274 75 93MB
Portuguese Pages 125 [129] Year 1979
Título do original еш russo: RETCH I MISHLÊNIE
Capa: Do u n ê
Revisão: U m b e r t o F. P in t o , N il o F e r n a n d e s e M a r io E l b e r C u n t ía
Direitos desta edição adquiridos, com exclusividade para a língua portuguesa, pela EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. Rua Muniz Barreto, 91/93, RIO DE JANEIRO — R J,
que se reserva a propriedade desta tradução. 1979 Impresso no Brasil Printed in Brazil
Sumário
I — O C o m po r t a m e n t o I n t e l e c t u a l
1
O ato intelectual e sua estrutura A atividade intelectual direta Patologia do pensamento direto
1 4 13
II — A P alav ra e o C o n ceito
O significado da palavra Métodos de pesquisa dos significados da palavra Evolução do significado das palavras A palavra e o conceito Métodos de estudo dos conceitos Patologia do significado das palavras e dos conceitos III — E n u n c ia d o
e
Pe n s a m e n t o
Meios sintáticos de enunciação Principais tipos de enunciados Evolução das estruturas lógico-gramaticais do enunciado Processo de codificação do enunciado verbal. Do pensamento à linguagem ampla Tipos de enunciado verbal e sua estrutura Patologia do enunciado verbal Processo de decodificação do enunciado verbal. O problema da interpretação O problema da decodificação (interpretação) da comunicação
17
18 24 28 35 39 48 53
54 56 58 61 66 72 76 76
Decodificação (interpretação) do sentido das palavras Decodificação (interpretação) dos significados da oração Interpretação do sentido da comunicação Patologia da interpretação da fala IV — O P e n s a m e n t o P r o d u t iv o . D e d u ç ã o da s
e
So l u ç ã o
Ta r ef a s
O problema As estruturas lógicas como base do pensamento Desenvolvimento da conclusão lógica na criança Processo de solução das tarefas Métodos de estudo do pensamento produtivo Patologia do pensamento produtivo
79 82 86 93 99 99 102 108 111 115 120
I O Comportamento Intelectual
A rÉ a g or a abordamos as condições básicas da atividade consciente do homem: a obtenção de informação, a discriminação dos elementos essenciais e o registro da informação recebida na memória. Agora devemos passar ao exame do modo de construção da atividade consciente do homem no conjunto e, acima de tudo, abordaremos a estrutura das formas complexas de sua atividade intelectual. Examinaremos primeiramente a estrutura do ato intelectual nas formas mais aproximadas dos atos de análise direta e síntese da informação que o homem recebe diretamente do mundo circundante para, em seguida, abordar as leis básicas das formas mais complexas de pensamento que o homem realiza com base em sua linguagem. O ato intelectual e sua estrutura Já vimos que existem três formas básicas de comportamento. já observadas nos animais, que experimentaram um 1
desenvolvimento substancial na transição do macaco ao homem. As de caráter mais elementar são as formas mais simples de comportamento motor-sensorial. Elas se manifestam no fato de surgirem imediatamente no animal formas congénitas simples de comportamento, que aparecem sob a influência das inclinações congénitas básicas ou necessidades (fome, necessidade sexual) ou no fato de que o animal responde com os necessários movimentos reflexos a influências externas imediatas. Esse tipo de comportamento, na forma mais complexa e ampla, assume o aspecto de comportamento instintivo, no qual a percepção dos indícios de uma situação qualquer aciona programas congénitos de comportamento que, em alguns casos, adquirem fcrma muito complexa. Esses atos de comportamento motor-sensoriais e instintivos mantêm-se no homem; neste, não obstante, eles são relegados ao último plano e afastados pelas formas mais complexas de atividade psíquica. A segunda forma básica é constituída pelo comportamento perceptivo. Este surge com o desenvolvimento dos órgãos complexos dos sentidos, com a dificultação da atividade de pesquisa e orientação e com o surgimento dos níveis superiores do aparelho cerebral: o córtex cerebral. Essa forma de comportamento se baseia na análise da situação direta em que se encontra o animal, na discriminação dos elementos mais importantes dessa situação e na adaptação do comportamento às condições da situação imediatamente perceptível. Esse comportamento compreende operações de análise direta e síntese, a formação de certas imagens motoras ou “cópias” do mundo exterior e a aquisição dos atos adaptativos que tornam o animal apto para a situação em mudança. Para esse comportamento perceptivo, o mais importante'' é que a aquisição de novas formas de comportamento adaptativo ocorre em condições de testes ativos imediatos e, depois de inúmeras repetições da mesma situação, as novas formas de atividade adaptativa se tomam automáticas, a atividade adaptativa do animal se transforma em sistema de habilidades sólidamente fixadas. Essas formas de comportamento direto ou adaptativo, que se afirma com base na atividade orientadora de pesquisa, começam a ocupar papel determinante entre os vertebrados superiores; sem perder a ligação com as formas instinti2
vas de comportamento, elas se tornam forma básica de comportamento dos mamíferos superiores e conservam posição considerável na atividade consciente do homem. A terceira e mais complexa forma de comportamento é o comportamento intelectual, que existe no animal apenas em formas embrionarias, tornando-se quase forma básica de atividade consciente. O traço característico do comportamento intelectual consiste em que a atividade orientadora-intelectual, que antes englobava todo comportamento, começa a destacar-se e se converte em atividade independente e antecede ao comportamento, criando-lhe a base. Os mamíferos superiores (primatas) se orientam no ambiente retendo as suas reações imediatas e formando um prévio “modo de ação”, que começa a servir de “base orientadora da ação” e a determinar as posteriores formas complexas do ato motor. No processo da atividade de pesquisa e orientação forma-se uma tarefa concreta, cria-se uma estratégia geral de atividade que deve levar à solução de tal tarefa, surge a tática de ação que pode conduzir ao êxito e destaca os modos de solução ou operações que podem levar ao cumprimento da tarefa. Por último, aqui mesmo surgem certos mecanismos de controle, através dos quais o efeito da ação coincide com a intenção inicial caso esse efeito não conduza ao resultado necessário e entre a intenção inicial e o efeito da ação continue a existir certa “divergência”, incorporando-se automaticamente novas buscas da solução necessária, que continuam até que a solução seja encontrada. O comportamento “intelectual” tem um expresso caráter direto, pois até as suas formas mais elevadas continuam mantendo a mais estreita ligação com a percepção e ocorrem nos limites do campo imediatamente perceptivo. Somente no homem, que inaugura a fase de transição para o trabalho social, com o surgimento das ferramentas e da linguagem, esse caráter direto do comportamento intelectual cede o lugar a novas formas. A assimilação de formas novas historicamente surgidas de atividade material, o domínio da linguagem, que permite uma codificação abstrata da informação, levam o homem a modalidades inteiramente novas de atividade de pesquisa e orientação. Esta deixa de ocorrer no campo direto separa-se da situação imediatamente perceptível. O homerr está em condições de formular em palavras a sua tarefa, de
assimilar os princípios abstratos de sua solução; ele se tor-' na capaz de transmitir a estratégia de sua atividade, apoiando-se não em imagens diretas mas em esquemas abstratos de I linguagem, e seus planos e programas de ação assumem cará-j ter livre, tornando-se independentes da situação imediata.J Surgem-lhe novas formas de comportamento auténticamente intelectual, no qual as tarefas complexas se resolvem inicialmente no “plano mental”, concretizando-se posteriormente em ações exteriores. Muda a correlação dos processos psíquicos fundamentais. Se antes a atividade intelectual subordinava-se inteiramente à percepção direta, agora a percepção muda sob a influência dos esquemas abstratos que se formam com base na assimilação da experiência histórica e do domínio dos códigos abstratos da linguagem. Produz-se um salto do sensorial ao racional, modificando de tal modo as leis básicas da atividade psíquica, que os clássicos da filosofia materialista tiveram fundamento para considerá-lo um acontecimento tão importante quanto o salto que ocorre na transição do inanimado para o animado ou na passagem do mundo vegetal para o animal. Agora passaremos à análise das formas básicas de atividade intelectual do homem, e começaremos pela análise das formas mais simples de atividade intelectual direta. A atividade intelectual direta A atividade intelectual dos animais superiores, sobretudo dos macacos, estudados minuciosamente por Kõhler, apresenta grande ligação com as condições do campo visual imediatamente perceptível. O macaco relaciona os objetos no campo visual imediato com relativa facilidade e sente dificuldades se tiver de operar com elementos de uma situação que não façam parte de um campo de visão, pois ele não tem condições de ir além dos limites de uma situação direta e subordinar o seu comportamento a princípios abstratos. É totalmente diferente o caráter da atividade intelectual prática do homem. Vários estudiosos não-soviéticos costumam separar a atividade intelectual prática da atividade intelectual teórica e considerar que ela ocorre no plano intei4
ramente direto, sem qualquer participação considerável do discurso. Esse ponto de vista revelou-se profundamente erróneo.'1 Como mostraram as pesquisas, a atividade prática concreta ocorre nos limites do campo direto e subordina-se inteiramente às leis da percepção direta imediata da criança pequena. Nesta, não obstante, ela logo passa a ser determinada pela comunicação com os adultos, assumindo posteriormente caráter complexo específicamente humano, abrangendo novas formas de análise verbal e planejamento verbal da atividade intelectual. Somente na criança de 2-2,5 anos podemos observar a completa dependência do ato “intelectual” em relação à percepção visual direta. Se estendermos diante da criança três linhas, fixando a uma delas um objeto que lhe chame a atenção, ela agarra facilmente a linha necessária e a puxa para si. Se afastarínos para um lado a linha a que está fixado o objeto, a criança não tem condições de distinguir o devido extremo e costuma puxar a linha situada num espaço mais próximo do objetivo. O mesmo ocorre se apresentarmos à criança uma alavanca com um objeto que lhe chame a atenção, fixado num extremo e, no outro, uma caneta. Neste caso a criança de 2-2,5 anos ou começa a estender o braço diretamente para o objeto, ou a puxar a caneta em sua direção, afastando, assim, o objeto que o atrai. A criança não pode reagir às “regras” da alavanca em vez do campo diretamente perceptível e as inúmeras repetições do teste não surtem o efeito necessário. Com a evolução da criança, muda o caráter motor-sensorial das ações, distingue-se uma fase especial de orientação prévia numa situação. A criança começa a resolver a tarefa prática que lhe foi sugerida, examina inicialmente a situação para posteriormente subordinar suas ações a um plano elaborado no processo de orientação prévia. Essa distinção do estágio de orientação prévia na tarefa aumenta substancialmente a possibilidade de êxito de sua solução. 5
Psicólogos soviéticos examinaram como se forma gradualmente na criança a solução organizada da tarefa de encontrar o caminho necessário num labirinto muito simples. Com a transição da idade pré-escolar inicial à final, um maior número de crianças começa a orientar-se previamente nas condições do labirinto. Nos testes em que a criança recebe a tarefa de examinar previamente o necessário caminho em um labirinto e apenas depois disto começar a agir, uma criança de 4-5 anos cumpre tal tarefa com bastante liberdade, a criança de 5-7 anos a resolve com absoluta correção, ao passo que continua cometendo muitos erros nas tentativas de solução imediata da tarefa (sem orientação prévia nas condições). Por conseguinte, nas crianças de 4-5 anos forma-se um novo tipo de comportamento, no qual se separa uma fase de orientação prévia nas condições da tarefa e do esquema de sua sucessiva solução. Estudos posteriores mostraram que a discriminação da orientação prévia nas condições da tarefa ocorre paulatinamente, tendo inicialmente caráter de testes eficientes prévios e só mais tarde esses testes eficientes são substituídos pela análise direta da situação que ocorre no processo de exame das condições da tarefa. Esse processo se manifesta nitidamente nos testes especiais, nos quais a criança deve resolver a tarefa manipulando corretamente a alavanca; em alguns casos. dava-se-lhe oportunidade de fazer testes eficientes prévios, permitindo-lhe, noutros casos, apenas examinar previamente o quadro que representasse o esquema desse teste. A orientação por meio de testes eficientes produz um índice de soluções acertadas das tarefas consideravelmente maior do que um simples exame direto do esquema da tarefa sugerida à criança. Nas fases posteriores de desenvolvimento da criança (dc 6-7 em diante), através dos testes eficientes diretos, a orientação desenvolvida se torna acessível e o processo de orientação prévia assume o caráter de ação intelectual interna. Mas seria erróneo pensar que o desenvolvimento das formas complexas de comportamento intelectual da criança ocorre pela via simples de transição paulatina de testes amplos diretos para a discriminação da fase de orientação prévia nas condições da tarefa, graças à análise interna desta. Em suas primeiras observações em tomo do comportamento do recém6
nascido, Kurt Lewin e seus colaboradores observaram o se-_ guinte: ao tentar inutilmente alcançar um objeto que lhe atraii a atenção, a criança, no segundo ano de vida, interrompe, amiúde as suas tentativas diretas e se volta para o adulto quej presencia o teste, tentando atrair-lhe a atenção e conseguí^ sua ajuda para obter o objeto que a atrai. Já muito cedo % ação da criança se converte em ação social. Essa v i â de do-, minio de uma situação através do contato com o adulto se> torna mais expressa e começa a predominar quando a crian-, ça passa a exercer o domínio da linguagem. Vigotsky já observara que, na criança de 3-4 anos, cad% dificuldade na solução de uma tarefa prática provocava um^ explosão de reações verbais, que eram consideradas pelos; psicólogos (sobretudo por Piaget) como jala egocêntrica, que, não tem importância prática e revela apenas os desejos d^ criança. Vigotsky mostrou que essa fala egocêntrica (isto é, não dirigida Uj ninguém) tem, desde o início, caráter real-, mente social. Ela está dirigida de fato ao adulto, nela q criança formula inicialmente um pedido ou uma solicitaçãoi de ajuda na solução de uma tarefa e em seguida seu dis-. curso começa a refletir uma situação real, como se “tirasse, uma cópia” dessa situação, analisando-a e planejando uma, possível solução. Deste modo, a linguagem da criança, ini-. cialmente dirigida ao adulto, converte-se paulatinamente em meio de orientação em uma situação (de traçar as vias de, solução de uma tarefa, de criar um plano de atividade). A evolução da fala foi estudada pelos pesquisadores alemães K. Bühler e Hetzer, que, observando o desenvolvimento do processo de desenlio na criança, mostraram que a fala da criança reflete antes o desenho por ela já feito e o denomina; em seguida o discurso começa a acompanhar o desenho, a anteceder-lhe e a participar ativamente da formação do plano da ação seguinte. O fato da participação da linguagem da criança em sua atividade prática e na solução de complexas tarefas práticas é mostrado nitidamente nos testes realizados numa escola pelo psicólogo soviético A. V. Zaporojets e sua colaboradora G. I. Minskaya. Nesses testes foram incluídas crianças que antes não conseguiam resolver uma tarefa prática como o domínio de uma simples alavanca; um grupo de crianças foi instruído para a solução dessa tarefa, com os participantes separados uns dos outros; outro grupo resolveu a mesma ta7
refa ern “teste de dupla”, no qual a criança tinha oportunidade de comunicar-se ativamente com o seu colega e coetâneo, com as duas resolvendo conjuntamente a tarefa. As observações mostraram que, entre as crianças de 3-4 anos, a situação do “teste em dupla” gerava nelas uma atividade de grande desempenho da fala; as crianças começavam a formular perguntas umas às outras, a fazer tentativas de solução impulsiva sem se basearem na orientação assimilada naquela situação e ficavam inibidas; ao dirigir-se ao seu coetâneo, a criança se orientava inicialmente na situação, após o que planejava as suas ações. Em semelhantes condições, entre as crianças de 4-5 anos já se manifestava uma fala independente ativa, que se incorporava à sua atividade, enquanto entre as crianças de 5-6 anos começavam a formar-se nessa operação modalidades complexas de uma atividade intelectual auténticamente consciente. As pesquisas nas condições do “teste em dupla”, com ativa participação da linguagem, são minto mais bem-sucedidas do que as pesquisas realizadas nas condições do “teste isolado”, onde a linguagem da criança não se manifesta em termos tão ativos. r Tudo isto mostra que o desenvolvimento da atividade intelectual prática da criança ocorre com a participação da linguagem ativa da criança, que tem inicialmente o caráter de j comunicação da criança com as pessoas que a cercam, assumindo posteriormente o caráter de meio que a ajuda a orient a r s e na situação direta e planejar a sua atividade. * Participando da formação da atividade intelectual da criança, a linguagem tem inicialmente caráter desdobrado externo, restringindo-se posteriormente, transformando-se em linguagem murmurada e, por último, desaparece quase intei, ramente entre os 7 e 8 anos, assumindo a forma de linguagem interna inaudível, que constitui a base do ato intelectual interno. Os fatos que citamos mostram que a atividade intelectual direta percorreu um complexo caminho de desenvolvimento e incorporou aos seus componentes vários elementos, começando por amplos testes motores e orientação visual na situação e terminando pela análise verbal das condições da tarefa sugerida. Isto permite analisar mais de perto a estrutura psicológica da atividade intelectual direta (prática) do homem. 8
Durante muito tempo dominou na Psicologia a concepção segundo a qual a atividade intelectual prática tem uma estrutura psicológica relativamente simples e se baseia em testes motores imediatos, por um lado, e na noção visual direta, por outro. Essa concepção simplificava o pensamento prático direto, opondo-o ao pensamento verbal abstrato. Tal concepção carece de fundamento. O pensamento prático direto não se realiza, absoluta-^ mente, através de simples testes motores e imagens diretas; ele compreende também a análise da situação direta com o auxílio da linguagem, que permite ao homem distinguir nessa situação os elos mais importantes, analisar as condições da tarefa e compor um plano para resolvê-la. Neste sentido o pensamento direto prático se aproxima do pensamento lógico-verbal abstrato, com a única diferença de que o pro- \ cesso de solução das tarefas está aqui voltado para as corre- Г lacões diretas dos objetos perceptíveis.. O pensamento de um construtor, que resolve uma tarefa prática de construção, prócessa-se com a mesma orientação interna na condição da tarefa, com a mesma discriminação dos componentes mais importantes e construção do plano (estratégia) de ação que o pensamento de um físico ou lógico que resolve uma com- ) plexa tarefa abstrata. A participação da linguagem oculta (interna) no pensamento direto pode ser observada se sugerirmos a um sujeito experimental resolver uma tarefa que pareceria puramente direta, registrando simultaneamente os movimentos sutis, torcidos do aparelho fonador, que são traços de existência da linguagem interna. Sugere-se ao sujeito um desenho com espaço em branco, que deve ser lembrado, escolhendo a variante a ser inserida. Para resolver a tarefa é necessário discriminar os traços essenciais (linhas ascendentes e descendentes, sua direção, a mudança da espessura, etc.) e, somente depois que esses traços forem discriminados e o princípio de construção do desenho direto se tornar claro, será selecionada entre as partes carentes aquela que corresponda ao esquema do desenho. Basta examinar o registro do eletromiograma da língua do sujeito que resolve essa tarefa para ver como esse processo de análise do desenho, que, pareceria, devia ocorrer inteiramente no plano diretamente figurativo, incorpora também a linguagem, participando intimamente da orientação 9
numa situação espaço-vital complexa. Esse teste mostra que os componentes ocultos da linguagem, presentes também no pensamento direto prático (construtivo), são um integrante importante. Para ver qual o papel que a linguagem desempenha no pensamento prático (construtivo) complexo, é necessário examinar os testes que se aplicam em Psicologia para o estudo da atividade intelectual construtiva. Um desses procedimentos é o experimento com o chamado “cubo de Linck”. O sujeito recebe a tarefa de construir um grande cubo verde de 27 cubos pequenos. Na coleção, proposta ao sujeito, uns cubos têm três faces verdes (são oito cubos), outros, duas (estes são 12), terceiros, uma face pintada (estes são seis) e um não é pintado. A distribuição incorreta dos cubos pequenos no cubo grande torna a tarefa insolúvel. A observação mostra que só pouquíssimos sujeitos adultos normais começam a tentar imediatamente, sem orientação prévia, armar o cubo grande. Via de regra, à solução prática da tarefa antecede uma fase de orientação, que tem o caráter de cálculos prévios, a consideração do número de cubos pequenos com números diferentes de faces pintadas; em seguida vem a construção do esquema geral de solução da tarefa, na qual os cubos pequenos de três faces pintadas são naturalmente distribuídos pelos ângulos do cubo grande; os cubos pequenos de duas faces pintadas e os cubos de uma face pintada são dispostos no meio de cada superfície, colocando-se no centro o cubo não pintado. Assim, o processo de solução dessa tarefa prática não é nada simples e evidente conto se poderia supor. Ele inclui em sua composição com-N plexos cálculos prévios, realizados com a participação ime- ) diata da linguagem, e somente quando o esquema geral de I solução da tarefa está pronto, o sujeito comeca a concretizá- / lo e a concretização desse esquema iá não tem caráter criativo mas executivo. ' Tem caráter semelhante a solução de outra tarefa com base na atividade intelectual prática direta, conhecida em Psicologia pela denominação de “cubos de Kohs”. Nesta tarefa sugere-se ao sujeito construir um desenho geométrico com cubos de lados branco, amarelo, azul e vermelho, sendo que os dois lados restantes são de duas cores (vermelho-branca ou azul-amarelo) divididas em diagonais. 10
Em uns casos, figuram os desenhos que se supõem muito simples e são percebidos imediatamente. Noutros casos, eles são construídos de tal modo que as suas partes diretamente perceptíveis não correspondem aos elementos da construção (em um desenho o sujeito percebe um triângulo azul em fundo amarelo ou uma faixa diagonal azul em fundo amarelo (ou um losango azul em fundo amarelo ou uma faixa azul quebrada em fundo amarelo). Nestes casos o sujeito deve desmembrar mentalmente o desenho imediatamente perceptível em suas partes componentes e compreender que as figuras não são formadas por três partes imediatamente perceptíveis mas por dois cubos pequenos de duas cores, ou que são constituídas de quatro pequenos cubos, separados na diagonal dos cubos de duas cores. Essa tarefa, naturalmente, exige que o sujeito se abstenha de tentativas imediatas de execução, que se oriente nos modos de solução das tarefas e não subordine o seu programa de solução aos contornos imediatamente perceptíveis do desenho mas a um esquema recodificado que ele deve criar, fracionando mentalmente os contornos do desenho e substituindo os elementos da impressão imediata pelos elementos da construção. Compreende-se perfeitamente que também neste caso o' programa de solução intelectual da tareia não surge sob a influência da aercepcão imediata direta mas como resultado t da superação da impressão imediata e subordinação da acão ao esauema aue se cria como produto da recodificação do campo oerceotível. O processo de superação da impressão imediata, que"^ constitui a base do ato intelectual, só pode ser realizado no processo de orientação prévia nas condições da tarefa, de coteio do protótipo direto com os meios dados oara a sua realização: deste modo. a solução da tarefa construtiva direta apresenta um complexo caráter mediato. J É natural que esse caráter complexo do pensamento prático, que acabamos de descrever, seja produto de um longo desenvolvimento e se perturba facilmente nos estados patológicos do cérebro. 0 teste mostrou que tanto o retardamento intelectual, como a redução da atividade intelectual nos estados patológicos do cérebro levam à desintegração dessa forma estruturalmente complexa de atividade intelectual. Os doentes que 11
apresentam semelhante redução do intelecto são incapaze); de reter as tentativas de solução da tarefa construtiva que surgem imediatamente; desaparece a fase de orientação prévia nas condições da tarefa, razão por que levam ao fracasso as tentativas de resolver imediatamente uma tarefa complexa evitando a análise de suas condições. Procurando resolver a tarefa do “cubo de Linck”, os doentes começam logo a tentativa de construir o cubo ignorando que a distribuição correta dos cubos pequenos só pode ser assegurada por cálculos prévios e, via de regra, terminam rapidamente as suas tentativas indicando que os “cubinhos são poucos” ou a “tarefa é irrealizável”. Começando a resolver a tarefa do “cubo de Kohs”, os doentes não fazem uma análise prévia do desenho proposto, não desmembram a estrutura ¡mediatamente perceptível nem transformam as “unidades da impressão” em “unidades da construção”. Por isto esses doentes começam ¡mediatamente a fazer tentativas de representar cada elemento isolado ,do desenho perceptível num cubo isolado e não se perturbam se a estrutura a ser construída conservar o número de elementos imediatamente perceptíveis mas não tiver nenhuma identidade com o protótipo. É natural que se eles conseguem construir sem grande dificuldades protótipos simples que não requerem recodificação, resultem inacessíveis quaisquer tentativas de fazer de cubinhos isolados protótipos complexos, nos quais a execução correta da tarefa só pode ser acessível como resultado da análise do protótipo e transformação das “unidades da impressão” em “unidades da construção”. Dados análogos podem ser obtidos mediante a aplicação do método de estudo do intelecto prático (construtivo), conhecido pela denominação de “figura de Roop”. . Neste teste sugere-se ao sujeito reproduzir um protótipo formado por hexágonos contíguos. Para resolver corretamente a tarefa, é necessário levar em conta que as figuras contíguas tem paredes comuns, razão pela qual se devem representar no desenho não tanto figuras isoladas quanto correlações geométricas entre as linhas componentes. Esta tarefa resulta inacessível para sujeitos com retardamento intelectual ou com perturbação da atividade intelectual, que começam a cumprir a tarefa sem análise prévia e 12
substituem o desenho da correlação geométrica das linhas pela representação de figuras concretas isoladas. Em todos os casos citados, o mais importante é o fato de que a impossibilidade de cumprimento das tarefas sugeridas ao sujeito não se manifesta como resultado de uma falha particular (por exemplo, a orientação no espaço), mas da desintegração das formas complexas de atividade intelectual; tal desintegração manifesta-se no fato de que desaparece a fase de orientação prévia nas condições da tarefa com a “recodificação” das condições, substituindo-se a estrutura complexa da atividade intelectual pelas tentativas de cumprimento da tarefa com base nas impressões imediatas. Patologia do pensamento direto O comportamento intelectual é produto de uma longa evolução e apresenta uma estrutura psicológica muito complexa. É natural que qualquer retardamento intelectual, por um lado, e a mudança patológica da atividade cerebral, por outro, provoquem fatalmente a desintegração da atividade intelectual de estrutura complexa. Isto pode ser observado em formas mais nítidas na criança mentalmente atrasada com retardamento cerebral e na demência da velhice, relacionada com a atrofia da massa cerebral. É sabido que a criança mentalmente retardada pode conservar todas as modalidades mais simples de percepção direta e ação, mas é acentuadamente atrasada a sua estrutura de atividade intelectual. Isto se manifesta no fato de que a criança, com formas profundas dc retardamento mental, é incapaz' de analisar satisfatoriamente as situações, distinguir nestas as ligações e relações essenciais e substitui a atividade intelectual de construção complexa por reações impulsivas imediatas, que são inteiramente determinadas por impressões superficiais da situação. Nas formas mais profundas de atraso mental, a criança não consegue estabelecer nem mesmo as relações mais simples entre as partes de uma situação perceptível. Assim, se ela tem diante de si várias linhas, e uma delas está amarrada /.»
a um objeto que a atrai, ela continua a arrastar-se para esse objeto, ignorando que ele está longe dela e sem ao menos tentar puxá-lo pela linha, ou puxa a linha que está visualmente mais próxima do objeto atraente, ignorando a linha a que o objeto está amarrado, caso a ponta desta esteja situada além dela. As falhas do comportamento intelectual da criança mentalmente atrasada aparecem facilmente nos testes em que, para estudar tal comportamento, aplicam-se alavancas, e para atingir o objetivo é necessário não puxar o cabo da alavanca mas afastá-lo. A criança mentalmente atrasada, que se mostrou incapaz de resolver essa tarefa, continua puxando o cabo da alavanca, apesar de escapar-lhe o objetivo. Situação análoga se desenvolve no teste da caixa problemática, proposto por Leôntyev. Diante da criança coloca-se um objetivo (por exemplo, um bombom) na caixa, que é fechada a ferrolho; pode-se abri-la pressionando por um furo situado ¡mediatamente sobre o ferrolho (à direita) ou puxando o ferrolho por um furo situado do lado oposto (à esquerda). As crianças com forma profunda de retardamento mental não conseguem fazé-lo, e se o primeiro furo, situado ¡mediatamente sobre o ferrolho, estiver fechado, elas são incapazes de deixar de manipular numa proximidade imediata do ferrolho, tom ando-se a tarefa inacessível para elas. Dados aproximados são obtidos também nos testes em que a criança mentalmente retardada deve desenhar tfma figu.ia complexa ou construí-la de cubinhos, após analisar previamente a sua estrutura interna. Nestes casos, as crianças mentalmente atrasadas não são capazes de abstrair as impressões imediatas e substituem o sistema complexo de operações, indispensáveis à solução dessa tarefa, pela reprodução direta das impressões imediatas. Fatos análogos de desintegração da atividade intelectual complexa, com supressão da análise da situação e das operações auxiliares, são observados nos estados de senilidade, que resultam da atrofia do cérebro (mal de Pick). Os tipos aqui descritos de perturbação da atividade intelectual direta (prática) são de caráter geral e se traduzem na desintegração geral da estrutura complexa dessa atividade e na substituição da atividade intelectual por formas imediatas de comportamento, subordinadas à impressão direta. 14
Podem ter caráter diferente as perturbações da atividade intelectual nas afecções locais do cérebro. Aqui a afecção [imitada do cérebro suprime apenas uma das condições necessárias à realização da atividade intelectual complexa, razão poi que a perturbação do comportamento intelectual pode ter caráter parcial. Podem servir de exemplo as perturbações da atividade intelectual, que surgem nas afecções das áreas parietais inferiores (ou occipto-parietais) do córtex. Nestes casos, o doente conserva a tarefa que lhe foi dada mas é incapaz de organizar corretamente a sua atividade no espaço-, ele confunde os lados direito e esquerdo, não consegue construir um sistema interno de coordenadas espaciais e suas operações no espaço assumem caráter impotente. Esses doentes não podem desempenhar-se com êxito em nenhuma tarefa que exija que se levem em conta as correlações espaciais e perturbam-se todas as suas operações construtivas. Eles não conseguem fazer uma figura de fósforos, um desenho de cubos, construir um cubo grande de cubos pequenos, etc. Todas essas tarefas se tornam acessíveis caso eles recebam esquemas espaciais auxiliares, a partir dos quais podem realizar as respectivas operações. É inteiramente distinto o caráter da perturbação do comportamento intelectual dos doentes com afecções das áreas frontais do cérebro. Essas afecções levam a que a tarefa, dada a esses doentes, seja muito instável, a intenção provocada desapareça rapidamente, os doentes caiam facilmente sob a influência das impressões imediatas, não consigam elaborar ou reter programas complexos de atividade e substituam a atividade intelectual organizada por atos impulsivos ou repetições inalteráveis de estereótipos uma vez surgidos. O estudo da perturbação do comportamento intelectual dos doentes com afecções maciças dos lobos frontais do cérebro constitui um capítulo da neuropatologia, que é interessante para a Psicologia.
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A Palavra e o Conceito
A so lu çã o de tarefas construtivas práticas é uma das formas de atividade intelectual do homem.
A forma segunda e consideravelmente mais elevada é o pensamento verbal ou lógico-verbal, através do qual o ho- Л mem, baseando-se nos códigos da língua, está em condicoes. de ultrapassar os limites da percepcão sensorial imediata do I mundo exterior, refletir conexões e relações complexas, for- j mar conceitos, fazer conclusões e resolver complexas tarefas „teóricas. Essa forma de pensamento é especialmente importante; ela serve de base à assimilação e ao emprego dos conhecimentos e se constitui no meio fundamental da complexa atividade cognitiva do homem. O pensamento que utiliza o sistema da língua, permite / discriminan* os elementos mais importantes da realidadeVrelacionar/a uma categoria os obietos e fenômenos que, na percepção imediata, podem parecer diferentes, /identifica^ aqueles fenômenos que, apesar da semelhança exterior, pertencem a diversos campos da realidade: ele permite elabor
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rar conceitos abstratos e fazer concliisõés lógicas, que ultra-, oassam os limites da pcrcencão sensorial: permite realizar os processos de raciocínio lógico e no processo deste raciocínio descobrir as leis dos fenômenos que são inacessíveis à experiência imediata; permite refletir a realidade de maneira ¡mediatamente bem mais profunda que a nercepção sensorial imediata e coloca a atividade consciente do homem numa altura incomensurável com o comportamento do animaL Para melhor conhecer as leis que servem de base ao pensamento lógico-verbal, é necessário conhecer mais de perto como se constrói a língua em cuja base processa-se o pensamento, abordar a estrutura da palavra que permite formar os conceitos, focalizar as leis básicas das ligações das palavras em sistemas complexos, que possibilitam realizar juízos, e descrever os sistemas lógicos mais complexos que se formaram na história da língua; dominando estes sistemas, o homem é capaz de executar operações de conclusão lógica. Somente depois deste exame podemos passar à parte mats complexa da Psicologia — à análise das operações do pensamento discursivo e abordar a psicologia do pensamento produtivo do homem. O significado da palavra Ê com todo fundamento que se considera a palavra unidade fundamental da língua. No entanto seria um grande erro pensar que ela é uma partícula elementar, indivisível, como se considerou durante muito tempo, uma simples ligação (associação) do som condicional com certo conceito. A lingüística moderna sabe que a palavra tem uma estrutura complexa, podendo-se distinguir nela dois componentes básicos, que se costumam definir com os termos tepresentaçfíp nvateriql e significado. Cada palavra da linguagem humana significa um objeto, indica-о, gera em nós a imagem de um objeto; ao pronynciarmos a palavra “mesa”, nós a relacionamos a um determinado objeto, à mesa; ao pronunciarmos a palavra “pinheiro” temos em vista outro objeto, o mesmo ocorrendo com as palavras “cão”, “incêndio”, “cidade”, “tempo”, que represen18
tam diferentes objetos/bu fenômenos. Com isto a linguagem do homem se distingue da “linguagem” dos animais, que, como vimos acima, expressa em sons apenas um estado emotivo mas nunca representa objetos através de sons. Essa primeira função básica da palavra é denominada representação material ou. como dizem alguns lingüistas, função representativa da palavra (do alemão Darstellende Funktion). A existência da função representativa da palavra ou representação material é a função mais importante das palavras, constituintes da linguagem. Essa função permite ao homem evocar arbitrariamente as imagens dos objetos correspondentes, operar com objetos inclusive quando estes estão ausentes. Como dizem alguns psicólogos, a palavra possibilita “multiplicar” o mundo, explorar não apenas imagens diretamente perceptíveis dos objetos, mas também com imagens dos objetos, suscitadas na representação interna por meio da palavra. A capacidade da palavra para significar objetos correspondentes com um sinal convencional, de suscitar as suas imagens não é, contudo, a sua única função. A^ palavra tem outra função mais complexa: permite analisar os objetos. distinguir nestes as propriedades essenciais e relacioná-los a determinada categoria. Ela é meio de abstração e generalização, reflete as profundas ligações e relações que os objetos do mundo exterior encobrem. Essa segunda função da palavra costuma ser designada pelo termo significado da valavra. Analisemos minuciosamente o significado de uma palavra qualquer, por exemplo, da palavra russa tchernílnitsa (tinteiro). À primeira vista pode parecer que ela simplesmente designa um determinado objeto e suscita a imagem de um tinteiro sobre a mesa. Mas tal coisa está longe da verdade. e a simples evocação da imagem do objeto não esgota a função dessa palavra. Examinando atentamente essa palavra desc< bre-se facilmente que ela tem uma estrutura complexa e c constituída por uma série de partes componentes. A primeira parte da palavra — tchern (tint) — indica que o objeto por ela designado tem alguma relação com tintas; indica um indício de cor, que por si mesma está relacionada com outras cores (negro, vermelho, ozul, etc.). A segunda parte da palavra é o sufixo //: na língua russa, este designa uma qualidade de instrumento, noutros termos, o objeto em ques-
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tão pode ser usado corno meio de ura trabalho qualquer (tchernlLa ‘tinta’, bellLa ‘branco’, motovILo ‘torniquete’, gruzILo ‘cambulho’). O terceiro componente da palavra tchernílnitsa é o sufixo nits; na língua russa, este significa que o objeto em questão serve de recipiente de alguma coisa, assodando-a a palavras como “sákharmísa" ‘açucareiro’, “gortchítchn/ísa” ‘mostardeira’, péretchnií«j ‘pimenteira’, etc. Assim, uma palavra que pareceria muito simples revela-se um dispositivo complexo, que analisa a função de um dado objeto e indica que temos diante de nós um objeto relacionado com tinta (tchern), que serve de meio a alguma coisa (ií) e tem propriedade de recipiente (nils). Um exame minucioso da morfologia da palavra revela toda a complexidade de sua função. Mostra que temos diante de nós um complexo sistema de códigos que se formou na história da humanidade e transmite à pessoa que usa a palavra uma complexa informação acerca das propriedades essenciais para um dado objeto, das suas funções básicas e das relações que com outros objetos mantêm as categorias coexistentes que esse objeto possui objetivamente. Ao dominar a palavra, o homem domina automaticamente um complexo sistema de associações e relações em que um dado objeto se encontra e que se jormaram na história multissecular da humanidade. É a essa capacidade de analisar o objeto, distinguir nel< as propriedades essenciais e relacioná-lo a determinadas cate gorias que se chama significado da palavra. Na estrutura de cada palavra é fácil observar as duas funções básicas da palavra, ou seja, discriminar o traco essencial do objeto e relacionar este objeto a certa categoria ou. noutros termos, observar a função de abstração e generalização. A palavra stoí — ‘mesa’ — (radical stl — “porí/Zat’ ” — ‘estender, pôr’ —, “nasí/Zat’ ” — ‘cobrir’) indica uma qualidade essencial da mesa, a existência de “tablado”; a palavra tchasí (radical tchas) indica que a função básica dos relógios é indicar o tempo (tchasa, em eslavo); a palavra sutki (radical stk — ligar) mostra que a palavra significa a confluência entre o dia e a noite; a palavra korova — ‘vaca’ — (do latim cornu) indica que estamos diante de um animal comífero. 20
Em palavras relativamente novas, essa função de discriminação (abstração) dos traços essenciais aparece com nitidez ainda maior: parovoz — ‘locomotiva a vapor’ — indica dois traços: par — ‘vapor’ — e voz do verbo vozit' — ‘levar’, ‘transportar’: a palavra telejone também tem dois traços: (tele — ‘distância’ e jone ‘voz’). O mesmo ocorre com a palavra televisor: tele — ‘distância’ e vídeo — ‘ver’. A abstração dos traços essenciais é, entretanto, apenas'! um aspecto do significado da palavra. O segundo aspecto é ! a colocação do objeto em relação com certa categoria, nou- j tros termos, com a função de generalização. * A palavra “relógio” sienifica igualmente qualquer relógio, independentemente da sua forma ou do tamanho; a palavra “mesa” significa mesa de qualquer forma, de qualquer tipo; a palavra “cão” designa cão de qualquer raça. Cada palavra, inclusive a concreta, não representa sempre um objeto único mas toda uma categoria de objetos e, nas pessoas que a usam, pode suscitar quaisquer imagens individuais, mas apenas imagens de objetos pertencentes a essa categoria. É essencial que isto se refere igualmente a palavras concretas (como “mesa”, “relógio”, “cão”) bem como a palavras que designam conceitos gerais (“país”, “cidade”, “desenvolvimento”, “substância”). A linguística sabe perfeitamente que a correlação dos componentes figurados diretos da palavra com os abstratos, generalizadores, não é sempre a mesma; cada grupo de palavras apresenta diferenças essenciais. Assim, em uns substantivos (“pinheiro”, “cão pastor”, “samovar”) os componentes figurados concretos são muito fortes, ao passo que em outros (“animal”, “país”, “pensamento”) eles são afastados pelo significado abstrato generalizador* Sabc-se ainda que nos adjetivos (“amarelo”, “seco”, “alto”) e nos verbos (“andar”, “pensar”, “empenhar-se”) que, como se sabe, surgiram muitos anos depois que os substantivos, esses componentes materiais são colocados em segundo plano e a discriminação da qualidade ou ação, abstraída do objeto íemanescente, constitui o significado básico dessas palavras. Por último, nas línguas evoluídas existem “palavras acessórias” especiais (preposições, conjunções etc.) sem qualquer significado material, que não expressam objetos concretos mas as relações entre eles (“sob”, “sobre”, “com”, “de”, “conjuntamente”, “em consequência de”).
Deste modo, cada palavra tem um sisnificado complexo, fornindo tanto pelos componentes figurado-diretos, quanto pelos abstratos e generalizadores; é just amento isto gue_psrniile a quem usa tais palavras escolher um dos possíveis significados e em uns casos empregar uma dada palavra em seu sentido concreto, figurado c, em outros, empregá-la em seu sentido abstrato e generalizado. Tanto a análise da estrutura morfológica da palavra, como o seu emprego prático do cotidiano mostram que a palavra não é, em hipótese alguma, uma associação simples e unívoca entre o sinal sonoro condicional e a noção direta, bem como que ela tem uma infinidade de significados potenciais. Assim, a palavra “carvão” pode designar um pedaço de carvão-de-Ienha, carvão-de-pedrn, um pertence de um pintor que desenha com carvão, o mineral “C”, etc. Por isto, em cada situação prática o homem escolhe entre todos os possíveis significados dessa palavra aquele que mais se adequa a ela. É natural que, para o pintor, o “carvão” é um instrumento para rascunhos, para a dona-de-casa, algo que serve para ferver água, para o químico, o elemento “C”, sendo a causa de problemas desagradáveis para a menina que suja o vestido. Vê-se facilmente que empregos diferentes dessa palavra empanam diferentes processos psíquicos: em uns casos a palavra “carvão” suscita uma imagem concreta (material que serve para ferver água, para fazer rascunhos), em outros, sistemas abstratos de ligações lógicas (carvão como elemento “C”), em terceiros, aflições (o carvão que sujou o vestido). £ш_ isto o emprego real da palavra é sempre um processo de escolha do .significado adequado entre iodo um xistema de alternativas aue sursem. com a discriminação de uns sistemas adequados de relações e a inibição de outros oue não correspondem à tarefa dada dos sistemas de relações. Esse sistema de relações, destacado entre muitos significados possíveis e correspondente à situação, é chamado em Psicologia sentido da palavra. O sentido da palavra, que depende da tarefa concreta que o sujeito tem diante de si e da situação concreta em que se emprega a palavra, pode ser totalmente diferente embora ex'eriormente permaneça o mesmo. Por exemplo, a palavra “dez” tem sentidos inteiramente distintos na boca de uma 22
pessoa que espera um ônibus e na boca do aluno que аса 1за de prestar exames; ela tem sentido diferente para a pessoa que espera o ônibus N.° 3 e vê chegar à parada o N.° 10 e para a pessoa que vê chegar o ônibus que tanto esperara. A palavra “tempo” tem sentidos inteiramente diferentes quando empregada pelo serviço de meteorologia ou quando pronunciada por uma pessoa que, após longa conversa, levanta-se e diz: “bem, o tempo!”, querendo com isto dizer que a conversa está terminada; ela adquire um terceiro sentido na boca de uma velha que olha com reprovação para os jovens e diz: “que tempos!”, querendo externar seu desacordo com as concepções e os costumes da nova geração. Cabe observar que, além da estrutura morfológica da palavra, existe ainda um fator que pode contribuir para a distinção do sentido adequado da palavra entre todos os seus possíveis significados. Esse fator é a entonação que toma a pronúncia de uma palavra. Basta pronunciar a palavra besta, uma vez sem qualquer entonação especial, e em outra com a entonação humilhante besta! para lhe dar o sentido de pessoa curta de inteligência, tola, simplória, pedante, etc.; a palavra pamonha, pronunciada sem entonação especial, significa uma espécie de bolo de milho verde condimentado; pronunciada com entonação especial, essa mesma palavra adquire o sentido de pessoa tola. É justamente por isto que a entonação, de importância'’ tão grande no emprego vivo da língua, torna-se. paralelamente ao contexto, um dos importantes fatores еще permitem mudar o sentido da palavra, escolhendo-o entre muitos significados possíveis. O processo de emprego real da palavra é a escolha do sentido adequado entre todos os possíveis significados da palavra e somente existindo um sistema de escolha que funcione com precisão, com o realce do sentido adequado e a inibição de todas as outras alternativas, o processo de uso das palavras pode desenvolver-se com êxito para a expressão do sentido e a comunicação. Ainda examinaremos em caráter especial os desvios que podem surgir na comunicação e no pensamento quando se perturba o emprego das palavras, baseado no processo de escolha plástica dos significados possíveis, e quando a palavra continua conservando o mesmo significado rotineiro em todas as situações. í
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Métodos de pesquisa dos significados da palavra
O processo real de emprego da palavra, como a escolha em um sistema de múltiplos significados, é fundamental para a psicologia da comunicação e do pensamento; por isto, urna das tarefas mais importantes da Psicologia científica consiste em estabelecer a probabilidade com que aflui sempre um ou outro significado da palavra, escolhido entre muitas alternativas, bem como no estabelecimento daqueles fatores que determinam o processo de escolha de uma ou outra relação entre todas as relações possíveis. Para estabelecer precisamente qual dos variados significados da palavra predomina no sujeito e como essa relação predominante muda dependendo das peculiaridades do sujeito, da situação e da tarefa colocada diante dele, existe em Psicologia uma série de procedimentos que permitem responder a essa questão com graus variados de precisão. O método mais simples de estudo das relações potenciais que a palavra esconde é o estudo das associações suscitadas pela palavra apresentada. Para tal pesquisa dá-se ao sujeito uma palavra e ele deve responder à pergunta relacionada com ela com qualquer palavra que lhe vier à mente. Analisando o caráter da associação que se produz, pode-se ver que relações a apresentação de tal palavra suscita no sujeito. Assim, se a palavra árvore suscita no sujeito uma associação com um vegetal e a palavra cereja uma associação com amoras, podese pensar que o sujeito tende mais para a discriminação das relações abstratas e generalizadoras do que outro sujeito no qual a palavra árvore suscita ¡mediatamente a associação com amendoeira e a palavra cereja a associação com pomar ou doce. O método de análise das “associações livres” foi aplicado com êxito em Psicologia ao estudo do caráter das relações semânticas predominantes no sujeito e à caracterização das suas tendências para relações predominantemente diretas ou predominantemente abstratas. Esse método se mostrou muito importante tanto para a caracterização das peculiaridades individuais na atividade intelectual do sujeito, quanto para o diagnóstico dos desvios que se podem observar no significado das palavras nos estados patológicos do cérebro. 24
O segundo método de estudo das relações semântica* reais, que a palavra implica, é o método psicofísiológico objetivo de estudo dos “campos semânticos”, elaborado no último decénio por estudiosos soviéticos e estrangeiros (americanos). Esse método aplica procedimentos da pesquisa objetiva do reflexo orientado e consiste no seguinte. Durante um período bastante longo, apresenta-se ao sujeito um grande número de palavras diferentes e sem relação entre si; durante todo esse período, ele registra os componentes involuntários do reflexo orientado (vasculares, contato-galvánicos ou eletroencefalográficos). Inicialmente cada palavra suscita no sujeito um reflexo orientado nítido, que se manifesta na compreensão dos vasos do braço (e ampliação dos vasos da cabeça), o surgimento da reação galvánica por contato ou depressão do alfa-ritmo. Após algum tempo, o sujeito se acostuma aos estímulos verbais e estes deixam de provocar-lhe qualquer reação orientada. É nesse período que começa o teste de análise objetiva das relações semânticas. Para este fim, uma palavra (palavra-“teste”) é acompanhada por um estímulo de dor ou para responder a essa palavra o sujeito deve apertar uma chave com a mão direita, enquanto registra a reação vascular com um dedo da mão esquerda. Essas duas condições levam a que, após várias repetições do teste, a apresentação da palavra-“teste” começa a suscitar no sujeito uma reação orientada estável, que serve de reação básica para o teste posterior. Após obter uma nítida reação orientadora à apresentação de uma palavra-“teste” (por exemplo, a palavra gato), o experimentador coloca diante de si uma questão básica: além da palavra "gato”, que palavras suscitam no sujeito sintomas análogos de reação orientada (compressão dos vasos da mão, surgimento de reação galvánica por contato, depressão do alfa-ritmo, etc.)? Se outras palavras que estão direta ou indiretamente relacionadas com a palavra gato começam a suscitar no sujeito os mesmos sintomas de reflexo orientado, como a própria palavra-“teste”, isto é um sintoma objetivo de cue tal palavra suscita todo um sistema de relações semânticas. que suscitam igualmente uma reação orienta25
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da; esse método será um procedimento para o . e stu d o o b je tiv o d o sistem a d e rela çõ es sem ân ticas (ou de “campos semânticos”), que surgem no sujeito em cada apresentação da palavra correspondente. O estudo dos sintomas objetivos das relações possibilitou a obtenção de resultados de grandiosa importância para a Psicologia. Esse estudo mostrou que, no adulto normal, um grupo de palavras semanticamente aproximadas da palavra-“teste”, começa a suscitar os mesmos sintomas de reações orientadas como a própria palavra-“teste”. Assim, se em resposta à palavra-“testc” ga to o sujeito apresentava a reação motora exigida, comprimindo a chave e localizando ao mesmo tempo os componentes vegetativos e eletrofisiológicos do reflexo orientado que surgem involuntariamente (compressão dos vasos da mão, reação galvánica por contato, depressão do alfa-ritmo), com a apresentação de palavras semanticamente semelhantes — gatin h o, rato, cão, anim al —, surgiam-lhe idênticas reações involuntárias (vegetativas e eletrofisiológicas), embora em resposta a essas palavras ele não apresentasse nenhuma reação motora arbitrária. Verificou-se que quanto maior é a semelhança semântica da palavra apresentada com a palavra-“teste”, tanto mais intensivos são os traços involuntários da reação orientada (por isto essas reações são mais fortes diante das palavras gatinho ou rato do que ante a palavra a n im a l); em palavras indiferentes, desvinculadas da palavra-“teste” (por exemplo, em palavras como vid ro , tu b o , céu, etc.), geralmente não surgiam tais sintomas Ale reflexo orientado. O resultado mais importante das obser' vações foi o fato de que, se as p a la vra s sem an ticam en te a p ro 1 x im a d a s d a palavra-"teste" su scita va m a m esm a reação o rien I tada, co m o a p ró p ria p a la vra -" teste’’, to d a s as pa la vra s a pro) x im a d a s, p e lo so m , d a palavra-" tes t e ”, n ão p ro vo ca va m n enhum a rea çã o o rien tada. Assim, reagindo com reações orientadas às palavras gatinho, ra to , cã o e anim al, os sujeitos nor-
mais não reagiam com reações orientadas a palavras próximas ^ elo som como janela, panela, lix o , lu xo, etc. Isto mostra que por meio do método aqui descrito podemos realmente esta b elecer um sistem a daqu elas relações sem ân ticas au e cada palavra o cu lta e que, no sujeito nor26
mui, essas relações têm caráter sem â n tico e não ca rá ter s o п а п / externo.
O estudo objetivo das relações semânticas pode aprofundar-se ainda mais. Mediante a aplicação do referido método, podemos medir com certa precisão o grau de proximidade entre certos grupos semânticos, estabelecer objetivamente os sistemas dos “campos semânticos” em que se distribuem as palavras mais próximas e mais distantes entre si. Para este fim aplica-se outra variante do método que descrevemos. A palavra-11teste” é sempre acompanhada por uma estimulação de dor, que suscita não uma reação orientada mas uma reação defensiva, que consiste na compressão dos vasos da mão e da cabeça. Depois disto, as palavras que apresentam grau variado de semelhança com a palavra-“teste” começam, durante certo tempo, a suscitar reações diferentes: as palavras mais próximas da palavra-“teste” (por exemplo, na palavra-“tcste” violino, a palavra arco) começam a suscitar a mesma reação defensiva que a palavra-“teste” (compressão dos vasos da mão e da cabeça); as palavras que pelo sentido são mais distantes da palavra-"teste” mas que, não obstante, guardam certa semelhança com ela (por exemplo, as palavras guitarra, tambor), começam a suscitar apenas uma reação orientada (compressão dos vasos da mão e ampliação dos vasos da cabeça); por último, as palavras que não têm qualquer relação com a palavra-“teste” (por exemplo, as palavras janela, nuvem, bosque) não suscitam nenhuma reação orientada. Assim, podemos descrever objetivamente todo um campi^ semântico em cujo centro estão as palavras mais próximas I pelo sentido, encontrando-se na periferia as palavras de sentido comum mais distante com a palavra-“teste”, situando-se fora desse campo semântico todas as outras palavras que não têm nenhuma afinidade com a palavra-“tcste". O método aqui descrito é de grande importância, permitindo estabelecer objetivamente o grau de proximidade entre diversos sistemas semânticos, noutros termos, possibilitando estabelecer objetivamente as estruturas dos campos semânticos. O estudo objetivo das relações semânticas é de grande importância tanto para a psicologia dos sistemas semânticos e a lingüística, quanto para a análise dos 27
desvíos que se verificam nas relações semânticas nos estados patológicos. Assim, foi estabelecido que se no sujeito normal os sintomas objetivos correspondentes são suscitados por palavras próximas da palavra-“teste” no sentido semântico, mas não são provocados por palavras que com esta guardam semelhança sonora externa, na criança com retardamento mental ocorre justamente o contrário: as palavras próximas da palavra-“teste” podem, pelo sentido, não provocar reações correspondentes, ao passo que as palavras a ela semelhantes pelo som provocam tais reações. Usando-se a palavra gato como palavra-“teste”, nesses sujeitos, palavras como rato, cão e animal podem não suscitar reações correspondentes, ao passo que as palavras crato, crista, custo suscitam reações vasculares, análogas àquelas provocadas pela palavra-“teste’\ É interessante que a estrutura dos campos semânticos não permanece a mesma mas pode variar dependendo de diferentes condições. Assim, entre os escolares com forma leve de retardamento mental, no estado descansado (no início do dia de trabalho), reações idênticas podem ser provocadas predominantemente por palavras semanticamente muito próximas da palavra-“teste”, ao passo que, no estado de fadiga (após cinco aulas), reações análogas começam a ser provocadas predominantemente por palavras semelhantes pelo som. Vê-se facilmente que grande importância tem o estudo objetivo do sistema de relações semânticas tanto para o diagnóstico da estrutura dos processos cognitivos nos estados de patologia cerebral, quanto para as suas mudanças, dependendo da fadiga.
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Evolução do significado das palavras Seria incorreto pensar que a estrutura complexa da palavra, que comprende tanto a significação do objeto como o sistema de traços abstratos e generalizadores, teria surgido de um golpe e que a língua teria possuído, desde os seus primórdios, um sistema de significados que podem ser observados nas formas mais desenvolvidas da língua. 28
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Durante muito tempo, quando a palavra era entendida como uma simples associação do sinal sonoro condicional com a imagem direta, os estudiosos estiveram convencidos de que o significado continuava imutável em todas as fases do desenvolvimento e que a evolução da língua reduzia-se ao simples enriquecimento do vocabulário e à ampliação do círculo de noções designados por palavras isoladas. Essa concepção é profundamente errónea. Em realidade, o significado da palavra passa por uma'' complexa evolução, e se a representação material da palavra continua a mesma, desenvolve-se o seu significado, ou seja, o sistema de relações e ligações que ele implica, o sistema de generalizações realizado pela palavra. Por isto, a palavra não apenas muda de estrutura em etapas diferentes da evolução, como passa a basear-se em novas correlações de processos psicológicos. Ainda sabemos muito pouco acerca das etapas da evolução histórica da palavra nas fases sucessivas de desenvolvimento da sociedade. No entanto as poucas conjeturas dos historiadores das etapas mais antigas da evolução da linguagem (a chamada paleontologia da fala) levam a pensar que a palavra nem sempre teve as formas precisas que atualmen-1 te tem, nem dispôs do sistema preciso de significados que ca-1 racterizam as palavras de uma língua desenvolvida. у As teorias modernas da linguagem aventam я hipóos» de que esta surgiu no processo comunicativo do trabalho, no qual “surgiu nas pessoas uma necessidade de dizer algo umas às outras”. Nas primeiras etapas, a linguagem se constituía antes de exclamações, entrelaçadas num sistema de gestos e atos de trabalho, do que de palavras de significado rígido e permanente. Era justamente em decorrência dessa ligação indissolúvel com a prática ou, como dizem os psicólogos, do caráter “simprático” da fala, que essas exclamações, nas etapas iniciais da evolução histórica da linguagem, não tinham significado próprio permanente e, dependendo da situação prática, do gesto ou da entonação, podiam significar a simples indicação de um objeto ou sinal de que era necessária precaução ou um pedido para trazer alguma coisa. Por isto podemos supor que as primeiras palavras-exclamações, que não) tinham rígida referência material nem significado permanente. ! expressavam antes uma situação efetiva e adquiriam sentido dependendo da acâo em que se entrelaçavam. 29
Somente como resultado de um longo processo de evolução. tiue durou vários milénios, as palavras começaram a ^unificar traeos particulares e. mais tarde, objetos complexos que eram portadores desses traços. Isto pode ser julgado apenas pelas peculiaridades das línguas mais antigas, pouco desenvolvidas, que conservaram remanescentes das formas mais primitivas de estrutura da palavra. Numa língua dos índios americanos, a palavra “lago” é designada pela palavra composta kech-kam-ui; cada parte dessa palavra indica uma marca ainda não suficientemente definida (kech significa algo grande, к am, um espaço qualquer, ui, algo inerte). É natural que as palavras de semelhante língua só paulatinamente adquirem nítida referencia material c, nos primórdios, o estudo delas dependia altamente da situação em que elas se empregavam e dos atos, gestos e entonações de que eram acompanhadas. Somente depois de milénios as palavras começaram a assumir significado preciso e estável, que adquiriu a sua base na separação paulatina da base morfológica dos significados dos radicais, que codificam determinadas marcas dos objetos e sufixos, ciue designam certas relações. Dispomos de um número insuficiente de fatos, que indicam a transformação gradual da linguagem num sistema objetivo e diferenciado de códigos, que representa não apenas os traços e objetos, mas também as ligações e relações; só alguns fatos históricos (por exemplo, o fato já referido de as preposições e conjunções complexas terem origem nas significações materiais) dão fundamentos para tirar conclusões acerca das etapas percorridas pelo processo de formação dos complexos códigos lingüísticos. Sabemos bem mais a respeito da evolução da palavra na entogenese, ou seja, das transformações que sofre a palavra à medida que a criança se desenvolve. O processo de evolução do discurso infantil, particularmente o domínio do vocabulário que começa no final do primeiro ano de vida da criança e começo do segundo, foi freqiientemente interpretado como simples processo de assimilação das palavras de uma língua evoluída, empregada pelo adulto. O fato de a formação das palavras surgir na criança no processo de assimilação da linguagem do adulto, não suscita 30
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dúvida; entretanto isto não significa, de maneira nenhuma ^