Oncologia para a Graduacao
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ONCOllOGIA PARA A GRADUAÇÃO

3ª Edição Re' ista e Ampliada

Adernar Lopes Roger C hammas Hirofumi lyeyasu

CopyrlghtO 2013 da 3' Edição pela Lemar - Livraria e Editora Marina

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida. guardada pelo sistema "'rttricval" ou IJ'allSlllitida de qualquer modo ou por outro meio. seja este eletrônico. med.nico, de fotocópia, de gravação ou oull'OS sem prévia autori7,ação escrita da Editora. Capa.: Josué Domingos de Oliveira Filho CoordcnaçDo: Josué Domingos de Oliveira Filho Projeto Omfico e Diagramação: Rodney Vemacci Rcvis!lo Onogmfica: Amália Munboz

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil

Oncolog.ia para o Graduação

3' Edição. São Paulo. Lemar2013. ISBN: 978-85-86652-37-0

OMGOl!OGla PARA A GRADUAÇÃO

3ª Edição Revista e Ampliada

Autores:

Adernar Lopes Roger C hammas Hi rofu mi lyeyasu

l.4e

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO 3" Edição Revista e Ampliada

Autores:

Adernar Lopes Médico, diretor do O.partamcnto do Cirurgia Pélvica do Hospital A . C . Camargo. Professor Titular da DiS Prudente.

litular do Ocpana1nento de Cirurgia Pélvica do Hospilal A.C. Caroarvo.

Groduaçio cm Bibliotécnitl pela de &lo Paulo

Livre Doccn1c pale Faculdade de Medicina da Universidade de Sào Paulo. DoutonKlo em Medicinri (l~ enuuologia) pelo Universidade de Sâo Paulo. Profcs:sorTilu1ar da Faculdade de Medicina da Fundaçâo ABC. Brasil.

Celso Abdon Lopes de Mello Doutorado em Oncologia pela Faculdade de Medicina USP. M~dico As:si1ten1c Depa.nometllo Oncologia Clínica do Mos. pirai A.C. Camargo. Professor Assistente da Disciplina de On~ cologia da Faculdade ~gia pela Uni\•crsklade de São Paulo, Brasil. Farmacbl1ico do Hospiial das Clinicas da Faculdade de Medicina da Uni\'crsidadc de S4o Paulo, Brasil.

Felipe José Fcrnándcz Coimbra Mestrado em Oncoloaia pela Fundaçlio An16nio Prudcn1e. M6dico Diretor do Oq>arlnmcnto de Cirurgia Abdominal do Hospital A.C. Gamargo.

Fernanda Navarro Loiola Residência de Clinica Médica FAMENA. Residente do Depanamento de Oncologia Clinica do Hospital A.C. Carrwgo.

Fe.r nanda de Toledo Gonç.alves Doutorado em Patologia pela Faculdade de ~1ed ic ina da Uni.. vcrsidadc de Sào Paulo. Pesquisador Cic:ndfico da Fiaculdo.ôe de Mcdjcina da Universidade de São Paulo.

Fernando Augusto Soares Livre Docente cm Oncologia pela Faculdade De J\.1crudcnlc,

Suely Francisco GraduaçSO .

Tnulo em Cvuripa GenJ pelocotq,o Bno1le1rodtCiNl]li6es. Tnulo de Cancerol11ia CorúraJca pola Sociedade Brasilora de C~iL Midtoo Auistmte do dcpartaml"fllO Cirurgia Abdominal do Hospital A.C. Camarwo.

Wiison Toshlblko Nakagnwa: Me.ire e Dou1or cm Oncologia pelt rundaçfto Anlonio f>ru.. denoc. Midioo assistente do Núcl«> de Coloproc«>logia do li 01pi111I A.C. Comargo.

Wu 1)1 Chung \1idoco ASS1$1feSSão genica por alterar a acessibilidade de fatores de transcriç&o a sequencias regulatórias do DNA. As extremidades S' e 3 ·de genes ativos sAo regiões livres de nucleossomos (RLN), o que permite livre acesso da maquinaria de transcriçfto genica. Além disso, au~ncia de nucleossomos cm regiões de promotores gênicos com transcriçno basal correlaciona·sc com sua capacidade de ativação rápida após estímulos. Deslocamento de nucleossomos para sítios de início da uanscrição promovem repressão da transcrição g!nica. Modulação do posicionamento dos nueleossomos na cromatina é orquest.rada por um complexo de proteínas moduladoras da cromatina dcpeodeotcS de ATP, que regulam a transcriçfto genica por promoverem deslizamento dos nuclcossomos na cromatina, bloqueando ou permitindo o acesso de fatores de transcrição às sequências regulatórias do ONA.

ONCOLOGIA PARA AGRADUAÇÃO lncorpornção de histonas não canônicas ao nucleossomo é um mecanismo tão imponante quanto desloc;amento dos nucleossomos por meio de remodeladores da cromatina na regulação da atividade gênica. O uso das histonas variantes H3.3 e H2A.Z na estrutura dos nucleossomos inftuencia o posicionamento nucleossomal e, ponanto, toma a cromatina pem1issiva ou não à transcrição genica. As histonas H3.3 e H2A.Z são preferencialmente encontradas em promotores de genes transcricionalmente ativos ou que necessitam de ativação rápida. Outro aspecto interessante é que o uso da histona H2A.Z também contribui para ativação gênica por proteger o DNA de meti lação. Assim como as histonas constitulivas, essas variantes de histonas também estão sujeitas a modificações pós-traducionais, que determinam seu posicionamento nuclear. Por exemplo, acetilação de H2A.Z assoc;ia-se primariamente com regiões de eucrornatina ativa, ao passo que sua ubiquitinação associa-se a sua localizaçilo em regiões de lreterocromatina.

Regulaçi o d a E xpressão Gênica e microR NAs ( miRNAs) Em 1993, e mais tarde em 2000, os dois primeiros microRNAs (miRNAs). lin-4 e let-7, foram descobenos em Caenorlw/Jdilis elegans, mas foram considerados anomalias por causa de suas propriedades não codificantes. No entanto, em 2001 novos tipos de RNA não codificantes também foram encontrndos em venebrados. Outros membros dessa classe são pequenos RNAs nucleolares (snoRNAs), pequenos RNAs nucleares (snRNAs). pequenos RNAs de interferência (siRNAs) e RNAs Piwi (piRNAs). Por muito tempo, RNAs não codificadores foram considerndos " lixo" da transcrição, mas na última década surgiram provas de que miRNAs têm papel funcional importante em processos fisiológicos e patológicos. MicroRNAs (mi RNAs) são pequenos RNAs (20 a 22 nucleotídeos) originados de sequências genômicas codificadoras (éxons ou lntrons - 700/Ó) ou de regiões interg€nicas (30%), capazes de regular a expressão de aprox.imadante 60% dos genes humanos. Essa regulação é mediada pela interação direta entre miRNAs e RNA mensageiros (mRNAs) e pode induzir a de-

CAPÍTUL04 gradação do mRNA ou impedir a tradução do mRNA para proteína. Estudos re50%) está mutada em tumores humanos, e mutações que resultem em perda de sua função parecem contribuir com o efeito Warburg.

Myc Além das altas taxas de glicólise aeróbia que garantem ATP às células tumorais, outros mecanismos são necessários para conferir vantagens adaptativas ao microambiente tumoral. Entre eles estão aumento da síntese proteica (via PDK/Akt/mTOR) e síntese de DNA. Duplicação do material genético é a atividade metabólica que diferencia crescimento e proliferação celular e esse processo requer a biossíntese de nucleotídeos. As vias de sinalização de biossíntese de nucleotfdeos envolvem glicose, glutarnina e vários aminoácidos não essenciais. A família de genes myc

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO (c-myc, L-myc, s-myc, e N-myc), frequentemente amplificada em tumores, codifica fatores transcricionais que induzem a expressão de genes requeridos para processos de crescimento celular e controle de entrada no ciclo celular. Além disso, a oncoproteina c-Myc interfere na glicólise pela ativação de vários componentes da via metabólica de glicose, como enzimas glicoliticas GLUT-1 e LDH-A. c-Myc também induz a expressão de enzimas envolvidas no metabolismo de oucleotídeos, além de induzir o metabolismo de glutamina, portanto, Myc provoca aumento de enzimas que produzem precursores requeridos para síntese de novo de nucleotídeos. Os primeiros medicamentos contra câncer como o 5-fl.uorouracil (5-FU), cytarabine (Ara-C) e methotrexate) tinham como alvo a inibição da síntese de DNA, a maioria interferindo na síntese de nucleotídeos e induzindo síntese incompleta de ONA e morte celular. A falta de especificidade dessas terapias fez com que vias que fornecem intermediários necessários para síntese de nucleotídeos, como a via PPP, glutaminólise e a via do ácido tricarboxílico (TCA, ou Ciclo de Krebs), fossem estudadas como novos alvos terapêuticos. Células não transformadas não dependem apenas de vias endógenas, já que podem obter suprimentos para manter sua taxa proliferativa de fontes exógenas de nutrientes, como nucleosídeos. No entanto, as células tumorais, por causa da pobre vascularização e da alta taxa proliferativa, parecem ser mais dependentes da síntese endógena de glicose e de glutamina. Para obter elevadas taxas de síntese de nucleotídeos, as células tumorais devem redirecionar seu metabolismo da glicólise à via PPP. Essa via alternativa a glicólise é uma via anabólica que envolve oxidação de glicose. A via PPP gera NADPH, utilizado na síntese de ácidos graxos, e R5P, utilizado na síntese de nucleotídeos. Nesse contexto, inibir a biossíntese de nucleotídeos em estágios iniciais, como a R5P parece ser uma terapia antimetabólica interessante.

Lactato desidrogenase A (LDH-A) As enzimas reguladoras das etapas finais da glicólise, do LDH-A e do piruvato quinase M2 (M2-PK) têm expressão aumentada em tumores. A enzima

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO LDH-A é responsável pela conversão de piruvato em lactato, o que normalmente ocorre e m condições de baixas tensões de oxigênio. No entanto, tumores apresentam acúmulo de lactato, indicando o desequilíbrio entre g licólise e fosforilação oxidativa. Estudos mostraram que a diminuição nos níveis de LDH-A preveniu glicólise aeróbia e induziu as células tumorais a reverterem seu metabolismo para fosfori lação oxidativa. Concomitantemente, inibição de LDH-A comprometeu a tumorigenicidade dessas células, sugerindo que a glicólise aeróbia é essencial para progressão tumoral. Expressão de LDH-A pode ser induzida diretamente por oncogenes como c-Myc ou indiretamente por HIF1a. Estudos mostram que o efeito Warburg também pode ser revertido com diminuição nos níveis da enzima M2-PK, resultando em queda na tumorigenicidade dessas células malignas. A expressão de M2-PK pode ser estimulada pela hipóxia e pelos oncogenes como Ras e Src e pe lo gene do papilomavírus humano. Esses resultados mostram que intervir nas alterações metabólicas tumorais, revertendo o efeito Warburg, pode ser uma eficiente estratégia antitumoral.

Alteração do metabolismo de glutamina Embora o mecanismo da g licólise aeróbia seja importante para obtenção de energia em células tumorais, o metabolismo de glutamina representa uma via tão importante quanto, e em alguns tipos tumorais, até mais importante para obtenção de energia do que a g licólise aeróbia. Glutamina é um aminoácido não essencial encontrado em abundância no soro, sendo incorporado pelas células tumorais e transfonnado em g lutamato por meio da enzima g lutaminase (GLS). Glutamato é muito importante no metabolismo celular, sendo utilizado como metabó lito intermediário no ciclo TCA e como precursor na biossíntese de ácidos nucleico, de alguns aminoácidos e de g lutationa. Em células tumorais, algumas v ias envolvidas na progressão tumoral também estão envolvidas na quebra da g lutamina em g lutamato (glutaminól ise), como c-Myc, que aumenta a expressão da e nz imaGLS criando uma ligação entre sina is oncogênicos e metabolismo de g lutamina. Outra molécula onco-

CAPÍTULO 15 gênica, Rho GTPase, que pertencente a uma família de proteínas envolvidas na proliferação celular, na apoptose e na expressão gênica, também está re lacio nada à g lutaminólise. Estudos recentes mostram que medicamentos conseguem inibir a transformação tumoral de fibroblastos induzida por Rho GTPases e também a proliferação celular em células de câncer de mama e de linfoma de células B pela interferênc ia da e nzima GLS. Esses dados apontam o metabolismo da g lutamina como fator que induz tumorigênese e não somente uma consequência da progressão tumoral.

Alteração da biossíntese de lipídeos Além de alterar a síntese de ATP e de nucleotídeos, uma terceira a lteração metabólica apresentada por tumores é o aume nto da síntese de ácidos graxos. Esses lipídeos são componentes essenciais da me mbrana plasmática, além d e serem substratos do metabo lismo de energia. Existem duas fontes de obtenção de ácidos graxos: exógena (dieta) e endógena (por meio da enzima sintase de ácidos g raxos [FASN, do inglês fatty acid synthase]). Células normais utilizam preferencialmente lipídeos circulantes, e não a biossíntese endógena, como principa l fonte de ácidos graxos. No entanto, as células tumorais apresentam biossíntese endógena de ácidos graxos exacerbada, independentemente dos níveis circulantes de lipídeos. Síntese de novo de ácido g raxos pode ser associada a aumento g licolítico em tumores por meio da relação entre enzimas glicolíticas e lipogênicas. Células tumorais catabolizam glicose em taxas que excedem suas necessidades bioenergéticas por meio da troca de metabo lismo oxidativo pelo g licolítico. Excesso de produtos g licolíticos, como piruvato, é redirecionado para a síntese de novo de ácidos graxos. Aumento da síntese de ácidos graxos, assim como de energia em forma de ATP, é necessário para manter as e levadas taxas proliferativas das células tumorais, além de garantir a produção de membranas e de modificações pós-traducionais de proteínas. A enzima FASN contribui para o desenvolvimento, manutenção e/ou promoção do fenótipo ma ligno, pois sua inibição pode provocar parada do ciclo celular, resultando na diminuição da proliferação das células tumorais e da apoptose. Mas o mecanismo

CAPÍTULO 15 exato que causa esse efeito citostático e citotóxico ainda não foi elucidado e sugere-se que FASN é uma molécula que integra vias de sinalização relacionadas ao metabolismo, à proliferação e à sobrevivência das células tumorais. Inicialmente, alterações na lipogênese e aumento da atividade glicolítica foram considerados fenômenos secundários resultantes da indução de outras vias durante o processo de carcinogênese. Alternativamente, essas alterações metabólicas foram consideradas necessárias para evolução de tumores invasivos por conferirem vantagens adaptativas a células tumorais. Portanto progressão tumoral pode ser associada a alterações lipogênicas e a via glicolitica. Nesse contexto, podemos concluir que as alterações metabólicas tumorais conferem vantagens proliferativas às células que garantem sua sobrevivência mesmo em microambientes desfavoráveis. O metabolismo tumoral alterado garante biossíntese de substratos, como nucleotídeos, ácidos graxos e proteínas, necessários para proliferação celular. Além disso, alterações metabóLicas tumorais conferem vantagens adaptativas que resultam em evasão a apoptose e consequente resistência a terapias. Portanto, essas alterações metabólicas tumorais tornam-se interessantes alvos terapêuticos. Essas estratégias baseadas no metabolismo tumoral aberrante podem atuar indiretamente, interferindo nas vias de sinalização que são ativadas ou suprimidas em tumores, e diretamente por meio das enzimas metabólicas (Tabela 1). As vias metabólicas uti lizadas pelas células tumorais são as mesmas utilizadas pelas células não transformadas, o que dificulta sua utilização como alvos terapêuticos. No entanto, a seleção de isoformas enzimáticas ou a atividade alterada dessas vias podem permitir intervenção terapêutica. Um exemplo dessa abordagem terapêutica é a uti 1ização de inibidores de glicólise (como 2-deoxiglicose). Como monoterapia, não se tem observado eficácia desses inibidores, embora apresentem efeito sensibilizador a outros agentes terapêuticos (como placlitaxel). Outro alvo de inibição da via glicolítica é o transportador de glicose facultativo (GLUTl), aumentado na maioria dos tumores principalmente pelo fator de transcrição de HIF e Akt. Phloretin é um inibidor do transporte de glicose pela membrana

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plasmática com atividade antitumoral in vilro e in vivo, mas na clínica ainda não há inibidor de GLUT. A primeira etapa da glicólise, que consiste na fosforilaçâo da glicose para formar a glicose-6-fosfato (G6P), é controlada pelas hexoquinases. Essa é uma de muitas enzimas que tem seu aumento induzido por HIF e MYC - e ambos são altamente expressos em tumores. Dois inibidores de hexokinases, lonidamine e 2-deoxiglicose, estão sendo avaliados em ensaios clínicos para vários tumores sólidos. G6P pode ser desviado da via de glicólise para via PPP, permitindo a produção de duas moléculas importantes: NADPH, necessária para biossíntese de lipídeos e de nucleotídeos, assim como para proteção contra estresse oxidativo, e R5P, precursor de nucleotídeos. Ainda não há estudos clínicos com inibidores de PPP, no entanto a enzima TKTL 1, que faz parte dessa via, aparece aumentada em muitos tumores. Diminuição dessa enzima resultou em redução na proliferação tumoral e na produção de lactato, além de sensibilizar essas células a compostos geradores de espécies reativas de oxigênio (ROS). Assim, a inibição da via PPP pode alterar o estado redox celular e inibir a síntese de lipídeos. Piruvato quinase (PK) é a enzima final da via glicolítica, que converte fosfoenol.piruvato em piruvato. Essa é uma etapa importante na produção de energia por glicólise, sendo altamente regulado por seleção de isoforma (a forma proveniente de splicing alternativo PKM2 substitui a isoforma PKM 1 em todas as células com elevada taxa proliferativa, incluindo cél ulas tumorais). Portanto, a expressão de PK diferente em células normais e tumorais favorecendo estudos para desenvolvi mento de inibidores da isoforma PMK.2. Assim, o metabolismo está envolvido direta ou indiretamente em todos os processos celulares e a células tumorais apresentam alterações metabólicas que favorecem sua adaptação e sua sobrevivência. A compreensão das alterações metabólicas tumorais tem permitido o desenvolvimento de novos alvos terapêuticos, como discutido anteriormente. No entanto, como essas vias metabólicas são interligadas e estão relacionadas com todos os processos celulares, muitos estudos ainda serão necessários para que novas alternativas terapêuticas baseadas no metabolismo tumoral alterado sejam de fato eficientes.

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Na clínica: detecção do câncer e caquexia A aplicação clínica do efeito Warburg está na técnica de tomografia por emissão de pósitron (PET, do inglês positron-emission tomography), com utilização de um análogo de glicose FdG (F-1 8 fluorodeoxyglucose) como marcador. Como a produção deATP por glicólise (2 ATP por molécula de gl icose) é menos eficiente que a fosforilação oxidativa mitocondria l (36ATP por molécu la de glicose), as células tumorais apresentam como medida compensatória maior captação de glicose quando comparada as células normais. Portanto, o sistema de imagem por FdG PET permite visualizar os tumores com captação de glicose aumentada por meio da marcação desse análogo de glicose (FdF) em pacientes oncológicos. O sistema de imagem FdG PET também permite a quantificação dessa captação e, com isso, tem-se correlacionado pior prognóstico e agressividade tumoral com captação aumentada de glicose. Em relação ao paciente oncológico, as alterações metabólicas envolvidas durante a progressão tumora l também têm consequências fisiológicas ao indivíduo portador dessa enfermidade. Nos últimos tempos discute-se o tratamento do câncer como doença sistêmica e não localizada ao foco tumoral, pois há produção de diversas moléculas que alteram as funções normais do organ ismo.

CAPÍTULO 15 Pacientes com câncer apresentam uma variedade de alterações metabólicas que resultam num quadro de desnutrição progressiva, cuja última fase é conhecida como caquexia e caracterizada por anorexia, fadiga, fraqueza, disfunção imune, anemia, diminuição da massa muscular e intensa perda de peso. Além disso, há uma competição por nutrientes e ntre tumor e hospedeiro que, associada a ingestão oral inadequada de nutrientes, resulta em aumento do gasto ene rgético. Modificações no metabolismo de carboidra tos, de lipídios e de proteínas favorecem o processo de caquexia, mas as causas dessas alterações metabólicas ainda não são totalmente compreendidas. Embora a inibição da via glicolítica pareça ser toleráve l pelas células normais, se utilizada como monoterapia provavelmente resulte em baixos efeitos terapêuticos nas cél ulas tumorais. Uma explicação para essa ineficácia seria o aumento, em tumores, da utilização de g lutamina por me io da glutaminólise e da capacidade das células tumorais de produzir ATP por fosfori lação oxidativa. Assim, tratamentos crônicos com inibidores glicolíticos podem provocar aumento na glutaminólise e talvez perda muscular (caquexia) por causa do aumento da de manda tumoral pela glutamina presente nos músculos.

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CAPITULO 15 Tabela 1 • Fármacos atuantes nas diversas vias metabólicas das células tumorais FÁRMACO

ALVO

AÇÃO

• Phloretin

Transportadores de glicose

Diminuição da captação de glicose

- 5- Fluorouracil

RSP (ribose 5-fosfato) ..... nucleotídeos

Inibição da via de síntese de nucleotídeos

• Phenylacetate

Transportadores de glutamina

Diminui captação do aminoácido glutamina

• GSK873149A

FASN (síntese de ácidos graxos)

Diminuição da via de produção de ácidos

I•

• Capecytabine • Cytabine (Ara-C) - Gemcltabine • Clofaribíne • Mercaptopurine • Methotrexate

graxos

- C75 - Orllstat • SB-204990

ATP citrato liase

Inibição da via citrato --. acetil-CoA

• TLN-232

PK (piruvato quinase)

Inibição da via de G6P (glicose-6-fosfato)-+

I•

PEP (fosfoenolpiruvato) • lonidamine

Enzima hexoquinase

Inibição da via da glicose ..... G6P (glicose-6-

• 2-deoxigllcose

-fosfato)

- 3-bromopyruvate - Methazolamlde

Anidrase carbônica

Inibição da enzima de conversão de H2C03

- lndlsulam

..... C02+H+

- Carlporide

NHE1 (transportador de Na+/H+ 1)

Inibição do transportador de Na+/H+

• CINN (a-cyano+

MCT (transportador de monocarboxi-

Inibição do transportador de lactato/H+

hydroxycinnamate)

lato)

~

~

·AR·C1179n • Phloretln · OCA

PDK (piruvato desidrogenase quinase)

Inibição da via piruvato ..... acetil-CoA

llibliografia rccomrndadn

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CAPITULO 16

CAPÍTULO 16 - MECANISMOS MOLECULARES DE QUIMIORRESISTÊNCIA: UMA AGENDA PARA O FUTURO Júlia Hatagami Paloma Taguchi Luciana Nogueira de Sousa Andrade

Entre os principais obstáculos no tratamento de pacientes com câncer estão a resistência do tumor à quimioterapia e a alta toxicidade das drogas. Esses temas serão abordados neste capítulo, primeiramente, explicando o mecanismo de resistência aos quimioterápicos e maneiras de se escapar dele e, em seguida, discutindo estratégias para minimizar a toxicidade do tratamento, bem como novas técnicas promissoras de distribuição de agentes terapêuticos para os tumores, atualmente em desenvolvimento.

Resistência a Múltiplas Drogas- MDR (Multi Drug Resistent) A quimiorresistência é um fenômeno multifatorial responsável pela ineficácia dos compostos quimioterápicos e consequente recidiva da doença. Do ponto de vista celular, esse fenômeno é resultado de alterações no funcionamento de vias celulares envolvidas principalmente no controle da sobrevivência e morte celular, no metabolismo e transporte celular de xenobióticos, rompendo dessa fonna o equilíbrio existente em células "normais", responsável pela homeostase, a favor de um cenário que garanta a sobrevivência da célula independente das condições do ambiente. Em outras palavras, esse desbalanço garante a sobrevivência da célula tumoral mesmo na presença de agentes indutores de morte como os quimioterápicos, sendo esse o cerne do fenômeno da quimiorresistência. Dentre as alterações moleculares envolvidas nesse fenômeno podemos citar: ( 1) diminuição nos níveis de expressão de genes pró-apoptóticas e/ou aumento nos níveis de genes anti-apoptóticos (vide capítulo sobre mortes celulares); (2) ativação de moléculas envolvidas na detoxicação intracelular, como aumento na expressão da enzima de metabolização de xenobióticos glutationa-S-transferase (GST); (3) ativação dos sistemas de reparo do DNA responsáveis pela remoção das lesões no DNA causadas por quimioterápicos; e (4) ativação ou superexpressão de moléculas

que são capazes de exportar os quimioterápicos e/ou xenobióticos para fora da célula, ou para outros compartimentos celulares, inviabilizando sua ação tóxica. Este último fator é um dos fatores moleculares mais bem estudados, e será aqui discutido, como exemplo de mecanismo de quimiorresistência. Ainda, além destes mecanismos, mutações nas mo-léculas-alvo dos quimioterápicos também representam outra alternativa para a aquisição da quimiorresistência em diferentes tumores, o que parece estar relacionado ao fenótipo mutador de muitos tumores. Nesse sentido, o aparecimento de células tumorais apresentando novas mutações em moléculas-alvo reforça a noção de que quimioterápicos exercem uma pressão seletiva sobre a população de células tumorais, favorecendo o surgimento e manutenção de células capazes de se adaptarem a condições inóspitas existentes no microambiente tumoral e, consequentemente, não mais elegíveis como alvo dos compostos quimioterápicos.

Resistência a Múltiplas Drogas Como mencionado acima, o bombeamento de drogas como quimioterápicos para o meio extracelular indubitavelmente constitui uma importante vertente na aquisição do fenótipo de quimiorresistência pelas células tumorais. Esse bombemamento é efetuado por uma gama de proteínas transmembrânicas que foram extensivamente caracterizadas nos últimos anos, e boje é bem estabelecido que esse efluxo de agentes antineoplásicos pelas células malignas é responsável pelo o que se denominou resistência a múltiplas drogas (MDR, do inglês, multiple drug resistance). A superfamília de transportadores ABC compreende a maior família de proteínas transmembrânicas e são responsáveis pelo efluxo de droga para o meio extracelular e pelo fenômeno de MDR. São caracterizadas por apresentar um domínio de ligação de nucleotídeo (nucleotide-binding domain, NBD), onde

CAPÍTULO 16

foram identificados dois ligantes de ATP ( Wa/ker A e B) altamente relacionados e conservados , e um componente integral de membrana, constituido por seis domínios transmembrana conhecidos como TMD (transmembrane domain). A unidade funcional dessas proteínas compreende dois NBD e dois TMD, como ilustrado diagramaticamente na Figura 1. Elas podem ser encontradas na membrana plasmática, na membrana de peroxissomos e na mitocôndria. Independente da membrana em que elas estejam localizadas, o sítio de ligação de nucleotídeos se situa no citoplasma e a maioria dos transportadores transporta seus substratos na direção oposta ã localização do NDB, sendo o transporte sempre dependente da energia produzida pela quebra do ATP. Os substratos desses transportadores são os mais diversos como drogas h idrofóbicas, esteróides, peptídeos, íons, açúcares e metais pesados. Estas moléculas atuam então como bombas de efluxo sendo, portanto, capazes de transportar para fora da célula uma grande variedade de xenobióticos, incluindo drogas anti-tumorais, mantendo assim a concentração intracelular em níveis subletais. De fato, já se sabe que em muitos tipos de tumores o aumento na expressão de alguns membros dessa família é uma das causas de MDR. A glicoproteina P (Pgp) foi o primeiro transportador da família ABC a ser descrito. Esse transportador é codificado pelo gene ABCB l/MDRI localizado no braço longo do cromossomo 7q2 l . l, sendo a proteína constituída por uma cadeia polipeptídica de 1280 aminoácidos contendo 12 regiões hidrofóbicas, 2 porções compostas por um sítio NBD capaz de hidrolisar ATP na extremidade citoplasmática, e um sítio de glicosilação extracelular. Estudos evidenciam que ambos os sítios de ligação de ATP são necessários para a formação de uma molécula funcional e que os NBD interagem com domínios que se ligam às drogas para formar um transportador funcional. Já foi demonstrado que a Pgp possui vários sítios multifuncionais, sendo, portanto, capaz de transportar mais de uma substância ao mesmo tempo sem que haja competição. Quanto aos seus substratos, sabe-se que Pgp possui maior afinidade por substâncias catiônicas e lipofllicas, sendo capaz de transportar esteróides, · peptídeos, lipídeos, além de diversos quimioterápi-

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cos que têm em comum a natureza lipoftlica e caráter an:fipático. Dentre os quimioterápicos sabidamente bombeados para o meio extracelular via PgP destacam-se as antraciclinas, alcalóides vinca, taxanos, etoposídeo e os inibidores de tirosina quinase imatinibe, nilotinibe e dasatinibe Tabela 1). Quanto a distribuição de Pgp no organismo, esse transportador encontra-se presente nos mais diversos tipos celulares (Tabela 2). As proteínas associadas a multirresistência, MRP (do inglês, multiple resistance protein), possuem dois NBD com atividade ATPásica e uma alça L que liga um domínio N-terminal de cinco elementos transmembrana nas proteínas MRP 1, MRP2, MRP3 e MRP6. Existe outro conjunto, o qual contém as proteínas MRP4 e MRP5, que difere deste por não possuir esse domínio, somente a alça L. Dentre os membros dessa sub-família de proteínas MDR, MPRl é a mais estudada e foi o segundo transportador ABC a ser descoberto. Em humanos, esta proteína possui 190kDa, 1531 aminoácidos, dois sítios de glicosilação e é codificada pelo gene ABCC 1 localizado no cromossomo 16. A MRP l possui maior afinidade por cátions e transporta substâncias neutras quando conjugadas a glucoronídeos, a sulfato e a glutadiona e confere resistência a um espectro mais restrito de quimioterápicos, dentre os quais antraciclinas, alcalóides vinca e etoposídeo. Quanto a presença desse transportador no organismo, sabe-se que sua expressão é ubíqua, entretanto maiores níveis de MRPI são encontrados no endotélio de vasos no cérebro, sugerindo um papel protetor dessa proteína na barreira hematoencefálica. A proteína relacionada a resistência a mitoxantrona (MXR) é o terceiro transportador da família ABC mais estudado e tem sido relacionado ao transporte de mitoxantrona, topotecano, irinotecano, imatinibe e gefitinibe, além de outros compostos não quimioterápicos. Em humanos, esse transportador é codificado pelo gene ABCG2 que se encontra no cromossomo 4. É um hemitransportador com 72k.Da, 655 aminoácidos, um NBD e seis domínios transmembrana. MXR é expresso na placenta, glândulas adrenais, pulmão, próstata e trato gastrointestinal. Juntamente com PgP, constitui o mecanismo dominante de resistência a drogas em muitos tumores.

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CAPÍTULO 16

Proteínas MDR como alvo terapêutico em tumores Além da atuação dessas proteínas transportadoras no fenômeno de M DR acima descrito, vários estudos mostraram que essas proteínas têm participação ativa em outros mecanismos celulares que conferem algum tipo de vantagem adaptativa ao tumor. Alguns estudos, por exemplo, sugerem que essas proteínas

promovem a sobrevivência da célula, o que, surpreendentemente, mostrou-se ser independente do bombeamento de drogas para o meio extracelular. Em adição, evidências clínicas mostram uma correlação positiva entre os níveis de expressão desses transportadores e agressividade e progressão da doença, transformando esses transportadores em alvos terapêuticos atraentes para o tratamento dessas malignidades.

Tabela 1 - Quimioterápicos que são substratos de proteínas MOR. Gene

Proteína

Quimioterápicos que são substratos dos transportadores

Outras drogas e substratos

ABCA2

ABCA2

Estramustina

-

ABCB1

PGP/MDA1

Colchicina, doxorubicina, etoposídeo, vimblastina, paclitaxel

Digoxina

ABCC1

MAP1

Doxorubicina, daunorrubicina, vincristina, etoposídeo, colchi-

Rodamina 1·:c

cina, camptotecina, metotrexato, epirrubicina, idarrubicina, teniposídeo ABCC2

MAP2

Vimblastina, cisplatina, doxorrubicina, metotrexato

Sulfinpirazona

ABCC3

MRP3

Metotrexato, etoposídeo

-

ABCC4

MRP4

6-mercaptopurina, 6-tíoguanina e metabólitos; metotrexato

PMEA, cAMP, cGMP

ABCC5

MRP5

6-mercaptopurina, 6-tioguanina e metabólitos

PMEA, cAMP, cGMP

ABCC6

MRP6

Etoposídeo

-

ABCC11

MRP8

5-fluorouracil

PMEA, cAMP, cGMP

ABCG2

MXR/BCRP

Mitoxantrona, topotecano, doxorubicina, daunorrubicina,

Feoforbina A, Hoechst

irinotecano, imatinib, metotrexato, epirrubicina

33342, rodamina

-

ABC, ATP-binding cassei/e; BCRP, breasr cancer resisrance prorein; cAMP. cyclic adenosine monophosphate; cGMP, cyclic guanine monophosphate; MDR, multidrug-resistance-associared protein: MXR, mitoxantrone resistance protein; PMEA. 9-[2-(phosphonomethOJ.y)ethyl]adenine. Tabela 2 - Expressão da Glicoproteína P nos Tecidos Normais Expressão da Glicoproteína P nos Tecidos Normais Alta expressão Células dos brônquios Glândulas sudorípadas Túbulos proximais do rim Córtex adrenal Placenta - trofoblastos Endotélio do cérebro, testículos, derme papilar Expressão baixa a moderada Estômago Intestino delgado Intestino grosso Ácinos e duetos pancreáticos Canalículos biliares Próstata tireóide Epitélio da mama

Endométrio Células-tronco da medula óssea Nenhuma expressão Neurônios, células da glia, nervos periféricos Pneumócitos Mucosa esofágica Hepatócitos Coração Queratinócitos, melanócitos Rim, glomérulo Glandula adrenal, células cromafins Células da ilhota pancreática Mucosa cervical Ovário, testículo - células germinativas Tecido conjuntivo

1

Adaptado de: PEREZ. RP. Ce/lular and molecular determinants of ci~platin resistance. European Journal of Cancer. 1998.

, -- - -

-

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Rapidamente surgiu a seguinte pergunta: o bloqueio dessas bombas levaria há um aumento no transporte do fármaco para o interior das células tumorais e indução da morte dessas células? Nesse sentido, estudos pré- clínicos em animais portadores de tumor de mama mostraram que o uso de verapamil ou PSC 833, inibidores de Pgp, leva a um aumento na absorção de doxorrubicina pelas células que se localizam perto dos vasos; entretanto, diminui a oferta da droga para as células mais distantes dos vasos. Dessa maneira, sugere-se que inibidores de Pgp estimulam o acúmulo celular do quimioterápico e, ao mesmo tempo, reduzem a penetração da droga no tecido tumoral. Em outras palavras, ocorre acúmulo do quimioterápico nas células tumorais próximas aos vasos, acarretando em toxicidade e eficiência no tratamento nessas proximidades. Porém, as células que se encontram mais distantes recebem quantidades subletais do quimioterápico, o que lhes permite sobreviver e até mesmo proliferar, reconstituindo desse modo a massa tumoral. Ensaios clínicos usando inibidores de MDRjá estão sendo feitos e analisados. O uso oral diário de verapamil racêmico (240mg) associado à vindesina (fármaco antineoplásico) e a 5-fluorouracil (quimioterápico) demonstrou uma maior sensibilização ao tratamento de pacientes com câncer de mama metastático. Estudos de coorte mostram que pacientes tratados com os quimioterápicos e com o verapamil desenvolveram maior resposta ao tratamento e, consequentemente, tiveram maior sobrevida global quando comparados com aqueles que só utilizaram os quimioterápicos. Contudo, a maior parte dos estudos com inibidores de MDR mostram resultados ainda pouco promissores. Dentro desse cenário, a presença de células tronco tumorais parece constituir um dentre os vários fatores responsáveis pela ineficiência terapêutica dos inibidores de MDR até então analisados e será melhor abordada a seguir.

Células-tronco tumorais e MDR Células-tronco são células que apresentam capacidade de auto-renovação e diferenciação. Atualmente vem se consolidando a noção da existência de uma sub-população de células tumorais com características de células tronco que seriam responsáveis, pelo

ONCOLOGIA PARA AGRADUAÇÃO menos em parte, pela quimiorresistência e recidiva da doença. Não se sabe ao certo a origem dessas células-tronco tumorais. Estudos que examinaram a progressão da leucemia mielóide crônica mostram que elas podem ser derivadas tanto de células-tronco normais, que acumularam mutações e desenvolveram um potencial anormal de proliferação e auto-renovação, quanto de células normais que desenvolveram a capacidade de auto-renovação. Células tronco tumorais, independente do processo pelo qual foram formadas, dão origem a células que perdem a habilidade de diferenciação e de auto renovação, mas conservam a capacidade de se dividir. Acredita-se que a quimioterapia consegue matar a maioria das células tumorais, porém as células-tronco tumorais permanecem vivas, repopulando o tumor. Provavelmente, uma das causas para isso deve-se ao fato dessas células apresentarem altos níveis de expressão de transportadores ABC, principalmente ABCG2, comparados as células não transformadas ('normais') diferenciadas. Todavia, vale ressaltar que na maior parte dos estudos pré-clínicos e clínicos foram utilizados inibidores de ABCG 1, uma vez que inibidores para ABCG2 como fumitremorgin C são extremamente tóxicos, limitando seu uso nos protocolos experimentais. Tendo em vista a importância do papel das proteínas MDR na biologia da célula tumoral seria plausível pensar em estratégias para sobrepujar esse mecanismo de resistência. Uma alternativa seria aumentar a dose de quimioterápico administrada com o intuito de saturar os transportadores, o que acarretaria em um aumento na concentração intracelular do quimioterápico. Porém, sabe-se que a toxicidade dos compostos quimioterápicos não se restringe somente as células malignas e esse aumento na concentração da droga indubitavelmente comprometeria a integridade do organismo como todo, extrapolando assim a margem de segurança da droga. Em adição, existem ainda outros fatores que aparecem como barreiras no que diz respeito a distribuição e captura de quimioterápicos pela célula tumoral. Hoje o conceito de que tumores são microambientes compostos por diferentes tipos celulares (além da célula tumoral per se) é bem consolidado. Nesse sentido, as células endoteliais que constituem os va-

CAPÍTULO 16

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO sos sanguíneos que irrigam a massa tumoral desempenham papel fundamental na progressão do tumor; contudo, não funcionam como uma rede eficiente de entrega de drogas. Na realidade, os tumores sólidos possuem um suprimento sanguíneo ineficiente com vasos tortuosos e anômalos, grandes distâncias entre os capilares, além de um fluxo de sangue intermitente, fatores que limitam a difusão da droga nessa massa sólida. Em cânceres de mama, por exemplo, verifica-se que ocorre diminuição da exposição das células tumorais a agentes quimioterápicos, como doxorrubicina por exemplo, em função do aumento da distância dos vasos sanguíneos. Estes achados demonstram a existência de um limite de penetração da droga que compromete a eficácia de abordagens como a quimioterapia. Consequentemente, novas estratégias se fizeram necessárias para aumentar o poder terapêutico dos quimioterápicos e serão comentadas a seguir.

microambiente circundante. A seguir será explicado como cada elemento pode ser explorado.

Endereçamento e entrega de drogas: minimizando a toxicidade do tratamento.

Características do Microambiente

À semelhança da "bala mágica'', termo criado por Paul Erlich para ilustrar o conceito de especificidade de moléculas terapêuticas, o que se tem buscado são métodos para focar a atuação dos medicamentos predominantemente na célula tumoral e assim diminuir sua toxicidade sistêmica. Com esses métodos, seria possível aumentar a concentração dos quimioterápicos apenas a nível tumoral, até se atingir o limite de bombeamento das MDRs tumorais, sem ser necessário expor todo o organismo a altas concentrações de substâncias com alta toxicidade. Um desses métodos é o endereçamento, no qual se usam marcadores tumorais específicos para direcionar as drogas principalmente ao tumor. Esse método pode ser utilizado em conjunto com estruturas carregadoras, as quais confinam as drogas durante o percurso pela circulação sistêmica, impedindo que elas entrem em contato com outros tecidos que não o tumoral.

Endereçamento O tecido tumoral é constituído pelas partes vascular, intersticial e celular, de modo que os três componentes podem ser utilizados como alvos do endereçamento, bem como as particularidades do

Endereçamento Passivo: permeabilidade e retenção aumentadas A vascularização anormal e a falta de vasos linfáticos criam o efeito de Permeabilidade e Retenção Aumentadas (EPR - Enhanced Permeability and Retention ). Esse efeito propicia o extravasamento e o acúmulo de macromoléculas na região do tumor. O uso de drogas com maior peso molecular ou carregadores de maior tamanho favorece uma maior concentração deles no local desejado. Contudo, as moléculas do medicamento devem apresentar uma meia-vida mais longa, já que elas ficarão circulando no sangue por algum tempo até serem retidas no tumor.

As condições de pH baixo e temperatura elevada podem ser utilizadas como ativadores de alguns tipos de drogas. Em condições normais, elas permanecem inativas, porém no contexto do tumor elas são capazes de atuar e gerar toxicidade. A limitação desse tipo de endereçamento é que frequentemente as variações encontradas no tumor não apresentam diferença suficiente em relação aos tecidos normais para haver realmente uma especificidade do efeito tóxico.

Estratégias de endereçamento ativo: Campo Magnético Nesse caso, associa-se o medicamento a partículas ferromagnéticas (que sofrem atração por ímãs). Ao utilizar um imã ou campo magnético sobre o paciente, é possível direcionar as partículas para o tumor e mantê-las na região, aumentando a concentração local das drogas.

Componentes de Membrana Celular- antígenos tumorais O tumor se desenvolve sob condições muito diferentes do resto do organismo, o que se relaciona à expressão de proteínas distintas pelos vários tipos

CAPITULO 16

celulares que compõem esse tecido. Essas proteínas, quando componentes de membrana celular, constituem os chamados antígenos tumorais e podem ser usadas como endereçadores de medicamentos. Para tanto, deve-se associar a droga a anticorpos ou a ligantes específicos no caso de receptores de membrana. Tal associação pode ser direta, corno no caso das imunotoxinas (o medicamento é ligado diretamente a um anticorpo), ou indireta, por meio de estruturas carregadoras (o anticorpo ou ligante fazem parte do carregador de drogas).

Entrega das drogas- nanotecnologia na terapia tumoral Para que o tratamento chegue até o tecido tumoral, ele deve primeiro passar pela corrente sanguínea e alcançar a porção vascular desse tecido. No percurso pela circulação, o medicamento muitas vezes está sujeito a degradação ou inativação, por exemplo, devido a fagócitos, ao metabolismo hepático, ou mesmo às condições de baixo pH que existem no micro-ambiente do tumor. Dessa forma, a utilização de estruturas carregadoras de drogas, que confinam moléculas impedindo sua livre difusão na corrente sanguínea e nos tecidos, protege as moléculas medicamentosas de todas essas intempéries. Essas estruturas possibilitam uma melhor solubil idade dos quimfoterápicos, o aumento da sua concentração local no tumor e também sua meia-vida na circulação, além de diminuir tanto a degradação quanto a toxicidade sistêrnica deles. Uma grande vantagem desses carregadores é a possibilidade de endereçamento ativo ou passivo para o tecido tumoral como já mencionado. Além disso, alguns desses carregadores podem ser metabolizados por vias diferentes das utilizadas pelas drogas livres dentro das células tumorais, aumentando a eficiência do tratamento, por exemplo, ao escapar das proteínas MDR ou de enzimas que degradariam a droga livre. Isso poderia contornar o problema de resistência adquirida por alguns tipos de tumor. Novos materiais e formulações permitem a entrega sítio-específica, regulando a biodistribuição, minimizando os efeitos colaterais e aprimorando a farmacocinética da droga. Dentre esses ganham destaque as nanopartículas, os lipossomos e as microbolhas.

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO

N anopartículas São partículas coloidais poliméricas, podendo ser biodegradáveis ou não. Podem tanto encapsular as moléculas de quimioterápicos - nanocápsulas, quanto apenas agregá-las por adsorção - nanoesferas. Elas tendem a se acumular nos vasos anormais do tecido tumoral pelo efeito de Permeabilidade e Retenção Aumentadas.

Li possomos Compostos por uma bicamada de fosfolipíd ios naturais ou sintéticos, encapsulam as drogas hidrofüicas ou solubilizam drogas lipofilicas em sua membrana. Para diminuir sua taxa de depuração renal, pode-se recobrir sua membrana externa com um polímero como PEG (Poli Etileno-Glicol).

Microbolhas Formadas por lipídeos, por vezes associados a biopolímeros ou a proteínas, como albumina. As microbolhas encapsulam a droga e, uma vez no local desejado, elas podem ser rompidas mediante uso de ultrassom de alta frequência. Seu rompimento provoca um aumento de pressão local, o que pode ajudar a aumentar a perfusão e a internalização dos quimioterápicos pelas células tumorais. As microbolhas foram inicialmente desenvolvidas como contraste para exames de ultrassom, encapsulando, nesse caso, gases para aumentar a ecogenecidade nos exames. Pesquisas sugerem que mesmo na forma de contraste (preenchidas por ar), o rompimento dessas bolhas já é capaz de auxi liar na ação dos quimioterápicos, provavelmente devido ao aumento local da pressão.

Considerações Finais É certo que o endereçamento e a entrega de drogas melhorariam muito a eficiência dos quimioterápicos, já que eles fazem os remédios chegarem ã região tumoral com mais fac ilidade e em maior concentração, por vezes diminuindo sua toxicidade. Contudo, isso não garante a atuação esperada das drogas. Em primeiro lugar, a arquitetura do tecido tumoral impede localmente a chegada e a internalização dos medicamentos em várias células, tanto nas regiões de alta pressão intersticial como também nas regiões sem

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO irrigação e perfusão adequadas, já que a difusão é o único mecanismo de transporte de partículas dos capilares até as células. Em segundo lugar, tem-se o problema das proteínas MOR, que tomam o tumor resistente a v~rias drogas; assim, mesmo que elas alcancem o local desejado em ótimas concentrações, elas podem não ser e fetivas.

É importante discutir sobre a hierarquia do tecido tumoral. Ele se comporta de forma muito semelhante aos tecidos normais. Origina-se muitas vezes de um pequeno número células-tronco mutadas, com capacidade ilimitada de divi sões que perderam a regulação negativa do seu cresc imento. No seu processo de divisão, essas cél ulas-tronco se auto-regeneram e criam células ampli ficadoras transitórias, um pouco mais diferenciadas e com a lta, porém finita, capacidade de divi são. Através de vias normais de sinalização e da continuidade do crescimento, essas células recrutam células cstromais, que se multipl icam e passam a fazer parte da massa tumoral. Como qualquer outro tecido, o tumor e o seu crescimen to dependem do estroma para se manterem. Considerando-se a hierarquia do tumor, a única forma possível de eliminá-lo completamente seria a destruição de todas as suas células-tronco, pois são elas que mantêm o tumor em crescimento. Ao eliminar as células estromais e as células amplificadoras transitórias, apenas diminui-se a massa tumoral, e poucas célu las-tronco remanescentes de um tratamento são j á seriam capazes de formar novamente o tumor. As células metastáticas também representam um grande problema para a terapia tumoral. Essas células adquirem a capacidade de sobreviverem sozinhas sem o estroma, inclusive no sangue, o que lhes confere a capacidade de disseminação. Ao alcançarem a corrente sanguínea, as células metastáticas conseguem, então, circular pelo corpo todo e se instalar em locais

CAPÍTULO 16

onde o ambiente é mais propício ao seu desenvolvimento. Elas podem ou não pennanecer quiescentes até a retirada ou involução do tumor primário, mas a qualquer momento elas têm a capacidade de iniciar o crescimento de um novo tumor, multiplicando-se e recrutando células estrornais e capilares. Algumas vezes aquiescência dos focos metastáticos é dependente do tumor primário, possivelmente devido à produção tumoral de alguma citocina inibitória de crescimento das metástases, com ação sistêmica. Assim, vários obstáculos se interpõem à el iminação de câncer. Após uma sessão de quimioterapia, sobram várias células não atingidas ou não afetadas pelas drogas, e ntre e las algumas células-tronco turnorais, que passam a viver em um microambiente com menos competição por nutrientes e com me nor pressão intersticial, pois grande parte da massa celular, antes em crescimento, já não existe mais. Assim, durante os períodos de intervalo do tratamento, as células neoplásicas restantes, passam a se multipl icar por vezes até com mais facilidade, provocando a repopulação tumoral. Uma vez que o tumor primário é el iminado e sobram algumas dessas célu las-tronco, ocorre a recidiva do tumor, podendo este ser resistente ao tratamento inicial, caso essas células remanescentes tenham adquirido resistência. Mesmo que o tumor seja e liminado totalmente, o paciente só tem a lta após vários anos. Isso acontece porque ainda não há como saber se existem metástases em outros locais, as quais irão se desenvolver e formar tumores secundários após a retirada do primário. Com tamanha dificuldade para se alcançar a cura do câncer, surge uma possível alternati va para lidar com a doença no futuro: transformar o câncer em urna doença crônica, m antendo-o no organismo, porém evitando seu crescimento e suas complicações nocivas, à seme lhança das metástases quiescentes.

Bibliografia Recomendada 1. Ferreira, C. G.; Rocha, J. C. Oncologia Molecular. São Paulo: Atheneu. 2004. p.113-121. Maia, R. C.; Rurnjanek, V. M.

4. Dean, M. Abc Transponers, Drug Resistance, and Cancer Stern Cells. J Marnrnary Gland Biol Neoplasia. 14:3-9, 2009.

2. Mcndolsohn. J. et ai. The Molecular Basis ofCancer. W.S. Saunders, Phi· ladclphia. v. 2. p. 407-419. 2002. Scotto, K.w.: Benino, J. R.

5. Briggcr, I.; Dubcmet, C.; Couvrcur, P. Nanopanicles in cancer therapy and diagnosis. Adv Drug Dcliv Rev. 54:631-651, 2002.

3. Dean, M.; Fojo. T.; Bates, S. Turnour Stern Cells and Drug Rcsistance. Nat. Rcv.Canccr 5:275-284, 2005.

CAPÍTULO 17

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO

CAPÍTULO 17 - FATORES TECIDUAIS DE RESISTÊNCIA A MEDICAMENTOS EM TUMORES Lucas Bastos Marcondes Machado Roger Chammas

Durante muito tempo as pesquisas em oncologia tiveram foco reducionista, estudando as células cancerígenas e os genes dentro delas, mas essas células não estão sozinhas. Elas interagem com seu microambiente, formado por diversas moléculas e outras células. Essa visão mais global - do tumor como órgão anormal - é o foco de vários estudos atuais que ressaltam a importância da matriz extracelular e das células do estroma tumoral no desenvolvimento do câncer. Conforme o tratamento contra o câncer foi evoluindo, com desenvolvimento de novos medicamentos (muitos deles com alto peso molecular, como anticorpos e citocinas) tornou-se claro que nem toda a resistência das células cancerígenas a medicamentos era por causa de mecanismos celulares: o problema era fazer o medicamento chegar ao tumor em concentrações suficientes para tratamento eficaz. O medicamento tem de ser transportado no sangue até o tumor, atravessar a parede vascular e difundir-se pelo interstício até a célula tumoral, só que ele pode encontrar barreiras em todas essas etapas, ou seja, o tecido tumoral possui características que servem como fator de resistência. Nesta seção, trataremos o tumor sob um ponto de vista mais integrado, considerando-o como órgão ou organoide e dando importância a sua vascularização, sua pressão intersticial e sua matriz extracelular e a outros aspectos do microambiente. Sempre que for usada a palavra tumor ou câncer nesta seção, não se referirá a célula individual ou a um grupo de células neoplásicas, mas a todo o órgão-tumor. Resumindo, o objetivo aqui é sintetizar as principais características do microambiente tumoral, como sua vascularização e a consequência dela ao fluxo e à pressão intersticial do tumor e como estas características influem no tratamento do câncer. No final da seção a intenção é discutir brevemente novas terapias e estratégias de tratamento que se baseiam nas características únicas do microambiente tumoral em comparação com o resto do organismo.

Vasos Tumorais Em qualquer tecido, os vasos sanguíneos têm a função de garantir o suprimento de oxigênio e de nutrientes e ainda retirar os produtos do metabolismo das células. Num tecido normal estão organizados segundo uma hierarquia básica que vai de artérias ao leito capilar e, por fim, às veias. O fluxo de sangue é contínuo por esses vasos e a vascularização é homogênea por todo o tecido. Além dessa arquitetura bem definida, num tecido normal os vasos também possuem sistemas de regulação do fluxo e da pressão sanguínea, como as arteríolas pré-capilares. Dentro do tecido tumoral, encontramos uma situação muito mais heterogênea, com capilares imaturos e brotos endoteliais, frutos da angiogênese estimulada pelo tumor, junto a vasos mais maduros, artérias e veias com capacidade de regular fluxo e que provavelmente eram vasos preexistentes do hospedeiro, vasos da margem do tumor ou vasos que por alguma razão foram formados pelo tumor, mas que estão em estágio mais avançado da angiogênese. Em tumores sólidos, encontramos vasos tortuosos, mais dilatados, que muitas vezes dividem-se em mais de dois ramos, com ramos de tamanhos desiguais, alguns vasos que terminam em fundos cegos e grandes vasos com paredes muito finas, como se fossem grandes capilares. Sem ter divisão clara entre artérias, capilares e veias, vasos tumorais às vezes compartilham características de todos esses tipos de vaso. Sua estrutura muda dependendo do tamanho do tumor ou da região do tumor, o que contribui ainda mais para a heterogeneidade da vascularização do tumor. Vasos tumorais são muito permeáveis. Esse vazamento dos vasos pode decorrer de espaços causados pela descontinuidade de células endoteliais, que têm várias anormalidades estruturais em alguns tumores, como poros transendoteliais de diâmetros variando de 200 nm até 1,2 µm em tumores subcutâneos.

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO A pressão mecânica causada pela presença fisica de células tumorais proli ferando de maneira descontrolada contribui para espremer os vasos dentro do tumor e inclusive colapsa alguns vasos, impedindo qualquer fluxo sanguíneo por eles. Além disso, há alterações na membrana basal dos vasos tumorais que normalmente era descrita como ausente ou incompleta. Novos estudos mostram que a cobertura da membrana basal nos vasos é extensa, porém ela tem anormalidades estruturais, como espessura e número de camadas variável e uma associação frouxa com o endotélio e os pericitos. Os pericitos dos vasos tumorais também apresentam anormalidades. Expressam de modo diferente proteínas marcadoras, têm associação mais frouxa com o endotélio e ainda apresentam processos citoplasmáticos que invadem o tecido tumoral. Outra característica desses vasos é a de que células tumorais em trânsito para a circulação podem residir temporariamente na parede de vasos e ocupar até 4% da área da parede vascular. Esses vasos são conhecidos como mosaicos e têm grande importância em metástases, pois são o caminho de saída de células tumorais à circulação. Células do sistema imune também têm mais dificuldade para infiltrar no tecido tumoral. Aparentemente, têm mais dificuldade para fazer rolamento, adesão e migração nos vasos tumorais. Essa pode ser uma característica das células endoteliais de vasos recém-formados ou pode decorrer do excesso de fatores angiogênicos no microambiente tumoral.

Fluxo e permeabilidade no tumor Fluxo sanguíneo num vaso depende da diferença de pressão entre os lados arterial e venoso da circulação e da resistência ao fluxo, que depende da viscosidade do sangue e da geometria dos vasos. Em vasos intratumorais, maior diâmetro, tortuosidade, presença de fundos saculares e vazamentos aumentam a resistência ao fluxo sanguíneo, diminuindo a perfusão sanguínea intratumoral. Além disso, a viscosidade do sangue num tumor é maior por causa da drenagem de proteínas do interstício e da presença de células tumorais invadindo o espaço vascular. Soma-

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-se a isso o fato de que, principalmente no centro dos tumores sólidos, a maioria dos vasos é composta de veias ou vênulas e não há gradiente considerável de pressão. O pareamento da pressão hidrostática com a pressão intersticial pode provocar cancelamento das diferenças de pressão entre as extremidades do vaso tumoral, resultando em estase sanguínea. A pressão mecânica causada pela densidade celular também pode contribuir para a baixa velocidade sanguínea no tumor. Portanto, o fluxo sanguíneo num tumor sólido é de modo geral mais baixo do que em tecido normal, porém o fluxo dentro do tumor é heterogêneo. Na periferia, onde há uma proporção um pouco maior de artérias, o fluxo é maior; ele também pode se modificar com mudanças na pressão arterial sistêmica do organismo. No tumor, isso cria diferentes áreas de perfusão: uma área relativamente bem perfundida, outra que sofre isquemias temporárias e ainda uma área necrótica, onde não há fluxo. O transporte de substâncias através de um vaso pode ocorrer por difusão, por convecção ou por transcitose. De acordo com as características da parede dos vasos num tumor sólido, com associação fraca da membrana das células endoteliais e dos pericitos e ocasionais poros entre as células endoteliais, a permeabilidade dos vasos tumorais é maior do que a de vasos de um tecido normal. Outros estudos ainda apontam a ação do VEGF, primeiramente descrito como VPF (vascular permeabi lity factor), como um dos fatores que aumentam a permeabilidade nos vasos turnorais. Abundante nos tumores, pode formar fenestrações nas células endotelias, fusão de vesículas formando um canal na célula endotelial , evento conhecido como VVO (vesiculo-vacuolar organelles), e invaginações do citoplasma endotelial que carregam o plasma. VEGF ainda está relacionado com a quantidade e o tamanho dos poros entre as junções das células (Figura I), mas nem todos os tumores têm alta permeabilidade. Um estudo mostrou que um gliorna pode manter propriedades de barreira hemato-encefálica em seus vasos, com baixa permeabilidade. Isso mostra que a permeabilidade pode variar de acordo com o tipo de tumor e também de acordo com o microambiente e a região do hospedeiro onde o tumor se encontra.

CAPÍTULO 17

Vasos linfáticos Num órgão normal , vasos linfáticos têm a função de drenar o excesso de líquido intersticial e de transportar células do sistema imune. Num tumor sólido, a proli feração de células pode gerar uma pressão mecânica que comprime vasos sanguíneos e linfáticos no interior do tumor. Desse modo, no centro do tumor não há vasos linfáticos funcionais, que só são encontrados nas margens do tumor, onde a pressão mecânica é menor, e nos tecidos ao redor dele. Aqui, é importante lembrar que muitos vasos sanguíneos no centro do tumor ficam normalmente abertos, provavelmente pelo fato de os vasos sanguíneos estarem ligados a um sistema de alta pressão, enquanto os linfáticos não têm essa pressão interna para balancear a compressão. Vasos periféricos são responsáveis pela drenagem do excesso de fluido do tumor, que vaza para a periferia. Talvez por causa do excesso de fluido eles se mostram dilatados quando comparados a vasos mais distantes do tumor. No entanto, nesses vasos linfáticos também foram encontrados sinais de alta expressão de VEGFR-3, receptor ao fator de crescimento VEGF-C, o que poderia explicar o aumento de diâmetro dos vasos. Células tumorais podem cair nesses vasos periféricos e formar metástases através do sistema linfático.

Integrando gradientes de pressão oncótica e hidrostática Normalmente, os capilares devem permitir trocas adequadas de metabólitos entre plasma e interstício. Para isso, dois gradientes de pressão são muito importantes: o de pressão hidrostática, dado pela diferença entre pressão do plasma e pressão intersticial, e o de pressão oncótica ou coloidosmótica, definido basicamente pelas proteínas presentes no plasma. Proteínas plasmáticas confinam-se no espaço vascular e conferem ao plasma uma pressão oncótica maior do que a do tecido. Esse gradiente é de cerca de 25 mmHg e determina uma força à saída de líquido do interstício ao plasma, mas há o gradiente de pressão hidrostática. No começo do capilar a pressão do sangue é de cerca de 35 mmHg, enquanto que a do interstício normal é de O mmHg. Portanto, há um gra-

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO diente de 35 mmHg que determina a saída de líquido do plasma ao interstício. Somando os dois gradientes, no começo do capilar há uma força de l O mrnHg para saída de líquido do plasma e ocorre filtração. Aos poucos, porém, a pressão do capilar cai até cerca de 15 mmHg na extremidade venosa do capilar, gerando um gradiente agora de saída de líquido do interstício ao plasma, a reabsorção (Figura 2). Isso impede que haja edema nos tecidos e hipovolemia nos vasos, além de permitir trocas adequadas. Muitas vezes, a filtração acaba sendo maior que a reabsorção em capilares normais, mas isso não acarreta problemas, pois os linfáticos drenam esse pequeno excesso de líquido. Em tumores, porém, a pressão oncótica é elevada, provavelmente por causa da alta permeabilidade dos vasos tumorais que causa vazamento de proteínas. A essas proteínas somam-se talvez o acúmulo de proteínas tumorais e resultantes de necroses que não foram drenadas, pois os linfáticos não são funcionais. Desse modo, o gradiente de pressão oncótica nos vasos tumorais é muito menor que o de um capilar normal. Na maioria dos tecidos normais a pressão intersticial (1FP, do inglês interstitial .ftuid pressure) é por volta de O mmHg ou até negativa, enquanto em tumores essa pressão é consideravelmente mais alta, mas podendo variar bastante entre diferentes tipos do tumor. De qualquer modo, a IFP em tumores segue a pressão microvascular do capilar. O resultado é que o gradiente hidrostático entre vaso e tecido tumoral também é mais baixo. Daí, em alguns tumores a resultante das pressões do capilar é semelhante a um vaso normal, com pouco mais de filtração, mas em muitos tumores essa resultante induz grande reabsorção, dificultando a entrega de medicamentos, principalmente aqueles dependentes de convecção e não de difusão.

Pressão Intersticial do Tumor Em tecidos normais a IFP é por volta de O mmHg, porém no tecido tumoral essa pressão é elevada - de 20 mmHg a 50 mmHg -, podendo chegar a 60 mmHg em alguns tumores. Ainda não se compreende totalmente a razão da elevação da IFP tumoral, mas acredita-se que a falta de

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO

vasos linfáticos funcionais é fundamental, pois são eles que, em tecidos normais, drenam o excesso de líquido. Além disso, a grande penneabilidade dos vasos tumorais é apontada como outra grande razão para elevação da IFP tumoral. IFP aumenta logo que os vasos do hospedeiro respondem a agentes angiogênicos e ficam mais permeáveis, possibilitando a passagem de proteínas ao interstício, o que aumenta a pressão oncótica do tecido tumoral. A matriz extracelular do tumor também é anonnal e pode contribuir para elevação da lFP; destaca-se aí, principalmente, o papel dos fibroblastos, que ganham propriedades contráteis. Além disso, uma rede mais densa de tecido conjuntivo restringe o aumento do volume tumoral, o que atenuaiia a elevação da pressão intersticial, como ocorreria em tecido normal com edema (Figuras 4 e 5). Evidências mostram que a pressão microvascular é quase igual à IFP do tumor e que modificações na pressão microvascular modificam a IFP do tumor em intervalo de poucos segundos. Assim, acredita-se que ela seja o principal determinante da hipertensão intersticial no tumor. IFP em tumores tende a ser alta e constante no centro do tumor, mas cai rapidamente em sua periferia. A consequência disso é a movimentação de líquido de dentro do tumor para sua periferia, podendo levar solutos com ele. Isso poderia reduzir a ação de um remédio, lavando-o do tumor. Outra consequência é a hiperplasia dos vasos linfáticos periféricos, que não estão colapsados e recebem toda essa carga de fluido. Esse equilíbrio entre pressões oncóticas e hidrostáticas dentro do tumor reduz o gradiente transmural entre interstício e vasos. Isso reduz a convecção e compromete a passagem de moléculas grandes que poderiam ser usadas na terapêutica, como anticorpos e citocinas. Pareamento entre essas pressões também pode abolir diferenças de pressão nos vasos sanguíneos; sem gradiente de pressão há estase sanguínea mesmo sem obstrução fís ica dos vasos. Achava-se que a alta pressão intersticial poderia ser a causa do colapso das estruturas vasculares dentro do tumor, mas com pressão microvascular equivalente isso não seria possível. Mais tarde, descobriu-se que a pressão mecânica causada pelo crescimento das células tumorais poderia ser a causa do colapso dos vasos, o que será discutido neste capítulo.

CAPÍTULO 17

Densidade celular Existem evidências de que a proliferação de células tumorais em espaço confinado gera pressão mecâni.:. ca ou estresse mecânico. Se grande o suficiente, esse estresse pode inibir o crescimento tumoral, mas isso significa que as estruturas dentro do tumor, e não só as células, estão submetidas à mesma pressão mecânica, entre 45 e 120 mmHg. Essa pressão é suficiente para colapsar vasos sanguíneos e linfáticos dentro do tumor. Estudos mostram que, aliviando a compressão causada pelas células tumorais, os vasos podem reabrir, o que melhora o fluxo sanguíneo e a entrega de medicamentos.

Hipóxia e pH tumoral Os vasos de um tecido deveriam suprir as células com oxigênio e nutrientes e ainda retirar os produtos do metabolismo celular. Como discutido anteriormente, o fluxo sanguíneo dentro do tumor diminui, podendo ter regiões de estase sanguínea. Isso reduz o aporte de nutrientes e de oxigênio ao tumor e piora a retirada de produtos do metabolismo celular. Além disso, há células que ficam longe demais dos vasos, pois a angiogênese nem sempre consegue acompanhar o ritmo descontrolado de replicação das células tumorais. Isso cria uma situação de hipóxia e de baixo pH, que é um dos marcos do microambiente tumoral e tem consequências importantes para resistência das células à radioterapia e à quimioterapia e ainda é importante para metástase do câncer. Podemos distinguir dois tipos diferentes de hipóxia. Uma crônica, presente em regiões além do limite de difusão do 02, também chamada de difusional. O fluxo sanguíneo em algumas regiões do tumor pode ser intermitente e isso cria regiões de hipóxia aguda, também chamada de hipóxia limitada pela perfusão. Uma consequência dela é a lesão de reperfusão, com formação de radicais livres, quando o fluxo sanguíneo volta a passar. Células tumorai s que consigam sobreviver em hipóxia estarão mais protegidas da radioterapia, que utiliza radicais livres formados a partir do 02 para lesar as células. Em tumores existem regiões com pH extracelular mais baixo que o de tecidos normais - o pH de turno-

CAPÍTULO 17

res varia de 5,8 a 7,6, com valor médio de pH 7, enquanto o de tecidos normais é 7,5. Baixo pH tumoral é causado pela produção de lactato do metabolismo anaeróbico de células que recebem pouco oxigênio. Seria normal esperar uma co1Telação entre as áreas com hipóxia e áreas com baixo pH, mas essa correlação nem sempre é encontrada. Supõe-se que algumas regiões do tumor possam ser irrigadas por sangue com baixa pressão de 02, portanto há hipóxia e produção de lactato, porém há também a retirada desse excesso de lactato do meio extracelular pela circulação, impedindo a queda do pH. Essas características têm consequências importantes: hipóxia serve como pressão seletiva sobre as células neoplásicas. Essas células precisam adaptar-se para sobreviverem em condição anaeróbica. Uma dessas adaptações é a troca para glicólise, com produção de lactato. Porém, isso acidifica o meio extracelular e a célula precisa encontrar adaptações para manter estável o pH intracelular, o que configura outra pressão seletiva (ver mais detalhes no capítulo sobre alterações metabólicas). Hipóxia também seleciona um fenótipo metastático de células neoplásicas, modificando a expressão de vários genes, facilitando a passagem da célula pelo meio extracelular e aumentando os fatores angiogênicos necessários para criar um nicho· para metástase.

Matriz extracelular e transporte pelo interstício Matriz extracelular (ECM, do inglês extracel/u/ar matrix) é composta por proteínas, proteoglicanos e glicosaminoglicanos (GAGs). Colágeno, fibronectina e elastina formam uma rede sólida com outras macromoléculas, como proteoglicanos e g~icosaminogli­ canos, que ficam dispersas no meio dessa rede. Em tumores, a ECM passa por remodelação, semelhante a que ocorre em tecido lesado, com inflamação. Metaloproteinases degradam vários integrantes da matriz e células tumorais e outras células associadas secretam novos componentes. Uma das populações de células associadas são fibroblastos ativados, CAFs (carcinoma associated .fibroblasts), que além de secretarem componentes da ECM, produzem fatores de crescimento e angiogênicos que promovem crescimento tumoral, angiogênese, inflamação e metástase.

ONCOLOGIA PARA AGRADUAÇÃO Após atravessar a parede do capilar tumoral, um medicamento ou uma substância ainda precisa ser transportado pelo interstício, atravessando a ECM para chegar até a célula turnoral. Esse transporte ocorre de dois modos: por difusão, que depende da concentração da substância, e por convecção, que depende da velocidade do fluido no interstício, que por sua vez depende do gradiente de pressão no interstício. Já vimos como a IFP se comporta em tumores: mais alta no centro a baixa nas periferias, gerando fluxo de fluido para fora do tumor. Portanto, moléculas que dependam de convecção para chegar até a célula tumoral encontrarão dificu ldades em vencer esse fluxo. Em tumores há mais espaço ·extracelular e menos proteoglicanos e glicosaminoglicanos (GAGs) na composição de sua ECM. Essas moléculas são mU1ito hidrofilicas e normalmente criariam maior resistência à difusão de moléculas. Esses dois fatores fariam crer que a difusão no interstício do tumor seria mais alta que o normal, mas não é esse o resultado encontrado na prática. Essa discrepância é por causa da alta IFP; na maioria dos tumores as moléculas dependem de difusão para sair dos vasos, processo que é demorado por si. Além disso, os vasos do tumor são espalhados de forma heterogênea e há regiões, principalmente no centro do tumor, com poucos vasos ou com vasos colapsados. Para atingir essas regiões o medicamento deveria difundir de regiões mais periféricas, processo que pode ser extremamente demorado. Estima-se que para difundir por um centímetro de tecido algumas substâncias levariam até meses. Isso sem contar outros processos que podem ocorrer, como ligação da molécula em algum componente da ECM, reduzindo ainda mais a biodisponibilidade da substância em processo de difusão. As diferentes moléculas da ECM têm efeito sinérgico nessa regulação, o que limita o transporte de substâncias. Alguns tumores são ricos em glicosaminoglicano, ácido hialurônico, que forma uma verdadeira barreira para acesso de células e retardo de difusão de várias substâncias ao interior da massa tumoral. Para os proteoglicanos exercerem toda a sua capacidade de diminuir o transporte eles precisam ser estabilizados por uma rede sólida de colágeno. Tu-

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO mores com mais colágeno na matriz oferecem mais resistência a difusão de substâncias, principalmente macromoléculas. O tratamento com metaloproteases, como colagenases, melhorou a mobilidade de lgG em tumores. No entanto, não são todos os tumores que têm aumento na quantidade de colágeno; muitos têm redes frouxas dessa proteína por degradação proteica que ocorre nos processos de angiogênese, de crescimento tumoral e de metástase. Colagenase ainda pode ter outra função benéfica: melhorar o transporte transcapilar. Administração de colagenase reduz pressão microvascular e JFP, mas a pressão microvascular volta a subir mais rapidamente, gerando gradiente positivo de pressão que ajuda na passagem de substâncias dos capilares ao interstício. Queda da IFP se daria pela queda da pressão microvascular e da degeneração de produtos da ECM, enquanto queda da pressão microvascular seria pela dilatação proporcionada após degradação de colágeno na periferia dos vasos. Essa degradação ainda ajuda na melhora da condutividade hidráulica no capiJar. ECM ainda pode alterar o transporte de substâncias de outras maneiras. Ela pode se ligar a substâncias por atração elétrica, reduzindo sua taxa de difusão. Estudos mostram que forças elétricas repuls ivas também podem ter papel significativo, principalmente na relação entre GAGs e nanoprutículas terapêuticas. Alguns autores defendem a teoria de que a nanopartícula ideal para entrada no tecido tumoral deve ser inicialmente catiônica, o que atinge seletivamente os vasos tumorais, e depois de entrar no interstício ela deve ser neutra para se difundir mais facilmente.

Terapias Até agora, vimos diferentes barreiras para transporte de substâncias num tumor. Fluxo sanguíneo baixo e intermitente em algumas áreas dele dificulta a chegada do medicamento. No microambiente tumoral, ele ainda pode ser modificado pelo baixo pH ou não funcionar tão bem por causa da hipóxia. Alta lFP do tumor e gradientes transcapilares baixos reduzem o extravasamento de medicamentos ao interstício tumoral. Depois de extravasar, o medicamento ainda encontra fluxo convectivo à periferia do tumor, uma longa distância a percorrer por difusão e ainda uma trama

CAPÍTULO 17

complexa de moléculas de matriz que podem adsorver ou se ligar a substâncias, restringindo sua difusão. O grande desafio atual é fazer com que os novos medicamentos, muito eficientes em matar células tumorais, pelo menos in vitro, consigam chegar ao tecido tumoral em concentração eficaz. Aumentar a dose do remédio não é uma boa opção, já que a maioria das quimioterapias é administrada no limite de tolerância pelo resto do organismo. Se for possível criar terapias que atinjam preferencialmente o tumor, mas não órgãos normais do paciente, melhor ainda. Desse modo, estão sendo desenvolvidas inúmeras estratégias para melhorar a entrega de medicamentos ao tumor. Uma delas baseia-se em inibir fatores angiogênicos superexpressos no tumor, utilizando substâncias anti-VEGF, o que resulta em normalização dos vasos e do microambiente tumoral, com queda da IFP, melhor oxigenação e pH neutro, melhorando a entrega de medicamentos (ver capítulo sobre angiogênese). Outros pesquisadores estão investigando estratégias que focam nos vasos mais maduros com mais regulação dentro do tumor, criando uma estratégia provasculru·. Um exemplo é a utilização de eNOS, enzima que produz NO, um potente vasodilatador, e que está desativada em alguns vasos tumorais. A eNOS pode ser reativada usando uma dose de radiação para dilatar os vasos e melhorar o fluxo sanguíneo no tumor (Tabela 1). Baixar a lFP do tumor e melhorar o gradiente transcapilar de pressão, facilitando a saída de medicamentos para combater o câncer, é outro bom caminho que está sendo testado. São exemplos dessa linha os compostos anti-VEGF e o uso de colagenase e de hialuronidase, entre outros (Tabela 2). Atualmente, diversas abordagens experimentais estão explorando peculiaridades do microambiente tumoral, como ipóxia e baixo pH, em favor de terapias mais seletivas. Por exemplo, há propostas para uso de uma bactéria não patogência e obrigatoriamente anaeróbica para atacar o tumor. Ela agiria exatamente onde medicamentos não conseguem chegar, na zona necrótica do tumor, onde não chega nem mesmo oxigênio veiculado pela circulaçãoo. Outras propostas exploram nanotecnologia para endereçamento a regiões com faixas específicas de pH. Por exemplo, micelas que se abrem e liberam o medicrunento apenas num pH mais baixo, reduzindo assim os danos para outras partes do organismo.

CAPITULO 17 Ainda há propostas que exploram o atraso na transmissão de pressão entre plasma e interstício tumoral. Observou-se que a pressão microvascular aumenta cerca de dez segundos antes da IFP quando se submete um animal a uma dose de agente vasoativo. Durante esses dez segundos há um gradiente convectivo ao interstício, mas o transporte do medicamento tem de ser unidirecional ou ele deve se ligar muito fortemente no interstício para impedir seu retomo ao espaço vascular. Podem ser feitos ciclos de infusão para se aproveitar várias vezes desse intervalo. A lgumas propostas experimentais focam em células do microambiente tumoral, como fibroblastos: criou-se uma vacina contra uma proteína de fibroblastos, que está superexpressa naqueles associados a tumores. Desse modo, aproveita-se a maior estabilidade genética dos fibroblastos em relação às células neoplásicas para criar uma vacina mais confiável. O resultado do experimento em alguns animais foi queda na concentração de colágeno I na ECM do tumor, mais entrada de quimioterápicos no tecido tumoral e supressão do crescimento tumoral. Combinando terapias como essas com quimioterapia convencional, mais medicamentos conseguem penetrar no interstício, com aumento de sua eficiência no combate ao tumor. Essa abordagem também reduz

ONCOLOGIA PARA A GRADUAÇÃO

as chances de algum nicho de células afastadas de vasos sobreviver e reformar o tumor quando a terapia tiver sido encerrada. Resumimos aqui as características do microambiente tumoral relevantes à entrega de medicamentos e algumas das terapias que estão sendo propostas. A maior parte delas ainda está restrita a pesquisa, porém medicamentos antiangiogênicos estão em estágio mais avançado de desenvolvimento, como discutido no capítulo sobre angiogênese. Um exemplo é o bevacizumab, anticorpo que bloqueia o VEGF-A e em 2004 foi aprovado pela americana FDA (Food and Drug Administralion) para uso em cânceres de cólon metastático e de pulmão; mais recentemente, foi aprovado seu uso para câncer de mama. É curioso comentar os resultados do bevacizumab como monoterapia para tratamento de gliomas, pois parece que o anticorpo neutraliza VEGF-A, que causa aumento da permeabilidade dos vasos em muitos tumores. Uso do anticorpo diminui a pressão intersticial, melhorando clinicam ente a condição do paciente. Nos próximos anos, testemunharemos a aprovação de outros medicamentos e de tratamentos que visem o microambiente tumoral e os fatores teciduais de resistência a medicamentos em tumores.

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CAPÍTULO 17

Tabela 1 - Diferentes estratégias pró-vasculares que visam especialmente vasos maduros dentro de tumores e buscam ação transiente e seletiva de sensibilização do tumor a quimio e a radioterapia Estratégia

Modo de ação

Efeitos indesejáveis

Radiação localizada no tumor

Ativação da eNOS endógena nos vasos tumorais. O NO produzido age sobre o vaso maduro e ocorre vaso dilatação, com aumento transiente na oxigenação e no fluxo sanguíneo

A longo prazo o uso de radiação deve ser bem planejado, pois pode ativar a angiogénese. Produção sustentada de NO pode promover inflamação e angiogénese, aumentando o tumor

Nitritos

Nitritos injetados na corrente sanguínea são reduzidos a NO quando expostos a pH mais baixos, como o dos tumores

Produção sustentada de NO pode promover inflamação e angiogênese, aumentando o tumor

SNO-Hb

SNO-Hb transporta 02 e NO, liberando-os em condições de hipóxia, como no microambiente tumoral

SNO-Hb pode ser feita misturando Hb purificada, que é tóxica, com NO. Essa toxicidade ainda precisa ser melhor estudada para uso dessa terapia.

Inibidores de endotelina 1 (ET-1)

ET-1 é um potente vasoconstritor. Ele e o seu receptor, ETa, são superexpressos nos vasos dos tumores. Um inibidor do ETa melhorou o fluxo sanguíneo e a pressão de 02 em tumores. Além disso, causa grande aumento no número de vasos perfundidos

Causa aumento da IFP, limitando mais a entrega de macromoléculas ao tumor. Moléculas menores (