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Portuguese Pages 90 Year 2007
série
r incípios P
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Rosemary Arrojo O ficina de tradução A teoria na prática
m
edifura ática
serie oP rincipios
Rosemary Arrojo Pós-doutora pela Yale U niversity c dou to ra pela Johns H opkins U niversity, EUA
Oficina de tradução A teoria na prática
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a U t o r a á li r a
© Rosemary Arrojo D ireto r ed ito ria l E d ito r E d ito ra assisten te C o o rd e n a d o ra de revisão E sta g iário
Fernando Paixão Carlos S. Mendes K o s íi Tatiana Corrêa Pimenta Ivany Picasso liat ist a Rodrigo Antonio
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E d ito r D ia g ra m a d o r C a p a e p r o j e t o g r á f ic o
E d ito ra ç ã o ele trô n ic a
Antonio Paulos Claudemir Camargo Homem de Melo & Troia Doní^ii MoacirK. Matsusaki
E d iç ã o a n t e r io r
D ireto res P r e p a r a d o r a de te x to
Benjamin Abdala .Iiiiiu h Lenice Buenoda Silvu
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Siiiimii YoUNsel'Ciimpcilclli
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÂO-NA I ( IN 11 SINDICATO NACIONAL DOSEDITOKI S 1)1 I I VI« >S, Kl A8l3o
5.ed. Arrojo, Rosemary Oficina de tradução: a teoria na prática / Rosemary Arrojo - 5.ed. - São Paulo : Ática, 2007 85p. - (Série Principios ; 74) Inclui bibliografia comentada ISBN 978-85-08-11281-4 I. Tradução e interpretação. I. Título. II. Série 07-2345.
ISBN 978 85 08 11281-4 (aluno) ISBN 978 85 08 11282-1 (professor)
2007 5“ edição 1? impressão
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IMPONIANM Au com prar um livro, você rem u nera e re c o n h íw o i mImIIhmIu iu ito re o de m uitos outros profissionais envolvlilm n.t pm duçào editorial e n a com ercialização das obr.iv tnllhim'1, («vlkurcs, dlagram adores,ilustradores,gráfícos, divulgatiori»*, tllklrlbuidores, livreiros, e n tre outros. Ajudenos a i (hhImI«*í .1 çópla flegall Ela g e ra desem prego, prejudica a dlfiu íin >l.i t ullnr.i «• encaTece os livros q u e você com pra.
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EDITORA AFILIADA
Sumário
1. A b re-se um a nova oficina
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Oficina de tradução ou translation workshop? 8 2. A q u estão do texto original
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O significado/carga e o tradutor/transportador 11 “Pierre Menard, autor del Quijote”, uma lição de Borges sobre linguagem e tradução 13 A obra “visível” de Menard e o sonho de uma linguagem não-arbitrária 14 A obra “ invisível” e a missão impossível de Menard 19 O texto original redefinido 22 3. A q u estã o do texto literário
25
O preconceito da inferioridade ou da impossibilidade 25 Uma teoria literária m enardiana 28 Repensando o literário 30 Quando ameixas não são simplesmente ameixas 31 A tradução de textos literários redefinida 36 4. A q u estão da fidelidad e
37
O conceito de fidelidade e o texto/palimpsesto 3 7 Uma Cleópatra melindrosa 3 8 O autor, o texto e o leitor/tradutor 40 A fidelidade redefinida 4 2 5. A teoria na prática
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“Aporo”, de Carlos Drummond de Andrade 46
“ Um inseto cava”, 48; “Que fazer, exausto, etn país bloqueado?” , 48; “ Eis que o labirinto [...] presto se desata” , 50; “ Uma orquídea form a-se” , 51
O poema: máquina de significação 5 2 “Insect”, versão de John N ist 54 Uma nova versão de “Áporo” 55 6. E xercícios de trad u ção 5 8
“Poema de sete faces” versus “ Seven-sided poem ” 59 “ [...] um anjo torto” , 61; “As casas espiam os hom ens”, 63; “ pernas brancas pretas am arelas” , 64; “O homem atrás do bigode” , 64; “ M undo mundo vasto m undo”, 65; “ [...] com ovido como o diabo” , 66
“The rival” versus “Rival” 67 “ If the moon sm iled, she would resemble you”, 68; “And your first gift is m aking stone out o f everything”, 70; “ The moon, too, abases her subjects”, 72; “N o day is safe from news o f you” , 73; “ The rival” : o título, 74
7. R ecad o ao trad u tor/ap ren d iz 8. V ocab u lário crítico
79
9. B ibliografia co m en ta d a Dicionários 81
81
Obras sobre tradução 82 Obras sobre teorias textuais 8 3 Outros 84
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A M aria José Arrojo
Este livro é parte de um projeto de pesquisa patrocinado pela Pontifícia U niversidade C atólica de São Paulo
1 Abre-se uma nova oficina
Provavelm ente o leitor nunca tenha ouvido falar num a oficina d e tradução. Se consultar dicionários, ou se perguntar a outros falantes de português, perceberá que oficina de tradução não existe com o expressão já cons truída e consagrada pelo uso. T erem o s que entendê-la, portanto, m etaforicam ente e, para construir esse sentido figurado, partim os d o subs tantivo concreto oficina. Segundo dicionários da língua, oficina pode ter as seguintes acepções: “lugar onde se trabalha ou onde se exerce algum ofício”; “lab o ratório” ; “ casa ou local onde funciona o m aquinism o de uma fá b ric a ” ; “ lugar onde se fazem consertos em veículos auto móveis” ; e, em sentido figurado, “lugar onde se opera transform ação notável” . Já que tem os, p o r assim dizer, perm issão de liberar nossa im aginação quan d o tentam os entender um a m etá fora, vam os relacionar os possíveis significados de oficina à nossa m etafórica oficina de tradução, delineando, ao m esm o tempo, seus objetivos. E m prim eiro lugar, pretende-se que esta oficina crie um espaço ao ofício e à prática da tradução, onde a teoria
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te rá um p ap el im portante, na m edida em que p o d e rá nos auxiliar a enten d er o que acontece q u ando traduzim os e tam bém a enfrentar o constante processo de tom ada de decisões envolvido em to d a tradução. À im agem da ofi cina sobrepom os, então, a im agem do laboratório, onde se põem em p rática e se testam as fórm ulas e os conceitos aprendidos da teoria. A lém disso, com o o ficin a pode ser “casa ou local onde funciona o m aquinism o de um a fábrica; lugar onde estão os instrum entos de um a indústria, arte ou p rofissão” , nossa oficina de tradução preten d e m ostrar tam bém o outro lado do processo de traduzir, os instrum entos e os m eca nism os dessa atividade que, coincidentem ente, pode ser considerada um a “indústria” (em seu sentido mais am p lo ), “a rte ” ou “p ro fissão ” . E , já que analisarem os e com entarem os alguns textos em inglês ou português e suas respectivas versões para um a dessas línguas, nossa oficina, um p o u co pretensiosam ente, tam bém estará ten tan d o “co n sertar” as traduções e as so luções que consideram os inadequadas. P o r fim , mais a nível do inconsciente, há ainda o desejo, aliás sem pre presente em toda decisão de escrever e publicar um livro, de que esta oficina tam bém possa ser “ um lugar onde se op era transform ação n otável” , m esmo que essa tran sfo rm ação seja, em nosso caso, sim plesm ente ten tar ch am ar atenção p ara um cam po ainda tão pouco explorado e carente de estudos mais especializados.
Oficina de tradução ou translation workshop ? E m b o ra tenha tentado m o strar ao leito r que oficina d e tradução p ode ser um título sugestivo e eficiente, na m edida em que enfatiza a abordagem prática que pretendo desenvolver aqui, devo confessar que esse título não é exa
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tam ente “original” , tendo, na verdade, surgido de um a tradução. E n q u an to buscava um títu lo p ara o livro, lem brei-m e de um curso que fiz na U niversidade Jo h n s H opkins (B al tim ore, E U A ), na p rim av era de 1981, ch am ad o T ransla tion W orkshop. É ram os um grupo de seis alunos e nos reuníam os sem analm ente p a ra discutir nossas próprias tra duções e traduções consagradas de textos famosos (a partir de várias línguas, mas sem pre para o in g lês), sob a orien tação do professor W illiam A rrow sm ith, p oeta e trad u to r de renom e n o s meios literários am ericanos e internacionais. A ntes de iniciarm os o curso, já sabíam os qu e seria um curso mais prático do que teórico, devido ao seu próprio título. Segundo o A m erican heritage dictionary o f the English language (ver B ibliografia com entada), w orkshop, além de “oficina” ( “ an area, ro o m or establishm ent in w hich m a n ual w o rk is done” ), tam bém p o d e se referir a “ a regularly scheduled sem inar in som e specialized field” que, num a trad u ção não m uito satisfatória p ara o português, seria “um curso regular so b re algum assunto especializado” . U m se minar, como um w orkshop, é um tipo de curso para o qual não tem os um a p alavra específica em português. D e acor do com o mesmo dicionário, um sem inar é “a small group of advanced students engaged in original research under the guidance of a professor” (um g ru p o pequeno de estu dantes universitários adiantados, envolvidos em trabalho de pesquisa, sob a o rientação de um p ro fe sso r). U m sem i nar, como um w orkshop, sugere uma dinâm ica especial em sala de aula: os alunos assum em um papel essencial m ente ativo, pesquisando e realizando trabalhos, enquanto o professor passa a ser um orientador. Assim , supondo que este livro fosse escrito e publi cado nos E stad o s U nidos, seu título, Translation w ork shop, envolveria um leque de significados diferentes dos que sugeri no início d esta introdução. A lém disso, p a ra doxalm ente, O ficina d e tradução é um título mais original
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do que T ranslation w orkshop, p orque seu sentido figurado é inesperado e ainda não consagrado pelo uso. E m inglês am ericano, w o rkshop, no sentido de curso ou sem inar, já não im pressiona mais com o m etáfora; é, p o r assim dizer, um a m etáfo ra gasta, que perdeu sua força figurativa. Seria, então, m inha trad u ção m ais original do que o próprio “original”? Seria a m inha um a boa tradução? Se ria oficina d e tradução fiel ao “original” translation w ork sh o p ? Que relações se estabelecem entre o “original” e o “trad u zid o ” ? E m síntese, essas são tam bém as questões básicas que envolvem a realização e a avaliação de qualq u er tradução, e é sobre elas que convidarei o leitor a refletir nas páginas que se seguem. A lém disso, ao tentarm os refletir sobre os m ecanism os da tradução, estarem os lidando tam bém com questões fundam entais sobre a natureza da p ró p ria lingua gem, pois a trad u ção , um a das m ais com plexas de todas as atividades realizadas pelo hom em , implica necessaria m ente um a definição dos limites e do poder dessa capa cidade tão “hum ana” que é a produção de significados. A final, não é p o r acaso que até hoje, em nosso m undo cada vez m ais com putadorizado, n ão há nem a m ais rem ota possibilidade de que um a m áquina venha substituir satis fatoriam ente o hom em na realização de um a tradução.
2 A questão do texto original
T o d o te x to é ú n ico e é, ao m esm o tem p o , a tradução de o u tro texto . N e n h u m te x to é c o m p le ta m e n te o ri g in a l p o rq u e a p ró p ria lín g u a , em sua essência, já é u m a tra du çã o : em p ri m e iro lugar, do m u n d o n ão-verbal e, e m seg u n do , p o rq u e to d o signo e toda fra se é a tradução d e o u tro signo e de o utra frase. E n tre ta n to , esse argu m e n to p o d e ser m o d ific a d o sem p e r d e r sua validade: to d o s os te x to s são orig in a is p o rq u e to d a tradução é d i feren te . T o d a tradução é, até certo p o n to , u m a criação e, c o m o tal, co n s titu i u m tex to único.
(Octavio Paz)
O significado/carga e o tradutor/transportador U m a das im agens m ais freqüentem ente utilizadas pe los teóricos p ara descrever o processo de trad u ção é a da tran sferên cia ou d a substituição. De aco rd o com J. C.
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C atford, um dos teóricos mais conhecidos e divulgados no B rasil, a tradução é a “substituição do m aterial textual de um a língua pelo m aterial textual equivalente em outra língua” 1. Eugene N ida, outro teórico im portante, expande essa im agem através da com paração das palav ras de uma sentença a um a fileira de vagões de carga 2. Segundo sua descrição, a carga pode ser distribuída entre os diferentes vagões de form a irregular. A ssim , um vagão poderá conter m uita carga, enquanto outro poderá carregar m uito pouca; em outras ocasiões, um a carga m uito grande tem que ser dividida en tre vários vagões. D e m aneira sem elhante, su gere N ida, algum as palavras “carregam ” vários conceitos e outras têm que se ju n ta r para conter apenas um. D a m esm a m aneira que o que im porta no tran sp o rte da carga não é quais vagões carregam quais cargas, nem a seqüên cia em qu e os vagões estão dispostos, m as, sim que todos os volum es alcancem seu destino, o fundam ental no p ro cesso de trad u ção é que to d o s os com ponentes significati vos do original alcancem a língua-alvo, de tal form a que possam ser usados pelos receptores. Se pensam os o processo de trad u ção com o transporte de significados entre língua A e língua B, acreditam os ser o texto original um objeto estável, “tran sp o rtáv el”, de con tornos absolutam ente claros, cujo conteúdo podem os clas sificar com pleta e objetivam ente. A final, se as palavras de um a sentença são com o carga co n tid a em vagões, é p e r feitam ente possível determ inarm os e co n tro larm o s todo o seu conteú d o e até garantirm os que seja tran sposto na íntegra p a ra outro conjunto de vagões. A o m esm o tem po, se com pararm os o tra d u to r ao encarregado do transporte dessa carga, assum irem os que sua função, m eram ente m e cânica, se restringe a garan tir que a carga chegue intacta 1 U m a teoria lingüística da tradução, p. 22. V. Bibliografia comen tada. 2 Language structure and translation, p. 190. V. Bibliografia co m entada.
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ao seu destino. Assim , o tradutor traduz, isto é, tran s p orta a carga de significados, m as não deve interferir nela, não deve “in terp retá-la” . E ssa visão tradicional, qu e obviam ente pressupõe um a d eterm inada teoria de linguagem , se reflete tam bém nas diretrizes em geral estabelecidas p a ra o trab alh o do tra dutor. N esse sentido, os três p rincípios básicos que defi nem a boa tradução, sugeridos por um de seus teóricos pioneiros, A lexander F ra se r T ytler, ainda são exem plares: 1) a tradução deve reproduzir em sua totalidade a idéia do te xto original; 2) o e stilo da tradução deve se r o mesmo do original; e 3) a tradução deve ter toda a flu ência e a naturalidade do texto original 3.
“ Pierre Menard, autor del Quijote” , uma lição de Borges sobre linguagem e tradução P a ra que possam os discutir os p roblem as e as lim i tações dessa im agem consagrada que vincula a tradução à transferência de significados de uma língua p ara outra, vam os exam inar um conto do escrito r argentino Jorge L uis Borges que tem um títu lo instigante: “P ierre M enard, au to r del Q uijote" 4. E m b o ra seja um conto bastante com plexo que, à prim eira vista, pode desiludir os leitores m e nos acostum ados a v isitar os textos labirínticos de Borges, vale a pena ten tar p en etrar sua tram a ap aren tem ente sim ples, mas que oferece, em suas poucas páginas, um dos com entários m ais brilhantes e m ais com pletos que já se escreveu sobre os m ecanism os da linguagem e suas im pli 3 The principles o f translation, publicado em 1791. A pud B a s s n e t t c G u i r e , Susan. Translation studies, p. 63. V. Bibliografia co mentada. 4 In; — , Ficciones, p. 47-59. V. Bibliografia com entada. T odas as citações serão traduzidas do original p ela A utora. -M
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cações p a ra uma teoria da tradução e para um a teoria da literatu ra 5. O conto é apresentado como um a resen h a póstum a das obras de Pierre M en ard (personagem fictício criado p o r B o rg e s), um hom em de letras francês que viveu na prim eira m etade d o século X X . O n arra d o r é um crítico literário que tenta apresentar o verdadeiro catálogo das obras d e M enard, de quem se diz am igo, com o objetivo de retificar um catálogo recém -publicado, que considera falso e incom pleto. Segundo o n arrad o r, é fácil enum erar o que cham a a obra “visível” de M enard; e ele nos apre senta dezenove obras (m onografias, traduções, análises e alguns p oem as) publicadas e não-publicadas, que sugerem, como escreveu Borges no prólogo de Ficciones, o “ dia gram a da história m ental” de M enard: sua ideologia, suas concepções teóricas, seus desejos e até suas contradições.
A obra “visível” de Menard e o sonho de uma linguagem não-arbitrária Vam os exam inar algum as das obras “visíveis” de M e nard p a ra que possam os entender um pouco sua concep ção de linguagem. Se analisarm os mais detidam ente seus trabalhos teóricos, verem os que têm muito em comum com as teorias tradicionais da tradução. M en ard concebe o texto com o um objeto de contornos perfeitam ente determ ináveis, acreditando, p o rta n to , que seja possível, como sugerem os três princípios básicos de T ytler, reproduzir totalm ente, em outra língua, as idéias, o estilo e a n atura lidade de um texto original. Com ecem os nossa leitura 5 Para um a versão mais aprofundada da leitura de “P ierre M enard, autor del Q uijote" proposta aqui, ver A r r o j o , Rosemary. “ Pierre Menard, autor del Quijote”: esboço de um a poética da tradução via Borges. Tradução e Comunicação — Revista Brasileira de Tra dutores, n.° 5. V. Bibliografia comentada.
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pelos seguintes “trab alh o s” encontrados no arquivo p arti cular de M enard: [ ...] c) uma m onografia sobre "ce rtas conexões ou afinidades" do pensam ento de D esca rte s, Leibniz e de John W ilkins; d) uma m onografia sobre a Ars magna generalis, de Ramón Lull;
[ ...] h) os rascunhos de uma m onografia sobre a lógica sim bó lica de George Boole (p. 46).
O que teriam em com um esses pensadores? N o en saio “ E l idiom a analítico de Jo h n W ilkins” , da coletânea Otras inquisitiones 8, o p ró p rio B orges sugere algum as co nexões entre o pensam ento de R en é D escartes (1596-1 6 5 0 ), im p o rtan te filósofo francês, e do religioso inglês John W ilkins (1 6 1 4 -1 6 5 0 ). A m bos sonhavam com a pos sibilidade de um a linguagem universal, que não fosse arb i trária e que, p o rtan to , não dependesse dos caprichos d a in terp retação ; cada palavra teria um significado fixo e único, independentem ente de qualquer contexto. Segundo B orges, no idiom a universal idealizado p o r W ilkins, “cada p alav ra define a si m esm a” (p. 2 2 2 ), constituindo um signo evidente e definitivo, im ediatam ente decifrável por qualquer pessoa. T al idiom a, im aginava W ilkins, deveria ser cap az de “organizar e abarcar todos os pensam entos hum an o s” (p. 2 2 2 ). Borges descreve esse p ro jeto am bi cioso: [ Wilkins] dividiu o universo em quarenta categorias ou gê neros, su bd ivisív e is, por sua vez, em esp é cie s. Atribuiu a cada gênero um m onossílabo de duas letras; a cada d ife rença, uma consoante; a cada espécie, uma vogal. Por exem plo, de quer dizer elem ento; deb, o prim eiro dos ele
u P. 221-5. V. Bibliografia comentada. Todas as citações serão tra duzidas do original pela A utora.
m entos, o fogo; deba, uma porção do elem ento do fogo, uma chama (p. 222).
E exam ina m ais detidam ente a oitava categoria, a das pedras: W ilk in s as divide em com uns (rocha viva, cascalho, ardósia), razoáveis (mármore, âmbar, coral); p recio sas (pérola, opala); transparentes (ametista, safira) e in so lú v eis (carvão, argila e arsênico). Q uase tão alarm ante quanto a oitava é a nona categoria. Esta nos revela que os m etais podem ser Im perfeitos (cinabre, m ercúrio); a rtificia is (bronze, latão), re cre m e n tícios (lim alha, ferrugem ) e naturais (ouro, esta nho, cobre) (p. 223).
De acordo com Borges, ainda no m esm o ensaio, Des cartes, antes de W ilkins, já havia sonhado u sar o sistema decim al de num eração p a ra criar um a linguagem univer sal, absolutam ente racional, livre de am bigüidades. Supu nha D escartes que, através da utilização de algarismos, poderíam os “apren d er num só dia a nom ear todas as quan tidades até o infinito e a escrevê-las num idiom a novo” (p. 2 2 2 ). O filósofo alem ão G o ttfried W ilhelm L eibniz (1646-1 7 1 6 ), precursor do projeto da lógica sim bólica, cujo objetivo último é a criação de um a linguagem não-arbitrária, tam bém tentou construir um a linguagem universal, que intitulou A rs com binatoria, com base no m odelo de John W ilkins e na A rs m agna do filósofo e m issionário espanhol R am ón L ull ( 12 36-13 1 5 ) 7. De todos esses projetos, a obra de L ull é talvez a mais extravagante. T ratava-se de um a arm ação de discos com os quais propunha relacionar exaustivam ente todas as possíveis relações de um tópico. A arm ação era cons 7 Cf. L e w i s , E. I. A survey o f sym bolic logic. Berkeley, University of C alifornia Press, 1918. p. 4.
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tituída de três círculos concêntricos divididos em com par timentos. U m círculo era dividido em nove predicados re levantes; o terceiro círculo era dividido em nove pergun tas: “O quê? P o r quê? D e que tam anho? D e que espé cie? Q uando? O nde? C om o? D e que lugar? Q ual?”. U m dos círculos era fixo; o s outros giravam , fornecendo uina série com pleta de p erg u n tas, e de afirm ações relacionadas a elas 8. Finalm ente, o m atem ático e lógico inglês G eorge B oole (1 8 1 5 -1 8 6 4 ) é considerado o segundo fundador da lógica sim bólica, intuída p o r L ull e W ilkins, e form aliza da, pela prim eira vez, por L e ib n iz 9. P o r trás de todos esses projetos am biciosos, podem os identificar um desejo de se chegar a um a verdade única e absoluta, expressa através de uma linguagem que pudes se neutralizar com pletam ente as am bigüidades, os duplos sentidos, as variações de interpretação, as m udanças de sentido trazidas pelo tem po ou pelo contexto. Esse desejo, com partilhado p o r D escartes, L eibniz, L ull e Boole, e que nos fornece um esboço da teoria da linguagem e da teoria da trad u ção professadas p o r M enard, se revela tam bém na teoria literária im plícita em seus trabalhos críticos. P ara M enard, o literário é um a categoria perfeita mente distinguível do não-literário. T an to o poético como o não-poético são características textuais intrínsecas e es táveis, que podem ser objetivam ente determ inadas. O item b do catálogo de suas o b ra s é, por exem plo, uma m onografia so b re a p ossib ilid a de de constru ir um voca bulário poético de c o n c e ito s que não fo s s e m sinônim os ou p e rífra se s dos que inform am a linguagem com um , “ mas ob jeto s ideais criados por uma convenção e essen cia lm en te d estin a d os às n e c e ssid a d e s p oética s"
(p . 48).
8 C f. R e e s e , W . L . Dictionary o f philosophy and religion; eastern and western thought. New Jersey, H um anity Press, 1980. 9 C f. L e w i s , E . I., op. cit., p. 4.
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O item i é “um exam e das leis m étricas essenciais da prosa francesa, ilustrado com exem plos de Saint-Sim on” (p. 4 9 ) . O item n é “um a o b stinada análise dos ‘costumes sintáticos de T o u let’ ” , e o item í é “um a lista m anuscrita de versos que devem sua eficácia à p o n tu a ç ã o ” (p. 5 0 ). P ara M enard, a crítica é o catalogar de características for mais evidentes e não deve “elogiar” ou “cen su rar” . Como nos inform a o n arrad o r, M enard “declarava que censurar e elogiar são operações sentim entais que nada têm a ver com a crítica” (p. 4 7 ) . M enard, discípulo de D escartes, Leibniz, R am ón Lull e Jo h n Wilkins, considera que a crí tica, com o a tradução ou a leitura, não deve “ in terp retar” ou ir além do texto original e, sim, delim itar seus contor nos objetivos e im utáveis. C ontudo, a p ró p ria bibliografia de M en ard sugere a im possibilidade desse desejo. Como poeta e trad u to r, ele constantem ente p roduz versões diferentes do “m esm o” texto. O item que encabeça o catálogo de seus trabalhos é “ um soneto sim bolista que apareceu duas vezes (com variações) na revista L a C onque (núm eros de m arço e o utubro de 1 8 9 9 )” . O item g é uma tradução, “com pró logos e n otas do L ib ro de la invención liberal y arte dei juego de ajedrex, de R u y L ópez de Segura”. O item k é outra trad u ção , “um a trad u ção m anuscrita” (e, portanto, não um a versão “definitiva” ) da “A guja de navegar cul to s”, de Quevedo, intitulada “L a boussole des précieux”. O item o é “um a transposição em alexandrinos do ‘Cime tière M a rin ’, de Paul V aléry ”. C uriosam ente, h á também uma “versão literal da versão literal” que fez Q uevedo da Introd u ctio n à la vie d évo te de San F rancisco de Sales (p. 4 8 -5 0 ). P orém , entre todos os projetos m enardianos, o que mais clara e espetacularm ente ilustra a im possibilidade de se chegar a um a linguagem n ão-arbitrária, que pudesse co ntro lar os con teú d o s e os limites de um texto, é a reali zação de sua o b ra “invisível”, que exam inam os a seguir.
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A obra “invisível” e a missão impossível de Menard Segundo o n arrad o r, a o b ra que realm ente define o talento de M enard é seu trab alh o “invisível”, sua obrà mais significativa — “a subterrânea, a interm inavelm ente heróica, a ím p ar”, ou seja, a rep ro d u ção dos capítulos IX e X X X V III da Prim eira p arte do D o m Q uixote, de M i guel de C ervantes, e parte do capítulo X X II. P o r que seria “invisível” essa obra de M enard? E m prim eiro lugar, em oposição à sua o b ra “visível”, seu trabalho “ invisível” p a rece nunca ter sido publicado. E m segundo lugar, talvez seja “invisível” porque, mais do que um a o b ra “ rea l”, trata-se de um desejo, de um sonho que não p ô d e ser rea lizado. A lém disso, invisível pode sugerir tam bém que o que M en ard cham a de a “reescritura” ou a “repro d u ção ” do Q uixo te fosse, na verdade, um a “le itu ra ”, form a “invi sível” de se reescrever ou traduzir. C onform e nos explica o n arrad o r, o inusitado obje tivo de M enard não era sim plesm ente repro d u zir o Q ui x o te ., m as repetir na íntegra o texto escrito por Cervantes. Pierre M enard busca a to talidade: interp retação total, con trole to tal sobre o texto, “total identificação com um autor determ inado” (p. 5 1 ) . T al atitude rejeita, obviam ente, um a interpretação co ntem porânea do Q uixo te e, ao negar-se a sim plesm ente “ in terp retar” ou “trad u zir” o Q uixote, M enard pretende recuperar não apenas a totalidade do texto de C ervantes, m as tam bém o contexto em que fora escrito: “N ão queria outro Q uixote — o que seria fácil — m as o Q uixote” (p. 5 2 ). O pro jeto “invisível” de M en ard reflete, portanto, uma teo ria da trad u ção (e um a teoria da leitu ra) sem e lhante à de C atford ou N ida, já que p arte de um a teoria da linguagem que autoriza a possibilidade de d eterm inar e delim itar o significado de uma palavra, ou m esmo de um texto, fora do contexto em q u e é lid a ou ouvida.
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A p rim eira estratégia que M enard pensa em em pre gar p a ra alcançar seu objetivo é, literalm ente, transfor m a s s e em C ervantes, isto é: conhecer bem o espanhol, recuperar a f é católica, guer rear contra os m ouros ou contra os turcos, esquecer a his tória da Europa entre os anos de 1602 e de 1918, ser M i g u e l de Cervantes (p. 52-3).
A b an d o n a, entretanto, tal m étodo, p o r ser pouco es tim ulante. A final, como nos explica o n arrad o r, “ser, de algum a m aneira, C ervantes e chegar ao Q uixote pareceu-lhe m enos árduo — p o r conseguinte, menos interessante — que continuar sendo Pierre M enard e chegar ao Q ui xote através das experiências de Pierre M en ard ” (p. 5 2 ). M enard im põe-se, assim, o “m isterioso dever de recons truir literalm ente a obra espontânea de C ervantes” (p. 5 2 ). Esse “m isterioso dever” pode ser in terp retado como um a alegoria do que tradicionalm ente se pretende atingir em to d a trad u ção : M enard se im põe a tarefa de repetir um texto estrangeiro, escrito em outra língua, p o r um outro au tor e num outro m om ento, sem deixar de ser ele p ró prio, isto é, sem poder an u lar seu contexto e suas circuns tâncias. M enard parece, inclusive, um a caricatura exage rad a do tra d u to r im aginado p o r T ytler, refletido nos três princípios básicos com entados no início deste capítulo: 1) a tradu ção deve rep ro d u zir em sua totalid ad e a idéia do texto original; 2 ) a trad u ção deve ter o m esm o estilo do original; e, 3 ) a trad u ção deve ser fluente e n atu ral como o original. E m b o ra reconheça que seu projeto é a in d a m ais “im possível” do que “to rn ar-se” C ervantes, o p ró p rio M enard, com o um su p ertrad u to r, consegue (ap aren tem en te) ven cer essa im possibilidade e p ro d u z alguns fragm entos ver balm ente idênticos ao D o m Q u ix o te de M iguel de C er vantes. E n tretan to , ao tentar identificar-se totalm ente com
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C ervantes e proteger a intenção ou o significado “origi nais” do texto, M enard inadvertidam ente ilustra a invia bilidade de seu projeto. O n a rra d o r nos apresenta um fragm ento do D om Q u ix o te reescrito p o r Pierre M enard e o com para ao fragm ento equivalente do D o m Q u ix o te de C ervantes: É uma revelação cotejar o Dom Quixote de M enard com o de Cervantes. Este, por exem plo, escreveu (Dom Quixote, prim eira parte, capítulo nono): “ [ . . . ] a verdade, cuja mãe é a história, êm ulo do tempo, dep ósito das ações, testem unha do passado, exem plo e aviso do presente, advertência do porvir". Redigida no século dezessete, redigida pelo "engenho leigo" C e r vantes, essa enum eração é um mero elogio retórico da his tória. M enard, por o u tro lado, escreve: " [ . . . ] a verdade, cuja mãe é a história, êm ulo do tem po, depósito das ações, testem unha do passado, exem plo e aviso do presente, advertência do porvir". A história, "m ãe" da verdade; a idéia é assom brosa. Menard, con tem porâneo de W illia m Jam es, não define a história com o uma indagação da realidade, mas com o sua origem . A v e r dade histórica, para ele, não é o que aconteceu; é o que julgamos que tenha acontecido. A s sentenças fin ais — "exem plo e aviso do presente, advertência do porvir" — são descaradam ente pragm áticas. Também é vivido o con tra ste entre os e stilo s. O estilo arcaizante de M enard — no fundo estrangeiro — padece de alguma afetação. O m esm o não acontece com o do precursor, que maneja com naturalidade o espanhol corrente de sua época (p. 57).
M en ard tenta recu p erar o significado “original” de C ervantes, mas som ente consegue reproduzir suas p ala vras. O que M en ard lê e rep ro d u z como sendo o verda deiro Q u ixo te (e, p o rtan to , de acordo com M enard, im u tável e evidente) é interp retad o pelo n a rra d o r/c rític o com o algo diferente. Paradoxalm ente, ao “rep etir” a to talidad e do texto de C ervantes, M en ard ilustra a im possi
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bilidade da repetição total, exatam ente porque as pala vras do texto de C ervantes não conseguem delim itar ou petrificar seu significado “original”, independentem ente de um contexto, ou de uma interpretação. Essas m esm as pa lavras assum em um determ inado valor q u ando o n a rra d o r/c rític o as relaciona ao contexto de C ervantes, e um valor diferente quando relacionadas ao contexto de Pierre M enard. Assim , ainda que um trad u to r conseguisse che gar a uma repetição total de um determ inado texto, sua tradução não recuperaria nunca a totalidade do “original” ; revelaria, inevitavelm ente, um a leitura, um a interpretação desse texto que, p o r sua vez, será, sem pre, apenas lido e interpretado, e nunca to talm ente decifrado ou controlado. A lém disso, quando M en ard se transform a em “au to r” do Q uixote, seus leitores tam bém interpretam seu texto sob diferentes pontos de vista e não conseguem recuperar suas intenções originais. A lém da interp retação do n a rra d o r/crític o , que já m encionam os acim a, há, por exemplo, a de M ad am e Bachelier, que vê no Q uixo te de M enard “um a adm irável e típica subordinação do a u to r à psico logia do herói”. O utros leitores, “nada perspicazes”, se gundo o n arrad o r, consideram a obra “invisível” de M e n ard um a m era “tran scrição ” do Q uixote. O utros, ainda, com o a B aronesa de B acourt, reconhecem na m esm a obra a influência de N ietzsche (p . 5 6 ).
O texto original redefinido A té aqui, nossa rápida incursão pelo conto de Borges tentou questionar a visão tradicional de texto, sugerida pelas teorias da tradução esboçadas no início deste capí tulo. C om o sugere nossa leitura de “Pierre M enard, autor del Q u ijo te” , traduzir não pode ser m eram ente o trans porte, ou a transferência, d e significados estáveis de uma língua para outra, p o rq u e o próprio significado de uma
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palavra, ou de um texto, na língua de partid a, som ente p o derá ser determ inado, provisoriam ente, através de uma leitura. Assim , se voltarm os às nossas questões iniciais, referentes ao próprio título deste livro, parece ficar mais claro que, ao traduzirm os translation w orkshop p o r “ofi cina de trad u ção ”, o que acontece n ão é um a transferência total de significado, po rq u e o p róprio significado do “ori ginal” não é fixo ou estável e depende d o contexto em que ocorre. Assim , antes de traduzir translation w orkshop por “oficina de tra d u ç ã o ”, estabeleceu-se o contexto em q u e havia originalm ente ocorrido: título de um curso espe cial e avançado, oferecido por um a universidade am eri cana. A o m esm o tem po, a tradução que sugeri, “oficina de trad u ç ã o ”, com o o Q uixo te de M enard em relação ao Q uixote de C ervantes, passa a existir num outro contexto e ganha vida própria, a partir do m om ento em que se transform a no título de um livro publicado no Brasil. O texto, com o o signo, deixa de ser a representação “fiel” de um objeto estável que possa existir fora do labi rinto infinito da linguagem e passa a ser um a m áquina de significados em potencial. A imagem exem plar do texto “original” deixa de ser, p o rtan to , a de u m a seqüência de vagões que contêm uma carga determ inável e totalm ente resgatável. A o invés de considerarm os o texto, ou o signo, com o um receptáculo em que algum “co n teú d o ” possa ser depositado e m antido sob controle, pro p o n h o que sua im a gem exem plar passe a ser a de um palim psesto. Segundo os dicionários, o substantivo m asculino palim psesto, do grego palim psestos ( “ raspado novam ente” ) , refere-se ao “ antigo m aterial de escrita, principalm ente o pergam inho, usado, em razão de sua escassez ou alto p reço , du as ou três vezes [. . .] m ediante raspagem do texto a n terio r”. M etaforicam ente, em nossa “oficina” , o “palim psesto” passa a ser o texto que se apaga, em cada com unidade cul tural e em cada época, p ara d a r lugar a outra escritura
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(o u in terp retação , o u leitura, o u trad u ção ) do “m esm o” texto. Assim, com o nos ilustrou o conto de Borges, o texto de D o m Q uixote não pode ser um conjunto de sig nificados estáveis e imóveis, para sem pre “d epositados” nas palavras de M iguel de C ervantes. O que temos, o que é possível ter, são suas m uitas leituras, suas m uitas interpretações — seus m uitos “palim psestos” . A trad u ção , com o a leitura, deixa de ser, portanto, um a atividade que protege os significados “originais” de um au to r, e assum e sua condição de produtora de signi ficados; m esm o p o rqu e p rotegê-los seria im possível, como tão bem (e tão co n trariad am en te) nos dem onstrou o borgiano Pierre M enard.
3 A questão do texto literário
N e n h u m p ro b le m a tão co n sub sta n cia i c o m as letras e seu m o d e sto m istério c o m o o q u e p ro p õ e u m a tradução. U m e sq u ec im e n to estim u la d o p ela vai dade, o tem o r d e co n fessa r p rocessos m e n ta is q u e a d iv in h a m o s perigosa m e n te c o m u n s, a ten ta tiva d e m a n ter in ta cta e central u m a reserva incal cu lá ve l d e so m b ra velam as tais escri tu ra s diretas. A tradução, p o r o u tro lado, parece d estin a d a a ilustrar a discussão estética.
(Jorge Luis Borges)
O preconceito da inferioridade ou da impossibilidade O ponto nevrálgico de toda teoria de tradução parece ser a tradução dos textos que cham am os de “literários”, questão geralm ente ad iada o u excluída tan to dos estudos sobre tradução quanto dos estudos literários. A grande m aioria dos escritores e poetas que abor dam a questão da trad u ção de textos literários considera
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que traduzir é destruir, é descaracterizar, é trivializar. P ara muitos, a tradução de poesia é teórica e praticam ente impossível. P ara outros, a eventual traduzibilidade do texto poético é vista com o sinal de inferioridade. P ara o poeta am ericano R obert F ro st (1 8 7 4 -1 9 6 3 ), p o r exem plo, a verdadeira poesia é intraduzível, definindo-se precisa m ente com o aquilo que “se p erd e” em qualq u er tentativa de tr a d u ç ã o 1. Segundo o francês Paul V aléry (1871-1 9 4 5 ), “co n tem p o rân eo ” e “com panheiro” de Pierre M e nard, a qualidade d o texto poético é inversam ente p ro porcional à sua traduzibilidade: quanto mais resistente for o texto “aparen tem ente” poético ao ataque de qualquer transform ação form al, m enor será o seu grau de p o e s ia 2. G eorge S teiner, em A fte r Babel: aspects o f langua ge and translation (V . B ibliografia co m e n ta d a ), cita várias opiniões sem elhantes, tam bém de escritores e p oetas céle bres, insatisfeitos com os “estragos” causados pela tra dução. E ntre outros, S teiner cita o poeta alem ão H einrich Heine (1797-1856), p ara quem as versões francesas de seus poem as eram “lu ar recheado de p a lh a ” (p. 2 4 0 ). O russo-am ericano V ladim ir N abokov (1 8 9 9 -1 9 7 7 ), um dos maio res escritores deste século e que, entre suas inúm eras obras, incluiu traduções, expressa sua visão no poem a “O n tran s lating ‘E ugene O negin’ ” : W hat is translation? On a platter A poet's pale and glaring head, A p a rro t's speech, a m on key's chatter, And profanation of the dead (p. 240). (“Sobre a Tradução de ‘Eugene Onegin " O que é tradução? Numa bandeja.
' Citado pelo poeta e tradutor inglês Donald Davie numa confe rência apresentada para os alunos do Programa de M estrado em Teoria e Prática da T radução Literária, Universidade de Essex, Colchester, Inglaterra, no ano letivo de 1967-1968; texto mimeografado. - Idem.
27 A cabeça pálida e fulgurante de um poeta, A fala de um papagaio, a tagarelice de um macaco, E a profanação dos mortos.)
M arin Sorescu, poeta rom eno contem porâneo, tam bém expressa sua crítica através de um poem a, intitulado “T rad u ç ã o ”, que traduzo a p artir da versão inglesa: Estava fazendo exame De uma língua morta. E tinha que me traduzir De homem para macaco. Fiquei na minha, Transform ando uma floresta Em texto. Mas a tradução fico u m ais d ifícil Quando fui chegando perto de mim. Porém, com um certo esforço, Encontrei equivalentes sa tisfa tórios Para as unhas e os pêlos dos pés. Perto dos joelhos C o m ece i a gaguejar. P e rto do coração minha mão com eçou a trem er E inundou o papel de luz. M esm o assim , tentei im provisar Com os pêlos do peito, M as falhei com pletam ente Na alma.
Segundo esses poetas e escritores, a trad u ção é um a atividade essencialm ente inferior, p o rq u e falha em captu rar a “alm a” ou o “esp írito ” do texto literário ou poético. Essa visão reflete, portanto, a concepção de que, especial mente no texto literário o u poético, a delicada conjunção
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entre form a e conteúdo não pode ser to cada sem prejuízo vital, o que co ndenaria qualq u er possibilidade de tradução bem -sucedida.
Uma teoria literária menardiana N ovam ente, estam os diante de um a concepção “me n ard ian a ” da literatura, reflexo da teoria lingüística e da teoria da trad u ção que com entam os no capítulo anterior. C om o vim os, P ierre M en ard som ente consideraria legítim a um a trad u ção que, literalm ente, não alterasse em nada o texto “original” , uma trad u ção que, em pleno século X X , pudesse resgatar o verdadeiro Q uixo te escrito por Miguel de C ervantes no início do século X V II. P a ra o poeta, trad u to r e “rom ancista invisível” Pierre M en ard, como para os poetas e escritores citados acima, o literário e o poético são características textuais intrínsecas e estáveis, que perm item , inclusive, um a distinção clara e objetiva entre textos literários e textos não-literários. P ortanto, qualquer m udança (ta n to a nível form al, quanto a nível de co n teú d o ) que pudesse o co rrer num texto “ literário” im plicaria um a alteração de suas características e, conse qüentem ente, a eventual perda daquilo que o to rn a “lite rá rio ”. A o m esm o tem po, podem os o b serv ar que a teoria de tradução im plícita nos com entários desses poetas e escri tores é essencialm ente a m esm a do teórico E ugene N ida, cuja co m paração do processo de trad u ção a um a transfe rência de carga de um grupo de vagões p ara o u tro exam i namos no início do capítulo anterior. N ida redime a tra dução de textos não-literários exatam ente porque, nesse caso, a conjunção c o n te ú d o /fo rm a não é considerada fun dam ental, não im portando, com o vimos, em quais vagões se encontram as diversas p artes da carga tran sp o rtad a,
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nem a seqüência em que os vagões se organizam , m as, sim, que to d o s os co n teú d o s alcancem o seu destino. E ssa “transferência” n ão pode, p o rta n to , ser aceita pelos defensores da intraduzibilidade do literário e do poé tico p o rq u e consideram que é precisam ente essa intocabilidade da conjunção fo rm a /c o n te ú d o que constitui a pe culiaridade do texto “ artístico ”. A literariedade é, assim, considerada com o algo que alguns textos privilegiados “co n têm ” , com o um a “ alm a” ou um “espírito”. C onform e escreveu o poeta italiano G iacom o L eo p ard i (1 7 9 8 -1 8 3 7 ): A s idéias estão contidas e praticam ente engastadas nas p alavras com o pedras preciosas num anel. Elas se incor poram às palavras com o a alma ao corpo, de tal modo que constituem um todo. A s Idéias são, portanto, inseparáveis das palavras- e, se se separarem delas, não serão m ais as m esm as. Escapam ao nosso intelecto e ao nosso poder de compreensão; tornam-se irrecon hecíveis, exatam ente o que aconteceria à nossa alma se se separasse de nosso c o rp o 3.
T a n to a imagem de L eopardi, que sintetiza as con cepções de N abokov, F ro st, V aléry e Sorescu (além de M e n a rd ), quanto a de N ida, apresentam o texto (literá rio ou n ã o ) com o um receptáculo de idéias e /o u carac terísticas distinguíveis e objetivam ente determ ináveis. N o capítulo anterior, através do conto de Borges, tentam os questio n ar essa concepção de texto e, à im agem do te x to / /v a g ã o de carga sobrepusem os a im agem do tex to /p alim p sesto. T entarem os, agora, exam inar as im plicações desse tex to /p alim p sesto p ara um a definição da p ró p ria literatura, pois a discussão sobre a tradução ou a traduzibilidade dos textos que cham am os de literários ou poéticos depende de um a discussão an terio r sobre o status do texto “original” , isto é, sobre aquilo que nos leva a co n sid erar um deter minado texto “poético” ou “literário ”. 3 A p u d St e in e r , G .
A fte r Babel. . . , n o t a 1, p. 24 2 .
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Repensando o literário Se tentássem os rastrear, através da história da cultura ocidental, as diversas respostas dadas à pergunta aparente m ente sim ples: “O que é literatu ra?”, provavelm ente che garíam os a respostas tão diferentes quanto as épocas que as produziram . Basta lem brar, p o r exem plo, que enquanto Platão bania a poesia de sua R epública p o r ser “perigosa”, A ristóteles a celebrava, principalm ente sob a form a de tra gédia, p o r seu efeito benéfico de catarse. M as, nem pre cisaríam os consultar nossos mestres gregos. Se fizéssemos a mesma pergunta a teóricos contem porâneos, tam bém o b teríam os respostas divergentes. N a verdade, seria surpreen dente se obtivéssem os respostas m uito sem elhantes, uma vez que nossa tradição cultural tem cham ado de “poem as” textos tão díspares quanto Os Lusíadas, de Cam ões, e “Q u ad rilh a”, de C arlos D rum m ond de A n d rad e, ou Para dise L o st, de John M ilton, e “ In a Station of the M etro ”, de E zra P ound. D e um lado, tem os tex to s m onum entais com o os de Cam ões e M ilton e, de ou tro , textos que um leitor avesso às sutilezas do poético consideraria prosaicos, com o o poem a citado de P ound, constituído de apenas dois versos: The apparition of th e se faces in the crowd; Petals on a wet, black bough. (A aparição dessas faces na multidão; Pétalas num ramo negro, úmido.)
O que teriam em com um esses textos tão diferentes? O que nos perm ite classificá-los com o m esm o rótulo de “poem a” ? C ertam ente, o que nos perm ite ch am ar tanto Os L usíadas quanto “Q u ad rilh a” de “poem as” não são suas características textuais intrínsecas, nem sua tem ática, nem m esm o as eventuais “ interições” de seus autores tão distintas entre si, m as sim, nossa atitude p eran te os mes-
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mos. O poético é, na verdade, um a estratégia de leitura, um a m aneira de 1er e, não, com o queria P ierre M enard, um co n ju n to de propriedades estáveis que objetivam ente “encontram os” em certos textos. Assim, há textos que, devido a circunstâncias exteriores e não às suas caracte rísticas inerentes, nossa tradição cultural decide 1er de form a literária ou poética. A literatura seria, p o rtan to , um a categoria convencio nal criada por um a decisão com unitária. C om o sugere o teórico am ericano Stanley Fish, o que será, em qualquer época, reconhecido com o literatu ra é resultado de um a d e cisão, consciente ou não, da com unidade cultural sobre o que será considerado “literário ” 4. Podem os im aginar, por exem plo, que o contexto histórico e cultural que produziu e celebrou um poem a com o Os Lusíadas certam ente não produziria nem reconheceria com o “poem a” um texto como “Q u ad rilh a ”. H oje, entretanto, nossa com unidade cultu ral, que Stanley F ish cham a de “com unidade interpretativa”, perm ite incluir tan to Cam ões quan to D rum m ond entre os m aiores poetas da língua portuguesa. D e m a neira sem elhante, podem os entender tam bém p o r que al guns poetas são tão celebrados d urante um certo período e com pletam ente esquecidos em outro, ou, ainda, porque às vezes “redescobrim os” ou “revisitam os” um poeta “in justiçad o ” no passado.
Quando ameixas não são simplesmente ameixas T om em os um exemplo prático que possa nos ajudar a ilu strar essas conclusões sobre o literário ou o poético 4 Is there a text in this class?; the authority of interpretive com m u nities, p. 1-17. V. Bibliografia comentada.
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e a exam inar suas implicações p a ra o processo de tra dução. S uponham os que o seguinte fragm ento seja o c o n teúdo de um bilhete deixado por um hóspede norte-am ericano sobre a mesa da cozinha de seu anfitrião brasileiro, que não dom ina m uito bem o inglês: T h is is just to say I have eaten the plum s that were in the ic e b o x and w hich you w ere probably saving for breakfast. Forgive me, they were d e licio u s: so sw eet and so c o ld 5.
C om o trad u to res de um sim ples bilhete de caráter pessoal, cujo contexto e função acabam de ser estabelecidos, sabe mos que nosso objetivo é reproduzir a inform ação e o pedido de desculpas do “original” : Este bilhete é só para lhe dizer que com i as am eixas que estavam na geladeira e que provavelm ente v o c ê estava guardando para o café da manhã. Desculpe-m e, elas esta vam deliciosas, tão doces e geladas.
T eríam os, entretanto, o u tra s leituras, o u tras traduções e, portanto, pelo m enos um outro “tex to ” ao constatarm os que o fragm ento acim a é, na verdade, um poem a do am e ricano W illiam Carlos W illiam s (1883-1963): Th is is just to say I have eaten the plum s th a t w ere in th e icebox
5 O exemplo e os argum entos apresentados aqui foram inicialmente desenvolvidos em A r r o j o , Rosemary. A tradução como reescritura: o texto/palim psesto e um novo conceito de fidelidade. Tra balhos em Lingüística Aplicada, Campinas, U niversidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, dez. 1985, n.° 5 e 6, p. 1-8.
33 and w hich you w ere probably saving for breakfast Forgive me th ey w e re deliciou s so sw e e t and so cold «
A o serm os apresentados ao “m esm o” fragm ento, agora rotu lad o de poem a, o que antes era prosaico passa a ser poético. C om o leitores do poem a, m em bros de um a com unidade cu ltu ral p a ra a qual tal te x to se enquadra dentro das convenções literárias estabelecidas, aceitam os o desafio im plícito de in terpretá-lo poeticam ente e passam os a procurar um sentido coerente p ara ele. Passam os a pen sar, p o r exemplo, nas possíveis im plicações da oposição entre o ato de com er as am eixas e as relações sociais que esse ato viola. O posição essa que não se resolve pacifica m ente: ao m esm o tem po em que o poem a, pela sua própria razão de ser, reconhece a prioridade das regras, através do pedido de perdão, afirm a tam bém que a experiência sensual im ediata é im portante (p rincipalm ente pelas suas últim as palavras “so sweet and so cold” ) e que as relações pes soais (a relação sugerida entre o l e o y o u ) devem ante cipar um espaço p ara tal experiência 7. E n q u an to que a trad u ção do tex to /b ilh ete não nos trouxe m aiores dificuldades, a trad u ção do tex to /p o em a nos obrigaria a tom ar várias decisões nada fáceis. Um le ito r/tra d u to r que concordasse, em linhas gerais, com a in terpretação esboçada acim a, teria que resolver, por exem 6 E m B r a d le y , S. et alii, ed. Tlie Am erican tradition in literature, 4. ed. N e w Y ork, G ro sset & D unlap, 1974, p. 1618-9. 7 Essa leitura foi esboçada pelo crítico am ericano Jonathan Culler, em Structuralist poetics. New Y ork, Cornell University Press, 1975. p. 175-6.
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plo, o p ro b lem a da trad u ção de plums. Se aceitam os que, no poem a “original” , as frutas representam um estím ulo à sensibilidade que transgride as regras sociais, é im portante que as associações desenvolvidas a p a rtir de plum s en contrem equivalentes no texto traduzido. Já que passam a re p re se n ta r o sensual, ou aquilo que excita os sentidos, é im portante que essas frutas, cobiçadas e consum idas pelo eu do poem a e especialm ente reservadas pelo você para o café da m anhã, sejam frutas verm elhas e red o n d as (talvez com o a fruta proibida e desejada do Jardim d o É d e n ), de pele lisa e m acia, carnudas, suculentas e doces. T am bém passa a ser significativo o fato de que essas associa ções encontrem eco num o u tro sentido possível de plum , que em inglês coloquial pode significar “algo considerado bom e desejável, como por exem plo, um em prego bem re m un erad o ” , acepção derivada de outras m ais antigas. O O xfo rd E nglish dictionary (edição com p acta) lista algu mas que podem nos interessar: “um a coisa b oa, um pitéu; um a das m elhores partes de um artigo ou livro; um a das recom pensas da vida; tam bém o m elhor de um a coleção de objetos ou anim ais” . A o traduzirm os p lu m s p o r am eixas, en tretan to , o le que de associações pode se m odificar radicalm ente. Em prim eiro lugar, am eixas não são necessariam ente plum s. Q uand o falam os em am eixas, hoje, na com unidade cultu ral em que vivem os, pensam os em am eixas pretas (prunes, em in g lês), frutas secas e enrugadas, que dificilm ente se riam associadas ao sensual e que, por um a irônica coinci dência, podem fazer parte de um nada “poético” café da m anhã, como rem édio para distúrbios intestinais. Pensa mos tam bém em nêsperas, as am eixas am arelo-alaranjadas, de pele lisa e aveludada que, em bora pudessem deflagrar algumas das associações que construím os a partir das am eixas verm elhas, não são as mesmas frutas de que nos fala o poeta norte-am ericano.
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N esse ponto, tocam os em um a questão im portante, aliás um a das prim eiras a ser a b o rd ad a em qualquer discussão sobre tradução e, em especial, sobre a tradução de textos literários: a que deve ser fiel nossa tradução de p lum s nesse poem a? D eve a tradução ser fiel ao con texto em que (supom os q u e) o poem a ten h a sido escrito, isto é, deve a trad u ção levar em conta que o poem a p ro vavelm ente tenha sido escrito na pacata R uth erford, New Jersey, em m eados da década de 30? Podem os im aginar que, nos anos 30, num a cidadezinha do nordeste am eri cano, consum ir am eixas verm elhas no café da m anhã não era necessariam ente um háb ito consagrado da população em geral, o que nos levaria a concluir que as p lu m s do poem a de W illiam s realm ente sugerem algo que foge ao habitual. M as, quando pensam os em “am eixas verm e lhas” em nosso contexto cultural, a sugestão não é sim plesm ente de algo que foge ao habitual, mas, sim, de algo muito raro e inacessível. E isso, considerando que nosso contexto cultural é o de um grande centro u rb ano e de senvolvido da região Sul do Brasil. E ssa sugestão de ra rid a d e e inacessibilidade, que m o dificaria sensivelm ente o status da sensualidade no poem a traduzido, se intensificaria, por exem plo, se esse poem a atingisse um público leitor em outras regiões brasileiras, ou m esm o em outros países de língua portuguesa. Assim , m esm o se fosse possível, um a tradução “literal” do poem a estaria estim ulando associações e relações diferentes d a quelas que podem os desenvolver a p artir do “original” . P o r ou tro lado, u m a trad u ção “n ão -literal” do poem a, isto é, um a tradução que pretendesse recriar e ad ap tar suas im agens m ais im portantes, p ara que o texto traduzido fosse fiel às associações que construím os a partir do “ori ginal” , um a tradução que escolhesse “pêssegos” ou “sap o tis”, ou quaisquer o u tras frutas, com o equivalentes do original p lu m s, não seria fiel ao poem a, enquanto repre-
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sentante e p roduto de um determ inado au to r e seu con texto histórico.
A tradução de textos literários redefinida O que poderia torn ar extrem am ente difícil, e até mesmo im possível, a trad u ção do poem a de W illiam Carlos W illiam s não seriam, p o rtan to , suas características ineren tes, m as sim, a in terp retação que construím os a p artir dele. A trad u ção do substantivo p lum s, que nos pareceu óbvia quando consideram os o tex to /b ilh ete, passa a ser pro b le m ática quando lidam os com o te x to /p o em a, exatam ente porque, quando “aceitam os” 1er um determ inado texto de form a “poética” (isto é, quando aceitam os que determ i nado texto possa ser rotulado de “poem a” ) , passam os a considerar significativas todas as relações e associações que puderm os com binar num a interpretação coerente. Assim, as questões acim a, que p ro visoriam ente deixam os sem res postas, sugerem que qualquer tradução de “This is just to say” seria necessariam ente um reflexo da interpretação que, p o r algum a razão, decidíssem os privilegiar. D a m esm a form a que a leitura do c rític o /n a rrad o r em “P ierre M enard, au to r del Q uijoté” “diferencia” os dois fragm entos verbalm ente idênticos do D o m Q uixote (um deles, de C ervantes; o outro, de M e n a rd ), foi a nossa leitura que distinguiu o poem a de W illiam C arlos Williams do sim ples “bilhete” escrito p o r um hóspede norte-am ericano a seu anfitrião brasileiro. T ais conclusões a respeito da literariedade desm istificam os preconceitos que, em geral, envolvem a tradução dos cham ados textos “literários” ou “poéticos”. Isso não significa, entretanto, que a tradução desses textos seja sim ples ou fácil. Q uando equiparam os a trad u ção ou a lei tura de um poem a à sua criação, fica claro que exigimos de seu leitor ou trad u to r uma sensibilidade e um talento sem elhantes aos que tradicionalm ente se exigem dos poetas.
4 A questão da fidelidade
Q ual dessa s m u ita s tra d u çõ es [da O disséia] é fiel?, q u ererá saber, tal vez, m e u leitor. R e p ito que n e n h u m a ou q u e to d a s. S e a fid e lid a d e te m que ser às im aginações d e H o m e ro , aos irrecu p erá veis h o m e n s e dias que ele im a g in o u , n e n h u m a p o d e sê-lo para nós; todas, para u m grego d o século dez. (J o rg e L uis B o rg es)
O conceito de fidelidade e o texto/palimpsesto A ntes de nos concentrarm os no poem a de William C arlos W illiams, lem brem o-nos, um a vez mais, de Pierre M enard. C om o vimos, M enard, o tra d u to r total, aspirava a um a fidelidade total: pretendia reescrever o Q uixote exatam ente com o Miguel de C ervantes o escrevera, repe tindo seu contexto histórico e social, suas circunstâncias, suas intenções e motivações.
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A im possibilidade do sonho de M en ard já nos per m itiu reform ular o conceito de texto “original” e, até mesmo, o pró p rio conceito de literatura. R esta-nos, agora, repensar a questão da fidelidade. M en ard não pode ser com pletam ente fiel ao texto de C ervantes porque esse texto, conform e tentam os ilustrar através da imagem do tex to /p alim p sesto , não é um recep táculo de conteúdos estáveis e m antidos sob controle, que podem ser repetidos na íntegra. O texto de Cervantes, como qualq u er outro texto, “literário” ou não, som ente p o d erá ser ab o rd ad o através de um a leitura ou interpre tação. Com o Pierre M enard, todo leitor ou tra d u to r não po derá evitar que seu contato com os textos (e com a pró pria realid ad e) seja m ediado p o r suas circunstâncias, suas concepções, seu contexto histórico e social. A p ro p riad a mente, com o sugere o fragm ento do Q u ixo te de Cervantes, “repro d u zid o ” p o r M enard, a “m ãe da verdade é a histó ria”, isto é, aquilo que consideram os verdadeiro será irre m ediavelm ente determ inado por todos os fatores que cons tituem nossa história pessoal, social e coletiva. Nesse sen tido, é a história que dá à luz a verdade, e não a verdade que serve de m odelo p ara a história. Assim, o Q uixote de M enard, em bora verbalm ente idêntico ao de C ervantes, revela, m ais do que o m undo de C ervantes, a própria his tória de M enard, que, p o r sua vez, tam bém é m ediada pela visão do n a rra d o r/c rític o .
Uma Cleópatra melindrosa P ara entenderm os um pouco m elhor essa relação entre história e realidade, vam os im aginar a seguinte situação: um concurso de fantasias realizado em São P aulo, em m eados da década de 20, d u ran te uma festa, à qual da
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remos o título de C leopatra, R ain h a d o N ilo. T odos os convidados deverão com parecer vestidos a caráter, e o ponto m áxim o da festa será a escolha d aquela que apre sentar a m elhor caracterização de C leopatra, isto é, da quela que se apresentar com o a versão mais “fiel” à C leo patra “original”, que viveu no Egito cerca de um século antes de C risto. H averá um grupo de jurados, com posto de hom ens e mulheres, previam ente escolhidos por seus conhecim entos de história egípcia e da biografia da rainha. F inalm ente, haverá um fo tógrafo especialm ente contratado para docum entar a escolha. Se hoje tivéssem os a o p ortunidade de exam inar a foto da vencedora, o que veríapios? C ertam ente, reco nheceríam os na foto várias características do que consi deram os os usos e costum es da década de 20. O pen teado, a m aquiagem , o traje e até a expressão facial e corporal dessa “C leo p atra” vencedora estariam inevitavel mente m arcados pelo estilo e pela m oda dos anos 20, re velando, na verdade, um parentesco m uito m aior com sua pró p ria época do que com a época da “v erd ad eira” Cleo patra. E m b o ra possam os im aginar que a confecção do traje tenha se baseado em descrições sobre os trajes egíp cios da época de C leopatra, eventualm ente encontradas em livros de história, o traje que essa C leopatra dos anos 20 conseguiu “produzir” foi feito com os tecidos, com as téc nicas de corte e costura, e p o r alguém que viveu nos anos 20. Se tivéssemos a o p ortunidade de com parar atenta m ente essa foto com o u tras que docum entassem eventos sem elhantes realizados na m esm a época, m as em cidades diferentes, com o N ova Y ork, Paris, ou, quem sabe, até m esm o, R io de Janeiro, poderíam os registrar diferenças locais e características específicas dos usos e costumes dessas cidades, expressas através das candidatas vence doras.
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E se o concurso fosse repetido hoje? E se tam bém tirássem os um a foto de nossa C leopatra? M esm o que ten tássem os, através de um a pesquisa séria e cuidadosa, ser absolutam ente “fiéis” àquilo que consideram os constituir a “v erd ad eira” C leopatra, e evitar os “erro s” que even tualm ente poderíam os detectar em nossas hipotéticas Cleo p atras dos anos 20, não revelaria a nossa versão da rainha egípcia as idiossincrasias, o estilo e as concepções dos anos 80, vigentes num a grande cidade ocidental do H e m isfério Sul?
O autor, o texto e o leitor/tradutor D o m esm o m odo que é impossível p a ra M enard tornar-se C ervantes, e do memo m odo que é impossível p ara as “C leopatras” dos anos 20 e dos anos 80 to rn a rem -se C leopatra, é im possível resgatar integralm ente as intenções e o universo de um autor, exatam ente porque essas intenções e esse universo serão sem pre, inevitavel m ente, nossa visão daquilo que possam ter sido. Além disso, com o sugeriu o teórico francês R o lan d Barthes, q ualquer texto, p o r perten cer à linguagem , pode ser lido sem a “ap ro v ação ” de seu autor, que p ode apenas “visi ta r” seu texto, com o um “convidado” , e não com o um pai soberano e co n tro lad o r dos destinos de sua criação 1. O au to r passa a ser, portan to , mais um elem ento que utilizam os para construir um a interp retação coerente do texto. A ssim , quando revelei ao leitor q u e o tex to /b ilh ete sobre as am eixas verm elhas era, na verdade, um poem a do grande poeta norte-am ericano W illiam C arlos Williams, 1 V er B a r t h e s , R. F ro m w o rk to text. In: H a r a r i , J. V. (ed.). Textual strategies; perspectives in post-structuralist criticism. New York, Cornell U niversity Press, 1979. p. 77.
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esse d ad o provavelm ente m otivou o leitor a aceitá-lo com o tex to poético e a levar a sério a in terp retação proposta. O foco in terpretativo é transferido do texto, com o receptáculo da intenção “original” do autor, p ara o in tér prete, o leitor, ou o trad u to r. Isso não significa, absoluta mente, que devem os ignorar ou desconsiderar o que sa bem os a respeito de um autor e de seu universo quando lem os ou traduzim os um texto. Significa que, m esm o que tiverm os com o único objetivo o resgate das intenções o ri ginais de um determ inado au to r, o que som ente podem os atingir em nossa leitura ou tradução é expressar nossa visão desse autor e de suas intenções. A ssim , em pregando novam ente a imagem de B arthes, mesmo que considerás semos o autor o “pai absoluto” do texto que lemos ou traduzim os, ele será irrem ediavelm ente nosso “convidado” nessa em presa; sua atuação, sua p ró p ria “presença” nesse p ro je to dependerá sem pre do papel que, explícita ou im plicitam ente, lhe outorgam os. C ontudo, quando um leitor “p ro d u z” um texto, sua interp retação não p ode ser exclusivam ente sua, da m esm a form a q u e o escritor n ão p ode ser o au to r soberano do texto que escreve. N o conto de Borges, a interpretação que o n a rra d o r/c rític o p ropõe do Q u ixo te de M enard é um pro d u to de sua época: suas leituras, seu convívio com M enard, suas concepções teóricas. O p ro je to quixotesco de M enard, com o vimos, tam bém é produto de sua teoria da linguagem , de suas convicções, de sua “com unidade inte rp re ta tiv a ”, com o diria Stanley Fish. O m eu próprio projeto — a teoria de tradução que proponho neste livro — não pode ser inteiram ente m eu\ é, inevitavelm ente, tam bém um p roduto de m inha história: dos livros que li, dos autores que aprendi a adm irar, d a visão de m undo que essas leituras e esses autores aju d aram a construir.
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A fidelidade redefinida à prim eira vista, pode parecer que, ao questionarm os a possibilidade de que um a tradução seja inteiram ente fiel ao texto original, estam os questionando não só a própria possibilidade teórica de q ualquer tradução, m as tam bém a possibilidade de qualquer critério objetivo p a ra avaliarm os textos traduzidos. C onform e tentam os d em onstrar anteriorm ente, a tra dução seria teórica e praticam ente im possível se esperás semos dela um a transferência de significados estáveis; o que é possível — o que inevitavelm ente acontece, a todo m om ento e em toda tradução — é, com o sugere o filó sofo francês Jacques D errida, “um a transform ação: uma tran sfo rm ação de um a língua em outra, de um texto em o u tro ” 2. M as, se pensam os a tradução com o um processo de recriação ou transform ação, com o poderem os falar em fidelidade? C om o poderem os avaliar a qualidade de uma tradução? R etom em os o exem plo dos concursos de fantasias. C om o vimos, cada “versão” ap resentada da rainha C leo patra traria irrem ediavelm ente a m arca de sua localização no tem po e no espaço. M esm o assim, essas versões foram avaliadas d u ran te cada um dos concursos hipotéticos, em que os jurados, ao elegerem a m elhor C leópatra, elege ram , na verdade, aquela que consideraram a versão mais “fiel” à C leópatra “original”. E o que seria, p ara cada grupo de jurados, a C leópatra “v erd ad eira” ou “original” ? C om o já sugerim os, a C leópatra “v erd ad eira” ou “original” seria exatam ente o conjunto de suposições e características que, p a ra cada com unidade interpretativa, representada pelos jurados, constituiriam o personagem histórico conhecido com o C leópatra. O bviam ente, da 2 In:
J. apud S p i v a k , G. C. Prefácio do tradutor. In: J. O f G ramm atology. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1980. p. 87.
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e r r id a ,
e r r id a ,
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m esm a m aneira que as C leopatras escolhidas seriam dife rentes entre si, dependendo da época e da localização do concurso, tam bém seriam diferentes as características que cada co m u n id ad e in terpretativa atrib u iria à “v erdadeira” C leopatra. A lém disso, com o vimos, se pudéssem os obser var a foto de um a de nossas hipotéticas C leopatras da dé cada de 20, não seria possível evitar que nosso julgam ento se realizasse a partir de nossas próprias suposições e con vicções. Assim, a “versão” considerada “fiel” à C leopatra “original” p o r um a com unidade interp retativ a de São Paulo, em m eados da década de 20, não seria aceita por uma com unidade interp retativ a da m esma cidade, sessenta anos depois. V ejam os com o essas conclusões podem ser transferi das à questão da tradução de “This is just to say”, de W illiam C arlos W illiams, sobre a qual discutim os no capí tulo anterior. Com o o texto foi apresentado em duas “ver sões”, um a v ersão /b ilh ete e um a v ersão /p o em a, terem os que considerar pelo m enos duas situações diferentes. U m a tradução fiel ao te x to /b ilh e te seria, na verdade, fiel ao contexto estabelecido p a ra sua interpretação. As conven ções contextuais que deveriam reger essa trad u ção foram estabelecidas a partir do m om ento em que se especifica ram seu objetivo e circunstâncias, isto é, a partir do m o m ento em que estabelecem os que se tratav a de um bilhete inform al, escrito p o r um hóspede norte-am ericano a seu anfitrião brasileiro. D a m esm a form a, a trad u ção do te x to /p o e m a seria fiel às convenções estabelecidas — implícita ou explicita m ente — p ara sua leitura, levando-se em conta, é claro, que essas convenções são m ais com plexas e apresentam m ais variáveis, dependendo da com unidade cultural e da época que as produziram . Assim , nossa trad u ção desse, ou de qualquer outro poem a, seria fiel, em prim eiro lugar, à nossa concepção de poesia, concepção essa que deter m inaria, inclusive, a própria decisão de traduzi-lo.
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Im aginem os, por exem plo, um a com unidade interpretativa cujas idéias sobre poesia fossem sem elhantes a al guns conceitos cultivados no século passado. Tal com u nidade, que certam ente prezaria form as rígidas e estereo tipadas com o característica fundam ental do texto poético, nem consideraria a possibilidade de traduzir “poetica m ente” “T h is is just to say” porque não o veria como um poema. Im aginem os uma outra com unidade interpretativa, cujos pressupostos sobre poesia perm itissem “aceitar” o texto de W illiam s como poem a. Suponham os tam bém que essa com unidade se tivesse interessado particularm ente pela organização sonora e rítm ica de “T his is just to say”, considerando, inclusive, ser essa a característica que faz desse texto um poem a que merece ser traduzido. P ara tal com unidade, um a trad u ção fiel ao poem a de W illiams teria que ten tar reproduzir, ou recriar, sua estru tu ra sonora e rítm ica, em detrim ento de seu “c o n teú d o ”. E m o utras palavras, nossa trad u ção de q ualquer texto, poético ou não, será fiel não ao texto “ original”, mas àquilo que consideram os ser o texto original, àquilo que consideram os constituí-lo, ou seja, à nossa interpretação do texto de partida, que será, com o já sugerim os, sem pre produ to daquilo que somos, sentim os e pensam os. A lém de ser fiel à leitura que fazem os do texto de p artid a, nossa tradução será fiel tam bém à nossa própria concepção de tradução. A inda tom ando com o exemplo “This is ju st to say”, podem os im aginar um a com unidade interpretativa, p ara a qual a tradução desse texto se jus tificaria som ente se o trad u to r tentasse reproduzir o poem a “originalm ente” escrito p o r Williams num a cidadezinha do nordeste am ericano, em m eados da d écada de 30. Tal com unidade, que certam ente com partilharia das idéias de Pierre M en ard sobre a linguagem e a trad u ção, tentaria produzir um a tradução “literal” do poem a, sem conside rar que o mesmo seria lido num contexto e num a época
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diferentes. P ara tal com unidade, a única tradução possí vel de p lu m s seria, com bastan te p robabilidade, “am eixas”, ou, no m áxim o, “am eixas verm elhas”. Podem os im aginar, ainda, um a outra com unidade in terpretativa, p ara a qual todo texto traduzido devesse, de algum m odo, se incor po rar ou se ad ap tar ao contexto cultural da língua-alvo. T al com unidade poderia, p o r exem plo, considerar “pêsse gos” ou “caquis” opções m elhores ou mais “fiéis” do que “am eixas” . A lém de ser fiel à nossa concep ção de poesia e à nossa concepção de trad u ção , a tradução de um poem a deve ser fiel tam bém aos objetivos que se propõe. Im agi nemos, p o r exem plo, um a palestra sobre a o b ra de W illiam C arlos W illiams, ap resentada em portu g u ês p ara um a pla téia que n ão dom ina o inglês. O p alestrad o r poderia a p re sentar e analisar o poem a “This is just to say” através de um a trad u ção inform al, sem p retender recriar ou recuperar, através dessa tradução, o que considera as características poéticas do “original” . O utras seriam as preocupações e os objetivos de um tra d u to r — outra seria a “fidelidade” — se o mesm o poem a tivesse que ser traduzido para inte grar um a coletânea de poetas m odernos de todo o m undo. C ontudo, se concluím os que toda trad u ção é fiel às concepções textuais e teóricas da com unidade interpreta tiva a que pertence o trad u to r e tam bém aos objetivos que se propõe, isso não significa que caem p o r terra quais quer critérios p ara a avaliação de traduções. Inevitavel mente, com o os grupos de jurad o s dos concursos de fan tasia que usam os com o exem plo, aceitarem os e celebrare m os aquelas traduções que julgam os “fiéis” às nossas pró prias concepções textuais e teóricas, e rejeitarem os aquelas de cujos pressupostos n ão com partilham os. Assim, seria im possível que um a trad u ção (o u leitu ra) de um texto fosse definitiva e unanim em ente aceita p o r todos, em qual quer época e em qualquer lugar. As traduções, com o nós e tudo o que nos cerca, não podem deixar de ser m ortais.
5 A teoria na prática
“Áporo” , de Carlos Drummond de Andrade A trav és da leitura e dos com entários sobre a tradução de um poem a de C arlos D rum m ond de A ndrade, vamos tentar ilustrar as conclusões teóricas desenvolvidas nos seg m entos anteriores. “Á p o ro ” , publicado em 1945 na coletânea A rosa do povo, é o texto escolhido pois, apesar de sua brevidade, pode nos d ar um bom exem plo do que seria 1er “poetica m ente” um texto. A lém disso, com o essa leitura é regida por convenções que nos perm item um a interp retação quase sem lim ites de todos os elem entos que constituem o texto, o exam e de sua versão p ara o inglês (in titu lad a “ Insect”, de autoria de John N ist) pod erá nos p ropiciar um a visão aguçada dos problem as e dos limites da tradução em geral. C om ecem os pelo “original” de D rum m ond:
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Áporo Um inseto cava cava sem alarm e perfurando a terra sem achar escape.
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Que fazer, exausto, em país bloqueado, enlace de noite raiz e m inério?
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Eis que o labirinto (oh razão, m istério) presto se desata:
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em verde, sozinha, antieuclidiana, uma orquídea form a-se 1
C om o sugerim os anteriorm ente, 1er um p o e m a im plica aceitar um convite im plícito à criação. Q uan d o aceita p a r ticipar desse p ro jeto , quan d o aceita o desafio de 1er “poe ticam ente” um texto, o leitor aceita tam bém — com o regra básica desse jogo — que todos os elem entos que consti tuem o poem a podem adquirir um significado “poético” e contribuir p ara a construção de um a interpretação. A leitura de “Á p o ro ” que p ro p o n h o a seguir se asse m elha à construção de um quebra-cabeça, cuja chave se encontra no título. D erivado do grego áporos ( “sem pas sagem ” ) , segundo a m aioria dos dicionários da língua, o substantivo m asculino áporo significa: / ) “inseto himen ó p tero ” , e 2 ) “problem a de difícil solução”. A esses dois significados é possível acrescentar-se um terceiro, encon trado apenas no D icionário contem porâneo da língua por tuguesa, de C aldas A ulete (V . Bibliografia com entada) : áporo pode ser tam bém “ um tipo de p lanta da fam ília das orquídeas, solitária, geralm ente esverdeada”. A lém de ser a “chave” que “ab re” o poem a e norteia m inha leitura, o título “Á p o ro ” tam bém a sintetiza. Assim, os dois prim eiros q uartetos nos apresentam a conjunção 1 Cf. Obra completa. Organização de A frânio C outinho. Rio de Janeiro, A guilar, 1967. p. 154.
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dos dois prim eiros significados apresentados: um inseto que cava (o “áp o ro ”, segundo C aldas A ulete, é um gê nero de inseto him enóptero da fam ília dos cavadores) e que encontra nesse cavar um problem a de difícil solução. N os tercetos, a situ a ç ã o /á p o ro se resolve com a form ação da o rq u íd e a /á p o ro , verde e sozinha 2.
“ Um inseto cava” V am os ten tar co n stru ir m elh o r esse en re d o /q u eb ra-cabeça. O prim eiro q uarteto, que introduz o inseto e o seu cavar “sem alarm e”, apresenta uma estrutura harm o niosa. T odos os versos têm o m esm o núm ero de sílabas e há sim etria na distribuição de sílabas acentuadas: nos versos / e i , o acento cai na terceira e quin ta sílabas e, nos versos 2 e 4, as sílabas acentuadas são as prim eiras e as quintas. H á tam bém um esquem a regular de rim as (a b a b ), várias assonâncias (cava, alarme, a, terra, achar, escape, inseto, sem, p erfu ra n d o ) e alguns sons consonantais predom inantes, que ecoam por toda a estrofe: um, inseto, sem, perfurando, alarm e, terra, escape. Esses ecos de sílabas sem elhantes, sons e até palavras repetidas, asso ciados à regularidade do m etro e da acentuação, podem su gerir a regularidade, a h a rm o n ia e a co nstância do trab alh o paciente d o inseto.
“Que fazer, exausto, em país bloqueado?” Q ual é a natureza e quais são as circunstâncias desse trabalho? O segundo q uarteto, na m edida em que desen 2 A leitura de “Á poro” aqui proposta tam bém é o tem a de um artigo da A utora: U m áporo e suas aporias: reflexões sobre um poem a de Carlos D rum m ond de A ndrade. Tradução c Com uni cação-, Revista Brasileira de Tradutores, 7, dez. 1985. V. Bibliografia comentada.
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volve o segundo significado de áporo, ten ta nos dar um a resposta, em bora seja, paradoxalm ente, tam b ém um a p e r gunta. O inseto, que cava “ sem alarm e” n a h arm o n ia da prim eira estrofe, enfrenta agora um a situação de difícil solução e se encontra, po rtan to , num a estrofe m enos h ar m oniosa que, diferentem ente da prim eira, conta apenas com algum as repetições de sons: fazer, exausto, bloquea do, raiz, país, minério. O locus d a atividade do inseto se define, ainda que de form a am bígua, no verso 6: “em país b lo q u ead o ”. A ausência de artigo, ou dem onstrativo, antes do substantivo país em presta ao mesm o um papel duplo. Pensam os num p a ís/E s ta d o que, p o r se identificar com um a situação difí cil, sugere o B rasil contu rb ad o e au toritário do início da década de 40, em que o poem a foi escrito. Podem os pen sar tam bém num p a ís/lu g a r n ão-determ inado: a própria região d a dificuldade e do limite. O adjetivo bloqueado também autoriza uma interp retação pelo menos dupla. O bjetivam ente, esse adjetivo refere-se a “p aís”, já que, de vido à ausência de artigo ou dem onstrativo, não faria sen tido um a leitura que considerasse “b lo q u ead o ” com o modificador de “inseto” : “Q ue fazer, exausto, bloqueado em p aís. . .? ”. E ntretan to , quando lem os a estrofe, talvez de vido à posição de “ex au sto ”, que ressoa em “b loqueado”, o últim o parece contam inar tam bém o “inseto”, sugerindo que o bloqueio é tan to d o país quanto do inseto exausto. A lém disso, descobrim os que essa situ a ç ã o /á p o ro é cons tituída do “enlace de n o ite /ra iz e m inério”, uma união perfeita que se expressa tam bém ao nível da form a através do enjam bem ent 3 e da ausência de vírgula entre “noite” e “raiz”. 3 Enjam bem ent: “[ . . . ] processo poético de pôr no verso seguinte um a ou mais palavras que com pletam o sentido do verso anterior (Cf. F e r r e i r a , A urélio B uarque de H olanda. Dicionário A urélio.) V. Bibliografia comentada.
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A ntes de desenvolver as associações possíveis a partir de “enlace de n o ite /ra iz e m inério”, convém antecipar que identifico o cavar desse inseto drum m ondiano com o p ro cesso de criação artística e com a p rópria criação do poem a “ Á p o ro ”. A lém disso, há, pelo m enos, um a se gunda leitura com plem entar que não pode deixar de con siderar o poem a com o p ro d u to do “sentim ento do m undo” do poeta D rum m ond, vivendo os anos difíceis da ditadura de G etúlio V argas e da Segunda G u erra M undial. Assim, o cavar do inseto tam bém sugere a tentativa paciente, cons tante e exaustiva de se en co n trar um a saída p ara esse p aís/m u n d o bloqueado. Essas duas leituras se enriquecem a p artir das asso ciações suscitadas pelo “enlace de n o ite /ra iz e m inério”. “N oite raiz e m inério” sugerem a p ró p ria m atéria-prim a que constitui o processo de criação descrito no poem a: os elem entos com que conta o inseto em sua busca. A “noite” sugere o “escu ro ”, o não-saber-o-que-fazer nessa situ a ç ã o / /á p o ro , e até as condições em que o inseto realiza seu trabalho. “R aiz” sugere a busca de um com eço, de um início que pudesse crescer e b ro ta r; e o “m inério” sugere a criação em seu estado bruto, o m inério que precisa ad quirir uma form a, form a essa que parece o próprio objeto do inseto.
“Eis que o labirinto [ . . . ] presto se desata" N o prim eiro terceto, a situ a ç ã o /á p o ro inesperada m ente se resolve. “O labirinto se desata”, sem que pos samos saber, entretanto, com o se processou esse desatar. A resolução da situação difícil é cercada (a té no nível visual, já que o verso vem entre p a rên teses), p arad o x al m ente, de razão e m istério. O labirinto se desata (isto é, a obra se cria, a esperança de liberdade se instaura, o poem a se escreve) por obra da razão (isto é, do trabalho
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racional, con scien te), m as tam bém de form a m isteriosa, no “escu ro ”, fugindo, p o rtan to , ao con tro le do in se to /c ria dor. O binôm io “ra z ã o /m isté rio ” se aproxim a, assim, do verso 8 ( “ raiz/m in ério ” ) , n ão só a nível son o ro mas tam bém a nível sem ântico: o processo de criação d o áporo, descrito em term os do “enlace de noite raiz e m intério”, se consum a no verso 10: “ (o h razão, m isté rio )” . A duplicidade de “ razão, m istério” se revela tam bém na construção “ o labirinto se d esata”. P odem os considerá-Ia uma construção reflexiva, em que o labirinto fosse tanto o sujeito com o o objeto da ação de desatar; podem os con siderá-la tam bém com o uma construção passiva, de acordo com a qual o labirinto é desatado, m as o sujeito não se nom eia, alternativa mais viável dentro do e n re d o /q u e b ra-cabeça que arm am os até agora. Assim, o inseto, cujo paciente cavar desencadeia o desatar d o labirinto, não se pode nom ear sujeito absoluto desse desatar, já que o m esm o o co rre não só por interferência d o seu trabalho racional e consciente, mas tam bém de form a “m isteriosa”.
“ Uma orquídea forma-se" A últim a estrofe esclarece o desatar do labirinto: a resolução da situação difícil é a form ação d e um a orquí dea verde, solitária e antieuclidiana. A s últim as peças do quebra-cabeça se ju n tam : a situ a ç ã o /á p o ro se tranform a numa o rq u íd e a /á p o ro , que traz em sua cor a m esma es perança tím ida e forte de tantos outros poem as de D rum m ond. C om o a flor feia de “A flor e a náusea”, que nasce em m eio ao caos e a desesperança, “ iludindo a polí cia e rom pendo o asfalto” . E ssa f lo r/á p o ro solitária, su b versiva tam bém p o r ser antieuclidiana, já que subverte o establishm ent das form as e axiom as aceitos com o irrefutá veis e verdadeiros, pode ser a esperança “verde” do poeta D rum m ond no Brasil dos anos 40. Pode sugerir tam bém
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a singularidade e a força da o b ra de arte e, obviam ente, do próprio poem a “Á p o ro ”, cuja form a lem bra um soneto cortado verticalm ente pela m etade: soneto ganche que não se enquad ra d en tro da geom etria rígida dos sonetos con vencionais. A raiz e o m inério do verso 8 finalm ente en contram sua form a.
O poema: máquina de significação O jogo da leitura poética não deve d escartar nenhum fragm ento que possa ser em pregado na co n stru ção de um a interpretação. C om o nesse jo g o não há lugar p ara aci dentes ou casualidades, a m áquina de significados, em que se transform a um poem a no m om ento em que é lido, deve tentar in corporar aos seus m ecanism os todos os elem entos, mesmo aqueles que aparentem ente nada significam. No “Á p o ro ”, um desses elem entos é o núm ero de sílabas do últim o verso, “um a orq u íd ea form a-se”, que se destaca dos dem ais p o r ser o único a contar com seis sílabas. P or tanto, exatam ente o verso em que se forma a o rq u íd e a / /á p o ro é tam bém “antieu clid ian o ”, na m edida em que subverte a organização do próprio “Á p o ro ”. A criação artística que, com o vimos, não pode ser unicam ente pro duto da racionalidade, é essencialm ente subversiva na me dida em que extravasa seus próprios m oldes e planos. O u tro fragm ento que se destaca nesse verso é o pro nom e se, que encerra o poem a. Em prim eiro lugar, o que cham a a atenção é sua posição enclitica, num a situação em que a próclise ( “U m a o rquídea se form a” ) seria mais natural e estabeleceria um p aralelo desejável com o verso 11. V isualm ente, o hífen que separa o “se” do verbo (e d o verso) pode enfatizar a sugestão d o extravasar. O “-se” poderia representar a relação estabelecida entre criador e objeto criado, entre o in se to /á p o ro e a o rq u íd e a /áp o ro .
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R elação essa que sugere quase um expelir, um parto, o m om ento m esm o em que a orquídea sai da terra. T al interpretação pode ser ainda enriquecida pela observação de que a sílaba “se” se encontra tam bém no centro do substantivo “ inseto” : o inseto “contém ” aquilo que se transform a em o rquídea e que nasce depois de um processo quase doloroso. Se prestarm os atenção aos de mais versos do poem a, podem os observar que a sílaba “ se” , ou variações dela (i.e., sibilante - f vogal e ) , são constan tes no poema. N o prim eiro quarteto, o “se” de “inseto” se repete em “sem ”, nos versos 2 e 4, e surge a variação “es” em “escap e”. N o segundo q uarteto, concentram -se diversas variações, em que o s desaparece e é substituído por ou tras sibilantes: “fazer”, “exau sto ”, “enlace”, “raiz e” . No prim eiro terceto, “se” volta a o co rrer em sua form a original, além da variação “es” : “ presto se d esata”. Em seguida, a sílaba “se” volta a se repetir som ente no últim o verso. T ais ocorrências poderiam sugerir os vários cam i nhos percorridos pelo in se to /c ria d o r em sua tentativa de chegar à form a ideal da o rq u íd e a /á p o ro . É interessante n o tar que o m aior núm ero de variações aparece exata mente no segundo quarteto, onde se instaura a situ a ç ã o / /á p o ro . N o últim o verso do prim eiro terceto, quando o “labirinto presto se d esata”, a sílaba “se” volta a ocorrer em sua form a original, ao lado de duas variações que são m ais sem elhantes a ela do que as ocorridas na estrofe an terior. M as, em bora a situ a ç ã o /á p o ro se resolva nesse terceto, isto é, a “form a” já tenha sido encontrada, é so m ente no últim o verso que esse parto term ina. A form a escolhida ( “se” ), entre tantas outras ( “es” , “ze”, “ex”, “ce”, “z e” ), é exatam ente aquela que é mais com patível com seu criad o r ( “inseto” ), aquela que, literalm ente, está contida nele.
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“ Insect”, versão de John Nist “In se c t” , versão para o inglês de “Á p o ro ” , foi publi cada num a coletânea organizada e traduzida p o r John Nist, intitulada In the m id d le o f the road (A rizo n a, University of A rizona Press, 1 9 6 7 ): 1 2 3 4
Insect An in se ct digs digs w ithout alarm boring the earth w ithout finding an escape.
5 6 7 8
What can one do, exhausted, in a blockaded country, union of night root and m ineral?
9 10 11
And then the labyrinth (oh reason, m ystery) qu ickly unties itself:
12 13 14
in green, alone, an-Euclidean, an orchid form s.
A o propor o título “ Insect” , Nist sugere que esse é o significado a ser privilegiado, ou seja, p rep ara seu pú blico para a leitura de um poema que trata essencialm ente de um inseto. Perde-se, assim , a relação que tanto valo rizei em m inha leitura entre os três significados de áporo, o que to rn a m ais difícil p a ra seus leitores encontrarem um fio interpretativo coerente. A lém disso, não há na versão de N ist nenhum a preo cupação com a regularidade do m etro, nem qualquer ten tativa de co n stru ir efeitos sonoros. N o prim eiro quarteto, p o r exem plo, os versos têm , respectivam ente, três, cinco, quatro e sete sílabas. O últim o verso, em particular, pa-
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rece não pertencer à estrofe, já que quebra o ritm o até certo ponto m antido nos três prim eiros. E m geral, sua trad u ção , que sem pre tende a ser “li teral” , achata as duplicidades e as am bigüidades que pri vilegiei em m inha leitura. A o trad u zir “ em país b lo quea do” p o r “in a blockaded cou n try ” , N ist sugere apenas a im agem do p a ís/E sta d o cercado que, além de lim itar a interpretação do setting do poem a a um a situação de fe cham ento político, tam bém dissolve a am bigüidade que nos levou a relacionar “b loqueado” tanto a “país” como a “inseto ” . 0 prim eiro terceto de “Insect” neutraliza a surpresa e o inesperado que cercam o desatar d o labirinto: “A nd then the labyrinth” sugere um a resolução m uito m ais tran qüila da situ ação /áp o ro d o que o “original” : “Eis que o lab irin to ” . N o mesm o terceto, N ist in terp reta “o labirinto se desata” com o um a constru ção reflexiva: “T he laby rinth [. . . ] quickly unties itself” , o que desvincula a ati vidade do inseto da resolução da situ a ç ã o /á p o ro , to rn a n do difícil p ara o leitor construir um a interp retação coe rente a respeito do papel do inseto no poem a.
Uma nova versão de “ Áporo” Supondo que pudéssem os sugerir alterações para que “Insect” fosse mais “fiel” à leitura de “Á p o ro ” que ap re sentei acim a, p roporia a seguinte versão: 1 2 3 4
Ãporo * An in setc digs digs in silen ce piercing the ground finding no escape.
5 6
What can one do, exhausted, in a confining site,
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union of nigh root and m ineral?
9 10 11
But look; the labyrinth (oh reason, m ystery) is suddenly untied:
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in green, alone, anti-Euclidean, an orchid is form ing.
* áporo: 1. a d iffic u lt problem; 2. a highly sp e cia lize d in se ct that has organs for boring and piercing; 3. a plant o f the orchid fam ily, herbaceous, s o li tary, generally greenish.
Já que “Insect” faz p a rte de um a coletânea de poe mas de D rum m ond, vertidos para o inglês, espera-se que seus leitores, apesar de não dom inarem o português, te nham um certo interesse em poesia brasileira. C om o esses leitores estariam , p o r assim dizer, preparados para 1er poe mas “estrangeiros” (poem as que, eventualm ente, conte nham term os ou expressões com os quais não estão fam i liarizad o s), “ Á p o ro ” pode ser um bom título tam bém para a versão p a ra o inglês. A lém disso, com o vim os, podem os supor que até m esm o um leitor m édio de D rum m ond, cuja língua m atern a fosse o português, necessitaria de vários di cionários p ara decifrar o título “original”. A p a rtir do p ró p rio título, po rtan to , a versão de “Á p o ro ” que p roponho te n ta transferir ao le ito r as peças do quebra-cabeça que construí em m inha leitura. Assim, o sentido “literal” é, p o r vezes, sacrificado p ara que o todo, inclusive a m aterialidade do poem a, se m antenha harm ônico. N o prim eiro q u arteto , por exem plo, foram es colhidos “ in silence” (em silêncio) e “piercing” (fu ra n d o ), apesar de evocarem sentidos m enos proem inentes do ori ginal, p ara que contribuíssem p ara a form ação de um a
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rede de sons sibilantes, que pudesse sugerir a organização sonora e a regularidade do original. N o segundo quarteto, “in a confining site” tenta p re servar a m ultiplicidade de sentidos atribuída a “em país b lo q u ead o ”. O participio presente “confining” parece es tender a ação de confinar tam bém ao inseto: o p a ís /lu gar “co n fin a” e o inseto se encontra “co n fin ad o ”. A lém disso, “con fin in g ”, ao lado de “site” (que, diferentem ente de country, não restringe o setting do poem a a um p a ís/ /E s ta d o ) , estabelece um a rede harm oniosa de sons: “confm ing”, “s/te”, “u/i/on”, “n /g h t”, “m /neral” . O s dois últim os tercetos de m inha versão tentam evi ta r os problem as que já apontei na versão de Nist. N o prim eiro, “But lo o k ” parece mais eficiente do que “A nd then” em sugerir a form a surpreendente em que se desata o labirinto. D iferentem ente da versão de N ist, minha ver são o p ta pela passiva “the labyrinth is [. . .] u n tied”, que não d escarta a participação do inseto na resolução da situ a ç ã o /á p o ro . N o últim o terceto, apenas o últim o verso difere da versão de N ist. O ptei pelo presente contínuo em “an o rchid is form ing” exatam ente p ara enfatizar o m o mento em que a orquídea se form a, tão destacado em m inha leitura.
6 Exercícios de tradução
E ste capítulo tem com o objetivo prop iciar ao leitor uma opo rtu n id ad e de p articip ar m ais ativam ente de nossa oficina, exercitando na prática as conclusões já desenvol vidas. N ovam ente, trabalharem os com poem as, devido à sua brevidade e p o r perm itirem um a leitura criativa e m inu ciosa, e com suas respectivas traduções publicadas: “Poem a de sete faces” , de C arlos D rum m ond de A n d rad e e a versão “Seven-sided poem ” de E lizabeth B ishop; “ T h e rival” , de Sylvia P lath , e sua tradução para o português, “R ival” , de L uiz C arlos de Brito R ezende. V am os 1er cada poem a paralelam ente à sua tradução e tentar estabelecer as principais diferenças de signifióado entre nossa leitura do “original” e a leitura sugerida pelo texto traduzido. Com base nesse m aterial, convidarem os, então, o leitor a elaborar novas traduções que sejam mais “fiéis” à nossa leitura dos poem as do que as versões p u blicadas.
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“ Poema de sete faces” versus “Seven-sided poem” O “Poem a de sete faces” (em A lg u m a Poesia, 1923-1 9 3 0 ) é um d os m ais conhecidos textos de C arlos D rum m ond de A ndrade. E lizabeth Bishop, poetisa norte-am e ricana que viveu vários anos no Brasil, é a auto ra da ver são “Seven-sided poem ” , que com pararem os a seguir ao original de D rum m ond. Poem a de se te faces 1
Quando nasci, um anjo torto
2
d e sses que vivem na sombra
3
disse: Vai, C arlo s! se r gauche na vida.
4
A s casas espiam os homens
5
que correm a trá s de m ulheres.
6
A tarde ta lv e z fo s s e azul,
7
não houvesse tantos desejos.
8
O bonde passa cheio de pernas:
9
pernas brancas pretas amarelas.
10
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta [meu coração.
11
Porém meus olhos
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não perguntam nada.
13
O homem atrás do bigode
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é sério, sim ples e forte.
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Quase não conversa.
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Tem poucos, raros am igos
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o homem atrás dos óculos
e do bigode.
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M eu Deus, por que me abandonaste
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se sabias que eu não era Deus
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se sabias que eu era fraco.
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M undo mundo vasto mundo, se eu me cham asse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. M undo mundo vasto mundo, m ais vasto é meu coração.
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Eu não devia te dizer mas essa lua mas e sse conhaque botam a gente com ovido com o o diabo x.
Seven-sided poem 1 2 3
W hen I w as born, one of the crooked angels who live in shadow, said: C a rlo s, go on! Be gauche in life.
4 5 6 7
The houses w atch the men, men who run after women. If the afternoon had been blue, there might have been le ss desire.
8 9 10 11 12
The tro lle y goes by fu ll of legs: w hite legs, b la ck legs, yello w legs. M y God, why all the legs? my h eart asks. But my eyes ask nothing at all.
13 14 15 16 17
The man behind th e m oustache is serious, sim ple, and strong. He hardly ever speaks. He has a few , ch oice friends, the man behind the spe cta cles and
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M y God, why hast Thou forsaken me if Thou k n e w 'st I w as not God, if Thou kn e w 'st I w as w eak?
1 Cf. O bra com pleta, cit. p. 108.
the moustache.
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Universe, vast universe, if I had been named Eugene that w ould not be w hat I mean but it would go into verse faster. U niverse, vast universe, my h eart is vaster.
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I oughtn't to tell you, but this moon and th is brandy play the devil w ith one's e m o tio n s 2
O poem a é constituído de sete faces, sete estrofes, que se assem elham a sete instantâneos, ap arentem ente des conexos, que perscrutam a realidade. A o invés de nos determ os num a possível interp retação global do poem a, vam os ten tar estabelecer as principais diferenças entre cada um a das “faces” de D rum m ond e as “faces” equivalentes do texto de Bishop.
“[ . . . ]
um anjo torto”
P a ra que possam os construir um significado para a prim eira estrofe, é fundam ental entenderm os o “anjo to rto ”, que abençoa o nascim ento de “C arlos” com a fam osa de term inação: “Vai, Carlos! ser gauche na v id a ”. Segundo o N o vo dicionário A urélio, o adjetivo torto refere-se àquilo que “não é reto ou direito ” e, portanto, principalm ente depois da leitura de “Á p o ro ”, podem os ver nesse “anjo to rto ” um anjo não-convencional, um anjo “antieuclidiano”, que foge aos padrões estabelecidos para os anjos com uns. E m linguagem coloquial, to rto pode sig 2 Cf. B i s h o p , Elizabeth. The com plete poems. New Y ork, Farar, Straus & G iroux, 1969. p, 161-2.
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nificar tam bém “de um olho só ”, que podem os incorporar ao “anjo” de D rum m ond: to rto porque som ente pode ver um lado das coisas, o lado gauche. Torto pode significar ainda “e rra d o ”, “enganado”, “sem lealdade”, “desleal”, acepções que não associarem os a esse “a n jo ” p o rq u e há no poem a (e na o b ra de D rum m ond) um a certa sim patia em relação ao torto e ao gauche. A final, é o “ anjo to rto ” que está presente ao nascim ento do ew-Carlos como o poeta — e lhe dá uma direção na vida. Assim , o “anjo to rto ”, que p odem os associar ao diabo, parece ter do diabo apenas o que este tem de contestádor e subversivo, e não o que tem de m au e perverso, ou desleal. Nesse contexto, ser-gauche-rca-v/da significaria não ser com o os dem ais, ou pensar com o os demais, signifi caria até m esm o escrever, em plena d écada de 20 no Brasil, um poem a com o o “Poem a de sete faces”. P o r o u tro lado, a p rim eira estrofe de “Seven-sided poem ” parece privilegiar exatam ente os significados de torto que descartam os acim a. A lém de literalm ente sig nificar “to rto ”, o adjetivo crooked (em “one of the crooked angels” ), em linguagem figurada, som ente pode significar “desonesto”, “frau d u len to ”, “falso” , “p erverso”. Além disso, esses significados parecem enfatizados p o r associa ção ao substantivo cro o k que, em linguagem coloquial, quer dizer “escroque”, “vigarista”, “trap aceiro ”, “v elhaco”. Se essas são as associações às quais relacionam os o angel do poem a em inglês, fica claro que deve m udar tam bém a interpretação que darem os ao “C arlos” e ao seu destino gauche. Se o anjo que esteve presente ao seu nas cim ento é um anjo “p erverso” ou “desonesto”, a determ i nação de ser gauche na vida que recebeu desse anjo pode sugerir um castigo ou um a m aldição. A lém disso, nessas circunstâncias, ser-gauche-na-vida tam bém significa “ser-perverso ” ou “ser-desleal” .
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“As casas espiam os homens” Nos dois prim eiros versos da segunda estrofe, o m undo exterior espreita os hom ens que correm atrás de m ulheres, e os dois últim os versos n o s dão u m a m edida desse desejo: “A tard e talvez fosse a z u l/n ã o houvesse tantos desejos”. C om o os hom ens que correm atrás de m ulheres, carregados de desejos que buscam satisfação, a tarde se encontra carreg ad a de nuvens que ofuscam o seu azul. As nuvens, como os desejos, im pedem que os hom ens “vejam ” com clareza. A estro fe equivalente da versão de E lizabeth B ishop parece, à prim eira vista, “fiel” à de D rum m ond mas, se analisarm os mais detidam ente os versos 6 e 7 (“If the after noon had been b lu e ,/th e re m ight have been less desire” ), podem os chegar a um a interp retação diferente. Além de “azul”, o adjetivo blue pode significar “triste, “ nervoso”, “ab a tid o ”, m elancólico”. Assim, os versos acima podem sugerir tam bém que “teria havido m enos d e se jo / se a tarde tivesse sido triste”. P o rtan to , se a tard e não foi triste, foi, provavelm ente, en solarada e azu l, o que sugere virtualm ente o oposto do que “lem os” no poem a de D rum m ond. A lém disso, os tem pos verbais em pregados nos ver sos trad u zid o s (had been, there m ight have b e e n ) indicam que a tard e e os desejos fazem p a rte do passado: a tarde e os desejos desses hom ens já se foram , em bora continuem correndo atrás de m ulheres. N os versos de D rum m ond, por o u tro lado, esses desejos e essa tard e estão m uito m ais próxim os e “presen tes”. A tarde nublada de desejo é tam bém a tarde em que se encontra o eu que nos fala desses hom ens e m ulheres. C om o o desejo e com o o “correr-atrás^de-m ulheres”, a tard e (q u e passa a sugerir o p ró prio tem po, em seu sentido mais am plo) ain d a não chegou ao fim.
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“pernas brancas pretas amarelas” Um elem ento de ligação entre a segunda e a terceira estrofes pode ser o desejo que, no verso 8, atrai os olhos do eu p ara o bonde que passa “cheio de p ern as” : “per nas brancas pretas am arelas” . A ausência de vírgulas enfatiza a “q u an tidade” de pernas e, até a nível visual, sugere que não há intervalos form ais, não há a separação convencionalm ente exigida (pela gram ática e pelos costum es) entre os vários pares de pernas, que se m isturam , significativam ente, apesar das raças diferentes. N os versos de B ishop — “T he trolley goes by full of leg s:/w h ite legs, black legs, yellow legs” — a repetição do substantivo legs parece eficiente ao sugerir a quantida de e a proxim idade das pernas que passam no bonde. C ontudo, essas pernas, apesar de próxim as, estão muito mais bem com portadas, adequadam ente dispostas entre as vírgulas, que separam , inclusive, tam bém as brancas das pretas e das am arelas.
“O homem atrás do bigode” Q uem será o hom em que se esconde a trá s dos óculos e do bigode? Será, talvez, o eu que o b serv a as pernas que passam no b o n d e e que, na estrofe seguinte, em tom bí blico, se dirige a Deus e se queixa do abandono? Sabe mos, entretanto, que esse hom em , “sério, sim ples e fo rte”, “ quase não conversa” e “tem poucos, raros am igos”. A interpretação desse últim o verso esb arra no adje tivo raros. H á, pelo m enos, duas possibilidades. Em pri m eiro lugar, raros pode apenas enfatizar a pouca quanti dade de am igos desse hom em “sério, simples e fo rte”. Em segundo lugar, raros poderia indicar a qualidade desses poucos amigos, que seriam , portanto, inconnm s, extraordi
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nários, preciosos. Se considerarm os que esse hom em “qua se não conversa” e se esconde “atrás dos óculos e do bi gode”, e se o associarm os à estrofe seguinte em que alguém confessa a D eus sua fraqueza e seu ab andono, terem os que o p tar pela prim eira possibilidade sugerida acima. N ovam ente, se nos detiverm os no verso equivalente da versão de B ishop — “H e has a few, choice friends” — podem os chegar a uma interp retação diferente. Como ad jetivo, choice significa “escolhido com c u id ad o ”, “exce lente” . Assim , o homem de óculos e bigode de “Seven-sided poem ” tem poucos amigos porque os escolhe cuida dosam ente e, não p orque se esconde e tem dificuldade de se com unicar, como concluím os a p artir do texto de D rum m ond.
“Mundo mundo vasto mundo” A sexta face do poem a de D rum m ond é talvez um a das estrofes mais conhecidas de to d a a p oesia brasileira. M as, tam b ém a p artir dessas rim as tão fáceis e tão repeti das, podem os “construir” significados pertinentes ao poema. O eu, com o sabem os, se cham a Carlos e não “rim a” com o m undo, ou seja, n ão se harm oniza, n ão se afina com ele, não o repete (com o R a im u n d o o repete) porque repetir o m undo, ou “rim ar” com ele, não é um a solução. R epetir o m undo, sem transform á-lo, não é próprio de quem tem um “co ração vasto” e nasceu p ara ser g auche na vida, sob as bênçãos de um “anjo to rto ” . A solução e n co n trad a p o r E lizabeth B ishop para m anter um esquem a sem elhante de rim as é b astante cria tiva: “ U niverse, vast u n iv e rse ,/if I had been nam ed E u g e n e /th a t would not be w hat I m e a n /b u t it w ould go into v erse/fa ste r./U n iv erse , vast universe,/m y h e a rt is v aster”. Sugere, entretanto, um a reflexão diferente daquela que d e senvolvem os a p a rtir da estrofe “original”. Se o eu se cha-
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m asse E ugene, conseguiria apenas um a rim a m ais rap id a mente mas, não a expressão real de seus sentim entos, já que seu coração é m aior do que o universo. E n quanto a estrofe de D rum m ond, segundo m inha leitura, privilegia o •ser-gauche-rca-v/da, o não-rim ar-com -o-m undo, a estrofe de E lizabeth Bishop reforça a dificuldade de expressão. “[ . . . ]
comovido como o diabo”
A ultim a estrofe do p o em a nos rem ete à prim eira, e o que as aproxim a é a relação que estabelecem os anterior m ente entre o “anjo to rto ” e o “diabo” : “E u não devia te d ize r/m a s essa lu a /m a s esse c o n h a q u e /b o ta m a gente com ovido com o o d iab o ”. “C om ovido com o o d iab o ” perm ite pelo m enos duas leituras que se encaixam na interpretação que construím os. E m português coloquial, com o o dia b o p ode significar “m uito”, “extrem am ente”, portanto, a lua e o conhaque botam a gente m uito com ovido. A lém disso, pode-se 1er “com ovido com o o d iab o ” em seu sentido “literal”, ou seja, a emoção que se acentua com a presença da lua e com o conhaque é sem elhante à em oção sentida pelo diabo, ou pelo “anjo to rto ” que abre o poema. Em oção n aturalm ente g auche e m arota, que pode até ter sido a origem das sete faces do poem a. E m “Seven-sided p o em ” , E lizabeth B ishop apropria dam ente tenta m anter a figura do diabo com o parte de um a expressão coloquial: “ I o u g h tn ’t to tell y o u ,/b u t this m o o n /a n d this b ra n d y /p la y the devil w ith o n e’s em otions”. Seu sentido, entretanto, se transform a com pletam ente. To play the devil with significa “estrag ar”, “a rru in a r” . Assim, enquanto na estrofe de D rum m ond, a lua e o conhaque intensificam as em oções do eu-gauche e o equiparam ao “anjo to rto ”, seu “p a d rin h o ” , no poem a de B ishop, esses m esm os elem entos arruinam as emoções do eu, que, ao invés de se identificar com o “d ia b o ”, se coloca como sua
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vítim a, já que o “d iab o ” (com o p arte da expressão to play the devil w ith ) é um elem ento que “a rru in a ”, juntam ente com a lua e o conhaque.
“The rival” versus “ Rival” “T h e rival”, o p o em a de Sylvia P lath (1 9 3 2 -1 9 6 3 ) que vam os 1er em seguida, foi publicado postum am ente na coletânea A riel, em 1966. “R iv al”, a versão p a ra o p o r tuguês, é de Luiz C arlos de Brito Rezende e foi publicada no F o lh etim n.° 371 (suplem ento dom inical do jornal Folha de S. P a u lo ), em 2 6 /2 /1 9 8 4 . 1 2 3 4 5
The rival lí the moon sm iled, she would resem ble you You leave the sam e im pression O f som ething beautiful, but annihilating, Both of you are great light borrow ers. Her O-mouth grieves at the world; yours is [unaffected,
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And your firs t g ift is making stone out of
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[everything. I wake to a m ausoleum; you are here, Ticking your fin gers on the m arble table, [looking fo r cigarrettes, Spiteful as a woman, but not so nervous, A n d dying to s a y som ething unansw erable.
11 12 13 14 15
The moon, too, abases her subjects, But in the daytim e she is ridiculous. Y o u r d issa tisfa ctio n s, on th e other hand, A rriv e through the m a ilslo t w ith loving regularity, W hite and blank, expansive as carbon monoxide.
16 17
No day is safe from news of you, W alking about in A frica maybe, b u t thinking o f m e 3.
7 8
:! Cf.
Bradley,
S. et alii, ed., op. cit., p. 1907.
68 Rival 1 2 3 4 5
Se a lua sorrisse , pareceria contigo Você deixa a mesma im pressão De algo lindo e arrasador. E ambos sabem defender o seu. Ela chora de boca cheia; você é manhoso.
6 7 8 9 10
E o seu m aior charm e é saber tirar de tudo pedra. A co rdo num m ausoléu; te vejo A cata de cigarros, tam borilando o mármore Com m alícia de moça, só que não tão nervoso, M orrendo de vontade de dizer algo irretorquível.
11 12 13 14
A lua, também, degrada seus súditos, M as de dia ela é ridícula.
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A s tuas in sa tisfações, por outro lado, A te rrissa m na caixa de correio com regularidade [encantadora, Branco no branco, expansivas com o monóxido [de carbono.
16 17
Nem um dia se passa sem notícias suas, Passeando pela Costa do M arfim , talvez, mas [pensando sem pre em mim.
“ If the moon smiled, she would resemble you” “T h e rival” se constrói a partir da com paração que o eu estabelece entre você e a lua, já configurada no verso 1. N os versos 2 e 3, descobrim os que, segundo o eu, a lua é uma figura am bígua: a lua, com o você, dá a im pressão de “algo belo, p orém arra sa d o r”. N os três prim eiros versos, a versão praticam ente “li teral” de B rito R ezende parece “fiel” ao que “lem os” no poem a de P lath. A única o b servação a fazer se refere ao uso dos pronom es de tratam en to de 2.a ( “ contigo” ) e 3.a
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( “você” ) pessoas que, em bora em pregados indiscrim ina dam ente na linguagem coloquial de várias regiões brasi leiras, poderiam dar m argem a interpretações não sugeri das pelo poem a de p artida. Para leitores m ais atentos, esse’ em prego indiscrim inado de pronom es p oderia sugerir, p o r exem plo, algum a característica, ou até m esm o um a ati tude, d o eu que fala no poem a. A s diferenças entre os dois textos se acentuam nos versos 4 e 5. O verso 4 de Plath, “B oth of you are great light b o rro w ers”, ( “V ocês dois são especialistas em tom ar em prestado a luz” , num a tradução a p ro x im a d a ), sugere que você, como a lua, por não ter “luz” p rópria, necessita da “luz” alheia p ara p o d er “b rilh a r”. V o cê, além de dis tante e frio, com o a lua, apresenta um “b rilh o ” que, na verdade, tom a em prestado de outrém . A sugestão de distância e frieza é reforçada no verso seguinte: “H er O -m outh grieves at the w orld, yours is unaffected ” ( “A boca dela, em form a de O, sofre pelo m undo; a sua perm anece im passível” ). V ocê é, portanto, ainda mais frio e insensível do que a lua que, apesar da distância e da ausência de “calor” próprio, sofre pelo m undo, enquanto “você” (ou a sua b o c a ) perm anece in sensível. N a versão portuguesa, encontram os um a lua e um você bastan te diferentes: “E m am bos sabem defender o se u ./E la chora de boca cheia; você é m an h o so”. Em “am bos sabem defender o seu” , não se estabelecem dife renças entre você e a lua, perdendo-se um dado im portante da com paração sobre a qual se desenvolve o “original” , ou seja, tanto você, com o a lua são, de certa form a, “p a rasitas” e aparen tam um brilho que, na verdade, não têm. N o verso seguinte, a co m paração entre você e a hia se sim plifica ain d a mais. E m b o ra boca cheia possa-lem brar a form a da lua (ou de sua boca em form a de O, como no texto de P la th ), chorar de boca cheia sugere, em nossa linguagem coloquial, “chorar sem m otivos”. P o rtan to , se
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a lua “ch o ra sem m o tiv o s”, a lua é tam bém “m anhosa” , como “você”, perdendo-se novam ente uma distinção im p ortante.
“And your first gift is making stone out of everything” A com paração entre a lua e você continua a se de senvolver na segunda estrofe. De acordo com o verso 6, num a versão literal, “Seu talento m aior é tran sfo rm ar tudo em p e d ra ”, ou seja, você tem a habilidade de transform ar tudo o que toca em pedra, talvez até mesm o o eu que se vê ro d e a d o (a ) de frieza e insensibilidade, num a estrofe em que a pedra é um a presença m arcante: o m ausoléu, o tam po de m árm ore da mesa. O eu se en co n tra, assim, literalm ente p re s o (a ) nessa atm osfera pétrea fria. “A corda para um m ausoléu” que, devido à proxim idade a vo c ê no verso, p o d e ser direta m ente relacionado a este últim o: “I w ake to a m ausoleum ; you are h e re ” . Você, que tem o talento de transform ar tudo em pedra, transform a em pedra de m ausoléu o rela cionam ento que m antém com o eu, e n te rra n d o -o (a ) num a atm osfera de frieza, insensibilidade e morte. Nos versos seguintes, você, que tam borila os dedos sobre o tam po da mesa de m árm ore à procura de cigarros (“ Ticking your fingers on the marble table, looking for cigarettes” ), é “ rancoroso como uma m ulher, mas não tão nervoso” (“ Spiteful as a w om an, but not so nervous” ), sendo esse o único m om ento no poem a em que se to rn a claro que você é um hom em , o que nos leva a concluir que o eu seja provavelm ente um a mulher. N o adjetivo sp itefu l (“ ran co ro so ” , “ m alévolo” , “ m aligno” , “ odiento” , “ vingativo” ), se refletem novam ente a frieza, a insensibi lidade, a dureza e até o talento p a ra m agoar e ferir que podem os associar à pedra. E , se o eu nos declara que
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vo cê é um hom em “spiteful as w om an, b u t not so nervous”, tam bém nos deixa entrever algo sobre seus p ró p rio s senti m entos e sobre a com plexa relação que m antém com você. A final, se uma m ulher considera a m ulher com o modelo de ran co r e descontrole em ocional, podem os supor que tam bém se espelha e se revela nesse m odelo. N o poem a traduzido, a segunda estrofe sugere um relacionam ento diferente en tre eu e você. N o prim eiro verso — “ E o seu m aior charm e é saber tirar de tudo p ed ra” — pode-se identificar um a atitude mais positiva do eu em relação a você. C harm e, de acordo com os di cionários, é “a tra ç ã o ”, “e n can to ” , “sed u ção ” . Assim, você seduz o eu por sua capacidade de “tirar de tudo p ed ra” que, diferentem ente do verso de Plath, p ode sugerir que a “p e d ra ” (ou a frieza, a insensibilidade, a capacidade de ferir) não vem de vo cê e, sim, daquilo que o cerca e, até, quem sabe, do p ró p rio eu. V o c ê não “tran sfo rm a tudo o que to ca em p e d ra”, apenas sabe encontrar e colher as “p ed ras” que já existem ao redor. N o verso 9 da versão de B rito R ezende, aprendem os que você p ro cu ra cigarros “com m alícia de m o ça”. Se gundo o N o v o D icionário A urélio, o substantivo malícia pode significar “tendência p a ra o m al” , “ m á índole”, “ in tenção m aldosa, satírica ou o b scen a” . E n tre ta n to , antes de incorporarm os esses significados de malícia à nossa lei tu ra d o poem a, devem os considerar, p o r exem plo, que B rito R ezende nos fala de “m alícia de m oça” (jovem , inexperiente, fem in in a?), um tipo de m alícia que podem os associar tam bém ao “ch arm e” (verso 6 ) e ao “m anhoso” (verso 2 ) . Assim , p a ra nossa in terp retação do poem a tra duzido, há outros significados de malícia que se encai xam m elhor: “esperteza”, “vivacidade”, “sagacidade”, “as tú cia”, “m anha” , “brejeirice”, “m aro tice”. E , se você “tam b o rila o m árm o re” “ à cata de cigarros”, de form a “ m a liciosa” , que lem bra a m alícia (a “brejeirice” , a “vivaci-
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d a d e” , a “ astú c ia ” ) de um a m oça, podem os im aginar um você seguro de si, sedutor, capaz de conseguir o que quer. A o desenvolverm os essas associações, o retrato psi cológico de você que em erge a partir do p o em a traduzido parece mais com plexo do que aquele que delineam os no poem a de Plath. À sugestão de segurança e “ brejeirice” , opõe-se a segunda p arte do verso 9 (“ só que não tão n er voso” ), que sugere nervosism o, irritabilidade, descontrole em ocional. Essas sugestões, que nos fazem vislum brar um você contraditório e imprevisível, encontram eco no verso 6, com entado acima. Se o “seu m aior charm e é saber tirar de tudo p e d ra ”, o “ seu m aior charm e” pode ser tam bém irritar-se ou m agoar-se facilm ente, ver sem pre o lado “ped ra” das coisas.
“The moon, too, abases her subjects” N a terceira estrofe, conclui-se a com paração entre você e a lua. Segundo o verso 11, “T he m oon, too, abases her subjects” ( “A lua, tam bém , hum ilha seus súditos” ). A lua, com o você, talvez devido a sua distância e aparente superioridade, “ hum ilha seus súditos” mas, som ente à noite, quando o “b rilh o ” falso de am bos pode ser visto. À noite, o eu provavelm ente se esquece da falsidade desse “ brilho” e, com o súdito de um rei “belo p orém arra sa d o r” (verso 3), se deixa seduzir e hum ilhar. Pela m anhã, en tretanto, o encanto se esvai, e o eu “aco rd a para um m ausoléu” : como a lua, você perde o “ brilho” e volta a ser apenas frio e distante. N o verso 12, a lua, com o você, é “ ridícula” ( “B ut in the daytim e she is ridiculous” ), já que, depois da m agia da noite, seu “brilho” não se vê e se desm ascara sua falsa superioridade. M esm o quando você não está presente, “suas insatis fações chegam à caixa de cartas com regularidade encanta dora” (versos 13 e 1 4 ). M as, essas cartas, com o a lua
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durante o dia, n ã o têm “b rilh o ” n em cor: são “white and blank” (literalm ente, “bran cas e em b ran co ” ). B lank, in clusive, p ode sugerir outros significados tam bém encaixáveis em nossa in terp retação : “pálido”, “d escorado”, “va zio”, “ m on ó to n o ”, “inútil”, “inexpressivo”, “confuso”, “im poten te” . A lém disso, essas cartas ( “expansive as c arb o n m o noxide” ) são “expansivas” ( “ francas”, “com unicativas”, “am igáveis” ), m as trazem um veneno m ortal. A lém de se expandirem , isto é, de ocuparem um espaço cada vez m aior na caixa de correspondência, são, tam bém , como o m onóxido de carb o n o , altam ente venenosas e podem até m esm o levar à m orte. A terceira estrofe do texto traduzido parece fiel à leitura apresentada acim a. Inclusive, foi possível m anter grande p a rte da m ultiplicidade de significados que atribuí mos ao verso 15.
“No day is safe from news of you” N a últim a estrofe do “original”, conclui-se a reflexão sobre as cartas “expansivas” e “venenosas”. D urante o dia, você, como a lua, se afasta e leva seu “b rilh o ” p ara m uito longe: “W alking ab o u t in A frica m aybe, but think ing of m e” ( “C am inhando pela Á frica, talvez, mas pen sando em m im ” ). Esse afastam ento de você coincide com a em ergência da racionalidade e da lucidez do eu que, longe do “brilh o ” falso de você, deixa de ser seu “súdito” hum ilhado, e é você quem passa a pensar em m im. Esses dias, esses m om entos de lucidez, são, en tretan to , am eaça dos pela chegada das cartas “expansivas”, que podem en venenar o c « e levá-la à m orte. “N enhum dia está a salvo de notícias suas” (n u m a tradução lite ra l). N o verso 76 do poem a traduzido ( “N em um dia se passa sem notícias suas” ), p erd e-se essa relação en tre as
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cartas potencialm ente “venenosas” e os “dias” que se en contram à m ercê desse perigo. N o verso 17, entretanto, conseguiu-se repro d u zir até m esm o um a rim a interna ( “M arfi'm ”, “m im " ) , equivalente à “original” ( “m aybe”, “m e” ). “C osta do M arfim ”, além das associações sugeri das pelo “original” A frica (o u seja, o afastam ento e a dis tância de você que, com o a lua, passa a ser “visível” so mente em outras lo n g itu d es), pode lem brar tam bém, atra vés do “ m arfim ”, a p rópria “cor” da lua, sua frieza, sua insensibilidade.
“The rival”: o título D epois de term os lido atentam ente o poem a de Sylvia P lath, talvez seja mais fácil entenderm os seu título que, por não esclarecer se rival é m asculino ou fem inino, dá m argem a várias interpretações. A p artir da leitura que construím os, podem os pensar em você com o “rival” da lua, com quem com pete em be leza, frieza, aparente superioridade, capacidade de sedu ção e até mesmo na necessidade de obter de outrem brilho e calor. P o r trás dessa “com petição” entre a lua e você há, im plicitam ente, um a relação de “rivalidade” tam bém entre eu e você, em bora sutil e velada. C om o vimos, durante o dia, quan d o você, como a lua, perde o brilh o e se afasta, quem brilha, em lucidez e superioridade, é o eu, que p o dem os relacionar, p o rtan to , ao sol. A lém de fonte de calor e energia, responsável pelo “brilh o ” da lu a /v o cê, é o sol/ e u o centro de um sistem a, do qual a lu a /v o c ê p a r ticipa com o m ero satélite. P aralelam ente, “T he rival” pode sugerir tam bém a pre sença de um terceiro personagem que, apesar de signifi cativam ente ausente do poem a, seria responsável (ou, pelo m enos, parcialm ente responsável) pela visão que o eu nos
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apresenta de você e, portanto, até mesmo, pela própria escritura do poem a. Esse personagem , distante com o a Á frica que você visita quando se afasta do eu, poderia ser a “riv al” com quem o eu com pete pela atenção do “belo e a rrasad o r” você. A o om itir o artigo em sua tradução do título, Brito Rezende perm ite a seus leitores a m ultiplicidade de inter pretações que sugerim os acim a. Se tivesse optado por “O rival” ou “ A riv al” , delim itaria, já a p artir do título, as relações que um leitor pudesse estabelecer entre eu, você e a lua, e elim inaria, ou encorajaria, dependendo do artigo escolhido, a “inclusão” do terceiro personagem m encio nado acima.
7 Recado ao tradutor/aprendiz
Através das reflexões teóricas e dos exem plos práti cos apresentados, O ficina de tradução pretendeu conscien tizar o tra d u to r/a p re n d iz sobre as dificuldades e a im por tância de seu ofício. A o considerarm os a trad u ção um a atividade essen cialm ente p ro d u to ra de significados, e ao considerarm os o trab alh o do tradutor pelo menos tão com plexo quanto o do escritor de textos “ originais” , fica evidente que não pode haver fórm ulas m ágicas nem atalhos fáceis para se aprender a traduzir. A lém da com plexa tarefa de dom inar as línguas en volvidas no processo, apren d er a traduzir significa neces sariam ente apren d er a “ 1er” . Ler, aqui, se refere à con cepção de leitura que tentam os desenvolver nos capítulos anteriores: aprender a “1er” significa, portanto, aprender a produzir significados, a partir de um determ inado texto, que sejam “aceitáveis” para a com unidade cultural da qual participa o leitor. C onform e tentam os dem onstrar, 1er “ad eq u adam ente” um poem a com o “This is just to say”, de W illiam C arlos Williams, im plica conhecer a concepção de poesia que o
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criou e saber aplicar as convenções estabelecidas para sua leitura. Com o vimos, um leitor desse poem a, h ab ituado a 1er poesia e fam iliarizado com suas convenções, poderá atribuir ao substantivo p lu m vários significados além de “am eixa verm elha”. E n tretan to , se o m esm o substantivo ocorrer num estudo sobre botânica, um leitor “adequado” do texto deverá saber exatam ente quais os significados que p o derá (o u n ão ) atribuir a ele. Assim , quanto mais bem inform ado for o leitor, quanto m elhor conhecer sua com unidade cultural, quanto m elhor conhecer a o b ra do poeta que p retende 1er, quanto m aior fo r a sua prática com o leitor de poem as, m elhor e m ais bem -sucedida será sua leitura. A o m esm o tem po, quanto m elhor e mais bem -sucedida for sua leitura, m aio res serão as condições que esse leitor terá de influenciar e m udar as concepções e as convenções que regem a com u nidade à qual pertence. O m esm o se aplica a qualquer o u tro texto. P ara que um leitor de um determ inado texto científico possa “1er” criticam ente esse texto, tam bém é necessário que esteja in fo rm ad o acerca dos pressupostos e concepções científicas da com unidade que o produziu e que conheça as conven ções que devem reger sua leitura. A p re n d e r. a “1er” envolve, portanto, m uita leitura, m uita pesquisa, m uita aquisição de inform ação e, acim a de tudo, um espírito crítico aguçado, além de u m a curiosida de persistente e difícil de ser satisfeita. A o m esm o tem po em que aprende a “1er”, o trad u to r/a p re n d iz deve tam bém aprender a “escrever”, com o m esm o cuidado e com a m esm a persistência daqueles que se p re p a ra m p ara ser escritores. E screver e traduzir, com o sugere O ctavio Paz, são operações “gêm eas”. A lém de re fletir a leitura que o tra d u to r elaborou a p a rtir d o “origi n al” , todo texto traduzido será, para um público que não tem acesso a esse “original”, texto de p a rtid a p ara a cons trução de outras leituras. D aí a grande responsabilidade
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do trad u to r perante o texto (e o a u to r) que trad u z e pe rante o público para quem traduz. A lém de aprender a “1er” e a “escrever”, o trad u to r deve m anter-se inform ado a respeito das teorias e dos es tudos sobre tradução, p ara que possa co m preender m elhor e refletir criticam ente sobre a natu reza de seu trabalho e p a ra que tenha instrum entos que o auxiliem a resolver suas questões práticas. A ssim , ao invés de p rescrever fórm ulas infalíveis ou d e revelar m acetes secretos que g arantam um a b o a tradu ção, este livro tentou m ostrar que traduzir é um a ativi dade extrem am ente com plexa. C ada tradução (p o r m enor e m ais sim ples que seja) exige do tra d u to r a capacidade de confrontar áreas específicas de duas línguas e duas culturas diferentes, e esse confronto é sem pre único, já que suas variáveis são im previsíveis. Afinal, com o sugerim os no início, se traduzir dependesse sim plesm ente de d ecorar al gum as regras e de conhecer uma língua estrangeira, há m uito tem po as m áquinas de traduzir já teriam consegui do substituir o homem.
8 Vocabulário crítico
C om unidade interpretativa: cunhado pelo teórico norte-am ericano Stanley Fish, o conceito de com unidade in terpretativa ( interpretive co m m u n ity) se refere ao con junto de elem entos responsáveis, numa determ inada época e num a determ in ad a sociedade, pela em ergência de significados aceitáveis. O significado não se encon tra, po rtan to , para sem pre depositado na palavra ou no texto. Form a-se, sim, a partir da ideologia, dos padrões estéticos, éticos e m orais, das circunstâncias históricas e da psicologia que constituem a com unidade sociocul tural em que se in terpreta esse texto ou essa palavra. T e x to original: tradicionalm ente, o “original” se refere ao texto a p artir do qual se “origina” a tradução. M as, por associar o texto a ser traduzido à “origem ”, a de nom inação te x to original pode sugerir tam bém que toda tradução não passa de um a tentativa de reprodução, cópia sem pre im perfeita e sem pre inferior ao m odelo, à m atriz “original”. N a m edida em que questiona a esta bilidade de qualquer texto, seja “original” ou não, e na m edida em que cham a atenção p ara o papel do tradutor com o “p ro d u to r” de significados, O ficina de tradução
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questiona, tam bém o term o original, coloca-o entre aspas e sugere um substituto m enos “preconceituoso” : texto de partida. T ex to -palim psesto: o substantivo palim psesto, do grego palim psestos ( “raspado novam ente” ), se refere ao “an tigo m aterial de escrita, principalm ente o pergam inho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes [. . .] m ediante raspagem do texto a n terio r”. Em O ficina de tradução, o palim psesto passa a ser a im agem exem plar do texto que não pode nunca ser “ori ginal” : o texto que se apaga, em cada com unidade cul tural e em cada época, p ara d ar lugar a outra escritura (o u interp retação , ou leitura, ou trad u ção ) do “m esm o” texto. T radução: de acordo com a etim ologia, tradução (d o latim traductione) significa “ato de conduzir além, de tra n s fe rir”, acepção desenvolvida tam bém pelas teo rias de tradução criticadas neste livro. O que O ficina de tra dução p ro p õ e é o reconhecim ento do caráter essencial m ente criativo do processo de tradução. C om o tenta mos dem onstrar, traduzir, m ais do que transferir, é transfo rm ar: “transform ar um a língua em outra, e um texto em o u tro ” (Jacques D e rrid a ).
9 Bibliografia comentada
Dicionários O s dicionários citados neste livro e q u e recom enda mos ao leitor que se dedica à tradução são os seguintes: ínglês-lnglês A m e r i c a m heritage dictionary of the English lan guage. N ew Y ork, D ell Publishing, 1970. T h e c o m p a c t edition of the Oxford English dictionary. O xford, O xford U niversity Press, 1971. T h e O x f o r d advanced learn er’s dictionary of current E n glish. O xford, O xford U niversity Press, 1974. The
Português-Português C a l d a s A u l e t e , F . J.
D icionário contem porâneo da lín gua portuguesa, L isboa, P arceria A n to n io M aria Pe reira, 1948. F e r r e i r a , A urélio B uarq u e de H olanda. N o vo dicioná rio da língua portuguesa. R io de Janeiro, N ova F ro n teira, 1975.
82
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Porto A legre, G lobo, 1976.
Obras sobre tradução B a s s n e t t - M c G u i r e , Susan. Translation studies. L ondon
and N ew Y ork, M ethuen & Co., 1978. A A u to ra tem com o objetivo dem onstrar a autonom ia dos estudos sobre trad u ção ( translation stu d ie s), que não devem ser considerados com o ram os m enores da lingüística ou da literatu ra com parada. A presenta uma introd u ção com petente às principais questões relaciona das à tradução, e um resum o da história das teorias de senvolvidas sobre o assunto. C a t f o r d , J. C .
Um a teoria lingüística da tradução. São Paulo, C ultrix, 1980. (T ra d u ç ã o brasileira de A lin guistic theory o f translation; an essay in applied lin guistics. O xford, O x fo rd U niversity Press, 1965.) A teoria de tradução p ro p o sta p o r C atford, citada rapi dam ente no C apítulo 2, difere radicalm ente da que p ro ponho nesta O ficina de tradução. Com base na teoria lingüística de H alliday, C atfo rd constrói uma teoria que focaliza o processo de trad u ção em term os de substitui ção e equivalência, revelando uma concepção de lin guagem que não considera os papéis do sujeito e do contexto histórico-social na produção de significados.
N id a , Eugene.
Language structure a n d translation. C a li fornia, S tan fo rd U niversity Press, 1975. N ida é autor de vários estudos sobre trad u ção e espe cialista em traduções da B íblia. E m bora apresente uma visão mais am pla do que a de C atford, N ida tam bém parte de teorias lingüísticas que pensam a trad u ção como
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um processo de “tra n sp o rte ” de significados estáveis de um a língua p ara outra. P a z , O ctavio. T raduction: literatura y liter alidad. B a r celona, T usquets E d ito r, 1971. E sse pequeno livro de Paz é, entre as obras citadas nesta seção, o que tem m ais afinidades teóricas com as refle xões desenvolvidas em O ficina de tradução. Um ensaio brilhante sobre linguagem , literatura e tradução. S t e i n e r , G eorge. A jte r Babei, aspects of language and translation. O xford, O xford U niversity Press, 1975. S teiner apresenta um pan o ram a am plo e bem -inform ado das principais tendências que norteiam a teoria e a p rá tica da tradução. O ferece um a bibliografia extensa, en volvendo obras em várias línguas, abrangendo o período de 1913 a 1973.
Obras sobre teorias textuais A teoria de trad u ção esboçada em O ficina de tradu ção p artiu de teorias textuais geralm ente rotuladas de “pós-estru tu ralistas”. E n tre os au to res m ais influentes, in cluem -se: B a r t h e s , R oland. F ro m w ork to tex. In : H a r a r i , J. V. ed . Textual strategies; perspectives in post-structuralist criticism . New Y ork, C ornell U niversity Press, 1979. p. 73-91. E sse ensaio sintetiza a visão pós-estruturalista de B ar thes, que ele próprio cham ou de “ sem ioclasta” , em franca oposição à semiologia, da qual foi tam bém um dos teóricos mais im portantes. P ara o B arthes “sem io clasta”, a leitura é um processo essencialm ente p ro d u to r de significados que n ão pode (nem deve) se restringir à proteção dos significados “originais” de um autor. D e r r i d a , Jacques. Positions. T rad u ção de A lan Bass. Chicago, U niversity of Chicago Press, 1978.
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U m a coletânea de entrevistas de Jacques D errida, um. dos pensadores m ais controvertidos e celebrados na F ra n ç a e n os E stados U nidos atualm ente. Seu projeto de “d esconstrução” (o term o é do p róprio D e rrid a ) do conceito de “v erd ad e” original e estável, pressuposto pela tradição cultural do m undo ocidental, im plica uma reform ulação do objeto e dos m étodos de disciplinas com o a filosofia, a teo ria da literatu ra e a lingüística. F i s h , Stanley. I s th ere a te x t in th is class?', the authority
of interpretive com m unities. Cam bridge, H arvard U ni versity Press, ■1980. F ish é um d o s m ais ágeis e brilhantes teóricos norte-am ericanos de nosso tem po. Suas conclusões acerca do leitor e da “com unidade in terp retativ a” na p ro d u ção de significados reform ulam não só a visão tradi cional do processo de leitura, mas tam bém o próprio conceito de literatura.
Outros B o r g e s , Jorge Luis.
P ierre M enard, au to r del Quijote.. In: ----- . Ficciones. M adri, A liança E d itorial, 1981. ----- . E l idiom a analítico de Jo h n W ilkins. I n : ------ . Otras inquisiciones. B arcelona, E ditorial B ruguera, 1980. p. 221-5. (P ro sa C om pleta, v. 2)
----- . L as versiones hom éricas. In : ----- . Discusión. Barcelona, E d itorial B ruguera, 1980. p. 181-6. (P rosa C om pleta, v. 1 ) A teo ria d a linguagem (e da literatu ra) sugerida pelos textos de Borges antecipa o pensam ento teórico con tem porâneo (aqui representado p o r Fish, Barthes e D e rrid a ). “P ierre M enard, au to r del Q uijote” e os curtos ensaios citados são leitura o brigatória para os leitores de O ficina de tradução.
85 T r a d u ç ã o e C o m u n i c a ç ã o ; revista brasileira de trad u to
res. São Paulo, Á lam o. R evista bianual do D ep artam en to E d ito rial do C entro H ispano-B rasileiro de C ultura (F acu ld ad e Ibero-A m erican a de São P a u lo ). Publicação pio n eira no cam po dos estu d o s sobre tra d u ç ã o no B rasil, oferece, em cada núm ero, um a síntese das principais tendências teóricas d a disciplina e questões de interesse a todos os tra d u tores e estudiosos d a linguagem.
s é rie I D
rin c íp io s
A Série Princípios contribui para a form ação dos estudantes universitários e para a informação do leitor em geral em diversas áreas do conhecimento. Conheça outros títulos. Análise da conversação Luiz Antônio Marcuschi A articulação do texto Elisa G uim arães Best-seller - A literatura de mercado Muniz Sodré Coesão e coerência textuais Leonor Lopes Fávero
O foco narrativo - O u a polêm ica em torno da ilusão Ligia Chiappini M oraes Leite Form ação de palavras em português Valter Kehdi Funções da linguagem Samira Chalhub Gêneros literários Angélica Soares
Como analisar narrativas Cândida V ilares Gancho Com o ordenar as idéias Edivaldo Boaventura Concordância verbal Maria Aparecida Baccega
Guia teórico do alfabetizador Miriam Lemle A imagem Eduardo Neiva Jr. Iniciação ao latim Zelia de Almeida Cardoso
A crônica Jorge de Sá
Leitura sem palavras Lucrécia D ’Aléssio Ferrara
O enredo Samira Nahid de Mesquita
Linguagem e ideologia José Luiz Fiorin
Ensino da gram ática. Opressão? Liberdade? Evanildo Bechara
Linguagem e persuasão Adilson Citei li
Estrutura da notícia Nilson Lage
Linguagem jornalística Nilson Lage
A linguagem literária Dom ício Proença Filho
Rom antismo Adilson Citelli
Literatura comparada Tânia Franco Carvalhal
A Semana de Arte M oderna N eide Rezende
Literatura infantil - Voz de criança M aria José Palo e Maria R osa D. Oliveira
Semântica Rodolfo liari e João W anderley Geraldi
P aródia, paráfrase & cia. A ffonso Rom ano de Sant’Anna A m etalinguagem Sam ira Chalub
O signo Isaac Epstein O sim bolism o Álvaro Cardoso Gom es
M orfem as do português V alter Kehdi
Subordinação e coordenação C onfrontos e contrastes Flávia de Barros Carone
Neologism o - Criação lexical leda Maria Alves
Técnicas de com unicação escrita lzidoro Blikstein
Palavra e discurso - História e literatura Maria Aparecida Baccega
Teoria da inform ação Isaac Epstein
Para uma nova gramática do português Mário A. Perini Períodos literários Ligia Cadem artori A personagem Beth Brait A pesquisa sociolingüística F ernando Tarallo A poética de A ristóteles - M ím ese e verossim ilhança Ligia M ilitz da Costa
Teoria da literatura R oberto Acizelo de Souza Teoria do conto N ádia Battella Gotlib Teoria lexical Margarida Basilio O verbo inglês - Teoria c prática V alter Lellis Siqueira V ersos, sons, ritmos Norm a Goldstein
Trechos que você encontrará neste livro: "[Ao] te n ta rm os refletir so b re os m e ca n ism os da tradução, estarem os lidan do também com questões fundam entais sobre a na tureza da própria lingua gem, pois a tradução [ .] im plica necessariam ente uma definição dos limites e do poder dessa capaci dade tão 'hum ana' que é a produção de significados." "[A] tradução seria teórica e praticam ente im p o ssí vel se esperássem os dela uma transferência de sig nificados estáveis; o que é possível - o que inevita velm ente acontece [...] é, com o sugere o filósofo francês Jacques Derrida, 'uma transformação: uma transform ação de uma língua em outra, de um texto em outro'." "[A] tradu ção de q u a l quer texto, poé tico ou não, será fiel não ao texto 'original', mas àquilo que consideram os ser o texto original, àquilo q u e (consideram osconstituí-lo, ou seja, à nossa interpreta ção do texto de partida, que será [...] sem pre pro duto daquilo que som os, sentim os e pensam os."
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rin c íp io s
Consagrada como uma das m ais importantes coleções destinadas ao público u n i versitário, a Série Princípios ganha novo fôleg o , com edições atualizadas. Veja alg un s títulos: Linguagem e ideologia
Jo sé Luiz Fiorin N eologism o - Criação lexical
leda M aria A lve s Teoria da literatura
Roberto Acízelo de Souza O verb o inglês -Teoria e prática
Valter Le llis Siqueira Versos, sons, ritmos
N orm a G old stein
Á re a s cobertas pela série Princípios: •Administração e Economia - tarja vinho •Artes e Comunicação tarja vermelha •Ciências Humanas tarja verde • Educação - tarja laranja • Letras e Lingüística tarja azul
Areas de interesse do volume: Lingüística Literatura
O que ocorre quando traduzimos texto? A que devemos ser “fiéis" quando realizamos uma tradução? Sob os pontos de vista teórico e prático, é possível traduzirmos com suces so textos literários e poéticos? Esses são alguns dos pontos essen cia is que norteiam as reflexões desenvolvidas em Oficina de tradução - A teoria na prática. Com base nas teo rias textuais contem porâneas, que consideram fundam en tais o papel do leitor e de seu contexto histórico-social na produção de uma leitura, este livro abre espaço para uma discussão atualizada sobre os principais problem as que envolvem a tradução. Além disso, Rosemary Arrojo transfe re essas questões para a prática, por m eio da análise de três poem as - de Elizabeth Bishop, Sylvia Plath e Carlos Drum mond de Andrade - e sua tradução. R o s e m a r y A r r o jo é pós-doutora p e la Yale University e dou tora pela Johns H opkins University,, EUA.
ISBN 978-85-08-11281-4