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Nem tudo flores, nem tudo espinhos Um retrato de nossa época
João Elter Borges Miranda
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Falta ainda a audácia revolucionária que arremessa ao adversário a frase provocadora: Nada sou nada e serei tudo. Karl Marx
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Para Jennifer, minha companheira, com amor. Para minha família, amigos e professores, com carinho. Pago com palavras o que devo em ouro.
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Sumário
1. Um prefácio pessoal e político .......................................................................................6 2. Uma radiografia do Golpe de 2016 .................................................................................9 3. A esquerda no nevoeiro .................................................................................................25 4. Histeria anticomunista ..................................................................................................32 5. Acorda, amor! É hora de lutar pelo país! .......................................................................37 6. Guinada à direita ...........................................................................................................39 7. Brasil, a maior ilha do mundo .......................................................................................41 8. Temer: um provisório que parece a eternidade ..............................................................43 9. PEC 241: o seu futuro congelado ..................................................................................45 10. Aposentadoria da gargalhada nacional .........................................................................47 11. Capital e Estado: grandes parceiros? .............................................................................49 12. Pela luz dos olhos teus ..................................................................................................57 13. Boa esperança ...............................................................................................................59 14. Nunca esqueceremos o massacre de 29 de abril ............................................................63 15. No quintal das abóboras tristes ......................................................................................65 16. A porta que nos reflete ..................................................................................................67 17. A universidade muito aquém da universalidade e diversidade da vida ..........................70 18. Só criticar não resolve nada ...........................................................................................72 19. A guerra mundial às drogas fracassou ..........................................................................74 20. A Casa Grande se ilude .................................................................................................76 21. Autorretrato ..................................................................................................................78 22. O inverno chegou ..........................................................................................................80 23. Nenhum fim de crise está à frente .................................................................................82 24. A hipocrisia da esquerda ex-governista .........................................................................86 25. Por uma nova esquerda .................................................................................................88 26. Um suspense mundial ...................................................................................................90 27. Fachin e a corrupção generalizada ................................................................................93 28. Lava Jato, válvula de escape da crise de representação? ...............................................95 29. Moro, causador de todos os males? ...............................................................................98 30. Moro, o falso paladino ................................................................................................102 ϰ
31. A total dúvida sobre o amanhã ....................................................................................104 32. Em estado de interregno ..............................................................................................108 33. Por um colapso do indivíduo .......................................................................................110 34. Diretas já!, mas sem ilusões ........................................................................................121 35. A mudança deve vir de baixo para cima ......................................................................126 36. Vivemos um momento extraordinário ........................................................................128 37. PT, PSOL e o narcisismo das pequenas diferenças .....................................................130 38. Por que o Temer não cai? ............................................................................................133
Referências .............................................................................................................................136 Notas .......................................................................................................................................139
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Um prefácio pessoal e político
Desde 2013 o Brasil tem sido atravessado por muitos acontecimentos, às vezes de JUDQGHVWUDJpGLDV1mRUDURRDGMHWLYRGH³KLVWyULFR´pUHLYLQGLFDGRDQWHVGHRGLDDFDEDU6HUi uma tarefa de décadas entender em suas múltiplas e diversas dimensões e manifestações o processo sócio-histórico que vivenciamos nos últimos anos. A nossa época tem, assim, grande relevância para a história do país, especialmente o ano de 2016, pois marca um momento de inflexão, definindo o fim da Nova República e, para muitos, até do lulismo. É partindo do pressuposto de que a nossa época tem grande relevância para a história do país que reúno neste livro uma série de artigos que escrevi ao longo ao longo de 2016 e 2017 sobre alguns dos principais acontecimentos do cenário político. Muitos dos textos foram na época publicados no Jornal da Manhã, Jornal Diário Dos Campos, Cultura Plural, de Ponta Grossa (PR), e também no Pragmatismo Político, LavraPalavra e Revista Caros Amigos. Todos foram revisados e alguns ampliados. Reunidos aqui SURFXURID]HUXPDHVSpFLHGH³UHWUDWR´GRV últimos três anos. Preservadas as idiossincrasias de cada um, em todos busquei seguir esse objetivo-mor. Não se trata, assim, de uma simples sobreposição de textos. Obviamente que, é importante ressaltar, este trabalho possuí inúmeros problemas e não objetiva representar em sua completude o que é o tempo em que vivemos, inclusive porque isso é epistemologicamente impossível. Logo, destarte a pretensão de fazer uma espécie de retrato desse período, a presente obra não passa de uma imagem ofuscada e singela de tudo o que aconteceu. Está muito aquém de representar em sua completude a universalidade e diversidade a nossa época, pois, como todo retrato, possui um foco, enquadramento e agendamento. Nesse sentido, trata-se GH³XP´UHWUDWRHSRULVVRHVWiPXLWRDTXpPHORQJHGHVHU³R´UHWUDWR Além dessa dificuldade epistemológica, as considerações aqui apresentadas ainda são bastante preliminares. As linhas que seguem são parte das pesquisas que estão em andamento e devem ser lidas na qualidade de aproximação inicial ao objeto. Por conseguinte, não é improvável que as análises estejam profundamente mergulhadas em inúmeras lacunas e erros. Acho que cada tema que abordei poderia ser estudado por toda uma vida. É como o provérbio haitiano que diz Déyè mòn, gen mòn, isto é, Além das montanhas, há mais montanhas. Ou seja, quando se imagina ter visualizado todas as montanhas, outras surgem, mais sinuosas e desafiadoras. Gostaria de conhecer todas as montanhas, mas, como infelizmente somos mortais,
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me dediquei somente a fazer uma análise de sobrevoo para cada um dos assuntos que julguei importante. Todavia, é preciso compreender que, para escrever livros que abranjam um amplo campo, é inevitável que aqueles que escrevem tais obras dediquem menos tempo a cada um dos temas do que o indivíduo que se especializa unicamente em um objeto de pesquisa. Tornar patente as relações e inter-relações entre os diferentes acontecimentos constitui um dos propósitos deste livro ± a realização desse propósito poderia se concretizar somente com uma ampla perspectiva e isso ensejou dispender pouca atenção para cada abordagem. Se estas lacunas servirem de acicate para que outros desejem alcançar resultados mais completos, o trabalho já terá sido de alguma valia. O objetivo de falar sobre a nossa época, vale ressaltar, não é encarado como uma camisa de força. Por isso, para discutir muitos dos acontecimentos inerentes a esse período me voltei para o passado com o intuito de entender o processo sócio-histórico que teve como resultado os acontecimentos vivenciados em nosso tempo. Consequentemente, enveredei em questões que, apesar de possuírem um pé no centro da discussão, transcendem-na por se tratarem de temas inerentes a toda uma época, e não somente a um único período estrito. Fazer uma abordagem assim é importante porque, como disse Michelet, quem quiser se prender ao presente, ao atual, não compreenderá o atual. Compreender o atual é sem dúvida algo que almejo. Entretanto, a despeito dos meus esforços, a sensação que tenho é a de que não estou entendendo nada. A cabeça vai longe quando procuro refletir a respeito das aporias do nosso tempo. Penso em todos os acontecimentos que levaram à conjuntura atual e, é claro, nos desdobramentos reais ou fantasiosos dela. E a única coisa que descubro durante todo esse pensar é que nada parece fazer sentido. A falta de respostas deixa os meus nervos à flor da pele, e sinto o medo e a tensão me consumir. Tal sensação é normal, evidentemente. Parafraseando Baudelaire, talvez seja o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra e que pesa em nossos ombros. Os jornais franceses de 1789 mostram que na época também ninguém entendia o que estavam vivenciando. Ainda que não raro gere esse estado de crise, acho fundamental estarmos sempre refletindo sobre o nosso tempo, porque inúmeras possibilidades de transformação da realidade podem ser reveladas pelo pensamento, evidentemente. Ao contrário do que se diz, a letargia que nos mata não é da falta de ação. Considero que a ação nos termos que conhecemos na atualidade já estrangulou suas possibilidades, se repete no automatismo e vive a ressaca dos
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seus excessos. A letargia que nos mata é, na realidade, da falta de uma boa reflexão aliada e impregnada pelo agir. A baixa qualidade dos nossos frutos é consequência disso. Os descaminhos percorridos pela URSS após a Revolução de 1917 e, mais recentemente, a crise da esquerda europeia e latino-americana, no mínimo evidencia que está mais do que ultrapassada a frase de Marx, na qual ele anuncia que não era mais hora de apenas entender o mundo, mas de mudá-lo. Ora, o conhecimento, por si próprio, carrega profundo potencial transformador. A reflexão é um ensaio para a ação, como diria Freud. Acho fundamental, portanto, buscarmos um equilíbrio saudável na relação entre a prática e a reflexão, sem debandar unicamente para um ou outro lado. A reflexão crítica é importante, mas sem o agir a teoria se torna somente blábláblá sem aplicabilidade; assim como a expressão da reflexão nas ações são exigências da prática, pois sem reflexões bem fundamentadas o agir se torna um ativismo ingênuo e desmesurado, passível ao fracasso. Entender que ação e reflexão são partes que se encaixam nos permite ir mais longe. Creio, então, que refletir radicalmente sobre os rumos do tempo em que vivemos para transcender interpretações apressadas realizadas sob o impacto de circunstâncias acaloradas e, também, viver o pensamento, abre mundos novos e infinitas possibilidades para enfrentar os problemas atuais. Por isso, considero imprescindível refletirmos cada vez mais ± e não nos contentarmos com as explicações já postas ± para no futuro, quem sabe, entendermos com maior clareza o que está acontecendo e, com essas lentes periscópicas apontadas para o social, agirmos GDPHOKRUPDQHLUDTXHFRQVHJXLUPRV&RPRGLVVHRUDSSHU(GXDUGR7DGGHR³WHURVHXGLSORPD HVHUEHPLQIRUPDGRpPDLVDXGDFLRVRGRTXHSRUWDUPHWUDOKDGRUDV´ Espero que este simplório livro contribua um pouco no desenvolvimento de sua capacidade intelectiva para, juntos, encontrarmos novos caminhos para transcender de baixo para cima a situação de crise que permeia o mundo.
O autor, Ponta Grossa, 5 de agosto de 2017.
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Uma radiografia do golpe de 2016
O contexto político atual, para além dos debates mais imediatos, vem demandando análises sobre seu significado histórico para o país. E para entendermos o conjunto de fatores que formam o processo sócio-histórico que ensejou no Brasil em 2016 o que se configura como um Golpe Parlamentar, precisamos retroceder algumas décadas, porque, como disse historiador francês Jules Michelet (1798-1874), quem quiser se prender ao presente, ao atual, não compreenderá o atual. Creio que para compreendermos o diagrama de forças que se formou na atualidade pode ser interessante um breve resgate histórico que tenha como marco inicial os anos 80, momento em que se inicia o processo de redemocratização do país. Depois de a população ter passado ao longo da ditadura civil-militar por longos e duros anos, marcou essa década o fortalecimento da sociedade civil, que, antes afastada do debate político, agora procurava agir coletivamente para politizar as questões que permeiam a vida social. Assim, nessa década as ruas do país foram ocupadas por grandes manifestações, greves, entre outros atos. Foi um movimento que reinventou o espaço político e, entre outras conquistas, resultou no generoso apoio à diversidade ideológica e à abertura do caminho para a multiplicação de partidos e de modelos de organização política. A expectativa era de que no futuro toda essa diversidade se confluísse em sólidas e efetivas coalizões de governo. Os anos foram passando e o subterfúgio que surgiu em resposta D HVVD SURJUHVVLYD IUDJPHQWDomR GR VLVWHPD SDUWLGiULR IRL R FKDPDGR ³SUHVLGHQFLDlismo de FRDOL]mR´$H[SUHVVmRIRLFXQKDGDSHOR FLHQWLVWDSROtWLFR6pUJLR $EUDQFKHVHP DQWHV mesmo da promulgação da Constituição. O cientista foi muito perspicaz em, naquele momento, perceber que estava se formando grandes e consistentes coalizões governativas políticopartidárias e, principalmente, partidário-parlamentares, e que isso pelos próximos anos caracterizaria o sistema político-institucional brasileiro. Acredito que esse modus operandi baseado em alianças e conchavos entre as elites que formam as classes política e econômica há muito tempo permeia nosso sistema político. O que aconteceu pós-1988 foi uma reconfiguração do mesmo para se adaptar aos moldes da democracia, com as velhas raposas da Ditadura ± principalmente o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), legenda que se tornou o PMDB ± e também com os novos atores que durante o regime não tinham voz, como os petistas. ϵ
Abranches defende a tese de que por meio desse agrupamento de partidos, a democracia brasileira estaria passando por um processo de consolidação. Esperava-se no final dos anos 80 que as coalizões gestassem no seio do sistema democrático uma tensão saudável e produtiva entre Executivo e Legislativo, o que pensavam que propiciaria uma experiência coletiva formadora de fusões, aquisições e negociações político-partidárias. Acreditava-se ainda que tal processo resultaria na comunhão de forças a partir de um norte definido coletivamente. Não seria necessária uma lupa para constatar que, na realidade, o que aconteceu foi uma limitação de nossa jovem democracia através da formação de coalizões que foram se fundindo e, em meados da década de 90, culminaram em duas grandes frentes. Para serem melhor compreendidas, acho que as duas podem ser divididas como cabeça e corpo. De um lado, o corpo do sistema político: um grande agregado sem perfil definido formado por um conjunto GHSDUWLGRVILVLROyJLFRVTXHVHJXQGRRLQWHOHFWXDO,GHOEHU$YHODU³ODXELFDFLyQHPHOHVSHFWUR ideológico importa menos que las alianzas de conveniência basadas em la oferta de cargos em aparato estatal, la cesión de tempo de televisión en las campañas electorales y el soborno puro \VLPSOH´i; todos dispostos a aderir a qualquer governo, desde que recebam em troca essas e outras regalias. Do outro lado, a cabeça formada por dois partidos, PT e PSDB, especializados em coordenar, a partir de um projeto de governo, esse grande bloco de apoio parlamentar. A busca por votos e cargos foi terceirizada por esses dois partidos para os demais e ambos se concentraram unicamente na tarefa de coordenação da megacoalizão, a qual é definida por meio de eleições presidenciais. 2 ILOyVRIR 0DUFRV 1REUH WD[D FRPR ³SHPHGHELVPR´ HVVH QRVVR PRGHOR GH presidencialismo de coalizão no seu estado mais maduro, pois, segundo ele, esse grande bloco (o corpo do sistema político) replica o modo de operar característico do PMDB, que se trata de uma tendência de conservação do status quo. Esse sistema opera por meio de grandes blocos de maneira a permitir o fim de entrechoques e conflitos abertos, apesar da histórica tensão existente entre Executivo e Legislativo ter persistido. Não significa que não houve conflitos. Significa que os conflitos foram evitados o máximo possível. Assim, ao invés de abrir o caminho para que os entrechoques aconteçam e estabelecer um debate democrático que permita chegar coletivamente a um acordo, tudo foi jogado para dentro da mala do grande corpo. Consequentemente, no lugar desse processo democrático, o espaço político é ocupado por inúmeras articulações que ensejam atender ao jogo de interesses patrimonialistas das elites políticas e econômicas. No fim das contas, praticamente se trata de um sistema criado para ϭϬ
permitir às instituições somente movimentos hesitantes e que ampliou o divórcio entre o sistema político e a população. Nada além de mudanças lentas e graduais foram permitidas. Isso significa que, para haver ascensão social para uma classe, o mesmo teria que ocorrer com as outras. Ao longo dos governos de FHC, Lula e no primeiro mandato de Dilma, esse sistema funcionou nesses termos. Dos três governantes, talvez o mais genial tenha sido Lula que conseguiu dar o tônus da mudança social através de um contraditório processo em que se promove a melhoria da vida dos mais pobres sem desagradar ao grande capital. O conceito de revolução passiva de Gramsci é referência chave para André Singer ± FLHQWLVWDSROtWLFRTXHFXQKRXDH[SUHVVmR³OXOLVPR´±, na medida que expressa o sentido de uma transformação vagarosa, sem ruptura com o passado e gestada pela coalização heterogênea entre setores modernos e tradicionais da sociedade. Assim, as mudanças sociais poderiam ocorrer, desde que não ameaçassem a Ordem dominante. Dessa forma, Lula mantém no seu primeiro mandato a política econômica do governo de FHC ± e no segundo mandato assume uma de caráter neodesenvolvimentista ± que acaricia os investidores e, ao mesmo tempo, se aproveitava do boom das commodities para promover fortes políticas distributivas, dando aos SREUHV VHP WLUDU GRV ULFRV &RPR GLVVH 6LQJHU HOH SURPRYHX D ³UHGução da pobreza e da GHVLJXDOGDGHPDVVREDpJLGHGHXPUHIRUPLVPRIUDFR´ ii. Esse boom possibilitou também que Lula sustentasse o programa próprio do lulismo no seu segundo mandato através de um plano econômico de caráter desenvolvimentista ± e que foi intensificado por Dilma em seu primeiro mandato ± rompendo, assim, com a matriz econômica de FHC. O lulismo é, então, a tentativa de realizar dentro da ordem mudanças que beneficiam a população. Para coordenar a coalizão, Lula fez como FHC: optou por obter a adesão fisiológicas das correntes e personalidades e, aliado a esse grande bloco de apoio parlamentar, implementou o seu reformismo fraco. Quanto mais esse processo se fixa, mais a identidade do PT foi corroída e mais da esquerda se afasta. O lulismo, assLP³DEDQGRQDEDFXDOTXLHUSUHWHQVLyQGHUHDOL]DU las reformas estructurales en nombre de las que el PT había sido construído. El sintagma ³UHIRUPD DJUDULD´ GHVDSDUHFH >@ /D UHIRUPD SROtWLFD TXH SRGUtD GHVHVWDELOL]DU HO EOLQGDMH oligárquico del pemedebiVPRIXHDEDQGRQDGD>@´iii. O sistema tributário e o monopólio dos oligopólios das comunicações continuam intocados. Mas, 45 milhões de pessoas foram tiradas da miséria. Quando Lula chega ao poder e faz essas alianças espúrias para conseguir implementar seu programa, vimos parte da esquerda se afastar dele (o que mais tarde resultaria na formação de outros partidos à esquerda do PT, como o PSOL). Se afastam porque a esquerda, para fazer ϭϭ
as mudanças que quer fazer, tem que ameaçar a ordem, o status quo, a estrutura, etc. Lula não faz isso. Enquanto essa esquerda se afasta desse partido que era anti-sistema e, paulatinamente, vai se tornando legitimador do sistema, setores da população em grande vulnerabilidade social vão ao longo do seu primeiro mandato aderindo em massa, já que essas camadas mais pobres são tradicionalmente apegadas à ordem e foram beneficiadas pelos programas sociais lulistas que não ameaçam essa estrutura. Paulatinamente, entra em colapso esse sistema político-institucional que não ameaça as elites política e econômica ancorado em megacoalizões, por causa de, entre outros fatores, efeitos da Operação Lava-jato, embates de Dilma com o campo político e financeiro, a cisão na população aprofundada nas eleições de 2014 e as manifestações pró-impeachment de grandes parcelas da população que vimos em 2015. Esses embates de Dilma se deram através de uma série de medidas que a presidenta implementou ao longo dos dois primeiros anos de seu primeiro mandato. O cientista político André Singer, analisando essas medidas, afirma que elas significaram verdadeiras cutucadas em onças com vara curta. No campo econômico, as onças cutucadas pertencem principalmente ao campo neoliberal ortodoxo, formado em grande medida pelo grande capital internacional, que viram o seu lucro ser aplacado pelo programa neodesenvolvimentista do governo federal. O detalhamento do plano econômico de Dilma seria longo demais e, embora reconheço a pertinência do tema, discorrerei en passant, para que não sejamos levados à órbita distante da almejada. Em linhas gerais, então, pode-se dizer que ela busca, principalmente em 2011 e 2012, instaurar um plano econômico neodesenvolvimentista de reconfiguração do capitalismo brasileiro para promover uma aceleração do lulismo por meio da industrialização integral; processo que, muito diferente do proposto por FHC, seria planejado pelo próprio Estado e beneficiaria a burguesia interna, em detrimento do capital internacional e da fração da burguesia brasileira a ele integrada. Ao beneficiar o setor empresarial brasileiro, o governo Dilma acreditava que em consequência a população também seria beneficiada. Partia do pressuposto de que a médio SUD]R DV SROtWLFDV µSUó-FDSLWDO¶ WHULDP FRQVHTXrQFLDV µSUy-WUDEDOKR¶ H µSUy-LJXDOGDGH¶ (VVD rearticulação do plano econômico do governo confronta os interesses do campo neoliberal ortodoxo,
enquanto
que
ao
mesmo
tempo,
obviamente,
beneficia
o
campo
neodesenvolvimentista. Dilma não mede esforços para enfraquecer aquele campo e, por meio dessa estratégia confrontacionista, busca assumir o controle das políticas econômicas e promover transformações da sociedade via desenvolvimento das indústrias brasileiras. ϭϮ
Então, promove a redução dos juros, dos spreads e da taxa Selic, aumenta as taxas para produtos importados, promove a desvalorização do real, a ampliação da política de conteúdo local, as isenções fiscais para o capital produtivo, entre outras medidas, para beneficiar a burguesia interna e, assim, impulsionar o projeto neodesenvolvimentista. Isso tenciona a relação com o campo neoliberal ortodoxo, já que vai contra seu plano ideológico, aplaca seu poder sobre o país e diminui seu lucro. Um dos principais companheiros de Dilma nessa briga foi o seu Ministro da Fazenda, Guido Mantega, que em diversos pronunciamentos deixava claro o que intentava o Estado brasileiro. Ele foi um dos principais elaboradores da nova matriz econômica e o seu maior articulador. Dentre tudo o que ele diVVH FLWR D VHJXLQWH GHFODUDomR ³VH RV EDQFRV VmR WmR lucrativos, e isto está nos dados, eles têm margem para reduzir a taxa de juros e aumentar o YROXPHGRFUpGLWR´'DtHPGLDQWHDSULPHLUDPHWDGRPHLRILQDQFHLURIRLGHUUXEDU0DQWHJD ± o que foi conseguido em 2014, quando Dilma o demitiu em plena eleição e, dessa forma, garantiu o cargo a Joaquim Levy, um economista neoliberal ortodoxoiv. Dilma encerra com glória os dois primeiros anos de seu governo. Cada vez mais ganhava o controle do capitalismo braVLOHLURHVHJXQGR1REUHDFUHGLWDYDTXHLVVR³OHYDULDjSURGXomR da autonomia social e política, levaria à produção de políticas efetivas de redução de desigualdades em educação, saúde e em todos os demais domínios em que a vulnerabilidade social se fizesse presentev. Diante de tantas batalhas vencidas, Dilma inicia a segunda parte do seu mandato com um discurso entusiasmado. Vem, então, à TV em 23 de janeiro de 2013, e faz um pronunciamento triunfante, em que anuncia a queda no valor da energia, redução dos juros e impostos, aumento do crédito, entre outras medidas:
É a primeira vez que isso ocorre no Brasil [redução na conta de luz], mas não é a primeira vez que o nosso governo toma medidas para baixar o custo, ampliar o investimento, aumentar o emprego e garantir mais crescimento para o país e bemestar para os brasileiros. Temos baixado juros, reduzido impostos, facilitado o crédito e aberto, como nunca, as portas da casa própria para os pobres e para a classe média. Ao mesmo tempo, estamos ampliando o investimento em infraestrutura, na educação e na saúde e nos aproximando do dia em que a miséria estará superada no nosso Brasil [...].vi Poucos dias depois veio o contra-ataque: o presidente do Banco Central, Alexandre 7RPELQLGHFODUDHP HQWUHYLVWDjMRUQDOLVWD0LULDP/HLWmRTXHDLQIODomRHVWDYD³PRVWUDQGR XPDUHVLOLrQFLDIRUWHHTXHDVLWXDomRQmRHUD³FRQIRUWiYHO´ vii. Segundo Singer, tal declaração ϭϯ
³IRLRVXILFLHQWHSDUDTXHRVLQYHVWLGRUHVSDVVDVVHPDDSRVWDUQDDOWDGRVMXURVRTXHVLJQLILFD demolir a viga de sustentação do projeto dilmista. Usar a política monetária para segurar a inflação [...] era simplesmente desmontar o recém-FRQFOXtGR´viii. Foi, portanto, a semente da ofensiva restauradora do campo neoliberal ortodoxo. Vendo que os seus interesses não estavam sendo contemplados pela matriz econômica do governo, reagiram para iniciar uma nova onda de reformas neoliberais no Brasil. Mantega e Dilma, em pronunciamentos, até tentaram desmentir Tombini, mas não tiveram êxito. Poucas semanas depois o BC inicia uma política monetária de aumento constante de juros que só se encerrou dois anos depois. Começa aí, então, a inversão da a política econômica que vinha sendo implementada. Enquanto que durante os dois primeiros anos do Dilma I o Banco Central e o Ministério da Fazenda estavam em conjunção de forças para promover a redução do lucro do capital estrangeiro e, assim, beneficiar o capitalismo brasileiro e, esperavam, impulsionar o crescimento do país via industrialização geral, em 2013 volta a reinar o típico cabo de guerra entre esse Ministério e o BC. Esse choque neoliberal promovido pelos bancos freia significativamente o crescimento interno e foi a semente para o país entrar em crise econômica. Os seus efeitos foram sentidos mais claramente a partir de 2014. Acrescente-se a isso toda a força-tarefa que se formou para aplacar o crescente controle estatal do mercado. Começa em 2013 uma forte campanha promovida pelos grandes meios de comunicação locais e internacionais, os partidos de oposição ao governo, as agências internacionais de risco, o FMI, o Banco Mundial, os bancos estrangeiros, as grandes corporações multinacionais, e vários outros representantes do capital, com o apoio da alta classe média local; diziam nas telas de todos os tamanhos, nos rádios de todos os lugares, nos jornais de todos os cantos, que para reordenar o Brasil o governo deveria deixar o mercado funcionar sozinho ± HTXHSUHFLVDYDXUJHQWHPHQWHFRUWDURVJDVWRVLQHILFLHQWHVH³GHVFRQWURODGRV´ Assim, sob o guarda-chuva do anti-intervencionismo, penduraram-se críticas diretas à Dilma, tratando-a como incompetente, arbitrária e autoritária. E agitavam bandeiras que pudessem contar com algum apoio popular, como denúncias superlativas da inflação e ataque à corrupção na Petrobrás. O cientista político Armando Boito Jr., discorrendo sobre o caso, afirma que, para contra-arrestar o processo de implementação do Plano 'LOPD³DV DJrQFLDV internacionais, as agências de avaliação de risco, a imprensa conservadora da Europa e dos Estados Unidos, a grande mídia local, os partidos burgueses de oposição ao governo, a alta classe média e algumas das instituições do Estado que abrigam esse segmento social entraram QDOXWD>FRQWUDRJRYHUQR'LOPD@´ix. ϭϰ
Diante da ofensiva neoliberal, o governo Dilma optou por uma política de recuo e não GH UHVLVWrQFLD $LQGD VHJXQGR %RLWR -U D SUHVLGHQWD ³DSOLFD R DMXVWH ILVFDO TXH p SDUWH importante do programa da oposição burguesa neoliberal e não toma a iniciativa de mobilizar RVVHWRUHVSRSXODUHVVHTXHUSDUDGHIHQGHURVHXSUySULRPDQGDWR´x. O recuo também se deu na política social, cortando gastos em áreas básicas, ou postergando ampliações necessárias dos programas. Essa postura adotada por Dilma, e a crescente pressão do grande capital LQWHUQDFLRQDO FXOPLQD QR UHFXR WDPEpP GD EXUJXHVLD LQWHUQD TXH SURPRYH XPD ³JUHYH GH LQYHVWLPHQWRV´QRSDtVjUHYHOLDGHWRGRVRVEHQHItFLRVGDGRVSHORJRYerno. Sem contar com o apoio dos industriais e vendo o crescente aumento de força da frente anti-intervencionista, o governo ficou na defensiva até que assinalou a rendição completa no final de 2014 e, mais claramente, em 2015, quando faz um estelionato eleitoral adotando a receita neoliberal que vinha nos bastidores sendo exigida por esse campo desde o final de 2012. Soa estranho imaginar a burguesia neodesenvolvimentista que, igualmente ao campo neoliberal, concebe o lucro como um deus, recuando diante de inúmeros benefícios dados de bandeja pelo governo. Singer explica que a burguesia brasileira aderiu à campanha antidesenvolvimentista porque, tradicionalmente, recua quando o Estado passa a progressivamente assumir o controle do mercado e, em consequência, ameace os interesses do grande capital internacional. A convicção de estarem diante de um projeto que ampliaria o raio de ação do Estado, regularia e controlaria a atividade privada, estatizaria setores estratégicos e que levaria à uma ofensiva do campo neoliberal que os empresários brasileiros temiam não suportar, foi o suficiente para unificar o setor privado contra Dilmaxi. Em consequência, Fiesp, Sinaval, Abdib, Abimaq, Abiquim e outras importantes associações corporativas e grupos da grande burguesia interna passaram de beneficiados das políticas do governo para algoz do mesmo. Manifestam isso principalmente em fevereiro, março, abril e agosto 2015, quando dão grande apoio às manifestações pró-impeachment inflando pato amarelo na Avenida Paulista, dentre outras ações. Essa ofensiva e o recuo de Dilma diante dela, intensificado pelo estelionato da presidenta em 2015, momento em que ela adota por completo o programa da oposição, aliados a segunda leva da crise internacional, foram os principais fatores econômicos que levaram o país à depressão econômica. A curva da crise de 2008 foi concebida por muitos especialistas, incluindo Mantega, como em V. Em 2011 já apresentava suas credenciais que, na realidade, se tratava de um W. E, no inverno desse ano, a segunda fase da crise financeira internacional cai sobre o governo Dilma. Com os desdobramentos da crise político-econômica interna que se ϭϱ
formava no Brasil, não encontrou barreiras no país a nova onda de recessão internacional (retração chinesa, rebaixamento dos preços das commodities agrícolas e minerais, como o minério de ferro e petróleo, complicação generalizada dos termos das transações comerciais). Em 2014, a oposição tinha tudo para vencer as eleições presidenciais. Apesar do desgaste de doze anos de governos federais petistas, da economia em baixa, da inflação sobretudo de alimentos, do clima de polarização pós-protestos de 2013, das investidas da frente neoliberal, Dilma é reeleita, enfurecendo a oposição e parte da base aliada. Durante a campanha, a esquerda ex-governista abraçou o discurso da polarização, com o intuito (consciente ou não) de insuflar a oposição psdbista o que, por sua vez, aplacaria o avanço de Marina Silva que, após a morte de Eduardo Campos, cresceu nas eleições. Então, de modo a evitar um possível segundo turno entre Marina e Dilma ± dois nomes oriundos da militância de esquerda ± o ex-governismo iniciou uma forte campanha contra a candidata ambientalista e isso, em consequência, deslocou Aécio para o segundo turno, alguém que durante a campanha esteve em vias de renunciar. Curiosamente, então, o psdbista contou com a cooperação indireta de onde menos se esperava: a esquerda ex-governista, a qual participou de uma operação de destruição da figura pública de Marina e, dessa forma, beneficiou o candidato mineiro. Essa polarização entre PT e PSDB intensificada pelo ex-governismo ampliou o clima de descontentamento da população com o sistema político-institucional, especialmente entre aqueles que foram às ruas em 2013 e que diziam nem Dilma nem Aécio. Tudo fica explicado quando Dilma vence e, à revelia de toda a campanha que fez nas eleições, afirmando que não permitiria a contensão do crescimento, a recessão, o desemprego, o arrocho salarial, o aumento da desigualdade e toda a submissão que o Brasil tinha no passado ao FMI, ela faz totalmente o contrário, adotando o programa neoliberal da oposição. Esse estelionato eleitoral explica porque o alarme do ex-governismo soou quando Marina aumentou as suas possibilidades de ir para o segundo turno. A guinada à esquerda que entre os exgovernistas não passava de pura fantasia, e o estelionato eleitoral é prova cabal disso, com Marina poderia se tornar real. Precisaram, então, tira-la do páreo. A reeleição de Dilma e sua atitude subsequente intensifica ainda mais a crise política e o clima de descontentamento e desconfiança. Era evidente que a crise de representação e a desconfiança nas instituições políticas não só persistem no país, como também foram intensificadas. Não é à toa a corrupção ter sido um dos principais temas debatidos entre os candidatos e como um dos fatores para a população escolher determinado candidato, ou QHQKXP %DTXHUR &DVWUR H 5DQLQFKHVNL DILUPDP TXH ³R DPELHQWH SROtWLFR TXH SUHFHGHX H ϭϲ
caracterizou as eleições de 2014, marcado por um sentimento difuso negativo em relação à política em geral, deu espaço para a diminuição da confiança nas instituições políticas, IRUWDOHFHQGR D LGHLD GH YLYHUPRV VRE XPD GHPRFUDFLD LQHUFLDO´ xii. Para os autores, essa desconfiança é fruto do mau funcionamento das instituições e o consequente descrédito. Quando é bem-sucedido um projeto realizado pelo poder público, a razão de seu sucesso é atrelado a uma figura especifica, personalizando a ação. Exemplo disso é o bolsa família, programa que teve efeitos muito positivos no país e que, para um grande número de pessoas, não é uma conquista dos movimentos sociais e da ação das instituições, e sim unicamente do trabalho de Lula. Essa cultura política de descrédito põe em xeque a democracia, tendo como efeito perverso o questionamento do sistema democráticoxiii. A oposição coordenada pelo PSDB se aproveita desse clima de descontentamento e desconfiança e joga ainda mais lenha na fogueira questionando a veracidade do resultado das eleições. Dias depois das urnas expressarem mais de 54 milhões de votos para a petista, FHC DILUPDTXH³RJRYHUQR'LOPDpOHJDOPDVQmROHJtWLPR´ xiv. Inicialmente, as lideranças desse partido pediram a recontagem dos votos. Progressivamente, foram adotando o discurso do impeachment. Provocadas pela mídia e estimulada pelos psdbistas, em 2015 a alta classe média segue HP PDVVD SDUD VH PDQLIHVWDU FRQWUD R ³HUUR´ GDV XUQDV GH $VVLP HVVD classe média, segundo Boito Jr., se tornou uma ampla e ativa base de massa para a frente cooptada pela burguesia internacionalizada. Ainda que essas manifestações não tenham sido controladas por essa burguesia, funcionaram como principal instrumento de legitimação da ofensiva neoliberal. Assim, milhares de manifestantes se mobilizaram, principalmente, no primeiro semestre de 2015. Os SURWHVWRVPDVVLYRVHRV³SDQHODoRV´FRQYHUJLUDPSDUDDGHPDQGDGHLPSHDFKPHQWGD presidenta Dilma e explicitavam o ranço antipetista e antigovernista que permeiam os manifestantes. Além do Plano Dilma, incomoda essa classe média as medidas próprias do lulismo, como os programas de transferência de renda para a população em situação precária, as quotas raciais e sociais nas universidades e no serviço público, a extensão dos direitos trabalhistas às empregadas e empregados domésticos, a recuperação do salário mínimo. Todas HVVDVPHGLGDVVHJXQGRRFLHQWLVWD³VmRYLVWDVSHODDOWDFODVVHPpGLDFRPRXPDFRQWDTXHHOD GHYHUiSDJDUSRULQWHUPpGLRGRVLPSRVWRVTXHVmRFREUDGRV´DOpPGHXPDDPHDoD³jUHVHUYD de mercado que os seus filhos ainda detêm nos cursos mais cobiçados das grandes universidades HQRVFDUJRVVXSHULRUHVGRVHUYLoRS~EOLFR´HDLQGDVmRYLVWDV³FRPRDIURQWDVDRVYDORUHVGD LGHRORJLDPHULWRFUiWLFD´xv. ϭϳ
Guiadas pela ideologia neoliberal, o protagonismo da alta classe média foi grande também porque, ainda segundo Boito Jr., essa classe dispõe de uma posição estratégica no Judiciário. Então, segmentos dela que ocupam a cúpula dessa instituição ± juízes, procuradores, desembargadores, defensores públicos, delegados e outros ± valem-se de suas posições para de maneira quase unilateral denunciar, investigar e julgar os esquemas de corrupção praticados pelo PT. E, assim, denigrir a imagem do partido e de seus principais representantes, de modo a colocar na parede o partido do governo e o próprio governo neodesenvolvimentistaxvi. A expressão mais clara disso hoje é, sem dúvida, a operação Lava-Jato ± principalmente a conduta do juiz Sérgio Moro. Impossível não concordar que a postura dele ao longo dessa operação é, no mínimo, questionável. Ninguém precisa conhecer muito Direito para perceber que o estado de coisas em Curitiba carrega problemas jurídicos graves. Práticas políticas questionáveis como toda a operação repressiva e espetacularizada envolvendo o depoimento do ex-presidente Lula, assim como o vazamento seletivo de informações da Lava Jato e um abuso de prisões preventivas e de delações, criam XP FOLPD µVFKPLWWLDQR¶ GH VXVSHQVmR GD OHL LQWHQVLILFDGR SRU XPD UHODomR SURPtVFXD HQWUH -XGLFLiULR H µJUDQGH PtGLD¶ E, a cada manifestação de Moro, fica claro o seu pensamento simplório, próprio de quem teve uma IRUPDomR ³FRQFXUVHLUD´ H TXH DGRWD XPD Ldentidade salvacionista inspirada e vitaminada em bordões midiáticos. Até as pedras do calçamento viram as redes corporativas de notícias receberem da Lava Jato uma série de informações, delações, áudios vazados e, com todo esse aparato, cobrirem exaustivamente essa operação, explorando tudo em seus mínimos detalhes e, quase sempre, fazendo ilações, apostando em denúncias, até condenando moralmente os envolvidos nos esquemas de corrupção antes do julgamento. Dessa maneira, além de o Judiciário investigar com atenção especial os crimes cometidos pelo PT, os esquemas protagonizados pelos petistas são superlativizados pelas lentes da grande mídia que, com a sua dramaticidade e forte tendencionismo, envolve em uma nuvem de fumaça e rouba o oxigênio do debate político. Com claros interesses eleitorais, dessa forma a mídia levanta bandeiras, superlativa os acontecimentos e vitamina os nervos da população contra o PT e suas figuras principais. Contudo, ainda que os esquemas de corrupção comandados pelo PT tenham recebido uma atenção especial por essa operação, grande parte dos políticos perderam com ela, já que pôs pressão sobre eles, afetando a coalizão governamental. Assim, quanto mais a operação avançou, mais foi produzindo efeitos desorganizadores sobre o governo Dilma e gerando ϭϴ
descontrole no sistema de megacoalizões. Os diálogos gravados de Romero Jucá (PMDB) explicitam bem que as investigações não se limitaram ao partido do governo e o governo Dilma. Com o avanço da operação ficava claro para os parlamentares que Dilma não oferecia proteção contra as investidas da Justiça. A prisão de Delcídio do Amaral em novembro de 2015 foi, com certeza, a gota-G¶iJXDSDUDRSHPHGHELVPRLVRODURJRYHUQR'LOPD3UHFLVDYDP ³HVWDQFDU D VDQJULD´ Concomitantemente, ocorria nos subterrâneos do campo político uma série de acontecimentos que precisa urgentemente ser melhor estudada. Como já foi apontado, a descontinuidade política do primeiro mandato de Dilma em relação ao período Lula não se limita à sua blitzkrieg econômica. A ruptura também ocorreu no campo político. Neste as onças FXWXFDGDV IRUDP RV SHHPHGHELVWDV 6HJXQGR 1REUH ³R JUDQGH REMHWLYR IRL HQIUDTXHFHU R PMDB, apoiando-se nele ao mesmo tempo. A tentativa de dar um abraço de tamanduá no aliado de chapa presidencial foi conduzido pelo governo Dilma, de um lado, e pelo próprio Lula, de RXWUR´xvii. Para isso, Dilma promove a fragmentação partidária, sendo a criação do PSD ± uma espécie de equivalente funcional do PMDB ± a maior expressão disso. O objetivo era instigar a saída de políticos do PMDB e colocar uma coleira neles e mantê-los perto de si, sob seu comando. Isso diminuiria consequentemente as bancadas pemedebistas na Câmara e no Senado, enfraquecendo o partido. Ao mesmo tempo, Lula procurou dar maior destaque ao PT e diminuir o preço do PMDB. Nas eleições de 2012 e de 2014, ele adotou a estratégia de coligar com esse partido nas regiões onde necessitava de seu apoio, e se distanciar onde essa união de forças não seria necessária. A estratégia fracassou. O PT elegeu um número muito menor de deputados do que os anos anteriores e perdeu grande parte do apoio da base parlamentar pemedebista. Antes disso, o primeiro grande abalo na coalizão se deu logo no início do Dilma I, quando uma série de denúncias de corrupção culminou na queda de setes ministros. Além de não interpor obstáculos à investigação, a presidenta também implementou várias medidas que tornaram a administração federal mais transparente e responsiva. A mesma postura foi adotada nas investigações posteriores, como a Lava-Jato.Isso entrou em choque direto com a sua base aliada, dando início a uma série de abalos que, ao final do processo, se tornará um dos fatores que resultou na cisão da megacoalizão e no golpe. Assim, depois dos governos de FHC e Lula terem implementados dois grandes processos de transformação (Plano Real e Fim da Miséria) sem incomodar o PMDB, o horizonte se deslocou. Por meio da fragmentação partidária, Dilma conseguiu formar um bloco interno ϭϵ
dentro do comandado pelo PMDB. Porém, ao invés de apoia-la, esse bloco aliou-se à frente antidesenvolvimentista e, em 2015, sob o comando do Dep. Eduardo Cunha (PMDB), esse lobby será o responsável pela instauração do processo de impeachment. Ao perceberem o enfraquecimento do governo e o avanço das investigações da Lava Jato, os líderes do PMDB ± em especial, Temer e Cunha ± dão início a uma série de ações que emergiria do subterrâneo do sistema político o que já estava acontecendo desde o início do primeiro mandato de Dilma: a quebra na megacoalizão. Exemplo emblemático da mobilização de Temer e o insulamento do governo é a famosa carta que o pemedebista enviou à Dilma em dezembro de 2015, na qual ele deixa claro o rompimento com a presidenta. No segundo mandato, o primeiro episódio do projeto de ruptura com o PMDB promovido por Dilma foi a disputa pela presidência da Câmara no início de 2015, mas Eduardo &XQKDYHQFHXFRPWUDQTXLOLGDGH3DUD/LPRQJL³HOHLWRHPFRQIURQWRDEHUWRFRPRJRYHUQR Cunha passou a acalentar sonhos mais altos. Foi aí, se não antes, que seus desejos e os de uma parte considerável do establichmenWVHDOLQKDUDP´xviii. As manifestações da alta classe média VHJXHPHDSRQWDPRQRYRSUHVLGHQWHGD&kPDUDFRPRR³VDOYDGRUGDSiWULD´20%/EXVFD uma aproximação com o pemedebista, com o intuito de convencê-lo a instaurar o processo de impeachment, e tenta usar o povo na rua como forma de pressão. No PSDB também acontece movimentações, com Aécio defendendo a derrocada da presidente reeleita e FHC afirmando que não existiam pressupostos sustentáveis para esse processo. Segundo Limongi, Cunha se mantém presente nos debates, na mídia e até faz um pronunciamento em rede nacional, posando de estadista e acelerando as votações na câmara, mas não manifesta apoio ao impeachment. Sempre um estrategista, lançaria-mão da oportunidade no seu devido tempo. Ele, incluindo muitos dos outros atores, estavam à espera dos desdobramentos da Lava Jato, na expectativa de que a investigação traria provas que comprometeriam Dilma. Na liderança do Poder Legislativo, a subserviência aos interesses do Executivo seria deixada de lado em nome do protagonismo da Câmara, que passaria a adotar pauta própria. Enquanto barrava boa parte das medidas propostas pelo governo para estabilizar a economia, &XQKDHQ[RWDDSDUDOLVLDSDUDDVXDSDXWDH³DSURYRXRPDLRUYROXPHGHSURMHWRVGRV~OWLPRV 20 aQRV´FRPRDFolha de S. Paulo noticiou. $PtGLDHD³RSLQLmRHVFODUHFLGD´FRPRHUDGH se esperar, aplaudia o ativismo e a independência conquistada pela Câmara dos Deputados. A grande quantidade de projetos aprovados não significa, obviamente, um avanço para o país. O
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pemedebista era visto por uma parcela significativa da população e do sistema político como o líder capaz de derrubar o PTxix. Em abril de 2015, entretanto, o movimento contra o governo parecia ter chegado ao fim e a proposta de impeachment parecia que morreria na praia. Mas, nesse exato momento a tese do impedimento do mandato da presidenta ganhou um novo aliado. O ministro do TCU, Augusto Nardes, passou a afirmar que havia no governo Dilma descaso com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Porém, no momento em que a possibilidade foi levantada, Cunha a FRQVLGHUDXPPRWLYRJHQpULFRSDUDVXVWHQWDUXPLPSHDFKPHQWMiTXHDVFKDPDGDV³SHGDODGDV ILVFDLV´VHJXQGRHOH³YHPVHQGRSUDWLFDGRQRV~OWLPRVTXLQ]HDQRVVHPQHQKXPDSXQLomR´H não teriam ocorrido no atual mandatoxx. Mas a Lava Jato lhe tirou dessa posição confortável. Ele faz essa afirmação em abril e, com o avanço da operação, rompe publicamente em julho com o governo e, em agosto, ameaça-o FRP XPD ³SDXWD-ERPED´ H FRP R LPSHDFKPHQW $ investigações caminhavam e ele precisava ganhar tempo. Ameaçar ao mandato da presidência era sua arma de defesaxxi. Então, surfando no prestígio conquistado, Cunha põe em marcha a partir de agosto a operação para apreciar a contabilidade do governo Dilma e abre o processo de impeachment em dezembro. O PSDB se coloca sob a liderança do pemedebista desde o início do segundo semestre e não hesitou em aderir à reencarnação do movimento pró-impeachment. Os três movimentos pró-impeachment se coordenam e investem pesado para promover novas manifestações, mas estas são muito aquém do esperado. Nessa situação, como disse Limongi, ³DRSHUDomRLPSHDFKPHQWWLQKDDSRLRSRSXODUPDVQmRVHULDRSRYRQDVUXDVSUessionando os SROtWLFRV TXH IDULD D URGD VH PRYHU´ $VVLP VRPHQWH RV 5HYROWDGRV 2Q /LQH FRntinuam convocando atos. Esse desenrolar dos acontecimentos significa que ³RPRYLPHQWRGHUXDFRPR o PSDB, passou o bastão para Eduardo Cunha, líder e artífice da RSHUDomRLPSHDFKPHQW´xxii. Enquanto outros políticos do PMDB, como Renan Calheiros, eram rechaçados, Cunha era poupado por parte significativa da população. Incensado por parte considerável da população, especialmente a alta classe média, e cortejado por parte da burguesia, pela mídia, pelo grande capital internacional, enfim, pela frente anti-desenvolvimentismo e pró-reformas neoliberais, Cunha faz com que o processo de impeachment siga a passos largos. Em contrapartida, a votação sobre a sua cassação era bloqueada. Indiferentemente a tudo o que ele representa e fez contra o país, o OtGHUGD&kPDUDVHWRUQRXR³SDODGLQRVDOYDGRUGDSiWULD´TXH livraria o país do mal (leia-se: PT).
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Contudo, o ar vitorioso foi poluído em 17 de abril de 2016, quando ocorre no congresso a votação do impeachment. Um amargo ascendeu na boca dos apoiadores e o olhar deles desceu ao chão. Durante mais de cinco horas, 511 parlamentares deliberaram sobre o processo. E, em nome de deus, em nome da família e do povo, entre outras canalhices, 367 deputados votaram sim. Difícil mensurar em palavras o quão deprimente foi o circo de horrores que, bestializados, assistimos nesse dia. Creio que todo brasileiro em alguma medida sabe que, ressalvando alguns, os nossos representantes no Congresso não são flor que se cheire. Mas a sessão de votação do impeachment nos mostrou que o foço é ainda mais fundo. As câmeras do plenário mostraram, como um espelho, algo nem um pouco bonito de se ver e que nos esforçamos tanto para esconder: a nossa sociedade é reacionária, autoritária, preconceituosa, vulgar. O dia 17 de abril de 2016 permanecerá na memória nacional como a data em que nos reencontramos com nossos representantes que, sem qualquer constrangimento, expuseram o seu âmago. E o que vimos não foi nada interessante. Aquelas declarações de voto tiveram, desse modo, um papel extremamente educativo. Percebi isso logo nos dias seguintes: vi muitos comemorando, mas os seus sorrisos eram amarelos e os olhos estavam sem brilho, a boca parecia amarga. Espero que esse choque tenha servido para entendermos, entre outras coisas, que os nossos representantes não são seres de outro planeta jogados em Brasília para afundar o país. Eles são fruto de nossa sociedade, são tecidos nela. Neste sentido, a crença simplista e ingênua, defendida pela grande mídia, de que RQRVVRVLVWHPDSROtWLFRpIHLWRGH³SXURV´H³LPSXURV´HTXHEDVWDWLUDUGRSRGHURVLPSXURV para acabar com todos os males, é claramente infundada. Não é tão simples assim. No fim desse processo, temos o país mergulhado numa das maiores crises políticoeconômicas dos últimos tempos e Temer no poder. Algo que, por mérito próprio, ele nunca conseguiria alcançar. Pode-se dizer que o golpe parlamentar de 2016 foi o sintoma mais drástico de que a panela de pressão que se tornou esse sistema explodiu, jogando feijão para todos os lados e quebrando as paredes de sustentação da governabilidade. Impulsionado por interesses do campo político e financeiro nacional e internacional e financiado pelos mesmos, pretensamente justificado por uma série de jargões da casta político-burocrática do Senado, defendido pela mídia corporativa local e internacional, atravessado por uma sociedade excitada e cindida ao meio, ancorado numa crise sistêmica da democracia representativa, orquestrado por cálculos partidários e processado num modus operandi diferente do visto em tempos anteriores, esse golpe deixou evidente que chegou ao limite a maneira de evitar o confronto aberto de posições, pois esse sistema não poderia mais funcionar nos mesmos termos que ϮϮ
funcionou ao longo das últimas duas décadas. Por tudo isso, 2016 marca um momento de inflexão na história do país que determina o fim da Nova República. Foi um golpe parlamentar, que é a nova modalidade que vem sendo adotada pelo ativismo conservador na América Latina. Seguindo essa fórmula, o primeiro que ocorreu foi em Honduras (2009), com a deposição do presidente Manuel Zelaya. O segundo, no Paraguai (2012), destituiu o Fernando Lugo. Nos três processos de destituição, os grupos que assumem o poder pertencem à direita neoliberal. Essa frente tem alçado o poder por outros meios também. Na Argentina, vimos um candidato dessa ala eleger-se presidente pelas urnas em eleições livres. Recentemente, vimos também as eleições na Venezuela que marcaram o fim do chavismo e a derrota de Evo Morales no referendo boliviano sobre uma terceira reeleição. Esses são só alguns exemplos que indicam um novo giro político na América Latina, numa corrente de retorno de governos dispostos a implementar reformas neoliberais. Ora, diante do crescente aumento do poder político e econômico da China nessa região, não seria nonsense os EUA estarem envolvidos nas transformações políticas ocorridas nos países latino-americanos, com o intuito de contra-arrestar a presença do gigante oriental por PHLRGDGHVWLWXLomRGHJRYHUQRV³QXPDregião que convive com a democracia há apenas uma JHUDomR´xxiii. E, por meio disso, desconfigurar a cooperação Sul-Sul. Essa cooperação é um processo de articulação política e de intercâmbio econômico, científico, tecnológico, cultural e outras áreas, entre países da África, Ásia e América Latina. Não me espantaria, portanto, se os EUA for um dos atores do movimento de enfraquecimento das democracias dos países latinoamericanos, de modo a reaproxima-los para perto de si em busca de um acordo de livrecomércio. Se non è vero, è bene trovato. A convergência externa não pode, entretanto, atrapalhar a análise dos fatores internos. É um engano analisar o processo que culminou na queda de Dilma em 2016 partindo unicamente de fatores externos, pois, esse caminho analítico abafa as razões internas. É preciso entender, portanto, que muito do que aconteceu foi fruto dos erros da própria esquerda no poder. Entender o processo somente a partir de efeitos externos não só impede compreendermos em sua completude o acontecimento, como também impossibilita que a esquerda reveja a si própria. Ao mesmo tempo, não podemos nos limitar a aceitar as proposições supostamente explicativas do discurso dominante que, entre outras coisas, intentou caracterizar o golpe parlamentar de 2016 com uma opaca roupagem de legalidade. Ao nos debruçarmos com atenção, perceberemos que, apesar do esforço dispendido, não foi o suficiente para encobrir os velhos interesses do grande capital internacional e esconder o fato de que, através do golpe, a Ϯϯ
legalidade democrática, a estabilidade institucional e, mais especificamente, a fagulha de soberania popular que a democracia representativa garante, isto é, o resultado das urnas, foram desrespeitados por esse processo e alçou ao comando-mor do país atores preocupados unicamente com os seus interesses particulares e do grande capital, em detrimento das necessidades do povo. Diante dessa breve radiografia do golpe, tenho pouquíssimas certezas, mas uma delas é pétrea: a esquerda não será protagonista da luta contra os golpistas se continuar resistindo em pesar na balança das análises todas as características que permearam a derrubada da presidenta e levar em conta que não houve uma inversão abrupta do sistema político, como aconteceu em 1964. Houve ilegalidades, chicana, conspiração, canalhice. Houve a queda da cabeça. Mas não houve inversão nas figuras que compõe o corpo do poder. Ao invés de fortalecermos as frentes, só estaremos atrapalhando a luta contra o governo Temer se continuarmos repetindo ad nauseam a versão do golpe construída mediante a descontextualização e consequente desistoricização do processo que o engendrou. Envolver os olhos com as faixas do vitimismo, da melancolia e da arrogância não permite à ninguém ± muito menos à esquerda ± rever a si próprio, compreender a crise política e se atualizar teórica, política e ideologicamente. Quando nós de esquerda concebermos isso com clareza e profundidade, talvez saíamos da periferia das lutas.
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A esquerda no nevoeiro
A esquerda1 vive momento complicado na atualidade. A crise em que ela está é fruto de um processo sócio-histórico que vem ocorrendo nas últimas décadas, através do qual parte da esquerda tem paulatinamente deixado de ser anti-sistema e se tornado pró-capital. Denominado pelo historiador Eurelino Coelho como crise do marxismo, esse fenômeno é de amplitude mundial, em que paulatinamente a esquerda abandona (conscientemente ou não) os referenciais marxistas e, em seu lugar, passa a figurar elementos pós-modernos e liberaisxxiv. Muitos fatores promoveram essa transformação radical. Uma das principais causas desse transformismo foram as revisões teóricas do marxismo promovidas pelos partidos de esquerda e centro-HVTXHUGDHXURSHXV,Q~PHURV³DMXVWHV´GDVLGHLDVGH0DU[IRUDPrealizados para adapta-las as novas formas assumidas pelo capitalismo. De revisão em revisão, esses partidos foram abrindo mão de ideias básicas do marxismo, como a revolução socialista, e se transformaram radicalmente, levando na esteira parte considerável da esquerda. Segundo o cientista político José Fiori, o pensamento da esquerda moderna começa o VpFXOR ;; ³FRP XPD WHVH H XPD SURSRVWD PXLWR FODUDV DLQGD TXH D HTXDomR SXGHVVH VHU XWySLFDµOLEHUGDGHSROtWLFD LJXDOGDGHHFRQ{PLFD ILPRXGLPLQXLomRdo peso da propriedade SULYDGD´(QWUHWDQWRQRUHYLVLRQLVPRSURPRYLGRQDGpFDGDGHRFRUUHXXPJLURGH JUDXV QDV LGHLDV GH HVTXHUGD H FRQVHTXHQWHPHQWH QD HTXDomR 1HVVD UHYLVmR ³XPD SDUWH significativa da esquerda europeia abandonou definitivamente as propostas clássicas [...] da UHYROXomRVRFLDOLVWDHGDHOLPLQDomRGDSURSULHGDGHSULYDGDHGRHVWDGR´$VVXPLUDPTXHQmR acreditavam mais numa possível crise final do sistema capitalista e que, diante da impossibilidade da derrocada desse sistema, deveriam lutar pelo sucesso do mesmo para DOFDQoDUDLJXDOGDGHVRFLDO&RPHVVDPXGDQoDDQRYDHTXDomR³SRGHVHUUHVXPLGDGHIRUPD PXLWR VLPSOHV µOLEHUGDGH SROtWLFD LJXDOGDGH VRFLDO FUHVFLPHQWR HFRQ{PLFR VXFHVVR FDSLWDOLVWD¶´xxv. Essa transformação teórica e doutrinária foi uma das mais radicais em toda a história da esquerda. Pouco tempo depois, entre 1964 e 1983, governos majoritariamente trabalhistas e ϭ
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social-democratas europeus implementaram o projeto do estado de bem estar social, que podese considerar como uma das primeiras experiências à esquerda pós o revisionismo de 1950. 3DUWLDPGRSUHVVXSRVWRGHTXHDPpGLRSUD]R³DVSROtWLFDVµSUy-FDSLWDO¶WHULDPFRQVHTXrQFLDV µSUy-WUDEDOKR¶HµSUy-LJXDOGDGH¶´(QWmRLPSOHPHQWDUDPSROtWicas econômicas keynesianas, as quais defendem o ativismo estatal na economia como um meio para alcançar o pleno emprego, através de uma política fiscal de incentivo à industrialização e construção de redes estatais de infra-estrutura e proteção social universal. As estatizações de grandes empresas, nesse contexto, só seriam implementadas em casos indispensáveis, não sendo mais uma política de criação de um núcleo estratégico estatalxxvi. Tal mudança radical na esquerda se deve em grande medida ao avanço do capitalismo na década de 1940. Nessa época, os Estados Unidos cresceram muito economicamente. Após um longo período de estagnação pós-crash da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, aproveitaram a Segunda Guerra Mundial para alavancar a sua economia através, principalmente, da indústria bélica. O que permitiu ao capitalismo realizar grandes elevações nas taxas de investimento e gerar altos índices de crescimento entre 1945 e 1975, principalmente para a economia norte-americana. Em meio a esse período do capitalismo que ILFRXFRQKHFLGRFRPR³WULQWDDQRVJORULRVRV´+REVEDZPIDODHP³(UDGH2XUR´ JUDQGHSDUWH da esquerda passa a desacreditar na crise final desse sistema e começam a apostar no sucesso do mesmo. Com isso, o avanço da esquerda, paradoxalmente, passa a depender das glórias do capitalismo. Ela esperava conseguir conciliar os seus posicionamentos econômicos, com aqueles que eram tradicionalmente associados à direita, abraçando uma política econômica ortodoxa e políticas sociais progressistas. Como diria o Criolo, o anzol da direita fez a esquerda virar peixe. O Estado, nesse contexto, assume um papel primordial de administração da economia. Além da sua tradicional função repressiva, inerente à sua condição de dominação, o aparelho estatal assume a responsabilidade de promover todas as ações necessárias para impulsionar o desenvolvimento do sistema capitalista. Tais promoções se dão não só no que tange à economia, como também na formação de uma cultura histórica que leve as pessoas à apoiarem e à defenderem esse sistema. Assim, quaisquer rebeliões, greves, manifestações, são imediatamente absorvidas pelo Estado através de projetos de reformas que, supostamente, atenderiam às pautas reivindicadas. Acrescente-se a isso toda força-tarefa formada pelos meios de comunicações que promoveu uma intensa campanha, através de materiais em revistas, jornais e telejornais, filmes, Ϯϲ
rádios, etc. Assim, nas telas de todos os tamanhos, nos rádios de todos os lugares e frequências, nos jornais e revistas de todos os cantos, formou-se uma vasta maquinaria de manipulação ideológica para convencer o trabalhador sobre as benesses capitalistas, transforma-lo em um consumidor e, progressivamente, integra-lo à sociedade capitalista. Paralelamente, parcelas consideráveis de valor são distribuídas por políticas sociais nos (VWDGRV8QLGRVH(XURSD(VVDVSROtWLFDVFULDPXPDLOXVmRGHXP³(VWDGRVRFLDO´(WDOLOXVmR ancorou a crença da esquerda de que a renda seria progressivamente transferida do capital para R WUDEDOKR 3DUD 0DQGHO DV H[SHFWDWLYDV LOXVyULDV VREUH D SRVVtYHO ³VRFLDOL]DomR DWUDYpV GD UHGLVWULEXLomR´QRILPGDVFRQWDVVHULDPDSHQDVRVSULPHLURVSDVVRVGHXP³UHIRUPLVPRFXMR fim lógico é um programa completo para a estabilização efetiva da economia capitalista e de VHXVQtYHLVGHOXFUR´xxvii. O desenvolvimento do capitalismo através do Estado se dá através da reconstituição e manutenção da força de trabalho via políticas sociais, além das desonerações fiscais para empresas, investimentos estatais em infra-estrutura e novas tecnologias, etc. O grande papel assumido pelo aparelho estatal criou entre os capitalistas a necessidade de eles exercerem influência sobre as decisões do Estado. Passam, então, a promover grupos de pressão (lobbies) para atuarem diretamente sobre os altos escalões dos governos, de modo a assegurarem que, para os governantes, os interesses do capital estariam sempre em primeiro OXJDU3URJUHVVLYDPHQWHDILUPD0DQGHOLVVRSURFHVVDD³UHSULYDWL]DomR não oficial, por assim GL]HUGDDUWLFXODomRGRVLQWHUHVVHVGHFODVVHGDEXUJXHVLD´ xxviii. Esse cenário realinha-se na primeira metade da década de 70, quando, pela primeira vez desde os anos 40, uma grave recessão econômica atingiu simultaneamente todos os países imperialistas. O evento possui grande relevância em si mesmo, promovendo transformações no sistema capitalista, no papel do Estado e induziu a esquerda a promover um novo revisionismo para se adaptar as novas mudanças. Uma série de estudos e uma intensa campanha ± especialmente a partir dos anos 80 ± apresentavam um novo espectro de políticas e reformas econômicas, advogando em favor de políticas de liberalização econômica extensas, como as privatizações, austeridade fiscal, desregulamentação, livre-comércio, corte de despesas governamentais a fim de reforçar o papel do setor privado. Fica conhecido como neoliberalismo esse arcabouçou programático e teórico político-econômico que se formou a partir do ressurgimento e ressignificação das ideias derivadas do capitalismo laissez-faire, expressão símbolo do liberalismo, segundo o qual o mercado deve funcionar livremente sob a égide da mão-invisível.
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Nesse contexto, ocorre na década de 80 uma nova rodada revisionista no pensamento da esquerda, na qual, apoQWD )LRUL ³RV VRFLDOLVWDV H VRFLDO-democratas europeus abandonam o keynesianismo e a própria defesa do estado de bem estar social, e adotam as novas teses, UHIRUPDV H SROtWLFDV QHROLEHUDLV´ $SyV DV PXGDQoDV RFRUULGDV QRV DQRV QR SURJUDPD H doutrinas dHHVTXHUGDEDVWDYDVHJXLURV³FDPLQKRVGRFDSLWDO´ xxix. Vão, então, no sentido do movimento mundial neoliberalista. $FULVHGRFDSLWDOLVPRRFRUULGDQDGpFDGDGHDEUHDVSRUWDVDILUPD&RHOKRSDUD³XP período em que as crises cíclicas se tornaram mais intensas e longas e as retomadas, mais débeis e curtas. A acumulação capitalista não se interrompeu, evidentemente, mas não retornou aos SDWDPDUHVKLVWyULFRVDQWHULRUHV´xxx. Vimos novas ondas da crise desse sistema nos anos 80, no início dos anos 2000 e, principalmente, em 2008. Diante disso, os governos socialdemocratas, trabalhistas, de esquerda, ou de direita, etc, promovem privatizações, buscam manter equilíbrios fiscais e somam esforços para reduzirem os investimentos em programas de bem-estar social. No final do século XX, entretanto, foi ficando cada vez mais evidente que as novas políticas e reformas neoliberais e as constantes crises diminuíram drasticamente a participação dos salários na renda nacional, restringiram os investimentos sociais, promoveram a concentração de capital e renda entre poucos grupos e reduziram a qualidade de vida e segurança do trabalhador. Não é de se espantar, diante disso, que a esquerda europeia venha sofrendo derrotas eleitorais sucessivas, principalmente depois de 2001. E uma onda ultraconservadora e conservadora em reação a esse grande decréscimo do poder de consumo e da qualidade de vida das classes médias, aliadas as sucessivas crises econômicas, estejam varrendo a Europa e os Estados Unidos. Na América Latina essa onda demorou um pouco mais para chegar. Enquanto nos países ricos a esquerda perdia espaço para a direita e ultradireita, no continente latino-americano a esquerda vivia anos dourados no início dos anos 2000. Como Fiori aponta, na virada para o novo milênio ocorreu uma inflexão sincrônica na América Latina, promovendo nos governos de vários países do continente uma virada democrática e à esquerda. Essa conquista políticoeleitoral, sem precedentes na história latino-americana, colocou a esquerda frente ao desafio de governar democraticamentexxxi. Se non è vero, è bene trovato que a ascensão da esquerda no início do século XXI é, entre outras razões, efeito da derrocada das reformas neoliberais impostas à América Latina pelos Estados Unidos no final da década dH1RILPGRVDQRVFRQVLGHUDGDD³GpFDGD SHUGLGD´SDUDRGHVHQYROYLPHQWRDVLWXDomRGRVSDtVHVODWLQR-americanos afigurava-se como Ϯϴ
muito difícil e sombria. Como parte da renegociação da dívida externa desses países, foram orientados a implementarem uma série de políticas e reformas neoliberais ± receituário que ILFRXFRQKHFLGRFRPR³&RQVHQVRGH:DVKLQJWRQ´±, que promoveu a abertura, desregulação e privatização de suas economias nacionais, o que ampliou o decréscimo dos resultados sociais e econômicos e apresentou-se no fim dos anos 90 como incapaz de superar os problemas estruturais desses países, apesar de em alguns o processo inflacionário ter sido controlado. Na Europa essas reformas foram promovidas por governos à esquerda, enquanto que América Latina aconteceu o contrário: era a direita que nela estava no comando dos governos e foi a responsável pela promoção do neoliberalismo. Como aconteceu no restante do planeta, as reformas intensificaram a instabilidade econômica e detonaram as lutas sociais no continente latino-americano. Isso acarretou em turbulências nos governos neoliberais no fim dos anos 90 e no início dos anos 2000. Em meio à essa deterioração da vida, cria-se uma consciência muito nítida de que é preciso mudar o governo para transcender a crise. Isso culminou num terreno propício para a guinada à esquerda na América Latina. Apesar das especificidades de cada país desse continente, pode-se verificar pontos em comum: os países foram forçados a seguirem o consenso de Washington, as reformas ampliaram os problemas sociais e, diante disso, as populações exigiam mudança. A chegada da esquerda no comando do Brasil, El Salvador, Guatemala, Paraguay, Perú, Uruguay, Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, Venezuela, no início do novo milénio, é conquista do povo que ansiou e lutou por essa mudança. Essa chegada ao poder de partidos, movimentos e lideranças de esquerda e progressistas nos países latino-DPHULFDQRVILFRXFRQKHFLGDFRPR³RQGDURVD´xxxii H³PDUpURVD´xxxiii. Segundo Pereira da Silva, o WHUPRµRQGDURVD¶pLQVSLUDGRQDDVFHQVmRGHSDUWLGRVGHFHQWUR-esquerda europeus ao poder na segunda metade dos anos 1990 e vale em ser adotado por seu carácter provocativo, dado que as políticas promovidas pelos governos de esquerda na América Latina não tiveram a radicalidade dos discursos antes proferidos pelos seus atores. Sendo assim, aponta R DXWRU ³IDODU HP µRQGD URVD¶ p PDLV DSURSULDGR GR TXH HP µPDUp YHUPHOKD¶ RX DOJR GR WLSR´xxxiv. As características desses governos apresentam matizes variados de acordo com o tema avaliado e com o governo. Após o período de injeção neoliberal e os inúmeros revisionismos pelos quais passou o marxismo, os governantes latino-americanos promoveram políticas econômicas nesse caminho, percorrendo passos contraditórios de aumento do ativismo estatal, aliado às reformas neoliberais que, em sua premissa básica, defende a não intervenção do Ϯϵ
Estado na economia. Assim, redefiniram o papel da atuação estatal em termos de intervenção na vida dos países, regulando e complementando o mercado. Nesse processo, introduziram reformas em diversas áreas, mas não na direção da superação do sistema econômico-social capitalista. Não promovem uma ruptura radical, e sim graduais processos de reforma, FDUDFWHUL]DQGR DVVLP VHXV JRYHUQRV FRPR µUHIRUPLVWDV¶ ([HPSOR GLVVR VmR DV SROtWLFDV GH transferência de renda. Os governos neoliberais dos anos 90 implementaram essas políticas, mas foram focalizadas e temporárias. No início do novo milénio os progressistas mantiveram essas medidas e as ampliaram, mas sem promover a superação definitiva dos antagonismos sociaisxxxv. 3DUD6RDUHVGH/LPD³SROtWLFDVGHLQFOXVmRVRFLDODPSODVHJHQHURVDVFRQVWLWXHPXP HOHPHQWRFRPXPHGHILQLGRUGHVVHVJRYHUQRV´xxxvi. Tais políticas sociais, contudo, não apontam para a universalização, pois não constituíram a institucionalização mais definitiva de novos direitos e não configuram como estado de bem estar social. Ainda que tenha sido políticas mais abrangentes do que as implementadas nos anos 90, foram focalizadas, temporárias e de governo. Quanto aos resultados, os indicadores sociais apresentam consideráveis avançosxxxvii. Entretanto, não passam de um reformismo fraco, o qual, no fim das contas, serviu de esteio para o desenvolvimento capitalista. Aplicaram tais medidas devido em grande medida as referências teóricas e programáticas do marxismo que se construiu ao longo do século XX após os inúmeros revisionismos, dentre os quais os principais movimentos de revisão foram mencionados anteriormente. Isso aconteceu porque, historicamente, esquerda latina sempre se inspirou na europeia para formular os seus governos. Os governos Lula e Dilma possuem claramente características permeadas por isso, nas quais ancoraram o projeto neodesenvolvimentista seguindo a lógica de que igualdade social e política se ergueria nos ombros do crescimento econômico ± o que, por sua vez, necessitaria do intenso incentivo estatal ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Assim, a ascensão dos governos progressistas no início do século XXI na América Latina fazia circular pelas veias abertas desse continente a esperança de que chegariam ao fim a desigualdade e a polarização da riqueza e da propriedade privada; e um mundo melhor se constituiria. Uma década e meia depois, entretanto, estamos assistindo, boquiabertos, esses governos serem derrubados um a um. Ensaiaram uma nova era, mas não a alcançaram. E agora estão em crise assim como a europeia. O mais perturbador é que a esquerda está sendo derrotada por partidos conservadores de diferentes matizes, mas que defendem as mesmas políticas neoliberais, não raro de forma mais radical, que ela defendia quando estava no poder. ϯϬ
Diante de tudo isso, fica claro que a esquerda, concordando com Fiori, não está vivendo XPDFULVHFRQMXQWXUDOHFLUFXQVWDQFLDO³HODHVtá vivendo o limite lógico de um projeto que foi nascendo de sucessivas decisões estratégicas e que esgotou completamente sua capacidade µSURMHWXDO¶´ 'HUHYLVmRHP UHYLVmRIRUDP VHGLVWDQFLDQGRGHVXDV SURSRVWDVRULJLQDLV DWp R ponto de se transformarem em pró-capital, ainda que não queiram admitirxxxviii. A esquerda vive, portanto, momento complicado na atualidade. As brumas e a cerração são densas e obstruem a visão. Navegar por entre elas não é fácil, mas, como navegar é preciso, creio que uma saída é rever a sua trajetória de uma perspectiva de longo prazo, como tentei fazer aqui, de modo a conseguir fazer um diagnóstico mais aprofundado da conjuntura presente e, dessa maneira, compreender as linhas de força possíveis para o futuro.
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Histeria anticomunista
Ao longo da segunda metade do século XIX e, principalmente, durante boa parte do XX, permeou pelo planeta o medo ao comunismo. Com mais intensidade no Ocidente, ao longo de décadas o conjunto de ideias, correntes e tendências que identificam os comunistas como a encarnação do mal condicionou a opinião pública a crer que é preciso combatê-los. O anticomunismo chega ao seu ápice na chamada Guerra Fria, período de disputadas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética. No Brasil não foi diferente, evidentemente. Orquestrados por grupos conservadores e em certos momentos até por alas progressistas, marcou a nossa história a negação radical dos princípios e ideais comunistas e a oposição ferrenha a todo governo ou organização que dê suporte prático ou teórico a essa ideologia. Em nosso país, o medo ao comunismo frequentemente foi usado pelo Estado como justificativa para ações ostensivas. É sem dúvida um dos fenômenos políticos mais relevantes nas duas fases de colapso institucional da democracia no Brasil, são elas: a ascensão do Estado Novo em 1937 e o Golpe civil-militar de 1964. Por ser um movimento heterogêneo e contra algo, ao invés de a favor, ele costuma ascender com intensidade somente em momentos considerados pelos partícipes como críticos. O anticomunismo só perde espaço aqui e no restante do planeta após a queda do muro de Berlim em 1989, quando grupos políticos e empresariais de diversos países, principalmente dos mais ricos, estando os Estados Unidos novamente encabeçando a empresa, conseguiram fazer com que o medo das drogas ± e, posteriormente, do terrorismo ± substituísse gradativamente o comunismo como figura ideológica de ameaça à democracia mundial. Entretanto, ainda que o inimigo comum tenha sido trocado, um fenômeno tão antigo como o anticomunismo deixa raízes profundas. É um passado que está longe de passar. E demonstra estar ressurgindo cada vez com maior intensidade. Continua se perpetuando no mundo líquido em que vivemos, com continuidades e também se ressignificando e se incrustando com novas roupagens em posicionamentos político-ideológico diversos, como uma doença silenciosa que ocasionalmente reacende num novo sintoma e nos derruba. O anticomunismo é uma patologia crônica em parte por causa da atuação da mídia FRUSRUDWLYD RX FRPR p PDLV FRQKHFLGD D ³JUDQGH PtGLD´ (VVH VHWRU SRVVXt D VXD SDXWD conservadora própria que entra em entrechoque com a da esquerda. Há décadas, então, que ϯϮ
muitos jornais, revistas, telejornais, etc, combatem de diferentes maneiras quaisquer movimentos sociais que no espectro ideológico se localizam à esquerda. Vimos isso em 1964, quando o golpe civil-militar foi defendido como um meio para se combater o avanço do comunismo no país. Vimos o anticomunismo em ação nas eleições de 1989, quando a Rede Globo armou contra Lula para eleger Collor. Desde que Lula ocupou o cargo de Presidente da República em 2003, essa mídia tem em diferentes momentos lançado-mão dos pressupostos anticomunistas para nortear a sua atuação, com o intuito de pressionar o presidente e o Partido dos Trabalhadores a cumprir acordos com a classe dominante e o imperialismo neoliberal. Os efeitos dessa ação midiática é WDPDQKRTXHKRMHRQRPH³/XOD´pPRWRUHYRFDWLYRGHPXLWRyGLR%Dsta dizê-lo para levar uma pedrada, figurativamente e, às vezes, até literalmente. Acredito que em grande medida o anticomunismo manifestado na aversão à figura do ex-presidente também se deve ao fato de mexer profundamente com o nosso imaginário nacional popular ver um proletário chegar ao cargo mais importante da República. Não nos enganemos. Nosso imaginário está calcado na representação de que somente a casa grande deve comandar os rumos do país. O que a mídia hegemônica fez foi se aproveitar disso para condicionar a opinião pública a favor dos interesses dos donos do poder e contra os projetos iniciais do PT que poderiam promover no país a Justiça social. Quando um filho de pobre chega ao palácio com o objetivo de fazer preponderar no Brasil a igualdade de direitos e responsabilidades, todo os organismos são organizados para expulsa-lo ou neutraliza-lo. O avanço do conservadorismo anticomunista no Brasil fica também evidente nas eleições de 2014, com a votação expressiva de ícones da direita para o Congresso Nacional. E se intensifica quando Dilma se reelegem. Nos primeiros meses de 2015, milhões de pessoas foram às ruas SDUDFRUULJLUHPHVVHµHUURGDVXUQDV¶ $VVLPFRPRR³SHULJRYHUPHOKR´HVWUXWXURXDVFRQVWUXo}HVGLVFXUVLYDVTXHHQVHMDYDP justificar o golpe de 1964, no golpe de 2016 algo semelhante aconteceu. Os diferentes atores (casta política, setor financeiro nacional e internacional, alta classe média, parcela do Judiciário, grande mídia) que formaram a frente pró-golpe, sustentaram o seu discurso no argumento de que essa esquerda que deixou o país na bancarrota política e econômica. As questões políticas e econômicas que permeiam os posicionamentos conservadores de nossa época são, assim, acentuadas por um sentimento anticomunista. De repente algo se esgarçou e tornou-se inaceitável para uma parte da sociedade. E este algo inaceitável se explicita marcando e determinando um inimigo externo: a esquerda brasileira. ϯϯ
No terceiro colapso institucional que a democracia brasileira está sofrendo, o anticomunismo novamente toma a cena e chega ao ápice nesse início de século. Era de se imaginar o avanço do conservadorismo no país, já que o mesmo está ocorrendo em muitos outros países. Entretanto, se o mundo vive uma onda conservadora, nós parecemos estar na crista dela. E uma de suas principais facções marca presença intensificando o processo por meio GHXPD³KLVWHULDDQWLFRPXQLVWD´FRPRGLVVHFHUWDYH]XPGRVPHXVPHOKRUHVSURIHVVRUHV Com o golpe consumado, é de se esperar que as cruzadas anticomunistas se intensifiquem para conter qualquer ressurgimento da esquerda no poder. Um acontecimento UHFHQWHTXHH[SUHVVDDRUODFRPXPHPJXDUGDFRQWUDR³SHULJRYHUPHOKR´foi a ocupação do Plenário da Câmara dos Deputados, ocorrida na tarde de quarta-feira de 16 de novembro de 2016$ILUPDQGRSURWHVWDUFRQWUDRJRYHUQR³FRPXQLVWD´GH0LFKHO7HPHUHDFRUUXSomRQD política, cerca de 50 a 60 pessoas tomaram o entorno da mesa de onde os membros da Mesa Diretora comandam os trabalhos. O grupo de manifestantes queria a participação do povo na política brasileira e, ainda, a intervenção militar. Houve empurra-empurra, uma porta de vidro foi quebrada e uma mulher se machucou. Ao final, segundo a Agência Câmara, cinco manifestantes foram detidos pela Polícia Legislativa. Sempre me causou certa ojeriza ouvir que os governos petistas são de esquerda. Mas, RXYLUDOJXpPWD[DQGRRJRYHUQR7HPHUGHµFRPXQLVWD¶EHLUDDVDQGLFHWRWDO0DLVGRTXHDV LPDJHQV H HVVDV DVQHLUDV p D IUDVH DQ{QLPD ³QRVVD EDQGHLUD MDPDLV VHUi YHUPHOKD´ que me chama a atenção. Ela atravessa os vídeos sobre a ocupação e chama a minha atenção porque há nela uma incredulidade, um ponto de afirmação magoado nas entrelinhas. O protesto contra o ³FRPXQLVPRGRJRYHUQR7HPHU´SRGHSDUHFHUXPIDWRLVRODGRPDVVH olharmos atentamente, esse acontecimento revela que parte dos anticomunistas se sentem traídos, a mágoa está enrolada na garganta, pois a queda de Dilma Rousseff não garantiu a extinção da corrupção que, por sua vez, acredito ser concebida como um desvio originário das ações da esquerda brasileira. Pode-se supor que eles creem que, se após a queda de Dilma ainda ocorrem casos de corrupção, é porque a esquerda continua no poder manipulando tudo e a todos por trás das cortinas. A corrupção, nesse sentido, é concebida pelos protagonistas do anticomunismo como consequência das ações da esquerda. Estão incrédulos ao perceberem a insuficiência das instituições públicas para destituir a esquerda brasileira, compreendida como causadora de todos os males. Essa sensação de incredulidade foi fermentada ano a ano por um sistema de paralisias que a política brasileira entrou nos últimos três anos, em meio ao qual cada vez mais o legislativo e, ao final, o próprio ϯϰ
executivo, ficaram engessados ± o que culminou na hegemonia do judiciário aparecendo agora FRPRXPSRGHUDIUHQWHGRVGHPDLV1mRpjWRDRVJULWRVGH³YLYD6pULR0RUR´QDRFXSDomR do Plenário da Câmara. O poder judiciário ocupa os espaços de representação dos anseios de uma parte significativa da população. Essa esfera do poder é hoje personificada na figura desse procurador ± antes foi o Joaquim Barbosa ±HQWHQGLGRFRPRR³SDODGLQRVDOYDGRUGDSiWULD´ TXHHVWiQRV³OLYUDQGRGRPDO´SRUPHLRGHXPD³ODYDJHPjMDWR´GRVLVWHPDSROtWLFRGRSDtV Ainda que o judiciário ainda possua esse poder de representação para uma parcela da população e entre os manifestantes que ocuparam a Câmara, um grupo menor, mas não menos importante entre estes, defende que se faz necessário uma medida mais extremada para salvar o país GDV³JDUUDVGDHVTXHUGD´(VVDPHGLGDVHULDDLQWHUYHQomRPLOLWDU$RFXSDomRGD&kPDUD é, por isso, um emblema desse movimento ultraconservador de descrença na política ± descrença esta causada pela presença da esquerda nela. É um emblema por mostrar o anticomunismo que pulsa nos nossos dias: pessoas de extrema direita e ultraconservadoras são hoje os principais atores dos núcleos desencadeadores dessa histeria anticomunista que cada vez mais permeia o cotidiano do país. E creem que somente a intervenção militar encaixa como uma luva em seus anseios por mudança mais radicais. Como foi dito antes, o anticomunismo é um movimento heterogêneo, sendo mais adequado falar em anticomunismos, já que há inúmeras vertentes dentro dele. Segundo Motta, ³R HVSHFWUR LGHRlógico em questão é tão amplo que vai da direita à esquerda, reunindo UHDFLRQiULRVFRQVHUYDGRUHVOLEHUDLVHHVTXHUGLVWDV´xxxix. Entre a esquerda esse movimento foi mais comum na Europa e Estados Unidos. Num país como o Brasil onde uma grande parcela da população vive na miséria, foi pouco visível o anticomunismo dentro da esquerda. A ocupação explicita, então, a faceta do movimento que prepondera em nossos dias. É herdeiro de características que o marcaram no passado, mas também sofreu inúmeras ressignificações. Analisando os últimos acontecimentos percebo que uma característica do anticomunismo que se perpetuou até os nossos dias é o ato estratégico de coisificar a esquerda para torna-la um inimigo comum. Fazem isso reunindo num único bloco toda a esquerda, não só simplificando (conscientemente ou não) todo o seu sincretismo, complexidade e multiplicidade, como também incluindo nesse mesmo conjunto grupos que não pertencem a ela. Entre outras tantas organizações, nesse bloco incluem desde a esquerda ex-governista que participou e apoiou os governos petistas, à esquerda não-governista; incluem também os movimentos sociais e sindicais, ainda que estes não se autodeclarem em sua completude como ϯϱ
de esquerda, como os movimentos de ocupação de escolas, os movimentos civis LGBT, o movimento negro, o movimento pelo direito das mulheres; incluem, ainda, os anarquistas, entendidos erroneamente como uma esquerda mais radical. Apesar de muitas dessas organizações não se alinharem ideologicamente a um posicionamento de esquerda, são compreendidas como tal por parte da população. Ou seja, para dar coesão ao processo, eles nos transformam em inimigos do bem-comum QRV DJORPHUDQGR QXP ~QLFR EORFR FRP R FDULPER GH µHVTXHUGD¶ µFRPXQLVWD¶ RX DLQGD µSHWLVWD¶3RUHVVDUD]mRo constrangimento de algumas pessoas de esquerda ao serem taxadas HUURQHDPHQWHGH³SHWLVWDV´SRUDQWLFRPXQLVWDV3DUDHOHVVRPRVWRGRVDPHVPDFRLVDVHMDYRFr um militante de algum movimento social apartidário, um militante do PT, do Psol, ou um anarquista. Não importa qual seja o nosso campo de ação e posicionamento político-ideológico, se não pertencer ao deles, é concebido como um potencial inimigo a ser eliminado. Ou, noutras palavras, sHQmRIRUXPGHOHVID]SDUWHGR³SHULJRYHUPHOKR´ Tudo indica que as cruzadas anticomunistas se tornarão cada vez mais frequentes nas ruas do Brasil ± em novas e ferozes versões. Estão gradativamente mais propensos a estarem fora do universo da divergência política aceitável. Diante disso, muitos dos meus amigos de esquerda me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira, porque a reação é cada vez mais hostil. Faz alguns meses que passei a fazer o mesmo. Percebemos que o cerco aperta e, a qualquer momento, tememos uma intimidação física, seja na fila do banco ou na padaria da esquina. Muitos já foram. Acuados, temos preferido evitar de nos declararmos de esquerda. Me arriscaria dizer que a liberdade ideológica e de expressão determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, em pleno século XXI, ser de esquerda volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que vi uma manifestante confundir um estande em homenagem ao Japão com a bandeira comunista, nada mais me surpreende.
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Acorda, amor, está na hora de lutar pelo país
As cortinas estão levantadas, as luzes acesas, mas quem ocupa o palco não somos mais nós ± ³FLGDGmRVGHEHP´%DVWDLUDRVDHURSRUWRVSDVVHDUGHFUX]HLURDQGDUSHODFLGDGHSDUD ver que estamos sendo encurralados por carros populares e camisas compradas na Pernambucanas. Nossos direitos conquistados pela meritocracia, estão sendo subtraídos em nome de uma revolução bolivariana! Estão transformando este país em uma ditadura do andar GHEDL[R³7iGRPLQDGRWiWXGRGRPLQDGR´KiDnos o Furacão 2000 nos alerta em seu refrão subliminar sobre o avanço do perigo vermelho. Acorda, amor! O pesadelo tomou forma, é real. Bens e direitos que, há séculos, são nossos, agora são entregues para uma gente sem classe, erguendo assim um país mais justo e igualitário. Os bandidos HVTXHUGLVWDVHVWmRDFDEDQGRFRPWXGR2VHUWDQHMRGH³2VVHUW}HV´QmR PDLV SDVVD IRPH 2 QHJUR GH ³&DVD-JUDQGH VHQ]DOD´ HVWi QD XQLYHUVLGDGH 2V UHWLUDQWHV 0DQXHOH5RVDGH³'HXVHRGLDERQDWHUUDGRVRO´HRLQJrQXR)DELDQRGH³9LGDV6HFDV´WrP FDVDSUySULDHERQVHPSUHJRV$0DFDEpDGH³$KRUDGDHVWUHOD´HVWiGRXWULQDQGRDVQRVVDV crianças nas escolas. Como era melhor antes desses tempos difíceis. Veja a que nível chegamos: hoje o meu filho estudante de medicina tem como colega de turma a filha da diarista. Recentemente encontrei o meu jardineiro no teatro, de terno e gravata, acredita? Pois é. Ando com a minha cabeça já pelas tabelas. Espaços e direitos que antes eram somente nossos, agora estão sendo divididos. Os malditos esquerdistas, os movimentos sociais e toda gente dessa laia estão criando um país mais justo e igualitário. É revoltante! Só não deixo o Brasil, onde o progresso está chegando a uma gente sem classe que agora vai para a universidade, tem direitos trabalhistas e até passeia de cruzeiro! Só não me mudo para Miami porque estou crente de que juntos venceremos todos esses absurdos. Juntos não deixaremos a ralé tomar parte na ceia brasileira. E para sobreviver a quarta-feira de cinzas devemos nos organizar, a nação nos convoca para salvar o país da Justiça social. Se hoje está praticamente impossível estacionar os nossos carrões, nos obrigando a deixá-los em cima de calçadas, se não fizermos algo agora logo terá fila até no restaurante gourmet. Os aeroportos precisam voltar a ser nossos, a farra da bolsa IDPtOLDGHYHDFDEDUGHYHPRVQRYDPHQWHVHULJXDLV³FDGDXPQRVHXTXDGUDGR´3UHFLVDPRV
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afastar dos nossos condomínios de luxo o cálice que só obscurece com igualdade e justiça o nosso país. Pra frente, Brasil! É hora de lutar para que o país volte a ser nosso. É hora de revivermos a saudosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade! A marcha que salvou o país de uma ditadura comunista e nos garantiu 20 anos de paz e prosperidade. Vamos caminhando e cantando com Aécio Neves, Bolsonaro, Kátia Abreu, Eduardo Cunha e muitos outros grandes líderes dessa nação que não descansam até que os antagonismos sociais sejam plenamente preservados e os nossos direitos de elite estejam assegurados. São cheios de força e pó contra o canhão da corrupção! Peguem as panelas e os carrões e vamos todos para a avenida gritar porque somente nós merecemos uma vida boa. A igualdade de direitos e responsabilidades não pode preponderar em nosso belo país, onde escravizamos os sabiás para cantarem o seu canto de paz e nos abanar com as folhas de palmeiras. Apesar deles, amanhã há de ser outro dia. Nós, revoltados da revolta, botaremos na avenida um grandioso bloco de almas tempestuosas e amareladas; formaremos uma passeata ordeira e civilizada cheia de ódio contra a construção de um país mais justo. E, assim, reconquistaremos o nosso espaço, deixando para trás essa página infeliz de nossa história. A liberdade não pode ser para todos. Eles já têm o carnaval, não podem querer mais. Voltaremos a ser o patrão!
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Guinada à direita
Oi, amor. Espero que esteja tudo bem aí em Miami. Escrevo para dizer que estou muito feliz. Durante um tempo, página infeliz da nossa história, era aquela gente de vermelho quem ocupava o palco, mas graças a deus que agora quem está lá é o Michelzinho. Aquele velhinho travesso conseguiu. Ah, falando nele, mande depois algumas pastilhas. Até que enfim novamente temos um governo feito de gente como a gente. Sabe o tipo pulando de alegria? Estou assim. Depois de anos dividindo espaço com os populares, finalmente conseguimos nos libertar daquela corja que queria transformar o Brasil no país da Justiça Social. Já era hora de darmos essa guinada à direita! Agora o país voltará aos trilhos e seguirá pelo rumo certo, sem a ralé tomando parte na ceia brasileira. Apesar da boa nova, ainda é só o começo, amor. Estamos só começando a assegurar que os sucrilhos continuem somente no nosso prato de elite, porque infelizmente ainda existe uma herança maldita que precisamos superar. Falo dos baderneiros que aqui ainda insistem em transformar o país em uma ditadura bolivariana. Aquela gente que defende barbaridades como aborto, legalização das drogas, direitos trabalhistas para empregada doméstica, continua vivendo em nossas terras e precisamos dar um jeito nisso antes que tomem o poder novamente. Temos que agir imediatamente. Veja os nossos jovens, por exemplo, estão cada vez mais manipulados por essa gente que, ao invés de trabalhar, só pensa na crise. Isso é prova cabal de que o Partido dos Trabalhadores fez um estrago tão grande que levaremos anos para superarmos a sua herança maldita. Apesar de ser uma missão difícil, conseguiremos. Agora que temos o Temer lá, um senhor respeitável e íntegro, acompanhado de sua esposa bela e recatada, conseguiremos vencer a luta em prol de um país mais somente nosso. Vamos com Temer e outros grandes líderes da nossa nação, como Alexandre Frota, Bolsonaro, Sérgio Moro, que não descansam até que os antagonismos sociais sejam plenamente preservados e os nossos direitos de elite estejam assegurados. Falando no Serginho, lembrei agora que esse bom-moço provinciano nos mostrou uma ferramenta muito útil para conseguirmos vencer os fantasmas do PT: prisão preventiva. É perfeito, amor! Basta prender preventivamente que mataremos pragas como esquerdismo, anarquismo, abortismo, gayzismo, entre outras. ϯϵ
O carinha anda de all star, escuta músicas do demônio, está com a barba por fazer, tem broche na mochila e cheira a maconha? Manda prender! O carinha está de camisa vermelha? Prende antes que seja tarde! O carinha anda por aí com o livro do Karl, não tem dinheiro e mora com os pais? Prende que na certa a peça é manipulada! Caminhando, cantando e prendendo preventivamente transcenderemos a herança maldita deixada pelos cubano-petistas. Se tivéssemos feito isso antes, teríamos evitado que o esquerdismo e todos movimentos dessa laia acabassem com o país tornando-o mais justo. Teríamos evitado até atrocidades como a que ocorreu recentemente na reitoria da universidade. Os estudantes manipulados pelos cubano-petistas agrediram física e verbalmente uma porta e, assim, ofenderam o palácio celestial do nosso prodigioso reitor. Se aqueles arruaceiros estivessem todos presos não teriam invadido. Tivemos, então, muitos avanços em 2016, amor, porém, ainda há muitos desafios pela frente. Se o grande cavaleiro salvador da pátria Serginho continuar prendendo os bandidos e se o Temer continuar implementando cada vez mais as suas medidas, em breve atravessaremos a ponte para um futuro em que os aeroportos novamente serão nossos, a farra da bolsa família terá DFDEDGRHYROWDUHPRVDVHULJXDLV³FDGDXPQRVHXTXDGUDGR´ Quem sabe agora que as coisas estão melhorando você até tenha vontade de voltar a morar no Brasil, amor. Foi uma pena você ter se mudado quando a Dilma venceu. Nós, revoltados da revolta, precisamos estar outra vez todos juntos nesta nova Marcha da Família com Deus pela liberdade que se formará. A marcha que no passado salvou o país de uma ditadura FRPXQLVWDHQRVJDUDQWLXDQRVGHSD]HSURVSHULGDGH²HTXHDJRUDQRYDPHQWHcontinuará o trabalho contra o perigo vermelho. Pense com carinho na possibilidade de voltar a morar aqui para, juntos, conseguirmos afastar de nossas mansões o cálice que só obscurece com igualdade e justiça o nosso país. Paro por aqui, amor. Um beijo! ϰϬ
Brasil, a maior ilha do mundo
Não explicitar a gravidade do processo de divisão internacional do trabalho que no planeta separa os países que compram, daqueles que vendem; que separa os países que vendem para muitos, daqueles que vendem para um só; e, ainda, dividi as regiões no planeta que produzem produtos de alto valor, daquelas que são limitadas a produzir produtos primários; enfim, não seria preciso esclarecer que no planeta há linhas invisíveis que separam os países ricos dos pobres. Nessa divisão, a América Latina e o Caribe, há mais de quinhentos anos, são tratados como periferia. Existe um ditado latino que representa bem isso: ³(O 3XHEOR TXH FRPSUD manda. El Pueblo que vende, sirve. El Pueblo que quiere morir, vende a um solo pueblo, y el TXHTXLHUHVDOYDUVHYHQGHDPiVGHXQR´ Tendo em vista que nós latino-americanos secularmente estamos no mesmo barco, não é de se espantar que os acontecimentos que permeiam os países vizinhos repercutem no Brasil, e vice-versa. Às vezes com maior intensidade, às vezes com menos, mas sempre se fez presente essa inter-relação. Enquanto milhões de indígenas foram, na região hoje compreendida como México, Argentina, Venezuela, subjugados ao quinhão mais cruel de um novo padrão de poder trazido pelas velhas madeiras das caravelas europeias e caíram aos milhares sob a progressão da hecatombe, aqui no Brasil aconteceu um processo semelhante. Enquanto todo o continente latino-americano foi transformado numa colônia para servir às mesquinharias do mercado europeu, o mesmo aconteceu em nosso país. Enquanto muitos países latinos tiveram a sua frágil democracia derrocada e se tornaram ditaduras, novamente aqui vimos um processo semelhante. São inúmeros os exemplos ao longo do processo histórico. 2TXHPHFDXVDHVWUDQKH]DpRIDWRGHH[LVWLUHVVD³FRQYHUJrQFLDODWLQR-DPHULFDQD´PDV nós brasileiros nos comportarmos como uma grande ilha. Na atual conjuntura estamos passando por um processo semelhante ao que ocorreu em Honduras (2009) e no Paraguai (2012). Falo do golpe parlamentar que depôs o presidente Manuel Zelaya no primeiro e, no segundo, o Fernando Lugo. Em nosso país, respeitando as proporções, pode-se dizer que vimos um processo semelhante, com Dilma Rousseff. Porém, foram poucos os analistas, ativistas, cientistas sociais e políticos que abriram os olhos para além das nossas fronteiras com o intuito de analisar o que nos acontecia através de comparações supranacionais. ϰϭ
Assim, o Brasil se comporta como uma grande ilha. Se me perguntares as origens para termos esse comportamento analítico tão voltado a nós mesmos, direi: não sei! De fato, não sei o porquê, mas sei que é interessante revermos esses pressupostos. A América Latina é um continente que se move de forma sempre sincrônica, apesar de sua enorme heterogeneidade interna. Creio ser importante, então, começarmos a olhar com maior atenção para o que acontece aos nossos vizinhos, de modo a melhor compreendermos o que acontece e o que acontecerá conosco.
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Temer: um provisório que parece a eternidade
Na atual conjuntura, com o funcionamento disfuncional do sistema institucional, a demanda por soluções rápidas, definitivas e ilusória se multiplica. Foi assim que uma grande parte da sociedade brasileira acreditou que a queda de Dilma Rousseff resolveria a crise político-institucional em que está mergulhado o país. É assim que agora outra parte significativa da sociedade luta por eleições gerais. É assim também que Michel Temer está implementando medidas para alavancar o crescimento do país e agradar o que há de mais podre na política. Enquanto há demanda por soluções rápidas em todos os lados, o tempo parece que parou, tornando o governo Temer um provisório que parece a eternidade. Infelizmente, se ele continuar realizando as suas reformas, ou, melhor dizendo, as suas contrarreformas, as consequências de seu governo terão mesmo um caráter de longo prazo. A PEC 55/2016 é um exemplo claro disso. No próprio texto da proposta o prazo de aplicação é enorme, de 20 anos. Mas, se ela for aplicada exatamente como está nos termos do texto, os seus efeitos se estenderão por muito mais do que duas décadas. Do mesmo modo que até hoje sentimos os efeitos das capitanias hereditárias, divisão desigualitária de terras realizadas há século, sentiremos os efeitos dessa proposta ± e de muitas outras implementadas por Temer ± durante muito tempo. Vai ser preciso lidar com o colapso sem lançar mão de soluções pretensamente mágicas e nem deixar que se instale medidas duradouras que não passaram pelo reverendo da população. Para que Temer seja superado, precisamos encontrar meios de transcender o divórcio que hoje existe entre os movimentos que estão na base da sociedade e as instituições ± estas concebidas num sentido amplo, englobando partidos, sindicatos, os três poderes, movimentos sociais tradicionais. Hoje há na base da sociedade inúmeros movimentos sociais fragmentados e fragmentários, cheios de energia, muito ativos, grande parte protagonizados por jovens ± e que não têm interesse em se ligarem às instituições para reestrutura-las num sentido positivo. Temem se contaminar com os vícios destas ou serem instrumentalizados pelas mesmas. As instituições também dão as costas para esses movimentos, não conseguem compreendê-los e temem serem modificadas completamente. De ambos os lados, precisa haver diálogo. Ambos precisam ceder em determinados pontos para que possam, juntos, superar o colapso institucional. As instituições precisam se remodelar incorporando elementos dos movimentos que permeiam hoje a base da sociedade,
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assim como esses movimentos precisam compreender que as instituições têm potencial para resolver grande parte dos problemas do país. Enquanto um estiver de costas para o outro, o grande bloco de partidos fisiológicos comandados pelo PMDB continuará rifando os nossos direitos para o benefício do grande capital. E Temer será um provisório eterno, literalmente. ϰϰ
PEC 241: o seu futuro congelado
No domingo à noite, dia 9 de outubro, eu caminhava pelo centro de Ponta Grossa, cidade do interior do Paraná onde moro, quando vi um senhor organizando o seu carrinho cheio de material reciclável. Indiferente aos olhares das pessoas que passavam à sua volta, ele trabalhava ali sozinho. O seu moletom pertencia a braços mais curtos, a calça a um corpo maior. A barba e o cabelo eram seus e eram livres. Ele trabalhava em passos descalços. A sujeira da cidade tinha se plantado no solo dos seus pés e criado raízes escuras. Era só um fim do dia como qualquer outro para ele e para mim. Mas, enquanto ele trabalhava em péssimas condições, deputados celebravam a proposta de emenda constitucional 241 no banquete oferecido pelo Michel Temer no Palácio da Alvorada. Chamada pelos governistas de PEC do teto de gastos e por opositores de PEC da morte e PEC do fim do mundo, ela regulará pelos próximos 20 anos a forma como o Estado brasileiro aplica seus recursos limitando o reajuste dos investimentos à inflação do ano anterior. Isso resultará em um impacto gigantesco, com cortes de investimentos em todas as áreas, principalmente em duas essenciais: saúde e educação. O Governo e muitos jornalistas afirmam que o Brasil precisa dessa medida para aplacar RVHIHLWRVGD³KHUDQoDPDOGLWD´VXSRVWDPHQWHOHJDGDSHORVJRYHUQRVSHWLVWDV'izem que a PEC significa o progresso, visto que, por meio dela, o país sairá do vermelho e a economia voltará a crescer. A PEC 241, entretanto, não passa de um grande regresso. Está entre os maiores ataques aos direitos sociais da história do país. É mais um dos golpes contra o país perpetrados pelo atual Governo que precisou de um golpe parlamentar para chegar ao poder, já que legitimamente por meio de eleições nunca conseguiria. A aprovação da PEC significará menos escolas, menos professores, menos remédios, menos médicos, menos transporte público, menos segurança, menos saneamento básico. Por meio dela congelarão o salário do funcionalismo público, os investimentos em saúde, em educação. Congelarão o nosso futuro rasgando a constituição cidadã de 1988 e suas garantias sociais. No futuro próximo, os recursos destinados pelo Estado para essas e outras áreas não atenderão mais as suas demandas. Muito provavelmente a alternativa que apresentarão será a privatização. Ou seja, as áreas como educação e saúde, que atualmente já estão sucateadas, entrarão num processo ainda mais intenso de precarização e, quando nada ϰϱ
mais funcionar minimamente, o Estado as entregará para o setor privado. A população mais pobre, que depende do sistema público, será a mais prejudicada. Essa proposta de mudar a Constituição é, assim, um crime de lesa-pátria. É um atentado FRQWUD D SRSXODomR EUDVLOHLUD 3RU LVVR TXDQGR VH GL] TXH ³R %UDVLO SUHFLVD´ TXH R (VWDGR diminua os investimentos em áreas como saúde e educação, há de se questionar o que se entende DTXLSRU³%UDVLO´HRTXHVHHQWHQGHSRU³SUHFLVDU´4XDQGRDGHIHVDGD3(&VHWUDYHVWHGD SHUJXQWD³TXDOpDDOWHUQDWLYD´KiTXHVHTXHVWLRQDUDOWHUQDWLYDDTXrSDUDTXHPHVHJXQGR qual modelo. A PEC 241 já foi aprovada na primeira votação no Congresso. Ainda são necessárias mais três votações para que se torne lei, uma na Câmara e duas no Senado. Se for aprovada, além dos retrocessos inerentes a ela, cresce a possibilidade de Temer emplacar outros projetos de seu interesse, como as reformas trabalhista e previdenciária. Cabe a nós, então, não aceitar que enfiem goela abaixo uma medida que tornará cada vez maior o número de pessoas vivendo em condições de vulnerabilidade social, como aquele senhor que vi no domingo.
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Aposentadoria da gargalhada nacional
A campanha pela abolição da escravidão ganhou impulso com o final da Guerra do Paraguai. Muitos soldados negros, quando voltaram da guerra, queriam a liberdade prometida e alguns foram alforriados. O debate avançava no mundo, mas no Brasil anda a passos curtos e lentos. A elite brasileira costumava tratar o tema seguindo a tática do silêncio, com o intuito de proteger os seus interesses. Entretanto, a conjuntura econômica condicionou o país para o caminho da abolição. O país estava sendo pressionado pelas grandes economias, principalmente da Inglaterra, e havia o medo da elite de acontecer uma agitação social. Visando diminuir as pressões internas e externas, o governo imperial iniciou uma série de reformas, com o intuito de reduzir a escravidão. eQHVVHSURFHVVRTXHIRLFULDGDD³/HLGRV6H[DJHQiULRV´HPDTXDOOLEHUWDYDRV HVFUDYRV FRP DFLPD GH DQRV GH LGDGH (VWD OHL ILFRX FRQKHFLGD FRPR ³D JDUJDOKDGD QDFLRQDO´SRLVHUDUHGX]LGRRQ~PHURGHHVFUDYRV libertos através dela, já que poucos atingiam tal idade; além disso, não gerava custos para o proprietário, pois um escravizado com 65 anos não tinha mais condições de trabalhar. Por fim, depois da libertação, o negro deveria ainda dar mais três anos de sua vida para o senhor, como forma de indenização. Lembrei dessa lei quando tive notícia da proposta de reforma da previdência de Michel Temer. Fiz as contas e, se essa reforma for implementada, terei que trabalhar até os 72 anos para ter direito a aposentadoria integral. É um escárnio. O trabalhador terá que contribuir durante 49 anos para conseguir 100% do valor da aposentadoria. O mais irritante são as mentiras que usam para defender a reforma da previdência, como é o caso do argumento de que há rombo na previdência. Não se sustenta. Novamente usam a tese do rombo, assim como fizeram para defender a PEC 55/2016. Acredita quem quer. A Previdência no Brasil é superavitária e não deficitária. Acontece que o cálculo do déficit previdência, como demonstrou em sua tese a professora Dra. Denise Gentil, não está correto, dado que não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de 1988. É evidente que a população não pode concordar com essa aposentadoria da gargalhada nacional. Não me causa espanto Temer, líder do bloco pemedebista no Senado e Congresso, apresentar essa proposta. Afinal, ele e seus apoiadores são os herdeiros da colonização. Os seus antepassados que redigiram a ridícula ± para dizer o mínimo ± Lei do Sexagenário. Agora esses ϰϳ
floquinhos de neve oprimem novamente o povo pobre deste país, que colhe algodão, feijão, café, que trabalha na construção civil carregando pesados sacos de cimento e grandes quantidade de entulho; serão pessoas como essas que mais sofrerão com a reforma previdenciária.
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Capital e Estado: grandes parceiros?
A série Billions, do canal estadunidense Showtime, também disponibilizada na Netflix, mostra os bastidores de Wall Street narrando a briga de gato e rato de Chuck Rhoades (Paul Giamatti) e Bobby Axelroad (Damian Lewis). O primeiro é um advogado agressivo que tem planos de se tornar governador de Nova York, já o segundo é um dos nomes mais conhecidos de Wall Street e um dos homens mais ricos dos Estados Unidos. Axelrod e Rhoades se enfrentam inúmeras vezes, principalmente porque o empresário se beneficia de diversas irregularidades para ganhar dinheiro, coisa que o advogado abomina. É interessante observar no seriado como um pequeno grupo de investidores, subordinados por Axelrod, comandam no mundo das finanças um capital financeiro multibilionário e, através desse enorme recurso, promovem modificações reais em grandes e pequenas empresas, cidades, estados, até países, definindo o amanhã de milhões de pessoas. Um exemplo real disso é o caso dD³4XDUWD-)HLUD1HJUD´TXHVHUHIHUHDRGLDGHVHWHPEUR de 1992, quando George Soros, bilionário húngaro-americano dono de um fundo hedge, ganhou US$ 1 bilhão de dólares ao vender a descoberto US$ 10 bilhões de dólares em libras esterlinas. O evento quebrou o banco central inglês e obrigou o Reino Unido a sair do Sistema Monetário Europeu. O acontecimento foi decisivo para o governo britânico rejeitar o Euro como moeda nacional temendo especulação e crises financeiras. Esse fato e a série mostram uma pequena fração da classe que hoje tem a maior parte ± se não o todo ± do controle do sistema capitalista: o grande capital financeiro. Na atualidade, estamos submetidos a um processo em que conglomerados financeiros, formados principalmente pelos bancos e pelas organizações com o nome de investidores institucionais, como as companhias de seguro, os fundos de aposentadoria por capitalização (os Fundos de Pensão), as sociedades financeiras de investimento financeiro coletivo (os fundos hedge)͕ têm promovido mudanças em benefício próprio com consequências políticas, econômicas, culturais e sociais em todo o planeta. Muitos especialistas, como Chesnais (1996), Braga (1993), Coutinho (1996), Harvey (1992), têm afirmado que o capital financeiro é a característica básica das novas dinâmicas do FDSLWDOLVPR FRQWHPSRUkQHR &RPR DILUPRX +DUYH\ ³VH TXLVHUPRV SURFXUDU DOJXPD FRLVD YHUGDGHLUDPHQWH SHFXOLDU HP RSRVLomR DR µFDSLWDOLVPR GH VHPSUH¶ QD DWXDO VLWXDomR
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deveremos concentrar o nosso olhar nos aspectos financeiros da organização capitalista e no SDSHOGRFUpGLWR´xl. Então, quem comanda o movimento de operações que se estende por todo o planeta e TXHIRUPDRFRQMXQWRGDDFXPXODomRpVHJXQGR&KHVQDLV³DVLQVWLWXLo}HVFRQVWLWXWLYDVGHXP capital financeiro possuindo fortes características rentáveis que determinam, por intermédio de operações que se efetuam nos mercados financeiros, tanto a repartição da receita quanto o ritmo GRLQYHVWLPHQWRRXRQtYHOHDVIRUPDVGRHPSUHJRDVVDODULDGR´xli. Portanto, o capital financeiro está no volante da economia e tem realizado essas modificações para aumentar os seus lucros a níveis estratosféricos. E quando sofrem prejuízos, socializam as perdas com a população, fazendo o povo pagar pelos erros dessa parcela que forma a 1% mais rica. O alçamento do capital financeiro faz parte do processo de consolidação do neoliberalismo, via principalmente a desregulamentação financeira, face importante do programa neoliberal, que se baseia no afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas a fim de IDYRUHFHUDOLYUHLQLFLDWLYD6HJXQGR3HUU\$QGHUVRQHVVDPHGLGD³FULRXFRQGLo}HVPXLWRPDLV propícias para a inversão especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu uma verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas transações puramente PRQHWiULDV DFDEDUDP SRU GLPLQXLU R FRPpUFLR PXQGLDO GH PHUFDGRULDV UHDLV´ xlii. Paulatinamente, o capital especulativo parasitário não só se sobrepôs ao capital produtivo e industrial, como este ao longo dos anos passa a ser subordinado, dominado e atua segundo a lógica especulativa. Essa mudança no sistema em que progressivamente o capital produtivo contamina-se com a especulação define a nova etapa do capitalismo. É característico de qualquer sistema passar por mudanças. Obviamente que com o capitalismo não é diferente, pois está sempre sofrendo metamorfoses. Transforma-se e desagrega-se frequentemente num processo sócio-histórico longo, complexo e denso de contradições, através do qual ocorre progressiva reificação das categorias econômicas e modificações dialéticas. Dominados pela procura do lucro, os atores que protagonizam essas transformações se orientam por um pensamento fetichista que transforma as relações sociais, transforma os elementos materiais da riqueza em coisas (mercadorias) e transforma a própria relação de produção em uma coisa (dinheiro). Esse processo resultou, na atualidade, num modo específico de funcionamento e de dominação política e social, em que a financeirização ou, melhor dizendo, a generalização do movimento especulativo do capital, está no centro do capitalismo contemporâneo mundializado.
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Ainda segundo Chesnais, foi graças as intervenções políticas repetidas das instâncias políticas dos Estados que os investidores financeiros chegaram às posições de domínio que sustentam hoje. Pode parecer paradoxal o Estado assumir um papel importante no mercado neoliberal, modelo que, vale lembrar, defende a não intervenção estatal na economia. Acontece que o leviatã assume posição exterior no mercado somente quando a este não parece que tal relação propicie o aumento dos lucros. Assim, sempre que necessário, os aparelhos estatais são recrutados para garantir a elevação dos ativos do capital financeiroxliii. Em alguma medida, isso se deve ao fato de a burguesia historicamente estar encastelada no Estado, sempre contando com a ação protetora e ativa de suas instituições. No século XX, essa promiscuidade entre poder público e setor privado se intensificou durante os governos europeus e norte-americano que adotaram o modelo de estado de bem-estar social. O grande papel assumido pelo aparelho estatal nesse período criou entre os capitalistas a necessidade de eles exercerem influência sobre as decisões tomadas pelo poder público. Passam, então, a promover grupos de pressão (lobbies) para atuarem diretamente sobre os altos escalões dos governos, de modo a assegurarem que, para os governantes, os interesses do capital estariam VHPSUHHPSULPHLUROXJDU3URJUHVVLYDPHQWHDILUPD0DQGHOLVVRSURFHVVDD³UHSULYDWL]DomR não ofLFLDOSRUDVVLPGL]HUGDDUWLFXODomRGRVLQWHUHVVHVGHFODVVHGDEXUJXHVLD´xliv. Por tudo isso Chesnais fala em uma nova configuração do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regulação, em que as transações financeiras estão no centro das negociações. Não é mais Henry Ford ou Carnegie quem personifica o novo capitalismo de fins do século XX e início do XXI, e sim o administrador anônimo (e que faz questão de permanecer anônimo) de um fundo com ativos financeiros multibilionárioxlv. As saídas propostas e a maneira como tudo isso se manifesta e se resolve no plano político estão promovendo alterações no Estado e suas instituições e, não raro, substituí a democracia por outra coisa que não sei definir bem o que possa ser. No Brasil, desde os anos 80 o sistema político-institucional vem sendo submetido à retórica neoliberal que propõe a austeridade como suposto meio para a projeção do país ao patamar de grande nação. Entretanto, no fim das contas, serve unicamente para ampliação dos antagonismos sociais e progressão dos ativos dos investidores financeiros. Na década de 1990 as reformas e políticas neoliberais tomaram forma com a liberalização
econômica
extensas,
como
as
privatizações,
austeridade
fiscal,
desregulamentação, livre-comércio, corte de despesas governamentais a fim de reforçar o papel do setor privado. No início dos anos 2000 estava claro que essa guinada neoliberal e as ϱϭ
constantes crises diminuíram drasticamente a participação dos salários na renda nacional, restringiram os investimentos sociais, promoveram a concentração de capital e renda entre poucos grupos e reduziram a qualidade de vida e segurança do trabalhador. Em meio à essa deterioração da vida, cria-se uma consciência muito nítida de que é preciso mudar o governo para transcender a crise. Isso culminou num terreno propício para a guinada à esquerda na América Latina. No Brasil vimos isso na eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva, com um discurso de centro-esquerda. Os governos petistas ao longo de mais de uma década promoveram o continuísmo do sistema neoliberal, mas criando um modelo de política social e econômica que busca um equilíbrio entre o estado neoliberal e o estado de bem-estar social. Denominado pelo cientista político André 6LQJHUFRPR³OXOLVPR´HVVHPRGHORGHXRW{QXVGDPXGDQoDVRFLDOQRVDQRVSRUPHLR do qual o país estaria caminhando num contraditório processo em que se promove a melhoria da vida dos mais pobres sem desagradar ao grande capital financeiro nacional e internacionalxlvi. Como afirma Pereira da Silva, tais políticas sociais, contudo, não apontam para a universalização, pois não constituíram a institucionalização mais definitiva de novos direitos e não configuram como estado de bem-estar social. Ainda que tenha sido políticas mais abrangentes do que as implementadas nos anos 90 e os indicadores sociais tenham apresentado consideráveis avanços, elas foram focalizadas, temporárias e de governoxlvii. Não passam de um reformismo fraco, o qual, no fim das contas, serve de esteio para o desenvolvimento capitalista. 3DUD 0DQGHO DV H[SHFWDWLYDV LOXVyULDV VREUH D SRVVtYHO ³VRFLDOL]DomR DWUDYpV GD UHGLVWULEXLomR´QRILPGDVFRQWDVVHULDPDSHQDVRVSULPHLURVSDVVRVGHXP³UHIRUPLVPRFXMR fim lógico é um programa completo para a estabilização efetiva da economia capitalista e de VHXV QtYHLVGHOXFUR´xlviii. O desenvolvimento do capitalismo com o auxílio do Estado se dá através da reconstituição e manutenção da força de trabalho via políticas sociais, além das desonerações fiscais para empresas, investimentos estatais em infra-estrutura e novas tecnologias, etc. O mais perturbador é que agora o governo petista foi derrotado por um grupo político, comandado pelo PMDB, que defende as mesmas políticas neoliberais defendida pelo governo sob comando inicialmente com Lula e depois com Dilma, mas agora a defesa se traveste de uma forma muito mais radical e a aplicação das reformas se dá de um modo significativamente mais rápido. Isso fica evidente já no início, quando Michel Temer, logo após assumir como interino, posa de estadista reformulador do país que salvará a nossa economia reformando o regime fiscal, a previdência e as leis trabalhistas, entre outras medidas. Essas reformas, ϱϮ
entretanto, estão mais para contrarreformas, já que destrói o que já foi construído, ao invés de aprimorar e desenvolver. Ficou evidente essa reviravolta neoliberal ortodoxa com o lema que ele adotou, o famigerado e ultrapassado Ordem e Progresso. Por trás desse ideal liberal há um governo cimentado em políticas de austeridade e retrocesso, reacionário, atualizado com a retórica neoliberal, que coloca o direito ao desenvolvimento econômico e à propriedade privada acima de qualquer outro direito, em detrimento da qualidade de vida da população, principalmente dos mais pobres. 2GRFXPHQWR³8PD3RQWHSDUDR)XWXUR´ODQoDGRSHOR30'%HPRXWXEURGHMi apontava as ações que os pemedebistas seguiriam. A apresentação do plano inicia estabelecendo R REMHWLYR GH ³SUHVHUYDU D HFRQRPLD EUDVLOHLUD H Wornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam a pobreza e FULHP RSRUWXQLGDGHV SDUD WRGRV´xlix. Para atingir esses supostos objetivos, afirmam que os problemas atuais devem ser concebidos como estruturais que se formaram ao longo da história do país ± e que, afirmam, só iremos supera-los através de grandes reformas estruturaisl. Obviamente, tais reformas não se tratam da reforma agrária, tributária, política que possibilitaria darmos alguns passos na direção da superação dos antagonismos sociais e desestabilizaria o fisiologismo de nosso sistema; não se tratam também da promoção da quebra do monopólio dos oligopólios das comunicações. Os pemedebistas propõem como medida inicial e urgente o ajuste fiscal e a IOH[LELOL]DomRGRRUoDPHQWR&RQFRUGDPTXHDµVROXomR¶SDUDRSUREOHPDILVFDO³VHUiPXLWR GXUDSDUDRFRQMXQWRGDSRSXODomR´PDVUHVVDOWDPVHUIXQGDPHQWDODUHGXomRGHVDOiULRVHGH gastos públicos para melhorar as contas públicas e restaurar a competitividade da economia. Os pemedebistas propõem também a reforma na previdência, de forma que seria prorrogada a aposentadoria de milhões para que possam trabalhar mais e, assim, o período de contribuição ser estendidoli. Apesar da elevação dos juros fazer parte do tripé neoliberal (juros altos, superávit primário elevado e câmbio flutuante), nesse documento os pemedebistas descartam essa medida FRPRXPPHLRSDUD³GHVHQYROYHU´DHFRQRPLD$OHJDPTXHRQRVVRSDtVMiVRIUHXPXLWRFRP essa proposição e que ela não atende mais as necessidades atuais (me pergunto se um dia ela chegou a atender). Quando Temer assume, vimos as proposições para o regime fiscal tomarem forma com a proposta de Emenda Constitucional nº 55/2016 no Senado Federal (241 na Câmara dos ϱϯ
'HSXWDGRV $SURYDGDDWRTXHGHFDL[DHVVDHPHQGDHVWDEHOHFHXP³1RYR5HJLPH)LVFDO´TXH regulará a forma como o Estado brasileiro aplica seus recursos limitando o reajuste dos investimentos à inflação do ano anterior. Assim, a proposta instituí que os gastos federais (excluídos os juros da dívida pública) sejam congelados por duas décadas, sendo atualizados somente pelo índice da inflação. Antes dessa nova regulamentação, os investimentos se baseavam em duas variáveis centrais: as demandas por bens e serviços públicos (despesa) e a capacidade de arrecadação (receita). Ao estabelecer um indexador econômico fixo, retiram a decisão de gasto da esfera política baseada nesses dois critérios e congelam o orçamento. Chamada pelos governistas de PEC do teto de gastos e por opositores de PEC da morte e PEC do fim do mundo, a proposta trata-se de um duro golpe para a Proteção Social no Brasil. Ela apoia-se em argumentos falaciosos segundo os quais nações desenvolvidas usam regras semelhantes SDUDFULDUXP³DPELHQWHLGHDOSDUDRVQHJyFLRVILQDQFHLURV´(QWUHWDQWRHPHVWXGR publicado pelo Fundo Monetário Internacional, verifica-se que a iniciativa não passa de uma invenção sem experiência internacional ou respaldo teórico. Diferente dos outros países que estabeleceram um teto para os gastos, no Brasil a medida é de longo prazo, altera a constituição e não inclui nesse limite os juros da dívida pública. Nos demais, isso é feito mediante leis ordinárias ou de acordos políticos e sob curto prazo. Em muitos, as despesas com esses juros também não são incluídaslii. Vários economistas e cientistas políticos, lideranças, militantes, políticos, afirmam que a medida é um erro. Até o Obama concorda que o austericídio aplaca o crescimento. Perguntado VREUHDVLWXDomRHFRQ{PLFDHXURSHLDHOHDILUPRXTXH³DVPHGLGDVGHDXVWHULGDGHFRQWULEXtUDP para desacelerar o crescimenWRQD(XURSD´liii. Temer com esse projeto estará intensificando o austericídio aplicado por Dilma em seu abreviado segundo mandato, mas com outros moldes e com um planejamento de longo prazo. Assim, se o segundo governo da presidenta foi ruim, o dele será ainda pior e com consequências que se perpetuarão por um longo período. Como dificilmente passaria no teste de um pleito eleitoral esse projeto de país, precisaram de um golpe para implementa-lo. Ao congelar os investimentos federais, a PEC 55 quebra a espinha dorsal do financiamento da educação brasileira e da política social, que compreende as políticas de saúde, previdência e assistência social. Tais vinculações expressam conquistas instituídas na Constituição de 1988 e, nesse sentido, a proposta é inconstitucional, dado que faz o contrário do que está estabelecido na Carta Magna, desestruturando esses investimentos. A justificativa que apontam se assenta na falaciosa tese de que existe uma excessiva gastança por parte do ϱϰ
governo federal. Para rebater o discurso da oposição, que acusa o governo Temer de retirar recursos da saúde e educação com a PEC, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fizeram questão de ressaltar que o governo petista deL[RXXPD³KHUDQoDPDOGLWD´QDHFRQRPLDTXHSUHFLVDVHUFRQWURODGDliv. Meireles faz um diagnóstico convencional sobre a crise econômica. Para ele, os governos do PT teriam causado excessiva elevação das despesas públicas nos últimos anos e buscaram encobertá-ODSRUPHLRGDFKDPDGD³FRQWDELOLGDGHFULDWLYD´HGDV³SHGDODGDVILVFDLV´ E esse tipo de política teria mergulhado o país na estagflação e destruído a confiança do PHUFDGR (OH DILUPD TXH ³R FRQVHQVR >VLF@ p GH TXH LVVR >R FUHVFLPHQWR GRV JDVWRV@ p insustentável. A atividade econômica está caindo, o desemprego está aumentando e essa é a KHUDQoD TXH HVWDPRV UHFHEHQGR´lv 1mR SHUFHEH TXH ³WDPSRXFR QHVWD iUHD >JDVWRV VRFLDLV@ KRXYHH[SDQVmRGHVHQIUHDGDVREUHWXGRIUHQWHjVGHPDQGDVVRFLDLVEUDVLOHLUDV´FRPR aponta o relatório Austeridade e retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil, elaborado por diversos economistas de todo o país. Afirmam que os investimentos se deram abaixo da linha de arrecadação e contribuíram para o crescimento do país lvi. Os dados da Anfip também confirmam que não houve déficit no resultado da seguridade social, e sim superávitlvii. Grande parte do excedente entre o que foi investido e o que foi arrecadado destinou-se para outras finalidades, por meio do mecanismo denominado Desvinculação de Receitas da União (DRU), o qual permite que uma parcela dos recursos cativos à seguridade social seja remanejada para atender a outras despesas não-sociais. Essa destinação é direcionada, principalmente, para o pagamento de juros e amortização da dívida pública. Os governos Lula, Dilma e Temer promoveram a prorrogação e ampliação da DRU. Porém, com a aprovação da PEC 55, o plano Temer/Meireles vai mais longe, tornando a DRU dispensável. A PEC desvincula todos os recursos que ultrapassarem o teto e que originalmente seriam destinados à educação e seguridade social, ou, então, canalizados via DRU. Agora todos esses recursos cativos já serão redirecionados via emenda constitucional. Os próximos governos terão dificuldade para implementar o seu projeto, agora que existe um teto para os gastos federais. Na democracia, teoricamente a concretização do conjunto de interesses mediados pelas demandas dos setores sociais populares organizados, pelo executivo e demais forças políticas no congresso e senado, é canalizada de diferentes maneiras e se expressa no orçamento do governo federal. No instante em que estabelecemos um teto no orçamento federal, todo e qualquer projeto futuro não poderá ir além do que ocupar o espaço do que está posto hoje. Assim, independentemente de quem vença as próximas eleições, ϱϱ
incluindo as de 2018, a correlação de forças atual se perpetuará enquanto estiver vigente a PEC 55. Isso substitui o nosso modelo de baixo teor democrático por outra coisa que pode ser chamado de muitoVQRPHVPDVHQWUHVHQWUHHVVDVGHQRPLQDo}HVRYHUEHWH³GHPRFUDFLD´QmR faz parte. A implantação de um novo regime fiscal é o primeiro passo do governo Temer para aplacar o crescimento da dívida pública brasileira, destinando recursos valiosos para atender aos juros e amortizações dessa dívida. Dessa maneira, o pemedebismo, aliado ao capital financeiro, atende aos interesses deste grande grupo econômico, garantindo os seus ativos, por meio do pagamento de uma dívida ilegítima, sem contrapartida, uma fraude. Na base da pirâmide, a população sofrerá com a intensificação da precarização dos serviços públicos, principalmente as parcelas mais pobres. Vale ressaltar que essa é uma questão, mas que está longe de ser meramente nacional. É um processo que está ocorrendo em vários países para servir de esteio para a acumulação capitalista. O maior efeito é sobre a Previdência Social. Atualmente a sua despesa é determinada por variáveis demográficas ou pela correção do salário mínimo que é referência para o piso dos benefícios do RGPS. Para que a evolução dos gastos nesta política possa caber no orçamento FRQJHODGRSHOR³QRYRUHJLPHILVFDO´já está sendo elaborada uma reforma na Previdência que aumenta a idade mínima (para compensar o efeito demográfico) e que desvinculará os benefícios previdenciários do salário mínimo. Ou seja, a reforma da Previdência será uma consequênciD³LQHYLWiYHO´SDUDYLDELOL]DUD3(&
Todas essas mudanças são ilegítimas. E deixam claro que os poderes públicos e privados
possuem uma relação promiscua para o beneficiamento das elites econômicas e políticas, em detrimento da população. ϱϲ
Pela luz dos olhos teus
Ninguém sabe como solucionar a crise política em que vivemos. De camisas vermelhas às amarelas, passando pelas pretas, brancas, azuis, verdes, ninguém sabe o que fazer. A falta de respostas deixa os nervos à flor da pele, e sentimos o medo e a tensão nos consumir. A cabeça vai longe, pensando em todos os acontecimentos que levaram à conjuntura atual e, é claro, nos desdobramentos reais ou fantasiosos dela. E a única coisa que descobrimos durante todo esse pensar é que nada parece fazer sentido. A crise escancara, dessa forma, o quanto somos insignificantes perante a complexidade de tudo. Joga no ventilador a nossa pequenez e, desesperados, atiramos pedras em qualquer um que ouse ameaçar a nossa cosmovisão e epistemologia ocidentais. As pessoas se olham e não se falam, se esbarram na rua e se maltratam. Dizem que o outro só traz as sombras, enquanto eles detêm a luz, e vice-versa. E estão cada vez mais violentos, o ódio avança sem piedade sobre todos, até naqueles que escapam à polarização. Mas percebam que entre as sombras e a luz, o país sofre. Por isso, já passou da hora de descermos dos alpes da arrogância e admitir: não sabemos o que fazer. Precisamos parar de agir como irracionais, combatendo tudo o que é diferente, como se fosse ameaça. Ao invés de mandar para Cuba ou Miami as pessoas que pensam diferente de nós, deveríamos escutar, porque escutar proporciona a chance de rever escolhas e reconhecer equívocos. Para estabelecer diálogo, precisamos derrubar os muros e grades que nos separam e nos unirmos, não para dar fim às diferenças que nos caracterizam, e sim para repensarmos e refundarmos, juntos, um lúcido projeto de país que não deixará espaço para que haja mais irregularidades e barbáries. Já que ainda vivemos numa democracia ± para a tristeza de alguns ± e, por isso, é permitido divagar, eu me permito apontar um conselho moral: o amor! Acredito que o amor é um dos caminhos para sairmos de nossos mundinhos e aprendermos a tolerar uns aos outros. Podem me chamar de piegas e ingênuo, não ligo, mas, quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos dela resolvem se encontrar, percebo que amar é a única atitude adequada para nos despirmos das resistências ao outro e chegarmos ao limite possível de aproximação. Pela luz dos olhos dela vejo que o amor permite a superação do abismo que nos separa, sem deixar de reconhecer e respeitar as diferenças que nos tornam únicos.
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Então, mais do que nunca, é preciso amar. Enquanto alguns preferem o enfrentamento, ameaçam uma guerra civil, vamos nos amar. Amar a vida das pessoas, dos animais; amar o planeta e o universo! Amar como se não houvesse amanhã. Para isso fomos feitos. Varra para fora do coração o ódio e abra as portas para o amor, porque quando o peito abriga o amor, percebemos que somos todos iguais, de braços dados ou não. Amar é acariciar o outro com o coração; é escutar, dialogar e respeitar; é aceitar que o outro seja como ele deseja ser, sem briga, sem ódio, sem juiz, com empatia. O amor é, portanto, o caminho para a união. A união que, como um prisma, partirá a luz e nos transformará em inúmeras cores sem, no entanto, nos aniquilar. Unidos encontraremos respostas para transcendermos as aporias de nossa realidade atual; teremos mais forças para lutar contra a corrupção que permeia partidos, ideologias, poderes, instituições; vislumbraremos mundos novos e infinitas possibilidades de renovação do sistema político e fortalecimento da democracia. Enquanto me encanto com a doçura dela, mercando emoções, e sinto a sua beleza emoldurar o meu horizonte, desejo que as pessoas entendam que ainda há tempo para amar. Amando construiremos pontes onde hoje existem abismos. E, juntos, encontraremos respostas para fazer deste país um lugar melhor para se viver. ϱϴ
Boa esperança
No final de 2015 as ocupações das escolas em São Paulo explodiram. A princípio o movimento tinha uma pauta específica e era regional, contra o desmantelamento do sistema de ensino paulista. A pauta era a ausência de justificativas pedagógicas para o projeto do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de reorganização das escolas da rede pública do Estado e a falta de diálogo. Os estudantes lutaram pelo fim dessa reorganização e pelo estabelecimento de debate entre poder público e sociedade para definição do caminho a ser percorrido pelo sistema de educação. Em poucos meses, principalmente em 2016, esse movimento que começou em sampa se tornou nacional, em prol da melhoria das escolas e contra a Medida Provisória nº 746/2016. ConhecLGD FRPR ³03 GR (QVLQR 0pGLR´ HVVD PHGLGD R reforma segundo padrões tecnocráticos flexibilizando a grade curricular e expandindo a carga horária. Assim, em defesa da educação, inúmeros jovens ocuparam escolas e cuidaram dela com carinho. Eles poderiam estar em casa, na balada, no shopping, mas decidiram ficar na escola, acampados, organizando, limpando, fazendo oficinas, ávidos e abertos para conhecer tudo o que lhes é oferecido pela comunidade e pelos docentes que os apoiaram. Preferiram ficar na escola resistindo aos gritos das pessoas que passam do lado de fora e os chamam de uma porção GH FRLVDV FRPR ³FRPXQLVWDV´ ³SHWLVWDV´ ³PDFRQKHLURV´ 3UHIHULUDP ILFDU QD HVFROD SDUD defender a educação dos ataques do governo. Nesse processo ocorreu uma inflexão nos colégios, que se tornaram dos alunos, por alunos e para os alunos. Em artigo para o Nexo Jornal, os secundaristas Marcelo Santos, Matias Iansen e Sara de Barcelos explicitam bem esse processo de descolonização da escola SURWDJRQL]DGRSHORVHVWXGDQWHV'HVWDFRRVHJXLQWHWUHFKR³1LQJXpPQXQFDQRVSHUJXQWDQDGD sobre a escola. Não somos importantes? Não temos direitos? A ocupação nos mostrou que WHPRV´ DILUPDP ( PDLV DGLDQWH QR WH[WR UHVVDOWDP ³4XDQGR RFXSDPRV RFXSDPRV FRP nossas pautas de reivindicações, mas também ocupamos para mudar a maneira vertical como se decidem aVFRLVDV´lviii. As ocupações, dessa forma, inauguram um novo modo de fazer laços na escola, que caminha na contramão do modelo de escola pública posto anteriormente, o qual é marcado pela verticalidade na tomada de decisões, sucateamento, violência física e simbólica, desinteresse e desmotivação dos estudantes e de grande parte dos educadores. As inúmeras fotos, vídeos e relatos que percorreram as redes sociais das ocupações, atualizadas diariamente pelos ϱϵ
ocupantes, mostram que nas escolas ocupadas os estudantes estabeleceram uma relação diferente da anterior. As imagens e textos os mostram limpando as salas, pintando as paredes, cozinhando uns para os outros. Estabeleceram uma posição em que reivindicam e recriam a escola. Nada de nós, sem nós!, dizem os protagonistas das ocupações. Acho que temos que nos espelhar nos secundaristas que buscam nas organizações populares mundos novos e infinitas possibilidades de construção de um país mais justo; jovens que não esperam nada da velha política que já estrangulou suas possibilidades, se repete no automatismo e vive a ressaca dos seus excessos. Nesse e em muitos outros quesitos os secundaristas estão nos dando um show de PDWXULGDGHSROtWLFD(QTXDQWRPXLWRVUHSUHVHQWDQWHVGD³LQWHOHFWXDOLGDGH´EUDVLOHLUDHVWmRQDV redes sociais cobrando manifestação do povo que protesta com a camisa da CBF, a geração que FUHVFHXRXYLQGRFUtWLFDVSRU³QmRVHLQWHUHVVDU´SRUSROtWLFDHVWiQDVUXDVSURYRFDQGRXPDEDOR sísmico no sistema político do país. Enquanto muitos ficam esperando dos outros um papel que não cumpriu dignamente, a geração que cresceu tendo os seus corpos e almas sendo marcados pelo Estado com chicotes e troncos, não está em casa, nas redes sociais ou na balada, está nas UXDVID]HQGR3ROtWLFDFRP³3´PDL~VFXOR(QTXDQWo alguns ignavos passeiam na pracinha ou avenida com o cartazinho estampando uma morna rebeldia, os secundaristas estampam a camisa suja de sangue das surras do Estado. Ora, não há palavras que dão conta de descrever o quão incrível é o protagonismo dos estudantes secundaristas. Num tempo em que muitos fazem silêncio perante os erros e ataques perpetrados pelos nossos governantes, sinto esperança ao presenciar um movimento como esse, porque acredito que os efeitos da experiência que os secundaristas vivenciaram nas ocupações transcenderá a própria experiência. É o que alguns chamam de Kairós. Na estrutura linguística, simbólica e temporal da civilização moderna, emprega-se uma só palavra para significar a QRomRGH³WHPSR´'LIHUHQWHPHQWHGHQyVRVJUHJRVDQtigos tinham duas palavras para o tempo: chronos e kairós. Enquanto a primeira refere-se ao tempo cronológico que pode ser medido por possuir natureza quantitativa, kairós possui natureza qualitativa e significa tempo pleno, sendo indicador do fenômeno temporal em que algo especial acontece. O historiador alemão Jörn Rüsen, discorrendo sobre kairós, afirma que é nesse momento HPTXH³DVGLIHUHQoDVIXQGDPHQWDLVHQWUHRµQmRPDLV¶GRSDVVDGRHRµDLQGDQmR¶GRIXWXUR superam-VH QD H[SHULrQFLD HOHPHQWDU GR µDTXL H DJRUD¶´lix. Ocorre, dessa forma, uma
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singularidade, em que os ponteiros do relógio, metaforicamente falando, param e o tempo se torna pleno. Dessa maneira, não seria necessária uma lupa para constatar que kairós pode ser entendida como o movimento intencional em que alçamos a utopia. A utopia, por sua vez, tem um sentido polissêmico, mas, resumidamente, significa um ideal de vida presente num futuro imaginado e que movimenta o agir no presente, no intuito de dispender esforços para a sua concretização. A construção dessa projeção se dá indiferente das condições dadas no agora. Isto é, a despeito de podermos ou não alcança-la, construímos uma utopia. É como um horizonte que vislumbramos e para o qual nos dirigimos, sem sabermos se chegaremos até ele. O kairós é uma das exceções no tempo em que atingimos o horizonte. É um movimento intencional que se transpõe para além das condições possíveis de serem realizadas e que, a despeito das adversidades, se efetiva na experiência histórica. E, nesse momento, adquirimos um aprendizado que carregaremos para sempre. Nas minhas poucas luzes, acredito que os jovens que protagonizaram as ocupações têm com esse ato incrível adquirido uma experiência tal que os marcarão por toda a vida. Em algum instante o Governo pode até desocupar as escolas, mas nunca conseguirá tirar deles o que significou essa luta. 2X VHMD HVVH DFRQWHFLPHQWR SRGH VHU FRQFHELGR FRPR ³XP LQVWDQWH GR DJLU GH XPD geração [em que] consolida-VHRGHVWLQRGHPXLWDVJHUDo}HV´lx. Essa faceta do conceito kairós é originária do cristianismo primitivo. Para os cristãos, a encarnação de Deus na Terra na figura de Jesus é intratemporal e, por isso, repercute em todo o tempo deste mundo. Acredito que os movimentos de ocupações das escolas terão esse efeito especial, conjuntamente com tudo o que vem acontecendo no país desde junho de 2013, ano em que ocorreu uma inflexão na história do país e, desde então, as ruas brasileiras se tonaram o palco de inúmeras manifestações. Cada cultura, cada pessoa, cada país, possuePRVHXWHPSR³FDLUyWLFR´7XGRRTXHYHP ocorrendo desde 2013 poderá se tornar o kairós de nossa história recente. Os efeitos já podem ser percebidos hoje. Basta observar que os protagonistas desses movimentos não são mais os mesmos. Modificaram-se de tal forma que repercutirão o que vivenciaram em muitas outras gerações. Não tenho dúvidas de que também protagonizarão outras tantas lutas que, paulatinamente, farão deste país um lugar melhor para se viver. Numa época em que não raro somente se vislumbra um horizonte decadente, essa ³H[SORVmRGHOXWDV´HVSHFLDOPHQWHD perpetrada pelos secundaristas é, assim, como um sopro de novos tempos. Em toda a sua vitalidade e beleza, eles estão mostrando que ainda é possível
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tomarmos as rédeas do processo histórico e transcendermos o regime de opressão que cotidianamente nos agride. Os secundaristas mostram, portanto, que nem tudo está perdido. E isso me enche de esperança.
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Nunca esqueceremos o Massacre de 29 de abril
No dia 29 de abril de 2015, cerca de vinte mil pessoas se reuniam em frente à Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP). Professores, e outras categorias, reivindicavam o direito de acompanhar a sessão plenária da ALEP, na qual seria votado o projeto de lei que alterou o fundo previdenciário. Em resposta, o insano e tirânico governador Beto Richa (PSDB) e o seu então secretário de segurança Fernando Franscichini jogaram, em pleno estado democrático de direito, os policiais da tropa de choque para cima dos manifestantes, massacrando-os com balas de borrachas, sprays de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo. Ao final, o sangue dessas SHVVRDVHVWDYDQDSUDoDGH&XULWLEDGLDQWHGD³FDVDGRSRYR´ O Massacre de 29 de abril de 2015 foi, assim, um dia mais do que fatídico que transcende o horror. Hoje quando se completa um ano do massacre, fica ainda mais evidente que esse acontecimento deixou marcas profundas em corpos e almas. Não bastava os professores e servidores terem que trabalhar em instituições em decomposição, serem xingados por pais e alunos, receberem um salário indecente, nesse dia os PMs, cujos filhos possivelmente são ensinados por aqueles mesmos educadores, tinham autorização para atirar contra estes, tinham autorização do governo do estado para massacrar, sufocar, ferir esses trabalhadores. Além de sentir nojo de Richa, o meu estômago se revira ao pensar que havia deputados dentro da ALEP teatralizando normalidade e rifando direitos, enquanto ouviam o som do estouro de bombas, tiros e gritos. Infelizmente, 29 de abril é um dia que ainda não terminou. A lista de desserviços é enorme. Em março de 2016 a Justiça Militar do Paraná arquivou a denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP-PR), a qual indiciou os comandantes da operação por uso abusivo de força e lesão corporal. O arquivamento se deu sob a justificativa de que os agentes policiais atuaram no cumprimento de seu dever e que não houve indícios de que eles começaram o ataque. Concordando com a APP-Sindicato, isso é uma ofensa. Além desse insulto, a educação segue abandonada, sob intensos ataques de Richa e sua corja, os quais continuam descumprindo direitos dos servidores e professores, como o calote nos pagamentos de promoções e progressões previstas em lei; ameaçam colocar em risco a aposentadoria dos futuros professores e atuais servidores, através de um projeto de previdência complementar, por fundo privado; diminuíram o orçamento de escolas e universidades, nestas
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os cortes atingiram quase 50%, comprometendo drasticamente o seu funcionamento; entre tantos outros ataques contra o povo. Por isso e por muito mais, para sempre 29 de abril será dia de luto e de luta. Ficará gravado na memória nacional e no corpo dos feridos como a data em que um governador ilegítimo e terrorista, com uma violência e truculência de fazer inveja aos ditadores mais sanguinários, violentou os seus trabalhadores em praça pública. Beto Richa será lembrado como aquele que durante todo o seu mandato desferiu inúmeros golpes contra a democracia, contra o povo, contra o país; enfim, será lembrado como o governador assassino que tentou enterrar professores. Não desistiremos da luta. Continuaremos ocupando inúmeros espaços para lembrar a dor que sentimos ao sermos atacados pelos policiais no dia 29 de abril de 2015. Continuaremos nos reunindo para manifestar a indignação referente ao assassinato da educação paranaense perpetrado por Richa. Continuaremos juntos para, acima de tudo, deixar claro que nunca recuaremos perante os decretos de extermínio de direitos desse governador e de qualquer outro que objetive destruir a educação. Ele tentou nos enterrar, mas não sabia que éramos sementes.
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No quintal das abóboras tristes
O Pmdbeti brotara do solo fecundo de um quintal tropical enorme chamado Brasilinski, de uma semente de um passado muito antigo que não passou. Apesar de uma vida farta à Pmdbet ter sido reservada, sempre tratado com o devido esmero, adubado à maneira correta, teve umas 13 primaveras de Ptroski que o deixou emburradinho porque alguns dos seus amiguinhos corriam o risco de ver o sol quadrado e porque tinha muita abóbora feliz com a melhoria das condições de vida no quintal. Os dias e noites de Pmdbeti sucediam-se, assim, numa grande monotonia aborrecida durante a Era Ptroski que foi como um hiato na história de Brasilinski. Até que Pmdbet, desejoso de voltar a estar na frente das cortinas do poder, chamou os seus velhos amigos para, em coro, gritarem às outras abóboras que já passou da hora de o café com leite voltar à mesa. Insistiram tanto que alguns incautos compraram o seu discurso. O tempo passou e, apesar de os Ptroski terem chegado à presidência legitimamente, no fim Pmdbeti acabou retomando à linha de frente do poder. Muitos bUDVLOLQVNLDQRVILFDUDPUHYROWDGRVFRPRTXH3PGEHWLIH]³)RLJROSH´GL]HP DOJXQV GHOHV ³)RUD JROSLVWDV´ EUDGDP RXWURV 3RU WRGRV RV HVWDGRV GH %UDVLOLQVNL VH Yr manifestações contra Pmdbeti, mas ele, agora todo poderoso, não se importa com o que dizem. E, enquanto fica no seu exercício diário de se contemplar no espelho, está tomando medidas para acabar com a farra de direitos humanos, sob a justificativa de que, dessa forma, uma ordem e um progresso à Brasilinski serão aplicados. Para ele, a bobagem de transforma-la no quintal da Justiça social, defendida antes pelos Ptroski, impedia que o lugar se tornasse o mais varonil de todos. No Paranauê, um dos estados de Brasilinski, a vida é duplamente dura. Além de viverem sob o julgo feroz do presidente-interino, em Paranauê as abóboras sofrem com o seu desgovernador terroristiano chamado Richaloski. Este não perdoa qualquer um que arranhe a sua imagem de mocinho perfumado de prédio. Qualquer abóbora que disser que ele não tem cheirinho de flor, é violentado em praça pública, com uma violência e truculência de fazer inveja aos ditadores mais sanguinários. Num dia desses, quando Richaloski estava prestes a falar na Casa das abóboras de uma província de Paranauê chamada Pontagrossauro, um corajoso grupo estudantil se manifestou. A garotada escancarou, na frente de todo mundo, inclusive na frente do prefeiturano-gourmet ϲϱ
Rangeloski, todos os golpes contra o povo perpetrados pelo desgovernador. Em resposta, ele soltou os cachorros, como sempre faz. E os cachorros, fiéis ao seu dono, tiraram violentamente os garotos da Casa das abóboras. Já na rua, o grupo de estudantes se dispersou. Um deles, enquanto ia embora sozinho, foi preso pelos cachorros e jogado no camburão. Dentro do camburão, os cachorros agrediram a jovem abóbora. O ameaçaram, fizeram o escambau com o estudante. Depois de ter sido liberado, o estudante, muito abalado, foi para a prefeitura, onde trabalha. Lá no trabalho, foi avisado que estava demitido, sem nenhuma justificativa. Com certeza um dia muito difícil para essa jovem abóbora. E, assim, são os dias no quintal das abóboras tristes. Richaloski e outros desgovernadores, apoiado por inúmeros prefeituranos-gourmet, sob o mando do cagueta-mor Pmdbeti, fazem a festa em cima de direitos, vidas, sonhos. Apesar desses tempos sombrios, resistiremos. Estamos em luta e nunca recuaremos perante os decretos de extermínio. Afinal, se fosse para ter medo dessa estrada, não estaríamos há tanto tempo nessa caminhada. ϲϲ
A porta que nos reflete
No dia 19 de outubro de 2016, o prédio da Reitoria da Universidade Estadual de Ponta Grossa foi ocupado. Essa ocupação e a greve estudantil foram deliberadas em uma assembleia pública e legitimamente convocada pelo Conselho das Entidades de Base, ocorrida no começo no dia 17 do mesmo mês. No dia da ocupação, as portas do prédio se encontravam trancadas com cadeados. Em conversa com a Reitoria, foi solicitado que elas fossem abertas. A administração central, entretanto, não se mostrou solicita a abrir nenhuma. Por essa razão, os estudantes foram obrigados a retirar uma das portas para possibilitar a sua entrada no prédio público. No momento da entrada, um dos servidores presente no local, que antes estava atacando e ofendendo estudantes e seus colegas servidores, entrou em entrechoque com os ocupantes, causando confusão. Tudo isso poderia ter sido evitado se a Reitoria da UEPG, na condução administrativa e política de todo o processo, tivesse prezado pelo diálogo com os estudantes. Após o ocorrido, ao invés de desta vez estabelecer diálogo, novamente a administração central foi autoritária e retrógrada expedindo uma medida liminar de reintegração do prédio, com o uso da força policial. Isso foi mais uma prova de desrespeito às reivindicações, autonomia e integridade dos estudantes. É inaceitável que a Reitoria, que se arvora como defensora e cultivadora do saber humano, aja dessa maneira. Graças a força e pressão dos estudantes, que são protagonistas de um movimento que envolve não só estudantes universitários, mas também secundaristas e trabalhadores da educação e de outros setores em todo o estado do Paraná, a Reitoria estabeleceu um primeiro diálogo oficial na tarde de sexta do dia 21/10. Após esse primeiro diálogo, foi cedido para o movimento por tempo indeterminado o espaço do Centro de Convivência. Nesta conversa ficou estabelecido que a administração central não instaurará novo pedido de reintegração de posse ± e que as duas liminares de desocupação da Reitoria deixariam de ter validade. O acordo incluiu ainda o início da mesa de negociação, a qual ocorreu na segunda (24/10). Em vistoria, a administração reconheceu que os estudantes deixaram limpo e em perfeitas condições o prédio da Reitoria. A resistência por parte da Reitoria para estabelecimento de diálogo com os estudantes não é novidade. Não é de hoje que o prédio da Reitoria é tratado como uma fortaleza e o campus ϲϳ
da universidade como um feudo. O que realmente me impressionou nem foi esse fato que por si só já é lamentável. Chamou a minha atenção toda a comoção, por parte da população, causada principalmente pelo fato de os estudantes terem relocado a porta do prédio para entrarem. Após os primeiros vídeos da ocupação serem divulgados, vimos uma parte significativa da população se voltarem contra os estudantes por causa dessa porta. Alguns, como eu, lamentamos a resistência ao diálogo por parte da Reitoria que culminou no enfrentamento. Porém, o que muitos ponta-grossenses demonstraram sentir foi profunda preocupação com a porta (que foi consertada e colocada de volta no seu devido lugar já no primeiro dia da ocupação). Quando ocorreram/ocorrem na UEPG os inúmeros casos de assédio, roubos, esfaqueamentos, estupros, entre outras violências, houve/há um choque dos ponta-grossenses. Todos os ataques que a nossa universidade ± assim como as outras estaduais do Paraná ±, vem sofrendo a toda hora perpetrados pelo governador Beto Richa (PSDB) também geram repercussão. Todos estão vendo que Richa tem sucateado a nossa instituição. Muitos sabem também que a PEC 241/16, tão ressaltada e defendida pelo governo de Michel Temer, intensificará ainda mais o processo de sucateamento não só da universidade, como também da educação em geral e de outros setores fundamentais para a manutenção da qualidade de vida do povo. Entretanto, ainda que esses casos tenham tido repercussão em Ponta Grossa, ela foi muito menor e menos abrangente do que a comoção gerada pela porta relocada. Não foram poucos aqueles que lamentaram a retirada do objeto. E, não raro, esse lamento se expressou em ódio aos estudantes. Muitos destes foram hostilizados nas redes sociais e nas ruas, sendo WD[DGRVFRPR³YDJDEXQGRV´³GHSUHGDGRUHV´H³GHWXUSDGRUHV´GRSDWULP{QLRS~EOLFR É estarrecedor ver tantos ponta-grossenses se sentirem mais incomodados por uma simples porta, do que por todos os ataques e violências que estudantes, professores, servidores, sofrem na UEPG. Me pergunto a razão disso. Seriam essas pessoas menos importantes do que uma porta? Seria a violência ao ser humano fato menos importante do que a um bem-material? Todos o sucateamento da universidade causado pelo governador e presidente incomoda menos do que uma única porta relocada pelos estudantes? Mais lamentável do que isso foi ver várias pessoas aplaudirem e comemorarem a liminar de desocupação do prédio da Reitoria. Em grande medida essa comemoração se devia ao fato de no texto expedido pela justiça constar a defesa do uso de força policial na desocupação. O
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que essas pessoas desejavam? Um possível banho de sangue? Queriam ver nas câmeras de segurança policiais agredindo estudantes? Queriam um novo 29 de abril no campus da UEPG? O que torna possível essa falta de empatia? Como é possível sentir menos o ataque à vida? Ou mesmo não sentir? Ou ainda viver como se isso fosse normal? Ou olhar distraidamente SDUDDQRWtFLDQRWHOHMRUQDOHSHQVDU³DKPDLVXPDYtWLPD´"(PTXHQRVWUDQVIRUPDPRVDR sentir menos a violência a vida do que ao bem-material? Essa criminalização do movimento e ataques aos estudantes e, acima de tudo, essa falta de empatia, demonstram que algo profundo em nosso país não mudou. Desde junho de 2013, o país passa por um acelerado processo de mudança. Os brasileiros descobriram as ruas e têm sistematicamente tornado esse espaço público o palco de suas manifestações. Porém, algo profundo ± que não entendo bem o que possa ser ± não mudou. E, caso esse algo profundo não for mudado e transcendido, tenho a impressão de que nenhuma outra mudança terá o peso de uma transformação real. Se não chegarmos a uma mudança do âmago, trocaremos as roupagens, mas o conteúdo se manterá o mesmo. É preciso, portanto, parar e pensar. Porque se hoje há violência em nosso país, em grande medida existe porque parte da sociedade brasileira sente menos empatia. E, assim, se omite ao sentir pouco ou não sentir. Se realmente existe o desejo de mudança, é preciso que se olhe no espelho e tente vislumbrar que não está certo sentir mais o fato de uma porta ter sido relocada, do que toda a vida atacada e violada. É preciso olhar no espelho e encarar a alma deformada. Enquanto uma porta comover mais do que a dor de um ser vivo, de uma pessoa, nada de real será mudado para melhor neste país.
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A universidade muito aquém da universalidade e diversidade da vida
Não seria necessária uma lupa para constatar a gravidade do processo de genocídio ao qual estão submetidos os povos indígenas. Subjugados ao quinhão mais cruel de um novo padrão de poder trazido pelas velhas madeiras das caravelas europeias, caíram aos milhares sob a progressão da hecatombe. Infelizmente, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (Uepg), ao invés de apoiar a luta contra esse massacre que ainda persiste, faz exibição pública de desrespeito à cultura indígena e aos direitos históricos e arduamente conquistados por esses povos ao publicar, em seu Concurso Vestibular de Inverno 2013, o texto anti-indígena intitulado ³2tQGLR´, racista e desvinculado da realidade. O autor afirma que devido ao fato dos avanços dos meios de comunicações e transportes ter ultrapassado suposta barreira HQWUH EUDQFR H tQGLR HVVH ³QmR p PDLV R JXDUGLmR GR HFRVVLVWHPD SRUTXH D VXD VLWXDomR VRFLRFXOWXUDO p IUiJLO´ (OH GLVFRUUH D YHOKD FRQVWUXomR mental preconceituosa ± defendida pelos dominadores ± de que os complexos dinamismos culturais dos povos indígenas, suas organizações sociais enraizadas na tradição e cosmologia, o seu incondicional amor à vida, à terra, à floresta, não são riquezas e possibilidades, mas inutilidades. Para essa concepção imbecil, os indígenas são seres inferiores, não produzem e mantêm hábitos primitivos e, apesar de viverem há milênios em simbiose com a natureza, não têm capacidade de defendê-la ± HTXHRKRPHP³PRGHUQR´TXHHPSRUFDOKDDVFLGDGHVDUULRV e mares; que criou formas de vida que beiram a inviabilidade é quem deve cuidar da natureza e ID]HU³PHOKRUXVR´GHOD E não bastasse tanta imbecilidade, o autor vai mais além ao defender o etnocídio, ao GHFODUDU TXH ³R PHOKRU FDPLQKR p XPD LQWHJUDomR DVVLVWLGD´ $FUHGLWR TXH LVVR p KHUDQoD daquele avassalador projeto do Estado brasileiro de integração indígena em favor de uma identidade nacional unificada. Na época da ditadura, a força da violência imposta aos indígenas para isso era tamanha que muitos vislumbravam que chegaríamos ao século XXI com os sobreviventes do massacre quase que totalmente integrados à sociedade imposta a eles. Isso além de etnocídio é, evidentemente, inconstitucional, pois contraria o artigo 231 da &RQVWLWXLomRGHTXHGHIHQGHTXH³VmRUHFRQKHFLGRV DRVtQGLRV VXDRUJDQL]DomRVRFLDO costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os VHXVEHQV´ ϳϬ
1XPDWHQWDWLYDGHVXSHUDUDVLPHVPRRDXWRUDLQGDDILUPDTXH³DGHPDUFDomRFRQWtQua de terras para os índios, a essa altura dos acontecimentos históricos, não é bom negócio para o País, principalmente, levando-VHHP FRQWDD JOREDOL]DomRGRV LQWHUHVVHVLQWHUQDFLRQDLV´(OH está dizendo que as comunidades indígenas na gestão dos recursos naturais de seus territórios QmR³SURGX]HPGHIDWR´± e que isso atrapalha o crescimento e a projeção do Brasil ao patamar de grande nação. Essas monstruosidades semânticas nos levam a crer que o escritor é um adepto GD QRYD RUGHP GH ³GHVHQYROYLPHQWR´ QD qual todos os recursos ambientais, culturais e humanos devem ser incorporados a uma lógica mercantil e concorrencial, a partir da qual as coisas valem pelo retorno que podem gerar e pelo potencial de exploração. Nesse sentido, a demarcação das terras indígenas e a garantia de formas variadas de pensar e de produzir não teriam lugar, sequer a menor importância. Tem-se, assim, o massacre, a agressão, a discriminação e o racismo contra os povos indígenas que vivem em áreas visadas para a expansão desse modelo econômico imbecil. O decreto de extermínio que propõe o autor por sua manifestação busca, portanto, sustentação em argumentos que só vislumbram o mundo a partir das lentes do desenvolvimento dominante e que desconsideram a importância da cultura indígena, ou seja, tudo que foge da OyJLFDGDDQH[DomRGDLQFRUSRUDomRGDLQWHJUDomRHPIDYRUGHVXSRVWR³GHVHQYROYLPHQWR´ são obstáculos e devem ser removidos. (QILPpPXLWRFODURTXHRWH[WR³2tQGLR´pXPDWHQWDGRDRVSRYRVLQGtJHQDVHSRU isso, jamais deveria ser objeto de análise ± direcionada, evidentemente ± em uma prova de vestibular e, assim, nunca a Universidade Estadual de Ponta Grossa (Uepg) deveria publicá-lo ± a menos que fosse de forma crítica, o que não é o caso, pois, as questões apenas reforçam o seu conteúdo muito próximo do fascismo/nazismo. Ao publicar sem o cuidado de apresentar uma visão nefasta sobre esses brasileiros primeiros desta Nação, a universidade se presta a reforçar esse conteúdo condenável sob todos os aspectos, especialmente porque essa publicação faz referência aos indígenas por uma ótica deprimente, além de ser ± no mínimo ± um desrespeito aos princípios constitucionais elementares e, portanto, à causa indígena. Num País onde a mandatária-mor, a presidenta da República cede ± cada vez mais ± à pressão dos ruralistas, latifundiários e à produção de escala e rifa os direitos indígenas, aceitar que uma instituição pública, que se arvora como defensora e cultivadora do saber humano, aja dessa maneira é perder a esperança na garantia da vida não só aos povos tradicionais, mas, à de todo o mundo! ϳϭ
Só criticar não resolve nada
O movimento de ocupação de escolas não para de crescer. Mais de mil escolas e sessenta universidades foram ocupadas, em 19 estados em todo o país, sendo o Paraná o epicentro dessa luta em defesa da educação. Provavelmente quando este artigo for publicado no jornal esses números estarão desatualizados, porque é um movimento tão rápido e dinâmico que outras instituições já terão sido ocupadas. O movimento de ocupações é uma vitória não só para a nossa geração, como também para todas as futuras que através dessa luta terão o seu direito à Educação assegurado. Em Ponta Grossa vimos recentemente a ocupação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que começou no prédio da Reitoria e que agora, após negociações, se estabeleceu no Centro de Convivência. Foi uma vitória a ocupação da Reitoria que, não raro, é tratada como uma fortaleza e o campus entendido como um feudo, onde a opinião dos estudantes, professores, servidores, geralmente tem que se submeter a do administrador-mor. Infelizmente, no processo de ocupação do prédio da Reitoria ocorreram erros de ambos os lados. Ele estava todo trancafiado com cadeados e foi recusado a abertura de uma das portas. Isso exigiu que uma delas fosse relocada pelos estudantes para possibilitar a sua entrada. No momento da entrada, um descontrolado, que antes ofendia estudantes e servidores, entrou em entrechoque com os estudantes, causando confusão. Tudo isso teria sido evitado se o prédio não estivesse trancafiado e, principalmente, se a Administração Central tivesse prezado pelo estabelecimento do diálogo com os estudantes. Após os vídeos da ocupação serem divulgados, vimos a comoção de boa parte dos pontagrossenses e a fúria da mídia local. Uma pena todo esse rebuliço acontecer por um fato isolado. Uma pena não vermos tanta comoção quando o engravatado que encabeça a administração-mor do Estado do Paraná implementa medidas que sucateiam e esgoelam a UEPG e todas as outras universidades e escolas estaduais. Uma pena também não vermos uma comoção tão grande e abrangente quando estudantes, servidores, professores, são nos espaços da universidade assaltados, outras violentadas sexualmente, alguns esfaqueados, entre outras tantas violências que a comunidade vem sofrendo há anos. Não sei se toda essa atenção que foi despendida para a confusão do momento da ocupação do prédio é mesmo comoção ou não passa de cinismo. Não sei! Só sei que enquanto muitos ficam esperando dos outros um papel que não cumpriu dignamente, a geração que ϳϮ
FUHVFHXRXYLQGRFUtWLFDVSRU³QmRVHLQWHUHVVDU´SRUSROtWLFDHVWiSURYRFDQGRXPDEDORVtVPLFR no sistema político do país. Enquanto muitos acham que estão fazendo política criticando nas ruas e nas redes sociais quem está em luta, os jovens que estão ocupando fazem Política, com ³3´PDL~VFXOR Criticar faz parte e é democrático, mas não podemos nos restringir a isso. Então, se muitos pontagrossenses estão mesmo tão incomodados com o andar da carruagem, que se levantem e vão fazer algo a respeito, ao invés de se limitarem a ficar criticando. Nós estudantes estamos fazendo. Sabemos que a educação brasileira está sob ataque, em crise, e compreendemos a importância de não arredarmos o pé da luta até que os nossos direitos estejam assegurados. Temos clareza de que não ergueremos um país melhor somente com críticas e braços cruzados.
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A guerra mundial às drogas fracassou
Nas sociedades contemporâneas, a guerra é ao mesmo tempo um exercício de controle social e uma estratégia para a ampliação da economia neoliberal. Uma das guerras que sofrem os países hoje, independentemente de eles serem uma democracia ou não, é a chamada ³*XHUUD jVGURJDV´/LGHUDGDSHORs países ricos, principalmente os Estados Unidos, a Guerra às drogas é uma política global que fomenta ações violentas em diferentes pontos do planeta. Grupos políticos desses países conseguiram fazer com que o medo das drogas ± e, posteriormente, do terrorismo ± substituísse gradativamente o comunismo como figura ideológica de ameaça à democracia mundial. Identificando as drogas como a encarnação do mal, a opinião pública então é condicionada a crer que é preciso combate-las com armas e fardas. O aparelhamento das forças policiais e militares para guerrearem contra às drogas, entretanto, não impede o avanço do consumo dessas substâncias. A sua falência é lucrativa para a economia neoliberal, porque enriquece a indústria bélica. Além disso, serve de justificava para que as forças opressoras do Estado foquem esforços no massacre contra as camadas mais SREUHVHQWHQGLGDVFRPR³FODVVHVSHULJRVDV´TXHVXSRVWDPHQWHHVWmRHQYROYLGDVFRPRWUiILFR No momento em que o Estado ataca as favelas e periferias urbanas, segundo a justificativa de estar em luta contra o avanço do consumo das drogas, ele responsabiliza as comunidades pobres por um mercado que é movimentado por uma lógica de consumo norteada pelos países do primeiro mundo. É preciso entender que o mercado de drogas se insere, se beneficia e se fortalece num contexto em que as pessoas são condicionadas a verem, sentirem e pensarem de modo consumista. Vivemos numa época em que as inverdades criadas pelo marketing e pelos meios de comunicação dos países de primeiro mundo ± e que obviamente são repercutidas para todos os lados em um mundo cada vez mais globalizado ± determinam o nosso estilo de vida ao formar subjetividades consumistas. Pense comigo, nada como uma comprinha para nos fazer sentir melhor, não é? Hoje as lojas são como farmácias. Cada compra é como um remédio que proporciona uma sensação de bem-estar. O prazer não advém somente por ter adquirido um produto, mas na crença de que o processo nos proporcionará o estilo de vida desejado. Dessa forma, compramos um símbolo com o intuito de atender as nossas carências de orientação existencial. Necessidades essas que nunca serão preenchidas a contento, gerando inúmeras frustações. ϳϰ
O mercado de drogas é movimentado por essa lógica consumista norteada pelas ações dos países do primeiro mundo. Assim, ao mesmo tempo em que as drogas são um produto altamente consumido pela classe média e alta classe média, elas são consideradas a encarnação do mal que deve ser eliminada pelo Estado através da repressão. No Brasil, como se sabe, não é diferente. As disputas por pontos de venda de drogas entre facções inimigas e o enfrentamento direto com a polícia gera no país uma verdadeira guerra civil. A Guerra às drogas é, portanto, uma decisão política contra o pobre e em favor dos grandes investidores. Afirmar que a solução para o fim do avanço do consumo de drogas é através da intensificação da força policial é um argumento tão profundo quanto um pires. Só daremos alguns passos para superar o estado de guerra que sofremos, quando as drogas deixarem de ser entendidas como um problema de segurança pública e passarem a ser consideradas como uma questão de saúde pública.
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A Casa Grande se ilude
A crise financeira mundial avança como uma chuva ácida espalhando todos os seus males. O desemprego e a miséria assombram muitos e para outros tantos é um pesadelo que YROWRX D VH WRUQDU UHDOLGDGH 'HEDL[R GD DVD GR LOHJtWLPR ³JRYHUQR JROSLVWD GH VDOYDomR QDFLRQDO´ D SRGHURVD WUtDGH IRUPDGD SRU JUXSRV SROtWLFRV yUJmRV GH FRPXQLFDomR H XPD parcela do judiciário, que já possuíam há séculos os seus tentáculos espalhados em cima de terras, pessoas, direitos, se articulam dia e noite para rifar o país e fazer voltar o passado que representam. Perante a crise que nos atenta, o que fazem os vereadores da Câmara Municipal de Ponta Grossa (CMPG)? Os nossos (pseudo)representantes, ao invés de trabalharem para aplacar o avanço do abismo que separa neste país ricos e pobres, aprovaram no dia 27 de julho um projeto de lei que assegura os seus privilégios. Falo do projeto de lei 279/2016 de autoria da Mesa Executiva, que prevê que os vereadores que vencerem as eleições deste ano, recebam mensalmente o valor de R$ 10.063.29 ± o montante é o mesmo pago aos atuais vereadores. De acordo com a iniciativa retrógrada, o presidente da Câmara receberá o salário de R$ 10 mil e mais R$ 5.031.70, referente a 50% do rendimento total, além de direito a um gabinete especial e outros quatro assessores. Os outros 22 vereadores poderão nomear um chefe de gabinete com salário mensal de R$ 4.130,34, e outros dois assessores, um com a remuneração de R$ 2.694,02 e outro de R$ 3.188,63. O salário médio do trabalhador brasileiro em janeiro de 2016 foi de R$ 2.227,50, segundo levantamento feito nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre. Os dados são da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) e foram divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Se compararmos com a média salarial do brasileiro, o salário dos vereadores é, portanto, um absurdo. Observo esses antagonismos e penso: o que os vereadores pensam que são? Acham que são uma minoria privilegiada contemplada por divindades, à qual tudo é consentido e concedido? O fato de os vereadores de nossa cidade terem aprovado um projeto que garante os seus privilégios é só prova cabal de que eles não têm a mínima ideia do que está acontecendo no país. Os parasitas representantes das oligarquias locais se iludem ao pensar que a Casa Grande se manterá em pé. Se iludem ao pensar que os seus privilégios não serão contestados. ϳϲ
O Brasil do século XXI é diferente. Enquanto os representantes da velha política lutam para comandar o atraso, o povo está cada dia mais entendendo que o mundo de hoje é apenas um momento do longo processo histórico e a convivência pode ser mudada. Estamos compreendendo que podemos e devemos botar de pé uma outra sociedade, uma sociedade que opere em outra lógica, porque a atual que temos, profundamente mergulhada em injustiça social, está nos matando. Se enganam, assim, as múmias que acham que o Golpe marcou o fim da história e que agora podem tomar para si os recursos públicos e fazerem com eles o que bem entenderem. A história não está dada e a luta mal começou. Um desejo de reconfiguração da cena política, portanto, cresce a cada dia. Não aceitamos mais a velha ordem das coisas e do progresso para os mesmos de sempre. Se não for para todos, não será para ninguém.
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Autorretrato
A Constituição Federal de 1988, que nesses tempos de pato rouco parece ter sido esquecida, institui muitos avanços. Entre eles está o resgate do papel dos municípios no cenário político brasileiro. Isso foi conquistado ao torna-los entes federados com constituições próprias e ao dar-lhes relativa autonomia político-jurídica, acompanhando a tendência internacional de valorizar os níveis subnacionais de governo. Graças a esses avanços descentralizadores, os parlamentares podem definir algo como o número de cadeiras que a Casa deve ter e o quanto eles merecem de salário. O projeto de redução salarial e do número de vereadores vem há anos sendo discutido pelas Câmaras Legislativas Brasil afora. Essa preocupação em enxugar a máquina pública de forma eficiente é legítima. Em nossa cidade, soma-se a essa pauta a interessante proposta de desconto salarial dos vereadores que faltarem às sessões sem justificativa. O regimento interno atual é vago no debate sobre o desconto dos vencimentos dos faltosos e permite sessões esvaziadas. Quanto aos salários, os R$ 7 mil mensais que atualmente um vereador de Ponta Grossa recebe excede o que a média dos brasileiros recebem. E isso é não está certo. Um vereador, que é eleito para nos representar, não pode ganhar muito mais do que nós. Porém, o salário do parlamentar também não deve ser reduzido ao ponto dele não conseguir sobreviver com a sua remuneração, porque a sua total redução privilegiaria candidatos com alto poder aquisitivo, enquanto que pessoas de baixa-renda ± que hoje representam baixo índice de candidaturas e menor ainda de eleições ± evitarão ainda mais em se candidatarem, pois não terão condições de sobreviverem com um salário igualado a um valor próximo a nada durante o período em que ocuparam uma cadeira no poder público. Aliada a essa discussão, é preciso debater o aprimoramento da fiscalização das verbas de gabinete. Quando uma câmara tende a aceitar a redução salarial, não raro os vereadores buscam repor a perda através dessa verba. Buscam repor por meio também de acordos com os assessores que terão que destinar um percentual do seu salário ao parlamentar. Se os nossos vereadores estão mesmo tão preocupados com a destinação eficiente dos recursos públicos, tenho certeza que não deixarão de discutir esses pontos. No que tange ao projeto de redução de vereadores, é uma proposta com poucas chances de ser aprovada, mas, o fato da opinião pública apoia-la é um auto-retrato da crise de ϳϴ
representação que perpassa o sistema político. Tamanha insatisfação deixa claro que essa proposta deve vir acompanhada de outras mudanças que promovam uma participação mais direta do povo. O fato é que muitas pessoas não se sentem representadas. Precisamos implementar meios que ensejam numa democracia mais participativa, na qual possamos escolher as medidas que precisam ser aplicadas, onde devem ser promovidas e o modo como serão. Plebiscitos e Referendos Digitais seriam bons exemplos desse necessários avanços. A CF de 1988 avançou ao possibilitar maior autonomia às Câmaras. Precisamos continuar avançando através de uma participação mais direta da população na tomada de decisões. Portanto, são inúmeras discussões que precisam ser norteadas mais por sinapses do que por sístoles; mais por reflexões do que por gritos ± e que devem envolver toda a população. Dessa forma, o legislativo poderá cumprir o papel a que foi confiado.
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O inverno chegou
³2 LQYHUQR HVWi FKHJDQGR´ p XPD GDV IDPRVDV IUDVHV GD VpULH ³*DPH RI 7KURQHV´ Diante dos últimos acontecimentos no Brasil e no restante do mundo, difícil não acreditar que o inverno já chegou. Donald Trump foi eleito. Michel Temer é o nosso presidente. Beto Richa no Paraná não cessa os ataques aos nossos direitos. Marcelo Rangel se reelegeu para prefeito em Ponta Grossa. Os retrocessos estão acontecendo tão rapidamente que fico com a sensação de estar numa máquina do tempo de volta ao passado, na velocidade da luz. Nesse ritmo, parece que daqui a pouco estaremos jogando pela janela os dejetos na rua ou morando nas cavernas. É uma sensação normal essa de estar numa época turbulenta. Toda geração acredita estar vivendo uma grande mudança. E todas estão certas. Diante disso, seguimos tateando a vida tentando dar um sentido a ela. Buscamos orientação por meio da interpretação do passado, do presente e do futuro. Orientação que se ressignifica ininterruptamente a partir de novos indícios, interpretações e circunstâncias. Acredito que deve ser inerente a essa bússola que aponta o caminho uma postura que busque, a partir da lucidez, a construção de um futuro utópico. Isto é, temos que ser capaz de, mesmo sabendo que vivemos em tempos de crise, imaginar uma vida melhor. Do contrário, corremos o risco de nos afogar em um mar de distopia. No que tange aos acontecimentos em Ponta Grossa, essa postura será fundamental para conseguirmos transcorrer os próximos quatro anos, haja vista o fato de o nosso prefeito ser apoiado pelo Richa, considerado um dos piores governadores que o Paraná já teve. Através do apoio que recebe de Richa, as posturas de Rangel indiretamente acabam por estar em consonância com as de Temer. Além da postura do Rangel estar em concordância com as de Temer e Richa, ele possui também o apoio da maioria dos vereadores ± o que significa, vale ressaltar, que a maior parte das medidas (se não todas) do prefeito serão bem recebidas por essa maioria que fará grande SUHVVmR QR UHVWDQWH GR OHJLVODWLYR 3DUWH GHVVH DSRLR DGYpP GR µFKDSmR¶ 336 36'% 36% PSD) formado pela coligação do prefeito que elegeu seis vereadores. Outras coligações aliadas ao gestor elegeram outros oito. E ao menos outros três são pessoas muito próximas da administração dele. Assim, no total ele possui direta e indiretamente apoio de 17, dos 23 vereadores eleitos.
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Perante um cenário catastrófico como o nosso é sem dúvida difícil não crer que o inverno já chegou e se deixar abater. Mas, como eu disse antes, ao analisarmos o percurso e definirmos a rota que seguiremos é fundamental sempre buscarmos construir um futuro pelo qual vale-a-pena lutar. Precisamos compreender que a utopia é um alvo em movimento. Lutar pela sua concretização é caminhar em direção ao horizonte sabendo que não irá alcançá-lo. Ainda que não a alcancemos, é caminhando em sua direção que damos sentido à vida. É no trajeto, e não no destino, que encontramos o seu real significado. Portanto, é fundamental não nos deixarmos abater diante dos tristes acontecimentos e encontrar formas de criar utopia a partir do excesso de lucidez. Ninguém tem dúvidas de que vivemos tempos sombrios. Porém, o que muitos parecem esquecer é que a nossa época será somente mais um estágio no longo processo histórico. Cabe a nós, então, definirmos juntos se nesse processo seguiremos uma rota para sair da crise, ou para nos afogar nela.
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Nenhum fim de crise está à frente
O ambiente político brasileiro está marcado por um sentimento difuso negativo em relação à política em geral e crescentemente diminuí a confiança nas instituições políticas, fortalecendo a ideia de vivermos sob uma democracia inercial. O golpe parlamentar promovido há pouco mais de um ano, tirando violentamente a presidenta Dilma do poder e, mais recentemente, as contra-reformas impopulares de Temer e as acusações que atingem em cheio o seu governo, intensificam ainda mais essa crise política e o clima de descontentamento e desconfiança. Diante desse cenário, para muitos a saída aceitável é uma eleição geral. Nas últimas apurações, Lula ressurge, com 47% de potencial de votos (30% votariam com certeza, 17% declaram que poderiam votar), como o mais forte candidato. Sua rejeição caiu 14 pontos desde o impeachment da presidenta Dilma, igualando a marca dos que o apoiam. Comparando a pesquisa de outubro de 2015 com a atual, seus adversários do PSDB despencam na preferência eleitoral. Aécio tinha 41%, caiu para 22%. Serra tinha 32%, caiu para 25%. Alckmin tinha 29%, caiu para 22%lxi. Esses dados são do Ibope, pesquisa realizada em abril deste ano. Provavelmente após as fortes denúncias contra Aécio Neves essas intenções de voto para o candidato tucano despencaram ainda mais. Outra pesquisa atual realizada também em abril deste ano mostra o crescimento de Lula: dezembro de 2016, 35%; abril de 2017, 45%. O PT recupera parte de seu eleitorado: dezembro de 2016, 15%; abril de 2017, 20%. Nessa mesma pesquisa, o PSDB aparece com a preferência de 4%lxii. O golpe não foi dado para meses depois o governo ser entregue novamente aos petistas. Assim, diante desse crescimento do ex-presidente Lula, creio que a frente antidesenvolvimentista e pró-reformas neoliberais, a qual foi a principal protagonista no processo de queda da ex-presidenta Dilma Rousseff, está tomando concomitantemente duas ações: buscam tornar Lula ilegível e, ao mesmo tempo, preparam os lobistas que forçarão um possível novo governo Lula a não só manter as reformas implementadas pelo Temer, como também para que sejam aprovadas as que ainda não foram. Essa frente é formada principalmente por grupos com interesses rentistas, como o setor financeiro nacional e internacional, a mídia corporativista local e internacional, além dos grupos políticos e os estratos superiores da classe média. Esse grupo tem como objetivo-mor o controle da política econômica, da política social e da política externa do Estado brasileiro. E farão o ϴϮ
que estiver ao alcance para contra-arrestar a presença de um comando do Executivo que atrapalhe a implantação do tripé neoliberal (juros altos, superávit primário elevado e câmbio flutuante), como vem fazendo o governo Temer. E uma das frentes de ataque se dá à figura do ex-presidente Lula que, como vimos, tem grande potencial de votos. Até as pedras do calçamento viram toda a força-tarefa que se formou para denegrir a imagem dele, através de denúncias sem provas, prisões-preventivas desnecessárias, entre outros. Assim, sob o guarda-chuva de um suposto combate à corrupção, agitam bandeiras como essa que podem contar com algum apoio popular. Noutra frente de combate que pressuponho estar se formando nos subterrâneos de Brasília ± e que, dado o fato de se tratarem de ações por trás das cortinas, nos bastidores, temos pouco conhecimento a respeito ± são as movimentações entre as elites políticas e setores privados para formar grupos de pressão de modo a controlar qualquer ação de um possível governo Lula que vá na contramão da implementação das reformas estruturais hoje realizadas por Temer. Isso é característico do nosso sistema político, secularmente controlado pelo capital, ao invés de ser o contrário. Dada essas características estruturais, temo que apostar hoje, unicamente, nas velhas máquinas partidárias e em figuras carismáticas como a de Lula, me parece que terá a função única de abrir caminho para aprofundar ainda mais o já preocupante divórcio entre sociedade e sistema político e permitirá que as contra-reformas implementadas por Temer não só se mantenham, como também continuem sendo implementadas. Na mesma linha, mas de vetor trocado, existem outros candidatos apresentados como paladinos, como o atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), um pirotécnico maníaco que faz parte e representa as elites brasileiras ± e que, se por acaso chegar ao alto escalão do Executivo, ampliará ainda mais os antagonismos sociais. Um outro aventureiro de plantão apontado como preferido é o Deputado Jair Bolsonaro (PSC), um político tão violento e desrespeitoso dos direitos humanos que uma publicação australiana o elegeu como o político mais abominável do mundo. Ou seja, nenhum fim de crise estará à frente se continuarmos apelando somente para as SRVVLELOLGDGHV DSUHVHQWDGDV SHORV ³GRQRV GRV SRUW}HV LQVWLWXFLRQDLV´ $SHODU SDUD VDtGDV rápidas, ilusórias e definitivas também só propiciarão ao sistema transformar-se para, paradoxalmente, tudo continuar o mesmo. Nas minhas poucas luzes, a saída está na concatenação de forças entre instituições e os novos movimentos sociais de base para que, juntos, conquistem a força necessária para realizar de baixo para cima as mudanças de que tanto ϴϯ
o país necessita. Para isso, precisamos ter clareza de que é possível sim construir de baixo para cima uma resposta a situação de crise que vivemos na atualidade. Podemos sim superar as imagens carismáticas, apostando em arranjos coletivos que vão para além dos velhos personalismos da política brasileira. Quando me refiro que a saída é através do povo me refiro à parcela da população, razoavelmente organizada, que anseia por mudança. Vários movimentos, muito enérgicos, fragmentados e fragmentários, estão se formando hoje na base da sociedade. Esses movimentos em vários aspectos se diferenciam dos movimentos sociais tradicionais, especialmente no que tange a postura em relação às instituições. Enquanto que os novos movimentos pregam (conscientemente ou não) um afastamento e, às vezes, até o abandonamento das instituições, os movimentos sociais tradicionais fazem parte das instituições, integram-nas conjuntamente com os partidos, os três poderes, etc. Creio que para reordenarmos o nosso sistema político num sentido positivo precisaremos que as instituições (movimentos sociais tradicionais, partidos, três poderes, etc) percebam a necessidade de se abrir a esses novos movimentos sociais. De outro lado, esses novos movimentos também precisam ter interesse em influenciar as instituições. Então, de ambos os lados é preciso que haja abertura. Não dá para as instituições, principalmente os partidos e movimentos sociais tradicionais, olharem para os novos movimentos de base e afirmarem que estão de braços abertos para eles, desde que os mesmos aceitem o seu antigo formato (centrista, hierárquico, etc). Não dá também para esses novos movimentos se lixarem para as instituições. Sem essa nova energia que está na base da sociedade, as instituições continuarão no processo de definhamento que estamos vendo hoje. E esses novos movimentos, sem as instituições, não conseguirão se organizar nacionalmente para resolver grande parte dos problemas do país. Acredito que esse processo de superação do divórcio e concatenação de forças é mais importante (e difícil) do que simplesmente manifestarmos apoio a um ou outro lado; algo que as pessoas fazem com frequência quando apontam apoio incondicional ao ex-presidente Lula, e dão as costas para a energia viva e nova da base; é algo que acontece também do outro lado, quando integrantes desses novos movimentos se opõe à união com partidos, movimentos sociais tradicionais, se opõe à participação de processos eleitorais, etc. Para vivenciarmos as mudanças sociais positivas e em larga que ansiamos, precisamos da concatenação de forças. Nenhum fim de crise está à frente se apostarmos na separação dessas duas frentes. Se Lula chegar a se eleger sem ter essa base, veremos o pemedebismo se reinventar e as rachaduras em nosso sistema ϴϰ
político se alargarem. Além disso, a crise sistêmica se perpetuará e o diagrama de forças se reorganizará para manter intacto o pacto conservador, em benefício da frente neoliberal que dá corpo ao nosso capitalismo de compadres, e em detrimento da população, especialmente a mais pobre.
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A hipocrisia da esquerda ex-governista
Uma das maiores expressões do cinismo e da hipocrisia que vejo hoje na esquerda exgovernista são as ondas de manifestações de repúdio ao político criminoso Aécio Neves. Eles apontam a série de denúncias que envolve esse corrupto, alguns afirmam que querem ver o psdbista preso, mas toda essa aversão e asco que manifestam não impediu que um número considerável dessa mesma esquerda ajudasse, indiretamente, Aécio nas eleições de 2014. Vale recordar que nesse ano frações da esquerda ex-governista abraçou o discurso da polarização petismo e antipetismo. Através desse antagonismo identitário objetivavam aplacar o avanço de Marina Silva que, após a morte de Eduardo Campos, cresceu nas eleições. Então, quando o ex-governismo percebeu que a candidata ambientalista tinha chance de ir para o segundo turno, começou uma campanha baixa e sectária baseada em mentiras, de modo a evitar um possível segundo turno entre Marina e Dilma ± dois nomes oriundos da militância de esquerda. Assim, rapidamente a seringueira negra e ambientalista da Amazônia foi convertida em monstro fundamentalista e neoliberal. Na época, o marqueteiro do PT, João Santana, levava a baixaria para novos patamares, taxando Marina como neoliberal disfarçada, enquanto que o PT, supostamente, teria implementado medidas neoliberais apenas pelas circunstâncias. Em consequência, toda essa campanha contra Marina deslocou Aécio para o segundo turno, alguém que durante a campanha esteve em vias de renunciar. Curiosamente, então, o psdbista contou com a cooperação indireta de onde menos se esperava: a esquerda ex-governista, a qual participou de uma operação de destruição da figura pública de Marina e, dessa forma, beneficiou o candidato mineiro. De um lado, parte da esquerda ex-governista aderiu a essa campanha quase sem querer, por espontaneísmo fruto da falta de uma formação política mais aprofundada. Do outro lado, essa campanha contra Marina foi tocada deliberadamente, por gente que sabe o que faz. Em ambos os lados, as eleições de 2014 se tornaram um espetáculo de idiotização formado por um teatro de péssimos atores incapazes de ouvir e levar a sério outras vozes que não fosse o seu próprio eco. Depois dessa campanha suja tudo fica explicado quando Dilma vence e, à revelia de todo discurso que fez nas eleições, afirmando que não permitiria a contensão do crescimento, a recessão, o desemprego, o arrocho salarial, o aumento da desigualdade e toda a submissão que o Brasil tinha no passado ao FMI, ela faz totalmente o contrário, adotando o programa ϴϲ
neoliberal da oposição. Esse estelionato eleitoral explica porque o alarme do ex-governismo soou quando Marina aumentou as suas possibilidades de ir para o segundo turno. Nada poderia impedir que as reformas neoliberais fossem implementadas goela abaixo, inclusive arrisco dizer que essa é uma das razões que ensejaram no golpe que catapultou Dilma do poder. As medidas nesse viés implementadas por ela não foram o bastante para a frente neoliberal. Enfim, tenho inúmeras ressalvas à Marina e, por eu pertencer a uma esquerda radical, e ela ter um caráter centrista -- como o PT -- nunca votaria nela, mas isso não me impede de dar o real nome aos bois. Um capítulo da história da esquerda brasileira terá que ser dedicado a esse estranhíssimo fenômeno de cinismo e hipocrisia da esquerda ex-governista que dá apoio ao establishment político.
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Por uma nova esquerda
Há mais de uma década me localizo no espectro ideológico como alguém de esquerda. Mas, quanto mais os anos passam, mais me aproximo de uma postura mais radical do que a comumente assumida por boa parte das esquerdas. Acho que as dificuldades pelas quais passo cotidianamente e o atual estágio da minha vida em que ainda estou erguendo os esteios de minha identidade, acaba por me condicionar a agir assim. Essa guinada também se deve a percepção de que grande parte das esquerdas está muito acomodada com as suDV EHQHVVHV GH FODVVH PpGLD H SULV}HV FRPR (VWDGR ³SiWULD´ ³QDFLRQDOLGDGH´ ³IDPtOLD´ ³DPLJRV´ LQGLYtGXR HQWUH RXWUDV WDQWDV LQVWLWXLo}HV 1mR bastasse isso, parece estar castrada com a representação do sistema político, econômico, cultural e social, enfim, todas essas abstrações, como partes de uma grande estrutura, grandiosa o bastante para só permitir pequenos movimentos hesitantes. Consequentemente, reivindicar algo que não figura entre as possibilidades desenhadas pelo campo do possível que nos apresenta, ainda que seja algo típico para qualquer um que queira fazer parte do processo revolucionário, passa a não ser cogitado. Isso acontece porque, como até as pedras do calçamento perceberam, as esquerdas vivem momento complicado na atualidade. E não se trata somente de uma crise conjuntural e circunstancial, estão vivendo o limite lógico de um projeto que foi nascendo de sucessivas decisões estratégicas e que esgotou completamente sua capacidade projetual. De revisão em revisão, foram se distanciando de suas propostas originais até o ponto de se transformarem em pró-capital, ainda que não queira admitir. Tal crise fica evidente quando, ao invés de se manifestarem anti-sistema, dão todo apoio a quem não só conserva como amplia o status quo, como o recente apoio aos industriais da carne; ao invés de trabalharem pela defesa real dos ataques constantes aos direitos arduamente conquistados, estão entretidos com as richinhas internas nas caixas de comentário do feissy, grupos de whats e reuniões de partido; ao invés de construírem coletivamente uma forte base, repetem à exaustão que será um grande passo 'democrático' a eleição de Lula, alguém que está com um pé na cadeia e soterrado em denúncias; ao invés de se desdobrarem para entender a complexidade do atual, se contentam com análises primária, escolar, maniqueísta, típica de centro acadêmico e que são frequentemente desmentidas pelos fatos.
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Quero fazer parte das transformações que construirão um mundo que não esteja dominado pelo grande capital. E sei que é uma âncora essa esquerda preguiçosa, na sua maior parte recrutada nas centrais sindicais e nas universidades, que não sabe o que é ser obrigado a trabalhar até chegar à exaustão. Mas também sei que abandonar o navio quando ele está afundando é purDFRYDUGLD1mRDFUHGLWRQR³IRUDWRGRPXQGR´TXHWDQWRFODPDR36783RU isso, creio que precisamos erguer dos escombros uma nova esquerda, mais radical, diferente das atuais que não passam de um desenho na areia da praia que logo o mar devorará. Uma esquerda radical livre das fronteiras que a Ciência, a Moral, a Norma torna ídolos a ser respeitados.
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Um suspense mundial
A pouco tempo de completar 100 dias de mandato, Donald Trump impôs o seu eu militar ao lançar 59 mísseis Tomahawk na Síria. O alvo foi a base aérea de Shayrat, em Homs, no norte do país, supostamente em represália pelo bombardeio com armas químicas que matou mais de 80 pessoas e cuja responsabilidade é atribuída pelos EUA ao presidente sírio Bashar Al-Assad. Uma semana depois, Trump novamente assusta o mundo com outra investida, desta vez no Afeganistão, onde foi jogado a MOAB GBU- FRQKHFLGD FRPR ³D PmH de todas as ERPEDV´2DUWHIDWRpRPDLRUQmR-nuclear dos Estados Unidos e teve como alvo um esconderijo do Estado Islâmico. Durante sua campanha eleitoral o presidente republicano repetiu à exaustão que envolveria o país em mais conflitos externos. Em fevereiro o seu governo declarou que aumentaria em R$ 54 bilhões os gastos militares de defesa do país. Esse salto no orçamento de defesa foi considerado o maior desde o período posterior aos atentados do 11 de setembro e deixava claro que seria cumprida a promessa de intensificação dos confrontos bélicos. Agora estamos assistindo os primeiros desdobramentos desse realinhamento. E novamente vemos o mundo em turbulência. O cenário aumenta a tensão não apenas no Oriente Médio como também coloca em rota de colisão os interesses do grande capital norte-americano com de outros países, como a Rússia. Os interesses político-econômicos russos, coordenados pelo ex-chefe da KGB, Vladimir Putin, ansioso por recuperar o espaço geopolítico ocupado pela antiga União Soviética, também estão em cheque. Diante disso, Putin já articula o seu poderio militar. Sites militares indicam que começaram a ser reforçadas por Moscou as defesas antiaéreas sírias. Além disso, a Rússia mandou pela primeira vez para o Báltico o Akula (tubarão), submarino nuclear com 20 mísseis e 200 ogivas. Dimitri Medvedev, primeiroministro russo, alerta EUA, dizendo que Washington está a um passo da guerra. O bombardeio Sírio também entra em entrechoque com os interesses dos conglomerados e da ditadura sem rosto chinesa, que, com interesses programáticos e mercantis, apoia o regime de Assad. Os grupos políticos e financeiros chineses querem o Oriente Médio o mais estável possível para que não haja grandes variações do preço do petróleo, nem alterações no comércio global. Para possibilitar isso, o regime autoritário de Pequim não vê problemas em apoiar um ditador, ainda que este atente contra a população do país.
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Além dessa posição entrar em conflito com a norte-americana, a relação entre ambos países já era instável há muito tempo, desde que a China inundou o planeta com os seus artigos baratos fruto da exploração de trabalhadores e agressão ao ambiente. Isso tem causado impacto tanto na economia norte-americana, quanto na geopolítica russa e de vários outros países em todo o mundo. Diante do aumento do poder político e econômico da China, os EUA poderiam estar envolvidos na intensificação da instabilidade no Oriente Médio para atingir essa grande potência mundial. Para contra-arrestar a presença do gigante oriental na economia ocidental, o governo norteamericano também pode estar envolvido com a instabilidade da representação democrática na América Latina, por meio da destituição de governos progressistas numa região que convive com a democracia há apenas uma geração. E, por meio disso, desconfigurar a cooperação Sul-Sul. Essa cooperação é um processo de articulação política e de intercâmbio econômico, científico, tecnológico, cultural e outras áreas, entre países da América Latina, África e Ásia, sendo a China um dos principais parceiros. Não me espantaria, portanto, se os EUA estiverem ligados ao movimento de enfraquecimento das democracias dos países latino-americanos, de modo a reaproxima-los de suas articulações mercantis e, consequentemente, afasta-los da China. Se non è vero, è bene trovato. Os bombardeios também aumentam as tensões com o perigo atômico encarnado no mimado ditador norte-coreano Kim Jong-un. Recentemente, o regime de Pyongyang garantiu que a Coreia do Norte está preparada para responder a qualquer ataque nuclear pelos mesmos meios. Neste momento um grupo de porta-aviões norte-americano se dirige à região em meio a temores de que os norte-coreanos possam conduzir um sexto teste de armas. Sobrevôos estadunidenses sobre a Coreia do Norte acontecem desde quarta (12). Um relatório dos analistas GR³1RUWK´VLWHGHUHIHUrQFLDVREUHRUHJLPHQRUWH-coreano, assegura que o local dos testes nucleares Punggye-ULQRQRUWHGRSDtVHVWi³SUHSDUDGRHSURQWR´Muitos observadores suspeitam que o regime poderia lançar a qualquer momento um novo teste nuclear ou balístico, ambos proibidos pela comunidade internacional. O Exército norte-coreano informou nesta sexta-IHLUD TXH ³GHYDVWDUi LPSLHGRVDPHQWH´RV(VWDGRV8QLGRVVH:DVKLQJWRQGHFLGLUDWDFDU1HVWHViEDGR RUHJLPH IH]XPDGHPRQVWUDomRGHIRUoDDWUDYpVGRGHVILOHPLOLWDUR³'LDGR6RO´GDWDGRQDVFLPHQWR do líder fundador da dinastia, Kim Il-Sung (15 de abril de 1912 ± 8 de julho de 1994), avô do atual
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líder norte-coreano. O objetivo era enviar uma mensagem a Washington, Seul, Tóquio e demais países sobre as suas capacidades militares. Em face de toda a turbulência geopolítica atual intensificada com o ataque norteamericano à Síria e ao Afeganistão, pode ocorrer também o recrudescimento dos atentados terroristas fomentados pelo fundamentalismo islâmico, fenômeno típico do nosso século. Pelo menos 94 membros do Estado Islâmico (EI) morreram no ataque em que os Estados Unidos XWLOL]DUDP³DPmHGHWRGDVDVERPEDV´LQIRUPRXQHVWDVH[WD-feira (14) o Ministério da Defesa Afegão. Além disso, o projétil destruiu uma importante instalação desse grupo terrorista. Tudo isso gera ainda mais turbulências geopolíticas. Observamos ainda a intensificação do discurso xenofóbico e ultranacionalista da extrema direita que varre várias partes do mundo, principalmente a Europa. Diante de todas essas turbulências na ordem internacional, um clima de suspense cresce a cada dia em todo o planeta. O medo de uma possível grande guerra nuclear invade o cotidiano de qualquer um que esteja acompanhando minimamente as notícias internacionais. O nível de tensão é máximo. China declara que uma guerra entre Coreia do Norte e EUA pode começar a qualquer momento. A diplomacia chinesa é cautelosa e não faz parte de sua estratégia plantar tensão desnecessária. Essa declaração, assim, é assustadora. Na atuais condições e com os atuais atores, o mundo prende a respiração. O prelúdio de tempos mais sombrios parece estar sendo desenhado no horizonte. Resta-nos torcer pelo contrário.
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Fachin e a corrupção generalizada
Todos os grandes partidos e os principais quadros políticos estão na lista do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. Isso demonstra uma obviedade: o nosso sistema político funciona sob corrupção generalizada. O esquema da Odebrecht pode ter três décadas, porém, as alianças e conchavos entre as elites que formam a classe política e o setor privado é muito mais remoto. +i VpFXORV TXH RV ³GRQRV GR SRGHU´ VmR DV PHVPDV IDPtOLDV TXH KLVWRULFDPHQWH conseguiram conservar os seus rendimentos através da sua capacidade de influência do Estado para ordenar as leis tendo em vista a preservação do seu patrimônio. Isso aconteceu com a Odebrecht via, principalmente, beneficiamento em licitações. E, num degrau acima, ocorre com o capital financeiro, como os bancos, que aumentarão milhares de vezes os seus ativos através da Emenda Constitucional nº 55/2016, a qual congela o orçamento federal para pagamento de juros e amortização da dívida pública. (VVH³FDSLWDOLVPRGHIDPtOLDV´pVHFXODUHQWUHWDQWRRVDUUDQMRVGRDWXDOVLVWHPDSROtWLFR foram tecidos em grande medida a partir de meados dos anos 80. A sociedade civil, que, durante a ditadura civil-militar estava afastada do debate político, no início do processo de redemocratização procurava agir coletivamente e politizar as questões que permeiam a vida social. Esse movimento reinventou o espaço político e, entre outras conquistas, resultou no generoso apoio à diversidade ideológica, à abertura do caminho para a multiplicação de partidos e de modelos de organização política e à formação de coalizões. Na época acreditava-se que isso resultaria na comunhão de forças a partir de um norte definido coletivamente. Contudo, a partir dos anos 90 as coalizões, principalmente as partidário-parlamentares, resultam em duas grandes frentes que fomam o sistema conhecido cRPR³SUHVLGHQFLDOLVPRGHFRDOL]mR´ Essas frentes, para serem melhor compreendidas, podem ser divididas como cabeça e corpo. De um lado, o corpo do sistema político: um grande agregado sem perfil definido formado por um conjunto de partidos fisiológicos, para os quais a localização no espectro ideológico importa menos do que as alianças baseadas na oferta de cargos no aparelho estatal, cessão de tempo de televisão para campanhas eleitorais e o suborno puro e simples. Todos esses partidos, que refletem e se apoiam no PMDB, estão dispostos a aderir a qualquer governo, desde que recebam em troca essas e outras benesses. Do outro lado, a cabeça formada por dois ϵϯ
partidos, PT e PSDB, especializados em coordenar, a partir de um projeto de governo, esse grande bloco de apoio parlamentar. Essa cabeça é definida por meio de eleições presidenciais. No Brasil pós-1988 ocorreu, então, uma reconfiguração no sistema político para se adaptar as novas mudanças. De em tempos em tempos, ocorre rearranjos para a manutenção do pacto oligárquico. Ou seja, transforma-se para, paradoxalmente, continuar o mesmo. A Operação Lava-Jato possuí inúmeros problemas, mas, errando e acertando, está tendo o papel didático de jogar luz no resultado dessas transformações sustentadas pela corrupção generalizada que criam uma cultura de baixo teor democrático no país. Cabe a nós possibilitar que ocorram novas transformações no sistema político, mas de modo que quebre o pacto oligárquico.
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Lava Jato, válvula de escape da crise de representação?
Deflagrada em março de 2014, a Lava Jato é considerada a maior operação contra corrupção no Brasil. Já possui 41 fases, num complexo conjunto composto por inúmeras instâncias, procedimentos e visões. A diversidade de perspectivas pode ser exemplificada, por exemplo, pelos principais atores da operação: a visão que Moro tem é diferente da de Fachin, que não é a mesma do Janot, que não é a mesma do Deltan Dallagnol, que não é mesma do Leandro Daiello. Por isso, ter uma noção de conjunto da Lava Jato é uma tarefa que beira um castigo de Sísifo, haja vista essa falta de unidade. Entretanto, nesse emaranhado é possível perceber uma espécie de vetor-chave, como o filósofo Marcos Nobre apontou em uma interessante entrevista para a Agência Pública. Como sempre muito lúcido, ele afirmou que é uma característica da Lava Jato desestabilizar permanentemente o sistema político, pois a operação se tornou uma válvula de escape para uma rejeição generalizada desse sistemalxiii. Pode-se dizer, então, que em meio a complexa teia de interesses, investigações, visões, existe um vetor-chave na Lava Jato: essa operação se tornou uma válvula de escape da crise de representação. Vale recordar que um dos requisitos para que a democracia se consolide num país é o grau de credibilidade e legitimidade das instituições aos olhos dos cidadãos. Esse sistema entra em crise de representação quando as pessoas não acreditam que as suas necessidades serão levadas em conta pelos representantes políticos que compõe essas instituições e que, por fazerem parte delas, possuem o papel de avaliar as reivindicações e desenhar políticas públicas para atender às demandas. Não seria necessária uma lupa para constatar que percorre o ambiente político no Brasil um sentimento difuso negativo em relação à política em geral, assim como uma profunda diminuição da confiança nas instituições políticas, fundamentando uma cultura política que reforça a ideia de vivermos sob uma democracia inercial. Em certo sentido, fico aliviado em ver que vivemos uma crise de representação. Seria preocupante se as pessoas estivessem satisfeitas com um sistema político-institucional que respira para manter intacto o pacto conservador; e seria ainda mais preocupante caso elas se sentissem representadas por um congresso que mais parece um sindicato de ladrões e por um ato falho ambulante que ocupa a cadeira de presidente da república ± e que ainda precisa melhorar muito para se tornar uma versão barata do Nosferatu.
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Essa crise de representação não encontra, portanto, respaldo na esquerda, muito menos na direita, mas sim numa operação contra corrupção. Explica muitas coisas o fato de, atualmente, a insatisfação com a ineficiência das instituições e com a corrupção impregnada à elas, além do descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos políticos, serem FDQDOL]DGRVSHOD/DYD-DWR([SOLFDSRUH[HPSORRSRUTXrGR³VXPLoR´GDVSHVVRDVTXHVH PDQLIHVWDPFRPDFDPLVDGD&%)HTXHUHDOL]DPRVFKDPDGRV³SDQHODoRV´KRMHTXDVHQmRVH vê mais manifestações delas, diferentemente de 2015, quando esses manifestantes inundaram as ruas em prol da queda de Dilma Rousseff ± a maioria deles pertencentes aos mais elevados HVWUDWRVGDFODVVHPpGLD2IDWRpTXHDSURPHVVDGHTXH³WXGRYDLILFDUEHP´DSyVDTXHGDda petista não se cumpriu. Tudo piorou. Assim, após essa experiência do impeachment, a desconfiança em relação ao sistema político aumentou enormemente, pois uma parcela da população, sobretudo os apoiadores do impeachment, se sentiu enganada. Em consequência, movimentos que antes lideraram, como o MBL, Vem Pra Rua, não possuem mais coragem de se expor nas ruas. Um vazio de representação foi ampliado, então, e quem em grande medida o ocupou foi a Lava Jato. Esse fenômeno, claro, não está presente somente na alta classe média. A Lava Jato também atende à grande parte dos anseios de mudança e da rejeição generalizada da política que percorrem de alto a baixo a sociedade brasileira. E, vale ressaltar, essa operação também serve de válvula de escape para os seus próprios atores, principalmente pelo fato de a cúpula do Judiciário, composta por juízes, procuradores, desembargadores, defensores públicos, entre outros, ser historicamente formada por pessoas recrutadas nos estratos superiores da classe média que, não raro, partilham da percepção negativa que detém grande parte deste segmento com relação à política como um todo. A Lava Jato ter se tornado uma válvula de escape da crise de representação significa também que as ruas serão novamente ocupadas caso os grupos políticos investigados pela operação fizerem algo para fechar esse duto de expulsão de insatisfação, o que a toda hora dão mostra de que estão fazendo. Hoje uma das principais formas usadas por esses grupos para garantir segurança contra as investidas da justiça é manter na cadeira de presidência alguém que também esteja numa das listas da Lava Jato. Uma das razões para a Dilma ter perdido o apoio do Congresso foi essa: ela não garantia a tão desejada obstrução da justiça e, por isso, precisaram estancar a sangria, catapultando-a do comando do Executivo e colocando no lugar o Temer que, nos bastidores, faz o que for preciso para barrar as investigações. Nesse sentido, para esses grupos políticos vale mais a pena mantê-lo no poder. Ou, então, caso ele caia, ϵϲ
precisarão eleger indiretamente alguém que também esteja sendo investigado, como o Rodrigo Maia. O mesmo se aplica para as eleições de 2018. Para os grupos políticos investigados, não importa muito a sigla de quem será eleito para ocupar a cadeira de presidência, desde que seja alguém que também está sendo investigado pela Lava Jato e que, para se salvar, fará algo para barra-la, beneficiando consequentemente aqueles mesmos grupos políticos. Logo, será o suicídio dos investigados se for eleito alguém que não foi delatado, não está numa das listas, não está sendo investigado. E, na outra ponta, se o sistema político conseguir se estabilizar, como disse Nobre, ele mata a Lava Jato. A questão, então, é que temos de um lado do espectro um sistema político-institucional composto em sua maior parte por indivíduos que estão mais preocupados em encontrar um meio de aniquilar a Lava Jato para se salvar; do outro, uma parcela considerável da população insatisfeita que deposita as suas esperanças nessa mesma operação; e, no meio, a própria operação que, como disse Nobre, tem como característica fundamental a constante desestabilização do sistema político. Toda essa situação é profundamente drástica e com efeitos na economia, nas questões sociais do país, etc. Mas, se observarmos bem, da lama podem nascer lírios, pois trata-se de uma grande oportunidade o fato de estar ruindo o sistema patrimonialista que só trabalha em prol do pacto conservador para a manutenção do status quo; ao mesmo tempo, trata-se de uma grande oportunidade o fato de a maior parte da população estar profundamente revoltada e insatisfeita. Essa energia destituinte será revolucionária se cuidarmos para organizá-la, tirar do estado bruto e lhe dar plasticidade num trabalho decisivo de organização perpHWUDGR³GHEDL[R SDUDFLPD´1mRVHLFRPRH[DWDPHQWHID]HULVVR&RQWXGRHVWRXFRQYLFWRGHTXHRFDPLQKR não é apostar nas velhas máquinas partidárias e na eleição de raposas de casaca. Se nos limitarmos a essa estratégia, jogaremos no lixo a oportunidade de erguer um admirável mundo novo.
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Moro, causador de todos os males?
Impossível não concordar que a conduta do juiz Sérgio Moro ao longo da operação Lava Jato é, no mínimo, questionável. Ninguém precisa conhecer muito Direito para perceber que o estado de coisas em Curitiba carrega problemas jurídicos graves. Práticas políticas questionáveis como toda a operação repressiva e espetacularizada envolvendo o depoimento do ex-presidente Lula hoje (10), assim como o vazamento seletivo de informações da Lava Jato e um abuso de SULV}HV SUHYHQWLYDV H GH GHODo}HV FULDP XP FOLPD µVFKPLWWLDQR¶ GH VXVSHQVmR GD OHL LQWHQVLILFDGRSRUXPDUHODomRSURPtVFXDHQWUH-XGLFLiULRHµJUDQGHPtGLD¶ Até as pedras do calçamento viram as redes corporativas de notícias receberem da Lava Jato uma série de informações, delações, áudios vazados e, com todo esse aparato, cobrirem exaustivamente essa operação, explorando tudo em seus mínimos detalhes e, quase sempre, fazendo ilações, apostando em denúncias, até condenando moralmente os envolvidos nos esquemas de corrupção antes do julgamento. Dessa maneira, além de o Judiciário investigar com atenção especial os crimes cometidos pelo PT, os esquemas protagonizados pelos petistas são superlativizados pelas lentes da grande mídia que, com a sua tradicional dramaticidade e forte tendencionismo, envolve em uma nuvem de fumaça e rouba o oxigênio do debate político. Com claros interesses eleitorais, dessa forma a mídia levanta bandeiras, superlativa os acontecimentos e vitamina os nervos da população contra o PT e suas figuras principais. Mais recentemente, vimos Moro ferir gravemente os direitos de expressão e informação ao negar o pedido da defesa de Lula para fazer gravação em audiência, alegando que o acusado enseja transformar o interrogatório em um evento político-partidário. Outro ataque foi o fechamento temporário do Instituto Lula, ferindo de morte o direito de organização. Diante de todas essas atrocidades, a postura de Moro deixa evidente que suas ações não se tratam de apenas uma luta contra o crime. A cada dia fica mais explícito o ranço antipetista do juiz, algo muito comum no estrato superior da classe média, da qual ele foi recrutado e com a qual partilha dessa percepção negativa deste segmento com relação aos governos do PT e, com frequência, à política como um todo, assim como milhares de outros juízes, procuradores, desembargadores, defensores públicos, delegados, etc. Em meio a alcateia de javalis que se transformou a operação Lava Jato, chega a ser engraçado ver a inquietação de Moro em atacar o PT e, ao mesmo tempo, compensar as ϵϴ
atitudes rigorosas tomadas diante dos petistas com o prosseguimento do processo contra toda casta política, inclusive o PMDB e PSDB. Ainda que haja todos esses graves problemas e seria nonsense minimizar e relativizar os seus efeitos, não são para mim suficientes para sustentar a defesa irrestrita ao ex-presidente Lula perpetrada por parte da esquerda, especialmente a ex-governista; defesa essa que, com frequência, se trasveste em santificação. Essa estratégia personalista é antiga na política brasileira, através da qual buscam mediar crises elegendo figuras tratadas como emblemas de época a quem todos devem seguir e adorar. Qualquer um que ouse não corroborar com essa adoração, é tratado como um inimigo a ser combatido. Assim, ao invés de implementarem medidas mais ambiciosas que construam de baixo para cima uma resposta a essa situação de crise, elegem Lula como o paladino a ser defendido e adorado, com quem devemos contar para salvar o país das garras dos herdeiros da colonização. E procuram justificar a opção gritando aos quatro cantos os resultados das pesquisas que apontam o ex-presidente com forte capital eleitoral, apesar de todas as acusações que recaem em seus ombros. Compreendo perfeitamente essa relação que estabelecem com a figura do ex-presidente. Afinal, a eleição dele em 2002 significou o alçamento do povo ao poder. Fabiano, Macabéa, Manuel e Rosa estávamos todos representados na figura carismática de Lula e com ele subimos a rampa do Palácio em sua posse em 2003. E para mim é, de longe, desonestidade intelectual negar tudo o que os governos petistas fizeram pelo povo brasileiro. E falo isso partindo de minha própria experiência, por ter sido um dos milhões de beneficiados por suas políticas distributivas. Mas também não posso deixar de lado que tais políticas sociais não apontam para a universalização, pois não constituíram a institucionalização mais definitiva de novos direitos. Ainda que tenha sido um grande passo em direção à superação dos antagonismos sociais, foram focalizadas, temporárias e de governo. Como disse o cientista político André Singer, Lula SURPRYHXD³UHGXomRGDSREUH]DHGDGHVLJXDOGDGHPDVVREDpJLGHGHXPUHIRUPLVPRIUDFR´[i]. Para implementar as suas transformações dando aos pobres sem tirar dos ricos, Lula fez como FHC: optou por obter a adesão fisiológica das correntes e personalidades e, aliado a esse grande bloco de apoio parlamentar, implementou o seu reformismo fraco. Quanto mais esse processo se fixa, mais a identidade do PT foi corroída e mais da esquerda se afasta. Diante disso, vimos parte da esquerda se afastar dele (o que mais tarde resultaria na formação de outros partidos à esquerda do PT). Se afastam porque a esquerda, para fazer as mudanças que quer fazer, tem que ameaçar a ordem, o status quo, a estrutura, etc. Lula não faz isso. Enquanto essa esquerda se afasta desse partido que era anti-sistema e, paulatinamente, vai se tornando ϵϵ
legitimador do sistema, setores da população em grande vulnerabilidade social vão ao longo do seu primeiro mandato aderindo em massa, já que essas camadas mais pobres são tradicionalmente apegadas à ordem e foram beneficiadas pelos programas sociais lulistas que não ameaçam essa estrutura. Acho que não podemos mais nos contentar com isso e ir além, tendo clareza de que a crise é estrutural e a saída dela vai exigir tempo e muito esforço para rearranjar as instituições em um sentido novo e positivo. Para isso, creio que vai ser preciso transcender divergências ideológicas para além da esquerda e da direita, sem apelar para pretensas soluções mágicas como a eleição de Lula em 2018. Além disso, não podemos cair em especulações que tratam a conduta (no mínimo irresponsável, ressDOWR GH 0RUR FRPR DV VHPHQWHV SDUD D RULJHP QR SDtV GH XP µHVWDGR GH H[FHomR¶ RX DLQGD XP µHVWDGRSROLFLDO¶ (VVDVLWXDomRRSRVWD DR (VWDGRGH GLUHLWR SHUFRUUH secularmente a história do país e hoje se mantém claramente visível nas periferias das cidades, para as quais o Estado comumente só envia D30$ILUPDUFRLVDVFRPRµDJRUDYLYHPRVQXP HVWDGRGHH[FHomR¶PHSDUHFHDVVLPXPDDWLWXGHHTXLYRFDGDSRUHVWDULJQRUDQGRDVDWURFLGDGHV que já ocorriam anteriormente. Não estou relativizando o ataque, por parte de Moro, aos direitos históricos e arduamente conquistados. Concordo que não podemos colocar em pé de igualdade a estrutura desigual que historicamente permeia o sistema judiciário e o que vem ocorrendo mais recentemente na primeira instância de Curitiba. Estamos presenciando uma intensificação da agressão efetiva por essas forças do aparato estatal, num movimento de repressão estatal que não se limita mais aos muros invisíveis das periferias e ao ataque a negros e/ou pobres, transcendendo-os em direção DR FHQWUR H SHJDQGR GH VXUSUHVD PXLWRV²PDV QmR WRGRV UHVVDOWR²LQWHJUDQWHV GDV FODVVHV PpGLDVSDUDDVTXDLVµHVWDGRGHH[FHomR¶VHPSUHVLJQLILFRXXPH[HUFtFLRGHUHWyULFDIHLWRQDV aulas de história e sociologia. Por fim e mais importante, não corroboro com afirmações que apontam Moro e seu µTXDUWHO¶ VHGLDGR HP &XULWLED FRPR XPD HVSpFLH GH HSLFHQWUR GD FULVH SROtWLFD TXH R SDtV enfrenta. É preciso entender que a devastação da Lava Jato, e também o estelionato eleitoral de 2014 e a gravidade da recessão, introduziram os elementos que faltavam para produzir uma instabilidade estrutural que já vinha se formando anteriormente, como uma grande onda que cresce com a agremiação de uma série de pequenas ondas. Por tudo isso, se faz necessário um exercício de memória para transcendermos interpretações apressadas realizadas sob o impacto de circunstâncias acaloradas, de modo a ϭϬϬ
evitar erros como o de taxar Moro como representante-mor dos descaminhos do Judiciário e como causador de todos os males que hoje permeiam o nosso cotidiano. Creio que problemas graves percorrem o Poder Judiciário, assim como todo o sistema político-institucional brasileiro, há muito mais tempo e esse juiz é só parte de um sistema injusto que age (conscientemente ou não) de acordo com interesses espúrios de manter intacto o pacto conservador. Dito isso, ressalto ser fundamental continuarmos criticando a conduta incabível de Moro. Contudo, não podemos deixar de pesar nas balanças das análises que o diagrama de forças é mais complexo e está muito além desse juiz paranaense.
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Moro, o falso paladino
Existe uma tradição fortemente personalista na política brasileira. Ocasionalmente, elegemos figuras, concebidas como símbolos de época, a serem adoradas e seguidas. O juiz Sérgio Moro hoje ocupa esse espaço de representação dos anseios de uma parte significativa da SRSXODomRVHQGRHQWHQGLGRFRPRRSDODGLQRTXHVXSRVWDPHQWHHVWiQRV³OLYUDQGRGRPDO´ Acho no mínimo complicado essa nuvem de adoração envolta de uma única pessoa, especialmente alguém como o Moro, que, ao longo da operação Lava Jato, tem adotado uma conduta questionável, para dizer o mínimo. Ninguém precisa conhecer muito Direito para perceber que o estado de coisas em Curitiba carrega problemas jurídicos graves. Práticas políticas questionáveis como toda a operação repressiva e espetacularizada envolvendo o depoimento do ex-presidente Lula realizado na última quarta (10), assim como o vazamento seletivo de informações da Lava Jato e um abuso de prisões preventivas e de delações, criam um FOLPD µVFKPLWWLDQR¶ GH VXVSHQVmR GD OHL LQWHQVLILFDGR SRU XPD UHODomR SURPtVFXD HQWUH -XGLFLiULRHµJUDQGHPtGLD¶ Até as pedras do calçamento viram as redes corporativas de notícias receberem da Lava Jato uma série de informações, delações, áudios vazados e, com todo esse aparato, cobrirem exaustivamente essa operação, explorando tudo em seus mínimos detalhes e, quase sempre, fazendo ilações, apostando em denúncias, até condenando moralmente os envolvidos nos esquemas de corrupção antes do julgamento. Dessa maneira, além de o Judiciário investigar com atenção especial os crimes cometidos pelo PT, os esquemas protagonizados pelos petistas são superlativizados pelas lentes da grande mídia que, com a sua tradicional dramaticidade e forte tendencionismo, envolve em uma nuvem de fumaça e rouba o oxigênio do debate político. Com claros interesses eleitorais, dessa forma a mídia levanta bandeiras, superlativa os acontecimentos e vitamina os nervos da população contra o PT e suas figuras principais. Mais recentemente, vimos Moro ferir gravemente os direitos de expressão e informação ao negar o pedido da defesa de Lula para fazer gravação em audiência, alegando que o acusado enseja transformar o interrogatório em um evento político-partidário. Outro ataque foi o fechamento temporário do Instituto Lula, ferindo de morte o direito de organização. Diante de todas essas atrocidades, a postura de Moro deixa evidente que suas ações não se tratam de apenas uma luta contra o crime. A cada dia fica mais explícito o ranço antipetista do juiz, algo muito ϭϬϮ
comum no estrato superior da classe média, da qual ele foi recrutado e com a qual partilha dessa percepção negativa deste segmento com relação aos governos do PT e, com frequência, à política como um todo, assim como milhares de outros juízes, procuradores, desembargadores, defensores públicos, delegados, etc. No depoimento de Lula ficou claro o pensamento simplório de Moro, próprio de quem WHYH XPD IRUPDomR ³FRQFXUVHLUD´ H TXH DGRWD XPD LGHQtidade salvacionista inspirada e vitaminada em bordões midiáticos. Acho fundamental compreendermos que não precisamos eleger paladinos como Moro ± ou Lula ± para conseguirmos realizar as mudanças que ansiamos. Podemos sim construir de baixo para cima uma resposta a situação de crise do país.
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A total dúvida sobre o amanhã
A nossa época tem sido atravessada por muitos acontecimentos, às vezes de grandes WUDJpGLDV1mRUDURRDGMHWLYRGH³KLVWyULFR´pUHLYLQGLFDGRDQWHVGHRGLDacabar. Em tempos tão acelerados, a vida aparenta estar pulsando na intensidade dos tambores de Minas e na velocidade do pensamento³1mRKiWHPSRDSHUGHU´HVWiHVWDPSDGRHPWRGRVRVFDQWRV. Para não perder tempo, somos treinados a buscar soluções rápidas para quaisquer necessidades que possam nos levar à ser menos produtivos. Por isso, se estiver deprimido, tome um químico. Quer amor? Clique no coração do fast-love. Está com fome? Há um fast-food ao alcance da mão. Não pare, do contrário uma represa se formará na linha de produção, nos ensina o comercial de TV. Sempre em frente é o mantra. Consumir é a palavra-chave. Em cada vez maior velocidade, é a pretensão. E, assim, seguimos nas ruas de bytes e nas de asfalto feito bestas anestesiadas stalkeando vorazmente catálogos de pessoas, comidas, drogas, informações, trecos, sem tempo para dirigir tudo o que é consumido; seguimos desesperados por uma experiência mais intensa que a anterior que nos faça sentir a vida que escapa por entre os dedos; seguimos atônitos correndo pelos nossos efêmeros desertos existenciais, a sede de ser único incrustrada na garganta, como o viciado em cigarros que fuma um atrás do outro em busca da intensidade do primeiro. Num mundo globalizado, a aceleração do processo histórico também é globalizada. Do país das calças bege aos Emirados Árabes Unidos, da terra do Tio Sam à terra do sol nascente, tudo parece acontecer mais rápido. A historiografia, especialmente a que parte de uma matriz teórico-metodológica marxista, defende a tese de que esse processo de aceleramento das transformações do mundo começa com a Primeira Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Tem início nesse período e se intensifica no XIX, ao ponto de o XX ser compreendido KRMHSRUDOJXQVFRPRDµ(UDGRVH[WUHPRV¶ Foi um processo de mudança não só na velocidade com que as coisas se transformam, mas também nas percepções do tempo e da história. Antes dessas duas revoluções, não se acreditava numa ruptura com o passado. Isto é, as pessoas acreditavam que suas vidas seriam basicamente semelhantes às dos seus antepassados. As revoluções inseriram o coeficiente de mudança na consciência histórica delas.
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De repente, o tempo não era mais estático e o horizonte apontava para um futuro aberto de múltiplas oportunidades. Sapere aude!, brandava Kant em seu manifesto. Ouse saber! Faça história! Tenha coragem de usar o seu próprio entendimento. A humanidade se via no direito de escolher seu rumo e parecia caminhar para um mundo melhor (a noção de progresso). Segundo essa concepção de tempo histórico, preponderante no século XIX, o passado esta sendo cada vez mais deixado para trás pela locomotiva da história e o presente é considerado como um estado de transição para um futuro repleto de possibilidades. Ainda permanece conosco a percepção de uma aceleração das mudanças, mas, diante da deterioração da vida que sentimos objetiva e subjetivamente no nosso cotidiano e a expectativa ameaçadora do fim do mundo advindo do aquecimento global, será que ainda cremos que o mundo está progredindo para um lugar melhor? Será que ainda acreditamos que podemos fazer história? O futuro ainda é compreendido como uma janela aberta de possibilidades? Segundo Penna, A concepção social de tempo dominante na contemporaneidade é outra. O futuro não é mais percebido como uma janela aberta da qual inúmeras possibilidades ascendem. A janela está fechada por ameaças, ou, no mínimo, está com a sua abertura significantemente reduzida. O presente deixou de ser somente um espaço temporal de transição e se torna amplo, repleto de simultaneidades, no qual o nosso papel de transformação perde força. O passado não fica mais para trás. Ele é concebido como algo que não passa e sentimos que somos inundados por elelxiv. Portanto, hoje carregamos nos ombros o peso da projeção de um futuro distópico. O que será de fato ninguém pode dizer que sabe. Vivemos em total dúvida sobre o amanhã. As séries, produção cultural com maior poder disseminação na atualidade, representam bem essa distopia: são cada vez mais sombrias, quando não apocalípticas, protagonizadas por pessimistas, céticos e apáticos, FRPRVHYrHP³7KH:DONLQJ'HDG$0& ´ É importante acrescentar aqui que o modo nos relacionamos com o futuro incide no presente. Pense comigo: as reações advindas da perspectiva de que temos uma semana inteira de trabalho pela frente são completamente diferentes daquelas presentes na véspera de um feriado prolongado. No primeiro caso, é comum ficarmos deprimidos, melancólicos, tristes. Já no segundo, sabendo que teremos muitos dias de folga pela frente, somos inundados por alegria, euforia e bom-humor. Perceba, então, que o modo como projetamos o futuro é um fator condicionante do nosso estado de espírito, de nossas ações e também incidi na formação de nossa personalidade e identidade. Isso acontece porque fomos educados a pensar a partir de um horizonte de ϭϬϱ
expectativas, as quais são a representação da projeção de uma vida diferente da atual. Uma grande parte do tempo vivemos num futuro projetado e almejado, somos guiados por ele e agimos de acordo com ele. Dessa maneira, a vida se resume não unicamente no que está acontecendo no presente, mas a partir de como a expectativa foi criada e como ela estava sendo alimentada. Acredito ser fundamental para a compreensão do nosso tempo psicológico entender que essas expectativas nos afetam. $IHWRYrPGR/DWLPµ$IIHFWXV¶HVLJQLILFD³GLVSRVWRLQFOLQDGR DFRQVWLWXtGR´(PRXWUDVSDODYUDVRVDIHWRVSRGHPVHUFRPSUHHQGLGRVFRPRR elo entre o que acontece à nós e o que nos leva a fazer em relação ao que aconteceu. Como disse Vladimir Safatle num café filosófico, muitas vezes o que nos move à ação não são projetos conscientemente enunciados, não são representações conscientemente construídas, mas são afetos inconscientemente vivenciados. Logo, se somos sempre afetados das mesmas maneiras, sempre adotaremos a mesma conduta. Vladimir Safatle discute o tema no livro LQWLWXODGR ³2 FLUFXLWR GRV DIHWRV FRUSRV SROtWLFRVGHVDPSDURHRILPGRLQGLYtGXR´6HJXQGRHOHVRPos afetados de diversas formas no interior da vida social. E esses afetos repercutem no sentido de nossa vida. A sociedade, assim, é entendida como um circuito de afetos. Eles nos fazem assumir certas possibilidades de experiência a despeito de outras. Em outras palavras, isso significa que determinadas condutas fundamentam-se em afetos específicos e precisam destes para existir. Quando os afetos mudam, as formas de vida que precisam deles para se repetir também se modificam. Logo, se partimos desse pressuposto de que o futuro projetado incidi na forma como agiremos no presente, quem controla a projeção de futuro controlará, consequentemente, como agimos no presente. Para paralisar as pessoas basta controlar a visão delas de futuro. Como vivemos num mundo em que a projeção de futuro vendida e alimentada é distópica, a apatia reina. A crescente ideia de que o nosso poder de ação no mundo é ínfimo é fruto dessa percepção do amanhã. E ambos, ação e reação, se retroalimentam. Por isso, hoje se alguém disser que quer mudar o mundo, será imediatamente taxado de louco, ingênuo, ou coisa pior. Viver em um presente despido da crença do poder dos sujeitos de transformar e mudar os rumos da história resulta numa visão fatalista do futuro, assim como a projeção distópica nos leva a ficar de braços cruzados. Tememos o que virá e no fundo DFKDPRVTXHQDGDSRGHVHUIHLWRSDUDTXHVHMDGLIHUHQWH³2LQYHUQRHVWiFKHJDQGR´IUDVHGD VpULHGH³*DPHRI7URQHV+%2´H[SUHVVDEHPLVVR
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Diante da paralisia originada numa ideia prévia de que o amanhã deve ser temido e a constante aceleração da velocidade das mudanças, fico com a sensação de estarmos num trembala em alta velocidade vendo a vida passar pela janela numa sucessão de cores e formas, sem saber para aonde estamos indo. Ficamos sentados nele absorvendo tudo o que nos rodeia e tentando não morrer afogado na sufocante sensação de estarmos de mãos atadas. Olhamos para frente e sentimos não sermos bom o bastante para mudar o curso da história. Nos deparamos com um mundo inteiro por fazer e acreditamos que, mesmo depois de muito trabalho, ainda muito estará por fazer. No entanto, o amanhã não pode ser apenas inverno, não pode ser apenas Black Mirror (Netflix). Numa época de corações partidos e ilusões perdidas, precisamos reaprender a imaginar um futuro onde se possa viver e onde se queira viver. A pergunta que paira no ar é: isso ainda é uma possibilidade?
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Em estado de interregno
Não seria necessária uma lupa para constatar que estamos num daqueles momentos em que desconfiamos das antigas certezas e as nossas palavras se voltam contra nós, os nossos ideais se voltam contra nós, e ninguém sabe exatamente que resposta dar à situação de crise que enfrentamos. A falta de respostas deixa os nervos à flor da pele, e sentimos o medo e a tensão nos consumir. A cabeça vai longe, pensando em todos os acontecimentos que levaram à conjuntura atual e, é claro, nos desdobramentos reais ou fantasiosos dela. E a única coisa que descobrimos durante todo esse pensar é que nada parece fazer sentido. Ao analisar essa desordem que percorre o nosso contexto, o sociólogo polonês Zygmunt %DXPDQJRVWDYDGHGL]HUTXHHVWDPRVQXPHVWDGRGHLQWHUUHJQR3DUDHOHQR³LQWHUUHJQR´QmR somos uma coisa nem outra e as formas como estamos acostumados a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. É o momento em que não atendem mais plenamente as carências de orientação existencial do nosso tempo todas as formas aprendidas de sobrevivência no mundo, como o sistema político-institucional, as formas de organização da própria vida, as relações com as outras pessoas, o sistema partidário, os coletivos e movimentos sociais, o modelo de representatividade. E as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando. Diante dessa falta de um horizonte definido, não temos ainda uma visão de longo prazo e as nossas ações consistem quase que exclusivamente em reagir às crises mais recentes. Por mais doloroso que são esses momentos de crise, eles ao menos possuem uma função positiva: animar a imaginação. Isto é, essas experiências de impasse têm o poder de instigar a nossa capacidade de projeção daquilo que hoje é considerado impossível, possibilitando que uma resposta à situação de crise seja construída. Mas não podemos ser imediatistas e crer que as respostas surgirão tão rapidamente quanto se dão os acontecimentos. As respostas são como a Coruja de Minerva: elas veem sempre depois, processual e paulatinamente. Ou seja, é ao longo do processo sócio-histórico que construiremos um quadro de ideias que seja capaz de potencializar as nossas ações. Para ilustrar o quero dizer podemos recordar a experiência do ideólogo Karl Marx. Foi ao longo de décadas participando de inúmeras lutas operárias, como o ludismo, as greves, que permitiu alguém como ele ser capaz de sistematizar a constelação de ideias que percorria a sua época e fornecer um quadro capaz de potencializar as possibilidades internas do acontecimento que a sociedade da qual ele fez parte vivenciou. Ou seja, ninguém aparece do nada e entrega ϭϬϴ
um modelo pronto e definitivo. É fazendo o balanço tático e estratégico dos atos, é realizando a mudança de modelos de ação e inventando novas formas de organização que, processualmente, as ideias emergem. Ao longo desse processo é, então, comum nos percebermos em crise, ou, como diria Bauman, em estado de interregno. O importante é, diante dessa situação, não entrarmos em paralisia. Acima de tudo, é fundamental ter claro que essas experiências de impasse podem instigar a imaginação num sentido que propicie à nós vislumbrar e produzir mundos novos e infinitas possibilidades de superação das aporias de nossa realidade atual.
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Por um colapso do indivíduo
Fico revoltado ao viver em um país rico como o nosso e passar por tantas dificuldades. É duro ver pessoas queridas e a maior parte da população do país sofrendo. Não acredito que seja o caminho explorar todas as riquezas naturais do planeta e universalizar o consumismo predador. Porém, também não está certo vivermos soterrados em tantas adversidades, enquanto alguns poucos são privilegiados com grande abundância de recursos. Num sentido de desabafo e, acredito, para pensar com maior sensibilidade e profundidade os antagonismos sociais que perpassam o país, permito-me neste texto usar a mim mesmo como exemplo. A minha origem é humilde. Luto cotidianamente para conseguir um dia garantir a mim e a minha família uma vida mais digna. Trabalho, estudo, escrevo, me manifesto, de forma que, num horizonte de médio prazo, consiga ajuda-los. Para ser mais eficiente, reelaboro constantemente o plano coerente de ações e, a partir desse norte, busco trazer racionalidade às decisões que tomo, estimulo a convergência de meus esforços e focalizo a atenção para açõeschave que contribuirão para a construção do futuro que projeto. Assim, procuro ter um plano coerente de ações e alimento a expectativa de um dia ver as coisas melhorem. Entretanto, ao mesmo tempo carrego a sensação de que, a despeito dos meus esforços, caminhamos para o abismo. Do ponto de vista individual estou progredindo na vida, tenho conseguido me manter determinado nos estudos e escrito muito. Mas, num sentido mais amplo que elenque a sociedade ao qual pertenço, sinto que tudo o que nos aguarda é um horizonte decadente. Então, no que tange aos acontecimentos do país e planeta, a sensação que tenho é de estarmos indo de mal à pior. Fico com a impressão de estarmos ± enquanto sociedade ± num rio de correnteza forte, tentando sobreviver às ondas e redemoinhos que nos jogam contra a margens e rochas e, independentemente da força que dispendemos nos remos de cada dia, no fim despencaremos do alto da cachoeira. Observe que, para uma vida guiada por uma perspectiva coletiva em que a distopia está no centro, não há espaço para idealizações, a não ser que elas estejam ancoradas em alguns poucos desejos individuais. Esses desejos individuais, não raro, se resumem a bens materiais e, quando muito, ascensão profissional e intelectual. Estamos autorizados a sonhar com o reconhecimento, isto é, com o momento em que somos valorizados enquanto tais. Estamos autorizados a sonhar com um carro novo, com um cubículo num condomínio de classe média que será pago em parcelas que duram toda uma vida. Estamos autorizados a sonhar com o dia ϭϭϬ
em que a família terá uma vida confortável, não terá que pegar filas no hospital e será feliz cuidando de rosas no jardim, sem a necessidade de trabalhar longas jornadas diárias. Estamos autorizados a sonhar, enfim, com a universalização do consumismo entre os nossos e com uma vida mais digna. Não estamos autorizados a sonhar com uma sociedade em que a igualdade de direitos e responsabilidades não seja somente um sonho. Não estamos autorizados a sonhar com um mundo onde não há pessoas morando debaixo de marquises, crianças vendendo balas no ponto de ônibus, e jovens de doze anos se prostituindo para comprar um celular mais moderno. Perceba mais uma vez a partir desse meu relato que fomos educados a pensar a partir de um horizonte de expectativas, as quais são a representação da projeção de uma vida diferente da atual. Uma grande parte do tempo vivemos num futuro projetado e almejado, somos guiados por ele e agimos de acordo com ele. Dessa maneira, a vida se resume não unicamente no que está acontecendo no presente, mas a partir de como a expectativa foi criada e como ela estava sendo alimentada. É fundamental para compreensão do nosso tempo psicológico entender que essas expectativas nos afetam. Os afetos são o elo entre o que acontece à nós e o que nos leva a fazer em relação ao que aconteceu. Muitas vezes o que nos move à ação não são projetos conscientemente enunciados, não são representações conscientemente construídas, mas são afetos inconscientemente vivenciados. Logo, se somos sempre afetados das mesmas maneiras, sempre adotaremos a mesma FRQGXWD9ODGLPLU6DIDWOHGLVFXWHRWHPDQXPOLYURTXHDLQGDQmRWLYHDFHVVRLQWLWXODGR³2 FLUFXLWR GRV DIHWRV FRUSRV SROtWLFRV GHVDPSDUR H R ILP GR LQGLYtGXR´ 6egundo ele, somos afetados de diversas formas no interior da vida social. E esses afetos repercutem no sentido de nossa vida. A sociedade, assim, é entendida como um circuito de afetos. Eles nos fazem assumir certas possibilidades de experiência a despeito de outras. Em outras palavras, isso significa que determinadas condutas fundamentam-se em afetos específicos e precisam destes para existir. Quando os afetos mudam, as formas de vida que precisam deles para se repetir também se modificam. Para deixar mais claro, vou dar outro exemplo partindo da minha vida pessoal. Me mudei para o Paraná há quase seis anos para estudar. Vim para cá porque aqui os meus tios me abrigaram, possibilitando que eu pague um baixo aluguel, o que não aconteceria se eu morasse sozinho. Enquanto escrevo este texto nesta tarde de domingo, o meu tio está aqui em casa com os vizinhos bebendo e ouvindo música alta. Na maior parte do tempo, eles ouvem sertanejo universitário, um estilo musical que me causa ojeriza. O meu tio é alcoólatra e nos domingos ϭϭϭ
liga o som lá pelas nove da manhã e o desliga às onze da noite, às vezes fica até mais tarde. Tem momentos em que está tão alto que quase tenho um ataque. Ao fim do dia, depois de ter bebido muito, ele costuma brigar com todos aqui de casa; com a minha tia, as minhas primas, comigo ± por razões sem qualquer importância, como um prato não lavado corretamente. Sempre fui afetado de forma negativa por esses difíceis finais de semana. Antes era mais, mas ainda sou um pouco, de certa maneira. Antes eu passava a semana toda atormentado com a perspectiva de que o final de semana será difícil. Teve uma época que nos domingos eu saía andando pela cidade para fugir disto aqui. Ficava um bom tempo na uepg do centro, onde eu pulava o muro e ficava sentado debaixo das colunas lendo algo e/ou fumando, com o intuito de adiar o máximo que conseguia a volta para casa. Depois de muito trabalho, talvez ano que vem conquistarei o meu próprio apartamento. Até lá, tenho me esforçado para ser afetado de outra forma pelos finais de semana regados à ³P~VLFD´ DOWD H IUXVWUDomR 7HQWR QmR VHU WmR DWUDSDOKDGR SRU HOHV 0HVPR QHVVH DPELHQWH procuro descansar, estudar e fazer os meus textos, porque durante a semana não terei tempo por causa do trabalho e da enorme carga horária de aulas da universidade. Creio que tenho feito progresso. Este texto, inclusive, é prova cabal disso. Apesar do barulho, da música alta e tormentos, comecei ele hoje e praticamente o finalizarei hoje. Ou seja, o modo como somos afetados pelos acontecimentos que nos rodeia condiciona as nossas ações. Mas, não só os acontecimentos inerentes ao presente e passado, mas também os que projetamos para o futuro. Isto é, as nossas expectativas. O modo como somos afetados por tudo o que vivemos e estamos vivenciando condiciona o que faremos no agora, assim como a forma como nos relacionamos com tudo o que ainda não vivenciamos e que acreditamos que iremos vivenciar. A nossa ação é determinada pelos afetos que percebemos, sentimos e não sentimos. Presente e futuro se tornam, dessa forma, uma via de mão-dupla e se retroalimentam. O futuro está, portanto, ancorado num sistema de expectativas que são projetadas a partir das lacunas do presente. E esse futuro projetado repercute no presente. Isso significa que o modo como projetamos o futuro nos afeta ± e isto seria o futuro agindo no presente. E aqui acrescento outra questão: os afetos também condicionam o modo como projetamos o futuro ± e isto seria o presente agindo na nossa projeção de futuro. Se partimos do pressuposto de que o futuro projetado incidi na forma como agiremos no presente, quem controla esse futuro controlará, consequentemente, como agimos no presente. Perceba aqui o quanto é fácil controlar as pessoas. Para paralisa-las, basta controlar a ϭϭϮ
visão delas de futuro. Isso acontece porque numa sociedade de nefelibatas que vive a maior do seu tempo num limbo de expectativas, o indivíduo responsável e considerado racional é aquele que sabe criar e lidar com as próprias expectativas. Se limitarmos a dimensão do possível e das representações, se reduzirmos o leque de possibilidades das pessoas, a janela de futuro delas tem também a sua abertura reduzida ± o que repercutirá em suas ações. Ou seja, quem controla o futuro, controla o passado e controla o presente. A tese de Safatle é de que a projeção de um sistema de expectativas que aponta para um horizonte distópico nos afeta de duas formas: medo e esperança. Esses afetos migram em nós continuamente, como se estivéssemos em uma gangorra. Há momentos de maior medo, e há momentos em que a esperança prevalece. Ambos afetos precisam um do outro para existir. Como diria Spinoza, não existe medo sem esperança, assim como não há esperança sem medo. É, nesse sentido, um erro crer que se combate o medo com esperança. Na realidade, quem não tem esperanças, também não terá medo. Ou, noutras palavras, quem não vive em função das expectativas projetadas, não temerá que elas se realizem de forma negativa e não torcerá para que elas se realizem de forma positiva. Esses afetos nos tornaram incapazes de projetar um futuro que não seja distópico. Diante disso e tendo em vista que os acontecimentos contemporâneos frisam ainda mais, principalmente nos países ditos emergentes, que beira ao impossível implementar políticas efetivas de redistribuição da renda e perpetrar transformações sociais em larga escala, nos restou apenas discutir políticas de reconhecimento do eu e, quando muito, do grupo ao qual pertencemos. Isto é, na atualidade, no geral agimos da seguinte maneira ± mas não só, vale ressaltar: De um lado, sentimos a desilusão com a mudança universal da sociedade e tememos o que virá; do outro, a esperança com a mudança na vida individual ± e o medo dela não acontecer. Ou seja, não nos sentimos capazes de mudar o mundo em sua completude e sentimos medo disso que não controlamos, mas tentamos crer que ao menos a nossa vida particular conseguiremos modificar para melhor através da busca pelo reconhecimento de nossas características que suponhamos serem únicas. O meu relato pessoal inicial exemplifica bem isso. Apesar de eu deter uma perspectiva positiva em relação ao meu progresso individual, creio que o mundo está caminhando para o desfiladeiro. Entretanto, essa concepção está carregada com um erro básico: eu não estou desvinculado do mundo. Logo, se o mundo cair, me levará junto, ainda que eu seja alguém bem-sucedido. ϭϭϯ
Infelizmente a percepção de indivíduo em voga, como tratarei mais adiante, não nos permite compreender que esse desligamento entre indivíduo e mundo é impossível. Consequentemente, no fundo a luta se resume a um esforço para salvar a própria pele. Por trás da carcaça de ativista, nesse sentido, está um pressuposto (consciente ou não) de que o que importa é o próprio indivíduo e a sua família ± entendida aqui num sentido amplo ±, e o resto não passa de abstração sociológica. Esse individualismo como modus operandi da luta política passa principalmente pelo entendimento do ideal de autonomia como o reconhecimento dos predicados próprios. Num mundo em que não nos representamos como capazes de lutar em coletivo pelo coletivo, queremos que as nossas ações, o nosso estilo de vestir, pensar e falar, os nossos sonhos, projetos e posicionamentos político-ideológicos, a nossa vida sexual, enfim, queremos que tudo o que nos caracteriza, todas as multiplicidades que dão forma à nossa personalidade e com as quais estabelecemos uma relação de propriedade, sejam reconhecidas e valorizadas. Ou seja, a luta está inundada pela necessidade de reconhecimento dos nossos predicados supostos. Nessas relações políticas, necessitamos do outro para confirmar a nossa própria identidade. O militante de esquerda anda de camisa vermelha para que o colega de partido reconheça que ele defende o conjunto de ideias, correntes e tendências que fundamentam o comunismo. E para frisar o seu posicionamento o indivíduo se manifestará de todas as formas que conseguir, seja marcando o corpo com uma tatuagem, seja colocando no perfil da rede social fotos FDULPEDGDV FRP IUDVHV FRPR ³1mR UHFRQKHoR JRYHUQR JROSLVWD´ ³6RX Fontra a cultura do HVWXSUR´HWF2PLOLWDQWHQmRHVWiVHPDQLIHVWDQGRSRUHVVHVLGHDLVGHHVTXHUGD2PLOLWDQWH está se manifestando para que o outro reconheça que ele defende esses ideais, dos quais ele se considera proprietário por crer que eles fazem parte de sua identidade. A mesma necessidade de afirmação acontece com o indivíduo de direita, ou de qualquer outro posicionamento ± e não se limita ao campo da política. Por mais que no cartaz, na camisa e na cabeça estejam discursos bem decorados sobre demandas sociais, no fundo o indivíduo vai à rua porque precisa que as suas multiplicidades sejam reconhecidas como tais no interior dos embates político-sociais. Nesse sentido, na atualidade a luta não é somente pela ampliação de direitos universais à grupos excluídos, mas é, principalmente, um processo de afirmação das idiossincrasias de cada um diante de um quadro universalista que insiste em nos homogeneizar, ao invés de atender ao nosso desejo de nos conceber como queremos que seja. Isso não significa que as discussões sobre injustiças sociais foram deixadas de lado. Os próprios antagonismos sociais que perpassam a vida dos desassistidos são entendidos como ϭϭϰ
consequências de uma falta de reconhecimento de tradições e dos modos de vida dessas pessoas desfavorecidas. As lutas políticas, então, por mais que sejam orientadas por demandas de redistribuição de riquezas, no limite visam garantir aos sujeitos o reconhecimento de suas demandas identitárias. A teoria do reconhecimento que embasa essa discussão ressurgiu a partir dos anos 90 principalmente com Alex Honneth, filósofo alemão da terceira geração da Escola de Frankfurt, TXH DILUPRX QR VHX ³5HGLVWULEXWLRQ RU UHFRJQLWLRQ´ OLYUR TXH HVFUHYHX FRQMXQWDPHQWH FRP 1DQF\ )UDVHU TXH ³RV VXMHLWos percebem procedimentos institucionais como injustiça social quando veem aspecto de sua personalidade, que acreditam ter direito ao reconhecimento, serem GHVUHVSHLWDGRV´ $ VRFLHGDGH MXVWD DVVLP VHULD DTXHOD HP TXH SUHSRQGHUH D LJXDOGDGH GH direitos e responsabilidades; e essa igualdade significaria a possiblidade de todos desenvolverem, formarem e afirmarem a sua identidade pessoal, individual, restrita e setorial. (VVD LGHQWLGDGH p IRUWHPHQWH SHUSDVVDGD SHOR LGHDO ³VHOI-made-PDQ´ TXH WUD] D projeção do indivíduo que, apesar de ter saído do nada, no futuro será o jovem capitalista globalizado que, em cada país, assiste CNN em hotéis luxuosos, fala ao celular, anda de limusine, usa gravatas poderosas e faz refeições com o poder. A liberdade, para essa concepção, está na autonomia do indivíduo de se fazer por si próprio, com seu esforço, por suas boas qualidades. A sociedade, para os lutadores pelo reconhecimento do individual, é concebida como um conjunto ordenado de indivíduos, os quais vivem em constante esforço (consciente ou não) de confirmação da própria identidade a partir do outro. Acredita-se, pois, que somos o que acreditamos ser quando o outro confirma isso para nós, reconhecendo os nossos atributos e predicados ± e agimos eticamente quando reconhecemos as características identitárias do outro e este faz o mesmo por nós. $ILUPD6DIDWOHHPXPFDIpILORVyILFRLQWLWXODGR³3RUXPFRODSVRGRLQGLYtGXRHGHVHXV DIHWRV´ TXH R SUREOHPD QD FUHQoD QD LPSRUWkQFLD GR SUySULR UHFRQKHFLPHQWR SDUWH GR pressuposto de que somos indivíduos únicos formados por uma identidade pré-definida, que se modifica a partir dos nossos interesses ± e que resta ao mundo reconhecer as nossas peculiaridades. Entretanto, isso é uma ilusão baseada no esquecimento de que o encontro com o outro não significa uma confirmação da nossa própria identidade. Pelo contrário, esse encontro nos despossuí de nós mesmos. O que acontece em um encontro entre dois indivíduos não é o
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reconhecimento da identidade de cada um, mas sim a modificação, desconstrução, reinvenção, em ambos, do eu. No instante em que nos damos conta de que o encontro com o outro, ao invés de confirmar o que já somos, nos modifica, nos desconstrói, nos leva à mudança, somos afetados pelo medo. Medo de perdermos a propriedade de nossa individualidade. Medo de o outro nos invadir. O outro é visto sempre, pois, como um potencial invasor. A ação correspondente a esse afeto é a retração. Nos retraímos. Nos resguardamos quando somos, no interior da vida social, constantemente afetados pelo medo ao outro. Conceber o outro como aquele que me despossuí de mim mesmo, gera fobia social, isolamento, intensificação da individualização. Não é à toa que hoje sempre que possível abrimos mão dos encontros fora dos ambientes virtuais. Cremos que a vida em rede é mais segura, pois ela nos permite menos desconstruções em nós mesmos do que os encontros nãovirtuais. A constante busca pelo reconhecimento da propriedade de nós mesmos, resulta na formação do medo como afeto-base das relações políticas. O medo como fator político pode ser, por sua vez, a origem do crescente apoio às medidas que aplacam a liberdade em nome da segurança. Numa conjuntura como essa, figuras como Jair Bolsonaro, Donald Trump, entre outros que usam o medo como figura principal de seus discursos, sobressaem. A nossa concepção de autonomia, pois, ao invés de ser a expressão máxima da liberdade na modernidade, na realidade é a forma mais plena de servidão. Concordando com Safatle, diante de uma conjuntura como essa, a forma como FRPSUHHQGHPRVRFRQFHLWRGHµLQGLYtGXR¶ deve entrar em colapso. O esforço cotidiano deve ser conduzido para as ações-chave que descontroem a ideia de indivíduo como um ser fechado em si mesmo, cercado por uma fortaleza e separado do outro por um abismo. É preciso expulsar e destruir a falsa crença de que paredes de concreto nos separam e que nos fazem crer na falsa importância de dispendermos enorme quantidade de energia para conservar do que nos é próprio, ou, melhor dizendo, nos proteger do outro invasor. Penetrando até o fundo de nosso ser, envenena a vida a crença e excessiva valorização da autonomia baseada na afirmação da personalidade como propriedade, descolore todas as coisas e não nos deixa erguer um mundo que não nos mate um pouco a cada dia. Segundo Safatle, esse colapso seria possível quando suponhamos que liberdade é a ³OLEHUDomRGRVXMHLWRGHVXDFRQGLomRGHLQGLYtGXRTXHVHUHODFLRQDFRPRXWURLQGLYtGXRWDO FRPRGRLVWHUUHQRVVHSDUDGRVSHORSRVWHGDFHUFD´ lxv. Ao invés de nos compreendermos como ϭϭϲ
ilhas, precisamos nos enxergar como seres cercados por uma fina membrana plasmática repleta de aberturas através das quais passa continuamente estímulos. A identidade, mais do que uma construção centrada em nós mesmos, afirma Safatle, ³VHPSUH VmR FRQVWUXtdas no interior de relações assimétricas de poder, e, por isso, são H[SUHVV}HVGHHVWUDWpJLDVGHGHIHVDRXGHGRPLQDomR´ lxvi. Quando aceitarmos e elencarmos ao nosso cotidiano esse horizonte pós-identitário, nos enxergaremos como seres heterônimos; ao entendermos a vida comum como imprópria, isto é, como incapaz de ser apropriada, conseguiremos transcender a projeção distópica de futuro, pois nos entenderemos como seres mergulhados em um circuito de afetos e, assim, estaremos mais capazes de compreender o outro e agir com o outro, sem teme-lo. Esse colapso é fundamental porque, enquanto as relações estiverem baseadas na dimensão da afirmação das diferenças culturais, práticas que ensejem na real emancipação não poderão ser incorporadas. Porque aquele movimento de busca pelo reconhecimento entranhase numa relação de poder em que a competição se torna a regra. Assim, a cultura A se afirmará em relação à B, opondo-se e buscando a sua supremacia em relação a outra, por meio da apropriação. Além disso, uma visão antipredicativa do sujeito e pós-identitária nos permite conceber o outro, e a nós mesmos, como seres feito de amálgamas plásticos de múltiplas camadas guiados por representações em constantes mudanças por meio de estímulos que beira ao impossível mapear as origens. Isso nos permitirá uma maior aceitação de nós mesmos e do outro. Segundo 6DIDWOH ³R IDWR GH QmR PH HVWDEHOHFHU FRP LGHQWLGDGH IRUWHPHQWH GHWHUPLQDGD PDV GH reconhecer a necessidade de lidar com algo em mim não completamente estruturável em termos de identidade, levar-me-ia à maior solidariedade com aquilo que, no outro, sou incapaz de integrar´lxvii. Não negligenciarmos essas questões psicológicas, pode não só nos permitir uma maior compreensão de nós mesmos, como também nos tornará mais livres. Acredito nisso porque o nosso atual conceito de liberdade paradoxalmente só nos leva à servidão. Isso acontece porque o paradigma que sustenta a tese de que liberdade é nós termos autonomia e poder para realizar o que quisermos, está nos colonizando. Nos aprisiona porque esse pressuposto traz implícito a necessidade do amparo de uma (ou mais) autoridade em nossa vida. E não devemos necessitar de uma autoridade, seja ela o(a) companheiro(a), seja o(a) chefe no trabalho, o Estado ou deus. A necessidade de autoridade é criada quando partimos do princípio de que o indivíduo é um composto de predicados que chega a sua plenitude quando essas características são ϭϭϳ
reconhecidas. No instante em que os nossos predicados supostos não são reconhecidos, criamos a necessidade da existência de uma autoridade que possa fazê-los serem reconhecidos perante DTXHOHVTXHFRPHWHPDµLQMXVWLoD¶GHQmRRVUHFRQKHFHUHP Por consequência, no instante em que um desejo não é atendido, entendemos como uma injustiça o seu não reconhecimento e criamos a necessidade de amparo advindo do alto ± da autoridade ± seja deus, o estado, a família. Como obviamente que livre-arbítrio não passa de uma piada indigesta e que nem sempre podemos fazer o que queremos fazer, os nossos desejos na maioria das vezes não são atendidos como queremos e a nossa projeção de futuro quase sempre não se realiza, enfim, como os nossos predicados não raro não são reconhecidos, passamos a ser afetados pelo medo, criando a necessidade de amparo de um ser maior; e passamos a pensar a partir de um sistema de expectativas que nos consolam nos presenteando com a falaciosa crença de que, em algum momento de nossa vida, o que ansiamos será atendido. Para essa concepção de indivíduo, a liberdade é entendida a partir do princípio da propriedade. De acordo com essa cosmovisão, eu me compreendo como proprietário de mim mesmo; e me entendo como livre quando sou proprietário da possibilidade de fazer o que bem entendo. O Estado é criado para garantir essa liberdade, sem que ela invada o cercado do outro. Para que se mantenha em pé em nossos corações e mentes, essa figura maior discursa sobre o medo para comprarmos segurança. Somos educados para aceitar a ideia de que o leviatã existe para nos proteger um dos outros. Esse medo se torna, consequentemente, um fator de coesão. Ele existe para que o outro, visto como um invasor em potencial, não nos despossua de nós mesmos. E nós não façamos o mesmo com o outro. A autonomia, entendida como a capacidade de fazer o que bem entendermos respeitando os códigos sociais, ao invés de ser a manifestação da liberdade é, como eu disse antes, o fator principal de nosso auto-aprisionamento. Creio, portanto, na importância de entendermos o indivíduo como um ser em transfusão, repleto de ductos e dutos, canais e caminhos, pelos quais passam uma infinidade de estímulos de origens das mais diversas. Ao concebermos dessa forma o indivíduo, ou, melhor dizendo, a nós mesmos e ao outro, o conceito de liberdade muda. O conceito de liberdade muda ao transcendermos a crença na autonomia e percebemos que, muito do que somos, é imposto. Nos entenderemos como seres em constante mudança e essas mudanças, raramente, são sentidas e controladas. Reconhecer as imposições, entende-las como inevitáveis e não raro irreparáveis, nos leva a ser afetados pelo desamparo. Quando agimos a partir desse afeto, não necessitamos do Estado, de deus, de nenhum ser maior do que nós que, supostamente, possibilitaria amparo. A principal ação fruto do desamparo será, ϭϭϴ
consequentemente, a quebra com o pensamento sustentado por um sistema de expectativas, já que quando estamos desamparados não esperamos por nada, seja ruim ou bom. Creio que esse pode ser o primeiro passo para nos tornarmos um indivíduo realmente livre. Como eu disse antes, quem não tem medo, não tem esperanças; e vice-versa. Possuir uma visão antipredicativa de sujeito nos permite um olhar com maior clareza e honestidade sobre nós mesmos e para com o outro. Entenderemos o outro como alguém que está em constância ± processo que ele mesmo, e muito menos nós, não compreendemos perfeitamente. Essa percepção do outro poderá ser o primeiro passo para se criar um vínculo desassociado à ideia de propriedade. Isso permite que o campo do coletivo passa a ser concebido, dessa forma, como impróprio. O coletivo não será entendido como a reunião de indivíduos proprietários de características próprias (identidades) que partilham entre si semelhanças e diferenças. Ele será compreendido como a ação com todos os elementos dos indivíduos presentes. O outro não será visto como um potencial invasor, não será concebido como alguém que me despossuí de mim, e sim como aquele que me completa e me possibilita transfigurações. Vislumbrar isso pode nos possibilitar, entre outras conquistas, conceber que é possível perpetrar transformações sociais em larga escala, ao invés de nos limitarmos a políticas de reconhecimento local. Sem sombra de dúvida que essas questões são profundamente complexas e que ainda estou somente tateando-as. Tentei entrelaçar as ideias a partir dos meus relatos pessoais para, entre outras razões, exemplificar o quão difícil é quebrar as correntes de aço que nos ligam aos velhos paradigmas, já que o próprio que instiga essa prática ainda não conseguiu realiza-la. E, além disso, usei esse método para mostrar a importância de sempre que possível lançar mão em nosso cotidiano do que aprendemos a partir dos estudos. Não gosto da ideia pragmática de conhecimento ± ajuizando positivamente este somente quando tem um valor prático ± porém, é sempre bom quando nos orientamos melhor na vida a partir do que aprendemos. Estou tentando amadurecer essas ideias porque acredito que concebê-las com profundidade ± o que nos leva a revisão de inúmeros pressupostos ±, pode ser um bom início para superarmos a crise em que vivemos. Estamos em um estado de suspensão aguardando o mal que acreditamos que virá. Essa sensação me lembra muito a época em que eu era criança e precisava ir ao médico para tomar injeção. Eu ficava suspenso, retraído, aguardando a dor. Acredito que precisamos transcender essa paralisia não só por causa dos retrocessos institucionais e políticos que estão ocorrendo debaixo de nosso nariz, mas também por causa ϭϭϵ
do que está acontecendo com o planeta. Temos que lembrar que só temos um e que ele está entrando em colapso. E já é tarde demais. Resta a nós escolher se bateremos na parede à cem quilômetros por hora, ou à quarenta. Então, para melhor encontrarmos lugar no mundo, para nele melhor aprendermos a viver e inscrever as ações, é necessário sempre colocarmos em cheque nossa cosmovisão e epistemologia ocidentais.
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Diretas já!, mas sem ilusões
Como é sabido, faz alguns anos que o país vive uma situação de crise política. Em alguns momentos nesse processo, tudo se concentra e as mudanças ocorrem quase que instantaneamente. Os trechos das delações premiadas dos donos da JBS, Joesley Batista e :HVOH\%DWLVWDUHYHODGDVSHORMRUQDO³2*ORER´QRLQtFLRGDQRLWHGHVWDTXDUWD-feira (17), que incluem gravações em áudio e vídeo que atingem diretamente o presidente Temer e o Aécio Neves, criaram esse clima intenso em que tudo pode acontecer concomitante e rapidamente. São choques não apenas cumulativos, mas, sobretudo, de intensidade atordoante. O governo Temer já não tinha legitimidade. Alçou o comando do Executivo passando ao largo do crivo das urnas, via um golpe parlamentar, e implementou a passos largos uma agenda retrógada, através da qual os nossos direitos históricos e arduamente conquistados são rifados dia-a-dia, nos fazendo retroceder décadas em poucos meses. Agora, com as denúncias que caem como uma bomba sobre os ombros desse presidente golpista, é absolutamente inviável a manutenção de seu governo. Os trechos das delações constam pedidos e pagamentos de propina e a tentativa de manter calado o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, antigo aliado de Temer. Essas ilegalidades atribuídas ao presidente datam de março de 2017, quando ele já estava há quase um ano no comando do país. Isso significa que Temer será investigado pelo Supremo Tribunal Federal e sua queda é eminente. É um momento fundamental para percebermos que com a Operação Lava-Jato grande parte dos políticos perderam com ela, já que desde que foi protocolada, a investigação pôs pressão sobre diversos deles. Seria um erro não ressaltar que, como já apontei num texto publicado aqui no Pragmatismo, o ônus maior da operação caiu sobre os esquemas que mantiveram o PT como força ativa de 2003 em diante, mas a investigação não se limitou aos petistas. A recente delação em que Temer foi gravado em um diálogo mais do que embaraçoso, e Aécio é exposto pedindo R$ 2 milhões a Joesley, são alguns dos exemplos ± talvez os mais escandalosos ± que apontam que a Lava-Jato não se limitou ao PT, desvendando os caminhos seguidos pelos principais partidos e grupos políticos para financiar suas atividades e campanhas eleitorais. Dessa forma, a operação tem cortado os dutos que alimentam o modo predominante de prática política no país.
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Inclusive um dos fatores que contribuiu para a queda da ex-presidenta Dilma Rousseff IRLLVWRHODHUDYLVWDFRPRLQFDSD]GH³HVWDQFDUDVDQJULD´Quanto mais a operação avançou, mais foi produzindo efeitos desorganizadores sobre o governo dela, gerando descontrole no sistema de megacoalizões. A prisão de Delcídio do Amaral em novembro de 2015 foi, com certeza, a gota-G¶iJXDSDUDRSHPHGHELVPRLVRODURJRYHUQR'LOPDHFRQFHEHUHPDVXDTXHGD como uma meta a ser alcançada para barrar a operação. Acho fundamental termos isso em mente e não cairmos em análises simplistas que minimizam a complexidade da Lava-Jato a uma operação forjada unicamente para atacar o PT e suas figuras principais. Prova cabal disso é o governo Temer estar, após a gravação da JBS, à beira do abismo. Temer pode sair através de um impeachment, por meio da cassação da chapa DilmaTemer ou, ainda, via renúncia. O impeachment foi protocolado pelo deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) na noite de quarta (17/5), pouco após divulgarem que o presidente deu aval para a compra do silêncio de Cunha. Quanto a cassação da chapa, a votação deve começar em algumas semanas. A saída mais rápida seria através da renúncia, algo que Temer não aceitará facilmente, como ficou claro no pronunciamento que ele fez na tarde de quinta-feira (18/5). Saindo, Temer seria, a princípio, substituído por meio de uma eleição indireta pelo Congresso. Contudo, estou convicto de que ninguém deixará essa decisão nas mãos desse sindicato de ladrões composto, com raras exceções, por vários deputados provincianos, delinquentes e hipócritas; creio que, após o show de horrores que, há pouco mais de um ano, assistimos na votação do impeachment de Dilma no Congresso, dia em que as câmeras do plenário mostraram, como um espelho, a podridão dessa instituição, ninguém supõe aceitável que os parlamentares decidam quem será o nosso próximo presidente. Diante das veias abertas do sistema político brasileiro, Temer continuar no poder ou o Congresso eleger o seu substituto, são possibilidades que gerariam uma grande revolta na população, com consequências para além de imprevisíveis. A única saída aceitável é a eleição direta, a qual pode vir a acontecer se houver a cassação da chapa e se o STF usar a ADIN ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a mini-reforma eleitoral para entender que o prazo mais curto do código eleitoral vale para a cassação. Contudo, é fundamental não concebermos a eleição direta como panaceia para todos os males. Na situação atual de funcionamento disfuncional das instituições, é comum muitos crerem em soluções rápidas, definitivas e ilusórias. Foi assim que uma parcela considerável da população acreditou que a queda de Dilma resolveria a situação de crise que o país enfrenta. É ϭϮϮ
assim que a proposta de eleição direta surge agora como meio para remediar todos os problemas. É preciso entender que, ainda que a eleição ocorra, haverá muita instabilidade política. Vale lembrar que o favorito nas pesquisas é o Lula que é um político que segue uma prática conciliadora. Por causa dessa característica inerente à personalidade do ex-presidente, a HOHLomRGHOHSRGHHGLWDUXPDHVSpFLHGH³pHPHGHELVPR´HPTXHDVDOLDQoDVHFRQFKDYRV entre as elites que formam a classe política e o setor privado são reorganizadas para se adaptar a um país pós-Lava-Jato. Ou seja, a eleição de uma personalidade não-confrontacionista como a de Lula, pode criar o ecossistema político necessário para o sistema se reorganizar de modo a manter intacto o pacto conservador. Como de em tempos em tempos acontece, o país corre o risco de agora transforma-se para, paradoxalmente, continuar o mesmo. Não custa recordar que durante o processo de redemocratização do Brasil, iniciado principalmente após a formulação da Constituição de 1988, constrói-se no país o sistema FKDPDGRGH ³SUHVLGHQFLDOLVPRGH FRDOL]mR´$H[SUHVVmRIRLFXQKDGDSHORFLHQWLVWDSROtWLFR Sérgio Abranches num artigo pulicado em 1988, antes mesmo da promulgação da Constituição. O cientista foi muito perspicaz em, naquele momento, perceber que estava se formando grandes e consistentes coalizões governativas político-partidárias e, principalmente, partidárioparlamentares, e que isso pelos próximos anos caracterizaria o sistema político-institucional brasileirolxviii. Abranches defendia a tese de que por meio desse agrupamento de partidos, a democracia brasileira estaria passando por um processo de consolidação. Esperava-se no final dos anos de 1980 que as coalizões gestassem no seio do sistema democrático uma tensão saudável e produtiva entre Executivo e Legislativo, o que pensavam que propiciaria uma experiência coletiva formadora de fusões, aquisições e negociações político-partidárias. Acreditava-se que tal processo resultaria na comunhão de forças a partir de um norte definido coletivamente. Alguns estudos mais recentes demonstram que, na realidade, o que aconteceu foi uma limitação de nossa jovem democracia através de sua progressiva imobilização. Pois, na prática, as coalizões impossibilitaram a separação de poderes, permitiram que o sistema democrático herdasse da Ditadura o autoritarismo ± nos moldes de um autoritarismo civil ± e ampliou e cimentou o divórcio entre o sistema político e a população. Paulatinamente, as coalizões foram se fundindo e, a partir de meados da década de 90, culminaram em duas grandes frentes que, para serem melhor compreendidas, acho que podem ser divididas como cabeça e corpo. De um lado, o corpo do sistema político: um grande agregado sem perfil definido formado por um conjunto de partidos fisiológicos para os quais a ϭϮϯ
localização no espectro ideológico importa menos do que as alianças realizadas para aquisição de cargos no aparelho estatal, para aumentar o tempo de tv durante as campanhas eleitorais e pelo suborno puro e simples. Todos estão sempre dispostos a aderir a qualquer governo, desde que recebam em troca essas e outras regalias. Do outro lado, a cabeça formada por dois partidos, PT e PSDB, especializados em coordenar, a partir de um projeto de governo, esse grande bloco de apoio parlamentar. A busca por votos e cargos foi terceirizada por esses dois partidos para os demais e ambos se concentraram unicamente na tarefa de coordenação da megacoalizão. E o coordenador é definido a cada quatro anos por meio de eleições presidenciais. Esse sistema opera por meio de grandes blocos de maneira a permitir o fim de entrechoques e conflitos abertos. Não significa que não houve conflitos. Significa que os conflitos foram evitados o máximo possível. Ao invés de abrir o caminho para que os entrechoques aconteçam e estabelecer um debate democrático que permita chegar coletivamente a um acordo, tudo foi jogado para dentro da mala do grande corpo. Consequentemente, no lugar desse processo democrático, tomam o espaço inúmeras articulações políticas para atender ao jogo de interesses. No fim das contas, praticamente permite às instituições somente movimentos hesitantes e ampliou o divórcio entre o sistema político e a população. Ao longo dos governos de FHC, Lula e no primeiro mandato de Dilma, os entrechoques e conflitos abertos foram, assim, evitados entre o mandatário-mor (Executivo) e a sua base. Esse jogo paulatinamente se inverteu com os efeitos da Operação Lava-jato e os embates de Dilma com o campo político e financeiro. Tendo em vista essas características que permeiam o nosso sistema político, suponho que apostar hoje nas velhas máquinas partidárias e em figuras carismáticas como a de Lula, me parece que terá a função única de abrir caminho para produzir uma nova figura do pemedebismo em um novo tipo de presidencialismo de coalizões. Entre outras consequências, isso aprofundará ainda mais o já preocupante divórcio entre sociedade e sistema político e permitirá que as contrareformas implementadas por Temer não só se mantenham, como também continuem sendo implementadas. Na mesma linha, mas de vetor trocado, existem outros candidatos apresentados como paladinos, como o atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), um pirotécnico maníaco que faz parte e representa as elites brasileiras ± e que, se por acaso chegar ao alto escalão do Executivo, ampliará ainda mais os antagonismos sociais. Um outro aventureiro de plantão apontado como preferido é o Deputado Jair Bolsonaro (PSC), um político tão violento e ϭϮϰ
desrespeitoso dos direitos humanos que uma publicação australiana o elegeu como o político mais abominável do mundo. Diante de tudo isso, a saída imediata é a eleição geral, mas precisamos ir em luta por ela sem cair em ilusões de que esse mecanismo será a solução final e completa para a situação de crise em que estamos mergulhados até a cabeça. Não podemos, portanto, cair no discurso das formas tradicionais de organização que simplesmente afirmam que não há alternativa à institucionalidade e que todo o impulso vital da base da sociedade deve ser canalizado para a eleição de figuras como a de Lula. As exigências de reconstrução política, de eliminação da corrupção, além de um descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos políticos, percorrem de alto à baixo a população brasileira. É esse anseio de mudança que devemos ouvir, ao invés de nos conformarmos com as RSo}HVDSUHVHQWDGDVSHORV³GRQRVGRVSRUW}HVLQVWLWXFLRQDLV´
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A mudança deve vir de baixo para cima
O governo Temer está à beira do abismo e a sombra de eleições diretas começa a se formar no horizonte. O favorito nas pesquisas é o Lula. A meu ver, elegê-lo é um grande erro. Um erro obviamente não por causa das acusações ± sem provas ± que fazem sobre ele. Para mim é um erro devido as características estruturais do sistema político brasileiro, devido a própria personalidade política de Lula e do grupo ao qual ele está ligado no PT, uma ala do partido que prega uma ação não-confrontacionista. $VVLPDHOHLomRGH/XODSRGHHGLWDUXPDHVSpFLHGH³SHPHGHELVPR´HPTXHDV alianças e conchavos entre as elites que formam a classe política e o setor privado são reorganizadas para se adaptar a um país pós-Lava-Jato. Ou seja, a eleição dele pode criar o ecossistema político necessário para o sistema se reorganizar de modo a manter intacto o pacto conservador. Como de em tempos em tempos acontece, o país corre o risco de agora transformase para, paradoxalmente, continuar o mesmo. Tendo em vista as características históricas que permeiam o nosso sistema político, suponho que apostar hoje nas velhas máquinas partidárias e em figuras carismáticas como a de Lula, me parece que terá a função única de abrir caminho para produzir uma nova figura do pemedebismo em um novo tipo de presidencialismo de coalizões. Entre outras consequências, isso aprofundará ainda mais o já preocupante divórcio entre sociedade e sistema político e permitirá que as contra-reformas implementadas por Temer não só se mantenham, como também continuem sendo implementadas. Na mesma linha, mas de vetor trocado, existem outros candidatos apresentados como paladinos, como o atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), um pirotécnico maníaco que faz parte e representa as elites brasileiras ± e que, se por acaso chegar ao alto escalão do Executivo, ampliará ainda mais os antagonismos sociais. Um outro aventureiro de plantão apontado como preferido é o Deputado Jair Bolsonaro (PSC), um político tão violento e desrespeitoso dos direitos humanos que uma publicação australiana o elegeu como o político mais abominável do mundo. Diante disso, você pode questionar: qual a alternativa à esquerda capaz de vencer as eleições? Eu respondo: o povo. Concordo que na atualidade não há nenhum candidato além do ex-presidente Lula com chances reais de vencer. Mas, se pararmos um pouco de olhar para cima e perceber os movimentos na base da sociedade, veremos que as exigências de reconstrução ϭϮϲ
política, de eliminação da corrupção, além de um descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos políticos, percorrem de alto à baixo a população brasileira. A meu ver, é esse anseio de mudança que devemos ouvir, ao invés de nos conformarmos com as opções DSUHVHQWDGDVSHORV³GRQRVGRVSRUW}HVLQVWLWXFLRQDLV´ Não podemos, portanto, cair no discurso das formas tradicionais de organização que simplesmente afirmam que não há alternativa à institucionalidade e que todo o impulso vital da base da sociedade deve ser canalizado para a eleição de figuras como a de Lula. Creio que precisamos ter clareza que é possível sim construir de baixo para cima uma resposta a essa situação. Podemos superar as imagens carismáticas, apostando em arranjos mais impessoais que não dependam de líderes.
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Vivemos um momento extraordinário
Não é só o governo Temer que está à beira do abismo. Todo o sistema patrimonialista que blinda o país contra transformações sociais em larga escala entrou em colapso. Pode-se dizer que a queda de Dilma foi o sintoma mais drástico de que a panela de pressão que se tornou esse sistema explodiu, quebrando as paredes de sustentação da governabilidade. Perdoe o meu otimismo, mas acho que, apesar de todos os prejuízos que sofremos com essa crise político-institucional que violentamente invade o nosso cotidiano, esse momento de inflexão na história do país pode ser usado ao nosso favor, desde que consigamos aproveitar o ensejo para pormos abaixo todo esse sistema opressor. Como disse em seu blog o cientista político Moysés Pinto Neto, vivemos um momento extraordinário porque, ao mesmo tempo que a crise rachou todo esse modelo que cria no país uma cultura de baixo teor democrático para a manutenção do status quo, abre uma janela histórica para formular novos projetos. A crise pode, então, se tornar o momento em que são gestadas as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias e imaginações políticas que tornarão o nosso país um lugar melhor para se viver. É evidente que jogaremos no lixo essa oportunidade se nos limitarmos a apostar nas velhas máquinas partidárias e em figuras da velha política que podem criar o ecossistema político necessário para o sistema se reorganizar de modo a manter intacto o pacto conservador. Se optarmos por esse caminho, ao invés de aproveitarmos a janela que se abre, o país corre o risco de agora transformar-se para, paradoxalmente, continuar o mesmo. Podem editar uma HVSpFLHGH³SHPHGHELVPR´HPTXHDVDOLDQoDVHFRQFKDYRVHQWUHDVHOLWHVTXHIRUPDPD classe política e o setor privado são reorganizadas para se adaptar a um país pós-crise, em um modelo renovado de presidencialismo de coalizão. Para aproveitarmos essa oportunidade incrível que se abre precisamos parar um pouco de olhar para cima e perceber que as exigências de reconstrução política, de eliminação da corrupção, além de um descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos políticos, percorrem de alto à baixo a população brasileira. É esse anseio de mudança que GHYHPRVRXYLUDRLQYpVGHQRVFRQIRUPDUPRVFRPDVRSo}HVDSUHVHQWDGDVSHORV³GRQRVGRV SRUW}HVLQVWLWXFLRQDLV´Não podemos cair no discurso das formas tradicionais de organização que simplesmente afirmam que não há alternativa à institucionalidade e que todo o impulso vital da base da sociedade deve ser canalizado para a eleição das velhas raposas da política.
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A crise pode se tornar a oportunidade necessária para uma mudança efetiva, que bote de pé uma outra sociedade, se rompermos pela base com o sistema vigente. O potencial transformador e o desejo de mudança que nos percorre pode ser revolucionário se cuidarmos para organizá-lo, tirar do seu estado bruto e lhe dar plasticidade. Acredito que esse processo de organização e concatenação de forças é mais importante (e difícil) do que simplesmente manifestarmos apoio a um ou outro candidato. Como disse Luiz Carlos Prestes em sua carta aos comunistas, é no trabalho decisivo de RUJDQL]DomR GDV PDVVDV ³GH EDL[R SDUD FLPD´ TXH WHUHPRV D IRUoD PRWUL] QHFHVViULD SDUD construir um admirável mundo novo que opere em outra lógica, mais justo, mais democrático, mais humano.
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PT, PSOL e o narcisismo das pequenas diferenças
Na entrevista que concedeu na quinta (20) aos jornalistas José Trajano, Juca Kfouri e Antero Greco, o ex-presidente Lula realizou inúmeros críticas ao PSOL. Ele afirmou que gostaria de ver os psolistas chegarem ao governo de uma cidade como o Rio de Janeiro, pois, por ainda não terem tido essa experiência, não sabem o que é governar de fato e, por isso, são FKHLRVGH³IUHVFXUDV´(FRQFOXLDILUPDQGRTXH³HOHVµVHDFKDP¶´WUDWDQGRDVVLPR362/FRPR um partido de moleques mimados que se acham a última bolacha do pacote da política. Logo em seguida ao comentário do ex-presidente, houve nas redes sociais inúmeras manifestações por parte de psolistas, simpatizantes do partido, entre outras frações da esquerda, repudiando os ataques de Lula. Na outra ponta, inúmeros petistas e simpatizantes do PT defendiam o posicionamento do petista, afirmando que o PSOL se encobre com o manto da pureza e da autenticidade para esconder o fato de não possuírem um programa que responda adequadamente aos efeitos da crise que o país enfrenta. +iPXLWDIXPDoDQRDUHPYROWDGHVVD³WUHWD´HQWUH37H362/0DVVHREVHUYDUPRV com atenção, é possível perceber um comportamento padrão em ambos lados: a falta de autocrítica. Tanto a esquerda psolista, quanto a petista, ainda não dedicou a energia e o tempo necessários para realizar uma profunda e séria autocrítica que realmente promova uma mudança de rota. Alguns até ressaltam a importância de se fazer isso, mas, na maior parte do tempo, desperdiçam oportunidades atacando um ao outro, ao invés de rever a si próprio. Talvez o que subjaz tantos conflitos entre PT e o PSOL seja o fato de as diferenças entre ambos não serem tão grandes como os militantes, nos dois lados do front, aparentam crer que sejam. Não raro, atribui-se a razão do conflito entre indivíduos ou grupos aos contrastes existentes entre eles. Nesse sentido, acredita-se que, quanto maiores as diferenças, mais YLROHQWRV VmR RV FRQIURQWRV (QWUHWDQWR R FRQFHLWR IUHXGLDQR ³QDUFLVLVPR GDV SHTXHQDV GLIHUHQoDV´QRVPRVWUDDLPSRUWância de não ignorarmos o fato de que, muitas vezes, os embates mais violentos são perpetrados entre indivíduos, grupos e comunidades que diferem muito pouco entre silxix. São as distinções sutis, as pequenas diferenças, e não as grandes disparidades entre indivíduos e grupos que está na base de sentimentos de estranheza e hostilidade mútuos, causando uma série de conflitos, lutas e embates cruéis. Exemplificando o conceito, Freud DILUPDTXH³HQWUHGXDVDOGHLDVYL]LQKDVXPDpDULYDOPDLVLQYHMRVDGDRXWUD cada pequeno ϭϯϬ
cantão olha com desprezo para os outros. Raças intimamente conectadas mantêm uma distância mínima entre si; o alemão do sul não suporta o alemão do norte, o inglês difama de todas as IRUPDV R HVFRFrV R HVSDQKRO GHVSUH]D R SRUWXJXrV´lxx; seguindo essa linha de raciocínio, poderíamos acrescentar que o brasileiro repudia frequentemente o argentino em parte pelas mesmas razões. E, no mesmo sentido, o PT ataca o PSOL, e este ataca àquele. De um lado, existe uma parte da militância petista que, num esforço de resguardar o seu partido que está sujo com a lama dos demais (PMDB, PSDB, etc), ridiculariza ad infinitum o PSOL, taxando-o como um partido juvenil que se enrola e se aquece com os mantos do purismo autocongratulatório porque ainda não passou pelRV³SRUW}HVGRSRGHU´HSRULVVRGHVFRQKHFHRTXHpJRYHUQDUGHIDWR'R outro, existe uma parte da militância psolista que, no afã de defender o seu partido que se criou para ser uma alternativa à esquerda, mas que não passa de uma franja da mesma e ainda não possui um programa bem definido, ridiculariza ad infinitum os deslizes drásticos do PT, como as alianças com empreiteiras, com pemedebistas, os escândalos de corrupção, etc. Em ambos os lados se vê a falta de um sincero esforço de se fazer uma autocrítica descente que realmente coloque em debate as qualidades e os defeitos dos posicionamentos, os acertos e erros das próprias ações; sem ser superficial ao ponto de manter envolto em névoa o âmago dos problemas e sem cair num constante autoflagelamento imobilizante. %RXUGLHXHPVHXOLYUR³$GLVWLQomRFUtWLFDVRFLDOGRMXOJDPHQWR´DSRQWDDLPSRUWkQFLD das pequenas diferenças para a formação e preservação da identidade. E propõe que a maior ameaça à identidade se origina daquilo que é mais próximo. ComRHOHDILUPRX³DLGHQWLGDGH social está na diferença, e a diferença se manifesta contra aquilo que é mais próximo, que UHSUHVHQWDDPDLRUDPHDoD´lxxi. Ou seja, as semelhanças existentes entre dois grupos próximos são compreendidas como ameaças reais. Então, para que os efeitos sejam atenuados de modo que não haja uma aproximação, os grupos semelhantes se digladiam ressaltando as pequenas diferenças existentes entre eles. Como essas disparidades são sutis por serem semelhantes, os conflitos entre eles tendem a ser mais intensos e violentos para que as diferenças inconscientemente sejam, assim, superlativizadas. PT e PSOL, no que tange a postura em relação à autocrítica (entre outras características), são semelhantes. Isso torna os dois partidos mais próximos do que os seus militantes desejam. Eles, então, no esforço inconsciente de se manter distante um do outro, espalham ataques constantes para elucidar os predicados que supostamente os separam (as pequenas diferenças). Chegar perto demais significa, assim, um insulto à honra. Então, a diferença é afirmada, ϭϯϭ
reforçada e defendida com unhas e dentes contra aquilo que é mais próximo e, por ser próximo (logo, semelhante), representa a maior ameaça. Dessa maneira, o medo de contaminação leva à situações explosivas, como a vista entre petistas e psolistas. Ambos partidos precisam superar esse narcisismo das pequenas diferenças e começar a realizar uma autocrítica séria, urgentemente. Enquanto continuarem dispendendo tempo e recursos para atacar um ao outro, ao invés de rever a si próprio, compreender a crise política e se atualizar teórica, política e ideologicamente, ambos partidos continuarão na periferia das lutas e não conseguirão encontrar, com o povo, uma saída para a crise política, econômica, social e moral que o país enfrenta.
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Por que o Temer não cai?
A última pesquisa Ibope mostra que o governo Temer tem aprovação de apenas 5% dos brasileiros e a maioria acha que seu governo é pior do que o de Dilma Rousseff. O histórico desse Instituto aferiu também que essa é a pior aprovação que um presidente já teve desde o fim da ditadura. Motivos para a queda de Temer não faltam: altos índices de rejeição; destruição de direitos trabalhistas; flagrantes de corrupção; aumento de impostos; congelamento dos investimentos sociais por duas décadas; deturpação da educação; crise econômica. A versão barata do Nosferatu não pode, então, nem sair da tumba, tamanho repúdio que inspira. E não cai. Por quê? Numa crise tudo se concentra; todas as mudanças ocorrem quase que instantaneamente. Alguns dos componentes dessa soma que podem ser apontados para explicar a permanência desse governo no poder são: a hegemonia de Temer em relação as três maiores bancadas no congresso ± DVFKDPDGDV³%%%´%RL%DODH%tEOLD RSDSHOGD/DYD-DWRWDQWRSDUDRVLVWHPD político, quanto para a população; o recuo de uma grande parcela da oposição (sindicatos e movimentos sociais). As principais frentes parlamentares da Câmara dos Deputados, que se organizam para defender temas ligados ao agronegócio, à segurança pública e à religião, dispõem de quase a metade dos votos da Câmara. Além de serem em maior número, são capazes de formar maioria com tranquilidade, por ocuparem postos-chave na estrutura do poder da Casa. Temer é líder dessas três bancadas. Para assegurar esse apoio, o peemedebista tem reforçado o seu comprometimento com as necessidades do agronegócio, da indústria do armamento e das igrejas-empresas neopentecostais; ele recebeu mais de uma centena de deputados, distribuiu emendas parlamentares, atendeu a reivindicações, além de ter dado mostras de que poderá apoiar outras demandas históricas dos grupos. Os dados do sistema de acompanhamento do orçamento federal mostram que, enquanto que nos meses de janeiro a maio foram liberados 88,4 milhões de reais em emendas aos parlamentares, em junho e julho a cifra ultrapassou 3,4 bilhões de reais. Exemplos disso são os deputados Altineu Côrtes (PMDB-RJ) e Paulo Pereira da Silva (SD-SP). Juntos, receberam a liberação de 14 milhões de reais em emendas nos últimos meses ± 8 milhões para Côrtes e 6 milhões para Silva. Temer, HQWmRPH[HPXQGRVHIXQGRVSDUDDWLQJLUR³Q~PHURPiJLFR´GH ϭϯϯ
342 votos em seu benefício na votação que ocorreu nesta quarta (02) no Congresso. Tudo a peso de ouro (o nosso ouro). A hegemonia de Temer é reforçada pelo fato de que grande parte dos parlamentares estão sendo investigados pela Lava Jato. Diante das investidas da Justiça, é mais interessante para o sistema político manter na cadeira da presidência alguém que também está numa das listas da operação, porque aquele que está sendo investigado fará o que for possível, enquanto presidente, para barrar as investigações, como Temer faz. Logo, será suicídio dos investigados se chegar ao comando do Executivo alguém que não está sendo investigado ± e que, por isso, não fará nada para conter a Lava Jato. Além de possuir esse papel para com o sistema político, a operação Lava Jato tornou-se uma válvula de escape para a crise de representação. Atualmente, essa operação atende à grande parte dos anseios de mudança e da rejeição generalizada da política que percorrem de alto a EDL[RDVRFLHGDGHEUDVLOHLUD,VVRH[SOLFDRSRUTXrGR³VXPLoR´GDVSHVVRDVTXHVHPDQLIHVWDP FRP DFDPLVDGD&%) HTXHUHDOL]DP RVFKDPDGRV³SDQHODoRV´ KRMHTXDVHQmRVHYrPDLV manifestações delas, diferentemente de 2015, quando esses manifestantes inundaram as ruas HPSUROGDTXHGDGH'LOPD2IDWRpTXHDSURPHVVDGHTXH³WXGRYDLILFDUEHP´DSyVDTXHGD da petista não se cumpriu. Tudo piorou. Assim, após essa experiência do impeachment, a desconfiança em relação ao sistema político aumentou enormemente, pois uma parcela da população, sobretudo os apoiadores do impeachment, se sentiu enganada. Um vazio de representação foi ampliado, então, e quem em grande medida o ocupou foi a Lava Jato. A desmobilização da população também se deve a postura das organizações da sociedade civil, como muitos sindicatos e movimentos sociais que se submetem mais aos interesses dos grandes partidos, do que os da sociedade. Muitos desses partidos, visando as eleições de 2018, preferem não organizar protestos contra Temer no momento em que está mais frágil. Consequentemente, aquelas organizações, por se submeterem a esses partidos, adotam a mesma posição, preferindo jogar o jogo dos poderosos, deixando o governo Temer definhar, ao invés de mobilizar a população para convocar eleições diretas e para o debate de um programa que não passe ao largo do crivo das urnas. Diante das ruas vazias e com grande apoio das frentes parlamentares, provavelmente Temer continuará no poder até as eleições de 2018. Ou, então, caso caia, precisarão eleger indiretamente alguém que também esteja sendo investigado, como o Rodrigo Maia, para que a obstrução da justiça continue. O mesmo se aplica para 2018. Para os grupos políticos investigados, não importa muito a sigla de quem será eleito para ocupar a cadeira de ϭϯϰ
presidência, desde que seja alguém que também está sendo investigado pela Lava Jato e que, para se salvar, fará algo para barrá-la, beneficiando consequentemente aqueles mesmos grupos políticos. A questão, então, é que temos de um lado do espectro um sistema político-institucional composto em sua maior parte por indivíduos que estão mais preocupados em aniquilar a Lava Jato para salvar a pele; do outro, uma parcela considerável da população insatisfeita que deposita as suas esperanças nessa mesma operação; e, no meio, a própria operação que tem como característica fundamental a constante desestabilização do sistema político. As organizações da sociedade civil poderiam ter o papel fundamental de mobilização da população para pressionar os políticos a promoverem eleições diretas. Mas, essas organizações, como a CUT, preferem estar atreladas aos interesses dos poderosos e, por isso, recuam para que o candidato preterido pelo partido aliado tenha maiores chances em 2018. E os movimentos contra corrupção, como o MBL, não parecem preocupados em convocar recorrentes manifestações contra o atual governo. Alguns movimentos isolados até tentam mobilizar a população, mas, por serem recentes e não terem uma organização em nível nacional, não conseguem convocar grandes atos; a transformação da Lava Jato em válvula de escape da crise dificulta ainda mais a construção de manifestações da mesma proporção que vimos em 2015 e 2013. Por essas razões, é muito provável que as ruas só voltem a encher se a Lava Jato for aniquilada pelos grupos investigados. O vazio das ruas, é claro, aumenta as chances de o pemedebismo se manter no poder. O fato de Temer possuir hegemonia no Congresso assegura ainda mais isso, permitindo que o pemedebista continue impondo goela abaixo a agenda neoliberal. Tudo isso evidencia que, além de eleições diretas, do debate de um novo programa e de uma reforma política, precisamos que a nossa cultura política mude num sentido que permita que as organizações da sociedade não VH VXEPHWDP PDLV DR MRJR GRV JUDQGHV SDUWLGRV 0XLWRV GHVWHV VH FRQVLGHUDP ³GRQRV GRV SRUW}HVLQVWLWXFLRQDLV´HVLPSOHVPHQWHDfirmam que não há alternativa à institucionalidade e que todo o impulso vital da base da sociedade deve ser canalizado para a eleição dos velhos nomes da política.
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Referências
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ϭϯϴ
Notas
i
AVELAR, Idelber. Ascensión y caída del lulismo. Dossiê: Mientras La Antorcha Olímpica: los primeiros 100 días del Golpe en Brasil. Revista Transas: Letras y Artes de América Latina. 2016. Disponível em: < http://www.revistatransas.com/2016/09/15/ascension-y-caida-dellulismo/ >. Acesso em: 15/01/2017. ii
SINGER, André. Os impasses do lulismo. Brasil de Fato, 2013.
iii
AVELAR, Idelber. Ascensión y caída del lulismo..., op. cit, Acesso em: 15/01/2017.
iv SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Revista Novos Estudos. São Paulo, v. 34, n. 2, 2015, p. 52. v
NOBRE, Marcos. 1988 + 30. Revista Novos Estudos. São Paulo, v. 35, n. 02, p. 135-149, 2016, p. 144.
vi
ROUSSEFF, Dilma. Apud. SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas..., op. cit, p. 53. vii
SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas..., op. cit, p. 54.
viii
Idem, p. 55.
ix
BOITO JR., Armando. A crise política do neodesenvolvimentismo e a instabilidade da democracia. Crítica Marxista, n. 42, 2016, pp. 159.
x
Idem, p. 161.
xi
SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas..., op. cit., p. 70.
xii BAQUERO, Marcello; CASTRO, Henrique C.; RANINCHESKI, Sônia M. (Des)confiança nas instituições e partidos políticos na constituição de uma democracia inercial no Brasil: o caso das eleições de 2014. Política & Sociedade. Florianópolis, v. 15, n. 32, 2016, p. 29. xiii
Idem, p. 33.
xiv
CARDOSO, Fernando Henrique. Vitória amarga. O Estado de S. Paulo, 7/12/2014.
xv
BOITO JR., Armando. A crise política do neodesenvolvimentismo..., op. cit., pp. 159-160.
xvi
Idem, p. 159.
xvii
NOBRE, Marcos. 1988 + 30..., op. cit., p. 143.
xviii
LIMONGI, Fernando. O passaporte de Cunha e o impeachment: a crônica de uma tragédia anunciada. Novos Estudos. São Paulo, n. 3, pp. 98-113, 2015, p. 103. xix
Idem, p. 106.
xx
Idem, p. 105. ϭϯϵ
xxi
Idem, p. 105-109.
xxii
Idem, p. 110.
xxiii
SVARTMAN, Eduardo M.; REIS DA SILVA, André L. Castigo sem crime? Raízes domésticas e implicações internacionais da crise brasileira. Conjuntura Austral: jornal of the global South. Porto Alegre, v. 7, n. 35, p.4-14, 2016, p. 14.
xxiv
COELHO, E. Uma esquerda para o capital - Crise do marxismo e mudanças nos projetos políticos dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). 2005. 549 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005, p. 12.
xxv FIORI, José Luis da C. Olhando para a esquerda latino-americana. In: Eli Diniz. (Org.). Globalização, Estado e Desenvolvimento. 1ed. Rio de Janeiro: Editora Da Fundação Getúlio Vargas, 2007, p. 5. xxvi
Idem, p. 5.
xxvii
MANDEL, Ernest. O Capitalismo Tardio. 2ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1985, p. 339.
xxviii
Idem, p. 344.
xxix
FIORI, José Luis da C. Olhando para a esquerda latino-americana..., op. cit., p. 5.
xxx
COELHO, E. Uma esquerda para o capital..., op. cit, p. 407.
xxxi
FIORI, José Luis da C. Olhando para a esquerda latino-americana..., op. cit., p. 2.
xxxii
PEREIRA DA SILVA, Fabricio. Da onda rosa à era progressista: a hora do balanço. Revista Sures, https://ojs.unila.edu.br/ojs/index.php/sures, 2015, feb, n. 5, pág. 67-94.
xxxiii
PANIZZA, Francisco. La marea rosa. Análise de Conjuntura OPSA, n. 8.
xxxiv
PEREIRA DA SILVA, Fabricio. Da onda rosa à era progressista..., op. cit., p. 68.
xxxv
Idem, p. 73-75.
xxxvi
SOARES DE LIMA, Maria Regina (org.). Desempenho de governos progressistas no Cone Sul: agendas alternativas ao neoliberalismo. Rio de Janeiro: Edições IUPERJ, 2008, p. 13. xxxvii
SILVA, Fabricio Pereira. Da onda rosa à era progressista..., op. cit., p. 75.
xxxviii
FIORI, José Luis da C. Olhando para a esquerda latino-americana..., op. cit., p. 6.
xxxix
MOTTA, Rodrigo P. S. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). Pag. 32. Tese (Doutorado em História) ± Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2000. xl
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1992, p. 184.
xli
CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando. Revista do Instituto de Estudos Socialistas, São Paulo, n. 5, pp. 7-28, 2001, p. 7.
xlii
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 9-23, p. 4. ϭϰϬ
xliii
CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando... op. cit., p. 9.
xliv
Idem, p. 344.
xlv
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996, pp. 13-15.
xlvi
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, Cia. das Letras, 2012, 276 pp.
xlvii
PEREIRA DA SILVA, Fabricio. Da onda rosa à era progressista: a hora do balanço. Revista Sures, https://ojs.unila.edu.br/ojs/index.php/sures, 2015, feb, n. 5, pág. 67-94, p. 75.
xlviii
MANDEL, Ernest. O Capitalismo Tardio. 2ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1985, p. 339.
xlix
TEMER, Michel. Uma ponte para o futuro. 2015. Disponível em: http://pmdb.org.br/wpcontent/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15±Online.pdf. Acesso em: janeiro de 2017, p. 1. l
Idem, pp. 1-3.
li
Idem, pp. 2-5.
lii
BOVA, Elva; et al. Fiscal Rules at a Glance. International Monetary Fund, 2015. Disponível em: https://www.imf.org/external/datamapper/FiscalRules/Fiscal%20Rules%20at%20a%20Glanc e%20-%20Background%20Paper.pdf Acesso em Janeiro de 2017.
liii
OBAMA, Barack. As medidas de austeridade contribuíram para desacelerar o crescimento na Europa. 18/10/2016. Washington: El país. Entrevista concedida a Federico Rampini. liv
BONFANTI, Cristiane; DI CUNTO, Raphael. Meirelles afirma a deputados que recebeu uma ³KHUDQoDPDOGLWD´Valor econômico, v. 17, n. 4091, Brasil, 2016, p. A6. lv
BONFANTI, Cristiane; DI CUNTO, Raphael. Meirelles afirma... op. cit, p. A6.
lvi
Fórum, 21; Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES); GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP); e Plataforma Política Social. Austeridade e retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil. São Paulo, 2016, p. 13. ANFIP ± Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. Análise da Seguridade Social. Brasília: ANFIP, 2015. 168 p.
lvii
lviii OLIVEIRA SANTOS, Marcelo V. de; IANSEN, Matias; SOARES DE BARCELOS, Sara. Movimento de ocupações: em cada escola luta, união e rebeldia. Nexo Jornal, 2016. In: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2016/11/02/Movimento-deocupa%C3%A7%C3%B5es-em-cada-escola-luta-uni%C3%A3o-e-rebeldia. Acessado em Janeiro de 2017. lix RÜSEN, Jörn. História Viva: teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Trad. Estevão de R. Martins e Asta-Rose Alcaide. Brasília: Ed. UnB, 2007, pag. 149. lx
Idem, pag. 149.
lxi
Pesquisa Ibope, 20 abr. 2017.
lxii
Pesquisa CUT/Vox Populi, abr. 2017. ϭϰϭ
lxiii
NOBRE, Marcos. PMDB só virou governo por causa da Lava Jato: entrevista [10 de julho, 2017] São Paulo: Agência Pública. Entrevista concedida a Thiago Domenici. Disponível em: http://apublica.org/2017/07/pmdb-so-virou-governo-por-causa-da-lava-jato-diz-filosofomarcos-nobre/. Acessado em 12/07/2017. lxiv
PENNA, Fernando. A total dúvida sobre o amanhã e o desafio de ensinar história: concepções de tempo na produção textual de alunos. História e Perspectivas. Uberlândia, jan./jun, 2015, pp. 71-97. 6$)$7/( 9ODGLPLU 3RU XP FRQFHLWR ³DQWLSUHGLFDWLYR´ GH UHconhecimento. In: Lua Nova. São Paulo, 2015. p. 95.
lxv
lxvi
6$)$7/(9ODGLPLU3RUXPFRQFHLWR³DQWLSUHGLFDWLYR´RSFLWS
lxvii
6$)$7/(9ODGLPLU3RUXPFRQFHLWR³DQWLSUHGLFDWLYR´RSFLWS
lxviii
ABRANCHES, Sergio (1988). Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados: Revista de Ciências Sociais, vol. 31, n. 1, Rio de Janeiro: IUPERJ, pp. 3-55.
lxix FREUD, S. Civilization and its discontents. The Penguin Freud Library. Albert Dickson (ed.). Tr. And ed. by James Strachey. Civilization, Society and Religion, vol. XII, 243-340. Harmondsworth: Penguim Books. lxx
FREUD, S. Group psychology and the analysis of the ego. The Penguin Freud Library. Albert Dickson (ed.). Tr. And ed. by James Strachey. Civilization, Society and Religion, vol. XII, 91178. Harmondsworth: Penguin Books. lxxi
BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.
ϭϰϮ