as provas e argumentos trazidos aos autos116. Em verdade, como destaca ANDRÉ AUGUSTO MACHADO, “o discurso em favor da imparcialidade do Ministério Público serve tão somente para conferir maior credibilidade à tese acusatória, supostamente neutra e justa, em detrimento da argumentação defensiva”117. Nesse sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC nº 87.926/SP, in verbis: De fato, na ação penal de iniciativa privada, condicionada ou não, o Ministério Público é parte, se não em sentido material – porque o poder-dever de acusar e punir não é dele, mas do Estado – é-o, ao menos formalmente parte acusadora. (…) Desse modo, entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação do Ministério Público no campo recursal, em processo-crime: não há
como excogitar que, em primeira instância, seu representante atue apenas como parte formal e, em grau de recurso – que frisese, constitui mera fase do mesmo processo –, se dispa dessa função para entrar a agir como simples fiscal da lei. Órgão uno e indivisível, na dicção do art. 127, § 1º, da Constituição da República, não há como admitir que o Ministério Público opere tão só como custos legis no curso de processo onde, em fase diversa, já tenha funcionado, mediante outro órgão, como encarregado da acusação, sob pena de se violentar a própria sintaxe acusatória do processo penal. O conteúdo da opinião legal, de fundo, exposto no parecer ou na sustentação oral, é de pouco relevo neste tema. Ou seja, ainda que, no mérito, o Ministério Público postule a absolvição do acusado, continua sempre órgão incumbido da acusação e não deixa de agir ou de poder agir como parte que é. Conclusão diversa levaria à concepção de processo de parte única, o acusado, o que parece absurdo diante de um sistema garantista, acusatório, agônico, marcado pela garantia de contraditoriedade. Permitir, pois, que o representante do Ministério Público promova sustentação oral depois da defesa, ainda mais no caso de ser ele o recorrente, comprometeria o pleno exercício do contraditório, que pressupõe o direito de a defesa falar por último, a fim de poder, querendo, reagir à opinião do parquet. (STF – Pleno – HC nº 87926/SP – Relator Min. CEZAR PELUSO, decisão: 20-022008)
Se o Ministério Público, que é qualificado como parte do processo, atua de maneira ativa durante a fase de inquérito, nada mais natural do que permitir ao imputado, que é a outra parte do processo, a possibilidade de coletar também elementos de convicção durante a fase investigativa. No entanto, de nada adianta permitir teoricamente a colheita dos elementos probatórios pelo acusado durante a fase pré-processual, se não forem disponibilizados os meios para a realização concreta dessa atividade investigatória. Afinal, enquanto o Ministério Público possui todo o aparato estatal a sua disposição, o acusado pode contar apenas com suas próprias forças – que são extremamente reduzidas em relação aos réus economicamente necessitados e praticamente inexistentes em relação aos réus presos. Nesse ponto, para que se possa efetivamente garantir ao acusado a ampla defesa e a igualdade material, tanto no aspecto técnico quanto no aspecto probatório, a Defensoria Pública deve ser capaz de operar extensa investigação defensiva acerca do fato delituoso, reunindo elementos de convicção que sejam favoráveis ao assistido. Prevendo o ordenamento jurídico procedimento investigatório de cunho nitidamente acusatório, a operacionalização de uma investigação criminal defensiva eficaz constitui medida imprescindível para a restauração do equilíbrio na balança do contraditório efetivo e real. Como observa JOSÉ AUGUSTO MENDES MACHADO, “esse tipo de investigação garante a indispensável paridade de armas entre a acusação e o imputado, pois permite a obtenção dos meios de prova relevantes para a defesa e que, no momento oportuno, serão utilizados para confrontar os dados materiais reunidos na investigação pública, tendencialmente acusatória”118. Com isso, a investigação criminal defensiva acaba proporcionando melhor averiguação dos fatos teoricamente delituosos, ampliando o campo cognitivo do magistrado e aumentado a eficiência do processo penal. Diante desse quadro, deve o Defensor Público dispor dos meios necessários para promover as diligências investigatórias que julgar conveniente, colhendo os elementos probatórios suficientes para a defesa de seu assistido. Para tanto, estabelecem os arts. 44, X, 89, X e 128, X da LC nº 80/1994 constituir prerrogativa do Defensor Público requisitar de autoridade pública e/ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições. Necessitando, portanto, de perícia ou diligência para esclarecer determinada dúvida processual, ou para colher determinada prova defensiva, poderá o Defensor Público requisitar a realização do
ato à autoridade competente (ex.: polícia militar, polícia civil, polícia federal, etc.). Por se tratar de ato administrativo dotado de imperatividade, autoexecutoriedade e presunção de legitimidade, a requisição emitida pela Defensoria Pública não depende de qualquer controle judicial prévio para que produza seus regulares efeitos jurídicos. Justamente por isso, a requisição de documentos ou informações necessárias à defesa do acusado não se encontra submetida à regra do art. 14 do CPP. Assim, as provas requisitadas pela Defensoria Pública não podem ser negadas discricionariamente pela autoridade policial, sendo compulsório o atendimento do pedido requisitório. Como manifestação emanada do escalão primário do serviço público estatal, a requisição concentra verdadeira ordem ou comando de índole administrativa, que impele o destinatário a fornecer a informação ou a realizar a providência requisitada. Essa atuação investigatória poderá ser desenvolvida pela defesa em qualquer fase do processo judicial, durante o curso inquérito policial ou mesmo antes deste ser instaurado. Além disso, a investigação criminal defensiva não precisa ser conduzida dentro de inquérito instaurado ou de ação penal proposta. A atuação investigatória da Defensoria Pública possui completa autonomia, sendo conduzida pelo Defensor Público e alimentada por elementos probatórios colhidos diretamente por ele ou por intermédio de informações requisitadas das autoridades públicas ou de seus agentes. Isso garante uma amplitude investigatória muito maior à defesa, possibilitando uma colheita mais aprofundada de informações benéficas ao imputado. Após analisar, confrontar e reunir os elementos de convicção favoráveis ao seu assistido, o Defensor realizará então a juntada das provas nos autos do inquérito ou da ação penal já instaurada, requerendo o que entender conveniente. Seguindo linha de raciocínio semelhante, leciona ANDRÉ AUGUSTO MENDES MACHADO, in verbis: A investigação defensiva não se confunde com a participação do defensor nos autos da investigação pública. Apesar de ambas as formas serem concretização do direito de defesa e, mais particularmente, dos direitos à prova e à investigação, elas não se equivalem. Ao participar da investigação pública, o defensor está circunscrito aos rumos dados à persecução prévia pelo órgão público e sua intervenção restringe-se à proteção dos interesses mais relevantes do imputado, principalmente seus direitos fundamentais. Na investigação defensiva, que se desenvolve totalmente independente da investigação pública, cabe ao defensor traçar a estratégia investigatória, sem qualquer tipo de subordinação às autoridades públicas, devendo apenas respeitar os critérios constitucionais e legais de obtenção de prova, para evitar questionamentos acerca da sua licitude e do seu valor. De maneira simplificada: enquanto na investigação pública o defensor é mero coadjuvante, na investigação defensiva ele assume o papel de protagonista. (MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág. 47)
Com isso, se estará assegurando uma maior profundidade na investigação das circunstâncias favoráveis ao imputado, bem como garantindo-se o descondicionamento da persecução penal, tradicionalmente voltada para a acusação. 7.9 A NECESSIDADE DE REFLEXÃO ACERCA DA REPARTIÇÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO E A FASE DA DESCOBERTA (DISCOVERY) O regime probatório do Direito norte-americano apresenta peculiaridades que o tornam singular em relação ao sistema de provas adotado no Brasil. Por definição, as provas são o conjunto de atos
praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, visando a instruir o processo com os elementos necessários capazes de permitir ao julgador formar seu livre convencimento motivado na solução do conflito jurídico. Compreendem os meios de prova tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, para a demonstração da verdade que se apura no processo, quando autorizados por lei e pelos costumes, cabendo ao juiz esgotar todos esses meios na apuração dos fatos. O nosso ordenamento jurídico adotando a teoria estática do ônus da prova traça as regras de repartição desse ônus, ao que se depreende da redação do art. 333 do Código de Processo Civil e 156 do Código de Processo Penal. A distribuição hermética do ônus da prova não parece ser a teoria mais adequada contemporaneamente, principalmente, nas situações de disparidade e de hipossuficiência técnica, onde uma das partes não disponha de meios para a produção de provas. Nesse contexto, surge a teoria da distribuição dinâmica do ônus probatório, permitindo que a produção da prova seja encargo daquele que tenha mais condições de levá-la a juízo119. Há situações em que a manutenção da regra de repartição prevista no Código de Processo Civil ocasionaria obstáculo intransponível à parte, um verdadeiro obstáculo ao sucesso de sua pretensão, ante a dificuldade em produzir determinada prova dos fatos alegados. O Código de Defesa do Consumidor é o primeiro passo da legislação brasileira no caminho da adoção da teoria dinâmica da prova, ante a adoção do sistema de inversão do ônus em favor dos consumidores, as partes mais fracas da relação consumerista, como ocorre no art. 6º, VIII do CDC. Entretanto, o sistema de repartição de ônus da prova também não é perfeito, se não houver uma regra de transparência na revelação das provas que as partes dispõem a fim de se alcançar a verdade no processo. Nesse ponto, o sistema da common law, com grande mérito ao Direito norte-americano contempla a fase de “Discovery” ou “Disclosure”, como denomina o Direito Inglês, que se qualifica como uma fase pré-processual de aferição dos elementos de provas referentes aos fatos da causa120. De acordo com as normas processuais, as partes fornecerão todas as provas de que dispõem, inclusive tomando depoimentos pessoais. Não se trata, todavia, de uma abertura absoluta de provas, visto que determinadas informações são imunes à fase de descoberta, a exemplo de questões que envolvam o sigilo profissional (relação de confidencialidade entre advogado e cliente, médico e paciente etc.) e determinados documentos (histórico infracional na adolescência, por exemplo). O objetivo da fase de descoberta é buscar a conciliação entre as partes, evitando-se o ajuizamento de demandas perante o Judiciário. Ao exibir o material probatório de que dispõe a parte, torna-se possível medir as consequências do processo, principalmente se o Direito da parte é bom. Por outro lado, principalmente, em relação às sociedades empresárias, a fase da descoberta permite evitar que o ajuizamento de uma demanda sirva de incentivo para que outros assim também ajam e onerem ainda mais a parte contrária. Ao realizar um acordo a partir do material revelado, as partes evitam a incerteza de uma sentença judicial, principalmente nas causas de competência do júri. Apesar de interessante, a fase da descoberta é alvo de críticas no próprio ordenamento jurídico, ante a possibilidade de se “maquiar” eventuais provas favoráveis à parte contrária. De acordo com
as normas processuais e o princípio da lealdade, excetuadas as hipóteses legais de sigilo, as partes são obrigadas a exibir todas as provas de que dispõem. Nesse contexto, é comum que se forneçam uma infinidade de documentos, muitos dos quais desnecessários, apenas para tornar obscura ou de difícil localização, determinada prova que seja relevante para a parte contrária. Não é por outra razão que as partes com menor condição financeira acabam tendo dificuldades em analisar documentos apresentados na fase da descoberta, diante do possível intento da parte contrária em maquiar indícios que podem beneficiar seu adversário. Essas mesmas partes também enfrentam obstáculos quando são solicitadas a fornecer provas de difícil produção, cujo intento da parte contrária é o de exatamente emperrar a fase pré-processual, diante da hipossuficiência técnica e organizacional do adversário. Seria salutar que a Defensoria Pública se organizasse de modo a implementar um sistema próximo ao da descoberta, em que dois Defensores Públicos, cada um representando uma das partes, produzissem elementos de prova acerca dos fatos e no próprio âmbito da Defensoria Pública discutissem acerca do Direito aplicável, buscando uma solução extrajudicial para os conflitos. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, possui a Coordenadoria do Programa DNA, nos termos da Resolução DPGE nº 73/1997, órgão encarregado de realizar os exames para investigação de filiação por meios próprios. A prática institucional tem revelado resultado positivo, visto que as partes se satisfazem com a conclusão do exame de DNA, o que permite que os genitores realizem o reconhecimento espontâneo de paternidade, evitando a judicialização do conflito. Além disso, a Defensoria Pública tem se utilizado do programa DNA para realizar investigações na seara criminal, principalmente após a realização de exumações, permitindo a identificação de vítimas. A criação da Coordenadoria de DNA revela verdadeira hipótese de “Discovery” no âmbito da Defensoria Pública, em razão da fase de produção probatória prévia, evitando-se o ajuizamento de ação de investigação de paternidade, ou até mesmo no posicionamento estratégico da defesa criminal. A realização do exame através da Coordenação de DNA otimiza o tempo de solução do conflito e permite ao Defensor Público, desde logo, traçar novas linhas defensivas ante eventuais provas desfavoráveis que venham a ser constatadas. Além disso, a Resolução nº 319/2005 institui no âmbito do Núcleo de Defesa do Consumidor a Comissão de Defesa do Consumidor Superendividado com atribuição para elaborar planilha individualizada de cada consumidor, bem como realizar audiência especial de conciliação, reunindo todos os credores do consumidor em situação de endividamento, a fim de buscar propostas que compatibilizem a quitação do débito ante a realidade enfrentada pelo assistido. Temos visto em nossa praxe forense, que os assistidos confiam nos Defensores Públicos e nas orientações que os mesmos oferecem, principalmente no campo do Direito de Família e do Direito Civil. Por isso, a autocomposição alcançada por meio da fase da descoberta seria uma grande alternativa para se evitar o já assoberbado Poder Judiciário. Não se olvide que as transações referendadas por membros da Defensoria Pública ostentam natureza de título executivo, o que não
tornaria em vão o acordo celebrado e permitiria a instauração de processo executivo, muito menos moroso diante da superação da etapa de conhecimento. 7.10 ATUAÇÃO EM CARÁTER ITINERANTE No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça estabeleceu projeto por meio do qual um cartório se desloca semanalmente a distritos distantes das comarcas, a fim de possibilitar o acesso à justiça. Através do projeto denominado “Justiça Itinerante” exige-se a presença de um Juiz, um Promotor e um Defensor para a tutela das causas de menor complexidade da região. Ocorre que a prática diária da Justiça Itinerante revela um excessivo e desnecessário acúmulo de funções à cargo da Defensoria Pública, órgão que mais realiza atendimentos nessa estrutura de serviços. Dessa forma, faz-se necessário que a Defensoria Pública desenvolva um projeto com identidade própria, desvinculando-se do Judiciário e assegurando aos hipossuficientes o acesso à justiça, em observância às funções institucionais elencadas na legislação orgânica da Defensoria Pública. Nesse contexto, a instituição no âmbito do Estado do Rio de Janeiro desenvolve com primor essas práticas, através de ações sociais e mutirões de atendimentos em comunidades, prestando consultoria jurídica aos assistidos, expedindo ofícios de gratuidade e praticando todos os demais atos de garantia do exercício da cidadania. Esse espírito deve ser reproduzido nas demais Defensorias Públicas do país, de modo a universalizar o acesso aos serviços prestados pela Instituição. 7.11 INSTITUIÇÃO DE FORÇA-TAREFA NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA Em razão das novas atribuições afetas à Defensoria Pública, bem como da crescente quantidade de processos de repercussão envolvendo várias partes, principalmente no campo do processo penal, o que vem acarretando pedidos de “auxílio” por diversos membros da Defensoria Pública, convém que a Instituição se organize de modo a criar forças-tarefa temáticas para atuação em casos e demandas de alta complexidade, em socorro aos Defensores Públicos dos órgãos de atuação, mediante estabelecimento de critérios objetivos através de resolução. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, recentemente foi editada a Resolução DPGE nº 562/2011, instituindo força-tarefa para atuação em catástrofes e casos de repercussão, ante as experiências angariadas pela Defensoria Pública nesses casos. Por meio dessa resolução, restou previsto que a força-tarefa atuará em calamidades e acidentes naturais, de modo que Defensoria Pública possa prestar atendimento in loco às vítimas, mediante órgão de atuação com a devida atribuição. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – XIV CONCURSO): O Ministério Público promoveu ação penal contra
um rico empresário, imputando-lhe o crime previsto no artigo 299 do Código Penal. No curso da instrução, após uma semana da oitiva das testemunhas de defesa, o patrono do acusado apresenta em cartório sua renúncia ao mandato outorgado. O réu está preso em virtude de condenação anterior e não é informado sobre a manifestação de seu advogado. Passada a fase de diligências, o Juiz determina abertura de vista, sucessivamente, ao Ministério Público e a Defensoria Pública, conforme o disposto no artigo 500 do Código de Processo Penal. Pergunta-se: (A) O Defensor Público deve requerer que seja observada alguma formalidade? (B) As razões finais devem ser apresentadas mesmo sendo o réu pessoa de recursos. Fundamente as respostas. Questão 02 (DPGE/RJ – XV CONCURSO): Viramundus, respondendo a processo em crime apenado com reclusão, teve o patrocínio de sua defesa abandonado em razão do falecimento do advogado que constituíra. O Juiz do feito, ciente da situação, prolatou despacho nomeando imediatamente para defender seus interesses o Defensor Público lotado na vara. Intimado pessoalmente do despacho, como deve ser elaborada a manifestação pertinente. Questão 03 (DPGE/RJ – XVI CONCURSO): O Defensor Público logra êxito na tentativa de composição extrajudicial entre assistidos envolvidos em litígio possessório. A transação é devidamente reduzida a termo e referendada pelo mesmo Defensor Público. Ocorrendo o inadimplemento por um dos acordantes, pergunta-se: qual a medida judicial cabível contra o inadimplente? Justifique, sucintamente. Questão 04 (DPGE/RJ – XVI CONCURSO): Tendo o advogado constituído pelo acusado renunciado ao patrocínio de sua defesa, o Juiz, de imediato e como ato seguinte, abre vista ao Defensor Público para prosseguir na defesa. Como você, Defensor Público, procederia? Justifique sucintamente. Quesão 05 (DPGE/RJ – XVII CONCURSO): É possível a Defensoria Pública propor ação civil pública? Questão 06 (DPU – 2007): Quanto à atuação da Defensoria Pública, diferencie as funções típicas das funções atípicas, citando dois exemplos de cada. Questão 07 (DPGE/MG – 2009): Atente para a seguinte situação-problema: O MM Juiz de Direito de determinada Vara Criminal mandou o oficial de justiça avaliador citar a parte ré sobre a acusação de determinado crime, intimando-a para apresentar a resposta em 10 (dez) dias, por escrito, através de advogado, sob pena de ser-lhe nomeado Defensor Público. O acusado, devidamente citado e intimado, não apresentou resposta no prazo legal. O Defensor Público atuante nessa Vara, ao ser intimado para apresentar resposta, requereu ao douto
Magistrado a intimação do acusado para que este manifeste se tem condições financeiras de constituir defensor. O requerimento foi indeferido sob o argumento de que o réu não compareceu através de advogado porque é pobre. Determinou ainda a apresentação de resposta por escrito, do contrário será feita representação à Corregedoria da Defensoria Pública. Considerando a situação apresentada, à luz da legislação pertinente em vigor (LCF 80/1994 e LCE 65/2003), qual procedimento a ser tomado e qual o princípio constitucional aplicável ao caso? Questão 08 (DPGE/MA – 2003): O artigo 68 do Código de Processo Penal confere ao Ministério Público legitimidade para a execução de sentença condenatória e para a ação civil, ambas visando a reparação de dano decorrente do crime quando o titular do direito à indenização for pobre. Considerando-se a institucionalização da Defensoria Pública, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento firmado no sentido de que: (A) o artigo 68 do CPP ficou revogado com a entrada em vigor da Lei Complementar Federal nº 80, de 12/01/1994; (B) o Ministério Público continua a ter legitimidade para a propositura da ação civil no Estado enquanto não criada e organizada a Defensoria Pública nos moldes do artigo 134 da Constituição Federal; (C) o Ministério Público não tem mais legitimidade para a propositura da ação civil a partir da promulgação da Constituição Federal; (D) o artigo 68 do CPP continua em vigor, tendo o Ministério Público legitimidade concorrente com o Defensor Público integrante da carreira criada e organizada mediante lei complementar; (E) o Ministério Público não tem mais legitimidade para a propositura da ação civil desde que o Estado conte com Defensoria Pública ou órgão equivalente que exerça atribuições semelhantes. Questão 09 (DPGE/MA – 2003): Podem ser classificadas como funções típicas e atípicas da Defensoria Pública, respectivamente: (A) patrocinar ação penal privada e patrocinar ação penal subsidiária da pública, em ambos os casos em relação a vítimas hipossuficientes. (B) defesa do réu revel e o exercício da curadoria especial na área cível. (C) defesa do réu revel e defesa do réu pobre. (D) patrocinar ação penal privada de vítima pobre e defesa de réu pobre. (E) defesa do réu pobre e defesa do réu revel. Questão 10 (DPGE/AC – 2006): Acerca da disciplina da Defensoria Pública e dos precedentes dos Tribunais Superiores, assinale a opção correta. (A) A Constituição estadual pode, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), ampliar as atribuições da Defensoria Pública, como, por exemplo, determinar a defesa de servidor público por ato de improbidade que tenha cometido em razão do exercício do cargo público.
(B) Em regra, a Defensoria Pública da União deve acompanhar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgamento dos recursos interpostos por Defensores Públicos estaduais, bem como deve ser intimada das decisões e acórdãos por ele proferidos. (C) O poder de legislar sobre a Defensoria Pública insere-se no âmbito da competência concorrente, cabendo à União legislar sobre normas gerais e, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar sobre questões específicas. (D) Para o STF, a ação civil de ressarcimento de dano, em face do crime, quando o titular do direito for pobre, poderá ser promovida pelo Ministério Público, mesmo quando a Defensoria Pública competente estiver devidamente instalada e em pleno funcionamento. Questão 11 (DPU – 2007): Julgue a assertiva abaixo: (A) A autoridade policial que lavrar prisão em flagrante deverá remeter cópia integral de todos os autos, no prazo de 24 horas, à Defensoria Pública. Questão 12 (DPGE/SP – 2007): A legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil pública é: (A) limitada à existência de relação com os interesses dos necessitados, podendo apontar para qualquer tipo de interesse metaindividual, inclusive para os interesses difusos, eis que não há necessidade destes corresponderem completamente a interesses dos necessitados. (B) ilimitada, cabendo, porém, ao Defensor dirigí-la para a defesa dos necessitados. (C) limitada à existência de relação com os interesses dos necessitados, podendo apontar, porém, somente para os interesses individuais homogêneos e interesses coletivos, eis que com relação aos interesses difusos não há possibilidade de discriminar os interesses dos necessitados. (D) ilimitada, podendo apontar para qualquer tipo de interesse metaindividual. (E) ilimitada, mas somente para os interesses individuais homogêneos. Questão 13 (DPGE/ES – 2009): Julgue as assertivas abaixo: (A) É função institucional da Defensoria Pública patrocinar tanto a ação penal privada quanto subsidiar a ação penal pública, não havendo incompatibilidade com a função acusatória, mais precisamente a de assistência da acusação. (B) A Defensoria Pública, conforme previsto na lei de regência, tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa do meio ambiente. (C) A Defensoria Pública poderá tomar dos interessados compromisso de ajustamento da conduta destes às exigências legais, mediante cominações, tendo esse compromisso eficácia de título executivo extrajudicial. (D) Ao tratar da defesa do consumidor, a CEES, na implantação da política pública, assegura ao consumidor o direito de assistência judiciária, quando solicitada, de forma ampla, integral e gratuita, independentemente de sua situação financeira. (E) Considere que Maria, uma rica empresária, tenha sido denunciada pela prática de estelionato,
e que, recebida a denúncia, tenha sido iniciada a ação penal. Maria negou-se a contratar advogado para o patrocínio de sua defesa e, por determinação do juízo, os autos foram encaminhados à Defensoria Pública Estadual. Nessa situação, o Defensor Público designado pode negar a atuação no feito, e, se aceitar o encargo, pode, ao final da demanda, postular a condenação da ré ao pagamento de honorários a serem arbitrados pelo juiz. Questão 14 (DPGE/SP – 2009): O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, previsto constitucionalmente e instrumentalizado pela Defensoria Pública, compreende a: (A) atuação processual do Defensor Público do Estado até o segundo grau de jurisdição. (B) impossibilidade de denegação do atendimento do cidadão, tendo em vista a universalidade do serviço prestado. (C) função institucional da Defensoria Pública para propositura de ação penal privada. (D) indispensabilidade de esgotamento das vias recursais pelo Defensor Público. (E) tutela dos interesses metaindividuais, ressalvados os interesses difusos. Questão 15 (DPGE/MG – 2009): São funções institucionais da Defensoria Pública, EXCETO: (A) Promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses. (B) Assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com recursos e meios a ela inerentes. (C) Patrocinar ação civil, inclusive contra as pessoas jurídicas de direito público. (D) Exercer a promoção e a defesa dos direitos humanos. (E) Patrocinar a ação penal de iniciativa privada, a subsidiária da pública, bem como a ação civil “ex delicto”, não podendo, nesses casos, a Defensoria Pública atuar no polo passivo. Questão 16 (DPGE/MG – 2009): Estão legitimados para a propositura da Ação Cautelar preparatória, bem como para a ação principal atinente à Ação Civil Pública (Lei nº 7.347 de 24 de junho de 1985, alterada pela Lei nº 11.448 de 15 de janeiro de 2007), na busca da proteção do meio ambiente, EXCETO: (A) Ministério Público. (B) A Defensoria Pública. (C) A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. (D) A autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista. (E) A associação que esteja constituída há pelo menos 06 (seis) meses. Questão 17 (DPGE/MA – 2009): Dentro da tutela dos direitos transindividuais, compete à Defensoria Pública: (A) propor ação principal e a ação cautelar de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao consumidor, ao meio ambiente e à ordem urbanística. (B) instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou
particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. (C) uma vez esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promover o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente. (D) tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial e promover, por conta disso, o arquivamento do inquérito civil correspondente. (E) propor a ação principal e a ação cautelar para a tutela de direitos individuais dos necessitados, mas não para a tutela dos direitos transindividuais. Questão 18 (DPGE/PI – 2009): Julgue a assertiva abaixo: (A) Um réu de elevado poder aquisitivo que responde a diversas ações penais por múltiplos delitos revogou os poderes outorgados aos advogados que o representavam nas referidas ações. Notificado para constituir outro advogado, permaneceu inerte, na tentativa de procrastinar o julgamento do feito. Nessa situação, caso a DP venha a atuar nesses processos, será uma atuação atípica, em favor de necessitado jurídico que não será eximido de pagar os honorários devidos ao fundo de aparelhamento da DP e à capacitação profissional de seus membros e servidores. Questão 19 (DPU – 2010): Julgue as assertivas abaixo: (A) De acordo com entendimento do STJ, a Defensoria Pública tem legitimidade para propor tanto a ação principal quanto a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio ambiente. (B) Segundo o art. 68 do CPP, quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida, a seu requerimento, pelo MP. A jurisprudência já se assentou no sentido de que, apesar de a CF ter afastado das atribuições do MP a defesa dos hipossuficientes, pois a incumbiu às Defensorias Públicas, há apenas inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP, enquanto não criada e organizada a Defensoria no respectivo estado. Assim, o MP detém legitimidade para promover, como substituto processual de necessitados, a ação civil por danos resultantes de crime nos estados em que ainda não tiver sido instalada Defensoria Pública. (C) Considere que a DPU, patrocinando interesse de pessoa hipossuficiente, tenha ajuizado ação ordinária no intuito de compelir o estado de Goiás e a União a fornecerem medicamentos ao assistido, em face da resistência desses entes em atender aos inúmeros requerimentos administrativos. Nesse caso, na hipótese de vitória judicial, serão devidos honorários advocatícios por parte do estado de Goiás à DPU. Questão 20 (DPGE/RS – 2011): A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os
graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (I) representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, ainda que apenas em caráter consultivo, sem poder postulatório aos seus órgãos; (II) exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e contraditório em favor de pessoas naturais, sendo vedada a sua atuação em defesa de pessoas jurídicas, sob quaisquer circunstâncias; (III) patrocinar a ação penal privada e a subsidiária da pública; (IV) atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas; (V) exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei, uma vez comprovada, rigorosamente, a hipossuficiência financeira e o estado de miserabilidade do curatelado. Está correto o que se afirma em (A) I, II, III, IV e V. (B) II e IV, apenas. (C) II e V, apenas. (D) III e IV, apenas. (E) I, II e IV, apenas. Questão 21 (DPGE/RS – 2011): O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, previsto constitucionalmente e instrumentalizado pela Defensoria Pública, compreende: (A) prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, somente no segundo grau de jurisdição. (B) prestar orientação jurídica a todos os beneficiados pela Lei nº 1.060/1950, assim considerados os nacionais ou estrangeiros, residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil ou do trabalho, excluída a Justiça Militar. (C) a impossibilidade de denegação ao atendimento do cidadão, tendo em vista a universalidade do direito prestado, desimportando que se trata de pessoa com elevado poder aquisitivo. (D) a função institucional da Defensoria Pública para propositura da ação penal pública, naqueles casos em que não houver órgão de atuação do Ministério Público na Comarca. (E) promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, economicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Questão 22 (DPGE/PR – 2012): “A procura de direitos da grande maioria dos cidadãos das classes populares deste e de outros países é procura suprimida. É essa procura que está, hoje, em discussão. E se ela for considerada, vai levar a uma grande transformação do sistema judiciário e do sistema jurídico no seu todo, tão grande que fará sentido falar da revolução democrática da
justiça.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça, São Paulo: Cortez, 2011, pág. 38) A procura suprimida é relacionada, por Boaventura, aos cidadãos que se sentem impotentes para reivindicar direitos violados. Nesse contexto, é função da Defensoria Pública: (A) o patrocínio da ação penal privada e da subsidiária da pública. (B) a atuação nos Juizados Especiais e respectivas Turmas Recursais. (C) promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico. (D) exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei. (E) executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação. Questão 23 (DPGE/PR – 2012): Na obra citada, Boaventura propõe uma nova concepção do acesso ao direito e à justiça. Na esteira desse “novo” acesso à justiça, é função institucional prioritária da Defensoria Pública a: (A) erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais. (B) utilização de instrumentos alternativos de solução de conflitos. (C) garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (D) afirmação do Estado Democrático de Direito. (E) defesa das prerrogativas institucionais. Questão 24 (DPGE/PR – 2012): A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública: (A) antecede a Lei Federal nº 11.448/2007, já sendo anteriormente reconhecida na defesa dos direitos do consumidor e como decorrência da assistência jurídica integral. (B) apenas surge com o advento da Lei Federal nº 11.448/2007, não tendo sido reiterada na Lei Orgânica Nacional em vigor (Lei Complementar Federal no 80/1994). (C) restringe-se aos direitos coletivos e individuais homogêneos de pessoas economicamente necessitadas, excluindo os de natureza difusa. (D) é ampla e irrestrita, não estando sujeita a análise de compatibilidade com as finalidades institucionais. (E) exige prévia autorização do Defensor Público Geral do Estado ou, tratando-se de interesse difuso, do Conselho Superior. SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição? In Uma nova Defensoria Pública pede passagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 33. 2 BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. A nova dimensão da Defensoria Pública a partir das alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 132 na Lei Complementar nº 80/1994. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 03. 3 “Na verdade, a grande maioria dos atendimentos da Defensoria será sempre de natureza individual, dentro de funções típicas. E a meta básica da instituição continuará sendo, obviamente, a pessoa carente, necessitada. Nada disso significa, porém, que deva ser eternamente imposta à Defensoria uma filosofia institucional individualista e anacrônica. Incrementando-se as atribuições atípicas, em caso de especial relevo, podem-se alcançar resultados muito mais efetivos para a clientela – globalmente considerada – da 1
instituição, até porque se passa a privilegiar instrumental de cunho eminentemente preventivo. Em última análise, pois, a adequação desejada para as funções institucionais da Defensoria Pública nada mais é do que um compromisso com atuações mais eficazes e satisfatórias socialmente.” (SOUSA, José Augusto Garcia de. Solidarismo jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2004, ano XV, n. 19, pág. 243) 4 “No que respeita à assistência judiciária, seu conceito também se renovou, tomando uma dimensão muito mais ampla. (…) Mas, além disso, também se dilatou no sentido do termo necessitados. Aos necessitados tradicionais, que eram – e ainda são – os carentes de recursos econômicos, acrescentaram-se os carentes de recursos jurídicos. E assim a assistência judiciária aos economicamente fracos foi estendida aos hipossuficientes jurídicos. O primeiro passo nesse sentido foi dado para a defesa penal, quando se tratasse de acusado revel, independentemente de sua capacidade econômica. Mais recentemente, porém, fala-se em uma nova categoria de hipossuficientes, surgida em razão da própria estruturação da sociedade de massa: são os carentes organizacionais, a que se refere Mauro Cappelletti. São carentes organizacionais as pessoas que apresenta, particular vulnerabilidade em face das relações sociojurídicas existentes na sociedade contemporânea. (…) Todos aqueles, enfim, que no intenso quadro de complexas interações sociais hoje reinante, são isoladamente frágeis perante adversários poderosos do ponto de vista econômico, social, cultural ou organizativo, merecendo, por isso mesmo, maior atenção com relação a seu acesso à ordem jurídica justa e à participação por intermédio do processo.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Acesso à Justiça e o Código de Defesa do Consumidor. O Processo em Evolução, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 116/117) 5 MORAES, Humberto Peña de. SILVA, José Fontenelle Teixeira da Silva. Assistência Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1984. 6 SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição?, in Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 40. 7 SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição?, in Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 32. 8 “As funções institucionais da Defensoria Pública estão listadas, de forma não exaustiva, no art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994. Essa não exaustividade, afirmada literalmente pelo próprio dispositivo legal – que utiliza a expressão ‘dentre outras’ –, revela-se cara à meta da adequação funcional, permitindo que sejam incorporadas ao programa da Defensoria quaisquer atribuições afinadas com os desígnios da sociedade e da ordem jurídica brasileiras, mesmo que não estejam previamente enumeradas.” (SOUSA, José Augusto Garcia de. Solidarismo jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2004, ano XV, n. 19, pág. 246) 9 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 24. 10 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 179. 11 VIANNA, Guaraci Campos. A Defensoria Pública e a Defesa da Cidadania na Esfera Penal, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1991, n.5, pág. 107. 12 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 29. 13 Como obsevra o professor Humberto Dalla: “A mediação é um trabalho artesanal. Cada caso é único. Demanda tempo, estudo, análise aprofundada das questões sob os mais diversos ângulos. O mediador deve se inserir no contexto emocional-psicológico do conflito. Deve buscar os interesses, por trás das posições externas assumidas, para que possa indicar às partes o possível caminho que elas tanto procuravam. É um processo que pode se alongar por semanas, com inúmeras sessões, inclusive com a participação de comediadores, estando as partes, se assim for de seu desejo, assistidas a todo o tempo por seus advogados, devendo todos os presentes anuírem quanto ao procedimento utilizado e à maneira como as questões são postas na mesa para exame.” (PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação e a necessidade de sua sistematização no processo civil brasileiro. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2012, ano XXIV, n.25, pág. 111/112) 14 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral da Mediação à luz do Projeto de Lei e do Direito Comparado, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 15 Segundo Sílvio Roberto Mello Moraes, um dos grandes benefícios trazidos pelo art. 4º, II, da LC nº 80/1994 “é, justamente, desafogar o aparelho Judiciário, evitando a propositura de inúmeras ações judiciais, por meio da celebração de acordos firmados sob a intervenção do Defensor Público, após esclarecidas as partes de seus direitos e deveres e as prováveis consequências da demanda judicial”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 19) 16 “Existem vantagens óbvias tanto para as partes quanto para o sistema jurídico, se o litígio é resolvido sem necessidade de julgamento. A sobrecarga dos tribunais e as despesas excessivamente altas com os litígios podem tornar particularmente benéficas para as partes as soluções rápidas e mediadas. Ademais, parece que tais decisões são mais facilmente aceitas do que decretos judiciais unilaterais,
uma vez que eles se fundam em acordo já estabelecido entre as partes. É significativo que um processo dirigido para a conciliação – ao contrário do processo judicial, que geralmente declara uma parte ‘vencedora’ e a outra ‘vencida’ – ofereça a possibilidade de que as causas mais profundas de um litígio sejam examinadas e restaurado um relacionamento complexo e prolongado.” (CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, pág. 83/84) 17 STJ – Terceira Turma – REsp nº 1117639/MG – Relator Min. MASSAMI UYEDA, decisão: 20-05-2010. 18 “Há um amplo consenso de que a cidadania não é um estado passivo de gozar os direitos conquistados ou concedidos de cima para baixo. É imprescindível que todos tenham a consciência da cidadania, pois para exercê-la em plenitude, o cidadão precisa conhecer os seus direitos e os instrumentos jurídicos colocados à sua disposição como instrumentos de defesa dos mesmos.” (OLIVEIRA, Maria Beatriz Bogado Bastos de. A Defensoria Pública como garantia de acesso à justiça. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2000, ano XII, n.16, pág. 319) 19 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 22. 20 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 23. 21 Em sentido contrário, entendendo que a educação em direito constitui espécie do gênero orientação jurídica: MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e específicas relativas à organização da Defensoria Pública da União, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 143. 22 ALVES, Cléber Francisco. Defensoria Pública e educação em direitos humanos, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 213. 23 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 202. 24 BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. Op. cit., pág. 07. 25 GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 95. 26 De acordo com Guilherme Freire de Melo Barros: “O trabalho de promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos e da cidadania pela Defensoria Pública deve ser levado a cabo em duas frentes distintas. Primeiro, junto aos necessitados, com campanhas informativas acerca de seus direitos, dirigidas às comunidades carentes, à população carcerária e ao público hipossuficiente em geral. Paralelamente, a atuação da Defensoria deve ser dirigida aos órgãos públicos e instituições privadas que lidam ou prestam serviços ao hipossuficiente, no sentido de conscientizar as entidades que o desfavorecido deve ser tratado com dignidade e respeito.” (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 47) 27 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 71. 28 BESSA, Renata Tavares da Costa. A Defensoria Pública e os Sistemas Internacionais de Direitos Humanos, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2012, ano XXIV, n. 25, pág. 136. 29 GALLIEZ, Paulo. Op. cit., pág. 95. 30 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 210. 31 BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. Op. cit, pág. 03. 32 LIMA, Frederico Rodrigues Viana. Op. cit., pág. 222. 33 PIOVESAN, Flávia. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, mai./jun. 2005, n.54. 34 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. 35 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. 36 STF – Pleno – RE nº 349.703-1/RS – Relator Min. ILMAR GALVÃO, decisão: 03-04-2003. 37 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. 38 “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES. A Turma, por maioria, entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa do interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon, órgão vinculado à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por ser órgão especializado que compõe a administração pública direta do Estado, perfaz a condição expressa no art. 82, III, do CDC.” (STJ – Terceira Turma – REsp nº 555.111/RJ – Relator Min. CASTRO FILHO, decisão: 05-09-2006) 39 GARCIA, Emerson. A legitimidade da defensoria pública para o ajuizamento da ação civil pública: delimitação de sua amplitude. Breves apontamentos. Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro: MPRJ, out./dez. 2010, n.38, pág. 43/48. 40 Arremata Aluisio Iunes que: “Aliás, a legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ações coletivas segue a mesma tendência de ampliação, com a supressão gradativa dos obstáculos a ela impostos, num processo claro de democratização da Justiça, como forma de concretização dos direitos fundamentais e realização dos objetivos da República Federativa do Brasil”. (RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri. A defensoria Pública como instrumento de acesso à justiça coletiva: legitimidade ativa e pertinência temática. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan. 2009, n.167, pág. 231/249)
PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A legitimação da defensoria pública para a propositura de ações civis públicas: primeiras impressões e questões controvertidas. In SOUSA, José Augusto Garcia de. A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 169/187. 42 GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer a respeito da constitucionalidade da Lei nº 11.448/2007, que conferiu legitimidade ampla à Defensoria Pública para a ação civil pública. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 473/491. 43 “Repita-se com toda a ênfase: quem mais precisa da tutela dos direitos difusos são os carentes assistidos pela Defensoria Pública. Só isso já é suficiente, dentro de uma hermenêutica minimamente substancialista, para espancar qualquer dúvida acerca da validade e da conveniência e legitimidade da Defensoria no tocante à defesa de direitos difusos”. (SOUSA, José Augusto Garcia de. A legitimidade da Defensoria Pública para a tutela dos interesses difusos: uma abordagem positiva. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, set. 2009, n.175, pág. 192/228) 44 O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 104, estabelece regras de extensão da coisa julgada da ação coletiva nos processos individuais desde que os autores das demandas individuais, requeiram a suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. 45 Na ótica de Carlos Roberto de Castro Jatahy, a existência de um TAC não impede o colegitimado de ajuizar a Ação Civil Pública ante o princípio da inafastabilidade da jurisdição, bem como o fato de o colegitimado poder não concordar com os termos propostos. (JATAHY, Carlos Roberto de Castro. Curso de princípios institucionais do Ministério Público, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 395/396). 46 Nesse sentido, leciona Rubismark Saraiva Martins: “De outra sorte, senão foi atribuída por lei a lei legitimidade da Defensoria Pública em promover Inquéritos Civis, nos moldes do que previsto na Constituição ao Ministério Público; de outra banda, não é vedado aos Defensores Públicos promoverem verdadeiros procedimentos administrativos preparatórios, valendo-se das prerrogativas atribuídas por lei, como o poder de requisição.” (MARTINS, Rubismark Saraiva. Defensores públicos. Defensores do povo. X Congresso Nacional dos Defensores Públicos, Natal/RN, in Livro de Teses e Práticas Exitosas, 2011, pág. 185/193) 47 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Op. cit., pág. 50. 48 Importante observar que o art. 141 do ECA garante “o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos”. 49 De acordo com o professor Cléber Francisco Alves, a Lei Complementar nº 80/1994 estabelece como função institucional da Defensoria Pública “a defesa de certas classes de pessoas específicas consideradas vulneráveis e que, por isso, segundo se tem entedido, seus interesses podem ser defendidos pela Defensoria Pública sem que haja maiores preocupações estritas de aferição da carência de ordem econômica e financeira.” (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 319) 50 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. A valorização institucional da Defensoria Pública com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 197. 51 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 30. 52 No âmbito federal, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União editou a Resolução nº 25, de 5 de setembro de 2007, delineando o procedimento a ser adotado pelos Defensores Públicos Federais nos casos de comunicações de prisões em flagrante. 53 Em sentido oposto, entendendo haver nulidade da prisão em flagrante em razão da ausência de comunicação da Defensoria Pública e do Ministério Público é a posição de André Nicolitt. (NICOLITT, André. O novo processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 64). 54 Com redação semelhante, o art. 3º da Lei nº 7.210/1984 prevê que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. 55 Nesse sentido: ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 320. 56 “A interpretação do ordenamento positivo, que é uno, demonstra que há diferença entre a atribuição de defesa do acusado em processo criminal (execução penal, inclusive) e a defesa dos direitos fundamentais assegurados aos presos; esta tem caráter amplo, não se limitando aos presos que tenham seus interesses processuais (rectius: em autos de ação penal) defendidos pela Instituição, alcançando, pois, todos os presos, inclusive aqueles cujas defesas criminais não são patrocinadas pela Defensoria Pública.” (BUTTER, Roberto Duarte. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 187 – emissão do parecer: 09-11-1992) 57 De maneira complementar, o art. 28 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro prevê que “incorre em falta grave, punível na forma da lei, o responsável por qualquer órgão público, seu preposto ou agente, que impeça ou dificulte, sob qualquer pretexto, a verificação imediata das condições da permanência, alojamento e segurança para os que estejam sob guarda do Estado, por parlamentares federais ou estaduais, autoridades judiciárias, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, representantes credenciados da Ordem dos Advogados do Brasil, ou quaisquer outras autoridades, instituições ou pessoas com tal prerrogativa por força da lei ou de sua função”. 41
BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. Op. cit., pág. 07. OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Op. cit., pág. 197. 60 ROCHA, Felipe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, São Paulo: Atlas, 2012, pág. 19. 61 Idêntico dispositivo constava do art. 9º, § 1º da revogada Lei nº 7.224/1984, que cuidava dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. 62 “Causas que envolvem somas relativamente pequenas são mais prejudicadas pela barreira dos custos. Se o litígio tiver de ser decidido por processos judiciários formais, os custos podem exceder o montante da controvérsia, ou, se isso não acontecer, podem consumir o conteúdo do pedido a ponto de tornar a demanda uma futilidade. Os dados reunidos pelo Projeto Florença mostram claramente que a relação entre os custos a serem enfrentados nas ações cresce na medida em que se reduz o valor da causa. Na Alemanha, por exemplo, as despesas para intentar uma causa cujo valor corresponda a US$ 100, no sistema judiciário regular, estão estimadas em cerca de US$ 150, mesmo que seja utilizada apenas a primeira instância, enquanto os custos de uma ação de US$ 5.000, envolvendo duas instâncias, seriam de aproximadamente US$ 4.200 – ainda muito elevados, mas numa proporção bastante inferior, em relação ao valor da causa. Nem é preciso multiplicar os exemplos nessa área; é evidente que o problema das pequenas causas exige especial atenção.” (CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Op. cit., pág. 19/20) 63 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 22. 64 ROCHA, Felipe Borring. Op. cit., pág. 89. 65 Nesse sentido: STF – Pleno – ADI nº 4.163/SP – Relator Min. CEZAR PELUSO, decisão: 29-02-2012. 66 BURGUER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. Op. cit., pág. 09. 67 Ao explicar o conceito jurídico de vencido, os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam: “Vencido é o que deixou de obter do processo tudo o que poderia ter conseguido. Se pediu x, y e z, mas conseguiu somente x e y, é sucumbente quanto a z. Quando há sucumbência parcial, como no exemplo dado, ambos os litigantes deixaram de ganhar alguma coisa, caracterizando-se a sucumbência recíproca.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 222) 68 Art. 12 da Lei nº 1.060/1950: “A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.” 69 Art. 23 da Lei nº 8.906/1994: “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.” 70 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 223/224. 71 De acordo com o enunciado da súmula nº 201 do STJ “os honorários advocatícios não podem ser fixados em salários mínimos”. 72 “O critério de equidade deve ter em conta o justo, não vinculado à legalidade. Fixar honorários por equidade não significa, necessariamente, modicidade.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 224) 73 Nesse sentido: JTACivSP 91/278. 74 RT 505/82. 75 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 224 76 STJ – Primeira Turma – REsp nº 1165953/GO – Relator Ministro LUIZ FUX, decisão: 24-11-2009. 77 JTACivSP 42/20; RF 251/267; RTJ 106/880. 78 Controvérsia doutrinária e jurisprudencial é travada no que tange a admissibilidade ou não da cobrança de honorários na exceção de pré-executividade. Admitindo a cobrança: STJ – Resp 508301/MG – Rel. Min. Luiz Fux, decisão: 26-08-2003. Em sentido contrário, não admitindo a condenação em honorários: STJ – Resp 1.029.487/RS – Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, decisão: 20/10/2009. 79 “Somente as pessoas jurídicas de direito público, incluídas as autarquias, é que estão compreendidas no conceito de Fazenda Pública. Nele não se incluem as empresas públicas nem as sociedades de economia mista, às quais não se aplica o art. 20, § 4º, do CPC.” (STJ – REsp 30367-2/DF – Relator Min. Demócrito Reinaldo, decisão: 03-03-1993) 80 Em sentido contrário: RJTJSP 116/151; RJTJSP 93/330; JSTF 112/82; RT 628/101. 81 Nesse sentido: TJ/RJ – Sétima Câmara Cível – Apelação Cível nº 2009.001.47077 – Relatora Des. MARIA HENRIQUETA LOBO, decisão: 01.09.2009 / TJ/RJ – Quinta Câmara Cível – Apelação Cível nº 2009.001.47604 – Relatora Des. CRISTINA TEREZA GAULIA, decisão: 28.08.2009. 82 Súmula nº 256 do STF: “É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do Código de Processo Civil” (embora os dispositivos legais mencionados façam referência ao CPC/1939, o verbete continua válido e guarda consonância com o art. 20 do atual Código de Processo Civil). 83 Art. 63 do CPC/1939: “Sem prejuízo do disposto no art. 3º, a parte vencida, que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a 58 59
reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários do advogado.” Art. 64 do CPC/1939: “Quando a ação resultar de dolo ou culpa, contratual ou extracontratual, a sentença que a julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária.” 85 A figura da absolvição de instância encontrava-se prevista no art. 201 do CPC/1939, sendo equivalente à atual extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC). Nesses casos, de acordo com o art. 205 do CPC/1939, o autor deveria ser “condenado ao pagamento das despesas feitas pelo réu com o preparo da defesa, inclusive honorários de advogado”, em valor arbitrado pelo juiz. 86 Art. 76 do CPC/1939: “Vencedor na causa o beneficiado, os honorários de seu advogado, as custas contadas em favor dos serventuários da justiça, bem como taxas e selos judiciários, serão pagos pelo vencido.” 87 Art. 64 do CPC/1939 (com redação dada pela Lei nº 4.632/1965): “A sentença final na causa condenará a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora, observado, no que for aplicável, o disposto no art. 55. § 1º Os honorários serão fixados na própria sentença, que os arbitrará com moderação e motivadamente.” 88 A Lei nº 12.376/2010 alterou a emenda original do Decreto-Lei nº 4.657/1942, substituindo a denominação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” por “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”. 89 Seguindo essa linha de posicionamento, leciona Angelo Maraninchi Giannakos que “a limitação da fixação dos honorários em 15% (quinze por cento) sobre o valor líquido apurado na execução de sentença (art. 11, § 1º) aparece na referida lei desajustada à atual sistemática processual civil, parecendo que o mais correto entendimento é de que o diz revogado pelas disposições do art. 20 do Código de Processo Civil.” (GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Assistência Judiciária no Direito Brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 96) 90 STJ – Corte Especial – REsp 1.108.013/RJ – Relatora Min. ELIANA CALMON, decisão: 03-06-2009. 91 Nesse sentido: STJ – EREsp nº 480.598/RS – Relator Min. Luiz Fux, decisão: 16-05-2005/ STJ – EREsp nº 566.551/RS – Relator Min. José Delgado, decisão: 17-12-2004. 92 STJ – REsp nº 596.836/RS – Relator p/ acórdão Min. Luiz Fux, decisão: 02-08-2004. 93 STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 2-4-2007. 94 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 425. 95 Corroborando esse posicionamento, pronunciou-se o Superior Tribunal de Justiça, em julgado proferido pela ilustre Ministra Eliana Calmon: “PROCESSO CIVIL – HONORÁRIOS – DEFENSORIA PÚBLICA. 1. Não se há de confundir órgão do Estado com o próprio Estado, que se enfrentaram na ação, para efeito de suprimir-se a sucumbência. 2. Pela teoria do órgão examina-se de per si cada um deles para efeito do art. 20 do CPC, que impõe sucumbência a quem é vencido. 3. O Estatuto da OAB concede a todos os advogados, inclusive aos defensores públicos, o direito a honorários (art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/1994). 4. Recurso especial improvido.” (STJ – Segunda Turma – REsp nº 493342/RS – Relatora Min. ELIANA CALMON, decisão: 05-06-2003) 96 Do mesmo modo, a Súmula nº 450 do Supremo Tribunal Federal estabelece que “são devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário de justiça gratuita”. 97 Nesse sentido, também, posiciona-se Frederico Rodrigues Viana de Lima: “O novo dispositivo é taxativo ao prever que as verbas sucumbenciais são devidas por quaisquer entes públicos, dando a entender que também se encontra abrangido por ele o próprio ente federativo do qual faz parte a Defensoria Pública. O comando, aliás, visa a isso: propiciar que os honorários também sejam pagos pela pessoa jurídica de direito público da qual a Defensoria faz parte.” (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 449/450) 98 Nesse sentido, posiciona-se o professor Leonardo Greco: “Hoje, entende-se que os honorários da sucumbência podem ser executados pelo próprio vencedor ou pelo seu advogado indistintamente, mas eles são receita do advogado. Então, eles perderam aquele sentido de ressarcimento do vencedor pelas despesas com a contratação do seu advogado e passaram a ser uma receita a mais que o advogado do vencedor percebe.” (GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 374) 99 Nesse sentido: TJ/RJ – Décima Sétima Câmara Cível – Apelação Cível nº 2004.001.06254 – Relator Des. Mauro Dickstein, decisão: 16-06-2004 / TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 2006.001.23008 – Voto Vencido do Vogal Des. Bernardo Moreira Garcez Neto, decisão: 28-11-2006. 100 TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 2009.001.56419 – Relator Des. VERA MARIA VAN HOMBEECK, decisão: 06-10-2009. 101 O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, inclusive, já teve a oportunidade de reconhecer a legitimidade dos órgãos de atuação da Defensoria Pública para executarem os honorários sucumbenciais. Nesse sentido: TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 2006.001.23008 – Relator Des. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ, decisão: 28-11-2006 / TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 2004.001.03256 – Relator Des. JOSÉ GERALDO ANTONIO, decisão: 11-05-2004. 102 “Defensoria Pública. Execução de honorários. Legitimidade ativa. (…) Defensor Público Geral que, por força do artigo 100 da Lei Complementar Federal 80, representa em juízo a instituição. Atuação dos Defensores locais por delegação.” (TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Apelação Cível nº 0003234-25.2010.8.19.0037 – Relator Des. BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO, decisão: 12-07-2011) 103 “Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: 84
(…) XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;” 104 De acordo com a redação do art. 4º da Lei n.4.664/2005 constituem fontes de receita do FUNDPERJ: (i) dotações orçamentárias próprias; (ii) recursos provenientes da transferência de outros fundos; (iii) 5% (cinco por cento) oriundo das receitas incidentes sobre recolhimento de custas e emolumentos extrajudiciais; (iv) auxílios, subvenções, doações e contribuições de entidades públicas ou privadas, pessoas físicas, nacionais ou estrangeiras, destinadas a atender as finalidades previstas no art. 2º da Lei Estadual n. 4.664/2005; (v) recursos provenientes de aluguéis ou permissões de uso de espaços livres para terceiros onde funcionem os órgãos da Defensoria Pública; (vi) recursos provenientes do produto da alienação de equipamentos, veículos, outros materiais permanentes ou material inservível ou dispensável; (vii) rendimentos dos depósitos bancários ou aplicações financeiras realizadas em conta do Fundo; (viii) eventuais recursos que lhe forem expressamente atribuídos. 105 Art. 1º do Ato Normativo Conjunto n.º 04/2006 do TJ/RJ: “A partir do dia 1 de julho de 2006, incidirá o acréscimo de 5 por cento sobre os emolumentos dos atos extrajudiciais, instituído pelo inc. III do art. 4º da Lei Estadual nº 4.664/2005, que será recolhido por meio de GRERJ, em favor do FUNDPERJ.” 106 “INTIMAÇÃO. RÉU. AUSÊNCIA. CONTRARRAZÕES. APELAÇÃO. Noticiam os autos que o juízo de origem nomeou defensor dativo ao paciente diante da não apresentação de contrarrazões na apelação do Ministério Público, ao argumento de inércia do seu patrono. Argui a defesa, em habeas corpus, a nulidade do processo a partir da fase das contrarrazões. Para o Min. Relator, o juízo deveria ter intimado o paciente para garantir-lhe o direito de constituir advogado de sua confiança em homenagem ao princípio da ampla defesa. No caso, a tese do MP na apelação foi acolhida, agravando a situação imposta ao paciente: majorou-se a pena, além de reconhecer, somente naquela instância, a perda da função pública do paciente. Anotou ainda precedente da relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura em que demonstra ser a matéria controvertida nos Tribunais Superiores, existindo julgamentos no sentido de que, nesses casos, não configuraria nulidade absoluta. Entretanto, a Sexta Turma tem posicionamento no sentido de que ofende o princípio da ampla defesa e do contraditório a não intimação do réu da ausência das contrarrazões. Diante do exposto, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus para anular o julgamento da apelação, para que outro seja feito, após facultar ao paciente a constituição de novo defensor para oferecimento das contrarrazões. Em consequência, afastou a perda da função pública e assegurou que permaneça em liberdade até o desfecho do processo, devendo assinar termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.” (STJ – Sexta Turma – HC nº 109.699/SP – Relator Min. Og Fernandes, decisão: 14-04-2009) 107 “A temerária figura do promotor ad hoc, aquele estranho à carreira do Ministério Público, designado por magistrado para exercer funções ministeriais, viola, flagrante e literalmente, preceito constitucional que garante aos agentes do Ministério Público a exclusividade do exercício de qualquer função ou atribuição afeta à instituição.” (JATAHY, Carlos Roberto de Castro. Op. cit., pág. 46) 108 Assim também opina Pedro Lenza, ao afirmar: “Entendemos que sim, até porque tal previsão prestigiaria a intenção do constituinte de 1988, que foi no sentido de ampliar o rol de legitimados para a propositura de ADI”. (LENZA, Pedro. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 357) 109 No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, admite-se que a Defensoria Pública formule proposta de edição de enunciado de súmula, nos termos do art. 123-A do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 110 LENZA, Pedro. Op. cit., pág. 679. 111 Nesse sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 94173/BA: “a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos” (STF – HC nº 94173/BA – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 27-10-2009). No mesmo sentido, posicionou-se a Corte no julgamento do RE nº 535.478: “é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos ‘poderes implícitos’, segundo qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios” (STF – 2ª Turma – RE nº 535.478 – Relatora Min. Ellen Gracie, decisão: 28-10-2008). 112 FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pág. 84. 113 Nesse sentido, tem-se a lição do professor José Frederico Marques: “Nesse ponto, foi sábio o Código, deixando à discrição da autoridade que preside o inquérito admitir os depoimentos de testemunhas do réu ou do ofendido. A investigação policial não pode ser tumultuada com a intromissão do indiciado. Somente quando o caso a averiguar é duvidoso deve a polícia atender aos pedidos de prova formulados pelo réu ou pelo ofendido. A necessidade, porém, de praticar tais atos instrutórios fica entregue à apreciação discricionária da autoridade policial.” (MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, Campinas: Bookseller, 1997, pág. 151) 114 Segundo este posicionamento, fundado no art. 127 da CRFB, a atuação do Ministério Público seria pautada na busca pela verdade e pela correta aplicação da lei penal, não havendo, portanto, interesse jurídico oposto ao do acusado.
LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação preliminar no processo penal, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, pág. 92, apud MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág. 44. 116 Adotando este posicionamento, tem-se a abalizada doutrina de André Augusto Machado: “a imparcialidade é atributo exclusivo do juiz, sendo preservada justamente pela parcialidade das partes, isto é, do Ministério Público e do imputado”. (MACHADO, André Augusto Mendes. Op. cit., pág. 44) 117 MACHADO, André Augusto Mendes. Op. cit., pág. 72. 118 MACHADO, André Augusto Mendes. Op. cit., pág. 12. 119 Como bem observa Fredie Didier Júnior no que diz respeito à repartição do ônus: “Nesse contexto, o juiz permanece no posto de gestor das provas e com poderes ainda maiores, pois lhe incumbe avaliar qual das partes está em melhores condições de produzir a prova, à luz das circunstâncias concretas – sem estar preso a critérios prévios, gerais e abstratos. Pauta-se o magistrado em critérios abertos e dinâmicos, decorrentes das regras de experiência e do senso comum, para verificar quem tem mais facilidade de prova, impondo-lhe, assim, o ônus probatório. Explora a dinâmica fática e axiológica presente no caso concreto, para atribuir a carga probatória àquele que pode melhor suportá-la.” (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, Bahia: Juspodivm, 2007, pág. 94) 120 Leonardo Greco aponta que o mecanismo da Discovery tem ganhado força no Direito Europeu. (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, volume I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 94) 115
CAPÍTULO 8
DA CURADORIA ESPECIAL
8.1 DEFINIÇÃO A curadoria especial possui caráter eminentemente protetivo, sendo destinada a assegurar a tutela dos interesses daquele cuja peculiar condição de vulnerabilidade poderia impedi-lo de ter plena ciência acerca do processo ou de exercer adequadamente a defesa de seus direitos em juízo. Com o advento do Código de Processo Civil de 1973 restou superada a denominação curador à lide, existente no sistema processual revogado (art. 80, § 1º, do CPC/1939). Como a atuação da curadoria independe da instauração de lide, podendo ocorrer também nos procedimentos de jurisdição voluntária, preferível a utilização da expressão curadoria especial, que melhor denota a amplitude teleológica do instituto. Em virtude de sua elementar importância no modelo processual brasileiro, o exercício da curadoria especial restou atribuído à Defensoria Pública, como função institucional atípica e exclusiva (art. 4º, XVI da LC nº 80/1994)1. Dessa forma, para que ocorra a intervenção da curadoria especial não se exige a prévia comprovação da incapacidade financeira do sujeito, bastando que reste concretamente configurada a hipótese interventiva abstratamente prevista em lei para que seja desencadeada a atuação institucional da Defensoria Pública2. Além disso, a função de curador especial deverá ser desempenhada privativamente pela Defensoria Pública, sendo apenas admissível a nomeação de advogado dativo para o cargo nas hipóteses excepcionais em que não houver Defensoria Pública estruturada para o exercício da função ou quando estiver o Defensor Público natural impedido de atuar como curador e não houver Defensor Público tabelar para substituí-lo.3 Nesse sentido, lecionam os professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: A curadoria especial no processo civil é função institucional da defensoria pública, seja na justiça federal (comum ou especial), seja na justiça estadual. A lei nada ressalvou quanto a essa função institucional da defensoria pública, de sorte que ela é típica e exclusiva dos defensores públicos. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 193)
Importante esclarecer nesse ponto, para que não subsistam dúvidas na mente do leitor, que a curadoria especial não possui qualquer relação com a tutela e curatela previstas no ordenamento substantivo civil. A curadoria especial constitui instituto de direito processual, sendo voltada para o processo e dotada de finalidade específica que, uma vez exaurida, esgota automaticamente a função do curador; já a tutela e a curatela, previstas no Código Civil, constituem figura de direito material, sendo direcionadas à regência de pessoas e bens4. Essa distinção elementar restou, inclusive, reconhecida pelo Conselho Superior da Defensoria
Pública da União, que editou a Resolução nº 39, de 10 de março de 2010, estabelecendo: Resolução nº 39, de 10 de março de 2010 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União Art. 1º. A função institucional de curadoria especial, prevista no art. 4º, inciso XVI, da Lei Complementar nº 80/1994 c/c os arts. 9º, 218, parágrafos 2º e 3º, 302, parágrafo único, 1.042, 1.179, 1.182, § 1º, todos do Código de Processo Civil, não abrange as modalidades de tutela e curatela previstas no ordenamento civil material, Título IV, do Livro IV, do Código Civil, arts. 1.728 a 1.783. Art. 2º. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Por fim, encerrando essa exposição inicial sobre o tema, torna-se imprescindível observar que a atuação da Defensoria Pública como curadora especial não decorre de nomeação realizada pelo Poder Judiciário, mas de expressa determinação legal. Assim, restando identificada no processo a ocorrência de situação que reclame a presença da curadoria, não se mostra necessário que o juiz profira decisão nomeando a Defensoria Pública como curadora especial; a nomeação nesse caso é despicienda e descabida. Como a investidura decorre expressamente de lei, deverá o magistrado simplesmente determinar a abertura de vista para que o Defensor Público tome ciência da ocorrência de hipótese legal de atuação institucional e passe a exercer a função de curador especial, nos termos do art. 4º, XVI da LC nº 80/1994. Nesse sentido, leciona FREDERICO VIANA DE LIMA, de maneira clara e inspiradora: A nomeação reclama do nomeado que assuma a obrigação de desempenhar certo múnus de natureza pública, investindo-o no exercício da função. Logo, é imprescindível que o nomeado não seja o detentor da tarefa de cumprir a atribuição. Se a lei já o incumbe deste mister (como ocorre com a Defensoria Pública), a investidura feita pela nomeação, além de desnecessária, é descabida. A Lei Complementar 80/1994 afirma que a Defensoria Pública atuará como curadora especial, nos casos previstos em lei. Logo, ocorrendo no processo uma das situações que reclamem a presença de curador especial, a tarefa do Poder Judiciário deve se reduzir à intimação da Defensoria Pública, comunicando-a de que houve a incidência, naquele feito, de uma das hipóteses legais em que a Instituição deve agir. O juiz não deve nomear a Defensoria Pública para funcionar como curadora especial, tampouco – o que é ainda mais grave – nomear determinado Defensor Público, escolhido a seu critério. Por força da regra prescrita pelo art. 4º, XVI da Lei Complementar 80/1994, a Defensoria Pública “exerce a curadoria especial nos casos previstos em lei”, sendo sua função institucional de patrocinar os interesses do curatelado, independentemente de nomeação. Numa palavra, aplica-se o que determina a lei. Embora possa parecer despropositada a longa argumentação até aqui esboçada, por transparecer mero apego à forma, é possível deparar com efeitos da nomeação que atestam a gravidade do uso de tal prática. A autorização para nomear implica, outrossim, no poder conferido ao Poder Judiciário de destituir o nomeado. Sob esta ótica, se é permitido nomear, também é permitido destituir. Do mesmo modo, também se verifica, no dia a dia forense, que a crença na possibilidade de nomear tem induzido os magistrados a escolherem quem deve ser nomeado. São perceptíveis situações em que, a despeito da existência da Defensoria Pública, nomeia-se advogado para o exercício do múnus. Se a curadoria especial é caracterizada pelo ordenamento jurídico como função institucional da Defensoria Pública (art. 4º, XVI, LC 80/1994), o seu descumprimento dá ensejo a que sejam empregados os mais variados remédios processuais (art. 4º, IX, LC 80/1994) para remediar a violação cometida (p. ex., mandado de segurança). (LIMA, Frederico Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 198/199)
8.2 HIPÓTESES LEGAIS DE ATUAÇÃO DA CURADORIA ESPECIAL As hipóteses legais de atuação da curadoria especial encontram-se previstas de maneira esparsa pelo ordenamento jurídico. Em virtude dessa multifacetada realidade normativa, realizaremos neste tópico a ordenação didática dessas diferentes previsões legais, facilitando a compreensão esquemática do tema pelo leitor.
8.2.1 Incapaz sem representante legal (art. 9º, I, 1ª parte do CPC, e art. 142, parágrafo único, 2ª parte do ECA)
De maneira pragmática, incapaz é aquele que não possui aptidão para praticar direta e pessoalmente os atos da vida civil5. Segundo leciona SILVIO RODRIGUES, “incapacidade é o reconhecimento da inexistência, numa pessoa, daqueles requisitos que a lei acha indispensáveis para que ele exerça os seus direitos”6. Partindo da ideia fundamental de que a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção7, o Código Civil contemplou objetivamente as hipóteses de restrição da plena capacidade civil, elencando taxativamente os casos em que restará configurada a incapacidade absoluta ou a incapacidade relativa do indivíduo: Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos.
Por conta da limitação imposta à prática dos atos jurídicos cotidianos, as hipóteses legais de incapacidade civil reclamam interpretação restritiva, não sendo possível maximizar analogicamente as categorias elencadas pelo legislador. Por essa razão, a rudeza e o analfabetismo, por exemplo, ainda que proporcionem diminuição da aptidão individual para compreender determinados atos da vida civil, não ensejam isoladamente o reconhecimento da incapacidade jurídica8. Com o intuito de proteger a esfera jurídica dos incapazes, tendo em vista suas naturais deficiências, decorrentes da idade, da saúde e do incompleto desenvolvimento mental e intelectual, a lei não lhes permite exercer diretamente seus direitos9. Para que possam validamente praticar os atos da vida civil, os absolutamente incapazes devem estar representados e os relativamente incapazes assistidos por terceira pessoa. Caso essa formalidade legal não seja cumprida, os atos jurídicos praticados pelos absolutamente incapazes serão considerados nulos (art. 166 do CC/2002), não produzindo qualquer efeito jurídico, e os atos praticados pelos relativamente incapazes serão anuláveis (art. 171, I do CC/2002), produzindo efeitos até que lhe sobrevenha decisão judicial reconhecendo a invalidade10. De maneira análoga, o sistema processual civil elenca a capacidade de estar em juízo dentre os pressupostos processuais subjetivos de validade. Desse modo, para que a relação processual possa validamente ser instaurada e desenvolvida, a parte deve possuir plena capacidade para praticar pessoalmente os atos processuais necessários à regular evolução do processo. Dentro dessa ótica, para que os incapazes possam estar em juízo, no polo ativo ou passivo da relação processual, deverão ser devidamente representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores (art. 8º do CPC). Esse pressuposto processual, consistente na adequada representação em juízo caracteriza o que comumente se chama de legitimatio ad processum11.
Seguindo a sistemática adotada pelo art. 13 do CPC, a ausência de adequada representação processual gera a nulidade12 do feito, devendo o juiz fixar prazo razoável para que seja sanado o defeito, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito, caso o vício se manifeste no polo ativo, ou de decretação da revelia, caso o vício atinja o polo passivo. Se por um lado o incapaz depende de representante ou assistente para defender judicialmente seus direitos, por outro não pode a legislação processual negar-lhe peremptoriamente o acesso à tutela jurisdicional devida caso não possua quem o represente ou assista (art. 5º, XXXV da CRFB). Por isso, como forma de concretizar uma ampla proteção jurídica do cidadão incapaz, garantindo seu inafastável direito de acesso à justiça, o art. 9º, I do CPC assegura àquele que não possui pai, tutor ou curador civil a adequada representação processual por curador especial13, in verbis: Art. 9º do CPC: O juiz dará curador especial: I – ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele.
Desse modo, o sistema processual garante que a ausência transitória ou definitiva de representante legal não constitua obstáculo para a adequada tutela jurídica dos interesses do incapaz. Importante notar que, embora o art. 9º, I do CPC faça referência apenas à ausência de “representante legal”, o termo evidentemente deverá ser interpretado de forma abrangente, englobando também as hipóteses de assistência14. Sendo assim, tanto ao absolutamente incapaz quanto ao relativamente incapaz deverá ser atribuído curador especial, sempre que não tiverem quem os represente ou assista. De forma paralela e cuidando especificamente das hipóteses de incapacidade decorrente da menoridade, o art. 142, parágrafo único do ECA determina que à criança ou ao adolescente seja dado curador especial “sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual”. Deve-se observar, porém, que o referido dispositivo legal, embora se assemelhe ao art. 9º, I do CPC, com esse não estabelece relação de equivalência; na verdade, por estar direcionado apenas aos casos de incapacidade decorrente da menoridade, o art. 142, parágrafo único do ECA possui espectro mais limitado do que o gerado pelo art. 9º, I do CPC, que também alberga as hipóteses de incapacidade decorrente de enfermidade ou deficiência. Por proporcionar ao incapaz desprovido de representação legal o devido acesso à ordem jurídica justa, a atuação da curadoria especial poderá ocorrer tanto no polo ativo como no polo passivo da relação processual, sendo admissível que o curador intervenha como representante ou como assistente do autor ou do réu incapaz15. Como forma de ilustrar a atuação da curadoria especial no polo ativo, podemos citar o caso da ação de investigação de paternidade ajuizada pelo menor, órfão por parte de mãe e desprovido de tutor legal, objetivando averiguar sua verdadeira origem genética. Ou ainda, a ação de obrigação de fazer movida pelo menor abrigado, cujos pais foram destituídos do poder familiar, para que possa obter tratamento médico indispensável ao restabelecimento de sua saúde16. Em outro giro, como forma de demonstrar a atuação da curadoria especial no polo passivo, podemos citar o exemplo da ação indenizatória promovida em face de portador de deficiência mental incapacitante, que não possua curador civil para representá-lo em juízo.
Nesses casos, o incapaz deverá figurar como parte na relação jurídico processual, sendo devidamente representado pela Defensoria Pública na qualidade de curadora especial, nos termos do art. 9º, I do CPC c/c art. 4º, XVI da LC nº 80/1994. 8.2.2 Incapaz quando os interesses deste colidirem com os do representante legal (art. 9º, I, 2ª parte do CPC, e art. 142, parágrafo único, 1ª parte do ECA)
De acordo com o art. 9º, I, 2ª parte do CPC, “o juiz dará curador especial ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele”. De maneira semelhante, porém abrangendo apenas as hipóteses de incapacidade decorrente da menoridade, o art. 142, parágrafo único, 1ª parte do ECA determina que à criança ou ao adolescente seja fornecido curador especial “sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável”. Nesse caso, embora o incapaz possua quem o represente ou assista em juízo, a atuação da curadoria especial se revela necessária em virtude da colidência de interesses entre o indivíduo incapacitado e aquele que exerce sua representação processual. Na verdade, por possuir interesses próprios que se antagonizam com os interesses do incapaz, não detém o pai, tutor ou curador civil condições de desempenhar legitimamente a função de representante ou assistente. Dessa forma, por não possuir o incapaz condições de estar sozinho em juízo e por estar sua representação processual comprometida pela contraposição de interesses, a atuação da curadoria especial constitui medida indispensável para garantir legitimatio ad processum à parte civilmente incapacitada. Nessa hipótese, portanto, tal qual ocorre nos casos de inexistência de representante legal, o curador especial atua como representante processual do incapaz, suprindo sua incapacidade absoluta ou relativa de praticar pessoalmente os atos necessários ao regular desenvolvimento do processo. Para que reste caracterizada a hipótese legal de atuação da curadoria especial prevista no art. 9º, I, 2ª parte do CPC e art. 142, parágrafo único, 1ª parte do ECA, torna-se imprescindível a ocorrência de colidência de interesses entre o incapaz e seu representante legal. Segundo PONTES DE MIRANDA, conflito de interesses “é qualquer situação em que o ganho de causa por parte do incapaz diminuiria, direta ou indiretamente, qualquer interesse econômico ou moral do pai, tutor ou curador”17. Sempre que o mais leve choque ou possibilidade de choque restar evidenciada, a atuação do curador especial será cogente18. Por assegurar ao incapaz a representação processual necessária para a postulação e defesa de seus interesses em juízo, a atuação da curadoria especial poderá ocorrer tanto no polo ativo como no polo passivo da relação processual19. Como exemplo de atuação da curadoria especial no polo ativo, podemos citar a ação de investigação de paternidade póstuma, proposta pelo menor em face dos herdeiros de seu falecido genitor, dentre os quais poderá se encontrar, dependendo do regime de bens adotado pelo casal, a própria genitora do menor demandante; sendo assim, como representante e representado ocupam de maneira antagônica os polos da relação processual, deverá a curadoria especial atuar no polo ativo como representante processual do menor. Por outro lado, para ilustrar a atuação da curadoria especial no polo passivo, podemos mencionar a ação negatória de paternidade, promovida pelo pai em face do filho menor, que não possui outro representante legal além do próprio genitor demandante; nesse caso, assim como no
exemplo anterior, a colidência de interesses existente entre representante e representado torna cogente a atuação da curadoria especial como representante processual do menor. 8.2.3 Réu preso (art. 9º, II, 1ª parte do CPC)
Tendo em vista a peculiar condição de vulnerabilidade daquele que se encontra recolhido ao cárcere, a lei processual determina a atuação de curador especial em favor do réu preso, como forma de proporcionar a efetiva e real defesa de seus direitos em juízo, suprindo a potencial deficiência de contraditório20. Como se observa pela análise do art. 9º, II, 1ª parte do CPC, o dispositivo não especifica qual a modalidade de prisão em que se admite a atuação do curador especial. Por essa razão, seja nos casos de prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, de prisão cautelar ou mesmo de prisão civil21, a atuação da curadoria especial será obrigatória. Importante observar, porém, que a privação da liberdade deverá ser efetiva, não possuindo direito ao curador especial aquele que estiver habilitado à comparecer aos atos processuais, por se encontrar em gozo, por exemplo, de regime aberto ou de livramento condicional22. Do mesmo modo, havendo a soltura do réu no curso do processo, cessa imediatamente a atuação da curadoria especial. Nesse sentido, leciona GUILHERME PEÑA DE MORAES: Também é dado curador especial ao réu preso, pois leva em conta a dificuldade de movimentação para a defesa. Cumpre acrescentar que a prisão, no caso, deve ser efetiva, isto é, a supressão da liberdade ambulatorial mediante clausura deve impor embaraços ao acautelado no sentido de organizar sua defesa. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 190)
Questão polêmica, no entanto, se refere à necessidade de atuação do curador especial quando o réu preso constitui advogado e apresenta defesa nos autos do processo. Sobre o tema foram erigidas duas correntes distintas e antagônicas: (i) corrente intervencionista aditiva, e (ii) corrente intervencionista subsidiária. A)
CORRENTE INTERVENCIONISTA ADITIVA: De acordo com a corrente intervencionista aditiva23, mesmo havendo a ordinária constituição de advogado e sendo regularmente apresentada defesa pelo réu preso, haveria a necessidade inafastável de atuação do curador especial, haja vista a natural debilidade jurídica gerada pelo recolhimento ao cárcere24. Diante do nítido grau de vulnerabilidade jurídica gerado pela segregação, necessitaria o réu preso de alguém para tutelar seus interesses e impedir que eventual desídia do advogado pudesse gerar prejuízo à ampla defesa e ao contraditório. O réu preso sofreria efetiva limitação de seus direitos em razão do cárcere, sendo necessária a nomeação de curador especial como forma de tutelar sua defesa no âmbito processual. Não seria atividade propriamente de fiscalização da atuação do patrono constituído, mas função garantidora do devido processo legal em relação àquele que não seria capaz de exercer regularmente sua capacidade civil no processo. Além disso, os partidários dessa corrente sustentam que o art. 9º, II, 1ª parte do CPC teria determinado categoricamente a atuação do curador especial em favor do “réu preso”,
independentemente da ocorrência ou não de revelia. In verbis: Art. 9º do CPC: O juiz dará curador especial: (…) II – ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.
Ao prever a hipótese legal de intervenção da curadoria especial, o legislador teria feito menção à revelia apenas na segunda parte do art. 9º, II da CPC, ao cuidar da atuação em favor do réu “ revel citado por edital ou com hora certa”. Ao determinar a nomeação de curador especial ao réu preso, não teria o dispositivo legal estabelecido qualquer condição ou exigência, além do próprio encarceramento do sujeito processual. Com efeito, diante do eloquente silêncio do legislador, a atuação da curadoria especial em favor do réu preso seria medida cogente, que independeria da constituição de advogado ou da efetiva apresentação de defesa. Nesse sentido, posiciona-se FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, in verbis: No caso de réu preso, a própria limitação à liberdade dificulta sobremaneira a constituição de advogado particular, o que, de resto, torna naturalmente mais difícil o exercício do direito de ampla defesa. É induvidoso que a isonomia processual é comprometida em tal contexto. Não obstante, é importantíssimo registrar que a regra do Código de Processo Civil de atuação do curador especial ao réu preso subsiste ainda que haja a constituição de patrono. Diferentemente da hipótese de réu revel, o réu preso, mesmo se citado regularmente, e mesmo se constituir advogado, deve contar com a proteção de curador especial. Isto porque a vedação da liberdade de locomoção pode incitar em profissionais inescrupulosos o desejo de agir em contrariedade aos interesses do seu constituinte, uma vez que sabem que o mesmo não se encontra apto a averiguar e fiscalizar o mandato que lhes foi outorgado. A situação peculiar do preso impõe a atuação do curador especial. (LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 195)
Do mesmo modo, sustenta a professora LÍGIA MARIA BERNARDI, em obra dedicada ao tema: Citado, o réu preso poderá ter duas atitudes: constituir ou não advogado. Constituído advogado este poderá oferecer ou não, em Juízo, defesa em prol do seu constituinte preso. Se oferecida defesa atuará concomitantemente o curador especial. Se não oferecida defesa, também atuará o curador especial. Seja como for, a atuação do curador especial é indispensável para concretizar a intenção do legislador de proteção ao réu preso em razão de estar com sua liberdade cerceada. (BERNARDI, Lígia Maria. O curador especial no código de processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 49/50)
Portanto, de acordo com o posicionamento defendido por essa corrente, a intervenção da curadoria especial em favor do réu preso seria sempre aditiva, devendo ocorrer “ainda que o réu tenha sido citado pessoalmente e mesmo que tenha advogado constituído”25. B)
CORRENTE INTERVENCIONISTA SUBSIDIÁRIA: Segundo a corrente intervencionista subsidiária26, a atribuição de curador especial ao réu preso apenas deveria ocorrer quando não fosse apresentada contestação ou, mesmo sendo apresentada resposta, quando fosse alegada dificuldade de defesa pelo réu. Tendo o réu preso realizado a regular constituição de advogado e ocorrendo a tempestiva apresentação de defesa, não haveria que se falar em deficiência do contraditório em razão do encarceramento. Com a contratação do advogado, teria o réu preso oportunidade de apresentar todas as alegações que entendesse cabíveis e requerer a produção de todas as provas que julgasse convenientes, podendo influir eficazmente na formação da decisão judicial. Na verdade, como o advogado possui melhores condições de estabelecer contato direto com seu cliente, a defesa por ele apresentada tenderia a ser mais efetiva do que aquela genericamente
formulada pelo curador especial. Por essa razão, havendo a livre contratação de advogado particular e restando assegurada a plenitude de defesa do réu preso, não subsistiria espaço para a atuação funcional da curadoria especial. De acordo com os correligionários dessa corrente, não seria adequado atribuir ao curador especial o exercício da fiscalização sobre o trabalho desempenhado pelos advogados. Afinal, seria no mínimo antiético presumir que o advogado do réu preso viria a adotar conduta desleal ou desonesta na condução do processo, unicamente em virtude do encarceramento de seu cliente. Tal presunção violaria o disposto no art. 6º, parágrafo único da Lei nº 8.906/1994, que dispensa ao advogado tratamento digno para o adequado exercício de sua profissão. Além disso, a atuação concomitante do curador especial e do advogado particular em favor do mesmo réu poderia gerar conflitos desconcertantes no curso do processo, prejudicando o adequado deslinde da causa e a própria defesa do demandado. No caso de discordância entre o advogado e o curador especial em relação à determinada estratégia jurídica ou em relação a determinado acordo, por exemplo, qual seria a vontade prevalecente? Do advogado de confiança do réu, que possui procuração assinada e manteve contado pessoal com o preso, ou a vontade do curador especial, que intervêm por determinação legal e provavelmente nunca manteve qualquer diálogo com o demandado? Segundo os defensores da corrente intervencionista subsidiária, a resposta seria intuitiva e conduziria a conclusão de que a atuação conjunta do curador especial e do advogado regularmente constituído, em favor do mesmo réu preso, além de atentar contra a celeridade do processo, seria medida inadequada, desnecessária e extremamente inconveniente. Nesse sentido, lecionam os professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: Ainda que o réu tenha sido citado pessoalmente ou tenha ciência inequívoca da ação, se estiver preso a ele será dado curador especial. A nomeação somente deverá ocorrer se o réu não contestar ou alegar dificuldade para defender-se no processo. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 191)
Da mesma forma, se manifestam THEOTONIO NEGRÃO e JOSÉ ROBERTO F. GOUVÊA, maneira clara e concisa: Não há razão para nomear curador especial ao réu preso, se este contestou a ação através de advogado constituído. (NEGRÃO, Theotonio. GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 129)
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a questão restou analisada pela Terceira Turma que, em precedente singular, entendeu ser despicienda a nomeação de curador especial ao réu preso com advogado constituído nos autos: RÉU PRESO. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. NECESSIDADE, DESDE QUE A PARTE NÃO TENHA ADVOGADO NOMEADO NOS AUTOS. Se a parte, mesmo estando presa, tem patrono nomeado nos autos, torna-se absolutamente despicienda a indicação de um curador especial para representá-la. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 897682/MS – Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, decisão: 17-05-2007)
Em síntese, de acordo com o entendimento sustentado por essa corrente, a intervenção da curadoria especial em favor do réu preso seria sempre subsidiária, apenas ocorrendo ante a ausência
de contestação ou, sendo apresentada resposta, quando fosse alegada dificuldade de defesa pelo réu27. 8.2.4 Réu revel citado por edital ou com hora certa (art. 9º, II, 2ª parte do CPC)
É por meio da citação que o réu toma conhecimento da existência do processo, podendo dele participar e se defender. De acordo com o art. 231 do CPC, será realizada a citação por edital: (i) quando for desconhecido ou incerto o réu; (ii) quando for ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar; e (iii) nos demais casos expressos em lei28. Importante ressaltar, nesse ponto, que a citação editalícia daquele que se encontra em local incerto ou ignorado depende do prévio esgotamento de todos meios disponíveis para a localização do sujeito, notadamente a expedição de ofícios aos órgão de praxe (concessionárias de serviços públicos, cartórios eleitorais, secretaria da Receita Federal, etc.)29. A citação com hora certa, por sua vez, será realizada quando o oficial de justiça, tendo procurado o réu por três vezes no endereço declinado no mandado e, não o encontrando, suspeite que ele esteja se ocultando para não receber a citação (art. 227 do CPC). Nesse caso, o oficial de justiça deverá intimar qualquer pessoa da família, ou, em sua falta, qualquer vizinho do citando, informando que, no dia seguinte, voltará para realizar a citação do réu, na hora que designar. Esse parente ou vizinho terá a incumbência de informar o horário de retorno do oficial de justiça, para que o réu possa ser regularmente citado. Se, no dia e hora marcados, o réu não estiver presente, deverá o oficial de justiça realizar a citação na pessoa do parente ou vizinho, lavrando certidão detalhando todo o ocorrido. Por fim, efetuada a citação com hora certa, deverá o escrivão enviar ao réu telegrama, carta ou radiograma, cientificando-lhe de tudo. Como não existe certeza de que o réu tenha sido efetivamente cientificado da existência do processo contra ele instaurado, a citação por edital e a citação com hora certa constituem modalidades de citação ficta ou presumida. Por essa razão, caso transcorra o prazo de resposta sem que seja apresentada contestação pelo réu citado fictamente, deverá o juiz intimar o curador especial para representar seus interesses em juízo (art. 9º, II, 2ª parte do CPC)30 Com isso, o sistema processual pretende assegurar o mínimo de defesa ao réu revel ausente31, reduzindo o potencial impacto que a citação ficta poderia gerar sobre seu direito fundamental ao contraditório. Na verdade, como a atuação do curador especial afasta a produção dos efeitos materiais da revelia, a utilização do termo “revel” em relação ao réu citado fictamente (art. 9º, II do CPC) tem sido objeto de severas críticas. De acordo com a professora LÍGIA MARIA BERNARDI, a utilização do termo induz equivocadamente à equiparação entre o réu citado fictamente e o réu citado pessoalmente: Segundo o instituto da revelia, réu revel é aquele que, citado pessoalmente, não comparece em juízo, ou, se comparece, não apresenta defesa, isto é, não exerce seu direito de defesa, permanecendo voluntariamente inativo. O réu citado fictamente não comparece pessoalmente em juízo por inação involuntária, porque não teve conhecimento da citação, atuando em seu favor o curador especial. Assim, não há como assemelhar-se as duas situações. Uma, a do réu citado pessoalmente e que não apresenta defesa. A outra, do réu citado com hora certa ou por edital que tem sua defesa exercida processualmente através do curador especial. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 20)
Em síntese, portanto, podemos concluir que a nomeação de curador especial nessa hipótese apenas ocorrerá quando: (i) a citação for realizada de forma ficta (citação por edital ou com hora certa); e (ii) deixar o réu de comparecer ao processo e de constituir patrono para representar seus interesses em juízo. Assim, caso o réu citado pessoalmente deixe de apresentar resposta, não haverá a incidência do art. 9º, II, 2ª parte do CPC32. Da mesma forma, caso o réu citado fictamente compareça ao processo e apresente defesa, também não haverá a intervenção da curadoria especial33. Esse posicionamento restou materializado em parecer proferido nos autos do Processo Administrativo E-20/10.140/89, pelo então Defensor Público LUIS GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO, que uniformizou o posicionamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro em relação a não atuação da curadoria especial nos casos de réu revel citado pessoalmente: O Defensor Público ARTHUR NARCIZO DE OLIVEIRA NETO formula requerimento no sentido de ser normatizada a atuação dos Defensores Públicos, em face do preceito do art. 5º, LV, da Constituição Federal. Segundo o ilustre Defensor Público o dispositivo constitucional estaria propiciando o entendimento de ser necessária a intervenção de curador especial ao réu revel citado pessoalmente. Aduz ser importante o posicionamento uniforme dos membros da Defensoria Pública, aos quais incumbe a função de curador especial, no Estado do Rio de Janeiro. (…) Em linha geral, o que se busca saber é se a Constituição Federal alterou o sistema do Código de Processo Civil no tocante à defesa e ao critério de valoração da prova, reflexos mediatos do novo texto. (…) Ao que tudo indica, o que pretendeu o legislador constituinte foi ressaltar a importância do direito de defesa, erigido a preceito constitucional, em processo judicial (não só penal) ou procedimento administrativo. Por outras palavras, está garantido irrestritamente o direito de defesa. (…) Não quer isso dizer que a ausência de defesa nulifica o processo. Em sede de processo penal, a ausência de defesa o nulifica em virtude da interpretação do art. 261 do CPP e da Constituição Federal. O mesmo não se pode dizer, por exemplo, do processo civil, onde não há dispositivo semelhante. Por outro lado, o legislador constituinte não parece ter pretendido tanto, caso contrário teria explicitado o texto constitucional. (…) Diante do exposto acima, podemos concluir que a Constituição quis garantir o exercício da defesa e não a efetividade desta. A natureza jurídica da função do curador especial evita, por si só, que se lhe estendam atribuições outras, além das já previstas. A curadoria especial tem por pressuposto a citação ficta, feita por edital ou com hora certa. É a incerteza em relação à ciência do réu quanto à lide, proposta pelo autor que justifica a intervenção da curadoria especial como “supletividade garantidora” da igualdade processual. A curadoria especial tem como função integrar e completar a ficção da citação feita por edital ou com hora certa. Sendo feita a citação pessoalmente, não se pode obrigar o réu a exercer sua defesa, ainda que se lhe nomeando curador especial, mesmo porque o réu pode optar pela inatividade por parecer a ele mais interessante e menos dispendioso. (…) Assim, Sr. Procurador-Geral, opino no sentido de dar ciência especial do parecer ao ilustre Defensor Público autor da consulta, e geral aos demais integrantes da Defensoria Pública, com a recomendação de que não há dever legal de o Defensor Público atuar como curador especial de réu inativo, citado pessoalmente. (CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Parecer emitido nos autos do Processo Administrativo E-20/10.140/89, emissão: 07-06-1989)
Além disso, a doutrina34 e a jurisprudência35 têm dispensado a nomeação de curador especial quando a citação editalícia é direcionada para réus incertos ou indeterminados. Nesses casos, a revelia do réu citado fictamente não enseja a participação do curador especial (ex: na ação de usucapião, somente a citação de réus certos por edital gera a necessidade de atuação do curador especial, não sendo essa intervenção viabilizada nos casos de citação editalícia de réus incertos – art. 942 do CPC). Por fim, importante destacar que a atuação da curadoria especial, nessa hipótese, será sempre
subsidiária, ocorrendo apenas ante a ausência do réu revel citado fictamente. Em havendo o comparecimento espontâneo do curatelado no curso do processo, ou sendo comprovada sua ciência inequívoca sobre a demanda, cessa imediatamente a intervenção da curadoria especial, assumindo o réu o feito no estado em que se encontra36. 8.2.5 Citando impossibilitado de receber citação (art. 218 do CPC)
De acordo com o art. 218 do CPC, se ao realizar o ato citatório o oficial de justiça suspeitar seriamente que o réu não possui condições físicas ou psíquicas de receber utilmente o mandado, por ser incapaz de compreender a importância e o significado da citação, deverá certificar a ocorrência e informar o fato ao juiz competente. Diante da certidão lavrada pelo oficial de justiça, o juiz deverá suspender o processo e determinar a instauração de incidente inicial de insanidade, designando médico especializado37 para realizar a perícia do réu (art. 218, § 1º, do CPC)38. Sendo contatada a sanidade da parte ré, deverá o oficial de justiça realizar a citação normalmente, seguindo o processo seus regulares trâmites. No caso oposto, sendo verificada a incapacidade do réu, deverá o magistrado nomear curador para representá-lo no processo, observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida na lei civil (art. 218, § 2º do CPC c/c art. 1.775 do CC/2002). Caso não possua representante legal ou caso seja identificado o comprometimento da representação em virtude da colidência de interesses, deverá o réu incapaz ser representado no processo por curador especial (art. 9º, I do CPC), que restará incumbido de receber a citação em nome do curatelado39. Importante observar, portanto, que a atuação do curador especial na hipótese do art. 218 do CPC será meramente subsidiária, apenas ocorrendo nos casos em que o citando reconhecidamente incapaz não possua quem o represente validamente em juízo40. Em havendo representante legal apto à tutelar os interesses do réu incapaz, deverá o magistrado nomeá-lo como curador civil naquele processo, respeitando a ordem legal de preferência do art. 1.775 do CC/2002, caso haja mais de um interessado em assumir o encargo41. Em última análise, então, podemos concluir que a hipótese legal de atuação da curadoria especial constante do art. 218 do CPC constitui simples desdobramento do art. 9º, I do mesmo diploma legal. 8.2.6 Ausente (art. 1.042, I, do CPC)
De acordo com o art. 1.042, I do CPC, aplicável ao procedimento de inventário e partilha, o juiz dará curador especial “ao ausente, se não o tiver”. Para que se torne possível alcançar a adequada teleologia do dispositivo, primeiramente deve-se perquirir a intenção do legislador, interpretando-se adequadamente o termo “ausente”. Seguindo a acepção jurídica da palavra, entende-se por ausente aquele que, desaparecendo de seu domicílio sem deixar notícias, for assim declarado pelo juiz (arts. 22 e seguintes do CC/2002). Nesse caso, seguindo o procedimento traçado pelos arts. 1.159 e seguintes do CPC, o juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomear-lhe-á curador. Importante observar, porém, que o curador nomeado para administrar os bens do ausente constitui figura de direito material, não podendo ser confundido com a figura processual do curador especial.
A curadoria dos bens do ausente deve ser exercida preferencialmente pelo cônjuge, pais ou descendentes, nesta ordem (art. 25 do CC/2002), devendo o juiz fixar-lhe os poderes e obrigações, observando, no que for aplicável, as normas relativas aos tutores e curadores civis (art. 24 do CC/2002). Dessa forma, não há como atribuir à palavra ausente, empregada pelo legislador no art. 1.042, I do CPC, acepção propriamente jurídica. Se o sujeito for judicialmente declarado ausente pelo juiz, nos termos do art. 22 e seguintes do CC/2002, receberá curador civil (figura de direito material), e não curador especial (figura de direito processual). Dentro dessa ordem, caso o indivíduo judicialmente declarado ausente venha a figurar como autor ou réu em algum processo judicial, terá seus interesses representados pelo curador civil, e não pelo curador especial. Com efeito, conclui-se que o termo “ausente” constante do art. 1.042, I do CPC deve ser interpretado de maneira meramente lexicográfica, sendo entendido como aquele que não está presente. Seguindo essa linha de raciocínio, se manifesta a professora LÍGIA MARIA BERNARDI: De acordo com o inciso IV, do art. 5º do Código Civil de 1916, entende-se por ausente aquele que assim foi declarado pelo juiz. Neste caso, necessariamente, haverá sempre curador nomeado em consequência da declaração de ausência, porque o art. 1.160, da lei processual, determina se proceda a esta providência ao mesmo tempo em que o juiz manda arrecadar os bens do ausente. Portanto, na prática, não vemos como se configurar a hipótese legal, conduzindo--nos ao raciocínio de ter o Código utilizado a palavra ausente não em sua acepção técnico jurídica, mas, em sentido genérico, isto é, de não ser presente. Somente nesta circunstância, se entende a intenção protetiva do legislador, que se dirige para os casos em que ocorre citação por edital. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 119)
No procedimento de inventário e partilha, segundo determina o art. 999 do CPC, feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar o cônjuge, os herdeiros e os legatários. Nesse momento, sendo identificada a impossibilidade de localização de algum dos sucessores, será realizada sua citação por edital, na forma do art. 231, II do CPC. Esgotado o prazo de resposta e não havendo manifestação do sucessor citado fictamente, deverá o juiz determinar a intimação da curadoria especial para que atue na defesa dos interesses do herdeiro ou legatário ausente (rectius, não presente), nos termos do art. 9º, II, 2ª parte c/c art. 1.042, I do CPC. Na realidade, portanto, o art. 1.042, I do CPC constitui derivação ou especialização do art. 9º, II, 2ª parte do CPC; enquanto este dispositivo possui aplicabilidade genérica, aquele guarda destinação específica, sendo voltado exclusivamente ao procedimento de inventário e partilha. 8.2.7 Incapaz quando concorrer na partilha com o seu representante legal (art. 1.042, II, do CPC)
Segundo determina o art. 1.042, II do CPC, o juiz dará curador especial “ao incapaz, se concorrer na partilha com o seu representante”. Em uma primeira análise, poderíamos concluir que em todo e qualquer procedimento de inventário e partilha em que figurassem como sucessores do falecido indivíduo incapaz e, de maneira concorrente, seu representante legal, haveria a necessidade de nomeação de curador especial42. No entanto, a mera condição de condôminos e interessados na partilha não coloca representante legal e incapaz em posição de antagonismo processual. No inventário e partilha, por se tratar de
procedimento de jurisdição voluntária, os interesses do representante legal e do representado normalmente convergem, sendo o litígio elemento meramente acidental. Por isso, o simples fato de estarem dividindo a herança não impede o pai, tutor ou curador civil de exercer a representação processual do incapaz durante o procedimento de inventário e partilha. Para que a atuação da curadoria especial se revele necessária deve restar evidenciada a efetiva concorrência entre representante legal e incapaz, entendida como disputa, porfia ou competição pelos bens objeto da divisão sucessória. Apenas nesse caso estará o pai, tutor ou curador civil impossibilitado de desempenhar legitimamente a função de representante ou assistente do incapaz, tornando-se necessária a atuação da curadoria especial para suprir a deficiência de representação (legitimatio ad processum) do indivíduo incapacitado. Corroborando esse posicionamento, temos a lição da professora LÍGIA MARIA BERNARDI, nos seguintes termos: Para configurar a hipótese de atuação de curador especial, é necessário haver colidência de interesses, colidência esta que deve existir em concreto e não presumida, posto que, neste último caso, não haveria necessidade de ter sido utilizado o verbo colidir, bastando a determinação pura e simples da nomeação de curador especial. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 121)
A intervenção determinada pelo art. 1.042, II do CPC não objetiva atribuir à curadoria especial a fiscalização dos interesses dos incapazes. De acordo com o art. 82, I c/c art. 999 do CPC, o exercício da função fiscalizadora deverá ser desempenhado pelo Ministério Público, que atuará como custos legis em todo procedimento de inventário e partilha onde haja interesses de incapazes, mesmo que o indivíduo incapacitado possua representante legal43. Na verdade, a atuação da curadoria especial objetiva suprir deficiência de representação, garantindo a necessária legitimatio ad processum ao incapaz cujo pai, tutor ou curador civil esteja impossibilitado de exercer legitimamente a função de representante ou assistente. Assim, a intervenção da curadoria especial, na forma do art. 1.042, II, do CPC, apenas será necessária quando restar evidenciado o comprometimento da representação processual do indivíduo incapacitado, por conta da existência de concreto conflito de interesses. Nesse sentido, afastando das funções da curadoria especial o exercício da fiscalização dos interesses dos incapazes devidamente representados ou assistidos, leciona uma vez mais a professora LÍGIA MARIA BERNARDI, in verbis: Por força do disposto, no caput do art. 999, o Ministério Público necessariamente intervém no inventário e partilha, se houver herdeiro incapaz ou ausente. Essa intervenção tem o caráter eminentemente fiscalizador dos interesses do herdeiro incapaz e ou do ausente. Não havendo conflito de interesses entre incapaz e seu representante legal, qual seria a razão de ser da atuação do curador especial (?) e como se exercitaria, na prática, tal intervenção? Evidentemente, nos mesmos moldes da do Ministério Público, como fiscalizador dos interesses do incapaz. Terá sido esta a intenção do legislador? Entendemos que não. (…) A atuação do curador especial, em inventário oriundo de bens comuns dos cônjuges, quando se estabelece o condomínio dos bens da herança, meação do cônjuge sobrevivente e dos direitos hereditários dos herdeiros, não se justifica, só por si, sem que se demonstre haver conflito de interesses. A intervenção, neste caso, acarretaria o retardamento no processamento do inventário, em detrimento do interesse das partes intervenientes, esvaziaria as funções precípuas do Ministério Público e quiçá fomentaria uma curadoria do “ciente”. Na verdade, seriam dois maestros, ao mesmo tempo, regendo a mesma orquestra. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 124/125)
Por fim, importante observar a existência de relevante distinção entre o art. 9º, I, 2ª parte e o art. 1.042, II, do CPC. Embora ambos os dispositivos façam referência à atuação da curadoria especial
na hipótese de colidência de interesses entre represente legal e incapaz, o distinto âmbito de incidência de cada uma das normas gera reflexos interpretativos que influenciam diretamente na configuração da hipótese de atuação funcional da curadoria especial. No caso do art. 1.042, II do CPC, por se tratar de norma voltada para o procedimento de inventário e partilha, onde não há antagonismo processual entre os herdeiros, apenas ocorrerá a intervenção da curadoria especial quando restar evidenciada a efetiva colidência de interesses entre representante legal e incapaz. Nesse caso, a colidência não se presume, devendo existir em concreto. Por outro lado, possuindo espectro mais amplo, o art. 9º, I, 2ª parte do CPC regula genericamente a atuação da curadoria especial em todas as hipóteses de conflito de interesses entre represente legal e incapaz. Aqui não há delimitação específica do âmbito procedimental de incidência da norma, sendo o dispositivo empregado em uma realidade processual completamente diferente daquela identificada no procedimento de inventário e partilha. Ao contrário do que ocorre com o art. 1.042, II, quando o art. 9º, I, 2ª parte encontra aplicação, os interesses do incapaz e de seu representante legal geralmente não convergem; de fato, nas hipóteses de incidência do art. 9º, I, 2ª parte do CPC, normalmente se identifica efetivo antagonismo estrutural na relação jurídico-processual, ocupando o representante legal e o incapaz polos distintos no litígio (ex.: ação de investigação de paternidade póstuma, proposta pelo menor em face da própria genitora e de seus irmãos; ação negatória de paternidade, promovida pelo pai em face do filho menor, desprovido de outro representante legal). Em virtude desse quadro, a colidência de interesses na hipótese do art. 9º, I, 2ª parte do CPC será presumida, sendo cogente a atuação da curadoria sempre que estiver presente a mera possibilidade de choque entre os interesses do representante legal e do incapaz. 8.2.8 Idoso com comprovada incapacidade (art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994)
De acordo com o art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994, “nos casos de comprovada incapacidade do idoso para gerir seus bens, ser-lhe-á nomeado curador especial em juízo”. Seguindo o parâmetro etário traçado pelo art. 1º da Lei nº 10.741/2003, são idosos “pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. A partir dessa idade, resta assegurado ao idoso todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental, bem como para o seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade, dignidade e felicidade. Importante observar, nesse ponto, que a senectude (velhice), por si só, não implica em incapacidade, por mais idosa que seja a pessoa44; afinal, o avançar da idade não constitui sinônimo de senilidade ou caduquice. Para que reste configurada sua incapacidade absoluta ou relativa, deverá o idoso ser considerado inapto para praticar direta e pessoalmente os atos da vida civil, conforme preceituam taxativamente os arts. 3º e 4º do CC/2002. Ninguém poderá expropriar o idoso de suas decisões sem que reste devidamente demonstrada a hipótese legal de restrição da plena capacidade civil, mesmo que possua a pseudointenção de protegê-lo45. O reconhecimento judicial da incapacidade civil do idoso deverá ser realizado em procedimento próprio de interdição (art. 1.177 e seguintes do CPC), ou de maneira incidental, na forma do art. 218 do CPC46. Sendo atestada por médico especializado a incapacidade absoluta ou relativa do idoso, o
juiz deverá nomear-lhe curador civil, seguindo a ordem legal de preferência do art. 1.775 do CC/2002. No procedimento de interdição, a incapacidade civil será reconhecida com eficácia erga omnes, passando o curador civil a exercer amplamente a representação dos interesses do idoso, em juízo ou fora dele; por outro lado, no caso do reconhecimento incidental da incapacidade (art. 218 do CPC), a nomeação do curador será meramente episódica e direcionada unicamente para a causa em que foi processado o incidente (art. 218, § 2º, in fine do CPC). Via de regra, portanto, a representação processual dos interesses do idoso incapacitado será exercida por curador civil, na forma do art. 1767 e seguintes do CC/2002. Apenas haverá a nomeação de curador especial quando o idoso incapaz não tiver representante legal, ou quando os interesses deste colidirem com os daquele. Dentro dessa ordem de ideias, podemos concluir que a incidência do art. 10, § 2º da Lei nº 8.842/1994 apenas ocorrerá quando o sujeito: (i) atingir o patamar etário previsto no art. 1º da Lei nº 10.741/2003, passando legalmente a ser considerado idoso; (ii) for considerado civilmente incapaz, na forma dos arts. 3º e 4º do CC/2002; e (iii) não possuir representante legal ou restar evidenciada a colidência de interesses. Na verdade, portanto, o art. 10, § 2º da Lei nº 8.842/1994 constitui derivação ou especialização do art. 9º, I do CPC. Enquanto o dispositivo constante do Código de Processo Civil se refere à toda e qualquer hipótese de incapacidade, o art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994 possui espectro restrito, sendo destinado especificamente aos casos de idosos em estado de incapacidade. 8.2.9 Interdição (art. 1.179 do CPC)
Seguindo a sistemática traçada pelos arts. 3º e 4º do CC/2002, podemos afirmar que a capacidade civil constitui regra, sendo a incapacidade sempre exceção. Justamente por conta de seu caráter excepcional, o reconhecimento da ausência de capacidade do indivíduo depende de prova concreta e inconcussa47. No sistema jurídico brasileiro existem dois critérios determinantes que conduzem à incapacidade civil: (i) critério objetivo ou etário; e (ii) critério subjetivo ou psicológico. Quando decorre de critério etário, a incapacidade do sujeito pode ser facilmente demonstrada pela comprovação da idade da pessoa. Evidenciado o preenchimento desse requisito objetivo, restará reconhecida a ausência de capacidade civil para a prática dos atos jurídicos cotidianos48. Por outro lado, quando embasada em critério psicológico, a incapacidade civil do sujeito deve ser reconhecida por sentença judicial, a ser proferida em ação própria de interdição49. Segundo estabelece o art. 1.177 do CPC, “a interdição pode ser promovida: I – pelo pai, mãe ou tutor; II – pelo cônjuge ou algum parente próximo; e III – pelo órgão do Ministério Público”. Por aplicação do art. 226, § 3º da CRFB, poderá também o companheiro postular a interdição de seu consorte, enquanto perdurar a união estável. O pedido de interdição deverá ser formulado por intermédio de petição inicial, na qual o interessado deverá provar sua legitimidade ativa, especificar os fatos que revelam a anomalia psíquica incapacitante e assinalar a inaptidão do interditando para reger a sua pessoa e administrar os seus bens (art. 1.180 do CPC). Recebida a exordial, deverá o magistrado designar audiência de impressão pessoal, na qual
interrogará o interditando minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e o que mais se mostrar necessário para verificar as condições de higidez mental do indivíduo (art. 1.181 do CPC). Caso não seja possível o comparecimento do interditando à sede do juízo, deverá o magistrado converter a audiência em diligência, realizando o interrogatório no local onde estiver o requerido. Depois de concluído o interrogatório, será aberto ao interditando o prazo de cinco dias para que possa impugnar o pedido de interdição. Nesse momento, o indivíduo alegadamente incapaz terá a oportunidade de promover sua defesa, apresentando contestação e demais espécies de resposta50. É claro, no entanto, que em se tratando de pessoa realmente incapacitada muito provavelmente não será promovida nenhuma defesa. Diante dessa lógica irrefutável, o legislador atribuiu ao Ministério Público e, subsidiariamente, à curadoria especial o papel de representar e defender os interesses do indivíduo alegadamente incapaz no processo de interdição: Art. 1.179 do CPC: Quando a interdição for requerida pelo órgão do Ministério Público, o juiz nomeará ao interditando curador à lide (art. 9º). Art. 1.182, § 1º, do CPC: Representará o interditando nos autos do procedimento o órgão do Ministério Público ou, quando for este o requerente, o curador à lide. Art. 1.770 do CC/2002: Nos casos em que a interdição for promovida pelo Ministério Público, o juiz nomeará defensor ao suposto incapaz; nos demais casos o Ministério Público será o defensor.
Realizando a interpretação meramente literal dos dispositivos, uma primeira corrente tem sustentado que a atuação do curador especial seria obrigatória apenas quando a interdição fosse proposta pelo Ministério Público. Nos demais casos, a representação do interditando seria exercida pelo próprio parquet, sendo dispensável a intervenção da curadoria. Esse posicionamento restou adotado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em parecer proferido pelo Defensor Público DIEGO BRILHANTE DE ALBUQUERQUE MIRANDA, nos autos do Processo Administrativo E-20/11.393/2011, in verbis: Trata-se de consulta encaminhada pela Exma. Defensora Pública, Dra. ANA CRISTINA DUARTE SILVA COSTA, titular do órgão da DP junto à 2ª Vara de Família de Niterói, objetivando posicionamento dessa ASSEJUR/DPGE quanto à necessidade de atuação do Defensor Público como curador especial nas ações de interdição movidas pelos demais legitimados na lei processual, que não o Ministério Público. Afirma a consulente entender desnecessária a atuação da DP nessas hipóteses, ao contrário do magistrado do órgão de sua titularidade, o que estaria gerando discordâncias entre ambos. É o relatório. Passa-se a opinar. Com razão a ilustre consulente. De fato, segundo a disciplina extraída da conjugação dos artigos 1.179 e 1.182, § 1º do CPC, a nomeação de curador especial (curador à lide, na redação do código) para a defesa dos interesses do interditando somente se dará nas hipóteses em que o Ministério Público for o autor da demanda de interdição. Nos demais casos, isto é, quando a interdição for promovida por qualquer dos demais legitimados que não o Ministério Público (incisos I e II, do art. 1.177, do CPC), será este órgão quem representará o interditando. Isso não impede, todavia, que o interditando, caso queira, nomeie advogado para a defesa dos seus interesses (art. 1182, § 2 º), papel esse que poderá ser exercido pelo Defensor Público, caso esta pessoa se enquadre no conceito de hipossuficiente econômico. Aliás, a Lei Orgânica Estadual da Defensoria Pública (LC 06/1977) possui artigo que trata especificamente da questão, prevendo a atuação do Defensor Público como curador especial do interditando quando a interdição for movida pelo MP (art. 22, XI). (…) Do exposto, manifesta-se a ASSEJUR no sentido de ser desnecessária a nomeação de Defensor Público para atuar como curador especial em demandas de interdição que não exclusivamente aquelas onde figure como parte autora o Ministério Público.
(MIRANDA, Diego Brilhante de Albuquerque. Parecer emitido nos autos do Processo Administrativo E-20/11.393/2011, emissão: 25-02-2010)51
Seguindo linha de pensamento mais moderna e melhor afinada com as contemporâneas funções institucionais da Defensoria Pública e do Ministério Público, uma segunda corrente sustenta que representação judicial do indivíduo alegadamente incapaz será sempre realizada pela curadoria especial, independentemente de quem promova a interdição. De fato, como todas as palavras são vagas e potencialmente ambíguas, não se revela de boa técnica limitar a hermenêutica jurídica à perfunctória interpretação literal do texto normativo. Como o ordenamento jurídico é uma totalidade orgânica em perene dinamismo, a adequada compreensão estrutural do enunciado legislativo depende fundamentalmente da análise sistemática e teleológica da norma. Embora o art. 1.182, § 1º do CPC e o art. 1.770 do CC/2002 afirmem categoricamente que o Ministério Público atuará como representante do interditando, essas previsões normativas conflitam com a moderna fisionomia constitucional do parquet. De acordo com o art. 129, IX da CRFB, não possui o Ministério Público atribuição para exercer a representação judicial de autores ou réus (art. 129, IX da CRFB), devendo atuar sempre como parte ou como fiscal da lei interveniente52. Dentro dessa ótica, quando o Ministério Público atua nas ações de interdição, poderá figurar como parte requerente (art. 81 c/c art. 1.178 do CPC) ou como custos legis (art. 82, II, do CPC), não sendo constitucionalmente admissível que atue como representante judicial do interditando. Nesse ponto, portanto, o art. 1.182, § 1º do CPC não restou recepcionado pela Constituição Federal e o art. 1.770 do CC/2002 encontra-se maculado por flagrante inconstitucionalidade material53. Seguindo essa linha de raciocínio, lecionam os professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: Entendemos revogado o contido no CPC 1182 § 2º. O juiz dará advogado sempre ao interditando, quando este ou parente seu (CPC 1182 § 3º) não o tenha constituído. As razões são as que seguem: a) a CF 5º LV garante aos litigantes em processo judicial e administrativo ampla defesa; b) a nova fisionomia jurídica do MP (CF 127 e 129) impede que seus integrantes façam a representação judicial da parte ou interessado (CF 129 IX); c) é indispensável a nomeação de advogado ao réu ou interessado como órgão essencial à administração da justiça (CF 133); d) é obrigatória a prestação da assistência jurídica (e não meramente judiciária) aos necessitados (CF 5º LXXIV e 134); e) é grave a medida que o procedimento visa impor ao interditando, limitando seus direitos fundamentais. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 1281)
Sendo assim, independentemente de quem promova a ação de interdição, o indivíduo alegadamente incapaz sempre será judicialmente representado pela curadoria especial, que irá garantir a legitimatio ad processum do interditando e assegurar a observância do contraditório. Quando a interdição for promovida pelo Ministério Público, a intervenção da curadoria especial terá como base a disposição literal do próprio art. 1.179 do CPC. Por outro lado, quando a ação de interdição for proposta por terceiro legitimado (art. 1.177, I e II do CPC), a atuação da curadoria especial encontrará respaldo na regra genérica do art. 9º, I, 2ª parte do CPC, em virtude do inegável antagonismo de interesses entre o interditando alegadamente incapaz e o requerente que pretende exercer sua representação legal. Nesse caso, o Ministério Público deverá atuar unicamente como fiscal da lei interveniente, nos termos do art. 82, II, do CPC. In hujusmodis causis, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro recentemente teve a
oportunidade de reconhecer a impossibilidade de atuação do Ministério Público como representante judicial do interditando, considerando indispensável a intervenção da curadoria especial: Agravo de Instrumento. Interdição. Decisão que nomeia o Ministério Público como curador especial. Impossibilidade. Nova fisionomia constitucional da instituição do Ministério Público, através da qual lhe é vedada a representação judicial. Artigo 129, IX da CRFB. As normas do artigo 1.182, § 1º do CPC e artigo 1.770 do Código Civil não foram recepcionadas pela Constituição da República. A simples intervenção do Ministério Público como custus legis não supre a exigência constitucional de ampla defesa e contraditório, uma vez que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – art. 129, IX, passou a ser vedado ao Ministério Público a “representação judicial”, que deve ser feita pela curadoria especial, na figura do Defensor Público. (TJ/RJ – Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0030532-35.2012.8.19.0000 – Relator Des. LUIZ FELIPE FRANCISCO, decisão: 12-06-2012)
Por fim, antes de encerrarmos a análise do tema, existe ainda uma última questão controvertida a ser analisada, relacionada à necessidade de atuação da curadoria especial quando o interditando constitui advogado e apresenta defesa, nos termos do art. 1.182, §§ 2º e 3º, do CPC. De acordo com parte da doutrina, havendo a contratação de advogado pelo interditando (art. 1.182, § 2º) ou por parente sucessível (art. 1.182, § 3º) seria desnecessária a atuação aditiva da curadoria especial, pois os interesses do indivíduo alegadamente incapaz já estariam sendo adequadamente tutelados pelo mandatário. Nesse sentido, temos o posicionamento de JANDER MAURÍCIO BRUM, em obra dedicada ao estudo da curatela: Se o interditando contratar advogado ou se lhe for nomeado um, por parente sucessível ou pelo cônjuge, que não seja o promovente da interdição, desnecessária a permanência do curador. Na verdade, o magistrado tem o dever de oportunizar a ampla defesa, porém inexiste razão para a dupla representação. (BRUM, Jander Maurício. Curatela, Rio de Janeiro: Aide, 1995, pág. 80)
No entanto, adotando posicionamento diverso, entendemos que a atuação da curadoria especial durante o processo de interdição constitui exigência legal inafastável. Embora seja aberta ao interditando (art. 1.182, § 2º) e aos parentes sucessíveis (art. 1.182, § 3º) a possibilidade de contratação de advogado para atuar no curso do processo, a representação dos interesses do indivíduo alegadamente incapaz deverá obrigatoriamente ser exercida pela curadoria especial (art. 1.182, § 1º). Como a ação de interdição possui como pressuposto lógico justamente a suspeita quanto à incapacidade civil do indivíduo, no início do processo não há como determinar se o interditando possui o tirocínio necessário para eleger e outorgar validamente mandado ao seu patrono. Sendo assim, como a resposta para esse questionamento apenas será efetivamente alcançada tardiamente com a prolação da sentença, a cautela recomenda que o direito à ampla defesa e ao contraditório seja efetivamente assegurado por intermédio de curador especial. A nomeação de advogado constitui providência meramente aditiva, permitindo ao interditando e aos parentes sucessíveis que insiram na relação processual profissional de sua confiança para acompanhar o deslinde da causa, somando eventualmente argumentos que poderão auxiliar à adequada conclusão do processo. Entretanto, a nomeação aditiva de advogado particular não afasta a intervenção obrigatória da curadoria especial. Por conta da incerteza quanto à incapacidade do interditando, a atuação da curadoria especial será sempre impositiva – seja em virtude da aplicação da regra específica do art.
1.179 do CPC, ou pela incidência da regra genérica do art. 9º, I, 2ª parte do CPC. 8.2.10 Criança ou adolescente em situação de risco por conduta omissiva ou comissiva de seu representante legal
Em virtude de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, a criança e o adolescente têm assegurado, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art. 227 da CRFB c/c art. 4º do ECA). Além disso, nenhuma criança ou adolescente poderá ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão, sendo legalmente rechaçada toda conduta comissiva ou omissiva que represente violação aos seus direitos fundamentais (art. 227, in fine da CRFB c/c art. 5º do ECA). Com o objetivo de garantir a proteção integral da criança e do adolescente, a Constituição Federal responsabiliza uma diversidade de agentes pela promoção dos direitos infanto-juvenis, atribuindo à família a responsabilidade pela manutenção da integridade física e psíquica, à sociedade pela convivência coletiva e harmônica, e ao Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas54. Como se sabe, no entanto, a simples normatização abstrata não garante a implementação prática do direito declarado. Diante dessa lógica irrefutável, o Estatuto da Criança e do Adolescente definiu a criação de uma rede integrada para assegurar a materialização dos direitos infanto-juvenis, denominada Sistema de Garantia dos Direitos da Crianças e do Adolescentes. Esse sistema “constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal” (art. 1º da Resolução nº 113/2006 do CONANDA)55. O Sistema de Garantia tem sua atuação fundada em três eixos estratégicos de ação, conhecidos como eixos de promoção, de controle e de defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente56. O eixo da promoção se operacionaliza através das políticas sociais básicas e dos órgãos de atendimento direto, que possuem o papel de cumprir os direitos das crianças e dos adolescentes (art. 14 da Resolução nº 113/2006 do CONANDA). O eixo de controle, por sua vez, se efetiva através das entidades que exercem a vigilância sobre a política e o uso de recursos públicos para a área da infância e juventude, como os conselhos de direitos e outras instâncias de representação da sociedade civil (art. 21 da Resolução nº 113/2006 do CONANDA). Por fim, o eixo de defesa garante a impositividade dos direitos infanto-juvenis, assegurando o perene acesso das crianças e dos adolescentes à justiça; nesse eixo, resta situada a atuação da Defensoria Pública, do Ministério Público, do Poder Judiciário, dos Conselhos Tutelares, da polícia e de entidades sociais de defesa dos direitos humanos (art. 6º e 7º da Resolução nº 113/2006 do CONANDA). Dentro dessa lógica sistêmica, sempre que as crianças ou adolescentes forem colocados em situação de risco, as instituições que integram o eixo de defesa deverão buscar a adoção de providências para garantir o respeito aos direitos infanto-juvenis, resguardando a frágil higidez física e mental das pessoas em desenvolvimento. De acordo com o art. 98 do ECA, as crianças e os adolescentes estarão em situação de risco
sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados (i) por ação ou omissão da sociedade ou do Estado (ex: oferta insuficiente de vagas na rede de ensino); (ii) por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável (ex: situações de abandono material ou intelectual); e (iii) em razão da própria conduta da criança ou adolescente (ex: prática de ato infracional). Nesses casos, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação estratégica de medidas de proteção (ou medidas protetivas), elencadas de forma meramente exemplificativa no art. 101 do referido diploma legal: Art. 101 do ECA: Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – acolhimento institucional; VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar; IX – colocação em família substituta.
No momento da adoção das providências de caráter protetivo deverão ser observados os fatores que geraram a situação de risco e as necessidades concretas da criança e do adolescente, podendo as medidas serem aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. O Conselho Tutelar poderá, de ofício, realizar a aplicação das medidas protetivas elencadas no art. 101, incisos I a VI do ECA, estando a decisão sujeita a revisão pelo juiz competente, mediante requerimento do interessado (art. 137 do ECA). Nas localidades em que não tenham sido ainda instalados os Conselhos Tutelares, a atribuição para aplicar as medidas protetivas será exclusiva do juiz, nos termos do art. 262 do ECA. Importante observar, no entanto, que os Conselhos Tutelares não são competentes para realizar a aplicação de todas as medidas protetivas. Nos casos em que a situação de risco recomende o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, as medidas protetivas de acolhimento institucional, de acolhimento familiar ou de colocação em família substituta (art. 101, incisos VII a IX do ECA) apenas poderão ser impostas pela autoridade judicial, ressalvadas as hipóteses de atuação emergencial para proteção das vítimas de maus-tratos, opressão, violência ou abuso sexual (art. 101, § 2º do ECA). Em síntese, portanto, enquanto à autoridade judicial será aberta a possibilidade de aplicação de todas as medidas protetivas, ao Conselho Tutelar será relegada apenas a aplicação das medidas que não importem no afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar. Para que a criança ou adolescente seja colocado em acolhimento institucional, acolhimento familiar ou família substituta, com a consequente suspensão ou destituição do poder familiar, se revela imprescindível a deflagração de procedimento judicial contencioso, no qual deverá ser garantido aos pais ou ao representante legal o exercício do contraditório e da ampla defesa (art. 101, § 2º, in fine do ECA). Nesses casos, a demanda poderá ser proposta pelo Ministério Público ou por quem detenha
legítimo interesse, na forma do art. 101, § 2º do ECA. Importante ressaltar que, mesmo não sendo instaurada pelo Ministério Público, a demanda deverá obrigatoriamente contar com sua participação, na qualidade de fiscal da lei interveniente, conforme determina o art. 82, I do CPC c/c art. 202 do ECA. No lado oposto, o polo passivo da relação processual deverá ser ocupado pelos pais ou representantes legais da criança ou do adolescente, que serão citados para apresentarem resposta e para indicarem as provas a serem produzidas no curso do processo. Questão controvertida, entretanto, tem sido a possibilidade/necessidade de atuação da curadoria especial como representante processual da criança ou do adolescente, na forma do art. 9º, I do CPC e art. 142, parágrafo único do ECA. Sobre o tema foram erigidas duas correntes distintas e antagônicas, que atualmente materializam, no universo jurisdicional, verdadeira disputa de micropoder entre o Ministério Público e a Defensoria Pública. A)
CORRENTE DA SUBSTITUIÇÃO MINISTERIAL EXCLUSIVA (OU DEMÓBORA): De acordo com a corrente demóbora, nas demandas que objetivam averiguar a existência de situação de risco e realizar aplicação de medidas protetivas, os interesses da criança ou do adolescente seriam defendidos pelo próprio Ministério Público, restando afastada a possibilidade de intervenção da curadoria especial. Segundo os partidários dessa corrente, a criança e o adolescente não seriam parte do processo, mas simples destinatários da proteção judicial57. Em virtude da legitimação extraordinário conferida ao Ministério Público pelo art. 201 do ECA, a defesa judicial dos direitos individuais e coletivos da criança e do adolescente seria exercida exclusivamente pelo parquet, que atuaria como autêntico substituto processual dos menores58. Seja atuando como parte requerente (art. 81 do CPC c/c art. 201 do ECA) ou como fiscal da lei interveniente (art. 82, I do CPC c/c art. 202 do ECA), a presença do Ministério Público no processo já garantiria suficiente proteção aos interesses da criança e do adolescente. Dentro dessa ótica, a atuação da curadoria especial seria desnecessária e teria apenas o condão de provocar o retardamento desnecessário do processo, ocasionando prejuízos injustificáveis aos menores59. Por fim, os defensores dessa corrente afirmam que não haveria respaldo legal capaz de justificar a intervenção da curadoria em favor da criança ou do adolescente, pois a nomeação de curador especial seria apenas justificável quando houvesse “possibilidade de conflito de interesses entre o menor e o responsável pela defesa de seus interesses no processo judicial”60. Sendo a defesa dos interesses da criança e do adolescente exercida pelo Ministério Público, não restaria caracterizada a hipótese legal de intervenção da curadoria, haja vista a impossibilidade de ocorrência de conflito de interesses entre o menor e o parquet61. Esse posicionamento vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem constantemente reafirmado a desnecessidade de atuação da curadoria especial nas ações de destituição do poder familiar manejadas pelo Ministério Público, in verbis: DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL DA DEFENSORIA PÚBLICA AOS MENORES. DESNECESSIDADE. ECA. ART. 201, INCISOS III E VIII.
RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Compete ao Ministério Público, a teor do art. 201, III e VIII da Lei nº 8.069/1990 (ECA), promover e acompanhar o processo de destituição do poder familiar, zelando pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes. Resguardados os interesses da criança e do adolescente, não se justifica a nomeação de curador especial na ação de destituição do poder familiar. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 1176512/RJ – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 28-08-2012) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MANEJADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL À LIDE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AOS MENORES. REPRESENTAÇÃO ADEQUADA DO “PARQUET”. 1. A ação de destituição do poder familiar, movida pelo Ministério Público, prescinde da obrigatória e automática intervenção da Defensoria Pública como curadora especial. 2. “Somente se justifica a nomeação de Curador Especial quando colidentes os interesses dos incapazes e os de seu representante legal”. (Resp 114.310/SP) 2. “Suficiente a rede protetiva dos interesses da criança e do adolescente em Juízo, não há razão para que se acrescente a obrigatória atuação da Defensoria Pública”. (Resp no 1.177.636/RJ) 3. Agravo regimental desprovido. (STJ – Terceira Turma – AgRg no Ag nº 1369745/RJ – Relator Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, decisão: 10-04-2012)
Do mesmo modo, alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem afastado a possibilidade de intervenção da curadoria especial em favor da criança ou do adolescente em situação de risco: Ação de destituição de poder familiar ajuizada pelo Ministério Público em face dos genitores da menor. Nomeação de Curador Especial. Desnecessidade. Dispensável, ao caso em exame, a nomeação de Curador Especial para atuar em prol dos interesses dos menores, cuidando-se de ação ajuizada pelo Ministério Público, instituição que, além de figurar em um dos polos da demanda, atua também como fiscal da lei, não se despindo do compromisso de fiscalizar a regularidade procedimental e de zelar pelo interesse dos menores, os quais, ademais, não integram a lide. (TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0017758-70.2012.8.19.0000 – Relator Des. MARIO ASSIS GONCALVES, decisão: 18-07-2012) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. CURADORA ESPECIAL. DEFENSORIA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. 1. De acordo com o inciso I do art. 9º do Código de Processo Civil e parágrafo único do art. 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente, será nomeado curador especial ao incapaz quando ele for parte da ação. Na ação de destituição de poder familiar, em que o Ministério Público é o autor e os genitores dos menores são os réus, os incapazes não são partes. Diante disso, não há qualquer razão para que seja nomeado curador especial. 2. A atuação do Ministério Público no exercício da função de autor e fiscal da lei não apresenta qualquer incompatibilidade, ou até mesmo nulidade, já que não deixa de zelar pela ordem jurídica, além da atuação do parquet ter cunho protetivo, conforme se infere dos artigos 155 e 201, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Tendo em vista o princípio da celeridade processual, a nomeação de curador à lide acarretaria tumulto processual, prejudicando os interesses dos próprios incapazes e, consequentemente, violaria o principio do melhor interesse da criança. (TJ/RJ – Décima Quarta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0044004-40.2011.8.19.0000 – Relator Des. JOSE CARLOS PAES, decisão: 26-08-2011)
Além disso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul editou a Súmula nº 22, consolidando a desnecessidade de nomeação de curador especial nas ações de destituição/suspensão de pátrio poder, promovidas pelo Ministério Público: Súmula nº 22 do TJ/RS: Nas ações de destituição/suspensão de pátrio poder, promovidas pelo Ministério Público, não é necessária a nomeação de curador especial ao menor.
Relevante observar, ainda, que o art. 72, § 2º, do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) parece seguir essa mesma linha de raciocínio, prevendo que “nos processos instaurados por provocação do Ministério Público, na condição de substituto processual do incapaz, não se nomeará curador especial ao substituído”.
B)
CORRENTE DA PARTICIPAÇÃO CONCORRENTE (OU DEMOCRÁTICA): Segundo a corrente democrática, sempre que a demanda restar fundada em situação de risco ocasionada por ação ou omissão dos pais ou responsáveis, a atuação da curadoria especial será cogente, nos termos do art. 9º, I do CPC e art. 142, parágrafo único do ECA. Para que possamos compreender adequadamente a estrutura lógica dessa corrente, primeiramente precisamos exorcizar, de uma vez por todas, a falsa ideia de que as crianças e os adolescentes seriam meros objetos de proteção. Essa visão antiquada e estigmatizante, anteriormente presente na Declaração de Genebra (ou Carta da Liga sobre a Criança de 1924) e no Código de Menores (Lei nº 6.697/1979), restou historicamente superada e juridicamente abolida. Desde o advento da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 1959, a criança deixou de ser encarada como simples recipiente passivo e passou a ser vista como autêntico sujeito de direitos. Esse novo paradigma restou reafirmado pela Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (ou Convenção de Nova York)62, que ganhou coercibilidade interna ao ser aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28/1990 e promulgada pelo Decreto de Execução nº 99.710/1990, passando a integrar o ordenamento jurídico nacional como norma supralegal63. Além disso, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) passou a reconhecer expressamente serem as crianças e os adolescentes verdadeiros sujeitos de direitos, estabelecendo: Art. 15 do ECA: A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Em segundo lugar, é preciso desmistificar a ideia de que a criança e o adolescente não seriam parte nas demandas que objetivam averiguar a existência de situação de risco e realizar aplicação de medidas protetivas, em especial quando tencionam o afastamento do convívio familiar. De acordo com a clássica preleção de ENRICO TULLIO LIEBMAN, possuem legitimidade para figurar como parte da relação jurídico-processual os titulares da relação jurídica de direito material deduzida em juízo64. Dentro desse nexo de instrumentalidade processual, quando ocorrer a coincidência entre a legitimação de direito material e a legitimação de direito processual, restará caracterizada hipótese de legitimação ordinária para a causa – que constitui a regra geral. Por outro lado, quando o sistema jurídico autorizar alguém a pleitear, em nome próprio, direito alheio, restará evidenciada a ocorrência de legitimação extraordinária – admitida somente quando autorizada por lei (art. 6º do CPC)65. Nas demandas que objetivam afastar a criança ou o adolescente do convívio com a família, a relação jurídica de direito material deduzida em juízo é a relação familiar existente entre pais e filhos. Dessa forma, possuem legitimidade para figurar ordinariamente como parte na relação jurídico-processual os genitores e o infante que se pretende ver afastado, temporária ou definitivamente, do convívio familiar. Embora sejam titulares da relação jurídica substancial, as crianças e os adolescentes geralmente não possuem condições de exercer concretamente a postulação de seus direitos em juízo. Por essa razão, o ordenamento jurídico conferiu ao Ministério Público legitimação extraordinária para
realizar a propositura e o acompanhamento das medidas judiciais que tenham como objetivo resguardar os direitos infanto-juvenis (art. 201 da ECA). Nesses casos, atua o Ministério Público como autêntico substituto processual (Proceßstandschaft), pleiteando judicialmente em nome próprio, direito alheio titularizado pela criança ou adolescente. Note que a relação jurídica de direito material deduzida em juízo permanece sendo a mesma (relação familiar), continuando a ser titularizada pelos genitores e pela criança ou adolescente. No entanto, em virtude da atuação substitutiva do Ministério Público, não haverá coincidência entre a legitimação de direito material e a legitimação de direito processual, ocupando o parquet a lugar da criança ou do adolescente no processo. Seguindo a classificação traçada por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, a legitimação extraordinária pode ser dividida em: (i) subordinada, quando o legitimado extraordinário apenas poderá postular em juízo diante da omissão do legitimado ordinário (ex.: legitimidade conferida ao acionista para demandar o administrador, por prejuízos causados à sociedade anônima, quando esta não propuser a ação competente dentro do prazo de três meses, a contar da deliberação da assembleia que tenha determinado o ajuizamento da demanda – art. 159, § 3º da Lei nº 6.404/1976); e (ii) autônoma, quando o legitimado extraordinário não depende da omissão do legitimado ordinário para atuar em juízo. Por sua vez, a legitimação extraordinária autônoma pode ser também dividida em: (a) exclusiva, quando apenas o legitimado extraordinário pode ir a juízo, sendo vedado ao legitimado ordinário fazê-lo (ex: alienação de coisa litigiosa – art. 42 do CPC); e (b) concorrente, quando o legitimado ordinário e extraordinário podem ir a juízo isoladamente, sendo certo que também poderão demandar em conjunto formando um litisconsórcio facultativo (ex: possibilidade do coerdeiro reclamar a universalidade da herança – art. 1.199 do CC/2002)66. Quando deflagra medida judicial objetivando afastar a criança ou o adolescente do convívio familiar, o Ministério Público atua como legitimado extraordinário autônomo. Isso porque não depende o MP da prévia omissão do legitimado ordinário – criança ou adolescente – para que possa demandar em juízo. Essa legitimação extraordinária autônoma, entretanto, não ostenta natureza exclusiva. Como decorrência lógica do princípio político da participação democrática, a garantia do contraditório efetivo assegura que ninguém poderá ser atingido por uma decisão judicial desfavorável sem que tenha tido a mais ampla e concreta possibilidade de influir eficazmente na formação do convencimento do julgador67. Por isso, não se pode admitir que a atuação do Ministério Público como legitimado extraordinário venha a impedir ou afastar a intervenção da criança ou adolescente como legitimado ordinário. Afinal, será esse pequeno ser humano em desenvolvimento que terá sua vida definida e seu destino familiar selado pelo resultado final do processo. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona o professor LEONARDO GRECO, com sua peculiar argúcia: Muitas vezes a lei reconhece que o próprio titular da relação jurídica de direito material pode não estar em condições de concretamente exercer a sua postulação ou defesa em juízo. Nesses casos, confere a algum outro sujeito a legitimação extraordinária para figurar como sujeito do processo em que a demanda vai ser objeto de exame. São os casos de substituição processual. Se a garantia do contraditório efetivo significa que ninguém pode ser atingido por uma decisão desfavorável na sua esfera de
interesses sem ter tido a mais ampla e concreta possibilidade de influir eficazmente na decisão, não podem mais ser toleradas hipóteses de legitimação extraordinária exclusiva, ou seja, que confiram unicamente ao substituto a defesa do interesse do substituído, como ocorria, por exemplo no regime dotal (Código Civil, art. 289, inciso III, do Código Civil), em que apenas o marido podia propor as ações judiciais em defesa do dote da mulher. (GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil, São Paulo: Dialética, 2003)
Importante observar ainda que o art. 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (ou Convenção de Nova York) assegura à criança o direito de participar efetivamente dos processos judiciais e administrativos que versem sobre matéria de seu interesse. Não se trata simplesmente de colher a manifestação da criança, como se fosse terceiro opiniático; resta assegurado à criança o direito de participar efetivamente da relação processual e de influir eficazmente na formação da final decisão de mérito. Justamente por isso, o art. 9º da referida convenção prevê que, nos procedimentos que objetivem afastar a criança do convívio familiar, “todas as partes interessadas terão a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões”. Concluí-se, portanto, que a legitimação outorgada ao Ministério Público para realizar a propositura e o acompanhamento das medidas judiciais que objetivem resguardar os direitos infantojuvenis deve ser classificada como legitimação extraordinária autônoma concorrente, sendo assegurado à criança ou ao adolescente, na qualidade de legitimado ordinário, o direito de participar conjuntamente da relação jurídico-processual. É claro, no entanto, que em virtude de sua manifesta incapacidade civil, a criança ou o adolescente não possui capacidade para estar sozinho em juízo. Para que possa intervir no processo, deverá estar devidamente representado ou assistido por seus pais, tutores ou curadores, na forma do art. 8º do CPC. Porém, sendo a demanda fundada em situação de risco ocasionada por ação ou omissão dos próprios pais ou responsáveis (art. 98, II do ECA), restará a representação da criança ou adolescente comprometida em virtude da manifesta colidência de interesses. Afinal, se a demanda objetiva averiguar a ocorrência de ofensa aos direitos da criança ou adolescente, não pode a vítima da violação ser representada pelo agente violador. Nesse caso, a representação processual da criança ou adolescente será exercida pela curadoria especial, que garantirá ao legitimado ordinário a necessária capacidade para estar em juízo e para integrar a relação jurídico-processual, nos termos do art. 9º, I do CPC e art. 142, parágrafo único do ECA. Sobre o tema, leciona a Defensora Pública DÉBORA DE VITO ORIOLO, em artigo publicado na Revista Especial da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo: A atuação da Defensoria Pública como representante de crianças e adolescentes decorre da necessidade de todo aquele que é parte em processo judicial de poder influenciar nas decisões que de uma forma ou de outra repercutirão na vida dos envolvidos. É certo que crianças e adolescentes são pessoas incapazes de constituir advogado, por intermédio de contrato de mandato, mas a atuação do curador especial guarda relação com a qualidade daqueles de sujeitos de direitos e com a lei impositiva no sentido da nomeação de representante para crianças e adolescentes. Crianças e adolescentes, sujeitos de direitos e não objeto de demanda judicial, entendidas como partes processuais, merecem o poder de participar efetivamente do feito, tendo suas pretensões próprias traduzidas por profissional habilitado. (ORIOLO, Débora De Vito. O Direito de Crianças e Adolescentes aos Serviços Prestados pela Defensoria Pública, Revista Especial da Infância e Juventude – Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, São Paulo, 2011, pág. 38)
Fácil perceber, portanto, que a atuação do Ministério Público e da curadoria especial não possui qualquer identidade de função ou de finalidade68. Enquanto o Ministério Público atua como legitimado extraordinário, buscando a imparcial aplicação da lei, a curadoria especial atua como representante processual da criança ou adolescente, assegurando seu direito à participação democrática no processo e garantindo a defesa específica de seus interesses em juízo. Em virtude dessa dessemelhança funcional e finalística, não se revela correto afirmar que a atuação do Ministério Público teria o condão de suprir a atuação da curadoria especial69. Cada instituição exerce atribuições próprias e que não se excluem mutuamente. Corroborando esse posicionamento, ensinam os professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, de maneira sintética e conclusiva: A nomeação de curador especial não exclui a intervenção do MP nos casos legais. (…) A recíproca é verdadeira: a intervenção no MP não supre a falta de representante legal do incapaz. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 194)
Além disso, deixando de lado o campo teórico e adentrando a seara prática, o cotidiano forense tem demonstrado que a intervenção da curadoria especial contribui eficazmente para o aprimoramento do debate dialético e para o aperfeiçoamento das decisões judiciais. Ao contrário do Ministério Público, a curadoria especial não pretende apurar a prática de conduta comissiva ou omissiva violadora dos direitos infantojuvenis e realizar a aplicação da competente sanção aos pais ou responsáveis – geralmente empobrecidos e entorpecidos pela marginalização social. No exercício de sua função institucional, o curador especial se encontra focado exclusivamente no bem-estar da criança ou adolescente, não possuindo qualquer outra preocupação adicional capaz de desvirtuar seu objetivo central de atuação. Com isso, a curadoria especial possui condições de lançar sobre o processo um olhar diferenciado, analisando os problemas exclusivamente sob a ótica do melhor interesse do menor. Ademais, ao exercer a função de curador especial das crianças e dos adolescentes, a Defensoria Pública tem desempenhado a importante tarefa de realizar o atendimento in loco dos menores institucionalizados nas unidades de abrigo, ouvindo suas histórias de vida e compreendendo a profundidade de seus sentimentos. Esses atendimentos personalizados garantem uma maior amplitude cognitiva no momento da análise dos problemas enfrentados pelas crianças e adolescentes, possibilitando o alcance de soluções mais humanas e que melhor atendam aos interesses das pessoas em desenvolvimento. Esse grau pulsante de entendimento sobre a vida dos menores jamais poderia ser alcançado com a leitura dos relatórios objetivos e frios juntados aos autos pelos Conselhos Tutelares ou pelas equipes técnicas do juízo – que normalmente embasam os distantes e indolentes posicionamentos adotados pelo Ministério Público no processo70. Por isso, a atuação da curadoria especial se revela imprescindível ao adequado julgamento do processo, servindo como instrumento de materialização da vontade e como mecanismo de concretização dos anseios da criança ou do adolescente. Nesse sentido, restou editada a Diretriz nº 04 contida no Parecer nº 02/2010 da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis: Parecer nº 02/2010 da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
4) É fundamental compreender que o Ministério Público age em nome do que entende ser o interesse superior da criança ou adolescente, devendo interpretá-lo nos termos em que compreendemos esse princípio. Todavia, a criança ou adolescente podem ter uma interpretação diversa do que seja seu interesse, tendo este direito de manifestar sua opinião e velar para que ela seja devidamente considerada, nos termos do art. 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança. Portanto, o advogado/defensor da criança/adolescente deverá ouvi-la e procurar defender seus direitos a partir da expressão que a criança e o adolescente querem ver expressa, representando, assim, a voz da criança ou adolescente.
Por fim, é importante lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente não prevê qualquer monopólio do Ministério Público para realizar a defesa dos direitos infantojuvenis. Pelo contrário, o próprio dispositivo que prevê a legitimação extraordinária do parquet para atuar em nome das crianças e dos adolescentes estabelece que “a legitimação do Ministério Público para as ações cíveis não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses” (art. 201, § 1º do ECA). Outrossim, o art. 1º da Resolução nº 113/2006 do CONANDA determina que as instâncias públicas governamentais e da sociedade civil que compõe Sistema de Garantia dos Direitos da Crianças e do Adolescentes deverão atuar de maneira integrada para garantir a efetivação dos direitos humanos das pessoas em desenvolvimento. No plano jurisdicional, isso significa que o Ministério Público e a Defensoria Pública devem se unir para trazer ao judiciário as melhores soluções para os problemas relacionados à infância e à adolescência. Por isso, se revela injustificável a postura oligárquica e totalitarista assumida pelo Ministério Público, que pretende, por uma questão de vaidade corporativa, concentrar em suas mãos a soberania para definir o destino familiar das crianças e adolescentes em situação de risco. In hujusmodis causis, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem admitido a atuação da curadoria especial como representante dos menores, reconhecendo a necessidade de conjugação de esforços para garantir a proteção integral das crianças e dos adolescentes desamparados71: Mandado de Segurança. Direito da criança e do adolescente. Defensoria Pública. Atuação como curadora especial nos casos que envolvam interesse de menor. Pedido de que lhe seja concedida vista de todos os processos que versem sobre tais direitos. Possibilidade. (…) A interpretação teleológica da Lei n.º 8.069/1990 demonstra claramente que os dispositivos nela contidos devem ser aplicados de modo a garantir a máxima efetividade do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, tendo em vista que estes deixaram de ser meros objetos de proteção para serem considerados verdadeiros sujeitos de direitos. (…) O que pretende a Defensoria Pública, através de seu núcleo CDEDICA, é tão somente representar os interesses do menor, advogar em seu favor, função que em nada se confunde com as atribuições conferidas ao Ministério Público, ainda que atue como substituto da menor, no caso específico da ação de destituição de poder familiar. Se dúvida houvesse quanto à possibilidade de atuação da CDEDICA na defesa de interesses do menor e do adolescente, por principio inspirador de toda legislação a respeito, a balança penderia para o lado que maior proteção conferisse. Disputa institucional que não se justifica, com tantos e sérios problemas carentes de solução. Havendo mais de uma instituição com possibilidade legal de atuação, melhor é conferir a defesa à instituição que tem, na razão mesma de sua existência, a produção por profissionais competentíssimos, da defesa de interesses específicos com parcialidade. Por outro lado, melhor atribuir a proteção de interesses gerais à outra instituição, sem parcialidade, composta também por profissionais competentíssimos, num somatório de forças, longe de vaidades “institucionais e pessoais”, cujo resultado é a concretude da proteção da criança e do adolescente. Concessão da ordem mandamental. (TJ/RJ – Décima Nona Câmara Cível – Mandado de Segurança nº 0031381-75.2010.8.19.0000 – Relator Des. MARCOS ALCINO A TORRES, decisão: 12-04-2011) O fato de o Ministério Público já atuar em defesa do menor, não afasta a atuação da Defensoria Pública, não havendo justificativa razoável para ser reduzida a atuação estatal na proteção da criança e do adolescente a apenas uma instituição. (TJ/RJ – Quarta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0062811-45.2010.8.19.0000 – Relator Des. PAULO MAURICIO PEREIRA, decisão: 18-05-2011) O trabalho de busca da proteção integral do menor deve ser feito por todos, em conjunto, inclusive pela sociedade, como dispõe o art. 227, da Carta Suprema, devendo a Defensoria Pública e o Minsitério Público estarem unidos nesses casos para trazer ao Judiciário as melhores soluções de proteção aos menores desamparados. (TJ/RJ – Quarta Câmara Cível – Agravo de
Instrumento nº 0033817-70.2011.8.19.0000 – Relator Des. MARCELO LIMA BUHATEM, decisão: 15-08-2011) No caso dos autos, cuida-se de pedido de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público onde a nomeação da Defensoria Pública como curadora especial em nada tumultuará o feito, impedindo a celeridade. Ao revés, a intervenção da Instituição contribuirá para o debate democrático, tutelando os interesses das menores, em obediência ao Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente. (TJ/RJ – Nona Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0028515-60.2011.8.19.0000 – Relator Des. ROBERTO DE ABREU E SILVA, decisão: 24-07-2012) Constitucional – Medidas Protetivas – Crianças institucionalizadas – Decisão que indeferiu a nomeação da Defensoria Pública, através da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, como curador especial – Compatibilidade de atuação concomitante do Ministério Público e da Defensoria Pública no caso dos autos – Permissivos legais – As atribuições do Ministério Público, relacionadas com a Lei nº 8.069/1990, não possuem caráter privativo – Superior interesse das crianças – Proteção integral que comporta atuação concomitante dos dois órgãos. (TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0014818-06.2010.8.19.0000 – Relator Des. CAMILO RIBEIRO RULIERE, decisão: 31-08-2010)
Recentemente, em virtude de dissídios jurisprudenciais relativos ao tema, o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou a Uniformização de Jurisprudência nº 0038977-13.2010.8.19.0000, consolidando ser admissível a atuação da curadoria especial como representante da criança e do adolescente em situação de risco gerada por ação ou omissão dos pais ou responsáveis, inclusive nos casos de acolhimento institucional ou familiar. In verbis: Tenho como melhor entendimento os julgados que autorizam a nomeação de curador especial, na pessoa dos Defensores Públicos que atuam junto ao CDEDICA nos casos em que haja menores institucionalizados nas unidades de abrigo governamentais ou não governamentais, Municipais ou Estaduais, por atender aos interesses da sociedade, e, principalmente, dos menores em evidente situação de risco, os quais por determinação Constitucional devem ser protegidos por todos e com todos os meios necessários para seu crescimento saudável. (…) O ponto de partida foi a interpretação do artigo 9º do Código de Processo Cível, que dissipa, qualquer dúvida quanto a necessidade de nomeação de curador especial aos menores institucionalizados. (…) No caso concreto, os apensos anexados aos autos principais, bem como, nos demais casos em que a Defensoria Pública busca exercer seu “munus publicum” temos crianças ou adolescentes desamparados, recolhidas das ruas, foragidas de casa, e via de regra abandonadas pelos genitores ou por quem deveria ter responsabilidade pelos mesmos, colocadas em abrigos, ou famílias substitutas de maneira imperativa pelo Estado, através da Instituição com atribuição Constitucional para tal, no caso o Ministério Público, visando proteger tais menores, pura e simplesmente, com as medidas protetivas previstas em lei, tais como a destituição do pátrio poder dentre outras. Contudo, o artigo 9º do CPC, é expresso no que tange a nomeação de curador especial, quando os interesses do menor colidirem com o de seus representantes legais. Ora, parece-me que, se um menor está em situação de abandono parental, principalmente, com a intervenção do MP para a destituição do pátrio poder daquele que deveria zelar pelos seus interesses, é óbvio que os interesses do menor colidem com de seu representante legal, e em conseqūência, imperiosa a necessidade de se nomear curador especial, ou caso contrário estaríamos afrontando o texto do Diploma dos Ritos. (…) Não podemos fechar os olhos para o fato de que o menor, e principalmente o albergado, é um sujeito de interesses e direitos que merecem ser representados, pois na grande maioria dos casos ocorre uma espécie de vácuo processual, onde o MP, visando protegê-los e adotando medidas cabíveis, não tem aqueles (menores) seus efetivos interesses ouvidos, porquanto a quem cabia representá-lo está completamente omisso, desaparecido, ou afastado da convivência parental ou familiar por determinação judicial, e este “responsável” é aquele justamente “atacado” pelo “parquet”, que atua como parte e “custos legis”, por determinação legal, para exatamente expurgar da vida do menor quem lhe prejudicou. Tal circunstância, de cunho meramente processual, demonstra que o representante do MP, mesmo que atuante, não tem a flexibilidade de atender e exercer função de curador do menor, o qual, repito, incansavelmente, precisa que seus direitos sejam representados. Não basta um órgão estatal com competência constitucional, para agir nos casos de desrespeito as normas positivas vigentes, e ingressar com ação correspondente; é mister o atendimento individual de cada criança institucionalizada, para que haja o efetivo reconhecimento dos interesses do menor. Neste contexto, independentemente de rótulos ou nomenclaturas jurídicas, entendo como primordial a nomeação de Curador Especial, dos Defensores Públicos atuantes junto CDEDICA, que já possuem a missão de velar pelos interesses objetivos e subjetivos do menor institucionalizado, ou em situações assemelhadas e de risco moral e físico. (TJ/RJ – Órgão Especial – Uniformização de Jurisprudência nº 0038977-13.2010.8.19.0000 – Relatora Des. ELIZABETH GREGORY, decisão: 04-04-2011)
Esse entendimento, inclusive, restou materializado na Súmula nº 235 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que estabelece: Súmula nº 235 do TJ/RJ: Caberá ao Juiz da Vara da Infância e Juventude a nomeação de Curador Especial a ser exercida pelo Defensor Publico a crianças e adolescentes, inclusive, nos casos de acolhimento institucional ou familiar, nos moldes do disposto nos artigos 142 parágrafo único e 148 parágrafo único “f” do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c art. 9, inciso I do CPC, garantindo acesso aos autos respectivos.
Em suma, podemos concluir que a atuação funcional da curadoria especial será cogente sempre que a criança ou o adolescente estiver em situação de risco ocasionada por ação ou omissão dos pais ou responsáveis (art. 98, II do ECA). Nesses casos, em virtude da manifesta colidência de interesses entre o incapaz e seu representante legal, a representação processual do menor será exercida pela curadoria especial, nos termos do art. 9º, I, do CPC e art. 142, parágrafo único do ECA. Por outro lado, quando a demanda tendente a averiguar a existência de situação de risco e a realizar aplicação de medidas protetivas restar fundada em situação de risco gerada unicamente por ação ou omissão da sociedade ou do Estado (art. 98, I do ECA), bem como pela própria conduta da criança ou adolescente (art. 98, III do ECA), em princípio não será necessária a intervenção da curadoria72. Nessas hipóteses, a representação do menor no processo deverá ser normalmente exercida por seus pais, tutores ou curadores (art. 8º do CPC), sendo obrigatória a atuação da curadoria apenas quando a criança ou o adolescente restar desprovida de representante legal (art. 9º, I, do CPC e art. 142, parágrafo único do ECA). Decerto, por assegurar à criança ou ao adolescente o devido acesso à ordem jurídica justa, a atuação da curadoria especial poderá ocorrer tanto no polo ativo como no polo passivo da relação processual, sendo admissível que o curador realize a propositura de demanda tendente a averiguar a existência de situação de risco e a realizar aplicação de medida protetiva, inclusive buscando o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar (art. 101, § 2º, do ECA)73. 8.2.11 Da controvérsia acerca da atuação da curadoria especial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis
A análise das hipóteses de atuação da curadoria especial nos leva a refletir acerca da possibilidade de atuação do curador especial em sede de Juizados Especiais Cíveis. Apontadas as três hipóteses genéricas previstas no art. 9º do CPC, podemos eliminar automaticamente duas delas, tendo em vista que, por expressa disposição legal, o preso e o incapaz não podem ser parte nesse microssistema processual (art. 8º da Lei nº 9.099/1995). Resta a análise da hipótese de atuação da curadoria especial proveniente da revelia decorrente da citação ficta (art. 9º, II, in fine do CPC). Nesse ponto, o art. 18, § 2º, da Lei nº 9.099/1995 veda a citação por edital no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, o que afasta, por completo a possibilidade de atuação da curadoria especial em decorrência dessa modalidade de citação. Entretanto, a Lei nº 9.099/1995 é silente quanto a possibilidade de citação por hora certa, o que acarreta o surgimento de duas correntes acerca da possibilidade de realização do referido ato de comunicação. De acordo com um primeiro entendimento, a citação por hora certa seria válida no âmbito do Juizado Especial Cível, visto que a lei nada fala a respeito de sua impossibilidade, tendo o art. 18, § 2º afastado apenas a citação por edital. Assim, partindo dessa premissa, haveria apenas uma hipótese
de atuação da curadoria especial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, quando houvesse a revelia após a citação por hora certa. Em sentido contrário, uma segunda corrente inadmite a citação por hora certa, por se tratar de modalidade de citação ficta, tal qual a citação por edital. Assim, quando o art. 18, § 2º, da Lei nº 9.099/1995 proibiu a citação por edital, teria o legislador proibido toda e qualquer espécie de citação ficta, estabelecendo como regra inafastável a citação pessoal (art. 18, I, II e III). Logo, inadmitida a citação por hora certa, não haveria espaço para a atuação da curadoria especial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. 8.3 NATUREZA JURÍDICA DA CURADORIA ESPECIAL Identificar a natureza jurídica de um instituto significa analisar fundamentalmente a sua essência, determinando os pontos de afinidade ou similitude que esse instituto possui com uma grande categoria jurídica, de modo a possibilitar sua adequada classificação dentro do universo das figuras existentes no Direito. Embora a análise da natureza jurídica possa provocar um habitual sentimento de repulsa ou aversão nos alunos de direito em geral, por conta do aparente distanciamento entre a teoria e a prática, esse preconceito natural merece ser vencido no estudo da curadoria especial. Como se verá ao longo desse tópico, dependendo da natureza jurídica que se atribua à curadoria especial, serão realizadas modificações concretas no polo ativo ou passivo da relação processual, nos poderes outorgados ao curador especial e, até mesmo, na forma de identificação das partes no momento da elaboração das petições. Em meio à grande controvérsia doutrinária envolvendo a questão, podemos identificar a existência de três entendimentos doutrinárias distintos: (i) teoria da representação processual; (ii) teoria da substituição processual; e (iii) teoria distintiva. A)
TEORIA DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL: De acordo com essa teoria, a curadoria especial teria natureza jurídica de representação processual. O curador especial atuaria em juízo em nome do curatelado, pleiteando e defendendo os direitos do curatelado. Haveria, portanto, atuação em nome alheio, para a defesa de interesse alheio. Segundo os defensores dessa teoria, não teria o curador especial legitimidade para figurar extraordinariamente como parte na relação jurídico-processual; na verdade, quem seria parte seria o próprio curatelado, exercendo a curadoria especial apenas sua representação processual para suprir a deficiência do contraditório74. Nesse sentido, já teve a oportunidade de se posicionar o Desembargador WILSON MARQUES, em estudo publicado na Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Ao réu citado por editais ou por hora certa, se revel, manda a lei que se dê Curador Especial (CPC, art. 9º, II, 2ª parte). Esse Curador Especial desempenha, no processo, um papel que a lei não diz qual é. Dúvida não há, no entanto, de que a exigência legal repousa no receio de que o revel não contestou porque a citação ficta, na verdade, não chegou ao seu conhecimento. Há aí, para usar a expressão de LÍGIA MARIA BERNARDI, monografista da matéria, um “cerceamento de ciência” (ao revel
citado fictamente), equiparável ao cerceamento da liberdade (do réu preso), um e outro a merecerem, por identidade de razões, a mesma proteção legal dispensada ao incapaz, desprovido de representante, ou portador de interesses conflitantes com os desse representante (CPC, art. 9º, I). Em suma, nos três casos, o fim visado pela lei é o mesmo: a proteção do incapaz e a daqueles que, para os fins em vista, a ele estão equiparados: o preso e o revel citado por editais ou hora certa. Ora, se, no caso de incapacidade, o Curador Especial vai ocupar a posição de representante legal do incapaz, que não o tem, ou que o tem, mas sem condições para o exercício da função, porque é que, nos outros casos, a este legalmente equiparados (o do réu preso e do revel citado por editais ou hora certa), diverso haveria de ser o papel que lhe caberia desempenhar, no processo? Nessa linha de raciocínio, impende reconhecer que substancialmente, o que ocorre, no processo, com a intervenção do Curador Especial, nos casos previstos em lei, não é, senão, intervenção da própria parte, representada pelo Curador Especial. (MARQUES, Wilson. O papel do Curador Especial no Processo Civil, Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 1998, n.34, pág. 60)
Importante lembrar, entretanto, que o instituto da representação processual se destina a suprir a falta de legitimatio ad processum da parte absoluta ou relativamente incapaz. Como estudado anteriormente, por não possuírem capacidade para estarem sozinhos em juízo, os indivíduos incapacitados deverão ser “representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil” (art. 8º do CPC). Em virtude dessa destinação específica, não se revela adequado afirmar que a curadoria especial exerce a representação processual das partes em todas as hipóteses legais de atuação funcional. Na verdade, seguindo a técnica jurídica, essa afirmação colocaria todos os destinatários dos serviços prestados pela curadoria especial na condição de incapazes. Portanto, considerando a definição jurídica e a própria finalidade processual do instituto da representação, podemos concluir que a teoria da representação processual não possui profundidade suficiente para abrigar toda a amplitude existencial da curadoria especial. B)
TEORIA DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL: Seguindo a disciplina do art. 6º do CPC, “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Isso significa, em princípio, que somente possui legitimidade para a causa, na qualidade de autor, aquele que se diz titular do direito material, podendo ser réu apenas quem, no plano do direito material, tiver a obrigação correspondente ao direito material afirmado na petição inicial75. No entanto, em algumas hipóteses excepcionais, a lei confere legitimidade a quem não é parte na relação jurídica de direito material para figurar num dos polos da relação processual. É a chamada legitimidade extraordinária, que autoriza alguém a ir a juízo em nome próprio postular ou defender interesse de outrem. Dentro dessa ótica, a teoria da substituição processual sustenta que o legislador teria conferido ao curador especial legitimidade extraordinária para atuar, em nome próprio, na postulação e defesa dos interesses dos curatelados em juízo. Havendo a caracterização da hipótese legal de intervenção, o curador especial ingressaria como substituto processual do curatelado, atuando em nome próprio, na defesa de interesse alheio76. Nesse sentido, leciona LIGIA MARIA BERNARDI, em seu célebre e pioneiro livro sobre o tema: A natureza jurídica do curador especial é a de ser legitimado extraordinariamente para atuar em proteção e ou em defesa daqueles a quem é chamado a representar. (BERNARDI, Ligia Maria. Op. cit., pág. 05)
No entanto, não se revela adequado afirmar que o curador especial intervém como substituto processual em todas as hipóteses legais de atuação da curadoria. Como cediço, seguindo a classificação traçada por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, a substituição processual constitui forma autônoma e exclusiva de legitimação extraordinária, sendo identificada sua ocorrência apenas quando o legitimado extraordinário atuar em substituição ao legitimado ordinário ausente77. Nos casos em que a curadoria intervém na defesa dos interesses de incapazes, porém, o indivíduo incapacitado continua presente como parte na relação processual. Na verdade, diante de sua manifesta incapacidade de estar sozinho em juízo, deverá o incapaz apenas ser representado ou assistido, nos termos do art. 8º do CPC. Nessa hipótese, portanto, o curador especial não atua no lugar do indivíduo incapacitado ou em litisconsórcio com ele; a curadoria atua tão somente em complementação ao incapaz, garantindo-lhe a necessária legitimatio ad processum. Por essa razão, também não possui a teoria da substituição processual aptidão científica para englobar tecnicamente todas as hipóteses legais de atuação da curadoria especial. C)
TEORIA DISTINTIVA: Segundo sustenta a teoria distintiva, a natureza jurídica da curadoria especial apresentaria variação de acordo com a hipótese legal de atuação. Primeiramente, nos casos de atuação funcional em benefício de incapazes, assumiria a curadoria especial natureza jurídica de representação processual. Isso porque o curador especial, nessa hipótese, estaria intervindo unicamente para suprir a deficiência de representação do indivíduo incapacitado, garantindo-lhe a necessária legitimatio ad processum. Nesses casos, a curadoria especial atuaria judicialmente em nome do curatelado, pleiteando e defendendo os interesses do próprio curatelado. Quem estaria figurando como parte na relação jurídico-processual seria o indivíduo incapacitado, exercendo a curadoria apenas a função de representante processual do incapaz para garantir-lhe a necessária legitimatio ad processum. Não haveria, portanto, a substituição do incapaz pelo curador especial ou a formação de litisconsórcio entre ambos; na realidade, haveria uma fusão entre o curador especial e o indivíduo incapacitado, para compor um singular binômio representante/representado. Sendo assim, teria a curadoria especial natureza jurídica de representação processual nas seguintes hipóteses legais: (i) incapaz sem representante legal (art. 9º, I, 1ª parte do CPC e art. 142, parágrafo único, 2ª parte do ECA); (ii) incapaz cuja representação restar comprometida pela colidência de interesses (art. 9º, I, 2ª parte do CPC e art. 142, parágrafo único, 1ª parte do ECA); (iii) citando impossibilitado de receber citação (art. 218 do CPC); (iv) incapaz quando concorrer na partilha com o seu representante legal (art. 1.042, II do CPC); (v) idoso com comprovada incapacidade (art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994); (vi) interdição (art. 1.179 do CPC); e (vii) criança ou adolescente em situação de risco por conduta omissiva ou comissiva de seu representante legal. Por outro lado, nos casos de atuação em benefício de réu ausente ou encarcerado, assumiria a curadoria especial natureza jurídica de legitimação extraordinária. Nessas hipóteses, como não se trata de parte civilmente incapaz, não haveria que se falar
tecnicamente em representação processual. Do mesmo modo, como o curador especial nunca manteve qualquer contato com o curatelado, não haveria também que se cogitar em atuação por outorga de mandato. Na verdade, por conta da peculiar condição de vulnerabilidade desses indivíduos, a legislação processual teria outorgado ao curador especial legitimação extraordinária para defender, em nome próprio, os direito do réu ausente ou encarcerado, como forma de suprir a potencial deficiência do contraditório e de assegurar a observância do devido processo legal. Por conta da ausência do réu citado fictamente e do distanciamento daquele que se encontra recolhido ao cárcere, passaria o curador especial a atuar como parte extraordinariamente legitimada, substituindo processualmente o curatelado78. Essa seria a forma mais adequada de explicar cientificamente a essencialidade jurídica da atuação funcional da curadoria especial nessas hipóteses legais79. Assim, possuiria a curadoria especial natureza jurídica de legitimação extraordinária nos seguintes casos: (i) réu preso (art. 9º, II, 1ª parte do CPC); (ii) réu revel citado por edital ou com hora certa (art. 9º, II, 2ª parte do CPC); e (iii) ausente (art. 1.042, I do CPC). Em sentido semelhante, defendendo o posicionamento adotado pela teoria distintiva, já se manifestou o Defensor Público JOSÉ MANOEL FRAZÃO MENDES, em artigo publicado na Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: O curador especial, sem embargo de opiniões em contrário, ora desempenha seu múnus como substituto processual, extraordinariamente legitimado; ora como representante judicial do incapaz. O curador especial em legitimação ad causam extraordinária. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei, é o que proclama o art. 6º, do CPC. A chamada substituição processual brota desse dispositivo. Isto é, toda vez que não dá coincidência entre o sujeito da relação processual com o da relação substancial, ocorre caso de legitimação ad causam extraordinária. A substituição processual só é admitida através de previsão de lei, como claramente estabelece o art. 6º do CPC. Assim, nos casos previstos no art. 9º, inciso II, do CPC, i.e., quando se tratar de réu preso, bem como ao revel citado fictamente por edital ou hora certa, e no caso previsto no art. 1.042, inciso I, do CPC, exerce o curador especial o seu múnus, como substituto processual. (…) Há casos em que a pessoa tem capacidade para ser parte mas não possui capacidade para estar em juízo. Nessas situações, ingressam no processo através de outra pessoa, que é o seu representante legal. É o que acontece com as pessoas declaradas incapazes pela lei processual civil, que dispõe no artigo 8º que “os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil”. Pode ocorrer, entretanto, que aquele que tem capacidade para ser parte, sem a ter para estar em juízo, esteja privado de representante legal, ou, por outro lado, seus interesses estejam em rota de colidência com os interesses deste. Nesses casos, exerce o curador especial seu munus como representante judicial do incapaz, não como substituto processual. É o que ocorre nas hipóteses alinhadas no artigo 9º, inciso I, e no artigo 1.042, II, ambos do CPC. (MENDES, José Manoel Frazão. A nova Constituição, a Contumácia e a Curadoria Especial, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1997, n.4, pág. 114/115)
Por conta de sua maior sofisticação e de seu melhor embasamento técnico, possui a corrente distintiva melhor aptidão científica para explicar a natureza jurídica da curadoria especial, respondendo satisfatoriamente às críticas formuladas contra as demais teorias erigidas sobre a matéria. 8.4 DOS PODERES E DOS LIMITES DA CURADORIA ESPECIAL
Por ser considerada função institucional exclusiva da Defensoria Pública, via de regra a curadoria especial deverá ser desempenhada por Defensor Público, sendo assegurado o direito à intimação pessoal e à contagem em dobro de todos os prazos (art. 4º, XVI c/c arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994). Importante esclarecer, no entanto, que essas prerrogativas não pertencem propriamente ao curador especial, mas ao Defensor Público que exerce a função de curador especial. Por essa razão, não tem sido reconhecido o direito à intimação pessoal ou ao prazo em dobro quando o exercício da curadoria especial restar excepcionalmente atribuído a advogado particular. In hujusmodis causis, já teve a oportunidade de se manifestar o Superior Tribunal de Justiça: Curador especial. Defensoria Pública. Intimação pessoal e prazo em dobro. Interpretação do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950. Precedentes. 1. Tratando-se do exercício da curadoria especial, por designação do Magistrado, pela Defensoria Pública, devem ser aplicados os benefícios do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950, na linha de interpretação que considera a natureza do órgão público, a sua destinação social e a referência ao serviço de assistência judiciária de modo amplo. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 235435/PR – Relator Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, decisão: 25-09-2000) PROCESSUAL CIVIL. RÉU REVEL. CURADOR ESPECIAL. APELAÇÃO. PRAZO EM DOBRO. INTEMPESTIVIDADE. LEI N.1.060/1950, ART. 5º, § 5º. O privilégio do prazo em dobro previsto no art. 5º, parágrafo 5º, da Lei n.1.060/1950, é reservado às Defensorias Públicas criadas pelos Estados ou cargo equivalente, não se estendendo ao patrocínio de causas por profissional constituído no encargo de curador especial, ainda que em face de convênio firmado entre aquele órgão e a OAB local. Recurso especial não conhecido. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 749226/SP – Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, 12-09-2006)
Além disso, como forma de garantir o adequado desempenho da função protetiva legalmente atribuída à curadoria, o sistema processual realizou a previsão de prerrogativas objetivamente vinculadas à atividade exercida pelo curador especial, merecendo destaque a defesa genérica e os prazos impróprios. Por não estarem atrelados ao agente que exerce à função, mas à própria função exercida pelo agente, esses privilégios processuais poderão ser usufruídos por todos aqueles que atuem como curador especial no processo, sejam ou não membros da Defensoria Pública. Concluído esse panorama genérico acerca das prerrogativas afetas ao exercício da curadoria, vamos avançar para a análise específica dos poderes e dos limites impostos à atuação do curador especial. Para tanto, é importante ter sempre em mente que a atuação do curador especial poderá ocorrer no polo passivo (em todas as hipóteses legais de intervenção da curadoria) ou no polo ativo (nas hipótes de atuação em favor de incapazes). 8.4.1 Da atuação do curador especial no polo passivo
Quando atua no polo passivo, o curador especial possui a precípua função de garantir o contraditório e ampla defesa em favor daquele que se encontra em condição de vulnerabilidade. Essa é a forma clássica de intervenção da curadoria especial, podendo ocorrer em todas as hipóteses legais de atuação funcional. Em virtude de sua imprescindibilidade para garantir o equilíbrio da relação processual, a omissão decorrente da falta de nomeação de curador especial resulta em nulidade do processo, a partir do momento em que deveria ser apresentada a defesa. No exercício de sua função protetiva, poderá a curadoria especial praticar todos os atos processuais que exprimam manifestação defensiva. A atuação deverá, entretanto, se restringir aos limites do processo, no que diz respeito a res in iudicim deducta80.
Por se tratar de figura exclusivamente de direito processual, não poderá a curadoria especial praticar qualquer ato que redunde em disposição do direito material do curatelado. Sendo assim, resta vedado ao curador especial transigir, firmar compromisso, confessar ou reconhecer a procedência do pedido81. Toda manifestação que tenha explícita ou implicitamente essa destinação deverá ser considerada nula pelo magistrado82. Realizadas essas considerações iniciais, passaremos a analisar separadamente as principais formas de resposta e de defesa abertas à curadoria especial, demarcando os limites de atuação e apontando as principais controvérsias doutrinárias sobre a matéria. A)
DA CONTESTAÇÃO: A contestação é o principal meio de resistência do réu à postulação do autor, sendo nela concentrada a quase totalidade da defesa do demandado. Em virtude do princípio da eventualidade, deverá a parte ré apresentar na contestação todos os argumentos defensivos e indicar todas as provas que pretenda produzir para ilidir as alegações formuladas pelo autor (art. 300 do CPC). No entanto, por estar atuando em favor de indivíduo em posição de inferioridade jurídica, o curador especial geralmente não possui acesso às informações necessárias à realização da adequada defesa material da parte. No caso do réu incapaz (art. 9º, I do CPC), a limitação intelectiva do sujeito impede o curador especial de conhecer amplamente os fundamentos da defesa; por sua vez, no caso do réu preso e do réu revel citado por edital ou hora certa (art. 9º, II do CPC), a total ausência de contato entre o curador especial e a parte ré impossibilita a transmissão de qualquer informação sobre a realidade da causa, inviabilizando a articulação de uma defesa eficaz. Por essa razão, o art. 302, parágrafo único do Código de Processo Civil estabelece não ser aplicável ao curador especial o ônus da impugnação especificada dos fatos, autorizando o oferecimento de contestação por negativa geral83. Em termos práticos, isso significa que o curador especial não precisa refutar, ponto por ponto, todos os fatos narrados pelo autor, podendo formular defesa genérica impugnando, de uma só vez, todo o conjunto de argumentos articulados na petição inicial84. Contestando genericamente, o curador especial controverte todas as alegações contidas na exordial, incumbindo ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I do CPC)85. Portanto, não havendo a incidência da presunção de veracidade dos fatos não impugnados, conclui-se que a intervenção do curador especial afasta a produção dos efeitos materiais da revelia. Como consequência lógica, a apresentação de contestação pelo curador especial obsta, também, o julgamento antecipado da lide com base no art. 330, II do CPC. Dessa forma, havendo a intervenção defensiva do curador especial, o julgamento antecipado será apenas permitido “quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência” (art. 330, I do CPC). In hujusmodis causis, tem sido este o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Citação por hora certa. Contestação apresentada pela curadoria especial afasta os efeitos da revelia e impede o julgamento antecipado da LIDE. Uma vez que houve o oferecimento de contestação pela Curadoria Especial, nos termos do inciso II do art. 9º do CPC, os efeitos da revelia restaram efetivamente afastados. Forçoso então reconhecer, que, nesta hipótese, cabe ao autor
provar os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do inciso I do art. 333 do Código de Processo Civil. (TJ/RJ – Vigésima Câmara Cível – Apelação nº 0002584-54.2004.8.19.0209 – Relatora Des. LETICIA SARDAS, decisão: 02-04-2008)
O prazo para o oferecimento da contestação é o prazo de resposta, contado em dobro para a Defensoria Pública por conta dos arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994. Importante observar, no entanto, que se trata de prazo impróprio; assim, mesmo sendo a contestação intempestiva não haverá a incidência da preclusão temporal, devendo a petição defensiva ser recebida pelo magistrado86. Em tese, sendo extrapolado o prazo legal para o oferecimento da resposta, poderá o Defensor Público sofrer alguma sanção administrativa, caso reste configurado o cometimento de falta funcional. Ao discorrer sobre o tema, a professora LÍGIA MARIA BERNARDI leciona: A atuação do curador especial atende a uma questão de ordem pública, não podendo, por isso, ser dispensada, tanto que sua ausência gera nulidade e tal indispensabilidade conduz à inafastável conclusão de que o prazo para a prática dos atos que lhe são atribuídos é impróprio. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 172)
Importante lembrar que, no rito sumário, o réu é citado para comparecer à audiência de conciliação, oportunidade em que, não sendo possível a composição do litígio, deverá ser oferecida resposta escrita ou oral, nos termos dos arts. 277 e 278 do CPC. Sendo assim, em havendo a citação por edital ou com hora certa, apenas no momento da realização da audiência será possível constatar a ausência do demandado. Nesse caso, depois de devidamente certificado o não comparecimento do réu citado fictamente, deverá o juiz determinar a intimação da curadoria especial (art. 9º, II do CPC), designando nova data para a realização da audiência87. Corroborando esse posicionamento, a monografista LÍGIA MARIA BERNARDI sustenta: Alguns juízes, verificando ter sido o réu citado fictamente, determinam que o processo seja enviado à Curadoria Especial para que o curador tome ciência do dia designado para a audiência. Outros abrem a audiência e, constatando o não comparecimento do réu citado fictamente, suspendem a audiência e remetem o processo à Curadoria para que o curador promova a defesa que entender cabível. E, ainda outros, suspendem a audiência, designam nova data e enviam os autos ao curador especial para que tome ciência da data marcada para a outra audiência. Entendemos ser o último o melhor procedimento. A intervenção do curador especial só se perfaz se o réu citado fictamente não comparecer. Ora, o momento adequado, no procedimento sumário, em que se apura o comparecimento ou não do réu é após aberta a audiência e apregoada as partes. Transposta essa fase, compete ao juiz, examinando o processo, determinar as medidas cabíveis, não havendo como antecipá-las. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 141)
Questão controvertida, no entanto, se refere à obrigatoriedade de apresentação de contestação pelo curador especial. De acordo com uma primeira corrente, ao desempenhar sua função defensiva, o curador especial deveria necessariamente contestar o feito88, sendo nulo o processo no qual não tenha sido cumprida essa missão institucional específica89. Em caso de omissão do curador especial, caberia ao órgão julgador determinar a intimação de outro Defensor Público, para atuar na defesa do curatelado, e oficiar a Corregedoria da Defensoria Pública, para a adoção das medidas administrativas cabíveis. Nesse sentido, defende CALMON DE PASSOS, in verbis: Já sustentamos, e continuamos convencidos, no particular, que o curador especial, um curador à lide, não pode se omitir no desempenho do munus que lhe é atribuído. Se, nomeado, faz-se inativo, impõe-se o seu afastamento, nomeando-se quem de fato desempenhe as atribuições do cargo. (…) A lei, quando previu a nomeação de curador especial, fê-lo objetivando a efetivação do contraditório; a omissão do curador, no particular, é falta funcional que não pode merecer tratamento idêntico à falta do mandatário constituído por via de um negócio jurídico de direito privado. O curador especial tem o dever de atuar e, se omisso, deve ser removido, sofrendo as sanções cabíveis sem que sua omissão tenha repercussão contra a parte cujos interesses devia
patrocinar. (CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume III, Rio de Janeiro: Forense, 1983, pág. 410)
Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que, nas hipóteses de falta de elementos legais que fundamentem a oposição, poderia o curador especial deixar de oferecer contestação90. De acordo com essa corrente, quando a apresentação de defesa constituir medida tecnicamente impraticável, não seria o curador especial obrigado a contestar o incontestável91. Nesses casos, em virtude da inexistência de matéria fática ou jurídica a ser alegada em contestação, poderia o curador especial se limitar a acompanhar formalmente o deslinde da causa e a garantir a justiça da final decisão do processo. Adotando esse posicionamento, temos a sempre relevante posição de LÍGIA MARIA BERNARDI, lançada em monografia dedicada ao assunto: Casos há que, o curador especial, diante da restrição imposta pela própria lei, se vê impossibilitado de contestar, ainda que por negação geral, o incontestável, devido à falta de elementos legais para a sua oposição. O dever de atuar é um imperativo, inscrito no rol das inescusabilidades absolutas, mas de atuar bem, com propósito, conforme e segundo as normas materiais e a procedibilidade adjetiva. É certo que, a contestação, como expressão do direito de defesa, não pode, em regra, deixar de ser apresentada, ainda que por negação geral, ressalvadas as hipóteses em que o seu não cabimento é manifesto, inclusive em decorrência das restrições impostas pelo legislador. O desempenho, puramente técnico de um curador especial, no exercício do seu munus, consideradas as circunstâncias de conveniência e oportunidade, não pode ser inquinado de omisso ou de contrário aos padrões processuais, conforme se expressa a doutrina, ou mesmo sequer vislumbra-se nulidade, pois nulidade haveria se o curador especial deixasse de ser intimado ou não funcionasse. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 151)
Do mesmo modo, em parecer analisando a obrigatoriedade de defesa pelo curador especial no procedimento de conversão de separação judicial em divórcio, o professor HUMBERTO PEÑA DE MORAES concluiu não ser cogente a apresentação de contestação quando ausentes os dois únicos fundamentos que podiam obstar o pedido inicial (falta de decurso do prazo legal para a conversão ou descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação, conforme estabelecia o revogado art. 36, parágrafo único da Lei nº 6.515/1977), in verbis: Parecer – Curador especial – Alegação de falta de elementos para contestação – Restrição legal – Inexistência de nulidade – Prerrogativa – Avocação implícita e delegação específica – Defensor Público: natureza da relação jurídica. (…) Com efeito, não pode o curador especial, diante da restrição imposta pelo comando retro-elevado, que reduz as hipóteses de repulsa à falta de decurso do prazo de três anos de separação judicial e de descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação (…), contestar, ainda que por negação geral, o incontestável, o óbvio, conduzido ao processo através de documentos de indiscutível valor. (MORAES, Humberto Peña. Parecer emitido nos autos do Processo Administrativo E15/4.551/81, emissão: 07-12-1981)
Importante observar, no entanto, que o curador especial não exerce a função de fiscal da lei ou de julgador da causa, mas de defensor dos interesses da parte em estado de vulnerabilidade jurídica. Por essa razão, não cabe ao curador analisar a viabilidade da contestação, até porque ele não tem condições de saber se existem fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito alegado pelo autor. Ao curador especial incumbe exercer a irrenunciável defesa do curatelado, garantindo o contraditório e a dialética processual. Quando contesta genericamente o pedido autoral, o curador especial controverte todas as alegações contidas na petição inicial e afasta a presunção de veracidade gerada pela não impugnação, deixando a cargo do autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. Com
isso, resta assegurado o antagonismo da relação processual e a tutela potencial do direito do réu em estado de vulnerabilidade. O autor apresenta sua tese, o curador especial a antítese e ao juiz caberá corporificar a síntese, no processo dialético que busca a consecução da justiça. Assim como não pode dispor do direito material do curatelado, não pode o curador especial deixar de oferecer resistência à pretensão deduzida pelo autor. Afinal, não resistir acarretaria o mesmo efeito prático gerado pelo consentimento. Por essa razão, entendemos que a ausência de defesa ocasionará a irremediável nulidade do processo, por violação ao art. 5º, LV da CRFB. B)
DA EXCEÇÕES DE INCOMPETÊNCIA, IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO: Além da contestação, poderá a parte “arguir, por meio de exceção, a incompetência (art. 112), o impedimento (art. 134) ou a suspeição (art. 135)”, nos termos do art. 304 do CPC. Como cediço, as causas que determinam a incompetência do órgão julgador podem ser absolutas ou relativas, sendo as primeiras regras imperativas e as segundas regras dispositivas. A incompetência absoluta, por constituir matéria de ordem pública, poderá ser arguida ou conhecida de ofício em qualquer tempo ou grau de jurisdição, podendo, inclusive, ser objeto de ação rescisória. A alegação desse vício não se encontra sujeita ao regime das exceções, devendo ser realizada em sede de preliminar de contestação (art. 301, II do CPC). Por outro lado, a incompetência relativa deverá ser alegada pelo meio específico da exceção (arts. 112 e 304 do CPC), no prazo de 15 dias (art. 305 do CPC), sob pena de preclusão e de prorrogação de competência (art. 114 do CPC)92. O impedimento e a suspeição constituem vícios relacionados à imparcialidade do órgão jurisdicional, que evidenciam o comprometimento da neutralidade do juiz em relação ao resultado final do processo. O impedimento constitui vício mais grave, que gera a presunção absoluta da parcialidade do julgador. As causas que geram esse defeito se encontram elencadas nos arts. 134 e 136 do CPC, podendo ser conhecidas em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive em sede de ação rescisória (art. 485, II do CPC). A suspeição, por sua vez, constitui defeito mais sutil, gerando apenas a presunção juris tantum de parcialidade do juiz. As hipóteses geradoras desse vício se encontram arroladas no art. 135 do CPC, devendo ser alegadas pela parte interessada no prazo de 15 dias, contados do fato que ocasionou a suspeição, sob pena de preclusão (art. 305 do CPC). Curiosamente, em virtude do dever imposto ao magistrado de velar pela boa tramitação da causa e de garantir que a decisão final seja proferida com a maior isenção possível, a suspeição poderá ser por ele conhecida de ofício, a qualquer tempo93. Por constituir atividade vinculada à defesa, poderá o curador especial oferecer exceção de incompetência, de impedimento ou de suspeição94, conforme já teve a oportunidade de se manifestar o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis: Exceção de incompetência. Apresentação por Curador Especial. Local de pagamento do titulo. Legitimidade da Curadoria Especial para apresentar exceção de incompetência. Recurso improvido. O Curador Especial é nomeado para o réu revel, citado por edital, para que venha se defender e entre as formas de defesa está a exceção de incompetência, que no caso merece e foi acolhida, não havendo nenhum reparo a ser feito na r. decisão impugnada. (TJ/SP – 21ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento nº 0091678-87.2009.8.26.0000 – Relator Des. SOUZA LOPES, decisão: 21-10-2009)
C)
DA RECONVENÇÃO E DO PEDIDO CONTRAPOSTO: Por intermédio da reconvenção e do pedido contraposto o réu exercita o direito de ação, juntamente com o oferecimento da contestação, propondo demanda contra o autor originário, para julgamento simultâneo dentro do processo já iniciado. Na reconvenção e no pedido contraposto o réu deixa a posição passiva que ostentava originalmente, passando a assumir também posição ativa na relação processual, como titular de ação própria deduzida em detrimento do autor. Essas modalidades de resposta, portanto, geram cumulação objetiva ulterior de ações (ação principal e ação reconvencional), dentro da mesma relação processual95. A reconvenção deverá ser deduzida em peça autônoma da contestação (art. 299 do CPC), devendo preencher os requisitos legais exigidos para a petição inicial. Por sua vez, no pedido contraposto, admissível no procedimento sumário (art. 278, § 1º, do CPC) e no rito especial dos Juizados Especiais Cíveis (art. 31 da Lei nº 9.099/1995), a pretensão poderá ser deduzida na própria contestação, sendo legalmente dispensada a formulação de pedido pelo réu em petição distinta. Não é qualquer pretensão que pode embasar a reconvenção e o pedido contraposto. Tendo em vista serem institutos relacionados com a celeridade e a economia processual, somente nos casos em que haja alguma pertinência ou imbricação entre a ação original e a ulterior é que se pode admitir a reunião – caso contrário, a demanda que o réu possui contra o autor deverá ser objeto de processo autônomo, independente do primeiro96. De acordo com o art. 315 do CPC, para que seja possível o ajuizamento da reconvenção deverá ser ela “conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”. Paralelamente, o art. 278, § 1º, do CPC e o art. 31 da Lei nº 9.099/1995 exigem que o pedido contraposto seja fundado nos mesmos fatos que consubstanciam o litígio. A questão do manejo da reconvenção e do pedido contraposto pela curadoria especial se revela extremamente controvertida na doutrina e na jurisprudência. De acordo com uma primeira corrente, ao intervir no polo passivo da relação processual possuiria a curadoria especial amplos poderes para defender os interesses do curatelado, não sendo imposta qualquer limitação ao exercício dessa atividade protetiva. Por essa razão, seria possível ao curador especial deduzir reconvenção ou pedido contraposto, sempre que encontrasse elementos embasadores97. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: Ao curador incumbe velar pelo interesse da parte tutelada no que diz respeito à regularidade de todos os atos processuais, cabendo-lhe ampla defesa dos direitos da parte representada e podendo, até mesmo, produzir atos de resposta como contestação, a exceção e a reconvenção, se encontrar elementos para tanto. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Forense, 1990, pág. 88)
Do mesmo modo, já teve a oportunidade de se manifestar o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: Reconvenção. Apresentação por curador especial nomeado para defender réu ausente. Admissibilidade para sua propositura. Evidente que o curador especial, nomeado para substituir o representante legal dos réus incapazes ou fictamente citados, cumpre o ônus processual de praticar todos os atos possíveis para defender os interesses de seu curatelado. A reconvenção, apesar de ser um contra ataque, ou uma ação movida pelo réu contra o autor, em face da conexão e em atenção à economia processual como uma das formas de resposta do réu, mercê do que, pode ela ser utilizada pelo curador especial, desde que ele tenha elementos para fazê-lo. (TJ/SP – 16ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 216.338-2 – Relator Des.
PEREIRA CALÇAS, decisão: 22-06-93)
Por outro lado, parcela distinta da doutrina defende que a atividade protetiva desempenhada pela curadoria seria limitada ao processo e restrita à defesa, sendo vedado ao curador especial deduzir de maneira conexa pretensão de direito material da qual não é titular. Por isso, não possuindo a reconvenção e o pedido contraposto função defensiva, não seria aberta à curadoria especial a possibilidade de utilização dessas modalidades de resposta98. Nesse sentido, se manifestam os professores NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: O múnus do curador especial é atuar como defensor do réu revel (atividade passiva), não lhe sendo atribuída legitimidade para exercer direito ativo de ação, ajuizando reconvenção em favor do demandado. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 586)
Segundo entendemos, entretanto, a questão do manejo da reconvenção e do pedido contraposto pela curadoria especial deve ser analisada sob uma ótica eminentemente distintiva. Conforme salientado anteriormente, a curadoria especial apenas poderá ingressar no polo ativo da relação jurídico processual quando estiver atuando em favor de incapazes, estando sua intervenção limitada ao polo passivo nas demais hipóteses legais. Dessa forma, quando intervir em favor de réu preso ou de réu revel citado por edital ou com hora certa (art. 9º, II do CPC), a atuação da curadoria especial será restrita à defesa e limitada ao processo, no que diz respeito a res in iudicim deducta, sendo vedado o exercício do direito de ação. Em outro giro, quando intervir em favor de incapaz sem representante legal ou quando os interesses deste colidirem com os daquele (art. 9º, I do CPC), a atividade do curador especial será ampla, podendo atuar tanto no polo passivo quanto no polo ativo da relação processual. Nesse caso, sendo possível ao curador especial deduzir demanda autônoma, naturalmente poderá ele manejar a reconvenção e o pedido contraposto. Como exemplo, podemos citar o caso da ação negatória de paternidade, proposta pelo suposto pai em face do filho menor, que se encontra abandonado e desprovido de qualquer outro representante legal. Nessa hipótese, por estar a representação do menor comprometida pela colidência de interesses, deverá a curadoria especial atuar na defesa dos interesses do incapaz, nos termos do art. 9º, I, 2ª parte do CPC. No exercício dessa função protetiva, nada impede sejam apresentadas conjuntamente pela curadoria especial contestação, impugnando o pedido inicial, e também reconvenção, pleiteando o pagamento de alimentos em face do pai e em favor do filho menor em estado de abandono. Afinal, se o curador especial pode propor demanda alimentar autônoma, nada obsta seja utilizada a via reconvencional como mecanismo de economia processual. O mesmo raciocínio deve ser empregado para a ação declaratória incidental (art. 5º c/c art. 325 do CPC) e para o chamamento ao processo (art. 77 e ss do CPC), que possuem, respectivamente, natureza jurídica de ação declaratória e de ação condenatória99. D)
DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE: A denunciação da lide constitui modalidade de intervenção de terceiros, em que se pretende deduzir no processo ação secundária, subsidiária àquela originalmente proposta, que apenas será
analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal100. Por intermédio da denunciação o autor ou o réu chamam para responder em ação regressiva aquele que pela lei ou pelo contrato está obrigado a garantir o direito do denunciante101. Com isso, ocorre a cumulação de duas ações justapostas (a ação originária e a ação regressiva), que serão processadas in simultaneus processus e julgadas na mesma sentença102. De acordo com o art. 70 do CPC, a denunciação da lide é admitida nas seguintes hipóteses legais: Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta; II – ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada; III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Não obstante a letra da lei, a denunciação da lide apenas se revelará obrigatória na hipótese indicada no art. 70, I do CPC, sendo facultativa nos demais casos103. Isso porque o art. 456 do CC/2002 determina que o adquirente apenas poderá exercer o direito que da evicção lhe resulta, caso denuncie a lide ao alienante imediato ou a qualquer dos anteriores (denunciação per saltum), na forma estabelecida pela lei processual. Não sendo realizada a denunciação da lide nesse caso, perderá o adquirente o direito decorrente da evicção. Como nos demais casos de denunciação da lide o direito material é omisso quanto à forma e o modo de obter indenização, não há que se falar em perda da pretensão material de regresso diante da não denunciação104. A não efetivação da denunciação nas hipóteses elencadas no art. 70, II e III do CPC enseja apenas a preclusão, impedindo que a ação subsidiária seja deduzida no mesmo processo em que se discute a relação principal105. No que tange a possibilidade de realização da denunciação da lide pela curadoria especial, não existe consenso entre os processualistas. De acordo com parcela da doutrina, a curadoria especial possuiria amplos poderes para exercer a defesa dos interesses do curatelado, podendo oferecer a denunciação em todas as hipóteses legais elencadas no art. 70 do CPC106. Por sua vez, adotando posicionamento distinto, alguns autores sustentam que a curadoria especial apenas poderia realizar a denunciação da lide quando objetivasse evitar o perecimento do direito do curatelado. Assim, na hipótese prevista no art. 70, I do CPC poderia o curador especial denunciar a lide ao alienante, pois a ausência de denunciação acarretaria a perda do direito decorrente da evicção. Nesse sentido, se posicionam os professores NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: O curador especial somente defende o réu, não podendo, em seu próprio nome, ajuizar ação, como é o caso da denunciação da lide. Apenas na hipótese do CPC 70 I, que a falta de denunciação acarreta a perda do próprio direito material que teria o réu, está o curador autorizado a fazê-lo. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 195)
Por fim, uma terceira parcela da doutrina entende não ser autorizado ao curador especial promover a denunciação da lide em hipótese alguma, pois a atividade desempenhada pela curadoria
seria adstrita à defesa. Nem mesmo nos casos de evicção seria possível ao curador especial promover a denunciação, o que não comprometeria futuro e eventual direito de regresso do curatelado107. Adotando posicionamento análogo àquele utilizado quando do estudo da reconvenção, entendemos que a curadoria especial poderá realizar a denunciação da lide quando estiver atuando em favor de incapaz sem representante legal ou cuja representação restar comprometida pela colidência de interesses (art. 9º, I do CPC), ocasião em que a atividade desempenhada pelo curador especial será classificada como ampla. Nesses casos, como a curadoria poderá promover demanda autônoma em favor do incapaz, nada impede seja realizada a denunciação da lide, em todas as hipóteses legais elencadas no art. 70 do CPC. Quando intervir em favor de réu preso ou de réu revel citado por edital ou com hora certa (art. 9º, II do CPC), no entanto, a curadoria especial apenas poderá promover a denunciação da lide quando tencionar evitar o perecimento do direito do curatelado (art. 70, I do CPC). E)
DA PRODUÇÃO DE PROVAS: Por intermédio da prova o juiz promove a reconstrução dos fatos narrados pelas partes, possibilitando a aplicação concreta da regra jurídica abstrata contemplada pelo ordenamento jurídico. Embora não se possa afirmar que o produto da cognição probatória corresponda efetivamente à verdade, a função da prova no processo é absolutamente essencial, pois fundamenta a escolha racional da hipótese fática que deverá compor o conteúdo final da decisão judicial108. Nesse processo cognitivo de recomposição dos fatos que controvertem o litígio, possui a curadoria especial plenos poderes para requerer a produção de todas as provas que, ao seu alvitre, possam contribuir para o acolhimento da pretensão movida pelo curatelado ou para o não acolhimento da postulação formulada pela parte contrária. Além disso, deverá ser oportunizado ao curador especial participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz, garantindo a possibilidade de intervir eficazmente na formação do convencimento do julgador. Esse entendimento tem sido constantemente reafirmado pela jurisprudência, como forma de assegurar o exercício efetivo do contraditório pela curadoria especial, in verbis: Réu citado com hora certa. O Curador Especial, não obstante os efeitos da revelia, pode contestar a ação e requerer provas. Nulidade da sentença por cerceamento de defesa. O Curador Especial não funciona como mero advogado, podendo contestar e requerer provas. (TJ/RJ – Tribunal de Alçada Cível – Apelação Cível nº 57.471, Relator Des. GERALDO GUERREIRO) Cerceamento de defesa. Embargos. Julgamento antecipado. Contradição na r. sentença, eis que, de um lado impôs julgamento antecipado e, ao mesmo tempo, fundamenta-se na falta de provas do alegado. Cerceamento de defesa caracterizado, considerando que os embargantes/apelantes estão representados por curador especial, o qual pediu, expressamente, produção de provas para demonstrar que o imóvel penhorado é bem de família. Recurso provido, sentença anulada. (TJ/SP – 12ª Câmara do Extinto 1º TAC – Apelação Cível nº 9110579-33.1998.8.26.0000 – Relator Des. Beretta da Silveira, decisão: 19-03-2002)
Embora esteja legalmente autorizada a apresentar contestação por negativa geral, a curadoria especial não se encontra isenta da formulação do pedido de provas, devendo indicar expressamente aquelas que deseja produzir durante a fase instrutória. Esse lembrete é importante pois, na prática forense, muitas vezes a contestação oferecida pelo Defensor Público que exerce a função de curador
especial é realizada por sucinta cota nos autos, se limitando a negar genericamente os fatos constitutivos do direito do autor (art. 302, parágrafo único do CPC c/c arts. 44, IX, 89, IX e 128, IX da LC nº 80/1994)109. F)
DOS EMBARGOS MONITÓRIOS: A ação monitória constitui instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, para que possa alcançar a formação de título executivo judicial de maneira mais célere do que ocorreria na ação condenatória convencional110. Por intermédio desse procedimento, o indivíduo que possua crédito comprovado por documento escrito, sem eficácia de título executivo, poderá requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa, sem que haja a necessidade de aguardar a regular prolação de sentença em processo de conhecimento previamente instaurado. De acordo com o art. 1.102-B do CPC, estando a petição inicial devidamente instruída com o título injuntivo111, o juiz deverá determinar de plano a expedição de mandado citatório e monitório, exortando o réu a cumprir a obrigação. Dentro do prazo de quinze dias, poderá o demandado: (i) realizar o cumprimento do mandado monitório, ocasião em que será beneficiado pela isenção objetiva do pagamento das despesas judiciais e dos honorários advocatícios; (ii) apresentar embargos monitórios, impedindo que o mandado inicialmente expedido produza efeitos executivos; ou (iii) se manter inerte, hipótese em que o mandado monitório será convolado em mandado executivo. Portanto, a eficácia do mandado de pagamento ou de entrega da coisa inicialmente expedido fica condicionada a não apresentação de embargos monitórios. Sendo embargada a pretensão de direito material deduzida pelo autor, o procedimento especial da ação monitória se transmuda em procedimento comum ordinário, instaurando-se o contraditório amplo112. Por se limitarem a objetar a pretensão monitória, os embargos monitórios possuem natureza jurídica estritamente de defesa, não se confundindo com os embargos do devedor ou com a impugnação ao cumprimento de sentença. Adotando essa linha de posicionamento, lecionam os professores NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: Os embargos ao mandado monitório têm natureza jurídica de defesa e não de ação. (…) Os embargos do devedor e a impugnação ao cumprimento de sentença contém pretensão de direito material (por exemplo: declaração de ineficácia executiva do título, de nulidade da execução, de anulação ou nulidade do título executivo, etc.), razão pela qual têm natureza mista de ação e defesa. Os embargos monitórios não contém nenhuma pretensão de direito material, pois se limitam a não concordar com o autor, que pretende fazer com que o documento que aparelha a monitória passe a ter eficácia executiva, dando início ao cumprimento da sentença. Quando o réu da monitória a isso se opõe está dizendo que o autor não tem razão, vale dizer, está dizendo que se opõe à pretensão de direito material deduzida pelo autor. Pelos embargos monitórios o réu embargante nada pretende; apenas se defende. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., págs.1248/1250)
Por possuir natureza jurídica de defesa, os embargos monitórios poderão ser amplamente manejados pelo curador especial, independentemente da hipótese legal que fundamente a intervenção da curadoria. Importante considerar, nesse ínterim, que a jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a citação por edital na ação monitória, reconhecendo ser subsidiariamente
aplicável ao procedimento monitório as regras que regulam o procedimento ordinário (Súmula nº 282 do STJ)113. Sendo assim, havendo a citação ficta e permanecendo o réu revel, deverá ser realizada a intimação da curadoria especial (art. 9º, II, 2ª parte do CPC), para que realize a apresentação de embargos monitórios, impedindo a formação antecipada do título executivo114. In verbis: Ação monitória. Citação por edital. É possível a citação por edital do réu em ação monitória; sendo ele revel, nomear-se-á curador especial para exercer a sua defesa através de embargos (art. 1.102-C do CPC). Recurso conhecido e provido. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 175090/MS – Relator Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, decisão: 29-10-1998)
Por fim, sendo aplicável ao procedimento monitório as disposições legais que regulamentam o procedimento ordinário, deve ser assegurada à curadoria especial a possibilidade de apresentar embargos monitórios por negativa geral, por aplicação analógica do art. 302, parágrafo único do CPC. Afinal, as mesmas razões que justificam a existência dessa prerrogativa na contestação servem para fundamentar a aplicabilidade da regra aos embargos monitórios, considerando que em ambos os casos a posição de inferioridade jurídica ostentada pelo curatelado não permite ao curador especial obter acesso às informações necessárias à elaboração de defesa material adequada. In hujusmodis causis, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já teve a oportunidade de reconhecer a possibilidade de apresentação de embargos por negativa geral, como forma de evitar a formação antecipada do título executivo na ação monitória: Agravo de Instrumento. Ação monitória. Citação do devedor por hora certa. Nomeação de curador especial. Possibilidade de apresentação de embargos por negativa geral. Aplicação da prerrogativa do art. 302, parágrafo único do CPC. Decisão reformada. Recurso provido nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC. Visa a ação monitória em exame a constituição de titulo judicial para a satisfação de crédito documentado em dois cheques supostamente emitidos pela ré-agravante. Diante da impossibilidade da citação pessoal da ré, o ato foi realizado por hora certa, nos termos do artigo 227 do CPC. Deste modo, como determina a lei, ao citado por hora certa foi nomeado curador especial, o qual apresentou embargos valendo-se da prerrogativa legal do artigo 302, parágrafo único, do CPC. A doutrina e a jurisprudência são assentes no sentido da possibilidade de citação por edital em procedimento monitório e, consequentemente, da nomeação de curador especial para defesa de seus interesses, que restringe-se unicamente à questão de direito, uma vez que o curador nomeado não tem contato com a parte. Desse modo, mostra-se equivocada a decisão impugnada, diante da possibilidade da apresentação dos embargos por negativa geral, configurando-se a sua não apreciação em cerceamento de defesa. Pelo exposto, dou provimento ao recurso para anular a decisão recorrida e determinar a apreciação dos embargos apresentados, nos termos do § 1º-A, do art. 557 do CPC. (TJ/RJ – Décima Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0021884-42.2007.8.19.0000 – Relator Des. ELTON LEME, decisão: 14-05-2007) G)
DOS EMBARGOS DO DEVEDOR: Na execução por quantia certa fundada em título extrajudicial, o executado deverá ser citado para efetuar o pagamento da dívida no prazo de três dias, sob pena de constrição patrimonial (art. 652 do CPC). Não sendo realizado o pagamento nesse prazo, o oficial de justiça procederá a penhora e a avaliação de bens bastantes para satisfazer o crédito exequendo, lavrando o respectivo auto e intimando, na mesma oportunidade, o executado (art. 652, § 1º, do CPC). Dentro do prazo de 15 dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação, poderá o executado realizar a oposição de embargos, independentemente de penhora, depósito ou caução (arts. 736 e 738 do CPC). Importante observar que, sendo analogicamente aplicável à execução as disposições concernentes ao processo de conhecimento (art. 598 do CPC), deverá a curadoria especial atuar
sempre que a execução for movida: (i) por ou contra devedor incapaz desprovido de representante legal (art. 9º, I, 1ª parte do CPC); (ii) por ou contra devedor incapaz cuja representação esteja comprometida pelo antagonismo de interesses (art. 9º, I, 2ª parte do CPC); (iii) contra devedor preso (art. 9º, II, 1ª parte do CPC); ou (iv) contra devedor ausente citado fictamente (art. 9º, II, 2ª parte do CPC). Nessa última hipótese, embora o legislador tenha usado a expressão “réu revel citado por edital ou com hora certa” para definir a hipótese legal de atuação da curadoria especial, a incompatibilidade sistêmica do conceito de revelia com o processo executivo não afasta a incidência analógica do art. 9, II, 2ª parte do CPC. Na verdade, o essencial para a interpretação desse dispositivo legal não é o conceito estrito de revelia, mas a motivação e a finalidade da norma. O fator motivador da regra é a ausência de certeza quanto à cientificação do acusado acerca do processo executivo contra ele instaurado; essa dúvida decorre da própria natureza da citação ficta e subsiste tanto no processo de conhecimento quanto no processo de execução. Em virtude desse quadro de incerteza, a determinação legal de atuação da curadoria especial possui a pretensão finalística de assegurar ao executado ausente o mínimo de defesa, tutelando sua esfera patrimonial frente a pretensão executória do credor. Possível inferir, portanto, que as razões motivadoras e finalísticas que fundamentam a aplicação do art. 9º, II, 2ª parte do CPC ao processo de conhecimento se espraiam também para o processo de execução; afinal, do mesmo modo que se deve resguardar o réu revel contra demandas temerárias e descabidas, também se deve proteger o devedor ausente contra execuções indevidas e infundadas, sempre que a citação for realizada de forma ficta115. Nesse sentido, leciona o saudoso professor CELSO AGRÍCOLA BARBI, com sua peculiar didática: No processo de execução, qualquer que seja a modalidade do título em que se funde, não é possível, a rigor, falar em revelia, porque o réu é citado para cumprir a obrigação, e não para se defender, uma vez que a lei presume existir o direito comprovado no título. Apesar disso, entendemos que se o executado foi citado com hora certa ou por editais e não se defendeu, deve o juiz dar-lhe curador, equiparando-se a falta dos embargos à revelia. Assim pensamos porque o essencial para a interpretação do texto legal não é o conceito de revelia, mas sim a motivação e a finalidade da lei. O motivo da norma legal, como já se disse antes, é não haver certeza de que o réu tenha tomado conhecimento da propositura da ação; e a finalidade é dar-lhe, neste caso, alguma defesa, porque sua omissão reforça a suposição de que ele não ficou ciente da propositura da ação. (BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1991, pág. 74)
Diferentemente do que ocorre no processo de conhecimento, no qual o réu tem a oportunidade de apresentar resposta dentro da mesma relação jurídico-processual já instaurada, no processo de execução a defesa do executado deverá ser realizada por intermédio de embargos do devedor116. Possuindo natureza jurídica híbrida (ação e defesa), os embargos consubstanciam autêntica pretensão de direito material movida pelo executado em face do exequente, destinada a desconstituir a pretensão executiva – seja opondo questões substantivas, seja controvertendo questões processuais da própria execução. Sendo o singular instrumento processual de defesa disponível ao executado, os embargos do devedor poderão ser manejados pela curadoria especial, independentemente da hipótese legal que fundamente a intervenção, malgrado sejam caracterizados como ação incidental autônoma.
Afinal, se não fosse admitida a utilização desse mecanismo de defesa, a atuação protetiva da curadoria especial se limitaria à esporádica arguição de matérias de ordem pública, por intermédio de objeções de não executividade. Na prática, isso colocaria o curador especial na impotente condição de espectador, sendo obrigado a assistir apático a derrocada patrimonial do curatelado. Apesar de envolta em incipiente controvérsia, a questão restou pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu por intermédio da Súmula nº 196 ser a curadoria especial legitimada para apresentação de embargos, in verbis: Súmula 196 do STJ: Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos.
Embora o enunciado da súmula faça referência apenas à atuação do curador especial em favor do réu revel citado por edital ou com hora certa, o raciocínio deve ser aplicado para todas as hipóteses legais de intervenção da curadoria. Se o curador especial pode apresentar embargos quando intervém em favor de réu ausente, hipótese em que sua atuação possui caráter eminentemente defensivo, com mais razão ainda poderá fazê-lo quando intervir em benefício de réu incapaz, já que nesse caso a curadoria poderá ser exercida de forma ampla, tanto no polo ativo quanto no polo passivo da relação processual. H)
DA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA: Com a reforma trazida pela Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia certa fundada em título executivo judicial passou a ser realizada por intermédio de cumprimento de sentença, nos termos do art. 475-J e seguintes do CPC. Seguindo a nova sistemática processual, depois de transitada em julgado a sentença, deverá o vencido realizar o pagamento espontâneo do valor constante do título executivo judicial, dentro do prazo de 15 dias, sob pena de multa no percentual de 10% sobre o montante da condenação (art. 475-J do CPC). De acordo com a Súmula nº 270 do TJ/RJ, “o prazo do art. 475-J do CPC conta-se da ciência do advogado do executado acerca da memória discriminada do cálculo exequendo, apresentada pelo credor em execução definitiva”. Em sendo o executado assistido pela Defensoria Pública, a jurisprudência tem se mostrado oscilante: precedentes do Superior Tribunal de Justiça sustentam que a fluência do prazo teria início a partir da “intimação pessoal do Defensor Público, sendo desnecessária a intimação pessoal do devedor para o cumprimento da sentença”117; por outro lado, a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem entendendo que, “diante das peculiaridades da assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública, bem como pelas dificuldades de ordem prática no contato entre assistido e Defensor Público”, seria necessária a realização da “intimação pessoal do devedor assistido para pagamento do montante da condenação, no prazo de 15 dias, sob pena de incidência da multa prevista no caput do art. 475-J do CPC”118, não sendo suficiente a “simples remessa dos autos ao Defensor Público”119. No caso da curadoria especial, a fixação do termo a quo para a contagem do prazo quinzenal para a incidência da multa de 10% estabelecida pelo art. 475-J do CPC tem sido questão tormentosa, em especial na hipótese legal de atuação em favor de réu ausente citado fictamente. De acordo com parcela da doutrina e da jurisprudência, para que fosse iniciada a fluência do
prazo estabelecido pelo art. 475-J do CPC seria necessária a intimação editalícia do executado, não sendo suficiente a mera ciência pessoal do curador especial. Por constituir a multa espécie de sanção imposta àquele que voluntariamente deixa de cumprir a sentença, para que o executado fosse reputado omisso seria necessário realizar previamente sua intimação por edital; somente depois, ante a falta de adimplemento espontâneo, seria possível a aplicação da sanção pecuniária estabelecida pelo art. 475-J do CPC. Ademais, não cumpriria esse desiderato a mera intimação pessoal do curador especial, haja vista a total ausência de contato com o executado. Seguindo essa linha de raciocínio, a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem constantemente reafirmado a necessidade de realização da intimação do réu ausente citado fictamente, para que possa ser iniciada a contagem do prazo para a aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC120. Do mesmo modo, já teve a oportunidade de se manifestar a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgado proferido no dia 06 de abril de 2010, in verbis: CUMPRIMENTO. SENTENÇA. RÉU REVEL. MULTA. O curador de ausentes, dadas as condições em que admitido no processo, não conhece o réu, nem tem acesso a ele, bem como não detém informações exatas sobre os fatos narrados na petição inicial, tanto que o art. 302, parágrafo único, do CPC não o sujeita à regra da impugnação específica, mas lhe faculta a apresentação da defesa por negativa geral. Uma vez que a própria lei parte do pressuposto de que o réu revel, citado por hora certa ou por edital, não tem conhecimento da ação, determina-se que lhe seja dado um curador especial e, em razão da absoluta falta de comunicação entre o curador e o réu revel, não há como presumir que o revel tenha ciência do trânsito em julgado da decisão que o condena; consequentemente, não há como impor-lhe, automaticamente, a multa do art. 475-J do CPC. Para que incida o referido artigo, não se deve considerar suficiente a ciência do curador especial sobre o trânsito em julgado da condenação, não em razão apenas da mencionada falta de comunicação entre ele e o réu revel, mas também porque a multa constitui sanção imposta àquele que voluntariamente deixe de cumprir a sentença, comportamento que não pode ser atribuído ao curador de ausentes, visto que o réu revel mantém sua capacidade material, isto é, sua livre manifestação de vontade, bem como sua condição de parte substancial no processo. Nas hipóteses em que o cumprimento da sentença volta-se contra réu revel citado fictamente, a incidência da multa do art. 475-J do CPC exigirá sua prévia intimação nos termos do art. 238 e seguintes do CPC. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 1.009.293/SP – Relatora Min. Nancy Andrighi, decisão 06-04-2010)
Parcela distinta da doutrina e da jurisprudência, por sua vez, entende que a fluência do prazo para a incidência da multa do art. 475-J do CPC teria início a partir do primeiro dia útil seguinte à data da intimação pessoal da curadoria especial, sendo desnecessária a realização da intimação editalícia do executado. Esse modelo seguiria a teleologia do sistema implementado pela Lei nº 11.232/2005, que considerou suficiente a comunicação direcionada ao advogado do devedor. In verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. REGRA: INTIMAÇÃO DO DEVEDOR ATRAVÉS DE SEU PATRONO PARA PAGAMENTO, SOB PENA DE MULTA, NA FORMA DO ART. 475-J, DO CPC. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. NO CASO CONCRETO, O EXECUTADO É REVEL, REPRESENTADO PELO CURADOR ESPECIAL. DESNECESSÁRIA SUA INTIMAÇÃO FICTA PARA CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO DA OBRIGAÇÃO. (…) Na hipótese, pretende o agravante a reforma da decisão que entendeu desnecessária a intimação do devedor para pagamento da importância a que fora condenado, nos termos do art. 475-J do CPC. Contudo, apesar de toda a argumentação sustentada pelo recorrente, razão não lhe assiste. E isto porque, no caso concreto, não se justifica a intimação ficta do devedor para pagamento espontâneo da importância a que fora condenado. De se destacar, por oportuno, que a aplicação das modificações introduzidas pela Lei nº 11.232 trouxe à debate diversos pontos controvertidos, dentre eles o marco inicial do prazo de 15 dias para cumprimento da sentença pelo devedor, sob pena de multa, eis que o art. 475-J, do CPC, silenciou neste aspecto. Assim, diversas foram as decisões proferidas nos Tribunais, inclusive no Colendo Superior Tribunal de Justiça. Contudo, hodiernamente, o entendimento que prevalece é no sentido da necessidade de intimação do devedor, através de seu advogado, tão somente, para o cumprimento da obrigação, sob pena de multa. (…) Dessa forma buscou-se o equilíbrio do principio da segurança jurídica com o da duração razoável do processo. Além do mais, in casu, o executado é revel e seus interesses são defendidos pelo curador especial, nomeado na pessoa do Defensor Público em atuação junto àquele juízo. A rigor, nenhuma intimação ao devedor merece ser efetivada, ex vi do que dispõe o art. 322, do CPC. (…) Assim, deve a decisão recorrida ser mantida, eis que proferida em conformidade com a legislação aplicável à espécie e com a jurisprudência predominante no âmbito
desta Corte, sendo manifestamente improcedentes as razões do recurso. (TJ/RJ – Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0004006-70.2008.8.19.0000 – Relatora Des. NORMA SUELY, decisão: 30-04-2008)
Por fim, uma terceira linha de posicionamento sustenta que o prazo para a incidência da multa do art. 475-J do CPC se iniciaria automaticamente a partir do primeiro dia útil seguinte ao trânsito em julgado da sentença ou acórdão, não sendo necessária a intimação editalícia do executado ou mesmo a ciência pessoal do curador especial para instaurar a contagem. Segundo defendem os partidários dessa corrente, não haveria no novo modelo de execução de título executivo judicial qualquer previsão de intimação do executado para realizar o cumprimento da obrigação pecuniária estabelecida na sentença; do mesmo modo, não poderia ser atribuído à curadoria o encargo de comunicar ao executado o trânsito em julgado da decisão condenatória, haja vista a completa ausência de contato entre o curador especial e o curatelado. Sendo assim, não haveria a necessidade de qualquer intimação para a fluência do prazo quinzenal estabelecido pelo art. 475-J, que se iniciaria automaticamente a partir do trânsito em julgado da sentença ou acórdão. Nesse sentido, recentemente se posicionou a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgado proferido no dia 18 de outubro de 2011, sendo modificado o posicionamento anteriormente adotado pelo colegiado: PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INÍCIO DO PRAZO PARA O CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DA DECISÃO. RÉU REVEL, CITADO FICTAMENTE. INTIMAÇÃO PARA A FLUÊNCIA DO PRAZO ESTABELECIDO NO ART. 475-J DO CPC. DESNECESSIDADE. 1. A Corte Especial firmou o entendimento de que o prazo estabelecido no art. 475-J do CPC flui a partir do primeiro dia útil seguinte à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado. A Corte afirmou que não há no CPC regra que determine a intimação pessoal do executado para o cumprimento da sentença, devendo, portanto, incidir a regra geral no sentido de que o devedor deve ser intimado na pessoa dos seus advogados por meio do Diário da Justiça (arts. 234 e 238 do CPC). 2. A particularidade presente na hipótese dos autos, consistente no fato de o executado ter sido citado fictamente, sendo decretada a revelia e nomeado curador especial. 3. Como na citação ficta não existe comunicação entre o réu e o curador especial, sobrevindo posteriormente o trânsito em julgado da sentença condenatória ao pagamento de quantia, não há como aplicar o entendimento de que prazo para o cumprimento voluntário da sentença flui a partir da intimação do devedor por intermédio de seu advogado. 4. Por outro lado, entender que a fluência do prazo previsto no art. 475-J do CPC dependerá de intimação dirigida pessoalmente ao réu – exigência não prevista pelo CPC – fere o novo modelo de execução de título executivo judicial instituído pela Lei 11.232/2005. Isso porque a intimação pessoal traria os mesmo entraves que a citação na ação de execução trazia à efetividade da tutela jurisdicional executiva. 5. O Defensor Público, ao representar a parte citada fictamente, não atua como advogado do réu – papel esse que exerce na prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos economicamente necessitados, nos termos do art. 134, § 1º da CF –, mas apenas exerce o dever funcional de garantir o desenvolvimento de um processo équo, apesar da revelia do réu e de sua citação ficta. Portanto, não pode ser atribuído ao Defensor Público – que atua como curador especial – o encargo de comunicar a condenação ao réu, pois não é advogado da parte. 6. O devedor citado por edital, contra quem se inicie o cumprimento de sentença, não está impedido de exercer o direito de defesa durante a fase executiva, pois o ordenamento jurídico coloca a sua disposição instrumentos para que ele possa se contrapor aos atos expropriatórios. 7. Na hipótese de o executado ser representado por curador especial em virtude de citação ficta, não há necessidade de intimação para a fluência do prazo estabelecido no art. 475-J do CPC. 8. Negado provimento ao recurso especial. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 1189608/SP – Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, 18-10-2011)
Não obstante as respeitáveis posições em sentido contrário, entendemos que a intimação do curador especial não supre a necessária e indispensável intimação pessoal do curatelado no que tange aos atos privativos da parte. Como a multa constitui sanção pecuniária imposta àquele que voluntariamente deixa de cumprir a obrigação constante do título executivo judicial, a contagem do prazo quinzenal para a realização do pagamento apenas poderá ter início depois de formalizada a cientificação do curatelado acerca da condenação. Antes disso, não há como se imputar ao executado qualquer omissão quanto à satisfação do direito do credor.
Importante lembrar que a inebriante busca pela celeridade processual não pode servir como justificativa para que sejam violadas as garantias fundamentais do processo, dentre as quais se insere o direito à ciência dos atos processuais (Recht auf Information). Por conta disso, a contagem do prazo quinzenal para a incidência da multa de 10% estabelecida pelo art. 475-J do CPC somente poderá ser iniciada após a intimação pessoal do curatelado, não sendo suficiente a mera comunicação dirigida ao curador especial. Em se tratando de executado preso (art. 9º, II, 1ª parte do CPC), deverá a intimação ser efetuada por intermédio de oficial de justiça, nos termos do art. 239 do CPC. Por sua vez, no caso de executado ausente (art. 9º, II, 2ª parte do CPC), a intimação deverá ser realizada por edital, aplicando-se analogicamente as regras inerentes à citação editalícia (arts. 231 e 232 do CPC), por conta da subsidiariedade recíproca entre as normas que disciplinam os atos de comunicação processual. Apenas quando a curadoria especial atuar em favor de devedor incapaz desprovido de representante legal (art. 9º, I, 1ª parte do CPC) ou cuja representação esteja comprometida pelo antagonismo de interesses (art. 9º, I, 2ª parte do CPC) poderá a intimação do curatelado ser realizada na pessoa do curador especial. Isso porque o indivíduo incapacitado não possui o tirocínio necessário para compreender a importância e a finalidade do ato intimatório, devendo a intimação ser realizada na pessoa do representante legal. Como a intervenção da curadoria, nesses casos específicos, possui natureza jurídica de representação processual, deverá a intimação ser direcionada ao curador especial que exerce a função de representante legal do incapaz no âmbito do processo. Não havendo o pagamento espontâneo do valor constante do título executivo judicial, deverá o oficial de justiça proceder a penhora e avaliação de bens suficientes para garantir a satisfação do crédito exequendo, nos termos do art. 475-J, in fine do CPC. A efetivação da penhora e avaliação deve observar subsidiariamente as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial, no que couber e não conflitar com as regras inerentes ao cumprimento de sentença (art. 475-R do CPC). Concluída a diligência, deverá o executado ser intimado do auto de penhora e avaliação, sendo facultado o oferecimento de impugnação no prazo de 15 dias, na forma do art. 475-J, § 1º, do CPC: Art. 475-J, § 1º, do CPC: Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
Como o curador especial não atua propriamente como advogado do curatelado, não poderá a intimação do auto de penhora e avaliação ser dirigida apenas ao Defensor Público; por expressa disposição do art. 475-J, § 1º do CPC, deverá a intimação do executado ser realizada pessoalmente. A impugnação consubstancia o meio de defesa do devedor contra a eficácia executiva do título judicial e contra os atos praticados na execução, sendo processualmente caracterizada como incidente ao cumprimento de sentença (arts. 475-J, § 1º, 475-L e 475-M do CPC). De acordo com NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, a impugnação ao cumprimento de sentença possui natureza jurídica híbrida, condensando um misto de ação e de defesa; “é ação porque o impugnante tem pretensão declaratória (v.g. inexistência da citação,
inexigibilidade do título, ilegitimidade das partes, prescrição) ou desconstitutiva da eficácia executiva do título exequendo (v.g. nulidade da citação, excesso de execução) ou de atos de execução (v.g. penhora incorreta, avaliação errônea”121. Não obstante seja caracterizada como ação, a impugnação ao cumprimento de sentença poderá ser manejada pelo curador especial independentemente da hipótese legal que fundamente a intervenção da curadoria. Como a impugnação foi o expediente processual escolhido pelo legislador para a operacionalização da defesa do devedor na fase executiva, se fosse impedido de manejar esse expediente processual, restariam ao curador especial reduzidas alternativas para proteger os interesses do executado, sendo sua atuação protetiva tolhida à ocasional arguição de matérias de ordem pública em objeções de não executividade. Em última análise, portanto, impedir a curadoria especial de manejar a impugnação ao cumprimento de sentença significaria coibir o próprio exercício do direito de defesa do curatelado na fase executiva. Seguindo essa linha de raciocínio, lecionam NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in verbis: Embora com natureza jurídica mista de ação e defesa, os embargos e a impugnação ao cumprimento de sentença (CPC art. 475L) são os únicos meios de defesa colocados à disposição do devedor na execução, de sorte que se tem reconhecido ao curador especial o direito de deduzi-los em defesa do devedor. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 193)
Relevante considerar, ainda, que o manejo da impugnação ao cumprimento de sentença não poderá ser condicionado à prévia garantia do juízo, pois tal exigência criaria barreira intransponível à adequada defesa do curatelado na fase executiva. Embora não exista previsão legal específica nesse sentido, esse raciocínio decorre diretamente da vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais, dentre as quais se insere o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV da CRFB). A exigência legal de garantia do juízo como condição de admissibilidade da impugnação, por inviabilizar a atuação defensiva da curadoria especial na fase executiva, acaba violando um dos valores fundamentais mais caros da existência humana, razão pela qual sua aplicabilidade cotidiana deve ser severamente rechaçada pelos juízes e tribunais. In hujusmodis causis, a inexigibilidade de garantia de juízo para a oposição de defesa pela curadoria especial na fase executiva já vinha sendo constantemente reconhecida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, antes da reforma processual trazida pela Lei nº 11.232/2005 e pela Lei nº 11.382/2006. In verbis: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. REVELIA. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. DEFENSORIA PÚBLICA. GARANTIA DO JUÍZO. INEXIBILIDADE. (…) É dispensado o curador especial de oferecer garantia ao Juízo para opor embargos à execução. Com efeito, seria um contrassenso admitir a legitimidade do curador especial para a oposição de embargos, mas exigir que, por iniciativa própria, garantisse o juízo em nome do réu revel, mormente em se tratando de Defensoria Pública, na medida em que consubstanciaria desproporcional embaraço ao exercício do que se constitui um munus publico, com nítido propósito de se garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa. Recurso especial provido. (STJ – Corte Especial – REsp nº 1110548/PB – Relatora Min. LAURITA VAZ, decisão: 25-02-2010)
I)
DOS RECURSOS E DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL: De maneira sintética, recurso é o remédio voluntário, idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial impugnada122. Sendo instrumento processual colocado à disposição das partes, o recurso possui natureza eminentemente voluntária, cumprindo ao interessado provocar o reexame da decisão judicial insatisfatória. Por essa razão, não se pode atribuir natureza de recurso ao reexame necessário (art. 475 do CPC), haja vista a obrigatoriedade legal de submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição. Importante observar, ainda, que o recurso emerge dentro do mesmo processo em que foi proferida a decisão impugnada, não ensejando a instauração de nova relação processual. Por isso, os recursos se distinguem das ações impugnativas autônomas, como o mandado de segurança e o habeas corpus. Por intermédio da interposição do recurso, quatro resultados possíveis poderão ser alcançados: (i) a reforma; (ii) a invalidação; (iii) o esclarecimento; ou (iv) a integração da decisão judicial impugnada. A reforma da decisão ocorrerá quando o recorrente afirmar a existência de error in judicando no provimento recorrido, sendo identificada a incorreta aplicação do direito pelo magistrado. Ao constatar a errônea aplicação da vontade concreta da lei, o órgão julgador do recurso deverá proferir nova decisão reformadora, substituindo a decisão impugnada. Por outro lado, a invalidação ocorrerá quando a decisão recorrida restar maculada por error in procedendo, caracterizado pela presença de vício formal decorrente da violação de norma de natureza processual. Nesse caso, ao invalidar a decisão impugnada, o órgão julgador do recurso deverá determinar ao juízo de origem que prolate nova decisão sobre aquela mesma questão. O esclarecimento, por sua vez, destina-se a elucidar decisão obscura ou contraditória. A interposição de recurso, nessa hipótese, tem como objetivo sanar vício referente à expressão de ideias, de modo que a decisão impugnada seja reafirmada pelo órgão julgador com a utilização de termos mais claros e/ou menos contraditórios. Em outras palavras, não se pretende que o órgão julgador redecida a questão analisada, mas que reexprima a decisão anteriormente prolatada. Por fim, a integração da decisão busca suprir lacunas ou omissões do provimento judicial impugnado. Por ter o órgão julgador se omitido quanto à questão que deveria ter se pronunciado, o recurso terá o objetivo de reabrir a atividade decisória, garantindo a apreciação da matéria preterida. De acordo com o art. 496 do CPC, são cabíveis os seguintes recursos: (i) apelação; (ii) agravo; (iii) embargos infringentes; (iv) embargos de declaração; (v) recurso ordinário; (vi) recurso especial; (vii) recurso extraordinário; e (viii) embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário123. Sendo verdadeiro prolongamento do direito de defesa na esfera recursal, poderá o curador especial realizar a interposição de todo e qualquer recurso previsto no ordenamento jurídico, sendo indiferente a hipótese legal que fundamente a intervenção da curadoria. Outrossim, por constituir o recurso remédio voluntário, não se encontra o curador especial obrigado a recorrer de todas as decisões que ocasionem a sucumbência do curatelado124. Na verdade,
o dever de interpor recurso apenas subsistirá quando a curadoria especial encontrar fundamentos na lei, na jurisprudência ou na prova dos autos. Além do manejo de recursos, poderá a curadoria especial também impetrar mandado de segurança, como sucedâneo recursal125. Embora possua natureza jurídica de ação constitucional, o mandado de segurança fará as vezes de recurso, suprindo a ausência de mecanismo impugnativo recursal eficaz (art. 5º, II da Lei nº 12.016/2009). Justamente por isso, o mandamus poderá ser utilizado pela curadoria especial independentemente da hipótese legal que embase a atuação funcional. Nesse sentido, reconhecendo a legitimidade do curador especial para o ajuizamento de mandado de segurança como sucedâneo recursal, já teve a oportunidade de se manifestar o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Curadoria especial, art. 9º, parágrafo único do CPC. Ajuizamento de mandado de segurança contra ato judicial. Possibilidade. O curado “ad litem”, inclusive quando integrante do Ministério Público, (CPC, art. 9º, parágrafo único), representa com plenitude a parte (quer demandante, quer demandada), considerada merecedora de especial tutela jurídica, cabendo-lhe impugnar as decisões judiciais tanto mediante recursos, como utilizando ações autônomas de impugnação, tais como o mandado de segurança contra ato judicial. Recurso provido, a fim de que o tribunal de origem aprecie a ação mandamental, afastada a prefacial da ilegitimidade da curadoria especial para ajuíza-la. (STJ – Quarta Turma – RMS 1768/RJ – Relator Min. ATHOS CARNEIRO, decisão: 2303-1993) 8.4.2 Da atuação do curador especial no polo ativo
Conforme salientado anteriormente, a atuação da curadoria especial no polo ativo possui vinculação direta com as hipóteses legais de intervenção em favor de incapazes (art. 9º, I do CPC, art. 142, parágrafo único do ECA e art. 10, § 2º, da Lei nº 8.842/1994). Não resta dúvida que, em determinadas hipóteses de atuação no polo passivo, o exercício da função defensiva atribuída à curadoria poderá ocasionar a instauração de relação processual autônoma, onde o curador especial acabará ocupando o polo ativo (ex: embargos do devedor, impugnação ao cumprimento de sentença, mandado de segurança). Entretanto, a postura ativa da curadoria especial nessas hipóteses possui caráter anômalo e acidental, já que tenciona garantir a ampla defesa daquele que ocupa o polo passivo da demanda. A atuação puramente ativa da curadoria, destinada a pleitear a tutela jurisdicional de direito titularizado pelo curatelado, apenas será admitida nas hipóteses legais de intervenção em favor de incapaz desprovido de representante legal ou cuja representação esteja comprometida pelo antagonismo de interesses. Nesses casos, não possuindo quem validamente o represente em juízo e não se encontrando autorizado a postular sozinho seus direitos (art. 8º do CPC), o indivíduo incapacitado será processualmente representado por curador especial. Dentro dessa ótica, a atuação ativa da curadoria possui o objetivo de suprir a deficiência de representação do incapaz, garantindo-lhe a necessária legitimatio ad processum para que possa exercer o direito de acesso à justiça. Ao ingressar no polo ativo da relação processual, poderá o curador especial praticar todos os atos processuais necessários a adequada postulação dos interesses do curatelado em juízo. Embora não seja possível traçar de maneira técnica os limites impostos à atuação ativa da curadoria, deverá o curador especial evitar a propositura de demandas temerárias ou irrefletidas que
possam acarretar a formação de coisa julgada prejudicial aos interesses do curatelado. Além disso, por se tratar de figura exclusivamente de direito processual, não poderá a curadoria especial praticar qualquer ato que redunde na renúncia do direito sobre o qual esteja embasada a ação. Toda manifestação que possua essa destinação específica deverá ser considerada nula pelo órgão julgador. 8.5 DA CONDENAÇÃO SUCUMBENCIAL DO CURATELADO Por se tratar de função institucional atípica da Defensoria Pública, o exercício da curadoria especial não exige a prévia comprovação da incapacidade financeira do curatelado. Seja hipossuficiente econômico ou não, aquele cuja situação jurídica restar enquadrada dentre as hipóteses interventivas abstratamente previstas em lei terá direito ao amparo protetivo da curadoria especial. Dentro dessa linha de raciocínio, nada impede seja o destinatário da curadoria especial condenado ao pagamento das verbas sucumbenciais (art. 20 do CPC), caso reste vencido na demanda e esteja evidenciada sua condição econômica de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 4º da Lei nº 1.060/1950). Nesse sentido, vem reiteradamente decidindo o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Agravo regimental. Recurso especial. Réu revel. Curadoria Especial. Defensoria Pública. Condenação aos ônus sucumbenciais mantida. Recurso improvido. A necessidade de litigar sob o pálio da justiça gratuita não se presume quando a Defensoria Pública atua como mera curadora especial, face à revelia do devedor. Agravo Regimental improvido. (STJ – Terceira Turma – AgRg no REsp nº 1186284/MS – Relator Min. SIDNEI BENETI, decisão: 23-11-2010)126 Civil. assistência judiciária gratuita. Presunção. Afastada. Defensoria Pública. Curadora Especial. 1. Para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita basta a afirmação da parte que não tem condições de arcar com as custas e demais despesas processuais. 2. A necessidade de litigar sob o pálio da justiça gratuita não se presume quando a Defensoria Pública atua como mera curadora especial, face à revelia do devedor. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ – Quarta Turma – AgRg no REsp 846478/MS – Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, decisão: 28-11-2006)
No âmbito federal, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União editou a Resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006, esclarecendo que o exercício da curadoria especial não garante ao beneficiário não hipossuficiente o direito à gratuidade de justiça: Resolução nº 13, de 25 de outubro de 2006 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União Disposições gerais sobre a necessidade Art. 4º. O exercício da curadoria especial e da defesa criminal não depende de considerações sobre a necessidade econômica do seu beneficiário. Parágrafo único. O exercício da curadoria especial e da defesa criminal de quem não é hipossuficiente não implica na gratuidade constitucionalmente deferida apenas aos necessitados.
8.6 DOS HONORÁRIOS DEVIDOS À CURADORIA ESPECIAL A questão dos honorários devidos à Defensoria Pública pelo desempenho da função de curador especial tem suscitado recentes e intrincados debates no âmbito dos Tribunais Superiores. Alguns julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça vinham entendendo que o
pagamento dos honorários devidos à curadoria deveria ser realizado de forma antecipada, seguindo a regra geral do art. 19 do CPC. Desse modo, o sistema de remuneração do curador especial seguiria o modelo aplicado aos honorários periciais, cabendo ao juiz arbitrar o valor da verba honorária e determinar ao autor a realização do recolhimento antecipado, nos termos do art. 19, § 2º do CPC. In verbis: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. RÉ REVEL. CONSTITUIÇÃO DE CURADORIA ESPECIAL. ANTECIPAÇÃO DE HONORÁRIOS. ART. 19 DO CPC. LEGALIDADE. O art. 19, parágrafo 2º do CPC, impõe às partes proverem as despesas processuais, o que compreende a parcela paga ao curador à lide cuja antecipação é devida. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ – Quarta Turma – REsp nº 899273/GO – Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, decisão: 02-04-2009) PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DO CURADOR À LIDE. ANTECIPAÇÃO. Os honorários do curador à lide seguem o regime dos honorários do perito; o autor antecipa-os, e cobra do réu, posteriormente, se procedente a ação. Recurso especial conhecido, mas não provido. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 142624/SP – Relator Min. ARI PARGENDLER, decisão: 19-042001)
No entanto, esse posicionamento padecia de equívoco fundamental e axiomático. Por constituir função institucional atípica e exclusiva da Defensoria Pública (art. 4º, XVI da LC nº 80/1994), a atuação da curadoria especial não deve ser objeto de remuneração direta e casuística, como ocorre em relação aos sujeitos auxiliares e secundários ao processo. Na verdade, os Defensores Públicos que desempenham a função de curador especial são remunerados de maneira fixa pelo Estado, por intermédio das receitas oriundas dos impostos gerais e dos tributos específicos incidentes sobre a utilização dos serviços judiciais. Dessa forma, assim como ocorre em relação aos magistrados e aos promotores de justiça, a remuneração dos Defensores Públicos que exercem a função de curador especial se encontra inserida dentre as despesas gerais (ou fixas) da administração da justiça. Por isso, não se pode exigir da parte o pagamento de verba remuneratória específica pela atuação da curadoria especial, como se faz em relação aos peritos particulares. Com base nesse raciocínio, alguns julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça passaram a negar à curadoria especial o direito ao recebimento de honorários, in verbis: Agravo regimental em recurso especial. Guarda. Processual civil. Defensor Público. Nomeação como Curador Especial. Honorários. Não cabimento. Precedentes. Recurso improvido. (STJ – Terceira Turma – AgRg no REsp nº 1176126/RS – Relator Min. MASSAMI UYEDA, decisão: 04-05-2010) Agravo regimental em recurso especial. Ação de despejo por falta de pagamento c/c cobrança. Defensor público. Nomeação como curador especial. Honorários. Não cabimento. Precedentes desta terceira turma. Agravo regimental improvido. (STJ – Terceira Turma – AgRg no REsp 1215428/SP – Relator Min. MASSAMI UYEDA, decisão: 15-09-2011)
Entretanto, a impossibilidade de fixação de honorários pela atuação específica da Defensoria Pública como curadora especial não possui o condão de inibir a incidência da regra geral de sucumbência, estabelecida pelo art. 20 do CPC. Sendo assim, caso a curadoria especial reste vencedora na demanda, terá direito ao recebimento dos honorários sucumbenciais, que deverão ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, observando-se a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo curador, a competência com que conduziu os interesses do curatelado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 3º do CPC).
Importante observar, porém, não ser exigível a antecipação do pagamento dos honorários devidos à Defensoria Pública pelo desempenho da curadoria especial. Por se tratar de verba sucumbencial, somente será exigível o pagamento após o trânsito em julgado da sentença, momento em que será possível identificar a parte vencida. Esse tem sido o posicionamento prevalecente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Curador especial. Função Institucional da Defensoria Pública. Fixação de honorários. Impossibilidade. Art. 4º, XVI, da Lei Complementar n.80/1994. 1. O exercício da curadoria especial se insere no âmbito das funções institucionais da Defensoria Pública (art. 4º, XVI, da Lei Complementar n.80/1994), por isso incabível a fixação de honorários pelo exercício do referido encargo. 2. A impossibilidade de fixação de honorários em favor da Defensoria Pública, em razão do exercício da curadoria especial (art. 4º, XVI da Lei Complementar n.80/1994), não inibe a sua fixação com fundamento na regra de sucumbência, a teor do que dispõe o art. 4º, XXI da Lei Complementar n.80/1994. (STJ – Quarta Turma – EDcl no AgRg no REsp nº 1176579/RS – Relator Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, decisão: 02-03-2012) Processual civil. Embargos de divergência. Defensoria pública estadual. Curador especial. Honorários sucumbenciais. Condenação do município. 1. Discute-se se Defensoria Pública Estadual pode receber honorários sucumbenciais quando seus membros atuarem na qualidade de curadores especiais. 2. O embargante alega não se insurgir contra a orientação adotada no julgamento do REsp 1.108.013/RJ, representativo de controvérsia, que deu origem à Súmula 421/STJ (Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença). Argumenta apenas que descabe a condenação do Município em honorários advocatícios quando os defensores públicos atuarem na qualidade de curadores especiais, ante a vedação prevista no artigo 130, inciso III da LC 80/1994. 3. O artigo 130, inciso III da LC 80/1994 proíbe o recebimento pessoal dos honorários pelos defensores públicos, mas não o auferimento da verba com a destinação aos fundos geridos pela Defensoria Pública, consoante previsto no inciso XXI, do artigo 4º da LC 80/1994, o qual consigna expressamente competir àquela instituição executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação. 4. Concluirse diversamente implicaria ofensa ao princípio da causalidade e da isonomia. Com efeito, aquele que deu causa à instauração do processo deve responder pelas despesas dele decorrentes. Não é razoável exigirem-se os honorários quando a parte vencedora é representada por curador nomeado sem vínculo com o Estado e dispensá-los justamente quando o ente estatal cumpre sua missão constitucional e oferece assistência judiciária por meio da Defensoria Pública. 5. Embargos de divergência não providos. (STJ – Corte Especial – EREsp nº 1060459/MG – Relator Min. CASTRO MEIRA, decisão: 24-11-2011)
Recentemente, em virtude da subsistência de julgados divergentes em relação ao tema, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça consolidou ser admissível o recebimento dos honorários sucumbenciais pela Defensoria Pública em virtude do desempenho da curadoria especial: Processo civil. Recurso especial. Curadoria especial exercida pela Defensoria Pública. Desempenho de função institucional. Honorários não devidos. Diferenciação dos honorários de sucumbência. Direito da Defensoria Pública salvo na hipótese em que parte integrante da pessoa jurídica de direito público, contra a qual atua. Súmula 421 do STJ. 1. A Constituição da República, em seu art. 134, com vistas à efetividade do direito de defesa, determinou a criação da Defensoria Pública como instituição essencial à Justiça, tendo-lhe sido atribuída a curadoria especial como uma de suas funções institucionais (art. 4º, XVI da LC 80/1994). 2. A remuneração dos membros integrantes da Defensoria Pública ocorre mediante subsídio em parcela única mensal, com expressa vedação a qualquer outra espécie remuneratória, nos termos dos arts. 135 e 39, § 4º da CF/1988 combinado com o art. 130 da LC 80/1994. 3. Destarte, o defensor público não faz jus ao recebimento de honorários pelo exercício da curatela especial, por estar no exercício das suas funções institucionais, para o que já é remunerado mediante o subsídio em parcela única. 4. Todavia, caberá à Defensoria Pública, se for o caso, os honorários sucumbenciais fixados ao final da demanda (art. 20 do CPC), ressalvada a hipótese em que ela venha a atuar contra pessoa jurídica de direito público, à qual pertença (Súmula 421 do STJ). 5. Recurso especial não provido. (STJ – Corte Especial – REsp nº 1201674/SP – Relator Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, decisão: 06-06-2012)
QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – VI CONCURSO): B, residente na favela da Rocinha, citado
pessoalmente para responder ação de natureza cível que tem por objeto direitos disponíveis, deixa de oferecer resposta. Diante dos princípios processuais constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como das atribuições cometidas à Defensoria Pública, pergunta-se: (A) deve o Juiz solicitar a atuação do Curador Especial? (B) deve o Juiz solicitar a atuação do Defensor Público em exercício perante aquele Juízo, em defesa do revel? (C) pode o Juiz presumir como verdadeiros os fatos articulados pelo autor, julgando antecipadamente o mérito? Questão 02 (DPGE/RJ – IX CONCURSO): Em determinado Juízo Cível, o Magistrado em exercício, entende que com o advento da nova Constituição, nos processos em que o réu é citado pessoalmente e deixa transcorrer in albis o prazo para apresentar resposta, cabe atuação do Curador Especial para efetivar a defesa daquele que se quedou silente. Sustenta o magistrado que os princípios do contraditório e da ampla defesa só se reputam respeitados com a efetivação da resposta, daí porque, com base no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, nomeia o Curador Especial para produzir a defesa. Pergunta-se: (A) Entende correto o procedimento do Magistrado? (B) Em que circunstâncias atua o Curador Especial? (C) No Estado do Rio de Janeiro, a quem compete exercer a função de Curador Especial? Questão 03 (DPGE/RJ – XV CONCURSO): Em ação de natureza cível, chega ao conhecimento do Juízo que o advogado constituído pela parte autora foi eliminado do quadro da OAB. Realizada a diligência de intimação do Autor para a constituição de novo patrono, verificou-se que o mesmo se encontrava em local incerto e não sabido. O Juiz de Direito determinou fosse feita a intimação editalícia da parte para praticar o referido ato. Decorrido o prazo assinado, não comparecendo a parte, o Juiz remete os autos ao Defensor Público para que, na qualidade de Curador Especial, prosseguisse com a ação. Você, Defensor Público, ao receber os autos do processo, como se manifestaria? Questão 04 (DPGE/RJ – XIX CONCURSO): Em sede de execução, citado editaliciamente, o executado não comparece. Segue-se à decretação da revelia a nomeação de curador especial a quem é imediatamente dada vista dos autos. Você, Defensor Público, recebe o processo. Explique, de forma breve, qual a conduta a ser adotada na oportunidade. Questão 05 (DPGE/RJ – XX CONCURSO): Comente sobre a legitimidade da atuação do Curador Especial em defesa dos réus (incertos ou indeterminados) citados por edital, na Ação de Usucapião. Questão 06 (DPGE/RJ – XX CONCURSO): O Juiz de uma determinada Comarca sentencia em
desfavor do réu, que, chamado a Juízo por meio de citação ficta, teve seus direitos defendidos por Defensor Público, atuando como Curador Especial, não tendo sido requerida a gratuidade de justiça. Da decisão consta condenação ao pagamento das custas e honorários advocatícios, sem se fazer menção à suspensão da cobrança, prevista na Lei 1060/1950. Você entende correta a decisão do julgador? Fundamente. Questão 07 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): Marcos, hoje com 5 anos de idade, fruto de união estável entre João e Maria, fora registrado pelo casal, sendo que 2 anos após, Maria veio dar à luz André, também filho de João. Tendo João falecido antes do nascimento de André, este fora registrado apenas em nome de Maria, que procura a Defensoria Pública para fazer acrescentar no registro de seu segundo filho o nome de João. Sem redigir peça, indique a ação cabível, identificando os demandantes e seus representantes, se for o caso. Questão 08 (DPGE/RJ – XXIV CONCURSO): AGRICIO, interditado em julho de 2010 em decorrência de esquizofrenia paranoide deflagrada pelo uso continuado de drogas, teve o trâmite de seu processo transcorrido em determinada Vara de Órfãos e Sucessões da Capital do Estado do Rio de Janeiro, sendo certo que a ação foi patrocinada pela Defensoria Pública. Em julho de 2012, o interditado procura a Defensoria Pública daquela Vara, relatando que se encontra em tratamento para desintoxicação e que, atualmente, deixou de ser portador da morbidade acima referida, desejando, por conseguinte, ver recuperada sua capacidade civil. Durante a entrevista, o Defensor Público não percebeu qualquer anormalidade no comportamento de AGRICIO. Você, na qualidade de Defensor Público, que medida tomaria? Questão 09 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): O Defensor Público atuando na qualidade de curador especial no processo de execução deve, na defesa do executado, apresentar: (A) embargos à execução de título extrajudicial ou judicial, após a infrutífera intimação da penhora por edital; (B) contestação após a decretação da revelia do executado citado por edital; (C) impugnação à execução de título judicial, após a infrutífera citação editalícia; (D) embargos à execução de título extrajudicial, após a infrutífera intimação da penhora por edital; (E) embargos à execução de título extrajudicial após a infrutífera citação editalícia. Questão 10 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): Em ação civil, o juiz dará ao réu preso curador: (A) à lide; (B) de ausente; (C) especial; (D) ao vínculo; (E) de incapaz.
Questão 11 (DPU – 2007): Julgue a assertiva abaixo: (A) A norma jurídica disposta no art. 302 do CPC explicita um aspecto particular do ônus imposto ao réu pelo art. 300 da lei processual civil. A exceção à aplicação do princípio do ônus da impugnação específica dos fatos alcança ao Defensor Público da União quando excerce o múnus de curador especial. Da mesma forma, o exercício da curadoria especial é regulada como função institucional da Defensoria Pública pelo art. 179, § 3º, II da CE/RJ e pelo art. 22, X da LC nº 06/1977. 2 “A função institucional é privativa da Defensoria Pública e atípica, já que independe da condição econômica do destinatário da atuação da instituição.” (MORAES, Guilherme Braga Peña de. Assistência Jurídica e Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, pág. 51) 3 Seguindo essa linha de pensamento, o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) prevê no art. 72, § 1º que “a função de curador especial será exercida pela Defensoria Pública, salvo se não houver defensor público na comarca ou subseção judiciária, hipótese em que o juiz nomeará advogado para desempenhar aquela função”. 4 GOMES, Orlando. Direito de Família, Rio de Janeiro: Forense, 2001, pág. 418. 5 “O conceito de incapacidade, como descrito no art. 9º, I do código de processual, é de direito material, bem como a representação que lhe falte, muito embora a atuação do curador se dê no plano processual. Disso decorre que as hipóteses de incapacidade suscetíveis de provocar a nomeação do curador são aquelas previstas em lei material.” (BERNARDI, Lígia Maria. O curador especial no código de processo civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 02) 6 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Volume 1, São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 39. 7 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 297. 8 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 299. 9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume I, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 84/85. 10 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 301. 11 Os pressupostos processuais são os requisitos para a regular e válida formação e desenvolvimento do processo. Em outros termos, os pressupostos processuais são elementos essenciais para que a relação processual exista e, em existindo, possa se desenvolver validamente. Atualmente, duas são as tendências da doutrina a respeito do tema: a primeira inclui nos pressupostos processuais todos os requisitos necessários ao nascimento e desenvolvimento válido do processo (corrente ampliativa); a segunda apresenta uma visão mais limitativa dos pressupostos processuais, identificando sistematicamente os requisitos mínimos para a existência de um processo válido (corrente restritiva). Adotando essa visão restritiva, o professor José Carlos Barbosa Moreira divide os pressupostos processuais em dois grupos: (a) pressupostos processuais de existência (partes, órgão estatal investido de jurisdição e pedido); e (b) pressupostos processuais de validade (capacidade das partes, competência e imparcialidade do órgão jurisdicional, e inexistência de coisa julgada ou litispendência). Nesse ponto, para que seja preenchido o pressuposto referente à capacidade das partes, deve ser identificada a capacidade de ser parte, a capacidade de estar em juízo (legitimatio ad processum) e a capacidade postulatória. 12 De acordo com o professor Leonardo Greco, a ausência desse pressuposto processual constitui “sempre uma nulidade absoluta, pois a ulterior alegação de deficiência de defesa da parte representada inadequadamente ensejará a nulidade de todo o processo, não apenas em prejuízo da parte incapaz de estar em juízo, mas também da parte contrária. Assim, aquele que litiga com uma parte que sabe não estar representada adequadamente em juízo deve comunicar tal fato ao juiz, sob pena de se submeter ao prejuízo posterior da nulidade daquela relação processual.” (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Volume II, Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 284) 13 Como leciona Lígia Maria Bernardi, “a representação processual do incapaz, que não tem representante legal ou que o tenha tido mas perdido, é suprida pelo curador especial, que tem por finalidade fazer às vezes do representante legal, atuando na defesa dos interesses do incapaz.” (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 02) 14 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Rio de Janeiro: Forense, 1974, pág. 281. 15 “A peculiaridade desta espécie de curatela processual, que a diferencia das demais, reside no fato de que ela pode ocorrer tanto quando o incapaz for autor como quando for réu. Assim, desde que não tenha representante legal ou os interesses sejam colidentes com os daquele, a proteção do curador especial se mostra imprescindível, mesmo que o incapaz seja pessoa com patrimônio abundante.” (LIMA, Frederico Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 194) 16 TJ/RJ – Décima Nona Câmara Cível – Apelação nº 0010917-74.2008.8.19.0202 – Relatora Des. DENISE LEVY TREOLER, decisão: 29-06-2010. 17 PONTES DE MIRANDA. Op. cit., pág. 286/287. 18 “Incapaz. Representante legal. Choque de interesses. Nomeação de curador especial. É radicalmente nulo o processo onde há menores interessados, representados por sua mãe, quando há colisão de interesses desta e daqueles. Para início da demanda, será 1
necessária a prévia nomeação de curador especial, por força do que dispõe o art. 9º, inc. I, do CPC, bastando, para isso, a existência do mais leve choque ou possibilidade de choque de interesses.” (TJ/SP – Décima Primeira Câmara Cível – Apelação nº 65.096-2 – Relator Des. SABINO NETO, decisão: 25-10-1984) 19 LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 194. 20 Segundo leciona Rita Gianesini, “a razão de ser dessa proteção reside no fato de se presumir que o preso talvez não possa utilizar-se de todos os meios permissivos para se defender” (GIANESINI, Rita. Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, pág. 105). De maneira semelhante, Hugo Nigro Mazzilli sustenta que a intervenção da curadoria especial em favor do réu preso tem como objetivo garantir “que não sofra este uma possível limitação fática no exercício do contraditório, provocada pelas próprias restrições à sua liberdade” (MAZZILLI, Hugo Nigro. Curadoria de ausentes e incapazes, São Paulo: APMP, 1988, pág. 13). 21 É necessário a ressalva de que a hipótese de atuação da curadoria especial quando se tratar de réu preso, por força de cárcere civil, não se aplica ao próprio processo em que o réu teve sua prisão decretada. 22 “Réu condenado em regime aberto. O condenado em regime aberto, com recolhimento autorizado na própria residência ou em residência particular, não necessita de curador especial do CPC 9º II, quando comparece a juízo acompanhado de advogado para a prática de qualquer ato judicial.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 195) 23 Nesse sentido: SILVA, Franklyn Roger Alves. BERNARDI, Lígia Maria. LEVENHAGEN, Antônio José de Souza. LIMA, Frederico Viana de. MORAES, Guilherme Peña de. 24 Em sentido semelhante: RT 490/92; JTACivSP 127/357; JM 84/76. 25 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 189. 26 Nesse sentido: ESTEVES, Diogo. ARAÚJO, José Aurélio de. BARBI, Celso Agrícola. BRUM, Jander Maurício. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. GOUVÊA, José Roberto F. NEGRÃO, Theotonio. NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. SOUSA, José Augusto Garcia de. 27 Adotando essa linha de entendimento, o art. 72, II do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) prevê a nomeação de curador especial “ao réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado”. 28 “Essa abertura para a possibilidade de previsão legal merece ser vista com cautela, porque a citação por edital é também uma modalidade de citação ficta, ou seja, uma citação em que se presume que o destinatário tenha tomado conhecimento da causa pela divulgação do edital, o que está muito longe de ser uma ilação razoável na sociedade atual, especialmente nos grandes centros. O réu, citado por edital, está numa posição de franca inferioridade no exercício de sua defesa em relação ao autor, porque provavelmente ele não vai tomar conhecimento da ação e quem o defenderá será um curador especial (CPC, art. 9º, inc. II), ao qual ele não transmitirá qualquer informação sobre a realidade da causa que possibilite a articulação de uma defesa eficaz. Por isso, a citação editalícia deve ser excepcionalíssima, somente se justificando, do ponto de vista humanitário, quando a citação pessoal do autor (por mandado ou pelo correio) for realmente impossível, para que a ausência do réu não inviabilize o acesso do autor à justiça. ” (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Volume II, Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 257) 29 De acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, o curador especial “pode requerer diligências para a localização do réu revel, como a expedição de ofícios aos cartórios eleitorais e secretaria da Receita Federal, buscando informações sobre o paradeiro do réu.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 194) 30 “A nomeação do curador especial é imperativa, porque sobre a citação ficta recai a presunção de que não chegou ao conhecimento do réu a existência da demanda em face dele ajuizada.” (NERY, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pág. 149/150) 31 O termo “ausente” utilizado pelo art. 9º, II do CPC deve ser compreendido em sentido estritamente processual, distinto do ausente de direito material. 32 De acordo com José Manoel Frazão Mendes, “não há como sustentar, tecnicamente, a nomeação de curador especial, ou mesmo de Defensor Público, ao revel pessoalmente citado, porque equivale a transformar o ônus de se defender, em dever, com flagrante retrocesso a uma fase há muito vencida, nesse vasto caminho percorrido pelo direito processual civil.” (MENDES, José Manoel Frazão. A nova Constituição, a Contumácia e a Curadoria Especial, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1997, n.4, pág. 121) 33 “Não há que se falar em nomeação de curador especial ao revel, mesmo que ficta tenha sido sua citação, quando o mesmo comparece aos autos, regularizando sua representação processual, e apresenta contestação intempestiva ou deixa de fazê-lo sponte propria. Aplica-se à espécie a máxima dormientibus non sucurrit jus.” (STJ – Terceira Turma – REsp nº 1229361/SP – Relator Min. VASCO DELLA GIUSTINA, decisão: 12-04-2011) 34 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 191 e 195 / BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 102 / BRUM, Jander Maurício. Curatela, Rio de Janeiro: Aide, 1995, pág. 182/183 / LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 198 / TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de Processo Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 1992, pág. 530. 35 Nesse sentido: RJTJSP 121/196, 120/350, 63/75; PJ 20/183, 8/90.
“Mesmo que o curador especial tenha apresentado contestação em defesa do réu, caso este compareça ao processo posteriormente, ou dele tenha ciência inequívoca, cessa a atividade do curador especial, assumindo o réu o feito, no estado em que se encontra.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 191) 37 “Para que se proceda a nomeação de curador para receber a citação em nome do réu demente ou que se encontre impossibilitado para recebê-la, é insuficiente a constatação dessa circunstância pelo oficial de justiça, sendo necessária a nomeação de perito para a feitura do laudo médico.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 467) 38 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 420. 39 “Recurso Especial. Alegação de insanidade do réu. Exame médico. Curadoria. Nulidade. Recurso provido. Se por qualquer meio verificar-se ser o réu demente ou estar impossibilitado de receber a citação deve o juiz nomear médico a fim de examinar o citando (art. 218, § 1º do CPC). Reconhecida a impossibilidade de o réu receber citação, o juiz dará ao mesmo curador, sob pena de nulidade do processo. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – Terceira Turma – REsp nº 9996/SP – Relator Min. CLAUDIO SANTOS, decisão: 25-11-1991) 40 “Assim, à primeira vista, não cabe a nomeação, de imediato, do curador especial, devendo-se perquirir a existência ou não das pessoas elencadas na lei civil que são de direito curador de demente.” (BERNARDI, Lígia Maria. Op cit., pág. 58) 41 Os efeitos dessa nomeação serão restritos à causa (art. 218, § 2º, in fine do CPC); para que assuma a curadoria civil com eficácia erga omnes, deverá o interessado promover a competente interdição do incapaz, na forma do art. 1.177 e seguintes do CPC. 42 Nesse sentido, seguindo a interpretação literal do art. 1.042, II do CPC: “Partilha. Mãe e filha. Havendo, mesmo em tese, conflito de interesses entre mãe e filha menor com respeito à futura partilha, é de rigor a nomeação de curador especial à filha (RT 534/231).” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 195) 43 Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 311. 44 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 299. 45 In hujusmodis causis, tem sido este o posicionamento adotado pelos tribunais: “o fato de o interditando ter idade biológica avançada não justifica, por si só, a interdição, se o mesmo não é portador de nenhum problema mental que o impeça de gerir sua própria pessoa, conforme apontado em perícia médica”. (TJ/MG – 2ª Câmara Cível – Ap. Cível nº 1.0481.02.018476-0/001 – Relator Des. JARBAS LADEIRA, decisão: 14.02.2006) 46 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 191. 47 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 310. 48 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 310. 49 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. cit., pág. 310. 50 De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o interditando “tem não apenas interesse, mas também o direito de provar que pode gerir sua própria vida, administrar seus bens e exercer sua profissão”. (STJ – Terceira Turma – RMS nº 22.679/RS – Relator Min. Sidnei Benetti, decisão: 25-03-2008) 51 No mesmo sentido: NOGUEIRA, Cláudia de Almeida. Parecer emitido em resposta ao ofício nº 31/2011, emissão: 25-07-2011. 52 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 311. 53 Nesse sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 944. 54 CUNHA, Rogério Sanches. LÉPORE, Paulo Eduardo. ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 78. 55 A Resolução nº 113/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, que tem como função essencial “promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, economicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações” (art. 2º). 56 CUNHA, Rogério Sanches. LÉPORE, Paulo Eduardo. ROSSATO, Luciano Alves. Op. cit., pág. 290. 57 STJ – Terceira Turma – AgRg no Ag nº 1369745/RJ – Relator Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, decisão: 10-04-2012. 58 STJ – Quarta Turma – REsp nº 1176512/RJ – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 28-08-2012 / TJ/RJ – Décima Quarta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0032050-60.2012.8.19.0000 – Relator Des. CLEBER GHELFENSTEIN, 22-082012. 59 STJ – Quarta Turma – REsp nº 1176512/RJ – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 28-08-2012 / TJ/RJ – Décima Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0038179-18.2011.8.19.0000 – Relator Des. GILBERTO GUARINO, decisão: 0108-2012 / TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0003150-38.2010.8.19.0000 – Relator Des. MARIO ASSIS GONCALVES, decisão: 25-08-2011. 60 STJ – Quarta Turma – REsp nº 1176512/RJ – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 28-08-2012. 36
“A nomeação de curador especial (figura de direito processual e não de direito material) se justifica quando há possibilidade de conflito de interesses entre o menor e o responsável pela defesa de seus interesses no processo judicial. Na ação de destituição de poder familiar ajuizada pelo Ministério Público, quem age em defesa do menor é o Ministério Público e não seus genitores, réus na ação. Não há, pois, possibilidade de conflito de interesses entre o menor e o Ministério Público, não se caracterizando, portanto, a hipótese legal de nomeação de curador especial a que se referem o art. 9º do CPC e o parágrafo único do art. 142 do ECA.” (STJ – Quarta Turma – REsp nº 1176512/RJ – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 28-08-2012) 62 Embora a Declaração dos Direitos da Criança já tivesse reconhecido em 1959 ser a criança autêntico sujeito de direitos, esse documento não era dotado de coercibilidade, estando seu cumprimento ao alvedrio dos Estados. Essa característica apenas veio a ser alcançada com a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 (ou Convenção de Nova York), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28/1990 e promulgada pelo Decreto de Execução nº 99.710/1990. (CUNHA, Rogério Sanches. LÉPORE, Paulo Eduardo. ROSSATO, Luciano Alves. Op. cit., pág. 54) 63 STF – Pleno – RE nº 466343/SP – Relator Min. CEZAR PELUSO, decisão: 03-12-2008. 64 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civil, Milão: Giuffre, 1981. 65 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. 66 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, in Direito processual civil, Rio de Janeiro: Borsói, 1971. 67 ANDOLINA, Italo. VIGNERA, Andolina. Il modello costituzionale del processo civile italiano, Torino: G. Giappichelli, 1988, pág. 51. 68 Nesse sentido: STJ – Quarta Turma – MC nº 016228 – Relator Min. HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, decisão: 13-112009. 69 Revelante observar que, por conta de sua moderna fisionomia constitucional, não possui o Ministério Público atribuição para exercer a representação judicial de autores ou réus (art. 129, IX da CRFB), devendo atuar sempre como parte requerente (art. 81 do CPC c/c art. 201 do ECA) ou como fiscal da lei interveniente (art. 82, I do CPC c/c art. 202 do ECA).Vale lembrar, por oportuno, que essas são atribuições alternativas, jamais cumulativas; ou o Ministério Público atua como parte requerente ou figura como fiscal da lei interveniente. Pela própria lógica do sistema, nunca poderá haver a acumulação das duas funções, pois a primeira pressupõe a parcialidade de quem postula e a segunda depende da imparcialidade do fiscal. 70 “Não se questiona a importância da elaboração de relatórios psicossociais em processos da Infância e Juventude, cuja autoria é atribuída à profissionais capacitados; dentre psicólogos e assistentes sociais, que deveriam, de forma imparcial, realizar estudo sobre as condições psicológicas das partes envolvidas (criança ou adolescente e seus pais), fornecendo elementos necessários para eventual aplicação de medidas protetivas. Ocorre que a estes relatórios de acompanhamento, tem se dado extrema importância, a ponto de considerá-los como verdade absoluta, não sendo permitido à parte a ele sujeito apresentar quesitos, contraditá-los ou requerer esclarecimentos.” (NUNES, Bruna Rigo Leopoldi Ribeiro. Deve ser assegurada garantia do devido processo legal no procedimento verificatório, Edição Especial da Revista de Direito da Defensoria Pública, São Paulo, 2010, pág. 146) 71 Nesse sentido: TJ/RJ – Décima Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0037764-35.2011.8.19.0000 – Relator Des. GILBERTO GUARINO, decisão: 04-09-2012 / TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 002580193.2012.8.19.0000 – Relator Des. SEBASTIAO BOLELLI, decisão: 24-05-2012 / TJ/RJ – Décima Sétima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0011811-35.2012.8.19.0000 – Relator Des. EDSON VASCONCELOS, decisão:16-05-2012 / TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0046467-52.2011.8.19.0000 – Relatora Des. TERESA CASTRO NEVES, decisão: 12-042012 / TJ/RJ – Décima Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0001290-31.2012.8.19.0000 – Relatora Des. MARILENE MELO ALVES, decisão: 29-02-2012 / TJ/RJ – Quarta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 003381770.2011.8.19.0000 – Relator Des. MARCELO LIMA BUHATEM, decisão: 15-08-2011 / TJ/RJ – Décima Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0047060-52.2009.8.19.0000 – Relator Des. MARCO AURELIO BEZERRA DE MELO, decisão: 23-022010 / TJ/RJ – Sétima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0049879-93.2008.8.19.0000 – Relator Des. CAETANO FONSECA COSTA, decisão: 25-03-2009. 72 Em sentido contrário, conferindo interpretação extensiva ao art. 148, parágrafo único, alínea f do ECA, a Defensora Pública Débora De Vito Oriolo sustenta que “a atuação da Defensoria Pública como curadora especial de crianças e adolescentes não depende da existência de colidência de interesses entre as partes processuais, sendo meio eficaz de trazer à baila seus anseios enquanto sujeitos de direitos” (ORIOLO, Débora De Vito. Op. cit., pág. 38). 73 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS – PAMP. COORDENADORA DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – CDEDIDA. DEFENSORIA PÚBLICA. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. LEGITIMIDADE E INTERESSE. ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. As atribuições do Conselho Tutelar, previstas no art. 136 do ECA, não têm o condão de afastar a legitimidade da curadoria especial para pleitear providências de proteção ao menor. Situação de flagrante omissão dos órgãos administrativos competentes na defesa de criança, que se encontra desnecessariamente institucionalizadas por falta de condições de sua genitora de mantê-la em sua companhia durante a 61
semana. A autoridade judiciária não pode ficar inerte em casos de violação aos direitos da criança e adolescente, considerando que o Conselho Tutelar não está cumprindo sua função institucional. Diante do princípio da inafastabilidade da Jurisdição consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV da CF, a ausência de previsão quanto ao procedimento do Pedido de Providências, não impede sua apreciação pelo Juiz, mormente quando pede a tutela de direitos fundamentais. Dever do Poder Judiciário assegurar o cumprimento dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais voltados à proteção do menor. Conhecimento e desprovimento do recurso.” (TJ/RJ – Nona Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0061205-79.2010.8.19.0000 – Relator Des. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA, decisão: 01-02-2011) 74 “Para mim, o curador especial ou curador à lide não é substituto processual, visto inexistir interesse no desfecho da controvérsia. Atua o curador como representante judicial da parte, por imposição legal. Ademais, o curador representa ou assiste a parte (art. 8º do CPC). O curador especial aparece para assegurar o contraditório, hoje bem claro no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal.” (BRUM, Jander Maurício. Op. cit., pág. 145/146) 75 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 62/63. 76 MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit. 77 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit. 78 Ao analisar as condições da ação, estudando especificamente a legitimidade, o professor Leonardo Greco afirma: “outro caso de substituição processual é o da defesa do réu revel citado por edital ou com hora certa por um curador especial, nos termos do art. 9º, inciso II do Código de Processo Civil”. (GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 199) 79 Situação semelhante, que pode ser utilizada como parâmetro comparativo, encontra-se exposta no art. 52, parágrafo único do CPC. De acordo com o referido dispositivo legal, quando terceiro intervir na relação processual como assistente simples e a parte assistida permanecer revel, passará o interveniente a ser considerado seu “gestor de negócios”. Não obstante o termo utilizado pelo Código de Processo Civil, a doutrina majoritária entende que o assistente simples, nesse caso, atuaria como autêntico substituto processual. (Nesse sentido: FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, 2001, pág. 254) 80 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974, pág. 289. 81 “Concordância com o pedido. É nulo o processo, por cerceamento de defesa, em que o curador especial concorda com a pretensão deduzida contra o réu revel citado fictamente.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 195) 82 Nesse sentido: RT 663/84. 83 “Com atinência à defesa, segundo o art. 302, parágrafo único, do estatuto processual civil, ao curador especial não se aplica o ônus da impugnação especificada dos fatos deduzidos pelo autor na demanda, sendo-lhe facultado produzir a defesa por negação geral, obrigando o autor a provar suas alegações mesmo quando não impugnadas exaustivamente.” (MORAES, Guilherme Pena de. Op. cit., pág. 192) 84 LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 201. 85 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 192. 86 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 192. 87 Corroborando esse posicionamento, os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam que, no procedimento sumário, “citado o réu fictamente, em se tornando revel o juiz deverá nomear-lhe curador especial, adiando a audiência, pois somente nesta é que se caracterizará a revelia, não antes”. (NERY JUNIOR. Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 195) 88 Nesse sentido: MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume II, Rio de Janeiro: Forense, 1983, pág. 295 / CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1983, v.III, pág. 410 / GIANESINI, Rita. Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, pág. 102 / BRUM, Jander Maurício. Op. cit., pág. 151. 89 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 195. 90 Nesse sentido: BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 149/152 / MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 191 / TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Op. cit., pág. 09. 91 Como exemplo, a professora Lígia Maria Bernardi menciona os casos de homologação de sentença estrangeira, onde a defesa somente poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos formais estabelecidos pela Resolução nº 09/2005 do Superior Tribunal de Justiça. Nesses casos, a jurisprudência revela que o curador especial, diante da ausência de elementos que embasem a contestação, muitas vezes se limita a realizar breve relatório do processo e, em algumas hipóteses sequer se opõe à homologação. (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 151/152) 92 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., págs.148/149. 93 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 279/282. 94 Nesse sentido: BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 154 / GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 177 / LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 200. 95 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., pág. 152.
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., pág. 155. Nesse sentido: BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 153 / BRUM, Jander Maurício. Op. cit., pág. 147 / DANTAS, Raimundo Nonato de Alencar. DANTAS NETO, Afonso Tavares. Curatela, Fortaleza: Livrarias Técnicas Public, 2001, pág. 66. 98 Nesse sentido: DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Salvador: JusPodivm, 2007, pág. 222 / FORNACIARI JUNIOR, Clito. A reconvenção no direito processual civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1983, pág. 26 / GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Op. cit., pág. 177 / LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 200. 99 Em sentido contrário: “Chamamento ao processo. É ato privativo do réu, com natureza jurídica de ação condenatória. O curador especial não está autorizado a acionar, mas somente a defender o réu. Não é lícito ao curador especial chamar terceiro ao processo.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 194) 100 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., pág. 190. 101 GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 426. 102 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 282. 103 De acordo com o professor Leonardo Greco, a lei diz que a denunciação da lide é obrigatória “porque no Código de Processo Civil de 1939 (art. 95) a única hipótese de denunciação da lide – denominada chamamento à autoria – era a do atual inciso I, que é sempre obrigatória. Quando o Código de 1973 reconfigurou a denunciação da lide, para harmonizá-la com o processo moderno, introduziu os incisos II e III, sem se preocupar com a obrigatoriedade. Com isso, deve entender-se que somente é obrigatória a denunciação da lide na hipótese do inciso I, não sendo obrigatórias as dos incisos II e III.” (GRECO, Leonardo. Op. cit., pág. 428) 104 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 283. 105 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., pág. 191. 106 Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., pág. 88 / BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 153 / BRUM, Jander Maurício. Op. cit., pág. 145. 107 Nesse sentido: DANTAS, Raimundo Nonato de Alencar. DANTAS NETO, Afonso Tavares. Op. cit., pág. 67 / DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., pág. 222 / GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Op. cit., pág. 177 / LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 200. 108 TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici, nozioni generali, Milano: Giuffrè,1992, pág. 421. 109 “Cerceamento de defesa. Inocorrência. Citação por hora certa. Nomeação de Curador Especial que contestou por negação geral. Ausência de requerimento de provas. Pretensão da produção de prova oral. Julgamento antecipado. Possibilidade. Recurso improvido.” (TJ/SP – 17ª Câmara de Direito Privado – Apelação Cível nº 9150884-25.1999.8.26.0000 – Relator Des. Carlos Luiz Bianco, decisão: 05-10-2005) 110 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 1.242. 111 “O documento que aparelha a ação monitória deve ser escrito e não possuir eficácia de título executivo. Se tiver, o autor será carecedor da ação monitória, pois tem, desde já, ação de execução contra o devedor inadimplente. Por documento escrito deve-se entender qualquer documento que seja merecedor de fé quanto à sua autenticidade e eficácia probatória.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 1.242) 112 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., págs. 1.248/1.249. 113 Súmula nº 282 do STJ: “Cabe a citação por edital em ação monitória.” 114 “No procedimento monitório, a revelia se traduz pela ausência de interposição de embargos a que se refere o art. 1.102-C, do CPC. No caso de citação por edital ou com hora certa, a ausência do réu será suprida com a nomeação do curador especial, que oporá os embargos monitórios, afastando desde logo a possibilidade de formação antecipada do título executivo.” (BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 156) 115 Em sentido semelhante: OLIVEIRA, Fabiano de Carvalho. A Defesa do Réu Citado Fictamente no Processo de Execução, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, n.6, pág. 119/128. 116 ASSIS, Araken. Manual da Execução, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 1.047. 117 STJ – Terceira Turma – REsp nº 1032436/SP – Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, decisão: 04-08-2011. 118 TJ/RJ – Segunda Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0051341-17.2010.8.19.0000 – Relatora Des. LEILA MARIANO, decisão: 25-10-2010 / TJ/RJ – Segunda Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0051220-86.2010.8.19.0000 – Relatora Des. LEILA MARIANO, decisão: 22-10-2010 / TJ/RJ – Segunda Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0051355-98.2010.8.19.0000 – Relatora Des. LEILA MARIANO, decisão: 22-10-2010. 119 TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0028105-41.2007.8.19.0000 – Relator Des. RICARDO COUTO, decisão: 13-08-2007. No mesmo sentido: TJ/RJ – Décima Nona Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 006379240.2011.8.19.0000 – Relatora Des. DENISE LEVY TREDLER, decisão: 29-05-2012 / TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0001950-25.2012.8.19.0000 – Relator Des. NAGIB SLAIBI, decisão: 23-01-2012 / TJ/RJ – Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0008435-75.2011.8.19.0000 – Relatora Des. VERA MARIA SOARES VAN HOMBEECK, decisão: 3003-2011. 96 97
Nesse sentido: TJ/RJ – Sétima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0039273-98.2011.8.19.0000 – Relator Des. RICARDO COUTO, decisão: 30-05-2012 / TJ/RJ – Décima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0026177-16.2011.8.19.0000 – Relator Des. RICARDO RODRIGUES CARDOZO, decisão: 09-06-2011 / TJ/RJ – Décima Primeira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0031148-78.2010.8.19.0000 – Relator Des. JOSE C. FIGUEIREDO, decisão: 18-08-2010 / TJ/RJ – Quarta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0017003-17.2010.8.19.0000 – Relatora Des. RENATA COTTA, decisão: 27-05-2010 / TJ/RJ – Nona Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0000181-84.2009.8.19.0000 – Rel. Des. ROBERTO DE ABREU E SILVA, decisão: 23-03-2009. 121 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., págs.738/739. 122 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 207. 123 Segundo lembram Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “além dos relacionados no CPC 496, há outros recursos existentes no sistema do Código (‘agravo interno’: CPC 120 par. ún., 532, 545 e 557, § 1º) e no de leis extravagantes (v.g., LR, LJE, LEF, LMS e ECA).” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., págs.819/820) 124 Nesse sentido: BRUM, Jander Maurício. Op. cit., pág. 156 / NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 192. 125 BERNARDI, Lígia Maria. Op. cit., pág. 154 / DANTAS, Raimundo Nonato de Alencar. DANTAS NETO, Afonso Tavares. Op. cit., pág. 66. 126 No mesmo sentido: STJ – Quarta Turma – REsp nº 905.313/MG – Relator Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, decisão: 15-03-2007 / STJ – Quarta Turma – AgRg no REsp nº 846.478/MS – Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, decisão: 28-11-2006. 120
CAPÍTULO 9
DIREITOS DOS ASSISTIDOS
9.1 DEFINIÇÃO Com a reforma trazida pela Lei Complementar nº 132/2009, restou introduzido na Lei Complementar nº 80/1994 dispositivo expresso formalizando a previsão dos direitos dos assistidos. Trata-se, em verdade, de previsão legal que objetiva assegurar aos assistidos um mínimo de direitos a serem observados pelos membros da Defensoria Pública no desempenho de suas funções institucionais. Como salienta a professora AMÉLIA SOARES DA ROCHA, com essa inédita previsão normativa a Defensoria Pública se torna “a primeira instituição jurídica brasileira a tratar explicitamente dos direitos dos seus usuários”1. 9.2 DOS DIREITOS DOS ASSISTIDOS EM ESPÉCIE O art. 4º-A da Lei Complementar nº 80/1994 elenca cinco direitos conferidos aos assistidos da Defensoria Pública, a serem obrigatoriamente observados pela Instituição: (i) direito à informação sobre a localização e horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública, bem como sobre a tramitação dos processos e os procedimentos para a realização de exames, perícias e outras providências necessárias à defesa de seus interesses; (ii) a qualidade e a eficiência do atendimento; (iii) o direito de ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público; (iv) o patrocínio de seus direitos e interesses pelo Defensor natural; e (v) a atuação de Defensores Públicos distintos, quando verificada a existência de interesses antagônicos ou colidentes entre destinatários de suas funções. Importante destacar que a enumeração realizada pela Lei Complementar nº 80/1994 deve ser considerada meramente exemplificativa, constituindo verdadeiro catálogo primário de direitos. Segundo estabelece expressamente o art. 4º-A da LC nº 80/1994, outros direitos poderão ser objeto de previsão expressa pela legislação ordinária e por atos normativos internos de cada Defensoria Pública2. 9.2.1 Do direito à informação
O primeiro dos direitos dos assistidos, elencado no inciso I do art. 4º-A da Lei Complementar nº 80/1994, diz respeito à informação sobre localização e horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública (alínea a) e sobre a tramitação dos processos e os procedimentos para a realização de exames, perícias e outras providências necessárias à defesa de seus interesses (alínea b). Assegurado no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), no art. 19 do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e no art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o direito de buscar, receber e difundir informações constitui pressuposto fundamental da democracia participativa. Justamente por isso, Constituição Federal garante a todos o direito de “receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral” (art. 5º, XXXIII). Em sentido genérico, a democracia gira em torno da capacidade dos indivíduos de participarem de modo efetivo da tomada das decisões que os afetam. No entanto, para que as escolhas sejam realizadas de forma livre e consciente, os indivíduos devem possuir as informações necessárias para direcionar sua atividade seletiva. Justamente por isso, a Lei Complementar nº 80/1994 confere ao indivíduo o direito de receber da Defensoria Pública a adequada informação acerca da tramitação dos processos judiciais e procedimentos administrativos, para que possa compreender sua real situação jurídica e para que possa escolher conscientemente aquilo que entender melhor para si. Embora o Defensor Público detenha conhecimento técnico sobre a matéria e esteja juridicamente habilitado para orientar os necessitados, as ecolhas atinentes aos aspectos materiais do direito discutido em juízo pertencem unicamente ao assistido, cabendo apenas a ele decidir sobre a conveniência ou não de demandar, de transigir ou mesmo de desistir. Afinal, a Defensoria Pública não titulariza o direito pleiteado, atuando apenas como representante jurídico do verdadeiro titular do direito. Em virtude da hipossuficiência técnica da grande maioria dos assistidos, o Defensor Público deve ter o cuidado de transmitir as informações de forma clara e simples, evitando a utilização de termos técnicos e palavras de difícil compreensão para aqueles que são estranhos ao mundo do direito3. Somente assim, restará assegurado ao cidadão comum o direito de obter a plena e adequada compreensão acerca de sua posição jurídica4. Nesse sentido, ensina o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, com sua peculiar didática: Quanto à maneira de prestar o atendimento individual, o necessitado deve ter o mesmo tratamento que seria dispensado a qualquer cliente de um escritório de advocacia: deve ser informado da melhor maneira possível acerca dos detalhes que envolvem o caso. Não basta uma atitude paternalista de dizer-lhe “eu cuido do seu caso”, mas deve o beneficiário ser esclarecido quanto à sua situação jurídica, as suas chances, o que pesa a seu favor e o que pesa contra. O atendimento deve fazer com que o caso sirva de experiência ao cliente para situações da vida futura, devem ser-lhe esclarecidos, ainda que de uma forma bastante simplificada, o funcionamento da máquina judicial e algumas noções básicas de direito que o façam compreender o que passa. Além disso, o atendimento deve buscar vencer a barreira sociocultural que separa o beneficiário do advogado. Palavras simples devem ser usadas, e deve-se procurar conversar com calma, pois a diferença de vocabulário pode levar a alguns mal-entendidos. Não é recomendável o uso de palavras técnicas, mesmo aquelas que parecem ter o mesmo significado para todos, pois nem sempre o tem. Principalmente em se tratando de termos jurídicos, deve-se desconfiar do seu significado, quando ditos pelo cliente. Aos juízes também serve esta advertência, ao tomar depoimento pessoal ou testemunho de pessoas simples. Se for possível, devem-se utilizar exemplos que tornem a situação mais compreensível para o carente. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 71/72)
Além disso, a Lei Complementar nº 80/1994 garante ao assistido o direito à adequada informação sobre a localização e horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública5, como decorrência natural da publicidade e da transparência que devem nortear a administração pública. Com isso, a norma busca facilitar o acesso dos economicamente necessitados à justiça, evitando o
desperdício de tempo e de recursos na busca pelo serviço jurídico-assistêncial público. Em artigo dedicado especificamente ao estudo dos direitos dos assistidos, a professora AMÉLIA SOARES DA ROCHA leciona: Prestigiar o direito à informação é compreender que é a desinformação um dos principais entraves ao acesso à Justiça. Assim é que o inciso I do artigo 4º-A da Lei Orgânica defensorial determina que é direito do assistido a informação sobre localização e horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública. Tal informação sobre localização – sobretudo em vista do assistido usual da Defensoria Pública ter vulnerabilidade econômica –, deve abranger a informação sobre as rotas de ônibus que dão acesso à sede da Defensoria. Não menos importante é o cuidado com o horário do atendimento, mormente porque, em regra, o expediente do Defensor Público é de seis horas corridas e o senso comum indica funcionamento ininterrupto em dois turnos. É direito do assistido conhecer qual o horário que pode contactar a Defensoria Pública, sendo legítimo que a instituição, dada a ainda carência nos seus quadros, publicize os horários de atendimento inicial, retorno, consultoria etc. O mais importante, aqui, não é disponibilizar o atendimento perfeito, mas ser transparente em relação às dificuldades e possibilidades. (ROCHA, Amélia Soares da. Os direitos dos assistidos e a imprescindibilidade da democratização (interna e externa) da instituição. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 126/127)
Por fim, devemos lembrar que o assistido não constitui apenas destinatário final da informação, mas também agente multiplicador de conhecimento. Por essa razão, além de possuir o escopo imediato de conscientizar o indivíduo que procura o serviço jurídico-assistencial público, o art. 4ºA, I da LC nº 80/1994 possui o escopo mediato de promover a difusão de informações pelo boca a boca, através do relato da experiência pessoal enfrentada pelo assistido para outras pessoas. 9.2.2 Do direito à qualidade e à eficiência do atendimento
De acordo com o art. 4º-A, II da LC nº 80/1994, também constitui direito do assistido “a qualidade e a eficiência do atendimento”. Como decorrência do princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput da CRFB), a norma exige que a atividade jurídico-assistencial desenvolvida pela Defensoria Pública seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Além disso, os atendimentos realizados pela Defensoria Pública devem garantir o respeito irrestrito à dignidade dos assistidos, como forma de resgatar a própria auto estima daqueles que procuram o serviço jurídico-assistencial público por estarem em posição de vulnerabilidade. Afinal, a busca pela prevalência dos direitos fundamentais do indivíduo deve ser iniciada no próprio órgão de atuação da Defensoria Pública, que deve proporcionar atendimento humano e humanitário aos assistidos. Após a reforma trazida pela Lei Complementar nº 132/2009, tratar bem os assistidos deixou de ser considerado favor ou gentileza e passou a constituir obrigação daqueles que prestam o serviço jurídico-assistencial público6. Do direito do assistido à qualidade e à eficiência decorre diretamente o dever do membro da Defensoria Pública de “desempenhar, com zelo e presteza, os serviços a seu cargo” (art. 45, II; art. 90, II; e art. 129, II da LC nº 80/1994)7. Por isso, resta vedado ao Defensor Público a prática de toda e qualquer conduta que comprometa a qualidade ou a eficiência do atendimento (ex: retenção indevida de processos; formulação de exigências documentais desnecessárias ao assistido, como forma de protelar a confecção da petição inicial; realização de marcações e de agendamentos com longo período de espera, ocasionando a demora excessiva nos atendimentos). Para garantir o imperativo de qualidade e eficiência no atendimento dos assistidos é
imprescindível o controle sobre a atuação dos estagiários, funcionários e membros da Defensoria Pública. Como observa a professora AMÉLIA SOARES DA ROCHA, “se o assistido da Defensoria a busca para ter voz e tem os seus direitos desrespeitados no atendimento pelo Defensor, é preciso que a própria Defensoria adote meios eficazes para que os direitos saiam do papel e se incorporem na vida diária dos destinatários de seus serviços”8. Além disso, é importante deixar sempre aberto o canal de comunicação com os assistidos, que na condição de destinatários do serviço jurídico-assistencial possuem melhor condição de identificar as falhas no sistema de atendimento da Defensoria Pública. A estruturação adequada da Defensoria Pública, como forma de garantir a qualidade e eficiência do serviço jurídico-assistencial público, constitui desafio conjunto de todos nós que continuamos acreditando em uma realidade mais justa e solidária. 9.2.3 Do direito de revisão da pretensão no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público
A independência funcional do membro da Defensoria Pública (art. 3º; art. 43, I; art. 88, I; e art. 127, I da LC nº 80/1994) e a prerrogativa de não ajuizamento de demanda (art. 44, XII; art. 89, XII; e art. 128, XII) não suprimem do assistido “o direito de ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público” (art. 4º-A, III da LC nº 80/1994). Por essa razão, sempre que o membro da Defensoria Pública deixar de patrocinar a demanda por entender ser ela manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte, deverá promover a imediata comunicação do fato ao Defensor Público Geral, expondo fundamentadamente as razões de seu proceder. Ao analisar as informações prestadas pelo Defensor Público comunicante, deverá o Defensor Público Geral emitir juízo de confirmação ou de discordância acerca da recusa de atuação. No primeiro caso, a ratificação confirmará a negativa de propositura da demanda pela Defensoria Pública, afastando do Defensor comunicante qualquer responsabilidade funcional pela recusa. Na segunda hipótese, entendendo ser desarrazoada a conduta negativa do Defensor Público comunicante, deverá o Defensor Público Geral indicar outro Defensor Público para atuar, aplicando analogicamente o art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994; outrossim, dependendo da hipótese, poderá o Defensor Público Geral determinar a instauração de correição extraordinária pela CorregedoriaGeral (art. 8º, XII; art. 56, XII; e art. 100 da LC nº 80/1994). Em nenhuma hipótese, entretanto, poderá o chefe institucional determinar que o Defensor Público comunicante realize a propositura da demanda objeto de recusa, sob pena de violar sua independência funcional. Desse modo, a comunicação oficial possui o duplo objetivo de materializar o direito do assistido de ter sua pretensão revista e de viabilizar a fiscalização da discricionariedade do Defensor Público, possibilitando a responsabilização administrativa e civil por eventual desídia no desempenho de suas funções institucionais (art. 45, II; art. 90, II; e art. 129, II da LC nº 80/1994). Como a obrigatoriedade de comunicação ao Defensor Público Geral da recusa de atuação já existia originalmente na Lei Complementar nº 80/1994, podemos afirmar que o direito do assistido de ter sua pretensão revista também subsistia, por via transversa, na gênese do referido diploma normativo. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona AMÉLIA SOARES DA ROCHA, com sua peculiar didática:
Este direito, por via transversa, já existia, posto que na primeira versão da Lei Orgânica da Defensoria já figurava a obrigatoriedade de comunicação ao Defensor Público Geral das razões da recusa do atendimento defensorial. Todavia, na perspectiva clara de prestigiar o usuário do serviço público, o legislador brasileiro optou por deixar claro que é o cidadão que tem o direito de ter sua demanda analisada por mais de um profissional, o qual, por ser humano, é passível de equívoco. Tal norma, por sua vez, ratifica as necessárias autonomia da Defensoria Pública e independência funcional do Defensor Público, sendo ainda uma aplicação, no âmbito da Defensoria, do princípio constitucional da moralidade pública. (ROCHA, Amélia Soares da. Op. cit., pág. 126/128) 9.2.4 Do direito ao patrocínio dos direitos e interesses pelo Defensor Público natural
De acordo com o art. 4º-A, IV da LC nº 80/1994, constitui direito do assistido ter “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural”. Por intermédio dessa previsão normativa, a reforma trazida pela Lei Complementar nº 132/2009 consagrou no ordenamento jurídico nacional a existência do princípio do Defensor Público natural. Como decorrência lógica da inamovibilidade (art. 134, § 1º da CRFB; art. 43, II; art. 88, II; e art. 127, II da LC nº 80/1994) e da independência funcional (art. 3º; art. 43, I; art. 88, I; e art. 127, I da LC nº 80/1994)9, o princípio do Defensor Público natural assegura ao assistido o direito de ser patrocinado pelo membro da Defensoria Pública com atribuição legal previamente traçada por critérios objetivos, prévios e abstratos. Segundo observa FELIPE CALDAS MENEZES, desse princípio “extrai-se a conclusão de que não pode haver Defensor Público de exceção, ou seja, a assistência jurídica deve ser prestada pelo Defensor Público que tiver atribuição, de acordo com as regras internas previamente estabelecidas de divisão de trabalho entre os órgãos de atuação e execução”10. Com isso, o princípio do Defensor Público natural consagra uma garantia de ordem jurídica, que possui dupla destinação subjetiva, protegendo tanto o assistido, quanto o membro da Defensoria Pública11. Num primeiro plano, o princípio sedimenta a impessoalidade do serviço jurídico-assistencial público, vedando a prática de condutas discriminatórias em relação aos assistidos – sejam benéficas ou detrimentosas. Dessa forma, a norma protege os destinatários da assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública, reconhecendo-lhes o direito de serem patrocinados apenas pelo Defensor Público com atribuição legal para atuar no caso, sem qualquer espécie de favoritismos ou perseguições. Em segundo plano, o princípio assegura que o membro da Defensoria Pública não será arbitrariamente removido do exercício de suas funções institucionais. Com isso, a norma protege o Defensor Público contra eventuais ingerências políticas que possam maliciosamente tencionar seu afastamento compulsório do órgão, como forma de retaliação ou para obstaculizar o trabalho desenvolvido na defesa dos menos favorecidos. Importante salientar, por derradeiro, que o princípio do Defensor Público natural não apresenta qualquer espécie de conflito ou incompatibilidade com o princípio institucional da indivisibilidade (art. 3º da LC nº 80/1994), que permite aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros. Na verdade, o princípio do Defensor Público natural apenas determina que as substituições sejam realizadas em estrita observância aos critérios objetivos previamente traçados por lei ou ato normativo, sem a designação de agentes de encomenda ou de exceção. Dessa forma, o princípio do Defensor Público natural não provoca a fragmentação institucional ou a mitigação da fungibilidade
dos membros da Defensoria Pública, representando apenas o condicionamento da atuação defensorial substitutiva ao regramento legal pertinente. 9.2.5 Do direito à atuação de Defensores Públicos distintos no caso de colidência ou de antagonismo de interesses entre os destinatários de suas funções
Por último, mas não menos importante, o art. 4º-A, V da LC nº 80/1994 contempla o direito do assistido “à atuação de Defensores Públicos distintos, quando verificada a existência de interesses antagônicos ou colidentes entre destinatários de suas funções”. Como relação jurídica plurissubjetiva, o processo deve garantir a todos que terão sua esfera jurídica atingida pela decisão judicial a possibilidade de influir eficazmente na formação do convencimento do magistrado. Por essa razão, deve ser assegurado a ambas as partes a tempestiva ciência de todos os atos processuais e a ampla possibilidade de contraditar os atos dos demais sujeitos do processo. Essa possibilidade de manifestação deve abranger tanto o direito à autodefesa, quanto o direito à defesa técnica por profissional habilitado. Se ambos os polos do conflito estão em situação de vulnerabilidade, não possuindo condições financeiras de realizar a contratação de advogado particular para defender seus interesses, ambos possuem igualmente o direito à assistência jurídica estatal gratuita, nos termos do art. 5º, LXXIV c/c art. 134 da CRFB. Somente assim, se estará assegurando a todos a igualdade de chances no acesso à tutela jurisdicional, permitindo a efetiva audiência bilateral das partes e a adequada formação da decisão judicial. Justamente para garantir a participação dialética dos interessados no processo, o art. 4º-A, V da LC nº 80/1994 garante ao assistido o direito ao patrocínio de Defensores Públicos distintos, quando verificada a existência de interesses antagônicos ou colidentes entre os integrantes da relação jurídico-processual. Esse dispositivo enterra definitivamente o desgastado posicionamento doutrinário no sentido de que o princípio institucional da unidade impediria a atuação da Defensoria Pública representando interesses distintos, por constituir a Instituição um todo unitário e indivisível. Nesse sentido, leciona o professor FELIPE CALDAS MENEZES, com particular argúcia: Neste particular, o dispositivo do legislador complementar reformador veio em boa hora, pois havia posicionamento no sentido de que o princípio institucional da unidade (art. 3º da Lei Complementar nº 80/1994) impediria que a Defensoria Pública, por ser um todo indivisível, representasse partes com interesses antagônicos. Tratava-se, entretanto, de interpretação totalmente equivocada. Primeiramente, porque o princípio institucional da unidade tem como fulcro a otimização da assistência jurídica pela Defensoria Pública, permitindo que não haja qualquer solução de continuidade em sua prestação, que deve abranger todos os seus ramos, sendo, pois, no fundo, uma garantia para os beneficiários daquela garantia constitucional. Pergunta-se: como pode a garantia voltar-se contra o garantido? Em segundo lugar, a assistência jurídica integral e gratuita fornecida pelo Estado por meio da Defensoria Pública é uma garantia constitucional, não podendo o acesso a ela ser limitado por questões de ordem prática. Seria possível concluir, então, que somente teria direito ao previsto no art. 5º, inciso LXXIV, c/c art. 134, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, aquele que primeiro compareceu à Defensoria Pública naqueles casos em que já existia outra pessoa com interesses colidentes assistida pela Instituição? A toda a evidência a resposta correta é negativa.
Deve-se atentar, por último, que o impedimento de atuar quando há interesses antagônicos em jogo é do membro da Instituição, e não da Defensoria Pública, por força do disposto nos incisos II e IV dos arts. 47, 92 e 131, todos da Lei Complementar nº 80/1994. (MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e específicas relativas à organização da Defensoria Pública da União, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 162)
QUESTÕES Questão 01 (DPGE/ES – 2009): Julgue a assertiva abaixo: (A) O princípio do Defensor natural – entendendo-se este como a garantia do assistido em ter um membro da instituição previamente investido na atribuição de prestar a assistência jurídica integral e gratuita, por livre distribuição dos feitos, de modo a assegurar o devido processo e a ampla defesa – está previsto de forma expressa na legislação complementar federal. Questão 02 (DPGE/PR – 2012): Os assistidos da Defensoria Pública do Estado do Paraná têm direito: (A) à informação precisa, tanto em relação ao funcionamento dos órgãos institucionais, quanto aos trâmites procedimentais, exceto ao recurso em caso de recusa de atuação do Defensor Público, cujo processamento é sigiloso. (B) à qualidade e eficiência do atendimento, seja pelo Defensor Público, seja por Servidor da instituição. (C) a participar da sessão do Conselho Superior, desde que envolva processo de seu interesse. (D) à indicação de advogado dativo, quando interesse antagonico ou colidente ao seu já for patrocinado pela Defensoria Pública. (E) a participar do processo de eleição do Ouvidor-Geral. ROCHA, Amélia Soares da. Os direitos dos assistidos e a imprescindibilidade da democratização (interna e externa) da instituição, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 120. 2 De acordo com o art. 4º da LC nº 80/1994, outros direitos poderão ser “previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos”. Relevante observar, no entanto, que a expressão “legislação estadual” utilizada pelo legislador não se revela adequada, pois possui âmbito de aplicação restrito às Defensorias Públicas Estaduais. Melhor seria se a norma tivesse empregado expressão mais abrangente, capaz de comportar todos os ramos da Defensoria Pública. 3 Segundo Guilherme Freire de Melo Barros, “é preciso que as informações sejam transmitidas ao assistido em linguagem simples e acessível para que usuário dos serviços entenda como funciona a tutela de seu direito”. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Bahia: Jvspodium, 2010, pág. 66) 4 No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Ordem de Serviço nº 64/2006 determina que “os Defensores Públicos, quando do preenchimento das informações no cartão de andamento processual, devem no espaço próprio destinado a tal fim, discriminar o andamento do feito, datas dos atos judiciais e extrajudiciais praticados, bem como o agendamento para retorno e sua finalidade”. 5 Como observa Paulo Galliez, “a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tem sua Central de Atendimento ao Cidadão em que, por ligação gratuita por telefone, se pode obter informações sobre os atendimentos, inclusive documentação a ser levada no caso de primeiro atendimento.” (GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pág. 92) 6 ROCHA, Amélia Soares da. Op. cit., pág. 127/128. 7 “A qualidade e a eficiência do atendimento constituem obrigação do Defensor Público, antes de constituir direito do assistido. Porém, fora de suas atribuições institucionais, o Defensor Público não poderá se responsabilizar por deficiências de serviço que fogem ao 1
seu controle, como, por exemplo, o processamento cartorário no âmbito judicial, cuja morosidade é patente.” (GALLIEZ, Paulo. Op. cit., pág. 92) 8 ROCHA, Amélia Soares da. Op. cit., pág. 129. 9 SILVA, Holden Macedo da. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Brasília: Fortium, 2007, pág. 42/48. 10 MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e específicas relativas à organização da Defensoria Pública da União, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 161. 11 Em sentido semelhante, o professor Gustavo Corgosinho defende que “o princípio do Defensor Público Natural visa tanto a garantia dos membros da Defensoria Pública e de sua independência funcional, quanto da sociedade, a partir do momento em que a atuação e a intervenção institucional somente ocorrerão em observância a critérios prévios e abstratos”. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 153)
CAPÍTULO 10
GARANTIAS
10.1 DEFINIÇÃO Os membros da Defensoria Pública, por serem agentes políticos, necessitam de mecanismos que possam salvaguardar sua plena liberdade de atuação, evitando que eventuais pressões – internas ou externas – possam prejudicar o exercício imparcial e idôneo de suas atribuições legais. Dentro dessa ordem de ideias, as garantias institucionais caracterizam autêntico instrumento protetivo, que escuda a atuação funcional dos Defensores Públicos e assegura a independência na defesa dos interesses dos assistidos. De acordo com GUILHERME PEÑA DE MORAES, as garantias dos membros da Defensoria Pública “são providências necessárias para assegurar que os Defensores Públicos sejam libertos, de direito e de fato, de indesejáveis pressões ou influências exteriores, ante a natureza peculiar das funções institucionais que lhes são afetas, de molde a que a atuação dos mesmos expresse, unicamente, o exercício pleno e independente das suas atribuições”1. As garantias institucionais não devem ser encaradas como vantagens concedidas aos Defensores Públicos; na verdade, as garantias existem para preservar o próprio interesse público tutelado pela ação eficaz da Defensoria Pública2. Em última análise, portanto, as garantias não existem para beneficiar pessoalmente o Defensor Público, mas para preservar o interesse de toda população necessitada. Por possuírem natureza de normas de ordem pública, as garantias institucionais são cogentes e de aplicação obrigatória, não sendo admissível sua inobservância ou inaplicabilidade por concordância do próprio Defensor Público3. Entretanto, por não constituírem direitos absolutos, as garantias podem ceder espaço em determinadas hipóteses, como será analisado ao longo deste capítulo. Vale o registro de que as garantias são extensivas apenas aos Defensores Públicos em atividade, posto que os Defensores Públicos aposentados, por não integrarem a classe e por estarem incluídos no regime próprio de aposentação, não desempenham as funções institucionais, sequer gozando de atribuição. 10.2 DAS GARANTIAS EM ESPÉCIE A Lei Complementar Federal nº 80/1994 elenca quatro garantias dos membros da Defensoria Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 43, art. 88 e art. 127 da LC nº 80/1994): (i) independência funcional; (ii) inamovibilidade; (iii) irredutibilidade de vencimentos; e (iv) estabilidade. Importante observar que a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a estabilidade possuem sede constitucional, estando previstas respectivamente no art. 134, § 1º, in fine, no art. 37,
XV e no art. 41 da CRFB. No que tange à independência funcional, encontra-se atualmente em trâmite no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição nº 487/2005, que pretende modificar a redação atual do art. 134, § 1º da CRFB e positivar a referida garantia no texto constitucional. Em virtude do princípio da unidade institucional, a Lei Complementar nº 80/1994 não estabeleceu qualquer distinção entre as garantias conferidas aos membros da Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, preservando a equidade entre os diversos ramos da Instituição. Por fim, cumpre salientar que as garantias institucionais são previstas pela Lei Complemental nº 80/1994 de forma meramente enunciativa, não estando excluída a possibilidade de previsão de outras garantias pela legislação estadual. No Estado do Rio de Janeiro, a matéria é regulada de forma atécnica pela Constituição Estadual (arts. 179 e 181) e pela Lei Complementar nº 06/1977 (arts. 82 a 84). 10.2.1 Independência funcional
A primeira garantia que merece nossa atenção é a independência funcional, constante do art. 43, I, do art. 88, I e do art. 127, I da LC nº 80/1994. Talvez a mais importante das garantias institucionais, a independência funcional assegura a liberdade de atuação do Defensor Público no desempenho de suas funções institucionais4. Em virtude dessa garantia, o membro da Defensoria Pública se encontra blindado contra toda e qualquer ingerência externa, podendo atuar com altivez na defesa dos interesses dos juridicamente necessitados. Independentemente da hipótese ou da causa objeto de litígio, a atividade funcional do Defensor Público estará sempre imunizada contra eventuais influências advindas dos poderes públicos ou das grandes empresas privadas. Além disso, o Defensor Público resta protegido de eventuais pressões internas, provenientes do escalão superior da Defensoria Pública. Dessa forma, se entender que deve recorrer de determinada decisão ou que se revela necessário o ajuizamento de determinada demanda coletiva, deverá o Defensor Público fazê-lo independentemente da concordância ou do assentimento dos integrandes da administração superior. A bússola de atuação do Defensor Público deve ser guiada unicamente pela lei, por sua consciência e pelos interesses de seus assistidos5. Sobre o tema, leciona o professor GUSTAVO CORGOSINHO, com sua peculiar didática: A garantia legal da independência funcional do desempenho de suas atribuições opera seus efeitos em dois planos. No plano interno, afastando a possibilidade de qualquer hierarquia do ponto de vista funcional entre os membros da carreira, órgãos de execução, de atuação e, até mesmo, em face dos órgãos da administração superior da Defensoria Pública. Por outro lado, atua também no plano externo, em reforço à autonomia da Instituição, impedindo, desse modo, que qualquer outra autoridade ou organismo público possa exercer ingerência ou interferência externa sobre o Defensor Público, no que diz respeito ao exercício de suas atribuições e competências legais. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 144/145)
Interessante observar que a Lei Complementar nº 80/1994 prescreve textualmente que a garantia representa “independência funcional no desempenho de suas atribuições” (art. 43, I; art. 88, I; e art. 127, I). Essa advertência final possui o objetivo de esclarecer que a independência funcional do Defensor Público resta assegurada no exercício de suas atividades-fim, não subsistindo em relação às atividades puramente administrativas6.
Nesse sentido, se manifesta FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, em obra dedicada ao tema: A Lei Orgânica Nacional prescreve que a garantia exprime a independência funcional no desempenho das funções. A restrição ao desempenho das funções aparenta ter sido uma amostra do excesso de zelo do legislador, uma vez que a garantia da independência funcional somente se justificaria quando o Defensor Público estivesse no exercício das funções institucionais. Não obstante, é possível extrair do texto uma interpretação mais ampla e que acomoda satisfatoriamente a ressalva. A finalidade desta advertência final é a de deixar claro que a independência funcional somente é válida para a atividade-fim do Defensor Público, isto é, para o desempenho da prestação de assistência jurídica integral e gratuita. Logo, em funções que não se traduzem como assistência jurídica – por exemplo, atividades administrativas – não há que se falar em independência funcional. O Defensor Público, por exemplo, tem o dever de prestar informações aos órgãos de administração superior (art. 45, IV – DPU; art. 90, IV – DPDFT; e art. 129, IV – DPE, LC 80/1994), de tal sorte que não pode se escusar deste mister sob a justificativa de que haveria afronta à sua garantia de independência funcional. (LIMA, Frederico Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 385)
É verdade, no entanto, que a independência funcional não é de todo absoluta, encontrando limitações na própria legislação institucional da Defensoria Pública. No Estado do Rio de Janeiro, a independência funcional encontra-se consagrada no art. 179, § 2º, in fine da CERJ. A)
A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTOS INSTITUCIONAIS: Um ponto que merece reflexão, no estudo da independência funcional, diz respeito a adoção de uniformização de entendimentos no âmbito da Defensoria Pública. Estaria o Defensor Público vinculado aos verbetes ou enunciados aprovados pela própria Instituição? Certo é que estamos diante de uma realidade em que o ordenamento jurídico preconiza a uniformidade – vide súmula vinculante, repercussão geral do Recurso Extraordinário, julgamento de recursos repetitivos, improcedência prima facie, súmula impeditiva de recursos, dentre diversos outros mecanismos incorporados ao ordenamento jurídico, em especial no Código de Processo Civil. Caminha-se no sentido de que o Direito deve buscar ser o mais uniforme possível, prestigiandose a linha de pensamento dos países da Common Law, onde é adotado o sistema de precedentes. Neste contexto, parece-nos salutar admitir que a independência funcional seja relativizada neste ponto, de modo que, em determinadas situações, deva o Defensor Público seguir entendimento consubstanciado em enunciado aprovado pela categoria. Todavia, duas observações importantes merecem ser realizadas. A primeira delas consiste no fato de que o enunciado a ser aplicado deve gozar de legitimidade dentro da Instituição. Mas o que consistiria a legitimidade? Exatamente a aprovação do enunciado mediante ampla discussão perante a classe, a fim de permitir a apresentação de críticas e o amoldamento da melhor redação possível ao texto final. A edição de um verbete elaborado na solidão de gabinetes ou com a participação de reduzido número de Defensores Públicos não confere a necessária legitimidade ao texto e sequer deve ser aplicado no âmbito da Instituição. Quando do estudo da teoria dos precedentes, é possível constatar que a solidez da regra do stare decisis pressupõe a existência de uma quantidade razoável de decisões a respeito daquela matéria que permitam inferir que a questão foi amplamente debatida e analisada. Um precedente baseado em uma única decisão ou um precedente baseado em decisões antigas não é relevante7.
Adaptando essa lição para a realidade das orientações administrativas da Defensoria Pública, podemos concluir que a adoção de verbetes que estabeleçam determinados parâmetros de atuação exigirá intenso debate no âmbito da classe, com a ampla participação dos membros da Instituição, devendo ser evitada a edição de enunciados redigidos na solidão de gabinetes. Apenas assim poderemos garantir que a orientação consolidada no enunciado reflita o pensamento geral e uniforme da maioria dos integrantes da Defensoria Pública. Além disso, em uma segundo ponto, há que se observar o que podemos denominar de “eficácia positiva do enunciado”. Em outras palavras, para que o enunciado mereça aplicação, ainda que em desacordo com a convicção pessoal do Defensor Público, faz-se necessário que o texto do verbete exprima uma orientação favorável ao hipossuficiente. Com isso, será possível garantir que a atuação institucional padronizada pelo enunciado esteja sempre direcionada para a finalidade constitucional da Defensoria Pública, assegurando a perpétua e incondicional defesa dos direitos dos hipossuficientes econômicos. Desse modo, quando o enunciado firmar orientação prevendo que determinada situação abstrata se enquadra no perfil de atendimento da Defensoria Pública, não será possível ao Defensor recusar cumprimento ao verbete em razão de entendimento pessoal contrário ao enunciado, pois tal conduta geraria prejuízo ao assistido. Por exemplo, caso o enunciado fixe o parâmetro de 4 salários mínimos como presunção objetiva de elegibilidade para os atendimentos prestados pela Defensoria Pública, não poderá o Defensor Público de determinado órgão se recusar a atender àqueles que se enquadrem nesse patamar, alegando que possui entendimento pessoal no sentido de que apenas seriam hipossuficientes aqueles que recebam até 2 salários mínimos. Por outro lado, quando se aprova um enunciado reconhecendo que determinadas situações não se enquadram no perfil assistencial da Defensoria Pública, autorizando a recusa de atendimento por parte do Defensor, estaremos diante de verbete prejudicial. Nesse caso, deverá prevalecer a independência funcional do Defensor Público, que poderá recusar aplicabilidade ao enunciado e prestar regularmente o serviço jurídico-assistencial, caso entenda que a situação concreta represente hipótese de atuação institucional. No exemplo acima citado, mesmo que o enunciado fixe o parâmetro de 4 salários mínimos como presunção objetiva de elegibilidade, poderá o Defensor Púbico realizar o atendimento daqueles que possuírem renda superior, caso entenda necessária a atuação da Defensoria Pública no caso concreto8. Conclui-se, portanto, que a “eficácia positiva do enunciado” buscará sempre a mais ampla consecução da finalidade institucional da Defensoria Pública, impedindo que a uniformização de entendimentos venha a prejudicar a ampla e integral proteção dos interesses dos hipossuficientes. É verdade, no entanto, que quando edita-se enunciado no sentido de ser recomendada a adoção de determinada tese jurídica ou utilização de determinado instrumento jurídico, parece-nos que o Defensor Público não estará vinculado a sua observância, posto que a referida orientação não referese a hipótese de atuação da Instituição, mas sim a uma estratégia de trabalho. Nessa hipótese, portanto, poderá o Defensor Público se valer de sua independência funcional e assumir posição diversa, desde que sua conduta atenda à finalidade constitucional da Defensoria Pública e esteja embasada por motivação idônea. No âmbito da Defensoria Pública da União a Portaria nº 560/2007, editada pelo Defensor
Público Geral Federal, criou as Câmaras de Coordenação, órgãos da estrutura da Defensoria Pública afetos à uniformização da atuação institucional, cuja regulamentação ficou a cargo da Resolução nº 33/2009. Recentemente o Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro editou a Resolução DPGE nº 593, de 12 de agosto de 2011, tratando do procedimento para a aprovação de “Enunciados de Recomendação” propostos e aprovados pelos Defensores Públicos após debates em reunião própria. De acordo com a referida resolução, os enunciados devem objetivar a homogeneidade de atuação, a simplificação e a celeridade dos atendimentos recorrentes que versem sobre questões com fundamento em idêntica questão de Direito, além de direcionar entendimentos sobre temas ainda não pacificados pelo tribunal local e pelos Tribunais Superiores, tudo isso com base na demanda extraída da prática de atuação dos Defensores Públicos. O enunciado será constituído através de uma ementa construída a partir de julgados e excertos doutrinários, sendo certo que seu teor não influenciará a independência funcional do membro da Defensoria Pública. É importante que a Defensoria Pública fortaleça o tema atinente à uniformidade de entendimentos, assim como já faz o Ministério Público9, em vistas a assegurar uma maior tranquilidade ao Defensor Público no dia a dia de seu órgão de atuação, ao mesmo tempo em que facilita ao assistido o acesso à justiça evitando posturas institucionais não uniformes. B)
A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E A ATUAÇÃO EM ÓRGÃOS ESPECIALIZADOS DE COMPOSIÇÃO COLETIVA: Não podemos nos furtar a abordar a questão atinente a dimensão do princípio da independência funcional do Defensor Público quando em atuação nos órgãos de composição coletiva, também conhecidos como núcleos temáticos. Como é cediço a Defensoria Pública pode ter sua estrutura de órgãos de atuação dividida em núcleos, nos termos do art. 16 da Lei Complementar nº 80/1994. Esta divisão é realizada pelo Defensor Público Geral que observará os critérios de oportunidade, conveniência e, principalmente, demanda de atendimentos com o fim de aprimorar a atuação da Defensoria Pública. Via de regra, os núcleos se prestam a realização de atendimentos extrajudiciais, conciliação, mediação e elaboração de petições iniciais dos assistidos da Defensoria Pública, salvo se de outro modo for tratada a disciplina no âmbito da Instituição. Cada núcleo será dividido em diversos órgãos de atuação com atribuições específicas estabelecidas por atos normativos da Defensoria Pública, sob o comando de um Defensor Público Chefe10, que coordenará as atividades do órgão, nos termos do art. 16 da Lei Complementar nº 80/1994, no que se refere à Defensoria Pública da União. Em relação à Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, o art. 6311 da LC nº 80/1994 estabelece atribuições diversas aos Defensores Públicos que ocupam os cargos de chefia. No âmbito dos Estados, a Lei Complementar nº 80/1994 não teceu grandes considerações acerca da matéria, deixando que cada ente federativo se organizasse de acordo com as suas peculiaridades. Entretanto, o art. 107 da LC nº 80/1994 ressalvou a possibilidade de as Defensorias Públicas Estaduais atuarem por intermédio de núcleos ou núcleos especializados, dando-se prioridade, de todo modo, às regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. No Estado do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública possui os núcleos de primeiro atendimento e
os núcleos temáticos12, com atribuições específicas estabelecidas por Resoluções editadas pelo Defensor Público Geral e aprovadas pelo Conselho Superior da Defensoria Pública. Os núcleos de primeiro atendimento, em regra, são lotados por um único Defensor Público, que gozará de toda a sua independência funcional durante o exercício de suas atribuições. Entretanto, nos núcleos temáticos a questão apresenta-se controversa. Atualmente, os núcleos temáticos são compostos por um Defensor Público coordenador, cargo este de livre nomeação e exoneração do Defensor Público Geral, e pelos Defensores Públicos titulares dos órgãos do respectivo núcleo. Enquanto o coordenador tem o dever de representar e traçar as diretrizes de atuação do núcleo temático, a fim de solucionar as questões enfrentadas pelo dia a dia da Defensoria Pública, cabe aos demais Defensores Públicos realizarem as atribuições diárias do órgão especializado. Pois bem, diante dessa pequena digressão surge a seguinte indagação: a independência funcional de que o Defensor Público do núcleo de primeiro atendimento dispõe é equivalente a do Defensor Público titular de núcleo temático? A prática revela que não. No cotidiano institucional, a avaliação de estratégias de atuação do núcleo temático pressupõe o aval do coordenador, posto que o núcleo temático, em sua essência, é um órgão de natureza política, cujo objetivo, em grande parte, é a tutela de direitos coletivos. Aliás, no seio da Defensoria Pública da União está concepção é bem clara, posto que o art. 15, inciso I da Lei Complementar nº 80/1994 confere ao Defensor Público Chefe do Núcleo o poder de coordenar as atividades desenvolvidas pelos Defensores Públicos Federais que atuem em sua área de competência13. A primazia da tutela de direitos coletivos é o foco central do núcleo temático, tanto que a atribuição para o atendimento individual dos assistidos é concorrente com os núcleos de primeiro atendimento, salvo se de outro modo dispuserem as normas administrativas da Defensoria Pública. Neste contexto, cabe ao coordenador traçar as diretrizes de atuação do núcleo temático. Indicada a possibilidade de atuação é que caberá ao próprio Defensor Público, a partir de sua independência funcional, adotar os mecanismos e instrumentos necessários para tutela dos direitos perseguidos. Todavia, a avaliação da pertinência ou não da atuação restringe-se ao juízo de valor do coordenador do núcleo temático, como forma de resguardar a primazia da atuação destes órgãos. É verdade, também, que esta avaliação acaba sendo direcionada pela administração superior e pelo próprio Defensor Público Geral, que realiza a escolha e a nomeação do coordenador do órgão especializado. Em princípio, esse quadro não gera prejuízos para o adequado desempenho das funções institucionais atribuídas aos núcleos temáticos, desde que que as diretrizes políticas traçadas pelo coordenador estejam alinhadas com a finalidade institucional da Defensoria Pública. Entretanto, não se pode admitir que esse mecanismo de direcionamento funcional sirva para desviar a atuação sobre determinadas áreas sensíveis, como forma de privilegiar aqueles que pretendem conservar o estado social desigualitário presente. Basta imaginarmos situação em que o Governador do Estado pressione o Defensor Público Geral a não ajuizar determinada demanda que possa contrariar os interesses estatais. Se o Defensor Público Geral assim agir e orientar o coordenador do núcleo temático a não atuar em determinado caso, sob
pena de ser destituído da coordenação, estaremos diante de uma conduta incompatível, capaz de permitir à própria classe avaliar a necessidade de destituição do Defensor Público Geral, nos termos do art. 7º, § 6º, III, da LC nº 06/197714. Além disso, em virtude da manifesta ilegalidade da conduta externada pelo Defensor Público Geral e pelo coordenador do núcleo temático, poderão (rectius, deverão) os Defensores Públicos titulares do órgão especializado ignorar as diretrizes de atuação traçadas pela coordenação e garantir a tutela dos direitos dos hipossuficientes econômicos lesados. Como forma de prevenir a ocorrência de influências políticas negativas e de garantir a liberdade de atuação dos núcleos temáticos, atualmente tem sido ventilada a possibilidade de implementação de eleição para os cargos de coordenadores, que seriam escolhidos pelos próprios membros da Defensoria Pública. 10.2.2 Inamovibilidade
De acordo com o art. 134, § 1º da CRFB, a Defensoria Pública deve ser organizada por Lei Complementar, sendo “assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade”. Em cumprimento ao dispositivo constitucional, a Lei Complementar nº 80/1994 formalizou a previsão da inamovibilidade em relação aos membros da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados, nos arts. 43, II, 88, II e 127, II, respectivamente. Em linhas gerais, a garantia da inamovibilidade consiste na vedação da remoção involuntária do Defensor Público em exercício de titularidade em determinado órgão de atuação. Por conta dessa garantia, o membro da Defensoria Pública tem assegurada a permanência no órgão em que se encontra lotado, restando protegido contra eventuais ingerências políticas que poderiam maliciosamente tencionar seu afastamento compulsório como forma de retaliação ou para obstaculizar o trabalho desenvolvido na defesa dos menos favorecidos15. Já houve previsão legislativa no sentido de equiparar a classe da categoria da Defensoria Pública de acordo com o nível da Comarca. Logo, o Defensor Público de 2ª categoria, quando promovido a Defensor Público de 1ª categoria também sofria remoção de sua comarca, a fim de adaptar seu órgão de atuação à promoção funcional obtida. A revogada previsão legal deste sistema culminava em verdadeira maquiagem a possível violação ao princípio da inamovibilidade, pois era permitido que se conferisse promoção ao Defensor Público com o fim de afastá-lo da comarca onde o mesmo atua. Como observa Silvio Roberto, “seria, portanto, uma punição disfarçada de prêmio”16. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona o professor SILVIO ROBERTO MELLO MORAES, de maneira didática e inspiradora: A garantia da inamovibilidade foi outorgada aos Defensores Públicos pela própria Constituição Federal (art. 134, parágrafo único) e é de suma importância para a independência funcional dos mesmos, uma vez que os coloca a salvo de eventuais ingerências políticas das quais poderiam ser vítimas ao se digladiar com poderosos em defesa dos interesses daqueles menos favorecidos. Além disto, não raras vezes, o Defensor Público contraria interesses de pessoas jurídicas de direito público, em razão da propositura de ações civis públicas, ações populares, mandados de segurança, etc., despertando o interesse das autoridades atingidas pelo resultado desfavorável das medidas judiciais, na remoção do Defensor Público de seu órgão de atuação ou até mesmo da Comarca em que atua, como forma de vingança e paralisação do trabalho que vinha desempenhando em prol da população. Em boa hora, pois, o constituinte estendeu aos Defensores Públicos tal garantia (já existente para os magistrados e agora também presente para os membros do Ministério Público), que reverter-se-á em proveito do povo, podendo este contar com um Defensor Público mais independente e aguerrido. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da
Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 80)
A garantia da inamovibilidade deve ser compreendida em sentido amplo, restando vedada não só a remoção de uma comarca para a outra, mas também de um órgão para outro, ainda que situado na mesma comarca ou nas dependências do mesmo fórum17. Além disso, não pode o Defensor Público ser involuntariamente removido do órgão de atuação em virtude de eventual promoção na carreira. Se essa hipótese fosse admitida, estaria aberta a possibilidade de violação maquiada da garantia da inamovibilidade, pois o membro da Defensoria Pública poderia ser afastado do órgão onde se encontra lotado por força da elevação à categoria superior na carreira; seria uma espécie de punição disfarçada de prêmio18. Justamente para evitar essa hipótese velada de violação à inamovibilidade, os arts. 32, 77 e 116, § 1º da LC nº 80/1994 preveem que as promoções serão sempre facultivas, não sendo possível compelir o Defensor Público a aceitar o cargo superior19. Devemos observar, ainda, que a garantia da inamovibilidade não deve ser compreendida sob uma perspectiva meramente física ou espacial. Além de assegurar a permanência do Defensor Público no órgão de atuação, a inamovibilidade deve também garantir a preservação das características intrínsecas do órgão ocupado, evitando que o conjunto de atribuições a serem desempenhadas pelo titular do órgão seja suprimido ou esvaziado20. Questão extremamente controvertida, entretanto, tem sido determinar se a garantia da inamovibilidade teria caráter absoluto ou relativo. De acordo com uma primeira corrente doutrinária, o art. 134, § 1º da CRFB não teria estabelecido qualquer espécie de restrição à inamovibilidade dos membros da Defensoria Pública, ao contrário do que ocorre em relação aos magistrados e membros do Ministério Público, para os quais a Constituição Federal previu a possibilidade de remoção compulsória “por motivo de interesse público” (art. 95, II e art. 128, § 5º, I, b da CRFB). Como o constituinte originário não estabeleceu qualquer espécie de ressalva à inamovibilidade dos Defensores Públicos, a garantia teria natureza absoluta, não podendo ser afastada ou excepcionada em nenhuma hipótese e sob nenhuma circunstância. Dentro dessa ordem de ideias, os arts. 8º, XVII, 34, 36, 50, § 1º, III e § 4º, 56, XVII, 79, 81, 95, § 1º, III e § 4º, 118, 120 e 134, § 1º da LC nº 80/1994, que preveem a remoção compulsória dos membros da Defensoria Pública, seriam todos materialmente inconstitucionais, por violarem o disposto no art. 134, § 1º da CRFB21. Adotando esse posicionamento, temos a sempre relevante posição de SILVIO ROBERTO MELLO DE MORAES, em memorável artigo publicado na Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: Deve-se ressaltar que a garantia em destaque não apresenta a ressalva constante dos artigos 95, II e 128, parágrafo 1º, b, ambos da Constituição Federal e dirigidos, respectivamente, aos Magistrados e membros do Ministério Público. Isto nos conduz, a princípio, à conclusão de que a garantia da inamovibilidade prevista para os membros da Defensoria Pública é absoluta, ao contrário do que sucede com os Magistrado e Promotores, para os quais é relativa. Realmente, quisesse o legislador constituinte objetivo diferente teria, simplesmente, repetido a ressalva constante dos dispositivos pré-citados. Se assim não procedeu, é porque teve como escopo não admitir qualquer ressalva à garantia em foco. Assim, se não o fez, não há como admitirmos que o faça o regramento infraconstitucional. A garantia da inamovibilidade do membro da Defensoria Pública é absoluta, não podendo ser afastada, nem mesmo por interesse público. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. A garantia da inamovibilidade dos membros da Defensoria Pública, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 45)
Do mesmo modo, se posicionam os professores CLÉBER FRANCISCO ALVES e MARÍLIA GONÇALVES PIMENTA, em obra dedicada ao tema: A remoção compulsória prevista no artigo 50, § 1º, III da LC nº 80/1994 é inconstitucional visto que a Constituição da República estabelece a inamovibilidade como garantia do Defensor Público, não prevendo nenhuma exceção para tal. Referida garantia exclui, também, os agentes políticos de qualquer ingerência em sua atuação. Assim, ao contrário da garantia dada ao Ministério Público e Magistratura, para os quais a Constituição permite a remoção em caso de interesse público, a inamovibilidade dada à Defensoria Pública é absoluta. (ALVES, Cléber Francisco. PIMENTA, Marília Gonçalves Pimenta. Acesso à Justiça em preto e branco: retratos Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 114)
Por outro lado, uma segunda corrente doutrinária sustenta que a garantia da inamovibilidade teria caráter relativo, haja vista a inexistência de poderes absolutos no atual Estado Democrático de Direito. Embora o art. 134, § 1º da CRFB não tenha traçado nenhuma restrição à inamovibilidade dos membros da Defensoria Pública, o dispositivo teria remetido à legislação infraconstitucional o dever de regulamentar a matéria. Dessa forma, não haveria nenhuma inconstitucionalidade na previsão legal de remoção compulsória pela Lei Complementar nº 80/1994 ou pela legislação estadual pertinente; haveria apenas o exercício, pela legislação infraconstitucional, do poder regulamentador conferido pelo art. 134, § 1º, da CRFB. Nesse sentido, defende a abalizada doutrina do professor GUSTAVO CORGOSINHO, in verbis: Entendemos que nenhum princípio ou garantia pode ser tido como absoluto em si mesmo e que a interpretação das normas constitucionais deve considerar todo o conjunto de normas de integração e regras presentes na Carta Fundamental. Dessa forma, consideramos plenamente aplicáveis as exceções estabelecidas tanto na LONDEP, quanto pela Lei Orgânica da Defensoria Pública Mineira, haja visto que foi a própria Constituição Federal que expressamente legitimou o legislador infraconstitucional a editar Lei Complementar para a finalidade de organizar a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal, e também para prescrever as normas gerais para a sua organização nos Estados. (…) Assim sendo, consideramos que a garantia da inamovibilidade do Defensor Público não é absoluta, sendo aplicáveis as exceções expressamente estabelecidas na Lei Orgânica da carreira, notadamente a remoção compulsória a bem do interesse público, em razão de falta grave, cuja repercussão inviabilize a permanência do membro da carreira no órgão de atuação, havendo, evidentemente, verdadeira inconstitucionalidade na eventualidade de uma tentativa de ampliar o rol de ressalvas estabelecidas pelo regime jurídico institucional, por qualquer outra norma. (CORGOSINHO, Gustavo. Op. cit., pág. 148/150)
Em sentido semelhante, sustentando a possibilidade de restrição à garantia da inamovibilidade pela legislação infraconstitucional, o professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA se posiciona da seguinte forma: Apesar da extensa doutrina partidária da inamovibilidade em caráter irrestrito, não parece ter sido esse o intento constitucional. É que o § 1º do art. 134 da Constituição é uma norma que traça contornos para a criação de outra norma, na qual serão esboçadas garantias e vedações mínimas. Ela não dispõe do mesmo caráter de definitividade que possuem os mandamentos constitucionais pertinentes à Magistratura e ao Ministério Público, os quais, por terem disciplina exaustiva, não permitem que sejam diminuídos ou alargados por regulamentação infraconstitucional. A Lei Complementar que cumprir o comando do art. 134, § 1º, tem a missão de (pelo menos) positivar a garantia da inamovibilidade e, em contrapartida, também deve (pelo menos) vedar o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Essas foram as duas missões mínimas atribuídas ao legislador infraconstitucional. Se o silêncio constitucional permite inferir que a inamovibilidade é irrestrita, também se deveria entender, por coerência, que a prática da advocacia seria a única vedação imposta aos Defensores Públicos. Isto porque o texto constitucional alude somente a ela como vedação – e, como é consabido, normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente. Por essa razão, o impedimento ao exercício da atividade político-partidária, ao exercício do comércio e ao recebimento de honorários, percentagens ou custas processuais, todos adotados exclusivamente pela Lei Complementar nº 80/1994, violariam a Constituição, que somente instituíra uma única vedação. Mas não é esse, paradoxalmente, o entendimento que prevalece. Não com relação às vedações. A doutrina que se debruça sobre
o tema não sustenta que as demais proibições impostas pela Lei Complementar sejam inconstitucionais, ainda que a Constituição tenha se referido a somente uma delas – vedação do exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. A Constituição, a rigor, não garantiu a inamovibilidade irrestrita, nem tampouco instituiu a vedação ao exercício da advocacia como única proibição. Ela apenas definiu que tais medidas – uma positiva, outra negativa – deveriam ser obrigatoriamente reguladas por Lei Complementar. E tanto o foi que várias outras garantias e várias outras vedações foram inseridas na Lei Complementar. A independência funcional, por exemplo, é garantia legal, mas não é constitucional. A vedação ao exercício de atividade político-partidária é vedação legal, mas não é de índole constitucional. Assim, ao contrário do Ministério Público e da Magistratura, que possuem uma normatização definitiva, e que, portanto, não permite a ampliação ou a restrição além das balizas que foram estabelecidas na Constituição, para a Defensoria Pública a regra é que a garantia da inamovibilidade foi assegurada pelo art. 134, § 1º, mas cuja regulamentação competiria à Lei Complementar. A critério do legislador infraconstitucional, a inamovibilidade poderia possuir caráter absoluto; mas, por igualdade de razões, também poderia sofrer restrições, desde que tais medidas não a esvaziassem. (LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 391/392) 10.2.3 Irredutibilidade de vencimentos
A irredutibilidade de vencimentos constitui garantia geral, estendida a todos os servidores indistintamente, nos termos do art. 37, XV da CRFB. Em relação aos membros da Defensoria Pública, a garantia possui previsão legal específica, estando assegurada nos arts. 43, III, 88, III e 127, III da LC nº 80/1994. Apesar da imprecisão conceitual, por vencimentos costuma-se entender a soma da remuneração básica devida ao agente pelo exercício da função pública, acrescida das demais vantagens, de ordem pessoal ou não, a que faça jus, consoante a lei de regência22. O postulado constitucional da irredutibilidade de vencimentos traduz modalidade qualificada e específica da garantia constitucional do direito adquirido, assegurando ao membro da Defensoria Pública a preservação do montante global remuneratório até então percebido23. Em outras palavras, a garantia impede que o Poder Público venha a adotar medidas que importem na diminuição do valor nominal remuneratório devido aos Defensores Públicos, proibindo a subtração daquilo que já se tem em função do que prevê o ordenamento jurídico24. Essa especial proteção de caráter financeiro busca preservar a plena liberdade de atuação do Defensor Público na defesa dos interesses dos necessitados, prevenindo a ocorrência de coações econômicas e de retaliações pecuniárias, por conta do natural afrontamento aos interesses dos detentores dos cargos políticos e dos grandes empresários que financiaram suas campanhas eleitorais. Importante observar que a garantia da irredutibilidade tem sido interpretada de forma meramente literal, impedindo unicamente a redução nominal do valor dos vencimentos. De acordo com a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, a simples condição de destinatário da garantia constitucional não assegura ao beneficiário o direito ao reajuste automático dos vencimentos, como simples decorrência da desvalorização da moeda provocada pela inflação25. In verbis: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. VENCIMENTOS. REVISÃO PARA COMPENSAR DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O entendimento pacificado nesta Corte é de que a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos não inclui a revisão para corrigir efeitos da desvalorização da moeda. 2. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – Segunda Turma – AI nº 284999 AgR/SP – Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, decisão: 14-11-2000) CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. VENCIMENTOS. REAJUSTE.
LEI ESPECÍFICA. O princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos não possibilita, sem lei específica, reajuste automático de vencimentos, como simples decorrência da desvalorização da moeda, provocada pela inflação. Precedentes. (STF – Segunda Turma – AI nº 490396 AgR/SP – Relator Min. CARLOS VELLOSO, decisão: 16-11-2004) A garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos impede que ato superveniente do Estado afete, reduza ou suprima o direito ao estipendio que já se incorporara ao patrimônio jurídico do servidor público. A só condição de destinatário da proteção constitucional não basta para conferir ao beneficiário dessa expressiva garantia o direito à revisão corretiva dos efeitos nocivos gerados pelo processo inflacionário. Os índices de desvalorização da moeda não geram direito, ação e pretensão a revisão automática dos valores remuneratórios pagos a servidores públicos, pois esses reajustamentos não constituem decorrência necessaria da cláusula constitucional institutiva da garantia de irredutibilidade de vencimentos. Precedentes. (STF – Primeira Turma – RE nº 140768/DF – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 09-03-1993)
Além disso, a irredutibilidade de vencimentos não abrange o valor dos tributos incidentes sobre os vencimentos, haja vista a indistinção de pessoas na incidência26. O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação às deduções decorrentes de obrigações previdenciárias e de condenações judiciais, como, por exemplo, as correspondentes ao pagamento de alimentos27. A)
A REMUNERAÇÃO DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA: Em matéria de remuneração, a Emenda Constitucional nº 19/1998 realizou a modificação do art. 135 da CRFB, determinando que fosse aplicado aos membros da Defensoria Pública o regime constante do art. 39, § 4º, remetendo à lei específica a disciplina geral da matéria: Art. 135 da CRFB: Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, § 4º. Art. 39 da CRFB: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. (…) § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
Sendo assim, pela conjugação dos dispositivos (art. 135 e art. 39, § 4º), podemos constatar que a remuneração dos membros da Defensoria Pública passou a adotar o regime de subsídios, sendo constitucionalmente abolida a disciplina dos vencimentos. De acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio dos pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie”28. Com isso, a remuneração de determinados cargos se torna mais visível e controlável, evitando o recôndito regime vencimental composto pelo somatório de parcelas distintas. A rigor, portanto, após a Emenda Constitucional nº 19/1998 não mais subsistiria a garantia da irredutibilidade de vencimentos em relação aos Defensores Públicos; na verdade, haveria a irredutibilidade de subsídios (art. 37, XV c/c art. 135 e art. 39, § 4º da CRFB). Importante observar, entretanto, que a Emenda Constitucional não modificou automaticamente o regime de remuneração dos membros da Defensoria Pública, tendo sido determinado pelo art. 37, X da CRFB que os subsídios referidos no art. 39, § 4º apenas poderiam ser fixados ou alterados por lei específica.
Sendo assim, como cada ente federado é responsável por produzir a lei correspondente aos seus servidores, o sistema de vencimentos permanece em vigor em algumas Defensorias Públicas, sendo aguardada a edição da norma regulamentadora para que seja definitivamente implementado o regime de subsídios. No que tange ao limite remuneratório, o art. 39, § 4º, in fine determina que seja aplicada a disciplina constante do art. 37, XI, que estabelece: Art. 37 da CRFB: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.
Dessa forma, a remuneração dos membros da Defensoria Pública da União possui como teto os subsídios mensais dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Em relação aos membros da Defensoria Pública dos Estados e do Distrito Federal, o teto remuneratório (ou “subteto”) é traçado pelos subsídios mensais dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, que, por sua vez, não podem exceder a 90,25% do subsídio mensal em espécie dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Essa diferenciação implementada pela Emenda Constitucional nº 19/1998 ocasionou a quebra da isonomia institucional entre os diversos ramos da Defensoria Pública, violando os princípios da igualdade (art. 5º, caput e art. 37, caput da CRFB) e da proporcionalidade (art. 5º, LIV da CRFB). Afinal, estando a Defensoria Pública separada unicamente em virtude da distribuição constitucional de atribuições, constitui verdadeira arbitrariedade a criação de teto remuneratório diferenciado entre os Defensores Públicos Federais e os Defensores Públicos Estaduais. Ao analisar a constitucionalidade da criação de subteto para a magistratura estadual, em valor inferior ao fixado para a magistratura federal, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a diferenciação violaria o caráter nacional e unitário do Poder Judiciário, bem como ofenderia o princípio da isonomia. Por essa razão, o plenário concedeu medida liminar para, conferindo interpretação conforme ao art. 37, XI da CRFB, excluir a submissão dos membros da magistratuta estadual ao subteto remuneratório. In verbis: Magistratura. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12 da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, parágrafo único da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida. Voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho Nacional da Magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal. (STF – Pleno – ADI nº 3.854-1/DF – Relator Min. CEZAR PELUSO, decisão: 28-02-2007)
Com o advento da Emenda Constitucional nº 47/2005, a disciplina do teto e do “subteto” restou
sensivelmente abrandada. De acordo com o art. 37, § 11 da CRFB, “não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”. Dentro do estudo da remuneração dos membros da Defensoria Pública, é relevante consignar, ainda, que a Lei Complementar nº 98/1999 revogou os incisos I a VIII dos arts. 39, 84 e 124 da Lei Complementar nº 80/1994, suprimindo as seguintes vantagens: (i) ajuda de custo para despesas de transporte e mudança; (ii) salário-família; (iii) diárias; (iv) representação; (v) gratificação pela prestação de serviço especial; (vi) gratificação pelo efetivo exercício em local de difícil acesso, assim definido pela lei de organização judiciária. Em relação às Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios, a revogação das referidas vantagens não trouxe grandes consequências. Isso porque os arts. 39, § 2º, e 84, § 2º, da LC nº 80/1994 estende aos seus integrantes os mesmos direitos assegurados na Lei nº 8.112/1990, que possui leque muito mais amplo de vantagens, como se observa pela leitura do art. 49 da citada lei. Por outro lado, em relação às Defensorias Públicas dos Estados, a revogação operada pela LC nº 98/1999 acabou produzindo efeitos negativos. Como o art. 124 da LC nº 80/1994 remete às legislações estaduais a disciplina remuneratória dos integrantes da classe, a supressão de vantagens realizada pela LC nº 98/1999 acabou eliminando o parâmetro mínimo que deveria ser observado pelos Estados. Com isso, cada ente passou a dispor sobre a matéria da maneira que entendesse mais adequado, restando autorizado a ampliar o leque de vantagens ou, simplesmente, a deixar de prevêlas em sua legislação. No Estado do Rio de Janeiro, a disciplina vencimental é regulamentada pelos arts. 88 e seguintes da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, onde se estabelece que a remuneração dos integrantes da classe será realizada por meio de estipêndio, obedecido o teto remuneratório fixado pelo art. 37, XI da CRFB. Entre cada uma das três classes da carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (inicial, intermediária e especial) deverá subsistir uma diferença salarial correspondente à 5%, fixada a partir do patamar da Classe Especial (art. 91). De acordo com o art. 93 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, os membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro terão direito às seguintes vantagens pecuniárias: gratificação de adicional por tempo de serviço, ajuda de custo, diárias, auxílio-doença, salário-família, representação, ajuda de custo para despesa de transporte e mudanças, bem como gratificação por exercício cumulativo de cargos e funções. Além disso, segundo expressamente determina o art. 93, § 3º, outras vantagens não disciplinadas ou não previstas na referida lei poderão ser auferidas pelos membros da Defensoria Pública, inclusive as aplicadas ao funcionalismo em geral. Por fim, o art. 93, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 estabelece que “as verbas de caráter indenizatório não serão objeto de desconto de contribuição previdenciária, nem consideradas para efeitos tributários, na forma da lei”. 10.2.4 Estabilidade
A estabilidade constitui garantia comum a todos os servidores públicos que ingressarem no cargo
por meio de concurso público, nos termos do art. 41 da CRFB. No que tange aos membros da Defensoria Pública, a Lei Complementar nº 80/1994 apenas reforça a garantia, realizando a previsão específica da estabilidade nos arts. 43, IV, 88, IV e 127, IV da LC nº 80/1994. De acordo com o art. 41 da Constituição Federal, “são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. Além disso, para a aquisição da estabilidade é obrigatória avaliação especial de desempenho, por comissão instituída para tal finalidade, nos termos do art. 41, § 4º da CRFB. Depois de adquirida a estabilidade, o servidor público apenas perderá o cargo (i) em virtude de sentença judicial transitada em julgado, (ii) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa e (iii) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, sendo também assegurada ampla defesa (art. 41, § 1º da CRFB)29. Sendo realizada a demissão irregular do servidor estável, “será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço” (art. 41. § 2º da CRFB). A)
DA DIFERENCIAÇÃO TÉCNICA ENTRE ESTABILIDADE E VITALICIEDADE: Embora constituam institutos assemelhados, a estabilidade e a vitaliciedade possuem disciplinas jurídicas próprias e são dotados de particularidades que os diferenciam tecnicamente. A estabilidade é conferida aos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, após três anos de efetivo exercício (art. 41 da CRFB). Adquirida a estabilidade, o servidor público apenas poderá perder o cargo por intermédio de sentença judicial transitada em julgado ou por meio de processo administrativo no qual seja assegurada a ampla defesa. Por outro lado, a vitaliciedade é reservada na Constituição Federal aos membros da magistratura (art. 95, I), aos membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, a) e aos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas (art. 73, § 3º). Para os que gozam de vitaliciedade, adquirida após dois anos de exercício da função pública, a perda do cargo apenas poderá decorrer de sentença judicial transitada em julgado. Existem, portanto, três distinções fundamentais entre a estabilidade e a vitaliciedade: (i) os sujeitos que possuem a garantia; (ii) o prazo de efetivo exercício para a aquisição da garantia; e (iii) o órgão que pode apreciar a situação fática e decretar a perda do cargo. Por fim, cumpre ressaltar que, de acordo com os arts. 43, IV, 88, IV e 127, IV da LC nº 80/1994, os membros da Defensoria Pública gozam da garantia da estabilidade, não possuindo vitaliciedade. B)
A VITALICIEDADE DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: De acordo com o art. 181, I, g da Constituição do Estado do Rio de Janeiro30, “o Defensor Público, após dois anos de exercício na função, não perderá o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado”.
Por prever o prazo de dois anos para a aquisição da garantia e por estabelecer que a perda do cargo apenas seria alcançada por intermédio de sentença judicial transitada em julgado, o dispositivo, na verdade, conferia ao Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro autêntica vitaliciedade. Em virtude desse quadro, o Governador do Estado do Rio de Janeiro ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o fim de ver declarada a invalidade da referida norma, argumentando que o tratamento diferenciado concedido aos Defensores Públicos no que tange às possibilidades de demissões dos estáveis seria absolutamente inconstitucional. Defendendo a constitucionalidade da norma, a Assessoria de Direito Constitucional e de Direito Administrativo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro emitiu histórico parecer, subscrito pela eminente Defensora Pública GLAUCE MENDES FRANCO, sustentando: Se aos juízes e membros do Ministério Público é conferida a garantia da vitaliciedade, pelas mesmas razões deve a Constituição do Estado-membro conferir aos membros da Defensoria Pública a mesma garantia. Vale ressaltar que a defesa dos necessitados, para o cumprimento do democrático privilégio que iguala o acesso ao direito e à Justiça, não pode deixar de possuir, necessariamente, no mínimo as mesmas garantias daqueles outros que defendem a sociedade. Isto, não apenas porque, muitas vezes, confrontam-se nas lides processuais, em polos opostos, Defensores e membros do Ministério Público. Aos menos favorecidos da fortuna e, por isso mesmo, mais desprotegidos, principalmente numa sociedade capitalista, mormente num país como o nosso onde as desigualdades econômicas encontram abissais diferenças, é de se assegurar a defesa desassombrosa que deve ser realizada por aqueles cujas garantias institucionais os preservem das investidas dos poderosos, garantindo-se, assim, por intermédio do Defensor Público, aquele pequenino que é, constitucionalmente, o alvo das suas atribuições. A impossibilidade de perda do cargo a não ser por sentença judicial transitada em julgado iguala os Defensores Públicos aos membros das carreiras assemelhadas, fundamentando-se nas mesmas razões que determinam a existência da garantia, para os demais, da vitaliciedade, a qual não é um privilégio de determinadas classes mas um instrumento a serviço da função que exercem. (FRANCO, Glauce Mendes. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, ano V, n. 6, pág. 315 – emissão do parecer: 02-05-1990)
Ao analisar a questão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu que a estabilidade dos Defensores Públicos a partir de dois anos estaria eivada de inconstitucionalidade, uma vez que o parâmetro atual, traçado pelo art. 41 da CRFB, seria de três anos. Outrossim, a previsão legal de perda do cargo unicamente por intermédio de sentença judicial transitada em julgado restou declarada inconstitucional, ao argumento de que a Constituição Federal teria previsto a possibilidade de exoneração também mediante processo administrativo, assegurada a ampla defesa. In verbis: O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro para declarar a inconstitucionalidade da alínea g, inciso I, do art. 178 (atual art. 181, I, g) da Constituição Estadual, que preve que o Defensor Público, após dois anos de exercício na função, não perderá o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado (…). Considerou-se o advento da EC 19/1998, que ao alterar o art. 41 e respectivos parágrafos, passou a prever a estabilidade de servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público somente após três anos de efetivo exercício, bem como a perda do cargo de servidor público estável tanto por sentença judicial transitada em julgado quanto mediante processo administrativo, assegurada a ampla defesa, e procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, também garantida a ampla defesa. (STF – Pleno – ADI nº 230/RJ – Relatora Min. Cármen Lúcia, decisão: 01-02-2010/Informativo STF nº 573)
Com isso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu ser inconstitucional a previsão de vitaliciedade em relação aos membros da Defensoria Pública, tendo em vista que o tratamento diferenciado afrontaria o art. 41 da CRFB. C)
DA CONTROVÉRSIA ACERCA DO PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO DIANTE DA MODIFICAÇÃO DO ART. 41 DA CRFB PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/1998:
Com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998, a redação original do art. 41 da CRFB restou alterada, sendo ampliado o prazo da estabilidade de dois para três anos. Ocorre que o período de estágio probatório não sofreu qualquer modificação legal própria, subsistindo o prazo de 24 meses previsto no art. 20 da Lei nº 8.112/1990 e em algumas legislações estaduais específicas31. Com isso, teve início intensa controvérsia acerca da aplicabilidade extensiva do prazo estabelecido pelo art. 41 da CRFB também ao estágio probatório, que obrigatoriamente passaria a durar três anos. De acordo com uma primeira corrente, o estágio probatório e a estabilidade seriam institutos jurídicos distintos. O primeiro teria o objetivo de aferir a aptidão vocacional e a capacidade do servidor para ocupar determinado cargo público; o segundo constituiria garantia constitucional de permanência no serviço público. Dessa forma, não seria aplicável ao estágio probatório a dilação temporal implementada em relação à estabilidade pela Emenda Constitucional nº 19/1998. Seguindo essa linha de raciocínio, alguns julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça chegaram a reconhecer a inaplicabilidade do prazo trienal previsto no art. 41 da CRFB em relação ao estágio probatório: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES PÚBLICOS. ESTÁGIO PROBATÓRIO. ART. 20 DA LEI Nº 8.112/1990. ESTABILIDADE. INSTITUTOS DISTINTOS. ORDEM CONCEDIDA. 1. Durante o período de 24 (vinte e quatro) meses do estágio probatório, o servidor será observado pela Administração com a finalidade de apurar sua aptidão para o exercício de um cargo determinado, mediante a verificação de específicos requisitos legais. 2. A estabilidade é o direito de permanência no serviço público outorgado ao servidor que tenha transposto o estágio probatório. Ao término de três anos de efetivo exercício, o servidor será avaliado por uma comissão especial constituída para esta finalidade. 3. O prazo de aquisição de estabilidade no serviço público não resta vinculado ao prazo do estágio probatório. Os institutos são distintos. Interpretação dos arts. 41, § 4º da Constituição Federal e 20 da Lei nº 8.112/1990. 4. Ordem concedida. (STJ – Terceira Seção – MS nº 9373/DF – Relatora Min. LAURITA VAZ, decisão: 25-08-2004) Estágio probatório e estabilidade são institutos jurídicos distintos. O primeiro tem por objetivo aferir a aptidão e a capacidade do servidor para o desempenho do cargo público de provimento efetivo. O segundo constitui uma garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada àquele que transpôs o estágio probatório. Precedente. O servidor público federal tem direito de ser avaliado, para fins de estágio probatório, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses. Por conseguinte, apresenta-se incabível a exigência de que cumpra o interstício de 3 (três) anos para que passe a figurar em listas de progressão e de promoção na carreira a qual pertence. (STJ – Terceira Seção – MS nº 12397/DF – Relator Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, decisão: 09-04-2008)32
Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que, não obstante constituam institutos jurídicos distintos, o estágio probatório e a estabilidade estariam pragmaticamente ligados, sendo faces da mesma moeda. Por essa razão, o prazo do estágio probatório dos servidores públicos deveria observar a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 19/1998, passando obrigatoriamente a durar o período de três anos. Nesse sentido, leciona o professor JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, in verbis: Tem havido entendimento de que o prazo de três anos para a aquisição da estabilidade no serviço público não está vinculado ao prazo do estágio probatório, o que teria fundamento na interpretação do art. 41, caput e § 4º da CF; desse modo, deveria manterse para o estágio o prazo anterior de dois anos, que continua fixado em algumas normas de estatutos funcionais. Tal entendimento, concessa vênia, é insustentável e incoerente. Primeiramente, não há como desatrelar o prazo da estabilidade do prazo do estágio probatório (nem nunca houve, aliás): se a estabilidade pressupõe a prova de aptidão do servidor, é lógico que essa prova deverá ser produzida no mesmo prazo de três anos. Em segundo lugar, o art. 41, § 4º, inovou apenas na parte que prevê a operacionalização do sistema de prova, para tanto concebendo seja instituída comissão com o fim de proceder à avaliação especial de desempenho do servidor; portanto, nada tem ver com o prazo de estabilidade e do estágio. Por último, deve notar-se que as normas estatutárias que ainda registram o prazo de dois anos de estágio (o que foi feito sob a égide do
mandamento constitucional anterior) estão descompassados com a regra vigente do art. 41 da CF, de imediata aplicabilidade, razão por que não foram recepcionados pelo novo sistema, ou, se se preferir, foram revogados pela norma hoje vigente. O que os entes federativos devem fazer é adequar tais normas à Constituição; enquanto não o fazem, contudo, é claro que prevalece o texto constitucional. Absurdo, porém, é desvincular institutos (estabilidade e estágio probatório) que nada mais são do que faces da mesma moeda. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 597)
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal possuem posicionamento predominante entendendo que, após a Emenda Constitucional 19/1998, o prazo do estágio probatório teria passado para três anos, acompanhando a alteração para aquisição da estabilidade: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF. EC Nº 19/1998. PRAZO. ALTERAÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. OBSERVÂNCIA. I – Estágio probatório é o período compreendido entre a nomeação e a aquisição de estabilidade no serviço público, no qual são avaliadas a aptidão, a eficiência e a capacidade do servidor para o efetivo exercício do cargo respectivo. II – Com efeito, o prazo do estágio probatório dos servidores públicos deve observar a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 19/1998 no art. 41 da Constituição Federal, no tocante ao aumento do lapso temporal para a aquisição da estabilidade no serviço público para 3 (três) anos, visto que, apesar de institutos jurídicos distintos, encontram-se pragmaticamente ligados. III – Destaque para a redação do artigo 28 da Emenda Constitucional nº 19/1998, que vem a confirmar o raciocínio de que a alteração do prazo para a aquisição da estabilidade repercutiu no prazo do estágio probatório, senão seria de todo desnecessária a menção aos atuais servidores em estágio probatório; bastaria, então, que se determinasse a aplicação do prazo de 3 (três) anos aos novos servidores, sem qualquer explicitação, caso não houvesse conexão entre os institutos da estabilidade e do estágio probatório. (STJ – Terceira Seção – MS nº 12523/DF – Relator Min. FELIX FISCHER, decisão: 22-04-2009) Modificando entendimento anterior, a Terceira Seção desta Corte firmou a compreensão de que, não obstante serem institutos distintos, o prazo para a aquisição da estabilidade repercute no do estágio probatório, de forma que reflete neste a alteração trazida pela Emenda Constitucional nº 19/1998, devendo, assim, ser observado, também para o estágio probatório, o período de 3 anos. Mandado de segurança denegado. (STJ – Terceira Seção – MS nº 14274/DF – Relator Min. HAROLDO RODRIGUES, decisão: 09-02-2011) ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19/1998. TRÊS ANOS DE EFETIVO EXERCÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O STJ sufragou o entendimento de que, após a Emenda Constitucional 19/1998, o prazo do estágio probatório passou a ser de 3 anos, acompanhando a alteração para aquisição da estabilidade, não obstante tratar-se de institutos distintos. Precedentes. 2. Agravo Regimental desprovido. (STJ – Quinta Turma – AgRg no REsp nº 1172008/RS – Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, decisão: 22-03-2011)33 Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. Estágio confirmatório de dois anos para Advogados da União de acordo com o art. 22 da Lei Complementar nº 73/1993. Vinculação entre o instituto da estabilidade, definida no art. 41 da Constituição Federal, e o instituto do estágio probatório. Aplicação de prazo comum de três anos a ambos os institutos. Agravo Regimental desprovido. (STF – Pleno – STA nº 269 AgR/DF – Relator Min. GILMAR MENDES, decisão: 04-02-2010) Embargos de declaração em agravo regimental em agravo de instrumento. Vinculação entre o instituto da estabilidade, definida no art. 41 da Constituição Federal, e o do estágio probatório. Aplicação de prazo comum de três anos a ambos os institutos. Precedentes. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes. (STF – Segunda Turma – AI nº 754802 AgR-ED/DF – Relator Min. GILMAR MENDES, decisão: 07-06-2011)
10.3 LEGITIMIDADE PARA DEFESA JUDICIAL DAS GARANTIAS Não obstante as garantias dos membros da Defensoria Pública estejam expressamente asseguradas na Constituição Federal, na Lei Complementar nº 80/1994 e nas leis estaduais específicas, a experiência nos revela serem extremamente habituais as condutas que tencionam profanar esse conjunto de normas protetivas.
Nesses casos, é importante determinar quem seriam os sujeitos legitimados a pleitear judicialmente a defesa das garantias institucionais. Sem dúvida alguma, o Defensor Público, em nome próprio, se encontra autorizado a buscar a tutela jurisdicional no caso de violação das garantias que lhe são inerentes. Além disso, a própria Defensoria Pública, institucionalmente considerada, poderá pleitear a defesa judicial das garantias, seja quando a violação atingir globalmente a entidade, ou quando focalizar indivíduo determinado. Afinal, sendo a Defensoria Pública una e indivisível, o injusto praticado contra um de seus membros representa ameaça contra todos os demais, emergindo o interesse institucional em assegurar o respeito incondicional e irrestrito às garantias. Relevante observar, nesse ponto, que em se tratando de violação praticada por integrantes do poder público ou membros de outras instituições, afigura-se plenamente possível a atuação judicial disjuntiva e concorrente tanto do Defensor Público como da própria Defensoria Pública. No entanto, quando se tratar de violação cometida pela própria Defensoria Pública, evidentemente a legitimidade para a defesa judicial das garantias pertencerá unicamente ao Defensor Público. Do contrário, subsistiria nítida ocorrência de conflito de interesses, havendo a absurda situação em que a Defensoria Pública litigaria contra si mesma, a respeito de matéria interna corporis34. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – XVII CONCURSO): Inconformado com a postura ideológica de determinado Defensor Público, titular do Núcleo onde é combativo e dedicado a seus assistidos, o Defensor Público Geral do Estado, com velado propósito de retaliação, determina, por iniciativa própria, a sua remoção para outro órgão de atuação, alegando motivos de ordem institucional. Em face da legislação aplicável, redija parecer fundamentado a respeito do ato supra, indicando a medida cabível no caso. Questão 02 (DPGE/CE – 2007): Em relação à Defensoria na Constituição Federal de 1988, julgue os itens que se seguem. (A) O Defensor Público é remunerado por meio de subsídio. (B) Aos Defensores Públicos é assegurada a garantia da inamovibilidade. Questão 03 (DPGE/MG – 2009): Assinale a opção correta acerca das disposições da Lei Complementar Estadual nº 65/2003: (A) Os membros da DPMG adquirem a garantia da estabilidade após três anos de exercício, não podendo perder o cargo a não ser após regular processo administrativo-disciplinar, no qual lhes seja garantida ampla defesa. (B) O membro da DPMG poderá ser removido compulsoriamente do cargo ou função, por motivo de interesse público, mediante decisão do Conselho Superior, por voto de dois terços de seus membros, desde que assegurada a ampla defesa. Pode ainda ser removido voluntariamente através de requerimento direcionado para o Conselho Superior.
(C) Os Defensores Públicos de primeira classe são agentes que atuam em primeira instância, não podendo propor ações diretamente nos tribunais, pois tratando de competência originária dos tribunais, tais ações devem ser propostas por Defensores Públicos que atuam em segunda instância. (D) Ao Conselho Superior compete decidir, pelo voto da maioria de seus integrantes, sobre a avaliação e a permanência na carreira dos membros da DPMG em estágio probatório. (E) Ao Corregedor-Geral compete baixar instruções, sem caráter vinculativo e no limite de suas atribuições, visando à regularidade e ao aperfeiçoamento das atividades da Defensoria Pública, bem como à independência funcional de seus membros. Questão 04 (DPGE/ES – 2009): Julgue as assertivas abaixo: (A) Após três anos de efetivo exercício, é assegurada a estabilidade aos Defensores Públicos do estado, que somente perderão o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, mediante processo administrativo em que lhes seja assegurada ampla defesa, por ato do Defensor Público Geral do estado, ou em virtude da reprovação no procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, facultados, igualmente, a ampla defesa e o contraditório. (B) A garantia assegurada constitucionalmente da inamovibilidade do Defensor Público não só tutela afastamento da comarca ou seção jurisdicional onde exerce suas funções, como veda a remoção de um órgão ou ofício para outro, dentro da mesma comarca ou seção judiciária, e o afastamento indevido das funções institucionais. (C) A remoção dos Defensores Públicos será feita a pedido ou por permuta, sempre entre membros da mesma categoria da carreira. Ressalva a lei de regência a possibilidade de remoção compulsória, assegurada ampla defesa em processo administrativo disciplinar, a ser aplicada por ato do defensor público geral, sem necessidade de manifestação do Conselho Superior. Questão 05 (DPGE/AM – 2010): São garantias dos membros da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, exceto: (A) estabilidade. (B) inamovibilidade. (C) irredutibilidade de vencimentos. (D) vitaliciedade. (E) independência funcional no desempenho de suas atribuições. MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 269. MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 93. 3 A disciplina dos princípios institucionais integra o ramo do direito público, a medida que suas normas tratam da organização administrativa da Defensoria Pública, além de disposições processuais referentes às atribuições da Instituição. 4 De acordo com Sílvio Roberto Mello Moraes, a independência funcional “é, sem sombra de dúvida, uma das mais valiosas garantias do Defensor Público, pois lhe permite atuar com inteira liberdade, sem sofrer qualquer tipo de censura ou limitação, seja por parte do Chefe da Instituição ou mesmo do próprio Chefe do Poder Executivo ou de qualquer outra autoridade. Age de acordo com a sua consciência e obediente, somente, à lei”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 94) 1 2
O fato de o Presidente da República e o Governador do Estado se sentirem incomodados com a atuação da Defensoria Pública, por exemplo, não pode servir de fator capaz de subtrair ou condicionar o desempenho das funções institucionais pelo Defensor Público. Em verdade, em casos de pressões políticas o Defensor Público Geral, em respeito à independência funcional dos membros da Instituição, sequer deve dar conhecimento ao Defensor Público do órgão de atuação, da compulsão sofrida por parte das demais autoridades, sob pena de prejudicar a atuação institucional. Sem dúvida, o simples apontamento ou comentário acerca da repercussão política possivelmente gerada por determinada medida, quando oriundo do chefe institucional, pode ser mal interpretado pelo Defensor Público em atuação, permitindo que este conclua no sentido de que deva alterar sua postura. Neste contexto, cabe ao Defensor Público Geral o papel de absorver as críticas e incômodos captados em sua atuação administrativa, deixando de repassálas aos membros da Defensoria Pública, a fim de preservar a necessária tranquilidade que deve reger sua atuação funcional. 6 Segundo adverte Guilherme Peña de Moraes, “embora não haja subordinação hierárquica, há hierarquia administrativa. Em outros termos: apesar de não existir submissão escalonar no plano funcional, ocorre, no plano administrativo, sujeição hierárquica do defensor público com relação à chefia ou órgãos de direção superior da Instituição. Posto isto, a hierarquia verificada é, única e exclusivamente, administrativa, quer dizer, o Defensor Público Geral, em razão da autonomia administrativa própria do órgão que comanda, exerce funções de direção e de organização de seus serviços administrativos, nos limites dos poderes a ele conferidos.” (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., 1999, pág. 175) 7 TARUFFO, Michele. Precedente ed esempio nella decisione giudiziaria, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano XLVIII, 1994, págs.19 e ss. 8 Basta imaginarmos a situação em que o assistido encontra-se repleto de dívidas relacionadas a tratamentos médicos e necessita de provimento jurisdicional para compelir plano de saúde a manter o tratamento essencial ao restabelecimento de sua saúde. 9 É comum encontrarmos manifestações do Ministério Público acerca da não intervenção em determinados feitos, tudo com base em enunciados e orientações aprovadas pela Instituição. 10 Art. 15 da LC nº 80/1994: “Os órgãos de atuação da Defensoria Pública da União em cada Estado, no Distrito Federal e nos Territórios serão dirigidos por Defensor Público Chefe, designado pelo Defensor Público Geral, dentre os integrantes da carreira. Parágrafo único. Ao Defensor Público Chefe, sem prejuízo de suas funções institucionais, compete, especialmente: I – coordenar as atividades desenvolvidas pelos Defensores Públicos Federais que atuem em sua área de competência; II – sugerir ao Defensor Público Geral providências para o aperfeiçoamento das atividades institucionais em sua área de competência; III – deferir ao membro da Defensoria Pública da União sob sua coordenação direitos e vantagens legalmente autorizados, por expressa delegação de competência do Defensor Público Geral; IV – solicitar providências correlacionais ao Defensor Público Geral, em sua área de competência; V – remeter, semestralmente, ao Corregedor-Geral, relatório das atividades na sua área de competência.” 11 Art. 63 da LC nº 80/1994: “Os Núcleos da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios são dirigidos por Defensor Público Chefe, designado pelo Defensor Público Geral, dentre integrantes da carreira, competindo-lhe, no exercício de suas funções institucionais: I – prestar, no Distrito Federal e nos Territórios, assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados; II – integrar e orientar as atividades desenvolvidas pelos Defensores Públicos que atuem em sua área de competência; III – remeter, semestralmente, ao Corregedor-Geral, relatório de suas atividades; IV – exercer as funções que lhe forem delegadas pelo Defensor Público Geral.” 12 São núcleos temáticos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: Núcleo de Defesa do Consumidor (NUDECON), Núcleo de Fazenda Pública e Tutela Coletiva, Núcleo de Direitos Humanos (NUDEDH), Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) e Coordenadoria de Regularização Fundiária e Segurança da Posse, Núcleo do Sistema Penitenciário (NUSPEN), Núcleo de Defesas Ambientais (NUDEAMB), Núcleo Especial de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica (NUDEM), Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA), Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (NUDIVERSIS), Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência (NUPED) e o Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa (NEAPI). 13 Registre-se o equívoco do legislador ao se utilizar da expressão “competência”, quando na verdade estamos tratando propriamente de atribuição; em sua essência, a competência pertence aos magistrados. 14 Art. 7º, § 6º da LC nº 06/1977: “O Defensor Público Geral do Estado, assegurada a ampla defesa, poderá ser destituído pelo voto da maioria absoluta da Assembleia Legislativa em caso de abuso de poder, conduta incompatível ou grave omissão nos deveres do cargo e mediante: I – Representação de 1/5 (um quinto) dos Deputados Estaduais; II – Representação do Governador do Estado; III – Representação de 2/3 (dois terços) dos membros, em atividade, da Defensoria Pública.” 15 Segundo Sérgio Luiz Junkes, “a inamovibilidade significa que o Defensor Público só poderá ser removido do órgão em que é titular 5
para outro, da Defensoria Pública, por ato voluntário. Esta garantia visa fortalecer a independência funcional do Defensor Público, uma vez que, mesmo contrariando interesses de terceiro, por mais poderosos que sejam estes, terá a certeza que ingerências alheias não o impedirão de continuar o seu trabalho no órgão em que é titular” (JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o princípio da justiça social, Curitiba: Juruá, 2005, pág. 97). De maneira análoga, o professor Guilherme Peña de Moraes leciona que “a garantia em tela tem por escopo assegurar o exercício das funções institucionais com a necessária independência funcional, de sorte a permitir a livre atuação dos integrantes da Defensoria Pública, sem o temor de eventual remoção por desagrado a quem quer que seja” (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 270/271). 16 MORAES, Silvio Roberto Mello. A garantia da inamovibilidade dos Membros da Defensoria Pública. Revista de Direito da Defensoria Pública. Rio de Janeiro, nº 07, maio de 1995. p. 45 17 “A inamovibilidade significa que o Defensor Público não pode ser removido do seu órgão de atuação contra a sua vontade. Tal garantia permanece, inclusive, dentro da mesma comarca, não podendo o Defensor Público ser removido do órgão de atuação do qual é titular para outro da mesma comarca ou fórum.” (ALVES, Cléber Francisco. PIMENTA, Marília Gonçalves Pimenta. Acesso à Justiça em preto e branco: retratos Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 114) 18 MORAES, Silvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 45. 19 De acordo com os arts. 32, 77 e 116, § 1º da LC nº 80/1994, “é facultada a recusa à promoção, sem prejuízo do critério do preenchimento da vaga recusada”. 20 Em sentido semelhante: GARCIA, Emerson. Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 448. 21 De acordo com Guilherme Peña de Moraes, “no Estado do Rio de Janeiro a tese é reforçada em face da expressa derrogação do art. 45 da Lei Complementar estadual 6, de 12.5.77 – que dispunha acerca da possibilidade de remoção compulsória com fundamento na conveniência do serviço, após representação do Defensor Público Geral ao Governados do Estado –, pelo art. 4º da Lei Complementar estadual 68, de 7.11.90”. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 272) 22 GARCIA, Emerson. Op. cit., pág. 448. 23 STF – Segunda Turma – RE nº 291052 ED/SP – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 12-12-2006. 24 STF – Pleno – ADI nº 2075 MC/RJ – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 07-02-2001. 25 Segundo o professor Sílvio Roberto Mello Moraes, diante do quadro inflacionário do país, seria imprescindível “para a preservação da garantia em foco, a concessão de reajustes automáticos, que acompanhem a desvalorizaçãoo da moeda”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 94) 26 MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit, pág. 274. 27 DALLARI, Adílson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 63. 28 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 267. 29 A Emenda Constitucional nº 19/1998 trouxe outra hipótese excepcional de exoneração do servidor público estável, prevista no art. 169, § 4º da CRFB, para efeitos de controle de despesa de pessoal. 30 As normas da Constituição do Estado do Rio de Janeiro foram renumeradas por força de emenda. 31 No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o art. 58 da Lei Complentar Estadual nº 06/1977 prevê que o estágio confirmatório dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro terá duração de 18 meses. 32 No mesmo sentido: STJ – Terceira Seção – MS nº 12389/DF – Relatora Ministra JANE SILVA, decisão: 25-06-2008 / STJ – Terceira Seção – MS nº 12418/DF – Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, decisão: 23-04-2008 / STJ – Terceira Seção – MS nº 12406/DF – Relator Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, decisão: 09-04-2008. 33 No mesmo sentido: STJ – Quinta Turma – REsp nº 1120190/SC – Relatora Min. LAURITA VAZ, decisão: 17-04-2012 / STJ – Quinta Turma – AgRg no REsp nº 1171995/RS – Relator Min. ADILSON VIEIRA MACABU, decisão: 16-08-2011 / STJ – Segunda Turma – REsp nº 1222324/SC – Relator Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, decisão: 26-04-2011 / STJ – Sexta Turma – RMS nº 23689/RS – Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, decisão: 18-05-2010 / STJ – Terceira Seção – AgRg no MS nº 14396/DF – Relator Min. JORGE MUSSI, decisão: 28-10-2009. 34 No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, temos exemplo eloquente de violação às garantias institucionais dos membros da Defensoria Pública pela própria administração superior. Ao editar a Resolução DPGE/RJ nº 441/2008, o Defensor Público Geral operacionalizou o remembramento de diversos órgãos de atuação da Defensoria Pública da referida unidade federativa, concretizando clara violação à inamovibilidade de alguns Defensores Públicos. Ao analizar a matéria, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro se pronunciou da seguinte forma: “Remoção de membro da Defensoria Pública. Resolução nº 441, de 2008, da Defensoria Pública. Violação do Princípio da isonomia. Inamovibilidade. Garantia constitucional. Retorno à lotação anterior. Mandado de segurança com pedido de liminar impetrado contra ato do Exmo. Sr. Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro com escopo de suspender a eficácia da Resolução nº 441/2008, no que tange à ‘reidentificação’ operada na 2ª Vara Cível Regional de Jacarepaguá, órgão de sua titularidade originária, que ao final busca ser mantida. 1. A Resolução nº 441/2008 está, a toda evidência, em desconformidade com as normas e princípios do ordenamento pátrio, dentre os quais a legalidade, a isonomia, a impessoalidade, o contraditório e a ampla
defesa. 2. Resolução que, na prática, efetuou a verdadeira criação de um novo órgão quando fundiu dois órgãos antes independentes. 3. Resolução que não pode fazer o papel de Lei em sentido estrito, ante a ausência de autorização para tanto, bem como diante da falta de requisitos legais para que se opere a criação, modificação ou extinção de órgãos. 4. E mesmo que se tome como verdadeira a assertiva de que houve realmente uma reidentificação, conforme afirma o Defensor-Geral em suas Informações, é certo que foi violado o disposto no art. 39 da LC 06/1977. 5. Violado por qualquer argumento o princípio da legalidade. 6. Autonomia funcional e administrativa que não pode servir para violar a garantia da inamovibilidade, já que a Impetrante passou a titularizar órgão diverso do inicialmente ocupado, contra a sua vontade. 8. Princípios da isonomia e da impessoalidade também atingidos porque não fora toda a classe de Defensores atingidos pela Resolução objeto da lide, e também quando comparada com o teor da Resolução nº 457/2008, esta sim operadora de verdadeira reidentificação. 9. Princípios do contraditório e da ampla defesa também desrespeitados. 10. Concessão da segurança.” (TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Mandado de Segurança nº 0030947-57.2008.8.19.0000 – Relator Des. BENEDICTO ABICAIR, decisão: 08-07-2009)
CAPÍTULO 11
PRERROGATIVAS
11.1 DEFINIÇÃO As prerrogativas são privilégios funcionais conferidos aos Defensores Públicos na condição de agentes políticos, em razão do cargo ou da função exercida, permitindo o adequado desempenho de suas atribuições legais1. Segundo define GUILHERME PEÑA DE MORAES, “as prerrogativas dos membros da Defensoria Pública, como peculiaridades do regime jurídico da Instituição, são faculdades conferidas aos defensores públicos na condição de agentes políticos do Estado, inerentes ao cargo ou à função que exercem na carreira a que pertencem, almejando a consecução das finalidades institucionais colimadas”2. Ao contrário do que se possa imaginar, as prerrogativas conferidas pelo legislador aos membros da Defensoria Pública não representam qualquer espécie de violação do princípio da isonomia. Afinal, já se encontra definitivamente superada a visão de isonomia sob a ótica estritamente formal, como tratamento igual a todas as pessoas; atualmente, a isonomia tem sido encarada sob a ótica material, pressupondo o tratamento igualitário na medida da igualdade e o tratamento desigual na medida da desigualdade de seus destinatários. Diante do gigantesco volume de trabalho da Defensoria Pública, que supera largamente o acervo de qualquer advogado particular, por mais atarefado que seja, necessitam os Defensores Públicos de instrumentos capazes de otimizar o seu regime de atuação, garantindo que a assistência jurídica seja prestada de forma integral e eficaz para todos que dela necessitam3. Justamente por isso, o ordenamento jurídico confere aos membros da Defensoria Pública uma série de prerrogativas aptas a neutralizar eventuais deficiências ou limitações advindas do acúmulo de atribuições, permitindo que a defesa dos interesses dos menos favorecidos seja realizada em igualdade de condições em relação aos ricos e poderosos4. Seguindo essa linha de raciocínio, ROGÉRIO NUNES DE OLIVEIRA leciona que as prerrogativas “representam o reconhecimento da desigualdade social e da ausência de oportunidades que grassam nas comunidades mais humildes, de modo a auxiliar a efetivação da prestação da assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes em pé de igualdade com aqueles que, no reconforto da fortuna, dispõem de condições materiais para suportar os ônus financeiros decorrentes da contratação de um profissional do Direito”5. Da mesma forma que as garantias institucionais, as prerrogativas legais constituem normas de ordem pública, não admitindo relativização ou inobservância por parte dos entes públicos e demais autoridades, sob pena de nulidade dos atos correlatos. Por fim, é importante destacar que as prerrogativas se estendem apenas aos Defensores Públicos em atividade, posto que os Defensores Públicos aposentados, por não integrarem a classe, não
desempenham as funções institucionais e não gozam de atribuição. 11.2 DAS PRERROGATIVAS EM ESPÉCIE As prerrogativas dos membros das Defensoria Públicas da União, do Distrito Federal e dos Estados se encontram previstas, respectivamente, nos arts. 44, 89 e 128 da Lei Complementar nº 80/1994. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a matéria é tratada no art. 181, IV da Constituição Estadual e no art. 87 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Ao analisarmos as prerrogativas em espécie, podemos perceber que algumas delas se encontram diretamente ligadas ao cargo ocupado, enquanto outras dizem respeito à função executada. No primeiro caso, as prerrogativas objetivam resguardar a dignidade funcional do cargo, sendo deferidas ao membro da Defensoria Pública esteja ele ou não no regular exercício de suas funções institucionais (art. 44, II, III e XIV; art. 89, II, III e XIV; art. 128, II, III e XIV da LC nº 80/1994). No segundo, as prerrogativas visam garantir o pleno e adequado desempenho das atribuições conferidas aos Defensores Públicos, estando diretamente atreladas ao exercício funcional (art. 44, I, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e XIII; art. 89, I, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XVI; art. 128, I, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e XIII da LC nº 80/1994)6. De acordo com GUILHERME PEÑA DE MORAES, a enumeração realizada pela Lei Complementar nº 80/1994 seria taxativa em relação às Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e Territíorios, sendo meramente exemplificativa em relação às Defensoria Públicas dos Estados. In verbis: Os arts. 44, 89 e 128 da Lei Complementar 80, de 12.1.94, firmaram as prerrogativas dos integrantes da Instituição. Sem embargo, no tocante à Defensoria Pública da União e à do Distrito Federal e dos Territórios a enumeração inserta nos arts. 44 e 89 é taxativa, ou seja, os respectivos defensores públicos detêm as prerrogativas preceituadas em razão do cargo ocupado (arts. 44, I, III e XIV, e 89, II, III e XIV) ou da função executada (arts. 44, I, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e XIII, e 89, I, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e XIII). Ao contrário, com atinência à Defensoria Pública dos Estados a enumeração contida no art. 128 é meramente exemplificativa, quer dizer, os defensores públicos estaduais gozam, a par das prerrogativas que lhes são outorgadas pela disposição sob comento, de outras que lhes sejam deferidas pelas legislações dos Estados. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 277)
Embora os ensinamentos do ilutre professor estejam em sintonia com a regra contida no art. 134, § 1º, da CRFB7, entendemos que a enumeração das prerrogativas será sempre exemplificativa, independentemente de tratar-se da Defensoria Pública da União, da Defensoria Pública do Distrito Federal ou das Defensorias Públicas dos Estados. Isso porque, de acordo com a teoria dos poderes implícitos, além das prerrogativas expressamente previstas em lei, os agentes estatais deverão dispor também de todos os meios necessários ao integral cumprimento das finalidades legais que lhes foram atribuídas8. Afinal, se o sistema jurídico determina os fins, deve também conceder os meios. Por essa razão, nenhum catálogo de prerrogativas, por mais extenso que seja, poderá ser apropriadamente caraterizado como taxativo. Em virtude da amplitude das funções institucionais conferidas à Defensoria Pública, a natural causalidade da vida sempre acabará surpreendendo com novos obstáculos e obrigando os Defensores Públicos a buscar novos meios para atingir a finalidade legalmente colimada.
11.2.1 Intimação pessoal
A primeira prerrogativa do Defensor Público é a intimação pessoal com vista de autos para todos os atos do processo, como determinam os arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994. O Direito Processual contempla cinco modalidades de intimação: a por publicação em órgão oficial, a pessoal, por carta registrada, por oficial de justiça ou por meio eletrônico. Cumpre salientar, inicialmente, que a redação original da Lei Complementar nº 80/1994 não atrelava a intimação pessoal à entrega dos autos com vista9. Com isso, pelo regime legal anterior, realizada a intimação através de mandado restaria atendida a prerrogativa da intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública, ainda que não houvesse o encaminhamento conjunto dos autos do processo10. Com a modificação introduzida pela LC nº 132/2009, restou expressamente prevista a prerrogativa de “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa” (art. 44, I; art. 89, I; e art. 128, I da LC nº 80/1994). De acordo com o professor PAULO GALLIEZ, a ratio legis sinaliza que “a intenção do legislador foi, sem dúvida alguma, dar segurança ao cumprimento dos prazos processuais, considerando o volume expressivo de processos envolvendo as atividades dos Defensores Públicos”11. Interessante observar, porém, que o legislador inseriu na descrição da prerrogativa a curiosa expressão “quando necessário”, denotando que a entrega dos autos poderia ser dispensada em determinadas situações não especificadas no texto legal. Entretanto, diante do atual quadro de deficiência estrutural e de carência de pessoal, não se afigura possível aos membros da Defensoria Pública realizar a eficiente defesa de milhões de necessitados sem que a intimação pessoal seja realizada mediante a entrega dos autos do processo. Afinal, a análise dos autos constitui medida imprescindível para a plena cientificação acerca dos atos processuais praticados, bem como para a adequada preparação em relação os atos vindouros, e não possuem os Defensores Públicos condições materiais de buscar o cartório para consultar os processos sempre que forem intimados de alguma coisa. Na verdade, é justamente isso que a prerrogativa da intimação pessoal busca evitar. Por essa razão, entendemos que a entrega dos autos do processo será sempre necessária para que a prerrogativa da intimação pessoal seja integralmente respeitada. Em sentido semelhante, se posiciona GUILHERME FREIRE DE MELO BARROS, em obra dedicada ao tema: Para a Defensoria Pública a entrega dos autos com vista ocorre “quando necessário”, ou seja, haverá situações em que a intimação pessoal do defensor público será suficiente para atender sua prerrogativa. Não se pode listar, a priori, quais situações ensejam a mera intimação e quais demandam a intimação com vista dos autos. Essa construção está destinada a ser feita pela jurisprudência, mas cabe aos defensores públicos lutar pelo entendimento que lhe garanta o maior número de vezes possível – quiça sempre – a intimação com entrega dos autos, pois sua atuação é mais eficiente na defesa dos interesses dos necessitados quando tem à sua disposição os autos para manusear e verificar decisões, alegações da parte contrária, certidões, documentos, etc. Vale lembrar que, dentre as funções institucionais da Defensoria Pública (art. 4º), está a defesa de suas prerrogativas através de mandado de segurança ou quaisquer outras ações (inc. IX). (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Bahia: Jus Podivm, 2010, pág. 102)
Para que seja considerada válida, a intimação pessoal deve ser realizada no órgão com atribuição para funcionar no feito, posto que o Defensor Público sem atribuição não poderá intervir no processo e, portanto, não poderá ser validamente intimado.
Esse posicionamento restou adotado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu ser indispensável a intimação pessoal do Defensor Público que oficia perante Superior Tribunal Militar, quanto à data da sessão de julgamento do Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, não sendo suficiente a intimação do Defensor Público que havia atuado no processo em primeiro grau de jurisdição. In verbis: DEFENSOR PÚBLICO QUE ATUA PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL QUANTO À DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS IMPETRADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – FATO QUE IMPOSSIBILITOU O EXERCÍCIO, PELO DEFENSOR PÚBLICO QUE OFICIA PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR, DO DIREITO DE FAZER SUSTENTAÇÃO ORAL EM REFERIDO JULGAMENTO – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO AO STATUS LIBERTATIS DA PACIENTE – IRRELEVÂNCIA DE A INTIMAÇÃO HAVER SIDO FEITA NA PESSOA DO DEFENSOR PÚBLICO QUE ATUOU PERANTE O CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA, ÓRGÃO JUDICIÁRIO DE PRIMEIRO GRAU – CONFIGURAÇÃO DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA – NULIDADE DO JULGAMENTO – A INTIMAÇÃO PESSOAL COMO PRERROGATIVA PROCESSUAL DO DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO (LC Nº 80/1994, ART. 44, I) – RECURSO PROVIDO. A sustentação oral – que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância – compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público que oficia perante o órgão judiciário competente para o julgamento de habeas corpus, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa – enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF. O ordenamento positivo brasileiro torna imprescindível a intimação pessoal do defensor nomeado dativamente (CPP, art. 370, § 4º, na redação dada pela Lei nº 9.271/1996) e reafirma a indispensabilidade da pessoal intimação dos Defensores Públicos em geral (LC nº 80/1994, art. 44, I; art. 89, I, e art. 128, I), inclusive a dos Defensores Públicos dos Estados-membros (LC nº 80/1994, art. 128, I; Lei nº 1.060/1950, art. 5º, § 5º, na redação dada pela Lei nº 7.871/1989). A exigência de intimação pessoal do Defensor Público e do advogado dativo, notadamente em sede de persecução penal, atende a uma imposição que deriva do próprio texto da Constituição da República, no ponto em que o estatuto fundamental estabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa em procedimento estatal que respeite as prerrogativas decorrentes da cláusula constitucional do due process of law. Precedentes. (STF – Segunda Turma – RHC nº 106561/RJ – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 21-062011)
Esse entendimento, entretanto, não tem sido pacífico. Em virtude dos princípios institucionais da unidade e da indivisibilidade (art. 3º da LC nº 80/1994), alguns julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que a intimação pessoal não precisaria ser obrigatoriamente direcionada ao Defensor Público que possui atribuição para atuar no processo, podendo ser realizada em pessoa diversa. In verbis: HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO. OFÍCIO ENCAMINHADO AO DEFENSOR PÚBLICO GERAL E RECEBIDO POR SERVIDOR DO ÓRGÃO. INTIMAÇÃO PESSOAL CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Foi encaminhado ofício do TJ/AP endereçado nominalmente ao Defensor Público Geral do Estado e recebido por servidora do órgão. 2. Configura-se razoável, para fins de intimação pessoal, proceder-se à inequívoca ciência da Defensoria Pública, por intermédio de ofício ou mandado, devidamente recebido, competindo à Instituição organizar a atuação de seus membros, sob pena de burocratizar o processo, em total desrespeito à efetividade e celeridade da Justiça. 3. Havendo intimação pessoal da Defensoria Pública estadual para a sessão de julgamento da apelação criminal, não há que se falar em nulidade no acórdão prolatado. 4. Habeas corpus denegado. (STF – Segunda Turma – HC nº 99540/AP – Relatora Min. ELLEN GRACIE, decisão: 04-05-2010) HABEAS CORPUS. APELAÇÃO. JULGAMENTO. INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA. ATO REALIZADO NA PESSOA DO CORREGEDORGERAL DO ÓRGÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DA UNIDADE E INDIVISIBILIDADE. LC 80/1994. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO ÀS PRERROGATIVAS DA DEFENSORIA PÚBLICA. PRECEDENTES. 1. Houve a intimação pessoal do Corregedor-Geral da Defensoria Pública Estadual da data de julgamento dos apelos, sem que fosse feita a intimação do Defensor que efetivamente atuava no feito. 2. Nos termos da legislação de regência editada pela União (LC 80/1994), são princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Em face de tais determinações, a Defensoria
Pública, seja estadual ou da União, não pode ser subdividida internamente em várias outras instituições autônomas e desvinculadas entre si, pois, tal como sói acontecer ao integrantes do Ministério Público, seus membros não se vinculam aos processos nos quais oficiam, podendo ser substituídos uns pelos outros. 3. Ainda que não tenha sido feita a intimação diretamente ao ilustre Defensor atuante no caso, mas ao próprio Corregedor-Geral da instituição, não há falar em nulidade, por ausência de intimação pessoal, porquanto devidamente respeitadas as prerrogativas inerentes à função exercida pelo impetrante. Precedentes do STJ. (STJ – Quinta Turma – HC nº 200701888967 – Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, decisão: 30-062008)
Não obstante seja a Defensoria Pública efetivamente una e indivisível, entendemos que a intimação pessoal deve ser dirigida ao órgão com atribuição para atuar no feito, não sendo suficiente a notificação do Defensor Público Geral ou do Corregedor-Geral, haja vista a ausência de atribuição para responder à intimação judicial. Não sendo respeitadas as formalidades legais pertinentes, deverá ser reconhecida a nulidade do ato intimatório e dos demais atos processuais subsequentes, nos termos do art. 247 do CPC e art. 570 do CPP. A invalidade da intimação pessoal inidônea poderá ser suscitada por meio de petição juntada aos próprios autos, por intermédio de recurso distribuído ao tribunal competente ou por meio de ação autônoma de impugnação, conforme o caso. Em havendo o trânsito em julgado, abre-se a via da Ação Rescisória12, desde que entre a ausência de intimação e o consequente trânsito em julgado não se tenha oportunizado à parte a ciência acerca do feito. A)
DA CONTROVÉRSIA ACERCA DA SUBSISTÊNCIA JURÍDICA DO ART. 5º, § 5º, DA LEI Nº 1.060/1950: Segundo estabelece o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, acrescentado pela Lei nº 7.871/1989, “nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. Inicialmente, devemos observar que o dispositivo formalizou a previsão das prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro apenas aos órgãos de assistência judiciária instalados nos Estados, não havendo nenhuma alusão à assistência judiciária prestada pela União. Com efeito, realizando a interpretação literal da norma, apenas os membros das Defensorias Públicas Estaduais teriam sido beneficiados pela intimação pessoal e pelo prazo em dobro previstos no art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, não dispondo dessas prerrogativas os integrantes da Defensoria Pública da União. No entanto, essa aberrante omissão legislativa não restou dotada de intencionalidade, tendo decorrido de simples desleixo do legislador no momento da edição da norma. Na verdade, por estarem os diversos ramos da Defensoria Pública separados unicamente em virtude da distribuição constitucional de atribuições, não existe qualquer razão jurídica que fundamente ou justifique a previsão das prerrogativas apenas em nível estadual. Por isso, desde o momento em que restou modificado pela Lei nº 7.871/1989, o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 tem sido interpretado extensivamente, garantindo a intimação pessoal e o prazo em dobro para todos os Defensores Públicos indistintamente. Com a edição da Lei Complementar nº 80/1994, essa interpretação extensiva restou definitivamente incorporada ao ordenamento jurídico, sendo as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro previstas expressamente em relação à Defensoria Pública da União (art. 44, I), à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (art. 89, I) e às Defensorias Públicas dos
Estados (art. 128, I). Em virtude desse quadro normativo, surgiu no âmbito doutrinário o seguinte questionamento: teria o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 sido revogado tacitamente pela Lei Complementar nº 80/1994? De acordo com o art. 2º, § 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942)13, “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Tendo a Lei Complementar nº 80/1994 passado a regular de forma mais abrangente as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro, podemos concluir que o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 restou parcialmente revogado pelos arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994. Apenas não houve a total revogação da norma (ab-rogação), em virtude da expressão “ou quem exerça cargo equivalente” contida no art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, que permite a aplicação das prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro em relação a sujeitos estranhos ao quadro da Defensoria Pública e, portanto, não inseridos no regime legal da Lei Complementar nº 80/1994. Desse modo, sempre que forem feitas referências ao prazo em dobro e à intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública, não se revela adequado utilizar como fundamentação legal o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950; atualmente, essas prerrogativas possuem como base normativa os arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994. Na realidade, o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 apenas poderá ser corretamente aplicado quando as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro forem utilizadas por quem exerça cargo equivalente ao de Defensor Público. Nesse sentido, leciona o professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, com sua peculiar didática: A lei anterior é revogada pela lei posterior quando esta última regula inteiramente a mesma matéria, sob pena de se terem dois comandos legais que a disciplinam ao mesmo tempo, um sobrepondo-se ao outro. Logo, pelo critério cronológico, a técnica jurídica recomenda que deve prevalecer o diploma mais recente. Do mesmo modo, se a lei nova não regula inteiramente a matéria, não se poderá ter por revogada por inteiro (ab-rogação) a lei antiga. O aspecto que não foi regulado pelo ato normativo mais recente deve permanecer em vigor. Sob esta ótica, é possível afirmar que a Lei Complementar 80/1994 derrogou o art. 5º, § 5º da Lei 1.060/1950, uma vez que a base normativa para a intimação pessoal e a duplicação dos prazos para a Defensoria Pública passou a residir no primeiro diploma legislativo, por ser posterior e por disciplinar igualmente a mesma matéria. (…) Note-se, assim, que o art. 5º, § 5º da Lei 1.060/1950, permanece parcialmente em vigor: na parte que trata do Defensor Público, foi revogado pela Lei Complementar 80/1994, mas no momento em que se refere a quem exerça cargo equivalente ainda continua válido. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Bahia: Jus Podivm, 2010, pág. 302/304)
No cotidano forense, entretanto, são frequentes as referências ao art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 nas manifestações dos Defensores Públicos e nas decisões judiciais que aludem às prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro14. B)
EXTENSÃO SUBJETIVA DA PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL: De acordo com Lei Complementar nº 80/1994, os membros da Defensoria Pública da União (art. 44, I), da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (art. 89, I) e das Defensorias Públicas Estaduais (art. 128, I) deverão ser intimados pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, contando-se-lhes em dobro todos os prazos. Além disso, de acordo com o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, acrescentado pela Lei nº
7.871/1989, as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro serão conferidas também para todos aqueles exerçam “cargo equivalente” ao de Defensor Público. Segundo posicionamento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, entretanto, a expressão “cargo equivalente” deve ser interpretada de maneira restritiva, abrangendo apenas “os integrantes do serviço estatal de assistência judiciária, não se incluindo nessa condição o defensor dativo e o advogado particular, mandatário de beneficiário da justiça gratuita”15. Esse é o caso, por exemplo, da extinta Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo (subdivisão da Procuradoria-Geral do Estado), que até pouco tempo desempenhava o serviço estatal de assistência judiciária. Em virtude da ausência de Defensoria Pública naquela unidade federativa, eram os Procuradores do Estado que desempenhavam supletivamente as funções que hoje são acometidas aos Defensores Públicos de São Paulo. Por essa razão, o STF decidiu que “aos procuradores dos Estados no exercício de assistência judiciária é reconhecida a prerrogativa de recebimento de intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição (art. 128, I da LC 80/1994), porquanto investidos da função de Defensor Público”16. A intimação pessoal, portanto, constitui prerrogativa aplicável aos Defensores Públicos (arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994) e aos integrantes do serviço estatal de assistência judiciária (art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950), não sendo extensível aos advogados constituídos ou dativos, ainda que estejam a defender pessoas economicamente necessitadas. Importante ressalvar, no entanto, a existência de regra específica no âmbito processual penal, conforme passaremos a analisar no tópico seguinte. C)
A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – ART. 370, § 4º DO CPP: No âmbito processual penal, o art. 370, § 4º, do CPP (com redação dada pela Lei nº 9.271/1996) traz previsão específica determinando a intimação pessoal do defensor nomeado para a prática dos atos processuais. In verbis: Art. 370, § 4º, do CPP: A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal.
Dessa forma, nas localidades onde a Defensoria Pública não esteja adequadamente estruturada e ainda subsista a necessidade de nomeação de advogado dativo para garantir o direito de defesa do acusado, o profissional nomeado fará jus a intimação pessoal, na forma do art. 370, § 4º do CPP. Nesse caso, embora não possua vínculo estatal e não exerça cargo equivalente ao de Defensor Público (art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950), os defensores dativos de réus em ação penal deverão ser pessoalmente intimados, sob pena de nulidade processual absoluta. Esse tem sido o posicionamento adotado reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal: Habeas corpus. Ação Penal. Réu defendido por defensor dativo. Ausência de intimação pessoal do defensor. Ofensa ao disposto no art. 370, § 4º, do CPP. Nulidade absoluta. Precedentes. É entendimento reiterado desta Corte que a prerrogativa de intimação pessoal dos defensores de réus de ação penal é inerente aos defensores dativos, por força do art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal, e decorrente da própria Constituição, que assegura o direito à ampla defesa em procedimento estatal que respeite as prerrogativas do devido processo legal. Precedentes. A falta de intimação pessoal do defensor dativo qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, sendo desnecessária a comprovação, nesta hipótese, do efetivo prejuízo para que tal nulidade seja declarada. Precedentes. Ordem concedida. (STF – Segunda Turma – HC nº 98802/GO – Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, decisão: 20-10-2009)
Por outro lado, o advogado constituído pelo acusado mediante instrumento de procuração deverá ser normalmente intimado pela imprensa oficial, conforme dispõe o art. 370, § 1º, do CPP17, não fazendo jus à prerrogativa de intimação pessoal. A ausência de intimação pessoal do defensor constituído pelo acusado não acarreta cerceamento de defesa, tendo em vista ser essa prerrogativa privativa do Defensor Público ou dativo a esse equiparado (art. 44, I; art. 89, I; e art. 128, I da LC nº 80/1994 e art. 370, § 1º, do CPP). Nesse sentido, se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado divulgado Informativo STJ nº 347, in verbis: INTIMAÇÃO PESSOAL. DEFENSOR CONSTITUÍDO. A ausência de intimação pessoal do defensor constituído pelo réu para o julgamento da apelação não implica cerceamento de defesa, visto que essa prerrogativa é do Defensor Público ou dativo a esse equiparado. O advogado constituído pelo paciente deve ser intimado pela imprensa oficial, conforme dispõe o art. 370, § 1º do CPP. (STJ – Quinta Turma – HC 82.558/SP – Relator Min. JORGE MUSSI, decisão: 06-03-2008 / Informativo STJ nº 347)
Devemos, por fim, realizar a seguinte indagação: seria a intimação pessoal prevista no art. 370, § 4º, do CPP equivalente à prerrogativa conferida aos membros da Defensoria Pública pela Lei Complementar nº 80/1994? A necessidade de intimação pessoal do defensor nomeado, prevista no Código de Processo Penal, não guarda qualquer relação com as prerrogativas institucionais elencadas na Lei Complementar nº 80/1994. Na realidade, o que o legislador pretendeu foi a facilitação do encargo conferido ao defensor nomeado, que desempenha as suas funções no processo penal. Tanto isso é verdade, que a prerrogativa de intimação pessoal constante do art. 370, § 4º do CPP não se concretiza mediante a entrega dos autos, como ocorre em relação aos Defensores Públicos (arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994). Além disso, os advogados nomeados não fazem jus ao prazo em dobro, prerrogativa exclusiva dos membros da Defensoria Pública. Ainda há situações em que a Defensoria Pública não consegue se fazer presente, o que demanda dos órgãos jurisdicionais a nomeação de advogados para exercer a defesa no processo penal. Nesse ponto, a legislação processual é que confere a estes defensores nomeados a intimação pessoal, como forma de auxiliá-los no desempenho da função que lhes foi encarregada. Entretanto, que fique clara a total dissonância entre o art. 370, § 4º, do CPP e as prerrogativas legais de intimação pessoal e prazo em dobro previstas na Lei Complementar nº 80/1994. D)
EXTENSÃO OBJETIVA DA PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL: Ao normatizar a intimação pessoal, o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 previu que a prerrogativa deveria ser respeitada em relação a “todos os atos do processo, em ambas as instâncias”. Em virtude da infausta redação do art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, alguns julgados antigos do Supremo Tribunal Federal vinham entendendo que a prerrogativa seria aplicável apenas na órbita da jurisdição ordinária, englobando tão somente o primeiro e o segundo graus de jurisdição: Habeas Corpus. Alegação de nulidade do processo, em virtude de cerceamento de defesa, por falta de intimação pessoal do Defensor Público. Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que transitou em julgado, referente a Recurso Especial. Lei nº 7.871/1989, que introduziu o parágrafo 5º no art. 5º da Lei nº 1.060/1950. Intimação pessoal do Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, relativa a todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhe, em dobro, todos os prazos. Aplicação do dispositivo nos Estados onde a assistência judiciária seja organizada e por eles mantida. A regra legal em apreço não se estende ao recurso de natureza extraordinária (Recurso Especial, perante o STJ, e Recurso Extraordinário, no STF), no
que concerne a intimação pessoal. Em se tratando de assistência judiciária dos Estados, não é possível entender, desde logo, que o Defensor Público deveria ter sido intimado para acompanhar o processamento do Recurso Especial, junto ao STJ. Conveniência, entretanto, de se criarem condições, para a referida intimaçnao pessoal, também, em instância extraordinária, matéria que talvez possa ser objeto de lei complementar sobre a Defensoria Pública, a ser editada pelo Congresso Nacional, nos termos determinados pela Constituição Federal (art. 134, parágrafo único). Inexistência, no caso concreto, de nulidade do processo, por falta de intimação pessoal do Defensor Público, na instância extraordinária. Habeas Corpus indeferido. (STF – Segunda Turma – HC nº 68884/PR – Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA, decisão: 08-10-1991) DEFENSOR PÚBLICO. Intimação pessoal (Lei 7.871/1989). Aplicação restrita as instâncias ordinárias. (…) Dispõe o art. 5º da Lei supramencionada que o Defensor Público “será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as intâncias”, ou seja, em primeira e segunda instâncias, tão somente. (STF – Segunda Turma – RE nº 140975 AgR/RJ – Relator Min. PAULO BROSSARD, decisão: 23-06-1992)
Com a edição da Lei Complementar nº 80/1994, o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal restou definitivamente superado, passando os arts. 44, I, 89, I e 128, I do referido diploma legal a prever que a intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública seria realizada “em qualquer processo e grau de jurisdição” (redação original dos dispositivos). Após a edição da referida norma, o Supremo Tribunal Federal passou reconhecer expressamente que a intimação pessoal seria assegurada “não apenas nas instâncias ordinárias, mas, também, nas extraordinárias”, consolidando a ausência de restrições no que tange à incidência da prerrogativa18. Em virtude da amplitude teleológica da norma, a doutrina passou a defender, inclusive, a aplicabilidade da intimação pessoal na esfera administrativa, tendo em vista a expressão “em qualquer processo” constante dos arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994. In verbis: A intimação pessoal é exigida em qualquer processo ou grau de jurisdição, devendo ser observada mesmo quando o Defensor Público estiver atuando na esfera administrativa (processo administrativo). (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 99) Quanto à intimação pessoal do Defensor Público, saliente-se que deverá prevalecer mesmo nos processos administrativos. (ALVES. Cléber Francisco. PIMENTA. Marília Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, pág. 116) Constitui prerrogativa dos membros da Defensoria Pública, a teor dos arts. 44, I, 89, I e 128, I, da Lei Orgânica Nacional, a obrigatória intimação pessoal para todos os atos do processo, em qualquer grau de jurisdição ou instância administrativa. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 280)
Posteriormente, com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, que alterou a redação original dos arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994, esse entendimento restou definitivamente incorporado ao texto legislativo, que passou a prever expressamente que a prerrogativa da intimação pessoal deveria ser respeitada “em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa”. E)
DA PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS: No que concerne aos Juizados Especiais, alguns julgados vêm entendendo que a existência de normas específicas regulando a intimação na Lei nº 9.099/1995 teria afastado a incidência da prerrogativa de intimação pessoal prevista na Lei Complementar nº 80/1994. Em virtude dos princípios da especialidade e da celeridade, as intimações no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais seguiriam, respectivamente, as regras dos arts. 19 e 82, § 4º, da Lei nº 9.099/1995, que não preveem a intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública. Seguindo essa linha de raciocínio, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem considerado dispensável a intimação pessoal da Defensoria Pública e do Ministério Público nos
Juizados Especiais Criminais, sendo suficiente a intimação realizada pela imprensa oficial: INTIMAÇÃO. DEFENSOR PÚBLICO. ATO DE TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. O critério da especialidade é conducente a concluir-se pela inaplicabilidade, nos juizados especiais, da intimação pessoal prevista nos artigos 370, § 4º, do Código de Processo Penal (com redação dada pelo artigo 1º da Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996) e 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 (com a redação introduzida pela Lei nº 7.871, de 8 de novembro de 1989). (STF – Primeira Turma – HC nº 85174/RJ – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 11-10-2005)19 Defensor público. Intimação pela imprensa (Lei nº 9.099/1995, art. 82, § 4º). Inaplicabilidade nos Juizados Especiais do art. 128, I, da LC nº 80/1994, que prescreve a sua intimação pessoal. 1. Firme a jurisprudência do STF em que, nos Juizados Especiais, prevalece o critério da especialidade e, por isso, basta a intimação pela imprensa, nos termos do art. 82, § 4º, da Lei nº 9.099/1995. Precedentes. Improcede a alegação de que, prescrita a intimação pessoal do Defensor Público em lei complementar, subsistiria a regra à superveniência da lei ordinária dos Juizados Especiais, pois o tema não se inclui no âmbito material reservado à lei complementar pelo art. 134 e parágrafos da Constituição, mas disciplina questão processual e, por isso, tem natureza de lei ordinária. (STF – Primeira Turma – HC nº 86007/RJ – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 29-06-2005)
Segundo entendemos, entretanto, o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal se encontra fundamentalmente equivocado. Não existe na Lei nº 9.099/1995 nenhuma norma que afaste expressamente a incidência da prerrogativa de intimação pessoal no âmbito dos Juizados Especiais e, mesmo que houvesse, estaria a regra invadindo competência legislativa constitucionalmente reservada à lei complementar (art. 134, § 1º da CRFB), restando eivada de inconstitucionalidade formal. Além disso, analisando cuidadosamente o art. 82, § 4º da Lei nº 9.099/1995, podemos perceber que o dispositivo contém norma que excepciona a regra geral das intimações. Justamente por abrir exceção contra outras normas jurídicas de caráter genérico, seu conteúdo não pode se estender além dos casos e tempos que expressamente designa20. Afinal, as exceções devem ser interpretadas sempre restritivamente (exceptiones sunt strictissimoe interpretationis). Sendo assim, por não ter o art. 82, § 4º da Lei nº 9.099/1995 realizado qualquer especificação quanto a intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública, não poderia o dispositivo ser utilizado para excepcionar a incidência geral da prerrogativa. Ademais, o art. 82, § 4º da Lei nº 9.099/1995 possui aplicabilidade somente na esfera dos Juizados Especiais Criminais e unicamente no que tange à sessão de julgamento. Por isso, não deveria a mencionada norma ser usada como fundamento para excluir a aplicação da prerrogativa de intimação pessoal em todo o sistema dos Juizados Especiais. Por fim, analisando a questão sob a ótica estritamente prática, essa interpretação incoerente tornaria inviável o adequado desempenho das funções constitucionalmente atribuídas aos Defensores Públicos, que seriam obrigados a acompanhar as publicações no Diário Oficial e, em seguida, peregrinar pelos cartórios dos Juizados Especiais em busca de cada um dos processos que foram objeto de intimação. Com seu crescente acúmulo de trabalho e com sua histórica carência material, a Defensoria Pública não possui condições de operar nesse contraproducente regime jurisdicional. Nesse sentido, leciona o renomado professor FELIPPE BORRING ROCHA, com sua tradicional argúcia: Tem sido discutido, nos meios jurídicos, se a Lei nº 9.099/1995 teria alterado o regime de intimação das partes, quando assistidas por órgão de atuação da Defensoria Pública. Na visão de alguns julgadores, a existência de normas específicas acerca da intimação na Lei em questão permitiria afastar a prerrogativa do defensor público de receber as intimações pessoalmente, como estabelecido no art. 44, I da Lei Complementar nº 80/1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública). Trata-se de evidente
equívoco exegético, que desconsidera o fato de que a existência de normas específicas sobre a Defensoria Pública se deve à existência de um regime jurídico próprio e aplicável a todas as situações. Mesmo que a Lei nº 9.099/1995 quisesse excepcionar o tratamento dedicado à Defensoria, não poderia fazê-lo sem invadir a esfera de atribuição da citada lei complementar, incidindo em vício formal. Por isso, necessário afirmar que a Defensoria Pública deve ser intimada pessoalmente dos termos e atos processuais, em todas as fases do procedimento. (ROCHA, Felippe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, São Paulo: Atlas, 2012, pág. 116)
No mesmo sentido, examinando a questão sob a ótica da especialidade das funções, o professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA sustenta que a base fundamental legitimadora do tratamento processual especial dispensado à Defensoria Pública seria o tipo de função exercida, razão pela deveriam as prerrogativas institucionais serem observadas sempre que houvesse o exercício das funções: Por ser agente público instrumentalizador de transformações sociais e por desempenhar funções estatais específicas, o sistema jurídico confere ao Defensor Público prerrogativas distintas das dos demais atores processuais. Tais prerrogativas devem acompanhá-los aonde houver o exercício de suas funções, pois elas não se modificam quando a Defensoria Pública atua nos Juizados Especiais. Embora o rito seja específico e especial, como assenta o STF, a atuação da Defensoria Pública não o é. Considerando principalmente a competência em razão do valor da causa, limitada a 60 (sessenta) salários mínimo, nos Juizados Federais, e a 40 (quarenta) salários mínimos, nos Juizados Estaduais, o público alvo da Defensoria Pública litiga, em sua grande maioria, submetido a este procedimento especial. A competência para o exame de questões de menor complexidade, assim como a necessidade de lhes conferir maior rapidez, não se revela como fundamento idôneo para que haja restrições às prerrogativas da Defensoria Pública. A especialidade da forma de intimação (LC 80/1994) não pode sucumbir diante da especialidade do procedimento (Leis 9.099/1995 e 10.259/2001), especialmente porque, com o pretexto de ser ágil e veloz, acaba-se por atropelar uma garantia constituída como instrumento para o desempenho profícuo de funções públicas. (LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 315)
Finalmente, realizando a análise da base constitucional da prerrogativa, os professores CLEBER FRANCISCO ALVES e MARÍLIA GONÇALVES PIMENTA defendem a plena aplicabilidade da intimação pessoal no âmbito dos Juizados Especiais: O Supremo Tribunal Federal manifestou entendimento no sentido da inaplicabilidade da prerrogativa no caso dos Juizados Especiais, em razão da celeridade exigida no procedimento especial. Contudo, entendemos que, mesmo nesses casos, a intimação pessoal do Defensor Público deve prevalecer, em virtude de que essa prerrogativa decorre da necessidade de exercer melhor a função prevista no art. 134 da Constituição da República do Brasil, ou seja, prestar Assistência Jurídica integral e gratuita. Ocorre que a Assistência Jurídica integral e gratuita está prevista dentro do rol de Direitos Individuais previstos no art. 5º da Carta Magna, inserido no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, decorrendo do Princípio da Dignidade da Pessoa, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição. Decorre, também, dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, contidos no artigo 3º, dentre eles, aquele de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Diferentemente, a criação dos Juizados Especiais está prevista no artigo 98 da Constituição da República, dentro do Capítulo referente ao Poder Judiciário, constante no Título IV sobre a Organização dos Poderes. Por isso, em caso de conflito de regras, deve prevalecer aquela norma principiológica, ou seja, aquela da Assistência Jurídica, e as prerrogativas dos agentes responsáveis pela sua prestação. (ALVES, Cleber Francisco. PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à justiça em preto e branco: retratos institucionais da defensoria pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 116) F) INTIMAÇÃO PESSOAL E MARCO DE CONTAGEM:
Embora a intimação da Defensoria Pública seja pessoal, sempre subsistitu controvérsia acerca do marco inicial para a contagem dos prazos processuais. Parcela da jurisprudência entendia que o marco inicial seria a data da entrada dos autos nas dependências da Defensoria Pública, com a formalização da carga pelo servidor. Por outro lado, outros julgados reconheciam que a contagem dos prazos processuais apenas se iniciaria com a efetiva aposição do ciente no processo, data em
que se consolidaria a intimação pessoal do Defensor Público21. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça encerraram a controvérsia, firmando o entendimento de que a contagem dos prazos processuais se inicia no dia útil seguinte à data da entrada dos autos no órgão público ao qual é dada a vista, in verbis: RECURSO – PRAZO – TERMO INICIAL – MINISTÉRIO PÚBLICO. A entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do processo em prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério Público, oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o “ciente”, com a finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo recursal. (STF – Pleno – HC nº 83.255/SP – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 05-11-2003) PRAZO. TERMO INICIAL. DEFENSORIA PÚBLICA. Trata o caso do termo inicial do prazo de recurso a ser interposto pela Defensoria Pública, se quando da entrada dos autos no órgão ou da aposição do visto do Defensor. Inicialmente, observou o Min. Relator que este Superior Tribunal, consoante o que assentou o STF no HC nº 83.255-5, consolidou o entendimento, privilegiando o princípio da igualdade ou da paridade de armas, de fixar o dies a quo da contagem dos prazos, seja em face da Defensoria Pública ou do Ministério Público, no dia útil seguinte à data da entrada dos autos no órgão público ao qual é dada a vista. Contudo, nas razões recursais, entre outras questões, sustentou-se que a jurisprudência na época em que interposto o REsp comportaria o entendimento de que a contagem do prazo recursal iniciar-se-ia com a aposição do visto do Defensor Público, orientação dominante nos tribunais superiores que ainda não haviam trilhado caminho diverso. Assim, ressaltou o Min. Relator que, embora a interposição do recurso tenha ocorrido alguns dias após o referido julgamento do STF, não o fora antes da publicação do respectivo acórdão, menos ainda do seu trânsito em julgado. Desse modo, entendeu ser tal tese por todo razoável, ou seja, é inviável exigir do Defensor Público a interposição do recurso dentro do trintídio cuja contagem não teria início na data da sua intimação pessoal, intimação cuja leitura, à época, era a da aposição do seu visto nos autos, atribuindo-se-lhe o severo ônus da preclusão temporal por estar em sintonia com a jurisprudência das cortes superiores. (STJ – Terceira Turma – AgRg no AgRg no Ag nº 656.360-RJ – Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, decisão: 15-03-2011 / Informativo STJ nº 466)
Sendo assim, com a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no leading case HC nº 83.255/SP, a contagem do prazo para a prática dos atos processuais tem início a partir da entrada dos autos no órgão da Defensoria Pública. No cotidiano forense, a formalização da abertura de vista poderá ocorrer basicamente por duas formas distintas: (i) com a retirada dos autos em cartório pelo Defensor Público ou por funcionário autorizado da Defensoria Pública; ou (ii) com a entrega dos autos pelo funcionário do cartório diretamente ao órgão de atuação da Defensoria Pública. No momento da retirada dos processos em cartório ou do recebimento dos processos pelo órgão de atuação da Defensoria Pública, deverá o Defensor Público ou o funcionário autorizado realizar a competente assinatura da guia de remessa expedida pelo cartório, lançando no referido documento a data de recebimento dos autos. O controle da tempestividade dos atos processuais será realizado com base na data lançada na guia de remessa, que formaliza a entrega dos autos ao órgão da Defensoria Pública e, consequentemente, a intimação pessoal do Defensor Público. Importante observar, nesse ponto, que a data da abertura de vista lançada no sistema informatizado do cartório normalmente diverge da data efetivamente lançada na guia de remessa. Isso porque os serventuários do cartório geralmente processam os autos, lançam no sistema a abertura de vista para a Defensoria Pública e, em seguida, colocam os autos na prateleira correspondente, aguardando até que sejam efetivamente retirados ou remetidos à Defensoria. No entanto, entre a data da abertura de vista no sistema e a efetiva retirada ou remessa dos autos, com a competente assinatura da guia de remessa, pode ocorrer o transcurso de vários dias. Logo, de extrema importância que a Defensoria Pública tenha sistema de controle e certificação
da data de entrada e saída dos processos do órgão de atuação, a fim de permitir a aferição da tempestividade, posto que tais informações nem sempre são lançadas nos autos, permanecendo apenas nas guias de remessa dos cartórios. Há que se entender que o processo é o instrumento de registro de todos os atos processuais e sua apreciação não é afeta apenas ao Juiz Natural, haja vista a possibilidade de recursos aos tribunais. G)
A INTIMAÇÃO PESSOAL E O FENÔMENO DO PROCESSO ELETRÔNICO – REDUÇÃO DA PRERROGATIVA: A incorporação do processo eletrônico vem ocasionando significativa transmudação na prerrogativa de intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública. Isto porque, o novo sistema de intimações ocorre através de acesso ao portal de intimações, sendo considerada realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica à comunicação, na forma do art. 5º da Lei nº 11.419/2006. De acordo com o art. 5º, § 3º da Lei do Processo Eletrônico, a consulta ao portal de intimações deverá ser realizada em até 10 (dez) dias corridos, contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo. O grande problema do regime de intimações por meio do processo eletrônico ocorre justamente por conta da redação do art. 5º, § 6º, da Lei nº 11.419/2006, que estabelece serem as intimações realizadas na forma acima descrita “consideradas pessoais para todos os efeitos legais”. O referido dispositivo põe em xeque a prerrogativa da intimação pessoal dos Defensores Públicos, posto que aplica aos membros da Defensoria Pública a presunção de intimação constante do § 3º do art. 5º da Lei nº 11.419/2006. Nítido, portanto, o conflito entre o art. 5º, § 6º da Lei nº 11.419/2006 e os arts. 44, I, 89, I e 128, I da Lei Complementar nº 80/1994. Por se tratar de norma de caráter especial, o comando da Lei Complementar nº 80/1994 deve preponderar sobre a Lei nº 11.419/2006, não podendo ser considerada admissível a presunção de intimação da Defensoria Pública após decorrido o prazo de 10 (dez) dias, conforme preconiza o art. 5º, § 6º da Lei nº 11.419/200622. A figura da presunção de intimação pelo não acesso ao portal é totalmente incompatível com a prerrogativa de intimação pessoal da Defensoria Pública. A intimação pessoal somente poderá ser considerada realizada quando o Defensor Público efetivamente acessar o portal, posto que os autos virtuais não são encaminhados ao órgão de atuação. Eventual desídia do Defensor Público em não acessar em tempo razoável as intimações deverá ser solucionada na esfera administrativa da Instituição, mas nunca impondo-se a presunção de intimação. H)
A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO X INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE: De acordo com o art. 234 do CPC, “intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”. Realizada a constituição da Defensoria Pública para o patrocínio da causa, a ciência acerca dos atos processuais praticados e o chamado para a prática de determinada conduta são realizados por
meio da intimação pessoal do Defensor Público, materializada pela entrega dos autos com vistas (art. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994). No entanto, existem determinadas atividades processuais que dependem da conduta pessoal da própria parte assistida, não podendo o ato ser validamente praticado pelo Defensor Público nomeado ou constituído, em virtude da ausência de poderes especiais. Nesses casos, por conta de dificuldades de ordem prática que obstam o contato entre assistido e Defensor Público, o chamado para a prática do ato processual deverá ser realizado por meio da intimação pessoal da própria parte, não sendo suficiente a remessa dos autos à Defensoria Pública. Nesse sentido, ensina o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, em obra histórica dedicada ao tema: Casos há, no curso do processo, em que é determinada a prática de ato que dependa de atividade da própria parte assistida, como, por exemplo, quando se designa data para a purgação de mora, ou para a audiência de oblação. Nesses casos, deverá a parte oferecer ou depositar valores, ato que, portanto, não pode ser realizado pelo defensor sem que a própria parte seja comunicada. Em virtude das dificuldades de contato com a parte, pode-se tornar muito difícil, senão impossível em algumas ocasiões, que o defensor lhe comunique a determinação em tempo hábil. Assim, sendo a parte defendida por órgão prestador de assistência judiciária, a intimação deve ser feita pessoalmente à parte, toda vez que o ato determinado envolva alguma atividade desta. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, Rio de Janeiro: Forense, 1996, pág. 80)
Com a reforma processual trazida pela Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia certa fundada em título executivo judicial ganhou novos contornos, passando a ser realizada por intermédio de cumprimento de sentença, nos termos do art. 475-J e seguintes do CPC. De acordo com a nova sistemática processual, depois de transitada em julgado a sentença, deverá o vencido realizar o pagamento espontâneo do valor constante do título executivo judicial, dentro do prazo de 15 dias, sob pena de multa no percentual de 10% sobre o montante da condenação (art. 475-J do CPC). Segundo a Súmula nº 270 do TJ/RJ, “o prazo do art. 475-J do CPC conta-se da ciência do advogado do executado acerca da memória discriminada do cálculo exequendo, apresentada pelo credor em execução definitiva”. Sendo assim, o início da contagem do prazo para a incidência da multa tem início a partir da intimação do advogado do executado, realizada pela imprensa oficial (art. 236 do CPC). Questão controvertida, no entanto, tem sido determinar o momento inicial para contagem do prazo quinzenal nas hipóteses em que o executado é assistido pela Defensoria Pública. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a fluência do prazo referido no art. 475-J do CPC teria início a partir da intimação pessoal do Defensor Público, sendo desnecessária a intimação pessoal do devedor para o cumprimento da sentença. Segundo o posicionamento adotado pelo STJ, não haveria no novo modelo de execução de título executivo judicial qualquer previsão de intimação do executado para realizar o cumprimento da obrigação pecuniária estabelecida na sentença. Acompanhando a teleologia do sistema implementado pela Lei nº 11.232/2005, que buscou o equilíbrio entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da duração razoável do processo, seria suficiente a comunicação direcionada ao advogado do devedor. Exigir a intimação pessoal do executado unicamente por estar sendo ele assistido pela Defensoria Pública representaria verdadeiro retrocesso jurídico, impedindo que a celeridade pretendida pela Lei nº 11.232/2005 fosse verdadeiramente alcançada.
Recentemente, esse posicionamento restou sufragado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1032436/SP, in verbis: DEFENSOR PÚBLICO. INTIMAÇÃO. LEI N.11.232/2005. MULTA. ART. 475-J DO CPC. Discute-se no REsp se a intimação referida no art. 475-J do CPC pode ser feita na pessoa do defensor público e se há incidência da multa lá prevista, nas hipóteses em que o trânsito em julgado da sentença ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n.11.232/2005. Nos termos da nova sistemática processual, para que se inicie a fase executiva, basta a intimação do devedor para pagamento. Essa intimação, não obstante a ausência de previsão legal expressa, deverá ocorrer na pessoa do advogado da parte, conforme jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal. Na hipótese dos autos, o recorrente foi intimado na pessoa de seu advogado para o cumprimento da sentença. O fato de esse advogado ser um defensor público não impõe a necessidade de que a intimação para pagamento seja feita à pessoa do devedor, como se de citação se tratasse. O defensor público tem poderes para o foro em geral, entre os quais está o recebimento de intimações. A única especificidade é a exigência de que essa intimação seja pessoal nos termos do art. 5º, § 5º, da Lei n.1.060/1950, diferentemente do que ocorre com o advogado constituído pela parte, que é intimado pela Imprensa Oficial. Assim, exigir a intimação pessoal do devedor na hipótese do art. 475-J do CPC, mesmo que apenas nas hipóteses em que ele estiver representado por defensor público, é propiciar um retrocesso, impedindo que sejam atingidos os escopos de celeridade e efetividade pretendidos com a Lei n.11.232/2005. O ato jurídico que desencadeará a fluência do prazo de 15 dias, segundo o atual entendimento do STJ, não é o trânsito em julgado da sentença, mas a intimação do devedor para pagamento que, na hipótese, ocorreu na vigência da Lei n.11.232/2005. Assim, se a intimação para pagamento ocorreu na vigência da lei nova, é ela que deve ser aplicada, com a consequente incidência da multa do art. 475-J, sem que isso represente prejuízo ao executado ou qualquer ofensa ao ato jurídico perfeito, no caso, à sentença transitada em julgado. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 1032436/SP – Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, decisão: 04-08-2011)
Entretanto, não obstante as respeitáveis posições em sentido contrário, entendemos que a intimação do Defensor Público não supre a necessária e indispensável intimação pessoal do assistido no que tange aos atos privativos da parte. De fato, a nova sistemática introduzida pela Lei nº 11.232/2005 pretendeu garantir a celeridade e a efetividade do processo executivo, prevendo que a intimação para o cumprimento de sentença fosse realizada na pessoa do advogado do devedor, por meio de publicação no diário oficial23. No entanto, diante das peculiaridades inerentes ao serviço de assistência jurídica estatal gratuita, não se pode conferir à Defensoria Pública o mesmo tratamento processual dispensado aos advogados. Não resta dúvida que a carga de serviço atribuída ao Defensor Público é incomparavelmente maior do que o volume de trabalho de qualquer advogado particular. Além disso, as limitações econômicas dos assistidos e o aparelhamento precário da Defensoria Pública dificultam (ou mesmo inviabilizam) o contato tempestivo entre o Defensor Público e o executado para fins do art. 475-J do CPC. Importante lembrar, outrossim, que o pagamento se caracteriza como modalidade de adimplemento das obrigações (art. 304 do CC/2002), constituindo providência a ser realizada pela própria parte. Tanto isso é verdade que o prazo quinzenal referido no art. 475-J do CPC não é contado em dobro. Logo, em virtude da natureza do ato a ser praticado e da responsabilidade subjetiva pela realização do pagamento, não pode a intimação ser direcionada para o membro da Defensoria Pública, devendo possuir como alvo aquele que deverá efetivamente realizar o adimplemento da obrigação constante do título executivo judicial. Por aplicação direta do princípio da isonomia, em sua acepção material, os Defensores Públicos e os advogados devem ser tratados desigualmente, na exata medida em que suas funções constitucionais se desigualam (art. 5º, caput da CRFB). Justamente por isso, a contagem do prazo quinzenal para a incidência da multa de 10% estabelecida pelo art. 475-J do CPC somente poderá ser iniciada após a intimação pessoal do
executado, não sendo suficiente a mera comunicação dirigida ao Defensor Público. Seguindo essa linha de raciocínio, a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem constantemente reafirmado a necessidade de realização da intimação pessoal do devedor, para que possa ser iniciada a contagem do prazo para a aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC, in verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTIMAÇÃO PESSOAL. ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. TERMO INICIAL DO PRAZO. Em se tratando de devedor assistido pela Defensoria Pública, é imprescindível que a intimação, para fins do art. 475-J do CPC, se faça diretamente na pessoa do assistido, e não pela simples remessa dos autos ao Defensor Público. Recurso conhecido a que se dá provimento, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC. (TJ/RJ – Terceira Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0028105-41.2007.8.19.0000 – Relator Des. RICARDO COUTO, decisão: 13-08-2007) CUMPRIMENTO DE SENTENCA. MORA. TERMO INICIAL DO PRAZO. DEFENSORIA PUBLICA. INTIMACAO PESSOAL. Agravo de Instrumento. Reforma processual. Novo procedimento para o cumprimento da sentença. Art. 475-J do CPC. Prazo de 15 dias para pagamento do débito sob pena de multa de 10% sobre o valor da execução. Termo inicial para a configuração da mora. Divergência. Devedor assistido pela Defensoria Pública. Intimação pessoal. Intimação do Defensor Público que não supre a intimação da parte. Versa a controvérsia recursal acerca da execução de título judicial sob a égide do novo art. 475-J do CPC. No caso, inobstante a ampla controvérsia doutrinária estabelecida em torno da aplicação do supracitado dispositivo legal e sobre a forma de estipulação do termo a quo para a constituição da mora do devedor, em se tratando de devedor assistido pela Defensoria Pública, é mister que a intimação para fins do art. 475-J do CPC se faça diretamente na pessoa do assistido, e não pela simples remessa dos autos ao Defensor Público. Trata-se de interpretação lógico-sistemática que se impõe, sobretudo, diante das peculiaridades que envolvem a assistência jurídica gratuita prestada pela D. Defensoria Pública, cumprindo-se observar, neste sentido, o já consolidado entendimento jurisprudencial segundo o qual, no tocante aos atos privativos da parte, a intimação do Defensor Público não prescinde da intimação pessoal do assistido. Decisão monocrática que se reforma parcialmente, apenas para determinar que a intimação para o pagamento do valor executado seja endereçada pessoalmente à devedora – via postal ou por Oficial de Justiça – para fins de incidência do art. 475-J do CPC. Recurso provido. (TJ/RJ – Segunda Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 2006.002.16331 – Relatora Des. ELISABETE FILIZZOLA, decisão: 31-102006) I)
DA DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO PARA A INCIDÊNCIA DA PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL: Sendo identificada a atuação funcional da Defensoria Pública em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, a prerrogativa de intimação pessoal incide automaticamente. Por decorrer diretamente de lei, a prerrogativa produz todos os seus efeitos essenciais independentemente da formulação de requerimento pela parte interessada ou da prolação de decisão deferitória pela autoridade competente. Nesse sentido, leciona FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, em obra dedicada ao tema: As prerrogativas surgem em razão de lei. Identificando-se que a representação da parte se dá pela Defensoria Pública, automaticamente se aplica o mandamento legal que assegura a intimação pessoal e o prazo em dobro. É desnecessário que o Poder Judiciário ou a autoridade administrativa as defira para que elas passem a existir no processo, pois elas não ocorrem ope judicis, mas, sim, ope legis. A partir do momento em que a Defensoria Pública oficia no feito – seja desde o início, seja em instante posterior –, os prazos devem ser duplicados e as intimações devem ser pessoais. Em termos mais simples, basta que se cumpra o que determina a lei. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 312)
Nesse ponto, é importante destacar que o Código de Processo Penal previu rito sumário no julgamento do habeas corpus, não estabelecendo a obrigatoriedade de intimação do impetrante para a sessão de julgamento24. Assim, diante da premência de análise, o processo é levado em mesa, sem necessidade de inclusão em pauta e, consequentemente, sem a necessidade de intimação do defensor, ainda que seja integrante da Defensoria Pública25. Todavia, alterações regimentais dos tribunais vem
permitindo ao impetrante realizar a sustentação oral do habeas corpus, desde que formule requerimento expresso nesse sentido26. Com efeito, no momento da impetração, deverá o Defensor Público formular requerimento explícito pleiteando a intimação acerca da data do julgamento, para que possa realizar a sustentação oral do habeas corpus. Sendo formulado o pedido e não havendo a adequada cientificação do impetrante sobre a data da sessão, restará caracterizada a nulidade do julgamento por cerceamento de defesa, conforme se observa pela análise dos seguintes precedentes: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. REQUERIMENTO PRÉVIO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA SESSÃO DE JULGAMENTO. NULIDADE. O entendimento pacificado nesta Corte é no sentido de que havendo requerimento de ciência prévia do julgamento, visando à sustentação oral, a ausência de notificação da sessão de julgamento constitui nulidade sanável em habeas corpus. Ordem concedida. (STF – Segunda Turma – HC nº 93101/SP – Relator Min. EROS GRAU, decisão: 04-12-2007) PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PEDIDO DE INTIMAÇÃO DA SESSÃO DE JULGAMENTO DE HABEAS CORPUS. INTERESSE EM SUSTENTAÇÃO ORAL. FALTA DE COMUNICAÇÃO DO DEFENSOR. OCORRÊNCIA DE NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Esta Corte entende que, formulado pedido expresso pelo impetrante para que seja intimado da data da realização da sessão de julgamento de habeas corpus, principalmente manifestando o interesse em sustentar oralmente, imperioso reconhecer a nulidade do julgamento ocorrido sem a sua ciência, com manifesto cerceamento de defesa. 2. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 3. Ordem concedida. (STF – Sexta Turma – HC nº 88869/MG – Relator Min. PAULO GALLOTTI, decisão: 12-11-2007) J)
A INTIMAÇÃO PESSOAL E AS DECISÕES PROFERIDAS EM AUDIÊNCIA: Importante coadunar a prerrogativa de intimação pessoal com as decisões proferidas em audiência, onde as partes já são intimadas no próprio ato, nos termos do art. 242, § 1º c/c art. 506, I do CPC e art. 798, § 5º, d, do CPP. A nosso ver a prerrogativa de intimação pessoal formalizada pela entrega dos autos com vista contemplada pela Lei Complementar nº 80/1994 confere aos membros da Defensoria Pública a possibilidade de serem intimados pessoalmente da decisão, mesmo que prolatada em audiência. Isso porque, com a intimação pessoal, o Defensor Público pode examinar os autos com mais cautela e avaliar os elementos lá existentes, de modo a construir o seu embasamento recursal. Ademais, em audiência o Defensor Público não dispõe da entrega dos autos com vista, ato componente da intimação pessoal, o que demonstraria, portanto, a vulneração à prerrogativa caso admitido que o prazo flua do próprio ato processual. No Tribunal do Júri, em especial, esta prerrogativa deveria ser observada com mais afinco, tendo em vista que o Defensor Público participa de um procedimento desgastante (produção probatória, debates e sentença), nem sempre tendo tempo suficiente para raciocinar e avaliar os fundamentos recursais. Não se olvide que a apelação no procedimento do Tribunal do Júri é vinculada, posto que o recorrente deve indicar os fundamentos do art. 593, III do Código de Processo Penal no momento da interposição. Recentemente, esse posicionamento restou adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, em primoroso julgado divulgado no Informativo STJ nº 491, in verbis: INTIMAÇÃO PESSOAL. DEFENSORIA PÚBLICA. SENTENÇA PROFERIDA EM AUDIÊNCIA. É prerrogativa da Defensoria Pública a intimação pessoal dos seus membros de todos os atos e termos do processo. A presença do defensor
público na audiência de instrução e julgamento na qual foi proferida a sentença não retira o ônus da sua intimação pessoal que somente se concretiza com a entrega dos autos com abertura de vistas, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa. Para o Min. Relator, não se cuida de formalismo ou apego exacerbado às formas, mas sim de reconhecer e dar aplicabilidade à norma jurídica vigente e válida, preservando a própria função exercida pelo referido órgão e, principalmente, resguardando aqueles que não têm condições de contratar um defensor particular. (STJ – Terceira Turma – REsp nº 1.190.865/MG – Relator Min. Massami Uyeda, decisão: 14-02-2012)
Relevante consignar, entretanto, que a jurisprudência predominante dos tribunais vem entendendo que a intimação pessoal da Defensoria Pública se concretiza na própria audiência, sendo iniciado nesse momento a contagem do prazo para a prática dos atos processuais. In verbis: Processo civil. Defensoria Pública. Fluência do prazo recursal. Intimação pessoal em audiência. Sendo a sentença recorrida proferida em audiência, a fluência do prazo recursal não se inicia com o recebimento dos autos na Defensoria, mas sim da intimação pessoal do Defensor Público em audiência. Agravo não provido. (TJ/DF – Sexta Turma Cível – Agravo de Instrumento nº 20080020134443 – Relatora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, decisão: 22-10-2008) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DO VÍCIO APONTADO. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. A embargante alega haver omissão no acórdão porque não se reconheceu a tempestividade de apelação interposta em primeiro grau, sendo que havia sido deferido pelo juízo a quo o pedido de vista pessoal do processo. De fato, o representante da Defensoria Pública na audiência perante o juízo de 1º grau requereu vista pessoal dos autos, o que foi deferido. Tal fato, no entanto, não possui o condão de afastar a norma contida no art. 242, § 1º do CPC. A vista pessoal prestava-se ao órgão de defesa analisar os autos para verificar a pertinência ou não de interposição de recurso, bem como para a elaboração das eventuais razões recursais. A contagem de prazos a partir da remessa dos autos para vista pessoal somente ocorre para intimações que, em princípio, se dariam por publicação em Diário Oficial. No caso dos autos, entretanto, consoante expressamente disposto no já citado art. 242, § 1º do CPC, o prazo recursal tem fluência a contar da ciência pessoal da sentença havida em audiência, e não do recebimento dos autos. Relembre-se que, no presente caso, a sentença foi proferida em audiência e nesse próprio ato deu-se a sua publicação e, logo, a ciência das partes – aí incluídos Ministério Público e Defensoria Pública, a qual contava com um seu representante a assistir o adolescente no ato processual. Precedentes jurisprudenciais. (TJ/RJ – Quarta Câmara Criminal – HC nº 0004120-04.2011.8.19.0000 – Relatora Des. NILZA BITAR, decisão: 21-06-2011) 11.2.2 Prazo em dobro
Correlata à intimação pessoal também é prerrogativa de contagem em dobro dos prazos processuais, segundo preceituam os arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994. Assim como ocorre em relação à intimação pessoal, a prerrogativa de prazo também possui previsão legal no art. 5º, § 5º, da Lei nº 1060/1950 (acrescentado pela Lei nº 7.871/1989). No entanto, conforme salientado anteriormente, o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 restou parcialmente revogado pelos arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994, que passaram a regular, de forma mais ampla e abrangente, as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro relativamente aos membros da Defensoria Pública. Atualmente, o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 deve ser utilizado apenas para fundamentar a intimação pessoal e o prazo em dobro de sujeitos estranhos ao quadro da Defensoria Pública e, logicamente, não inseridos no regime legal da Lei Complementar nº 80/1994. Sendo assim, sempre que forem feitas referências ao prazo em dobro relativamente aos membros da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados, devem ser utilizados como fundamentação legal os arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994, respectivamente. Apenas quando a prerrogativa de prazo for utilizada por quem exerça “cargo equivalente” ao de Defensor Público, poderá o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 ser adequadamente empregado. A)
EXTENSÃO SUBJETIVA DA PRERROGATIVA DO PRAZO EM DOBRO:
Segundo determina a Lei Complementar nº 80/1994, os membros da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados deverão ser intimados pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, “contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. De maneira semelhante, o art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 determina que “nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. Desse modo, a prerrogativa do prazo em dobro restou legalmente concedida aos membros da Defensoria Pública (art. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994) e àqueles que exerçam “cargo equivalente” ao de Defensor Público (art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950). No entanto, desde o momento em que restou incorporada ao ordenamento jurídico pela Lei nº 7.871/1989, a expressão “cargo equivalente” tem suscitado profunda controvérsia doutrinária e jurisprudencial. De acordo com uma primeira corrente, a necessidade de obter prazo em dobro decorreria das dificuldades econômicas e culturais que obstaculizam o acesso dos economicamente necessitados à justiça. Sendo assim, a expressão abarcaria todos os prestadores da assistência judiciária gratuita, tendo em vista que as dificuldades que justificariam a concessão da prerrogativa de prazo estariam presentes tanto nas hipóteses de atendimento realizada por órgão estatal, quanto nos casos de assistência prestada por advogados particulares27. Em última análise, a prerrogativa de prazo seria concedida ao assistido carente de recursos, e não ao órgão prestador da assistência judiciária gratuita28. Nesse sentido, leciona AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI, de maneira clara e didática: A necessidade de obter prazo em dobro decorre das dificuldades que tem o carente em ser atendido, e a do defensor em atendêlo. Não poucas vezes o carente, citado para a demanda, fica sem saber a quem recorrer. Sem recursos materiais, sem informação e de pouca cultura, fica literalmente perdido. Além disso, as condições de vida do carente, nos grandes centros urbanos, acarretam dificuldades: via de regra, moram em locais distantes e perdem muito tempo com o transporte. Em razão disso, têm menos tempo útil, afora o despendido com o trabalho – e incluída a locomoção – até ele –, para utilizar à procura de quem os defenda. É comum, no dia a dia do atendimento em órgãos prestadores de assistência judiciária, que os carentes cheguem ao local vários dias após a citação, quando não com o prazo escoado. E, se indagarmos o porquê da demora, veremos que não foi por desleixo, ou por desinteresse pela causa, mas por impossibilidade material de ali chegar antes. Por outro lado, o trabalho do defensor também é dificultado. Muitas são as razões que fazem com que, no curso do processo, torne-se necessário manter contato com o beneficiário. A título de exemplo, apenas, podemos citar alguns: para indagar sobre fatos novos alegados pela parte contrária, para oferecer defesa em reconvenção, para comunicar algum ato cuja prática dependa de algum contato com o atendido. E o que a prática demonstra é uma dificuldade, quase sempre presente, de entrar em contato com o beneficiário: não têm eles telefone próprio, e quando o têm para recados, ainda assim não será imediatamente que serão contatados; em decorrência da crise de moradias, mudam de endereço com frequência; até mesmo os Correios chegam a não encontrar seus endereços, mormente quando se localizam em favelas ou locais ermos. Intimado a praticar qualquer destes atos, cujo bom desempenho dependa de algum contato com a parte, o prazo para o defensor fica sendo exíguo. Se a necessidade é patente, o justo motivo para a dilação também se mostra claro. Encontramos como fundamento valorativo a necessidade de promover o acesso do carente à ordem jurídica justa. Não basta, portanto, o mero acesso formal à justiça, sem meios de razoavelmente defender seus interesses, pois assim estaríamos legitimando a realização de uma injustiça. A partir da análise destes fundamentos, encontramos uma interpretação extensiva ao texto do § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/1950. Diz o texto que têm prazo em dobro o Defensor Público “ou quem exerça cargo equivalente”. Entendemos que a palavra cargo deve ser lida como função: o prazo em dobro deve ser concedido a todo órgão prestador de assistência judiciária, e não somente ao órgão oficial prestador do serviço. A interpretação dada tem fundamento na isonomia: não há por que fazer-se a distinção. As dificuldades de atendimento que justificam a concessão de prazo em dobro estão presentes tanto na hipótese de atendimento pelo órgão oficial quanto na de atendimento por outro órgão prestador de assistência judiciária. O prazo, na
verdade, é concedido em prol do assistido, carentes de recursos, e não do órgão público. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 77/78)
No entanto, esse não parece ser o melhor posicionamento acerca da matéria. Adotando uma segunda corrente, entendemos que a prerrogativa de prazo não pertence ao beneficiário da assistência jurídica gratuita, mas ao membro da Defensoria Pública que presta o serviço jurídico-assistencial. Do contrário, não poderia o Defensor Público contar com a duplicação dos prazos quando estivesse exercendo suas funções institucionais atípicas (ex.: curadoria especial de réu financeiramente abastado citado fictamente, defesa criminal de acusado rico que deixou de contratar advogado, etc.)29. Na verdade, a prerrogativa do prazo em dobro se encontra fundada em três pilares existenciais básicos: (i) o grande volume de trabalho da Defensoria Pública; (ii) a histórica deficiência estrutural do serviço jurídico-assistencial público; e (iii) o princípio da indeclinabilidade das causas. Primeiramente, devemos observar que o gigantesco quantitativo de causas atribuído individualmente à cada Defensor Público supera facilmente o volume de trabalho de qualquer advogado particular, por mais azafamado que seja. Por essa razão, a contagem duplicada dos prazos processuais constitui contrapeso indispensável para nivelar os pratos da balança jurídico-processual, aliviando o ônus imposto sobre o Defensor Público pela imensa carga de serviço. Em segundo lugar, a prerrogativa de prazo objetiva contornar as históricas deficiências estruturais do serviço estatal de assistência jurídica gratuita, que por muito tempo restou materialmente privado das verbas necessárias ao seu regular desenvolvimento e funcionamento. Embora tenha apresentado relevantes avanços nos últimos anos, a Defensoria Pública ainda não se encontra suficientemente aparelhada para garantir o atendimento rápido e eficaz de toda a população carente do país, razão pela qual necessita da contagem duplicada dos prazos para que reste viabilizada a prática tempestiva dos atos processuais. Sob essa perspectiva, a concessão do prazo em dobro concretiza autêntico mecanismo jurídico de compensação pela longa e rigorosa dieta de recursos imposta pelo poder público30. Por fim, a prerrogativa do prazo em dobro existe em razão da natureza indeclinável e intransferível das relevantes funções públicas exercidas pela Defensoria Pública. Ao contrário dos advogados privados e até mesmo das entidades que prestam assistência jurídica gratuita, a atuação da Defensoria Pública é pautada pelo princípio da indeclinabilidade das causas. Com isso, não possuem os Defensores Públicos a faculdade de negar o patrocínio dos interesses da população carente em razão de excesso de trabalho, falta de especialização quanto à matéria ou outro motivo qualquer. Os particulares que prestam de forma caritativa o serviço de assistência jurídica aos pobres podem e devem atender número de pessoas compatível com sua capacidade estrutural; entretanto, no caso dos órgãos públicos essa opção limitativa não existe, devendo ser compulsoriamente atendidos todos os indivíduos carentes que venham a procurar o serviço jurídicoassistencial prestado pela Defensoria Pública. Mesmo que estejam sobrecarregados pelo elevado número de processos e desprovidos de estrutura adequada, devem os Defensores Públicos continuar prestando o serviço jurídico-assistencial àqueles que necessitam, razão pela qual devem possuir maior prazo para exercerem suas atividades processuais. Em síntese, portanto, a contagem em dobro dos prazos processuais constitui prerrogativa
aplicável aos Defensores Públicos (arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994) e aos integrantes do serviço estatal de assistência judiciária (art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950), não sendo extensível aos advogados constituídos ou dativos, ainda que estejam a defender pessoas economicamente necessitadas. A expressão “cargo equivalente”, constante do art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, deve abranger unicamente os órgãos estatais que prestam supletivamente assistência jurídica aos necessitados, enquanto ainda não restar suficientemente estruturada a Defensoria Pública (ex.: extinta Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, que desempenhava o serviço estatal de assistência judiciária em virtude da ausência de Defensoria Pública naquela unidade federativa)31. Nesse sentido, leciona GUILHERME FREIRE DE MELO BARROS, em obra dedicada ao tema: O benefício da Justiça Gratuita, previsto na Lei 1.060/1950, pode ser concedido ao particular que patrocina a causa de uma pessoa hipossuficiente. Para ser beneficiário da gratuidade de justiça, o hipossuficiente não precisa estar patrocinado pela Defensoria Pública. Entretanto, o advogado particular não goza da contagem em dobro de prazos, que é prerrogativa dirigida à Defensoria Pública. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Op. cit., pág. 104)
Ao analisar a matéria, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça sufragaram o entendimento de que a prerrogativa do prazo em dobro somente seria aplicável em relação aos membros da Defensoria Pública e aos integrantes do serviço estatal de assistência judiciária: Processual. Beneficiária da justiça gratuita. Advogado constituído pela parte. Lei nº 1.060/1950. Prazo em dobro. Inaplicabilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o prazo em dobro previsto na Lei nº 1.060/1950 é prerrogativa concedida unicamente aos Defensores Públicos, não sendo extensível aos beneficiários da justiça gratuita assistidos por advogados, como no caso. 2. Agravo regimental não provido. (STF – Primeira Turma – AI nº 242160 AgR/SP – Relator Min. DIAS TOFFOLI, decisão: 28-02-2012) PROCESSUAL CIVIL. ADVOGADO DATIVO. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. Não se aplica ao advogado dativo a norma inscrita no art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 (acrescentado pela Lei 7.871/1989), dado que as prerrogativas processuais da intimação pessoal e do prazo em dobro somente concernem aos Defensores Públicos (LC nº 80/1994, art. 44, I, art. 89, I e art. 128, I). (STF – Pleno – CR nº 7870 AgR-AgR – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 07-03-2001) A contagem, em dobro, dos prazos processuais é privilégio restrito do Defensor Público e do integrante do serviço estatal de assistência judiciária. Não cabe tal prerrogativa ao advogado particular de beneficiário da justiça gratuita. Agravo regimental improvido. (STJ – Sexta Turma – AgRg no Ag nº 816526/MT – Relator Ministro NILSON NAVES, decisão: 18-10-2007) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os prazos processuais contados em dobro somente são deferidos ao Defensor Público ou integrante do serviço estatal de assistência judiciária, não se incluindo nessa condição o advogado particular, patrono de beneficiário da justiça gratuita. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ – Quinta Turma – AgRg no Ag nº 746914/SP – Relatora Ministra LAURITA VAZ, decisão: 04-05-2006)
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul editou a Súmula nº 25, consolidando a inaplicabilidade da prerrogativa de prazo em relação aos defensores dativos e aos advogados particulares mandatários de beneficiários da gratuidade de justiça: Súmula nº 25 do TJ/RS: O disposto no art. 5º, § 5º da Lei 1060/1950, é restrito a serviço de assistência judiciária mantida pelo Estado. B)
EXTENSÃO OBJETIVA DA PRERROGATIVA DO PRAZO EM DOBRO: De acordo com a Lei Complementar nº 80/1994, os membros da Defensoria Pública deverão ser intimados pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, “contando-se-lhes em dobro todos os
prazos” (arts. 44, I, 89, I e 128, I). Em uma primeira análise, a lexicografia da norma parece indicar que a prerrogativa do prazo em dobro seria aplicável à totalidade dos prazos jurídicos, englobando genericamente todo e qualquer espaço de tempo dentro do qual se deva realizar alguma conduta jurídica. No entanto, como todas as palavras são vagas e potencialmente ambíguas, não se revela prudente limitar a hermenêutica jurídica à simplória análise literal do texto normativo. A adequada compreensão teleológica do enunciado legislativo depende fundamentalmente da análise dos motivos que nortearam a edição da regra, pois tudo está ligado a tudo na eterna interdependência universal. Conforme salientado anteriormente, a contagem em dobro dos prazos processuais constitui prerrogativa aplicável aos Defensores Públicos (arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994) e aos integrantes do serviço estatal de assistência judiciária (art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950), como forma de compensar o grande volume de trabalho, a histórica deficiência estrutural e a natureza indeclinável do serviço jurídico-assistencial público. A prerrogativa do prazo em dobro existe, portanto, para possibilitar o adequado desempenho das funções institucionais pelos Defensores Públicos ou por quem exerça cargo equivalente. Analisando as razões existenciais e os escopos fundamentais da prerrogativa de prazo, podemos concluir que apenas os prazos voltados para os membros da Defensoria Pública ou para os integrantes do serviço estatal de assistência judiciária serão atingidos pela duplicação. Não serão duplicados os prazos estabelecidos genericamente para as partes, como os prazos decadenciais e os prazos prescricionais. Seguindo essa linha de raciocínio, temos o posicionamento do professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, in verbis: A prerrogativa foi concebida para que a Defensoria Pública pudesse exercer as suas funções com maior desenvoltura, não só pelo fato de que não pode escolher ou limitar suas funções, mas principalmente porque tem como objetivo assistir a um número elevadíssimo de pessoas. Se o prazo em dobro não existisse, os assistidos dificilmente poderiam ser protegidos satisfatoriamente pela Defensoria Pública. A duplicação dos prazos, portanto, se constitui, antes de tudo, em um benefício conferido para permitir a defesa eficaz daqueles que são amparados pela Defensoria Pública. Não se justifica a extensão da prerrogativa aos prazos prescricionais ou decadenciais, que são instituídos para todos e que têm como principal fundamento a preservação da segurança jurídica. O hipossuficiente, por exemplo, não poderia ser contemplado com prazo prescricional dobrado para exercer uma pretensão que, para todos, é de dez anos. Seria inconcebível argumentar que, no caso, o lapso temporal teria sido ampliado para vinte anos! (LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 336/337)
Sendo assim, a prerrogativa do prazo em dobro se aplica unicamente aos prazos para a prática de atos processuais, não sendo aplicável em relação aos prazos para a prática de atos de natureza material. Na verdade, para que possamos distinguir adequadamente as hipóteses legais de incidência da prerrogativa do prazo em dobro, não importa propriamente o diploma no qual se encontra previsto o prazo, mas a conduta jurídica que ele temporalmente orienta. Desse modo, não haverá a duplicação do prazo decadencial de 120 dias para a impetração de Mandado de Segurança (art. 23 da Lei nº 12.016/2009), do prazo decadencial de dois anos para o ajuizamento de ação rescisória (art. 495 do CPC) e do prazo de 15 dias para a prática do ato material de cumprimento voluntário da sentença (art. 475-J do CPC). Por outro lado, em virtude do caráter processual do ato a ser praticado, deverão ser duplicados
os prazos para a apresentação de contestação, reconvenção, exceção, réplica, interposição de recursos32, oposição de embargos33 e impugnação. Questão polêmica, no entanto, tem sido determinar a natureza do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal, após a efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório (art. 806 do CPC). De acordo com uma primeira corrente, o trintídio teria natureza decadencial, razão pela qual não haveria a incidência da prerrogativa do prazo em dobro34. Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que o prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal teria natureza eminentemente processual, sendo autorizada a contagem duplicada35. Ao analisar a matéria o Superior Tribunal de Justiça, em precedente singular, entendeu ser admissível a contagem em dobro do prazo referido no art. 806 do CPC, in verbis: DEFENSORIA PÚBLICA. Prazo em dobro. Ajuizamento da ação principal. Cautelar. Deve ser contado em dobro o prazo para a propositura da ação principal (art. 806 do CPC), quando o autor for assistido pela Defensoria Pública. Recurso não conhecido. (STJ – Quarta Turma – Resp nº 275.803/SP – Relator ALDIR PASSARINHO JUNIOR, decisão: 17-04-2001)
Em outro giro, o Superior Tribunal de Justiça não tem admitido a incidência da prerrogativa do prazo em dobro em relação ao prazo estabelecido pelo art. 2º da Lei nº 9.800/1999, que admite a transmissão de dados via fac-símile, desde que sejam apresentados os documentos originais ao juízo dentro de 05 (cinco) dias. Para o STJ, a contagem em dobro atinge apenas o prazo para a prática do ato processual antecedente, não incidindo sobre o quinquídio legalmente previsto para a apresentação dos documentos originais ao órgão julgador. In verbis: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL TRANSMITIDO VIA FAC-SÍMILE. INTEMPESTIVIDADE. PRAZO INICIAL PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS. DEFENSORIA PÚBLICA. PRAZO EM DOBRO. 1. Se a petição é remetida, via fax, antes do término do prazo recursal, é do dia seguinte ao do envio que tem início o prazo previsto no citado dispositivo legal, em observância ao princípio da consumação. 2. O art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 confere à Defensoria Pública a prerrogativa da contagem em dobro de todos os prazos processuais. 3. Todavia, o quinquídio previsto no art. 2º da Lei nº 9.800/1999 é tão somente uma prorrogação do termo final para a apresentação dos originais e, portanto, não se consubstancia em novo prazo, o que afasta a incidência do art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950. 4. Embargos de declaração rejeitados. (STJ – Segunda Turma – EDcl no AgRg no Ag nº 766.306 – Relator Min. CASTRO MEIRA, decisão: 05-10-2006)
No que tange aos chamados prazos judiciais, que são fixados pelo juiz diante da falta de previsão legal de prazo para a prática de determinado ato processual, também deverá ser normalmente admitida sua contagem duplicada. Como a Lei Complementar nº 80/1994 não realizou qualquer distinção entre os prazo de natureza legal e de natureza judicial, não cabe ao intérprete fabular a pegadilha e injustificadamente reduzir a extensão objetiva da prerrogativa funcional dos membros da Defensoria Pública36. Sendo assim, se ao encerrar a AIJ o magistrado fixar em assentada, por exemplo, o prazo de 10 (dez) dias para a apresentação das alegações finais por memoriais (art. 454, § 3º do CPC), para a Defensoria Pública o referido prazo deverá ser contado em dobro, mesmo que se mantenha silente a decisão judicial. Nesse sentido, leciona o saudoso professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, em obra dedicada ao tema: Questão interessante que poderia ser suscitada, diz respeito à duplicação dos chamados prazos judiciais, que são fixados pelo próprio Juiz na ausência de prazo estabelecido pela lei para a prática de algum ato processual. Somos da opinião que tais prazos também serão computados em dobro em favor do Defensor Público uma vez que a LC não fez qualquer distinção entre as naturezas dos prazos a serem duplicados. Se assim desejasse o legislador, teria simplesmente se referido a um ou a outro
especificamente. Como não o fez, não cabe ao intérprete fazê-lo, de acordo com a conhecida regra de hermenêutica. Assim, contar-se-ão em dobro todos os prazos, tanto os legais, como os judiciais. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 99)
Em relação ao período de tempo concedido para a realização de sustentação oral nos tribunais (art. 554 do CPC) e sustentação em plenário do júri (art. 477 do CPP), não deverá ocorrer a duplicação. Isso porque, não se trata de prazo conferido para a prática de ato processual, mas período de tempo concedido para debate oral. Por fim, quanto a incidência do prazo em dobro na esfera administrativa, o Superior Tribunal de Justiça vinha entendo que as prerrogativas processuais, por constituírem regras de exceção, seriam interpretadas sempre restritivamente, razão pela qual não seriam duplicáveis os prazos dos procedimentos administrativos: PROCESSUAL CIVIL. REGRA DE EXCEÇÃO. PRAZO EM DOBRO PARA ATUAR EM JUÍZO. DEFENSORIA PÚBLICA. LC N.º 80/1994. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. NORMA DE EXCEÇÃO. ESTENDÍVEL À ESFERA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que a controvérsia a ser dirimida nos presentes autos cinge-se em definir se o benefício do prazo em dobro concedido à Defensoria Pública da União, no art. 44, I, da LC nº 80/1994, estende-se aos procedimentos administrativos ou se refere, tão somente, aos processos judiciais. 2. O art. 44, da Lei Complementar n.º 80/1994, que organiza a Defensoria Pública da União, preceitua, verbis: “art. 44: São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: I – receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos; (…).” 3. As prerrogativas processuais, exatamente porque se constituem em regras de exceção, são interpretadas restritivamente. 4. “O Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico – exceptiones sunt strictissimoe interpretationis (interpretam-se as exceções estritissimamente), no art. 6º da antiga Introdução, assim concebido: ‘a lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica’. (…) As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente. Os contemporâneos preferem encontrar o fundamento desse preceito no fato de se acharem preponderantemente do lado do princípio geral as forças sociais que influem na aplicação de toda regra positiva, como sejam os fatores sociológicos, a Werturteil dos tedescos, e outras.” (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, p. 184/193) 5. Aliás, a jurisprudência do E. STJ, encontra-se em sintonia com o entendimento de que as normas legais que instituem regras de exceção não admitem interpretação extensiva. Precedentes. 6. Os prazos processuais são prorrogáveis, por força de lei, por isso que afronta à legalidade instituir-se prazo em dobro sequer previsto na Lei Orgânica da instituição, máxime quando a norma, ao pretender fazê-lo, o fez seguindo a regra lex dixit quam voluit. 7. Voto para, divergindo do e. relator, dar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional. (STJ – Primeira Turma – REsp nº 829726/PR – Relator Min. LUIZ FUX, decisão: 29-06-2006)
Entretanto, com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, que alterou a redação original dos arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994, esse entendimento jurisprudencial restou definitivamente superado, passando os dispositivos a estabelecerem como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública: “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. Embora a expressão “instância administrativa” esteja diretamente associada à prerrogativa da intimação pessoal, o advérbio “todos” denota que a prerrogativa do prazo em dobro também deverá ser aplicada em qualquer processo, seja nos âmbito judicial ou na seara administrativa. C)
DA PRERROGATIVA DO PRAZO EM DOBRO NOS JUIZADOS ESPECIAIS: Assim como ocorre em relação à intimação pessoal, a contagem duplicada dos prazos processuais em sede de Juizados Especiais tem suscitado polêmica na doutrina e na jurisprudência. Por conta do princípio da celeridade (art. 2º da Lei nº 9.099/1995) e da interpretação elástica do art. 9º da Lei nº 10.259/2001 e do art. 7º da Lei nº 12.153/2009, alguns julgados vêm entendendo que
a prerrogativa do prazo em dobro não seria aplicável no âmbito dos Juizados Especiais. Ao julgar o Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 2003.40.00. 706363-7, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais entendeu que “o prazo em dobro previsto no art. 44, I da Lei Complementar nº 80/1994 é incompatível com o rito dos Juizados Especiais, norteado pelo princípio da celeridade”. Além disso, “por considerar a Defensoria Pública da União como órgão federal, integrante da estrutura da União”, a Turma Nacional de Uniformização entendeu que “a ela se aplica o previsto no art. 9º, da Lei nº 10.259/2001”, segundo o qual “não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”37. Do mesmo modo, o Enunciado nº 53 do FONAJEF (Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais) consolidou ser inaplicável a contagem duplicada dos prazos processuais em relação aos membros da Defensoria Pública no âmbito dos Juizados Especiais Federais: Enunciado nº 53 do FONAJEF: Não há prazo em dobro para a Defensoria Pública no âmbito dos Juizados Especiais Federais.
No entanto, as bases estruturantes dessa linha de raciocínio se encontram fundamentalmente corrompidas por equivocadas premissas jurídicas e pela errônea sistematização hermenêutica do direito. Primeiramente, é importante lembrar que a Defensoria Pública da União não integra a estrutura do Poder Executivo Federal. Na verdade, a colocação tópica e o conteúdo do capítulo destinado às “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV, Capítulo IV, da Constituição Federal) revelam que a Defensoria Pública não se encontra vinculada a nenhum dos Poderes Estatais, caracterizando-se como autêntica instituição extrapoder. Por essa razão, não deve ser aplicado em relação aos Defensores Públicos Federais o disposto no art. 9º da Lei nº 10.259/2001 e no art. 7º da Lei nº 12.153/2009. Além disso, a atuação da Defensoria Pública é tratada em diplomas legais específicos, que possuem aplicação cogente sobre todo o ordenamento jurídico, inclusive no sistema dos Juizados Especiais. Mesmo que as Leis nº 9.099/1995, nº 10.259/2001 e nº 12.153/2009 pretendessem afastar a incidência das prerrogativas processuais inerentes aos membros da Defensoria Pública, não poderiam fazê-lo por se tratar de matéria constitucionalmente reservada à lei complementar (art. 134, § 1º da CRFB)38. Adotando essa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal já admitiu expressamente a incidência da prerrogativa de prazo em dobro nos Juizados Especiais: A LC nº 80/1994 estabelece que entre as prerrogativas dos membros da Defensoria Pública dos Estados inclui-se a contagem em dobro de todos os prazos. Levando em conta a referida legislação e fato de que organização e estruturação das Defensorias Públicas nos Estados ainda encontra-se deficiente, a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o prazo para a Defensoria Pública deve ser contado em dobro, mesmo no âmbito dos Juizados Especiais. (STF – Decisão Monocrática – ARE nº 681.919/SP – Relator Min. GILMAR MENDES, decisão 13-06-2012) Habeas Corpus. Juizado Especial Criminal. Apelação por termo nos autos. Art. 600 do CPP. Razões apresentadas após o prazo do art. 81, § 1º, da Lei nº 9.099/1995. Defensoria Pública. Prerrogativas de intimação pessoal e de contagem do prazo em dobro para recorrer. Apresentação tardia das razões de apelação. Mera irregularidade que não compromete o conhecimento do recurso. Art. 601 do CPP. Ordem concedida. (STF – Segunda Turma – HC nº 85006 – Relator Min. GILMAR MENDES, decisão: 15-02-2005)
D) INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA DO PRAZO EM DOBRO NO ÂMBITO PROCESSUAL PENAL:
Como se sabe, as prerrogativas da intimação pessoal e do prazo em dobro também se encontram previstas no art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950, com a redação dada pela Lei nº 7.871/1989. À época da aprovação da referida norma, a constitucionalidade da intimação pessoal e do prazo em dobro constantes do referido dispositivo legal restou questionada perante o Supremo Tribunal Federal. No âmbito do processo civil, a regra não sofreu repreensão por parte da Suprema Corte, até porque existe previsão legal equivalente em relação ao Ministério Público e à Fazenda Pública (art. 188 do CPC)39. Entretanto, no campo processual penal, a previsão de prazo em dobro para a Defensoria Pública foi objeto de profunda controvérsia, haja vista inexistir regra semelhante em relação ao parquet. Desse modo, a dobra de prazo para a atuação processual da Defensoria Pública no âmbito criminal colocaria a defesa em posição não isonômica em relação à acusação, que deveria obrigatoriamente atuar dentro do prazo simples. Ao enfrentar a matéria, o Supremo Tribunal Federal observou que vários Estados ainda não possuíam Defensoria Pública regularmente estruturada e, nos locais onde o serviço já havia sido implementado, os órgãos de assistência judiciária funcionavam de maneira rudimentar, com estrutura extremamente precária. Diante desse contexto, o Supremo Tribunal Federal adotou a tese da inconstitucionalidade progressiva do art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, entendendo que a prerrogativa do prazo em dobro teria aplicabilidade no âmbito processual penal enquanto todas as Defensorias Públicas não dispusessem da mesma estrutura e nível de aparelhamento do Ministério Público. In verbis: Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§ 5º do art. 5º da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei nº 7.871, de 08.11.1989). Constitucionalidade. Habeas Corpus. Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei nº 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública. 2. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal que não conhece de apelação interposta por Defensor Público, por considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em dobro para recurso, de que trata o § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei nº 7.871, de 08.11.1989. 3. A anulação também se justifica, se, apesar do disposto no mesmo parágrafo, o julgamento do recurso se realiza, sem intimação pessoal do Defensor Público e resulta desfavorável ao réu, seja, quanto a sua própria apelação, seja quanto à interposta pelo Ministério Público. Habeas Corpus deferido para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia intimação pessoal do Defensor Público, afastada a questão da tempestividade da apelação do réu, interposto dentro do prazo em dobro. (STF – Pleno – HC nº 70514/RS – Relator Min. SYDNEY SANCHES, decisão: 22-03-1994)
Importante observar que o reconhecimento da constitucionalidade da prerrogativa do prazo em dobro no âmbito processual penal não se encontra fundada na enorme carga de trabalho atribuída à Defensoria Pública, que é incomparavelmente maior do que o volume de serviço de qualquer advogado particular – por mais atarefado que seja. Essa disparidade fundamenta a existência da prerrogativa do prazo em dobro unicamente no âmbito cível, como forma de criar contrapesos e de nivelar os pratos da balança jurídico-processual: para quem tem menos serviço, menor prazo; maior tempo para quem é mais atarefado40. No âmbito processual penal, não existe desproporcionalidade entre o volume de trabalho
atribuído à Defensoria Pública e ao Ministério Público; na verdade, analisando a questão sob a ótica exclusivamente quantitativa, podemos afirmar que o parquet, que atua em todos os feitos criminais, possui uma carga de serviço superior àquela relegada à Defensoria Pública, que atua apenas nos processos em que não há advogado regularmente constituído. No entanto, a desproporcionalidade estrutural entre a Defensoria Pública e o Ministério Público se revela evidente e inquestionável. Conforme observa o Ministro CARLOS VELLOSO, “há desigualdade entre o pobre, o miserável, o necessitado, em sentido legal, que é defendido por Defensor Público que integra uma Defensoria desaparelhada, existente apenas no papel, porque ainda não estruturada, ainda não implantada em termos reais, que não dispõe de máquina de escrever, de papel e em que o Defensor, pessimamente remunerado, tem que buscar noutras fontes a sua subsistência, e uma acusação organizada, um Ministério Público com integrantes recrutados mediante concurso público de provas e títulos, com uma Procuradoria-Geral de Justiça muito bem organizada, com servidores competentes, material de escritório, computadores, etc.”41. Por essa razão, entendeu o Supremo Tribunal Federal ser razoável reconhecer a prerrogativa da contagem em dobro dos prazos processuais à defesa desaparelhada, como forma de permitir a adequada atuação em face da organizada e estruturada acusação. Nesse ponto, se mostra bastante esclarecedor o voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES, in verbis: Propus que essa matéria viesse à apreciação do Plenário, porque ela me parece mais delicada do que a dos precedentes que já tivemos. Nesses precedentes, procurou-se explicar a exceção, em favor do Ministério Público, do tratamento igual que deve ser dado às partes em respeito ao princípio do contraditório, tendo em vista o número de casos em que aquele atua na defesa da sociedade, ao passo que o advogado age na defesa apenas de alguns réus. Aqui, não: o confronto se faz entre a multiplicidade de atuação do Ministério Público em ação penal e a atuação, em menor número de feitos penais, da Defensoria Pública, porquanto muitos réus têm advogado constituído. Além disso, o ônus processual do Ministério Público na acusação é maior do que o da defesa, uma vez que, em virtude da presunção de inocência, é àquele que cabe provar a veracidade da acusação. E nem se diga que o interesse da ampla defesa jusifica tratamento díspar em favor da Defensoria Pública, porquanto não se pode considerar que o interesse da defesa da sociedade que compete ao Ministério Público tenha valor menor do que aquele que se situa no âmbito individual. A única justificativa que encontro para esse tratamento desigual em favor da Defensoria Pública em face do Ministério Público é a de caráter temporário: a circunstância de as Defensorias Públicas ainda não estarem, por sua recente implantação, devidamente aparelhadas como se acha o Ministério Público. Por isso, para casos como este, parece-me deva adotar-se a construção da Corte Constitucional alemã no sentido de considerar que uma lei, em virtude das circunstâncias de fato, pode vir a ser inconstitucional, não o sendo, porém, enquanto essas circunstâncias de fato não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais. Assim, a lei em causa será constitucional enquanto a Defensoria Pública, concretamente, não estiver organizada com a estrutura que lhe possibilite atuar em posição de igualdade com o Ministério Público, tornando-se inconstitucional, porém, quando essa circunstância de fato não mais se verificar. (Voto proferido pelo Min. MOREIRA ALVES / STF – Pleno – HC nº 70514/RS – Relator Min. SYDNEY SANCHES, decisão: 22-03-1994)
Por meio da referida decisão, portanto, o Supremo Tribunal Federal buscou assegurar a paridade de armas entre a acusação e a defesa, reconhecendo a constitucionalidade da prerrogativa de contagem em dobro dos prazos processuais penais “enquanto não estiverem devidamente estruturadas as Defensorias Públicas, tornando-se ela inconstitucional quando essa circunstância de fato deixar de existir”42. De fato, ainda há uma longa estrada a ser percorrida até alcançarmos a realidade em que o Ministério Público e Defensoria Pública possam atuar em igualdade de condições, apesar de já
rumarmos nesse sentido a passos largos. Até lá, é possível que a posição acerca da inconstitucionalidade das prerrogativas também seja revista, diante das crescentes funções afetas à Defensoria Pública, que demandam a instituição de privilégios para uma atuação eficiente. E)
DA DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO PARA A INCIDÊNCIA DA PRERROGATIVA DO PRAZO EM DOBRO: Por decorrer diretamente de lei, a prerrogativa da contagem duplicada dos prazos processuais deve produzir todos os seus efeitos essenciais independentemente da formulação de requerimento prévio pela parte interessada ou da prolação de decisão deferitória pela autoridade competente. Sendo assim, ocorrendo a atuação funcional da Defensoria Pública em qualquer processo, a prerrogativa do prazo em dobro deve incidir automaticamente43. F)
DA CONTROVÉRSIA ACERCA DA NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO PRAZO EM DOBRO ANTES DO DECURSO DO PRAZO SIMPLES: Conforme salientado anteriormente, a contagem duplicada dos prazos processuais independe da formulação de requerimento prévio, incidindo automaticamente sempre que restar identificada a atuação funcional da Defensoria Pública no processo. Questão procedimental polêmica, entretanto, diz respeito à necessidade de comunicação prévia acerca da utilização do prazo em dobro, antes do decurso do prazo simples. De acordo com uma primeira corrente, o Defensor Público deveria obrigatoriamente realizar a juntada de petição no processo comunicando ao juízo que a parte será assistida pela Defensoria Pública e que será utilizada a prerrogativa do prazo em dobro, devendo a protocolo da peça ser realizado antes do vencimento do prazo simples. Não sendo realizada a comunicação dentro desse prazo restaria caracterizada a preclusão e a consequente extinção do direito de praticar o ato processual (art. 183 do CPC), não podendo a indicação extemporânea da Defensoria Pública para o patrocínio da causa gerar a duplicação e a consequente continuação da contagem do prazo. Segundo os partidários dessa corrente, a prerrogativa do prazo em dobro pertence ao membro da Defensoria Pública e não ao beneficiário da assistência jurídica gratuita; por isso, seria imprescindível que a comunicação fosse realizada antes do vencimento do prazo simples, de modo a comprovar que o réu efetivamente procurou o serviço jurídico-assistencial dentro do prazo que possuía para a apresentação da resposta. Na verdade, portanto, a exigência formal de cientificação prévia do juízo objetivaria evitar a ocorrência de fraudes processuais, principalmente nas hipóteses em que houvesse a perda do prazo por advogados particulares e o encaminhamento de clientes à Defensoria Pública para que fosse oferecida resposta dentro do prazo em dobro. Em termos práticos, seguindo os ditames dessa primeira corrente, a petição comunicando que a parte se encontra sob o patrocínio da Defensoria Pública e que será utilizado o prazo em dobro deveria ser protocolada, no procedimento ordinário, antes do decurso do prazo de 15 dias para a apresentação da contestação (art. 297 do CPC). Sendo a comunicação realizada no 16º dia, por exemplo, restaria caracterizada a preclusão, não podendo haver a duplicação do prazo já esgotado. Seguindo esse posicionamento, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou o Enunciado XXXIX, do Aviso CGJ nº 04, in verbis:
Aviso CGJ nº 04, Enunciado XXXIX: A vantagem em dobro do prazo para a Defensoria Pública depende de sua tempestiva habilitação.
Dentro da mesma linha, vem se posicionando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: PROCESSO CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. PRAZOS PROCESSUAIS EM DOBRO. NECESSIDADE DE PRÉVIA CIENTIFICAÇÃO DO JUÍZO. 1. Aos beneficiários da assistência judiciária, a teor do disposto no artigo 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, é assegurado o direito de ver contados em dobro os prazos processuais, exigindo-se, contudo, a cientificação prévia do juízo antes do decurso do respectivo lapso temporal. 2. Precedentes. 3. Recurso não conhecido. (STJ – Sexta Turma – REsp nº 401979/MG – Relator Min. PAULO GALLOTI, decisão: 19/09/2002) PROCESSO CIVIL. CONTESTAÇÃO. RÉU ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO JUIZO ANTES DO DECURSO DO PRAZO NORMAL. PRETENSÃO DE GOZO DE PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos do art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, o Defensor Público goza em dobro de todos os prazos processuais. Para se beneficiar do prazo em dobro para contestar, deve a Defensoria Pública comunicar ao juízo que assistirá parte antes do término do prazo quinzenal previsto no art. 297 do CPC. No caso em tela, o magistrado só tomou conhecimento de que o réu seria assistido pela Defensoria Pública quando tomou conhecimento da apelação interposta da sentença. Assim, correta a decretação da revelia e julgamento antecipado da lide, já que não foi cientificado o magistrado, dentro do prazo normal da contestação, de que o réu seria assistido por Defensor Público. (TJ/RJ – Décima Sexta Câmara Cível – Apelação nº 0030259-42.2011.8.19.0210 – Relator Des. LINDOLPHO MORAIS MARINHO, decisão: 24-01-2013) PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO. REVELIA CONFIGURADA. BENEFÍCIO DE PRAZO EM DOBRO DA DEFENSORIA PÚBLICA QUE EXIGE COMUNICAÇÃO AO JUÍZO NO PRAZO SIMPLES. IMPROVIMENTO DO RECURSO. Para que o benefício do prazo em dobro da Defensoria Pública possa ser utilizado é imprescindível que, no prazo simples, haja comunicação ao Juízo de que a parte está sendo patrocinada pela Defensoria Pública e fará uso do benefício. Ausente tal comunicação impõe-se o reconhecimento da intempestividade. Recurso improvido. (TJ/RJ – Décima Terceira Câmara Cível – Apelação nº 0009018-40.2005.8.19.0204 – Relator Des. ADEMIR PIMENTEL, decisão: 01-08-2007)
Por outro lado, sob uma ótica mais comprometida com o devido processo legal e com o próprio acesso à justiça, uma segunda corrente defende que a prerrogativa do prazo em dobro incidiria automaticamente, não havendo a necessidade formal de apresentação da comunicação dentro do prazo simples. Na verdade, a comunicação de que a causa será patrocinada pela Defensoria Pública e que será utilizada a prerrogativa do prazo em dobro possuiria o único propósito de evitar o andamento do processo após o decurso do prazo simples, com a indevida decretação da revelia. A contagem duplicada dos prazos processuais não dependeria de qualquer requerimento ou comunicação realizada dentro do prazo simples, incidindo automaticamente sempre que restasse identificada a atuação funcional da Defensoria Pública no processo. Na prática, seguindo essa linha de posicionamento, comparecendo o réu ao órgão da Defensoria Pública 16 dias após a juntada aos autos do mandado de citação, por exemplo, poderia o Defensor Público apresentar resposta dentro do prazo em dobro, sem necessidade de qualquer comunicação prévia (art. 297 do CPC c/c arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC nº 80/1994)44. Nesse sentido, leciona o professor ARAKEN DE ASSIS, em artigo dedicado ao tema: Dobrar-se-á o prazo automaticamente, porque o serviço estatal de assistência judiciária já avaliou a condição de necessitado, a teor do art. 5º, LXXIV, da CF/1988. Assim, o prazo para contestar (art. 297) passará de quinze para trinta dias sem a necessidade de manifestação prévia do defensor. (ASSIS, Araken de. Garantia de acesso à Justiça: benefício da gratuidade, in CRUZ E TUCCI, Rogério (org.). Garantias Constitucionais do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 35)
Do mesmo modo, o professor AUGUSTO TAVARES ROSA MARCACINI sustenta que a incidência da
prerrogativa do prazo em dobro independe da prática de qualquer formalidade processual: Nos termos do mencionado § 5º do art. 5º da Lei de Assistência Judiciária, todos os prazos são contados em dobro. Assim, o prazo para contestar deve, obviamente, ser incluído, independentemente da prática de qualquer formalidade, já que a lei não exige outros requisitos. Desnecessário, portanto, requerer ao juiz o prazo em dobro antes de oferecer resposta. Oferecida contestação dentro do prazo dobrado, esta há de ser recebida, desde que a parte seja beneficiária da gratuidade processual e esteja sendo defendida por órgão ou agente prestador de assistência judiciária. A exigência do pedido de concessão do prazo em dobro antes de vencido o prazo normal atenta contra a finalidade da norma. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., pág. 78/79)
Por fim, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro alguns julgados vem entendendo que a duplicação ocorreria automaticamente e independeria de qualquer comunicação prévia formulada dentro do prazo simples: Agravo de Instrumento. Investigação de Paternidade. Revelia. Não reconhecido o ingresso nos autos após o decurso do prazo. Recurso do réu. Defensoria Pública que goza da prerrogativa do prazo em dobro, nos termos do art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950. Irrelevante se houve comunicação ao juízo do uso da prerrogativa. Previsão legal. Contestação protocolada dentro do prazo em dobro instituído pela Lei nº 1.060/1950. Inexistência de revelia. Provimento do recurso. (TJ/RJ – Oitava Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0061122-29.2011.8.19.0000 – Relatora Des. NORMA SUELY, decisão: 14-05-2012) AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFENSORIA PUBLICA. CONTAGEM EM DOBRO DO PRAZO. ART. 5º DA LEI Nº 1.060/1950. RECURSO PROVIDO. Agravo de instrumento contra decisão que declarou intempestiva contestação de parte assistida pela Defensoria Pública. A Defensoria Pública tem prazo em dobro para a prática de todo e qualquer ato processuais a teor do disposto no art. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950, independentemente de qualquer comunicação a respeito. Provimento do recurso. (TJ/RJ – Sexta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0011451-23.2000.8.19.0000 – Relatora Des. MARIANNA PEREIRA NUNES, decisão: 10-01-2000) G)
DA NÃO INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DA CONTAGEM DOS PRAZOS PARA A PRÁTICA DOS ATOS PROCESSUAIS PELA PETIÇÃO QUE COMUNICA A UTILIZAÇÃO DO PRAZO EM DOBRO: A petição que formaliza a comunicação de utilização do prazo em dobro nos autos do processo não possui o condão de ocasionar a interrupção ou a suspensão dos prazos para a prática dos atos processuais. Sendo assim, caso o réu seja citado e compareça à Defensoria Pública para apresentar contestação, a petição que informa a utilização do prazo duplicado não ensejará a interrupção ou a suspensão do prazo para a apresentação da resposta. Por isso, não poderá o Defensor Público simplesmente protocolar a comunicação e permanecer inerte, aguardando a abertura de vista do processo para, somente então, contestar a demanda; na verdade, a resposta deverá ser apresentada regularmente dentro do prazo legal, cuja contagem é iniciada pela juntada do aviso de recebimento ou do mandado de citação positivo nos autos do processo (art. 241 do CPC). De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “o ato citatório é personalíssimo, sendo realizado sempre na pessoa do réu, e não do seu defensor, contando-se o prazo na forma do art. 241 do CPC”. Admitir que a contagem do prazo de resposta apenas fosse iniciada com a intimação pessoal do membro da Defensoria Pública “importaria em contemplar, por via indireta, uma espécie de interrupção do prazo para apresentação de contestação que não está prevista no ordenamento jurídico”45. H)
DA CONTAGEM DO PRAZO PARA RESPOSTA QUANDO A JUNTADA DA PETIÇÃO DE COMUNICAÇÃO DO PRAZO EM DOBRO OCORRE ANTES DE VIR AOS AUTOS O MANDADO DE CITAÇÃO CUMPRIDO:
Muitas vezes, o assistido comparece ao órgão de atuação da Defensoria Pública, munido de contrafé e cópia do mandado de citação, solicitando o patrocínio jurídico gratuito para que possa responder adequadamente ao processo. Nesses casos, pode acontecer que o Defensor Público providencie a afirmação de hipossuficiência e formule, desde já, petição comunicando ao juízo que a parte será assistida pela Defensoria Pública e que será utilizada a prerrogativa do prazo em dobro. No entanto, em virtude do grande volume de trabalho dos Oficiais de Justiça, pode ser que o original do mandado de citação cumprido ainda não tenha sido regularmente juntado ao processo. Diante desse quadro, cabe o questionamento: a juntada da petição de comunicação do prazo em dobro, antes de vir aos autos o mandado de citação cumprido, pode fixar para o Defensor Público o marco inicial para a contagem do prazo para a apresentação de contestação? De acordo com o posicionamento tradicional da doutrina46 e da jurisprudência47, a petição informando que a causa será patrocinada pela Defensoria Pública demarca o início da contagem do prazo para a apresentação de resposta, pois restaria caracterizada a ciência inequívoca da demanda em razão do comparecimento espontâneo do réu ao processo, suprindo a necessidade de comprovação da citação pela juntada do mandado (art. 214, § 1º do CPC). Nesse sentido, vem se posicionando a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis: Citação – Comparecimento espontâneo do réu – Contagem do prazo para contestação. 1 – O comparecimento espontâneo do réu ao processo supre a falta de citação, a teor do que dispõe o artigo 214 do CPC. 2 – A contagem do prazo para o oferecimento de contestação neste caso se faz a partir do comparecimento do réu ao processo e não da juntada aos autos do mandado cumprido. 3 – Contestação oferecida intempestivamente, ainda que computado em dobro o prazo, diante do patrocínio, na ocasião, da Defensoria Pública. 4 – Provimento do recurso. (TJ/RJ – Décima Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0000577-66.2006.8.19.0000 – Relatora Des. JACQUELINE MONTENEGRO, decisão: 05-04-2006)
Adotando linha de pensamento diversa, os Defensores Públicos FRANCISCO MESSIAS NETO e JORGE AUGUSTO PINHO BRUNO defendem que a juntada de petição, comunicando que a parte será assistida pela Defensoria Pública e que será utilizada a prerrogativa do prazo em dobro, não possui o condão de instaurar a contagem do prazo para a apresentação de contestação, tendo em vista que o vínculo estabelecido com a parte pela afirmação de hipossuficiência não outorga ao Defensor Público poderes especiais para o recebimento de citação (art. 38 do CPC c/c arts. 44, XI, 89, XI e 128, XI da LC nº 80/1994). Desse modo, a petição de comunicação do prazo em dobro apenas poderia ser utilizada como marco inicial para a contagem do prazo para resposta, se hovesse manifestação expressa da parte se dando como citada naquele momento. Do contrário, continuaria sendo aplicada a regra geral do art. 241 do CPC, sendo iniciada a contagem do prazo com a juntada aos autos do original do madado de citação cumprido. In verbis: Como se sabe, a investidura do Defensor Público no processo judicial ou administrativo decorre da Lei, e, por isso, prescinde de instrumento procuratório. Acresce a isso, entretanto, que os poderes que lhes são conferidos pela lei, não abrangem os chamados poderes especiais, mencionados no art. 38 do CPC, quais sejam, os poderes para: receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. (…) Tais poderes, chamados especiais, pela intensidade das consequências jurídicas a ele inerentes, em se tratando de advogado particular, necessitam ser expressamente conferidos no instrumento procuratório. (…) Ora, se assim é em relação ao advogado particular, por muito mais razão se aplicaria ao Defensor Público o princípio segundo o qual os poderes especiais devem ser conferidos expressamente, ou seja, mutatis mutandis, devem ser manifestados
expressamente pela parte assistida quando da aposição de sua firma no petitório formulado. E isto porque, se a investidura decorre de lei, não pode abranger os poderes especiais, estes exercidos em relação a direitos disponíveis – como ademais, efetivamente não abrange, haja vista o teor do art. 128, XI da LC nº 80/1994. Não há como dizer, outrossim, que a petição na qual requer o Defensor Público, pela parte por ele assistida, a concessão da gratuidade de justiça possa ‘suprir falta de citação’, invocando-se, temerariamente, o § 1º do art. 214 do CPC. Em verdade, não há na hipótese “falta de citação”, razão pela qual não há que se falar em suprimento. Citação houve e qualificada como válida. Apenas ainda não ocorreu o pressuposto fático processual para a fixação do termo a quo do prazo para contestar, qual seja, a juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos respectivos. Ora, a petição assinada pela parte, na qual o Defensor Público requer exclusivamente a concessão da gratuidade de justiça, somente lhe confere os poderes que a lei lhe atribui, quais sejam, os poderes ordinários para manejar instrumentos jurídicos técnico-processuais imprescindíveis à defesa do necessitado jurídico, jamais implicando na concessão ao Defensor Público dos poderes especiais, estatuídos no art. 38 do CPC, dentre eles o de receber citação. Acrescente-se mais, que a assinatura pela parte da petição com escopo de obter o benefício da gratuidade, constitui pressuposto lógico para a concessão da gratuidade de justiça, porquanto em seu bojo é que afirmou a parte subsumir-se aos pressupostos legais da Lei nº 1.060/1950, presumindo-se de tal afirmação a necessidade jurídica, da qual decorre o patrocínio da Defensoria Pública. Tal assinatura, pura e simples, entretanto, não será apta a, por si só, conferir ao Defensor Público quaisquer poderes que transcendam o lindes dos chamados poderes gerais. (…) Desta feita, no caso do patrocínio da Defensoria Pública, para que o ingresso nos autos implicasse em recebimento da citação antes da juntada do mandado de citação cumprido, necessário seria que no bojo da petição assinada pela parte houvesse manifestação expressa de que a parte se dá como citada naquele ato. Impende asseverar mais, que, de regra, nessa oportunidade sequer se pede vista dos autos, tampouco vista específica para contestar. Entender-se de forma contrária, seria o mesmo que admitir possa o Defensor Público, após a assinatura pela parte assistida daquela referida petição – onde, frise-se, se requer exclusivamente a gratuidade de justiça – pudesse, sponte propria, sem a anuência expressa da parte, transacionar sobre o direito em litígio, renunciar ao direito, etc. Por conseguinte, em não ocorrendo manifestação expressa através da qual a parte se dê como citada, o termo a quo para a contagem do prazo de contestação, há de ser aquele que se subsume à regra geral, ou seja, da data da juntada do mandado de citação cumprido aos autos, não havendo que se falar, nos termos do § 1º do art. 214 do CPC, em “suprimento da falta de citação”, dispositivo legal aplicável à hipótese distinta da presente. (MESSIAS NETO, Francisco. BRUNO, Jorge Augusto Pinho. A juntada de petição requerendo a concessão de gratuidade de justiça, antes de vir aos autos o mandado de citação cumprido, fixa, para o Defensor Público, o termo a quo do prazo de contestação?, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2003, ano XXI, n.18, pág. 135/139) I)
COMUNICAÇÃO DO PRAZO EM DOBRO E RESPONSABILIDADE FUNCIONAL PELA PRÁTICA DO ATO PROCESSUAL SUBSEQUENTE: Em alguns casos, após realizar o atendimento inicial do assistido e protocolizar a petição de comunicação do prazo em dobro, o Defensor Público acaba sendo removido ou designado para outro órgão de atuação. Nessas hipóteses, a quem caberia a prática do ato processual cujo prazo restou duplicado? Normalmente, a responsabilidade funcional pela prática do ato processual é atribuída ao Defensor Público que realizou o atendimento inicial do assistido e protocolizou a petição de comunicação do prazo em dobro, ressalvados os casos de justificada impossibilidade. No entanto, em virtude da multifacetada realidade cotidiana dos órgãos de atendimento, a matéria pode receber regulamentação diversa por atos normativos internos de cada Defensoria Pública. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a questão restou regulamentada pela Ordem de Serviço DPGE nº 23/1997, que estabelece: Ordem de Serviço DPGE nº 23, de 08 de janeiro de 1997 Dispõe sobre a utilização do prazo em dobro e dá outras providências.
Art. 1º Ao Defensor Público que primeiro atendeu à parte citada, ou de qualquer outro modo cientificada para oferecer resposta ou defesa, ainda que incidentalmente sob a forma de embargos, compete a elaboração das peças processuais necessárias. Parágrafo único. Na hipótese de necessidade de retorno do citado ou cientificado com documentos ou dados imprescindíveis em data na qual já estiver afastado o Defensor que inicialmente o atendeu, este deverá dar conhecimento ao seu substituto ou seu sucessor de tal retorno, entregando-lhe cópia de eventual peça onde tenha comunicado ao Juízo a utilização da dobra do prazo. Art. 2º Ao Defensor Público que comunicar ao Juízo a utilização da prerrogativa do prazo em dobro para a apresentação das peças antes referidas, compete a elaboração destas, mesmo que removido ou designado para outro Órgão de Atuação, salvo eventual e justificada impossibilidade, bem como os casos previstos em lei. Art. 3º Nos casos de impossibilidade de elaboração de trabalhos ou realização de atos processuais pelo Defensor que atendeu ao assistido, deverá o mesmo fornecer ao seu substituto todos os meios e dados que dispuser para possibilitar-lhe prestar a plena assistência dos interesses da parte, fazendo-lhe a entrega, ao menos, de uma minuta da peça ou do que seja imprescindível à defesa de tais interesses. Consideram-se como casos de eventual impossibilidade, os seguintes: a) Ação de Rito Sumário, onde a Audiência de Instrução e Julgamento será realizada por Defensor diverso daquele que atendeu o assistido; b) outras audiências que devam ser realizadas por outro Defensor que não aquele que atendeu ao assistido, face à substituição ocorrida. Art. 4º: Os casos eventualmente omissos serão resolvidos por esta Corregedoria-Geral da Defensoria Pública Geral do Estado mediante requerimento do Defensor Público interessado. J)
CONTAGEM DO PRAZO QUANDO O ADVOGADO RENUNCIA AOS PODERES CONFERIDOS PELA PARTE APÓS A SUA INTIMAÇÃO: Nas hipóteses em que o advogado renúncia ao mandato conferido pela parte também há a necessidade de se analisar as consequências processuais da rescisão do vínculo contratual existente entre o procurador e o cliente. Imaginemos situação em que o prazo se inicia por conta da intimação do advogado. Neste caso, o primeiro passo é verificar se a hipótese demanda a aplicação do art. 45 do Código de Processo Civil, oportunidade em que o patrono permanecerá atuando para evitar prejuízo à parte nos 10 (dez) dias subsequentes. Não se configurando a situação descrita no art. 45 do Código de Processo Civil, a parte deverá buscar a Defensoria Pública em tempo razoável a fim de permitir que o Defensor Público possa adotar as medidas adequadas, seja através da interposição do recurso ou do oferecimento da manifestação processual cabível. Em relação à forma de contagem dos prazos, existem dois entendimentos distintos e antagônicos sobre o tema. De acordo com uma primeira corrente, de caráter eminentemente restritivo, uma vez realizada a intimação do advogado pela imprensa oficial, restará iniciada a contagem do prazo para a prática do ato processual. A nomeação da Defensoria Pública para o patrocínio da causa não terá o condão de interromper a contagem do prazo, que continuará seguindo normalmente seu curso até que ocorra o termo final. Assim, o Defensor Público deverá verificar o tempo já decorrido entre a intimação do advogado e a constituição do vínculo com o assistido, pois lhe restará apenas esta diferença de prazo, que será duplicada em virtude da incidência da prerrogativa do prazo em dobro. Ou seja, se a renúncia do advogado ocorreu no 5º dia e a Defensoria Pública restou constituída no 8º dia, restarão apenas 07 dias para a interposição do Recurso de Apelação que, com a incidência da prerrogativa do
prazo em dobro, serão ampliados para 14 dias. No entanto, segundo o posicionamento adotado por uma segunda corrente, a qual nos filiamos, a constituição da Defensoria Pública após a renúncia/destituição do advogado no curso do prazo processual acarreta o restabelecimento da contagem inicial do prazo, que terá como termo a quo a intimação pessoal com vista dos autos (art. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994). Afinal, por estarem sujeitos a regime jurídico diferenciado, os Defensores Públicos não são obrigados a responderem intimações recebidas por advogados particulares. Sendo assim, seguindo o posicionamento adotado por essa corrente, se o advogado renunciar após o 4º dia do prazo, por exemplo, com o ingresso da Defensoria Pública no feito será restabelecida a contagem inicial do prazo, que será duplicado e começará a correr a partir da intimação pessoal com vista dos autos. 11.2.3 Restrições quanto à prisão dos Defensores Públicos
De acordo com os arts. 44, II, 89, II, e 128, II, da LC nº 80/1994, constitui prerrogativa dos membros da Defensoria Pública “não ser preso, senão por ordem judicial escrita, salvo em flagrante, caso em que a autoridade fará imediata comunicação ao Defensor Público Geral”. Sendo assim, no caso do cometimento de infrações penais, os Defensores Públicos só poderão ser presos mediante ordem judicial escrita, salvo em caso de flagrante48. Nessa hipótese, deverá a autoridade policial realizar a imediata comunicação da prisão ao Defensor Público Geral, sob pena de tornar nulo o flagrante e incidir em crime de abuso de autoridade. Embora os dispositivos não estabeleçam um prazo máximo para que a comunicação seja devidamente realizada, o termo “imediata” indica que a informação deve ser passada ao Defensor Público Geral “no exato momento em que a dita autoridade tiver conhecimento da prisão do membro da Defensoria Pública, salvo a existência de impossibilidades materiais momentâneas, que impeçam a comunicação (prisão efetuada durante a madrugada, por exemplo), hipótese em que tal providência será adotada tão logo superado o impedimento”49. 11.2.4 Recolhimento diferenciado à prisão
Segundo estabelecem os arts. 44, III, 89, III e 128, III da LC nº 80/1994, constitui prerrogativa dos membros da Defensoria Pública “ser recolhido a prisão especial ou a sala especial de EstadoMaior, com direito a privacidade e, após sentença condenatória transitada em julgado, ser recolhido em dependência separada, no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena”. Em virtude dos relevantes serviços prestados à comunidade, os Defensores Públicos se encontram diuturnamente expostos ao descontentamento e sujeitos às retaliações de pessoas eventualmente contrariadas pela defesa de contrapartes processuais e da própria ordem jurídica. Por essa razão, o ordenamento jurídico confere aos Defensores Públicos a prerrogativa do recolhimento diferenciado à prisão, objetivando garantir a incolumidade física desses agentes políticos durante eventual recolhimento ao cárcere50. Como podemos observar pela análise dos dispositivos acima mencionados, a regra do recolhimento diferenciado à prisão pode ser dividida em duas quadras temporais distintas: (i) antes do trânsito em julgado, quando a prisão possui natureza eminentemente cautelar; e (ii) após o trânsito em julgado, quando a prisão decorre de sentença condenatória irrecorrível e possui natureza jurídica
de sanção. Enquanto preso cautelarmente (prisão temporária ou preventiva), o membro da Defensoria Pública deverá “ser recolhido a prisão especial ou a sala especial de Estado-Maior, com direito a privacidade”, conforme determina a primeira parte dos arts. 44, III, 89, III e 128, III da LC nº 80/1994. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, “por Estado-Maior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar); assim sendo, ‘sala de Estado-Maior’ é o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa por eles ser utilizado para exercer suas funções. A distinção que se deve fazer é que, enquanto uma ‘cela’ tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém – e, por isso, de regra contém grades –, uma ‘sala’ apenas ocasionalmente é destinada para esse fim. De outro lado, deve o local oferecer ‘instalações e comodidades condignas’, ou seja, condições adequadas de higiene e segurança”51. Não sendo possível o recolhimento à prisão especial ou à sala especial de Estado-Maior, deverá o Defensor Público permanecer em prisão domiciliar, como mecanismo subsidiário de preservação da prerrogativa52. Em um segundo momento, havendo o trânsito em julgado da sentença condenatória, o Defensor Público deverá “ser recolhido em dependência separada, no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena”, conforme a parte final dos arts. 44, III, 89, III, e 128, III, da LC nº 80/1994). Embora a norma não preveja que a instalação deva ser ocupada unicamente pelo Defensor Público, a teleologia do dispositivo indica que o membro da Defensoria Pública deverá ser permanentemente mantido separado dos demais presos comuns, como forma de preservar sua segurança e salvaguardar sua integridade física. Por fim, convém observar que, em havendo a perda do cargo, o Defensor Público não mais fará jus a prerrogativa legal, de sorte que eventual cumprimento de pena se dará em estabelecimento prisional comum, sem que haja qualquer separação entre os presos. 11.2.5 Uso de vestes talares e insígnias privativas da Defensoria Pública
Aos membros da Defensoria Pública é assegurada a utilização de “vestes talares e as insígnias privativas da Defensoria Pública”, como forma de assegurar a identidade visual da função por eles exercida (arts. 44, IV, 89, IV e 128, IV da LC nº 80/1994). Por vestes talares devem ser compreendidas as becas, togas ou vestimentas características da Defensoria Pública. Nos atos revestidos de formalidades (plenários do Tribunal do Júri, sessões do Conselho Superior, etc.) é obrigatória a utilização de beca com a faixa verde – cor representativa da Instituição. As insígnias privativas são símbolos ou sinais distintivos que espelham a identidade institucional da Defensoria Pública, normalmente presentes na carteira funcional e nos emblemas de lapela dos Defensores Públicos53. A utilização indevida das vestes talares e das insígnias privativas da Defensoria Pública pode caracterizar, em tese, a prática da contravenção penal descrita no art. 46 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), in verbis:
Art 46 da LCP: Usar, publicamente, de uniforme, ou distintivo de função pública que não exerce; usar, indevidamente, de sinal, distintivo ou denominação cujo emprego seja regulado por lei. Pena – multa, de duzentos a dois mil cruzeiros, se o fato não constitui infração penal mais grave. 11.2.6 Vista dos processos judiciais ou dos procedimentos administrativos
Em conformidade com os arts. 44, VI, 89, VI e 128, VII da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é assegurada a prerrogativa de “ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações legais”54. Para que seja adequadamente compreendida, a prerrogativa de vista pessoal dos processos deve ser analisada sob duas óticas distintas: (i) em perspectiva coletiva, como mecanismo de controle geral das atividades exercidas pelos Poderes Estatais; e (ii) em perspectiva individual, como instrumento de materialização do contraditório efetivo. No primeiro caso, a prerrogativa de vista pessoal dos processos administrativos e judiciais fora dos cartórios e secretarias possibilita aos membros da Defensoria Pública o adequado exercício de sua função política de controle. Embora a ordem democrática instituída pela Constituição Federal esteja fundada no valor da publicidade (Öffentlichkeit), possibilitando a ampla fiscalização pela sociedade das decisões administrativas e judiciais, na maioria dos casos a população em geral não possui conhecimento técnico nem disponibilidade de tempo para exercer efetivamente essa atividade fiscalizadora. Por essa razão, como resultado da constante evolução do Direito Político e do irrenunciável compromisso com a legalidade, o constituinte originário formalizou a criação das “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV, Capítulo IV, da Constituição Federal), encarregadas de exercer o pleno e perene controle das funções estatais. Como integrante desse complexo orgânico essencial à justiça, a Defensoria Pública possui a importante missão de garantir a prevalência da lei sobre o arbítrio e sobre a força, independentemente das condições de fortuna ou da origem social do indivíduo55. Ao exercer essa função de fiscalização e de controle, a Defensoria Pública atua como elemento de representação geral dos interesses jurídicos das pessoas carentes e necessitadas, evitando a consolidação de ilicitudes e garantindo o respeito irrestrito aos direitos fundamentais daqueles que nada têm e que de tudo necessitam. Para exercer adequadamente essa função política, a Defensoria Pública depende do acesso aos elementos informativos contidos nos processos administrativos e judiciais. Justamente por isso, os arts. 44, VI, 89, VI e 128, VII da LC nº 80/1994 garantem a “vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias”, para que os Defensores Públicos possam analisar a legalidade dos atos praticados pelos integrantes dos Poderes Estatais e para que possam promover medidas que assegurem a tutela efetiva dos direitos individuais ou coletivos lesados. No segundo caso, em uma perspectiva individualizada, a prerrogativa de vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias materializam o direito ao contraditório efetivo, garantindo aos membros da Defensoria Pública o acesso às informações de que necessitam para promover a ampla defesa de seus assistidos (art. 5º, LV da CRFB). Como decorrência lógica do princípio político da participação democrática, o contraditório garante: (a) o direito de informação (Recht auf Information), com a adequada e tempestiva
notificação do demandado acerca do ajuizamento da causa e de todos os atos praticados no processo; (b) o direito de manifestação (Recht auf Äusserung), sendo possibilitado à parte apresentar alegações sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo, bem como produzir todas as provas que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito; e (c) o direito de ver seus argumentos considerados pelo julgador (Recht auf Berücksichtigung)56. Dentro dessa ordem de ideias, a prerrogativa de vista pessoal dos processos objetiva garantir ao membro da Defensoria Pública a plena informação acerca das alegações formuladas no processo, possibilitando a elaboração da resposta competente. Além disso, a prerrogativa assegura aos Defensores Públicos o acesso a elementos informativos contidos em outros processos administrativos ou judiciais, que podem apresentar fundamental relevância probatória para o deslinde da causa. Quando figura como parte ou como representante jurídico da parte, a Defensoria Pública possui direito de vista pessoal dos processos como natural decorrência de sua condição de sujeito processual. Por outro lado, quando a Defensoria Pública não intervém no processo, o direito de vista pessoal decorre diretamente da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX, da CRFB) e da publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput, da CRFB). Como exemplo prático de incidência da prerrogativa de vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias, podemos citar caso emblemático ocorrido no âmbito da Defensoria do Estado do Rio de Janeiro e ilustrado no histórico parecer emitido pelo professor LEONARDO GRECO, in verbis: Consulta-me o ilustre colega, Dr. RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA, digno Defensor Público deste Estado, a respeito de fatos que estariam ocorrendo na comarca de Cachoeiras de Macacu, que estariam dificultando o exercício de suas atribuições, que podem ser assim resumidos: 1) paralisação da maior parte dos feitos cíveis, inclusive alguns de natureza cautelar, por um período aproximado de 12 meses; 2) não atendimento pelo Cartório dos pedidos de vista formulados pela Defensoria Pública, o que tem impossibilitado o atendimento adequado de inúmeras pessoas por esta assistidas; 3) edição, no mês de setembro, pela Dra. Juíza Titular da Comarca, de portaria proibindo a retirada de qualquer processo do Cartório sem expressa autorização do Juízo mediante requerimento fundamentado. (…) A Defensoria Pública, como órgão do Estado ao qual incumbe “a postulação e a defesa, em todos os graus e instâncias, judicial e extrajudicialmente, dos direitos e interesses individuais e coletivos dos necessitados” (Constituição do Estado do Rio de Janeiro, artigo 176), não pode ter as prerrogativas inerentes ao exercício da advocacia, que lhe competem essencialmente, tolhidas, limitadas ou restritas por qualquer ato de autoridade, pois o acesso à Justiça, a plenitude de defesa e a assistência jurídica aos necessitados, como garantias dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal (artigo 5º, incisos XXXV, LV e LXXIV), têm de ter eficácia plena e imediata (artigo 5º, par. 1º), não podendo esvair-se em meras proclamações românticas e teóricas por cuja observância o Estado não vale, desprezando-as por inúmeros meios e artifícios, inclusive o desaparelhamento da máquina judiciária para o adequado exercício de suas relevantes funções. Nicolò Trocker, o vigoroso mestre florentino em sua insuperável obra sobre o Direito Processual Constitucional (“Processo Civile e Constituzione”, Giuffrè, Milano, 1974), ressalta que, após os horrores do autoritarismo que desaguaram na 2ª Guerra Mundial, o Estado Contemporâneo não mais se contenta com simples proclamações teóricas ou programáticas de direitos individuais ou sociais, mas impõe aos Três Poderes do Estado que atuem eficazmente para torná-lo “diritto immediatamente vigente” (pág. 124). (…) Essa doutrina se aplica sem restrições ao Estado de Direito instituído pela Constituição Brasileira de 1988, que adota como princípio fundamental o respeito à dignidade humana (artigo 1º, inciso III), atribui às normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais aplicação imediata (artigo 5º, par. 1º) e proíbe qualquer reforma constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais (artigo 60, par.4º, inciso IV).
Daí resulta que as prerrogativas de advogado dos Defensores Públicos, garantidoras da sua liberdade profissional e essenciais ao desempenho de suas atribuições como órgãos responsáveis pelo exercício da postulação e defesa, em Juízo ou fora dele, dos direitos e interesses dos necessitados, não podem sofrer qualquer restrições condicionamentos ou limitações por ato de qualquer autoridade, cabendo precipuamente ao Poder Judiciário velar pela sua plena efetividade. (…) Feitas estas considerações, passo a examinar e a responder os quesitos formulados pelo consulente: 1º Quesito. A Portaria 07/1992 do juízo de Cachoeiras de Macacu insurge-se contra o livre exercício das funções da Defensoria Pública, em face das normas constitucionais e legais vigentes? Resposta. Sim, a Portaria 7/1992 insurge-se contra o livre exercício das funções essenciais da Defensoria Pública, sendo em consequência nula por vício de legalidade, por afronta ao disposto nos artigos 69 e 89 da Lei 4215/1963, 5º da Lei 1060/1950, 133 e 134 da Constituição Federal, 176 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e 22 da Lei Complementar Estadual 6/1977. 2º Quesito. A Portaria 07/1992 constitui Abuso de Poder? Resposta. A teoria do abuso de poder, muito ao gosto dos cultores do Direito Administrativo, e que serviu para caracterizar a nulidade de certos atos administrativos, particularmente dos atos discricionários, quando não houvesse flagrante vício de legalidade, através do exame da inadequação do ato às finalidades a que se destina ou do desvirtuamento das atribuições do sujeito que o pratica, perdeu interesse científico com a ampliação do controle da legalidade dos atos administrativos através da consagração legal (e constitucional) dos princípios da moralidade e da finalidade e da teoria dos motivos determinantes. Embora o legislador constituinte continue a mencionar o abuso de poder como pressuposto do mandado de segurança (artigo 5º, inciso LXIX), tal figura tornou-se desnecessária, pois toda exorbitância das atribuições do funcionário ou desvio de finalidade do ato constitui vício de legalidade suficiente para inquiná-lo de nulidade. De qualquer modo não deixa de caracterizar abuso de poder a Portaria 7/1992, tantos são os defeitos de inadequação causal de que se reveste. (…) 4º Quesito. É hipótese de provimento liminar para garantir o livre exercício das funções da Defensoria Pública? Resposta. Quanto à Portaria 7/1992, pode ser impugnada através de mandado de segurança, com fundamento no artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal, cabendo a medida liminar, com arrimo no inciso II do artigo 7º da Lei 1533/1951. Quanto à paralisação prolongada de processos, pode ser atacada através de reclamação com suporte no artigo 226 do Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, que também comporta medida liminar, inclusive para a designação de outro juiz para decidir a causa (CPC, art. 198). 5º Quesito. De que meio jurídico-processual pode valer-se a Defensoria Pública de Cachoeiras de Macacu para direta ou indiretamente postular o livre exercício de suas funções? Resposta. Conforme exposto na resposta ao quesito anterior, o mandado de segurança e a reclamação se afiguram como medidas adequadas para postular o livre exercício das funções da Defensoria Pública em face das situações anormais ali examinadas. Entretanto, esses não são os únicos procedimentos cabíveis, podendo também ser mencionados representações disciplinares junto à Corregedoria-Geral da Justiça e o Conselho da Magistratura, medidas cautelares inominadas e ações ordinárias, inclusive com pedido cominatório. (GRECO, Leonardo. FEJËR, Terezinha Massa. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.8, pág. 98/111 – emissão do parecer: 16-10-1992)
Relevante destacar, ainda, que a inserção do processo eletrônico regulamentado pela Lei nº 11.419/2009 acarretou o remodelamento de toda a sistemática de vista pessoal de processos. Dentro desse novo modelo, é possível que o acesso aos autos seja restringido às respectivas partes processuais, violando a prerrogativa de vista pessoal dos processos judiciais e a própria essência democrática do princípio da publicidade (art. 5º, LX da CRFB). Em recente julgado o Supremo Tribunal Federal concedeu ordem de Habeas Corpus anulando julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que a Defensoria Pública da União não conseguiu consultar os autos eletrônicos do processo, cujo acesso se restringia à Defensoria Pública Estadual: Defensoria Pública: processo eletrônico e segredo de justiça. Ante empate na votação, a 1ª Turma concedeu habeas corpus para declarar insubsistente acórdão proferido pelo STJ, em recurso especial, e determinar seja designada nova data para julgamento do feito, após o regular acesso da Defensoria Pública da União – DPU aos autos. Assentou-se a existência de vício diante da impossibilidade de aquela Instituição ter acesso aos dados do processo eletrônico, que tramitava em segredo de justiça. Salientouse que o referido acesso só era permitido à Defensoria Pública Estadual, patrocinadora originária do paciente. Assinalou-se que o acesso aos autos pela DPU fora viabilizado somente após o julgamento do recurso, razão pela qual o writ fora aqui impetrado
quando já transitada em julgado a condenação. Os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Ricardo Lewandowski indeferiam a ordem por entenderem que ocorrera o fenômeno da preclusão, pois a DPU não se insurgira ao se deparar com o empecilho relativo ao contato com o processo eletrônico. (STF – Primeira Turma – HC nº 106139/MG – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 21-06-2011 / Informativo STF nº 632)
Não se pode esquecer que a Defensoria Pública é una e indivisível, de sorte que o acesso aos autos eletrônicos deve ser indiscriminado aos seus integrantes, desde que possuam o respectivo certificado digital e cadastro nos termos do art. 1º da Lei nº 11.419/2006. 11.2.7 Comunicação pessoal e reservada com o assistido e livre trânsito em estabelecimentos prisionais
Segundo estabelecem os arts. 44, VII, 89, VII e 128, VI da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é assegurada a prerrogativa de “comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando esses se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento”57. A comunicação pessoal e reservada com o assistido deriva diretamente do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, da CRFB), sendo assegurada em relação a qualquer acusado ou investigado. Somente através do contato direto entre o Defensor Público e o assistido é possível a constituição de um forte vínculo de confiança e de sigilo, o que permite o compartilhamento de fatos e informações necessárias ao adequado deslinde do processo criminal. Caso o assistido esteja preso ou detido, resta assegurado ao membro da Defensoria Pública o direito de conversar reservadamente com o detento dentro do estabelecimento prisional, sem a presença de autoridades ou integrantes da força policial, de modo a garantir a livre e sigilosa troca de informações e de aconselhamentos jurídicos. A entrevista pessoal e reservada possibilita ao preso, ainda, denunciar eventuais práticas ilícitas cometidas no interior do cárcere, sejam elas perpetradas pelos demais detentos ou pela própria administração penitenciária. Relevante consignar, por oportuno, que a incomunicabilidade constante do art. 21 do CPP não restou recepcionada pela Constituição Federal, de sorte que ao Defensor Público é assegurado o pleno e irrestrito acesso aos indivíduos recolhidos em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva58. Justamente para garantir a liberdade de comunicação e o sigilo na troca de informações, o art. 4º, § 11 da LC nº 80/1994 determina que os estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes deverão reservar “instalações adequadas ao atendimento jurídico dos presos e internos por parte dos Defensores Públicos, bem como a esses fornecerão apoio administrativo, prestarão as informações solicitadas e assegurarão acesso à documentação dos presos e internos, aos quais é assegurado o direito de entrevista com os Defensores Públicos”. Em sua redação original, a Lei Complementar nº 80/1994 contemplava apenas a comunicação pessoal e reservada com o assistido, ainda quando estivessem presos ou detidos. Com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, a prerrogativa restou consideravelmente ampliada, passando a prever o “livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento”. Essa ampliação legal teve o objetivo de garantir aos Defensores Públicos os instrumentos
necessários para cumprirem o disposto no art. 4º, XVII da LC nº 80/1994, que prevê como função institucional da Defensoria Pública “atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais”. Sendo assim, o livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva pretende assegurar a fiscalização ininterrupta da atividade carcerária pela Defensoria Pública, garantindo a proteção dos direitos fundamentais dos detentos contra as tradicionais arbitrariedades e os recorrentes abusos cometidos no sistema prisional. O ingresso dos Defensores Públicos nos estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva deve ser realizado de forma livre, não podendo a entrada ser submetida a qualquer espécie de interferência, restrição, reserva, condição ou controle. Com a previsão legal dessa prerrogativa, pretendeu o legislador eliminar abstratamente todas as barreiras espaciais e temporais eventualmente impostas à adequada fiscalização do sistema prisional, reafirmando a intolerância do abditivo e a inadmissibilidade das práticas clandestinas. Importante ressaltar, nesse ponto, que a atuação funcional da Defensoria Pública na defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos encarcerados possui base universal, sendo exercida em favor de todos aqueles que se encontrem recolhidos em estabelecimentos policiais, penitenciários ou de internação coletiva. Essa atividade fiscalizatória não depende de qualquer consideração acerca da hipossuficiência econômica do preso, nem da regular constituição da Defensoria Pública por intermédio da assinatura da afirmação de hipossuficiência pelo detento. Enquanto a atuação processual defensiva durante o curso da ação penal ou no decorrer da própria fase de execução penal depende da não constituição advogado pelo acusado, a atuação fiscalizatória protetiva exercida no interior dos estabelecimentos prisionais não se encontra sujeita a qualquer condição ou requisito, estando direcionada indistintamente para todos os indivíduos que estejam recolhidos ao cárcere. Nesse sentido, se manifesta o Defensor Público ROBERTO DUARTE BUTTER, em histórico parecer emitido sobre o tema: A interpretação do ordenamento positivo, que é uno, demonstra que há diferença entre a atribuição de defesa do acusado em processo criminal (execução penal, inclusive) e a defesa dos direitos fundamentais assegurados aos presos; esta tem caráter amplo, não se limitando aos presos que tenham seus interesses processuais (rectius: em autos de ação penal) defendidos pela Instituição, alcançando, pois, todos os presos, inclusive aqueles cujas defesas criminais não são patrocinadas pela Defensoria Pública, ou seja, a primeira tem natureza individual e a segunda coletiva. (BUTTER, Roberto Duarte. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 183/190 – emissão do parecer: 09-11-1992)
Por fim, resta destacar que a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Resolução nº 330/2009, desobriga os membros da Defensoria Pública, da Magistratura e do Ministério Público a se submeterem a revista pessoal e aos detectores de metais ao adentrarem nos estabelecimentos prisionais estaduais. 11.2.8 Exame de autos de flagrante, inquérito e processos
De acordo com os arts. 44, VIII, 89, VIII e 128, VIII da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é assegurada a prerrogativa de “examinar, em qualquer repartição pública, autos
de flagrantes, inquéritos e processos, assegurada a obtenção de cópias e podendo tomar apontamentos”59. Originalmente, os dispositivos previam apenas o exame dos autos de flagrante, inquérito e processos, em qualquer repartição. Com a reforma implementada pela Lei Complementar nº 132/2009, a prerrogativa restou sensivelmente ampliada, restado assegurado aos Defensores Públicos o direito de obter cópias e tomar apontamentos60. A prerrogativa garante a análise de todo e qualquer flagrante, inquérito ou processo, em qualquer repartição pública. Sendo assim, pela própria amplitude teleológica da prerrogativa, poderão ser examinados pelos membros da Defensoria Pública inquéritos penais ou civis, processos judiciais ou administrativos. Assim como ocorre em relação à prerrogativa de vista pessoal dos processos, o exame dos autos de flagrante, inquérito e processos possui o duplo objetivo de garantir o controle fiscalizatório sobre atividades exercidas pelos Poderes Estatais (em perspectiva coletiva) e de materializar o contraditório efetivo (em perspectiva individual). No que tange especificamente ao exame de autos de inquérito policial, o Supremo Tribunal Federal editou recentemente a Súmula Vinculante nº 14, garantindo o acesso do defensor aos elementos probatórios já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária: Súmula Vinculate nº 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. 11.2.9 Manifestação por meio de cota
Aos Defensores Públicos também é reconhecida a prerrogativa de “manifestar-se em autos administrativos ou judiciais por meio de cota”, nos termos dos arts. 44, IX, 89, IX e 128, IX da LC nº 80/1994. A cota nada mais é que a anotação realizada pelo Defensor Público no próprio corpo dos autos, sendo normalmente utilizada para a formulação de requerimentos mais simples ou para expressar a ciência acerca de determinado ato processual. Em virtude do grande quantitativo de causas e da histórica deficiência estrutural da Defensoria Pública, a prerrogativa de manifestação por cota possui fundamental importância na otimização do trabalho desenvolvido diariamente pelos Defensores Públicos, facilitando a prática dos atos processuais e evitando a afanosa elaboração de petições. Seguindo a determinação do art. 169 do CPC, a manifestação por cota deverá ser escrita ou datilografada com tinta escura e indelével, sendo em seguida assinada pelo membro da Defensoria Pública. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Ordem de Serviço nº 05/1995 determina “aos Senhores Defensores Públicos, sempre que assinarem qualquer trabalho, petição, ofício, termos processuais e cotas manuscritas, datilografar o nome e matrícula sob a assinatura ou usar carimbo de identificação ou, ainda, manuscrever seu nome de forma legível e sua matrícula, para efeito de identificação de seus trabalhos”.
11.2.10 Poder de requisição
Segundo preceituam os arts. 44, X, 89, X e 128, X da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é assegurada a prerrogativa de requisitar de autoridade pública e/ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições61. A requisição constitui ato administrativo dotado de imperatividade, autoexecutoriedade e presunção de legitimidade. Por isso, a requisição não depende de qualquer controle judicial prévio para que produza seus regulares efeitos jurídicos; uma vez concluído o ato requisitório, o comando nele embutido está disponível para interferir na esfera jurídica do indivíduo, impondo o fornecimento da informação ou a realização da providência requisitada. Desse modo, sempre que o membro da Defensoria Pública necessitar de documentos ou de providências para o exercício de suas funções institucionais, poderá expedir requisição diretamente para a autoridade pública competente, não havendo a necessidade de intervenção do judiciário. Com isso, resta assegurada atuação mais independente e dinâmica do Defensor Público na proteção dos direitos fundamentais do indivíduo e na conservação do Estado Democrático de Direito62. Como manifestação emanada do escalão primário do serviço público estatal, a requisição concentra verdadeira ordem ou comando de índole administrativa, que impele o destinatário a adotar determinada conduta comissiva ou omissiva. Justamente por conta de seus atributos jurídicos, a requisição não pode ser confundida com simples requerimento; requisição é exigência legal, enquanto requerimento é solicitação de algo permitido por lei63. Normalmente, o ato requisitório se formaliza por ofício endereçado à autoridade pública ou a seus agentes. No entanto, nada impede seja a requisição realizada de maneira verbal pelo membro da Defensoria Pública, diretamente ao destinatário. Afinal, a conformação escrita não constitui pressuposto formalístico para a prática do ato requisitório, servindo apenas para documentar a requisição e para facilitar o encaminhamento do comando administrativo por intermédio de terceiros. Embora a requisição esteja dotada de presunção de legitimidade, o destinatário do ato requisitório não se encontra ao desabrigo da proteção jurídica, pois pode recorrer ao judiciário para que seja reconhecida a ilegalidade da requisição e para que sejam sustados seus efeitos executórios. No entanto, por possuir a requisição presunção juris tantum de conformidade com o direito, compete ao destinatário do comando requisitório demonstrar a invalidade do referido ato administrativo. A prerrogativa caminha na mesma direção ao princípio da cooperação que rege a administração pública, de sorte que órgãos e entidades devem fornecer as informações, certidões, exames, perícias e diligências. Ao analisar as características do ato requisitório, em célebre artigo publicado sobre o tema, o professor CARLOS EDUARDO FREIRE ROBOREDO sintetiza: A requisição disciplinada como prerrogativa da Instituição, é ato estatal oficial, provido de imperatividade e autoexecutoriedade, condicionado, apenas, pela estrita legalidade que deve sempre informar a sua manifestação. Traz, outrossim, em seu bojo, a singularidade de expressar uma autêntica manifestação oriunda do escalão primário do serviço estatal, não encerrando, face aos seu atributos, um controle judicial a priori. A requisição encerra uma ordem legal de índole administrativa, emitindo a autoridade requisitante determinações de conduta (comissiva ou omissiva), as quais se dirigem, em especial, aos órgãos administrativos subalternos do Estado, sem se preexcluir o mesmo direcionamento àqueles que lhe faça às vezes ou equivalentes. (ROBOREDO, Carlos Eduardo Freire. A Defensoria Pública e a Requisição Gratuita dos Serviços Cartorários
Extrajudiciais, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, n.6, pág. 161)
Em sua gênese, o poder de requisição possui o escopo de viabilizar o acesso às provas e informações que garantirão a proteção dos direitos dos necessitados. Diante de seu gigantesco volume de trabalho e de sua histórica deficiência estrutural, a Defensoria Pública não possui condições materiais de proporcionar aos hipossuficientes as mesmas oportunidades probatórias que a fortuna garante aos ricos e poderosos. Para aqueles que possuem melhores condições econômicas é mais fácil conseguir, mediante remuneração, que profissionais busquem ou produzam as provas que necessitam para a instrução processual. Por atuarem em reduzido número de causas, os advogados podem acompanhar seus clientes nas repartições públicas e realizar diligências para recolherem as provas necessárias para a adequada instrução da causa. Para o economicamente necessitado, no entanto, tudo é mais difícil. Como o Defensor Público não possui condições de realizar pessoalmente as diligências probatórias que antecedem a propositura da ação judicial, o hipossuficiente econômico acaba sendo obrigado a buscar sozinho todas as provas necessárias à postulação de seus direitos. Nessa peregrinação em busca de documentos e informações, a própria locomoção do indivíduo carente para determinados lugares muitas vezes é dificultada por problemas financeiros ou pela impossibilidade de deixar a atividade laborativa. Além disso, a reconhecida limitação intelectiva gerada pela marginalizacão social dificulta a obtenção de provas pelo hipossuficiente, que na maioria das vezes não sabe o que pedir, a quem pedir e, nem mesmo, como pedir. No fim, sem recursos materiais e desprovido de cultura, o litigante pobre acaba literalmente perdido e sem condições de buscar o lastro probatório necessário para pleitear adequadamente seus direitos. Justamente para evitar esse quadro de denegação oblíqua de justiça, o ordenamento jurídico garante ao membro da Defensoria Pública a possibilidade de requisitar exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências, como forma de garantir ao necessitado econômico a paridade de armas na relação processual. Seguindo essa linha de posicionamento, leciona a eminente Defensora Pública GLAUCE MENDES FRANCO, em histórico parecer emitido sobre a matéria: A garantia de defesa do juridicamente necessitado é constitucionalmente imposta ao próprio Estado, limitando-o portanto, em prol do indivíduo. As prerrogativas dos Defensores Públicos visam instrumentalizar a função constitucional que lhes foi cometida. Aos menos favorecidos, repita-se, é de se assegurar não uma defesa teórica e nominal mas o efetivo exercício desse aspecto do seu direito de cidadania na medida em que o poder só é de todos quando efetivamente, a todos, independentemente de sua condição econômica, seja assegurado o acesso ao direito e à Justiça para que, de fato, todos possam ser iguais perante a lei. As prerrogativas dos Defensores Públicos devem ser determinadas pela natureza da função que exercem, sempre enfocando-se a necessidade de proporcionar ao necessitado os mesmos meios e possibilidades que possam os poderosos obter à custa dos seus recursos financeiros. (…) Deste modo, ao requisitar certidões, exames, perícias, documentos, etc., viabiliza à parte a essencial produção de prova que efetivamente garantirá o seu direito de ação ou de defesa. Para o mais abastado, evidentemente, é fácil conseguir, mediante remuneração, que profissionais da área jurídica, a seu serviço, obtenham as provas que necessita para a instrução processual. Para a parte carente, porém, a própria locomoção é, tantas vezes, dificultada pelos problemas financeiros, e muitos fatores, inclusive de ordem intelectual, gerados pela desigualdade material, vão obstaculizar a obtenção dos dados necessários ao exercício do seu direito, o qual, depende de provas pré-constituídas. (…) É princípio processual constitucional, consagrado no art. 5º, XXXIII e XXXIV que todos tem o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei, sob pena
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Igualmente é assegurada a obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal. O Defensor Público, no exercício de seu múnus estatal, age em prol do indivíduo na colheita e materialização da prova indispensável ao amparo de sua pretensão de direito material antes do ajuizamento da demanda, o que é dever do proponente, como determina o art. 333, I do CPC, bem como do réu, nos termos do inciso II do mesmo artigo, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A assistência jurídica integral, atribuição da Defensoria Pública, não prescinde de prerrogativas específicas que proporcionem aos seus membros fazer efetivar a ampla defesa para que se cumpram os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição da República. (FRANCO, Glauce Mendes. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1992, ano V, n.6, pág. 311/319 – emissão do parecer: 02-05-1990)
Importante observar ainda que, embora esteja originalmente ligado à atividade probatória, o poder de requisição pode muitas vezes ser utilizado de maneira autônoma para orientar a observância de direito fundamental do necessitado, independentemente da existência prévia ou da instauração posterior de qualquer processo administrativo ou judicial: O poder de requisitar não se limita à reunião de material probatório visando a deflagração ou instrução de processo judicial ou administrativo mas, muitas vezes, é medida necessária para efetivar ou assegurar um direito do assistido, independentemente da adoção de qualquer outra providência. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op cit., pág. 102)
O poder de requisição caminha na mesma direção dos princípios da publicidade e da cooperação que regem a administração pública, de sorte que órgãos e entidades devem fornecer informações, certidões, exames, perícias e diligências. Na realidade, a requisição encontra reflexo no direito de informação e também no direito de certidão contido no art. 5º, XXXIV, b da Constituição Federal, sempre que necessária para a defesa de direitos ou esclarecimento de situações pessoais do interessado e até mesmo no Habeas Data (art. 5º, LXXII da CRFB e Lei nº 9.507/1997). O tema em análise gera tamanha repercussão que o legislador, por meio da Lei nº 12.527/2011, assegura a qualquer interessado o direito de formular pedido de acesso a informações aos órgãos públicos integrantes da administração direta e indireta, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida (art. 10). A)
EXTENSÃO OBJETIVA DO PODER DE REQUISIÇÃO: Segundo preceituam os arts. 44, X, 89, X e 128, X da LC nº 80/1994, poderão ser requisitados “exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições”. Embora o legislador tenha apresentado extensa listagem de medidas passíveis de requisição, a enumeração legal deve ser considerada meramente exemplificativa. Isso porque a Lei Complementar nº 80/1994, além de admitir a requisição das objetividades jurídicas normativamente elencadas, permite genericamente que os membros da Defensoria Pública requisitem todas as “providências necessárias ao exercício de suas atribuições”. Essa expressão de caráter aberto confere à dimensão objetiva do poder de requisição grande margem de elasticidade, contemplando um universo indefinido de possibilidades jurídicas. Em virtude da amplitude objetiva da prerrogativa, os membros da Defensoria Pública se encontram legalmente autorizados, inclusive, a requisitar ao delegado de polícia a instauração de
inquérito policial, tanto nos crimes de ação penal privada quanto nos crimes de ação penal pública. Essa possibilidade, que já vinha sendo reconhecida pela doutrina clássica, restou definitivamente consolidada com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, que passou a prever como função institucional da Defensoria Pública a atuação “na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência”. Se o ordenamento jurídico determina os fins, deve também conferir os meios para que a Defensoria Pública promova a ampla defesa das vítimas, seja na esfera cível, pleiteando a adequada reparação dos danos, ou no âmbito criminal, requisitando a instauração da competente investigação policial. Nesse ponto, vale registrar o tradicional posicionamento doutrinário acerca do tema: Nada obsta que o Defensor Público requisite a instauração de inquérito policial, em defesa dos direitos de seu assistido, uma vez que aquele nada mais é do que espécie do gênero processo administrativo. E isto, tanto nos crimes de ação penal de iniciativa pública ou privada. Ressalta-se que não há, neste proceder, qualquer invasão na área de atuação do Ministério Público, pois o que lhe é privativo é a deflagração de ação penal de iniciativa pública e não a deflagração das investigações criminais, que têm por escopo exclusivamente a colheita de provas que servirão de base para a formação da opinio delictis, com o consequente oferecimento ou não da denúncia pelo Ministério Público. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 102) A prerrogativa de requisitar às autoridades públicas ou seus agentes, para a formulação de material probatório, tem feito com que a doutrina afirme sobre a possibilidade do Defensor Público requisitar abertura de Inquérito policial sem que isso venha a desrespeitar o dispositivo da Carta Magna que dá legitimidade funcional ao Ministério Público para a propositura de Ação Penal pública. Não esquecendo, ainda, que requisição significa ordem, que deve ser cumprida por seu destinatário, salvo quando flagrantemente ilegal. (ALVES, Cléber Francisco. PIMENTA, Marília Gonçalves. Op. cit., pág. 117)
O espectro de incidência do poder de requisição, no entanto, não alcança informações consideradas sigilosas pelo ordenamento jurídico. As hipóteses de sigilo podem ser reunidas em dois grandes grupos: (a) informações objetivamente sigilosas, direcionado à proteção de matérias especiais (ex: segurança nacional); e (b) informações subjetivamente sigilosas, dirigido à proteção de informações confidenciais de pessoas determinadas (ex.: informações bancárias, fiscais, telefônicas, médicas)64. Em virtude dos relevantes interesses públicos e privados protegidos pela cláusula de confidencialidade, não poderá o Defensor Público no exercício de suas funções típicas ou atípicas requisitar informações consideradas sigilosas pela lei ou pela Constituição Federal. Importante salientar, no entanto, que o acesso às informações subjetivamente sigilosas poderá ser liberado pelo próprio titular do direito. Assim, se o Defensor Público requisitar informações individuais em favor do sujeito protegido pelo sigilo, não há como haver recusa por parte do detentor do segredo, desde que, é claro, o ofício de requisição contenha a autorização expressa do assistido. Essa, inclusive, é a posição institucional adotada pela Assessoria Cível da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, principalmente nas hipóteses em que se faz necessária a obtenção de informações bancárias para o ajuizamento de alvará para levantamento de saldo de PIS e FGTS, nos termos do art. 1º, § 3º, V da Lei Complementar nº 105/2001. B)
DESTINAÇÃO SUBJETIVA DO PODER DE REQUISIÇÃO: De acordo com a Lei Complementar nº 80/1994, a requisição poderá ser utilizada unicamente em face “de autoridade pública e de seus agentes”. Dessa forma, a delimitação do espectro subjetivo de incidência do poder de requisição depende da prévia análise da significação hermenêutica e da
extensão jurídica da locução autoridade pública e seus agentes, contida nos arts. 44, X, 89, X e 128, X da LC nº 80/1994. No que tange à significação, os conceitos de autoridade pública e agente público apresentam fundamental distinção hermenêutica. Segundo o professor HELY LOPES MEIRELLES, enquanto a autoridade pública resta investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal, possuindo atribuição para praticar atos administrativos de caráter decisório, o agente público não detém poder de decisão, possuindo atribuição apenas para praticar atos administrativos de caráter executório65. Dentro dessa ordem de ideias, as requisições expedidas pela Defensoria Pública poderão ser direcionadas tanto para aqueles que possuem atribuição decisória (autoridade pública), quanto para aqueles que praticam atos meramente executórios (agente público)66. Em relação à extensão jurídica da locução, a Lei Complementar nº 80/1994 não delimita claramente o âmbito subjetivo de incidência do conceito de autoridade pública. Ao analisar expressão idêntica constante do art. 5º, LXIX da CRFB, a doutrina vem conferindo ao conceito de autoridade pública interpretação extensiva, abrangendo não apenas os integrantes da administração direta, mas também os componentes da administração indireta e de entidades paralelas que exercem atribuições públicas67. Tomando como base essa análise administrativista, podemos incluir no universo de potenciais destinatários do poder de requisição da Defensoria Pública as autoridades ou agentes que pertencem aos quadros da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além dos integrantes de autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos. Do mesmo modo, podem ser destinatário do comando requisitório os particulares que exercem funções delegadas pelo Poder Público, como ocorre em relação às concessionárias de serviços e de utilidade pública68. Importante esclarecer, ainda, que o conceito não abrange apenas as autoridades e agentes que integram o executivo, alcançando também os membros do legislativo, do judiciário e das funções essenciais à justiça (Ministério Público, Advocacia-Geral da União e Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal). Por exclusão, o conceito de autoridade pública, constante dos arts. 44, X, 89, X, e 128, X, da LC nº 80/1994, não engloba os particulares sem ligação com o Poder Público. Relevante observar, por fim, que a autoridade requisitada não precisa necessariamente estar inserida dentro da mesma esfera circunscricional que o Defensor Público requisitante. Desse modo, nada impede que a Defensoria Pública da União requisite informações de autoridades públicas estaduais, ou que a Defensoria Pública de determinado estado requisite informações de autoridades federais ou de outros estados-membros69. C)
DO PODER DE REQUISIÇÃO EM RELAÇÃO ÀS ENTIDADES PARTICULARES E O JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 230-9/RJ: No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o art. 181, IV, a da Constituição Estadual70 prevê a ampliação da destinação subjetiva do poder de requisição, estendendo sua incidência em relação às entidades particulares. In verbis:
Art. 181: Lei complementar disporá sobre e organização e funcionamento da Defensoria Pública, bem como sobre os direitos, deveres, prerrogativas, atribuições e regime disciplinar dos seus membros, observadas, entre outras: (…) IV – as seguintes prerrogativas: a) requisitar, administrativamente, de autoridade pública e dos seus agentes ou de entidade particular: certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências, necessários ao exercício de suas atribuições.
Em virtude da ausência de previsão equivalente na Constituição Federal, o Governador do Estado do Rio de Janeiro ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 230-9/RJ, objetivando ver declarada a invalidade da referida norma, argumentando resumidamente que: (i) os membros da Defensoria Pública seriam simples “advogados dos necessitados” e que, por isso, deveriam “gozar das mesmas prerrogativas de que usufruem os demais advogados”; (ii) o dispositivo da Constituição Estadual estaria outorgando “aos Defensores Públicos prerrogativas de que não gozam os demais advogados e nem sequer o Ministério Público”, já que ao parquet seria apenas autorizado requisitar informações e documentos (art. 129, VI da CRFB), enquanto que a Defensoria Pública poderia requisitar certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências (art. 181, IV, a da CERJ); (iii) a norma teria conferido ao Defensor Público mais poder do que ao juiz, “já que as decisões deste são sempre recorríveis no mesmo processo judicial em que são emitidas, enquanto às daquele só serão suscetíveis de ataque através de medidas judiciais específicas”; e (iv) a possibilidade de requisitar informações à entidades particulares representaria “manifesta ameaça aos direitos fundamentais dos cidadãos do Estado do Rio de Janeiro que poderiam, a qualquer momento, ter sua privacidade invadida – não em função de uma ordem judicial determinada em processo no qual fique assegurado o contraditório (Constituição Federal, artigo 5º, LV), mas por decisão unilateral de qualquer um dos advogados dos necessitados”. Ao analisar a questão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal chegou a conclusão de que o poder de requisição previsto no art. 181, IV, a da CERJ não guardava reprodução no Estatuto da OAB e que nem mesmo o Ministério Público detinha prerrogativa em tamanha amplitude. Convém aqui o registro de que a discussão inicial aventada no STF referia-se apenas ao poder de requisição em relação às entidades particulares. Por isso, o dispositivo da Constituição Estadual do Rio de Janeiro violaria o princípio da isonomia, criando a figura de um “superadvogado” repleto de “superpoderes”, razão pela qual restou reconhecida a inconstitucionalidade total da norma, já em vigor há quase duas décadas. In verbis: O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro para declarar a inconstitucionalidade da alínea a, do inciso IV, do art. 178 da Constituição Estadual (atual art. 181, IV, a da CERJ), que, prevê ser prerrogativa do Defensor Público requisitar, administrativamente, de autoridade pública e dos seus agentes ou de entidade particular, certidões, exames, perícias, e outros documentos e providências necessários ao exercício de suas atribuições. (…) No que se refere à mencionada alínea a, entendeu-se que ela estaria conferindo ao defensor público prerrogativas que implicariam, além de interferência em outros poderes, prejuízo na paridade de armas que deve haver entre as partes. (STF – Pleno – ADI nº 230/RJ – Relatora Min. Cármen Lúcia, decisão: 01-02-2010 / Informativo STF nº 573)
Nesse ponto, três considerações importantes merecem ser destacadas, para a plena e adequada compreensão do tema:
• Da impossibilidade de equiparação dos Defensores Públicos aos advogados particulares e o
desacerto da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: Ao dispor sobre as “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV – Capítulo IV), a Constituição Federal inseriu dentro desse moderno complexo orgânico quatro funções distintas: o Ministério Público (Seção I), a Advocacia Pública (Seção II), a Advocacia (Seção III) e a Defensoria Pública (Seção III). Desse modo, a organização tópica e o próprio conteúdo do capítulo destinado às “Funções Essenciais à Justiça” revelam a intenção do constituinte em separar a Defensoria Pública da advocacia comum. Se a atuação funcional da Defensoria Pública refletisse verdadeiro labor advocatício, a Seção III não precisaria ser denominada “Da Advocacia e da Defensoria Pública”; bastaria que a referida seção fosse intitulada ‘Da advocacia’ e nenhuma distinção adicional precisaria ser realizada. Ao formalizar a criação de duas denominações distintas, o constituinte pretendeu definir explicitamente a instituição de duas funções também distintas, que possuem apenas em comum a adjetivação “essencial à justiça”. Com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, essa separação ontológica entre advocacia e Defensoria Pública restou ainda mais evidenciada, passando o art. 4º, § 6º, da LC nº 80/1994 a prever expressamente que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”, sem necessidade de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Além disso, a Lei Complementar nº 132/2009 ampliou significativamente as funções institucionais de caráter eminentemente coletivo, consolidando o caráter não individualista da Defensoria Pública71. A reafirmação da legitimidade para a propositura de demandas coletivas (art. 4º, VII, VIII, X e XI), a autorização legal para realizar a convocação de audiências públicas (art. 4º, XXII) e para participar dos conselhos de direitos (art. 4º, XX) evidenciam que a atuação funcional da Defensoria Pública não mais se encontra adstrita à defesa dos direitos subjetivos individuais das pessoas economicamente necessitadas. Outrossim, a atividade de difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (art. 4º, III) revelam a preocupação do legislador em conferir à Defensoria Pública “o papel de uma grande agência nacional de promoção da cidadania e dos direitos humanos”72. Essa nova racionalidade funcional desmancha, de uma vez por todas, o estigma individualista que sempre acompanhou a trajetória da Defensoria Pública, soterrando definitivamente a ideia de que os Defensores Públicos seriam simples advogados dos pobres73. Se a natureza constitucional e as funções jurídicas atribuídas aos Defensores Públicos são absolutamente distintas daquelas atribuídas aos advogados particulares, também deverão ser distintas as prerrogativas legalmente outorgadas a cada um deles. Nesse sentido, a Assessoria de Direito Constitucional e de Direito Administrativo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro emitiu histórico parecer, subscrito pela a eminente Defensora Pública GLAUCE MENDES FRANCO, sustentando: Errônea é a interpretação que pretende que os Defensores Públicos só devem gozar das mesmas prerrogativas dos advogados privados. Feriria o princípio da isonomia ao igualar os desiguais. Não porque sejam superiores os membros da Defensoria Pública. Do mesmo modo não o são os juízes e promotores e lhes são conferidas prerrogativas que não possuem os advogados, não obstante sejam também estes defensores pois incumbe-lhes defender a ordem jurídica, o regime democrático e interesses indisponíveis. O que ocorre é que são diferentes porque atendem a interesses constitucionais diferentes. (…)
A Constituição do Estado não dá aos Defensores Públicos mais poderes que aos membros das demais carreiras jurídicas como se alega. Apenas proporciona aos carentes os meios que necessitam para, eficazmente, exercerem o poder que lhes cabe, como cidadãos, de defender integralmente, os seus direitos. Estas normas não ferem os direitos dos demais porque apenas visam igualar os abastados e os menos favorecidos de fortuna no seu acesso à justiça e, principalmente, porque tratam de prerrogativas funcionais e, não, pessoais. (FRANCO, Glauce Mendes. Op. cit., pág. 311/319)
No âmbito individual, a prerrogativa de requisição busca compensar as deficiências do serviço jurídico-assistencial público e as dificuldades que impedem o economicamente necessitado de produzir as provas necessárias para a adequada instrução da causa, garantindo a igualdade chances no acesso à tutela jurisdicional. Por outro lado, na esfera coletiva, o poder de requisição possui particular relevância na fiscalização das atividades potencialmente lesivas e na identificação das violações aos direitos transindividuais dos necessitados, permitindo aos membros da Defensoria Pública realizar a colheita das informações necessárias à propositura da competente ação civil pública ou coletiva. Relevante destacar, ainda, que a requisição expedida pelo membro da Defensoria Pública não guarda qualquer relação de identidade com a requisição expedida pelo membro do Poder Judiciário. No primeiro caso, a requisição possui natureza jurídica de ato administrativo, sendo emanada do escalão primário do serviço público estatal; no segundo caso, a requisição possui natureza de ato judicial, sendo emitida pela autoridade judiciária. Portanto, a previsão legal do poder de requisição como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública não caracteriza qualquer espécie de usurpação da atividade jurisdicional ou violação da separação dos poderes; pelo contrário, a prerrogativa consubstancia mecanismo indispensável ao adequado exercício da função constitucional de controle atribuída à Defensoria Pública, garantindo a fiscalização e preservando a transparência dos poderes estatais. Portanto, nos parece que a decisão do Supremo Tribunal Federal se encontra fundamentalmente desacertada. A argumentação de que a subsistência jurídica do poder de requisição permitiria a criação de um “superadvogado” se afigura um tanto quanto descompromissada com a real posição constitucional da Defensoria Pública, que vem ganhando seu merecido espaço no cenário jurídico brasileiro.
• Da teoria da eficácia transcendente dos motivos determinantes e da inaplicabilidade em relação aos fundamentos que embasaram o julgamento da ADI nº 230-9/RJ: De acordo com a teoria da eficácia transcendente dos motivos determinantes, nas decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, não apenas a parte dispositiva do julgado produziria efeitos vinculantes, mas também os próprios fundamentos que embasaram a decisão74. Sendo assim, seria imposto aos juízes e tribunais o acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir75. Diante dessa construção, embora a parte dispositiva da ADI nº 230-9/RJ tenha reconhecido apenas a inconstitucionalidade do art. 181, IV, a da CERJ, todas as demais normas que tratam da prerrogativa de requisição dos membros da Defensoria Pública – inclusive os arts. 44, X, 89, X e 128, X da LC nº 80/1994 – seriam também tidas por inconstitucionais, em razão da eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram a decisão prolatada no leading case analisado pelo Supremo Tribunal Federal.
Com isso, seria admissível a utilização de Reclamação contra qualquer ato requisitório praticado pela Defensoria Pública, por contrariar a interpretação constitucional consagrada pelo STF no julgamento da ADI nº 230-9/RJ. Importante observar, no entanto, que a aplicação da teoria da eficácia transcendente dos motivos determinantes restou rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal em diversos precedentes76, não sendo pacífica a impositividade da ratio decidendi como forma de eliminar atos normativos análogos, que encerrem vício de constitucionalidade semelhante77. Além disso, a base teórica do sistema da common law adverte que a ratio decidendi é o princípio de direito explícito ou implícito levado em consideração pelo magistrado no fundamento de sua decisão em relação aos fatos relevantes. O motivo determinante que enseja à constituição do precedente, quando outro caso idêntico é posto diante do juiz, deve ser reproduzido, garantindo-se a segurança das relações jurídicas e a confiança nas decisões judiciais. Entretanto, não houve ainda a adequada publicação do acórdão que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 181, IV, a da CERJ, fato este obstativo da identificação precisa da ratio decidendi e do obiter dicta que teriam justificado a declaração de inconstitucionalidade. Assim, não obstante a certidão do julgamento tenha registrado a supressão integral do dispositivo da Constituição Estadual, não é possível estabelecer com precisão as consequências da referida decisão. Relevante consignar, ainda, que a questão restou aventada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal durante o julgamento da ADI nº 230-9/RJ, os quais entenderam que enquanto não houvesse provocação acerca da constitucionalidade dos demais dispositivos que regulam o poder de requisição dos membros da Defensoria Pública, essas normas permaneceriam em vigor, tendo em vista que o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade estaria limitado apenas ao art. 181, IV, a da CERJ. Em outras palavras, o poder de requisição em relação às autoridades públicas e seus agentes, contido na Lei Complementar nº 80/1994, subsiste validamente no ordenamento jurídico, enquanto não restar adequadamente declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
• Da subsistência do poder de requisição em relação a organismos particulares nas matérias de ordem coletiva: Com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, as atribuições coletivas da Defensoria Pública restaram significativamente ampliadas, tanto no âmbito judicial quanto no âmbito extrajudicial. Seja atuando na defesa dos grupos sociais vulneráveis, seja assegurando os direitos coletivos dos presos, ou ainda buscando a tutela coletiva da sociedade em geral, a Defensoria Pública vem cimentando seu perfil não individualista e consolidando sua função fiscalizadora. No entanto, para garantir a plena proteção dos direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais da sociedade, a Defensoria Pública deve dispor dos mecanismos jurídicos que lhe permitam realizar suas finalidades legais. Justamente por isso, entendemos que os membros da Defensoria Pública, quando estiverem no exercício de atribuições de caráter eminentemente coletivo, poderão requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias. Esse raciocínio decorre logicamente da teoria dos poderes implícitos, segundo a qual “a outorga
de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos”78. Além disso, o art. 8º, § 1º da Lei nº 7.347/1985 permite ao Ministério Público, no exercício de atribuições coletivas, “requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis”. Dessa forma, por incidência dos arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994, a referida prerrogativa pode ser igualmente aplicada aos membros da Defensoria Pública, preservando a paridade funcional entre as instituições públicas responsáveis pela tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. D) IMPOSITIVIDADE DA REQUISIÇÃO E SANÇÃO PELO DESCUMPRIMENTO DO COMANDO REQUISITÓRIO:
Diante da natureza eminentemente impositiva da requisição, o destinatário não poderá se recusar a cooperar, salvo quando a providência requisitada for manifestamente ilegal. A falta injustificada ou o retardamento indevido no cumprimento do comando requisitório poderá ocasionar a responsabilização administrativa e criminal do agente contumaz79. Não há, todavia, consenso na doutrina acerca do enquadramento típico da conduta comissiva ou omissiva violadora do comando requisitório. De acordo com uma primeira corrente, o descumprimento da requisição apenas configuraria o crime de desobediência quando cometido por particular; sendo o desatendimento da requisição praticado por funcionário público não haveria crime, tendo em vista que o delito tipificado no art. 330 do CP pressupõe que a infração penal tenha sido praticada por particular contra a administração pública80. Nesse sentido, já teve a oportunidade de se manifestar o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. REQUISIÇÃO JUDICIAL DIRIGIDA A AUTORIDADE POLICIAL. NÃO ATENDIMENTO. FALTA FUNCIONAL. ATIPICIDADE PENAL. Embora não esteja a autoridade policial sob subordinação funcional ao juiz ou ao membro do Ministério Público, tem ela o dever funcional de realizar as diligências requisitadas por estas autoridades, nos termos do art. 13, II do CPP. A recusa no cumprimento das diligências requisitadas não consubstancia, sequer em tese, o crime de desobediência, repercutindo apenas no âmbito administrativo disciplinar. (STJ – Sexta Turma – RHC nº 6511/SP – Relator Min. VICENTE LEAL, decisão: 15-09-1997) RHC – DELEGADO DE POLICIA – CRIME DE DESOBEDIENCIA – ATIPICIDADE. Impossível Delegado de Polícia cometer crime de desobediência (art. 330 do CP), que somente ocorre quando praticado por particular contra a administração pública. (STJ – Quinta Turma – RHC 4546/SP – Relator Min. CID FLAQUER SCARTEZZINI, decisão: 17-05-1995)
Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que o desatendimento injustificado da requisição caracterizaria o crime de desobediência (art. 330 do CP), independentemente de ser o agente infrator particular ou funcionário público81. Isso porque não existe relação de hierarquia entre a autoridade requisitante e o funcionário público requisitado, afastando a ocorrência de ilícito de natureza administrativa na hipótese de desatendimento da ordem contida na requisição; logo, a única forma de manter a autoridade coativa da requisição seria reconhecer a possibilidade de caracterização do crime de desobediência. Seguindo essa linha de pensamento, o professor ROGÉRIO GRECO leciona: Questão que tem sido muito discutida ao longo dos anos e que até hoje não se pacificou diz respeito à possibilidade de um funcionário público figurar como sujeito ativo do delito de desobediência. Isso porque um de seus fundamentos é o fato de o art.
330 encontrar-se inserido no Capítulo II, que diz respeito aos crimes praticados por particular contra a administração em geral. Alguns exemplos merecem atenção especial, como no caso do delegado de polícia que não cumpre as diligências requisitadas pelo Ministério Público. Nessa hipótese, uma primeira corrente se inclina pela aplicação de uma sanção de natureza simplesmente administrativa, uma vez que, sendo o delegado de polícia um funcionário público, não poderia figurar como sujeito ativo do delito de desobediência, que só pode ser cometido por particular. (…) Com a devida vênia, não podemos concordar com esse raciocínio. Embora, realmente, o delito de desobediência esteja inserido no capítulo correspondente aos crimes praticados por particular contra a administração em geral, isso, por si só, não impede possa o funcionário público ser responsabilizado por essa infração penal. Na verdade, temos que fazer uma diferença entre o funcionário que desobedece a ordem de seu superior hierárquico daquele outro sobre o qual não existe qualquer relação de hierarquia. Assim, por exemplo, imagine-se a hipótese em que um oficial de justiça deixe de atender o mandado que lhe foi entregue, não cumprindo, portanto, a determinação judicial para que fizesse algo. Nesse caso, como existe relação de hierarquia entre o juiz e o oficial de justiça, que lhe é subordinado, não seria possível o reconhecimento do crime de desobediência, restando, tão somente, aplicar ao funcionário uma sanção de natureza administrativa, se for o caso. Mas qual a relação de hierarquia existente entre um delegado de polícia e um promotor de justiça? Nenhuma. O promotor de justiça, quando requisita uma diligência, pratica o ato de acordo com a lei? Sim, visto que vários diplomas legais conferem ao membro do Ministério Público essa possibilidade. A ordem, portanto, é legal. O funcionário encarregado de cumpri-la (no caso, o delegado de polícia) não tem para com ele (Ministério Público) qualquer relação hierárquica que importe num ilícito de natureza administrativa em caso de descumprimento da ordem. Assim, a única conclusão seria a possibilidade de se reconhecer o delito de desobediência quando o delegado de polícia, sem qualquer justificativa e agindo com dolo, não viesse a cumprir a ordem legal de funcionário competente. (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume IV, Niterói: Impetus, 2009, pág. 496/497)
Segundo entendemos, porém, o desatendimento da requisição poderá configurar o crime de desobediência (art. 330 do CP), se a violação do comando requisitório for cometida por particular, ou o crime de prevaricação (art. 319 do CP), caso o descumprimento venha a ser praticado funcionário público82. Importante ressaltar, nesse ponto, que o funcionário público apenas atua nessa qualidade quando o comando requisitório possui relação com a função por ele exercida; se o funcionário recebe requisição não relacionada ao exercício de suas atribuições funcionais e deixa de obedecer, estará atuando como autêntico particular e praticando, portanto, crime de desobediência. Em virtude da objetividade jurídica do art. 330 do CP, que pretende reprimir crimes praticados por particular contra a administração em geral, não poderá a conduta do funcionário público que, atuando no exercício de suas funções, deixa de atender ao comando requisitório ser enquadrada como desobediência. Entretanto, havendo o descumprimento doloso da requisição, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal do funcionário público, poderá haver o enquadramento típico no crime de prevaricação83. O crime de desobediência possui verbo nuclear constituído pelo elemento normativo desobedecer, que traz a ínsita vontade de afrontar, descumprir ou violar ordem alheia. Por isso, para a configuração do delito basta o dolo, não se exigindo elemento subjetivo específico. No crime de prevaricação, entretanto, o funcionário público deve retardar ou deixar de praticar o ato requisitado para satisfazer interesse ou sentimento pessoal; não restando demonstrado o elemento subjetivo específico do tipo, a conduta do agente será atípica84. Por cautela razoável, a requisição deve ser dirigida diretamente ao destinatário, sendo colhida a assinatura do agente no momento da entrega. Caso o destinatário se recuse a atestar o recebimento da requisição, deverá ser realizada a lavratura de certidão informando o ocorrido. Com isso, haverá a demonstração documental de que o comando requisitório efetivamente adentrou a esfera de conhecimento do agente, possibilitando a instauração da competente ação penal no caso de
descumprimento da requisição85. Além disso, deve a requisição apresentar a advertência expressa informando que o desatendimento poderá sujeitar o agente às sanções penais cabíveis. Afinal, nem todas as determinações administrativas são cogentes e passíveis de responsabilização criminal. Outrossim, para que reste configurada a prática de ilícito penal (desobediência ou prevaricação), não poderá o comando requisitório apresentar caráter dúbio ou conteúdo irresoluto. O comando deve ser certo, induvidoso e direto, apresentando prazo razoável para o cumprimento. Relevante destacar, por fim, que o art. 10 da Lei nº 7.347/1985 considera crime contra a administração pública, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, “a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”. No entanto, para que reste configurado o delito em análise é necessário (i) que a conduta do agente seja dolosa, (ii) que a requisição tenha sido realizada pelo órgão do Ministério Público e (iii) que as informações sejam indispensáveis ao ajuizamento de ação civil pública. Desse modo, resta afastada a incidência do tipo penal em relação às requisições realizadas pela Defensoria Pública. 11.2.11 Representação processual independentemente de mandato
De acordo com o art. 16, parágrafo único da Lei nº 1.060/1950, o instrumento de mandato não será exigido quando a parte for representada em juízo por integrante da entidade de direito público responsável pela prestação da assistência judiciária gratuita: Art. 16. Se o advogado, ao comparecer em juízo, não exibir o instrumento do mandato outorgado pelo assistido, o juiz determinará que se exarem na ata da audiência os termos da referida outorga. Parágrafo único. O instrumento de mandato não será exigido, quando a parte for representada em juízo por advogado integrante de entidade de direito público incumbido na forma da lei, de prestação de assistência judiciária gratuita, ressalvados: a) os atos previstos no art. 38 do Código de Processo Civil; b) o requerimento de abertura de inquérito por crime de ação privada, a proposição de ação penal privada ou o oferecimento de representação por crime de ação pública condicionada.
Com redação mais moderna e abrangente, os arts. 44, XI, 89, XI e 128, XI da LC nº 80/1994 Lei Complementar nº 80/1994 estabelecem como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública “representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais”. Dessa forma, a atuação institucional da Defensoria Pública não depende da outorga de mandato, sendo legalmente dispensada a subscrição de procuração pelo assistido. Na verdade, o vínculo público-estatutário entre assistido e Defensoria Pública se formaliza automaticamente mediante a simples afirmação de hipossuficiência (atuação típica) ou mediante o preenchimento dos requisitos legais ensejadores da intervenção institucional (atuação atípica). Sendo estabelecida essa relação jurídica, o Defensor Público estará habilitado a praticar todos os atos do processo (cláusula ad judicia), salvo “receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso” (art. 38 do CPC). Do mesmo modo, não poderá o membro da Defensoria Pública oferecer representação por crime de ação penal pública condicionada (art. 39 do
CPP), requerer a instauração de inquérito policial em virtude da prática de crime de ação penal privada (art. 5º, § 5º c/c art. 44 do CPP), realizar a propositura de ação penal privada (art. 44 do CPP), renunciar ao exercício do direito de queixa (art. 50 do CPP), aceitar perdão por crime de ação penal privada (arts. 55 e 59 do CPP), oferecer exceção de suspeição (art. 98 do CPP) e arguir falsidade documental (art. 146 do CPP). Para a prática dessas condutas processuais o membro da Defensoria Pública deverá colher a autorização ou a concordância específica do assistido mediante a assinatura conjunta da petição, cota ou assentada. 11.2.12 Prerrogativa de não ajuizamento de demanda
De maneira correlata à independência funcional, os arts. 44, XII, 89, XII e 128, XII da LC nº 80/1994 asseguram ao Defensor Público a prerrogativa de “deixar de patrocinar ação, quando ela for manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte sob seu patrocínio, comunicando o fato ao Defensor Público Geral, com as razões de seu proceder”86. Dessa forma, ao prestar a assistência jurídica gratuita à parte necessitada pode o Defensor Público deixar de realizar a propositura da demanda em duas hipóteses legais distintas: (i) quando a ação for manifestamente incabível; e (ii) quando a ação for inconveniente aos interesses da parte. A primeira hipótese restará caracterizada quando o ordenamento jurídico repelir de maneira geral e abstrata a tutela jurisdicional pretendida pela parte. Nesse caso, por não possuir a pretensão jurídica de direito material qualquer amparo legal capaz de fundamentar a propositura da demanda, restará inviabilizada a atuação jurisdicional da Defensoria Pública. Como exemplos de demandas manifestamente incabíveis podemos citar a ação destinada a realizar cobrança de dívida de jogo ou a ação que objetiva o recebimento de indenização prescrita. Na segunda hipótese, por sua vez, embora a tutela jurisdicional pretendida seja dotada de viabilidade jurídica, o ajuizamento da demanda poderá se revelar inconveniente ou inoportuno. Haverá inconveniência quando a ação pretendida puder gerar transtorno reflexo maior do que o proveito expectável (ex: pai procura a Defensoria Pública objetivando demandar ação revisional de alimentos, para reduzir o valor da pensão paga ao filho menor; ao analisar a narrativa dos fatos, o Defensor Público percebe que, embora seja possível o ajuizamento da demanda, existe grande probabilidade de que o filho promova reconvenção e consiga aumentar o valor do encargo alimentar, tornando inconveniente a ação pretendida). Por outro lado, a demanda será qualificada como inoportuna quando o momento não se revelar adequado para o ajuizamento da ação, sendo prudente a postergação para momento futuro (ex.: assistido procura a Defensoria Pública pretendendo ajuizar ação indenizatória, sem contudo apresentar qualquer comprovante dos danos materiais experimentados; em virtude do risco de formação de coisa julgada prejudicial, o ajuizamento da demanda naquele momento seria inoportuno, sendo prudente que o Defensor Público aguarde a colheita dos elementos probatórios necessários para instruir adequadamente a ação). Dentro dessa ordem de ideias, podemos perceber que a prerrogativa de não ajuizamento de demanda concentra duas modalidades de controle exercidas pelo Defensor Público: o controle de legalidade, quando deixa de realizar a propositura de demandas manifestamente incabíveis; e o controle de conveniência e oportunidade, quando se abstém de ajuizar a ação por ser a medida
inconveniente ou inoportuna. Seguindo essa linha de raciocício, ensina o professor FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, in verbis: A prerrogativa de não ingressar com ação judicial representa modalidade de controle exercido pelo Defensor Público, subdividindo-se em aspectos concernentes à legalidade e à oportunidade e conveniência: a) Quando a ação for manifestamente incabível, exerce-se o controle de legalidade, impedindo-se que se ingresse com pretensão que se sabe, antecipadamente, estar fadada ao insucesso por falta de amparo jurídico; b) Quando a ação for inconveniente aos interesses da parte sob seu patrocínio, o controle é praticado sob tom de conveniência e da oportunidade, pois se observa que a demanda é juridicamente defensável, porém inadequada. (LIMA, Frederico Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 362)
Essas modalidades de controle exercidas pelo Defensor Público, entretanto, devem ser operadas de maneira bastante parcimoniosa, de modo a evitar que a recusa do patrocínio da causa se traduza em indevida denegação do direito de acesso à justiça87. Afinal, para as camadas mais pobres da sociedade, a Defensoria Pública se afigura como instrumento único de acesso às instâncias judiciárias, e a recusa de atendimento pelo Defensor Público pode significar – e geralmente significa – a própria denegação do direito titularizado pelo hipossuficiente econômico. Por isso, não pode o Defensor Público deixar de patrocinar determinada causa por entender que as chances de sucesso são reduzidas ou que o objetivo econômico perseguido pela parte se revela extremamente modesto; o Defensor Público possui o dever de tutelar os interesses dos carentes e necessitados, tendo assumido o irrenunciável compromisso de lutar contra todas adversidades jurídicas e resistências políticas, mesmo que seja para garantir apenas um tostão furado para aquele que nada possui no bolso. Nesse sentido, leciona o professor CLEBER FRANCISCO ALVES, com seu peculiar brilhantismo: Não bastará para a recusa do patrocínio, a convicção do Defensor Público de que inexistam perspectivas razoáveis de êxito, ou de que o ‘custo’ a ser suportado pelo Estado não se justifique diante do módico benefício econômico perseguido pela parte. É obrigação do Defensor Público, ainda que haja chances mínimas de êxito, propor as medidas judiciais cabíveis. Somente estará dispensado de fazê-lo se tiver a convicção do não cabimento de qualquer medida ou de que as medidas em tese possíveis podem acabar se revelando contrárias aos interesses das partes. (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 273)
Sempre que o juízo de valor exercido sobre o caso resultar na negativa de propositura da demanda, deverá o Defensor Público realizar a expedição de ofício ao Defensor Público Geral, expondo fundamentadamente as razões que motivaram a recusa no ajuizamento da ação. Essa comunicação oficial possui o objetivo de viabilizar a fiscalização da discricionariedade do Defensor Público, possibilitando a responsabilização administrativa e civil por eventual desídia no desempenho de suas funções institucionais (art. 45, II; art. 90, II; e art. 129, II da LC nº 80/1994). Como destaca o professor JOSÉ AURÉLIO DE ARAÚJO, “o objetivo da norma, neste ponto, constitui garantia para a parte, para o Defensor e para a própria Instituição, mantendo-se a atividade política sobre o constante controle de seu destinatário: a sociedade”88. Além disso, a obrigatoriedade de comunicação ao Defensor Público Geral possui o escopo de materializar o direito do assistido de “ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público”, nos termos do art. 4º-A, III da Lei Complementar nº 80/1994 (incluído pela LC nº 132/2009).
Ao realizar a análise das informações prestadas pelo Defensor Público comunicante, deverá o Defensor Público Geral emitir juízo de confirmação ou de discordância89. No primeiro caso, a ratificação confirmará a negativa de propositura da demanda pela Defensoria Pública, afastando do Defensor comunicante qualquer responsabilidade funcional pela recusa. Na segunda hipótese, entendendo ser desarrazoada a conduta negativa do Defensor Público comunicante, deverá o Defensor Público Geral indicar outro Defensor Público para atuar, aplicando analogicamente o art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994; outrossim, dependendo da hipótese, poderá o Defensor Público Geral determinar a instauração de correição extraordinária pela Corregedoria-Geral (art. 8º, XII; art. 56, XII; e art. 100 da LC nº 80/1994). Em nenhuma hipótese, entretanto, poderá o chefe institucional determinar que o Defensor Público comunicante realize a propositura da demanda objeto de recusa, sob pena de violar sua independência funcional. Por fim, cumpre salientar que, no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a regulamentação do procedimento a ser adotado na hipótese de não ajuizamento de demanda pelo Defensor Público restou realizado, de maneira anacrônica e aberrante, pela Resolução DPGE nº 555/10, que estabelece: Resolução DPGE nº 555, de 03 de dezembro de 2010 Art. 2º Nas hipóteses de não patrocínio de pretensão em razão de o Defensor Público considerá-la juridicamente inviável ou impertinente, tais como não ajuizamento de ação, não interposição de recurso e situações análogas, e havendo inconformismo do interessado, o atendimento recairá sobre o Defensor Público tabelar, que atuará por delegação do Defensor Público Geral. § 1º O encaminhamento ao Defensor Público tabelar deverá ser feito através de ofício do Defensor Público natural, dele devendo constar as razões da não prática do ato, bem como a assinatura do interessado. § 2º Na hipótese de pretensão subordinada a prazo, deverá o Defensor Público natural informá-lo com o devido destaque. § 3º Entendendo o Defensor Público tabelar ser cabível o ato negado pelo Defensor Público natural, deverá praticá-lo, comunicando o seu proceder ao Defensor Público Geral. § 4º Se o Defensor Público tabelar confirmar o entendimento inicial do Defensor natural, deverá oficiar ao Defensor Público Geral, expondo sucintamente o seu proceder. A)
ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL PREDOMINANTE E A PRERROGATIVA DE NÃO AJUIZAMENTO DE DEMANDA: Estando o Defensor Público diante de situação em que a pretensão do assistido encontra-se fulminada por jurisprudência pacificada dos tribunais ou até mesmo por enunciado de súmula, poderia ser aplicada a prerrogativa estabelecida nos arts. 44, XII, 89, XII e 128, XII da LC nº 80/1994? Antes de respondermos à indagação, torna-se necessário realizar uma breve digressão acerca da atual tendência de uniformização da jurisprudência do sistema jurídico brasileiro. Não é de hoje que o legislador busca combater a morosidade da prestação jurisdicional brasileira, como se observa do intenso movimento de reformas implementadas na Constituição Federal, no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal ao longo dos últimos cinco anos. A garantia da efetividade do acesso à justiça tomou novos contornos com a evolução do pensamento doutrinário e jurisprudencial no Brasil, principalmente diante do enfoque da terceira onda renovatória do acesso à justiça, a partir da obra dos professores MAURO CAPPELLETTI e BRYANT
GARTH, que contribuiu em muito no amadurecimento da concepção do legislador brasileiro90. Desde de 2006 até hoje, diversos novos institutos foram introduzidos no Direito Processual Civil, a exemplo da súmula impeditiva de recurso (Lei nº 11.276/2006), da improcedência prima facie (Lei nº 11.277/2006), da súmula vinculante (Lei nº 11.417/2006)91, da repercussão geral do Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418/2006)92 e do julgamento dos Recursos Especiais repetitivos (Lei nº 11.672/2008). Percebe-se, assim, que a atual tendência do ordenamento jurídico brasileiro é a de prestigiar os precedentes e a uniformidade da jurisprudência. É bem verdade que os críticos da incorporação da teoria da Common Law ao Direito brasileiro sempre argumentaram que institutos como a súmula vinculante engessariam a jurisprudência, visto que o Judiciário estaria vinculado as diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal. É inegável, entretanto, que o fenômeno da uniformização de jurisprudência tenciona garantir a segurança e estabilidade das relações jurídicas e o princípio da isonomia. Na verdade, a construção de um direito baseado em precedentes não leva ao engessamento da jurisprudência, como muitos querem fazer crer. O estudo do Direito Jurisprudencial revela a possibilidade de utilização de técnicas de distinção, revisão e superação de precedentes consolidados, comprovando a assertiva de que a alteração fática pode e deve ser elemento capaz de permitir a modificação dos precedentes. Pois bem, estando diante de caso em que a pretensão é integralmente rejeitada por decisão sedimentada pelo tribunal onde atua ou mesmo rechaçada por súmula, ao membro da Defensoria Pública caberá avaliar: (i) se a questão possui tratamento diverso conferido por corte inferior de outra unidade da federação (Turma Recursal, Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal Regional do Trabalho ou Tribunal Regional Federal); (ii) se a questão não foi enfrentada e pacificada por tribunal superior (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral ou Tribunal Superior do Trabalho); e (iii) se o assistido trouxe algum elemento novo que possa embasar a causa ou se o Defensor Público for capaz de vislumbrar algum argumento nunca enfrentado pelos tribunais.
Se qualquer uma das três indagações for positiva, constitui dever do Defensor Público ajuizar a demanda, ainda que haja jurisprudência contrária. Não podemos esquecer que a Defensoria Pública se afigura como instrumento único de acesso dos pobres às instâncias judiciárias, tendo o Defensor Público o compromisso funcional de garantir que pretensão do hipossuficiente econômico seja levada ao conhecimento do órgão julgador competente. Por outro lado, estando a pretensão do assistido rechaçada por orientação jurisprudencial pacífica de tribunal superior e não havendo nenhum elemento diferenciador ou argumento inovador, poderá o Defensor Público deixar de realizar o ajuizamento da demanda por considerá-la manifestamente incabível, nos termos dos arts. 44, XII, 89, XII e 128, XII da LC nº 80/1994. B)
PRERROGATIVA DE NÃO INTERPOR RECURSO: A Lei Complementar nº 80/1994 e a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 asseguram ao Defensor Público a prerrogativa de “deixar de patrocinar” (art. 44, XII; 89, XII; e 128, XII, da Lei Complementar nº 80/1994) e “deixar de promover” (art. 23 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977) a ação quando ela for manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte. Em uma primeira análise, os dispositivos parecem ser aplicáveis unicamente no momento inicial
de propositura da ação, quando o Defensor Público poderia exercer o controle de legalidade e de conveniência/oportunidade, deixando de ajuizar demandas manifestamente incabíveis ou inconvenientes/inoportunas. No entanto, a adequada hermenêutica jurídica não pode ser realizada de maneira afoita ou leviana. Para que seja alcançada a adequada compreensão do enunciado legislativo, a norma deve ser analisada cuidadosamente em seu aspecto estrutural e teleológico. Para tanto, devemos primeiramente observar que os verbos “patrocinar” e “promover” não guardam pertinência exclusiva com o momento inicial de propositura da demanda; na verdade, o sentido lexicográfico dos vocábulos abrange também as fases processuais posteriores, pois o ato de patrocinar ou de promover não se exaure com o ajuizamento da ação, englobando igualmente toda a atividade de acompanhamento do processo até o seu final deslinde. Além disso, devemos lembrar que o recurso constitui verdadeira extensão ou desdobramento do direito de ação. Por essa razão, as duas modalidades de controle exercidas pelo Defensor Público no momento do ajuizamento da demanda devem também ser realizadas antes da interposição de todo e qualquer recurso. Sendo assim, se o Defensor Público não vislumbrar com o advento da sentença subsídios legais ou fáticos capazes de embasar a pretensão recursal, seja porque a tese adotada pelo juízo se revela a mais acertada, seja porque o conjunto probatório se afigura precário, poderá deixar de patrocinar ou de promover a causa, o que acarretará a não interposição do recurso protelatório93. Nesse sentido, leciona o professor JOSÉ AURÉLIO DE ARAÚJO, em um dos melhores artigos já publicados sobre o tema: Entendemos que se o Defensor Público, após as fases instrutória e decisória, observar que a ação, proposta ou contestada, é manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte, poderá deixar de promovê-la – ou, como quer o art. 128, XII da Lei Complementar nº 80/1994, de patrociná-la –, negando-se a interpor o recurso protelatório. Tal entendimento funda-se, primo, no próprio núcleo dos artigos ora citados, mais precisamente no sentido dos verbos promover e patrocinar, que abarcam, além da propositura, a prática de todos os atos processuais posteriores, dentre eles os recursos. Secundo, porque o recurso é conceituado como o desdobramento do exercício do direito de ação: quer do autor, quer do réu. Sendo a natureza jurídica do poder de recorrer aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo, a discricionariedade regrada do Defensor Público está na propositura da demanda, bem como, na interposição ou não do recurso. E, observe-se que o exercício de tal prerrogativa toca ao Defensor no patrocínio tanto da parte autora quanto da parte demandada, posto que devemos ter em mente o caráter da bilateralidade da ação. A lógica reforça tal entendimento: se o Defensor pode recusar-se a propor a ação sem ter vislumbrado provas e contraditório, quanto mais interpor recurso, após observadas as fases instrutória e decisória. Conclui-se, de lege lata, que o Defensor Público detém a prerrogativa de recusar-se a propor e a promover ações e recursos manifestamente incabíveis ou inconvenientes ao interesse de seu patrocinado. (ARAÚJO, José Aurélio de. A prerrogativa do Defensor Público de não recorrer, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2000, ano XII, n.16, pág. 131/132)
Corroborando esse posicionamento, podemos observar que os arts. 45, VII, 90, VII e 129, VII da Lei Complementar nº 80/1994 impõe ao Defensor Público o dever de “interpor os recursos cabíveis para qualquer instância ou Tribunal e promover revisão criminal, sempre que encontrar fundamentos na lei, jurisprudência ou prova dos autos”. De maneira semelhante, o art. 22, V, da Lei Complementar Estadual nº 06/19977 estabele o dever de “interpor recursos cabíveis para qualquer instância ou Tribunal e promover revisão criminal
desde que encontrem fundamentos na lei, jurisprudência ou prova dos autos”. Pela análise dos dispositivos mencionados, podemos perceber que as expressões “desde que encontrem” e “sempre que encontrar” tornam a interposição de recurso obrigatória apenas quando forem encontrados fundamentos na lei, na jurisprudência ou na prova dos autos. Por uma questão de lógica, realizando interpretação a contrario sensu, quando ausente qualquer embasamento legal ou fático capaz de sustentar a pretensão recursal, estará o Defensor Público dispensado de interpor o recurso vazio. Seguindo essa linha de raciocínio, temos o posicionamento do professor GUILHERME PEÑA DE MORAES, in verbis: Pode o integrante da Defensoria Pública deixar de patrocinar a ação quando ela for manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses de seu assistido, comunicando o fato ao Defensor Público Geral, com as razões de seu proceder. O mesmo fundamento informa a interposição de recursos, que não configura obrigação legalmente imposta ao Defensor Público sempre que o assistido vier a sucumbir, mas, ao contrário, em respeito à voluntariedade do recurso, corresponde a uma faculdade jurídica, devendo, pois, impugnar a decisão quando encontrar apoio, de fato e de direito, para embasar a pretensão recursal. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 290)
Relevante salientar, ainda, que a não interposição do recurso manifestamente incabível ou inconveniente não importa em exercício abusivo dos poderes de representação judicial outorgados pela parte. Confome estudado anteriormente, a relação estatutária estabelecida entre a Defensoria Pública e o assistido decorre diretamente de lei, sendo formalizada por intermédio da subscrição da afirmação de hipossuficiência pela parte interessada. Esse liame jurídico habilita o Defensor Público a praticar todos os atos do processo (cláusula ad judicia), salvo “receber a citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso” (art. 38 do CPC). Como se trata de norma restritiva de direitos, as exceções à cláusula ad judicia devem ser consideradas taxativas (numerus clausus), sendo interpretadas de modo estrito. Por essa razão, apenas se exige a outorga de poderes especiais para que seja operacionalizada a desistência de recurso interposto, não sendo essa formalidade exigida para as hipóteses de não interposição de recurso94. Importante observar, ainda, que a mesma lei que regulamenta o vínculo estatutário estabelecido entre a Defensoria Pública e o assistido, assegura ao Defensor Público a prerrogativa de não propor ações e de não interpor recursos manifestamente incabíveis e inconvenientes. Logo, podemos concluir que os poderes necessários ao exercício do controle de legalidade e de conveniência/oportunidade sobre a demanda a ser ajuizada e do recurso a ser interposto restam implicitamente inseridos dentro dos poderes de representação judicial conferidos ex lege ao Defensor Público. Ao analisar a questão, o brilhante Defensor Público JOSÉ AURÉLIO DE ARAÚJO pondera: À vista deste entendimento, devemos levantar o óbvio óbice de que o Defensor estaria a praticar atos de disposição do poder de recorrer (a desistência, a renúncia e a aquiescência), sem a outorga dos poderes especiais de que trata o art. 38 do Código de Processo Civil, os quais, como é cediço, não foram conferidos aos membros da Defensoria Pública. Nestes termos, o juízo de conveniência e oportunidade regrado acerca da interposição do recurso, redundaria em exercício abusivo do mandato que nos é outorgado.
Não nos surpreende tal alegação, posto que a relação do Defensor com seu patrocinado é estatutária, pública, decorre da lei e não de contrato, de mandato, como no caso dos advogados. Ocorrendo a investidura no cargo e subscrita a afirmação de hipossuficiência, nasce o patrocínio do órgão da Defensoria com atribuição para a causa (arts. 5º, LXXIV e 134 da Constituição Federal e 4º da Lei nº 1.060/1950). Assim, se a lei que faz nascer o vínculo é a mesma que concede ao Defensor a prerrogativa de sopesar aqui e ali a continuidade do patrocínio da causa, está incluso, ex lege, no mandato do Defensor, a recusa fundamentada em propor a demanda e interpor o recurso. Por mais que se pretenda assemelhar a qualidade do Defensor Público como agente político do Estado, dotado de independência funcional, difere esta da atividade da advocacia, notadamente no alcance do seu múnus, do interesse público. A interposição do recurso meramente protelatório vai de encontro à natureza publicista, de interesse público secundário, da atividade do Defensor. Obrigar o agente político à prática de atos dispensáveis e mesmo atentatórios à dignidade da Justiça é contradição que a própria lei tratou de desvelar, em cumprimento aos ditames constitucionais (art. 134, Constituição Federal). (ARAÚJO, José Aurélio de. Op. cit., pág. 134)
Assim como ocorre nas hipóteses de não ajuizamento de demanda, quando deixar de interpor recurso, o Defensor Público deverá realizar a expedição de ofício ao Defensor Público Geral, expondo fundamentadamente as razões de seu proceder (art. 44, XII; 89, XII; e 128, XII da Lei Complementar nº 80/1994; e art. 23 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977). Essa comunicação oficial não possui o objetivo de garantir revisão da conduta negativa do Defensor Público, até porque o prazo para a interposição do recurso continua correndo e não haverá tempo hábil para que o Defensor Público Geral avalie as razões expostas pelo comunicante e, entendendo serem equivocadas, formalize a designação de outro Defensor Público para elaborar o recurso. Na verdade, a obrigatoriedade de comunicação do Defensor Público Geral tem o propósito de viabilizar a fiscalização da discricionariedade do Defensor Público, possibilitando sua responsabilização administrativa e civil por eventual desídia no desempenho de suas funções institucionais95. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sempre que o Defensor Público deixar de interpor recurso, deverá realizar a expedição de ofício ao Defensor Público Geral e encaminhar automaticamente os autos do processo ao Defensor Público tabelar, para que seja reavaliado o ato de não interposição do recurso (art. 2º da Resolução DPGE nº 555/10). Encontrando o Defensor Público tabelar fundamentos legais ou fáticos capazes de sustentar a pretensão recursal, deverá realizar a interposição do recurso, comunicando o fato ao Defensor Público Geral (art. 2º, § 3º, da Resolução DPGE nº 555/2010). No caso oposto, se o Defensor Público tabelar confirmar o entendimento inicial do Defensor natural, deverá oficiar ao Defensor Público Geral, expondo sucintamente o seu proceder (art. 3º, § 4º da Resolução DPGE nº 555/2010). Embora o Defensor Público tabelar acabe sendo onerado com o dever de reavaliar a causa e de interpor o recurso negado pelo Defensor Público natural, o sistema busca materializar o direito do assistido de “ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público” (art. 4ºA, III da LC nº 80/1994). Em virtude de sua importância jurídica e relevância prática, a prerrogativa de não interpor recurso restou expressamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis: Penal. Processual. Defensor Público que não recorre da sentença condenatória. O Defensor Público não é obrigado a recorrer de tudo, ainda que em caso de sentença condenatória. A jurisprudência tem resguardado o princípio da voluntariedade do recurso. (STJ – Quinta Turma – HC nº 1.508-2/SP – Relator Min. EDSON VIDIGAL, decisão: 07-06-1993)
C)
CONFLITO DE VONTADES ENTRE O DEFENSOR PÚBLICO E O ASSISTIDO EM RELAÇÃO À INTERPOSIÇÃO DO RECURSO: O recurso constitui remédio voluntário, que tem como objetivo reformar, invalidar, esclarecer ou integrar a decisão judicial impugnada96. Com efeito, a interposição do recurso caracteriza ato de vontade, cumprindo ao interessado provocar voluntariamente o reexame da decisão judicial insatisfatória. Questão tormentosa, entretanto, tem sido determinar qual a vontade prevalecente na hipótese de conflito entre a vontade do assistido e a vontade da Defensoria Pública – seja quando o desejo de recorrer do Defensor Público se contrapõe ao desejo de não recorrer do assistido, seja quando a hipótese inversa se evidencia. No campo processual penal esse conflito se afigura bastante comum, pois o acusado e a defesa técnica devem ser autonomamente intimados da sentença e da decisão de pronúncia (arts. 392 e 420 do CPP). Em virtude disso, restam apresentadas duas manifestações de vontade distintas no processo: a primeira, externada pelo acusado no momento em que informa ao oficial de justiça seu desejo de recorrer ou de não recorrer da decisão; e a segunda, externada pelo Defensor Público ao interpor ou ao deixar de interpor o competente recurso. Por conta dessa autonomia de manifestação, muitas vezes os acusados mais humildes acabam declarando ao oficial de justiça que não desejam recorrer da decisão condenatória, com receio de contrariar o juiz prolator ou com medo de ver sua pena agravada pelo tribunal. Nesses casos, poderia a manifestação recursal do Defensor Público prevalecer sobre a vontade do acusado, garantindo a remessa dos autos ao reexame pela superior instância? A situação inversa também pode ser encontrada, com relativa frequência, no procedimento bifásico do tribunal do júri, quando o acusado é intimado da decisão de pronúncia. Em se tratando de réu preso, a interposição de recurso geralmente acarreta apenas o prolongamento do período de encarceramento e a postergação do julgamento em plenário, onde sabidamente o acusado possui melhores chances de absolvição do que teria em eventual sede recursal. No entanto, sem compreender esse quadro de probabilidades jurídicas e desconhecendo o próprio significado da decisão de pronúncia, o réu muitas vezes acaba manifestando irrefletidamente o desejo de recorrer ao ser intimado pelo oficial de justiça. Nessa hipótese, poderia a manifestação do Defensor Público prevalecer sobre a vontade do acusado, evitando a protelatória e prejudicial remessa dos autos ao Tribunal de Justiça? Ao enfrentar esses questionamentos e ao determinar qual seria a vontade prevalecente na hipótese de conflito entre assistido e Defensoria Pública, a doutrina restou dividida em duas correntes distintas. De acordo com parcela da doutrina, a titularidade do direito de recorrer pertenceria exclusivamente ao acusado, não podendo a manifestação da Defensoria Pública se sobrepor à vontade do assistido; afinal, quem teria sucumbido seria o denunciado e não seu defensor. Além disso, o direito de recorrer seria renunciável e o denunciado, ao manifestar seu desejo de não interpor recurso, estaria exercendo um direito assegurado em lei. Por fim, sustentam que o recurso teria como característica a voluntariedade, não sendo admitida a figura do recurso contra a vontade do sucumbente.
Seguindo essa linha de raciocínio, defende o renomado professor DAMáSIO E. DE JESUS, in verbis: Réu que, intimado pessoalmente, diz que não quer apelar. Apelação do defensor: a) não conhecimento do recurso: RT 501/314; b) conhecimento do recurso: RT 520/423, 538/325, 538/371, 547/326, 577/371, 597/289, 602/365 e 702/362; RJDTACrimSP 8/256. Nossa posição: a titularidade do direito de recorrer pertence ao réu, não ao defensor. Nesse sentido: JTACrimSP 68/374. Tratando-se de direito renunciável, não se vê como possa o defensor apelar contra a vontade do réu (…). Se réu pessoalmente renunciou ao direito de apelar, tendo recorrido o defensor, subindo os autos, deve o tribunal homologar a renúncia, não sendo caso de não conhecimento. (JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado, São Paulo: Saraiva, 1988, pág. 381)
Do mesmo modo, alguns precedentes mais antigos do Supremo Tribunal Federal já chegaram a reconhecer a inadmissibilidade do recurso interposto pela defesa técnica, quando o réu expressamente manifesta seu desejo de não recorrer da sentença: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO PENAL. RÉU QUE RENUNCIA AO DIREITO DE RECORRER. VALIDADE. INTERPOSIÇÃO SUPERVENIENTE DE APELAÇÃO CRIMINAL POR SEU DEFENSOR. INADMISSIBILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL A QUO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. O exercício do direito de recorrer em sede processual penal reveste-se de caráter voluntário. Assiste ao condenado, desse modo, a faculdade de livremente renunciar, por ato próprio, a interposição do recurso criminal cabível. Precedentes. Não se conhece de recurso criminal interposto pelo defensor, se o acusado, em momento anterior, e por ato pessoal, vem a renunciar, validamente, ao direito de apelar contra a sentença que o condenou. A decisão do Tribunal que, em tal circunstância, não conhece desse recurso não ofende a cláusula constitucional que assegura aos acusados a plenitude de defesa em juízo penal. (STF – Primeira Turma – RE nº 140869/RJ – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 19-11-1991)97
Em sentido oposto, uma segunda corrente sustenta que a manifestação técnica do Defensor Público deve prevalecer sobre a vontade do assistido, tendo em vista possuir aquele melhores condições de avaliar a necessidade e a conveniência de interposição do recurso. Esse posicionamento busca privilegiar a ampla defesa e prevenir a ocorrência de injustiças, cujos efeitos são nefastos no âmbito penal98. Importante salientar, ainda, que o art. 577 do CPP confere legitimidade para recorrer concorrentemente ao Ministério Público, ao querelante, ao réu, ao seu procurador e ao seu defensor. Em virtude dessa legitimação concorrente ou disjuntiva, o defensor constituído ou nomeado possui não apenas capacidade postulatória para recorrer em nome do acusado, mas também legitimação própria para interpor autonomamente o recurso. Da mesma forma, não tem o réu apenas legitimação para recorrer – fato que decorre naturalmente de sua condição de parte da relação jurídicoprocessual –, sendo dotado também de capacidade postulatória para realizar a interposição do recurso, independentemente da intervenção de advogado ou de Defensor Público99. Assim, estando acusado e defensor concorrentemente legitimados a recorrer, não existe razão para que o tribunal deixe de conhecer recurso interposto exclusivamente pela defesa técnica, mesmo que o acusado tenha manifestado expressamente seu desejo de não recorrer. No caso oposto, quando o acusado deseja recorrer e o Defensor Público entende ser inconveniente a remessa dos autos ao tribunal, deverá também prevalecer a manifestação da defesa técnica, que possui melhores subsídios para determinar a necessidade e a conveniência da interposição do recurso, não estando afastada a possibilidade de responsabilização funcional quando evidenciada a desídia100. Adotando esse posicionamento, leciona o professor PAULO RANGEL, de maneira didática e resumida:
Questão discutida na doutrina e na jurisprudência é se o réu renuncia ao direito de recorrer e seu defensor apela contra sua vontade. Deve o recurso ser conhecido? Qual a manifestação de vontade que deve prevalecer? Sem embargo de opiniões em contrário, entendemos que deve prevalecer a vontade do defensor do réu, pelas seguintes razões: A uma, porque a defesa técnica cabe ao defensor do réu, que tem melhores condições de avaliar a viabilidade do recurso no segundo grau de jurisdição. Quem conhece o direito é o defensor e não o réu. A duas, porque o recurso é inerente ao direito de ampla defesa e, sendo esta ampla, com todos os meios e recursos a ela inerentes, a vontade do defensor deve prevalecer sobre a vontade do réu, em regra, leigo no direito. A três, porque pode ser que somente a defesa tenha recorrido e, neste caso, não poderá haver reformatio in pejus (art. 617). A quatro, porque é a própria lei que legitima o defensor a recorrer, quando diz que o recurso poderá ser interposto pelo réu, seu procurador ou defensor (art. 577). A cinco, porque o direito à defesa técnica é indispensável no processo penal, pois nenhum acusado ausente ou foragido pode ser processado sem defensor (art. 261). Neste caso, cabe ao defensor levar às últimas consequências a defesa do réu. A seis, porque se o tribunal pode conceder ao réu, ex officio, habeas corpus, portanto, sem que ninguém peça, porque não poderia o defensor do réu levar ao tribunal o conhecimento de uma lesão ou ameaça a direito? A lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário esta lesão e, por isso, legitima o defensor a recorrer (art. 577). A sete, porque se o Ministério Público pode impetrar ordem de habeas corpus a favor do réu (art. 654 do CPP c/c art. 32, I da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – nº 8.625/1993), mesmo, portanto, que ele não queira, porque não poderia seu defensor recorrer em seu favor, visando a correta aplicação da lei? Seria, pensamos, um absurdo, pois o órgão da acusação (e também custos legis) poderia fazê-lo e não poderia a própria defesa. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 830/831)
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado no sentido de que o desejo externado pelo acusado de não recorrer da sentença não impede o conhecimento do recurso pela superior instância: Súmula nº 705 do STF: A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta. RÉU POBRE QUE MANIFESTA VONTADE DE NÃO RECORRER DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO, ENTRETANTO, INTERPOSTA PELA DEFENSORIA PÚBLICA, MAS NÃO CONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO A PRETEXTO DE CONTRARIEDADE À EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DO RÉU. 1. A Constituição assegura aos acusados a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes e, para dar efetividade a este direito fundamental, determina que o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LV e LXXIV), além de determinar que a União e os entes federados tenham Defensoria Pública, que é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, erigida como órgão autônomo da administração da justiça, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 134 e parágrafo único). Estas disposições afastam definitivamente o mito da defesa meramente formal, ou da aparência da defesa judicial dos necessitados, como ilação que já foi extraída da letra do art. 261 do CPP (nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor). É, pois, dever do Defensor Público esgotar os meios que garantam a ampla defesa do necessitado. 2. Apesar da previsão de que os recursos são voluntários (CPP, art. 594) e de que a ampla defesa estaria resguardada com a intimação da sentença às partes, o art. 392 do CPP vem sendo interpretado no sentido de exigir a intimação do réu preso e do seu advogado ou defensor, em homenagem ao referido princípio. 3. É curial que a manifestação da vontade de não recorrer, dada por réu necessitado, deve ser assistida pela defesa técnica, principalmente em casos como o presente, em que o paciente é pobre, analfabeto, reside em bairro distante, trabalha como engraxate no centro da cidade e assinou a rogo a intimação da sentença condenatória e a desistência do direito de recorrer; além disto, não haverá prejuízo para o paciente porque o apelo interposto não poderá agravar a sua situação, eis que vedada a reformatio in pejus. Precedentes. 4. Habeas-corpus conhecido e deferido para determinar que o Tribunal coator, considerando superada a preliminar de conhecimento da apelação interposta pelo Defensor Público, prossiga no julgamento do recurso, como entender de direito. (STF – Segunda Turma – HC nº 76.526/RJ – Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, decisão: 17-03-1998)101 11.2.13 Tratamento isonômico
Ao organizar os Poderes Estatais (Título IV – “Da organização dos Poderes”), a Constituição Federal não se limitou às descentralizações tradicionais, decorrentes da tripartição dos poderes
consagrada por Montesquieu. Além dos Poderes Legislativo (Capítulo I), Executivo (Capítulo II) e Judiciário (Capítulo III), o constituinte formalizou a criação de um quarto complexo orgânico, intitulado “Funções Essenciais à Justiça” (Capítulo IV), compreendendo o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública. Embora não possa ser tecnicamente definido como um quarto Poder, esse complexo orgânico recebeu a seu cargo o exercício de uma quarta função política, ao lado da função legislativa, da executiva e da jurisdicional: a função de provedoria de justiça102. Com essa moderna disposição organizacional, pretendeu o constituinte instituir mecanismos eficazes de controle das funções estatais, garantido o respeito aos direitos fundamentais e a perpetuidade do Estado Democrático de Direito. Dessa composição estrutural, podemos extrair duas conclusões fundamentais: (i) a Defensoria Pública não se encontra vinculada ou subordinada a nenhum dos Poderes Estatais; e (ii) não existe qualquer relação de vinculação ou subordinação entre as carreiras que compõem as funções essenciais à justiça. Sendo assim, não existe entre o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública nenhuma relação de hierarquia ou de sujeição, estando esses três pilares constitucionais eternamente irmanados na perpétua busca pela ordem jurídica justa. Por possuírem a mesma natureza constitucional e por perseguirem o mesmo objetivo finalístico, o ordenamento jurídico garante a igualdade de tratamento entre os Magistrados, Promotores e Defensores Públicos. De acordo com os arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é assegurada a prerrogativa de “ter o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares dos cargos das funções essenciais à justiça”103. A expressão “mesmo tratamento” envolve não apenas o tratamento formal e protocolar, com a adequada utilização do pronome excelência, mas também serve como cláusula aberta para gerir número indeterminado de situações. Ao ingressar nos fóruns e tribunais, por exemplo, possuem os Defensores Públicos o direito de utilizar a entrada privativa, reservada aos Magistrados e demais autoridades, não podendo ser encaminhados para a fila destinada aos visitantes comuns. Além disso, a prerrogativa de tratamento isonômico garante aos membros da Defensoria Pública a aplicabilidade analógica de prerrogativas, direitos e garantias inerentes aos magistrados e demais titulares dos cargos que compõem as funções essenciais à justiça. Como exemplo, podemos citar a prerrogativa de inviolabilidade pelas opiniões externadas ou manifestações exaradas em processos ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional, em conformidade com o art. 41, V, da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e com o art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil). A)
ASSENTO NO MESMO PLANO DO MINISTÉRIO PÚBLICO: Como manifestação da prerrogativa de igualdade de tratamento, “aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público”, nos termos do art. 4º, § 7º, da LC nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009). Embora esteja inserido no artigo destinado a regular as funções institucionais da Defensoria Pública, o dispositivo formaliza autêntica prerrogativa funcional, diretamente relacionada ao
princípio da isonomia e à redemocratização da estrutura cênica judiciária. Primeiramente, é importante registrar que cada órgão, seja jurisdicional ou administrativo, goza de autonomia para organizar a disposição cênica das salas de audiência e demais recintos, atendendo aos critérios espaciais e topográficos eventualmente traçados pelo legislador. Tradicionalmente, os magistrados ocupam a posição central e o plano superior na mesa de audiência, evidenciando sua equidistância em relação às partes e sua imparcialidade para realizar o isento julgamento da causa. Há quem diga, aliás, que o réu se senta à esquerda do juiz a fim de permitir maior proximidade com o coração do magistrado, ante a posição ocupada na relação processual e a necessidade de resistência à pretensão deduzida em juízo. Conferindo contornos normativos a uma tradição secular, o art. 41, XI da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) garante aos membros do Ministério Público a prerrogativa de “tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma”. Por sua vez, o art. 18, I, a da Lei Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) assegura aos membros do MPU a prerrogativa de “sentarse no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem”. Em princípio, portanto, a prerrogativa de assento no mesmo plano dos magistrados teria sido assegurada unicamente em relação aos membros do Ministério Público da União, já que a lei nacional fala apenas em “assento à direita”. No entanto, como forma de preservar a isonomia institucional do Ministério Público, a prerrogativa de assento no mesmo plano tem sido aplicada também em relação aos membros dos Ministérios Públicos Estaduais. Dentro da simbologia dos lugares e da hierarquia dos planos, essa composição espacial e topográfica da sala de audiências acaba transmitindo a falsa impressão de que o membro do Ministério Público estaria ocupando posição funcionalmente superior em relação ao membro da Defensoria Pública. Vale lembrar, inclusive, que em muitas salas de audiências o escrevente do cartório, sentado à esquerda do magistrado, fica alocado em plano mais elevado que aquele ocupado pelo membro da Defensoria Pública, deixando a Instituição em desconfortável posição simbólica de submissão processual. Como o mundo social é constituído em função de um sistema de significações, a atual disposição da cátedra judiciária carrega consigo uma mensagem que embute o autoritarismo e revela a discriminação, materializando a premissa de que a Defensoria Pública é menos importante que o Ministério Público na busca do processo justo. E mais ainda, que o cidadão representado pelo Defensor Público é menos importante que o Estado representado pelo órgão ministerial. Esse quadro de representatividade discriminatória ganha particular relevância no âmbito criminal, onde o Ministério Público atua como parte em sentido processual, em contraponto ao acusado. O posicionamento privilegiado do órgão ministerial nas salas de audiência e, especialmente, no plenário do Tribunal do Júri acaba transmitindo a ilusória impressão de que o Ministério Público seria órgão imparcial, dotado de maior confiabilidade e credibilidade, enquanto a defesa seria eminentemente tendenciosa e, por isso, desprovida de qualquer prestígio. No entanto, a parcialidade do Ministério Público no processo penal constitui decorrência natural do sistema acusatório e da própria dialética processual que abalizará a opinião do julgador104; essa atuação
parcial do órgão ministerial pode ser, inclusive, constatada empiricamente, já que é praticamente impossível vislumbrar na prática forense o parquet agindo em prol do acusado. Essa identidade processual acusatória, entretanto, acaba sendo camuflada pela estrutura cênica das salas de audiências e plenários, cujo mobiliário compõe a imagem de duas autoridades de igual hierarquia (promotor e juiz), sentadas ombro a ombro – muitas vezes trocando conversas confidentes ao pé do ouvido perante as partes, testemunhas e jurados. Justamente para evitar a desigualdade de tratamento e para amenizar a influência simbólica imposta pela posição de destaque do órgão ministerial, o art. 4º, § 7º, da LC nº 80/1994 assegura aos membros da Defensoria Pública a prerrogativa de sentarem no mesmo plano do Ministério Público nas salas de audiência, plenários do Tribunal do Júri e sessões de julgamento dos tribunais. Com isso, a norma põe fim ao odioso e injustificável regime discriminatório imposto aos membros da Defensoria Pública, garantindo a adequada redemocratização da estrutura cênica judiciária. A expressão “mesmo plano” constante do referido dispositivo não deixa margem para dúvidas ou inexatidões: se o membro do Ministério Público estiver alocado no mesmo plano do juiz (art. 18, I, a, da LC nº 75/1993), consequentemente o membro da Defensoria Pública também estará (art. 4º, § 7º, da LC nº 80/1994); se o promotor tomar assento em degrau inferior ao ocupado pelo magistrado, no mesmo nível deverá permanecer sentado o Defensor Público. Relevante consignar, entretanto, que a identidade de planos legalmente prevista em relação à Defensoria Pública e ao Ministério Público não pode acarretar, de maneira alguma, o afastamento físico entre Defensor Público e seu assistido, sob risco de quebra do vínculo de confiança estabelecido entre eles. Em audiências onde é realizada a colheita de depoimentos, não são raras as vezes em que as partes intercedem junto ao Defensor Público para indicar a necessidade de alguma pergunta ou esclarecer algum ponto não compreendido pelo Defensor Público, permitindo que o mesmo possa formular outras perguntas. No caso da Defensoria Pública, cujos assistidos em geral não dispõem de elevado grau de instrução e, muitas das vezes, sequer compreendem o que é praticado nas audiências, não obstante o empenho do Defensor Público em prestar todos os esclarecimentos possíveis, a colocação do órgão defensivo em local distante do assistido e próximo ao juiz ou ao Ministério Público tende apenas a ocasionar uma maior desconfiança por parte do acusado. Para conciliar a prerrogativa do art. 4º, § 7º, da LC nº 80/1994 com a necessidade de contato direto entre assistido e Defensor Público, melhor seria adotar o modelo de distribuição de lugares em formato de ‘U’, posicionando o magistrado no ponto central da mesa, o membro do Ministério Público à direita e o membro da Defensoria Pública, junto de seu assistido, à esquerda, todos no mesmo plano. Solução alternativa, ainda, seria adaptar a estrutura judiciária nacional ao modelo organizacional vigente no sistema processual penal americano, onde os assentos reservados à acusação e à defesa se encontram alocados no mesmo nível, de frente para o juiz. Nesse ponto, para que a estrutura cênica do judiciário seja efetivamente redemocratizada, a vaidade precisa ceder espaço para a modernidade105. Lamentavelmente, entretanto, a regra do art. 4º, § 7º da LC nº 80/1994 não vem sendo efetivamente respeitada pelos juízes e tribunais, que insistem em conservar a tradicional ideologia de castas entranhada na estrutura do Poder Judiciário e, para isso, simplesmente ignoram a existência da
prerrogativa de assento diferenciado inerente aos membros da Defensoria Pública. A questão, inclusive, restou submetida à análise do CNJ, que entendeu não possuir a matéria repercussão coletiva ou social suficiente para justificar o controle administrativo do conselho, in verbis: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE VITÓRIA. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DAS PRERROGATIVAS DA DEFENSORIA PÚBLICA (LC 80/1994, ARTIGO 4º, § 7º; LC 132/2009). 1. Pretensão de que o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo proceda à adaptação da estrutura física do Tribunal do Júri da Comarca de Vitória, para propiciar o assento do defensor público em mesmo nível do representante do Ministério Público. Demanda sem relevância que justifique a intervenção do CNJ. 2. A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça tem firmado orientação no sentido de que o exercício da competência de controle administrativo deve contemplar situações que importem repercussão coletiva para o Poder Judiciário e, em outra dimensão, para toda a sociedade, o que não se verifica no presente caso. 3. Pedido não conhecido.” (CNJ – Pedido de Providências nº 000742156.2009.2.00.0000 – Relator JORGE HÉLIO, decisão: 04-05-2010)
Como forma de garantir a observância da prerrogativa estabelecida pelo art. 4º, § 7º, da LC nº 80/1994, a Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro reconhece aos integrantes da carreira o direito de recusar participação em audiências, plenários ou sessões de julgamento onde o assento do Defensor Público esteja posicionado em nível inferior ao ocupado pelo membro do Ministério Público. Esse posicionamento interno restou materializado no parecer emitido pelo brilhante Defensor Público JORGE DA SILVA NETO, cujas palavras materializam as melhores linhas já escritas sobre o assunto: Quando o artigo 4º, § 7º, da Lei 80/1994 diz que ‘aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público’, esta conquista não é meramente geográfica. Ao contrário, ela tem um significado importante: o de pôr fim, definitivamente, à falsa impressão de que o promotor está acima do defensor público, não só topograficamente como também funcionalmente, e ainda à falsa impressão de que a acusação está acima da defesa. Não há dúvida quanto ao ‘plano’ a ser ocupado pelo defensor público em qualquer sala de audiências, que há de ser o mesmo do promotor. Se este estiver assentado no mesmo plano do juiz, então, consequentemente, o defensor público igualmente o estará. Se o promotor estiver assentado em plano inferior ao do juiz, o defensor público ficará no mesmo nível do promotor, assegurando a ideia da paridade de acusação e defesa. Num contexto jurídico-social constituído por um sistema de significações, os atos processuais podem ser estudados pela ótica dos ritos e sua simbologia. Para Lênio Luiz Streck (Tribunal do Júri: rituais e símbolos, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 103), o símbolo concentra mecanismos que intermediam o sujeito e sua percepção da realidade e o que se apresenta numa cena se entrelaça ao símbolo. Num país culturalmente indigente, a simbologia de o juiz ou promotor estarem distantes ou em patamar mais alto que o da defesa e seu defendente defere àqueles uma espécie de pedestal e carrega a favor deles todo o poder (simbólico) da distância ou do desnível que, também simbolicamente, apequena a defesa e seu cliente ou assistido diante do judiciário, do ministério público e da própria sociedade. É a simbologia do poder dos lugares ou do lugar dos poderes. Há uma outra questão, que é não a do plano (altura), mas do lugar (distância) ocupado pela defesa no recinto de audiências em relação ao juiz, à qual o artigo 4º, § 7º não aduz explicitamente, mas que deve ser interpretada de modo a assegurar a maior efetividade à norma que visa a garantir a predita paridade, sob pena de apequenar a intenção legal e, a pretexto de aplicá-la filologicamente, esvaziá-la por via oblíqua. Pedro Lessa dizia que ‘aplicar uma lei com errônea interpretação é o mesmo que não aplicar a lei. A lei é a expressão do pensamento do legislador; e uma falsa ou errônea interpretação não exprime o pensamento do legislador’ (Revista Forense 98/595). (…) Mesmo que o defensor público esteja no mesmo nível (altura) do promotor, se for alocado distante do juiz ou do promotor, a ideologia da igualdade se perderá porque, para quem estiver de fora e visualizar esta cena, parecerá que a defesa (e isto vale para o defensor público e para o advogado), por estar afastada do promotor e do juiz (estes imaginariamente ao lado, sem fronteiras e, portanto, parecendo corregentes unidos), estará subjugada à inferioridade imposta pela distância, como se não fosse permitido à defesa aproximar-se do promotor ou do julgador, passando a falsa ideia de que, se o promotor está perto do juiz, fica automaticamente imantado pelo poder e pela justiça deste e se a defesa está longe do juiz é porque não merece ser imantada por esse mesmo ideal de poder e justiça. É dizer, quem estiver de fora, principalmente o jurado leigo no tribunal do júri, subliminarmente verá na defesa um ente de menor status e, sobretudo, menor confiabilidade, comprometendo sim, e muito, a qualidade do julgamento no tangente à igualdade das partes e à paridade das armas, inclusive a arma da aparência que, num Brasil de aparências, é uma arma poderosa.
Não só em plenários de júri, mas também em qualquer audiência, não importa se o defensor público está à direita ou à esquerda do juiz. O que importa é que esteja no mesmo plano e à mesma distância da acusação, já que, ao atuar, o defensor público encarna o Estado-defesa. Seja pela colocação do defensor e do promotor no mesmo plano, seja pela colocação deles equidistantes do juiz, a verdade é que afastar o defensor do promotor ou do juiz embute diferença de tratamento e revela discriminação que (1) é moralmente tola porque um juiz que se garante não precisa criar mecanismos artificiais ou artificiosos de afastamento para proteger-se da proximidade da defesa, como que temendo ser posto à prova e (2) é legalmente inaceitável porque o artigo 4º, § 7º da LC nº 80/1994 há de ser cumprido, nada justificando essa estranha resistência ao tão importante quanto esquecido princípio da legalidade (‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ – CF, art. 5º, II), tão vivo na Constituição quanto assassinado na prática por alguns que parecem ter medo do defensor público. Há a surrada alegância de alguns juízes de que o tablado onde estão o juiz e o promotor já está incorporado à sala de audiências, havendo, inclusive, segundo eles, determinação do tribunal para que sejam mantidos. Ora, juiz ou tribunal algum, estadual ou federal, tem poder normativo acima da lei. No máximo, podem realizar atos menores, de normatividade insignificante diante da lei, principalmente de uma lei complementar federal. Se houver alguma determinação do tribunal para a instalação do tal tablado sem igualdade de posicionamento para o defensor público e o promotor, nenhum juiz poderá cumpri-la porque, entre cumprir a lei e uma ordem ilegal, deve-se cumprir a lei, não sendo lícito a nenhum juiz esquecer-se de seu próprio regramento legal, cujo artigo 35, I, da Lei Complementar Federal 35, de 14-3-79, enfatiza que ‘são deveres do magistrado: I – cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício’ e é óbvio que o artigo 4º, § 7º, da Lei Complementar Federal nº 80/1994 deve ser aplicado com “exatidão”. Num Estado que solenemente se declara Democrático de Direito no portal de abertura de sua Carta Política (art. 1º, caput), governante é a lei e todo o resto é governado. Nenhum dispositivo constitucional ou legal põe o juiz acima do bem, do mal, da Constituição, da lei, da justiça, da ética ou do respeito àqueles a quem ele deve servir. Qualquer dicção contrária será criação egóica e despicienda que desmerece maior comento. E toda decisão judicial não legitimada em lei não é de ser cumprida, pois não faz parte do Estado Democrático de Direito impor decisão ilegal, cuja autoridade se degenerou em autoritarismo. Na democracia, onde ‘todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido’ (CF, art. 1º, parágrafo único), o judiciário emana do povo (e não do juiz), em nome do povo (e não do juiz) é exercido e não para si, até porque, se o judiciário existisse só para si ou só para os seus, qual seria o fundamento de sua existência senão sua mera, vã e vil vaidade? O judiciário está abaixo da lei e deve ser o primeiro a cumpri-la, até para dar exemplo (se ele próprio não cumprir a lei, como poderá exigir de outrem que o faça?) e acabar com a imagem tão desgastada e descredibilizada que hoje ostenta e que desestimula o jurisdicionado sequer a cogitar buscá-lo, preferindo muita vez o justiceiro local. Já foi embora (e já foi tarde) o vetusto vício autoprotetivo da ditadura de que decisão-judicial-primeiro-se-cumpre-e-depois-sediscute, só válido para decisões legítimas, não para as ilegítimas. Decisão judicial errada (e, pois, ilegal) não tem de ser antes cumprida e só após discutida, sendo ilícito ao juiz exigir que sua vítima se submeta a seu arbítrio para só depois resistir. Pode, e mais que isso, deve a vítima insurgir-se contra o infrator público usando a mesma legítima defesa que lhe permite reagir contra o infrator particular. Afinal, injusta agressão, seja pública ou particular, vinda do fulano ou do juiz, é sempre injusta agressão. E é sempre ilícita. Se “não cabe ao judiciário fazer ou modificar texto de lei” (TJRJ, 5ª C.Cív., AC nº 17.891/99, DOERJ, Parte III, p. 12-01-00), gostando ou não da lei, irrelevam razões de foro íntimo do juiz: “o juiz deve obedecer à lei, ainda que dela discorde: é um constrangimento que o princípio da divisão dos poderes impõe ao aplicador. Admitir possa o magistrado tornar prevalecente a sua opinião contra a exarada, por modo lúcido, no texto, seria superpor a sua vontade individual à da maioria parlamentar, nas democracias” (TASP, 11ª Câm., un., Rec. nº 410.409/2, juiz Sidnei Beneti). Do STJ (REsp nº 1111566, Min. Marco Aurélio Bellize), “insta asseverar que não há justificativa para o desvio de finalidade que se deseja imprimir ao conteúdo da norma. Não se pode perder de vista que numa democracia é vedado ao judiciário modificar o conteúdo e o sentido emprestados pelo legislador, ao elaborar a norma jurídica. Aliás, não é demais lembrar que não se inclui entre as tarefas do juiz, a de legislar”. E do STF: “não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular ele próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério” (RBDP 50/159 e Amagis 8/363). (…) Nem se diga que o desacordo do defensor público com o juiz, capaz de gerar até o adiamento das audiências, ‘prejudica o assistido’, pois tal argumento, (só) aparentemente honesto, implanta um subliminar clique de autossabotagem no defensor público, mascarando a intenção de desviar o foco e repassar culpa ao defensor insubordinado, num discurso retórico que visa a patrulhar a consciência do defensor, engessar suas ações e controlá-lo. Na verdade, o vício é de quem quer impor a subordinação ilegal e gera a celeuma que trava o processo, numa manobra para forçar o defensor a um recuo tático para não prejudicar o assistido, mas com resultado contrário, pois o defensor que cede ao arbítrio alheio violenta e enfraquece a si, à sua instituição e ao próprio assistido, que passa a ser patrocinado por um defensor subjugado a um juiz que, a seu turno, não respeitará um defensor que, se não tem coragem de brandir direito próprio, não terá credibilidade para postular direito alheio.
No plano social, Theodor W. Adorno (Prismas – Crítica cultural e sociedade, Ática, 1998) incentivou que “no protesto dos impotentes está a única esperança de o destino e o poder não ficarem com a última palavra”. Se essa afirmação é lúcida até para os impotentes, mais ainda o é para o defensor público, que de impotente não tem nada, até porque, se o juiz é o Estado, o defensor público também o é e não deverá permitir qualquer imiscuição, mínima que seja, em sua atuação, sob risco de ver repetir o fato histórico de que, toda vez que se abre concessão numa prerrogativa legal, segue-se logo um abuso, deixando a porta escancarada para que outros inocentes sejam vitimados. Por tal ordem de motivos, pela desrespeitosa colocação do defensor público em nível inferior à promotoria, o defensor público deve ser intransigente com suas prerrogativas e recusar sua presença em audiência onde a solenidade e o profissionalismo deveriam ser as notas a timbrar um concerto, mas que, da forma como está sendo conduzida pelo juiz, é um concerto meramente amador, valendo ainda a resistência do defensor público como medida que traz à tona uma caixa preta do judiciário, cujo conteúdo há de ser revelado para que, sendo a maioria dos processos públicos, todos que o lerem saibam o que está errado, permitindo ao povo ver ali um juiz despreparado, prepotente ou incompetente que abala a pouca credibilidade que restou ao judiciário (se é que ainda a tem). (SILVA NETO, Jorge da. Parecer interno emitido na Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro)
Atualmente, tramita no Supremo Tribunal Federal a Reclamação nº 12.011/SP, que pretende analisar a forma como deverá ser efetivada a prerrogativa estabelecida no art. 4º, § 7º da LC nº 80/1994 por toda a magistratura nacional106. B) IMUNIDADE DOS MEMBROS DA
DEFENSORIA PÚBLICA PELAS OPINIÕES EXTERNADAS OU MANIFESTAÇÕES EXARADAS EM PROCESSOS OU PROCEDIMENTOS: Embora a Lei Complementar nº 80/1994 não tenha tratado da questão atinente à imunidade dos membros da Defensoria Pública, não há como deixar de reconhecer que, no exercício de suas funções institucionais, os Defensores Públicos são imunes pelas opiniões externadas ou manifestações exaradas em processos ou procedimentos. De acordo com o art. 41, V da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), os membros do Ministério Público é assegura a “inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional”. De maneira análoga, o art. 2º, § 3º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) estabelece que “no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações”, dentro dos limites estabelecidos pela referida lei. Em igual sentido, o art. 7º, § 2º assegura ao advogado a “imunidade profissional, não constituindo injúria ou difamação puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”. A imunidade do advogado, contudo, não é absoluta; coube ao Supremo Tribunal Federal reduzir a prerrogativa dos advogados, nos termos da decisão proferida na ADI nº 1.127-8, ao suprimir a expressão “desacato” constante originalmente do art. 7º, § 2º da Lei nº 8.906/1994. Em relação aos membros da Defensoria Pública, a ausência de fundamento legal específico pode ser suprida pela incidência dos arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994, que garante a aplicabilidade analógica das prerrogativas inerentes aos advogados e membros do Ministério Público. Além disso, a lacuna normativa pode ser preenchida, também, por intermédio da interpretação analógica do art. 53 da Constituição Federal, que confere imunidade parlamentar aos integrantes do Congresso Nacional. Por definição, os ocupantes de mandato eletivo são definidos pela doutrina administrativa como sendo agentes políticos, gozando de direitos e prerrogativas relacionadas ao
exercício das atribuições constitucionalmente previstas. Nesse passo, sendo o Defensor Público igualmente qualificado como agente político e possuindo independência funcional para o exercício de suas atribuições constitucionais, não há como recusar a utilização analógica da imunidade prevista em relação aos parlamentares na Constituição Federal. Importante lembrarmos, ainda, que a imunidade profissional consiste na liberdade para manifestação e expressão no desempenho das atividades funcionais. Sendo assim, ao conceituamos a independência funcional como a livre atuação do membro da Defensoria Pública, independentemente de vinculação ou subordinação hierárquica a quaisquer integrantes dos poderes constituídos, já estamos inegavelmente conferindo aos Defensores Públicos alguma parcela de imunidade profissional. Assim, em virtude da independência funcional, da qualidade de agente político e da incidência dos arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994 c/c art. 41, V, da Lei nº 8.625/1993 e art. 7º, § 2º da Lei nº 8.906/1994, é possível extrair implicitamente a imunidade dos membros da Defensoria Pública pelas opiniões externadas ou manifestações exaradas em processos ou procedimentos, quando relacionadas ao regular desempenho de suas funções institucionais. Por fim, vale destacar a ponderada posição do professor PAULO GALLIEZ, segundo o qual: O campo de batalha do Defensor Público não se acha inserido no autoritarismo ou na prepotência. Seu instrumento de luta não se revela pelas armas ou pela violência. Ao contrário, a missão do Defensor Público se norteia pela razão, pela lógica e pelo equilíbrio, de modo a que seus atos traduzam conceitos de sentido universal, onde a variedade justiça seja praticada em toda a sua extensão. (GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. A Defensoria Pública e a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1991, n.5, pág. 120) C)
DA PRERROGATIVA DE DEIXAR O RECINTO ONDE AGUARDA O INÍCIO DA AUDIÊNCIA NA HIPÓTESE DE ATRASO INJUSTIFICADO: Dentro do cotidiano forense, os longos atrasos para o início das audiências tem sido tão frequentes que já se encontram literalmente entranhados na cultura e nas práticas judiciais, sendo suportados pelos sujeitos do processo com assombrosa naturalidade. De acordo, o art. 7º, XX da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), aos advogados é assegurado o direito de “retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo”. A regra, no entanto, vem sendo interpretada de forma restritiva pela doutrina e jurisprudência, sendo reconhecida a aplicabilidade da prerrogativa unicamente quando o juiz estiver efetivamente ausente do recinto onde deveria ser realizado o ato judicial, não sendo admitida a saída do advogado quando o retardamento ocorrer em virtude de atrasos ou prolongamentos de audiências imediatamente anteriores107. Nesse sentido, já teve a oportunidade de se posicionar o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: PROCESSUAL PENAL. AUDIÊNCIA. OITIVA. TESTEMUNHAS DA ACUSAÇÃO. ATRASO NO INÍCIO DO ATO. ADVOGADO CONSTITUÍDO. AUSÊNCIA VOLUNTÁRIA JUNTAMENTE COM O RÉU. NOMEAÇÃO DE DATIVO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O art. 7º, XX da Lei nº 8.906/1994 autoriza o advogado a se ausentar do ato processual se a autoridade que vai presidi-lo não se apresentar depois de trinta minutos de atraso. 2. No caso concreto, não estava a juíza
ausente, mas presente no fórum, realizando outra audiência, daí o atraso, não sendo, pois, aceitável a invocação do mencionado dispositivo pelo advogado para ir embora, levando consigo o acusado. 3. Não há, portanto, se falar em nulidade, por cerceamento de defesa, tanto mais se não demonstrado prejuízo, realizada que foi a audiência de oitiva de testemunhas da acusação, assistida por advogado dativo. Precedentes. 4. Ordem denegada. (STJ – Sexta Turma – HC nº 97.645/PE – Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, decisão: 22-06-2010)
De fato, causalidades e imprevistos cotidianos podem surgir a qualquer momento, descontrolando o agendamento das audiências e atrasando todo o cronograma de horários. No entanto, quando os atrasos deixam de caracterizar exceção e passam a constituir regra, não existe propriamente imprevisão, mas desorganização pessoal do magistrado. Nesse caso, o atraso excessivo e injustificado para o início do ato judicial caracteriza falta funcional do juiz (art. 35, III da LC nº 35/1979) e denota claro desrespeito à dignidade alheia. Se o atraso deriva da desarranjo organizacional do magistrado, cabe a ele suportar as consequências de sua desídia, não estando os advogados obrigados a permanecerem aguardando indefinidamente o início do ato judicial, nos termos do art. 7º, XX, da Lei nº 8.906/1994. Do mesmo modo, em virtude da isonomia de tratamento entre os membros da Defensoria Pública e demais integrantes das funções essenciais à justiça (arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994), a mesma regra deve ser aplicada em relação aos Defensores Públicos. Embora os arts. 45, V, 90, V e 129, V da LC nº 80/1994 estabeleçam como dever do membro da Defensoria Pública “atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença”, essa norma não possui o condão de obrigá-lo a suportar os abusos e as arbitrariedades dos juízes no que tange à marcação das audiências. Realizando a aplicação analógica do art. 7º, XX da Lei nº 8.906/1994, deve ser assegurado aos Defensores Públicos a prerrogativa de deixar o recinto onde aguarda o início da audiência, sempre que ocorrer atraso injustificado superior a trinta minutos, mediante comunicação escrita direcionada ao juízo108. Importante ressaltar que a petição informando a utilização da prerrogativa não constitui requerimento submetido à análise do magistrado, mas simples comunicação do exercício de direito estabelecido em lei. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a prerrogativa de deixar o recinto onde aguarda o início da audiência na hipótese de atraso injustificado restou expressamente reconhecida por parecer emitido pelo ilustre Defensor Público JORGE DA SILVA NETO, em consulta realizada pela categoria: Judicatura é serviço público como outro qualquer. Não tem privilégio algum. Juiz é um servidor público, um trabalhador como outro qualquer, remunerado pelo governo, a partir de uma das maiores cargas tributárias do mundo, que é a do Brasil. Como qualquer servidor, ao trabalhar o juiz não faz favor a ninguém, pois está sendo pago por seu patrão (a sociedade, inclusive pelo Defensor Público) para fazer seu serviço e deve fazê-lo bem, pois é inaceitável crer que um servidor público seja pago para fazer mal um serviço à sociedade que o remunera para tal. O artigo 35, VI da Lei Complementar Federal nº 35, de 14-03-1979, é enfático em que “são deveres do magistrado: VI – comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão; e não se ausentar injustificadamente antes do seu término”. O juiz, como dirigente do processo (CPC, art. 125), tem o privilégio de marcar a pauta de audiências. Porém, mais que todos, tem o dever de cumpri-la. Audiência marcada para a hora X tem de começar na hora X. Se começar depois, já está errado. E não tem essa também de marcar mais de uma audiência para a mesma hora X, pois enquanto a ciência não conferir ao homem o dom da ubiquidade ninguém conseguirá fazer mais de uma audiência ao mesmo tempo. Marcar mais de uma audiência para o mesmo horário é agir sabendo que pessoas honestas, que não são desocupadas, que deixaram seus afazeres de lado para colaborar com
o judiciário ficarão aguardando indefinidamente para serem ouvidas, num corredor lotado e sem o conforto dos gabinetes pessoais dos juízes, perplexas, sem entenderem o porquê de várias audiências terem sido marcadas para a mesma hora, se o juiz que as marcou sabia que não poderia cumprir aquela marcação, mas pouco se importou com o destino daquelas pessoas, manipulando-as desrespeitosamente. Um ato episódico, uma casualidade, um imprevisto podem afligir qualquer pessoa e descontrolar agendamentos. Isto é perfeitamente compreensível. Mas não é razoável que o atraso (que deve ser exceção) se torne regra e, costumeiramente, audiências sejam atrasadas, com o inevitável efeito cascata, pois aí já não se trata de imprevistos e, sim, desorganização pessoal de quem deve marcá-las já prevendo possíveis contratempos e criando os mecanismos para que se realizem atempadamente, nunca no seu interesse pessoal (que não tem significado algum para a lei processual) e sempre no interesse do serviço público (que deve ser eficiente, conforme artigo 37, caput, da Carta Política, até porque de um serviço público ineficiente ninguém precisa, nem quer). Se há desorganização pessoal do juiz, ele deve suportar as consequências de sua desorganização, sem poder projetá-la contra quem não contribuiu para o fato, menos ainda contra o Defensor Público, que ostenta status constitucional de “essencial à função jurisdicional do Estado” (art. 134) e que não é auxiliar nem funcionalmente subordinado ao juiz (…). O trabalho do Defensor Público não é fazer audiências. É fazer audiências também. O Defensor Público está presente no fórum para desenvolver três atribuições principais: 1) atender seus assistidos, 2) oficiar nos processos e 3) fazer audiências. Esta última não é principal em relação às primeiras, pois atender os assistidos é tão necessário e honesto quanto fazer audiências (e o assistido tem direito a atendimento com qualidade e eficiência, mor em face do artigo 4º da Lei Complementar Federal 80/1994, introduzido pela Lei Complementar Federal 132/2009 – direito a qualidade e eficiência do atendimento), assim como oficiar nos processos é tão necessário e honesto quanto fazer audiências. O artigo 83 da Lei Complementar Estadual nº 6/1977 diz que ‘nos termos das disposições constitucionais e legais, são assegurados aos membros da Defensoria Pública direitos, garantias e prerrogativas concedidos aos advogados em geral’. Dentre esses “direitos, garantias e prerrogativas concedidos aos advogados em geral”, previstos na Lei 8.906/1994 (Estatuto do Advogado), destaca-se o artigo 7º, XX, que declara ser direito do advogado “retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo”, direito este extensivo ao Defensor Público pelo prefalado artigo 83. Posta assim a questão, é de se volver às perguntas: 1. Qual o limite de tolerância para os atrasos no início das audiências? O limite de tolerância para os atrasos no início da primeira audiência é o de 30 minutos. Se o juiz não iniciar a audiência nesses 30 minutos, deve o Defensor Público realizar seus demais afazeres, os quais, cediço, não são poucos e não podem ser prejudicados pelas conveniências (ou inconveniências) do juiz. É diferente quando uma segunda audiência não começa na hora marcada em razão de algum evento complicador da primeira audiência que começou na hora certa, mas esta é uma situação excepcional que, sendo exceção, não pode virar regra, pois aí não haverá uma eventualidade e, sim, má organização da pauta, não sendo lícito exigir que o Defensor Público se submeta à má organização alheia. 2. O Defensor Público pode se retirar do fórum se as audiências não se iniciarem dentro de um horário razoável de atraso? Sim, mas como seu trabalho não se restringe à realização de audiências, se seu órgão de atuação for nas dependências do fórum e houver atendimentos a fazer e processos a oficiar, não será o caso de se retirar do fórum e sim de lá permanecer implementando seus demais trabalhos. 3. Qual seria o limite tolerável de atraso? O limite tolerável de atraso para a primeira audiência é o de 30 minutos. Para as demais, há um hiato legislativo, pois não há disciplina legal definindo o que seja esse ‘limite tolerável de atraso’. Vai aqui o bom senso para aquilatar se uma audiência anterior, iniciada no seu horário, teve ou não percalço justificável ou complexidade jurídica capaz de estendê-la além do ordinariamente previsível. (SILVA NETO, Jorge da. Parecer interno emitido na Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro) 11.2.14 Oitiva como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados
De acordo com os arts. 44, XIV, 89, XIV e 128, XIV da LC nº 80/1994, constitui prerrogativa do membro da Defensoria Pública “ser ouvido como testemunha, em qualquer processo ou procedimento, em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade competente”. Nesse caso, portanto, não está o Defensor Público sujeito à intimação ou convocação109.
Por se tratar de regra própria dos agentes políticos, outras autoridades públicas também gozam de idêntica prerrogativa, seja no curso de processo judicial ou de procedimento administrativo (art. 411 do CPC; art. 221 do CPP; art. 33, I da LC nº 35/1979; art. 40, I da Lei nº 8.625/1993; art. 18, II, g da LC nº 75/1993). A prerrogativa em análise tem como objetivo fundamental evitar que a intimação do Defensor Público para ser ouvido na condição de testemunha acarrete prejuízo ao exercício de suas funções institucionais. Justamente por isso, a Lei Complementar nº 80/1994 permite que o membro da Defensoria indique à autoridade, seja no âmbito judicial ou administrativo, a data, o horário e o local110 onde deverá ser inquirido como testemunha, de acordo com a sua disponibilidade. Com isso, o ordenamento jurídico garante que a participação do Defensor Público na fase instrutória do processo não obste a continuidade do serviço jurídico-assistencial público. Para que seja exercida a prerrogativa, não é necessário que os fatos averiguados no processo possuam relação ou decorram das atividades desenvolvidas pelo membro da Defensoria Pública111. Nem poderia ser assim, afinal na grande maioria dos casos o Defensor Público se encontra impedido de depor sobre fatos conhecidos em virtude do exercício da função (arts. 405, § 2º, III e 406, II do CPC e art. 207 do CPP). Importante observar, no entanto, que a prerrogativa apenas subsiste quando o membro da Defensoria Pública for ouvido na qualidade de testemunha; quando for parte do processo judicial ou interessado no feito administrativo, não poderá dispor dessa prerrogativa. Além disso, a prerrogativa deve ser exercida em tempo razoável, sob pena de o Defensor Público ter que prestar depoimento sem a possibilidade de ajuste, conforme já decidido em situação análoga pelo Supremo Tribunal Federal: Não Comparecimento e Perda da Prerrogativa. O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em ação penal no sentido de declarar a perda da prerrogativa prevista no caput do art. 221 do CPP em relação a Deputado Federal arrolado como testemunha que, sem justa causa, não atendera, ao chamado da justiça, no prazo de trinta dias. Na espécie, o juízo federal encarregado da diligência informara que o parlamentar em questão, embora tivesse indicado cinco diferentes datas e horários em que desejava ser inquirido, não comparecera a nenhuma das audiências designadas nessas datas por ele indicadas. Asseverou-se que a regra prescrita no art. 221 do CPP tenta conciliar o dever que todos têm de testemunhar com as relevantes funções públicas exercidas pelas autoridades ali mencionadas, por meio de agendamento prévio de dia, hora e local para a realização de audiência em que essas autoridades serão ouvidas. Afirmou-se que o objetivo desse dispositivo legal não seria abrir espaço para que essas autoridades pudessem, simplesmente, recusar-se a testemunhar, seja não indicando a data, a hora e o local em que quisessem ser ouvidas, seja não comparecendo aos locais, nas datas e nos horários por elas indicados. Em razão disso, concluiu-se que, sob pena de admitir-se que a autoridade, na prática, pudesse, indefinidamente, frustrar a sua oitiva, dever-se-ia reconhecer a perda da sua especial prerrogativa, decorrido tempo razoável sem que ela indicasse dia, hora e local para sua inquirição ou comparecesse no local, na data e na hora por ela mesma indicados. Registrou-se, por fim, que essa solução não seria nova no cenário jurídico brasileiro, tendo em conta o disposto no § 7º do art. 32 da EC nº 1/1969, incluído pela EC nº 11/1978, que estabelecia a perda das prerrogativas processuais de parlamentares federais, arrolados como testemunhas, que não atendessem, sem justa causa, no prazo de trinta dias, ao convite judicial. O Min. Celso de Mello observou que essa prerrogativa processual muitas vezes é utilizada para procrastinar intencionalmente o regular andamento e o normal desfecho de causa penal em andamento na Corte, e que a proposta formulada pelo relator seria plenamente compatível com a exigência de celeridade e seriedade por parte de quem é convocado como testemunha para depor em procedimentos judiciais. (STF – AP nº 421 QO/SP – Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, decisão: 22-10-2000 / Informativo STF nº 564)
Cabe ao juízo oficiar à Corregedoria da Defensoria Pública a fim de que seja indagado ao Defensor Público, que será inquirido na qualidade de testemunha, sobre a indicação do dia, hora e local onde deseja ser inquirido, cabendo à Corregedoria a resposta ao juízo. Relevante consignar, ainda, que o não início da oitiva no horário aprazado, em razão da ausência
do magistrado na sede do fórum, permite ao Defensor Público exigir o adiamento do ato e o ajuste de nova data e horário para que seja prestado o depoimento112. O objetivo da prerrogativa é assegurar ao membro da Defensoria Pública a participação em ato processual sem que haja prejuízo ao desempenho de sua função. Logo, quando o magistrado atrasa o início da tomada do depoimento do membro da Defensoria Pública, haverá prejuízo ao desempenho da atividade do Defensor Público, de modo que é assegurado ao mesmo exigir a designação de nova data e horário. A)
DA ISENÇÃO DO DEVER DE COMPOR JÚRI POPULAR: Com a reforma do Código de Processo Penal operada pela Lei nº 11.689/2008, restou reconhecido aos membros da Defensoria Pública, em pé de igualdade com os magistrados e membros do Ministério Público, a isenção do dever de prestar serviços ao Tribunal do Júri (art. 437, V do CPP). Essa previsão normativa não constava originalmente do Código de Processo Penal e sua inclusão revela apenas o nítido fortalecimento institucional da Defensoria Pública. 11.2.15 Investigação policial de infração penal praticada por membro da Defensoria Pública
Segundo determinam os arts. 44, parágrafo único, 89, parágrafo único e 128, parágrafo único da Lei Complementar nº 80/1994, quando, no curso de investigação policial, houver indício de prática de infração penal por membro da Defensoria Pública, a autoridade policial, civil ou militar, comunicará, imediatamente, o fato ao Defensor Público Geral, que designará membro da Defensoria Pública para acompanhar a apuração. A designação de Defensor Público para acompanhar a apuração da infração objetiva fiscalizar a atuação policial, garantindo a observância dos direitos e das prerrogativas do Defensor Público apontado como autor do delito. Nesse ponto, o acompanhamento da investigação policial por membro da Defensoria Pública constitui direito subjetivo do Defensor Público investigado. Além disso, a presença de membro da Defensoria Pública no curso do inquérito possui também o escopo de avaliar a natureza da infração e eventuais consequências da conduta criminosa, tendo em vista que o Defensor Público investigado pode ter se utilizado do cargo para o cometimento do delito, oportunidade em que emerge o interesse da Defensoria Pública em ver apurada a infração penal. Segundo adverte SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, “o Defensor Público designado deverá se notificado pessoalmente de todos os atos praticados no curso da investigação”113. 11.2.16 Acesso a banco de dados de caráter público e a locais que guardem pertinência com as atribuições da Defensoria Pública
Curiosamente, a Lei Complementar nº 132/2009 previu apenas em relação aos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios a prerrogativa de “ter acesso a qualquer banco de dados de caráter público, bem como a locais que guardem pertinência com suas atribuições” (art. 89, XVI da LC nº 80/1994). No que tange à Defensoria Pública da União e às Defensorias Públicas dos Estados, os arts. 44 e 128 da LC nº 80/1994 não contemplam igual
prerrogativa, revelando injustificável tratamento discriminatório por parte do legislador. De fato, não existe nenhum fator de discrímen que fundamente a quebra da isonomia institucional entre os diversos ramos da Defensoria Pública, que, diga-se de passagem, se encontram separados unicamente em virtude da distribuição constitucional de atribuições. Afinal, a atuação no Distrito Federal e nos Territórios não reserva nenhuma peculiaridade adicional que imponha o tratamento diferenciado e justifique a quebra da igualdade em relação àqueles que atuam na esfera federal e estadual. Como destaca FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA, “o acesso a bancos de dados de caráter público, bem como a locais que tenham pertinência com as atribuições dos Defensores Públicos, é medida facilitadora e que se revela útil a todos os ramos da Defensoria Pública”114. Com efeito, forçoso concluir que o conteúdo do art. 89, XVI da LC nº 80/1994 deve ser estendido à Defensoria Pública da União e às Defensorias Públicas dos Estados, garantindo igualmente a todos os Defensores Públicos que atuam no território nacional o acesso aos bancos de dados de caráter público e aos locais que guardem pertinência com suas atribuições funcionais115. 11.3 FORO PRIVATIVO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO ESTABELECIDO EM FAVOR DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA EM CONSTITUIÇÃO ESTADUAL Em virtude da relevância de determinados cargos ou funções públicas, a Constituição Federal realizou a previsão de foros privativos para o processo e julgamento de infrações penais praticadas pelos seus ocupantes, atentando para as graves implicações políticas que poderiam resultar das decisões judiciais proferidas nesses casos116. Com isso, optou o constituinte por atribuir o julgamento da matéria aos órgãos colegiados dos tribunais, em tese mais afastados das pressões externas, frequentemente presentes nessas situações, e detentores de melhor preparação profissional, haja vista a mais alargada experiência judicante117. Assim, por exemplo, o art. 96, III da CRFB atribuiu expressamente aos Tribunais de Justiça competência para “julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”. Em relação à Defensoria Pública, entretanto, a Constituição Federal restou omissa, não tendo realizado a previsão de nenhum foro privativo para o julgamento de infrações penais praticadas por Defensores Públicos. Do mesmo modo, a Lei Complementar nº 80/1994 também não materializou qualquer previsão infraconstitucional nesse sentido. Por essa razão, em princípio, sendo praticado crime comum ou de responsabilidade por membro da Defensoria Pública, será ele julgado pelo juízo natural competente, ante a ausência de previsão de foro por prerrogativa de função na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 80/1994. Convém observar, porém, que diversas Constituições Estaduais realizaram a previsão expressa de foro privativo para o processamento das infrações penais praticadas pelos membros da Defensoria Pública, atribuindo ao Tribunal de Justiça a competência para a realização do julgamento. Como exemplo, podemos citar o art. 161, IV, d, item 2 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro118, que estabelece:
Art. 161 da CERJ: Compete ao Tribunal de Justiça: (…) IV – processar e julgar originariamente: (…) d) nos crimes comuns e de responsabilidade: (…) 2 – os Juízes estaduais e os membros do Ministério Público, das Procuradorias-Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública e os Delegados de Polícia, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Questão tormentosa, entretanto, tem sido determinar se essa previsão de foro por prerrogativa de função exclusivamente pelas Constituições Estaduais seria ou não constitucional, em virtude da ausência de simetria com a Constituição Federal. Em alguns precedentes mais antigos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro chegou a declarar, de maneira incidental, a inconstitucionalidade da previsão de foro privativo aos Defensores Públicos, por entender que os Estados-membros não teriam competência para legislar sobre a matéria. In verbis: DEFENSORIA PUBLICA. FORO PRIVILEGIADO POR PRERROGATIVA DE FUNÇAO. COMPETENCIA. ART. 158, INC. IV, AL. D, N. 2 DA CONSTITUICAO ESTADUAL DE 1989. INCONSTITUCIONALIDADE. Defensoria publica. Incompetência do Órgão Especial (Tribunal Pleno) para processar e julgar originariamente seus membros. Inconstitucionalidade do art. 158, IV, ‘d’, n.2 da Constituição do Estado, por falecer competência aos Estados-membros para legislar sobre Direito Processual. (TJ/RJ – Órgão Especial – Representação Criminal nº 10100-64.1990.8.19.0000 – Relator Des. ANTONIO CARLOS AMORIM, decisão: 22-04-1992) Declaração incidental de inconstitucionalidade. Somente os juízes e membros do MP têm foro especial por prerrogativa de função. Inconstitucionalidade parcial do art. 158, IV, ‘d’, nº 2 da Constituição Estadual. (TJ/RJ – Órgão Especial – Representação Criminal nº 1989.034.000054 – Relator Des. BUARQUE DE AMORIM, decisão: 14-02-1990)
No entanto, devemos observar que o Supremo Tribunal Federal possui posicionamento consolidado reconhecendo ser a prerrogativa de foro matéria “mais de natureza constitucional e política do que processual”119. Com isso, deve ser afastado o aparente óbice formal imposto pelo art. 22, I da CRFB, que atribui privativamente à União a competência para legislar sobre direito processual. Além disso, o art. 125, § 1º da CRFB atribuiu expressamente às Constituições Estaduais a regulamentação da competência dos Tribunais de Justiça, observados os princípios constitucionais sensíveis e os princípios estabelecidos120. Nesse ponto, como não existe na Constituição Federal qualquer regra específica fixando o foro para o julgamento dos membros da Defensoria Pública, que pudesse ser aplicada em simetria às Constituições Estaduais, não subsiste qualquer inconstitucionalidade material na regulametantação da matéria pelos Estados-membros, no exercício de seu poder constituinte derivado decorrente. Outrossim, sob o espectro da razoabilidade, devemos observar que os Defensores Públicos são agentes políticos, dotados de independência funcional e que exercem função pública considerada essencial à justiça e à própria manutenção do Estado Democrático de Direito contemporâneo. Justamente por isso, os arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994 garantem aos membros da Defensoria Pública “o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares dos cargos das funções essenciais à justiça”. Sendo assim, se o constituinte originário entendeu razoável atribuir aos magistrados e membros do Ministério Público foro privativo junto ao Tribunal de Justiça (art. 96, III da CRFB), também se revela igualmente razoável assegurar aos membros da Defensoria Pública a mesma prerrogativa.
Nesse sentido, leciona ALESSANDRA DE SOUZA ARAÚJO, em brilhante artigo dedicado ao tema: A ratio do foro por prerrogativa de função reside, genericamente, na relevância da função, e tem em vista a dignidade do cargo. Tais motivos indubitavelmente se coadunam com a função dos Defensores Públicos. Onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito (ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositivo). Portanto, como os juízes estaduais, promotores e até mesmo prefeitos são julgados originalmente pelo Tribunal de Justiça (em seara criminal), o mesmo se pode falar quanto aos defensores públicos. Inexiste relação de hierarquia e subordinação entre os mesmos, o que, em âmbito da Defensoria Pública, consta expresso no art. 82 da Lei Complementar nº 06/1977 (que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública do RJ), bem como é prerrogativa dos membros da Defensoria Pública “ter o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares dos cargos das funções essenciais à justiça” (art. 44, XII da Lei Complementar nº 80/1994). O que existe é divisão de funções, as quais estão previstas constitucionalmente.” (ARAÚJO, Alessandra de Souza. Foro por prerrogativa de função do Defensor Público, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2001, ano XIII, n.17, pág. 19)
Adotando esse posicionamento, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do foro privativo por prerrogativa de função estabelecido em relação aos membros da Defensoria Pública, pelo art. 46, VIII, e da Constituição do Estado de Goiás. De acordo com o referido dispositivo, caberia ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás processar e julgar originariamente “os juízes de primeiro grau, os membros do Ministério Público, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, e os Delegados de Polícia, os Procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa e os Defensores Públicos, ressalvadas as competências da Justiça Eleitoral e do Tribunal do Júri”121. Ao analisar a questão, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o interesse público no adequado e independente exercício das funções públicas elencadas no referido dispositivo justificaria a previsão do foro privativo por prerrogativa de função, com exceção dos Delegados de Polícia, que se encontram funcionalmente subordinados aos Governadores estaduais e submetidos ao controle externo do Ministério Público. Por essa razão, a Suprema Corte reconheceu apenas a inconstitucionalidade da expressão “e os Delegados de Polícia”, contida no art. 46, VIII, e da Constituição do Estado de Goiás. In verbis: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ALÍNEA ‘E’ DO INCISO VIII DO ARTIGO 46 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS, NA REDAÇÃO QUE LHE FOI DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29, DE 31 DE OUTUBRO DE 2001. Ação julgada parcialmente procedente para reconhecer a inconstitucionalidade da expressão “e os Delegados de Polícia”, contida no dispositivo normativo impugnado. (STF – Pleno – ADI nº 2587/GO – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 01-12-2004)
Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser legítima a previsão de foro privativo em relação membros da Defensoria Pública, pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro: Foro por prerrogativa de função (Defensor Público do Rio de Janeiro). Ação Penal (competência do Tribunal de Justiça). 1. Compete ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os membros da Defensoria Pública daquele Estado (art. 161, IV, d, 2, da Constituição Estadual). 2. No regime federativo, os Estados-Membros desfrutam de autonomia política e administrativa, sendo-lhes próprios os denominados poderes implícitos (podem tudo que não lhes esteja explicitamente proibido). 3. No caso, ao proclamar a prerrogativa de foro dos membros da Defensoria Pública, o constituinte estadual assegurou a simetria funcional entre os diversos agentes políticos do Estado. 4. Habeas corpus deferido com o intuito de se preservar a competência do Tribunal de Justiça para, originariamente, processar e julgar o paciente – Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. (STJ – Sexta Turma – HC nº 45.604/RJ – Relator Min. NILSON NAVES, decisão: 10-10-2006)
Relevante lembrar, ainda, que “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre
o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual” (Súmula nº 721 do STF). Por fim, vale o registro de que a prerrogativa prevista na Constituição Estadual prevalece apenas em relação ao Defensor Público em atividade não sendo extensível ao aposentado, tendo em vista que o mesmo não mais integra a carreira. 11.4 PRERROGATIVAS ESTABELECIDAS NA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 06/1977 Em virtude da natureza não exaustiva do rol constante da Lei Complementar nº 80/1994, nada impede que as legislações estaduais estabeleçam outras prerrogativas, em observância à competência concorrente não cumulativa ou vertical do art. 24, XIII, c/c o art. 134, § 1º, da CRFB. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o art. 87 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 assegura aos Defensores Públicos fluminenses as seguintes prerrogativas: Art. 87: São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública: I – usar distintivos e vestes talares, de acordo com os modelos oficiais; II – possuir carteira de identidade e funcional, conforme modelo aprovado pelo Defensor Público Geral, sendo-lhes assegurado o porte de arma e podendo solicitar, se necessário, o auxílio e a colaboração das autoridades públicas para o desempenho de suas funções; III – requisitar diretamente, das autoridades competentes, certidões, solicitar os esclarecimentos de que necessitarem e acompanhar as diligências que requererem, sempre no exercício de suas funções; IV – utilizar-se dos meios de comunicação do Estado no interesse do serviço, e, da mesma forma, dos Municípios, quando se trate do patrocínio de direitos dos respectivos munícipes; V – dispor nos Tribunais e locais de funcionamento de órgãos judiciários de instalações compatíveis com a relevância de seus cargos, usando efetivamente as dependências que lhes são reservadas; VI – ingressar nos recintos das sessões e audiências, neles permanecer e, deles sair, independentemente de autorização; VII – usar da palavra, pela ordem, falando sentado ou em pé, durante a realização de audiência ou sessão, em qualquer Juízo ou Tribunal; VIII – tomar ciência pessoal de atos e termos dos processos em que funcionaram; IX – agir, em Juízo ou fora dele, com dispensa de emolumentos e custas; X – ter vista dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações legais; XI – comunicar-se, pessoal e reservadamente com seus assistidos, ainda quando estes se achem presos ou detidos; XII – examinar, em qualquer repartição policial ou judiciária, autos de flagrante, inquéritos e processos, quando necessitar de prova ou de informações úteis ao exercício de suas funções.
Para que não sejamos repetitivos, passaremos a analisar sinteticamente apenas as prerrogativas que destoam daquelas estabelecidas pela Lei Complementar nº 80/1994 e que, consequentemente, não foram abordadas nos tópicos anteriores. 11.4.1 Porte de arma de fogo
O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) e a Lei Complementar nº 80/1994 não conferem ao Defensor Público o porte de arma de fogo, até porque, o dispositivo da Lei Complementar nº 132/2009 que conferiria o porte de arma em âmbito nacional foi vetado pelo Presidente da República122. Apesar disso, o art. 87, II, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977
assegura aos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro o porte de arma fogo concedido pelo Defensor Público Geral. Por se tratar de norma de caráter estadual, o porte de arma de fogo não é extensível a todo o território nacional, mas restrito aos limites da unidade federativa onde foi concedido – no caso, o Estado do Rio de Janeiro123. Logo, portando o Defensor Público arma de fogo fora dos limites territoriais do Estado-membro, poderá incidir no crime de porte ilegal de arma de fogo, tipificado nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003, conforme se trate de armamento de uso permitido ou de uso restrito, respectivamente. Importante observar que o porte de arma de fogo conferido pela Lei Complementar Estadual nº 06/1977, por si só, não é suficiente para permitir que o Defensor Público venha a portar todo e qualquer armamento. O fato de pertencer aos quadros da Defensoria Pública não exime o agente de efetuar o competente registro da arma de fogo que pretende portar, devendo comprovar aptidão técnica e psicológica no ato de aquisição do armamento (art. 4º da Lei nº 10.826/2003). Além disso, o porte de arma de fogo concedido aos Defensores Públicos franqueia unicamente o acesso direto aos armamentos de uso permitido124. No caso das armas de fogo de uso restrito, sua aquisição deve ser precedida de autorização emitida pelo Comando do Exército (art. 27 da Lei nº 10.826/2003). 11.4.2 Utilização de meios de comunicação do Estado e dos municípios
Segundo estabelece o art. 87, IV da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, ao membro da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro é assegurada a prerrogativa de “utilizar-se dos meios de comunicação do Estado no interesse do serviço, e, da mesma forma, dos Municípios, quando se trate do patrocínio de direitos dos respectivos munícipes”. Na verdade, a norma representa resquício histórico de um período em que os meios de comunicação ainda não eram amplamente difundidos na sociedade. No entanto, em virtude da renitente deficiência estrutural da Defensoria Pública, a prerrogativa pode ainda encontrar espaço de incidência. Por intermédio na norma estadual, o legislador buscou conferir ao Defensor Público fluminense o máximo de subsídios para que possa desempenhar, com regularidade, suas funções institucionais nas comarcas onde atua. A interpretação do dispositivo deve ser a mais ampliativa possível, compreendo a expressão “meios de comunicação” todos os instrumentos disponíveis para realização de contato com os assistidos, seja internet, telefone, fax, diligência, etc. 11.4.3 Ingressar nos recintos das audiências e sessões de julgamento
No Estado do Rio de Janeiro também se confere aos Defensores Públicos a prerrogativa de ingressar nos recintos das sessões e audiências, neles permanecer e, deles sair, independentemente de autorização, na forma do art. 87, VI da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Esse dispositivo reproduz norma similar constante do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7º, VI da Lei nº 8.906/1994).
11.4.4 Usar da palavra durante as audiências e sessões de julgamento
De acordo com o art. 87, VII da da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, o Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro poderá usar da palavra, pela ordem, falando sentado ou em pé, durante a realização de audiência ou sessão, em qualquer Juízo ou Tribunal. Esse dispositivo também é reproduzido de maneira análoga no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7º, X da Lei nº 8.906/1994). É bom que se observe o conteúdo do art. 554 do Código de Processo Civil que afasta a possibilidade de sustentação oral no Agravo de Instrumento e nos Embargos de Declaração. Apesar do comando restritivo, isso não impede que o Defensor Público realize algum esclarecimento que entenda ser relevante em razão dos debates do órgão julgador, utilizando-se, como de costume, da expressão “pela ordem”. 11.5 LEGITIMIDADE PARA DEFESA JUDICIAL DAS PRERROGATIVAS Com as modificações implementadas pela Lei Complementar nº 132/2009, o art. 4º, IX da LC nº 80/1994 passou a prever expressamente como função institucional da Defensoria Pública “impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução”. Sendo assim, sempre que as prerrogativas dos membros da Defensoria Pública restarem violadas, o ordenamento jurídico prevê expressamente a possibilidade de impetração de habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação para que a ilegalidade seja sanada. Resta, no entanto, determinar quem seriam os sujeitos legitimados a pleitear judicialmente a defesa judicial das prerrogativas: o Defensor Público em nome próprio ou a Defensoria Pública institucionalmente considerada. Como ponto de partida, devemos analisar a essência da prerrogativa e o agente estatal que a desrespeitou. Em se tratando de órgãos integrantes da administração pública (direta ou indireta), membros do Poder Judiciário, membros do Ministério Público ou de particulares, se afigura plenamente possível a atuação judicial disjuntiva e concorrente tanto do Defensor Público, como da própria Defensoria Pública. Sendo assim, a ação judicial poderá ser proposta pelo Defensor Público em nome próprio, pela Defensoria Pública institucionalmente considerada ou, ainda, conjuntamente por ambos (litisconsórcio facultativo ativo)125. No entanto, quando se tratar de violação cometida pela própria Defensoria Pública, evidentemente a legitimidade para a defesa judicial da prerrogativa será atribuída unicamente ao Defensor Público. Do contrário, subsistiria claro conflito de interesses, havendo a absurda situação em que a Defensoria Pública litigaria contra si mesma, a respeito de matéria interna corporis. Sendo assim, nesses casos, apenas o Defensor Público em nome próprio poderia buscar a tutela jurisdicional de suas prerrogativas. Importante destacar, ainda, que a Defensoria Pública institucionalmente considerada não possui legitimidade para defender judicialmente interesses subjetivos individuais e disponíveis de seus
membros, estando apenas autorizada a ingressar em juízo quando restar evidenciado o comprometimento de algum interesse institucional. Ao analisar hipótese análoga, ocorrida no âmbito do Ministério Público, o Supremo Tribunal Federal sufragou o seguinte entendimento: Mandado de segurança e direito individual de membro do Ministério Público. O Ministério Público não tem legitimidade para defender direito subjetivo, disponível e individual de seus membros. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma desproveu agravo regimental interposto de decisão do Min. Ricardo Lewandowski que, em decisão monocrática da qual relator, extinguira o mandamus sem julgamento de mérito. No caso, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul impetrara mandado de segurança contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, que restringira a percepção de gratificação por membros que compusessem órgãos colegiados. Reputou-se que a legitimidade do parquet para impetração de writ restringir-se-ia à defesa de sua atuação funcional e a de suas atribuições institucionais. (STF – MS nº 30717 AgR/DF – Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, decisão: 27-09-2011 / Informativo STF nº 642)
No que tange ao instrumento processual cabível, o art. 4º, IX da LC nº 80/1994 deixa clara a possibilidade de utilização de “habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação”, conforme o caso. Além de buscar a defesa judicial da prerrogativa eventualmente violada, o membro da Defensoria Pública poderá, também, representar administrativamente o agente ou autoridade pública responsável pela ilegalidade, requerendo a instauração de processo administrativo disciplinar ao órgão de censura competente. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – V CONCURSO): Face ao disposto no artigo 236, § 2º do CPC, em confronto com o contido no artigo 87, VIII da Lei Complementar nº 06/1977 e tendo em vista as novas disposições constitucionais existentes, entende você caber ao Defensor Público a prerrogativa da intimação pessoal? Questão 02 (DPGE/RJ – V CONCURSO): Em determinado Juízo o magistrado titular baixou portaria vedando ao Defensor Público em exercício naquele órgão de atuação, bem como aos advogados militantes, a retirada de autos do Cartório e o acesso ao interior do mesmo. Você, Defensor Público junto aquele Juízo, como procederia? Justifique, fundamentando a resposta. Questão 03 (DPGE/RJ – X CONCURSO): O Defensor Público, no seu pleno exercício funcional, necessita de uma autorização para entrevistar-se pessoal e reservadamente com pessoa recolhida à Delegacia de Polícia? Questão 04 (DPGE/RJ – X CONCURSO): O Defensor Público, ao verificar que o documento que lhe foi exibido pela parte encontra-se incompleto, carecendo de informações que somente podem ser prestadas por autoridade pública, deve requerer a complementação de tais informações ao Juízo por onde tramita o processo, ou deve requisitá-las diretamente à autoridade pública competente? Resposta justificada.
Questão 05 (DPGE-RJ – XV CONCURSO): O Brasil, dentre outros Estados Federais de todo o Universo, é o de melhor organização da Defensoria Pública, instituída em sede constitucional, como predicamento de órgão do Poder Público, o que lhe confere posição relevante e exemplar no que atine a matéria. Assim, posto que constituíam temas ligados a instituição, de índole marcantemente democrática, responda: (A) A contagem do prazo em dobro, conferido à prática dos atos que devam ser promovidos pelo Defensor Público, viola o princípio da igualdade das partes no processo? Por que razão? Questão 06 (DPGE-RJ – XVI CONCURSO): Determinado órgão da Administração Pública nega a Defensor Público, designado especialmente para formular defesa, o direito de fazer retirada de volumoso processo administrativo disciplinar. Essa conduta da Administração ocorreu sob o argumento de que há portaria estabelecendo tal comportamento no âmbito daquele órgão. Comente tal hipótese em razão das prerrogativas funcionais dos Defensores Públicos, esclarecendo se cabe a adoção de alguma medida judicial. Questão 07 (DPGE/RJ – XVI CONCURSO): O que se entende por poder geral de requisição atribuído ao Defensor Público? Justifique sucintamente. Questão 08 (DPGE-RJ –XVII CONCURSO): A prerrogativa do Defensor Público utilizar o prazo em dobro vulnera o princípio de tratamento de igualdade das partes? Questão 09 (DPGE-RJ – XVII CONCURSO): Como tem se posicionado o Supremo Tribunal Federal, quanto ao conhecimento de apelação interposta pela Defensoria Pública, quando o réu manifestou expressamente o desejo de não recorrer? Questão 10 (DPGE-RJ – XVIII CONCURSO): Qual a intenção do legislador ao instituir as prerrogativas funcionais que estabelecem a obrigatoriedade da intimação pessoal do Defensor Público para a prática dos atos processuais em todos os graus de jurisdição e da contagem em dobro dos prazos? Questão 11 (DPGE-RJ – XVIII CONCURSO): Determinado indivíduo, patrocinado por advogado particular que lhe prestava assistência judiciária, de acordo com o artigo 14 da Lei 1060/1950, protocolizou seu recurso de apelação no décimo sétimo dia posterior à sentença. O recurso não foi recebido sob a justificativa de intempestividade. A parte, inconformada, interpõe o competente recurso contra o não recebimento da apelação, argumentando que seu advogado prestava serviço de defensor por meio de convênio firmado pela OAB, naquela Comarca, sendo portanto, legitimamente vinculado à assistência judiciária estatal organizada. Por outro lado, ainda expõe, em seu recurso, que o referido convênio faz parte de uma estratégia organizada e mantida pela Prefeitura daquela Comarca, visando sanar a carência de Defensores Públicos, permitindo, assim,
que advogados designados pela OAB atuem na prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que não podem pagar. Considerando toda a legislação pertinente, assiste razão ao interessado? Justifique a resposta. Questão 12 (DPGE/RJ – XXI CONCURSO): Caio, hipossuficiente, é demandado em ação de responsabilidade civil pelo rito ordinário e, para promover a sua defesa, procura o Defensor Público com atribuição para o feito, às 16:30h, do décimo quinto dia (segunda-feira) da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido. O Defensor Público, no mesmo dia, protocoliza petição requerendo ao Juiz a concessão de prazo em dobro, pugnando, ainda, por sua intimação pessoal para a ciência da decisão. Após o transcurso de um período de vinte dias, os autos retornam ao Defensor Público com o deferimento do prazo em dobro para o oferecimento da resposta. Analise a questão de acordo com a orientação jurisprudencial sobre a hipótese. Fundamente. Questão 13 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): Nos autos de determinado processo, onde a parte ré é assistida pela Defensoria Pública foi proferido o seguinte despacho: “Especifiquem as provas, em 10 dias, justificando-as”. Publicado o despacho, veio, posteriormente, a seguinte certidão cartorária: “Transcorrido o prazo, a parte ré não se manifestou”. Em Audiência de Instrução e Julgamento o Juiz indeferiu ao réu, juntada de documento novo, alegando ter havido preclusão. Pergunta-se: Que medida(s), você, Defensor Público, em audiência, tomaria em defesa do réu? Fundamente sem necessidade de redigir peça. Questão 14 (DPGE/RJ – XXIII CONCURSO): Confronte o atual entendimento jurisprudencial acerca do termo a quo do prazo para a incidência da multa de 10% sobre o valor devido, previsto no artigo 475-J do Código de Processo Civil, com o entendimento adequado à especialidade constitucional da Defensoria Pública, na hipótese de o executado, no cumprimento de sentença, ser patrocinado pela referida Instituição. Questão 15 (DPGE/RJ – XXIII CONCURSO): A fim de instruir medida judicial em favor de determinado assistido, você, Defensor Público, oficia um órgão público requisitando cópias de processos administrativos indispensáveis à instrução do feito. O mencionado órgão envia resposta afirmando não estar obrigada a atender à diligência, salvo por ordem judicial. Sem redigir peça, indique a medida cabível e seus fundamentos para assegurar o cumprimento da requisição formulada. Questão 16 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): João Carlos, morador de Porciúncula, encaminha-se ao gabinete do Defensor Público em exercício da Comarca e solicita assistência jurídica, pois figura como indiciado em inquérito em que se a apura a prática de homicídio doloso triplamente qualificado contra sua sogra. Ele esclarece que não possui nenhuma fotocópia dos autos e, em seguida, firma declaração em que manifesta desejo de ser patrocinado pela Defensoria Pública. O
arguto Defensor Público dirige-se à Delegacia de Polícia e solicita os autos do procedimento para análise dos atos já realizados e documentados. A autoridade policial, contudo, nega-se a permitir o acesso, sob o argumento de que o inquérito é sigiloso. Em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, analise as seguintes afirmativas: I – A vedação ao acesso está correta, pois o inquérito é procedimento em que não se aplica o princípio do contraditório. II – A negativa de vista e consulta viola a prerrogativa legal dos Defensores Públicos de examinar, em qualquer repartição, autos de inquérito. III – A recusa policial esvazia a salvaguarda prevista no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal que assegura assistência Jurídica ao preso. IV – Não é cabível habeas corpus para garantir o acesso pretendido, pois João Carlos encontra-se solto. Conclui-se que são corretas somente: (A) I e III; (B) I e IV: (C) II e III; (D) II e IV; (E) III e IV. Questão 17 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): A intimação do Defensor Público se dá: (A) pela publicação do Diário Oficial; (B) no dia em que o assistido o procura; (C) da juntada do mandado; (D) pelo despacho do juiz; (E) pessoalmente. Questão 18 (DPGE/ACRE – 2006): A respeito da atuação da Defensoria Pública e da assistência judiciária, assinale a opção correta. (A) Conforme orientação firmada pelo STJ, o prazo em dobro previsto na legislação da assistência judiciária gratuita se estende aos advogados dativos ou nomeados ad hoc, que geralmente exercem a defesa das pessoas reconhecidamente carentes em locais onde inexistente a Defensoria Pública. (B) Os prazos em favor da Defensoria Pública contam-se da data do ciente e não na data da vista pessoal dos autos. (C) No âmbito estadual, o Defensor Público geral deve ser nomeado pelo presidente da República, entre integrantes da carreira e maiores de 45 anos. (D) São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Questão 19 (DPGE/ACRE – 2006): Constitui prerrogativa dos Defensores Públicos estendida aos demais advogados (A) receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos. (B) ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias, ressalvadas as vedações legais. (C) manifestar-se em autos administrativos ou judiciais por meio de cota. (D) ser recolhido em sala especial de Estado-Maior, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Questão 20 (DPU – 2007) Julgue as assertivas abaixo: (A) A existência de advogado particular não afasta o direito à assistência judiciária, mas afasta o direito ao prazo em dobro. (B) Ao Defensor Público é garantida a intimação pessoal com remessa e vista dos autos fora de cartório. (C) É prerrogativa dos membros da DPGU requisitar de autoridade pública e de particulares exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições. Questão 21 (DPGE/MG – 2009): São prerrogativas previstas na LC nº 65/2003 dos membros da Defensoria Pública no exercício de suas atribuições, EXCETO: (A) Ter vista pessoal dos processos judiciais, em cartório ou na repartição competente, e, ressalvadas as vedações legais, fora dos cartórios e das secretarias. (B) Requisitar de autoridade pública ou de seus agentes, civis e militares, exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências. (C) Receber intimação pessoal em qualquer processo ou grau de jurisdição, mediante entrega dos autos com vista, contando-lhe em dobro todos os prazos, ressalvado o prazo de interposição de recurso extraordinário para o STF. (D) Receber o mesmo tratamento reservado aos membros do Ministério Público e aos Desembargadores. (E) Examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem designação, autos de flagrante delito e de inquérito, findos ou em andamentos, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Questão 22 (DPGE/ES – 2009) Julgue as assertivas abaixo: (A) As razões de apelação apresentadas pela Defensoria Pública, mesmo que fora do prazo legal, devem ser consideradas. Nesse caso, há mera irregularidade, que não compromete o recebimento do recurso, pois o não recebimento poderia constituir ofensa ao princípio da ampla
defesa. (B) Na hipótese de assistência judiciária gratuita, o Defensor Público e o advogado particular no exercício de defesa dativa possuem as prerrogativas de intimação pessoal, contando-se em dobro os prazos processuais. (C) A Emenda Constitucional nº 45 assegurou ao Defensor Público Geral da União o foro por prerrogativa de função perante o STF para conhecer, processar e julgar os crimes comuns e, perante o Senado Federal, nos delitos de responsabilidade, nos mesmos moldes estabelecidos para o procurador-geral da República e o advogado-geral da União. (D) As legislações complementares asseguram aos Defensores Públicos o direito ao porte de arma. Em relação aos Defensores Públicos Federais, após sua aprovação no estágio probatório, a concessão do porte de arma é de âmbito nacional, mediante ato do Defensor Público Geral. O porte de arma dos Defensores Públicos Estaduais fica restrito à circunscrição do estadomembro, e é conferido no ato da posse, com a expedição da carteira funcional, por decisão do Defensor Público Geral. (E) O Defensor Público, no plantão de atendimento inicial, após a análise da situação fática trazida pelo assistido e a avaliação de toda a documentação pertinente ao caso, decidiu não ajuizar a demanda pretendida pelo assistido por entendê-la manifestamente improcedente, sem lastro normativo que a assegurasse. Nessa situação, tem o Defensor Público o dever legal de comunicar a decisão de arquivamento da assistência requerida ao Defensor Público Geral. Em caso de não interposição de recurso judicial ou administrativo, ficará o defensor dispensado desse dever. Questão 23 (DPGE/AM – 2010): São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, exceto: (A) manifestar-se em autos administrativos ou judiciais por meio de cota. (B) receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe, todavia, os prazos de forma simples. (C) recusar-se a depor e a ser ouvido como testemunha, em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa cujo direito esteja a defender, ou haja defendido, ainda que por ela autorizado. (D) ser processado e julgado, originalmente, pelo Tribunal de Justiça nos crimes comuns e nos de responsabilidade, salvo as exceções constitucionais. (E) utilizar-se dos meios de comunicação do estado e do município, no interesse do serviço. Questão 24 (DPU – 2010) Julgue a assertiva abaixo: (A) Segundo entendimento do STJ, o Defensor Público deve ser intimado, pessoalmente, de todos os atos do processo, sob pena de nulidade. Questão 25 (DPU – 2010) Julgue as assertivas abaixo:
(A) Considere a seguinte situação hipotética. Abel foi condenado pela 12ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal pela prática do delito de moeda falsa. Ao apresentar o termo de apelação, o advogado dativo manifestou a intenção de arrazoar na superior instância. Remetidos os autos ao TRF/1ª Região, o causídico foi intimado para apresentar as razões recursais no prazo de oito dias (CPP, art. 600, caput); no entanto, renunciou ao encargo sem apresentá-las. Os autos foram encaminhados, em 12/01/2010, à unidade da DPU em Brasília, e o Defensor a quem foi distribuída a causa, após certificar-se da hipossuficiência do réu, aceitou o patrocínio da sua defesa, mas, por causa do excesso de trabalho, só apresentou as razões recursais em 05/03/2010. Nesse caso, a apresentação tardia das razões de apelação, mesmo além do prazo em dobro, constitui mera irregularidade, devendo o recurso ser conhecido. (B) Constitui prerrogativa dos membros da DPU a contagem em dobro de todos os prazos processuais perante todos os órgãos do Poder Judiciário. Questão 26 (DPGE/RS – 2011): Em relação aos Defensores Públicos e às suas prerrogativas e funções institucionais, com esteio nas Leis Complementares Federal e Estaduais que organizam as Defensorias Públicas, considere a seguinte situação hipotética: um membro da Defensoria Pública, no exercício de suas atribuições funcionais, após receber vista dos autos, lança breve manifestação manuscrita, com pedido ao final. Conclusos os autos, o magistrado: (A) deve determinar o desentranhamento e inutilização da peça, reabrindo o prazo da parte assistida pela Defensoria Pública, para que seja lançada nova manifestação, digitada ou datilografada. (B) deve conhecer do pedido, examinando o seu mérito. (C) deve mandar riscar o texto dos autos, deixando de conhecer do pedido. (D) deve determinar ao escrivão que reduza a termo todo o texto manuscrito, fazendo oportuna conclusão dos autos para exame. (E) não deve conhecer do pedido, porquanto o membro da Defensoria Pública somente pode dirigir-se ao juiz, de forma manuscrita, em procedimento de habeas corpus. Questão 27 (DPGE/RS – 2011): Em relação aos Defensores Públicos e às suas prerrogativas e funções institucionais, com esteio nas Leis Complementares Federal e Estaduais que organizam as Defensorias Públicas, considere a seguinte situação hipotética: o Defensor Público, no uso de suas atribuições funcionais na Comarca de Pelotas-RS, recebe a presença de Oficial de Justiça, munido do mandado judicial e sem a cópia da petição inicial e a carga física dos autos, a fim de intimá-lo de sua constituição, em determinado processo, como curador especial de réu, citado por edital, bem como para apresentação de contestação, no prazo legal. Neste caso, deve o Defensor Público: (A) recusar-se a receber a intimação, por inobservância de prerrogativa específica conferida aos membros da Defensoria Pública. (B) aceitar e receber a intimação, porquanto a intimação pessoal é prerrogativa que não depende, em qualquer circunstância, da entrega dos autos com vista. (C) aceitar e receber a intimação, porquanto a situação não retrata a necessidade da entrega dos
autos com vista. (D) recusar-se a receber a intimação, porquanto não é sua função institucional exercer a curadoria especial, exceto no segundo grau de jurisdição. (E) aceitar e receber a intimação, porquanto a intimação pessoal, mediante entrega dos autos com vista, quando necessário, é prerrogativa conferida somente ao Defensor Público Geral. De acordo com a clássica definição de Hely Lopes Meirelles, “prerrogativas são privilégios funcionais, normalmente conferidos aos agentes políticos ou mesmo aos altos funcionários, para a correta execução de suas atribuições legais. As prerrogativas funcionais erigem-se em direito subjetivo de seu titular, passível de proteção por via judicial, quando negadas ou desrespeitadas por qualquer outra autoridade.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1992, pág. 74) 2 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 277. 3 Segundo já teve a oportunidade de se manifestar o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, “o ideal de igualdade na distribuição da justiça e isonomia de condições entre ricos e pobres somente poderá continuar a existir, em nosso Estado, se os membros da Defensoria Pública não forem cerceados em suas prerrogativas e afastadas as dificuldades ao desempenho de suas nobres funções”. (TJ/RJ – Órgão Especial – Arguição de Inconstitucionalidade nº 004/1987 – Relator Des. SYNÉSIO DE AQUINO, decisão: 13-09-1988) 4 Nesse sentido: ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 293. 5 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. Assistência Jurídica Gratuita, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 83. 6 Nesse sentido: MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 97. MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 277. 7 Art. 134, § 1º da CRFB: “Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados (…)”. 8 Ao analisar a matéria, o Supremo Tribunal Federal destacou que a doutrina dos inherent powers, que possui como precedente o célebre caso McCulloch vs. Maryland (1819), da Suprema Corte dos Estados Unidos, enfatiza que “a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos”. (STF – Decisão Monocrática – MS nº 26547 MC/DF – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão 23-05-2007) 9 Em sua redação original, os arts. 44, I, 89, I e 128, I da LC nº 80/1994 previam a prerrogativa de “receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição”, não sendo realizada qualquer menção à entrega dos autos com vista. 10 O veículo oficial de comunicação dos atos internos da Defensoria Pública é o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de sorte que a Ordem de Serviço n. 78/2009 determina que os Defensores Públicos tenham acesso a este veículo diariamente, para ciência dos atos da administração institucional. 11 GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pág. 44. 12 O que nos causa perplexidade, todavia, diz respeito à hipótese de ausência de intimação da parte no âmbito dos Juizados Especiais. Isto porque, há expresso comando normativo, materializado no art. 59 da Lei nº 9.099/1995, que veda o manejo da Ação Rescisória nesse microssistema processual, bem como a crescente jurisprudência das Turmas Recursais, que tende a não admitir o Mandado de Segurança. 13 A Lei nº 12.376/10 alterou a emenda original do Decreto-Lei nº 4.657/42, substituindo a denominação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” por “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”. 14 Nesse sentido: STF – Primeira Turma – HC nº 89.177 – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 27-02-2007 / STF – Segunda Turma – HC nº 81.019/MG – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 23-10-2001 / STF – Segunda Turma – HC nº 74.260/RS – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 24-09-1996 / STF – Segunda Turma – HC nº 73.698/MG – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 23-03-1996. 15 STJ – Corte Especial – HC nº 27.786/SP – Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, decisão: 23-10-2003. No mesmo sentido: STJ – Quarta Turma – AgRg no REsp nº 738185/SP – Relator Min. CESAR ASFOR ROCHA, decisão: 11-10-2005 / STJ – Quinta Turma – HC nº 37.784/DF – Relator Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, decisão: 05-10-2004. 16 STF – Segunda Turma – HC nº 81.342/SP – Relator Min. NELSON JOBIN, decisão: 20-11-2001 / Informativo STF nº 251. 17 art. 370, § 1º do CPP: “A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado.” 18 STF – Tribunal Pleno – HC nº 70.514/RS – Relator Min. SYDNEY SANCHES, decisão: 23-03-1994. 19 No mesmo sentido: STF – Segunda Turma – HC nº 84277/MS – Relator Min. CARLOS VELLOSO, decisão: 21-09-2004 / STF – Segunda Turma – HC nº 83690/RJ – Relator Min. GILMAR MENDES, decisão: 09-03-2004 / STF – Primeira Turma – HC nº 1
83801/RO – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 17-02-2004 / STF – Pleno – HC nº 76915/RS – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 16-06-1998. 20 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 2011. 21 Seguindo essa linha de raciocínio, o professor Guilherme Peña de Moraes leciona que “a intimação pessoal dos defensores públicos há de se fazer estreme de dúvidas, não sendo bastante a simples entrega dos autos no protocolo da Defensoria Pública, sendo mister para aperfeiçoar-se, que o membro da Instituição aponha seu ciente”. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 280) 22 Ao analisar a matéria, o professor Gustavo Corgosinho sintetiza: “Em relação à questão do processo eletrônico, consideramos que a prerrogativa do Defensor Público consagrada em Lei Complementar Federal não poderá ser vulnerada pela adoção dessa nova ferramenta, razão pela qual deverão ser asseguradas, pelo Poder Judiciário, todas as medidas e precauções necessárias a garantir que o Defensor Público legalmente competente para acompamento do processo seja regularmente intimado pessoalmente de todos os atos do processo, devendo ser viabilizado o acesso à integra dos autos, sob pena de nulidade absoluta dos atos praticados com inobservância da prerrogativa legal.” (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 157) 23 Esse entendimento, inclusive, restou solidificado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo Enunciado nº 8, do Aviso TJ/RJ nº 69, in verbis: “Dispensável intimação pessoal do devedor no cumprimento da sentença.” 24 STJ – Quinta Turma – EDcl no HC nº 172693/PE – Relator Min. GILSON DIPP, decisão: 14-04-2011. 25 “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NULIDADE DA SESSÃO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO. INOCORRÊNCIA. É de ser afastada a suposta irregularidade decorrente da ausência de intimação do Defensor Público da sessão de julgamento do habeas corpus impetrado no Tribunal a quo, já que se trata de processo que, ante a premência de sua análise, dispensa sua inclusão em pauta e, consequentemente, a intimação do defensor, ainda que integrante do quadro da Defensoria Pública estadual.” (STJ – Sexta Turma – RHC nº 18075/PI – Relator Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, decisão: 04-04-2006) 26 STJ – Quinta Turma – HC nº 47525/SP – Relator Min. FELIX FISCHER, decisão: 06-12-2007. 27 De acordo com os professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “o benefício de prazo deve ser aplicado a todos aqueles que atuam no processo – advogados públicos, advogados particulares, – que estejam no exercício da defesa do beneficiário da garantia constitucional da assistência judiciária. O fator discriminador não é a qualidade pública do profissional que defende o necessitado, mas é a própria função desse profissional exercida no processo.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 1784) 28 Seguindo essa mesma linha, o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) prevê no art. 161, § 4º que o prazo em dobro “se aplica aos escritórios de prática jurídica das faculdades de direito, reconhecidas na forma da lei, e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Ordem dos Advogados do Brasil ou conveniados com a Defensoria Pública.” 29 “Tratando-se de benefício instituído em favor de Defensor Público, deve ser concedido sempre que atue no processo esse defensor, sendo irrelevante a questão de saber se o réu é pobre, ou não, revel ou não.” (STJ – Resp nº 15703/MS – Relator Min. ASSIS TOLEDO, decisão: 23-10-2001) 30 STF – Segunda Turma – HC nº 81019/MG – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 23-10-2001. 31 De acordo com o Desembargador Maurício Vidigal, a prerrogativa do prazo em dobro só pode ser utilizada por entidade que preste a Assistência Jurídica organizada pelo Estado. Por essa razão, “no caso de São Paulo, tem direito à intimação pessoal e ao prazo em dobro apenas o Procurador do estado que age em nome da Procuradoria de Assistência Judiciária. A lei objetivou apenas conceder privilégio processual, igual aos assegurados a entidades públicas e ao Ministério Público, para contornar as falhas e deficiências do serviço público. A outorga não teve em mira as necessidades das partes carentes, mas as deficiências referidas. Se fosse outro seu objetivo, o prazo dobrado teria sido previsto para todos os beneficiados pela justiça gratuita. Por essas razões não está conforme a lei o entendimento que amplia o privilégio, permitindo que ele seja usado por entidades conveniadas. Estas devem assumir somente a carga de serviços que lhes for possível; o serviço público não dispõe dessa possibilidade, devendo atender a todos que o procurem.” (VIDIGAL, Maurício. Lei de assistência judiciária interpretada, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, pág. 45) 32 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. ARTIGOS 5º, § 5º DA LEI Nº 1.060/1950 E 128, I DA LC Nº 80/1994. PRAZO EM DOBRO. AGRAVO REGIMENTAL OU INTERNO. APLICABILIDADE. 1. Os arts. 5º, § 5º da Lei nº 1.060/1950 e 128, I da LC nº 80/1994, asseguram aos membros da Defensoria Pública dos Estados a prerrogativa de que todos os prazos sejam contados em dobro. 2. A disciplina da contagem em dobro do prazo recursal aplica-se ao agravo regimental ou interno, uma vez que a lei não fez qualquer ressalva nesse sentido. Prevalência da Lei nº 1.060/1950 e da LC nº 80/1994 sobre os regimentos internos dos tribunais. 3. Recurso especial provido para, reconhecendo a tempestividade do agravo interno, determinar ao Tribunal de origem que prossiga no seu julgamento como entender de direito.” (STJ – Segunda Turma – Resp nº 749712 – Relator Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, decisão: 24-09-2008) 33 “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA. PRAZO. CONTAGEM EM DOBRO. 1. A disciplina da contagem em dobro do prazo aos Defensores Públicos aplica-se aos embargos à execução fiscal, uma vez que as
normas que conferem essa prerrogativa – Lei nº 1.060/1950 e Lei Complementar nº 80/1994 – não fazem qualquer ressalva a respeito. 2. Recurso especial provido.” (STJ – Segunda Turma – Resp nº 1100811 – Relator Min. CASTRO MEIRA, decisão: 27-052009) 34 Nesse sentido, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Não ajuizada a principal no prazo de trinta dias, operase a decadência do direito à cautela. A norma só se aplica às cautelares antecedentes, pois, quanto às incidentes, a ação principal já se encontra em curso. A decadência atinge somente o direito à cautela, permanecendo íntegro eventual direito material de que seja titular o requerente. Assim, mesmo após verificar-se a decadência da cautela, o requerente pode ajuizar ação principal, se o direito nela pleiteado ainda não estiver sido extinto. Apenas a medida cautelar concedida é que perderá seus efeitos.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 1337) 35 Adotando essa linha de posicionamento, ensina Márcio Louzada Carpena: “Cumpre observar que tal prazo para propor a lide principal é de perempção e não de decadência como, data venia, sustentam alguns, pois é de natureza processual e não de direito material. O seu desrespeito ocasiona a perda de eficácia de um provimento processual e, não, propriamente de perecimento de um direito que, por sinal, já foi até exercido e restou prejudicado.” (CARPENA, Márcio Louzada. Do processo cautelar moderno, Rio de Janeiro: Forense, 2005, pág. 305) 36 De acordo com Cleber Francisco Alves e Marília Gonçalves Pimenta, “na contagem em dobro de todos os prazos incluem-se aqueles prazos ditos judiciais, visto que a referida prerrogativa tem a finalidade de proporcionar uma isonomia material ou substancial e real entre as partes envolvidas, tratando desigualmente aqueles que são desiguais.” (ALVES, Cleber Francisco. PIMENTA, Marília Gonçalves. Acesso à justiça em preto e branco: retratos institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 116) 37 TNU – Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 2003.40.00.706363-7 – Relator Juiz Federal Hélio Silvio Ourem Campos, decisão: 03-12-2004. 38 ROCHA, Felippe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, São Paulo: Atlas, 2012, pág. 90. 39 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 697. 40 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, pág. 79. 41 Voto proferido pelo Min. CARLOS VELLOSO / STF – Pleno – HC nº 70514/RS – Relator Min. SYDNEY SANCHES, decisão: 2203-1994. 42 Voto proferido pelo Min. MOREIRA ALVES / STF – Pleno – HC nº 70514/RS – Relator Min. SYDNEY SANCHES, decisão: 22-031994. 43 “As prerrogativas surgem em razão de lei. Identificando-se que a representação da parte se dá pela Defensoria Pública, automaticamente se aplica o mandamento legal que assegura a intimação pessoal e o prazo em dobro. É desnecessário que o Poder Judiciário ou a autoridade administrativa as defira para que elas passem a existir no processo, pois elas não ocorrem ope judicis, mas, sim, ope legis. A partir do momento em que a Defensoria Pública oficia no feito – seja desde o início, seja em instante posterior –, os prazos devem ser duplicados e as intimações devem ser pessoais. Em termos mais simples, basta que se cumpra o que determina a lei.” (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 312) 44 Apenas a título de resguardo, é recomendável que o Defensor Público realize a colheita de declaração do assistido, confirmando que buscou o patrocínio jurídico da instituição após o decurso do prazo simples, evitando futura responsabilização administrativa. 45 STJ – Segunda Turma – REsp nº 660900/MS – Relator Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, 19-11-2009. 46 “Ciência inequívoca. A contagem do prazo se inicia a partir da ciência inequívoca que a parte ou seu procurador tenha a respeito do ato processual. Caso o advogado do réu tenha juntado procuração aos autos, ou retirado os autos do cartório, a partir desses momentos é que se conta o prazo para contestar, sendo prescindível a publicação de qualquer ato pela imprensa oficial, como também é desnecessária a juntada do mandado ou aviso de recebimento aos autos: o prazo se inicia com a ciência inequívoca de que existe ação proposta contra o réu.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., pág. 585) 47 “PROCESSO CIVIL – COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO – CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA RECORRENTE – APLICAÇÃO DO ARTIGO 214, § 1º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – REVELIA – CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA. Suprida a falta de citação pelo comparecimento espontâneo da recorrente, nos termos do art. 214, § 1º, do CPC. Ciência inequívoca dos termos da demanda, pela juntada aos autos de substabelecimento para apresentação de defesa. Decreto de revelia mantido, pela intempestividade da contestação.” (STJ – Quarta Turma – REsp nº 669954/RJ – Relator Min. JORGE SCARTEZZINI, decisão: 2109-2006) 48 Importante observar que a Lei Complementar nº 80/1994 não restringiu a prisão apenas aos crimes inafiançáveis, como restou legalmente previsto em relação aos magistrados (art. 33, II, da LC nº 35/1979) e aos membros do Ministério Público (art. 40, III da Lei nº 8.625/1993). Desse modo, ocorrendo flagrante de crime afiançável ou inafiançável, a prisão do Defensor Público é permitida. 49 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 100. 50 Nesse sentido: STF – Primeira Turma – HC nº 91.089 – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 04-09-2007. 51 STF – Pleno – Rcl nº 4535/ES – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 07-05-2007.
Esse raciocínio pode, inclusive, ser alcançado pela combinação dos arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994 com o art. 40, V da Lei nº 8.625/1993. 53 É comum que cada Estado possua como insígnia o mapa da respectiva unidade da federação ou do próprio Brasil, atravessado por espada e balança. 54 De forma semelhante, o art. 7º, XV da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) assegura aos advogados “vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirálos pelos prazos legais”. 55 ALVES, Cléber Francisco. Op. cit., pág. 158. 56 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 547. 57 De maneira análoga, o art. 7º, III da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) assegura aos advogados o direito de “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”. 58 “Se, durante o estado de defesa, quando o Governo deve tomar medidas enérgicas para preservar a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidadesde grandes proporções na natureza, podendo determinar medidas coercitivas, destacando-se restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações, o sigilo da correspondência e o sigilo de comunicação telegráfica e telefônica, havendo até prisão sem determinação judicial, tal como disciplinado no art. 136 da CF, não se pode decretar a incomunicabilidade do preso (CF, art. 136, § 3º, IV), com muito mais razão não há que se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito policial.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, Volume 1, São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 208) 59 De maneira similar, o art. 7º, XIII da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) garante aos advogados o direito de “examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos”. 60 De acordo com o professor Frederico Viana de Lima, “a ressalva acrescida pela Lei Complementar nº 132/2009 põe fim à perplexidade existente sob a égide da redação anterior. O Defensor Público podia examinar os autos, porém, em regra, não dispunha da prerrogativa de extrair cópias ou de tomar apontamentos. A informação obtida somente seria útil se o Defensor Público a retivesse em sua mente, uma vez que sequer anatações poderiam ser feitas. Tais acréscimos, a rigor, visam mais a esclarecer do que a instituir a prerrogativa. É que a vedação à obtenção de cópias ou à tomada de apontamentos poderia ser facilmente enquadrada como um obstáculo à proteção dos direitos dos assistidos, em afronta à ampla defesa e ao contraditório.” (LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 378) 61 Curiosamente, o art. 44, X apresenta pequena diferença vocabular em relação aos arts. 89, X e 128, X. Enquanto o primeiro comando legal estabelece que o poder de requisição poderá ser exercido em face “de autoridade pública e de seus agentes”, os demais dispositivos prevêm que a prerrogativa poderá utilizada em face “de autoridade pública ou de seus agentes”. A quase imperceptível diferença conjuntiva, no entanto, não implica qualquer mudança no alcance objetivo ou subjetivo da prerrogativa de requisição. 62 Segundo leciona o ilustre professor Paulo Galliez, “o poder de requisição é a consagração da independência funcional do Defensor Público, posto que para obter quaisquer dos documentos mencionados no art. 128, X da Lei Complementar nº 80/1994, não necessitará da intervenção de nenhuma autoridade. Sua atuação será independente, com finalização mais célere e imediata, principalmente quando for preciso aos assistidos apresentarem certidões dos ofícios de distribuição para obtenção ou renovação de empregos.” (GALLIEZ, Paulo. Op. cit., pág. 58) 63 MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 288. 64 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos em Juízo, São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 328. 65 MEIRELLES, Hely Lopes. WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, São Paulo: Malheiros, 2012, pág. 33. 66 LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 347. 67 MEIRELLES, Hely Lopes. WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit., pág. 34. 68 Em sentido contrário, o professor Guilherme Freire de Melo Barros sustenta que “a previsão do artigo 44, inciso X é dirigida apenas a autoridades públicas, não alcançando empresa concessionária ou permissionária de serviços públicos”. (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Op. cit., pág. 104) 69 “Não é fundamental a existência de correlação entre a Defensoria Pública que expede a requisição e a autoridade pública ou o agente que deverá cumpri-la. Melhor explicando, a determinação não se reduz às autoridades ou agentes que integrem a mesma pessoa jurídica a que pertence a Defensoria Pública (DPU – União; DPDFT – DF e Territórios; DPE – Estado). A Defensoria Pública da União não está adstrita a expedir requisições apenas a autoridades ou agentes federais. O mesmo ocorre com a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios e com a Defensoria Pública dos Estados. O pressuposto da requisição é que ela deva ser remetida obrigatoriamente a autoridade pública ou a agente, independentemente da esfera pública a que pertença.” (LIMA, 52
Frederico Viana de. Op. cit., pág. 348) As normas da Constituição do Estado do Rio de Janeiro foram renumeradas por força de emenda. 71 SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição?, in Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 72 SOUSA, José Augusto Garcia de. Op. cit., pág. 33. 73 SOUSA, José Augusto Garcia de. Op. cit., pág. 33. 74 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 235. 75 “O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, Rel. Min. Maurício Correa, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da ‘transcendência dos motivos que embasaram a decisão’ proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria ‘ratio decidendi’, projetando-se, em consequência, para além da parte dispositiva do julgamento, ‘in abstracto’, de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade. Essa visão do fenômeno da transcendência parece refletir a preocupação que a doutrina vem externando a propósito dessa específica questão, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalidade.” (STF – Rcl nº 2986 MC/SE – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 11-03-2005) 76 STF – Decisão Monocrática – Rcl nº 5365 MC/SC – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 07-08-2007 / STF – Decisão Monocrática – Rcl nº 5087 MC/SE – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 10-05-2007. 77 Ao julgar a reclamação nº 4.219/SP, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, restou suscitada questão de ordem para que fosse discutida aplicabilidade da transcendência dos fundamentos determinantes das decisões tomadas no controle abstrato de normas. O julgamento da matéria se encontrava suspenso, em virtude de pedido de vista formulado pela Ministra Ellen Gracie, com cinco votos rejeitando a teoria da eficácia transcendente dos motivos determinantes e quatro votos admitindo a tese. Na sequência, a reclamação perdeu o objeto em razão da morte da reclamante, deixando a questão ainda em aberto. 78 STF – MS 26.547 MC/DF – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 23-05-2007. 79 De acordo com Sílvio Roberto Mello Moraes, “a requisição envolve uma ordem, que deve ser cumprida pelo seu destinatário, salvo se for flagrantemente ilegal. O desatendimento de requisição formulada por membro da Defensoria Pública, no exercício de suas atribuições, sujeita o destinatário às sanções penais e administrativas cabíveis.” (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit, pág. 102) 80 Nesse sentido: RT, 487:289 e 395:315; JTACrimSP, 83:143. 81 De acordo com Guilherme Peña de Moraes, “não poderão as autoridades públicas e seus agentes deixar de atender às requisições dos Defensores Públicos, desde que lhes sejam fornecidos os dados suficientes para a persecução, sob pena de desobediência, sem prejuízo de eventuais sanções disciplinares”. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 288). 82 Nesse sentido: RTJ 103:139 e 92:1095; RT, 567:397, 519:417 e 527:408; JTACrimSP 78:386 e 12:96. 83 Em sentido semelhante: MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., pág. 336 / JESUS, Damásio de. Direito Penal, Volume IV, São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 257 / NUCCI, Guilerme de Souza. Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pág. 1209. 84 STJ – Corte Especial – Apn nº 471/MG – Rel. Min. GILSON DIPP, decisão: 10-03-2008. 85 STJ – Quinta Turma – HC nº 24.021/SP – Relator Min. JORGE MUSSI, decisão: 17-06-2010. 86 No Estado do Rio de Janeiro, a prerrogativa de não ajuizamento de demanda se encontra prevista no art. 23 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, que estabelece: “Os Defensores Públicos poderão deixar de promover a ação quando ela for manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da parte sob seu patrocínio, comunicando o fato ao Defensor Público Geral, com as razões de seu proceder”. 87 ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 273. 88 ARAÚJO, José Aurélio de. A prerrogativa do Defensor Público de não recorrer, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2000, ano XII, n.16, pág. 136. 89 LIMA, Frederico Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 363. 90 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002. 91 O professor José Carlos Barbosa Moreira é crítico ferrenho a utilização do termo “súmula” como o enunciado que concentra o pensamento dominante do tribunal que o editou. Para tanto, pondera que “a palavra ‘súmula’ sempre se empregou – em prefeita consonância com a etimologia e os dicionários – para designar o conjunto das proposições em que se resume a jurisprudência firme de cada tribunal, a começar pela Corte Suprema, onde ela foi criada, em 1963, sob a denominação correta de Súmula da Jurisprudência Predominante (no singular), com a qual se incorporou ao Regimento Interno. Agora, ela aparece no texto constitucional emendado com referência a cada uma daquelas proposições, consoante ressaltar o teor do novo art. 103-A e também 70
o art. 8º da Emenda que alude às atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. A emenda constitucional nº 45 e o processo, Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro: MPRJ, jan./jun. 2006, n.23, pág. 165/178) 92 A doutrina, todavia, não tem visto com bons olhos o novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, haja vista que o exame da repercussão geral não deve ser operado de forma abstrata, sob risco de se deixar de considerar peculiaridades ínsitas a cada demanda. Nesse sentido: ASSUMPÇÃO, Helcio Alves de. Recurso Extraordinário: requisitos constitucionais de admissibilidade, Revista do Ministério Público, Rio de Janeiro: MPRJ, jul./dez. 2007, n.26, pág. 127/162. 93 O Conselho Superior da Defensoria Pública da União consolidou o entendimento de que o “termo ‘patrocinar a ação’ se refere a todo o processo, ou seja, desde a petição inicial até o trânsito em julgado da sentença. Logo, não interpor o recurso é o mesmo que deixar de patrocinar a ação, pelo que o citado inciso aplica-se a todos os Defensores Públicos da União, independentemente da Categoria do cargo.” (89ª Sessão Ordinária do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, realização: 02-04-2008) 94 Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “a cláusula ad judicia não dá ao advogado poderes para desistir de recurso já interposto, pois para desistir a lei exige poderes especiais, incidindo na espécie a segunda parte do CPC 38”. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 247) 95 ARAÚJO, José Aurélio de. Op. cit., pág. 136. 96 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 207. 97 No mesmo sentido: TJ/RJ – Seção Criminal – Embargos Infringentes e de Nulidade nº 0022886-96.1997.8.19.0000 – Relator Des. JORGE UCHOA DE MENDONCA, decisão: 24-09-1997 / TJ/RJ – Quarta Câmara Criminal – Apelação nº 001144436.1997.8.19.0000 – Relator Des. DILSON NAVARRO, decisão: 10-03-1998. 98 De acordo com Sérgio Demoro Hamilton, “sempre que não for possível obter-se a desejável interação da autodefesa com a defesa técnica em matéria de interposição de apelo, há que prevalecer o caminho traçado pelo expert em favor do recurso, sem dúvida mais benéfico ao réu, bem como por atender ele, da melhor técnica, aos princípios que tutelam o direito de defesa no campo da lei processual penal e, principalmente, perante a Constituição Federal.” (HAMILTON, Sérgio Demoro. Temas de Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, pág. 121) 99 GRINOVER, Ada Pellegrini. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no Processo Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 76. 100 Segundo José Aurélio de Araújo, “no caso de expressa manifestação da parte no sentido de interposição do recurso, ou seja, em havendo conflito entre ambas as manifestações, entendemos que prevalece a vontade do Defensor, mantendo-se a possibilidade de responsabilização” (Op. cit., pág. 136) 101 Nesse sentido: STF – Segunda Turma – RE nº 188.703/SC – Relator Min. FRANCISCO REZEK, decisão: 04-08-1995 / STF – Segunda Turma – HC nº 65572/DF – Relator Min. CELIO BORJA, decisão: 13-11-1987 / STF – Primeira Turma – RHC 60361/RJ – Relator Min. OSCAR CORRÊA, decisão: 08-10-1982. 102 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Defensoria Pública na construção do Estado de Justiça, Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 1995, ano VI, n.7, pág. 22. 103 De maneira semelhante, o art. 41, I da Lei nº 8.625/1993 assegura aos membros do Ministério Público a prerrogativa de “receber o mesmo tratamento jurídico e protocolar dispensado aos membros do Poder Judiciário junto aos quais oficiem”. 104 De acordo com Gustavo Badaró, “o modelo acusatório exige um processo no qual haja uma dualidade de partes, em igualdade de condições, mas com interesses distintos. Definido o sistema, os sujeitos que neles atuam devem ter a sua função determinada coerentemente com os ditames do modelo processual escolhido. Num processo penal verdadeiramente acusatório, é necessário rever a posição do Ministério Público como parte imparcial. (…) Contudo, para que o processo acusatório ou o processo de partes se desenvolva em toda a sua potencialidade, com a dialética processual permitindo uma correta reconstrução dos fatos, é necesseario que no processo atuem partes com interesses antagônicos ou contrapostos.” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahny. Ônus da prova no processo penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pág. 215/217) 105 Importante ressaltar que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil realizou a propositura da ADI nº 4768, objetivando ver declarada a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 18, I, a da LC nº 75/1993 e art. 41, XI da Lei nº 8.625/1993, conferindo aos dispositivos interpretação conforme à Constituição para que a prerrogativa de assento diferenciado seja aplicada somente aos casos em que o Ministério Público oficie como fiscal da lei, não incidindo quando atuar como parte. A referida Ação Direta de Insconstitucionalidade ainda se encontra pendente de julgamento. 106 STF – Pleno – Rcl nº 12.011/SP – Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, pendente de julgamento. 107 Segundo leciona Paulo Luiz Netto Lôbo, a regra do art. 7º, XX da Lei nº 8.906/1994 não se aplica “quando o juiz estiver presente e o retardamento se der em virtude de atrasos ou prolongamentos de audiências imediatamente anteriores. O requisito é a ausência efetiva do juiz no recinto. Embora incômodas às partes e aos advogados, são situações comuns no foro. Se a retirada do advogado fosse admitida, o prejuízo seria das partes e dos depoentes que compareceram e do colega da parte adversa que não concordasse com o adiamento.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 77)
Nesse sentido: TJ/RJ – Primeira Câmara Criminal – HC nº 0044859-19.2011.8.19.0000 – Relator Des. MARCUS BASILIO, decisão: 10-10-2011. 109 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 103. 110 É possível que o Defensor Público opte por prestar depoimento no local onde desempenha suas funções, de modo que se fará necessária a expedição de carta precatória. 111 LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 357. 112 O Estatuto da OAB assegura aos advogados o direito de se retirar do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo, conforme previsto no art. 7º, XX da Lei C. 8.906/1994. 113 MELLO, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 103. 114 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Op. cit., pág. 379. 115 Como exemplo de importantes bancos de dados que poderiam ser acessados por intermédio dessa prerrogativa, podemos mencionar o Sistema de Informações Eleitorais (SIEL) e a Rede INFOSEG (que concentra as informações de segurança pública, justiça e fiscalização). 116 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 186. 117 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op. cit., pág. 187. 118 Previsão semelhante consta do art. 85 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977: “Os membros da Defensoria Pública serão originariamente processados e julgados pelo Tribunal de Justiça, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, mediante denúncia privativa do Procurador-Geral da Justiça.” 119 STF – Pleno – ADI nº 2587/GO – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 01-12-2004 / STF – Pleno – HC nº 58410/RJ – Relator Min. MOREIRA ALVES, decisão: 18-03-1981. 120 De acordo com o Supremo Tribunal Federal, “a Constituição – ao outorgar, sem reserva, ao Estado-membro, o poder de definir a competência dos seus tribunais (art. 125, § 1º) – situou positivamente no âmbito da organização judiciária estadual a outorga do foro especial por prerrogativa de função, com as únicas limitações que decorram explicita ou implicitamente da própria Constituição Federal”. (STF – Primeira Turma – HC nº 70474/RS – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 17-08-1993) 121 Atualmente, o art. 46, VIII, e da Constituição do Estado de Goiás atribui ao Tribunal de Justiça competência para processar e julgar originariamente “os juízes de primeiro grau e os membros do Ministério Público, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, e, nas infrações penais comuns, os procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa e os defensores públicos, ressalvadas as competências da Justiça Eleitoral e do Tribunal do Júri” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09 de setembro de 2010). 122 De acordo com a mesagem presidencial de veto, as disposições que concedem porte de arma seriam “desnecessárias, a primeira vista, ao desempenho das atividades do defensor”. 123 Segundo leciona Guilherme Peña de Moraes, “o porte estadual de arma de fogo registrada restringe-se-á aos limites da unidade da Federação em que tenha sido autorizado ou haja sido previsto em lei, exceto se houver convênio entre Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios”. (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 279) 124 De maneira análoga, inúmeros julgados vêm reconhecendo a ocorrência de conduta típica de membros do Ministério Público que portavam arma de fogo de uso restrito. (STJ – Quinta Turma – Resp nº 200201460914 – Relator Min. GILSON DIPP, decisão: 2909-2003) 125 Nesse ponto, devemos lembrar que as prerrogativas constituem matéria de ordem pública, sendo sua observância obrigatória por quaisquer dos poderes constituídos, dado seu caráter indisponível. Por essa razão, sempre que restar identificada a violação de uma prerrogativa, emerge o interesse da própria Defensoria Pública em sanar a ilegalidade e preservar a integridade normativa da Instituição. 108
CAPÍTULO 12
DEVERES
12.1 DEFINIÇÃO Os deveres impostos aos Defensores Públicos constituem requisitos de observância necessária para o adequado exercício das funções institucionais e o pleno funcionamento do serviço jurídicoassistencial público. Seguindo a teoria filosófica da moral, o membro da Defensoria Pública deverá consolidar em sua atuação profissional um círculo ético que independa de controle externo, praticando sempre o certo na eterna busca pela justiça. De acordo o clássico ensinamento de SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, in verbis: O Defensor Público, como agente político do Estado, deve pautar sua vida pública e particular, pela correição, serenidade e honestidade, zelando sempre pelo prestígio da Justiça e preservando o bom nome da Instituição. Deve ainda velar pela dignidade de suas funções, sempre tendo em mente que não pode deixar de cumprir os deveres que lhe são impostos pela Constituição Federal e pelas Leis, nem renunciar a qualquer parcela de seus poderes ou prerrogativas que lhe foram conferidos. Isto porque os deveres, poderes e prerrogativas não lhe são outorgados em consideração pessoal, mas sim, para serem utilizados em benefício daqueles que o Defensor Público tem o dever de assistir. Descumpri-los ou renunciá-los será o mesmo que desconsiderar a incumbência que aceitou ao empossar-se no cargo de Defensor Público. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 104/105)
Importante destacar, nesse ponto, a existência de patente dessemelhança entre os deveres e as proibições impostos aos membros da Defensoria Pública. Embora a transgressão qualquer deles acarrete o mesmo efeito jurídico (responsabilidade administrativa), os deveres geram prestações, impostas através de regras de caráter positivo, enquanto que as proibições geram vedações, impostas por normas de caráter negativo1. 12.2 DOS DEVERES EM ESPÉCIE Seguindo as tradicionais preleções administrativistas, os deveres funcionais podem ser divididos em duas espécies: (i) deveres gerais, que se aplicam a todos os servidores; e (ii) deveres especiais, que obrigam determinadas classes ou são impostos em razão de determinadas funções2. De acordo com o art. 136 da LC nº 80/1994, os Defensores Públicos Federais e os Defensores Públicos do Distrito Federal estão subsidiariamente sujeitos aos deveres gerais impostos pelo art. 116 da Lei 8.112/1990, que estabelece: Art. 116 da Lei nº 8.112/1990: São deveres do servidor: I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; II – ser leal às instituições a que servir; III – observar as normas legais e regulamentares; IV – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
V – atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública. VI – levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração; VII – zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público; VIII – guardar sigilo sobre assunto da repartição; IX – manter conduta compatível com a moralidade administrativa; X – ser assíduo e pontual ao serviço; XI – tratar com urbanidade as pessoas; XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Do mesmo modo, no que tange aos membros da Defensoria Pública dos Estados, as legislações estaduais poderão determinar a aplicação subsidiária dos deveres impostos ao funcionalismo público dos respectivos estados, desde que não haja conflito com as normas estabelecidas pela Lei Complementar nº 80/1994 ou pelas leis estaduais específicas. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o art. 179 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 determina a aplicação subsidiária dos deveres gerais impostos pelo art. 39 do Decreto-Lei nº 220/1975 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Poder Executivo do Estado), que estabelece: Art. 39 do Decreto-Lei nº 220/1975: São deveres do funcionário: I – assiduidade; II – pontualidade; III – urbanidade; IV – discrição; V – boa conduta; VI – lealdade e respeito às instituições constitucionais e administrativas a que servir; VII – observância das normas legais e regulamentares; VIII – obediência às ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; IX – levar ao conhecimento de autoridade superior irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ou função; X – zelar pela economia e conservação do material que lhe for confiado; XI – providenciar para que esteja sempre em ordem, no assentamento individual, sua declaração de família; XII – (omissis) XIII – guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenha conhecimento em razão do cargo ou função; XIV – submeter-se à inspeção médica determinada por autoridade competente, salvo justa causa.
Em relação aos deveres específicos dos membros da Defensoria Pública, os arts. 45, 90 e 129 da Lei Complementar nº 80/1994 formalizam sete previsões legais: (i) residir na localidade onde exercem suas funções; (ii) desempenhar, com zelo e presteza, os serviços a seu cargo; (iii) representar ao Defensor Público Geral sobre as irregularidades de que tiver ciência, em razão do cargo; (iv) prestar informações aos órgãos de administração superior da Defensoria Pública, quando solicitadas; (v) atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; (vi) declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei; (vii) interpor os recursos
cabíveis e promover revisão criminal, sempre que encontrar fundamentos na lei, jurisprudência ou prova dos autos, remetendo cópia à Corregedoria-Geral. 12.2.1 Residência na localidade onde atua
Segundo determinam os arts. 45, I, 90, I e 129, I da LC nº 80/1994, constitui dever imposto aos membros da Defensoria Pública “residir na localidade onde exercem suas funções”. Em sua gênese, a norma possui o objetivo de assegurar a proximidade do Defensor Público ao local onde desempenha suas atribuições funcionais, garantindo a continuidade do serviço jurídicoassistencial público e a imediata intervenção institucional nos problemas de caráter emergencial. Além disso, com a consolidação do perfil não individualista da Defensoria Pública e com a amplição das funções institucionais de caráter eminentemente coletivo, o dever de residir na comarca onde atua passou a refletir, também, a necessidade de interação do Defensor Público com os problemas transindividuais que afligem a localidade, estimulando sua conduta pro-ativa na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos necessitados3. De maneira análoga, o dever de residir na localidade onde exerce suas atribuições é previsto também em relação aos membros do Ministério Público (art. 43, X, da Lei nº 8.625/1993). Importante observar, no entanto, que a norma ressalva ser o dever imposto unicamente aos titulares dos órgãos de atuação. Embora a Lei Complementar nº 80/1994 não realize qualquer especificação nesse sentido, não seria razoável exigir que o Defensor Público deslocasse sua residência para outra comarca quando estivesse apenas temporariamente designado para atuar no local (ex: durante o período de férias do colega; para cobrir vacância temporária do órgão gerada pela remoção do titular anterior). Sendo assim, com suporte na integração legal, o dever de residir na localidade onde atua deve ser aplicado unicamente aos Defensores Públicos lotados no respectivo órgão de atuação, estando excluídos do âmbito subjetivo de incidência da regra aqueles estiverem exercendo suas atribuições na comarca em caráter eminentemente temporário4. Nesse sentido, leciona o professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, em obra dedicada ao tema: O primeiro dos deveres impostos pela LC é o de residir o Defensor Público na localidade onde exerce suas funções. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público prevê igual dever para os membros daquela Instituição, quando titulares do órgão de atuação. O dispositivo em foco não contém tal ressalva, o que é lamentável. Exigir-se que o membro da Defensoria Pública desloque sua residência para a localidade em que exerce suas funções temporariamente, designado, por exemplo, durante o período de férias de um colega, é um completo contrassenso. Assim, imaginemos que determinado Defensor Público, que ainda não foi lotado, residente na capital do Estado do Rio de Janeiro, é designado para substituir um outro Defensor Público, que se encontra de férias por trinta dias, na comarca de Campos dos Goytacazes (distante cerca de 4 horas da capital). Deverá para lá se mudar, mesmo sabendo que findo o período de férias de seu colega, deverá ser designado para outra comarca? Parece-nos que não. Embora silente a LC, deve o dispositivo em foco ser interpretado com razoabilidade, somente se aplicando aos Defensores Públicos lotados em seus órgãos de atuação, por analogia ao art. 43, X da Lei nº 8.625/1993. Isto não significa que sejamos refratários ao dever imposto pelo legislador. Muito pelo contrário. A exigência do Defensor Público, desde que titular, residir na localidade em que exerça suas funções é salutar e merece nossos aplausos. Insta salientar que idêntico comando é dirigido aos Magistrados e, como já vimos, aos membros do Ministério Público. A presença diuturna do Defensor Público em sua comarca, é uma garantia para a população, para os advogados e para os próprios juízes que sabem que, em qualquer situação de emergência, podem contar com sua pronta intervenção. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 105/106)
Relevante consignar, ainda, que a Emenda Constitucional nº 45/2004 abrandou o dever de residência na comarca imposto aos membros do Ministério Público pelo art. 129, § 2º da CRFB,
admitindo que o promotor de justiça venha a fixar residência em localidade diversa daquela em que desempenha suas atividades, mediante expressa autorização do Procurador-Geral. Nesse ponto, portanto, o art. 43, X da Lei nº 8.625/1993 restou parcialmente derrogado. Essa inovação restou estendida também aos membros da Magistratura (art. 93, VII, da CRFB, com redação dada pela EC nº 45/2004), sendo possível que o magistrado seja dispensado do dever de residir na comarca onde exerce jurisdição mediante autorização do tribunal. Apesar de não prever expressamente essa possibilidade, a Lei Complementar nº 80/1994 precisa ser interpretada em conformidade com o texto constitucional. Se a justificação e a finalidade do dever de residência imposto aos membros do Ministério Público, da Magistratura e da Defensoria Pública são idênticas, seu conteúdo também deve ser o mesmo, sob pena de gerar contumélia irremissível ao arcabouço lógico do sistema jurídico-constitucional. Por essa razão, subsistindo motivos que recomendem a fixação de residência em localidade diversa, poderá o Defensor Público deixar de residir na comarca que atua, mediante autorização do Defensor Público Geral5. No Estado do Rio de Janeiro, o art. 129, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 apenas recomenda que os Defensores Públicos residam na sede do juízo onde tiverem lotação, valendo a fixação de residência como critério de promoção na carreira por merecimento. No entanto, em virtude da superveniência da Lei Complementar nº 80/1994, a eficácia da norma estadual restou pacialmente suspensa, nos termos do art. 24, § 4º, da CRFB. Além disso, o dispositivo contraria o disposto no art. 181, I, c da CERJ, que fixa como diretriz a “residência do Defensor Público titular na comarca onde estiver lotado”. 12.2.2 Desempenho regular das funções
De acordo com os arts. 45, II, 90, II e 129, II da LC nº 80/1994, constitui dever dos membros da Defensoria Pública “desempenhar, com zelo e presteza, os serviços a seu cargo”. O dever de zelo pode ser definido como dedicação no cumprimento das obrigações funcionais, desvelo no exercício das atribuições legais e diligência ao analisar os problemas dos assistidos. Em virtude da acentuada relevância e do elevado caráter ético das funções atribuídas à Defensoria Pública, os agentes políticos que desempenham essa missão constitucional devem equilibrar humanidade e racionalidade, dedicando atenção integral aos interesses daqueles que nada tem e que de tudo necessitam6. Por sua vez, o dever de presteza reflete a eficiência do serviço jurídico-assistencial público, sendo caracterizado pela celeridade no atendimento dos assistidos e pela prontidão na resolução dos problemas jurídicos apresentados7. Como observa SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, “deve o membro da Defensoria Pública procurar, sempre observadas as normas pertinentes, dar a solução mais rápida e eficaz às questões trazidas ao seu conhecimento, buscando a resposta mais imediata para a defesa do direito do cidadão que lhe bate à porta, muitas vezes com um quase que transparente fio de esperança que poderá deixar de existir se não lhe for apresentada pelo Defensor Público, naquele momento, a visão de uma solução para se problema jurídico que, não raras vezes, é aquele que mais o atormenta, tirando-lhe a paz e a saúde”8.
A)
O EXERCÍCIO DO MAGISTÉRIO E A NECESSÁRIA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS: Por força do art. 37, XVI da CRFB, impera na sistema constitucional o princípio da inacumulabilidade de cargos, empregos e funções públicas, sendo a regra excepcionada apenas em quatro hipóteses específicas: (i) acumulação de dois cargos de professor; (ii) acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (iii) acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (iv) acumulação com o exercício do mandato eletivo de vereador. Com isso, o constituinte objetivou restringir a acumulação de cargos em sintonia com o princípio da eficiência, tendo em vista que o acúmulo de atividades tende a prejudicar o bom andamento dos serviços públicos e o adequado desempenho das funções pelos servidores públicos. No que tange especificamente à Defensoria Pública, a Lei Complementar nº 80/1994 não estabelece qualquer restrição quanto ao desempenho cumulativo do cargo de professor. Do mesmo modo, o art. 130, VII da Lei Complementar nº 06/1977 veda apenas a assunção de cargo ou função fora dos casos autorizados em lei, restando excluídas as atividades de docência. Podemos concluir, portanto, ser plenamente possível ao membro da Defensoria Pública acumular um cargo de Defensor Público com um cargo de professor da rede pública de ensino, desde que haja a necessária compatibilidade de horários. O tema, entretanto, pode se tornar mais árido em relação ao exercício da docência em instituições de natureza privada. Isso porque, ao contrário do que ocorre em relação ao cargo público de professor, o exercício da docência em entidades privadas não se encontra limitado ao quantitativo de um cargo. Sendo assim, seria possível ao Defensor Público exercer docência em mais de uma instituição privada de ensino? Ou ainda, poderia o Defensor Público acumular um cargo público de docência com um vínculo celetista em instituição de natureza privada? Embora não exista limitação legal específica na Lei Complemetar nº 80/1994, o exercício do magistério não pode comprometer o adequado desempenho das funções institucionais atribuídas ao membro da Defensoria Pública (arts. 45, II, 90, II e 129, II da LC nº 80/1994). Para tanto, o quantitativo de horas-aula assumido perante as instituições privadas de ensino deve apresentar plena compatibilidade com as atribuições inerentes ao cargo de Defensor Público. Justamente para evitar abusos e para garantir a eficiência no desempenho das atribuições institucionais, o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais editou a Deliberação nº 25/2010, estabelecendo: Deliberação nº 25, de 10 de setembro de 2010 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais Art. 1º Ao membro da Defensoria Pública, ainda que em disponibilidade, afastado do exercício do cargo, em virtude de correição, sindicância, procedimento administrativo-disciplinar ou que tenha sofrido penalidade de suspensão, é defeso o exercício de outro cargo ou função pública, ressalvado o de magistério por, no máximo, 20 (vinte) horas-aula semanais. § 1º O membro da Defensoria Pública licenciado para tratamento de saúde não poderá dedicar-se à atividade docente. § 2º O cargo ou função de direção nas entidades de ensino, públicas ou privadas, não é considerado como exercício de magistério, para fins do disposto no art. 1º, caput. § 3º O exercício da docência, na forma estabelecida nesta deliberação, pressupõe compatibilidade de horário com as atribuições inerentes ao cargo de Defensor Público. Art. 2º O exercício de cargo ou função de coordenação acadêmica, além da atividade de monitoramento, serão permitidos se atendidos aos requisitos previstos no artigo anterior.
Art. 3º A presente deliberação aplica-se, inclusive, às atividades docentes desempenhadas por membros da Defensoria Pública em cursos preparatórios para o ingresso em carreiras jurídicas, além de cursos de capacitação e pós-graduação. Art. 4º O exercício do magistério ou da função de coordenação nas entidades de ensino e as respectivas alterações deverão ser previamente comunicados à Corregedoria-Geral, com a indicação do nome e do endereço da entidade, da(s) disciplina(s), além dos dias e dos horários das aulas que serão ministradas. Parágrafo único. O exercício da docência por membro da Defensoria Pública, que se encontre em ajustamento funcional, dependerá de autorização da Defensoria Pública-Geral, mediante manifestação prévia da Corregedoria-Geral.”
Além disto, no âmbito Federal, a Advocacia-Geral da União já emitiu parecer no sentido de que a cumulação de cargo público com atividade docente em carga horária superior a 60 horas, constitui acumulação ilícita, em razão da incompatibilidade de horários9. 12.2.3 Representação ao Defensor Público Geral sobre irregularidades
Segundo determinam os arts. 45, III, 90, III e 129, III da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública também cabe o dever de “representar ao Defensor PúblicoGeral sobre as irregularidades de que tiver ciência, em razão do cargo”. Com isso, o legislador pretendeu reafirmar o princípio da legalidade e densificar seu conteúdo no âmbito da Defensoria Pública, consolidando a ideia fundamental de que o Defensor Público deve não apenas agir em conformidade com o direito, mas repudiar toda e qualquer atividade que esteja em desconformidade com a lei, representando ao Defensor Público Geral sempre que se deparar com irregularidades no exercício do cargo. Desse modo, além do dever de atuar secundum legem, possui o Defensor Público o dever de reportar as atividades contra legem, garantindo a lisura e a probidade do serviço jurídico-assistencial público. O dever de representação deve ser compreendido da forma mais ampla possível, contemplando não apenas as irregularidades presentes na estrutura funcional do órgão de atuação, mas também a conduta de outros membros da Defensoria Pública. Se as providências necessárias para obliterar a irregularidade estiverem dentro da esfera de atribuição do membro da Defensoria Pública, deverá de pronto adotar as medidas cabíveis para sanar o problema, comunicando em seguida o fato ao Defensor Público Geral. Por outro lado, se as determinações essenciais para a supressão da irregularidade transbordarem sua esfera funcional, deverá o Defensor Público representar ao Defensor Público Geral para que a administração superior possa adotar as medidas que entender cabíveis. Seguindo essa linha de raciocínio, leciona o professor GUILHERME PEÑA DE MORAES, com sua peculiar didática: Os integrantes da Defensoria Pública, em obdediência aos arts. 45, III, 90, III e 129, III, do diploma em exame, ante as irregularidades de que tenham conhecimento em razão do exercício do cargo ou que tenham ocorrido em serviços que lhes sejam incumbidos, em detrimento do bom desempenho das atribuições funcionais, são compelidos a duas prestações distintas. A primeira: se as providências cabíveis para a eliminação da irregularidade não estiverem no âmbito de suas atribuições, cabe ao Defensor Público representar ao chefe institucional, comunicando o fato e solicitando as medidas pertinentes. A segunda: se as determinações necessárias para a supressão da irregularidade estiverem inseridas em sua esfera de atribuição, cumpre ao componente da Instituição levar a cabo, de imediato, as disposições precisas, participando, em seguida, o fato ao Defensor Público Geral, à semelhança do art. 43, VIII da Lei nº 8.625, de 12.2.93 e do art. 236, VII da Lei Complementar 75, de 20.5.93, com alusão ao Ministério Público. (MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 295)
No Estado do Rio de Janeiro, o art. 129, § 1º, VII da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 também contempla regra semelhante, prevendo o dever de “representar ao Defensor Público Geral sobre irregularidades que afetem o bom desempenho de suas atribuições funcionais”. 12.2.4 Fornecimento de informações à administração superior
Em atendimento ao comando instituído pelos arts. 45, IV, 90, IV e 129, IV da LC nº 80/1994, constitui dever legal do Defensor Público prestar informações aos órgãos da administração superior da Defensoria Pública, quando solicitadas. Como decorrência direta da hierarquia administrativa da Defensoria Pública, o dever de fornecer as informações solicitas pela administração superior pode abranger dados administrativos do órgão de atuação ou dados relacionados à atividade-fim do cargo. Embora possua independência funcional, o Defensor Público não pode se furtar de prestar informações e de se reportar à administração superior sempre que solicitado, excetuada apenas a hipótese em que as informações conflitem com o dever de sigilo da profissão. No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o art. 129, § 1º, IX da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 formaliza a previsão de regra semelhante, estabelecendo o dever de “prestar as informações solicitadas pelos órgãos da administração superior da Defensoria Pública”. Além disso, o art. 129, § 1º, VIII determina que o Defensor Público apresente à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública relatório de suas atividades, com dados estatísticos de atendimentos e, se for o caso, apresente sugestões de providências tendentes à melhoria dos serviços da Defensoria Pública, no âmbito de sua atuação. Com isso, a norma amplia abstratamente o dever de informação, objetivando a melhoria dos serviços prestados pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, de modo a possibilitar a identificação e o aprimoramento dos pontos negativos, sempre em vistas ao melhor atendimento dos assistidos. 12.2.5 Presença no órgão de atuação e nos atos judiciais
Conforme determinam os arts. 45, V, 90, V e 129, V da LC nº 80/1994, é dever do Defensor Público “atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença”. A norma reflete o dever de assiduidade do Defensor Público, determinando o comparecimento pontual ao local de trabalho e a participação atilada dos atos judiciais10. Em respeito à autonomia dos tribunais (art. 96, I, a da CRFB), o expediente forense é estabelecido no âmbito de cada Estado-membro, por meio das normas de organização judiciária que fixam os horários de abertura e fechamento dos órgãos que compõem a estrutura do Poder Judiciário. Embora o Conselho Nacional de Justiça tenha pretendido padronizar o horário de atendimento ao público, determinando o funcionamento dos órgãos jurisdicionais de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h (Resolução CNJ nº 130/2011), os efeitos do referido ato normativo restaram liminarmente suspensos pelo Supremo Tribunal Federal, até o final julgamento da ADI nº 459811. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o expediente forense se inicia às 10:00h da manhã nos Juizados Especiais e às 11h da manhã nos demais órgãos, encerrando-se sempre às 18:00h12. No momento em que se encerra o expediente forense, automaticamente se inicia o plantão judiciário
noturno, competente para a apreciação das causas emergenciais. A autonomia institucional da Defensoria Pública permite o estabelecimento de expediente próprio, principalmente quando essa medida administrativa for mais benéfica aos seus próprios assistidos, podendo o Defensor Público determinar a abertura do órgão de atuação conforme a demanda da localidade. Em relação à Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro, o art. 129, § 1º, I da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 determina que os Defensores Públicos devem “comparecer diariamente, no horário normal do expediente, à sede do órgão onde funcionem, exercendo os atos de seu ofício”. Além disso, o art. 129, § 2º, estabelece que “os membros da Defensoria Pública não estão sujeitos a ponto, mas o Defensor Público Geral poderá, quando necessário, estabelecer normas para comprovação do comparecimento”. 12.2.6 Arguição da suspeição e impedimento
De acordo com os arts. 45, VI, 90, VI e 129, VI da LC nº 80/1994, constitui dever dos membros da Defensoria Pública “declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei”. Sendo assim, sempre que o Defensor Público identificar a ocorrência de hipótese legal de suspeição ou impedimento deve imediatamente se eximir de atuar no feito, afastando quaisquer dúvidas que poderiam eventualmente surgir quanto à possibilidade de motivos pessoais influírem em seus ânimos. Em virtude da complexidade da matéria, a análise da suspeição e do impedimento será realizada em capítulo próprio. 12.2.7 Interpor os recursos cabíveis e promover revisão criminal
Não obstante constituia verdadeira atribuição, os arts. 45, VII, 89, VII e 129, VII da LC nº 80/1994 preveem, como forma de garantir o mais amplo acesso à justiça, constituir dever do Defensor Público “interpor os recursos cabíveis para qualquer instância ou Tribunal e promover revisão criminal, sempre que encontrar fundamentos na lei, jurisprudência ou prova dos autos, remetendo cópia à Corregedoria-Geral”. Conforme se verifica pela leitura da norma, a expressão “sempre que encontrar” torna obrigatória a interposição de recurso e a promoção da revisão criminal apenas quando forem encontrados fundamentos na lei, na jurisprudência ou na prova dos autos. Por uma questão de lógica, realizando interpretação a contrario sensu, restando ausente qualquer embasamento legal ou fático capaz de sustentar a pretensão recursal ou revisional, estará o membro da Defensoria Pública dispensado de interpor o recurso vazio ou de promover a revisão criminal desprovida de fundamento. Sempre que o juízo de valor exercido sobre o caso tiver como resultado a não interposição do recurso ou a não promoção da revisão criminal, deverá o Defensor Público realizar a expedição de ofício ao Defensor Público Geral, expondo fundamentadamente as razões que motivaram seu proceder, nos termos do art. 44, XII, 89, XII e 128, XII c/c art. 4º, § 8º da LC nº 80/1994. Essa comunicação oficial possui o duplo objetivo de: (i) viabilizar a fiscalização da discricionariedade do Defensor Público, possibilitando a responsabilização administrativa e civil por eventual desídia no desempenho de suas funções institucionais; (ii) materializar o direito do
assistido de “ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público”, nos termos do art. 4º-A, III da Lei Complementar nº 80/1994 (incluído pela LC nº 132/2009). Para a realização de uma análise mais aprofundada do tema, remetemos o leitor ao item 11.2.12 da presente obra. 12.3 DEVERES DECORRENTES DO SISTEMA PROCESSUAL Além dos deveres impostos pela Lei Complementar nº 80/1994, cumpre aos membros da Defensoria Pública a observância dos deveres decorrentes do sistema processual, previstos no art. 14 do CPC: Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé; III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito. V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
Essas regras enunciam o dever de ética profissional e lealdade processual, que deve ser parte integrante da atuação diária do Defensor Público. Em razão disso, os membros da Defensoria Pública devem sustentar suas razões dentro da ética e da moral, não utilizando expedientes procrastinatórios, desleais, desonestos, fraudulentos ou de chicana processual. Como bem registra o professor LEONARDO GRECO, no Direito Processual Civil a possibilidade de mentir em juízo restringe-se apenas às partes e não aos procuradores, em virtude da obrigatória observância aos deveres impostos pelo art. 14 do CPC13. Em razão do vínculo de confiança que se estabelece entre o assistido e a Defensoria Pública, o Defensor Público deve agir de forma ética buscando sempre garantir a melhor assistência à parte, sem fugir das bases morais que devem nortear sua atuação. Na hipótese de inobservância dos deveres processuais impostos pelo art. 14 do CPC, restará o infrator sujeito ao pagamento de multa, não excedente a 1% sobre o valor da causa, e de indenização à parte contrária pelos prejuízos eventualmente sofridos (art. 18 do CPC), independentemente do resultado final da demanda14. Importante destacar, ainda, que embora a Lei Complementar nº 80/1994 nada diga a respeito da restituição de autos processuais, o princípio da razoável duração dos processos (art. 5º, LXXVIII da CRFB) orienta que os membros da Defensoria Pública não retenham autos processuais por tempo indefinido, sob risco de prejudicar às partes da relação processual e se submeter a punição disciplinar. Por fim, devemos ressaltar que a inexistência de norma que institua o Código de Ética dos Defensores Públicos ainda constitui ponto negativo que assombra a Instituição, embora o Colégio Nacional dos Corregedores-Gerais já tenha aprovado, em 2007, uma minuta do que eventualmente poderia se tornar o Código de Ética das Defensorias Públicas.
12.4 DEVERES IMPOSTOS PELA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 06/1977 Não podemos esquecer que, em relação às Defensorias Públicas Estaduais, a Lei Complementar nº 80/1994 apenas traça normas gerais, relegando aos Estados a competência para normatizar os aspectos específicos, de acordo com as particularidades de cada unidade federada (art. 24, XIII e § 2º, c/c art. 134, § 1º, da CRFB). Nessa esteira, no que tange à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o art. 129 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 impõe aos Defensores Públicos fluminenses os seguintes deveres: Art. 129: Os membros da Defensoria Pública devem ter irrepreensível procedimento na vida pública e particular, pugnando pelo prestígio da Justiça, velando pela dignidade de suas funções e respeitando a dos Magistrados, a dos membros do Ministério Público e a dos advogados. § 1º É dever dos membros da Defensoria Pública: I – comparecer diariamente, no horário normal do expediente, à sede do órgão onde funcionem, exercendo os atos de seu ofício; II – desempenhar com zelo e presteza, dentro dos prazos, os serviços a seu cargo e os que, na forma da lei, lhes forem atribuídos pelo Defensor Público Geral; III – respeitar as partes e tratá-las com urbanidade; IV – zelar pela regularidade dos feitos em que funcionarem e, de modo especial, pela observância dos prazos legais; V – observar sigilo funcional quanto à matéria dos procedimentos em que atuar e, especialmente, nos que transitam em segredo de Justiça; VI – velar pela boa aplicação dos bens confiados à sua guarda; VII – representar ao Defensor Público Geral sobre irregularidades que afetem o bom desempenho de suas atribuições funcionais; VIII – apresentar à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública relatório de suas atividades, com dados estatísticos de atendimentos e, se for o caso, sugerir providências tendentes à melhoria dos serviços da Defensoria Pública, no âmbito de sua atuação; IX – prestar as informações solicitadas pelos órgãos da administração superior da Defensoria Pública. § 2º Os membros da Defensoria Pública não estão sujeitos a ponto, mas o Defensor Público Geral poderá, quando necessário, estabelecer normas para comprovação do comparecimento. § 3º Recomenda-se aos membros da Defensoria Pública residirem na sede do juízo onde tiverem lotação, valendo a fixação de residência como critério de promoção na carreira por merecimento.
Importante destacar, nesse ponto, que o art. 129, § 1º, V da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 contempla o dever de sigilo, que deve ser observado pelo Defensor Público durante o desempenho de suas funções institucionais, principalmente quando a matéria envolver segredo de justiça. Em tais casos, nem mesmo a administração superior pode exigir do Defensor Público informações cujo conhecimento esteja protegido pelo sigilo. Assim, estabelecida a relação de confiança entre a Defensoria Pública e o assistido, tudo que é dito ao Defensor Público e envolver a relação de confidencialidade não poderá ser revelado, razão pela qual, uma vez atendida uma parte o Defensor Público restará impedido de assistir à parte contrária. Não é por outra razão que os advogados e Defensores Públicos são impedidos de prestarem depoimento, nos termos do art. 405, § 2º do Código de Processo Civil sempre que tenham atuado ou atuem em favor de uma das partes, assegurando o sigilo necessário entre o profissional e o cliente/assistido. Dentro da mesma linha, o art. 130, VIII da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 veda ao
Defensor Público “manifestar-se, por qualquer meio de comunicação, sobre assunto pertinente ao seu ofício, salvo quando autorizado pelo Defensor Público Geral”. 12.5 DECÁLOGO DO DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Elaborado em novembro de 1973 pelo Defensor Público VALDEMIRO GARRIDO e publicado recentemente pela Resolução DPGE nº 674/2013, o decálogo do Defensor Público condensa as virtudes morais e ideológicas necessárias ao adequado exercício das funções institucionais conferidas à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: Resolução DPGE nº 674, de 22 de janeiro de 2013 Art. 1º: Fica estabelecido o Decálogo do Defensor Público, nos termos a seguir expostos: 1º) Dedica-te, de corpo e alma, a teu nobre mister: ser Defensor é viver lutando. 2º) Estuda com afinco, pois no estudo diuturno e constante é que encontrarás a base para o fiel desempenho de tua árdua mas nobilitante função. 3º) Foge às soluções fáceis. Estas, por não exigirem esforços, geralmente não encerram valor algum. 4º) Ensina aos que te procuram, através de tua conduta e de teu exemplo, respeitar o Direito e reverenciar a Justiça. 5º) Nunca se intimides. Quem, em favor, dos humildes, luta pela prevalência do Direito, em sua trajetória somente defrontará com a Justiça. 6º) Sê leal. Independência, honestidade, confiança e desprendimento é o que esperam encontrar em ti aqueles que dependem de tua assistência. 7º) Ora. Mantém-te ligado ao criador, pois sem fé nada de proveitoso realizarás e, muito menos, Defensor Público tu o serás. 8º) Reflete. É através da reflexão que darás perfeito equacionamento jurídico às causas que defenderes, as quais deverão ser alicerçadas com os teus conhecimentos. 9º) Intensifica, a cada passo, o teu amor ao próximo, e o acatamento que dispensas à Instituição a que pertences, a fim de que à medida que te tornes mais altruísta, te reveles, sempre e cada vez mais, melhor Defensor Público. 10º) Ama, sobretudo, a tua função. Faze-te digno dela, valorizando-a com o teu trabalho e a tua devoção, pois não pode haver maior glória que a suprema graça de ser Defensor Público.
QUESTÕES Questão 01 (DPGE/MG – 2009): São deveres e proibições do membro da Defensoria Pública, EXCETO: (A) Ter irrepreensível conduta, pugnando pelo prestígio da justiça e velando pela dignidade de suas atribuições, sendo-lhe vedado adotar postura incompatível com a dignidade do cargo. (B) Manter sigilo funcional quanto à matéria dos procedimentos em que atuar, especialmente nos que tramitam em segredo de justiça, sendo-lhe vedado revelar segredo que conheça em razão do cargo. (C) Desempenhar com eficiência e produtividade as atribuições inerentes ao cargo, podendo inclusive exercê-las na Justiça Eleitoral, sendo-lhe vedado, porém, atuar nessa Justiça enquanto exercer atividade político-partidária. (D) Exercer, mediante designação do Defensor Público Geral, a coordenadoria de órgão de atuação da Defensoria Pública, sendo-lhe vedado exercer qualquer outro cargo de confiança.
(E) Respeitar as partes e tratá-las com urbanidade, sendo-lhe vedado receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, em razão de suas atribuições, custas processuais, percentagens ou honorários, salvo os de sucumbência. Questão 02 (DPGE/ES – 2009): Julgue a assertiva abaixo: (A) Entre os deveres do Defensor Público incluem-se: residir na localidade onde exerce suas funções; desempenhar, com zelo e presteza, os serviços a seu cargo; atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; manter conduta irrepreensível em sua vida pública e particular; declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei. MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 292. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 1991, pág. 511. 3 Seguindo essa linha de raciocínio, o professor Cléber Francisco Alves leciona: “Esse dispositivo legal tem por objetivo assegurar a pronta intervenção do Defensor Público sempre que necessário, evitando deslocamentos de longa distância para atuação funcional de emergência, assim como objetiva também a maior integração do Defensor na comunidade onde deve atuar.” (ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 328/329) 4 De maneira semelhante, o professor Guilherme Peña de Moraes defende que os arts. 45, I, 90, I e 129, I da LC nº 80/1994 “somente se aplicam aos integrantes da Defensoria Pública lotados em seus órgãos de atuação, não incidindo sobre os que, de forma temporária, foram designados para exercer suas atribuições em órgão de atuação diverso do da lotação. É dizer: os Defensores Públicos são impelidos a residir na sede do juízo desde que sejam titulares do seu órgão de atuação.” (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 293) 5 Como exemplo, podemos citar a impossibilidade de conseguir acomodações dignas e seguras para o membro da Defensoria Pública na comarca onde exerce suas atribuições, ou o fato de já possuir o Defensor Público residência estável em comarca contígua. 6 A Ordem de Serviço nº 09/1995 determina que os membros da Defensoria Pública identifiquem-se em todas suas manifestações mediante aposição do nome completo e matrícula funcional. 7 De acordo com Guilherme Peña de Moraes, “o Defenor Público deve pautar sua atuação funcional pela prontidão e pela agilidade, procurando formular as soluções mais céleres e eficazes às questões que lhe são trazidas ao conhecimento.” (MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 294) 8 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 106. 9 “AGU – Parecer nº GQ – 145: Ilícita a acumulação de dois cargos ou empregos de que decorra a sujeição do servidor a regimes de trabalho que perfaçam o total de oitenta horas semanais, pois não se considera atendido, em tais casos, o requisito da compatibilidade de horários. Com a superveniência da Lei n.9.527, de 1997, não mais se efetua a restituição de estipêndios auferidos no período em que o servidor tiver acumulado cargos, empregos e funções públicas em desacordo com as exceções constitucionais permissivas e de má fé. (…) Tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão da qual o servidor ficaria submetido a dois regimes de quarenta horas semanais, considerados isoladamente, pois não há possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições normais de trabalho e de vida do servidor. Entretanto, nos casos em exame, os interessados já passaram a cumprir sessenta horas semanais, de segunda-feira a sexta-feira, em vista dos cargos técnicos ou científicos e de magistério. Desnecessária, assim, a verificação do acúmulo relativo ao período em que os servidores cumpriam a carga de trabalho de quarenta horas e, se fosse o caso, a opção corretiva da acumulação irregular a que se refere o art. 133 da Lei nº 8.112, 1990, na redação dada pela Lei n. 9.527, de 1997, a qual resultaria na modificação do regime de serviço, no magistério, de quarenta para vinte horas, pois as declarações de horários constantes dos processos indicam a viabilidade da compatibilização. (…) A acumulação, no regime de sessenta horas semanais, não impede a inativação no cargo técnico ou científico, observadas as normas pertinentes, mas não ensejará a posterior inclusão dos servidores no regime de quarenta horas, relativa ao cargo de magistério: caracterizar-se-ia acumulação proibida, por força do art. 118, § 3º, da Lei nº 8.112, com a redação dada pelo Lei nº 9.527.” 10 Segundo Sílvio Roberto Mello Moraes “tal dever deve se estender às audiências e demais atos praticados em inquéritos ou processos administrativos, sempre que a presença do Defensor Público for necessária”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 106) 11 STF – Pleno – ADI nº 4598/DF – Relator Min. LUIZ FUX, pendente de julgamento. 12 Vale a ressalva de que a limitação de horário do expediente forense não se confunde com a prática de atos processuais a que alude o art. 172 do Código de Processo Civil. Com efeito, afigura-se possível que, independentemente do horário de início ou término do expediente forense, seja possível a prática de ato processual, a exemplo das citações, intimações, audiências etc. 1 2
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GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Volume I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 269. NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pág. 265.
CAPÍTULO 13
PROIBIÇÕES
13.1 DEFINIÇÃO Em linhas gerais, as proibições objetivam assegurar o pleno e adequado exercício das funções institucionais legalmente atribuídas à Defensoria Pública, vedando a prática de condutas que possam comprometer a independência e a eficiência dos Defensores Públicos. Por meio das normas que regulam as proibições, o legislador pretende afastar o membro da Defensoria Pública de interesses que poderiam, direta ou indiretamente, comprometer sua isenta atuação profissional1. Conforme salientado anteriormente, existe clara dessemelhança entre as proibições e os deveres dos membros da Defensoria Pública. Enquanto os deveres são impostos por regras de caráter positivo e geram prestações ou atividades, as proibições são impostas através de regras de caráter negativo e geram vedações ou inatividades2. Com isso, além prestarem obediência às regras que determinam aquilo que devem fazer (deveres), os membros da Defensoria Pública estão sujeitos às normas que determinam aquilo que não podem efetuar (proibições)3. 13.2 DAS PROIBIÇÕES EM ESPÉCIE Assim como ocorre em relação aos deveres, as proibições funcionais podem ser divididas em duas espécies: (i) proibições gerais, aplicáveis genericamente para todos aqueles que exercem cargo público; e (ii) proibições especiais, aplicáveis apenas em relação à determinadas classes ou em razão de determinadas funções. Pela leitura dos arts. 46, 91 e 130 da LC nº 80/1994, podemos perceber que a própria redação dos dispositivos informa que os membros da Defensoria Público estão sujeitos às vedações impostas pela referida lei complementar (proibições especiais), “além das proibições decorrentes do exercício de cargo público” (proibições gerais). No que tange às proibições específicas, a Lei Complementar nº 80/1994 estabelece sete vedações: (i) exercer a advocacia fora das atribuições institucionais; (ii) requerer, advogar ou praticar, em juízo ou fora dele, atos que de qualquer forma colidam com as funções inerentes ao seu cargo ou com os preceitos éticos de sua profissão; (iii) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições; (iv) exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista; (v) exercer atividade político-partidária, enquanto atuar junto à Justiça Eleitoral. 13.2.1 Exercício da advocacia
De acordo com o art. 134, § 1º da CRFB, a Defensoria Pública deve ser organizada por Lei Complementar, sendo vedado aos seus integrantes “o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais”. Realizando a regulamentação do dispositivo constitucional, os arts. 46, I, 91, I e 130, I da LC nº 80/1994 consolidaram como vedação aos membros da Defensoria Pública “exercer a advocacia fora das atribuições institucionais”. Inicialmente, devemos observar que a escolha de palavras realizada pelo legislador se afigura extremamente criticável. Ao vedar o exercício da advocacia “fora das atribuições institucionais”, a norma passa a falsa impressão de que os Defensores Públicos praticam atos de advocacia dentro do desempenho de suas funções. Entretanto, a natureza constitucional e as funções jurídicas atribuídas aos Defensores Públicos são absolutamente distintas daquelas outorgadas aos advogados particulares. Ao formalizar a previsão das “Funções Essenciais à Justiça” (Título IV – Capítulo IV), a Constituição Federal inseriu dentro desse complexo orgânico quatro funções distintas: o Ministério Público (Seção I), a Advocacia Pública (Seção II), a Advocacia (Seção III) e a Defensoria Pública (Seção III). Sendo assim, a organização tópica e o próprio conteúdo do capítulo destinado às “Funções Essenciais à Justiça” evidenciam a intenção do constituinte em separar a Defensoria Pública da advocacia comum. Na verdade, se a atuação funcional da Defensoria Pública refletisse verdadeiro labor advocatício, a Seção III não precisaria ser denominada “Da Advocacia e da Defensoria Pública”; bastaria que a referida seção fosse intitulada ‘Da advocacia’ e nenhuma distinção adicional precisaria ser realizada. Ao inserir no texto constitucional a previsão de duas denominações distintas, o legislador constituinte pretendeu claramente formalizar a instituição de duas funções também distintas, que possuem apenas em comum a adjetivação “essencial à justiça”. Essa separação ontológica entre a advocacia e Defensoria Pública ficou ainda mais evidente com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, que inseriu na Lei Complementar nº 80/1994 dispositivo prevendo expressamente que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”, sem necessidade de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 4º, § 6º da LC nº 80/1994). Além disso, a ampliação das funções institucionais de caráter eminentemente coletivo consolidou o perfil não individualista da Defensoria Pública, desmanchando definitivamente a ideia de que os Defensores Públicos seriam simples advogados dos pobres4. Podemos concluir, portanto, que as palavras utilizadas pelo legislador ao proibir o exercício da advocacia “fora das atribuições institucionais” acabaram ocasionando flagrante impropriedade normativa. Sem dúvida alguma, teria atuado de maneira mais técnica o legislador se tivesse simplesmente vedado o exercício da advocacia e pronto, não inserindo no texto legal qualquer predicado posterior5. Nesse sentido, leciona o professor PAULO GALLIEZ, de maneira clara e didática: Na verdade, teria sido suficiente que constasse apenas a expressão “proibição da advocacia”, pois o acréscimo “fora de suas atribuições institucionais” dá a impressão equivocada de que os Defensores Públicos praticam atos de advocacia no exercício de seu múnus. No entanto, embora assemelhadas, as funções do advogado e do defensor público são distintas. De fato, de acordo com os artigos 131 e 132, Seção II, da Carta de 1988, somente os integrantes das carreiras da AdvocaciaGeral da União e das Procuradorias dos Estados e dos Distrito Federal praticam atos de advocacia pública, estando assim excluídos dessa qualificação os Defensores Públicos, que são na realidade agentes políticos do estado, posto não serem
procuradores nem advogados. (GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pág. 46)
A vedação legal ao exercício da advocacia pretende assegurar a dedicação exclusiva do Defensor Público na defesa da classe socialmente oprimida, evitando que o exercício de atividades advocatícias paralelas comprometam o adequado desempenho das relevantes funções institucionais atribuídas à Defensoria Pública6. Questão extremamente controvertida, entretanto, tem sido determinar se a vedação ao exercício da advocacia teria caráter absoluto ou relativo, e a consequente amplitude temporal da regra proibitiva. De acordo com uma primeira corrente doutrinária, a vedação teria caráter relativo e todos os Defensores Públicos investidos na função até a data da instalação da Assembleia Nacional Constituinte poderiam exercer regularmente a advocacia. Esse posicionamento possui fundamento no art. 22 do ADCT que estabelece: Art. 22 do ADCT: É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.
Segundo os partidários dessa corrente, o art. 22 do ADCT teria assegurado o direito ao exercício da advocacia, desde que o Defensor Público, investido na função até a data da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, não fizesse a opção pelo novo modelo de carreira instituído pela Constituição Federal de 1988. Assim, o Defensor Público continuaria a integrar a carreira preexistente, com a possibilidade de exercer a advocacia e sem usufruir das garantias previstas nos arts. 134 e 135 da CRFB, que apenas pertenceriam àqueles que optassem pelo novo modelo constitucional de carreira. Além disso, os membros da Defensoria Pública que ingressaram no cargo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 possuiriam direito adquirido ao exercício da advocacia, não podendo a vedação constitucional retroagir para modificar situação jurídica já consolidada no tempo (art. 5º, XXXVI da CRFB). Inclusive, o próprio art. 22 do ADCT teria proclamado o respeito ao direito adquirido dos membros da Defensoria Pública que ingressaram na função antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte7. Como um desdobramento dessa primeira corrente doutrinária, uma segunda linha de pensamento vem sustentando que a regra constitucional proibitiva teria natureza de norma de eficácia limitada, razão pela qual a vedação ao exercício da advocacia apenas produziria efeitos após entrada em vigor da Lei Complementar nº 80/1994. Com isso, todos os Defensores Públicos investidos no cargo até 12 de janeiro de 1994 teriam direito adquirido de exercer regularmente a advocacia8. Seguindo essa linha de posicionamento, considerada predominante no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, leciona o ilustre Defensor Público ROGÉRIO RABE, nos seguintes termos: Em verdade, o constituinte, ao incluir no texto da Constituição da República (no seu art. 134, caput e parágrafo único) a Defensoria Pública, prescreveu apenas normas gerais que haveriam de ser observadas pelo legislador constitucional. Pretendeu efetivamente o constituinte que, no futuro, a lei complementar a ser elaborada observasse as diretrizes de que trata o susomencionado dispositivo constitucional, que transfere ao legislador ordinário a atribuição de construir norma reguladora (lei complementar) segundo a orientação que traz. Por essa razão, temos que a vontade do constituinte, expressa por meio dos
verbos empregados, se traduz em orientação a ingressar no ordenamento com a devida e necessária efetividade a partir do momento da vigência da lei complementar. (…) Somente com a edição da lei complementar a que se refere a Constituição de 1988 (Lei Complementar nº 80, de 12.01.94) é que a linha de orientação constante do parágrafo único do seu art. 134 se opera em concreto, materializando-se e, portanto, incorporando aos Defensores Públicos a força de referência e tratamento constitucional à instituição Defensoria Pública, vedando o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Nessas condições, patente resta que os poucos Defensores Públicos investidos no cargo entre a promulgação da Carta de 1988 e a edição da Lei Complementar nº 80, de 12.01.94, têm assegurado o direito adquirido ao exercício da advocacia privada, fora de suas atribuições institucionais, por terem ingressado naquela nobre Instituição antes da vigência da norma instituidora da vedação. (RABE, Rogério. Manifestação constante do Processo Administrativo OAB/RJ nº 111.480/84 apud MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 300/301)
Por fim, uma terceira corrente sustenta que a vedação teria caráter absoluto, não sendo permitido a nenhum Defensor Público exercer a advocacia, independentemente do momento de ingresso na carreira. Não obstante as respeitáveis posições em sentido contrário, entendemos que essa corrente analisa a questão de forma mais técnica e precisa, sendo a mais adequada para explicar a eficácia temporal da proibição do exercício da advocacia. Como expressão do poder constituinte originário, a Constituição Federal não precisa corresponder pontualmente a uma dada teoria política. Assim, as normas editadas pelo poder constituinte originário podem proibir faculdades ou direitos que antes eram reconhecidas pelo ordenamento jurídico, especialmente no que tange ao regime jurídico dos integrantes de cargos públicos9. Justamente por isso, não se pode admitir a invocação do suposto direito adquirido ao exercício da advocacia como forma de excepcionar determinação normativa expressa advinda do poder constituinte originário (art. 134 da CRFB); afinal, tudo aquilo que for contrário ao novo sistema constitucional não pode ser considerado propriamente como direito, mesmo que anteriormente recebesse essa qualificação10. Sobre o tema, lecionam os professores GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, in verbis: Não se pode esquecer que a Constituição é o diploma inicial do ordenamento jurídico e que as suas regras têm incidência imediata. Somente é direito o que com ela é compatível, o que nela retira o fundamento de validade. Quando a Constituição consagra a garantia do direito adquirido, está prestigiando situações e pretensões que não conflitam com a expressão da vontade do poder constituinte originário. O poder constituinte originário dá início ao ordenamento jurídico, define o que pode ser aceito a partir de então. O que é repudiado pelo novo sistema constitucional não há de receber status próprio de um direito, mesmo que na vigência da Constituição anterior o detivesse. Somente seria viável falar em direito adquirido como exceção à incidência de certo dispositivo do Constituição se ela mesma, em alguma de suas normas, o admitisse claramente. Mas, aí, já não seria mais caso de direito adquirido contra a Constituição, apenas de ressalva expressa de certa situação. Não havendo essa ressalva expressa, incide a norma constitucional contrária à situação antes constituída. (MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 208/209)
A previsão normativa constante do art. 22 do ADCT não possui o condão de excepcionar a proibição constitucional ao exercício da advocacia. Na realidade, a regra de transição possui âmbito de aplicação específico, sendo destinada aos Estados-membros que ainda não possuíam Defensoria Pública regularmente estruturada na época da instalação da Assembleia Nacional Constituinte. Nesses casos, aqueles que exerciam cargo de Defensor Público ou função pública equivalente poderiam permanecer integrando os quadros do órgão estatal ao qual pertenciam ou poderiam passar a integrar os quadros da Defensoria Pública criada pela nova ordem constitucional. A regra insculpida no art. 22 do ADCT, portanto, não assegura a opção pelo regime jurídico, mas apenas a opção pela carreira.
Nesse sentido, ensina o professor SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, em obra dedicada ao tema: Sempre entendemos (até mesmo pela sua própria origem, na Assembleia Nacional Constituinte) que o art. 22 do ADCT, era endereçado aos Defensores Públicos dos Estados, em que não existia, institucionalizada, a carreira da Defensoria Pública, como Instituição autônoma e independente. Nestes casos, aqueles Defensores investidos nesta função até a data da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, poderiam optar pela novel carreira, ou continuar a integrar os quadros do órgão ao qual se encontravam vinculados (Secretarias de Justiça, Procuradorias do Estado, etc.). Mas nos Estados em que já existissem Defensorias Públicas devidamente institucionalizadas, com carreira própria, como os Estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, dentre outros, esta regra não teria qualquer aplicação pois, nestes casos, seria inadmissível, a nosso ver, a coexistência de duas carreiras de Defensores Públicos, numa mesma Instituição (observe-se que a CF fala em opção pela carreira e não opção por regime jurídico). (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 109)
Além disso, ao ressalvar o direito de opção pela carreira, o art. 22 do ADCT determina expressamente “a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único da Constituição”. Dessa forma, antes de excepcionar a proibição ao exercício da advocacia, a regra do art. 22 do ADCT reafirma a vedação, deixando clara sua aplicabilidade para todos os membros da Defensoria Pública, independentemente do momento de ingresso na carreira. Adotando essa linha de pensamento, leciona o professor PEDRO LENZA, in verbis: Nos termos do art. 134, § 1º, lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (…) E como ficam os defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte? Em relação a eles, também, está vedada a advocacia fora de suas atribuições institucionais, nos termos do art. 22 do ADCT, que assegura a opção pela carreira da Defensoria desde que se observem as garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição. Como vedação, portanto, está a proibição de prestar o serviço de advocacia fora dos ditames constitucionais. (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2010, pag. 701)
Devemos observar, ainda, que o art. 137, parágrafo único da LC nº 80/1994 originalmente previa que a vedação ao exercício da advocacia não se aplicaria ao membro da Defensoria Pública, se a proibição não estivesse expressamente prevista na disciplina legal do cargo até a data da promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, após ser remetido para a sanção presidencial, o parágrafo único do referido artigo restou vetado pelo Presidente da República, nos termos do art. 66, § 1º da CRFB, em virtude de sua patente inconstitucionalidade material. De acordo com a mensagem de veto presidencial: O parágrafo único do art. 137, no excetuar a vedação do exercício da advocacia fora das atribuições institucionais aos membros da Defensoria Pública cujo cargo não tivesse essa vedação até a data da promulgação da Constituição, padece de inconstitucionalidade, porque a regra do art. 134, parágrafo único, não sofreu qualquer exceção. Note-se que, em relação ao Ministério Público, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 29, § 3º, excepcionou a regra no art. 129, IX, da Constituição Federal, o que não ocorreu com a Defensoria Pública, que apenas teve assegurado ‘aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição”. A Procuradoria-Geral da República acrescenta: O parágrafo indicado é inconstitucional, na medida em que ultrapassa os limites do artigo 22 da ADCT, que autorizou aos defensores públicos investidos na função, até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte, o direito de opção pela carreira, determinando, entretanto, a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único da Constituição Federal, o que não está sendo observado na redação original do parágrafo suprimido.
Ao analisar a questão, o Supremo Tribunal Federal entendeu que aos membros da Defensoria
Pública seria vedado o exercício da advocacia “desde o momento da promulgação da Constituição do Brasil, independentemente da edição de norma superveniente”. Por essa razão, restou reconhecida a inconstitucionalidade material do art. 137 da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais nº 65/2003, que afastava a proibição ao exercício da advocacia em relação aos Defensores Públicos que haviam ingressado no cargo antes da edição da referida norma estadual, até que fosse regulamentada a remuneração por subsídios11. In verbis: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 137 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 65, DE 16 DE JANEIRO DE 2003, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DEFENSOR PÚBLICO. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA À MARGEM DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 134 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O § 1º do artigo 134 da Constituição do Brasil repudia o desempenho, pelos membros da Defensoria Pública, de atividades próprias da advocacia privada. Improcede o argumento de que o exercício da advocacia pelos Defensores Públicos somente seria vedado após a fixação dos subsídios aplicáveis às carreiras típicas de Estado. 2. Os §§ 1º e 2º do artigo 134 da Constituição do Brasil veiculam regras atinentes à estruturação das Defensorias Públicas, que o legislador ordinário não pode ignorar. 3. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 137 da Lei Complementar nº 65, do Estado de Minas Gerais. (STF – Pleno – ADI nº 3.043/MG – Relator Min. EROS GRAU, decisão: 26-04-2006) 13.2.2 Atividades que conflitem com o cargo ou com princípios éticos
Além da proibição do exercício da advocacia, a Lei Complementar nº 80/1994 veda aos membros da Defensoria Pública, “requerer, advogar, ou praticar em juízo ou fora dele, atos que de qualquer forma colidam com as funções inerentes ao seu cargo, ou com os preceitos éticos de sua profissão” (arts. 46, II, 91, II e 130, II). Há que se entender que o Defensor Público atua sempre em nome da Instituição, de sorte que sua postura e seus atos refletem a imagem da Defensoria Pública. Nesse desiderato, a atuação colidente com preceitos éticos da profissão ou em desacordo com o cargo macula a própria efígie institucional, caracterizando autêntica infidelidade funcional12. 13.2.3 Recebimento de qualquer quantia ou vantagem em razão de suas atribuições
Segundo estabelecem os arts. 46, III, 91, III e 130, III da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é vedado “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições”. A assistência jurídica prestada pelos membros da Defensoria Pública possui natureza pública e caráter eminentemente gratuito, não podendo a fruição do serviço ser condicionada ao pagamento de qualquer quantia pelo assistido hipossuficiente. Justamente por isso, resta vedado ao membro da Defensoria Pública o recebimento de qualquer quantia in officio ou propter officium, exceto os valores referentes a remuneração estatal13. Como determina o próprio dispositivo legal, a proibição alcança a atividade judicial e extrajudicial dos membros da Defensoria Pública, não podendo haver o recebimento indevido de quantias “a qualquer título e sob qualquer pretexto”. Importante observar, nesse ponto, que dentre as funções institucionais atribuídas à Defensoria Pública existem aquelas consideradas atípicas, ou seja, que independem da condição de hipossuficiente do indivíduo para que sejam adequadamente desempenhadas (ex.: defesa técnica do réu em processos criminais, quando não for constituído advogado particular). Nesses casos, embora a prestação da assistência jurídica não possa ser condicionada ao pagamento prévio de qualquer
quantia por parte do destinatário do serviço, poderá a Defensoria Pública requerer judicialmente a fixação de honorários pelo desempenho da função atípica (ex.: réu em processo criminal, embora possuindo condições econômica de arcar com o pagamento de honorários advocatícios, deixa de constituir advogado para realizar sua defesa em juízo, sendo nomeada a Defensoria Pública para o patrocínio do feito; nesse caso, poderá a Defensoria, ao final do processo, requerer o arbitramento de honorários em decorrência da assistência judiciária prestada ao acusado). Além disso, sempre que alcançar o êxito final no litígio, terá a Defensoria Pública direito ao recebimento de honorários advocatícios, nos termos do art. 20 do CPC (Súmula nº 450 do STF). Essas hipóteses legais, no entanto, em nada contrariam a proibição estabelecida pelos arts. 46, III, 91, III e 130, III da LC nº 80/1994. Isso porque os honorários devidos em virtude do desempenho de função atípica e em razão da final vitória na demanda não serão recebidos individualmente pelo Defensor Público; na verdade, os valores serão encaminhados para fundo próprio gerido pela Defensoria Pública e “destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores” (art. 4º, XXI da LC nº 80/1994). 13.2.4 Exercer o comércio ou participar de sociedade comercial
Em conformidade com os arts. 46, IV, 91, IV e 130, IV da LC nº 80/1994, os membros da Defensoria Pública se encontram proibidos de “exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista”. A vedação legal ao exercício de atividades empresariais objetiva garantir a dedicação integral do Defensor Público às atribuições inerentes ao cargo, evitando que as naturais distrações geradas pelo ramo empresarial possam prejudicar o adequado desempenho de suas funções institucionais. Além disso, a proibição de exercer o comércio e de participar de sociedade empresarial pretende preservar o prestígio e a dignidade do cargo de Defensor Público, que poderiam ser comprometidos por percausos empresariais e pela exposição pública inerente ao comércio. Para que reste caracterizada a violação à proibição não é necessário que o membro da Defensoria Pública realize a inscrição dos atos constitutivos da pessoa jurídica junto ao registro competente; basta que ocorra o simples desempenho fático da atividade comercial ou a participação efetiva em sociedade comercial não registrada (sociedade irregular ou de fato). Importante observar, por fim, que a regra proibitiva apresenta exceção, sendo admitida a participação do membro da Defensoria Pública como cotista ou acionista, uma vez que em tais casos, via de regra, não há exercício de gerência ou administração14. 13.2.5 Exercício de atividade político-partidária e atuação na Justiça Eleitoral
De acordo com os arts. 46, V, 91, V e 130, V da LC nº 80/1994, aos membros da Defensoria Pública é vedado “exercer atividade político-partidária, enquanto atuar junto à justiça eleitoral”. A expresão “atividade político-partidária” compreende qualquer ato que se refira a filiação partidária, participação em campanhas eleitorais, exercício de cargos ou funções nos órgãos dos partidos políticos, bem como o registro de candidatura em pleito eleitoral. Importante observar que a proibição imposta pela Lei Complementar nº 80/1994 apresenta caráter relativo, sendo vedado ao membro da Defensoria Pública o exercício de atividade político
partidária unicamente “enquanto atuar junto à justiça eleitoral”15. Sendo assim, a norma proibitiva não se aplica aos Defensores Públicos que não exerçam funções eleitorais, os quais possuem elegibilidade absoluta desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 14 da Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64/199016. Embora a Lei Complementar nº 80/1994 tenha conferido à Defensoria Pública da União a atribuição de atuar perante a Justiça Eleitoral, o desempenho dessa relevante função jurídica ainda não restou efetivamente difundido em todo o território nacional, em virtude da reconhecida carência de Defensores Públicos Federais. Outrossim, para que as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal possam suprir essa lacuna institucional e garantir a assistência jurídica integral e gratuita no âmbito eleitoral, o art. 14, § 1º da LC nº 80/1994 exige a celebração de convênio pela Defensoria Pública da União. Como esse convênio nunca foi realizado, na prática os membros das Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal ainda não possuem atribuição para atuar na Justiça Eleitoral. Desse modo, podemos concluir que a proibição do exercício de atividade político-partidária apenas subsiste para os membros da Defensoria Pública da União que atuam perante a Justiça Eleitoral. Para os membros das Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, que ainda não possuem atribuição para atuar no âmbito eleitoral, a vedação do exercício de atividade políticopartidária não possui qualquer aplicabilidade prática. In hujusmodis causis, tem sido esse o posicionamento adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral: Eleições 2006. Registro de candidatura. Deputado federal. Filiação partidária. Defensor Público estadual. Vedação constitucional. Inexistência. Atividade político-partidária. Permissão. Exercício junto à Justiça Eleitoral. Não comprovação. Recurso ordinário improvido. 1. Não é proibida a filiação partidária aos Defensores Públicos, que podem exercer atividade político-partidária, limitada à atuação junto à Justiça Eleitoral. 2. Sujeitam-se os Defensores Públicos à regra geral de filiação, ou seja, até um ano antes do pleito no qual pretendam concorrer. (TSE – RO nº 1248/RS – Relator Min. ANTONIO CEZAR PELUSO, decisão: 1910-2006)
No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a proibição do exercício de atividade político-partidária recebe tratamento legislativo diverso. De acordo com o art. 130, V da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, é vedado ao membro da Defensoria Pública “exercer atividade político-partidária, salvo quando afastados de suas funções”. Como podemos perceber pela leitura da norma, a legislação estadual confere tratamento mais rigoroso à matéria: enquanto a Lei Complementar nº 80/1994 veda o exercício de atividade político partidária apenas “enquanto atuar junto à justiça eleitoral” (art. 130, V), a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 impõe a proibição enquanto o membro da Defensoria Pública estiver no exercício de suas funções institucionais (art. 130, V). Embora a norma estadual possa parecer ineficaz, em virtude da ausência de similaridade com a regra proibitória estabelecida pela Lei Complementar nº 80/1994, devemos lembrar que Constituição Federal adotou, nesse particular, a já estudada competência concorrente não cumulativa ou vertical, outorgando à União a competência para a fixação de normas gerais sobre a Defensoria Pública (art. 24, § 1º da CRFB – competência geral), e aos Estados-membros a competência para normatizar os aspectos específicos da matéria (art. 24, § 2º da CRFB – competência suplementar). Por essa razão, entendemos que a ampliação do caráter proibitório da vedação ao exercício de atividade político-partidária, realizada pelo art. 130, V da Lei Complementar nº 06/1977, não
apresenta nenhuma invalidade ou ineficácia. Isso porque o dispositivo estadual não viola ou desvirtua os parâmetros gerais estabelecidos pela ordem normativa central, realizando apenas a ampliação da esfera subjetiva de incidência da vedação17. Sendo assim, para os membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o exercício de atividade político-partidária pressupõe a desincompatibilização do cargo, com o integral afastamento de suas funções institucionais. 13.3 PROIBIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 06/1977 No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o art. 130 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 impõe aos Defensores Públicos fluminenses as seguintes proibições: Art. 130. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros da Defensoria Pública é vedado especialmente: I – exercer, como advogado constituído, a advocacia nos órgãos judiciários junto aos quais estejam em exercício; II – prestar serviços profissionais, como advogado constituído, nos feitos em que a parte contrária seja patrocinada pela Defensoria Pública; III – funcionar, na qualidade de advogado constituído, como assistente do Ministério Público ou patrono de querelante, no juízo criminal; IV – empregar em seu expediente expressão ou termo desrespeitoso à Justiça, ao Ministério Público e às autoridades constituídas; V – exercer atividade político-partidária, salvo quando afastados de suas funções; VI – valer-se da qualidade de membro da Defensoria Pública para desempenhar atividade estranha às suas funções; VII – aceitar cargo ou exercer função fora dos casos autorizados em lei; VIII – manifestar-se, por qualquer meio de comunicação, sobre assunto pertinente ao seu ofício, salvo quando autorizado pelo Defensor Público Geral.
De acordo com o art. 130, I, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 é vedado ao membro da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro exercer a advocacia junto aos órgãos judiciários nos quais esteja desempenhando suas funções institucionais. Paralelamente, o art. 130, II, do referido diploma legal proíbe a prestação de serviços advocatícios sempre que a parte contrária estiver sendo patrocinada pela Defensoria Pública. Realizando uma interpretação a contrario sensu, poderíamos concluir que o membro da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro poderia exercer advocacia perante os órgão judiciários em que não estivesse atuando, sempre que a parte contrária não fosse representada pela Defensoria Pública. No entanto, em virtude de sua manifesta contrariedade com o art. 134, § 1º, da CRFB, o dispositivo estadual não restou recepcionado pela nova ordem constitucional vigente. No art. 130, IV da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 resta vedada a utilização de expressões ou termos desrespeitosos, como forma de preservar a ética e a dignidade que devem circundar o exercício das atividades jurídicas. Previsão legal semelhante consta do art. 15 do CPC, que proíbe às partes e seus advogados “empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las”. Segundo determina o inciso VI do art. 130, também é vedado aos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro valer-se do cargo para desempenhar atividades estranhas às suas funções institucionais. A regra busca prevenir a ocorrência de tráfico de influência e de abuso de autoridade, evitando que o Defensor Público se utilize do cargo para obter locupletamento ilícito. Da mesma forma e com fundamento no inciso VII do art. 130, não pode o Defensor Público aceitar cargo ou exercer função fora dos casos autorizados em lei, sob risco de prejudicar o regular desempenho de suas funções institucionais e de macular a própria imagem da Defensoria Pública. Por fim, o art. 130, VIII proíbe o membro da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro de
proferir manifestações, por qualquer meio de comunicação, sobre assunto relacionado ao seu ofício. A previsão normativa pretende garantir o sigilo profissional e prevenir a exteriorização de juízos negativos de valor acerca da Defensoria Pública, permitindo a manifestação pública pelos meios de comunicação apenas quando autorizadas pelo Defensor Público Geral. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): Lei complementar estabelece a possibilidade de todos os Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro exercerem a advocacia fora de suas atribuições institucionais. Para o caso em apreço, é correto afirmar que: (A) a espécie legislativa contraria a Constituição, visto que é defeso aos Defensores Públicos o referido exercício da advocacia; (B) a lei complementar propicia ao Defensor Público a possibilidade de auferir maiores recursos financeiros, não estando eivada de qualquer vício; (C) a despeito da possibilidade conferida pela lei complementar, o Defensor Público, mesmo fora de suas atribuições institucionais, não pode litigar contra o Estado do Rio de Janeiro; (D) a possibilidade conferida pela lei complementar permite que o Defensor Público estadual ajuíze ações na Justiça Federal e na Justiça Eleitoral no exercício de suas atribuições institucionais; (E) a faculdade estendida aos Defensores Públicos está em consonância com a Constituição e restabelece o princípio da isonomia, uma vez que os membros de categorias congêneres podem exercer a advocacia fora de suas atribuições institucionais. Questão 02 (DPGE/RN – 2006): Julgue a assertiva abaixo: (A) Os Defensores Públicos podem exercer a advocacia fora das atribuições institucionais, mas não podem receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais em razão de suas atribuições. Questão 03 (DPU – 2007): Julgue a assertiva abaixo: (A) Aos membros da DPGU é vedado exercer atividade político-partidária, mesmo que eles não atuem na justiça eleitoral. Questão 04 (DPGE/MS – 2008): Aos membros da Defensoria Pública é vedado: (A) exercer advocacia fora das atribuições institucionais, exceto na hipótese em que seja parte. (B) exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive como quotista ou acionista. (C) manifestar-se, por qualquer meio de comunicação, sobre assunto pertinente ao se ofício, salvo quando autorizado pelo Defensor Público Geral;
(D) exercer, em qualquer hipótese, atividade político-partidária. Questão 05 (DPGE/MG – 2009): São deveres e proibições do membro da Defensoria Pública, EXCETO: (A) Ter irrepreensível conduta, pugnando pelo prestígio da justiça e velando pela dignidade de suas atribuições, sendo-lhe vedado adotar postura incompatível com a dignidade do cargo. (B) Manter sigilo funcional quanto à matéria dos procedimentos em que atuar, especialmente nos que tramitam em segredo de justiça, sendo-lhe vedado revelar segredo que conheça em razão do cargo. (C) Desempenhar com eficiência e produtividade as atribuições inerentes ao cargo, podendo inclusive exercê-las na Justiça Eleitoral, sendo-lhe vedado, porém, atuar nessa Justiça enquanto exercer atividade político-partidária. (D) Exercer, mediante designação do Defensor Público Geral, a coordenadoria de órgão de atuação da Defensoria Pública, sendo-lhe vedado exercer qualquer outro cargo de confiança. (E) Respeitar as partes e tratá-las com urbanidade, sendo-lhe vedado receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, em razão de suas atribuições, custas processuais, percentagens ou honorários, salvo os de sucumbência. Questão 06 (DPU – 2010): Julgue a assertiva abaixo: (A) O princípio da indivisibilidade da Defensoria Pública está caracterizado, entre outras formas, pela prerrogativa da intimação pessoal e pela proibição do exercício da advocacia fora de suas atribuições. “As proibições são disposições ou princípios que vedam determinadas práticas ou atos. Estas se revelam em tudo que é impedido ou defeso por lei a quem tem autoridade para tomar decisão. A proibição se expressa de várias maneiras negativas, como ‘não pode’, ‘não é permitido’, ‘é defeso’, ‘não se deve’ ou ‘é vedado’. Quando estabelecida por lei, a proibição resulta num impedimento ou oposição formal, para que não se faça ou se execute aquilo que se consigna como regra jurídica proibitória.” (COSTA, Nelson Nery. Manual do Defensor Público, Rio de Janeiro: GZ, 2010, pág. 100) 2 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 292. 3 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Bahia: JusPodivm, 2010, pág. 425. 4 SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido – sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/2009 – a visão individualista a respeito da instituição?, in Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 5 Para corrigir essa anomalia legislativa, se encontra em trâmite no congresso nacional a PEC nº 487/2005, que pretende modificar a redação dos arts. 134 e 135 da CRFB, dentre outros dispositivos constitucionais, retirando a expressão “fora das atribuições institucionais” e passando a prever apenas a vedação de “exercer advocacia” (art. 135, § 8º, III, b). 6 Segundo leciona Sílvio Roberto Mello Moraes, “vedada a advocacia, impõe-se àquele que opta pela carreira dedicação exclusiva, necessária, sem dúvida alguma, para o bom desempenho de suas funções. Em contrapartida, a Carta Magna garante remuneração digna e condizente com a relevante missão que lhe é atribuída.” (MOARES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 108) 7 ALVES, Cléber Francisco. PIMENTA, Marília Gonçalves. Acesso à justiça em preto e branco: retratos institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 122. 8 MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 301/302. 9 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal possui posicionamento consolidado no sentido de não admitir a invocação de direito adquirido contra a Constituição Federal (STF – Primeira Turma – RE nº 140894/SP – Relator Min. ILMAR GALVÃO, decisão: 1005-1994). Além disso, não tem sido reconhecido a existência de direito adquirido a regime jurídico (STF – Segunda Turma – RE nº 287261 AgR/MG – Relatora Min. ELLEN GRACIE, decisão: 28-06-2005), especialmente quando o patrimônio jurídico consolidado 1
do indivíduo não foi atingido pela inovação normativa (STF – Segunda Turma – RMS nº 23458/DF – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 16-10-2001). 10 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 208. 11 Art. 137 da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais nº 65/2003: “Aos membros da Defensoria Pública em exercício quando da publicação deste lei complementar, não se aplica a proibição prevista no art. 80, inciso I, até a fixação dos subsídios previstos no art. 75.” 12 De acordo com Sílvio Roberto Mello Moraes, “o membro da Defensoria Pública deve zelar pelo prestígio da justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções, devendo, por consequência, abster-se da prática de atos que de qualquer forma colidam com o bom desempenho destas funções, ou com os preceitos éticos de sua profissão”. (MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 110) 13 Como observa Frederico Viana de Lima, “o recebimento de qualquer benefício de ordem financeira pelo Defensor Público fere de morte o postulado fundamental da Instituição, que é atuar gratuitamente em favor dos mais humildes. A benesse recebida, a qualquer título e sob qualquer pretexto, configura a própria negação da atividade que se desempenha. É o locupletamento ilícito na sua mais perfeita definição.” (LIMA, Frederico Viana de. Op. cit., pág. 427) 14 A figura da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) prevista no art. 980-A do Código Civil também se enquadra na proibição do exercício de atividade empresarial. 15 Nesse sentido, os professores Cléber Francisco Alves e Marília Gonçalves Pimenta lecionam que “a vedação da atividade político partidária tem natureza relativa, visto que somente é proibida durante a atuação na Justiça Eleitoral”. (ALVES, Cléber Francisco. PIMENTA, Marília Gonçalves. Op. cit., pág. 122) 16 MORAES, Guilherme Peña de. Op. cit., pág. 304. 17 Em verdade, o Defensor Público, em nenhuma hipótese poderia se dedicar a atividade político-partidária, visto que em sua atuação diária, poderia arregimentar votos entre seus assistidos. Entretanto, a limitação deste direito dependeria de norma correlata, tal como há na Magistratura e no Ministério Público.
CAPÍTULO 14
ATRIBUIÇÃO, IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA
14.1 DA ATRIBUIÇÃO O conceito de atribuição não tem merecido a devida atenção em nossa legislação, inobstante tratar-se da pedra fundamental de atuação da Defensoria Pública. A matéria vem sendo objeto de maiores estudos por parte de doutrinadores entusiastas dos princípios institucionais do Ministério Público, em especial através da reflexão dos professores SERGIO DEMORO HAMILTON, PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, HUGO NIGRO MAZZILI e CARLOS ROBERTO DE CASTRO JATAHY. A existência de atribuições e o respeito a estas é que qualifica a Defensoria Pública para o exercício de suas funções, distinguindo-a, de um mero escritório de advocacia. Dentro do leque de funções institucionais a legislação e os atos normativos da Defensoria Pública estabelecerão as atribuições de cada órgão de atuação. A atribuição poderia ser equiparada ao oxigênio, posto que faz parte da atuação diária dos membros da Defensoria Pública e, sem ela, o Defensor Público não pode atuar. Não é por outro motivo que nos deparamos com recorrentes conflitos de atribuição decorrentes do patrocínio de assistidos pela Defensoria Pública tanto no polo ativo quanto no polo passivo da demanda, bem como pela recusa de atendimentos por conta da ausência de atribuição. A partir do rol de funções institucionais caberá à legislação e à própria Defensoria Pública estabelecer as atribuições de cada um dos seus órgãos, ordenando o trabalho desempenhado pela Instituição. A Lei Complementar Federal nº 80/1994, a legislação estadual de cada unidade federada e os atos normativos internos de cada Defensoria Pública tratam das questões referentes ao conflito de atribuição, os impedimentos e as suspeições dos Defensores Públicos. 14.1.1 A natureza jurídica da atribuição
A atribuição do membro da Defensoria Pública se constitui como o âmbito de incidência da atuação no ordenamento jurídico, por meio de regras estabelecidas por lei e por atos normativos internos, de modo a permitir o bom desempenho das funções institucionais e a adequada prestação da assistência jurídica ao assistido1. O instituto deve ser encarado como a pedra fundamental da Instituição. Toda a essência da Defensoria Pública deve girar em torno de sua atribuição, não bastando apenas que haja um Defensor Público. Em verdade, para que haja a regular atuação institucional, em respeito ao princípio constitucional da legalidade, o Defensor Público deve ter atribuição para prestar a assistência jurídica ao assistido,
seja de natureza genérica, em razão do acúmulo de funções do órgão de atuação, seja em caráter específico, em razão de designação especial. A atribuição, por tal razão, tem natureza intra e extraprocessual, pois é cediço que a assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública não se resume apenas à atuação perante os órgãos do Poder Judiciário, de modo que o instituto é dotado de ampla concepção. Não é demais lembrar que o art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994 e o art. 22 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 estabelecem inúmeras funções institucionais da Defensoria Pública, muitas delas não relacionadas aos órgãos do judiciário. As Leis Complementares em comento elencam as principais atribuições conferidas à Defensoria Pública, cabendo aos atos normativos institucionais estabelecerem outras atribuições mais específicas e relacionadas com a estrutura judicial de cada unidade federada, principalmente em relação a atuação no Poder Judiciário, a exemplo das regras de atribuição dos órgãos de atuação. No âmbito das Defensorias Públicas dos Estados, cabe aos seus respectivos Conselhos Superiores decidir sobre a fixação ou a alteração de atribuições dos órgãos de atuação da Defensoria Pública, nos termos do art. 102, § 1º da LC nº 80/1994. Nunca é demais recordar que a modificação da atribuição só pode ocorrer mediante lei ou ato normativo da própria Defensoria Pública, uma vez tratar-se de matéria de ordem pública e que não admite relativização por acordo de vontades de parcela reduzida da classe. Do ponto de vista processual, somos do entendimento de que a falta de atribuição do Defensor Público para atuação no processo interfere na validade da relação jurídico processual, visto que não há norma legal que suporte a atuação do membro da Defensoria Pública. A ausência de atribuição não confere ao Defensor Público a possibilidade de atuar no processo, visto que seus atos estarão inquinados de nulidade. O Defensor Público sem atribuição ocasiona a ilegitimidade ad processum, tendo em vista ser inválida a representação da Defensoria Pública. Ao estudar o tema sob a ótica do Ministério Público, o professor SERGIO DEMORO HAMILTON2 encara a atribuição como pressuposto processual de validez da instância, visto que a atribuição interfere na competência dos órgãos jurisdicionais3. Para que haja atribuição é necessária a existência de prévia disposição normativa indicando que a determinado órgão de atuação correspondem as consequentes atribuições4. Deste modo, estabelecido que o membro ocupante da DP da Vara de Família da Comarca da Capital é quem tem atribuição para atuar no órgão jurisdicional correlato, podendo representar judicialmente as partes hipossuficientes, interpor recursos e tudo o mais necessário para a tutela dos interesses do assistido, qualquer ato praticado por Defensor Público diverso, fora das hipóteses de impedimento, suspeição ou prévia designação específica, acarretará a nulidade do ato praticado, posto que em desacordo com a atribuição estabelecida em ato normativo. Vale a ressalva, entretanto, que filiamo-nos ao entendimento de que a referida nulidade pode ser convalidada pelo Defensor Público natural, a quem é conferida a atribuição para atuar no feito, desde que, na primeira oportunidade que ingressar no processo5, concorde em ratificar expressamente os atos praticados pelo Defensor Público que o antecedeu6. Impossível, por outro lado, “criar” a atribuição após a prática do ato processual, por meio de
designação extemporânea do Defensor Público que atuou no feito. Desse modo, a atribuição deve ser prévia à prática do ato processual. Ainda que não oficializada pela administração da Defensoria Pública mediante publicação no Diário Oficial, é necessário que o ato de designação, ao menos já tenha sido praticado pelo órgão adequado, mesmo que não publicizado7. A nosso ver, a atribuição é instituto que organiza e legitima a atuação da Defensoria Pública, ao mesmo tempo em que confere ao assistido a segurança de que o profissional que o acompanha não só é habilitado, mas também tem a atribuição para responder por aquele órgão de atuação, não sendo outro o motivo pelo qual o art. 4º-A, IV da Lei Complementar nº 80/1994 prevê como direito do assistido ser patrocinados pelo Defensor natural. Sob a ótica extraprocessual a atribuição teria o condão de interferir na regularidade da representação do assistido. Como já visto ao longo deste estudo, o membro da Defensoria Pública ostenta sua capacidade postulatória em razão de sua nomeação e posse na Instituição, independentemente de inscrição nos quadros de autarquia advocatícia. O Defensor Público atua independentemente de mandato, posto que o vínculo estabelecido entre o assistido e o Defensor ocorre mediante a simples afirmação de hipossuficiência, ato capaz de indicar ao Defensor Público a vontade do hipossuficiente em ser assistido pela Defensoria Pública. Entretanto, não basta apenas a afirmação, sendo certo que para a regularidade da representação, o Defensor Público deve ostentar a atribuição para aquela representação, pois do contrário o ato se constitui de modo irregular. Constitui-se, em verdade, um ato composto, onde a vontade do assistido em comunhão com a presença de atribuição do Defensor Público fundem-se de modo validar a atuação da Defensoria Pública. Ou seja, a vontade do assistido é preponderante, mas não suficiente, visto que depende da atribuição do Defensor Público. A existência da atribuição é uma segurança conferida ao próprio Defensor Público, ao evitar que alguns sejam mais onerados com o serviço do que outros, se não se admitisse que a lei e atos normativos pretéritos estabelecessem as regras de atuação. Nesse contexto, discordamos da posição de PAULO GALLIEZ, ao admitir que o Defensor Público sem atribuição possa prestar assistência jurídica à parte: Há situações prementes em que o Defensor Público, mesmo que não tenha atribuição específica, venha a preparar a peça processual, encaminhando a parte para o órgão de atuação adequado para o devido acompanhamento, abreviando assim a trajetória do assistido entre os órgãos de atuação, por vezes dispendiosa e de longa distância. Como exemplo, determinada assistida procura o órgão de atuação da Comarca X, onde reside o pai de seus filhos, para pleitear alimentos. Embora a ação deva ser proposta na Comarca Y, domicílio dos autores, nada impede que o Defensor Público da Comarca X prepare a inicial e encaminhe a assistida para o Defensor Público da Comarca Y para proceder à distribuição. (GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 52)
O Defensor Público, em respeito à sua independência funcional, não pode ser compelido a assinar manifestação de outro membro da Instituição, quiçá adotar a orientação indicada pelo colega que encaminha a parte. Assim, é de suma importância que o Defensor Público sem atribuição não esclareça as formas de atuação ao assistido, posto que o Defensor Público natural tem independência para atuar da forma que entender conveniente. Apesar de muitas vezes incompreensível para os assistidos e até mesmo para os integrantes do
Poder Judiciário, quem presta assistência jurídica é a Defensoria Pública presentada por seus Defensores8. Esta é a razão pela qual o assistido não pode escolher o Defensor Público pelo qual deseja ser atendido, visto que a atuação da Instituição é impessoal9. Uma última observação merece nosso registro: a atribuição é antecedente lógico das causas obstativas de atuação (impedimento e suspeição). Para que o Defensor Público esteja suspeito ou impedido faz-se necessário aferir se o mesmo detém atribuição para assistir à determinada parte ou praticar determinado ato. Do contrário, sequer se reconhecerá a causa obstativa, posto que a ausência de atribuição impede qualquer avaliação por parte do Defensor Público. Como veremos mais adiante, é comum encontrarmos entendimentos equivocados por parte da administração da Defensoria Pública em relação aos temas de atribuição, impedimento e suspeição, o que apenas ocasionam um verdadeiro “ping-pong” com os assistidos, que mensalmente são obrigados a procurar órgãos distintos da Defensoria Pública. 14.1.2 A capacidade postulatória do membro da Defensoria Pública
Há profunda divergência em relação ao regime jurídico dos integrantes da Defensoria Pública, posto que a Ordem dos Advogados do Brasil insiste em afirmar que os Defensores Públicos são advogados, de sorte que deveriam possuir inscrição nos quadros da OAB e se submeterem ao regime disciplinar imposto pela referida entidade. Atualmente, a questão é objeto da ADI nº 4.636/DF, que analisa a constitucionalidade do art. 4º, § 6º da Lei nº 80/1994 (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009), que possui a seguinte redação: “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”. A capacidade postulatória, assim entendida como verdadeiro pressuposto processual, diz respeito à habilitação do profissional para atuar no processo judicial. Como regra geral, a dedução de pretensões em juízo exige habilitação legal e observância de critérios definidos em lei10. Via de regra, a capacidade postulatória é restrita aos advogados públicos e particulares, integrantes das Procuradorias e aos membros da Defensoria Pública. Excepcionalmente o ordenamento jurídico permite que as próprias partes postulem suas pretensões perante a Justiça do Trabalho, nos Juizados Especiais e no Habeas Corpus. Depreende-se que o ato de nomeação e posse no cargo de Defensor Público confere ao titular a capacidade postulatória para atuar perante os órgãos do Poder Judiciário, de acordo com as atribuições previstas na lei e nos atos normativos da Defensoria Pública. Afigura-se, portanto, desnecessária a inscrição nos quadros da OAB após a posse no cargo de Defensor Público, posto que a habilitação profissional para o exercício das funções advém da própria nomeação. 14.1.3 A aferição da possibilidade de atuação em favor do assistido – Avaliação da condição de hipossuficiência econômica pela Defensoria Pública como fase prévia da aferição de atribuição
A atribuição do Defensor Público decorre de lei e dos atos regulamentares internos da Instituição, não sendo admitida a interferência vinculante de qualquer autoridade pública na
determinação de quando a Defensoria Pública pode ou não atuar. Entretanto, antes mesmo de aferir se detém atribuição para atuar em favor do assistido, o Defensor Público deve avaliar se a pessoa preenche os requisitos legais necessários para a obtenção da assistência jurídica gratuita, mediante a afirmação de hipossuficiência. Trata-se de avaliação prévia a qualquer atendimento prestado pelo Defensor Público. O membro da Instituição deve aferir, antes de qualquer consulta ou tomada de qualquer postura, se aquele assistido faz jus a assistência jurídica. Após aferida a condição econômico-financeira do assistido, o Defensor Público passaria ao próximo passo, exatamente o de verificar se possui, ou não, atribuição para atender aquela determinada pessoa. Entendendo que não estaria presente a atribuição para atuação, caberá ao Defensor Público indicar o órgão de atuação com atribuição e encaminhar o assistido para atendimento, oportunidade em que o Defensor Público do outro órgão adotará os mesmos passos, aferindo, novamente, a hipossuficiência econômica e, em seguida, caso entenda não ter atribuição, deverá suscitar conflito negativo. Uma única ressalva deve ser feita. Comungamos do entendimento de que o princípio da independência funcional afasta, por completo, a possibilidade de se suscitar “dúvida de atribuição”, assim entendida como a provocação do membro da Defensoria Pública ao órgão consultivo acerca da existência ou não de atribuição. Com efeito, da análise da redação da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 verifica-se que o art. 8º, XVII confere ao Defensor Público Geral o encargo de dirimir os conflitos e “dúvidas” de atribuições entre órgãos da Defensoria Pública, ouvido o Conselho Superior quando julgar conveniente. O princípio da independência funcional confere ao Defensor Público a prerrogativa de avaliar, por si só, se goza ou não da atribuição para atuar em favor do assistido. Não parece razoável admitir que o Defensor Público deva consultar a administração, em cada caso individual, a fim de avaliar se possui atribuição para atuar no feito. Se o Defensor Público duvida de sua atribuição, deve este negar o atendimento e encaminhar ao órgão de atuação que entenda ter atribuição, a fim de viabilizar o prosseguimento do atendimento e até mesmo evitar futura nulidade em razão da ausência de atribuição. A dúvida de atribuição, entretanto, não se confunde com a consulta formulada pelo membro da Defensoria Pública acerca da adoção de uma posição institucional sobre determinadas situações enfrentadas no cotidiano da Instituição. Há situações cotidianas em que o desempenho da atribuição de cada Defensor Público seja disforme, uns entendendo que devem atuar e outros não, o que demandaria a indicação de uma posição institucional, mediante provocação por meio da consulta do correspondente órgão consultivo. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o Defensor Público Geral tem a sua disposição três assessorias: a de matéria cível, a de matéria criminal e a de assuntos institucionais e ações rescisórias. 14.1.4 O conflito de atribuições entre membros da Defensoria Pública
Com a ampliação de funções e atribuições da Defensoria Pública é natural que surjam conflitos
de atribuição entre seus integrantes, seja em caráter positivo ou negativo. O conflito de atribuições em nada se confunde com o conflito de competência, cujo resultado também não terá qualquer influência sobre a atribuição do membro da Defensoria Pública. Enquanto o conflito de competência dirime qual autoridade judiciária é competente para processar determinado feito, o conflito de atribuição objetiva definir qual membro da Defensoria Pública detém atribuição para atuar no caso concreto. Dentro da mesma Instituição afigura-se possível que o Defensor Público entenda não ter atribuição para atuar em favor do assistido, encaminhando-o para outro Defensor Público que também deterá a mesma prerrogativa de recusar atendimento por falta de atribuição. Nestes casos, instaura-se um conflito negativo de atribuições no âmbito da própria Defensoria Pública a ser dirimido pelo órgão da administração indicado na respectiva Lei de Organização da Defensoria Pública. Na Defensoria Pública da União, na Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios e na Defensoria Pública dos Estados compete ao Defensor Público Geral dirimir os conflitos de atribuição instaurados entre seus membros, sempre com recurso ao Conselho Superior da Instituição11. No Estado do Rio de Janeiro a Lei Complementar nº 06/1977 e a Resolução nº 651/2012 conferem ao Defensor Público Geral o encargo de dirimir os conflitos de atribuição existentes entre órgãos da Defensoria Pública, podendo o Conselho Superior emitir manifestação, em caráter opinativo, a juízo do Defensor Público Geral. Caberá ao Defensor Público, em petição fundamentada, indicar os motivos pelos quais entende não ter atribuição para atuar no feito, bem como apontar as razões pelas quais entende que o Defensor Público que o antecedeu ostenta atribuição, instruindo seu requerimento com as provas que entender convenientes. Recebido o expediente, o Defensor Público Geral poderá ouvir o órgão de consulta e adotar a solução que entender correta, indicando a atribuição do suscitante, do suscitado ou até mesmo de um terceiro órgão. Convém o registro de que o conflito nem sempre é negativo. Pode, todavia, haver hipótese diversa, em que dois Defensores Públicos entendam ostentar atribuição para atuar no feito, de sorte que haverá a instauração de conflito positivo de atribuição, adotando-se o mesmo procedimento já indicado anteriormente. 14.1.5 O conflito de atribuições entre membros de Defensorias Públicas diversas
Situação mais complexa pode ocorrer em hipóteses de conflito de atribuição entre Defensorias Públicas distintas, principalmente quando o conflito ostentar caráter negativo. A Lei Complementar nº 80/1994 é silente quanto a matéria, sendo certo que em razão da crescente ampliação das funções institucionais da Defensoria Pública, tais conflitos tendem a surgir principalmente quando referirem-se a questões de natureza coletiva. Diante da omissão legislativa, faz-se necessário recorrermos às técnicas de integração no ordenamento jurídico, em especial a analogia e a interpretação analógica para responder a seguinte indagação: sobre quem recai o papel de dirimir o conflito de atribuições entre Defensorias Públicas
distintas? Pela leitura do art. 2º da Lei Complementar nº 80/1994, permite-se claramente observar que a Defensoria Pública é Instituição una e indivisível, composta pela Defensoria Pública da União, chefiada pelo Defensor Público Geral Federal, pela Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, chefiada pelo Defensor Público Geral, e pelas Defensorias Públicas dos Estados, chefiadas, cada uma, por seu próprio Defensor Público Geral. Percebe-se, por outro lado, não haver no âmbito da Defensoria Pública uma chefia nacional, o que afasta por completo a possibilidade de solução de conflitos de atribuição em caráter interna corporis. As Defensorias Públicas dos Estados não estão submissas ao Defensor Público Geral Federal, posto que o mesmo é apenas o chefe da Defensoria Pública da União. Logo, verificamos a ausência de um órgão na estrutura da Defensoria Pública capaz de dirimir o conflito de atribuição entre os órgãos de atuação pertencentes a Defensorias Públicas diversas, o que nos leva a fazer uma breve análise de como a matéria é tratada no âmbito do Ministério Público e se o referido tratamento poderia ser adotado na hipótese da Defensoria Pública. Como observa CARLOS ROBERTO DE CASTRO JATAHY12, a questão atinente ao conflito de atribuições envolvendo o Ministério Público revela demasiada complexidade, principalmente diante da possibilidade de virtualização do conflito13. Portanto, há que se avaliar se o conflito de atribuições entre órgãos do Ministério Público pode interferir direta ou indiretamente na competência do juízo. Se a resposta for positiva a competência para dirimir o conflito será do Superior Tribunal de Justiça14, com fundamento no art. 105, I, ‘d’ da Constituição Federal. Do contrário, se o conflito apenas versar sobre a atribuição de membros do Ministério Público, sem qualquer influência sobre os órgãos do Poder Judiciário, a competência será do Supremo Tribunal Federal15, na forma do art. 102, I, ‘f’ da Constituição Federal. Ocorre que no âmbito da Defensoria Pública ainda não há situação em cuja atribuição do Defensor Público possa interferir, ainda que indiretamente, na competência de órgão jurisdicional, razão pela qual, forçoso concluir que o conflito de atribuições existentes entre órgãos de Defensorias Públicas distintas deve ser dirimido pelo Supremo Tribunal Federal, com fundamento no art. 102, I, f da Constituição. Por força do referido dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal tem competência para julgar “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta”, o que revela a perfeita adequação da norma ao caso em análise. Vislumbrando-se um autêntico conflito de atribuições entre a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado ou do Distrito Federal e Territórios, há perfeita sintonia do caso concreto a primeira e segunda parte do dispositivo. Por outro lado, havendo conflito de atribuições entre Defensorias Públicas de Estados distintos, ou entre uma destas e a Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, a norma continua aplicável, ante as disposições da terceira parte do mesmo dispositivo, o que acaba por suprir qualquer situação lacunosa deixada pela Lei Complementar nº 80/1994. Há um forte movimento de criação de um Conselho Nacional da Defensoria Pública – CNDP, nos
moldes do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Se a proposta vingar, talvez seja a oportunidade de reflexão acerca da possibilidade de outorga do encargo de conhecer tais conflitos ao novo órgão, retirando-se do Supremo Tribunal Federal esta competência. 14.1.6 A Defensoria Pública tabelar – órgão com atribuição residual para substituição
No regime de atribuições dos órgãos da Defensoria Pública é comum encontrarmos os órgãos de atribuição originária, utilizando-se a nomenclatura “Defensoria Pública” somada a indicação específica da atribuição do órgão. Assim, a “DP (Defensoria Pública) da 17ª Vara Criminal da Comarca da Capital”, por exemplo, tem atribuição para atuar nos feitos que tramitam junto ao respectivo juízo. É possível ainda, que órgãos da Defensoria Pública sejam divididos permitindo a lotação de dois ou mais Defensores Públicos, como ocorre, por exemplo, quando se cria a 1ª e a 2ª DP do I Tribunal do Júri da Comarca da Capital, em razão do excesso de trabalho e da complexidade das atribuições. Neste caso, há dois Defensores Públicos responsáveis pelo órgão vinculado ao Tribunal do Júri, cabendo aos atos administrativos da Defensoria Pública estabelecer regras de divisão de trabalho (ex.: numeração de processos)16. Todavia, há situações em que surge a necessidade de atuação de um ou mais Defensores Públicos, seja por conta da colidência de versões entre os acusados, seja pelo fato de autor e réu postularem assistência jurídica pela Defensoria Pública17, ou até mesmo por conta de impedimento ou suspeição do Defensor Público. Se o órgão não for lotado por mais de um Defensor Público, será necessária a atuação de um Defensor Público tabelar, a fim de prestar assistência jurídica àqueles assistidos que não podem ser atendidos pelo Defensor Público natural. O Defensor Público tabelar tem as atribuições de seu órgão de origem, mas também, em caráter residual, prestará assistência em hipóteses onde a atuação de um único Defensor Público não é suficiente. Quando, por exemplo, no Juízo da Vara de Família, Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de Itaperuna a parte autora é assistida pela DP da Vara de Família e o réu busca assistência jurídica da Defensoria Pública, este deverá ser encaminhado ao Defensor Público tabelar, conforme a regra estabelecida pelas normas de atribuição da Defensoria Pública, no caso, o Defensor Público da Vara Criminal da referida comarca. Registre-se que a atuação em tabelamento depende da necessidade de dois Defensores Públicos no feito, sendo certo que tal avaliação ocorre no âmbito da própria Defensoria Pública, não podendo o Poder Judiciário intervir quanto a esta necessidade, ditando quando há ou não a necessidade de tabelamento. Exemplifiquemos, por exemplo, hipótese de ação penal em que no momento do oferecimento da Resposta, apesar de ainda não haver interrogatório dos acusados, o Defensor Público constata, ao se entrevistar com os réus, que há colidência nas versões. Neste caso, deverá o integrante da Defensoria Pública deixar de assistir o acusado que deu causa à colidência, encaminhando-o para o órgão tabelar.
Por razões óbvias de estratégia de defesa18, o Defensor Público não está obrigado a demonstrar, no processo, em que consiste a colidência, pois tal esclarecimento pode prejudicar a defesa de seu assistido. O Defensor Público além de agente político é o condutor da estratégia defensiva, razão pela qual sua avaliação acerca da presença de colidência19 de defesa não é submissa ao crivo do Ministério Público, das partes e do juiz. No entanto, presente a hipótese, deve o Defensor indicar a necessidade de um ou mais Defensores Públicos para atuarem no feito pelas demais partes em razão do antagonismo, sob pena de nulidade absoluta do processo. No Estado do Rio de Janeiro, os critérios para a fixação do tabelamento são arrolados na Resolução nº 518/2009: (i) em juízos únicos, onde apenas atua um único Defensor Público, a comarca mais próxima declinada na resolução, funcionará como órgão tabelar; (ii) quando o órgão tabelar de um juízo único se situar em comarca onde haja mais de uma vara, a divisão ocorrerá de acordo com a matéria (ex.: os órgãos tabelares da comarca de Rio Claro são órgãos vinculados às Varas da Comarca de Barra Mansa; assim, o órgão vinculado à Vara de Família de Barra Mansa tabelará os feitos atinentes às demandas envolvendo questões de Direito de Família proveniente da Comarca de Rio Claro, o órgão vinculado à Vara Criminal tabelará os feitos de matéria criminal e assim por diante); (iii) em juízos onde há mais de uma vara, o Defensor Público de uma vara terá atribuição para atuar como órgão tabelar da outra, de acordo com o estabelecido na referida Resolução; (iv) em razão da matéria, a substituição se dá de modo que o órgão com atribuição para atuação na Vara de Família será tabelar do órgão de atuação na Vara Cível, o órgão com atribuição para atuação na Vara Cível será tabelar do órgão de atuação na Vara Criminal e o órgão com atribuição para atuação na Vara Criminal será tabelar da Vara de Família; (v) nas Comarcas onde houver mais de um juízo da mesma competência, o tabelamento seguirá a ordem crescente de cada órgão (ex: a DP da 1ª Vara Criminal é tabelar da 2ª Vara Criminal, que por sua vez tabelará a 3ª Vara Criminal e assim por diante; a última das varas com numeração mais elevada realizará o tabelamento da de numeração mais baixa, encerrando o ciclo). 14.1.7 Das atribuições legais em espécie
Como visto ao longo deste capítulo, a atribuição dos membros da Defensoria Pública deriva das normas que disciplinam a instituição e dos atos normativos editados no âmbito da própria Defensoria Pública. A Lei Complementar nº 80/1994 não foge a regra, posto que elenca em seus arts. 18 e 64, respectivamente, as atribuições dos membros da Defensoria Pública da União e da do Distrito Federal e Territórios: 1) desempenho das funções de orientação, postulação e defesa dos direitos e interesses dos necessitados; 2) atender às partes e aos interessados; 3) postular a concessão de gratuidade de justiça para os necessitados; 4) tentar a conciliação das partes, antes de promover a ação cabível;
5) acompanhar e comparecer aos atos processuais e impulsionar os processos; 6) interpor recurso para qualquer grau de jurisdição e promover revisão criminal, quando cabível; 7) sustentar, oralmente ou por memorial, os recursos interpostos e as razões apresentadas por intermédio da Defensoria Pública; 8) defender os acusados em processo disciplinar; 9) participar, com direito de voz e voto, do Conselho Penitenciário; 10) certificar a autenticidade de cópias de documentos necessários à instrução de processo administrativo ou judicial, à vista da apresentação dos originais20; 11) atuar nos estabelecimentos penais, visando ao atendimento jurídico permanente dos presos e sentenciados, competindo à administração do sistema penitenciário reservar instalações seguras e adequadas aos seus trabalhos, franquear acesso a todas as dependências do estabelecimento independentemente de prévio agendamento, fornecer apoio administrativo, prestar todas as informações solicitadas, assegurar o acesso à documentação dos presos e internos, aos quais não poderá, sob fundamento algum, negar o direito de entrevista com os membros da Defensoria Pública. Percebe-se, em verdade, que a exceção do inciso IX do art. 18, reproduzido no inciso IX do art. 64 da Lei Complementar nº 80/1994, todas as atribuições acima arroladas confundem-se ou são partes integrantes das funções institucionais do art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994. No que diz respeito às atribuições dos Defensores Públicos dos Estados, o art. 108 da Lei Complementar nº 80/1994 estabelece algumas atribuições e opta por deixar a cargo da legislação estadual a indicação das demais, ressaltando que a delegação legislativa não prejudica àquelas estabelecidas pelas Constituições Federal e Estadual e pela Lei Orgânica. Seguindo a mesma linha dos arts. 18 e 64, a Lei Complementar nº 80/1994, agora em seu art. 108 e parágrafo único enumera as seguintes atribuições aos membros da Defensoria Pública dos Estados: 1) a orientação jurídica e a defesa dos seus assistidos, no âmbito judicial, extrajudicial e administrativo; 2) atender às partes e aos interessados; 3) participar, com direito a voz e voto, dos Conselhos Penitenciários; 4) certificar a autenticidade de cópias de documentos necessários à instrução de processo administrativo ou judicial, à vista da apresentação dos originais; 5) atuar nos estabelecimentos prisionais, policiais, de internação e naqueles reservados a adolescentes, visando ao atendimento jurídico permanente dos presos provisórios, sentenciados, internados e adolescentes, competindo à administração estadual reservar instalações seguras e adequadas aos seus trabalhos, franquear acesso a todas as dependências do estabelecimento independentemente de prévio agendamento, fornecer apoio administrativo, prestar todas as informações solicitadas e assegurar o acesso à documentação dos assistidos, aos quais não poderá, sob fundamento algum, negar o direito de entrevista
com os membros da Defensoria Pública do Estado. O mesmo que foi dito em relação aos arts. 18 e 64 merece reprodução em relação ao art. 108. À exceção da atribuição constante do art. 108, parágrafo único, III, da LC nº 80/1994 (certificar a autenticidade de cópias de documentos necessários à instrução de processo administrativo ou judicial, à vista da apresentação dos originais), todas as demais confundem-se ou são partes integrantes das funções institucionais do art. 4º da Lei Complementar nº 80/1994, que são aplicáveis à todas as Defensorias Públicas. 14.2 DO IMPEDIMENTO O tratamento legislativo conferido a matéria atinente aos impedimentos e suspeições dos membros da Defensoria Pública não foi o mais técnico possível. O impedimento e a suspeição ostentam natureza jurídica de causas obstativas de atuação, uma vez que suprimem do Defensor Público com atribuição, a possibilidade de atuar em determinado caso concreto. A presença de um impedimento revela a existência de um obstáculo de natureza objetiva que obsta o Defensor Público de atuar no caso concreto, sem que haja qualquer alteração na atribuição do órgão de atuação. Assim, se o Defensor Público com impedimento se afasta do órgão, entra em gozo de férias ou obtém licença, seu substituto, a princípio, poderá atuar em favor da parte, posto que o obstáculo que impedia o órgão de atuação com atribuição de prestar assistência estaria superado. Em outras palavras, o impedimento é causa obstativa de natureza pessoal, dirigida ao agente e não ao órgão de atuação. O impedimento não se limita apenas à assistência jurídica prestada por meio de atuação junto aos órgãos do Poder Judiciário. O óbice à atuação é total, impedindo que o Defensor Público possa atuar mesmo na esfera administrativa ou até mesmo quando prestar consulta a algum assistido. Presente a hipótese de impedimento, que pode surgir logo durante o atendimento ou em momento posterior, suprime-se a possibilidade de atuação do Defensor Público. Basta imaginar a situação em que o membro da Defensoria Pública atua em determinado processo e constata a sua impossibilidade de atuação após a prática de determinado ato processual (ex: cônjuge ou parente que tenha participado de oitiva em carta precatória na qualidade de magistrado ou membro do Ministério Público), em razão da incidência de alguma das situações descritas na Lei Complementar nº 80/1994. Ao elencar as hipóteses de impedimento o legislador buscou evitar futuras alegações de nulidade em razões de fraude ou conluio, por conta de resultado desfavorável obtido no processo ou atendimento inadequado. Pode ser que mesmo na hipótese de impedimento o membro da Defensoria Pública se sinta apto a atuar em favor da parte. Entretanto, por segurança do ordenamento jurídico, o legislador elencou situações em que o Defensor Público não poderá exercer suas funções. Os arts. 47, 92 e 131 da LC nº 80/1994 elencam diversas hipóteses de impedimento dos membros da Defensoria Pública, apesar de utilizar a expressão “é defeso ao membro da Defensoria Pública exercer suas funções em processo ou procedimento”.
A primeira das hipóteses de impedimento refere-se à impossibilidade de o Defensor Público atuar em processo ou procedimento “em que seja parte ou, de qualquer forma, interessado”, como previsto no arts. 47, I, 92, I e 131, I da LC nº 80/1994. Trata-se de impedimento que objetiva afastar o Defensor Público que tenha interesse no resultado da causa e, de algum modo, em razão de sua atuação, possa influenciar o desfecho do feito em seu favor. No exercício de sua função, o Defensor Público nunca pode ostentar interesses pessoais, devendo sempre buscar alcançar o melhor e mais adequado resultado ao seu assistido. Nos arts. 47, II, 92, II e 131, II da LC nº 80/1994 encontramos a segunda hipótese de impedimento, referente à impossibilidade de atuação do Defensor Público quando este já tenha funcionado “como representante da parte, perito, Juiz, membro do Ministério Público, Autoridade Policial, Escrivão de Polícia, Auxiliar de Justiça ou prestado depoimento como testemunha”. A vedação busca evitar futuras arguições de nulidade ao fundamento de que uma mesma pessoa ocupou posições antagônicas, pondo em xeque a validade do feito. A próxima hipótese de impedimento, constante dos arts. 47, III, 92, III e 131, III da LC nº 80/1994, veda ao Defensor Público atuar em processos ou procedimentos “em que for interessado cônjuge ou companheiro, parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral, até o terceiro grau”. O inciso IV dos arts. 47, 92 e 131 da LC nº 80/1994 veda a atuação do Defensor Público sempre que “haja postulado como advogado de qualquer das pessoas mencionadas no inciso anterior”. As vedações constantes dos incisos III e IV seguem a mesma linha daquela constante do inciso I dos arts. 47, 92 e 131 da LC nº 80/1994, ao objetivarem evitar que o Defensor Público tenha interesse no resultado da causa e, de algum modo, em razão de sua atuação, possa influenciar o desfecho do feito em favor de seus familiares. No inciso seguinte, o legislador objetiva evitar que o membro da Defensoria Pública atue nos feitos “em que qualquer das pessoas mencionadas no inciso III funcione ou haja funcionado como Magistrado, membro do Ministério Público, Autoridade Policial, Escrivão de Polícia ou Auxiliar de Justiça” (arts. 47, V, 92, V e 131, V da LC nº 80/1994). Trata-se de impedimento que evita arguições de invalidade ao fundamento de que membros da mesma família ocuparam posições antagônicas, colocando em risco a validade do feito administrativo ou judicial. A hipótese descrita nos arts. 47, VI, 92, VI e 131, VI da LC nº 80/1994, apesar de elencada no rol de hipóteses de impedimento, a nosso ver, ostenta caráter de causa de suspeição, de sorte que será tratada no item correspondente. Por fim, a Lei Complementar nº 80/1994 remete à legislação extravagante outras possíveis hipóteses de impedimento (arts. 47, VII, 92, VII e 131, VII). Portanto, quando o Código de Processo Civil, em seu art. 132, e o Código de Processo Penal, nos arts. 252, 255, 258 e 267, elencam as hipóteses de impedimento, estas serão aplicadas analogicamente aos membros da Defensoria Pública. Há ainda uma outra hipótese de impedimento prevista nos arts. 48, 93 e 132 da LC nº 80/1994, que proíbe os membros da Defensoria Pública de participarem de “comissão, banca de concurso, ou de qualquer decisão, quando o julgamento ou votação disser respeito a seu cônjuge ou companheiro, ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral, até o terceiro grau”. Com isso, objetiva-
se garantir a lisura e impessoalidade que devem orbitar em torno de todos os concursos públicos, garantindo-se a validade da realização do certame. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, as hipóteses de impedimento são previstas nos arts. 131, 132, 133 e 134 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, que estabelecem: Art. 131. É defeso ao membro da Defensoria Pública exercer as suas funções em processo ou procedimento: I – em que seja parte, ou de qualquer forma interessado; II – em que haja atuado como representante da parte, perito, Juiz, membro do Ministério Público, autoridade policial, Escrivão de Polícia, auxiliar de Justiça ou prestado depoimento como testemunha; III – em que for interessado cônjuge, parente consanguíneo ou afim, em linha reta, ou na colateral, até o 3º (terceiro) grau; IV – no qual haja postulado como advogado de qualquer das pessoas mencionadas no inciso anterior; V – em que qualquer das pessoas mencionadas no inciso III funcione, ou haja funcionado, como Magistrado, membro do ministério Público, autoridade policial, Escrivão de Polícia ou Auxiliar de Justiça; VI – nos casos previstos em lei. Art. 132. O membro da Defensoria Pública não poderá participar de Comissão ou Banca de Concurso, intervir no seu julgamento, e votar sobre organização de lista para nomeação, promoção ou remoção, quando concorrer parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o 3º (terceiro) grau, bem como seu próprio cônjuge. Art. 133. Não poderão servir no mesmo órgão de atuação de Defensoria Pública os cônjuges e parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o 3º (terceiro) grau. Art. 134. O membro da Defensoria Pública não poderá servir em órgão de atuação junto a Juízo do qual seja titular qualquer das pessoas mencionadas no artigo anterior.
Pela leitura dos dispositivos, podemos perceber a extrema similitude entre as regras constantes da legislação estadual e as previstas na Lei Complementar nº 80/1994. Importante observar, no entanto, que no art. 131, III da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 não consta a previsão da figura do “companheiro”, como ocorre nos arts. 47, III, 92, III e 131, III da LC nº 80/1994. Porém, a omissão legal não afasta o impedimento na hipótese de união estável no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, posto que a Lei Complementar nº 80/1994, de caráter posterior e geral, bem como a moderna tendência adotada pela Constituição de 1988 e pelo Código Civil de 2002 de prestígio à equiparação entre uniões estáveis e casamentos, apenas reforçam a necessidade de adequação da legislação estadual. Além disso, as previsões constantes dos arts. 133 e 134 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 impedem o Defensor Público de servir no mesmo órgão de atuação de Defensoria Pública ou em órgãos vinculados a juízos de direito do qual seja titular os cônjuges21 e parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o 3º (terceiro) grau. Trata-se de proibição que evita arguições de invalidade ao fundamento de que membros da mesma família ocupam os mesmos órgãos de atuação. Em verdade, a proibição preserva o próprio núcleo familiar do Defensor Público, a fim de evitar a mistura de aspectos pessoais com profissionais no seio do ambiente de trabalho. Quando a causa obstativa de atuação não é invocada pelo próprio membro da Defensoria Pública é plenamente possível que a parte interessada suscite o impedimento do Defensor Público, pois tratase de matéria de interesse público. 14.3 DA SUSPEIÇÃO
Enquanto o impedimento reflete obstáculo de natureza objetiva imposto ao membro da Defensoria Pública, a suspeição tem natureza preponderantemente subjetiva. Como já visto anteriormente, na Lei Complementar nº 80/1994 o legislador não aponta as hipóteses de suspeição dos membros da Defensoria Pública, apesar de taxar os arts. 47, VI, 92, VI e 131, VI como hipóteses de impedimento e deixar à margem de outros diplomas legais a definição de outras causas obstativas de atuação. Não obstante o silêncio do legislador, as hipóteses de suspeição constantes dos arts. 135, 136 e 138 do Código de Processo Civil, e as dos arts. 254 e 255 do Código de Processo Penal serão aplicadas por, analogia, aos membros da Defensoria Pública. Da mesma forma que o impedimento a suspeição é causa obstativa de natureza pessoal que impede o agente e não o órgão de atuação. A legislação do Estado do Rio de Janeiro contempla três hipóteses de suspeição, conforme rol descrito no art. 135 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, in verbis: Art. 135: O membro da Defensoria Pública dar-se-á por suspeito quando: I – houver opinado contrariamente à pretensão da mesma parte; II – houver motivo de ordem íntima que o iniba de funcionar: III – ocorrer qualquer dos casos previstos na legislação processual.
A primeira hipótese de suspeição impede o Defensor Público de atuar quando “houver opinado contrariamente à pretensão da mesma parte” (art. 135, I da Lei Complementar Estadual nº 06/1977). Essa hipótese guarda identidade com a regra constante dos arts. 47, VI, 92, VI e 131, VI da LC nº 80/1994, que obsta a atuação do membro da Defensoria Pública nos processos e procedimentos “em que houver dado à parte contrária parecer verbal ou escrito sobre o objeto da demanda”. Nesses casos, busca-se evitar que o Defensor Público possa atuar sob conflito, ante a exposição de posições contrárias a uma das partes da relação processual. Não seria admissível que o Defensor Público assistisse à parte autora quando já houvesse se manifestado sobre o caso com a parte ré. Também seria inviável que o Defensor Público defendesse determinado réu em demanda judicial quando já houvesse, em outra oportunidade, opinado contrariamente ao direito deste assistido. Haveria completa desconfiança da parte em relação ao trabalho desempenhado pelo Defensor Público. Convém o registro de que a mera orientação acerca da estrutura de funcionamento da Defensoria Pública (divisão de órgãos de atuação, locais e horários de atendimento) não se apresenta como motivo apto a gerar a suspeição do membro da Defensoria Pública. A segunda hipótese de suspeição refere-se à recusa por motivo de foro íntimo como fator impeditivo à atuação do Defensor Público, de acordo com o comando inscrito no art. 135, II da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. O motivo de foro íntimo é qualquer razão de ordem pessoal e subjetiva que impeça o Defensor Público de atuar em determinado processo ou procedimento (ex: manter relacionamento amoroso com qualquer das partes, ter conhecimento dos fatos discutidos no processo e posicionar-se em favor de uma das partes, etc.). Nesta hipótese, o art. 136 da Lei Complementar nº 06/1977 determina que “o membro da Defensoria Pública comunicará ao Defensor Público Geral, em expediente reservado, o motivo de sua suspeição”. Trata-se de controle da administração da Defensoria Pública a fim de evitar que os
seus membros se utilizassem do expediente para se furtarem a atuar em determinadas causas ou a atender determinados assistidos. Ponto relevante para debate consiste no questionamento acerca da possibilidade de um vínculo de natureza privada ter o condão de afastar a atribuição do Defensor Público. Como premissa, não se pode olvidar que o Defensor Público exerce função obrigatória e de natureza constitucional. No entanto, se o Defensor Público se recusa a prestar atendimento ao afirmar que haveria conflito ético em sua atuação, vemos que sua negativa encontra fundamento na suspeição por foro íntimo. Basta imaginarmos a hipótese em que o assistido pretende demandar em face de instituição de ensino em que o Defensor Público leciona. Afora o conflito ético existente – litígio contra o atual empregador –, temos que o assistido pode questionar o empenho e a confiança necessária a se estabelecer no vínculo entre o assistido e a Defensoria Pública. Logo, neste caso, afigura-se possível a arguição de suspeição do Defensor Público. As hipóteses de suspeição e impedimento não se encontram taxativamente previstas apenas na Lei Complementar n. 80/1994, sendo certo que, a nosso ver, afigura-se viável até mesmo o oferecimento da exceção de suspeição ou impedimento de membro da Defensoria Pública. Se o Defensor Público não alegar seu impedimento ou suspeição, não vemos óbice a que a própria parte suscite o expediente à Corregedoria da Defensoria Pública ou ofereça exceção de impedimento/suspeição nos autos do processo, adotando-se a sistemática do Código de Processo Civil. Recebida a exceção caberá ao magistrado intimar o Excepto (Defensor Público a quem se atribui a causa obstativa de atuação), devendo após a instrução do feito, encaminhar a exceção à Corregedoria da Defensoria Pública, órgão que detém legitimidade para aferição da circunstância. Não se trata de hipótese de julgamento por parte do Judiciário, visto que a atribuição, o impedimento e a suspeição dos membros da Defensoria Pública devem ser analisadas no âmbito da própria instituição22. Convém o destaque de que a Resolução nº 691/2013, encerrou com a atribuição da CorregedoriaGeral para o processamento das comunicações de suspeição por motivo de foro íntimo, devolvendo a atribuição ao Defensor Público Geral. Por fim, o art. 135, III da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 remete à legislação processual outras hipóteses de suspeição dos membros da Defensoria Pública. 14.3.1 O motivo de foro íntimo e o conflito com convicções de ordem pessoal
Questão tormentosa no cotidiano da Defensoria Pública envolve o conflito entre o motivo de foro íntimo e as convicções de ordem pessoal como obstáculos à atuação do membro da Defensoria Pública. A avaliação do motivo de foro íntimo é admissível pela administração da Defensoria Pública, com a nossa ressalva de que o não acolhimento não deve ter o condão de acarretar o restabelecimento do dever de atuar em favor da parte. É comum que determinadas causas, principalmente as de natureza criminal criem repulsa a algum membro da Defensoria Pública, causando desconforto em sua atuação. Parece-nos que o clamor da conduta e a gravidade dos fatos, por si só, não devem ser motivos
suficientes para ocasionar a arguição e suspeição por motivo de foro íntimo. Quando se ingressa nos quadros da Defensoria Pública sabe-se do fardo que será carregado em razão do exercício da função. O papel do Defensor Público é assegurar o amplo e irrestrito acesso à justiça, através do exercício dos princípios da ampla defesa e do contraditório dentro de um processo regular. A obrigação do membro da Defensoria Pública é de meio, ou seja, de garantir a satisfação das pretensões e o exercício da defesa. Se o melhor resultado será alcançado ou não, tal não depende do membro da Defensoria Pública. Ao Defensor Público basta o empenho em alcançar o melhor resultado para o seu assistido. É claro que, excepcionalmente, se o fato criminoso interferir de forma abrupta no psicológico do Defensor Público, principalmente se houver aspecto pessoal envolvido, mediante demonstração minuciosa das razões que levam ao desconforto da atuação, seria possível admitir a suspeição sem qualquer ônus infracional. Basta imaginarmos situação em que o acusado responde pelo crime de homicídio qualificado por ter matado um integrante da Defensoria Pública. Plenamente razoável reconhecer que os membros da Instituição, em especial aqueles que mantinham relacionamento mais próximo com a vítima, ficarão abalados com o fato e terão motivo para suscitar a causa obstativa. Porém, também é válido o registro de que todo o acusado tem direito a exercer sua ampla defesa e contraditório em um processo devidamente legal, com respeito a todas as garantias. E se assim desejar, poderá requerer o patrocínio da Defensoria Pública que deverá atuar mesmo que a vítima tenha sido integrante dos quadros da Instituição, mediante defesa realizada por Defensor Público que não esteja impedido ou suspeito. O que não se deve admitir é que a suspeição por motivo de foro íntimo seja utilizada como saída para evitar o excesso de trabalho no órgão de atuação. 14.4 DO ACOLHIMENTO DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO As arguições de impedimento e de suspeição não possuem tratamento procedimental regulado pela Lei Complementar nº 80/1994. Entretanto, a nosso ver, na hipótese de impedimento, bastaria ao Defensor Público a indicação do fundamento legal no procedimento administrativo, no processo judicial ou ao próprio assistido e a consequente indicação do órgão tabelar com a respectiva atribuição, comunicando-se ao Defensor Público Geral a razão da impossibilidade de atuação. O mesmo deve ser dito em relação à suspeição, não obstante cada Defensoria Pública possua procedimento próprio para processamento dos expedientes. No Estado Rio de Janeiro, cabe ao Defensor Público interessado arguir o seu impedimento e suspeição ao Defensor Público Geral, nos termos da Resolução n. 691/2013, tendo em vista a revogação da Resolução nº 511/2009, que determinava a remessa do expediente à Corregedoria. Ao mesmo passo, deverá comunicar nos autos a impossibilidade de atuação e a consequente remessa ao Defensor Público tabelar. Recebido o expediente a Chefia de Gabiente do Defensor Público Geral, determinará a remessa dos autos à Assessoria Jurídica para elaboração de parecer e consequente avaliação da hipótese suscitada, podendo acolher ou rejeitar a alegação de impedimento ou suspeição, em especial, quando
a última versar sobre motivo de foro íntimo. A nosso ver a possibilidade de o órgão da administração da Defensoria Pública se imiscuir acerca da existência ou não do motivo da suspeição soa um tanto quanto absurda. A avaliação acerca da impossibilidade de atuação é privativa do membro da Defensoria Pública, não cabendo à administração realizar juízo de valor acerca da validade da recusa de atuação. Ao suscitar a suspeição o Defensor Público afirma ao assistido que não mais pode atendê-lo por razões de ordem pessoal, encaminhando-o ao órgão tabelar. Quando a administração da Defensoria Pública rejeita a suspeição, o Defensor Público suscitante é obrigado a atuar novamente em favor do assistido. Desta vez, todavia, sua credibilidade é posta em dúvida pela parte, ante o desconforto criado pela suspeição. Neste ponto, entendemos que a arguição de suspeição por membro da Defensoria Pública é de acolhimento obrigatório pelo órgão de fiscalização. Entretanto, a nosso ver, o acolhimento da suspeição não impede que a administração da Defensoria Pública possa instaurar procedimento administrativo para apurar eventual desídia ou abuso de direito por parte do Defensor Público em razão da arguição de suspeição e para aplicar a correspondente sanção administrativa, graduada de acordo com a natureza da infração. Ao arguir a suspeição, o Defensor Público deve ter ciência da consequência de seus atos, não podendo utilizar-se do expediente para se furtar das atribuições de seu órgão de atuação, sob pena de incorrer em falta funcional23. 14.5 DA FALIBILIDADE DE ALGUNS CRITÉRIOS DE SUBSTITUIÇÃO DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA A adoção de critérios de substituição dos membros da Defensoria Pública e a interpretação dos conceitos de atribuição, impedimento e suspeição é uma das tarefas mais tormentosas que recaem sobre os ombros dos integrantes da administração institucional. Entretanto, com a devida vênia, discordamos da posição adotada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, no tocante à interpretação das causas de impedimento e suspeição. Como ponto de partida observemos a seguinte situação: Maria, interessada em obter a guarda de um menor, procura o órgão de atuação da Defensoria Pública na aprazível Comarca de Paraty, juízo único, cujo órgão se encontra vago. Após ser atendida pelo Defensor Público que lá atuava, é distribuída a competente ação. Após alguns meses de tramitação os réus da demanda são citados e comparecem ao órgão de atuação na Comarca de Paraty. Àquela época não mais estava presente o Defensor Público signatário da petição inicial, mas outro Defensor Público que nunca havia atuado no feito. Diante das atuais normas que tratam do tema, bem como pelos pareceres endossados pela administração superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o novo Defensor da Comarca de Paraty deveria elaborar a competente manifestação de defesa em favor dos réus que o procuraram, uma vez que o impedimento é considerado pessoal. Pois bem, oferecida a resposta com arguição de preliminar, o magistrado da Comarca de Paraty abre vista ao mesmo órgão da Defensoria Pública para apresentar réplica, na forma do art. 327 do
Código de Processo Civil, posto que originariamente tal órgão é quem ajuizara a demanda. Nesta oportunidade a parte também comparece à Defensoria Pública e, para sua surpresa, é informada de que o órgão da Defensoria Pública em atuação na Comarca de Paraty não mais poderá atuar em seu favor, por conta do impedimento ocasionado pela elaboração da contestação em favor dos réus. Assim, os autos são enviados à Comarca de Angra dos Reis, a 100 km de distância, onde se localiza o órgão tabelar que passará a atuar em favor da Autora. Tal situação ocorre diuturnamente em comarcas do interior, especialmente em juízos únicos, ante a adoção de um critério um tanto quanto equivocado que sequer observa o princípio da unidade e as características que circundam o conceito de atribuição. Veja que, em Comarcas de Entrância Especial, a Defensoria Pública natural e tabelar distam-se de três a quatro metros, eis que apenas em salas opostas. O mesmo não ocorre em comarcas do interior, onde muitas vezes não existem Defensores Públicos titulares e cujos órgãos são lotados mensalmente por Defensores Públicos Substitutos. Há que se entender, como visto anteriormente, que a atribuição, o impedimento e a suspeição são institutos de natureza distinta, inobstante regularem a atuação dos Defensores Públicos. A atribuição, decorrente da lei24, é causa objetiva e envolve o âmbito de incidência da atuação do Defensor Público em seu órgão. Logo, o Defensor Público de uma Vara de Família de determinada comarca tem atribuição para atuar nos feitos que lá tramitam, quando eleito por uma parte hipossuficiente, salvo disposição em contrário estabelecida em resolução própria da Defensoria Pública. A própria Lei Complementar nº 80/1994, recentemente alterada pela LC nº 132/2009, parece albergar a ideia aqui sustentada, ao conferir ao assistido o direito de ser atendido pelo Defensor Público natural, conforme previsto no art. 4º-A, IV. Portanto, se um réu em ação de alimentos é o primeiro a buscar assistência jurídica do órgão da Defensoria Pública, caberá a qualquer Defensor Público que ali atuar tutelar os interesses desta parte, salvo se houver alguma hipótese de impedimento ou suspeição, oportunidade em que o Defensor Público tabelar deverá atuar. E mesmo em situação inversa, se a Defensoria Pública ajuíza ação de alimentos que tramita perante determinada Vara de Família, caberá ao órgão de atuação vinculado a este juízo e, por conseguinte, todos os Defensores Públicos que ali atuarem, tutelar os interesses desta parte, salvo se houver alguma hipótese de impedimento ou suspeição. Se o réu nesta mesma ação buscar o patrocínio da Defensoria Pública, por óbvio é que a atribuição recairá ao órgão tabelar, não se admitindo que o órgão natural atenda o assistido, pelo mero e insigne argumento de que o Defensor Público que lá atua não estaria impedido. Na realidade, o Defensor Público que atua no referido órgão já detém atribuição para atuar em favor da parte autora, independentemente de estar ou não impedido para atuar em favor da parte ré. Só o tempo dirá se tal posição merecerá superação, sendo certo que o réquiem é a canção que entoamos para este entendimento. QUESTÕES
Questão 01 (DPGE/RJ – XIX CONCURSO): Como deve proceder o membro da Defensoria Pública que, por motivo de ordem íntima, se sentir inibido de funcionar em favor do assistido? Questão 02 (DPGE/RJ – XXIV CONCURSO): O Defensor Público do Núcleo de uma Regional da Capital foi procurado por UMBELINA, agnóstica, para propor ação de indenização por dano moral em face de uma universidade da qual é aluna. Ocorre que o Defensor Público é professor noutra unidade da mesma universidade e em seu contrato padrão de trabalho há cláusula expressa vedando a atuação judicial em face da empregadora e, por isso, em expediente à CorregedoriaGeral, o Defensor Público manifestou sua impossibilidade de atuar pela aluna. Responda se está correto o procedimento do Defensor Público, esclarecendo se existe fundamento para tal desiderato. Questão 03 (DPGE/ACRE – 2006): Acerca do regime previsto na Lei Complementar nº 80/1994, assinale a opção correta: (A) Qualquer pessoa pode representar, perante o órgão competente, contra os abusos cometidos por Defensor Público. (B) O princípio da inamovibilidade impede a remoção compulsória nas hipóteses que a lei estadual estabelecer, mesmo que a falta praticada, pela sua gravidade e repercussão, torne incompatível a permanência do faltoso no órgão de atuação de sua lotação. (C) A lei em tela exige a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nas fases do concurso público para ingresso na carreira de Defensor Público, de acordo com a Constituição Federal. (D) Não é defeso ao membro da Defensoria Pública do estado exercer suas funções em processo ou procedimento, no qual haja dado à parte contrária parecer verbal sobre o objeto da demanda. Questão 04 (DPU 2007): Julgue as assertivas abaixo: (A) Compete aos Defensores Públicos da União, e não aos Defensores Estaduais, prestar assistência jurídica perante as juntas eleitorais. (B) Diferentemente do que ocorre no Ministério Público Federal, compete ao Defensor Público Geral da União atuar apenas perante o STF, prescindindo os Defensores Públicos de categoria especial de designação para funcionar junto ao STJ. Questão 05 (DPGE/ES – 2009): A Defensoria Pública, prevista na CF e na CEES, vem regulamentada, respectivamente, pela Lei Complementar Federal nº 80/1994 e pela Lei Complementar Estadual nº 55/1994. Com base nos referidos diplomas infraconstitucionais, julgue os itens subsequentes: (A) A atuação perante os Tribunais Superiores é prerrogativa assegurada, de forma expressa, na referida lei complementar federal, aos membros da Defensoria Pública da União de categoria especial. O Defensor Público Geral da União atua junto ao STF.
Na visão do professor Sergio Demoro: “Atribuição, tal como aqui vem focalizada, nada mais é que a competência administrativa para atuar em determinado procedimento em juízo ou fora dele. Muitas vezes, a atribuição pode estender-se a um número indeterminado de feitos aforados perante um ou mais juízos. Nesse caso pode-se dizer que há atribuição genérica. É o que se dá, por exemplo, quando o Promotor X é designado pelo Procurador-Geral para atuar perante determinada Vara Criminal ou, ainda, para acumular junto a dois ou mais juízos criminais. Ele terá atribuição genérica para todos os feitos criminais distribuídos para o juízo ou juízos em que estiver lotado. A atribuição genérica cede lugar à atribuição específica em que a atuação do órgão do Ministério Público deve limitar-se a determinado feito. Vale dizer que, nesse caso, o Promotor em exercício perante o juízo gozará de atribuição para oficiar em todos os procedimentos ali aforados (atribuição genérica) exceção feita ao procedimento em que houver designação especial (atribuição específica).” (HAMILTON, Sergio Demoro. Temas de processo penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, pág. 55) 2 HAMILTON, Sergio Demoro. A dúvida de atribuição e o princípio da autonomia funcional, Revista do Ministério Público, nº 14, jul/dez, 2011, pág. 201/206. 3 “Colocada a questão nestes termos, chega-se, de forma lógica, à conclusão de que sua falta vicia a relação processual sem a impedir de nascer. Dizendo de outra maneira: a relação processual existe, posto que viciada pela falta de atribuição do órgão do Ministério Público. Prosperando, conclui-se que a ausência de atribuição traz como consequência a nulidade do processo ou do ato processual, conforme o caso, desde que oficie no feito um promotor despido de atribuição.” (HAMILTON, Sergio Demoro. Op. cit., pág. 58/59) 4 A Resolução n. 40/1989 estabelece a atribuição dos Núcleos de Atendimento conforme o domicílio do assistido. 5 Há situações em que se apresenta necessária a atuação em caráter de urgência, de modo que a ausência de atribuição não pode ser óbice ao exercício de uma pretensão em que se tutele um bem maior, a exemplo do direito a vida ou liberdade, por exemplo. 6 Em sentido contrário é a opinião do professor Sergio Demoro: “A resposta para a indagação só pode ser uma: cogita-se de nulidade absoluta, portanto arguível a todo o tempo, mesmo após a ocorrência de coisa julgada formal (arts. 564, II c/c 572 do CPP), incumbindo ao juiz no momento em que a declarar, estabelecer os exatos limites de sua extensão (art. 573, § 2º do CPP).” (HAMILTON, Sergio Demoro. Op. cit., pág. 60/61) 7 No cotidiano administrativo, entre a edição do ato de nomeação e a publicação no Diário Oficial é comum o decurso de vários dias. 8 A Defensoria Pública como instituição de natureza autônoma, una, indivisível e independente se faz presente na pessoa de cada um de seus Defensores Públicos. 9 “Os Defensores Públicos fazem com que a Defensoria Pública esteja presente no processo, do mesmo modo como o fazem os Promotores de Justiça e os Procuradores da República com relação ao Ministério Público.” (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Salvador: JusPodivm, 2010, pág. 100) 10 Diversos julgados reconhecem a nulidade de processos em que a defesa foi realizada por pessoas inabilitadas, a exemplo dos estagiários de Direito. Neste sentido, confira-se: SILVA, Franklyn Roger Alves. SILVA, Luiz Claudio. Manual de processo e prática penal. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 292. 11 É o que preveem os arts. 8, VIII, 56, VIII e 102, § 1º da Lei Complementar nº 80/1994. 12 JATAHY, Carlos Roberto de Castro. Curso de princípios institucionais do Ministério Público, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 134/137. 13 Há conflito virtual de atribuições quando a solução da questão possa interferir, ainda que de maneira indireta, na competência dos órgãos do Poder Judiciário. Nestas situações, a jurisprudência entende ser competente para dirimir o conflito o próprio Superior Tribunal de Justiça, com fundamento no art. 105, I, ‘d’ da Constituição Federal, visto haver, indiretamente, um conflito entre magistrados de tribunais distintos, posto que a indicação da atribuição correta do órgão do Ministério Público interferirá na competência do juízo, evitando-se, portanto, um futuro conflito de competências. In verbis: “CONSTITUCIONAL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO DESTINADA À APURAÇÃO DE SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO NACIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. De acordo com a letra d do inciso I do art. 105 da Magna Carta, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os conflitos entre juízes vinculados a tribunais diversos. No caso, transparece um virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual perante os quais funcionam os órgãos do Parquet ora em divergência. Tal situação impõe uma interpretação extensiva do dispositivo constitucional acima referido, de sorte a fixar a competência daquela Corte Superior para solucionar o dissenso instaurado nos presentes autos.” (STF – Pleno – ACO nº 756/SP – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 03-08-2005) 14 Guilherme Freire de Melo Barros entende que a competência para apreciação para a aferição do conflito de atribuições pertence ao Superior Tribunal de Justiça, com fundamento no art. 105, I, g, da Constituição Federal (BARROS, Guilherme Freire de Melo. Defensoria Pública, Bahia: Jvspodium, 2010, pág. 72). No entanto, data máxima vênia não concordamos com a posição do citado autor, tendo em vista que a hipótese diz respeito a “conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União”. Vislumbra-se, portanto, que o enquadramento é imperfeito, já que a Defensoria Pública não é autoridade judiciária, o que afasta por completo a possibilidade de apreciação pelo STJ. 1
“DIREITO PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. LOCAL DA CONSUMAÇÃO DO CRIME. POSSÍVEL PRÁTICA DE EXTORSÃO (E NÃO DE ESTELIONATO). ART. 102, I, f, CF. ART. 70, CPP. 1. Trata-se de conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público de Estados-membros a respeito dos fatos constantes de inquérito policial. 2. O conflito negativo de atribuição se instaurou entre Ministérios Públicos de Estados-membros diversos. 3. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar conflito entre órgãos de Estados-membros diversos. 4. Os fatos indicados no inquérito apontam para possível configuração do crime de extorsão, cabendo a formação da opinio delicti e eventual oferecimento da denúncia por parte do órgão de atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo. 5. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público onde houve a consumação do crime de extorsão.” (STF – Pleno – ACO nº 889/RJ – Relatora Min. ELLEN GRACIE, decisão: 11-09-2008) 16 A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro estabeleceu, por meio da Ordem de Serviço nº 80/2010, que a numeração de processos, de acordo com o padrão unificado estabelecido pelo CNJ, será utilizada como critério de divisão de trabalho quando houver mais de um Defensor Público no mesmo órgão de atuação. É permitido, no entanto, a adoção de outro critério de natureza objetiva, desde que haja anuência prévia por parte da Corregedoria. 17 Estaremos diante de situação em que membros da Defensoria Pública ocuparão lados opostos da relação processual para a representação do autor e do réu. Neste ponto, convém observar que não há vitória quando o triunfo pressupõe o fracasso de um colega, de modo que os Defensores Públicos em posições adversas devem primar pela ética e respeito mútuos. 18 Neste ponto, vale a leitura do estudo referente às estratégias defensivas no Processo Penal: SILVA, Franklyn Roger Alves. A Postura da Defesa no Processo: Adoção de Estratégias Defensivas, Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes, v.16, 2011, pág. 53/64. 19 “NULIDADE. DEFESAS COLIDENTES. DEFENSOR ÚNICO. Na impetração, afirma-se a nulidade da audiência de oitiva das testemunhas de acusação, em razão de os réus serem assistidos pelo mesmo advogado. Sucede que, antes de os acusados sustentarem versões antagônicas dos fatos, eles tinham o mesmo patrono, só depois a corré constituiu outro advogado. Porém, o novo advogado da corré não compareceu à audiência, tendo o juiz, então, designado seu antigo defensor e advogado do ora recorrente para sua defesa no ato. Note-se que o tribunal a quo reconheceu, no habeas corpus originário, a colidência das teses defensivas, porém entendeu que não houve demonstração do prejuízo. Para a Min. Relatora, trata-se de nulidade absoluta, visto que o reconhecimento da colidência de defesa dispensa a demonstração do prejuízo. Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso, apenas para declarar a nulidade da audiência de oitiva das testemunhas de acusação, devendo o magistrado repeti-la, e, depois, abrir novo prazo para as alegações finais.” (STJ – RHC nº 22.034-ES – Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, decisão: 19-08-2010) “ADVOGADO COMUM. RÉUS. VERSÕES DIVERSAS. Ressalta o Min. Relator que, no caso dos autos, os dois réus foram patrocinados pelo mesmo advogado, mas, dado que as versões apresentadas por eles são divergentes, não poderia ter o causídico continuado como defensor comum. Explica que a condenação a 12 anos de reclusão é o próprio prejuízo pelo fato de o paciente ter sido defendido pelo mesmo advogado. Também observa haver deficiência técnica da defesa. Assim, concluiu o Min. Relator, no que foi acompanhado pela Turma, que é inviável a análise das questões constantes da inicial não levadas à apreciação do TJ, em razão da supressão de instância. Entretanto, é caso de concessão da ordem de ofício para anular o processo a partir do oferecimento da defesa prévia para, em seguida, de rigor reconhecer a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, considerandose a pena aplicada para cada delito e a impossibilidade de aplicação da pena superior na prolação de nova sentença. A denúncia foi recebida em 23/3/1999. A pena aplicada para cada delito foi de seis anos (arts. 213 e 214, ambos do CP), com lapso prescricional de 12 anos (art. 109, III, do CP), e tanto o paciente como o corréu eram menores de 21 anos à época dos fatos. Assim, o prazo prescricional deve ser contado pela metade (art. 115 do CP), tempo já decorrido da data do recebimento da denúncia e o julgamento do HC.” (STJ – HC nº 135.445/PE – Relator Min. Celso Limongi, decisão: 17-11-2009) 20 Trata-se de norma que facilita a vida dos assistidos da Defensoria Pública, evitando-se a burocracia de ter quer reconhecer a autenticidade de documentos em Cartórios de Notas. O Defensor Público como agente político detém legitimidade suficiente para autenticar a veracidade das cópias dos documentos acostados aos autos processuais ou administrativos. O fato de o documento ter sido certificado pelo membro da Defensoria Pública não afasta possível arguição de falsidade, que seguirá a disciplina dos diplomas processuais. 21 Relevante ressalvar, nesse ponto, a necessidade realizar a interpretação extensiva do dispositivo, a fim de incluir a figura do companheiro. 22 Em relação ao Ministério Público há julgados que admitem a possibilidade de o Judiciário dirimir a exceção de impedimento e suspeição. 23 Neste sentido, leciona o professor Leonardo Greco, in verbis: “Conforme já observei anteriormente, esses excessos são cometidos porque o Código de 1973 não regulou a matéria com o mesmo cuidado do seu antecessor. De acordo com o Código de 1939 (art. 119), o motivo íntimo da suspeição do juiz deveria ser comunicado reservadamente ao presidente do tribunal ao qual ele estava subordinado, que por sua vez o comunicaria ao conselho da magistratura para aferir sua relevância. Se o motivo não fosse 15
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considerado relevante, o juiz poderia ser punido.” (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Volume I, Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 335) O art. 3º da LC nº 06/1977 assim dispõe: “Os órgãos da Defensoria Pública atuam judicialmente, perante o Poder Judiciário, e extrajudicialmente, nos limites de suas atribuições legais.”
CAPÍTULO 15
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA
15.1 DELIMITAÇÃO JURÍDICA DO TEMA A Lei Complementar nº 80/1994 organiza a Defensoria Publica no âmbito da União, do Distrito Federal e Territórios, bem como prevê as diretrizes gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados. Assim, ao organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, a Lei Complementar nº 80/1994 mostra-se exaustiva, cuidando detalhadamente de sua estrutura, carreira, atribuições, direitos e responsabilidades (Título II – “Da Organização da Defensoria Pública da União” e Título III – “Da Organização da Defensoria Pública do Distrito Federal e Dos Territórios”). No que diz respeito às Defensorias Públicas Estaduais, a Lei Complementar nº 80/1994 define apenas as normas gerais sobre a matéria, deixando a cargo dos Estados-membros a devida especificação dos pormenores, sem contudo desrespeitar os parâmetros estabelecidos na Lei Orgânica Nacional (Título IV – “Das Normas Gerais para a Organização da Defensoria Pública dos Estados”). Importante lembrar, nesse ponto, que a redistribuição da competência para legislar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal, realizada recentemente pela Emenda Constitucional nº 69/12, deverá provocar a modificação da Lei Complementar nº 80/1994. Isso porque não se encontra mais inserida na esfera de competência da União a organização plena da Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 22, XVII, da CRFB); com a modificação operacionalizada pela EC nº 69/12, deve a União estabelecer apenas as normas gerais (art. 24, § 1º, da CRFB), cabendo ao Distrito Federal normatizar os aspectos específicos de sua Defensoria Pública (art. 24, § 2º, da CRFB). Com efeito, deverão ser suprimidas do Título III da Lei Complementar nº 80/1994 todas as normas que extrapolem a competência genérica da União e avancem sobre aspectos específicos da organização da Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 3º da EC nº 69/2012). 15.2 COMPOSIÇÃO NACIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA De acordo com o art. 2º da Lei Complementar nº 80/1994, a Defensoria Pública, como Instituição nacional, compreende: (i) a Defensoria Pública da União; (ii) a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; e (iii) as Defensorias Públicas dos Estados1. A Defensoria Pública da União é responsável por atuar “nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União”, na forma do art. 14 da LC nº 80/1994.
Diferentemente do que ocorre em relação ao Ministério Público, a Defensoria Pública da União possui composição unitária, não comportando segmentos específicos para atuar perante as justiças especializadas (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar)2. Por essa razão, caberá aos Defensores Públicos Federais assegurar a assistência jurídica gratuita perante a Justiça Federal comum, Juizados Especiais Federais, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar, além das instâncias administrativas da União. Não podemos esquecer, ainda, do Tribunal Marítimo, “órgão autônomo, com jurisdição em todo o território nacional, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para pessoal e material destinado ao seu funcionamento, cabendo-lhe o julgamento de acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e das questões relacionadas com tal atividade, conforme o art. 1º da Lei nº 2.180/1954”3. Por sua vez, à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios incumbe a prestação de assistência jurídica em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Distrito Federal e dos Territórios (art. 64 da LC nº 80/1994). Finalmente, as Defensorias Públicas dos Estados restaram incumbidas de prestar a assistência jurídica aos necessitados em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas dos Estadosmembros, podendo, inclusive, “interpor recursos aos Tribunais Superiores, quando cabíveis” (art. 106 e parágrafo único da LC nº 80/1994). 15.2.1 Da modificação estrutural realizada pela Emenda Constitucional nº 69/2012 no âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios
Segundo estabelecia a redação original do art. 21, XIII da CRFB, pertencia à União a competência administrativa para “organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios”. Paralelamente, o art. 22, XVII da CRFB previa como competência privativa da União legislar sobre a “organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes”. Seguindo o parâmetro delimitado pela Constuição Federal, a Lei Complementar nº 80/1994 deixou de criar uma Defensoria Pública para o Distrito Federal e outra para os Territórios, formalizando a constituição de apenas uma Defensoria Pública, com órgãos da administração superior, de atuação e de execução comuns (Título III – Da Organização da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios). Recentemente, entretanto, a Emenda Constitucional nº 69/2012 realizou a modificação dos arts. 21, XIII e 22, XVII da CRFB, redistribuindo as atribuições de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal. In verbis: Art. 21 da CRFB: Compete à União: (…) XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios. Art. 22 da CRFB: Compete privativamente à União legislar sobre: (…) XVII – organização judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa destes.
Com isso, a competência para legislar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal passou a seguir a regra genérica do art. 24, XIII da CRFB, sendo outorgada à União a competência para a fixação de normas gerais e ao Distrito Federal a competência para normatizar os aspectos específicos da matéria. Outrossim, a competência administrativa para organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal deixou de pertencer à União, passando a competir ao próprio Distrito Federal. Por outro lado, a competência legislar, organizar e manter a Defensoria Pública dos Territórios continuou sendo atribuída à União (art. 21, XIII e art. 22, XVII da CRFB), permanecendo inalterado o texto constitucional nesse ponto. Com isso, o legislador constituinte operacionalizou a cisão da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, transferindo para entes federados distintos a competência para organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal e a Defensoria Pública dos Territórios. Em razão dessa divisão de competências constitucionais, a Defensoria Pública dos Territórios perdeu a identidade que mantinha com a Defensoria Pública do Distrito Federal. Na verdade, como os Territórios Federais são considerados descentralizações administrativas da União (art. 18, § 2º da CRFB), o melhor caminho a ser adotado agora seria retirar da Defensoria Pública do Distrito Federal a atribuição para atuar junto aos Territórios e transferi-la para a Defensoria Pública da União formalizando a criação da ‘Defensoria Pública da União e dos Territórios’. Inclusive, parece ter sido essa a intenção do legislador constituinte ao editar a Emenda Constitucional nº 69/12, que conferiu a seguinte redação ao art. 48, IX da CRFB: Art. 48: Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (…) IX – organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito Federal.”
Além disso, o art. 33, § 3º da CRFB determina que “nos Territórios Federais com mais de cem mil habitantes, além do Governador nomeado na forma desta Constituição, haverá órgãos judiciários de primeira e segunda instância, membros do Ministério Público e defensores públicos federais”. No entanto, como ainda não foram editadas as leis necessárias para adequar a legislação infraconstitucional às modificações implementadas pela Emenda Constitucional nº 69/12, a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios conserva sua estrutura administrativa original e segue aguardando a regulamentação da matéria pelo Congresso Nacional e pela Câmara Legislativa do Distrito Federal. 15.2.2 Da atuação das Defensorias Públicas dos Estados e da Defensoria Pública do Distrito Federal perante as Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar
De acordo com o art. 14 da LC nº 80/1994, constitui atribuição da Defensoria Pública da União atuar “junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União”. No entanto, a Defensoria Pública da União ainda não dispõe de aparelhamento suficiente para garantir a atuação eficaz em todas as áreas inseridas em sua esfera legal de atribuição. Justamente por isso, o art. 14, § 1º da LC nº 80/1994 determina que “a Defensoria Pública da União deverá
firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, para que estas, em seu nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição referidos no caput, no desempenho das funções que lhe são cometidas”. Sendo assim, embora seja legalmente admitida a atuação das Defensorias Públicas dos Estados e da Defensoria Pública do Distrito Federal perante a Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar, a Lei Complementar nº 80/1994 exige a realização de convênio pela Defensoria Pública da União. A formalização desse ajuste pela Defensoria Pública da União positiva a delegação de atribuição para que os membros das Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal possam atuar perante as justiças especializadas, além de garantir-lhes o pagamento da remuneração adicional respectiva. Relevante consignar, entretanto, que os Defensores Públicos Federais vêm se mostrando bastante resistentes no que tange à celebração desse convênio, em virtude do receio de que o espaço eventualmente concedido às Defensorias Públicas dos Estados e à Defensoria Pública do Distrito Federal possa representar o enfraquecimento institucional e político da Defensoria Pública da União. Todavia, a expressão “deverá firmar” contida no art. 14, § 1º da LC nº 80/1994 deixa claro que a celebração do convênio não constitui faculdade outorgada à Defensoria Pública da União, mas autêntico dever administrativo. Não possuindo a Defensoria Pública da União estrutura suficiente para atuar eficazmente em todas as áreas de sua esfera de atribuição, o Defensor Público Geral Federal possui o dever de celebrar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e com a Defensoria Pública do Distrito Federal, de modo a garantir que os economicamente necessitados não fiquem desprovidos de assistência jurídica. Desse modo, eventual omissão da Defensoria Pública da União na celebração do convênio referido no art. 14, § 1º da LC nº 80/1994 pode ser sanada por intermédio de mandado de segurança ou por ação ordinária (art. 5º, LXIX e XXXV da CRFB). Além disso, entendemos que os membros das Defensorias Públicas dos Estados e da Defensoria Pública do Distrito Federal poderão atuar em caráter excepcional perante as Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar nas hipóteses de urgência, de modo a assegurar aos necessitados o tempestivo acesso à justiça (art. 5º, LXXIV da CRFB). 15.2.3 Da controvérsia acerca da exclusividade da Defensoria Pública da União para atuação nos Tribunais Superiores
Segundo estabelece o art. 14 da LC nº 80/1994, “a Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União”. Não havendo estrutura suficiente para que atue em todas as áreas de sua esfera de atribuição, “a prestação de assistência judiciária pelos órgãos próprios da Defensoria Pública da União dar-se-á, preferencialmente, perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores” (art. 14, § 3º). Do mesmo modo, o art. 22 da LC nº 80/1994 prevê que “os Defensores Públicos Federais de Categoria Especial atuarão no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho, no Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal Militar e na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais”. Em primeira análise, portanto, a Lei Complementar nº 80/1994 parece conferir à Defensoria
Pública da União a atribuição para atuar perante os Tribunais Superiores. No entanto, logo em seguida, a mesma lei formaliza idêntica atribuição em relação à Defensoria Pública do Distrito Federal e às Defensorias Públicas dos Estados. In verbis: Art. 68. Os Defensores Públicos do Distrito Federal e dos Territórios de Categoria Especial atuarão junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e aos Tribunais Superiores, quando couber (art. 22, parágrafo único). Art. 106. A Defensoria Pública do Estado prestará assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado. Parágrafo único. À Defensoria Pública do Estado caberá interpor recursos aos Tribunais Superiores, quando cabíveis. Art. 111. O Defensor Público do Estado atuará, na forma do que dispuser a legislação estadual, junto a todos os Juízos de 1º grau de jurisdição, núcleos, órgãos judiciários de 2º grau de jurisdição, instâncias administrativas e Tribunais Superiores (art. 22, parágrafo único).
Como podemos perceber, em ambos os dispositivos o legislador fez referência ao art. 22, parágrafo único da mesma Lei Complementar nº 80/1994, que conferia aos Defensores Públicos Federais de Categoria Especial a atribuição para atuar em todos os processos da Defensoria Pública em trâmite nos Tribunais Superiores: Art. 22, parágrafo único. Os Defensores Públicos da União de Categoria Especial atuarão em todos os processos da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores.
Ao prever que as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal poderiam atuar perante os Tribunais Superiores (art. 68; art. 106, parágrafo único; e art. 111), e que a Defensoria Pública da União atuaria “em todos os processos da Defensoria Pública” em trâmite nesses órgãos jurisdicionais (art. 22, parágrafo único), a Lei Complementar nº 80/1994 acabou gerando a sobreposição de funções e a duplicidade de atuações. Em razão dessa antinomia, após ser remetido para a sanção presidencial, o parágrafo único do art. 22 restou vetado pelo Presidente da República, nos termos do art. 66, § 1º da CRFB. De acordo com a mensagem de veto presidencial: Note-se que, assim, sua atuação ocorre, também, nos processos oriundos dos Estados, quando a Defensoria Pública do Estado vem agindo desde a 1ª instância estadual. Ocorre que o art. 68 prevê que “os Defensores Públicos do Distrito Federal e dos Territórios de Categoria Especial atuarão junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e aos Tribunais Superiores, quando couber (art. 22, parágrafo único)”, o mesmo dispondo os arts. 106, parágrafo único e 111, em relação aos Estados, no que se refere a sua atuação junto aos Tribunais Superiores, remetendo-se igualmente ao art. 22. Incongruente, a nosso ver, a disposição do parágrafo único do art. 22. Se o Estado e o Distrito Federal atuam junto aos Tribunais Superiores, mesmo que quando cabível, e só poderia ser assim, como atuará a Defensoria Pública da União nas causas oriundas do Distrito Federal, Territórios e dos Estados? Admitir-se-á, segundo a lei, duplicidade de atuações: a Defensoria Pública da União agirá em todos os processos e a dos Estados naqueles que lhe são originários. Essa a interpretação literal da norma. Não há como entender que a União atue sempre nos Tribunais Superiores, ou seja, também quando as causas forem oriundas dos Estados, e que esses entes federativos neles possam atuar, sem que com isso seja ferida a autonomia dos Estados. Além do mais, da norma projetada não se pode inferir tal assertiva, tendo em vista que a referência ‘quando couber’ não pode ser inócua, já que na lei não se admitem termos desnecessários. Saliente-se, ainda, apenas argumentando, que o Ministério Público Federal, que atua junto aos Tribunais Superiores, não pode servir como paradigma, tendo em vista que a disposição decorre de texto constitucional, o que não ocorre com a Defensoria Pública (art. 134 da CF).
Diante dessa mixórdia legislativa, a delimitação da esfera funcional de atuação dos diversos
ramos da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores têm gerado intensos debates doutrinários e jurisprudenciais. Com base no princípio institucional da unidade e objetivando racionalizar os atos de assistência jurídica, de modo a atingir a necessária eficiência dos atos da administração pública e a economicidade dos recursos públicos, o Defensor Público Federal THALES ARCOVERDE TREIGER defende a exclusividade de atuação da Defensoria Pública da União perante os Tribunais Superiores, em artigo dedicado ao tema: A racionalização dos atos de assistência jurídica, bem como a necessária eficiência dos atos da administração pública, indica que é desnecessária e pouco útil a atuação dos demais ramos da Defensoria Pública nos Estados perante os tribunais superiores, haja vista que todo o amparo legal para tanto se encontra no sentido de economicidade dos recursos públicos envolvidos na questão. Imagine-se que para contemplação de uma assistência jurídica de qualidade cada um dos ramos da Defensoria Pública instalasse núcleo em Brasília para a representação dos assistidos. É fácil imaginar que o mesmo trabalho, com temas recorrentes inclusive, seria executado por inúmeros defensores distintos, enquanto nas demais unidades federativas há insuficiência de assistência jurídica integral, mesmo com outro órgão da Defensoria legalmente incumbido de exercer tal múnus. Apenas por amor ao debate, seriam, a rigor, nada mais nada menos do que 26 representações da Defensoria Pública nos estados, sem a menor necessidade. É justamente quando temos um mesmo fenomeno fático que surge a necessidade de uma mesma solução de cunho jurídico. Assim, como surgiu a necessidade de atribuição exclusiva do ramo do Ministério Público da União para atuação exclusiva perante os tribunais superiores, deve ser aplicada a mesma razão para a justificativa da atuação exclusiva da Defensoria Pública da União. O entendimento esposado no sentido da ausência de exclusividade de atuação da Defensoria Pública da União perante os tribunais superiores viola o princípio da proporcionalidade, ao trazer pretensão inadequada e desnecessária no sentido de elevar os gastos públicos. Além disso, ao agir no sentido do estabelecimento da atuação das defensorias nos estados, violando a Lei Complementar 80/1994, tanto em disposições específicas atinentes à Defensoria Pública da União como violando o princípio da unidade, cria-se a insólita sobreposição de Defensoria Pública para atuação que já é feita por ramo da Defensoria em detrimento da falta de cumprimento da missão institucional da Defensoria Pública em outras localidades que sequer contam com a Instituição em suas Constituições Estaduais. (…) Ainda que não haja qualquer menção à exclusividade da atuação da Defensoria Pública da União nos tribunais superiores, tal é a única possibilidade razoável na medida em que a unicidade da instituição nos indica ser desnecessária e dispendiosa a manutenção de núcleos de defensorias mantidas e custeadas pelos estados na capital federal. A atuação da Defensoria da União, no exercício das atribuições nacionais e não federais, nas causas que tocam aos tribunais superiores é inerente ao princípio da unidade da instituição. (TREIGER, Thales Arcoverde. A Defensoria Pública perante os Tribunais Superiores – uma proposta de sistematização e fundamentação da atuação exclusiva da Defensoria da União, Revista de Direito da Defensoria Pública da União, Brasília, 2010, n.3, pág. 27/28)
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Defensor Público Federal FREDERICO RODRIGUES VIANA DE LIMA entende ser preferível a adoção da sistemática empregada com relação ao Ministério Público, que atua nos Tribunais Superiores exclusivamente por intermédio do Ministério Público Federal, in verbis: Quem deve impulsionar os processos que estão em trâmite no STJ? A resposta mais imediata seria a de que cada um dos ramos da Defensoria Pública deveria cuidar dos processos que foram provenientes de sua atuação. Assim, se o feito judicial proveio de Tribunal de Justiça, a respectiva Defensoria Pública do Estado; se é de origem do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; se de algum dos Tribunais Regionais Federais, a Defensoria Pública da União. Porém, tal entendimento não se revela o mais apropriado, uma vez que a Defensoria Pública é una e indivisível, conforme preceitua o art. 3º da Lei Complementar nº 80/1994, de tal sorte que soa juridicamente estranho que no Superior Tribunal de Justiça possam oficiar várias Defensorias Públicas. Preferível é a adoção da sistemática empregada com relação ao Ministério Público, que, por também ser uno e indivisível, atua no Superior Tribunal de Justiça por intermédio do Ministério Público Federal, mesmo que os recursos sejam provenientes da Justiça Comum dos Estados, e, portanto, em feitos que estiverem sob a direção dos Ministérios Públicos Estaduais. (LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública, Bahia: Juspodivm. 2010, pág. 279)
Todavia, a Lei Complementar nº 80/1994 não confere exclusividade à Defensoria Pública da União para atuar perante os Tribunais Superiores. Na verdade, o legislador reconheceu expressamente que essa atribuição deve ser criteriosamente diluída junto à Defensoria Pública do Distrito Federal e às Defensorias Públicas dos Estados. Embora os arts. 14 e 22 da LC nº 80/1994 confiram aos Defensores Públicos de Categoria Especial a atribuição para atuar perante os Tribunais Superiores, essas normas não afastam a atribuição da Defensoria Pública do Distrito Federal e das Defensorias Públicas dos Estados. Isso porque o veto presidencial imposto ao art. 22, parágrafo único da LC nº 80/1994 expresamente suprimiu o pretendido monopólio de atuação da Defensoria Pública da União. Além disso, os arts. 68, 106, parágrafo único, e 111 da LC nº 80/1994 preveem expressamente que a Defensoria Pública do Distrito Federal e as Defensorias Públicas dos Estados poderão atuar perante os Tribunais Superiores. Justamente por isso, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a atuação da Defensoria Pública da União perante o referido colegiado não deve ser considerada exclusiva4, podendo a Defensoria Pública Estadual que mantiver representação em Brasília ser intimada e atuar sem restrições: A Defensoria Pública da União, que atua perante o STJ, deverá ser intimada, pessoalmente, para acompanhar o processo e julgamento dos recursos interpostos por Defensores Públicos Estaduais (…). Exceção à regra só se verificará na hipótese em que a Defensoria Pública Estadual, mediante lei própria, mantenha representação em Brasília-DF com estrutura adequada para receber intimações das decisões proferidas pelo STJ. (STJ – Corte Especial – EDcl na QO no Ag nº 378.377/RJ – Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, decisão: 05-11-2003) AGRAVO REGIMENTAL. PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. RECURSO INTERPOSTO PELO ÓRGÃO ESTADUAL. PEDIDO DE RATIFICAÇÃO FORMULADO PELO ÓRGÃO FEDERAL. DESNECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Como decidido pela Corte Especial na questão de ordem AG nº 378.377, a Defensoria Pública da União deve acompanhar, perante o Superior Tribunal de Justiça, o julgamento dos recursos interpostos por Defensores Públicos Estaduais, bem como deve ser intimada das decisões e acórdãos proferidos. 2. Contudo, como decidido na mesma questão de ordem, a atuação da DPU não é exclusiva. Se a Defensoria Pública Estadual mantiver representação em Brasília, poderá ser intimada e atuar sem restrições no Superior Tribunal de Justiça. 3. Por isso que, interposto agravo regimental pela Defensoria Pública Estadual, não há necessidade de ratificação pela Defensoria Pública da União. Ambos os órgãos detém capacidade postulatória para atuar no STJ. (STJ – AgRg no REsp nº 802.745/RJ – Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, decisão: 12-12-2007)
Entretanto, seguindo a teleologia do art. 14, § 3º da LC nº 80/1994, que objetiva viabilizar o acesso das causas advindas das Defensorias Públicas dos Estados aos Tribunais Superiores, “o acompanhamento dos processos em trâmite no STJ fica a cargo da Defensoria Pública da União, enquanto as Defensorias dos Estados, mediante lei específica, não organizem e estruturem o seu serviço para atuar continuamente em Brasília, inclusive com sede própria”5. Nesse sentido, confira os julgados abaixo colacionados: QUESTÃO DE ORDEM. DOIS RECURSOS DE AGRAVO INTERNO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SEDE PRÓPRIA EM BRASÍLIA. (…) A Corte Especial firmou orientação no sentido de que, enquanto os estados, mediante lei específica, não organizarem sua Defensoria Pública para atuar continuamente em Brasília/DF, inclusive com sede própria, o acompanhamento dos processos em trâmite nesta Corte constitui prerrogativa da Defensoria Pública da União (DPU). Contudo, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro possui representação na Capital Federal e foi regularmente intimada da decisão impugnada, devendo seu recurso de agravo interno ser analisado. Questão de ordem acolhida. (STJ – Segunda Turma – AgRg no AgRg no Ag nº 915919/RJ – Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, decisão:23-09-2008)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE. INTEMPESTIVIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO CONHECIDO. 1. A Corte Especial firmou orientação no sentido de que, enquanto os estados, mediante lei específica, não organizarem sua Defensoria Pública para atuar continuamente em Brasília/DF, inclusive com sede própria, o acompanhamento dos processos em trâmite nesta Corte constitui prerrogativa da Defensoria Pública da União (DPU). 2. O agravo regimental da DPU, além de intempestivo, é inadmissível por falta de legitimidade para recorrer, pois a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro possui representação na Capital Federal e foi regularmente intimada da decisão impugnada. 3. Agravo regimental não conhecido. (STJ – AgRg no Ag nº 784.404/RJ – Relatora Min. DENISE ARRUDA, decisão: 12-04-2007)
Em síntese conclusiva, portanto, tendo a legislação estadual contemplado a possibilidade de atuação junto aos Tribunais Superiores e havendo representação da Defensoria Pública Estadual perante o Superior Tribunal de Justiça, será o referido órgão defensorial que deterá atribuição para atuar nos processos advindos da respectiva unidade federativa, inclusive recebendo intimações pessoais e realizando sustentações orais nos julgamentos. Caso não esteja a Defensoria Pública Estadual devidamente organizada para atuar continuamente em Brasília, caberá subsidiariamente à Defensoria Pública da União o acompanhamento dos processos. A)
DA ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PARA ATUAR PERANTE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E O SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR: Conforme analisado anteriormente, o art. 14 da LC nº 80/1994 confere à Defensoria Pública da União a atribuição para atuar perante a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar. De maneira residual, o art. 14, § 1º, permite que a Defensoria Pública do Distrito Federal e as Defensorias Públicas dos Estados atuem junto às referidas justiças especializadas mediante convênio celerado pela Defensoria Pública da União. No entanto, em virtude de expressa disposição legal, essa atuação subsidiária mediante convênio apenas poderá ocorrer “junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição” (art. 14, § 1º da LC nº 80/1994). Com isso, resta legalmente afastada a possibilidade de atuação da Defensoria Pública do Distrito Federal e das Defensorias Públicas dos Estados perante o Tribunal Superior Eleitoral, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar. Essa regra guarda sintonia com o art. 14, § 3º da LC nº 80/1994, que determina que a assistência judiciária prestada pelos órgãos próprios da Defensoria Pública da União “dar-se-á, preferencialmente, perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores”. B)
DA CONTROVÉRSIA ACERCA DA ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO DEFENSOR PÚBLICO GERAL FEDERAL PARA ATUAR PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: Em diversos dispositivos presentes na Constituição Federal, o legislador constituinte realiza a diferenciação técnica entre o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores, in verbis: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…)
XIV – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei. Art. 92. (omissis) § 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. § 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional. Art. 93. (omissis) V – o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal (…). Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (…) c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. (…) o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; (…) q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; (…) II – julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão.
Pela técnica constitucional, portanto, apenas se encontram incluídos na locução Tribunais Superiores: (i) o Superior Tribunal de Justiça; (ii) o Tribunal Superior do Trabalho; (iii) o Tribunal Superior Eleitoral; e (iv) o Superior Tribunal Militar. Por ser constitucionalmente caracterizado como órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal não poderia ser classificado como Tribunal Superior. Realizando a análise da Lei Complementar nº 80/1994, podemos perceber que os arts. 68, 106, parágrafo único e 111 conferem aos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e das Defensorias Públicas dos Estados a atribuição apenas para atuar perante os “Tribunais Superiores”, nada dispondo acerca do Supremo Tribunal Federal. Em relação à Defensoria Pública da União, o art. 22 confere aos Defensores Públicos Federais de Categoria Especial a atribuição para atuar “no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho, no Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal Militar e na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais”. Enquanto isso, o art. 23 estabelece que “o Defensor Publico-Geral atuará junto ao Supremo Tribunal Federal”. Efetuando a interpretação restritiva dos dispositivos e aplicando categoricamente a diferenciação técnica trazida pela Constituição Federal, poderíamos inicialmente supor que os membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e das Defensorias Públicas dos Estados não teriam atribuição para atuar perante o Supremo Tribunal Federal, sendo essa função exclusivamente desempenhada pelo Defensor Público Geral Federal. No entanto, a Lei Complementar nº 80/1994 não foi rigorosamente técnica ao empregar a locução Tribunais Superiores, tendo negligenciado a adequada aplicação terminológica da expressão. Tanto
que, ao formalizar a previsão das atribuições da Defensoria Pública da União, o art. 14 da LC nº 80/1994 estabelece que “a Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União”, nada dispondo acerca do Supremo Tribunal Federal. Do mesmo modo que não se pode negar à Defensoria Pública da União a atribuição para atuar perante o Supremo Tribunal Federal em razão da atecnia do art. 14, não se pode impedir a Defensoria Pública do Distrito Federal e as Defensorias Públicas dos Estados de desempenharem idêntica função em virtude da deficiência terminológica dos arts. 68, 106, parágrafo único e 111. Seguindo essa linha de raciocínio e desconsiderando os efeitos dessa estéril controvérsia terminológica, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que “a prestação da assistência judiciária perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores não constitui atribuição privativa da Defensoria Pública da União, não estando excluída, portanto, a atuação da Defensoria Pública estadual perante a Corte Suprema, atuação que, todavia, está condicionada à previsão contida em lei estadual”6. 15.3 OS ÓRGÃOS DE COMPOSIÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA A Lei Complementar nº 80/1994 traz a estruturação organizacional da Defensoria Pública no âmbito da União, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, conforme dicção dos arts. 5º, 53 e 98. Estruturalmente, a Defensoria Pública é dividida por três modalidades de órgãos: (i) os órgãos da administração superior; (ii) os órgãos de atuação; (iii) os órgãos de execução. No âmbito das Defensorias Públicas dos Estados, a Lei Complementar nº 132/2009 formalizou a criação de uma quarta modalidade de órgão, denominado órgão auxiliar. Os órgãos da administração superior são integrados pela Defensoria Pública Geral, a Subdefensoria Pública-Geral, o Conselho Superior da Defensoria Pública e a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública (art. 5º, I; art. 53, I; e art. 98, I da LC nº 80/1994). Por sua vez, os órgãos de atuação compreendem as Defensorias Públicas e os Núcleos da Defensoria Pública (art. 5º, II; art. 53, II; e art. 98, II da LC nº 80/1994). Por derradeiro, os órgãos de execução são impropriamente indicados pela Lei Complementar nº 80/1994 como sendo os próprios Defensores Públicos (art. 5º, III; art. 53, III; e art. 98, III da LC nº 80/1994). Na esfera das Defensorias Públicas dos Estados, o órgão auxiliar instituído pela Lei Complementar nº 132/2009 é composto pela Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado (art. 98, IV da LC nº 80/1994). Relevante consignar, finalmente, que a reforma trazida pela Lei Complementar nº 132/2009 operou substancial alteração na nomenclatura dos cargos da Defensoria Pública da União: (a) o cargo de Defensor Público Geral da União passou a ser denominado Defensor Público Geral Federal (arts. 6º, 7º, 9º, 10, XIV e XV, 29, 31, § 4º e 147 da LC nº 80/1994); (b) o cargo de Subdefensor Público Geral da União passou a ser chamado Subdefensor Público Geral Federal (arts. 7º, 8º, 9º, 10, XIV e 147 da LC nº 80/1994);
(c) o cargo de Corregedor-Geral passou a ser intitulado Corregedor-Geral Federal (arts. 9º e 10, XIV da LC nº 80/1994); (d) os Defensores Públicos das União passaram a ser chamados Defensores Públicos Federais (arts. 5º, III, a, 9º, § 4º, 10, XII, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 29, e 136 da LC nº 80/1994). Esse perfil denominativo já havia sido contemplado pela Constituição Federal, que ao organizar os Territórios previa em seu art. 33, § 3º que “nos Territórios Federais com mais de cem mil habitantes, além do Governador nomeado na forma desta Constituição, haverá órgãos judiciários de primeira e segunda instância, membros do Ministério Público e defensores públicos federais”. Como observra o professor FELIPE CALDAS MENEZES, “louvável a iniciativa do legislador complementar reformador, pois uma leitura apressada da antiga nomenclatura adotada pela Lei Complementar nº 80/1994 poderia dar a entender que os ocupantes do cargo ‘defendiam a União’, quando tal papel é reservado constitucionalmente às Carreiras da Advocacia-Geral da União (art. 131 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)”. Sem dúvida, a nova nomenclatura é “melhor e mais facilmente compreensível, especialmente pelos destinatários dos serviços de assistência jurídica, quase sempre sem conhecimentos técnicos sobre o papel de cada uma das funções essenciais à Justiça”7. Embora tenha havido a modificação da nomenclatura de seus cargos, a Defensoria Pública da União conservou sua denominação tradicional, tendo em vista que essa alteração necessitaria de prévia Emenda à Constituição, em razão do disposto no art. 134, § 1º, da CRFB8. 15.3.1 O Defensor Público Geral
A Defensoria Pública tem como chefe institucional o Defensor Público Geral, nomeado pelo Governador, no âmbito das Defensorias Públicas dos Estados, e pelo Presidente da República, no âmbito da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal (art. 6º; art. 54; e art. 99 da LC nº 80/1994). Para a ocupação do cargo é necessário ser membro estável da carreira e maior de 35 (trinta e cinco) anos. A escolha do Defensor Público Geral ocorre mediante processo eletivo, onde é formada lista tríplice pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros (art. 6º; art. 54; e art. 99 da LC nº 80/1994)9. O Presidente da República e o Governador do Estado tem a discricionariedade de nomear qualquer um dos três Defensores Públicos que figuram a lista tríplice. Entretanto, em respeito a vontade da classe, deve prevalecer a nomeação do candidato mais votado, apesar de não obrigatória. O mandato para o cargo de Defensor Público Geral será de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, mediante nova eleição, cabendo ao Conselho Superior das respectivas Defensorias Públicas editar as normas regulamentares do processo eleitoral, conforme mandam os arts. 9º, XV, 58, XV e 99, § 3º, todos da LC nº 80/1994. No que tange às atribuições administrativas do Defensor Público Geral Federal, o art. 8º da LC nº 80/1994 elenca as seguintes: 1) dirigir a Defensoria Pública da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-
lhe a atuação; 2) representar a Defensoria Pública da União judicial e extrajudicialmente; 3) velar pelo cumprimento das finalidades da Instituição; 4) integrar, como membro nato, e presidir o Conselho Superior da Defensoria Pública da União; 5) submeter ao Conselho Superior proposta de criação ou de alteração do Regimento Interno da Defensoria Pública-Geral da União; 6) autorizar os afastamentos dos membros da Defensoria Pública da União; 7) estabelecer a lotação e a distribuição dos membros e dos servidores da Defensoria Pública da União; 8) dirimir conflitos de atribuições entre membros da Defensoria Pública da União, com recurso para seu Conselho Superior; 9) proferir decisões nas sindicâncias e processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União; 10) instaurar processo disciplinar contra membros e servidores da Defensoria Pública da União, por recomendação de seu Conselho Superior; 11) abrir concursos públicos para ingresso na carreira da Defensoria Pública da União; 12) determinar correições extraordinárias; 13) praticar atos de gestão administrativa, financeira e de pessoal; 14) convocar o Conselho Superior da Defensoria Pública da União; 15) designar membro da Defensoria Pública da União para exercício de suas atribuições em órgão de atuação diverso do de sua lotação ou, em caráter excepcional, perante Juízos, Tribunais ou Ofícios diferentes dos estabelecidos para cada categoria; 16) requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à atuação da Defensoria Pública; 17) aplicar a pena da remoção compulsória, aprovada pelo voto de dois terços do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, assegurada ampla defesa; 18) delegar atribuições a autoridade que lhe seja subordinada, na forma da lei; 19) requisitar força policial para assegurar a incolumidade física dos membros da Defensoria Pública da União, quando estes se encontrarem ameaçados em razão do desempenho de suas atribuições institucionais; 20) apresentar plano de atuação da Defensoria Pública da União ao Conselho Superior. Segundo estabelece o art. 56 da LC nº 80/1994, o Defensor Público Geral do Distrito Federal e Territórios possui as seguintes atribuições administrativas: 1) dirigir a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação;
2) representar a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios judicial e extrajudicialmente; 3) velar pelo cumprimento das finalidades da Instituição; 4) integrar, como membro nato, e presidir o Conselho Superior da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; 5) baixar o Regimento Interno da Defensoria Pública-Geral do Distrito Federal e dos Territórios; 6) autorizar os afastamentos dos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; 7) estabelecer a lotação e a distribuição dos membros e servidores da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; 8) dirimir conflitos de atribuições entre membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, com recurso para seu Conselho Superior; 9) proferir decisões nas sindicâncias e processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral do Distrito Federal e dos Territórios; 10) instaurar processo disciplinar contra membros e servidores da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; 11) abrir concursos públicos para ingresso na carreira da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; 12) determinar correições extraordinárias; 13) praticar atos de gestão administrativa, financeira e de pessoal; 14) convocar o Conselho Superior da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios e dar execução às suas deliberações; 15) designar membro da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios para exercício de suas atribuições em órgão de atuação diverso do de sua lotação ou, em caráter excepcional, perante Juízos, Tribunais ou Ofícios diferentes dos estabelecidos para cada categoria; 16) requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à atuação da Defensoria Pública; 17) aplicar a pena de remoção compulsória, aprovada pelo voto de dois terços do Conselho Superior, aos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; 18) delegar atribuições a autoridade que lhe seja subordinada, na forma da lei. Duas distinções podem ser traçadas entre as atribuições do chefe institucional da Defensoria Pública da União e o da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios. A primeira delas consiste no fato de o Defensor Público Geral Federal não poder criar ou alterar, de plano, o Regimento Interno da Defensoria Pública da União, posto ser necessária submeter a matéria ao Conselho Superior, na forma do art. 8º, V da LC nº 80/1994. No Distrito Federal e
Territórios é atribuição isolada do chefe institucional a aprovação do regimento interno da Defensoria Pública, ex vi art. 56, V da LC nº 80/1994. Em segundo, percebe-se que o Defensor Público Geral Federal dispõe de duas atribuições não reproduzidas legalmente para o Defensor Público Geral do Distrito Federal e Territórios. São elas: requisitar força policial para assegurar a incolumidade física dos membros da Defensoria Pública, quando estes se encontrarem ameaçados em razão do desempenho de suas atribuições institucionais; e apresentar plano de atuação da Defensoria Pública ao Conselho Superior. No entanto, o simples fato de não terem sido estas duas atribuições contempladas pela Lei Complementar nº 80/1994 não impede o Chefe institucional da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios de se valer do poder de requisição, genericamente previsto no rol de prerrogativas (art. 89, X da LC nº 80/1994), a fim de obter força policial para assegurar a incolumidade física dos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, quando seus membros se encontrarem ameaçados em razão do desempenho de suas atribuições institucionais, bem como o de apresentar, espontaneamente, ante o princípio da publicidade da administração pública (art. 37 da CRFB) o plano de atuação da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios ao seu respectivo Conselho Superior. Por fim, a Lei Complementar nº 80/1994 optou por não elencar as atribuições do Defensor Público Geral nos Estados, ante a especificidade da matéria, deixando a cargo da legislação estadual a disciplina dos encargos administrativos. Entretanto, ressalvou apenas em seu art. 100 que “ao Defensor Publico Geral do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representando-a judicial e extrajudicialmente”. A)
PARTICULARIDADE DO PROCESSO ELETIVO NA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – APROVAÇÃO DO SENADO FEDERAL: No que diz respeito à escolha do Defensor Público Geral Federal, chefe da Defensoria Pública da União, após a constituição da lista tríplice, há a necessidade de sabatina de seu do nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal10, inclusive quando o mesmo pleitear a sua recondução, conforme determina a parte final do art. 6º da LC nº 80/1994: Art. 6º A Defensoria Pública da União tem por chefe o Defensor Público Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal. B)
PARTICULARIDADE DO PROCESSO ELETIVO NA DEFENSORIA PÚBLICA DOS ESTADOS – DEMORA POR PARTE DO GOVERNADOR E INVESTIDURA AUTOMÁTICA: Sabe-se que o Governador tem a discricionariedade de nomear qualquer um dois três Defensores Públicos que figuram a lista tríplice. Entretanto, em respeito a vontade da classe, deve prevalecer a nomeação do candidato mais votado, apesar de não obrigatório. Nesse ponto, a fim de evitar manobras e artifícios políticos, o art. 99, § 4º da LC nº 80/1994 prevê que “caso o Chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Defensor Público Geral nos
15 (quinze) dias que se seguirem ao recebimento da lista tríplice, será investido automaticamente no cargo o Defensor Público mais votado para exercício do mandato”. 15.3.2 O Subdefensor Público Geral
Em face da infinidade de atribuições administrativas e a crescente tendência de desconcentração de funções nas mãos de um único órgão, a Lei Complementar nº 80/1994 contempla a figura do Subdefensor Público Geral. De acordo com os arts. 7º, 8º, parágrafo único, 55 e 56, parágrafo único da LC nº 80/1994, o Subdefensor Público Geral da DPU e da DPDFT possui as seguintes atribuições: 1) substituir o chefe institucional em suas faltas, impedimentos, licenças e férias; 2) auxiliar o Defensor Público Geral nos assuntos de interesse da Instituição; 3) desincumbir-se das tarefas e delegações que lhe forem determinadas pelo Defensor Público Geral. Em relação ao Subdefensor Público Geral da Defensoria Pública do Estado, a Lei Complementar nº 80/1994 prevê apenas as atribuições para substituição do chefe institucional em suas faltas, impedimentos, licenças e férias, cabendo à legislação estadual a disciplina da matéria (art. 99, § 1º, da LC nº 80/1994). No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, a escolha do respectivo Subdefensor Público Geral recai sobre o Conselho Superior, que deverá formar lista indicando seis nomes, de modo a permitir posterior escolha e nomeação pelo Presidente da República, observado apenas a exigência de que o nomeado integre a Categoria Especial da Carreira, assim entendida como a classe mais elevada (art. 7º; e art. 55 da LC nº 80/1994). Nos Estados, a escolha do Subdefensor Público Geral é ato privativo do chefe institucional eleito e nomeado, dentre os integrantes estáveis da carreira e observados os demais requisitos estabelecidos pela legislação estadual (art. 99, § 1º, da LC nº 80/1994). O mandato de duração do Subdefensor Público Geral, em qualquer Defensoria Pública, será de 2 (dois) anos, sendo certo que não incide limitação quanto à recondução. Conforme as necessidades da Defensoria Pública da União, é possível que seja instituída mais de uma Subdefensoria Pública-Geral Federal (art. 7º, parágrafo único da LC nº 80/1994). Igual possibilidade é extensível às Defensorias Públicas dos Estados, de acordo com o permissivo constante do art. 99, § 1º da LC nº 80/1994. No que tange à Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, entretanto, a Lei Complementar nº 80/1994 foi silente, nada dispondo acerca da possibilidade de instituição de mais de uma Subdefensoria Pública Geral. 15.3.3 O Conselho Superior
Para facilitar o estudo da matéria, analisaremos inicialmente o Conselho Superior da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal, realizando em seguida o exame do Conselho Superior das Defensorias Públicas dos Estados, que apresenta algumas diferenciações
singelas em relação à composição e às atribuições. A)
O CONSELHO SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E DA DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS: O Conselho Superior da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e Territórios pode ser definido como o órgão colegiado, integrante da administração superior e cuja composição é dividida em membros natos e classistas, estes últimos eleitos pelos Defensores Públicos. A função primordial do Conselho Superior é a de exercer as atividades consultivas, normativas e decisórias no âmbito da Defensoria Pública. A composição classista do órgão administrativo revela a preocupação do legislador em evitar que a administração superior adote posturas contrárias aos seus membros, permitindo aos prejudicados o recurso ao órgão coletivo11. Os arts. 9º e 57 da LC nº 80/1994 preveem como membros natos do Conselho Superior: (i) o Defensor Público Geral; (ii) o Subdefensor Público Geral; e (iii) o Corregedor-Geral. Por seu turno, a representação classista será composta por representantes estáveis da carreira, sendo dois por categoria12, eleitos pelo voto direto, plurinominal, obrigatório e secreto de todos integrantes da carreira13. Ao Defensor Público Geral competirá a presidência do Conselho Superior, que, além do seu voto de membro, terá o voto de qualidade (art. 9º, § 1º e art. 57, § 1º da LC nº 80/1994). No âmbito da Defensoria Pública da União, a prerrogativa do voto de qualidade do Defensor Público Geral é afastada nas hipóteses de apreciação de matérias atinentes à remoção e promoção (art. 9º, § 1º, in fine). Já na Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, o voto de qualidade cede espaço nos feitos referentes a matéria disciplinar (art. 57, § 1º, in fine). As decisões do Conselho Superior da Defensoria Pública da União serão tomadas por maioria de votos, seguindo os ditames do art. 9º, § 1º da LC nº 80/1994. Não obstante o silêncio do legislador no que concerne ao quórum de deliberação do Conselho Superior da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, parece-nos que a disciplina deve seguir o padrão adotado pela Defensoria Pública da União, admitida a deliberação tomada pela maioria dos membros. As eleições do Conselho Superior da Defensoria Pública da União deverão seguir as regras baixadas pelo Defensor Público Geral Federal, na forma do art. 9º, § 2º, da LC nº 80/1994, enquanto que na Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios é atribuição do próprio Conselho fixar as regras para a eleição de seus membros classistas, conforme determina o art. 57, § 2º da LC nº 80/1994. Tanto na Defensoria Pública da União como na Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, os candidatos aos cargos de membros classistas do Conselho Superior não poderão estar afastados da carreira. Sua eleição pressupõe o voto nominal, direto e secreto dos integrantes da classe, outorgando aos eleitos mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) reeleição, de acordo com as normas insertas no art. 9º, §§ 3º e 4º e no art. 57, §§ 3º e 4º da LC nº 80/1994. Constituído o resultado da eleição para os cargos do Conselho Superior, através do cômputo dos membros mais votados, será constituída a relação de membros suplentes, pela lista dos demais votados, em ordem decrescente, conforme previsto no art. 9º, § 5º e no art. 57, § 5º, da LC nº
80/1994. Aos membros classistas do Conselho Superior é dada a possibilidade de desistência da participação no órgão deliberativo, determinando-se a imediata posse do respectivo suplente no cargo vago (art. 9º, § 6º e art. 57, § 6º da LC nº 80/1994). No âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, o art. 57, § 7º da LC nº 80/1994 confere ao presidente da entidade de classe de âmbito distrital assento e voz nas reuniões do Conselho Superior, o que mais uma vez reforça a importância do órgão classista na estrutura administrativa da Instituição. As atribuições do Conselho Superior da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios são elencadas nos arts. 10 e 58 da Lei Complementar nº 80/1994, a saber: 1) exercer o poder normativo no âmbito da Defensoria Pública; 2) opinar, por solicitação do Defensor Público Geral, sobre matéria pertinente à autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública; 3) elaborar lista tríplice destinada à promoção por merecimento; 4) aprovar a lista de antiguidade dos membros da Defensoria Pública e decidir sobre as reclamações a ela concernentes; 5) recomendar ao Defensor Público Geral a instauração de processo disciplinar contra membros e servidores da Defensoria Pública; 6) conhecer e julgar recurso contra decisão em processo administrativo disciplinar; 7) decidir sobre pedido de revisão de processo administrativo disciplinar; 8) decidir acerca da remoção dos integrantes da carreira da Defensoria Pública14; 9) decidir sobre a avaliação do estágio probatório dos membros da Defensoria Pública, submetendo sua decisão à homologação do Defensor Público Geral; 10) decidir acerca da destituição do Corregedor-Geral, por voto de dois terços de seus membros15; 11) deliberar sobre a organização de concurso para ingresso na carreira e designar os representantes da Defensoria Pública que integrarão a Comissão de Concurso; 12) organizar os concursos para provimento dos cargos da carreira de Defensor Público e editar os respectivos regulamentos; 13) recomendar correições extraordinárias; 14) indicar os 6 (seis) nomes dos membros da classe mais elevada da Carreira para que o Presidente da República nomeie, dentre esses, o Subdefensor Público Geral e o CorregedorGeral; 15) editar as normas regulamentando a eleição para Defensor Público Geral. Segundo determinam os arts. 10, parágrafo único e 58, parágrafo único, “as decisões do Conselho Superior serão motivadas e publicadas, salvo as hipóteses legais de sigilo”.
B)
O CONSELHO SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DOS ESTADOS: O Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado tem seu regramento superficialmente detalhado nos arts. 101 e 102 da Lei Complementar nº 80/1994, visto ser da competência legislativa dos Estados o esgotamento da matéria. De acordo com o art. 101 da LC nº 80/1994, serão membros natos do Conselho Superior da Defensoria Pública dos Estados: (i) o Defensor Público Geral; (ii) o Subdefensor Público Geral; (iii) o Corregedor-Geral; e (iv) o Ouvidor-Geral. Por sua vez, a representação classista deverá ser composta por “representantes estáveis da carreira, eleitos pelo voto direto, plurinominal, obrigatório e secreto de seus membros, em número e forma a serem fixados em lei estadual”. Ao Defensor Público Geral competirá a presidência do Conselho Superior, gozando do voto de qualidade, salvo quando envolver matéria disciplinar (art. 101, § 1º da LC nº 80/1994). De acordo com art. 101, § 2º da LC nº 80/1994, as eleições do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado deverão seguir as regras baixadas pelo próprio colegiado. Os candidatos aos cargos de membros classistas não poderão estar afastados da carreira e sua eleição deverá outorgarlhes o mandato de dois anos, permitida uma reeleição, de acordo com as normas insertas no art. 101, §§ 3º e 4º, da LC nº 80/1994. Segundo o art. 101, § 5º da LC nº 80/1994, “o presidente da entidade de classe de maior representatividade dos membros da Defensoria Pública do Estado terá assento e voz nas reuniões do Conselho Superior”. Com isso, resta mais uma vez afirmada importância do órgão classista na estrutura administrativa da Defensoria Pública. As atribuições do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado envolvem o exercício das atividades consultivas, normativas e decisórias a serem estabelecidas na legislação estadual (art. 102 da LC nº 80/1994). No entanto, o art. 102, §§ 1º e 2º estabelecem duas atribuições obrigatórias do Conselho Superior da Defensoria Pública, independentemente do que for previsto na legislação estadual: (i) “decidir sobre a fixação ou a alteração de atribuições dos órgãos de atuação da Defensoria Pública e, em grau de recurso, sobre matéria disciplinar e os conflitos de atribuições entre membros da Defensoria Pública”; e (ii) “aprovar o plano de atuação da Defensoria Pública do Estado, cujo projeto será precedido de ampla divulgação”. As decisões proferidas pelo Conselho Superior serão motivadas e publicadas, salvo as hipóteses legais de sigilo. As sessões deliberativas também gozarão da publicidade, salvo quando demandado o sigilo da matéria, cuja frequência de realização deverá ocorrer ao menos bimestralmente. Ultrapassado esse prazo mínimo, é dado a qualquer dos integrantes do Conselho Superior a convocação da sessão deliberativa (art. 102, § 3º da LC nº 80/1994). C)
DO CONSELHO SUPERIOR COMO INSTÂNCIA MÁXIMA DE CONTROLE INTERNO DA DEFENSORIA PÚBLICA: Em virtude do sistema de composição e das atribuições do Conselho Superior, o colegiado é considerado a instância máxima de controle interno da Defensoria Pública. Nesse sentido, leciona o professor GUSTAVO CORGOSINHO, com sua peculiar argúcia: Do ponto de vista administrativo, o colegiado é a instância máxima de controle interno dos atos praticados na Defensoria Pública, situando-se no ponto mais alto da hierarquia institucional, razão pela qual todos os demais órgãos lhe estão subordinados. A afirmativa decorreria da simples análise de todo o sistema normativo da Defensoria Pública e, principalmente, da composição
do órgão colegiado, integrado pelo Defensor Público Geral, pelo Subdefensor Público Geral e pelo Corregedor-Geral, como membros natos, por três membros mais antigos da classe mais elevada da carreira e por seis membros eleitos entre todos os membros efetivos da carreira. Mas, talvez devido a uma cultura fortemente influenciada pelo regime político presidencialista vigente no Brasil, ainda há quem aparente considerar que o órgão máximo na hierarquia institucional seria o Defensor Público Geral, que integra o Conselho Superior. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 81/82) D)
A NECESSIDADE DE UMA CLÁUSULA DE BARREIRA AOS MEMBROS DO CONSELHO SUPERIOR: De acordo com os arts. 9º, § 4º, 57, § 3º e 101, § 3º da LC nº 80/1994, os membros do Conselho Superior serão eleitos para mandato de dois anos, sendo admitida apenas uma reeleição. Esse dispositivo possui o claro propósito de assegurar a renovação política do Conselho Superior, permitindo que o colegiado seja sempre irrigado com novas ideias e novas posturas institucionais. No entanto, nada impede que o membro nato do Conselho Superior ocupe o referido cargo por dois mandatos consecutivos (como membro da administração superior), e logo em seguida retorne como membro classista. Nesse caso, além de permanecer por quatro anos como membro nato, poderá continuar por outros quatro anos pela representação classista, totalizando oito anos como integrante do Conselho Superior. Esse quadro de permanência parece violar a teleologia dos arts. 9º, § 4º, 57, § 3º, e 101, § 3º da LC nº 80/1994, que reconhecem a necessidade de reciclagem constante dos membros do Conselho Superior. Por essa razão, os arts. 9º, § 4º, 57, § 3º e 101, § 3º da LC nº 80/1994 devem ser interpretados de forma ampliativa, impedindo que os membros natos que já tenham integrado o colegiado por dois mandatos seguidos retornem imediatamente como membro classista. Com isso, seria criada verdadeira cláusula de barreira ou de quarentena, garantindo a reciclagem institucional no âmbito do Conselho Superior da Defensoria Pública. Importante observar que as cláusulas de quarentena têm recebido considerável aceitação no ordenamento jurídico, contando com previsão, inclusive, na própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que impede que os membros do Tribunal de Justiça se perpetuem na administração (art. 102 da LC nº 35/1979). 15.3.4 A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública
A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública é o órgão de fiscalização da atividade funcional e da conduta dos membros e dos servidores da Defensoria Pública, sendo exercida pelo Corregedor-Geral (arts. 11, 59 e 104 da LC nº 80/1994). No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, o Corregedor-Geral será indicado dentre os integrantes da classe mais elevada da carreira pelo Conselho Superior e nomeado pelo Presidente da República para mandato de dois anos e sem qualquer limitação quanto à recondução, tudo em conformidade com os arts. 12 e 60 da LC nº 80/1994. Nas Defensorias Públicas dos Estados, a escolha do Corregedor-Geral se dará por meio de lista tríplice formada pelo Conselho Superior, com consequente remessa ao Defensor Público Geral para nomeação, cujo mandato terá duração de dois anos, permitida uma recondução, na forma do art. 104
da LC nº 80/1994. Afigura-se possível a destituição do Corregedor-Geral antes do término do mandato, por proposta do Defensor Público Geral e voto de dois terços dos membros do Conselho Superior. Na deliberação que discutirá a destituição, o próprio Corregedor-Geral não poderá participar como membro votante, ante o nítido conflito de interesses, conforme previsão do art. 12, parágrafo único, art. 60, parágrafo único e art. 104, § 1º, todos da LC nº 80/1994. Quando trata da matéria afeta à destituição do Corregedor-Geral da Defensoria Pública da União, o art. 12, parágrafo único da LC nº 80/1994 exige a observância da ampla defesa no processo administrativo. No entanto, a mesma ressalva não é realizada quando do tratamento da matéria no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Todavia, o silêncio do legislador não tem o condão de afastar a necessidade de se assegurar a ampla defesa no procedimento administrativo, ante a natureza constitucional do princípio (art. 5º, LV, da CRFB). A Lei Complementar nº 80/1994 contém interessante disposição direcionada aos Estados, permitindo que a legislação estadual insira na estrutura administrativa da Defensoria Pública a figura do Subcorregedor e regulamente suas atribuições e forma de indicação (art. 104, § 2º). As atribuições da Corregedoria-Geral são enumeradas nos arts. 13, 61 e 105, todos da Lei Complementar nº 80/1994, in verbis: 1) realizar correições e inspeções funcionais; 2) sugerir ao Defensor Público Geral o afastamento de Defensor Público que esteja sendo submetido a correição, sindicância ou processo administrativo disciplinar, quando cabível; 3) propor, fundamentadamente, ao Conselho Superior a suspensão do estágio probatório de membros da Defensoria Pública; 4) receber e processar as representações contra os membros da Defensoria Pública, encaminhando-as, com parecer, ao Conselho Superior; 5) apresentar ao Defensor Público Geral, em janeiro de cada ano, relatório das atividades desenvolvidas no ano anterior; 6) propor a instauração de processo disciplinar contra membros da Defensoria Pública e seus servidores; 7) acompanhar o estágio probatório dos membros da Defensoria Pública; 8) propor a exoneração de membros da Defensoria Pública que não cumprirem as condições do estágio probatório. Além das atribuições já apontadas, o art. 105 da LC nº 80/1994 enumera outras quatro atribuições específicas das Corregedorias-Gerais das Defensorias Públicas dos Estados, a saber: 1) baixar normas, no limite de suas atribuições, visando à regularidade e ao aperfeiçoamento das atividades da Defensoria Pública, resguardada a independência funcional de seus membros; 2) manter atualizados os assentamentos funcionais e os dados estatísticos de atuação dos membros da Defensoria Pública, para efeito de aferição de merecimento;
3) expedir recomendações aos membros da Defensoria Pública sobre matéria afeta à competência da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública; 4) desempenhar outras atribuições previstas em lei ou no regulamento interno da Defensoria Pública. 15.3.5 Os órgãos de atuação da Defensoria Pública
O funcionamento das Defensoria Pública da União, da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios e das Defensorias Públicas dos Estados fica a cargo de dois órgãos de atuação distintos: (i) as Defensorias Públicas (art. 5º, II, a; art. 53, II, a; e art. 98, II, a); e (ii) os Núcleos (art. 5º, II, b; art. 53, II, b; art. 98, II, b). Primeiramente, às Defensorias Públicas cabe genericamente realizar a prestação da assistência jurídica gratuita, abrangendo as atividades judicial, pré-judicial e extrajudicial. Por sua vez, aos Núcleos cabe o desempenho de atribuições específicas, de acordo com as necessidades e especificidades do serviço jurídico-assistencial público. No âmbito da Defensoria Pública da União, os órgãos de atuação são dirigidos pelo Defensor Público-Chefe, designado pelo Defensor Público Geral Federal, dentre qualquer dos integrantes da carreira (arts. 15 e 17 da LC nº 80/1994). De acordo com o art. 15, parágrafo único da LC nº 80/1994, ao Defensor Publico-Chefe, sem prejuízo de suas funções institucionais, compete: 1) coordenar as atividades desenvolvidas pelos Defensores Públicos Federais que atuem em sua área de competência; 2) sugerir ao Defensor Público Geral providências para o aperfeiçoamento das atividades institucionais em sua área de competência; 3) deferir ao membro da Defensoria Pública da União sob sua coordenação direitos e vantagens legalmente autorizados, por expressa delegação de competência do Defensor Público Geral; 4) solicitar providências correlacionais ao Defensor Público Geral, em sua área de competência; 5) remeter, semestralmente, ao Corregedor-Geral, relatório das atividades na sua área de competência. De acordo com o art. 62 da LC nº 80/1994, a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios “exercerá suas funções institucionais através de Núcleos” (art. 62), dirigidos por um Defensor Público Chefe, designado pelo Defensor Público Geral, dentre integrantes da carreira (art. 63), cabendo-lhe: 1) prestar, no Distrito Federal e nos Territórios, assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados; 2) integrar e orientar as atividades desenvolvidas pelos Defensores Públicos que atuem em sua área de competência; 3) remeter, semestralmente, ao Corregedor-Geral, relatório de suas atividades;
4) exercer as funções que lhe forem delegadas pelo Defensor Público Geral. Em virtude da competência concorrente não cumulativa ou vertical (art. 24, XIII da CRFB), a Lei Complementar nº 80/1994 traçou apenas normas gerais sobre os órgãos de atuação das Defensorias Públicas dos Estados, deixando a cargo do legislador estadual o detalhamento normativo da matéria. Relevante observar, no entanto, que o art. 106-A da LC nº 80/1994 determina que “a organização da Defensoria Pública do Estado deve primar pela descentralização, e sua atuação deve incluir atendimento interdisciplinar, bem como a tutela dos interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos”. Além disso, o art. 107 do referido diploma legal autoriza a Defensoria Pública do Estado a “atuar por intermédio de núcleos ou núcleos especializados, dando-se prioridade, de todo modo, às regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”. 15.3.6 Os órgãos de execução da Defensoria Pública
De maneira atécnica e aberrante, a Lei Complementar nº 80/1994 classifica os Defensores Públicos como “órgãos de execução” da Defensoria Pública (art. 5º, III, a; art. 53, III; e art. 98, III, a). No entanto, não podemos confundir os conceitos de órgão, de cargo e de agente público. Os órgãos são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais; os cargos são lugares criados no órgão, para serem providos por agentes; e os agentes, por sua vez, são as pessoas físicas que, titularizando o cargo, exercerão as funções públicas legalmente atribuídas ao órgão. Em síntese, o órgão é a unidade de ação; o cargo é o lugar reservado ao agente; e o agente é a pessoa física que exercita as funções do órgão. Por isso, não podemos identificar o órgão com o cargo e, muito menos, com o próprio agente16. Dessa forma, o Defensor Público não pode ser considerado como órgão de execução da Defensoria Pública. Na verdade, o Defensor Público é a pessoa humana que infunde vida e vontade ao órgão de atuação, desempenhando as funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 80/1994. 15.3.7 A Ouvidoria-Geral das Defensoria Públicas dos Estados
A grande novidade da reforma implementada na Lei Complementar nº 80/1994 foi a inclusão da Ouvidoria-Geral no âmbito das Defensorias Públicas dos Estados, conforme previsto no art. 105-A. De acordo com o referido dispositivo, “a Ouvidoria-Geral é órgão auxiliar da Defensoria Pública do Estado, de promoção da qualidade dos serviços prestados pela Instituição”. A estrutura da Ouvidoria-Geral será definida pelo Conselho Superior após proposta do OuvidorGeral, contando com servidores do quadro da Defensoria Pública do Estado (art. 105-A, parágrafo único da LC nº 80/1994). Segundo determina o art. 105-B da LC nº 80/1994, “o Ouvidor-Geral será escolhido pelo Conselho Superior, dentre cidadãos de reputação ilibada, não integrante da Carreira, indicados em lista tríplice formada pela sociedade civil, para mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) recondução”.
A constituição da lista tríplice pela sociedade civil deverá ser alvo de regulamentação pelo próprio Conselho Superior, como manda o art. 105-B, § 1º da LC nº 80/1994, enquanto que a nomeação do escolhido é atribuição do Defensor Público Geral (art. 105-B, § 2º). Diante da importância fundamental da função na estrutura administrativa da Defensoria Pública, a Lei Complementar nº 80/1994 exige que o cargo de Ouvidor-Geral seja exercido em regime de dedicação exclusiva, não podendo o candidato habilitado exercer outras funções (art. 105-B, § 3º). As atribuições da Ouvidoria-Geral são elencadas no art. 105-C da LC nº 80/1994, a seguir enumeradas: 1) receber e encaminhar ao Corregedor-Geral representação17 contra membros e servidores da Defensoria Pública do Estado, assegurada a defesa preliminar; 2) propor aos órgãos de administração superior da Defensoria Pública do Estado medidas e ações que visem à consecução dos princípios institucionais e ao aperfeiçoamento dos serviços prestados; 3) elaborar e divulgar relatório semestral de suas atividades, que conterá também as medidas propostas aos órgãos competentes e a descrição dos resultados obtidos; 4) participar, com direito a voz, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado; 5) promover atividades de intercâmbio com a sociedade civil; 6) estabelecer meios de comunicação direta entre a Defensoria Pública e a sociedade, para receber sugestões e reclamações, adotando as providências pertinentes e informando o resultado aos interessados; 7) contribuir para a disseminação das formas de participação popular no acompanhamento e na fiscalização da prestação dos serviços realizados pela Defensoria Pública; 8) manter contato permanente com os vários órgãos da Defensoria Pública do Estado, estimulando-os a atuar em permanente sintonia com os direitos dos usuários; 9) coordenar a realização de pesquisas periódicas e produzir estatísticas referentes ao índice de satisfação dos usuários, divulgando os resultados. A)
DA NATUREZA JURÍDICA DA OUVIDORIA-GERAL: Em essência, a Ouvidoria-Geral pode ser encarada sob dois pontos de vista distintos: (i) como órgão de comunicação entre a população e a administração da Defensoria Pública; ou (ii) como órgão de participação popular no âmbito da administração da Defensoria Pública. No primeiro caso, a Ouvidoria seria compreendida como canal permanente de comunicação, permitindo o constante e ininterrupto diálogo entre a população e a administração da Defensoria Pública, de modo a otimizar os serviços prestados ao público. Nesse modelo de interlocução social, não seriam impostos obstáculos para a composição da Ouvidoria-Geral, que poderia ser formada por populares ou membros da própria Defensoria Pública, constituindo órgão de composição neutra. Esse sistema restou adotado no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em virtude da interpretação literal da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 (modificada pela Lei Complementar Estadual nº 112/2006), cujo art. 20-B determina que “o Ouvidor-Geral será nomeado
pelo Defensor Público Geral, escolhido em lista tríplice formada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução, respeitado o mesmo procedimento”. Na segunda hipótese, a Ouvidoria seria encarada como a própria intervenção popular na Defensoria Pública, constituindo um exemplo típico de participação social na gestão da coisa pública. Desse modo, seria aberta uma fenda no hermético sistema da justiça, permitindo que as vozes dos destinatários da assistência jurídica estatal gratuita fossem incorporadas na estrutura interna da Defensoria Pública. Nesse modelo participativo, não seria admitido o ingresso de membros da própria Defensoria Pública na composição da Ouvidoria-Geral, que seria formada apenas por membros da sociedade civil, de modo a legitimar o paradigma participativo. Com isso, a Ouvidoria-Geral se caracterizaria como órgão de natureza externa. Esse organização sistêmica restou adotada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, criada pela Lei Complementar Estadual nº 988/2006: A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, desde a sua criação, conta com a participação direta de entidades politicamente organizadas e movimentos sociais em sua estrutura e, também, tem em sua fundação o exercício da fiscalização externa, exercida pela Ouvidoria-Geral e seu Conselho Consultivo. A criação de uma Ouvidoria externa, inserida em uma instituição jurídica, caracteriza um inovador mecanismo de controle e participação social que potencialmente gesta um novo referencial não apenas para as Defensorias, mas para todo o Sistema de Justiça, atendendo a um anseio há tempos consolidado. No caso da DPESP a sociedade politicamente organizada está representada, através da Ouvidoria-Geral, no corpo institucional da Defensoria Pública, tanto através do próprio Ouvidor-Geral, quanto através de seu Conselho Consultivo, composto por 19 membros da sociedade politicamente organizada, que acompanham a atividade da Defensoria, além de formular críticas e sugestões para o aprimoramento de seus serviços. (CARDOSO, Luciana Zafallon Leme. Participação social na defensoria pública: inovações democráticas na esfera do sistema de justiça. In SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova defensoria pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 171/172)
Sem dúvida, a ideia de democratizar a gestão da Defensoria Pública e de garantir participação popular nos desígnios institucionais se revela muito atraente. Esse sistema pode proporcionar o amplo conhecimento do quadro de exclusão da ordem jurídica, possibilitando a identificação das prioridades institucionais e de eventuais soluções coletivas para os problemas da sociedade. Além disso, a participação popular pode ajudar no aprimoramento dos serviços prestados pela Defensoria Pública, através da indicação das falhas e das carências institucionais. No entanto, o grande problema é a demarcação da tênue fronteira entre a sugestão e o intervencionismo. Quando a participação popular deixa de exercer um papel sugestivo e passa a intervir diretamente na vida institucional da Defensoria Pública, com ingerência concreta sobre a atividade jurídico-assistencial, o sistema participativo pode acabar afetando a própria independência funcional do Defensor Público. Admitir que grupos politicamente organizados intervenham compulsoriamente no cotidiano institucional e imponham determinadas teses institucionais poderia tornar a Defensoria Pública refém de grupos que tencionam a autopromoção política ou o alcance de objetivos escusos. Importante destacar, por fim, que o modelo participativo restou adotado pela Lei Complementar nº 132/2009, que realizou a reforma da Lei Complementar nº 80/1994 e determinou que “o OuvidorGeral será escolhido pelo Conselho Superior, dentre cidadãos de reputação ilibada, não integrante da Carreira, indicados em lista tríplice formada pela sociedade civil, para mandato de 2 (dois)
anos, permitida 1 (uma) recondução” (art. 105-B da LC nº 80/1994). B)
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA OUVIDORIA-GERAL: A partir da criação da Ouvidoria-Geral, nos moldes propostos pela Lei Complementar nº 132/2009, surgiram vozes na doutrina sustentando sua inconstitucionalidade por dois fundamentos distintos: (i) inconstitucionalidade formal, por violação ao art. 24 da CRFB, em virtude da invasão da esfera legislativa específica dos Estados-membros; e (ii) inconstitucionalidade material, por violação do princípio da isonomia (art. 5º, caput da CRFB), em razão da ausência de previsão legislativa de implementação da Ouvidoria-Geral no âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios. A primeira modalidade de inconstitucionalidade se encontra fundada na competência concorrente não cumulativa ou vertical para legislar sobre “assistência jurídica e Defensoria Pública” (art. 24, XIII da CRFB), que outorga à União a competência para a fixação de normas gerais (art. 24, § 1º), e aos Estados-membros a competência para normatizar os aspectos específicos da matéria (art. 24, § 2º). Seguindo o raciocínio sustentado pelos partidários dessa corrente, não poderia a União legislar sobre a Ouvidoria-Geral, pois a referida matéria fugiria da competência geral outorgada pelo art. 24, § 1º da CRFB e invadiria a esfera legislativa específica dos Estados-membros. No entanto, pela leitura dos arts. 105-A, 105-B e 105-C da LC nº 80/1994 (incluídos pela Lei Complementar nº 132/2009), podemos perceber que as normas contidas nos referidos dispositivos apresentam caráter eminentemente geral, não havendo qualquer invasão à esfera legislativa estadual. Na verdade, a Lei Complementar nº 80/1994 apenas busca delimitar as diretrizes gerais acerca da Ouvidoria-Geral, restando autorizado aos Estados-membros a realização da normatização adicional e específica sobre a matéria. Tanto isso é verdade que o próprio art. 105-B, § 1º da LC nº 80/1994 deixa clara a existência de questões pendentes de regulamentação, estabelecendo que “o Conselho Superior editará normas regulamentando a forma de elaboração da lista tríplice”. Portanto, entendemos não existir qualquer inconstitucionalidade formal na criação da OuvidoriaGeral pela Lei Complementar nº 132/2009. No que tange à inconstitucionalidade material, entretanto, o plano de extensão da Lei Complementar nº 132/2009 parece violar flagrantemente a isonomia institucional existente entre os diversos ramos da Defensoria Pública. Embora a Lei Complementar nº 80/1994 disponha sobre a organização da Defensoria Pública da União (Título II), a organização da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (Título III) e estabeleça as normas gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados (Título IV), o referido diploma legal apenas formalizou a instituição da Ouvidoria-Geral no âmbito estadual (arts. 105-A, 105-B e 105-C da LC nº 80/1994). Não existe no ordenamento jurídico ou na realidade institucional qualquer razão que justifique a distinção realizada pela Lei Complementar nº 132/2009; afinal, os diversos ramos da Defensoria Pública se encontram separados unicamente em virtude da distribuição constitucional de atribuições. Como forma de tentar fundamentar a diferenciação, cogitou-se que a Ouvidoria seria resposta à autonomia concedida às Defensorias Públicas Estaduais pela Emenda Constitucional nº 45/2004, através do art. 134, § 2º da CRFB; no entanto, esse argumento vazio perdeu o pouco fundamento que
poderia possuir com a edição das Emendas Constitucionais nº 69/2012 e nº 74/2013, que conferiram expressamente autonomia também à Defensoria Pública do Distrito Federal e à Defensoria Pública da União. Por essa razão, não havendo justificativa razoável que fundamente a quebra da isonomia institucional entre os diversos ramos da Defensoria Pública, entendemos que os arts. 105-A, 105-B e 105-C da LC nº 80/1994 (incluídos pela Lei Complementar nº 132/2009) são materialmente inconstitucionais, por violarem o art. 5º, caput da CRFB. C)
A PARTICIPAÇÃO DE DEFENSORES PÚBLICOS APOSENTADOS NA OUVIDORIA-GERAL: De acordo com o art. 105-B da LC nº 80/1994, “o Ouvidor-Geral será escolhido pelo Conselho Superior, dentre cidadãos de reputação ilibada, não integrante da Carreira, indicados em lista tríplice formada pela sociedade civil, para mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) recondução”. A interpretação da expressão “não integrante da carreira”, nos leva à seguinte reflexão: poderia o Defensor Público aposentado se habilitar no processo seletivo de escolha do cargo de OuvidorGeral? Para responder à indagação, primeiramente é necessário compreender se o Defensor Público, após o ato de aposentação, permanece como integrante da carreira. De início, conforme analisado anteriormente no capítulo atinente às garantias, os membros da Defensoria Pública gozam de estabilidade (arts. 43, IV, 88, IV e 127, IV da LC nº 80/1994), não podendo perder o cargo, exceto em virtude de sentença judicial transitada em julgada, por meio de procedimento administrativo em que seja assegurada a ampla defesa ou em razão de procedimento de avaliação periódica de desempenho (art. 41, § 1º da CRFB). A vitaliciedade, constitucionalmente prevista para os membros da magistratura (art. 95, I), para os membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, a) e para os Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas (art. 73, § 3º), não foi consagrada no âmbito da Defensoria Pública, sendo certo que o próprio Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as disposições da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que contemplavam a vitaliciedade no âmbito da Defensoria Pública da referida unidade federada18. Desse modo, ao atingir a aposentadoria o membro da Defensoria Pública deixa de ocupar o cargo de Defensor Público, ingressando no regime previdenciário vigente à época de sua aposentação. Consequentemente, a aposentadoria suprime as garantias e prerrogativas do cargo, de modo que o Defensor Público passa a não mais integrar a carreira. O simples fato de malsinadas resoluções da Defensoria Pública do Rio de Janeiro permitirem que os aposentados votem nas eleições para Defensor Público Geral e para o Conselho Superior não os tornam integrantes da carreira. Na realidade, tais disposições devem ser revogadas por estarem em desacordo com os arts. 99 e 101 da Lei Complementar nº 80/1994, que estendem o direito de voto apenas aos membros da Defensoria Pública. Pode o Defensor Público aposentado, no entanto, a convite da administração ocupar funções no âmbito da Defensoria Pública, em especial, aquelas relacionadas à preparação de novos Defensores Públicos, visto que a experiência dos aposentados é lição a ser ensinada no presente. Portanto, não subsiste qualquer óbice legal que impeça o Defensor Público aposentado de
concorrer ao cargo de Ouvidor-Geral, estando perfeitamente adequado ao disposto no art. 105-B da LC nº 80/1994. D)
DA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 112/2006 DO RIO DE JANEIRO PELA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 132/2009: De acordo com o art. 24, XIII da CRFB, a competência para legislar sobre “assistência judiciária e Defensoria Pública” encontra-se inserida dentro da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal. Dessa forma, seguindo a competência concorrente não cumulativa ou vertical, cabe à União a competência para a fixação de normas gerais e aos Estados-membros a competência para normatizar os aspectos específicos da matéria. Por expressa disposição do art. 24, § 1º da CRFB, encontra-se a União tolhida aos aspectos genéricos da norma, devendo apenas definir orientações gerais para a organização das Defensorias Públicas dos Estados. Do mesmo modo, mas em posição oposta, devem os Estados-membros tão somente complementar as normas editadas pela União, respeitando os aspectos legais genéricos traçados pela ordem central. No que tange a normatização da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, entretanto, permaneceu a União omissa quanto à edição da lei geral, razão pela qual restaram os Estados-membros temporariamente autorizados a legislarem de forma plena sobre o assunto, nos termos do art. 24, § 3º, da CRFB. Seguindo o permissivo constitucional, restou editada, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei Complementar Estadual nº 112/2006, dispondo sobre a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, in verbis: Art. 20-A. A Ouvidoria-Geral é órgão auxiliar da Defensoria Pública, de acompanhamento da fiscalização da atividade funcional dos seus membros e servidores. Parágrafo único: A Ouvidoria-Geral contará com servidores da Defensoria Pública e com a estrutura disponibilizada pela Chefia institucional. Art. 20-B. O Ouvidor-Geral será nomeado pelo Defensor Público Geral, escolhido em lista tríplice formada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução, respeitado o mesmo procedimento. § 1º O Ouvidor-Geral poderá ser destituído na forma do § 6º do art. 7ºda Lei Complementar nº 06/1977. § 2º O Ouvidor-Geral ocupará cargo com status e representação de Subsecretário-Adjunto, ficando desde já criados, na estrutura da Defensoria Pública Geral do Estado, o cargo de Ouvidor-Geral, remunerado pelo símbolo SA, e 2 (dois) cargos de Coordenador-Assessor, os quais integrarão a assessoria da Ouvidoria-Geral e serão nomeados pelo Defensor Público Geral, remunerados pelo símbolo DG. Art. 20-C. À Ouvidoria-Geral compete: I – receber e encaminhar ao Defensor Público Geral reclamações e denúncias contra membros e servidores da Defensoria Pública; II – representar à Corregedoria-Geral; III – acompanhar as sindicâncias e os processos administrativos disciplinares, em todas as suas fases, observado o sigilo; IV – propor aos órgãos da administração superior da Defensoria Pública medidas e ações que visem à consecução dos princípios institucionais e ao aperfeiçoamento dos serviços prestados pela instituição; V – elaborar e divulgar relatórios sobre suas atividades. VI – recorrer ao Conselho Superior da Defensoria Pública contra a decisão de arquivamento de sindicância; VII – usar da palavra nas reuniões do Conselho Superior da Defensoria Pública nos procedimentos disciplinares, sem direito a
voto.
No entanto, com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, a União exerceu sua competência legislativa latente e realizou a normatização dos aspectos gerais da Ouvidoria da Defensoria Pública (arts. 105-A, 105-B e 105-C da LC nº 80/1994). Com isso, a Lei Complementar Estadual nº 112/2006 teve sua eficácia suspensa, naquilo que contrariava a norma editada pela União, nos termos do art. 24, § 4º, da CRFB: Art. 24, § 4º, da CRFB: A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Desse modo, com a edição da Lei Complementar nº 132/2009, a escolha do Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro passou obrigatoriamente a obedecer os critérios traçados pelo art. 105-B da LC nº 80/1994, não podendo mais seguir o procedimento indicado na Lei Complementar Estadual nº 112/2006. Sendo assim, o Ouvidor-Geral fluminense deverá compulsoriamente ser “escolhido pelo Conselho Superior, dentre cidadãos de reputação ilibada, não integrante da carreira, indicados em lista tríplice formada pela sociedade civil”. 15.3.8 Da pretendida criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública
A Constituição de 1988 demonstra em seu texto a preocupação do constituinte em preservar a coisa pública em respeito à soberania do povo brasileiro. Além de adotar o sistema de tripartição de poderes estabeleceu, de forma acertada, os mecanismos de freios e contrapesos. Principalmente em relação ao orçamento público, previu a figura dos Tribunais de Contas, órgãos encarregados de prestar auxílio ao poder legislativo a exercer o controle externo. Uma década e meia após a promulgação da Constituição Federal, houve a necessidade de se realizar uma reforma na parte que toca ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, tendo a Emenda Constitucional nº 45/2004 instituído as figuras do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (art. 103-B) e do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP (art. 130-A), cujo papel compreende o controle e fiscalização da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário e do Ministério Público, além do cumprimento dos deveres funcionais por parte todos os magistrados e integrantes do parquet. Um primeiro passo dado no caminho de se instalar um controle fiscalizatório sobre a Defensoria Pública se deu com o advento da Lei Complementar nº 132/2009, por meio da criação da figura da Ouvidoria. Com o notório crescimento e desenvolvimento da Defensoria Pública, que passou a assumir novas atribuições no universo jurídico brasileiro, constituindo um dos pilares integrantes da justiça, ao lado do Ministério Público, vozes se levantaram com o fim de questionar a ausência de mecanismos mais efetivos de controle e fiscalização. E com base nesta discussão, atualmente, encontra-se em trâmite no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 525/2010, que prevê a criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública. De acordo com a justificativa da proposta, a criação do CNDP objetiva eliminar a diferença de tratamento ainda existente entre os membros da Defensoria Pública e os membros da Magistratura e Ministério Público, colocando termo a uma histórica discriminação entre carreiras de mesmo
patamar constitucional, in verbis: A presente Proposta de Emenda à Constituição submete a apreciação de meus nobres pares a criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública com vistas a eliminar patente diferença de tratamento ainda existente entre os membros desta importante carreira de Estado e os membros da Magistratura e Ministério Público, sendo que o fundamento para a fixação do necessário tratamento isonomico encontra sua base na própria Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 134 dispõe ser a Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional do Estado. A criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, constitui um marco na história dessas nobres carreiras jurídicas, tendo em vista as importantes missões que foram conferidas aos mesmos, o que sem dúvida contribuiu para impulsionar o crescimento e a consolidação de tais instituições, imprimindo maior eficiência à atuação dos mesmos, não só por meio do controle de suas atuações administrativas e financeiras, como também do controle do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Com efeito, não há como se negar igual tratamento a Defensoria Pública, a qual, muito embora de semelhante status constitucional que as demais carreiras jurídicas, ainda se ressente de meios que lhe proporcionem melhores e mais satisfatórias condições para fazer frente à sua relevante missão institucional. A intenção da presente proposta, portanto, é buscar uniformidade e coerência no tratamento dado aos integrantes das carreiras que compõe as funções essenciais à justiça, nas esferas Federal e Estadual, em estrita obediência ao que dispõe o texto constitucional. Destaque-se ser, ainda, intenção imediata da presente proposta de alteração constitucional a valorização da Defensoria Pública Nacional como um dos instrumentos mais importantes para se galgar à inclusão social, o pleno acesso à Justiça e o respeitos aos direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Segundo informações censitárias, há cerca de 90 milhões de brasileiros vivendo com apenas 2 salários mínimos, pessoas essas que desconhecem os seus direitos, não possuem condições financeiras de se fazerem representadas judicial e extrajudicialmente e são, na prática, abandonadas pelo Estado. Dessa maneira, urge aparelhar a Defensoria Pública garantindo-lhe a criação de um nova instância, a nível nacional, cuja criação, sem nenhuma sombra de dúvida, proporcionará uma maior visibilidade e unidade a instituição.
Acompanhando a estrutura organizacional do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, a PEC nº 525/2010 confere ao Conselho Nacional da Defensoria Pública composição heterogênea, sendo integrado por 16 membros nomeados pelo Presidente da República, com mais de 35 e menos de 66 anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: (i) o Defensor Público eleito, que o preside; (ii) nove integrantes das carreiras da Defensoria Pública da União, Defensoria Pública dos Estados e Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios; (iii) dois juízes, sendo um indicado pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; (iv) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; e (v) dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. Primeiramente, é importante destacar que a participação de juízes no CNDP restou questionada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, tendo em vista que, “simetricamente, não há a participação de Defensores Públicos na composição do CNJ”19. Ainda que se admita que magistrados integrem o corpo do CNDP, nada mais lógico que a mesma emenda que institua o Conselho também altere a composição do CNJ, incluindo a figura de Defensores Públicos em sua composição, de forma a estabelecer a simetria e coerência do sistema. Do contrário, a ausência de defensores públicos no corpo do CNDP poderá trazer a equivocada impressão de que o Poder Judiciário e o Ministério Público se sobrepõe à Defensoria Pública, ante a ausência de representação. Além disso, devemos observar que a proposta não define como as vagas atribuídas aos Defensores Públicos serão distribuídas entre as Defensorias Públicas da União, dos Estados e do
Distrito Federal e Territórios. Em princípio, a ausência de regulamentação da matéria em sede constitucional não representa qualquer irregularidade, podendo a questão ser normatizada pela lei ordinária regulamentadora do Conselho Nacional da Defensoria Pública. O importante é que as vagas atribuídas aos Defensores Públicos sejam divididas de maneira equânime e isonômica entre as Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, principalmente pelo fato de esta última ter se desvinculado da União com o advento da EC nº 69/12. Como o somatório de todas as Defensorias Públicas supera largamente a quantidade de vagas disponíveis no CNDP, talvez a melhor solução fosse formalizar a criação de um critério de rotatividade, permitindo que cada um dos integrantes da divisão federativa pudesse periodicamente participar do conselho20, sob risco de se permitir que determinados Estados tenham assento permanente no Conselho. Segundo preceitua a PEC nº 525/10, “os membros do Conselho oriundos da Defensoria Pública dos Estados serão eleitos pelos Integrantes da Carreira da respectiva Unidade Federativa, na forma da lei”. Relevante observar, no entanto, que o dispositivo se refere unicamente aos conselheiros provenientes das Defensorias Públicas Estaduais, não sendo realizada a previsão de como deverá ser formalizada a escolha dos representantes da DPU e da DPDF. Nesse ponto, portanto, deve a referida proposta ser trabalhada, de modo a garantir que o critério democrático de escolha dos Defensores Públicos conselheiros seja aplicado em relação a todas as Defensorias Públicas. A PEC nº 525/2010 determina que a presidência do Conselho Nacional da Defensoria Pública será sempre exercida por Defensor Público, que deverá ser eleito mediante votação secreta para um mandato de dois anos, vedada a recondução. Esse sistema de escolha diverge do modelo implementado no CNJ e no CNMP, cuja presidência é constitucionalmente atribuída ao presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 103-B, § 1º da CRFB) e ao Procurador-Geral da República (art. 130A, I da CRFB), respectivamente. Em razão dessa discrepância, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania questionou a constitucionalidade da PEC nº 525/10, votando pela inadmissibilidade da proposta: Nesse ponto, a conformação institucional proposta diverge da organização dos Conselhos de controle externo parâmetros do CNDP. Os artigos 103-B, inciso I, e 130-A, inciso I, da CF, indicam o Presidente do Supremo Tribunal Federal e o ProcuradorGeral da República como presidentes do CNJ e do CNMP, respectivamente. Nesse sentido, não obstante a União, os Estados e os Municípios não estejam articulados em relação de hierarquia, os dois últimos, como ordens jurídicas regionais e locais revestidas de autonomia institucional, devem estar alinhados à ordem jurídica central, sem que esse aspecto quebre a horizontalidade estabelecida entre eles. Trata-se do reconhecimento do papel da União no equilíbrio do pacto federativo, como organização jurídica central de alinhamento de forças e de estruturas normativas, sem que isso implique superioridade ou hierarquia perante os demais entes. Simetricamente, é imperioso o reconhecimento de que a Defensoria Pública da União (DPU), como órgão integrante da estrutura organizacional da União, funciona como sua longa manus na tarefa constitucional de manutenção do equilíbrio do pacto federativo, no âmbito do microssistema da Defensoria Pública brasileira, resguardando-se a autonomia das Defensorias Estaduais (DPEs) e a sua relação de horizontalidade com a DPU. O mesmo reconhecimento é atribuído ao Supremo Tribunal Federal (como guardião da Constituição Federal e do pacto federativo), no caso da presidência do CNJ, e ao Ministério Público Federal, no caso da presidência do CNMP. Portanto, viola cabalmente os artigos 1º, 18 e 25 da Constituição Federal, eventual emenda que possibilite ser a presidência do CNDP, como órgão de controle externo da União, exercida por membro de Defensoria Pública Estadual. Essa ocorrência implica grave violação ao pacto federativo, segundo o qual é da União – e unicamente da União – o dever de assegurar o equilíbrio e a uniformização de forças entre todos as pessoas jurídicas federativas. É temerário permitir que outro ente federativo, ainda que de mesmo grau hierárquico, usurpe essa função, sob pena de inversão dos valores consagrados na CF. Mais temerária ainda é a possibilidade de que o controle externo a ser exercido em face da DPU seja comandado por membro de DPE. (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Relator Dep. ROBERTO FREIRE, emissão: 11-05-2011)
Segundo entendemos, entretanto, nenhuma inconstitucionalidade material resta contida no modelo de escolha da presidência do Conselho Nacional da Defensoria Pública. Inicialmente, devemos lembrar que não existe qualquer vinculação hierárquica, administrativa ou financeira entre as Defensorias Públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, possuindo cada uma delas organização autônoma e distinta. Por isso, não se revela correto afirmar que a Defensoria Pública da União esteja encarregada de exercer qualquer função central organizadora ou garantidora do equilíbrio federativo. Na verdade, todas as Defensorias Públicas possuem idêntica hierarquia sistêmica, estando separadas unicamente em virtude da divisão constitucional de atribuições. Ademais, o Defensor Público Geral Federal é escolhido unicamente pelo voto emitido pelos Defensores Públicos Federais, não participando de sua eleição os membros das Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal. Sendo assim, se a presidência do CNDP fosse atribuída automaticamente ao Defensor Público Geral Federal, a escolha seria realizada unicamente por um núcleo privilegiado de indivíduos, restando absolutamente excluídos do processo eleitoral milhares de Defensores Públicos que atuam nos Estados-membros e na Capital Federal. Pela aplicação fundamental do princípio democrático dentro do microssistema da Defensoria Pública, a escolha do presidente do Conselho Nacional da Defensoria Pública deve ser realizada pela maioria de seus membros, prestigiando o princípio da colegialidade e garantindo que a eleição represente a vontade indireta da maioria dos membros de todas as Defensorias Públicas do país. A presidência do Conselho Nacional de Justiça é exercida automaticamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, por ser esse colegiado o órgão de cúpula do Poder Judiciário no Brasil. Isso não ocorre, entretanto, no caso da Defensoria Pública da União, que não possui qualquer superioridade hierárquica em relação às Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal. Do mesmo modo, não podemos utilizar a norma que atribui a presidência do CNMP ao Procurador-Geral da República (art. 130-A, I da CRFB) para fundamentar a atribuição da presidência do CNDP ao Defensor Público Geral Federal, pois isso significaria utilizar um erro para justificar outro. Basta lembrar que a regra de seleção do presidente do CNMP tem sido duramente criticada pela doutrina especializada, como demonstra o posicionamento abaixo transcrito: Buscando manter clara relação de simetria em relação ao Conselho Nacional de Justiça, que sempre será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, dispõe o art. 130-A, I, da Constituição da República que recai sobre o Chefe do Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República, a condição de membro nato e presidente perpétuo do Conselho Nacional do Ministério Público. Esqueceram os idealizadores da fórmula, no entanto, que diversamente do Supremo Tribunal Federal, que é órgão de cúpula do Poder Judiciário no Brasil, tendo competência para rever inúmeros atos praticados pelas instâncias inferiores, o Ministério Público da União não é o órgão de cúpula do Ministério Público no Brasil, e muito menos tem a atribuição de rever os atos praticados pelos congêneres estaduais: com eles coexiste em condição de igualdade, cada qual atuando em sua respectiva esfera de atribuições. A reforma, assim, terminou por nivelar frutos e macacos no mesmo patamar pela singela razão de estarem todos sobre a árvore, gerando uma nítida e, a nosso ver, injustificável, presunção de superioridade do Ministério Público da União sobre os Ministérios Públicos Estaduais. (GARCIA, Emerson. Ministério Público – Organização, Atribuições e Regime Jurídico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 117)
Em síntese, portanto, não há nenhuma inconstitucionalidade no pretendido modelo de escolha da presidência do Conselho Nacional da Defensoria Pública, estando a fórmula utilizada pela PEC nº 525/2010 em perfeita sintonia com o princípio democrático contido no art. 1º da CRFB. Seguindo a teleologia do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
Público, a PEC nº 525/2010 pretende atribuir ao Conselho Nacional da Defensoria Pública o controle da atuação administrativa e financeira da Defensoria Pública e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: (i) zelar pela autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública, bem como pelo cumprimento de sua Lei Orgânica Nacional, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; (ii) zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos da Defensoria Pública Federal e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; (iii) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos da Defensoria Pública Federal ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da Instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (iv) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros da Defensoria Pública Federal ou dos Estados julgados há menos de um ano; e (v) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação da Defensoria Pública no país e as atividades do Conselho. No que tange ao controle sobre a atividade administrativa e financeira, a análise exercida pelo CNDP deverá se limitar à legalidade e à moralidade do ato praticado, não podendo refletir qualquer espécie de interferência sobre a autonomia constitucionalmente conferida à Defensoria Pública. Por isso, nos atos administrativos discricionários, o controle exercido pelo CNDP não poderá interferir no juízo de conveniência e oportunidade do administrador, restando vedada a adoção de qualquer medida tendente a modificar a escolha lícita realizada pelos órgãos administrativos da Defensoria Pública, dentre as opções legalmente reservadas para a edição do ato discricionário. Por outro lado, nos atos administrativos vinculados, como a lei determina todos os seus elementos, o controle exercido pelo CNDP terá maior amplitude, haja vista não conter o ato elementos que denotem a vontade subjetiva do administrador. Em relação ao controle correicional e disciplinar, o Conselho Nacional da Defensoria Pública deverá atuar como órgão administrativo superior, podendo analisar tanto a legalidade quanto o mérito de eventuais faltas funcionais21. Embora a fiscalização e a responsabilidade sejam princípios fundantes do modelo republicano, não se pode permitir que o controle exercido pelo CNDP transponha os horizontes constitucionais e se trasmude em instrumento de dominação política da Defensoria Pública. Para tanto, a lei ordinária regulamentadora do CNDP deve formalizar a previsão de mecanismos que contenham o uso do poder pelo CNDP e que previnam a ocorrência de qualquer espécie de censura sobre o pensamento do Defensor Público. A independência funcional dos membros da Defensoria Pública deve sempre ser preservada, pois Defensores Públicos independentes garantem o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e a perpetuidade incondicional do Estado Democrático de Direito (art. 3º-A da LC nº 80/1994). Coerente registrar que a instituição do CNDP, em tese, impediria a continuidade lógica da Ouvidoria nos moldes atualmente concebidos, uma vez que o próprio colegiado aglutinaria as funções hoje exercidas pelo Ouvidor, nos termos da Lei Complementar nº 132/2009.
Por fim, a PEC nº 525/2010 prevê importante gatilho orçamentário, estabelecendo que “aplica-se à Defensoria Pública, no que couber, o disposto no art. 93 da Constituição Federal”. Com isso, a referida proposta pretende sepultar uma histórica discriminação remuneratória existente entre carreiras de mesmo tratamento constitucional, assegurando aos membros da Defensoria Pública remuneração legal escalonada, seguindo a estrutura judiciária nacional (art. 93, V da CRFB). 15.4 A CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO Os diversos cargos que compõem a carreira de Defensor Público são escalonados em classes, em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições. Após a regular aprovação no concurso público e preenchimento dos requisitos legais, o candidato ingressa no nível inicial da carreira de Defensor Público e ascende progressivamente, seja por antiguidade ou por merecimento, até atingir o grau mais elevado da carreira. 15.4.1 O escalonamento da carreira na Defensoria Pública da União
O escalonamento da carreira na Defensoria Pública da União se encontra definido no art. 19 que divide os cargos efetivos em três categorias: (i) Defensor Público Federal de 2ª Categoria (categoria inicial); (ii) Defensor Público Federal de 1ª Categoria (categoria intermediária); e (iii) Defensor Público Federal de Categoria Especial (categoria final). No que tange ao regime de atuação, os Defensores Públicos Federais de 2ª Categoria atuarão junto aos Juízos Federais, aos Juízos do Trabalho, às Juntas e aos Juízes Eleitorais, aos Juízes Militares, às Auditorias Militares, ao Tribunal Marítimo e às instâncias administrativas (art. 20 da LC nº 80/1994). Por sua vez, os Defensores Públicos Federais de 1ª Categoria atuarão nos Tribunais Regionais Federais, nas Turmas dos Juizados Especiais Federais, nos Tribunais Regionais do Trabalho e nos Tribunais Regionais Eleitorais (art. 21 da LC nº 80/1994), enquanto que os Defensores Públicos Federais de Categoria Especial atuarão no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho, no Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal Militar e na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (art. 22 da LC nº 80/1994). Por fim, a atribuição para atuar perante o Supremo Tribunal Federal pertence ao Defensor Público Geral Federal, nos termos do art. 23 da LC nº 80/1994. 15.4.2 O escalonamento da carreira na Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios
No âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, o escalonamento da carreira se encontra previsto no art. 65 da LC nº 80/1994, que divide os cargos efetivos em três categorias: (i) Defensor Público do Distrito Federal e dos Territórios de 2ª Categoria (categoria inicial); (ii) Defensor Público do Distrito Federal e dos Territórios de 1ª Categoria (categoria intermediária); (iii) Defensor Público do Distrito Federal e dos Territórios de Categoria Especial (categoria final). Em relação ao regime de atuação, os Defensores Públicos do Distrito Federal de 2ª Categoria atuarão “nos Núcleos das Cidades Satélites, junto aos Juízes de Direito e às instâncias administrativas do Distrito Federal e dos Territórios, ou em função de auxílio ou substituição nos
Núcleos do Plano Piloto” (art. 66). Os Defensores Públicos do Distrito Federal e dos Territórios de 1ª Categoria, por sua vez, deverão atuar “nos Núcleos do Plano Piloto, junto aos Juízes de Direito e às instâncias administrativas do Distrito Federal e dos Territórios, ou em função de auxílio ou substituição junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios” (art. 67). Por derradeiro, os Defensores Públicos do Distrito Federal e dos Territórios de Categoria Especial atuarão junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e aos Tribunais Superiores (art. 68). 15.4.3 O escalonamento da carreira nas Defensorias Públicas dos Estados
Seguindo a competência concorrente não cumulativa ou vertical (art. 24, XIII da CRFB), a Lei Complementar nº 80/1994 não estabeleceu o escalonamento da carreira na Defensoria Pública dos Estados, deixando a cargo do legislador estadual o detalhamento normativo da matéria. No entanto, o art. 110 da LC nº 80/1994 ressalva a necessidade de composição da carreira por meio de “categorias de cargos efetivos necessárias ao cumprimento das suas funções institucionais, na forma a ser estabelecida na legislação estadual”. Importante ressaltar que o art. 111 da LC nº 80/1994 confere à Defensoria Pública do Estado a atribuição para atuar “junto a todos os Juízos de 1º grau de jurisdição, núcleos, órgãos judiciários de 2º grau de jurisdição, instâncias administrativas e Tribunais Superiores”. 15.4.4 O ingresso na carreira de Defensor Público
Seguindo a regra do art. 37, II c/c art. 134, § 1º, da CRFB, o ingresso na carreira de Defensor Público será realizado mediante aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, em conformidade com os arts. 24, 69 e 112 da LC nº 80/1994. O regulamento do concurso apontará os programas das disciplinas sobre as quais versarão as provas, bem como outras disposições pertinentes à sua organização e realização (arts. 24, § 1º, 69, § 1º e 112, § 1º da LC nº 80/1994). De acordo com os arts. 24, § 2º, 69, § 2º e 112, § 2º da LC nº 80/1994, “o edital de abertura de inscrições no concurso indicará, obrigatoriamente, o número de cargos vagos na categoria inicial da carreira”. Essa regra se encontra alinhada com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, que reconhece o direito subjetivo à nomeação para o cargo quando o candidato restar aprovado dentro do número de vagas previsto no edital22. No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, o concurso público deverá ser realizado “obrigatoriamente, quando o número de vagas exceder a um quinto dos cargos iniciais da carreira e, facultativamente, quando o exigir o interesse da administração” (arts. 25 e 70 da LC nº 80/1994). Segundo estabelecem os arts. 26 e 71 da LC nº 80/1994, o candidato ao cargo de Defensor Público Federal ou de Defensor Público do Distrito Federal e Territórios, no momento da inscrição, “deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense”23. No que concerne à Defensoria Pública dos Estados, a Lei Complementar nº 80/1994 deixou a cargo do legislador estadual estabelecer os requisitos para a investidura no cargo.
Importante ressaltar, nesse ponto, que o Superior Tribunal de Justiça possui posicionamento consolidado no sentido de que “o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público” (Súmula nº 266 do STJ). Outrossim, entendemos ter sido a exigência legal de inscrição junto à Ordem dos Advogados do Brasil revogada pela Lei Complementar nº 132/2009. Isso porque, ao estabelecer que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”, o art. 4º, § 6º da LC nº 80/1994 tornou absolutamente dispensável o registro do membro da Defensoria Pública nos quadros da OAB, seja no momento da inscrição para a realização do concurso público ou após o efetivo ingresso na carreira24. Ao delimitar o conceito jurídico da expressão “prática forense”, a Lei Complementar nº 80/1994 apresenta definições distintas para a Defensoria Pública da União e para a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios. Para os candidatos ao cargo de Defensor Público Federal, “considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas” (art. 26, § 1º). Por outro lado, em relação aos candidatos ao cargo de Defensor Público do Distrito Federal e Territórios, “considera-se como prática forense o exercício profissional de consultoria, assessoria, o cumprimento de estágio nas Defensorias Públicas e o desempenho de cargo, emprego ou função de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas” (art. 71, § 1º). Dessa forma, o espectro da definição utilizada no que tange à Defensoria Pública da União se apresenta mais amplo, sendo utilizada a expressão “advocacia” e admitido todo “estágio de Direito reconhecido por lei”, e não apenas o estágio realizado na Defensoria Pública. As bancas examinadoras dos concursos da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios serão constituídas pelo Conselho Superior, conforme previsto nos arts. 27 e 72 da LC nº 80/1994. Para os aprovados nos concurso da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública dos Estados, os arts. 26-A e 112-A da LC nº 80/1994 exigem a realização de “curso oficial de preparação à Carreira, objetivando o treinamento específico para o desempenho das funções técnicojurídicas e noções de outras disciplinas necessárias à consecução dos princípios institucionais da Defensoria Pública”. Por inúmeras vezes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do provimento de cargos sem a prévia realização de concurso público, tendo inclusive julgado a hipótese de investidura irregular para o cargo de Defensor Público do Estado de Minas Gerais, in verbis: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 140, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, E ARTIGO 141 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 65. ARTIGO 55, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 15.788. ARTIGO 135, CAPUT E § 2º, DA LEI Nº 15.961. LEIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. INVESTIDURA E PROVIMENTO DOS CARGOS DA CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO ESTADUAL. SERVIDORES ESTADUAIS INVESTIDOS NA FUNÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO E NOS CARGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO DE PENITENCIÁRIA E DE ANALISTA DE JUSTIÇA. TRANSPOSIÇÃO PARA A RECÉM CRIADA CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO ESTADUAL SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 37, II, E 134, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Os preceitos objeto da ação direta de inconstitucionalidade disciplinam a forma de investidura e provimento dos cargos da carreira de Defensor Público Estadual. 2. Servidores estaduais integrados na carreira de Defensor Público Estadual, recebendo a remuneração própria do cargo de Defensor Público de Primeira Classe, sem o prévio concurso público. Servidores investidos na função de Defensor Público, sem especificação do modo como se deu a sua
investidura, e ocupantes dos cargos de Assistente Jurídico de Penitenciária e de Analista de Justiça. 3. A exigência de concurso público como regra para o acesso aos cargos, empregos e funções públicas confere concreção ao princípio da isonomia. 4. Não cabimento da transposição de servidores ocupantes de distintos cargos para o de Defensor Público no âmbito dos Estadosmembros. Precedentes. 5. A autonomia de que são dotadas as entidades estatais para organizar seu pessoal e respectivo regime jurídico não tem o condão de afastar as normas gerais de observância obrigatória pela Administração Direta e Indireta estipuladas na Constituição (artigo 25 da CB/1988). 6. O servidor investido na função de defensor público até a data em que instalada a Assembleia Nacional Constituinte pode optar pela carreira, independentemente da forma da investidura originária (artigo 22 do ADCT). Precedentes. 7. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucionais o caput e o parágrafo único do artigo 140 e o artigo 141 da Lei Complementar nº 65; o artigo 55, caput e parágrafo único, da Lei nº 15.788; o caput e o § 2º do artigo 135, da Lei nº 15.961, todas do Estado de Minas Gerais. Modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade. Efeitos prospectivos, a partir de 6 (seis) meses contados de 24 de outubro de 2007. (STF – Pleno – ADI nº 3819/MG – Relator Min. EROS GRAU, decisão: 24-10-2007) A)
REGRA CONSTITUCIONAL DE TRANSIÇÃO E INVESTIDURA DERIVADA NO CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO: O art. 22 do ADCT formalizou a previsão de exceção à regra da obrigatoriedade de concurso público para o ingresso na carreira de Defensor Público, estabelecendo que: Art. 22 do ADCT: É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.
Essa regra de transição possui âmbito de aplicação específico, sendo destinada aos Estadosmembros que ainda não possuíam Defensoria Pública regularmente estruturada na época da instalação da Assembleia Nacional Constituinte. Nesses casos, aqueles que exerciam cargo de Defensor Público ou função pública equivalente poderiam permanecer integrando os quadros do órgão estatal ao qual pertenciam ou poderiam passar a integrar os quadros da Defensoria Pública criada pela nova ordem constitucional. Importante observar, no entanto, que os servidores que desempenhavam funções típicas de Defensoria Pública, na época da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, poderiam ter ingressado no serviço público sem que tivessem sido submetidos a concurso público. Com isso, o art. 22 do ADCT criou hipótese excepcional de investidura derivada no cargo de Defensor Público, sem a necessidade de prévia realização de concurso. Esse posicionamento vem sendo reiteradamente confirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive em julgados relativamente recentes: Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Advogados investidos na função de Defensores Públicos no Estado de Minas Gerais antes do advento da vigente Constituição Federal. Opção pela carreira, independentemente da forma de ingresso no serviço público. Inteligência do art. 22 do ADCT. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte, representada por inúmeros precedentes, reconheceu a advogados que exerciam, antes do advento da Constituição Federal de 1988, a função de defensores públicos o direito de optar pela carreira, qualquer que fosse a forma de ingresso no serviço público. 2. Aplicação do disposto no art. 22 do ADCT que independe da análise de fatos e provas dos autos. (STF – Primeira Turma – RE nº 176.068 AgR/MG – Relator Min. DIAS TOFFOLI, decisão: 22-05-2012) CONSTITUCIONAL. DEFENSOR PÚBLICO. DIREITO DE OPÇÃO. CONCURSO: DISPENSA. CF/1988, ADCT, art. 22. Defensores públicos investidos na função na data da instalação da Assembleia Nacional Constituinte: direito de opção pela carreira, independentemente da prestação de concurso. Inteligência do disposto no art. 22 do ADCT à CF/1988. (STF – Segunda Turma – AI nº 407.683 AgR/PE – Relator Min. CARLOS VELLOSO, decisão: 31-05-2005) RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DEFENSORES PÚBLICOS. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 22 DO ADCT. Servidor investido na função de defensor público até a data em que foi instalada a Assembleia Nacional constituinte tem direito a opção pela carreira, independentemente da forma da investidura originária. Interpretação do artigo 22 do ADCT. Recurso
Extraordinário não conhecido. (STF – Pleno – RE nº 161.712/RS – Relator Min. PAULO BROSSARD, decisão: 01-12-1994)
Por constituir regra transitória, que excepciona a proibição constante do próprio texto constitucional (art. 37, II c/c art. 134, § 1º), o comando inscrito no art. 22 do ADCT possui aplicabilidade restrita aos servidores que exerciam cargo de Defensor Público ou função pública equivalente na época da instalação da Assembleia Nacional Constituinte. Em diversas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a impossibilidade de ampliação da excepcionalidade prevista no art. 22 do ADCT, reconhecendo a inconstitucionalidade de dispositivos constantes da legislação estadual que admitiam a investidura derivada nos quadros da Defensoria Pública dos Estados, in verbis: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 12 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RONDÔNIA, COM A REDAÇÃO QUE LHE FOI ATRIBUÍDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 35. SERVIDOR PÚBLICO. ASSISTENTES JURÍDICOS CONTRATADOS E EM EXERCÍCIO ATÉ A DATA DA INSTALAÇÃO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE. DIREITO DE OPÇÃO PELA CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO. INVESTIDURA DERIVADA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 37, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E NO ARTIGO 22 DO ADCT. 1. A hipótese descrita no artigo 12 do ADCT da Constituição estadual, que assegura aos assistentes jurídicos amparados pelo decreto nº 2.778 o direito de optar pela carreira de defensor público, consubstancia investidura derivada nos quadros da Defensoria Pública do Estado de Rondônia. 2. As formas derivadas de investidura em cargos públicos são inadmissíveis à luz da Constituição do Brasil de 1988. Precedentes. 3. Este Tribunal, interpretando o artigo 22 do ADCT, entendeu que servidores investidos na função de defensor público até a data em que foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte têm direito à opção pela carreira, independentemente da forma da investidura originária, desde que cumpridos os requisitos definidos pelo texto constitucional. Precedentes. 4. As Constituições estaduais não podem ampliar a excepcionalidade admitida pelo artigo 22 do ADCT da CB/1988. Precedentes. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (STF – Pleno – ADI nº 3.603/RO – Relator Min. EROS GRAU, decisão: 30-08-2006) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR 55/1994 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DEFENSORES PÚBLICOS. ADMISSÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. REGRA DE TRANSIÇÃO. Ampliação indevida da exceção prevista no art. 22 do ADCT da Constituição federal. Precedentes. Ação direta julgada procedente. (STF – Pleno – ADI nº 1.199/ES – Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, decisão: 05-04-2006) Constitucional. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado de Goiás. Dispositivo que assegurou a advogados exercentes de funções de advogado, há mais de cinco anos, a opção pela carreira de Defensor Público, a contar da data da instalação de instalação da Assembleia Estadual Constituinte. Aumento do lapso temporal previsto na norma constitucional federal. Ofensa aos arts. 22 do ADCT e 37, II da CF. Precedentes. Ação julgada procedente. (STF – Pleno – ADI nº 1.239/GO – Relator Min. NELSON JOBIM, decisão: 26-03-2003) Inconstitucionalidade do art. 14 do ADCT da Constituição da Bahia. A matéria relativa ao provimento de servidores, bacharéis em Direito, no exercício de funções de Defensor Público, em cargo da carreira dessa denominação, prevista no parágrafo único do art. 134 da Constituição Federal, esta regulada, quanto à excepcionalidade que o constituinte entendeu de conferir-lhe, no art. 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Carta Política de 1988. Não é possível à Constituição Estadual dar-lhe compreensão mais ampla. Constituição Federal, art. 37, II. Não caberia, também, a mera equiparação dos servidores previstos na norma impugnada aos Defensores Públicos, para efeito de remuneração, diante da norma do art. 37, XIII, da Lei Magna da República. (STF – Pleno – ADI nº 112/BA – Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA, decisão: 24-08-1994) Inconstitucionalidade do art. 55 do ADCT do Paraná, por dilatar a exceção de dispensa de concurso para o cargo de Defensor Público, prevista no art. 22 das Disposições Transitórias Federais, infringindo os artigos 37, II e 134, parágrafo único da Constituição da República. (STF – Pleno – ADI nº 175/PR – Relator Min. OCTAVIO GALLOTTI, decisão: 03-06-1993) B)
CISÃO DE CARREIRA E OPÇÃO PELO CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO: Em virtude da inércia do Estado de São Paulo em relação à criação da Defensoria Pública, o serviço jurídico-assistencial público naquela unidade federada vinha sendo prestado pela Procuradoria-Geral do Estado, nos termos da Lei Complementar Estadual nº 478/1986.
Por essa razão, quando finalmente a Defensoria Pública do Estado de São Paulo restou legalmente instituída pela Lei Complementar Estadual nº 988/2006, foi oportunizado aos Procuradores do Estado a opção pela carreira de Defensor Público, na forma estabelecida pela legislação estadual: Art. 11 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado de São Paulo: Aos procuradores do Estado, no prazo de sessenta dias da promulgação da Lei Orgânica da Defensoria Pública, será facultada opção, de forma irretratável, pela permanência no quadro da Procuradoria-Geral do Estado, ou no quadro de carreira de defensor público, garantidas as vantagens, níveis e proibições. Art. 3º das Disposições Transitórias da Lei Complementar Estadual nº 988/2006: Aos Procuradores do Estado de São Paulo, no prazo de 60 (sessenta) dias da promulgação desta lei complementar, será facultada opção, de forma irretratável, pela carreira de Defensor Público, na seguinte conformidade: I – Procurador do Estado Substituto para Defensor Público do Estado Substituto; II – Procurador do Estado Nível I para Defensor Público do Estado Nível I; III – Procurador do Estado Nível II para Defensor Público do Estado Nível II; IV – Procurador do Estado Nível III para Defensor Público do Estado Nível III; V – Procurador do Estado Nível IV para Defensor Público do Estado Nível IV; VI – Procurador do Estado Nível V para Defensor Público do Estado Nível V.
Diante disso, o Procurador-Geral da República propôs a ADI nº 3.720/SP sustentando que, ao permitir aos Procuradores do Estado de São Paulo a opção de integrar a carreira de Defensor Público, independentemente do exercício das funções deste cargo até a data da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, a legislação estadual teria alargado a permissão de investidura excepcional prevista no art. 22 do ADCT, implicando, assim, em ofensa ao princípio do concurso específico para a carreira (art. 37, II c/c art. 134, § 1º da CRFB). De acorco com o Procurador-Geral da República, apenas à parcela do quadro de Procuradores que atuava na defesa dos necessitados até a data da instalação da Assembleia Nacional Constituinte seria facultada a opção pela carreira de Defensor Público. Ao analisar a matéria, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o ingresso dos Procuradores do Estado nos quadros da administração pública ocorreu por meio de concurso público, que os considerou capazes de desempenhar as diversas funções atribuídas à Procuradoria do Estado de São Paulo, dentre as quais se incluía a prestação da assistência judiciária aos necessitados (art. 3º da Lei Complementar Estadual nº 478/1986). Logo, diante da identidade substancial entre as funções desempenhadas pela Procuradoria do Estado de São Paulo e pela Defensoria Pública recentemente criada, estaria atendido o requisito do concurso público específico para a investidura na carreira, não restando caracteriza a hipótese legal de incidência do art. 22 do ADCT. Na verdade, de acordo com posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, a edição da Lei Complementar Estadual nº 988/2006 teria gerado a cisão da Procuradoria do Estado de São Paulo, com a transferência gradativa de funções, processos e bens para a Defensoria Pública paulista. Sendo assim, a migração dos membros da Procuradoria do Estado para a Defensoria Pública não teria decorrido de investidura derivada, como regulado no art. 22 do ADCT, mas de simples cisão da carreira de Procurador do Estado de São Paulo. Seguindo essa linha de posicionamento, o professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO emitiu o seguinte parecer sobre o caso:
Não é difícil perceber que tanto o art. 37, II como o art. 134, § 1º da Constituição Federal têm o manifesto propósito de impedir que os cargos ou empregos públicos e especificamente os cargos de Defensor Público sejam providos por favoritismos. Exigem que o acesso a eles só possa ser atribuído a quem, em concurso público, haja demonstrado habilitação compatível com os correspondentes encargos e, nesta avaliação, tenha superado outros, também conjuntamente examinados quanto à aptidão técnica necessária ao preenchimento dos cargos. Sendo assim, é claro que não se pode admitir que sujeitos não concursados publicamente ou concursados para cargos de outra natureza ou ainda de nível de exigência menor venham a aceder a cargos públicos para os quais são demandadas aptidões de índole diversa ou qualificações maiores. Eis, pois, que não se porá tal interdição se, inversamente, alguém foi concursado e bem sucedido na disputa pública para o acesso a cargos em que a habilitação requerida era mais ampla do que a reclamada para outros cargos cujo desempenho necessite de conhecimentos menos amplos. Logicamente estará apto, então, a exercer estes últimos e seu acesso direto a eles, quando legalmente determinado, em nada e por nada ofenderá o princípio do concurso público tal como posto nos arts. 37, II e 134, § 1º da Constituição Federal. Trata-se de algo óbvio, perceptível “prima facie”. Não haveria como contender tal assertiva senão deturpando o que se lê nos mencionados dispositivos e, ademais, contraditando a finalidade, o sentido, a razão de existir deles. Ora bem, no caso vertente, a Constituição Paulista e sucessivamente a Lei Complementar estadual nº 988/2006, previram a possibilidade de integração dos procuradores do Estado optantes na novel carreira de Defensor Público, a qual inexistia no Estado como carreira autônoma e cujas correspondentes funções já eram exercidas por procuradores do Estado: os procuradores da Procuradoria da Assistência Judiciária. Assim, ao se qualificarem no concurso para procurador do Estado qualificavam-se para exercer toda uma gama de funções que exigia amplos conhecimentos jurídicos inclusivos, como é crucial, dos necessários ao exercício da Assistência Judiciária, ou seja, da hoje chamada Defensoria Pública. É, pois, da mais cristalina evidência que os procuradores do Estado de São Paulo – e maiormente os da Procuradoria da Assistência Judiciária – já demonstraram, por ocasião do ingresso na sobredita carreira, por concurso público de provas e títulos, o cabal preenchimento dos requisitos constitucionais para acederem diretamente a cargos da recém criada carreira de Defensores Públicos quando do primeiro preenchimento dos quadros desta última. Se o Poder Público já dispõe dos agentes que para ela se qualificaram anteriormente, seria o mais cabal contrasenso e disparate que deles prescindisse, caso tais servidores desejassem nela ingressar, e estivesse obrigado a realizar novo concurso para habilitar candidatos ao cargo de Defensor Público em prova de habilitação para cargo que requer conhecimentos menos amplos do que os exigidos daqueles que já se encontravam disponíveis no serviço público para o exercício de tais funções. (…) Se os arts. 37, II e 134, § 1º têm o manifesto propósito de impedir que cargos ou empregos públicos sejam providos por favoritismos ou, de qualquer modo, sem a prévia habilitação por concurso público, o art. 22 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, pretendeu, pelo contrário, em caráter excepcional, ressalvar da existência de concurso público os que estavam investidos na função de Defensor Público até a data da instalação da Constituinte. Com efeito: dito preceptivo não fez exigência para autorizar a integração na carreira em apreço senão a de que o servidor estivesse investido na função de Defensor Público até a instalação da Constituinte. Ou seja: não estabeleceu como requisito que o servidor já fosse publicamente concursado para algum cargo público fosse de que tipo fosse. Assim, à toda evidência, não veio para obstar que alguém publicamente concursado para cargo de funções da mesma natureza jurídica e ainda mais amplas pudesse preencher diretamente os primeiros cargos decorrentes da criação de Defensoria Pública. Veio, muito diversa e inversamente, para permitir que, mesmo sem concurso, os que até a data da instalação da Constituinte já estivessem investidos no exercício de tais funções pudessem integrá-la, ainda quando – enfatize-se – não houvesse ingressado no serviço público em decorrência de algum concurso. Dessarte, não colhe invocar o sobredito preceptivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do País para erigí-lo em obstáculo ao ingresso de Procuradores do Estado de São Paulo na carreira de Defensor Público, em cumprimento ao art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado. Dito preceptivo, como visto, não possui tal alcance e, ao invés de abrigar o propósito desta índole, pelo contrário, tão só liberalizou, em uma hipótese específica e demarcada no tempo, a integração na carreira de Defensor, dispensando para aquela situação qualquer prévio concurso público fosse que tipo fosse. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer emitido por solicitação da Associação dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo, emissão: 23-06-2006)
Com base nesses fundamentos, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADI nº 3.720/SP, reconhecendo a constitucionalidade das normas estaduais que oportunizaram aos Procuradores do Estado de São Paulo a opção pela carreira de Defensor Público: DEFENSORIA PÚBLICA – PROCURADORES DO ESTADO – OPÇÃO. É constitucional lei complementar que viabiliza a
Procuradores do Estado a opção pela carreira da Defensoria Pública quando o cargo inicial para o qual foi realizado o concurso englobava a assistência jurídica e judiciária aos menos afortunados. (STF – Pleno – ADI nº 3.720/SP – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 31-19-2007) C)
DA IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE ADVOGADOS PARA O CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO: De acordo com o art. 37, II da CRFB, “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego”. Com esse mecanismo, pretendeu o legislador constituinte assegurar a observância dos princípios da eficiência, da moralidade e da impessoalidade, possibilitando o acesso amplo dos indivíduos às carreira públicas e garantindo a seleção dos melhores candidatos para o desempenho das atividades administrativas. Como observa HELY LOPES MEIRELLES, “pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”25. Atualmente, subsistem apenas duas exceções ao modelo constitucional de acesso aos cargos públicos mediante concurso: (i) contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX da CRFB); e (ii) nomeação para cargos em comissão (art. 37, II da CRFB). Por possuir natureza excepcional, a contratação temporária apenas poderá ocorrer quando atendidos 3 pressupostos inafastáveis: (a) determinabilidade temporal da contratação (o contrato firmado entre a administração e o servidor deverá possuir prazo certo de vigência – art. 4º da Lei nº 8.745/1993); (ii) temporariedade da função (a necessidade dos serviços deve ser temporária, sendo apenas admitida a contratação para cargos permanentes pelo regime especial quando, em situações excepcionais, não houver tempo hábil para a realização de concurso, em razão do risco real de comprometimento da continuidade dos serviços públicos – art. 2º da Lei nº 8.745/1993); e (iii) excepcionalidade (ao se utilizar do termo “excepcional” para caracterizar o interesse público autorizador da contratação temporária, a Constituição Federal deixou clara a intenção de não permitir que situações administrativas comuns viessem a ensejar a contratação pelo regime especial). Por sua vez, os cargos em comissão são aqueles destinados ao livre provimento e exoneração, possuindo natureza eminentemente provisória e sendo direcionados para as funções de direção, chefia e assessoramento. Em virtude do caráter permanente das atividades jurídico-assistenciais desenvolvidas pela Defensoria Pública, que não comportam solução de continuidade e não convivem com a excepcionalidade, a investidura no cargo de Defensor Público não pode ser realizada por intermédio de contratações temporárias. Além disso, para desempenhar adequadamente suas funções, que podem ser “exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público” (art. 4º, § 2º, da LC nº 80/1994), necessitam os Defensores Públicos de plena liberdade de atuação e autonomia de convicção, razão pela qual não podem ingressar na carreira de forma eminentemente precária, sem o mínimo de garantias e sem o mínimo de independência. Sendo assim, seja pelo caráter não temporário ou pela própria natureza das funções institucionais atribuídas à Defensoria Pública, o cargo de Defensor Público se revela absolutamente incompatível
com o regime especial das contratações temporárias. Justamente por isso, o art. 134, § 1º da CRFB estabelece que a Defensoria Pública deve ser organizada “em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos”. Esse posicionamento restou confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a impossibilidade de contratação temporária de advogados para o exercício da função de Defensor Público, in verbis: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. CF, art. 37, II e IX. Lei nº 6.094, de 2000, do Estado do Espírito Santo: inconstitucionalidade. I – A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. II – Lei nº 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, Defensores Públicos: inconstitucionalidade. III – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF – Pleno – ADI nº 2.229/ES – Relator Min. CARLOS VELLOSO, decisão: 09-06-2004) CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 8.742, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2005, DO ESTADO DO RIO GRANDE NORTE, QUE “DISPÕE SOBRE A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE ADVOGADOS PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO, NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO”. 1. A Defensoria Pública se revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/1988). 2. Por desempenhar, com exclusividade, um mister estatal genuíno e essencial à jurisdição, a Defensoria Pública não convive com a possibilidade de que seus agentes sejam recrutados em caráter precário. Urge estruturá-la em cargos de provimento efetivo e, mais que isso, cargos de carreira. 3. A estruturação da Defensoria Pública em cargos de carreira, providos mediante concurso público de provas e títulos, opera como garantia da independência técnica da instituição, a se refletir na boa qualidade da assistência a que fazem jus os estratos mais economicamente débeis da coletividade. 4. Ação direta julgada procedente. (STF – Pleno – ADI nº 3700/RN – Relator Min. CARLOS BRITTO, decisão: 15-10-2008) 15.4.5 A nomeação e posse na Defensoria Pública
Após a aprovação no concurso público e preenchimento dos requisitos legais, o candidato será nomeado e empossado no cargo de Defensor Público. No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, a nomeação para o cargo inicial da carreira é realizada pelo Presidente da República, respeitada a ordem de classificação e o número de vagas existentes (arts. 28 e 73 da LC nº 80/1994). Nas Defensorias Públicas dos Estados, a disciplina segue a regra da simetria, sendo o candidato aprovado no concurso “nomeado pelo Governador do Estado para cargo inicial da carreira, respeitada a ordem de classificação e o número de vagas existentes” (art. 113 da LC nº 80/1994). No entato, em virtude da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública (ECs nº 45/2004, nº 69/2012 e nº 74/2013), o mais adequado seria que a nomeação para o cargo inicial da carreira de Defensor Público fosse realizada pelo Defensor Público Geral, e não pelo Chefe do Poder Executivo. Por fim, o art. 114 da LC nº 80/1994 estabelece que “o candidato aprovado poderá renunciar à nomeação correspondente à sua classificação, antecipadamente ou até o termo final do prazo de posse, caso em que, optando o renunciante, será deslocado para o último lugar da lista de classificados”. 15.4.6 A lotação dos membros da Defensoria Pública
Após o ingresso na carreira, os Defensores Públicos Federais e os Defensores Públicos do Distrito Federal e Territórios serão lotados e distribuídos pelo respectivo Defensor Público Geral, “assegurado aos nomeados para os cargos iniciais o direito de escolha do órgão de atuação, desde que vago e obedecida a ordem de classificação no concurso” (arts. 29 e 74 da LC nº 80/1994). No âmbito das Defensorias Públicas dos Estados, caberá legislação estadual regular os critérios de lotação e distribuição nos cargos vagos. Depois de realizada a lotação no órgão de atuação, os membros da Defensoria Pública são inamovíveis, “salvo se apenados com remoção compulsória” (arts. 34, 79 e 118 da LC nº 80/1994). 15.4.7 As modalidade de remoção dos membros da Defensoria Pública
Em linhas gerais, a Lei Complementar nº 80/1994 contempla três hipóteses distintas de remoção: (i) remoção a pedido; (ii) remoção por permuta; e (iii) remoção compulsória. Na remoção a pedido, caberá ao interessado formular requerimento ao Defensor Público Geral solicitando transferência, nos quinze dias seguintes à publicação do aviso de existência de vagas (arts. 37, 82 e 121 da LC nº 80/1994). Havendo mais de um candidato à remoção, deverão ser obedecidos os critérios traçados nos arts. 37, § 1º, 82, § 1º e 121, parágrafo único da LC nº 80/1994, que estabelecem: – No âmbito da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios: o mais antigo na categoria e, ocorrendo empate, sucessivamente, o mais antigo na carreira, no serviço público da União, no serviço público em geral, o mais idoso e o mais bem classificado no concurso para ingresso na Defensoria Pública (arts. 37, § 1º, 82, § 1º da LC nº 80/1994); – No âmbito da Defensoria Pública dos Estados: o mais antigo na categoria e, ocorrendo empate, sucessivamente, o mais antigo na carreira, no serviço público do Estado, no serviço público em geral, o mais idoso e o mais bem classificado no concurso para ingresso na Defensoria Pública26.
Como forma de prestigiar a antiguidade na carreira, os arts. 37, § 2º, 82, § 2º, e 122 da LC nº 80/1994 determinam que o concurso de remoção sempre precederá o preenchimento de vagas por ato de promoção. Na remoção por permuta, os interessados deverão formular requerimento ao Defensor Público Geral solicitando a troca entre os órgãos, nos termos dos arts. 38, 83 e 123 da LC nº 80/1994. Atualmente, em virtude da reforma implementada pela Lei Complementar nº 132/2009, subsistem dois modelos distintos de remoção por permuta: – No âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios: de acordo com o art. 83 da LC nº 80/1994, a remoção por permuta “será concedida mediante requerimento dos interessados, atendida a conveniência do serviço”. Nesse caso, portanto, havendo o interesse simultâneo de dois Defensores Públicos, cada um desejando a remoção para o órgão de atuação do outro, bastará que a permuta atenda a conveniência do serviço. – No âmbito das Defensorias Públicas da União e dos Estados: segundo determina o art. 38 da LC nº 80/1994, a remoção por permuta na Defensoria Pública da União “será concedida mediante requerimento do interessado, atendida a conveniência do serviço e observada a ordem de antiguidade na carreira”. De maneira semelhante, o art. 123 determina que a remoção por permuta nas Defensorias Públicas dos Estados “será concedida mediante requerimento dos interessados, respeitada a antiguidade dos demais, na forma da lei estadual”. Sendo assim, a remoção por permuta não deverá apenas atender a conveniência do serviço, devendo também respeitar a ordem de antiguidade na carreira.
Por fim, a remoção compulsória constitui autêntica punição pelo cometimento de infração disciplinar por parte do Defensor Público. Embora a Lei Complementar nº 80/1994 não defina
expressamente quais condutas poderiam ensejar a aplicação da referida pena, os arts. 50, § 4º, 95, § 4º e 134, § 1º estabelecem que a remoção compulsória será aplicada “sempre que a falta praticada, pela sua gravidade e repercussão, tornar incompatível a permanência do faltoso no órgão de atuação de sua lotação”. De acordo com os arts. 36, 81 e 120 da LC nº 80/1994, a aplicação da remoção compulsória depende da prolação de “prévio parecer do Conselho Superior, assegurada ampla defesa em processo administrativo disciplinar”. Relevante ressaltar, entretanto, que a constitucionalidade da remoção compulsória tem sido tema extremamente polêmico e controvertido no âmbito da Defensoria Pública. Para a adequada compreensão dessa importante controvérsia institucional, remetemos o leitor ao estudo realizado durante a análise da garantia da inamovibilidade. 15.4.8 A promoção dos membros da Defensoria Pública
De acordo com os arts. 30, 75 e 115 da LC nº 80/1994, a promoção consiste no acesso imediato dos membros efetivos da Defensoria Pública de uma categoria para outra da carreira. Sendo assim, a passagem do Defensor Público de uma categoria para outra mais elevada deverá ocorrer por meio da promoção, que proporcionará o provimento derivado no cargo categoricamente superior. As promoções deverão obedecer “aos critérios de antiguidade e merecimento alternadamente” (arts. 31, 76 e 116 da LC nº 80/1994). Tais critérios serão adotados de maneira revezada, não podendo ocorrer, portanto, duas promoções seguidas com base no mesmo critério, sob pena de nulidade. Na promoção por antiguidade, o legislador utiliza o critério mais objetivo que poderia ser aplicado para a determinação de direitos entre os membros da Defensoria Pública. Nesse contexto, o arts. 31, § 1º, 76, § 1º e 116, § 1º da LC nº 80/1994 preconizam que “a antiguidade será apurada na categoria e determinada pelo tempo de efetivo exercício na mesma”. Desse modo, o Defensor Público promovido não carrega consigo o tempo de exercício do cargo na categoria anterior. Se fosse possível a realização do somatório, o resultado dessa matemática acabaria revelando o tempo de efetivo exercício na carreira e não na categoria. Importante observar, ainda, que a Lei Complementar nº 80/1994 fala em “tempo de efetivo exercício”, o que nos leva a concluir que a concessão de algumas modalidade de licença podem acarretar modificações na lista de antiguidade dos membros da Defensoria Pública, já que não há contagem de tempo de serviço quando de seu gozo (licença sem vencimentos, por exemplo). Outrossim, restou sufragado pelo Supremo Tribunal Federal o entendimento de que os critérios de desempate da antiguidade previstos expressamente para a remoção (art. 37, § 1º da LC nº 80/1994) também se aplicam à promoção, sendo una a lista de antiguidade da carreira27. A promoção por merecimento, por sua vez, dependerá de lista tríplice para cada vaga, elaborada pelo Conselho Superior, em sessão secreta, com ocupantes do primeiro terço da lista de antiguidade (art. 31, § 2º, art. 76, § 2º e art. 116, § 2º da LC nº 80/1994). Segundo observa SÍLVIO ROBERTO MELLO MORAES, com essa regra “a LC procurou limitar a área de escolha do Conselho Superior, impedindo desta forma que Defensores Públicos mais novos na Instituição, sejam privilegiados com a promoção por merecimento, passando a frente de outros mais
antigos na carreira”28. Extremamente criticável, no entanto, a determinação legal de que a sessão do Conselho Superior destinada à elaboração da lista tríplice seja “secreta”. Sem dúvida, a publicidade da sessão poderia conferir maior transparência à escolha, permitindo aos membros da Defensoria Pública o conhecimento dos motivos que ensejaram a indicação dos componentes da lista tríplice para a promoção29. No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal, “não poderá concorrer à promoção por merecimento quem tenha sofrido penalidade de advertência ou suspensão, no período de um ano imediatamente anterior à ocorrência da vaga, em caso de advertência, ou de dois anos, em caso de suspensão” (arts. 33, § 2º e 78, § 2º da LC nº 80/1994). Em relação às Defensorias Públicas dos Estados, o art. 117, § 2º da LC nº 80/1994 remete à legislação estadual a regulamentação das condições e prazos que obstarão a participação na promoção. Caberá ao Conselho Superior fixar os critérios de ordem objetiva para a aferição do merecimento, considerando-se, entre outros, a eficiência e a presteza demonstradas no desempenho da função e aprovação em cursos de aperfeiçoamento, de natureza jurídica, promovidos pela Instituição, ou por estabelecimentos de ensino superior, oficialmente reconhecidos (arts. 33, 78 e 117 da LC nº 80/1994)30. Para que haja a promoção por antiguidade ou por merecimento, os membros da Defensoria Pública devem possuir dois anos de efetivo exercício na categoria, dispensado o interstício se não houver quem preencha tal requisito ou se quem o preencher recusar a promoção (arts. 31, § 3º, 73, § 3º e 116, § 4º da LC nº 80/1994). Note que o tempo de efetivo exercício deve ser computado “na categoria”, e não na carreira. Desse modo, o Defensor Público de categoria intermediária deverá possuir dois anos de efetivo exercício nessa categoria para que possa ser promovido, mesmo que tenha atuado por 20 anos na categoria inicial. No entanto, como forma de impedir que a carreira da Defensoria Pública fique paralisada, a Lei Complementar nº 80/1994 permite que a promoção ocorra com a participação de membros da carreira que ainda não tenham cumprido o interstício de dois anos se não houver quem preencha tal requisito ou se quem o preencher recusar a promoção. De acordo com os arts. 33, § 3º, 78, § 3º e 115, § 5º da Lei Complementar nº 80/1994, “é obrigatória a promoção do Defensor Público que figurar por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento”, ressalvada a hipótese de cominação de sanção disciplinar, caso em que o membro da Defensoria Pública não poderá participar da promoção. Diante da garantia da inamovibilidade dos membros da Defensoria Pública, ninguém poderá ser compelido a aceitar a promoção na carreira. Justamente por isso, os arts. 32, 77 e 116, § 1º da LC nº 80/1994 estabelecem ser “facultada a recusa à promoção, sem prejuízo do critério do preenchimento da vaga recusada”. A)
DA RENÚNCIA À PROMOÇÃO (DESPROMOÇÃO): A renúncia à promoção ou despromoção consiste no retorno do Defensor Público promovido à categoria imediatamente inferior da carreira, tornando sem efeito o ato de promoção. Embora a Lei Complementar nº 80/1994 não tenha formalizado a previsão do instituto no âmbito
da Defensoria Pública, a legislação orgânica do Ministério Público da União possui norma expressa possibilitando a renúncia à promoção, in verbis: Art. 199, § 4º, da LC nº 75/1993: É facultada a renúncia à promoção, em qualquer tempo, desde que haja vaga na categoria imediatamente anterior.
Em virtude da regra prevista nos arts. 44, XIII, 89, XIII e 128, XIII da LC nº 80/1994, que garante aos membros da Defensoria Pública a aplicabilidade analógica dos direitos inerentes aos membros do Ministério Público, podemos sustentar a aplicabilidade analógica do art. 199, § 4º da LC nº 75/1993 em relação à carreira de Defensor Público, admitindo a renúncia à promoção e o retorno do promovido à categoria imediatamente inferior, desde que subsistam vagas a serem preenchidas. Além disso, a própria Lei Complementar nº 80/1994 identifica a promoção como sendo direito disponível do membro da Defensoria Pública, facultando a recusa à ascensão na carreira (arts. 32, 77 e 116, § 1º da LC nº 80/1994). Com base nessa regra, podemos sustentar também que o direito de permanecer na categoria seria igualmente disponível, podendo ser recusado pelo membro da Defensoria Pública que desejasse retornar à categoria imediatamente inferior. Por considerar que a renúncia à promoção estaria implicitamente prevista na própria Lei Complementar nº 80/1994, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União editou a Resolução nº 30, regulamentando normativamente o instituto: Resolução nº 30, de 03 de setembro de 2008 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União Art. 1º Ao Defensor Público da União promovido é facultada, a qualquer tempo, a renúncia à promoção, desde que haja vaga, na categoria imediatamente anterior, nos termos da presente Resolução. Parágrafo único. Caso o Defensor Público requerente tenha sido promovido diretamente da 2ª Categoria da carreira para a Categoria Especial, admite-se o seu retorno à Categoria de origem. Art. 2º A vaga pretendida pelo Defensor Público da União que almeja renunciar à promoção, além de existir, deverá estar desembaraçada, ou seja, não ser objeto de oferta em processo de promoção, de remoção ou de nomeação, anteriormente deflagrados pela Administração Pública, ao tempo do requerimento. Art. 3º Os ônus e encargos financeiros decorrentes da renúncia à promoção correrão sempre à conta do Defensor Público da União renunciante. Art. 4º Caso o requerimento de renúncia à promoção ocorra dentro do lapso de um ano desde a promoção, como requisito ao deferimento do pleito, o Defensor Público da União deve devolver ao erário os gastos realizados pela Administração Pública em decorrência de sua promoção, incluindo-se as despesas eventualmente havidas com o transporte de bens e de pessoas, bem como com a ajuda de custo paga. Parágrafo único. A partir da data da publicação do ato do Presidente da República que concretizar a renúncia à promoção, ao renunciante será vedado concorrer em futuros processos de promoção, pelo prazo de um ano. Art. 5º O Defensor Público da União que pretende renunciar à sua promoção deve encaminhar requerimento fundamentado ao Conselho Superior da Defensoria Pública da União, fazendo prova que: I. Existe a vaga pretendida pelo renunciante; II. A vaga pretendida não foi ofertada, em concurso de promoção, de remoção, ou em processo de nomeação, anteriormente iniciados; III. Firmou compromisso, nos termos do art. 3º desta Resolução, se for o caso; IV. Declarou-se ciente e concorda integralmente com os termos da presente Resolução. Art. 6º Cabe ao Conselho Superior da Defensoria Pública da União aferir o cumprimento das disposições constantes desta Resolução, em relação a todos os pleitos de renúncia à promoção que lhe forem enviados, encaminhando-os à Presidência da República com parecer favorável, se for o caso. Art. 7º Restam revogadas as disposições em contrário. Art. 8º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.”
B)
DA PROMOÇÃO PER SALTUM: De acordo com os arts. 31, § 3º, 73, § 3º e 116, § 4º da LC nº 80/1994, “os membros da Defensoria Pública somente poderão ser promovidos após dois anos de efetivo exercício na categoria, dispensado o interstício se não houver quem preencha tal requisito ou se quem o preencher recusar a promoção”. Sendo assim, via de regra os Defensores Públicos deverão permanecer por dois anos em efetivo exercício na categoria para que possam ser promovidos. No entanto, não havendo nenhum Defensor Público que preencha o interstício ou não havendo interessado na promoção, o prazo de dois anos poderá ser legalmente dispensado. Com base nessa regra, poderá excepcionalmente ocorrer a denominada promoção per saltum, por intermédio da qual o membro da Defensoria Pública acaba sendo promovido duas categorias acima daquela ocupada inicialmente. Esse quadro excepcional poderá ocorrer, por exemplo, quando a categoria final da Defensoria Pública possuir vaga e nenhum dos ocupantes da carreira intermediária manifestar interesse na promoção. Nesse caso, para evitar que a carreira permaneça estagnada e para prevenir a eternização de vacâncias, poderá o Defensor Público da categoria inicial ser diretamente promovido para a categoria final, preenchendo a vaga recusada pelos integrantes da categoria intermediária. 15.5 OS ESTAGIÁRIOS DA DEFENSORIA PÚBLICA Segundo estabelece o art. 145 da LC nº 80/1994, “as Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios e dos Estados adotarão providências no sentido de selecionar, como estagiários, os acadêmicos de Direito que, comprovadamente, estejam matriculados nos quatro últimos semestres de cursos mantidos por estabelecimentos de ensino oficialmente reconhecidos”. O tempo de duração do estágio será de um ano, prorrogável por igual período (art. 145, § 1º), sendo certo que os estagiários poderão ser desligados antes do referido prazo, a pedido ou pela prática de ato que justifique a sua dispensa (art. 145, § 2º). Por fim, o tempo de estágio na Defensoria Pública será considerado serviço público relevante, contando para efeito de prática forense (art. 145, § 3º). QUESTÕES Questão 01 (DPGE/SP – 2006): Discorra sobre os mecanismos de participação da sociedade civil na gestão e fiscalização da Defensoria Pública. Questão 02 (DPGE/RJ – XXII CONCURSO): É função da Ouvidoria-Geral: (A) receber e encaminhar ao Defensor Público Geral reclamações e denúncias contra funcionários de Defensoria, cabendo à Corregedoria-Geral tal encargo com relação aos seus membros; (B) representar à Corregedoria-Geral;
(C) acompanhar as sindicâncias e os processos administrativos disciplinares em sua fase preliminar, encaminhando-o, posteriormente, à Corregedoria-Geral; (D) propor aos órgãos de atuação da Defensoria Pública medidas e ações que visem à consecução dos princípios institucionais e ao aperfeiçoamento dos serviços prestados pela instituição; (E) elaborar e divulgar relatórios sobre as atividades do Defensor Público. Questão 03 (DPU – 2001): Julgue a assertiva abaixo: (A) É inconstitucional o preceito da lei complementar que atribui ao Senado Federal o mister de aprovar a indicação feita pelo presidente da República para o desempenho do cargo de Defensor Público Geral, haja vista tal atribuição não constar do texto da Constituição. Questão 04 (DPGE/CE – 2003): Indique a única alternativa que contém órgão de atuação da Defensoria Pública do Estado: (A) Defensoria Pública Geral do Estado; (B) Conselho Superior da Defensoria Pública Geral do Estado; (C) Núcleos da Defensoria Pública do Estado; (D) Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado. Questão 05 (DPU – 2004): Julgue a assertiva abaixo: (A) O Defensor Público Geral da União, tal como o Procurador-Geral da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal, somente pode ser nomeado após ter o seu nome aprovado pelo Senado Federal. Questão 06 (DPGE/AC – 2006): A respeito da atuação da Defensoria Pública e da assistência judiciária, assinale a opção correta. (A) Conforme orientação firmada pelo STJ, o prazo em dobro previsto na legislação da assistência judiciária gratuita se estende aos advogados dativos ou nomeados ad hoc, que geralmente exercem a defesa das pessoas reconhecidamente carentes em locais onde inexistente a defensoria pública. (B) Os prazos em favor da Defensoria Pública contam-se da data do ciente e não na data da vista pessoal dos autos. (C) No âmbito estadual, o Defensor Público Geral deve ser nomeado pelo presidente da República, entre integrantes da carreira e maiores de 45 anos. (D) São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Questão 07 (DPGE/BA – 2006): A Defensoria Pública dos Estados compreende: (A) Como órgão de administração superior: a Subdefensoria Pública Geral do Estado;
(B) Como órgão de atuação: a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado; (C) Como órgão de execução: a Defensoria Pública do Estado; (D) Como órgão de atuação: o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado; (E) Como órgão de execução: a Defensoria Pública-Geral do Estado. Questão 08 (DPGE/BA – 2006): Consoante o disposto na Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, a qual tem por escopo precípuo a organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, prescrevendo normas gerais para sua organização nos Estados, ao Conselho Superior da Defensoria Pública da União compete: (A) sugerir ao Defensor Público Geral o afastamento de Defensor Público que esteja sendo submetido a correição, sindicância ou processo administrativo disciplinar, quando cabível. (B) conhecer e julgar recurso contra decisão em processo administrativo disciplinar. (C) propor a instauração de processo disciplinar contra membros da Defensoria Pública da União e seus servidores. (D) propor a exoneração de membros da Defensoria Pública da União que não cumprirem as condições do estágio probatório. (E) receber e processar as representações contra os membros da Defensoria Pública da União, encaminhando-as, com parecer, ao Defensor Público Geral. Questão 09 (DPGE/RO – 2007): O Defensor Público Geral da União será nomeado pelo Presidente da República dentre aqueles que estejam nas seguintes condições: (A) advogados, maiores de 30 anos; (B) bacharéis em direito, civilmente capazes; (C) integrantes da carreira, maiores de 35 anos; (D) integrantes ou não da carreira, maiores de 25 anos; (E) integrantes da carreira, promovidos por merecimento. Questão 10 (DPGE/RO – 2007): Os membros natos do Conselho Superior da Defensoria Pública da União, além do Corregedor-Geral, são: (A) Defensor Público Geral e Subdefensor Público Geral; (B) Subdefensor Público Geral e Presidente da Associação; (C) Subdefensor Público Geral e Decano; (D) Decano e Presidente da Associação; (E) Defensor Público Geral e Decano. Questão 11 (DPGE/SP – 2007): O Corregedor-Geral da Defensoria Pública é: (A) um Defensor Público nomeado pelo governador do Estado, a partir de lista elaborada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública. (B) um servidor da Defensoria Pública nomeado pelo Defensor Público Geral do Estado.
(C) uma pessoa nomeada pelo governador do Estado, a partir de lista tríplice elaborada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CONDEPE. (D) uma pessoa nomeada pelo Defensor Público Geral do Estado, a partir de lista elaborada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública. (E) um Defensor Público nomeado pelo governador do Estado, a partir de lista elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça. Questão 12 (DPU – 2007): Julgue as assertivas abaixo: (A) A DPGU tem como chefe o Defensor Público Geral, que é nomeado pelo presidente da República, entre os integrantes da carreira com mais de 35 anos de idade, após aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal. (B) É atribuição do Defensor Público Geral da União, e não do Conselho Superior da instituição, designar membro da DPGU para exercício de suas atribuições em órgão de atuação diverso do de sua lotação ou, em caráter excepcional, perante juízos, tribunais ou ofícios diferentes dos estabelecidos para cada categoria. (C) Compete aos Defensores Públicos da União, e não aos Defensores Públicos Estaduais, prestar assistência jurídica perante as juntas eleitorais. Questão 13 (DPGE/MS – 2008): Tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 111/2005, propor normas e procedimentos para a organização dos serviços e de desempenho das funções dos membros da Defensoria Pública compete ao: (A) Corregedor-Geral da Defensoria Pública. (B) Defensor Público Geral do Estado. (C) Conselho Superior da Defensoria Pública. (D) Colégio de Defensores Públicos de 2ª instância. Questão 14 (DPGE/MG – 2009): O Defensor Público Geral da União, o Defensor Público Geral do Distrito Federal e Territórios e o Defensor Público Geral do Estado, serão nomeados, respectivamente: (A) pelo Presidente da República, após seu nome ser aprovado pelo Senado Federal; pelo Governador, após aprovação pela Câmara Legislativa; e pelo Governador do Estado, após a aprovação do nome pela Assembleia Legislativa Estadual. (B) pelo Presidente da República, após aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal; pela Câmara Legislativa; e pela Assembleia Legislativa Estadual. (C) pelo Presidente da República; pelo Presidente da República; pelo Governador do Estado, após elaboração de lista tríplice pelos respectivos Conselhos Superiores. (D) pelo Presidente da República, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado; pelo Presidente da República; e pelo Governador do Estado, sendo este
escolhido em lista tríplice. (E) pelo Presidente da República, após aprovação de seu nome pelo Senado Federal; pelo Presidente da República, mediante lista tríplice; pelo Governador, mediante lista tríplice. Questão 15 (DPGE/MG – 2009): O Governador do Estado de Minas Gerais recebeu a lista tríplice para a nomeação do Defensor Público Geral, porém, deixando transcorrer mais de dois meses, não procedeu a nomeação. Nesse caso: (A) O Conselho Superior da DPMG escolherá, em cinco dias, um dos integrantes da lista, empossando-o imediatamente. (B) Assumirá o cargo, interinamente, o Subdefensor Público Geral, até que ocorra a escolha definitiva pelo Governador dentro da lista tríplice. (C) Caberá à Assembleia Legislativa, no prazo, escolher um dos integrantes da lista tríplice. (D) Considerar-se-á nomeado o Defensor Público mais antigo dentre os indicados. (E) Será investido automaticamente no cargo o Defensor Público mais votado. Questão 16 (DPGE/MG – 2009): Com base na Lei Complementar Estadual nº 65/2003, analise as assertivas abaixo: I – A Corregedoria-Geral é exercida pelo Corregedor-Geral, indicado entre os integrantes da carreira, em lista sêxtupla elaborada pelo Conselho Superior e nomeado pelo Governador do Estado. II – A Defensoria Pública-Geral e o Conselho Superior são órgãos da Administração Superior, sendo o Defensor Público Geral chefe do primeiro e quem sempre presidirá o segundo. III – O Defensor Público é órgão de execução, exceto se estiver em função administrativa. IV – São órgãos de atuação da Defensoria Pública: Defensorias Públicas nas Comarcas; Núcleos da Defensoria Pública do Estado; Coordenadorias Regionais de Defensoria Pública, em número de quinze. V – São órgãos de execução de apoio administrativo: o Gabinete; a Assessoria jurídica e de comunicação; a Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças e a Superintendência de Gestão Jurídica. Pode-se afirmar que: (A) pelo menos três assertivas estão corretas. (B) somente duas assertivas estão corretas. (C) somente uma assertiva está correta. (D) Todas as assertivas estão incorretas. (E) Há quatro assertivas corretas. Questão 17 (DPGE/AL – 2009): Com relação a competência dos órgãos da DPE/AL, julgue os itens seguintes: (A) Compete à Corregedoria-Geral da DPE/AL instaurar processo disciplinar contra os membros
da DPE/AL. (B) Encontra-se no âmbito de competência do Conselho Superior da DPE/AL recomendar correições extraordinárias. (C) O exercício de atividades decisórias é vedado ao Conselho Superior da DPE/AL. Questão 18 (DPGE/PI – 2009): Julgue a assertiva abaixo: (A) A lei complementar Federal preceitua expressamente que, existindo conflito de atribuições entre membros da Defensoria Pública Federal e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, o DPG Federal deve solucioná-lo, cabendo, contra a solução dada, recurso para o Conselho Superior. Questão 19 (DPGE/GO – 2010): A Defensoria da União tem por chefe: (A) o Defensor Público Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre membros estáveis da Carreita e maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal. (B) o Defensor Público Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre integrantes da carreira, maiores de 35 (trinta e cinco) anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução. (C) o Defensor Público Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre integrantes da carreira e maiores de 30 (trinta) anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal. (D) o Defensor Público Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre integrantes da carreira, maiores de 30 (trinta) anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida a recondução. (E) o Defensor Público Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República dentre os Defensores Públicos da categoria mais elevada, maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos pelos integrantes da carreira, em escrutínio direto e secreto e dispostos em lista tríplice pela ordem decrescente de votação, para um mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução. Questão 20 (DPU – 2010): Julgue a assertiva abaixo: (A) O Corregedor-Geral da Defensoria Pública da União é nomeado pelo Presidente da República, por proposta do Defensor Público Geral, e, pelo princípio do paralelismo das formas, apenas o Presidente pode destituí-lo do cargo antes do término do mandato. Questão 21 (DPGE/SP – 2010): Entre as inovações advindas da reforma da Lei Orgânica Nacional
da Defensoria Pública, promovida pela Lei Complementar Federal nº 132, de 07 de outubro de 2009, destaca-se: (A) Garantiu a composição paritária do Conselho Superior, entre membros natos e eleitos. (B) Assegurou maior autonomia à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública Estadual ao prever a nomeação do Corregedor-Geral pelo Governador do Estado. (C) Assegurou ao assistido da Defensoria Pública o direito de ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público. (D) Previu a participação no Conselho Superior do presidente da entidade de classe de maior representatividade dos membros da carreira, com direito a voto. (E) Instituiu a Ouvidoria-Geral no âmbito das Defensorias Públicas Estaduais, da União e do Distrito Federal. Questão 22 (DPGE/SP – 2010): A Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, após receber queixas de usuários reclamando da dificuldade de identificação do responsável pelo atendimento, resolve formular sugestão de procedimento interno de caráter vinculativo. Apreciar e decidir o pedido é de competência: (A) da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública, que deve realizar a fiscalização da regularidade do serviço. (B) da Escola da Defensoria Pública, a quem compete a fixação de parâmetros mínimos de qualidade para atuação dos Defensores Públicos. (C) do Conselho Superior da Defensoria Pública, a quem compete, ouvida a Escola da Defensoria Pública, a fixação de rotinas para atuação dos Defensores Públicos. (D) da Coordenação da Regional da Defensoria Pública onde o fato ocorreu, que deverá editar ato de observância obrigatória pelos Defensores nela classificados. (E) do Defensor Público Geral, a quem compete zelar pelo respeito aos direitos dos necessitados. Questão 23 (DPGE/SP – 2010): Quanto à organização da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, é correto afirmar: (A) Os Centros de Atendimento Multidisciplinar são coordenados por Defensor Público designado e possuem representante eleito no Conselho Superior. (B) Os Núcleos Especializados, ao lado dos Defensores Públicos, são órgãos de execução e possuem representante eleito no Conselho Superior. (C) A Corregedoria-Geral é órgão da administração superior, sem direito a voto no Conselho Superior. (D) A Escola da Defensoria Pública é órgão da administração superior, sem assento no Conselho Superior. (E) Os Subdefensores-Gerais, vinculados à administração superior, são membros natos do Conselho Superior.
Questão 24 (DPGE/PR – 2012): “Dessa forma, quando pensamos no que é o Direito, o pensamos como algo separado da ‘sociedade’ e intimamente ligado ao Estado. Pensamos em papéis, processos, ritos, togas e burocracia, todos esses elementos traduzindo autonomia da forma jurídica em relação ao mundo social. As partes comparecem para defender seus interesses ou prestar contas pela infração à norma, e o juiz, com base nas prescrições e princípios do sistema jurídico, produz sentenças. É como se a sociedade tivesse um funcionamento autonomo, num plano paralelo e abaixo do Estado e, quando ocorresse o conflito, o Estado fosse chamado a olhar para baixo, interferir e dar a solução.” (COUTINHO, Priscila. A má-fé da Justiça, in SOUZA, Jesse. A Ralé Brasileira: quem é e como vive, Belo Horizonte: UFMG, 2009, pág. 329-330) A aproximação da sociedade com o sistema de justiça e a participação social, no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Paraná, ocorrem: (A) através de seu orçamento participativo, cuja elaboração deve ser precedida de audiências públicas com a sociedade civil. (B) por intermédio da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, integrada por Ouvidor-Geral que não pode ser membro da carreira, mas que deve possuir formação jurídica. (C) por intermédio das reclamações feitas pelos usuários do serviço à Ouvidoria-Geral, que pode arquivá-las ou encaminhá-las, se for o caso, ao Defensor Público Geral. (D) através das eleições para formação da lista tríplice para o cargo de Ouvidor-Geral, feitas por intermédio das associações de bairro e conselhos da comunidade. (E) por intermédio da Ouvidoria-Geral, que deve, entre outras funções, promover atividades de intercâmbio com a sociedade civil e de acompanhamento do serviço prestado. Art. 2º da LC nº 80/1994: “A Defensoria Pública abrange: I – a Defensoria Pública da União; II – a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; III – as Defensorias Públicas dos Estados.” 2 ALVES, Cléber Francisco. Justiça para Todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pág. 313. 3 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 168. 4 Esse posicionamento, inclusive, restou confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis: “Defensoria Pública Estadual e Atuação no STJ. O art. 106 da LC 80/1994 – que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências – impede eventual tentativa de se conferir à Defensoria Pública da União – DPU a exclusividade na atuação perante o STJ. Com base nessa orientação, a Turma indeferiu habeas corpus em que a DPU sustentava a nulidade do julgamento de recurso especial, haja vista que a intimação da inclusão do feito não fora a ela dirigida, mas à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Asseverou-se que a intimação atendera a pedido expresso do órgão defensivo estadual que patrocinara a defesa do paciente desde a 1ª instância, o que afastaria a alegação de ofensa da prerrogativa de intimação pessoal do Defensor Público. Salientou-se que se cuidaria de discordâncias entre Defensorias Públicas.” (STF – HC nº 92399/RS – Relator Min. AYRES BRITTO, decisão: 29-06-2010) 5 STJ – AgRg no Ag nº 504.415/RJ – Relator Min. CESAR ASFOR ROCHA, decisão: 24-10-2005. 6 STF – Primeira Turma – AI nº 237400 ED/RS – Relator Min. ILMAR GALVÃO, decisão: 27-06-2000. 7 MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e específicas relativas à organização da Defensoria Pública da União, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 163. 8 MENEZES, Felipe Caldas. Op. cit., pág. 163. 9 Segundo entendemos, por ser reconhecido ao membro da Defensoria Pública apenas a estabilidade, restaria afastada a possibilidade de participação dos Defensores Públicos aposentados no processo de eleição do Defensor Público Geral. 10 A Constituição Federal prevê em seu art. 52, III, ‘f’ a competência do Senado Federal para aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública todos os titulares de cargos quando a lei assim determinar. 11 Como observa Gustavo Corgosinho, “a própria unidade e indivisibilidade recomendam que o controle dos atos administrativos seja feito preferencialmente no plano interno, por um órgão da própria Instituição, que certamente terá mais elementos para decidir, na maior 1
parte das vezes, de forma mais célere e eficiente do que no controle externo”. (CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública: princípios institucionais e regime jurídico, Belo Horizonte: Dictum, 2009, pág. 84) 12 “Anteriormente, o Conselho Superior era composto de 3 (três) membros natos (Defensor Público Geral, Subdefensor Público Geral e Corregedor-Geral) e por três membros eleitos dentre os inegrantes da classe mais elevada da Carreira (Categoria Especial). Como o Subdefensor Público Geral e o Corregedor-Geral são necessariamente integrantes da Categoria Especial (arts. 7º e 12, ambos da Lei Complementar nº 80/1994), somente o Defensor Público Geral poderia pertencer a outra categoria (art. 19 da Lei Complementar nº 80/1994). O legislador complementar reformador, com a nova redação do dispositivo, aumentou a representatividade da 1ª e da 2ª Categorias (níveis intermediário e inicial da Carreira) no Conselho Superior da Defensoria Pública da União, modificando a composição em relação aos Conselheiros Classistas.” (MENEZES, Felipe Caldas. Op. cit., pág. 164/165) 13 Segundo entendemos, por ser reconhecido ao membro da Defensoria Pública apenas a estabilidade, restaria afastada a possibilidade de participação dos Defensores Públicos aposentados no processo de eleição dos membros do Conselho Superior. 14 No âmbito da Defensoria Pública da União, o art. 10, VIII faz referência estritamente à “remoção voluntária dos integrantes da carreira da Defensoria Pública da União”; na Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, por sua vez, o art. 58, VII menciona genericamente a “remoção dos integrantes da carreira da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios”. 15 Relevante observar que o art. 10, X da LC nº 80/1994 exige a observância da “ampla defesa” no processo de destituição do Corregedor-Geral Federal, restando silente em relação ao Corregedor-Geral da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (art. 58, X). Entretanto, a exigência da ampla defesa em procedimento administrativo possui sede constitucional, de sorte que mesmo na Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios o princípio constitucional deverá ser observado. 16 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., pág. 77. 17 De acordo com o parágrafo único do art. 105-C da LC nº 80/1994, as representações podem ser apresentadas por qualquer pessoa, inclusive pelos próprios membros e servidores da Defensoria Pública do Estado, entidade ou órgão público. 18 “O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro para declarar a inconstitucionalidade da alínea g, inciso I, do art. 178 (atual art. 181, I, g) da Constituição Estadual, que preve que o Defensor Público, após dois anos de exercício na função, não perderá o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado (…). Considerou-se o advento da EC 19/1998, que ao alterar o art. 41 e respectivos parágrafos, passou a prever a estabilidade de servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público somente após três anos de efetivo exercício, bem como a perda do cargo de servidor público estável tanto por sentença judicial transitada em julgado quanto mediante processo administrativo, assegurada a ampla defesa, e procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, também garantida a ampla defesa.” (STF – Pleno – ADI nº 230/RJ – Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, decisão: 01-02-2010 / Informativo STF nº 573) 19 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Relator Dep. ROBERTO FREIRE, emissão: 11-05-2011. 20 No âmbito do Ministério Público, o art. 130-A da CRFB estabeleu expressamente a forma de distribuição das vagas no CNMP. No entanto, o critério utilizado acabou atribuindo grande parte das cadeiras do conselho ao Ministério Público da União, desequilibrando o pacto federativo. De acordo com Emerson Garcia, o modelo de composição do Conselho Nacional do Ministério Público “rende obediência e intensifica a tendência, sempre presente numa federação imperfeita, concebida e gerada a partir de movimentos centrífugos, de fortalecer o centro em detrimento da periferia”. Justamente por isso, “dos quatorze membros do Conselho, cinco integram o Ministério Público da União; já em relação aos vinte e seis Ministérios Públicos Estaduais, apenas três serão seus representantes, sendo nítido o desequilíbrio entre as unidades federadas, máxime quando aferimos o número de membros de cada uma dessas Instituições”. (GARCIA, Emerson. Ministério Público – Organização, Atribuições e Regime Jurídico, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 117) 21 Importante que se tenha cautela com a regulamentação normativa do CNDP, tendo em vista que a jurisprudência tem se deparado com diversos avanços por parte do CNJ e CNMP, que por meio de seus atos administrativos vêm criando novas funções e, com isso, perpetrando invasões às atribuições de outros órgãos: “MANDADO DE SEGURANÇA. OFICIAL DE PROMOTORIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO. ILÍCITOS ADMINISTRATIVOS. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL: PENA DE DEMISSÃO. IMPUGNAÇÃO AO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO: ANULAÇÃO DA PENALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA AUTÔNOMA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PARA ATUAR ORIGINARIAMENTE NESTE SUPREMO TRIBUNAL. INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA REVISAR PROCESSOS DISCIPLINARES INSTAURADOS CONTRA SERVIDORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. 1. O Ministério Público estadual tem legitimidade ativa autônoma para atuar originariamente neste Supremo Tribunal, no desempenho de suas prerrogativas institucionais relativamente a processos em que seja parte. 2. A competência revisora conferida ao Conselho Nacional do Ministério Público limita-se aos processos disciplinares instaurados contra os membros do Ministério Público da União ou dos Estados (inc. IV do § 2º do art. 130-A da Constituição da República), não sendo possível a revisão de processo disciplinar contra servidores. Somente com o esgotamento da atuação correicional do Ministério Público paulista o ex-servidor apresentou, no Conselho Nacional do Ministério Público, reclamação contra a pena de demissão aplicada. 3. A Constituição da República resguardou o Conselho Nacional do Ministério Público da possibilidade de se tornar instância revisora dos processos administrativos disciplinares
instaurados nos órgãos correicionais competentes contra servidores auxiliares do Ministério Público em situações que não digam respeito à atividade-fim da própria instituição. 4. Mandado de segurança concedido, prejudicados os recursos interpostos contra o deferimento da liminar.” (STF – Primeira Turma – MS nº 28827/SP – Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, decisão: 28-08-12) 22 “Concurso público: vagas previstas em edital e direito subjetivo à nomeação. Ressalvou-se a necessidade de se levar em conta situações excepcionalíssimas, a justificar soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Essas situações deveriam ser dotadas das seguintes características: a) superveniência, ou seja, vinculadas a fatos posteriores à publicação do edital; b) imprevisibilidade, isto é, determinadas por circunstâncias extraordinárias; c) gravidade, de modo a implicar onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras editalícias; d) necessidade, traduzida na ausência de outros meios, menos gravosos, de se lidar com as circunstâncias. Asseverou-se a importância de que a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. Por fim, reafirmou-se a jurisprudência da Corte segundo a qual não se configuraria preterição quando a Administração realizasse nomeações em observância a decisão judicial. Ratificou-se, de igual modo, a presunção de existência de disponibilidade orçamentária quando houver preterição na ordem classificatória, inclusive da decorrente de contratação temporária. Salientou-se, além disso, que o pedido de nomeação e posse em cargo público para o qual o candidato fora aprovado, em concurso público, dentro do número de vagas, não se confundiria com o pagamento de vencimentos, consequência lógica da investidura do cargo.” (STF – RE 598099/MS – Relator Min. Gilmar Mendes, decisão: 10-8-2011) 23 No âmbito da Defensoria Pública da União o candidato ao cargo de Defensor Público Federal deverá indicar, no momento da inscrição, sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga. 24 Em sentido contrário, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello entende que o art. 4º, § 6º, e o art. 26 da LC nº 80/1994 são direcionados a coisas diferentes: “um deles, que demanda inscrição na OAB, está volvido a um requisito de capacitação profissional, aptidão técnica, a ser demonstrada no instante da admissão, feito o que, está cumprido o necessário. O segundo deles, confere capacidade postulatória e a faz depender tão só, ou seja, ‘exclusivamente’, como ali está dito, à nomeação e posse no cargo. Donde, para atuar em juízo (ou extrajudicialmente) na defesa dos interesses a seu cargo, o Defensor nada mais necessita senão estar investido nas funções que lhe correspondem. Ou seja: não necessita permanecer inscrito na OAB. Não são raras no Direito as hipóteses em que é exigido um determinado requisito para a constituição de uma certa situação, mas não o é para a persistência dela. Assim, para que alguém ingresse em certos cargos públicos (como os de policial militar por exemplo) exige-se uma determinada compleição corporal e uma certa aptidão física, mas não é exigido que as mantenha ao longo do tempo. Para aceder à posição de professor titular, demandam-se provas de que possua uma aptidão didática em um certo nível, mas a perda deste nível ao longo do tempo não implica na destituição do cargo. (…) Em suma: não há confundir a previsão de um requisito para a constituição de uma certa situação jurídica com a necessidade de sua persistência para que permaneça a situação em causa.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer emitido por solicitação da Associação dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo, emissão: 08-07-2011) 25 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2013, pág. 494. 26 Relevante consignar que esse critério tem sido objeto de críticas, pois permite que o mais bem colocado no concurso público de ingresso na carreira seja preterido, em razão do tempo no serviço público (critério antecedente). 27 “PROMOÇÃO E REMOÇÃO. DESEMPATE. REGÊNCIA. Surge harmônica com o sistema da Lei Complementar nº 80/1994 a tomada de empréstimo, pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União, para efeito de desempate, visando à promoção por antiguidade, do disposto no artigo 37 da citada lei, a versar sobre critérios relativos à remoção.” (STF – Pleno MS nº 24872/DF – Relator Min. MARCO AURÉLIO, decisão: 30-06-2005) 28 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 77. 29 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Op. cit., pág. 77. 30 Os cursos de aperfeiçoamento compreendem a apresentação de trabalho escrito sobre assunto de relevância jurídica e defesa oral do trabalho que tenha sido aceito por banca examinadora, nos termos dos arts. 33, § 1º, 78, § 1º e 117, § 1º, todos da Lei Complementar nº 80/1994.
CAPÍTULO 16
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
16.1 DELIMITAÇÃO JURÍDICA DO TEMA Seguindo a competência concorrente não cumulativa ou vertical do art. 24, XIII, da CRFB, a Lei Complementar nº 80/1994 cuidou da organização das Defensorias Públicas Estaduais de maneira meramente genérica, deixando a cargo do legislador estadual o detalhamento normativo da matéria. De acordo com o art. 97 da LC nº 80/1994, cada um dos Estados-membros deve realizar a edição de sua própria lei estadual, minudenciando as questões organizacionais da Defensoria Pública de sua unidade federada. Logicamente, por se tratar de competência suplementar, o legislativo estadual resta tolhido aos parâmetros genéricos estabelecidos pela União Federal (art. 24, § 1º e 2º da CRFB), não podendo ignorar as diretrizes gerais traçadas pela Lei Complementar nº 80/1994. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a organização da Defensoria Público foi realizada pela Lei Complementar nº 06/1977, cuja estrutura normativa encontra-se dividida em oitos partes distintas: (i) disposições gerais preliminares, que traça normas gerais sobre a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (arts. 1º a 4º); (ii) organização da Defensoria Pública do Estado, que regulamenta as atribuições e a forma de funcionamento dos órgãos da administração superior e dos órgãos de atuação (arts. 5º a 25); (iii) carreira, dispondo basicamente sobre o provimento nos cargos, a composição da carreira e a forma de preenchimento dos órgãos de atuação (arts. 26 a 81); (iv) direitos, garantias e prerrogativas (art. 82 a 128); (v) deveres, proibições e impedimentos (arts. 129 a 136); (vi) responsabilidade funcional, cuidando do procedimento disciplinar e das sanções cabíveis (arts. 137 a 173); (vii) estágio forense, regulamentando parte fundamental da Defensoria Pública do Estado – os estagiários de direito (arts. 174 a 176); e, por fim, (viii) disposições finais e transitórias (arts. 177 a 190). Atualmente, encontra-se em trâmite no Estado do Rio de Janeiro Projeto de Lei Complementar que pretende adequar os dispositivos da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 às inovações trazidas pela Lei Complementar Federal nº 132/2009. Perante a estrutura normativo-administrativa a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro adota a seguinte divisão de atos administrativos: Resoluções editadas pelo Defensor Público Geral; Deliberações editadas pelo Conselho Superior da Defensoria Pública e Ordens de Serviço a serem editadas pelo Corregedor-Geral da Defensoria Pública. 16.2 DOS EVENTUAIS CONFLITOS EXISTENTES ENTRE A LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 80/1994 E A LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 06/1977
De acordo com o art. 24, § 3º da CRFB, antes da edição da Lei Complementar Federal nº 80/1994, os Estados-membros possuíam competência legislativa plena para dispor sobre a organização das Defensorias Públicas Estaduais. Desse modo, como a matéria ainda não havia sido regulamentada pela União, os Estados-membros podiam legislar tanto sobre os aspectos genéricos quanto sobre os específicos da Defensoria Pública. Entretanto, com a edição da Lei Complementar Federal nº 80/1994, todas as normas jurídicas editadas pelos Estados-membros, que se mostraram contrárias às normas gerais traçadas pela União, tiveram sua eficácia suspensa, nos termos do art. 24, § 4º, da CRFB. Sendo assim, eventual conflito existente entre a Lei Complementar Federal nº 80/1994 e a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 não deverá ser resolvido por meio de revogação, mas por intermédio do instituto da suspensão de eficácia. Embora possa parecer a mesma coisa, pois em ambos os casos a norma atingida deixará de produzir seus regulares efeitos, existem diferenças básicas que separam ontologicamente os institutos. Na revogação, os dispositivos da lei atingida são retirados do ordenamento jurídico de maneira irreversível; logo, em havendo a revogação da lei nova, não haverá a repristinação tácita dos dispositivos da lei antiga (art. 2º, § 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657/1942). Por outro lado, na suspensão da eficácia, os dispositivos da lei estadual antiga apenas terão seus efeitos suspensos durante a vigência da lei federal genérica; se futuramente a União revogar a referida norma, os dispositivos da lei estadual, que se encontravam até então suspensos, readquirirão automaticamente sua eficácia, voltando a regular a matéria. Importante observar, no entanto, que havendo o conflito entre a Lei Complementar Federal nº 80/1994 e outra lei estadual editada posteriormente, não será aplicado o instituto da suspensão de eficácia. Nesse caso, como já teve a oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal, haverá inconstitucionalidade por violação da competência concorrente não cumulativa do art. 24, XIII da CRFB1. 16.3 OS ÓRGÃOS DE COMPOSIÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO De acordo com a Lei Complementar Estadual nº 06/1977, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro encontra-se dividida em apenas duas modalidades de órgãos: (i) os órgãos da administração superior; e (ii) os órgãos de atuação. Os órgãos da administração superior são integrados pela Defensoria Pública Geral do Estado, a Subdefensoria Pública-Geral do Estado, o Conselho Superior da Defensoria Pública, a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública (art. 5º da LCE nº 06/1977). Por sua vez, os órgãos de atuação são caracterizados pelas Defensorias Públicas (art. 6º da LCE nº 06/1977). No entanto, as normas que regulam a composição da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro se encontram em clara oposição aos parâmetros genéricos traçados pelo art. 98 da LC nº 80/1994. De acordo com o referido dispositivo, as Defensorias Públicas dos Estados devem ser divididas em quatro modalidades de órgão: (i) os órgãos da administração superior; (ii) os órgãos de
atuação; (iii) os órgãos de execução; e (iv) o órgão auxiliar. Além disso, a Ouvidoria-Geral não deveria estar inserida na estrutura da administração superior, sendo caracterizada como órgão auxiliar (art. 98, IV da LC nº 80/1994). 16.3.1 O Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tem como chefe institucional o Defensor Público Geral, nomeado pelo Governador do Estado (art. 7º da LCE nº 06/1977). Para ocupar o cargo, deve o candidato integrar a carreira há mais de três anos e ser membro da classe intermediária ou final da carreira, além de possuir mais de 35 anos de idade. A escolha do Defensor Público Geral ocorre mediante processo eletivo, a ser realizado na primeira quinzena de novembro do último ano do mandato. Na eleição serão computados os votos de todos os membros da Defensoria Pública, em caráter direto, unipessoal, secreto e obrigatório (art. 7º, § 1º da LCE nº 06/1977)2. Os três candidatos mais bem classificados integrarão a lista a ser encaminhada ao Governador do Estado do Rio de Janeiro, para a escolha do Defensor Público Geral. No caso de empate, serão adotados os critérios de antiguidade na carreira e, em caso de persistência, o de maior a idade, a fim de definir o ocupante da lista tríplice (art. 7º, § 2º). Embora o art. 7º da LCE nº 06/1977 estabeleça o prazo de quatro anos para o mandato do Defensor Público Geral, coincidente com o mandato do Governador do Estado, essa disposição legal teve sua eficácia suspensa pelo art. 99 da LC nº 80/1994, que diminuiu o prazo para dois anos. De acordo com o art. 7º, § 5º da LCE nº 06/1977 c/c art. 99 da LC nº 80/1994, é admitida uma recondução para o cargo de Defensor Público Geral, cabendo ao Conselho Superior estabelecer as normas regulamentares relativas à eleição. O Governador do Estado do Rio de Janeiro tem a discricionariedade de nomear qualquer um dos três Defensores Públicos que figurem na lista tríplice (art. 145, XVI da CERJ). Entretanto, em respeito a vontade da classe, deve prevalecer a nomeação do candidato mais votado, apesar de não obrigatória. Como forma de evitar manobras e artifícios políticos, art. 99, § 4º, da LC nº 80/1994 prevê que “caso o Chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Defensor Público Geral nos 15 (quinze) dias que se seguirem ao recebimento da lista tríplice, será investido automaticamente no cargo o Defensor Público mais votado para exercício do mandato”. Se no curso do mandato houver a vacância do cargo de Defensor Público Geral do Estado, deverá ser realizada nova eleição, dentro do prazo de 30 dias, para a elaboração de nova lista tríplice, salvo se a vacância ocorrer a menos de seis meses do final do mandato, caso em que, deverá ser nomeado pelo Governador do Estado o 1º Subdefensor Público Geral do Estado, o 2º Subdefensor Público Geral do Estado ou o Corregedor-Geral da Defensoria Pública, nesta ordem, para complementação do mandato interrompido. No que tange às atribuições administrativas do Defensor Público Geral Federal, a Lei Complementar nº 80/1994 optou por não elencá-las, deixando a cargo da legislação estadual a disciplina da matéria. Entretanto, ressalvou apenas que “ao Defensor Publico-Geral do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades,
orientando sua atuação, e representando-a judicial e extrajudicialmente” (art. 100). No âmbito legislativo estadual, por sua vez, o art. 8º da LCE nº 06/1977 elenca as seguintes atribuições administrativas: 1) editar resoluções e expedir instruções aos órgãos da Defensoria Pública; 2) prover os cargos iniciais da carreira, promover, exonerar, aposentar, bem como praticar todo e qualquer ato que importe em provimento ou vacância dos cargos da carreira da Defensoria Pública, dos cargos em comissão e do quadro de apoio da estrutura da Defensoria Pública Geral do Estado; 3) propor demissão ou cassação de aposentadoria de membro da Defensoria Pública; 4) apresentar, anualmente, relatório das atividades da Defensoria Pública, sugerindo medidas adequadas ao seu aperfeiçoamento; 5) convocar e presidir as reuniões do Conselho Superior da Defensoria Pública; 6) baixar atos de lotação e designação dos membros da Defensoria Pública, bem como removêlos de sua lotação para outra, no interesse do serviço; 7) promover a abertura dos concursos para provimento dos cargos efetivos da Defensoria Pública, nos termos desta lei; 8) dar posse aos nomeados para cargos efetivos, e em comissão, da Defensoria Pública; 9) adir ao Gabinete, no interesse de serviço, membros da Defensoria Pública; 10) fazer publicar, anualmente, a lista de antiguidade dos membros da Defensoria Pública; 11) aprovar a tabela de férias dos membros da Defensoria Pública; 12) conceder férias e licenças aos membros da Defensoria Pública; 13) deferir benefícios ou vantagens concedidas em lei aos membros da Defensoria Pública; 14) determinar o apostilamento de títulos dos membros da Defensoria Pública; 15) aplicar penas disciplinares aos membros da Defensoria Pública; 16) determinar exames de sanidade para verificação da capacidade física ou mental de membros da Defensoria Pública; 17) dirimir conflitos e dúvidas de atribuições entre os órgãos da Defensoria Pública, ouvido o Conselho Superior se julgar conveniente; 18) indicar, quando solicitado pela autoridade competente, membros da Defensoria Pública para integrar comissão de inquérito no âmbito do Poder Judiciário; 19) requisitar dos órgãos da Administração Pública, documentos, exames, diligências e esclarecimentos necessários à atuação da Defensoria Pública; 20) promover revisão criminal3; 21) avocar atribuição específica de qualquer membro da Defensoria Pública e delegá-la a outro Defensor Público4; 22) delegar as atribuições definidas neste artigo, de sua competência privativa; 23) praticar atos e decidir questões relativas à administração-geral e à proposta e execução
orçamentária da Defensoria Pública; 24) decidir sobre a disposição de membros da Defensoria Pública para outros órgãos públicos, ouvido o Conselho Superior. Como forma de evitar qualquer deturpação ou desvio de finalidade na administração da Defensoria Pública, o art. 7º, § 6º da LCE nº 06/1977 permite a destituição do Defensor Público Geral “em caso de abuso de poder, conduta incompatível ou grave omissão nos deveres do cargo”, assegurada a ampla defesa. Para tanto, a legislação estadual exige “voto da maioria absoluta da Assembleia Legislativa”, mediante: (i) representação de 1/5 dos Deputados Estaduais; (ii) representação do Governador do Estado; ou (iii) representação de 2/3 dos membros, em atividade, da Defensoria Pública. 16.3.2 Os Subdefensores Públicos Gerais do Estado do Rio de Janeiro
Dentro da estrutura administrativa da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o art. 9º da LCE nº 06/1977 contempla a existência de duas Subdefensorias Pública Gerais. A escolha dos respectivos Subdefensores Públicos-Gerais deve ser realizada pelo Defensor Público Geral eleito, mediante nomeação do Governador do Estado, dentre os integrantes da carreira, desde que estáveis (art. 99, § 1º da LC nº 80/1994 e o art. 9º da LCE nº 06/1977). Ao 1º Subdefensor Público Geral do Estado são conferidas as seguintes atribuições administrativas (art. 9º, § 1º, da LCE nº 06/1977): 1) substituir o Defensor Público Geral em suas faltas, licenças, impedimentos e férias; 2) exercer a chefia setorial de planejamento da Defensoria Pública Geral do Estado, cumprindo e fazendo cumprir as normas técnicas de elaboração dos planos, programas, projetos e orçamento, promovendo o acompanhamento de sua execução; 3) auxiliar o Defensor Público Geral nos contatos com autoridades e com o público em geral, no que concerne a assuntos da Defensoria Pública Geral do Estado; 4) exercer as atribuições que lhe forem delegadas pelo Defensor Público Geral. Por seu turno, o art. 9º, § 2º, da LCE nº 06/1977 confere ao 2º Subdefensor Público Geral do Estado as seguintes atribuições: 1) substituir o 1º Subdefensor Público Geral, em suas faltas, impedimentos, licenças e férias; 2) coordenar os concursos para ingresso na classe inicial da carreira da Defensoria Pública; 3) desincumbir-se das tarefas e delegações que lhe forem atribuídas pelo Defensor Público Geral. 16.3.3 O Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
O Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro é órgão colegiado de consulta e da administração superior da Instituição, sendo composto por membros natos e classistas. De acordo com o art. 10 da LCE nº 06/1977, são membros natos do Conselho Superior: (i) o
Defensor Público Geral; (ii) os Subdefensores Públicos Gerais; e (iii) o Corregedor-Geral. Importante consignar, no entanto, que o art. 101 da LC nº 80/1994 determina expressamente que a composição do Conselho Superior “deve incluir obrigatoriamente o Defensor Público Geral, o Subdefensor Público Geral, o Corregedor-Geral e o Ouvidor-Geral, como membros natos”. Sendo assim, ao rol elencado no art. 10 da LCE nº 06/1977 deve ser acrescentada a figura do OuvidorGeral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. No que tange à representação classista, o art. 10 da LCE nº 06/1977 estabelece que o Conselho Superior será integrado “por 4 (quatro) membros da Defensoria Pública, eleitos por voto obrigatório, por todos os integrantes da Instituição, dentre Defensores Públicos no 2º Grau de Jurisdição e Defensores Públicos de 1ª categoria”. Entretanto, o art. 101 da LC nº 80/1994 determina expressamente que o colegiado seja composto “em sua maioria” por representantes classistas. Dessa forma, considerando que o Defensor Público Geral, o Corregedor-Geral, dois Subdefensores-Gerais e o Ouvidor-Geral já ocupam o Conselho Superior na qualidade de membros natos, haveria a necessidade de que a representação classista fosse composta por, no mínimo, sete Defensores Públicos eleitos pela categoria, de modo a garantir a maioria. Ao Defensor Público Geral competirá a presidência do Conselho Superior, gozando do voto de qualidade, salvo quando envolver matéria disciplinar (art. 101, § 1º da LC nº 80/1994 e art. 15 da LCE nº 06/1977). Nas faltas, impedimentos, licenças e férias do Defensor Público Geral, a presidência do Conselho Superior passará ao 1º e 2º Subdefensores Públicos-Gerais, sucessivamente, como determina o art. 15, parágrafo único da LCE nº 06/1977. Para concorrer ao cargo de membro classista, o candidato não poderá estar afastado da carreira ou exercendo funções estranhas à Defensoria Pública (art. 101, § 4º da LC nº 80/1994 c/c art. 12 da LCE nº 06/1977). Embora o art. 11 da LCE nº 06/1977 preveja o mandato de dois anos, “vedada a reeleição para o período imediato”, a referida disposição teve sua eficácia suspensa pelo art. 101, § 3º da LC nº 80/1994. Isso porque a norma federal permite “uma reeleição” para o cargo. Do mesmo modo, o art. 11, § 2º da LCE nº 06/1977, que confere ao Defensor Público Geral a atribuição de regulamentar as eleições, também teve sua eficácia suspensa, posto que a atribuição passou a pertencer ao próprio Conselho Superior (art. 101, § 2º da LC nº 80/1994). Segundo determina o art. 11, § 1º da LCE nº 06/1977, o mandato classista dos membros do Conselho Superior tem início com o ano civil, realizando-se as eleições respectivas dentro dos 60 dias que antecedem ao término do mandato. O art. 101, § 5º, da Lei Complementar nº 80/1994 confere ao presidente da entidade de classe de âmbito estadual com maior representatividade assento e voz nas reuniões do Conselho Superior, o que mais uma vez reforça a concepção da importância de um órgão classista na estrutura administrativa da Defensoria Pública. As atribuições do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado envolvem o exercício das atividades consultivas, normativas e decisórias a serem estabelecidas na legislação estadual (art. 102 da LC nº 80/1994). Nessa linha, o art. 16 da LCE nº 06/1977 enumera as seguintes atribuições: 1) organizar as listas de promoção por antiguidade e por merecimento;
2) aprovar a lista anual de antiguidade, bem como julgar as reclamações dela interpostas pelos interessados; 3) atualizar as listas de antiguidade dos membros da Defensoria Pública na data da ocorrência da vaga; 4) organizar o concurso para provimento de cargos da carreira da Defensoria Pública; 5) opinar nas representações oferecidas contra membros da Defensoria Pública, quando solicitado o seu pronunciamento pelo Defensor Público Geral do Estado; 6) recomendar as medidas necessárias ao regular funcionamento da Defensoria Pública, a fim de assegurar o seu prestígio e a plena consecução de seus fins; 7) regular a forma pela qual será manifestada a recusa à promoção; 8) propor ao Defensor Público Geral, sem prejuízo da iniciativa deste, a aplicação de penas disciplinares; 9) representar ao Defensor Público Geral do Estado sobre qualquer assunto que interesse à organização da Defensoria Pública ou à disciplina de seus membros; 10) pronunciar-se sobre qualquer assunto que lhe seja submetido pelo Defensor Público Geral do Estado; 11) confirmar, ou não, na carreira o Defensor Público Substituto5, ao final de seu estágio; 12) elaborar o seu Regimento Interno; 13) julgar, em grau de recurso, os processos disciplinares de membros da Defensoria Pública. As deliberações do Conselho Superior da Defensoria Pública deverão ser fundamentadas e seus resultados tomados pela maioria de votos, como assegura o art. 15 da LCE nº 06/1977. 16.3.4 A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
A Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro constitui órgão de fiscalização da atividade funcional e da conduta dos membros e dos servidores da Defensoria Pública, sendo exercida pelo Corregedor-Geral (art. 103 da LC nº 80/1994). Trata-se de órgão diretamente subordinado ao Defensor Público Geral, sendo exercida por membro integrante da classe final ou intermediária da carreira, indicado pelo Defensor Público Geral e nomeado pelo Governador do Estado (art. 17 da LCE nº 06/1977). De acordo com o art. 18 da LCE nº 06/1977, o Corregedor-Geral possui o importante papel de auxiliar o Defensor Público Geral do Estado e o Conselho Superior a fiscalizar o bom andamento dos serviços afetos à Defensoria Pública e a atuação funcional de seus membros, sugerindo as medidas que julgar necessárias. Segundo estabelece o art. 17, in fine da LCE nº 06/1977, pertenceria ao Defensor Público Geral o encargo de escolher o Corregedor-Geral, para nomeação pelo Governador do Estado. Entretanto, o referido dispositivo legal teve sua eficácia suspensa pelo art. 104 da LC nº 80/1994, segundo o qual o Corregedor-Geral será “indicado dentre os integrantes da classe mais elevada da carreira, em lista tríplice formada pelo Conselho Superior, e nomeado pelo Defensor Público Geral para mandato de 2
(dois) anos, permitida 1 (uma) recondução”. O Corregedor-Geral poderá ser destituído do cargo antes do término do mandato, por proposta do Defensor Público Geral e voto de dois terços dos membros do Conselho Superior. Na deliberação que discutirá a destituição, o próprio Corregedor-Geral não poderá participar como membro votante, tendo em vista o nítido conflito de interesses (art. 104, § 1º, da LC nº 80/1994). Seguindo o permissivo contido no art. 104, § 2º da LC nº 80/1994, que admite a criação pela legislação estadual de “um ou mais cargos de Subcorregedor”, o art. 17 da LCE nº 06/1977 prevê que “o Corregedor-Geral será auxiliado e substituído em suas faltas, impedimentos, licenças e férias, pelo Subcorregedor, nomeado em comissão”. As atribuições da Corregedoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro são elencadas no art. 20 da LCE nº 06/1977, que estabelece: 1) inspecionar, em caráter permanente, a atividade dos membros da Defensoria Pública, observando erros, abusos, omissões e distorções, recomendando sua correção, bem como, se for o caso, a aplicação das sanções pertinentes; 2) apresentar ao Defensor Público Geral do Estado, no início de cada exercício, relatório dos serviços desenvolvidos no ano anterior; 3) receber e processar as representações contra os membros da Defensoria Pública, encaminhando-as, com parecer, ao Defensor Público Geral do Estado; 4) prestar ao Conselho Superior, em caráter sigiloso, as informações que lhe forem solicitadas sobre atuação funcional de membros da Defensoria Pública; 5) requisitar de autoridades públicas certidões, exames, diligências, processos e esclarecimentos necessários ao exercício de suas atribuições; 6) receber e analisar os relatórios dos órgãos da Defensoria Pública, sugerindo ao Defensor Público Geral o que for conveniente; 7) exercer outras atribuições inerentes à sua função ou que lhe sejam determinadas pelo Defensor Público Geral do Estado. 16.3.5 Os órgãos de atuação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Seguindo a competência concorrente não cumulativa ou vertical (art. 24, XIII da CRFB), a Lei Complementar nº 80/1994 traçou apenas normas gerais sobre os órgãos de atuação das Defensorias Públicas dos Estados, deixando a cargo do legislador estadual o detalhamento normativo da matéria. De acordo com o art. 21 da LCE nº 06/1977, “as Defensorias Públicas são órgãos de atuação da Defensoria Pública”, sendo suas atribuições definidas pelo art. 22 do referido legislativo estadual. Cabe ao Defensor Público Geral do Estado, atendendo a necessidade do serviço, criar ou modificar órgãos de atuação, e extinguir os vagos (art. 24 da LCE nº 06/1977). Dentro desse contexto, o art. 25 da LCE nº 06/1977 divide legalmente os órgãos de atuação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro da seguinte forma: 1) Defensorias Públicas no 2º Grau de Jurisdição;
2) Defensorias Públicas, Curadorias Especiais e Núcleos da Comarca da Capital; 3) Defensorias Públicas e Núcleos das Comarcas de 1ª e 2ª Entrâncias; 4) Defensorias Públicas Regionais com função de auxílio ou substituição, discriminadas por ato do Defensor Público Geral. 16.3.6 A Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Embora tenha sido encarada como a grande novidade da reforma implementada pela Lei Complementar Federal nº 132/2009, na verdade a figura da Ouvidoria-Geral já era contemplada no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, desde o advento da Lei Complementar Estadual nº 112/2006. De acordo com o art. 20-A da LCE nº 06/1977, à Ouvidoria-Geral recai o papel de promover a qualidade dos serviços prestados pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, bem como realizar o acompanhamento da fiscalização da atividade funcional dos seus membros e servidores. Para a realização desse desiderato, a Ouvidoria-Geral deve contar com estrutura definida pelo Conselho Superior e servidores do quadro da própria Defensoria Pública do Estado. O processo de escolha do Ouvidor-Geral tem ocasionado forte turbulência no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em virtude do conflito existente entre as normas da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 e da Lei Complementar Federal nº 80/1994. Segundo estabelece o art. 20-B da LCE nº 06/1977, “o Ouvidor-Geral será nomeado pelo Defensor Público Geral, escolhido em lista tríplice formada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução, respeitado o mesmo procedimento”. Desse modo, a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 não estabelece nenhuma restrição quanto à candidatura de integrantes da carreira para o cargo de Ouvidor-Geral, nada dispondo acerca desse fato. Além disso, determina que o Ouvidor-Geral será nomeado pelo Defensor Público Geral, mediante escolha realizada em lista tríplice formada pelo Conselho Superior. De maneira absolutamente diversa, o art. 105-B da LC nº 80/1994 determina que “o OuvidorGeral será escolhido pelo Conselho Superior, dentre cidadãos de reputação ilibada, não integrante da Carreira, indicados em lista tríplice formada pela sociedade civil, para mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) recondução”. Sendo assim, a Lei Complementar nº 80/1994 determina expressamente que o cargo de Ouvidor-Geral deverá ser ocupado por cidadão não integrante da carreira. Outrossim, estabelece que o Ouvidor-Geral será escolhido pelo Conselho Superior, dentre os candidatos indicados em lista tríplice formada pela sociedade civil. Importante observar, ainda, que o art. 105-B, § 3º da LC nº 80/1994 determina que “o cargo de Ouvidor-Geral será exercido em regime de dedicação exclusiva”, de modo que o candidato nomeado não poderá desempenhar outras funções. Para a adequada resolução desse conflito normativo, deve ser aplicada a regra do art. 24, § 4º da CRFB, que expressamente determina: Art. 24, § 4º, da CRFB: A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Desse modo, não resta dúvida que as normas da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 (acrescentadas pela Lei Complementar Estadual nº 112/2006) que disciplinam o procedimento de escolha do Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tiveram sua eficácia suspensa pela Lei Complementar Federal nº 132/2009, passando a matéria a ser regulamentada pelo art. 105-B da LC nº 80/1994. Por derradeiro, as atribuições da Ouvidoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro são enumeradas no art. 20-C da LCE nº 06/1977, que estabelece: 1) receber e encaminhar ao Defensor Público Geral reclamações e denúncias contra membros e servidores da Defensoria Pública; 2) representar à Corregedoria-Geral; 3) acompanhar as sindicâncias e os processos administrativos disciplinares, em todas as suas fases, observado o sigilo; 4) propor aos órgãos da administração superior da Defensoria Pública medidas e ações que visem à consecução dos princípios institucionais e ao aperfeiçoamento dos serviços prestados pela instituição; 5) elaborar e divulgar relatórios sobre suas atividades; 6) recorrer ao Conselho Superior da Defensoria Pública contra a decisão de arquivamento de sindicância; 7) usar da palavra nas reuniões do Conselho Superior da Defensoria Pública nos procedimentos disciplinares, sem direito a voto. 16.4 A CARREIRA DE DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO De acordo com o art. 110 da LC nº 80/1994, a carreira de Defensor Público do Estado deve ser obrigatoriamente composta por meio de “categorias de cargos efetivos necessárias ao cumprimento das suas funções institucionais, na forma a ser estabelecida na legislação estadual”. Além disso, o art. 111 da LC nº 80/1994 confere à Defensoria Pública do Estado a atribuição para atuar “junto a todos os Juízos de 1º grau de jurisdição, núcleos, órgãos judiciários de 2º grau de jurisdição, instâncias administrativas e Tribunais Superiores”. 16.4.1 O escalonamento da carreira na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a carreira de Defensor Público é dividida em três classes distintas (art. 26 da LCE nº 06/1977): (i) os Defensores Públicos Substitutos (categoria inicial); (ii) os Defensores Públicos (categoria intermediária); e (iii) os Defensores Públicos de Classe Especial (categoria final). Entre as classes não há qualquer distinção no que tange às garantias e prerrogativas, subsistindo diferenciação apenas em relação à atribuição de cada uma delas. Todavia, por força do art. 91 da LCE nº 06/1977, “o vencimento ou subsídio dos membros da Defensoria Pública guardará a diferença de 5% (cinco por cento) de uma para outra classe da carreira, a partir do fixado para o
cargo de Defensor Público de Classe Especial”. Em relação à divisão de trabalho, os Defensores Públicos de Classe Especial têm atribuição para atuar junto aos Tribunais e às Turmas Recursais6, interpondo os competentes recursos e ações autônomas de impugnação (Ação Rescisória e Revisão Criminal). A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro também possui Defensores Públicos de Classe Especial em atuação no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, através de um órgão de representação em Brasília, com atribuição cível e criminal. Por sua vez, os Defensores Públicos (categoria intermediária) são todos aqueles que se encontram titularizados em órgão de atuação com atribuição no 1º grau de jurisdição. Relevante consignar que a atribuição para interposição de recursos também pertence aos Defensores Públicos da classe intermediária, sempre que a interposição ou apresentação das contrarrazões ocorrer em 1ª instância. Por fim, os Defensores Públicos Substitutos não possuem titularidade e atuam em auxílio ou substituição nos órgãos de 1º grau de jurisdição. 16.4.2 O ingresso na carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro
O ingresso na categoria inicial da carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro ocorre mediante aprovação em concurso público de provas e títulos, promovido pelo Conselho Superior da Defensoria Pública, com participação do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 46 da LCE nº 06/1977). Na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o concurso deverá ser realizado sempre que o número de vagas em aberto for igual ou excedente a 10% dos existentes na classe inicial da carreira, por ato do Defensor Público Geral do Estado (art. 46, § 1º da LCE nº 06/1977). O regulamento do concurso editado pelo Conselho Superior, na forma do art. 46, § 2º, da LCE nº 06/1977, apontará os programas das disciplinas sobre as quais versarão as provas, bem como outras disposições pertinentes à sua organização e realização7. Caberá ao edital de abertura de inscrições no concurso indicar, obrigatoriamente, o número de cargos vagos na categoria inicial da carreira, como determina o art. 112, § 2º, da LC nº 80/1994. De acordo com o art. 47 da LCE nº 06/1977, para se habilitar ao cargo de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, o candidato deve preencher os seguintes requisitos: (i) ser brasileiro e bacharel em direito; (ii) ter, no máximo, 48 anos de idade à data do pedido de inscrição8; (iii) estar no gozo dos direitos políticos e em dia com as obrigações atinentes ao serviço militar; (iv) gozar de perfeita saúde física e mental; (v) ter pelo menos 2 anos de prática profissional; (vi) ser considerado idôneo e apresentar condições pessoais compatíveis com o exercício das funções, a critério exclusivo do Conselho Superior. Outrossim, no momento da edição do regulamento do concurso, o Conselho Superior poderá exigir a observância de outros requisitos compatíveis com princípio da razoabilidade. A Lei Estadual nº 6.067/2011 prevê a reserva de vagas em concursos públicos para negros e índios, sendo certo que a Deliberação nº 84/2012, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em iniciativa inédita, contemplou 20% das vagas do XXIV concurso aos que se afirmarem negros ou índios. Além disso, outros 5% das vagas são destinadas a portadores de
necessidades especiais. 16.4.3 A nomeação e posse na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Após a aprovação e verificação do preenchimento de todos os requisitos do cargo, o candidato será nomeado para o cargo de Defensor Público Substituto, mediante ato do governador do Estado do Rio de Janeiro (art. 51 da LCE nº 06/1977). Depois da nomeação, caberá ao Defensor Público Geral do Estado dar posse aos membros da Defensoria Pública. De acordo com art. 53 da LCE nº 06/1977 “é de 30 (trinta) dias, contados da publicação do ato de nomeação oficial, o prazo para a posse dos membros da Defensoria Pública”. No entanto, o prazo “poderá ser prorrogado pelo Defensor Público Geral, até 60 (sessenta) dias, a requerimento do interessado, havendo motivo justo” (art. 53, § 1º). A posse do membro da Defensoria Pública deverá ser precedida do compromisso de fiel cumprimento dos deveres inerentes ao cargo, nos seguintes termos (art. 55 da LCE nº 06/1977): “prometo servir à Defensoria Pública, orientando os juridicamente necessitados, postulando e defendendo os seus direitos”. 16.4.4 A lotação dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
De acordo com o art. 27 da LCE nº 06/1977 “o preenchimento dos órgãos de atuação da Defensoria Pública é feito por lotação e por designação”. A lotação estará sempre atrelada a um órgão de atuação, razão pela qual o art. 29 da LCE nº 06/1977 estabelece que “cada Defensor Público terá lotação em órgão de atuação da Defensoria Pública”. Segundo estabelece o art. 38 da LCE nº 06/1977, os Defensores Públicos serão lotados à medida que forem vagando os órgãos de atuação, após solucionados os pedidos de remoção e observada a ordem de antiguidade na classe. Seguindo o escalonamento da carreira, os Defensores Públicos de Classe Especial serão lotados nos órgãos de atuação da Defensoria Pública junto aos Tribunais de 2º Grau de Jurisdição e Tribunais Superiores (art. 30). Na classe intermediária, os Defensores Públicos serão lotados em quaisquer dos órgãos de atuação da Defensoria Pública não destinados aos membros de classe especial (art. 31). Por fim, na classe inicial, ocupada pelos Defensores Públicos Substitutos, não será adotado o regime de lotação, sendo os integrantes dessa categoria designados para exercício, em auxílio ou substituição, nos órgãos onde são lotados os membros da classe intermediária (art. 34), mediante tabela estabelecida por ato do Defensor Público Geral (art. 36). Havendo necessidade, os Defensores Públicos de Classe Especial “poderão ser designados para funcionar, em auxílio ou substituição, nos órgãos de atuação da Defensoria Pública junto aos tribunais de 2º grau de jurisdição e tribunais superiores”, em regime de acumulação com os órgão nos quais são lotados (art. 32). Além disso, persistindo a necessidade, os Defensores Públicos da classe intermediária também poderão ser designados para funcionar, em auxílio ou substituição, nos órgãos de atuação da Defensoria Pública junto aos tribunais de 2º grau de jurisdição e tribunais superiores (art. 33). 16.4.5 A remoção dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Seguindo os parâmetros traçados pela Lei Complementar nº 80/1994, a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 contempla três hipóteses de remoção: (i) remoção a pedido (ou voluntária unilateral); (ii) remoção por permuta (ou voluntária por permuta); e (iii) remoção compulsória. De acordo com o art. 42 da LCE nº 06/1977, “os requerimentos de remoção voluntária unilateral deverão ser dirigidos ao Defensor Público Geral, no prazo improrrogável de 5 (cinco) dias contados da data que for publicado no Órgão Oficial o aviso para remoção”, devendo obedecer rigorosamente a ordem de antiguidade dos concorrentes. Importante registrar que o referido dispositivo estabelece reduzido prazo para apresentação dos requerimentos de remoção, sendo concedido apenas cinco dias, contados da data da publicação do edital do concurso de remoção. Nesse ponto, a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 apresenta conteúdo que contraria o art. 121 da LC nº 80/1994, que fixa o prazo de 15 dias para a apresentação do requerimento. Com efeito, seguindo a regra do art. 24, § 4º da CRFB, o art. 42 da LCE nº 06/1977 teve sua eficácia suspensa pelo art. 121 da LC nº 80/1994, por trazer norma de caráter posterior e geral, com conteúdo mais benéfico aos integrantes da classe. Não há como se admitir que o prazo mais exíguo prevaleça, especialmente se considerarmos que a participação em concurso de remoção envolve diversas variáveis e demanda reflexão e pesquisa do interessado acerca das características do órgão para o qual pretende se habilitar. Admitir o contrário é concordar com a ideia de que o concurso de remoção deve ser realizado às escondidas, de modo a evitar a participação de todos os integrantes da classe. Esse sistema pode, inclusive, causar prejuízos aos membros da Defensoria Pública que estejam em gozo de férias, de licenças ou sendo afetados por outros fatores que possam subtrair a atenção em relação ao concurso de remoção. A remoção por permuta, por sua vez, será admitida entre membros da Defensoria Pública de mesma classe e dependerá de requerimento conjunto dirigido ao Defensor Público Geral, que apreciará o pedido em função da conveniência do serviço (art. 44 da LCE nº 06/1977). Desse modo, os Defensores Públicos de Classe Especial só podem permutar com integrantes dessa mesma categoria final; igualmente, os Defensores Públicos apenas podem permutar com integrantes da mesma categoria intermediária. Por não haver lotação na carreira inicial, não há a possibilidade de permuta entre Defensores Públicos Substitutos. Como forma de moralizar a remoção por permuta, o art. 44, parágrafo único da LCE nº 06/1977 impede a realização da permuta sempre que: (i) um dos permutantes estiver habilitado à promoção em razão da existência de vaga na classe superior; (ii) no período de um ano antes do limite de idade para aposentadoria compulsória de qualquer dos permutantes; (iii) ao membro da Defensoria Pública que estiver inscrito em concurso para qualquer carreira; (iv) quando um dos permutantes não estiver em efetivo exercício na lotação objeto da permuta. No entanto, a regulamentação normativa da matéria ainda deixa espaço para a prática de permutas fraudulentas, nas quais Defensores Públicos mais antigos realizam a troca de órgãos de atuação com Defensores Públicos mais novos, permitindo que estes alcancem posição mais vantajosa em violação ao critério de antiguidade para a movimentação progressiva na carreira9. Sem dúvida, a questão da remoção por permuta deve ser encarada com a devida cautela, a fim de evitar o desrespeito ao critério de antiguidade na escolha de órgãos (art. 123 da LC nº 80/1994). Por fim, a remoção compulsória restou revogada pela Lei Complementar Estadual nº 68/1990,
subsistindo apenas nos dispositivos constantes da Lei Complementar Federal nº 80/1994. 16.4.6 A promoção dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Conforme salientado anteriormente, a promoção consiste no acesso imediato dos membros efetivos da Defensoria Pública de uma categoria para outra mais elevada dentro da carreira. De acordo com o art. 62 da LCE nº 06/1977, “as promoções na carreira da Defensoria Pública serão feitas de classe para classe, por antiguidade e por merecimento, alternadamente”. A promoção por antiguidade recaíra sobre o membro mais antigo da classe. Seguindo a regra do art. 63 da LCE nº 06/1977, “a antiguidade será apurada na classe e determinada pelo tempo de efetivo exercício na mesma”. O eventual empate na classificação por antiguidade deverá ser resolvido pelos seguintes critérios: (a) pelo maior tempo de serviço na Defensoria Pública; (b) pelo maior tempo de serviço público estadual; (c) pelo maior tempo de serviço público em geral; e (d) pelo de mais idade. A lista de antiguidade dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em cada classe, deverá ser publicada no mês de janeiro de cada ano, por ato do Defensor Público Geral, “a qual conterá, em anos, meses e dias, o tempo de serviço na classe, na carreira, no serviço público estadual e no serviço público em geral e o computado para efeito de aposentadoria e disponibilidade” (art. 63, § 2º, da LCE nº 06/1977). Eventuais reclamações contra a lista deverão ser apresentadas no prazo de 30 dias contados da respectiva publicação, cabendo ao Conselho Superior o seu julgamento. Por sua vez, a promoção por merecimento será avaliada pelo Conselho Superior, que deverá levar em conta os seguintes fatores: (a) o procedimento do membro da Defensoria Pública em sua vida pública e particular, o conceito de que goza na Comarca, segundo as observações feitas em correções e em visitas de inspeção, e o mais que conste de seus assentamentos funcionais; (b) a pontualidade e o zelo no cumprimento dos deveres funcionais, a atenção às instruções emanadas da Defensoria Pública Geral, aquilatadas pelo relatório de suas atividades e pelas observações feitas nas correições e visitas de inspeção; (c) eficiência no desempenho de suas funções verificada através dos trabalhos produzidos; (d) a contribuição à organização e à melhoria dos serviços judiciários e correlatos; (e) o aprimoramento de sua cultura jurídica, através de cursos especializados, publicações de livros, teses, estudos e artigos e obtenção de prêmios, tudo relacionado com a sua atividade funcional; (f) a atuação em Comarca que apresente particular dificuldade para o exercício das funções. A promoção por merecimento dependerá de lista tríplice para cada vaga, organizada pelo Conselho Superior, em sessão secreta, com ocupantes do primeiro terço da lista de antiguidade. Serão incluídos na lista tríplice os nomes dos que obtiverem os votos da maioria absoluta dos votantes, sendo realizadas tantas votações quantas sejam necessárias para a composição da lista. Recentemente, o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro editou a Deliberação nº 86/12, regulamentando os critérios objetivos a serem observados nas promoções por merecimento, in verbis: Deliberação nº 86, de 26 de janeiro de 2012 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Estabelece as normas de caráter objetivo a serem observadas nas promoções, por merecimento, dos Defensores Públicos Art. 1º O merecimento dos Defensores Públicos, para efeito de promoção, será aferido pelos seguintes fatores: a) eficiência e presteza demonstradas no desempenho de suas funções; b) pontualidade e o zelo no cumprimento dos deveres funcionais e a atenção às instruções normativas emanadas da Defensoria Pública Geral; c) eficiência no desempenho das funções verificada através dos trabalhos produzidos no exercício destas; d) o procedimento do Defensor Público em sua vida pública, institucional, aliada ao conceito de que goza nas comarcas em que tenha atuado; e) a eficiente atuação em Comarca que apresente particular dificuldade para o exercício das funções; f) A contribuição à organização e à melhoria dos serviços prestados pela Defensoria Pública. § 1º Todos os fatores apontados nos incisos anteriores deverão ser aferidos, exclusivamente, pelo Conselho Superior, que levará em consideração as conclusões das correições ou inspeções ordinárias e extraordinárias realizadas pela Corregedoria-Geral, que manterá a pasta funcional com os assentamentos atualizados dos Defensores Públicos, devendo o Corregedor-Geral apresentálas ao Conselho Superior nas sessões destinadas às promoções, facultada ao Defensor Público interessado a produção de prova dos fatores que o beneficiem. § 2º Desde que impossível, ao Conselho Superior, a aferição dos fatores mencionados nas alíneas deste artigo, o critério a ser aplicado será o da antiguidade. Art. 2º Estando, os concorrentes, em condições de igualdade quanto ao disposto nas alíneas do artigo anterior, o desempate se dará mediante a observância dos seguintes fatores: a) obtenção de título de Pós-Doutor: 5 pontos; b) obtenção de título de Doutor: 4 pontos; c) obtenção de título de Mestre: 3 pontos; d) obtenção de título de Pós-Graduado lato sensu: 1 ponto; e) participação e aprovação em curso de aperfeiçoamento promovido pela Defensoria Pública Geral do Estado desde que haja apresentação de trabalho escrito e defesa oral: 1,5 pt; f) publicação de livro jurídico de autoria individual: 3pts; de autoria coletiva: 1 pt; g) atuação em atividades voluntárias, não remuneradas, organizadas pela Defensoria Pública, desde que possibilitada à participação de qualquer Defensor Público, sem restrição de quantitativo, assegurada a ampla e anterior divulgação: 1 pt para cada atividade exercida; h) tese apresentada em Congresso promovido pela Defensoria Pública de qualquer Estado, da Defensoria Pública da União ou por associação de classe de Defensores Públicos, estadual ou nacional, de maior representatividade, desde que acolhida pela Comissão de Seleção: 1,5 pt; i) tese jurídica apresentada em Congresso promovido por instituição de notória idoneidade, desde que acolhida pela Comissão de Seleção: 1,0 pt; j) publicação de trabalho jurídico, parecer, estudo ou artigo em revista, informativo ou outro veículo de informação de notória idoneidade: 0,5 pt; k) publicação de trabalho forense na Revista da Defensoria Pública de qualquer Estado, da Defensoria Pública da União ou em revista de associação de classe de Defensores Públicos, estadual ou nacional, de maior representatividade: 1,5 pt; l) prêmio obtido em decorrência da atividade como Defensor Público e concedido por instituição ou órgão público ou, ainda, entidade privada de reconhecida idoneidade: 2,0 pts; m) curso não remunerado: 1,5 pt; palestra não remunerada: 0,5 pt, desde que guardem pertinência com as funções institucionais; n) exercício, no âmbito jurídico, por, no mínimo, 01 (um) ano de atividade docente em curso de graduação e especialização: 1,0 pt; mestrado: 2,0 pts; doutorado: 3,0 pts ou Pós Doutorado: 4,0 pts em universidade pública ou privada, nacional ou estrangeira reconhecida por órgão oficial brasileiro; § 1º O aprimoramento da cultura jurídica através de cursos especializados, publicações de livros, teses, estudos, artigos e obtenção de prêmios e demais fatores previstos nos incisos deste artigo, deverão estar relacionados com a atividade funcional do Defensor Público e atenderão às determinações contidas no art. 117, caput e § 1º, alíneas ‘a’ e ‘b’ da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994.
§ 2º Os pontos referentes aos títulos mencionados nas alíneas a, b, c e d do caput deste artigo somente serão computados se conferidos por instituição reconhecida por órgão oficial brasileiro. Art. 3º O Conselho Superior organizará a lista tríplice, em sessão secreta, dentre os ocupantes do primeiro terço da lista de antiguidade de cada classe. § 1º A lista para promoção por merecimento poderá conter menos de 3 (três) nomes, desde que os remanescentes da classe com o requisito do interstício sejam em número inferior a 3 (três). § 2º Após a publicação da ata da sessão em que for votada a promoção por merecimento, o candidato preterido poderá requerer o extrato do seu julgamento e da fundamentação; neste último caso, apenas quanto à avaliação de seus requisitos individuais. Art. 4º Os membros da Defensoria Pública somente poderão ser promovidos após, no mínimo, dois anos de efetivo exercício na categoria, dispensado esse interstício se não houver quem preencha tal requisito ou, se aquele que o preencher, recusar a promoção. Art. 5º As promoções serão efetivadas por ato do Defensor Público Geral. Art. 6º Ficará impedido de concorrer à promoção por merecimento o Defensor Público que tenha sofrido penalidade de advertência, multa ou censura a menos de um ano da data da promoção; também estará impedido de concorrer aquele que tiver recebido punição de suspensão em período inferior a dois anos da data da promoção. Art. 7º É obrigatória a promoção do Defensor Público que figurar por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento, ressalvada a hipótese do artigo anterior. Art. 8º É facultada a recusa à promoção por merecimento, sem prejuízo do critério para preenchimento da vaga recusada. § 1º A recusa à promoção por merecimento deverá ser manifestada por escrito e apresentada ao protocolo geral da Defensoria Pública ou encaminhada ao Defensor Público Geral por meio de fac simile em até, no máximo, 48 horas antes da sessão convocada para deliberar a seu respeito. § 2º Uma vez não recebida a recusa no prazo estabelecido no parágrafo anterior, considerar-se-á o Defensor Público habilitado e acorde em concorrer à promoção por merecimento. Art. 9º Esta Deliberação entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
De acordo com o art. 67 da LCE nº 06/1977, “os membros da Defensoria Pública somente poderão ser promovidos após um ano de efetivo exercício na classe”. Esse dispositivo, no entanto, teve sua eficácia suspensa pelo art. 116, § 4º da LC nº 80/1994, que apenas permite a promoção “após dois anos de efetivo exercício na categoria, dispensado o interstício se não houver quem preencha tal requisito, ou se quem o preencher recusar a promoção”. As vagas disponíveis para promoção deverão ser providas uma a uma, ainda que existam várias a serem preenchidas na mesma classe (art. 71 da LCE nº 06/1977). Em virtude da garantia da inamovibilidade, ninguém poderá ser obrigado a aceitar a promoção na carreira. Por essa razão, o art. 70 da LCE nº 06/1977 prevê que “é lícita a recusa à promoção”. Embora o art. 69 da LCE nº 06/1977 confira ao Governador do Estado do Rio de Janeiro a atribuição para efetivar a promoção dos membros da Defensoria Pública, o dispositivo teve sua eficácia suspensa pelo art. 116 da LC nº 80/1994. De acordo com o referido dispositivo, “as promoções serão efetivadas por ato do Defensor Publico Geral do Estado”. 16.4.7 Modalidades de reingresso na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro a Lei Complementar nº 06/1977 contempla duas modalidades de reingresso nos quadros da Defensoria Pública: (i) reintegração; e (ii) aproveitamento. Primeiramente, a reintegração consiste “no retorno do membro da Defensoria Pública ao cargo que anteriormente ocupava, restabelecidos os direitos e vantagens atingidos pelo ato demissionário”
(art. 73). Por outro lado, o aproveitamento importa no “retorno à carreira do membro da Defensoria Pública posto em disponibilidade” (art. 74). Essa modalidade de reingresso deverá ocorrer na primeira vaga da classe a que pertence o membro da Defensoria Pública e deverá ter precedência sobre as demais formas de provimento (art. 75). “É inconstitucional lei complementar estadual, que, ao fixar critérios destinados a definir a escolha do Defensor Público Geral do Estado e demais agentes integrantes da Administração Superior da Defensoria Pública local, não observa as normas de caráter geral, institutivas da legislação fundamental ou de princípios, prévia e validamente estipuladas em lei complementar nacional que a União Federal fez editar com apoio no legítimo exercício de sua competência concorrente.” (STF – Pleno – ADI 2.903 – Relator Min. CELSO DE MELLO, decisão: 1º-12-2005) 2 Segundo entendemos, por ser reconhecido ao membro da Defensoria Pública apenas a estabilidade, restaria afastada a possibilidade de participação dos Defensores Públicos aposentados no processo de eleição do Defensor Público Geral. 3 Atualmente, a atribuição para promover revisão criminal é conferida aos Defensores Públicos de Classe Especial, nos termos da Ordem de Serviço nº 70/2007, expedida pela Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. 4 Sem dúvida o conteúdo dessa atribuição viola o princípio da independência funcional e o princípio do Defensor Público Natural, especialmente se não forem estabelecidos critérios objetivos para a designação do Defensor Público que efetivamente exercitará a atribuição e se não for exigida motivação suficiente para autorizar a supressão da atribuição original. 5 O art. 16, XI da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 ainda utiliza a expressão “Defensor Público de 3ª categoria”, embora tal classificação já tenha sido alterada para “Defensor Público Substituto”. 6 Em verdade, parece ser desprovida de fundamento a atribuição conferida aos Defensores Públicos de Classe Especial para oficiar junto às Turmas Recursais. Como se sabe, os órgãos de segundo grau de jurisdição dos Juizados Especiais são compostos por Juízes de Direito, e não por Desembargadores. Além disso, no próprio âmbito do Ministério Público também são os Promotores de Justiça que atuam perante as Turmas Recursais. Logo, deveria ser conferido aos Defensores Públicos Substitutos (categoria inicial) e Defensores Públicos (categoria intermediária) a atribuição para atuar junto às Turmas Recursais. 7 O art. 49 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 prevê que as provas do concurso, a serem prestadas na forma do respectivo regulamento, versarão sobre questões de Direito, especialmente de Direito Penal, Processual Penal, Civil, Processual Civil, Constitucional e do Trabalho, bem como Princípios Institucionais da Defensoria Pública. No que diz respeito ao Direito do Trabalho, a matéria não é mais alvo de questionamento, posto que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro não mais atua na referida área. 8 Embora o art. 48 da LCE nº 06/1977 dispense o requisito atinente à idade mínima quando o candidato for funcionário efetivo do Estado, a limitação etária imposta pelo art. 47, II se revela flagrantemente inconstitucional. Conforme posicionamento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, a estipulação de exigência de ordem etária apenas pode ser admitida quando decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido (STF – Pleno – RMS nº 21046/RJ – Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 14-12-1990). No entanto, como o cargo de Defensor Público não exige esforço físico incomum que possa resultar em específica incompatibilidade para o exercício da atividade institucional, inadmissível a fixação de limites etários para o ingresso no cargo. (Nesse sentido: MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública, São Paulo: Malheiros: 1999, pág. 245) 9 Como exemplo clássico de permuta fraudulenta, podemos citar a hipótese em que o Defensor Público, estando faltando apenas 13 meses para se aposentar compulsoriamente, realiza a permuta com Defensor Público mais novo e, após a mudança, pleiteia o seu afastamento temporário ou passa a integrar os quadros da administração, apenas para não assumir o órgão permutado. 1
CAPÍTULO 17
FÉRIAS E AFASTAMENTOS DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA
17.1 DAS FÉRIAS DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA A disciplina das férias dos membros da Defensoria Pública é atualmente tratada pela Lei Complementar nº 80/1994 de maneira extremamente superficial. No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal, os arts. 40 e 85 da LC nº 80/1994 estabeleciam o “direito férias anuais de sessenta dias, individual ou coletivamente”. Entretanto, os referidos dispositivos legais restaram revogados pela Lei Complementar nº 98/1999. Atualmente, os arts. 41 e 86 da LC nº 80/1994 se limitam a dizer que as férias “serão concedidas pelas chefias a que estiverem subordinados”. Em razão dessa lacuna legislativa, acabou sendo necessário aplicar subsidiariamente o art. 77 da Lei nº 8.112/1990, com base no art. 136 da LC nº 80/1994, para que fosse estabelecido o direito genérico de férias pelo prazo de 30 dias a cada ano. No que tange às Defensorias Públicas dos Estados, o art. 125 da LC nº 80/1994 relega ao legislativo estadual a regulamentação normativa das férias dos membros de suas respectivas Defensorias Públicas. O Estado do Rio de Janeiro regula a matéria no art. 107 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, concedendo aos Defensores Públicos o gozo de “férias individuais por 60 (sessenta) dias em cada ano”1, sendo esse período contado para os efeitos de tempo de serviço (art. 104). Nos casos em que o gozo do período de férias for impossibilitado por necessidade de serviço, o período respectivo poderá ser desfrutado acumuladamente no ano seguinte (art. 107, § 1º). Além disso, sendo impossível o gozo de férias acumuladas, os membros da Defensoria Pública contarão em dobro, para efeito de aposentadoria, o período não gozado (art. 107, § 2º). O gozo das férias ocorrerá em períodos consecutivos, ou não, de 30 (trinta) dias cada, de acordo com a conveniência do serviço, nos termos do art. 107, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Para os recém ingressos na carreira e ainda em estágio probatório, o gozo das férias estará condicionado ao prévio exercício efetivo na função por período mínimo de um ano (art. 108). Ademais, resta vedado ao membro da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro o gozo de férias enquanto “tiver processo em seu poder por tempo excedente ao prazo legal” (art. 109). Mesmo no gozo de férias, o membro da Defensoria Pública deve declinar seu paradeiro ao Defensor Público Geral, informando “o endereço onde poderá ser encontrado, caso se afaste de seu domicílio” (art. 110). Nas hipóteses de promoção e de remoção, a assunção no novo órgão de atuação estará
condicionada ao término do prazo das férias, conforme determina o art. 111 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Por fim, a Lei Estadual nº 4.595/2005 permite aos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro a renúncia dos dois períodos de férias anuais, mediante indenização correspondente a 1/3 da remuneração bruta para cada um dos períodos. 17.2 DOS AFASTAMENTOS DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA O afastamento consiste no direito de ausência do serviço público pelo servidor. Dentro da disciplina normativa da Lei Complementar nº 80/1994 são prevista duas hipóteses distintas de afastamento: (i) afastamento para estudo ou missão; e (ii) afastamento para exercício de mandato em entidade de classe. Na primeira hipótese, o membro da Defensoria Pública terá o direito ao afastamento para estudo (especialização, mestrado, doutorado) ou missão de interesse institucional, mediante autorização do Defensor Público Geral e condicionada ao prazo de dois anos, desde que o interessado não esteja em estágio probatório (arts. 42, 87 e 126 da LC nº 80/1994). Importante ressaltar, no entanto, que o afastamento poderá ser interrompido a juízo do Defensor Publico-Geral, quando o interesse público o exigir (arts. 42, § 2º, 87, § 2º e 126, § 2º da LC nº 80/1994). No segundo caso, o direito de afatamento será concedido para o membro da Defensoria Pública eleito para exercício de mandato em entidade de classe, de maior representatividade, sem prejuízo dos vencimentos, vantagens ou qualquer direito inerente ao cargo (arts. 42-A, 87-A e 126-A da LC nº 80/1994). No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, o direito de afastamento restou assegurado apenas “ao presidente da entidade de classe” e terá duração igual à do mandato, devendo ser prorrogado no caso de reeleição (arts. 42-A, § 1º e 87-A, § 1º da LC nº 80/1994). Por outro lado, nas Defensorias Públicas dos Estados o direito se estende não só ao presidente (art. 126-A, § 1º), mas também a “outros membros da diretoria eleita da entidade”, desde que haja previsão na legislação estadual (art. 126-A, § 3º). O afastamento para o exercício de mandato em entidade de classe será contado como tempo de serviço para todos os efeitos legais, conforme determinam os arts. 42-A, § 2º, 87-A, § 2º e 126-A, § 2º da LC nº 80/1994. Além do afastamento para estudo ou missão e do afastamento para exercício de mandato em entidade de classe, podem ser subsidiariamente aplicadas à Defensoria Pública as hipóteses previstas na Lei nº 8.112/1990, in verbis: 1) para servir a outro órgão ou entidade, por tempo indeterminado (arts. 93 e 102, II e III); 2) para exercício de mandato eletivo, durante o prazo de sua duração (arts. 94 e 102, V); 3) para estudo ou missão no exterior (arts. 95 e 102, VII); 4) para doar sangue, por um dia (art. 97, I); 5) para alistamento como eleitor, por dois dias (art. 97, II);
6) para casamento, por oito dias (art. 97, III, a); 7) por motivo de falecimento de cônjuge, companheiro, pais, padrasto, madrasta, filhos, menor sob guarda ou tutela e irmãos, por oito dias (art. 97, III, d); 8) para participar de programa de treinamento regularmente instituído (art. 102, IV); 9) para serviços obrigatórios estabelecidos em lei (art. 102, VI); 10) para participar de competição desportiva nacional ou para integrar representação desportiva nacional, consoante legislação específica (art. 102, X); 11) para servir em organismo internacional do qual o Brasil participe ou coopere (art. 102, XI); 12) em razão de licença (art. 102, VIII). No Estado do Rio de Janeiro, o art. 113 da Lei Complementar nº 06/1977 contempla sete modalidades distintas de afastamento, a seguir elencadas2: 1) licença para tratamento de saúde; 2) licença por doença em pessoa da família; 3) licença à gestante; 4) licença prêmio; 5) licença para o trato de interesses particulares; 6) licença por motivo de afastamento de cônjuge; 7) nos casos previstos em outras leis. Excetuando as hipóteses de licença para tratamento de saúde, licença por doença em pessoa da família, licença gestante e licença prêmio, todas as demais não são consideradas como tempo de efetivo exercício, razão pela qual sua fruição poderá acarretar consequências diretas na aferição da antiguidade na carreira. Assim como ocorre nas hipóteses de férias, o membro da Defensoria Pública deverá comunicar “ao Defensor Público Geral o lugar onde poderá ser encontrado, quando em gozo de licença” (art. 114 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977). 17.3 DO DIREITO DE GREVE NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA O direito de greve dos membros da Defensoria Pública ainda não foi alvo de regulamentação legislativa. Aliás, o direito de greve no âmbito do serviço público em geral permanece como verdadeira incógnita legislativa, que já perdura por mais de 20 anos, diante não regulamentação infraconstitucional do art. 37, VII da CRFB. As normas nacionais e estaduais não contemplam qualquer previsão referente ao direito de greve dos membros da Defensoria Pública, não obstante diversos movimentos grevistas já tenham sido deflagrados, sempre objetivando reivindicar a obtenção de melhorias institucionais. Como forma de suprir essa lacuna normativa, o Supremo Tribunal Federal evoluiu sua jurisprudência em matéria de omissões legislativas, conferindo maior elasticidade à decisão do
Mandado de Injunção, admitindo que a ação constitucional fosse utilizada não apenas para comunicar o Poder Legislativo da mora em editar a norma regulamentadora, mas também para regular a omissão legal. Desse modo, o próprio Supremo Tribunal Federal edita a regulamentação normativa até que o Legislativo deixe de incorrer em mora, aprovando a regra legal. No caso da greve, entendeu o STF que a matéria atinente aos serviços públicos deveria observar o regramento da Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve nas relações trabalhistas), impondo-se restrição apenas aos serviços públicos essenciais, os quais não poderiam sofrer interrupção. In verbis: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 7.783/1989 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [ART. 60, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve – artigo 37, inciso VII. A Lei nº 7.783/1989 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/1988 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua autoaplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital – indivíduo ou empresa – que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque “serviços ou atividades essenciais” e ‘necessidades inadiáveis da coletividade’ não se superpõem a “serviços públicos”; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão somente o disposto na Lei nº 7.783/1989. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar – o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2º da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4º, III] – é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores
públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.” (STF – Pleno – MI nº 712/PA – Relator Min. EROS GRAU, decisão: 25-10-2007)
Por fim, em matéria de prazos processuais, o Superior Tribunal de Justiça sufragou o entendimento de que as greves realizadas pelos integrantes da Defensoria Pública da União não possuem o condão de suspender os prazos processuais nos feitos em que a instituição atua. Além disso, entendeu o STJ que, nos feitos em que a Defensoria Pública atuava, a nomeação de advogados dativos para funcionarem durante o período de greve não acarretaria nenhuma nulidade processual3. In verbis: AGRAVO REGIMENTAL. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. GREVE. SUSPENSÃO/DEVOLUÇÃO DE PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal decidiu, em questão de ordem, que o movimento grevista não representa força maior capaz de ampliar ou devolver o prazo recursal da parte representada por membros das carreiras em greve. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – Quarta Turma – AGRESP nº 200702259757 – Relatora Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, decisão: 07-10-2010) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. INTEMPESTIVIDADE. SUSPENSÃO DE PRAZO. GREVE. DEFENSORIA PÚBLICA. 1. É intempestivo o agravo regimental interposto após o prazo de cinco dias. 2. A greve dos membros da Defensoria Pública não suspende os prazos processuais. 3. Agravo regimental não conhecido. (STJ – Terceira Turma – AGRESP nº 200703099015 – Relator VASCO DELLA, decisão: 02-09-2009)
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça adotou tese diversa quando a Defensoria Pública Estadual deflagrou movimento grevista, reconhecendo o direito à devolução dos prazos diante da notória paralisação dos serviços e da justa causa a que alude o art. 183, § 1º do CPC, que permite a prática do ato processual após o decurso do prazo. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. CONTESTAÇÃO FORA DO PRAZO LEGAL EM RAZÃO DA GREVE DA DEFENSORIA PÚBLICA. FATO NOTÓRIO. EVENTO IMPREVISTO E ALHEIO À VONTADE DA PARTE ASSISTIDA PELA MESMA. PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA, CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, TODOS CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADOS. PROVIMENTO DO RECURSO. (TJ/RJ – Décima Primeira Câmara Cível – Apelação nº 0024952-85.2004.8.19.0038 – Relator Des. JOSE C. FIGUEIREDO, decisão: 26-07-2006) Agravo de Instrumento contra decisão que acolheu a tempestividade de contestação apresentada pela agravada após decorrido o prazo legal. Parte hipossuficiente representada pela Defensoria Pública, que se encontrava em greve no prazo original. Correta a decisão de primeiro grau. Não provimento do recurso. (TJ/RJ – Décima Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 0031942-75.2005.8.19.0000 – Relator Des. GALDINO SIQUEIRA NETTO, decisão: 13-09-2006) AGRAVO DE INSTRUMENTO. GREVE DA DEFENSORIA. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO. A paralisação dos serviços na Defensoria Pública por dois meses, até o dia 03 de agosto de 2005, deve ser considerada como justa causa para não se ter, antes, cumprido o prazo judicial, à forma da regra do art. 183 do CPC. Tratando-se de fato excepcional, a greve da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, é de se reconhecer a plausibilidade da decisão judicial que considerou tempestiva a contestação oferecida pela parte Ré, assistida por Defensor Público, pois a parte não deve ser prejudicada pelo fato. 3 – Desprovimento do recurso. (TJ/RJ – Décima Quinta Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 001697321.2006.8.19.0000 – Relator Des. JACQUELINE MONTENEGRO, decisão: 19-07-2006)
QUESTÕES Questão 01 (DPU – 2001): Julgue a assertiva abaixo: (A) Embora a reforma administrativa promovida pelo poder público tenha sido implementada por meio de emenda constitucional (nº 19, de 04/06/1998), subsiste, em favor dos Defensores
Públicos da União, o direito a férias anuais de sessenta dias, de conversão de um terço das férias em abono pecuniário e à gratificação pelo efetivo exercício em local de difícil acesso. Questão 02 (DPU – 2004): Considerando que Antônio é Defensor Público da União de 1ª categoria, julgue os itens subsequentes: (A) Antônio tem direito a férias anuais de trinta dias. Questão 03 (DPU – 2006): A Lei Complementar nº 80/1994 estabelece as normas gerais para a organização das Defensorias Públicas nos Estados, sendo correto afirmar que: (A) o afastamento para estudo ou missão poderá ser obtido ainda antes do decurso do estágio probatório e pelo prazo máximo de dois anos. Questão 04 (DPGE/SP – 2010): O afastamento de Defensor Público, sem prejuízo da retribuição pecuniária, está subordinado à: (A) confirmação do interessado em seu estágio probatório, quando destinado a concorrer a mandato eletivo. (B) duração inferior a um ano, quando destinado ao estudo no exterior em matéria de interesse da instituição. (C) autorização do Conselho Superior, quando destinado ao exercício de cargo de Secretário de Estado. (D) autorização do Conselho Superior, quando destinado ao exercício de mandato em entidade de classe de Defensor Público. (E) autorização do Defensor Público Geral, quando destinado à participação do interessado em certame científico de interesse da instituição. A Resolução nº 571/2011 regula o procedimento para a escolha das férias dos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. 2 No âmbito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Resolução nº 571/2011 regula o procedimento para o deferimento de licenças. 3 STJ – Sexta Turma – HC nº 200802816680 – Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, decisão: 29-11-2010. 1
CAPÍTULO 18
REGIME DISCIPLINAR DA DEFENSORIA PÚBLICA
18.1 DELIMITAÇÃO JURÍDICA DO TEMA No desempenho de suas funções institucionais ou a pretexto de desempenhá-las, os membros da Defensoria Pública podem cometer três espécies distintas de infrações: (a) civis; (b) penais; e (c) administrativas. As infrações administrativas decorrem de violação de normas de conduta interna da Defensoria Pública, sendo providas de natureza disciplinar e apuradas no próprio âmbito institucional. Por estarem sujeitos à regime jurídico especial, a responsabilização funcional dos membros da Defensoria Pública depende da observância do procedimento administrativo estabelecido pela Lei Complementar nº 80/1994, que orienta a investigação dos fatos, a formação da convicção e a aplicação das sanções disciplinares. 18.2 CORREIÇÃO NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA Seguindo a disciplina traçada pelos arts. 49, 94 e 133 da LC nº 80/1994, a atividade funcional dos membros da Defensoria Pública está sujeita a duas espécies de correição: (i) correição ordinária, realizada anualmente pelo Corregedor-Geral e por seus auxiliares, para verificar a regularidade e eficiência dos serviços; e (ii) correição extraordinária, realizada pelo Corregedor-Geral e por seus auxiliares, de ofício ou por determinação do Defensor Público Geral. Concluída a correição caberá ao Corregedor-Geral apresentar ao Defensor Público Geral relatório dos fatos apurados e das providências a serem adotadas (arts. 49, § 1º, 94, § 1º e 133, § 1º da LC nº 80/1994). Embora a correição dependa de iniciativa da Corregedoria ou do Defensor Público Geral, a Lei Complementar nº 80/1994 não afasta a legitimidade ampla conferida a qualquer pessoa para representar ao Corregedor-Geral sobre abusos, erros ou omissões dos membros da Defensoria Pública, como autorizam os arts. 49, § 2º, 94, § 2º e 133, § 2º da LC nº 80/1994. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro a matéria é regulada nos arts. 139 e 140 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, sendo certo que a atividade funcional dos membros da Defensoria Pública estará sujeita a inspeção permanente, através de correições ordinárias ou extraordinárias. A correição ordinária, prevista no art. 139, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, será realizada pelo Corregedor-Geral, em caráter de rotina, para verificar a eficiência e assiduidade dos membros da Defensoria Pública, bem como a regularidade dos serviços que lhe sejam afetos. Em caráter extraordinário, a correição também será realizada pelo Corregedor-Geral, de ofício ou por determinação do Defensor Público Geral, sempre que conveniente, no desempenho das atribuições
previstas em lei ou para qualquer outro fim específico de interesse da administração (art. 139, § 2º). Ao concluir qualquer das modalidades de correição, o Corregedor-Geral comunicará ao Defensor Público Geral, em expediente reservado, a ocorrência de violação de deveres funcionais acaso verificada, para a adoção das providências cabíveis (art. 140). Em qualquer das hipóteses, deve ser exigida extrema cautela do órgão de censura, posto que a ampla legitimidade para a representação pode dar margem para o cometimento de abusos, principalmente por parte dos demais poderes constituídos, que podem utilizar o expediente para prejudicar a imagem e a conduta do membro da Defensoria Pública. Além disso, a correição não poderá jamais adentrar o próprio conteúdo intelectual do trabalho desenvolvido pelo Defensor Público, sob pena de violar o princípio institucional da independência funcional. 18.3 INFRAÇÕES DISCIPLINARES No âmbito da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, as infrações disciplinares se encontram tipificadas nos arts. 50 e 95 da LC nº 80/1994, que elencam as seguintes condutas: (i) violação dos deveres funcionais e vedações contidas na própria Lei Complementar nº 80/1994; (ii) prática de crime contra a Administração Pública ou ato de improbidade administrativa; (iii) outras modalidades de infração definidas em lei1. Por seu turno, os arts. 50, § 1º e 95, § 1º da LC nº 80/1994 elencam as seguintes sanções disciplinares aplicáveis aos membros da Defensoria Pública: (i) advertência; (ii) suspensão por até noventa dias; (iii) remoção compulsória; (iv) demissão; e (v) cassação da aposentadoria. A advertência é a mais branda das sanções disciplinares, sendo aplicável por escrito “nos casos de violação dos deveres e das proibições funcionais, quando o fato não justificar a imposição de pena mais grave” (arts. 50, § 2º, e 95, § 2º). Nos casos de maior gravidade ou quando o membro da Defensoria Pública for reincidente em atos puníveis com advertência, a sanção a ser cominada será a de suspensão por até 90 dias (arts. 50, § 3º e 95, § 3º), acarretando a interrupção do pagamento da remuneração durante o período de cumprimento da sanção. A remoção compulsória e sua inconstitucionalidade já foram objeto de análise em momento anterior, valendo apenas o registro de que a referida sanção “será aplicada sempre que a falta praticada, pela sua gravidade e repercussão, tornar incompatível a permanência do faltoso no órgão de atuação de sua lotação” (arts. 50, § 4º e 95, § 4º). Quando a infração alcançar extrema repercussão ou quando o membro da Defensoria Pública reincidir em atos cominados com suspensão ou remoção compulsória, outra alternativa não restará senão a imposição da sanção disciplinar demissória. A mesma disciplina é aplicável nos casos de cassação da aposentadoria, visto que os institutos se distinguem apenas em relação à situação em que figura o membro da Defensoria Pública. Enquanto estiver na ativa, estará sujeito à demissão; quando inativo será alvo de cassação da aposentadoria. Importante esclarecer, no entanto, que a cassação da aposentadoria pressupõe a prática da ato infracional ocorrido enquanto o membro da Defensoria Pública ainda se encontrava na ativa. Na esfera da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos
Territórios, a atribuição para aplicação das penas de demissão e cassação da aposentadoria é conferida exclusivamente ao Presidente da República, sendo as demais sanções aplicadas pelo Defensor Público Geral (arts. 50, § 6º e 95, § 6º). Em qualquer das hipóteses, a Lei Complementar nº 80/1994 assegura a ampla defesa e o contraditório, sendo obrigatório o inquérito administrativo nos casos de aplicação de remoção compulsória, suspensão, demissão e cassação da aposentadoria2. As faltas puníveis com advertência, suspensão e remoção compulsória prescrevem no prazo de dois anos, a contar da data em que foram cometidas; quanto às demais (demissão e cassação da aposentadoria), são aplicáveis os prazos previstos em lei, no caso, o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 142, I da Lei nº 8.112/1990 (arts. 50, § 7º e 95, § 7º da LC nº 80/1994). Note que a Lei Complementar nº 80/1994 estabelece como marco inicial para a contagem do prazo prescricional a data em que as infrações disciplinares foram cometidas, independentemente do momento em que a administração superior da Defensoria Pública venha a tomar conhecimento da falta. Essa ressalva possui extrema importância, especialmente se considerarmos o exíguo prazo de dois anos fixado para a prescrição das infrações puníveis com advertência, suspensão e remoção compulsória. Em qualquer das hipóteses de cominação da sanção disciplinar é assegurado aos membros da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, a qualquer tempo, a revisão do procedimento disciplinar quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de provar a inocência do membro da Defensoria Pública ou de justificar a imposição de sanção mais branda (arts. 51 e 96). A legitimidade para a instauração do procedimento revisional se estende ao próprio interessado e a seu cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente ou irmão, nos casos de falecimento e interdição (arts. 51, § 1º e 96, § 1º). Acolhido o pedido de revisão, a sanção disciplinar será tornada sem efeito ou será aplicada a penalidade adequada, restabelecendo-se os direitos atingidos pela punição, em sua plenitude (arts. 51, § 2º e 96, § 2º). A revisão terá o condão de restabelecer a remuneração gerando efeitos pretéritos, no que concerne ao período em que o membro da Defensoria Pública deixou de perceber seus vencimentos em razão da sanção disciplinar. Quando trata da matéria disciplinar no âmbito da Defensoria Pública dos Estados, a Lei Complementar nº 80/1994 apenas formaliza a previsão das diretrizes gerais, deixando à margem das respectivas legislações estaduais o tratamento da matéria (art. 134 da LC nº 80/1994). Entretanto, a norma nacional determina que “a lei estadual preverá a pena de remoção compulsória nas hipóteses que estabelecer, e sempre que a falta praticada, pela sua gravidade e repercussão, tornar incompatível a permanência do faltoso no órgão de atuação de sua lotação” (art. 134, § 1º). A atribuição para aplicação das sanções aos membros da Defensoria Pública dos Estados é conferida ao Defensor Público Geral, exceto nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria, que serão aplicadas pelo Governador do Estado (art. 134, § 2º). Em todos os procedimentos deverá ser observada a garantia da ampla defesa, sendo obrigatório o inquérito administrativo nos casos de aplicação de remoção compulsória (art. 134, § 3º). A possibilidade de revisão disciplinar também deverá ser contemplada na legislação estadual, que deverá regular as hipóteses de cabimento e a legitimidade para postulação (art. 135). Eventual
acolhimento da revisão acarretará a desconsideração do ato punitivo ou sua consequente readequação, restabelecendo-se, integralmente, os direitos atingidos pela sanção (art. 135, parágrafo único). 18.4 O TRATAMENTO DA MATÉRIA DISCIPLINAR NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO A Lei Complementar Estadual nº 06/1977 contempla extensa disciplina em relação à matéria disciplinar, prevendo a responsabilização do membro da Defensoria Pública nas esferas cível, criminal e administrativa pelo exercício irregular da função pública (art. 137). No que concerne à responsabilização administrativa, a atribuição para deflagração do procedimento pertence ao Defensor Público Geral, nos termos do art. 138 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. A garantia da ampla defesa é obrigatória em todos os procedimentos, sendo certo que nenhuma sanção será aplicada ao membro da Defensoria Pública sem que seja ele antes ouvido (art. 142, parágrafo único). As decisões proferidas em sede de procedimentos disciplinares deverão ser motivadas, levandose em conta a natureza, as circunstâncias, a gravidade e as consequências da falta, bem como os antecedentes do faltoso (art. 142). A tipificação das sanções disciplinares aplicáveis aos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro se encontra regulada no art. 141 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, de modo a adotar a seguinte estruturação3: 1) advertência: deverá ser feita verbalmente ou por escrito, sempre de forma reservada, sendo cabível nos casos de (a) negligência no exercício das funções e (b) faltas leves em geral (art. 143). 2) censura: deverá ser feita sempre por escrito e de forma reservada, podendo ser aplicada nas hipóteses de (a) falta de cumprimento do dever funcional, (b) procedimento reprovável, (c) desatendimento a determinações dos órgãos de administração superior da Defensoria Pública e (d) reincidência em falta punida com pena de advertência (art. 144). 3) multa: será aplicada nos casos de (a) retardamento injustificado de ato funcional e (b) descumprimento injustificado dos prazos legais (art. 145). 4) suspensão: deverá ser aplicada pelo prazo máximo de 90 dias e acarretará a perda dos direitos e vantagens decorrentes do exercício do cargo, sendo aplicável nos casos de (a) violação intencional do dever funcional, (b) prática de ato incompatível com a dignidade ou o decoro do cargo ou da função e (c) reincidência em falta punida com as penas de censura ou multa (art. 146). Quando houver conveniência para o serviço, o Defensor Público Geral poderá converter a suspensão em multa, na base de 50% por dia de vencimentos, permanecendo o membro da Defensoria Pública no exercício de suas funções (art. 146, § 2º). 5) demissão: será aplicada nos casos de (a) abandono do cargo, pela interrupção injustificada do exercício das funções por mais de 30 dias consecutivos, ou 60 intercalados, durante o ano
civil, (b) conduta incompatível com o exercício do cargo, assim considerada a prática de jogos proibidos, a embriaguez habitual, o uso de tóxicos e a incontinência pública e escandalosa, (c) improbidade funcional e (d) perda da nacionalidade brasileira. De acordo com a gravidade da falta, a demissão será aplicada com a nota “a bem do serviço público” (art. 147). 6) cassação da aposentadoria: terá lugar se ficar comprovado que o aposentado praticou, quando ainda no exercício do cargo, falta suscetível de determinar demissão (art. 148). O prazo prescricional não foge ao estabelecido na Lei Complementar nº 80/1994, sendo previsto o prazo de dois para as infrações sujeitas a advertência, censura ou multa (art. 149, I) e cinco anos nos demais casos. Se a infração administrativa corresponder à figura típica prevista na legislação penal, o prazo prescricional seguirá as normas do Código Penal e da legislação extravagante, nos termos do art. 149, § 1º da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. O marco inicial de contagem do prazo prescricional é a data do fato, salvo na hipótese de correspondência com as figuras típicas da legislação penal, quando será adotado o regramento do Código Penal e Leis Extravagantes (art. 149, § 2º). 18.4.1 A sindicância
A instauração de procedimento disciplinar pode ter como fase prévia a sindicância. De acordo com o art. 150 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, a sindicância, sempre de caráter sigiloso, será promovida pela Corregedoria-Geral como preliminar do processo disciplinar, quando necessário, ou para apuração de falta funcional, em qualquer outro caso. O prazo de conclusão da sindicância é de 30 dias, prorrogável por igual período a critério do Corregedor-Geral, na forma do art. 151 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Constitui encargo do Sindicante colher todas as informações necessárias, ouvindo o denunciante, o Sindicado, as testemunhas, se houver, bem como proceder a juntada de quaisquer documentos capazes de esclarecer o ocorrido (art. 152). Conclusa a fase instrutória, o Sindicante apresentará relatório expondo os fatos (art. 152, § 1º), sendo realizada a abertura de vista ao Sindicado para se manifestar sobre as conclusões alcançadas (art. 152, § 2º). Na fase subsequente, o Sindicante encaminhará os autos ao Corregedor-Geral, que poderá determinar as diligências que entender pertinentes ou fará relatório conclusivo ao Defensor Público Geral, propondo as medidas cabíveis (art. 153). A decisão proferida pelo Defensor Público Geral poderá ser alvo de recurso ao Conselho Superior da Defensoria Pública, no prazo de 15 dias, por uma única vez, conforme previsão do art. 154 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. 18.4.2 O processo disciplinar
Nas hipóteses de apuração de falta punível com as penas de suspensão, demissão ou cassação de aposentadoria, o art. 155 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977 confere ao Defensor Público
Geral a atribuição para determinar a instauração de processo disciplinar, observando o sigilo no procedimento. No ato de instauração do processo disciplinar deverá ser declinado o nome, a qualificação do indiciado e a exposição sucinta dos fatos a ele imputados (art. 156). Constituir-se-á comissão para promover o processo disciplinar, composta por três membros da Defensoria Pública, designados pelo Defensor Público Geral, um dos quais, obrigatoriamente, Defensor Público da classe intermediária, que a presidirá. Entretanto, dever-se-á observar a restrição atinente aos componentes da comissão, visto que todos deverão ser de classe igual ou superior à do indiciado (art. 157 e parágrafo único). Os trabalhos da Comissão deverão ser desempenhados com eficiência, devendo ser assegurados todos os meios necessários ao exercício de suas funções (art. 158). O dever de cooperação também se estende aos órgãos estaduais e municipais, que deverão atender com a máxima presteza às solicitações da Comissão, inclusive requisição de técnicos e de peritos, conforme previsto no art. 158, parágrafo único da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. A Comissão iniciará seus trabalhos no prazo de até 5 dias, contados da data de sua constituição, devendo concluí-los em até 60 dias, prazo este prorrogável por igual período a critério do Defensor Público Geral (art. 159 e § 1º). A inobservância dos prazos não terá o condão de anular o procedimento, mas poderá configurar falta funcional dos integrantes da Comissão, exceto se houver justificativa plausível para a demora na conclusão do procedimento (art. 159, § 2º). A fase inicial do procedimento se dará com a citação do indiciado para ser ouvido como prevê o art. 160, caput da Lei Complementar nº 06/1977. A citação do indiciado será sempre pessoal, devendo lhe ser entregue a cópia do ato de instauração do procedimento editado pelo Defensor Público Geral. Na hipótese de o indiciado não ser encontrado, a citação deverá ser feita por edital, publicado por três vezes no Diário Oficial, com o prazo de 10 dias para comparecimento, a contar da terceira e última publicação, a fim de ser ouvido (art. 160, § 1º). Se mesmo após a citação o indiciado não se apresentar para oitiva, quedando-se revel, o presidente da Comissão designará Defensor Público ao indiciado, que deverá pertencer a mesma classe, o qual caberá apresentar defesa por escrito e acompanhar o processo até o final (art. 160, § 2º). Encerrada a fase de citação e oitiva em audiência, correrá o prazo de 5 dias para o oferecimento de sua defesa preliminar (art. 160, § 3º). A qualquer tempo do processo, o indiciado poderá indicar defensor de sua confiança, que poderá intervir no feito. Vale o registro de que o defensor constituído deverá ostentar qualificação para tal, sendo advogado ou mesmo Defensor Público (art. 160, § 4º). As intimações do indiciado para os atos procedimentais ser-lhe-ão feitas na pessoa de seu defensor, quando não estiver presente, sempre com a antecedência mínima de 48 horas (art. 160, § 3º). O trabalho da Comissão consistirá em realização de atos e diligências necessárias ao completo esclarecimento dos fatos, inclusive ouvindo testemunhas, promovendo perícias, realizando inspeções locais e examinando documentos e autos, na forma do art. 161, sendo assegurado ao indiciado o direito de participar, pessoalmente ou por seu defensor, dos atos procedimentais, podendo inclusive
requerer provas, contraditar e reinquirir testemunhas, oferecer quesitos e indicar assistentes técnicos (art. 161, § 1º). A presença do indiciado poderá ser dispensada a critério da Comissão, se assim entender conveniente para a apuração dos fatos, quando for necessária a prática de qualquer ato de instrução, sendo certo que a presença do defensor constituído não poderá ser obstada (art. 161, § 2º). Encerrada a instrução, abre-se o prazo de 3 dias para a especificação de diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos, mediante requerimento do indiciado ou deliberação da Comissão (art. 162). Se as diligências requeridas pelo indiciado se revelarem procrastinatórias ou não tiverem relação direta com os fatos objeto de apuração, a Comissão poderá indeferi-las (art. 162, § 1º). Tratando-se de fatos praticados fora do território do Estado do Rio de Janeiro, a Comissão poderá delegar atribuições a um de seus membros, permitindo o desenvolvimento do procedimento administrativo (art. 162, § 2º). Após o término da fase de diligências, será o indiciado intimado para, no prazo de 10 (dez) dias, oferecer alegações finais de defesa (art. 163). Decorrido o prazo para apresentação das alegações defensivas, a Comissão terá o prazo de 15 dias para remeter os autos do processo ao Defensor Público Geral, com relatório conclusivo, no qual especificará, se for o caso, as disposições legais transgredidas e as sanções aplicáveis (art. 164). No caso de dissenso entre os membros da Comissão, o relatório deverá consignar as razões de divergência de cada integrante, conforme determina o art. 164, parágrafo único da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. Recebido o expediente, caberá ao Defensor Público Geral: (i) julgar improcedente a imputação feita ao membro da Defensoria Pública, determinando o arquivamento do processo, ou designar outra Comissão para mais completa apuração dos fatos; (ii) aplicar ao acusado a penalidade que entender cabível, quando de sua competência; (iii) remeter os autos ao Governador do Estado, se mantida a decisão pelo Conselho Superior, quando a sanção cabível for a de demissão ou a de cassação de aposentadoria (art. 165). Contra a decisão do Defensor Público Geral, caberá recurso ao Conselho Superior da Defensoria Pública, no prazo de 30 dias, por uma única vez (art. 165, parágrafo único). Durante o curso do processo disciplinar, ou até mesmo no momento de sua instauração, é dado ao Defensor Público Geral a prerrogativa de afastar provisoriamente o indiciado de suas funções, desde que necessária a medida para a garantia de regular apuração dos fatos. Tal afastamento, de acordo com o art. 166, § 1º, terá duração de 30 dias, prorrogável, no máximo, por mais 60 dias. Trata-se de verdadeira medida cautelar, sem caráter sancionador, posto que não ocasionará prejuízo dos direitos e vantagens do indiciado, conforme previsto no art. 166, § 2º da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. No silêncio da Lei Complementar nº 06/1977, a matéria disciplinar será regulada, supletivamente e no que couber, pelas normas da legislação processual penal e pela legislação atinente aos funcionários públicos civis do Poder Executivo do Estado, conforme norma extensiva do art. 167 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977. 18.4.3 Revisão do processo disciplinar
Em qualquer das hipóteses de cominação da sanção disciplinar é assegurado aos membros da Defensoria Pública do Estado do Rio de janeiro, a qualquer tempo, a revisão do procedimento disciplinar de que tenha resultado imposição de sanção, sempre que forem alegados vícios insanáveis no procedimento ou fatos e provas, ainda não apreciados, que possam justificar nova decisão na forma do art. 168 da Lei Complementar nº 06/1977. O mesmo dispositivo, em seus §§ 1º e 2º, afastam a possibilidade de revisão quando o fundamento restringir-se à injustiça da penalidade imposta ou quando se tratar de reiteração de pedido formulado em anterior revisão. A legitimidade para a instauração do procedimento revisional se estende ao próprio interessado e a seu cônjuge, filho, pai ou irmão, nos casos de falecimento ou desaparecimento (art. 169). O requerimento de revisão será dirigido à autoridade que houver aplicado a sanção, como manda o art. 170 da LCE nº 06/1977. Caso admitido o seu prosseguimento, será determinado o apensamento aos autos originais e será composta Comissão Revisora, formada por três Defensores Públicos que não tenham participado do processo disciplinar. O pedido deverá ser instruído com as provas de que o requerente dispuser, bem como a indicação de outras que pretenda produzir durante o procedimento revisional (art. 170, parágrafo único). A conclusão da instrução deverá ocorrer em 30 dias, cabendo à Comissão Revisora relatar o processo em 10 dias e o encaminhar à autoridade competente, que prolatará decisão dentro de 30 dias (art. 171). Acolhido o pedido de revisão, o procedimento poderá ser declarado nulo ou a sanção disciplinar poderá ser tornada sem efeito, aplicando-se, ou não, a penalidade adequada conforme a hipótese (art. 172), restabelecendo-se os direitos atingidos pela punição, na sua plenitude (§ 2º) ou, no caso de demissão, a reintegração do requerente (§ 1º). Nas hipóteses em que a punição imposta for a de advertência ou censura, o art. 173 da LCE nº 06/1977 assegura ao interessado o direito de requerer ao Defensor Público Geral o cancelamento das respectivas notas em seus assentamentos, decorridos 3 anos da decisão final que as aplicou. O cancelamento será deferido se o procedimento do requerente, no triênio que antecedeu ao pedido, autorizar a convicção de que não reincidirá na falta. 18.4.4 O uso abusivo do poder disciplinar
Merece reflexão a questão atinente ao uso abusivo do poder disciplinar. Como se sabe, as relações humanas são repletas de conflitos interpessoais, os quais nem sempre são solucionados de maneira pacífica. Entretanto, questões pessoais entre os integrantes da classe não podem ser levadas mediante argumentos pífios, à esfera administrativa. A provocação indevida da máquina administrativa com intuito de apurar suposta e inexistente falta funcional de membro da Defensoria Pública, com o único propósito de causar prejuízo ao colega, enquadra-se como violação ao art. 82 da Lei Complementar Estadual nº 06/1977, que determina o respeito mútuo entre os membros da Defensoria Pública e demais carreiras jurídicas. 18.5 A NÃO SUBMISSÃO DOS MEMBROS DA DEFENSORIA PÚBLICA AO TRIBUNAL DE ÉTICA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Partindo da premissa de que os membros da Defensoria Pública não são advogados, na acepção mais específica da palavra, bem como desnecessitam de inscrição nos quadros da OAB para atuarem, remanesce um último questionamento: estariam os Defensores Públicos submetidos a esfera do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil? A nosso ver, a resposta só pode ser negativa, visto que a responsabilidade funcional dos membros da Defensoria Pública encontra sua fonte na Lei Complementar nº 80/1994 e nas legislações estaduais específicas, não havendo qualquer margem de incidência do regramento disciplinar da Lei nº 8.906/1994. QUESTÕES Questão 01 (DPGE/MG – 2009): Sobre a responsabilidade funcional dos membros da Defensoria Pública, pode-se afirmar que: (A) A apuração da responsabilidade dar-se-á por meio de procedimento determinado pelo Defensor Público Geral, cabendo a este decidir sobre a penalidade em todos os casos. (B) Nenhuma penalidade será aplicada sem que se garanta o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, podendo ser através de instauração de sindicância ou processo administrativo-disciplinar. (C) A pena de demissão será aplicada ao membro da Defensoria Pública quando houver reincidência em falta punida com suspensão ou remoção compulsória e também quando houver revelação de assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo. (D) O membro da Defensoria Pública que praticar infração punível com remoção compulsória ou demissão não poderá aposentar-se até o trânsito em julgado do procedimento administrativodisciplinar. (E) A prescrição das faltas ocorrerá em dois anos nos casos de punições de advertência e suspensão. Ocorrerá em cinco anos nos demais casos, salvo quando a infração disciplinar for punida em lei como crime, pois neste caso o prazo prescricional regular-se-á pela lei penal. Questão 02 (DPGE/MG – 2009): Com relação a processo administrativo-disciplinar, recurso e revisão, pode-se afirmar que: (A) O processo administrativo-disciplinar será conduzido por uma comissão composta de três membros, designados pelo Conselho Superior. (B) Em respeito ao princípio da razoável duração do processo, artigo 5º, LXXVIII da CRFB/1988, o processo administrativo-disciplinar será concluído no prazo de até sessenta dias contados da conclusão da instrução, não admitindo prorrogação. (C) Poderá o membro da Defensoria Pública ou o seu procurador, no prazo de dez dias contados da intimação, interpor recurso para o Governador do Estado contra decisão condenatória proferida pelo Defensor Público Geral. (D) Não caberá revisão quando a pretensão for justificar a imposição de pena mais branda. (E) Caberá revisão, a qualquer tempo, do processo administrativo-disciplinar, sempre que forem
alegados vícios insanáveis no procedimento ou quando aduzirem fatos novos. Questão 03 (DPGE/ES – 2009): Julgue a assertiva abaixo: (A) A atuação dos Defensores Públicos tem como disciplinamento, além das regras institucionais próprias, o Estatuto do Advogado. As sanções disciplinares aplicadas em uma das esferas de controle impedem, necessariamente, o conhecimento, o processamento e a punição pela outra, sob pena de ofensa ao princípio non bis in idem. Esses mesmos dispositivos legais estabelecem restrições quanto à fonte legislativa tipificadora de infração disciplinar. Em relação à Defensoria Pública da União, o art. 50 exige a edição de Lei Complementar; por outro lado, no que tange à Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, o art. 95 não apresenta a mesma restrição, bastando apenas que a infração disciplinar seja tipificada por lei, independentemente da natureza ordinária ou complementar. 2 A garantia da ampla defesa aduz à incidência de todos os seus consectários legais, de modo que o Defensor Público poderá requerer a realização de diligências e a oitiva de testemunhas que comprovem sua inocência, sendo inadmissível a alegação de impossibilidade de dilação probatória e requerimento de diligências em sede de procedimento administrativo. 3 Relevante observar que a Lei Complementar Estadual nº 06/1977 está em desalinho com o art. 134, § 1º, da Lei Complementar Federal nº 80/1994, que determina a cominação da remoção compulsória como sanção disciplinar. 1
GABARITO DAS QUESTÕES OBJETIVAS
CAPÍTULO 2
06 – E
07 – B
08 – CERTO / ERRADO
09 – B
10 – A
11 – B
12 – E
13 – ERRADO
14 – D
15 – CERTO / ERRADO
16 – E
17 – CERTO
18 – B
19 – C CAPÍTULO 3
11 – C
12 – E
13 – D
14 – A
15 – CERTO
16 – A
17 – CERTO / ERRADO
18 – ERRADO / CERTO
19 – ERRADO / CERTO
20 – C
21 – CERTO
22 – D
23 – E
24 – D CAPÍTULO 4
08 – CERTO CAPÍTULO 5
05 – A
06 – D
07 – D
08 – E
09 – CERTO / CERTO
10 – D
11 – E
12 – ERRADO
CAPÍTULO 6
02 – A CAPÍTULO 7
08 – B
09 – E
10 – B
11 – CERTO
12 – D
13 – C
14 – C
15 – E
16 – E
17 – A
18 – CERTO
19 – CERTO / CERTO / CERTO
20 – D
21 – E
22 – C
23 – B
24 – A CAPÍTULO 8
09 – E
10 – C
11 – A
CAPÍTULO 9
01 – CERTO
02 – B CAPÍTULO 10
02 – CERTO / CERTO
03 – A
04 – ERRADO / CERTO / ERRADO
05 – D
CAPÍTULO 11
16 – C
17 – E
18 – D
19 – D
20 – CERTO / CERTO / CERTO
21 – C
22 – A
23 – B
24 – CERTO
25 – CERTO / CERTO
26 – B
27 – A
CAPÍTULO 12
01 – D
02 – CERTO CAPÍTULO 13
01 – A
02 – ERRADO
05 – D
06 – ERRADO
03 – ERRADO
04 – C
CAPÍTULO 14
03 – A
04 – CERTO / ERRADO
05 – CERTO
CAPÍTULO 15
02 – B
03 –
04 – C
05 – CERTO
ERRADO 06 – D
07 – A
08 – B
09 – C
10 – A
11 – D
12 – ERRADO / CERTO / CERTO
13 – A
14 – C
15 – D
16 – A
17 – CERTO / ERRADO / ERRADO
18 – ERRADO
19 – A
20 – ERRADO
21 – C
22 – A
23 – E
24 – E CAPÍTULO 17
01 – ERRADO
02 – CERTO
03 – ERRADO
CAPÍTULO 18
01 – B
02 – E
03 – ERRADO
04 – E
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