História do liberalismo brasileiro
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História do Liberalismo Brasileiro

Antonio Paim

História do Liberalismo Brasileiro

E d ito r a M a n d a r im

D ados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP , Brasil) Paim , A n to n io , 1925H istó ria do liberalism o brasileiro / A n to n io Paim — São Paulo : M an d arim , 1998.

IS B N 8 5 -3 5 4 - 0 1 2 2 - 9

1. Liberalism o - Brasil H istó ria I. T ítu lo .

2. Liberalism o - Brasil -

9 8 - 3 3 0 4 ___________________________ C D D - 3 2 0 . 5 1 0 9 8 1 índices para catálogo sistem ático:

1. Brasil : Liberalism o : H istória : C iência política 3 2 0 .5 1 0 9 8 1

© 1 9 9 8 by A n to n io Paim D ire ito s exclusivos p a ra a lín g u a p o rtu g u e s a ced id o s à Siciliano S.A. Av. R a im u n d o P ereira d e M ag alh ães, 3 3 0 5 C E P 0 5 1 4 5 -2 0 0 — S ão P au lo — Brasil C o o rd e n aç ã o : S h e ila T o n o n Fabre E d ito ra M a n d a rim , 1998

S u m á r io

Apresentação, 9 I - Pontos de referências essenciais, 13 1 - 0 le g a d o d as refo rm as p o m b a lin a s, 15 2 - Fatores d e d e so rie n ta ç ã o , 21 2.1 - C aráter sin g u lar d a e x p e riê n c ia inglesa, 21 2.2 - A valiação d a R evolução A m ericana s e g u n d o a ó tica d e Raynal, 26 2.3 - A sin a liz a ç ã o p ro v e n ie n te d a R ev o lu ção F rancesa, 32 3 - In co n sistê n c ia d a s p ro p o sta s fo rm u la d a s n o Brasil, 36

II - O encontro com a doutrina liberal, 41 1 - Hipólito cia Costa, 43 2 - Silvestre P in h e iro Ferreira, 48 3 - L iberalism o d o u trin á rio , 58

III - O debate teórico que acom panhou a implantação do sistema representativo, 63 1 - As d é c a d a s d e 20 e 30, 65 2 - 0 reg resso , 68 3 - As in stitu içõ es d o sistem a re p re se n ta tiv o n o S e g u n d o Hei n ad o , 75 3.1 - E stru tu ração e a p rim o ra m e n to d a re p re se n ta ç ã o , 75

3.2 - P a rtid o s político s, 79 3.3 - Ó rg ã o s d o P o d e r E xecutivo, 81 3.4 - O P o d e r M o d erad o r, 81 3.5 - O C o n s e lh o d e E stado, 87 4 - 0 e n te n d im e n to te ó ric o da re p re se n ta ç ã o , 89 5 - 0 P o d e r M o d e ra d o r e m d iscu ssão , 91 5 .1 - 0 p o n to d e vista eclético, 91 5 .2 - 0 p o n to d e vista tradicio n alista, 96 5.3 - A justificativa liberal, 99 6 - 0 d e c lín io da idéia d e P o d e r M o d erad o r, 103 7 - A g e ra ç ã o d e 70 em face d as instituições im periais, 106 8 - A a tu a lid a d e d a q u e s tã o d o P o d e r M o d erad o r, 113 9 - B alan ço d o S e g u n d o R ein ad o , 118

IV - O liberalism o na República Velha (1889-1930), 121 1 - N ova c o n fig u ra ç ã o d o q u a d ro político, 123 2 - P rin cip ais in o v açõ es d a C o n stitu ição d c 1891, 127 3 - E v o lu ção d o u trin ária, 131 3.1 - In tro d u ç ã o , 131 3.2 - O p e n s a m e n to p o lítico d e Rui B arbosa, 132 3.3 - O lib eralism o d e Assis Brasil, 150 3.4 - A p ro p o sta d e J o ã o A rruda, 157 4 - A h e ra n ç a política d a R epública V elha, 164

V - A longa predominância do autoritarismo (1930-1985), 171 1 - T en tativ a d e p e rio d iz a ç ão , 173 2 - As circu n stân cias d o p e río d o 1930-1945, 176 2.1 - D e sd o b ra m e n to s d a criação d o P artid o D e m o cráti­ c o na o b ra d e A rm an d o d e Salles O liveira, 176 2.2 - A b a n d e ira d a q u e s tã o social p assa às m ã o s d o autoritarism o, 184 2.3 - O M anifesto d o s M ineiros, 187

3 - 0 in te rre g n o d e m o c rá tic o (1945-1964), 192 3.1 - N ova feição a ssu m id a p e la c o rre n te liberal, 192 3.2 - D esfig u ra m e n to d a re p re se n ta ç ã o , 196 3-3 - A liança e q u iv o c a d a co m os m ilitares, 203 4 - R efluxo e virtual e sm a g a m e n to d o lib eralism o so b os g o v e rn o s m ilitares, 207

VI

- Novo ciclo de ascensão do liberalismo, 215 1 - In d ic a ç õ e s d e o rd e m geral s o b re o p e río d o , 217 1.1 - R eform a p artid ária d e 1980, 217 1.2 - A C o n stitu ição d e 1988, 219 1.3 - A cen tu ação d o fra c io n a m en to p artid ário , 222 1.4 - A g rem iaçõ es políticas a p ro x im a m -se d a s c o rre n te s 2 3 4 5

d e o p in iã o , 223 - R eto m ad a d o s v ín cu lo s co m o ex terio r, 227 - Iniciativas e m cu rso , 233 - A crescen te id entificação d o PFL co m o ideário liberal, 235 - O b ra s e a u to re s d e sta c a d o s, 245

Obras do Autor, 303

A pr esen ta ç ã o

J [u n ta m e n te com V icente Barretto, U biratan M acedo, Ricardo V élez R odríguez, Francisco M artins d e Souza, A quiles C ortes G ui­ m arães e R eynaldo Barros, d e sd e a d é c a d a d e 70 tem o s p ro cu ra­ d o inventariar a e v o lu ção d o p e n sa m e n to político brasileiro. D es­ sa iniciativa resu lto u o cu rso d e Introdução ao p en sa m e n to p o lítico brasileiro , e d ita d o p o r Carlos Ile n riq u e Carclim, na U ni­ versidade d e Brasília, e m 1981. P osteriorm ente, reform ulam os esse cu rso para o N úcleo d e E nsino a D istância d a U niversidade G am a Filho, d o Rio d e J a n e iro .1 C o u b e ain d a à q u e le g ru p o in ­ cum bir-se d a B iblioteca d o P en sam en to Político R epublicano, co n c e b id a p o r Carlos H e n riq u e Carclim, q u e tam b ém a ed ito u em c o n v ê n io com a Câm ara d o s D ep u tad o s. Subsidiariam ente, co n seg u im o s co m p le ta r a Bibliografia d o P e n sa m e n to Político R epublican o — iniciada p o r W anderley G u ilh erm e d o s Santos — q u e estev e a carg o d e dois re n o m a d o s especialistas, Evelyse Pereira M endes e E dson Neri d a F onseca. De tu d o isto resultou q u e p assam o s a d isp o r d e u m a visão b astan te clara da trajetória d o n o sso p e n sa m e n to político, c a b e n d o referir q u e p ra tic am en ­ te reed ito u -se tu d o q u a n to havia d e m ais im po rtan te, co m a ú n i­ ca (e inexplicável) e x c e ç ão d o Ensaio sob re direito adm inistrati­ vo, d e Paulino J o sé Soares, v isco n d e d e U ruguai, q u e co n té m a teoria d as instituições im periais, isto é, d a prim eira ex p eriên c ia d e e stru tu ração d o sistem a rep resentativo. 1. Desses cursos, que presentemente ocupam 13 volumes, fizemos uma edição resumida, aparecida na Coleção lieconquistu do Brasil, v. 150, da Kdilora Itatiaia.

9

Se desse conjunto d estacarm os o liberalism o, tornam m- evi d en tes alguns ciclos m uito nítidos. O prim eiro deles, q u e abrange não só a fam iliaridade co m a d outrina m as tam b ém a sua vit< >n< >sa im plem entação, desd o b ra-se d este m odo: 1) Q u a n d o a geraçao da elite po rtu g u esa h e rd o u a incum bência d e d a r p ro sseguim ento ãs reform as p o m b alin as, c o n d u z in d o -a s a o p la n o político, os referenciais d e q u e d isp u n h a n ão eram d e m olde a prepará-la a d e q u ad a m en te para o d e se m p e n h o da tarefa; 2) A fixação d o cam in h o q u e iria d esem b o car n o p len o d o m ín io da doutrina libe­ ral desloca-se d e Lisboa para o Rio d e Janeiro, se n d o três os p o n ­ tos focais: o Correio Brnziliense-, Silvestre Pinheiro Ferreira e o liberalism o doutrinário; 3) 0 am ad u recim en to da c o n cep ç ão d o arranjo institucional req u erid o a am arga ex periência d e dram áti­ cas guerras civis, se n d o fen ô m en o do s fins d a d écad a d e 30. 0 S eg u n d o R ein ad o p a sso u a constitu ir-se e x p e riê n c ia su i g en eris em n o ssa história co m cerca d e m eio sé c u lo d e e sta b i­ lid a d e política, lib e rd a d e p le n a e g ra n d e ativ id ad e d o u trin ária. N o esfo rço d e a p rim o ra m e n to d a re p re se n ta ç ã o , e n tã o d e s e n ­ v o lvido, p a re c e resid ir o s e g re d o d o su cesso . P o r tu d o isso, o seu e stu d o p recisa m e re c e r re n o v a d a ate n ç ã o . A R ep ú b lica V elha c o rre s p o n d e a o u tro ciclo d ig n o d e ser d e sta c a d o . N os se u s q u a re n ta an o s, g e sla m -se os e le m e n to s fu n d a m e n ta is q u e c o n d u z ira m a o m eio sé c u lo d e p re d o m ín io a b so lu to d o au to ritarism o , e n tre 1930 e até q u a s e 1985. Na R epública V elha o co rre, sem d ú v id a alg u m a, a p rática a u to ritá ­ ria n o ex ercício d o p o d e r, co m su cessiv o s e sta d o s d e sítio, v io ­ laç ão d e im uniclades p a rla m e n ta re s, e m p a s te la m e n to d e jo r­ n ais etc. M as essa p rática b u s c o u p re s e rv a r as in stitu iç õ es, e m b o ra à cu sta d o total d e sfig u ra m e n to d a re p re se n ta ç ã o . C o n ­ tu d o , é n esse p e río d o q u e se form am as v ersõ es d o autoritarism o d o u trin á rio , n o ta d a m e n te o c h a m a d o c a stilh ism o .2 O s liberais 2. Trata-se cie aplicação, bem-sucedida, às condições brasileiras, do republicano concebido por Augusio Comre. Heneiiciou-.se de ção, ao longo de quase quarenta anos no Rio Grande do Sul, transplantado ao plano nacional, na fase posterior ã Revolução

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autoritarismo experim enta­ antes de ser de 30.

H

istória

do

Libhraijsmo B

rasileiro

c o n se g u e m u m a certa p re se n ç a e até c o m p re e n d e m a m a g n itu ­ d e d a q u e s tã o social, m as ta n g e n c ia m o essencial: a d o u trin a d a re p re se n ta ç ã o . N o m eio sé c u lo s u b s e q ü e n te (1930-1985), tiv em o s a d ita d u ­ ra d e V argas (E stad o N ovo, d e 1937 a 1945); b re v e in te rre g n o d e m o c rá tic o e n tre m e a d o p o r su cessiv as in te rv e n ç õ e s m ilitares na política (1945-1964), q u e cu lm in aram com a fo rm a ç ã o d e g o v e rn o s d ire ta m e n te e n c a b e ç a d o s p o r g e n e ra is (1964-1985). Os liberais sã o su c e ssiv a m e n te a c u a d o s e v irtu a lm en te d e s tro ­ çad o s. P e rd e m -se p o r c o m p le to o s v ín cu lo s co m os c e n tro s d e ela b o ra ç ã o d o p e n s a m e n to liberal n o exterior. A R epública, c o m o in d ico u o líd er liberal A fonso A rinos, foi s o b re tu d o a n tip a rla m e n ta r e an tip artid ária. Na R ep ú b lica V e­ lha v ig o ro u o reg im e d e p a rtid o ú n ico , o rg a n iz a d o em nível e sta d u a l (P a rtid o R ep u b lican o Paulista — PRP; P artido R e p u ­ b lica n o M ineiro — PRM, e assim p o r d ia n te ). N o E stado N ovo, os p a rtid o s foram p ro ib id o s. Sob os g o v e rn o s m ilitares, te n ­ to u -s e im p la n ta r o b ip a rtid a ris m o , p e r p e tu a n d o a c lá ssic a d ico to m ia g o v e rn o versus o p o siç ã o . D e sd e a C o n stitu ição d e 1934 (q u e v ig o ro u a p e n a s d u ra n te três a n o s), os liberais o p ta ra m p e lo sistem a p ro p o rc io n a l. 0 m e sm o p rin c íp io foi m a n tid o n a C arta d e 46 (ta m b é m d e vida e fê m e ra ) e d e p o is p e lo s g o v e rn o s m ilitares, p re s e rv a d o ig u a l­ m e n te n a C o n stitu ição d e 1988. E ntre o s p aíses m ais p o p u lo ­ so s d o O c id e n te , s o m e n te Brasil e E sp a n h a a d o ta m esse siste­ m a eleitoral. N o c a so brasileiro, e m b o ra lim itada n o te m p o a v ig ência d e lib e rd a d e p ara a e fetiv ação d e p ráticas d e m o c rá ti­ cas, esta tem c o n d u z id o à fra g m e n ta çã o partid ária. T u d o leva a crer q u e d e s d e a d é c a d a d e 70 o p aís v e n h a e x p e rim e n ta n d o o re n a sc im e n to liberal, fe n ô m e n o q u e d e in í­ cio lim ita-se a re d u z id o s círcu lo s u n iv ersitário s. C o n tu d o , n e s ­ sa fase, re c o n stitu e m -se os laço s co m o p e n s a m e n to liberal n o s E stados U n id o s e na E u ro p a. S eg u e-se a o rg a n iz a ç ã o , p e lo s em p re sá rio s, d o In stitu to Liberal, q u e p a ssa a d e s e n v o lv e r in ­

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ten sa ativ id ad e edito rial. F in alm en te, co m a re fo rm u la ç ão p a r­ tidária p o ste rio r a 1985, d e n tre as m aio res a g re m ia ç õ es a p a re ­ ce o P artid o d a F ren te Liberal, d e c id id a m e n te e m p e n h a d o em alc a n ç ar c o n s e q ü e n te id en tificação co m o liberalism o. A p a r disto, re n o m a d o g ru p o d e in telectu ais d e se n v o lv e significativa e la b o ra ç ã o teórica. Tais são , e s q u e m a tic a m e n te , os tem as q u e p re te n d o e stu d a r n este livro. Rio de Janeiro, fevereiro d e 1998. A.P.

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I P o n t o s d e R e f e r ê n c ia s E s s e n c ia is

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O LEGADO DAS REFORMAS POMBAUNAS

S e b a s t i ã o d e C arvalho e Melo, m a rq u ê s d e Pom bal (16991782), fez p arte d o prim eiro m inistério o rg a n iz a d o p o r D. Jo sé I, q u e foi c o ro a d o rei em 1750, co m a m orte d e D. Jo ã o V. A partir d a e n erg ia d e m o n stra d a em face d o terrem o to q u e, na m a n h ã d e l u d e n o v e m b ro d e 1755, destru iu Lisboa q u a se p o r co m pleto, teve a sc e n d ê n c ia total n o g o v e rn o e carta b ran ca para realizar g ra n d es reform as. A ntes d e tornar-se m inistro, fora em b a ix a d o r em Londres, im p ressio n o u -se p ro fu n d a m e n te co m o p ro g resso a lc an ç ad o p ela Inglaterra e b u sco u c o m p re e n d e r su as causas. C heg ad a a o p o rtu n id a d e , tratou d e fazer uso d essa ex p eriên cia. P elo e n c a m in h a m e n to q u e d eu às reform as, vê-se co m clare­ za q u e P o m b al atribuía o p ro g resso d a Inglaterra à ciência. As­ sim, tratou d e abolir o m o n o p ó lio q u e os jesuítas exerciam so ­ bre o en sin o , a c a b a n d o p o r ex p u lsá-lo s d o país e d as colônias e pô s fim à in terd ição q u e até e n tã o existia em relação à física d e N ew ton. A inda q u e tivesse se o c u p a d o d e p ro m o v e r a indústria m anufatu reira e criad o n o país co m p a n h ia s estatais d e c o m é r­ cio, d e reform ar o Exército, enfim , co rrer contra o te m p o e im p o r o ingresso d e Portugal na é p o c a m o d ern a, ap o sto u , so b retu d o , na criação d e um a elite p o ssu id o ra d o c o n h e c im e n to científico d e seu tem p o . N o sé c u lo XVIII h avia em P ortugal m u ito s h o m e n s ilustra­ dos, co m p le n a c o n sc iê n c ia d o d e s c o m p a s s o d o p aís em rela­ ç ão à E u ro p a. Foram c h a m a d o s d e estrangeirados. P o m b al s e ­ ria o m ais b e m -s u c e d id o d e n tre eles.

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Em 1761 foi o rg a n iz a d o o C olégio d e N obres, co m c a p a c id a ­ d e p a ra cem a lu n o s in tern o s, s u b m e tid o s a u m a disciplina fér­ rea. A p a r d o e n s in o clássico d e h u m a n id a d e s, o p m p o siio cen tral consistia e m d ar-lh es rig o ro sa fo rm a ç ã o científica atra­ vés d o e n s in o d as m atem áticas e d a física, b e m c o m o d e c iên c i­ as a p lica d a s (h id ráu lica, a rq u ite tu ra civil e m ilitar etc.). Foram im p o rta d o s in stru m e n to s e p ro fesso res, ta n to d a F rança c o m o da Inglaterra. O e s ta b e le c im e n to se to rn aria o n ú c le o c o n s ­ titutivo da futura Escola P olitécnica. Essa iniciativa n ã o p a re c e h a v e r satisfeito a a m p litu d e d a refo rm a d e m e n ta lid a d e q u e visava p ro m o v er, p o rq u a n to d e z a n o s m ais ta rd e se voltaria p a ra a u n iv ersid ad e. Sua refo rm a d a U n iv ersid ad e a n te c ip a d e alg u m as d é c a d a s à q u e seria p ro m o v id a p o r N ap o le ã o , e q u e ta n to im p re ssio n a ­ ria a elite n o sé c u lo p a ssa d o . Em m atéria d e in stru ção, P om bal tom aria u m a o u tra iniciativa p io n eira na E u ro p a, c ria n d o a p ri­ m eira esco la d e c o m é rc io d o m u n d o . C o n tu d o , sua g ra n d e o b ra seria a reform a da U n iversidade d e C oim bra. C o m o diria H ern an i C idade, “foi v e rd a d e ira m e n te a criação d e um a n o v a U n iv e rsid a d e ”. Daria a essa reform a tal d e d ic a ç ã o q u e m ais p a re c e , a o m e sm o llc rn a n i C idade, “em n a d a m ais tivesse d e p e n s a r”. Na u n iv e rsid a d e p o m b a lin a o p a p e l-c h a v e será d e s e m p e ­ n h a d o p o r d o is n o v o s e sta b e le c im en to s: as (a c u id a d es d e m a ­ tem ática e d e filosofia. Esta se c o m p re e n d ia c o m o 'filosofia n a tu ra l’, m ais p re c isa m e n te c o m o ciênc ia a p lic a d a d e s d e q u e se u s c u rso s d e stin a m -se a fo rm ar p e sq u isa d o re s d e recu rso s naturais, b o tâ n ic o s, m etalu rg istas, enfirn, h o m e n s c a p a z e s d e identificar as riq u e z a s d o rein o e ex p lo rá-las. R ecrutam -se fa­ m o so s p ro fe sso re s italianos e criam -se estas in stitu ições v o lta­ d a s para a o b se rv a ç ã o e a e x p e rim e n ta çã o : Ilo rto B otânico, M useu d e H istó ria N atural, G a b in e te d e Física, L ab o ra tó rio Q u ím ico , O b se rv a tó rio A stro n ô m ico , D isp e n sá rio F arm acêu ti­ co e G a b in e te A natôm ico. 16

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istória

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Libe ralism o B

rasileiro

Em re la ç ã o ao Brasil, a a d m in istra ç ã o p o m b a lin a iralou de so e rg u e r as ativ id ad es e c o n ô m ic a s, c o m b a lid a s p e la p erseg u i çã o q u e o T rib u n al d o Santo O fício m ovia às p e sso a s bem su c e d id a s. A creditava-se so b re m a n e ira n as p o ssib ilid a d e s da A m azônia, a trib u in d o d ire ta m e n te a o irm ão, F rancisco X avier d e M e n d o n ç a F urtad o , a tarefa d e c o m a n d a r o in v en tá rio d e su a s riq u e z a s e p ro m o v e r a su a e x p lo ra ç ã o . E lim inou o E stado d o M aran h ão , q u e se vinculava d ire ta m e n te à M etrópole, e extinguiu as cap ita n ia s h e re d itá rias re m a n e sc e n te s, m e d id a s q u e c o n trib u íra m para c im e n ta r a u n id a d e n acio n al, q u e se e v id e n ­ ciaria c o m o e le m e n to capital n o p ro c e sso da In d e p e n d ê n c ia . P ro m o v eu a m u d a n ç a d a capital para o Rio d e J a n e iro (1763). Na u n iv e rsid a d e re fo rm a d a p o r P om bal, d islin g u iram -se m u i­ tos b rasileiro s q u e p a ssa ra m a liderar várias d as n o v as esferas d o c o n h e c im e n to científico. A m o d e rn iz a ç ã o realizad a p o r P o m b al n ã o c o m p re e n d ia a reform a d a s in stitu içõ es políticas. Estas c o n tin u a ra m adstritas ao a b so lu tism o m o n á rq u ic o . P reserv o u -se a In q u isição , para e n q u a d ra r o p o n e n te s às refo rm as e c o n tin u o u s e n d o a d m itid o o e m p re g o d a tortura. P o m b al era a d e p to d as teo rias m ercantilistas e n tã o e m voga, s e g u n d o as q u a is a riq u e z a d as n a ç õ e s p ro v in h a d o c o m é rc io in tern acio n al, razão p ela q u al èste d e v e ria e star d ire ta m e n te s u b o rd in a d o a o E stado o u p o r este su p e rv is io n a d o m u ito d e p erto . As teo rias m ercan tilistas foram m ais ta rd e re fu tad a s p o r A dam Sm ith (1723-1790), para q u e m a q u e la riq u eza seria um a d e c o rrê n c ia d o tra b a lh o e da d iv isão in tern acio n al d o tra b a ­ lho, isto é, in c u m b in d o a cad a um p ro d u z ir a q u ilo q u e e stiv es­ se em m e lh o re s c o n d iç õ e s d e fazê-lo. Essa d o u trin a , c o n h e c id a co m o lib cn ilism o cconôm ico, s o m e n te seria d ifu n d id a n o Bra­ sil n o sé c u lo XIX. A a d e s ã o d e P o m b al ao m ercan tilism o tro u x e c o n se q ü c n c i as p e rv e rsa s p a ra n o ssa história, p o rq u a n to , a d m itin d o a ri­ q u e z a e m m ão s d o E stado, ex im iu -se d e criticar a trad içã o p re ­ 17

c e d e n te q u e co m b atia a riq u e z a em g eral e o lucro. Essa cir­ cu n stân c ia , e m b o ra c o rre s p o n d e s s e a o início d e um a nova tra­ d ição , n e m cie lo n g e re v o g o u o u a b a lo u a antiga. A ad m issã o d a p o sse d e riq u e z a s em m ão s d o E stad o p a sso u a coexistir c o m a v e lh a tr a d iç ã o , c r e s c e n te m e n te d ir ig id a c o n tra o e m p re sa ria d o p riv ad o . P o m b al ta m b é m d e u à b u ro c ra c ia estatal um a g ra n d e s u p re ­ m acia em re la ç ã o ao s o u tro s g ru p o s sociais. O E stado p o rtu ­ g u ê s, q u e era tip ic a m en te u m E stado P atrim onial, isto é, p arle d o p a trim ô n io d o p rín c ip e e n ã o u m ó rg ã o a serv iço d a so c ie ­ d a d e , p a sso u a atrib u ir-se a fu n ç ã o d e p ro m o v e r a m o d e rn iz a ­ çã o (co m p re d o m in â n c ia e c o n ô m ic a ) c o m o alg o q u e d ev eria b e n efic ia r d ire ta m e n te a q u e la b u ro cracia. Ao m e sm o te m p o , a reform a d a u n iv e rsid a d e atribuía à ci­ ên cia o p o d e r d e tra n sfo rm a r a so c ie d a d e , o q u e n e m d e lo n g e c o rre s p o n d e à su a real d e stin a ç ã o . A lém disso , tratava-se aq u i d e u m a ciên cia p ro n ta e c o n clu sa, d e v e n d o c irc u n sc re v er-se a p e n a s à a p lic a ç ã o . C o m e ç a a lo n g a tra d iç ã o d o c h a m a d o

d en t/fjcism o , isto é, d e um d isc u rso retó rico ac e rc a d a ciência se m m aio res c o n se q ü ê n c ia s. D. Jo s é I m o rre u a 24 d e fev ereiro d e 1777. C o m eça o rein o d e D. Maria I. P o m b al é d e m itid o lo g o n o c o m e ç o d e m arço, se g u in d o -s e d iv ersas iniciativas d e stin a d a s a elim in ar su a in ­ fluência. N o a n o se g u in te , tem início o lo n g o p ro c e sso q u e lhe m o v e rá a C orte, su b m e te n d o -o a in te rro g a tó rio s e h u m ilh aç õ es. A se n te n ç a d e a g o sto d e 1781 c o n sid e ra -o c u lp a d o , m as, à vista d a s grav es m o léstias d e q u e p a d e c e e d o e s ta d o d e d e c re p itu d e e m q u e se e n c o n tra , diz o d e c re to real, é p e rd o a d o d a s p e n a s c o rp o ra is q u e lh e d ev iam se r im p o stas, s e n d o , e n tre ta n to , c o n ­ d e n a d o a viver “fora d a C orte n a distân cia d e v in te lé g u a s”. Um a n o d e p o is, e m a g o sto d e 1782, falece P o m b al. A lin h a-m estra d o g o v e rn o d e D. M aria I consistia n o p r o p ó ­ sito radical d e fazer d e s a p a re c e r d a história d e P o rtugal a figu­ ra d o m a rq u ê s. A rain h a m a n d a a rra n c ar d o p e d e sta l d a e stá ­ 18

H

istória

do

L ihf . r a i . i s m o B

rasileiro

tua d e D. J o s é o m e d a lh ã o ali e x iste n te co m o b u sto d e T om ­ bai. Inim ig o s e p e rs e g u id o s sã o trazid o s a o p rim e iro p la n o da een a. O so n h o era fazer re n a sc e r o s v e lh o s te m p o s e m q u e o p a d ro a d o d av a as cartas e, q u e m sab e, to rn a r d e n o v o fre q ü e n ­ tes as fog u eiras d a In q u isição . D aí q u e esse p e río d o h istórico viesse a se r d e n o m in a d o Vim deim d e D. Míirin I. O e m p e n h o estava, e n tre ta n to , fa d a d o a o fracasso. S e b a s tiã o J o s é d e C a rv a lh o e M e lo d e s p e r ta r a fo rç a s p o n d e rá v e is q u e n ã o se d is p u n h a m a assistir p a ssiv a m e n te a re v a n c h e q u e se fazia em n o m e d a c o m p o n e n te o b scu ran tista, punitiva, d o p e río d o p o m b a lin o , m as q u e se caracterizav a s o ­ b re tu d o c o m o re sta u ra ç ão d e ín d o le m ed iev al. A n o b re z a d o s a n o s 80 p o u c o tin h a a v e r co m a d o s m e a d o s d o sécu lo . Fora e d u c a d a n o re sp e ito à ciência e ad erira a o p ro je to d e c o n q u is ­ tar a riq u eza. O e sta m e n to b u ro crático , m o d e rn iz a d o , tin h a em su a s m ã o s to d o o p o d e r, d is p e n sa n d o -se d e dividi-lo co m a Igreja. F o rm ara-se um n o v o a g ru p a m e n to social a b a sta d o , d e ­ co rre n te d a e x p a n s ã o d a m an u fatu ra. A o c a b o d e d o is d e c ê n io s, em 1796, o P rín cip e R egente, fu­ tu ro D. J o ã o VI, c h a m a p ara o g o v e rn o D. R odrigo d e Souza C o u tin h o , c o n d e d e L inhares (1755-1812), o q u e eq ü ivalia a o re c o n h e c im e n to tácito d e q u e a n o b re z a re fo rm ad a p o r P om bal n ão se d isp u n h a a volta ao s v e lh o s te m p o s. D. R odrigo era n ã o a p e n a s u m a p e rso n a lid a d e re p re se n ta tiv a d a elite re n o v a d o ra , te n d o fig u rad o e n tre os p rim eiro s d ip lo m a d o s p ela U niversi­ d a d e d e C oim bra, n a d é c a d a d e 70. Mais q u e isso, ac h av a -se m u ito lig ad o à p e sso a d e P o m b al, d e q u e m era afilh ad o d e b atism o , te n d o sid o e d u c a d o p ara seu su cesso r. B asta ter p re ­ se n te q u e em su a p a ssa g e m p e lo M inistério d o U ltram ar, a in d a n o sé c u lo XVIII, e la b o ra v asto p la n o d e d e se n v o lv im e n to p ara o Brasil, p re v e n d o inclusive a im p la n ta ç ã o d a sid erurgia. D. R odrigo d e Souza C o u tin h o s e m p re m an tiv era relaçõ es d e a m iz a d e c o m os naturalistas b rasileiro s d ip lo m a d o s, c o m o ele, e m C oim bra, e sp e c ia lm e n te C âm ara B itencourt (m ais c o ­

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n h e c id o c o m o In te n d e n te C âm ara), C o n ceição V eloso e Jo sé B onifácio d e A n d ra d e e Silva. O d e stin o re se rv a ra-lh e um p a ­ p el sin g u la r em n o ssa história, já q u e seria o c h efe d o p rim eiro g o v e rn o d e D. J o ã o VI, a p ó s a tran sferên cia da C orte p a ra o Rio d e Jan e iro . Em sín tese, o m a rq u ê s d e P o m b al cria um a se g u n d a g ra n d e trad ição na cu ltu ra brasileira, d e stin a d a , c o m o a p re c e d e n te , a u m a lo n g a so b rev iv ên cia. C om a R epú b lica, os m ilitares iriam a p ro p ria r-se d a b a n d e ira d e q u e a o E stad o é q u e in c u m b e p ro ­ m o v e r a riq u eza, fa z e n d o co m q u e se p e rp e tu a s s e até o s n o s ­ so s dias essas rem in iscên cias d o m ercan tilism o d o sé c u lo XVIII. D ata d e P o m b al, ig u alm en te, o e n te n d im e n to cientificista da ciência, q u e a in d a se e n c o n tra p re s e n te à re a lid a d e brasileira. N o a sp e c to q u e ora n o s in teressa — q u e p o n to s d e re fe rê n ­ cia tiveram p re s e n te as p rim eiras g e ra ç õ e s q u e b u sc a ra m fam i­ liarizar-nos co m o lib eralism o — P o m b al co n stitu i um a figura central. T e n d o n o s d e s p e rta d o p a ra a m o d e rn id a d e , le g o u -n o s um a tarefa g ig an tesca: c o m p le tá -la co m a o rg a n iz a ç ã o d as insti­ tu içõ e s d o sistem a re p re se n ta tiv o . Esta a g ra n d e a v e n tu ra a q u e se la n ça ra m b rasileiro s e p o rtu g u e se s d e s d e a R evolução d o P o rto d e 1820. E m bo ra te n h a h a v id o a s e p a ra ç ã o em d e c o rrê n c ia d a In d e ­ p e n d ê n c ia d o Brasil, até hoje a n d a m o s às voltas co m o p ro b le ­ m a, p o d e ro s o in d ic a d o r d e q u e o su b stra to m oral d e n o ssa cultu ra seja in fen so a o sistem a re p re se n ta tiv o . A circu n stân c ia d e v e lev ar-n o s a n ã o n o s c o n te n ta rm o s co m o e s tu d o d o p e n ­ s a m e n to po lítico , d e v e n d o c o n d u z ir m ais lo n g e essa in v estig a­ ção , co m vistas à id en tificação d e no ssa m o ra lid a d e social b á ­ sica. A inda assim , a sim p les tarefa d e reco n stitu ir a tra d iç ã o d o lib eralism o b rasileiro já é u m a in c u m b ê n c ia e x ig e n te d e g ra n ­ d e s esfo rço s, ra z ã o p e la q u al a ela n o s lim itarem o s n e ste livro.

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2 F atores d e DESORIENTAÇÃO

2 . 1 - C aráter

s in g u l a r d a e x p e r iê n c ia in g l e sa

N o tra n s c u rs o cio s é c u lo XVIII, c o n s o lid a -se o sistem a re ­ p re se n ta tiv o na In g la te rra , isto é, e n c o n tra m -s e as lo rm a s d e re la c io n a m e n to e n tre o P o d e r E x ecu tiv o e o P a rla m e n to , d e um lad o , e d e o u tro fixa-se o p a p e l d a m o n a rq u ia n o c o n ju n to d o sistem a. N o m e sm o p e río d o d á -se a e s tru tu ra ç ã o d o s p artid o s p o lític o s . L a n ç a m -se ig u a lm e n te as b a s e s d o o r d e n a m e n to lib eral d a vid a social co m o e s ta b e le c im e n to d a lib e rd a d e relig io sa (lib e rd a d e d e c o n sc iê n c ia ) e d a lib e rd a d e d e im p re n sa , b e m c o m o o s p a râ m e tro s fu n d a m e n ta is d a lib e r­ d a d e in d iv id u a l. N o prim eiro rein ad o s u b se q ü e n te â R evolução G loriosa — rein ad o d e G uilh erm e e M aria d e O ran g e, d e 1689 a 1702 — , decid iu -se q u e os im p o sto s seriam v o tad o s to d o ano, graças ao q u e ficava o Rei o b rig a d o a c o n v o car o Parlam ento p elo m e n o s um a vez em cad a a n o e, ao m esm o tem p o , q u e o m a n d a to d o s m e m b ro s d a Câm ara Baixa seria d e três anos, o q u e evitava a su a p e rp e tu a ç ã o , e o risco d e dissociar-se d o s g ru p o s sociais q u e rep resen tav am . D uas outras q u e stõ e s foram resolvidas com o p ro p ó sito d e im p ed ir n o v as am eaças d e restau ração d a m o ­ narq u ia ab so lu ta p e la asc e n sã o ao tro n o d e reis católicos. A p ri­ m eira c o rre sp o n d e u à Lei d e Sucessão (A ct o f Settlem ent), v o ta­ da em 1701, q u e, co n sid e ra n d o n ã o ter G uilh erm e d e O ran g e herdeiros, su a su cessão se daria através d e Ana Sluart e, d e p o is da m o rte d esta, p elo s d e sc e n d e n te s d e su a prim a Sofia, casada

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com um p rín cip e alem ão (E rnesto), eleitor d e H anôver. Jaim e II, pai d e Maria d e O ran g e, tinha u m filho católico. A Lei d e Sucessão, p o r si só, n ã o elim inava o s riscos d e um a n o v a situ a ç ã o a sse m e lh a d a ã q u e se criou n o sé c u lo an terio r, le v a n d o o p aís p ro lo n g a d a g u e rra civil, p e rm a n e c e n d o um a b re c h a na p rerro g ativ a p re se rv a d a p e la E scócia d e e sc o lh e r um so b e ra n o . Para co n ju rá-lo s e m d efinitivo, p ro c e d e u -se à unifi­ ca çã o d o s d o is p aíses, e m 1707. A Lei d e U nião criou o R eino U n id o da G rã-B retan h a, p e la fu são da In g laterra c o m a E scó­ cia, p a s s a n d o a existir u m ú n ic o p a rla m e n to . A os e sc o c e se s foi asse g u ra d o d e te rm in a d o n ú m e ro d e c ad eiras na C âm ara d o s R e p re se n ta n te s e n a C âm ara d o s Lordes. A Lei d a S u cessão in tro d u z iu a a u to n o m ia d o Ju d ic iá rio a o d ecid ir q u e o carg o d e juiz era vitalício e q u e se u s titulares só p o d ia m se r d e stitu íd o s em casos d e c o n d u ta d e s a b o n a d o ra d a fu n ç ã o e p o r re so lu ç ã o d o P arlam ento. O s d o is p a sso s m ais im p o rta n te s n a p le n a c o n fig u raç ão d o sistem a re p re se n ta tiv o são , e n tre ta n to , o a p a re c im e n to d o C o n ­ se lh o d e M inistros e a n e c e ssid a d e d e a lc a n ç ar m aioria p a rla ­ m e n ta r n a co n stitu iç ã o d o g o v e rn o , o q u e leva à e stru tu ra ç ã o p e rm a n e n te d o s p a rtid o s p olíticos. Tal se d e u n o q u a se m eio sé c u lo o c u p a d o p e lo s re in a d o s d e Jo rg e I e Jo rg e II (1714-1760), q u e d ã o inicio à d in astia d e H an ô v er. P re se rv a n d o fortes v ín ­ culos co m su a s p o sse ssõ e s alem ãs, in tro d u ziram o h á b ito d e só to m a r c o n h e c im e n to d o s a ssu n to s in g leses p o r m e io d e u m d o s m inistros in d ic a d o s p e lo P arlam en to . Este p a sso u a d e n o ­ m inar-se p rim e m inistcr (p rim eiro -m in istro ) e, o g o v ern o , d e g n b in et o ffic e (g a b in e te m inisterial), ao q u e se s u p õ e p e lo fato d e q u e , n essa é p o c a , o C o n se lh o d e M inistros se re u n ia para c o n sid e ra r os a ssu n to s d e g o v e rn o n u m d o s a p o s e n to s (g a b i­ n e te ) d o P alácio Real. Na história c o n stitu cio n al d a Inglaterra (1760-1860), T h o m a s Erskine M ay indica q u e os d o is p a rtid o s “e ra m ig u a lm e n te fa­ voráveis à m o n a rq u ia ; m as os w higs q u e ria m q u e sua a u to ri­ 22

H

istória

do

Liberalismo B

rasileiro

d a d e fo sse m a n tid a n o s lim ites d a lei; os p rin c íp io s d o s torie .v favoreciam o a b so lu tism o n a Igreja e n o E stado... A R evolução ( 1689) era o triu n fo e o re n a sc im e n to final d o s p rin c íp io s whigs, p o rq u a n to fu n d a v a u m a m o n a rq u ia lim itad a. E n tre ta n to , o s p rin cíp io s d o s d o is p artid o s, m o d ificad o s p e la s c o n d iç õ e s d e s ­ sa c o m b in a ç ã o c o n stitu cio n al, p e rm a n e c ia m d istin to s e o p o slos. O s w higs c o n tin u a v a m a a p o ia r to d a restrição n ec essária à a u to rid a d e real e a fav o recer a to lerân cia religiosa; o s tories te n d iam g e ra lm e n te p ara a p rerro g ativ a, p a ra as d o u trin a s da alta Igreja e p ara a h o stilid a d e ao s d is sid e n te s”. S e n d o a p re r­ rogativa u m a d e le g a ç ã o d o P arla m e n to a o M onarca, favorecia co m c e rte z a o p o d e r p esso al. Seria c o n tu d o n o sé c u lo XVIII, p ro sse g u e o m e sm o au to r, q u e se dá a c o n v e rg ê n c ia d o s dois p aitid o s n esse a sp e c to essencial. A e sse p ro p ó sito escreve: “T or­ n ad o s m estres, os w higs tin h am tra b a lh a d o , d u ra n te m ais d e q u a re n ta a n o s d e p o is d a m o rte da rain h a Ana (1714), p a ra c o n ­ so lid ar a a u to rid a d e e a influ ên cia da C oroa, a p o ia d a so b re o p o d e r d o P arlam en to . O s tories , c o m o o p o siç ã o , fo ram o b rig a ­ d o s a a b a n d o n a r as in su sten táv eis d o u trin a s d e seu p a rtid o e a re c o n h e c e r o s d ireito s legítim os d o P a rla m e n to e d o p o v o ”.1 As d u a s a g re m ia ç õ es irão distinguir-se, s o b re tu d o n o sé c u lo XIX, à luz d e q u e s tõ e s m u ito p recisas d a a tu a ç ã o d o E stado. No sé c u lo XVIII p a ssa m a ag ir em c o n so n â n c ia co m o p rin cíp io d o ex ercício d o p o d e r p e lo G ab in ete, q u e p re sta c o n ta s e se su b m e te a o P arlam en to . Assim, q u a n d o J o rg e III, q u e a s c e n d e a o p o d e r em 1761, ten ta re sta u ra r o g o v e rn o p e sso a l, n ã o m ais e n c o n tra a m b ie n te p ro pício, n e m m e sm o e n tre os tories. Esse m o n a rc a criou a g rav e crise d e q u e resu lto u a In d e p e n d ê n c ia d o s E stad o s U ni­ d o s e m 1776 e s u s te n to u a g u e rra c o n tra o s a m e ric a n o s d a qual saiu d e rro ta d o em 1781. Essa d e rro ta c o n trib u iu p a ra q u e re ­ n u n c ia sse a o g o v e rn o p esso al. A c o n so lid a ç ã o definitiva d o I . Op. cit., tradução francesa, Paris, Michel Levy Erères Etl., 1866, p. 6-7.

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g o v e rn o d e g a b in e te seria o b ra d e W illiam Tili ( 17 I80(>) q u e, te n d o se in iciad o na política c o m o whig, m ais ta rd e a d e rin d o ao s lories , p ô d e e stru tu ra r u m a am p la c o alizão q u e d e u e sta b i­ lid a d e a o g o v e rn o (1783-1801) n u m a fase tu m u ltu ad a da vida e u ro p é ia em d e c o rrê n c ia d a R evolução F rancesa. Desde- e n tão , q u a lq u e r q u e seja o rei o u a rain h a d a Inglaterra, o país é g o ­ v e rn a d o p e lo prim eiro -m in istro . A m o n a rq u ia to rn a -se re p re ­ se n ta ç ã o p e rm a n e n te da n ação , sem in g erên cia direta nas fu n ­ çõ e s execu tiv as. D u ra n te o sé c u lo XVIII sã o ig u a lm e n te c o n so lid a d a s as li­ b e rd a d e s fu n d a m e n ta is na m an eira p e c u lia r c o m o se d á a e v o ­ lu ç ão d o d ire ito na trad ição inglesa, isto é, na b a se da prática e d a e x p e rim e n ta ç ã o . Assim, se a p risão exigia m a n d a d o e se era re c o n h e c id o o d ireito d e hnbcns-corpus , d iscu tiu -se a fu n d o , à luz d e caso s c o n c re to s, a g e n e ra lid a d e d e tais m a n d a d o s. Na d é c a d a d e 60, a ileg alid ad e d o s m a n d a d o s g e n é ric o s, p artid o s d o F xecu tiv o , é e sta b e le c id a ju d icialm en te. A e x p e riê n c ia iria a p o n ta r o c a m in h o a se g u ir e o s re m é d io s a o a lcan ce da so c ie ­ d a d e para d e fe n d ê -la d o q u e e n tã o se d e n o m in a v a ‘caso s d e alta tra iç ã o ’ (in su rre iç õ e s, in cita m e n to à d e rro c a d a das institui­ ç õ e s etc.). A q u e s tã o d a e sc ra v id ã o ta m b é m foi m u ito d e b atid a. In e x iste n te na In glaterra, v igorava, e n tre ta n to , na Hscócia e nas co lônias. Km 1772, a justiça e sta b e le c e o p rin cíp io d e q u e “to d o esc ra v o to rn a -se livre q u a n d o pisa o so lo da In g laterra”. Na Hscócia, a e sc ra v id ã o é ab o lid a em 1799. E, n o c o m e ç o d o s é ­ cu lo XIX, d á-se a p ro ib iç ã o d o tráfico nas c o lô n ia s inglesas. N o m e sm o esp írito é fixada a lib e rd a d e d e im p ren sa e as form as d e re p re ssã o ao s ab u so s. O m aio r p ro g re sso c o rre s p o n d e , c o n tu d o , à lib erd ad e reli­ giosa. E m b o ra a Lei cie T o lerân cia, v o tad a e m 1689, te n h a e sta ­ b e le c id o o livre e x e rc íc io d o s c u lto s, o s p ro te s ta n te s n ã o a n g lica n o s esta v a m ex c lu íd o s d o serv iço p ú b lic o e a tolerân cia n ã o b en eficiav a ju d e u s e católicos. Tais restriçõ es a ca b a ram s e n d o ab o lid a s p a u la tin a m e n te . 24

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r a s i i . i- i k o

E m bora c o rre s p o n d e s se ã vitória d o sistem a re p resen ta tiv o , a c o n so lid a ç ã o cio E stad o Liberal d e D ireito n a In g laterra, d u ­ rante o sé c u lo XVIII, n ã o retirava a circu n stân cia d e q u e se resum ia a alg o d e sin g u la r e circu n scrito . Além disso, o seu c o n h e c im e n to d e form a m ais d ifu n d id a adviria d a R evolução A m ericana, q u e n ã o era, d e m o d o algum , e v e n to p ro p íc io a ev id e n c ia r o q u e tin h a o sistem a inglês d e e sp e c ífic o e q u e só m uito m ais ta rd e re c e b e ria a d e n o m in a ç ã o m onarquia co n sti­ tucional, graças a M irabeau, n o tra n sc u rso d e um a o u tra R evo­ lução, a F rancesa, d e n o m in a ç ã o p ara a qu al, na v e rd a d e , n ã o se a te n taria d e im ed iato . É c e rto q u e M o n tesq u ieu (1689-1757), n o E spírito das leis ( 1848) c h a m a ra a a te n ç ã o , n o livro XI, para o sig n ificad o d a e x p e riê n c ia inglesa e até a d e sc re v e ra com p ro p rie d a d e , a p o n to d e q u e lhe te n h a sid o a trib u íd a a au to ria da d o u trin a tripartite d o s p o d e r e s .2 D e to d o s os m o d o s, sua o b ra n ã o m e receria d e p ro n to a re p e rc u ssã o q u e viria a m e re ­ c er m ais tarde. A e x p e riê n c ia inglesa g a n h a ria n o to rie d a d e s o b re tu d o com a R eform a Eleitoral d e 1832, q u a n d o se trato u d e am p lia r os se g m e n to s so ciais co m d ire ito à re p re se n ta ç ã o , e n fo c a n d o p r e ­ cisa m e n te a su a g ra n d e n o v id a d e . Além d isso, é n o b o jo dessa reform a q u e a p a re c e o n o m e d e liberal. O s p artid o s trad ic io ­ nais, co n stitu íd o s p e lo s w higs e tories, p assam a d e n o m in a rse, re sp e ctiv a m en te , P artido Liberal e P artid o C o n serv ad o r. Na d é c a d a d e 30, c o n tu d o , o s b a liz a m e n to s da g e ra ç ã o brasileira q u e ad e riu a o lib eralism o já era m o u tro s, c o m o in d icarem o s. A inda assim , d e s d e e n tão , a e x p e riê n c ia inglesa to rn a-se, d e m an eira c re sc e n te, o p o n to d e referên cia p referid o . 2 .K m lx )ra esta não seja a oportunidade de disculi-lo com a profundidade requerida, o posicionamento de Montesquieu não é propriamente moderno, porquanto o centro de sua inquirição ainda está situado na questão (antiga) da melhor forma de governo e de que situações (algumas estritamente natu­ rais) depende. Assim, no contexto do livro, o capítulo dedicado à Inglaterra não devia mesmo chamar a atenção do século X V III e do começo do seguin­ te, momento de que nos cabe caracterizar.

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2 . 2 - A v a l ia ç ã o

da

R e v o l u ç ã o A m e r ic a n a

SEGUNDO A ÓTICA DE RAYNAL A credita-se q u e a R ev o lu ção A m ericana te n h a im p re ssio n a ­ d o v iv am e n te a q u e la p a rte d a elite brasileira q u e so n h av a co m a In d e p e n d ê n c ia e até co n sp iro u p ara alcançá-la, no sécu lo XVIII, sem re su lta d o , c o m o se sab e. In te re ssa -n o s aq u i a v e rig u a r qual o e n te n d im e n to q u e a q u e la elite p o d e ria te r a d q u irid o d o e v e n ­ to, c o m o form a d e reco n stitu ir o p ro c e sso s e g u n d o o qual no s ap ro x im a m o s d a idéia liberal. N o Brasil to m o u -se c o n h e c im e n to d a R ev o lu ção A m ericana p o r m eio d o a b a d e Raynal (G u ilh au m e-T h o m as F rançois Raynal, 1713-1796), n o ta d a m e n te p e la o b ra q u e in titu lo u A revolução

dn A m ériai. P ad re jesuíta, servia c o m o vigário em Paris q u a n d o a b a n d o ­ n o u a O rd e m , e m 1748, ao s 35 a n o s d e id ad e, p a s s a n d o a fre­ q ü e n ta r o s en cic lo p e d ista s. M anteve re la c io n a m e n to m uilo e s ­ treito com D id ero t, q u e c o la b o ro u d ire ta m e n te e m sua o bra. A p artir d o se u a fa sta m e n to d a C o m p a n h ia d e Je su s, p u b lic o u livros su cessiv o s em q u e e s tu d o u a luta d e lib e rta ç ão d o s Paí­ ses B aixos b e m c o m o d iv erso s a sp e c to s d a história da In g later­ ra e d a E u ro p a. Sua n o to rie d a d e c o m e ç o u , e n tre ta n to , em 1770, co m a p u b lic a ç ã o d a o b ra H istoire p h ilo so p h iq u c ct p o /itiq u e

d es étüblissem ents e t du com m erce d es eu ro p een s duns les d eu x Indes, o n d e traça a h istória da c o lo n iz a ç ã o e u ro p é ia na Ásia e n a A m érica, re fe rin d o inclusive o Brasil (Livro IX). A credita-se q u e a iniciativa estiv esse re la c io n a d a co m o d e se jo d e q u e a F rança se lan çasse a n o v as c o n q u ista s u ltram arin as, em vista d o esp írito co n trário q u e se instalara a p ó s a p e rd a d o C an ad á e d e o u tra s p o sse ssõ e s. O livro so freu d u a s rev isõ es, a p rim e i­ ra em 1774 e a s e g u n d a e m 1881. A lcançaria re tu m b a n te s u c e s­ so, te n d o as p rim eiras v e rsõ e s c h e g a d o a m e re c e r 17 e d iç õ e s e n tre 1770 e 1780 e n q u a n to em su a form a d efinitiva o u tra s 17 e d iç õ e s e n tre 1781 e 1787.

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Na rev isão d e H istória d o s eu ro p eu s n a s duas índias, Raynal passa a atrib u ir im p o rtâ n c ia c re sc e n te à A m érica d o N orte, o c u ­ p a n d o -se na últim a d a g u e rra da In d e p e n d ê n c ia . Esta p a rte da o b ra seria a b a se d e A revolução da Am érica, q u e a p a re c e em co n ju n to co m a últim a revisão d o livro prin cip al (g e ra lm e n te cilada c o m o 3~ ed ição , d e 1781), e m L ondres, em fran cês e ()) estu d o u direito em Coim bra, m as concluiu o seu curso cm Sao Paulo, in gressando na m agistratura. A paitir d e 18.^7 elege-se d e p u ta d o pelo Rio d e Ja ­ neiro em sucessivas legislaturas. I;. um tios principais artífices d o Partido C onservador, tendo-lhe incum bido, c o m o M inistro d a Ju s­ tiça d o g abinete regressista q u e subiu em 1841, c o n c eb er e im ­ plantar as instituições d e âm bito nacional, em especial na o p o rtu ­ n id a d e d a e la b o r a ç ã o d o C ó d ig o d e P r o c e s s o C rim in a l. Posteriorm ente foi M inistro do s Estrangeiros (G ab inete Paraná, 1843 -1848; G abinete O linda, 1849-1852 e G abinete Itaboraí, 18521853), se n a d o r (1849) c m em b ro d o C onselho d e Estado. Sua obra so b re a organ ização política d o Im pério é fruto d e m editação am adurecida, q u a n d o a borrasca havia p assad o e as instituições achavam -se consolidadas, e en contra-se nestes livros: Ensaio so ­ bre o direito adm inistrativo (1862, 2 volum es) e E studos práticos sobre a adm inistração das províncias do Brasil (1865, 2 volum es). ' A a rg u m e n ta ç ã o d e P au lin o Jo sé Soares em d e fe sa d o P o d e r M o d era d o r co n siste em in v o car o p a p e l q u e d e s e m p e n h a e m b en efíc io da h a rm o n ia d o sistem a. A e x p e riê n c ia aco n se lh a ria q u e n ã o se c o n stitu ísse m p o d e re s ex clu siv o s n e m d o la d o d a 9 2

H is ' r ó k i A d o L i b e r a l i s m o B r a s i l e i r o

re p re se n ta ç ã o n e m d o lad o da m o n a rq u ia . O P o d e r M o d e rad o r c o rre sp o n d ia a o fiad o r d o eq u ilíb rio . Eis c o m o o form ula: “N o ex ercício d o P o d e r M o d era d o r tem se m p re h a v id o a c o rd o e n tre e sse P o d er e os m inistros d o E xe­ cutivo. T alvez em alg u m c a so h o u v e sse m tran saçõ es, c o n c e s­ sõ e s v o lu n tárias, recíp ro cas. O c e rto é q u e tem h a v id o a c o rd o e as re fe re n d a s o p ro v am . T alvez m e sm o q u e q u a s e to d o s, s e ­ n ã o to d o s o s ato s d o P o d e r M od erad o r, te n h a m sid o so licita­ d o s e p ro p o s to s p e lo s m inistros, o q u e lhes é lícito e é m u ito c o n v e n ie n te . Prova a h a rm o n ia d o s p o d e re s. N ão tem , p o rta n ­ to, a p a re c id o n e c e s s id a d e d e p re sc in d ir o P o d e r M o d e ra d o r d a referen d a. Se alg u m as crises têm a p a re c id o , têm elas tid o um d e se n la c e c o n stitu cio n al e p ru d e n te . E p o r quê? P o rq u e os m i­ nistérios n ã o têm p ro c u ra d o d o m in a r a C oroa e n ã o a p o d e m d o m in ar. E p o rq u e os m in istério s n ã o têm p ro c u ra d o d o m in a r a C oroa. P o r q u e n ã o a p o d e m d om inar? P o rq u e a C on stitu ição co n stitu iu o P o d e r M o d e ra d o r in d e p e n d e n te . P o rq u e constilu iu -o n ã o satélite d o s m inistros, m as p rim eiro re p re se n ta n te d a N ação, e fez d e le um e n te in telig en te e livre. “A q u e s tã o tem p o ré m um alc a n c e im en so . R elu ndi o P o d er M o d erad o r n o E xecutivo. P o n d e o ex ercício d e su as a trib u i­ çõ es na a b so lu ta d e p e n d ê n c ia d o s m inistros e as coisas m u d a ­ rão c o m p le ta m e n te . T ereis d a d o um g ra n d e p a sso p ara a aniq u ila ç ã o da m o n a rq u ia n o Brasil. A n o ssa C o n stitu ição ficará tra n sfo rm a d a n as Cartas F ran cesas d e 1814 e 1830 e terá a m e s­ m a so rte q u e elas tiveram . A C oroa p e rd e rá a m a io r p arte d o se u prestíg io e força. O Im p e ra d o r n ã o será m ais o re p re s e n ­ tan te da N ação, c o m o o fez a C onstituição. O s m inistros h ã o d e p ro c u ra r p ô r-se acim a da C oroa... Se a N ação estiv er dividida em partid o s en c a rn iç ad o s, se estiver n o p o d e r um p artid o o p re s­ sor, n ão h av erá um p o d e r su p e rio r, in d e p e n d e n te , so b ra n c e i­ ro às p aix õ e s, q u e valha ao s o p rim id o s. “D u ra n te os m in istério s d e 23 d e m a rç o d e 1841 e d e 2 d e fev ereiro d e 1844, a C oroa p ro c u ro u se m p re m o d e ra r as re a ­ 9 3

ç õ e s e a te n u a r as a sp e re z a s d a p o siç ã o d o s v en cid o s. Pois bem , os v e n c e d o re s q u e ix a v a m -se d e o b stá c u lo s p o sto s à an iq u ilaçâo d e se u s ad v ersário s. O s v e n c id o s q u e ix a v a m -se p o r n ã o se re m e m b a ra ç a d a s to d a s as m e d id a s e p ela e x istên cia e c o n ­ se rv aç ão , n o p o d e r, d o s se u s co n trário s. “Q u a n d o se p re te n d e q u e, conform e a C onsliluiçào, os atos d o P oder M oderador sejam exeqüíveis sem a referenda e sem a res­ ponsabilidade, q u e r legal q u e r m oral, d o s m inistros, não se q u e r excluir sem p re os m inistros e a sua responsabilidade m oral, n ão se p reten d e q u e cada P o d er m arche para o seu lado em direções diversas. Sem elhante p reten são seria absurda e funesta. “O q u e se p re te n d e é q u e fique b e m -e n te n d id o e p ate n te qu e, h a v e n d o d e sa c o rd o en tre os P oderes, e p o rtan to em casos ex tra ­ ordinários, q u a n d o p erig ar a in d ep en d ên cia d o s P oderes, q u a n ­ d o estiver p e rtu rb a d o o seu equilíbrio e h arm onia (h ip ó te se da C onstituição), p o ssa o P o d er M oderador, c o b e rto p e lo C o n se­ lho d e E stado, o b ra r eficazm en te c o m o e nos term os q u e a m es­ m a C onstituição d eterm in o u , e q u e n in g u ém possa o b star a e x e ­ cução d e seu s atos, com o fundam ento d e q u e n ão estão revestidos d a referen d a d o s m inistros d e o u tro P o d er”.2 O esp írito d a a rg u m e n ta ç ã o d e U ruguai a p a re c e co m clareza q u a n d o c o rre la cio n a o P o d e r M o d e ra d o r co m o sistem a p a rla ­ m en tar. Sua p rática tivera q u e p re sc in d ir d e m aiorias firm es e estáveis, o q u e c h e g a a p a re c e r co n trad itó rio . Na linha d e a rg u ­ m e n ta ç ã o d o v isc o n d e d e U ruguai, to d a a ên fa se recai n a cir­ c u n s tâ n c ia d e q u e se p a rtiu d e u m a e v id ê n c ia in e lu tá v e l, in ex istên cia d e m aiorias, q u e identifica co m a p re se n ç a d e c h e ­ fes d e p a rtid o d e in c o n te ste p restígio, d e q u e carecia o país. O sistem a, p o is, tin h a u m a in te rd e p e n d ê n c ia in tern a, q u e n ã o c a ­ bia ig n orar. A e sse p ro p ó sito , escrev eu : “C om efeito, o g o v e r­ n o p a rla m e n ta r tem sid o possív el na Inglaterra, p o rq u e os d ife ­ re n te s p a rtid o s se têm e n c a rn a d o em um p e q u e n o n ú m e ro d e 2. Ensaio sobre o direito administrativo, I a edição, v. II, p. 111-114.

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rasileiro

in d iv íd u o s, cujas in sp ira ç õ e s se g u ia m c e g a m e n te , v o ta n d o à v o n ta d e d e se u s chefes, com discip lin a e a b n e g a ç à o ex em p lar... Se fosse possív el p ô r d e p a rte tu d o q u a n to h á d e p e sso a l e o d ie n to e m n o ssa p olítica e fazer calar certas a m b iç õ e s p e s s o ­ ais, estaría m o s n as m e sm a s circu n stân cias. “Seria o sistem a d o g o v e rn o ex clu siv o d as m aiorias p a rla ­ m en tare s praticáv el e n tre n ó s, so b re tu d o hoje, q u a n d o n ã o há p a rtid o s c la ra m e n te d efin id o s, e d o m o d o p e lo q u al é c o m p o s ­ ta, e é d e c re r c o n tin u e a sê-lo a C âm ara d o s D ep u tad o s? C onta m u ito s m o ç o s d e ta le n to e e s p e ra n ç o so s, m as q u e n ã o se s u ­ b o rd in a m a o s q u e c o n sid e ra m se u s ê m u lo s e q u e n ã o re c e b e ­ ram ain d a a q u e la c o n sa g ra ç ã o q u e só d ã o o te m p o o u g ra n d e s feitos em g ra n d e s lutas. “O s h o m e n s a p a re c e m m e n o s em te m p o d e calm aria. As n o ssas m aio rias h o je sã o m ais o casio n ais d o q u e p e rm a n e n te s e c o m o q u e é n e c e ssá rio arreg im en tá-las p ara ca d a v otação... F inalm ente, e p ara n ó s essa c o n sid e ra ç ã o é a m ais forte, a n o s ­ sa C o n stitu ição n ã o ad m ite o g o v e rn o ex clu siv o d as m aiorias p a rla m e n ta re s e p rin c ip a lm e n te d a m aio ria d a C âm ara d o s D e ­ p u ta d o s só... A C o n stitu ição , com m u ila sa b e d o ria, n ã o quis q u e algum d o s P o d e re s g o v e rn a sse ex clu siv am en te. D eu a cada um o seu ju sto q u in h ã o d e influência n o s n e g ó c io s d o país. O q u e d e u à A ssem bléia G eral é im p o rtan tíssim o , é sem díív id a o m aior. Mas ela n ã o p o d e ria a b so rv e r em si os q u in h õ e s d o s o u tro s p o d e re s, sem d e stru ir p e la b a se a C onstituição. E a N a­ çã o reserv o u -se, p e lo s artig o s 65 e 101, § 5" d a C o nstituição, o direito d e rev er e d e c id ir d efin itiv am en te, n o s co m ícios e le ito ­ rais, as so lu ç õ e s, p o r assim d iz e r provisórias, m ais im p o rta n te s d a d a s p e lo seu p rim eiro re p re s e n ta n te e d e le g a d o privativo, o P o d er M o d e ra d o r”.3

3.

Op. cir, p. 150.

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5 . 2 - 0 PONTO DE VISTA TRADICIONALISTA -n O iraclicionalism o p o lítico n ã o c h e g o u a a d q u irir m aio r e x ­ p re ssã o n o Im p é rio brasileiro , a o co n trário d e Portugal, o n d e c o rre sp o n d ia a o n ú c le o fu n d a m e n ta l d o a g ru p a m e n to c o n s e r­ vador. Essa co rre n te , e m b o ra te n h a g a n h a d o a le n to co m a re a ­ ção e u ro p é ia à R evolução F ran cesa, e n c o n tro u s e m p re cu lto res n a cio n a is d e g ra n d e categ o ria intelectu al c o m o Pascoal Jo s é d e '.

M elo Freire (1738-1798) e J o s é d a G am a e C astro (1795-1873). M elo Freire, a in d a so b D. M aria I, n e g o u q u e a teoria d o c o n tra to social tiv esse a lg u m a p o io n o s fatos. A firm aria d e m a n eira taxativa q u e na história d e Portugal n u n c a se verificou essa “p a c lu a ç ã o e n tre o s reis e os sú d ito s, e n em o c h a m a d o p a c to social é m ais d o q u e um e n te s u p o s to q u e só existe na im a g in a ç ã o d e alg u n s filósofos”. A p e rg u n ta pela o rig em d o p o d e r d o m o n a rc a p a re c e -lh e c o m p le ta m e n te d estitu íd a d e s e n ­ tid o p o rq u a n to a h istória cie Portugal c o n fu n d e -se co m a da p ró p ria m o n a rq u ia . N essa prim eira defesa da m o n arq u ia a b s o ­ lu ta a p a r tir d e u m a f u n d a m e n ta ç ã o m o d e rn a , d e c u n h o historicista e factual, esse sistem a po lítico é d e lato d e sv in c u la d o d e q u a lq u e r e s p é c ie d e tirania, d e sp o tism o o u d e fesa d o a rb í­ trio pesso al. Mais tard e, o trad icio n alism o po lítico p o rtu g u ê s v in cu lo u se a b e rta m e n te a o m iguelism o e e n c o n tro u seu g ra n d e te ó ric o em G am a e C astro, q u e viveria n o Rio d e Ja n e iro o n d e p u b li­ co u su a o b ra fu n d a m e n ta l — O n o v o p rím i/x ■( 1841). O s tra d ic io n a lis ta s b ra s ile iro s a d a p ta r a m -s e a o s is te m a m o n á rq u ic o c o n stitu cio n al in sta u ra d o n o país, s o b re tu d o p e lo lato d e q u e este p reserv ara a aliança com a Igreja, ao co n trário d o q u e o c o rre ria em Portugal o n d e n ã o s ó se d e u a s e p a ra ç ã o c o m o a p ro p rie d a d e eclesiástica seria co n fiscad a. Lim itavam -se a c o n tra p o r-se a o racio n alism o em geral e a o ec le tism o em p a r ­ ticular. O artífice d essa linha d e a tu a ç ã o seria D. R o m u ald o Seixas (1787-1860), Prim az d o Brasil d e sd e fins d o s a n o s 20.

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H

istória

do

L i b e r a i .i s m o B

r asileir o

P e rn a m b u c o era d o s p o u c o s lu g ares o n d e os trad ic io n alis­ tas tin h a m g ra n d e a sc e n d ê n c ia so b re a in te le c tu a lid a d e. A esse g ru p o p e rte n c ia m os irm ãos Souza: Jo sé Soriano d e Souza (18331895), p io n e iro da d ifu sã o d o to m ism o n o Brasil; T a rq u ín io B ráulio A m aran th o d e Souza, q u e foi um a e s p é c ie d e p o rta -v o z trad icionalista n o P arlam en to ; e Braz F lo ren lin o H e n riq u e s d e S ouza, cuja fu n d a m e n ta ç ã o d o P o d e r M o d e ra d o r d e sto a v a d a d o u trin a c o n se rv a d o ra oficial. Em re la ç ã o à a tu a ç ã o política d o s trad icio n alistas b rasileiros, n o p e río d o im perial, U biratan M acedo teria o p o rtu n id a d e d e o b serv ar: “... S o riano d e S ouza seria o ú n ic o q u e c h eg aria a fo rm u lar d e m an eira m ais o u m e ­ n o s a c a b a d a um p ro je to po lítico , sem m aio res c o n se q ü ê n c ia s, c o n tu d o . Em d e c o rrê n c ia d a Q uestão Religiosa e d a p risão d o s B ispos, o c o rre u -lh e p ro p u g n a r p ela o rg a n iz a ç ã o d e um P artido C atólico, e o faz e m carta a b e rta ao C o n se lh e iro Z acarias d e G ó e s e V a sc o n c e lo s” (Recife, T ipografia da IJniào, 1874). “Para e sse p a rtid o , escrev e, n ã o faltam e le m e n to s: tem o -lo s em g ra n ­ d e có p ia, p o rq u e a im en sa m aioria d o s b rasileiro s é católica. Mas eles e stã o d isp e rso s, iso lad o s e inativos. M ister é p o is q u e a p a re ç a um a força c a p a z d e reu n i-lo s e d e im p rim ir-lhes u n id a ­ d e e d ireção , sem o q u e n ã o é razoável e s p e ra r a fo rm ação d e um p a rtid o .” P o u c o m ais tarde, S o rian o publicaria Ensaio d o

program a d o Partido C atólico n o Brasil. P o d e -se d iz e r q u e o s trad icio n alistas b rasileiro s n o sé c u lo XIX tin h a m um a co n sc iê n c ia clara d e um c o n ju n to d e teses filo­ sóficas, religiosas e d e c a rá te r social, em to rn o d as q u ais d e ­ sen v o lv e ra m en saística d e certa m a g n itu d e. T ais teses co n sisti­ am n o m e n o s p re z o a o racio n alism o e a o lib eralism o; na d efesa d a m o n a rq u ia legítim a; n o e m p e n h o e m prol d a u n iã o d a Igreja e d o E stad o e p e la p ro sc riç ã o d o c a sa m e n to civil; em fav o r da lib e rd a d e d e im p re n sa e d e p e n s a m e n to em n o m e d o s d ireito s da v erd a d e . P a ssa n d o n o nível político , e n tre ta n to , e x c e tu a n ­ d o a p refe rê n cia p ela m o n a rq u ia , n ã o se o b se rv a m aio r clareza -nas o p ç õ e s. A m o n a rq u ia constitu cio n al v ig en te era fran c am en te 97

to le ra d a , d o m e s m o m o d o q u e o re g a lism o q u e re d u z ia o p a d ro a d o à c o n d iç ã o d e fu n c io n á rio s d o E stado. K q u a n to a ter um a a tu a ç ã o política e stru tu ra d a , c o m o q u e ria Soriano d e S o u ­ za, n ã o c h e g o u a se r c o n sid e ra d a . O g ru p o , e m b o ra atu a n te , era fra n c a m e n te m in o ritário e n u n c a tev e m aio r p ro x im id a d e co m o p o d e r.4 Assim, a fu n d a m e n ta ç ã o d o P o d e r M o d erad o r, e m p re e n d i­ d a p o r B raz F lo ren tin o , re p re se n ta o p o n to d e vista d e um a facção m in o ritária n o se io d o c o n se rv a d o rism o b rasileiro. B raz F lo ren tin o P len riq u es d e Souza (1825-1870) b a c h a re ­ lo u -se pela F ac u ld a d e d e D ireito d o Recife em 1850, in g re ssa n ­ d o em seu c o rp o d o c e n te n o a n o d e 1856, c o m o p ro fe sso r s u b s­ tituto. T o rn o u -se , m ais tard e, c a te d rá lico d e d ireito p ú b lico , v in d o a o p ta r, d e p o is, pela cadeira d e d ireito civil. E screveu d iv erso s tex to s d id ático s so b re as m atérias d e seu m ag istério (D ireito co m ercial d o Im pério: c o m e n tá rio s ao s có d ig o s crim i­ nal e d o p ro cesso ; E slu d o s so b re d elito s e d e lin q ü e n te s etc.). P u b lico u e n sa io so b re o c a sa m e n to civil e o c a sa m e n to relig io ­ so. C o n sid era-se, e n tre ta n to , q u e su a o b ra fu n d a m e n ta l seja O p o d e r m oderador, e n sa io d e d ireito co n stitu cio n al, c o n te n d o a crítica d o titulo V, C ap ítu lo I da C o n stitu ição P olítica d o Brasil (Recife, T ipografia U niversal, 1864). R e cen tem en te p ro m o v e u se sua ree d iç ã o , e n riq u e c id a co m um a in tro d u ç ã o d e B arbosa Lima S o b rin h o (Brasília, S e n a d o F ed eral/E d . U n iv ersid ad e d e Brasília, 1978). Em rela ç ã o à p e rso n a lid a d e d o au to r, B arbosa Lima S o b rin h o o b serv a: “T u d o , em Braz F lo ren tin o , o inclinava a sim p atizar co m a idéia d e um a m o n a rq u ia ab so lu ta. A prígio G u im arães, q u e fora seu c o m p a n h e iro na C o n g re g a çã o d a Fa­ c u ld a d e d e D ireito d o Recife, a o fazer o seu n ec ro ló g io , n o In stitu to A rq u e o ló g ic o P e rn a m b u c a n o , o b serv av a q u e ‘n o sso s p o n to s d e p a rtid a e d e m ira, so b o p o n to d e vista político, eram diferen tes; víam os, p o ré m , nele, o m ais ló g ico e a u tê n tic o 4.

Diferenças notáveis entre o traclicionali.smo português e brasileiro,

Humanas, v. V, ny líS, jan./mar., 1981, p. 19

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Ciências

H

istória

do

Liberalismo B

rasileiro

a p ó sto lo d a s d o u trin a s au to ritárias n a ciên cia d o d ire iio ’. A a d v o g a d o n a capital, tran sfere-se p a ra o interior. Viveria em E scada d e 1871 a 1882, d e d ic a n d o -se à a d v o cacia e à política. N este p e río d o , inclui-se e m su a m ú ltip la ativ id a d e o exercício d a ad v o cacia e d o m a n d a to d e d e p u ta d o à A ssem b léia P ro v in ­ cial (ele iç õ e s d e 1878, p e lo P artid o Liberal; n as e le iç õ e s d e o u tu b ro d e 1879 c o n c o rre u c o m o c a n d id a to in d e p e n d e n te , s e n ­ d o d e rro ta d o ). À m e d id a q u e se ap ro x im a o fim d o d e c ê n io , T o b ia s B arreto c o m e ç a a d e s c re r in te ira m e n te d as v irtu d es d a política. F racas­ sara p o r c o m p le to n o p ro p ó s ito d e d a r c o e rê n c ia a o P artid o Liberal d e P e rn a m b u c o . C o m o c a n d id a to in d e p e n d e n te n ão ch e g a a eleg er-se. A g o ta d ’ág u a p o d e te r c o n sistid o n o seu d e s e n te n d im e n to co m o s ab o licio n istas d o Recife, q u e n ã o lhe p restaram so lid a rie d a d e n o s in cid en tes e m q u e se e n v o lv e u , em q u e arriscara a p ró p ria vida p e lo 1'alo d e h a v e r a lfo rriad o os e s c r a v o s q u e r e c e b e r a p o r h e r a n ç a . A i n c o e r ê n c ia d o s ab o licio n ista s ch eg a a tal p o n to , s e g u n d o diz e m carta a Sílvio R om ero, q u e , ao p e d id o d e a p o io d e T o b ias B arreto, re tru c a ­ ram “se r um d e s p ro p ó s ito m eu, um a in iq ü id a d e se m igual, pois e u n ã o tin h a o d ireito d e alforriar to d o s os e s c ra v o s”. A cabaria c o n c lu in d o q u e a p olítica d o seu te m p o n ã o tin h a m u ito a v er c o m p rin cíp io s. R estava tra b a lh a r p e la reform a d o s espíritos. D ecide-se, pois, a c o n q u is ta r um a trib u n a na fa c u ld a d e d e d ire ito d o Recife e q u e r fazê-lo d is p o n d o d e um a filosofia ap ta a c o n tra p o r-se ao p re se n te (o p o sitiv ism o em a sc e n sã o ) sem riscos d e volta a o p a ssa d o (o esp iritu alism o ). T o rn a-se p ro fe sso r d a F a c u ld a d e a p artir d e 1882. D e sd e e n tã o , o c u p a -se s o b re tu d o d e filosofia e direito. E steve g ra v e m e n te e n fe rm o n o s d o is ú ltim o s a n o s d c vida (1888-1889). É c o n s id e ra d o c o m o o fu n d a d o r d a Escola d o Recife, um d o s m o v im e n to s filosóficos d e m a io r p u ja n ç a en tiv os q u e o p aís c o n h e c e u .

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A a rg u m e n ta ç ã o d e T o b ias B arreto d e s d o b ra -s e e m d o is se g ­ m en to s. N o p rim e iro afirm a q u e o g o v e rn o p a rla m e n ta r é u m a cria çã o inglesa, re su lta n te d o d e se n v o lv im e n to h istó rico d a ­ q u e la n ação , e s ta n d o fa d a d a s ao fracasso as ten tativ as b rasilei­ ras d e co p iá -lo p o rq u a n to n ã o se p o d e m re p ro d u z ir aq u i as c o n d iç õ e s q u e lh e d e ra m origem . O se g u n d o s e g m e n to d a a rg u m e n ta ç ã o re su m e -se à c ren ça d e q u e a ciên cia p o d e d e s v e n d a r a ‘lei’ d o c u rso h istó rico b ra ­ sileiro. Essa c re n ç a n ã o se su ste n ta ria e m su a o b ra p o sterio r. Para fazer justiça a T o b ias B arreto, c u m p re in d ic a r q u e m e sm o n a fase cientificista jam ais d e sc e u a q u a lq u e r e sp é c ie d e m aterialism o. Assim, escrev eria n a q u e le e n sa io q u e “a ciên cia d o g o v e rn o a sse n ta em prin cíp io s; m as estes p rin c íp io s sã o fatos g erais d e o rd e m m oral, as p aix õ es, os co stu m es, as idéias d o ­ m in an tes, q u e im p o rta c o n h e c e r a fu n d o p a ra d ar-lh es o c am i­ n h o q u e d e m a n d a m ”. T o b ias B arreto d istin g u e g o vern o parlam entar d e constitucionalism o. Para ele, o g o v e rn o p a rla m e n ta r inglês é a e x p re ssã o e x te rio r d e alg o p ro fu n d a m e n te arra ig a d o em trad içõ es. Afir­ m aria a p ro p ó sito : “O reg im e p a rla m e n ta r d o s in g leses é um reg im e s e g u n d o as leis e p o r m eio d as leis. O q u e n o s a p ra z d e sig n a r p e lo n o m e d e co n stitu cio n al, ali é sim p le sm e n te le­ gal. As leis, p o rq u e se regula o ex ercício d a a u to rid a d e p ú b li­ ca, têm a d q u irid o u m a e x te n s ã o c re sc e n te d e s d e o te m p o da M agna Carta. O d ireito ad m in istrativ o inglês, b a s e a d o e m in ú ­ m e ro s e sta tu to s d o p a rla m e n to e m ilh ares d e leis, form a a p a r­ te d e sc o n h e c id a d a C o n stitu ição d o E stado, so b re a q u a l foi q u e B lack sto n e e sc re v e u u m a in tro d u ção . “O q u e m ais im p o rtav a c o n h e c e r d a o rg a n iz a ç ã o política, foi ju sta m e n te a q u ilo q u e se d e ix o u d e lado. “C om o o s p ró p rio s juristas n acio n ais, q u e tê m a p ro c u ra r n o s p a p é is d o p a rla m e n to , em n ú m e ro d e m ais d e d o is mil infólios, a m atéria e o s m o tiv o s d a s leis vigentes, n ã o p o d ia m a c o m o d á -lo s à c o m p re e n s ã o d o e stra n g e iro , só restava, p ara

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H

istória

do

Libkralismo B

rasil eir o

seg u ir-se, e ste alvedrio: c o n sid e ra r n ã o e x iste n te a p o rç ã o de.s c o n h e c id a d o d ireito p ú b lic o inglês. “D aí re su lto u q u e to d o s os tra b a lh o s d e c u ltu ra e tra n sp la n ­ tação se co n c e n tra ra m n o q u e havia d e m ais superficial. D estarte, a c o m p o s iç ã o d as d u a s câm aras, o d ire ito eleito ral ativo e p a s ­ sivo, o s m o d o s d e eleição , os d ireito s d o p a rla m e n to , su a in ­ flu ên cia s o b re o g a b in e te ... eis o q u e tem o c u p a d o , d e s d e os te m p o s d e M o n tesq u ieu , a so c ie d a d e e u ro p é ia ”. O e rro crasso d e M o n tesq u ieu , e em geral d o s publicistas fran ceses, co n siste, a se u ver, na su p o s iç ã o d e q u e a so lu ç ã o final d a crise rev o lu cio n ária d as n a ç õ e s, na É p o ca M o derna, residiria na u n ifo rm e tra n sp la n ta ç ã o d a m o n a rq u ia re p re s e n ta ­ tiva. É a isso q u e d e n o m in a constitucionülism o. Em se u en saio , T o b ias B arreto e x am in a d e form a p o rm e n o ­ rizada as características p e c u lia re s d a e v o lu ç ã o cultural e p o lí­ tica d a Inglaterra. O s a créscim o s d e 1883 tiveram m ais q u e tu d o este p ro p ó sito . Em sín tese, a su a c o n c lu sã o é a seg u in te: “D e feito, ad m itid as as p rem issas, n e m e u co n clu iria q u e tu d o d e v e se r c o n fia d o à b o n d a d e d o rei, n e m tam b ém , c o m o é fácil infe­ rir, q u e a C o n stitu ição se re sse n te d e vícios e la c u n as capitais. M inha co n c lu sã o seria o u tra. O G o v e rn o d o Brasil n ã o p o d e se r p a rla m e n ta r, à m an eira d o m o d e lo q u e o fe re c e a terra d o s Pitt e d o s P alm ersto n ; p o rq u a n to e sse reg im e s u p õ e ali um a p e n e tra ç ã o rec íp ro c a d o E stad o e da so c ie d a d e , q u e em geral no s o u tro s p a íse s vivem d iv o rciad o s. O G o v e rn o d o Brasil n ão p o d e se r tal, a te n to q u e o sistem a in g lês é o re su lta d o d e um g é rm e n p o d e ro s o , d e p o s to p e la P ro v id ên cia, isto é, pela m e s­ m a ín d o le d o p o v o , n o largo v en tre da su a história. “E q u e m sa b e q u e c o n c u rso d e c ircu n stân cias influíram na m arch a a sc e n d e n te a C o n stitu ição d a In g laterra p a ra q u e a re a ­ leza, p o r u m a e s p é c ie d e re d u ç ã o :id ubsurdum , se d e s e n v o l­ v esse n o se n tid o d e c h e g a r à q u a s e n e g a ç ã o d e si m esm a, re s­ trin g in d o -s e e a n u la n d o -s e , d e m o d o q u e o id eal, d e su a p e rfe iç ão se c o n fu n d e co m su a d estru ição ; q u e m sa b e dislo,

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n ã o d e v eria vir falar-nos d e g o v e rn o p a rla m e n ta r”. E n te n d e q u e a C o n stitu ição B rasileira n ã o co g ito u d o g o v e rn o p arlam en tar. S e g u n d o su p õ e , a Carta B rasileira n ã o c o n té m q u a lq u e r o p ç ã o p e lo c o n stitu c io n a lism o liberal, m as p ela in d e p e n d ê n c ia e p re ­ p o n d e râ n c ia d o m o n a rc a . D este m o d o , c o n sid e ra m ais c o e re n ­ te a d e fesa d o P o d e r M o d e ra d o r e fe tu a d a p o r Braz F lo ren tin o q u e a d e Z acarias d e G ó es e V asco n celo s.

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8 A ATUALIDADE DA q u estã o d o

P oder

M oderador

N o esq u em a im aginado p o r Locke em Segundo tratado do g o verno civil (1690), os p o d e re s d o sistem a representativo seriam o Legislativo, o E xecutivo e o F ederativo. P arecia-lh e q u e o Legislativo n ã o precisaria d isp o r d e existência p e rm an en te, ca­ b en d o -lh e reunir-se perio d icam en te para elaborar as leis. O Exe­ cutivo é q u e funcionaria d e m aneira ininterrupta. Sem em bargo, proclam a q u e o Legislativo é o p o d e r sup rem o , c a b e n d o ao Exe­ cutivo tão-som ente cum prir seus ditam es. O p o d e r federativo se o cuparia d a segu ran ça externa e das relações com o utros países. A experiência d e m eio século d e fu n cio n am en to d o p arlam en­ tarism o inglês seria resum ida p o r M ontesquieu ( O espírito das leis, 1748), q u a n d o e n tã o se populariza a doutrina d o s três p o d e ­ res. Ao transplantar-se o sistem a inglês para o u tro s países — s o ­ b r e tu d o d e tr a d iç ã o c a tó lic a — to r n o u - s e im p re s c in d ív e l e x p licitar alg o q u e se ach av a im plícito na e x p e riê n c ia social d a Inglaterra: a ex istên cia na so c ie d a d e d e um a esfera q u e n ã o está sujeita à b a rg a n h a o u á d isp u ta p o lítico -p artid ária. Na tra d iç ã o católica, a in g e rê n c ia d a Igreja n o s a ssu n to s d o p o d e r tem p o ra l lev av am à id en tificação e n tre m o ral e religião. N os p aíses p ro te sta n te s, a Igreja é esv a z ia d a d e q u a s e to d a s as fu n çõ e s. P rim eiro, há m últip las igrejas. E, s e g u n d o , a rela çã o d o cre n te é d ire ta m e n te co m D eus, p re sc in d in d o d e q u a lq u e r m e d ia ç ã o in s titu c io n a l. A g o ra , à Ig re ja in c u m b e ta r e f a s e d u ca tiv a s em m atéria d e religião.

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Q u a n d o se crio u n a In g laterra o sistem a re p re se n ta tiv o , s u ­ p u n h a -s e q u e to d a s as q u e stõ e s a tin e n te s ã co n v iv ê n cia social in seriam -se e m su a esfera d e c o m p e tê n c ia. A p rática e a d isc u s­ sã o p ú b lic a , so b re tu d o n as p rim eiras d é c a d a s d o s é c u lo XVIII, lev aram à d isso c ia ç ã o e n tre m o ral social e religião. A religião é o g u ia in te rio r p a ra a m o ra lid a d e individual. A m oral social e sta b e le c e -se p o r c o n se n so . Mas o s in g leses n ã o o d isse ram d ire ta m e n te . F ixada a in d e p e n d ê n c ia d a m o ra lid a d e social em face d a religião, o d e b a te teria lu g ar e m to m o d o e sta b e le c i­ m e n to d e critérios s e g u n d o os q u ais a so c ie d a d e sa n c io n a os p rin c íp io s e as reg ras m orais. A e x p e riê n c ia é q u e iria a p o n ta r p a ra um n o v o tip o d e m o ralid ad e: a m oral social c o n se n su a l. S o b re tu d o d e p o is d a R e v o lu ç ã o F ran cesa, e m e rg e n o c o n ­ tin e n te a c o n sc iê n c ia clara d e q u e a lg u m a s q u e s tõ e s e x tra v a ­ sa m a c o m p e tê n c ia seja d o P rín cip e seja d o s p a rtid o s q u e c o m ­ p õ e m o P a rla m e n to . A p rin c ip a l d e la s seria a c o n s e rv a ç ã o d o p r ó p rio siste m a re p re se n ta tiv o . Assim, a fa c u ld a d e d e d isso l­ v e r o P a rla m e n to a d q u iriu e x tre m a m a g n itu d e d e s d e q u e p o ­ d ia facu ltar a s u b stitu iç ã o d o n o v o sistem a p e lo g o v e rn o p e s ­ so al d o m o n a rc a o u d e um d o s a g ru p a m e n to s re p re s e n ta d o s n o P a rla m e n to . A e x p e riê n c ia fran cesa c o n sistiu n u m a p ro v a cab a l d e q u e essa a m e a ç a n ã o era sim p le s ficção, c o rre s p o n ­ d e n d o a r e a l i d a d e d e v e r a s a s s u s t a d o r a . As r e v o lu ç õ e s c o n stitu c io n a lista s d a P e n ín su la Ibérica re p re se n ta v a m o u tra in d ic a ç ã o d a m a g n itu d e d o p ro b le m a . A ssim , e m b o ra o in sti­ tu to d o P o d e r M o d e ra d o r te n h a sid o e n x e rta d o n a C o n stitu i­ ç ã o B rasileira d e 1824 p a ra a te n d e r a o a u to rita rism o d e P e d ro I, o te m a re v e stia -se d a m a io r im p o rtâ n c ia n o s d e stin o s d o siste m a re p re s e n ta tiv o em n o ssa terra. Silvestre P in h eiro Ferreira é sem d ú v id a o p e n s a d o r q u e m ais d e p e rto a p re e n d e u a sin g u la rid a d e d a e x p e riê n c ia social in ­ g lesa e, p o r essa razão, b u sc o u d ilu ir a c o m p e tê n c ia n a q u e la m atéria q u e ultrap assav a a política partidária e q u e d efiniu c o m o d iz e n d o re sp e ito ã g u a rd a d o s d ireito s d o s c id a d ã o s e à in d e ­

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istória

do

Liberalismo B

rasil eiro

p e n d ê n c ia e h a rm o n ia d o s p o d e re s políticos, “a fim d e q u e o.s a g e n te s d e u m n ã o u s u rp e m as atrib u iç õ e s d e o u tro ”. A isso d e n o m in o u P o d e r C o n serv ad o r. O exercício d o P o d e r C o n serv ad o r, n o q u e ta n g e ao s d ire i­ tos civis, in cu m b iria d ire ta m e n te a o s c id a d ã o s p o r m e io da p e tiç ã o o u d a resistên cia legal. A h a rm o n ia e n tre o s p o d e re s n ã o p o d e d e m o d o e x clu siv o se r d e le g a d a a q u a lq u e r d e le s d e m an eira isolad a. Assim, n o q u e se refere ao m o n arc a, c o m o in d icam o s, “n in g u é m ig n o ra q u e os p rín c ip e s e stã o d e tal m o d o c e rc a d o s d e lisonja e d e intriga q u e a v e rd a d e a p e n a s p o d e c h e g a r a o tro n o ”. O C o n g resso N acional n ã o se e n c o n tra em c o n d iç õ e s m ais favoráveis. Im ag in o u , p o rta n to , a d istrib u içã o d e d iv ersas in c u m b ê n c ia s a cad a u m d o s p o d e re s , q u e seriam na m atéria fiscalizados p o r u m C o n se lh o S u p re m o d e In sp e ç ã o e C en su ra C o n stitu c io n a l.1 A d o u trin a d o P o d e r C o n se rv a d o r da lavra d e Silvestre Pi­ n h e iro Ferreira n ã o seria a d o ta d a p ela elite im p erial q u e o s e ­ g u iu e m d iv erso s o u tro s p asso s. A p a r disso , a p rática d o P o ­ d e r M o d e ra d o r a c a b a ria o b sc u re c e n d o a q u e s tã o m a g n a da m oral social. O país n ã o c h e g o u a criar os m e c a n ism o s re q u e ­ ridos p e lo e s ta b e le c im e n to d o c o n s e n s o n as q u e s tõ e s relativas à q u e la esfera, m e c a n ism o s q u e foram su b stitu íd o s p e lo m ag is­ tério m oral d o Im p e ra d o r e d a Igreja católica. O s críticos d a m o n a rq u ia co n stitu c io n a l brasileira, e m e s p e ­ cial a g e ra ç ã o d e 70, ta m p o u c o c o n trib u íra m p a ra situ ar o tem a d e fo rm a a d e q u a d a . Na v e rd a d e , a c a b a ra m re g re d in d o a o s p rim ó rd io s d a prática d o sistem a rep resen tativ o , q u a n d o se d e s ­ c o n h e c ia a m a g n itu d e d o s p ro b le m a s q u e u ltrap assav am a c o m ­ p e tê n c ia d a p o lítica p artid ária, c o m o a in te g rid a d e d o territó ­ rio, a m a n u te n ç ã o d o sistem a re p re se n ta tiv o etc. Ao lo n g o da R epública, to d a vez q u e tais p rin c íp io s estiv eram em p erig o , 1. A d o u tr i n a d o P o d e r C o n s e r v a d o r a c h a - s e r e s u m id a e m s u a o b r a c a p ita l M anual do cidadão em um governo representativo (183-1), te n d o s id o tra n s ­ c rita n a a n to lo g ia Idéias políticas (R io d e J a n e ir o , D o c u m e n t á r io , 1 9 7 6 ), o r g a n iz a d a p o r V ic e n te B a rre tto (D o Poder Conservador).

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c o n sid e ro u -se legítim a a in te rv e n ç ã o d as Forças A rm adas, sem q u e , e n tre ta n to , o tem a tiv esse e n se ja d o d isc u ssã o teórica. N ão se rev este d e ssa característica o livro d e B orges d e M edeiros, O P oder M oderador na R epública P residencial ( Recife, D iário d e P e rn a m b u c o , 1933), p o rq u a n to a q u e s tã o é sim p le sm e n te p o s ­ tu lada, se m m aio r fu n d a m e n ta ç ã o . Lim ita-se a p e rg u n tar: “Se — n o d iz e r d e B enjam im C o n sta n t — a g ra n d e v a n ta g e m da m o n a rq u ia c o n stitu c io n a l foi a d e ter c riad o e sse p o d e r n e u tro (m o d e ra d o r) na p esso a d e um rei, p o rq u e n ã o há d e a R ep ú b li­ ca criar esse p o d e r na p esso a d o presid ente? ” A Escola Superior d e G u en a, a o identificar o q u e denom ina objetivos nacionais p en n a n en tes1, contribuiu sem dúvida para d e ­ limitar aquela esfera que, co rresp o n d en d o às aspirações suprem as da nação, ultrapassariam os sim ples limites da política partidária. C ontudo, a ESG n ão se p reo cu p o u em determ inar as formas d e seu estabelecim ento, contentando-se com vagas alusões à tradição e sem enfatizar o papel d o consenso nem deter-se n o exam e d e seus possíveis m ecanism os. Além disso, a hierarquia d e tais objetivos n ão é dada autom aticam ente a partir d o seu sim ples enunciado, com o bem o dem onstrou o professor Jo sé Alfredo Amaral G urgel {Segurança e denkx/acia, Jo sé Olym pio, 1976). P o r tu d o isso, a q u e s tã o d o P o d e r M o d e ra d o r preserv a inteira a tu a lid a d e. Situa-se c o m o e stu d o isolado, na República, da q u e stã o d e q u e ora n o s o c u p a m o s, o livro O P oder M oderador {São Paulo, 1977), d e J o ã o d e Scantim burgo, so b re o qual o p ro fesso r Miguel Reale em itiria a seg u in te o p in ião : “É, p e n so e u , nossa m elh o r an álise so b re a re p e rc u ssã o d as idéias d o co n slitucionalista li­ b e r a l f r a n c o - s u íç o B e n ja m in C o n s ta n t n o s d o m ín io s d o con stitu cio n alism o p á trio ”. C o n tu d o , S can tim b u rg o lim ita-se à análise d o tem a asso cian d o -o à M onarquia, q u a n d o , a m eu p a ­ recer, a n ecessid ad e d e m ecanism os m o d erad o res, req u erid a pela 2.

S e ria m o s s e g u in te s : d e m o c ra c ia re p re s e n ta tiv a ; in te g ra ç ã o n a c io n a l; in te g ri­ d a d e te rrito ria l; p a z s o c ia l; p re s tíg io in te rn a c io n a l; p r o s p e r id a d e n a c io n a l e s e g u r a n ç a n a c io n a l.

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istória

do

Liherausm o B

r a s i l i -i r o

so cie d ad e , p o d e ser a te n d id a p o r o u tro s m eios, c o m o aliás re co ­ n h e c e na ex p e riê n c ia am ericana. T em co m certeza razão a o d e s­ tacar q u e n ã o p o d e , com sucesso, se r tran sp lan tad a. A inda a s­ sim, c o m o a a d o ç ã o da m o n arq u ia é m uito difícil, as so c ied a d es são instadas a b u scar alternativas.

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9______ B alanço d o S eg u nd o R e in a d o

o

S e g u n d o R ein ad o p e rm a n e c e cm n o ssa h istória co m o u m m o m e n to sin g u lar, in su fic ie n te m e n te a d m ira d o e m d e c o r­ rên cia d a feição au to ritária e antilib eral a ssu m id a p e la R e p ú ­ blica. Foi e n tre ta n to e x a lta d o p o r o b s e rv a d o re s in d e p e n d e n te s e d e sc o m p ro m issa d o s. Assim, e s c re v e n d o na d é c a d a d e 50, o re p u b lic a n o fran cês C harles R ibeyrolles registra q u e n o p aís “h á a n o s n ã o há m ais nem p ro c e sso s políticos, n e m p risio n eiro s d e E stado, n em p ro c e sso s d e im p ren sa, n em c o n sp ira ç ã o , n e m b a n im e n to ” (Aí* Hrcsil pittorcsc/ue , Rio d e Ja n e iro , 1859). E a s­ sim vivem o s p o r q u a se m eio sé c u lo , situ a ç ã o q u e c o n trasta d e m o d o flag ran te co m a R epública. B o a n e rg e s Ribeiro, n o livro P rotestantism o c cultura brasileira (1981), ressalta a e x e m p la r to le râ n cia religiosa g a ra n tid a p o r a u to rid a d e s policiais e ju d i­ ciárias, n o Im p ério , a p e s a r d e h a v e r u m a relig ião oficial. Ao c o n trá rio d o q u e o co rria em P o rtu g al, c o n fo rm e en fatiza o m e s­ m o autor. É p re c is o te r p re s e n te as d ific u ld a d e s d o lib e ra lism o n a E u ro p a c ató lica e p a trim o n ia lista , n a m e sm a é p o c a . B asta re ­ c o rd a r o q u e o c o rre u na F ran ça, c o m a d e rr u b a d a d o g o v e rn o liberal em 1848 e a p ro c la m a ç ã o d a R e p ú b lic a , s e g u in d o -s e a re in tro c lu ç ão d a m o n a rq u ia e a g ra n d e in s ta b ilid a d e p o lític a q u e c u lm in o u c o m a d e rro ta m ilitar d e 1870, a C o m u n a d e Paris e a III R ep ú b lica, p o r su a v e z n o to ria m e n te in stáv el. O p a n o ra m a d e tais d ific u ld a d e s v e m d e s e r s is te m a tiz a d o p o r

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H

istória

do

L i b f .r a i .i s m o B

rasileiro

A m o M a y e r /T u d o isto serve p ara realçar o significado da sinia ção brasileira. Em q u e p esem a tradição patrim onialista e a m aio ria católica, o regim e co n seg u iu afeiçoar-se ao s países p ro testan ­ tes, co m o Inglaterra e Estados Unidos. Trata-se d e um feito q u e n u n ca é dem ais exaltar, cu m p rin d o en terrar d e vez o longo m e ­ n o sp rezo q u e lhe tem d ev o tad o a estéril e infecunda historiografia positivista-m arxista, a b a n d o n a n d o inteiram ente a fecunda trilha q u e no s havia sido aberta p o r A dolpho V arnhagen (1816-1878). D e v id o a e s s a c ir c u n s tâ n c ia , a in q u ir iç ã o a c e r c a d a s d eterm in a n te s d o m e io sécu lo d e estab ilid ad e política, alcan çad a n o sé c u lo p a ssa d o , n e m s e q u e r foi a v e n ta d a . A quela in v estig a­ çã o p o d e ria , a d ic io n a lm e n te , se r m u ito instrutiva p a ra o n o sso re o rd e n a m e n to in stitu cio n al, já q u e a R epública fracasso u n a m atéria, n ã o h a v e n d o g aran tias in sofism áveis d e q u e n o p re ­ se n te ciclo v e n h a m o s a se r p le n a e in te g ra lm e n te b e m -su c e d i­ d o s. O S e g u n d o R ein ad o m a n té m -se c o m o fato iso la d o em n o s ­ sa história, q u a n d o p o r cerca d e c in q ü e n ta a n o s v iv em o s sem g o lp e s d e E stado, e sta d o s d e sítio, p re so s políticos, in su rrei­ ç õ e s arm a d a s, tu d o isto co m ab so lu ta lib e rd a d e d e im p re n sa, m an tid a s as g aran tias co n stitu c io n a is d o s cid ad ão s. Na o b ra coletiva E volução d o p en sa m e n to p o lítico brasilei­ ro , V icen te B arretto d e sc re v e m in u c io sa m e n te o q u e ch a m a d e ‘a p rim o ra m e n to d a re p re s e n ta ç ã o ’, tu d o le v a n d o a crer q u e foi ju sta m e n te a q u e le a p rim o ra m e n to q u e to rn o u d isp en sáv el o re c u rso às arm as. O fato d e q u e o sistem a fosse b a sic a m e n te elitista n ã o justifica q u e a R ep ú b lica tivesse p rim a d o p o r ig n o ­ rar tão significativa e x p e riê n c ia. Ao invés d e atirar a criança fora co m a á g u a suja d a b a n h e ira , a d e m o c ra tiz aç ã o d o sistem a p re s s u p u n h a a m a n u te n ç ã o d a q u e la linha d e a p rim o ra m e n to d e s d e q u e , c o n s o a n te a lição d e Silvestre P in h eiro F erreira, a b ra n g ia o essen cial, a sab er: a re p re se n ta ç ã o . 1.

Dinâmica da contra-revolução na Europa. 1870-1956-, tra d . b ra s., P az e T e rra , 1971 e A força da tradição: persistência na Europa, 1 8 4 8 -1 9 14, tra d . b ra s .. Cia. d a s L etras, 1987.

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IV O L ib e r a l is m o n a R e p ú b l ic a V elha ( 1 8 8 9 - 1 9 3 0 )

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N o v a c o n f ig u r a ç ã o DO QUADRO POLÍTICO

N o g o v e rn o c o n stitu íd o a p ó s a p ro c la m a ç ã o d a R e p ú b li­ ca, p articip a v a m p e lo m e n o s três c o rre n te s d e o p in ião : os lib e­ rais, o s positivistas e o s m ilitares sem m aio r fo rm ação d o u tri­ nária, m as em cu jo se io a p a re c e ra m g ru p o s e x altad o s, p o r isso m e sm o d e n o m in a d o s jaco b in o s. O s liberais eram lid erad o s p o r Rui B arbo sa. O ch efe d o g o v e rn o , M arechal D e o d o ro , c o n c e i­ tu a d o m ilitar, a c h a v a -se d ista n c ia d o d e to d o radicalism o, m as n ã o tin h a q u a lq u e r c o m p ro m isso co m um p ro je to d e m o c rá tic o e n e m se p o d e d iz e r q u e existisse tal, e m se u d e lin e a m e n to global, salvo n o q u e re sp e ita à n e c e ssid a d e d e restringir-se o p e río d o d e e x c e ç ão , d o ta n d o o p aís d e n o v a C onstituição. A h eg em o n ia estava com os positivistas, e m b o ra n ão se ac h as­ sem u n id o s q u a n to às características q u e d ev eriam im prim ir ao n o v o regim e. Esta h e g e m o n ia se e x p ressav a, so b re tu d o , p ela p re se n ç a d e B enjam in C o n sta n t à fren te d o M inistério d a G u e r­ ra. O p re stig ia d o líd er m ilitar, e m b o ra positivista c o n fesso , n ã o tin h a b o a s relaçõ es co m o A p o sto lad o . Este, c o n tu d o , ach a v ase re p re se n ta d o n o m in istério p o r D em étrio Ribeiro. A urelino Leal, em H istória co nstitucional do Brasil, c o n ta te r o u v id o d o p ró p rio Rui B arbosa q u e “os p ositivistas e os ja c o b in o s lu taram p e la d ilatação d o reg im e d itato rial”. S eg u n ­ d o os div erso s d e p o im e n to s, o ch efe d o g o v e rn o n ã o atribuía m aio r relev o à q u e s tã o co n stitu cio n al. D e so rte q u e a d e c isã o d e c o n v o c a r a A ssem b léia C on stitu in te d e v e -se à h a b ilid a d e e

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p ersistên cia d e m o n stra d a s p o r Rui B arb o sa, m as tam b ém a o a p o io re c e b id o d e B enjam im C o n stan t, q u e a c a b o u c o n c o rd a n ­ d o co m a p ro v id ê n c ia d e p o is d e h a v e r o b tid o a a n u ê n c ia d o ch e fe d a Igreja Positivista em P a ris.1 A C o n stitu iç ã o d e 1891 d e u a o s lib erais u m in stru m e n to aglutinaclor, p e rm itin d o -lh e s e la b o ra r o q u e N elso n S a ld a n h a d e n o m in o u p en sa m e n to p o lítico -o ficia l. Assim , p e lo m e n o s a o lo n g o d a s três p rim e ira s d é c a d a s re p u b lic a n a s , o lib e ra lis­ m o c o rr e s p o n d e à d o u trin a p o lítica oficial. M as a p rá tic a d o re g im e era fra n c a m e n te a u to ritá ria . A p rática a u to ritá ria r e p u ­ b lic a n a c o n siste b a s ic a m e n te n o a b a n d o n o d o p rin c íp io d a re p r e s e n ta ç ã o . N o Im p ério , a g ra n d e re a lid a d e co nsistia, se m dú v id a, n o E stad o d e características p atrim o n ialísticas. C o n tu d o , a elite d irig en te, p re m id a p ela o n d a ck* in su rreiçõ es, a sse g u ro u ao s vários in teresses, re c o n h e c id a sua d iv e rsid a d e e leg itim idade, o d ireito d e fazer-se re p re s e n ia r 110 sistem a d o p o d e r. A re p re ­ se n ta ç ã o n ã o tinha com certeza c a ráter d e m o c rá tico , d e q u e n ã o cogitava o liberalism o da époc a. Mas a p a r d o p re d o m ín io da classe p ro p rietária rural, tin h am ac e sso à re p re s e n ta ç ã o as ca m ad a s u rb an as, n ã o só os p ro p rie tá rio s (c o m e rc ian te s, s o ­ b re tu d o ) c o m o ig u alm en te o fu n cio n alism o e a in te lec tu alid ad e. Assim , e m b o ra n ã o tivesse o c o rrid o n e n h u m a ru p tu ra a b ru p ta co m o p atrim o n ialism o p o rtu g u ê s ,2 a prática ia p e rm itin d o a p a u latin a e stru tu ra ç ã o d a so c ie d a d e civil. A prática re p u b lic a n a crio u um a situ a ç ã o in te ira m e n te nova. Passa a p rim eiro p la n o o con flito e n tre g ru p o s cu jo in te resse p ró p rio re su m e -se e m a p o ssa r-se d o p a trim ô n io c o n stitu íd o p e lo E stado. E m ais: essa c o n q u ista , n o nível d a s an tig as p r o ­ 1. V er, a p r o p ó s ito , Iv an Lins, História do positivism o no Brasil, 2 a e d iç ã o , S ã o P a u lo , C ia. K d ito ra N a c io n a l, 1927, p. 6 4 3 -6 4 8 . 2 . O p a tr im o n ia lis m o lu s o -b ra s ile iro — e a s a n á lis e s q u e v e io a m e r e c e r — a c h a - s e e s tu d a d o , p o r A n to n io P aim , n o liv ro A quereia do estatismo: a natureza dos sistemas econômicos: o caso brasileiro, Kio d e J a n e iro , T e m p o B ra s ile ir o , 1 9 94.

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is tó r ia

do

L i b k r a i .i s m o B

r a s i i .i - i u o

víncias, rev ela-se d e p ro n to insuficiente. H n e c e ssá rio asscg u rar a p o ss e d o E xecutivo C entral. Para a p a z ig u a r esse conflito, in v en to u -se a “política d o s g o v e rn a d o re s ” o u o c h a m a d o “café co m leite ” (a lte rn â n cia d e São P au lo e M inas na su p re m a m a ­ g istra tu ra ). N as an tig as p ro v in ciais (ag o ra d e n o m in a d a s E stados) n ã o su rg iram ativ id ad es e c o n ô m ic a s c a p a z e s d e m a n te r a alta re n ­ ta b ilid ad e d u ra n te largo p e río d o , a e x e m p lo d a cafeicultura, ag o ra rad ic a d a b a sic a m e n te e m São P aulo e M inas, e n se ja n d o o a p a re c im e n to d e n o v o s g ru p o s locais e assim c o n trib u in d o p ara to rn a r m ais d iversificada a so c ie d a d e . D este m o d o , o id e ­ al d e p ro g re sso , q u e se inscrev era na n o v a b a n d e ira q u e o reg im e re p u b lic a n o d e ra a o país, ficara circu n scrito a São P a u ­ lo. O s re c u rso s p ú b lic o s m al p erm itiam a m o d e rn iz a ç ã o d a C apital d a R epública. E q u a n to à o rd e m , esta só se m a n tin h a m e d ia n te a sucessiv a d e c re ta ç ã o d e e sta d o s d e sítio e a in te rv e n ç ã o n a q u e le s Esta­ d o s p o litic a m e n te m ais fracos. À m edida q u e a prática autoritária se generaliza, os liberais vão p a u la tin a m e n te c ircu n screv en d o sua plataform a â defesa das lib erdades d em ocráticas. N ão lhes o co rre s e q u e r a n ec essid ad e d a diversificação partidária — o regim e era d e p artid o único, o rep u b lican o , e stru tu ra d o em nível estadual — , salvo em 1926, q u a n d o se cria em São P au lo o P artido D em o crático . O s lib e­ ra is s o f r e m ta m b é m a in f l u ê n c i a p o s itiv is ta e a c a b a m m in im iz a n d o o p a p e l d a d o u trin a d a re p re se n ta ç ã o . À prática au to ritária irá s o b re p o n d o -s e o a u to rita rism o d o u ­ trinário, d e n tre o s q u a is o prin cip al co n siste n o castilhism o. A c o rp o ra ç ã o m ilitar c o n s e g u e m o d e rn iz a r-se e p ro fissio ­ nalizar-se. A p a r disto, c o n tu d o , em seu seio c o n tin u a m te n d o c u rso as d o u trin a s q u e lhe a trib u e m p a p e l e sp ecial na o b te n ­ ç ã o d o p ro g re sso m aterial d o país. Esse id eário g a n h a c o rp o n o c h a m a d o te n e n tism o , q u e e n seja in su rre iç ã o m ilitar e m 1922 e 1924 e a c a b a d e s e m b o c a n d o na R ev o lu ção d e 30. 125

A lém d e n ã o te r sid o c a p a z d e fo rm u lar co m clareza u m a d o u trin a d a re p re s e n ta ç ã o , d e b a s e re p u b lic a n a — , isto é, d isso ciad a d o s in stitu to s d a m o n a rq u ia e d o p a rla m e n tarism o , p re se n te s n a o b ra d o u trin á ria d o sé c u lo XÍX — , co n trib u iria p a ra a p e rd a d e te rre n o d e p a rte d o s liberais o seu a p e g o à d o u trin a d o lib eralism o e c o n ô m ic o . Na E u ro p a, essa d o u trin a seria su b stitu íd a p e lo k e y n e sia n ism o , m as s o m e n te n o p e río ­ d o p o ste rio r à crise e c o n ô m ic a d e 1929. No Brasil, a p latafo rm a in te rv e n c io n ista seria c o n c e b id a p o r um ic ó ric o p ositivista — A arão Reis (1856-1936) — e in c o rp o ra d a à prática política in s­ ta u ra d a p o r G etú lio V argas a p ó s a R evolução d e 30. Em sín tese, d u ra n te os q u a re n ta a n o s da R epública V elha assiste-se, d e u m lado, a o o c a so d o liberalism o — q u e p are cia tão forte, já q u e im p u sera ao país a C o n stitu ição d e 1891 e assu m ira as ré d e a s d o p e n s a m e n to político oficial — e, d e o u ­ tro lado, à co n flu ên cia da prática autoritária n o se n tid o d a d o u ­ trina castilhista. O n o v o ciclo, o n d e V argas seria a figura c e n ­ tral, já tem lu g ar so b a égide- d o au to ritarism o d o u trin á rio , cujo n ú c le o fu n d am en tal será c o n stitu íd o p e lo castilhism o. Na R epública Velha o c o rre igualmente* a p le n a c o n fig u ra ç ão d o co n se rv a d o rism o católico, q u e n ao c h e g o u a estru tu rar-se so b o Im pério. Esse co n se rv a d o rism o , q u e m uitos e stu d io so s p re fere m c h a m a r d e trad icio n alism o , iria nutrir a p rin cip al v e r­ te n te d o m o v im e n to integralista, a p a re c id o a p ó s 30. S urgem ta m b ém as p rim eiras c o rre n te s socialistas.

126

2 P r in c ip a is in o v a ç õ e s da

C o n s t it u iç ã o

de 1891

A

D eclaração d e D ireitos está redigida d e m o d o m uito a sse ­ m elh ad o ao q u e d isp u n h a o título da C onstituição d e 25 d e m ar­ ço d e 1824, relativo às “garantias d o s direitos civis e políticos do s c id ad ã o s brasileiro s”. As inov açõ es da C onstituição re p u b li­ can a d izem respeito: 1) às d e c o rre n tes d a elim in ação d a n o b re ­ za; e 2) as q u e advieram da se p a ra ç ão d a Igreja d o listado. Em m atéria d e privilégios da Igreja Católica, n a C onstituição im p e ­ rial dizia-se q u e “nin g u ém p o d e ser p e rse g u id o p o r m otivo d e religião, um a vez q u e resp eite a d o E stado e n ã o o fe n d a a m oral p ú b lic a ”. C om o a b a n d o n o d o p rin cíp io d e q u e d everia haver um a religião oficial, altera-se a legislação referen te a o c a sa m e n ­ to civil, à ad m in istração d o s cem itérios e a o en sin o . A C onstitui­ ção m an tém um resquício d o p a ssa d o a o d eix ar d e introduzir o divórcio. A n o v a elite d irigente, constituída p elo s positivistas, era radicalm en te contrária à p rovidência. N o q u e resp eita às lib e rd a d e s p ú b licas (d e im p ren sa , d e re u n iã o e d e a sso c ia ç ã o etc.) as d u a s C artas a p re se n ta m d is p o ­ siçõ e s idên ticas. Q u an to ao s princípios gerais da aplicação da justiça, os dois estatutos são bastante assem elhados. A Constituição im perial e s­ tabelecia, além d o s princípios gerais: “organizar-se-á, q u a n to a n ­ tes, um cód ig o civil e crim inal, fu n d ad o nas sólidas b ases d a justi­ ça e e q ü id a d e ”, d isposição q u e, em relação ao Código Civil, só a R epública tornaria realidade. A Constituição de 1891 introduz o

127

Im beas-corpus , q u e se constituía num a das g ran d es conquistas resultantes d a vigência d o sistem a representativo, com vistas a assegurar a efetiva garantia d a liberdade assegurada em lei. A C o n stitu ição o p to u p ela form a p resid en cialista d o e x e rc í­ cio d o P o d e r E x ecu tiv o e, a o m e sm o te m p o , p e la d e s c e n ­ tralização d o s p o d e re s d a U nião m e d ia n te a tran sferên cia d e m últiplas a trib u içõ es ao s E stados. As d u a s te n d ê n c ia s eram fran ­ c a m e n te co n trárias, n ão se co n c ilia n d o n e m na Carla M agna n e m n o seu exercício. Ao p re sid e n c ia lism o d e u -se um a c o n fig u ra ç ão q u e o c o n tra ­ p u n h a d e m an eira frontal a o P arlam en to . Restava a alternativa d e elim in ar a p e n a s o s in stitu to s q u e h aviam sid o e stru tu ra d o s p ara co n ju g a r a p re se rv a ç ã o d a figura d o m o n a rc a e a in tro d u ­ ç ã o d o sistem a rep re se n ta tiv o , c o m o o P o d e r M o d erad o r e o C o n se lh o d e E stado, m a n te n d o -se o C o n se lh o d e M inistros e na co n firm a ç ão p e lo P arlam en to . N ão havia c o m o identificar o Legislativo co m o reg im e m o n á rq u ic o , m as a v e rd a d e é q u e a m aioria d o s esp írito s inclin av a-se p o r um p o d e r central forte se m o im p erativ o d e co n v iv er co m o Legislativo. D e so rte q u e essa p referên cia c o n stitu cio n al p e lo p re sid e n c ia lism o n ã o p o d e s e r atrib u íd a a p e n a s ao d e se jo d e c o p ia r in stitu içõ es a d o ta d a s u n iv e rsalm e n te na A m érica, co m a única e x c e ç ã o d o Brasil, m as ig u alm en te a o p ro p ó s ito d e co n fig u rar o E x ecu tiv o tão p ró x i­ m o q u a n to p o ssív el d o ideal d e ‘d itad u ra re p u b lic a n a ’ p re c o n i­ z a d o p elo s positivistas. A idéia federal era ta m b é m n u trid a p e lo s positivistas, q u e c h e g a ra m a p o p u la riz a r a d o u trin a d a s ‘p á tria s b ra s ile ira s ’. C o n tu d o , inseria um a c u n h a n o E xecutivo C entral e d eb ilitavao n a luta c o n tra o Legislativo. O q u a d ro co n stitu c io n a l d eix av a a b e rto o e s p a ç o p a ra a c o n tin u a ç ã o d a luta e n tre liberais e positivistas. A p ro p ó sito d as in o v a ç õ e s inserid as na C o n stitu ição d e 1891, q u a n d o co n fro n tad a com a d e 1824, N elson S aldanha teria o p o r­ tu n id a d e d e o b se rv a r o seg u in te: 128

H

is tória

do

Liberalismo B

rasil eir o

A combinação doutrinária era mais coerente do que na Carla de Pedro I, mas, em compensação, a estrutura geral do Estado pas­ sava a ser mais complexa. O unitarismo imperial se mudava expressamente num federalismo. Cada província se chamava agora de ‘Estado’, terminologia desnecessariam ente copiada do m odelo do Norte. Mas o fato é que, nào possuindo um passado de autonom ia efetiva, em que cada um houvesse sido território independente (com o é pressuposto nas federações clássicas como os Estados Unidos e a Suíça), os novos Estados não sabiam propriam ente o que fazer com os poderes recebidos. E, aliás, esses poderes, que deveriam ser originariamente seus e não recebidos, iam ser lenta e gradualm ente recolhidos pela IJnião, na evolução posterior do país. “A estruturação do federalismo, na ordem constitucional, impli­ cava algumas questões técnicas especiais. Aos estados-membros se atribuía uma autonomia que não chegava em nível de poder ‘soberano’; duplicavam-se os planos normativos, com uma correlata hierarquia para as leis; distribuíam-se as competências da União e dos Estados, no plano Legislativo e no tributário, tudo d e n tro d o m o d elo n o rte -a m e rica n o e e m b a sa d o so b re a metodologia do direito público respectivo. E Rui Barbosa, em ­ bora chegasse a advertir num dado m om ento contra o exagera­ do apetite federalista que tomava conta dos espíritos, fazia isso justamente por notar que nos Estados Unidos um contra mo­ vimento centralizador começava a se robustecer. “Havia, como novidade política, o presidencialismo, já que Fe­ deração e República eram aspirações com passado longo. O modelo norte-americano era presidencialista, e o eram também as Repúblicas da América Latina. Algumas já dominadas pelo caudilhismo truculento e imaturo; por outro lado, tratava-se de contrapor o mais possível a nova ordem ao que se tinha com o o ‘parlamentarismo’ do período imperial. E não faltaram motiva­ ções concretas para que a instituição do presidencialismo, real­ mente um regime que confere ao chefe de Estado atribuições 129

governamentais enormes, se fizesse aos poucos uma forma pe­ culiar de personalismo político. Assis Brasil argumentava, entre outros, que a ordem federal exigia o presidencialismo. Mas foi com Campos Sales que a idéia presidencialista adquiriu realida­ de mais incisiva e mais contundente, fazendo da chefia do Exe­ cutivo uma sede de forte poder pessoal, em bora constitucional­ mente respaldado, e reduzindo a presença política dos Ministros a um papel funcional, a que cabia lealdade e competência, den­ tro de um programa centralizado sobre o Presidente e por ele efetivamente liderado. Pode-se dizer, entretanto, que o federa­ lismo, que correspondia à reclamação de diversas gerações libe­ rais, e que foi pensado por Rui Barbosa, nunca foi plenamente posto em prática no Brasil, confundido nesta mesma fase com as caudilhagens locais e criticado em nom e de uma maior ‘efici­ ência’ política.1

1. O pensam ento político no fínis/7, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 109-110.

130

3___ E volução DOUTRINÁRIA

3.1

- I n tro dução

T alvez p e la circu n stân cia d e q u e d e v e sse m re c o n c e b e r as in stituiçõ es, a fim d e a d e q u á -la s ao n o v o reg im e, o c erto é q u e a lid eran ça liberal re p u b lic a n a d e sin te re sso u -se p o r c o m p le to d o tem a da re p re se n ta ç ã o , q u e a e x p e riê n c ia p re c e d e n te s u g e ­ ria tratar-se d e tem a n u clear. Essa o m issão é ta n to m ais grave q u a n d o se rá p re c isa m e n te n o ciclo c o n s id e ra d o q u e se c o m ­ pleta a d e n o m in a d a d e m o c ra tiz a ç ã o da idéia liberal. As e n e rg ia s esp iritu ais v o ltaram -se p a ra q u e s tõ e s in stitu cio ­ nais, c irc u n stâ n c ia e m q u e se p ro d u z ira m te x to s m arc an te s, com o O p o d e r execu tivo na R epública Brasileira (1916), d e A nibal Freire; D o E stado F ederado e sua organização m u n ici­ pal, d e Jo sé d e C astro N u n es, e o e stu d o to rn a d o clássico, d e P e d ro Lessa, d e d ic a d o à cara c teriz a ç ã o d o P o d e r Ju d iciá rio n o reg im e re p u b lic a n o . C o m o m in istro d o S u p re m o T ribunal, c a ­ beria ju sta m e n te a P e d ro Lessa (1859-1921) o m érito d e h av e r tran sfo rm ad o o habeas-corpus, q u e se e n te n d ia e n tã o co m o d iz e n d o re sp e ito à esfera lim itada, a d o d ire ito d e lo co m o ç ão , n u m in stru m e n to d e d efesa d as lib e rd a d e s, e m c o n tra p o n to com a a sc e n d ê n c ia c re sc e n te d o au to ritarism o . Sobressai a circu n stân cia d e q u e a lid eran ça liberal n a Re­ p ú b lica V elha haja se d a d o c o n ta d a im p o rtân cia d e q u e estava se re v e stin d o a d e n o m in a d a q u e s tã o social, g raças s o b re tu d o

131

a o c o n ta to c o m a o b ra cie p e n s a d o r e s c o m o L e o n a rd T. H o b h o u s e (1864-1919), q u e se p re se rv a v a na b ib lio teca d e Rui B arbosa, c o n se rv a d a n a in stitu ição q u e tem o se u n om e. A credito q u e o senticio p rin cip al d a trajetória e n tã o e m p re ­ e n d id a p e lo p e n s a m e n to liberal brasileiro p o ssa se r a p re e n d i­ d a a partir d o e x a m e d a o b ra d e Rui B arbosa, Assis Brasil e J o ã o A rruda, a d ia n te efetivada.

3-2-0

PENSAMENTO POLÍTICO DE

Rül

BARBOSA

Rui B arb o sa (1849 -1 9 2 3 ) c o n c lu iu se u s e stu d o s na F acu ld a­ d e d e D ireito d e São P au lo , ao s 21 a n o s d e id ad e, em 1870. In g resso u n o jo rn alism o , em su a terra natal, a Bahia, e e le g e u se d e p u ta d o provin cial em 1877 (a o s 28 an o s). No a n o se g u in ­ te é eleito p ara a C âm ara d o s D e p u ta d o s e p articip a a tiv a m e n te d e to d a a m o v im e n ta ç ã o política d o s a n o s 80, n o ta d a m e n te as c a m p a n h a s ab o licio n ista e rep u b lic a n a . Com o a d v e n to da R epública, to rn a-se m in istro d o g o v e rn o p ro v isó rio d o M arechal D c o d o ro ao s 41 an o s. N essa co n d iç ã o , d e s e m p e n h a um p a p e l m u ito im p o rta n te n o se n tid o d e d o ta r o n o v o reg im e d o n e c e ssá rio a rc a b o u ç o institucional. Na décad a d e 90 se encontrará na oposição, o q u e lhe vale, entre outras coisas, o exílio n o exterior, nos an o s d e 1893 a 1895. D e volta a o Brasil é su c e ssiv a m e n te eleito p a ra re p re se n ta r a B ahia n o S e n a d o e p assa a p o larizar a c o rre n te liberal n o p aís, em o p o s iç ã o à p rática autoritária. E n x e rg a n d o n esta um a re su lta n te d a in g erên cia m ilitar na vida política, p a tro c in o u a o rg a n iz a ç ã o d o m o v im e n to civilista. Em d u a s c a m p a n h a s p re ­ sid en ciais — 1910 e 1919 — Rui B arbosa a p re s e n to u p la tafo r­ m as q u e e x p rim e m co m p ro p rie d a d e o p e n s a m e n to liberal na R epública V elha. F aleceu ao s 74 a n o s d e id ad e. T ra b a lh a d o r incan sáv el, Rui B arb o sa d e ix o u u m a o b ra d e am p litu d e in u sitad a, cujo p la n o geral, e x e c u ta d o a p artir d e 132

H

is tó ria

do

Liberalismo B

r a s i i .i- i r o

1942, foi c o n c e b id o p e lo p rin c ip a l e s tu d io s o d e se u p e n sa m e n to, A m érico Ja c o b in a L acom be (1909-1993). E m p re e n d im e n to ed ito rial sem p re c e d e n te s , q u e serviu p ara co n so lid ar, c o m o in stitu ição cultural, a C asa d e Rui B arb o sa, a o b ra c o m p le ta d e Rui B arb o sa a b ra n g e 50 to m o s, a lg u n s d o s q u a is su b d iv id id o s em m ais d e u m v o lu m e. P u b licaram -se div ersas o b ra s so b re os v a riad o s a sp e c to s da a tu a ç ã o d e Rui B arbosa. Em relação a o se u p e n s a m e n to c o n sti­ tu cio n al, c o n ta -se co m o e stu d o d efin itiv o — R u i B arbosa e a prim eira C onstituição cia R epública, 1949 — , d e a u to ria d e A m érico J a c o b in a L acom be. A E ditora A guilar, e m 1960, d iv u l­ g o u u m a an to lo g ia q u e re ú n e o essen cial d e seu p e n s a m e n to político ( Escritos e discursos seletos, o rg a n iz a ç ã o d e V irgínia C ortes d e Lacerda, Rio d e Ja n e iro , A guilar, 1960). Esta c o le tâ ­ nea , além d e tex to s in tro d u tó rio s d e c a rá te r g eral e um a c r o n o ­ logia, in sere o s se g u in te s e stu d o s esp eciais: R ui Barbosa e a renovação da socieda d e (San T iago D antas); R ui Barbosa e a técnica da advocacia (R u b em N ogueira); R u i Barbosa, escritor e orador (I lo m e ro Pires); R ui Barbosa, o jornalista da R ep ú b li­ ca (E lm an o C ardim ); Posição d e R ui Barbosa n o m u n d o c!a filo ­ sofia (M iguel Reale); R ui e a réplica (A m érico d e M o u ra) e Tem ãrio d e R ui (N. B astos Vilas Boas). N elso n S ald an h a traço u d e form a m agistral o perfil d essa p e rso n a lid a d e tã o m a rc a n te da fase inicial d a R ep ú b lica, n o tex to q u e a d ia n te se tran screv e: Sua figura serve, precisamente, de ponto d e referência para o entendim ento das relações entre a teoria e a prática dos proble­ mas políticos de então. Serve também de estalão para situar o trabalho intelectual envolvido pela construção da Constituição e pela interpretação da nova ordem. A figura d e Rui Barbosa, dis­ cutível e discutida desde seus dias, ficou com o um arquétipo para os modelos intelectuais brasileiros, pela verbosidade e pela erudição humanística, mas também pela com batividade per­ 133

manente. Ora endeusado com o patriota completo, ora criticado como orador sem visão sociológica e sem vínculos com a alma nacional, ele foi um tanto tudo isso, mas foi mais, muito mais. Encarnou, em grau superlativo, a tradição gramatiqueira de nos­ sa formação intelectual, mas dando-lhe vigor inédito e dimensão maior; e se, de certa forma, lhe faltou formação filosófica e so­ ciológica, seu preparo em direito e literatura era de fato imenso. Encarnou tam bém o legalismo coerente, alimentado por um li­ beralismo incansável, corajoso, oportuno e trem endam ente beminformado, que desem penhou em horas difíceis, na defesa dos d ireito s h u m a n o s e d o p o d e r civil, um p ap el realm en te inegligenciável. O mesmo tipo de liberalismo convencional e legalista pode, de resto, ser encontrado nos primeiros com en­ tadores da Carta republicana. Eles partilhavam da euforia vinda da cam panha e aceitavam quase como mu axioma a conveniên­ cia do m odelo republicano-federalista, embora sem indagar das diferenças entre o primitivo ‘ideal’ federalista e as distorções que o m andonism o local operava neste ideal. O assentimento em torno do texto, por parte dos principais constitucionalistas do tem po, formou uma espécie de pensam ento político oficial. Isto foi obra, em grande parle, de Rui Barbosa, pontífice máxi­ mo da jurisprudência nacional à époc a e principal expoente da teoria constitucional militante; mas, lambém, obra de Barbalho, cujo livro principal se tom ou clássico — Constituição teclemI bmsiieim, Comentários, Rio de Janeiro, 1902 — como modelo de clareza e síntese e de outros publicistas.' N esta o p o rtu n id a d e , v am o s n o s lim itar ã a p re s e n ta ç ã o e a o c o m e n tá rio cias p la ta fo rm a s q u e a p re s e n to u e m 1910 e 1919, q u e c o n stitu e m s e m d ú v id a ten tativ as d e e stru tu ra r o lib eralis­ m o c o m o c o rre n te d e o p in iã o n o p la n o n acio n al. Em a m b a s as c a m p a n h a s p re sid e n c ia is, Rui B arb o sa p e rc o rre u o s p rin cip ais 2. O pensam ento político no Brasil, op. cit., p. 111-112.

134

H

istória

do

L iberalismo B

rasileiro

p o n to s d o p aís e falo u d e viva voz a m ilh a re s d e Em q u e p e s e m a s q u a lid a d e s morais d o h o m e m P ^ ^ s i [ e jros co m b a tiv id a d e se m p a r d o político, tais m o v im e n ta * ^ liç 0 e a se m b o c a ra m n u m a e stru tu ra ç ã o p erm an en te n em n ^ Q t je _ a sc e n sã o d o a u to rita rism o , razão pela q u a l re q u e r ^ f r a ram a crítica, a s e r a p re s e n ta d a a o fim deste tó p ic o . A c a m p a n h a p re sid e n c ia l d e 1910, re a liz a d a p o r sa, a ssu m iu c u n h o n itid a m e n te an tim ilitarista, p e la

^ ViU h ção I^a rj:)0_

tãn cias a d ia n te d e sc rita s. c *fcuns A 15 d e n o v e m b ro d e 1906, e m p o s s o u -s e , na Pr A fonso P en a, p o lític o q u e v in h a do Im pério e q u e , n ^ id ^ p Q .j re p u b lic a n o , fora p re s id e n te d e Minas G e ra is , p r e s ^ pQn'0C[0 B anco d o Brasil e v ic e -p re sid e n te da R e p ú b lic a . S ei^1 en te C|Q ex p irav a a 15 d e n o v e m b ro d e 1910. Na m e d id a em q\ riência c o m p ro v a ra a possibilidade d e e n f e ix a r n as ^ a tX p C p re sid e n te d a R e p ú b lic a p o d e r incontrastável, sua sue, *hruJS cjQ n ava-se u m a q u e s tã o crucial. Na praxe das s u c e s s õ ^ \ s ã 0 fo|._ p re sid e n te in d ic a v a o su c e sso r. Afonso P en a fixara-S (.3 civjs G d e D avid C am p ista, seu co n terrân eo e m in is tro da E; tiom e seu g o v e rn o . N e sse q u a d ro é que aparece* a can di c[e m inistro da G u e rra , M arechal Herm es da F o n s e c a . A s ^ t [Q o b se rv a Jo s é M aria Belo, “m ais uma vez r e n a s c ia m cr^S-^ ço m o um g e n e ra l c e rta s a sp ira ç õ e s crônicas d e u m a ditadi^ ^ort^0 cjc e m b o ra re v e stid a d e fo rm alid ad es legais...”. P o r trás ^ d a tu ra H erm es, e n c o n tra -s e Pinheiro M a c h a d o ( 1 8 5 1 ,^ c^ncij p re se n ta n te d o c a stilh ism o e q u e se e m p e n h a v a p o r ^ 15) re _ tar essa d o u trin a a o p la n o nacional. A crise c h e g o u ^l^nsp^p, q u e “o P re s id e n te P en a, sem grandes q u a lid a d e s cc^ lo n g o d a R epública V elha o c o rre o p le n o a m a d u re c i­ m e n to d a v e rte n te auto ritária d e in sp ira ç ã o castilhista, fo rm u ­ lada a b e rta m e n te c o m o altern ativ a p ara o sistem a re p re se n ta ti­ vo. Essa é com certeza a p rin cip al h e ra n ç a d o p e río d o , s e g u n d o se ev id en c ia d a e v o lu ç ã o e x p e rim e n ta d a p ela A liança Liberal, a h e g e m o n ia castilhista n o g o v e rn o sa íd o d a R ev o lu ção d e 30 e a c a p a c id a d e d o g ru p o getulista d e so b re p o r-s e às d em ais v e r­ te n te s au to ritárias e im p la n ta r o E stado N ovo. D u ra n te a R epública V elha, c o m o vim os n e ste c a p ítu lo , a p rá tic a au to ritária d o E xecutivo C entral, e m b o ra a p o ia d a na elim inação d o prin cíp io da rep resen tação , m a n tev e o P arlam en to e re c u so u o in te rv e n c io n ism o e c o n ô m ic o em n o m e d o s p rin c í­ p io s liberais. O p ró p rio sistem a rio -g ra n d e n se teve q u e m in o ­ rar su as form as, e m d e c o rrê n c ia d a g u e rra civil d e 1923, te rm i­ n a n d o o ciclo d a s re e le iç õ es d e B orges d e M edeiros. C o n tu d o , c o m o a so c ie d a d e n ã o se m o d e rn iz o u n e m se diversificou, sal­ vo e m São P aulo, o E stado co n tin u a v a a se r a g ra n d e re a lid a d e e a d is p u ta p o r su a p o s s e o e ix o p rin c ip a l d a p o lític a . A rad icalização d e ssa d isp u ta , na o p o rtu n id a d e d a su c e ssã o p r e ­ sid en cial d e 1930, iria e v id e n c ia r su c e ssiv a m e n te q u e a prática au to ritária in c o n s e q ü e n te teria q u e se r su b stitu íd a p o r u m a d o u trin a c o e re n te , d e q u e só os castilhistas estav am d e p o sse . A m a d u re c e ra m ta n to a e x p e riê n c ia castilhista c o m o o país para abrigá-la n o p la n o n acio n al. 164

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k a s i i . i-:ii

O s a c o n te c im e n to s p o ste rio re s a 30 iriam ig u a lm e n te evi d e n c ia r q u e o c o n se rv a d o rism o cató lic o estava d e p o sse d i­ urna p latafo rm a a g lu tin ad o ra, a p ro p ria d a p e la A ção Integralista, e q u e d e u a essa o rg a n iz a ç ã o a p o ssib ilid a d e d e realizar no p a ís a m p la m o b iliz a ç ã o política e e stru tu ra r-se na g ra n d e m ai­ oria d a s m u n ic ip a lid a d e s. M as esse m o v im e n to n u tria-se d e o u tra s v erten tes, um a d a s q u a is d e fran ca in sp ira çã o fascista, a ssu sta n d o p o r sua in to le râ n c ia e ag re ssiv id a d e m e sm o a o p i­ n iã o c o n se rv a d o ra d o país, o q u e facilitou o se u iso la m e n to e liq u id aç ã o p e lo au to rita rism o castilhísta n o p o d e r. A p a r disso, G etú lio V argas atrairia a Igreja p a ra um n o v o ciclo d e a m p la c o la b o ra ç ã o co m o E stado. O u tro fato r q u e co n flu iu p a ra a c o n so lid a ç ã o , d e um lado, d o p re d o m ín io a b so lu to d as c o rre n te s au to ritárias e, d e o u tro , d a h e g e m o n ia castilhista n o seio d estas, seria o virtual d e s a p a ­ re c im e n to d o so cialism o d em o crático . Ao lo n g o d a R epública V elha, as g ra n d e s figuras d o so cialism o brasileiro tin h a m a m ­ p lo c o m p ro m isso co m a d e m o c ra c ia e na v e rd a d e a e n te n d ia m c o m o u m a e s p é c ie d e d e s d o b ra m e n to n atu ral d o liberalism o. Sua a tu aç ã o , d e se n v o lv id a co m su c e sso , a ch av a-se v o ltad a p a ra a c o n q u ista d e u m a legislação social p ro te c io n ista d o trab a lh o , co m o a p o io d o s liberais. E varisto d e M oraes Filho relacio n a estes ev en to s: 1) criação, na C âm ara d o s D e p u ta d o s, e m 1918, d a C om issão d e L egislação Social; 2) a d e s ã o d o Brasil à O rg a ­ n iz açã o In te rn a c io n al d o T rab alh o , e n tã o o rg a n iz ad a; 3) atri­ b u iç ã o d e c o m p e tê n c ia privativa â U nião p ara legislar em m a ­ téria d e tra b a lh o , atrav és d a refo rm a c o n stitu c io n a l d e 1926; 4) co n sa g ra ç ã o em lei d e d iv ersas reiv in d ic a ç õ es relativas à fixa­ çã o d a jo rn a d a d e trab alh o ; férias a n u a is re m u n e ra d as; a c id e n ­ tes d e tra b a lh o etc.; e, 5) ex istên cia n o C o n g resso N acional d e g ra n d e n ú m e ro d e p ro jeto s d e lei relativos à q u e stã o , inclusive um C ó d ig o d o T rab alh o . Em fins da R epública V elha, c o n tu d o , os socialistas d e m o ­ cráticos a c a b a riam atra íd o s p a ra a ó rb ita d a A liança Liberal e, 165

a p ó s 30, c o la b o ra n d o co m a e statização d o sin d icalism o, p ro ­ m o v id a p e lo s castilhistas em n o m e d o lem a c o m te a n o d e “in ­ c o rp o ra ç ã o d o p ro le ta ria d o à s o c ie d a d e m o d e rn a ”. O P artido C o m u n ista q u e , n a d é c a d a d e 20, n u n c a p a ssa ra d e u m a p e ­ q u e n a seita, re c e b e rá n o fim d o p e río d o a a d e s ã o d e u m a d as facçõ es d o te n e n tism o , o q u e o h ab ilitaria a d e s e m p e n h a r c e r­ to p a p e l na luta p olítica d o s a n o s 30. O so cialism o a ssu m e, pois, feição auto ritária. A h e ra n ç a d a R ep ú b lica V elha é, assim , d e p o n ta a p o n ta , auto ritária. E os liberais, q u e p a rec ia m tão fortes à é p o c a d a in sta u ra ç ã o d a R epública, im p o n d o a C o n sti­ tu iç ã o e d e rro ta n d o o s positivistas, e q u e d u ra n te a R epública V elha d etin h a m o q u e N elson Saldanha d e n o m in o u p en sa m en to p olítico-oficial, g o z a n d o d e in c o n te ste a u to rid a d e m oral, to r­ n a ra m -se talv ez o p rin cip al s u ste n tá c u lo da fa c h a d a c o n stitu ­ cional d o país? O s liberais tiveram expressivas vitórias contra os positivistas nos anos 20, m as foram francam ente deirotados na d écad a seguinte. A A liança Liberal n ã o era um a a g re m ia ç ão política co m o p ro p ó sito d e re a g lu tin a r as várias facçõ es lib erais e sp a lh a d a s p e lo p aís e d e so rie n ta d a s p e la falta d e lid eran ça, a in d a q u e esg rim in d o p latafo rm as retó ricas c o m o era da trad ição . Na v e r­ d a d e , se u n ú c le o d irig e n te era c o n stitu íd o p o r u m a facção d is­ sid e n te d o re p u b lic a n ism o , c o n sistin d o n o n o m e d o c a n d id a to a su b stitu ir W ash in g to n Luís a ú nica d iv erg ên cia. O ru m o d o s a c o n te c im e n to s iria, p o r certo, atrair p a ra esse a g ru p a m e n to os re m a n e sc e n te s liberais e o P artid o D em o c rá tic o d e São P aulo, d o m e sm o m o d o q u e o s in telectu ais q u e sim p a tiz a v a m co m o socialism o d e m o c rá tic o . Mas essa a d e s ã o n ã o iria m odificarlhe o caráter. Jo sé Maria Bello d e sc re v e desta form a o su rg im e n to d a Alian­ ça Liberal: “Afinal, e m ju n h o d e 1929, o p re sid e n te d e Minas, d e fato, tam b ém ch efe d o Partido oficial, o g o v e rn a d o r e o chefe d o Partido R ep u b lican o d o Rio G ran d e, deixariam as co n v ersa çõ es vagas para firm ar p o r in term éd io d o s seu s re p re se n tan tes, o s e ­ 166

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c re tá rio d o g o v e rn o , F ran cisco C a m p o s, os d e p u ta d o s Jo sé B onifácio e J o ã o N eves, um p a c to d e aliança, q u e b e m traduzia o estilo da política rep u b lican a. O s dois Estados co m p ro m etiam se, em a c o rd o irretratável, a a p re se n ta r um n o m e g a ú c h o (o Sr. Borges d e M edeiros o u o Sr. G etúlio V argas) à su c e ssã o p resi­ dencial; n o caso d e o Sr. W ashington Luís aceitar com revide um c an d id ato m ineiro, a vice-p resid ên cia caberia a o Rio G ra n d e (...) D ep en d ia o a c o rd o da ex p ressa h o m o lo g a ç ã o d o Sr. B orges d e M edeiros. Sobre a base, pois, das m á q u in a s oficiais, uniam -se, à sem e lh an ç a d o q u e se verificara co m a R eação R epublicana, na su c e ssã o d e Epitácio P essoa, os p e q u e n o s partid o s o p o sicio n is­ tas d o país e os d e sc o n te n te s d e to d as as origens, civis e m ilita­ res, para o c o m b a te à can d id atu ra d e Júlio Prestes. Aliança Libe­ ral foi o n o m e d a d o a tal c o n c e n tra ç ã o ’’ (op. cit., p. 274). Vale dizer: n ã o se alterava a n atu reza d o conflito, q u e co n tinuava se n d o a luta d e facções pela p o sse d o F stado patrim onial lodopocleroso. E n ã o um a reação da so c ie d a d e civil para dem ocratizálo, co m o o n o m e p o d eria sugerir. Dessa lo n n a, esse* m o vim ento n ão ex p re ssa d e form a algum a o ren ascim en to d as forças libe­ rais, m as ju stam en te a sua fraqueza, ev id en ciad a p le n a m e n te na d é c a d a s u b se q ü e n te . Em m atéria d e lib eralism o, a h e ra n ç a da R epública Velha estaria p ra tic a m e n te circu n scrita ao P artido D em o c rá tico d e São P aulo, p o rq u a n to a lid eran ça d e Rui B arbosa e x tin g u e -se com a su a m o rte, em 1923, e Assis Brasil está in te g ra d o à frente única e stru tu ra d a n o Rio G ra n d e d o Sul. O P artido D e m o c ráti­ co, o rg a n iz a d o a o fim d o p e río d o , revelaria certa c a p a c id a d e d e articu la ç ão d u ra n te a d é c a d a d e 30, co m a b a n d e ira d a C o n s­ tituinte, q u e G etú lio V argas acab aria s e n d o fo rç a d o a c o n v o ­ car, e a c a n d id a tu ra p re sid e n c ia l d e A rm an d o Sales, d estin a d a a c o n c o rre r a o p leito q u e afinal n ã o seria c o n v o c a d o , d e v id o a o g o lp e d e n o v e m b ro d e 1937, q u e in stau ro u o F stado Novo. Assim , e m b o ra m a rc a n d o certa p re se n ç a na a re n a política, nào afeto u em n e n h u m a m e d id a o p re d o m ín io d as forças auioritá-

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rias. O te o r d a p re g a ç ã o q u e o caracteriza, sin te tiz ad a n a o b ra cie J o ã o A rruda a n te s c o m e n ta d a , s o m e n te em erg iria co m o p ó lo a g lu tin a d o r a p ó s a q u e d a d o E stad o N ovo, co m o su rg im e n to d a a g re m ia ç ão d e n o m in a d a U nião D em o crática N acional, q u e a d o ta ria o seu lem a ( O p reç o da lib erda d e é a eterna vigilân­

cia ) e o esp írito d e su a plataform a. Em q u e p e se o in q u estio n áv el su cesso q u e as co rren tes a u to ­ ritárias iriam lograr a o lo n g o d o m eio sécu lo su b s e q ü e n te á Re­ v o lu çã o d e 30 — e a ev id ên cia d e q u e o trânsito da prática a u to ­ ritária para o au toritarism o d o u trin ário o co rre na R epública V elha — n o livro Filosofia cia Escola N ova : do ato p o lítico ao ato p e d a ­ g ó g ico (Rio d e Jan eiro , T e m p o Brasileiro, 1986), a professora. Fátim a C u n h a ch am a a a te n ç ã o para o notável su c e sso alcan ça­ d o p elos m ov im en to s ed u cacio n ais na m esm a fase histórica. Com efeito, é na d é c a d a d e 20 q u e a elite intelectual brasileira ch eg a a u m a p ro p o sta d e u n iv ersid ad e calcada em b ases m o d e rn as. E em bora na a p licação d e ssa p ro p o s ta n o ciclo p o sterio r ten h a sido inteiram ente distorcida, sem levar-se em conta a décad a d e 20, torna-se inexplicável tanto a criação da U niversidade d o Distrito Federal (IJDF) c o m o da U niversidade d e São P au lo (USP), bem co m o o a p a re c im en to da Escola Nova. Em sín tese, a h ip ó te se d e Fátim a C u n h a p o d e ria se r fo rm u ­ lada d e s te m o d o : o se n tid o prin cip al d a Escola N ova é d a d o p ela in te n ç ã o d e p ro c e d e r a o d e s d o b ra m e n to da p ro p o sta lib e­ ral, p a ra torn á-la c o n s e q ü e n te e levá-la a o p la n o p e d a g ó g ic o , fa z e n d o n a sc e r a e d u c a ç ã o a serv iço d a c id ad an ia. Para c o m ­ p ro v a r su a h ip ó te se , a a u to ra irá re c o n stitu ir a situ a ç ã o d o id eário liberal n o s a n o s 20, q u e veio a se r in te ira m en te o b scu re c id o pela d e rro ta e sm a g a d o ra e x p e rim e n ta d a na d é c a d a d e 30, q u a n d o o s se g m e n to s a u to ritário s d o m in a m a ce n a po líti­ ca. S e g u n d o e sse le v a n ta m e n to , ev id e n c ia -se q u e a elite p o líti­ ca a c o m p a n h o u o p ro c e s so d e d e m o c ra tiz a ç ã o d a idéia liberal — e até s o u b e e n x e rg a r a im p o rtân cia d a q u e s tã o social, c o n ­ so a n te tem a d v e rtid o in siste n te m e n te E varisto d e M oraes Fi168

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Iho. Aos q u e viveram esse tem p o , inclusive o g ra n d e su cesso a lc a n ç ad o p ela ABE, a idéia liberal ap arecia c o m o algo fecu n d o e prom issor, d e stin a d o a g ra n d e futuro. Foram d e rro ta d o s por q u e su b estim aram as forças d a tradição. N em p o r isso seu id e a ­ lism o deix a d e estar a p o ia d o em forças sociais ex pressivas. A d erro ta é d o c o n ju n to d essas forças e n ã o d o s intelectuais to m a­ d o s iso lad am en te.

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V A L o n g a P r e d o m in â n c ia d o A u to r ita r is m o (1 9 3 0 -1 9 8 5 )

1 T e n t a t iv a d e p e r io d iz a ç ã o

o

m e io sé c u lo p o ste rio r à R ev o lu ção d e 30 caracteriza-se p ela c h e g a d a a o p o d e r d a q u e la s v e rte n te s d o au to rita rism o d o u trin á rio q u e d e s p o n ta ra m na R ep ú b lica V elha. T e n d o h a v i­ d o, e n tre ta n to , b re v e in te rre g n o d e m o c rá tic o e n tre a q u e d a d o E stado N ovo (1945) e a c h e g a d a d o s m ilitares a o p o d e r (1964), im p ò e -se q u e o largo p e río d o seja se c io n a d o . P elo q u e tu d o indicava, a idéia liberal estav a d e s c re v e n d o um a curva a sc e n d e n te d e p o is da Prim eira G uerra, sem o q u e se to rn a inexplicável q u e a R evolução d e 30 te n h a sid o dirigida p o r urna o rg an ização c h a m a d a A liança Liberal. N os m eios in telectu ­ ais, o positivism o fora fran cam en te d e rro ta d o na d é ca d a d e 20. N os a n o s 30 é q u e essa e x p re ssã o d a larga tradição cientificista ad o ta ro u p a g e m m arxista. S eg u n d o se referiu, em 1926 cria-se em São P aulo o Partido D em ocrático, se m e n te q u e iria florescer a m p la m e n te n o s prim eiros a n o s da d é c a d a seg u inte, em b o ra e sm ag ad a p e lo castilhism o getulista logo adiante. Assim, esse prim eiro ciclo m ereceria ser d estacad o , m o rm en te p ara ter p re ­ sen te as idéias d e A im a n d o d e Salles O liveira, q u e ex p ressam b em a m a tu rid a d e d o liberalism o brasileiro n a q u e la altura. Em ­ b o ra so b o E stado N ovo te n h a m sid o exilados os líderes liberais e o c u p a d o p ela d itad u ra O Estudo d c S. Paulo, ó rg ã o líder da facção liberal, n ecessário se to rn a c o n sid erar essa fase, em c o n ­ junto com o início d a d é c a d a d e 40, para ten tar c o m p re e n d e r o n d e p recisam en te os liberais se p erd eram .

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D u ra n te os q u in z e a n o s c o n sid e ra d o s, sã o e la b o ra d o s os a rg u m e n to s fu n d a m e n ta is c o n tra o liberalism o, e m rela ção ao s q u a is a lid eran ça liberal n ão s o u b e e n c o n tra i- as re sp o sta s a d e ­ q u a d a s e até c a p itu lo u , c o m o in d icarem o s. O p rim e iro d e le s c o n siste na te se d e q u e o reg im e liberal n ã o dá c o n ta da q u e s ­ tão social. Em p a rte a circu n stân cia d e c o rre d a crise d e 1929 q u e afeto u n o ssas e x p o rta ç õ e s d e café, o b rig a n d o o g o v e rn o a intervir d e m an eira drástica n o p ro c e sso , co m a q u e im a d e e s ­ to q u e s. O s e g u n d o a rg u m e n to diz re sp e ito â d e s n e c e ssid a d e d o s p a rtid o s p olíticos. C om o a d o u trin a da re p re s e n ta ç ã o h a ­ via sid o retirad a d a o rd e m d o dia p e la lid eran ça liberal d a Re­ p ú b lica V elha, p e rd e u -s e d e vista o p a p e l d o sistem a eleitoral n a su p o siç ã o d e q u e bastav a elim in ar a p o ssib ilid a d e d e frau ­ des, co m a criação d e Justiça Eleitoral a u tô n o m a . C om a q u e d a d o E stado N ovo, em 1945, vo ltam os h o m e n s q u e h aviam s id o a fa sta d o s da vida política p e lo g o lp e d e 37. R evelam ig n o rar s o le n e m e n te as tra n sfo rm a ç õ es o c o rrid a s c o m o lib era lism o , g ra ç a s s o b r e tu d o a o k e y n e s ia n is m o . A trib u o m a io r im p o rtân cia à p ro e m in ê n c ia n essa v e rte n te d e p e sso a s q u e p ro v in h a m d e um a o u tra trad ição , a católica, q u e d e m a­ neira m ajoritária e n c o n tra v a -s e em franca c o n tra p o siç ã o a o li­ beralism o . A inda q u e d e v a m o s n o s d e te r n e sse a sp e c to p o r re p u tá -lo essen cial, co m vislas a p e n a s a b e m situ ar os fatos, refiro d u a s circu n stân cias. M ilton C am p o s (1910-1972), q u e se c o n sid e ra seria re p re ­ se n ta n te d e s ta c a d o d a elite liberal, tev e a c o ra g e m d e afirm ar o se g u in te, n o s a n o s 60: “O lib eralism o ficou s e n d o o su p o rte d as classes d irig en tes, in sen sív eis o u e g o istic a m e n te hostis à a sc e n sã o h u m a n a , in sp irad a p ela filosofia cristã d a justiça so c i­ al e im p o sta p e la civilização in d u stria l”. J u s ta m e n te so b o Esta­ d o N ovo, g ra n d e n ú m e ro d e in telectu ais cató lico s p assa a o p o rse ã d itad u ra, o q u e os c red en cia a liderar a p rin cip al ag rem ia ção c o m b a te n te c o n tra o g e tu lis m o , to r n a d o s ím b o lo d o auto ritarism o , p o r isso m e sm o id en tificad a c o m o a u tên tic a e x ­ 174

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p re ssã o d a v e rd a d e liberal. T e n h o e m vista o d o c u m e n to q u e p a sso u ã história com a d e n o m in a ç ã o M anifesto d o s M ineiros (1944), q u e o s an alistas p e rd e ra m d e vista e, até o n d e esto u in fo rm ad o , n u n c a m e re c e u a d e q u a d a av aliação d o p o n to d e vista liberal. D e so rte q u e , na v e rd a d e , o lib eralism o b rasileiro pós-45 está n ã o só alh eio à trad ição p re c e d e n te , d e s in te re ssa n d o -se m e sm o d o c o n ta to co m as fo n tes ex te rn a s, q u e se m p re co n sti­ tu iu p re o c u p a ç ã o d as figuras p ro e m in e n te s d a facção liberal. O fato tro u x e g rav es c o n se q ü ê n c ia s p a ra o s d e stin o s d a c o r­ re n te , c o m o v erem o s. N o p e río d o d o in te rre g n o d e m o c rá tic o e stru tu ra-se um sis­ te m a eleito ral desfiguraclor d a re p re se n ta ç ã o , d o q u a l até ho je n ã o n o s livram os. Mais g rav e é a alian ça d o s liberais com os m ilitares. C o rre sp o n d ia a o inteiro a lh e a m e n to d a e x p e riê n c ia re p u b lic a n a , q u a n d o p a rte d a lid eran ça m ilitar, so b in sp ira çã o positivista, a rro g o u -se o d ireito d e intervir na vida política p a ra im p o r os ru m o s q u e lhe p arecia m ais a p ro p ria d o s. Esse q u a d ro explica q u e se hajam criado as co n d ições para a ascendência d o s m ilitares ao p oder, o n d e p erm an eceram p o r d uas décadas, levando ao virtual esm ag am en to da corren te liberal. As características distintivas d e cad a u m d o s m e n c io n a d o s p e río d o s (1930-1945; 1945-1964 e 1964-1986) são b re v e m e n te a p re s e n ta d a s n o s iten s seg u in tes.

2 AS CIRCUNSTÂNCIAS DO PERÍODO 1 9 3 0 - 1 9 4 5

2 .1 - D D

e s d o b r a m e n t o s d a c r ia ç ã o d o e m o c r á t ic o n a o b r a d e

S alles O

P a r t id o

A rmando

de

liveir a

A rm an d o d e Salles O liveira lev e um a a tu a ç ã o p olítica d e s ta ­ ca d a d u ra n te u m p e río d o re lativ am en te cu rto , a rigor in se rid o n u m ú n ic o d e c ê n io . C o u b e-lh e, e n tre ta n to , um p a p e l decisiv o n o q u e re sp e ita à so rte d o lib eralism o em n o ssa terra, ju n ta ­ m e n te co m o p e q u e n o g ru p o q u e se c o n g re g o u e m to rn o d e O E stado d c S. Paulo. Em su a d ire ç ã o co n flu íram as co rre n te s liberais d o País, n u m a fase d e fato n eg ra d e n o ssa história. Em q u e p e se haja sid o d e rro ta d o o m o v im e n to q u e lid erav a e e n ca rn av a, s o u b e fincar su a b a n d e ira n u m p o n to q u e seria in e ­ v itav elm e n te to m a d o c o m o referên cia q u a n d o o s v e n to s d e n o v o so p ra sse m na d ire ç ã o d o s ideais liberais. G raças a esse c o n ju n to d e circu n stân cias, seu p e n s a m e n to e su a aç ã o to rn a ­ ram -se u m a p a rte im p o rtan tíssim a d o lib eralism o b rasileiro n o c u rso d e su a e v o lu ç ã o histórica. O d e sfe c h o re p re s e n ta d o p e lo g o lp e d e 10 d e n o v e m b ro d e 1937 e a s u b s e q ü e n te d ita d u ra d e V argas o b sc u re c e m o fato d e q u e o lib eralism o brasileiro, u m a v e z m ais, e n c o n tra v a -se n u m a fase a sc e n d e n te n a d é c a d a d e 20. D e rro ta d o s na luta q u e se se g u iu à p ro c la m a ç ã o d a R epública, com a m u d a n ç a n o reg i­ m e n to d a C âm ara, so b C am p o s Sales, p e rm itin d o q u e a M esa

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fixasse a su a c o m p o siç ã o sem referên cia a o p leito eleiloral r to rn a n d o as e le iç õ e s um a farsa, os liberais ficaram m u ito s an o s sem b a n d e ira s a d e q u a d a s à circu n stân cia, e m b o ra a c a m p a n h a civilista haja p o s te rg a d o a c o m p le ta m ilitarização d a R e p ú b li­ ca. C o n tu d o , a p ó s a Prim eira G uerra, o c u p a m -se su cessiv am en te da q u e stã o social. C o u b e -lh e s a iniciativa d e o rg an izar, na C â­ m ara, a C o m issão d e L egislação Social, d e p ro m o v e r a a d e sã o d o País à O IT (O rg a n iz a çã o In te rn a c io n al d o T ra b a lh o ) e d e e n c a m in h a r , n o P a rla m e n to , o e x a m e d e le g is la ç ã o d iscip lin a d o ra d a m atéria. B a la n c e a n d o a m o v im e n ta ç ã o e n tã o en se ja d a , Kvaristo d e M oraes Filho teria o p o rtu n id a d e d e escrever: “Q u a n d o eclo d iu a 3 d e o u tu b ro , e n c o n tro u a re v o lu ç ã o em v ig o r cerca d e um a d ú z ia d e leis trabalhistas; n u m e ro so s p ro jeto s n o C o n g resso N acional, inclu siv e um C ó digo d e T rab alh o ; a reform a c o n sti­ tu cio n al d e 1926, d a n d o c o m p e tê n c ia privativa e e x p re ssa à U nião p a ra legislar so b re o trab alh o ; o Brasil já filiado à O IT d e s d e su a fu n d a ç ã o ; a C o m issão d e L egislação d e s d e '1918. G ra n d e era o n ú m e ro d e e n tid a d e s sindicais v ariad as e às v e ­ zes p ito re sc a s d e n o m in a ç õ e s. O m o v im e n to social, m o rm e n te a p artir d e 1917, era in te n so e a tu a n te , co m g rev es, violências, reiv in d icaçõ es, e x p u lsã o d e líderes e stra n g e iro s e p risõ e s d e to d a o rd e m . F u n cio n av am o u hav iam fu n c io n a d o o s P artid o s C o m u n ista e Socialista, co m p u b lic a ç õ e s p ró p ria s e re p re s e n ­ ta n te s n o C o n g resso . Da ag itação p articip av am in telectu ais, jor­ n alistas, e sc rito re s, p ro fe s s o re s, c o m d e c id id a s to m a d a s d e p o siç õ e s re v o lu c io n á rias o u reacio n árias, m as tu d o sig n ifican ­ d o vida e p re se n ç a . N ão foi um p aís m o rto e p a ra d o q u e o m o v im e n to d e 30 s u rp re e n d e u , m u ito p e lo c o n trá rio ”.1 A força d o m o v im e n to liberal p o d e se r en trev ista a in d a p e lo cerco a q u e se viu s u b m e tid o o jo v em líd er d a re p re se n ta ç ã o rio -g ran d e n se , G etú lio V argas, d u ra n te a g u e rra civil g a ú c h a 1. “SindicaLo e sindicalismo 1 1 0 Brasil”, in A s tendências aluais do Direito Píihh co, Rio de Janeiro, Eorense, 1976, p. 191-192.

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d e 1923, q u e term in a co m o T ra ta d o d e P e d ra s Altas (d e z e m ­ bro, 1923), c o n so a n te o reg istro p re se rv a d o n o s A nais d o C o n ­ g re sso . O s lib erais g a ú c h o s o b tê m en fim im p o rta n te vitória, so b re o s castilhistas, ao c o n se g u ir q u e o Rio G ra n d e fosse e n ­ q u a d ra d o n o sistem a legal d o País, p o n d o te rm o às su cessiv as re e le iç õ e s d e B orges d e M edeiros, c o n q u ista c o n sa g ra d a na R eform a C o n stitu cio n al d e 1926. Em sum a, se o liberalism o n ã o se e n co n trasse em fase a sc e n ­ d e n te, tornar-se-ia inexplicável a d e n o m in a ç ã o A liança Liberal a o m ov im en to q u e levou à d e rru b a d a da R epública Velha. O u tro feito n o táv el c o rre s p o n d e à criação d o P artido D e m o ­ crático, em São P au lo , n o a n o d e 1926, q u e m arca o fim d o sistem a d e p a rtid o ú n ico . Até en tão , as a g re m ia ç õ es p artid árias eram e sta d u a is e d e n o m in a v a m -se in v ariav elm en te d e P artid o R ep u b lic a n o (P aulisia, K io-G randense etc.). B u sc a n d o d a r fu n ­ d a m e n to s te ó ric o s à aç ã o d o n o v o p artid o , J o ã o A rruda (18611943), c a tc d rá lico d e filosofia d o d ireito n a trad icio n al F acu l­ d a d e d o Largo d e São Francisco, p u b lica, e m 1927, D o regim e dem ocrático. Na ca p a d e sse livro a p a re c e p ela p rim eira vez a co n signa: O p re ç o da liberdade c a eterna vigilância , a d o ta d a p e la UDN, cu jo n a sc im e n to está n e c e s s a ria m e n te lig ad o ao P artido D em o crático , m as ig u alm en te à e m e rg ê n c ia n o c e n á rio p o lítico d e A rm an d o d e Salles O liveira. A qui se inicia u m a q u a d ra trágica d a história d o país e ta m ­ b ém a a ç ã o d e A rm an d o d e Salles O liveira. A trag éd ia c o m e ç a d a form a a d ia n te d escrita p o r A n to n io C arlos Pereira: “O p ri­ m eiro e m b a te e n tre a m e n ta lid a d e ‘p e rfe ita m e n te re v o lu c io n á ­ ria’ e a m e n ta lid a d e ‘p o lític a ’ se d aria p ela p o s s e d e São P aulo. A re v o lu ç ã o fora feita p a ra d e p o r um p re s id e n te d a R epública q u e c o n stru íra su a vida e m São P a u lo e p a ra im p e d ir a p o sse d e u m c a n d id a to q u e p resid ira o E stado. A m b o s e n c a rn a v am os c o stu m e s p o lítico s e ad m in istrativ o s q u e se p re te n d ia re g e ­ nerar. Mas n ã o refletiam a o p in iã o p ú b lic a p au lista, q u e se a fas­ tava ca d a v ez m ais d o oficialism o, a p o ia n d o as idéias d a A lian­ 178

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ça Liberal. N ad a d isso seria le v a d o e m c o n sid e ra ç ã o . São Pau lo era o E stad o m ais im p o rta n te da F e d e ra ç ã o e o q u e aq u i se d e cid isse p e sa ria d e c isiv a m e n te n o fu tu ro d a rev o lu ção ". {Fo­ lha D obrada, São P aulo, O Estado d e S. Paulo, 1982, p. 15.). C om a p o sse d o ‘te n e n te ’ J o ã o A lberto n o g o v e rn o d e São P a u ­ lo, c o n so a n te indicaria m ais tard e Julio d e M esquita Filho, “lançase a p rim eira e ta p a na e x e c u ç ã o d o p la n o m ais v asto d a im ­ p la n ta ç ã o d efinitiva d o c a u d ilh ism o na R ep ú b lica. Para n ão c h o c a r d e fren te a su sc e tib ilid a d e p au lista, J o ã o A lberto se a p re ­ sen taria c o m o um sim p les d e le g a d o m ilitar d o g o v e rn o p ro v i­ sório, e n c a rre g a d o d e d e fe n d e r o n o sso E stado d e p o ssíveis tro p e lia s d a s forças d e o c u p a ç ã o e d o e s c o a m e n to d esta s p ara a cap ital d o País e p a ra as su a s resp e c tiv a s se d e s. A s e g u n d a e p rin cip al — p o rq u e d ela d e p e n d e ria o su c e sso o u o m alo g ro d o p a c to d e Ponta G ro ssa — seria o a n iq u ila m e n to d o P artido D e m o c rá tic o ” (A p u d Folha D obrada, p. 22). O d e sd o b ra m e n to d e ssa crise é c o n h e c id o d e to dos: a R evo­ lu ção C o n stitu cio n alista q u e im p ô s a V argas a c o n v o c a ç ã o da A ssem bléia C o n stitu in te e o a d ia m e n to d e se u s p la n o s d e tra n s­ p la n ta r p a ra o p la n o n acio n al, co m alg u m as a d a p ta ç õ e s , o sis­ tem a im p la n ta d o n o Rio G ra n d e d o Sul p o r Jú lio d e C astilhos ain d a na p rim eira d é c a d a re p u b lic a n a . E m bora o s liberais tiv essem sid o a liad o s d o g o v e rn o fe d e ­ ral e a d isp u ta p e lo p o d e r se trav asse e n tre c o rre n te s a u to ritá ­ rias, a b a n d e ira d a R ev o lu ção d e 30 fora c o m p o sta p e lo ideário liberal e o c lam o r em p rol da re c o n stitu c io n a liz aç ã o d o país assu m ia c a rá te r n acio n al. C o n tu d o , o fato d e q u e a R evolução C o n s titu c io n a lis ta tiv e ss e a s s u m id o fe iç ã o e m in e n te m e n te p au lista fez co m q u e o G o v e rn o C entral p ro c u ra sse focalizar p re fe re n te m e n te o in tu ito s e p a ra tista q u e in e g a v e lm e n te se a p o s s o u d e certo s c o n tin g e n te s em São P aulo. A rm an d o d e Salles O liveira p e rc e b e u co m to d a a n itid ez os riscos d e iso la­ m e n to q u e a m e a ç av a m a lid eran ça liberal, to rn a n d o -se o artífi­ ce d a estratég ia q u e p erm itiu a re c o m p o siç ã o d as c o rre n te s li­

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berais. Esse foi o p rim eiro g ra n d e serv iço q u e p re sto u ã cau sa d o lib eralism o n o País. Até a é p o c a d a R evolução d e 30, q u a n d o c o m p le ta ra q u a ­ ren ta e três an o s, A rm an d o d e Salles O liveira e ra u m h o m e m vui^uiauu k a ie a e m p resarial. M esm o n o p e río d o q u e lh e s e ­ g u iu d e im ed iato , su a s p re o c u p a ç õ e s v o ltaram -se s o b re tu d o p a ra a m esm a d ire ç ã o . Assim, a in d a e m ju lh o d e 1931, v am o s e n c o n trá -lo c u id a n d o d a o rg a n iz a ç ã o d o In stitu to d e O rg a n iz a ­ ç ã o R acional d o T ra b a lh o (1DORT), q u e d e s e m p e n h a ria , em re laç ão a o se to r p riv ad o , o m e sm o p a p e l q u e a F u n d a ç ã o G etúlio V argas e x e rc e u n o se to r p ú b lic o e m m atéria d e m o d e rn iz a ­ ç ã o adm in istrativ a. A g ra v id a d e d o q u a d ro p o lítico é q u e a c a ­ b a ria a f a s ta n d o - o d e ta is a f a z e re s . Já e m 1932 p a r tic ip a a tiv am en te d a s a rticu laçõ es q u e iriam d e s e m b o c a r n a R ev o lu ­ ç ã o C onstitu cio n alista. D e p o is d e sse m o v im en to , seria um d o s re sp o n sá v e is p e la vitória n o p leito eleito ral d e m aio d e 1933, c o n v o c a d o p a ra e sc o lh a d a re p re s e n ta ç ã o à A ssem bléia C o n s­ tituinte. A pós as e leiçõ es, reav iv a-se o m o v im e n to em p ro l d e um in te rv e n to r civil e paulista. A co lig a ç ã o co n stitu íd a p e lo PRP e p e lo P artido D em o crático in d ica-o p a ra a in terv en to ria, in d ic a ç ã o q u e é aceila p o r V argas. Seria, pois, à fren te d o G o ­ v e rn o d e São P au lo q u e A rm an d o d e Salles O liveira iria e n ­ fren tar co m êx ito as ilusões sep aratistas. Eis c o m o o p ró p rio A rm an d o d e Salles O liveira se refere a e sse a sp e c to d e su a a tu a ç ã o política: A primeira cam panha, encetada em um ambiente saturado de decepções e de sofrimentos, visou reconquistar para a idéia na­ cional uma fração considerável do povo paulista, a qual persistia em não se aproxim ar dos hom ens q ue estavam no poder, responsabilizados pelas provações que lhe tinham sido infligidas. Era uma cam panha feita de com preensão e sinceridade. Tendo no próprio peito, ainda não fechadas, as feridas que se abriram em todos os paulistas, eu com preendia a extensão do mal e as 180

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dificuldades da conciliação. Ao lado das feridas, porém, penna neciam, intactas as fibras mais íntimas, as que formam a essê*neia do meu ser. Essas repeliam a idéia de trocar um horizonte de imensas perspectivas por um horizonte limitado; as pom pas do presente poderiam dar a ilusão de grandeza, mas se desvanece­ riam quando, comparando-se com os grandes países, pesásse­ mos o que poderíam os valer com o nação” (Jornuch Democráti­ ca, José Olympio, 1937). A política d e co n c ilia ç ão n acio n al e n c e ta d a p o r A rm a n d o d e Salles O liveira m e re c e u am p la a p ro v a ç ã o n as e le iç õ e s d e 14 d e o u tu b ro d e 1934, q u a n d o foram ele ito s d e p u ta d o s fed erais e e sta d u ais, os p rim eiro s p ara a legislatura o rd in ária a p ó s p ro ­ m u lg a d a a C arta M agna e os ú ltim os p a ra e la b o ra r a C o n stitu i­ ção E stadual. E n fren taram -se o P artid o C o n stitu cionalista, o r­ g a n iz a d o em 1934 p a ra realizar, e x p re ssa m e n te , “um a sín tese das a sp ira ç õ e s d e fe n d id a s p e la s re v o lu ç õ e s d e 1930 e 1932”, e o a n tig o P artid o R e p u b lic a n o Paulista (PRP). A e x p ressiv a vitó­ ria d o P artid o C o n stitu cio n alista p erm ite q u e a A ssem bléia Es­ ta d u a l e leja o p r ó p r io A rm a n d o d e S alles O liv e ira p a ra o g o v e rn o co n stitu c io n a l d o E stado. Tal se d á em abril d e 1935. R eco m p o sta a situ a ç ã o d e São P au lo na F ed e ra ç ã o , p assav a a p rim eiro p la n o a re o rg a n iz aç ã o d as c o rre n te s liberais n o país. O q u a d ro v ig en te em n a d a favorecia se m e lh a n te p ro p ó sito ^ Na E u ropa, o nacio n al-so cialism o to rn ara-se um a força p o larizad o ra d e g ra n d e vitalid ad e. A alternativa m ais visível, o so cialism o in te rn a cio n a lista , só na a p a rê n c ia lh e era o p o s ta p o rq u a n to ta m b é m c o rre sp o n d ia a um a facção totalitária. O s E stadôs U ni­ d o s an d a v a m ain d a às voltas co m as feridas d a crise d e 29- N o B rasil, p u lu la v a m a s fa c ç õ e s a u to r itá r ia s , a c o m e ç a r d o s castilhistas n o poder.) S ab em o s q u e o g ru p o paulista lid e ra d o p o r A rm an d o d e Salles O liveira n ã o c o n se g u iu im p o r as e le iç õ e s p resid en cia is d e 3 d e jan eiro d e 1938. O g o lp e d e 10 d e n o v e m b ro d e 1937 181

lev o u os liberais à p risã o e a o exílio. C o n tu d o , é fora d e d ú v i­ d a q u e c o n se g u ira m c o m p o r e m h a rm o n ia um p ro g ra m a liberal q u e m arca u m p o n to alto n a história d e ssa c o rre n te n o Brasil. Esse p ro g ra m a e n c o n tra -se n o s vários d isc u rso s d a c a m p a n h a p re sid e n c ia l d e A rm an d o d e Salles O liveira, c u m p rin d o a ssin a ­ lar o q u e se se g u e . A p rim eira n o v id a d e a d e sta c a r co n siste n o p a p e l q u e Ar­ m a n d o d e Salles O liveira atrib u i ao p a rtid o político, o q u e , na ép o c a , ain d a n ã o era d e re c o n h e c im en to universal. Estava a te n to p ara a m a g n itu d e d o se u p a p e l e acred itav a m e sm o q u e “a d e ­ c a d ê n c ia d a política pau lista, n as d u a s ú ltim as d é c a d a s... v em d o fato d e se ter a n u la d o , d ia n te d o s c h e fe s d o E xecutivo, o p ró p rio p a rtid o q u e o s e le g ia ”. A se u ver, “v iv erem o s em reg i­ m e d em o c rá tic o , se so u b e rm o s re sg u a rd a r a esta b ilid a d e e a a u to rid a d e d o E xecutivo e fo rtalecer-lh e o s m e io s d e d e fe n d e r a n açào , e se s o u b e rm o s d a r vida a o P arlam en to , e n v ia n d o -lh e re p re se n ta n te s d e p a rtid o s políticos q u e , firm an d o -se em lar­ g o s p ro g ra m a s d e futu ro , n ã o p e rc a m d e vista as re a lid a d e s e os fatos c se d is p o n h a m a a g ir” (Jornada D em ocrática , p. 32). O b e m m aio r a q u e a N ação p o d e a sp ira r c o rre s p o n d e à m a n u te n ç ã o d as lib e rd a d e s d em o cráticas, cujos inim igos e n ­ co n tra m -se n ã o a p e n a s e n tre os co m u n istas, c o m o e n tã o se alar­ d e a v a p re fe re n te m e n te , m as ta m b é m n o s arraiais au toritários. F a lan d o em n o m e d e se u p artid o , escrev eria, “louvei as form as trad icio n ais d a civilização brasileira. E stam os im p re g n a d o s d o se n tim e n to n acio n al, q u e o p o re m o s às in v estid as m arxistas d a fren te in tern acio n al. Mas esta m o s ta m b é m im p re g n a d o s d o s e n ­ tim e n to d e m o crático , q u e o p o re m o s, co m o m e sm o vigor, às tentativ as d e assalto d irig id as p e la d ire ita ”. D izia-se e n tã o q u e o livre ex ercício d a política im p e d ia q u e o p aís se o c u p a sse d o s se u s p ro b le m a s fu n d a m e n ta is. Ao q u e replica: “Se n o ca m ­ p o n acio n al há n e c e ssid a d e d e trég u as p a ra a s o lu ç ã o d e al­ g u n s p ro b le m a s, p ro m o v a m -se as trég u as, sem q u e isto im pli­ q u e a a b d ic a ç ã o o u o d e s a p a re c im e n to d o s p a rtid o s”. 182

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O d isc u rso d e Ju iz d e Fora (14 d e a g o sto d e 1937) p erm an e ­ ce até h o je c o m o u m ro teiro se g u ro p a ra o p o sic io n a m e n to li beral em face d a d e n o m in a d a q u e s tã o social. Enfatiza ali q u e a p o b re z a é “u m tem a d e e stu d o s, d e in v estig açõ es e m e d itaç ão , um c ria d o r d e ativ id ad es, u m e x c ita d o r d e o b ra s coletivas, um a in sp iraçã o p e rm a n e n te d e assistên cia e d e p re v id ê n c ia sociais e n u n c a u m m o tiv o d e e x a l t a ç õ e s c o n v u l s i v a s o u d e lo u v am in h a s la n g o ro sa s”. Até hoje, e n tre ta n to , a te n d e a p e n a s à retórica d a b u ro cracia, se rv in d o d e p re te x to p a ra n o v o s e su b s e q ü e n te s assalto s a o co n trib u in te . O liberalism o, ad v erte, re c o n h e c e o s e x a g e ro s d o in d iv id u alism o . Mas n e m p o r isso se p o d e retro a g ir à situ a ç ã o an terio r, q u a n d o o in d iv íd u o se e n ­ c o n trav a in d e fe so d ia n te d o E stado. R eafirm a, p o rta n to , q u e “o in tere sse in d iv id u al n ã o p o d e se r d e s c o n h e c id o p ela p ro te ­ çã o c o le tiv a ”. N outra o p o rtu n id a d e , fa la n d o às classes c o n se rv ad o ra s d e São P aulo, n ã o vê razão p a ra “c o n sid e ra r a riq u eza, h o n e s ta m e n te a d q u irid a , c o m o co isa in fam an te, s e g u n d o as id éias d a Id ad e M édia”. A p re g a ç ã o d e A rm an d o d e Salles O liveira é n itid a m e n te n o se n tid o d e u m E stado q u e m a rq u e a su a p re se n ç a n o s g ra n d e s tem as d a vida e c o n ô m ic a e social sem e m b a rg o d a co n fian ça q u e se m p re m an ifesto u na iniciativa p riv ad a e na c a p a c id a d e d e d isc e rn im e n to d o s vários se g m e n to s d a so c ie d a d e . D iría­ m o s h o je q u e se inclinaria p ela m o d e rn iz a ç ã o d o E stado, p r e ­ p a ra n d o -o p a ra a b a n d o n a r o lu issez-íiire , m as sem ad m itir o in terv e n c io n ism o q u e elim in asse a e m p re sa p riv ad a e c o n sa ­ g ra sse os m o n o p ó lio s estatais, a e x e m p lo d a p o lítica q u e veio a se r c o n sa g ra d a n o Brasil. Focalizam os aqui, d e m o d o especial, as idéias políticas d e Ar­ m an d o d e Salles O liveira] Essa escolha resulta d o e m p e n h o d e b e m caracterizar a esp écie d e liberalism o d e q u e se fez p o rta-v o /j Tal preferência n ão significa m en o sp rezar o valor d e su as realiza­ ções no p la n o adm inistrativo, nem su p o r q u e seriam irrelevantes para a afirm ação d e su a liderança. M uito ao contrário. A com pc183

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tência da e q u ip e liberal ã frente d o g o v ern o paulista m uito contri­ buiu para im p ed ir q u e se con su m asse a su p ressão d e sua lem ­ brança, aspiração m aior da ditadura Vargas. E m p reendim entos b em -suced id o s co m o o Instituto d e Pesquisas T ecnológicas (IPT), a form ação d e técnicos agrícolas e o estim ulo à m o dernização e diversificação d a agricultura, a reform a adm inistrativa e tantas outras iniciativas acabaram inequivocam ente associadas ao n o m e d e seu criador e à co rrente política q u e encarnava. Para a p o ia r a su a c a n d id a tu ra à P resid ên cia d a R epública, con stitu iu -se, em ju n h o d e 1937, a U n ião D em o crática B rasilei­ ra, e m b riã o d a futura U nião D em ocrática N acional (U D N ), c o n s ­ tituída para c o n g re g a r os liberais a p ó s a q u e d a d o E stado N ovo. A rm an d o d e Salles O liveira c h e g o u a to m a r p a rte na p rim eira re u n iã o d o D iretório N acional da UDN, realizad a e m 21 d e abril d e 1945- Mas viria a falecer logo d e p o is, em 17 d e m aio. O p rim e iro g o v e rn o saíd o d o m o v im e n to d e 64 d isso lv eu a UDN em 1965, c ria n d o p a rtid o s artificiais. A circu n stân cia m o s­ tra b e m c o m o a in g erên cia m ilitar n a vida política da País, a p ó s a R epública, tem sid o o p rin cip al o b stá c u lo à c o n stitu içã o d as in stitu içõ es d o sistem a rep re se n ta tiv o .

2 . 2 - A BANDEIRA DA QUESTÃO SOCIAL PASSA ÀS MÃOS DO AUTORITARISMO É d e to d a ev id ê n c ia q u e no s c o m e ç o s d o s a n o s 30 te n h a v ig o ra d o n o p aís um clim a d e am p la lib e rd a d e . Essa c irc u n s­ tância, e n tre ta n to , n ã o p ro p ic io u n e n h u m d e b a te m aio r se p o r isso e n te n d e rm o s o e m p e n h o e sc la re ce d o r. O rad icalism o v i­ g e n te tu d o red u zia a slog an s. ^ D u a s cre n ç a s a d q u ire m n o p e río d o g ra n d e v italid ad e, in ­ c o rp o ra n d o -se , a b e m dizer, ao c o n ju n to d e p la ta fo rm a s po líti­ cas d e to d o s os ciclos su b se q ü e n te s . A p rim eira d elas co n siste em afirm ar q u e o liberalism o n ã o reso lv e o p ro b le m a s o c ia l/ Essa idéia n ã o resu lto u d e um a av aliação a m a d u re c id a d o sis­ 184

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tem a liberal. Saiu p ro n ta e a c a b a d a d e n o ssa trad ição re p u b li­ can a, n o m o m e n to em q u e , p areceria, d e v ê sse m o s e n c o n tra r as c au sa s d e su a in c a p a c id a d e p ara a sse g u ra r e sta b ilid a d e p o ­ lítica e q u iv a le n te ã a lc a n ç ad a n o S eg u n d o R einado. ^A o u tra c re n ç a n ã o tem u m a fo rm u lação afirm ativa. R esum ese a o m e n o s p re z o p e lo s p a rtid o s políticos. Fstes, c o m o se sabe, in c lu em -se e n tre o s p rin cip ais d e sd o b ra m e n to s da d o u trin a li­ b e ra l c lá s s ic a /N a m e d id a em q u e , c o m a R epública, os d ista n ­ ciam o s d a e v o lu ç ã o d o lib eralism o e u ro p e u , sem d isp o rm o s, n o Im p é rio brasileiro, d e e x p e riê n c ia real na m atéria, a d o u tri­ na d o P artid o P olítico re d u z iu -se à c o n sa g ra ç ã o d o p a p e l q u e a c a b o u re p re s e n ta n d o e n tre nós: sim ples in stru m en to s para p re ­ se rv a r o p o d e r em m ão s d e d e te rm in a d a s facçõ es d as elites estad u a is, já q u e se ab d ic a ra d e q u a lq u e r v eleid a em m atéria d e p a rtid o n acional. O p rim e iro d e sse s m itos d e v e se r c o n te m p la d o m ais d e p e r­ to, d e ix a n d o a q u e s tã o d a re p re s e n ta ç ã o p olítica p a ra m ais a d ia n te . G a n h a c o rp o a idéia d e q u e o liberalism o clássico teria sido in cap az d e d efro n tar-se com a q u e stã o social. N ão se trata p ro ­ p ria m e n te d e um a resu ltan te da p ro p a g a n d a d e c u n h o auto ritá­ rio q u e se corporifica d e m o d o a c a b a d o n o m estn o p erío d o , p o rq u e p ro p a g a n d a ex trem ad a te n d e se m p re a galvanizar a p e ­ nas os a g ru p a m e n to s m inoritários. K nquanto o c o n v en c im e n to d e q u e o sistem a liberal seria elitista e infenso à elev ação social das g ra n d e s m assas, ele se tornaria, d e s d e en tão , lu gar-com um no país a p o n to d e q u e os p ró p rio s liberais a c ab assem a d o ta n ­ d o -o co m o prem issa. N ão d eix a d e cau sar e sp a n to o silêncio q u e paira n a q u e le p e río d o so b re as idéias d e K eynes c o m o o fato d e se hav er co n so lid a d o aq u ela co n v icção , em q u e p esem ter sid o p recisam en te os sistem as liberais q u e erigiram , com e x ­ clusividade na história da h u m a n id a d e , um a so c ie d a d e o n d e o b em -estar m aterial se d ifu n d iu en tre a q u a se to talid ad e d e seus m em b ro s e n ão a p e n a s en tre o s g ru p o s d o m in an tes, a ex e m p lo 185

d as civilizações an teriores. N em se diga q u e se tratava d e um a a p re ciaçã o valorativa. Esse a sp e c to n em foi trazido a d eb a te, p e lo m en o s n u m a situ ação d e m aio r d e sta q u e . N ão se a d o to u c o m o prem issa m aior a h ip ó tese d e q u e o sistem a liberal seria alienante, co n d u ziria a privilegiar a d im e n sã o m aterial d o s h o ­ m en s etc., m as q u e a m aioria estava c o n d e n a d a a viver co m salá­ rios d e fom e, priv ad a d e escolas, d e assistência m édica etc. Na d écad a d e 30, os liberais brasileiros entregaram aos a g ru ­ p am en to s autoritários — e so b re tu d o ao s castilhistas no p o d e r — a bandeira d a q u estão social. A ênfase n esse asp ecto parecia-lhes, e com razão, a p e n a s um a faceta da arenga autoritária. E m p en h a­ ram -se a fu n d o na a d o ção d o s m ecanism os capazes d e assegurar a lisura do s pleitos certos d e q ue, d e sua consolidação, resultaria o a d e q u a d o e q u acio n am en to do s g ran d es lem as q u e efetivam en­ te estivessem p re o c u p a n d o a nação. T u d o m ais foi co n sid erad o sim ples diversionism o. Aceitaram, portanto, o desaf io nos term os em q u e eram colocad o s p elo autoritarism o em ascensão. Mais p re ­ cisam ente: agarraram -se ao aspecto formal, à visão d e q u e a invo­ cação d o c o n te ú d o se fazia para elim inar a liberdade. A crítica d o s defeitos d o liberalism o clássico ex p erim en ta um a g ra n d e transform ação, q u e se p o d e resum ir n o trech o seguinte. No p e río d o s u b s e q ü e n te à sua fo rm u lação o riginária p o r Locke, o liberalism o , n o a sp e c to político, in c o rp o ra ria d u a s d im e n sõ e s significativas: a idéia d em o crática, isto é, a re p re ­ s e n ta ç ã o a ssu m in d o form a d e m o c rá tic a d e q u e n ã o d isp u n h a , e a e stru tu ra ç ã o d o s p a rtid o s políticos c o m o in stru m e n to s para a co n fig u ra ç ão d e zo n a s d e in teresses. Essa c o m p o n e n te po líti­ ca será tratad a lo g o ad ian te. No ciclo d e su a form ulação original in co rp o raram -se ao siste­ m a liberal as d o u trin as e c o n ô m icas clássicas, cuja essência cifra­ va-se no kiissez-fhire. No p e río d o c o n te m p o râ n e o form ula-se um n o v o tipo d e liberalism o eco n ô m ico , q u e p reco n iza a in te rv en ­ ção d o E stado na eco n o m ia, p re se rv a d o s o s institutos trad icio ­ nais (re p re se n taç ã o e lib erd ad e política), bem c o m o as regras

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fu n d am en tais d a ch a m a d a eco n o m ia d e m ercad o . I)e so ite q u e os liberais brasileiros, se n ã o tivessem sid o levados a circuns­ crev er su a s re iv in d icaçõ es a u m a p latafo rm a e x c lu siv am en te libertária c o n sa g ra n d o a perd a d o s vínculos q u e se m antinha, n o séc u lo XIX, co m o p e n sa m e n to e u ro p e u , p o d e ria m fazer c a u ­ sa co m u m com os críticos da eco n o m ia liberal, ev ita n d o q u e d essa prem issa se inferissem co n clu sõ es totalitárias. A n o v a d o u trin a d o lib eralism o e c o n ô m ic o , se e n c o n tro u resistên cias n o s a n o s 20, na d é c a d a d e 30 c o m e ç a a g a n h a r a d e sã o d o s g ru p o s p o lítico s d o m in a n te s n o s p aíses cap italis­ tas. É n e sse p e río d o q u e se form ula, so b su a in sp ira ç ão , o N ew

D eul am e ric a n o . Tal circu n stân cia em n a d a iria influir n a c o n ­ ju n tu ra brasileira.

2 . 3 - 0 M

a n if e s t o d o s



M

in e ir o s

Em o u tu b ro d e 1943, e x p re ssiv o g ru p o d e in telectu ais d e M inas G erais d iv u lg o u um d o c u m e n to c o n tra o E stado N ovo q u e p a sso u à história co m a d e n o m in a ç ã o d e M anifesto d o s M ineiros. E m b o ra esse d o c u m e n to n ã o haja sid o e s q u e c id o — se n d o , a o co n trário , fre q ü e n te m e n te referid o — , s u p o n h o q u e até o p re s e n te n ã o te n h a sid o c o n s id e ra d o d e um p o n to d e vista liberal, p a re c e n d o essen cial fazê-lo u m a vez q u e m a rco u so b re m a n e ira o lib eralism o d o p e río d o q u e d e im ed iato se s e ­ g u iu a o fim d o E stado N ovo — isto é, n o in te rre g n o d e m o c rá ti­ co en tre 1945 e co m eço s d e 1964 — , dissocian d o -se g ran d e m e n te da e x p e riê n c ia p re c e d e n te . A p rim eira sin g u la rid a d e d o M anifesto d o s M ineiros resid e n o fato d e q u e sejam cató lico s q u a se to d o s o s se u s sig n atários. Essa circu n stân cia n ã o d eix a d e c a u sa r e sp é c ie p e lo fato d e q u e a Igreja C atólica, ta n to n o c o n tin e n te e u ro p e u c o m o n o Brasil, pQ sicionava-se fra n c a m en te c o n tra o liberalism o, a c h a n d o -se d e alg u m m o d o a sso ciad a a o fascism o italian o e às su as e x p re ssõ e s ibéricas, c o m o ta m b é m a o E stado N o v o brasileiro.

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N os d e s d o b ra m e n to s d e su a c o n d e n a ç ã o a o lib eralism o , R om a su scito u a d o u trin a co rp o rativ ista, q u e p re te n d ia to rn arse alternativ a a o sistem a re p re se n ta tiv o e ta m b é m u m a m a n e i­ ra d e evitar a R evolução Industrial. E m bora n ã o p o ssa n e m d e v a se r re sp o n sa b iliz a d a d ire ta m e n te seja p e lo fascism o seja p e lo salazarism o o u o fran q u ism o , e sses reg im es situ av am -se n o m e sm o c a m p o , n o ta d a m e n te n o a sp e c to p olítico. C om o fim d e g u e rra , a d e m o c ra c ia cristã italiana ro m p e co m a q u e la tra ­ d u ç ã o e a d o ta u m p ro je to fra n c a m en te m o d e rn iz a d o r p a ra a Itália, a d e rin d o in clu siv e a o sistem a re p re se n ta tiv o . T am b ém o fran q u ism o term in aria p o r im p la n ta r p ro je to b e m -s u c e d id o d e m o d e rn iz a ç ã o e c o n ô m ic a da E spanha. C ontudo, na d écad a d e 30 e m esm o d u ran te a guerra, a Igreja Católica estava m ais próxim a d o fascism o d o q u e d o cam p o d e ­ m ocrático q u e lhe com batia. Em relação ao Brasil, está bem d o c u ­ m e n tad o o aco rd o q u e se estabeleceu entre a hierarquia católica e o castilhism o n o poder. Em bora o assu n to inquestionavelm ente deva ser p esq u isad o , suscitaria um a h ipótese relativa às razões q u e deram origem ao M anifesto do s Mineiros. Na guerra civil espan h o la, q u a n d o G uernica foi b o m b ard ead a, intelectuais franceses firmaram um docu m en to qu e m ereceu o apoio d e Jacq u es Maritain (1882-1975), c o n d e n a n d o tal ataque. Maritain com eçava en tão a interessar um a parte da intelectualidade católi­ ca2 q ue, d e sd e então, p ro cu ro u ap roxim ar-se da o p ç ã o d em o c rá­ tica. Entretanto, sem elh an te o p ç ã o n ão eqüivalia a um a ad esão ao liberalism o, co m o cheg o u a ser interpretado. O M anifesto d o s M ineiros enfatiza a circunstância d e q u e n ã o se p re te n d e subversivo, c u id a n d o so b re tu d o d e registrar o q u a n to p e sa a o s m in e iro s p riv arem -se d e a tu a ç ã o p o lítica. Enfatiza: “Q u e m c o n h e c e a história d as trad içõ es d e n o ssa g e n te p o d e m ed ir a e x te n sã o da violência feita ao seu te m p e ra m e n to p o r 2. Os desdobramentos dessa adesão, sobretudo na obra de Alceu Amoroso I.ima 0893-1983), acham-se contemplados na História cias idéias filosóficas no Brasil (5a edição, Londrina, IJHL, 1997).

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essa c o m p u lsó ria e p ro lo n g a d a ab stin ê n c ia d a vida p ú b lic a ”. Ainda assim , a m en sag em q u e r valer-se d e “palavras p o n d e ra ­ d a s”, d e sta c a n d o q u e “n ã o no s m o v e m o s contra p esso as n em n o s im p e le q u a lq u e r intuito d e ação investigante o u julgadora d e atos o u g esto s q u e estejam tran sito riam en te c o m p o n d o o ca­ pítulo d e n o sso s a n ais”. R eco n h ece estar o Brasil em face d e p ro g re sso m aterial, m as resu ltad o s an á lo g o s foram c o n se g u id o s em o u tro s p aíses sem o sacrifício d o s d ireitos cívicos. O s signatários d o M anifesto declaram c o n d e n a r os vícios das o rganizações e práticas políticas anteriores a 1930. D este m odo, escrevem : “C o n d en am o s com firm eza os erros, as co rruções e os ab u so s d o regim e tran sp o sto definitivam ente em o u tu b ro d e 1930. Mas se um desses abusos, aq u ele q u e, antes d e todos, deveria sustentar a R evolução, foi p recisam ente a hipertrofia d o P oder Executivo... im possível nos seria aceitar c o m o definitiva q u alq u er o rdem política (...) fosse este (o Poder Executivo) transform ado em p o d e r constitucional realm ente único". Louvam, portanto, “os h o m e n s d e 1930, civis e m ilitares”, pelo e m p e n h o na destruição das velhas m áq u in as eleitorais, estan d o seguros d e q u e aq u elas situações n ã o m ais ocorrerão. Entretanto, “n ão é su p rim in d o a liberdade, su fo can d o o espírito público, cultivando o aulicism o, elim inand o a vida política, a n u la n d o o cid ad ão e im p ed in d o -o d e co laborar n o s negócios e nas d eliberações d o seu g o v e rn o q u e se form am e en g ran d ecem as n açõ es”. S endo este adem ais o p ropósito m aior p elo qual se b atem as nações integrantes d o cam p o dem ocrático em guerra, im põem -se o e studo e a preparação d e “planos para a p o n d erad a reestruturação constitucional da R epública, ao ser firm ada a paz, n o uso da liber­ d a d e d e opinião, pela qual o Brasil tam b ém se b a te ”. N o n o v o q u a d ro político q u e d ese ja ria m v e r in sta u ra d o , os sig n atário s d o M anifesto c o m p ro m e te m -se a tu d o fazer p ara q u e n ã o v e n h a a se r c o m p ro m e tid a a “u n iã o cívica e m oral q u e tan to im p o rta re sg u a rd a r, em face d o s tre m e n d o s p ro b le m a s d a g u e rra ”. E sclarecem q u e “u n iã o é h a rm o n ia e s p o n tâ n e a e

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n ã o u n a n im id a d e forçada, c o n v e rg ê n c ia d e p ro p ó sito s lú cid o s e v o lu n tá rio s e n ã o so m a d e a d e s õ e s in sin c e ra s”. S eg u e-se u m a crítica a o fascism o d a q u a l in fere-se a se g u in ­ te c o n c lu sã o : “M as os traço s e ssen ciais d o d ra m a p ro d u z id o p e lo d e sa p a re c im e n to da fé n a lib e rd a d e e n o s d ireito s q u e dignificam o h o m e m e ra m os d e um fe n ô m e n o u n iversal re su l­ ta n te d a inútil resistên cia a tra n sfo rm a ç õ es e c o n ô m ic a s e so c i­ ais, re cla m a d as p o r in d o m á v e is im p erativ o s d e justiça e d e s o ­ lid a rie d a d e h u m a n a ”. V eja-se ju sta m e n te q u e m o b s to u a q u e la s “tra n sfo rm a ç õ e s im p e ra tiv a s”: "... a d e m o c ra c ia p o r n ó s p re c o ­ n iz ad a n ã o é a m esm a d o te m p o d o lib eralism o b u rg u ê s. N ão se c o n stitu i p e la a g lo m e ra ç ão d e in d iv íd u o s d e o rie n ta ç ã o iso­ lada, m as p o r m o v im e n to s d e a ç ã o c o n v e rg e n te . P re c o n iz a m o s u m a refo rm a d e m o c rá tic a q u e , sem e s q u e c e r a lib e rd a d e e s p i­ ritual, cogite, p rin c ip a lm e n te , da d e m o c ra tiz aç ã o d a e c o n o m ia ”. Para b em c o m p re e n d e r o se n tid o da p ro p o sta d o s signatários d o M anifesto d o s M ineiros, c u m p re tran screv er o q u e se segue: Num e noutro domínio, o tem po do liberalismo passivo já fin­ dou. Não é de fraqueza renunciante e de tolerância céptica que a democracia precisa. Assim escoltada, ela pareceria digna de piedade, em face das doutrinas baseadas na violência e que nenhum escrúpulo delêm. Ao reconhecimento disto, ligamos a renovação espiritual do regime democrático. Quanto à sua renovação econômica, toda a gente sabe o que significa. Sua culpa moral e sua inferioridade — que ao próprio fascismo dá oportunidade de fazer valer um arrem edo de idea­ lismo — reside no domínio do dinheiro, que, com a passividade da revolução burguesa, substituiu-se sub-repticiamente às desi­ gualdades do feudalismo, o que é, sem dúvida, mais moderno, em bora seja igualmente injusto. Queremos alguma coisa além das franquias fundamentais, do direi­ to de voto e do hnbeas-corpus. Nossas aspirações fundam-se no estabelecimento de garantias constitucionais, que se traduzam em 190

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efetiva segurança econômica e bem-estar para todos os brasileiros, não só das capitais, mas de todo o território nacional. Queremos espaço realmente aberto para os moços, oriundos de todos os hori­ zontes sociais, a fim de que a nação se enriqueça de homens expe­ rimentados e eficientes, inclusive de homens públicos, dentre os quais venham a surgir no contínuo concurso das atividades políti­ cas, os fadados a governá-la e a enaltecê-la no concerto das gran­ des potências, para o qual rapidamente caminha. Queremos liber­ dade de pensamento, sobretudo do pensamento político. Ao a lu d ir a “liberalism o p a ssiv o ” vê-se q u e n ã o to m a ra m c o n h e c im e n to d o k e y n e sia n ism o n e m p e rc e b e ra m o sen tid o real d o N ew Deal. Hstão ig u a lm e n te d isso c ia d o s d o Rui B arb o ­ sa d a últim a fase e d e fato n ã o a cred itam q u e o Listado Liberal d e D ireito e o c ap italism o sejam c a p a z e s d e elim in ar desigual d a d e flag ran tes na d istrib u ição d e ren d a. C u rioso é q u e le n d o afirm ad o q u e "toda g e n te sa b e o q u e sig n ific a a su a r e n o v a ç ã o e c o n ô m ic a ”, n a o le n h a s a b id o e x p re ssá -lo s e n ã o a p artir d e g e n e ra lid a d e s d o tip o “q u e re m o s e sp a ç o re a lm e n te a b e rto p ara os m o ç o s ”. Kntre os signatários d o M anifesto d o s M ineiros en co n tram -se aq u elas p e rso n a lid a d e s q u e tiveram m aior p e so na U nião D e­ m ocrática N acional e m esm o na fase inicial da R evolução d e 64 — q u a n d o a in d a se p r o p u n h a a re a liz a ç ã o d o s o b je tiv o s institucionais q u e a m otivaram — , a e x e m p lo d e A fonso A rinos d e M elo Franco, Bilac Pinto, M agalhães Pinto, Milton C am pos e P edro Aleixo. Fssa circunstância explica q u e p erd essem d e vista a tradição d o liberalism o brasileiro n o to can te à atribuição da dev id a im portância â re p re se n ta çã o política e a o seu a p rim o ra ­ m ento. F q u e m e n o sp re z a sse m so le n e m e n te a indissociabilidade en tre d ese n v o lv im e n to (p ro g resso m aterial, para u sar a e x p re s­ sã o da é p o c a ) e capitalism o, d o m esm o m o d o q u e o pap el da iniciativa privada na c o n se c u ç ã o d a q u e le objetivo.

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3____ O INTERREGNO DEMOCRÁTICO (1 9 4 5 -1 9 6 4 )

3 . 1 - N o v a f e iç A o a s s u m id a p e la c o r r e n t e l i b e r a l S e g u n d o se referiu, n o início da R ep ú b lica o s liberais d e ­ fro n taram -se c o m c ircu n stân cias in te ira m e n te d esfav o ráv eis e q u e stõ e s n o v a s q u e n ã o c o n se g u ira m e lu c id a r co m clareza no p la n o teó rico , e, e m c o n se q ü ê n c ia , p riv aram -se d a p o ssib ilid a ­ d e d e form u lar um a p latafo rm a ag lu tin ad o ra. N um p rim e iro m o m e n to , p a re c e u -lh e s q u e b astaria d isp o r d e um a C o n stitu ição p ara fixar os b a liz a m e n to s a partir d o s q u ais se d e se n v o lv e ria a luta política. A co n tece q u e os m ilita­ res n o p o d e r n ã o rev elaram m aio r p re o c u p a ç ã o em re sp e ita r a Carta. Mais um a vez na hislória d o país ten tar-se-á d e c id ir p e ­ las arm as a d isp u ta política. A g u e rra civil n o Rio G ra n d e d o Sul d e ix ara a n a ç ã o p ro fu n d a m e n te c h o c a d a p o r su a violência e b ru talid a d e . Parte d a M arinha e n te n d e u q u e d ev eria, ta m ­ b ém p ela s arm as, fo rçar o E xército a re to rn a r ao s q u artéis, d e m o d o q u e a q u e stã o d e re sta u ra r a o rd e m to rn o u -se a m ais ag u d a. Para m an tê-la p referiu -se um arranjo ex traco n stitu cio n al, a p o ia d o n o a b a n d o n o d a leg itim id ad e d a re p re s e n ta ç ã o d e n o ­ m in a d o ‘política d o s g o v e rn a d o re s ’, p o rq u e a g o ra o P a rla m e n ­ to se c o m p õ e a o a rre p io d a eleição e o p re s id e n te d a R ep ú b lica é e sc o lh id o em co m u m a c o rd o p e lo s m a n d a tá rio s d o s E stados. A volta d o E xército a o p o d e r, p e lo voto, na p e ss o a d e H erm es d a F o n seca e a su a ten tativ a d e p e rp e tu a r-se , serv iu p a ra evi-

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clenciar q u e o s riscos d a in te rv e n ç ã o m ilitar estav am lo n g r dih a v e r d e sa p a re c id o . N um a situ ação d essas, c o m p re e n d e -s e qw r Rui B arbosa tivesse p re fe rid o a tu a r n o c a m p o m oral, com .1 c a m p a n h a civilista, em v ez d e d e d ic a r-se ao a p rim o ra m e n to da re p re se n ta ç ã o . O ce rto é q u e n ã o se discu tiu o sig n ificad o e as c o n se q ü ê n c ia s d o d e s e n c a d e a m e n to , a p artir d as ú ltim as d é c a ­ d as d o sé c u lo , n a Inglaterra, d o p ro c e sso d e d e m o c ra tiz aç ã o d a idéia liberal. D e so rte q u e o sim p les re c o n h e c im e n to da c h a m a d a “q u e s tã o s o c ia l”, c o m o o fizeram Rui B arb o sa e a lid e ­ ran ça q u e lh e s u c e d e u im e d ia ta m e n te , n o s a n o s 20, p e rd ia d e vista q u e se tratava d a c o n fig u ra ç ão d e um a n o v a esfera d e in teresses. O g o v e rn o d e Lloyd G e o rg e (1863-1945) inicia, no s fins d a p rim eira d é c a d a d o sécu lo , a q u ilo q u e m ais ta rd e se d e n o m in o u welfiire, a o m e sm o te m p o q u e os liberais e n fre n ta ­ vam o s trab alh istas afirm a n d o q u e ju sta m e n te o regim e c a p ita ­ lista era a m e lh o r g aran tia da su cessiv a e le v a ç ã o d o s p a d rõ e s d e vida d a p o p u la ç ã o , a o invés da e lim in ação da p ro p rie d a d e p riv ad a p o r a q u e le s p re c o n iz a d a. O p a c to e n tre o s g o v e rn a d o re s p ara m a n te r as in stituições d o sistem a re p re se n ta tiv o — ain d a q u e a b d ic a n d o d o se u a p ri­ m o ra m e n to — so b re v iv e u cerca d e três d é c a d a s, v in d o a ser d e rro c a d o p ela R evo lu ção d e 30. Esta p ro m o v e ra a o p la n o n a ­ cional o castilhism o, au to ritarism o d o u trin á rio m ais c o e re n te q u e a R epública lo g rara p ro d u z ir. A lid eran ça liberal esteve, e n tre ta n to , d e sa te n ta ã n e c e ssid a d e da crítica d o u trin ária a o positivism o , c h am a q u e q u a s e se ex tin g u iu com o virtual d e s a ­ p a re c im e n to da E scola d o Recife na altu ra da P rim eira G uerra. T u d o isto coincidia com a crise d e 29 e a cren ça a m p la m e n te d ifu n d id a d e q u e o liberalism o n ã o fora c a p a z d e c o n c e b e r in stru m e n to s a p to s a e n fre n ta r tal situ ação . O co ro lário d e to d o e sse q u a d ro seria a p e rd a d o s v ín cu lo s co m a e v o lu ç ã o d a d o u ­ trina liberal n o s p rin cip ais c en tro s. Assim, os liberais brasilei ros estav a m e n tre g u e s ã p ró p ria so rte q u a n d o d a q u e d a d o E stado N ovo.

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É certo q u e o P artido D em o crático e a lid eran ça d e A rm an ­ d o d e Salles O liveira co n fig u rav am u m a altern ativ a q u e a m o r­ te d e ste ú ltim o im p e d iu q u e viesse a flo rescer p le n a m e n te . Seu h e rd e iro n atu ral, Jú lio d e M esquita N eto, e ste v e so b re tu d o v o l­ ta d o para a re c o n stru ç ã o d o jornal O Estado d e S. P aulo , o c u ­ p a d o pela d ita d u ra d u ra n te o E stado N ovo. O fato d e q u e te ­ n h a sid o b e m -su c e d id o n e sse e m p re e n d im e n to p erm itiu q u e a q u e le p e rió d ic o se tran sfo rm asse n u m a e s p é c ie d e farol da d e m o c rac ia, im p e d in d o q u e d e sa p a re c e sse m se u s p artid ário s n o s difíceis a n o s q u e a n a ç ã o viveu so b os g o v e rn o s m ilitares a p ó s 68. C o n tu d o , n o ciclo d o in te rre g n o d e m o c rá tic o , o ra c o n ­ sid e ra d o , a lid eran ça liberal e m e rg e n te p ro v in h a b a sic a m e n te d o s arraiais católicos, c o m o in d icam o s n o tó p ic o p re c e d e n te . Para co m p ro v ar a desorientação d e q u e estava possuída, basta referir aqui o d e p o im e n to d e Milton C am pos (1900-1972), q u e se tornou um d o s principais líderes da U nião D em ocrática Nacional, te n d o ch eg ad o a ser g o v ern ad o r d e Minas Gerais, se n ad o r e can ­ didato a vice-presidente (derrotado), na ch ap a liderada p o r Jânio Q u ad ro s na eleição d e 1960. C oube-lhe a ingrata tarefa d e rep re­ sentar a UDN n o prim eiro govern o militar pós-64 (Castelo Bran­ co), renu n ciad o ao cargo d e m inistro da ju stiça n aq u ele governo, q u e insistia cm cassar m andatos d e parlam entares. O gesto e x ­ pressa bem a força d e suas convicções liberais. Mas, ao m esm o tem po, ao explicá-lo, reflete o alh eam en to em q u e se encontrava d o curso real da doutrina. Ainda em 1966 insistia em identificar liberalism o e Jaisscz-íaire. Pronunci;iíKlo a aula inaugural da Uni­ v ersidade Federal d e Minas Gerais, texto q u e p o steriorm ente se divulgou com o título d e Em lo u vo r da tolerância 1 destaca q u e à corrente liberal “dev em o s as mais altas conquistas até o século XIX” e adm ite q u e lhe caberia ser “n o m u n d o agitado e tum ultuário d e hoje, o sal da dem ocracia, para im pedir q u e ela se co rro m ­ 1. In Revista Brasileira de listados Políticos, Belo Horizonte, 27-7:17 cie janeiro, 1967, e Testem unhos e ensinamentos, Rio de |;mciro, Jo.sé Olym pio, 1972, p. 214-222.

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pa e para preservar, nesta qu ad ra caracterizada pela ‘aceleraç.io da história’, o essencial da liberdade e da dig n id ad e d o hom em " Proclam a q u e “em m uitos m eios, o liberal representa um a ten d ên cia o u m esm o um a filosofia d e c u n h o hum anístico, voltada para o bem -estar social e d o tad a da energia necessária à reform a das situações e das instituições pertu rb ad o ras da ascen são h u m a n a ”. C o n tu d o , a o b a la n c e a r a e x p e riê n c ia d e su a ap lica ção , d e s ­ taca a lg u n s traço s q u e c o rre s p o n d e m à m an eira m ais geral p e la q u al foi e n te n d id o , re sid in d o nisto, m u ito p ro v a v e lm e n te , a razão d o s d e sa c e rto s d o in te rre g n o d e m o c rá tic o a q u e v am os no s referir. A d o u trin a seria, em se u s fu n d a m e n to s, in d iv id u a ­ lista, n o s e n tid o n eg a tiv o d o c o n c e ito , p o r o p o s iç ã o a q u a l­ q u e r tip o d e s o lu ç ã o h u m an itarista. Assim, escreve: “Em certo s países, o lib eralism o ficou s e n d o o su p o rte d as classes d irig e n ­ tes, insen sív eis o u e g o istic a m e n te hostis à a sc e n sã o h u m a n a , in sp irad a p e la filosofia cristã da justiça social e im posta pela civilização in d u stria l”. Além d isso , o liberalism o estaria d e m an eira in trínseca v in ­ c u la d o a o luissez-fnire q u a n d o “a o rd e m n atural d as coisas n ã o p o d e se r larg ad a às d isto rç õ e s q u e fatalm en te lhe p ro v o c a m a co b iça e as c o m p e tiç õ e s d o s in teresses e g o ístic o s”. A esse re s­ p e ito afirm a d e m o d o taxativo: “P recisam en te pela fatal inadv ertên cia d e n ã o v er q u e a o rd e m natu ral, n u m m u n d o em m u d a n ç a , exigia n o v as p ro v id ê n c ia s d e o rd e m re g u lam en ta r, foi q u e o lib eralism o p e rd e u o seu lu g a r”. A c o n c lu sã o d e c o rre d essa tônica: “T odavia, se o s p a rtid o s liberais e a o rg a n iz a ç ã o liberal d o s E stados d e c a íra m d a m is­ são q u e o rig in a ria m e n te lhes c o m p e tiu , o p rin cíp io liberal, p e lo m e n o s co m o e sta d o d e esp írito , p o d e d u ra r e so b re v iv e r”. T ra­ ta r-se-ia, e m sum a, d e p re se rv a r a to lerân cia, em cujo lo u v o r é c o n c e b id o o d iscu rso . S u p o n d o -se q u e o p e n s a m e n to d e Mil­ to n d e C a m p o s , c o n t id o n o s r e f e r id o s T e s te m u n h o s e en sin a m en to s , seria ex p re ssiv o d o e le m e n to q u e o ra se deseja cara cteriz a r — as c o rre n te s p olíticas liberais d o p e río d o u n i 195

te m p o râ n e o teriam se d e s in te re ssa d o d o se n tid o p ro fu n d o d o k e y n e sian ism o . H á a d e s p re o c u p a ç ã o c o m o a p rim o ra m e n to d a re p re s e n ta ç ã o — q u e é c o n fu n d id a co m nível cultural e o u ­ tros c o m p o n e n te s q u e n ã o e stã o em jogo — , a p o n to d e p e rm i­ tir, na leg islação o rd in ária, p o ste rio r a 1946, a c o n stitu iç ã o d a s fam o sas ‘a lian ças d e le g e n d a s ’, d a s q u ais resu ltav am m aiorias p a rtid ária s n o P a rla m e n to o rig in a d a s d e sim p les m a n ip u la çã o ; e, p o r fim, registra u m a e s p é c ie d e o b s e s s ã o d a lib erd a d e , a cujo p a râ m e tro p a re c e red u zir-se a d o u trin a em su a in teireza. É ce rto q u e s e m e lh a n te c o n fig u ra ç ão há d e ter re su lta d o n ã o a p e ­ n as d o in su la m e n to em relação à e v o lu ç ã o d o lib eralism o n o O c id e n te , m as d o cu rso c o n c re to d e no ssa h istória política, nolaclam en le a in in terru p ta a sc e n sã o d o au to rita rism o q u e , sem d ú v id a , o b rig av a o e le m e n to liberal a d a r p re fe rê n cia à q u e s ­ tã o da o rd e m legal.

3 - 2 - D e s f i g i j r a m f .n t o d a REPRESENTAÇÃO Em vista d o clim a v ig e n te , em d e c o rrê n c ia d a d ita d u ra e sta d o n o v ista e da tra n sfo rm a ç ão d o g e lu lism o — clara e x p re s ­ sã o d o liberais q u e os a o seu

au to rita rism o — num a c o rre n te política d e sta c a d a , os c o n c e n tra ria m su as e n e rg ia s n o s e n tid o d e a sse g u ra r p leito s eleito rais fossem c e rc a d o s d e g aran tias q u a n to d e s fe c h o legítim o, e lim in a n d o -se a p ra x e da c h am ad a

eleição :i b ico cie p en a n o s b a stid o re s da Mesa d a C âm ara d o s D e p u ta d o s . D e su a luta resultaria um a c o n q u ista n o tável, a p o n ­ ta d a n e ste s term o s p o r E dgar Costa: “A re v o lu ç ã o política d e 1930, in v o c a n d o c o m o sua p rin c ip a l justificativa a fra u d e e c o rru p ç ã o eleitorais, q u e m in av am a p ró p ria su b stân c ia d o re ­ g im e d em o c rá tic o , d e ix o u , in e g a v e lm e n te , c o m o a su a m e lh o r co n q u ista , a reform a d o sistem a eleitoral iniciada co m o C ó d i­ g o d e 1932. “O p o n to c u lm in a n te d e ssa refo rm a foi a in stitu ição da J u sti­ ça Eleitoral q u e, acim a d o s in teresses partid ário s, se erigiu co m o

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a m ais lídim a g aran tia da v e rd a d e e d a leg itim id ade d o voio, isto é, d a re a lid a d e d o sufrág io p o p u la r e, c o n s e q ü e n le m e n ie , d a c o n so lid a ç ã o d a q u e le regim e. A essa Ju stiça esp ecial, com a atrib u ição d e p ro c e d e r à a p u ra ç ã o d o s pleitos, foi co n ferid a a d e p ro c la m a r os eleitos, a b o lin d o -se assim a fase d e reconhec i m e n to d e p o d e re s até e n tã o e x e rc id a p e lo s p ró p rio s ó rg ã o s legislativos, prática q u e vin h a d e tu rp a n d o a se rie d a d e e a v e r­ d a d e d as e le iç õ e s”.2 Inexistia, e n tre ta n to , a nítida c o m p re e n s ã o d e q u e a Justiça Eleitoral, e m b o ra p e ç a essen cial, n ã o p o d ia su b stitu ir to d a a c ad eia d e q u e fazia p arte. D o p o n to d e vista da d o u trin a clássi­ ca, faltava a o rg a n iz a ç ão d o c o rp o eleito ral e m á reas g e o g rá fi­ cas lim itadas. D o p o n to d e vista d a e x p e riê n c ia ulterior, n ã o se tinha e n te n d im e n to a p ro p ria d o d o q u e fo ssem os p a rtid o s p o ­ líticos. N os p rim ó rd io s d a d o u trin a liberal, tin h a -se p re se n te q u e a re p re se n ta ç ã o era d e interesses. Silvestre P in h eiro Ferreira, co m o vim os, s u p u n h a m e sm o q u e os vários in te re sses p o d e ri­ am se r a g ru p a d o s em três se g m e n to s, a q u e c h a m o u d e esta­ dos, in sp ira n d o -se c o m certeza na trad ição d e d iv idir a so c ie ­ d a d e e m n o b re z a , clero e terceiro e sta d o . A p rática d o sistem a re p re se n ta tiv o in d ic o u q u e a id en tificação e p le n a c o n fig u ra ­ ção d o s in teresses n ã o se re su m e m a e sq u e m a tã o sim ples. Seu e x tre m o fra c io n a m en to facilitou, p o r e x e m p lo , o p re d o m ín io d e um líd er g raças a o recu rso à c o rru p ç ã o . O p rim eiro d o s g ra n ­ des p rcm iers ingleses, R obert W alp o le (1676-1745), m a n tev e se n o p o d e r p o r m ais d e vinte a n o s (1721 e 1742) g raças a essee x p e d ie n te . Na p rática d o sistem a re p re se n ta tiv o — q u e n ã o se dissocia, te n h a -se p re se n te , d a b a se territorial lim itada, p o sie rio rm e n te d e n o m in a d a d istrito eleito ral — e le ito re s e re p te se n ta n te s foram s e n d o co n stra n g id o s a c irc u n sc re v er zo n as u c o n ste la ç õ e s d e in teresses. Ilie ra rq u iz a ra m -se a sp ira ç õ e s Ne.-, te se n tid o a tu a ra m d o is m ecan ism o s: a ele iç ã o m ajoriiária e revo­ lução :) ikmocnici;!, São Paulo, 1977; '‘A liberdade como participação” in O homem c seus horizontes, São Paulo, 1980; “Da democracia liberal à dem o­ cracia social” in Por umu constituiçno hnisi/eim , São Paulo, 1985 e a entrevis­ ta inseria na coletânea organizada por Claudir 1'ranciatlo A í:iç;inhu chi iiherckatc (São Paulo, 1986).

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e q u a c io n a m e n lo . Assim, seria o p rim eiro h o m e m d e E slado a d e sta c a r o c a rá te r p rio ritário d a e d u c a ç ã o para a cid a d a n ia , d a n d o essa a trib u ição a o e n sin o fu n d a m e n ta l, q u e precisaria, su b se q ü e n te m e n te , a b ra n g e r m aio r n ú m e ro d e séries. A cir­ c u n stân cia d e q u e esse nível d e e n sin o le n h a sid o c o lo c a d o a serv iço d o p re p a ro p a ra o v eslibular, e n v o lv e n d o se lo re s m u i­ to a rtic u la d o s da so c ie d a d e , b lo q u e o u a q u e la d iscu ssão . De to d o s os m o d o s, p e lo m e n o s o e n te n d im e n to d o e n sin o fu n d a ­ m ental co m o prio ritário to rn o u -se lu g ar-co m u m . O fato d e q u e n ã o se te n h a c o n se g u id o a d e q u a r a a p lic a ç ã o d o s re c u rso s d a U nião à q u e le re c o n h e c im e n to — p o rq u a n to c o n tin u a m s e n d o ab so rv id o s pela u n iv ersid ad e p ú b lica — tam b ém se ex p lica pela m e n ta lid a d e co rp o rativista d o p ro fe sso ra d o , q u e ignora s o le ­ n e m e n te a situ a ç ã o d e a lh e a m e n to à re a lid a d e d o s n o sso s c u r­ so s universitário s. D e so rte q u e se c o m p re e n d e o e sfo rço q u e tem d e se n v o lv id o n o s e n tid o d e se r re c o n h e c id a (e re g u la m e n ­ ta d a) a a tu a ç ã o d o s g ru p o s d e p ressão , a fim d e q u e a o p in iã o p ú b lic a se d ê c o n ta d e q u a is sã o d e m an eira efetiva os in te re s­ ses em jogo. N ós, liberais, ad m itim o s a leg itim id ad e d e to d o s os in teresses (d e v e n d o a Carla M agna ex p licitar o q u e n ã o p o d e se r o b jeto d e b a rg a n h a ), n ã o h a v e n d o p o r q u e a p re se n tá -lo s se m p re c o m o c o rre s p o n d e n d o ao in teresse n ac io n al, a e x e m ­ p lo d o q u e o c o rre n o d e b a te d o s te m a s e d u c a c io n a is n o Brasil. D e to d o s o s m o d o s, o livro F.ducaçào e liberalism o (1987), e n ­ tre o u tro s tex to s d o a u lo r d e d ic a d o s à e d u c a ç ã o , re p re se n ta um p o n to d e referên cia essencial. N o livro Liberalismo e justiça social ( 1987) M arco M aciel p ro ­ cura inserir-se na tradição d o liberalism o brasileiro, a c o m e ç a r d o p ró p rio Im pério. Vale a p e n a referir c o m o avalia o p a p e l d o s liberais na R epública, a o d izer q u e Ruy m o ld o u ju rid icam en te as instituições, e n q u a n to P ru d en te d e M oraes afirm a a su p re m a cia d o p o d e r civil e C am p o s Salles restaura a a u to rid ad e. Na R e p ú ­ blica Velha, ain d a q u e n ã o haja partid o s n acionais, a seu v er o s liberais estiveram atu an tes e é à sua b an d eira q u e se reco rre em

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30, co m a A liança Liberal. Na fase su b se q ü e n te , o fato d e q u e o liberalism o clássico ten h a p e rd id o m uito d e su a aura levou a q u e se vissem ex clu íd o s da h e g e m o n ia d o p ro cesso , e n tre g u e à oscilação p e n d u la r en tre p o p u lism o e autoritarism o. É a partir d essa trajetória co n creta q u e são instad o s a reex am in ar o se u p ap el, te n d o p re se n te q ue, se a ev o lu ção s u b se q ü e n te à crise d e 29 “p o d e ter to rn a d o an acrô n ico o m o d e lo d o E stado Liberal Clássico... n e m p o r isto se p u lto u os ideais d o liberalism o co m o d o u trin a e c o m o prática da lib e rd a d e ”. À luz dessa perspectiva, ab o rd a os m ais im portantes tem as doutrinários, co m o o conceito d e liberalism o e d e dem ocracia li­ beral, o p ap el d o Estado, a q u estão das d isparidades sociais e as relações en tre rep resen tação política e as outras form as d e re p re­ sentação. Focaliza tam bém alguns aspectos d o program a partidá­ rio d o PFL (reform a tributária; problem as d o N ordeste etc.). M arco M aciel e n te n d e q u e o grav e p ro b le m a b rasileiro c o n ­ siste em q u e ta n to a e c o n o m ia c o m o a so c ie d a d e têm e v o lu íd o “co m m a io r ra p id e z d o q u e o E stado, co m o seu o b s o le to o rd e n a m e n to jurídico. Q u a n to m ais se a c e n tu o u essa d isto n ia, m ais p ro fu n d a s e d u ra d o u ra s foram as crises in stitu cionais q u e v iv e m o s”. Se tra d u z ísse m o s tal e n te n d im e n to em term o s d e eliles, diríam o s q u e o p aís form ou um a elite técn ica respeitável e c o m p e te n te , e n q u a n to na s o c ie d a d e e na cultura, em q u e p e ­ sem o s a rro c h o s d o au to ritarism o , a p a re c e ra m lid eranças e x ­ p ressivas. C o n tu d o , o au to ritarism o afeto u tre m e n d a m e n te a elite política e v irtu alm en te d e stro ç o u o se g m e n to liberal. Para reconstitu í-lo , M arco Maciel p a re c e e star trilh a n d o o c a m in h o certo ao b u sc a r a c o m b in a ç ã o ótim a e n tre a tu a ç ã o partidária e fo rm aç ã o d o u trin ária. N o PFL, o u tro s p ró c e re s têm re v e la d o p re o c u p a ç õ e s d o u tri­ nárias a e x e m p lo d e J o ã o M ellão N eto (O p en sa m en to li b em ! m oderno, São P aulo, 1990). O u tro s p e n s a d o re s b rasileiros focalizaram re c e n te m e n te o tem a d a d iv ersid ad e das verten tes liberais d e diferentes p o n to s

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cie vista. O prim eiro deles c o rre sp o n d e ao livro O liberalismo (P orto Alegre, Editora da tJFRS, 1991), d e Francisco d e Araújo Santos. E n ten d e q u e a distin ção en tre as verten tes liberais p ro ­ vém da m an eira c o m o se encara a natureza h u m an a. A ten d ên cia a considerá-la c o m o estável, n o seu e n te n d im e n to , seria a b ase d o c o n serv ad o rism o liberal. E n q u an to a visão o p o sta estaria na raiz d o liberalism o d e inclinação essen cialm en te d em ocrática. A lin h a g e m c o n se rv a d o ra rem o n ta a líu m e , Kant e A dam Sm ith, c o ro a n d o -s e em Iía y e k , acerca d e q u e m e sc rev e o s e ­ g uinte: “... o m ais sério em H ayek é ter-se d e ix a d o p re n d e r na se creta re d e d o ‘id ealism o K an tian o ’: há um a estáv el n atu reza h u m a n a à q u al d e v e se a d a p ta r Lima estável C o n stituição. O s h o m e n s se d ev eriam d e d ic a r à p e sq u isa (c o m o faz H ayek) ou ao s n e g ó c io s (c o m o fazem os c o m e rc ia n tes e industriais) e d e i­ xar a C o n stitu ição em paz. Im plícito nisso há um juízo so b re a p re p o n d e râ n c ia da ativ id ad e e c o n ô m ic a em face da ativ id ad e política. O u ain d a: um ‘e n g e s s a m e n lo ’ d o polílico em favor d e um d in am ism o e c o n ô m ic o . “Restaria ain d a a p e rg u n ta : c o m o im p lan tar essa C o n stitu i­ ção n o país q u e n ã o a tem? N esse p asso , b a s e a d o em c o ro lário d e d u z id o d e su a s p rem issas K antianas, H ayek, o g ra n d e a d ­ versário da im p lan tação d e sistem as sociais {socialcnginccring), acab a se to rn a n d o p ro p a g a n d ista d e um social engineering li­ bera! {C. K ukathas). Está im plícita em H ayek a n e c e ssid a d e d e tra n sp la n ta r a C o n stitu ição d o s clássicos d o liberalism o e s c o ­ cês, sim u lta n e a m e n te co m a im p o ssib ilid ad e d e a c e itar a p le n a d e m o c ra c ia política. Assim, p a ra d o x a lm e n te , o k a n tism o d e H ayek a c e n tu a ria em Ilu m e n ã o o d in a m ism o p ro g ram álico , m as a fixidez id ealizad a d e um a trad ição . S en d o c o rreta a a n á ­ lise d e críticas recen tes, n ã o seria em H ayek a p e s a r da riq u eza d e su a s análises, q u e iríam os e n c o n tra r o m e lh o r guia, m as n o u tro g ig a n te sc o c o n te m p o râ n e o , Karl P o p p e r ” ( p .78). A linhagem dem ocrática enco n tra seus fu ndam entos em Locke. Afirma: “A ótica d e Locke falava em princípios seguros ou certos,

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m as nos abria para as incertezas d e um m u n d o em q u e n ão tem os idéias inatas. A m esm a racionalidade q u e fu n dam entava a nossa von tad e p o d e m n ão estar suficientem ente ilum inadas” (p. 35). As g ran d es perso n alid ad es dessa matriz seriam , na visão d e Francis­ co Araújo Santos, Jo h n Stuart Mill, Karl P o p p e r e Miguel Reale. Na m esm a linha d e b u sc a r um p rin c íp io o rie n ta d o r q u e p e r ­ m ita distin g u ir as v erten tes d o liberalism o, d esta v ez acim a d a s d ife ren ç as h istó ricas o u n acio n ais, n o livro Entre o doginutism o iiiTognnte e o desespero cético (In stitu to Liberal, 1993), A lberto O liva ten tará c o m p ro v a r a ex istên cia d e um a g n o se o lo g ia c a ­ p a z d e justificar as p referên cias. As b a se s d e ssa teoria d o c o ­ n h e c im e n to seriam la n ç a d a s p o r Locke a o afirm ar q u e “talvez haja razão para su sp e ita r-se d e q u e n ã o ex iste tal coisa c h a m a ­ da v e rd a d e o u q u e a h u m a n id a d e n ã o tem m e io s suficien tes p a ra d ela a lc a n ç ar u m c o n h e c im e n to ce rto ”. A c o n stru ç ã o d o q u e d e n o m in a e p iste m o lo g ia m o d e sta m u i­ to se d ev e a H u m e a o m o strar q u e o s p ro c e d im e n to s g e n e ra ­ lizad o res q u e a d o ta m o s p o r h á b ito p o d e m n ã o se justificar, d o m e sm o m o d o q u e na sua crítica à in ferên cia indutiva. O p ro c e sso co ro a -se co m o critério d e av aliação e la b o ra d o p o r P o p p e r. Fis a sín tese d o seu c o n h e c id o lem a: “Um sistem a d e v e ser c o n s id e ra d o científico a p e n a s se faz a sse rç õ e s q u e p o d e m c o n llita r co m o b se rv a ç õ e s; e um sistem a é d e fato te sta ­ d o p o r ten tativ as d e re fu tá -lo ”. S e g u n d o o e n te n d im e n to d e O liva, o liberalism o ca ra cteri­ za-se p o r este re c o n h e c im e n to d o c a ráter lim itad o d o p o d e r d a razão, e n q u a n to as d o u trin a s socialistas s u p õ e m q u e su as c re n ­ ças seriam racionais. F P o p p e r q u e m ad v erte: “Racional é su s­ p e n d e r a c re n ç a ”. O a rg u m e n to b á sic o d e O liva c o n tra a p re te n s ã o d o g m á tic a d e im p o r o p la n e ja m e n to p a re c e re sid ir n o r e c o n h e c im e n to d a d is p e rs ã o d o c o n h e c im e n to . E screve: “O ra, se o c o n h e c i­ m e n to e n c o n tra -se d isp e rso p e lo s in d iv íd u o s e se to d o e n fo q u e q u e c a d a um d e n ó s ap lica a o fluxo p o te n c ia lm e n te in fin ito

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d a e x p e riê n c ia é s e m p re seletiv o , m e s m o q u a n d o se está fa­ z e n d o ciê n c ia , e n tã o n ã o há c o m o p o s tu la r a p o sse d e um a sa b e d o ria s o b re , p o r e x e m p lo , o c o m p le to fu n c io n a m e n to d o Sistem a Social. C o n s e q ü ê n c ia d isso é q u e n ã o há in d iv íd u o o u g ru p o c a p a z d e, co m b a se em a d e q u a d o c o n h e c im e n to , a r v o r a r- s e e m p la n if ic a d o r d a ‘r a c io n a lid a d e s o c ia l e e m d e m iu rg o e s tip u la d o r’ d e c o m o d e v e m as in stitu iç õ es se r e fu n c io n a r. M uito d e q u e o e n g e n h e iro so cial vê c o m o im p e r­ feição fu n c io n a l d a s in stitu iç õ e s n ã o s u b m e tid a s à d ire ç ã o d e u m a a u to rid a d e c en tral d e c o rre da e x istê n c ia d e u m a m iríad e d e s a b e re s d is p e rs o s e a a m p la v a rie d a d e d e p ro je to s q u e se p o d e m a c a le n ta r q u a n d o se vive s o b a p le n a v ig ên c ia d a li­ b e r d a d e . I n te n ta r s u b ju g a r a p la n ific a ç ã o c e n tra l à m u lti­ p lic id a d e , s o b re a q u a l n ã o se d is p õ e d e e fe tiv o c o n h e c im e n ­ to, só é p o ssív el p e la im p o siç ã o d e um p ro je to a u to ritá rio d e re g u la m e n ta ç ã o d a s a ç õ e s, cuja a m b iç ã o m a io r é re d u z ir a riq u e z a e v a rie d a d e d e p e rsp e c tiv a s e p iste m o ló g ic a s, e x is te n ­ ciais e d e c o m p e tiç ã o n o m e rc a d o , à m o n o c ó rd ia v isão d o s q u e , via E sta d o fo rte, c o m p e le m o s in d iv íd u o s a se s u b m e te ­ rem a o se u p ro je to p o lític o ” (p. 23-24). A partir d e se m e lh a n te e m b a sa m e n to teó rico , O liva form ula c o n c e p ç õ e s n eg ativ as da lib erd ad e, d a justiça, d o listad o e da felicidade. Essa p arcela d a o b ra ex p lica o su b títu lo a d o ta d o p e lo au to r: A negatividade com o fun d a m en to da visão d c m u n ­

do liberal. Em o u tro livro, C onhecim ento e liberdade (P o rto Alegre, EDIPUCRS, 1994), O liva alerta q u a n to a o v e rd a d e iro se n tid o d o h o lism o , d o u trin a m u ito p o p u la r e n tre os so c ió lo g o s b ra si­ leiros, q u e n u tre m c re n ç a s e g u n d o a qu al os coletivos teriam vida in d e p e n d e n te d o s indivíduos. O liva acred ita q u e “um a d as p rin cip ais am e a ç as a o e x e rc í­ cio d a p le n a lib e rd a d e p ro v é m d e c o n c e p ç õ e s q u e te n d e m a caracterizar o co letiv o c o m o um a e n tid a d e a u to -su b siste n te c a ­ p a z n ã o só d e c o n d ic io n a r, d o exterio r, n o ssas a ç õ e s co m o

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ta m b é m d e d efin ir as n e c e ssid a d e s, e os m o d o s d e satisfazêlas, d e n o ssa ex istên cia associativa. A p e rso n ific a ç ão d e to d o s se estrib a em fa b u la ç õ e s in terp retativ as o m ais d a s v ezes d e s ­ tituídas d e q u a lq u e r valo r ex p licativ o e c o n trib u i p a ra a c a le n ­ tar m itos s o b re a o rd e m social q u e n o rm a lm e n te d e se m b o c a m em a u to rita rism o /to ta lita rism o ”. A inda n o q u e toca à c a racterização d as v e rte n te s em q u e se s u b d iv id e o liberalism o, R oque S p e n c e r Maciel d e B arros re u ­ niu os artig o s a o tem a d e d ic a d o s, a p a re c id o s n o Jornal chi Tar­ de, c o le tâ n e a a se r p u b lic a d a p ela E ditora E x p ressão e C ultura, na Coleção Sociedade Livre a n te s m e n c io n a d a . E n te n d o q u e a recu sa d e alg u n s liberais b rasileiros d e q u a is­ q u e r c o n sid e ra ç õ e s em to rn o d o social re p o u sa na su b estim aç ão d e n o ssas trad içõ es culturais. E m bora e n tre n ó s n u n c a te n h a h av id o cap italism o , atrib u i-se a este a p éssim a d istrib u içã o d e re n d a co m q u e d e p a ra m o s. O ra, ju sta m e n te o c ap italism o — e n ã o o so cialism o — é q u e se rev elo u c a p a z d e criar u m a so c ie ­ d a d e m ajo ritariam en te igualitária em term o s d e situ a çã o m a te ­ rial. Na Rússia c o m o em to d o o Leste E u ro p e u , a p o p u la ç ã o foi m an tid a em níveis d e p o b re z a e in d ig ên cia, c o n sid e ra d o s os p a d rõ e s o cid en tais, e n q u a n to surgiu b u ro cracia d is p o n d o d e Ioda so rte d e privilégios, c h a m a d a d e nom enklatura. Fora d a ­ q u ela área, o q u e c o n se g u iu foi igualdade na p o b reza , para u sar a feliz e x p re s s ã o com q u e F e rn a n d o H e n riq u e C ard o so caracterizo u o regim e c u b a n o . De so rte q u e nós, liberais — e n ã o o s so cialistas — , so m o s as p e sso a s q u e se rã o c a p a z es, a o p ro m o v e r a iniciativa p riv ad a, a e lim in ação d o E stado-E m presário e o flo rescim en to d o cap italism o , d e alc a n ç ar razoável d istrib u iç ã o d e ren d a, a e x e m p lo d o q u e o c o rre nas n a ç õ e s d e se n v o lv id a s. Ao c o m b a te r o lib eralism o social, os n o sso s li­ berais c o n se rv a d o re s (q u e inclusive a d m item a d e n o m in a ç ã o n e o lib era is) a c a b a m p o r aceitar d e m an eira p assiva q u e a b a n ­ deira d a e le v a ç ão geral d o s níveis d e vida d a p o p u la ç ã o m a n ­ te n h a -se em m ão s d o s a g ru p a m e n to s au to ritário s, q u a n d o a 264

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história d e ste sé c u lo e v id en cia q u e foram o s liberais os p rin c i­ pais artífices d a e v o lu ç ã o o cid en tal n a q u e la d ireção. O c o n s e rv a d o ris m o liberal lem se re v e la d o m u ito a tu a n te n o p re s e n te ciclo, e m b o ra re c u se a d e n o m in a ç ã o . Às v ezes a c h a m q u e o lib e ra lism o n ã o d e v e ria se r a d je tiv ad o ; o u tra s c o n c o rd a m em c h a m a r-se n e o lib e ra is. P a re c e -m e q u e seria m ais a p ro p ria d o d e n o m in á -lo s lib e ra l-c o n se rv a d o re s e n ã o vai n isto n e n h u m a in te n ç ã o p ejo rativ a. Ao c o n trá rio , e s to u c o n ­ v e n c id o d e q u e foram ju s ta m e n te o s lib e ra l-c o n se rv a d o re s, lid e ra d o s p e la sra. T h a tc h e r e p o r R eagan, q u e d e s e m p e n h a ­ ra m u m p a p e l re v o lu c io n á rio em n o sso te m p o , le v a n d o à d e r­ ro c a d a d o so c ia lism o e a b rin d o u m a p e rsp e c tiv a in te ira m e n te n o v a ã K uropa, cuja d e c a d ê n c ia (s o b a é g id e d o s so cia listas) fo ra p ro c la m a d a p o r R a y m o n d A ron. No p la n o te ó ric o , te n h o p ro c u ra d o d e s ta c a r a c o n trib u iç ã o d o s n e o c o n s e rv a d o re s n o r­ te -a m e ric a n o s (K ristol, H im m elfarb , P o d h re tz , N isbet, e ta n ­ to s o u tro s). N esta o p o rtu n id a d e m e lim itarei a p ro p o rc io n a r in d ic a ç õ e s s o b re a o b ra d a q u e le s q u e c o n s id e ro c o m o se u s m ais d e s ta c a d o s re p re s e n ta n te s : M eira P e n n a , R o b e rto C am ­ p o s e D o n a ld S tew art. D e se n v o lv e n d o g ra n d e ativ id ad e d e s d e a ju v e n tu d e , Jo sé O sv ald o d e M eira P e n n a (n a sc id o em 1917 e q u e re c e n te m e n te c o m p le to u 80 an o s, m a n te n d o -se em p le n a form a) co n stru iu o b ra d a s m ais significativas. Em su a en saística — in teg rad a p o r cerca d e v in te livros e m assa colossal d e artigos c e n sa io s — e n tre v e jo n itid a m e n te d u a s g ra n d e s linhas. A p rim eira c o n siste n u m esfo rç o d e s tin a d o a d e s v e n d a r a n o ssa m a n eira d e ser, m e d ia n te u m a in v estig ação d e n a tu re z a psico ló g ica. C o n tem p o ra n e a m e n te esse tip o d e a b o rd a g e m c o stu m a en fatiz ar os a sp e c to s q u a n tita tiv o s e m en su ráv eis, a c h a n d o -s e m uito d e s e n ­ volvida n o s E stad o s U nidos, fo c a liz a n d o d e te rm in a d o s c o m ­ p o r ta m e n to s c o le tiv o s . M eira P e n n a s e g u e a e s c o la e u r o ­ p é ia , d a n d o p re fe rê n c ia a c e rta s c a te g o ria s a rq u é tip a s , na m aioria d o s caso s co lh id as na o b ra d e Ju n g .

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Incluiria n e ssa v e rte n te os livros Psicologia d o su b d e se n ­ volvim ento (1972), Em berço esplêndido: ensaio d e psicologia coletiva brasileira (1974); O Brasil na idade da razão (1980) e Utopia brasileira (1988). A o u tra linha cta en saística d e M eira P e n n a c o rre s p o n d e à m e d ita ç ã o d a política em q u e b u sc a a p ro x im a r essa a tiv id a d e d e seu s fu n d a m e n to s m orais. São tex to s d e ssa ín d o le O evan­ g elh o seg u n d o Marx (1982); A ideologia do século XX: uma

análise crítica do nacionalismo, do socialism o e do m arxism o (1985) e, m ais re c e n te m e n te , O espírito das revoluções (1997), e n tre o u tro s. N esta se g u n d a p arcela d e su a o b ra d e stac aria d u a s d e su a s n o tá v e is co n trib u iç õ e s: a re c u p e ra ç ã o d o sign ificad o d a n o ç ã o d e in te re sse e a m an eira criativa c o m o e n c a ra a é p o c a m o d e rn a à luz d o c o n c e ito d e re v o lu ção . C o m o te n h o insisti­ d o , o re c o n h e c im e n to d e q u e a re p re s e n ta ç ã o política é d e in ­ te resses — n a trad ição iniciad a p o r Silvestre P in h e iro Ferreira — fo rn ec e o fio c o n d u to r d e seu a p rim o ra m e n to . Por isso m e s­ m o e n te n d o q u e a d iv u lg a ç ã o e n tre n ó s d a te se d e V on Mises c o n d e n a tó ria d o s in teresses, em n o m e d o liberalism o, c o n sti­ tui a u tê n tic o d e sse rv iç o e d e v e se r criticada co m v e em ê n cia. D aí o sig n ificad o da m e d ita ç ã o d e M eira P en n a, ra z ã o pela qu al nela m e d elerei. Na visão d e M eira P en n a, a o b se rv a ç ã o d a e v o lu ç ã o h istóri­ ca d a h u m a n id a d e p erm ite co n clu ir q u e o c o m p o rta m e n to h u ­ m a n o e stru tu ra -se co m b a se n u m a te n sã o fu n d a m e n ta l q u e se e sta b e le c e e n tre o e g o ísm o e o altruísm o. O e g o ísm o é b á sico na n atu re z a h u m a n a , s e n d o d e fácil c o m p ro v a ç ã o n a a tiv id ad e e s p o n tâ n e a d as crianças. Mas ta m b é m o é a su a an títese, o am or, ig u a lm e n te d e fácil verificação na c o n d iç ã o d e m ãe. C o n ­ tu d o , p a re c e -lh e q u e “em se tra ta n d o d e um a polis, d e um a n a ç ã o o u d e u m m e sm o g ru p o social, e sse s e n tim e n to filial só p o d e rá so b rev iv er, na c o n c o rrê n c ia vital, e m term o s d e p ro je ­ ç ã o d a a g re ssiv id a d e eg o ísta d e to d o o g ru p o s o b re um g ru p o social a d v e rsá rio ”. A te n s ã o a n tin ô m ic a e n tre o s d o is im p u l­

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sos, o eg o ísta e o altruísta, é in su p eráv el. O h o m e m ac h a -se irre m e d ia v elm en te d iv id id o e n tre os d o is p ó lo s e a so c ie d a d e só c o n se g u e so b re v iv e r d e v id o à c a p a c id a d e sim u ltân ea, d e q u e o s h o m e n s a c h a m -se d o ta d o s, d e v islu m b rar a p o ssib ilid a ­ d e d e u m c o m p o rta m e n to racional. Em su a m e d ita ç ã o so b re o tem a, Meira P enna teria o p o r tu ­ n id a d e d e escrever: “O c o m é rc io n o m e rc a d o d e coisas, d e idéi­ as, d e in teresses, d e v alo res c o n c re to s e a b stra to s — até m e s­ m o a p e rm u ta d e afetos, c o m o na relação am o ro sa e n tre um h o m e m e um a m u lh e r em q u e a fid e lid a d e m ú tu a é c o n d iç ã o d e p e rm a n ê n c ia — , re p re se n ta um tip o d e c o m p o rta m e n to h u ­ m a n o racio n al q u e se e x p rim e , n o â m b ito da e c o n o m ia , d a c u l­ tu ra e d a d ip lo m acia, p ela e x te n s ã o univ ersal d a re c ip ro c id a ­ d e . D o utcfes: d o u em tro ca d o q u e v o cê m e dá. R ecip ro cid ad e essen cial so b um E stad o d e D ireito q u e asseg u ra, na m ed id a d o possív el, a a ç ã o d a justiça c o m o e q ü id a d e d e troca. D essa tro ca d e coisas, serviços, v alores, favores e in teresses su rg e a civilização. Esta é re fin a d a p o r regras d e p o lid e z , civilidade, c o m p o rta m e n to ‘e d u c a d o ’ e m o ra lid a d e cívica p ró p ria s d a c u l­ tu ra d o s p o v o s av a n ç a d o s. Mas n ão d e v e m o s jam ais e sq u e c e r q u e o s d o is instintos b ásico s e m p e d o c le a n o s — o da a g ressi­ v id a d e e o d o am o r, o d o d o m ín io e o d a filantropia, o d o in teresse p ró p rio e o da g e n e ro sid a d e , o d o e g o ísm o e o d o altru ísm o — se m p re p e rm a n e c e m su b jacen tes, n o nível d o in ­ c o n sc ie n te , c o m o p o d e ser a m p la m e n te ilu strad o p ela p sic o lo ­ gia analítica m o d e rn a d as p ro fu n d e z a s d a alm a. P or e x te n sã o , n u m a so c ie d a d e livre e d e m o c rá tic a q u e vive se u s in teresses e c o n ô m ic o s a b stra to s e c o n c re to s s o b o im p é rio d a Lei, a irrefragável c o m p e tiç ã o e n tre os h o m e n s é d e tal m o d o o r d e n a ­ da q u e p ro p o rc io n a a se le ç ã o natural e e stim u la o p ro g re sso na te n sã o c o n sta n te d o s o p o sto s. A isso c h a m a m o s cultura. “L evan d o e m c o n ta a estru tu ra b ásica d a n a tu re za h u m a n a , o cristian ism o co n tra rio u -a fro n ta lm e n te ao p re te n d e r inclinála e m favor d e um a ú n ica d a q u e la s d im e n sõ e s, o altru ísm o e o 267

a m o r a o p ró x im o . Segui-la à risca, eq ü iv alia ã im p o ssib ilid a d e virtual d o e sta b e le c im e n to d e q u a lq u e r o rd e m na co n v iv ê n cia e n tre o s h o m e n s. A so lu ç ã o d o en ig m a viria p e la m ã o d e Santo A g o stinho a o d iz e r q u e o m al e o p e c a d o re p re se n ta m c o n d i­ çõ es in e re n te s a esle m u n d o . O a m o r sa n to só teria c u rso na C id ad e d e D eus. E foi assim q u e se to rn o u possív el a m e d ita ­ çã o institu cio n al d a Id a d e M édia, a ss e g u ra n d o a co n v iv ên c ia d e d u a s éticas, a prim eira p a tro c in a d a p e la Igreja e a se g u n d a p e lo E stado, esta b a se a d a n o s c o stu m e s natu rais, c o n d u z id a peto a m o r sui. D e b ru ç a n d o -se so b re a d ico lo m ia, clérigos e p e n s a d o re s leigos c h e g a ra m ã c o n c lu sã o d e q u e a ssu n to s p ro ­ fan o s d e p o d e r, política, e c o n o m ia e se x o d ev e ria m p e rm a n e ­ ce r se p a ra d o s d a teo lo g ia, c a m in h a n d o p o r se n d a s s e p a ra d a s a rev e lação e a fé, d e um lado, e, d e o u tro , a ciência e a razão. No m e sm o tex to a n te s referid o escreve: “E, à m e d id a q u e e v o ­ lui a te o ria d a ‘d u p la v e rd a d e ’ e n tre os m u ito s q u e , a o m e sm o te m p o , se c o n sid e ra m liv re s-p e n sa d o re s e c re n te s o rto d o x o s, a c o n tra d iç ã o e n tre o s d o is rein o s d o e sp írito foi aceita c o m o natural, m u ito e m b o ra co m um a d o s e e n o rm e d e a n sie d a d e , h ip o crisia e tra ta m e n to e s p ú rio n o s b izan tin ism o s esco lásticos. Mas, d e fato, a c o n tra d iç ã o rev elo u u m a te n d ê n c ia a m e rg u lh a r a le g re m e n te na Som bra d o In c o n sc ie n te C oletivo. Pelo sa c ra ­ m e n to d a p e n itê n c ia — um Pai-N osso, três A ves-M arias, rara­ m e n te u m jejum o u a au to fla g e la çã o — p o d ia a m aioria e sc a p a r d o s to rm e n to s d a cu lp a, a b a ix o cu sto , e o p io r crim in o so era c a p a z d e a d q u irir u m a b o a co n sciên cia, p e lo m e n o s a té o se u ú ltim o m o m e n to d e v e rd a d e ”. O h u m a n ism o re n a sc e n tista reflete a p rim eira g ra n d e crise esp iritu al d a alm a o c id e n ta l e a tentativa, m a lsu c c d id a, d e in te ­ g rar a c o n tra d iç ã o p e lo cu lto d a v irtu d e e d o e n fre n ta m e n to c o ra jo so d a cru z a d a vida, co m a a m b iç ã o d e univ ersalizar-se. N o m e sm o c o n te x to , e n tre ta n to , n asceria um a o u tra v erten te, fruto da m esm a crise, q u e acab aria p o r e m p o lg a r um a p a rte d o O c id e n te. T rata-se d a R eform a P ro te sta n te q u e n ã o p ro c u ro u

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m ascarar a p ro p e n s ã o p ara o mal d a criatura h u m a n a e in d ico u as g ra n d e s trib u la ç õ e s a se r v ivenciadas. As p ro fu n d a s c o n tra d iç õ e s e n tre a p ie d a d e crislã e a cruel c o n c o rrê n c ia e n tre os h o m e n s p o d e ria m ser d ire c io n a d a s para estim u lar o d e se n v o lv im e n to m aterial e cultural. N o e n te n d im e n to d e M eira P e n n a , “a m oral finalista d o p o sitivism o naturalista, im plícita n o e v o lu c io n ism o darvviniano, re p re se n ta d e ce rto m o d o um a caricatu ra intelectual d o c o n c e i­ to p ro te s ta n te d e Ju stificação p ela F é”. O s q u e c h e g a m a se r b e m -su c e d id o s n este e m p re e n d im e n to “são, na re alid a d e, ‘os m ais a p to s ’, o s m ais eficientes, os ‘e s c o lh id o s ’ na em píren da refrega te rre n a e a d re d e se le c io n a d o s p o r D eus p a ra e stru tu ra r a re a lid a d e da luta c o n tra o Mal. E p ara v e n c e re m ”. Ao q u e acre scen ta : “A v e rd a d e é q u e co n trad ição en tre a ética cristã d e a m o r e co m p aix ão , e a ética aristocrática e naturalista da inflexi­ b ilidade no s c o m b ates d a vida se ag u ço u p o r força m e sm o d e p a ra d o x o calvinista — m erg u lh an d o , p o rém , cada vez m ais no inconscien te. C ertam ente, um a e n o rm e d o se d e autojustificação hipócrita (self-ríghteoiisness) se introduziu na co n v icção d e q u e a riqueza, o p o d e r e o su cesso m ercantil são sinais ex teriores ev id e n tes da esco lh a divina, c o m o dád iv as gratuitas a o virtuoso. Mas é fácil confirm ar a p ostura q u e coloca, n um m esm o p lan o , a fortuna e a virtude, o p o d e r e o tem o r d e D eus, o su cesso m ate­ rial e a justiça: tal fé instila um a energia trem en d a, um a ânsia d e con q u ista e e x p a n sã o na m en te d o h o m e m ativo, aten to ao m u n ­ do objetivo d e intensa rivalidade, sofrim en to e v io lência”. A p ró p ria idéia d e lib e rd a d e e c o n ô m ic a — idéia q u e d e u orig em a o c ap italism o m o d e rn o — , q u e é lib e rd a d e d e c o n c o r­ rência e p ro c u ra ativa d o lucro e d o in teresse egoísta, n a sc eu em m e n te d e fo rm a ç ã o calvinista. O p ro te sta n tism o racio n alizo u a c a rid a d e . O se n tid o da ju s­ tiça social é a d q u irid o c o m o s u b p ro d u to d o d e se n v o lv im e n to , se n d o ho je os p aíses d a E uropa O cid en tal e d a c o m u n id a d e d e língua ing lesa o s e x p o e n te s d a m ais perfeita ig u a ld ad e d e m o ­

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crática e m reg im e d e p le n a lib e rd a d e política, co m a s u p re ssã o d a m iséria e d a q u e le s e x c e sso s d e lu x o e m o rd o m ia s d a p e ­ q u e n a elite g o v e rn a n te . N esse a sp e c to , n ã o há n a tu ra lm e n te u n a n im id a d e na c o n ­ c e p ç ã o , s o b re v in d o a crítica d as c h a m a d a s d ireita e e sq u e rd a . Para am b as, o cap italista b u sc a a p e n a s os p ra z e re s q u e o d i­ n h e iro p o d e p ro p o rc io n a r, n ã o s e n d o c o ib id o p o r q u a lq u e r reserv a m oral. Em q u e p e s e o e s p a n to s o m o n u m e n to d a cu ltu ra, o h o m e m n ão p o d e e s c o n d e r q u e a lei d a e v o lu ç ã o é in co m p atív el co m a Lei d e Cristo. Esta é a g ra n d e rev elação d o sé c u lo XX, a q u e o a u to r c h a m a d e ‘d e s m a sc a ra m e n to ’. A ssim o qualifica: “D e um lado, a ética calvinista, d o m in a n te n o s u b c o n s c ie n te d o s p a í­ ses ricos e líd eres d o O c id e n te , é c o n te sta d a e criticada, in te r­ n a m e n te , n u m im e n so ‘e x a m e d e c o n sc iê n c ia ’, e stim u la d o pela d ro g a e a sín d ro m e d o ‘p o litic a m e n te c o rre to ’, q u e a b ala na d ú v id a e n o d e se q u ilíb rio m en tal os p ró p rio s alicerces d e ssa s p ró sp e ra s s o c ie d a d e s d e m o c rá tic as. D o o u tro , a ética q u e eu qualificaria d e ‘c o letiv ista’ se c u la riz o u o s p rin c íp io s cristãos, p ro c u ra n d o reso lv er o p ro b le m a p ela força e p e la c o e sã o o rg â ­ nica da c o m u n id a d e social, ela c o rto u p o r assim d iz er o ‘n ó g ó rd io ’ m oral alravés d e fórm ulas id eo ló g icas ap licad as, v io ­ lenta e o p re ssiv a m e n te , p e lo E stado. Mas, na form a d e sofism a socialista, d isso c io u in te ira m e n te certo s p rin c íp io s d a justiça cristã d e su a s raízes viscerais, p a ss a n d o a c o m u n id a d e a in te ­ g rar o rg a n ic a m e n te os in d iv íd u o s, to d o s eles n u m a ig u a ld a d e c in z e n ta ”. A p ar d o im pacto d a ciência e d o darw inism o, n osso século co n h e ce u tam b ém a Ju n g q u e ensina reside n o conflito d o s o p o s­ tos, em nossa própria alm a, a in tensidade d a vida interior. Na p siq u e co m b atem os arquétipos. “G raças a essa co n ten d a íntima, avançam o s n o processo d e individualização em d ireção ao Selbst, ao Si-m esm o, à introjeção da lei e m nós m esm o, ao D eus e m n ó s.”

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Em sín tese, o a u to r p re te n d e d e m o n s tra r q u e a fo n te últim a d o s p ro b le m a s p sico ló g ico s q u e n o s a to rm e n ta m e n c o n tra m -se n o conflito la te n te e n tre as d u a s m orais. E x am in a d o em o u tro e n sa io a idéia da ‘m o rte d e D e u s’, q u e rep rese n ta um a e sp écie d e ápice d o p ro cesso d e d essac ra li/açã o , M eira P e n n a e n te n d e q u e n ã o c o rre s p o n d e a m a n ife stação d e ateísm o , m as a um a e sp é c ie d e p ro c la m a ç ã o d a p le n a m atu ri­ d a d e d o h o m e m . Essa idéia é su g e rid a p e la re d e sc o b e rta d o s m istérios p ela p ró p ria ciên cia e a d e rro ta d o m arx ism o re p re ­ s e n ta d a p e lo fim d a e x p e riê n c ia soviética. O fim d o sé c u lo m arca, p o rta n to , e s tro n d o sa vitória d o liberalism o. P o d e tratar-se ta m b é m d a g e sta ç ã o d e um n o v o m ito. Escreve: “S e g u n d o o n o v o m ito q u e está s e n d o co n stru íd o p e lo s p o e ta s e m itó lo g o s d a física, a stro n o m ia e b io lo g ia, o U niverso tev e um p rin c íp io n u m m o v im e n to ev o lu tiv o d in â m i­ co, atrav és d e u m te m p o c o n ta d o e m p artícu las in finitesim ais e em e ras d e m ilh ares, m ilh õ es e b ilh õ es d e an o s. C o n te m p la n ­ do, n o e n ta n to , a v isão h eraclítan a d e um m u n d o e m p ro c e sso c o n sta n te d e m u d a n ç a e tra n sfo rm a ç ão q u e ta n to e n tu sia sm o u N ietzsche, a p ó s a p rim eira e ú n ica sin g u la rid a d e , to d a s as leis d a física já estav am d e te rm in a d a s ”. E lo g o ad ian te: “Mais d o q u e p o d e ría m o s im aginar, o teísm o do s p h ilo so p h e s d o ilum inism o, co m su a h ip ó te se d e u m Le­ gislador universal, se solidifica c o m o su b strato d e u m a m etafísica m atem ática m o d e rn a . E instein diria q u e o B om D eu s n ã o b rin ­ ca co m o s d a d o s. H ay ek m en cio n aria a m ã o invisível q u e e sta ­ b e le c e a o rd e m e s p o n tâ n e a d as estru tu ra s sociais, inclusive d a ec o n o m ia d e m e rc a d o n u m sistem a có sm ico . E stam os assim , n o te rre n o d a ciência, a lc a n ç a n d o u m está g io q u e e n c o n tra sua c o rre sp o n d ê n c ia n o â m b ito p o lítico e so c ia l”. P ro sse g u in d o , escrev e: “A Id a d e d as G u erras e d a s R evolu­ ç õ e s talvez se esteja e n c e rra n d o . E, p e lo m e n o s, o q u e p ro p õ e , sem m uito n o s c o n v en cer, o jovem intelectual a m e ric a n o Erancis E ukuyam a, q u a n d o re in tro d u z a idéia d o fim d a h istória, a n u n ­ 271

ciad a p o r H egel e re in te rp re ta d a p o r K ojeve. Mas, se o lib era ­ lism o p a re c e triu n fan te e se, n e sse c o n te x to , e n te rra a história d a s re v o lu ç õ e s, g u e rra s religiosas e conflitos id eo ló g ico s, a h is­ tória d o crim e e da p e rv e rsid a d e h u m a n a n ã o está, c e rta m e n te, finalizada. S intom as g e n e ra liz a d o s p a re c e m indicar, ao c o n trá ­ rio, q u e e sta m o s e n tra n d o n a Id a d e d o C rim e. N em d ev em o s, ta m p o u c o , e s p e ra r q u e as ‘re v o lu ç õ e s', n o seu lim itado se n tid o p o lítico e social, hajam d efin itiv a m e n te c e s s a d o ”. O q u e se p o d e co n c lu ir da an álise d e M eira P e n n a é q u e o in te re sse é a força q u e m o v e o s p o v o s. As p o ssib ilid ad es d e discip lin á-lo e ev itar q u e re su lte m n u m m u n d o h o b b e sia n o , fran ca m en te sem lei e a fu n d a d o na d e so rd e m , resulta d a ex is­ tência n o p ró p rio h o m e m d e um o u tro p rin c íp io , o d o a ltru ís­ m o. Mas esse p ro c e sso d e d isc ip lin a m e n to n ã o p o d e co nsistir na ig n o rân cia d e q u e a e s p o n ta n e id a d e d o in teresse é q u e as­ se g u ra à so c ie d a d e a p e rsp e c tiv a d o p ro g re sso m aterial. Só o liberalism o , a p o ia d o n o p rin c íp io da n e g a tiv id a d e e d a su b je ti­ v id a d e (A lberto O liva), p o d e e x ercitar co m su c e sso e n e g a r a p o ssib ilid a d e d e to d a e sp é c ie d e e n g e n h a ria social. C om o indiquei, a o u tra co n trib u ição básica cifra-se na am p li­ tu d e com q u e estaria o c o n ceito d e rev o lu ção em seu últim o livro (O espirito chis revoluções, 1997). No fundo, a v erdadeira rev o lu ção só se configura c o m o tal na m ed id a em q u e re sp o n d e a alteraçõ es su bstanciais na base m oral d a so cied ad e. Mas tem , so b re tu d o , feição política. P ro ced e tam b ém d e um fu n d o p sico ­ lógico ob scu ro . Essa visão am p la está su ste n ta d a n u m a avalia­ ç ã o d o p e rc u rso histórico d a Época M oderna. Assim a ex p o siç ão n ão é m e ra m e n te teórica, se n d o en riq u ecid a p e lo s fatos. O m é ­ to d o é esg o ta r cad a um d o s a sp e c to s c o n sid e ra d o s p a ta s o b re ­ p o r-lh e o su b se q ü e n te . A sín tese está na p a rte final, q u a n d o enfatiza a prev alên cia d o s c o m p o n e n te s culturais. Assim, trata-se, n u m p rim eiro m o m e n to , d e e v id e n c ia r c o m o su rg e e se e x p re ssa o n o v o m ito, q u e , n u m c e rto se n tid o o u n u m a certa linha, talvez se te n h a e sg o ta d o n e ste séc u lo , ju sta­ 272

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m e n te q u a n d o atingiu o v e rd a d e iro p a ro x ism o atrav és d as e x ­ p re ssõ e s totalitárias nazista e stanilisla, a m b a s o rig in árias d o m e sm o tro n c o re v o lu c io n á rio e d e idêntica feição socialista.'1O m ito d a re v o lu ç ã o c o rre s p o n d e a o a rq u ei ico d in â m ic o da tra n s­ fo rm a ç ã o v iolenta. K um p ro c e sso d e larga g e sta ç ã o e d e s e n ­ v o lv im en to n o seio da c o m u n id a d e cristã, situ a n d o Meira Penna, n o sé c u lo XVI, o s p rim ó rd io s d o ciclo q u e o ra se esg o ta, co m a R evo lu ção P ro testan te. A dota a te s e d e O ctav io Paz, s e g u n d o a q u a l seria p a rte d e fe n ô m e n o m ais a m p lo , a relig io sid ad e, vale dizer, um a to d e fé. N o e n te n d im e n to d e M eira P e n n a a q u e s ­ tão tem ta m b é m o u tra d im e n sã o d e fu n d o p sico ló g ico: a rev o l­ ta co n tra o Pai. Em c o n s o n â n c ia co m s e m e lh a n te p ro p ó sito e stã o e s tu d a ­ d o s o s m o m e n to s m ais d e sta c a d o s d o a lu d id o p ro c e sso e x e m ­ p la rm e n te ilu s tra d o s p o r a u to r e s c o m o H e g e l, S p e n g le r e T o y n b e e , e n tre o u tro s. A nalisa ta m b é m os e stu d o s q u e m e re ­ ce ra m o fe n ô m e n o re v o lu c io n á rio , n o ta d a m e n te a q u e le s d e v i­ d o s a H a n n a h A rendt. N ão se trata d e um a an álise fria e im p e s­ soal, o n d e o analista d istan te q u e r s o b re tu d o julgar. N osso a u to r q u e r c o m p re e n d e r e, n e sse ala, p ro d u z iu p á g in a s m agníficas c o m o as q u e e sc re v e u a p ro p ó s ito d a dialética d o S e n h o r e d o E scravo e m H egel. A re v o lu ç ã o p o d e d ar-se ta m b é m para re sta u ra r um a o rd e m an tig a e n ã o sim p le sm e n te p a ra im p o r um a n o v a o rd e m . De certa form a p o d e d izer-se q u ç, to m a d a a q u e s tã o n o p la n o d o p e n s a m e n to (s a b e n d o to d o s n ó s q u e as idéias, m e sm o as v o l­ tad as p a ra a a ç ã o e a tran sfo rm ação , a c a b a m p o r a c o m o d a r-se 4. A esse propósito regisi.ro aqui a feliz observação de Meira Penna, ao contes­ tar a tese de autor americano (Barringlon M oore) segundo a qual o fascismo de Mussolini seria reacionário e viria ‘do alto’, que adiante transcrevo; “A retórica antiburguesa e antianglo-saxônica era tão intensa no fascismo como é lioje entre as esquerdas. K convem, além disso, lembrar que essa retórica antiburguesa e anlicapitalista foi inaugurada, no século XIX, precisamente1 por pensadores 'reacionários’ que falavam em nome de um romantismo medievalista, do tipo de um Joseph de Maislre e de um De Bonald" (Kltul, Crane, Brinton e Barringlon Moore, Autópsia th revolução, cap. 6).

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a circ u n stâ n c ias ex isten ciais in su p eráv eis), a o rig em d o m o v i­ m e n to m o d e rn o , sim b o liz a d o p e la R ev o lu ção G lo riosa d e 1688, o co rrid a n a In glaterra, b u sca re e n c o n tra r as raízes d a q u e la c o n ­ d e n a ç ã o a o E stado, atrav és da satan ização , e x p re ssa n a m e n ­ sag em d e Cristo. C om o cristianism o a p a re c e o d u a lism o Igre­ ja /E s ta d o . F a c u lta n d o e v e n tu a lm e n te a d e s s a c ra liz a ç ã o d o s e g u n d o e a e m e rg ê n c ia da d em o cracia. D e sorte q u e, na p re se n te obra d e M eira P en n a, a R evolução n ã o se circunscreve à É p oca M oderna e, nesta, n ã o se além à em erg ên cia d a verten te q u e d e se m b o c a n o totalitarism o d o sé ­ cu lo XX, d a n d o -se igualm ente o a p a re c im en to d o liberalism o. A p artir d o c a p ítu lo 8 o in teresse cifra-se na últim a d im en são , esclarecid a p ela p ro fu n d id a d e d o an ta g o n ism o e n tre lib erd ad e e igualdad e. A luta p ela igualdade, in q u estio n av elm en te um a asp iração d a cultura ju d eu-cristâ (p e ra n te D eus to d o s são iguais), d e g e n e ra n o igualitarism o q u e, p o r sua vez, e stab elecerá um a e s p é c ie d e sim b io s e c o m filh o b a s ta rd o d a d e m o c ra c ia : o d em ocratism o . Esta será a o p o rtu n id a d e d e q u e se vale Meira P en n a para ex am in ar m ais d e tid a m e n te o c o n te ú d o d a m e n sa ­ g em d e c u n h o m arxista, com su a ascen d ên cia neste sé cu lo indo d e se m b o c a r na Escola d e Frankfurt. A Revolução Gloriosa d e u origem â prim eira ex p ressão d o li­ beralism o. Se esle n ão logrou no s três séculos seguintes um a vitó­ ria plena e inconteste, elab o ro u um co rp o doutrinário altam ente consistente q u e perm itiu à so cied ad e ocidental so b repor-se e p o r fim derro tar o socialism o. A vitória d o sistem a capitalista resulta, seg u n d o Meira P enna, d o “pragm atism o d e sua ação política, e co ­ nôm ica e cultural”. É deveras interessante a m aneira original co m o focaliza o pragm atism o. Sem aderir aos postu lad o s filosóficos dessa escola, o a u lo r reco n h ece q u e ao ch am ar a aten ção p ara o caráter subjetivo d e toda investigação científica o u filosófica, “ajuda-nos co m um a certa d o se d e ceticism o d ian te d e to d o arg u m e n to dogm ático e, principalm ente co n co rre para com bater, graças ao b o m senso, as co nstruções teoréticas d e natureza ideológica q u e 274

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tão funestos resultados tiveram em nosso sé c u lo ”. Parece-lhe ter sido a visão pragm ática das coisas q u e vacinou os anglo-saxões contra as ideologias coletivislas q u e tanto su cesso alcançaram alhu­ res, perm itindo-lhes justam ente tornar-se o baluarte em defesa da so cied ad e aberta, liberal, capitalista e dem ocrática. A crise p e la qual p a sso u o liberalism o tem raízes p ro fu n d as. A p a rtir d o s m e a d o s d o sé c u lo p a ssa d o , s e g u n d o M eira P enna, vig o ro u “m o v im e n to d e o p in iã o n o s e n tid o d e um re to rn o ao coletivism o , in v o c a d o n o s lem as d e Ig u a ld a d e e F ra te rn id a d e ”. Essas te n d ê n c ia s co letivistas o O c id e n te as “h e rd o u d a Igreja católica m ed iev al, te n d ê n c ia s q u e , na A lem an h a, foram refo r­ ça d a s p e lo lu te ra n ism o e, n o s p aíses católicos, p ela tru cu lên cia in q u isitorial d a C o n tra-R efo rm a”. D o q u e p re c e d e , co n clu i M eira P e n n a q u e a “política é o te rre n o p re fe rid o da te n ta ç ã o s a tâ n ic a ”. Por isso m esm o , o p a ­ p el d o s liberais é c o m p le m e n ta r a h o riz o n ta lid a d e d a d im e n ­ sã o id eo ló g ica co m a v e rticalid ad e d a c o o rd e n a d a ética. E m b o ra a c e ite a p rem issa d a R ev o lu ção A m ericana s e g u n d o a q u al seria u m a q u im e ra “s u p o r q u e q u a lq u e r form a d e g o v e r­ n o p o ssa asse g u ra r a lib e rd a d e o u a felicid ad e d o p o v o , sem a ex istên cia d e q u a lq u e r v irtu d e n e sse p o v o ”, n o sso a u to r p a re ­ ce a cre d ita r n a vitória universal d o sistem a re p re se n ta tiv o e d o cap italism o . É ce rto q u e M eira P e n n a d istin g u e -se d o c o m u m d o s in telectu ais o c id e n ta is p e lo p ro fu n d o c o n h e c im e n to q u e tem d a cu ltu ra o rien tal, talvez em d e c o rrê n c ia d o fato d e q u e te n h a serv id o c o m o d ip lo m a ta n a q u e la p a rte d o m u n d o , cir­ c u n stân cia q u e d e v e ter a p ro v e ita d o p a ra d e b ru ç a r-se se ria ­ m e n te so b re o tem a, c o m o é d e seu feitio. Sem e m b a rg o , m e sm o os an alistas p o lítico s a m e ric a n o s q u e re c u sa v a m q u a lq u e r c o n s id e ra ç ã o relativ a à c u ltu ra po lítica — p o r c o n sid e rá -la d e difícil m e n s u ra ç ã o — , r e c o n h e c e m ho je q u e sã o e sc a ssa s as p o ss ib ilid a d e s d e e x istê n c ia d e d e m o c ra ­ cia e e c o n o m ia d e m e rc a d o n o s p a ís e s islâm ico s o u na África n e g ra , e sta últim a até h o je a fo g a d a e m c o n flito s trib ais d e fe275

rocidacle in im ag in áv el e e n q u a n to o s p aíses islâm icos s o n h a ­ vam c o m u m a te o c ra c ia c a p a z d e im p o r p e la força o q u e c o n ­ sid e ra seria a p u re z a d o s c o stu m e s. D e s o rte q u e , p a re c e -m e , g a n h a ría m o s a o c irc u n sc re v e r a d isc u ssã o a o s lim ites d a c u l­ tu ra o c id e n ta l. D essa m an eira, v e re m o s q u e o c a p ita lism o e o sistem a re p re s e n ta tiv o a p a re c e m c o m o in v e n ç ã o d o s p a íse s p ro te sta n te s (a França n ã o c h e g a a c o n sistir e x c e ç ã o p o rq u a n to e s te v e ‘à b e ira d e a d e rir a o p ro te s ta n tis m o e m e sm o o q u e , na á re a c a tó lic a p ro d u z iu d e in o v a d o r, o ja n se n ism o , n ã o c o n s e ­ g u e e s c a p a r d o p a re n te s c o ). T eriam d e se r a v e rig u a d a s q u e c irc u n stâ n c ia s fa v o re c era m a tra n siç ã o p ara o cap italism o da Itália e d a E sp a n h a . N ão terá sid o d ecisiv a a p re s e n ç a d o v e to r su p ra n a c io n a l? Se for assim , a e stra té g ia liberal d ev e ria c o n ­ sistir em lev ar o Brasil a e m p e n h a r-s e d e c id id a m e n te na c o n s ­ titu iç ã o d o M ercad o C o m u m d a s A m éricas, isto é, c o n c e b e r o M ercosul e su a e x p a n s ã o c o m o e ta p a p rév ia â ju n ç ã o co m o N afta. Se a a lte rn a tiv a tiver q u e se cifrar n o s m a rc o s in te rn o s (n ã o e sto u d iz e n d o q u e d e v e m o s p e rd ê -lo s d e vista), c ab eria ain d a d e c id ir se o m ais im p o rta n te seria re c u p e ra rm o s o e n s i­ n o fu n d a m e n ta l ( c o n c e b e n d o -o c o m o e d u c a ç ã o p a ra a c id a ­ d a n ia , n o q u e n a tu ra lm e n te d e v e m o s n o s e m p e n h a r d e to d o s os m o d o s ) o u a p o s ta r 110 s u c e s s o d o su rto d e e x p a n s ã o d as igrejas e v a n g é lic as . A p ro p ó s ito , a c h o q u e d e v e m o s d e s c o n fi­ ar d a v iru lên cia co m q u e os n o sso s m e io s d e c o m u n ic a ç ã o ata ca m e s s e fe n ô m e n o . A e x p e riê n c ia in te rn a c io n a l su g e re q u e o p ro te sta n tism o , a o d e s e n v o lv e r a re s p o n s a b ilid a d e p e s s o ­ al, cria in v a ria v e lm e n te c o n d iç õ e s m ais a d e q u a d a s a o fu n c io ­ n a m e n to d o sistem a re p re s e n ta tiv o e d o p ró p rio c a p ita lism o . Um a palavra final so b re a e sc o lh a d e um a o u o u tra d as v e r­ te n te s d o liberalism o: além d e as e sc o lh a s radicais te re m s e m ­ p re um a c o m p o n e n te irracional, n ão creio q u e d e v e ría m o s n o s p re o c u p a r em p ro c la m a r juízos finais, afinal, to d a s as p e sso a s q u e su ste n ta ra m a b a n d e ira d o lib eralism o n e ste s é c u lo d e v e ­ riam m e re c e r a n o ssa c o m p re e n sã o , p o sto q u e o fizeram em 276

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Lih e ra i.is m o B r a s i l e i r o

c o n d iç õ e s m u ito d esfav o ráv eis. A p a r disto, m u ito p ro v a v e l­ m en te, le v a n d o em co n ta q u e d e s d e o início os p a rtid á rio s d o sistem a re p re se n ta tiv o div id iram -se em c o n se rv a d o re s e lib e­ rais, a p ró p ria d o u trin a há d e exigir a c o n sid e ra ç ã o d o s a s p e c ­ tos q u e u m a o u o u tra das v erten tes enfatiza talvez em dem asia. O ce rto é q u e to d o s e stã o n o m esm o b a rc o .1 De m inha parte, e n te n d o q u e n o ssas e n e rg ia s d ev eriam c o n c e n tra r-se n o e n ­ c o n tro d a q u e la A gen d a T eó rica q u e n o s perm ita, na m elh o r trad ição d o lib eralism o b rasileiro d o sé c u lo p a ssa d o , d iscu tir os a sp e c to s essen ciais d a d o u trin a, a q u e a d e rim o s, à luz d e n o ssas circu n stân cias. P o r su a c o m b a tiv id a d e , c u rio sid a d e in telectu al, c a p a c id a d e d e cultivar a a m iz a d e e e x tra o rd in á ria d e v o ç ã o a o se u país, M eira P e n n a co m c erteza re c o m e n d a -s e c o m o e x e m p lo a se r se g u id o p o r n o ssa ju v e n tu d e . R o berto C am p o s (n a sc id o , c o m o M eira P en n a, em 1917), d ip lo m a ta d e carreira, tem o seu n o m e in d isso c ia v e lm en te liga­ d o â tem ática d o d e s e n v o lv im e n to e c o n ô m ic o n este p ó s-g u e r­ ra. O rg a n iz a d o r d o B an co N acional d e D e se n v o lv im en to E co­ n ô m ic o , n a d é c a d a d e 50, te v e n e sta m e sm a fase a tu a ç ã o d e sta c a d a na im p le m e n ta ç ã o d o P lano d e M etas, q u e m arca um m o m e n to im p o rta n te da in d u strialização brasileira. S u b s e q ü e n ­ te m en te, p e rte n c e u a o p rim eiro g o v e rn o militar, c h e fia d o p o r C astelo B ranco, te n d o se in c u m b id o d e refo rm as q u e se re v e la ­ ram im p o rta n te s na a b e rtu ra d o país p a ra o exterio r. D esd e os an o s 80 in g re sso u n o P arlam en to , p rim e iro c o m o s e n a d o r e 5. Objetivamente não vejo que vantagem poderia advir para os liberais brasi­ leiros em renegarmos uma personalidade com o Keynes, cujo nome está associado não só ao encontro de uma saída para a Grande Depressão de 29, com o ter conseguido que na Segunda Guerra não se impusessem reparações aos vencidos (ajudando-os, ao contrário, a recuperar-se), exorcizando de vez as guerras na Kuropa Ocidental. No esquema da Escola Austríaca é com o se o capitalismo não tivesse experimentado, desde o século passado, sucessivas crises. Km seu último livro, living Kristol opina, que, diante da devastação provocada pela crise de 29, "a noção de uma econom ia planificada pela autoridade governamental parecia consensual ao invés de ideológica".

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d e p o is c o m o d e p u ta d o . P o r su a d e fe sa d a p a rtic ip a ç ão cio c a ­ pital estra n g e iro n a c o n se c u ç ã o d a q u e le p ro je to e d a crítica te n a z a o n acio n alism o , foi v io le n ta m e n te c o m b a tid o pela c h a ­ m a d a e sq u e rd a . C o n tu d o , viveria o su ficien te p ara a lc an ç ar o m ais a m p lo re c o n h e c im e n to . C o m o assin a lo u G ilb erto Paim , c o m p le ta “q u a tro d é c a d a s d e d e b a te d e p ro b le m a s b rasileiros a ssin a la n d o a c o n q u ista p a ra seu id e á rio d e su b sta n ciais p a r­ celas d a o p in iã o p ú b lica n a c io n a l”. É a u to r d e e x te n sa b ib lio ­ grafia, q u e d e certa form a se c o ro a co m a o b ra a u to b io g rá fic a A lanterna na popa, livro q u e se to rn aria b est-seller. Creio q u e , e n tre o u tra s coisas, R o b erto C am p o s sin gularizase e n tre n o sso s c o n se rv a d o re s liberais p o r e n te n d e r q u e n ã o c a b e n e n h u m a o p ç ã o radical e n tre K eynes e H ayek, d e s d e q u e a m b o s a tu a ra m (co m su c e sso ) e m c o n so n â n c ia c o m a tem ática d e seu te m p o . “S ob m in h a ótica — e sc re v e n u m d o s en sa io s in clu íd o s na A ntologia cio b o m sen so (1996) — Lord K eynes e Freidrich v o n H ay ek foram os m aio res e c o n o m ista s d e ste s é c u ­ lo. (...) Q u a n d o K eynes c h e g o u a B retton W o o d s (1944; c o n fe ­ rência q u e criou o B an co M undial e e sta b e le c e u o F u n d o M o­ n etário In tern acio n al) já era u m a le g e n d a in tern acio n al. T in h a escrito seu livro clássico, A teoria geral cio em prego, cio juro e cia m oeda, q u e racio n alizo u a in te rv e n ç ã o g o v e rn a m e n ta l p a ra m a n ip u la r a d e m a n d a a g re g a d a , com vislas a c u rar rec essõ e s e g ara n tir o nível d e e m p re g o . Mas tinha tam b ém se n o ta b iliz a d o c o m o p ro fe ta .” T em p re se n te , e n tre o u tras coisas, q u e fora u m a v oz isolad a a o vaticin ar q u e o T ra ta d o d e V ersalhes — im p o n ­ d o “e n c a rg o s inviáveis e h u m ilh a n te s re p a ra ç õ e s d e g u e rra ” — geraria “fru stração e c o n ô m ic a e s e d e d e v in g an ça p olítica, q u e arru in ariam a e sta b ilid a d e e u ro p é ia . H itler p ro v aria m ais ta rd e q u e K eynes tin h a ra z ã o ”. A inda assim , p a ra R ob erto C am p o s, a figura in te le c tu a lm e n ­ te m ais m ajesto sa d o p ó s-g u e rra seria H ayek. E screve, n u m o u tro e n sa io in se rid o n o m e sm o livro: “H ay ek to rn o u -se inici­ alm e n te fam o so p ela c o ra g e m co m q u e d e fe n d e u as teses d e 278

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V on M ises c o n tra B a ro n e e Lange, so b re a im p o ssib ilid a d e d o cálcu lo e c o n ô m ic o n o s reg im es socialistas. A tu alm ente, d e p o is d a p iro té c n ic a im p lo sà o d o s reg im es d o Leste E u ro p eu e da b ru sca d e sin te g ra ç ão da ex -lJn ião Soviética, as idéias p elas q uais s e b a te u H a y e k to r n a r a m - s e s e n s o c o m u m ( e x c e to e n tr e id e ó lo g o s d e p aíses p e rifé ric o s)”. O cam inho chi scrviciào (1944) p a re c e -lh e co n sistir na o b ra m áxim a d e sse autor. Ao q u e a c re s­ centa: “Foi o h o m e m d e idéias q u e m ais b ra v a m e n te lu tou, ao lo n g o d e d u a s g e ra ç õ e s a to rm e n ta d a s, p ela lib e rd a d e d o in d i­ v íd u o c o n tra to d a s as m o d a s totalitárias, d o so cialism o so v iéti­ co a o nazism o . E co n tra o u tra s form as d e o p re s s ã o resu lta n tes d a s u p e rp o s iç ã o d o E stado b u ro c rá tic o à p e sso a h u m a n a , a p re te x to d e in teresses sociais q u e ele p ró p rio , o E stado, re se r­ va p a ra si o p o d e r d e d e te rm in a r”. P ro sse g u in d o n o c o n fro n to e n tre as d u a s p e rso n a lid a d e s escreveria: “L endo em L ondres o livro O cam inho chi scrviciüo, K eynes e sc re v e u a H ay ek q u e se sen tia ‘c o m o v id o ’, m ais d o q u e isso, ‘p ro fu n d a m e n te c o m o v id o ’ co m as a d v e rtê n c ias d e H ay ek so b re o s p erig o s d o dirig ism o e c o n ô m ic o p ara a lib er­ d a d e política. Mais tard e, faria ele p ró p rio um a a d v e rtê n c ia co n tra o in terv en cio n ism o ... ‘N ão é fu n ç ã o d o g o v e rn o ’, dizia ele, ‘fazer um p o u c o m e lh o r o u um p o u c o p io r o q u e a iniciati­ va p riv a d a p o d e fazer. E só fazer o q u e n in g u é m m ais p o d e faze r’. D o n d e se co n clu i q u e , se viv esse m ais, a o re c o n h e c e r q u e o p ro b le m a d o p ó s-g u e rra n ã o seria a recessão , q u e ele c o m b a te u n o e n tre g u e rra s e sim a inflação, K eynes n ã o seria m ais u m k e in e s ia n o ”. Vale a p e n a insistir n e sse a sp e c to p o r­ q u a n to u m a p a rle d o s c o n se rv a d o re s liberais, e n tre nós, s o ­ b re tu d o a q u e le s v in c u la d o s a o In stitu to Liberal, a trib u em d ire ­ ta m e n te a K eynes a esta tiz a ç ão da e c o n o m ia e u ro p é ia efetiv ad a p e lo s socialistas n o p ó s-g u e rra . H en ri L apage, q u e se inclui co m certeza e n tre o s g ra n d e s liberais fra n c e se s da a tu a lid ad e , lem c h a m a d o a a te n ç ã o d e q u e a s u p e ra ç ã o d o k e in e sia n ism o resulta, e n tre o u tras coisas, d o su c e sso q u e tev e e m c o n trib u ir

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p a ra a p re se rv a ç ã o d a s in stitu içõ es d o sistem a re p re se n ta tiv o em p aíses tão im p o rta n te s c o m o a In g laterra e os E stados U ni­ d o s, ju sta m e n te o q u e p erm itiu fosse elim in ad a a a m e aç a nazifascista. A p ro b le m á tic a e c o n ô m ic a a lte ro u -se s u b sta n c ia lm e n ­ te n as d é c a d a s d e 70 e 80, o q u e exigiu a fo rm u la ç ão d e n o v as o rie n taç õ e s. A m e u ver, isto significa a p e n a s q u e o lib eralism o e c o n ô m ic o ex ig e a d a p ta ç õ e s rela tiv a m e n te fre q ü e n te s, e m b o ra a referên cia ao s b a liz a m e n to s d e A dam Smith se m p re estejam p re se n te s — a o c o n trá rio d o sistem a re p re se n ta tiv o , q u e se traço u u m a linha d e a p ro fu n d a m e n to a b e m d iz e r p e re n e , d o m esm o m o d o q u e a d e fe sa d o p lu ralism o n o p la n o cultural. O d efe ito d o s a d e p to s b rasileiro s d a Escola A ustríaca — d efeito e m q u e n ã o in cid e R o b erto C am p o s — c o n siste p re c isa m e n te em d e s c o n h e c e r q u e a vida social n ã o se re su m e às a tiv id ad e s ec o n ô m ic a s, re v e stin d o -se d e idên tica m a g n itu d e ta n to a vida política c o m o a cultural, to d a s elas e x ig e n te s d e e sp e cificid ad e . R oberto C am p o s é se m d ú v id a um a figura cen tral n a fo rm u ­ lação d o p ro jeto m o d e rn iz a d o r brasileiro. Aqui ta m b é m e n tre ­ vejo significativa sin g u la rid a d e n as su as p o stu la ç õ e s. R eco n h ece d e p ro n lo , fa z e n d o c a u s a c o m u m c o m o s e s tu d io s o s d o p atrim o n ia lism o brasileiro, q u e “o cap italism o n u n c a existiu n o Brasil. C o m o dizia O liveira V iana, so m o s um país p ré -c ap italista e até m e sm o anlicap iialista. Isto se tra d u z e m n o ssa n o ­ tória in c o m p re e n s ã o d a fu n ção d o lu c ro ’ e d a c o n c o rrê n cia . .S o m o s u m a so c ie d a d e patrim o n ialisia. O p a trim o n ialism o n ã o é m ais q u e a form a ib érica d o m ercan tilism o e u ro p e u d o c o m e ­ ço d a Id a d e M od ern a, isto é, o m ercan tilism o p io ra d o p e la in ­ fluência cultural d a C ontra-R eform a, d o s con fisco s d a In q u isição e d o s resq u ício s d o d e sp o tis m o á ra b e ”. N o e n te n d im e n to d a s e v e n tu a is saíd as d o p a trim o n ialism o têm sid o a v e n ta d a s s o b re tu d o d u a s altern ativ as. A p rim e ira consistiria em lo g rar a im p le m e n ta ç ã o d e um p ro je to e d u c a c io ­ nal, c e n tra d o na e d u c a ç ã o fu n d a m e n ta l, d e v o ta d o à e d u c a ç ã o p a ra a cid ad an ia. Seria este um p ro je to d e lo n g o p raz o , s o b re ­ 280

H is t ó r ia

do

L i u i -r a i .i s m o

B k a s i i .k i k o

tu d o p ela s d ific u ld a d e s cm iniciá-lo d e s d e q u e p ratica m e n te n ã o se tem a v a n ç a d o no s e n tid o d e d a r a o e n sin o fu n d a m e n ta l um a atrib u iç ã o p ró p ria , c a p a z d e d e sa lre lá -lo d o m o d e lo q u e leva a o vestibular, afinal d e co n ias a única coisa q u e lem fu n c io ­ n a d o n o sistem a e d u c a c io n al c o m p re e n d id o p e lo prim eiro e s e g u n d o graus. A outra alternativa resultaria d o fen ô m en o da e x p a n sã o das religiões evangélicas. O s estudiosos da circunstância têm enfatizado qu e, a ex em p lo d o q u e oco rreu em outras paites d o m u n d o , ela nos conduzirá ao capitalism o. As divergências referem -se a p ra ­ zos. T o d o s reco n h ecem q u e a ad e sã o ao protestantism o torna aqu eles q u e o fazem m ais resistentes às cond içõ es im postas pela pobreza. Antes d e mais nada, passam a cum prir suas obrigações n o trabalho com ced o rigor. Daí a d ar um salto para a riqueza vai certam ente um a g ran d e distância. O utros analistas, q u e se têm d eb ru ça d o so b re o m esm o problem a, indicam q u e as novas gera­ ções se criarão n u m am biente em q u e a riqueza não é co n d en ad a, co m o aco n tece nas famílias católicas, e até m esm o é exaltada. As­ sim, aq u eles q u e tiverem vocação em presarial se sentirão à vo n ta­ d e para seg u ir aq u ele cam inho. A R o b erto C am p o s p a re c e q u e -tais alvitres d e ix a m d e levar em co n ta a e x p e riê n c ia d o s p aíses q u e s u p e ra ra m o s u b d e s e n ­ vo lv im en to , e m n o sso te m p o , a e x e m p lo d o s T igres A siáticos. S e g u n d o essa e x p e riê n c ia, e m b o ra a e d u c a ç ã o seja um d a d o im p o rta n te , o essen cial, p a re c e -lh e , consistiria na c a p a c id a d e d as políticas, im p le m e n ta d a s p elo s g o v ern o s, d e p ro p iciar a q u e ­ les re su lta d o s. A n o s lo u v arm o s d a to rtu o sa e x p e riê n c ia d a s n o ssas reform as, é claro q u e u m a fo rm u lação p olítica m ais a d e ­ q u a d a em m u ito teria a b re v ia d o a q u e le cam in h o . P re o c u p a d o s o b re tu d o com o rigor d a form ulação conceituai, R o b erto C am p o s co n trib u iu d e m o d o n o táv el p ara a co n stitu i­ ção d e um a elite culta, c a p a z d e p ro m o v e r, c o m o diz, a “ transi­ ção chi era cio felichism o para a era cia razão". E c o n c lu i co m esta palav ra a len tad o ra: “Sobrevivi su fic ie n te m e n te n e ste sécu 281

Io, q u e Paul J o h n s o n a p e lid o u d e sé c u lo coletivista , p a ra v er m in h a s p o s iç õ e s p ró -m e rc a d o e a n tim o n o p ó lio p a ssa re m d e h eresias im p atrió ticas a sa b e d o ria c o n v e n c io n a l. A qui, infeliz­ m e n te , m ais le n ta m e n te q u e n o resto d o m u n d o ". D o n ald Stew art Jr. (n ascid o em 1931) é um d o s líderes d o g ru p o d e em p resário s q u e assum iu a resp o n sab ilid ad e d e divul­ g ar ju n to a o em p re sa ria d o brasileiro as idéias d o liberalism o e c o ­ nôm ico, e m especial na v ersão q u e lhe d e u F rederick H ayek, crian d o p ara esse fim o Instituto Liberal. D esse p o n to d e vista, a iniciativa p o d e ser co n sid erad a c o m o am p la m e n te b em -su ced i­ da, c a b e n d o certam en te ao Instituto Liberal, p e lo m e n o s em p a r­ te, a intensa m obilização q u e o e m p resariad o brasileiro d e s e n ­ volve n o s ú ltim o s a n o s e m prol d a a b e rtu ra e c o n ô m ic a , d a privatização e ex tin ção d o s m o n o p ó lio s estatais, co ntra a discri­ m inação ao capital estran g eiro n o sen tid o d e possibilitar a su b s­ tituição d o tradicional patrim onialism o brasileiro n o qual o Esta­ d o dom in a a econom ia, n ão só regulam entando-a m inuciosam ente m as tam b ém trasvestido d e em p resário p e lo regim e capitalista o n d e a iniciativa privada d á o tom . S eg u n d o referim os, o Institu­ to Liberal tein m an tid o p ro g ram a editorial v o ltad o so b re tu d o para a divulgação da Escola Austríaca, te n d o lo g rad o aglutinar g ru p o m uito ativo e criativo d e econom istas. Para p o p u larizar as idéias d aq u ela Escola, D onald Stewart p ublicou um a co leção m antida pela Editora Brasiliense, o livro O q u e c o liberalismo , su b se ­ q ü e n te m e n te reed itad o p e lo Instituto Liberal. O u tro re p re s e n ta n te d e s ta c a d o d o In stitu to Liberal, O g F ran ­ cisco Lem e, havia p u b lic a d o um livro m u ito in te re ssa n te (c o m um título alg o bizarro: Entre os cupins e os hom ens\ 1988) o n d e , talvez in sp ira n d o -se em A revolução dos bich o s , d e O rw ell, d e sc re v e as características b ásicas d o q u e seria u m a so c ie d a d e d e h o m e n s livres, c o n fro n ta n d o -a à so c ie d a d e totalitária d o s ‘in seto s g reg ário s'. A idéia b ásica c o n siste e m q u e o E stado d e v e e sta r a serv iço d o s h o m e n s, a o c o n trá rio d o s reg im es em q u e o s in d iv íd u o s sã o tra n sfo rm a d o s e m m eio s e o E stado n u m 282

H

istória

d o

Lihkkalismo

B

r a s i l f .i r o

fim em si m esm o . D o n a [d Stew art reto m a essa idéia, a c re sc e n ­ d o -a d e u m a p a rte d e d ic a d a às refo rm as q u e seria im p re sc in d í­ veis efetiv ar n o Brasil, n o livro A organização da sociedade seg u n d o um a visão liberal (In stilu io Liberal, 1997). S tew art lou v a-se da p rem issa d e q u e o e le m e n to -c h a v e n o d e s e m p e n h o e c o n ô m ic o da so c ie d a d e seriam as in stitu içõ es e n ã o a religião o u a m oral, c o m o s u p u se ra m m u itos analistas. N essa c o n v ic ç ã o , e m p r e e n d e a c a r a c te r iz a ç ã o d o a rra n jo institucional a d e q u a d o à integral c o n q u ista d o d e s e n v o lv im e n to e c o n ô m ic o . O p o n to d e p artid a seria um a d e c la ra ç ã o d e d ire i­ tos c en tra d a n a lib e rd a d e in d iv id u al e na p ro p rie d a d e privada. N o to c a n te à “o rg a n iz a ç ã o política d e u m a so c ie d a d e q u e se p re te n d a liberal”, se g u e à risca a c h a m a d a ‘d e m a rq u ia ’ d e H ayek, q u e, na v e rd a d e , c o m o têm a p o n ta d o Karl P o p p e r e o u tras e x ­ p ressiv as p e rs o n a lid a d e s liberais, n ão tem m u ito a v er co m o liberalism o. C o m o e sc re v e J o ã o C arlos E spada, “H ay ek se afas­ tara g ra d u a lm e n te d a visão n o rm ativ a d o lib eralism o, te n d o a d e r id o a u m a p e rs p e c tiv a e v o lu c io n is ta ”. N o m o d e lo d a d e m a rq u ia , o P o d e r Legislativo é um a e s p é c ie d e c o rp o vitalí­ cio cujos in te g ra n te s n ã o d ev e ria m ter “o c u p a d o , p e lo m e n o s n o s últim o s cin co an o s, q u a lq u e r c arg o n o P o d e r E xecutivo, e q u e n ã o p e rte n c e sse a q u a lq u e r p a rtid o político. A dem ais, um m e m b ro d a A ssem b léia Legislativa d ev eria ficar im p e d id o , p a ra se m p re , d e vir a o c u p a r carg o s n o E xecutivo o u d e vir a p e rte n ­ c e r a p a rtid o s políticos. V isa-se co m isso ev itar c a te g o ric a m e n ­ te o en v o lv im e n to d o leg islad o r co m a d isp u ta d e p o d e r ” (p. 57). T rata-se, c o m o se vê, d e u m a in stân cia m oral, q u e n o s é c u ­ lo p a ssa d o im ag in o u -se p o d e ria ser d e le g a d a a o P o d e r M o d e­ rad o r. C o n te m p o ra n e a m e n te , n o O c id e n te d e se n v o lv id o o n d e vigora o p lu ralism o religioso, e stru tu ro u -se a d e n o m in a d a m oral social d e tipo conservador. Isto significa q u e q u e s tõ e s tais c o m o o a b o rto (p a ra d a r um e x e m p lo atu a l) a p e n a s tran sitam d a e s ­ fera m oral p a ra a d o d ire ito na b a se d e a c o rd o s c o n se n su a is, a m p la m e n te d isc u tid o s co m ab so lu ta tra n sp a rê n c ia. 283

Na esfera p ro p ria m e n te política, o c o n s e n s o é fra n c a m en te a n tid em o c rá tico . A esfera p olítica c o n siste n u m a d isp u ta d e in ­ teresses q u e , p ara a lc a n ç ar u m a e x p re ssã o passível d e se r n e ­ g o ciad a, d e v e m afunilar-se, s e n d o esta p re c isa m e n te a m issão d o p a rtid o p olítico. As e le iç õ e s d e v e m p erm itir a fo rm ação d e m aioria c a p a z d e im p le m e n ta r o p ro g ra m a vitorioso. D e so rte q u e, o m ín im o q u e se p o d e d iz e r d a ‘d e m a rq u ia ’ é q u e n a d a tem d e liberal. Salvo este se n ã o , a p ro p o sta d e D o n a ld S tew art p o d e ser in te g ra lm e n te su b scrita. É im p o rta n te d e sta c a r q u e n ã o lh e p a re c e n e cessária q u a lq u e r p ro v id ê n c ia e m d e fe sa d a em p re sa p riv ad a. B asta q u e se g aran ta a lib e rd a d e d e p ro d u z ir e co m p etir. A p a r disto, o livro c o n té m u m a p ro p o sta d e refo r­ m a tributária m u ito b e m c o n c e b id a e fu n d a m e n ta d a . A crítica q u e d e se n v o lv e às po líticas sociais q u e te m o s p ra tic a d o m e re ­ ceria a m ais a m p la d iv u lg ação , n o ta d a m e n te os efeitos d e s a s ­ tro so s d e c o rre n te s da p re te n sa p ro te ç ã o a o in q u ilin ato . D o n a ld Stew art está c o n sc ie n te d o lo n g o c a m in h o q u e os liberais tê m a p e rc o rre r, e m b o ra n ã o d e ix e d e registrar o s in d i­ c a d o re s d e q u e e m n o sso te m p o o v e n to so p ra e m favor d a s id éias liberais. R e c o n h e c e n d o q u e alg u m as d a s refo rm as q u e p ro p õ e seriam m u ito radicais (c o m o p o r e x e m p lo d e slo c a r a a rre c a d a ç ã o tributária para a m u n ic ip a lid a d e ) p o n d e ra : “M an­ d a a p ru d ê n c ia q u e n ã o se te n ta sse im p lem en tá-la sem um a p ro fu n d a m u d a n ç a cultural, p ara q u e se u s efeito s fo ssem re al­ m e n te b e n é fic o s e n ã o resu ltassem n u m a situ a ç ã o p io r q u e a se q u e r c o rrig ir”. O u tro a u to r q u e p o d e ria ag reg ar-se a o c o n se rv a d o rism o li­ b e ral seria J o ã o d e S can tim b u rg o . H isto ria d o r d e n o m e a d a , m e m b ro d a A cadem ia B rasileira d e Letras, tem ig u a lm e n te ati­ va p a rtic ip a ç ã o n o d iá lo g o filosófico s e n d o , a o la d o d e M iguel R eale, um d o s a n im a d o re s d o In stitu to B rasileiro d e Filosofia. N o p e r í o d o r e c e n te , J o ã o d e S c a n tim b u r g o p r o c u r o u re v a lo riz a r a n o s s a e x p e riê n c ia im p e ria l a o e n fo c a r a tra je tó ­ ria d o lib e ra lism o e n tre n ó s d e m a n e ira d ife re n te d a q u e te m 284

H

istória

d o

L

iberalismo

B

rasilkiro

sid o c o n sid e ra d a . O s e s tu d o s q u e lh e fo ram d e d ic a d o s têm p ro c u r a d o e s ta b e le c e r s e u s p rin c ip a is ciclo s e te m a s d o m i­ n a n te s e m c a d a um d e le s. N o livro a q u e d e u o títu lo d e H is­ tória d o liberalism o n o Brasil, S c a n tim b u rg o a d o ta um o u tro p a rtid o e tra ta d e a v e rig u a r e m q u e m e d id a o lib e ra lism o in stitu c io n a liz o u -se em n o sso país. A in v e stig a ç ã o 6 d e v e ra s in o v a d o ra e e n riq u e c e so b re m a n e ira o c o n h e c im e n to q u e te ­ m o s d e ss e m o v im e n to . Na v isão d e S can tim b u rg o , a elite liberal d o sé c u lo p a ssa d o s o u b e p la sm a r nas p articu lares circ u n stâ n c ias e x iste n tes o sis­ tem a c o n c e b id o n a E u ro p a p a ra su b stitu ir a m o n a rq u ia a b so lu ­ ta. E viden cia e m se u livro a c o m p le x id a d e d a e n g re n a g e m in stitu c io n a liz a d a , a p ru d ê n c ia c o m q u e s e p r o c e d e u p a ra co n so lid á -la e, p o r fim, su a eficácia, c o m p ro v a d a p o r m eio s é ­ cu lo d e esta b ilid a d e p o lítica, fe n ô m e n o q u e jam ais se rep etiria na H istória brasileira. Na c o m p le x a o rg a n iz a ç ã o d o Im pério, d e sta c a o P o d e r M o d erad o r, o C o n se lh o d e E stado, o C o n se ­ lh o d e M inistros, o S e n a d o vitalício, a C âm ara d o s D e p u ta d o s te m p o rária , o P o d e r Ju d ic iá rio e os P artid o s Políticos. S can tim b u rg o p ro c u ra evitar a id e a liz a çã o d o S e g u n d o Rei­ n a d o . P e rg u n ta ex p licitam en te: foi p e rfe ito o lib eralism o n o Im pério? R e sp o n d e d e form a negativa, p o n d e ra n d o q u e n ã o se p o d e im ag in ar so c ie d a d e s isen tas d e c o n tra d iç õ e s m e sm o q u a n ­ d o te n h a m a lc a n ç a d o d e se n v o lv im e n to p le n o , a e x e m p lo d a Suíça, d o J a p ã o o u da E scandinávia. C o n tu d o , o sistem a liberal d o Im p é rio a lc a n ç o u in eg áv el h o m o g e n e id a d e p o lítica. A d is­ p u ta n ã o se travava e m te rm o s id e o ló g ic o s m as n o p la n o e le i­ toral. A ativ id ad e e c o n ô m ic a , p o r su a vez, estav a a c a rg o d o s p ró p rio s em p re sá rio s. A R epública tru n co u o p ro cesso d e institucionalização d o libe­ ralism o n o Brasil. A partir m esm o da Prim eira República, dirigida em geral p o r h o m en s d e form ação liberal, na seq ü ência d o s g o ­ vernos militares iniciais, “o liberalism o político teve d e se a c o m o ­ d a r à força da oligarquia p errep ista”. Nos dem ais períodos, o des285

virtuam ento acentuou-se. Em sum a: “Vê-se q u e o g ên e ro liberal co m p o rta n o Brasil m ais d e um a espécie, o m o n árq u ico e o re p u ­ blicano, o p arlam entar d o Im pério e o presidencial da República. E se inscreve em várias repúblicas, te n d o sido em d u as delas, a d o Estado nacional e a da ditadura militar, totalm ente eclipsado, pela censura aos m eios d e co m u n icação e to d o o ap arato q u e caracte­ riza os regim es discricionários”. N o p o n to d e paitida, o projeto é inquestion av elm en te liberal. N este século republicano, co ntudo, os p e río d o s q u e se p o d e m caracterizar c o m o liberais foram intervalares. E m bora recuse p ro sp eçõ es, Scantim burgo n ão p a re ­ ce acalen tar m aiores ilusões q u a n to à efetiva p o ssibilidade da institucionalização d o liberalism o n o Brasil d e n o sso s dias. O intervencionism o econôm ico, q u e se tem m an tid o incólum e, em q u e p e se a ab ertura política dos últim os d e z anos, dá bem um a idéia das dificuldades q u e tem os pela frente. Na c o n c e itu a çã o d o liberalism o com q u e o livro se inicia, S cantim burgo q u e r reto m ar a tradição d o s g ra n d e s liberais c a tó ­ licos. Indica q u e a crítica q u e a Igreja C atólica lhe dirigiu n o sé cu lo p a ssa d o refere-se a asp ecto s q u e n ã o lhe sã o intrínsecos. Volta assim à p ro p o sta d e Jo ã o Cam ilo d e O liveira T orres no se n tid o d e ‘libertar’ o liberalism o d a q u e le s ex cesso s, “to m a n d o o n a a c e p ç ã o d e cidad ela da lib erd ad e com o re c o n h e c im en to d o su p re m o valor da p e s s o a ”. N esse particular, m e lh o r seria distingui-los d o liberalism o c h a m a n d o -o s d ire ta m e n te d e d e m o ­ cratism o, c o m o aliás faz Meira Penna, n o p refácio . C om efeito, o q u e foi c h a m a d o d e ‘lib eralism o ra d ic a l’, p o r su a filiação a R ousseau e à R evolução Francesa, tem p o u c o a v e r com a a u tê n ­ tica d o u trin a liberal, se n d o m esm o a m atriz o riginária d e regi­ m es autoritários e totalitários. Enfatizaria a in d a q u e o g ra n d e p e c a d o d a R epública se enco n tra, a m eu ver, n o a b a n d o n o d o afã obsessiv o co m q u e os liberais d o Im p ério p erseg u iram o a p rim o ram e n to da rep resen tação . A reto m ad a d a q u e le e m p e n h o talvez consista n o fio co n d u to r, q u e p o ssa c o n d u z ir-n o s, final­ m ente, ao feliz d e sfe c h o d o projeto original. 286

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D o â n g u lo , d o q u e te n h o d e n o m in a d o A genda teórica dos liberais brasileiros, e n te n d o q u e a lg u n s o u tro s a u to re s têm c o n tr ib u íd o p a ra a su a fo rm u la ç ã o . Seriam : K icardo V élez R odríguez, G ilb erto d e M ello Kujawski; R oque S p e n ce r M aciel d e B arros; C elso Lalcr e U biratan B orges d e M acedo. Ricardo V élez R odríguez nasceu na C olôm bia em 19*13, te n d o sido ali, ain d a m uito jovem , d e p o is d e co n clu ir o cu rso su perior, u m d o s p ró -reito res da U n iversidade d e M endelin. V indo ao Brasil, sucessiv am en te, para conclu ir o m estrad o e o d o u to rad o , integ ro u -se a o n o sso convívio, aq u i constituiu família, a c a b a n ­ d o p o r naturalizar-se, to rn a n d o -se um d o s n o sso s p rincipais p e n ­ sa d o res liberais, co m n otáveis co n trib u içõ es a o e n te n d im e n to da e v o lu ç ã o política nacional. É a u to r d e e stu d o definitivo so b re o castilhism o ( Castilhismo: uma filosofia da República, P orto Alegre, 1980), te n d o a ju d a d o a esta b e le c er a filiação d e V argas e d o E stado N ovo àq u ela doutrin a, inspirada p e lo positivism o d e C om te. V élez R odríguez re c u p e ro u o significado da o bra d e O li­ veira V iana p ara a sociologia brasileira ( Oliveira Viana e o p a p e l m odernizador do Estado brasileiro, Rio d e Jan eiro , 1982) e p u ­ blicou livros so b re estes tem as: A propaganda republicana; A ditadura republicana se g u n d o o apostolado positivista e O trabalhismo após 30, se n d o um d o s c o la b o ra d o res d a o b ra co le ­ tiva Evolução do p en sa m en to brasileiro (Itatiaia, 1989). No to ­ cante à difu são da d o u trin a liberal é um d o s au to res d e Evolu­ ção histórica do liberalism o (Itatiaia, 1987) te n d o d iv u lg a d o su cessivos e stu d o s so b re T ocqueville. Entre os tem as d a sua p re ­ ferência, destacaria o E stado Patrim onial. N esse particular, p ro ­ cura fixar o p a p e l m o d e rn iz a d o r q u e teve na E sp an ha e n o B ra­ sil. P re o c u p a -o s o b re tu d o d e sv e n d a r a form a p ela qual Itália e E spanha — países católicos tradicionais q u e resistiram b rav a­ m e n te à R evolução Industrial — su p e ra ra m o p atriotism o, na esp e ra n ç a d e re c o lh e r e n sin a m e n to s q u e no s p o ssa m se r valio­ sos. Ao te m a d e d ic o u e n tre o u tro s o e n sa io “C atolicism o y m o d ern id ad : la fu n ció n m oralizad o ra d e la Iglesia”, incluído na 287

e d ição recen te, e m castelh an o , d e Estado cultura y sociedad en la America Latina (1997). N o e s tu d o d as tra d iç õ e s culturais ib ero -am erican as, V élez R odríguez singulariza-se p o r valorizar o p ro c e sso d e legitim ação d a m o n a rq u ia e sp a n h o la na Id a d e M édia, n o ta d a m e n te a cir­ c u n stân c ia d e q u e ta n to em A ragão c o m o em C astela o rei n ã o p o d ia im p o r trib u to s sem o c o n se n tim e n to d o s sú d ito s. N a q u e ­ le p e río d o , as co rtes sã o a e x p re ss ã o d e um d ireito c o n su e tu d in á rio (visig ó tico ) q u e re m o n ta à é p o c a d e fo rm ação d o p aís s u b s e q ü e n te ao fim d o Im p é rio ro m an o . De so rte q u e o lib e ra­ lism o n ã o e q ü iv a le a im p o rta ç ã o e x ó g e n a , c o rre s p o n d e n d o o su rto d e d e se n v o lv im e n to e m o d e rn id a d e q u e e m p o lg a a tu a l­ m e n te a P e n ín su la Ibérica, ciara m an ifestação d e su a vitalida­ d e. O p atrim o n ia lism o q u e ali se rad ico u p ro v é m d o s oito s é ­ culos d e o c u p a ç ã o m u çu lm an a. E nxerga a p re se rv a ç ão d aq u e les valo res n o c o n se rv a d o rism o c o lo m b ia n o e em o u tras m an ifes­ taç õ es d o p e n sa m e n to p o lítico latin o -a m e ric an o . L o u vando-se d o p ro fu n d o c o n h e c im e n to q u e tem d a cu ltu ra d o s prin cip ais p aíses d essa p a rte d a A m érica, acred ita firm em en te q u e o s su r­ to s a u to r itá r io s q u e e x p e r im e n ta m o s n e s te s é c u lo se ria m e p id é rm ic o s e tran sitó rio s, s e n d o a trad ição co n tratu alista (li­ b eral) o su b stra to p e re n e e d u ra d o u ro d a cultu ra, q u e a cab ará e n c o n tra n d o form as a p ro p ria d a s d e rad icar-se d efin itiv am en te em n o sso m eio. G ilb erto d e M ello K ujaw ski o c u p a p o s iç ã o d e sta c a d a n a c o n te m p o r â n e a filo so fia b ra sile ira , o n d e , ju n ta m e n te c o m U biratan M aced o e o u tro s e stu d io so s, re p re s e n ta a c o rre n te o rte g u ian a . A utor d e e x te n sa bibliografia, tem se d e d ic a d o à e la b o ra ç ã o teó rica d e q u e s tõ e s m u ito co m p le x a s, c o m o a n a tu ­ reza d o sa g ra d o . N esta o p o rtu n id a d e v am o s registrar a p e n a s a q u e le a sp e c to em q u e c o n sid e ro te n h a a p re s e n ta d o u m a c o n ­ trib u iç ão fu n d a m e n ta l. C o n sc ie n te d e q u e os liberais p recisam c o rre r o risco d a in c o m p re e n s ã o e m p ro l d o im p erativ o d e a p re se n ta r-s e p e r a n ­ 288

H is t ó r ia

do

L ib e r a l is m o

B r a s il e ir o

te a o p in iã o p ú b lica c o m o um a c o rre n te d ife re n c iad a, n o livro

A pátria descoberta (São Paulo, 1992), o a u to r critica o n a c io ­ n alism o e o o p õ e a o p atriotism o. K ujaw ski m ostra q u e a co nstituição d as n açõ es é um a o b ra co m p lex a e dilatada n o tem p o . Seu prim eiro traço reside em c o n ­ g regar n u m a u n id a d e su p e rio r ag ru p a m e n to s d e m e n o r d e n si­ d ad e . Essa u n id a d e su p e rio r é alcançada n ã o a p e n a s pela ag re ­ g aç ão d as p aites, m as pela em ergência d e um projeto com um . A form a agressiva d o n a cio n alism o é a sso ciad a p e lo a u to r à R ev olução Francesa. D e sd e en tão , o p atrio tism o q u e havia d e ­ s e m p e n h a d o um p a p e l positivo, c o m o e le m e n to a g lu tin a d o r d o p ro c e s so d e c o n stitu iç ã o d as n açõ es, to rn o u -se a ‘m ed id a d e to d a s as c o isa s’, ju stifican d o to d a e sp é c ie d e v iolência. O n a cio n a lism o é a via p ela qu al as n a ç õ e s fech am -se u m as às o u tras. K ujaw ski tran screv e as p alav ras d o A b ad e B arruel, p ro ­ feridas em 1798, o n d e a p a re c e pela prim eira v ez u m a re fe rê n ­ cia ao n acio n alism o : “O n acio n alism o o c u p o u o lu g ar d o a m o r geral... Foi assim p erm itid o d e sp re z a r os e stran g eiro s, e n g a n á los e o fen d ê -lo s. Essa v irtu d e foi c h a m a d a d e p a trio tism o ”. A trajetória d o n acio n a lism o é c o n h e c id a te n d o re ssu sc ita d o a idéia im perial e criad o a instab ilid ad e n a E u ro p a co m as s u c e s­ sivas co n fla g ra çõ e s q u e culm inaram nas d u a s g u e rra s m u n d i­ ais, n u trin d o n o resto d o m u n d o a aç ã o d o im p erialism o. A tarefa q u e K ujaw ski colo ca ao s liberais é a seg u in te: “A partir d a R ev o lu ção F rancesa, p atrio tism o to rn o u -se sin ô n im o d e n a c io n a lis m o . N o s s o tr a b a lh o d a q u i e m d ia n te s e r á dissociar, n itid am en te, o patrio tism o d o n a c io n a lism o e m o s­ trar c o m o esse últim o p o d e ser a form a d o a n tip a trio tism o ”. As n a ç õ e s co n so lid am -se com m ais vigor e p re ste za q u a n to m ais lo n g a é a c a p a c id a d e d e assim ilação d e tu d o q u e vem d e fora, sejam idéias, técnicas, m ercad o rias, m o d e lo s d e c o n d u ta o u p ro p o sta s. N esse e m b a te é q u e o p ro je to n a c io n al a d q u ire c o n to rn o s n ítid o s e d u ra d o u ro s. O n a c io n a lism o é um a form a d e c o lo ca r-se na c o n tra m ã o da história. N o sso p a s s a d o rec e n te

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é rico d e e n s in a m e n to s n essa m atéria. A p o lítica d e in form ática le v o u -n o s a u m atraso colossal. O n acio n a lism o é, pois, o p rin ­ cipal re sp o n sá v e l p e la s d ificu ld ad es q u e atrav essam o s, s o b r e ­ tu d o n a m e d id a em q u e está a sso c ia d o a o a g ig a n ta m e n to d o E stado. T rata-se, na v e rd a d e , d e u m g ro sse iro e q u ív o c o s u p o r q u e o E stado p o ssa a p re se n ta r-se c o m o so lu ção . O E stado c o n s ­ titui, p re c isa m e n te , o p ro b le m a . O s liberais re p u d ia m o n a c io n a lism o , m as a p o sta m n o p a ­ triotism o. Este n ã o te m e o c o n ta to co m o e stra n g e iro e confia n a su a c a p a c id a d e d e assim ilação e in c o rp o ra ç ã o d o q u e v e m d e fora, se m riscos d e desfig u rar-se, p re se rv a d a s as m e lh o re s tra d iç õ e s n acio n ais. O Pátria descoberta é rico d e e n sin a m e n to s e seria im p o ssí­ vel resu m i-lo s to d o s, b a sta n d o referir a crítica d o ilu m in ism o e d o nativism o, b e m c o m o a a n álise c irc u n sta n c iad a d o s e le m e n ­ to s co n stitu tiv o s d a p átria (a c o r local; a língua; a paisag em ; a cultu ra e a in te rp re ta ç ã o c o rreta d e a sp e c to s d a n o ssa m a n e ira d e se r q u e a p a re c e m d isto rcid o s, c o m o o fu teb o l, o carnaval o u a ‘m a la n d ra g e m ’). C ab e a in d a c h a m a r a a te n ç ã o p a ra a fe c u n d id a d e d e sua an álise crítica d a idéia d e ‘te rc e iro m u n d o ’, n a v e rd a d e um a n o ç ã o to rp e d e q u e há p a íse s d e terceira clas­ se, c o n d e n a d o s (p o r si m e sm o s) à rotina e ao atraso. O a u tê n ­ tico p atrio tism o p o d e retirar o Brasil d o círcu lo d e ferro em q u e n o s lan ç o u a p re g a ç ã o socialista e te rc e iro -m u n d ista.6 R o q u e S p e n c e r M aciel d e B arros (n a sc id o em 1927) inclui-se e n tre o s líd eres liberais m ais d e sta c a d o s d e n o sso país, s e n d o p ro v a v e lm e n te u m d o s m ais c o n h e c id o s. Ao c o n trá rio d o c o ­ m u m d o s in telectu ais b rasileiro s — q u e c h e g a ra m a o liberalis­ m o v in d o s d o m arx ism o o rto d o x o o u d e o u tra s v arian tes d o socialism o — , d e sd e a é p o c a d e su a fo rm a ç ã o a c a d ê m ica, n o início d o p ó s-g u e rra , a d e riu ã v e rte n te liberal e a ela se m a n te ­ ve fiel a p e s a r d o clim a d esfav o ráv el v ig en te na m a io r p a rte d o 6. Nos Cadernos I.iberuis, editados pelo Instituto Fernando Neves, apareceu uma versão resumida da proposta de Kujawski.

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ú ltim o p e río d o . N o a u g e d o s g o v e rn o s m ilitares, q u a n d o o “m ilagre e c o n ô m ic o ” p a re c ia d e m o n s tra r a definitiva falência d a q u e le ideário, p u b lic o u Introdução ã filosofia lib cn ü (Sào P aulo, 1971), o b ra q u e serv iu d e a le n to e d e g u ia p a ra m uitos d o s re cé m -v in d o s às h o ste s liberais. Seu ú ltim o livro — Estu­ do s liberais, São P aulo, T. A. Q u e iro z , 1992 — c o n té m p o u c o m ais d e um a d e z e n a d e e n sa io s, to d o s m u ito d e n so s, d e v o ta ­ d o s a o e sc la re c im e n to d e c o n c e ito s-c h av e d a d o u trin a liberal, o p o r tu n id a d e em q u e a b o rd a te m a s d a m áx im a a tu a lid a d e , c o m o a re la ç ã o e n tr e lib e ra lis m o e d e m o c ra c ia ; o c a rá te r falacioso d a c h a m a d a ‘d e m o c ra c ia p a rtic ip a tiv a ’; as c o n d iç õ e s so b as q u a is p o d e ria m se r p re se rv a d a s as d e sig n a ç õ e s d e e s ­ q u e rd a e direita, p a ra m e n c io n a r o m ais im p o rta n te . O tex to a d ia n te tran scrito serv e p a ra d e m o n stra r a lin h a d e a rg u m e n ta ­ ç ã o q u e se g u e , n o c a so p a ra d e m o n stra r p o rq u e o lib eralism o n ã o se re d u z a um a id eo lo g ia: “O liberal p o d e a c re d ita r na lib e rd a d e c o m o um d a d o m etafísico c o n stitu tiv o d o h o m e m — é o c a so d e Kant o u Locke (p ara q u e m a lib e rd a d e é um p o d e r, n ã o d a v o n ta d e , m as d o h o m e m , d e fazer o u n ã o o q u e ele q u e r) — , c o m o p o d e afirm ar, a o co n trário , um d e te rm in ism o radical, c o m o Stuart Mill o u o V oltaire d e ta n to s textos; p o d e ac re d ita r n u m D eu s o u n u m a p ro v id ên cia, c o m o T o cq u ev ille, p o d e fa ze r a cren ça n a d iv in d a d e d e p e n d e r d a m o ra lid a d e h u ­ m ana, c o m o Kant, o u p o d e ser um agnóstico, c o m o D avid H um e, o u , m o d e rn a m e n te , c o m o Karl P o p p e r; p o d e , m ais u m a vez c o m o K ant, v er n a história d o h o m e m o s sinais d e u m a m archa, a in d a q u e n ã o inelu táv el, p ara o m e lh o r e d o ta d a d e um se n ti­ do , c o m o p o d e e n c a ra r a H istória c o m o o re su lta d o c o n tin g e n ­ te d e m ú ltip lo s a c a s o s , in te ira m e n te d e s titu íd a d e s e n tid o finalístico (o u m e sm o d e q u a lq u e r s e n tid o ) c o m o n ã o é raro e n tre liberais m o d e rn o s. P o d e -se até m e sm o — c o m o n o ca so d e Lord A cton e d o s ‘cató lico s lib erais’ — a p ro x im a r catolicis­ m o e liberalism o. Esses e x e m p lo s m o stram b e m q u e o lib era­ lism o p o d e assu m ir, d o p o n to d e vista filosófico, várias e d i­ 291

ferentes faces q u e são suficientes para caracterizá-lo c o m o um ‘sis­ te m a ’ e im peditivas d e co n ceb ê-lo co m o um a ideologia” (p. 9). R oque S p e n c e r m ostra em seu livro a p len a a n u a lid a d e d o C olóquio W alter Lipm ann, d e 1938, o n d e o s p e n sa d o re s liberais d e m aior d e sta q u e na é p o c a form ularam d e m o d o sintético a p la ta fo rm a b á sic a d a q u ilo q u e o p r ó p r io a u to r d e n o m in a neoliberalism o . Escreve: “l u — O liberalism o acredita q u e só o m ecan ism o d o s preços, fu n c io n a n d o em m e rcad o s livres, p e rm i­ te o b te r um a utilização ótim a d o s m eios d e p ro d u ç ã o e co n d u zir à satisfação m áxim a d o s desejos h u m an o s. Trata-se, co m o se vê, d e u m a afirm ação, em tese, d o ‘liberalism o e c o n ô m ic o ’ q u e, e n ­ tretanto, n ã o se c o n fu n d e co m o fam o so ‘laissez-faire’ (q u e , ali­ ás, n u n c a foi p raticado, a rigor, em lugar algum ), tanto q u e d e ­ p e n d e , an tes d e lu d o , d e um regim e jurídico ex terio r ao p ró p rio m ercad o , q u e o regula e lhe d á co n d iç õ e s d e fu n cio n ar civiliza­ d am en te , sem m arca d a q u e le ‘darw in ism o social’ im placável q u e se p o d e ratear n o p e n sa m e n to d e H erbert S p en cer e na ação d e um certo ‘capitalism o selv ag em ’ q u e as n açõ es ad ia n tad a s já su ­ peraram . Daí o se g u n d o p rincípio, d e a c o rd o co m o qual, ‘cab e ao Eslado a resp o n sa b ilid a d e p ela d e te rm in a ç ão d o regim e jurí­ dico q u e sirva d e limite ao d e sen v o lv im en to e c o n ô m ic o assim c o n c e b id o ’. Mas n ã o é só. A so c ie d a d e h u m a n a n ã o é um a e m ­ presa, nem os objetivos eco n ô m ico s são fins em si m esm os, mas, d e sd e q u e se e n te n d a o significado real d a lib erd ad e p essoal e civil, são m eios a serviço d esta, q u e d e v e se r um b em q u e to d o s te n h a m o p o rtu n id a d e d e partilhar. É isso q u e , sinteticam ente, afirm a o terceiro princípio: ‘O u tro s fins sociais p o d e m substituir o s objetivos ec o n ô m ic o s e n u n c ia d o s'. E, c o m o corolário natural d este terceiro princípio, o q u a rto e últim o é assim form ulado: ‘U m a parte da re n d a nacional p o d e ser, co m esta finalidade, s u b ­ traída ao co n su m o , co m a c o n d iç ã o d e q u e isso se faça em plen a luz e seja c o n sc ie n te m e n te c o n se n tid a ’. Em o u tras p alavras — e d e sd e q u e so b as vistas d o s cid ad ão s — é p erfe ita m en te legíti­ m o e freq ü e n te m en te n ecessário (c o m o n o caso brasileiro) q u e

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o E stado se o c u p e d a e d u c a ç ã o em to d o s os níveis, d a sa ú d e (particu larm en te d o sa n e a m e n to básico), da se g u ra n ç a do s in d i­ víduos, da infra-estrutura d o s tran sp o rtes (p o r e x e m p lo , co n s­ tru ção e co n se rv a ç ão d e ferrovias e rodovias n ecessárias) e d e tu d o aq u ilo q u e os cid ad ão s so zin h o s o u asso ciados n ão p o ­ d e m c u id ar m e lh o r e m ais eficien tem en te d o q u e o p o d e r p ú b li­ co. É ev id e n te q u e a prim eira co n d ição para q u e essa eficiência seja testada, p erm itin d o sa b e r se é possível o p articular fazer algo m elh o r d o q u e faz o Estado, e a m e n o r custo, com m aior satisfação p a ra o usuário, é q u e n ã o haja m o n o p ó lio , p riv ad o o u público, so b q u a isq u e r pretextos, e q u e os o ligopólios, p o r sua vez, sejam fiscalizados d e p erto. O q u e exige, c o m o q u in to p rin ­ cípio n ã o fo rm u lad o m as im plícito n o s anteriores, a p len a v ig ên ­ cia d o ‘im pério d e lei’ q u e, para im por-se, m esm o sem levar em co n ta o utras im plicações, exige, p o r su a vez, em n o sso e n te n ­ der, n a o rg an ização política, a su p rem acia d o P o d e r Judiciário so b re os d em ais p o d e re s d o E stad o ” (p. 41-42). C elso Lafer (n a sc id o em 1941) é titular d e filosofia d o d ire i­ to na trad icio n al F a c u ld a d e d e D ireito d a U n iv ersid ad e d e São P aulo, fu n ç ã o em q u e foi p re c e d id o p o r figuras cen trais d a c u l­ tu ra brasileira te n d o sa b id o co lo car-se à altu ra da re s p o n s a b i­ lidade, c o m o se p o d e verificar d o conjunto d e su a o b ra. A p ar disto, tem e x e rc id o altas fu n ç õ e s na d ip lo m a c ia b rasileira, in­ clusive a d e m inistro d a s R elações E xteriores. A e x e m p lo d o s a u to re s c o n sid e ra d o s p re c e d e n te m e n te , vou circ u n sc re v er-m e aq u ilo q u e seria, a m e u ver, as su as m ais d e sta c a d a s c o n trib u i­ ç õ es p a ra o flo rescim en to d o lib eralism o b rasileiro c o n te m p o ­ râneo, co m b ase s o b re tu d o em E nsayos libcrales, a p a re c id o s n u m a p rim o ro sa e d iç ã o d o s Breviários da Editora F ondo de Cultura E conom ia (M éxico, 1993). T rata-se d e v e rsã o a m p liad a d e Ensaios liberais (S ão P aulo, Siciliano, 1991)A in d a q u e o s te m a s a b ra n g id o s p e la a n á lise d o lib era lis­ m o c o n te m p o r â n e o , d a lavra d e C elso Lafer, seja b a sta n te a m p la, c o n fo rm e te re m o s o p o r tu n id a d e d e referir e x p re s s a ­

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m e n te , e n te n d o q u e n a q u e le c o n ju n to s o b re ssa i a n o v a p e rs ­ p ec tiv a q u e te m p ro c u ra d o in sta u ra r n a a v a lia ç ã o d o c u rso h istó ric o d o h o m e m , o u p e lo m e n o s d e n o ssa h u m a n id a d e o c id e n ta l. E m b o ra os lib erais n ã o te n h a m re v e la d o m a io r e n ­ tu sia sm o c o m a filosofia d a h istó ria c a lc a d a n a h ip ó te s e d o p ro g re s s o d a ra z ã o — n a v e rd a d e a v e rsã o laicizad a d a p e r s ­ pectiv a e sc a to ló g ic a — , n e m seja p ro p ó s ito d o a u to r ressu scitála, C elso Lafer c o n sid e ra q u e o s d ire ito s h u m a n o s v êm se c o n s ­ titu in d o n u m a e s p é c ie d e veto r, e v id e n c ia n d o -s e q u e tran sitam d o p la n o d a id e a liz a ç ã o (o u d a re iv in d ic a ç ã o ), p a ra tra n s fo r­ m a re m -se n u m a c o n q u is ta p o sitiv a, a lé m d e q u e g a n h a m m a i­ o r g e n e ra lid a d e , in te rn a c io n a liz a ra m -s e e e x p re s s a m -s e d e fo rm a e sp e c ífic a .7 Na visão d e Lafer, os g ra n d e s m o n u m e n to s legislativos d a A ntiguidade, c o m o o có d ig o d e I lam m urabi, os D ez M an d am en ­ tos o u a Lei d as D oze T áb u as e sta b e le c em d e v e re s e n ão direi­ tos. “É p o r este m otivo — p ro sse g u e — , c o m o a p o n ta B obbio, q u e a figura d o g ra n d e legislador — um Licurgo, u m Solon, um M oisés — su rg e;co m o herói d o m u n d o clássico, p o is é ele q u em , co m sua sab ed o ria, instaura os d ev eres ap ro p ria d o s, p e rm itin d o q u e a lei cu m p ra a d e q u a d a m e n te sua fu n ção clássica q u e é, se ­ g u n d o Cícero, a d e pro ib ir e m a n d a r”. Por essa razão, a declara­ ção d e direitos, su scitada pelas R evoluções A m ericana e F rance­ sa, eq ü iv ale a um au tên tica reviravolta. Essa inversão (d o d e v e r ao direito) re p re se n ta “o triunfo d o individualism o e m su a a c e p ç ã o m ais am pla, isto é, to d as as te n ­ d ên cias éticas, m eto d o ló g icas e o n to ló g icas q u e v êm n o indiví­ d u o o d a d o fu n d am en tal d a re a lid a d e ”. A crítica do s direitos h u m a n o s p o d e ser vista c o m o um a crítica a o individualism o. 7. O tema mereceu cie Celso Lafer uma análise circunstanciada em A reconstru­

ção dos direitos hum anos: um diãlogo com o pensam ento de Hannuh Arendt, São Paulo, Companhia das Letras, 1988. No livro que ora abordamos, ainda que perpasse os principais ensaios nele incluídos, está estudado especial­ mente em “Los derechos dei hombre y Ia convergencia de la ética y la politica” (op. cit., p. 37-54).

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A vança e n tã o a se g u in te p e rg u n ta : “P o r q u e h o je o s d ireito s d o h o m e m e stã o s e n d o afirm ad o s sem ta n to v ig o r e p o r q u e re p re se n ta m u m a luz n u m q u a d ro d e som b ras?” A re sp o sta im plica, n u m a prim eira a p ro x im a ç ã o , a q u e stã o — tip ic a m e n te m o d e rn a , re su lta n te d a fo rm a ç ã o d o s E stados n a c io n a is — d a te n s ã o e n tre ética e política, o u e n tre a razão d e E stado e a m oral, o u , ain d a, e n tre a o b e d iê n c ia a u m a ética d e p rin c íp io s e o re c o n h e c im e n to d a im p o rtân cia d e um a ética d e resu ltad o s. N ão se p o d e d eix ar d e re c o n h e c er a a u to n o m ia da política em relação à m oral, cujo fu n d a m e n to e n co n tra-se n o re c o n h e c i­ m en to d e q u e a política re q u e r regras p róprias, n ecessárias ao exercício d o p o d er, q u e n ã o se c o n fu n d em , p o r sua natu reza técnica, co m as n o rm as éticas. Esse re c o n h e c im en to n ã o deve, en tretan to , o fu scar a circunstância d e q u e os “elev ad o s fins polí­ ticos” d e m aneira m ais fre q ü e n te m ascaram interesses m en o s n o b res. D esse ân g u lo , eq u iv alem -se a resistência co n se rv a d o ra à m u d a n ç a e o a p e g o a o im obilism o, d e um lado, e, d e o utro, a tradição da e sq u e rd a radical d e justificar o recu rso a m eios fla­ g ran te m e n te im orais e m n o m e d e fins altruísticos. “Daí, n a análi­ se c o n te m p o râ n e a da relação en tre m eios e fins” — escrev e — a crítica à criatividade d a violência e o re c o n h e c im en to d o s direi­ tos h u m a n o s c o m o um in g red ien te da ‘d o m e stic a ç ã o ’ d o p o d er, necessário p ara a q u a lid a d e d a vida coletiva n o p la n o p o lítico”. D este m o d o , os d ireito s d o h o m e m fu n c io n a m c o m o um a e s p é c ie d e fio c o n d u to r n a c irc u n stâ n c ia em q u e se d e u a im p lo sã o d a c ren ça n o p ro g re sso lin ear d a h istória. P erm ite ta m b é m su p e ra r a tese h eg e lia n a d a su b o rd in a ç ã o d a m oral in d ividual à e tic id a d e objetiva, realizad a c o n c re ta m e n te atra­ vés d o E stado. A p re te n d id a s u p e ra ç ã o d á -se p e la a d o ç ã o da p e rsp e c tiv a n e o k a n tia n a , q u e afirm a n ã o a in c o m p atib ilid a d e, m as a rela ç ã o d e c o n v e rg ê n c ia e n tre ética e p o lítica. A ssinala q u e “a im p o rtâ n c ia d e te r d ireito s é o q u e d istin g u e a R ep ú b li­ ca d o s M o d e rn o s d a R ep ú b lica d o s A n tig o s”. 295

m e n te , e n te n d o q u e n a q u e le c o n ju n to so b re s s a i a n o v a p e r s ­ p e c tiv a q u e tem p ro c u ra d o in sta u ra r na a v a lia ç ã o d o c u rs o h istó ric o d o h o m e m , o u p e lo m e n o s d e n o s s a h u m a n id a d e o c id e n ta l. E m b o ra os lib erais n ã o te n h a m re v e la d o m a io r e n ­ tu sia sm o c o m a filosofia d a h istó ria c a lc a d a n a h ip ó te s e d o p ro g re s s o d a ra z ã o — n a v e rd a d e a v e rsã o laicizada d a p e rs ­ p ectiva esc a to ló g ic a — , n e m seja p ro p ó s ito d o a u to r ressuscitála, C elso Lafer c o n sid e ra q u e os d ire ito s h u m a n o s v êm se c o n s ­ titu in d o n u m a e s p é c ie d e v eto r, e v id e n c ia n d o -s e q u e tra n sitam d o p la n o d a id e a liz a ç ã o (o u d a re iv in d ic a ç ão ), p a ra tra n sfo r­ m a re m -se n u m a c o n q u is ta p o sitiv a, a lé m d e q u e g a n h a m m a i­ o r g e n e ra lid a d e , in te rn a c io n a liz a ra m -s e e e x p re s s a m -s e d e fo rm a e sp e c ífic a .7 Na visão d e Lafer, os g ra n d e s m o n u m e n to s legislativos d a A ntiguidade, c o m o o có d ig o d e lía m m u ra b i, os D ez M an d am e n ­ tos o u a Lei d as D oze T áb u as e stab elecem d e v e re s e n ã o direi­ tos. “É p o r este m otivo — p ro sse g u e — , c o m o a p o n ta B obbio, q u e a figura d o g ra n d e legislador — um Licurgo, u m Solon, um M oisés — su rg e;co m o heró i d o m u n d o clássico, pois é ele q u em , com sua sab ed o ria, instaura o s d ev eres ap ro p ria d o s, p e rm itin d o q u e a lei c u m p ra a d e q u a d a m e n te sua fu n ção clássica q u e é, s e ­ g u n d o Cícero, a d e p roibir e m a n d a r”. Por essa razão, a deckim ção d e direitos, suscitada pelas R evoluções A m ericana e F ran ce­ sa, eq ü iv ale a um autên tica reviravolta. Essa inv ersão (d o d e v e r a o direito) re p re se n ta “o triunfo d o individualism o em su a a c e p ç ã o m ais am pla, isto é, to d as as te n ­ d ên cias éticas, m eto d o ló g icas e o n to ló g icas q u e vêm n o indiví­ d u o o d a d o fu n d am en tal d a re a lid a d e ”. A crítica do s direitos h u m a n o s p o d e se r vista c o m o um a crítica a o individualism o. 7. O tema mereceu de Celso I-afer uma análise circunstanciada em A reconstru­

ção dos direitos humanos: um diálogo com o pensam ento de líannah Arendt, São Paulo, Companhia das Letras, 1988- No livro que ora abordamos, ainda que perpasse os principais ensaios nele incluídos, está estudado especial­ mente em “ Los derechos dei liom bre y la convergencia de la ética y la política” ( o p . cit., p. 37-54).

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A vança e n tã o a se g u in te p e rg u n ta : “P o r q u e h o je os d ireito s d o h o m e m e stã o s e n d o afirm ad o s sem ta n to v ig o r e p o r q u e re p re se n ta m u m a luz n u m q u a d ro d e so m b ras?” A re sp o sta im plica, n u m a prim eira a p ro x im a ç ã o , a q u e stã o — tip ic a m e n te m o d e rn a , resu ltan te d a fo rm ação d o s E stados n ac io n ais — d a te n s ã o e n tre ética e política, o u e n tre a razão d e E stad o e a m oral, o u , ain d a, e n tre a o b e d iê n c ia a um a ética d e p rin c íp io s e o re c o n h e c im e n to d a im p o rtân cia d e um a ética d e resu ltad o s. N ão se p o d e d e ix a r d e re c o n h e c er a au to n o m ia d a política em relação à m oral, cujo fu n d a m e n to e n c o n tra -se n o reco n h e ci­ m e n to d e q u e a política re q u e r regras pró p rias, n ecessárias a o ex ercício d o p o d er, q u e n ã o se co n fu n d e m , p o r sua natureza técnica, co m as n o rm as éticas. Esse re c o n h e c im en to n ã o deve, en tretan to , o fu scar a circunstância d e q u e os “elev ad o s fins po lí­ tico s” d e m an eira m ais fre q ü e n te m ascaram interesses m en o s no b res. D esse ângulo, eq u iv alem -se a resistência c o n serv ad o ra à m u d a n ç a e o a p e g o ao im obilism o, d e um lado, e, d e o utro, a tradição da e sq u e rd a radical d e justificar o recu rso a m eios fla­ g ra n te m e n te im orais em n o m e d e fins altruísticos. “Daí, na análi­ se c o n te m p o râ n e a da relação en tre m eios e fins” — e screv e — a crítica à criatividade da violência e o re c o n h e c im en to d o s direi­ tos h u m a n o s c o m o um in g red ien te d a ‘d o m e stic a ç ã o ’ d o p o d er, n ecessário p ara a q u a lid a d e d a vida coletiva n o p la n o p o lítico ”. D este m o d o , os d ireito s d o h o m e m fu n c io n a m c o m o um a e s p é c ie d e fio c o n d u to r n a c irc u n stâ n c ia em q u e se d e u a im p lo sã o d a cren ça n o p ro g re sso lin ear d a história. Perm ite ta m b é m s u p e ra r a te se h e g e lia n a d a su b o rd in a ç ã o d a m oral in d ividual à e tic id a d e objetiva, realizad a c o n c re ta m e n te a tra­ vés d o E stado. A p re te n d id a s u p e ra ç ã o d á -se p ela a d o ç ã o da p e rsp e c tiv a n e o k a n tia n a , q u e afirm a n ã o a in c o m p atib ilid a d e , m as a relação d e c o n v e rg ê n c ia e n tre ética e política. A ssinala q u e “a im p o rtâ n c ia d e te r d ireito s é o q u e d istin g u e a R ep ú b li­ ca d o s M o d e rn o s d a R epública d o s A ntig o s”. 295

Assim, n o e n te n d im e n to d e C elso Lafer, se é difícil afirm ar a id e n tid a d e e n tre ética e p o lítica, é p o ssív el in sistir e m su a c o m p le m e n ta rie d a d e , o n d e os d ireito s h u m a n o s o c u p a m e s p a ­ ço privileg iad o . A tese c o m p re e n d e a in d ic a ç ã o d o seu ca ráter histórico. H averia u m a p rim eira g era ç ã o , c o rre s p o n d e n te aos d ireito s d e g aran tia d o in d iv íd u o , in c o rp o ra d o s p ela h e ra n ç a liberal, q u e se e s te n d e ra m g raças à p rerro g ativ a d e se u e x e rc í­ cio coletiv o (d ireito d e greve; d e criação d e p a rtid o s p o lítico s etc.), ao q u e se se g u e a se g u n d a g era ç ã o , re su lta n te s d o q u e M iguel Reale, d e n o m in a ‘so cialização d o p ro g re s s o ’, isto é, o b e m -e sta r social p rev isto p e lo wclfnrc stutc. São c o m p le m e n ta res os direitos d e prim eira e se g u n d a g e ra ç õ e s, d e sd e q u e os últim os b u scam a sse g u ra r as c o n d iç õ e s p a ra o p le n o ex ercício d o s prim eiros. “Por isto” — co n clu i — , “d a c o n v e rg ên cia e n tre as lib erd ad es clássicas e o s d ireito s d e s e g u n d a g e ra ç ã o d e ­ p e n d e , n o p la n o in te rn o d o s e sta d o s, a rela ç ã o d e c o m p le m e n ­ tarie d a d e e n tre a ética e a política, p o sto q u e as g e ra ç õ e s d e d ireito s b aseiam -se na irre d u tib ilid a d e d o se r h u m a n o a o lo d o d e seu m eio social, afirm ad a p e lo in d iv id u alism o , e na p re m is­ sa d e q u e sua d ig n id a d e se afirm ará co m a ex istên cia d e m ais lib erd ad e e m e n o s p riv ilég io .” C o n le m p o ra n e a m c n te , e slariam e v id e n c ia d o s d ire ito s d e terceira g eração , a sab er: o d ire ito a o m e io am b ien te; o direito à p a z e o direito a o d e se n v o lv im e n to . C om o se vê, na o b ra d e C elso Lafer o s d ireito s h u m a n o s to rn am -se um a q u e s tã o n u c le a r para a d o u trin a liberal, p e rm i­ tin d o n ã o só aferir o g rau d e c o m p ro m isso d as forças políticas em co n fro n to co m a retó rica d o b e m co m u m , d o m e sm o m o d o q u e o e sta b e le c im en to d e re la ç õ e s a d e q u a d a s e n tre os im p e ra ­ tivos d o exercício d o p o d e r e a n e c e ssid a d e d e fu n d a r o e x e rc í­ cio da fu n ção p ú b lica n o re sp e ito às reg ras m orais d a c o n v i­ vência social. Até o n d e p o s s o p e rc e b e r, a m issão d a p re se n te g e ra ç ã o d e liberais consiste n ã o a p e n a s e m re to m a r a trad ição , iniciada

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H

istória

d o

Liberalismo

B

rasileiro

pelas g ra n d e s p erso n alid ad es d o Im pério, d e asseg u rar a sinlonia co m a m e d ita ç ã o liberal efetiv ad a n o s p rin cip ais ce n tro s, la­ m e n ta v e lm e n te b lo q u e a d a p e lo s su rto s au to ritário s p o s te rio ­ res a 1930. A p a r disto, d e v e se r so b re iu d o c a p a z d e c o n v e n c e r a n o ssa ju v e n tu d e , ain d a re lu ta n te cm aceilá-lo, q u e o lib e ra ­ lism o (e n ã o o so cialism o ) é o v e rd a d e iro h e rd e iro d o q u e há d e m e lh o r na cu ltu ra o c id e n ta l. Para a lc a n ç ar esse o b jetiv o é p re c iso e n c o n tra r u m a A gen d a T eó rica c a p a z d e p erm itir q u e a o p in iã o n a c io n a l seja esc la re cid a co m p ro p rie d a d e d a n a tu re ­ za real d o id eário liberal. D esse â n g u lo , so b re ssa i o significa­ d o d o a s p e c to a n te s referid o d a o b ra d e C elso Lafer. A inda assim , alg u n s o u tro s tem as, p re se n te s à su a m e d ita ­ ção , m e re c e ria m s e r aq u i lem b rad o s. C elso Lafer c h a m a a a te n ç ã o p ara a a tu a lid a d e d e q u e se vem re v e stin d o a d o u trin a d o c o n tra to social, q u e tão g ra n d e p a p e l d e s e m p e n h o u n o p rim e iro ciclo d o lib eralism o, isto é, n a q u e le em q u e a alm a n ã o se fu n d ia co m a cau sa d em o crática. E n tretanto , v irtu alm en te d e s a p a re c e u q u a n d o em erg iu o p r o ­ ce sso d e d e m o c ra tiz a ç ã o da idéia liberal. E n tretanto, à m e d id a q u e a q u e s tã o social to rn a -se central, o c o n tra io social volta a se r relev an te. C o n tu d o , a d v e rte Lafer, n ã o se trata a p e n a s d e re ssu scitar Locke e Kant, m as d e d e s v e n d a r o c o n te ú d o d o q u e ch am a d e ncocontratua/isnio. O n eo co n lratu alism o , q u e se vem afirm an d o s o b re tu d o nesta se g u n d a m etad e d o século, tom a p o r base: 1) o re c o n h e c im en to da relevância d o pluralism o d e in teresses e d as a sp iraçõ es p re ­ se n tes à so cied ad e, im p o n d o d iálo g o social p e rm a n en te ; 2) a co nvicção d e q u e a justiça n ã o é um co n c e ito u n ív o co e e v id e n ­ te, d e sd e q u e a idéia d e igualdade, com a qual se identifica, tem vários term o s d e referência (o m érito; a n ecessid ad e; o trab alh o e as o p o rtu n id a d e s); e, p o r fim, 3) a prim azia axiológica d o indi­ víduo, q u e se trad u z na reivindicação d as lib erd ad es políticas e eco n ô m icas. D ev id o a essa c o m p lex id ad e, o n e o co n tratu alism o atribui prim azia ao p a cto social. N o caso brasileiro, “em q u e as 297

co n d içõ es d e d e sig u a ld a d e ch eg am à escala d o in aceitável”, e s­ crev e , p a re c e -lh e q u e o p a c to so cial c o n stitu i “in g re d ie n te irrenunciável d e u m a p ro p o sta liberal d o ta d a d e su ficiente a m ­ p litu d e social para re sp o n d e r ao s d esafios d o m o m e n to ”.8 Na c ara c teriz a ç ã o d o n e o c o n tra tu a lism o e d e su as im p lica­ çõ es, n o ta d a m e n te em so c ie d a d e s d e tra d iç ã o p atrim o n ialista, c o m o a n o ssa, o n d e as in stitu içõ es d o sistem a re p re se n ta tiv o n ã o se c o n so lid a ra m , C elso Lafer e s ta b e le c e alg u m as d istin ­ çõ e s d e g ra n d e relev ân cia n o to c a n te à n o ç ã o d e interesse. A u to res liberais d ifu n d id o s n o Brasil, c o m o é o c a so d e v o n Mises, e n caram -n o s p e lo lad o m e sq u in h o e su b altern o, e n q u a n to na m e lh o r tra d iç ã o d o lib eralism o b rasileiro, a c o m e ç a r d e Sil­ vestre P in h e iro Ferreira, a p re n d e m o s q u e to d o s os in te re sse s sã o legítim os e q u e a re p re s e n ta ç ã o é ju sta m e n te d e in teresses, c a b e n d o às institu içõ es, re su lta n te s d o sistem a a q u e d á o ri­ g em , o rg a n iz a r o conflito, e v ita n d o a g u e rra civil. As d istin ç õ e s p a ra as q u a is Lafer a p o n ta e q u e têm g ra n d e v alo r heu rístico , s e g u n d o s u p o n h o , ac h a m -se a p re s e n ta d a s n e ste s term os: “U m p ro je to social d e lib ertação d o in d iv íd u o d ev e, e v id e n te m e n te , ter em c o n ta as p a ix õ e s — a d o m a r — , o s in teresses — a re g u ­ lar e c o o rd e n a r — e as necessidades, a a te n d e r e a rep rim ir”. C elso Lafer e n te n d e q u e m e re c e se r p re se rv a d a a d e n o m i­ n a ç ã o e sq u e rd a e d ire ita .'} Essa c o n v ic ç ã o d e c o rre d o re c o n h e ­ cim e n to d e q u e a a g e n d a d o s p ro b le m a s d a ig u ald ad e, su scita­ d a p ela e sq u e rd a , n ã o está resolvida. P arece-lhe, tam bém , h av er certa co n v e rg ê n c ia e n tre o lib eralism o e o socialism o, tese q u e m e rec eria alg u m as c o n sid e ra ç õ es. A te se d e Lafer a p a re c e m ais d e um a v ez n a o b ra, q u e c o ­ m e n ta m o s. No te x to q u e d e d ic o u a o livro S o b re a lib erd ad e (1859), d e J o h n Stuart Mill (1 8 0 6 -1 8 7 3 ),'0 ac h a -se fo rm u lad a d o 8. Ensaio Liberalismo, contractualismo y pacto social {op. cit., p. 96-114). 9. Knsaio Estado y sociedade: izquierda/derecha; arcaico/m oderno ( o p . cit., p. 115-124). 10. Sobre la Jiberdad, de John Stuart MiU, una presentacion ( op . cit., p. 73-95).

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H is t ó k ia

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