Crise Agrária e Luta de Classes - O Nordeste Brasileiro entre 1850-1889

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HAMILTON DE MATTOS MONTEIRO Doutor em História e Professor da Universidade de Brasília

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CRISE AGRARIA E LUTA DE CLASSES .4 !j

(O Nordeste brasileiro entre 1850 e 1889)

HORIZONTE EDITORA L IM IT A D A SIG / QUADRA 02 / 375 385 395 TELEX (061) 1687 / TEL 223-2450 BRASILIA - DISTRITO fE D E R A L

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Monteiro, Hamilton de Mattos Crise agrária e luta de classes: o Nordeste bra­ sileiro entre 1850 e 1889 / Hamilton de Mattos Monteiro; prefácio de Eul-Soo Pang. Brasília, Hori­ zonte, 1980. 1. Brasil — História — Nordeste 2. Brasil — História — Reyoltas 3. Conflito social — Nordeste— -Brasil I. Título II . Título: O Nor­ deste brasileiro' entre 1850 e 1889.

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981.2/2 981.043 301.29812 301.6309812 981.06

1980

BRASILIA ANO XX

CAPA: EDMUN

NOTA DO EDITOR Este livro trata de uma época esquecida e parcialmente pesquisada da história do Nordeste brasileiro. Aborda o pe­ ríodo entre 1850 e 1889, no qual se aprofunda a crise eco­ nômica e acirram-se as contradições sociais. A partir deste ponto — a crise econômica — , o autor apresenta a situação das várias classes sociais e como reagiram diante dos problemas que enfrentavam. Expõe, a partir de rica e inédita documentação, o desen­ volvimento do banditismo rural, “ uma espécie de luta de clas­ ses” , dentro do conceito já muito conhecido de Eric Hobsbawm. Apresenta a posição dos grandes proprietários rurais, diante da “ rebeldia” de seus trabalhadores e do “ abandono” a que foram relegados pelo governo central. Em dois capítulos, analisa as insurreições de 1851/52 e 1874/75, em que frações de todas as classes sociais participaram, movidas por situações diversas, mas que expressavam a deterioração das condições de vida da população nordestina. O livro nos fornece subsídios para entendermos os fenômenos Antônio Conselheiro e Lampião e tantos outros “ fanáticos e cangaceiros” que povoaram o sertão nordestino até meados deste século, bem como o fluxo migratório para outras regiões do País. Constitui-se, assim, num trabalho que, junto ao de Peter Eisenberg — Modernização sem mudanças — , dá nova dimen­ são aos estudos históricos, sociológicos e econômicos sobre o tão sofrido e espoliado NORDESTE BRASILEIRO.

Geraldo Vasconcelos 1? edição — 1980 BRASfLIA - BRASIL Direitos exclusivos desta edição, da HORIZONTE Editora Limitada - B R A S ILIA

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Este livro foi çriginalmente Tese para obtenção do título de Doutor em História, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1978, sob a orientação da Dra. Fernanda P. de A. Wright. Agradecimentos: Adalgisa Maria Vieira do Rosário, Canrobert Penn Lopes Costa Neto, Eul-Soo Pang, Francisco de Assis Barbosa, Fran­ cisco J. Calazans Falcon, Jaime Antunes da Silva, João Batista Borges Pereira, João Batista Pinheiro Cabral, Layma Mesgravis, Maria de la Encamaáon de Espana Iglesias, Reynaldo Xavier C. Pessoa, Rui Galvão de Andrade Coelho, Rui Vieira da Cunha, Sonia Maria Gomes, Suely Robles Reis de Queiroz. Um agradecimento especial à Dra. Nícia Villela Luz, cujasf ponderações foram muito úteis e, cuja presença na época da redação, serviu de poderoso estímulo. Ao Prof. J. R. do Amaral Lapa cujas críticas e sugestões levaram-me a reformular vários pontos deste trabalho, meus sinceros agradecimentos.Aos funcionários e diretores do Arquivo Nacional, do Rio de Janeiro, especialmente Dr. Raul Lima e Gabriel C. da Costa Pinto, o meu muito obrigado. Minha gratidão aos professores Antonio Carlos Quaresma (falecido) e limar Rollof de Matos, a quem devo o gosto pela pesquisa e pela verdade históricú. Ao Prof. Agenor Miranda Rocha e a Irene de Mattos Monteiro, meu mais humilde reconhecimento e o maior dos agradecimentos. A Belarmino de Mattos, meu avô, e Paulo Roberto Aze­ redo, antropólogo e amigo, vítima da violência urbana, dedico este livro. Os conceitos aqui emitidos são de minha exclusiva res­ ponsabilidade. o autor

£N A DG EN< NATA'

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APRESENTAÇÃO DUAS GENEALOGIAS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

Vamireh Chacon Existem duas árvores genealógicas na historiografia bra­ sileira: a festiva das efemérides, cujos precursores não vamos desfiar aqui, nem muito menos seus seguidores até os dias atuais, pois melhor vale ó registro pormenorizado - da outra, a propriamente dita, a que faz o Brasil consciente de fa"o da sua grandeza. Trata-se, é claro, da linha oriunda em Capistrano d ? Abreu e vindo a José Honório Rodrigues em nossos dias, passando por muitos e grandes conscientizadores sociais da nossa cultura. Hamilton M. Monteiro incorpora-se a esta corrente vigo­ rosa e combativa, com seu livro, extraído de tese doutorai: Crise agrária e luta de classes (O Nordeste brasileiro entre 1850 e 1889). O título pode espantar à primeira vista, sugerindo modis­ mos e sensacionalismos, que não atropelam o moço já amadu­ recido e quase sisudo nas suas pesquisas. Ê que de fato há crise agrária e luta de classes no campo, por vezes violentas, conforme sabemos a partir d’Os Sertões, clássico de Euclides da Cunha, despertando um debate, chegando aos nossos dias nos estudos de Maria Isaura Pereira de QueiroZ, sobre o messianismo rural, e nos de Armando Souto Maior acerca da rebelião dos chamados “quebra-quilos’\ A história brasileira não se apresenta como o mar de rosas dos triunfalistas. Mestre José Honório Rodrigues mostrou-o, de modo exemplar, em Conciliação e Reforma no Brasil: quase sempre o acordo termina se fazendo às custas do fraco ou do vencido, ou de ambos, enquanto o forte se prepara para nova repressão. Está situação surge mais amarga no campo. Ainda está para ser escrita a história das rebeliões populares, sobretudo rurais, esquecidas no Brasil afora, pela intencional amnésia dos festejadores de efemérides amáveis.

Hamilton M. Monteiró expõe, com rigor metodológico e serenidade ideológica, mais esta face daquela outra história, a social do povo brasileiro, sem heróis mas diante de vilões, em batalhas com grandeza inédita e digna de redescoberta. Ele dal não parte para extrapolações supostamente filo­ sóficas e sociológicas. Hamilton M. Monteiro é um historiador por vocação e formação. Ele não briga com os fatos, tentando metê-los a serviço das suas próprias opiniões. Prefere acom­ panhá-los a compreendê-los, como o propunha Lucisn Febvre, na herança de Henri Pirenne. A sua metodologia historiográfica, fiel ao documento, também experimenta o sopro do ideal humanista social das grandes causas, que o jovem Hamilton M. Monteiro generosamente gostaria de ver vitoriosas também em nosso país. Daí sua escolha da história dos oprimidos e não dos opressores, do povo anônimo sem heróis, mas com a grandeza maior de cerne verdadeiro da nacionalidade.

SU M Á RIO

págPREFÁCIO .................................................................... 15 INTRODUÇÃO .............................................................. 19 CAPITULO 1 — AS CONTRADIÇÕES 1.1 — Violência no Nordeste: esboçoteórico 29 1.2 — Meiofísico e uso do solo ................ 35 1.3 — Meios de produção e estratificação social ............. 37 1.4 — Dependência e crise econômica........ 39 1.5- — Formação social e estrutura política 49 CAPITULO 2 — RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO E VIOLÊNCIA 2.1 — Banditismo e luta de classes ........ 69 2.2 — Classe dominante e uSo da força . . . 89 CAPITULO 3 — NORDESTE INSURGENTE 3.1 — “ Ronco da Abelha” ou revolta popular? 117 3.2 — “ Quebra-quilos” : contestação e re­ pressão .......................... .; ...................129 CONCLUSÃO ............................................. 157 ANEXOS ....................................................I ...................165 BIBLIOGRAFIA ........................................ : ...................195

4

PREFÁCIO

Os historiadores do Brasil Império (1822-1889), em par­ ticular os do Segundo Reinado (1840-1889), erigiram o mito da estabilidade política e paz interna sob o governo de D. Pe­ dro II, o “Marco Aurélio das A m é r ic a s N a s últimas três décadas, aproximadamente, historiadores brasileiros e norteamericanos vêm desmistificando o dogma, a partir de novas interpretações, históricas e sociológicas, sobre esta época. A co­ nhecida lese de Gilberto Freyre sobre a harmonia racial e miscigenação, como componentes fundamentais da democracia social no Brasil, por exemplo, tem sido sistematicamente reba­ tida por substanciosas análises, baseadas em vasta documenta­ ção, por Emilia Viotti da Costa, Octavio lanni, Fernando Hen­ rique Cardoso, no Brasil, e Stanley Stein, Marvin Harris e Thomas E. Skidmore, nos Estados Unidos. Hoje, a venerável tese de Freyre ainda serve como ponto de referência, entretanto já não figura como a análise _sociológica da sociedade agrária brasileira. A interpretação tradicional de “paz e harmonia’’ do se­ gundo reinado sofre também um processo de revisão. Agora, o Doutor Hamilton de Mattos Monteiro escreve um livro — CRISE AGRÁRIA E LUTA DE CLASSES — que abre um novo caminho para pesquisas futuras, e visa corrigir idéias até então consagradas. A tese principal deste trabalho, fruto de cuidadosa e profunda pesquisa, é que o Brasil (1850-1889) não teve a paz interna e a estabilidade que os historiadores monarquistas gostariam que tivéssemos acreditado. Pelo con­ trário, o Dr. Hamilton mostrou que a monarquia não foi capaz de se impor em áreas periféricas, como as províncias nordes­ tinas e do Cenlro-Oeste. AÜSRf'disso, enfatiza que, no Império Brasileiro, não houve uma homogeneidade r.a ação política, vista por uma perspectiva trilateral de relação de forças entre o Estado e a classe dominante, entre a classe dominada e o Estado, entre classe dominante e classes dominadas. Não so­ mente os “mandarins’' imperiais foram contestados na sua ação _ de impor-os desejos da Coroa, como tampem encontravam.

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mais do que nunca, forte resistência pôr parte das elites locais, tais como grandes proprietários de terra, clero e comerciantes. Em que pese a complexidade de conceituar-se a violência, o Prof. Hamilton considerou tal tarefa indispensável ao seu trabalho. Define a violência a partir de um contexto de con­ flito de classes: "Entendemos por violência o uso da força por grupos de indivíduos, ou pelo Estado Cisando impor a outros uma forma de conduta que satisfaça seus objetivos, e a resul­ tante das relações de dominação de uma classe social sobre outra, esta última não implicando, necessariamente, o uso da força”. Acrescenta, ainda, que as oportunidades limitadas de acesso à terra por parte da maioria dos nordestinos, constituíam outra dimensão principal de violência. Baseando-se em dados inéditos bem como em documentos publicados, o autor identifica três fatores estruturais e conjun­ turais que acentuaram a violência no Nordeste: "a má distri­ buição da terra”, “a crise do setor exportador” e as “secas ■[periódicas”. Seu estudo sobre a rebelião “Ronco da Abelha” ( 18511852) e “Quebra-Quilos” ( 1874- 1875) oferece- um novo cami­ nho para interpretação — não somente as revoltas envolveram muitas províncias nordestinas (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), mas também, dentre seus participantes incluíam-se vários elementos das classes baixa, média e alta, como proprietários de terras, comerciantes, padres e camponeses. O Prof. Hamilton mostra claramente, contrastando com a tese de Eric Hobsbctwn, que “primitive rebellions” não necessariamente ficaram confinadas à classe oprimida. Nestes casos do Nordeste, comprova que as rebe­ liões, fazendo parte contínua de um processo que vem se de­ senvolvendo desde as crises políticas e levantes sociais que se verificaram na década de 1840, exibiram nitidamente a parti­ cipação de várias classes sociais no lugar de umà. somente. Embora o Prof. Hamilton não mencione especificamente no seu 'livro, sua abordagem se enquadra na linha das pesqui­ sas correntes na Europa e nos Estados Unidos acerca de "stalemaking’’ e vioiênáCesocial. Charles Tilly (sobre a França), Richard Herr (sobre a Espanha), F. M. L. Thompson e Eric Hobsbawn (sobre a Inglaterra), Georges Rude (sobre a França), Gabriel Ardant (sobre a França-e Suiça) e finalmente Anton Blok (sobre a Itália, mais precisamente a Siciliaj, ptira citar somente estudos bem conhecidos, argumentaram que os histo­ riadores têm que ir além dos limites da estrutura legal-jurídica para compreender a viabilidade de uma sociedade em integra-

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ção. Nas palavras de Blok, o processo de integração, não o sistema de elites, deve ser estudado. Na Europa, violência estruturada (exército, polícia, guarda nacional etc.) e controle sobre gêneros alimentícios e seus preços se apresentam como instrumentos gêmeos para “state-making”,. assim consolidando ou enquadrando áreas periféricas endemicamente em revolta. Objetivando estabelecer o controle dos Bourbons sobre as Duas Sicílias, o distante rei adotou a elite local como sua subrogada, neste caso a classe latifundiária. A divisão da socie­ dade, entre as tendências burbônicas para reformas e enqua­ dramento monárquico, de um lado, e, do outro, a persistente resistência conservadora da parte da classe latifundiária siciliana, provocou o surgimento de uma nova elite intermediária, a Máfia. O papel da Máfia era preencher o vácuo do poder local, resultante do conflito entre os reformadores monárquicos e os conservadores sicilianos, que limitou a eficácia da aplica­ ção da lei burbônica no campo. A Máfia preencheu o vácuo, ocupando os governos locais, mais identificada com os latifun­ diários, exercendo um papel de polícia privada. Mais tarde, a Máfia fortaleceu-se e teve condições para desafiar a autori­ dade central e a classe latifundiária local. Numa rápida com­ paração, a Máfia do século X IX assemelha-se aos coronéis brasileiros da segunda metade do século passado, aüe atuaram como intermediários entre o governo e a sociedade civil. De maneira sem elhanteo Dr. Hamilton mostrou o pro­ cesso de enquadramento feito pelo Império, cuja análise con­ sideravelmente modificou interpretações existentes acerca do Segundo Reinado. Para chegar a esta nova tese — o Segundo Reinado estava contaminado pela violência e não dotado de paz interna — consultou vasta quantidade de documentos no Ar­ quivo Nacional e uma enorme variedade de monografias sobre a violência. Alguns leitores poderíam achar que faltou pesqui­ sas de campo no Nordeste mas isto não enfraqueceu o esquema analítico do trabalho. Além disso, o Prof. Hamilton não pre­ tendeu haver escrito um estudo definitivo sobre o assunto. E somente o começo, primeiro e importante passo, para um trabalho mais amplo sobre violência social, revoltas e revolu­ ções no Brasil que os historiadoresje cientistas sociais deveríam prestar uma atenção mais cuiddâòsá. Tenho o imenso prazer de haver lido o manuscrito do livro e, do fundo do coração, saúdo a publicação d-'sta obra pioneira que vem ampliar o conjunto sempre crescente da iconoclasta historiografia social da Terra de Santa Cruz. É ul-Soo Pang P h D , professor- da U n iv e rs i­ dade de A lab am a, em B irm in g h a:” - ( U S A 'i . _

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INTRODUÇÃO Existem alguns mitos na história do Brasil que adqui­ riram “status” de verdade^com o decorrèFdoTêmpo. Entre estes um dos mais arraigados é o de que o período entra 1850 e 1889 foi uma das épocas menos violenta de nosso / processo histórico. Gérálrriente, o que há muito tempo vem sendo divulgado é que em 1850, vencida a última grande revolta — a Praieira — instalou-se uma época de paz e progresso, em grande parte atribuídos à monarquia e ao caráter “democrático" do governante, o imperador D. Pedro II. Afirmações deste tipo, à primeira vista, parecem ver­ dadeiras mas existem alguns pontos que devem ser apre­ ciados, para melhor compreensão do problema. A princípio, não devemos esquecer que este mito da magnanimidade do imperador e da paz do seu reinado já era afirmado na própria década de cinqüenta pelos missio­ nários americanos Kidder e Fletcher na obra conjunta Brazil and the Brazilians, portrayed in historical and descriptive sketches, cuja primeira edição foi publicada em Filadélfia

em 1857, onde escrevem longos trechos comparando o - Brasil com os demais países da América Latina e afirman­ do as vantagens do primeiro, entre os quais a paz e a ordem. Se os pastures serviam aos interesses do expansionismo comercial foorte-americano ou não, o fato é que refletem uma idéia que nos pareceu ser comum entre a elite naquele período, cujos salões freqüentaram.. Outro ponto qüe nos parece digno de ser lembrado é o de que a elite brasileira estava comprometida com o movimento que levou à abdicação do primeiro imperador e, poste­ riormente, com a maioridade do segundo; a partir de então começa-se a delineara noção de que à turbulência do pri­ meiro reinado contrapunha-se a paz do segundo, à impe­ tuosidade do imperador de nacionalidade portuguesa con­ trapunha-se a serenidade do imperador nascido brasileiro, e outras comnaraçõés deste tipo, todas-tendentes a glo-

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rificar o segundo reinado e indiretamente a provar o acerto da obrá realizada. A estes juntaram-se, na mesma época ou em períodos posteriores, os historiadores monarquistas que tudo fizeram para idealizar e enaltecer o regime mo­ nárquico, especialmente o reinado de D. Pedro li, colocando-o como a "época de ouro” da história do Brasil. Exemplo típico que retrata toda uma tendência dentro da historiografia brasileira é Manoel de Oliveira Lima; em duas de suas obras deixa registrado bem claramente o as­ pecto pacífico e não-violento dos anos entre 1850 e 1889: América Latina e América inglesa; a evolução brasileira comparada com a hispano-americana e com a anglo-ameri­ cana, e O Império Brasileiro. Desta última é esta passagem onde sob o título de “O império e o espírito revolucioná­ rio" o autor afirma: “Sob este ponto de vista o Império oferece um vivo contraste entre o primeiro e os dois ime­ diatos quartos de século da sua duração, que foi de 67 anos. Às lutas civis, preeminentes desde 1824 até 1848, sucedeu um período de paz e de ordem domésticas. ( . . . ) O espírito revolucio^ nário sossegou, abrandou o regime da violência, sem um fuzilamento nem uma represália dura, dominado pela magnanimidade do soberano que impunha sua política de paz". Na verdade, não houve revoltas de grande extensão como a Balaiada, a Farroupilha, e outras semelhantes após 1850, mas isto não significa que a violência tenha dei­ xado de existir. Se levarmos em conta que havia uma parcela conside­ rável da população que vivia privada de sua liberdade, sem opção de escolher o tipo de vida ou trabalho que gostaria, como foi o caso dos escravos, devemos concordar que se tratava de uma violência da parte daqueles que os es­ cravizavam como também de que eles próprios constituíam-se num foco de revolta; elas existiram e não foram poucas, num sistema quç só seria extinto definitivamente em 1888.

Por outro lado, com a economia estruturada à base do latifúndio e do trabalho escravo, foi-se formando, cada vez em maior número, uma “ massa" de homens pobres-livres que viviam miseravelmente e só eventualmente encontra­ vam trabalho, assim mesmo em condições abaixo de suas necessidades; além disso, esses homens moravam-"'por

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favor" nas terras dos grandes proprietários, numa situação instável, podendo a qualquer momento ser expulsos, per­ dendo as benfeitorias, inclusive a sua “roça". Esta si­ tuação, convenhamos, era uma violência ao direito de vida desta parcela da população. Passando aos grandes proprietários rurais, devemos levar em conta que também eles não estavam satisfeitos. Abõstúmados ao mando sobre os seus vastos domínios, numa autoridade adquirida desde os tempos coloniais, sofreriam os efeitos da centralização monárquica a partir do momento em qúê~õs Braganças formaram"áqDTum império autônomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao gosto das casas reais européias. Se bem que na maiór parte dos oasos, estabeleceram — poder público e poder privado — um “modus vivendi", esta situação não deixaria de provocar atritos e insatisfações. Se a isso juntarmos a crise do setor exportador nordestino, teremos nos gran­ des proprietários daquela região um foco de reivindica­ ções e rebeldias em potencial. Outro ponto que não podemos deixar de levar em consideração é o relativo às formas de manifestação dos descontentamentos. Não é porque numa determinada época não haja revoltas de grande envergadura, é que' de­ vemos concluir que as insatisfações sociais deixaram de se manifestar. Elas podem ter tomado outras formas que longe de descaracterizá-las deram-lhes uma roupagem'dife­ rente cónforme permitiram as condições sociais, políticas e ideológicas daquele momento histórico.

Chegamos assim ao ponto central do nosso trabalho. Defendemos a hipótese de que longe de ser tranqüilo o período entre 1850 e 1889 foi também tão violento como os demais na história do Brasil, só que de uma violência com características singulares que a fizeram passar despercebi­ da ou permitiram que ela fosse propositalmente esquecida. Resolvemos partir, de início, das fontes primárias e daquela que nos pareceu ser a mair 'gêrãt- de todas: os relatórios dos Ministros da •Justiça, de 1850 a 1889. Depois de termos feito o levantamento de todo o período, passamos a fontes mais locais como os relatórios dos pre­ sidentes de províncias, dos chefes de polícia e. finalmente, a correspondência das autoridades locais com as presi­ dências provinciais e destas com o M inistério da Justiça - ao qual estava afeita a segurança interna e tranquilidade -pública _

Estabelecemos como premissa que só levaríamos em consideração o incidente que envolvesse um número re­ gular de pessoas armadas, acima de 10 e cujo conflito repercutisse sobre a comunidade onde ocorresse de modo alarmante, intrãnqüiIizandõ^ãi- õu então que extrapolasse suas fronteiras, indo provocar reação do poder público (geral, provincial ou mesmo local) através de pronuncia­ mentos, ação armada e/ou abertura de processo por crime de sedição. No caso em que não houvesse indicação do número de envolvidos, aceitaríamos palavras que por sua etimologia dessem a entender que fosse uma ação cole­ tiva, tais como “bando", “horda", “malta", “séquito", “tur­ ba", “massa” etc. No primeiro levantamento feito a partir dos relatórios dos Ministros da Justiça, no item sob o título da “Tranqüilidade pública e segurança individual", tivemos a seguinte estatística:

1 — Província de São P a u lo ................... 2 — Província de Minas Gerais .......... 3 — Província do Ceará .......................... 4 — Província do Rio de J a n e iro ........... 5 — Província de Pernambuco ................ 6 — Província da Bahia ........................... 7 _— Província de Alagoas ...................... 8 — Província da Paraíba ........................ 9 — Província do Rio G. do Norte . . . . 10 — Província do Pará .................... . .. 11 — C o r te ........... ..................................... 12 — Província de Sergipe .................... 13 — Província do Maranhão ................. 14 — Província do foio G. do Sul ........ 15 — Província do Piauí ......................... 16 — Província de Santa Catarina ........ 17 — Província do Espírito Santo .......... 18 — Província de Goiás ........................ 19 — Província do Arraronas ................. 20 — Província do Paraná . . . . . . . . . . . . . 21 — Província de Mato Grosso ............ Total ...........

.......................

64 61 60 57 54 40 31 25 22 14 11 9 9 9 6 5 4 3 3 2 1

Este levantamento não retrata absolutamente a reali dade entre 1850 e 1889, porquanto temos que levar err conta a precariedade de informações em determinadas províncias, a prática de .esconder deiiberadamente infor­ mações que não interessavam ser divulgadas e outros mo­ tivos menos claros, mas serviram de indicador para o en­ caminhamento dos trabalhos. A partir dele definimos a área ha qual concentraríamos nossas pesquisas. Como se pode observar, das dez primeiras províncias, na ordem da maior incidência de conflitos, seis pertencem ao Nordeste. Se somarmos a estas seis, os números re­ ferentes a Sergipe, Maranhão e Piauí, teremos um total de 256 conflitos, aproximadamente 52% . Portanto o Nor- ^ deste, com nove províncias, representa mais da metade da incidência de v lolencía nopêríõdõ. FoV'entio, sobre esta região que resolvemos fixar nossa atenção. Q.Nordeste nos atraía porjser uma área em decadência econômica e farta em conflitos de toda es­ pécie, desde o banditismo às sediçõès é motins urbanos, passando pèla yiõTênciãTrõs coronéis. Assim sendo, pas­ samos à segunda fase de nossa pesquisa, fazendo o levan­ tamento dos relatórios e falas dos presidentes das pro­ víncias, nos relatórios dos chefes de polícia- e também na correspondência das províncias com o Ministério da Jus­ tiça que se, encontra arquivada na Seção do Poder Exe­ cutivo, do Arquivo Nacional. As províncias do Nordeste ficaram, como era de se esperar, com o número de conflitos aumentados:

1— 2 — 3 — 4 — 5 — 6 — 7 — 8 — 9 —

Pernambuco ........................................ 127 Paraíba ................................................ 93 Ceará ............................ 72 Alagoas................................................ 59 Bahia .............................. 59 Rio Grande do Norte ....................... 32 Sergipe ............... 27 Piauí ......................... 20 Maranhão .......................................................18 Total ................................................

507

490 Estes 507 conflitos ficaram assim distribuídos:

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v. 1 Espécie

1850

Banditismo Revoltas Coronelismo Recrutamento Eleições Motins Urbanos Escravos Totais

60 38 31 10

70 18

9 4 3

14 34 2 2 2

98 78 18 24 7 8 —

95

72

(2 3 3 )





1889

i; 80 46

Totàis

29 1 24 6 1

200: (ÍÓ9> 71 59 42 20 6

107

507

_

No que se refere ao primeiro — banditismo' — são os conflitos_envolvendo as quadrilhas qüe~se traduziram em toda uma enorme variedade de ações, nas quais se inclui o ataque às vilas e aldeias, às fazendas, choques com a força pública e outrosjnais. No item referente às/fevoltas^ão as que se verifica­ ram em 1851-52 e 1874-75r-respectivamente conhecidas pelas alcunhas de " Ronco da Abelha" e “Quebra-quilos".. Os números referem-se à'soma das localidades que se levantaram em “sedição", que foi como as autoridades de­ nominaram essas revoltas

Quanto ao coronelismo^são os conflitos nos quais os coronéis, isto é, os grandes proprietários, participaram com seus “ exércitos privados". Entre estes, destacamse os ataques às vilas, a expulsão de autoridades que lhes eram contrárias, a oposição armada a decisões governa­ mentais, a luta entre eles e a violência contra os agrega­ dos. No caso do recrutamento, são as resistências feitas às chamadas "escoltas caçadoras"! Da forma como era feita, a seleção para o exército e armada servia a propó­ sitos particulares e políticos, constituindo-se uma forma de livrarem-se dos desafetos e opositores. Usado como castigo, o recrutamento causava pavor entre a população mais pobre e irritava os g ra de s proprietários quando viam “seus homens” serem recrutados à revelia. Sob a denominação de eleições, colocamos os que ocorreram nos dias de votação quando as facções anta­ gônicas entravam em choque. Já os motins urbanos foram na maior parte causados pelas constantes altas dos preços dos gêneros alimentí-cios e- mespio, em outros casos, pela falta deles, o que ■

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~

gerava levantes populares, quando então eram atacados os armazéns provocaodo-açãqdas tropas. Os levantes de escravos Toram relatívamente poucos e tenderam a decrescer na medida em que diminuía o nú-' mero deles nas províncias nordestinas. Temos de convir que no conjunto, para 39 anos, 507 conflitos servem para demonstrar que pelo menos o Nor­ deste não teve tanta tranqüilidade como se supunha. É bom lembrar que aí estão relacionados apenas os conflitos de maior envergadura, como já foi explicado, o que daria à região, se fosse feito um levantamento total, uma violência em escala muito maior. No nosso entender, três problemas se unem para dar ao Nordeste, néstã~'epõcã7-tãmãriha cota de violência: a má distribuição ^a-terrar irnpèfandò" o‘Játifúndio; criando, pois, uma camScTa relativamente pequena de grandes pro­ prietários enquanto que a maior parte da população, impe­ dida de ter acesso a ela, vivia marginalmente e na depen­ dência daqueles “coronéis”; — a crise do setor exportador que descapitalizava a região, gerando prbBlémasTque vão desde as insatisfações dos grandes proprietários até a di­ minuição das condições de vida da população mais pobre, e, finalmente, as secas periódicas que aprofundavam a crise da economíaTãfrUihãrfdo"“t> que restava e pratica­ mente impedindo a recuperação.

Latifúndio, crise econômica e secas periódicas se con­ jugam e são responsáveis pelo desenvolvimento te incre­ mento, em certas épocas, do banditismo rural, opção a que são levados os mais pobres, diante de um sistema sóciõ-econômico que não só os explora como anula todas as perspectivas de mobilidade vertical. A violência do sistqma gera a violência destes “ proletários" (como eram cbmumente chamados) que, sem condições ideológicas para analisar a situação, reagem de uma forma pré-política e tornam o interior nordestino um vasto campo povoado de bandidos, nesta segunda metade do século XIX. O coronelismo, fruto do latffúadiq. e da omissão ou ausência do poder público, enoontrar-se-ia nesse período situado entre dois fogos: de um lado a crise do setor ex­ portador que quando não os arruina, torna sua situação econômica instável, e do outro, a tentativa da monarquia em fazer valer seu poder em meio a esses autênticos "potentados", como os alcunhava Euzébio de Queiroz. Mas. apesar de tudo, eles não cedem na sua autoridade e agem

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como se fossem o poder maior, descaracterizando o poder público na sua área de influência, desmoralizando a justiça e oprimindo desapledadamente os que estão na sua de­ pendência. . Sobre esses dois grupos sociais, baseamos nosso tra­ balho. Não pretendemos com ele esgotar o assunto, sendo nosso propósito dar mais uma contribuição aos estudos sobre a violência na história do Brasil. Optamos pelo de­ senvolvimento dos temas referentes ao Banditismo, co_ronellsmo e revoltas por con^dirarnrios' que praticamente nada- existe -a respeito, enfocando*cT período entre 1850 e 1889. Deixamos de lado ps conflitos relativos ao recru­ tamento, eleições, motins urbanos e escravos, muito em­ bora sejam citados de passagem, mas sem um desenvol­ vimento exaustivo, por possuírem características próprias e por merecerem estudos monográficos específicos. I Os três temas enfocados estão de tal forma interliga­ dos que sentimos a necessidade de apresentá-los em conijunto: na verdade, não se pode falar de bandidos sem Vaiar de coronéis, não se pode falar de agregados ou " mo­ radores" sem falar de grandes proprietários e ambos jun­ taram-se nas revoltas de 1851-52 e 1874-75.

O mesmo grupo social que forneceu a quase totali­ dade dos bandidos rurais, ^fornecia também os “ proletá­ rios" e agregadosrtambém conhecidos por “ moradores". A sua origem era a mesma, a sua revolta era a mesma, mas a forma de reagir é que se tornava diferente. Quem queria ser bandido ia viver no Sertão, principalmente, onde era mais fácil fugir das “ volantes"; quem preferia ainda tentar sobreviver trabalhando ia oferecer-se ao trabalho nas fazendas do Agreste ou Mata, tornando-se um agre­ gado, ou então um simples “ proletário", sem “ pouso ou morada certos". Enquanto os bandidos viviam constante­ mente em luta contra uma ordem que não aceitavam, estes outros só se revoltavam quando a situação tornava-se afli­ tiva ou quando seus senhores os instigavam a lutar contra o governo; a aparente apatia destes último;* pode ser ex­ plicada, também, pela maior proximidade do litoral, bem como dos agentes do poder público, fato que favorecia a repressões como se poderá ver nas represseõs às revoltas de 1851-52 e 1874-75, ocorridas na Zona da Mata e Agreste nordestinos. Duas instituições também estão presentes neste tra­ balho, o Estado è a Igreja. Sè bem-qué“ =sejafn citados.

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complementarmente pois não são os temas centrais, os dois aparecem com suas singularidades. O Estado, Jsto é, o poder público, gerido por uma buro­ cracia quase sempre de bacharéis, atua na medida do pos­ sível para se impor. Por sua própria natureza, não admite ser contestado mas nem sempre pode reagir eficiente­ mente . Não tem condições de enfrentar o poderio dos coronéis como um todo e normalmente concilia com uma fração deles. Com relação às populações mais pobres é violento, de uma violência que atinge ao extremo no trata­ mento dado aos pobres lavradores que participaram da re­ volta de 1874-75. A dubiedade não é privilégio do Estado, a Igrèja tam­ bém não segue uma linha definida. Se temos um D. Vital que se levanta contra o Estado, temos um Arcebispo da Bahia, o Marquês de Santa Cruz, que diligentemente serve aos governos. Refletirtdo esta divisão, vemos í participação dos franciscanos sempre colaborando com a repressão governamental e aconselhando a obediência mas, por outro lado, os jesuítas identificando-se com os pobres, orientando-os, mostrando a verdade de sua situação e chegando, muitos deles, a serem expulsos do país.

Além dos capítulos referentes aos temas citados, in­ cluímos mais um, o primeiro, onde apresentamos as con­ dições físicas, sociais e econômicas do Nordeste. Nele há também uma síntese da situação política do Império, entre 1850 e 1889, e uma análise do tipo de violência que abordaremos. Com relação ao capítulo 3, seus subtítulos devem-se à forma como aqueles movimentos revoltosos foram alcunha­ dos na época. “ Ronco da abelha" para o de 1851-52, termo de certa forma pejorativo que procura reduzi-lo a uma simples manifestação inconseqüonte e que a ninguém amedrontara. “ Quebra-quilos” para o de 1874-75 devido ao fato de que os revoltosos, entre outras atitudes, que­ braram os padrões do sistema métrico decimal que na­ quela época estava sendo implantado. Para realizar este tipo de estudo, trabalhamos fundamentalmente com fontes oficiais. As fontes não oficiais sobre os coronéis e o banditismo rural são muito escassas, fragmentadas e esparsas. Sobre os coronéis ainda po­ demos encontrar documentos em mãos de algumas fa­ mílias ou em arquivos públicos; são apontamentos sobre os negócios da fazenda e raramente sobre os aconteci-

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mentos em geral. Sobre os homens pobres livres, da mesma forma que sobre os escravos, a documentação do próprio punho, praticaménte inexiste, o que é compreen­ sível dada sua condição de dominados e pelo fato de serem quase sempre analfabetos. As fontes existentes nos arquivos, dos quais o Arquivo Nacional é o maior de­ positário, que mostram a violência do coronel e o bandi­ tismo, são as correspondências das autoridades locais (delegados de polícia dos Termos, juizes das Comarcas, comandantes dos destacamentos da Guarda Nacional, etc.) com os Chefes de Polícia e Presidentes das Províncias; estes últimos remetiam-nas, acompanhadas de um ofício onde emitia sua opinião, ao governo geral (Ministérios dã Justiça, Guerra etc.). Como isto era uma obrigação legal, dado o caráter centralizador da administração, todos os fatos, os mais simples, da menor à maior comunidade, ficavam arquivados na Corte. Ao utilizar este tipo de documento, tivemos que tomar as necessárias precau­ ções; anotar o fato e checar as notícias a partir de infor­ mantes diferentes; ler nas entrelinhas, subentender e inferir sem esquecer de levar em conta a historiografia existente. Procuramos, acima de tudo, a verdade his­ tórica e quando o número de fontes não era suficiente para deduzir uma compreensão objetiva do fato, nós as deixávamos de lado. Todo o nosso trabalho parte de um levantamento empírico minucioso e foi a partir dele que fizemos a nossa análise. No conjunto e pelo que vamos expor, acreditamos que atingimos nosso objetivo que foi, em parte, desmistificar a noção de paz e ordem nesses 39 anos do segundo rei­ nado. A dinâmica histórica realizava nesse período im­ portantes mudanças; elas se! passavam independentemente da “paz imperial” e minavam pacientemente suas bases. Os conflitos do Nordeste, expressando essas transformações, demonstravam a artificialidade dessa paz e prenunciavam o fim da monarquia.

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CAPITULO I — AS CONTRADIÇÕES 1.1 — Violência no Nordeste: esboço teórico Para estabelecermos uma tipologia da violência ocor­ rida no Nordeste no período em questão, teríamos que fa­ zer um trabalho que abarcaria desde a violência individual, cujos motivos nem sempre são perceptíveis, até as insur­ reições que são no entender de M elo tti1 as sublevações populares, quase uma revolução, ou seja, uma pré-revolução, passando pela violência do Estado, no uso “legítimo" da força na defesa de determinadas situações (ou melhor dizendo, de determinada formação social) dentro do qual e para o qual foi criado. Este tipo de estudo abrangería vários ramos do conhecimento que iria desde a medicina até a sociologia, economia e ciência política e portanto fora de nossos objetivos. Deíter-nos-emos apenas na violência da classe domi­

nante, da classe dominada e do Estado. Aqui teremos que fazer duas ressalvas; a primeira é que quando nos referimos aos dominados não nos referimos a uma das frações desta classe, isto é, aos escravos, e, portanto, não estudaremos a violência de e relativa a eles; a segunda é que por força das condições históricas brasileiras e, em particular, nordestinas, ora estaremos nos referindo à fra­ ção da classe dominante (quando luta contra o Estado) ora à classe como um todo (quando luta contra os domi­ nados), havendo então um comportamento que caracteriza a classe dominante e outro que caracteriza frações dela. Teremos basicamente o seguinte esquema; dominante x dominados; fração da classe dominante x fração da classe dominante; fração da classe dominante x Estado e domi­ nados x Estado. Entendemos por violência o uso da força por grupos de indivíduos ou pelo Estado visando impor a outros uma forma de-conduta que.satisfaça seus objetivos e a resul­ tante das relações de dominação dé úrna classe social so­



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•ívl bre outra, esta última não implicando, necessariamente, o uso da força. O recurso à força pela classe dominante quando agride ou ameaça os dominados, visa preservar uma dada posição econômica; quando luta contra um elemento de sua pró­ pria classe ou contra o Estado visa garantir o controle exclusivo de determinada região ou neutralizar a ação do “inimigo". Quando os dominados reagem violentamente contra os dominadores ou contra o Estado visam repudiar, redefinir ou mesmo alterar as relações de dominação. Portanto, dentro de um quadro geral, a violência está dire­ tamente ligada ao tipo de nível econômico e ao tipo de nível político existentes. Entendemos que a violência é inerente a uma forma­ ção social constituída de relações de dominação. Em todo o sistema onde existe dominantes e dominados, ex­ ploradores e explorados, existe latente ou declaradamente a violência que não implica necessariamente o uso da força ou o derramamento de sangue. A desigualdade na apropriação dos meios de produção e nas relações de distribuição constitui em si uma vio­ lência aos que foram excluídos da propriedade aos despossuídos, aos expropriados. Este é o caso do Nordeste brasileiro. A existência de uma minoria de proprietários dos meios de produção — os grandes proprietários terri­ toriais — e uma massa progressivamente aumentada de moradores, jornaleiros, posseiros etc., sem acesso à pro­ priedade (alguns detêm a posse precária), que vêem redu­ zidas paulatinamente as suas condições mínimas de exis­ tência, comprovam esta hipótese.

Portanto, se aceitamos a tese de que existe uma cate­ goria de indivíduos que a partir da apropriação do principal meio de produção — a terra — transformou-se em mono­ polizador da possibilidade de os demais membros dessa sociedade agrária obterem o necessário para sua manu­ tenção e que, por outro lado, devido a esta propriedade, pôde ditar as condições de trabalho dessa parcela — a maioria — teremos em princípio que aceitar que esta es­ trutura econômica repousa em base instável, cujo equi­ líbrio (a ausência de conflitos) pode ser rompido a qual­ quer momento. Teremos que admitir também que, por ser a maioria, esta população de “ proletários" livres não aceita esta situação por imposição forçada (através de um aparato repressivo) mas sim por força do modo de

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produção vigente (no sentido restrito) que os fez acreditar que teriam naquelas condições asseguradas as necessida­ des básicas em terrrtos de alimentação, moradia e segu­ rança. r: Quando o agregado de uma fazenda aceita ser o ja­ gunço do coronel” não o faz por “instinto m al’ mas para garantir suas condições econômicas (casa, “roça” e pro­ teção). V .i Daqui podemos então perguntar: Por que razão tere­ mos os bandidos e por que ocorreram revoltas dos traba­ lhadores rurais no Nordeste? Aconteçe que, como dissemos, a ausência de conflitos não implica sua inexistência. Ele existe latente e manifesta-se quando a população dominada considera insuportáveis as exigências dos grandes proprietários e/ou do Estado. Ou seja, há um limite para a dominação e exploração, a partir do qual a população se revolta. Hobsbawm 2 descreve a situação doa camponeses da Europa Oriental que foram reduzidos à servidão na Idade Moderna e que no século XVII, por força do aumento da extorsão _ feita pelos senhores, revoltaram-se. Estas revoltas não precisam necessariamente ser com vistas a alterar as re­ lações sociais de produção, mas podem ser no sentido de voltar à situação anterior de equilíbrio ou encontrar um novo ponto de equilíbrio no marco daquelas relações.

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Dentro desta abordagem, o banditismo e as revoltas são resultados de um mesmo fenômeno. São formas diver­ sas de revolta social ante uma situação que juígam insus­ tentável. A violência deles constitui-se numa resposta a uma ordem violenta que os degrada, humilha e explora. Mas o aupento da extorsão “ senhorial" sobre uma força de trabalho também não provém de “ instinto mal" mas das condições econômicas. O Nordeste, a partir da década de 50 (1850-60) sofre um progressivo esvaziamen­ to, devido aos métodos rudimentares de cultivo e à concor­ rência estrangeira que descapitaliza a região, concentra a renda e exige que o coronel, para continuar a obter o mes­ mo ingresso, aumente a exploração sobre os trabalhadores, reduza as roças dos agregados e exija mais dos arrenda­ tários e foreifos. Ora, num processo de estagnação e mesmo crise, ònde todos vêem seus rendimentos decrescerem a nova exigência produz o rompimento do equilí­ brio, gerando o conflito e a violência recíproca. Dentro deste conjunto, o Estado tem uma função pri-

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mordíal. A sua criação provém de uma necessidade da classe dominante para legalizar e manter as suas conquis­ tas econômicas; como bem coloca Engels, ele tem “por objeto manter, pela força, as condiçõès de existência e o predomínio da classe dominante contra a classe domina­ da"3. Aqui se colocam dois outros problemas. O primeiro provém do fato de que ao ser criado o Estado, de certa forma, corresponde aos anseios e expectativas de amplos e diversos setores da sociedade. Ele é erguido em nome de conceitos “universais" de lei, ordem e segurança, que são aspirações comuns aos indivíduos de qualquer classe social. Normalmente ele surge como melhor ordenação política, mais de acordo com o estágio de determinadas forças produtivas. No caso brasileiro, resultou na organi­ zação de um Estado em mãos da classe dominante de senhores de terra, descartando-se do elemento português, dentro de um estágio econômico favorável, relativamente, a todos os grupos sociais. Neste caso ele não se constitui urn peso sobre as classes sociais, não se mostra estranho a elas, muito pelo contrário, é visto como a garantia do

equilíbrio. ~ O segundo provém do fato de que este Estado pode, com o tempo, se identificar com certas frações da classe dominante e realizar uma política no interesse desta fra­ ção gnorando ou não dando a devida importância às der Em ambos os casos, o equilíbrio é mantido enquanto as condições econômicas forem favoráveis. No nosso caso, do Nordeste, repetimos, a crise econômica provoca uma atitune hostil frente ao Estado, a partir do momento em qu com suas medidas fiscais e administrativas é visto coi :im peso que nem todos podem suportar. Acrescen­ te isso a ação deliberada da burocracia imperial em t r armar o Estado patrimonial em Estado racional, atra­ vés í ir; medidas que são vistas como ação indevida e quase : o são identificadas como forma de o Estado exercer i =' >ior controle e üma sobrecarga. sim podemos entender porque leis como do Regisil. do Recenseamento Geral do Império, novas for' recrutamento militar, unificação e modernização os e medidas etc., são mal. interpretadas. Qualquer 10 no “ status quo"r no âmbito de.um.processo de onômica, é vista eomo-sobrecarga. Eric Wolf4, re­

ferindo-se aos camponeses, diz que, tendo que equilibrar seu orçamento pelo subconsumo, qualquer novidade poderá abalar este precário equilíbrio, daí o medo que estas popu­ lações rurais têm do novo e porque defendem, muitas ve­ zes, as formas tradicionais; por isto, no Nordeste, fizeram as revoltas de 1851/52 e 1874/75. No Nordeste, na segunda metade do século XIX, a classe dominante em processo de crise, sofrendo a reação dos dominados, sofre os efeitos de urn Estado que se pre­ tendendo ser racional interfere no seu tradicional modo de agir. Os conflitos entre classes aumentam por força da crise econômica e a intervenção do Estado é vista como deliberadamente hostil à esta fração da classe dominante, passando a ser encarado como mais um “inimigo". Na me­ dida em que alguns coronéis preservam certa posição eco­ nômica (melhores terras, maior financiamento ou ocupam postos importantes na burocracia imperial etc.) e não vêem porque lutar contra o Estado, temos os que apoiam esta intervenção, colocando-se ao lado do poder público, cola­ borando na repressão. Na medida em que a crise atinge a todos, em proporções relativas, temos a identificação da Estado como opressor ou pelo menos desvinculado desta fração da classe dominante.

O Estado Imperial, cada vez mais identificado com os barões do café do vale do rio Paraíba, sua base de sus­ tentação econômica, não vê porque correr em auxílio dos coronéis nordestinos que se descapitalizavam. Explica-se assim porque a participação dos coronéis na revolta de 1851/52 foi velada, na de 1874/75 foi declarada (pelo menos da parte de uma fração) e diante da proclamação da república, em 1889, foi de omissão geral. A monarquia escravista estava restrita, cada vez mais, aos barões do café do sudeste, o nordeste, com base em novas relações sociais de produção, juntamente com a maior parte do país, necessitava de nova ordenação política. Outro ponto que precisa ser enfocado é o papel do aparato ideológico na preservação das relações de domi­ nação. O sociólogo Carlos Pereyra5, baseando-se em A l­ thusser, diz que a função do Estado se distribui em dois. grandes conjuntos (excluindo-se as funções adm inistrati­ vas): os aparatos repressivos e os aparatos ideológicos: estes dois aparatos visam manter as relações de domina­ ção e estabelecem entre si uma articulação de comple­ mentaridade.. Onde falha o aparato ideológico, entra em

cena a força repressiva. O aparato ideológico tem como função justificar a existência do Estado, fazê-lo aparecer como acima das ciasses sociais, em nome da sociedade como um todo. Ele é que dá legitimidade ao Estado e às suas ações, inclu­ sive justificando as de caráter violento. Este conceito, no entender de Althusser, designa um certo número de Insti­ tuições tais como a religião, a escola, a justiça etc, que se constituem em canais por meio dos quais a ideologia domi­ nante se impõe ao conjunto social.6 Esta legitimidade da violência explica o papel desem­ penhado pela Igreja (uma fração do clero, geralmente os franciscanos) colaborando na repressão às revoltas nordes­ tinas. Fato sintomático é o pedido feito ao arcebispo de Salvador, o Marquês de Santa Cruz, e atendido, de elabo­ ração de uma pastoral concitando todos ao trabalho e condenando a “ociosidade" num momento em que se tor­ navam agudas as contradições daquele sociedade. No momento em que as contradições econômicas rom­ pem ó equilíbrio e assistimos ao aparecimento de confli-, - tos, o aparato ideológico, que não foi suficiente para impor a ordem, cede lugar ao aparato repressivo. Verificam-se cenas de violência, com perseguição e prisão dos revolto­ sos que_ são plenamente aceitas por vários setores da sociedade “porque se apresenta como correspondente ao interesse geral do povo-nação”.

Portanto, muito embora reconheçamos a importância de colocações teóricas que visam explicar o papel da Vio­ lência na história do Brasil7, acreditamos que antes de sabermos se eia é política ou apolítica, secular ou religio­ sa, cruenta oujíncruenta etc, devemos ter em conta a for­ mação social como um todo. Há de se tomar o caso a ser estudado, verificar as reais condições econômicas, o nível político, as contradições sociais e o nível ideológico. A teorização da violência na história do Brasil tem que levar em conta as peculiaridades e desigualdades regionais e tem que se fundamentar em ampla base empírica. Esperamos que outros estudos sejam feitos analisan­ do a violência em todas as regiões brasileiras e em todas as épocas. As“sim fazendo estaremos dando uma impor­ tante contribuição à historiografia brasileira e deitando por terra, definitivamente, a falácia da inexistência de conflitos de classes no Brasil e da história pacífica que, no nosso entender, fazem parte do aparato ideológico e

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portanto comprometido com o discurso da classe domi­ nante.

1.2 — Meio físico e uso do solo

Quando tratamos de Nordeste brasileiro, estamos nos referindo à área que engloba os atuais estados de Mara­ nhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernam­ buco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Esta vasta região apresenta uma subdivisão baseada nas condições naturais; diferenciam-se quanto ao tipo de solo, vegetação, temperatura etc. que condicionaram ativi­ dades econômicas específicas, se bem que não exclusivas, e, no conjunto, acarretaram formações sociais singulares, guardadas as devidas proporções. São elas a ZONA DA MATA, o AGRESTE, o SERTÃO e O MEIO-NORTE.8 A Zona da Mata estende-se pelo litoral leste, desde o Rio Grande do Norte até o sul da Bahia. Seu clima é quen­ te e úmido e sua vegetação, outrora a luxuriante floresta tropical atlântica, pouco a pouco fÓ1 substituída pelas plan­ tações de cana-de-açúcar, cacau e fumo. Hoje, “as flores­ tas-reduzem-se ã pequenos testemunhos situados nos to­ pos e nas encostas altas das colinas”.

A seguir, mais para o interior, encontra-se o Agreste, região de transição entre a Zona da Mata e o Sertão. Ocupa, do Rio Grande do Norte à Paraíba, a porção leste do planal­ to da Borborema; em Alagoas, contorna o planalto pelo sul, “ penetrando profundamente para o interior"; em Ser­ gipe atinge as áreas do atual município de Itabaiana, os são-franciscanosde Propriá e Aquidamã e toda a zona oeste do estado. Na Bahia, “ alonga-se de norte a sul, apresentan­ do áreas tradicionalmente consideradas como sertanejas e de mata seca”, na qual se inclui, entre outras, os muni­ cípios de Alagoinhas, Feira de Santana, Jequié e Vitória da Conquista. O Agreste não apresenta clima e vegetação uniformes, possui trechos de temperatura amena (devido à altitude), de brejos (com umidade e índice pluviométrico semelhan­ te à Zona da Mata) e de caatingas (de clima quente e seco) o que levou- Manuel Correa de Andrade a chamá-lo dt " miniatura do-Nordeste,” . As atividades econômicas são

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múltiplas, destacando-se o algodão, os gêneros alimentí­ cios (mandioca, feijão etc) e a pecuária. O Sertão ocupa a maior parte do Nordeste. Abrange cerca de 49%, ficando os demais 51% para serem distri­ buídos pela Zona da Mata (cerca de 18,2%), pelo Agreste e pelo Meio-Norte. Seu relevo apresenta-se “geralmente uniforme, o clima mais seco, a caatinga mais rude e a ocupação humana rarefeita". Em grande parte, é constituido por chapadas calcárias e pediplanos onde o clima é seco e a vegetação de caatinga. A densidade populacional é baixa e as atividades predominantes são a pecuária e a cultura do algodão. No Sertão, também existem autênticas “ilhas" com vegetação abundante, onde se pratica uma agricultura variada: são elas as várzeas dos rios sertane­ jos, as regiões serranas e o vale do Cariri, no Ceará; sua característica, além do aspecto de “ilha agrícola no meio da caatinga" está em que elas funcionam como “concentradoras de população" e são o refúgio do gado e dos sertanejos na época das secas. Dentre estas, destaca-se a várzea do rio São Francisco que atravessa uma das “áreas mais secas do Nordeste", onde é possível praticar peque­ na agricultura na vazante. Por se constituir~numa estreita faixa de água em meio a uma região hostil, é a ribeira - sanfranciscana também procurada por homens e gado. O Meio-Norte (Maranhão e Piauí) é tipicamente uma região de transição entre a floresta equatorial e o Sertão nordestino.9 No oeste do Maranhão, a vegetação e as con­ dições climáticas se assemelham à amazônica e à medida que se avança para leste, as precipitações se tornam mais raras, a vegetação mais esparsa, até se atingir as carac­ terísticas do Sertão.

A densidade demográfica nunca se apresentou eleva­ da a não ser nos vales agriculturáveis do Mearim, Pindaré e Grajaú, por força mesmo da atividade econômica predo­ minante na região — a pecuária e o extrativismo vegetal — que não propiciam condições para grandes concentra­ ções humanas. A agricultura ocupa nesta região uma posição secun­ dária, destacando-se como atividades econômicas mais importantes a pecuária e o extrativismo vegetal (principal­ mente babaçu e carnaúba). Como em todo o Nordeste, predomina ali, também, a grande propriedade territorial que, aliás, constitui-se num dos traços que servem para dar uma certa uniformidade ao problema nordestino, prin-

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cipalmente no que se refere ao tema enfocado por este trabalho. 1-3 — Meios de produção e estratificação social O elemento fundamental que atuou na estratificação da sociedade nordestina foi a terra; a partir dela estrutu­ ram-se os principais grupos sociais. Como é do conhecimento geral, predomina a grande propriedade cuja origem remonta às doações sesmariais. Na Zona da Mata especializou-se na cultura da cana-deaçúcar; no Agreste dedicou-se à pecuária e/ou à cultura do algodão; no Sertão à pecuária extensiva e na região do Maranhão e parte do Piauí, ao extrativismo vegetal. As pequenas propriedades são poucas, geralmente dedicando-se à produção de gêneros alimentícios e em alguns casos ao algodão. No Agreste localizam-se nos chamados “brejos", regiões mais elevadas e portanto b&neficiadas por um clima de maior umidade e no Sertão normalmente localizadas nas regiões que margeiam os rios. Muitas vezes elas são tão pequenas, entre 5 e 10 hectares, que obrigam os agricultores a procurar trabalho adicional. Existiam também as terras arrendadas, onde se prati­ cava uma agricultura geralmente voltada para gêneros alimentícios. Na Zona da Mata cultivavam a cana-de-çúcar para fornecimento aos engenhos. No Agreste e no Sertão cultivavam também o algodão, já que os grandes proprie­ tários tinham seu interesse maior na pecuária.

Comum também era a existência de “ roças" feitas pe­ los moradores (também chamados agregados). Constituíamse em trabalhadores eventuais que moravâm nas fazendas a quem era permitido cultivar uma pequena área. Estas “ ro­ ças" eram quase sempre de mandioca, milho e feijão, ali­ mentos comuns na dieta nordestina.10 Sobre esta divisão e utilização da terra assenta-se uma estratificação social também diversificada. Para esta caracterização fundamentamo-nos em três autores que publicaram estudos a respeito: Djacir Menezes, José Alipio Goulart e João Camilo de Oliveira Torres, no que pese a diversidade de enfoques e de nomenclaturas.11 Em resumo, sem querer esgotar o assunto, e tendo em vista que nosso propósito é apenas estabelecer o quadro da sociedade nordestina para efeito de melhor compreen-

sao dos temas que serão tratados, a região apresentava a seguinte estratificação social: no ápice da pirâmide social estava o latifundiário — Senhor de Engenho na Mata, fa­ zendeiro e/ou criador no Agreste e criador no Sertão — isto é, o Coronel todo poderoso da Guarda Nacional, senhor de fato da região sob sua influência. Do outro lado, esta­ vam os escravos e os moradores, estes últimos, embora livres, gozavam piores condições de vida que o próprio escravo. Entre estes dois grupos situava-se uma enorme varie­ dade de tipos sociais que englobavam os pequenos e mé­ dios proprietários e arrendatários, os “oficiais” assalaria­ dos (como os mestres de açúcar nos Engenhos e o curti­ dor nas fazendas de criação) ou de negócio próprio (como alfaiates, oficiais de cantaria, carpinteiros etc), os profis­ sionais liberais e os funcionários públicos. A desigual distribuição da terra iria dicotomizar a população rural na medida em que um número reduzido teria acesso a ela como proprietário ou arrendatário e uma grande massa, progressivamente aumentada, por força mesmo do crescimento natural, teria que se contentar em ser morador ou perambular de propriedade em_propriedade como jornaleiros. Estes últimos, mão-de-obra barata e "abundante, vivendo miseravelmente,-forneciam os_ jagun­ ços, os cabras e bs cangaceiros.

Nas cidades, o papel “ revolucionário" estava reser­ vado a uma pequena classe média artesana! (alfaiates, mestres-carapinas, mestre de obra etc. e seus oficiais( que sofriam primeiro os efeitos da “ carestia” , aos de profis­ são liberal, imbuídos muitas vezes de idéias de justiça social e muito freqüentemente o clero. Na longa crise porquê passou o Nordeste no Século XIX, estes grupos não se limitaram a esperar pacificamen­ te pela solução de seus problemas. Reagiram a curto ou a longo prazo e a seu modo. Dos mais pobres ou empobrecidos que não emigraram, sairam levas de bandidos que infestavam o Sertão e os “ sediciosos” que colaboraram na rebeldia dos coronéis ou rebelavam-se contra os que os exploravam. Dos setores médios urbanos, sairam os “ conspirado­ res” que nos clubes políticos ou através de comícios, panfletos e jornais, não cessavam de fazer a critica ao regimé-vigente e lideravam intelectualmente e praticamen­ te os motins urbanos e_revoltas.^ ; - - --

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Dos^ mais poderosos, dos grandes proprietários, sai­ ram as guerras contra seus pares, as violências contra seus agregados, as contestações ao poder,público, isola­ das ou coletivas: estas últimas tomaram os mais variados aspectos, desde a explosão coletiva de 1874, quando a crise se apresentou com toda sua intensidade até a absten­ ção com relação à sorte da monarquia, em 1889, quando cansaram de esperar a atenção que achavam justa mere­ cer. 1.4 — Dependência e crise econômica No Nordeste, desde os tempos de colônia, havia-se desenvolvido uma economia de exportação voltada princi­ palmente para a produção de açúcar e algodão, à base da extensão da terra cultivada e da mão-de-obra escrava, que se concentrou fundamentalmente na Zona da Mata e parte do Agreste, já que o Sertão calcou sua economia sobretu­ do na pecuária extensiva.

O que caracterizava a produção agrícola nordestina era o baixo nível da. técnica empregada que somentè era compensado pela abundância, fertilidade e vastidão das áreas de cultivo: no caso do açúcar e em parte também do algodão, outra condição fundamental era o suprimento contínuo de mão-de-obra escrava já Mue sobre este tipo de trabalho é que se assentava a produção. Sua rentabi­ lidade dependia da incorporação de novas terras para subs­ titu ir as que se esgotavam e do fluxo constante de traba­ lhadores africanos, caso problemas de outra ordem não viessem a criar-lhes obstáculos. Já na primeira metade do século XIX a produção nor­ destina sofreu o forte impacto da concorrência de outras fontes produtoras que produzindo com melhor tecnologia forçaram a queda dos preços no mercado mundial e deslo­ caram os artigos brasileiros para uma posição cada vez mais secundária. Na segunda metade do século o proble­ ma tornou-se crônico e a lavoura tradicional sofreu um processo de. decadência constante e acentuada, com pe­ quenas fases de melhoria, que descapitalizava a região e transtornava profundamente a sociedade local.12 O Brasil que ocupava no início da década de cinquen­ ta a posição de fornecedor de 10°o do açúcar consumido -pelo mercado estrangeiro, teve essa participação reduzida

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a cerca de 5% no primeiro lustro de 1870, conforme se verifica no quadro A. Da mesma forma, observa-se que a proporção da parti­ cipação de Pernambuco na produção mundial, que era em 1846-55 de cerca de 4%, cai para 2,6% na década de 1866-75.

fria a concorrência do açúcar de beterraba e da produção de outras áreas cultivadas com grandes capitais investidos em moderna tecnologia e -situadas mais próximas dos cen­ tros consumidores, tais como as Antilhas e a Louisiana.

QUADRO A Anos

Produção mundial cana e beterraba (toneladas métricas)

1841-45 1846-50 1851-55 1856-60 1861-65 1866-70 1871-75 1876-80 1881-85 1886-90 1891-95 1896-1900 1901-1905 1906-1910

959.078 1.146.281 1.433.105 1.676.492 1.912.388 2.414.270 3.003.043 3.320.512 4.333.972 5.572.260 7.243.020 8.174.820 10.414.020 12.831.200

EXPORTAÇÕES DE AÇÜCAR DE PERNAMBUCO

Brasil/ Açúcar de Mundo beterraba/ produção , (percen­ tagem) mundial (percen­ tagem) 5.1 9,3 13,7 21,3 25,9 32,0 40,0 44,2 51,2 56,5 52,0 61,0 50,0 49,3

9,3 10,3 8.6 6,3 6.6 4,4 5,7 5,3 5.3 2.8 2.1 1.4 0,8 0,4

Pernambuco/Mundo (percen­ tagem)

3.3 4.2 4.0 2,9 2,4 2.6 2,6 2.8 2,4 2,1 s/dados 0,5 0,1 0,3

Fonte: Eisenb erg, Peter L. Modernização semi mudança: a indústria açucáreira em Pernambuco: 1840/1910. Rio, Editora Paz e Terra, 1977. p. 47.

Enquanto as vendas do Brasil triplicaram de fins do século XVIII a meados do XIX, as exportações de açúcar cubano passaram de 20.000 toneladas para 300.000. Esta contínua perda do mercado foi acompanhada de uma paralela depreciação dos preços. O açúcar “ especial­ mente depois de 1860 reduziu os rendimentos do início da década de setenta ao nível verificado no decênio ini­ ciado em 1850” .1*1 O açúcar nordestino, extraído da cana de açúcar, so-

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Anos

1836-40 1841-45 1846-50 1851-55 1856-60 1861-65 1866-70 1871-75 1876-80 1881-85 1886-90 1891-95 1896-1900 1901-1905 1906-1910

Quantidade média anuai (toneladas)

-

27.844 31.926 47.932 56.981 48.523 46.741 63.229 78.699 91.882 103.889119.227 s/dados 40.701 11.840 32.993

Valor médio anual (£ 1880) 306.881 409.708 634.628 949.453 1.007.331 698.008 748.455 930.345 1.280.670 1.188.376 1.590.118 s/dados 284.079 141.299

-

361.517

Fonte: Eisenberg, Peter L. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco: 1840/1910. Rio, Editora Paz e Terra, 1977. P. 42.

O algodão, segundo produto da pauta de exportação da região, sofreu uma baixa de preço a "menos da terça parte, mantendo-se em torno desse nível, com flutuações, a partir do terpeiro decênio” do século XIX, tendo em vista a produção'em grande escala dos Estados Unidos; durante a Guerra de Secessão naquele país, a "produção brasileira encontrou colocação rentável no mercado mundial” per­ dendo-a logo em seguida. Pernambuco que em 1865-66, exportando cerca de 15.000 toneladas médias, arrecadara, aproximadamente, Rs 16.700:000$000, em 1872-73. pelas mesmas 15,000 toneladas, só iria receber Rs 8.800:0008000.

- -

~

~

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Região

EXPORTAÇÃO DE ALGODÃO DA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO Anos 1865-66 1866-67 1867-68 1868-69 1869-70 1871-72 1872-73 1873-74 1874-75 1875-76 1876-77 1877-78 1878-79 1879-80

Quantidade (Kg) 15.532.912 16.105.928 13.432.376 10.539.150 13.312.191 22.875.758 15.240.925 12.293.183 11.147.566 9.204.021 s/dados 3.016.418 2.590.050 3.388.627

Valor

(Rs)

16.784:1005954 13.092:8935627 9.144:5895782 9.615:4645104 ■12.499:1765622 13.500:0645423 8.806:53§S963 6.025:9775326 4.929:9245292 3.777:8495553 s/dados s/dados s/dados s/dados

Fontes: Relatórios dos Presidentes da Província de Pernambuco de 01-03-1871 e 01-03-1881.

Abalada com a perda dos mercados tradicionais e a queda dos preços, a economia nordestina sofreria profun­ damente com o estancamento do tráfico negreiro, a partir de 1850, e com o visível esgotamento do solo. A nível nacional, o café seria o substituto, passando a constituir-se no principal sustentáculo do Império, mas a nível regional assiste-se à crise da economia nordestina com a conseqüente descapitalização, do qual a venda de escravos para as plantações do Sul foi um sintoma, e re­ baixamento dos níveis de vida. Conforme explica Celso Furtado, comparando dados das-duas últimas décadas do século XIX, enquanto a popu­ lação cresceu a índices em torno de 80%, a renda real gerada pelo setor exportador, tomando por base o açúcar e o algodão, não ultrapassou 54%, cabendo admitir que “ houve declínio na renda per-capita da região se bem que não seja possível qualificá-lo rigorosamente". Comparando o Nordeste com outras regiões brasilei­ ras, o citado autor apresenta o seguinte quadro:

Nordeste Bahia Sul Centro Amazônia Total

% da po­ pulação' do país 35 13 9 40 3 100

Taxa de cresci­ mento da população 1.2 1.5 3,0 2,2 2,0 2,0

Taxa de crescimento da renda per-capita

— 0.6 0,0 1.0 2.3 6.2 1.5 14

A história da economia nordestina entre 1850 e 1889 foi uma sucessão de crises onde se mesclaram os proble­ mas ligados à produção em si, à comercialização e às condições climáticas. Ao entrarmos em 1850, o Nordeste acabava de sofrer uma de suas maiores secas (1844-46), responsável por enorme mortandade e migrações de vilas inteiras. O gado morrera em grande quantidade vítima de fome e sede e o tifo e a varíola se abateram sobre a população subnutrida pela falta de alimentos. Os gêneros alimentícios, quando existiam, eram vendidos a preços absurdos.15

Refletindo a queda da produção e a difícil situação por que passava a região, o comércio “ sofreu um abalo irreparável" levando à falência inúmeras casas de negócio. Em 1847, reclarçiava o presidente de Pernambuco do estado de abandono em que se encontravam as plantações de algodão flageladas pelo mofo, e da pouca rentabilidade da produção açucareira fabricada de forma “ tão dispendio­ sa e imperfeita” .16 A década de cinqüenta sofreria os efeitos das peque­ nas manifestações de seca (repiquetes) nos anos de 1851, 1853, 1855 e 1856 que prenunciavam a longa estiagem que se estendería de 1857 a 1861. A isto acrescente-se as irrupções de çóíer-e em 1855/57 que provocariam enorme mortandade; só na Bahia, acredita-se que tenha perecido cerca de 29.000 pessoas.17 De maneira geral, a agricultura apresentava-se com graves problemas, com o aviltamento dos preços dos prin­ cipais produtos. O algodão piorava sua qualidade, d ificu l­ tando ainda mais a luta por um melhor preço, e a produção ia sendo abandonada.18

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Os capitais desviados do tráfico negreiro convergiram em grande parte para os estabelecimentos rurais, aumen­ tando as áreas de cultivo da cana-de-açúcar às expensas' das destinadas às outras culturas, prinçipalmente de gê­ neros alimentícios.19 A diminuição do número de braços para o trabalho, devido à cólera e o incremento da produção de cana-deaçúcar, contribuíram para a concentração de mão-de-obra nas grandes propriedades canavieiras. A falta de braços para o plantio com a conseqüente diminuição de gêneros alimentícios provocaria a alta de preços e a escassez, responsáveis pela situação desesperadora em que se encontraram as províncias do Nordeste no final da década. Ocorrem graves motins urbanos em Salvador (1854 e 1858) e Recife (1854), quando o povo apedrejou as casas de comércio e exigiu alimentos bara­ tos. O presidente da província de Sergipe, em relatório de 15 de abril de 1858, analisando a situação, fala da fome que atormentava a população e das ameaças que isto re­ presentava.20 No ano de 1859 a seca foi mais severa. A partir de então, a crise com que se debatia a agricultura nordestina tomar-se-ia crônica. Haveria'momentos de melhoria logo seguidos de profundas quedas. A economia nordestina não mais sairía desse processo de decadência paulatina, a cada período mais acentuado.

Nos anos sessenta os problemas recrudesceram.21 Se em 1860 a falta de chuvas prejudicou as colheitas, em 1861 o excesso de chuvas iria inutilizar as plantações. Nesses dois anos as safras seriam extremamente baixas, afetando a arrecadação provincial. Neste ano, 1862, novo surto de cólera atacava a po­ pulação nordestina que seria desfalcada também pelo for­ necimento de contingentes para a guerra no Sul, a partir de 1865. Seguem-se repiquetes nos anos de 1865, 1866 e 1869. O ar.o de 1869 foi o mais aflitivo, dando início a uma seca que se prolongou pelo ano de 1870. As comarcas do inte­ rior do Nordeste foram assoladas pela fome; o presidente de Pernambuco vota um crédito especial de quarenta mil contos-de-réis para ajuda aos flagelados, o mesmo sendo feito na Paraíba. Os gêneros alimentícios escassearam e os preços se elevaram. As lavouras foram devastadas e, para acúmulo dos problemas, uma praga de lagartas aju-

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dou na obra de destruição do que restava. Em 1871, na Fala apresentada a 1.° de março, o presi­ dente da província de Pernambuco comentaria a situação da lavoura; " . . . e ameaçada de perturbação nos seus ele­ mentos constitutivos, sérios perigos estarão imi­ nentes e gravíssima responsabilidade. A lavoura já combalida de crônicas enfermidades estreme­ ce na previsão de temerosa catástrofe que mais e mais se avizinha".23 Somente o algodão teria um incremento nesse perío­ do, assim mesmo entre 1861 e 1865 devido à Guerra de Secessão nos Estados Unidos que tornava a produção nor­ destina uma opção para os compradores tradicionais da­ quela nação. No quadro abaixo, referente à produção do Maranhão, temos uma visão deste aumento da produção algodoeira nos anos citados- após este período a queda é definitiva. PRODUÇÃO ALGODOEIRA DO MARANHÃO - termo médio

período _ 1812/21 1848/57 1856/58 1860/61 1861/62 1862/63 1863/64 1864/65

arrobas 378.807 310.181 268.683 207.954 210.259 232.213 286.353 249.242

Nos demais artigos são evidentes os sinais dência da agricultura nordestina. Os grandes proprietários encontravam-se pressionados por “ dois terríveis males": a rotina e a usura. Impossibilitados de melhorar a tecno­ logia utilizada, devido à diminuição constante da margem de lucro, os fazepdeiros foram obrigados a manter a tra­ dicional rotina de cultivo que os colocava em posição se­ cundária no mercado internacional; para saldar seus com­ promissos recorreram a empréstimos a particulares a taxas elevadas e ambos, “ rotina" e “ usura", contribuíram para a descapitalização desses senhores que foram obri­ gados a se desfazer de seu capital, vendendo escravos para o Sul, por exemplo.

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Na Bahia os grandes proprietários, por intermédio do Imperial Instituto Baiano de Agricultura, enviaram umá representação ao governo imperial, com mais de 400 assi­ naturas, solicitando a criação do crédito agrícola. Aliás, esta será uma solicitação constante dos proprietários rurais de todo o Nordeste. A arrecadação das províncias caíra, desequilibrando o orçamento das mesmas. Pernambuco foi forçado a con­ tratar um empréstimo de 1.800:0003000 Rs no Banco do Brasil para equilibrar suas finanças. A arrecadação do Maranhão caíra em 138:8983731 réis do exercício de 186364 para o de 1864-65 e o presidente da província dizia que a tendência ascendente manifestada no triênio 1861-64 “interrompeu-se como de súbito para dar lugar a um mo­ vimento em sentido retrógrado” e que sua causa estava na baixa do preço do algodão. Entravamos na década de setenta sofrendo ainda os efeitos da forte seca de 1869. A pequena produção de gêneros alimentícios (feijão, milho e mandioca) não se recuperara e a produção açucareira dormia um "sono le­ tárgico”. Sergipe que em 1867-68 produzira 796:818 arro­ bas de açúcar e em 1868-69 elevara essa produção para 1.347:131 arrobas, apresentou em 1869-70 uma produção de apenas 787:354 arrobas.24 _

A catástrofe prevista pelo presidente de Pernambuco em 1871 realmente se apresentou nos anos seguintes. Fortes chuvas prejudicariam a produção nos anos de 1872, 1873 e 1874. Em Alagoas criou-se uma comissão para estu­ dar a crise mas esta límitou-se a repetir as reclamações dos proprietários: falta de braços e de capital, excesso de taxação (13% para o açúcar e 9% para o algodão) e impossibilidade de melhorar a técnica empregada.25 O ano de 1874 foi de crise. Os presidentes de todas as províncias nordestinas foram unânimes em apontar a "crise espantosa" por que passava a agricultura e o co­ mércio. Explicando a queda do volume do comércio no periòdc de 1873-74, dizia o presidente do Rio Grande do Norte que isto decorria do fato de ter sido diminuta a safra de açúcar em conseqüência das inundações havidas nos vales agriculturados, as quais foram extraordinárias nos últimos anos.20 Na verdade, apesar das instabilidades climáticas, a grande lavoura nordestina teria seu processo- de crise estrutural agravado, no momento, pelo reflexo da depres­

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são que assolara a Europa e os Estados Unidos em 1873. O Brasil, extremamente dependente do mercado interna­ cional, sofreria seus efeitos nos anos de 1874 e 1875. A depressão no nosso principal mercado consumidor leva­ ria à restrição das importações de nossos produtos. Em princípios de 1874 notava-se a diminuição da arrecadação em várias províncias, cujas rendas derivavam em grande parte dos direitos sobre exportação. No fim do ano já se falava em crise. A maioria dos bancos suspendia as ope­ rações de crédito. Em 1875, o Banco Mauá pedia mora­ tória; o Banco Nacional suspendia os pagamentos; o dire­ tor do Banco Alemão se suicida. “Não há mais como con­ ter o pânico” 27 Aos problemas decorrentes da falta de mercado e da queda dos preços, somou-se o da falta de financiamento. A agricultura e o comércio ficariam em situação extremamente penosa para saldar seus compro­ missos. O descontentamento alastrar-se-ia. O engenheiro Henrique M illet publicou no Jornal de Recife, no primeiro semestre de 1875, uma série de arti­ gos nos quais analisava a “crise da lavoura" e suas conseqüências; animado com a repercussão ao seu trabalho, juntou-os e publicou um folheto, editado em, 1876.28 Agru­ pa o citado autor em “três classes" os que sofrem os efeitos da crise: na primeira, os que nas cidades e vilas vivem de “trabalhar de ofício, quer por conta própria, quer de outros mais remediados" e que nos campos comple­ mentam, o que tiram do solo, com o salário que recebem; na segunda, os comerciantes e na terceira, os agricultores.

Quanto aos "agricultores", diz que desde 1872 são obrigados a viver do “ capital anteriormente acumulado" pois a “ imensa maioria dos engenhos não tem dado para as despesas de custeio" e vaticinava que tal problema poderia trazer como resultado a desordem pública. Expli­ cava o desemprego que grassava nos campos pela ten­ dência natural de os fazendeiros dispensarem a mão-deobra, reduzindo-a ao indispensável. Estes “ proletários" sem os salários .ficam reduzidos á extrema penúria, sen­ do obrigados a viver com o pouco que podem tirar "dire­ tamente do solo, rios e matas" E concluía: "não é de admirar se a miséria lavra no interior da província". A crise não se restringindo ao campo, atingia tam­ bém as vilas e cidades, afetando o comércio, paralisan­ do as construções, acarretando falências e desemprogo. Grandes e pequenos proprietários rurais, arrendatários,

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comerciantes e assalariados no campo e cidades, todos enfim sofrem os efeitos dessa crise que abalou a já tão debilitada economia nordestina. Ainda não refeito' da crise econômica, o Nordeste entraria nos anos de 1877 e 1879 em outra terrível seca. As lavouras foram destruídas o gado pereceu em sua quase totalidade; a população do Sertão afluiu para o litoral aumentando ainda mais a pressão demográfica so­ bre a esgotada Zona da M ata.29 A miséria baixou sobre o Nordeste. “Homens que há pouco possuíam fazenda de gado e lavoura, ocupavam postos elevados na Guarda Na­ cional e os primeiros, cargos municipais, vinham pedir lugar nos alojamentos dos indigentes ou uma passagem para fora da província".30 Em princípios de 1878 em Fortaleza já se alojavam mais de 100.000 refugiados. Além da fome, a varíola ata­ cava impiedosamente; no Ceará, só em 1878, acredita-se tenha perecido cerca de 120.000 pessoas. Em dezembro de 1878 a situação era calamitosa: armazéns fechados, falências, baixa nos preços dos imóveis rurais e urbanos, queda da produção e da exportação; a arrecadação da pro­ víncia de Pernambuco diminuiu 1/3 de 1872-73 a 1877-78. A fatalidade dera um golpe definitivo na região. A produ­ ção restringiu-se consideravelmente, o comércio quase paralisou. Os gêneros alimentícios atingiram preços exor­ bitantes e em Salvador, em 1878, a “turba" exaltada entra em choque com a polícia, exigindo carne e farinha a pre­ ços maistbaixos. Conflitos idênticos ocorrem em Macau (12-10-1878), Natal (20-08-1878), Mucuripe (05-09-1878) e Mossoró (27-01-1879.

A cada crise, a cada fatalidade, a economia recupe­ rando-se não conseguia atingir os níveis anteriores. Anos de trabalho acumulados desfizeram-se; a riqueza das pro­ víncias nordestinas desceu a seu ponto mais baixo. “ Exau­ riu-se a terra. O homem extenuou-se. Foi um nada-houve, como no jogo de dados".31 Gs anos 80 apresentavam um Nordeste exaurido, can­ sado, esgotado por tantos anos de revezes. A agricultura não se recuperaria, ficando “ muito longe de corresponder às necessidades atuais", diria o presidente de Pernam­ buco, em 1881.32 À pouca rentabilidade da produção que desestimulava os fazendeiros somar-se-ia o esgotamento das terras e a emigração da população que em “ massa" afluía para a

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Amazônia e o Sul em busca de melhores condições. So­ mente do Ceará emigraram entre 1869 e o fim do século cerca de 300.902 .pessoas, sendo 255.526 para a Amazô­ nia e 45.376 para-o Sul.33 Em 1886, o presidente de Pernambuco acusava mais uma vez a escassez da produção agrícola e a queda da arrecadação como decorrência de “prolongada seca" que se abatia sobre a região.34 Tratava-se de um prenúncio de outra seca que ocor­ rería nos anos de 1888 e 1889. Ainda não refeito da ante­ rior, dez anos atrás, novamente o cataclisma desabava sobre o Nordeste destruindo o pouco que renascera “com uma violência desalentadora”; os trabalhos foram suspen­ sos e a população “proletária ficou reduzida à mais peri­ gosa ociosidade e pungente m iséria".35 O banditismo, já aumentado desde 1877, recrudesceu; o misticismo e o desespero fizeram surgir os “salvadores" que condenavam os pecados do mundo e propunham nova ordenação social; a emigração tornou-se constante e os grandes proprietá­ rios desiludiram-se com a monarquia definitivamente. 1.5 — Formação social e estrutura política Para melhor compreensão dos temas que serão trata­ dos, torna-se necessário observar o-processo político bra­ sileiro no período em questão. Não se trata de um estudo apurado da estrutura política do Império e das mudanças operadas naquele nível, mas sim numa tentativa de mos­ trar o papel dos grupos radicais, geralmente alijados da participação na política existente (nu porque não tinham direito a voto ou/e porque adotavam idéias contrárias à monarquia ou pelo menos àquela monarquia comprometida com os grandes proprietários de terra) ou que dela parti­ cipando, através do Partido Liberal, são destituídos do poder quando ali chegam (ou se fazem representar) e transformam-se numa ameaça ao predomínio dos senhores escravocratas. D.ej:nú,ríStraremos também a separação que cada vez mais se amplia, entre a elite nordestina e as instituições monárquicas, fato que cpntribui para sua par­ ticipação na revolta de 1874/75 e quase total abstenção diante da queda da monarquia que haviam ajudado a con­ solidar. Fundamental é não esquecermos que a nossa inde­ pendência foi feita a partir de uma aiiança: entre òVgran- -

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des proprietários de terra', os grandes comerciantes ex­ portadores portugueses e a burocracia portuguesa que aqui permanecera, ou seja, entre o “partido brasileiro" e o “partido português" e que, com a abdicação de D. Pe­ dro I, o processo político passa a ser controlado, exclusi­ vamente, pelos primeiros. Esta classe dominante de latifundiários era minori­ tária diante do conjunto de trabalhadores rurais livres ou escravos, rendeiros, meeiros, foreiros e agregados que se constituíam em uma clientela a serviço do todo-poderoso “coronel" mas também podería tornar-se uma amea­ ça àquele predomínio. Além desses, nos núcleos urbanos, havia toda uma categoria de indivíduos em funções ligadas ao comércio, artesanato, construção, profissionais libe­ rais, funcionários públicos que muitas vezes constituiamse em “massa de manobra" para as revoltas no interesse de outros grupos ou revoltavam-se, geralmente, contra a alta do custo de vida e a escassez de gêneros alimentícios. Portanto, o período que se situa entre 1822 e 1853, da independência à instalação do gabinete Paraná, deve ser entendido como fase de organização, onde se estru­ tura o nível políticorjurídico adequado ao nível econômico. Tratava-se de garantir, através de um aparato administrativo-legaK as conquistas da classe dominante.

A idéia republicana foi repudiada a princípio como concessão ao "partido português". A elite brasileira não se sentia capaz de fazer por si só a independência. O incentivo ao príncipe português na verdade constituía-se na certeza do apoio daquele partido. Passado o tempo ne­ cessário, consolidada, interna e externamente, a autono­ mia, inicia-se o prpcesso de expulsão de Pedro I. I Na luta para derrubar o “ Pedro tirano", lançaram uma campanha repudiando suas tendências autoritárias. Che­ garam a compará-lo ao reacionário Carlos X, de França. A queda do rei francês serviu para atiçar, através da im­ prensa, a oposição a D. Pedro I. Falaram de luta pela de­ fesa de ideais demociáticos contra o absolutismo e os princípios da temida Santa Aliança, dos quais o impera­ dor era, no entender deles, o perfeito representante. Gru­ pos de tendências diversas uniram-se em torno de uma mesma palavra de ordem: liberdade. Após a abdicação, os vários grupos se dividiram e começa uma luta entre, os vitoriosos: centralistas versus federalists; _eonservador.es versus liberais; democratas-

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Idealistas versus regressistas e tantas outras facções em que se dividiram e que representavam Trações da classe dominante e de grupos ligados a setores minoritários radicais, como o de Cipriano Barata, Borges da Fonseca, etc. O período regencial (1831-1840) deu margem a que estas tendências testassem suas forças. A experiência republicana, permitindo a livre manifestação -das várias correntes, cria um clima de “anarquia” que amedronta os setores mais conservadores. As revoltas nas províncias constituem-se em uma ameaça e em um precedente perí- goso, afinal na.Baiaiada ousava levantar-se a “populacho". Os sucessivos levantes e as manifestações radicais provo­ cam a união da classe dominante e, de 1836 a 1852, assis­ timos à montagem paulatina de toda a estrutura política monárquico-conservadora. Mais uma vez repudiava-se a solução republicana. O desempenho do regente Araújo Lima envolvendo o jovem imperador em-Beija-Mão, desfile no Paço, e finalmente, a aprovação da maioridade, em 1840, fazia parte de um plano, concebido para a. manutenção do regime monárqui­ co. A república era identificada como contestação ao con­ trole do poder pelos grandes proprietários e seus prepostos e com a anarquia; vide o caso da hispano-américa. Monarquia simbolizava ordem e segurança em proveito da classe dominante.

A propósito deste período, Justiniano José da Fiocha escrevería: “ de 1836 a 1840, luta da reação monárquica, acabando pela maioridade; de 1840 a 1852, domínio do princípio monárquico, reagindo contra a obra social do domínio democrático que não sabe se defender senão pela violência e é esmagado” .36 ; O ato Adicional, de 1834, foi “ interpretado" em 1840 (Lei n.° 105, de 12/05/1840) e as províncias viram redu­ zidas sua autonomia; o Código do Processo Criminal, de 1832, foi reformado pela Lei 261, de 3 de dezembro de 1841, que transformou a polícia e :ã ‘justiça em instrumen­ tos do poder central e alterou o “ habeas-corpus", tornan­ do extremamente difícil a sua obtenção; pela Lei 234, de 23 de novembro de 1841, foi restaurado o Conselho de Estado; outras leis acabaram com a eleição dos oficiais da Guarda Nacional que passaram a ser nomeados pelo governo e alteraram ô sistema eleitoral instituindo a “ tu­ tela” dos inspetores de Quarteirão e dos oficiais da Guar­

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da Nacional.87 , Assim consolida-se a monarquia brasileira tendo co­ mo princípios básicos a centralização administrativa, com as administrações provinciais, justiça e polícia contro­ ladas pela Corte no Rio de Janeiro, o Senado vitalício, formado a partir de nomeação imperial e o Poder Mode rador, encarnado pelo lmperadorr com atribuições, entre outras, de dissolver a Câmara dos Deputados e escolher o Chefe do Conselho de Ministros. Fechava-se o círculo e a história mostraria os mesmos nomes, as mesmas fa­ mílias revesando-se no poder, nos principais postos na Corte e nas províncias, durante o segundo reinado.38 Esta estrutura podería*' funcionar democraticamente se as eleições fossem livres e o voto universal e secreto. Mas com eleitores selecionados, sob a vigilância dos coronéis e das autoridades nomeadas pelo gabinete no poder, sempre o partido governante faria a maioria nas assembléias provinciais e geral. Até poderia não ser uma farsa se o Imperador fosse apartldário mas este mostra­ ria em duas ocasiões decisivas, 1848 e 1868, que estava ao lado do “partido da ordem" e não do “elemento de­ mocrático". É bom que se esclareça que as duas agremiações po­ líticas do Império — conservadores e liberais — não apresentavam diferenças básicas. Ambas espelhavam fra­ ções da classe dominante, rivalizando por questões de préponderância política, geralmente local. Acontece que, apesar disso, o Partido Liberal abrigava em seu seio gru­ pos radicais que chegaram a empolgar com suas idéias homens como Paula Souza e Zacarias, na medida em que a situação chegava a se radicalizar. Desta forma, prefiro usar as expressões de Joaquim Nabuco e Justiniano José da Rocha: “partido da ordem”, identificando os que — conservadores e liberais — esta­ vam ao lado da monarquia centralizada, e “elemento de­ mocrático", espécie de federação de1 oposições que ia desde republicanos exâítacfbs, como Borges da Fonseca, aos adeptos de uma monarquia depurada, com instituições que funcionassem acima das paixões pessoais. Parte desta última facção enfronhara-se no Partido Liberal visto co­ mo veículo legal para expressão de seus descontenta­ mentos. O Partido Liberal, portanto, era, a longo prazo, inviável: à medida que os acntecimeritos evoluíssem e as contradições aprofundassem dèveria cindir-se, o que

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posteriormente aconteceu. Teremos, portanto, dois níveis de oposição à estrutu­ ra política dos senhores escravocratas. Uma legal no selo do Partido Liberal e outra extra-legal, a nível local de clubes e grupos radicais que fariam agitações, distribui­ ríam panfletos e teriam jornais, de raio de ação limitado, para expressar sua revolta. Na Corte e nas províncias, nas ruas e Assembléias ouvia-se a voz do elemento democrático. Este, na medida em que a autoridade mais se fortalecia, perdia a fé nas instituições e tendia para a agitação de rua. Em 1842, eclode a revolta liberal em Minas e São Paulo. Em 1847-48, agitações de rua se sucedem na Corte e Pernambuco. Em Pernambuco havia-se formado o chamado “partido da praia”, de caráter popular, com uma bandeira onde sobressaíam a luta contra os privilégios dos grandes proprietários rurais e a defesa da haobnalização do co­ mércio a retalho. “Era um turbilhão popular", exclamaria Nabuco. De 1845 a 1848, governou a província, Chichorro da Gama que se tornou ídolo dos praieiros. Durante sua administração, assistiu-se ao “pleno domínio da Praia". Em Todos os postos públicos, o presidente colocou um praieiro. A massa popular estava toda ao lado dos chefes dessa facção e constituíam-se em “elementos precisos para uma revolução”. Acusado de fraudes eleitorais, Chi­ chorro foi demitido pelo gabinete Macaé e Pernambuco ficou à beira da convulsão social. As autoridades dispen­ sadas pelo novo presidente recebiam ordens do Chefe de Polícia para não deixarem os cargos.39

Incapaz de conter os tumultos populares que grassa­ vam nas principais cidades do Império, inclusive na Corte, o partido da ordem resolve ceder. Macaé é demitido e foi convidado um “ elemento democrático", Paula Souza, para formar novo gabinete. Era um recuo tático para evitar perdas maiores. O período Paula Souza — 31 de 29 de setem­ bro de 1848 — forçaria definições, áua política é ampla­ mente favorável às reivindicações populares. O presidente que se havia indisposto com a Praia é exonerado e os praieiros se sentem fortalecidos. Verificando que podiam contar com o novo governo, os grupos radicais passam a agir mais acintosamente. Ao mesmo tempo que ma-- nifestações populares se sucedem em Recife e na Corte.

chegavam ao Brasil as notícias dos sucessos da revolução de fevereiro de 1848 na França. Tomava-se conhecimento das barricadas nas ruas de Paris, da agitação popular sob a liderança de socialistas, como Louis Blanc. Paula Souza em discurso perante a Câmara, na ses­ são de 2 de junho, fala dos “males internos" e da reper­ cussão dos “sucessos da Europa".40 Dizia que o único meio de evitar uma revolta popular era a realização de re­ formas na legislação; para ele, os males estavam nas ieis, cumpria pois reformá-las. Naquela mesma sessão, apresentou o programa do seu gabinete no qual pedia uma lei sobre incompatibilidades eleitorais, que impedisse a candidatura dos presidentes de província, magistrados, empregados de polícia e funcionários administrativos; re­ forma do poder judiciário; reforma eleitoral para assegu­ rar a liberdade de voto; reforma do Conselho de Estado, da Guarda Nacional e, inclusive, uma Lei de Terras, visan­ do facilitar a imigração, abolindo-se o direito de posse e a doação de terras públicas que até então só haviam be­ neficiado o grande proprietário.41 Na sessão de 3 de junho, o deputado Nunes Machado encaminha um projeto tornando “privativo do cidadão bra­ sileiro o comércio a retalho" e Chichorro, o líder popular praieiro de Pernambuco, era eleito presidente da Câmara com 64 votos.42 Os radicais assomavam-se do poder. O partido da ordem comprimia-se à espera do momento preciso para reagir. A 7 de junho voltava Paula Souza a defender a ne­ cessidade de aprovação das reformas e argumentava: “No norte reina a agitação, a suspeita e terror de grandes males; as frações .em que a população se divide encaram-se com iViútuos re­ ceios e patente inquietação ( . . . ) . EnY uma mo­ narquia constitucional, onde há uma constituição escrita, onde os membros da associação vivem em comunidade de interesse e com direitos iguais, se a legislação íor tal que uma opinião possa sempre ser oprimida, será razoável espe­ rar que uma situação tão anormal e violenta não produza graves perigos e repetidas convulsões do corpo social? (O grifo é nosso).43 A 26 e 27 de junho, Recife foi sacudida por agitações populares contra os portugueses que foram espancados e, alguns, assassinados. Em setembro, nos dias 7, 8 e 9,

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grupos armados agiram na cidade do Rio de Janeiro “vociferando ameaças contra os conservadores e os por­ tugueses e espalhando o terror". As igrejas, onde se realizavam as eleições, foram assaltadas e urnas foram quebradas. A turba ousou, inclusive, invadir o recinto da Câmara. Pereira da Silva, deputado na ocasião, assim des­ creveu a situação naquela casa do parlamento: “rebentou na galeria, do (ado da-terra, temeroso tumulto e partiram gritos* valas, ameaças e in­ sultos ( . . . ) de súbito, foram Invadidos o recinto das sessões, as salas e corredores do edifício ( . . . ) . Todos falavam todos gritavam Confundlram-se deputados com expectadores e o pre­ sidente atordoado suspendeu a s e s s ã o ..." 44 A 29 de setembro, Paula Souza foi destituído. As agitações populares e a radicalização política provocaram sua queda. Na verdade, estes foram os motivos aparentes. Tratava-se, isto sim, de uma queda forçada pelos parti­ dários da “ordem" ante uma situação que viam perigosa aos seus interesses. Depois de terem lutado para desfa­ zer a obra de 1831, de fazerem parar o curso dos acon­ tecimentos, o programa de Paula Souza apresentava-se “exagerado". Os dias agitados de 1831 a 1836 pareciam voltar; as agitações de rua estavam aí para provar. As reformas, caso aprovadas, poderiam abalar o edifício so­ bre o qual se assentava o poder dos poderosos senhores de terra e escravos. Não mais se poderia mascarar a rea­ lidade. Tornava-Se necessário “uma reação da sociedade em perigo" como diria Nabuco.45 Para formar novo gabinete foi convidado o conserva­ dor Marquês de Olinda que nomeia, para a pasta da Justiça, Euzébio de Queiroz. Estes dois, juntamente com Itaboraí, formariam, no dizer de Sérgio Buarque de Ho­ landa, a autêntica “trindade saquarema", ou seja, o trio mais reacionário do Império. A 5 de outubro, a Câmara liberal tem seus trabalhos suspensos até 23 dc. abril do ano seguinte; não mais voltaria a se reunir, pois. por de­ creto de 19 de fevereiro de 1849, seria dissolvida. Sobre este gabinete, Sales Torres Homem diria que seu papel era "debelar a causa das reformas" e Si.lveira Lobo iria mais longe, para ele, o rei descobrira-se com a ‘ organi­ zação deste feroz gabinete, o mais fatal às instituições democráticas”.'10 - " ■*-” ’’

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Enquanto a reação conservadora “limpava o terreno” e concluia a obra iniciada em 1836/37, em Pernambuco, os praieiros iniciavam sua revolta. Era o que restaya do “elemento democrático" mantendo acesa a chama da luta contra o predomínio da oligarquia dos senhores de escra­ vos. A revolta da Praia (1848-50), dentro de contexto mais amplo, significava a causa das liberdades proteladas e escamoteadas desde 1836. Torres Homem, no Libelo do Povo, deixaria gravado suas impressões sobre a Praieira, identificando-a com o interesse geral do povo brasileiro, o “interesse comum” cujos destinos seriam decididos às margens do Beberibe; era a causa do “direjto_ geral" que •eagia ante o revide do “partido da ordem ".47 Os nordestinos entenderam muito bem o significado daquele momento, daquele golpe no progresso das insti­ tuições e desembainhariam novamente as suas espadas, como em 1817 e 1824, numa luta que acreditavam ser a defesa das liberdades ameaçadas. Depois de 1848-50, lu­ tariam outra vez em 1851/52 e em 1874/75. Seriam nes­ tas oportunidades esmagados mas isto não significava que estivessem definitivamente liquidados. A “avalanche democrática" não mais seria contida e encontraria motivo para sua expansão nas próprias con­ tradições do Império. Dentre estas, aquela que lhe seria fatal estava relacionada com o finrfdo tráfico negreiro em 1850. Apesar de existirem formas de produção diversas e também uma razoável diversificação da produção, o'sustentáculo econômico do Império foi numa primeira época a monocultura açucareira nordestina e, numa segunda fase, após 1850 a monocultura cafeeira valeparaibana. Ambas baseavam sua produção na cultura extensiva, baixo nível técnico e mão-de-obra escrava, estando voltadas, principalmente, para o mercado externo.

Esta economia de “ plantation” necessitava de con­ tínua incorporação de novas terras, substituindo as que se esgotavam, devido às deficiências técnicas implícitas no plantio à base da escravidão. Ou.^íCr. r, este fator, o Brasil não se constituía problema. As plantações cami­ nhavam em direção ao agreste nordestino, empurrando os posseiros para o interior, da mesma forma que a cafeicultura espraiou-se pelo interior paulista, “ emigrando" do vale do rio Paraiba do Sul, quando suas terras começaram - _a apresentar rendimentos-decrescentes. Mas, além disso, " outro fator importante para manter-se o nível da produ­

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ção era a reposição constante de mão-da obra, já que o escravo tinha uma vida útil relativamente curta, em torno de 25 anos, ao mesmo tempo que se necessitava de uma quantidade maior de braços disponíveis, como compen­ sação da produtividade relativamente menor que a do trabalho assalariado. Portanto, a manutenção do ritmo dn produção estava diretamente ligado às possibilidades de expansão territorial e ao fluxo ininterrupto de escravos. Com o fim do tráfico negreiro em 1850, a base econô­ mica destes grandes proprietários estava, a médio prazo, abalada. O nordeste açucareiro sofre a partir de então um processo de crise contínua, agravado pela concorrência do açúcar antilhano a preço mais baixo. Os senhores do engenho, para fazer frente à redução dos ingressos, começam a se desfazer de parte de seus bens e tem iní­ cio, então, a venda de escravos que são enviados para as fazendas de café do sul. Tal fato que mostrava o de­ clínio dos senhores escravagistas nordestinos, serve para adiar a crise nas plantações do vale do Paraiba. Adiava mas não evitava^ Se no nordeste a queda dos preços do açúcar apressava a venda dos escravos, no sul o bom preço do café no mercado internacional dava condições aos “barões" de comprar esta mão-de-obra, mas a crise que se fazia presente no “nordeste deveria atingir o sul, quando o tráfico interprovincial de escravos se reduzisse e caminhasse para o fim. No Brasil não havia fazendas reprodutoras de escravos como houve nos Estados Uni­ dos, portanto, pode-se concluir, sem nenhuma dúvida, que a monarquia centralizadora, erigida no interesse dos se­ nhores escarvocratas, começa a.contagem regressiva em direção a seu fim, a partir de 18^50.

Desta época em diante, cada vez mais, as in stitu i­ ções imperiais tornam-se artificiais e continuarão a se manter, até 1889, com base num apoio que se reduz paulatinamente. O gabinete de conciliação do Marquês de Paraná (1853-1856) nascia fadado a não produzir nenhum resultado duradouro. Conciliar frações liberais e conser­ vadoras de escravocratas em torno do regime monárquico existente não impediría sua derrocada que era apenas questão de tempo. Conciliar escravocratas com elementos da facção "democrática" só com profundas reformas nas instituições políticas que, caso fossem realizadas, 'abri­ ríam caminho para reformas econômicas e isto redundaria

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no fim da monarquia que os senhores de escravo identi­ ficavam com sua própria sobrevivência. Era cedo para aceitação da idéia de abolição da es­ cravidão; mais tarde, concordariam ser ela um mal ne-cessário e, finalmente, na última década do Império, só os barões do café e do açúcar do vale do Paraíba teimavam em defender a escravidão, chegando ao ponto de propor a formação de uma milícia privada, organizada por eles com armas fornecidas pelo governo geral, a pretexto de se prevenir de insurreições escravas, mas tendo como objetivo potencial a defesa daquela forma de trabalho. A década de >1850-60 assinalou o início da desagre­ gação econômica daquele modo de produção (no sentido restrito do termojTescravjsta e portanto do nível político a ele correspondente, ao mesmo tempo que permite o de­ senvolvimento de outro na base do trabalho livre a qual deveria corresponder novo nível político. Daí por diante, não se poderia deter o avanço do "elemento democrático" e, em contrapartida, como reverso do mesmo processo, o da derrocada da monarquia conservadora. As eleições de 1860 assinalavam o triunfo do primeiro que aumentaria sua vantagem na que se processou em 1863, de forma “desproporcionada e alarmante". A Câmara de 1864 re­ tratava uma verdadeira derrota para o “partido da ordem", ou como diria Euclides da Cunha, representava “a um tem­ po a vitória democrática e o rejuvenescimento do espírito nacional”. 48 Unidos na oposição ao “partido da ordem", os vito­ riosos eram uma composição heterogênea formada por tendências diversas, desde conservadores moderados aos liberais-radicais. A Liga Progressista, como ficou conhe­ cida esta justaposição, era incapaz de se manter peia sua heterogeneidade. No mesmo ano de 1864 haveria a cisão entre “progressistas" e "históricos". Em 1866, os libe­ rais-radicais fundariam o jornal Opinião Liberal que passou a ser seu porta-voz.

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Entre o programa apresentado pelos Progressistas, em 1864, e o publicado pelos liberais-radicais, em 1866, nota-se que, em apenas dois anos, a radicalização do pro­ cesso político era intensa e rápida. Aqueles se diziam partidários do “ atual Constituição", da centralização po­ lítica e, entre outras, pediam uma débil reforma eleitoral, consubstanciada na representação, das minorias; nenhuma palavra sobre a abolição da escravidão. Os radicais iam

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mais longe; pediam a extinção do Poder Moderador, a abolição da Guarda Nacional e do Senado vitalício, su­ frágio direto e generalizado e a “abolição lenta e gra­ dual" do trabalho escravo.49 A evolução dos acontecimentos soava como uma provocação, colocando em estado de alerta as forças da “ordem". Os radicais ousavam atacar os próprios alicer­ ces do Império: o Poder Moderador, o Senado vitalício e o trabalho escravo. Se alcançassem seus objetivos, poderse-ia voltar aos dias conturbados do início da Regência. Na mente dos conservadores ainda estavam bem vivas as lembranças de movimentos como a Cabanagem e a Balaiada onde, misturados aos liberais descontentes, le­ vantou-se o “povo miúdo" e a propriedade esteve amea­ çada. E os escravos? Essas idéias de emancipação, além de serem um problema, do ponto de vista econômico, poderíam constituir-se numa séria ameaça à ordem pública. De 1862 a 1868, na medida em que as posições do “elemento democrático" se radicalizavam, o “partdo da ordem" tramava nos bastidores a modificação do curso dos acontecimentos. Mas não se tratava de “fazer parar, como em 1837, uma revolução que preenchera o seu des tino” 50 Era a luta do passado contra o presente. “Ação e Reação”, como já_uma vez alcunhara Justiniano José da Rocha, analisando o período entre 1822 e 1852; a diferen­ ça é que agora o Império estava no “descenso", isto é, o partido da ordem começara a perder terreno.

A queda do gabinete Zacarias, em julho de 1868, ape­ sar dos motivos imediatos e mais perceptíveis da questão em torno da escolha de Sales Torres Homem para senador e das divergências entre Caxias, no comando das tropas na campanha do Paraguai, e o ministério liberal, pode ser vista dentro do contexto mais amplo da reação conser­ vadora. A guerra externa e a radicalização política, no plano interno, formariam o pano de fundo ideal para que o partido da ordem convencesse o Imperador da necessidade de mudança. *Ao aceitar a demissão do Presidente do Conselho. D. Pedro II teria, pela natureza do sistema parlamentar, de escolher entre os liberais, já que eram a quase tota­ lidade da Câmara, um nome para formar o novo minis­ tério. O Imperador preferiu a fórmula, embora legal, mais discutível e criticável; um autêntico golpe de Estado, isto é, -chamou. um conservador, o Visconde de Itaboraí. e

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dissolveu a Câmara "unammemente liberal”. . A escolha de um conservador constituía-se num absur­ do mas a escolha ter caído num dos cabeças da reação tornava este absurdo muito maior. A subida de Itaboraí apresentava-se como verdadeiro anacronismo.51 A situa­ ção aclarava-se. O Imperador optara por ficar ao lado do "partido da ordem”, minoritário na Câmara, engajando-se politicamente. Neste momento o 1'nonarca mostrava-se filiado à facção retrógrada e colocava-se contra a maioria da nação. A atitude de D. Pedro II mostrava a verdadeira face das instituições vigentes; identificou-as com o rea­ cionarismo e dasacreditou-as perante os setores emer­ gentes da sociedade. Cindia-se a nação em dois partidos: o do “progresso" e o do “regresso". Não se tratava mais de uma luta do elemento democrático contra o partido da ordem; extra­ polavam-se aqueles limites. As novas forças produtivas e os setores a elas ligados se irmanariam na causa do progresso entravado pelo regressismo, pelo reacionaris­ mo e imobilismo do “partido da ordem". Era a separação ideológica do próprio povo pensante que voltava as costas às velhas agremiações; estas mostravam-se artificiais e pequenas pára conter os anseios da nação.

No “ partido do progresso" engajar-se-iam todos os que pensavam em modernizar o. país, desenvolver suas potencialidades econômicas, enfim, fazê-lo acompanhar o progresso do século. Setores importantes do Exército, ao voltar da guerra com o Paraguai, se irmanariam a esse segmento pensante e teriam papel decisivo daí por diante. De maneira geral, os partidários dessa facção ficariam indiferentep à sorte da monarquia. Do lado do regresso, os homens da manutenção do “ Status quo". Temiam as reformas preconizadas por liberais e republicanos. Che­ gariam a adotar algumas para evitar o pior, mas mesmo assim à moda conservadora, isto é, pela metade como diria Sérgio Buarque de Holanda. Não resta dúvida de que , os tradicionais partidos — Conservador e Libera? — cum­ priríam até o fim o seu papel, mas cada vez mais divididos em facções, retratando a multiplicidade e complexidade dos problemas que marcaram as "últimas décadas da mo­ narquia. A oposição à queda de Zacarias e ao golpe do partido da ordem foi imediata. A 17 de julho, um dia após a insta­ lação do novo gabinete, Nabuco de Araújo pronunciava o

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famoso discurso do “sorites" onde desmascara o absolutismo de fato do Poder Moderador. O impacto provocaria a reaproximação entre liberais e progressistas (da Liga Progressista). Neste mesmo ano (1868) fundam o Centro Liberal que elege Nabuco de Araújo como seu primeiro presidente. A 20 de novembro, o Centro divulgou uma cir­ cular recomendando a abstenção nas eleições de janeiro de 1869. Em março emitem o Manifesto52, que foi uma contundente peça acusatória ao regime. Em abril de 1869, surge o Clube da Reforma que edita o jornal A Reforma. Os liberais-radicais que desde 1866 vinham divulgando suas idéias através do jornal Opinião Liberal, fundam o Clube Radical e editam, a partir de no­ vembro de 1869, o jornal Correio Nacional. . O Clube Radical promove conferências, com ampla divulgação, na Corte e nas províncias, atraindo numeroso público. Nestas reuniões atacavam duramente o regime monárquico mas não propunham a sua queda, isto estaria reservado a um grupo que, saindo dele, fundaria outro clube que, em dezembro de 1870, lançaria o Manifesto Republicano.

Pode-se irriaginar o que foram os anos seguintes a 1868. O clima era febril. O golpe imperial tivera o efeito comparável" aõs dos motins políticos” .53 Os debates, se radicalizavam. Os ataques não se restringiam agora ape­ nas à forma de governo, mas sim a tudo a ele ligado, desde a escravidão até a pessoa do Imperador e demais mem­ bros da família imperial, principalmente a princesa Isabel e o Conde D’Eu. Diante da reação que a cada dia se extre­ mava, o governo cogitou na criação de um "Partido Nacio­ nal” que aglutinaria, em torno do gabinete e do imperador, os defensores da monarquia ameaçada. “ Esse partido na­ cional, se é que houve realmente a intenção de fundá-lo, só poderia conceber-se no momento como expediente de combate, não de apaziguamento".54 Aí estava o grande dilema do Império: para defendêlo era necessário a formação de um verdadeiro bloco mofrov lítico dos que ainda acreditavam nele, mas, organizar esse bloco significava o combate, a guerra civil. Entregando-se a defesa aos monarquistas, conservadores ou não, disper­ sos nas agremiações políticas existentes, evitava-se a guerra mas não se impedia a queda do regime. Os gabine­ tes que sê. sucedem, conservadores._õu liberais, até 1889, na verdade nada podiam fazer pãra sâlvar a monarquia. Q

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regime claudicava. 1889 no plano político corresponde a 1850 no plano econômico. Nos últimos quinze anos, o regime abriu o debate em torno de grandes temas como a questão religiosa, a servil, a eleitoral e a descentralização federativa, num ambiente de estagnação econômica e crise financeira, tentando en­ contrar uma saída que evitasse seu próprio fim. Já era tarde. Acelerava-se a desilusão diante das instituições im­ periais. A concepção durante muito tempo divulgada e aceita de que a monarquia era a responsável pela paz e progresso do país, em comparação com os demais países da América, era desmentida pelo rápido desenvolvimento da Argentina e pela posição preponderante. dos Estados Unidos, contrastando com a “Inércia" do Brasil. O Império mostrava-se incapaz de resolver os graves problemas do país e entre estes o incentivo a um desenvol­ vimento compatível com o crescimento populacional e o processo de urbanização. A grande lavoura em crise, prin­ cipalmente a nordestina, não via suas reclamações serem atendidas e à desilusão dos políticos juntava-se a dos senhores de terra. Assim, como uma importante fração da classe domi­ nante paulista não se identificava com o regime em vigor, -os nordestinos, pelo abandono a que foram relegados, pela repressão excessiva que sofreram em 1875, deixaram de defender a monarquia. Tentou-se, num último apelo, mini­ mizar a situação com relação às províncias do norte, en­ viando-se para visitá-las o Conde d'Eu. O “francês" que já não era bem visto, iria encontrar ali uma recepção fria e muitas vezes hostil. O Império nos seus derradeiros ins­ tantes só contava com o vale-do Paraíba. Um vale do Pa­ raíba moribundo economicamente, incapaz de resolver seus próprios problemas. De há muito que as novas forças produtivas do país, em condições de sustentar algo, se localizavam no planalto paulista. Os paulistas na verdade não fizeram a república; quan­ do as bases econômicas do Império ruíram, levando con­ sigo a monarquia, os paulistas por representar novas e dinâmicas forças produtivas estavam mais aptos a organi­ zar a nova estrutura política. A república surgiu porque a monarquia escravista ruiu por falta de base. Os artificialismo do regime monárquico seria demonstrado no 15 de novembro quando ninguém se levantou para defendêlo; -"Ere-lhe' impossível --arregimentar forças que não pos-

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suía".55 . N? ííue se refere ao Nordeste, havia dois níveis de rebeldia. Um dos trabalhadores rurais e urbanos, dos pe­ quenos proprietários no campo e na cidade e dos profis­ sionais liberais que sofriam os efeitos de um sistema polí­ tico que quase nenhuma oportunidade lhes dava de apre­ sentar por meios legais suas reivindicações e, mais dire­ tamente, o esvaziamento econômico da região, reduzindo suas condições de vida a nível precário. Estes grupos, cada um a seu modo, apoiavam os radicais da Praia. Foram levadós à revolta em 1848, 1851 e 1874, por problemas ligados diretamente às suas condições jde vida mas esti­ mulados por elementos radicais, diante dá queda de gabi­ netes e medidas administrativas que estes últimos consi­ deravam como lesivos ã seus interesses. Outro, a nível dos grandes proprietários que partici­ param minoritariamente em 1848 e 1851 e mais fortemen­ te em 1874, quando a crise da economia aprofundava sua descapitalização. Em 1851 evitaram participação ostensi­ va, limitando-se muitas vezes a distribuir armas aos agre­ gados e jornaleiros e a alarmá-los, acusando os decretos do Registro Civil e do Censo Geral como. meio de trans­ formá-los em escravos em potencial. Não querendo lutar abertamente contra o governo que extinguira o tráfico negreiro, insuflaram os trabalhadores rurais na esperança de uma rebelião que lhes desse, posteriormente, condi­ ções de fazer exigências ao governo geral. Nesta revolta, 1851-52, as contradições da sociedade nordestina fizeram com que os rebeldes se voltassem contra seus próprios senhores, transformando a rebelião em luta de classes e atacassem Indistintamente proprie­ dades de liberaiá e conservadores e autoridades munici­ pais, provinciais è gerais, todos identificados como opres­ sores e responsabilizados por sua situação econômica. Em 1874, uma fração doS coronéis participou ao lado das "classes baixas" na luta contra o Estado, demonstrando que o nível das contradições jogava-os, lado a lado, contra a estrutura política em vigor que naquele momento apare­ cia como o entrave maior. O banditismo, o misticismo o as migrações foram as respostas dos menos favorecidos no final do século XIX: quanto aos grandes proprietários, se bem que não tentas­ sem mais nenhum movimento de oposição armada à monar­ quia, voltaram as costas àquele régime que nãõ se interes­ sava pela sua sorte.

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NOTAS 1 — MELOTTI, Umberto. Cultura Economica, 2 — HOBSBAWM, E. J. Industrial. Buenos 3 — ENGELS, Frederic.

Revolución y sociedad. México. Fondo de 1971. P. 34-36. En torno a los origenes de Ia revolucion Aires. Siglo X X I, 1971. P. 25-27. Anti-During. Lisboa, Ed. Afrodite. 1974

4 _ WOLF. Eric R. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro, Zahar, 1976 P 33 • _PEREIRA. Carlos. Política y Violência. México, Fondo de Cultu­ ra Economica, 1974. P. 17-26. 6 — Citado por Carlos Pereyra, ep. c it., p. 21. 7 — Entre estes podemos citar: . RODRIGUES, José Honório. Conciliação e reforma no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Civ. Brasileira. 1965. FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na or­ dem escravocrata. São Paulo. IEB. 1969 . _ , , . . KEITH, Henry H. Conflito e continuidade na sociedade-bra­ sileira. Rio de Janeiro, Ed. Civ. Brasileira, J970. . CORRÊA. Valniir Batista. Mato Grosso: 1917-1840; o p«pel da violência no processo de formação e desenvolvimento da província. Dissertação de mestrado apresentada em 197b na FFLCH da Universidade de São Paulo. . . . . MOTA, Carlos Guilherme. Mudanças Sociais e estruturas mentais no Brasil (1789-1945), in Anais do Vil Sijnposio Nacio­ nal dos Professores Universitários de Historia. Sao Paulo, 1974. Vol. II. Neste Simpósio da ANPUH. o Professor Mota apre sentou alguns traços do projeto que vem desenvolvendo que, quando concluído, contribuirá decisivamente para esclarecer aspectos de nossa história, como este do pacifismo . 8 _ ANDRADE, Manoel Correia de. A terra e o homem no Nor­ deste. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1973. Pp. 33-53. MELO,Mário Lacerda de. Paisagens do Nordeste em Pernam buco e Paraíba. Rio de Janeiro. CNG. 1958. Pp. 93 e 154 g IBGE Grandes Regiões; Meio Norte e Nordeste. Rio, ItUjt, 1962. Pp. 38. 227, 254-261 e 288. . ; IBGE.Paisagens do Brasil, 2.* ed. Rio de Janeiro, ib u t, •968. 2.* tiragem. Pp. 85. 86 e 98-114. . , 10 _ VEIRANDO, Lilia Camargo. Traços gerais da ocupaçao agrícola em Grandes Regiões; Meio-Norte e Norte. Rio de Janeiro, IBGE, 1962, pass. . , 11 TORRES João Camilo de Oliveira. Estratificaçao social no Brasil. São Paulo. Difel. 1965. pass. MENESES D jacr. O ou tro Nordeste. Rio de Janeiro, José-,Olympio, 1973, pass GO LART, José Alipio. Brash do boi e do couro: R10 de Janeiro. Editora GRD, 1965. pass.

5

64

12 — FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Ja­ neiro, Ed. Fundo de Cultura. 1964. P. 129 e segs. PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1965. Pp. 161-162. EISENBERG, Peter L. Modernização sem mudança; a indústria açucareira em Pernambuco, 1840-1910. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1977. P. 41. 13 — EISENBERG, Peter L. Op. cit. P. 41. 14 — FURTADO, Celso. Op. c it. Pp. 169-170, 175-176 e nota 34. 15 — ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e seus problemas. Pa­ raíba do Norte, Imp. Oficial, 1923. Pp. 132-136. GIRAO, Raimundo. História Econômica do Ceará. Fortaleza, Ed. Inst, do Ceará, 1947. P. 317 e segs. ALBANO, lldefonso. O secular problema do Nordeste. Rio de Janeiro, Imp. Nacional, 1917. Pp. 15-18. 16 — Relatório do Presidente da Província de Pernambuco de 1847. 17 — CALMON, Francisco Marques de Goes. Vida ecônômíco-financeira da Bahia de 1808 a 1889. Bahia, Imp. Oficial. 1925. P. 72. ALMEIDA, J. Américo. Op. cit. Pp. 136-137. Relatório do Presidente da Província de Pernambuco de 12 de abril de 1858. Relatório do Presidente da Província de Sergipe de 15 de abril de 1858. 18 — Relatórios do Presidente da Província de Pernambuco de 1.° de março de 1854, 1.° de março de 1857 e 14 de outubro de 1857. Relatórios do Presidente da Província do Maranhão de 3 de maio de 1854 e 3 de maio de 1859. 19 — Relatório do Presidente da Província de Sergipe de 15 de abril de 1858. 20 — Relatórios do Presidente da Província de Pernambuco de 12 de abril de 1858 e 16 de dezembro de 1858. Relatório do Presidente da Província de Sergipe de 15 de abril de 1858. A propósito dos motins urbanos ver: Fala do Presidente da Província da Bahia de 1.° de março de 1855 e Relatórios do Ministro da Justiça de 15 de maio de 1855 e de 15 de maio de 1858. 21 — ALMEIDA, J. Américo de. Op c it. Pp. 136-137. LEAL, José. Itinerário da história; imagem da Paraíba entre 1518 e 1965. João Pessoa, Gráf. Comercial, 1965. P. 290. Relatórios do Presidente da Província de Pernambuco de 20 de março de 1862 e 1.° de abril de 1870. 22 — Fala do Presidente da Província de Pernambuco de 1.- de março de 1871. 23 — Relatórios do Presidente da Província do Maranhão de 3 de maio de 1859 e de 3 de maio de 1866. 24 — MILLET, Henrique A ugusto. Os quebra-quilos e a crise da la­ voura. Recife, Tip. do Jornal do Recife, 1876. P. 3. Relatório do Presidente da Província do Maranhão de 3 de maio de 1866. • Relatórios do Presidente da Província de Sergipe de 2 de março de 1868, 4 de março de 1870 e de 3 de março de 1S71. 25 — ALBANO, lldefonso. O p. c it. Pp. 15-18. Fala do Presidente da Província do Rio Grande do N orte de de 1875, anexo 3.

65

Fala do Presidente da Província do Rio Grande do Norte de 13 de julho de 1874. 26 — Falas dos Presidentes das Províncias de Pernambuco de 1.° de março de 1874; da Bahia, de 1.» de março de 1874; do Ceará, de 2 de julho de 1875, e do Rio Grande do Norte, de 13 de julho de 1874. Relatórios dos Presidentes das Províncias da Paraíba, de 7 de agosto de 1874; de Alagoas, de 15 de março de 1874. e de Sergipe, de 1* de março de 1875. 27 — HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil Monárquico; do Impé­ rio à República. São Paulo, DIFEL, 1972. Pp. 169-172. 28 — MILLET. Henrique Augusto. Op. clt. passim. 29 — ALMEIDA, J. Américo de. O p ..c it. P. 136 e segs. GIRAO, Raimundo. Op. c lt. P. 385 e segs. Relatórios e Falas dos Presidentes das Províncias do Ceará, de 1-11-1878; do Maranhão, de 9-5-1878 e 22-9-1879; de Per­ nambuco, de 15-11-1877, de 20-5-1878 e de 19-12-1878; do Piauí, de 1-6-1877, de 13-8-1877, de 15-4-1878 e de 1-6-1878. Relatórios do Ministro da Justiça de 26-12-1878 e 13-5-1879. 30 — GIRAO, Raimundo. O p. c lt. P. 398. 31 32 33 34 35

— — — — —

Id. Ibid. Pp. 390-398. Fala do Presidente da Província de Pernambuco, de 1-3-1881. GIRAO, Raimundo. Op. c lt. P. 393. Fala do Presidente da Província de Pernambuco, de 6-3-1886. ALMEIDA, J. Américo de. Op. cit. Pp. 168-170. GIRAO, Raimundo. Op. c it. P. 407. 36 — ROCHA, Justlniano José da. Ação; Reação; Transação. 2.* ed. Rio de Janeiro, s. ed., 1901. P. 18. 37 — ROCHA, Justlniano José da. Op. cit. Pp. 71-78. JAVARI, Barão de. Organizações e programas ministeriais. 2.* ed. Riõ de Janeiro, Arquivo Nacional, 1962. 38 — PANG, Eul-Soo. “The mandarins of imperial Brazil" Compara­ tive Studies in Society and History, 14:2 (MARCH, 1972), 215244, com Ron L. Seckinger. 39 — NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Rio de Janeiro. Nova Aguilar, 1975. Pp. 94-113. QUINTAS, A m aro.-O sentido social da revolução praielra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967. pass. ARAUJO, José Toijnás Nabuco de. Justa apreciação do partido praieiro na província de Pernambuco. Rio de Janeiro, Tip Bras. Cremlére, 1874. pass. 40 — Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Sessão de 2 de junho de 1848. 41 — Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Ses­ sões de 2 de junho e 7 de junho de 1848. SILVA, João Manuel Pereira da. Memórias do meu tempo. Rio de Janeiro, Gamier, 1896. Tomo 1, pp. 167-183. 42 — Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Ses­ são de 3 de junho de 1848. SILVA, João Manuêl Pereira da. Op. c it., loc. cit. 43 — Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Ses­ são de 7 de junho de 1848. 44 — SILVA, João Manuel Pereira da. Op. cit. Pp. 169-176.

66

45 — IGLÉSIAS, Francisco. Vida política, 1848-1868, In O Brasil mo­ nárquico: reações e transações. São Paulo, Dlfel, 1967. P. 10. NABUCO, Joaquim. Op. clt. P. 69. 46 — INHOMIRIM, Francisco de Sales Torres Homem, Visconde de. O libelo do povo por Timandro. Lisboa, Tip. da Nação. 1870. P. 124. LOBO, Júlio da Silveira. Apontamentos para a história do se­ gundo reinado, / s . l . s . e d . / ,1895. P. 48. 47 — INHOMIRIM, F. de S. Torres Homem. Visconde de. O p. clt. P. 134. 48 — CUNHA, Euclides da. À margem da história. Porto, Ed. Lelc, 1926. P. 285. 49 — BRASILIENSE, Américo. Os programas dos partidos e o se­ gundo Império. São Paulo, Tip. Seckler, 1878. Pp. 15-32. 50 — CUNHA, Euclides da. Op. clt. P. 287. 51 — NABUCO. Joaquim. Op. clt. P. 681. 52 — MANIFESTO DO CENTRO LIBERAL. Rio de Janeiro. Tip. Am e­ ricana, 1869. 53 — HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil monárquico; do impé­ rio à república. São Paulo, DIFEL, 1972. P. 9. 54 — HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. cit. P. 129. 55 — SODRE, Nelson Werneck. Panorama do segundo im pério. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1939. P. 362.

67-

CAPÍTULO 2 RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO E VIOLÊNCIA 2.1 — Banditismo e luta de classes O banditismo rural foi.um fenômeno comum a quase todo o interior do Brasil e especialmente do Nordeste desde os tempos coloniais até a primeira metade do sé­ culo atual. Detemo-nos para este trabalho, na segunda me­ tade do século XIX, mais especificamente até 1889, con­ forme o plano geral que estabelecemos, que coincide com o início da fasè que Hobsbawm denominou de “fase epidêmica"1. Entre 1850 e 1889, o surto de banditismo no Nordeste tem seus momentos de maior intensidade e de declínio, tornando-se de fato epidêmico após 1870. Sua incidência é maior nas épocas de seca ou convulsão social, prenun-ciando-as, coexistindo com as crises ou como resultado delas. Quadro das principais ações das mais importantes quadrilhas do Nordeste entre 1850 a 1889

1850

\

Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Sergipe Alagoas Bahia Totais

60 11 — 6 1 7 8 2 3 — 38

70 —

80 —

3 4 6 1 1

5 17 4 14 32 11 6 9

18

98



3 —

1889

8 15

11 15 28 5 34 45 19 18 25

46

200 -



10 2 —

10 1 —

69

Conforme o quadro apresentado, observa-se que o banditismo rural teve sua maior intensidade na década de 70, seguida da de 80 e depois de 50. Sua explicação pode ser encontrada nas convulsões sociais, climáticas e crises econômicas que; desorganizando a produção, reduziram substancialmente as condições de vida de parcelas con­ sideráveis da população, impelindo-as para a marginalização social; além disso, as revoltas ou sedições como eram chamadas, transformavam seus participantes, após a derrota, em foragidos da lei que encontravam no “can­ gaço" uma forma de sobrevivência e manutenção da liberdade. Ao iniciar a década de 50, encontrava-se o Nordeste às voltas com os reflexos da seca de 1844-46 a qual se acrescentaram os repiquites (pequenas manifestações de seca) de 1851, 52, 55 e 56. Tivemos também a Praieira (1848-49) e a revolta de 1851-52 que, em conjunto com os desequilíbrios climáticos, contribuíram para este assina­ lado aumento. A década de 70 foi extremamente problemática para o Nordeste. Em 1869-70 uma seca mais forte assola a região, destruindo as plantações e trazendo um cortejo de fome e doenças. Em 1872 e 1873, chuvas excessivas provoca­ ram .inundações, impedindo a recuperação. Em 1874-75, juntamente, com a crise econômica e o declínio das ex­ portações, muitas localidades leyantaram-se em sedição a pretexto de oposição ao novo sistema métrico. Em 187779, nova seca, a maior de todas, dizimaria muitas vidas e faria crescer o banditismo, fruto da miséria ampliada.

Os anos 80 foram, também, extremamente difíceis. A intensidade da grande seca de 1877-79 tornava a recupe­ ração muito lenta. Para se ter uma idéia dos estragos causados, o Ceará perdera “ um terço da população pela fuga ou pela morte; a sua riqueza pastoril, que antes da seca se calculara em 24.000 contos de réis, não valia agora mais de 200 contos; a agricultura desaparecera com­ pletamente" 3. Quando parecia que a situação se enca­ minhava para a normalidade, ressurge a seca em 1888-89. “ A fatalidade não foi lutuosa como nas vascas de 1877 a 1879 mas destruiu a prosperidade renascente com uma violência desalentadora, a população proletária ficou re­ duzida à mais perigosa ociosidade e pungente m iséria "4. Quanto à origem social dos bandidos rurais, evidentèrriente não podemos acertarias-teorias que explicam

70

sua existência em termos de “reversão atávica” e de “instintos criminosos" de certa parte da população5. A nosso ver ele resulta das condições de marginalidade social a qual é relegada uma parcela da sociedade; par­ cela essa que, desprovida de “canais” por onde possam fazer suas reivindicações e sem mesmo ter consciência de que reivindicações podem fazer, vê parte de seus mem­ bros se insurgirem, podemos dizer, instintivamente, na forma de bandidos rurais que assim conseguem libertar-se das condições sub-humanas em que vivem. ' Segundo Hobsbawm,6 o banditismo rural aparece nas regiões onde a procura de mão-de-òbrà é relátivamènte pequena e onde o minifundismo e/ou a falta de terra não dão condições de absorver a população disponível para o trabalho. Desta forma, configura-se um excedente populacional que é levado a trilhar o caminho da_ migra­ ção, a engajar nos quadros militares ou para-mlli tares ou a dedicar-se ao banditismo. No dizer do autor citado, os bandidos podem sair também dentre aqueles que “não se acham integrados na sociedade rural”, tais como homens livres arruinados, escravos fugidos, fugitivos da Justiça, desertores e exmilitares. Outra categoria fonte de bandidos nò plano individual, é o caso daquele que se sentindo injustiçado ou perse­ guido, renuncia à aparente passividade do camponês, to­ mando o caminho da "resistência e da marginalidade”.

A nosso ver, o banditismo rural nordestino, na se­ gunda metade do século XIX, enquadra-ae perfeitamente nesta tip o lo g ia .^ Como explicamos em capítulo anterior, a estrutura agro-pastoril ali instalada levou ao aparecimento de uma enorme'“ massa” de moradores e jornaleiros, vivendo mi­ seravelmente e inativos a maior parte do tempo. Lá tam­ bém havia os “ fugitivos da justiça” , os “ escravos fugidos” , os “ desertores” , os desmobilizados do exército e da ma­ rinha e os injustiçados. As categorias utilizadas pelos relatórios oficiais para caracterizar o bandido servem de substancial fonte de re­ ferência para descobrirmos sua procedência. Relaciona­ mos a seguir 17 dessas expressõêsr ... 1 — “ desocupados, ociosos e miseráveis" 7 2 — “ criminosos, escravos fugidos" 8 3 — “ homens do com um "9

71

4 — “ociosos e turbulentos"10 5 — “não passam de escravos e de alguns indivíduos dados à crápula e à ociosidade"11 6 — “vadios que incomodam os fazendeiros"12 7 — “desertores e criminosos" 13 8 — “classe baixa e ignorante"14 9 — "última camada da sociedade"16 10 — “pessoas das classes ínfimas sobre as quais as paixões atuam desordenadamente"16 11 — ““desmobilizados da Guerra do Paraguai"17 12 — “numerosíssima classe dos desfavorecidos da fortuna"18 13 — “ociosos, vadios e mendigos"19 14 — “os analfabetos, os proletários, os homens ca­ recidos de todos os benefícios da civilização 20 15 — “população menos favorecida da fortuna"21 16 — “população sem trabalho assíduo e remunera­ do"22 17 — “população ociosa, vivendo instintivamente, sem educação, sem orientação religiosa, dominada pela paixão"23.

Por elas podemos verificar que se referem aos tipos citados por Hobsbawm e que, repetimos, engloba “ escra­ vos fugidos, desertores, criminosos, ex-militares" e a “ numerosíssima classe" dos camponeses sem trabalho \e sem terra, na época comumente denominada de “ prolletários*. j “Centenas de ociosos deixam o trabalho re­ gular dos campos* entregam-se nos povoados à uma vida precária e incerta, aumentando o núme\ ro de p r o le tá r io s e dos réus de polícia e mais t tarde degeneram em criminosos consumados"24. A visão que as autoridades têm desses “proletários é a mais elitista possível. Não compreendem ou não que­ rem compreender que viver na miséria e entrar no bandi­ tismo não é opção entre fartura-trabalho, de um lado, e ócio-pobreza, de outro, mas sim é o estado a que foram levados pela incrível discriminação social a qual foram relegados. Tornar-se bandido significa, no caso, a solução - extrema diante da penúria, significa, de certa forma, a "libertação", se bem que em termos individuais. A esse propósito um trecho do R e la tó rio do P re s id e n te da P ro v ín c ia d ê S e rg ip e , de~1865, torna-se peça antológica:

72

“ O s nossos campos quase sem amanho ves­ tem-se de flores e frutos; rios e ribeiros banham estas terras dotadas pela natureza da mais pro­ digiosa fertilidade; uma riqueza .imensa contémse no solo abençoado do Brasil. Entretanto, no meio de tanta riqueza vê-se uma infinidade de homens que se contentam com o produto espon­ tâneo de nossas terras, rios e costas, quando não preferem viver na miséria, a mais abjeta, es­ molando o pão da caridade para uma família caquética e pálida pela fome e pelo sofrimento” 25. Este mito da fertilidade e bonança do Brasil em con­ traposição ao da indolência do povo, iria ser repetido através dos tempos. Se problema há, diria o Presidente de Sergipe, em 1870, é em relação à população, entre a qual “o trabalho assíduo encontra em nosso país raríssimas vocações"26. O que se pode esperar de uma população sem terra e sem trabalho, lutando pela sobrevivência, submetida ao poder ilimitado dos senhores de terra que controlam a justiça e polícia, afastada da atividade poiítico-partidária e sem consciência de classe? Hobsbawm diz qüe o banditismo, ftrn si, “não cons­ titui um programa para a sociedade camponesa e sim uma forma de auto ajuda, visando escapar dela”. Diz também que os bandidos, “tomados em conjunto, representam pou­ co mais do que sintomas de crise e tensão na sociedade em que vivem” 27. O banditismo é, portanto, uma alternativa individual, da mesma forma que a emigração. Diante da perspectiva de fome, resta abandonar sua terra à procura de melho­ res perspectivas28 ou ficar, tomar das armas e lutar, à margem da lei, por sua sobrevivência.29 Ficar, também, significa adotar a conhecida postura do “matuto" que humildemente deve-se contentar com as condições impostas pelos donos da terra, o que significa a sujeição e a pobreza, quase sempre. Sintetizando este quadro de profunda violência so­ cial, temos a afirmação contida no Relatório do Presidente de Sergipe, em 1864. "Potentados, dispondo a seu sabor e impu­ nemente da vida e propriedade alheia, o poderoso, o rico soterrando o humilde, flagelando o pobre. êste“ procurando-sorver o sangue daquele” 30

73

1!

Em 1870, o Termo de Floresta (Pernambuco) estava infestado por um “grande número de criminosos, cerca de 120, em sua maioria, em grupos de 10 a 20", dentre estes sobressaíam-se os bandos de José Luís, da Serra do Una e Irapuá, os “Sabiocas", dirigidos por Laurindo Pe­ reira de Sá, o de Angicos, chefiados por Jovino Nunes de Sá e seus irmãos e o de São Gonçalo, chefiado por Francisco Leite; “o primeiro vive de roubos e auxitia o segundo e terceiro que se acham em guerra com o quarto". 3:1

____________ _________ - 1889)

De fato era para preocupar. As quadrilhas chegavam a formar verdadeiras hordas. Os “Viriatos" que se apre­ sentavam “uniformizados, bem armados e montados" e cujo número gravitava em torno dos 80, chegaram a ter, em 1878, 100 e mesmo 150 elementos. Igualmente nume­ roso eram os bandos dos “Quirinos" e “Calangros" que também alcançaram a enorme cifra de 150 componentes. Estes bandos numerosos muitas vezes eram associação de pequenas quadrilhas de 10 a 20 pessoas. Tal foi ó caso do bando do “célebre José Ataíde” que, quando entrou na Comarca de Buíque (Pernambuco) em 1877, fugindo do Piauí, teve suas hostes acrescidas com bandos vindos de Pajeú e Souza, também comarcas do Sertão nordesti­ no.

__________( 1 8 5 0

(^banditismo rural, por sua intensidade neste período, preocuparia constantemente as autoridades. Temiam sem­ pre que pudesse se transformar em algo maior, pois como disse Nabuco de Araújo, em seu relatório como Ministro da Justiça, em 1854, eles “revelam a fraqueza, do princípio da autoridade"; completava o Ministro, dizendo que se tornava necessário a adoção de medidas que fizessem cessar "esse estado violento e anti-social".31

P R IN C IP A IS QUADRILHAS QUE ATUARAM NO NORDESTE

Nestes 39 anos é consideravelmente espantoso o número de bandos que infestou o vasto sertão nordestino. Praticamente torna-se impossível fazer um levantamento de todos eles, mas conseguimos relacionar 4,7 das mais importantes quadrilhas citadas nos relatórios oficiais, con­ forme pode-se ver no quadro a seguir.

I

s-

todo 0 alto sertão de Pernambuco

16

1 8 7 0 -7 8

João

17

1870-71

Camisa Preta, de Antônio Higino de Holanda Leiros José Antônio de Sousa Uchoa Vicente Ferreira Lima Valentim Plácido e Juvêncio Beato , Jesuíno Brilhante /

18 19, 2C?.

1871 1872 1873

21 1 •*

1873-1880/82

e J o a q u im

N a z á r io s

C ru z

do

Esp.

S a n to

( R io

G de.

do Norte Çaníndé (Ceará] Pernambuco e Paraíba Xique-XIque (Bahia) Paraíba, Ceará e Rio G. do Norte "

1



1

Serra de Marabá (Sergipe) Ilha do Ouro (Sergipe) Piauí, Ceará, Pernambuco Agreste de Pernambuco Sertão de Pernambuco Ceará Comarca de Jardim (Ceará) Xique-XIque (Bahia) Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte

22 23 24 25 26 , 27 28 29 30

1876 1876 1876-78 1877 1877 1877 1877 1877 1870-1883

Manuel Joaquim Pacheco Barroquinhas José Ataíde Siqueira José Talhado Manuel de Melo Luís de Góis Rolas Pedro Ferro Viriatos

31 ,32 . 33 34

1870-1880 1870-1880 1878-1887 1878

Ouirinos Calangros Adolfo Rosa Meia-Noite Meireles

35 36 37 38

1878 1879 1879 1880

Pedro Simplício dos Santos Carões Calabaças Frazões

Carirl (Ceará) Termo do Príncipe Imperial (Piauí) ’ Comarcas à e Jardim e Crato (Ceará)

r 39

1880

Pereiros

Cariri (Ceará)

40

1882

V

Oton Cícero de Andrada Ceciliano e Brandão Ataíde José Vieira

44 45 46 47

1886-87 1887 1887 1865

íesertor Pompeu Manuel Antônio Bundões Liberato Cavalcanti de Carvalho Nóbrega



n

Pernambuco e Paraíba Termo de Pau dos Ferros (Rio Grande do Norte)

Sertão da Paraíba I

1884 1884 1885

',

m

Luiz Rio Preto

41 42 43

apesar de sua morte em 1880, a quadrilha (os Brilhantes) continuou a agir até 1882 aproximadamente

“a quadrilha mais audaz tem visto 0 alto Sertão*

Comarca de Palmares (Paraíba) Jererhoabo (Bahia) Comarcas de Brejo Grande, Areia, ‘ 0 terror do Sertão” Maracás, e Amargoza (Bahia) Comarcas de Patos e Pombal Minas do Rio das Contas (Bahia) Comarca de Parnaguá (Piauí) Patos (Paraíba)

Fontes: Falas e Relatórios do Ministério da Justiça de 1850, 1866, 1868, 1870, 1871, 1872, 1878, 1882, 1886, 1887, 1888; de Alagoas de 1853; da Bahia de 1867, 1873, 1877, j 1878, 1884, 1885; do Ceará de 1869, 1870, 1871, 1877. 1878J 1880, 1881; do Maranhão de 1354: da Paraíba de 1851, 1865, 1873, 1877, 1882, 1886, 1887: de Pernambuco de 1853, 1865, 1868, 1869, 1870, 1372, 1877, 1878. 1884; do Piauí de 1877, 1879, 1887; do RIs Srande do Norte de 1876, 1879, 1880; de Sergrpe de 1876.

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Em 1878, “Meireles" e “Viriatos" uniram-se para inva­ dir e saquear a povoação de Lufs Gomes, no Termo de Pau dos Ferros (Rio Grande do Norte). 34 Em 1887, o^ fa­ moso Adolfo Rosa Meia Noite uniu seu bando ao do "de­ sertor Pompeu" e juntos fizeram uma “razzia" no Termo de Patos e ameaçaram invadir a cidade de Pombal, na Paraíba.35 É de se observar também a pouca mobilidade desses bandidos^ no sentido de que atuavam quase sempre na “sua região" e dela saindo quando eram perseguidos mas retornando assim que cessava o perigo; se atentarmos ao fato de que o ataque de um desses bandos quer seja à força pública, à uma vilã ou à uma fazenda, normalmente era citado nos relatórios oficiais, poucos foram aqueles citados por mais de uma província. Os mais andarilhos parecem ter sido os “Viriatos", os “Quirinos" e os “Calangros" que atuavam em quatro províncias, a saber: Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte; o bando de Jesuíno Brilhante agia nos sertões do Ceará, Paraíba e Rio Grande dó Norte; o de Vicente Ferreira Lima restringia-se à Paraíba e Pernam­ buco, da mesma forma o de Francisco Correia de Ataíde Siqueira e o de Adolfo Rosa Meia Noite; os demais limltavam-se a uma província e muitas vezes a uma comarca da província. O seu mundo era limitado, da mesma forma que era limitada a perspectiva de vida e sobrevivência no sertão nordestino. Na verdade as quadrilhas não duravam muito, nor­ malmente um ou dõís anos. 36 Algumas tiveram uma atua; çãó verdadeiramente longa, em comparação com as de­ mais: os "Viriatos" agiram aproximadamente durante 16 \ anos (1870-1886), mesmo tendo sido anunciado seu fim 1 em 1881 37; os “Quirinos" e “Calangros" aproximadamente 10 anos (1870-1880); com 9 anos de duração temos as de Antônio Pereira de Carvalho (1869-1878), a de Jesuíno Brilhante (1873-1882) 38 e a de Adolfo Rosa Meia Noite ,J1878-1887), e finalmente, com sete anos a de Francisco Correia de Ataíde Siqueira (1865-1872). Esses bandos viviam do roubo de gado, dinheiro, tecidos e gêneros em geral,39 o que é compreensível dada sua condição de marginalizados socialmente. Em 1877, o Presidente da Província da Paraíba reclamava da "audácia dos criminosos (que) chegou ao ponto de assaltar a casa da coletoria das rendas (da Vila de Teixeira) para rou­ bá-la”. 40 78

Sua “audácia” não se limitava a isto. As vilas e po­ voados do Sertão e mesmo do Agreste' não- tinham tranqüilidade. Freqüentemente eram cercadas, exigindo “compensações'"“ em “aiTmentos ou dinheiro para - serem invadidas41 ou eram invadidas de fato. “Entravam de púhllco nas vilas je povoados, soltavam os presos, tributavam a população, declaravam-se seus protetores contra os outros bandos" 43. Quando os “Meireles" e os “Viriatos” invadiram a povoação de Luís Gomes, no Rio Grande do Norte, não só roubaram “grande porção de gêneros alimentícios, de fazendas, gado e dinheiro" como também “jóias e sagra­ das imagens". Nem as igrejas eram poupadas. Quando invadiam as vilas, cometiam as maiores tropelias, rou­ bando, matando, surrando as pessoas e invadindo as casas e, em Xique-Xique, na Bahia, chegaram a demolir a casa do Juiz Municipal. Para não sofrer vexames, ao_ pri­ meiro sinal de aproximação dos bandos, as populações preferiam, muitas vezes, retirar-se das vilas .43 " Os “façanhudos.” estabeleciam seu “quartel general” fora dos povoados, num ponto estratégico, geralmente nos limites de duas ou mals^prõvíhclás,'nos lugares de difícil acesso ou mesmo na confluência de rotas, contro­ lando as estradas e regiões próximas. 44 Em 1872, reclamava o Presidente de Sergipe que “os bandidos estabeleceram-se numa linha que prende o Ro­ sário, Pé de Banco, Divina Pastora, Capela, Missão de Japaratuba, Nossa Senhora das Dores, com relação tam­ bém a Laranjeiras e Pintos" e anunciava que a localidade de Porto da Folha era “o centro de operação de um grande número de criminosos", cuja captura interessa à Bahia, Alagoas e Sergipe.45

Entre os “ valhacoutos" mais famosos destacam-se os de Serra Negra (Comarca de Pajeú das Flores) em Per­ nambuco, ondé>-entre bandidos, acoitaram-se muitos dos foragidos da revolta conhecida como Praieira, nos primei­ ros anos da década de cinqüenta e o da Mata de Itabaiana, em Sergipe, que pela extensão das matas permitia a for­ mação de verdadeiros arraiais: Olho d ’Agua, Pedra Mole, Jacoca, etc. Havia também os de Cedro e Boa Vista (Ser­ gipe), durante muito tempo considerados impenetráveis e imbatíveis.46 .. -

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Os “Viriatos" possuíam um couto no sítio Queimadas (Termo de Milagres), no Ceará, outro no sítio Jatobá (Ter­ mo de Teixeira), na Paraíba, e em 1878, ocuparam a povoação de Boa Esperança, no Ceará, que havia ficado “de­ samparada" pelos habitantes em consequência da grande seca.47 Em 1881-82, o famoso bandido Adolfo Rosa Meia Noite, assentou “sua tenda" no pequeno povoado de Mal­ ta, na Paraíba, e “aí irqpõe suas contribuições a todos os viandantes, não excetuando os pequenos destacamentos v que se dirigem para o alto sertão"43 A própria força pública algumas vezes a-sles-sfi_aliava, como ocorreu", por exempíõT na Invasão da vila de Xftjüe-Xique, na Bahia, em fevereiro de 1882, “ficando se­ nhores da vila, criminosos e força pública"49 que se en­ tregaram ao saque. As.viagens pelo interior, priaclpalmente o Sertifo,exi­ giam a organizaçã o d e proteção, como se fora a um ter­ ritório inimigo, necessitando-se, como disse o Presidente da Província do Maranhão, de um “aparato de armas e pei­ tos largos" para “aventurar-se pelos sertões". Os enge­ nhos e fazendas precisavam organizar" sua defesa pois podiam, de uma hora para outra, ser saqueados. Na. época da seca de 1877-79, não escaparam dos assaltos nem os socorros enviados aos flagelados; neste caso; aos ban­ didos juntaram-se os famintos.50

Os bandidos ora agiam por conta própria, ora se en­ gajavam ao lado de uma parcialidade em uma contenda, atuando como verdadeiros mercenários a “ serviço de guerra". As autoridades, frequentemente, queixavam-se da proteção que as “ influências" locais davam aos bandidos, utilizando-os pára suas “ tarefas” , formando um verdadeiro “ cortejo de desertores e criminosos de que se cercavam e alimentavam em suas propriedades, com o intuito, uns, de somente se defenderem de assaltos, a que a guerra civil e as violências dos vizinhos os acostumaram e, ou­ tros, também no intuito de se fazerem temidos, de opri­ mirem seus vizinhos, vingarem-se. de seus inimigos e até imporem à autoridade certo receio de os punir".51 Em 1852, o Presidente de Sergipe sugeria a adoção de “ fortes multas” aos proprietários que não declarassem perante a autoridade policial do distrito" o nome, profis­ são e mais distintivos das pessoas que de novo fossem habitar suas propriedades, quer a título de fâmulos, quer

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de operários ou de simples moradores” 6Z. O Presidente de Pernambuco, em 1857, diz que, com a diminuição dos ..braços escravos", os proprietários têm interesse em chamar a ocupações úteis, homens cuja ociosidade eles alimentavam , esperando, dessa forma, que os homisiados sejam “mais empregados na cultura dò que nas vin­ ganças e violências" 53 -. ^7 Mas não eram só os “poderosos" que usavam as quadrijhas, também os de menos posses utilizavam-nas. Em 1877, ehTÃgüãs Belas, Pernambuco, a família Pesquira, para vingar a morte de um de seus membros, contratou vários bandos, entre estes o do célebre José Vieira, co­ nhecido como “o terror do sertão". Erh seu relatório, o Chefe de Polícia da província comentava: “Outrossim, sendo os irmãos e cunhados de Pesquira pobres e tendo já dispostos dos poucos bens que possuíam para manter esse grupo de criminosos, é de recear que em breve come­ cem as depredações com as consequentes de­ sordens".54 A contratação de bandos para causas particulares era, da-certa-forma, perigosa, pois qualquer deslise no acordo ou mudança de planos, faria com que os “facinorosos" vol­ tassem contra o próprio contratante.ou Jocalídacfe.

Em 1878, a vila de Xique-Xique sofreu um saque desse tipo. Nas lutas políticas em que se envolveram as “ parcialidades” da Comarca, os chefes acabaram perdendo o controle sobre “ seus homens" que passaram a saqueá-la, “ apossando-se dos gêneros e de tudo quanto podem rou­ bar”, numa época em que a vila já lutava com a “ seca e a fome”, em decorrência da grande, seca de 1877-79.55 A justiça e polícia no lugar de serem um recurso à exploraçãcT-! - ! defesa dós direitos individuais, consti­ tuíam-se elas próprias em formadoras de bandidos, pois funcionavam como extensões da vontade e arbítrio dos "potentados" locais. O Dr. Antónioi Borges Leal Castelo Branco, ao deixar a presidência de Pernambuco, deu um retrato da situação das comarcas do interior: "Espancamentos, ferimentos e outras violên­ cias exercidas sobre adversários políticos, pelas próprias autoridades, a pretexto de diligências legais; prisões arbitrárias, usa freqüente de al­ gemas, de troncos e de ferros; perseguição_‘ de 8l

adversários, buscas ilegais a pretexto de recru­ tamento ou de crimes supostos, processos acin­ tosos . . . " 56 A polícia, instrumento dos senhores, agia abusiva­ mente, efetuando “prisões fora dos casos previstôs e de­ terminados por le i" .57 Prende-se injustamente, forjam-se provas, maltrata-se a vítima, transformando o sertanejo em revoltado e fazendo a polícia ser encarada como inimiga. Juizes e jurados, com exceções raríssimas, atuavam facciosamente. A “desigualdade na imposição da péna* e á~fãltã de^íntegridade moral” que os caracterizavam^ tor­ navam-nos desmoralizados “perante a opinião pública", im­ populares, e, até mesmo, odiados.58 Além disso, a justiça era-Jjiorosa; uma morosidade muitas vezes intencional mas quase sempre fruto da excessiva burocracia ou da incompetência dos “bacharéis". Essa lentidão na resolu­ ção das causas que eram levadas aos tribunais, provocava a exacerbação das partes e a tendência a resolverem por si o que a justiça protelava; podiam chegar à luta armada èr dependendo das pártes ènvolvidas, transformavam-se em réus, passando a ser perseguidos pela polícia como cri­ minosos. Entre os casos mais notáveis desse tipo, encontra-se o conhecido como o dos “criminosos doTará", distrito de Jeremoabo, na Bahia. Durante vários anos uma contenda, por questões de terra, envolveu duas famílias da região. A morosidade da justiça levou-os a entrarem em luta e a transformarem-se em criminosos procurados, pela polícia. Acusados, a seu ver, injustamente, privados de cultivar suas terras, optaram pelo banditismo; nessa condição fo­ ram exterminados; do relatório do delegado de polícia de Jeremoabo consta: “Corria há anos perante o juiz municipal de Je­ remoabo, um pleito entre José Bahia e Antônio Vítor, por motivo de posse de terras, sem que nenhuma das partes pudesse conseguir qualquer decisão, chegando finalmente ao estado de desânimo por terem esgotado seus recursos pecuniários. Começou ManueJ Vítor a lançar mão do gado de José Bahia, sob o pretexto de recuperar o prejuí­ zo que lhe causara a ação judiciária. De novo recor­ re José Bahia à justiça, dando queixa contra Manuel ■*-' Vítor “pelo-crime-de Jurto ç}e gado e tem a mesma

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sorte que na sua prime meio para garantir sua pi a comer gado de Manue Com semelhante exempt dade ( . . . ) começaram nãr der gado roubado indistir Segue, no relatório, a desc Finalmente o envio da polícia p nação em dezembro de 1871, de ques. Nesse período, de 1869 em “bandidos que assaltam alte: das três províncias (Bahia, Per'bando e assassinando”.60

na f a . de outro de corms:a também a faze~ :a de Tará. nados ::: e a impuniomer. :: no a vene",59 -s lutas entre eles. odê-los e sua elimidois a : s de chotrans- : -maram-se ente as copulações -o e A a coas), rou-

A “repugnância" da popular; tamento provocava atritos. Era Àqueles que eram procurados p. tentavam evitar sua captura, dmortes, e a possível transforma víduo marginalizado, acusaoo c Também os desmobilizados retornarem iorneceram elemer mero de bandidos. Ao deixar r vam para sua província e. n' mentavam a "estatística cri Ajoopulação não recí: Ajudavã- fornecendo “gera quando da aproximação d.. liando aos malfeitores do c .

sujeitar-■se ao recruautênti: a "caçada”. scoltas secadoras", do res . :ar lutas e design ?.co em indi.ál

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segundo„Jugar(,porque o nomeado não aceitou; o tercéiro* suplentel Bacharel João Silvério Marques Bacalhau é cunhado do Capitão Tomás de Albuquer­ que Maranhão, mano daquele Tenente-Coronel e diz-se será e le ’o Juiz protetor daqueles indiciados! Assim, Exmo. Sr., para proferir qualquer decisão contra o predito Tenente-Coronel Maranhão e ou­ tros terei de vê-los em poucos dias passeando Im­ punes e por este módo zombando das autoridades e das l e is .. ." 94* ' . Diante do quadro apresentado, o Presidente da Pro­ víncia pede esclarecimentos ao Ministro da Justiça. Do Ministério respondem que 'o Juiz Municipal (deve) cum­ prir os seus deveres,1proferindo a decisão que julgar acer­ tada* e que sua consulta carece de fundamentos já que "nada tem que ver com o procedimento presumível do Juiz de Direito". O Juiz de Direito retruca fazendo várias acusações ao Juiz Municipal, lembrando os processos em que o mes­ mo esteve envolvido em 1865 por corrupção e dá outro sentido aos fatos, fazendo-os aparecerem como atitude da população revoltada com a cobrança dos impostos e o recrutamento que entende estar sendo feito de- * forma exagerada". - Em princípio de-janeiro de 1868, tendo terminado o quadriêni.o do Bacharel Maximiano Francisco Duarte, co­ mo Juiz Municipal, assume um suplente que logo de ime­ diato determina a “despronúncia", em grau de recurso, do Tenente-Coronel Maranhão. Por decreto de 1.° de julho de 1868 foi removido para a capital do Rio Grande do Norte o Juiz de Direito da Comarca. Esta remoção havia sido pedida, em junho de 1867, pelo Presidente Barão de Vila Bela, por ser ele “parente e amigo” do Coronel Maranhão. Vindo a ser feita em julho de 1868 não surtiria mais o efeito desejado, pois o “indigitado" já havia sido despronunciado desde janeiro do mesmo ano. Neste mesmo mês (julho) de 1868 caía o gabinete liberal e assumia o poder o partido conservador; a partir de então, até 1875 (abril).o processo andou sumido ou "en­ gavetado" propositalmente, pois entre aquelas datas não consta nenhuma anotação. Em abril, por solicitação do Ministro, o processo sobe novamente ao gabinete; o Mi­ nistro demonstrava desejo em conhecer'os- acontecimen­

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tos que envolveram o Tenente-Coronel e até que -ponto ele esteve implicado. Ocorrera em dezembro de 1874 e princípios de Ja­ neiro de 1875 a sedição que ficaria conhecida pelo> nome de “quebra-quilos", na qual o Tenente-Coronel Maranhão lutou ao lado das forças imperiais. Não sabemos a que se deve esse engajamento, a hipótese mais provável é que tendo sido processado numa administração liberal, o coronel teria, na participação ao lado dos conservadores agora no governo, uma forma de vingar a “afronta" so­ frida. Como não tivesse sido jsondenado e, inclusive, havia sido despronunciado, muito embora o processo não tives­ se tido tramitação imparcial, o Tenente-Coronel Luís A I-_ buquerque Maranhão seria citadcTdê rfiSifSTráelogiosa no~ Relatório apréséritadò pelo Ministro da Justiça, Manoel Antonio Duarte de Azevedo, em maio de 1876, à Assem­ bléia Geral. A sua ação a favor do governo imperial fizera com que ele passasse de suspeito de atentado contra o Estado a digno defensor do mesmo.95 Configura-se nestes acontecimentos toda a caracte­ rística das relações entre o poder público e o poder pri­ vado. O CoropeL-Maranhão, grande proprietário pernambjucano, reconhecidamente réu dé crime de sediçaõT con­ trola as autoridades locais menos uma; esta, impotente,, acaba vencida apesar dos apelos ao Presidente da Privíncia e à Corte. Oito anos mais tarde, o mesmo coronel é elogiado publicamente perante o parlamento imperial pela ajuda prestada na repressão à revolta de 1874-75. Durante toda a fase do processo, o governo imperial omite-se o mais que pode. Aconselha o cumprimento da lei, embora saiba que sem burlar declaradamente a lei o coronel poderia manobrar seus principais executores; quando chega a tomar alguma decisão mais séria, como a remoção do Juiz de Direito, é porque este ato não se fazia mais necessário. O coronel é colocado numa espécie de “limbo” até que oito anos mais tarde, Estado e Co­ ronel se reconciliam quando este último, retribuindo a omissão do primeiro, luta para defendê-lo. Terminava bem o “affair"; cada um cedera um pouco para, poder manter-se o equilíbrio e — poder público e poder privado — demonstravam que existia entre eles maiores pontos ^de identidade do que de atrito. Cientes de sua impunidade, os grandes proprietários _agiam Ignorando a legislação e os crimes- em que pode-

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riam incorrer. A lèrèra' aauela q u e o costume havia esta­ belecido e que se baseava " s ÕErêtOclo no respeito soberania do senhor sobre todá~lPre^ãQ~Quê~7íõntrôlava . : Desta forma, no "seu/código particular não slTãdmitia que qualquer fato se passasse no seu “domínio" sem sua aprovação ou que não levasse em conta sua ascendência. Os atos governamentais e as decisões dos tribunais só eram respeitados se estivessem de acordo com seu interesse, caso contrário eram declaradamente contesta­ dos. As autoridades "locais se mantinham enquanto assim o permitiam os “coronéis". Em 1853, Francisco'Nunes de Barros,. insatisfeito com o subdelegado da Freguesia de Cabrob& Manoel ^lorentino Melo Montenegro, cercou a vila “com geatè^armada, colocou vedetas nas suas avenidas" e invadiu a, casa daquela autoridade policial matando-o.96 Da mesma forme foi assassinado o coletor de Quebrangulo, em Alagoas e foi expulso da vila o comandante do destacamento po­ licial, por um grupe*; de mais de 100 pessoas armadas sob as ordens do Capitão José Pereira Barbosa; igual fato deu-se também na vila de Traipu, na mesma província', quando foram expulsos o Juiz de Direito e toda a força pública. 97 Opondo-se a mandado Judicial que determinava a penhora de seus bens, por dívidas para com a Câmara Municipal na importância de 20.000SÓ00, Manuel Fernan­ des da Costa, Senhor do Engenho Brasileiro, reuniu seus agregados, armou-se e acastelou-se na sua propriedade.98 Como o Delegado de polícia do Termo d©: São Miguel, em Alagoas, determinasse a prisão de alguns agregados do senhor de engenho, tenénte Balbino de Almeida Braga, este organiza um pequeno “exército" composto de apro­ ximadamente 400 homens e resiste à força pública.99 O Capitão Adriano Cavalcanti de Albuquerque, grande pro­ prietário do Termo de Piancó, na Paraíba, dirigindo uma força de 300 homens em armas, invade a vila, assalta a cadeia e liberta um seu parente acusado de introdução de moeda falsa; assim também procede o Capitão João Pais de Sá Barreto que assalta a cadeia de Souza, também na Paraíba, à frente de 50 Guardas Nacionais e libertam os presos. 1001 ~ A petulância dos “coronéis” não se lim itava.a um determinado ataque às vilas e cadeias para expulsar ou assassinar autoridades e libertar os presos; alguns desses potentados chegaram a manter durante várias semanas

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ou mesmo anos, as vilas sob sèu domínio absoluto, ignorando_as^aütõrldades--norneãdas pela província ou Corte . Um dos casos mais longos-em que o governo provin­ cial não Gonsegüiu controlar úma região foi o de Grajaú, no Maranhão que de 1885 a 1889 ficou sob o mando do “coronel" Leão Leda. * Em 1885, por questões políticas, o “coronel" Leão Rodrigues de Miranda Leda, acompanhado de “amigos, fâmulos è pagens", invadiu a cidade e expulsou as prin­ cipais autoridades e o destacamento local. Grajaú ficou totàlmente entregue aos homens de Leão Leda. Segundo o Chefe de Polícia, várias famílias abandonaram a cidade, “o comércio ficou entorpecido, crescendo excessívamente os preços dos gêneros alimentícios, porque os lavradores deixaram'de frequentar ó mercado". Com a chegada do Chefe de Polícia, acompanhado dè um batalhão da força pública, os ânimos acalmáram-serTentou-se nomear novas autoridades para o lugar das que haviam fugido, mas essas recusaram-se a aceitar a indicação. Instalou-se um pro­ cesso crime contra os principais implicados, inclusive Leão Leda. Fèito isso e afinal encontrando um bacharel que resolveu assumir o cargo de Delegado^ o Chefe de Polícia retirou^se alertando para ò fato de que a pacifi­ cação era” relativa e não duraria muito tempo. Logo depois, por insuficiência de provas e falhas no processo, a Relação de São Luís anulava-o. Com a partida do Chefe de Polícia e a anulação do processo, Leão Leda voltava a invadir a cidade. A partir de então as autoridades provinciais per­ deram o controle sobre o município. Os relatórios a cada ano registravam as arbitrariedades daquele potentado e o último relatório do Ministro da. Justiça do Império, de 18 de maio de 1889, ainda Comentava que o Juiz de Direito que tentara mais uma vez instaurar um processo contra Leão Leda tivera que fugir da cidade e que sua casa fora saqueada.101

LLm-Ufos-motivos que deu lugar a-inúmeros confron­ tos de “ coronéis" com ás aütorídades foi o problema do rècrutamento para o exército e armada. Até a publicação da~ÍêF 2.556, de 26 de setembro de 1874, que institu iu juntas de alistamento e o sistema de sorteio, o recruta­ mento era feito por uma pessoa de livre nomeação dos Presidentes das Províncias (fixado pelo decreto 73, de 06-04-1841) a qual estava encarregada de- recrutar “ todos os homens brancos solteiros e ainda pardos libertos ;de~

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idade de 18 a 35 anos", respeitando-se as isenções da Portaria real de 10 de Julhó de 1822. O recrutamento, de certa forma, caía somente_sobre a DopuTãç^m|1sjiobreiá-qaé a lei n.5 45, dê 29 de agosto de 1837, que detèrminou inclusive o recrutamento dos guardas nacionais, permitiu que os recrutados pudessem dar substitutos ou serem dispensados med ja n t e j) . paaamento de 400 mil réis. Esse tipo de recrutamento trãnSfõrmou-se numa arma de perseguição política ou de simples desafetos dos grandes proprietários que tinham influência sobre os recrutadores; a todo instante o indi­ víduo podia ser recrutado e preso, caso resistisse a con­ vocação, ficando a partir de então subordinado à severa disciplina militar da época. O recrutamento tornou-se uma ameaça constante que pesava sobre os habitantes que o viam como um castigo e enchiam-se de pavor diante da simples menção da palavra. . . Para evitar-se os abusos do recrutamento constante, o decreto n.° .1.089, de 14 de dezembro de 1852, determi­ nou que cada província teria um número certo de recrutas para fornecer a cada- ano, fixado antecipadamente pe o governo imperial, e distribuído proporcionalmente pelas respectivas freguesias. Por cada recruta ou voluntário que conseguisse, o recrutador recebería 5 mil réis, importân­ cia essa que foi alterada pelo decreto n. 2.171, de 01-05-1858, para 10 mil réis por recruta apurado e 20 mil por voluntário, transformando-se o recrutamento num ver­ dadeiro negócio. . Mesmo a fixação de cotas anuais e as isenções nao impediram o abuso e a ilegalidade. Pela forma como foi colocado em vigor, o recrutamento passou a ser conhecido

como “ imposto de sangue” , dada a violência de que se revestia, com os recrutados quase sempre sendo levados acorrentados e conservados em prisões até o juramento da bandeira, e também pelo fato de “ roubar" da família, .por cerca de seis anos, um de seus membros que partia com destino ignorado. Em resposta às “ caçadas dos re, crutadores realizaram-sé autênticos motins, principalmen' . te de mulheres, em várias localidades, as famosas fugas / para as matas e choques armados.102 O coronel que tinha para com sua gente o compromisso moral de resolver seus problemas, principalmente dê defendê-los ;de outro poder coator, quer fosse o Estado quer-.fosse um rh/af, quase sempre era chamado pelos

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seus dependentes", para libertar o recrutado. Por outro iado, oj^qrutamento de seus homens signifies™ « ã í . m m m s à õ T S T S ç ã r p ã i^ ^ e d íS lS P g - ^ - i ^ T O ^ - d o - g a r - exército- SFivadn. B S r f c r f . suma importância e-qlte--prõvõciriam verdadeiros comba­ tes entre as forças do coronel e as da autoridade Inúmeros foram os casos de patrulhas encarregadas de recrutamento que foram, atacadas pelos “cabras" dos , coronéis e tiveram que retroagir e de senhores que com sua força privada recebiam b fogo as tropas que tentavam entrar nas fazendas. Casos de assalto às cadeias para libertar recrutas também não foram poucos; como por exemp o, o que se verificou na Paraíba, no município de Pombai, onde os coronéis João Dantas de Oliveira Rocha, Vicente Jose da Costa, João Jerônimo Pereira, Pedro Dan­ tas de Oliveira Rocha e outros, à frente de mais de 100 homens armados invadiram a cidade e libertaram todos òs recrutas.103 Dentre os conflitos havidos por causa do recruta­ mento, sem dúvida, um dos casos mais sérios foi o que ocorreu nà vila da Imperatriz, em Alagoas.104 A 29 de janeiro de 1868, a vila da Imperatriz foi invadida por uma jorça de cerca de 200 homens, dirigidos pelo sub-delegado de Caruaruzinho, Joaquim de Araujo, e o advogado Luís Godoi Vasconceios, que atacou a cadeia para libertar um indivíduo recrutado, segundo diziam, ilegalmente pelo alferes Pinheiro. Após a luta com a força pública, os invasores, sem conseguir o seu intento, acamparam a três quilômetros da vila, na localidade de Várzea Grande, onde pouco a pouco viam: engrossar suas fileiras; a eles ade­ riram vários coronéis com seus agregados, entre os quais o grande proprietárjo Tenente-Coronel Joaquim da Silva Corrêa e Almeida Braga, este último trazendo um “exér­ cito de cerca de 200 homens. As notícias chegadas a Maceió davam conta que a formidável força preparava-se para atacar a capital. O governo provincial arregimentou as tropas que possuía e as forças que foram colocadas a sua disposição por alguns fazendeiros, entre os quais o Barão de Jequiá que, somente ele, forneceu 500 homens. A 12 de fevereiro ocorreu o choque entre as duas facções no lugar conhecido como Cabeça de Porco, onde os re­ beldes foram batidos mas não derrotados. Continuavam eles, apesar do fracasso, a dispor de grande poderio e a ser uma ameaça à paz da província. Para sanar defini­ tivamente o problema, foi encarregado de mediação o

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Dr. José Torquato de Araujo Barros, com “trânsito^ livre" nos dois lados que finalmente conseguiu que os “caudi­ lhos" desistissem da rebeldia. Por decreto imperial de 13 de maió de 1868, o pre­ sidente Antonio Moreira de Barros era demitido do cargo; o vice-presidente que assumiu interinamente, Silvério Fer­ nandes de Araújo Jorge, em relatório com que transmitiu \o cargo ao novo presidente José Bento da Cunha Figuei­ redo Júnior, informava que substituiu alguns recrutadores e nomeou "outros em maior número" com vistas a “evitar os males de um recrutamento feito quase às cegas pelos recrutadores gerais òu de amplos distritos, cujo pessoal desconhecem, e atender á escrúpulos de alguns chefes da Guarda Nacional que desejavam ser os exclusivos recru­ tadores . . ! " 105 O novo presidente, José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, ao abrir a Assembléia Legislativa pro­ vincial, a propósito do recrutamento, dizia que seguindo “instâncias do Governo Imperial", tem procurado fazê-lo de modo a “evitar reclamações fundadas e o choque entre a Guarda Nacional e as autoridades locais".106 O governo imperial adotava jnals jjm a vez uma^solução conciliatória. Ante as* exigências do poder privado _ prêTeríâTcedér^m parte; alterava a administração, subs­ tituía os recrutadores que haviam errado problemas, no­ meava novos e aconselhava evitar atritos. Oj^eçrjutamento Continuava z ser,feito mas. aaoréu^de acordo com os chefes locais,.,os -coronéis da-Guarda NaçjonsT

Por mais que quisesse parecer acima do poder privado, TTEStado' acabava por ceder ante o formidãveípoder dos grandes pTõprjetários. O Estado só conseguia fazer-se atuante, assím mesmo relativamente, quando em determi­ nada região o poder privado encontrava-se dividido pelas 7 rivalidades entre facções poderosas, mas tendo que ade\ rir a um dos lados' acabava por entregar os principais cargos a representantes indicados por aquela facção. Caso contrário, em que um coronel de fato tivesse ascendência sobre toda a região, isto é, em que o poder privado local estivesse uníssono em torno de um homem, o Estado teria que entrar em acordo com ele, quase sempre servindo-o,107 ou então, se tentasse fazer-ihe oposição, o resultado era o desentendimento, o choque. A divisão das comarcas em. duas ou mais facções que se degladiavam não era caso isolado. Se ym deter­ minado coronel filiava-se ao partido Conservador, o seu

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rival logo tornava-se liberal. O partido não era a aammiação política a qual o coronélTaderia por comunhão de pensamento....era, jãto sim,~õ meio de atraves^dé urrumecanismo Jegaí, “pró-forma", *exè?cer o seu poder. Em Relatório de i T e março de 1857, o Presidente de Per nambuco comentava este fato e, dizia das dificuldades que ole enfrentava quando da nomeação de um delegado qu subdelegado de polícia. Dizia que cada comarca estava dividida em dois .grupos inimigos. Nomeada.aquela autori­ dade em um dos grupos, todos seus partidários se tor­ navam “altivos, ameaçadores e opressores", e, contando com a impunidade, perseguiam os do outro grupo, prati­ cando toda a sorte de violências que iam desde abertura de processos crimes até o recrutamento militar para o exército.108 v . : ... Alguns anos mais tarde, em 1865, outro presidente da mesma província, Antonio Borges Leal Castelo Branco, reafirmava aquelas palavras, dizendo que com sua predo­ minância sobre os negócios públicos locais, o coronel conseguia proteger seus adeptos e "flagelar o adversário”, espalhando por toda a parte a “desmoralização e a cor­ rupção. .N o conjunto, dizia, a impunidade aos criminosos constitui não só um estímulo ao aumento do “esquadrão de réus de polícia" mas também um atentado à sequrançá.109 . - . ... •

As lutas entre coronéis também era uma constante. Na sua ojiigernT^ iniciavanT~peloF mais variados motivos q u i a m desde_a_dlsputa__por te rras às lutas por preponderância locaL, Algumas dessas não se sabe nem o início e prolonga-se indefinidamente. Tal foi o caso que ensangüentou os limites do Piauí com o Ceará no .qual lutavam “ encarniçadamente" os Mourões, Gadelhas, Meios e Be­ zerras; as autoridades reclamavam de que nada podiam fazer já que estas famílias controlavam aquela região e nem um júri podia ser instalado, pois os jurados são tam­ bém "homens apaixonados por uma ou outra das nume­ rosas famílias que se procuram reciprocamente exter­ minar” . 110 A luta entre as famílias Peixoto de Alencar e Peixoto de Carvalho na Comarca da Boa Vista, em Pernambuco, resultou na criação de mais um Termo, passando a exis­ tir dois, os de Petrolina e Boa Vista. Como esta divisão acabasse por acirrar a contenda, a Assembléia Provincial, por fei n.°-1.445, de 5 de junho de 1878, elevou o Termo 103

de Petrolina à Comarca, desllgando-sè assim da Comarca de Boa Vista. Agora cada uma contava com seu delegado de polícia e com seU Juiz de Direito. O. Estado mais uma vez cedia e fazia a admlnistração_púbílpa adãptãr-se ao poder privado.111 E a relaçao de famílias em J uta nesta segunda metade do século XlX ílo n g a e quase sempre trágicã. Temos, entre outras, a que envolveu aTamílifflJarbosã,' conhecida pela alcunha de “pàrdos", e os Nascimentos, alcunhados de “perigosos", na década de 80, no Termo de Escada, em Pernambuco; a que envolveu, Tio -Termo de Nazaré, Per­ nambuco, na mesma época, o Senhor de Engenho, Coronel José Vicente Guedes Rodrigues, de Alagoas d Antas, con­ tra Joaquim Nunes Xavier de Sousa, do Engenho Bomba; o Coronel Antpnio Rocha Acióli Wanderley, do Engenho Sabiau, contra Hermógenes Duarte Lopes de Vasconcelos, do Engenho Ferrãd, em ^lagoas e outras m ais.112 NessasJutas-entre famílias, quase'sempre o governo se omitia. A sua atuação resumia-se em reforçar o des­ tacamento da cadeia local e, em caso de morte, abrir processos que nunca chegavam a condenar ninguém. Um caso típico de omissão desse tipo foi o que ocorreu com a luta que enyolveu algumas famílias na Comarca de Ta. caratu, era Pernambuco. Esta luta Inicia-se na déCada de 50 e tinha de um lado o Tenente-Coronel Francisco Ca­ valcanti de Albuquerque e do outro o Capitão Inácio de Carvalho. Em 1886, o capitão Inácio contrata um “crimi­ noso de morte", Cipriano Queirós, a quem encarrega de formar um bando e atacar a povoação de Jatobá, onde residia o Coronel Albuquerque. Sabendo das intenções do capitão Inácifc, o coronel Albuquerque dirige-se à ca­ pital, Recife, para pedir proteção e retorna sem nada ter conseguido do governo provincial. Finalmente a 11 de dezembro, o bando contratado ataca a casa do TenenteCoronel e assassina muitos dos membros, de sua família entre os quais o próprio coronel Albuquerque. O capitão Inácio passava a ser o mais poderoso senhor da região e teria o reconhecimento da sua ascendência pelo governo -da província passando a ter voz ativa na indicação dos principais cargos da localidade.113 Pelo que deixa a perceber a documentação pesqui­ sada, os grandes proprietários consideravam-se Senhores de direito não só de suas terras, como de sua família extensa, dos agregados e da coisa pública. Este senhorio

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de direito no pensamento deles, era respaldado num, senhPJ:ío_de fatd~T§jjiue o seu domínio praticam ente não era contestado" sendo antes acatado. Eçte^atarhêntõTprlncIpalmente, da parte do Estado, provinha dò Jãtojde.que ós Sênhores eram considerados “a Prlnieíra garantla da ordem pública1', isto é, era deles que o governo esperava apblcTfnTlitár para ãjudá-lo a su­ focar atos de rebeldia, tais como fizeram o Barão de Buíque e o Barão de Tracunhaem na repressão à revolta de 1874-75 e o Barão de Jequiá, colaborando com 500 ho­ mens na luta do governo de Alagoas contra os coronéis de Imperatriz, em 1868. Estés homens não só podiam ajudar o governo como támbém a um simples sinal levan­ tar toda uma enorme “massa" de “agregados, amigos e fâmulos" contra o mesmo governo, tal como fez Leão Leda, no Maranhão, ou o Coronel Luís de Albuquerque Maranhão em 1867, na Comarca de Pau d'Alho, em Per­ nambuco; observe-se que este mesmo Coronel Maranhão lutará ao lado do governo, mais tarde, em 1874. Estava-de^tal forma Interligado o poder privado com o pod^^público que^^ prõbTemas~c[ê segurançiT interna e regressão ao crime não tinham condições de serem so­ lucionados. Os relatórios dos Chefes de Polícia 114 apontàm comõ causadores da intranqüilidade interna a falta de força pública, a proteção que gozavam os infratores da lei e a impunidade. Ora, todos esses problemas têm uma só origem j3ue-é-o--oodèFcld grande proprietário. O au­ mento da força pública não era votado pelas Assembléias provinciais porque os grandes proprietários ali represen­ tados a isto se negavam ou faziam-no em doses “homeo­ páticas", já que não Interessava á eles prover o Estado de numerosa força^ policial. Co7rf~rèlâção~ir proteção, o ato de açoitar nas fazéndãs os criminosos, muitas vezes de crimes mandados praticar pelo próprio coronel, era de seu interesse para reforçar sua “milícia" particular. A impunidade resultava de uma estrutura viciada do apare­ lho judiciário, com os juizes nomeados por indicação deles ou a eles cedendo por medo, e de um júri formado por pessoas da localidade, suficientemente inteligentes para saber que votar contra a vontade do coronel significava assinar sua sentença de morte. Esta ascendência senhorial com a correspondente impunidade fazja das províncias, do Nordeste uma região onde o poder público tinha que ser muito hábil pois. dessa --

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Uma dessas medidas, realizada no Ministério do Visconde do Rió Branco, seria da mais alta relevância. Trata-se da reforma da lei 602, de 19 de setembro de 1850, que regulamentava a GUARDA NACIONAL. PelaJ.eiJ2.395,.de 10 de sétembro de 1873, o governo atacava o poder local na ..própria base dèlsua institucio­ nalização, Jsto_é, a Guarda -Nacional. A lei anterior, j de-1850,-determinava a existência de uma Guarda Nacional permanente, organizada e comandadã~pelos grandes proprietários locais. Os~‘põstos prin­ cipais' eram entregues aos “potentados" dos municípios que a tinham sempre pronta para ação, como se pode ver pelo quadro abaixo extraído de um ofício enviado pelo presidente da província de Pernambuco ao Ministro da Justiça, em 1854, no qual indicava os cidadãos que julgava “idôneos para ocuparem os postos (de comando) da Guar­ da Nacional dos municípios abaixo declarados!"

habilidade é que resultava o apoio dos coronéis, condição fundamentalHpaTa^i^az-públiciriJsãnclò de um.direito, 0 Estado atravéa do M in is té r í^ o Império premiava aqüeles lqitó—âelndnstravam -fidelidade^ concedéndõ-The graças honoríficas. Um dos argumentos'fféqü'eritèmente Ti‘fllizados pelos qüe pleiteavam algum título de nobreza ou admissão numa ordem honorífica era ò dè que o indivíduo havia jolaborado em, várias ocasiões na manutenção da ór .* gundo participação do Delegado local, os “desordeiros^,; refugiaram-se nas matas entre o Engenho Mereré e >Tra^|| cunhaem. Os Engenhos do Termo de Igaraçu foram assaltados s, por “grupos' de facinorosos armados" que exigiram dos":i ‘ seus proprietários “contribuições de munições de guerra I e boca". Os Senhores de Engenho foram obrigados a -i y fugir e esconder suas famílias nas matas. O Juiz Municipal de Igaraçu, também Senhor de Engenho local, escrevia ao Chefe de Polícia da província nestes termos: “para não seguir o exemplo de outros pro-? prietários que se acham foragidos, sou forçado ia viver constantemente sob as armas, conser­ vando-me em pé de ^guerra, exposto a sobressal­ tos e tomando providências de segurança Ressoai que ignoro até que ponto poderão aproveitar".11 v Os Senhores de Engenho da região de Nazaré que — fugiram para a vila do mesmo nome, diante dos assaltos que sofreram por parte dos sediciosos, viram-se em difi­ culdades para organizar a resistência naquela vila, pois, para combater a força revoltosa, avaliada em 400 pessoas, só conseguiram arregimentar quarenta guardas nacionais “mal armados".13 Foi na província de Pernambuco, “que o movimento apareceu com caráter mais grave, não só pelo número de grupos que se armaram, como por serem mais numerosas as freguesias e termos em que ele se manifestou . 13 Naquela província levantaram-se os termos de Pau d'Alho, Limoeiro, Nazaré, Goiana, Vitória, Garanhuns, Rjo Formoso, Igaraçu e as freguesias de Ipojuca, Jaboatão, São Lourenço e Muribeca. Na da Paraíba, foram envolvidas as vilas de Ingá, Campina Grande, Alagoa Nova, Alagoa ' ' ’ Grande. Na de Alagoas, as localidades de Laje do Canhoto, Mundaú-Mirim, Porto Calvo, Porto de Pedras, Riachão, Ar­ rasto, Juçara, Jacuípe, São Brás, Salomé e Barra Grande, além dos moradores das matas de Còcal e Angelim. Nas do Ceará e Sergipe, a sedição limitou-se às localidades, respectivamente, de Jiqui e Porto da Folha. 14 Em todos os pontos os fatos foram idênticos. Ataques às vilãs-e engenhos, fuga. das autoridades e grandes pro-

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prietários, ameaças e reuniões suspeitas como a que cita o Senhor de Engenho e Diretor Geral dos índios de Lage , ele ^u eLos “conspiradores continuam « fazer reuniões nos engenhos da região e incentivam os moradores a tomarem das armas se não querem ficar reduzidos com seus filhos ao cativeiro"; inclusive, dizia ela, qiie ‘ emis­ sários têm sido por eles aqui mandados seduzir os mo­ radores dos engenhos de minha casa, para tentarem contra a minha vida".15 A “plebe” revoltada clamava contra a “declaração daí escravidão”. Espalhara-se a notícia de que os. decretos/ 797 e 798 visavam “escravizar a todos os recém-nascidos! e aqueles batizados com as formalidades prescritas porr aquela lei" que fazia parte de um plano geral para reduzirí a escravidão as pessoas livres” e, para enfim, ‘ reduzir à escravidão a gente de cor”. 16 J O momento era propício para a exploração política > dos decretos» apresentando-os como medidas escraviza- j doras da parte do governo conservador; em 1850 regula-1 mentara-se a repressão ao tráfico de escravos è os grandes > proprietários reclamavam da falta de braços, ao mesmo , tempo em que se queixavam da “preguiça" e “resistência j ao trabalho” por parte dos trabalhadores livres.17 Esta/ situação tendería _a provocar da parte dos Senhores d e ‘ Engenho, de um lado, a exigência de maiores cotas de * trabalho dos moradores e, por outro, a solicitação de “leis í repressoras da vadiagem, que forçassem os homens ao trabalho”. 18 ^ Quando em 1851 dois novos decretos determinaram que se fizesse o censo geral da população do Império e que todo nascimento morte fosse registrado no livro do juízo de paz, segundo ia cor da pele (como era natural no Brasil até há pouco tempo), qualquer argumentação mesmo simples serviría para levantar em sedição a po­ pulação amedrontada. Esta “gente de cor”, estes “cabo­ clos , na sua^mryplicidade e ignorância, viam-se diante de todos esses decretos como alvo da voracidade do Se­ nhor de Engenho e tenderíam a reagir violentamente. Uma reação deste tipo ^não seria novidade, pois, por ocasião da Praieira, ouvindo a pregação dos radicais do partido da Praia, haviam-se revoltado contra os senhores: Foi tal o terror que se incutiu na população que os moradores dos engenhos qüe desde os tempos imemoriais têm considerado aos senho-

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res de tais propriedades como seus sustentáculos e protetores ( . . . ) que'esses homens, di- v zemos nós, que se uniam aos senhores de q engenho por força do hábito, pela influência dos costumes antigos, pelos laços de gratidão, antes quiseram votar com a polícia que os aterrava do .. que com os seus patronos naturais que os sustentavam".19 ; é o povo mais pobre, principalmente os “moradores", i que forma o “grosso" da sedição. A correspondência vin, da dos locais amotinados especifica que os revoltosos Jsão o “povo mais miúdo", são a “gente baixa", são “a jmaloria da população menos abastada”, enfim, ‘ gente da /última ralé" e “sem nenhuma importância social e menos i política".20 ' Torna-se claro que as autoridades locais, identificadoras da origem social dos revoltosos, procuraram, taxativamente, assinalar que eles não pertenciam à elite da região; da mesma forma procederam os Presidentes de Província e o próprio Ministro da Justiça. Assim fazendo, v procuravam descaracterizar o movimento visando não es­ timular adesões, procurando mantê-lo circunscrito às lo­ calidades Já sublevadas, evitando transformá-lo em jnitra “Praieira" ou algo de-maior proporção, já que sabiam do descqntentame.nto.que grassava nõ Império, principalmen­ te dã ala mais radicai do partido liberal, “deposto" em 1848. O governo conservador, expressão do "partido da ordem", tirTFTa que aparecer perante a nação como 6 restaurador-da paz interna e não o “divisor de águas"; a e'c!õsão de uma nova ^Praieira" demonstraria não só sua debilidade como também a capacidade de resistência e luta do adversário. Na verdade, à primeira vista, a sedição caracterizavase por ser um movimento da população rural mais pobre (“moradores", “proletários", etc.) contra os Senhores de Engenho e as autoridades nas vilas e cidades. Mas, teriam esses "moradoas* e." proletáriossabidamente afastados díTcultura da elite, condições de por si só julgarem o con­ teúdo dos decretos 797 e 798 e associarem-no ao de re' pressão ao tráfico negreiro e às atitudes tomadas pejos Senhores? Acreditamos que não. Stavenhagem, analisando a grande propriedade rural monocultora da América Latina, diz que-entre o grande proprietário e os trabalhadores existem diferenças muitò

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grandes; para ele a “classe dominante é muito politizada, na proporção em que o campesinato dominado quase não tem atividades nem participação política".21 Assim, de acordo com a documentação consultada, muito embora não haja indicação explícita da participarão de outros grupos sociais, achamos que ela provavelmente existiu e partiu dos grupos remanescentes doJ*PartidodáPraia" como antériormente citamos: O Presidente da Província de Pernambuco, em ofício datado de 21 de janeiro falara de movimento de “gente ignorante e fanática que sem plano nem direção armou-se contra o decreto"; ou então, como diria a 18 do mesmo mês, “sem saberem aliás o que queriam e sem terem chefes, nem reconhecerem direção alguma".22 Referindo-se à Praieira, Nabuco faz uma afirmação semelhante; diz eie que aquela revolta primava pela falta de “organização", “direção" e “disciplina": “O partido praieiro foi um partido sem dire­ ção e sem disciplina porque propriamente não foi. senão um movimento de expansão popular. Os chefes deixavam levar-se pelo instinto das multidões que formavam o seu séquito, em vez de guiá-las e de procurar o modo prático de sa­ tisfazer, na .medida do possível, o mal estar que elas sentiam sem o saber exprimir " .22 O Partido da Praia defendera, por ocasião da revolta') de 1848, um programa de profundo cunho social; seus.' , ... ataques eram dirigidos contra os Senhores de Engenho; ^ c (principalmente o poderio do “clã feudal e parental" dosj c Cavalcantis) e os comerciantes portugueses, aqueles por^ t ... monopolizarem a terra, estes o comércio das cidades. \ Insuflaram os moradores dos engenhos contra seus se-/ nhores, e distribuiram perto de cinco mil armas entre q povo. 24 Assim podemos entender quando Nabuco chama a Praieira de "movimento de expansão popular" e o vê sem “disciplina”. A disciplina que lhe faltava era a limi­ tação do movimento nos parâmetros do interesse da elite descontente. “Expansão popular" significa neste caso con­ fronto com as elites, significa de fato um conflito social , na medida em que passa a ser um levante popular, ultra- ■ passando os objetivos iniciais. Quando as elites percebem as "terríveis forças" que acionaram, retraem-se, conci-; liam-se e a repressão é feita. E é Nabuco que isto observa no casõ da revolta dã-Praia:.

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' i «8 Tiranos vedes que miséria tanta, Nem os qüebranta? meu pungir, meus ais; Martírios ultrages de negror fazei-me Porém dizel-me se também sois pais"82 (

A reyolta _dos “quebra-qullos", na medida em que congregã-indivíduos 3é todas ásTclasses sociais apresentava-se muito mais séria e perigosa. Foi uma luta contra o próprio regime. Nestè momento todos Identificaram’ o inimigo que devia ser derrubado: o Estado monárquico? • escravista, ou como diziam, a “tirania*' dá Coite_3õuRlo de Janeiro. r À~ttit6riã' n a o f o f atingida devido a divisão cfã'ciasse dominante mas, pelas suas características, o movimento foi do alta gravidade e enquadra-se no modelo,; de Melotti: foi uma quasejsvülucão.83 Umberto Melotti, conceituando os movimentos revol­ tosos, apresenta como estágio'Imediatamente anterior à revolução [movimento que visa o sistema social total, objetivando substituí-lo por outro que seja a expressão das novas relações sociais) o que ele denomina de Jyífc__ surreição. ~~ A insurreição, no seu entender, se tiver êxito é revolução, assim como a revolução no seu conjunto é evolução. Melhor dizendo, em um processo evolutivo onde profundas e importantes transformações estão ;ocorrendo ao nível das forças produtivas, é possível ocorrer insur­ reições que, necessariamente, não precisam sen vitoriosas mas demonstram as mudanças que estão ocorréndo. Apre­ senta-se como fase de uma evolução que “rompeu o an­ tigo equilíbrio do país". Conceituando-a, apresenta como sendo um movimen­ to espontâneo de grandes maiorias (de várias classes sociais) e destinado a impedir uma determinada, medida política,, a derrubar o governo ou a destruir o sisterna. Não pressupõe o êxito mas é importante que os parti­ cipantes estejam “fecundados" pela idéia de que ela re­ presenta uma via de escape “às misérias de sua vida ; \ isto é, todos devem ter chegado à conclusão de que a vida sob aquele governo ou sistema tornou-se insu ­ portável. .

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Esta é a visão que devemos ter da revolta de 1874-75. Ela assinalava, quatorze anos antes, a queda da monar­ quia e as transformações que estavam em curso. Sem querer desvalorizar os aspectos particulares, como o con­ flito Igreja X Estado e outros que merecem estudos espe­ cíficos, o “quebra-quilos", como qualquer movimento de violenta oposição a uma classe, a uma dada situação política ou mesmo ao Estado, não pode deixar de lado abordagens que visem explicá-los dentro do conjunto das relações que compõe determinada formação social. i Assim, fica evidente o nível das contradições exis­ tentes noJN^rdésfê~UFãsllèlfo, no último quartel do, Império. Elas érãm, Ti^dam ehtalrM nterãijãs: a contradição j lógica entre a s d u is classes spçíaisFás 1cas7~num proces-: so dè crises econômicas, e entre as forças produtivas \ , que se alteravam e ,a estrih:urapõíítica ultrapassada. O ; "flliSKm j ÍÍillÁe* fnTiirã? s-Tè- n ***

NOTAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9

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Relatório do Ministro da Justiça de 11-1-1850. Ibid Ibid. . Relatório do Ministro da Justiça de fl-5-1850 Ibid. Relatório do Ministro da Justiça de 13-5-1850. Relatório do Ministro da Justiça de 1-5-1852. BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. 1851. Ofício do Sub-delegado da Freguesia do Divino Espírito Santó ao Delegado de Pau d‘Alho; IJi 824, SPE/AN 10 — Ofício n.° 21 de 30-12-1851. n.° 38 s/d , n.° 1 de 10-1-1852 n.° 3 de 12-1-1852 e s/n de 18-1-1852. do Presidente da Pro­ víncia de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: I j i 824 SPE/AN. 11 Ofício de 7-1-1852. do Juiz Municipal do Termo de Igaraçu ao Chefe de Polícia de Pernambuco: IJ1 824. SPE/AN. 12 Ofício de 26-12-1851. do Delegado de Polícia de Nazaré ao Presidente da Província de Pernambuco e Ofício de 3-1-1852 do Conjandante do 4.° Batalhão de Artilharia ao Presidente da Província de Pernambuco; IJi 824, SPE/AN. 13 — Relatório do Ministro da Justiça de 1-5-1852 14 — Pacote IJi 824,SPE/AN. ' Relatórios dos Ministros da Justiça de 1-5-1852 e do império de 10-5-1852; Relatórios dos Presidentes das Províncias de Sergipe, de 8-3-1852, de Alagoas de 26-4-1852. da Paraíba de 3-5-1852 e do Ceará de 1-9-1852. 15 Ofício de 24-12-1851, do Diretor Gèral-dos índios-da Freguesia da Laje ao Presidente da Província de Pernambuco: IJ1 824 SPE/AN.

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16 — Oficio n*. 21, do 30-12-1851, e n.° 38. s/d, do Presidente da Província de .Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: *á 1J1 824, SPE/AN. 17 — SANTANA, Moaclr Medeiros de. Contribuição & história do açúcar em A lag oas.' Rclfe, IAA, 1970. P. 158. EISENBERG, Peter L. Modernização sem mudança; a indústria , açucareira em Pernambuco: 1840-1910. Rio de Janeiro. Ed. Paz „ e Terra. 1977. P. 212-213. 18 — EISENBERG. Peter L. Op. clt. Loc. clt. 19 — NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Rio de Janeiro. Ed. Nova Aguilar. 1975. P. 101. J 20 — Ofício n.° 21. de 30-12-1851, e n.° 38. s /d . do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos; IJl 824, SPE/AN. . _____ Relatório do- Présídente da Província de Sergipe de 8-3-1852. 21 — STAVENHAGEN, Rodolfo. Las classes en las sociedades agra­ rias. México. Slglo XXI, 1972. P. 83. J • , • 22 — Ofícios de 12-1-1852 e de 18-1-1852 do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos; IJ 824, SPE/AN. 23 — NABUCO. Joaquim. Op. c lt..P . 111. 24 — NABUCO. Joaquim Op. clt. P. 101-111. 25 — Id. Ibid. P. 114. J . 26 — Ofício de 24-12-1851. do Presidente da Província de Pernambuco ao Bispo de Olinda e Recife; Ofício de 7-1-1852. do Delegado de Polícia de Goiana ao Chefe de Polícia da Província de Per-nambuco: IJ1 824, SPE/AN. Relatório do Presidente da Província do Ceará, de 1-9-1852. 27 — Ofício circular de 24-12-1851, do Presidente da Província de Pernambuco aos Juizes deJDireito da Província: IJ1 824. SPE/AN. 28 — Ofício de 24-12-1851, do Diretor-Geral dos índios da Frequesia da Laje ao Presidente da Província de Pernambuco: IJ 824, SPE/AN. 29 — Carta de 6-1-1852, do Senhor de Engenho e Subdelegado Anto­ nio de Araujo Albuquerque ao Delegado de Polícia do Termo de Goiana da Província de Pernambuco: IJ1 824. SPE/AN. 30 — Ofício circular de 24-12-1851, do Presidente da Província de Pernambuco aos Juizes de Direito da Província: IJ1 824 SPE/AN. 31 — Carta do Frei Caetano de Messina, de 9-1-1852, ao Presidente da Província de Pernambuco: IJ1 824, SPE/AN. 32 — Carta do Frei Caetano de Messina, de 27-1-1852. ao Presidente da Província de Pernambuco: IJ1 824. SPE/AN. 33 — Ibid. , , „ . , . 34 — Ofícios de 10-1-1852 e T2-1-1852 do Presidente da Provicia de Pernambuco ao Ministro da Justiça: IJ1 824, SPE/AN. 35 — Ofícios n.° 2, de 12-1-1852, e anexos e de 18-1-1852 do Presi­ dente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça; Ofício de 30-1-1852, do Chefe de Polícia da Província ao Pre­ sidente da Província de Pernambuco: IJ1 824, SPE/AN. 36 — Falas dos Presidentes das Províncias de Pernambuco de 1.° de março de 1875 e de Alagoas de 15 de março de 1875; Rela­ tórios dos Presidentes das Províncias da Paraíba de 9 de outu­ bro _de 1875 e do Rio Grande do Norte de 10 de maio de 1875; - Relatório.-do Ministro da Justiça de 1.° de maio de 1875; Relatório-der Comandante das Forças-,imperiais estacionadas na

Província da Paraíba do Norte. Publicações do Arquivo Nacio­ nal. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, de 1937. Vol. 34, p 99-164 Correspondência do Presidente da Província de Pernambuco com o Ministro da Justiça: IJl 346 e 347, SPE/AN. 37 — 'Relatório do Comandante das Forças Imperiais estacionadas na Província da Paraíba do Norte. Op. clt. P. 11 4 . 38 Vide nota 36. 39 Fala do Presidente da Província de Pernambuco de 1.° de marco de 1875. Apenso n.° 3, p. 10. 40 Ibid. P. 9 (o grifo é nosso). 41 Trecho do manifesto “POVOIII”, transcrito no Anexol. 42 Ofício de 14 de dezembro de 1874, do Juiz de Direito da Co­ marca de Panelas ao Presidente da Província de Pernambuco: IJ1 346, SPE/AN. 43 Relatório do Comandante das Forças Imperiais estacionadas na Província da Paraíba do Norte. Op. clt. P. 120. 44 — Ofícios do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro 25-11-1874 e n.° 222, de 17-12-1874. e anexos: IJ1 346, SPE/AN. 45 — Ofício de 22-11-1874. do Juiz de Direito da Comarca de Bom Jardim ao Presidente da Província de Pernambuco: IJl 346, SPE/AN. 46 — Fala do Presidente da Província de Pernambuco, de 1-3-1875. 47 — Ofícios de n.« 222, de 17-12-1874, e 224, de 18-12-1874. do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJl 346, SPE/AN. 48 — Relatório do Comandante das Forças Imperiais estacionadas na Província da Paraíba do Norte. Op. clt. P. 120-. 49 — Ofícios s/n de 31-12-1874 e n.° 222 de 17-12-1874. do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJl 346, SPE/AN. 50 — MILLET. Henrique Augusto. Os quebra-quilos e a crise da lavou­ ra. Recife, Tip. do Jornal de Recife, 1876. P. 3. 51 — Ofícios n.° 221. bis, de 16-12-1874, e n.° 222 de 17-12-1874. e s/n de 31-12-1874, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJ1346, SPE/AN. 52 — MILLET, Henrique Augusto. Op. clt. P. 3. 53 — WOLF, Eric. R. Las luchas cámpesinas del slglo XX. México. Ed. Siglo XXI, 1972. P. 10. , 54 — Ofício n.° 222 de 17-'2-1874^ do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJ1 346, SPE/AN. Relatório do Presidente da Província da Paraíba de 9-10-1875. 55 — Relatório do Comandante das Forças Imperiais estacionadas na Província da Paraíba do Norte. Op. cit. P. 120. 56 — WOLF, Eric R. Op. cit. P. 6-8............................................................... 57 - - JCriLY, frineu Ceciliano Pereira. Notas sobre a Paraíba. Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1892. P. 188. 58 — Relatório do Ministro da Justiça de 1-5-1875. Portaria de 21-12-1874 do Presidente da Província de Pernambuco: IJi 346. SPE/AN (anexo 5 ). Ofício n.- 253. de 11-1-1875 do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJ1 347, SPE/AN. Relatório do Chefe de Polícia de 20-9-1875, anexo ao do Presidente da Província da Paraíba de 9-10-1875. 59 — Ofício de 31 de dezembro de 1874, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça: IJl 346, S PE /A N . Fala do Presidente da Província de Alagoas, de 15 de março de 1875;

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- Relatórios dos Presidentes das Províncias *do;Rlo Norte de 10 dè mâlo de 1875 e da Raraíba dei.9..de*u..... 1875; Relatório do Ministro da Justiça de:^i.*«|íê'ãnalò»le^875i 60 — Oficio de 31 de dezembro de 1874, do Presidente da [Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça: IJ1 346, SPE/AN;^po taria do Presidente da Província de Pernambuco de 21.\defdezembro de 1874: IJ1 346, SPE/AN (anexo 5 ) . Fala doiPresldente da Província de Pernambuco de 1 “ de março de 875. 61 — Ofício n.° 253 de 11-1-1875 do Presidente da Província d e ’Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJ1 347, SPE/AN .- ^ 62 — Portaria do Presidente da Província de Pernambuco de 21 de dezembro de 1874: IJ1 346, SPE/AN (anexo 5 ) . •. 63 — Correspondência do Presidente da Província de Pernambuco com o - Ministro da Justiça: IJ1 346, SPE/AN (anexo 3 ) , , 64 — Fala do Presidente da Província de Pernambuco de 1.® de mar- rj. ço de 1875 e Relatório do Presidente da Província da Paraíba de 9 de outubro de 1875. 65 — Oficio de 31 de dezembro de 1874, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça: IJ1 346, SPE/AN. 66 — Ofício s/n de 31-12-1874, do Presidente da Província de Per­ nambuco ao Ministro da Justiça: IJ1 346, SPE/AN. Ofício n.“ 246 de 4-1-1875, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJ1 347, SPE/AN. TAVARES, Francisco Munlz. História da revolução de Pernam­ buco em 1817. 3.* ed. comemorativa ao 1.* centenário; revista e anotada por Oliveira Uma. Recife, Imp. Industrial, 1917.' P. XXIX-XXXI 67 — Ofícios n.” 242 de 29-12-1874 e s/n de 31-12-1874, do Presi­ dente da Província de Pernambuco e anexos: IJ1 346, SPE/AN. Ofício n.° 246, de .4-1-1875, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiçer e anexos: IJ1 347, SPE/AN. 68 — Exemplares destes panfletos encontram-se na correspondência do Presidente da Província de Pernambuco com o Ministro da Justiça, no pacote IJ1 346, SPE/AN e vão reproduzidos nos anexos V 2 e 3. 69 Ofício s/n de 31-12-1874, do Presidente da Província de Per­ nambuco ao Ministro da Justiça: IJ1 346, SPE/AN. 70 — O panfleto (anexo 2] llmlta-se a relacionar os nomes desses heróis nordestinos. Fizemos a identificação a partir das se­ guintes obras: MELO, Jerônlmo Martlnlano Figueira de. Crô­ nica da rebelião praielra, 1848-49. Rio de Janeiro, Tip. do Brasil, 1850. TAVARES, Francisco Munlz. Op. clt. 71 Ofícios n.° 224, de 18-12-1874, n.” 235, de 23-12-1874 e s/n de 27-11-1874, do Presidente da Província de Pernambuco ao M i­ nistro da Justiça e anexos: IJ1 346, SPE/AN. 72 — Ofício de 31 de dezembro de 1874, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça: IJ1 346, SPE/AN. 73 — Ofício de 26 de dezembro de 1874, do Promotor da Comarca de Bom Conselho ao Presidente da Província de Pernambuco: 1J1 347, SPE/AN. 74 — Ofício de 24 de dezembro de 1874, do Juiz Municipal de Cimbres ao Presidente da Província de Pernambuco: IJ1 347, SPE/AN. , 75 — Ofício de 31 de dezembro de 1874. do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça: U1 346, SPE/AN.’

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hlstór£LCl?i’ P 923íi. AÜ P ^ ADEl De,m,ro Pereira de. Evolução 194? S l ^ . n a rarfh ^ d° JNo,Í e - Ri0 de JaneIro. Ed- Minen/a, nina Eipidio de. História de Campina Grande. Csmtória- Im a ím ^ 1962' LEAL- José- ««"erário da his­ tória, Imagem da Paraíba entre 1518 e 1965. João Pessoa Grá­ fica Comercial, 1965. ALMEIDA, Horácio de. Breio de ÃreíaV A ÍrA M T |dt / i Um í"“nicíPio - Ri0 de Janeiro, MEC. 1958. CAVnASoC DN T ’ Manuei Tavares. Epitome da história da Paraíba JH t°ó leSL °ap T 0fj c,aJ ’ l? 14- CASCUDO, Luís da Câmara. n t t ? ? R' ° Grande do Norte. Rio de Janeiro, MEC. 1955. p™ 1 i 4 a!>de 17 de dezembro de 1874, do Presidente da

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Pmwfn ,Co?1iandante das Forças Imperiais estacionadas na Província da Paraíba do Norte. Op. cit. p. 120. Relatório do Ministro da Justiça de 1-5-1875. Ofícios n.” 235. de 23-12-1874, n.° 224, de 18-12-1874 e n ° 222 de 7-12-1874 do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJi 346, SPE/AN.

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? fíCJ °S n ° 195- de 1-12-1874. n.o 222, de 17-12-1874 de 23' 12'1874, do Presidente da Província de Pernambuco ao Ministro da Justiça e anexos: IJi 346, SPE/AN.

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87 — Ofícios do Presidente da Provlncra'de Pernambuco 17-12-1874 às autoridades policiais do Interior; outubro e 31 de dezembro de 1874 ao M inis.,_ IJl 346. SPE/AN. Relatório do Ministro da Justiça Lei n ° 2.395, de 10-9-1873, in Coleção de Lels, do Brasil. MEDEIROS. Corlolano. Quebra-qullos; Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Paraíba doJNorte Imp. Oficial. 1912. Ano IV. vol. 4. p. 55-60. : 88 - ALMEIDA. Horôclo d e. Op. cit. p. 145. i * 1 I M i % 89 — ALMEIDA, José Américo de. Op. clt. p. z is . q n _ALMEIDA. Horácio de. Op. clt. p. 145. ; 91 - Relatório do Comandante das Forças imperiais estacl«madas nn Província da Paraíba do Norte. Op. clt. p. 133 136. . rvifc92 — ANDRADE. Delmlro Pereira de. Op. clt. p ..203; ALMEIDA;;J o s é ^ ^ ^ ^ Américo d e. Op. clt. p. 220. Este último transcreve as mesmas quadras com exceção da última e na segunda estrofe substitui v *vil desdouro* por “mil. desdouros . 93 — MELLOTI, Umberto. Revoluclon y SocIedad. . Mexico. Fondo de ~ Cultura Econômica. 1971. P. 34-36.

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CONCLUSÃO

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Ao longo da obra, deixamos fixado não só a rea­ lidade, naquilo que se tomou necessário para enfocarmos o tema, como também as formas mais evidentes de vio­ lência que caracterizaram õ~~Nordèste brasileiro "entre 1850 e 1889. ~ ~ ■' Dentro de toda aquela gama de violência, ficou evi­ dente a impossibilidade de paz e tranqüilidade numa sociedade fundamentada em relações sociais de domina­ ção, sofrendo um processo de crise econômica. Portanto ó_£xatQ^etíodouBm^ue_a^hjstóriaJradlclonaI.jCOiivencionou atribuir uma situação tranqüilaL_fQi_,ague,le no_qual as Condições econômicas-e. sociais -transformavam de la­ tente em declarada a lutad.e...classes..e..outras formas de violência. A. pesquisa desmente o mito. Vimos o caso do Nordeste mas acreditamos que o mesmo tenha ocorrido nas demais regiões se bem que não necessariamente nas mesmas condições. Ajàociedade brasileira em geral e a nordestina em particular, organi­ zou-se dé forma profundamente violenta. Uma violência que se caracterizou desdélá fase colonial pela expropriação do indígena que aqui habitava, privando-o de suas terras e em muitos casos escravizando-os; pela privação da liberdade do negro e sua coação ao trabalho; pela apropriação da quase totalidade da terra por uma minoria, impedindo que uma camada de homens livres ou não, cada vez mais acrescida, se tornasse também proprie­ tária. Estabeleceu-se uma formação social alicerçada no domínio de uma classe sobre outra. A Violência jjascia inerente à própria forma como., se estriitUrdu o nível econômica. À ciasse dorrrinante — o Coronel — fundamentava-se no latifúndio e na exploração da mão-de-obra, sob -rela-

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rnfiQ Ralais de produção que S f S i ^ ^ X e s » i d ã d ; conforme s u a e V t e n ^ niênclãi” e~lüõiii^ldade. Com o tempo forma verdadeiro, “clã" de parentes, agregados e outros proprietários sme^ nores que aceitam sua preponderância Consolidava-seroij seu “domínio", restava agora preservá-lo. Acasteia-sewe m „., sua propriedade e cerca-se de um -exército privado,-numeroso com o qual comete toda aorta de a A t o r i e t o ; ^ ' des Ele deve precaver-se contra as possíveis traições , T.ÍDorque é assim que entende as discordâncias dos que habitam sua área de mando), contra seu rival, também grande proprietário territorial com ° qu! L í ^ r o n f r a o v fluência e até mesmo as terras, e, ppr_ultimo^contra_o / . Estado monárquico que tentando instalar uma õr^em em

À^:-|- 'l" i ^ ^ V .n ,r o H o _convera6ncla^e.todo o t á t a ú ; . . ^ i S i ^ S S in o ns segunda .metade ,do eémlo. JÇX esffilliw S uC !Ç or°5?lv ElõTque, diretaou >"dl« « ™ n t a trãcõtrõs rumos Do relacionamento social e político, t i é a célula de todo o sistema. Enfelxa em suas maos o - poder econômico, jurídico, político e, pela bre o vigário local, até mesmo determina os parâmetros da a pararse9èntender a violência da sociedade nordestma, não se pode ignorar essa ordem social que ah se insta lou, sobPo primado da lei do mais forte, regida por um c ó d i g o próprio — o código dó coronel. Sua ética era muito simples. Ele era o divisor de áouas"- o bem e o mal sedefinlam a p a r t lr d e s e u s , interessesllprivados: bem erá tudo que fosse a seu favor ^ mal tudo que lhe fosse contra, ^Conquistador desua8 terras ou herdeiro de “conquista ’ cão local e “domador” da populaçao aborígene all ante riormente instalada ou da adventícia, o Coronel era muito cSso de suas propriedades e posses e exigia de todos o reconhecimento de seu dij^tg de mando Na sua lógica nada havia de mais correto e insofismável; ele estava acima do julgamento dos s u b o r d in a d o ^ balizar seu comportamento pela fidelidade irrestrita u então discordar e cair nas suas iras. iniustas conSaita a nossos olhos _a ^violência das Jnjustasçg d iç õ e s sociais existentes no Nordeste. A situaçao dos -moradoTes", dos trabalhadores assalariados, enfim do 158;

na cedida em que têm UmLdo a o K f b a í S Wo Ho r C° nd,ÍÇÕe-S de vida- moram Por favoTào S ínfímae Cor° ne|' sao trabalhadores eventuais nas mais ínfimas condições de pagamento, podemos a f i r m a r á S a dnn9í Pet3 da-tP05UlaÇ! ° sofria a ma,s Profunda 3io'encia no seu direito de vida'e"substrstêneiar--------------—t o r i ~ u -ôoo' —é-aZresüItánte da ação aum ^ ^ ! ^ ^ 0 ^ ^ ^ ^ L ^ ^ - ra— -6°PolaçãoVtléná~ã'reisuDre^ J5Í r ^ T Glgamentos e decisões^dõS- juizes, as resoiurSes das Camaras Municipais, as ações da polícia, etc tudo dfflrítA0í aVa S° b S6U arbítri0 supremo. Não havia recursot U e S6U aut°ritarismo, a não ser abandonar a torro acomodar-se ou então transformar-se em bandido' K9 revoitas de 1851*JB SSSB J

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nrI-i ziu-te a condição de uma feitoria . , bin?- qu&m tem feito tudo isto e i ainda, e esse governo nefando p« 0 r ^ r 6 ^azer mais passar sem nome nás páainas da hict- •°V8,nt1 que h® de TEM NOME.

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