A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais Para Além dos Humanos. Uma Discussão Necessária - Volume 3 [Direito ed.] 8577001202, 9788577001200


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A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais Para Além dos Humanos. Uma Discussão Necessária - Volume 3 [Direito ed.]
 8577001202, 9788577001200

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COLEÇÃO FôRUM OE DIREITOS FUNDAMENTAIS

COLEÇÃO FÔRUM OE DIREITOS FUNDAMENTAIS Coordenador ANDRÉ RAMOS TAVARES

Carlos Alberto Molinaro Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros Ingo Wolfgang Sarlet Tiago Fensterseifer (Organizadores)

A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENfAIS PARA ALÉM DOS HUMANOS UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA

PUCRS/BCE Belo Horizonte

1 1 11111111111111 I 0.944.054-8

� Edlton, F6nnn-

2008

PRlllllft IIIAfOIIN U. CQNIIICl•IIO

Sumário

E fôRUM O v� 'O C OL E C " ll �A S N T N T çE .. M • no ' A :::..:.---:-::-0 EIT 5 FUN OIR dor ena ord co OS TAVARES ANDRt RAM

TECA PLJCRS • BIBLIO 1 /11g.5.2.9 - W f)'5t-� • S:..,:+II,,W ll.

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Apresentação

Fórum Ltda. eletrõnico, 21oos Editora u alquer meio ::::;;ri ======== tal ou parcral desla obra•. por q expr essa do Editor. ::::: :::::: l--��� autorização rodução t xerogrMicos, sem t proibidasivaerep por process �s inclu da. Editora Fórum Lt . ários _ CEP 30130-007 º - Func - 1 Sº/16 andar 31 t;; 4900 I 2121. 4949 0 277 Av. Af on si:,�:��Íe - Minas Gerais -_Tel.:1( ),;@ ; FELIPE, Sônia T. Valor inerente e vulnera . ww b 1l'd 1 ade·. · cn· té nos · et1cos · · nao-espec1stas na perspect1va de Tom Regan. Ethic@ _ Rev·5 t 1 n_rernacional de Filosofia da Moral ' Florianópolis v· 5 n. 3, P· 125-146· 1·u1· 200G D' . omvel em· ://www can AGUIAR, Odil io Al v ; cel: �:�e s da Declaração Universal dos Direitos Hum anos. ln: es P H Cels o de Moraes; FRANKL I N, Karen (Org.). Filosofia e rertos �t bu �umanos. Fortaleza· UFC. 2 0 . p ao · ? 6 . 53-9 6. (Série Filosofia 4); FELIPE, Sônia T. D .unTRAiç de direitos aos a�1m · a1s.. tres arg umentos . . : L· H· de A.; éticos para sua fundamentaçao. 1 n.· MORTARI . A. ptnc,p,a 4· Flo (Org.) . cional Éti rna ca. ria Inte Anais do Simpósio / nópolis· NElJUFSC : , rahda . a C 2005 . p. 2 05-227. Parte 2'· FEL IPE Sônia T. Naturez Li s��a: F a de lgualdad� antro mó · culdad • · a, ou ética?' ln: Ph1/o . _e de Letras PO rfic. a• antropocentnc · sop h1ca. da Univ ers1 Sónia T Redef1ni IPE. (Org)·· Kant: ndo a comunidª de modade de Lisboa, n. 25 2005' p. 4 3 - 75; FEL .hbe. rdade e ral : ln ·· BORGE S, Maria' de Lourdes; HEC K , J 0sé . n atureza F I o • A própria A 1st ano internacion:1 1'.ª I nter nacional' b�Iu rn polis: EdUFSC, 2005. p. 263-278. , 1na. nciou a Io Pesquis as te .in con testável da luta pelos DDHH em â m b't Ob.Jetivo de e inv abolição de �stig ar 5eqüe· las d e to xpenmentais cruéis em animais até 1978. com O to r me ses de insi os os e.xperimentos tur as .em .humanos. Com a luta de Henry Sp1· ra pela anu.nciando sten tJ e;'gência d es em � �1m a1s, na década de 70 do Século XX. e ap ós o fim o. in te escandalo anc1am e a b l c. 1on1sta para que a Amnistia se pronunci a sse 1nst1tu·iça- internac1ona1 · 1u sta nto de tais expenm · entos e somente sob ameaça de um o suspende mente p te eu Ethics into �:. fin anciam enict r ª AI recebido o Nobel da Paz. é qu e A ion: aos e ry1and· Ro C f. S I NGER• · wm an & L'itt H.en,y Spira an xperimentos crue1s · ,. em animais. ; 1 ef1el d the Anim · d, 1998 al Rights Mo v ement. Lanh am · p, 7 5-77.

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Excepcionalmente, o Brasil7 e a Alemanha reconhecem direitos constitucionais aos animais�Na Grécia, começa-se a discutir a inclusão dos_animais no âmbito constitucional. � O Direito, no entender da maior parte dos filósofos, I juristas e políticos, só pode ser estabelecido para sujeitos que, \ na busca da realização de seus interesses pessoais ou da coletividade que representam, e protegidos juridicamente em sua liberdade, se responsabilizam pelas conseqüências de seus própr ios atos. 8 Para receber proteção à liberdade de agir, o sujeito de direitos no estado de direito deve ser capaz de arcar com o custo dos danos que eventualmente cause a ições nas quais seus í' interesses de terceiros, se solapar as cond do i gu ais exercem a própria liberdade. Ser cidadão, de acor s demais com o modelo contratualista, é ser reconhecido pelo da proteção como igu al. A cidadania resulta, nesse sentido, para empreender constitucion al da liberdade individual o natural e social o ações com vistas a obter do ambiente físic as tuteladas servem ao máximo de benefícios pessoais. As cois tido _que a_natureza e os 1 �opósito da cidadania. É nes�e sen · · · -vir · · aos int. eresses dos an1ma1s existem, perante a lei·· para se1 cêntrico-especista que nos cidadã os. Esse é o legado antropo da vida por seu valor imped e de defender a preservação rtence à natureza h��a inerente. Tudo o que. é vivo e não pe ra benefício desta espeoe. , . e visto apenas como mstrumento pa . ao� . ica Federativa do Brasil , de 1 988, garante Lei A ubl s. Rep nimai da a dos ão uiç e O Art. 225, da Constit à integridad -tratos aos tra ameaças , vida e animais a proteção do Estado con 8. cnm1na�1za qualquer abuso ou maus 199 ais silvestres. anim inar scrim 1 d' nº 9.605 · de 12 de fevereiro de sem · rd·ica dOs · 1 os ou mut1lá- l os, ozo. A tutela JU� animais, bem como.° ato de fenCf. DIAS, Edna card tico exó ou os \ 158. domésticos, domesticad esm mento ' 2000. p. Oxford. 1980. Do. m . � an1ma1 s. Belo Horizonte: Manda a ainst animais. c 8 Cf. FREY. R. G. lnterests a�d rights:' �� pJon, Vivisection. Morais an.d �:,:, ;�-�­ 11 man Obflia autor, escrito em co-autona com �� p ter An imal rights and Hu cannot ave r i�hts· ln: ais SING anim • . .;.,HITE ' Al an. Why Exchange. ln: REGAN. Tom; bém tam NJ: Prentice Hall, 1989. Cf. cit. REGAN, Tom; SINGER. Peter. Op.

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LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, O R 05 ALBERTO MOLIN ARTIA.�� ����:R5EIFER (ORGANIZADORES)

�� WOLFGANG 5ARLET.

Na re1aça- o d e escr aviz ação estabeleci. da pelos seres ais for mas de vida não s e recohumanos sob1.e todas as dem . , . , . . . ou JUridICa propn moral a tatura ao s animais. nh ece es A filos ofia moral tradici�nal te� �id� �lar ente represen­ �� tada, nesse sentido, na mtransigenciaJundica prevalece nte nos códigos legais legados do século XIX e XX. Vej a mos, por exemplo, como tal posição se sustenta, nas pala vras de Philip Austin, num artigo publicado em 1885, intitulado "Our duty towards animais" (Nossos devere s para com os animais): "É preciso lembrar que ele s são no sso s escr avos, não nossos iguais, e por essa ra zão está ce rto m anter as práticas da caça e da pesca, con d ução e montaria , s imples­ mente para de monstrar de modo prático o domínio do s homens sobre os brut..9s. [...] É fato que a defesa d os direitos animais está associada com a fase mais primiti v a da morali­ dade, e que a bon da de para com os anim a is não nos deveres mora se enquadra is".9 Henry Salt ap on ta a filiação clar a teses expressas de tal pos ição às . . n 0 Dici . · , · on an o d a IgreJ a C atólica. No verbete "The lower anim E. Ad d.is e T ais" (Os an·ima·is mf · en· ores), escnt · o por W· Ar texto de A· . n 0ld 'em 1884, portanto, um an ust. i o antes do animai· s I· n1e n t er si·dO dºivulgado, lê-se: en "Dado que os vo ntade riv ores n ª- 0 tem deveres, p o is são d estituídos da re, sem a possível' e qu les na_ o tê al a. performance d o deve r na- o e, m d.irenos, termos co rreiaci· o n p a . .ois di reitos e dev eres sao d que tem s o o bre e1es s · Os animais são os m esm . . feitos p ara o. homem, PIantas e as o s direitos qu e possm sobr e as expressa p e d ras. Ele p o de, de acor . d e Deus d o com a permissao a N oé ' , rnata-los par a come r; e se é legal



ESCrit. J, Henry A PPend1x. l o ern n·. 4 . Animal 11· 189·2, e reedit n1rna1 Right . 19hts, p . do r a 1 6 s. Cons ,dere · S- 1 66 · Po Peter 1nger . d in. Relation to Social Progress · • na pens1lvâ fo r n1a, em 1980, pela Soc1e · ty



A DIGNIDADE DA VIDA E 05 DIREITOS

FUNDAMENTAIS PARA

AUM 005 HU•""""' ....OS: UMA 015C U5SÃ()

NECESSÁRIA

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destruí-los p ara comer, e i sso sem necessida de estrita, dev ser tamb�m �eg al matá- os ou e infligir-lhes dor pa � _ ra qu aisquer fins razoave1s, tais quais os d a promoção do con he cim ento do homem, saú de, etc., ou mesmo para fins recr eat iv os. Mas, um limite deve ser es tabelecido aqui. Jamais é leg al para o homem ter prazer dire tamente obtido da dor in fli­ gida aos animais, porque assim o fazendo, o homem degrad a e brut aliz a su a própr ia natureza".'º Essa restrição ao final_ d a passagem reconh ece, a um só tempo, a natureza sensível dos animais, insisten temente lembrada pelos filósofos uti­ litaristas no final do século XVIII, e a fragilidade moral humana, capaz de ser corrompida pela repetição de atos maus, tese c entral da Ética a Nicômaco, de Aristóteles. Capacidade de sentir dor e de sofrer, ou igualdade racional? No último quartel do século XVIII, precisamente em 1776, ano em que os norte-americanos declararam a liberdade a autodeterminação para a busca da felicidade e a igualdade, como princípios reguladores dos tos indi­ � _ viduais de todos os homens, reconhecidos como cidadãos no âmbito da comunidade política que começavam a definir . de forma independente, Humphrey Primatt publica, em Londres A dissertation on the duty 0!mercy and sin ofcruelty to brute an;m als, i I contra as práticas humanas cruéis que . Idem lbid., p. 1 65-! 66. Dois anos ma1 �ª; �:�:; 1887 Philip Austin escreve o livro , v ' The dut,es and the nghts of m n o \ l e a tese dos dever es ind_ire tos do a , n q� h home m para com os amma estes mais do que m st1ntos. do ecen a recon o · M esmo na . 1s. · •.n�o - lhes na capacidade de agir, o autor reconhece q ue são seres sensíveis, e, como tais devem ser infligidos maus-tratos, po i.s têm• em comum com os humanos. a sens1b1hdade . à dor, por isso ...... we soon perceive that to . ffct needless and unjust pam upon the i;h�r c ª. crime.• it Ci tad� :� omm to efore latter, is to sin against ne's own nature nd o , a d ,ed in Relation to Sooal Prog p. ress. e SALT. Henry. Append1x. • ons G , hts· • IR' Antma , · g . . 11 Cf. FELIPE Sónia T. Fundamentação ética dos direitos animais: 0 legado de Humphry Priman. . • janJdez. 2006· Revista Brasileir. a de Dtrerto · /, Salvador. v. 1, n. 1• p. 207-229, . · Antma 10

A. [)IGNl()A.I)( DA VIDA C OS DIREITOS f\JNOAMCN!M PAAA ALIM DOS HIJMANOS u...... Ol50ISI.Ml 00:rnJ,11,,. r ento a vida d e sere s e de dor e sof im nt f, o rn e m a rrn em, mas se nsív eis ' eo a . g ling .,ran_ , e u ade c · a a nec e ra ion alid enf;auz es i d a de de tn.u1do d vei . Pnmatt . á . er . . e vuln . . . m a1s a111 e os cons0en1e • d não s ua bilidade 1·ar a ensi de · s• n o c e de omo cnt éno para hm1tar a lib erdade a fi ica" c wcon ur. u1. ç_-0 relação a ele . O e re humanos - hum a na· em da açoe regra de our� �as açoes que afetam O devem aplic ar a ita que a v1 ao do luc ro , a lealdade ani mai : "Não perm o de er ridicularizado, do mundo, 0 a co rumes e O med cmeldade ou inju stiça par a com tente ao menor ato de for. Mas, deix e que esta seja qualquer a-iatura, eja lá qual r tempo e lugar : faça a outros tua regra invariáve l, em qualque feito"·12 o que em eu. estado go tarias que te fosse , A capacidade de sentir dor e de sofrer torna-se, para os filósofo inglese utilitaristas, a linha divisória que distingue duas espécie de eres vivos: a dos que dev em ser consi­ derado membro da comunidade moral humana - sua ensibilidade determina que os hu manos reconheçam dev eres morais em relação a eles, o dever de não lhes causar. f�rimentos. dor e morte, por exemplo, e o d e lhes prestar ªJuda em caso de n ecessidade s; e a dos d emais seres, em rei açao · aos quais · tais · deveres não fazem sentido, por pr esu_ mumos que seiam 1· ncapazes de dístmguir · · entre experiências. :i que lhe causam bem-estar, e as que representam fonte de dor e sofrime . nto. � esteira de Humphrey Primatt, em 1789, ano d a RevO1uça o Francesa' J erem y Bentham, no livroAn ntroduction i to thepn·nci:-1,le . _ . , _ mora r s º,r is and legzsULtw. n (Uma mtroduça- o aos 1 . princípios moraLS e da · leg is1aça- o), ·mcorpora todos os seres sensíveis• sem quaisqu . . er d1scnm . . maçõe s de ordem biológica, , PRlMAn, Hum phrf!'/. A Di5s

Anima�. ln·· SAI.I•

ertatton Henry. Anima/ Righon the Duty of Mercy and Sin of Cruelty to Brute ts, p. 142.

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ao âmbito da comunidade moral- humana. Bentham propõe . _ da lmha . divisó ria estabeleCl.da peIa fi1losofia mor al a aboh.çao . . . desde Aristóteles • Tomás de Aq u.mo, Descartes crad1c1onal Locke, Kant e mesm o a maior parte dos euc , . os contempo. a d a posse da razã râneos, qua l seJa, o, rmguagem e autocons� . , como dotes necessários ao ingresso na com um.dade Ci. encia dos seres em relação aos quais direi.tos morais . devem ser . dos. respeita Um século mais tarde, no ano de 1892 , Henry Sa1t . . . nghts. Pela primeira vez , na h.1st,ona· da é uca publ1ca, Anirnal · o fi a política, um livro traz, exp licitamente, em seu e da filos título, o termo direitos, relacionado a animais. Em seu s argu­ mentos, S alt 13 retoma as teses de Primatt levad as em conta por Bentham, do último q uartel do século XVIII. A aparência física d e um animal, o formato de seu organismo ou a disposição de seus membros não podem ser usados como critério ético, aplicado contra os animais em favor dos homens para autorizar a esses a liberd ade de explora r, torturar e destruir aqueles, em nome da necessidade de prover meios de subsistência, lazer e mercadorias, pois, neg a-se aos animais a l iberdade de mover-se para prover ­ se a seu pr óprio modo, o único pelo q u al podem verd adei­ ramente estar bem, escamoteando, assim, a i g ualdade de sua condição de ser vivo, pressionado por necessidades e capaz d e sofrer atos de violência. com a defesa dos animais feita por 13 Gandhi, ao estudar em Londres, tomou contato ua acabou por estabelecer-se entre profíc de amiza Henry Salt, e o quis conhecer. Uma -americano Henry David Thoreau. norte esses dois homens. Salt inspirava-se no filósofo inspirado na obra de Salt, animais, Gandi aprofundou sua reflexão ética em defesa dos sua vez, tornou contato �orn por King, Luther Martin mo. sobre pacifism o e vegetarianis Preface. ln: SALT. Henry. Antf!1ª' o pacifismo de Gandi e o c uhivou. Cf. SINGER. Peter. Surn rnit. Pennsylvama: Society Clarks gress. e Rights; Considered in Relation to Social Pro Benthan_:i. Thoreau, Salt. Gandhi for Animal Rights, 1980, p. vi. Nessa esteira. Primatt,_ nc1a. v1ole ca à King, representam a vertente da filosofia moral. criti

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ALBERTO MOLINARO, FERNANDA LUIZA FONTOURA OE MEDEIROS, �O�GANG SARL[1 TIAGO fENSTERSElfER (ORGANIZADORES} A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA AL!M DOS HUMANOS UMA DISCUSSÃO NECESSÂIIIA

Primatt escreve, em 1776: "Se, na forma a nimal ' nos , e razão refl de nível e xão de fôssemos dotados do mesmo e outros seres, na forma gozamos; hum hoje ana nos que tomassem para atormentar, abusar e maltratar b ar bara­ mente, por não sermos feitos em sua forma; a iajustiça e crueldade de seu comportamento em relação a nós seria auto-evidente; e deveríamos naturalmente inferir disso, que independentemente de andarmos sobre duas pernas ou quatro; de termos nossa cabeça ereta, de sermos nus ou cobertos de pêlos; de termos cauda, ou não; de termos chifres, ou não; orelhas compridas ou redondas; ou, de relincharmos como um asno, falarmos como um homem ' chilrearmos como um pássaro, o u sermos mudos como um peixe - a natureza jamais pretendeu fundar nessas dife­ renças um direito à tirania e à opressão". 14 Para além, pois, das diferenças configuradas na aparência externa de um organismo animal, diferenças próprias de cada espécie biológica, portanto, específicas, há experiências que assemelham os seres para os quais o próprio movimento é condição sine qua non da manutenção de sua individua­ lidade, configurada nessa espécie de unidade móvel de vida 15 que são. Uma das características semelhantes mais rele­ vantes, compartilhadas por todos os seres que aparecem como unidades móveis de vida é a liberdade física, uma

PRIM ATT. Humphrey. A Dissertation on the Duty of Mercy and Sin of Cruelty to B rute Animais. ln: SALT, Henry. AnimalRights; Considered in Relation to Social Progress. Clarks Summit, Pennsylvania: Society for Animal Rights. 1980. p. 140. 11 Emprego essa expressão para distinguir seres vivos, na forma imóvel, aderida à parte do ambi:nte na qual vivem e da qual obtêm nutrientes, dos demais, que necessitam mover­ se, nao ª penas para obter os nutrientes, mas, também, para escapar às ameaças sociais . . e naturais às quais são submetidos, exatamente por não terem um sítio fixo de onde obterº q.ue necessitam. Esses seres, que são unidades móveis de vida, possuem . caractenst1cas distintas dos demais, aderidos ao próprio meio. 14

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espécie de determinação natural de mover-se e orientar-se no ambiente para prover-se, expandindo-se tal determi­ nação para o cuidado da prole e dos pares. Na condição humana podemos ser singulares nessa determinação natural, mas não somos a exceção, e sim a regra.· Mas, ao estabelecermos leis, consideramos apenas nossas próprias expectativas de sobrevivência biológica. A dos demais seres, julgamos não dever levar em conta, no ideal de uma distri­ buição justa de bens naturais ambientais. No final do século XX, na década de 70, filósofos de Oxford (na Inglaterra) retomam a reflexão sobre o status moral e jurídico devido aos animais em decorrência de sua liberdade, sensibilidade e consciência. Richard D. Ryder, Peter Singer, Stanley e Roslind Godlowitch, John Harris, Andrew Linzey, por vezes com argumentos distintos, mas visando o mesmo fim, estabelecem a necessidade de se rever criticamente a filosofia moral tradicional, e de se adotar um único princípio para considerar moralmente todos os seres semelhantes, atendendo ao que ordena a justiça, ou seja, tratamento igual para os c asos semelhantes. A i gualdade, no entender daqueles abolicionistas, não pode ser estabelecida com base na aparência do organismo, mas na necessidade do movimento e na semelhança da sensibi­ lidade e da consciência, em acordância com as determi­ nações biológicas específicas, considerando-se positivas as que proporcionam e negativas as que prejudicam o bem­ estar. Animais capazes de distinguir e preferir experiências, desviando-se das más e buscando as boas, são semelhantes. Devem, portanto, ser incluídos na comunidade dos seres em relação aos quais ternos deveres morais a respeitar. Em vez de razão e linguagem, sensibilidade e consciência tornam-se critérios éticos determinantes.

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CARLOS ALBERTO MOLINARO. FERNANDA LUIZA FONTOURA DE MEDE I AOS. INGO WOLFGANG SARLET, TIAGO FENSTERSEIFER (ORGANIZADORES)

J eremy Bentham chamara a atenção, em 1789, para

o fato de os juristas, desde a antigüidade, considerarern dignos de proteção apenas os interesses de seres humanos reconhecidos como pessoas, enquanto outros seres, igualment� susceptíveis à felicidade e à miséria em decorrência de atos humanos, os animais, são considerados apenas como coisas, pelo Direito. 16 Em 1785, Kant publicara a Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (Fundamentação da metafísica dos costumes), na qual define o âmbito da moralidade como o fim absoluto dos seres racionais, dotados de liberdade na vontade, e, pois, capazes de agir em nome de um princípio determi­ nado pela razão e igu almente capazes de demoverem-se de praticar uma ação, por respeito à lei universal estabele­ cida pela razão. Ao definir a moralidade como fim último da natureza distintamente humana, Kant deixa claro que os princípios morais são irredutíveis a quaisquer outros valores - heterônimos - de mercado ou afetivos, que possam levar os seres humanos, na b usca de sua felicidade, a justificar suas ações. As ações morais traduzem, para Kant, o que há de específico na natureza humana. Essas são as ações que identificam os seres aos quais Kant denomina pessoas, preservando-lhes desse modo um estatuto moral não passível de ser compartilhado por outros seres, cujas vontades não sejam libertadas dos impulsos naturais, pela razão. Às pessoas, Kant reserva o qualificativo d a dignidade, e o que lhe s assegura esse valor é sua autonomia moral. As ações morais protegem a dignidade, isto é, aquilo que há de específico nos seres racionais, seres dotados d e a utonomia moral. Em 1& Cf. SALT. Henry. Animal Rights, p. 144.

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outras palavras, como a autonomia moral só é possível a seres libertados da condição natural, pela razão, seres que se dão a si mesmos os fins de suas ações, a moralidade respeita apenas a tais seres racionais. Seres destituídos de razão, ainda que no gozo de uma liberdade física, não possuem autonomia moral, isto é, não podem agir movidos por princípios abstratos racionais. Agem heteronomamente, isto é, movidos pelas mais variadas necessidades ou por impulsos não-racionais. Há que esclarecer, conforme o faz, magnificamente, o Professor Leonel Ribeiro dos Santos, em seu artigo "Kant e os limites do antropocentrismo ético-jurídico", 17 que a argumentação de Kant não se presta � justificar atos de violência e crueldade contra os animais, ainda que Kant não os considere membros da comunidade moral, por razões que podem ser compreendidas em sua própria argumen­ tação, claramente expostas no artigo que acabo de referir. A finalidade última (absoluta) da natureza livre, capaz de raciocínio, é constituir-se em natureza moral. O único estatuto capaz de nos garantir uma distinção em relação aos demais seres vivos -dotados de autonomia física (liberdade), mas destituídos da capacidade de abstrair suas ações, incapazes de as projetar como fundadas na própria vontade, incapazes de realizar em sua própria unidade vital, para além das determinações de sua natureza biológica uma segunda natureza (a moralidade), oriunda da vontade libertada, por sua vez, por essa mesma razão - é o de sujeitos morais. Então, nada que implique na destruição, em nossa vontade, das condições nas quais a razão possa assumir a 17 Cf. ln: BECKERT, Cristina (Org.). Ética ambiental: uma ética para o futuro. Actas do Colóquio. Lisboa: Centro de Filosofia, 2003. p. 167-212.

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CARLOS ALBERTO MOLINARO, FERNANDA LUIZA FONTOURA OE MEDEIROS, INGO WOLFGANG SARLET. TIAGO FENSTERSEIFER (ORGANIZADORES)

Os mamíferos e as aves encontram-se na categoria dos animais dotados de consciência, de acordo com a etóloga Marian Stamp Dawkins. Gerald Edelman, por sua vez, ganhador do Prêmio Nobel no início dos anos 90, inclui nessa categoria, além de mamíferos e aves, alguns répteis. Para Edelman, a consciência pode estar presente nos animais, desde há 300 milhões de anos. Pesquisas mostram aumento de temperatura e taquicardia produzidos por estresse em ratos, pássaros, répteis e humanos, evidenciando experiências emocionais só possíveis a seres dotados de consciência. Sem consciência não há reação emocional, em nenhum animal. A reação emocional resulta de um processo fisioló­ gico mental complexo, através do qual as i magens de experiências vividas são elaboradas por impulsos nervosos, a cada novo insight. Anfíbios, por sua vez, não apresentam reação emocional alguma. No estado atual da ciência, considera-se a reação emocional indício seguro da atividade animal consciente. O "princípio da precaução" recomenda, ainda assim, que se dê "o benefício da dúvida", 21 nos casos nos quais a ciência ainda não fez investigações significativas. Para o estabelecimento das liberdades constitucionais propostas por Wise, esses animais devem ser classificados na Classe 3. 22 A integridade física e a liberdade de movimento e ação, relativos ao corpo animal, constituem dois direitos básicos a serem assegurados constitucionalmente, a todos os indivíduos dotados de autonomia prática, isto é, animais capazes de fazer escolhas. 23 Um ser é considerado pratic am ente 21 Cf. SINGER. Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Cap. 3, 4 e 5. 22 Apresento, mais adiante, a classificação do Autor. 23 WISE, DTL, p. 38.

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autônomo, ainda que não moralmente autônomo, se é capaz de ter preferências e de agir em conformidade com elas. Se prefere o frio, ao calor, buscará abrigar-se em sítios frios. Se prefere o ar seco, ao úmido, buscará abrigo, quando chove, e assim por diante. Em seu primeiro livro, Rattling the cage (Sacudindo as jaulas, 2000), Steven M. Wise usa os termos "autonomia realista" para designar tais habilidades animais. Em Drawing the line (Traçando a linha, 2002), entretanto, o autor adota a expressão "autonomia prática", substituindo a anterior, "autonomia realista", com a mesma intenção conceituai, qual seja, a de sustentar filosoficamente a defesa de liber­ dades físicas para tais animais, a exemplo do que se assegura hoje a humanos destituídos de autonomia moral, mas aptos ao gozo das liberdades relacionadas à autonomia prática: não-impedimento físico para atendimento das próprias preferências relativas ao bem-estar, garantido de forma proporcional à capacidade individual de uso da liberdade física sem colocar em risco a própria integridade e a dos demais seres vivos. Todo ser vivo dotado de autonomia prática (capaz de escolhas preferenciais, Singer), deve ser investido de perso­ nalidade jurídica e dos direitos básicos da liberdade. De um animal se pode dizer que é autônomo, assim o entende Wise, sempre que for possível constatar que: 1. tem desejos; 2. tenta, intencionalmente, satisfazer esses desejos; 3. possui "um sentido de si, por mínimo que seja, que lhe faculta clareza de que esse desejo é seu do mesmo modo que são seus os esforços para tentar conseguir o que deseja". 24 24 WISE, DTL, p. 32.

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Esses são critérios para o estabelecimento dos direitos da d .1gm'd ade animal, conforme o denomina Wise. 2s Recémnascidos, fetos e embriões não possuem autonomia prática. Mas, a ficção da potencialidade permite fundamentar os direitos legais que lhes são atribuídos. Por essa razão, a de que se pode atribuir direitos com base em ficções, assim o entende Wise, os juízes que negam "personalidade" a todo e qualquer animal não-humano capaz de escolhas, mas a atribuem a humanos incapazes da mesma, "agem arbitrariamente". 26 A defesa da extensão dos princípios da liberdade e da i gualdade para os animais têm sido feita pelos abolicio­ nistas animalistas, que insistem em exigir que a moralidade contemple os interesses de seres não-humanos, dotados das mesmas habilidades e vulnerabilidade da condição humana. A justiça determina tratamento igual para casos seme­ lhantes. No caso da aplicação do princípio da i gu aldade para os animais, há que proceder por analogia, em especial quando minguam ou inexistem estudos apurados que apresentem evidência de semelhanças com os interesses humanos, já protegidos por lei. O ônus da prova, de que animais capazes de fazer escolhas não possuem interesses dign os de serem protegidos por lei, cabe, no entender de Wise, àquele que quer fazer uso desses animais. A mera afirmação verbal da inexistência de interesses animais já não se constitui, atualmente, em "prova cabal" de sua inexistência. O silêncio ou omissão, por parte da ciência, da filosofia, da teologia e do direito, não podem constituir prova alguma contra os fatos da exis­ tência animal, do mesmo modo como o silêncio e omissão II Cf. WISE, DTL, p. 231. 16 WISE, DTL, p. 31.

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científicas sobre a existência de atividade mental relacionada às emoções não constituíam prova de inexistência de tais atividades em humanos escravizados, em relação aos quais a ciência afirmava que não sentiam a dor dos flagelos. 21 De qualquer modo, para Wise, o princípio da i gual­ dade deve ser mais amplamente aplicado e respeitado do que o da liberdade. A liberdade concedida a um indivíduo, humano ou não-humano, deve ser proporcional à sua capa­ cidade para mover-se sem ameaçar sua própria integridade ou a dos que o cercam. A i gualdade, por sua vez, estará assegurada na garantia dos meios necessários ao gozo da liberdade, no caso humano e animal, de acordo com a especi­ ficidade da condição do indivíduo. Implicações do respeito à liberdade animal O respeito pela autonomia prática, ou liberdade física, humana e não-humana, significa a preservação: l. da integridade física do sujeito; 2. da mobilidade para buscar os meios de subsistência biológica, para si e seus depen­ dentes; e, 3. das condições necessárias à interação social daquele indivíduo em sua comunidade natural. Para os humanos, liberdade, no sentido básico e funda­ mental, significa a não-escravidão, o não-aprisionamento, a não-subtração do espaço físico necessário aos cuidados de subsistência, o não-isolamento mental, o não-isolamento social. Violando-se esses limites, comete-se, contra os seres humanos, "a maior das injustiças, pois os tratamos como escravos e coisas". 28 Para Wise, devemos estabelecei; na defesa dos animais, os mesmos deveres negativos já estabelecidos 27 18

Cf. REGAN. Oefending Animal Rights, p. 113· 116. Cf. WISE, DTL, p. 29.

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fazer pelo menos alguma inferência significativa apropriada a eles". 38 Isso deve valer para humanos e não-humanos, igualmente. Conforme visto anteriormente, a "autonomia prática" constitui um ser, de qualquer espécie, como sujeito de direitos básicos inalienáveis, direitos vinculados à liberdade física, a mais individual de todas as liberdades, pois diz respeito ao cuidado necessário ao provimento e integridade do próprio corpo, de cada animal. Esses direitos devem ser concedidos aos indivíduos proporcionalmente às suas habili­ dades, física e psíquica e à sua capacidade de interação social e ambiental, resguardando-se a especificidade dessa liberdade, e assegurando-se a igualdade na consideração dos interesses semelhantes, para todos os animais. Aplicar-se-á, no caso dos animais, a mesma garantia assegurada a humanos, proporcional à sua capacidade de coordenar as próprias ações, necessárias à manutenção de sua vida, as ações que não ameacem semelhante necessidade dos demais animais, humanos ou não-humanos. Embora paternalista, tal princípio representa um avanço na concepção da justiça entre espécies distintas, com interesses semelhantes. Do mesmo modo, já representou um avanço na concepção de justiça em relação a humanos não-paradigmáticos. 39 Não se admite, hoje, que humanos não­ paradigmáticos sejam aprisionados em casa, ou em asilos, ,a WISE, DTL, p. 32. 39 Com essa expressão, Tom Regan designa seres humanos destituídos das habilidades mentais consideradas pela filosofia moral tradicional, essenciais à natureza humana saudável e normal: razão, linguagem, percepção de si, desejos, crenças e projeção de si no tempo passado, presente e futuro. Cf. REGAN, Tom. AI/ That Dwell Therein; Animal Rights and Environmental Ethics. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1982. Jan Narveson usa o termo "humanos marginais", que considero perigoso traduzir literalmente para o português, devido ao significado de criminalidade e violência, que, pelo menos no Brasil, carrega.

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acorrentados ao leito, impedidos do convívio social, isolados em suas próprias mentes. Ao tratá-los como seres dotados de inteligência e sensibilidade, e ao reconhecer que são dotados de uma forma singular de racionalidade,40 que têm interesses e preferências, tornamo-nos mais éticos e lhes permitimos experiências que ampliam a possibilidade de sua existência singular. Quando se trata de animais, é bom lembrar que não nos encontramos diante de seres com obstrução mental, deficiências ou imp edimentos. Os animais são seres autônomos diferentes de nós em sua forma aparente. A seu próprio modo, vivem sua vida, sem depender de nosso cuidado, a não ser nos casos, a domesticação para companhia e trabalho escravo, por exemplo, nos quais os tornamos deficientes, impondo-lhes nossa forma de vida. Podemos dispor nossa necessidade de sobrevivência de modo a não forçar os demais animais a viverem privados da liberdade, quando não constituem ameaça aos demais. E, ainda que por vezes constituam tal ameaça, nossa inteligência, ciência e domínio tecnológico nos torna responsáveis pela busca de soluções que lhes permitam viver sua forma de vida sem destruir a possibilidade de outras. O homem estabeleceu um domínio tirânico sobre todas as espécies vivas, fundamentando-o na presumida ordem divina. Essa mesma ordem, a bem da verdade, já determinou ao longo da história a escravização das mulheres, dos estrangeiros vencidos nas guerras e invasões, dos afri­ canos, o extermínio dos índios no continente americano. •0 Veja, por exemplo, a obra de Oliver Sacies, cientista e filósofo dedicado ao estudo das mais diversas doenças neurológicas. para quem os humanos destituldos da racional� paradigmática são exemplares de raras formas de consciência, percepc;ao. sensibíhdllde. racionalidade, linguagem. Recomendo em especial a leitura de Um antfOIIÓI09C) em Marte; Vendo vozes; Enxaqueca; O homem que confundiu sua mulh« com um�-

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Em seu nome, determina-se, em nossos dias, a escravização e o genocídio dos animais, vulneráveis ao poder das armas, às armadilhas e ardis dos homens, sedentos de apropriar-se de toda forma de vida que lhes possa render algum benefício. Não é nessa tradição que podemos encontrar pressupostos éticos justos e civilizatórios.

Conclusões 1. Direitos constitucionais não são exclusivos de sujeitos humanos dotados de razão. 2. Sujeitos não-humanos podem ter direitos constitu­ cionais, bastando reconhecer-se que são sujeitos dos mesmos interesses já contemplados na Constituição para garantir respeito e bem-estar próprios a humanos não-paradigmáticos. 3. Liberdades constitucionais podem ser reconhe­ cidas a animais não-humanos, guardando-se o princípio da precaução, e distribuindo-as proporcio­ nalmente à capacidade específica do animal para mover-se em ambientes físicos naturais próprios de sua espécie, e prover-se de modo a alcançar seu bem­ estar específico. 4. I gualdade não implica em padronização. Pode-se defender a i gualdade constitucional para garantir que as liberdades concedidas por lei não impliquem em quaisquer formas de discriminação. 5. Enquanto não se alcançar o devido respeito a todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer, não se poderá afirmar que uma constituição respeita a con­ dição de vida dos seres vulneráveis. O respeito

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devido aos animais restabelece o respeito a humanos em condições ameaçadas pela hostilidade do poder e dos interesses alheios. São José, 16 de agosto de 2006 Informação b1bliogrifica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associac;ao Brasileira de Normas Tknicas (ABNn:

FEUPE, Sõnia T. Liberdade e autonomia prática: fundamen­ taç�o ética da proteção constitucional dos animais. ln: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, lngo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para ª"m dos humanos: uma discuss3o necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 55-83. ISBN 978-85-7700-1200.

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Ce1tamente é errado ser cruel para com os animais... A capacidade para sentir prazer e dor e para as Jonnas d vida às quais os animais estão aptos claramente impõ: deveres de compaixão e humanidade para com eles. Não irei tentar explicar tais crenças. Elas estão fora do alcance da teoria da justiça, e não parece possível estender a doutrina do contrato a ponto de incluí-las de modo natu ral. (John Rawls, A Theory of justice)

Em conclusão, nós defendemos que os animais de circo... são alojados emjaulas apertadas, sujeitos ao medo, à fome, à dor, isso para não mencionar o modo indign o de vida que eles têm de vive1; se1n suspensão lelnporária da execução e a notificação impugnada tenha sido editada em conformidade com os... valores da vida humana, [e]filosofia da Constituição... Embora não homo sapiens [sic], eles também são seres com direito a uma existência digna e tratamento humanitário sem crueldade e tortura... lbr essa razão, não é apenas um dever fundamental nosso mostrar compaixão por nossos amigos animais, mas também reconhecer e proteger seus direitos... Se os humanos são titulares de direitosfundamentais, por que não os animais? (Nair V. Union oflndia, Corte Superior de Kerala, junho de 2000)

"Seres titulares do direito a uma existência digna" Em 55 a.C. o líder romano Pompeu encenou um combate entre humanos e elefantes. Cercados na arena, os animais perceberam que não tinham esperança de fuga. D e acordo com Plínio, eles então "suplicaram à multidão, tentando conquistar sua compaixão com gestos indes cri­ tíveis, enfatizando sua súplica com uma espécie de lamento". A platéia, comovida à pena e r aiva por sua súplica, pôs-se a amaldiçoar Pompeu, sentindo, escreve Cícero, que os

elefantes possuíam uma relação de atributos comuns (soei.elas) com a raça humana. 1 Nós humanos compartilhamos um mundo e seus recursos escassos com outras criaturas inteligentes. Essas criaturas são capazes de existência dign a, conforme afirma a Corte Superior de Kerala. É difícil saber precisamente o que queremos expressar com essa frase, mas é bastante claro o que ela não significa: as condições dos animais de circo no caso, espremidos em jaulas apertadas e imundas, famintos, aterrorizados e espancados, recebendo apenas os cuidados mínimos que os tomariam apresentáveis no picadeiro no dia seguinte. O fato de que os humanos agem de maneiras que negam aos animais uma existência di gna aparenta ser uma questão de justiça, e uma questão urgente, apesar de que teremos de dizer mais àqueles que negam essa pretensão. Não há motivo evidente quejustifique que noções de justiça básica, titularidade e Direito não possam ser estendidas sobre a barreira da espécie, como a corte indiana corajosamente o faz. Antes que possamos realizar essa extensão com qualquer esperança de sucesso, entretanto, é necessário esclarecer qual abordagem teórica é provável de mostrar-se mais ade­ quada. Eu argumentarei que a abordagem das capacidades, tal como a desenvolvi - uma abordagem para questões de justiça básica e titularidade e para a construção de princípios políticos fundamentais2 - oferece um melhor 1

O incidente é debatido em Plínio Nat. Hist. 8. 7, p. 20-21; Cícero Ad Fam. 7./, p. 3; vide também Dia Cassius Hist. 39, 38, p. 2-4. Ver a discussão em Richard Sorabji. Animal Minds and Human Morais: the Origins of the Western Debate (lthaca, N.Y.: Cornell University Press, 1993), p. 124-125. 2 Para essa abordagem, vide Martha C. Nussbaum. Women and Human Development (Cambridge: Cambridge University Press, 2000), and "Capabilities as Fundamental Entitlements: Sen and Social Justice", Feminist Economics. v. 9, p. 33-59, 2003. A abordagem foi feita pioneiramente por Amartya Sen dentro da economia. e é usada por ele de algumas maneiras um tanto diferentes, sem um compromisso definitiv o com uma teoria normativa da justiça.

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direcionamento teórico que a quele proporcionad o por abordagens contratualistas e utilitaristas para a questão das titularidades animais, porque é capaz de reconhe cer um amplo espectro de tipos de dignidade animal, e de exigências correspondentes para o desenvolvimento.

Contratualismo kantiano: obrigações indiretas, deveres de compaixão A própria concepção de Kant so bre os animais não é nada promissora. Ele sustenta que todas as obrigações para com os animais são meramente obrigações indiretas para com a humanidade, na medida em que (segundo crê) tratos cruéis ou gentis de animais reforça tendências de comportar-se de modo semelhante em relação aos humanos. Desse modo, ele conclui o assunto de tratamento decente de animais com uma frágil alegação empírica sobre psicologia. Ele não consegue conceber que seres que ( em sua visão) carecem de autoconsciência e da capacidade de reciprocidade moral pudessem ser os objetos de obrigação moral. Em linhas gerais, ele é incapaz de vislumbrar que tais seres possam ter dignidade, um valor intrínseco. Uma pessoa pode, contudo, ser um contratualista e de fato, de algum modo, um Kantiano - sem endossar estas concepções estreitas.John Rawls insiste que nós temos obrigações morais diretas para com os animais, que ele chama de "deveres de compaixão e humanidade".3 Mas para Rawls estas não são questões de justiça, e ele é explícito no sentido de que a doutrina do contrato não pode ser ampliada para abarcar essas questões, porque falta aos 3 Todas as referências são a John Rawls. A Theory of Justice (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1971 ), daqui por diante apenas "TJ".

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animais aquelas propriedades dos seres humanos "em virtude das quais eles devem ser tratados de acordo com os princípios da justiça"(Tj 504). Somente pessoas morais, definidas com referência aos "dois poderes morais", são sujeitos de justiça. Até certo ponto, Rawls é levado a esta conclusão em razão de sua concepção Kantiana da pessoa, que coloca grande ênfase na racionalidade e na capacidade para escolha moral. Mas é provável que a própria estrutura do seu contratualismo demandasse tal conclusão, mesmo na ausência daquele compromisso ferrenho com a racionali­ dade. A idéia toda de uma barganha ou de um contrato envolvendo animais humanos e não-humanos é fantástica, não sugerindo qualquer cenário definido que viesse em auxílio de nosso pensamento. Embora a Posição Original de Rawls, como o estado da natureza em teorias contratua­ listas anteriores, 4 não se propõe a ser uma situação histórica real, ela deve ser sim uma ficção coerente que pode nos ajudar a refletir arrazoadamente. Isto significa que há de ter realismo, ao menos, em relação aos poderes e necessi­ dades das partes e suas circunstâncias básicas. Não há ficção comparável à nossa decisão de celebrar um acordo com outros animais que seria similarmente coerente e útil. Embora compartilhemos um mundo de recursos escassos com os animais, e embora haja, de certo modo, um senso de rivali­ dade entre as espécies, que é comparável à rivalidade no estado da natureza, a assimetria de poder entre humanos e animais não-humanos é grande demais para imaginar o acordo como um acordo real. Também não podemos imaginar • O próprio Rawls faz a comparação em TJ, p. 12; sua analogia do estado de natureza é a igualdade das partes na Posição Original.

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que o ajuste seria na verdade para vantagem mútua, p ois se quisermos nos proteger das incursões de animais selvagens, podemos simplesmente matá-los, como o fazemos. Assim ' a condição Rawlsiana de que nenhuma parte isolada do contrato é forte o suficiente para dominar ou matar todos os outros não é preenchida. Assim, a colocação, proporcio­ nada por Rawls, dos animais fora da teoria da justiça está profundamente entrelaçada à própria idéia de princípios basilares de justiça em um ajuste feito para vantagem mútua (em termos justos) a partir de uma situação de igual­ dade imperfeita. Para colocar outra forma, todas as concepções contra­ tualistas convergem em duas questões, que poderiam ter sido mantidas apartadas: Quem delimita os princípios? E para quem os princípios são delimitados? É assim que a racionalidade acaba por ser um critério para a condição de membro na comunidade moral: por que o procedimento imagina que pessoas estejam escolhendo princípios para si próprias. Mas pode-se imaginar as coisas de forma diferente, incluindo-se no grup o para o qual princípios da justiça são incluídos muitas criaturas que não podem e não puderam tomar parte na sua delimitação. Ainda não demonstramos, entretanto, que a conclusão de Rawls é e quivocada. Eu disse que o tratamento cruel e opressivo de animais levanta questões de justiça, mas não cheguei a justificar aquela manifestação contra a alternativa Rawlsiana. O que exatamente significa dizer que estas são questões d e justiça ao invés de questões de "compaixão e humanidade"? A emoção da compaixão envolve o pensa­ mento de que outra criatura está sofrendo significativa­ mente, e não é (ou não o principal) responsável por tal

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sofrimento.5 Ela não envolve a idéia de que al guém deva ser responsabilizado por aquele sofrimento. Al guém pode senúr compaixão pela vítima de um crime, mas pode também sentir compaixão por al guém que está morrendo de uma doença (em uma situação onde tal vulnerabilidade à doença não é culpa de nin guém). A "humanidade" eu considero uma idéia semelhante. Então a compaixão omite o elemento essencial da responsabilidade pelo mal levado a cabo. Este é o primeiro problema. Mas suponhamos que acrescentemos este elemento, dizendo que deveres de compaixão envolvem a idéia de que é errado causar sofrimento aos animais. Isto é, um dever de compaixão não seria apenas um dever de ter compaixão, mas um dever, resultante do senúmento de com­ paixão, de abster-se de atos que causam o sofrimento que dá origem à compaixão. Eu acredito que Rawls faria este acréscimo, embora ele certamente não nos diga o que ele entende por deveres de compaixão. Õque m · sta em jogo na decisão de se afirmar que maltratar animais não é apenas moralmente errado, mas moralmente errado de um modo especial, levantando questões de justiça? Esta é uma questão difícil de responder, uma vez que justiça é um conceito muito discutido, e há muitos tipos de justiça, política, ética, e por aí adiante. Parece, contudo, que o que mais tipicamente queremos dizer quando chamamos uma má ação de injusta é que a criatura lesada pelo ato tem um direito a não ser tratada daquele modo, e um direito de espécie particularmente básica e urgente (uma vez que não acreditamos que todas as situações de crueldade, irraào­ nalidade, e por aí afora, são exemplos de injustiça, mesmo 5

Veja a análise em Martha e. Nussbaum. Upheavels of Thought: The lntel/igence of Emotions (Cambridge: Cambridge University Press. 2001), eh. 6; até aqui a análise é incontroversa, recapitulando uma longa tradição da análise.

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se acreditamos que as pessoas têm o direito de serem tratadas com urbanidade, e daí por diante). A esfera da justiça é a esfera das titularidades básicas. Quando digo que o mau-trato de animais é injusto, não quero dizer apenas que é errado de nossa parte tratá-los mal, mas também que eles têm um direito, um crédito moral, de não serem tra­ tados de tal modo. É injusto para com eles. Creio que pensar nos animais como seres ativos, que possuem um bem e o direito de persegui-lo, naturalmente nos leva a perceber as importantes lesões causadas a eles como injustas. O que está faltando nas considerações de Rawls, assim como nas de Kant (embora mais sutilmente) é a percepção do próprio animal como um agente e um sujeito, uma criatura com a qual vivemos em interação. Como veremos, a abordagem das capacidades de fato trata os animais como agentes em busca de uma existência próspera; esta concepção básica, creio, é um de seus maiores poderes. Utilitarismo e prosperidade animal O utilitarismo tem contribuído mais que qualquer outra teoria ética para o reconhecimento de direitos dos animais. Tanto Bentham e Mill em seu tempo, quanto Peter Singer em nosso, corajosamente, tomaram a dianteira na libertação do pensamento ético das amarras de uma estreita concepção de valor e titularidade centrada na idéia de espécie. Sem dúvida tal conquista guarda relação com o radicalismo geral dos fundadores e seu ceticismo acerca da moralidade convencional, sua disposição em seguir o argu­ mento ético aonde quer que ele conduza. Estas permanecem grandes virtudes na posição utilitarista. O utilitarismo também não comete o erro de vincular a pergunta "Quem

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recebe justiça?" à pergunta "Quem molda os princípios da justiça?". A justiça é buscada para todos os seres capazes de sentir, muitos dos quais não podem participar na delimi­ tação dos princípios. Assim, é com um espírito de aliança que aqueles preocupados com os direitos dos animais poderiam ende­ reçar algu mas críticas à visão utilitarista. Existem dificuldades com a visão utilitarista, em ambas as suas formas. Como Bernard Williams e Amartya Sen proficuamente analisam a posição utilitarista, ela tem três elementos independentes: conseqüencialismo (a escolha certa é aquela que oferece as melhores conseqüências de maneira geral), ranking de soma­ tório (as utilidades de diferentes pessoas são combinadas por meio de sua soma a fim de se obter um total único), e hedonismo, ou alguma outra teoria substantiva do bem (tal como a satisfação de preferêncía).6 O conseqüencialismo por si só é o que menos causa problemas, uma vez que é sempre possível ajustar a noção de bem-estar, ou o bem, no conseqüencialismo de modo a admitir muitas coisas impor­ tantes que os utilitaristas tipicamente não tornam evidentes: bens heterogéneos e plurais, a proteção de direitos, mesmo compromissos pessoais ou bens centrados no agente. Prati­ camente qualquer teoria moral pode ser consequencia­ lizada, isto é, posta de um modo em que as questões por ela valorizadas se apresentem na forma de conseqüências a serem produzidas. 7 Embora eu tenha algu mas dúvidas acerca de um conseqüencialismo abrangente como a melhor 6 Vide Amartya Sen e Bernard Williams, introdução ao Utilitarism and Beyond (Cambridge: Cambridge University Press, 1982). p. 3·4. 'Vide comentário de Nussbaum em Goodness and Advice, Judith Jarvis Thomson's Tanner Leetures (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2000), discutindo trabalho nestas linhas por Amartya Sem e outros.

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base para princípios políticos em uma sociedade liberal pluralista, não vou comentá-las no momento, mas sim concentrar-me nos aspectos mais evidentemente proble­ máticos da visão utilitarista. 8 Consideremos a seguir o compromisso utilitarista com a agregação, ou o que é chamado "ranking de somatório". Concepções que medem princípios de justiça pelos resul­ tados que eles produzem não precisam simplesmente juntar todos os bens relevantes. Elas poderão sopesá-los de outros modos. Por exemplo, alguém pode argumentar que toda e qualquer pessoa tem um direito inalienável de elevar-se acima de um limiar no tocante a certos bens. Além disso, uma concepção pode, como é o caso da concepção de Rawls, concentrar-se particularmente na situação dos menos favore­ cidos, recusando-se a permitir desigualdades que não elevem a posição daquelas pessoas. Tais abordagens acerca do bem­ estar insistem em tratar as pessoas como fins: elas se recusam a permitir que o bem-estar extremamente elevado de algumas pessoas seja obtido, por assim dizer, em detrimento de outras pessoas. Mesmo o bem-estar da sociedade como um todo não nos leva a violar um indivíduo, como diz Rawls. O utilitarismo notoriamente rejeita tal insistência no isolamento e na inviolabilidade de pessoas. Em razão de seu comprometimento com o ranking de somatório de todos os sabores e dissabores relevantes ( ou satisfação e s Resumidamente, minhas preocupações são as mesmas de Rawls em Política/ Liberalism (New York: Columbia University Press, 1996), o qual referencia ser antiliberal para princípios políticos conter quaisquer considerações abrangentes do que é o melhor. Ao invés disso, princípios políticos deveriam estar comprometidos com um conjunto parcial de normas éticas endossadas para propósitos políticos, deixando a cargo dos cidadãos o preenchimento do restante do cenário ético em consonância com suas pr �prias abrangentes concepções de valor, sejam religiosas ou seculares. Portanto, eu f1 �aria . satisfeito com um conseqüencialismo político parcial, mas não com um conseqüenoahsmo abrangente, como fundamento para princípios políticos.

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frustração de preferências), ele não tem condições de excluir antecipadamente resultados que sejam extremamente duros para com um dado grupo ou classe. Escravidão, a subordinação vitalícia de al guns a outros, o tratamento extremamente cruel de alguns humanos ou de animais não­ humanos - nada disso é excluído pela idéia nuclear de justiça da teoria, que trata todas as satisfações como fungíveis em um único sistema. Tais resultados serão excluídos, caso o sejam, por considerações empíricas relativas ao bem-estar médio ou total. Essas questões são notoriamente indetermi­ nadas ( especialmente quando o número de indivíduos que irá nascer também é incerto, um ponto que abordarei posteriormente). Mesmo que elas não fossem, parece que a melhor razão para se ser contra a escravidão, a tortura e a subordinação vitalícia é uma razão de justiça, não um cálculo empírico de bem-estar médio ou total. Além disso, se focarmos na satisfação de preferência, devemos confrontar o problema das preferências adaptativas. Porquanto al gu mas formas de maus-tratos às pessoas sempre causam dor (tor­ tura, inanição), há sempre modos de subordinar as pessoas que embrenham-se em seus próprios desejos, fazendo dos oprimidos, aliados. Os animais também podem aprender preferências submissivas ou induzidas pelo medo. Os expe­ rimentos de Martin Seligman, por exemplo, mostram que cães que tenham sido condicionados a um estado mental de involuntarismo aprendido têm uma dificuldade imensa em aprender a iniciar movimento voluntário, isso se even­ tualmente o consigam.9 9 Martin Seligman. He/p/essness: On Development, Depression, and Death. New York: Freeman, 1975.

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Existem também problemas inerentes às visões do bem de maior prevalência no utilitarismo: o hedonismo (Bentham) e satisfação de preferência (Singer). Prazer é uma noção reconhecidamente elusiva. É um sentimento único, variando apenas em intensidade e duração, ou são os diferentes prazeres tão qualitativamente distintos como as atividades a que eles estão associados? Mill, acompa­ nhando Aristóteles, acreditava nesse último posicionamento, mas se aceitannos esse entendimento, estaremos contem­ plando uma visão que é muito diferente do utilitarismo padrão, que está firmemente esposado com a homoge­ neidade do bem. 10 Tal comprometimento parece um erro especialmente grave quando passamos a considerar princípios políticos elementares. Porque cada direito fundamental é algo próprio, e não é subornado, por assim dizer, sequer por uma grande quantidade de outro direito. Suponha que digamos a um cidadão: Tomaremos sua liberdade de expressão às terças-feiras, das 15h às 16h, mas em troca, daremos a você, todos os dias, uma quantia em dobro de bem-estar básico e assistência à saúde. Esta é simplesmente a imagem equi­ vocada de direitos políticos fundamentais. O que está sendo dito quando passamos a considerar fundamental um deter­ minado direito é que ele é importante sempre e para todos, como uma questão de justiça básica. O único modo de expressar esta idéia de maneira suficientemente clara é preservar o isolamento qualitativo de cada elemento distinto dentro de nossa lista de titularidades fundamentais. 'º Aqui estou de acordo com Thompson (que está pensando principalmente sobre MOORE); vide Goodness and Advice.

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Assim que pedimos ao hedonista para admitir bens plurais, não comensuráveis em uma escala quantitativa única, é natural indagar, a seguir, se prazer e dor são os únicos elementos que deveríamos estar levando em consi­ deração. Ainda que se pense no prazer como estreitamente relacionado à atividade, e não apenas como uma sensação passiva, torná-lo um fim isolado desconsidera muito do valor que agregamos às mais variadas atividades. Parece haver elementos de valor na vida animal além do prazer, tais como o movimento livre e realizações físicas, e também sacrifício altruísta pela família e pelo grupo. O pesar de um animal por um filhote ou pai morto, ou o sofrimento de um amigo humano também parecem ser dignos de valor, um sinal de afeiçoamentos que são intrinsecamente bons. Há também prazeres ruins, incluindo alguns dos prazeres do público circense - e não está claro se tais prazeres deveriam mesmo ser considerados como positivos no cálculo social. Alguns prazeres de animais em agredir outros animais também podem ser maus nesse sentido. O utilitarismo de preferência faz melhor? Já iden­ tificamos alguns problemas, incluindo o problema das preferências mal-informadas ou mal-intencionadas e o das preferências adaptativas de submissão. O utilitarismo de preferência de Singer, além disso, definindo preferência em termos de percepção consciente, não guarda espaço para privações que jamais são registradas na consciência do animal. Mas é evidente que animais criados em más con·

ambiental, elas sempre conseguem encontrar um estudo com animais para 'provar' sua tese. Elas podem até realizar / um novo estudo com animais que vai dar o resultado que desejam apenas escolhendo o modelo animal 'correto "' (Dr. hwin Bross apud ARCHIBALD, 2005, p. 15). De fato, no que tange à saúde planetária, Fano (2000a) destaca que, "embora testes de toxicidade nunca tenham sido cientifi­ camente validados para determinar se podem efetivamente predizer toxicidade para os humanos, dados provenientes de testes com animais enchem os manuais de toxicologia, livros e bases de dados computadorizadas, e foram usados para estabelecer parâmetros e normas de saúde ambiental. Isso, além de estar afetando de forma deletéria diversas espécies de animais, tem tornado o ser humano a principal cobaia num mundo cada vez mais poluído".

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Também preocupante é a possibilidade de criação de novas doenças, em decorrência de experimentos na área de xenotransplantes (transferências de órgãos de uma espécie para outra). Um dos problemas dos xenotrans­ plantes é que não se sabe precisamente o que vem junto com cada órgão. Assim, pode haver a transferência de simbiontes como retrovírus, inofensivos aos hospedeiros porque "adormecidos" ao longo de milhões de anos de co­ evolução -, mas potencialmente perigosos quando rom­ pida a barreira das espécies (veja GREEK; GREEK, 2000, p. 205-221; veja também BACH, 1998; KOECHLIN, 1996; FANO, 2000b). Estes são apenas al guns casos que merecem reflexão. Nas referências bibliográficas citadas, ou na Internet, o leitor poderá encontrar muitos outros exemplos. Fé cega: a crença acrítica numa visão mecanicista, reducionista de ciência

Além dos perigos potenciais, vimos o quanto são problemáticos os dados provenientes da vivissecção. Cabe, portanto, a pergunta: afinal, por que isso acontece? A expli­ cação mais imediata é a de que os animais não-humanos são muito diferentes de nós em inúmeros aspectos e, por esta razão, os resultados são falhos. Mas tal explicação, apesar de verdadeira, é tão incompleta quanto dizer que sentimos frio porque estamos molhados. Sucintamente, sentimos frio porque, para que a água evapore, uma certa quantidade de calor é retirada de nossos corpos, daí a sensação de frio. E por esta razão o frio passa rapidamente quando nos secamos com uma toalha. Analogamente, podemos ir um pouco além na expli­ cação do porquê da existência de tantas diferenças entre

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DE MEDEIROS, NDA LUIZA FONTOURA ORES) OLINARO . 6�R� �S CARLDS ALBERTO M E TERSEIFER (ORGANIZAD TIA ET. SARL G FGAN INGO WOL

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para tanto, temo s de ab dicar mais. Mas, , . nos e os outros ani . noa que dom ma n o ssa cultu ra - mecanicista de oe . . da v1sao ensm o e pesq msa - e procur ar de s e uiçõ instit _ e nossas paradig�as que se enco n�ram e m _ a explicação nos novos ta, como as teorias autoecanicis m ovisão cosm à O posição . ., . mas autopoiettco s (veja organizativas que estudam os siste CAPRA, 1996; MATURANA, 2002; NEUSER, 1994, entre outros). Nessas novas visõ es de ciência, o s tipo s de relaçõ es dentro do sistema, a estrutura da totalidade e a história das relações tomam-se, entre outras questões, também, "objetos" de estudo. Somente dentro delas será p o ssível compreender que as diferenças entre nós e os outros animais (metabólicas, anatômicas, bioquímicas, comp ortament ais, etc.) não se constituem em fenômenos isolados ou isoláveis; ao contrário, estão concertadas entre si e formam t otalidades não redu­ tíveis à soma das partes que as constituem. São o reflexo causa e ao mesmo tempo conseqüência - de uma série de fenômenos que podem ser metaforicamente descrito s como redes aninhadas dentro de outras redes, uma descrição somente compatível com as visõ es sistêmicas. Por exemplo, a crítica d o Dr. Sabin às pesquisas s obre o câncer - mencionada n o item anterio r - se baseia e m argumentos sistêmicos, embora ele talvez não tivesse delibe­ radamente tal intenção . Isso se t orna especialmente claro na passagem em que diz que "as células c ancero sas não pode m ser vistas desvinculad do rganismo que as as o · produziu" · Ele via a doença em sua "espessura" espaç o· temporal ' o que eqmva · · · 1e a considerar . sua et10lo gia n um sentido abrangente, sist · .. · emico em sua t o talidade ' o que 1eva em consideração . · a "h isto , na · ' das relações" menc10n ad a . anteriormente · T;a . mb,em dentro de uma perspecu. va siste. mica, fic a fácil c ompreender a afirmaçã o d o Dr. Ne a l A





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MENTAIS PARA AL(M DOS HUMA NOS UMA DISCUSSÃO NECESSÁR IA

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Barnard (bem como a do Dr· 1 . iwm B ross) de que, "usando · . , . d1fe1e ntes especi es em diferentes proj. etos, . . os cien tistas . .. odem p encontrar e 1dencias que sustentam qualquer teoria". � Co mo argumentei antes ' a vivissecça-o e. damenta seus 1un estu dos em bases J.á muito limitadas, pois · as d·11ere c nças . . . cruciais que existem entre diferentes espécies são subestim adas. E, m esm o que os "testes" não sejam para obter dados que serão poste�iormente extrapolados para outras espécies, _ podem surgir distorções em função da própria experimen­ tação, pois está cientificamente comprovado que variações na dosagem de substâncias, vias de inoculação, idade, sexo e até o grau de complexidade do ambiente no qual os anim ais se encontram influenciam os resultados dos experi­ m entos. 4 Cada um a dessas variáveis pode interagir com o "objeto" de estudo proposto formando novas totalidades, alimentando positiva ou negativamente outras "redes" mediante a presença ou ausência de "efeitos repetitivos" - o que pode provocar mudanças de caráter totalitário. Entretanto, a visão de ciência que permeia a maioria d as prem issas que regem a cham ada "experimentação animal" é mecanicista, analítica e, portanto, reducionista. O paradigma vivisseccionista encontra-se preso, basica­ m ente, à principal metáfora cartesiana do mundo como uma grande máquina. Mas nossos corpos não são feitos de "engrenagens" que podem ser estudadas em separado e 2002:11) intitulado • Veja por exemplo O artigo da New Scientist. (173[2333]. 09 Mar. rchers". O artigo mostra que o resea for ems probl create is anima e lab "Ho� comfort fdr s animais de · oes de v1·d a de ratos , camundongos e outro tanto seu enriquecimento das cond1ç muda l lexo con:,p mais ente ambi laboratório - ou seJ·a ' o fato de tornar seu ·isso tem um efeito importante nos resu ta dos que · e g1a, · · f1s1olo sua to nto quan comportame . . . drogas · Os estudos mostram que o de experimentos científicos, inclusive testes eom e fe1.to enorme (não existe uma . . um ter pode ·a , enrrquecrme. nto ' por. menor que seJ . )· e efeito a caus e entr · nal correlação linear e direta, ou proporcro

A DE MEDEIROS. DA LUIZA FONTOU R R N O (ARLOS ALBERTO MOLILET.A�?A�� �::sTERSEIFER (ORGANIZAD RES) NG SAR INGO WOLFGA

para compreender te colocadas lado a lado . .. depois. novamen . ditam na confiabihdade 5 0 s vivissecciomstas acre , . o todo. s se fundamentam numa .á que tais metodo J , os 'tod e de seus m dominante. Não vêem, entretanto ·A · . . Ciencia queA se tornou . ' s1, ou hvre em de boa Juí ra, zos . neut é não ncia e que essa Ci ela não se const i tui numa de valor e, sobretudo, que aca Heis enberg descrição objetiva da natureza. Como dest (apud CAPRA, 1996, p. 49), "o que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento". Dessa forma, todas as concepções e teorias científicas são limitadas, são aproximações da reali­ dade. E o problema é que se um determinado caminho de pesquisa se encontra alicerçado numa base ou fundamento falso ou limitado, seus resultados serão falsos ou limitados. Essa é, em linhas gerais, a minha argumentação para explicar o baixo índice de sucesso dos chamados "modelos animais" (veja BRÜGGER, 2004a, p. 63-120). Greek & Greek (2003), que abordam essa questão de forma semelhante e complementar - e ilustram seus argu­ mentos com inúmeros exemplos e contextos - afirmam que a vivissecção é uma pseudoc iência. Isso acontece, segundo eles, porque é falso o axioma "animais e humanos têm tanto em comum que é possível extra polar dados de 5 Matura na (2002 p 61) tem uma passagem esclarecedora para essa uestão: "As urn· dades autopoiéticas e;pe.cil1 q am ª fen omenologia bioló ica ue como uma fenomenologia q g lhes é própria e qu e � arac te dstica� dif erentes da fenomenologia física. ls�o �e. dá não porque a; unid e:� � ad u opoiéticas VIOiem a nenhum aspecto da fenomenolo gia f1si c , mas porque os f • enomenos q ue geram, em seu funcionamento como u ni· d ades autopoiét icas dep endem de sua o · ter · de rgan izaçao f.1s1co e de como esta se realiza' e não d o car á seus• compon ent · es X· A ssi 1 · u ª m, inc orporando-a a se uma célula interage com uma moléc · seus processo . · • o não . s• 0 q ue acon tece como conseqüênc1a es tá determ1·nado raça nte i da pelas propried · 'vist • ela é ade s d essa m olécul ou tomada pela a e sim pela maneira como célu 1ª ao in . corpo . • que possam ocor n ças da r á u 1 a • m . , a As sua · ét1ca. autop0 dinam1ca rer nela • em 1 '. ' ' con seq ue ela sua pr6Pn· a estr .. • as c · nad 1a dessa interação, serão as determi n ut ura como . P unidade celula r " (gn'fos no original).

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Alt M DOS HUMANOS : UMA DISCU

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exper imentos em animais para humanos" . De acor do com os aut ores, os primeiros pesquisadores que usaram amm · ais· . partiram do pressuposto de que se um tipo de tecido em duas espécies diferentes desempenhava a mesma função - por exemplo, a respiração - então, o mecanismo causal da função era o mesmo. Esse pressuposto fez com que os animais não-humanos fossem aceitos como "modelos analó­ gicos causais" (CAMs - causal analogical models) e usados para estudar as doenças humanas. Em seu livro Brute Science: the dilemmas of animal experimentation, La-Follete e Shanks argumentam que os CAMs funcionam da seguinte forma: X ( o modelo) é semelhante a Y ( o objeto a ser modelado) com relação às proprieda des {a .... e}. X tem a propriedade adicional f. Embora não observada em Y, supõe-se que Y também tenh a a propriedade f. Então, se a droga Z causa a morte do modelo animal (por exemplo, a penicilina mata porquinhos da Índia), por analogia, matará os humanos (GREEK; GREEK, 2003, p. 45). Ainda com base nos argumentos de L a -Follete e Shanks, Greek & Greek (2003, p. 46) afirmam que os CAMs teriam que apresentar: (1) características comuns; (2) conexões causais entre as características; (3) ausência de disanalogias relevantes. Disanalogias causais demandam muito cuidado na extrapolação de dados entre espécies. Portanto, isso coloca um grande problema teórico par a os que defendem o paradigma do modelo animal. ks De fato, os filósofos Hugh LaFollette & Niall Sha� 1as ( 1996) afirmam que "a possibilidade de haver disanalo� qmsas causais relevantes destrói o argumento de que as pes o de fenôcom amma1s tem 1mportanc1·a d1'1·eta para o estud a é que, até que . , . menos b1olog1cos humanos. O problem há como saber se sej am feitos testes com humanos, não •



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MEDEIROS, f RNANDA LUIZA FONTOURA DE CARLOS ALBERTO MOLINAR�Á �HNSTERSEIFER (ORGANIZADORES) T G INGO WOLfG ANG SARLET.

· ias relev ante s entr e nós e os existem ou na·o disanalog fenômeno estudado. E há modelos animais com relação ao que a condição (3) não fortes razões teóricas para esperar a e seja satisfeita. Animais humanos não- hum nos foram submetidos a pressões evolutivas muito distintas. Suas respostas a tais pressões diferem não apenas no nível morfológico macro, mas também nos mecanismos causais biomedica­ mente relevantes que lhes são subjacentes. Ao longo do tempo evolutivo foram 'encontradas' diferentes formas de organização que permitiram obter funções semelhantes por meio de diferentes meios causais. Em resumo, o fato de duas espécies terem propriedades funcionais biológicas semelhantes não nos dá razão para pensar que elas tenham mecanismos causais subjacentes semelhantes. Embora os humanos não sejam 'essencialmente' diferentes dos ratos, ou tampouco formas de vida 'mais elevadas', somos dife­ rentes em termos de complexidade. Diferenças entre as espécies, ainda que pequenas, freqüentemente resultam em respostas radicalmente divergentes com relação a estímulos qualitativamente idênticos. Diferenças evolutivas nos sistemas biológicos de humanos e roedores desencadeiam um efeito cascat� que resulta em marcadas diferenças em impo rtantes propne�ades biomédicas entre as duas espé cies". Ass1�, a Teoria da Evolução nos mostra por que aparen· · temente e possíve1 ut1º l"1zar amma 1s como modelos, m as, também, por que razões proceder dessa forma não é científico. A Teoria da Evoluçao . - - conceit o central que unifica a . . Biologia - sustenta que todos os organismos vivos sobre a -r 1 erra evoluíram a parti· r de uma única forma prim va de e vi.da. Através dos temp . os geo1,ogic os (eon . s), essa forma de . vida b'as1ca evolmu ' resultando em uma mul tipli idade de c fil i os, c1asses, espécie s · Bortanto, por causa da sua origem

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comum, a vida tem características comuns. Mas esse processo resultou em milhões de plantas e animais muito distintos entre si. E por que somos tão diferentes uns dos outros? "Quando um gene se expressa, ou é 'ligado', determinadas proteínas são codificadas e fabricadas, e é a atividade delas que determina a forma de todos os seres vivos. Há genes estruturais (que codificam as proteínas) e genes reguladores que determinam se um gene estrutural será ativado ou não, o que afeta o desenvolvimento tanto do embrião quanto do organismo, assim como a sua fisiologia. Os mecanismos evolutivos ocorrem no nível molecular pela substituição de um nucleotídeo (A-T/C-G) por outro, e uma mudança num único nucleotídeo pode provocar uma reordenação na seqüência de aminoácidos, determinando, com isso, uma nova proteína" (GREEK; GREEK, 2003, p. 4 7-49). Enfim, todas as espécies - plantas e animais - seguem o mesmo design: são formadas pelas mesmas unidades de DNA (A, T, C, G) que são juntadas no mesmo processo. Mas enquanto o material genético é o mesmo, a composição, ou seja, os arranjos são diferentes. Isso faz toda a diferença (veja nota 2). E essa é uma questão que não pode ser compreendida dentro do paradigma mecanicista, como destaquei antes. Portanto, para um CAM predizer a realidade não poderia haver disanalogias causais relevantes entre o modelo e o objeto a ser modelado. Mas isso, à luz da Teoria da Evolução, é impossível sem um conhecimento total a respeito tanto do modelo (animal) quanto do organismo a ser modelado (humano). Como resultado, os modelos animais falham em um critério central para uma teoria científica: predictabilidade. Em outras palavras, não é possível inferir

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1 CARLOI ALBERTO MOUNARO, FERNANDA LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, INGO WOLFGANG SARLET, TIAGO FENSTERSEIFER (ORGANIZADORES)

nada prospectivamente, apenas retrospectivamente. E aqui vale lembrar que é preciso não confundir verificabilidade com predictabilidade (GREEK; GREEK, 2003, p. 50- 51).6 Alguns poderão argumentar - acerca da predictabi­ lidade - que, apesar de tantos erros, tem havido também muitos acertos. Mas é preciso analisar de que forma tais acertos foram conquistados. Terão sido depois que evidências clínicas e dados epidemiológicos provenientes de seres humanos, por exemplo, apontaram na direção de terapias, como destacam os doutores Irwin Bross e Jean e Ray Greek, entre outros? Terão sido às expensas das vidas de milhões de animais, no chamado refinamento ou validação do modelo (que seriam tentativas de eliminar ou conhecer melhor as citadas disanalogias)? Será legítimo considerar como genuinamente cientí­ fica uma prática cujo grau de confiabilidade é tão baixo? Imaginemos que al guém saia com uma câmara fotográfica em punho para fotografar, durante um ou dois dias, a esmo e sem limite de fotos, determinadas paisagens. Se no fim desse tempo houvesse umas duas mil fotos, entre as quais apenas algumas muito boas, seria justo considerar tais fotos como fruto da arte? Ou seriam elas fruto do acaso? A mesma indagação caberia para a experimentação animal. Pode-se argumentar que há estudos e contextos nos quais os índices de acerto são bem melhores. Isso é possível, •os autores dizem, ainda, que os modelos animais se baseiam sobretudo no dogma do criacionismo e, não na Teoria da Evolução. E destacam que Claude Bernard e outros cientistas que conduziam experimentos em animais no século XIX rejeitaram a Teoria da Evolução e se recusaram a aceitar as diferenças introduzidas pelo processo de especiação. Também rejeitaram a idéia de que a estatística poderia trazer algum benefício para a Medicina. Os viv1sseccionistas de hoje continuam a ignorar a Teoria da Evolução a cada vez que conduzem um experimento com um animal para tentar aprender sobre alguma doença humana (GREEK; GREEK, 2003, p. 52-53).

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e mesmo compreensível, pois os resultados de tais estudos dependem também dos próprios objetos de investigação (se novos medicamentos; se fármacos já comercializados; etc.), assim como da forma com a qual uma dada investi­ gação é feita (dosagens, sexo e faixa etária dos animais humanos e não-humanos envolvidos, entre muitas outras questões). Por exemplo, Archibald (2005, p. 14) que enfatiza que "muitos estudos publicados na literatura científica comparando efeitos colaterais de drogas em humanos e animais corroboram o caráter caótico dos dados prove­ nientes de testes em animais, cita uma revisão a respeito da correlação entre humanos e animais em drogas que foram retiradas do mercado devido a reações adversas. Segundo tal estudo, os testes em animais foram capazes de predizer os efeitos colaterais em humanos em apenas seis entre cento e quatorze vezes". Esse é outro exemplo que nos faz imaginar diversas situações nas quais o acaso daria o mesmo índice de acerto, como, por exemplo, a probabilidade de al guém que nunca aprendeu a jogar basquete fazer uma cesta. Acertos de uma ordem tão baixa indicam uma ausência de domínio sobre o caminho (método) que está sendo trilhado. Isso está diretamente relacionado às questões de ordem epistemológica levantadas por La Follette & Shanks, ( 1996); Greek & Greek, (2003); e Brügger (2004a), entre outros. Há vários motivos para a continuidade das pesquisas baseadas em modelos animais, como veremos adiante. Mas do ponto de vista dos interesses dos animais não-humanos não há nenhuma. Tais práticas só continuam porque eles""'­ não possuem advogados que os defendam e, quando os possuem, tais profissionais têm que trabalhar dentro de um arcabouço jurídico-legal, cuja visão de mundo é essencial­ mente antropocêntrica e, portanto, instrumental, como de

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DA LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, CARLOS ALBERTO MOLINARO, FERNAN SEIFER (ORGANIZADORES) INúO WOLfGANú SARLET. TIAGO FENSTER

resto é a visão de mundo que domina nossa cultura e n osso sistema educacional. Retornarei a esta questão mais adiante.

Faca amolada: é possível "arrancar sob tortura os segredos da natureza"? Quando ouvia dizer que "a ciência arranca sob tor­ tura os segredos da natureza", achei que esta célebre afirn1ação de Francis Bacon não passava de uma m etáfora. Mas Schar-Manzoli ( 1995 ), no livro Holocausto, transcre v e relatórios de experim entos, assinados por pesquisadores, que são de tirar o sono das pessoas mais insen síveis. Animais não-humanos são usados em experimentos nas indústrias de produtos de higiene e limpeza, alimentícia, armamen­ tista; em estudos de comportamento, alcoolismo, tabagismo, depressão, doenças degenerativas; em testes sobre novos materiais; em novas técn icas cirúrgicas etc. Greek & Greek (2000, p. 22) afirmam que "a história da experimenta ção animal é repleta de ignorância, imensos 'egos', restrições prejudiciais ao avanço da Ciência impostas pela Igreja e más notícias para os animais e seres humanos". E quanto ao sofrimento que lhes é imposto? Segundo Jensen (2003), "no an o de 2001, 55% dos projetos envol­ vendo animais que passaram por experiências em laboratório n o Reino Unido receb e ram a cla ssificação de 'mod erado', em termos de sofrimento. Mas será um sofrimento mode­ rado, questiona ele, forçar cães a engo lirem agrotóxicos , atraves de tubos diretamen te liga dos aos seus estôm agos; transplantar corações e rins de porcos em babuínos captura dos na natureza,· imo · b'l i 'iza r macacos, gatos e cães e retirar O top de seus crânios; ensin � ar linguagem de sinais a chim­ ?anzes � quando estes imploram para sair de suas minúsculas J a ulas snnplesmente ignor . · armos? Estive ram nessas e outras

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. lbulo.

Sumário: 1 A dimensão ecológica da dignidade {da pessoa) humana - 2 Dignidade da vida para além da humana? - 2.1 Sobre a necessidade de repensar a concepção individualista e antropocêntrica de dignidade e avançar rumo a uma compreensão ecológica da dignidade da pessoa humana e da vida em geral - 3 A superação do paradigma jurídico antropocêntrico clássico e o reconhecimento da dignidade do animal não-humano e da vida em geral no âmbito jurídico-constitucional brasileiro - 4 Algumas questões em aberto - Um novo contrato político-jurídico socioambiental?

CARLOS ALBERTO MOLINARO, FERNANDA LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS. INGO WOLFGANG SARLET, TIAGO FENSTERSEIFER (ORGANIZADORES)

A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA ALtM DOS HUMANOS: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA 1

1 A dimensão ecológica da dignidade (da pessoa) humana

Sem que se vá - ainda - questionar algu ns aspectos da concepção kantiana e voltando-nos ao direito constitu­ cional positivo, há como partir da premissa de que a Consti­ tuição brasileira de 1988, no seu art. 1 º, inciso III, consagra expressamente a dignidade da pessoa humana como o princípio fundamental (como fundamento do próprio Estado demo­ crático de Direito), portanto, como ponto de partida e fonte de legitimação de todo o sistema jurídico pátrio. A digni­ dade da pessoa humana, como, aliás,já tem sido largamente difundida, assume a condição de matriz axiológica do orde­ namento jurídico, visto que é a partir deste valor e princípio que todos os demais princípios (assim como as regras) se projetam e recebem os impulsos para os seus respectivos conteúdos normativo-axiológicos, o que não implica aceitação da tese de que a dignidade é o único valor a cumprir tal função e nem a adesão ao pensamento de que todos os direitos fundamentais (especialmente se assim considerados os que foram como tais consagrados pela Constituição) encontram seu fundamento direto e exclusivo na dignidade da pessoa humana. 3 Assim, a dignidade humana, para além de ser também um valor, confi gura-se como sendo -junta­ mente com o respeito e a proteção da vida! - o princípio de maior hierarquia da nossa Constituição e de todas as demais ordens jurídicas que a reconheceram. 4 A digni­ dade da pessoa humana apresenta-se, além disso, como a pedra basilar da edificação constitucional do Estado (social, democrático e ambiental) de Direito brasileiro, na medida

É do conhecimento de todos que a matriz filosófica moderna da concepção de dignidade humana tem sido reconduzida essencialmente e na maior parte das vezes ao pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant. Especial­ mente no campo do Direito até hoje a fórmula elaborada por Kant informa a grande maioria das conceituações jurídico­ constitucionais da dignidade da pessoa humana. 1 A formu­ lação kantiana coloca a idéia de que o ser humano não pode ser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado comofim em si mesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação,2 seja em face do Estado seja em face de particulares. Isso se deve, em grande medida, ao reconhecimento de um valor intrínseco a cada existência humana, já que a fórmula de se tomar sempre o ser humano como um fim em si mesmo está diretamente vinculada às idéias de auto­ nomia, de liberdade, de racionalidade e de autodeterminação inerentes à condição humana. A proteção ética e jurídica do ser humano contra qualquer "objetificação" da sua existência e o respeito à sua condição de sujeito nas relações sociais e intersubjetivas são seguramente manifestações da concepção kantiana de dignidade da pessoa humana, embora, por certo, encontradas já em pensadores anteriores.

Nesse sentido, d. o art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade". 2 KANT, lmmanuel. Critica da razão pura e outros textos filosóficos. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 229. (Coleção Os Pensadores).

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3 Sobre este tópico v. SARLET, lngo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 81 et seq. • SARLET. Dignidade da pessoa humana ... , p. 85.

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::. Acesso em: 03 jul. 2006.

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1 CARLOS ALBERTO MOUNARO. FERNANDA LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, INGO WOLFGANG S ARLEl. TIAGO FCNSTERSEIFER (ORGANIZADORES)

das últimas décadas têm pautado a questão da p roteção dos animai nas discussõe políticas e jurídicas. Nessa perspectiva, importa füsar a inovação incorporada pela Constituição Suíça ao reconhecer, em 1992, uma "dignidade da criatura" (art. 24), que deve ser respeitada especialmente no âmbito da legislação obre engenharia genética. O idealizador do "movimento" suíço de reforma constitucional, Peter Saladin, sustenta um novo perfil consti­ tucional para o tratamento da questão ambiental baseado em u·ê princípios éticos: a) princípio da solidariedade (justiça intrageracional); b) princípio do respeito humano pelo ambiente') não-humano (justiça interespécies); c) princípio da responsabi­ lidade para wm as futuras gerações (justiça intergeracional). 2º Tal idéia traduz uma concepção de justiça ecológica, enfati­ zando o respeito e os deveres que o ser humano deve observar ) quando da sua interação com o meio natural. No âmbito da Lei Fundamental da Alemanha, Klaus Bosselmann refere que a introdução da expressão "bases naturais da vida", em vez de "vida humana", marcou, com a inclusão do art. 20a na reforma constitucional de 1994, um passo para além de um antropocentrismo puro. No entanto, o debate prosse guiu no cenário jurídico e político alemão, especialmente por força do movimento e m favor dos direitos dos animais, que segu iu pressionando para a inclusão da proteção dos animais como objetivo do Estado, o que veio a ocorrer em 2002, com o acréscimo da expressão 21 "e os animais" (die Tiere) no art. 20a da Lei Fundamental. . SALADIN, Peter. Oie Würde der Kreatur, Schriftenreihe Umwelt Nr. 260 (1994), S. 12 l Apud BOSSELMANN, Klaus. "Human rights and the environment: the search for common ground". ln: Revista de Direito Ambiental, n. 23, p. 41, jul./set. 2001. 21 "Art. 20a (Fundamentos naturais da vida). No âmbito da ordem constitu cional, o Estado protege as bases naturais da vida e os animais, tendo em conta também a sua responsabilidade para com as futuras gerações, por meio do poder legislativo, e segundo a lei e o Direito por meio dos poderes executivo e judicial" (Tradução livre dos autores).

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Por fim, refere o jurista alemão, atualmente radicado na Nova Zelândia, que, independentemente de a alteração constitucional ter ou não conduzido a interpretação do seu texto em favor de uma abordagem não-antropocêntrica, ficou registrado que o discurso ético marcou sua presença no âmbito do discurso jurídico. 22 Nessa mesma perspectiva, verifica-se também a crescente importância das discussões provocadas pela corrente filosófica da ética animal, que, aos poucos, tem conseguido sensibilizar as estruturas jurídicas e, ainda que em parte e de modo incipiente, influir na remodelação do Direito em sintonia com um patamar mais evoluído das relações morais. Bosselmann trabalha também com a idéia de direitos humanos (e fundamentais) ecológicos, os quais objetivam reconciliar a base filosófica dos direitos humanos com os princípios ecológicos, conectando o valor intrínseco do ser humano com o valor intrínseco de outras espécies e do ambiente como um todo. A partir de tal compreensão, os direitos humanos e fundamentais (como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a propriedade e o desenvolvimento) precisam corresponder ao fato de que o indivíduo não opera somente num ambiente social, mas também num ambiente natural, o que, por sua vez - e o registro é nosso -, igualmente guarda conexão com a compreensão do Estado Demouático de Direito como sendo sempre também um Estado Socioambiental. De acordo com a percepção de Bosselmann, assim como o indivíduo deve

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BOSSELMANN, Klaus. Environmental Rights and Duties: the concept of ecological human rights. ln: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL, 10., São Paulo, 5·8 jun. 2006. p. 18. no prelo.

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respeitar o valor intrínseco dos demais seres humanos, o indivíduo também deve respeitar o valor intrínseco de outros seres, como animais, plantas, ecossistemas, etc., 23 fundamen­ tando a existência de deveres (fundamentais) ecológicos do ser humano para com as demais manifestações existenciais. Nesse contexto, o jurista alemão afirma a importância dos direitos humanos e fundamentais para o enfrentamento dos desafios ecológicos, propondo a sua releitura diante dos novos princípios de natureza ecológica que passam a in­ tegrar as relações sociais (e também naturais) na sociedade contemporânea. Direcionando fortes críticas ao tratamento dispensado aos animais pela filosofia kantiana, que os destituía de qualquer valor intrínseco e colocava os deveres dos seres humanos para com os animais apenas como um dever indi­ reto para com a própria humanidade (justamente a pers­ pectiva antropocêntrica ora questionada), Martha Nussbaum alerta para o fato de que o reconhecimento da dignidade de determinadas existências não-humanas implica uma questão básica de justiça, já que, na esteira do que foi afirmado por Aristóteles, há algo de admirável ou respei­ tável (wonderful; wonder-inspiring) em todas as formas complexas de vida animal. 24 A autora, de outra p arte, rejeita a idéia de compaixão e humanidade no tratamento dos animais não-humanos, defendendo uma idéia de justiça que transcenda tal perspectiva para reconhecer o valor intrín­ seco e a dignidade de animais não-humanos. A idéia de dever moral de um tratamento não-cruel dos animais deve BOSSELMANN, op. cit., p. 12. 24 NUSSBAUM, Marth a C. Beyond 'Compassion and Humanity': Justice for Nonhu man Animais. ln: SUNSTEIN, Cass R.; NUSSBAUM, Martha C. (Org.). Animal Rights: Cur rent Debates and New Directions. Nova York: Oxford University Press, 2004. p. 306 . H

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buscar o seu fundamento não mais na dignidade humana ou na compaixão humana, mas sim na própria dignidade inerente às existências dos animais não-humanos. Tal reflexão pode ser ampliada para a vida em termos gerais, não se limitando à esfera animal. A inquestionável consagração da proteção ambiental no âmbito jusfundamental e o reconhecimento da qualidade de vida como elemento integrante da dignidade da pessoa humana acarretam a necessidade até mesmo de uma reformulação conceituai da dignidade da própria pessoa humana, de tal sorte que esta venha a guardar sintonia com os novos valores ecológicos. Com base em tais considerações, os desenvolvimentos em torno da natureza relacional e comunicativa da dignidade da pessoa humana contribuem para a superação de uma concepção eminentemente espe­ cista (biológica) e, portanto, necessariamente reducionista e vulnerável - de peculiar e específica dignidade dos seres humanos ( que por si só, não afasta uma possível conside­ ração da dignidade da vida de um modo geral). 25 A atribuição de "dignidade" a outras formas de vida ou à vida em termos gerais transporta a idéia de respeito e responsabilidade que deve pautar o comportamento do ser humano para com tais manifestações existenciais. Nesse contexto, para além de uma compreensão "especista" da dignidade, que parece cada vez mais frágil diante do quadro existencial contem­ porâneo e dos novos valores culturais de natureza ecológica, deve-se avançar nas construções morais ejurídicas no sentido de ampliar o espectro de incidência do valor dignidade para outras formas de vida e da vida em si. 25 SARLET, "Dignidade da pessoa humana ... •. P· 57.

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3 A superação do paradigma jurídico antropocêntrico clássico e o reconhecimento da dignidade do animal não-humano e da vida em geral no âmbito jurídico­ constitucional brasileiro No âmbito jurídico, principalmente por parte de autore que trabalham com o Direito Ambiental (ou Direito do Ambiente), tem sido suscitada alguma reflexão sobre a superação do paradigma antropocêntrico na regulação das relações jurídico-ambientais. 26 Nessa linha, José Rubens Morato Leite, alinhado com a doutrina de Cunhal Sendin, 27 trabalha com o conceito do antropocentrismo alargado (ou moderado), objetivando a tutela do ambiente independen­ temente da sua utilidade direta ou benefícios ao homem, ao considerar a preservação da capacidade funcional do patrimônio natural com ideais éticos de colaboração e interação homem-natureza. 28 Nesta mesma perspectiva, indispensável a referência ao entendimento sustentado por Antônio Herman Benjamin, ao referir que a Constituição brasileira registrou a preservação e restauração de "processos ecológicos essenciais" (art. 225, § 1 º, 1), e que, portanto, tal formulação constitucional transportaria a idéia de que tais processos tutelados no âmbito constitucional seriam aqueles essenciais à sobrevivência do planeta, concepção que ultra­ passaria a fórmula tradicional da sobrevivência do apenas Figueiredo Dias colaciona que uma das principais novidades postas pela abordagem jurídica do ambiente diz respeito justamente ao trânsito de uma concepção exclusivamente antropocêntrica do Direito para a afirmação de um princípio "biocêntrico" ou "ecocêntrico". DIAS. José Eduardo Figueiredo. Direito constitucional e administrativo do ambiente. Cadernos do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002. p. 13. 27 CUNHAL SENDIN, José de Souza. Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos: da reparação do dano através de restauração natural. Coimbra: Coimbra Editora. 1998. p. 98-104. 28 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatri moni al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 79. 26

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do homem. Assim, bem destaca o autor que "a tutela ambiental gradual e erraticamente abandona a rigidez de suas origens antropocêntricas e acolhe uma visão mais ampla, de caráter biocêntrico (ou mesmo ecocêntrico), ao propor-se a amparar a totalidade da vida e das suas bases". 29 Em sentido similar, Vasco Pereira da Silva defende o conceito de "antropocentrismo ecológico", o qual rejeita qualquer visão meramente instrumental, economicista ou utilitária da natureza, considerando que o ambiente deva ser tutelado pelo Direito, ao passo que a sua preservação é condição para a realização da dign idade da pessoa humana. 30 Assim, em que pese a manutenção de uma compreensão antropocêntrica do Direito, na medida em que se propõe a sua moderação ou alargamento, tem-se já uma nova ótica para a compreensão da relação ser humano-Natureza, uma vez que ao meio natural está-se a atribuir um valor inu-ín­ seco, ou seja, está-se a reconhecer a Natureza, para usar a formulação kantiana, como um fim em si mesmo, apesar de esta dimensão ser relacional em face do ser humano, e não totalmente autônoma, como há de ser no contexto de um Estado Socioambiental de Direito. A discussão sobre a atribuição de direitos à natureza em geral ou aos animais em especial tem suscitado discussões importantes n a doutrina. Merece destaque, nesta perspec­ tiva, a referência "clássica", inspirada em Kant, e ratificada por Asis Roig, a respeito dos deveres dos seres humanos em face dos animais, embora a existência, na base de tais Cf. BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição Brasileira. ln: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MORATO LEITE, José Rubens (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90. 30 PEREIRA D A SILVA, Vasco. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. Coimbra: Almedina. 2002. p. 29-30.

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deveres de tutela, comportaria unicamente um interesse humano ou da humanidade. Fazendo coro com tal premissa, Asis Roig sustenta que não é possível a atribuição de direitos aos animais, senão aos homens, de tal sorte que no caso dos deveres para com os animais verifica-se um direito que tem sua origem em um interesse humano ou na idéia de solidariedade. Por fim, o autor espanhol equipara a tutela dos animais à tutela do patrimônio histórico e cultural, por dizerem respeito apenas a um interesse humano na sua proteção. 31 Pereira da Silva, também no intuito de negar a possibilidade de atribuição de direitos subjetivos à Natureza ou mesmo aos animais, acentua que "o Direito é um fenô­ meno da cultura, que regula relações entre seres livres e responsáveis que, por isso mesmo, devem ter consciência dos seus deveres de preservação do meio-ambiente", 32 razão pela qual os direitos subjetivos seriam atribuíveis somente às pessoas, cabendo ao ambiente ou à Natureza apenas uma tutela de dimensão objetiva, muito embora o autor - e é preciso frisar este ponto - não defenda uma visão que se poderia designar de meramente instrumental da tutela dos animais e da vida não-humana. Mesmo que se possa aceitar, pelo menos para efeitos de argumentação, a noção de que não há como atribuir típicos direitos aos animais ou à natureza, isto não afasta a necessidade ( ética e jurídica) de se perguntar se essa tutela do meio natural não pode se dar de forma autônoma, com o reconhecimento de uma dignidade à vida não-humana e aos animais. Se a dignidade consiste em um valor próprio ROIG, Rafael de Assis. Deberes y derechos en /a Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 172. " PEREIRA DA SILVA. Verde Cor de Direito ... , p. 31. 3'

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e distintivo que nós atribuímos a determinada manifestação existencial - no caso da dignidade da pessoa humana, a nós mesmos-, é possível o reconhecimento do valor" digni­ dade" como inerente a outras formas de vida não-humanas. A própria vida, de um modo geral, guarda consigo o elemento dignidade, ainda mais quando a dependência existencial entre espécies naturais é cada vez mais reiterada no âmbito científico, consagrando o que FritjofCapra deno­ minou de "teia da vida". 33 Freitas do Amaral posiciona-se no sentido de que, quando se está a legislar contra a cmel­ dade frente aos animais, em verdade não se está a proteger a "delicadeza dos sentimentos do ser humano face aos animais", mas sim o animal em si mesmo, atribuindo-lhe um valor intrínseco. O ambiente não pode ser protegido apenas em razão da saúde e da qualidade de vida do ser humano, mas também em virtude de representar um valor em si mesmo. A partir de tais reflexões, o autor português, sem posicionar-se, lança também o questionamento se tais constatações implicam o reconhecimento de direitos dos animais (que, por vezes, também poderiam ser opostos aos seres humanos). 34 No contexto de uma perspectiva histórico-cultural do Direito, vale trazer à colação o pensamento de Bobbio quando, ao refletir sobre a trajetória histórica dos direitos humanos, marcando a passagem dos direitos de liberdade para os direitos políticos e sociais, lembra que ocorreu um deslocamento do foco centrado no indivíduo (uti singulus), 33 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. SAo Paulo: Cultrix, 1996. 34 AMARAL, Diogo Freitas do. Acesso à justiça em matéria de ambiente e de consumo. ln: Textos ·Ambiente e Consumo·, Volume 1. Lisboa: Centro de Estudos Jurldicos, 1996. p. 162.

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na condição de primeiro sujeito ao qual foram atribuídos direitos naturais (ou morais), para sujeitos diferentes do indivíduo como, por exemplo, as minorias étnicas e religiosas, e também, mais recentemente, a humanidade considerada em seu conjunto, o que se dá em razão da necessidade de considerar os direitos das gerações humanas futuras. O jurista italiano ressalta, ainda, que o reconhecimento de direitos pode ser concebido para além de indivíduos hu­ manos considerados singularmente ou comunitariamente, ou seja, para sujeitos diferentes do ser humano, como os animais. Tais "direitos da natureza", impulsionados pelos movimentos ecológicos, postulam as mesmas palavras ("respeito" e "não-exploração") utilizadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos humanos· 35 Seguindo-se a mesma linha argumentativa, é possível afirmar que a tendência contemporânea no sentido de uma proteção constitucional e legal da fauna e flora, bem como dos demais recursos naturais, inclusive contra atos de cruel­ dade praticados pelo ser humano, revela no mínimo que a própria comunidade humana vislumbra em determinadas condutas (inclusive praticadas em relação a outros seres vivos) um conteúdo de indignidade. Tendo em conta que nem todas as medidas de proteção da natureza não humana têm por objeto assegurar aos seres humanos sua vida com dignidade (por conta de um ambiente saudável e equili­ brado), mas dizem com a preservação, por si só, da vida em geral e do patrimônio ambiental, resulta evidente que se está a reconhecer um valor em si, isto é, intrínseco. 36 u BOBBIO. Norberto. A era dos direitos. 1 O. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus. 1992. p. 69. 3' SARLET. Di gnidade da pessoa humana .... p. 35.

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A Constituição Federal brasileira, no seu art. 225, § 1 °, VII, enuncia de forma expressa a vedação de práticas que "provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade", o que sinaliza o reconhecimento, por parte do constituinte, do valor inerente a outras formas de vida não-humanas, protegendo-as, inclusive, contra a ação humana, 37 o que revela que não se está buscando proteger (ao menos diretamente e em todos os casos) apenas o ser humano. É difícil de conceber que o constituinte, ao proteger a vida de espécies naturais em face da sua ameaça de extinção, estivesse a promover unicamente a proteção de algum valor instrumental de espécies naturais; pelo contrário, deixou transparecer uma tutela da vida em geral nitida­ mente não meramente instrumental em relação ao ser humano, mas numa perspectiva concorrente e interdepen­ dente. Especialmente no que diz com a vedação de práticas c1uéis contra os animais, o constituinte revela de forma dara a sua preocupação com o bem-estar dos animais não-humanos e a refutação de uma visão meramente instrumental da vida animal. A Constituição também traz de forma expressa no mesmo dispositivo a tutela da Junção ecológica da flora e da fauna, o que dá a dimensão de sistema ou ecossistema ambiental, no sentido de contemplar a proteção integrada dos recursos naturais (e aí incluído o ser humano). Dessa forma, está a ordem constitucional reconhecendo a vida animal como um fim em si mesmo, de modo a superar o antropocentrismo kantiano. 37 Registra-se o descompasso entre a Lei de Proteção da Fauna (Lei 5.197/67) e a Constituição Federal, em razão do referido diploma legal. sob uma matriz eminentemente instrumental e patrimonialista da vida animal. restringir-se a determinar que a f1una silvestre é de propriedade do Estado, sem esboçar uma maior preoC\JpaçJo com o bem-estar dos animais e a vedação de práticas cruéis. proibindo apenas alguns meos de abate de animais silvestres (especialmente no inciso "a." do art. 1O).

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Como aludido acima, outro argumento importante para sustentar a dignidade da vida de um modo geral como um valor próprio (autônomo) é a proteção constitucional de espécies ameaçadas de extinção, porquanto, na maioria dos casos, a existência de determinada espécie no ambiente não traz nenhum benefício existencial direto (nem mesmo econômico) para o ser humano, igu almente contrariando a visão posta pela corrente antropocêntrico-instrumental dos recursos naturais. Com efeito, a proteção das espécies ameaçadas de extinção não representa a funcionalização (pelo menos não a mera funcionalização) da vida animal em razão da sua utilidade para o Homem, mas diz com uma dimensão objetiva de proteção, reconhecendo, de certa forma, um valor - que, também por implicar em deveres jurídicos de tutela e promoção, poderia muito bem ser denominado de "dignidade" - inerente àquela existência em risco de extinção. Deve-se destacar que a proteção de espécies ameaçadas de extinção é mais abrangente do que a vedação de práticas cruéis contra os animais, pelo fato de tutelar também a flora e todas as demais formas de vida que estiverem sujeitas à extinção, o que acaba por revelar, de certo modo, o reconhecimento, por parte do constituinte, de um valor inerente à vida de um modo geral como sendo digno e exigente de tutela. No âmbito do ordenamento jurídico infraconstitucional, é oportuno voltar o olhar sobre o Direito Penal, no âmbito do qual se destaca a criminalização de condutas humanas que resultem em crueldade e maus-tratos contra animais. 38 13 A Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) também visa dar uma proteção especial às espécies raras ou ameaçadas de extinção, quando prevê de forma expressa um aumento de pena (§ 4°, 1) para o tipo penal do art. 29 quando este for impetrado em fa ce de espécies naturais em tal condição de risco.

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Subjacente a tal postura do legislador infraconstitucional, ainda mais quando relida à luz do dever constitucional de proteção da fauna, 39 está implícito o reconhecimento, ou melhor, a atribuição de um "valor", portanto, de uma digni­ dade, também a outras formas de vida além da humana. A Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), na Seção dos Crimes contra a Fauna, ao mesmo tempo em que criminaliza a conduta humana que atenta contra a vida e o bem-estar animal e caracteriza a reprovação social de tal prática, reco­ nhece, em certa medida, um valor (dignidade?) inerente à vida animal, tutelando-a de forma autônoma e independen­ temente da sua utilidade ao ser humano. 40 No § 1 ° do art. 32, o tipo penal do caput é ampliado para abarcar também quem "realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos", o que evidencia a adoção de um critério de proporcionalidade ( designadamente o subcritério da necessidade) para justi­ ficar a utilização de animais em experiências científicas ou didáticas, ou seja, aquela prática só será juridicamente legítima quando não houver outros meios alternativos (menos lesivos) para realizar a experiência. Deve-se des­ tacar que também a ponderação dos bens em conflito (tutela da fauna e benefícios científicos à saúde extraídos dos 39 "Art. 225 (... ) § 1 ° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (. .. ) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco na sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade." •0 "Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa; § 1 ° Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou cientlficos, quando eX1stirem recursos alternativos; § 2º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorre morte do animal" (grifos do autor).

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experimentos) deve ser procedida, a fim de contemplar a proporcionalidade "em sentido estrito" e a constituciona­ lidade da medida, sempre em face de um caso concreto. 41 Seguindo essa linha de entendimento, valemo-nos das lições de Sporleder de Souza, que, rompendo com a visão liberal-individualista (também antropocêntrica) do Direito Penal e em face da natureza dos crimes ambientais, provoca a doutrina clássica e consagra o ambiente natural como sujeito passivo da criminalidade, juntamente com a coleti­ vidade e a humanidade. 42 Em síntese, o autor defende uma teoria antropocêntrica-ecocêntrica ou antropocêntrica­ relacional dos bens jurídicos ambientais, de acordo com a qual "o meio ambiente, mesmo sendo considerado um fim 'em si mesmo', deve ser alvo de proteção penal tendo em vista a idéia relacional de responsabilidade do homem não só para com a natureza, mas também para com as futuras gerações".43 A teoria defendida por Sporleder de Souza sobre os bens jurídicos ambientais contrapõe-se às teorias: a) antropocêntrica, que não considera o ambiente como um "fim em si mesmo", entendendo que a sua proteção tem em vista a tutela de bens jurídicos estritamente antropo­ cêntricos, sejam eles individuais ou supra-individuais; e " Recentemente , em 13.06.2007, foi proferida liminar (Proc. 2007.71. 00.019882-0/RS), pelo Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior, da Vara Ambiental da Justiça Federal de Porto Alegre, em favor de estudante de Biolog ia que se negava a participar das aulas práticas com o uso de animais. Na decisão, a Universidade do Estado do Rio Grande do Sul resultou obrigada a oferecer ao aluno aulas práticas alternativas àquelas com animais, nas disciplinas de Bioquímica li e Fisiologia Animal B, de modo a evitar que o aluno viesse a ser reprovado pelo fato de exercer sua liberdade de consciência e convicção. A decisão (proferida pela primeira Instância) reconheceu o direito à objeção de consciência do aluno em face do uso de animais em aulas práticas, considerando a existência de métodos alternativos para o aprendizado. Tal análise ajusta-se ao comando constitucional imposto pelo princípio da proporcionalidade. 2 • SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. O meio ambiente (natural) como sujeito passivo dos crimes ambientais. Revista Brasileira de Ci�ncias Criminais, São Paulo, ano 12, n. 50, p. 57-90, setJout. 2004. O SOUZA. O meio ambiente ..., p. BO.

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b) ecocêntrica, inspirada no pensamento da deep ecology (ecologia profunda ou radical), que sustenta que o ambiente deve ser compreendido como um "fim em si mesmo", justificando-se a proteção penal independentemente de qualquer relação com o homem e com as suas necessidades, pois a natureza possui valores próprios que merecem ser tutelados de forma autônoma pelo Direito Penal. 44 Na jurisprudência brasileira, a vedação de práticas cruéis contra a vida animal tem encontrado amparo no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que decidiu, respec­ tivamente, pela inconstitucionalidade da prática da "farra do boi"45 no Estado de Santa Catarina, bem como pela inconstitucionalidade da lei do Estado do Rio de Janeiro que regulamentava a "briga de galo",46 fundamentando ambas as decisões na previsão constitucional do art. 225, § 1 °,VII.Na decisão do STF relativamente à prática da "farra " SOUZA. O meio ambiente ... , p. 78-80. ., Na decisão, o STF analisou o caso à luz do princípio da proporcionalidade e ponderou o direito à manifestação cultural das comunidades catarinenses e a crueldade contra os animais inerente à "farra do boi", vedando a referida prática � protegendo a integridade física e o bem-estar dos animais. "COSTUME. MANIFESTAÇAO CULTURAL. ESTIMULO. RAZOABILIDADE. PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA. ANIMAIS. CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado farra do boi" (STF, REXT 153. 531-8-SC, Rei. Min. Francisco Resek, dec1s.\o em 03.06.97). •• "Constitucional. Meio Ambiente. Animais. Proteção. Crueldade. 'Briga de galos' 1 - A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre 'galos combatentes', autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: CF. art. 225, § 1 °. VII. li - Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895.03.98, do Estado do Rio de Janeiro". (STF, Pleno, ADI 1.856-6-RJ, Medida Li minar, Rei. Min. Carlos Veloso, decisão unânime, Diário da Justiça, Seção 1, 22 set. 2000, p. 69). Mais recentemente, em 14.06.2007, o Plenário do STF, sob a relatoria do Ministro Cezar Peluzo, declarou a inconstitucionalidade da Lei 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte, que •utorizava a criação, a exposição e as competições de aves das "raças combatentes·. conheadas como "brigas de galos" (ADI 3776-RN).

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do boi" no Estado de Santa Catarina, o Ministro-Relator Francisco Rezek, ao reconhecer que tal prática é aberta­ mente violenta e cruel para com os animais, estando em desacordo com a Constituição, afirmou: manife taçõe culturai são a práticas exi tentes em outras partes do par • que também envolvem boi ubmeticlos à farra do público, mas de pano, de madeira, de .. papier maché"; não seres vivos, dotado" de sensibilidade e prese1vados pela Consti­ tuição da República contra esse gênero de comportamemo.

Além das práticas referidas, é possível listar outras manife taçõe de crueldade contra animais, tais como a caça para fin meramente e portivos, tourada , brigas de cachorros, o que não afasta a discus ão a respeito de eventual conflito com práticas arraigadas em determinadas comuni­ dade e a sua po ível uperação. Ainda que não se esteja a sustentar uma equiparação com as práticas de c1ueldade com os animais acima referidos, merece destaque, no mínimo como uma questão a ser debatida, o exemplo trazido pela assim chamada cultura pet shop de "humanização" de animais domésticos (principalmente cachorros e gatos), aos quais é imposto o uso de utensílios e roupas ao modo de vestir humano, descaracterizando e desrespeitando a sua identidade animal (e natural). Da mesma forma que as práticas que infligem sofrimento aos animais, a violação da identidade natural dos animais é, a depender das circuns­ tâncias, urna forma (possivelmente também cruel) de agredir a sua existência e a sua condição natural. Quando hoje se fala em "bem-estar animal", tal compreensão não passa pelo tratamento dos animais como se humanos fossem, mas sim pelo respeito à sua condição animal e identidade natural. Em outras palavras, a dignidade humana implica dever de respeito e consideração para com a vida não-humana e o

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reconhecimento de uma dignidade (valor intrínseco) das formas não-humanas de vida, visto que a dignidade da pessoa humana, embora tenha uma dimensão ecológica, não se confunde com a dignidade da vida, o que também deve ser sempre considerado na discussão sobre eventual embate entre direitos humanos e fundamentais e os inte­ resses (ou direitos?) inerentes à vida não-humana, aspecto que não poderá ser aqui aprofundado.

4 Algumas questões em aberto - Um novo contrato político-jurídico socioambiental? A ampliação da noção de dignidade da pessoa humana (a partir do reconhecimento da sua necessária dimensão ecológica) e o reconhecimento de uma dignidade da vida não­ humana apontam para uma releitura do clássico contrato social em direção a uma espécie de contrato socioambiental (ou ecológico), com o objetivo de contemplar um espaço para tais entes naturais no âmbito da comunidade estatal. Nesse sentido, Michel Serres aponta a necessidade de se apostar, no contexto político-jurídico contemporâneo, na concepção de um contrato natural, onde o ser humano abandone a sua condição de dominador e "parasita" em face do mundo natural e assuma em face deste uma postura caracterizada pela reciprocidade na relação entre ser humano e ambiente, ou seja, aquilo que a Natureza dá ao homem é o que este deve dar a ela, tornando-a, de certo modo, sujeito de direito.4' Assim, da mesma forma como a Declaração dos Direitos do Homem buscou pôr fim ao parasitismo entre seres humanos, é chegado o momento histórico de, por " SERRES, Michel. O contrato natural. Tradução de Serafim Ferreira. Lisboa: Instituto Piaget, 1990. p. 66.

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meio de um contrato natural (ou melhor, socioambiental), se acabar, ou, pelo menos, minimizar, o impacto maléfico do parasitismo do Homem em relação à Natureza. 48 Há que ampliar o especu·o de reconhecimento de sujeitos de direito no sentido de, contemplando novos parceiros de aventura natural, acrescentar ao contrato social a celebração de um contrato natural ou socioambiental de reciprocidade e interação enu·e os pactuantes. Assim como uma nova feição estatal se delineia, também um novo sujeito político deve emergir de tal coajuntura político-jurídica comprometida com o futuro. Propõe-se a reconciliação do homem natural com o homem político. Por fim, registra-se a importância da conscientização e da sensibilização humana acerca do respeito à vida do animal não-humano e dos entes naturais em geral. No diálogo travado entre os seus personagens Hans Castorp e Setternbrini, Thomas Mann, 49 em sua obra A montanha mágica, após referir que a essência do humanismo está vinculada ao respeito à dignidade da pessoa humana, destaca que o "céu, por motivos de eqüidade, pertence aos pardais". Os valores fundamentais da nossa comunidade estatal (dignidade, liberdade, i gualdade e solidariedade) devem, necessariamente, ser ampliados para além do espectro humano, no intuito de alcançarmos um patamar mais evoluído da culturajurídica, da moral e do pensamento humano, o que, à luz das formulações levantadas, se revela também por meio do reconhecimento e conseqüente pro­ teção e promoção da dignidade dos animais e da vida de

41 SERRES. O contrato natural, p. 61-64. •• MANN, Thomas. A montanha mágica. Tradução de Herbert Caro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 217.

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um modo geral. Se tais questões, para além da evidente existência de deveres fundamentais, também implicam o reconhecimento de direitos (subjetivos) fundamentais dos animais ou da natureza, ou se é preferível falar de interesses (objetivamente tutelados) fundamentais vinculados à vida não-humana ainda permanece em aberto. Da mesma forma, seguem carentes de amplo debate inúmeras outras questões, direta e indiretamente vinculadas ao tema ora versado. Relembre-se aqui que o que nos importa com o presente ensaio é que sigamos logrando abrir e não cerrar portas e janelas por onde possam circular as idéias que movem a civilização e que seguem viabilizando que o Homem, ciente das suas limitações e de sua responsabilidade com a sua e as demais formas de vidas e com o meio no qual se inserem, encontre na dignidade da pessoa humana e na dignidade da vida um fundamento e um objetivo permanente, ético e jurídico, a respeitar e promover. lnformaç.lo bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT):

SARLET, lngo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Algumas notas sobre a dimensAo ecológica da dignidade da pessoa humana e sobre a dignidade da vida em geral. ln: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda lu1za Fontoura de; SARLET, lngo Wolfgang; FENSTERSEIFER. Tiago (Org.). A dignidade da vldd e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Hori­ zonte: Fórum. 2008. p. 175·205. IS8N 978·85·7700-120-0.

Experimentação em animais e Direito Penal: comentários dogmáticos sobre o art. 32, § 1º , da Lei nº 9.605/1998, e o bem jurídico "dignidade animal"

Paulo Vinicius Sporleder de Souza Doutor em Direito (Ciência.s jurídico-Criminais) pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor adjunto de Direito Penal da Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). João Alves Teixeira Neto Acadêmico do Curso de Bacharelado em Ciência.sjurídicas e Sociais (PUCRS).

Juliana Cigerza Acadêmica do Curso de Bacharelado em Ciência.sJurídicas e Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNS/NOS).

Sumário: 1 Considerações prévias - 2 Art. 32, §1 º (Lei nº 9.605/1998) - 2.1 Tipo objetivo - 2.2 Tipo subjetivo - 2.3 Modalidade culposa - 2.4 Qualifi­ cadoras e causas de aumento de pena - 2.5 Pena e questões processuais - 3 Da dignidade animal - 3.1 Fundamentos (fatores fundantes) - 3.1.1 Vida 3.1.2 Sensciência - 3.1.3 Capacidade para sofrer - 3.1.4 Interesse - 3.1.5 Racionalidade - 3.2 Conceito - 3.3 Natureza - 4 Considerações finais Referências

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1 Considerações prévias O desenvolvimento das ciências encontra-se fortemente ligado ao constante uso de animais como modelo biológico, prática que se incorporou na nossa cultura científica ocidental I há muito tempo. A experimentação em animais tem rigoro­ samente a mesma idade que a ciência experimental, sendo possível supor que as investigações em animais sejam tão antigas como as interações (apropriações, domesticações, explorações) entre os seres humanos e os animais. 2 Porém, é inicialmente na Grécia, a partir do sérulo V a.C, que a curiosidade se torna o motivo dominante para as investigações deste gênero. O corpus hipocrático, a obra de Aristóteles e de outros naturalistas da época revelam conhe­ cimentos anatômicos obtidos pela dissecação de cadáveres de animais. Posteriormente, com Galeno (século II a.C), são realizadas experimentações (anatômicas e fisiológicas) mais especializadas e utilizando-se animais vivos. 3 Contudo, somente no Renascimento a experimentação animal começa a ser praticada sistematicamente. Conforme Goffi, "o livro de Vésale (1514-1564),Afábrica do corpo humano, comporta um capítulo sobre a dissecção de animais vivos. As inves­ tigações de Harvey (1578-1657) sobre circulação sanguínea abrangem vivissecções, e as primeiras tentativas de injeção intravenosa (Wren, 1657) e de transfusão sanguínea (Lower, 1666) fazem-se em animais. No fim do século XVII, a expe­ rimentação com animais toma-se prática corrente, e o desen­ volvimento da biologia e da medicina em bases científicas ' FEIJÓ. Utilização de animais na investigação e docência: uma reflexão ética necessária, p. 71 ' GOFFI. ln: Hottois; Parizeau. Dicionário da bioética, p. 233. 3 Idem, ibidem.

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(no início do século XIX) vai desencadear um emprego crescente de animais de laboratório".4 Conseqüentemente, o elemento mais importante do chamado "paradigma da medicina experimental" é a experimentação com animais.5 Hodiernamente, é difícil estimar o número de animais utilizados em experimentos científicos em todo o mundo. 6 Roedores (camundongos, ratos), peixes, anfíbios, répteis, pássaros, coelhos, cachorros, gatos, bois, porcos e macacos substituem o ser humano como objeto das mais variadas investigações científicas, v.g., na preparação e controle de qualidade de medicamentos e procedimentos, no estudo de reações/efeitos tóxicos de certos produtos alimentícios, industriais e domésticos, 7 ou ainda para fins de ensino. 8 Assim, o uso de animais pode ser dividido em três áreas a saber: a) pesquisa científica; b) testagem de produtos; e c) ensino, que por sua vez suscitam diferentes abordagens e debates éticos.9 Nesse sentido, vale frisar que, no âmbito internacional, o Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas (Council for International Organizations of Medical GOFFI. ln: Hottois; Parizeau. Dicionário da bicética, p. 233. 'FEIJÓ. Utilização de animais na investigação e docência: uma reflexão ética necessária, p. 72. 6 ALVES; COLLI. E xperimentação com animais: uma polémica sobre o trabalho científico. Ciência hoje, p. 25. 7 Os testes de toxicidade de novos produtos mais conhecidos são os seguintes: a) Dose Letal 50% (LD); b) Eye Draize Test; e c) Skin Draize Test (FEIJÓ. Utilização de animais na investigação e docência: uma reflexão ética necessária, p. 74-75). 8 Segundo Feijó (Utilização de animais na investigação e docência: uma reflexão ética neces­ sária, p. 88), a educação é uma das áreas onde o uso de animais é muito freqüente. sobretudo no ensino de farmacologia, fisiologia e anatomia, entre outras, aduzindo a autora que "a utilização destes animais é justificada para a aquisição de prática, habilidade e conhecimento por parte dos novos estudantes e pelo esforço de aprendizagem já adqui­ rido em aulas anteriores". Noutras palavras, "animais, na grande maioria sadios, são mortos apenas com o fim educacional" para o ensino das ciências biomédicas (idem, ibidem). 9 Cf. FEIJÓ, op. cit., p. 73.

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Science - CIOMS) - estabelecido em 1949 pela UNESCO - regulamentou, em 1984, os Princípios básicos internacionais para a pesquisa biomédica envolvendo animais (International guiding principiesfor biomedical research involving animais), um importante documento que afirma o seguinte: 1) experi­ mentos com animais são necessários ao desenvolvimento científicos(1, I); 2) os animais devem ser substituídos, quando possível, por modelos alternativos 10 (1, II); 3) os experi­ mentos com animais devem ser relevantes (1, III); 4) deve-se utilizar o número mínimo de animais necessário para se obter resultados cientificamente válidos(1, IV); 5) os animais devem receber tratamento e conforto adequados, bem como alívio (anestesia) em procedimentos que causam dor (1, V, VII); 6) o animal que vier a sofrer em decorrência do expe­ rimento deve ser sacrificado de forma indolor. Na realidade, este código de conduta internacional segue as recomen­ dações da famosa "teoria dos três Rs" - oriunda das palavras inglesas reduce (reduzir), refine (refinar) e replace (substituir)-, proposta em 1959 por Russell e Burch, relativas à utilização adequada de animais nas experimentações. Ou seja: 1) deve­ se reduzir o número de animais a serem utilizados nas pesquisas (reduce); 2) deve-se planejar as pesquisas, procu­ rando evitar ou diminuir o sofrimento desnecessário dos animais (refine); e 3) deve-se substituir os animais por modelos alternativos sempre que for possível (replace).

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No Brasil, preocupado em estabelecer critérios éticos e metodológicos para o uso de animais em experimentos, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) editou em 1991 um documento muito parecido intitulado Princípios éticos na experimentação animal, "ressaltando a importância do animal e o respeito que o homem deve ter para com todos os seres da natureza, a responsabilidade moral do experimentador durante a pesquisa(...), o uso de métodos apropriados de avaliação do experimento, o cuidado para evitar o desconforto, a dor e o estresse desnecessários, além de se alertar para o uso de métodos alternativos na investigação científica". 1 1 Paralelamente às discussões éticas mencionadas acima, surgiram indagações jurídicas relacionadas com as pesquisas envolvendo animais. Embora seja um tema relativamente novo para o direito, organismos internacionais e alguns países editaram instrumentos e normas a respeito da experimen­ tação animal. No panorama internacional, considerando que "todo animal possui direitos e que o desconhecimento de ditos direitos tem conduzido e segue conduzindo o homem a cometer crimes contra os animais", a Declaração Universal dos DIREITOS do animal(UNESCO, 1978), proclama que: "a) nenhum animal será submetido a maus-tratos nem a atos cruéis; b) se for necessária a morte de um animal, esta 11

'º Além da preocupação ética com os experimentos atuais, cientistas de todo o mundo também se esforçam para investigar métodos que permitam diminuir a quantidade de animais usados e substituí-los. particularmente nos casos em que é preciso submetê-los a processos dolorosos ou a substâncias tóxicas (ALVES; COLLI. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o trabalho científico. Ciência hoje, p. 28). "Deve-se esperar dos métodos substitutivos uma redução do número de animais no decurso de experiências mais bem conduzidas e menos dolorosas" (GOFFI, op. cit, p. 234).

SOGAYAR. Ética na experimentação animal: consciência & ação, p. 79. Por outro lado, além dos aspectos éticos propriamente ditos, existem exigências formais da metodologia científica para o uso adequado de animais em experimentação. Sogayar (op. cit., p. 4145) elenca as seguintes: 1) Que a hipótese a ser testada no animal seja importante; 2) que haja necessidade do uso de animais na pesquisa; 3) que seja possível transferir os resultados obtidos de um animal para outra espécie animal; 4) que seja usado um método apropriado para testar a hipótese; 5) que o estresse, a dor ou o sofrimento do animal devem, sempre que possível. estar relacionados com a importância da hipótese; 6) que o número de animais seja minimizado.

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deve ser instantânea, indolor e não geradora de angústia" (art. 3). E no que tange à experimentação, especificamente, a mencionada declaração estatui: "a) a experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de experiência médica, científica, comercial, ou qualquer outra; b) as técnicas alternativas devem ser utilizadas e desenvol­ vidas" (art. 8). Seguindo tal orientação, no direito comparado, alguns países, de forma pioneira,já contam com legislação especí­ fica sobre o tema em tela. 12 No entanto, a realidade norma­ tiva de muitos dos demais países não é a mesma. Enquanto uns possuem normas mais genéricas de proteção ao animal, que indiretamente tratam da experimentação animal, outros sequer a regulamentamjuridicamente. No Brasil, a Constituição Federal/1988 preconiza que "incumbe ao Poder Público( ...) proteger a fauna(...), vedadas, na forma da lei, as práticas que(...) submetam os animais à crueldade" (Art. 225, §1º, VII). De acordo com esta determi­ nação constitucional, existem três legislações no ordenamento jurídico-penal pátrio que tratam do tema "experimentação animal". São elas: a) Decreto-Lei nº 3.688/1941(art. 64, § 1º); b) Lei nº 6.638/1979; e c) a Lei nº 9.605/1998(art. 32, §1º). No entanto, não vamos analisar a contravenção penal prevista no art. 64, § 1° do Decreto-Lei nº 3.688/1941, em virtude da sua revogação tácita pelo art. 32, § 1° da Lei nº 9.605/1998; 13 V. entre outras, as conhecidas legislações americana e inglesa, respectivamente, a Animal Welfare Act (1985) e a British Animais (Scientific Procedures) Act (1986). Segundo Feijó (op. cit, p. 122). "originário do primeiro ato governamental que oficializou a preocupação com o bem-estar animal na investigação cientifica em 1876 (Cruelty to Animais Act), o British Animais Act foi instituldo por exigência da sociedade britânica que via muitas falhas na lei anterior". " Nesse sentido, CONSTANTINO. Delitos ecológicos: a lei ambiental comentada artigo por artigo: aspectos penais e processuais penais, p. 123; PRADO. Direito penal do ambiente, p. 249. 12

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e tampouco a Lei nº 6.638/1979,já que o dispositivo penal constante desta legislação(art. 5°, 1) 14 também foi revogado tacitamente, só que de forma reflexa. 15 Diante disso, resta apenas a Lei nº 9.605/1998(art. 32, §1º) para ser apreciada. Então vamos a ela.

2 Art. 32, §1° (Lei n º 9.605/1998) De acordo com a Lei nº 9.605/1998, incorre em crime "quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos".

2.1 Tipo objetivo O bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a dignidade animal, e o seu titular (sujeito passivo) é a coletividade animal. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (física), indepen­ dentemente de qualquer qualidade ou condição pessoal. Trata-se de crime comum. A conduta incriminada é comis­ siva e consiste em realizar (pôr em prática, efetuar, fazer) experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem re­ cursos alternativos. Objeto material é o animal (silvestre, 16 Lei nº 6.638/1979, art. 5º : "Os infratores desta Lei estarão sujeitos: 1 - às penalidades cominadas no art.64, caput, do Decreto-lei n.3.688, de 3 de outubro de 1941, no caso de ser a primeira infração; li - à interdição e cancelamento do registro do biotério ou do centro de pesquisa. no caso de reincidência". º 15 Para fins penais, o art. 5º. 1 da Lei n 6.638/1979 está revogado reflexamente, pois este remete às penalidades do art. 64 . caput, do Decreto-Lei nº 3.688/1941, este revogado pelo art. 32, 1° da Lei nº 9.605/1998 como foi mencionado. Desta forma, a partir de agora, aplica-se tão-somente a Lei nº 9.605/1998 (art. 32, §1º) nas experimentações envolvendo animais, inclusive as vivissecções. 16 "São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas. migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou arte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras" (art. 29, 3º, da Lei nº 9.605/1998). 1



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doméstico ou domesticado) 17 vivo. Como elementos normativos (extrajurídicos) do tipo têm-se as expressões experiência dolorosa ou cruel (...) ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos; enquanto o elemento descritivo está representado pelo termo animal vivo. Expe­ riência é o ato de experimentar (submeter a experiência, ensaiar). 18 Ademais, a experiência dever ser dolorosa (que produz, ou em que há dor) e cruel (desumana, pungente, que faz sofrer além do necessário). Por outro lado, recursos alternativos consistem em métodos (científicos) alternativos à utilização de animais nas experimentações (por exemplo, substituição de agentes biológicos completos pela parte biológica específica a ser pesquisada - cultura de células e tecidos in vitro - ou por modelos não vivos e/ou computa­ dorizados, 19 ou outros simuladores). Inexiste norma penal em branco. Quanto à consumação, trata-se de crime material, que exige resultado naturalístico, consumando-se com a dor, o sofrimento, os ferimentos, as mutilações, etc. A tentativa é portanto admissível. Enfim, no que toca ao resultado juridico, configura-se um crime de dano.

2.2 Tipo subjetivo É apenas o dolo ( direto ou eventual), representado pela vontade e consciência de realizar o tipo objetivo. lnexiste elemento subjetivo especial. " "Animais domésticos são aqueles que convivem harmoniosamente com o homem, do qual geralmente dependem; domesticados são espécies não originariamente domésticas, mas que foram em tais convertidas, através do convívio com o homem" (PRADO, op. cit, p. 250). 18 S egundo Goffi (ln: HOTIOIS; PARIZEAU. Dicionário da bioética, p. 232). experimentação é "o emprego sistemático da experiência, isto é.da observação provocada tendo em vista controlar ou sugerir uma hipótese científica (C. Bernard). Porém, consiste igualmente em avaliar (em 'testar') a inocuidade ou eficácia de diversos produtos, processos ou procedimentos. destinados ou não a serem comercializados". 19 FEIJÓ, op. cit, p. 93.

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2.3 Modalidade culposa Não há previsão típica da forma culposa.

2.4 Qualificadoras e causas de aumento de pena Há uma hipótese de causa de aumento de pena que incidirá na punibilidade prevista no§1 °, se ocorrer a morte do animal durante ou após a realização da experiência dolorosa e cruel. Ela está prevista no §2°.

2.5 Pena e questões processuais Comina-se pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Todavia, aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorrer a morte do animal. Admite-se tanto a transação penal (art. 2 °, parágrafo único da Lei nº 10.259/2001 c/c art. 61 da Lei nº 9.099/1995) quanto a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). Também é possível a suspensão condicional da pena (art. 16 da Lei nº 9.605/1998).

3 Da dignidade animal Identificado acima que a dignidade animal é o bem jurídico-penal tutelado pelo art. 32, §1º, da Lei nº 9.605/1998, precisamos agora delinear os fundamentos (éticos), o conceito e a natureza deste objeto jurídico.

3.1 Fundamentos (fatores fundantes) A necessidade de dar proteção jurídica aos animais encontra seu fundamento ético na sua dignidade. Esta dignidade é inferida por diversos fatores oriundos, em sua maioria, das inúmeras semelhanças com os seres humano .

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A dignidade animal, a exemplo da dignidade humana, 2º -( deve ser entendida como um valor intrínseco, inviolável e incomensurável por excelência. _,, Os fatores21 fundantes da dignidade animal, a nosso entender, são: a) vida; b) sensciência; c) capacidade para sofrer; d) interesse; e) racionalidade (ainda que meramente prática). Enquanto elementos ontológicos, estes fatores possuem o condão de fundamentar a referida dignidade animal. E a sua presença na existência dos animais, muito além de determinar sua dignidade, demonstra traços da profunda e surpreendente semelhança entre seres humanos e seres não-humanos. Enquanto a dignidade animal funda­ menta a proteção jurídica dos mesmos, a consciência22 das semelhanças entre o homem e os animais fundamenta uma proteção no âmbito moral. Por não fazer parte dos objetivos deste trabalho, não aprofundaremos as questões de trato social e proteção moral respeitantes às nossas relações com os animais, mas tão-somente os aspectos da proteção jurídico­ penal. Agora vamos analisar mais detidamente os cmco fatores fundantes da dignidade animal aludidos.

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Sobre a dignidade humana, v., por todos, SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. A denominação destas categorias como fatores, nada mais é que um recurso didático. A aplicação da terminologia nos parece ideal, na medida em que fatores são causas que executam ou constituem algo. A consciência, por parte das pessoas, da existênci� destas estreitas semelhanças, proporciona uma mudança de paradigmas no tocante ao trato social com os animais. Vásquez (Ética, p. 101) define trato social como "um sem número de atos, regidos pelas respectivas regras ou normas de convivência que cobrem o vasto setor - muito extenso na vida cotidiana - dos convencionalismos sociais (. ..)". Assim, o trato social abrange também as nossas relações com os animais, na medida em que estas, não deixam de estar determinadas por convencionalismos sociais.

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3.1.1 Vida Vida é o pressuposto de todos os outros fatores. Não gera nenhuma dificuldade de compreensão, na medida em que é a premissa mais básica para se falar em qualquer espécie de dignidade. Algu ns autores vão mais além, defen­ dendo que a vida não é apenas condição necessária para a existência de dignidade, mas também condição suficiente: "A própria vida, de um modo geral, guarda consigo o elemento dignidade, ainda mais quando a dependência existencial entre as espécies naturais é cada vez mais reite­ rada no âmbito científico". 23 Outros autores conferem um diferente significado à palavra vida. Regan, valendo-se da expressão sujeito de uma vida, inclui neste conceito a presença de outros fatores como: consciência do mundo e interesse; "Então, eis a nossa pergunta: entre os bilhões de animais não humanos existentes, há animais conscientes do mundo e do que lhes acontece? Se sim, o que lhes acontece é importante para eles, quer alguém mais se preocupe com isso, quer não? Se há animais que atendem a esse requi­ sito, eles são sujeitos de uma vida". 24 Diferentemente de Regan, tratamos separadamente os fatores: vida, interesse e consciência. Este último, abordaremos dentro do fator racionalidade. Em nosso entender, a vida é um pressuposto para a existência destes outros fatores. Porém, ela por si só, não implica na existência da dignidade animal, sendo necessária a presença dos demais fatores. Não obstante não ser a vida condição suficiente para a existência da dignidade FENSTERSEIFER. A dimensão ecológica da dignidade humana: as projeções normativas do direito (e dever) fundamental ao ambiente no Estado socioambiental de direito, p. 38. 24 REGAN. Jaulas vazias, p. 65. 23

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animal, é ela, indiscutivelmente, condição necessária. Deste modo, sem a presença do fator vida não há que se falar em dignidade animal.

3.1.2 Sensciência Sensciência é a capacidade de sentir. Pode-se dizer que é a qualidade de sentir ou (re)conhecer a satisfação ou frusu·ação, exemplificados na dor ou no prazer. A sensciência pressupõe que o animal: a) tem sensações como dor, fome e frio; b) tem emoções relacionadas com aquilo que sente, como medo, esu·esse, frustração; c) percebe o que está acontecendo com ele; d) é capaz de apreender com a experiência; 25 e) é capaz de reconhecer seu ambiente; f) tem consciência de suas relações com outros animais e com os seres humanos·' g) é capaz de distin guir e escolher entre objetos, outros animais e situações diferentes, mostrando que entende o que está acontecendo em seu meio; h) avalia aquilo que é visto e sentido, e elabora estratégias concretas para lidar com isso.26

3.1.3 Capacidade para sofrer Este termo é um pouco mais amplo que a sensciência, embora tenhamos que admitir a sutileza na distinção entre os dois conceitos. O sofrimento pode não ser apenas a sensação física de desconforto ou dor, mas um estado emocional de desagrado, como por exemplo, a interminável melancolia de um animal doméstico em virtude do seu abandono. Feijó, ao falar do sofrimento, nos proporciona um melhor enten­ dimento desta questão: "O termo sofrimento já ganha outro conceito. Seria uma resposta emocional associada com dor

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e distress. O sofrimento animal pode ser resultado de doença, exaustão e estágios mentais adversos, advindos de privação de exercício ou companhia, e outras frustrações de ordem psicológica". 27 Um dos grandes cernes da moralidade humana é a constante luta pelo combate ou diminuição do sofrimento. 2ª O sofrimento por ser um mal em si é abominável sobre qualquer ser, seja humano ou não humano. Por este motivo, o presente fator é um dos mais importantes para a inferência da dignidade animal. Ao encontro desta assertiva está Singer: "se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar este sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igu aldade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de i gualdade com o sofrimento semelhante". 29 Para melhor estabelecer a distinção entre sensciência e capacidade de sofrer, façamos uma análise de causa-efeito: a sensciência, enquanto capacidade de sentir, pode absorver tanto a dor quanto o prazer. O sentimento de dor é o efeito de alguma lesão ou mal. Porém, este sentimento de dor é também causa de um sofrimento. Sofrimento este, apenas possível, em função da capacidade para sofrer. Este sofri­ mento, enquanto efeito da d01� é a sensação de desconforto, o estado emocional provocado pela dor.

3.1.4 Interesse O interesse pressupõe a existência da capacidade para sofrer, pois sem esta, não há que se falar em qualquer espéàe FEIJÓ. Utilização de animais na investigação e docência: uma reflexão ética necessária, p. 69. 28 ARAÚJO. A hora dos animais, p. 95-96. 29 SINGER. ttica prática, p. 67. 27

25 Este aprendizado, oriundo da experiência, será retomado mais abaixo nas referências ao pensamento de Hume. 26 NACONECY. ltica e animais, p. 117.

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de interesse (próprio). "Seria absurdo dizer que não fazia parte dos interesses de uma pedra o fato de ter sido chutada por um garoto a caminho da escola. Uma pedra não tem interesses, pois não é capaz de sofrer". 30 Quando falamos em interesse, necessariamente, estamos falando de interesse por alguma coisa. Neste caso, o interesse que está em pauta é o interesse em não sofrer ou o interesse ao bem-estar. Deste modo, se "um ser não for capaz de sofrer, não há nada a tomar em consideração do ponto de vista ético". 31

3.1.5 Racionalidade Dentre os fatores até então apresentados, a racio­ nalidade, certamente, é o mais polêmico, daí surgindo a necessidade de realizarmos uma análise um pouco mais acurada. Sua polêmica surge do ceticismo de muitos que resistem em aceitar que os animais possuem alguma espécie de racionalidade, ainda que ínfima e meramente prática. Não obstante as notórias limitações desta racionalidade prática, ela possui, em certa medida, uma aproximação com a racionalidade humana, podendo aí estar o motivo para encontrarmos tanta resistência. Ora, sempre tivemos a racio­ nalidade humana como o grande atributo que enobrece nossa espécie. Desde a exaltação máxima das idéias raciona­ listas, com o cogüo de Descartes, a razão humana ganhou uma projeção ainda maior, tornando-se o grande orgu lho de nossa subjetividade. Aceitar uma aproximação, ainda 30 Idem, ibidem. 3 ' ARAÚJO. A hora dos animais, p. 97. Nesse sentido, OST (A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito, p. 235) questiona: o "animal que, pelo grito ou pela fuga, antecipa o sofrimento que conhece e receia (... ) não procurará ( ... ) preservar os seus interesses?".

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que mínima, entre a razão animal 32 e a razão humana, para muitos, pode importar num significativo decréscimo de nosso valor. A idéia de reconhecer nos animais alguma espécie de razão ou racionalidade é uma prática que não começa nos dias atuais. Socorrendo-nos do empirismo de Hume, obser­ vamos que no Século XVIII esta idéia já estava sendo disse­ minada. Em sua clássica obra Investigação sobre o entendimento humano, Hume desenvolve um capítulo intitulado "Da razão dos animais". Nesta passagem, o autor defende uma aproxi­ mação entre homem e animal, sustentando que ambos buscam o conhecimento na experiência. Ao falar de nossos raciocínios, Hume refere que quando estes versam sobre questões de fato "se fundam numa espécie de analogia que nos faz esperar de uma causa os mesmos eventos que temos visto resultar de causas semelhantes". Nesta linha de argu­ mentação, ainda sustenta o autor que quanto mais seme­ lhantes as causas, mais perfeitas são as analogias. Fica claro que esta captação de conhecimento através da experiência, fundamental ao desenvolvimento do ser, não é apenas privi­ légio dos seres humanos. Assevera Hume: "parece evidente que os animais, como os homens, apreendem muitas coisas da experiência e inferem que os mesmos eventos resul­ tarão sempre das mesmas causas. Mediante este princípio, familiarizam-se com as propriedades mais evidentes dos objetos externos, e gradualmente, a partir de seu nascimento, acumulam conhecimentos sobre a natureza do fogo, da água, das pedras, das altitudes, das profundidades etc., e daquilo que resulta sua ação".33 32

O que aqui chamamos de "razão animal" deve entender-se como a simples razão utilizada pelos animais, a racionalidade meramente prática. 33 HUME. Investigação sobre o entendimento humano, p. 117-120. Locke também "reconhecia que os animais são dotados de percepção e de memória, sendo que alguns

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A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA AliM DOS HUMANOS UMA DISCUSSÃO NEOSSÁIIIA 1 2 2 3

Pesquisas com animais, das mais diversas naturezas, corroboram esta idéia. Singer traz diversos casos onde foram obtidos resultados surpreendentes como um estudo no qual um chimpanzé aprendeu a linguagem dos sinais: "a chim­ panzé, que chamava Washoe, apreendeu cerca de 350 sinais diferentes e a usar, corretamente, cerca de 150 deles.Juntava sinais para formar frases simples". Em outro estudo referido pelo autor, restou demonstrada a noção de tempo para alguns animais: "quando, seis dias depois do seu aniver­ sário, perguntara, a Koko (uma gorila) o que tinha aconte­ cido naquela data, ela fez sinais que diziam: dormir comer". Finalmente, e questionando a excepcionalidade destes animais, conclui Singer: "serão eles excepcionais, entre os animais, pelo fato de conse gu irem expressar-se através de uma linguagem? Ou não será, apenas, que a linguagem dá a esses animais condições de demonstrar uma característica que eles, e outros animais, sempre possuíram?". 34 Estes estudos, que demonstram alguma espécie de racionalidade nos animais, acabam, conseqüentemente, também por constatar algum grau de consciência por parte deles. A consciência que aqui se fala é a consciência de si e do mundo. "Se olharmos a questão com 'olhos imparciais', veremos um mundo transbordante de animais que são não apenas nossos parentes biológicos, como também nossos semelhantes psicológicos. Como nós, esses animais estão no mundo, conscientes do mundo e conscientes do que acontece com eles".35 Ao nosso entender, a consciência é

derivada da racionalidade, na medida em que um ser só obtém consciência quando possui al guma espécie de racio­ nalidade, por mais ínfima, insignificante e primitiva que ela seja. E, ao possuírem racionalidade, os animais também possuem a consciência referida. Imperiosa, portanto, é a conclusão de que alguma espécie de racionalidade animal existe, levando-se em consideração logicamente que o tenno racionalidade, aqui empregado, deve ser compreendido em iatíssimo senso. Este quinto fator (racionalidade) somado aos demais (interesse, capacidade para sofrer, sensciência e vida) formam as bases da chamada dignidade animal.

raciocinam em determinadas situações sobre idéias particulares. bem como têm sentimentos" (LOCKE. Essai philosophique concernant l'entendement humain, livro li, cap. IX, 11 a 14 e cap. XI, 11 apud OST, op. cit, p. 244 ). ,. SINGER. Ética prática, p. 121-122. "REGAN. Jaulas vazias, p. 72.

16 Sobre a responsabilidade do homem para com a natureza, v. JONAS. EI principio �

3.2 Conceito A possibilidade de vivem1os urna "vida digna" reivindica a expansão de "sujeitos" com relevância ética e jurídica. "Não só o homem, enquanto ser racional e livre, é portador de dignidade, senão também a natureza", pois esta, enquanto suporte da vida e da cultura, é um valor em si mesmo, sendo por isso credora de respeito; e ambos, dignidade e respeito, instam ao homem a ser responsável com seu entorno natural. Por conseguinte, o homem tem a responsabilidade36 de tornar decisões razoáveis que respeitem o valor e a digni­ dade da natureza. 37 Da dignidade da natureza deriva a dignidade animal. Embora seu estudo seja recente na área do direito, a "digni­ dade animal" é um termo consolidado na literatura jurídica e na legislação. No plano internacional, a Declaração Uni­ versal dos Direitos do Animal (UNESCO, 1978, art. 1 O, b) responsabilidad. Ensayo de una ética para la civilización tecnológica.

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GOMÉZ-HERAS. ln: GÓMEZ-HERAS ( Coord.); VELAYOS CASTELO; ESPINOSA RUBIO. La medio ambiente , p. 11. 13. 15.

dignidad de la naturaleza: ensayos sobre ética y fi losofia dei

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expressamente refere-se a ela. Já no direito compar ado, a dignidade animal é reconhecida pela Constituição suíç a (art. 24, 3) sob a denominação "dignidade da criatura".3H Quanto ao seu conceito, ensterseifer define a dignidade dos seres sensitivos (humanos e não humanos) como: "a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser vivo sensitivo que o faz merecedor de respeito e conside­ ração por parte do Estado e da comunidade humana, implicando, neste sentido, um complexo de direitos (dos animais humanos e não humanos) e deveres (dos seres humanos) que assegurem o animal sensitivo tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável e com equilíbrio ecológico, além de propiciar e promover o seu desenvolvimento de forma livre e autônoma nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres vivos (presentes e futuros)". 39 Para Schweitzer, dignidade da criatura significa "auto-valência" (Eigenwertigkeit), compreendida esta em específicas necessidades, emoções e vontades de animais e plantas, que devem ser respeitadas, por reverência à vida.40

De acordo com os autores suíços, o conceito "dignidade da criatura" previsto na constituição helvética engloba os animais (dignidade animal) e as plantas (dignidade vegetal). Cf. LEIMBACHER. ln: BONDOLFI; LESCH; PEZZOLI-OLGIATI (Hrsg.). Würde der Kreatur, p. 90; KREPPER. Zur Würde der Kreatur in Gentechnik und Recht, p. 358. Contudo, alerta Leimbacher (idem) que "a dignidade da criatura é um conceito constitucional relativamente recente e as opiniões sobre o seu significado ainda estão sendo elaboradas". Para Teutsch (Die Würde der Kreatur, p. 24) a dignidade humana, a dignidade da criatura animal e a dignidade da criatura vegetal integram a dignidade da natureza animada. 39 FENSTER SEIFER. A dimensão ecológica da dignidade humana: as projeções normativas do direito (e dever) fundamental ao ambiente no Estado socioambiental de direito, p. 44. 40 SCHWEITZER apud LEIMBACHER. ln: BONDOLFI; LESCH; PEZZOLI-OLGIATI (Hrsg.). Würde der Kreatur, p. 92. 38

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3.3 Natureza Quanto à sua natureza, os bens jurídicos podem ser classificados em individuais e supra-individuais. O bem jurí­ dico dignidade animal é um bem supra-individual41 coletivo, cujo portador ou titular é toda a classe ou coletividade dos animais (não humanos), representada pelos anfíbios, mamí­ feros, répteis, etc.

4 Considerações finais A experimentação científica (militar, industrial e biomédica) com animais, ao longo de toda história, tem sido responsável por um grande número de descobertas. Estas descobertas dizem respeito não só à melhoria da vida dos seres humanos, mas também à da vida dos seres não­ humanos. Ocorre que, com o avanço científico, muitas destas técnicas de experimentação com animais tornaram-se desnecessárias, em virtude da possibilidade de sua substi­ tuição. 42 De outra banda, algumas técnicas de experimen­ tação ainda não são substituíveis. Dentre estas, muitas ainda denotam requintes de crueldade para com os animais, ferindo a sua dignidade. Todavia, mesmo que em algu ns casos o progresso científico tenha conseguido substituir nas expe­ riências o uso de animais vivos por recursos alternativos (culturas de células mantidas em laboratório ou modelos matemáticos e computacionais), ainda estamos longe de poder prescindir dos animais para uma série de experi­ mentos, sendo temerário assegurar a eficácia e/ou inocuidade •• Sobre a teoria do bem jurídico e. em especial, os bens jurídicos supra-individuais, v. SPORLEDER DE SOUZA. Bem jurldico·penal e engenharia genética humana: contributo para a compreensão dos bens jurídicos supra-individuais, p. 284 et seq. •> A substituição aqui referida nada mais é que a mudança do objeto experimentado ou investigado, sem prejuízo da precisão dos resultados obtidos.

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de certos medicamentos sem primeiro testá-los, por exemplo, em camundongos ou ratos, que muitas vezes são especial­ mente criados para essa finalidade. 43 O avanço das ciências biomédicas dependeu e (infeliz­ mente) ainda depende do emprego de animais na pesquisa científica.44 Assim, a experimentação em animais ainda é essencial em certos casos, mas isso não pode ser feito de qualquer maneira, sem métodos e critérios adequados, sobre­ tudo quando as intervenções os façam sofrer desne­ cessariamente. Ademais, "admite-se que só um balanço positivo entre os danos sofridos pelos animais durante a experimentação e os benefícios que a humanidade dela extrai permite justificar semelhante prática". 45 "É necessário sempre avaliar se os custos, em termos de possível sofrimento do animal utilizado, serão compensados pelos potenciais bene­ fícios da pesquisa". 46 Também o "direito penal é balancea­ mento de bens e interesses. Entre o sofrimento inevitável do animal e a pesquisa científica com finalidade meritórias, prevalecerá esta última". 47 Por outro lado, sabe-se que em muitos casos, "a precisão dos modelos animais é questionável, pois, freqüentemente, os estudos em animais provam pouco ou nada, e é muito dificil correlacioná-los a seres humanos" .48 "V. ALVES; COLLI. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o t rabalho cientifico. Ciência hoje, p. 27.

"'Lembre-se que as pesquisas envolvendo animais podem ser laboratoriais ou de campo. Nas pesquisas de campo são utilizados animais silvestres c omo objeto de investigação, havendo alguns métodos "científic os" de marcações (amputação de dedos, anéis e colares plásticos. microchips, etc.), captura e recaptura que também merecem reflexêio ética e jurídica (FEIJÓ, op. cit., p. 77-78) . •s GOFFI. ln: HOTIOIS; PARIZEAU. Dicionário da bioética, p. 234. 46 ALVES; COLLI. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o t rabalho cien tífic o. Ciência hoje, p. 28.

47 MILARÉ; COSTA JR. Direito penal ambiental, p. 89. 43 SINGER. Ubertação animal, p. 64.

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Ibr conseguinte, a áência e a indústria (farmacêutica, alimentíáa e cosmética) vêm progressivamente abandonando os testes com animais vivos. De qualquer forma, as eventuais experi­ mentações envolvendo animais devem estar adequadas à ética e à lei, respeitando-se a dignidade animal. Tomando por premissa que os animais possuem uma dignidade, isso implica uma série de conseqüências no tocante à necessidade de sua proteção jurídica, mesmo que seja possível desencadear-se, em alguns casos, até mesmo um conflito entre a dignidade animal e a dignidade da pessoa humana. A solução para tal conflito parece estar na aplicação do princípio da utilidade. O princípio da utilidade, consagrado na obra de Bentham, é definido como: "aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a ten­ dência que tem a aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está emjogo". 49 A aplicação deste prin­ cípio é caracterizada pela verificação de um cálculo, onde se visa à maximização dos resultados de prazer ou felicidade. "Somos moralmente obrigados a calcular os danos (custos) e benefícios das nossas ações, a fim de maximizar a satisfação dos interesses do maior número de envolvidos. Esse cálculo pode vir a justificar nosso uso de animais, desde que o bene­ fício para os humanos ultrapasse o custo para os animais". 5º Ao mesmo tempo, este princípio pode possibilitar o avanço científico, sem degradar a dignidade animal. O que se deve ter em mente é a necessidade de utilizar animais nas experi­ mentações somente como ultima ratio, ou seja, quando for inevitável, em virtude da impossibilidade de substituição por outras alternativas menos gravosas. Há também que e 49 BENTHAM. Os pensadores, p. 4. 50 NACONECY. Úica e animais. p. 178.

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ressaltar que, quando da utilização inevitável destes animais, deve ser buscada a minimização do sofrimento, ou, quando possível, sua eliminação. Dentro deste contexto, a defesa da completa abolição da utilização de animais nas experi­ mentações científicas, no momento atual, revela-se um atentado às necessidades da ciência. É preciso considerar que o prejuízo resultante desta medida, atingiria significa­ tivamente não só o homem, mas também os próprios animais. Lutar por esta abolição pode demonstrar traços de uma incompreensão da problemática, ou ainda, alguma espécie de temor ao progresso científico, e "a rejeição aos procedi­ mentos da pesquisa científica não revela apenas o amor aos animais, mas também uma aversão ao conhecimento científico (cientofobia) ou ao progresso tecnológico (tecno­ fobia)". 51 Diante disso, parece que o art. 32, § 1 º, da Lei nº 9.605/1998 visa, de alguma forma, conciliar o progresso científico com a dignidade animal.

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Patricia Azevedo da Silveira Douto ra e m Direito (UFRGS). Advogada e p rofessora universi tária do Centro Universüário UniRitter, Rio Grand e do Sul. E-mail p a ra com entários: pa triciaaz.evedodasilveira@g-ma i l.com.

Sumário: Introdução - 1 A tolerância da crueldade contra os animais não­ humanos na legislação brasileira - 2 A tolerância da crueldade contra os animais não-humanos nos tribunais - 3 Inovações da legislação ambiental e a crueldade contra os animais: uma abordagem sistêmica do meio ambiente - Conclusão - Referências

Introdução O Zoológico de Sapucaia do Sul abrigou ·um dia um macaco chamado Alemão. [. ..} Ele passara a vida tentando abrir o cadeado. Quando conseguiu, virou as costas. Em vez de mergulhar na liberdade, desconhecida e sem garantias, Alemão caminhou até o restaurante lotado de visitantes. Pegou urna cerveja e ficou beberi­ cando no balcão. Os humanos fugiram apavorados. Por que fugiram? O macaco havia virado homem. [. . .} O aterrador é que, como homem, o macaco virou as costas para a liberdade. E foi ao bar beber uma[. ..}. (BRUM, Eliane. O cativeiro. ln: A vida que ninguém vê)

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É através de uma linguagem, ou seja, de um coajunto de signos comuns, que nos comunicamos e nos relacio­ namos. Lembra Wittgenstein que, se o leão falasse, não seria mais um leão e não haveria razão para ele ser tratado como tal. Seria outro animal, mas não um felino. O Direito brasileiro reconhece apenas os direitos subje­ tivos aos seres humanos, pois os animais não-humanos não são capazes de assumir obrigações e nos servem como coisa, segundo pondera o legislador e, majoritariamente, a dou­ trina civilista. Na evolução do instituto jurídico da proprie­ dade, passou-se a uma abordagem se gundo a qual ela deve cumprir a sua função social - e nela incluídos valores ambientais e neles o significado biológico de ecossistemas. Ademais, o conceito de direito subjetivo vem sendo transfor­ mado por força da destruição galopante do meio ambiente. É razoável entendermos que, hoje, as situações indi­ viduais devem ser protegidas em nome de algo maior, que é a manutenção da vida no planeta (bem comum). Hoje, os direitos subjetivos possuem esse fundamento. E xercemos liberdades e temos direitos, na medida em que isso asse gura o bem comum. E o que é bem comum no século XXI? É garantirmos a sobrevivência da espécie humana. É também garantirmos a vida em seu sentido mais amplo e prospectivo. Em que pese isso, o Rei Leão e todo o reino animal são tratados como bens, alguns privados (como exemplo os animais domésticos) e os animais silvestres (bens de uso comum do povo). Hoje, desenvolve-se a idéia de o meio ambiente ser um serviço, ou melhor, "serviços de ecossis­ temas", a fim de atribuir-se a ele um valor econômico. Serviço é uma palavra que denota algum tipo d e prestação. Ser ia essa a função da natureza: atender ao cumprimento da dignidade humana?

A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA AÚM DOS HUMANOS UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA 1

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Como bem de uso comum do povo, compete a todos os entes da federação por ele zelar, ainda que haja na lei a referência expressa de a fauna silvestre pertencer ao Estado. Diante de nossa civilização, o Rei Leão não tem cetro e toda a bicharada fica dependente da interpretação dos tribunais, a respeito a) do significado de crueldade e b) da definição relativa ao fato de a espécie da fauna cumprir ou não uma relevante função ecológica, a ponto de não ser sacrificada, ameaçada de extinção ou, inclusive, extinta, diante do aproveitamento econômico lícito ou ilícito dos recursos naturais. Juntamente com a proteção do patri­ mônio genético da fauna, estas são as três principais previsões constitucionais de tutela dos animais. Representam os três pilares constitucionais para a tutela da fauna (art. 225, § 1º, I, II e VII, da Constituição brasileira de 1988). Na verdade, o legislador confere um tratamento distinto aos bens ambientais, a começar pela cronologia de previsão legal e conteúdo normativo dos enunciados ou a falta de previsão legal no ordenamento jurídico. Por vezes, a ilici­ tude praticada contra a fauna silvestre é enquadrada no princípio da bagatela. Como fica a visão sistêmica do meio ambiente em que tudo está interligado e é interdependente? Infelizmente, na prática jurídica esses três pilares constitucionais são frágeis (não deveriam sê-lo) diante dos imperativos do princípio do desenvolvimento. Como no Direito, de modo geral, os animais não-humanos não possuem capacidade civil, resta invocar a violação de um dos pilares do Estado Democrático de Direito - a digni­ dade humana. No Brasil, aqueles que labutam pelos direitos dos animais não são "panteístas" ou "animalistas", como alguns ironizam. Procuram garantir a força normativa da Constituição, ainda

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que também sensíveis a questões éticas ligadas aos animais não-humanos ("ética animal"). 1 Ora, se a crueldade contra os animais é vedada e o rompimento da função ecológica das espécies também o é no plano constitucional, não estaríamos diante de direitos subjetivos dos animais na condição de curatelados? Parece­ nos que sim, mas o meio ambiente, nele incluído a fauna, é tratado no direito pátrio como "bem de uso comum do povo" no art. 225 da Constituição Federal de 1988. Teremos, então, que lutar por um devido tratamento dos animais, a partir da transformação da noção de Justiça e da crueldade. Não uma aueldade simbólica, mas de aspectos fisicos. Crueldade contra os animais para caracterizar-se não depende de quantidade de animais existentes, nem se serão ameaçados de extinção pelo seu uso. São conceitos independentes. Crueldade tem um significado distinto de função ecológica das espécies e a ela não se subordina. São conceitos independentes. Ambas, de qualquer modo, apre­ sentam aspectos concretos, e não simbólicos. Contudo, se houver a destruição de um habitat ou se a poluição matar espécies da fauna, isso terá sido uma prática cruel contra os animais não-humanos, pois e m maior ou menor medida ela será ameaçada. O fato de ser um "bem" não confere ao ser humano poderes ilimitados, já que toda propriedade cumpre uma função social (art. 5 °, XXIII, da Constituição de 1988). Não podemos utilizar como bem nos aprouver um animal não­ humano, seja doméstico ou silvestre, porque ele possui uma relevância cultural, e não unicamente um significado eco­ nômico. Ademais, desempenham "função ecológica" que ' SINGER. Libertação animal, passim.

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deve ser firmemente ponderada diante de sua função recreativa. Éjustamente por constituir um bem de uso comum do povo (no caso, os animais silvestres) ou desempenhar uma função socioecológica, que deveremos, ao aplicar o princípio da proporcionalidade, aferir os segu intes aspectos: Somente poderemos nos servir de um animal não­ humano, a) se houver interesse público que autorize essa prática em nome dos interesses difusos e do próprio direito ao meio ambiente equilibrado; b) se for assegurado o desenvolvimento sustentável efetivo e sem incertezas cientí­ ficas que ponham em risco espécie animal ou vegetal ou que constitua uma ameaça à saúde humana; c) se tal ativi­ dade, ainda que considerada uma manifestação cultural, não constitua ato cruel, conceitos que não são interdepen­ dentes; d) se tal atividade não viola a dignidade humana e não privilegia o interesse privado em prejuízo do interesse público, sobretudo se, de alguma forma, direta ou indireta, ocasione perigo abstrato ou concreto de dano ambiental. Mesmo no caso de abate ou coleta de controle de espécies consideradas "pragas" ou "invasoras", em primeiro lugar, são fundamentais indícios suficientes (estudos docu­ mentados e acessíveis a toda a sociedade, ONGs e Ministério Público) da caracterização do animal como tal, as razões que levaram a isso, e se este é o meio mais adequado de eliminação da espécie, tendo em vista as implicações disso para a saúde humana e a ocorrência de danos ambientais, em face do emprego de determinados equipamentos ou materiais tóxicos para o seu extermínio. 2 Conceituar dignidade humana, na prática, é território tormentoso, sobretudo diante do pluralismo político, mas 2

SILVEIRA. Espécies exóticas invasoras: a invasão biológica no direito brasileiro. [no prelo]

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definir-se crueldade não o é. A crueldade física não está diretamente ligada a ser ou não sujeito de direito. É sensorial e deixa marcas nos animais, inclusive no seu comporta­ mento, no caso de eles sobreviverem. Um animal mostra a sua agonia diante do sofrimento, seja pelos batimentos cardíacos, v.g., seja pela atividade de certas glândulas, grunhidos, gemidos, etc. Apesar de igualmente não conceituar abuso, maus­ tratos (formas de crueldade), o legislador federal, na Lei dos Crimes Ambientais, pareceu preocupado em punir esse ato que causa repercussão física negativa. É a redação do seu artigo 32: Art. 32 - P raticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § l O - Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

Os tribunais, contudo, vêm, de modo geral, atribuindo à crueldade um conteúdo casuístico e limitado por questões culturais e até sócio-econômicas, de modo a retirar da ilici­ tude inúmeras práticas. A interpretação jurídica, sem sombra de dúvida, é uma manifestação da cultura de um povo. De qualquer modo, pensamos que a cultura não pode incen­ tivar a violência, nem a crueldade. Não devemos atirar o pau no gato, pois ele corre o risco de morrer. Não devemos incen­ tivar os nossos ímpetos atávicos de destruição e de poder. Segundo o Dicionário Houaiss, cruel" é aquele que gosta de maltratar", enquanto crueldade significa"1. característica do que é cruel. 2. prazer em fazer o mal. 3. severidade, dureza".3 'HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa.

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No Dicionário Aurélio, 4 assim se apresenta o significado de cruel: [ ...] l . Que se compraz em fazer o mal, em atormentar ou prejudicar; cruento. 2 Duro, insensível, desumano, cruento. 3. Severo, rigoroso, tirano. 4. Que denota crueldade. 5. Pungente, doloroso. 6. Cruento.

O legislador nacional exemplificou casos que constituem práticas cruéis, legando aos tribunais a conceituação de crueldade. Assim, a crueldade é tratada como prática care­ cedora de conceituação, fim que se consumará a partir do caso concreto. Em 1941, expediu-se o Decreto nº 3688 que, em seu art. 64, tratou da crueldade contra os animais. Hoje, constitui crime, e não apenas contravenção penal. Também não a conceituou o legislador em 1998 na Lei dos Crimes Ambientais. Senão, vejamos: Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena - prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis. § l O Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. §2 ° Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.

Cremos que, matar por matar, em nome da recreação, ou matar para garantir um ano de bonança, proteção e realizações amorosas, como prática religiosa, parece-nos um ato cruel. Não é uma visão holística do mundo e nem sistê­ mica da natureza. O mesmo se diga do abate sem algumas regras de diminuição do sofrimento de animais domésticos. • HOLANDA. Novo Dicionário Aurélio.

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O mesmo também se diga da introdução de animais e m rações para animais herbívoros ou de substâncias químicas nesses alimentos que, a médio e longo prazo, acabam por causar-lhes comumente problemas renais e hepáticos ou mudar o seu comportamento. 5 Em relação aos humanos, o legislador federal tratou do tema "vida e crueldade contra os humanos" no tipo penal do homicídio mediante o emprego de meio cruel (homicídio qualificado), um das modalidades de crime contra a vida. Damásio de Jesus assim conceitua "meio cruel": É o meio que faz sofrer além do necessário. Para que se configure esta qualificadora, o meio cruel deve ter sido escolhido ou desejado pelo agente, visando ao padecimento de sua vítima. A repetição de golpes ou tiros, por si só, não constitui meio cruel. Será cruel, se o agente os repetiu por sadismo; não, porém, se a repetição deveu-se á inexperiência ou ao nervosismo doa gente. Inexistirá a qualificadora, se o meio cruel foi empregado quando o ofendido já estava morto. [destacamos]

Causa-nos espanto que, também em relação ao homem, inexista um conceito legal de crueldade. O que se constata é que o legislador estabeleceu graus de violação do bem jurídico "vida", não tratando do uso da arma de fogo neste caso como um mal em si. A violência alimenta-se da própria violência. Assim, essa possibilidade de fazer sofrer, sob o prisma filosófico, como forma de violência é tolerada pelo ordenamento jurídico, ainda que receba algum tipo de sanção, já que é absorvida tal possibilidade de fazer sofrer (matar) com o emprego de arma de fogo sem torná-la uma qualificadora em face desse instrumento. Se Caim matou Abel com um tiro à queima-roupa, tiro fulminante, sem 5

Experimente comer massa com sabor artificial em todas as refeições do dia durante um mês. Se o seu animal de estimação pode, por que nós não podemos?

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a incidência de outras qualificadoras do tipo penal de homicídio, e não tinha porte de armas, ele será punido pelo homicídio e pela ausência de porte. Ele não gerou um sofrimento além do necessário. Concluímos, então, que o sistema é tolerante em relação a esta forma de matar, ainda que matar seja ato ilícito. Assim, quem desejar matar, preferirá o uso de arma de fogo, porque tenderá a ser mais preciso e a provocar um sofrimento "tolerado". Como os direitos inatos ao homem são majoritaria­ mente reconhecidos como direitos históricos, estamos sempre à espera ou na luta por transformações nas esferas políticas, institucionais ou sociais, a fim de que haja uma renovação do ordenamento jurídico.Já foram tratados como coisas no sentido formal os negros e os índios. As mulheres também o foram num sentido subjetivo. É o ser humano que "formula os direitos humanos e os direitos da natureza [...]".6 O reconhecimento do direito ao meio ambiente equili­ brado, que é o pressuposto do direito à vida, deve ser interpretado de forma a conferir uma nova dimensão à idéia de Justiça - hoje inegavelmente ligada à devida tutela jurídica da biodiversidade. Se não conseguimos ainda estender e transformar conceitos jurídicos clássicos, podemos utilizar a nova idéia de Justiça em nome de uma transfor­ mação jurídica, política, social e filosófica, fundada no reconhecimento dos direitos subjetivos dos animais não­ humanos, no mínimo porque contribuem à manutenção dos sistemas vivos em maior ou menor medida. Justamente pelo fato de o homem compor o meio ambiente e pertencer a esse sistema de interações (uma 6 BOFF. Prefácio. ln: SILVA. Direito ambiental e ecologia: aspectos filosóficos contemporâneos.

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DE MEDEIROS, LUIZA FONYOURA TO MOUNARQ FER NANDA tORGANIZADORES) SARLET Y|AGO FENSÍERSEIFER

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nova cosnu ›logia). deveria em que emerge como momemo corrente de vida mai0r, de ser com a funçao espeañca correnle dessa reflcxivo patrimônlo naturaL a hm cle guardião e responsável pelo a se se repmduur e contmuar que ela possa permanecer, a bllhoes de anos . desenvolver como vem fazendo como recles auto“A concepçào dos sistemas v1vos estão todos imerligados organimdoras cqjos componentes repctidas veze5, e sào interdependemes tem sido expressa de toda a história de uma mzmeira ou de outra, ao longo da ñlosoña c da ciência".7

nãow 1 A to|erância da crueldade contra os animais humanos na |egislação brasileira Não iremos abordar toda a legislação federal ambiental relativa à “tolerância da crueldade” contra os animais, mas fato é que prepondera a tolerância da crueldade contra os animais não-humanos. No caso da Lei dos Rodeios (Lei Federal n° 10.519/2002), a prática não fbi proibida, mas houve algumas restrições quanto ao uso de determinados equipamentos e utensílios, no intuito de provocar-se menos sofrimento ao animal. Ele não deixou de sofrer, nem a prática deixou de ser CrueL O legislador toler0u-a em nome do direito ao lazer, fazendo~se alguns ajustes, de modo a afastar a aplicação do art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais. Já .na Lei de Vivissecção - Lei Federal n° 6.638/1979 -do l_eglslad0r tolerou essa prática, estabelecendo comO nVãeOaaçuatoora]Z_P:dnoass,soenmãSouempr.e~go de afnesltesia, e.m c.entros pervlsao de tecnlco espec1allzad0, . A Íelã dã wda

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com ' ~ dias eammbmlbaltsérqiuoeslneagoatlemnehnatm permfmecido mais de quinze . e automados (art. 3“). v O lfatno de ser lmprescindível à realização dos estudos, por mex1st1rem outros meios técnicos ou documemados que supram a necessidade, permite a utilização de um animal não-humano. Aqui a tolerância deu-se em nome da ciência. Comudo, a própria ciência, ainda que o direito a ela seja um direito sociaL não pode passar à margem dessa nova visão da relação homem-natureza (n0va cosmologia, nova noção de direitos subjetivos, nova noção de bem comum, nova noção de Justiça), nem tampouco dos valores esculpidos em nosso texto constitucional que nos remetem à vedação da crueldade.8 Aliás, foi a Lei dos Crimes Ambientais que coníeiriu novos limites à vivissecçã0, pois criou esta conduta penalz

. Art. 32 - [...] realxza quem p.enas. Parágrafo Primeiro - Incorre nas mesmas animal v1v0, amda que Para em ou cruel dolorosa experiência quando existirem recursos altemauvos. fms didáticos ou ciemíñc05,

(Lei n° 5197/67) proíbe a A Lei de “proteçã0" à fauna 1_°). e a caça amadorista (art._ caça proñssional (art. 2°) primeiro do arL 1°, há a permlssao Contud0, no parágrafo amadita esportiva, amadonsta, legal da realização da caça “se , _ baseada no seguinte postuladoz1 cinegética, ou dorista da caça, a comportarem 0 exerc1c1o Tegionais s _do peculiaridade em ato regulamenqtadox estabelecida permissão será trainsíormaçao H0je, por força dia Poder Público Federal”. de J antes reglonals ' ' que _ . _ tal peculiaridades ambien , leda da legislação de ammans ou dlscrlaonal abundância s igniflcavam 7

In: gma da crueldade animalz o paradvl Expern me ntação LEVAL Iega¡s. de ' B Sugerimos a leltura púbhc as e ínstrumentos Fauna, politicas BENJAMIN (Org.).

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este não pode ser o critério a prevalecer sobre a idéia da vedação da crueldade contra os animais, e tampouco, preva­ lecer sobre o princípio da precaução e da prevenção em nome da proteção da biodiversidade, senão da própria saúde humana. No sentido da inconstitucionalidade ou inconsistência da prática da caça "esportiva", vejamos o posicionamento de alguns doutrinadores: Érika Bechara pondera, em relação à inconstitucionalidade da Lei de proteção à fauna, que: a caça esportiva, ainda que não ocasione danos ambientais, é inconstitucional, mesmo porque não é exatamente o temor de extinção dos recursos faunísticos que torna essa prática 1·epug­ nante [...], mas sim as razões que levam à sua prática, ou seja, a sua razão de existir. 9

E adiante: a morte dos bichos, às vezes inevitável, deve ser motivada por fatores mais relevantes, ou seja, por fatores que revelem que esta atitude é indispensável à sobrevivência humana. Fora disso, o animal estará sendo submetido, desnecessariamente, a um mal e, este quadro, para o Texto Maior, importa em tratamento cruel, nos exatos termos do art. 225, § 1 º, inciso VII, in fine. 10

Segundo Edna Dias, "embora o inciso VII do art. 24 da Constituição Federal conceda competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre o assunto, sabemos que a caça amadora [ ... ] coloca em risco a fauna já extinção, submete os animais a crueldade, provoca a extinção das espécies e compromete o remanescente patrimônio genético". Há, portanto, conforme o seu enten­ dimento, violação do artigo 225, parágrafos 1, II, III e VII, 11

9 BECHARA. A proteção da fauna sob a ótica constitucional, p. 113. 'º DIAS. A tutela jurídica dos animais, p. 107. 11 DIAS. A tutela jurídica dos animais, p. 107.

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da Constituição de 1988. Parece-nos irretocável esse argumento jurídico. Consideramos que a presente lei não foi recepcionada pela atual Constituição brasileira. O Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei nº 10.056/94, permite a caça amado­ rista. Esta lei, por força da vedação da crueldade contra os animais, expressa tanto na Constituição Federal como na Estadual, é inconstitucional. 12 Tivemos oportunidade de apresentar essa tese em sede de ação civil pública. O que temos assistido em termos práticos é uma verdadeira confusão entre caça esportiva e abate de controle, além de estudos precários e incompletos, sobretudo no caso de animais migratórios, e da ausência de uma visão sistêmica do meio ambiente nas reiteradas temporadas de caça. Todos esses aspectos estão sendo discutidos em juízo por força do acesso à justiça através de associações civis (União pela Vida e Movimento Gaúcho de Defesa Animal) e da Procuradoria da República.

2 A tolerância da crueldade contra os animais não­ hu manos nos tribunais O Supremo Tribunal Federal já enfrentou a questão da prática da crueldade contra os animais em atividades que empregam animais domésticos: o galo (rinha de galo) e o boi. No célebre caso da farra do boi, o STF considerou que há violação da crueldade contra os animais na farra do 12 Isso levou-nos ao ajuizamento da ação civil pública n. que ora tramita no TRF 4ª Região. No presente processo, houve voto divergente na presente apelação cível, razão pela qual ainda cabem embargos infringentes. Espera-se, já há algum tempo, a publicação do acórdão para ingressar-se com tal instrumento processual recursai. Ver ainda SILVEIRA. O dano extrapatrimonial e a dignidade da pessoa humana em face da autorização anual da caça amadorista no Rio Grande do Sul. ln: BENJAMIN (Org.). Fauna, polfticas públicas e instrumentos legais, p. 611-621.

CARLOS ALllfRTO MOLINARO, FERNANDA LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, 2 44 I INGO WOLFGl A teoria dos direitos dos animais, de outra feita, não aceita idéia de utilização dos animais apenas requerendo a proteção de seu bem-estar. Francione4'1 afinna, de modo implificado, que os defensores dos direitos dos animais pretendem abolir o uso dos animais para qualquer benefício humano, haja vista entenderem que esses seres possuem valor inerente e como tal necessitam ser respeitados. A grande discussão envolvendo os dois grupos aparen­ temente opositores se encontra na forma de atuação política na defesa dos animais não-humanos. Teoricamente, os defensores dos direitos dos animais comporiam um grupo mais radical, e os advogados do grupo do bem-estar animal comporiam a vertente dos moderados. Contudo, a vida não se mostra maniqueísta a ponto de dividir-se e m bem/mal como na máscara de Janus. -,. A princípio poderíamos encarar a teoria do bem-estar animal como um estágio para se alcançar o benefício aboli­ cionista dos direitos dos animais. Wise defende que aqueles que advogam pelos direitos dos animais devem proceder a um passo de cada vez, progredindo para ultrapassar os '1 FRANCIONE. Rain without Thunder: the ideology of the animal rights moviment, p. 1, utiliza a expressão "humane" fashion. O SUSNSTEIN. What are animal rights? ln: SUNSTEIN; NUSSBAUM. Animal Rights: current debates and new directions, p. 5. "' FRANCIONE. Rain without Thunder: the ideology of the animal rights moviment, p. 2 "The rights theorists rejects the use of animais in experiments or of for human consumption, not simply because these activities cause animais to suffer but because such use violates fundamental obligations of justice that we owe to nonhumans".

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obstáculos físicos, econômicos, políticos, religiosos, históricos, legais e psicológicos. 45 Diante de tais questionamentos nos vemos diante da necessidade de estabelecer um pressuposto a priori, ou seja, na exigência de "reconhecer a possibilidade, ou porventura, até a necessidade, de colocar o Direito ao serviço da solução de genuínos conflitos de deveres emergentes da inserção dos agentes morais em diferentes comunidades éticas dadas as plúrimas solicitações valorativas que se multi­ plicam e disputam em sociedades livres -, facultando a conciliação de alguns desses deveres através dos veículos da comunidade e da simpatia, da solidariedade e do reco­ nhecimento da partilha de interesses". 46 Verificamos a introdução de um princípio estranho ao direito, um princípio que irá movimentar para muito além do jurídico, o princípio da compaixão. Uma simples aplicação de regras jurídicas ao caso concreto poderia levar a com­ plexidade do tema ao prejuízo da avaliação. Inexiste um princípio único para o reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos, embora cremos que o princípio da dignidade da vida seja o que mais se aproxime de uma justa solução jurídica. Araújo opta por denominar de princípio da compaixão aquilo que denomina de uma ética de respeito. 47 Para enfrentarmos a questão ética dos animais urge a discussão entre as correntes antropocêntricas e biocêntricas e uma passagem pelo princípio da responsabilidade de HansJonas. Ainda, como no entender de Feijó, 48 "quando 45 WISE. Animal Rights: one step at a time. ln SUNSTE IN. What are animal rights? ln SUNSTEIN; NUSSBAUM. Animal Rights, p. 19. 46 ARAÚJO. A Hora dos Direitos dos Animais, p. 29. 47 ARAÚJO. A Hora dos Direitos dos Animais, p. 30. 48 FEIJÓ. Utilização de animais na investigação e na docência: uma reflexão ética necessária, p. 96.

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se fala contemporaneamente em limites de uso dos animais pelos seres humanos e os fündamentos para o estabelecimento destes limites, duas figuras destacam-se como exponenciais: Peter Singe1� o filósofo utilitarista, e Tom Regan, filósofo deontologista, defensor dos direitos dos animais. As idéias defendidas por estes filósofos procuram orientar de modo quase exclusivo as discussões sobre como devemos considerar os animais e conseqüentemente como devemos tratá-los, como o resultado não desejável de que, em numerosas ocasiões obstruem o debate, posto que impedem a consideração de outras variáveis de discussão que ficam de fora de seus paradigmas discursivas". Cientes desse fato, nos dispusemos a ir além e ir em busca de outros paradigmas para estabelecer outras verdades acerca da matéria da defesa da dignidade da vida do animal, seja ele humano ou não. Conforme o entendimento de Francione, 49 até o final da década de 70 a preocupação acerca do bem-estar dos animais não-humanos restringia.­ se a um tratamento no qual os animais não fossem sujeitos a sofrimentos não necessários. Dessa forma, podemos afirmar que pelos últimos cem anos até o final dos anos 70 e início da década de 80 a posição predominante concernente ao tratamento dispensado aos animais não-humanos corres­ pondia a tratar humanamente os instrumentos de interesse do homem. Essa fase de preocupação para com as outras espécies, esse posicionamento, recebeu a alcunha de visão do bem­ estar animal, em inglês conhecida como animal welfare view. Francione, em um trecho de uma de suas obras, ressalta que essa posição de proteção dos animais não-humanos

parte da idéia de tratar os animais instrumentalmente como meios para os homens alcançarem os seus fins. Alerta, por exemplo, que para um defensor da corrente do bem-estar animal o uso de animais na pesquisa biomédica e o abate de animais para consumo humano é aceitável desde que essas atividades sejam conduzidas "humanamente". 50 � A partir dos anos 80 passa a ocorrer uma transição gradual, ou pelo menos passa a existir uma corrente paralela à do bem-estar animal, que é a corrente dos direitos dos animais. E xtremamente controvertida, a corrente que defende os direitos dos animais parte do pressuposto que esses seres são sujeitos de uma vida e que, portanto, são possuidores de valor inerente que precisam ser respeitados. Assim, ao passo que os defensores do bem-estar animal procuram a regulação da exploração desses seres, aqueles que lutam pelos direitos dos animais procuram a abolição do uso dos animais à vontade humana.

5 Uma questão de dignidade There are people who have the capacity to imagine thernselves as someone else, there are people who have no such capacity (when the lack is extrem.e, we call them psychopaths), and there are people who have lhe capacity but choose not to exercise it. 51 (CO ETZEE, J. M. A vida dos animais.) 5° FRANCIONE. Rain without Thunder: the ideology of the animal rights moviment, p. 1. Na versão original: "For example, animal welfarists argue that the use of animais in biomedical experiments and the slaughtering of animais for human consumption are acceptable as long as these activities are conducted in a 'humane' fashion". 51 Existem pessoas que são capazes de se imaginarem no lugar das outras, há pessoas que não possuem tal capacidade (quando essa disfunção é muito grande, nós as chamamos de psicopatas), e existem pessoas que têm essa capacidade, mas que escolhem por não exercê-la. (tradução livre da autora).

'9 FRANCIONE. Rain without Thunder: the ideology of the animal rights moviment, p. 1.

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Estabelecer as regras jurídicas para regulamentar o relacionamento entre animais humanos e animais não­ humanos envolve muito mais de moral e ética do que propria­ mente do direito. Escolhemos a frase do prêmio Nobel, Cotzee, para iniciar este item em razão de representar com clareza a situação dessa relação. É preciso saber se colocar no lugar do outro, saber se colocar no lugar do ser senciente, exercer essa capacidade, fazer a escolha. Abordar a questão da dignidade para além do ser humano é uma busca que exige se posicionar para além do eu e enxergar o todo. Mas a que dignidade estamos nos referindo? Em que pese esse breve pensar a que nos propomos nesse estudo não ter como objeto a análise profunda acerca do princípio a que instigado,52 propomos um repensar sobre o tema, com o intuito de conceder um reconhecimento de vida digna a todos os seres vivos. A doutrina nacional e estrangeira tem deitado raízes para a definição e o alcance da dignidade da pessoa humana, essencialmente, na teoria kantiana. Para Kant a concepção da dignidade tem como ponto de partida a autonomia ética do ser humano, "considerando essa autonomia como fundamento da dignidade do homem, além de sustentar que o ser humano (o indivíduo) não pode ser tratado nem por ele próprio - como objeto". 53 Kant assevera que a dignidade é qualidade peculiar e insubstituível do ser humano, contudo, em um mundo em evolução, perspicaz a observação de Sarlet, ao questionar até que ponto tal concepção poderá ser adotada sem reservas. O referido

autor salienta que, "tanto o pensamento de Kant quanto todas as concepções que sustentam ser a dignidade atributo exclusivo da pessoa humana encontram-se ao menos em tese, sujeitas à crítica de um excessivo antropocentrismo, notadamente naquilo em que sustentam, que a pessoa humana, em função de sua racionalidade, ocupa lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos". 54 Um conceito de dignidade a que nos filiamos encontra­ se calcado na doutrina de Sarlet, que afirma devemos entender dignidade da pessoa humana como a "qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz mere­ cedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degra­ dante e desumano, como venham a lhe garantir as con­ dições essenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos". 55 Sarlet afirma, ainda, que "sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que ta; proteção da vida em geral constitua,

52

54

Imperioso salientar a leitura obrigatória sobre o tema: SARLET. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 7988. 53 SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988, p. 32.

SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988,

p. 34.

55 SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988,

p. 60.

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em última análise, exigência da vida humana e vida humana com dignidade". 56 E é a partir desse viés que pensamos a proteção dos animais. A relação entre os animais (humanos e não-humanos), no meio em que toda a vida se desenvolve deve ser pontuada por um sistema que conceda um mínimo de dignidade a cada ser vivo. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente deter­ mina o conceito legal de ambiente no inciso 1, do artigo 3°, asseverando que "meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida sob todas as suas formas", 57 apresenta a adoção de uma corrente antropo­ cêntrica moderada para a realização da leitura da legislação ambiental brasileira. A própria Constituição Federal de 1988 aponta a direção de um anu·opocentrismo alargado quando no caput do artigo 225 disciplina que todos temos direitos e deveres para com o ambiente, na busca de um ambiente ecologi­ camente equilibrado para a essencial e sadia qualidade de vida. O referido artigo prega a dignidade da vida, que em uma interpretação generosa, aliada aos seus parágrafos, protege a dignidade de todas as formas de vida, em razão de trazer, ainda, a proteção e preservação da flora e da fauna. __., O ideal da aplicação ou do reconhecimento do prin­ cípio da dignidade para além da vida humana representa um mínimo de cuidado para com os demais seres vivos, cuidado esse que extrapola a existência de interesse ou utilidade desses animais não-humanos, mas sencientes em '6 SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988, 57

p. 35. Lei nº 6. 938/81.

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relação ao ser humano. Começa-se a delinear a fi gura do dever como uma forma de enfrentar, em um futuro próximo, que os demais seres vivos que dividem conosco o espaço de vida na Terra também devem ser tratados dignamente.

6 Conclusões articuladas 6.1 Constata-se que na sociedade moderna a degra­

dação do meio em que se vive e a desvalorização da vida é situação corriqueira. 6.2 O Brasil, desde o período do descobrimento, é fornecedor de espécies da fauna silvestre para os demais países, comportamento esse que, em que pese a existência de normas de proteção, passados mais de 500 anos ainda se mantém. 6.3 Os bem-estaristas, os abolicionistas e os animalistas em geral não são pólos opostos na luta pela defesa dos animais, mas formas distintas de tentar se alcançar uma melhoria de vida para todos os seres vivos. 6.4 A CITES tem como objetivo primordial a proteção das espécies da fauna em extinção, no entanto não alcança tal meta, uma vez que torna essas espécies objeto de comércio internacional. 6.5 As regras de proteção ambiental continuam obede­ cendo à lógica do comércio acima de tudo, em vez da proteção da vida. O comércio das espécies de fauna silvestre é oriundo de um comporta­ mento fulcrado em um baixo nível de consciência moral e desenvolvimento ético. 6.6 Verificamos a necessidade de desenvolvimento de uma ética ambiental voltada para um dever de proteção da fauna que, na realidade, reflete um dever de proteção da própria vida.

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6. 7 A dignidade da vida no ordenamento jurídico deve estar alicerçada num patamar de superação de con­ ceitos e buscar a proteção de uma vida digna a todos os seres vivos e não apenas aos animais humanos.

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Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Juiz Federal da Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual.

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Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNn: MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos animais: proteção ou legitimação do comércio da vida? ln: MOUNARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, lngo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Hori­ zonte: Fórum, 2008. p. 259-290. ISBN 978-85-7700-120-0.

"Junto com a onça, a caçada do Marrecão é uma das mais dificeis, por causa das dificuUades a enfrentar: estradas péssimas para se atingi.r os locais ela caçada; clima adverso, com temperatura baixa e chuvasfrequentes; a inconstância do rnarrecão, que leva o caçador a muitas 'erradas', lugares proibidos à caça; longas caminhadas, com escuridão pela frente (ao amanhecer e ao anoitecer); quedas nos lamaçais e banhos fora de hora. Apesar, ou por causa de tudo isso, o Marrecão é a mais sensacional espécie de caça aquática ela América do Sul. Seu vôo é firme, reto, decidido e elegante, o Marrecão a favor do vento, chega a atingi.r 100 quilômetros horários. O Marrecão não fica borboletando, como as rn.arrecas piadeiras e caneleiras; não se esconde entre as árvores, como os patos medrosos, e não voa desengonçado como os maçaricos. E ele faz. questão de resolver log? a parada; se O seu pouseiro está cheio de neg� ças e espingardas, mas se ele decidiu que ali passará o dia, ele voa para a morte.

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CAALOS ALBERTO MOUNARO, FERNANDA lUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, INGO WOlfGANG SARUT, TIAGO FENSTERSEIFER (ORGANIZADORES)

E morre como um rei. O momento do marrecão é único. Ele vem lá, às vezes a 100 Km por hora e invade o nosso coração com um assobio decorrente do forte bater de asas nos dando uma emoção, que só Deus sabe como a gente agüenta". 1

Vistos etc.

1. RELATÓRIO: OBJETO DA AÇÃO. Trata-se de a�ão civil pública ajuizada pela ASSOCIAÇÃO CIVIL UNIAO PELA VIDA contra INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATU RAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, discutindo sobre a proibição da caça amadorista no Estado do Rio Grande do Sul. PETIÇÃO INICIAL. Diz a associação-autora que é sociedade civil, preenchendo os requisitos legais para a propositura de ação civil pública. Diz que, embora a legis­ lação federal permita a caça amadorista em determinadas condições (art. 1º-§ 1° da Lei 5.197/67), essa prática não pode ser permitida e deve ser proibida no Estado do Rio Grande do Sul, resumidamente porque: (a) os estudos reali­ zados para permitir a caça no Estado do Rio Grande do Sul padecem de problemas e são falhos, seja em função da metodologia, seja em função da escassez de verbas, de forma que seus resultados não podem ser considerados como dotados de validade para permitir a caça (por exemplo, não consideraram os efeitos da estiagem e da caça ilegal I

Obtido no site: . Acesso em: 08 jun. 2005 • grifou·se.

A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA AÚM 005 HUMANOS. UMA DISCUSSÃO NEaSSÁRlA 1

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ou abusiva sobre a fauna cinegética), cabendo a invocação do princípio da precaução para impedir a caça enquanto os estudos não fossem plenamente confiáveis e seguros (fls. 04-08 e 10-13; 637-644); (b) a caça amadorista se constitui em ato de crueldade e maus-tratos com os animais silvestres, havendo desproporção entre seu objetivo (lazer humano) e seu resultado (morte dos animais) (fls. 07-08), afrontando sua liberação o direito de todos ao meio ambiente ecolo­ gicamente equilibrado (fls. 19-20) e não tendo o Código de Caça sido recepcionado pela nova Constituição Federal (fls. 22-23 e 657-658); (e) não mais persiste a base antropo­ cêntrica que justificou o art. 1 º-§ 1° da Lei 5.197/67, devendo agora reconhecer-se a autonomia do patrimônio natural e a necessidade de atribuição de dignidade intrínseca à natureza, impedindo comportamentos humanos que não sejam pru­ dentes ou sejam desproporcionais, violando a permissão da caça amadorista a própria dignidade humana (fls. 1013 e 645-649 e 650-656); (d) a ficha individual de controle de caça é falha porque não menciona o distrito e a proprie­ dade rural onde os animais foram abatidos, o que seria necessário para que se conhecesse os efeitos da pressão da caça sobre as populações cinegéticas (fls. 14-15 e 649-650); (e) a associação-autora coletou 10.568 assinaturas num abaixo-assinado que fez circular, todos contrários à caça amadorista (fls. 15-18); (f) há risco de contaminação do solo pelo chumbo que fica depositado, por conta da caça (fls. 13 e 648). Por isso, pede liminar para "concessão da moratória da caça amadorista em face da estiagem" (item B de fls. 23) e a procedência da ação para "proibição definitiva da caça amadora no RS" (item A de fls. 23). Com a inicial, foram juntados documentos (fls. 25-561).

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1 CARLOS ALBERTO MOUNARO, FERNANDA LUIZA fONTOURA DE MEDEIROS. INGO WOLFGANG SARLfT. TIAGO fENSTERSElfER (ORGANIZADORES)

ANDAMENTO E EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL. O processo foi distribuído à 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que concedeu prazo para manifestação da parte ré sobre a liminar (fls. 562). Intimado, o réu IBAMA manifestou-se sobre o pedido de liminar e juntou documentos (fls. 566-629). O Juiz Federal da Vara de origem determinou a emenda da petição inicial (fls. 630-631 ). A associação-autora emendou a petição inicial (fls. 636-660) e juntou documentos (fls. 661-663), sendo a petição inicial emendada, na forma que acima já foi mencionado, tendo a associação-autora pedido liminar para "concessão da moratória da caça arnadorist,a, de campo e de banhado, no período de 2004, iniciado em 20/05/2004, com a caça da perdiz, e com prazo final em 30/08/2004 (prazo final para a caça dos animais de banhado), no Rio Grande do Sul, em face dos possíveis efeitos danosos que a estiagem pode ter causado sobre as espécies arroladas na Instrução Normativa 30, de 18 de maio de 2004, publicada no DOU de 19 de maio de 2004, páginas 73-75 (. . .), ou, alternativamente, a moratória, no ano de 2004, da caça amadorista realizada em banhado, por ter sido, provavel­ mente, uma área mais prejudicada que o campo pelos efeitos da estiagem, com possíveis repercussões negativas sobre os animais que neles vivem, ainda que temporariamente" (item B de fls. 659), bem como para determinar "a correção da ata de audiência pública para Jazer dele constar a pergunta feita pela Sra. Maria Elisa Silva quando da exposiçãofeita pelo pesquisador Sr. Menegat" (item C de fls. 659). No mérito, pediu a procedência da ação para "proibição definitiva da caça amadora no RS" (item A de fls. 658). A emenda foi recebida (fls. 664), assegurando a manifestação do réu IBAMA, que foi intimado (fls. 666-668), mas nada alegou (fls. 672).

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INTERVENÇÃO DE ASSISTENTE SIMPLES E ANDAMENTO. No curso do processo, a FEDERAÇÃO GAÚCHA DE CAÇA E TIRO requereu sua habilitação como assistente do réu IBAMA (fls. 669-671). Foram intimadas as partes (fls. 673), que não apresentaram oposição. Foi juntado documento (fls. 679-699). O assistente simples requereu a juntada de documentos (fls. 701-706). O réu IBAMA manifestou-se e juntou documentos (fls. 707-870). A associação-autora requereu a juntada de documentos e alegou fato novo (fls. 871-903). O réu IBAMA juntou docu­ mentos (fls. 905-1124). Foi deferido o pedido de assistência (fls. 1125). PARECER DO MPF. O MPF apresentou parecer (fls. 1126-1137), alegando: que nada foi apurado quanto aos riscos de contaminação do solo por conta do chumbo utili­ zado na caça (fls. 1132-1133); que o MPF já ajuizou ação civil pública no ano de 2003, discutindo a liberação da caça no Rio Grande do Sul (fls. 1133-1134); que a caça somente poderia ser proibida se houvesse base normativa para tanto (fls. 1135-1136), entre outros pontos que alegou. Ao final, opinou pela decretação da revelia do IBAMA e pela impro­ cedência da ação "posto ser juridicamente impossível o pedido pois carece de embasamento em lei" (fls. 1137). ANDAMENTO E CONTESTAÇÃO DO RÉU IBAMA. Ainda na Vara de origem, a liminar foi indeferida (fls. 11391142). Foi citado o réu IBAMA para contestar (fls. 1144). O réu IBAMA contestou (fls. 1147-1150), dizendo que a caça amadorística é permitida no Brasil, na forma da lei. D iz que a legislação foi sempre cumprida pelo IBAMA, que

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CARlOS ALBERTO MOUNARO, FERNANDA LUIZA FONTOURA DE MEDEIROS, INGO WOLFGANG SARLET. TIAGO FENffiRSEIFER (ORGANIZADORES)

realiza estudos prévios de controle. Diz que a caça também é utilizada como mecanismo de controle de espécies consi­ deradas nocivas à agricultura, sendo que os estudos são realizados pela Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, submetidos a detalhada e criteriosa análise pelo IBAMA. Diz que a temporada de caça já se esgotou em 30 de agosto de 2004, tendo a ação perdido o objeto. Diz que a legislação permite a caça na forma que vem sendo realizada, não havendo nisso inconstitucionalidade. Juntou documentos (fls. 1151-1204). ANDAMENTO E PROVAS. A associação-autora apresentou réplica (fls. 1207-1209). Não foram requeridas outras provas pelas partes. Os autos foram conclusos para sentença em 15 de março de 2005 na 8ª Vara Federal de Porto Alegre (nova denominação da 9ª Vara Federal de Porto Alegre), onde tramitavam desde o início (fls. 1217-verso). Em razão da Resolução TRF4 ªR 54/05, os autos foram redistribuídos a esse Juízo (fls. 1218-1219). CONCLUSÃO. Não havendo mais provas a serem produzidas, vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO: QUANTO ÀS PRELIMINARES. Sobre o pólo passivo, além do réu IBAMA, deve constar do pólo passivo da ação também a FEDERAÇÃO GAÚCHA DE CAÇA E TIRO,

A OIGNIDAOE DA VIDA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA AÚM DOS HUMANOS UMA DtSOJSSÃO NECESSÁRIA 1

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como assistente simples do réu, conforme requerido às fls. 669-671 e deferido às fls. 1125. Por isso, retifique-se registro e autuação. Sobre a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido suscitada no parecer do MPF (fls. 1137), o MPF opinou pela improcedência da ação "posto ser juridicamente impossível o pedido pois carece de embasamento em lei" (fls. 1137). Além da questão de mérito, que será objeto de exame no momento próprio da sentença, a manifestação do MPF traz aos autos discussão sobre a possibilidade jurídica do pedido da associação-autora (condição da ação), que deve ser enfrentada por esse Juízo. Ora, o pedido não é juridi­ camente impossível porque com a presente ação civil pública a associação-autora quer o controle da legitimidade e da constitucionalidade de determinadas condutas da Adminis­ tração Pública ( do réu IBAMA), obtendo sentença que proíba ao réu IBAMA a liberação da caça amadorista no Rio Grande do Sul. Embora exista lei federal que permita a caça amadorista, a associação-autora alega que essa lei foi revogada pela nova ordem constitucional e que por isso não mais subsiste a permissão para que o réu IBAMA libere a temporada de caça no Rio Grande do Sul. Não se trata de declaração em tese de inconstitucionalidade de lei, que seria vedada nesse juízo singular, mas tão-somente de eventual reconhecimento incidental de inconstitucionalidade de lei federal, daí extraindo efeitos concretos, que são aqueles pedidos pela associação-autora. Por isso, é possível juridi­ camente o pedido veiculado pela associação-autora, estando esse Juízo autorizado a conhecer as questões litigiosas pro­ postas, a interpretar a lei federal e as normas constitucionais vigentes, e assim a aplicar o direito ao caso concreto que

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MEDEIROS. ZA FONTOURA DE R DORES) GANIZA (O E INA I ��I O R F �::s�: R M �� L �7Á R CAflLOS I I GO WOLFGANG SARLET. N

A DIGNIDADE DA VIDA E OS DIREITOS F

ALBE RTO

improcedência qu·· ênci se on C o . eud m b . lhe é su itida) ou a proced enc1a .d a a ção aça fior perm c a (se o açã dª , . a pelo ord ena men to Jund 1co itid perm for . (se a caça nao 1 1 ade inar de 1mposs1'b'l'd •· prelim . a o eieit ;, 0 r , isso vigente). cOl jurídica do pedido. a disso será ou a

A



bjeto da ação Sobre a prelimin a r de perd a de o o (fls. 114 9-1150), suscitada pelo réu IBAMA na contestaçã alegou O JBAMA que a ação perdeu seu objeto porque a temporada de caça de 2004 já se encer ro u, não h avendo razão para prosseguir a ação. Entretanto, não é apenas caça na tempor ada de 2004 que se discute nessa ação civil pública, mas ta mbém a proibição definitiv a da c a ç a no Estado do Rio Grande do Sul. O objeto é bem mais amplo do que alega o réu IBAMA, não se limitand o a discussão à temporada de 2004, mas alcançando também as temporadas subseqüentes. Logo, não h ouve perd a de objeto d a açã o. Por isso, rejeito a preliminar de perda de objeto da ação. QUANTO AO MÉRITO. N o mérito , a associa ção autora pretende seja julgada procedente a a ção p a r a deter­ minar ao réu IBAMA que não m ais permita a caça a mad o ­ rista no Estado do Rio Gr ande do Sul ( arts. 1 º-§ 1 ° e 8° d a Lei 5.197/67), pedindo a "proibição definitiv da caça ado a am ra no RS" (item A de fls. 658). Os fundament o s do pedido apresentado pela assoei·aça- o· a- o m1C1a · · · 1 e na auto ra na petiç respecti. va petição de emend . . a a, mic1a . . . 1 s a_ o assim resumi d os por esse Juízo, na ordem _ . em que serao exammados nessa sentença· · (A) a fiicha m · d. . al de controle de caça é falh a 1vidu _ porque nao · to e a menciona o d1stn º propriedade r ural o n de . os ani.mais for am abat1. dos, o que seria necess ário par a

UNDAMENTAIS PARA AL[M

DOS HUMANOS: UMA DISCUSSÃO

NECESSÁRIA 1

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que se �onheces os efeitos d a pressão da caç a sobre �� _ as populaçoes cm egeucas (fls · 14-15 e 649 650),· (B) a assoc1. açaoau to ra coletou 10.568 assina . . turas num aba1xo -assmado que . fez c1 �c�lar, todos cont ários à caça ama dorista (fls. 15-18); � (C) h a nsco de contammação do solo pelo chumbo que fica deposit�do, por conta da caça (fls. 13 e 648); (D) a caça amad onst a se constitui em ato de crueldade e maus-tr atos com os a nimais silvestres, h avendo desproporção entre seu objetivo (lazer humano) e seu resultado (morte dos animais) (fls. 07-08), afrontando sua liberação o direito de todos ao meio a mbiente ecologicamente equilibrado (fls. 19-20) e não tendo o Código de Caça sido recepcionado pela nova Constituição Fede r al (fls. 22-23 e 657-658); (E) não mais persiste a b ase antropocêntrica que justificou o art. 1º-§ 1° da Lei 5.197/67, devendo agora se reconhecer a autonomia do patrimônio natural e a necessidade de atribuição de digni­ dade i ntrínseca à n atureza, impedindo comportamentos h uma n os que não se jam prudentes ou sejam despropor­ cionais, viola ndo a permissão da caça amadorista a própria dignidade humana (fls. 10-13 e 645-649 e 650-656); (F) os estudos realizados para permitir a caça no Estado do Rio Grande do Sul padecem de problemas e são falhos, seja em função da metodologia, seja em função da escassez de verbas, de forma que seus result ados não podem ser considerados como dotados de validade para permitir a caça (por exemplo, não consider ar am os efeitos da estiagem e da caça ile gal bendo a invocação ou a busi va s obre a fauna cinegética), ca anto d o princípio da precaução par a impedir ª, ca�a enqu te confiave1s e seguros o s estu dos não fossem plena men e Ju�zo vinculado (fls. 04- 08 e 10-13; 637-644). Estando ess ara �aartes, cabe apreciar sep aos pedidos e às defesas das p s, O que pa ssa a ser feito, mente ca da um desses fundamento que seguem : julgand o a ssim a lide nos termos

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MEDEIROS. IZA FONTOURA DE O MOU NARO. R���:R��I FER (ORGANtZAOORES) CARLOS A!BERT SARLET. TIA�� ANG WOLFG 1 INGO

(A) a associação-au tora alegava Sobreo fu ndamento caça er a falh a, uma · d.iv1·dual de controle de t am . que a fich . . to e a propri edade rur al d1stn o a v na cio n e vez que nao m , . . os, o que sena n ecessa n o para id at b a m a for ais onde os anim a p ressão da c a ç a s obre que fossem conhecidos os efeitos d 50). Embor a a as populações cinegéticas (fls. 14-15 e 649-6 Instrução Normativa IBAMA 30/04 (DOU 19.05.04, pp. 7375), que liberou a caça em 2004, não c on tivesse modelo para a Ficha Individual de Controle de Caça, a Instrução Normativa IBAMA 99/05 (DOU 20.05.05, pp. 57-59) foi expl ícita e trouxe num anexo o modelo da referida ficha individual de controle de caça, ali constando c ampo especí­ fico para identificação do "nome da propriedade" e do "nome do proprietário" dos locais onde ocorreu o ab ate do animal. Ou seja, não há m ais apenas a identificação do "município da caçada" (como naqueles modelos antigos trazidos às fls. 180-182), mas também existe individualização do exato local onde se deu a caçada e o ab ate dos animais, estando isso previsto na ú l tima Instrução N ormativa do IBAMA. O novo modelo adotado para 2005 é mais completo e atende então a justa impugnação da a ssoc iação-au tor a , p�rmitindo que os dados colhidos sobre a "pressão da caça" seJam um pouco mais confiáveis . Portanto, atendido n essa temporada de 2005 a exi·g� . . t .mdo .mdíc10s enc1a · e n ao - ex1s de que o IBAMA regredira . · , nos prox , 1mos anos para o deficiente . e mco mpleto modelo anteriorm ente adotado (onde só cons­ tava o "m unicípio da c açada"), o fu· ndamento não justifica o acolhimento da . i·1 pu'bl ação civ º ou a proibição da caça. 1ca �or i· sso, TeJ.e1t. o ess e fundamento por ente nder que o mesmo J. á foi admm1s · . trativ . am te aco1 . h1d o pelo próp r io réu IBAMA na temporada de 20;;

A DIGNIDADE DA VIDA E os DIREITOS f\JNDAMENTAIS PARA AUM DOS

HUMAAOS UMA DISCIJSSM> NEW SMIA 1

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Sobre O fundamento (B), a ass ociação-autora coletou . milhares de assinatur as contrár ias a' p erm1. ssao _ da caça onfo e de o s a nos autos . Entr etan to, �� esse � argurnent� � �� . e p ohtICo, nao JUnd1co. Ou seja, ele serve para justificar p erante uma casa legislativa a aprovação de l ei que proibisse a c aça, mostrando que isso é anseio da maioria da popu ­ lação. M as não serve para convencer esse Juízo da proce­ dên cia dessa ação civil pública, porque existe uma lei vigente e essa lei somente poderá ser afastada se ficar demonstrada sua in constitucionalidade. É certo que é meritória a atuação da a sso ciação- autor a ju nto à sociedade civil , buscando educar e conscientizar a população para o significado da fauna para o meio ambiente (educação ambiental ), como também é meritória a iniciativa de col etar assinatura na defesa do meio ambiente (cidadania ambiental). Mas isso não justific ari a o deferimento da tutel a jurisdicional preten­ dida, porque esse Juízo está limitado aos termos da Lei e da Co nstituição. Isso não significa, obviamente, que não mereça consideração, no momento oportuno, es a demon tr ação popul ar de repúdio à caça amadorista. As assinatura constam dos autos e serão va l orada por e e Juízo no mome nto oportuno, quando se examinar a con tituciona­ lidade e eficácia ocial contemporânea da Lei que permite a caça amadorista. Apena e alienta agora que as milbav de assina turas não podem, por si ó, impedir a prática de atividade l egalmente permitida. Não tem força as a .in ional um turas, sozinha , para revogar ou tomar inconstituc ou inade· ade lei feder al. Podem demon trar ua brutalid afa tam, ozinha , qu ação social ou anacroni mo, mas não e fundamenti a vigência da lei. Por i so, rejeito e

A OIGNIOAD[ DA VIDA E OS OIRlílOS FUNDAM ENTAIS p AAA Aú.M DOS MUMANOS UMA DISCUSSÃO NEUSSÁJUA

, a a ociação-a uto ra alegou Sobre O fundamento (C) ' rninaçã do ol pelo chumbo que que há n· o de nta aça (l1 . 13 648). Nada foi fica dep itado por onta da _ na que demon u·a e roduzido durante a in uu ã probató concr 'to de � po ibilidade, equ r hav nd indício rrer. Por mai rrend ou p deri qu i O e t ria qu e Juízo, ·omo qualquer idadão, ·e mostre preocu­ pado m dd a d mei ambiente e efeti idade d art. 225 da F/ , nã pode julgar em p1 a . Não houve nenhuma prova concreta de ocorrê n ia do dano ou riscos apontado pela s ociação-autora. Pelo contrário, parece que o r u IBAMA e preocupa em permitir a caça com a utilização de uma determinada e pécie de munição: "para o txerdcio da caça amadorista das espicies de anatúl.eos, o diâmetro do chumbo utilizado não deverá er i?iferior a 2, 75mm, conhecido wmumnúe como chumbo de nº 06" (art. 15 da IN IBAMA 30/04, repetido no art. 15 da IN IBAMA 99/05). Nada foi apresen­ tado de concreto pela associação-autora contra essa utilização, não pro ando de forma mínima nos autos os riscos daí ad in�o . em essa prova mínima e não sendo isso o objeto _ prmctpal da pre ente ação (não pretende a assoc ia çãoautora pro,·b·tr a uu·1·1zaça- o do chumbo nas caçadas, apenas . . pro ibir a pr óprias caçadas), nad a rest a a esse Juízo senão e curvar ª0 que constou do parecer do MP F de fls. 11321133: ''Are peito · desse tema - possive , l contaminação por chumbo . �� te_do s tiros dos caçadores-, o MPF!RS no Pro ,;ov cedimento dmnustraJivo 4 J 6/2002, no qua l o partu . ular que trouxe a notícia . obre os maleftcio s do eh umbO agregou a mes ma uma série de _ . . inr . çoes, 1 NANDA lUllA M()l|NARU, (()R(1ANIIADOth S) tARlUS AlÍlUUU SARI T_ IIA(¡ORI l NSTlRSl IH H lNUU WOHLIANG

E sugere alguns parâmetrosz “ritos exóticos sem sígniñcação wlturaL abate de animais em vias de extinção, utilização de meio desnecessário à atividade, provocação de sofrimemo exagerado aos animais” deslegitimariam a expressão Cultural e poderiam Caracterizar infração penaU6 por 23 Nesse caso, "o dlscrimen em favor das religiões afro-brasi|eiras reveIa-se arbitrário, de compatibilizaçào de carente de justificação jusfundamentaL Cuida-se de tentativa que Ievou o Parlamento estadual a interesses políticos - ambientalistas e religiosos apenas uma expressão cuIturaL deixando à de privilegiadora uma decisão equivocada, amparo consmucional (art. 5°, VI)". do também titulares margem inúmeras outras, brasileiro. São Pau|o: Saraiva, 2000. p. 95 24 FIORILLO, Celso. Curso de díreito ambíental à manífelstagão cultu_ral vda farra doÀb_01, (c¡tado Curso). Segundo o autor, o incentívo de ammals pode Impllcara SmeISSão se utilízam que práticas religíosas dos rodeios e das

de animais a crueldade práticÀas cruéis é se o animal submetido a supostas 25 Um dos aspectos a ser verifi cado v_eda_da o risco de extingão da espec'ce, sera Havendo de extinção. em vias encontra-se dtraZIVdrlçnaoo mercadológncq sem_ amdparro tna interesse se houver também a prática cuIturaI; e In ro u exemplo da tourada que se cogltou de determinada região, como no Brasil (FlOR|LLO, Curso) manif_estamrent_e apresentaAse o tido por inconstitucional consn_tuc¡on.als 25 Repete, ao cabo, que o dispositiv de compatibilização dos princíplos idade l a necess ínócuo, pois "na'o afasta pela mamfestaçao _ _ enas externou preferência ap ão concreta". de dlrenos em cada situa catálogo no reIIgIosa Iqberdade da "poçsiça'o preferente da › de _ que o parágrafo Ceumltucrhaloqdueecorrente ' dehmmar(ao›argumento ' de concessao " sacnfícvo Indlscr_lm|nado de anntmals Ita o “f›acu digo Estadual dos cnmes tuñdamlemals "Houve Cpóedldo afncana", contra a IeI federal re Iigióes de matnz urgI em umco cu Imtmdliutadqansode tos e _

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“ ADIn n° 70010129690 _ _ H A ini ' POFém, Aque a supressão do dispositivo impugnuaadloconna-So|g¡nnva'¡abe¡I¡bzeamrá' aSE dle _adVert”. crueldade contra animais se mpratlcas de CUIÊOS afncanos' p0¡5' apesar de VEdada a a Prevalência,ou não do dI're;itofpdre será p,os.slve' afer¡r' em Cada CaSO ConCFeÍQ a hberdade religiosa". Sina|a, também, qu_e Jlá havia a proibiçãolde submeterun