O Tenentismo [16]

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O Tenentismo [16]

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Y.

NELSON WERNECK SODRE

0 ENENTISMID MERCADO AN ADERTO

Uma

das características do processo

político

latino-americano é a pre-

sença constante dos militares. No Brasil, as intervenções, além de frequentes, assumiram diferentes aspectos. Contudo, o Tenentismo destacase por suas características peculiares. Daí a necessidade da sua análise. O

Tenentismo,

de Nelson Werneck

Sodré, não esgota as possibilidades

de interpretação deste movimento, antes o introduz. De forma clara e concisa,

o

autor

demonstra

que

O

processo iniciado com o Tenentismo ainda não está acabado e se de-

senvolve na atualidade, com a evolução das relações capitalistas no campo e seu aprofundamento áreas urbanas.

nas

Um texto necessário à compreensão não só do passado como do Brasil moderno.

A Série Revisão vem oferecer ao leitor brasileiro uma nova abordagem dos grandes temas do nosso tempo. Em linguagem acessível, os livros da série são redigidos por especialistas que analisam e sintetizam assuntos de interesse geral.

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NELSON WERNECK SODRÉ

PRECADO G o) ADURITO

O AUTOR

Ex-professor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, de 1948 a 1950. Diretor do Departamento de História do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), de sua fundação até sua extinção, com o golpe de 1964. Autor de numerosos livros, dos quais são de destacar: For-

mação Histórica do Brasil, em 102 edição;

Síntese de História da Cultura Brasileira,

em 112 edição: História da Literatura Brasíleira, em 72 edição; A Ideologia do Co/onialismo, em 32 edição: Brasil. Radiografia de um Modelo, em 52 edição: História da Imprensa no Brasil, em 38 edição: História Militar do Brasil, em 32 edição, e outros, entre os quais alguns editados no exterior, em russo, polonês e espanhol.



DADOS SOBRE

mada

ni

Capa: Marco Cena Composição: Ricardo Silva Supervisão: Sissa Jacoby Coordenação

Editorial: Antonio Roberto

Bertelli

1985

Todos

os direitos reservados a

Editora Mercado Aberto Ltda.

Rua Santos Dumont, 1185 — Fone (0512) 22 88292 90230 — Porto Alegre - RS

S679t

Sodré, Nelson Werneck

O tenentismo.

Aberto, 1985,

72p.

Porto Alegre, Mercado

(Revisão, 16) CDU 981''1920/1930"'

Indices alfabéticos para catálogo sistemático: História do Brasil “1920/1930" Brasil: História: 1920/1930

9811920/1930" 981'1920/1930"

Bibliotecária responsável: Rejane Raffo Klaes CRB - 10/5865

SUMÁRIO INTRODUÇÃO A EPOCA

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||. A CRISE POLÍTICA E OS MILITARES ....... |Il.OS MOVIMENTOS ARMADOS ............ IVSAIFASEIPO DITICAS V. CONTEÚDO E PROGRAMAS ......cccc..

15 25 35 45

CONCLUSÕES

55

CRONOLOGIA: BIBLIOGRAEIA

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67

INTRODUÇÃO Se a intervenção dos militares no processo político é um dado comum aos países da América Latina, e não somente a eles, o fato é que, em determinada fase da nossa história, assumiu traços particulares que se configuraram

naquilo que se convencionou conhecer como Tenentismo.

Mesmo no Brasil, as intervenções militares no processo político, que têm sido frequentes, assumiram aspectos diversos, enquanto o Tenentismo se apresenta, ainda hoje, visto a distância, como fenômeno excepcional, diferente em tudo e por tudo das demais intervenções militares. Daí a necessidade da análise de tal fenômeno, para lhe compreender as motivações e as características. De algum tempo a esta parte, estudos, pesquisas, arrolamentos de depoimentos, tentativas de interpretação, teses universitárias ocuparam-se do referido fenômeno, em torno do qual já se constituiu numerosa bibliografia, com algumas-contribuições vindas do estrangeiro. Esse interesse comprova a importância e a singu-

laridade do Tenentismo, a respeito do qual surgiram algumas controvérsias, em especial naquilo que esteve ligado ao movimento de 1930, quando findou a República Velha. 2ois bem, o Tenentismo foi um episódio intimamente vinculado à mudança operada com a queda da República Velha e a implantação do regime subsequente, que poderia ser de-

nominado de República Nova, embora esse título seja impróprio, de vez que não houve, entre uma e outra, a Velha

e a Nova, diferenças essenciais. O movimento de 1930, que alguns consideram merecer o título de revolução, importou, na verdade, em mudanças significativas. Foi um dos episéó-

dios da revolução burguesa no Brasil, uma revolução por patamares, de lances sucessivos, bem diferente dos modelos originais, quando a ruptura com o passado se definiu em traços radicais. Assim, o Tenentismo pode muito bem ser considerado um episódio da revolução burguesa no Brasil, revolução que está sendo acabada diante dos nossos olhos, em nossos dias, com o alastramento das relações capitalistas ao campo e seu aprofundamento nas áreas urbanas, em que a industrialização já se vinha processando e que mostra, com

meridiana

clareza,

as

classes

sociais

que

definem

o

novo modo de produção, burguesia e proletariado. Não era assim na fase em que o Tenentismo surgiu. Daí a conveniência de estudá-lo, analisá-lo, definir os seus traços. Nada melhor, para isso, do que inseri-lo na ampla moldura histórica em que ocorreu.

|. A ÉPOCA A historiografia moderna chegou a determinado nível de consenso em admitir que o fim do século XIX e o início do século XX é muito mais definido com a 12 Guerra Mundial, de 1914 a 1918, do que no marco que a cronologia assinala. Realmente, as duas primeiras décadas do século XX pertencem, por muitas razões, ao que o século XIX vinha marcando no seu quadro amplo, desde os costumes até as relações internacionais. Determinados traços do século XX só aparecem com nitidez, havendo nisso também certo consenso, a partir dos anos da terceira década do século, finda a Guerra Mundial. Não apenas pelas graves e alastradas consequências que o conflito deixou, mas, além disso, por uma razão suprema: com o advento da Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, o mundo conheceria o socialismo na prática, e já não só na teoria. A existência de um país sob domínio do novo regime social marcava mudança de tal significação que todas as demais, derivadas da intensa luta armada em que haviam perecido milhões de criaturas, apare-

ceriam como secundárias. A divisão de classes não ocorria, agora, no interior de cada uma das nações — em cada uma assumindo aspectos particulares, evidentemente — para aparecer em escala internacional e colocar, desde logo, e com violência, em primeiro plano aquilo que se convencionou conhecer como questão social. A política assumia nova dimensão, pois não poderia esquecer, desde então, o dado fundamental

de que,

nela, o problema

das classes sociais e

de sua luta era colocado como determinante. Ao mesmo tempo, e particularmente depois que se comprovaram infrutiferas as tentativas de intervenção armada estrangeira para fazer gorar o regime instalado na Rússia, surgia uma nova correlação de forças, de dimensão universal, afetada, daí por diante, pelas alterações e mudanças que se processassem em escala nacional e particular. Gerava-se, assim, com a abertura do século XX, uma relação dialética entre o universal e o nacional, que era a forma como se apresentava o particular para o caso. Tudo, nesse mundo unificado, obedeceria, agora, a uma relação dinâmica, a essa relação dialética: O que ocorria em qualquer canto do mundo era afetado e afetava, mais ou menos, o resto do mundo, todo o mundo. Afetava e era afetado através de mediações as mais complexas, evidentemente, por força da defasagem de desenvolvimento entre nações e povos, alguns já situados na etapa imperialista do capitalismo, isto é, numa etapa avançada do desenvolvimento capitalista, outros ainda padecendo de significativo atraso no desenvolvimento capitalista, e terceiros sofrendo ainda do absoluto predomínio neles de relações pré-capitalistas. Admitimos, e seria longo analisar as razões disso, que o Brasil estava no segundo caso, isto é, o seu de-

senvolvimento capitalista estava nas etapas iniciais e nele vigoravam ainda, em extensas áreas, relações pré-capitalistas. A sua revolução burguesa dava os primeiros passos, des» de a implantação da República, e padecia as consequências de inserir-se num processo que, em escala universal, era comandado por nações em que o capitalismo alcançara pleno desenvolvimento, algumas já na etapa imperialista. Se a defasagem ocorrera já, mas em outros termos, com nações da

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própria Europa — a Alemanha chegara tarde, por exemplo, e teria de disputar pelas armas um lugar ao sol para o seu capitalismo — quando ocorrida em países do tipo do Brasil colocava problemas cuja gravidade a história logo iria assinalar. País de passado colonial, com quatro séculos de escravismo, o Brasil conhecia uma acumulação capitalista muito lenta e o fluxo de sua renda para o exterior colocava-o na escala de economia dependente. Era uma economia agrária e exportadora, com um povo que, em amplas áreas, vivia fora da economia de mercado e cujo mercado interno, limitado por isso mesmo, pertencia a empresas estrangeiras, que nos proviam do necessário ao atendimento das necessidades mais elementares, mesmo à alimentação, pois a nossa economia agrícola e pastoril, de subsistência, era insuficiente para isso. Com o aumento das cotações do café no exterior, na segunda metade do século XIX, surgiu o primeiro impulso significativo à acumulação interna de capitais, tendo sido possível o aparecimento de personagens como Vergueiro e principalmente como Mauá, nossos primeiros burgueses de destaque. Exigências externas de ampliação do mercado interno — entravado pelo escravismo, visto que o escravo não era um consumidor — somando-se a exigências dessa acumulação em lento desenvolvimento geraram as alterações dos últimos anos no século XIX, como a Abolição e a República. Elas assinalam mudanças significativas na estrutura econômica e, consequentemente, na estrutura política e social do país. Para tais mudanças, a colaboração dos militares fora importante. A partir de então — a rigor, a partir do fim da guerra com o Paraguai — os militares passaram a ter um espaço nas lutas políticas que não tinham até aí. A sociedade brasileira era dominada por uma classe agrária, a nobreza imperial, cuja importância residira na propriedade do escravo e na propriedade territorial e cuja representação fora a monarquia. Por força do crescimento do mercado interno e da divisão do trabalho, o Brasil conheceria, desde logo, uma camada social média, pequena burquesia, ligada a uma variedade de atividades antes desconhecidas ou pouco desenvolvidas, desde os elementos ligados a atividades intelectuais,

1

necessários ao provimento do aparelho de Estado, até aqueles ligados às trocas comerciais, à burocracia e ao artesanato. O comércio permitia já a acumulação e ampliava o espa-

ço em que a burguesia começava a se desenvolver. Quando,

Farroupilha,

ao

sul,

passando

pelas

nordestinas.

Se, com o passar dos tempos, declina o papel dos padres nas lutas políticas, o dos militares cresce. Mantenedores do escravismo e da monarquia, eles destróem tais instituições quando a correlação interna de forças sociais impõe tais mudanças. Daí por diante, estarão presentes nos episódios principais da história brasileira. Intimamente inseridos na sociedade, acompanhando as suas contradições, ora refletem as pressões da origem de classe, a pequena burguesia, ora refletem as pressões da classe dominante, como braço armado do aparelho de Estado. Na medida em que o regime republicano se consolida — e na medida em que, assim operando, conserva a estrutura tradicional da sociedade brasileira — cada passo na ascensão burguesa e no avanço das relações capitalistas, no Brasil, pressiona no sentido de mudanças. Paralelamente, surgem alterações ligadas ao aparecimento de uma camada intelectual, particularmente definida pelos estudantes, jornalistas e escritores, que tende a esposar as idéias de mudança. A herança que a República encontrou foi a de um país que se assemelhava a uma grande fazenda mal administrada, em que, internamente, uma estrutura agrário-exporta-

12

e ço 4 e— o

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haviam sido figuras destacadas nas lutas da época da Independência e da Regência, desde conspirações como a Mineira e a Baiana, ainda na fase colonial, até insurreições como aquelas que abalaram o país, recém-ingressando no rol das nações autônomas, desde a Cabanagem e a Balaiada, ao nor-

ci

por qualquer motivo, surgiam divisões na classe dominante agrária e exportadora, somando-se nelas a presença de uma burguesia em Início e de uma pequena purguesia numericamente importante, ocorriam alterações políticas. Na pequena burguesia recrutavam os seus elementos duas instituições que teriam papel destacado em nossa formação histórica, a Igreja e o Exército. Padres e militares, como intelectuais,

dora impunha as medidas que lhe preservavam os interesses, enquanto, externamente, dependia das exigências imperialistas, denunciadas nas diferenças negativas na troca de mercadorias e no pesado e crescente ônus do serviço da dívida externa, que consumia as divisas, forçando a seriação de empréstimos para pagar empréstimos. Do exterior nos chegavam, também, as consegiiências das crises cíclicas do capitalismo e os mecanismos de transferência de efeitos, dos prejuízos principalmente, nos agravavam a situação; cs mecanismos transferiam dos países desenvolvidos para os menos desenvolvidos os efeitos das crises; internamente, como sempre, tais efeitos eram transferidos pela classe dominante às classes dominadas. Endividamento, inflação, carestia, são

fenômenos tradicionais em nossa história. E o regime republicano não tocou na essência deles. O sistema político, entretanto, sofrera alterações: o parlamentarismo de fachada, da época imperial, fora substituído por um presidencialismo em que o Executivo detinha amplos poderes; o sistema de eleições, no império, fundado na discriminação de votantes e votados pela renda — a Constituição imperial, note-se, não discriminava o analfabeto: não precisava dessa discriminação — fora substituído por uma espécie não confessada de censo alto que, na verdade, vedava o direito de escolha. As eleições eram a fraude organizada e sistemática e os partidos, que demoraram a aparecer, não passavam de máquinas destinadas a processar as escolhas. Não apenas as escolhas eleitorais, mas todas as escolhas, porque o provimento de todo e qualquer emprego só se fazia por indicação dos che-

fes políticos. Campos Sales deu acabamento significativo ao que ficou conhecido como República Velha, pela reforma do serviço da dívida, em acordos firmados com os banqueiros externos credores, e pelo que ficou conhecido como

“política dos governadores”, em que o Presidente da República assegurava-lhes a liberdade de ação através e em troca do apoio dos presidentes dos Estados federados; aquele era senhor absoluto na área federal; estes, na estadual. Os Estados federados eram geridos como fazendas privadas e o provimento do poder e, consequentemente, do aparelho de Es13

tado, obedecia à composição, em cada Estado, das oligarquias neles dominantes. Era um sistema rígido, que não deixava espaço algum para a manifestação do descontentamento popular. Os Presidentes eram escolhidos por consenso entre os res de Minas Gerais e de São Paulo no poder supremo. Os parlamentares eram escolhidos por eleições notoriamente fraudulentas e os resultados delas eram encaminhados ao Congresso Federal, onde se operava o “reconhecimento”, isto é, onde se operavam as degolas dos raros desobedientes, que se arvoravam em representantes da oposição, oposição que raramente ocorria e sempre em consequência de lutas locaise pessoais. Ora, OS primeiros e sérios problemas políticos surgiriam precisamente dessa ostensiva manipulação eleitoral. Por duas

vezes — pouco antes da 2º Guerra Mundial e pouco depois de-

la — houve um candidato de oposição, Rui Barbosa, isto é, houve uma cisão nas forças políticas que vinham operando mansa e pacificamente o processo eleitoral. Claro que, mesmo sendo o candidato da oposição, oposição que não diferia, qualitativamente, da situação, personalidade de largo prestígio, mais intelectual do que partidário, a vitória do candidato oficial foi tranquila. Mas o simples fato de ter ocorrido a cisão, fato de ter tido possibilidade de levantar uma candidatura aceitável, mostrava que algo começava a mudar.O movimento que ficou conhecido como civilismo, porque levantava a candidatura de um civil, contra um militar que encarnava as forcas políticas tradicionais, deslocava o problema de seu centro de gravidade e escamoteava o verdadeiro sentido da cisão,

que não tardaria em aflorar. Aflorou, noprocesso subjacente,

vamente, com o mesmo candidato, logo adiante,e novamente as forças políticas tradicionais foram vitoriosas. A repetição era um sinal de alarma. Agora, as sucessões presidenciais apresentavam-se sob novo aspecto e começavam a sensibilizar a opinião pública. Denunciavam-secomo momentos de crise. O domínio absoluto, particularmente, como era o caso, quando prolongado, cega os que o exercem. E as forças políticas dominantes, que representavam as classes dominantes, permaneceram realmente cegas diante do problema.

14

To

grandes chefes políticos, daí o revezamento entre governado-

||. A CRISE POLITICA E OS MILITARES O Presidente Epitácio Pessoa fora escolhido já para enfrentar uma situação de emergência e vinha romper com o revezamento tradicional entre candidatos mineiros e candidatos paulistas à sucessão presidencial. Ainda assim, Rui Barbosa, repetindo a contestação que ocorrera quando do Crvilismo, denunciando pois a superficialidade anterior do suposto antagonismo civis x militares, tentara, novamente, e sem melhor sorte, o sucesso eleitoral. Ora, a sucessão do Presidente Epitácio Pessoa comprovaria que o problema serviria para denunciar a crise do regime ou, pelo menos, do processo eleitoral de escolha do mandatário da suposta vontade popular. Na sucessão, novamente, surgiria uma candidatura de oposição e novamente surgiriam os problemas suscitados pela cisão das forças políticas tradicionais, que manipulavam os instrumentos de poder em benefício daquilo que representavam. Ao contrapor-se à candidatura de Artur Bernardes, governador de Minas Gerais e a quem, no reve-

zamento

tradicional,

caberia

a vez,

a candidatura

de

Nilo

Pecanha traduzia a realidade da crescente contestação, e do crescente descontentamento, com a forma como se processava Q jogo político, reduzido ao arbítrio de poucas pessoas. O que estava em questão, na essência, era o próprio regime, no que tinha de mais característico, que era o processo de escolha do Presidente e dos representantes do povo, depusenadores, governadores. Essa inquietação, entretanto, denunciava as mudanças já significativas que se vinham processando no Brasil, com o avanço das relações capitaiistas e, consequentemente, com o papel de crescente importância que a burguesia passava a desempenhar, ao mesmo passo que surgia um proletariado já numericamente significativo e concentrado, que começava a provar a sua força e a organizar-se, enquanto a pequena burguesia continuava a crescer e a desempenhar papel de destaque nas questões potados,

líticas.

Para compreender melhor o quadro em que se definiu a crise política, entretanto, um dado precisa ser situado: a importância da imprensa nas lutas da época. Estávamos na fase em que se iniciava, no Brasil, a passagem da imprensa artesanal para a imprensa industrial, que buscamos definir em nossa História da Imprensa no Brasil. Nessa fase, a imprensa vivia da venda avulsa e isto conferia destacado papel, em seu desenvolvimento, à opinião popular. Um jornal marcava a sua importância na proporção de sua tiragem e da venda avulsa lhe provinham os recursos materiais com que se sustentava. A publicidade dava os primeiros passos, entre nós, e pesava pouco na receita da imprensa. Pequenas empresas e produtos isolados, que buscavam ampliar o seu mercado, serviam-se, habitualmente, de intelectuais, quase sempre poetas, para dar forma aos anúncios. Os anúncios na

imprensa talvez influfssem menos do que os anúncios nos meios de transporte coletivo, que eram os bondes. Nestes, ficaram conhecidos determinados anúncios, que celebravam

os efeitos de xaropes para a tosse, pomadas para feridas, remédios de variada espécie, e de restaurantes e de espetáculos teatrais. O Brasil desconhecia grandes empresas, mes-

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mo em São Paulo, que se orgulhava, e ostentava esse orgulho nos bondes paulistanos, de ser “o maior parque industrial da América Latina”. A dependência da opinião, isto é, da venda avulsa, colocava os jornais, como as revistas, não s6 em estreita ligação com as tendências populares como na necessidade de cultivá-las, servindo-as fielmente. Assim sendo, compreende-se que, ao contrário do Brasil contemda época fosse predominantemente de porâneo, a imprensa. oposição. E de sentido oposicionista tão acentuado que os

governantes se sentiam na necessidade de manter, a custa dos cofres públicos evidentemente, uma imprensa a seu ser-

viço. Campos Salles — que deixou o poder, ao passar O cargo ao seu substituto, sob a maior vaia que o Rio de Janeiro conheceu, no trajeto entre o Palácio e a estação ferroviária onde tomaria o trem para São Paulo — Campos Salles confessa, em seu livro tão importante para conhecimento do que era a República Velha, que fora obrigado a manter jornais para a defesa da política que adotara e que fora, sem a menor dúvida, contrária aos interesses populares. Quando a historiografia oficial, aliás, celebra a qualidade do governo de Campos Salles, e as de seu Ministro da Fazenda, não está mais do que consagrando, hoje, isto é, a posteriori, a política conveniente às classes dominantes brasileiras, à custa dos sacrifícios das demais classes. Lima Barreto retratou a imprensa da época em dois de seus romances: num deles, o [saias Caminha, satiriza o Correio da Manhã, carro chefe da imprensa de oposição na época; no outro, Numa e a Ninfa, denuncia como se fazia a política, ao tempo, e como se processavam os laços entre as personagens políticas e os jornais. Gilberto Amado, em suas memórias, revela o que foi O País, jornal típico da imprensa paga para servir o governo, com a figura singular de João Lage como representativa dessa forma de servir. O importante, quanto ao que interessa ao nosso tema, é o fato de que os jornais do tempo estavam vinculados à opinião popular, que constitufa o seu público, e eram, portanto, jornais de oposição. Assim sendo, as cam-

panhas que desenvolviam contra os governantes, embora definissem em traços individuais mazelas do regime, encontra17

vam eco na opinião dos leitores, mobilizavam essa opinião,

davam-lhe os rumos. Ao mesmo passo, recebiam as pressões dessa opinião, dos sentimentos das camadas populares, descontentes com o regime e cada vez mais conscientes de suas mazelas. Onde havia opinião mobilizada, isto é, nos grandes centros urbanos, o sentimento oposicionista crescia a cada passo e passaria, logo, a assumir formas apaixonadas de manifestação. O sentimento político do povo encontrava repercussão pronta nos jornais e estes, reciprocamente, alimentavam tal sentimento, em relação dialética. A imprensa governista,

sabidamente mantida à custa dos cofres públicos, não tinha nenhuma credibilidade. Ora, a sucessão presidencial de Epitácio Pessoa iria mostrar o papel relevante das campanhas

da imprensa. Alimentada pela tendência oposicionista da opinião pública, a imprensa dela participou ativamente — com destaque, naturalmente na capital da República, o Rio de Janeiro, sede do Governo e do Congresso. Colocado o problema da sucessão como a luta entre as candidaturas de Artur Bernardes, encarnando todas as mazelas do sistema, e de Nilo Peçanha, elevado à categoria de renovador dos costumes políticos, a imprensa, em maioria esmagadora quanto ao número de jornais e quanto ao número de leitores, optou pelo segundo. A imprensa refletiria, então, os sentimentos populares, sem dúvida, mas, por outro lado, colocaria O

problema

em

termos

pessoais.

A essência não estava nas

candidaturas, evidentemente; estava no regime. Mas a imprensa não colocava em questão O regime; pelo contrário, colocava em questão os indivíduos, isto é, os candidatos. Na verdade, discutia a forma de escolha deles e combatia, com violência, os seus vícios. Mas não aprofundava a análise, de sorte a desvendar o que estava subjacente. Na sequência dos episódios da tormentosa campanha sucessória iniciada no último trimestre de 1921 e desenvolvida em 1922, iria ficar

claro o engano. Mas os contemporâneos não viam tal engano: viam os fatos, os episódios escandalosos, a superficialidade dos processos em torno deles é que se desencadeariam as paixões. Realmente, jamais, em nossa história, uma 18

campanha sucessória se desenvolveu com a violência que assumiu a de Epitácio Pessoa, antagonizando homens da mesma formação política, como Artur Bernardes e Nilo Pecanha. Ao longo do processo histórico, aliás, aquele, o candidato governista, oriundo de processo político viciado, provaria sua inconteste superioridade, como homem público, sobre o segundo, que aparecia, então, como figura representativa do combate às mazelas do regime. Jamais um candidato sofreu, em nosso país, campanha como aquela que

Artur Bernardes enfrentou, enquanto candidato e enquanto governante. Jamais a linguagem, nas lutas políticas, assumiu o tom que a referida campanha definiu. Ainda nesse particular, ficava esquecida a essência do problema — que era o regime — para marcar ferozmente a pessoa do candidato oficial. Nunca, ao longo de nossa vida republicana, uma personalidade pública enfrentou, como Artur Bernardes, violência igual, violência verbal que se desmandaria, desde os apelidos grotescos e infamantes até as falsidades mais graves. À questão essencial, desse modo, ficava obscurecida por essa massa de insultos vulgares, que visavam um indivíduo, pelo fato de ser o escolhido, dentro das normas que o regime impunha, para ocupar a Presidência. Está fora de dúvida que o carro chefe da campanha de oposição, seja ao governo de Epitácio Pessoa, praticamente desde a sua instalação, até o governo de Artur Bernardes, passando pela campanha sucessória, seria o Correio da Ma-

nhã. Surgindo com o início do século XX, na capital da República, o jornal dirigido por Edmundo Bittencourt cedo se distinguiria pela incontinência de linguagem e pela violência de suas campanhas. Como jornal político, aliás, o Correio da Manhã foi o desaguadouro e o intérprete do inconformismo popular com as mazelas do regime, mazelas configuradas no fato de ser tal regime o retrato das oligarquias. O aparecimento de um jornal desse tipo, como o papel que representou

na época, assinalam,

isto é, fazem

parte do con-

junto de fatos que marcam o avanço da burguesia brasileira, correspondente ao avanço das relações capitalistas no país. O cenário político, sob as roupagens da comédia de enganos 19

Brasil atravessava, após a 22 Guerra Mundial, com alicerces

anteriores, sem dúvida, ancorados em lutas políticas de que o Civilismo fora exemplo inaugural e frisante. Todo o processo de mudança que se anunciara com a Abolição e com a derrocada da monarquia — episódios em que coube aos militares destacado papel — teria desenvolvimento nas primeiras décadas do século, justamente a fase em que o Correio da Manhã marcou a sua posição na imprensa brasileira. O avanco qas relações capitalistas sofreu aceleração significativa, aliás, com o conflito mundial, que funcionou como acidental barreira à importação, alimentando o crescimento industrial do país que a República oligárquica pretendia definir como “essencialmente agrícola”. Ao avanço econômico, porém, não corresponderia de imediato, para a burguesia, um avanço político. Historicamente, aliás, mesmo nos pafíses em que a revolução burguesa surgiu originalmente, tal defasagem ficou assinalada. No Brasil, em que o peso do atraso do campo, no plano político, representou sempre problema importante, aquela defasagem ficou marcante. E. foi também marcada pela singularidade do papel aqui representado pela pequena burguesia. Na época de que tratamos, a pequena burguesia não apenas assinalava O avanço burguês na sociedade brasileira, como, e principalmente, mostrava O seu papel de vanguarda aguerrida da ascensão política lenta da burguesia. Por outro lado, se a ascensão burguesa no campo da política, nas primeiras décadas do século XX, sofria do ritmo lento em que se processava — entravada pelo predomínio das relações pré-capitalistas em vastas áreas do país — também o proletariado avançava com lentidão, entravado pelo peso histórico de quatro séculos de escravismo e de submissão feudal no interior. A contradição entre burguesia e proletariado, aquela que dá o contorno da sociedade contemporânea, não assumia, na época, caráter agudo. Foi uma razão externa, a Revolução de Outubro, que motivou, aqui, a precocidade da legislação arbitrária que pretendeu regular o que se convencionou conhecer como “questão

20

O



social”, o sentido reacionário com que, muito cedo, no Bra-

E E

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O

A a

gi e

que era representada no palco, mostrava a mudança que o

sil, a legislação situou as relações de trabalho e particularmente o papel político da classe trabalhadora em geral e do proletariado em particular. Sem tradição democrática, foi fácil, ao eco dos acontecimentos ocorridos na Rússia, gerar, cedo, antes de razões internas objetivas, um clima de repressão de que ainda hoje padecemos e cujos episódios estão presentes na consciência popular. O avanço da burguesia, por outro lado, sempre sofreu da conciliação com o latifúndio, com a velha classe dominante de senhores-Ce-terras; essa conciliação foi assinalada, ao longo do tempo, por acordos tácitos, às vezes escritos, com as mais retrógradas formas de ação política, sob o peso esmagador das relações pré-capitalistas no campo. Tudo

isso, peculiaridades da for-

mação histórica em nosso país, reforça a importância da pequena burguesia no nosso desenvolvimento político. Ela responde, também, pelo flagrante contraste entre o país legal e o país real, isto é, entre a legislação e a realidade; aquela muito mais avançada do que esta, elaborada muito mais para efeito do que para efetividade. A pequena burguesia contentava-se, muitas vezes, com a aparência, com o aspecto formal das coisas, com a perfeição legal, despreocupada daquela cantundência do concreto que é apanágio do proletariado. Na fase de que estamos tratando, assim, a pe-

quena burguesia constituía a vanguarda da burguesia brasileira, cujos valores aceitava e esposava. Nas crises, ela se apresentava como reivindicadora de reformas que interessavam à burguesia e que esta, sem combatividade, não colocava. À imprensa brasileira, com o caráter oposicionista que assumiu na referida fase, assinala também o papel destacado da pequena burguesia e marca o sentido de suas intervenções. Ora, na pequena burguesia brasileira do tempo, os militares apresentavam-se como os elementos mais ativos e interessados em mudanças políticas. Entre eles, apareciam com destaque os jovens oficiais — os tenentes. Na tormentosa campanha sucessória, alguns episódios foram marcantes e assinalaram o caráter que ela assumiu. Assim, a 9 de outubro de 1921, o Correio da Manhã publi-

cava com destaque uma carta atribuída ao candidato oficial 21

Artur Bernardes com pesados insultos aos militares. No dia 12, tornava a publicar aquela carta e divulgava outra, do mesmo

mesmo

teor insultuoso, visando

candidato.

os militares e atribuída

ao

Estava desencadeada a tempestade, que

convulsionaria o país por longo tempo e perturbaria o desenvolvimento político, com as sucessivas Intervenções armadas. Um mês depois, reunião agitada no Clube Militar dava início a uma controvérsia de todo deslocada sobre a autenticidade daquelas cartas. Não adiantou nada o pretenso signatário desmentir com veemência a autoria; não adiantou nada a inverossimilhança que residia no fato de assumir um papel de afronta aos militares, em tudo e por tudo inconveniente para ele; não adiantou nada a palavra de equilíbrio de alguns políticos de grande responsabilidade na vida nacional, como Rui Barbosa. A Assembléia Geral Extraordinária do Clube Militar, a 12 de novembro de 1921, por 439 votos contra 112, aceitava a autenticidade das cartas e, consequentemente, julgava os militares insultados pelo candidato Artur Bernardes. Segunda Assembléia Geral Extraordinária do Clube Militar, agora presidida pelo Marechal Hermes da Fonseca, ratificava o decidido pela anterior. Os militares, assim, pela sua associação de classe, condenavam o candidato oficial e lhe negavam o direito de pleitear a preferência eleitoral para a Presidência da República. Há dois aspectos do problema em geral descuidados pelos cronistas da época. O primeiro deles é que o Clube Militar era, e é, sempre foi, uma sociedade civil, com a particularidade de reunir associados militares: uma entidade, assim, desprovida de poder decisório, uma vez que, instituição constitucional e hierárquica, o Exército, como a Marinha, falava pelo pronunciamento de seus chefes, particularmente o Ministro. Havia, pois, uma diferença fundamental entre decisão do aparelho oficial, o Ministro ou o Alto Comando, e decisão da sociedade civil não hierárquica. Essa diferença iria pesar consideravelmente, daí por diante, nos fatos que se sucederam e no processo político por eles marcado. A segunda diferença, também esquecida sempre, é que as Assembléias referidas, em

que tais decisões foram tomadas e ratificadas, não contaram 22

com a presença daqueles que, adiante, seriam as mais destacadas figuras do Tenentismo. Nem Prestes, nem João Alberto, nem Miguel Costa — que pertencia à Força Pública paulista — participaram delas, ou nelas encontraram os motivos para as ações relevantes de que seriam depois protagonistas.

A 1º de março de 1922, Artur Bernardes foi eleito

Presidente da República, a 7 de junho foi proclamado como

tal e a 15 de novembro tomava posse. Entre a eleição e a posse, entretanto, ocorreriam episódios de singular relevo no movimento que ficou conhecido como Tenentismo. Sem

falar em outros episódios, como

a Semana

de Arte

Moder-

na, em São Paulo, muito mais badalada do que importante,

mas

que

assinalou, sem dúvida

um

instante do movimento

que traria significativas mudanças em nossa literatura, O Modernismo, há que recordar que foi nos dias 25 a 27 de

março de 1922 que, em Niterói, ocorreu o | Congresso do Partido Comunista do Brasil, assim batizado então, e que marcaria a sua fundação. Oriundo da reunião de grupos es-

taduais, o PCB surgia com uma forte eiva anarquista, de que

se libertou ao longo do tempo. O anarquismo, contando principalmente com elementos provindos da imigração européia, teve papel importante nos episódios mais destacados

dos

anos que

antecederam

o aparecimento

do

PCB, entre

eles a greve geral paulista de 1917, quando surgiu do próprio movimento uma direção, isto é, quando o proletariado, no próprio andamento de uma greve, gerou um tipo de organização que, ainda nos moldes circunstanciais e tão-somente voltada para o problema do momento, importava no reconhecimento de que amadureciam as condições para a formação de um partido, isto é, da organização específica destinada a orientar as lutas do proletariado. Na época, no entanto, a camada que comandava as mudanças políticas era a pequena burguesia, como vanguarda da burguesia em ascensão.

23

|. OS MOVIMENTOS ARMADOS Entre a eleição de Artur Bernardes e a sua posse rolaram quase nove meses agitados, em que as ameaças de movimento militar se sucediam. Entre a eleição, quando ficava claro que o regime ganhara a parada, e o primeiro ato arma-

do de rebeldia militar, entretanto, correram apenas quatro meses, tempo suficiente para que a agitação se alastrasse e as conspirações buscassem dar-lhes vasão. Os militares dividiram-se, nesse período, e depois, em duas facções adversas: a dos legalistas, que defendiam a “ordem”, isto é, a manutenção do status quo, e a dos revoltosos, que se articulavam

para movimentos armados. Se os primeiros tinham por si a quase totalidade da estrutura oficial das Forças Armadas, isto é, os comandos e os ministérios, os segundos contariam, de início, com um chefe de grande prestígio para estimular e apoiar as suas ações. Em verdade, a participação do Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca — dado que o Exército era

uma

organização

hierárquica



teve,

em

1921

e em

1922, muita importância. tares, em que

fulgurava

Membro de uma família de milia tradição de Deodoro da Fonseca,

fundador do regime, Hermes fora Ministro da Guerra e Presidente da República. Seu prestígio derivava desse passado e era acrescido do que o posto significava para os militares. Sua presença na crise, desde as assembléias tumultuosas do Clube Militar, dava relevo a uma participação que ele honrou com decisões concretas e firmes. O Tenentismo, assim, surgia, apesar de fundar-se particularmente na atividade dos militares jovens, ainda nos postos iniciais da carreira, sob a proteção de um chefe que encarnava o que o Exército tinha de mais representativo na época, A crise teve, entre muitos outros episódios, que denunciavam a intensa agitação daquela fase, o que ocorreu em Pernambuco. Não cabe aqui historiar e detalhar o referido episódio, aqui mencionado apenas para situar a presença ativa de Hermes na rebeldia militar que crescia. Na qualidade de chefe da mais alta graduação giu um telegrama ao comandante das forças do Exército em Pernambuco, alertando-o para o fato de que devia obediência aos princípios que regiam a instituição militar, acima da obediência aos eventuais detentores do poder. Era uma iniciativa que o colocava, ao marechal, em confronto ostensivo com o Presidente da República, chefe das Forças Armadas por dispositivo constitucional. Epitácio Pessoa, cioso de sua autoridade e em fim de mandato, não era inclinado à transigência: a 2 de julho de 1922, o Marechal Hermes da Fonseca foi preso. Estava armada a espoleta do disparo que vinha preparado

há muito. A 5 de julho, a rebelião estoura-

va no Rio de Janeiro. O levante foi uma coisa e a conspiração foi outra coisa: na verdade, como depois se repetiria, os elementos que se levantavam, em diversos lugares e em ocasiões diversas, ao longo dos anos, contavam sempre com uma adesão que jamais se confirmou, pelo menos nas dimensões esperadas. Isso aconteceu na madrugada de 5 de julho de 1922: quando os cadetes da Escola Militar, então no Realengo, marcharam sobre a Vila Militar, sob o comando do Coronel Xavier

26

-

sendo

e

e ainda na qualidade de Presidente do Clube Militar, ele diri-

que de Brito, certos de que ali receberiam as adesões com rrida em contavam, foram recebidos a tiros. A tentativa oco ofium dos quartéis da Vila Militar, envolvendo uns poucos ital ciais, morreu no nascedouro e a maior guarnição da cap

do país manteve-se ao lado da legalidade. Os cadetes retor-

naram à Escola Militar, onde foram presos e, depois, tive ram as suas carreiras cortadas. Os mais ativos iriam engrossar as fileiras dos conspiradores, em uma atividade que atravessaria os anos. A maioria teve de buscar meio de vida novo e dispersou-se, depois de breve estágio em unidades diversas, como soldados. Isso aconteceu, também, no Forte de Copacabana, comandado pelo Capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do Marechal Hermes: tendo acordado a cidade com o troar de seus canhões — um de seus tiros atingiu mesmo o pátio do Ministério da Guerra — a guarnição do Forte ficou reduzida a um pequeno grupo, logo que confirmado o fracasso do levante. No dia 6, realmente, preso O seu comandante, que saíra para parlamentar com as autoridades, a maioria das praças e dos oficiais optou pela desistência e abandonou a fortificação. Sob o enérgico e vi-

goroso comando reduzido grupo pas governistas queira Campos, sem abandonar em

dezoito

do Tenente Antonio de Siqueira Campos, de oficiais e praças decidiu enfrentar as troque se concentravam em Copacabana. Sidepois de abrir os portões aos que desejaso movimento, partiu a bandeira do Forte

pedaços,

que entregou

aos que

haviam

optado

pela luta até o fim. O extraordinário feito desse pequeno grupo, que se deslocou ao longo da praia de Copacabana, ao encontro das forças legais, tornou-se, com a ressonância que alcançou em todo o país, e com a sua glorificação pela imprensa de oposição, uma das motivações fundamentais das

ações que se sucederiam ao longo dos anos. Abatidos pelo fogo

legalista,

Newton

morreram

os

tenentes

Mário

Carpenter

Prado e ficaram feridos os tenentes Siqueira Cam-

pos e Eduardo

e

Gomes. O heroísmo dos revoltosos abalou,

realmente, o povo brasileiro e deu a medida do extremo a que chegara a paixão pela causa que defendiam. A derrota, nas condições em que ocorreu, com o fracasso no Rio e na 27

ai

E

tentativa da guarnição de Mato Grosso — comandada pelo General Clodoaldo da Fonseca, capitulou em Três Lagoas — não arrefeceu senão temporariamente o ânimo dos militares feridos pelos reveses mas sempre prontos a retomar a luta, Essa dimensão de heroísmo, realmente, em aparente desproporção, vistos os acontecimentos na distância do tempo, indica a profundidade a que atingira a repulsa às mazelas do regime, sob'a superficialidade dos motivos então alegados. Havia, evidentemente, um processo profundo e subjacente, que prosseguiria ao longo do tempo, e uma sinalização exterior e factual de acontecimentos e formulações cuja superficialidade surpreende hoje. Além disso, verificava-se a distância singular entre os proclamados propósitos dos rebelados e aquele heroísmo levado às últimas consegiuências: enquanto este estava além da medida, aquele era de impressionante modéstia. Por outro lado, e hoje a perspectiva do tempo admite esta visão, havia uma diferença enorme entre as mazelas de um regime já em dissonância com a realidade do país e os problemas tópicos e circunstanciais colocados e que despertavam paixões tão violentas. Os protestos militares em defesa da dignidade ofendida, depois que os falsários haviam confessado a fraude que haviam cometido e depois que Bernardes desmentira a autoria das cartas, pareciam sem sentido. Este era o lado formal, entretanto. E apenas mostra, como exemplo frisante, que a história como arrolamento de fatos pode falsear, e realmente falseia, a realidade do prócesso. A luta política prosseguiu, depois dos acontecimentos

de julho de 1922. As prisões e depois o afastamento dos elementos militares mais envolvidos nos levantes colocou-os em condições de dedicar todo o tempo a novas articulações. O ano de 1923, realmente, assinala o desenvolvimento de intensa trama conspiratória, tecida por elementos diversos, dentre eles se destacando o capitão Joaquim Távora, secundado por alguns ex-cadetes da Escola Militar. Paralelamente, como componente que se juntaria, adiante, aos novos levantes militares, surgia no Rio Grande do Sul, a 25 de janeiro de 1923, uma rebelião de âmbito estadual, contra o governo

28

ças milide Borges de Medeiros. Tal rebelião, em que as for

sucestares federais ficavam marginalizadas, assinalava uma que destacasão de choques militares de tropas irregulares, o riam alguns chefes regionais cujo renome cresceria com tral tempo. Nos primeiros dias de novembro, o governo cen s — Borges de Medeiros figurara como um dos mais destacado e Bera anh Peç o Nil de a ist ion sic opo ra atu did can à ios apo nardes estava interessado em ganhá-lo para poder enfrentar a luta contra as rebeliões militares — conseguiu o armistício a entre as facções desavindas no Rio Grande. Finalmente, 14 de dezembro, firmava-se ali o acordo de Pedras Altas, pondo fim àquela guerra regional. O Marechal Hermes da Fonseca falecera a 9 de setembro e as atividades revolucionárias enfrentariam, agora, mais um problema: o de consequir um chefe militar que concordasse com os propósitos mantidos pela conspiração que não cessara. Esse chefe seria

o General Isidoro Dias Lopes, já reformado, que se destacara em atividades no sul do país. Era um nome respeitado mas pouco conhecido. O represamento das atividades dos

revoltosos não arrefecera, entretanto, o ânimo dos conspiradores. Joaquim Távora ia de guarnição em guarnição, buscando adesões e compromissos para nova tentativa. Tratavase de aproveitar a lição de 1922 e conseguir que os compro-

missos fossem realmente honrados e que os levantes projeta-

dos não sofressem da anemia do isolamento. Dois anos depois do extraordinário feito dos 18 do Forte de Copacabana, surgia a rebelião que teve como sede a cidade de São Paulo. O segundo 5 de julho, o de 1924, teve dimensão muito maior do que o primeiro, que ficara marcado pelo sacrifício heróico dos 18 do Forte de Copacabana. Tratava-se, agora, do controle sobre a segunda cidade do país, na êpoca, e seu maior parque industrial, onde, portanto, estava concentrada massa operária de dimensão já significativa. De outro lado, os efetivos militares empenhados na revolta eram muito mais vultosos e dispunham de efetivos e de armamento muito mais importantes do que ocorrera antes. Entre o dia B e o dia 28, quando os revoltosos decidem

29

abandonar a cidade de São Paulo e retrair para o sul do país, a crise militar alcançou sua dimensão máxima. A morte de Joaquim Távora, em combate, influiu certamente para uma decisão que importava em reconhecer a superioridade

do cerco imposto

pelas forças legalistas. Mas a rebelião con-

tava, agora, com chefes militares não só mais numerosos como mais devotados do que aqueles que antes se comprometiam e na hora faltavam aos seus compromissos. Houve uma certa correspondência entre a conspiração e a rebelião: unidades inteiras incorporaram-se

ao movimento,

vindas de

guarnições diversas do Estado. A luta foi intensa e a cidade suportou bombardeio pesado, que fez numerosas vítimas na população civil e alarmou as autoridades locais e particularmente as entidades patronais. Até que ponto a população apoiou o movimento é difícil precisar; era inequívoca a simpatia geral pelos revoltosos mas a inexperiência, a falta de motivação direta reduziram tal simpatia a muito pouco, em termos reais. Por outro lado, o Tenentismo iria provar, com o caso concreto de São Paulo, seu claro distanciamento da massa operária. Os dirigentes mais lúcidos do movimento operário paulistano, realmente, buscaram o General Isidoro Dias Lopes e lhe pediram armas, para concretizar a sua participação na luta. Mas o chefe rebelado não ousou aceitar essa adesão, que poderia alterar a qualidade da revolta. A massa operária, em São Paulo, assistiu o movimento, acompanhou os seus lances em clara simpatia pelos revoltosos, mas não ultrapassou esse limite. Elementos estrangeiros, de características proletárias inequívocas, participaram da luta mas dela se afastaram assim que verificaram as dimensões de seus limites e a falta de perspectiva em que se colocaria, quando a superioridade dos legalistas ficou patente e os rebelados mantiveram sua posição de recusa ao apoio popular para a luta armada. Em São Paulo, realmente, o Tenentismo

ficaria caracterizado como movimento de frações militares

da pequena burguesia, temerosas do aprofundamento de sua luta. E esta, entretanto, ganharia dimensões novas e encontraria eco em locais diversos e distantes. A 13 de julho,

realmente,

30

levantava-se parte da guarnição de Aracaju, em

e

e

a

a

Sergipe, depondo o governo estadual. O movimento foi sufocado só a 2 de agosto, isto é, teve razoável duração e demandou

esforço

considerável do governo

para debelá-lo. A

24 de outubro, em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul,

levanta-se a guarnição, sob o comando do capitão Luís Carlos Prestes; a 29, Gay levantava a guarnição de São Luís; Juarez Távora, a de Uruguaiana; Siqueira Campos, a de São Borja; Fernando Távora, a de Cachoeira. No dia 30, João Alberto e Juarez Távora atacavam Alegrete; a 11 de novembro, travava-se o combate de Guaçu-Boi. Como as adesões demorassem, os revoltosos concentraram-se em São Luís e ali estiveram por dois meses, com o controle da situação. A 27 de dezembro de 1924, chegava um emissário do General Isidoro Dias Lopes: sugeria o deslocamento das forças revoltosas para O norte, rumo à Foz do Iguaçu. A 28 de dezembro, os revoltosos de São Paulo retiravam-se da cidade, em comboios ferroviários, rumo às barrancas do rio Paraná, combatendo em diversas cidades do interior do Estado. Batidos em Três Lagoas, desceram o Paraná, ocupando localidades das margens e fazendo da Foz do Iguaçu o centro de gravidade das ações e a sede do comando. Haviam ocorrido

ações isoladas em lugares os mais distantes: a 12 de julho de

1924, levantara-se a guarnição de Ponta Pora, em Mato Grosso; a 23 de julho, o tenente Ribeiro Júnior revoltara a guarnição de Manaus, conseguindo controlar o governo; a 4

de novembro, levantava-se o couraçado São Paulo, sob o comando do tenente Hercolino Cascardo, sendo obrigado a entregar a belonave, em Montevidéu, aos oficiais legalistas. A queda da praça de Catanduvas, no Paraná, em março de 1925, sob o assédio de forças legalistas poderosas, mostrava a necessidade de uma decisão que abrisse perspec-

tivas aos movimentos militares que, dispersos, eram sucessivamente batidos. Muitos elementos já haviam procurado o exílio, desesperados ou simplesmente desanimados quanto a um sucesso próximo do movimento militar. A 2 de abril

desse ano, na Foz do Iguaçu, encontravam-se os chefes dos movimentos surgidos em São Paulo e no Rio Grande do Sul; de um lado, o General Isidoro Dias Lopes; de outro lado, o

31

Capitão Luís Carlos Prestes; ambos acompanhados dos que

os haviam seguido até aí. Duas opiniões se chocaram então: a dos que optavam pelo exílio, à espera de novas e melhores

condições para a retomada da luta, ou já desanimados de que ela conseguisse superar todos os obstáculos que vinha

encontrando, desde 1922; e a dos que optavam pela continuação da luta, mas sob nova forma. O intérprete e defensor acérrimo dessa segunda solução foi o Capitão Luís Carlos Prestes, secundado pelos principais elementos que o haviam seguido desde a arrancada de São Luís das Missões, varando o interior de Santa Catarina e do Paraná. Prevaleceu a posição defendida por Prestes que achava ser a guerra revolucionária, no Brasil, nas condições com que se defrontavam, a guerra de movimento. Tratava-se, para ele, de organizar uma coluna que fosse dotada de capacidade de deslocamento rápido e que percorresse o interior do país, entrando por Mato Grosso e rumando para São Paulo quando adesões significativas ou novas condições o permitissem. Os rápidos deslocamentos impediriam a repressão pelas forças legais, permitiriam provocar adesões em guarnições dos Estados e manteriam viva a chama da revolução de sorte a desencadear novos acontecimentos. A Coluna Prestes, realmente, cumpriu a última parte do projeto, mas foi o limite máximo a que atingiu. Extraordinário feito militar, sem paralelo na história — a sua marcha foi mais longa do que a de Aníbal e do que a dos revolucionários chineses de Mao TseTung — fixou fundamente a imagem do heroísmo tenentista

no espírito popular, levou a bandeira da rebeldia a recantos

do Brasil que desconheciam os mais elementares direitos da cidadania, trouxe em constante preocupação as autoridades e, com isso, provocou dela variadas formas de repressão, desde o emprego de forças regulares até a utilização intensiva da tropilha do latifúndio, que acossou os restos da Coluna até sua internação na Bolívia, em fevereiro de 1927, depois de percorrer cerca de 30.000 quilômetros e de ter travado numerosos e cruentos combates. Não despertou, porém, o que era fundamental, adesões significativas, seus efetivos tenderam à redução e seus recursos em armas e muni-

32

ções estavam praticamente esgotados quando da decisão de encerrar as suas atividades. Ficaria como proeza militar e como exemplo de devoção à causa revolucionária e fixaria na memória popular algumas das personagens mais destacadas do Tenentismo. Entre elas, singularmente, a de Prestes. A imprensa da oposição, que celebrava os feitos da Coluna e mantinha as atenções do público sobre eles, criou o título de Cavaleiro da Esperanca, com que ficou conhecido por muitos anos. O prestígio de Prestes alcançou, naquela fase, um nível como raramente, no Brasil, alguém conheceu. A partir da Coluna, e com à concordância explícita de Isidoro Dias Lopes, Prestes passaria a ser a figura militar mais destacada do país e nada se poderia concretizar sem a sua opinião ser ouvida, daí por diante. No exílio, os remanescentes dos movimentos armados, aguardavam nova oportunidade para intervir na luta. A conspiração, com altos e baixos, prosseguia, animada por eles do exílio e atenta ao quadro político que se agravara no Brasil. Em maio de 1925, quando a Coluna já percorria o interior, o Tenentismo realizava mais um de seus desesperados atos militares, com o ataque

ao quartel do 3º Regimento de Infantaria, na Praia Verme-

lha. Ataque malogrado, evidentemente, pela absoluta falta de condições para o sucesso, e que encerraria, praticamente, a seriação das ações tenentistas.

33

IV. A FASE POLÍTICA O largo painel em que o Tenentismo se desenvolveu, no Brasil, enquadrou-se entre duas grandes crises do capitalismo em escala universal: a crise cíclica de 1920 e particularmente a crise cíclica de 1929, cuja gravidade foi enorme e cujas repercussões em todos os continentes foram muito fortes, incluindo-se a América Latina entre as áreas mais fundamente atingidas pelos seus efeitos e o Brasil como um dos países em que tais efeitos ultrapassaram o nível econômico e financeiro para atingir o nível político, culminando

o processo com a chamada Revolução de 1930, que assinala

um dos últimos episódios do Tenentismo, se é que não foi, realmente, o último. Um dos reflexos da crise cíclica de

1920 foi o declínio da exportação do café brasileiro, em valor; esse declínio não só afetava seriamente a estrutura política dominante, gerando inquietações, como importava em baixa no prestígio das forças políticas da área cafeeira, o Estado de São Paulo particularmente, a que pertencia,

com o Presidente Washington Lufs no poder, a hegemonia nacional. Entre as preocupações deste Presidente, que ostentava O seu mandonismo como se a situação o permitisse, a estabilidade financeira era principal. Como sempre acontece, no Brasil oligárquico e mesmo no contemporâneo, o Brasil de predomínio social da burguesia, projetos de estabilidade monetária ou de segurança econômica para os lucros da classe dominante importavam e importam sempre em prejuízos para as classes dominadas, entre elas a que fornece o trabalho. O mecanismo de transferência de efeitos funciona, nesses projetos ou nos planos que os definem, como rotina habitual: as economias imperialistas transferiam os seus prejuízos para as economias subordinadas e, nos países dependentes, as classes dominantes os transferiam às demais classes, a que faltavam recursos políticos para resistir. De qualquer forma, quando o Presidente Washington Luís, com a obstinação que lhe era característica, pretendeu alcançar a estabilidade financeira, o prestígio do Governo, que vinha sendo abalado sensivelmente pelo movimento tenentista e pelo crescimento de uma oposição política que se articulava agora e tomava formas organizadas de luta, o prestígio do | Governo declinava ainda mais. la ter início uma nova fase no desenvolvimento do Tenentismo. Até aí, os militares haviam timbrado em manter-se distantes dos políticos civis. Predominara, entre eles, a idéia de que a política é uma coisa suja e de que os politicos são necessariamente corruptos ou, quando menos, mais interessados em sua realização pessoal do que na defesa do povo. Essa idéia, a da política como atividade indigna de homens probos, como definida pela defesa do interesse privado, exercida por pessoas desvinculadas do povo e a serviço de lucros ilícitos era um dos elementos conceituais que se inseriam com justeza no pensamento político dos militares. Os objetivos do Tenentismo, como veremos adiante, eram modestos. Eles pretendiam, em suma purificar o regime, republicanizar a República, como costumavam dizer, nas suas formulações, em diversas oportunidades. Nada mais do que isso. Ora, o que vinha sujando a República era a

36

atividade dos políticos. Realizada uma tarefa preliminar de limpeza da área política, tudo entraria nos eixos e o Brasil, finalmente livre da corrupção inerente aos políticos, poderia realizar o seu destino. Daí o ostensivo distanciamento que os militares ligados ao movimento tenentista mantinham para com todos aqueles que exerciam atividades políticas, mesmo quando de oposição. Essa desconfiança aparece nas formulações dos militares empenhados na luta e consta mesmo de documentos, especialmente daqueles trocados entre eles mesmos, isto é, resguardados da divulgação. Portadores de uma missão purificadora, não queriam a ligação com os políticos, que simbolizavam a corrupção. Por seu lado, os políticos, que assistiam às ações desesperadas dos militares, sempre condenadas ao malogro, sentiam-se inseguros ante a desconfiança deles e não viam em tais ações mais do que elas representavam, isoladamente. Isoladamente, eram de repercussão política menor, sem dúvida. Ora, o andamento do processo iria pôr em questão justamente o problema da união entre civis e militares que se propunham renovar a política brasileira. A oposição intermitente, marcada

pelas composições

transitórias que surgiam

por força

das lutas sucessórias, e terminavam com elas — composições de cúpulas, em que os governos estaduais entravam e saíam sem maiores comprometimentos, particularmente programáticos — estava condenada ao fim, suas possibilidades, esgotadas em cada episódio, não se renovavam e, portanto, as perspectivas se fechavam para uma ação efetiva. Em dezembro de 1926 — a Coluna Prestes internar-se-ia na Bolívia pouco depois e longe — Leonel Rocha e Zeca Neto, caudilhos sulinos, trabalhando em combinação com diretrizes de Dias Lopes, dadas em

Libres, sede do comando

te-

nentista, tentaram incursões em território brasileiro, sem sucesso, tendo de retrair para o exílio. Outra tentativa de penetração no Brasil, juntando caudilhos sulinos e elementos tenentistas no exílio, realizou-se em dezembro de 1926 e janeiro de 1927. Eram os estertores de uma agonia que a Coluna Prestes prolongara além de todas as possibilidades e com grandes sacrifícios.

ci

a

e

ci

e

EE



Isidoro

37

Nos últimos dias de setembro de 1927 era fundado, em São Paulo, o Partido Democrático que, adiante, apareceria também no Rio de Janeiro. Era a primeira organização partidária de oposição visando ação política continuada que aparecia no cenário brasileiro, desligada de problemas sucessórios e pretendendo submeter-se ao julgamento popular, em eleições, apresentando programa capaz de atrair apoio. O Partido Democrático assumia dimensão nacional, assim, depois de mais de ano de existência de sua facção paulista, que datava de fevereiro de 1926. Tratava-se de fato novo,

que influiria na mudança em processo. No Rio Grande do

Sul, por outro lado, em novembro de 1927, Getúlio Vargas assumia O governo estadual, chegando ao fim o prolongado exercício de poder por Borges de Medeiros, motivo formal das lutas que haviam dividido as forças políticas do Estado. Empossado em janeiro do ano seguinte, Vargas criava condições para estabelecer um clima novo em seu Estado. Já em março, os entendimentos entre políticos civis e revolucionários militares tinham início de forma sistemática. Era um momento inovador. O quadro geral anunciava mudanças. Alguns fatos menores passavam despercebidos: em dezembro de 1927, Prestes fora procurado, na Bolívia, por Astrojildo Pereira, que falava em nome do Partido Comunista do Brasil, de que fora um dos fundadores. Astrojildo, depois de

vencer sérias resistências na direção do Partido, levava a Prestes propostas concretas de ação comum. Para preparálas, conduzia alguns livros marxistas, que deixou com o comandante da Coluna. Em outubro de 1928, João Pessoa tomava posse do governo da Paraíba. Personagens até aí de segundo plano começavam a despontar. Mas, no geral, importante era a conjugação entre civis, organizados em forma partidária, e militares, que abandonavam sua ojeriza tradicional pelo entendimento com políticos e trocavam a prática da ação armada pela prática da ação política. Ainda assim, em agosto de 1928, Prestes, em documento divulgado em âmbito restrito por Juarez Távora, dava um balanço na situação: achava que os militares não dispunham de elementos para nova ação armada, que os políticos, com os quais já manti-

38

nham entendimentos, não dispunham de organização eficiente, que os recursos financeiros para qualquer ação não estavam disponíveis e que, portanto, “somente em época mais ou menos remota se poderá esperar que tenhamos reunido elementos para um movimento sério”. Era um balanço pessimista da situação, que levava a uma diretriz modesta: os civis deviam continuar a arregimentar-se, mantendo-se, entretanto, isolados da “preparação militar até que esta es-

teja mais ou menos consumada”; os militares “deviam ser trabalhados pelos próprios camaradas com quem já contamos dentro dos corpos, até que se possa apurar, de fato, a possibilidade real de cooperação de cada unidade”. O ano de 1929 iria dar acabamento ao processo de aproximação entre políticos civis e militares revolucionários, com a abertura do problema sucessório. Continuando o que já se vinha processando desde o Civilismo, as sucessões presidenciais abrindo crises e possibilitando cisões nas forças políticas tradicionais, a do Presidente Washington Luís provocaria o agravamento delas a cada lance, agora apresentando aspectos verdadeiramente ameaçadores à es-

e





—— gm

trutura do regime, ao domínio das oligarquias. Contrariando o tácito acordo entre Minas e São Paulo, para revezamento na Presidpncia da República, Washington Luis colocaria todo o peso de sua autoridade no sentido de atribuir a São Paulo, novamente, a Presidência, na pessoa de Júlio Prestes, de quem esperava a continuação da política que vinha desenvolvendo para a estabilização financeira. isso teria consegiiências, inevitavelmente, porque o governador

de Minas Gerais, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, julga-

va-se, por lhe caber a vez e por ser quem era, no direito de suceder ao paulista que governava a nação. Para enfrentar a forma como Washington Luís conduzia o problema, Minas

e Rio Grande do Sul, nele interessados, firmaram um pacto político, em junho de 1929. Habilmente, Antonio Carios

levantaria a candidatura de Getúlio Vargas: a aliança entre os dois Estados parecia suficiente para enfrentar as forças

ongs

ie

governistas.

Quando,

em julho, João

consulta de Washington

Pessoa respondeu

Luís para apoio

&

à candidatura de

39

Júlio Prestes com o contundente /Vego, reforçava-se aquilo que se tornaria, na campanha, a Aliança Liberal, cuja campanha, iniciada em agosto, seria um espetáculo inédito, pelas proporções, abrangendo todo o território nacional. Para ela não apenas concorriam os governadores dos três

Estados, Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, mas os oposi-

cionistas de todos os Estados ao governo central. E, para completar o quadro, os militares exilados e todos aqueles que, embora fora do Tenentismo, viam com preocupação o debilitamento do poder central e a perspectiva de uma luta interna em que seriam necessariamente envolvidos e obrigados a optar. Em dezembro de 1929, Prestes encontrou-se com Vargas, em Porto Alegre, e estava montado um dispositivo que permitia aos exilados entrar e sair do Rio Grande do Sul, participando ativamente da conspiração para vencer o Governo central, aí já desmandado com a intervenção na luta na Paraíba e com medidas de todo gênero destinadas a assegurar a vitória do candidato oficial. Prestes fora procurado, agora em Buenos Aires, por outro emissário da direção do PCB. Entre um fato e o outro — o encontro com o referido emissário comunista e o encontro com Vargas — Prestes, mais uma vez, e falando pelos companheiros de lutas, mostrava-se cético quanto à aliança com os políticos, embora estes, agora, estivessem franca e abertamente desavindos com o governo central. Em carta a um companheiro, em agosto, definia a posição que, a seu ver, os elementos tenentistas deveriam manter. Observando a luta eleitoral, dizia, “não interviemos, evitando alianças que julgamos desnecessárias e, portanto, prejudiciais às verdadeiras reivindicações políticas ou, como já tivemos ocasião de dizer, incompatíveis com as aspirações revolucionárias e ultrajantes à memória dos companheiros que foram sacrificados na Iuta”. João Alberto contou, mais tarde, em suas memórias, que Prestes permanecera irredutível, quando, procurado por ele e por Siqueira Campos, em Buenos Aires, discutira a situação e o problema da aliança com os civis: “Quando, mais tarde, voltei a insistir sobre a questão, Prestes explicou-me que fora a Porto Alegre por insistência do Siqueira e não

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por vontade própria. Adiantou que não confiava em polfti-

cos e, sobretudo, em Osvaldo Aranha, acrescentando que me chamara porque, entre revolucionários, somente eu ou Siqueira poderia controlá-lo”.

As eleições de 1º de março de 1930 foram a repetição

de um velho espetáculo, mostrando que, na República oligárquica, o governo não as perdia de forma alguma, varian-

do entre a corrupção e a fraude, de permeio com a violên-

cia: Vargas foi derrotado no cômputo dos votos. Não satis-

feito, Washington Luís mandou “degolar”” sumariamente toda a bancada paraibana e os elementos mais combativos da bancada mineira. Fazia um aceno ao Rio Grande do Sul para que se conformasse e voltasse ao rebanho. A conspiração que juntava civis e militares entrou em exasperante pausa, parecendo dar razão a Prestes. O órgão do Partido Republicano, em Porto Alegre, saiu com o editorial “Pela ordem”, em que ficava definido um rumo de capitulação. Prestes entendeu bem o recado e escreveu: “Estou informado de que a maioria dos nossos companheiros discorda das minhas idéias e compreendo que a minha exclusão do meio dos antigos revolucionários de 22 e 24 é indispensável. Já expus a minha opinião na carta de 22 de novembro e estou hoje disposto a, depois de prévia e lealmente avisados todos os companheiros, torná-la pública.” Em maio de 1930, pa-

ra culminar o processo de cisão que estava esboçado há

muito, Prestes lançava o seu manifesto “ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das fazendas e das estâncias, à massa miserável do nosso sertão e muito especialmente aos revolucionários sinceros”. Optava por uma linha autenticamente revolucionária e separava-se dos antigos companheiros. O Tenentismo sofria a sua crise mais profunda. Daí por diante, iria dividir-se entre aqueles

que

optavam

pelo

reformismo,

modesto

em

suas

reivindicações ou vago nas suas formulações, e aqueles, minoritários

sem

a menor

dúvida,

que

optavam

por seguir a

linha preconizada por Prestes. Mas os primeiros, em conse-

quência do recuo das forças políticas tradicionais, eventualmente divergentes do poder central no problema sucessório,

41

começavam

a ver que os próprios civis se dividiam entre

uma ala que estava inclinada a voltar a compor-se com o poder vitorioso, abandonando qualquer veleidade de realizar as promessas eleitorais, e uma ala que, minoritária sem a menor dúvida, continuava a voltar-se para a solução da luta armada e continuava, por isso mesmo, a compor-se com os militares tenentistas e a conspirar. Um acidente desafortunado alterou brutalmente o quadro, ajudando a esta última ala: o assassinato de João Pessoa, no Recife, a 26 de julho de 1930. Siqueira Campos, o mais prestigioso dos elementos do Tenentismo, depois de Prestes, falecera em acidente de aviação; Juarez Távora, em junho, contestara a linha preconizada por Prestes e assumira uma posição de liderança no movimento. Era a direita que passava a predominar. A conspiração, com a morte de João Pessoa, foi retomada e avolumou-se. A 3 de outubro de 1930, irrompia o movimento que, a 24, pela opção dos elementos que ainda serviam ao governo central, tornou-se vitorioso. A 3 de novembro, Vargas assumia a chefia do Governo Provisório e Juarez Távora, em seguida, era designado para as funções esdrúxulas de vice-rei do Norte e o Ministério da Viação. Surgiam os tenentes-interventores, figuras que se tornaram objeto de samba. Elementos secundários do Tenentismo passavam a receber prêmios pelo que não haviam feito, salvo raras e honrosas exceções. Outros, mais discretos, voltavam às atividades profissionais. O comando recusado por Prestes, fora ocupado por Góis Monteiro que se tornaria elemento destacado nos acontecimentos militares, daí por diante: a direita era reforçada. No desenvolvimento do pro-

cesso, João Alberto perdia o governo de São Paulo e Miguel Costa era marginalizado. Dividido, surgiram nele divergên-

cias pessoais, lutas por cargos, despojamento das ilusões an-

tigas: nada como o poder para corromper tativa, em 1932, de retorno ao status quo lião paulista dita constitucionalista, ainda do movimento no sentido da recomposição nentismo. Foi o seu último estertor, porém. armas,

42

os que

haviam

as pessoas. A tenante, com a rebeprovocou limitadas fileiras do TeDerrotados pelas

articulado o movimento

de rebeldia

contra o Governo Provisório, foram vitoriosos politicamente: a chamada Revolução de 1930 entrava em ritmo lento e aproximava-se de uma crise de natureza bem diversa, no conturbado período entre 1930 e 1935, quando a agitação provocou uma radicalização de posições de que surgiram em

cena dois tipos de organização: a Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira. Em ambas, elementos tenentistas participaram e isso definiu o desaparecimento dos motivos que antes os haviam unido: o Tenentismo estava morto. A ditadura de 1937, em seguida, provocava o seu desaparecimento do cenário.

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V. CONTEÚDO

E PROGRAMAS

O Tenentismo, particularmente entre 1922 e 1924, período rico em acontecimentos militares, tentativas arma-

das de tomada do poder, foi sempre pobre em manifesta-

ções programáticas. Não houve, da parte dos seus elementos mais destacados, capazes de operar feitos de extraordinário valor e até de singular heroísmo, isto é, na prática, nenhuma preocupação em definir os seus propósitos, especialmente

em elaborar programas. Isto estava ligado, ainda, à antiga e constante refratariedade de seus elementos aos métodos usuais, o horror que neles sempre havia despertado a inocui-

dade dos programas com que os políticos buscavam disfarcar a indigência de seus propósitos e a tendência a assegurar a continuidade da estagnação

tranquilo domínio

republicana, que

permitia o

oligárquico. Obrigados, de quando em

vez, pelo menos na atividade parlamentar, a definir rumos, propor questões, esclarecer tendências, dizer algo sobre os

objetivos que os moviam, os elementos políticos tradicio-

nais não se preocupavam demasiado com as palavras e ainda menos com os compromissos. Mesmo os comícios só se tor-

naram habituais nas fases de crise sucessória e a partir do aparecimento de oposição organizada em partido. Mas não é difícil, entretanto, encontrar, aqui e ali, pronunciamentos que ajudam a esclarecer sobre os propósitos dos elementos militares ligados ao Tenentismo. Em 1922, Eduardo Gomes, no interrogatório policial militar a que foi submetido, infor-

mou

que participara do movimento “porque o governo estava saindo fora da lei com o propósito de intervir em Pernambuco e porque era desejo do país ver afastada a hipóte-

se da posse do Dr. Artur Bernardes”; Siqueira Campos, no seu interrogatório, diz que participara do movimento “porque achava que os últimos atos dele (o governo), já na questão das candidaturas presidenciais, já no caso de Pernambuco e, finalmente, no caso puramente militar da prisão do

Marechal Hermes e nas notas consecutivas, enfim de um modo geral, a maneira por que o governo tratava o Exército, segundo acha o depoente, permitia a esse Exército todos os atos de revolta”: o tenente-coronel Frutuoso Mendes, elemento que se destacara nas Assembléias do Clube Militar, em suas declarações responsabiliza o Presidente Epitácio Pessoa e seus conselheiros pelo movimento, porque “praticou excessivas arbitrariedades, violências, injustiças, desobediência às leis e ultrajes contra as classes armadas e as demais da Nação”, “por ter repreendido e prendido, injustamente, inúmeros oficiais, alguns dos quais de alta patente e sem uma nota que lhes manchasse a brilhante fé de ofício”,

“nela prisão de um marechal, o chefe do Exército, em pleno

estado normal, num regimento comandado por um tenentecoronel, sob o falso pretexto de ter infringido a disciplina”,

“pelo fechamento do histórico Clube Militar de tão gloriosas tradições, ato que por si só basta para evidenciar a sua provocação insolente e injuriosa ao Exército”; os 588 alunos da Escola Militar rebelados confessaram “o haverem feito espontaneamente para auxiliar os chefes a desafrontar o Exército”.

Percebe-se que a nota única, quando não absolutamen— é a desafronte predominante — raramente há mais de uma ta da dignidade militar, ferida por atos do Presidente Epitácio Pessoa. Não há menção a qualquer motivo ou objetivo político; raramente aparece referência às eleições em que Bernardes fora escolhido. Já os revoltosos de 1924, em São Paulo, iam mais longe. Tiveram mesmo a preocupação de deitar manifesto em que buscavam explicar as razões do movimento: “tornar públicas as razões fundamentais do seu movimento e definir os seus objetivos”. Visava “mudar completamente a situação do governo da República e dos Estados, onde isso for necessário à execução do programa revolucionário”. Quanto ao governo — agora de Artur Bernardes — frisava que “o Exército Nacional não pode e não pôde nunca aceitar”, pois “permanecem de pé as gravíssimas ofensas por ele dirigidas ao Exército”. Mas o movimento não visava a pessoa de Bernardes, mas a substituição do seu governo era porque “não está à altura dos destinos do país” e “ser a continuação dos governos eivados de vícios

que têm dirigido o Brasil nestes últimos lustros”, governos “de nepotismo, de advocacia administrativa e de incompetência técnica na alta administração, de concessão em concessão, de acordo em acordo, vêm arruinando paulatinamente as suas forças vivas, aniquilando-o interna e externamente”. O Brasil estava reduzido a “verdadeiras satrápias, desconhecendo-se completamente o merecimento dos homens e estabelecendo-se como condição primordial, para o acesso às posições de evidência, o servilismo contumaz que,

movendo-se pela mola das ambições, cada vez mais se generaliza, constituindo fator de degradação social”. Entrava em detalhes, responsabilizando o governo “por não ter poupado ao país o vexame de uma vistoria estrangeira, ainda se ter dado publicidade, por iniciativa governamental, de um documento da missão inglesa em que até se incluíam graves

insinuações sobre a probidade brasileira”. Era preciso, pois, um governo “de homens arraigados às suas nobres tradições,

capazes de ser aqui uma unidade eficiente do programa qeral de moralização nacional” (esta referência era relacionada

47

informação a m co va ta le mp co se e lo Pau São de so Estado

ia sido feito convite hav já e, dad ali fin tal r ri mp cu a par de, revoluo nt me vi mo O ). o” ad Pr o ni to An o ir he "ao Sr. Consel patriotismo”, ree ão aç gn di in de to ges m “u era cionário

é composto ci ér Ex o e qu or "p r ita mil e ad nt vo a a tav sen pre

ube Militar”. to daqueles que assinaram O manifesto do Cl cidades em as as tod de e l ita cap da tos fei pre os ha in nt Ma

o suas funções e esperava o apoio do povo. É um manifest

menem que é fácil observar um passo à frente: continua a ardes, cionar aversão ao governo e à pessoa de Artur Bern ndo de mas pretende moralizar a República, que vinha rola da interescândalo em escândalo; mencionava, entre eles, o ranvenção em nossos negócios internos de uma missão est ém se aeira. Os revoltosos de Sergipe, no mesmo ano, tamb mensentiam obrigados a deitar manifesto. Começavam por eitos cionar “a situação de desrespeito e menosprezo aos dir s, vêm ano s sei s mo ti úl tes nes , que os pel da ta an pl im s alheio staque governando a República Brasileira”; referia-se com de impondo à "os vexames que esses mesmos dirigentes vêm os ao Presism me os pel o nd za li bi sa on sp re r”, ita mil sse cla sua adesão aos dente Epitácio e ao seu sucessor, declarava o de uma açã tal ins a va ma la oc pr e lo Pau São de s oso revolt poder “o verjunta governativa militar até que assumisse o da Amazônia dadeiro escolhido do povo”. Os revoltosos sto, em julho fe ni ma çar lan a s do ga ri ob em nt se se ém mb ta ecer que, em de 1924. Esse manifesto começa por esclar regime das ao e, nt me sa ho on rg ve , mos edi egr ““r ca, políti r intermédio de donatárias””, constituindo-se o governo “po ínio do diom ed pr O que em as siv pas cas íti pol s ta da concor joguete ignóreito de voto nada mais representa do que um igentes; na dir sos nos os pel , te en lm ve zi re sp de , do ja ne bil ma orçamentos não economia “estacionamos””; nas finanças, OS ivos e falsísess xpr ine os, tic tmé ari s lo bo ím “s de am av ss pa so povo cimos”. Em 35 anos de regime republicano, nos pilho e “ignora o que seja o regime democrático, vive maltra faminto”, porque os governantes nada mais faziam do que - mentir despudoradamente.

Por isso, “nós, militares, não po-

deríamos permanecer por mais tempo surdos a esses angus48

tiosos apelos de proteção e benemerência que, por intermédio de seus sofrimentos e amargores, os nossos concidadãos nos faziam”. Estavam dispostos a ir às últimas consequências para “a regeneração dos nossos costumes políticos”, vi-

sando “ao engrandecimento e à pujança redentora do nosso magestoso e querido Brasil”. Já o manifesto de São Borja, de outubro de 1924, propunha “salvar a Constituição”, declarava que os revoltosos não queriam “subverter as instituições”, e algumas modificações na Carta Magna, em “alguns pontos secundários” seriam suficientes para mudar a face do Brasil. la mais adiante, entretanto, pois alinhava esses pontos: impedir as intervenções nos Estados, unificar a justiça, O ensino, o processo eleitoral e o fisco; tornar o ensino

obrigatório e estimular o ensino profissional; estabelecer o

voto secreto e obrigatório, “estirpar a megalomania dos gastos”; punir os defraudadores do patrimônio do povo; rom-

per a diferença entre o Tesouro “endividado e pobre” e os políticos profissionais que deixavam sempre o poder ““melhorados

e prósperos”;

finalmente,

“cumprir

e fazer cum-

prir com sinceridade e energia todas as leis votadas no país”. Essa simples declaração de intenções era subscrita por personagens como Isidoro Dias Lopes, Honório Lemos, João Francisco, Zeca Neto, Olinto Mesquita, Felipe Portinho, Bernardo Padilha, Leonel Rocha e Miguel Costa. Prestes, no

mesmo mês, em Santo Ângelo, assim justificava a rebelião: proclamava a adesão dos revolucionários do Sul, em diversas guarnições, aos de São Paulo, porque estes lutavam “por amor do Brasil”, para que “o voto do povo seja secreto” e que “a vontade soberana do povo seja uma verdade respeitada nas urnas”, para que “sejam confiscadas as grandes fortunas feitas por membros do governo às custas dos dinheiros do Brasil”, para que os governos “tratem menos da politicagem e cuidem mais do auxílio ao povo laborioso”. Fina-

lizava conclamando os brasileiros à luta “para recobrarmos o dinheiro que os nossos maus governos nos roubaram e podermos assim evitar que em 1927 o governo inglês venha tomar conta das nossas alfândegas e das nossas ricas colônias para cobrar a dívida do Brasil”. 49

Ao longo do tempo, os propósitos dos revolucionários vão encontrando fórmulas novas para se expressarem. Desde a do General Olinto de Mesquita, nas comemorações de 7 de Setembro de 1924, que assume dimensões diferentes do que costumava acontecer e continuaria a acontecer. Como-

vido pela passagem da data, no meio do mato, entre índios,

na retirada de São Paulo, ele define o seu pensamento assim: “Quem são esses pobres caboclos que, abandonados de toda proteção oficial, 102 anos após a constituição da Pátria brasileira, viram, pela primeira vez, a bandeira nacional? São eles os últimos senhores da terra, dominadores dos rios e das florestas, eles, os brasileiros que os conquistadores encontraram no Brasil. Porque vivem assim miseráveis, foragidos nas matas, banidos de onde foram reis? Porque a civilização traz consigo algemas e o índio preza, acima de tudo, a sua liberdade. Foi o capitalismo ignóbil, base da organização social que nos domina, que relegou o índio ao degredo voluntário em que definha. (. . .) Foi para não gemer sob o ergástulo do capitalismo, não mourejar, de sol a sol, para que uma meia dúzia de exploradores sem consciência e políticos profissionais empilhassem tesouros e edificassem palácios que o selvícola brasileiro preferiu vir morrer à marlivres à orla das suas campinas onde se respira, a plenos pulmões, o oxigênio da liberdade, no cume das suas montanhas onde, como nas de que falam os versos de Heredia, crê-se ainda ouvir o grito do

gem

dos

seus

rios, que

ainda

correm

homem livre . . . E rematei concitando os soldados da revolução a cumprir o que fora prometido pelo general: varrer a metralha o capitalismo do Brasil. Desafoguei.” A 14 de se-

tembro de 1925, entretanto, carta assinada por Prestes, Miguel Costa e Juarez Távora, escrevendo em nome da Coluna, mencionava “como limite mínimo de nossas aspirações libe-

50

==

rais”, a revogação da lei da imprensa e a adoção do voto secreto”. Note-se como a reivindicação do voto secreto começa a repetir-se nas manifestações tenentistas. Pode-se considerar como manifestações pessoais, e não expressão do pensamento tenentista como um todo, quer o manifesto de Prestes, quer a resposta de Juarez Távora, ambas de maio de

1930. O Tenentismo sofrera a sua primeira e grave cisão. Na fase em que se conjugam as ações conspirativas dos elementos do Tenentismo e dos elementos políticos que, antes e depois das eleições em que Vargas apareceu como derrotado, trabalharam juntos, o objetivo político aparece resumido em dois pontos: representação e justiça. Finalmente, triunfante a chamada Revolução de 1930, quando o Clube 3 de Outubro pretende conjugar elementos heterogêneos, para corresponder a uma espécie de herança do Tenentismo, isto é, em dezembro de 1931, 0 programa se torna vago e até inexpressivo: “Trabalhar pelo engrandecimento do Brasil. Propagar a grandeza da brasilidade. Combater sistematicamente as preocupações de regionalismo. Pugnar pela uniformização das leis, justica e ensino. Obrigatoriedade de ensino primário. Ensino profissional gratuito. Gratuito ensino secundário. Cultura física. Só comprar o que for de produção genuinamente nacional, salvo quando não existe similar no país. Fazer intensa propa-

ganda contra as companhias estrangeiras que exploram oscilações cambiais para aumento de preco. Combater sistematicamente o luxo”. Era um programa cuja vacuidade dispensaria análise. Em maio de 1932, uma crise interna pratica-

mente liquidava o Clube 3 de Outubro. A luta pelo poder, entre os remanescentes tenentistas e os políticos continuaria a se desenvolver. A revolução paulista de 1932 motivou ainda, e por período transitório, a recomposição das forcas que haviam tido no Tenentismo a sua base fundamental. Depois disso, a sorte do Tenentismo

estava selada. Elemen-

tos diversos, agindo enquanto indivíduos, porque o movimento se perdera, tomariam posições, ora à direita, ora à esquerda, militando alguns na Aliança Nacional Libertadora, outros na Ação Integralista Brasileira, em que esquerda e direita se dividiriam, no Brasil. Mas o Tenentismo já não existia. A discussão sobre o momento em que ele desaparece -de fato é difícil e motiva controvérsias. A rigor, acabou com a chamada Revolução de 1930. Já com o Governo Provisório,'seus remanescentes têm papel de relevo, aqui e ali, nas

interventorias estaduais por exemplo.

Mas esse papel obe91

dece a uma conjuntura nova, a condições novas. É a longa

agonia do Tenentismo, com a destruição progressiva de seus

valores individuais. O quadro político nacional, por outro lado, apresentava, agora, características inteiramente diversas daquelas dos anos 20. A sociedade brasileira era outra. A composição de forças, muito diferente. Não havia mais lugar para o Tenentismo. Este esgotara as suas possibilidades e ficara alijado do cenário. O Tenentismo não pode ser analisado, em suas origens e em seu desenvolvimento, sem a compreensão do fenômeno singular que é a Revolução Burguesa nos países de economia dependente ou colonial, onde ela aparece, pois, inteiramente defasada das motivações que a configuraram em suas fontes clássicas. É por isso que, via de regra, ela se processa por lances sucessivos, por vezes deformados em acontecimentos que enganam os estudiosos, porque disfarçam o processo

profundo

de que emerge.

No

Brasil, foi assim, e a

chamada Revolução de 1930 representou um desses lances, etapa de importância indiscutível, que motivou mudanças significativas na estrutura do Estado, pela participação nele, agora, da burguesia, em busca da hegemonia política. Em países desse tipo, em que o proletariado é numericamente reduzido ou dotado de organização débil, a vanguarda dos movimentos de mudança recai no comando da pequena burguesia: esta é que marca o compasso, levanta as reivindicações e define o andamento do processo. Ora, O alcance, a profundidade,

o sentido das mudanças sociais decorre, pre-

cisamente, da composição de forças e em particular daquela que exerce a hegemonia na fase em questão. O Tenentismo assinala, no Brasil, a pequena burguesia exercendo a hegemonia no processo de mudança, como

vanguarda de uma burguesia que vinha ascendendo lentamente e que temia romper com a classe dominante tradícional,

de

senhores-de-terras,

os

latifundiários,

e que

não

se

sentia ainda ameaçada pelo imperialismo, vendo nele um aliado, para os momentos difíceis, com o qual teria de se compor, em troca embora de concessões. Parcela importan-

te da pequena burguesia, desde que os militares, fundadores 52

do regime republicano, haviam passado a ter espaço nas lutas políticas, os jovens oficiais, acompanhados por alguns altos chefes no primeiro instante, representavam o pensa-

mento político e os anseios de mudança da pequena burguesia a que pertenciam pre

acontece,

de

que

e não tinham

consciência, como

interpretavam,

como

sem-

vanguarda,

O

movimento da burguesia ascensional. Dai terem permanecido, ao longo de todo o tempo, infensos ao apoio do proletariado, cujos interesses não compreendiam e não aceitavam. Daí suas formulações vagas e inócuas, perdidas em verbalismo, muito mais de intenções do que de compromissos. Tratava-se de um reformismo que se disfarçava sempre no aparente radicalismo de algumas ações, aquelas ações dotadas da dimensão do heroísmo que tanto marcaria o prestígio dos elementos tenentistas e para eles carrearia as simpatias gerais do povo brasileiro na época. O Tenentismo representa, em nosso desenvolvimento histórico, numa fase importante pois decorre entre as duas Grandes Guerras, o processo de mudança peculiar a uma sociedade em que o proletariado não atingira ainda o nível quantitativo e qualitativo que lhe permitisse participar como força importante, aparecendo a pequena burguesia como força hegemônica, reivindicadora de alterações que rompessem com o passado mas sem comprometimento com mudanças radicais, assegurando a continuidade de valores tradicionais, de que as classes dominantes não podiam abrir mão. As insuficiências do Tenentismo começam a tornar-se claras, e ele começa a deixar O palco, na medida em que o processo avança e, nele, começa à aparecer uma ameaça de participação do proletariado. As agitações políticas da fase entre 1930, quando triunfa o movimento armado de que o Tenentismo é uma das componentes, e 1935, quando, acompanhando a escalada internacional do fascismo, prepara-se outro lance da ascensão burguesa no Brasil, a ditadura do Estado Novo, assinalam a agonia do Tenentismo, quando o quadro político torna clara a insuficiência de sua proposta, desseu reformismo simplista, e marca o momento a partir do qual a burguesia assume nitidamente o comando do processo político.

53

Ela assume, assim, a vanguarda quando já não necessita da

pequena burguesia para servi-la nesse propósito, que impor-

ta em riscos. E a pequena burguesia, por sua movimento pendular, acompanha a burguesia, essenciais esposa, ao mesmo tempo que evolui, de seus grupos, para uma radicalização que pode

vez, em seu cujos valores com alguns aproximá-la

do proletariado, em circunstâncias e limites bem determinados. A partir daí, o imperialismo terá de lançar mão de

um entorpecente especial, o anticomunismo, para evitar que parcelas da pequena burguesia se aproximem do proletariado e esposem as suas posições. O alvo principal do anticomunismo será, evidentemente as Forças Armadas, o elemento militar. Não há mais lugar para movimentos do tipo do Tenentismo. Os remanescentes desse movimento típico na his-

tória brasileira passam a constituir quadros valiosos para a direita, enquanto uma fração minoritária acompanhará a extrema esquerda, a que emprestará, em largo período, o seu prestígio.

54

CONCLUSÕES O Tenentismo foi, assim, a forma sob a qual a pequena burguesia brasileira, como vanguarda da lenta e acidentada ascensão burguesa, manifestou os seus propósitos reformistas e assinalou a sua repulsa à forma oligárquica como a República construíra o regime e o mantinha. Manifestou-se pela organização de agrupamentos militares aguerridos que buscavam, pela luta armada de início, ocupar espaço na área política, impondo mudanças que não importassem em tocar na estrutura do Estado. O regime era bom, desde que aceitasse pequenos retoques, mais de forma do que de conteúdo. A partir do momento em que a crise econômica de 1929 — a rigor,-a partir da crise cíclica de 1920 — e os episódios-das crises políticas ligadas ao processo sucessório lhe

permitem espaço e oportunidade, o Tenentismo aparecee fulgura. É uma-espécie de trator que abre sulcos no terreno, preparando-o para sementeiras futuras. Sua tarefa demolidora é inequiívóca. O sentido preparatório de que se reveste

aparece à simples análise. Rompedor de resistências tradicionais, longamente ancoradas na sociedade brasileira, o

Tenentismo

esgota

o seu

papel

quando

o quadro

anuncia

ações violentas, empreendidas por pequenos grupos e na intenção de realizar as mudanças para as quais a correlação de forças não está preparada. A participação dos militares na arregimentação das organizações políticas de esquerda, no Brasil — singularidade interessante do processo histórico brasileiro contemporâneo — enquanto lhes permite ostentar capacidade de luta e de organização, leva o fermento, que reponta de quando em vez, de um sentido golpista ineguívoco. Oscilando entre o obreirismo extremado e a tendência para ações isoladas de grupos reduzidos, esperando delas alterações significativas, as forças de esquerda, a partir de sua fusão com remanescentes do Tenentismo, demoram em livrar-se dessa tendência, peculiar à pequena burguesia, que coloca em segundo plano a influência e o papel das massas. O proletariado sofrerá, no Brasil, por isso mesmo, dessa contribuição que, com ser valiosa, impulsiona as suas formas de organização para o oportunismo, de um lado, e para o sectarismo esquerdista, de outro. O Tenentismo passou por algumas fases, em seu desenvolvimento histórico. Na primeira fase, entre 1922 e 1927, timbrou em ostentar o seu caráter militar, fazendo disso um exclusivismo e tendendo a manter um sentido de pureza que o distanciava das forças políticas tradicionais. Desde o levante de 1922, com o momento heróico dos 18 do Forte, até a Coluna Prestes, com os seus extraordinários feitos, passando pelo levante de São Paulo, com repercussão em focos diversos, de dimensão diversa, em outros Estados,

56

=

uma nova personagem na peça, o proletariado. A partir desse momento, aquele papel está liquidado e os quadros tenentistas servirão, de um lado, para robustecer os movimentos de direita, em que as forças resistentes às mudanças depositam suas esperanças, e, de outro lado, os movimentos de esquerda, ainda débeis, compondo-se com os quais lhes levará o seu inequívoco sentido golpista, isto é, a subestima pelas ações de massa e a superestima, correspondente, pelas

decorre a primeira fase do Tenentismo, quando assinala a sua posição e amplia os seus quadros, dando-lhes dimensão nacional. O sentido essencial dessa fase, a sua marca, está na pureza, isto é, na exclusividade buscada e mantida, no distanciamento da política feita pelos políticos. Esta, para os militares revoltados, é uma forma impura de ação pública. isto isola o Tenentismo e lhe dá a nota de ação acima das contingências

reais, mas é, apesar de seu conteúdo conserva-

dor, para não dizer reacionário, brecedor, muito caro à pequena e aplaude as ações armadas que O fim dessa fase inicial pode ser mento da A coesão quicas, os recimento nentismo certeza da

uma espécie de título enoburquesia que acompanha o Tenentismo desenvolve. assinalado com o interna-

Coluna Prestes na Bolívia, em fevereiro de 1927. ainda mantida pelas organizações políticas oligárPRs estaduais e o governo central, impede o apade iniciativa que poderia alterar os rumos do Tee, portanto, do processo político brasileiro. A eternidade de seu mando, entretanto, cega aque-

las organizações, que subestimam o Tenentismo e suas possibilidades. A segunda fase do Tenentismo começa com o exílio de seus remanescentes e coincide com as mudanças que começam a ocorrer no quadro político brasileiro, com o aparecimento

de

partidos

organizados

de

oposição,

não

mais

simplesmente ligados a crises sucessórias mas pretendendo ação prolongada, na certeza de que a situação não poderia permanecer sem alterações e que tais alterações abririam perspectivas, na luta pelo poder, para aqueles que, de forma

organizada,

apresentassem

propostas

dignas

de

aceitação

pela sociedade para mudança de rumos. Essas organizações políticas oposicionistas surgem em São Paulo, com o Parti-

do

Democrático,

ainda na primeira lutas armadas de

aproxima

nentismo.

e no

Rio Grande do Sul, cujo território, fase do Tenentismo, fora sacudido por facções regionais. A tendência natural

essas forças políticas dos remanescentes do Te-

Elas próprias, com o seu aparecimento, denunciam cisões na política tradicional e em suas formas. Esta segunda fase, pois, mostra o Tenentismo aceitando alianças

57

com forças políticas civis, isto é, rompendo o seu isolamento e, assim, abandonando o sentido de pureza antes esposado. O acontecimento principal dessa segunda fase é a chamada Revolução de 1930, resultante da composição com o

Tenentismo de parcelas importantes não só de organizações políticas tradicionais como de executivos estaduais. Não se opera sem dificuldade essa aproximação: de um lado, o dos militares, ocorre o acidente da defecção de Prestes, a sua maior figura, indicado para o comando do movimento político-militar contra o governo que, com recuos e avanços, acaba por se realizar; de outro lado, pela resistência de figuras políticas eminentes, como Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e outras, que se haviam destacado como inimigos marcados pelo Tenentismo e ferozes perseguidores de seus elementos, e cuja participação na luta contra o governo central

era,

entretanto,

indispensável.

Esta

segunda

fase,

em

que o Tenentismo começa violentamente a se desfigurar, perdendo a pureza antes almejada e mantida, é encerrada com a vitória do movimento armado que depõe o Presidente Washington Luís e leva Getúlio Vargas ao Governo Provisório. O seu encerramento pode ser aceito como o do infcio desse Governo Provisório, que apresenta em primeiro plano a figura de Vargas, que ocupará o centro do cenário até sua morte em 1954. A composição com as forças polfticas tradicionais, rompidas com a situação dominante na luta pelo poder contém o germe da terceira fase e, portanto, da derrocada total do Tenentismo. A terceira fase, a de agonia do Tenentismo, tem início então e é assinalada pela luta interna, isto é, pelo antagonismo entre as duas componentes da chamada Revolução de

1930, a configurada pelo forças políticas cindidas que, na luta pelo poder, do os elementos militares

Tenentismo e a configurada pelas das tradicionais, isto é, aquelas optaram pela saída armada, usanque nela se haviam especializado e

o seu prestígio. É uma luta de foice no escuro, que se de-

senvolve ao longo de anos, mas que se anuncia desde o ins-

tante da vitória. Os episódios que a assinalam passam pela divisão do país com a nomeação de Juarez Távora para vice-rei 58

do Norte e a designação de elementos ligados ao Tenentismo para as interventorias estaduais, mas alcançam sua dimensão máxima com a chamada Revolução Constitucionalista, irrompida em São Paulo, em julho de 1932. Derrotados pelas armas, com apoio dos remanescentes do Tenentismo ao Governo Provisório, os rebelados, que pretendiam alijar aqueles de suas posições, incomodados com os propósitos reformadores de alguns de seus figurantes, os interventores estaduais principalmente, acabam triunfando politicamente, quando a anistia e a entrega do governo de São Paulo aos antigos rebelados acaba por lhes dar primazia sobre os impenitentes adversários. Quando, em maio de 1932, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, articulador máximo da chamada Revolução Constitucionalista, escreve: “Não permitiremos que os tenentes voltem a dominar São Paulo” — está proclamando um propósito deliberado, que acabou triunfante. Realmente, o Tenentismo acaba com a vitória de Pirro que

foi, para o conjunto do movimento, o triunfo sobre a rebelião paulista. O Tenentismo estava liquidado. Entre as inegáveis habilidades políticas que constituíram o essencial da personalidade de Vargas está a de ter usado o Tenentismo, até a última gota, desfazendo-se dele, sem pressa mas com clareza, para emergir com diretrizes próprias. Mas isto é já outra história.

59

CRONOLOGIA 1921 —

Outubro, 09 — O Correio da Manhã publica a primeira carta falsa

Outubro,

12 — O Correio da Manhã publica a se-

gunda e republica a primeira carta falsa Novembro, 12 — Assembléia Geral Extraordinária

do Clube Militar; por 439 votos a 112, as cartas atribuídas a Artur Bernardes são aceitas como au-

1922 —

tênticas Dezembro, 28 — Assembléia Geral Extraordinária do Clube Militar, presidida pelo Marechal Hermes Março, 01 — Eleição presidencial Março, 27 — | Congresso do Partido Comunista Brasileiro, iniciado a 25; fundação do Partido Junho, 07 — Bernardes é proclamado Presidente da República, eleito por 466 mil contra 317 mil votos

dados Julho, ca Julho, Forte

a Nilo Peçanha 02 — Prisão do Marechal Hermes da Fonse-

05 — Levante no Rio, na Escola Militar e de Copacabana, e em Mato Grosso Julho, 06 — Episódio dos 18 do Forte Novembro, 15 — Posse de Bernardes na Presidência da República Janeiro, 25 — Rebelião estadual no Rio Grande do Sul Setembro, 09 — Morte do Marechal Hermes da Fonseca Novembro, 07 — Armistício no Rio Grande do Sul Dezembro, 14 — Acordo de paz no Rio Grande do Sul Julho, 05 — Levante em São Paulo Julho, 13 — Levante em Sergipe controla o Estado Julho, 15 — Levante no Amazonas

Julho, 28 — Os revoltosos abandonam a cidade de São Paulo

Agosto, 02 — Sufocado o levante de Sergipe Agosto, 15 — Sufocado o levante do Amazonas

Outubro, 24 — Levante de Santo Ângelo

O

1925

Novembro, 04 — Levante do couraçado São Paulo Novembro, 10 — O couraçado entrega-se em Montevidéu Dezembro, 27 — Prestes deixa São Luiz das Missões, rumo à Foz do Iguaçu, com a sua coluna Março, 26 — Queda da praça de Catanduvas Abril, 02 — Prestes, na Foz do Iguaçu, faz prevalecer a decisão da continuação da luta Abril, 29 — A Coluna transpõe o rio Paraná, em Porto Adela, e atravessa o Paraguai

Maio, 02 — Ataque ao quartel do 3º RI, no Rio de

1926

1927

1928

Janeiro Junho, 23 — Fim da campanha de Mato Grosso Novembro, 17 — A Coluna entra no Maranhão Fevereiro, 24 — Fundação do Partido Democrático, em São Paulo Setembro, 07 — Posse de Antonio Carlos no governo de Minas Gerais Novembro, 04 — Levante no Rio Grande do Sul Novembro, 15 — Posse de Washington Luís na Presidência da República Novembro, 17 — | Congresso do Partido Democrático

Fevereiro, 03 — A Coluna Prestes interna-se na Bo-

lívia Setembro, 27 — Fundação do Partido Democrático Nacional Novembro, 25 — Vargas é eleito Presidente do Estado no Rio Grande do Sul Dezembro, 14 — Encontro de Astrojildo Pereira com Prestes em La Guaiba, na Bolívia Janeiro, 25 — Vargas assume o governo do Rio Grande do Sul Março, 07 — Início da conspiração de civis e militares

62

1929

Outubro, 22 — Posse de João Pessoa, na Paraíba Junho, 17 — Pacto entre Minas e Rio Grande do Sul para a sucessão presidencial Julho, 18 — Encontro de Basbaum com Prestes, em Buenos Aires Julho, 29 — Nego, de João Pessoa Agosto, 05 — Início da campanha da Aliança Liberal na Câmara Federal Dezembro, 16 — Encontro de Prestes com Vargas,

1930

em Porto Alegre Dezembro, 26 — Assassinato de Sousa Filho, na Câmara Janeiro, 01 — Comício da Aliança Liberal, no Rio de Janeiro Fevereiro, 28 — Encontro de Prestes com Vargas, em Porto Alegre Março, 01 — Eleições presidenciais Maio, 09 — Morte de Siqueira Campos Maio, 30 — Publicação do manifesto comunista de Prestes Julho, 26 — Assassinato de João Pessoa Agosto, 02 — Prestes lança a Liga de Ação Revolucionária

Outubro, 03 — Irrompe o movimento revolucionário no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba

Outubro, 06 — Morte de João Dantas, na Detenção do Recife Outubro, 08 — Revolução no Maranhão — rendi-

ção do 12º RI, em Belo Horizonte

Outubro, 10 — Os revolucionários entram tiba Outubro, 12 — Vargas assume o comando lução, em Ponta Grossa Outubro, 15 — Combate da Ribeira Outubro, 24 — Junta Governativa depõe ton Luís Outubro, 28 — João Alberto é designado da revolução em São Paulo

em Curi-

da revo-

Washing-

delegado

63

Novembro, 03 — Vargas assume o Governo Provisório Novembro, 09 — Reversão de Isidoro Dias Lopes à ativa

Novembro, 12 — João Alberto e dam a Legião Revolucionária, em Novembro, 12 — Dissolução dos Novembro, 15 — Nomeação de

Miguel Costa funSão Paulo legislativos interventores nos

Estados Novembro, 19 — Criação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Novembro, 25 — Juarez Távora exonerado do Mi-

nistério da Viação,

que

passa a José Américo de

Almeida Novembro, 26 — João Alberto assume a interventoria em São Paulo Novembro, 26 — João Cabanas é preso, em São Paulo Novembro, 26 — Código dos Interventores

Novembro,

1931

28 — Criação do Ministério do Traba-

lho Dezembro, 04 — o PD deixa de participar do governo de São Paulo Dezembro, 09 — Nomeação dos juízes do Tribunal Especial Fevereiro, 27 — Manifesto da Legião de Outubro Marco, 28 — Carta de Prestes, analisando o movimento de outubro e criticando suas limitações Abril, 03 — Criação do primeiro sindicato de jornalistas e gráficos Abril, 07 — O Partido Democrático rompe com o governo Abril, 12 — Comício, em São Paulo, da Legião Revolucionária Abril, 22 — Desfile da Legião de Outubro, em Belo Horizonte

Julho, 13 — Demissão de João Alberto da interventoria em São Paulo

Julho, 29 — Miguel Costa pede reforma da Força Pública Setembro, 24 — Congresso da Legião Revolucionária, em São Paulo

1932

Novembro, 12 — O General Manoel Rabelo é nomeado interventor em São Paulo Dezembro, 22 — Joarez Távora demite-se de vicereido Norte Janeiro, 17 — Rompimento do Partido Democrático com o Governo Provisório Janeiro, 19 — Manifesto de formação da Frente

Unica em São Paulo

Janeiro, 30 — O Partido Libertador com o Partido Democrático Fevereiro, 16 — Formação da Frente ta (PD, PRP e classes conservadoras) Fevereiro, 24 — Nova lei eleitoral Fevereiro, 25 — Nomeado Pedro de ventor em São Paulo Fevereiro, 25 — Empastelamento do

se solidariza Única paulis-

Toledo

inter-

Diário Cario-

ca, no Rio de Janeiro

Março, 14 — Maurício Cardoso demite-se do Ministério da Justiça Março, 18 — João Alberto nomeado Chefe de Polícia em São Paulo Maio, 25 — Júlio de Mesquita Filho escreve: “Não permitiremos que os tenentes voltem a dominar São Paulo”. Maio, 25 — Juarez Távora pede sua reversão às atividades militares Junho, 03 — Empastelamento de jornais governistas em São Paulo Junho, 27 — O General Leite de Castro deixa o Ministério da Guerra Junho, 29 — Nomeado para Ministro da Guerra o

general reformado Espírito Santo Cardoso Julho, 08 — O General Bertoldo Klinger é reformado

65

— Julho, 09 — Revolução Constitucionalista, em São Paulo

1933

Julho, 10 — Isidoro Dias Lopes adere à revolução paulista Julho, 12 — Klinger assume o comando da revolução em São Paulo e Euclides Figueiredo instala o seu OG em Cruzeiro Setembro, 17 — Capitulação dos rebelados de São Paulo Dezembro, 11 — Juarez Távora aceita o Ministério da Agricultura Maio, 03 — Eleições para a Assembléia Nacional

Constituinte. Chapa Única, em São Paulo

Julho, 14 — O general Waldomiro de Lima deixa a interventoria em São Paulo Julho, 19 — Juarez Távora veta o nome de Armando de Salles Oliveira para interventor em São Paulo Julho, 19 — Armando de Salles Oliveira é nomeado interventor em São Paulo Novembro, 15 — Constituinte

66

Instala-se a Assembléia

Nacional

BIBLIOGRAFIA A bibliografia sobre o Tenentismo, que deve englobar a soma de informações sobre o quadro histórico em que se desenvolveu, atinge, agora, número considerável de contribuições. De forma organizada, a Fundação Getúlio Vargas publicou bibliografia sobre o Tenentismo que, embora com muitas falhas, mesmo para a época, foi a primeira tentativa no gênero e pode servir de base para os interessados em ampliar pesquisas sobre o tema. Forneceremos, aqui, entretanto, pequena relação de obras que podem esclarecer quem

precise ter uma idéia sobre o assunto. E uma bibliografia

essencial e, portanto, sumária. O levante de 1922 é apresentado, em detalhes factuais, no livro de Hélio Silva: 1922. Sangue na areia de Copacabana, com que inaugura a série de volumes ligados ao que denominou ciclo de Vargas. O levante de 1924, em São Paulo pode ser estudado em dois livros: Varrando a Verdade, do General Abílio de Noronha, que era o comandante das forças governistas na capital paulista, e Sob a metralha: histórico da revolta em São Paulo, de 5 de julho de 1924, de Ciro Costa e Eurico de Góes. A Coluna Prestes teve um cronista emérito: Lourenço Moreira Lima, com o seuÀ Coluna Prestes: marchas e combates; na qualidade de secretário da Coluna, Lourenço Moreira Lima escreveu não apenas uma espécie de diário dos acontecimentos, mas, na verdade, um clássico das letras militares brasileiras. Mas o episódio da Coluna pode, ainda, ser estudado em dois outros livros: 1926. A grande marcha, de Hélio Silva e A Coluna Prestes. Análise e depoimentos, de Nelson Werneck Sodré. A fase de entendimentos e alianças entre os elementos tenentistas e políticos desavindos com o governo estabelecido pode ser entendida pelo conhecimento da obra de Paulo Nogueira Filho: /deais e lutas de um burguês progressista. A chamada Revolução de 1930 teve o levantamento de seus acontecimentos feito por Hélio Silva, no volume 7930. A revolução traída. A luta interna, após o triunfo dos revoltosos, está

bem reconstituída em Hélio Silva: 1933. 4 crise do Tenentismo, prolongamento de 1937: Os tenentes no poder, O

movimento constitucionalista de São Paulo foi bem apre-

ciado ainda por Hélio Silva; 1932: A guerra paulista. Esses três volumes do chamado ciclo de Vargas, acompanham a longa agonia do Tenentismo. Edgard Carone, com O Tenentismo, reuniu, aproveitando trechos de documentos, a trajetória do movimento, alinhando os acontecimentos, as personagens e os programas, além de apresentar bibliografia. Creio que, para enquadramento do fenômeno político que

foi o Tenentismo no quadro geral do desenvolvimento histórico brasileiro, seria conveniente ler: Nelson Werneck Sodré: História Militar do Brasil e alguma coisa sobre a chamada República Velha: pessoalmente, gosto das obras de Afonso Arinos de Melo Franco, as biografias de seu pai, Afrânio de Melo Franco, e de Rodrigues Alves, como da análise de Barbosa Lima Sobrinho: A verdade sobre a revolução de outubro. Esta é a bibliografia essencial, que levará, naturalmente, os interessados no aprofundamento de seus

estudos, a uma lista maior e mais variada. É preciso sempre

lembrar que o Tenentismo foi episódio da revolução burguesa no Brasil, sem cuja compreensão será impossível entendê-lo em suas motivações e em seu processo.

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