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Portuguese Pages [609] Year 1983
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LITERAR1A NO'BRASIL Q, Wilson Martins VOL.II
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Francisco Alves
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Publicado pela primeira vez em 1952, este livro permaneceu até agora como uma única história sistemática e orgânica da crítica literária no Brasil, desde as academias setecentistas até, nesta nova edição, 1981. O critério metodológico é a combinação da cronologia, no que se refere ao desenvolvimento do gênero, e das famílias espirituais a que pertencem os críticos pvr sua forma mentis. Assim, em lugar de se sucederem uns aos outros, os diversos métodos na verdade coexistem em todas ou quase todas as épocas, com eventuais predominâncias de um ou outro, mas todos com idêntica validade. Só havendo duas formas possíveis de história literária — a lógica e a cronológica — o autor procurou harmonizá-las no estudo de um gênero literário que já se desenvolve entre nós há cerca de três séculos.
Francisco Alves qualidade há ma is de um século
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Um dos acontecimentos marcantes na vida cultural do país em 1976/1979 foi a publica ção da História da inteligência brasileira, de Wilson Martins. Não apenas pela grandiosida de do projeto que então se tornava realidade - sete volumes, quase quatro mil páginas —, mas sobretudo pelo fato de que com aquele livro pela primeira vez tínhamos uma visão coerente, unitária e ao mesmo tempo minu ciosa de como foi a nossa produção de ideias do início da colonização até o recente pósguerra, compreendidos nesse todo não só os diversos gêneros literários, mas também a educação e a política, a sociologia e a mate mática, o direito e a medicina. Passados seis anos, Wilson Martins está de volta às livrarias com uma obra de importância comparável à anterior, pois embora de dimensões físicas mais modestas é resultado de um igualmente longo e persistente esforço de pesquisa e re flexão: esta A crítica literária no Brasil que a Francisco Alves tem a satisfação de apre sentar. Como a outra, trata-se de uma obra pioneira; até agora tínhamos estudos parciais sobre a crítica literária no Brasil, compila ções de textos representativos acompanhados de considerações acerca de época, escolas e personalidades, mas não uma história da sua prática desde o nascimento (aliás, desde a vida uterina, pois Wilson Martins encontra uma pré-história na atividade das academias setecentistas) até o início da presente década. Da mesma forma que na História da inteli gência brasileira punha de lado critérios freqúentemente usados de cronologia e filiação, e procurava integrar o seu vasto material em “estruturas mentais”, em  crítica literária no Brasil ele faz a classificação dos autores
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predominantemente por seu pensamento político e pelos reflexos que este último provoca nas respectivas obras; e, claro está, não se trata do pensamento político em si, do compromisso civil e comunitário com a existência social, mas de “um certo” pensamento político, ou seja, uma de terminada posição ideológica. Estamos, pois, de volta ao zhdanovismo, ainda que Alfredo Bosi seja inteligente de mais para se entregar sem suspeitas aos prazeres simples do primarismo intelectual. Ele não condena Jorge Amado por ser mau romancista, mas por ser populista, alimentan do assim o equívoco de passar por revolucionário (p. 457); está implícito, de toda evidência, que se ele fosse ou ti vesse sido verdadeiramente “revolucionário”, os seus ro mances seriam automaticamente melhores. O que não dis cuto, porque preferências não se discutem; o que, porém, se pode discutir como discutível perspectiva histórica — quero dizer, de história literária — é a decisão de con sagrar apenas duas páginas a Jorge Amado (455-457), pro jetando sobre a sua enorme presença nos anos 50 e 40 (quando outros críticos ideológicos o apontavam, por sin gularidade, como o escritor revolucionário modelar) a visão que, na melhor das hipóteses, só em nossos dias teria legi timidade. Como ponto de comparação, observe-se que o mesmo espaço é reservado a Joaquim de Sousa Andrade (p. 157-159), num texto tão caracterizado pelas referên cias valorativas quanto aquele se distinguia pelo julga mento depreciativo. Vê-se bem que Alfredo Bosi gostaria de riscar Jorge Amado da história do romance brasileiro e de introduzir na história da nossa poesia o nome de Joaquim de Sousa Andrade — atitudes legítimas no plano da crítica monográfica, mas não no da história literária propriamente dita. Ainda uma vez, não se trata, em meu espírito, de sugerir que Alfredo Bosi está “errado” em sua entusiástica admi ração pelos poemas de Sousa Andrade, ou na opinião passavelmente morna que Jorge Amado lhe inspira; o que de sejo, não insinuar, mas sublinhar com toda a ênfase, é que ele confere historicamente ao primeiro uma importância 758
que jamais foi a sua, e espolia, ao contrário, o segundo da que indubitavelmente lhe pertence. Não são, pois, os julgamentos críticos em si mesmos, mas as perspectivas historiográficas que aqui nos importam; as dijerenças se tornam ainda mais sensíveis no que se refere a Olavo Bilac: “Hoje parece consenso da melhor crítica", escreve Alfredo Bosi, “reconhecer em Bilac não um grande poeta, mas um poeta eloquente, capaz de dizer com fluência as coisas mais díspares, que o tocam de leve, mas o bastan te para se fazerem, em suas mãos, literatura" (p. 254). Ora, o que buscamos numa história literária não é o que a crítica nossa contemporânea pensa dos autores, mas uma estimativa do que representaram em seu próprio tempo; a crítica de hoje pode pensar o que quiser a respeito de Bilac, isso não lhe tira um iota do papel de poeta por excelên cia que joi o dele entre, digamos, as Poesias, de 1888, e o seu falecimento, em 1918; são trinta anos de vida literá ria que Alfredo Bosi quer fazer desaparecer com uma pe nada — o que significa que, se ele tivesse razão, ainda assim o seu ponto de vista não poderia ter sido expresso sob a forma de uma petição de princípio. E, claro, ele sabe disso melhor do que ninguém. Referin do-se, por exemplo, ao caso igualmente paradigmático de Coelho Neto, ele escreve que não é instância de revalorizálo, “senão de situá-lo e compreendê-lo" (p. 225); da mesma forma, não lhe é difícil absolver os simbolistas de “tardias excomunhões" pelo “fato de terem oferecido remédios inú teis, quando não perigosos, porque secretados pela própria doença" — o mal-estar profundo da civilização industrial por eles agudamente refletido (p. 297). É difícil que a ver dade com relação a Coelho Neto e aos simbolistas deixe de sê-lo com relação a Olavo Bilac ou a Jorge Amado, de onde se infere que, em determinadas hipóteses, Alfredo Bosi não se entregou ao indispensável esforço historiográfico de superar a própria historicidade, sem o qual, diga-se o que se disser, a própria historiografia é uma empresa sem sentido. E, quanto à sua posição implícita de que o escritor e a obra de arte só podem valer na medida em que 759
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exprimirem as aspirações “revolucionárias” de cada mo mento (o que, no que se refere à literatura do passado, só pode ocorrer por mera coincidência), é ao mesmo tempo confortador e irónico que ele próprio a desautorize ao res tabelecer esta “antiga verdade”: “que os conteúdos sociais e psicológicos só entram a fazer parte da obra quando veiculados por um código de arte que lhes potência a carga musical e semântica” (p. 482). Assim regressamos à literatura e à história literária, onde Alfredo Bosi, demonstrando brilhantes qualidades de espí rito e fina potencialidade de julgamento, torna ainda mais espantosa a facilidade com que se deixou envolver — nos exemplos acima referidos e nos que se lhes assemelham — em muitas das simplificações mais ingénuas da crítica ideo lógica. Mas, para surpreendê-lo nos seus melhores mo mentos — e num caso que é, pelo menos, tão complexo quanto os anteriores — devemos lê-lo simultaneamente nos capítulos reservados a Mário de Andrade (p. 390-400) e Oswald de Andrade (p. 400-405). Crítica e historicamen te, é um caso único porque, no contexto modernista e mo derno, o que se dá a um deles tira-se implicitamente ao outro. Alfredo Bosi restabelece as boas perspectivas ao acentuar que “a história literária não se faz, ou não se deve fazer, com arranjos a posteriori” (o que bem mostra a sua injustiça com relação a Olavo Bilac!) e que, por isso mesmo, “a obra de Oswald permanece estruturalmente o que é: um leque de promessas realizadas pelo meio ou sim plesmente irrealizadas” (p. 402). É uma “obra narrativa es pantosamente desigual”, na qual se encontra “o melhor e o pior do Modernismo” (loc. cit.); infelizmente, acrescen taria eu, o melhor estava sempre no que ele queria fazer e o pior no que fazia. O curioso é que, em estrita justiça, poder-se-ia afirmar o mesmo a respeito de Mário de An drade, o que nos deixa apenas, para distingui-los, com o imponderável representado pela atitude espiritual com que ambos enfrentaram a criação artística. A Oswald de An drade caberia, com tanta justiça e justeza quanto a Fagum des Varela, o epíteto com que Alfredo Bosi qualifica este
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ultimo: “o epígono por excelência” (p. 129) — o que. com certeza, não se pode, sem injúria, dizer de Mário de Andrade. Observe-se, de passagem, que, para uma histó ria concisa, a de Alfredo Bosi ainda carreia uma carga ex cessiva de epígonos e menos do que epígonos; jâ não me refiro a Sousa Andrade, mas a tantos Aurelianos Lessas e Josés Bonifácios (o Velho e o Moço), e Kilkerrys, e Agrá rios de Menezes, e Franklins Távoras — para não falar das enumerações convencionais e mais ou menos opinativas de tantos contemporâneos sobre cujo destino histórico só à posteridade caberá decidir. Muitos deles podem até des pertar interesse cm plano individual (é o caso evidente de Sousa Andrade), mas nada têm a fazer nas coordenadas de uma história literária que, por definição, só se pode preo cupar com os que lhe marcaram profundamente o processo de desenvolvimento. Por “processo de desenvolvimento” entendo o processo de maturação artística e diversificação, de autonomia es piritual e de autenticidade expressiva; não creio que a li teratura se torne progressivamente superior, do ponto de vista moral, à medida que as idades se sucedem, nem me parece que os devaneios revolucionários de Oswald de Andrade o façam melhor escritor do que José de Alencar, que foi, no seu tempo, mais revolucionário do que ele (enquanto à natureza e função da literatura) e encarnava, de resto, o mesmo programa de nacionalismo literário. Alencar é, sem dúvida, um caso-teste — e, se lamento que Alfredo Bosi nada haja feito realmente para conipreendêlo, confesso que tal recusa psicológica não era de molde a me surpreender demasiadamente. Em geral, ele parece per tencer à escola de historiadores que têm ódio do passado ou que, pelo menos, implicitamente o desprezam (já que acreditam na excelência intrínseca do presente e, mais ainda, na superioridade absoluta do futuro); ao contrário do historiador, digamos, visceral, que vê cada momento histórico como o futuro dos momentos que o antecederam e, por consequência, como um esforço do homem para su perar-se a si mesmo. Essa é, a meu ver, a posição correta 761
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da historiografia — e, acentuo de passagem, a única que responde ao postulado básico da revolução como processo histórico. Julgar o passado em nome dos seus próprios va lores e projetos, sim; isso corresponde, como diria Alfredo Bosi, e muito bem, a situá-lo e compreendê-lo, o que é a função por excelência do historiador.
Situada na fronteira ou na confluência de todos os métodos críticos, a historiografia literária abre espaço, por um lado, para a linhagem sociológica, nesse ano representada por José C. Garbuglio (Literatura e Realidade Brasileira') e Valter Medeiros ("Ven to Nordeste”: Ensaio Dialetológico), este último, claro está, tam bém aparentado à família gramatical (ou lingiiística, como agora prefere ser chamada); mas, por outro lado, serão mais profundas do que pareceria à primeira vista as suas ligações com a família impressionista; Nereu Correia (Cassiano Ricardo: o Prosador e o Poeta); Fausto Cunha (Situações da Ficção Brasileira); Almeida Fischer (O Áspero Ofício); Valdemar Lopes (Austro-Costa, Poeta da Província); Oscar Mendes (Poetas de Minas); Mário Mendes Campos (Porfírio Borba Jacob, Poeta da Angústia e da Morte); Cassiano Nunes (Norte-Americanos); Rodrigo Otávio Filho (Simbo lismo e Penumbrismo); Osmar Pimentel (A Cruz e o Martelo); Sérgio Ribeiro Rosa (Pombagira e o Apocalipse); Alcântara Silvei ra (Excitantes e Relaxantes); Nelly Alves de Almeida (Presença Li terária de Bernardo Elis); Otávio de Azevedo (Vicente de Carvalho e os Poemas e Canções); Carlos Heitor Castelo Branco (Macunaíma e a Viagem Grandota); Thiers Martins Moreira (Visão em Vá rios Tempos), e, coroando-os a todos, como uma sombra proteto ra e inspiradora, o impressionista por excelência, Araripe Júnior (Obra Crítica, V, último da reedição sistemática promovida por Afrânio Coutinho, o inimigo dos impressionistas) . É fácil de perceber que há muito historicismo nesse impres sionismo (e vice-versa), assim como não é pouco, necessariamente, o impressionismo da crítica formalista ou “estética”: Leodegário A. de Azevedo Filho (Poesia e Estilo de Cecília Meireles, e Estruturalismo e Crítica de Poesia); Vicente Ataíde (Textos para o Es tudo Teórico da Poesia); Domingos Carvalho da Silva (Gonzaga e 762
Outros Poetas); Nei Leandro de Castro (Universo e Vocabulário cio Grande Sertão), mais Pedro Xisto, Augusto de Campos e Haroldo de Campos (Guimarães Rosa em Três Dimensões); Mário Chamie (Intertexto: a Escrita Rapsódicá); José Hildebrando Dacanal (Rea lismo Mágico); O.C. Louzada Filho (Perspectivas); Gilberto Men donça Teles (Drummond: a Estilística da Repetição); Eduardo Por tela (Teoria da Comunicação Literária); Antônio Cândido (Vários Escritos), e Jorge de Sena (A Estrutura de Os Lusíadas e outros Estudos Camonianos e de Poesia Peninsular do Século XVI). Os dois últimos davam o passo decisivo da teoria para a prá tica, o que pouco acontecia com os outros e acontecia ainda menos no plano de alta qualidade exegética em que se situavam. Não se trata apenas da distância inevitável que vai das doutrinas ambi ciosas às suas reais possibilidades de aplicação, o que o bom-senso popular resumiu no conhecido axioma de que, “na prática, a teoria é outra”; trata-se também de saber até que ponto os críticos res pondiam e correspondiam à idade da crítica que estavam vivendo, porque crítica não é teoria crítica: é a respectiva utilização no julgamento de obras e autores. A crítica é sempre, por definição, a crítica de alguma coisa; convinha medir por esses estalões algu mas das obras acima mencionadas:
A crítica literária não é somente teoria da crítica, como parecem ter pensado nestes últimos anos alguns tratadistas ilustres; ela é também, e sobretudo, modesta e efetiva prática do julgamento literário. Tudo afinal se reduz a dizer se um livro é bom ou é mau, como queria Victor Hugo; e dizê-lo, claro está, no momento em que aparece, antes que o consenso dos anos consolide os lugares-comuns convencionais que também passam por crítica. Nessas perspectivas, algumas páginas da crítica brasileira de 1930 a 1970 podem nos mostrar de forma concreta e, por assim dizer, gráfica, o processo de “tecnização” progressiva do instrumento crítico, o que, no caso, interessa mais do que as eventuais diferenças de gabarito intelectual e mental entre os diversos críticos aqui reunidos. Por isso mesmo, há algum proveito em examiná-los na ordem cronológica; 763
o contexto literário atribui à critica de cada momento o seu caráter próprio, as suas idiossincrasias e o seu estilo de escrita. A aceitar-se esse ponto de vista, seria possível encarar Oscar Mendes como um dos críticos católicos da década de 30. O maior de todos, inútil lembrá-lo, era Tristão de Athayde; mas os seus discípulos espalhavam-se pelos Es tados, muito preocupados com a “espiritualidade” da lite ratura e, por isso mesmo, julgando-a, acima de tudo, pelo conteúdo e, bem entendido, por suas implicações religiosas; crítica, por decorrência, indiferente a questões de método (que, de resto, ainda não estavam em moda) e fundada no impressionismo mais imediato; que, no caso da poesia, como ocorre em Poetas de Minas, procurava ressaltar, através de citações sucessivas, as idéias pessoais dos poetas mais do que as suas idéias poéticas; e tão descuidosa, nesse plano, da técnica quanto, com relação a si mesma, como ficou dito, das diversas possibilidades de análise do fenômeno literário. Isso não impedia o crítico de “reconhecer” o bom poeta quando ele se apresentava, conforme Oscar Mendes de monstra nesta coletânea; mas, pelo menos para as nossas expectativas atuais de leitura, impedia-o de “convencernos” dessa superioridade. Por outro lado, uma ligeira es tatística pode fazer-nos sentir as limitações naturais e, também, os desvios críticos inevitáveis dessa postura. Este volume trata de 25 autores dos quais apenas 8 (Emílio Moura, Murilo Araújo, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Henriqueta Lisboa, Alphonsus de Guimarães Filho, Bueno de Rivera e Abgar Renault) adquiriram real mente a categoria de poetas no sentido literário da ex pressão. Isso nos propõe a proporção de 52% de homens que, para lembrar uma distinção de Thibaudet, escreveram versos porque eram poetas; e, obviamente, 68% que foram considerados poetas porque escreveram versos. À primeira vista, trata-se de porcentagens normais — e a poesia de Minas não ficaria mal situada com relação às médias na cionais e universais. Acontece apenas que Oscar Mendes
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I os apresenta a todos, por definição e por afirmação, como poetas dignos de estima, o que modifica o quadro total. Da mesma forma, não é possível aceitar a ideia de escri tores que seriam bons poetas em Minas Gerais (ou em qualquer outro Estado) e poetas secundários em perspectivas nacionais. A pátria dos poetas, e sua pátria única, é a língua, como Fernando Pessoa dizia que a sua pátria era a língua portuguesa; paralelamente, pode-se pensar que a pátria do crítico é a literatura — e que literatura é, antes de mais nada, consciência da literatura, quero dizer, da qualidade e da especificidade literária. É o que não falta a O.C. Louzada Filho, ensaísta literário típico da década de 60: nele, a preocupação com a teoria e os métodos so brepõe-se claramente ao julgamento descontraído e es pontâneo. Ao que parece, o elemento mais importante do seu instrumental crítico é a tentativa de aplicação do con ceito de estrutura algébrica literária e artística em geral. Mas, na verdade, ele antes afirma que vai aplicá-lo do que realmente o aplica; e isso acontece porque, precisamente, trata-se de noção inaplicável nas coordenadas em que o autor deseja fazê-lo e incompatível com elas. Com efeito, ele reconhece, e muito bem, que “a compreensão do con ceito de estrutura fora do campo matemático e mais pre cisamente a compreensão de uma obra de arte como estru tura, pressupõe a existência da ambiguidade como essen cial à sua fundação (p. 65). O projeto de Louzada Filho é, pois, contraditório em si mesmo. A matemática é uma forma de linguagem que só se pode relacionar com reali dades quantificáveis; e o que é quantificável é, por defini ção, o oposto do ambíguo (ou a quantificação destina-se, precisamente, a eliminar as ambiguidades). E, justamente, a transferência analógica do raciocínio matemático à aná lise literária só pode ocorrer naqueles casos em que a quantificação é possível, isto é, nos casos em que a lingua gem matemática tenta dissipar a ambiguidade ou as incer tezas do problema literário tal como se apresenta (é o que Jorge de Sena, por exemplo, vem sistematicamente fazendo na sua série de estudos camonianos). Querer, pois, servir-
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se da linguagem matemática para afirmar a ambiguidade é idéia não apenas pouco matemática mas, ainda, pouco literária; de resto, Louzada Filho usa o conceito como imagem e, segundo ficou dito, não passa da hipótese de trabalho para o trabalho sobre a hipótese. A expressão "aprendiz de crítico” é às vezes empregada como declaração de modéstia por alguns escritores consa grados; seria possível tomá-la ao pé da letra no que se re fere a Sérgio Ribeiro Rosa. Não vai nessa idéia nenhuma intenção depreciativa. O autor é claramente um daqueles jovens provincianos, devorados pela febre e também pela desordem das leituras; incapaz, realmente, de distinguir entre a senhora de Ségur e Mareei Proust; avançando in trepidamente pelo mundo encantado da literatura francesa com um conhecimento da língua (e, sobretudo, dos sub entendidos franceses de história literária) algo deficiente; compulsando muito mais os manuais de história literária do que os textos propriamente ditos; escrevendo seu pró prio idioma com sensível deselegância; dominado pelo en tusiasmo e não pelo equilíbrio crítico; gostando de citar a todo propósito e sem propósito nenhum; e fazendo tudo isso com um belo empenho pessoal que é, talvez, o seu aspecto mais simpático. Para ele, Os Ratos, de Dionélio Machado, é "o ponto culminante da literatura gaúcha deste século” (p. 14), embora Érico Veríssimo (contra quem che ga a ser impolido) haja escrito, com O Tempo e o Vento, um "ciclo inexcedível” (p. 15); elogia um belo poema de Carlos Nejar (p. 29) sem perceber, aparentemente, que se trata de uma paráfrase de Eluard; vê Otávio de Faria como gênio (p. 91) e acredita que o tema da homossexua lidade tem sido raramente tratado em literatura, exceto, claro está, por Proust, "em seu notável ‘Chez Swann’ bem como em outras partes da Recherche”. Mas, "para Gide e Proust, o homossexualismo não passa de uma es colha, uma saída desesperada e definitiva, um quase sui cídio^ (p. 109). José Hildebrando Dacanal não é um aprendiz de crítico: é um crítico em processo de amadurecimento, algo deslum766
i brado pelas cintilações das doutrinas e dos nomes (Lukács, Lucien Goldmann) e ainda insuficientemente seguro das inexoráveis realidades da história literária e da história propriamente dita, mas capaz de perceber, aqui e ali, entre hesitações e enganos o fato crítico essencial. Os três pe quenos ensaios aqui reunidos tentam outras tantas técnicas de interpretação, todas elas mais fragmentárias do que sis temáticas e fundadas em noções arbitrárias ou incorretas. É assim que ele nos fala num “ciclo do romance latinoamericano” (p. 9) para indicar livros recentes de autores diversos que de forma nenhuma constituem um ciclo; em compensação, ignorando, ao que parece, o sentido em que José Lins do Rego classificou de “ciclo” a série dos seus cinco primeiros lomances, ele elimina Doidinho e Moleque Ricardo desse conjunto (p. 45-46), para nele incluir Fogo Morto. Mas, quando reconstitui o “ciclo” pela cronologia da ação (p. 52), percebemos a origem do engano: é que ele a confunde com a visão sociológica que, na década de 50, havia sugerido ao romancista essa história ficcionalizada da decadência patriarcal no Nordeste. O “ciclo” que Lins do Rego tinha em vista era o que ia do engenho à usina — fonte e consequência, simultaneamente, do gran de processo de transformação social que ocorreu historica mente no período considerado. Fogo Morto é a reescrita, em um volume, da série que já havia escrito em cinco; não é, pois, “anterior” ao ciclo, mas simultâneo, cobrindo em largos traços o mesmo espaço de tempo, reintroduzindo alguns dos seus personagens e conduzindo à mesma conclusão. Isso, de resto, não altera nem a substância, nem a qualidade do romance (que José Hildebrando Dacanal inegavelmente superestima); nem, por singularidade, o acerto da sua conclusão quando aponta o personagem Vitorino como “porta-voz de José Lins do Rego e de sua visão do mundo ao escrever o romance em 1945” (p. 54). Na verdade, todo o romance deve ser lido dentro dessas perspectivas, pois, àquela altura, José Lins do Rego era um romancista que procurava recuperar ou manter o seu “status” por meio de uma dupla jogada: em primeiro lugar, 767
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voltando aos temas que haviam feito a sua glória, e, em segundo lugar, procurando assegurar-se uma garantia su plementar de sucesso por meio de implicações “sociais” que, de resto, já começavam a esgarçar-se enquanto ele mentos de ficção.
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José Hildebrando Dacanal, atraído por concepções críti cas pouco generalizáveis, falseia em grande parte a sua própria visão da literatura brasileira, mas acaba por des cobrir a verdade essencial que as ambiciosas teorias ocul tavam. É o que ocorre na sua análise de O Coronel e o Lobisomem, visto, a princípio, como “uma história de as censão e decadência; como uma “crónica de decadência ligada especificamente a uma estrutura sócio-econômica ” (p. 34). Ora, não é disso que se trata, e o crítico não tarda em percebê-lo. Tanto quanto Riobaldo, o persona gem de fosé Cândido de Carvalho oscila entre o míticosacral e o racional (p. 36). Por isso mesmo, ele pode afirmar com grande ênfase: “Na verdade, Sobradinho e Campos dos Goitacazes não são simplesmente — e absolu tamente não são! — duas estruturas sócio-econômicas (agrária e semi-urbanizadora). Não. São dois mundos, duas concepções do mundo” (p. 36). Daí em diante, tudo se torna, não apenas claro, mas criticamente correto; em lugar de constranger o livro dentro da teoria prévia, Dacanal efe tua, muito simplesmente, a sua própria leitura. Ele marcaria uma tendência da crítica brasileira na década de 70, que está rapidamente substituindo as invocações encantatórias ao “new criticism”, ou a Dámaso Alonso, . e, mesmo, a Roman Jakobson, pelas invocações mais sofis ticadas a Lukács, a Adorno e aos “formalistas russos”. Tudo isso reflete um certo provincianismo de espírito, mas está concorrendo, dialeticamente, para enriquecer e ama durecer o pensamento crítico brasileiro. Bem entendido, nada substitui a argúcia crítica — e os praticantes da crí tica por analogia muitas vezes lembram os perdigueiros sem faro, que correm nervosamente pelo campo, erguem o
rabo, espiam argutamente pelas moitas — e jamais er guem a caçad2^
O advérbio "além”
'I A ESSA ALTURA, evidenciando uma aspiração ainda vaga ou uma insatisfação que não queria ir até ao repúdio, o advérbio além começa a surgir no vocabulário corrente da crítica: além do formalismo, além da nova crítica, além do estruturalismo. . . Cha mava-se, precisamente, Au-delà du Structuralisme o livro de 1971 em que Henri Lefebvre propunha denunciar os “abusos” do concei to de estrutura e sua “ideologização dogmática”, sem contudo de clarar como nulo o Estruturalismo, doutrina que, aliás, conserva todo o seu prestígio, como o demonstra a prudente formulação do mesmo Henri Lefebvre. Levava o título de Estruturas, conforme vimos, o ensaio de Rui Mourão sobre o romance de Graciliano Ra mos, mas, de maneira geral, resultavam de princípios assemelha dos os poucos livros da família estética ou formalista simultanea mente aparecidos: Estudos Literários, de M. Cavalcânti Proença; Introdução à Teoria da Literatura, de Antônio Soares Amora, e, em quarta edição, revista e aumentada, A Criação Literária, de Massaud Moisés, autor, igualmente, de A Literatura Brasileira Através dos Textos. Pregações de rigor teórico e analítico a que os impressionis tas, como de costume, faziam ouvidos de mercador: Francisco de Assis Barbosa e Marques Rebelo (Discursos na Academia); Wilson Chagas (A Inteira Voz); Eduardo Frieiro (O Elmo de Mambrino, apossando-se de um título que Lívio Xavier retomaria quatro anos mais tarde); Juarez da Gama Batista (Eça de Queirós: o BemPensante nem Tanto às Avessas); Oscar Mendes (Tempo de Per nambuco); Osmar Pimentel (Nem logue, nem Comissário); Ivã Bi chara Sobreira (O Romance de José Lins do Rego); Pedro Verga ra (Itálico Marcon, Ensaísta e Poeta Elegíaco); Eliane Zagury (A (265) “A prática da teoria”. O Estado de S. Paulo (Suplemento Literá rio), 15/8/1971.
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Palavra e os Ecos); Hélio Pólvora (A Força da Ficção); Josué Montello {Estante Giratória); Alexandre Passos (Humanismo de Castro Alves, 2.a ed.), e Hildon Rocha (Os Polêmicos). Se os impressionistas não prestavam muita atenção às teorias literárias, os historiadores, a começar pelos estrangeiros, tampou co se deixavam intimidar pela campanha contra o historicismo: Sa muel Putnam (Marvelous Journey: A survey of jour centuries of Brazilian writing, reed.); Giuseppe Cario Rossi (Letteratura Brasi liana); John B. Mcans, org. (Essays on Brazilian Literature): JeanMichel Massa (A Juventude de Machado de Assis); Sânzio de Aze vedo (A Academia Francesa do Ceará); Leodcgário A. de Azevedo Filho (Síntese Crítica da Literatura Brasileira, c A Técnica do Verso em Português); Vicente de Azevedo (O Poeta da Liberdade (Castro Alves), e A Vida Amorosa dos Poetas Românticos); Rita Canter (Depoimentos Literários); Antônio Cândido (Introducción a la Li teratura del Brasil, publicado em Havana); Guilhermino César (História da Literatura do Rio Grande do Sul, 2.a ed.); Fernando Correia Dias (O Movimento Modernista em Minas); Afrânio Coutinho (A Literatura no Brasil, VI); Fausto Cunha (O Romantismo no Brasil); Paulo Duarte (Mário de Andrade por Ele Mesmo); Heitor Ferrei ra Lima (Castro Alves e sua Época); Bei Ia Jozef (História da Literatura Hispano-Americana); Cecília de Lara (Nova Cruzada, “contribuição para o estudo do pré-modernismo”); Valdemar de Sousa Lima (Graciliano Ramos em Palmeira dos índios); R. Ma galhães Júnior (José de Alencar e sua Época); Carlos Maul (Catulo: Sua Vida, Sua Obra, Seu Romance); Irene Monteiro Reis (Bi bliografia de Euclides da Cunha); Neusa Pinsard Caccese (Festa, “contribuição para o estudo do Modernismo”); Maria José de Quei rós (Presença da Literatura Hispano-Americana); Silveira Peixoto (Falam os Escritores, 2 vols.); Basileu Toledo França (Cadeira n.° 15, “contribuição ao estudo da literatura de Goiás”); José Aderaldo Castelo (O Movimento Academicista no Brasil, vol. I, t. 4/5), e Fernando da Rocha Peres, com mais duas separatas: Gregário de Matos: os Códices em Portugal, e O Pinto Novamente Renascido. Não somente as famílias metodológicas da crítica intercambiam mais do que parece as respectivas tendências e técnicas de abor dagem, como os críticos de determinada linhagem podem eventual mente reservar-se um lugar, momentâneo que seja, em qualquer das
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outras. Por isso mesmo, era ilusório, nesse momento, o aparente predomínio dos métodos “estéticos” ou formalistas sobre os demais: eram os mais prestigiosos, mas não os mais numerosos em termos de obras publicadas ou críticos representativos. Em 1972, por exemplo, era a seguinte a distribuição numérica pelas diversas fa mílias:
1 Na LINHAGEM GRAMATICAL: Gladstone Chaves de Melo (Alencar e a “Língua Brasileira”, em terceira edição); 1 Na LINHAGEM HUMANÍSTICA: Tarquínio J.B. de Oliveira (1915-1980), com o estudo sobre as fontes tex tuais das Cartas Chilenas; 2 ESTRANGEIROS: Thomas Colchie, com a parte dos li vros em Português na bibliografia compilada com Marta de la Portilla, Textbooks in Spanish and Portuguese, e Luciana Stegagno Picchio, com La Letteratura Brasiliana, pu blicada em Milão; 11 na LINHAGEM IMPRESSIONISTA: Almeida Fischer (O Áspero Ofício, 2.a série); Fernando Whitaker da Cunha (Ficção e Ideologia); Oscar Mendes (A Alma dos Livros: Um Brasileiro Lê Paço d’Arcos); Luís Martins (Suplemen to Literário); Alfredo Gomes (O Maior Poema do Mundo, “introdução à Divina Comédia”); Wilson Chagas (Conhe cimento do Brasil); D. Martins de Oliveira (Dimensões de Castro Alves); Hélio Chaves (Olavo Dantas, Poeta Uni versal); Hélio Pólvora (Graciliano, Machado, Drummond & Outros); Francisco Miguel de Moura (Linguagem e Co municação em O.G. Rego de Carvalho), e Emanuel de Mo rais (Drummond Rima Itabira Mundo); 15 na LINHAGEM FORMALISTA ou “estética”, mas os três primeiros vinham do período anterior, o que nos reduz real mente a 12: Mário de Andrade (Aspectos da Literatura Brasileira, em quarta edição); Oswald de Andrade (Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias, compilação dos seus manifestos, teses de concurso e ensaios diversos); Adolfo Casais Monteiro (Figuras e Problemas da Literatura Bra sileira Contemporânea); Mário Chamie (A Transgressão do
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Texto)} Nereu Correia (A Palavra: Uma Introdução ao Es tudo da Oratória); José Carlos Garbuglio (O Mundo Movente de Guimarães Rosa); José Guilherme Mcrquior (A Astúcia da Mimese); F.S. Nascimento (A Estrutura Des montada); Walnice Nogueira Galvão (As Formas do Falso, "estudo sobre a ambigiiidade no Grande Sertão: Veredas”); Katia Oliveira (A Técnica Narrativa em Lígia Fagundes Teles); Antônio de Pádua (Aspectos Estilísticos da Poesia de Castro Alves); os diversos autores reunidos no semi nário da Universidade de Poitiers sobre Vidas Secas; Afon so Romano de Santana (A Narrativa de Estrutura Simples e de Estrutura Complexa, e Drumond: o Gaúche no Tem po); Álvaro Lorencini (La Comparaison et la Métaphore dans Germinal), e Ledo Ivo (Modernismo e Modernidade), este último fazendo a ligação com os 27 na LINHAGEM HISTÓRICA: Horácio de Almeida (Con tribuição para uma Bibliografia Paraibana); Raul Bopp (“Bopp passado-a-limpo”, por Ele Mesmo); Lais Correia de Araújo (Murilo Mendes); Vicente Guimarães (foãozito: Infância de João Guimarães Rosa); J. Guimarães Rosa (Correspondência com o Tradutor Italiano); Joaquim Inojosa (Um “Movimento” Imaginário. Resposta a Gilberto Freyre); Cecília de Lara (Klaxon & Terra Roxa); Flávio Loureiro Chaves, org. (O Contador de Histórias. 40 Anos de Vida Literária de Érico Veríssimo); Melo Nóbrega (Ba tista Cepelos); Jomar Morais (Bibliografia Crítica da Lite ratura Maranhense); Lígia C. Morais Leite (Modernismo no Rio Grande do Sul); Francisco Pati (Dicionário de Ma chado de Assis, em reimpressão); Xavier Placer, org. (Mo dernismo Brasileiro. Bibliografia); Telê Porto Ancona López (Mário de Andrade: Ramais e Caminhos); Maria José Sete Ribas (Monteiro Lobato e o Espiritismo); Marta Rossetti Batista e outros (Brasil: 1° Tempo Modernista); Fritz Teixeira Sales (1917-1981) com a antologia e críti ca Silva Alvarenga; Mário da Silva Brito (As Metamor foses de Oswald de Andrade); J. Galante de Sousa (Em Torno do Poeta Bento Teixeira); M. Sousa Barros (A Dé cada 20 em Pernambuco); Maria de Lourdes Teixeira
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(Gregório de Matos); Jorge Amado: Povo e Terra, home nagem da Editora Martins por seus 40 anos de vida literá ria; Museu de Arte de São Paulo {Semana de 22. Antece dentes e Consequências); Sérgio Milliet, número de home nagem do Boletim Bibliográfico da Biblioteca Municipal Mário de Andrade; Vítor Ramos (A Edição de Língua Por tuguesa em França, publicado em Paris); Universidade Fe deral do Paraná (Catálogo Coletivo de Literatura, História e Geografia do Paraná), e Gilberto Mendonça Teles (Van guarda Européia e Modernismo Brasileiro, compilação de manifestos, c A Poesia Brasileira de 1960 a 1970, em sepa rata da Revista das Academias de Letras).
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Mas, como ficou dito, a situação era fluida e movediça, o que é preciso ter sempre em vista quando se trata de metodologias crí ticas, que respondem à permanente tentação do monismo pela pro fusão dos pecados capitais de ecletismo, o ponto ideal de equilíbrio estando na rotatividade das técnicas de análise segundo os proble mas que se apresentem. Assim, já no ano seguinte (1973), as pro porções recíprocas de certo modo se inverteram: para 1 represen tante da linhagem Sociológica, 1 da Humanística e 2 Estrangeiros (que, por sua vez, podem ser subdivididos igualmente entre as li nhagens Histórica e Formalista), havia 9 na Impressionista, 19 da Histórica e 21 na Formalista ou “estética”. Eis os respectivos au tores e títulos:
ESTRANGEIROS:
HUMANÍSTICA:
HISTÓRICA:
John M. Parker (Brazilian Fiction: 19501970, publicado em Glasgow), e Willi Bolle (Fórmula e Fábula, “ teste de uma gramática narrativa, aplicada aos contos de Guimarães Rosa”); Rolando Monteiro (As Edições de “Os Lu síadas”), que também poderia incluir-se, claro está, na linhagem Gilberto Mendonça Teles (Camões e a Poe sia Brasileira); Josué Montello (Para Conhe cer Melhor José de Alencar, e Para Conhe cer Melhor Gonçalves Dias); David Sales
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FORMALISTA:
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(Primeiras Manifestações da Ficção na Bahia); Cecília T. de Oliveira Zokner (Fia lho de Almeida e o Brasil); Silviano Santia go (Latin American Literature: The Space in Between); Flávio Loureiro Chaves (Fic ção Latino-Americana); Roque Spcncer Ma ciel de Barros (A Significação Educativa do Romantismo Brasileiro; Gonçalves de Ma galhães); Moacir Medeiros de Santana (Graciliano Ramos, “achegas biobibliográficas”); Sânzio de Azevedo (O Centro Literário, 1894-1904); Osvaldo Barreto (Academia Francesa; Ontem e Sempre); Pedro Calmon (Castro Alves, o Homem e a Obra); Afrânio Coutinho/Sônia Brayner, orgs. (Augusto dos Anjos. Textos críticos); Paulo Dantas (Pre sença de Lobato); Breno Ferraz de Amaral, 1894-1961 (A Literatura em São Paulo em 1922); Joaquim Inojosa (Carro Alegórico. Nova resposta a Gilberto Freyre); Rubens Jardim, org. (Jorge, 80 Anos [Jorge de Lima]); Andrade Muricy (Panorama do Mo vimento Simbolista Brasileiro, 2 vols., 2.a ed.); Assis Brasil (História Crítica da Li teratura Brasileira. A Nova Literatura. I; O Romance), e Alceu Amoroso Lima (Memó rias Improvisadas); Leodegário A. de Azevedo Filho e outros (Teoria da Literatura); Luís Costa Lima (Estruturalismo e Teoria da Literatura); em terceira edição, o n.° especial da revista Tempo Brasileiro sobre o Estruturalismo; Wilson Martins (Structural Perspectivism in Guimarães Rosa, publicado em Nova York, e, em quarta edição, O Modernismo, per tencente à linhagem Histórica; Afonso Ro mano de Santana (Análise Estrutural de Ro mances Brasileiros); Jorge de Sena (Dialec-
ticas da Literatura); Vlademir Dias-Pino (Processo: Linguagem e Comunicação, 2.a ed.); Murilo Araújo (A Arte do Poeta, 4.a ed.); Heitor Martins (Oswald de Andra de e Outros); Haroldo de Campos (Morfolo gia do Macunaíma); Joaquim-Francisco Coe lho (Terra e Família na Poesia de Carlos Drummond de Andrade); José Hildebrando Dacanal (Nova Narrativa Épica no Brasil); Autran Dourado (Uma Poética de Roman ce); Sônia Brayner (A Metáfora do Corpo no Romance Naturalista); Ivan C. Monteiro/Hairton M. Estrela (Metalinguagem em “Quincas Borba” de Machado de Assis); Benedito Nunes (Leitura de Clarice Lispector); Temístocles Linhares/Ernâni Reichmann (A Poética de Carlos Nejar); Lauro Escorei (A Pedra e o Rio, “uma interpreta ção da poesia de João Cabral de Melo Neto”); Ana Marisa Filipouski e outros (Si mões Lopes Neto: A Invenção, o Mito e a Mentira); Maria Alice Oliveira Faria (Astarte e a Espiral, “um confronto entre Alva res de Azevedo e Alfred de Musset”), e Nelly Alves de Almeida (Análise Literária de Ho mens de Palha); IMPRESSIONISTA: Nestor Vítor (Obra Crítica, II); Mário Men des Campos (Castro Alves: Glória e ViaSacra do Gênio); Altino Flores (Sondagens Literárias); Murilo Fontes (Dois Poetas: Martins Fontes e Homero Prates); Juarez Gama Batista (A Contraprova de Teresa, Favo-de-Mel); José Cunha Lima (Revisão de Machado de Assis, “exame de erros e ardis literários”); Fábio Lucas (A Face Visí vel); J.A. César Salgado (O “Facundo” de Sarmiento e “Os Sertões” de Euclides da Cunha), e A.L. Machado Neto, 1930-1977 775
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(Diálogo Sobre a Vida Intelectual Brasilei ra'), que, com Estrutura Social da Repúbli ca das Letras, “sociologia da vida intelec tual brasileira, 1870-1930”. era nesse ano o único representante da linhagem Sociológica.
A República das Letras
Escrevendo a “sociologia da vida intelectual brasileira" entre 1870 e 1930, A.L. Machado Neto confirmou, em larga medida, o conhecido epigrama segundo o qual os so ciólogos, depois de largos anos de pesquisa, imensa leitu ra teórica e despesas nada desprezíveis, chegam à conclu são de que, numa determinada sociedade, o número de ho mens casados é exatamente igual ao número de mulheres ca sadas. . . Ele toma e apresenta como “hipótese de trabalho” fatos do domínio comum que nada têm de hipotético e que, de resto, têm sido empiricamente documentados deze nas de vezes, como, por exemplo, a influência esmagado ra e descaracterizante que as letras francesas exerceram sobre a vida intelectual do país (p. 62), ou a concentração de intelectuais na capital federal (p. 65); ou que, no pe ríodo em questão, houve “relativa liberdade política e re ligiosa, salvo casos mais ou menos raros de restrições vio lentas com sanção organizada” (p. 118). Nessas instâncias todas, não há lugar para “hipóteses de trabalho”, mas, antes, para o estudo sistematizado e exaus tivo das circunstâncias realmente sociais, isto é, econó micas, políticas, históricas, conjunturais, biográficas, que as determinaram — o que, bem entendido, implicaria um levantamento múltiplo e complexo que este livro não rea liza, particularmente no que se refere aos seus indispen sáveis aspectos quantitativos e estatísticos. Em outros casos, a “hipótese de trabalho” é, ela própria, hipotética, e ficou longe da demonstração (em parte pelos mesmos motivos), como na afirmação de que “o público 776
leitor brasileiro da época era constituído predominante mente de mulheres, devido à ociosidade a que o patriarcalismo as condenava, e de estudantes, além dos leitores de jornais, que já seriam em número maior” (p. 122). Em bora, efetivamente, o público literário fosse diminuto, com relação à população total (situação que perdura até hoje), a "hipótese” de A.L. Machado Neto exigiria uma verifi cação quantitativa, regionalizada e cronológica que, desde logo, pode-se dizer, modificaria a sua vaga generalização. Para “provar” as suas conclusões, ele cita um romance de Coelho Neto e algumas impressões esparsas de escrito res que vão de 1840 (infância e adolescência de José de Alencar) ao Modernismo; ora, nesse período, a situação se modificou, digamos, de década para década, assim como era diferente entre as diversas regiões e cidades do país. É vezo dos escritores queixarem-se da inexistência ou da indiferença do público, mas a pesquisa sociológica em li teratura é outra coisa. Ninguém ignora que Machado de Assis, pelo menos na primeira fase de sua carreira, escre via assiduamente para revistas domésticas e familiares (que eram periódicos de variedades, e não exclusivamente ^fe mininos”, como se diz), mas isso não significa que ele fosse lido apenas pelas mulheres. A densidade do público literário no Rio de Janeiro ou em São Paulo, por exemplo, sempre foi maior do que em Manaus ou Cuiabá, mas tende a ser estatisticamente comparável nas grandes cidades num momento dado. O autor cita Mário da Silva Brito para documentar que, à altura da Semana de Arte Moderna, a média de tiragem, em São Paulo, era de 1.000 a 4.000 exemplares, havendo, contudo, sucessos extraordinários, como o de Alma Cabocla ou de Juca Mulato. Na verdade, só a casa editora Monteiro Lobato (ou seja, excluídas as do Rio de Janeiro e outras cidades), tirava, em 1921, 150.000 exemplares, contando-se entre eles 50 mil do Narizinho Arrebitado. . . Sendo essa, embora, a maior ti ragem alcançada por um título determinado em 1921, nem por isso podemos afirmar que o público leitor era prepon derantemente constituído de crianças. De uma forma geral, 777
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a média das tiragens era bem maior do que a estimada por Mário da Silva Brito: Urupês, na sétima edição, tirava 5.000 exemplares-, O Professor Jeremias, na quarta edição, 4.000; o Jardim das Confidências, 2.000, e assim por diante. São números registrados por Breno Ferraz do Ama ral, num artigo para a Revista do Brasil, em janeiro de 1922, cujo propósito era precisamente demonstrar que “não há em São Paulo tão real progresso como o das letras” (A Literatura em São Paulo em 1922). São Paulo “não lia”, escrevia ele numa evidente ampliação retórica, e esta va lendo — e não estava lendo apenas o Narizinho Arre bitado. O mesmo será verdadeiro com relação à capital do país, onde o movimento editorial, no período conside rado por A.L. Machado Neto, foi extraordinário, tanto em quantidade como em qualidade. O Rio, aliás, vivia provin cianamente a sua vida à parte, como ficou demonstrado pelos artigos em que José Maria Belo revelava espantoso desconhecimento das atividades literárias em São Paulo, oferecendo a Breno Ferraz a oportunidade de completar, com algumas considerações qualitativas, o levantamento pu ramente quantitativo de sua primeira nota (p. 27 e s.).
Nesse, como em muitos outros aspectos, tudo temos ainda por fazer no que se refere à sociologia da literatura, sendo, por isso, do maior interesse a publicação de “documen tos de época” como os artigos de Breno Ferraz. O título deste pequeno volume é, entretanto, excessivamente ambi cioso, não só por ter sido esporádica e acidental a crítica literária de Breno Ferraz, o que lhe limita, por definição, o alcance e a importância, mas ainda porque ele representa va, já então, as concepções literárias que, por singularida de, seriam rejeitadas no decorrer desse ano. Convenhamos que um livro intitulado A Literatura em São Paulo cm 1922 e no qual nenhuma referência, favorável ou desfavo rável, se faz à Semana de Arte Moderna ou aos seus auto res, pode falsear por completo as perspectivas do leitor desprevenido e induzir a generalizações infundadas, seme lhantes às de A.L. Machado Neto. É, realmente, a partir de 1925, conforme escrevia alhures, que a Revista do 778
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Brasil toma conhecimento do Modernismo; Breno Ferraz, que pertencia espiritualmente ao “grupo de Monteiro Lo bato”, refletia-lhe as idéias e, podendo perceber com agu deza a revolução literária representada pelo Narizinho Ar rebitado, mostrou-se insensível à literatura revolucionária que se incubava no palco do Teatro Municipal. Essa é a nossa última geração parnasiana, se pudermos em pregar a palavra para indicar uma filosofia de vida mais do que uma simples escola poética. No caso, é o parna sianismo posterior a 1916, o das campanhas nacionalistas e da Liga de Defesa Nacional, o de Olavo Bilac como “poeta da raça” e o que logo depois ganharia um filósofo da História na pessoa de Oliveira Viana. Era, justamente, como “brilhante e vigoroso iniciador da nossa filosofia da história” que o via Breno Ferraz: “Preferindo ao litoral, palco pomposo de nossa vida histórica, os bastidores da vida interior e rural, onde, em última instância, se elabo ra a nacionalidade, sobrepondo aos fatos preterindo a causa deles e aos homens a sua formação social; preterindo a sun tuosidade da vida política para eleger a obscura, porém majestosa vida social e económica, como nossa última razão de ser — é o sociólogo e o filósofo que inaugura no Brasil o único estudo capaz de nos dar consciência de nós mesmos” (p. 92). As Populações Meridionais do Brasil, acrescentava ele com justeza, era livro que “mar cava uma época”, seria um clássico em nossa literatura sociológica. Não é difícil perceber, hoje em dia, que muito desse Olavo Bilac e muito desse Oliveira Viana passou para o tecido aparentemente oposto e hostil do Modernismo, ou, se qui sermos, que um e outro respondiam às solicitações obscuras do momento histórico. É curioso que Breno Ferraz se adiante aos modernistas na depreciação de Graça Aranha: a Estética da Vida parecia-lhe uma obra dogmática, vazia, contraditória e pouco original; de Ingenieros a Bergson, todos já a haviam antecipadamente desmentido e refutado; o texto se resumia, afinal de contas, numa “logomaquia estéril” e em “cabotinescos absurdos” (p. 75 e s.). 779
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Ora, pode-se perguntar se a Estética da Vida, publicada em 1920, não interpretava melhor do que qualquer outro livro a filosofia dessa geração; recusada, entretanto, por Breno Ferraz, Graça Aranha empunhou-a para “chefiar” triunfan temente uma revolução artística completamente diversa, se não antagónica, aos seus ideais. A.L. Machado Neto distingue cinco gerações literárias entre 1870 e 1930, pa recendo encará-las como necessariamente homogéneas. Ele desdenha, de qualquer forma, o importante fator correti vo que é a interconveniência sociológica de gerações no seio de cada uma delas. Assim, para citar apenas o caso particular do Modernismo, o “chefe” aparente não é ne nhum membro da geração de 1893-1908, que é a geração dos modernistas, mas Graça Aranha, que provinha da ge ração de 1863-1877, havendo entre elas, a de 1878-1892, que é precisamente a de Monteiro Lobato e Oliveira Viana. De um ponto de vista sociológico, o Modernismo foi feito conjuntamente por essas três gerações, na medida mesmo em que reagia contra o passado imediato, seja por prolon gamento, seja por oposição; é apenas literariamente que o movimento se realizou por intermédio de uma única ge ração, a de 1893-1908. Nem os pressupostos teóricos, nem muitos dados fatuais, foram clarificados por A.L. Machado Neto com o necessá rio rigor no ponto de partida; ao caracterizar, por exem plo, a boémia literária do final do século XIX como uma forma de “desenquadramento” do intelectual na sociedade, ele menospreza c fato histórico e psicológico de que essa era, por inesperado, a forma suprema de enquadramento do intelectual na comunidade literária a que pertencia, o que, de resto, em nada lhe comprometia o prestígio, a po pularidade e o sucesso no seio da sociedade burguesa em que aparentemente não se enquadravaó™'* A República das Letras era, pois, sociologicamente, muito mais complexa do que A.L. Machado Neto parecia presumir, mas, em (266) “A República das Letras”. O Estado de S. Paulo (Suplemento Literário), 13/1/1974.
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í compensação, todos os furiosos embates e debates que nela ocor riam com referência à crítica literária pareciam provir do mal-en tendido generalizado que não fazia distinção entre as “duas críticas”:
Sempre me pareceu que o imenso debate sobre a metodo logia da crítica (que, ao contrário do que se pensa e afir ma, nem é recente ou “moderno”, nem vai jamais termi nar pela vitória de um sistema qualquer) funda-se subs tancialmente num mal-entendido semântico, fazendo, em consequência, muito menos sentido do que desejariam fazer crer as proclamações entusiásticas, as reivindicações ul trajadas e as condenações inapeláveis. Há, na verdade, duas críticas, assim como há “duas culturas”, e o que se sustenta a respeito de uma pode não ser necessariamente exato com relação à outra, da mesma forma por que, en quanto proposições metodológicas, ambas andam geralmen te certas no que afirmam, e erradas no que negam ou im plicitamente pretendem negar. A primeira dessas críticas, que precede por definição a outra na ordem cronológica e que realmente seleciona, ao longo dos séculos, o material com que a segunda trabalha, é a crítica dos livros novos e dos autores desconhecidos, é a que se encarrega de um julgamento preliminar, sumá rio e “impressionista” quanto seja, fundado nas reações imediatas de leitura e no contacto vital com a obra, sem a mediatização livresca erudita e convencional que, seja isso ou não do nosso agrado, cria realmente um anteparo irremovível entre a obra e a nossa leitura. Essa é a críti ca “de rodapé”, ou a crítica hebdomadária, geralmente menosprezada, com tnais espírito polêmico do que razão, pelos que, por um motivo ou por outro, não se sentem com disposição para praticá-la; é a que decorre, por de finição, do único julgamento pessoal e original, na medida mesmo em que a outra toma e não pode deixar de tomar por subentendida a escala de valores que ela assim esta belece, ainda uma vez, através dos séculos e dos juízos 781
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contraditórios. Essa é a critica que, à falta de melhor nome, podemos provisoriamente caracterizar como a ^críti ca propriamente dita”. A outra é o ensaio crítico, é o estudo de raízes eruditas, e tem, na verdade, ambições diversas e pressupostos dife rentes: em primeiro lugar, ela está preocupada em com preender, e não mais em julgar, como afirma Jorge de Sena no seu recente Dialecticas da Literatura — precisa mente porque a primeira já a liberou dessa tarefa arrisca da, enfadonha e “impressionista”; por isso mesmo, o ensaio crítico reivindica, um pouco como a mosca do coche, não apenas a condição de grande crítica, mas, ainda, e sobretudo, a de única crítica digna desse nome — sendo, aliás, admiráveis, curiosas e interessantes, conforme os casos, muitas das análises a que, pelos métodos mais va riados e não raro conflitantes ou contraditórios, vem sub metendo os grandes autores e as obras-primas da litera tura.
É nesse modesto adjetivo que se encontra a chave do pro blema e da distinção entre as duas críticas, porque o en saio crítico, seja qual for a sua obediência metodológica ou sistemática, não perde tempo com o romancista em botão, nem com o poeta adolescente, nem como o ensaísta dis cutível ou titubeante: os seus autores de eleição são sem pre, numa insistência que já começa a ser repetitiva e es téril, Shakespeare e Racine, Camões e Cervantes, Macha do de Assis e Eça de Queirós, Guimarães Rosa e Jorge Luís Borges, Dante e Dostoievski, isto é, os papéis garan tidos na Bolsa de Valores literários. E, com efeito, a esse nível, o julgamento já não tem mais nenhuma razão de ser, já não é mais uma necessidade crítica e seria até ridículo; trata-se apenas de compreender, tarefa tanto mais excitan te e compensadora quanto mais geniais forem os autores e mais consagradas e indiscutíveis forem as obras sob exa'me; assim, o ensaio crítico não se expõe a nenhum dos riscos inerentes à modesta função da crítica que se costu ma chamar de “impressionista” — como se a palavra fosse insultuosa e como se, necessariamente, toda crítica “im-
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pressionista ’ estivesse “errada” e toda crítica, digamos “científica” estivesse “certa”: o que é reintroduzir, como estamos vendo, o critério do “certo” e do “errado” no jul gamento estético. A verdade é que muito ‘“impressionismo”, este sim, mistijicador e vazio, já se meteu como piolho em costura por entre os exercícios da crítica moderna, garantindo-se por trás de nomes prestigiosos e de uma terminologia molieresca; as metodologias “científicas” ou “estéticas”, escre ve Jorge de Sena, “não defendem, só por si, ninguém do impressionismo”, sem falar nas contradições intrínsecas que se podem evidenciar no interior de cada uma (p. 124 e s.). Os grandes críticos que as superaram (cujo renome se projeta sobre o sistema correspondente, e não o contrário), eram, pois, grandes críticos por algum outro motivo — nenhum crítico jamais se tornou grande crítico por seguir qualquer determinado método de análise literá ria. Pode-se mesmo pensar que, apossando-se das metodo logias em moda (escolhidas, num mercado aliás amplo, pela novidade da proposta ou pela atração do vocabulá rio), a legião de açodados imitadores provocou, por ine vitáveis deficiências intelectuais, uma desmonetização ca tastrófica nas expectativas de que haviam partido; Jorge de Sena assinala a reação que já se observa internacional mente contra as ingénuas intransigências teológicas em que muitos neófitos transformaram a crítica (p. 125). As polarizações inconciliáveis são tanto menos “científi cas” quanto as duas críticas antes se completam e comple mentam do que se opõem e antagonizam. Fidelino de Fi gueiredo, que foi, nas literaturas de língua portuguesa, um precursor da “crítica literária como ciência”, formulou o que ainda hoje me parece irrecusável axioma de base: o im pressionismo encontra-se inevitavelmente em dois momen tos da análise crítica — no ponto de partida e no ponto de chegada; é apenas no espaço intermediário que os mé todos científicos podem exercer-se com legitimidade e pro veito. Jorge de Sena que, no seu tempo, tem procurado alargar a visão crítica assim como Fidelino de Figueiredo 783
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a alargou no dele, é partidário, em geral, da critica aritmológica, em que recursos matemáticos variados concor rem para a tradução quantitativa do conhecimento literá rio, mas ele próprio se recusa a “acreditar” em sistemas críticos, pela simples razão de que a “idéia de sistema é in compatível com a idéia de crítica, uma vez que o sistema começa onde a crítica acaba” (p. 99).
Isso não o impede de acrescentar aos sistemas conhecidos o da tipologia literária, fundado em vinte e dois planos fundamentais de análise, a cada um dos quais corresponde um par antitético de atitudes (p. 60). A idéia é fecunda, na medida em que acentua a multivalência dialética de alguns termos hoje insubstituíveis e, por isso mesmo, a sua articulação dinâmica em múltiplas conotações: assim, por exemplo, “clássico” não se opõe apenas a “romântico”, mas também a “barroco”, conforme a análise se refira à emoção ou à expressão; é verdade que, sendo “barroco” uma forma de expressão romântica (e vice-versa), a elimi nação dos termos, nessa equação literária, reconduz-nos a antíteses provavelmente menos numerosas. Mas, na con cepção fundamental, essas idéias correspondem à caracterologia literária, tal como os estudos de René Le Senne e sua escola (menos conhecidos do que merecem) procuram esta belecer e sistematizar. Exemplificando a aplicação do pro cesso, Jorge de Sena configura Camões como “modernis ta; ético-politicamente reacionário; clássico quanto à emo ção; subjetivo quanto à correlação criadora; barroco quan to à expressão”, etc. (p. 64).
A diferença entre o ocasional “acerto” da crítica impres sionista e a sua demonstração rigorosa pela crítica cien tífica, acrescenta ele, está em que “uma intuição confir mada é uma certeza, mas, por brilhante e sedutora que seja, nenhuma intuição, antes de confirmada, deixa de ser uma mera hipótese” (p. 110). O que, certamente, nin guém contestará — a não ser para lembrar que a crítica literária é, por definição e natureza, um mundo de “hipó teses”, e não um mundo de “certezas”. Nisso, ela se dis tingue da ciência propriamente dita, dado que somente 784
por metáfora e intenção podemos realmente falar de uma crítica científica. Científicos podem ser, em larga medida, mas em medida limitada, os métodos de investigação, que nada têm de crítico, a não ser no sentido discriminativo da palavra; em contrapartida, o julgamento estético — que é a finalidade e a justificação da crítica — é. em si mesmo, subjetivo e só nos parece objetivo e certo, quando isso ocorre, por seus aspectos de consenso estatístico (ou de estatística consensual. . .).
Confirmando o que acima se afirmou sobre o material por assim dizer obrigatório do ensaio crítico, Jorge de Sena esclarece haver escolhido Camões para a exemplifi cação do processo porque “obviamente, ninguém na litera tura portuguesa oferece maiores possibilidades de grande arte e de fascinante e complicada personalidade poética” (p. 96). Realmente, se tomarmos, em lugar de Camões, di gamos, Gonçalves de Magalhães, poderemos levantar-lhe comparável e correspondente tipologia literária, sem que afinal saibamos qual dos dois é melhor poeta (assunto sobre o qual a crítica “impressionista” não tem a menor dúvi da. . .). Isso também foi observado por Fidelino de Fi gueiredo como a objeção mais perturbadora que se ante põe à crítica “científica”, cujos rigores jansenísticos dese jariam no hospício da debilidade mental todos os pratican tes do malfadado “impressionismo” (vocábulo, aliás vago, no qual podemos incluir todos os nossos adversários de idéias). O inconveniente dessas discussões maniqueístas está em que nos obrigam, no caso, a tomar a defesa do impressio nismo (ou a parecer que o fazemos), como se fosse o único método válido, ou, no que me concerne pessoalmente, como se fosse o método das minhas preferências. Na ver dade, nem o impressionismo é um método, nem, a supor que o seja, ostentaria qualquer superioridade sobre os de mais, a recíproca sendo igualmente verdadeira; além disso, o único pecado realmente mortal em crítica é o monismo metodológico. Cada problema crítico, cada “resposta” crí tica que procurarmos, dizia eu em modesto ensaio justamen785
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te esquecido, requer uni método específico de tratamen to, com relação ao qual, em cada caso, todos os demais concorrem em função subsidiária e complementar. Assim, por exemplo, não podemos escrever história literária pelo método da simples análise estética (ignorando ou despre zando os fatores históricos do gosto), nem devemos apli car a mente historiográfica na explicação estética de um poema. Não se trata, pois, de um ecletismo, mas da esco lha prioritária dos métodos, numa escala variável e move diça — cada um deles conservando, com relação aos de mais, todos os seus princípios específicos. É com explicá vel satisfação que vejo tais idéias confirmadas por um cri tico do porte de Jorge de Sena: “Se a fundamental atitu de é metodológica e não sistemática (de redução a um sistema), o ecletismo não existe como tal. Parece ser ecle tismo o que é a única atitude científica possível: os mé todos, se o forem, todos nos são úteis e fecundos, e todos não são demais para esgotarmos os multíplices aspectos de uma realidade que é um objeto complexo” (p. 109). Dirse-ia que isso, afinal, nos reconcilia a todos, se, precisa mente, a tentação do sistema não fosse a mais forte em crítica literária e aquela a que menos sabem resistir os melhores espíritos (para nada dizer dos imitadores provin cianos que se atiram aos métodos novos com o furor inquisitorial dos conversos) — e assim, mais nefando ainda que o pecado do “impressionismo” será o dos que susten tam a equivalência instrumental de todos os métodos, o que corresponde a ver nas hóstias metodológicas apenas as suas espécies materiais de água e JarinhaSwt}
O prestígio da crítica “estética” ou “científica”, paralelo à instintiva necessidade de conhecimento fatual sem o qual ela não pode realmente existir, refletiam-se com evidência por assim dizer estatística na produção de 1974. Para 20 títulos da linhagem (267) “As duas críticas”. O Estado de S. Paulo (Suplemento Literário), 21/7/1974.
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Histórica (se nela incluirmos, por comodidade, 2 Estrangeiros e 1 representante da crítica sociológica), houve 18 na linhagem Formalista ou Estética:
HISTÓRICA:
Claude L. Hulet (Brazilian Literature, 2 vols. pu blicados em Washington), e Richard A. Mazzara (Graciliano Ramos, em Nova York); Flávio Lou reiro Chaves (O Mundo Social do Quincas Bor ba)', Celestino Sachet (As Transformações Esté tico-literárias dos Anos 20 em Santa Catarina); Fritz Teixeira Sales (Das Razões do Modernis mo); Cecília T. de Oliveira Zokner (A Influên cia da França na Obra de Fialho de Almeida); Hélio Pólvora (Para Conhecer Melhor Gregório de Matos); Pedro Vilas-Boas (Notas de Biblio grafia Sul-rio-grandense); Mário da Silva Brito (História do Modernismo Brasileiro, em nova ed.); Oliveiros Litrento (Apresentação da Litera tura Brasileira, 2 vols.); R. Magalhães Júnior (Olavo Bilac e sua Época); Raimundo de Mene zes (Emílio de Menezes, o Último Boémio, 5.a ed.); A. Fonseca Pimentel (A Presença Alemã na Obra de Machado de Assis); José Clemente Pozenato (O Regional e o Universal na Literatura Gaúcha); Vicente de Azevedo (Um Soneto Céle bre: Maciel Monteiro Versus Candiani); O Ro mance Brasileiro (catálogo da exposição na Bi blioteca Nacional em dezembro de 1974); Afrânio Coutinho (Caminhos do Pensamento Crítico, 2 vols.); Georgenor Franco (Poesia Sem Prínci pe); João Luís Lafetá (1950: A Crítica e o Mo dernismo), e José Leme Lopes (A Psiquiatria de Machado de Assis).
FORMALISTA:
João Alexandre Barbosa (A Tradição do Impas se: Linguagem da Crítica &, Crítica da Lingua gem em José Veríssimo, e A Metáfora Crítica); Luís Costa Lima (A Metamorfose do Silêncio); 787
Carlos Nelson Coutinho e outros (Realismo e Anti-Realismo na Literatura Brasileira)} Wilson C. Guarani, org. (O Cabo e a Lamina: O Poético em Tutaméia)} Maria Lúcia Lepecki (Eça na Am biguidade)} José Guilherme Merquior (For malismo e Tradição Moderna)} Massau Moisés (Dicionário de Termos Literários)} Pedro Paulo Montenegro (A Teoria Literária na Obra de Araripe Júnior)} Eduardo Portela (Fun damento da Investigação Literária)} Telê Porto Ancona López (Macunaima: a Margem e o Tex to), e Manuel Cavalcanti Proença (Roteiro de Macunaima, 3.a ed.); Cassiano Ricardo (Invenção de Orfeu e Outros Pequenos Estudos sobre Poe sia)} Anazildo Vasconcelos da Silva (A Poética de Chico Buarque: a Expressão Subjetiva como Fundamento da Significação)} Domingos Carva lho da Silva (A Presença do Condor, “estudo sobre a caracterização do Condoreirismo na poe sia de Castro Alves”); Mário Chamie (Instaura ção Práxis, 2 vols., compilação de manifestos, pla taformas, textos e documentos críticos); Dirce Cortes Riedel (Metáfora, o Espelho de Machado de Assis)} Eudes Barros (A Poesia de Augusto dos Anjos: Uma Análise de Psicologia e Estilo), e Au gusto de Campos e outros (Mallarmé).
A expansão da crítica formalista e/ou estética, confirmando mais uma vez a comunicação internutriente que as correlaciona entre si, mais do que as opõe umas às outras, parecia estimular a nossa tradicionalmente anémica crítica humanística: Almir de Campos Bruneti (A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do Pensamento Português}} Maximiano Carvalho e Silva, org. (Estu dos Camonianos)} Emanuel Pereira Filho (Uma Forma Provençalesca na Lírica de Camões), e Leodegário A. de Azevedo Filho (As Cantigas de Pedro Meogo) — quatro títulos que, fechando o círculo, vinham juntar-se aos 10 impressionistas do ano: Braga Montenegro
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(Correio Retardado, II); Hamilton Nogueira (Dostoievski, 2.a ed.); Adolfina Portela Bonapace (O Romanceiro da Inconfidência: Me ditação sobre o Destino do Homem)’, Vasco Damasceno Weyne (Meu Chão de Estrelas)', Oneida Alvarenga (Mário de Andrade, Um Pouco); Raimundo Faoro (Machado de Assis: a Pirâmide e o Trapézio), mais Gondim da Fonseca (Machado de Assis e o Hi popótamo, 6.a ed.) e Alfredo Jacques (Machado de Assis: Equívo cos da Crítica); José Augusto Guerra, 1926-1982 (Testemunhos de Crítica), e Bela Jozef (O Espaço Reconquistado).
Tempo de exorcismos
EM 1975, o quadro apresentou algumas mudanças sensíveis: desapareceram os críticos da linhagem Humanística, o que não foi surpresa para ninguém, e reapareceram 5 na linhagem Sociológica, o que não deixava de surpreender: Ely V. Lanes (Perspectivas da Literatura, Segundo Goldberg ([Jacó Pinheiro Goldberg); Pedro Lira (Poesia Cearense e Realidade Atual); Eduardo Portela (Lite ratura e Realidade Nacional, 3? ed.); Lamberto Puccinelli (Graciliano Ramos: Relações entre Ficção e Realidade), e Teófilo de Queirós Júnior (Preconceito de Cor e a Mulata na Literatura Brasileira). Surpreendente também, mas muito menos, era o número de Impressionistas, reduzidos a 10: Ivan Cavalcânti Proença (O Poeta do Eu); Hélio Chaves (Oliveira e Silva: o Homem e o Ético na Poesia); Otacílio Colares (Lembrados e Esquecidos); Joaquim Ino josa (Os Andrades e Outros Aspectos do Modernismo, e Malba Tahan: o Mercador de Esperança); Oliveira Melo (De Volta ao Sertão: Afonso Arinos e o Regionalismo Brasileiro); Enéias Atanásio (Três Dimensões de Lobato); Douglas Tufano (Estudos de Li teratura Brasileira); Lívio Xavier (O Elmo de Mambrino), e Fritz Teixeira Sales (Poesia e Protesto em Gregório de Matos). Já não surpreendia nada a igualdade de títulos (17) nas famí lias Histórica e Estética, a cada uma das quais podemos acrescen tar um Estrangeiro pela similitude metodológica: 789
HISTÓRICA:
I
ESTÉTICA:
a
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Claude L. Hulet (Brazilian Literatura, terceiro c último volume); Teresinha Alves Pereira (Traje tória de Júlio Cortázar na Ficção Moderna); Assis Brasil (História Crítica da Literatura Brasileira, III/IV); Afonso Ávila, org. (O Modernismo)-, An tônio Cândido (Formação da Literatura Brasileira, 5.a ed.); Onédia Célia de Carvalho Barbosa (Byron no Brasil); Brasigóis Felício (Literatura Contemporânea em Goiás); Atos Damasceno Ferreira (Imprensa Literária de Porto Alegre no Século XIX; Carlos Alberto lannone (Biografia de Fernando Pessoa, 2? ed.); Manuel de Oliveira Lima (Estudos Literários, reunidos por Barbosa Lima Sobrinho); Eduardo Martins (Coriolano de Medeiros. Notícia Bibliográfica; Kleber Men donça (Natividade Saldanha-. Traços de uma Poesia e de uma Vida); Josué Montello (Aluísio Azevedo e a Polêmica d'“O Mulato"); Herculano Morais (A Nova Literatura Piauiense); Anóni mo (Notícia Biobibliográfica de Joaquim Inojosa); Mozart Vítor Russomano (Minhas Memórias de Gilberto Amado); Luís de Castro Sousa (O Poeta Maciel Monteiro: de Médico a Embaixador), c Manuel de Sousa Barros (Um Movimento de Re novação Cultural). Fernando Alves Cristóvão (Graciliano Ramos: Estrutura e Valores de um Modo de Narrar); Flávio Aguiar (Os Homens Precários; Inovação e Convenção na Dramaturgia de Qorpo Santo); Rai mundo Monteiro Alves (Breve Análise do Roman ce Porto Calendário); Edda Arzua Ferreira (In tegração de Perspectivas); João Alexandre Barbo sa (A Imitação da Forma: Uma Leitura de João Cabral de Melo Neto); Augusto de Campos/Décio Pignatari/Haroldo de Campos (Teoria da Poesia Concreta); Moacy Cirne (Vanguarda: Um Proje to Semiológico); Joaquim-Francisco Coelho (Mi nerações); Luís Costa Lima (Teoria da Literatura
■ em suas Fontes); Nelly Novais Ccelho/Ivana Vcrsiani (Guimarães Rosa); Gilberto Defina (Teoria e Prática de Análise Literária); Vai ter José Faé (Poesia e Estilo de Augusto dos Anjos); Hélio Lopes (Cláudio, o Lírico de Nise); José Guilher me Merquior (Verso Universo em Drummond); Pedro Paulo Montenegro (A Teoria Literária na Obra Crítica de Araripe Júnior); Esdras Nasci mento (Teoria da Comunicação e Literatura); Élio Monnerat Solon de Pontes (Uma Interpreta ção de Salusse), e Diva Vasconcelos da Rocha (Discurso Literário: Seu espaço, teoria e prática da lei tuia). Mas, mencionar a multiplicação de críticos “estéticos”, formalistas, estruturalistas e, já agora, “semióticos” (ou “semiólogos”, ou “semiologistas”, porque o vocabulário ainda não se fixou), e, mesmo, levantar-lhes a bibliografia, nada dizia nem diz sobre o tipo de jargão, pretensamente científico, que escreviam e que a essa altura tinha atingido proporções epidêmicas. O poeta Carlos Drummond de Andrade, vítima ou objeto, ele próprio, de nume rosas dessas exegeses absconsas, exprimiu a sua impaciência e o sentimento de numerosos leitores no poema “Exorcismo”, publica do a 12 de abril de 1975 no Jornal do Brasil:
Da leitura sintagmática Da leitura paradigmática do enunciado Da linguagem jática Da /atividade e da não /atividade na oração principal Libera nos, Domine
I 1
Da organização categorial da língua Da principalidade da língua no conjunto dos [sistemas semiológicos Da concretez das unidades no estatuto que dialetiza [a língua 791
H
Da ortolinguagem Libera nos, Domine Do programa epistemológico da obra Do corte epistemológico e do corte dialógico Do substrato acústico do culminador Dos sistemas genitivamente afins Libera nos, Domine
Da camada imagética Do espaço heterotópico Das relações entre topos e macrotopos Do Elemento suprassegtnental Libera nos, Domine Da semia Do setna, do semema, do semantema Do lexema Do classema, do mema, do sentema Libera nos, Domine Da estruturação semêmica Do idioleto e da pancronia científica Da reliabilidade dos testes psicolingúísticos Da análise computacional da estruturação silábica [dos falares regionais Libera nos, Domine
)
Do vocóide Do vocóide nasal puro ou sem fechamento consonantal Do vocóide baixo e do semivocóide homorgâmico Do glide vocálico Libera nos, Domine
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I
Da linguística jrástica e transfrástica Do signo cinésico, do signo icônico e do signo gestual Da clitização pronominal obrigatória Da glossemática Libera nos, Domine Da estrutura exo-semântica da linguagem musical Da totalidade sincrética do emissor Da linguística gerativo-transjormacional Do movimento transformacionalista Libera nos, Domine
Das aparições de Chomsky, de Mehler, de Perchonock De Chaussre, Cassirer, Troubetzkoy, Althusser De Zolkiewski, Jakobson, Barthes, Derrida, Todorov De Greimas, Fodor, Chao, Lacan et caterva Libera nos, Domine(20S)
De fato, os críticos do momento deliciavam-se no vocabulário absconso, particularmente tomado de empréstimo à linguística, muito embora teóricos competentes, como, por exemplo, F.W. Bateson, já houvessem apontado para os equívocos em que tais assi milações se fundavam.(260) A crítica já não se podia entender sem o auxílio de glossários e vocabulários especializados, os quais, (268) Incluído, com modificações na estrutura estrófica, em Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1978), onde o nome Chaussure substitui Chaussre, evidente erro tipográfico do jornal. Tanto pode ser um en gano quanto uma invenção humorística. (269) Cf. “Linguistics and literary criticism”, in Peter Demetez et al., orgs. The Disciplines of Criticism, p. 3 e s. Em devastadora crítica ao livro de Edward Lopes (Discurso, Texto e Significação. São Paulo, 1978), Arthur Brakel observava a “florescência da metodologia 'linguística’ no estudo da literatura, apesar de os próprios linguistas ainda não se te rem posto de acordo quanto à metodologia e objetivos da sua ciência. Quanto ao livro em questão, repleto de "malabarismos, gráficos e tabe las”, para demonstrar o óbvio, parecia-lhe apenas “uma prova manu faturada por Lopes para ser mantido no sacerdócio semiótico” (cf. “A linguist on semiotic holiday”. Dispositio (Universidade de Michigan), V-VI: 15-16, outono de 1980 — inverno de 1981, p. 179 e s.).
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de fato, começaram a aparecer, como a Retórica Geral, dc J. Dubois e outros (traduzida em 1979 por Carlos Felipe Moisés), ou três anos antes, o Glossário de Derrida, trabalho apropriadamen te escolar, organizado por Silviano Santiago, autor ainda, por iro nia, dc um volume sobre Carlos Drummond de Andrade, um dos alvos prediletos da lexicologia alquímica: saíram simultaneamente Drummond, mais Seis Poetas e um Problema, de Antônio Ilouaiss, cujo “problema” não é só o vocabulário, mas a sintaxe, e A Metalinguagem na Poesia de Carlos Drummond de Andrade, dc Dilman Augusto Mota, para nada dizer de Drummond, a Estilística da Repetição, de Gilberto Mendonça Teles, em segunda edição, mais o seu Vanguarda Europeia e Modernismo Brasileiro, em terceira. A palavra “vanguarda”, como seria de esperar, ainda conservava todo o prestígio: juntamente com o volume em que José de Anchieta Fernandes reuniu os seus “artigos sobre a vanguarda literá ria no Rio Grande do Norte” (Por uma Vanguarda Nordestina, publicado em Natal), a Biblioteca Nacional promovia a exposição Movimentos de Vanguarda na Europa e Modernismo Brasileiro (1909-1924), imprimindo-lhe o respectivo catálogo. A indústria das exegeses rosianas continuava florescente, para a qual eu mesmo contribui (mea culpai), é verdade que procuran do restabelecer as perspectivas de crítica literária propriamente dita, com “Structural perspectivism in Guimarães Rosa” (no livro coleti vo The Brazilian Novel, organizado por Heitor Martins c publica do pela Universidade de Indiana). Mas, não era o único, bem en tendido: O Homem Provisório no Grande Ser-tão, de Manuel An tônio Castro, pois a outra moda que se instituiu, ainda mais pueril do que as demais, foi “desconstruir” as palavras por meio dc hifens e sílabas entre parêntesis, para insinuar não se sabe que insondá veis profundidades críticas; Recado do Nome, “leitura de Guima rães Rosa à luz do nome de seus personagens”, por Ana Maria Ma chado; Caos e Cosmos, “leituras de Guimarães Rosa”, de Suzi Frankl Sperber, c O Impasse da Crítica Literária, análise estruturalista de “A terceira margem do rio”, dc Ingo Voese, todos em 1976. À medida em que se esgotavam as possibilidades exegéticas de Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, outros ficcionistas e poetas passaram a se beneficiar, se assim me posso expri794
mir, das novas técnicas de interpretação, com os críticos das di versas famílias espirituais invadindo sem constrangimento o terri tório das outras: João Hernesto Weber (Do Modernismo à Nova Narrativa: Análise Crítica do Chapadão do Bugre)-, Peregrino Jú nior, Amariles Guimarães Hill, Teresa Pires Vara e Eugênio Go mes com livros sobre Machado de Assis (respectivamente, Doença e Constituição de Machado de Assis, 2.a ed.; A Crise da Diferença: Leitura das “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; A Mascarada Su blime, “estudo de Quincas Borba”, e Machado de Assis: Influências Inglesas, simples reimpressão dos oito primeiros capítulos de Espe lho Contra Espelho, com a inclusão de Victor Hugo entre as “in fluências inglesas”); Joaquim José Felizardo (De Sousa Júnior: Para a Biografia de um Homem Sincero)-, Flávio Loureiro Chaves (Érico Veríssimo: Realismo e Sociedade)-, Eliane Zagury (Castro Alves de Todos Nós); Lígia Militz da Costa (O Condicionamento TelúricoIdeológico do Desejo em Terras do Sem Fim de Jorge Amado) e Juarez da Gama Batista (A Contraprova de Teresa, Favo-de-Mel, 2? ed., mais: O Charme Discreto de Gilberto Freyre; O Exílio e o Reino, e O Tema e o Gesto); Letícia Malard (Ensaio de Literatura Brasileira: Ideologia e Realidade em Graciliano Ramos); Moema de Castro e Silva Olival (O Processo Sintagmático na Obra Literária. Corpus de Pesquisa: Contos de Bernardo Elis); Autran Dourado (Uma Poética do Romance: Matéria de Carpintaria), e Maria Lúcia Lepecki (Autran Dourado: Uma Leitura Mítica); Luís Costa Lima (A Perversão do Trapezista: O Romance em Cornélio Pena); An tônio Arnoni Prado, Osman Lins (1924-1978) e H. Pereira da Silva com livros sobre o autor de Policarpo Quaresma (respecti vamente, Lima Barreto, o Crítico e a Crise; Lima Barreto e o Es paço Romanesco, e Lima Barreto, Escritor Maldito), e Erilde Melillo Reali (O Duplo Signo de “Zero”). Poetas do passado e do presente eram também objeto de mi nuciosos estudos, alguns com o intuito de resgatá-los do esqueci mento ou dos mal-entendidos, como Amadeu Amaral (cujo Elogio da Mediocridade foi reeditado na coleção das Obras Completas junta mente com a sua biografia por Paulo Duarte), ou Cornélio Pires (com o livro de Macedo Dantas, Cornélio Pires: Criação e Riso), a que se acrescentavam: Ficção e Realidade na Obra de Paulo Setúbal, de Manuel Vítor; A Continuidade Poética em Da Costa e Silva, de
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José Carlos de Santana Cruz, publicado em Teresina; Mário Quinta na: Vida e Obra, de Nelson da L. Fachinelli; Mário de Andrade “textos comentados” por Luísa Enoé Cabral Schutel c outros; Augus to Frederico Schmidt, de John M. Tolman; cm segunda edição, Cassiano Ricardo, o Prosador e o Poeta, de Nereu Correia; Lingua gem e Versificação em Broquéis, de Maria Helena Camargo Régis, juntamente com o estudo crítico de Ferreira Gullar na reedição de Toda a Poesia, de Augusto dos Anjos; Sousãndrade: Vida e Obra, de Frederick G. Williams; em quinta edição, Castro Alves: o Poe ta e o Poema, de Afrânio Peixoto; Diálogos sobre a Poesia Brasi leira, de Temístocles Linhares, que também publicou, em segunda edição, Introdução ao Mundo do Romance, e Primado do Nacio nal: a Problemática das Literaturas Hispano-Americanas; 26 Poe tas Hoje, de Heloísa Buarque de Holanda, e, passando para os es trangeiros: Formas da Narrativa. I: Carência/Plenitude. Uma Aná lise das Sequências Narrativas na Ilíada, de Donaldo Schúler; O Cânone Lírico de Camões, de Leodegário A. de Azevedo Filho; Rilke ou A Convivência com a Morte e Outros Ensaios, de Walter Benevides (1908-1981); Para Ler Benjamin, de Flávio Kothe, e ]orge Luís Borges: a Erudição e os Espelhos, de José Couto Pontes. Tudo isso refletia e, simultaneamente, estimulava o interesse pela teoria literária, que, por paradoxo e necessidade, deixou de ser complexa filosofia da literatura para se reduzir a modestos manuais de iniciação c utilização didática, como os de Eduardo Portela (Teoria da Comunicação Literária, e, com outros autores, Teoria Literária), e de Afrânio Coutinho (Notas de Teoria Lite rária, que circulou juntamente com o seu Conceito de Literatura Brasileira, compilação de trabalhos anteriores sem qualquer rela ção entre si). A popularidade do vocabulário retórico c a paixão pelos temas abstrusos (ou pelos aspectos abstrusos dos temas lite rários) tornavam irónico o reaparecimento dos papéis seiscentis tas coligidos por José Aderaldo Castelo em O Movimento Academicista no Brasil, de cujo vol. III, os tomos 4/5 foram publicados também cm 1976. No que se refere à historiografia literária propriamente dita, procurei integrá-la no quadro de nossa evolução intelectual com a História da Inteligência Brasileira, cujo primeiro volume (15501794) saiu em 1976, acompanhado por histórias gerais ou regio-
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(
nais das letras: Noções de Literatura Brasileira, em décima-quarta edição, por Yoji Fugyama; O Romance Histórico na Literatura Brasileira, de José A. Pereira Ribeiro; Apontamentos de Literatura Maranhense, de Jomar Morais; Visão Histórica da Literatura Piauiense, de Herculano Morais; Literatura Cearense, de Sânzio de Azevedo; Evolução da Poesia e do Romance Cearenses, de Artur Eduardo Benevides; Lembrados e Esquecidos, II, de Otacílio Co lares, que também publicou Dois Estudos Portugueses, em separa ta da revista Aspectos; Panorama da Poesia em Campinas (até 1920), por Aristides Monteiro; O Partenon Literário e sua Obra, de Lothar Francisco Hessel e outros; em segunda edição, O Cará ter Social da Literatura Brasileira, de Fábio Lucas, que também pu blicou Poesia e Prosa no Brasil; O Social e Outros Ensaios, de Ormindo Pires Filho; em sexta edição, o Manifesto Regionalista, de Gilberto Freyre, que perdera para sempre a indicação do fatídico mi lésimo 1926, c, finalmente, como história literária para colégio de meninas. Convite à Literatura, de Laurita Pessoa Raja Gabaglia. Em 1972, o cinquentenário da Semana de Arte Moderna pro vocou as mais variadas comemorações, em geral laudatórias, celebrativas e repetitivas; agora, quatro anos mais tarde, começavam a aparecer em livro as vozes discordantes, aliás pouco numerosas, ao lado de estudos mais objetivos: A Grande Semana de Arte Mo derna, “depoimentos e subsídios para a cultura brasileira”, por Yan de Almeida Prado, cujos excessos polêmicos não nos devem fazer ignorar a salutar tarefa de desmistificação; A Propósito de Klaxon, “rescaldo da Semana de Arte Moderna”, por Vicente de Paulo Vicente de Azevedo, em separata da Revista da Academia Paulista de Letras, 85; A Revolução da Palavra, “origens e estrutura da literatura brasileira moderna”, de Sílvio Castro, e O Moder nismo, de Assis Brasil. Com a História de Revistas e Jornais Literários, I, de Plínio Doyle, editada pela Casa de Rui Barbosa, apareceu em Brasília a Revista de Poesia e Critica, independente dos grupos predominan tes e refletindo, em larga medida, as concepções literárias da Ge ração de 45 (das quais passou a fornecer importante documentário histórico e iconográfico), uma e outra simultâneas com abundan tes miscelâneas: Falam os Escritores, III, de Silveira Peixoto; Teo ria e Celebração, de Ledo Ivo; Múltipla Paisagem, de Péricles 797
i
Prade; Dimensões do Efémero, de Nei Teles de Paula; Saco de Gatos, de Walnice Nogueira Galvão; A Seta e o Alvo, de Cristiano Martins; Literatura e Vida, e Místicos, Filósofos e Poetas, ambos de Antônio Carlos Vilaça: A Vida do Escritor Dr. Joaquim Inojo sa, por Rodolfo Coelho Cavalcânti; Oliveira Lima: uma Biografia, por Fernando da Cruz Gouveia; em segunda edição, Jackson de Figueiredo, por Hamilton Nogueira; A Berlinda Literária, de Artur Engrácio, publicado em Manaus; em Porto Alegre, Rodeio: Estam pas e Perfis, de Ciro Martins; A Trova Literária, “história da qua dra setissilábica autónoma, especialmente na literatura brasileira”, por Eno Teodoro Wanke, e, finalmente, A Linguagem Virtual, de Mário Chamie, cujos ensaios, esclarece o autor, “têm um ponto básico cm comum: todos eles discutem, explícita ou implicitamente, o problema da linguagem (. . .). Por isso, literatura, cinema, músi ca popular e linguística comparecem aqui compondo as virtualida des de um mesmo universo”. Há, contudo, dois capítulos que in teressam mais particularmente à crítica literária. No primeiro, “Penumbra de Pommery ou uma situação para Oswald”, ele iden tifica com agudeza os “três autores que concorrem, decididamente, para configurar o contexto de linguagem e criação da obra de Oswald de Andrade”, isto é, Adelino Magalhães, Antônio de Al cântara Machado e Hilário Tácito (pseudónimo de José Maria de Toledo Malta); no segundo, “Entre o giro c a mirada comum”, ele evidencia as similaridades entre o “Poema giratório”, de Luís Ara nha, e o João Miramar, ambos concorrendo para dcsmistificar a malinformada lenda de “radicalidade” que em torno dele se formou nos últimos anos. Enfim, nesse ano tão rico em bibliografia especializada, os “velhos críticos” recuperavam algum terreno, seja sob a forma de estudos analíticos: Sílvio Romero, o Crítico e o Polemista, de João Mendonça de Sousa; O Crítico à Sombra da Estante, “levanta mento e análise da obra de Augusto Meyer”, por Tânia Franco Car valhal, e Carlos D. Fernandes, “notícia bibliográfica” por Eduar do Martins, — seja sob a forma de reedições: os Estudos Brasilei ros, de Ronald de Carvalho, na prestigiosa coleção Aguilar, e os seis volumes dos Estudos de Literatura Brasileira, de José Verís simo, tirados em Belo Horizonte pela editora Itatiaia (completa dos no ano seguinte).
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O exorcismo, se não estava completo, parecia produzir algum efeito. Caminhos, descaminhos, becos sem saída
EM SETEMBRO de 1977, abrindo os trabalhos do Primeiro En contro com a Literatura Brasileira, promovido em São Paulo pela Câmara Brasileira do Livro, Almeida Fischer concluiu o “Panora ma da literatura brasileira atual,,(270) observando que
as manifestações da crítica literária no Brasil são cada vez mais escassas, em virtude da continuada redução do espaço destinado ã literatura em nossos jornais e revistas. Ninguém escreve um trabalho crítico sobre obras do mo mento para guardá-lo na gaveta para posterior reunião em livro. A crítica de jornal tem sido em parte substituída pela análise universitária, que atinge público restritíssimo (os próprios alunos) e com resultados bastante discutíveis para os interesses dos autores apreciados. Somando os poucos críticos militantes, que ainda conseguem espaço em nossa imprensa e os ensaístas literários, monográficos ou não, em plena atividade, pode-se ainda relacionar alguns nomes importantes como Afrânio Coutinho, Wilson Mar tins, Gilberto Mendonça Teles, Fábio Lucas, Fausto Cunha, Eduardo Portela, Adonias Filho, Temístocles Linhares, Do(270) As demais comunicações tiveram como relatores Fausto Cunha (“O romance brasileiro da atualidade”); Léo Gilson Ribeiro (“Especifi cidade da literatura brasileira”); Fábio Lucas (“O conto brasileiro atual”) ; Antônio Houaiss (“Problemas e aspectos da tradução”); Nelly Novais Coelho (“A mulher na literatura brasileira”); Mário Chamie (“A vanguarda literária brasileira”); Laura Sandroni (“Literatura in fantil atual”); Ary Quintella (“Ficção urbana brasileira”); Afonso Romano de Santana (“Poesia brasileira contemporânea”); Flávio Lou reiro Chaves (“O Brasil na literatura latino-americana”); Caio Porfírio Carneiro (“Ficção regional brasileira”); Ênio Mateus Guazzelli (“A política integrada do livro”); José Aderaldo Castelo (“Panorama da literatura brasileira”); e Luís Martins (“A crónica brasileira”).
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mingos Carvalho da Silva, Antônio Cândido, Harolclo Bruno e poucos mais. Afrânio Coutinho, por toda a sua obra (. . .) ainda é o melhor que temos em historiografia crítica de nossas letras (. . .). O mesmo Afrânio Coutinho que, no IV Congresso Brasileiro de Crítica Literária, realizado quase simultaneamente em Campina Grande, PA, falou sobre “A crítica literária no Brasil”, para cujo estudo existiriam “duas possibilidades de abordagem”: De um lado, há a descrição diacrônica, seguindo-se o de senvolvimento da critica em ordem cronológica, através da sua relação com os estilos de época. Esse foi o critério que adotei em meu estudo na obra A Literatura no Brasil, na segunda edição, em seis volumes. (. . .) Outro método pode também ser adotado. É o que procuro aplicar na minha obra Caminhos do Pensamento Crítico (. . .). Tra ta-se de uma antologia dos textos críticos mais representa tivos (. . .)
■J
“Diacrônico” e “sincrônico” eram dois outros vocábulos que haviam entrado em moda recentemente no léxico da crítica, se é verdade que a expressão “estilo de época” já estava, de fato, aban donada pelos que procuravam mostrar-se atualizados. Afrânio Coutinho resguardava-se de todos os lados, seja com os “estilos de época”, seja com a abordagem “diacrônica”, seja pela visão “sincrônica”, nisso demonstrando flexível, embora inesperado, ecletismo metodológico. O que, de qualquer maneira, oferecia sugestões mais otimistas que as de Luís Costa Lima, no mesmo Congresso, ao traçar o quadro “sistema intelectual no Brasil”, modelo, ao que parece, da “existência precária”. Seriam as seguintes, segundo esse diagnóstico, as “marcas que constituem o nosso legado cultural”:
1) cultura fundamentalmente literária. 2) ” auditiva. 800
3) Cultura voltada para fora. 4) ” que não possui um centro próprio de dedecisão Z2'1*
Com exceção do primeiro item (porque a crítica, pelo menos a que se desejava na vanguarda dos métodos, de há muito deixara de ser literária), os demais poder-se-iam aplicar sem incorreção à situação do gênero entre nós, começando, bem entendido, pelos que pensavam representar-lhe as correntes mais avançadas. Por outro lado, a situação descrita por Almeida Fischer só era verdadeira no que se refere à crítica chamada “militante”, em jornais e periódi cos literários (aliás cada vez menos numerosos), porque, como temos visto, a produção cm livros era abundantíssima, fenômeno que, por sinal, se repetia no mesmo ano de 1977, em que, ao lado do excelente The Brazilian Critics of Machado de Assis, de Murray G. MacNicoll (tese de doutoramento na Universidade de Wisconsin-Madison), contavam-se 1 crítico da linhagem Humanística (Hi lário Veiga de Carvalho. O Erro dos Lusíadas), 1 da Sociológica (Antonio Osvaldo Furlan. Estética e Crítica Social em Incidente em Antares), 3 da Gramatical (Corsíndio Monteiro da Silva. Uni verso Verbal de Rui; em segunda edição, O Modernismo Brasilei ro e a Língua Portuguesa, de Luís Carlos Lessa, e Raimundo Barbadinho Neto. Sobre a Norma Literária do Modernismo), mais 13 na Impressionista, 21 na Estética e 38 na Histórica, assim distribuídos:
IMPRESSIONISTA:
Nelly Alves de Almeida (Literatura e Sentimento); Arthur Anselmo (Um Romance da Cisão: “Os Tambores de S. Luís”); João Antônio (Calvário e Porres do Pingente Afonso Henriques Lima Barreto); Manuel Antônio de Castro (Travessia Poética); Wil son Chagas (A Inteira Voz/Existência e Criação); Almeida Fischer (O Áspero Ofí-
(271) Cf. Momentos de Critica Literária, Atas do (...), 1977, p assim.
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ESTÉTICA:
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cio, 3.a série); Francisco M. MonfAlvcrne Frota (Sousândrade: o Último Périplo); Juarez da Gama Batista (O Que Será Que Será; O Poder da Glória; Os Mistérios da Vida e os Mistérios de Dona Flor, e Litera tura, Cultura e Civilização); J.G. Nogueira Moutinho (A Fonte e a Forma); Armindo Pe reira (Julgamento de Valores); Wendel San tos (Crítica Sistemática); Homero Silveira (Aspectos do Romance Brasileiro), e Antô nio Carlos Vilaça (Árvore do Mundo}. Segismundo Spina (Introdução à Edótica); Anatol Rosenfeld, 1912-1973 (Estrutura e Problemas da Obra Literária); Maria do Carmo Peixoto Pandolfo (Práticas de Estruturalismo); Alfredo Bosi (O Ser e o Tempo da Poesia); Haroldo de Campos (Ruptura dos Gêneros na Literatura Latino-America na); Mário Faustino, 1930-1962 (Poesia-Ex periência); Romano Galeffi (Fundamentos da Criação Artística); Carlos Felipe Moisés (Poesia e Realidade); Massaud Moisés (A Análise Literária, 5.a cd.» c A Criação Poé tica); Afonso Romano de Santana (Por um Novo Conceito de Literatura Brasileira): Ernildo Stein (A Instauração do Sentido); Regina Zilberman (Do Mito ao Romance: Tipologia da Ficção Brasileira Contemporâ nea); Roberto Schwarz (Ao Vencedor as Ba tatas. Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro); Walter de Castro (Metáforas Machadianas: Estruturas e Funções); Davi Sales (O Ficcionista Xa vier Marques); Susana Camargo (Macunaíma: Ruptura e Tradição); Consuelo Alber garia (Bruxo da Linguagem no Grande Ser tão. Leitura dos elementos esotéricos na obra de Guimarães Rosa); Elizabeth Marinheiro
HISTÓRICA:
(A Intertextualidade das Formas Simples, “aplicada ao romance à’A Pedra do Reino, dc Ariano Suassuna); Lúcia Helena (A Cosmo-agonia de Augusto dos Anjos); Nice Serôdio Garcia (A Criação Lexical em Car los Drummond de Andrade), e José Paulo Paes (Pavão, Parlenda, Paraíso: uma tenta tiva de descrição crítica da poesia de Sosígenes Costa). Momentos de Crítica Literária (atas do IV Congresso Brasileiro de Crítica Literária); Afrânio Coutinho (Evolução da Crítica Lite rária Brasileira); Haroldo de Campos (A Operação do Texto, e Ideograma, Lógica, Poesia, Linguagem); Enéias Atanásio (Godofredo Rangel); Sônia Brayner, org. (Carlos Drummond de Andrade, e Graciliano RaMomentos de Crítica Literária (atas do IV cente de Paulo Vicente de Azevedo (Álva res de Azevedo Desvendado); Sânzio de Azevedo (Apoio Versus Dionísio: conside rações em torno do Parnasianismo brasilei ro); R. Magalhães Júnior (José de Alencar e sua Época, 2.a ed., e Poesia e Vida de Au gusto dos Anjos); Academia Cearense de Letras (Alencar 100 Anos Depois); Fábio Freixieiro, org. (Alencar: os Bastidores e a Posteridade); Raimundo de Menezes (José de Alencar, Literato e Político, e Cartas e Documentos de José de Alencar, 2.a ed.); Osman Lins (Do Ideal e da Glória: proble mas inculturais brasileiros); Valdir Ribeiro do Vai (Geografia de Machado de Assis); Maria de Lourdes Teixeira (Gregório de Matos, reed.); Viana Moog (Eça de Quei rós e o Século XIX, reed.); Sérgio Miceli (Poder, Sexo e Letras na República Velha); Fernando Jorge (Vida e Poesia de Olavo 803
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Bilac, 3.a ed.); Joaquim I nojosa (/I Arte Mo derna/O Brasil Brasileiro, ed. comemorati va do cinquentenário); Reginaldo Guima rães (O Folclore na Ficção Brasileira)-, di versos (José Américo: o Escritor e o Homem Público): Daniel Fresnot (O Pensamento Político de Érico Veríssimo)-, Otacílio Co lares (A Rainha do Ignoto: romance cearen se, pioneiro do fantástico no Brasil?, mais a terceira série de Lembrados e Esquecidos): Arruda Dantas (Gustavo Teixeira)-, Arnaldo Faro (Eça e o Brasil)-, Maria Consuclo Cunha Campos (Sobre o Conto Brasileiro); Vivaldo Cairo (Sangue Espanhol nas Veias de Castro Alves); Reinaldo Cabral (Literatura e Poder Pós-64); Raul Bopp (Vida e Morte da Antropofagia); M. Sousa Barros, org. (50 Anos de “Catimbó”); Paulo de Medeiros c Albuquerque, 1919-1982 (Dicionário de Ti pos e Personagens de Eça dc Queirós); José Aderaldo Castelo (O Movimento Academicista no Brasil, vol. II, t. I); Celuta Moreira Gomes (O Conto Brasileiro e sua Crítica. 2 vols.); Mário Ipiranga Monteiro (Fases da Literatura Amazonense, l.° vol.); Jomar Mo rais (Apontamentos de Literatura Mara nhense, 2.a cd.); Wilson Martins (História da Inteligência Brasileira, II/III, e O Mo dernismo, 5.a ed.), e, em nona edição, a História da Literatura Brasileira, de Antô nio Soares Amora.
Esta última, como observava Domingos Carvalho da Silva a propósito da “breve história da literatura brasileira” publicada nesse ano por José Guilherme Merquior (juntamente com L’Esthétique de Lévi-Strauss, editada em Paris) sob o título De Anchieta a Euclides, inscrevia-se numa respeitável tradição que, “sem 804
falar no cónego Januário”, ia de Sílvio Romero aos “historiadores reunidos na coleção editada pela Cultrix”, passando por Fernandes Pinheiro, José Veríssimo, Nelson Werneck Sodré, Antônio Cân dido. Pedro Calmon, Alfredo Bosi e “a equipe de A Literatura no Brasil”, de forma que uma nova história da literatura brasileira só teria justificativa se de alguma maneira reformulasse o que já havia sido feito, “não apenas em termos de opinião crítica em relação a autores já exaustivamente conhecidos e estudados, mas também em termos de pesquisa c renovação de métodos e da su pressão de sestros que vêm desde Romero”. Ora, Merquior não apenas deixara de renovar, no que fosse possível e era indispen sável. o nosso conhecimento da história literária, corno, ainda, re incidira nos erros e lugares-comuns da historiografia anterior, acres centando-lhes mais alguns por conta própria. Assim, dizia Domin gos Carvalho da Silva, essa nova história da literatura brasileira era “nova, mas antiquada”, ignorando o papel das academias sete centistas, referindo-se a uma “escola mineira” que jamais existiu e acolhendo “algumas lendas já desfeitas, como a de serem primos Alvarenga Peixoto c Gonzaga e a da publicação de uma Terceira Parte de Marília de Dirceu em 1812”, e assim por diante. De Anchieta a Euclides, concluía Domingos Carvalho da Silva, “confir ma a presença, no sr. José Guilherme Merquior, de uma inteligên cia ágil, apta ao debate de idéias gerais, pronta sempre a assumir uma posição categórica nas afirmativas que dependam de seu juízo pessoal. Outro é, porém, o historiador quando pisa o terreno dos fatos pendentes de prova. Vêm então os enganos, as omissões, as contradições”.(272) Seu propósito foi o de estudar somente “os principais autores brasileiros”, subordinando esta História “a um critério de alta se letividade”. Se assim é, pode-se estranhar a inclusão, entre os es critores estudados, de Anchieta, Bento Teixeira, Nuno Marques Pe reira, Silva Alvarenga, Sousa Caídas, João Francisco Lisboa, Monte Alverne, Sousa Andrade, Joaquim Felício dos Santos, Franklin Távora, Domingos Olímpio, Oliveira Paiva, Qorpo Santo, Luís Dclfino e B. Lopes, para citar apenas os que mais seguramente se pode
(272) “De Romero a Merquior”. Minas Gerais (Suplemento Literário), 29/9/1979. 805
afirmar não contarem, em termos estritamente literários, entre “os principais autores brasileiros”. Sua exclusão tornaria ainda mais breve, e até brevíssima, esta breve história, mas poderia certamen te torná-la mais coerente com o plano proposto. Na nota bibliográfica com que registrei o volume no Handbook of Latin American Studies, 40, 1978, assinalei que o autor seguiu o padrão estabelecido por Ronald de Carvalho ao introduzir cada capítulo com largas considerações sobre a literatura mundial no respectivo período, acrescentando que o texto estava desfigurado por numerosos erros. É assim que ele se refere ao Tratado de Gandavo, acredita que os jesuítas propunham para o Brasil uma so ciedade sem escravos, afirma que Calvino prefigura “os modelos da espiritualidade barroca”, aplica ao século XVII o qualificativo de “setecentos”, vê a “medida nova” como oitava, afirma que O Reino da Estupidez é um legado da Escola Mineira, vê na Socieda de Filomática uma “academia universitária”, pensa que a “influên cia arrasadora” de Byron se exerceu através de Musset, aponta A Pata da Gazela como exemplo do “idealismo convencional da so ciedade vitoriana”, ensina que o “excêntrico lente universitário” Tobias Barreto “decantava desde 82 os valores teutônicos”, acha que os romances ultra-românticos de Aluísio Azevedo foram com postos “com um doloroso senso de transigência estética”, vê em Luzia-Homem uma “falsa virago” e acha que Domingos Olímpio “move os seus personagens com naturalidade persuasiva”, define a rima rica como “rima entre palavras de categoria gramatical di ferente”. vê em Os Sertões uma “obra de ficção embutida no en saio”, e classifica o jornal O Novo Mundo de revista — para re ferir apenas os casos que não envolvem matéria de julgamento pessoal ou diferença de opinião. Rico em produção editorial, não foi, entretanto, fasto para a crítica brasileira o ano de 1977, seja porque ela se imobilizou na repetitividade mecânica de fórmulas consagradas, seja pelas opor tunidades de renovação que deixou passar, quando não ocorreram fatos constrangedores de baixa política literária, como, no Encon tro Nacional de Escritores, promovido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, a outorga a uma obra de ficção do prémio desti nado ao melhor livro de interpretação da cultura brasileira. Gil berto Mendonça Teles, autor da proposta, afirmou então que “a
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obra de ficção é também uma forma de interpretar uma realidade e, às vezes, muito mais eficaz, uma vez que o ficcionista, ao criar um simulacro da sociedade, está criando uma Realidade maior e muito mais profunda, pois, nela, além de elementos verossimilmente coordenados, se condensam e se manifestam as forças in conscientes da linguagem’". Prestigiosos críticos de vanguarda, como Fábio Lucas, Flávio Kothe, Dulcina de Morais Mynssen, Luís Gutenberg Lima Silva, Antônio Sales Filho, Bernardo Elis e Heráclio Sales concordaram com esse ponto de vista, sendo o prémio con ferido à novela O Fruto do Vosso Ventre, de Herberto Sales, dire tor do Instituto Nacional do Livro.(273) Para chegar a essa curiosa decisão, os críticos acima referidos fundaram-se também no fato de que o regulamento do prémio não especificava o que se deve entender por “interpretação da cultura brasileira”: o Presidente Heráclio Sales, diz a ata, “considerou que na falta de regulamentação para o prémio em causa, a Comissão estabeleceu um critério provisório (szc), considerando, desta forma, obras dc ficção como sendo obras de interpretação da cultura brasi leira”. De fato, embora Massaud Moisés houvesse publicado, desde 1974, um Dicionário de Termos Literários, deve-se reconhecer que ele seria dc pouca utilidade naquela emergência, mas, de qualquer forma, tais perplexidades lexicológicas e culturais apontavam para a urgente necessidade de glossários especializados que, aliás, como vimos, já haviam começado a aparecer. Em 1978, saiu, em terceira edição, o Pequeno Dicionário de Arte Poética, de Geir Campos, paralelo com o Vocabulário de Poesia, de Raul Xavier, enquanto Álvaro de Sá e Moacy Cirne divulgavam pela revista Vozes, 72: LXXII, jan.-fev. 1978, alguns verbetes de um vocabulário da van guarda, de Antropofagia a Visual, Poema, passando por Colagem, Eletrónica, Happening e outros da mesma natureza. A Crítica era conceituada nas seguintes palavras:
Sabe-se da existência de diversas modalidades efou ten dências criticas, que se aplicam, a partir de regras preesta(273) Cf. a ata dessa reunião na Revista da Academia Brasileira de Le tras, 77:133, 1977, p. 119 e S.
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belecidas, ao juízo valorativo de obras e produções. Para a vanguarda — que implica a transgressão ou o desvio das normas “estéticas” — só interessa a crítica que também, ao nível de sua especificidade literária ou artística, seja produtora; uma crítica aberta ao novo e às linguagens mais experimentais.
Em outras palavras, só interessava à vanguarda a crítica par tidária ou de sustentação, como a chamava Thibaudet, ficando por definição excluída a crítica objetiva e avaliativa dos resultados. Os autores explicavam que
o processo crítico e produtivo que marca o desenvolvi mento da vanguarda literária e (anti)literária no Brasil, assim como sua relação com outras formas artísticas (mu sicais, plásticas, etc.), nasce no interior de uma complexi dade política e social capaz de extrapolar os limites conteudísticos de uma leitura simplesmente formalista (s\c). Este dicionário, ponto de partida e avaliação inicial para um empreendimento de maior fôlego, discute e problematiza as questões diretamente ligadas à prática da van guarda e do experimental, assim como, de igual modo, problematiza e discute as questões que dizem respeito à prática social da arte e da linguagem: significações & semiotizações. Não se trata, portanto, de um dicionário viciado critica mente em suas bases primeiras: ele é fruto de uma lei tura fundada no real e no social, que analisa a vanguar da enquanto tal (antropofagia, poesia concreta, poema/ processo), seus procedimentos e técnicas (projeto, versão, matriz, série, contra-estilo) e sua relação com a concretude do mundo (prática, ideologia, linguagem, informa ção) e com outros meios de comunicação (quadrinhos, li teratura de massa). Poder-se-ia dizer que se trata de um dicionário que se projeta no espaço semiológico de uma prática social. 808
A essa altura, semiologia e vanguarda eram conceitos implici tamente sinónimos, intercambiáveis e equivalentes, com a idéia subentendida de que a semiologia se situava na ponta combatente e avançada da vanguarda. O vocabulário oferece um verbete essen cialmente histórico da nova ciência, de Charles Peirce à “leitura marxista”, esta última instaurando “uma verdadeira semiologia ma terialista” e limpando-a (literal) dos seus “vícios formalistas”. No Brasil, “em 1964, a própria poesia concreta de Décio Pignatari e Luís Angelo Pinto postulava uma poesia semiótica. Antes, a partir de 1955/56, o poema espacional de Wladcmir Dias-Pino descorti nava-se para uma visualidade de características intersemióticas. No poema/processo, Neide Dias de Sá tem vários produtos e José de Arimatéia (em forne), particularmente, exercitaram-se na semiotização do poema, redimensionando o uso do código e da chave lé xico-semântica”. A “literatura de massa” também era vista como parte inte grante da vanguarda, se não era descoberta recente da vanguarda para exconjurar as suas origens e ligamentos elitistas: daí o apare cimento simultâneo de uma Teoria da Literatura de Massa, por Muniz Sodré, e, por Eduardo Portela, sempre atento à direção dos ventos, a compilação de artigos esparsos sob o título atrativo de Vanguarda e Cultura de Massa, juntamente com Dimensões, I, em terceira edição. Quanto às histórias em quadrinhos, que, segundo parece, foram incluídas como objeto de curso na Universidade de Brasília (e talvez em outras), parecem ter logo caído em discreto esquecimento. Na teoria e na prática, semiologia, vanguarda, estruturalismo, pareciam acomodar-se num casamento de conveniência: a revista Tempo Brasileiro publicou todo um número intitulado Semiótica e Critica Literária, com trabalhos de C. Segre e outros, enquanto Dionísio Toledo organizava antologia semelhante, tradu zida por Zênia de Faria e R. Toledo, sob o título ainda mais su gestivo e englobante de Círculo Linguístico de Praga: Estruturalismo e Semiologia. Eduardo P. Canizal propunha, simultaneamente, Duas Leituras Semióticas: Graciliano Ramos e Miguel An gel Asturias, e Edward Lopes publicava Discurso, Texto e Significação: uma Teoria do Interpretante, que, conforme vimos, não despertou o entusiasmo de Arthur Brakel. Falhou como obra teórica, escre via este último, “porque não explica nada. Enquanto descrição de 809
como o discurso é interpretado, não está errado — simplesmente não é novo. (...) Como exemplo de análise literária, é inadequa do. . São reservas que se podem estender a grande número das obras então publicadas sob esse enfoque, porque os conceitos se miológicos reduziram-se, por ironia, a palavras de código, para indicar a “crítica de vanguarda” ou a vanguarda crítica, já então organizada no que Arthur Brakel via como uma seita iniciática:
A corrente semiótico-linguística que Edward Lopes imita reflete um mundo no qual se encara a tecnologia como o grau mais avançado do esforço humano e no qual os meios tradicionais de auto-identificação já não satisfazem a todos. Os semiólogos adquirem uma identidade própria pelo co nhecimento que lhes transferem os altos sacerdotes do culto, seja através de leituras, seja pela peregrinação a Paris, excluindo do seu convívio os estranhos e não-iniciados pelo uso do vocabulário esotérico da sintaxe tortura da e de fontes não documentadas. Tornaram-se narcisis tas — o dogma é a força motivadora para escrever — o discurso literário é ancilar ou incidental. Mapas, diagra mas, tabelas, fórmulas e representações binárias1-27^ têm a aparência de discurso científico, assim elevando os seus praticantes, aos olhos dos crédulos, à categoria de cientis tas. A semiologia irá pelo caminho de outras modas em ciência e arte (cibernética, behaviorismo, glotocronologia, (274) “Em cada século”, observa Umberto Eco, “a estrutura das formas artísticas reflete a maneira pela qual a cultura ou ciência contempo rânea vê a realidade” (The Role of the Reader, p. 57). Nessas perspectivas, pode-se pensar que o pensamento binário introduzido e exigido pelos computadores, modificou e agora condiciona as nossas estruturas men tais. No que se refere especificamente à linguística e, derivadamente, à crítica literária, tal tipo de visão parece ter sido introduzido e popula rizado por R. Jakobson com a famosa oposição complementar entre a metáfora e a metonímia. “Binary opposition in literature: the example of Brasil ” é, por exemplo, o título do artigo de Luciana Stegagno Picchio em Diogenes 99, tirado em separata. Escrevendo “sous rature”, isto é, riscando a palavra que, entretanto, deseja conservar, J. Derrida também pratica o pensamento binário, um pouco como o personagem de Molière falava em prosa sem saber.
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gramática generativo-transformativa, etc.). Novos paradig mas de estudo emergirão, porque os neófitos da erudição acharão muito demorados os ritos iniciáticos, copioso de mais o volume de leituras informativas e o dogma excessivamente complicado para os magros resultados de Discurso, Texto e Significação.
Vê-se que a semiologia, nas suas aplicações à crítica literária, alcançava entre nós grande popularidade justamente quando come çava a ser scriamente contestada nos países de origem. Daí, como é sabido, nesse e cm outros casos, a rapidez com que a vanguarda crítica muda dc doutrina, desprezando sucessivamente os mesmos princípios que havia entusiasticamente endossado na véspera. Havia, ainda, quem falasse em “estruturas”, como Saívatore D’Onofrio (Poema e Narrativa: Estruturas), mas o interesse concentrava-se cm algumas indústrias de rendimento certo e receptividade garan tida, como a Antropofagia (Augusto de Campos. Poesia Antipoesia Antropofagia), ou Guimarães Rosa: Itinerário de Riobaldo Tatarana, de Alan Viggiano; Ficção & Verdade: Diálogo e Catarse em Grande Sertão: Veredas, de Ronaldes de Melo e Sousa; Mitológi ca Rosiana, de Walnice Nogueira Galvão; O Insólito em Guima rães Rosa e Borges: Crise da Mímese/Mímese da Crise, de Lenira Marques Covizzi, e A Construção do Romance em Guimarães Rosa, dc Wendel Santos, que também publicou Os Três Reais da Ficção. A boa crítica impressionista confundia-se ccm a boa crítica estética, assim como a má crítica estética não se distinguia da má crítica impressionista. Em todo caso, é possível distingui-las uma da outra, num esforço classificatório algo artificial:
ESTÉTICA:
Nereu Correia (Paulo Setúbal em Santa Ca tarina, e A Tapeçaria Linguística d’“Os Ser tões” e Outros Estudos); Maria Lúcia Dal Farra (O Narrador Ensimesmado: o Foco Narrativo de Vergílio Ferreiro)-, Jorge de Sena (Dialecticas Aplicadas da Literatura, 811
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IMPRESSIONISTA:
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e, em separata dos Quaderni Portoghesi, “Note sul Surrealismo in Portogallo”); Tânia latobá {Martins Pena: Construção e Prospecção); César Leal {Literatura: a Pa lavra como Forma de Ação); Massaud Moisés (A Criação Poética); Leyla PerroneMoisés (Texto, Crítica, Escritura); Vera Lúcia A. de Morais (A Arte Poética de Artur Eduardo Benevides); José Paulo Pacs (Sobre um Pretenso Cástrida, em separata da revista Vozes); Ernâni Reichmann (O Trágico de Otávio de Faria); Maria Teresa Aina Sadek (Machiavel, Machiavéis: A Tra gédia Otaviana, “estudo sobre o pensamen to político de Otávio de Faria”); Donaldo Schúler (Plenitude Perdida, “uma análise das sequências narrativas no romance Dom Casmurro de Machado de Assis”); Carmen Lúcia Tindó Secco (Morte e Prazer em João do Rio); Roberto Schwarz (O Pai de Famí lia e Outros Estudos); Telcnia Hill (Castro Alves e o Poema Lírico); lumna Maria Simon (Drummond: Uma Poética do Risco); Luís Busatto (Montagem em Invenção de Orfeu); Angélica Maria Santos Soares (O Poema, Construção às Avessas, “uma leitu ra de João Cabral de Melo Neto”), e, em segunda edição, O Poeta e a Consciência Crítica, de Afonso Ávila. Otto Maria Carpeaux (Alceu Amoroso Lima, com a História da Literatura Ocidental, I, em 2.a ed.); Temístocles Linhares (Diálo gos Sobre o Romance Brasileiro: 22 Diálo gos Sobre o Conto Brasileiro Atual, e Pri mado do Nacional: A Problemática das Li teraturas Hispano-Americanas'); Raimundo Araújo (Livros e Autores do Ceará): Henri que L. Alves (Ficção de 30); Juarez da
Gama Batista (A Sinfonia Pastoral do Nor deste, 2.a ed.); Castelar de Carvalho (En saios Gracilianos); Flávio Loureiro Chaves (O Brinquedo Absurdo); Fausto Cunha (A Leitura Aberta); diversos (Prometeu e a Crí tica, número de Tempo Brasileiro dedicado a Roberto AI vim Correia); Lausimar Laus, ? -1979 (O Mistério do Homem na Obra de Drummond); Franklin de Oliveira (Li teratura e Civilização); Tobias Barreto, 1839-1889 (Crítica Literária, reunida em volume pelo Estado de Sergipe); Raquel de de Queirós e Adonias Filho (Discursos na Academia); Sérgio Ribeiro Rosa (Pedra En gastada no Tempo), e, em edição fac-similar promovida pela Fundação Cultural da Bahia, a revista Arco & Flexz.
A leitura desses trabalhos ou, pelo menos, de muitos deles, poderia auxiliar os críticos a saber o que é um “livro de interpre tação da cultura brasileira”, e, mais ainda, os da linhagem histó rico-sociológica, particularmente abundantes em 1978: Wilson Mar tins (História da Inteligência Brasileira, V/VI, e, em terceira edi ção, publicada em Nova York, Teatro Brasileiro Contemporâneo, em colaboração com Seymour Menton); Guilhermino César, org. (Historiadores e Críticos do Romantismo); Alfredo Bosi, org. (Araripe Júnior-. Teoria, Crítica e História Literária); João Alexandre Barbosa, org. (José Veríssimo: Teoria, Crítica e História Literária); Antônio Girão Barroso (Modernismo & Concretismo no Ceara); Maria Eugenia da Gama Alves Boaventura (Movimento Brasileiro, “contribuição ao estudo do Modernismo”); Sônia Brayner, org. (Graciliano Ramos); Antônio Cândido (Tese e Antítese, 3.a ed., mais Sílvio Romero: Teoria, Crítica e História Literária); Alfredo de Carvalho, 1870-1916 (Estudos Pernambucanos, reprodução facsimilar); José Aderaldo Castelo, org. (O Movimento Academicista no Brasil, 14 tomos); Augusta Garcia Dórea (O Romance Moder nista de Plínio Salgado, 2.a ed.); Alexandre Eulálio (A Aventura 813
Brasileira de Blaise Cendrars); Jacó Guinsburg, org. (O Romantis mo); Gabriel Nascente, org. (A Nova Poesia em Goiás); Oliveiros Litrento {Apresentação da Literatura Brasileira, 2a. ed.); Cónego Fernandes Pinheiro, 1825-1876 {Curso de Literatura Nacional, reed. do Curso Elementar de Literatura Nacional); Ézio Pires {Depoi mento Literário, entrevistas com escritores); Heloísa Buarque de Holanda {Macunaíma: Da Literatura ao Cinema); Domício Proença Filho {Estilos de Época na Literatura, 5.a ed.); Carlos A. de Sá {Profissão: Escritor, entrevistas com escritores); Afonso Romano de Santana (Música Popular e Moderna Poesia Brasileira); Silviano Santiago {Uma Literatura nos Trópicos); Anazildo Vasconcelos da Silva {Lírica Modernista e Percurso Literário Brasileiro); Oliveira e Silva {Dois Poetas Pernambucanos); Cilene Cunha de Sousa {A Obra Poética de Edgar Mata); Sebastião de Sousa {Discografia da Literatura Brasileira); Maria Joana Tonczak {Lindolf Bell e a Ca tequese Poética); Joaquim Inojosa {Pá de Cal); José Aleixo Irmão {Júlio Ribeiro); Antônio Geraldo Ramos Jubé (Sintese da História Literária de Goiás); Lígia C. Morais Leite {Regionalismo e Moder nismo); Hélio Lopes {A Divisão das Águas, “contribuição ao estu do das revistas românticas”, mais um pequeno volume sobre Fran co de Sá); R. Magalhães Júnior {A Vida Vertiginosa de João do Rio, e, em 2.a ed., Poesia e Vida de Augusto dos Anjos); Ari Mar tins, 1908-1971 {Escritores do Rio Grande do Sul); Raimundo de Menezes {Dicionário Literário Brasileiro, 2.a ed.); Edite Pimentel Pinto {O Auto da Ingratidão); Josué Montello, org. {A Polêmica de Tobias Barreto com os Padres do Maranhão); Eduardo Jardim de Morais (A Brasilidade Modernista); Artur Mota, 1870-1936 (Histó ria da Literatura Brasileira, vol. III, 2 tomos), e, cm reprodução fac-similar promovida pela Academia Paulista de Letras, a revista Nitheroy. Os especialistas estrangeiros, cada vez mais numerosos, que em 1978 concorreram para interpretar a nossa cultura literária iam de Malcolm Silverman {Moderna Ficção Brasileira) a Jon S. Vincent {João Guimarães Rosa, publicado em Boston), passando por Emir Rodríguez Monegal {Mário de Andrade/Borges); Joan Dassin {Política e Poesia em Mário de Andrade); Kenneth D. Jackson (A Prosa Vanguardista na Literatura Brasileira: Oswald de Andrade); Giovanni Pontiero {Manuel Bandeira in the Role of Literary Critic); 814
Michael Fody, III (Criação e Técnica no Romance de Moacir C. Lopes)', Erilde Mclillo Rcali (La Spirale del Testo nella Ricerca di Osman Lins, publicado em Nápoles), c, na Argentina, Vida y Saga de José Mauro de Vasconcelos, por Haydée M. lofre Barroso. Podemos juntar-lhes os brasileiros que, em contrapartida, tra taram de temas estrangeiros: Aída Costa (Temas Clássicos); Celso Lafcr (Gil Vicente e Camões); Leodegário A. de Azevedo Filho (A Lírica de Camões e o Problema dos Manuscritos), e Carlos Felipe Moisés (A Problemática Social na Poesia de José Gomes Ferreira, e António Maria Lisboa o delia Disintegrazione del Discorso, separata dos Quaderni Portoghesi). Responsável desde 1976 pelo capítulo da crítica e história literária na secção brasileira do Handbook of Laiin American Studies (cujos volumes sobre os estudos humanísticos são publica dos nos anos pares pela Biblioteca do Congresso de Washington), escrevia eu ao assumir no Jornal do Brasil, em outubro de 1978, as funções de crítico oficial,
tive oportunidade de observar que, com c nome de críti ca literária e em nome dela, o que os especialistas estão tentando nestes últimos anos é instituir uma Teoria Geral da Literatura, um daqueles “sistemas” tão caros ao pen samento do século XIX. É um desenvolvimento ao mesmo tempo inevitável e patológico da campanha iniciada pela “nova crítica” nos fins da década de 40, e segundo a qual crítica era só crítica de textos — e críticos dignos desse nome apenas os professores de literatura. Voltavase, por porias travessas, a outro ideal característico do século XIX, a “crítica científica”. É curioso e irónico que, tendo sido o campeão dessas idéias e o seu doutrinário mais combativo, Afrânio Coutinho haja terminado por plane jar e dirigir uma história da literatura em que reaparecem todas as qualidades e todos os defeitos que ele expressa mente condenava em Sílvio Romero — e que haja coroado a própria obra reintroduzindo no estudo da literatura, com a “idéia de nacionalidade”, um daqueles “critérios políti815
cos” que havia implacavelmente denunciado no “histori cismo” anterior (A Tradição Afortunada, 1968). Sem des conhecer-lhe nem os méritos pessoais, nem a larga influên cia que exerceu no ideário de nossa crítica contemporâ nea, Denis Lynn Heyck apontou recentemente para o que o pensamento de Ajrãnio Coutinho tinha, necessariamente, de vago e contraditório (“Afrânio Coutinho’s Nova Críti ca”. Luso-Brazilian Review, Sutnmer 1978, vol. 15, n.° 1); surpreende pouco, em consequência, que uma nova geração de críticos o haja ultrapassado pela esquerda; já agora não se fala em “estilo”, mas em “código”; a literatura é avenas um sistema de “sinais”, como o Alfabeto Morse: a crítica literária é uma semiologia. Claro, em tudo isso é a crítica de literatura que desapa receu: hoje, os críticos escrevem apenas sobre os seus próprios sistemas ou procuram desautorizar os sistemas alheios; os “modelos” de reflexão crítica são buscados entre os peles-vermelhas dos Estados Unidos ou nas lendas do folclore russo; a ruminação constante e repetitiva do vocabulário saussuriano toma o lugar da “crítica criadora” que os “novos críticos”, precisamente, haviam reclamado há cerca de trinta anos. Já não há crítica, em nossos dias, mas metacrítica — que toma a metaliteratura para objeto de suas meditações. Ao desequilíbrio causado pelo excesso de interpretações de uma obra determinada, escre via há algum tempo T. Todorov fPoctique, 1968), suce deu, nestes últimos anos, “um perigo simétrico e inverso”: a ultrateorização, as versões cada vez mais formalizadas da poética “num discurso que tem a si mesmo por objeto único”. A crítica, ainda nas palavras de Todorov, reduzse a mera “descrição objetiva”: número de palavras, de sí labas, de sons; singularidades estróficas; peculiaridades de vocabulário. A teoria da literatura deve ser buscada fora da Estética, pretendia expressamente um dos nossos es pecialistas — no Estruturalismo Antropológico, na Semio logia Estrutural, na Ciência da Linguagem. Pode-se perguntar se esse excesso de teorização sobre a teoria não é uma fuga psicanalítica à responsabilidade de
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julgar; o exame microscópico, tomando o lugar da avalia ção de qualidade e os símiles antropológicos oferecendo um substituto fácil à análise literária, o pensamento criti co resolve os próprios problemas transformando-se em pensamento analógico. Já se disse mesmo — fechando o circulo que começou com o postulado de que só a “críti ca universitária ” era a verdadeira crítica — que a crítica já não satisfaz as necessidades e as expectativas da socie dade porque reflete, em reações de ceticismo e retirada, a impotência dos professores para modificar o seu próprio “contexto social e cultural” (R. Weimann. Structure and Society in Literary History, 1976). Seja como for, resta o fato de que a vanguarda da nossa crítica literária tornou-se formalista, nos dois sentidos da palavra: tecnicamente, ela procura e encontra o seu mo delo no chamado Formalismo Russo, geralmente lido e co nhecido através das traduções (e interpretações) francesas. O formalismo, além disso, equipara-se tacitamente à van guarda, tanto literária quanto política, sem perceber, ao que parece, que, do ponto de vista esquerdista, as duas coisas são reacionárias por definição, segundo L. Trotsky observava, há já muitíssimos anos, a propósito, precisa mente, do Formalismo Russo. Essa foi, acentuava ele, a única teoria que se opôs ao Marxismo na União Soviéti ca; é certo que, denunciando-lhe, embora, o “caráter rea cionário”, ele admitia que, “confinado dentro de legíti mos limites”, o formalismo poderia “concorrer para cla rificar as peculiaridades artísticas e psicológicas da forma”; em outras palavras, “os métodos da análise formal são ne cessários, mas insuficientes” (cf. David Craig, org. Marxists on Literature, 1975). A verdade é que, no decálogo marxista, o Formalismo foi banido em nome da pureza revolucionária e substituído pelo Zhdanovismo — e que a ressurgência do Formalismo é claramente para todos os efeitos uma guinada para a Di reita intelectual (correspondendo simetricamente à desin tegração do Stalinismo). Não é necessário ser trotskista para percebê-lo. O problema, bem entendido, consiste em 817
estabelecer os “limites legítimos” de qualquer doutrina quando pensamos aplicar a literaturas diversas sistemas teóricos e ideias que apareceram em outras (e também em diferentes tempos histórico-culturais). Os críticos brasi leiros receberam pelo correio um pacote de teorias con flitantes, da Nova Crítica à Semiótica, passando pelo Estruturalismo e pelo Formalismo Russo, sem ter tido tempo de digeri-las e organizá-las numa escala intelectual de im portância e aplicabilidade. Segundo Maria Corti e Cesare Segre, o mesmo aconteceu na Itália, onde os críticos “quei maram as etapas”, com isso transformando a respectiva ati vidade num fútil exercício de vanguardas sucessivas e hebdomadárias. Todas essas doutrinas, algumas velhas de qua renta anos, outras recentes e frescas como o jornal da manhã, chegaram ao mesmo tempo e congestionaram espíri tos mal preparados para discriminar-lhes o respectivo poten cial enquanto instrumentos da interpretação literária (cf. I Metodi Attuali delia Critica in Italia, 1970). Acrescente-se, desde logo, com os especialistas italianos, que esse fluxo desordenado de sistemas teve, pelo menos, um resultado positivo — o de despertar a “consciência das excepcionais disponibilidades do equipamento crítico e, com ela, a possibilidade de integrar métodos e processos na in vestigação total e exaustiva dos problemas propostos pela obra de arte”. Por enquanto, tal objetivo apresenta-se antes como aspiração do que como realidade, pois o espí rito ecuménico anda longe de se instaurar entre os críti cos literários. Um resultado sardónico da ortodoxia formalista foi a sua degenerescência em exercício escolar: não há, praticamente, nenhum balbuciante candidato ao Mes trado que não se apresente armado de todo um impres sionante arsenal analítico cuja verdadeira natureza, pela própria prática a que o submete, demonstra desconhecer. Assim, como já se disse que a Nova Crítica era apenas a tradicional “explication de textes” elevada pelos profes sores norte-americanos à categoria de método crítico, as teorias ambiciosas dos diversos formalismos acabaram re encontrando o cam inho da escola pai a se i eduzii em, de 818
novo, à modesta, embora utilíssima, metodologia pedagógi ca dos franceses (o que, entre parêntesis, bem pode expli car o entusiasmo com que estes últimos as receberam). Essa me parecia a ‘"situação da crítica” em 1978, cujo centro geométrico era ocupado pelo Formalismo Russo, descoberta recen te, embora tardia, e tanto mais prestigioso pelo que se presumia a seu respeito quanto menos se verificavam as suas reais possibili dades enquanto método de crítica literária. Assim, escrevi no mesmo jornal, a 30 de dezembro de 1978,
o chamado Formalismo Russo, de tanto impacto no pen samento crítico contemporâneo, foi, na verdade, a hipóstase local do mesmo Futurismo europeu que está na fonte de todos os movimentos literários e artísticos de vanguar da na primeira metade do século — e, tanto quanto o Fu turismo, não tardou a ser julgado subversivo e herético pelas autoridades soviéticas, mais inclinadas, como se sabe, aos princípios doutrinários do Realismo Socialista. En quanto formalismo propriamente dito, em todos os seus aspectos (filosóficos, artísticos, críticos), trata-se de uma derivação de correntes européias semelhantes, embora, se gundo parece, não haja diretas conexões genéticas entre uma coisa e outra, mas é na França que se encontra a sua pátria de origem, onde as tradições do método estão solidamente implantadas desde, pelo menos, o século XVII: como observava Pavel N. Medvedev (1891-1938), em livro também atribuído a M.M. Bakhtin (1895-1975), ou a am bos. nem Brunetière. nem Lanson, nem Thibaudet, nem qualquer outro dos modernos historiadores ou teóricos da literatura francesa deixou jamais de praticar a análise for mal das obras de arte. Assim se explica, pode-se acres centar, o entusiasmo com que os franceses receberam de torna-viagem uma técnica analítica com a qual estavam fa miliarizados desde a escola, agora acrescida do prestígio de uma “redescoberta” histórica, laivada de excitante heresia política. 819
Os desencontros do mundo fizeram, entretanto, com que as obras dos formalistas russos fossem redescobertas e re veladas enquanto se mantinha discretamente no esqueci mento e sob o silêncio mais cauteloso o livro de Bakhtin/ Medvedev que, em 1928, sem nada desviar da ortodoxia oficial, procurava estabelecer implícita conciliação entre o Formalismo e o marxismo. Salvo engano, a primeira tra dução desse volume foi a alemã, em 1976; posto agora em inglês por Albert f. Wehrle (The Formal Method in Literary Scholarship. A criticai introduction to sociological poetics. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1978), não é difícil perceber que o Formalismo Russo já fora reincluído nas corretas perspectivas históricas e sub metido, por sua vez. à conveniente análise crítica, uma e outra coisa perimindo a ideia, implícita ou expressa, que o vem apresentando não apenas como um método moder no de análise literária, mas, ainda, como o único digno desse nome. Já em 1928, Medvedev e Bakhtin sustentavam que tanto o marxismo quanto o Formalismo eram insuficientes no de sempenho daquela função, embora se mostrassem mais fa voráveis ao primeiro, seja por genuínas convicções críticas, seja por influência das correntes em rnoda, seja, enfim, por compreensível prudência doutrinária. Mas, justamen te pelas concessões feitas ao Formalismo, Medvedev foi reprimido em 1934, falecendo quatro anos mais tarde; a história de Bakhtin é mais confusa, porque, se não sofreu aberta perseguição do regime, parece ter vivido exilado, em pequenos postos obscuros do interior, a maior parte de sua vida; nesse limbo entre a desgraça e o perdão, ele terminaria a carreira acadêmica como diretor do Departa mento de Literatura Russa e Estrangeira da Universidade de Saransk, a 550 quilómetros de Moscou. Só no ano da morte apareceram, em um volume, as suas obras mais im portantes. Assim, ao suprimir, no momento próprio, os críticos do Formalismo, as autoridades soviéticas lhe esta vam preparando, a longo prazo, o triunfal retorno em es cala universal, ironia histórica que tem o seu sabor. 820
Em 1928, contudo, eles sustentavam que o marxismo, tendo formulado princípios dogmáticos para numerosas atividades do espírito, mostrava singular carência no campo da Estéti ca, e que podia ignorar tanto menos o Formalismo quanto este último havia surgido, precisamente, como o grande especijicador, “talvez o primeiro na erudição literária russa”: “Não haverá problema nessa área que, de uma forma ou de outra, ele não haja abordado”. Mas. era impossível, ao mesmo tempo, ignorar-lhe a “esterilidade metodológica” e a “estreiteza das suas premissas básicas”, além da clara “inadequação” com respeito aos fatos sob estudo. O lado positivo da doutrina fora a “ressurreição da palavra”, com o resultado, entretanto, de reduzir o poeta a mero artesão, e nada niais do que isso. Acresce que a consequência ine vitável e ainda mais nefasta foi confundir poesia com lin guagem e, até, imaginar que esta última pode ser “expli cada” pelos elementos de que estruturalmente se compõe: “A desarticulação da linguagem em elementos fonéticos, morfológicos, etc., é importante e essencial do ponto de vista da lingiiística. Enquanto sistema, a linguagem é real mente composta desses elementos. Isso não significa, entre tanto. que morfemas, fonemas e outras categorias linguísti cas sejam partes independentes na construção da obra poéti ca ou que esta última seja feita com as suas formas gramati cais”. Assim, “é óbvio que o estudo da poesia não se pode basear exclusivamente na linguística, ainda que possa e deva servir-se dela”. O postulado central do Formalis mo, segundo o axioma de V.B. Shklovski, era o de que “a alma mesmo da obra literária é igual à soma dos seus processos artísticos”, princípio em que numerosos críticos acreditam ainda em nossos dias, com os resultados que se conhecem. Finalmente, e é, talvez, a deficiência mais gritante da es cola, a “teoria formalista da evolução literária carece do aspecto essencial da história: a categoria do tempo histó rico”. Os formalistas, russos ou não, somente conhecem o “presente permanente”, a “eterna contemporaneidade”. Ora, isso falseia totalmente as perspectivas, levando a ima821
ginar, por exemplo, que distanciadas entre si, não apenas pela respectiva natureza profunda, mas, ainda, por séculos de distância, uma obra de arte literária rege-se pelos mes mos princípios e obedece às mesmas motivações que as criações primitivas do folclore — e leva a supor que a poesia ou a ficção brasileira dos nossos dias já foram an tecipadamente explicadas por jovens teóricos eslavos que, nos começos do século, estavam apenas reagindo ao im pacto algo entontecedor, e embriagador, do Futurismo eu ropeu.
A verdade, entretanto, que é a crítica formalista, sob todas as suas denominações, produziu resultados geralmente decepcionantes, em clara desproporção com a arrogância doutrinária e o vocabulário esotérico. Em 1979, Luís Costa Lima organizou uma antologia com os “textos da estética de recepção” (A Literatura e o Leitor), assim pensando introduzir entre nós uma novidade metodológica/2™ outros 12 títulos dessa linhagem dividiam-se igualmente entre a poesia e a prosa de ficção: Modesto Carone (A Poética do Silên cio: João Cabral e Paul Cellarí); Ivo Barbieri (Oficina da Palavra, sobre a poesia de Mário Faustino); Donaldo Schúler (A Dramaticidade na Poesia de Drummond, mais A Palavra Imperfeita)-, Péricles Eugênio da Silva Ramos (Do Barroco ao Modernismo, 2.® cd.); Gilberto de Melo Kujawski (Fernando Pessoa, o Outro, 3.® ed.); Helena Parente Cunha (Jeremias, a Palavra Poética); Linhares Filho (A Metáfora do Mar no Dom Casmurro e Voz das Coisas); Gilda de Melo e Sousa (O Tupi e o Alaúde, “uma interpretação de Macunaíma”); Afonso Romano de Santana (Análise Estrutural de Ro mances Brasileiros, 5.° ed.); Olga de Sá (A Escritura de Clarice Lispector); Maria H.X. de Oliveira (Mrs. Dalloway; Uma Unidade Es trutural), e, finalmente, o volume coletivo Ficção em Debate e Outros Temas, publicado pela Universidade Estadual de Campinas. Para dar uma idéia dos excessos ridículos a que havia chegado estilo da crítica literária, sobretudo pelo abuso do vocabulário o (275) Sobre esse tópico, cf. Wilson Martins. “As nostalgias da crítica”. Jornal do Brasil (Livro), 23/7/1981.
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abstruso e de conceitos claramente deslocados, basta citar A Teoria Literária e a Contemporaneidade do Texto, publicado em João Pessoa por Ivaldo Santos Bittencourt, doutor, ao que nos informam, pela Universidade de Paris III com a tese Analyse de la Production Textuelle, d’après certames notions sémiologiques et psychophénomélogiques, tendo sido aprovado com a menção "très bien” por uma banca constituída de R. Cantei, R. Barthes e J.-F. Lyotard. Na crítica prática, eis, por exemplo, o que escreve a propósito de Água Viva:
Clarice Lispector efetuando o “texto-prática” (Kristeva in La Révolution du Langage Poétique), psicotiza a lingua gem fenomenal, porque, embora visando o objeto, ela deixa de lado a linearidade que apenas ela esboça. Uma falta de relação entre as sequências textuais mostra que o Ego se atém antes a uma função logocêntrica, onde a uni dade intencional pratica objectualidades sem a unidade doxal esboçável.
Na crítica brasileira, esse estilo não é exclusivo, mas reflexo, se não reflexo condicionado. Assim, por exemplo, J. Derrida (cit. por Leyla Perrone-Moisés), explicava em 1972 por que o julgamen to crítico se tornara teoricamente impossível: “O simples projeto de um krinein não procede daquilo mesmo que se deixa ameaçar e colocar em questão no ponto em que a literatura se refunde, ou, por uma palavra mais mallarmiana, se revigora? A 'crítica literá ria’ enquanto tal não pertenceria àquilo que discernimos como a interpretação ontológica da mímese ou ao mimetologismo metafí sico?”. É o caso de perguntar, como o indignado Raymond Picard, se estamos diante de uma nova crítica ou de uma nova impostura, tanto mais que, em outra de suas obras canónicas (L’Êcriture et la Dijjérencé), o mesmo Derrida postula o julgamento de qualidade, precisamente, como o "objeto próprio da crítica literária”, o que deixo, para maior fidelidade, nas duas línguas originais: "La force de 1’oeuvre, la force du génie, la force aussi de ce qui engendre en 823
général, c’est ce qui résiste à la métaphore géométrique, et c’est 1’objet propre de la critique littéraire”.
No exterior, a revista Europe (Paris) dedicou o número de março ao Modernismo brasileiro; na revista Waiting for Pegasus, da Western Illinois University, Raymond S. Sayers estudou “The impact of Symbolism in Portugal and Brazil” (separata). Os críti cos estrangeiros de nossas letras dividiam-se também entre a abor dagem estética ou formalista, a exemplo de José López Heredia (Ma téria e Fornia Narrativa de “O Ateneu”) e Ray-Gúde Mertin (Ariano Suassuna: Romance d’A Pedra do Reino, tese de doutora mento escrita em alemão e publicada em Genebra), c a abordagem histórica, como Jean-Paul Bruyas (introdução a Os Maxacalis, de Ferdinand Denis) e Maria Luísa Nunes (Lima Barreto: bibliography and translations, publicado em Boston). A linhagem impressionista parecia florescer sob os ataques. Se se pode argumentar quanto à necessidade de reeditar as Obras, de Tristão da Cunha (1878-1942), em dois volumes, embora seja, por muitos aspectos, o protótipo dessa família, é certo que não es tava sozinho em 1979: Brito Broca (Românticos Pré-Românticos Ultra-Românticos); Antônio Houaiss (Estudos Vários sobre Pala vras, Livros, Autores); Carlos Burlamaqui Kopke (Sobre Poesia e Poetas); Cassiano Nunes (O Sonho Brasileiro de Lobato, e A Des coberta do Brasil pelos Modernistas); Luís F. Papi (Cartilha Anticrítica); Deonísio da Silva (Um Novo Modo de Narrar); J. Galan te de Sousa (Machado de Assis e Outros Estudos); Raul Xavier (Palavra e Poesia); Dorine D.P. de Cerqueira (Travessia, I: de Gui marães Rosa a Gregário de Matos); Juarez da Gama Batista (José Américo: Retratos e Perfis, 2.a ed., e José Lins do Rego: as Fon tes da Solidão); Otacílio Colares (Lembrados e Esquecidos, IV); Flávio Moreira da Costa (Os Subúrbios da Criação); o volume co letivo Conto Brasileiro, por Salvatore D’Onofrio, Antônio Manuel dos Santos Silva, Tieko Y. Miyazaki e Ismael Angelo Cintra; Au gusto Meyer (Prosa dos Pagos, 3.a ed.); L. Ruas (Os Graus do Poé tico, publicado em Manaus); Herbert Munhoz van Erven (A Poesia Essencialista de Carmen Carneiro, publicado em Curitiba), Davi Airigucci Jr. (Achados e Perdidos) e Clóvis Assunção (Amálgamas Cri ticas).
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Os críticos representativos
ENTRE 1978 E 1980, as leis misteriosas que governam o mundo editorial pareciam empenhadas em recolocar no quadro de honra das nossas letras os seus críticos representativos. Em 1980, a His tória da Literatura Brasileira, de Sílvio Romero, na 7.a edição, em cinco volumes; a reedição do Perfil Literário de José de Alencar (sic), de Araripe Júnior, no mesmo volume que continha a novela Luizinha (re-sic), e, organizada por Gilberto Mendonça Teles, a antologia Tristão de Athayde: Teoria, Crítica e História Literária, na mesma coleção em que, dois anos antes, Sílvio Romero, Araripe Júnior e José Veríssimo haviam sido objeto de obras semelhantes, confiadas, respectivamente, a Antônio Cândido, Alfredo Bosi e João Alexandre Barbosa. Em 1979, Dulce Mascarenhas estudou em Carlos Chiacchio: “Homens & Obras” o seu “itinerário de dezoito anos de rodapés semanais em A Tarde”, de Salvador; Adélia Bezerra de Menezes Bolle fez trabalho simétrico em A Obra Crítica de Álvaro Lins e sua Função Histórica, enquanto Celso Lafer organizava em São Paulo o volume de homenagem a Antônio Cândido, Esboço de Fi gura. Finalmente, e concomitante com a reedição da História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo, pela Universidade de Bra sília, surgiram os seus Últimos Estudos de Literatura Brasileira, obra póstuma também apresentada como a 7.a série da coletânea que tem esse título. A 6? série dos Estudos, que saiu publicada em 1907, esclarece Luís Carlos Alves, organizador desta edição, “é constituída de artigos aparecidos na imprensa entre 1902 e 1906, enquanto Letras e Literatos (...) é obra composta de artigos di vulgados a partir de 1912. (...) ... faltavam os artigos de 1906/07 a 12, que agora estão neste volume, a maior parte do Jornal do Comércio e dois nas revistas Kosmos e Renascença (um cm cada uma). Com isso, resgataram-se do esquecimento alguns ensaios característicos: dois sobre Joaquim Nabuco (o necrológio e o estudo das Pensées)’, outro sobre Dom João VI no Brasil, de Oliveira Lima, mais os que tratam de Contrastes e Confrontos, O Ateneu, Macedo, Capistrano, o necrológio de Emanuel Guima rães, etc., Um dos melhores, e que merece releitura e meditação, 825
saiu na Renascença em março de 1906 com um título que diz tudo: “A lenda de Maciel Monteiro”, o escritor que menos escre veu e, por isso mesmo, o mais superestimado nas letras brasileiras. Maciel Monteiro, concluía Veríssimo, “é, com Francisco Otaviano e outros talvez somenos uma das lendas da nossa literatura”. Falar em nossos “críticos representativos” c sempre, forçosa mente, falar em Sílvio Romero:
A autoridade profunda e persistente de Sílvio Romero em nosso pensamento é apenas mais um dos paradoxos que o conformam e alimentam. Escritor tão contraditório e ca prichoso, propugnando ao mesmo tempo ou sucessivamente pelos princípios mais inconciliáveis entre si e pelas ideias mais opostas, cometendo escandalosamente os mesmos erros que, em altos brados, denunciava nos adversários, propon do um ideal de progresso e desenvolvimento científico em nome de concepções obsoletas e postulados impressionistas, crítico literário de frequente mau gosto e julgamen tos contestáveis, historiador da literatura pelo menos lacunoso e de escassa afinidade visceral com o objeto dos seus estudos, dir-se-ia, à primeira vista, que deveria ter sido refugado há muito tempo para uma galeria iluminada, mas secundária c deserta, do museu intelectual. Entretanto, não é o que acontece: nossa visão da literatu ra brasileira e, em grande parte, a do Brasil, são ainda con dicionadas e delimitadas pela sua; as histórias literárias posteriores ou procuram imitá-lo, certas de não poderem superá-lo, podando-lhe apenas os defeitos mais clamorosos, ou tratam de contestá-lo no seu historicismo desenfreado e no seu iracundo nacionalismo, apenas para cometer, em nome de outros postulados, os mesmos enganos, e para reescrever os mesmos livros, com menos calor polêmico, diluída hemoglobina e enfastiada participação pessoal. É simples, entretanto, a explicação desse indestrutível pres tígio e da marca indelével que deixou — e ela consiste, por inesperada coerência, em outro paradoxo: é que Sílvio Romero multiplicou em tal escala as suas afirmações con-
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tradiíórias e as alternadas negações com que as denegava (negando, com isso, as mesmas negações) que, afinal de contas, acabou por satisfazer a todo mundo. Não pode mos, nem devemos, lê-lo simultaneamente no conjunto das obras, o que, de qualquer maneira, ^oucos fazem e, menos ainda, os que nele procuram a con/irmação dos seus pró prios pontos de vista; lido, contudo, na perspectiva de cada tópico em particular, ele ressuma vigor, uma sinceri dade e uma convicção que não podem deixar indiferente nenhum leitor. Ele é tão convincente quando afirma a rea lidade iniludível do nosso mestiçamento como quando a deplora e considera racialmente inferior o povo brasileiro (de acordo, aliás, com os rnais indiscutíveis dogmas cientí ficos da época); quando explica pelo “mestiçamento físi co e moral"" o caráter de nossos escritores e quando reage com veemência contra a sugestão de Teófilo Braga que o acusava de ser um “mulato do Brasil”, reivindicando a ancestralidade lusitana oriunda dos mesmos estratos “eugenicamente superiores"" em que Oliveira Viana entroncava o imigrante português histórico. Mas, só poderemos con siderar este último como “o seu legítimo, imediato e con fessado herdeiro"", segundo propõe Evaristo de Morais Filho, se o lermos com a isenção e objetividade que é moda recusar-lhe, porque Oliveira Viana é, de fato, um discípulo de Romero, num sentido menos tendencioso e ideológico do que aquela proposição parece sugerir; con tudo, o simples fato de que o seja, e a título tão legítimo quanto os que buscam em Romero o mestre da igualdade racial, do socialismo e do nacionalismo literário e políti co, seria suficiente para obrigar-nos a alguma reflexão de sapaixonada. É curioso observar, por exemplo, que, sob o nome de “clãs"", Oliveira Viana exaltava como fator positivo de nossa formação social as mesmas oligarquias que Sílvio Romero combatera furiosamente em páginas conhecidas — apenas porque ele mesmo ou pertenceu ocasionalmente a oligarquias diferentes, ou se julgou ofendido pelas oligar quias que o haviam protegido, ou passou pela contrarie827
. dade de não obter favores de outras oligarquias dominan tes (como em Sergipe, que era o seu Estado, mas também no Estado do Rio e no Rio Grande do Sul). De fato, é impossível compreender-lhe a ação e as ações se abstrair mos o fator pessoal, no sentido mais imediato e, não raro, mais mesquinho da palavra. Evaristo de Morais Filho es creve que, na vida pública, ele se comportou “com todos os vícios e virtudes do político militante”, sendo de políti co, precisamente, a sua definição essencial e orgânica. Ê uma observação aguda, que lhe assinala tainianamente a “faculdade predominante” e que esclarece, em coerência final, todas as “contradições”: em qualquer cias atividades intelectuais, ele agiu e reagiu como político, não apenas pelo enfoque sociológico e histórico que deu a todos os seus trabalhos, não somente por haver dedicado uma parte importante dos seus escritos aos temas políticos e sociais, fração que Hildon Rocha considera como “injustamente menos valorizada pelos críticos”, mas ainda, e sobretudo, porque era de político militante a sua forma mentis. Ora, essa injustiça é justa se pensarmos que tais ensaios foram efémeros e circunstanciais por natureza, mas é realmente injusta se considerarmos que eles traçam a paralaxe dentro da qual Romero deve ser lido e julgado. É como político militante, por exemplo, que ele encarava a história lite rária, dividida em partidos, vendo nos românticos uma es pécie de oligarquia que era preciso destruir a qualquer preço, em nome da oligarquia naturalista a que desejava pertencer; era como político militante que exerceu a crí tica, vendo burros em todos os adversários, mesmo que fossem gênios, e gênios nos seus amigos, mesmo que fossem burros (na saborosa formulação de Euclides da Cunha). Como político militante, ele não recuava do apodo mais soez e do insulto mais vulgar, mesmo que os sou besse caluniosos, assim transformando toda a sua obra em barulhenta polêmica. Esse é, talvez, o motivo menos de coroso da delícia com que o lemos — e aspecto ainda mal estudado da sua influência. 828
Estes comentários à margem de uma seleção dos seus es critos sociais e políticos (Realidades e Ilusões , no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979) podem ajudarmos a compreender por que Sílvio Romero é, de /ato, para além das escolas e das doutrinas, um dos nossos críticos representativos.
II
Se Sílvio Romero é um dos nossos críticos representativos (mais pelos defeitos, ai de nós! do que pelas qualidades), lisonjeia a vaidade nacional pensar que Antônio Cândido também o é, desta vez pelos motivos opostos. De fato, os pólos de atração e repulsão personificados nesses dois nomes circunscrevem o campo magnético da crítica literá ria no Brasil, provocando-lhe a permanente oscilação entre o nacionalismo e o cosmopolitismo, a nostalgia insaciável do universal, se não do estrangeiro, e o sentimento culposo do provincianismo, aspirando ao cientificismo mais des cabelado e dominada pelo impressionismo emocional, admi rando a elegância fria dos anglo-saxões, o racionalismo dos franceses, o rigor intransigente dos germânicos e a mor bidez misteriosa dos eslavos, mas não sabendo resistir ao ataque pessoal, ao furor panfletário, à má-fé disputativa e aos argumentos ad hominem. Dir-se-ia, à primeira vista, que nada há de comum entre Antônio Cândido e Sílvio Romero; entretanto, o que há de comum entre eles, para além do conhecido fascínio dos contrários, é mais do que as aparências permitiriam supor. É certo que o primeiro é um temperamento apolíneo, em flagrante contraste com os excessos dionisíacos do outro, assim como é um espírito fino e alerta, sensível aos matizes e às sutilezas, enquanto Romero só distinguia os valores perceptíveis à macroanálise e a olho nu. Do ponto de vista textual, igualmente, a elegância e a nitidez de Antônio Cândido definem o que se pode ter como o estilo específico da grande crítica, aspecto em que o des leixo e a balbúrdia argumentativa de Romero parecem negar, e efetivamente negam, a categoria intelectual em 829
que ele se inscreve. Se só se exprime bem o que se conce be claramente, pode-se ter alguma dúvida quanto à congenialidade de Romero com a literatura e com os requisitos lógicos do raciocínio judicativo; faltavam-lhe por comple to o ordenamento das ideias e o instinto de perceber o que os escritores tinham de único (qualidade em que Gustave Lanson, acusado, contudo, de “historicista”, resumia toda a crítica); ele dissolvia, ao contrário, essa especificidade nas generalidades da “raça”, do “meio” e do “momento”, de forma que o que se perde nos seus julgamentos é justa mente a literariedade da literatura. Esse spenceriano era um tainiano que se ignorava. É a aguda e arguta capacidade de perceber a literariedade que dá, antes de mais nada, à crítica de Antônio Cândido o caráter por assim dizer “profissional” que a distingue: ele é o homem que revela por que tal obra pertence à li teratura, não enquanto história, mas enquanto invenção. Para Romero, a obra literária tinha interesse na medida em que fosse brasileira; para Antônio Cândido, a obra brasileira tem interesse na medida em que for literária. Há, pois, entre ambos, a passarela imaginária do social, que o segundo não opõe, antes integra, no estético (ao con trário dos marxistas de estrita obediência, que destroem o estético, procurando integrá-lo no social). Ora, aqui come çam as coincidências e similaridades, não sendo acidental que Antônio Cândido assinalasse expressamente a sua en trada na carreira com um estudo sobre o método crítico do seu antecessor, o que, no caso, respondia mais à necessi dade metodológica vital em Antônio Cândido do que à realidade correspondente em Sílvio Romero. De uma certa forma, as diferenças entre este último e An tônio Cândido pertencem às realidades externas e circuns tanciais, sendo profundos e marcantes os pontos por que se identificam: Romero foi um Cândido gorado, e Antônio Cândido é um Romero bem-sucedido. Dedicando ao es critor e político 6 seu ensaio no livro comemorativo, Fran cisco Iglésias evidencia, precisamente, a costela romcriana de Antônio Cândido, embora seja indiscutível o axioma 830
de que deva ‘'ao amplo embasamento em ciência social” o “rigor metodológico” que o distingue em crítica literária (p. 113). A cronologia sugere antes que a argúcia crítica permitiu-lhe no interregno sociológico (aliás todo aciden tal) interpretar com mais finura e inteligência fenômenos culturais que os cientistas especializados costumam forçar a trouxe-mouxe nos moldes estreitos e abstratos das teo rias. Seja como for, um e outro praticaram pouco e por pouco tempo a crítica propriamente dita, sendo no campo mais amplo da história literária que escreveram as respectivas obras magnas. Para repelir uma distinção que me parece essencial, Antônio Cândido escreve antes o ensaio crítico do que crítica literária, atividades complementares e intercomunicardes, bem entendido, mas nas quais são as perspectivas que variam.
É justamente por isso que, como assinala José Guilherme Merquior (p. 122), o seu "prestígio invulgar” nos quadros da nossa crítica não corresponde a qualquer influência perceplível na fortuna dos autores contemporâneos, assim como foi pouco generalizado o impacto das suas posições teórico-metodológicas. Ora, o papel decisivo nas consa grações e nas condenações é a recompensa e a justifica ção do crítico literário, responsável, como queria Oito Maria Carpeaux, "perante o passado e perante o futuro”; para o crítico, o presente é apenas o "momento de crise”, assim como para o historiador o passado é o momento vivo. A. posição de crítico representativo, nesse sentido, foi ocupada por Álvaro Lins, que, ao contrário de Romero e Antônio Cândido, resumiu nessa atividade a parte mais duradoura da sua carreira, fazendo e desfazendo reputa ções ao ritmo dos seus artigos semanais; malogrando, por expressiva singularidade, quando se propôs a coordenar e dirigir uma história da literatura, ele foi, no seu tempo, o crítico por excelência. É como tal que o define, e muito bem, Adélia Bezerra de Menezes Bolle, num livro beminformado e inteligente (orientado por Antônio Cândido), ao que só falta alguma carnadura historiográfica para ser o estudo clássico que o seu objeto está exigindo.
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Romero era o político militante, isto é, municipal, e An tônio Cândido o espírito cívico que o crítico deve ser na República das Letras; Otto Maria Carpeaux, com a saga cidade habitual, via em Álvaro Lins o tribuno, categoria contígua c assimétrica às outras duas, como as três são assimétricas e contíguas entre si.
III Depois de desfrutar prestígio e influência raramente alcan çados em nossa história por qualquer outro crítico, Álvaro Lins desapareceu nos vagalhões do que José Guilherme Merquior denomina o “mimetismo gratuito dos cânones es trangeiros” (Esboço de Figura, 150) — e hoje, como no verso de Manuel Bandeira, é ‘‘apenas um nome”. Sob esse aspecto, o “momento crítico” ocorreu no embate entre o seu “impressionismo” e o primeiro daqueles mimetismos gratuitos que deu em nossas praias, a “nova crítica” norteamericana, transportada, literalmente, nas malas de Afrânio Coutinho e que levaria este último a opor-se, em termos panfletários e pessoais, a todos os que englobava coletiva mente na rubrica depreciativa de críticos de rodapé. O epi sódio é caracterizado muito bem por Adélia Bezerra como o “confronto entre a crítica tradicional bem defendida vs crítica científica fracamente representada; ou entre crí tica criadora vs divulgação crítica” (p. 80). Ora, observa ela, o balanço da crítica de rodapé é “extremamente positi vo”, se não por outros motivos, por lhe caber a função que Sainte-Beuve considerava crucial, a crítica dos contempo râneos, tarefa de que Álvaro Lins se desincumbiu brilhan temente, propondo desde logo, na maior parte dos casos, os julgamentos que a posteridade confirmou (o que ele pró prio definia como o “ideal da crítica”; cj. Adélia Bezerra, 64 e s.). É com base nos quadros de valores estabelecidos pela crítica militante que podem trabalhar em seguida os ensaístas críticos, que não são realmente críticos, mas exe getas para quem a obra de literatura — já certificada como tal pela “crítica de rodapé” — é, não raro, apenas o pre-
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texto para as teorias mais ambiciosas e para divagações cheias de fantasia. Pode-se estender a todas o que Adélia Bezerra escreve a propósito da análise estruturalista, pois nenhuma delas costuma, de fato, revelar qualquer valor novo (p. 62). Deixando de lado a circunstância de que, tenham o nome que tiverem, todos os projetos de “crítica científica” estão, por definição, votados ao malogro, resta, nas palavras ar gutas de Fidelino de Figueiredo, que toda “crítica cientí fica” tem o impjessionismo em dois momentos decisivos: no ponto de partida e no ponto de chegada. O de Álvaro Lins, escrevia Oito Maria Carpeaux em páginas conheci das, era o impressionismo de um crítico que podia confiar no seu bom gosto e a quem, acrescento eu, não escasseava cultura literária (a cultura que muitas vezes falta aos que não têm tempo de adquiri-la por empregarem todos os mi nutos no aprendizado das teorias estrangeiras). É preciso reler, a esse propósito, outro texto de Otto Maria Car peaux, homem que ninguém certamente acusaria de “desa tualizado”. No artigo “Crítica literária”, ele registrava a si nistra comédia, que me parece mais molieresca do que labruyeriana, desempenhada pelos doutores das “abordagens científicas”. Hoje, nas palavras de Carpeaux, os “caracte res” da crítica podiam ser vistos da seguinte maneira: “Alceste deseja a renovação integral da nossa crítica literária pelos métodos anglo-americanos, enquanto Philémon deseja manter a boa tradição francesa; Ménalque prefere os filó sofos alemães, sobretudo quando traduzidos pelos espanhóis do Fondo de Cultura Económica e da Revista do Ocidente, enquanto Clitandre adverte contra a incompreensão poética dos famosos críticos italianos; Alceste, porém, admite as contribuições, à crítica moderna, de várias nações enquan to as encontra citadas no excelente apêndice bibliográfico da Theory of Literature, de René Wellek e Austin Warren (. . .)” Presenças, 55 e s.). Em data posterior a esse artigo, seria preciso acrescentar ainda os Melchiores, as Bélises e as Phillis que nos revelaram, com meio século 833
de atraso, a descoberta do carnaval pelos formalistas russos. . . “Há muita confusão”, assinalava Carpeaux no que bem pode ser o postulado mais eufemístico do ano: “A palavra estrutura, por exemplo, que, durante algum tempo parecia conter o segredo absoluto de toda crítica, e na qual muitos especialistas viam qualquer coisa como uma fórmula encantatória. responde, na verdade, a realidades diferentes no espírito de um francês, de um inglês, de um alemão, de um italiano. . .” (ob. cit., 55). Pode-se acrescentar que as fábulas do folclore e os contos de fadas nada têm com a literatura nem lhe fornecem modelos aproveitáveis, sendo estranhos entre si, por consequência, os princípios críticos que nos devem guiar para o estudo de umas e de outra. Os instrumentos da crítica, ensinava Carpeaux em lição perdida, forjaram-se conforme os respectivos objetos, “e aí se trata de criações caracteristicamente nacionais”: “O método crítico não é coisa que se possa desligar do objeto para cujo estudo foi criado, e muito menos é possível a aplicação mecânica desse método a objeto diferente quan do este, no caso a literatura brasileira, já não é mais (como se dizia no século XIX) une branche magnifique de la littérature française (e muito menos da anglo-saxônica), mas já adquiriu características próprias. (...) O verdadeiro problema crítico da literatura brasileira não pode ser colo cado em termos franceses ou ingleses, mas só em termos brasileiros”. Voltamos, assim, por inesperados caminhos, ao ponto de junção entre Sílvio Romero e Antônio Cândido, autor que. tendo iniciado a carreira universitária pela busca desse velocino inexistente que é o “método crítico” de quem não tinha nenhum, finaliza-a simbolicamente dirigindo uma tese universitária sobre Álvaro Lins, expulso do panteão acadêmico justamente em nome da “crítica universitária”. Isso desvenda o caráter todo nominalista e caprichoso dessas disputas. O próprio Antônio Cândido, universitá rio quanto fosse ou tenha sido, foi contestado por não o ser suficientemente e até por não o ser de forma alguma: 834
era mais um “historicista”, guiando-se por conceitos supera dos. Agora, entretanto, a propósito, justamente, de Antônio Cândido e Álvaro Lins, prossegue, em termos mais genera lizados, o debate em que se mostra o artifício das teorias que se desfizeram, umas atrás das outras, no “insucesso fatal” de que falava Carpeaux. Os “delicados jogos bizantinamente formais”, a que se re fere, ainda, José Guilherme Merquior, parecem haver es gotado todos os sortilégios e os reflexos luminosos com que atraíam as calhandras, uma das tarefas prioritárias da crítica atual, escreve ele, será “recobrar a prática esclare cida da explicação”/2™)
Não só a palavra estrutura, como acentuava Carpeaux, “res ponde a realidades diferentes no espírito de um francês, de um inglês, de um alemão, de um italiano”, mas ainda, e sobretudo, dentre as centenas, se não milhares, de estruturas existentes numa obra literária, só têm interesse do ponto de vista crítico, como observa Georges Mounin, as pertinentes, isto é, as que exercem uma função: “As estruturas não são pertinentes por si mesmas”. Assim, tomada tal qual à linguística, a noção correspondia a
um erro teórico e metodológico. (. . .) ... é preciso per guntar em cada caso: esta estrutura é pertinente? (. . .) É preciso ainda tomar consciência do ponto de vista sob o qual a estrutura descoberta é pertinente, ou seja, desco brir a sua função. (276) “Nossos críticos representativos”. Jornal do Brasil (Livro), 20 •• 27 de outubro/3 de novembro de 1979. Com referência aos livros de Maria Teresa Aina Sadek e lumna Maria Siinon, v., no mesmo periódi co, “A crítica universitária”, 18/11/1978. Quanto à inflação de estudos sobre Guimarães Rosa. “Indústria e exercício escolar”, 3/2/1979. Sobre o livro de Eduardo Jardim de Morais, “Contradições internas do Mo dernismo”, 17/2/1979. Sobre as reedições de Fernandes Pinheiro e Artur Mota, “Laboriosos e conscienciosos”, 28/4/1979. Sobre Carlos Chiacchio, “Um crítico de província”, 28/7/1979. Sobre outros livros do momento, “Crítica maior e menor”, 8, 15 e 22 de março de 1980; “Caminhos da crítica”, 21/6/1980, e “Reconstrução do passado”, 26/7/1980. 835
Os “velhos críticos” estavam recuperando a sua posição dc críticos representativos, ainda como reflexo do que ocorria em outros países, pela desilusão crescente, embora dissimulada, diante dos magros resultados das metodologias “estéticas” e pelo ridículo cada vez mais sensível do seu vocabulário molieresco. Em conver sação com Leyla Perrone-Moisés sobre a crítica literária e o en sino da literatura (Elos [Rio de Janeiro], 1, 1979), Serge Bourjea lembrou que o próprio G. Genettc havia proposto a “exumação” de Lanson. Dc fato, concordava ela,
o historicismo lansoniano reinou na universidade francesa durante a primeira metade do século. A “nova crítica” e o estruturalismo vieram reivindicar o que o lansonismo ne gligenciava, isto é, o estudo imanente dos textos. Vinte anos depois, ou seja, em nossos dias, esboça-se uma nova rea ção, desta vez contra o que o estudo imanente tem de exclusivo: desprezando os aspectos contextuais, a crítica imanente desligava a literatura do conjunto cultural em que aparece e vive. Daí. o retorno atual à história literária.
No caso brasileiro, isso se traduzia pela proliferação dc estudos críticos enquanto investigação histórica ou sociológica, estes últi mos refletindo a arguta observação de C. Wright Mills segundo a qual a sociologia é uma ciência histórica, ao contrário dos que pensam que a história é uma ciência sociológica. Na linhagem so ciológica (que é também, inevitavelmente, uma linhagem política e ideológica, não menos que a histórica), contavam-se, em 1979, Pedro Lira (Literatura e Ideologia)-, Sérgio Miceli (Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil); Alfredo Wagner Berno de Almeida (Jorge Amado: Política e Literatura); Maria Aparecida Santilli (Júlio Dinis, Romancista Social), c Gilberto Frcyrc (Heróis e Vilões no Romance Brasileiro). Como na crítica chamada estruturalista, vai, entretanto, uma larga distância entre os conceitos teóricos da crítica sociológica, em suas várias ramificações ideológicas, c a exata compreensão da rea lidade social a que porventura pretendam aplicar-se: 836
Era tnoda no século passado explicar a sociedade por meio de símiles biológicos e organicistas, metáforas que em nossos dias foram substituídas pela noção não menos antro pomórfica de classe social. Esta última é geralmente vista como uma pessoa, com “projetos”, “estratégias”, “inte resses, “alianças”, “desejos” e “ascensões” (ou declínio). Compreende-se que um homem pobre possa tornar-se rico, e vice-versa, mudando, por consequência, de classe ou cate goria social (o que, entretanto, não lhe muda a família nem os antepassados); compreende-se, igualmente, o emburguesamento psicológico e material das classes trabalhado ras na medida mesmo em que conseguem impor as suas rei vindicações: compreende-se, ainda, que a burguesia haja substituído a nobreza no comando do Estado enquanto sistema de governo, e assim por diante. Essas noções são ou parecem claras justaniente por serem simplificadoras, esquemáticas e polarizantes, mas dissimulam a realidade e a contorcem pelo menos tanto quanto a esclarecem. De fato, a substituição da aristocracia pela burguesia foi, no plano empírico, a aristocratização da burguesia e o emburguesamento da aristocracia, o que corresponde, em li nhas simétricas à proletarização de alguns segmentos da pequena burguesia e ao emburguesamento do proletariado qualificado, conforme as circunstâncias históricas e as con junturas políticas. Contudo, não se trata de substituições maciças, globais e instantâneas como numa coreografia de cinema: a maior parte dos aristocratas continua como classe, o mesmo ocorrendo com os burgueses e os prole tários. O revezamento é feito, na prática, em termos in dividuais, quando não se verifica uma mudança apenas nominal: eram burgueses que em geral dirigiam a economia dos Estados “feudais”: encontram-se aristocratas ainda hoje em muitos postos-chave e atividades essenciais ou vultosas da economia burguesa. Politicamente, o aparelho do Estado continua inalterável sob variadas estruturas de técnica administrativa. As classes, enquanto expressão estratigrâfica da estrutura social, são sempre as mesmas, não fazendo nenhum sentido 837
falar, por exemplo, na “ascensão da classe média"". A ocorrer tão fabuloso fenômeno, a sociedade ficaria sem classe média, da mesma forma por que não se pode con ceber a sociedade ou o Estado sem classes dirigentes, tenham o nome que tiverem (elas podem adotar o eufemismo de '"ditadura do proletariado'" ou “nova"'). Nessas perspectivas, o pensamento antropomórfico é tão suges tivo e enganador quanto o pensamento organicista e outras formas de raciocínio metafórico em matéria social e polí tica, sendo, em qualquer hipótese, uma fuga deliberada ou inconsciente da objetividade, tanto mais perigosa e ne fasta quanto mais reivindica condição científica. Se os intelectuais não constituem uma classe, segundo o ensinamento do genial camarada Stalin, é certo que devem pertencer a alguma e que se relacionam, de uma forma ou de outra, com o que Sérgio Miceli denomina a “classe dirigente"". O problema está em saber o que constitui a classe dirigente e quem a constitui; para Sérgio Miceli, ela se confunde com a oligarquia (p. XXI), o que não nos avança muito, porque continuamos encalhados em plena petição de princípio e nas malhas do raciocínio circular: a oligarquia é a classe dirigente, a classe dirigente é a oligarquia. Percebe-se claramente que ele planejou o estu do tendo em vista as condições específicas do Estado dc São Paulo e da oligarquia paulista, objeto de um panfleto célebre de Nestor Rangel Pestana, aliás ausente da biblio grafia (cf. História da Inteligência Brasileira, VI. 158 e s.). Só a meio caminho ele parece ter percebido a neces sidade ou a conveniência de generalizar para o resto do país, não a pesquisa, mas as conclusões. O que afirma é quase sempre válido apenas para as condições locais no período indicado, e, mesmo assim, numerosas duvidas po dem surgir, pois o levantamento demográfico e estatístico em que se apóia é altamente seletivo. Para demonstrar a lese de que os intelectuais em questão eram “parentes pobres"" das famílias oligárquicas, ele escolheu precisa mente os que de fato o eram ou pareciam ser, mas, basta comparar-lhe o elenco com o de Luís Correia de Melo no
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Dicionário dos Autores Paulistas para perceber-lhe a es cassa representatividade. Além disso, muitos desses “pa rentes pobres” eram, na verdade, parentes ricos ou o foram por muito tempo no período indicado (é o caso de Oswald de Andrade e Alcântara Machado) ou provinham da média burguesia, a salvo da pobreza (quase todos). O mesmo pode ser dito dos intelectuais de outros Estados, arrolados no Quadro V. Pode-se pensar também que uma boa parte não era cons tituída de “parentes pobres”, mas de pobres propriamente ditos, sem qualquer ligação, nem mesmo remota, com a “oligarquia”; é estranho que os fenômenos de capilaridade social e de patronato, tão identificados tradicionalmente com a sociedade brasileira, sejam ignorados justamente num livro em que o conceito de classe em movimento é determinante. Ao estudar o processo de cooptação, con ceito aliás impróprio na espécie, dado o caráter aberto e fluido da “classe intelectual”, que não é um clube ou ins tituição organizada, o autor concentra o interesse nos aco modados e vitoriosos; mas, que dizer dos rebeldes e desa justados? Não me refiro aos falsos rebeldes como Oswald de Andrade e, em geral, os modernistas de São Paulo, que realizaram a sua revolução no interior do sistema e aceitan do-lhe implicitamente o quadro de valores; todos perten ciam, de fato ou de direito, à “oligarquia intelectual” cujas estudaníadas a oligarquia propriamente dita encarava com benevolência e divertimento: não é sem razão que o go verno do Estado e a alta sociedade paulista patrocinaram a Semana de Arte Moderna, realizada simbolicamente nessa colina sagrada da burguesia que era o Teatro Muni cipal. Deixo de lado, igualmente, os rebeldes ideológicos, como Jorge Amado e Caio Prado Júnior que, à boa moda brasileira, jamais perceberam qualquer contradição entre a própria “essência oligárquica” e a “existência revolucioná ria”. Acrescente-se que muitos desses rebeldes adaptaramse perfeitamente ao serviço do Estado burguês e capitalista (Joaquim Pimenta, Graciliano Ramos e outros muitos que o autor, pela seleção restrita que adotou, se viu forçado a 839
I
ignorar), cie forma que, afinal de contas, as fronteiras são menos nítidas e exclusivas do que poderíamos pensar.
II
Pode-se questionar a representatividade de Francisco Campos, Abgar Renault ou Pedro Calmon enquanto para digmas das respectivas variedades, sem falar no fato de que as divisões são, quase sempre, impressionistas e vagas (o autor pensa por imagens pitorescas, mais do que por categorias lógicas, como, por exemplo, na designação de “anatolianos” para todo um segmento de intelectuais bra sileiros nos começos do século). Assim. Francisco Campos ou Carlos Drummond de Andrade pertencem tanto ã “eli te intelectual e burocrática do regime” quanto o primeiro foi do mesmo regime “homem de confiança”, todos sendo, de uma forma ou de outra, “administradores da cultura”, e assim por diante. Nessas perspectivas, a “carreira tradi cional” de Pedro Calmon em nada difere da que podemos identificar em grande número de outros, ao mesmo tempo em que delas difere em todos os pontos. O fenômeno aqui estudado não é específico do período em questão, nem mesmo da vida brasileira: aqui ou alhures, no passado ou no presente, a missão do intelectual sempre necessitou do amparo de uma profissão, seja nas ordens clericais, no serviço do Estado ou no da empresa, salvo nos casos menos frequentes em que a fortuna pessoal supria tal contingência. Ao tempo da religião de Estado ou nos países em que ainda vigora, o sacerdote era e é, de fato, um funcionário público não raro mais dependente do poder leigo ou das oligarquias que da Igreja; no regime testamentário anterior ao Código de Napoleão, o filho mais novo não dispunha de bens e era, por isso, encaminhado para a carreira sacerdotal. A situação, claro está, não é mais a mesma, contudo Sérgio Miceli, com base em exem plos isolados (Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira), ra ciocina como se fosse: “Sendo originários de famílias com proles numerosas [outra generalização insustentável], os
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‘primos pobres' devem o mínimo de vantagens escolares e culturais com que se beneficiaram aos favores e ao am paro que a oligarquia dispensa a seus ramos empobreci dos. Nestas condições, a carreira eclesiástica aparece aos olhos desses intelectuais não apenas como válvula de esca pe à ‘degradação social’ mas também como estratégia dis simulada de acumulação de capital cultural” (p. 27). Ora, o postulado só seria válido se os interessados tivessem realmente seguido a “carreira eclesiástica”, o que não aconteceu com nenhum deles; partindo das mesmas pre missas, pode-se pensar que a “carreira” lhes pareceu tão pouco atrativa que trataram de abandoná-la na primeira oportunidade, quando não o fizeram mesmo depois de or denados, como Severiano de Resende ou Antônio Torres, não referidos neste livro; outros muitos, já em nossos dias, e em número alarmante, continuam no processo de secularização. Acresce que, ao explorar comercialmente o ensino leigo, as ordens religiosas laicizaram-se, por assim dizer, pelo menos no plano pedagógico, tornando obsoleta a fun ção dos seminários na difusão, aliás involuntária, dos co nhecimentos humanísticos. As generalizações de Sérgio Miceli resultam, muitas vezes, da sua evidente falta de familiaridade pessoal com a época de que trata e que só uma pesquisa muito mais profunda poderia suprir. Ê o que acontece, por exemplo, com rela ção ao prestígio social e legal do diploma superior que, no início dos anos 30, segundo ele, “deixara de ser um símbolo de apreço social como o fora para os proprietá rios de terras, ou então, um sinal de distinção capaz de va lidar lucros provenientes de outras atividades económicas das famílias dirigentes. Deixara também de constituir-se em garantia segura para os aspirantes ao exercício de funções políticas, administrativas e intelectuais” (p. 41). Entretanto, ao estudar a reforma do serviço público nessa época, ele próprio depara com situação diferente: ‘“A des peito da fachada ‘científica’ que ostentavam, as reformas administrativas resguardavam condições especiais de aces so em favor dos portadores de títulos superiores cujo con841
iingente se havia ampliado nos últimos anos. A posse de um diploma superior e de pistolões ou outras modalida des de capital social eram os trunfos decisivos para in gresso nos quadros do funcionalismo, em especial junto aos escalões médios e superiores que tendiam a monopo lizar os privilégios” (p. 139). Note-se, de passagem, que as funções do diploma e dos pistolões (e não apenas entre nós, ao contrário do que se pensa) eram e continuam sendo inteiramente diversas, sutileza que não podemos ignorar se quisermos compreender o processo com objeti vidade. De qualquer forma, não parece que o título uni versitário ou profissional haja sofrido em qualquer mo mento de nossa história o desprestígio a que alude Sérgio Miceli; até pelo contrário, porque o diploma passou a con ferir o privilégio de dispensar os respectivos titulares, em muitos casos, das provas de conhecimento nos concursos; na verdade, muitas carreiras ou profissões só são legal mente reconhecidas ou só podem usufruir de determina das vantagens quando o poder público as equipara às de mais profissões e carreiras universitárias. Observo, finalmente, que o estilo do autor deixa algo a desejar em matéria de clareza, propriedade de expressão, até correção gramatical (deficiências, ai de nós!, que com partilha com numerosos outros). Ele afirma, por exemplo, que Plínio Salgado, Menoíti del Picchia, Cândido Mota Filho e Oswald de Andrade “se bandearam” em determi nado momento “para as organizações radicais, à direita e à esquerda” (p. 11); ora, o único que realmente “se ban deou”, aliás efemeramente, foi Oswald de Andrade, por que Plínio Salgado fundou a sua e, dos outros, simpatizan tes ou assemelhados quanto fossem, não consta que tives sem aderido formalmente ao Integralismo. Da mesma for ma, não se pode dizer de uma “grande maioria” que foi “unânime” num ponto de vista (p. 86): não esclarece muito afirmar que a carreira de romancista se haia configurado plenamente nos anos 30, “num momento em que o desen volvimento do mercado do livro se alicerçava na literatura de ficção” (p. 92). Tautologia à parte, pode-se contestar S42
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a exatidão histórica do postulado. Frases como: “Anísio Teixeira se beneficia das dívidas políticas que seu pai es- tava em condições de exigir o resgate” (p. 169) são infeliz mente mais comuns do que seria admissível num estudo deste gabarito, para nada dizer da maltratada e contundi da regência verbal ou dos verbos defectivos, cujas singu laridades andam por aí largamente menosprezadas. Menciono tais aspectos porque, de tão incongruentes com a categoria intelectual do volume ou, pelo menos, com as suas ambições, lançam sobre o conjunto uma sombra desqualificadora. O livro de Sérgio Miceli tem, entretanto, o mérito paradoxal de suscitar as discordâncias que eviden ciam a complexidade de um problema mais cheio de per guntas que de respostas e no tratamento do qual as suas respostas são, em geral, menos pertinentes do que as suas perguntas.{2~7)
Às perguntas formuladas por Sérgio Miceli quanto à situação do intelectual na sociedade brasileira correspondem, em plano pa ralelo, as que Gilberto Freyre se propôs a responder quanto aos princípios sócio-antropológicos dos nossos personagens de roman ce, objeto do curso que idealizou e dirigiu, para estudantes de An tropologia, em 1969 c 1970. no Instituto Joaquim Nabuco de Pes quisas Sociais. É possível que a Sociologia da Literatura não seja disciplina tão nova e rudimentar quanto ele imagina (p. 79), nem que começasse a se constituir com o curso do Recife, assim como não parece inventado por Gilberto Freyre o gênero, aliás curioso, da auto-entrevista. Resta que, "‘quase desatenta a valores especifi camente estéticos ou literários” (p. 12), a pesquisa, ou pesquisas dessa natureza, poderá trazer inestimáveis achegas para a com preensão da literatura: não é raro o autor, observa ele cm postu-. lado irrefutável, “nem rara a obra que o.leitor, só compreenderá, nos seus objetivos mais amplos, informando-se sobre as influên cias não-literárias que condicionaram a formação do escritor e que,
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