O método natural III - a aprendizagem da escrita


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Table of contents :
Prefácio ......................................................................................... 9
I — Bases psicológicas das Técnicas Freinet .....................13
II — Tentativa Experimental ............................................. 21
III — Em busca de técnicas de vida naturais ......................... 33
IV — Na prática ...................................................................... 37
As primeiras etapas: abordagem vivida dos sinais da linguagem escrita na escola infantil .............. 39
As etapas ........................................................................ 44
V — Escrita e Caligrafia. A escrita inglesa ..................... 101
VI — Método tradicional e doenças escolares: a dislexia ....................................................... 113
VII — Patrick e a escrita. Estudo da evolução da escrita de um canhoto ...................................... 121
Circunstâncias em que se realizou este estudo 121
VIII-—Do utensílio à cultura ................................................... 163
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O método natural III - a aprendizagem da escrita

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O MÉTODO NATURAL

BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS PEDAGÓGICAS DIRIGIDA POR SÉRGIO NIZA Técnico do Centro de Observação e Orientação Médico-Pedagógica

Distribuidor no Brasil: Livraria Martins Fontes Praça da Independência, 12 Santos — S. Paulo

CÉLESTIN FREINET

O MÉTODO NATURAL III

—A APRENDIZAGEM DA ESCRITA

Editorial Estampa

Título do original La Méthode Naturelle III. L'apprentissage de 1’écriture

Tradução de Teresa Marreiros Capa de Soares Rocha

© Delachaux & Niestlé S. A., Neuchâtel, Suíça, 1971 Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1977 para a língua portuguesa

ÍNDICE

Prefácio ......................................................................................... 9 I — Bases psicológicas das Técnicas Freinet .....................13 II

— Tentativa Experimental ............................................. 21

III — Em busca de técnicas de vida naturais ......................... 33 IV — Na prática ...................................................................... 37 As primeiras etapas: abordagem vivida dos sinais da linguagem escrita na escola infantil................ 39 As etapas ........................................................................ 44 V — Escrita e Caligrafia. A escrita inglesa ..................... 101 VI — Método tradicional e doenças escolares: a dislexia ...... .................................................................. 113 VII

— Patrick e a escrita. Estudo da evolução da escrita de um canhoto ...................................... 121 Circunstâncias em que se realizou este estudo 121 VIII-—Do utensílio à cultura ................................................... 163

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PREFÁCIO

«O maior de todos os erros em matéria de es­ crita é o de pensarmos, como fazem muitos, que não se deve escrever como se fala.» VAUGELAS

Justificando, uma vez mais, o Método natural, de que se tomou propagandista infatigável, Freinet escrevia, no prefácio ao seu livro Os Métodos Naturais da Psicologia Moderna: «Se atingir o superequilíbrio no andar pode apresentar-se-nos como aquisição puramente mecânica e técnica, já não poderemos por outro lado subestimar o aspecto superiormente intelectual da linguagem. Ajustar os mo­ vimentos subtis da língua e dos lábios à expressão de um pensamento impalpável é pelo menos tão intelectual como habituar a mão a traçar numa folha os sinais, que são apenas a transmissão material de um pensamento expresso através da linguagem. Seria, pois, inconcebível que o método natural, que obtém cem por cento de êxito na aquisição da linguagem, não apresentasse a mesma eficácia quando se trata da leitura e da escrita, que são simplesmente uma segunda etapa da aquisição da lin­ guagem. » Freinet demonstrava esta segunda etapa de expres­ são do pensamento pelo Método natural, através da «ex­ periência de Bal», analisada no Método Natural — A 9

Aprendizagem da Língua, experiência que testemunha a aquisição simultânea e progressiva do desenho, da es­ crita, da leitura. «A vida — diz Teilhard de Chardin — não trabalha nem como fio isolado, nem a pouco e pouco. Empurra à sua frente, ao mesmo tempo, toda uma rede de fios. Assim se forma o embrião no seio que o contém.» Assim nascem, diz Freinet, de um mesmo tronco comum, essas conquistas, primeiro indecisas, globais, em seguida progressivamente diversificadas, que são o desenho, a escrita, a leitura. Basta deixar-lhes campo livre para as vermos atingir níveis cada vez mais com­ plexos e variados, incluídos sempre no dinamismo da Vida, trabalhando pelo processo universal da tentativa experimental. Trata-se aí, com efeito, não somente de uma recon­ sideração do comportamento da criança, mas ainda de uma revolução de todo o ensino e, para além disso, da educação. Eis o que expõe um escrito de Freinet colo­ cado como preâmbulo da presente obra, sob o título «Bases psicológicas das técnicas Freinet»: «A criança adquire, na espontaneidade da vida atra­ vés da indagação orientada, os meios de expressão que constituem os utensílios das suas aprendizagens. É o indivíduo quem deve forjar os seus próprios utensílios, ligá-los a todo o seu ser, integrá-los nos reflexos e automatismos profundos da sua maquinaria física e psíquica. Então, o utensílio criado com conhecimento da causa, respondendo às necessidades profundas do ser, permi­ tirá construir solidâmente, andaime após andaime, o edifício de personalidade.» Este bom começo de uma vida escolar normal, hu­ mana, dinâmica, é-nos mostrado aqui, com documentos, por Mme. Porquet, inspectora das Escolas Maternais. O erro começa quando, em vez de deixarmos a criança forjar os seus próprios utensílios, julgamos apressar a aprendizagem impondo-lhe do exterior um utensílio estranho às suas indagações e de que ela não tem ne­ cessidade nenhuma. A formação didáctica da aquisição sistemática pode então ser mais prejudicial do que útil. Quanto à técnica global escrita-leitura, vai-se assim ao 10

encontro da dislexia, que se agrava «contrariando os ca­ nhotos». Com o regresso a uma pedagogia espontânea e de liberdade, em clima de confiança, a dislexia é curável. É o que prova a reeducação de Patrick, criança canhota apresentada por Paul le Bohec. Porém, quaisquer que sejam as predisposições na­ turais que a criança traga em si, o desenho, a escrita, a leitura, devem ser consideradas, não como um fim em si, mas como utensílios que sirvam ao máximo a eleva­ ção do ser. É preciso, ainda e sempre, «partir modesta­ mente da base, da experiência empírica, depois da ex­ periência através de tentativas metódicas e científicas, e aceder à preensão gradual e íntima dos utensílios por um processo acelerado, permitindo a cada indivíduo edificar a sua própria personalidade com um máximo de dignidade e de potência» (1). Basta, para atingir estes fins que estão indissolúvel­ mente ligados à nossa condição de homens, restituir à pedagogia esse aspecto familiar cujo motor é a sensibi­ lidade. Basta «embraiar na vida». ELISE FREINET

(1) Ensaio de Psicologia Sensível.

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I — BASES PSICOLÓGICAS DAS TÉCNICAS FREINET

Valorizando um novo processo do comportamento a que chamamos natural, fizemos uma revolução não só na forma como no fundo da pedagogia tradicional; como uma nova fonte de energia que descobrimos e explorá­ mos, e cujas virtudes se revelaram mais importantes e decisivas à medida que generalizámos o seu uso. Fizemos esta descoberta como práticos não confor­ mistas. Este facto, pensamos, é importante. Ousámos pôr em dúvida a universalidade dos métodos que expe­ rimentámos, reflectindo primeiro no nosso próprio com­ portamento frente à escolástica. Além disso, não será sempre a nossa experiência pessoal o primeiro passo para a pesquisa científica, que é tanto mais válida quanto a confrontamos com experiências idênticas onde ela se repercute? Examinámos, pois, o nosso próprio caso, despojando-o, na medida do possível, daquilo que tivesse de excessi­ vamente subjectivo, retendo apenas os ensinamentos que, através de um inquérito prosseguido desde há 35 anos, se revelam comuns à massa dos indivíduos em geral e dos educadores em particular. Como todos os nossos camaradas, durante quinze anos estudámos lições e fizemos trabalhos escolares. In­ gerimos, assim, um certo número de noções que podere­ mos considerar saber escolar, sancionado por exames, com o seu valor e sentido no meio escolar. Com efeito, o ensino que nos deram permitiu-nos penetrar num meio 13

especial, como num claustro cujas leis e regulamentos tivéssemos aprendido. Não dizemos que tudo seja negativo. Também na vida de convento há coisas positivas. Porém somente para as almas marcadas «pela graça», e destinadas a continuar a vida monacal, longe das incidências e complicações se­ culares. É possível — se não certo — que a Escola que fomos levados a criticar tenha formado um certo número de personalidades de primeira ordem, que, apesar disso, continuaram a levar o melhor possível uma vida escolástica monacal. E todos nós beneficiámos incontestável­ mente de, pelo menos, alguns aspectos desta cultura que nos tornou naquilo que somos, com as nossas quali­ dades e os nossos erros. O que não impede que distingamos e que denunciemos as suas fraquezas. É o preço do progresso.



Quando me examino a mim próprio, verifico, nomeada­ mente no que diz respeito aos conhecimentos de francês, que todas as regras de gramática que me mandaram es­ tudar foram totalmente inúteis, pois não as conheço melhor do que um candidato ao C. E. P. (1). Contudo, sei escrever normalmente. O desembaraço que adquiri provém, portanto, necessariamente, da minha própria experiência neste domínio, do contacto com escritores e educadores que me mostraram o caminho, mais ainda do que de estudos gramaticais, de análises de textos e de leituras explicadas, que, ao longo da minha vida esco­ lar, muitas vezes quase me desencorajavam à beira de aquisições que sentia contudo eminentes. Sei que muitos letrados porão em dúvida o meu tes­ temunho, citando todas as vantagens que julgam ter (1) Certificado de Estudos Primários. — (N. do T.)

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conseguido de semelhante formação. Mas a prova será feita também pela massa de indivíduos que o ensino formalista deixou indiferentes e que, posteriormente, no próprio meio, se enriqueceram com uma cultura original e preciosa. Seria oportuno examinar objectivamente se a cultura escolástica, pelo simples facto de se prosseguir num meio fechado, não acarretará como que uma estreiteza na vida dos indivíduos, uma pobreza no comporta­ mento vital, uma espécie de secura nascida da vida gre­ gária deste meio. É possível que os autores, que parecem ter beneficiado excepcionalmente do ensino escolástico, escrevam num francês puro, onde todas as regras tradi­ cionais são respeitadas (conhecerão estes ainda essas regras e normas?), porém o interesse das suas obras nunca é fruto dessa escolástica. A seiva activa deveremos pro­ curá-la, sobretudo, junto das personalidades que sou­ beram, ou puderam, quer desprezar a escolástica quer ultrapassá-la, para atingir ou encontrar um outro pro­ cesso muito mais benéfico, o da criação e expressão originais que vivificam as regras. Esta prova, por si própria, de uma relatividade dos valores, será sempre difícil de fazer, pois nunca isolamos do seu complexo vital a pureza demonstrativa. Aprende­ mos a andar de um modo que não é natural e por isso as pernas saíram-nos um pouco tortas, o que não nos impede mesmo assim de andar direitos e por vezes com elegância. Acontece que a vida, ao reparar ou ultrapassar os erros de formação, transforma num atleta uma criança que uma educação mal concebida tinha prejudicado. Contudo, é na própria origem, nos nossos alunos, que encontramos o maior número de elementos para a nossa demonstração. Bastaria comparar os resultados obtidos nas provas de redacção do Certificado de Estu­ dos Primários pelas crianças formadas segundo a escolás­ tica e por aqueles que se treinaram connosco a escrever tal como falam, com a mesma facilidade espantosa. Os primeiros parecem dominados pela peocupação de juntar os elementos cuja mecânica tiveram de estudar. Melhor ou pior, os bocados acabam por se justapor segundo as regras, mas a máquina funciona com movimentos brus­ 15

cos porque lhe falta a vivacidade. Mais típicos ainda, a este respeito, são os escritos dos africanos. Aprenderam na escola os elementos da língua francesa e fazem uma montagem barroca dos conhecimentos adquiridos, sem atingir um mínimo de expressão sensível. Poderíamos também entender-nos sobre o caso de crianças que chegam até nós conhecendo na perfeição as mais acadêmicas regras de gramática, mas que são incapazes de criar um mínimo textozinho com marca de personalidade, cravejando a prosa insípida com erros de ortografia. Isto poderá ser justamente, a prova evi­ dente e inegável de uma metodologia errada, de um de­ feito de montagem que, por si só, condena toda a escolástica. Tal como poderíamos evocar o caso, mais frequente do que se julga, de crianças que lêem perfeitamente, por vezes mesmo com uma entoação que valoriza o sen­ tido e a sensibilidade das palavras e que, se formos ave­ riguar, não compreendem nada do texto que leram apa­ rentemente com a maior facilidade. Aprenderam a mecâ­ nica, porém uma mecânica desligada da vida, que por vezes jamais conseguiremos despertar. Julgo que já não se fazem exames aos recrutas em França, ou, pelo menos, ninguém faz caso disso, esta­ tística e socialmente falando. Considera-se talvez resol­ vido o problema da instrução e da cultura, visto que de­ sapareceu uma certa forma primária de analfabetismo. Esses exames, cujas conclusões são periodicamente ana­ lisadas por pedagogos, existem, contudo, na Suíça. Destas observações e das que, com carácter menos preciso, fazemos em França, pode concluir-se que o ren­ dimento da Escola tradicional permanece bastante fraco, se tivermos em conta as aquisições intelectuais, técnicas ou morais que se inscrevem na personalidade dos indi­ víduos para os enriquecer e amadurecer. Apesar da gene­ ralização da Escola, um facto continua a ser tragicamente lamentável: a grande maioria dos jovens chega a ho­ mens sem saber ler nem escrever. Isto é, são incapazes de ler correctamente um texto que percebam e sintam à medida que o lêem. Não sabem escrever, pois rara­ 16

mente são capazes de exprimir com a pena os seus pen­ samentos ou desejos. Dir-se-ia, retomando uma imagem que se tornou clássica entre nós, que lhes explicaram bem como funciona uma bicicleta, mas que não sabem pedalar com segurança quando ficam entregues a si pró­ prios. Salvo se, por necessidade vital, se tiverem trei­ nado e reeducado pelo único processo válido: a expe­ riência. Dir-se-á talvez: é normal. O acessório esquece-se, mas o essencial fica, impregnando e condicionando a vida. Não se diz que a cultura é o que fica depois de se ter esquecido tudo? Mas é preciso que algo, pelo menos, tenha marcado profundamente o indivíduo para poder subsistir. Pois tudo o que não é integrado organicamente no nosso comportamento se esquece.



Ao comparar a eficiência dos métodos escolásticos com as aquisições obtidas experimentalmente através da vida; ao lembrar como aprendi a falar e a andar, em seguida a cavar, a lavrar, a pescar à linha, e a indestru­ tível riqueza que me ficou, fiquei convencido que havia necessariamente algo de deturpado no processo de ensino da Escola, algo que fazia com que, para nós, a máquina funcionasse muito mal, com um rendimento ínfimo. E apliquei-me, fora da escolástica, na busca doutras vias. Apontei o essencial dessa pesquisa no meu livro Ensaio de Psicologia Sensível, de que gostaria de indicar, pelo menos, os princípios de base. Ao estudar o meu próprio comportamento e o dos meus filhos e alunos, apercebi-me de que, mesmo quando os livros de autores importantes nos afirmam a perma­ nência das afirmações teóricas, das regras e das leis, nunca agimos referindo-nos a elas. Ouando aprendemos 17

a andar, não nos interessam as noções de equilíbrio que, aliás, ninguém pretende dar-nos. É pelo método experi­ mental que aprendemos e que todas as crianças do mundo aprenderam a andar. Os pedagogos e psicólogos ter-se-ão porventura inerrogado sobre o encaminhamento misterioso pelo qual as crianças se apropriam, em dois ou três anos, da língua materna, qualquer que seja a sua complexidade e por que razão se revelaram sempre inúteis e supérfluos todos os outros métodos de aquisição? E vós, amigos leitores, que tanto haveis estudado a gramática e que vos gabais de lhe conhecer as leis, exa­ minai o vosso comportamento quando escreveis um texto e render-vos-eis à evidência: nunca em momento algum recorreis a esses conhecimentos formais para escrever correctamente e sem erros. A perfeição de que vos or­ gulhais tem outra origem: a vantagem de um outro método de que beneficiásteis, apesar da Escola. Admirai agora a segurança e a elegância de um pe­ dreiro esmerando-se na sua obra, do carpinteiro mano­ brando com amor o buril ou a plaina, a virtuosidade do ciclista e o espírito de decisão do automobilista. Nenhuma destas aquisições é o resultado de um método escolástico. Somente outros métodos entraram em jogo; métodos que parecemos ignorar sistematicamente, que não quere­ mos conhecer porque os consideramos não científicos, como o médico não quer conhecer o talento incontestável, mas não científico, de certos curandeiros, mesmo se estes curam aquilo de que ele próprio é incapaz. Foi este problema que tentei reconsiderar para estu­ dar a realidade, os princípios e as leis dos verdadeiros métodos de aquisição; estes não são os que a ciência pe­ dagógica oficial ensina e que os psicólogos contempo­ râneos ponderam para lhes dar um verniz de autenti­ cidade. Parecemos opor a experiência a uma teoria que, por vezes, pode no entanto surgir como resultado de expe­ riências concludentes, conduzidas por investigadores que nos precederam e que se julga razoável ignorar. Não basta dizer que se avança pela experiência, pois 18

a experiência não comporta forçosamente, em si mesma, os elementos do progresso. Deve ser colocada num con­ texto vital que nos resta definir e que não constitui uma simples oposição entre a teoria e a prática. Através de que processos o indivíduo enriquece o seu comportamento? Será por virtude das faculdades clásicas, segundo o princípio das tentativas, dos êxitos ou dos erros? Ou podemos abordar uma nova concepção do com­ portamento humano? É esse comportamento — que definimos por Tentativa Experimental — que desejamos expor sucintamente.

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II — TENTATIVA EXPERIMENTAL

Segundo concepções de aceitação universal, o indi­ víduo constrói-se sobre uma base lógica e científica, par­ tindo do elemento simples, definido e conhecido, que, ao combinar-se com outros elementos simples, determina e prefigura o complexo das personalidades. A qualidade Homem suporia uma intervenção consciente nas fases do comportamento do que se considera as qualidades nobres do homem: inteligência, vontade, imaginação, memória, etc., como se fosse suficiente executar e mobi­ lizar essas qualidades para orientar os pensamentos e os actos no âmbito de uma evolução orientada das gerações. Ora, esse encaminhamento da vida, tal como a escolástica o definiu, não nos parece conforme, nem aos fenômenos naturais que regem desde sempre a vida e a evolução dos seres, nem às constatações que fazemos com as crianças que não são submetidas às exigências da escola tradicional e que podem, por consequência, cres­ cer, enriquecer-se, educar-se e instruir-se de acordo com processos normais dos quais teríamos de reencontrar as leis. Interessámo-nos por este assunto, formulando uma teoria original do comportamento, de que experimentá­ mos a lógica e o valor: a Tentativa Experimental, tal como a analisamos no nosso Ensaio de Psicologia Sensível. Objectaram-nos que não fomos nós que descobrimos esse processo, que ele foi apresentado por diversos psi­ cólogos, ora sob a forma de uma espécie de cara ou coroa 21

do êxito ou do erro, ora por simples tentativa da qual se não vê o fim educativo. A tentativa experimental é mais do que isso. Levado pela vida a cumprir um acto (apanhar a roca com a mão desajeitada, saltar um riacho) o indivíduo não faz, de modo algum, intervir uma qualidade inteligente para escolher a solução válida deliberada. Tal como a água que corre, tal como a galinha que só tem uma portinhola para sair, o ser humano age ao acaso, ou segundo o seu temperamento e as suas tendências, mas sem reflexão nem medida. Se o acto é bem sucedido, se a mão agarra a roca, se a criança salta o riacho, o acto bem sucedido tende a reproduzir-se, como se o êxito tivesse deixado uma marca favorável para um segundo êxito. Se, pelo contrário, o acto falha, a força viva mobilizada para o acto reflui sobre si própria, reforça-se como a água com­ primida pela barragem e tacteia de novo, até encontrar uma solução que, como êxito, será reproduzida automa­ ticamente. É este complexo de fracassos e de êxitos, da corrente que reflui ou contorna os obstáculos, que cava e apro­ funda as linhas favoráveis, que se torna Técnica de vida. A princípio, as regras que conduzem ao êxito ainda não gravaram profundamente o seu rasto; por isso é ainda possível deslocá-las com a educação. Mas, logo que, aos 8, 10 ou 12 anos, essas regras ficam definitivamente estabelecidas, só pela violência poderemos mudá-las e terão sempre tendência a voltar ao leito inicial. A concepção escolar do comportamento dos indiví­ duos gravou-se em nós sob a forma de técnicas de vida mais ou menos indestrutíveis. Quando já se não é sen­ sível à experiência, ficar-se-á para sempre nessa rotina e não serão as mais eloquentes explicações que nos li­ bertarão. Se se continua sensível à experiência, retomar-se-á pacientemente a nossa tentativa experimental. Poder-se-ão então alcançar Técnicas de vida eficientes e construtivas. Outrora a ciência encontrava-se centralizada à volta de uma certa concepção da energia que lhe permitiu conquistas notáveis. A energia atômica veio perturbar 22

este resultado. Desde então tudo se teve de reconsiderar, inclusive a mecânica, a economia, a diplomacia, a guerra e a paz. Fecharam-se minas; novos tipos de barcos sul­ caram os mares; a própria indústria virá a transformar-se, trazendo modificações radicais na vida e no trabalho dos homens. Do mesmo modo, eis que reconsideramos as fórmulas de pensamento e os métodos de acção que vários séculos de hegemonia pareciam ter tornado intangíveis. Um novo motor nasceu, ou melhor, o motor existia desde sempre mas só funcionava clandestinamente. Orgulhosamente, o homem pretendia proceder melhor, empregando um mo­ tor da sua invenção, cujas peças, mal ajustadas, rangiam e gripavam, estragando a harmonia natural da mecânica. Encontrámos leis desconhecidas, estabelecemos correntes e circuitos e preparámos, assim, um melhor funcionamento da máquina humana, numa sociedade onde a experiência e o trabalho terão o seu lugar. Mas quais são essas leis? Escrevi no prefácio do meu livro Ensaio de Psicologia Sensível: «O atrito, a hesitação, a opressão, surpreendem o bom mecânico como sinais de alarme que incitam a pro­ curar imediatamente o meio de restituir ao mecanismo o equilíbrio e a harmonia indispensáveis à continuação nor­ mal da vida. «Assim será o educador de amanhã, conhecedor da sua máquina (na ocorrência, a criança), não só porque estará em condições de separar teoricamente os seus elementos e designar-lhe as aptidões e os movimentos, mas ainda porque a sentirá viver e ficará como que con­ fortado, apaziguado, logo que o jovem mecanismo fun­ cione na perfeição, sem discordâncias suspeitas, com um rodar doce e um rendimento máximo. Descobrirá imedia­ tamente os atritos normais, as incapacidades acidentais, os malogros e vicissitudes. Atento, estará à escuta do palpitar da vida.» De qualquer modo, um facto é certo, e será o ponto de partida da nossa preocupação educativa e humana (sendo postos de parte todos os outros problemas que em nada possam modificar o referido facto): a vida existe. 23

Farei aqui um resumo das primeiras páginas do meu livro, Ensaio de Psicologia Sensível, nas quais apresentei os novos dados de um certo número de leis que me pare­ cem presidir à partida do ser para a vida:

PRIMEIRA LEI: A vida existe Tudo se passa com se o indivíduo — todo o ser vivo — estivesse carregado de um potencial de vida, do qual não podemos ainda definir nem a origem, nem a natureza, nem o fim, que tende não só a conservar-se, mas a crescer, a adquirir um máximo de potência, a expandir-se e a trans­ mitir-se a outros seres que constituirão o seu prolonga­ mento e continuidade. E tudo isto sem ser ao acaso, mas segundo as formas de uma especificidade inscrita no próprio funcionamento do nosso organismo e na necessi­ dade de um equilíbrio sem o qual a vida não poderá rea­ lizar-se.

SEGUNDA LEI: O sentido dinâmico da vida A vida não é um estado, mas sim uma transforma­ ção sucessiva. É desta transformação que deve induzir-se uma psicologia que deverá influenciar a nova pedagogia.

TERCEIRA LEI: Do instinto à educação O instinto é a marca — transmitida através das gera­ ções — que deixaram em nós as tentativas infinitas, cujo êxito serviu a permanência da espécie. As variações do meio obrigam o indivíduo a modificar essas marcas por meio de novas experiências. A adapta­ ção que daí resulta é a própria essência da educação. 24

QUARTA LEI: É na medida em que o indivíduo é forte psicológica e fisicamente, na medida ainda em que a natureza que o rodeia, os adultos, os grupos constituídos, toda a orga­ nização social, facilitam a necessidade de força ao ser­ viço de exaltação da vida que o ser se realiza na felicidade individual e na harmonia social.

QUINTA LEI: da reacção fisiológica mecânica a uma im­ potência funcional No recém-nascido, a impotência é exclusivamente fisiológica e física. Ele tenta remediá-la através de reacções e recursos exclusivamente fisiológicos e físicos. Não há, na origem, nenhuma tara psíquica susceptí­ vel de motivar reacções complexas. Contudo, dir-se-á: não haverá, nas primeiras reac­ ções da criança, nos primeiros gestos, um pouco de ló­ gica, uma luz de compreensão superior e de inteligência, resultante de certas aptidões hereditárias e do seu destino de homem eminente? Não cremos. A grande lei que encontraremos sempre no centro de todos os recursos humanos é a lei da ten­ tativa. A fonte que nasce tem de abrir caminho por entre as pedras. Se o declive for suficiente e se nenhum obstá­ culo se opuser à sua evolução, seguirá deliberadamente pelo sulco indicado pelo acaso. Mas se o declive for fraco, se nenhum caminho aparecer por entre as ervas e os mus­ gos, a água fortalece-se um instante, as gotas juntam-se a outras gotas até que, suficientemente forte, possa voltar a seguir caminho, insinuando-se por aqui e por ali, contornando uma pedra, esbarrando contra um mon­ tículo de terra, alargando-se mais além, até descobrir uma fissura por onde possa continuar a sua vida. Ao vê-la evoluir assim, sem dificuldade, sem remoinhos, dir-se-á 25

inteligente e doce. É por isso, sem dúvida, que os homens cantaram e por vezes divinizaram a sua pureza e mobi­ lidade. Contudo, se observarmos mais de perto, veremos que se trata de tentativas mecânicas: em virtude do prin­ cípio da gravidade e da fluidez, a água corre pelo declive com tanto mais força quanto mais acentuado for o declive. O obstáculo repele a corrente que nasce, cujo nível se eleva para partir à procura de uma nova abertura. De modo idêntico, na origem, existem na criança ten­ tativas mecânicas puras, suscitadas por uma força que é equivalente à da gravidade da água na fonte: é a neces­ sidade inata e ainda misteriosa da vida, esse potencial de força que leva o ser a subir, a seguir em frente, para realizar um destino mais vasto. A experiência, que é, em definitivo, apenas uma sistematização e uma utilização da tentativa, começa. É ela que está na origem do psiquismo, e não o psiquismo e um hipotético pensamento que estão na base desta primeira manifestação dinâmica da vida.

SEXTA LEI: Da tentativa mecânica A princípio, os recursos físicos e fisiológicos não estão carregados de nenhum conteúdo cerebral ou psíquico. Efectuam-se por tentativas, sendo estas, nesta fase, apenas uma espécie de reacção mecânica entre o meio e o indivíduo em busca da força vital. Em certos indivíduos intervém uma outra propriedade: a permeabilidade à experiência. A tentativa passa da mecânica à inteligência. Chamamos inteligência à permeabilidade à expe­ riência. Existem indivíduos que são como um terreno sensí­ vel, sobre o qual a mínima gota de água deixa vestígio. Uma criança executou um gesto bem sucedido que se reproduz automaticamente e que se tornará, imediata­ 26

mente, técnica de vida. Esse indivíduo progredirá muito depressa na construção da sua personalidade. Porém, há outros que parecem feitos como que de pedra dura sobre sobre a qual o êxito só à décima ou quinquagésima vez deixa marca. Vê-lo-emos vacilar dez ve­ zes, cinquenta vezes, enquanto que o indivíduo inteli­ gente repetiu automaticamente o primeiro gesto bem su­ cedido. Estes indivíduos serão menos inteligentes. Assim sendo, o nosso papel educativo consistirá em facilitar e enriquecer a aprendizagem experimental, em tornar as crianças sensíveis à experiência, fazendo-as saudáveis, exercendo uma troca favorável de afectividade, permitindo-lhes efectuar numerosas tentativas que conduzam a êxitos, organizando e dando ocasião a repetições, destacando os obstáculos, reforçando a corrente para que se instituam as tais Técnicas de vida favoráveis. O bebé vacila ao levar a colher à boca; pode, ao prin­ cípio, chocar com o nariz ou ir desastradamente de en­ contro ao queixo. À força de se repetir, a experiência bem sucedida tende a reproduzir-se através de reflexos automáticos que passam a ser regras de vida. A criança fará exclusivamente o gesto que lhe permitiu levar a colher à boca. Em seguida, progressivamente, recomeçará esse gesto sem reflectir, automaticamente, e poderá então comer, ao mesmo tempo que fala ou escuta, sem que seja afectada a segurança do gesto que se transformou em regra de vida. Este processo da tentativa bem sucedida fixando-se na repetição automática do acto, reflexo que se trans­ forma em regra de existência, é a norma de comporta­ mento de qualquer vida orgânica. Trata-se de um pro­ cesso geral de adaptação, sem o qual a própria vida não seria possível. Da mesma maneira, o nosso comportamento organiza-se pela sistematização sucessiva de experiências bem sucedidas, que farão então como que parte da nossa na­ tureza, do nosso ser, que jamais poderemos modificar sem prejudicar gravemente o nosso equilíbrio imediato e a solidez definitiva do edifício. 27

SÉTIMA LEI: Do comportamento mecanizado como re­ gra de vida Uma experiência feliz no decorrer da tentativa cria como que uma chamada de força e tende a reproduzir-se mecanicamente para se transformar ém regra de vida.

OITAVA LEI: O acto realizado por outrem conduz à mesma repeti­ ção automática logo que se inscreva no processo funcio­ nal do indivíduo. A importância determinante da primeira infância provém de que esta é, por excelência, um período de cons­ trução dos alicerces vitais, através da tentativa experi­ mental, e que, em virtude de uma lei estrita de economia, todas as experiências bem sucedidas conduzem a uma tendência que, fixando-se e sistematizando-se, passa a ser uma regra de existência. As regras de vida sistematizadas transformam-se em técnicas de vida. Tais técnicas constituem os alicerces, as bases, os muros sobre os quais o indivíduo edificará definitivamente a vida. Porém a técnica de vida é algo de mais elevado, de mais importante, e também de mais definitivo. Deve ser o centro das nossas concepções pe­ dagógicas.

A fim de situarmos o problema, anteciparemos um pouco o que depois desenvolveremos, assim como as consequências pedagógicas. Mencionaremos as linhas 28

gerais da reconsideração já anunciada, da qual estuda­ remos, com mais minúcia, os dados e as incidências. 1. Se a inteligência é a sensibilidade à experiência; se a tentativa experimental, tal como lhe definimos as bases, é o processo natural e exclusivo do crescimento de qualquer ser (inclusive o animal), cultivaremos essa inteligência e enriqueceremos as vidas, permitindo às crianças um máximo de experiências em todos os do­ mínios. 2. As idéias só se inscrevem no nosso comporta­ mento e na nossa vida se tiverem bases na experiência complexa dos indivíduos. É como um canal de corrente irreversível. Qualquer explicação, qualquer teoria que pretendesse economizar experiência, seria uma falsa pista que poderia, em certas condições, cavar um sulco paralelo, como é o caso da escolástica; um sulco separado, contudo, dos sulcos de vida, que, por conseguinte, nunca se inscreverá em verdadeiras Técnicas de vida. 3. Transportada para o plano educativo, esta con­ cepção natural dos processos do comportamento condena os métodos escolásticos que partem do pensamento, da vida e dos conhecimentos dos adultos, de que a criança teria somente de se apoderar, como se a sua quinta-essência fosse, magicamente, transmissível pela via profes­ soral. A pedagogia moderna parte da criança que progride imediatamente através da tentativa experimental até se apoderar, com eficiência, de todos os dados da nova vida. 4. Mas não basta partir da infância; é o processo da tentativa experimental que é preciso pôr a funcionar para normalizar a educação. Esta necessidade pressu­ põe uma nova concepção da formação, tanto na família como na escola, com, por um Jado, obrigatoriamente, possibilidades de observação e de experiências e, por outro, uma atitude cooperante da parte dos pais ou do professor. Com efeito, estes já não poderão contentar-se em comunicar a sua sabedoria e em controlar se houve com­ 29

preensão e memorização; devem organizar tecnicamente a tentativa experimental das crianças em todos os do­ mínios, o que supõe da sua parte uma atitude totalmente diferente, necessitando uma reeducação que também só pode ser feita através de tentativas experimentais. A escolástica preparou-nos para falar, explicar, de­ monstrar; não nos treinou a trabalhar, a observar, a ex­ perimentar, a realizar. Cultivou em nós a atitude do pro­ fessor que interroga, controla, sanciona e fez-nos perder o dom natural das mães que preparam e suscitam o êxito, que abrem os caminhos por onde, com entusiasmo, passa a construção activa da vida. 5. A pedagogia tradicional é uma pedagogia da reprovação, uma pedagogia de falta ou de erro que a Escola sanciona na esperança de melhorar o comporta­ mento, como se sanciona um delinquente, com a ilusão de que este ficará curado dos seus defeitos quando sair da prisão. Temos que saber que o fracasso, em qualquer do­ mínio, suscita sempre um choque, seguido de recalcamento e que a dor física ou moral que daí resulta consti­ tui uma barragem repulsiva a todos os esforços novos. Pelo contrário, a tentativa experimental, diligência na­ tural em qualquer comportamento vital, prossegue atra­ vés de fendas no mundo complexo que temos de afrontar. Tais fendas são como que um poderoso apelo às boas vontades que procuram realizar-se. Uma boa educação deveria esquematizar-se numa es­ pécie de caminho que se iria ramificando e diversificando sem cessar, e que compreenderia sinais vermelhos — os fracassos mais ou menos definitivos — e os sinais verdes da criação e da vida. A função do educador será justamente a de abolir as barreiras, a ultrapassar ou a de estabelecer degraus que permitirão chegar ao objectivo, sem crise, por uma sucessão de êxitos, a de abrir fendas favoráveis, a de reforçar barragens nos caminhos proibidos. 30

Estas pequenas explicações preliminares constituem apenas um esquema rápido, destinado a fazer compreen­ der que a nossa psicologia e a nossa pedagogia não esta­ belecem uma continuidade; supõem, sim, uma viragem decisiva que nos cabe estudar, precisar e preparar. Este método de Tentativa experimental, se for exacto, como provam as nossas realizações, será geral e univer­ sal. Não é válido somente no domínio escolar, para a psicologia e para a pedagogia da criança na Escola. É válido em todas as circunstâncias da vida, para todos os indivíduos, para todos os seres vivos. Afecta, nesse caso, a própria filosofia da vida e é esse um dos aspectos fun­ damentais que deverá ser estudado também numa sín­ tese e numa unidade que poderão, de hoje em diante, condicionar as nossas Técnicas de vida.

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III — EM BUSCA DE TÉCNICAS DE VIDA NATURAIS

No ponto da evolução científica, psicológica, técnica e social em que nos encontramos, o ensino do primeiro grau não pode, por si só, resolver os problemas com os quais é confrontado. O segundo grau é talvez mais de­ pendente ainda do que os outros graus de ensino de todas as realidades ambientes, visto que vai ao seu encontro e ao mesmo tempo serve de charneira a outros tipos de ensino. O ensino superior precisa de ser recon­ siderado no sentido de uma cultura não escolástica. O ensino profissional e técnico só preparará autômatos se não se preocupar intensamente com a formação humanao social e o político, por seu lado, estão mais do que nunca impregnados de psicologia e de educação. Apesar da torça diabólica das máquinas e das mecâ­ nicas contemporâneas, permanecem no coração do homem demasiadas necessidades ainda insatisfeitas, talvez mais insatisfeitas do que nunca, e essa insatisfa­ ção está em condições de suscitar reacções perante as quais as forças mais espectaculares, mais tarde ou mais cedo, terão de se inclinar: o cientismo falhou, ainda que lhe devamos o maquinismo contemporâneo. O problema do futuro do homem e, por consequência, o da preparação para esse futuro, tem de ser inteiramente reformulado. É toda uma mecânica a reconsiderar. Não basta estudarmos separadamente, cada um na sua pró­ pria fase, as peças dessa mecânica. É-nos sobretudo necessário encontrar, ou reencontrar, cuidar e reforçar 33

o motor ou os motores, que a porão em acção, pois é so­ mente nessa acção que se experimentam e precisam elementos que nada significam nem têm valor a não ser em função da vida. Reconhecemos de bom grado que tal técnica de tra­ balho não é repousante, no sentido corrente do termo. Tão-pouco são repousantes as nossas aulas, onde seria, certamente, mais simples mandar copiar textos e citar resumos do que lançarmo-nos em pesquisas e criações que só podem ser feitas, como qualquer pesquisa, atra­ vés de tentativas experimentais. Arriscamo-nos a entreabrir muitas portas que não teremos tempo de franquear e os nossos estudos nem sempre conduzirão a uma con­ clusão científica, como desejaríamos. Talvez. Mas o essencial não será podermos avançar na ciência do homem, evitando os erros e os impasses a que, muitas vezes, fomos levados pela falsa ciência? Tocamos aqui um dos aspectos do problema que en­ contramos sem cessar na encruzilhada dos nossos estudos: precisamos de rever e regular as Técnicas de Vida. É-nos necessário restabelecer a unidade da nossa cultura e não abordar o problema escolar do saber, da inteligência e da ciência sob um ângulo que nunca terá cabimento na nossa própria vida. Quer se trate do domínio dos primeiros movimentos do recém-nascido, quer se trate da aprendizagem do ca­ minhar, da linguagem, de andar de bicicleta, da prática de trabalhador rural, de mecânico ou de médico, tudo isso diz respeito à «tentativa experimental». Somente na Escola se julga poder agir de outro modo, através do método dito científico. Persuadiram-nos de que os mé­ todos habituais eram imprecisos e ineficazes por arras­ tarem simultaneamente todo um conjunto de problemas, enquanto que a análise e a síntese instituíam uma espé­ cie de trabalho intelectual em cadeia, cuja economia era incontestável. Se apreendemos perfeitamente o ele­ mento A, e em seguida o elemento B, a junção destes elementos deve dar o resultado BA, sem necessidade de tentativas inúteis. O facto talvez seja exacto em mecânica, mas uma 34

coisa é evidente: no que respeita ao saber humano, os elementos de vida não se combinam assim, automati­ camente; são, sim, determinados por reacções individuais e do meio ambiente, subtis e diversas, que alteram as nossas previsões mecanicistas. Porém, tais processos escolásticos de aprendizagem transtornam profundamente, pela sua repetição e gene­ ralização no meio escolar, todos os nossos comportamen­ tos vitais, para se transformarem, por sua vez, em técnicas de vida que, infelizmente, não têm as bases profundas, a firmeza e a segurança das nossas técnicas naturais de vida. Resultam daí, por um lado, numerosos erros de comportamento que o indivíduo não está apto a enfrentar pelos seus próprios meios de defesa e, por outro lado, uma espécie de dualismo de técnicas de vida que desor­ ganiza e perturba a personalidade. Devido, justamente, a este enfraquecimento das reacções de defesa do organismo fisiológico e mental, os fracassos são sentidos dolorosamente como destrui­ dores e comprometem, por vezes definitivamente, as reacções vitais, indo até ao desespero e à neurose, en­ quanto que, segundo o método natural da «tentativa experimental», os fracassos constituem apenas uma fase da nossa acção, não impedem a vida de continuar e de se expandir noutras direcções. As quedas e feri­ mentos jamais impediram uma criança de aprender a andar normalmente, no devido tempo, enquanto muitos bloqueios escolares são — ai de nós! — irremediáveis e definitivos. Precisamos de voltar às únicas técnicas válidas, man­ ter, quer na Escola, quer na vida, a confiança, o ímpeto, o dinamismo. Os erros são apenas um acidente de per­ curso, uma pedra na qual se tropeça, um muro que se pode evitar, uma árvore caída que se desloca ou que se contorna; no entanto a caminhada continua, estimulada até pelas dificuldades que superámos ou ultrapassámos. É este comportamento não cientista, não escolástico, que nos proporciona, na vida escolar, familiar e social, uma filosofia de confiança e de segurança na criação e experiência, ao serviço do nosso futuro de homens. 35

É preciso redescobrir em todos os domínios novas téc­ nicas de vida, que são simplesmente técnicas naturais que nos resta adaptar à complexidade do mundo con­ temporâneo. Se conseguirmos restituir aos educadores essa sen­ sação de segurança que lhes é indispensável, mostran­ do-lhes e demonstrando-lhes que não lhes apresentamos de modo algum teorias mais ou menos ousadas, mas, pelo contrário, uma técnica de vida de todos os dias, ins­ crita, a cada momento, nos seus próprios gestos fami­ liares e no seu próprio comportamento; se os educadores adquirirem, assim, a certeza de que através deste método o resultado que se espera da parte da escola será atingido infalivelmente —embora, talvez a um ritmo diferente; se conseguirem identificar a sua acção com a da mãe que ensina o filho a falar e andar; se tomarem, pois, cons­ ciência da inutilidade e dos perigos da escolástica que é, exactamente, o oposto das nossas técnicas de vida, então entusiasmá-los-emos mais facilmente por uma pedagogia que, fundada sobre outras bases, necessita, evidente­ mente, de uma atitude diferente e de um novo tipo de abordagem.

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IV — NA PRÁTICA

Este capítulo é, em parte, consagrado às primeiras aprendizagens de Pascale, que são idênticas às de Bal., analisadas no volume I dos Métodos Naturais. Voltamos a encontrar nas diligências de Pascale os mesmos prin­ cípios salientados por Freinet, que passamos a reproduzir para uma melhor compreensão do problema que estamos a tratar. 1. O processo normal (em matéria de aquisição das primeiras aprendizagens) não é, de forma alguma, tal como a escola tradicional o concebe: leitura, escrita, tra­ dução gráfica do pensamento, primeiro pela fala, em seguida pelo desenho e pela escrita, finalmente pelo re­ conhecimento de palavras e de frases até à compreensão do pensamento que traduzem, reconhecimento esse que é, precisamente, a leitura. 2. Os progressos, neste novo caminho, fazem-se, não segundo regras mais ou menos racionais, mas sim através de uma lenta expressão tenteada, pela repeti­ ção automática das tentativas bem sucedidas, numa base de progresso e de economia, de audácia e de prudência, por uma constante aproximação com modelos adultos que o indivíduo procura instintivamente imitar na má­ xima perfeição. 3. Contudo, tais Tentativas experimentais supõem a permanência de um motor íntimo que é, na primeira fase, a necessidade de perfeição e de força na criança 37

e, na fase seguinte, a motivação, através de técnicas apropriadas, da noção de correspondência, razão de ser inicial da escrita e da leitura. 4. Esta Tentativa experiemental que domina o nosso comportamento pedagógico supõe: — uma intensidade de vida máxima numa escola intetegrada no meio ambiente; — um material novo, permitindo o trabalho da criança nos diversos estádios da sua evolução; — modelos, o mais perfeitos possível, nos diversos gê­ neros de actividade: fala, escrita, leitura, música, desenho, comportamento geral; — a actividade essencialmente auxiliar do ambiente fa­ miliar, em primeiro lugar, e sobretudo, no que nos diz respeito, do meio educativo. 5. As regras de gramática e de sintaxe não são de nenhuma utilidade nesta primeira fase escolar (e não sendo úteis, a sua prática é nefasta, sobretudo se houver coacção). As regras não se ensinam do exterior, na sua forma abstracta e morta. Aprendem-se e absorvem-se apenas com o uso. Utilizam-se muito muito antes de se conhecerem. Mesmo nas fases seguintes, as regras não são mais do que o resultado da experiência efectiva. Os métodos escolares partem ostensivamente do in­ telecto, da teoria, da ciência abstracta para a prática, me­ lhor ou pior ajustada ao comportamento. Esse caminho é profundamente anormal. O método natural sobe da vida normal, natural, complexa, no sentido da diferen­ ciação, da comparação, da investigação, da Lei. Esta recuperação será uma das grandes vitórias da nossa pedagogia popular.

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AS PRIMEIRAS ESTAPAS: ABORDAGEM VIVIDA DOS SINAIS DA LINGUAGEM ESCRITA NA ESCOLA INFANTIL

Graziella (6 anos) escreve sozinha, ao namorado:

Fig. 1 (*)

(*) Querido namorado escrevo-te uma carta só para ti mas tenho uma para Agnès que esqueci, mandá-la-ei amanhã. Quando for o nosso casamento escrever-me-ás se quiseres por trás da folha ou num boca­ dinho de papel. 39

Graziella frequenta a escola infantil (1) onde aprende a escrever (e a ler) pelo método natural — pedagogia Freinet. E tanto para ela como para os seus companhei­ ros beneficiários desta pedagogia unitária e global, preo­ cupada sobretudo em respeitar os inúmeros impulsos da vida infantil, aprender a ler e a escrever será simples­ mente como aprender a andar, a falar, a desenhar, pintar ou dançar, a cantar, a raciocinar, a ouvir, a exprimir-se, a criar: aprender a viver. Isto é, travar a pouco e pouco conhecimento e ami­ zade consigo próprio e com o meio, descobrir-se dentro dele e apropriar-se dele, descobrir os outros e entrar em comunicação com eles e, ao mesmo tempo, desen­ volver a curiosidade natural, adquirir gosto pelo trabalho e espírito de equipa, encontrando-se a si próprio, abrindo-se aos outros. Se é certo que a criança possui, naturalmente, meios de expressão e de comunicação privilegiados, o gesto, a fala e, em seguida, o desenho, também é certo que é sensível (e cada vez mais cedo, no meio urbano) aos si­ nais gráficos que o meio lhe oferece permanentemente: cartazes, reclames, tabuletas, televisão, automóveis, montras, jornais, etc. Todas as saídas à rua solicitam a atenção infantil e e orientam-se no sentido de uma descodifícação de si­ nais desconhecidos. O interesse pela linguagem escrita parece manifestar-se por volta dos 4 anos, 4 anos e meio, quando a criança, possuidora da linguagem falada, da expressão gestual, da expressão gráfica e plástica, se torna mais sociável e é capaz de escutar os companheiros, de brincar e de trabalhar com eles. Aprender a descobrir, a reconhecer e a utilizar os si­ nais da linguagem escrita (descodificação e codificação) pode corresponder, entre os 5 e os 7 anos, à necessidade de decifrar o meio e de se apropriar dos seus sinais (pa­ lavras, símbolos, grafos). Assim, esta aprendizagem apoia-se na curiosidade infantil, que por sua vez cultiva, e no íntimo vital que estimula, com a condição, porém, (1) Rue de la République. em Brest, aula de Mme. Resmorduc.

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de pôr em jogo e desenvolver toda a vida afectiva da criança. Isto é, basear-se: — na sua necessidade de expressão (pelo gesto, pela pela palavra, pelo desenho, em seguida pela linguagem escrita); — como que na sua necessidade de comunicação: do diálogo verbal entre crianças e entre a professora e as crianças (que pode ser precioso, na escola infantil, se a educadora souber escutar e provocar a atenção mútua) passar-se-á naturalmente para o diálogo es­ crito entre duas escolas, através de uma troca de corres­ pondência que será um partilhar de toda a vida das crianças, através da expressão escrita das descobertas, dos sentimentos, alegrias, surpresas, acontecimentos da vida infantil. Um partilhar que incita à cooperação entre crianças e ao trabalho de equipa à volta de um texto a imprimir, de uma carta coletiva a «contar» e a ilustrar, de documen­ tos e cartas pessoais a enviar aos correspondentes. Assim, a ligação natural entre a linguagem falada e a linguagem escrita pôde ser assegurada por um método natural de aprendizagem da língua escrita, que é o da pedagogia Freinet, baseado na expressão livre, na imprensa, na es­ cola e na correspondência interescolar. Tal método é um dos múltiplos modos de acção edu­ cativa, permanentemente ligada a toda a vida da aula: uma das facetas do estímulo ao diálogo entre a criança e o objecto, objecto esse que pode constituir por si próprio um estímulo ou um sinal. «Que ao proferir a palavra rosa, floresça a Prima­ vera» escreveu Guéhenno. Para as nossas crianças a rosa floresce primeiro sob o pincel, mas permanece viva no sinal escrito. As imagens mentais do objecto, assim como a sua recriação através da mão, estão ligadas à imagem da pa­ lavra ou da expressão escrita, e vividas no momento exacto desta recriação. Os presentes e os ovos de Páscoa «contados» por 41

Dany (5 anos) à sua correspondente: chocolate está es­ crito foneticamente; a abundância de chocolate é exprimida pela repetição da palavra «muito» (Fig. 2).

Fig. 2 (*)

A mesma filiação que liga a linguagem escrita à lin­ guagem falada, liga a escrita ao desenho, sendo este essencialmente um modo de expressão e de comunicação. Eis porque partiremos das primeiras «garatujas» da criança de 3 anos, a fim de tentar abranger as etapas da apropriação da linguagem escrita. Mostraremos que a criança procede, tal como Freinet escreveu no seu Ensaio de Psicologia Sensível, por Ten­ tativa experimental: Apropriando-se por experiências tentadas dos elementos fornecidos pelo meio, repetindo experiências bem sucedidas até à sua integração total, segundo uma progressão não constante, sendo alguns períodos de regressão seguidos ou precedidos de um salto em frente e de tempos de consolidação (escalão). (*) (*) Isto são galinhas castanhas/Muitos muitos muitos chocolates também/muitas muitas muitas castanhas por todo o lado/E isto é um coelho.

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Fig. 3 (*) (*) Hoje há sol/Um pouco e há vento/e os gatos estão ao sol/e os gatos estão ao vento/ e os gatos estão no céu/e os gatos estão nas nuvens/e os gatos estão em todas todas todas as ruas/ e os gatos estão em todas as ruas/que são feitas/e agora é segunda-feira e é o número 12/e os pequeninos nasceram a 23 de Abril/e é a minha avó que me vai dar 2 pássaros numa gaiola.

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Ao seguir várias crianças na sua tentativa de codi­ ficação e descodificação, veremos destacar-se a sua per­ meabilidade à experiência: enquanto algumas crianças têm necessidade de muitas repetições das experiências bem sucedidas (repetição de palavras ou de expressões), outras adquirirão muito rapidamente fórmulas que uti­ lizarão em seguida livremente: enquanto alguns des­ cobrem, sem esforço aparente, a mecânica da escrita (associação de letras e de sílabas e correspondência fonética) outros permanecem durante muito tempo na fase global de reconhecimento e de utilização das pa­ lavras. É evidente que um método natural não pode deixar de respeitar o ritmo com que cada criança apreende, por si própria, a língua escrita, assim como sublinhar os di­ versos níveis de maturação. Encontramos aqui a preo­ cupação actual dos linguistas que pensam que cada lín­ gua corresponde a uma organização particular dos dados da experiência. E as. crianças quando escrevem unem-se aos poetas surrealistas, esses inventores da escrita auto­ mática, como Philippe (5 anos e meio): (Fig. 3.)

AS ETAPAS

Antes mesmo de entrar para a escola infantil, aos 2 anos, estabelece-se um contacto entre a criança e o sinal convencional (cartazes, sinais de qualquer ordem). Alguns destes sinais convencionais, depois de conhe­ cidos e compreendidos, serão retomados espontanea­ mente pelas crianças na aula, para serem utilizados colectivamente: o sentido proibido, por exemplo, quando o espaço é demasiadamente restrito para a circulação sem regras. Desde os primeiros desenhos ou garatujas das crian­ ças, aparecem sinais diferentes do desenho que a criança interpreta como sinais escritos. Estas primeiras formas da «escrita» podem estar li­ gadas (Fig. 4) ou separadas (Fig. 5). 44

Fig. 4

Fig. 5

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Podem ou não acompanhar desenhos. Podem querer imitar simplesmente uma pessoa amada e admirada (mãe, pai, irmão ou irmãs mais velhos, ou a professora): «Mestra, escrevo como tu» (Claude). Testemunham interesses e necessidades profundas das crianças: «Escrevi mamã e Nelly e papá» (Nelly). Parece que na escrita o primeiro contacto da criança com a língua escrita é o nome que a professora inscreve nos seus desenhos, no seu estojo, na sua mesa, etc. A criança reconhece-se na etiqueta com o seu nome como num espelho:

Vê-la-emos seguidamente utilizar certos elementos-letras desse nome para «escrever», empregando simul­ taneamente os sinais primitivos. Assim, Leonel (4 anos), copia o nome após ter tentado escrevê-lo sozinho, depois utiliza certas letras desse nome; i, e, n, 1 e ainda outras (p) e simultaneamente sinais gráficos pessoais para dar os parabéns à mãe (Fig. 7). O sentido da escrita, tal como a ligação entre a língua falada e escrita, está descoberto e aparece o entendi­ mento da convenção (emprego de letras). A repetição do êxito é igualmente visível. Leonel es­ creve duas vezes o seu nome, uma acima e outra abaixo do modelo feito pela professora. Depois escreve-o sozinho, ao fundo da folha, emoldurando o seu sucesso. Stéphane (3 anos e 10 meses) utiliza certas letras do seu nome, sem contudo se reconhecer nele, e conta aquilo a que está mais ligado e que gira, como é evidente, à volta da família (Fig. 8). 46

Fig. 8 (**)

(*) O meu nome/a carta para a mamã parabéns. (*’) O meu nome/escrevi: «parabéns mamã»/também escreví o nome do papá/escrevi:«vou comprar uma saia»/a mamã foi a Rennes/ /digo adeus à mamã.

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Não há mistura entre o desenho e a escrita, o pri­ meiro encontra-se no verso da folha e foca um outro assunto: «um senhor feio»: Por volta dos quatro anos, a criança experimenta re­ produzir correctamente o nome e a data no verso da folha onde desenhou. Entra-se agora em plena convenção: assim Philippe (3 anos e 11 meses) num lado da folha, desenha flores e uma criança, no verso copia Philippe e a data (Fig. 9), en­ quanto Claude (4 anos) copia unicamente «quarta feira» (em seguida no quadro) e pede que lhe escrevam «uma senhora», que recopia no meio dos desenhos.

Fig. 9 (*)

Por vezes, as crianças, impelidas pela necessidade de comunicar (com os seus correspondentes, por exem­ plo) utilizam letras que conhecem (e primeiramente as dos nomes) como sistema referencial de possibilidades de comunicação. Assim, um dia, uma aula de crianças entre os quatro e os cinco anos considerou ter escrito no quadro, para a mulher da limpeza, o aviso: «não apa­ gar» (tratava-se de manter no quadro um bonito desenho). Claro que o aviso, ilegível, não foi respeitado. Aconteceu o mesmo em relação aos correspondentes (crianças e professores). Em vista disso, apareceu a convenção e a necessidade de se servirem do sistema convencional (*) (*) Quarta-feira/27 de Maio.

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da escrita. Daí, o pedido de referências à professora e a sua utilização: palavras e expressões, seguida da pro­ cura dessas referências: nos «textos» das crianças afi­ xados na aula e depois impressos, constituindo «o livro da vida» da aula (que cada aluno possui no caderno ou na gaveta). Deste modo, a identificação da palavra com o objecto, a compreensão do código e a cópia cada vez mais correcta das letras, avançam consoante o ritmo de cada criança, mas num ambiente rico e numa atmosfera propícia. Esta abordagem vivida da linguagem escrita reflecte a maturação motora, perceptível e sensível das crianças, cujos desenhos se tornam, ao mesmo tempo, mais elaborados e ricos até passar do significado a posterior para o projecto, prelúdio da obra (Fig. 10). Das primeiras tentativas à realização da escrita pas­ sa-se pelo domínio do gesto, que se revela igualmente no desenho: (*)

Fig. 10(*)

(*) Um caracol

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Marguerite (5 anos e meio) desenha em casa (num papel de linhas) esta noiva encantadora, e utiliza na de­ coração técnicas primitivas de «escrita»: (Fig. 11).

Fig. 11

O sentido do sinal revela-se na identificação do objecto com a palavra escrita: nome, apelido, data, nome dos companheiros, do papá, da mamã, da vovó e do vovô, pa­ lavras copiadas dos textos e das referências-tempo. 50

Em seguida, o sentido do sinal revela-se na identi­ ficação do objecto-história com a expressão escrita (sen­ tido do texto). Entre os 5 e os 6 anos, a criança apodera-se dos ele­ mentos da linguagem escrita utilizando os elementos de pequenas histórias infantis contadas diariamente, escritas, afixadas, impressas, reconhecidas globalmente e enviadas aos correspondentes: construção livre de fra­ ses através de referências-linhas e depois de etiquetas-palavras, textos pessoais construídos por meio de re­ ferências copiadas dos textos afixados, palavras conhecidas de cor e textos de correspondentes. Estes textos, feitos da vida quotidiana, contam os acontecimentos diários, o tempo (formas privilegiadas em virtude da sua simpli­ cidade que, dando origem ao êxito, permitem variar as palavras e a forma) e por vezes os sentimentos expe­ rimentados (Fig. 12). (*)

(*) Sexta-feira 17 18 de Março 1966/hoje há sol/hoje as nuvens foram-se embora/ontem brinquei com os meus carros em casa/ontem houve nuvens no lago.

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Ao mesmo tempo, através do estudo global dos textos da aula e dos correspondentes, a criança adquire a com­ preensão da estrutura da frase: — reconhecimento das palavras do texto — recorte e reconstituição em linhas, depois em palavras, cópia do texto, escrita espontânea de textos ou de palavras escolhidas pela criança, compreensão dos textos e de cartas dos correspondentes, aquisição de formas escritas. Depois aparece a compreensão da estrutura da pa­ lavra: — sílabas descobertas em várias palavras e também isoladamente, construção de uma palavra a partir de uma outra (cour a partir do nome próprio Scour); — construção de uma palavra a partir de sílabas encon­ tradas noutras: «eu estou do-en-te»; — procura de palavras contendo uma sílaba conhecida: tá-tátá, tacot, tàche, tamanoir, table, tabac, taqué; — aparecimento da escrita fonética «je ve ales à Paris pour la noce de Joel et Evelyne (1); «J'ai attrapé des tétards, il y a deux ki on deux pat [il y (en) a deux qui ont deux pattes]; ki é uma refe­ rência ao «kiri» da Televisão (2); — escrita de textos longos (palavras tiradas de textos referenciais) com repetição de formas adquiridas; — história longa relatando um facto único mas circuns­ tancial. A construção livre das palavras conduz à escrita fo­ nética que a professora corrigirá: «maman, Je te di (dis) bonne fête je te donne un caáo (cadeau), Je te donne 3 baisers, (1) Vou a Paris ao casamento de Joel e Evelyne. «Je vais aller à Paris...» (2) Apanhei peixes cabeçudos, há dois que têm duas patas. 52

Je te sousette (souhaite) ta fête, maman, Je te donne un papied aluminiome (papier d’aluminium repoussé), sur ton cadre j'ai fait une mariller (mariée) (1).» A ligação som-grafia será objecto de cuidadosa aten­ ção. A criança que construiu uma palavra, transmite-a à classe, escreve-a, lê-a, dá-a aos outros. Finalmente, lembramos que a aprendizagem da língua escrita está ligada ao domínio do espaço (lateralização) e ao desen­ volvimento da lógica; à aquisição do esquema corporal corresponde a imagem mental correcta de si próprio e a escrita legível do nome. A exploração das situações vividas no plano do racio­ cínio junta-se ao recorte do espaço-texto e do espaço-linha. Se as relações de ordem estiverem bem estabele­ cidas, a apreensão do sinal escrito é geralmente fácil. Por último, estando as aquisições no domínio da lin­ guagem escrita fortemente ligadas à afectividade, sur­ gem certos conflitos através dessa aprendizagem natural. (Exemplo: Isabelle: desejo e receio de ter um irmão — es­ colha de uma profissão oposta à da mãe, que é profes­ sora —, representação em espelho dos anos decorridos.) Isabelle (6 anos) representa-se escrevendo: «aos 0 anos num berço»; «com 1 ano nos braços da mamã»; «com 2 anos: na escola com a mamã»; «com 3 anos: flores para a professora»; «com 4 anos: Isabelle (conhecimento do nome)»; «com 5 anos: segunda-feira — esta manhã — (com­ preensão do tempo)»; «com 6 anos: representa-se de caneta na mão (passa­ gem para a escola primária, idade da leitura-escrita, do conhecimento?)». (1) «mamã,/dou-te os parabéns/dou-te um presente/Dou-te 3 beijinhos,/desejo-te a tua festa de anos, mamã,/dou-te um papel de alumínio (papel de alumínio prensado)/na tua moldura fiz uma noiva.»

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Será necessário repetir que, sem exercícios sistemá­ ticos, a criança passará, entre os quatro e os sete anos, da linguagem falada à escrita, descobrindo a estrutura desta última através de um método natural, contanto que a história infantil (texto livre) seja sempre o reflexo de uma situação vivida que a criança vai recriar tanto atra­ vés do desenho como da escrita? Por sua vez a estrutura dessa história escrita e impressa vai ser vivida, assumida pela criança através da análise e da síntese que nós provocaremos: ir da frase à palavra, da palavra à sílaba, da sílaba à letra e refazer depois o caminho no sentido inverso: da letra à sílaba, da sílaba à palavra e da palavra à frase; é este o sistema que as técnicas empregadas suscitam permanentemente: — escrita do texto segundo o recorte gramatical; — composição do texto na tipografia e sua decomposição; — recorte e reconstrução do texto; — criação de novas histórias por meio de palavras tiradas do conjunto referencial dos textos afixados; — construção de palavras a partir de sílabas descobertas e decoradas; — escrita de textos pessoais e de cartas aos corresponpondentes; — decifração de textos e de cartas dos correspondentes, de álbuns postos à disposição das crianças, de dese­ nhos e de cromos recebidos. Munida dessas técnicas, cada criança trabalha conssoante o seu próprio ritmo, ora com toda a classe, ora individualmente, ou ainda em equipa. Conduzida e am­ parada pela vida colectiva da aula, a conduta de cada criança é sempre a tentativa experimental. Sabendo-se ouvida, cada uma das crianças participa na discussão e na pesquisa quando da elaboração do texto ou da decifrarão das cartas e dos documentos coletivos. Cada uma terá, por sua vez, o seu texto afixado. Esta mesma atenção dispensada a todas as crianças da aula, esta com participação nas descobertas, nas ex­ periências, nos achados, esta ajuda pedida ao compa­ 54

nheiro, dada e recebida com a mesma gentileza, esta atmosfera de confiança suscitada pelas trocas constantes e pelo trabalho de equipa, não será isto aprender a es­ crever e a viver? Sigamos agora a abordagem vivida da linguagem escrita com Pascale Lejeune, desde a sua entrada, aos 5 anos e 4 meses, na aula de Madame Rosmorduc, em 1 de Outubro de 1967, até Maio de 1968, quando atingiu os 6 anos. Como Pascale aprende a escrever e a ler Pascale Lejeune é filha única de um casal de traba­ lhadores de Brest: o pai é empregado na S. N. C. F. (Ca­ minhos de Ferro Franceses) e a mãe trabalha a dias. Pascale frequenta a escola infantil «República», em Brest, desde os 4 anos. É saudável e tem alegria de viver. Nasceu a 22 de Maio de 1962. Primeiros dias de aulas (Outubro de 1967): Trava-se conhecimento, desenha-se, pinta-se, brinca-se. Pascale desenha-se a si própria e escreve sem mo­ delo o nome inteiro economizando o Le (Pascale jeune em vez de Pascale Lejeune). Ao lado escreve «vovó» assim como grafismos sem significado convencional. Há aqui a utilização de duas linguagens: desenho e escrita (Fig. 13). Logo no dia seguinte, 2 de Outubro, Pascale dá pro­ vas do seu equilíbrio e nível de maturação perceptiva: festejamos o aniversário de Daniel, que fez 5 anos, e es­ crevemos no quadro a data e «Daniel tem 5 anos». Pascale copia e ilustra sozinha esta primeira «his­ tória», desenhando um alegre sol encimado por cinco velas acesas, depois desenha as cinco salas da escola e as cinco lâmpadas da aula (correspondências biunívocas espontâneas). Neste desenho lê-se o temperamento vigoroso, fantasista e equilibrado de Pascale (Fig. 14). No mesmo dia desenha-se a si própria no 4.° andar da sua casa (Pascale habita, efectivamente o 4.° andar) (Fig. 15). 55

3 de Outubro: primeira história impressa, copiada, ilustrada, recortada e reconstruída livremente (Fig. 16).

Fig. 13

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Fig. 14(*)

(*) Segunda-feira 2 de Outubro/Daniel-5 anos.

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(*) Na feira um balão Jevanta voo/Martiue.

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6 de Outubro: primeira história escrita e ilustrada por Pascale a partir dos elementos do primeiro texto. Ela acrescenta os nomes dos ausentes desse dia dese­ nhando-os na cama (Fig. 17).

9 de Outubro: história de Annaîck (copiada, impressa e belamente ilustrada por Pascale). Este desenho, comparado com a pobreza do primeiro (1 de Outubro), testemunha o enriquecimento e a ple­ nitude da personalidade infantil que se manifesta em pou- (*) (*) Martine levanta voo.

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Fig. 18 (*)

cos dias, graças à atmosfera cooperativa da aula e a uma participação activa admirável, 10 de Outubro: primeira sílaba isolada de Pascale. Trata-se, bem entendido, de um trabalho espontâneo: «mar» em mardi (1), Marc e Martine (Fig. 19). (*) (*) Segunda-feira 9 de Outubro/a noiva tem flores nos cabelos/ Annaick. (1) Mardi — Terça-feira. — (N. do T.)

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11 de Outubro: desenho livre, o universo familiar de Pascale. A sua chegada à escola apresenta dois pla­ nos. Primeiro plano: a casa, o caminho com crianças que

(*) Terça-feira 10 de Outubro/Marc/Martine. (**) Quarta-feira 11 de Outubro.

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vão para a escola. Segundo plano: o recreio da escola, a ajuda prestada à contínua que varre as folhas (Fig. 20). 4 de Novembro: Pascale esteve doente de 13 de Outu­ bro a 3 de Novembro. Quando regressou às aulas, recebeu os textos impressos na sua ausência. Lêem-lhos e ela ilustra-os rapidamente (Fig. 21).

Utilizará imediatamente as referências-palavras do texto n.° 4, que pertence a Alain, o seu amigo predilecto, enquanto ignora (ou recusa?) as do n.° 3, de Véronique, com quem se encontra em concorrência sobretudo por causa da amizade de Alain. Ignorará durante muito tempo o termo «mar» que aparece muito frequentemente na lin- (*) (*) 3 — Os homens-rãs vão até ao fundo do mar - Véronique/ /4 — Esta manhã vi o sol brilhar nas nuvens - Alain Kerdévez.

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guagem infantil. (Em psicanálise, o mar simboliza o nas­ cimento: haverá aqui ciúme preventivo e inconsciente em relação ao irmãozinho que é desejado pelos pais e por ela própria?) Pascale escreve sozinha a 4 de Novembro «o sol» e «as nuvens» copiando-as na realidade do texto de Alain, e que são palavras-frases (Fig. 22).

(*) Sábado, 4 de Novembro/o sol/as nuvens.

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Pascale prosseguirá durante muito tempo este tipo de escrita do tempo; primeiro repetindo esta mesma forma e depois acrescentando-lhe outras. 7 de Novembro: Pascale recebe a primeira carta da sua correspondente Isabel. Faz então um lindo desenho

Fig. 23 (*) (*) Terça-feira/Novembro/as nuvens/Isabelle Ollivier.

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onde se representa com Isabel e de quem escreve o nome por inteiro. As duas crianças estão representadas de um e do outro lado da casa em que Pascale espera Isabel que sobe para a ver (Fig. 23).

Fig. 24 (*) (*) Vi uma gaivota no mar/NicoIe.

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Ainda a 7 de Novembro: é decifrado o primeiro texto dos correspondentes; Pascale emoldura as palavras conhecidas excepto «mar», que ignora (voluntariamente?) (Fig. 24).

Fig. 25 (*) (*) Segunda-feira 13 de Novembro/as nuvens/Terça-feira.

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8 de Novembro: escreve sozinha palavras copiadas dos textos de Alain e de Myriam. 13 de Novembro Pascale isola: un, di, vem, bre, na data; depois, no dia seguinte, escreve mardi, les nuages (1), e desenha um facto real: um limpa-chaminés

(1) Terça-feira, as nuvens. — (N. do T.) (*) Segunda-feira 13 de Novembro/belo desfile/os marinheiros marcham bem todos juntos com a música/Gwenaëlle.

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sobre o telhado da casa vizinha à escola. No entanto não sente o desejo de escrever a história (o desenho continua a ser utilizado como linguagem) (Fig. 25). Copia e ilustra, no mesmo dia, o texto de Gwenaêlle (Fig. 26). 15 de Novembro: desenha a chuva e uma noiva. Es­ creve: «a chuva» (depois de ter perguntado à professora) e «a noiva viu duas estrelas douradas» (palavras e ex­ pressões copiadas dos textos e corrigidas), (o tenho está riscado), e depois assina: Pascale (Fig. 27). Pascale adqui­ riu a técnica da linguagem escrita e da comunicação. Doravante «escreverá» para a sua correspondente. (*)

Fig. 27 (*)

(*) A noiva viu duas estrelas douradas/Pascale/a chuva.

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18 de Novembro: uma nova fórmula para o tempo: «esta manhã, as nuvens». Nos dias seguintes teremos: «esta manhã vento», «esta manhã o sol» (Fig. 28). 20 de Novembro: primeira carta de Isabel a Pascale. Decifração fácil. Pascale apodera-se imediatamente do «para», copia o «ontem» de um texto de Myriam e constrói uma nova fórmula para a escrita do tempo: «nuvens para ontem».

(♦) Sábado 18 de Novembro/esta manhã as nuvens.

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Decifração do texto dos correspondentes: poucas pa­ lavras conhecidas. No entanto, suscita um bonito dese­ nho: dois gémeos em berços floridos e dois nomes por cima de cada uma das crianças (Pascale é filha única): aqui existe uma técnica da apropriação. Não posso apresentar aqui senão alguns dos textos da aula a que Pascale vai buscar as suas referências. Ela escreve todos os dias, mas doravante indicarei so­ mente as etapas principais da sua evolução. Quero porém referir que o sistema-referencial de leitura-escrita é muito rico: não somente contém textos impressos da aula e dos correspondentes (dois por se­ mana), mas ainda cartas colectivas e pessoais (afixadas) dos mesmos. Eis um exemplo: Carta colectiva de Brest: «O fogo escreve-se com cor-de-laranja. Terça-feira fizemos lume, lume verdadeiro na chaminé do gabinete da professora. Em nossa casa não há lareira, excepto em casa de Daniel e na das avós. Vocês têm uma lareira para fazer lume na vossa escola? O lume é lindo! lindo! Quando saímos para o recreio vimos o fumo do nosso que saía da chaminé. Agora é preciso limpá-la.» Por outro lado, individualmente, pedem-se muitas referências à professora e trazem-se palavras de casa (jornais, TV, cartazes). Desenhos de raciocínio enviados pelos correspondentes ou feitos na aula e afixados tam­ bém provocam a pesquisa e solicitam a inteligência e a memória. De Brest para os correspondentes de Landerneau — envio do mês de Dezembro: «— Avaliação do comprimento e da largura da sala de aula: dobragens. — Famílias, veículos: relações de ordem. — Gravura: conjunto da cidade de Brest.» 71

De Landernau para Brest: «— Gravura: a cidade de Landerneau. — Os dentes: classificação. — Meios utilizados para ir para a escola.» Carta colectiva de Landerneau: «Perguntamos-lhes porque é que nos nossos desenhos se ultrapassou o círculo da cidade de Landemeau. Em Brest vocês esqueceram-se de desenhar: — 0 vosso grande repuxo. — A vossa Câmara Municipal. — A vossa prisão. — 0 vosso grande guindaste do arsenal. — As senhoras de França.»

Resposta de Brest: «Quanto ao rio adivinhámos: depois de Landerneau chega a Brest sob a ponte de Plougastel e desaparece no mar. Marc vê-o à beira-mar quando vai a Saint-Malo. Corre em regatos. Parece-nos que a vossa lua é a mesma de Brest.» Correspondência em Dezembro: 8-12-1967. De Landerneau: brinquedos, classifica­ ções individuais. Carta colectiva: Aqui lhes mandamos as nossas ima­ gens de brinquedos. Chantal descobriu que os podíamos pintar. Jean Paul pôs juntos os que eram feitos da mesma coisa. Os aniversários: Martine Chantal, Isabel, Dominique, Marilyne e Alain fizeram cinco anos no mês de Novembro. 0 bolo tinha muitas velas: 6 vezes 5 velas. Foi bonito como o fogo de artifício. 72

15-12-1967. O pinheiro: O nosso pinheiro chegou. É grande mas não tão alto como a sala de aula, mas é maior do que nós... e do que a professora... que o quadro e que a porta. É fácil medi-lo: estendemo-nos no chão. Os brinquedos mecânicos: Conhecem os brinquedos que têm uma chave e um motor? Nós conhecemos tam­ bém os que andam com pilhas ou a electricidade. 0 bolo: Queridos amigos, ontem fizemos bolos para vocês e para nós e antes lavámos as mãos. Fizemos a massa mas foi o padeiro que o cozeu no forno grande. Beijos a todos.

Fig. 29

15-2-1967, de Brest: a árvore genealógica: A nossa árvore de Natal chegou da floresta, talvez da floresta de Landerneau, é grande e mais alta que as luzes. Em cima há raminhos novos e em baixo ramos velhos e duros; velhos como as árvores velhinhas. Em vez de um desenho enviamos-lhes ramos verdadeiros nos quais colocámos: meninos em cima, os pais ao meio 73

e os avós em baixo. Por baixo também pusemos um bombom (Fig. 29). Eis diferentes formulações do tempo utilizadas por Pascale em Novembro e Dezembro. 24: «nevoeiro para ontem». 27: «para ontem um arco-íris (termo sublinhado por Pascale). «Esta manhã nuvens — chuva.» 5-12: «para esta manhã, para terça-feira nuvens». 9-12: «esta manhã a neve». 11-12: «para esta manhã o sol — para ontem a neve».

Fig. 30 (*)

A 29 de Novembro, Pascale escolhe um texto (o de Françoise) que se exercita a recopiar. É a única vez que preferirá a cópia à escrita pessoal. Será fadiga ou atracção particular pelo texto que fala do nascimento? (Fig. 30). (*) Em casa da vovó a coelha castanha esconde 7 coelhinhos cor-de-rosa e pretos/Françoise.

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A 5 de Dezembro, exercita-se a escrever sozinha. mamã, papá, françoise, em escrita ligada, sem modelo, imitando a companheira vizinha que têm muitos irmãos e irmãs mais velhos (Fig. 31).

Fig. 31 (*)

20 de Dezembro — decifração do texto dos correspondentes . As palavras que estão envolvidas por um círculo são lidas sem dificuldade, mas «Guillemois» é confundido com «Ollivier», nome da correspondente de Pascale que, sempre rápida, julgou adivinhar que se tratava da «sua» Isabelle» (Fig. 32). «Lumières» (1) é decifrado em conjunto: o «lu» de «lune» e de «allume» (2), o «mi» de «mikael», o é visto na imprensa, re de «foire» (3) e de «réné». 5 de Janeiro — carta de Ano Novo para a correspon­ dente: Pascale envolve-o em papel recortado dos embru­ lhos de presentes (Fig. 33). (1) Luzes. — (N. do T.) (2) Lua e acende. — (N. do T.) (3) Feira. — (N. do T.)

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Fig. 32 (*)

No mesmo dia Pascale desenha e escreve as visitas do Ano Novo: em casa da mamã, em casa da mémé (4), em casa da mamie (5), e faz um círculo no ma e no mi. A partir deste momento os textos da aula serão es­ critos em comum, (pesquisa de referências por todos). No mês de Janeiro aparecem novas formulações mais complicadas para o tempo. — «esta manhã vi as nuvens cor-de-rosa». Esta frase foi escrita após duas tentativas em que «nuvens» estava mal escrito. — «para esta manhã nuvens, o sol e o vento», — «para esta manhã vi as nuvens cor-de-rosa para ontem o sol» — «para esta manhã chuva fina». (*) (*) Esta noite vi um barco com luzes no Elorn e ondas com luzes nas ruas/Isabelle Guillemois. (4) Vovó. —(N. do T.) (5) Avozinha. — (N. do T.)

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Uma formulação desenhada sem nada escrito: a chuva. Escrita livre após uma conversa: Clementine contou que tinha tocado o nevoeiro. Pascale constrói «mimi» a partir de «mamie», «touché» a partir de «tous» e de «cheveux» (Fig. 34) (6).

Fig. 33 (*)

A palavra «bu» foi tirada de uma carta colectiva dos correspondentes: «j’ai bu mon café» (bebi o meu café), e o «illés» de «mouillés» foi dado pela professora (Fig. 35). O Ano Novo vai dar origem a um regresso ao passado e a uma análise de si próprios no decorrer do tempo. * (*) (6) Tocado/todos/cabelos. — (N. do T.) (*) Feliz ano novo e boa saúde querida Isabelle Ollivier/Pascale/ /Sexta-feira, 5 de Janeiro de 1968/De Pascale para Isabelle Ollivier.

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Fig. 35 (**) (*) Terça-feira, 23 de Janeiro de 1968./O nevoeiro/avozinha/esta manhã vi nuvens azuis/Clementine viu o nevoeiro/Clementine tocou o nevoeiro. (**) Sábado, 27 de Janeiro de 1968./Para esta manhã as nuvens/ /estão enlameadas/estão molhadas.

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Os correspondentes de Landerneau (aula de J. Coatanéa) enviam o quadro seguinte: Em 1962 acabávamos de nascer Não tínhamos cabelo nem dentes bebíamos pelo biberão estávamos sempre deitados tínhamos fraldas e sapatinhos de lã não falávamos não andávamos dávamos risadinhas Com um ano tínhamos um pouco de cabelo dentes pequenos comíamos papa já não fazíamos chichi na cama dizíamos papá e mamã andávamos um bocadinho no parque Vestiam-nos um bibinho. Em 1964 tínhamos dois anos sabíamos andar bem também falávamos tínhamos muitos dentes podíamos vir à escola não fazíamos senão garatujas e brincávamos com bonecas. Em 1965 tínhamos 3 anos tínhamos crescido sabíamos fazer desenhos mais bonitos sabíamos cantiguinhas Sabíamos correr. Em 1966 tínhamos 4 anos precisávamos de 4 velas para o bolo estávamos na aula dos médios sabíamos escrever o nome e a data. 79

Em 1967 tínhamos feito 5 anos sabemos fazer tudo: escrever, falar, correr, desenhar ajudar a mamã somos crescidos. Em 1968 teremos 6 anos vamos saber fazer tudo depois das férias grandes vamos para a escola primária. A resposta é uma carta colectiva: «Queridos companheiros, Foi uma boa ideia terem descoberto o ano do nosso nascimento. Falamos muitos dos nossos 6 anos. Myriam fê-los na terça-feira. Enviamos-lhes a data dos nossos aniversários, (enviem a dos vossos). O quadro demorava muito a fazer, não o acabámos, mas vocês têm o grande para ver. Cada um de nós marcou no calendário o dia em que faz 6 anos: é no mês de Maio que há mais. Depois pusemo-nos por ordem, começando por aqueles que fazem primeiro 6 anos: por vezes são mais pequenos do que os outros. Enviamos-lhes a nossa medida. Foi Marc que quis que nos desenhássemos assim, encostados à parede, numa folha de papel. Andamos à roda, é divertido. Dese­ nhem-se a vocês por cima e digam-nos como são. Que­ ríamos as vossas fotografias para os reconhecermos na camioneta.» O grande acontecimento do ano será a ida à praia, em que participarão as duas classes correspondentes, e que se prepara desde Janeiro. Daí uma linguagem oral e es­ crita muito rica e viva. Carta de Landerneau: «Queridos companheiros, Vamos ver-nos na ilha de Chevalier. — Eu vou mergulhar com Eric (Didier). 80

— Vou levar o fato de banho que tem um laço branco (Martine). — Gwenaêlle vai-me ver com as bermudas (Véronique). — Dormiremos lá 14 noites (Isabelle). — São precisas muitas camas (Thierty C.), 32 para nós mais as dos nossos correspondentes (fizeram a contagem pela primeira vez). — Muitos fornos também (Martine). — Não, não são precisos tantos fornos como camas, só um grande chega (Philippe). — Onde é que vamos dormir? em tendas? numa casa? (Jean-Luc). — Então é preciso que seja grande (Guy). — Também vamos almoçar? (Philippe.) — E a sopa, o picado e as sardinhas? (Nicole.) — Também são precisas bacias para fazer chichi de noite (Martine). — E se fizermos chichi na cama? (Nicole.) — Vou levar a bóia em forma de pato (Pascale). — E eu o colchão que flutua e o barco de encher (Franck). — A mamã vai preparar a minha mala (Nicole f.). — Precisamos de uma camioneta para irmos (Michelle). — Na camioneta irei ao lado da minha correspondente se a reconhecer. Primeiro olho para a fotografia. — Para brincar também é preciso areia, sol e água. — Precisamos de um barco para irmos à ilha (Andrée). — De manhã vamos à escola. Também precisamos de uma bata (Isabelle). — Não falta muito para o dia 2 de Junho (Didier). — Vai fazer bom tempo, tenho pressa (Nadine). Até breve, adeus amigos!» Resposta de Brest: «Hoje Clementine viu o céu cor-de-rosa, Mickaël viu-o cor-de-laranja. Em Saint-Pabu, Clementine tocou o nevoeiro, subiu a uma cadeira para o agarrar: era molhado. Daniel ouviu 81

o apito do nevoeiro durante a noite. Ouviram-no em Landerneau? Descobriram muitas coisas para a ida à praia! Esque­ ceram-se do camaroeiro para pescar camarões (Dominique), e de um veleiro que nada com o vento e que se­ guramos por um cordel (Jacques). As nossas favas cresceram, têm raízes brancas e folhas verdes muito pequenas.» 30 de Janeiro: Pascale escreve: «Esta manhã vi nuvens cinzentas que escondem o sol.» 3 de Fevereiro: — «Esta manhã vesti roupa para a chuva.» 2 de Fevereiro: — Pascale decifra sozinha todo o texto dos correspondentes. Daqui em diante todos os textos dos correspondentes serão inteiramente decifrados por ela. Da mesma maneira decifrará, sem custo, as cartas pessoais da sua correspondente: as duas crianças man­ terão uma correspondência diária. da Isabel da Pascale (Fig. 36). (Fig. 37). Em Fevereiro, teremos novas anotações do tempo «Um bocadinho de vento» «um bocadinho de nuvens cinzentas» «o sol no céu azul» «um bocadinho de nuvens brancas» «Mickaël viu o sol na parede da casa dele» «esta manhã vesti a minha roupa para a chuva, o anorack, o gorro e as botas». 16 de Fevereiro: Pascale conta, agora por escrito, verdadeiras «histórias». Sabe corrigir-se (Fig. 38). Isso não a impede de desenhar, pintar, modelar, dan­ çar, brincar. Todas as formas de expressão a que se de­ dica têm a marca do seu temperamento vigoroso e alegre. De vez em quando descobre uma nova forma de ex­ pressar o tempo: 82

Fig. 36 (*)

(*) De Isabelle: quarta-feira 7 de Fevereíro/Esta manhã a minha mamã disse-me para ir à escola/e eu vi o gelo/no carrossel/e na erva/ /e no pátio e na rua.

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Fig. 37 (*)

«hoje, está tempo de neve» (26 de Fevereiro), «esta manhã o céu está cinzento — teremos sol à tarde» (2 de Março), «hoje, da janela, o céu está cinzento» (5 de Março), «hoje as árvores não se mexem, no pátio não há folhas» (8 de Março), «hoje não há nem uma só nuvem no céu» (16 de Março). Pascale decifra sozinha todos os textos impressos e todas as cartas da correspondente. Sabe responder às perguntas e economiza esforço fazendo-o directamente. Executa, por vezes, a escrita «ligada». Faz um círculo à volta de cada uma das «histórias». (*) (*) Sexta-feira 2 de Fevereiro/esta manhã fizemos crepes doces/ /esta manhã vi nuvens.

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Hesita perante certas palavras (coração, hospital) e corrige-se, depois de ter perguntado à professora (Fig. 39). Isabelle utiliza o mesmo processo de fazer um círculo à volta de cada uma das «histórias» a fim de facilitar a leitura (Fig. 40). (*) (*) Sexta-feira 16 de Fevereiro de 1968 Martine bateu na parede da minha casa/Ontem Perlette pôs um ovo todo branco no ninho/Sábado 17 de Fevereiro de 1968/Esta manhã vi a lua branca no céu azul ao lado da minha casa/Amanhã começam as férias que durarão uma semana.

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Fig. 39 (*)

15 de Março: texto dos correspondentes decifrado completamente; algumas palavras por sílabas e outras globalmente. No caso de Pascale assistimos raramente a uma aná­ lise de palavras que deixe vestígios escritos. Tudo se passa mentalmente, tanto na escrita como na leitura. Os erros (tante: ta isolado; casque: ca isolado) são ime­ diatamente rectificados oralmente pela compreensão do sentido do texto. A partir de Março escreve diariamente um fato da da sua vida pessoal «ontem domingo andei de patins» (11 de Março), «esta manhã o papá fez o concurso» (do jornal local), «vou a Saint-Pabu ver os cavalos» (12 de Março), «ontem o meu pai pescou caranguejos» (15 de Março), (*) Sábado 9 de Março/esta manhã vão-nos pôr um adesivo por cima do coração/eu sou enfermeira no hospital.

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Fig. 40 (*)

«parabéns Dominique tens seis anos. À tarde faremos (corrigido) dois aniversários» (22 de Março), «esta manhã tomei o café com a mamã e com o papá. Eric trouxe uma linda tulipa, André trouxe junquilhos amarelos» (23 de Março) (nenhum erro). (*) Quarta-feira 13 de Março de 1968/Quando o céu está negro é de noite/esta manhã vi o céu azul/vi uma gaivota no mar/ontem à noite havia vento/ontem à noite vi o sol/esta manhã vi o céu branco dourado/ /ontem à noite ajudei a mamã a lavar a ioiça/esta manhã vi nuvens/Dominique - Marie-Paule e Martine cortaram o cabelo.

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Fig. 41 (*)

(*) A minha tia fez-me uma «mise», eia é cabeleireira. Pôs-me uma rede na cabeça estive no secador/Marie-Paulc.

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Fig. 42 (*)

(*) Quando chegar a casa vou ver um canapé novo de veludo verde escuro vou sentar-me nele para ver a televisão. Pascale Lejeune.

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20 de Março: o texto de Pascale é escolhido e impresso. Ela própria o escreve no quadro (Fig. 42). 24 de Março, Domingo: Pascale envia um postal de parabéns à-correspondente e ela responde-lhe. A partir de então Pascale está na posse de uma nova linguagem, a escrita, que acompanha ou não de dese­ nhos: «esta manhã vesti um vestido porque está bom tempo» (26 de Março), «esta manhã houve vento e nuvens cinzentas no re­ creio» (27 de Março), «os carros de Brest têm sempre o n.° 29» (29 de Março).

De vez em quando (muito raramente), fazem-se exer­ cícios espontâneos: busca de palavras que contêm um som, por exemplo «cloporte»: «Clémentine», «claude», «classe», «clochard», «clapier», «claque», ou «om» e «on» (Fig. 43). 90

O «n.° 29» desencadeou a escrita espontânea dos números 1 a 69 (Fig. 44).

Fig. 44

A partir deste momento as crianças escrevem sozi­ nhas as cartas colectivas aos correspondentes. E jun­ tam-lhes adivinhas. Aparece um interesse particular pela forma das le­ tras. Ponto de partida: «poder-se-ia escrever a história de Christien ao contrário». Guy: «sei de uma letra que não se pode escrever ao contrário, é o o de “moi”». Procuram-se letras e sinais que ficam iguais quando os escrevemos ao contrário (o, i, x, 8) e os que são dife­ rentes se se lhe der uma volta ou se se escreverem de pernas para o ar. Pascale escreve cada vez mais (Fig. 45): 91

Fig. 45 (*)

«3 de Abril, quarta-feira: esta manhã caiu neve em­ bora seja primavera, as árvores o recreio têm folhinhas.» As tílias do recreio provocam o êxtase no regresso das férias da Páscoa: «19 de Abril, sexta-feira: Oh! as bonitas folhas ama­ relas e verdes vistas da janela», «20 de Abril, sábado: esta manhã vi nuvens cinzentas e as folhas crescerem», «22 de Abril, segunda-feira: Gwenaëlle fez 6 anos a 16 de Abril, durante as férias da Páscoa», «26 de Abril, sexta-feira: ontem, quinta-feira, fui a casa da minha vovó e fui ao jardim». Repetição de uma mesma forma: Fui, a primeira está com letra redonda e a segunda em escrita cursiva. Desta vez as duas idéias estão separadas por um (*) (*) Segunda-feira 1 de Abril de 1968/Esta manhã é o dia das mentiras/a mamã enganou-me/disse-me está a nevar c disse mentira de Abril.

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raço (Fig. 46). Encontra-se o mesmo procedimento a 29 de Abril.

Fig. 46 (*)

«segunda-feira, 29 de Abril de 1968: (data marcada em escrita inglesa) à tarde vou ter botas brancas nos pés», «em casa da vovó de Françoise há 4 gatinhas, 1 branco e 3 cinzentos». Pascale procura, ao mesmo tempo, técnicas de de­ coração. Desenha e, às vezes, comenta (oralmente): «Árvores carregadas de flores, o verão vai chegar, é primavera, o sol também tem flores, talvez as tenha tirado das árvores porque as achou bonitas. Queria ser ainda mais bonito.» (Fig. 47.) Por vezes existe uma pesquisa ortográfica laboriosa, vi-u-le-ía — violeta. (*) (*) Sábado 27 de Abril de 1968/Esta manhã vi a chuva estive de­ baixo dela com o meu chapéu de chuva encarnado/Esta manhã pus os meus «babys» pretos com bolinhas.

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A Primavera suscita desenhos maravilhosos. As cartas colectivas são ornamentadas com colagens esplêndidas. «Queridos colegas: Estamos ansiosos por vos ver na praia, escrevemoslhes cartas de primavera, floridas como a aula.

Fig. 47

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Alain Pédron fez um lindo recorte de uma escada. Foi o André que nos falou de escada: Em Saint-Renan, na casa nova do André há uma para se subir ao sótão, a mãe dele não o deixa subir: diz que é perigoso, que pode escorregar e cair para trás. Segunda-feira festejámos os 6 anos de Gwenaëlle, damos os parabéns a Marie-Paule. Christophe trouxe um ninho de melro da casa do tio; manda-o para Franck. Não partam os ovos: estão podres. Jacques le Roux é novo, está no lugar de Jean que foi para Paris. Adeus a todos.» Em Abril-Maio, Pascale experimenta escrever textos impressos em escrita cursiva (Fig. 48 a e b).

os

Pascale escreve sozinha os textos em letra redonda, na livreta de pesquisas, e depois recopia-os em escrita cursiva no caderno: «Sábado, 4 de Maio de 1968: véronique e éric e Françoise (letra maiuscula em Françoise) fizeram ontem 6 (*) a) 25 — no meu jardim o meu pai apanhou um passarinho bebé que tinha caído do ninho/olhei para ele e voou/Dominique. b) Domingo mudei os móveis da avozinha num camião de «Hénoret» que ia depressa a Argantan/Bruno.

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anos, éric trouxe uma concha castanha, telefonou-nos» (correcção desta palavra). Maio de 1968: a última carta colectiva de 8 de Maio e 10 de Junho (greve): «Queridos camaradas, Amanhã não há escola (greve). Nadine está com anginas. Gwenaèlle está doente. Ontem à tarde o bebezinho de Perlette nasceu na gaiola. Vamos dançar a l’Omnia a 25 e 29 de Maio.» 10 de Junho: as duas classes correspondentes vão juntas para a praia, na ilha de Chevalier. De 10 a 15 de Junho, Pascale escreverá aos pais que ficaram em Brest (Fig. 49).

(*) Terça-feira 11 de Junho de 1968/chegámos bem/os pássaros acordaram-nos esta manhã/vemos a ilha «Tudy»/encontrámos um grande monte de pinhas na floresta.

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Fig. 50 (*)

Carta escrita colectivamente e impressa (Fig. 50). Texto corrigido e impresso (Fig. 51). Mas Pascale não recebe logo resposta dos pais. Quei­ xa-se por escrito (Fig. 52): o que contudo a não impede de se sentir feliz (Fig. 53). Esta vida totalmente comunitária, em plena natureza, encantou as crianças. Regressamos a Brest e a Landerneau, mas os laços de amizade não se podem desfazer. Escrevem aos correspondentes a 3 de Junho de 1968, (com a ajuda da professora). «Queridos camaradas, Vamos partir, em breve, para férias, talvez nos ve­ jamos durante as férias, não é? Talvez vejamos a nossa professora, não é? Era bom o baloiço na ilha chevalier, havia bonitos caminhos e lindas árvores. Estamos contentes por vos termos visto de verdade. (*) Domingo/festejámos 15 aniversários/10 de Brest/5 de Landerneau/comemos tarte de maçã.

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Fig. 51 (*)

(*) Quinta-feira 13 de Junho de 1968/No pomar trepamos às árvores/baloiçamos nos ramos/fazemos coroas de margaridas.

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(*) A minha mãe e o meu pai não me enviam cartas/eu queria uma. (**) Quinta-feira 20 de Junho de 1968/Ontem fomos à ilha «Tudy»/ lá a areia é suave e brilhante.

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E vocês viram-nos bem? O tempo suficiente? Ficaram contentes por voltarem a ver a vossa mãe? Vamos para a escola dos grandes e vocês também. Para a nossa aula vêm outros meninos, para a vossa também: serão os da 3.a. É preciso avançar e crescer, saber ler e escrever (já sabemos) e vocês também, mas para trabalhar me­ lhor é preciso mais ainda. Até à próxima. Foi bom na ilha de Chevalier. Beijos para todos, boas férias.» A 10 de Julho, durante as férias, em casa, Pascale escreve à professora (Fig. 54).

MADELE1NE PORQUET

(*) Quarta-feira 10 de Junho de 1968/esta tarde vamos à cidade comprar sapatos para mim/professora penso em ti.

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V — ESCRITA E CALIGRAFIA A ESCRITA INGLESA

Do ponto de vista grafológico considerado na sua forma caligráfica concebe-se que se possam fazer críticas ao método natural que baniu todos os processos didácticos e analíticos e que exige, antes de mais, a perfeição da letra antes da sua integração na palavra. Superficialmente, ao examinar documentos estatísticos, poder-se-ia concluir facilmente a superioridade do método tradicional analítico, e graduado segundo as supostas dificuldades. Na realidade, a comparação entre a es­ crita caligráfica e a escrita natural, com base na experi­ mentação, não seria válida. Deixaria de lado o que é essencial: todo o conteúdo psíquico e intelectual da es­ crita, que é considerada aqui não como um fim mas como um meio de expressão da criança. Ao aprender a escrever uma palavra a criança, daí em diante, serve-se dela como de um utensílio necessário à expressão do pensamento, tal como se serve da palavra oral para a mesma expres­ são espontânea do interesse que a domina num dado momento. A palavra-utensílio transforma-se, natural­ mente, em elemento de expressão escrita e é sem difi­ culdade que na escola infantil a criança aprende a redi­ gir textos livres, verdadeiramente livres, dado que são pessoais. A escrita é fantasista, incoerente, como uma espécie de estenografia que o professor terá de decifrar. O interesse não se encontra na escrita correcta da pala­ vra, mas na sua função na frase, que traduz o pensa­ mento. Entramos no domínio do sinal submetido a uma 101

mais elevada exigência: a da expressão original que testemunha da autenticidade de uma personalidade. Porém, dir-los-ão, é difícil aceitar uma palavra com uma má caligrafia e com uma má ortografia, que podem estar na origem desse piorar inquietante da ortografia e que é, com toda a certeza, prejudicial à boa apresen­ tação dos cadernos, exigida pelo inspetor. Não se pode ria propor à criança um modelo de escrita correcta que apres­ saria a aprendizagem das letras com uma melhor cali­ grafia e que também prepararia uma boa escrita, que teria a vantagem de ser mais legível e limpa? Estas preo­ cupações são menores e uma vez mais se tomam os meios por objetivos. Mas a experiência da escrita redonda, que responde a esta preocupação menor, está suficiente­ mente desenvolvida nas classes dos mais novos para ten­ tarmos observar de mais perto as razões evocadas pelos defensores ferrenhos dessa técnica de aprendizagem (1). Se se considerar a escrita sob a sua forma analítica, quer dizer, composta estritamente de letras que têm uma forma separada e independente, não há dúvida de que a escrita corrente, chamada «inglesa», não é nem racional nem fácil e que a criança a tacteia muito antes de obter resultados satisfatórios. Por outro lado, veri­ ficamos que ao princípio ela prefere escrever os carac­ teres tipográficos (ou melhor, os de máquina de escrever), o que consegue rapidamente. Desta descoberta nasceu a escrita redonda. Consideremos os caracteres redondos na forma cor­ rente:

(1) Veja R. Dottrens, O Ensino da Escrita, in Educar e Instruir. vol. II, Biblioteca de Ciências Pedagógicas. Editorial Estampa, 1976.

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Verificamos que quase todos derivam de dois sinais essenciais: o redondo e o traço direito com o meio círculo para o C, o S, etc., o que é incontestavelmente simples e estético. Tendo apenas de manipular estes dois elementos fundamentais, o círculo e o traço, a criança consegue rapidamente escrever todas as letras do alfabeto e copiar um texto de forma legível. Não se podem naturalmente exigit «enchidos» e ligações, essas subtilezas centenárias da caligrafia tradicional. No século da caneta e da esfe­ rográfica escreve-se com caneta de ponta de feltro desde a infantil. Se acrescentarmos que esta semelhança entre escrita redonda, dactilografada e tipográfica suprime um dua­ lismo de expressão formal que põe em risco as condi­ ções psíquicas do nosso ensino, concluiremos que a es­ crita redonda só apresenta vantagens e que portanto se impõe o seu emprego. E no entanto não é essa a conclusão a que chegámos. Na leitura rejeitámos essa prática analítica, recor­ rendo no máximo ao método global que, sob o plano visual e psíquico, tende a revolucionar radicalmente as nossas concepções pedagógicas. No método natural da aprendizagem da língua, a mãe não se preocupa em saber se o filho pronuncia bem o o, o p ou o c. Trata-se de sons que, em si mesmos, não têm vida, mas que fazem parte de um todo que, só ele, possui dinamismo e capa­ cidade funcional. Tanto em relação à escrita como em relação à leitura, consideramos todo o texto ou, pelo menos, a palavra e a frase que têm uma fisionomia especial que lhes dá um sentido específico. Quais são os elementos ou os imponderáveis que prendem, logo à primeira vista, a atenção da criança? Ninguém o sabe e não compete ao professor decidir do exterior. A visão global da criança tem as suas caracte­ rísticas pessoais. Os pormenores que propomos não têm, talvez para ela, nenhuma função a desempenhar na visão compreensível do texto. Seria como se quisés­ semos ensinar-lhe a distinguir o Pedro do Paulo pela 103

forma diferente do nariz e da boca. A criança vê o conjunto das duas caras e não confunde as duas personagens Sob este aspecto, como se compreenderá facilmente, a escrita redonda aparece como um erro pedagógico que consagra e serve as velhas formas analíticas de ensino. Na nossa técnica não nos preocupamos em saber quais são as palavras ou letras que a criança vai apren­ der a desenhar em primeiro lugar. O texto escrito no quadro é a expressão mesma do pensamento infantil e a criança desenha esse texto tal como desenha as per­ sonagens com as quais, daí a pouco, vai ornamentar a página. Este desenho gráfico, muito imperfeito no começo, vai-se aproximando progressivamente da forma do mo­ delo nos aspectos que são mais fáceis para a criança de abordar e de aperfeiçoar (Figs. 2 a 5). No que respeita, exclusivamente, à perfeição gráfica, os resultados não atingem os que a escrita redonda, na cópia fiel e laboriosa dos elementos, podia atingir. Mas se considerarmos o desenho em conjunto, integrado, aliás, na nossa técnica permanente do desenho livre, compreenderemos que não existe dissociação dos ele­ mentos, mas sim harmonia de conjunto: produz-se neste domínio, como na aprendizagem da língua e como na expressão escrita segundo os nossos métodos, uma su­ bida regular, viva e segura, que vai do balbuciar inicial à perfeição da linguagem adulta. No exemplo de Bal [que analisámos (1)], vimos como uma criança conseguiu através do processo natural de aprendizagem, passar do risco informe à escrita quase perfeita, passando por todas as etapas da tentativa. Ora, para tal método, a escrita redonda será um incômodo dado que não permite o jogo livre da tentativa, pois exige o desenho perfeito da letra antes da palavra: chama-se a atenção da criança para as letras — a realidade viva da palavra e da frase passa para segundo plano. O que acabamos de referir não significa que ficaremos servos fiéis das chinesices caligráficas tecnicamente (1) O Método Natural I: Aprendizagem da Língua.

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Texto copiado do quadro — Jeannette (5 anos e 6 meses). Fig. 2 (*)

(*) A minha mamã/voltou/deu/me/uma bonita prenda/é uma/ /cozinha/ao Pedro/deu uma guitarra.

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5 anos e 9 meses. Fig. 3 (*)

(*) Um rapazinho anda a passear/olha para um sol e sorri-lhe/e depois brincava com o sol e com a lua. Jeannette.

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6 anos e 5 meses. Fig. 4 (*) (*) Nunca vos talei do meu coração/brilha como uma estrela do nar e do céu/é alto como um pinheiro/estala de medo se pensa que não estou aqui e estala de alegria quando estou ao pé dele/ele ama-me./ Nunca o deixarei. Jeannette.

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Jeannette decide escrever depressa, como os grandes (6 anos e 10 meses). Fig. 5 (*)

ultrapassadas. Não ressuscitaremos a caligrafia rebus­ cada, que apareceu com a pena de ganso ou com o aparo flexível, seu sucessor. O aparo de feltro e caneta são utensílios que facilitam a rapidez da escrita. Deveríamos até estudar uma nova forma de letra inglesa apropriada aos nossos utensílios atuais, na qual procederíamos a uma certa adaptação das letras às palavras, ficando as letras ligadas de tal forma que se pudesse escrever toda a palavra sem levantar o aparo. (*) (*) Sexta-feira 7 de Março. A árvore da Primavera. A árvore da Primavera reflecte-se na água. A noite começa a cair, mas a árvore não quer que a noite caia, ela só gosta do dia, eu conheço a sua vida.

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Eis, em definitivo, a principal objecção que opomos à escrita redonda: os elementos da palavra são simples­ mente justapostos. Esta justaposição, aparentemente prática nos exercícios preliminares, afigura-se-nos bem depressa como uma deficiência, visto não permitir o de­ senho rápido da palavra (que é o mais importante) sem levantar o aparo. Aliás, na prática, e logo que queira escrever mais depressa a criança é obrigada a ligar as letras artificial­ mente visto que a justaposição e velocidade são antinótnicas. Assim, a escrita redonda vai perdendo pouco a pouco as suas características para se transformar, mais ou menos, numa escrita bastarda que corre o risco de não ter nem as vantagens de legibilidade dessa escrita, nem a rapidez e o ritmo da escrita chamada, com razão, «cor­ rente». Há ainda uma outra consideração, por assim dizer psíquica, que inscreveremos no passivo da escrita re­ donda. Na escrita corrente, os reflexos que presidem na escrita cursiva (em que as palavras se escrevem com um simples traço) dão continuidade e decisão ao pensa­ mento: o correr da escrita está adaptado ao correr do pen­ samento. O hábito de fazer paragens na justaposição ias letras, como o exige a letra redonda, fragmenta o pen­ samento, corta o ímpeto, tende para a minúcia, para ne­ gligenciar o conjunto, para o sacrificar à forma. Uma escrita que é ligada desde o começo e que é por definição «cursiva» toma-se mais facilmente o utensílio da ex­ pressão do pensamento por excelência. «Deixar correr o aparo, à rédea solta» é, segundo George Sand, o sinal de uma adequação perfeita do pensamento ao meio de expressão que lhe dá vida. Cada escrita é assim reveladora de uma personalidade, e os grafólogos mais expe­ rientes poderíam apresentar, a esse respeito, documentos e dados convincentes. Em conclusão: orientemos os nossos filhos para a es­ crita «corrente», dado que, mais do que nunca, a velo­ cidade entra em linha de conta e só ela permite o dese­ nho sintético, expressão original e pessoal do pensa­ mento e das tendências que se inscrevem misteriosamente 109

na extrema maleabildade das palavras e das frases. Adap­ temos apenas esta escrita às técnicas contemporâneas, através de um arranjo da forma das letras e dos seus sis­ temas de ligação. Orientemo-nos para um género de letra redonda ligado, se esta foi utilizada desde o princípio; suprimamos com audácia tudo o que não passar de um formalismo antiquado; criemos uma nova estética grá­ fica, de linhas sóbrias, mas que não contrarie a necessidade que temos de traduzir, através de uma escrita pessoal, o entusiasmo do nosso pensamento dinâmico. Eis quais poderíam ser, na nossa opinião, os elemen­ tos, escritos com aparo de feltro ou com caneta, da nova escrita francesa: Suprimiríamos completamente as letras maiusculas tradicionais, demasiado complicadas. Substituí-las-íamos pelas maiusculas impressas: A, B, C, D... Para as letras minúsculas, estudaremos as formas espontâneas da es­ crita dos principiantes e as formas definitivas adoptadas por aqueles que escrevem muito e que, por isso, possuem uma rapidez permanente. Assim tentaremos definir a forma que deveria adqui­ rir a escrita francesa, baseando-nos nestes dois aspectos da escrita: o seu desabrochar e a sua forma mais evo­ luída. De qualquer maneira, é preciso repeti-lo, não é atra­ vés de exercícios de simples correcção gráfica que po­ demos chegar a uma adaptação íntima entre a escrita e a personalidade. Se os alunos tiverem dificuldades em escrever, se forem lentos, no que ainda constitui para eles um exercício de controle formal, é que o método é mau. Se os alunos gostarem de escrever é porque des­ cobriram, e já dominam, o melhor utensílio para a ex­ pressão do pensamento. E isso não acontece senão atra­ vés do método natural de tentativa experimental. Contentar-nos-emos apenas em facilitar e acelerar as fases dessa tentativa, através de modelos vivos e dinâmicos que a criança imita espontaneamente, pelo emprego de utensílios e de técnicas que tomam o êxito e a conquista mais eficientes. 110

A partir destes princípios, a criança evoluirá, natu­ ralmente, das garatujas do desenho até à imitação de sinais gráficos, de palavras e letras; em seguida, até à utilização dessas palavras e sinais, para desenvolver, sob planos cada vez mais complexos, a tentativa expe­ rimental que aperfeiçoará a expressão, tornará mais subtis as reações com o meio ambiente e levará a criança a atingir a perfeição última: a maestria exaltante da lín­ gua escrita que tem por fim a potência, razão de ser da criança. (O Educador, n.° 4, 15 de Dezembro de 1945.)

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VI — MÉTODO NATURAL E DOENÇAS ESCOLARES: A DISLEXIA

Existe, entre os métodos tradicionais e os nossos métodos naturais, uma diferença fundamental de prin­ cípio, sem a compreensão da qual todas as apreciações serão injustas e errôneas. Os métodos tradicionais são especificamente escolares, criados, experimentados e mais ou menos elaborados por um meio escolar que tem os seus fins, os seus modos de vida e de trabalho, a sua moral e as suas leis, diferentes dos fins, dos modos de vida e de trabalho do meio não escolar a que chamare­ mos meio vivo. Não criticamos a priori, tais métodos, nem os que os praticam, no quadro particular deste meio escolar. O que julgamos irracional é a própria existência desse meio escolar, tal como é, retardatário, perigosamente desfazado em relação ao meio social e ao meio vivo con­ temporâneo e incapaz, por isso, de preparar a educação bem assimilada que formará na criança o homem de amanhã, consciente dos seus direitos, mas capaz também de cumprir os seus deveres no mundo que deve construir e dominar. Desde já temos a obrigação de verificar que até a criança está impossibilitada de viver normal­ mente a sua vida, pois, pelo efeito da escolaridade e das coações que ela impõe, a criança toma-se cada vez mais um aluno inadaptado e muito frequentemente um doente físico e atingido por traumatismos e mal-estares que mé­ dicos e psiquiatras não param de denunciar. Quer quei­ ramos, quer não, temos de verificar que as doenças 113

escolares existem e exigem uma terapêutica especial que é, na maioria dos casos, o regresso puro e simples a métodos de descontrairão e confiança, de iniciativa e criatividade, que constituem os caminhos do Método Natural. Mas como e quando começam as doenças escolares? Há nas doenças escolares, uma circunstância agra­ vante: os sintomas são raramente fáceis de determinar; o diagnóstico é muito mais difícil de estabelecer do que quando se trata de doenças fisiológicas. Não foi ainda possível inventar nenhum aparelho que permita análises seguras, e permanecemos neste domínio, ai de nós! ao nível das doenças mentais onde a detecção e a cura con­ tinuam desesperadamente aleatórias, tanto mais que nos encontramos aí num meio fugitivo em que o indivíduo se defende subtilmente, camuflando as suas reacções, a ponto de, por vezes, impossibilitar qualquer diagnós­ tico. Basta ver o encaminhamento clínico e a incerteza das teorias psicanalíticas às quais recorremos quando todas as outras terapêuticas falham. Temos de falar de uma doença especificamente es­ colar e que ameaça tornar-se endémica: a dislexia, cujas características se revelam, exclusivamente, através da escrita. Os sintomas: A criança tem muita dificuldade em ler e escrever. E sobretudo (sinal particular desta doença) escreve e lê algumas sílabas ao contrário: cra por car, an, por na, etc. Além disso, o exame desses casos re­ vela que as crianças atacadas por tal doença são canhotas e, como escrevem apesar de tudo com a mão direita, chamamos-lhes canhotos contrariados. É tudo o que sabemos. O diagnóstico: É preciso muito para estabelecer um diagnóstico científico válido. Que o facto de contrariar um canhoto o perturba do ponto de vista escolar, é possível. Bastará isso para de­ sencadear uma tal doença, acompanhada vulgarmente por atrasos bastante importantes? Não o cremos. Concluiu-se, pelo facto de a criança ler e escrever as sílabas ao contrário, que a sua concepção do mundo 114

não era normal; que a criança não tomava consciência suficiente da sua própria posição espacial; no fundo, distinguia mal a direita da esquerda, como se fizéssemos girar uma criança durante uns instantes, com os olhos vendados: ficaria completamente desorientada quando a libertássemos. Trata-se de teorias que só serão válidas no dia em que, tal como nas doenças fisiológicas, o trata­ mento que delas resultar conduzir a uma boa proporção de curas definitivas — o que parece não ser o caso na dislexia. A nossa própria experiência e a experiência dos que participam nas nossas técnicas permite-nos considerar: 1. Que existe, com efeito, uma doença chamada Dislexia, que sempre se manifestou, e que faz com que algumas crianças se tornem quase que radicalmente inadaptadas à leitura. Porém a proporção de verdadeiras dislexias é apenas de 1 para 1000. Não foi ainda estabelecido o diagnóstico desta doença e, hoje em dia, nenhuma cura é radical. A dislexia pode provir, efectivamente, de algumas per­ turbações cerebrais ou nervosas, mal determinadas, e portanto difíceis de tratar, porventura com um certo de­ sequilíbrio ligado a insuficiências visuais e auditivas. Como, por outro lado, o número de pretensos disléxicos se encontra incontestavelmente em progressão pe­ rigosa, perguntamo-nos se novas influências perniciosas não estarão em causa e se, consequentemente, não seria oportuno reconsiderar o diagnóstico. 2. E esta doença será, em certa medida, inerente aos canhotos contrariados? É certo que o facto de obrigar um canhoto a escrever com a mão direita pode perturbar o seu comportamento. Mas isso acontece porque a coacção se pratica num clima autoritário, onde a criança já não encontra nenhum dos seus gestos naturais. Se a criança, fora dos seus minutos de escrita, puder realizar à vontade o seu destino, se tiver ocasião, com a mão es­ querda, com a mão direita ou com as duas mãos, de criar, em expressão literária a artística, obras de que se or­ 115

gulhe, o facto de ser canhoto não conduzirá a nenhuma crise grave. E é talvez o que explica uma recrudescêncía de sintomas dos canhotos. Outrora, o tempo consagrado à Escola era insignificante na longa experiência infantil, que se prosseguia nos bosques, nos campos, na oficina do carpinteiro ou do ferreiro, dos quais, alguns, se bem que canhotos, não eram por isso menos hábeis. Pois é a verificação que se pode fazer junto do povo; a pro­ porção de canhotos é sempre bastante importante nos bons operários... ou nos melhores jogadores de bola. O facto de ser canhoto não pode pois, na origem, ser assimilado à falta de jeito. A criança tinha consciência de tudo isto e, mesmo que levasse algumas recuadas quando utilizava a mão esquerda, não ficava por isso com um complexo suscep­ tível de alterar o seu comportamento. Porém, a proporção de trabalho escolar e de deveres diversos vai crescendo, à medida que se reduz a tenta­ tiva experimental longe da escola. Pode ser que, em vir­ tude disso, a oposição escolar aos canhotos seja mais perturbadora do que outrora e haja, efectivamente, per­ turbações específicas dos canhotos contrariados. É tam­ bém bastante possível que essa perturbação agrave ainda algumas dificuldades escolares. Contudo, tal como a afirmação por vezes formulada contra a conjunção efectiva: dislexia, canhoto contra­ riado, atraso escolar, nada disto nos dá um diagnóstico seguro da falsa dislexia. Uma doença benigna ataca um indivíduo: não haverá consequências. Uma segunda doença benigna põe o organismo em dificuldades; um terceiro acesso produz-se sem gravidade: a conjunção dos três pode conduzir-nos a conclusões pessimistas ines­ peradas. 3. Verificamos, por fim, que os tratamentos sus­ citados por esta falsa dislexia são vulgarmente ineficazes, e isto quando não provocam um agravamento do mal. Por outro lado, pensamos que a falsa dislexia é sim­ plesmente a consequência de erros pedagógicos na apren­ dizagem da leitura e da escrita: o comportamento geral 116

fora da escola nunca é atingido pela doença; as crianças canhotas e disléxicas são normalmente tão inteligentes e hábeis como as outras, pelo menos na medida em que o erro da Escola não contrarie a sua evolução. A nossa experiência, tanto com as crianças canhotas não disléxicas, como com disléxicos que tenhamos tido de tratar, persuade-nos desta realidade: são os maus métodos de ensino que originam as dislexias. Com a mania do controle permanente, com a recusa de um ensino individualizado, o método tradicional obriga as crianças a caminhar todas no mesmo passo para a rea­ lização de um programa único para toda a classe. Se­ gue-se que, para alguns alunos a tentativa de apren­ dizagem fica incompleta, os gestos mal sucedidos não podendo tornar-se automáticos e não podendo portanto inscrever-se no processo normal dos gestos a adquirir em função de um fim determinado. Daí actos falhados e erros permanentes. As malhas mal formadas prendem-se dificilmente à cadeia pessoal, que é flutuante, frágil, e pouco a pouco a inadaptabilidade da criança vai-se con­ sagrando. Em apoio desta afirmação, apresentamos as seguintes observações: — As crianças que invertem as palavras de uma sílaba e que escrevem ou lêem cra por car, no por on, não cometem nunca o mesmo erro quando falam. Não ouvireis nunca uma criança dizer: «je monte sur l’arbre cra (1) j’ai envie de manger des cerises» (2). Se, por acaso, sob o efeito de qualquer inatenção, pronunciasse cra, vê-lo-íeis imediatamente morder os lábios, porque senti­ ría bem e imediatamente que cometeu um erro, e corrigi-lo-ia. Se, portanto, o ensino da língua se fizesse, como na pedagogia Freinet, segundo este mesmo processo natural, não deveria nunca existir disléxicos. E o que observa

a unanimidade dos nossos aderentes, numa experiência (1) Em vez de car. — (N. do T.) (2) Subo a uma árvore porque me apetece comer cerejas. — (N. do T.)

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executada com, pelo menos, um milhão de crianças. E este mesmo processo cura os disléxicos, se o mal não for atacado demasiado tarde. Como explicar isto? Os métodos tradicionais partem da sílaba e das pala­ vras, de que se adquire, mecanicamente, a ortografia e o uso. Porém, estas palavras são, na origem, despro­ vidas de sentido e portanto de finalidade. O que é que poderá ser compreendido pela criança num desses textos fabricados pelos adultos e que têm a pouca sorte de nada significarem: «Aninhas vai a Ninove. Em Ninove, Aninhas viu uma avenida.» E se alguns dizem que isso são águas passadas e que hoje em dia se escreve menos desinteligentemente, res­ ponderemos que não basta que as palavras signifiquem algo, para serem consideradas como tal por aqueles que deveriam servir-se delas. É ainda necessário que essas palavras se prendam, por qualquer ponto sensível, à vida daqueles a quem são destinadas, e que participem nessa vida, o que muito raramente acontece. Então a criança regista essas palavras e frases como peças gratuitas de uma mecânica, e pouco lhe interessa pronunciar cra ou car, ou escrever on ou no. E o erro inscrever-se-á nas técnicas de vida do indivíduo, ao acaso dos encontros e tendências, suscitando um mal que corre o risco de ser incurável. Alguns pretenderam que é o método global o culpado da recrudescência da dislexia, a atenção quase exclusiva que se dá à frase, não permitindo uma fotografia suficien­ temente correcta da palavra. 0 método natural não precisa dessa compartimentação de procedimentos. É ao mesmo tempo analítico e global. A criança não procura o sentido das palavras unicamente com a esperança de que esses sentidos, pos­ tos lado a lado, venham a constituir uma frase inteli­ gível. Não; tal como na linguagem, a palavra, o mais correcta possível, modifica-se dentro do sentido da frase que, ela, permanece determinante. A criança ajusta as 118

palavras à medida do sentido das frases. Não pode haver assim dislexia. Não é através do estudo especial das palavras e dos sons, nem pela sua repetição mecânica, que se sarará o mal, mas sim dando vida às frases e às palavras. Somos, por isso, muito cépticos quanto ao alcance dos tratamentos actuais, à base de exercícios diversos que jamais substi­ tuirão a palavra no seu contexto de vida. Cabe-nos a nós facilitar: — O êxito dos actos que estejam verdadeiramente no sentido do futuro individual e social; — A repetição desses actos que se fixam em automatismos; — A transposição desses automatismos para regras de vida. É sobre a origem profunda e a evolução dinâmica dessas regras que devemos agir. («Biblioteca da Escola Moderna»: As Doenças Es­ colares. )

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VII — PATRICK E A ESCRITA ESTUDO DA EVOLUÇÃO DA ESCRITA DE UM CANHOTO

CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE REALIZOU ESTE ESTUDO

Ano de 1964-1965 Durante dois anos consecutivos tive muita dificul­ dade em tornar legível a escrita de Daniel Le Blanc. Este meio-insucesso impressionou-me, pois geralmente, não há problemas de escrita na minha aula. Com efeito, aju­ dado pelo plano, consegui, quase sempre, interiorizar na criança a vontade de progredir, quer dizer: a criança escreve bem porque o quer fazer bem. Quanto a Daniel isto não resultou, dado tratar-se de uma criança repreendida em casa, e dotada, por isso, de uma enorme vontade de recusa. Por outro lado, julgo eu, na escola infantil, particular, que frequentava, tinha sido coagido a utilizar a mão direita. Ora tratava-se de um verdadeiro canhoto, o que se manifestava em todos os trabalhos na aula, nas brincadeiras e no recreio. Daniel deixou-me nesse ano, altura em que recebi o irmão, Patrick. É novinho, visto que festeja o seu ani­ versário no fim do ano. Tinha apenas 5 anos 9 meses e 12 dias na altura em que chegou ao meu C. P. Tal como o irmão não é dos mais permeáveis à expe­ riência. Isso sente-se muito ao longo destas páginas. Insisti contudo em ocupar-me do estudo da sua escrita, pois é um canhoto terrivelmente marcado. (Se o irmão mais velho fosse canhoto no mesmo grau teria sido pre­ 121

ciso uma grande coacção da parte da escola — ou da parte dos pais — para o fazerem escrever com a mão direita.) Quis-lhe mostrar que, sem nenhum exercício especial, pela simples cópia quotidiana de três linhas, a escrita melhoraria por si própria. Queria levar a experiência a fundo e não dizer nem uma só palavra, para deixar a criança tomar consciência dos seus erros. Porém essa atitude poderia atrasar o seu desenvolvimento. Comecei mal o ano, pois fui vítima de um acidente. A 18/9/1964 fui substituído por uma suplente que a princípio quis seguir os meus conselhos, mas a deter­ minada altura afligiu-se, receando que, por esse processo, a criança nunca mais conseguisse escrever. Eis o primeiro documento datado de 18/9/1964: são argolas, argolas e mais argolas (Fig. 1).

Fig. 1

21/9. Aqui estão as letras. Parece que, para escrever a primeira linha, a mão teve auxílio. Mas a partir da se­ gunda a situação torna-se normal (Fig. 2).

Fig. 2

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23/9. Ainda estudo das letras. Isto não pode conduzir a nada de bom, porque a criança está a ser forçada. Cons­ truir uma escrita deste modo é fazê-lo artificialmente e em abstracto, pois tal estudo da letra, necessário num dado momento, aparece prematuramente e não se relaciona com um desenho vivo das palavras significantes (Fig. 3).

Fig. 3

25/9. Estes estudos mostram a tendência da criança para desenhar argolas invertidas, o que encontraremos frequentemente (Fig. 4).

Fig- 4

26/9. Aqui, a mão parece ter sido auxiliada na pri­ meira linha. Quando deixada só, a criança anda aos ziguezagues. Mas tê-lo-ão deixado realmente só? (Fig. 5.)

Fig. 5

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26/9. Eis como Patrick escrevia a 26 de Setembro, após dez dias de aulas (Fig. 6).

28/9. A partir deste momento suprimi o estudo de letras e entrámos na técnica do texto livre. Para que estes estudos produzam os seus frutos é necessário primeiro separar a escrita da garatujada informe. Aqui o t é muito nítido, como o do dia 26/9; os e, os a e os J são igualmente nítidos (Fig. 7).

Fig. 7

2/10. Desta vez, Patrick tinha três linhas para escre­ ver, o que era demasiado para ele. Assim, resolveu li­ quidar rapidamente a questão: bastou-lhe preencher a linha. Contudo são nítidos o m de meu e o p de papá. Do resto, salvo o b de bemable, nada se distingue. Ah! sim, o r de remi, que é escrito ao contrário, naturalmente

Fig. 8

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5/10. A primeira linha está cuidadosamente escrita: Patrick ainda está fresco e disponível. Na segunda linha apressou-se e encontramo-nos, mais ou menos, na situa­ ção do dia 28/9. O b de barco está correcto, mas o b, o l e o e de sable (1) estão invertidos, tal como a, t e e, etc. Na segunda linha o t, já bem conhecido e correcto, parece contaminar os e que o rodeiam e que igualmente se endireitaram. Enquanto que os de pêche (2) estão ao contrário (Fig. 9).

Fig. 9

7/10. Começa aqui uma nova experiência. Quero se­ guir a evolução da escrita da palavra Patrick. Está tudo ao contrário; tudo feito à pressa; só o t está marcado nitidamente mas de pernas para o ar (Fig. 10)

Fig. 10 (1) Areia. — (N. do T.) (2) Pêssego. — (N. do T.)

125

8/10. Demonstração de argolas invertidas. As quatro primeiras letras de Patrick estão correctas: o r começa a endireitar-se a partir do dia 2/10. Ao fundo da página, somente o t está no sítio, mas em relação ao corpo da palavra encontra-se invertido (Fig. 11).

Fig. 11

12/10. Note-se aqui a brusca inversão do l da palavra allé. Parece que o esforço feito para o primeiro l foi de­ masiado forte e, por isso, voltou ao caminho antigo (Fig. 12). 126

Fig. 12

Que fadiga! Não será possível fazer absolutamente nada. A prova: 12/10. Pobre Patrick! Não conseguirá restabelecer-se. Encontra-se definitivamente cansado (Fig. 13).

Fig. 13

13/10. (Fig. 14)

Fig. 14

127

16/10. (Fig. 15.)

Fig. 15

19/10. Após uma semana de recuperação, Patrick volta a lançar-se. Há a assinalar a distinção em três pala­ vras do nome e do apelido da criança. O été está correcto. O j está igualmente bem escrito e, curiosamente, na última linha, encontramos dois l diferentes da palavra allé (Fig. 16).

128

21/10. Insisto em apresentar estes dois documentos para mostrar como a atenção da criança pode variar de linha para linha, de minuto para minuto. O ritmo uma argola duas argolas é respeitado com um a correcto, mas o todo está ao contrário como é natural (Fig. 17).

Fig. 17

Fig. 18

Regresso ao texto livre: A partida deu-se verdadei­ ramente. Muitas letras já estão direitas: j, t, e, a, ch, g, s. O ponto do i ainda se encontra sob a linha do j, mas o acento circunflexo do a e o ponto do j estão bem colo­ cados; no entanto o a está ao contrário (Fig. 19).

Fig. 19

129

23/10. O ponto do j é visível e dois dias somente após o dia 21 (o dia 22 foi quinta-feira), o ponto do i estava bem colocado e apareceu o apóstrofe. O aumento de le­ gibilidade é muito nítido (Fig. 20).

É evidente que por vezes haverá retrocessos devidos talvez, na realidade, a momentos de menor atenção, mas sem dúvida mais ainda por um exercício de cópia escolástica: a cópia de nomes e de apelidos (Figs. 21 e 22).

Fig. 21

Fie. 22

28/10. No conjunto, a escrita tende para a legibili­ dade. Todavia, muitas letras recaíram com a cópia escolástica do nome. Estão quase todas direitas e formadas normalmente na cópia de um texto que desperta certa­ mente em Patrick impressões que o dinamizam (Fig. 23). 130

Fig. 23

11. Aqui temos uma boa página (Fig. 24).

Fig. 24

131

Não podia deixar a criança entregue a si mesma: tinha de a ajudar. Contudo, para a beleza da demonstração, teria preferido não lhe dizer nada. A escrita tomaria por si própria uma posição correcta. Porém, isso iria re­ tardar igualmente os progressos em leitura e em francês. Então disse-lhe: «Escreves para baixo como os peixes que nadam. É preciso que escrevas por cima como os pássaros que voam.» 9/11. Desta vez aproximamo-nos do objectivo. Pa­ rece que cada letra encontrou agora o lugar certo. Con­ tudo o t está antes do a, falta o i e o ck é confuso. Note-se que se o rapazito se chamasse René, por exemplo, os resultados teriam sido mais rápidos. Patrick é uma palavra difícil de escrever. Devemos verificar, uma vez mais, que a cópia do texto, com excepção da última palavra (plage), está correcta (Fig. 25).

19/11. Vê-se que os progressos de Patrick não são logo definitivos. Por vezes é preciso voltar um mês atrás: o exercício ainda é escolástico e sem dúvida com pouco interesse para Patrick (Fig. 26). 132

Fig. 26

21/11. Cá estamos, a escrita está agora quase total­ mente direita.

Fig. 27

12/12. Patrick tem agora 6 anos e 9 dias. Atingiu a plataforma da escrita legível. Deve-se proceder ao seu aperfeiçoamento e deve haver em particular uma preo­ cupação com a grafia correcta do m (Fig. 28). 133

Fig. 28

Aqui temos uma cópia. É um problema diferente porque o modelo não está na vizinhança imediata da criança, mas sim numa folha ao lado. Com efeito trata-se da correcção do seu texto livre do dia. A cópia está correcta, exceptuando o fim «il faisait nui» (1) (Fig. 29).

Fig. 29

14/12. Desta vez trata-se ainda de uma cópia, mas o modelo está mais distanciado, é o texto livre de um (1) «Il faisait nuit» — era de noite. — (N. do T.)

colega, escrito no quadro. Assim, os resultados não são brilhantes (Fig. 30).

Fig. 30

Desta vez, Patrick parece ter encontrado melhor as linhas do caderno que viu pela primeira vez no dia 18/11. O ch de chien e o t de était estão incorrectos. Na palavra Patrick o i continua escrito antes do r, mas o conjunto está quase certo. A cópia do nome está correcta: assina o texto livre de Patrick (Fig. 31).

Fig. 31

135

24/1/1965. Houve entre este documento e o prece­ dente um intervalo de 40 dias em que há a considerar 15 de férias de Natal, durante os quais Patrick certamente não escreveu. Tem agora seis anos um mês e três semanas. Sente-se que atingiu a plataforma da escrita legível. Ainda tem problemas nos e de hier, de allé e de Daniel. Contudo por agora não o ajudo. Primeiramente é necessário saber se ele não generalizará a solução que encontrou para o e de avec e de le (Le Blanc) que se escrevem de uma só vez. Geralmente só intervenho mais tarde, para passar da escrita legível à escrita bonita: quando a criança' quiser e quando for «capaz», isto é: quando tiver dentro dele esse desejo (Fig. 32).

Fig. 32

2/2. Patrick tem 6 anos e 2 meses. Anuncia-me triunfante: «Agora escrevo nas “estradinhas”.» Até agora, entrei no jogo, não comentando a 136

sua escrita. Contudo não pude evitar dizer-lhe: «Isso é bom.» Ficou contente porque, na realidade, sabe que é ver­ dade: isso é bom. Há que notar a diferença entre o pa­ trick le blanc do texto livre recopiado e o que foi escrito com auxílio do modelo. Agora, que a criança atingiu a plataforma da boa escrita e que só falta proceder ao seu aperfeiçoamento, vou efectuar cuidadosamente os seus modelos. Antes disso seria inútil (Fig. 33).

Fig. 33

Sente-se que a escrita começa a respirar, que se des­ faz o nó da garganta; isto é: é mais natural, mesmo na cópia, quando o modelo se encontra no quadro (Fig. 34). 137

Fig. 34

Aqui temos o último documento deste caderno. É uma prova em como a escrita se endireitou totalmente (Fig. 35). Concebo perfeitamente que seja necessário muito tempo e muitos exercícios para corrigir a escrita dos ca­ nhotos mal iniciados. Porém, se a criança foi levada com jeito, «ao correr do pêlo», não deverá haver verdadeiros problemas. E, segundo a idade e a inteligência da criança, os resultados podem ser mais ou menos rápidos. Neste caso tive de me ocupar de um verdadeiro ca­ nhoto, talvez irredutível. 138

Fig. 35

Digo talvez, pois não vou ser eu quem o vai contrariar. Este ano, em 22 alunos, tenho 7 canhotos. Aconselho-os a escrever, se puderem, com a mão direita, dado que a escrita está feita para os dextros. Demonstrei o que acabo de dizer escrevendo a giz no quadro e com tinta numa folha. Se escrever com a mão esquerda apago o que tracei e sujo a mão. Enquanto que com a mão di­ reita!... Tomo contudo precauções, pois não aconselho isto senão a alunos inteligentes (7, 8 anos) que lêem bem e não dão erros de ortografia. Não quero, com efeito, pro139

vocar uma dislexia devido a uma ambidextria. Por outro lado, a mão esquerda domina em todos os outros traba­ lhos escolares (desenho, pintura, marcenaria, malaba­ rismo, etc.). Em 7 canhotos, 4 tentaram escrever com a mão direita e foram bem sucedidos. Porém, para Patrick e mais dois rapazes, tal tentativa é mesmo contra a sua natureza. À parte das intervenções mínimas, entrei no jogo da criança mas apenas no que diz respeito à tentativa. De qualquer modo tê-lo-ia feito até 12/12. Antes disso, com efeito, os conselhos são inúteis. Intervir antes disso é o mesmo que carregar na ca­ beça de quem está a tentar vir à tona de água. A partir desta fase podemos ajudar na progressão dando um con­ selho aqui, fazendo um pequeno reparo acolá. Nunca grandes ralhos e sempre ad libitum, à liberdade da criança. Digo-lhe: «Olha, vês, se quisesses mudar a tua escrita podias fazer isto e aquilo. Mas não és obrigado.» Naturalmente, a criança segue o conselho, quanto mais não seja para subir no plano, (onde nunca se desce). O plano conta muito na escrita. Aquele que quer «ocupar-se da sua escrita» tem a certeza de subir. E tudo isto sem dramas, sem gritos, sem reguadas. Por fim gostaria de assinalar que correm, a respeito da escrita, rumores de longa existência. Costumavam-nos dizer: «Tomem muita atenção aos primeiros momentos da escrita. O hábito que então se vai adquirir será definitivo.» Isso não é verdade. Já vi crianças mudarem de letra ao fim de um ano no CE 1. Seguindo os meus conselhos, «se eles a quiserem modificar» basta fazer as letras noutro sentido. Chega isso para que passe a ser mamã, pela simples correcção dos o, a, c e d. Através deste processo de conselhos ligeiros, tenho frequente­ mente, no CE 1, boas escritas. Quando escrevo no quadro, não necessito de cuidar a letra pois as crianças não de­ pendem de mim; trazem em si o desejo de apresentar uma boa escrita. E todos os sábados pedem que se rectifique o plano. Há, pois, para a escrita, uma ampla possibilidade de acção até ao CE 1, dado que, até aí, nada se faz sem 140

ser aos poucochinhos, com a adesão constante da criança e também com o seu desejo permanente de progresso. Ano de 1965-1966 No começo deste ano escolar, Patrick tem 6 anos e 10 meses. 27/9/1965. Trata-se do primeiro trabalho escrito deste segundo ano escolar. A criança reproduz, no seu caderno, o texto livre escrito no quadro. A palavra texto é reveladora: a parte c do x é executada como a parte , o que mostra que Patrick tem dificuldade em fa­ zer a volta no sentido contrário dos ponteiros do relógio. Para escrever o e procede do seguinte modo: volta a cabeça do e como se fizesse a primeira parte do x em seguida acrescenta a parte curva . Todos os seus e parecem assim ser feitos em dois tempos. O a levantalhe igualmente problemas. E talvez por isso, escreve Jeon-Fronçois em vez de Jean-François. Os dois l de allés estão bem lançados. As pernas dos p são curtas (Fig. 36). 1/10/1965. Há uma nítida mudança. A escrita, aqui, parece mais apoiada. E o seu aspecto de «escrita aos bocados» é nitidamente mais aparente. Os b em parti­ cular são feitos em 4 bocados:

Os e são todos tratados de modo idêntico: O x da pa­ lavra texto está, desta vez, correcto. As palavras banana e cabana estão escritas bonana e cabona. Na última linha o t da palavra ventre está escrito em 5 traços . A estrutura quadrada da escrita é nitidamente perceptível. Não é nada corrida (Fig. 37). 141

Fig. 36

2/10. Desta vez, temos uma maior sensação de li­ gação da escrita. Isto vem primeiro dos c, que parecem todos traçados de uma só vez (salvo o e da palavra octobre). Os n também melhoraram. O que é preciso notar, sobretudo, é os e de chercher, que dão a impressão de serem feitos «em argola». Os r também mudaram de construção: Patrick apro­ veita o fim do e que precede, em vez de construir o r por inteiro, como no documento precedente (ver em particular o r de eremite). Mas talvez seja só uma aparência. Apresento também o desenho porque me intriga: os fumos vão para a esquerda. O animal e o camião têm o perfil para a direita (Fig. 38). 142

Fig. 37

Patrick parecia, portanto, bem lançado: a escrita da mão esquerda ia regularizar-se. Foi nessa altura que se produziu o «acontecimento»: a visita médica. A doutora interessou-se pela laterizacão dos meus 7 canhotos. Fiz-lhe notar que tinha a intenção de ajudá-los a passar a caneta para a mão direita se manifestassem tal desejo. Diz-me ela: «Pode tentar, com prudência, com o acordo das crian­ ças. Mas em relação a estes dois (um dos quais era Pa­ trick), duvido que consiga, porque se encontram forte­ mente marcados.» Ao que eu respondi: «É pena porque é uma desvantagem no plano da es­ crita; pois a escrita é feita para os dextros. 143

Fig. 38

«E não unicamente a escrita. Muitas outras coisas igualmente, por exemplo, a condução de automóveis.» Logo Patrick declara: «Agora vou escrever com a mão direita porque quero conduzir automóveis como o meu pai: é motorista.» E a partir do dia seguinte, começa. 6/10. Sente-se que a criança retoma, por assim dizer, tudo do zero. O esforço é considerável. E, sem a tal von­ tade de conduzir automóveis, Patrick teria certamente renunciado (Fig. 39). Sentimos a força de certas moti-

Fig. 39

144

vações, que se situam na linha de vontade de potência de todo o ser. Nem o professor nem o médico teriam po­ dido imaginar: ignoramos as fontes infinitas que existem em cada indivíduo. E não podemos prever através de que brechas e sob que formas, essas energias latentes se vão realizar. De­ vemos pois ser sempre optimistas e propor a cada um,

Fig. 40

sem cessar, domínios novos, pistas novas. É preciso também ter muito poder de aceitação, pois a partida efectua-se, por vezes, nas direcções mais inesperadas e por razões por vezes surpreendentes. Mas devemos ainda sublinhar um facto fundamental: as técnicas de vida melhor integradas podem ser postas em questão, quando nos apercebemos que são inade­ quadas. Evidentemente, quanto mais cedo nos aperce­ bermos disso, melhor. Mas nada é definitivo. E para mudar de técnica é preciso, por vezes, uma coragem fenomenal. 8/10. Há já um progresso notável. Os o são mais re­ gulares. Os m e os n têm já um certo à-vontade. Eviden­ temente, nem tudo o que tinha sido adquirido com a mão esquerda foi rejeitado. Veja-se o b de octobre: parece 145

traçado de uma só vez. As duas pernas do h de change estão da mesma altura. Compare-se com chien e chercher de 6/10. Há uma melhoria no plano de regularidade da es­ crita (Fig. 40). 11/10. O ganho de legibilidade é muito nítido. Pa­ trick segue melhor a linha, mas os b, os h e os l piora­ ram (Fig. 41).

Fig. 41

13/10. Numa semana, o progresso foi verdadeira­ mente rápido. Compare-se, por exemplo, os dois mercredis: o de 13 é muito menos «atormentado» que o de 6. A palavra été está igualmente mais equilibrada do que o été de 11/10. De notar, a transformação simétrica do 3. Tinha pri­ meiro sido colocado antes do 1 para fazer 31, mas a rectificação foi operada. Os r encontram-se precisamente no prolongamento do e precedente. A cópia do modelo produz uma diminuição da amplitude da escrita. No desenho, deve notar-se o endireitamento dos fumos (Fig. 42). 19/10. Uma semana depois ainda é registado um novo progresso. Sente-se já um certo à-vontade: os ângulos começam a arredondar-se. O b de bateaux soa ainda um bocado falso, mas o de octobre e o Z de les são muito sua­ ves. Isto aliás é verdade em relação a quase todas as letras. Notável, igualmente, a inserção da escrita entre duas linhas do caderno (Fig. 43). Tinha a intenção de me interessar apenas pela escrita, contudo, acidentalmente, fiquei espantado com a mu­ dança que se operou nos desenhos. Já a 13 de Outubro os fumos começam a mudar de orientação. 146

Fig. 42

9/11. Mas voltemos à escrita. Desta vez, a cópia do modelo mantém nitidamente melhor a escrita entre as duas linhas. Mas faço notar, porque talvez seja um de­ feito da minha concepção de aprendizagem da escrita: os sinais não foram ainda «burilados».

Fig. 43

E por isso, a escrita de Patrick parece muito perso­ nalizada. No entanto pode ser que isso seja devido apenas ao tipo de imperícia momentânea desta criança. Volta­ remos a examinar a questão mais adiante (Fig. 44). 147

Vejamos agora várias amostras da escrita em papel pautado Seyès. Com efeito, um belo dia, Patrick foi auto­ rizado a escrever num grande caderno (de duas linhas) e depois, numa outra ocasião, num caderno Seyès. Cada passagem a um novo formato ou a um novo utensílio é apreendido como uma promoção (formato do caderno, pauta, lápis, caneta, caneta de tinta permanente).

Fig. 44

A criança tem assim a impressão de franquear esca­ lões sucessivos. Esta sucessão de êxitos, sancionados por uma modificação do material ao qual passa a ter di­ reito, reforça o seu ímpeto. As três figuras seguintes mostram-nos os progressos realizados em três meses: 21/12. Patrick ignora a linha: Mas na última palavra parece preocupar-se com ela. O que parece fragmentar a escrita, é a retomada dos r que nunca são traçados no prolongamento da letra pre­ cedente. Ao mesmo tempo os m são traçados com um maior espírito de economia. Os s não são fechados (Fig. 45).

Fig. 45

148

22/2/1966. A escrita encolheu. A procura da linha é sensível. Os r continuam a ser escritos por inteiro mas situam-se melhor no prolongamento da letra que precede. Há pois um ajustamento a seguir a uma tentativa. Todos os s são fechados (Fig. 46).

Fig. 46

22/3. Este progresso sensível tem como origem um maior respeito pela linha e uma maior regularidade quanto à altura das letras. Todos os e são construídos «por frag­ mentos». Não há um único e em argola (Fig. 47).

Fig. 47

6/7. Último texto do ano do CE 1. A escrita dança ainda à volta da linha mas parece poisar nela, com maior frequência. 149

O que nos choca, é a falta de arredondamento das le­ tras. Vejam por exemplo:

Sentimos que a mão ainda está crispada: a criança não está descontraída porque não domina ainda o utensílio. De notar a diminuição do comprimento do p no fim do texto. Aliás o princípio está melhor escrito do que o fim. Com o cansaço, a crispação aumenta (Fig. 48).

Fig. 48

Ano de 1966-1967 6/12/1966 — CE 2. Maior regularidade do traçado e, no conjunto, ligeira descrispação. As letras de argola continuam esmagadas e, sob a linha, as letras f, j, p, con­ tinuam curtas (Fig. 49).

Fig. 49

150

7/3/1967. Desta vez sim, chegou a calma. Pela pri­ meira vez sentimos que o longo Inverno da escrita vai acabar. A escrita arredondou-se um pouco, como cora­ ções que se vão abrir. As argolas, rectilíneas e bem plan­ tadas, sobem até à terceira linha. Na noite calma que desce os e são grandes e abertos (Fig. 50).

Fig. 50

21/6. A seguir a este brilhante sucesso, Patrick foi autorizado a escrever com uma pena. Ponho nas mãos das crianças este utensílio pré-diluviano porque não sei se, posteriormente, não serão obrigadas a utilizá-lo. Nesse caso, prefiro que a tentativa, com vistas ao domínio deste utensílio, se faça na minha aula, para maior segu­ rança (lembro-me talvez das reguadas que recebi por causa do meu pobre indicador curvado; apesar de saber que essas práticas desapareceram totalmente ficará sem­ pre algo no fundo de mim). Por outro lado, a pena resulta maravilhosamente para algumas crianças que escrevem, então, melhor do que com a esferográfica, porque a finura da ponta permite o requinte do traçado. Além disso, o domínio da escrita à pena pode talvez ser estendido ao desenho à pena. Portanto, uma certa tentativa com este utensílio não é inútil, pois pode de­ sembocar numa técnica rica de futuro. 151

E por fim. no liceu, escrevemos muitas vezes com a caneta de tinta permanente que é um derivado grosseiro da pena. A minha verdadeira posição nesse campo é: a cada um o utensílio que mais lhe convém e o direito de o expe­ rimentar em toda a segurança. A 21 de Junho a escrita está em regressão, o que é perfeitamente normal (Fig. 51).

Fig. 51

27/6. Patrick retomou a esferográfica para me dar um documento de fim de ano. Não podemos negar uma melhoria certa no plano da firmeza da mão (Fig. 52).

Fig. 52

152

Ano 1967-1968 13/10. Patrick repetiu o CE 2 (1). O que provocou esta reprovação foi a conjugação do seu nascimento no fim do ano (3/12) com a ligeira falta de permeabilidade à experiência (ligada sem dúvida ao facto de ser canhoto). No princípio do ano retomamos a esferográfica, para subirmos mais depressa os dez degraus-lápis do plano. O melhor persiste. Os s dão elegância à escrita. Os e continuam a soar falso. Mas são os m e os n os menos espontâneos. Vejam: Promenaient matin, lapins, yent (Fig. 53).

Fig. 53

Fig. 54

(1) 2.a classe. — (N.. do T.)

153

6/12. Patrick obteve depressa o direito de escrever a tinta. A esferográfica dava-lhe à mão um desembaraço que a pena retira. A escrita tornou-se como que magra, áspera, avarenta (Fig. 54). 20/1/1968. Desta vez, é ao contrário. Patrick nada na opulência. Mas as letras são menos cuidadas. Deve ter escrito depressa e esqueceu o segredo: «Para bem es­ crever, é preciso escrever devagar.» Ou então não se ralou com isso. A pena acusa mais nitidamente as emendas do tra­ çado (Fig. 55).

Fig. 55

31/1. A dez dias de intervalo, não podemos falar de progresso. Não! Bastou uma maior aplicação, para que a escrita melhorasse. E mais: era o começo das aulas; a criança estava sem dúvida mais fresca, mais disponível. Talvez também mais sensível ao plano. O plano testemunha o mais pequeno progresso. Uma ou duas vezes por semana, a tacha da cor correspondente à criança, pode subir; nunca desce, só se sublinham os melhoramentos. Como a criança gosta de progredir, basta «um milímetro» a mais para que haja progressão. E a criança pode manifestar essa preocupação (Fig. 56). 9/3. As características da escrita redonda acentuam-se. Sentimos que a criança está descontraída, que res­ pira à vontade. Foram os N que se equilibraram e tam­ bém os r. As ligações são perfeitas (Fig. 57). 1/5. A partir de agora a escrita torna-se «corrente», isto é, os automatismos de base parecem adquiridos, o 154

Fig. 56

Fig. 57

que vai dar a Patrick a possibilidade de se exprimir pelo texto livre que se tornou interessante graças ao seu con­ teúdo psíquico. A escrita tornou-se utensílio e Patrick serve-se dela para aumentar o seu sentimento de força em relação a si próprio e em relação aos seus camaradas, visto que os seus textos são tomados em consideração (Fig. 58). É interessante reparar nisto, pois, com o texto de 1/5/1968, abordamos um período psicológico crítico: Patrick, com efeito, meteu mãos à obra no que diz res­ peito à liquidação dos seus receios mais profundos. A escrita ficou um pouco perturbada por isso, sem que con­ tudo tenha perdido as suas características, que passaram 155

Fig. 58

a ser habituais. Não devemos esquecer: a escrita é apenas uma superstrutura. Seria um contra-senso absoluto que­ rermos ligar-nos apenas ao aspecto técnico desta actividade. É preciso, aí e sempre, tomar a criança na sua totalidade e interessarmo-nos primeiro pela infra-estrutura da personalidade e termos a preocupação de agir a esse nível. O que fará melhorar a escrita, sobretudo a primeira (e hão a caligrafia), será mais do que o plano ou qualquer outro método pedagógico, a expressão livre sob todas as formas: técnicas faladas, canto livre, desenho, pintura, dança, matemática. Será a possibilidade, para a criança, de encontrar um melhor equilíbrio psicológico que dará um melhor equilíbrio à escrita. Do mesmo modo, qualquer método de escrita só é condenável porque fica à superfície das coisas. A criança é uma totalidade. A sua personalidade e a sua escrita estão indissoluvelmente ligadas. 17/5. Desta vez, Patrick pediu a caneta emprestada ao seu vizinho. A criança está mais equilibrada, a escrita também (Fig. 59), 3/7. Por fim, para terminar, eis um texto escrito numa escrita que permaneceu pessoal, talvez demasiado apli­ cada, mas devemos lembrar-nos que Patrick mudou de mão ao longo da tentativa e que, de canhoto, passou a ser dextro (Fig. 60). 156

Fig. 59

Fig. 60

Primeira Escrita O ano escolar findou. Vamos porém recomeçá-lo, pois quero agora apresentar amostras da primeira escrita de Patrick. Para mim há duas escritas: 1) a escrita pes­ soal ou, se quisermos, a escrita livre, a escrita primeira; 2) a escrita vigiada ou, se preferirmos, a caligrafia. 27/1/1968. Trata-se agora de um extracto de um texto livre muito longo, que era, com efeito, uma história de 80 linhas. Isto significa que, ao redigir, Patrick não se

Fig. 61

157

preocupou nada com a escrita que é, contudo, satisfató­ ria. Apesar da precipitação, seguiu bastante bem as li­ nhas (Fig. 61). 4/4. Trata-se, desta vez, do texto do ditado da semana (ditado preparado) que a criança recopia no rascunho, para se treinar. Esta escrita é já mais personalizada (Fig. 62).

Fig. 62

6/6. Desta vez, a escrita é muito pessoal. Será talvez a de Patrick. É nitidamente diferente da segunda escrita. Ao observarmos a Fig. 60, apercebemo-nos de que não há ligação nenhuma entre as duas (Fig. 63).

Fig. 63

Mas então, para quê ligar uma tal importância à es­ crita aplicada se ela tem pouca influência sobre a escrita pessoal? Porque, por um lado, por vezes temos necessi­ dade de uma escrita aplicada. E é preciso ter-se sido treinado para ela. Mas, por outro lado, por razões psi­ cológicas, não tenho escrúpulo algum em tentar agir 158

através do plano, na escrita caligrafada. Pois esta acção não afecta em nada a sensibilidade da criança. Direi mesmo: pelo contrário. Nunca talhamos com a criança nem a sancionamos por causa da escrita: é sempre aquilo que está bem que é posto em valor. E digo-lhe: «Se quiseres, vamos procurar, em conjunto, o que poderia ajudar-te a subir. Estás a ver, creio ter descoberto o segredo: fazes assim os a e isso obriga-te a barrá-los para passares à letra seguinte.» Ou então: «Temos dificuldade em ler as tuas coisas porque os teus d são demasiado pequenos, parecem-se com os a, e os teus p parecem n. Poderías fazer assim, mas é claro, só se quiseres. Se não quiseres ocupar-te disso, ou se quiseres descansar, ou se estás interessado noutra coisa, não hesites. Só tentarás se tiveres vontade.» Mas quase sempre a criança tenta fazer o melhor, porque é a sua natureza. E basta tão pouca atenção para que o melhor se produza. O que faço é talvez, sem saber, grafoterapia. Pois penso que, ao contrário do cata-vento que não faz virar o vento mesmo que o voltemos com a mão, a escrita, que é um sinal do estado psicológico da­ quele que escreve, pode também agir sobre esse estado. Agindo sobre o sinal, podemos agir sobre a coisa. Ora o segredo do bem escrever, é escrever lentamente. E se­ guir lentamente já nos traz calma, descontração. Mas o Petit-Robin exclama: «Oh! Senhor professor, acabo de fazer uma descoberta: quando escrevo assim, descontraindo-me, sem apertar a caneta com toda a força, escrevo muito melhor.» Então toda a aula tenta descontrair-se para verificar. E é verdade, escrevemos melhor quando nos descon­ traímos. Do mesmo modo, as fases da escrita são para toda a aula momentos de calma: os textos são curtos, não temos pressa, porque escrevemos pouco no caderno. Eis agora uma segunda razão de ordem psicológica: A pedagogia de Freinet é uma pedagogia do sucesso. 159

«É necessário que em algum lado a criança possa tomar, pelo menos uma vez, o comando do pelotão.» Ao oferecer a escrita oferecemos uma possibilidade suplementar de êxito. Ora, para algumas crianças verdeiramente desarmadas, isso pode ser excelente. 0 êxito na escrita tranquiliza-as sobre elas próprias. E esta calma adquirida torna-as mais disponíveis em relação aos outros domínios escolares. Terceira razão. Cadernos bem tratados e bem escritos dão prazer à criança. Mas também dão prazer aos pais. E, nos quadros actuais da sociedade, não podemos ne­ gligenciar este biombo que constitui a protecção do pro­ fessor. Porém, o professor também se alegra com os lindos cadernos dos alunos. 0 inspector também os aprecia. E isso descontrai o professor e melhora a atmosfera na aula. E melhoram as escritas. Por aí, estamos já a abordar o problema das relações da criança com o seu meio. E, se acrescentássemos o problema da expressão livre e da libertação psicoterapêutica, encontrar-nos-íamos já no domínio da primeira escrita. Como vemos, há, mesmo assim, uma ligação entre as duas escritas.

Conclusões Provisórias Ao reler este caderno, sinto que o meu estudo foi demasiado rápido. Ficou superficial. Mas creio que o empreendi ao mesmo tempo por curiosidade pessoal e por uma preocupação de defender o aluno e o professor. Pessoalmente, sofri muito por causa da escrita e dese­ jaria muito que as crianças não sofressem mais. Para mim, a escrita não é uma questão menor; tem muita importância. Mas não deve ser, nem para os alu­ nos, nem para o professor, uma fonte de traumatismos, o que seria aliás o melhor meio de falhar. A escrita pode ser um testemunho e uma revelação da saúde mental (sobretudo quando muda bruscamente). Pode ser um au­ xílio ao equilíbrio, ao mesmo tempo que um sinal de equi160

líbrio. Deve ser respeitada porque depende muito da personalidade de cada um e das metamorfoses que conhe­ cem ao longo da primeira infância e da vida escolar. A primeira escrita é uma superstrutura, só podemos modificá-la agindo sobre a infra-estrutura da personalidade. A maior parte das vezes, escapa ao ensino. Mas, por outro lado, trabalhando ao nível da caligrafia, podemos obter bons resultados pois, desta vez, a pedagogia pode fazer algo. E podemos ainda obter bons resultados no plano do ser. Não será já muito? PAUL LE BOHEC

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VIII — DO UTENSÍLIO À CULTURA

... O utensílio, instrumento específico do progresso e da civilização, não tem outra função senão acelerar a experiência através da tentativa experimental, para um mais rápido êxito na adaptação dos actos essenciais da vida. Isto é, cada indivíduo deve construir esse edifício simbólico que é a imagem da sua própria vida. E terá de o construir penosamente, ao ritmo da sua espécie, se tiver de refazer todas as tentativas experimentais dos seus antepassados. Avançará tanto mais depressa nessa construção quanto mais aperfeiçoados forem os utensílios que lhe permitirão franquear a uma velocidade acele­ rada as etapas da necessária, da indispensável expe­ riência. Contudo, há uma tentação evidente: que o indivíduo seja simplesmente levado a partir da experiência de ou­ trem, que ele considera como segura e definitiva. Um resíduo mais ou menos importante fica do indivíduo que acabou a corrida. Parte-se daí como se esse resíduo fosse um acidente natural do solo, uma colina de onde já se domina o vale e cuja solidez e orientação não nos preo­ cupamos em verificar. A civilização faz do resíduo uma espécie de trampolim do qual o homem atinge mais facilmente os frutos da ciên­ cia. E a criança poisa nele um pé inquieto, ajusta o seu equilíbrio, ergue-se sobre as pedras oscilantes e chega à ramagem frondosa da árvore. Este êxito dá-lhe con­ fiança na solidez e utilidade desse resíduo que utilizará, 163

então, como base da sua própria construção, sem ter repensado, reconstruído, reassegurado. Ficará espan­ tada quando um belo dia o edifício, que para ir mais depressa tinha erguido audaciosamente alto, oscila sobre a base carunchosa e frágil, a ponto de necessitar, talvez, suportes mais ou menos eficazes e harmoniosos, a menos que desabe total ou parcialmente. Insistimos no perigo que há, na escola, em partir assim (apesar da tendência evidentemente contrária das crianças) da aquisição anterior, considerada como definitiva e segura, que é imposta como base, sem a perscrutar, sem a repensar ou reviver, insistimos no pe­ rigo que reside em crer que o progresso conseguirá evitar assim aos homens a minuciosa tentativa para a cons­ trução da sua personalidade. ... O indivíduo que construiu ele próprio a sua per­ sonalidade é como se se tivesse apropriado dos utensí­ lios que usa. Esses utensílios são então para ele aquilo que essencialmente são: prolongamentos da mão e dos dedos, que permitem ir mais longe, agir com maior po­ tência, tanto no ataque como na defesa. Nesta apropria­ ção, o homem mantém naturalmente como principal preocupação a conservação do equilíbrio, sem o qual, mesmo com prolongamentos das mãos, seria apenas um pobre enfermo. E esta necessidade de equilíbrio é instin­ tiva e geral, tanto no plano mental e psíquico como no físico. ... Na origem, mímica, gestos, gritos e palavras são empregados exclusivamente para prolongar a persona­ lidade, para lhe dar supremacia e potência. É como uma emanação de nós próprios, um instrumento precioso que nos permite chegar mais longe, e mais alto, e mais fundo que com os mais maravilhosos utensílios. E du­ rante muito tempo o «verbo» guardou esta virtude e este valor de personalidade, como um utensílio raro que tra­ tamos e que só empregamos com conhecimento de causa, com medo de o usar e de o enfraquecer. A palavra é uma porção de nós próprios, e a mais nobre, que lançamos para a frente, ou para cima, para procurar um ponto de apoio como ressonância. E, na sua forma comovente 164

e superior, conservou esta eminente característica, no­ meadamente entre os poetas que, para além da perversão da língua, exteriorizam, através dos seus cantos, como que uma parcela de personalidade, uma emanação do cérebro e do coração que vai, quente e viva, acordar a vibração simpática de outros cérebros, de outros cora­ ções e de outras vidas. Mas aconteceu à linguagem a mesma coisa que ao utensílio e o parentesco que lhe reconhecemos, tornar-nos-á mais sensível essa similitude do destino. Enquanto o conhecimento íntimo do utensílio não pudesse ser adquirido senão através do trabalho efectivo, a explicação não podia ir buscar outra forma que não fosse a própria acção. Tal como a criança que, não sa­ bendo ainda falar com clareza suficiente, nos pega na mão para nos ir mostrar e explicar, pela observação di­ recta e pela acção, aquilo que não nos consegue fazer compreender de outro modo. Esse é, no fim de contas, o meio mais seguro. Mas é lento: necessita da nossa presença e do nosso esforço pessoal; nada será sem nós nem a seguir a nós; e aliás nem sempre é possível. Tudo isto são considerações que prejudicam a aceleração da experiência. Quando conseguimos explicar-nos pelo gesto, pela mímica, pelo desenho, pela fala, pela escrita, podemos evitar a deslocação; podemos economizar a acção ma­ terial, o que se torna mais rápido, e até mais seguro, e, de qualquer modo, favorece a tendência do homem para economizar esforços e obter um máximo de potência. Assim, a expressão pelo gesto, a palavra, a escrita, tende a substituir a pouco e pouco a própria acção. O vício não cessou de aumentar e de se agravar. A palavra e a escrita, nomeadamente, tornaram-se uten­ sílios universais, cuja perfeição, subtileza e nobreza ideal, destronaram a pouco e pouco o esplendor da pró­ pria acção. É como um utensílio maravilhoso e dócil, que se oferece a nós em todas as ocasiões e que temos ten­ dência a utilizar indiferentemente para a solução de to­ das as dificuldades. A tal ponto que a linguagem, a es­ crita e a leitura se tornaram como que antinómicos de 165

acção: os que falam bem, fazem honra em ter as mãos limpas; os que possuem o dom de manejar a linguagem escrita especializam-se num único trabalho, o do pen­ sador, escritor e, eventualmente, escrevinhador; outros lêem tanto que abandonam qualquer trabalho. Uns e outros esquecem que a sua personalidade não é, apesar do que possa parecer, uma atividade essencial: que não bebem, não comem, não amam, nem se reproduzem através da palavra e da escrita. Nasceu o divórcio entre a realidade das coisas, o trabalho efetivo e a expressão oral e escrita. Divórcio que se irá aprofundando até se­ parar, por vezes totalmente, a acção da sua expressão, o gesto do seu substituto, o trabalho da sua razão de ser. O divórcio não era ainda tão total, nem tão dramá­ tico, enquanto se tratou apenas da palavra. Tão insidiosa quanto possa vir a ser, a palavra permanecerá contudo integrada na vida, pois aprende-se ao mesmo tempo que a vida, corrige-se e aperfeiçoa-se com a experiência da vida. Durante muito tempo, aliás, a criança prefere a acção à palavra. Fala muito quando não quer ou não pode agir. Dêem-lhe ocasião de proceder na prática à tentativa experimental que lhe é indispensável, de se realizar através de um trabalho que responda às suas necessidades fundamentais, e ela será tão sóbria de vãs palavras como o pastor atrás das suas ovelhas, ou o camponês nas suas terras. A linguagem utensílio ajudará a vida, mas não a substituirá. As coisas são mais graves no que diz respeito à es­ crita, ao impresso e à leitura. Apresentam de repente à criança um utensílio cujo sentido e utilidade ela não con­ cebe. Fazem com que brilhe aos seus olhos, agitam-no, desmontam-no e embelezam-no, fazem-no funcionar para empenhar a criança no seu manejamento. Mas ela não sabe para que servem esses sinais que dançam sobre a página; não distingue as relações que eles têm com o seu próprio porvir e o seu desenvolvimento. A criança consegue, contudo, apreender as imagens, depois as idéias abstratas expressas pela escrita impressa, mas não as situa nada no plano da vida. Chegareis talvez a familiarizá-la com esse utensílio; a criança pode mesmo 166

adquirir uma certa mestria, mas não se servirá dela para erguer o seu próprio edifício. Aí, a criança tem os seus métodos, mais ou menos empíricos. E na prática, efectivamente, a massa dos indivíduos que passou pela escola, onde aparentemente aprendeu o mecanismo e o manejo do utensílio, nunca se serve dele para construir a sua vida; nunca vereis homens do povo escreverem os seus pensamentos ou observações a menos que tenham, sozi­ nhos, repensado a sua cultura e, como autodidactas, reaprendido o sentido e o uso do utensílio. Basta-lhes sa­ ber anotar, mais ou menos desajeitadamente, as dimensões de uma sala, a data de uma sementeira ou a dívida de um amigo (é por isso, aliás, que o cálculo figura entre as téc­ nicas mais apreciadas das dispensadas pela Escola). Nunca escreve, ou então as letras são banais e estereoti­ padas porque lhe falta o verdadeiro utensílio. E se lê, é para se extasiar com essa lantejoula que fazemos brilhar aos seus olhos, para se evadir em construções anormais e inumanas que somente as palavras permitem, e não para fortificar e enriquecer a vida. Este fosso, cavado por uma falsa concepção do uten­ sílio, devemos tentar preenchê-lo com uma nova con­ cepção da educação fundamentada na indagação experi­ mental e no trabalho, através do emprego de utensílios que continuam a ser o prolongamento da mão, integrados no destino da personalidade. Sobretudo não pode haver, compreende-se, aprendi­ zagem separada da língua, da escrita, da leitura e do impresso. Haverá somente, com a ajuda desses utensílios, uma subida acelerada da personalidade humana indivi­ dual e social. Partiremos pois deste princípio pedagógico: as pala­ vras, e os conceitos mais ou menos lógicos que exprimem, só constituirão um enriquecimento se forem o resultado e o prolongamento da nossa experiência pessoal, incor­ porados na nossa vida, ligados ao nosso futuro. Só há um meio de aceder à verdadeira ciência, que é potência: é partir modestamente da base, da tentativa experimental empírica, em seguida da tentativa expe­ rimental metódica e científica, e aceder à compreensão 167

gradual e íntima dos utensílios e da linguagem, que é o mais maravilhoso utensílio, por um processo acelerado que permita a cada indivíduo edificar a sua própria per­ sonalidade com um máximo de dignidade e de poder. (Ensaio de Psicologia Sensível)

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BIBLOTECA DE CIÊNCIAS PEDAGÓGICAS

PUBLICADOS 1 — Educar e Instruir — I, Robert Dottrens 2 — Educar e Instruir—II, Robert Dottrens 3 — Educar e Instruir — III, Robert Dottrens 4 — Guia do Estudante de Ciências Pedagógicas, Paul

Juif e Fernand Dovero 5 — O Ensino da Leitura — I 6 — O Ensino da Leitura — II

7 — O Ensino da Fisica Escolar—I, John L. Lewis 8 — O Ensino da Física Escolar—II, John L. Lewis 9 — O Ensino da Física Escolar—III, John L. Lewis 10 — Novo Manual da Unesco para o Ensino das Ciên­ cias — I 11 — Novo Manual da Unesco para o Ensino das Ciên­ cias — II

12 — O Método Natural — I, «A Aprendizagem da Língua» Celestin Freinet 13— O Método Natural — II, «A Aprendizagem do Desenho» Celestin Freinet 14— O Método Natural — III, «A Aprendizagem da Escrita»

Celestin Freinet

Se deseja receber, gratuita e periodicamente informações biblio­ gráficas sobre a actividade da Edi­ torial Estampa queira enviar-nos, num simples postal, o seu nome e morada. Os livros requisitados à Edito­ rial Estampa serão prontamente enviados contra reembolso, pelo preço de capa, acrescido dos cus­ tos de expedição e cobrança. EDITORIAL ESTAMPA R. da Escola do Exército, 9 r/c.-D. Tel. 555663 Lisboa-1 — Portugal

Título: O Método Natural — III Autor: Celestin Freinet Editor: Editorial Estampa, Lda. Tiragem: 5200 ex. Acabou de imprimir em: 17 de Agosto de 1977 Oficinas: Guide - Artes Gráficas, Lda. LISBOA — PORTUGAL

O Método Natural é a obra básica para a compreensão do pensamento pedagógico de C. Freinet. Nos seus três volumes, A Aprendizagem da Língua, A Apren­ dizagem do Desenho, A Aprendizagem da Escrita, Freinet não só expõe com minúcia o seu método de tentativa experimental como, a cada passo, pelo exemplo vivido, pela narração das aulas, pela análise do comportamento dos alunos, enriquece a sua expe­ riência e torna-a acessível ao educador profissional. O método natural, hoje utilizado em todo o mundo, tornou caduca a escola tradicional em que o quoti­ diano era preenchido com cópias, correcção de erros, decorar a tabuada e exercícios enfadonhos feitos em silêncio e estimulados apenas pelo castigo e pelo prémio. Freinet apresenta-nos o projecto realizável — hoje já realizado — da escola «risonha e franca» onde as crianças descobrem as suas formas de ex­ pressão próprias e se preparam para vir a ser adultos responsáveis numa sociedade livre.