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Portuguese Pages 127 Year 1976
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FICHA (Preparada pelo Câmara
Santa
S224s5 3.2 ed.
CATALOGRÁFICA
Centro de Catalogação-na-Fonte, Brasileira do Livro, SP)
Rosa,
Virgínio,
O sentido do Werneck Sodré. 3.2 p. (Biblioteca série 1.º, História, 1.
2.
Brasil
Tenentismo
—
—
1905-
tenentismo; prefácio de Nélson ed. São Paulo, Alfa-Omega, 1976. Alfa-Omega de ciências sociais. v. 7). História Brasil
—
I.
Revoltas
Título.
tenentistas
CDD-981.05
17. 18. lt. 18.
79-1169
ÍNDICE Brasil
PARA
: Tenentes
tica 323.20981
Brasil
: Grupos
(17.)
: Tenentismo
301.2420981
CATÁLOGO
(18.)
:
— 301.1530981 — 301.2420981 — 323.20981 — 322.420981
SISTEMÁTICO:
revolucionários :
322420981
(18.)
Sociologia
301.1530981
Revoltas
tenentistas
: Brasil
Tenentes
: Revoltas
: Brasil
: História : História
Ciência
poli-
(17.)
republicana republicana
981.05 981.05
O
Sentido
do
Tenentismo
BIBLIOTECA
ALFA
OMEGA
périe
Lê
—
DE
CIÊNCIAS
Volume
7
HISTÓRIA
DIREÇÃO Reynaldo
Xavier
(Universidade
CONSELHO
Carneiro de
São
Pessoa
Paulo)
ORIENTADOR
Luiz Pinto Ferreira Reynaldo Xavier Carneiro
Geraldino Porto Witter Nagib Lima Feres Duglas Teixeira Monteiro Álvaro Alves de Faria Paulo Sérgio Pinheiro
Pessoa
SOCIAIS
VIRGÍNIO
O
SANTA
Tenentismo
do
Sentido
PREFÁCIO Nelson
ROSA
DE
Werneck
Sodré
3.º edição
AQN
EDITORA
São
ALFA Paulo 1976
OMEGA
O SENTIDO
DO
TENENTISMO
1.à edição,
1933, Schmidt
2.º edição,
1964, Ed.
3.2 edição,
1976,
Editor,
Civilização
Ed. Alfa
R.d. Brasileira,
Omega,
R.J.
S.P.
Capa
AGUNE,
FALANQUI
E TEDESCHI
Revisão
[
ANALDINO
Pesquisa
Biobibliográfica
,
GRAÇA
Direitos
Reservados
EDITORA 05411
—
Impresso
Printed
Rua
ALFA
OMEGA,
Cristiano
no Brasil
in Brazil
Viana,
LTDA. 302 —
01000 —
São
Paulo
—
SP.
CONTEÚDO
Sobre
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IX
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Dedicatória.
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Prefácio
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Explicação
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Capítulo 1 «sais nssssopaso aa Porta a aro fto Ro pe SR
23
Capítulo
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33
Capítulo
III
Capítulo
IV
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103
SOBRE
O AUTOR
Virgínio Santa Rosa nasceu em Belém do Pará em 1905. Engenheiro civil, ocupou o cargo de diretor das ferrovias de Bragança (Pará), São Luís-Terezina (Maranhão), Tocantins (Pará), Central do Piauí (Piauí) e da Estrada de Ferro Goiás (Goiás).
Foi deputado federal pelo Estado do Pará de 1950 a 1960, ocupando também o cargo de Secretário Nacional do Partido Progressista no período de 1954 a 1962. Publicou pela Schmidt Editor as seguintes obras: A Desordem (1932); O Sentido do Tenentismo (1933), obra reeditada em 1964 pela Editora Civilização Brasi leira e que agora lançamos em terceira edição. Ainda pela Schmidt Editor publicou, em 1935, o livro Paisagens do Brasil. Como romancista estreou, em 1964, com o livro A Estrada e o Rio, publicado pela O Cruzeiro.
Virgínio Santa Rosa é largamente citado nas obras de Nelson Werneck Sodré, Guerreiro Ramos, Barbosa Lima Sobrinho e Agripino Grieco.
Atualmente
tem em preparo a obra
rária, Dostoiewski,
O Homem
e A Visão. Os
de análise lite-
editores
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“Ce ne sont point les hommes qui meênent la Revolution c'est la Revolution qui emploie les hommes”. DE
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PREFACIO
E muito raro acontecer a coincidência entre os acontecimentos e sua interpretação exata, e isso tem levado a afirmações categóricas a respeito da impossibilidade
dessa interpretação exata no decorrer dos acontecimentos ou na imediata sequência deles. Surge daí a observação a respeito da famigerada e inócua perspectiva histórica, ligada à conceituação de que a história só se
ocupa do passado. Acontece que a necessidade de perspectiva decorre precisamente da insuficiência dos instrumentos manejados, isto é: a aparente impossibilidade de situar os acontecimentos, de analisá-los, de interpretá-los, deles retirando a essência, o fio condutor,
denuncia não um fenômeno generalizado, mas o caso particular das sociedades em que as ciências sociais não se constituíram ainda como campo autônomo no processo do conhecimento. O Brasil
esteve nesse
caso,
até bem
pouco,
e aí se
justificava a necessidade da distância no tempo, em relação aos acontecimentos, permitindo a sua interpretação científica. É necessário verificar, entretanto, e por outro lado, como isso não dizia respeito apenas aos acontecimentos próximos, mas também ao passado mais distante. É que as ciências da sociedade são ainda recentes, entre nós, datam de poucos anos e o campo de sua aplicação permanece, por isso mesmo, muito vasto e exigindo contribuições as mais variadas. O fato de raramente encontrarmos, assim, a exata interpretação dos acontecimentos, no decorrer dos próprios acontecimentos, ou na imediata segiiência deles, não consXV
titui uma regra, uma norma, uma lei, não representa o geral, mas o particular do Brasil, e dos países do tipo do Brasil, em que as ciências da sociedade se conservam em grande atraso. Esse atraso é um dos aspectos mais característicos do chamado subdesenvolvimento que, como se sabe, ocorre também no campo da cultura. Deu lugar, entre
Eram acontecimentos complexos: todo um movimento político que, visto em superfície, apresentava-se de determinada forma, e, visto em profundidade, revelava
aspectos muito diferentes. Foram variados os estudos que apreciaram tal movimento político, segundo os seus indícios superficiais, a sucessão dos acontecimentos, o lado biográfico das personagens, o anedotário. Foram poucos os que o apreciaram em profundidade; entre estes, o estudo de Virgínio Santa Rosa destacou-se de imediato. De que se tratava, na época? De apreciar as mudanças decorrentes da luta entre determinado tipo de política, aquele que visava preservar e manter os AVI
a
em ciências sociais. Não decorria, pois, da incapacidade individual dos nossos intérpretes indígenas, alguns altamente dotados, tão dotados, como indivíduos, quanto os atuais. Estes distinguem-se dos seus antecessores, apenas por viverem uma outra época, uma época em que dispõem de um instrumental científico, que lhes permite a interpretação dos acontecimentos, no próprio fluxo deles, possibilitando, assim, uma participação mais íntima e mais esclarecida, na própria segiiência dos acontecimentos, isto é, na história. Tudo isto vem muito a propósito, para o caso particular de um livro como este. Porque a singularidade marcante de O Sentido do Tenentismo esteve na possibilidade, que Virgínio Santa Rosa encontrou, de interpretar os acontecimentos na imediata sequência deles.
E
nós, a fenômenos como o da alienação e da transplantação cultural, de que se ocupam, hoje, os especialistas
o
RR
e
interesses das oligarquias que dominavam a República, e outro tipo de política, que se vinha desenvolvendo e acabou-se
tipificando,
a certa altura, nas
reivindicações
levantadas pelos jovens oficiais, os tenentes, que participavam de sucessivos movimentos de rebelião armada, acabando por configurar claramente uma corrente, a “tenentista”. O “tenentismo”, Guerra Mundial e o Estado
entre o fim da Primeira Novo, ocupou o cenário
brasileiro, avultando como manifestação política, cuja complexidade escapava, via de regra, à análise dos contemporâneos. Os acontecimentos e as figuras eram apreciados
em
separado,
e exaustivamente
analisados,
e sucessivamente discutidos, em face do enorme interesse que tudo isso apresentava. O fenômeno, na sua profundidade, permanecia obscuro, entretanto. Virgínio Santa Rosa foi o iniciador de sua exata conceituação: colocou-o em seus devidos termos. E fez tudo isso na segiiência dos próprios acontecimentos, com as personagens ainda no palco. Essa a característica marcante de sua interpretação, que permanece válida, como das mais importantes contribuições ao conhecimento da história da fase republicana em nosso País. À essência do movimento tenentista consistiu no seu papel ligado ao processo de ascensão da burguesia brasileira, em luta contra o absoluto domínio exercido pela classe latifundiária. Tal luta, na área política, iniciouse com a própria República. A ascensão burguesa sofreu uma derrota, entretanto, com a imposição da chamada política dos governadores”, iniciada por Campos Sales, e complementando necessariamente a política
econômica nho. Era o de forma legando os tifúndio
e financeira defendida por Joaquim Murtipleno domínio das oligarquias, que se refletiu, ostensiva, no problema da representação, reatos eleitorais a simples farsas, em que o la-
escolhia
e impunha
os seus
representantes,
ve-
dando às demais classes e camadas sociais brasileiras o XVII
— mm me ce qu do
direito à representação. As sucessões presidenciais, pelo caráter nacional do problema, apresentavam sempre momentos de crise, na estrutura política rigorosa e hermética, articulada pelas oligarquias, para o pleno domí. nio da representação. Por isso mesmo, os pleitos em que Rui Barbosa, autêntico intérprete das reivindica-
ções burguesas, se apresentou como candidato de oposição, e só nessa qualidade lhe foi possível ser candi-
dato, caracterizam as preliminares da luta entre a burguesia, ansiosa por uma participação melhor na repre-
dominante. Os movimentos começaram a suceder-se, cada vez mais amiúde, e em diversos pontos do território nacional. Foram sempre derrotados, do ponto de vista militar; mas é inegável que, a cada um, aumentava a influência do movimento tenentista, que passou a constituir uma força importante no processo político brasileiro. E, como era natural, a reivindicação fundamental dos participantes nesses sucessivos atos de rebelião armada consistia na representação livre e ampla, complementada pela necessidade de uma justiça, que assegurasse à representação as condições indispensáveis a sua vigência. Eram postulados nitidamente burgueses, postulados que demandavam enquadrar as institui ções XVII
me e P
a situação
CT
militar,
a
a rebelião
1
com
a
quebrar,
aca
tativas para
—
vas, que o latifúndio não abriria mão, pelo caminho político, de sua dominação longuíssima, usando e abusando de todos os processos, para burlar a representação e para reduzi-la à farsa a que se limitara. A inutilidade dessas tentativas é que abriu caminho ao movimento tenentista, que se propunha, pela violência armada, alterar o quadro tradicional. Grupos cada vez mais numerosos de jovens oficiais empreenderam sucessivas ten-
e
O sistema, pela repetição das tentativas, provou sua ineficácia: tornou-se claro, depois de algumas tentati-
8
sentação e no poder, e o latifúndio, que persistia tenazmente na defesa de seus privilégios nesse campo.
republicanas, em suas virtudes originais, isto é, na clara representação da classe burguesa, que tão bem tipificavam em suas origens clássicas. A crise de 1929 permitiu ao movimento tenentista aglutinar-se com outras forças políticas, tradicionais algumas, capazes de constituir a ampla frente que desembocaria na Revolução de 1930, logo vitoriosa. Aquela Revolução trouxe, assim, como uma de suas componentes principais, a corrente tenentista. E abriu-se nova
fase: a da luta entre essa corrente e as correntes políticas
tradicionais,
aliadas
para
derrocar
a situação
ante-
rior, mas agora divididas, pelos seus propósitos divergentes. É a fase que decorre entre a Revolução de 1930 e a instauração
do
Estado
Novo.
O
movimento
tenen-
tista sofre uma derrota, que o inutilizará, abrindo caminho para o alinhamento de outras forças, que vão herdar muitas de suas justas reivindicações, ampliandoas consideravelmente, e fazendo com que ele, como movimento militar, começasse a perder o sentido. A importância da interpretação de Virgínio Santa Rosa consiste em ter visto, nesta fase, o seu desenvolvimento, abrindo as perspectivas para o processo posterior, em que o tenentismo perdia a razão de ser. No seu aparecimento, este livro representava uma
singularidade. Muitos livros apareceram, então, a respeito do tenentismo. Ocupavam-se, porém, de seus aspectos particulares, da figura deste ou daquele chefe, de alguns episódios políticos ou militares, situando divergências menores, quase sempre, ou procurando distinguir valores individuais. Constituíram fontes preciosas
de informação, quase sempre, mas foram, a pouco e pouco, marginalizados pelas suas próprias insuficiências. Ora, nesse conjunto variado, o aparecimento de uma análise de conjunto, do tipo da que apresentava Virgínio Santa Rosa, era algo de insólito. O livro mereceu, pois, toda atenção, da parte do reduzido número dos XIX
ue ma =
que procuravam
situar o geral
no particular numeroso
da massa informativa. Para estes, que eram os estudiosos de ciências sociais, ainda em início em nosso País,
a contribuição de Virgínio Santa Rosa foi indispensável. Mas não alcançou o público, entretanto, o leitor comum,
mais preocupado, ainda, com os feitos e com os heróis,
personagens ainda vivas e com participação na agitação política. A proporção em que o tempo passava, entretanto, a estima pela interpretação de Virgínio Santa Rosa crescia. Mas o livro já não era encontrado nas livrarias. Até este momento, quando, muito citado sempre
por
todos
os
que
o conheceram,
permanece
desco-
nhecido dos leitores mais modernos, que não o encontram. A história do período republicano está sendo feita, e se encontra ainda em esboço. Não há historiador, sociólogo ou político, entre os que vêm contribuindo para que ela seja feita, que se tenha dispensado de utilizar o livro de Virgínio Santa Rosa, que ficou assim como contribuição marcante e clássica de determinado período, o tenentista. Tornou-se, pois, indispensável reeditar esta fonte imprescindível para o conhecimento de uma fase
e de
um
fenômeno
complexo,
como
o
tenentista,
a respeito do qual há muitas e variadas fontes tivas, mas pouquíssimas de interpretação exata, junto e geral. O Sentido do Tenentismo tem rísticas pioneiras, portanto. Deve ser visto na
informade concaractesituação
em que apareceu, e quando se apresentou como algo de
insólito. E representa, sem a menor dúvida, uma das mais sagazes interpretações que a história política brasileira conhece, e uma contribuição importante para o conhecimento do período republicano e da fase de ascensão burguesa em particular. NELSON
WERNECK
SODRÉ
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1
O SENTIDO
DO
TENENTISMO
EXPLICAÇÃO
Muitos julgarão, por certo, uma rematada audácia a publicação deste ensaio sobre o tenentismo. Não quero referir-me àqueles que, privados de visão sociológica, consideram os tenentes como uma invenção habilíssima do Ditador Getúlio Vargas... E penso tão-somente na-
queles que, mais inteligentes e perspicazes, possam cogitar do aspecto meramente intelectual do meu trabalho, quanto as suas possibilidades de veracidade. De fato, à primeira vista, eles poderão ter alguma razão: faltame ainda o recuo dos anos, a perspectiva indispensável para avaliar serenamente os fatores em jogo. Todavia, o fenômeno que se está processando no Brasil é tão geral, já foi observado em tantos países, que pode ser
diagnosticado
com quase absoluta precisão. E para al-
guém compreendê-lo, basta desvencilhar-se do critério personalista de julgar os fatos pela presença deste ou
daquele homem... É preciso também despir os antolhos do fetichismo democrático e abandonar o vício sentimental, genuinamente nacional, de qualificar um movimento político-social pela honestidade e correção moral das personalidades que o dirigem. Isso é muito pouco e impede a verdadeira compreensão do sentido dos acontecimentos. É um modo de apreciação puramente subjetivo, sujeito às influências das correntes interessadas e propício às explorações dos pescadores de
águas turvas.
Publico
este
pequeno
ensaio
com
o propósito
de AXI
de
partidarismo,
cegas
ao
desenvolvimento
ET
de-
terminista da evolução universal, estiolam-se num rancor sumamente inútil e prejudicial. O ódio murcha muitos cérebros moços, anquilosando-os num saudosismo estéril, sem nada de construtivo. Se conseguir libertar um só, dentre muitos, dar-me-ei por inteiramen-
E
sessas
inteligências que porventura o para maior serenidade dos espítem desencadeado paixões terrímais claras e plácidas, pos-
SS
procurar esclarecer as lerem e concorrer assim ritos. A incompreensão veis. As inteligências
te pago do meu esforço. Condições particulares de vida e circunstâncias de formação intelectual permitiram a minha permanência longe dos centros de efervescências das paixões parti-
VIRGÍNIO
XXII
SANTA
ROSA
Estes
dárias. E isso como que me deu, igualmente, a perspectiva indispensável para o julgamento dos fatos, uma serenidade maior para a apreciação das correntes. Tenho vivido nos dias presentes completamente alheio ao turbilhão dos ódios e rancores, surdo ao critério exclusivamente pessoal de analisar o movimento social brasileiro pelo exame microscópico da mentalidade dos seus principais dirigentes. E, por isso, acredito poder confiar na veracidade deste ensaio, escrito sem preocupações de ordem partidária.
I A vida econômica e social do 2º Império arrimouse inteiramente nos ombros humildes do negro. Foi o braço escravo, num esforço tenaz e silencioso, moure-
jando nos eitos banhados de sol ou laborando no fundo
das senzalas, que colocou as vigas-mestras que suportam a nossa produção. O latifúndio e as cidades mortas do interior brasileiro surgiram das selvas e dos campos unicamente pelo milagre desse trabalho resignado e anônimo. Lento e lento, numa construção muda e pertinaz, o escravo formou as fazendas de café do Vale do Paraíba, os engenhos açucareiros de Pernambuco e os cacauais baianos... Naquele período, tudo nasceu tãosomente do esforço do negro. Foi ele quem plantou os esteios de aroeira dos solares coloniais, das casas de moradas das fazendas; ele quem ergueu cidades, calçou ruas e puxou aquedutos das nascentes distantes. E, dentro dos latifúndios ou nos recintos urbanos, foi ele o artesão exclusivo, o operário manual por excelência, o único capaz de extrair objetos úteis da matéria bruta. Ao lado dos escravos vicejava a multidão brilhante dos senhores territoriais, a nossa aristocracia rural. O seu destino era um dilema imperioso: ou vivia subjugada à terra, na madraçaria das caçadas e pescarias e multiplicando a plebe das senzalas — ou fugia à reali-
dade triste, empavoando-se de bovarismo, entulhando-se
de bacharelice. E, quase sempre, em todos os casos, os grandes fazendeiros, ciosos de hegemonia política, despachavam os filhos para os bancos e exames das Faculdades de Direito de Recife ou S. Paulo. Ali, eles se
2s
adestravam em prélios oratórios, cultivavam os dotes poéticos, exacerbando as imaginações já exaustivamente exacerbadas pelos sóis tropicais. Esses eram os futuros dirigentes, nascidos no latifúndio e esquecidos do espí rito da nossa terra, pela atração empolgante das cortes européias. Todavia, antes de tudo, por trás desse bova-
rismo de suntuosidades
literárias, eles eram
principal-
mente os filhos dos grandes fazendeiros, os representantes dos inumeráveis interesses latifundiários, os componentes das oligarquias e clãs políticas que con stituíam a realidade nacional. Nabuco, apesar de sua ide alidade sublimada, é a expressão mais legítima, a flor mais maravilhosa dessa aristocracia rural.
Com a abolição da escravatura, alcançada sem opo-
sição decidida dos interesses fazendeiros, a nossa aristocracia latifundiária se arruinou. O romantismo dos seus representantes não resistiu à orgia de sentiment alismo que sacudiu o Brasil e consentiu idealisticament e
na amputação do seu braço poderoso. Então, a propriedade
oscilou
em
suas
bases,
sucedendo-se
um
colapso
prolongado na turbulência dos latifúndios. Um histor iador traça o quadro: — “O êxodo geral para as cidades, a escravaria solta, os cafezais abandonados, os canavi ais perdidos, os engenhos com suas chaminés sem fumo e a sua maquinaria imobilizada”.! Os barões e sen hores foram abalando, morrendo, expulsos ou ralado s de penas sob ameaças de penhoras e hipotecas. A burguesia cresceu, invadiu as terras, apossou-se dos latifúndios. e dos cargos eletivos, numa inflação tenaz e invencível.
Não houve resistência possível. E os vultos políticos do passado, alijados das posições do mando, recolheram-se ao ostracismo ou resignaram-se à vida brilhante da diplomacia. A República, tocada pelo individual ismo mercantil 1!
24
Oliveira Vianna,
O
Ocaso
do Império.
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do século XIX, iniciou prontamente a política de expansionismo econômico. O ensilhamento dos primeiros instantes descobre o açodamento das almas. E a consequência de semelhante estado de ânimo foi a febre materialista do princípio do século, o industrialismo, o incremento da imigração, a construção de vias de comunicações. A onda mundial, de desenvolvimento do
trazendo no capitalismo,
bojo os germens quebrou-se mais
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AR
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uma vez de encontro à Serra do Mar...
A princípio, o
movimento não deixou perceber toda a sua força de aceleração própria, coibido pela inércia reacionária. Caminhou-se devagar, seguindo os passos prudentes do Império; o choque do ensilhamento reafirmara a necessidade de precaução. Só depois, na presidência Rodrigues Alves, começou-se subitamente a construção de portos marítimos, assentamentos de linhas férreas e o indígena embasbacou ante mil maravilhas. Nesse tempo, o latifúndio, base da vida econômica nacional, já voltara a si, do desmaio sofrido com a abolição do elemento servil. A cultura cafeeira, atraída pela existência dos primeiros colonos alienígenas, havia-se deslocado do Vale do Paraíba, para os planaltos de terras roxas de S. Paulo. O braço escravo fora rapidamente substituído pelo trabalhador estrangeiro, salariado, seduzido pelas sugestões e vantagens da nova e ruidosa política imigratória. O latifúndio renascia, recuperando a sua posição de destaque na vida econômica e política do Brasil. Ressurgindo, ele exigia os braços capazes de cultivá-lo. O velho Moloch bradava por novas vítimas e os governos, na ânsia de recursos, voltados sobre o domínio rural, desejosos de reanimá-lo, como fonte de riqueza, trataram de chamar as correntes humanas para o seu seio... Abandonou-se, portanto, o velho ideal do Império, que subordinava o problema da imigração à formação de pequenas propriedades. O ritmo de expansão da burguesia não permitiu a continua-
Mo
ção dessa orientação sensata, fértil em consegiiências benéficas. E, por isso, aí existem somente, como exemplo e modelo, as granjas e sítios dos núcleos coloniais alemães de Sta. Catarina e Rio Grande do Sul. A ascensão contínua da burguesia correu parelha
com o progresso das nossas principais cidades. As realizações materiais e o crescimento das populações nais
acresceram
a importância
dos
centros
nacio-
urbanos
do
litoral e dos planaltos interiores. O diapasão industrial do século já pontilhara, aqui e ali, uma ou outra iniciativa apressada, quando a Grande Guerra veio provocar a proliferação dos grandes parques manufatureiros, que o protecionismo alfandegário havia de teimar em conservar...
Assim,
cresceram
as
cidades,
melhoradas
e
embelezadas pelos cuidados das municipalidades; surgiu o comércio interno ativo e poderoso, exigindo multidões ao seu serviço; aumentaram as necessidades da administração pública, requerendo novos funcionários; brotaram os parques industriais de S. Paulo, Juiz de Fora, Rio de Janeiro milhares de operários
e Rio Grande do e empregados...
Sul
etc.,
com
A história da nossa existência republicana é, por conseguinte, o gráfico fiel da evolução da burguesia nacional. Débil e frágil no Império, ela nasceu para a vida social, com a ruína dos senhores territoriais. Enriquecida com a queda da aristocracia rural brasileira, essa burguesia tomou posse da terra e, através do poder latente dos latifúndios, dominou a política do país. De um salto, adquiriu as mais elevadas posições. E o progresso material do século só serviu aos membros dessa classe. Foi de dentro dela que surgiram os nossos industriais, os nossos comerciantes e os fazendeiros de café dos planaltos de S. Paulo. A redução da aristocracia rural, dos landlords, foi feita, sem que a burguesia encontrasse o menor entrave. 26
De fato, não podia
haver nenhuma
outra força que se
opusesse ou, ao menos, criasse um freio à desenvoltura do seu movimento ascensional. A classe vitoriosa agitou-se solta e livremente, sem o mais insignificante obs-
táculo. O Estado tornou-se a expressão dos seus interesses e desejos mais profundos, dominado por intermédio da coação todo-poderosa dos latifúndios, realizada no seio dos clãs políticos dos coronéis fazendeiros. É que os escravos libertos tinham vindo engrossar a plebe dos agregados, a massa plástica e dócil aos interesses partidários das oligarquias. E assim, pouco a pouco, com o andar
dos anos, surgiu a plutocracia
tênue
brasileira,
e apagada, como o nosso capitalismo e movendo-se numa estrutura constitucional, inteiramente favorável aos seus sonhos de predomínio. Lado a lado, acompanhando a curva dessa ascensão
vertiginosa, cresceu também a pequena burguesia. O desenvolvimento das indústrias e do comércio, exigindo múltiplas funções e cargos, provocou uma diferenciação mais ou menos instantânea no seio das massas anônimas
das populações nacionais. Destacou-se o funcionário das administrações públicas e particulares, o empregado do comércio, o proletário dos campos e das fábricas. Como o grau reduzido do padrão de vida brasileiro não permite que sejam muito profundos os sulcos que distinguem esses diversos setores de nossa idade econômica, e a pobreza de nossa existência material e o meio feudalismo de nossa economia não consentem maiores caracterizações no quadro
agruparam
Nasceu,
social, todos
numa única classe. assim,
com
essas
esses elementos
diferenciações,
a
se
nossa
pequena burguesia, formada exclusivamente pelas classes médias das cidades, o operário das fábricas e os párias quase inconscientes dos campos. Essa camada nova das populações nacionais, pouco a pouco surgiu do subsolo social do Brasil e foi adquirindo, embora muito lentaed
mente, plena consciência dos seus direitos. E, como
novo
órgão do organismo nacional, dotada do instinto do poderio, procurou logo atingir a sua expressão política. Novo estágio de crescimento do corpo social bra-
sileiro, novas necessidades. Isso é lógico, natural e humano. Tivemos assim, desde cedo, dois grupos em frente um do outro. Dum lado, a burguesia, confundida com a alta burguesia, devido ao acanhado desenvolvimento do nosso capitalismo. Do outro lado, a pequena burguesia, confundida com o proletariado, graças à miséria da nossa existência material. A primeira possuía o poder, baseada na posse dos latifúndios, armada com a máquina de poderosas oligarquias políticas. A segunda atacava e solapava os bastiões burgueses com todas as forças e armas de que podia dispor.
Todas as tentativas esboçadas pela pequena burguesia, para conquistar posições de mando no quadro polí-
tico-social brasileiro, anularam-se de baque ante às resistências todo-poderosas dos interesses dos grandes proprietários de terras. As oligarquias políticas, defen-
soras da vontade
de domínio
desses caudilhos, mascara-
das em partidos regionais, destruíram propícios e negaram as pretensões mais táveis. Uma luta sem quartel tornou-se, inevitável. Espalhou-se sobre as cidades
como que um mal-estar geral. Todos
os ataques mais humanas e aceipor conseguinte, mais populosas
gritavam, todos
reclamavam. Qualquer coisa de tênue e invisível parecia corroer as energias e agitar as almas. Havia uma As
opressão desconhecida sobre as populações. O desinteresse pelos problemas políticos, a murmuração contra as personalidades em evidência, o espírito de oposição sistemática, a repulsa a quaisquer medidas governamentais eram os índices denunciadores de uma divergência profunda e indelével entre os nossos dirigentes e as populações dos centros urbanos mais consideráveis. A onda de clamor era geral. Não houve governo capaz de satisfazer, dentro
do atual
quadro
social, os reclamos
das
massas constituintes da classe média e do proletariado. A recordação do ambiente político da Capital Fe-
deral,
nos
anos
antecedentes
à Revolução
de
Outubro,
durante as presidências Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes e Washington Luiz, revela de maneira perfeitamente clara e insofismável o dissídio entre as duas classes. O povo cobria de ódio ou de ridículo os gover-
nantes.
Os
oposicionistas
cantes.
Os
Maurícios
eram
laureados
com
o favor
público somente porque berravam contra os dominantes. A unanimidade das oligarquias regionais, em torno da política que consultava aos interesses comuns dos proprietários de fábricas e latifúndios, era incompreendida pelas populações, que somente viam nela a covardia geral, a ausência de espinha dorsal dos nossos politide Lacerda
eram
endeusados,
co-
bertos de simpatia popular, como oposicionistas ferrenhos. E os ídolos que se voltavam a apoiar qualquer governo, fosse por que motivo fosse, caíam imediatamente do favor público e eram acoimados de traidores. Não podia haver condescendência nem compreensão. Os jornalistas, nascidos na classe média ou afoitos de popularidade, arremetiam, indiferentemente, sobre os processos políticos dos partidos regionais ou sobre a vida pessoal de quaisquer de seus membros. A confusão era tremenda. Aquele que ouvisse um partidário do Governo ficaria sabendo que o país andava às mil maravilhas. Aquele que escutasse um oposicionista crônico as
concluiria
logo que o Brasil estava
à beira do clássico
abismo, onde se debruça há tempos... O dissídio entre os Governos e as massas urbanas
era
patente
e irremediável.
O
povo
atacava
o
Poder,
procurando miná-lo com o ridículo e o descrédito. Em paga, o Poder ignorava o povo. E a estrutura política e social do Brasil tinha de continuar incólume
ao terre-
moto demagógico, devido à ação poderosa das camadas do subsolo econômico. Era aparentemente inútil insistir. O momento ainda não permitia a destruição das fortalezas do individualismo burguês. A falta de espírito associativo na pequena burguesia, agravada pelo estado de inconsciência e
subordinação econômica das classes médias do mundo rural, parecia consentir a perpetuação das oligarquias político-regionais. Era forçoso esperar. As massas rurais, em esmagadora maioria, ainda permaneciam sujeitas ao coronelismo local. Economicamente subordinadas, prisioneiras de sua vontade, gravitando na órbita de seus interesses financeiros e partidários. O caudilho continuava a comandar, como sempre, os atos mais íntimos do agregado, acudindo-o nas crises e padecimentos morais e materiais. Em troca, exigia dele serviços e
sujeições. No cenário inculto dos trópicos, o senhor dos latifúndios prolongava a existência do barão feudal. A barganha sertaneja como que imprimia o seu cunho característico à vida do nosso hinterland. Trocavam-se produtos, trocavam-se dedicações. E o voto era um ato de vassalagem, mera adesão pessoal, preito de homenagem do servo rude ao seu barão feudal. A pragmática
medieval ressurgia democrático.
assim,
transfigurada,
no
nosso solo
A resistência das populações rurais, escravizadas à caudilhagem dos proprietários territoriais, fortaleceu por longo espaço as oligarquias políticas. Era a grande 30
, j
|
E
;
resistência da inércia, contra toda tentativa de poderio e ascensão da pequena burguesia. Os políticos arregi-
mentavam essa poderosa massa bruta, cerca de dois ter-
ços da população do Brasil, para esmagar com tamanho peso morto as veleidades de transformação e reforma dos espíritos esclarecidos. A grande plebe inconsciente, privada de valores econômicos, sem raízes no solo, era o gigantesco tacape, com que os caciques rurais inutilizavam os esforços em prol da melhoria das classes médias. Sem cultura, incapazes de compreender qual o direito delas, essas massas trabalhavam contra os seus
próprios interesses. Montara-se, para
comprimir as aspirações que enchiam as grandes cidades, uma máquina de compressão, sem válvula de escapamento. Atirava-se a todo momento um peso formidável de escravos rurais, invencivel e esmagador. Não havia possibilidade de revanche senão pela luta armada. Todas as agitações das cidades se perdiam num platonismo demagógico, desatendidas pelos governantes. Recalcava-se o inconsciente das multidões, somente acalmado em clamores de ira ou vagidos de agonia. A pequena burguesia esperneava sob o peso morto dum eleitorado plástico e obediente aos acenos dos coronelões. Um manto de ferro cobria os seus desejos mais sagrados. Uma corrente de grossos
anéis agrilhoava os seus membros sedentos de liberdade. Era impossível romper o manto que oprimia e quebrar a corrente que manietava. A politicalha acanhada dos
senhores
de latifúndio,
num
regímen
de capataz
de fa-
zendas, não possuía o senso da totalidade. Os seus representantes procuravam esmagar as classes médias, astixiar os seus anseios. Raras vezes um pequeno burguês subiu ao Parlamento. Raras vezes uma voz discursou em favor dos interesses dos funcionários humildes, do comércio desprotegido ou dos proletários famintos. Tudo se sumia e desaparecia na obstinação cega de
31
atender
somente
plutocracia
aos
interesses
aburguesada
oligárquicos.
dominava.
E toda
A
nossa
classe que
domina cerra os ouvidos, egoisticamente, aos suplicantes Imporiunos.
32
II
A miopia partidária dos representantes dos interes-
ses latifundiários, senhores de baraço e cutelo, procurou levantar uma espécie de muralha chinesa — verdadeiro cordão de isolamento — entre o Brasil e o resto do mundo civilizado. Vivemos os dias que se seguiram à
Grande Guerra como que politicamente segregados dos movimentos sociais contemporâneos, enfurnados num regimen de ignorância e alheamento aos principais pro-
blemas humanos. A onda de propagação das conquistas políticas e culturais do universo, de ordinário tão lenta a atingir as nossas plagas, ainda teve a sua velocidade retardada pela tacanhez de vistas dos nossos dirigentes... O Brasil parecia um recinto estanque, uma casa hermeticamente fechada, imersa em escuridão sinistra, sem um raio de luz, sem um sopro de ar vigoroso e sadio. O problema social, entre nós, foi estupidamente
baixado pela mentalidade atrabiliária dos senhores de latifúndios, à categoria de problema de polícia. Os nossos caciques apregoavam e praticavam a política da pata de cavalo e do chanfalho, das prisões e “geladeiras”, como meio de perpetuação no poder das oligarquias políticas que os elegiam. A violência era o pé-decabra que abria todas as portas e resolvia os problemas mais intrincados. | Essa mentalidade deplorável fez que jazêssemos longos anos em lamentável ignorância e atraso social, desconhecendo todo o magnífico movimento sindicalista e cooperativo que marca a ascensão das classes médias 35
nos países
europeus.”
Uma
iniciativa
como
a Coopera-
tiva da Viação Férrea do Rio Grande do Sul é um caso isolado e raro... Entre nós, nunca se cogitou dum
partido popular de caráter socialista. Entre nós, poucas
inteligências se voltaram para os extraordinários esforços da Alemanha, no sentido da racionalização da pro-
nômico,
a absoluta
inconsciência
dos
problemas
eco.
mais
prementes da realidade nacional. Naquela época, falar em socialismo era procurar atrair a vigilância e a malquerença da polícia. Escrever também era absolutamente impossível: as inteligências não podiam sequer frutificar em atmosfera tão estiolante. A esterilidade parecia ter descido sobre todas as frontes. Em semelhante ambiente, somente uma coisa era eternamente visível e presente: o mal-estar. Todos sentiam uma opressão, uma agonia indecifrável. Como alívio e vingança, as populações agitavam-se ansiosas de
derrubadas... Os governos, eternos Judas, eram os pontos de mira de todas às angústias e hostilidades, o alvo de todas as oposições. O instinto popular volvia-se para cima, adivinhando que o mal provinha dali...
Contudo, quase sempre, nenhum espírito possuía a consciência desse mal. Era demasiado cedo para diagnost icar e descobrir a causa das causas de tão profun do
mal-estar. À pequena burguesia, no expansionismo do seu crescimento, provocou a decretação de medida s acaute-
ladoras de seus interesses. Primeiramente, pleiteou leis de mera conservação própria, como seja a lei do inquilinato. Depois, provavelmente, de conqui sta em conquista, iria adquirindo sempre maior soma de poderio... Mas o choque com as prerrogat ivas da classe 2
34
Muffelmann, Orientación de la classe media, trad. espanhola.
FE
dução. Entre nós, perdurou sempre o medievalismo
dominante era inevitável. Os interesses eram antinômicos. Sirva de exemplo a oposição da política exportadora dos latifúndios com a política importadora das massas urbaexigindo câmbio baixo, outra o câmbio nas. Uma alto... A luta era fatal. Todos os projetos de leis tendentes a favorecer a pequena burguesia esbarram, por isso, de
encontro
à resistência
dos interesses latifundiários. laram-se diante da força do se atritaram, querendo um alheia. E a interferência de periosas necessidades vitais,
invencível
e dominadora
As pretensões de um anuoutro. Os dois organismos invadir a esfera de ação tão grandes parcelas de imoriginou a inquietação da
vida nacional por todo um decênio. O crescimento da pequena burguesia ameaçava de morte o predomínio das oligarquias políticas dos grandes proprietários territoriais. Era, portanto, absurdo pretender exigir, da classe até então dominante, uma atitude de absoluto desprendimento e idealismo. Ela não podia
aceitar de bom grado um conjunto de leis que vinham restringir o seu poderio. A sua anuência ao alargamento do campo de influência do pequeno burguês redundaria num gesto de suicídio. Estávamos, assim, em presença do mais formidável impasse da vida nacional. As oligarquias políticas, em nome das plutocracias territorial e industrial, não podiam nem queriam reconhecer e compreender as novas necessidades do organismo nacional. Os seus valores mais representativos, como sempre fizeram, continuaram a fechar os olhos para as pretensões de ordem econômica e política dos membros das classes médias. Eles aparentaram desconhecer a formação desse novo órgão, sumamente complexo, com a aspiração perfeitamente legítima de exercer suas funções dentro do corpo social brasileiro. A cegueira partidária e a ambição pessoal faziam-lhes perder de vista a evidência de uma diferenciação processada diariamente ao lado deles. 33
Entretanto, a pequena burguesia não se deu por vencida ante a ferrenha oposição dos interesses dominadores. Compreendendo que os representantes dos latifúndios se negavam a aceitar a realização de uma política, consultando às suas aspirações vitais mais elementares, ela forcejou por eleger parlamentares próprios...
Outra com
desilusão.
suas
divisões
O
sistema
em
de
distritos
representação
extensíssimos,
eletiva,
com
as
chapas fechadas e limitadas, era uma máquina de compressão
sem
válvulas
de
escapamento.
As
minorias
pe-
queno-burguesas das cidades populosas, dentro daquele código eleitoral acanhado e obsoleto, jamais acertariam em romper o círculo de ferro das oligarquias políticas, estribadas na força todo-poderosa dos coronéis sertanejos. O cerco era perfeito. Nunca, numa eleição de significação nacional, como a de presidente da República, as populações urbanas alcançariam contrapor a
menor resistência ao esmagamento formidável das massas rurais. Os coronéis dos sertões mobilizavam, facilmente, na véspera dos pleitos, a mó dos agregados, a
extraordinária e esmagadora avalanche humana, fazendoa descer dos latifúndios dos planaltos sobre os núcleos populosos do litoral. E as urnas frágeis dos distritos rurais intumesciam e arqueavam sob o peso dos votos arrebanhados a troco de promessas, ajudas nas ocasiões desfavoráveis e ameaças de trabucos dos
Jagunços. Parecia não haver assim possibilidades de salvação para as novas camadas surgidas na sociedade brasilei-
ra. Às pequenas burguesias urbanas, obrigadas pelas forças do subsolo nacional, tinham de permanecer indefinidamente no mesmíssimo plano político. As oligarquias latifundiárias não realizariam as reformas almejadas nem consentiam na presença de parlamentares encarregados de realizá-las... À questão dia a dia se complicava.
56
Os
governos
demonstravam,
à
saciedade,
emperrados propósitos de colocar uma pedra em cima do grave problema da pequena burguesia. Os nossos dirigentes procuravam resolver a questão social, que tão
lentamente vinha surgindo entre nós, caico do entupimento. Uma mordaça
pelo método arou uma bucha,
aplicadas em momento oportuno, foi erigida em solução ideal. Fingindo acreditar que o problema não tinha existência real no Brasil, eles julgaram têlo resolvido. Numa fé absurda e indigna, eles confiavam em poder afastar do solo brasileiro, pela ação grosseira de prepotências individuais, as delicadíssimas repercussões da momento universal. Todavia, a pequena burguesia não sossegou. Os estômagos e as inteligências dessas camadas novas da estrutura social brasileira exigiam soluções claras e situações definidas. Assim, sem representação regular nos Congressos e sem meios de alcançá-la, os espíritos saídos do seio das classes médias se voltaram para a campanha de reforma da lei eleitoral vigente. Pediram um novo código, mais consentâneo com a atualidade mundial e mais propício aos desejos de representação das minorias. Uma porção tão considerável das populações nacionais, justamente a parte mais esclarecida, não podia permanecer por mais tempo fora do quadro social brasileiro. E surgiram partidos políticos, empunhando a bandeira do voto, reclamando a verdade de representação, sob a garantia do sufrágio secreto. À verdade é que a rigidez do nosso antiquado aparelho eleitoral revelara-se grosseiríssima. O número fixo de deputados por cada distrito eleitoral cerceava a liberdade de representação das minorias. E o esmagamento das massas urbanas, pelo peso morto das populações rurais, era um acontecimento corriqueiro e irretorquível... Os dois terços da nossa população, na dependência econômica dos proprietários de latifúndios, decidiam, pela ação de presença da simples massa bruta, sá
todos os problemas nacionais. E as classes médias, dos centros urbanos, alijadas das posições de mando e carsos eletivos, pela ação decisiva da plebe dos latifúndios, ficavam, absurda e criminosamente, à margem dos quadros políticos brasileiros, sem influência orientadora nos destinos pátrios...
Impunha-se, por conseguinte, uma reforma urgente e radical no aparelho eleitoral por falta de precisão indispensável para registrar as mínimas flutuações e as pulsações mais delicadas da vida nacional. O código em vigor jamais poderia preencher essa função delicadíssima; em seu funcionamento ele não conseguiria jamais
apanhar as camadas mínimas do nosso quadro social. O processo de eleição por maioria de votos era uma espécie de balança com duas conchas: somente o prato mais pesado decidia o nosso destino. E os votantes dos latifúndios entravam na contenda de modo decisivo e fulminante, como a espada do conquistador bárbaro. As outras parcelas de opinião desapareciam ante a avalanche das maiorias vencedoras. As outras vozes eram vozes perdidas no tumulto da peleja. Os outros anseios eram esquecidos, isolados num egoísmo feroz, esvanecidos pela indiferença e o desprezo. As sensibilidades dominantes não possuíam, contudo, delicadeza bastante para compreender as consequências dessa política de esmagamento e opressão. A miopia partidária cerrava os olhos para a evolução universal,
aparentando
desconhecer
a evidência
do
nosso
acanhadíssimo sistema eleitoral. Os códigos de representação proporcional, sensíveis e perfeitos, alastravamse através do mundo civilizado, mas nós permanecíamos, ainda uma vez, apáticos ante essa conquista cultural. Era, no entanto, necessário uma reforma até mesmo em benefício das próprias oligarquias politicantes. Uma ação renovadora morigerada, atendendo paulatinamente às aspirações pequeno-burguesas, teria 38
conduzido o país a melhores dias, sem grandes convulsões intestinas. A transformação nacional, norteada por um espírito de concessões moderadas e uma política inteligente, talvez se desenvolvesse como um rio sualatifundiários não Infelizmente, os interesses ve... podiam consentir nessas modificações de alta conveniência nacional. A política de câmbio alto das classes médias esbarrava com as veleidades baixistas das plutocracias agrícola e industrial; as leis de proteção ao trabalhador rural e urbano feriam fundos interesses dos patrões; o amparo à pequena propriedade corroía a existência e a eternidade dos latifúndios... Assim, ao invés de concessões e leis de salvaguarda dos interesses pequeno-burgueses, os políticos preferiram o caminho oposto de negação e arrocho. Cada nova compressão era seguida de outra mais forte. A lei do inquilinato, aprovada num momento de bom senso, era revogada, abruptamente, em benefício de suspeitíssimas viúvas desamparadas... Dia a dia, o manômetro político denunciava o acréscimo de tensão dos espíritos. A todo momento aparecia mais nítida e clara a necessidade de válvulas de escapamento. A velha máquina oligárquica ameaçava explodir, estalando a todo instante as juntas afrouxadas e corroídas pelos anos. A pressão dos espíritos ganhou os jornais. Quase todos
gritaram
sários
contumazes,
situacionismo,
e protestaram.
Surgiram
os
amigos
do
os governistas incondicionais e os adveroposicionistas
sistemáticos.
As
polê-
micas proliferaram, crescendo em crueza de linguagem.
Os nossos jornalistas entremeiavam o calão rude com os tropos de retórica liberal-democrática bebida nas orações de Rui Barbosa.
Pouco antes da campanha a favor da modificação do Código Eleitoral Brasileiro, as nossas oligarquias foram surpreendidas pela eclosão de movimentos arma39
dos. Os anos de 22, 24 e 26 foram celebrizados por essas incessantes revoluções e bernardas... Comprimida dentro dos quadros legais, a pequena burguesia explodia, forcejando desmoronar o velho edifício constitucional. Faltava uma ideologia definida à subversão, mas o seu caráter expiosivo tornou-se patente aos espíritos observadores. Plínio Salgado, já naquela época, ousava escrever: “As manifestações volitivas, desordenadas e sem rumo da atividade brasileira, expressas em formas partidárias ou revolucionárias, nestes últimos tempos, longe de nos entristecerem, revelam-se como sinais da presença de forças reais, que a mentalidade nova do Brasil deve aproveitar e dirigir”? O autor do Esperado quase que acertou com a intimidade do fenômeno: as forças reais que se agitavam, fora dos quadros políticos, eram as camadas novas da pequena burguesia, que esperneava sob o peso das massas rurais. A convulsão do ambiente social era desorientada mas partia do inconsciente da gente nova. A insatisfação geral contra o regimen enfeitava-se com os arrebiques da democracia, por faltar o conhecimento da verdadeira situação aos dirigentes da oposição. Só a ausência duma consciência de classe, entre os pequenos burgueses, pôde permitir que o problema social, que começava a surgir, com desusada violência na vida nacional, fosse transportado para o terreno meramente político. E a deslocação das bases de assentamento da questão facilitou um mal-entendido generalizado, felizmente em via de esclare cimento com o processo da Revolução de 193 0. Não havendo a noção plena e perfeita dos motivos causadores das manifestações perturba doras desses anos da nossa existência, é natural que as agitações das populações redundassem em motivos dema gógicos e anar-
quizadores. 3
40
Oliveira
Faltou um
Vianna,
O
espírito coordenador
Idealismo
da
Constituição.
capaz
de
E
TE
sag ET!
repete!
indica
clisd omd
am
sao
o
Sa
E
E
SE
e
a
incentivar e dirigir as energias das multidões. Reinou a contusão mais desnorteante e nociva, provocada pela exacerbação dos descontentamentos mais desconexos e contraditórios. A pequena burguesia, privada de espírito associativo, ainda sem a consciência integral dos seus direitos mais sagrados, parecia mover-se no vácuo. Não havia uma orientação fixa, um desejo definido. O estado de ânimo era vago e incaracterístico, traduzindo-se numa. hostilidade invencível aos poderes públicos. E, por isso, quando os militares, em crise de indisciplina, lançaram mão do mal-estar nacional, aproveitando-o como matéria-prima, as populações urbanas exultaram, na afoiteza de fazer saltar os bujões das leis e códigos prejudiciais ao seu expansionismo fatal, à sua ascensão como classe social. Não fosse o modo pessoal de encarar os acontecimentos, que estorva a serenidade de visão dos nossos homens
públicos
e
do
nosso
jornalismo,
as
agitações
que se seguiram ao centenário da nossa independência teriam sido excessivamente fecundas para a existência política do Brasil. A interpretação dos anseios das massas pelos nossos intelectuais teria talvez preparado o país para uma etapa social mais avançada, poupando, decerto, os dias angustiosos do presente. Contudo, a efervescência profunda das populações como que passou despercebida às inteligências nacionais. Ninguém perscrutou o inconsciente das multidões em busca do complexo fundamental das crises armadas. Ninguém entendeu que os desejos profundos dos povos só surgem à tona sob formas mascaradas, tal qual nos indivíduos. O partidarismo faccioso da nossa vida política só viu nas agitações militares e na insatisfação geral, o meio certeiro de derrubar os adversários. Poucos, muitos poucos, como Plínio Salgado e o seu grupo do Correio Paulistano, viram nas perturbações do organismo nacional o prenúncio de crises e catástrofes futu41
que urgia
moços,
como
de todos
conjurar. acontece
geralmente
os precursores,
aos
perdeu-se
pessoais e indiferenças do momento.
desses
e a palavra
o aviso
E
avisos
e palavras
no seio das
paixões
Também os governos não prestaram atenção ao sintoma alarmante que subitamente se revelava no nosso organismo social. Desnorteou-os o aspecto liberal-democrático demagógico e sistemático da contenda, sem atender que atrás desse oposicionismo se ocultava um
problema de bem maior gravidade. As forças novas que surgiam,
giam
mascaradas
representação
em
aspirações
política. Sob
democráticas,
esse aspecto
único
exi-
de
representação das minorias urbanas, o voto, contrarian-
do a observação de Oliveira Vianna” é um dos nossos principais problemas. E uma porção imensa de nossa população que força a sua entrada nos quadros políticos... Mas os governos não puderam ou quiseram compreender isso. Julgaram, decerto, que aquele primeiro arranco não passava de uma bernarda de quartéis, sem repercussões profundas na vida nacional. Cuidaram, mesmo, que o movimento renovador morreria pela própria força de inércia, isento do impulso de novas e repetidas acelerações. Com tudo isso, a carência de visão política dos nossos estadistas só facilitava a ruína da própria organização que os vinha sustentando. O espírito particularista dos nossos pseudos-gênios mais uma vez iria promover a destruição inevitável das posições por eles ocupadas. E a moléstia que atacava o organismo social brasileiro — doença de crescimento — continuaria impunemente a corroêlo por largos anos, sob o olhar trangiiilo dos responsáveis pelos destinos nacionais. Ninguém jamais se voltou a pesquisar as causas pro-
fundas de tamanho mal, revelado elogiientemente frequência de crises violentas e assustadoras.
4
42
Oliveira
Vianna,
O
Idealismo
da
Constituição
pela
Pu
ras,
e
A ra
o
e
ER—
+
E
oo
qr
ao
RE SEA
a
SA
E
O
E
DS E
Essas explosões revolucionárias cresceram em audácia e intensidade. As correntes liberais-democráticas das oposições regionais, compostas de elementos desavindos com os clãs partidários, aliaram-se aos militares indisciplinados. Uns e outros entraram assim a manobrar às escâncaras o mal-estar comum a todas as populações urbanas,
aproveitando-as
como
instrumento
de
correntes
superpostas.
Ambas
ataque
à indestrutível firmeza das velhas oligarquias... Assim, na fase destrutiva, os anseios e aspirações das classes médias socorreram-se da potência demolidora dos adeptos do demagogismo vermelho das esquinas e redações. E os acontecimentos se desenvolviam, arrastados impe-
tuosamente
por
duas
apresentavam como resultantes do alma, fruto da angústia nacional.
se
mesmo estado de Os militares, nas-
cidos no seio das classes médias, inclinavam-se, decerto, para as realizações práticas e positivas, embora va-
gamente coloridas pelo romantismo do ambiente. Os políticos oposicionistas embriagavam-se com as tendências democráticas — demagogia como oposição e tirania como governo — e iludiam as massas com um palavreado sonoro, cheio de abstrações e vacuidades. Tudo isso, porém, as tendências de uns e outros, dissolvia-se numa atmosfera de névoa e indecisão. O observador facilmente poderia confundir os dois grupos, unidos pela espinha dorsal dum único desejo comum, igualmente claro e manifesto: a necessidade de derrubar as velhas oligarquias. Para esse objetivo imediato, nesses momentos de lutas e conspirações, cada um procurava a ajuda do outro, sem atentar nas possíveis divergências de credos e doutrinas. Em todas as conspiratas do período de 1922 a 1930, os idealismos e descontentamentos se buscaram urgentemente, visando o auxílio mútuo, como meio de fortalecimento na arrancada contra o adversário implacável e poderoso, soberbamente encastelado nos latifúndios. O ódio e a sede de vin43
gança, impulsionados pelas justíssimas ambições
da pe-.
quena burguesia, realizaram o milagre de harmonizar. momentaneamente, os extremos mais radicais. Nas gran-
des massas oposicionistas, formadas de elementos tão. heterogêneos, as tonalidades se esbateram, exangues,. morrendo num fundo comum. Os contrastes prontamente se abrandaram na febre das reivindicações. Tudo semisturou, desaparecendo de súbito as diferenciações de princípios e temperamentos, tragados todos na grande corrente — tal qual os coloridos das águas de diversas. vertentes no leito dum enorme caudal. O próprio governo estremeceu ao formidável batido: da onda de rebeldia que se lhe quebrou aos pés. Ele mesmo sentiu, embora indiretamente, que as antigas formas políticas do país estouravam por todas as juntas, forçadas pela violência das convulsões internas.. Claro está que havia excesso de conteúdo e a compre-ensão fazia estalar a velha construção, ameaçada peloembate dos descontentamentos desvairados. E o Presidente Arthur Bernardes, para resistir ao assalto da vaga que rolava, teve de arrebentar os moldes constitucionais, mergulhando a nação num estado de sítio per-. manente. E o mesmíssimo Presidente Bernardes, afanosode contrariar a evolução nacional, procurou enxertar medidas coercitivas, de alto poder de repressão, no aparelhamento constitucional, a fim de que os governos pos-: teriores pudessem escorar as investidas, que fatalmente: se anunciariam. Os senhores de latifúndios e fábricas, a. plutocracia fragilíssima do Brasil, preparava-se para a
resistência.
Somente agora, nos tamente claro o sentido daqueles anos de horror vemos nas violências e
dias presentes, aparece perfeidos mais vivos acontecimentos. e sofrimento. Somente agora, rebeliões daquele período da
vida brasileira, a manifestação
das 44
classes
médias,
quando
segura
pesadamente
das contorsões
comprimidas:
já
N
pelas oligarquias político-regionais. E surge, assim, delineado e nítido,
o motivo
de mal-estar
tão intenso, de
tamanha cegueira partidária e de tantas lutas e provações. É que a perspectiva dos anos realizou o milagre de desvendar o mistério dos instantes recém-passados; graças a ela tudo se esclarece e se transforma. Apesar de tão fregiientes abalos e tão volumosa onda de
descontentamentos,
os
movimentos
armados
de 22,
24 e 26 foram facilmente vencidos pelos governantes do momento. E que, embora contassem com o apoio entu-
siástico das populações das nossas maiores cidades, eles esbarraram de chofre com a costumeira inércia das massas rurais. As oligarquias regionais repetiam nos
campos de batalha a mesma tática já usada nos prélios eleitorais. A passividade triste das populações do hin-
|
| FA
Ê
]
terland, resultante da subordinação econômica aos caudilhos locais, era novamente utilizada contra os anseios das classes médias urbanas. Mobilizadas, armadas e municiadas, congregadas em torno das polícias estaduais, as massas incultas do sertão mais de uma vez esmagaram a pequena burguesia. Os dois terços da nossa população, «que decidiam dos nossos destinos nas eleições nacionais, sob o mando dos coronéis sertanejos, obedeceram automaticamente ao mesmíssimo aceno no terreno das armas.
A máquina
de compressão
das
aspirações
das massas
urbanas revelava-se invencível, perfeitíssima, funcionando admiravelmente, tanto na paz como na guerra. E o pequeno burguês podia gritar, espernear e combater in-
definidamente, mas
Os militares,
saídos
sem grandes resultados práticos. E das fileiras das classes médias,
po-
bres e desamparados, tiveram de procurar o caminho do exílio, como único refúgio e salvação. E, assim, os
observadores da nossa existência política, olhando tudo pela rama, poderiam dizer, com melhor jus que Rui Barbosa*: “Sob a degeneração violenta, em que entrou a 5
Rui
Barbosa,
Cartas
da
Inglaterra.
45
república no Brasil, o governo veio a se tornar um laboratório de atentados monstruosos. Mas há coisa ainda
pior
do
que
eles:
blico, a subserviência
consciência
é a prostração,
nacional, que
da opressão, esse desejo
o marasmo
os suporta;
pú-
é essa
de sacudi-la de en-
volta com docilidade ilimitada em lhe obedecer; essa disposição contraditória e inconfessável, que almeja as revoluções, aplaude as revoluções, instiga às revoluções as classes armadas, para depois assistir como curiosa às. peripécias da luta, e resignar-se no fim a vitória das di-. taduras detestadas”.
No início do quatriênio Washington Luiz, esboçouse um estremecimento sensível, dentro da massa rígida das mentalidades representativas das velhas oligarquias. político-regionais. As perturbações de ordem pública, na presidência Arthur Bernardes, em estado de virulência sempre crescente, haviam soado a alguns ouvidos mais. delicados, como prenúncio de próximas e inevitáveis. borrascas futuras. Eram os relâmpagos e trovões duma
tempestade próxima e inevitável...
Os governadores de
Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, sentindo o: roncar da onda que se avolumava, entraram, por ma-
nobra política, a procurar granjear estima e cortejar popularidade nos arraiais da oposição e nos meios jor-. nalísticos urbanos. Compreendendo o perigo latente nessas contínuas erupções armadas, que talavam o território brasileiro, eles atentaram mais maduramente nas condições gerais do país. Auscultando os anseios das massas, eles iniciaram entre nós a política cabotina de Philippe Egalité. Era uma diferenciação diminuta. Rebentos do mesmo tronco, filiados aos interesses. dos 46
latifúndios, esses políticos dissidentes se distinguiram apenas por mera gradação de tonalidade. A raiz era à mesma, só a floração variava. Havia somente uma ligeira discordância de mentalidades, provocada por conveniências políticas ou por maior grau de tolerância.
Mas,
mesmo
assim,
observava-se
uma
tendência de dife-
renciação nítida entre os dois grupos. Um Rio
Grande
e
Paraíba,
tentava
polarizar
deles, Minas, e
atrair
as
atenções populares. Para isso, iniciou uma política democrática de acomodação, com as oposições locais. Decretaram o voto secreto, deram ampla liberdade à imprensa regional. E, dentro do PRRG, o Sr. Getúlio Vargas e o bando dos “jovens turcos” provocaram escândalo, com a formação da frente única rio-grandense... Ocorreu então o mais escandaloso recuo de atitudes e convicções. Personalidades que antes ostentavam o mais acendrado amor aos métodos e processos do reacionarismo político principiaram a exibir, com cumplicidade de uma imprensa suspeitíssima, doutrinas e atos
de moderação e clemência. E aqueles, que haviam acompanhado os governos preteridos em todas as vicissitudes
da existência partidária, iniciaram abertamente uma política de contradição a esses atos já passados. Enquanto isso, grande porção das oligarquias latifundiárias regionais mantinha-se nos pontos de vista anteriores: nem pão, nem água para os adversários políticos. Quer dizer: nada para a pequena burguesia. A política paulista, ascendendo à direção suprema do país, declarava-se solidária em toda linha com o quatriênio Bernardes, não obstante essa atitude ter sido abandonada até pelo antigo líder da maioria de então, o Sr. Antônio Carlos. É que esse representante do centro manufatureiro de Juiz de Fora, guindado à Presidência de Minas, por singulares circunstâncias da vida partidária, começava a ameaçar o predomínio dos senhores dos latifúndios, levado por ambição política de mando ou 41
forçado política regionais,
pelos interesses que paulista, com o apoio persistiu
firmemente
representava... Mas a das demais oligarquias nos
propósitos
de
con-
servação do passado. E os arreganhos de renovação, como a reforma da instrução do Sr. Francisco Campos e o voto secreto, esconderam-se por trás das muralhas
da Mantiqueira. Na esfera federal, coagidos pelas necessidades re. gionais, todos os agrupamentos partidários rezavam pela cartilha dos proprietários dos cafezais. E a política de compressão às classes médias subiu de rigor e ferocidade. A Lei do Inquilinato foi revogada em favor dos
grandes
proprietários, fantasiados
em
viúvas
desampa-
radas. Tentou-se a estabilização do mil réis à taxa vil para defender os interesses das plutocracias agrícola e industrial. As medidas de exceção, de natureza policial,
foram todas mantidas e apuradas, em troco da popularidade do próprio presidente. Anistia aos militares implicados nos movimentos subversivos de 22, 24 e 26 era negada a despeito dos contínuos projetos e reclamos dos representantes cariocas, que interpretavam, no Congresso, o sentir da população revolucionária do Rio de Janeiro. Conservava-se integralmente a coerência moral e política com o quatriênio passado. Os governantes insistiam em desconhecer os anseios nacionais. A burguesia consolidava as posições adquiridas, preparando-se para as pelejas vindouras. E à segurança do regimen, o conceito da ordem pública, ocultando o jogo dos interesses dominadores duma única classe, foi erigido em tabu nacional. Entretanto, desse modo, as duas correntes do partidarismo situacionista coexistiram largos meses, lado a
lado, no cenário político. Elas disfarçavam, numa cordialidade aparente, a divergência mais ou menos latente que as separava. Ocultavam-se mutuamente as garras, unidas ainda pelos traços de semelhança, oriundo s de
48
ES RE ção Me e
uma origem e longa vida comum. Conviviam, certamente, sem os arreganhos duma luta franca e aberta. No plano estadual, elas se distinguiam por objetivos políticos bem delineados e definidos, diferenciando-se uma da outra por uma orientação clara e segura. Mas, no tablado mais elevado dos interesses federais, a distinção não podia ser feita com tão grande perfeição. Os interesses se confundiam num incondicionalismo vergonho-
so. As concessões eram fundas e recíprocas. Tudo se mascarava em manobras partidárias e contra marchas. As personalidades representativas ora se agrediam, ora se abraçavam. O dissídio parecia iminente, obrigatório. Todavia, essa divergência permaneceu em estado la-
tente até quase o término do mandato presidencial do Sr. Washington Luiz. Só o problema da sucessão alcan-
çou
acirrar
a cobiça
mineira
e provocar
o rompimento
definitivo. Os dois grupos se enfrentaram no parlamento e nos comícios. Dum lado o Sr. Washington Luiz e a oligarquia dos fazendeiros paulistas a comandar as hostes dos latifúndios. Do outro, o Sr. Antônio Carlos, mimando os ressentimentos regionais do Rio Grande com a candidatura de Getúlio Vargas, explorando manhosamente o descontentamento das populações urbanas, com sacudidelas no velho chocalho do liberalismo,
fetiche do jornalismo indígena. Acentuara-se, portanto, a dissensão entre os agrupamentos partidários regionais, que representavam na política federal os interesses dos proprietários dos latifúndios. E essa briga de compadres, esposada interes-
sadamente pelas diversas oposições estaduais, enche os
últimos meses de governo do Sr. Washington Luiz com campanhas oratórias e caravanas, nos moldes americanos, pugilatos às portas da Câmara dos Deputados e dedo nosso sistema próprias outras maravilhas mocrático.
49
E o demagogismo popular exultou, com essa cisão na
massa
compacta
dos
dirigentes.
E
que
a desunião
das
oligarquias vinha servir maravilhosamente aos interesses
das
classes
médias...
do
Desde os primórdios do rompimento nas fileiras das oligarquias dominantes, a partir dos discursos dos líderes mineiro e gaúcho na tribuna da Câmara dos Deputados, as classes médias urbanas principiaram a colher os frutos da situação. Antes de tudo, como vantagem inicial, a polarização súbita das diversas oposições regionais, em torno do bloco coordenador dos situacionismos dissidentes, provocou o fortalecimento instantãneo de nossa vida partidária, associaram-se incontinenti para a grande batalha. As minorias dos núcleos urbanos, o eleitorado das metrópoles estaduais, surgiram repentinamente arregimentadas como uma força coesa e poderosa. As vozes abafadas pela tacanhez tumultuosa das minorias, os votos perdidos graças à grosseria formidável do nosso sistema eleitoral, tudo isso se ergueu de chofre, para engrossar as hostes do aglomerado de esperanças e descontentamentos variados e desconexos que se chamou Aliança Liberal... Depois, tentando consolidar as adesões angariadas de fresco e atrair novos adeptos, os parlamentares dissidentes da política do Catete promoveram campanha favorável a algumas das necessidades vitais das classes médias. E como a luta se travara exclusivamente no terreno político, ignorados os fundamentos sociais do mal-estar profu ndo das camadas populares, os deputados e os políticos aliancistas reempunharam o velho chocalho do liber alismo democrático, embora areiado de novo. E, esquecidos de que 50
ma
a aa
o im
O
a
a
a
SS
o
a
a maior parte deles havia negado anistia aos militares rebeldes durante os últimos anos, começaram a reclamar o perdão para esses elementos, que antes consideravam subversivos. Desprezando cinicamente o fato de terem
eles próprios gritaram
elaborado e aprovado
exaustivamente
pela
sua
a lei da imprensa,
revogação.
E, assim,
exigindo e ameaçando a retirada dos grilhões e mordaças que eles mesmos haviam ajudado a aplicar às
pretensões
e aos
protestos
das
classes médias,
esses
políticos preparavam somente o advento dos grandes dias de reivindicações. Então a plataforma presidencial do Sr. Getúlio Vargas, candidato da Aliança à sucessão do Sr. Washington Luiz, acolheu muitos dos desejos e aspirações mais importantes das classes urbanas. Lá vinha, por exemplo, como principal reforma a realizar, a modificação do Código Eleitoral, a implantação do voto secreto... O programa, contudo, não ultrapassava o terreno político. O candidato a um cargo constitucional, dentro da ordem estabelecida, respeitava
movendo-se obrigatoria-
mente o quadro social existente em todas as suas modalidades. O momento não comportava declarações decisivas nem propósitos demasiado nítidos. Além disso, a época ainda não permitira o amadurecimento dos espíritos, lavrando sobre a questão social brasileira, ou o indiferentismo ou a mais lamentável das confusões. Sendo assim, não é de estranhar o silêncio oposicionista a esse respeito, apesar de
do candidato duas ou três
promessas vagas para conquistar o operariado. É que lhe cumpria, principalmente, angariar elementos e simpatias em todas as correntes, aptos em todos os meios sociais. Assim, a plataforma, pela força imperiosa das circunstâncias, devia ser anódina, descolorida, sem ca-
racterizações fortes... A Aliança Liberal apresentavase como um remanso acolhedor para todos os descontentamentos e todas as esperanças. O pobre, o milio-
51
mário, o operário, o funcionário, o comunista, a feminista, todos podiam confiar na serenidade de ação do
candidato por ela indicado. Passada a eleição, mobilizados os caudilhos rurais de ambos os grupos, patenteados os propósitos de per-
manência no poder das oligarquias dominantes, os políticos dissidentes voltaram-se para o estudo das soluções armadas. A evolução era lógica, desenvolvendo-se dentro dos hábitos da vida nacional. A impossibilidade de uma eleição verdadeira, de apuração imparcial e rigorosa, fazia com que ninguém se curvasse à derrota. Cada um denunciava a impostura alheia. Cada candidato se considerava e se proclamava vencedor. De resto, a prepotência e arbitrariedade dos governos, intervindo clara e ostensivamente em favor dos candidatos preferidos, tornavam os reconhecimentos realizados por um Congresso faccioso e partidário coisa mais do que suspeita. Por isso, não é de admirar a atitude da Aliança Liberal, repelindo o resultado do pleito. Oficiais do mesmo ofício, já treinados nessa matéria de esbulhos e atas falsas, os congressistas e os politicantes aliancistas não podiam sujeitar-se ao reconhecimento realizado pelos próprios interessados. Era impossível aceitálc. Curvar-se redundava no consentimento tácito à perpetuação indefinida do mesmíssimo estado de coisas... Assim, urgia reagir com o único recurso disponível: a revolução. Depois, os elementos pequeno-burgueses, que engrossaram as fileiras eleitorais da Aliança Liberal, devem ter contribuído soberanamente para arrastar o situacionismo dissidente a essa resolução extrema. Era a oportunidade mais favorável que lhes oferecia a vida política nacional. Competia-lhes somente empolgar os próceres mineiros, gaúchos e paraibanos, não permi-
tindo indecisões e recuos. Facilitava-os quanto a esse objetivo o espírito guerreiro das populações do sul, guJosas e sedentas do poder federal, por longo jejum de
52
mo a
Fri
muitos
anos.
Pessoa.
Era
Facilitava-os
também
a nevrose
do
nor-
o espírito
con-
deste, vibrátil como uma placa sensível com as lutas do município de Princesa e o desastrado assassínio de João mister
unicamente
vencer
servador de Minas Gerais e o ceticismo aristocrático do Presidente Antônio Carlos. E o que foi a organização desse movimento impetuoso, com as hesitações, afoitezas, contra marchas e outros empecilhos naturais e inesperados, fácil é saber nas páginas vívidas do Sr. Virgílio. de Mello Franco.º Entretanto, a consequência mais considerável da inclinação dos politicantes para os desfechos armados — o fato básico para o estudo que ora nos ocupa — é a intromissão nas conspirações dos militares revoltados em
22, 24 e 26. Com
sombradamente
componente
isso, os tenentes
no cenário
inteiramente
iam
surgir desas-
político nacional.
inédita,
Era uma
que se apresentava
no
plano das forças diretoras. Distinguia-os uma forte consciência de classe e uma intensa experiência revolucionária adquirida durante os anos de exílio. Com o advento deles, as classes médias teriam, possivelmente, a sua primeira expressão política. Oriundos dessas camadas
novas das populações brasileiras, os tenentes forçosamente tinham de encarnar os seus anseios mais íntimos. Ademais, guindados ao poder, por circunstâncias imperiosas e fatais de nossa formação econômica
e social,
elas só podiam se apoiar nas multidões urbanas, como meio exclusivo de resistir à pressão inexorável dos latifúndios. Doutro modo seria impossível aos novos dirigentes escorar a investida vingadora das oligarquias
políticas.
Assim,
vitoriosa
a
Revolução
de
1930,
abriram-se
grandes brechas no quadro social brasileiro. Desfeita a
velha 6
moldura
Virgílio
de
constitucional,
Mello
Franco,
as
Outubro
novas
camadas
das
1930.
53
TM
nossas populações irromperam, pouco a pouco, na vida partidária nacional. E, pelas brechas subitamente aber-
tas, penetram dia a dia milhares e milhares de pequenos burgueses, clamando pela representação parlamentar e
reconhecimento dos seus direitos econômicos... Agora é difícil haver alguma força capaz de impedir esse movimento ascensional da pequena burguesia. E, atualmente, dentro dos moldes partidários brasileiros, só há
uma força com possibilidades de dar novas acelerações a esse movimento e forma adequada a essas aspirações,
tudo de conformidade com as diretrizes sociais do mun-
do contemporâneo. Essa força é o tenentismo.
E]
Fº
HI A vitória da Revolução
de Outubro
desfez a homo-
geneidade das forças, que se haviam coligado no combate às oligarquias políticas. Sem a espinha dorsal do sentimento
de
vingança,
que
as
unia
e consolidava,
cada
uma das agremiações vencedoras começou a se desligar em sua trajetória própria. A admirável estrutura do grande movimento cívico, passados os minutos de entusiasmo e a embriaguez das derrubadas, apareceu descosida
e desconexa,
como
uma
velha
colcha
de
retalhos.
E não houve milagre de esforço nem vontade capaz de solidarizar os particularismos e os individualismos exaltados. Ninguém conseguiu compor as forças existentes no tablado político nacional, visando qualquer situação mais ou menos estável. O equilíbrio dinâmico, mutável de hora em hora, tornou-se a fatalidade inevitável e suprema. Duas correntes extremas e antagônicas se diferenciaram desde logo na massa confusa dos triunfadores. Uma, desejosa de realizar somente as reformas de natureza estritamente política; outra, mais radical, tomada de anseios renovadores, pleiteando grandes modificações
internas,
profundas
transformações
sociais.
À
primeira, constituída pelo bloco poderoso dos situacionismos regionais mineiro e gaúcho e as formações partidárias remanescentes ao triunfo revolucionário, como o Partido Democrático Paulista e as antigas oposições estaduais, era composta dos elementos propriamente políticos. A segunda, procurando atender aos reclamos da
pequena burguesia, em busca de um ponto de apoio para 9
Tas
So
a ação reconstrutora, distinguia-se pela predominância da mocidade militar, os ex-combatentes das revoltas do
último
dessas modo
mente,
decênio
duas mais
quase
da
vida
correntes
ou
menos
republicana...
A
antagônicas
foi-se
espontâneo.
Operou-se,
de improviso,
quando
dissociação
realizando
de
primeira-
o General
Miguel]
do governo
de S.
Costa se apossou do comando da Força Pública Paulista ainda nas barrancas do Itararé. Mas houve, incontinenti, uma acomodação rápida, um recuo na intransi. gência dos dois agrupamentos. Tentou-se, mais tarde,
uma
conciliação
definitiva ao redor
Paulo, onde o Tenente João Alberto se cercou de um
se-
cretariado do Partido Democrático. E esse governo foi estabelecido e empossado sob as vistas protetoras da frente única rio-grandense. Firmavam-se assim os desejos de uma pacificação geral, sem eiva de antagonismos, irmanados todos numa política intensamente
reconstrutiva.
Enquanto isso o tenentismo assentava bases seguras nos Estados do norte do país, prevalecendo-se do rápido avanço das tropas capitaneadas por Juarez Távora. Aproveitando as circunstâncias do momento, os militares legalizaram uma situação de fato. E o Poder Central foi coagido, posto que suavemente, a obedecer as indicações do ex-comandante dos exércitos do Norte nas nomeações de interventores... Compreende-se que seria sumamente difícil ao novo governo desalojar os tenentes das posições de mando já adquiridas e fortalecidas pela posse dos cofres públicos e das polícias estaduais. Triunfadores, estribados em forças reais, eles facilm ente predominaram nas regiões setentrionais brasileiras. O tenentismo quase não encontrou oposição à sua implantação nesses Estados do Norte. É que a fraquíssima estrutura econômica desses Estados como que não permitira
nunca a consolidação e enriquecimento das oligarquias partidárias. Elas pareciam existir somente como
26
Mara
agremiações regionais insignificantes, torno dos caudilhos locais amparados
gravitando em pelo bafejo do
presidente da República. É isso que explica a nenhuma resistência
contraposta
pelos
governadores
nortistas
às
tropas revolucionárias, durante o arranco de Outubro, quando das deposições pelo telefone ou pelo telégrafo. Assim, o tenentismo não pôde encontrar antagonismos fortes e alevantados ao seu estabelecimento no setentrião brasileiro. Muito pelo contrário. Colocando o
Norte,
terra de ninguém,
surgiu
de súbito
sob uma
única
orientação
po-
lítica, os novos homens só fizeram prestigiá-lo perante o governo federal. Foi uma componente poderosa que no plano
das forças diretoras da vida
partidária. E pela arregimentação dos governos acima do Rio Itabapoana, o tenentismo produziu indeléveis modificações nos bastidores da politicalha nacional. Esfarelou-se a lei da influência dominante dos Estados — Minas, S. Paulo e Rio Grande do Sul — de encontro ao bloco coeso que se formara. E, daí em diante, os nossos politicantes haviam de contar com uma componente inesperada. Pouco a pouco, a despeito das apregoadas tentativas e propósitos de harmonia, manifestaram-se as divergências entre as diversas correntes revolucionárias. E a
desorientação dos espíritos foi gradativamente crescendo com a dissociação da massa compacta dos novos dominadores. Os politicantes, empenhados na conservação das velhas posições, buscaram o aniquilamento dos adversários, forcejando tomar de assalto os cargos e posições mais importantes, afoitos de reduzir ao minimo as inevitáveis conquistas revolucionárias. Procurava-se anular todas as aspirações, desviando-as para O terreno exclusivamente político. Tentou-se exigir dos
próceres com responsabilidades no governo que não fosse ultrapassado o limitadíssimo programa da Aliança Liberal. A plataforma do candidato Getúlio Vargas e
51
o manifesto redigido pelo Deputado Lindolpho Collor foram erigidos em programa remodelador, com direitos de exclusividade para quaisquer outras inovações. A imprensa interessada principiou a censurar e malsinar todo ato discrepante dessa cartilha de liberalismo indígena, como atentatório aos princípios revolucionários. Absurdo! As revoluções não podem possuir programas. Todo movimento armado é um ato de força, fruto da violência, que surge inesperadamente na vida social. Como tal, uma Revolução é e deve ser forçosamente nas
vãos escusos.
trevas, crescendo
Não
nos
subterrâneos
e des-
pode ser anunciada previamente.
Não
pode ter o luxo de publicar programas. Ela surge das angústias e sofrimentos íntimos de uma determinada camada da massa popular e tem para consigo mesma, como obrigação imperiosa, o dever de sanar essas dores e sofrimentos. Ela interpreta o mal-estar latente nas populações e o revela aos que padecem dele quase inconscientemente. Essas tendências
das
oligarquias
políticas,
afoita-
mente manifestadas nas tentativas de destruir todo e qualquer progresso revolucionário no campo das conquistas sociais, levaram a prevenção e a cautela aos grupos dos que sonhavam e desejavam abertamente uma transformação completa nos quadros da vida brasileira. E cresceu
assim,
dia a dia, a animosidade
e descon-
fiança entre os dois agrupamentos vitoriosos, antigos aliados na cruzada renovadora dos costumes políticos nacionais... A dissensão tornava-se fatal, irremediável. Não havia como evitá-la. As duas correntes antagônicas, canalizando as necessidades vitais de duas classes das populações nacionais, iam defrontar-se feroz e desapiedadamente, pugnando cada uma pela manutenção do estado de coisas que lhe redundasse mais favorável. A alta burguesia territorial e industrial pretendia a conservação da mesmíssima ordem social e a pequena bur58
e O É
elaborada
e Oo 1
guesia forçava e pregava a remodelação social como garantia de suas conquistas políticas. Ambas as classes, encarnadas nos homens representativos que ambicionavam o poder, mascaravam a luta de interesses, sob o aspecto brilhante de contendas ideológicas.
No sentido de apressar a transformação que se esboçava lentamente na monotonia da paisagem social
brasileira,
os próceres
revolucionários
chegaram
a ten-
tar todos os meios imagináveis. Entre eles, como o de maior saliência e mais profunda repercussão, destacase o Pacto de Poços de Caldas... Encenaram-se, em «consegiiência dele, em todos os quadrantes do país, as famosas experiências legionárias, de semifascismo ridículo e pitoresco. Eram somente mutações de superfície, reformas epidérmicas fadadas a estrondosos fracassos. A robustez do organismo econômico do sul do país e o senso do ridículo que caracteriza O povo bra-
sileiro, não suportaram essas transformações grotescas € A transformação necessária realmente impagáveis... era de natureza mais profunda e os revolucionários não
«conseguiram atingi-la, por falta de conhecimento prévio da verdadeira realidade nacional, perdendo-se as raras energias aproveitáveis em bizantinismos de doutrinas
-ou armações de detestáveis cenários carnavalescos. E, como sempre acontece, essas criações exóticas e artifi-
ciais à vida popular brasileira pereceram à míngua de trato e cultivo. É que o latifúndio, normalmente, absorve e destrói todas essas organizações estranhas. Ele marca o compasso da vida nacional desde a época colonial — como acentuou muito claramente o Sr. Martins de Almeida” — sujeitando todos os órgãos políticos a desempenhar funções em conformidade com os seus interesses
de
supremos
arcabouço
da
riqueza
nacional.
E, assim, as legiões, legítimas mascaradas, inteiramente
7
Martins
Almeida,
O
Brasil Errado. 59
da vida brasileira, sem compro-.
alheias às intimidades
missos radicais com as massas urbanas, moveram-se no vácuo, privadas de bases seguras e indestrutíveis. No choque dos interesses supremos da nacionalidade, essas contruções artificiais, se acaso alcançassem vingar no. nosso solo, seriam fatalmente despedaçadas. Eram edi-
fícios de papelão, espécies de árvores sem raízes...
Ao mesmo tempo que os animadores do movimento. outubrista, arrastados a aventuras sem consistência, de-
caíam aos olhos das populações urbanas, as oligarquias políticas principiaram a renascer das cinzas. Ocul-. ta e manhosamente, explorando os ressentimentos dos. regionalismos estaduais, motivados pela administração: centralizada da ditadura, elas foram subindo, pouco a pouco, à tona. Aqui e ali, mormente no cenário político: dos Estados sulinos, hipnotizadas pela atração empolgante dos centros oligárquicos de Minas e Rio Grande do Sul, vimos ressurgir as velhas raposas. Coligando-se, tentando agir em frentes únicas, elas foram lentamente atiçando as fogueiras, tirando partido de todos os erros e crimes dos seus inimigos políticos. A luta ainda se travava nos bastidores da politicalha, mas houve momento que pareceu registrar o triunfo definitivo da corrente política no quadro das forças partidárias que prestavam apoio à ditadura. Foi quando o Sr. Getúlio Vargas momeou o Sr. Arthur Neiva para interventor da Bahia, com preterição do candidato do Sr. Juarez Távora. A essa ligeira avançada
foi prontamente mentos
assentada
revolucionários.
E
dos
elementos
oligárquicos
a contra-ofensiva
o
tenentismo,
com
dos
o
ele-
au-
mento de importância do Clube 3 de Outubro, ganhou coesão e firmeza. Então, a necessidade de um programa
partidário,
de
orientação
política
fixada
e defi-.
públicas,
acen-
nitiva, transpareceu em todos os espíritos renovadores. Depois,
60
com
as
primeiras
declarações
tuou-se a tendência de uma reconstrução revolucionária, em harmonia com as aspirações da pequena burguesia e obedecendo às diretivas do momento universal. Assim, por idealismo ou interesse partidário, o tenentismo in-
clinava-se
cada
vez mais
o pequeno burguês tuitos dominadores
firmemente
para
representar
na peleja formidável contra dos senhores de latifúndios
proprietários de fábricas.
os ine dos
A luta era decisiva. O tenentismo progredia a olhos vistos e as oligarquias políticas não podiam consentir
nesse
sempre
expansionismo
crescente
sem
tentativas de reação. À alta burguesia, por refratária ao advento das classes médias partidários brasileiros, não iria, agora, no minante da contenda, cruzar covardemente
dissídio
podiam
tornara-se
vaticiná-lo
fatal,
com
irresistível,
segurança
quaisquer
tanto tempo nos quadros instante culos braços. O
e os observadores
e precisão.
E
as
duas forças rivais, hora a hora, aprestavam-se para a batalha. Mas, apesar disso, o tenentismo continuava a avan-
gar, retomando a interventoria da Bahia e conquistando a do Estado do Rio de Janeiro após a curta passagem por aquele posto do General Menna Barreto. E o Clube 3 de Outubro, órgão coordenador dos sentimentos revolucionários, começou a pesar de maneira quase decisiva nos conselhos políticos e administrativos do país, através da palavra dos seus membros mais influentes e do
prestígio irrefutável
dos
interventores
nortistas.
A cisão das oligarquias partidárias que apoiavam Oo Governo Provisório, lado a lado com o tenentismo, revelou-se, de súbito, pela primeira vez, aos observadores 61
dos acontecimentos nacionais, quando do retumbante e escandaloso incidente do interventor João Alberto com o Partido Democrático de S. Paulo. Inesperadamente, de chofre, os dois grupos se repeliram, como corpos; carregados de eletricidade do mesmo sinal. A repercus-
são no país foi profunda, estremecendo os demais agrupamentos partidários sob a ameaça de um dissentimento que se positivava. O interventor paulista acusou q de
querer
con-
da
aproveitar-se
Partido
Democrático
ambição mesmos
de montar a sua máquina partidária com os processos combatidos do PRP. O Sr. Vicente
fusão tumultuosa do momento de transição, para espalhar delegados e prefeitos pelas comarcas do interior, na: Ráo,
Chefe
de Polícia
ruidosamente
demitido,
haver, de fato, remetido títulos de nomeação
alegou
em branco:
aos diretórios locais do Partido, unicamente por falta de meio mais idôneo para selecionar candidatos aos. cargos municipais. Mas, o que é positivo e insofismável, é que os antigos correligionários do PRP já se queixavam das violências praticadas pelas novas autoridades democráticas. Filhos do mesmo tronco, o partido oposicionista pretendia revezar o outro na posição de comando da vida paulistana e, decerto, tentava destruir as cobiçadas fortalezas do predomínio rural. Do outro lado, em
tismo
nascente
toda preocupação
exigia
contraste a essa atitude, o tenen-
dos
governantes
a ausência
de colorido político. O poder
de:
público,
na opinião desses novos dominantes, havia sido chamado a uma obra de reconstrução nacional, exercida dentro
do
espírito
exclusivista
e ultrametafísico
da
re-
novação revolucionária e norteada pelo cuidado da absoluta moralidade administrativa. Assim, nada de poliítica. Nada de conservar e remontar as máquinas eleito-
rais do passado, escoradas nas massas incultas dos latifúndios. E a ditadura, na opinião deles, devia aparecer como um hiato assaz prolongado na vida partidária bra62
oie
e
de
—
Tg
TR
q
a
e
mn
el (o e
O Tr
e
Mm mt O ES
e ca
sileira, entretendo-se somente com a regeneração moral e financeira do país... No entanto, essa pretensão era sumamente infantil. Não pode haver ação administrativa duradoura sem bases de natureza política, sem o esteio de forças partidárias. E, assim, as diversas componentes do Governo Provisório eram lenta e inevitavelmente arrastadas a alianças, conjunções e pelejas, no sentido da conservação ou melhoria da obra idealizada. E, portanto, os tenentes tinham de fazer a sua politicalha como todos os outros, não obstante realizarem-na como Mr. de Jourdain fazia prosa. Essa diferença de orientação intelectual a respeito: do papel político e administrativo da Ditadura oculta somente o jogo de interesses de um e outro agrupamento partidário. As oligarquias encarnavam os desejos de domínio perpétuo das plutocracias agrícola e industrial e o tenentismo, lutando contra a permanência e ressurreição dessas velhas agremiações políticas, servia aos anseios de expansão da pequena burguesia, que vinha surgindo e crescendo com o progresso da indústria e do comércio do país. Assim, as primeiras queriam que o Estado permanecesse como a integral dos seus interesses
partidários;
o segundo,
na ambição.
de consolidar o advento da pequena burguesia como força política, sonhava em livrar a Ditadura de qualquer contaminação da politicalha ambiente, com o fito de
afastar qualquer influência perturbadora
das oligarquias
representativas dos interesses latifundiários.
Esse rompimento do Partido Democrático com o: tenentismo incipiente refletiu-se com a instantaneidade
de um raio nos demais círculos políticos nacionais. O Partido Libertador do Rio Grande do Sul, representante dos estancieiros gaúchos, colocou-se imediatamente ao lado do seu co-irmão paulista. Foi uma solidariedade platônica, resumindo-se em troca de telegramas, mas capaz
de
produzir
fortes
estremecimentos
na
frente
63
única rio-grandense. Os observadores da politicalha brasileira quiseram ver nessa atitude, tomada à revelia do
Partido
Republicano
Rio-Grandense,
ligeiras
amea-
ças de rompimento do bloco coeso que o gênio político do Sr. Getúlio Vargas arregimentara. Só houve contudo uma divergência passageira entre os dois partidarismos sulinos. Os chefes compreenderam muito claramente a extrema necessidade de uma concentração de forças mais intensa, a fim de resistir ao alargamento da onda tenentista. E, por isso, neste caso complicado, cada partido ficou com ampla liberdade de ação, conservando-se, desde logo, numa atitude discreta e silenciosa em redor da orientação do Governo Central quanto aos novos elementos. Além
desse
incidente
de
natureza
política
muitos
outros vinham surgindo, de ordem mais elevada, no próprio cenário paulista e as oligarquias viram claramente,
no
dissídio tão cedo aberto, o início de um
pro-
cesso de dissociação que, por certo, iria atingir toda a vida partidária do Brasil. É que por várias medidas de caráter administrativo, embora de mera emergência, já se tornara patente a inclinação dos novos elementos para as reformas de cunho francamente social. A ação tenentista, como era forçoso e inevitável, procurava transbordar do plano exclusivamente político, tentando subverter e remodelar os quadros e padrões do passado da sociedade brasileira. O momento universal, com o seu ritmo trepidante e catastrófico, invadira o Brasil como de roldão, tal qual uma torrente. E era justo que as primeiras manifestações desse espírito moderno, fossem contempladas em S. Paulo, o maior centro da indústria e comércio nacionais, assim como, pela robustez do corpo plutocrático paulistano, era também
certa e inevitável a reação das oligarquias polític as remanescentes à investida dos pequenos burgue ses. De-
64
a
a
nunciou-se, então, aquilo que a ignorância indígena batizou de “comunismo dos tenentes”. Os representantes dos partidos políticos rio-grandenses não podiam, é claro, manter uma impassibilidade marmórea ante o rumo dos acontecimentos. Eles, forcosamente, haviam de desobedecer o lema tenentista de conservação da obra administrativa inteiramente isenta de laivos partidários. Do fundo dos pampas, nas inquietudes e estremecimentos dos agrupamentos oligárquicos,
parecia vir uma advertência clara e um dever imperioso. É que a frente única gaúcha, até então solidária em todos os pontos de vista com o Poder Central, não
podia deixar de sentir influências fortíssimas da absoluta parcialidade do Partido Libertador no dissídio paulista. E um dilema se impunha: ou os dois partidos regionais
voltavam
ao velho
antagonismo
de anos,
ou todos
os políticos gaúchos se curvariam à orientação já indicada pelo grêmio do Sr. Assis Brasil. E a ameaça de rompimento se susteve instantaneamente pela necessidade esmagadora duma política de harmonia e cooperação, em nome
Era
preciso
agremiações
gaúchos
dos interesses
uma em
coesão
torno
ante o espectro
vitais
de ambos
indissolúvel,
dos
da
senhores
reforma
ligadas dos
os grupos.
as duas
latifúndios
social que
vinha
surgindo, tenaz e tumultuosamente, dos recessos da vida nacional. Esboçada essa repentina aliança dos interesses paulistas e rio-grandenses, a divergência tomou corpo.
Nada conseguiu afastá-la por ser impossível demover a fatalidade. A luta das plutocracias agrícolas e industrial, contra o advento da pequena burguesia, andava perto de atingir o período crítico. Já se levantavam, dentro de São Paulo, os primeiros protestos contra a
orientação
político-administrativa
do
Sr.
Lindolpho
Collor no Ministério do Trabalho... E esses reclamos, veiculados pela imprensa demagógica da capital do 65
Estado, apareciam disfarçados em gemidos da lavoura oprimida pelo falso industrialismo e clamavam contra as pesadíssimas tarifas do protecionismo alfandegário. Era, de fato, a pequena burguesia, por intermédio do
jornalismo
das
grandes
cidades,
a instigar
À
|
i 1
a lavoura
boas
roupas,
desejava
ardentemente
a
simpatia
dos
homens rudes do trabalho sem, contudo, ousar desgostar os magnatas da indústria e do comércio. Entretanto, a missão do Sr. Lindolpho Collor era mais extensa e profunda
feitamente
do que
realizada. A revolução
a obra
por ele imper-
incumbira-lhe
a or-
ganização do nosso Código do Trabalho e o conjunto de leis sociais brasileiras, cuja penúria extrema é pouco
66
o Em
fábrica com a fazenda. Mas o ministro assustou-se com a celeuma que se ouvia e embarcou para São Paulo, aflito de consertar as divergências que se desenvolviam precipitadamente. E para isso visitou todo o magnífico parque industrial do Estado; discursou em banquetes; bebeu champanhe em louvor da eterna amizade entre plutocratas e operários e foi ruidosamente vaiado numa reunião sindicalista. O assobio desse operário, seguido de um conflito de proporções razoáveis, merece um pequeno reparo. Foi um ato perfeitamente simbólico. O operário irreverente, naquela sala de S. Paulo, representou o protesto do operariado brasileiro contra a frieza de ação do novo ministério. Até aquela data, tudo que saíra da pasta do Sr. Collor trazia o signo criminoso da incaracterística e imperfeição. A sua obra era eclética, cinzenta, privada de seiva vital. Homem sem convicções firmadas, político sem orientação social definida, legou-nos somente leis precárias e defeituosas, próprias a aguçar os instintos de poderio e revolta do proletário sem, ao menos, tentar saciá-los. S. Ex., bom moço, vestindo
mes
em crise com a queda do café, pretendendo conquistar com isso um aliado valioso e dissolver a velha união da
menor, hoje em dia, do que nos tempos anteriores a Outubro de 1930. E a inteligência do novo ministro teria operado verdadeiros milagres de atividade e clarise não
vidência
viessem
os
preconceitos
de origem
de-
Trabalho,
focalizando
de
mocrática e partidária obscurecer-lhe a nitidez de visão. O resultado, portanto, foi essa legislação social insignificante, inútil e criminosa, que vai levantando tantos protestos e reclamações por toda parte... Assim, essa curta
no
gestão
Ministério
do
maneira incompleta os problemas sociais brasileiros, só veio revelar ao nosso operariado muitos dos direitos que lhe eram desconhecidos. Despertou-se um grupo de homens que viviam adormecidos e que, agora, escudados na justiça de suas pretensões, irão exigir um padrão de vida superior. Essa dubiedade de atitudes do Sr. Collor começou a atrair os olhares e atenções dos tenentes. A nova pasta estava destinada a servir de pomo de discórdia entre os agrupamentos rivais. A proporção que se firmavam os pendores dos novos elementos, pelas transformações
de
cunho
acentuadamente
social,
o
crescia entre as duas correntes que apoiavam Getúlio Vargas. E a pasta do Trabalho, graças cada
função
construtiva
que
lhe fora imposta,
abismo
o
Sr. à deli-
aparecia
como pára-choques em todas as divergências e conflitos... Não tardou um embate violento, ao ser promulgada a lei de sindicalização. O novo estatuto, fiel aos princípios democráticos do seu autor, negou direito político às associações de classes formadas no Brasil. Ora, o Clube 3 de Outubro, pela boca dos mais autorizados representantes, já estabelecera uma tendência francamente
favorável
ceres
tenentistas.
à adoção
de
semelhante
inovação
na
futura organização política nacional. Logo, o decreto veio ferir fundos melindres e susceptibilidades dos pró-
ram-se
Na
elaboração
daquela
lei,
digladia-
os dois grupos, apartando-se as doutrinas em
67
campos absolutamente opostos. E o Ministro Collor, em reunião do nosso Clube dos Jacobinos, parece ter entrado para o rol dos destinados ao suplício e ao ostracismo. O fato positivo, é que muito se boquejou que ele não tornaria ao seu posto, na volta da visita à Ford. lândia.
Rio,
E,
rumou
na
verdade,
celeremente
os tapetes do seu agitação nos meios
quando
aos
pagos
S.
do
Ex.
sul,
volveu
sem
ao
pisar
gabinete. Houve, então, rumorosa partidários. As conferências e vai.
véns repetiram-se continuadamente. O tenentismo e as oligarquias políticas ainda mais uma vez se chocaram, no silêncio e nas trevas dos bastidores. O Zé Povo, num eterno alheamento dos segredos da politicagem botocuda, vivia no desconhecimento desses atritos e divergências que, dia a dia, cresciam em intensidade e profundidade. O cálice estava a transvida
nacional,
nenhu-
ma das duas correntes revolucionárias podia vencer definitivamente a outra. E nesse sistema de eternas marchas e contramarchas, golpes e contragolpes, elas pareciam experimentar as forças disponíveis para futuras batalhas e retumbantes prélios. E, dia a dia, a confusão crescia. O ditador, ora puxado por um, ora por outro grupo, movia-se como um autômato, sem vontade própria. Ele como que havia colocado as preocupações governamentais no terren o puramente administrativo, procurando cerrar os olhos e os ouvidos aos debates e clamores partidários. E os seus decretos, obedecendo alternadamente aos orientadores de mentalidades antagônicas, criavam o caos e O brouhaha. De súbito, estala nos pampas um rumor de fanfarra. O banquete generosamente oferecido ao Ministro do Trabalho, em Porto Alegre — como demonstração de solidariedade
regional — terminava numa orgia de eloquência. O tribuno João Neves da Fontoura, professor 68
mm
da
am
estágio
O
naquele
TAI
Mas,
o
bordar.
de oratória durante a fase parlamentar da Aliança Liberal, havia desfraldado a bandeira de constitucionaliza-
ção do País. E o som estridente do clarim animador se espalhou
repentinamente pelos campos e cidades nacionais. O discurso fora um catalisador atirado no seio das massas convulsionadas. Produziram-se cristalizações instantáneas. As atitudes se definiram como a um toque maravilhoso. E as oligarquias políticas, ávidas de retorno à hegemonia destruída, viram na volta à ordem constitucional a maior possibilidade de recuperação imediata das posições perdidas. E as classes médias urbanas, enfeitiçadas pela ilusão democrática, tangidas como rebanhos pela demagogia da imprensa, bateram palmas calorosas à campanha iniciada, na inconsciência de que aplaudiram a ameaça de uma escravidão e de uma desgraça duradouras.
A partir do discurso do ex-parlamentar gaúcho, forçando os debates ao redor do problema da volta à legalidade, os tenentes e políticos romperam em hostilidades francas, numa luta sem quartel. Então, a oposição latente nos meios governamentais revelou-se claramente ao grosso público. E todas as atenções se voltaram para a cisão que se anunciara nos arraiais revolucionários. É que, aos anseios reconstitucionalizadores dos politiqueiros, os partidários do tenentismo responderam com a necessidade de dilação do período ditatorial, até se operar a reconstrução integral do país. Assim, abertamente, defrontavam-se os dois agrupamentos. De
um lado, os propugnadores de uma reforma de super-
fície, realizada no terreno exclusivamente político e res69
peitada
reformas
a subestrutura
sociais,
do
social.
De outro,
arejamento
das
os
raízes
adeptos
da
de
nacio-
nalidade, sacudindo-se os fundamentos do solo políticosocial do Brasil. Não havia, portanto, contemporiza-
ções possíveis nem imagináveis. A luta, como aliás acontece com toda e qualquer competição política, envolvia fundos interesses econômicos. As regalias da alta burguesia e as aspirações das classes médias urbanas engalfinharam-se em um combate de vida e morte. Imediatamente,
reagindo
aos
mais
vivazes.
intuitos
protelatórios
dos fundadores do Clube 3 de Outubro, os políticos do Rio Grande do Sul passaram a cativar simpatias entre as agremiações regionais decaídas. A palavra do Sr. João Neves da Fontoura como que tivera o dom miraculoso de fazer ressurgir da letargia de um ano, algumas individualidades em evidência na Velha República. O brado de reconstitucionalização conseguiu despertar energias já julgadas mortas, animando certas oligarquias
regionais
Esboçou-se,
então,
lenta e lenta, uma nova batalha política: a réplica dos elementos reacionários aos vitoriosos de 1930. Os partidos regionais, voltando a si do colapso sofrido, renovaram os programas vetustos com qualquer título vistoso e foram postar-se à estacada. Cresceram logo as adesões e alianças de descontentamentos e esperanças, ávidos de poder e revanche. E as frentes únicas, nascidas
em
todos
os
quadrantes,
agitaram-se
querendo ditar leis no cenário federal. O movimento alcançou maior amplitude
rumorosas,
e atração nos grandes Estados do Sul. Animavam-no os sentimentos regionalistas de domínio, ansiosos de conservar uma hegemonia de quarenta anos de vida republicana e atemorizado de vê-la desaparecer com as tendências unitárias da centralização tenentista. Favoreceram-no a fortaleza e o enraizamento das oligarquias partidárias, estrirá!
badas na robustez do magnífico capitalismo rural, que serve de base às agremiações políticas. Era, portanto, mais fácil uma ação de conjunto, disciplinada e forte, nesses Estados sulinos. Os partidos, dotados de grande consistência, reticulados nos territórios estaduais, ligados aos nós dos clãs eleitorais e parentais dos latifúndios, podiam possuir uma textura mais rija e capacidade de reação mais pronta... No norte do Brasil, no entanto, as coisas eram muito diferentes. Daí, a variação do precipitado ante o catalisador João Neves da Fontoura. Primeiramente, a fraqueza de base econômica não permitia excessiva resistência interna às organizações partidárias, por falta de independência dos caudilhos rurais à pressão dos governos locais. Depois, a presença de interventores militares, fiéis à ortodoxia do Clube 3 de Outubro, manifestamente contrários as velhas máquinas da politicalha regional, apressou a decomposição dos raros bandos e agremiações, que se tinham formado em redor dos caudilhos locais... Além disso, houve o fato básico, já assinalado por Tristão de Athayde: a Revolução de 1930 soara para o Norte como uma redenção. Os habitantes das regiões setentrionais viram nela a derrubada dos agrupamentos políticos locais, asfixiantes, só sustentados ali graças ao amparo do Catete. E, agora, pesando na vida nacional pela sua união
em
bloco
único,
sob
a orientação
tenentista,
o
Norte havia de ficar mais ou menos indiferente à campanha constitucionalista. E bem possível que ela hou-
vesse despertado profundas
simpatias nos espíritos, mas
é também positivo que os velhos partidos regionais quedos e nortistas não ressurgiram, permanecendo mudos, não havendo assim organizações que ativassem a campanha. O ensaio de atividade do Partido Democrático da Bahia prestes se dissolveu em fumaça. E o movimento, nas regiões do Norte, se entrou nos lares, ql
não repercutiu do Sul.
nas
praças
públicas
Os partidos e individualidades
como
nos
animadores
Estados
da agita-
de fato e de doutrina, aparecendo ainda aqui, muito claramente, como uma ideologia política não é senão
o disfarce de uma realidade material. É que as oligarquias partidárias, como é evidentíssimo, luta vam pela manutenção do clima essencialmente favorável à conser. vação e progresso de suas hostes. E os interesses dos senhores de latifúndios, aglutinados em clãs partidários, forçam a existê ncia do regímen de autonomias estaduais francas. Eles pretendiam manter a eterna pressão sobre o Go verno Central, atravês dos presidentes estaduais, as sessorados pelas brigadas policiais. Eles queriam a mesma organização do passado, como meio de conserva ção e extensão de um iz
=— cem
Houve nisso mais do que uma manobra de hab ilidade política. Essa atitude que foi imposta por ne cessidades
a
conservar a arrancada de Outubro no terreno estritamente político. Todos os passos arriscando outra trilha foram logo condenados por eles. E, nesse sentido, como resumo de sua ideologia conservadora, ele s desautorizaram toda e qualquer preocupação rev isionista. A Magna Carta de 91 constituiu-se assim no catecismo cívico da nacionalidade. Proibido tocar, emendar, reformar. Tabu máximo. Essa mentalidade reacionária, que se cristaliz ara ao redor de textos bolorentos, assentou as sua s baterias nas tendências autonomistas das populações sulinas.
..
ção pró-reconstitucionalização do país notabi lizaram-se por um traço comum e vigoroso: a exigên cia de se
predomínio
fadado
a desaparecer.
A
Constituição
de
91, isenta de um sistema de freios às ambições dos caudilhos, fácil portanto de deturpar e explorar, era a linda copa verdejante que os abrigava. E, por isso, os partidos políticos, integralizando essas aspirações particularistas, não podiam adotar ideologia diversa da adotada. O contrário é que seria surpreendente. Incentivando essa campanha constitucionalista, as mentalidades diretoras dos PR regionais agarram-se às manifestações conservadoras da imprensa e das populações nacionais. Escolhido esse caminho, tiveram
de recuar, dia a dia, tendendo ao derrubamento das menores reconstituições pós-revolucionárias. De com-
promisso em compromisso, voltaram lentamente ao pas-
sado, indo ao extremo oposto dos adeptos do tenentismo. É espantoso esse recuo dos elementos mais avançados da corrente política, mas o fenômeno é comum
nas revoluções. A avalanche dos cérebros empedernidos, que vem engrossar a ala conservadora, termina por atirá-la em pleno reacionarismo... Assim, a inércia da nacionalidade, ante a ameaça de uma reforma profunda da vida social brasileira, veio servir maravilhosamente aos interesses partidários, acabando, no entanto, por arrancar do seio da corrente política quaisquer veleidades remodeladoras. E a defesa das instituições derrubadas em Outubro entrou logo no rol das cogitações mais caras aos representantes das oligarquias moribundas. Num último lampejo, antes da morte, os politicantes iniciaram uma campanha de louvores e protestos em prol da obra do passado. Os novos Josués, na falaz ilusão do pobre maluco da Bíblia, tudo experimentaram
para
fazer
parar
o sol.
E
ressurgiu
o
fetichismo democrático, condensado na resistência fervorosa ao redor da Carta Constitucional de 24 de fevereiro e das autonomias estaduais. E o espírito passadista, ridículo e capenga, enfrentou o espírito de reno-
3
vação, impetuoso e brutal. E todas as armas
foram
utilizados,
de parte
a parte,
e recursos
aproveitando-se
os
preconceitos regionalistas e democráticos e os remédios da força e da violência. E tudo foi tentado para anular
ou
apressar
uma
aurora
de
reconstrução
que
timida-
mente já se delineava no horizonte, embora sem formas fixas e objetivos precisos. Ora, parecia completamente absurdo procurar sustar a renovação profunda, que se esboçava no Brasil, com
a perpetuação de moldes constitucionais obsoletos. Era a eterna miragem da eficiência duma pressão de cima para baixo. Mas as forças vivas do nosso subsolo econômico e social haviam de romper essa estrutura artificialíssima, verdadeira camisa-de-força vestida no país pelos representantes dos latifúndios e, repetiriam, forçosa e inevitavelmente, até nova situação de equilíbrio, as sublevações do último decênio. Desconhecer que as necessidades da moderna sociedade brasileira exigiam nova organização legal, era
tentar negar a evidência. Só os politicóides, seduzidos pela miragem de um poderio permanente, deixaram-se iludir por aparências enganadoras. A visão estrábica e superficial dos acontecimentos da vida republicana no Brasil, não permitiu que eles vissem que a causa das causas do nosso mal-estar de dez anos foi o esmagamento da pequena burguesia pelas massas rurais mobilizadas pelos nossos barões feudais. Empolgou-os unicamente a roupagem democrática da contenda, o aspecto ideológico da luta. Cabe aqui uma ligeira explanação sobre a famigerada Constituição de 91. É que os políticos só a estimam e endeusam, porque não poderão encontrar jamais melhor servidora dos seus interesses próprios. Antes de
tudo,
pela
amplidão
demarcada
ao
sistema
federa-
tivo, ela animou e incentivou os pruridos hegemônico s dos grandes Estados e permitiu a expansão das oligar14
quias quase que a custo da unidade nacional. Depois, no campo de ação e reformas sociais, nada mais útil aos interesses egoístas da nossa alta burguesia do que essa velha estrutura constitucional. Votada em 1891, atrasada de séculos, a nossa Magna Carta não podia cuidar de qualquer restrição aos direitos de propriedade individual e nem cogitar de defender aos trabalhadores humildes. No seu texto, o espírito mais apaixonado e a maior boa vontade nada encontrarão em defesa dos pobres e das classes proletárias. Nem nada disso podia ser encontrado, tendo-se em vista a data de sua promulgação e os princípios arcaicos nela compendiados. Há, somente, como normas de garantia e proteção individuais, duas ou três fórmulas vagas, abstrações facilmente burláveis, e a instituição caríssima do habeas corpus, paraíso dos escrivães criminais do interior, demasiado afastada dos bolsos dos miseráveis. É o código mais perfeito do individualismo burguês, a
consagração tocracias,
na
do desejo de infinito crescimento das pluânsia
de
absorção
e
esmagamento
das
outras classes pela burguesia. A Constituição de 91 é, portanto, hipócrita, fictícia, criminosa. A basbaquice botocuda de alguns dos nossos publicistas quer fazer-nos acreditar que as acanhadas condições do nosso primitivismo social é que tornaram o regíimen instituído pela lei básica de 91, nessa monstruosidade que — ai de nós! — desgraçadamente assistimos. Argumentam eles que a mesmiíssima carta politica, a constituição norte-americana, o padrão fiel e
servilmente
decalcado
pelos
blica, consentiu e preparou
legisladores
a grandeza
da
sem
1.º Repú-
par da de-
mocracia yankee. Pura ingenuidade. Esse é um engano corrente e lamentável, com o qual se procura vendar os olhos dos que começam a enxergar. Lá, como aqui, a
estrutura
constitucional
é defeituosíssima,
interferência na vida nacional.
sem
Ainda vivem,
na
a menor
memó-
o
ria de Herst,
todos, as sensacionais revelações comprovando como as eleições
do jornalista presidenciais
norte-americanas são decididas pela compra de votos. Ainda são lembranças vivas dos homens de menos de quarenta anos, os formidáveis escândalos do alto industrialismo do país dos dólares. E, ontem mesmo, o tesoureiro do Partido Republicano queixava-se da falta de fundos na Caixa de Propaganda do Partido (propa-
ganda
é o eufemismo
que
adoça
a crueza
desavergo-
nhada do leilão de votos) e o resultado fatal, matemático, inevitável, foi a vitória do candidato do Partido Democrático, aquele que recebeu maiores auxílios fi
nanceiros dos grandes trustes... Num país paupérrimo como o nosso, a Magna Carta de 1891 é o clima ideal para a politicagem dos doutores e coronéis. Mas, nos
Estados Unidos, terra riquíssima, ela acolhe e consente o desenvolvimento ilimitado de uma plutocracia avassaladora. Permitissem os fados brasileiros o enriquecimento dos nossos plutocratas achamboados e veríamos o dinheiro dominar soberanamente a vida política, sem qualquer possibilidade de paradeiro ou controle superior. Assim, deixemos de fantasias porque a constituição que os interessados insistem em querer conservar é mesmo péssima. Waldo Frank, atentando ao caso norteamericano, escreveu estas palavras que se aplicam como
uma luva ao nosso próprio caso: “Essa velha máquina só serve para desviar os nossos valores mais elevados da realidade nacional. É um censor que impede que o impulso ideal da vida americana se mova numa conduta política. Mas é demasiado rígida para exercer influência sobre as forças cegas que na realidade nos governam. Os bons americanos não léem nem sentem a
sua
8
ido nhola.
constituição.
Mas
os
podem facilmente explorá-la”
6
Frank,
Redescobrimento
astutos da
e
América
os
ambiciosos
—
trad.
espa-
Assim,
cuidadosamente
rememoradas
essas
pala-
vras de Waldo Frank, não é de admirar a preferência dos políticos nacionais por esse código e a celebração das suas virtudes como uma das maravilhas do universo. É que, conforme pretendemos demonstrar, qualquer
outra lei suprema não poderá ser tão favorável aos interesses das oligarquias. Nenhuma outra poderá passar tão à margem da verdadeira realidade brasileira e, de-
certo, nenhuma outra consentirá tão facilmente na hipertrofia excessiva do facciosismo e da politicagem na-
cional. Assim, apoiados nos sentimentos regionalistas e nas tendências demagógicas do jornalismo, que explora a ignorância das populações, compreende-se o esforço desmedido das oligarquias para arregimentar forças e combater a corrente contrária, que surgiu ameaçando de morte os politicantes da nova e velha guarda. Assim, evocando pretensas tradições nacionais e as veleidades autonomistas das populações estaduais, que serviam somente aos desígnios plutocráticos dos proprietários de fábricas e latifúndios, era inevitável a declaração de guerra desses interesses contrariados ao tenentismo nascente e os seus pruridos de reforma social. Tratava-se de uma questão vital e os políticos, pela primeira vez nos quarenta anos da existência republicana, não puderam ajeitar o dissídio iminente com transigências, conchavos e acomodações.
Aos rumores da onda constitucionalista, entroncada na necessidade de manter a antiga organização política e social, o tenentismo apelou para a exigência nacional de
reformas
profundas
prolongar a sua duração
e
radicais.
A
ditadura
devia
até que fossem realizadas as q
transformações indispensáveis a um período de tranquilidade e progresso. As reformas desejadas deviam ser preparadas pelo Governo Provisório, ao invés de se esperar o veredito da Assembléia Constituinte, como
queriam as oligarquias partidárias. Tudo precisava ser modificado imediatamente, como meio de anular as explorações por partidarismos interessados. Então, o Clube 3 de Outubro, como foco de concentração da exaltação extremista, procurou concatenar as aspirações gerais dos elementos revolucionários e
enfeixá-las num programa renovador. Era essa a primeira tentativa séria que se iniciava no sentido de coordenação das tendências dos diversos grupos reformadores, congregados os mais variados matizes sociológicos numa aspiração única, coibidos os personalismos
sectários
e as
dissertações
individuais
sumamente
dispersivas. E, à mentalidade uniforme dos políticos, salientada pelo traço vivo do fetichismo acendrado pela
Carta Constitucional de 24 de fevereiro, os revolucionários procuraram opor, pela primeira vez em ordem cronológica, uma resistência mais séria do que as co-
nhecidas e irritantes antipatias individuais. O caos em que se debatiam as mentalidades
revolucionárias, estraçalhando-se os elementos mais representativos em competições pessoais, exigia um paradeiro. A desordem já terminava a sua missão de sacudir os espíritos e provocar novas cristalizações mais conformes ao novo estágio do organismo nacional. Agora, aparecia, muito clara e nítida, a necessidade insofismável de uma palavra de ordem, de um aglutinante capaz de coligar os temperamentos mais antagônicos. A Nação voltava-se, angustiada, para os próceres revolucionários e julgava-se com o direito de saber quais os rumos que eles lhe indicavam como conduzindo à
Terra da Promissão, quais as transformações que eles lhe ofereciam. Todos já estavam fatigados de quase 18
de um ano e meio de retaliações inúteis, entremeiadas rórmulas vagas e declamações sonoras. Urgia uma defínição de ideologia, uma indicação de ideologia, uma O programa impunha-se indicação de novos rumos. como um dever imperioso, desde que os outubristas não r. pretendiam ceder o terreno sob a assuada popula Tal programa, condensando a média das opiniões revolucionárias, elaborado pela nova geração que surgia no cenário político brasileiro, devia encarar o problema nacional sob um prisma fundamentalmente contrário ao dos organizadores da República de 89. Isso era obrigatório, quase axiomático. Forçavam-no os imperativos do momento universal, as consequências das transformações provenientes da infiltração das novas camadas populares e das corrosões que se haviam produzido na velha sociedade humana. Facilitavam-no a desilusão amargamente provocada pelos sonhos e utopias dos legisladores de 91, a triste experiência dos nossos quarenta anos de vida republicana. E, sobretudo, a tarefa de reconstrução da nova ordem já tinha sido quase empreendida de avanço pelas inteligências da vanguarda. Um trabalho de crítica profunda das instituições desmoronadas em 1930 e uma obra de destruição sistemática das edificações do individualismo burguês, pacientemente conduzida através de tantos percalços e oposições tenazes, havia acumulado um material abundante e escancarado os olhos de muitos
dentre os novos
elementos.
Assim,
nos trabalhos
de Alberto Torres, Oliveira Vianna, Tristão de Athayde e outros espíritos
de escol, buscaram-se
revelações
sur-
preendentes que iluminaram profundezas julgadas insondáveis e apanharam flagrantes vivíssimos da intimidade da vida nacional. Daí,
expostos
gravitando
por
esses
ao
derredor
demolidores
dos
da
princípios
grande
gerais,
burguesia,
“9
foi surgindo, aos poucos, o famoso programa do Clube
3 de Outubro. O condensador das energias e das vontades revolucionárias apresentou-se, primeiro, sob formas mais ou menos obscuras, traindo a indecisão primitiva dos seus elaboradores. Só, pouco a pouco, no decorrer das campanhas políticas, as tendências se foram firmando, ganhando colorido e intensidade. Só, dia a dia, com os atritos e lutas, o joio foi separado do trigo, permitindo, embora lentamente, que diminuísse a confusão nos arraiais outubristas.
O programa é do conhecimento público, por isso não convém analisá-lo demoradamente. Basta acentuar que ele se divide em duas partes mais ou menos diversas, não obstante os seus pontos de interseção: a política e a social. Na primeira, podemos incluir som ente as reformas de emergência, aquelas que o Clube 3 de Outubro almejava realizadas pela Ditadura ant es das eleições para formação da Constituinte: a federa lização das
polícias
estaduais
segunda, encontram-se
e
a
quase
unificação
todos
da
Justiça.
os rumos
Na
e princi-
pios de remodelação social, em conformidade com as diretivas mais evidentes do momento mundial, segundo a orientação da social-democracia.
Os projetos de reforma política endossados pelo tenentismo almejavam aniquilar os últimos rema nescentes das oligarquias partidárias, visando ma ior consolidação das posições já adquiridas pela pe quena burguesia. Era o golpe formidável contra os poderes adversos. A federalização das brigadas policiais tentava minar o poderio incontestável dos governos est aduais, expressão legítima dos caudilhos locais. E a unificação da Justiça, sob a égide do Supremo Tribunal Federal, era o ataque direto aos clãs dos latifúndios, caminhando ao encontro desses núcleos no próprio seio das comarcas. O tenentismo ar
mava,
80
contra o facciosismo das oligar quias
regionais, as mais formidáveis forças de que podia dispor.
o presidente de um Estado se tornaria em uma figura quase sem relevo político, reduzido a uma função puraadministrativa.
mente
dos governichos
pressão
E
livres
federais,
juízes
os
da
da influência
locais, estremes
perniciosa do caudilhismo, passariam a ser considerados como fatores de equilíbrio e moderação na vida rural.
O coronel fazendeiro, o senhor de baraço e cutelo, o centro de resistência das oligarquias politicantes, desa-
pareceria
amparadas
medidas
de
súbito
dos
e protegidas,
administrativas,
fortalecidas
hora
a
médias,
classes
As
bastidores.
hora,
por
incessantes
destruiriam
o
predomínio da alta burguesia... Mas as frentes únicas, percebendo a manobra envolvente, o desbordamento de
flanco, fizeram teadas.
Sentindo
atoarda em
dessas reformas plei-
torno
vendo
o aniquilamento,
isso leva-
que
ria o poderio imediatamente para as classes médias, bradaram em nome das autonomias regionais ameaçadas com semelhantes medidas. E, como sempre, mobilizando as forças do jornalismo, explorando os preconceitos democráticos, procuraram criar a confusão e a incompreensão.
O programa de reformas sociais do tenentismo, embora ainda em fase inteiramente primitiva, inclinava-se a uma aliança mais estreita com a pequena burguesia
brasileira.
E,
nesse
adotava
sentido,
orien-
uma
tação de cunho social-democrata. Programa de classe média, igualmente longe dos extremos burgueses e pro-
letários. Um —
o
capitalismo
individualismo
moderado,
democrático
pequeno
recheado
burguês
com
orga-
nizações sindicais, cooperativas de produção e consumo, leis de salário mínimo, legislação sobre o número de horas de trabalho, regularização do trabalho de mulheres
e menores
etc.
E,
ainda
mais,
como
tendências
81
pronunciadas, o combate gradativo ao latifúndio, a nacionalização das minas, quedas d'água e do comércio a varejo. Utopias impróprias ao atual estágio econômico
do Brasil...
Todavia o programa se apresentava com um cunho
acentuadamente
pequeno-burguês,
obediente
às
contin-
gências do nosso momento nacional, que não comporta maiores diferenciações na nossa estrutura social. E isso, esse conjunto de leis humaníssimas e inofensivas, meia dúzia de decretos de proteção aos humildes, foi convertido, graças à indigência mental do nosso meio, em extremismo rubro. Falou-se em fascismo, em comunismo, em inimigos da democracia... É fácil compreender a contra-ofensiva feroz da alta burguesia brasileira, por intermédio dos seus representantes políticos, a esses primeiros avanços da pequena burguesia. Fingindo não compreender o determinismo fatal e que os tenentes eram meros joguetes de leis sociais inexoráveis, ela tentou aumentar a confusão, criando uma atmosfera de personalismo e desmoralização ao redor dos nomes mais evidentes. Iniciou-se uma campanha de intrigas, explorações, insídias de toda espécie. Revolveu-se a podridão das almas, ofendendo susceptibilidades e temperamentos. O ambiente tornava-se cada vez mais explosivo. As oligarquias não se conformavam em ceder o terreno à onda inovadora que ameaçava inundar tudo. A nossa plutocracia paupérrima, ainda sem ter tirado toda vantagem do capitalismo e levado às suas últimas consegiiências o individualismo burguês, não se resignava em entregar o poder às novas camadas da pequena burguesia. Ninguém queria perceber que as classes médias urbanas já constituíam uma força ponderável, aglutinada por interesses comuns, e com plenos direitos à sua parcela de poder... 82
A confusão cresceu. Os ódios recrudesceram. Um fósforo aceso podia fazer saltar o paiol.
Nessa atmosfera perturbada, cheia de ódios, ressentimentos e intrigas, o tenentismo alcançou mais um esplêndido triunfo, conquistando de súbito a interventoria
do Distrito
Federal.
O
Clube
3 de Outubro,
através
do
seu presidente, apossava-se do poder político na capital do País. E, doravante, com adoção de medidas simpáticas aos interesses das classes médias, os tenentes podiam criar raízes mais firmes e enfrentar com maior decisão as oligarquias regionais... Esse avanço do tenentismo na Capital Federal não lançou o esmorecimento nas correntes políticas nacionais. Pelo contrário. A investida vitoriosa opôs-se uma torrente impetuosa, conduzida com energia indomável. As oligarquias gaúchas, formadas em magnífica frente única, tentando impedir o progresso sempre crescente
da ala esquerda revolucionária, exigiram a promulgação imediata da nova Lei Eleitoral. O momento era propício. O anteprojeto, arrastado longos meses preguiçosamente, elaborado entre intermináveis sestas da comissão encarregada de o confeccionar, acabara de ser terminado. Cabia, agora, ao Governo Provisório a tarefa de mandar revê-lo por uma comissão de técnicos... Assim, o Rio Grande do Sul, apesar de muito o desejar, não tinha o direito de culpar o tenentismo pela excessiva lentidão na marcha do anteprojeto eleitoral. É que a
maior parte da responsabilidade da demora cabia exclusivamente ao Sr. Assis Brasil. Fora o chefe do Partido Libertador, afastado dos encargos de direção da cam-
83
panha
política, o causador
de tamanha
tardança.
Fur.
tando-se ao ardor da luta, vivendo entretido em eternas missões diplomáticas no Rio da Prata, o Ministro da
Agricultura permitiu que a lei se retardasse quase um
ano em elaboração. Por isso, com o fito de remediar os males passados, ganhando o tempo perdido, a frente única rio-grandense acedeu à indicação de novo Minis. tro da Justiça. E despachou, lá da querência, o jurista Maurício Cardoso, incumbido de trabalhar ativamente pela reimplantação do país dentro dos quadros constitucionais. O
novo
ministro,
homem
de
leis,
inconsciente
da
profunda transformação que se operava na sociedade brasileira, planejou seguir o seu destino em trajetória retilínea. Homem de caráter, embora homem de partido, S. Ex. não considerava a necessidade imperiosa de transigências e linhas quebradas. Marcou o seu fim e marchou direito a ele, sem as quebras e dobras que o momento exigia. Nada mais impróprio. Nenhum homem mais perigoso para a situação de acentuada renovação, povoada por formas cambiantes e repleta de tendências apenas esboçadas e caracteres indecisos. Faltava-lhe a maleabilidade, a flexibilidade do homem de estado. É que S. Ex. possuía o senso político completamente embotado, como demonstrou pelo fracasso retumbante de todas as soluções que apresentou aos casos que desafiavam a sua argúcia. E as oligarquias, destinadas a ceder cada vez mais O terreno, ante as investidas do tenentismo, destacaram para a função reorganizadora, o temperamento mais impróprio dentre os seus representantes, a mais apolítica das suas mentalidades dirigentes. O momento era decisivo. A desagregação das forças que apoiavam o Governo Provisório era um fato consumado, e não havia, decerto, nenhum gênio pol ítico 84
capaz
de
sistia
nos
reuni-las
novamente.
O
tenentismo
olhava
de
soslaio o situacionismo rio-grandense e firmemente perseus
de
propósitos
franca
aversão
à
recons-
titucionalização imediata do País. O Partido Democrático paulista, gozando da solidariedade do Partido Libertador gaúcho, estava inteiramente decidido a romper com
o Governo Provisório. O caso de São Paulo agravava-se pelas competições pessoais dos generais Góes Monteiro
e Miguel Costa. O PRP, aproveitando os erros políticos do Sr. Getúlio Vargas, explorava o mal-estar do povo paulista, e reanimava as suas forças, readquirindo vigor invulgar. Nuvens se amontoavam em todos os quadrantes. A atmosfera paraiva baixa, excessivamente eletrizada.
A tempestade
aproximava-se.
O Ministro da Justiça, não obstante os roncos da tormenta próxima, pareceu não ter compreendido a de-
licadeza da situação. É que ele, como todos os demais representantes das oligarquias, julgava, como ainda julgam, que a pronta reconstitucionalização do o remédio milagroso próprio a sanar todos males.
que a rando papel, zado e
Acreditam,
esses
constitucionalistas
País seria os nossos
ferrenhos,
simples promulgação de uma lei básica, asseguos direitos e deveres em inofensivas folhas de fará cessar imediatamente o mal-estar generalia confusão que mora nas almas.
E confiar demasiado num mero Santa simplicidade!... O problema, mais profundo, assentando na grande protecionismo alfandegário, na falta lido ao nosso
organismo
econômico
estatuto político. contudo, é muito crise do café, no de arcabouço só-
e em
outras
maze-
las crônicas da nossa nacionalidade paupérrima. É o fruto de uma política de exageros de imaginação, de estrabismos românticos, perdendo-se os contatos com
a realidade em troca de um “porque-me-ufanismo” crimi-
noso
e deletério...
Enxergar,
portanto,
a
solução
de
85
tantos males na elaboração
de uma
Lei Orgânica
Fede-
ral é um erro de visualidade, a apreciação unilateral dos interesses das potências dos latifúndios.
E só a ânsia de domínio plutocrático, estorvando a serenidade de visão, podia arrastar as inteligências mais claras a tamanha cegueira. E o Ministro Maurício Cardoso, representante dessa mentalidade, traçou a si mesmo esse caminho acanhado, sem amplidão de perspectivas, e, subordinando toda a sua atividade à reconstrução constitucional, atirou-se afoitamente à tarefa de revisão do Código Eleitoral. Escravizado a essa missão, S. Ex.º quase não teve olhos para o ambiente político nacional. E tanto trabalhou, tanto se esforçou que fez subir a cogitações do Chefe do Governo Provisório o grande código revolucionário, a verdadeira obra de Santa Engrácia da nossa democracia. Sob esse aspecto puramente dinâmico, a ação do Sr. Maurício Cardoso no Ministério da Justiça foi verdadeiramente admirável. São obrigatórias, aqui, algumas considerações a respeito desse famoso Código Eleitoral. Entregue a sua elaboração a espíritos profundamente embebidos dos preconceitos democráticos e sem uma noção segura da nossa realidade, ele não podia atender de maneira acabada e perfeita aos interesses reais da nossa pequena burguesia. Os arquitetos do anteprojeto, cegos pela celeuma das últimas campanhas políticas, não podiam sequer imaginar que a verdadeira chave do nosso problema representativo é o esmagamento das massas urb anas pelas massas rurais. Ademais, no seio da comissão nomeada pelo Governo Provisório, predominaram os representantes das oligarquias latifundiárias. Assi m, não ad-
mira que, sob o ponto de vista dos interesses supremos da nacionalidade, o novo estatuto eleitoral seja defei-
tuosíssimo. 86
Na verdade — manda a justiça afirmar —, progredimos muito em relação à legislação anterior à Revo-
lução de 1930, mas
almejada. porcional.
ficamos muito aquém
da perfeição
É bem verdade que o voto é secreto e proÉ também certo que as garantias das fichas
datiloscópicas
(abolidas
no alistamento
para a Consti-
tuinte?!!) asseguram a autenticidade rigorosa dos votan-
tes e facilitam e promovem a apuração das responsabilidades das atas falsas e outros delitos eleitorais. É igualmente exato que a instituição dos tribunais eleitorais, inteiramente livres de injunções partidárias, para dirigir a execução das leis, fazer a apuração e reconhecimento dos pleitos, concorre para maior lisura e imparcialidade dos processos, contrastando com os reconhecimentos antigos, feitos em Congressos facciosos e subservientes.
Essas
foram
as
melhorias
da lei,
elabo-
radas quase todas no espírito de assegurar o livre exercício do voto, sem constrangimento
e pressões,
e a per-
feita apuração das eleições.
Mas — é triste confessar — nada disso resolveu definitivamente o problema. O problema do esmagamento das minorias pela força bruta das maiorias continuou insolúvel. A pequena burguesia, fora do recinto das grandes cidades, onde ela constitui maioria formidável, irá sofrer a mesma compressão das massas rurais, padecendo eterna asfixia por falta de representação política. Perdurou o mesmiíssimo sistema majorativo, com a formação de chapas distritais, com número limitado
de componentes. É o mesmo círculo fechado, que a pequena burguesia não conseguiu romper, no último decênio da 1.º República, embora ele, agora, nos apareça mascarado e complicado, com dois escrutínios de votação. Deturpou-se o regímen do voto proporcional. Ao
invés do quociente eleitoral fixo e o número
de repre87
sentantes
variar
de acordo
com
a fregiiência
às urnas,
estabeleceu-se o processo inverso. Puro absurdo. Na transplantação para o nosso clima, o voto proporcional parece ter perdido toda a magnífica maleabilidade, a maravilhosa delicadeza da percepção e regis-
tro de todas as pulsações da perfeição de funcionamento,
vida política que conduz
nacional, a automatica-
mente ao Parlamento todo candidato que atinja o quociente eleitoral... É essa a excelência do sistema Baden, que permite a toda parcela de opinião, por fraca que seja, poder coexistir lado a lado das parcelas fortes. O Parlamento é assim imagem fiel e proporcional de toda a vida política nacional. Não há votos perdidos na massa
eleitoral do país. Aqui, entre nós, no entanto, a maioria de cada distrito continuará a esmagar a minoria adversária. No nosso sistema, construído em vista dos interesses brutais das maiorias, só penetra os umbrais do Parlamento aquele que consegue vencer, como antigamente, o candidato menos votado da chapa partidária dominante. Em caso contrário, mesmo que seja alcançado o quociente eleitoral, o candidato fica do lad o de fora do Congresso. E o espírito do voto proporcional, que é construir
um Parlamento que conserve rigorosa proporcionalidade com as correntes ideológicas e partidárias que movimentam a nacionalidade, é assim inteiramente falseado pelo
nosso código... Urge consertar esses defeitos, se os organizadores da 2.º República desejam realmente poupar a Nação o desolador espetáculo de novas con vulsões!
Enquanto esse código andava em mãos do Sr. Getúlio Vargas, pretendendo o tenentismo o reconhecimento
expresso dos direitos políticos dos sindicato s de classe, a situação geral do País chegava ao auge da confusão. E
que a carência de finalidade própria da parte do Governo Provisório complicava cada vez mais o momento 88
nacional. À nau do Estado parecia desarvorada, flutuan-
do ao sabor dos ventos e das correntes. Ninguém se entendia. O Ministro da Justiça, incumbido da organização da política interna, redemoinhava entre os diversos
embates partidários, sem conseguir acalmá-lo. Era até um milagre a sua serenidade aparente ante a agitação que o cercava. Cada um pretendia impor, ao “governo sem orientação definida”, a sua orientação própria. Cada qual queria atrair a “ditadura sem ditador” para a órbita dos seus princípios e interesses. E, aumentando
a atoar-
da e a confusão, a imprensa crescia em virulência de linguagem, malsinando e insultando as personalidades de destaque. O caos era tremendo... Dentro
da
desordem,
desenhando-se
nas
trevas, no
lusco-fusco das madrugadas, aparecia a era da separação e da distinção. Ia começar o rompimento dos antagonismos latentes, dissolvendo-se os agrupamentos desconexos.
Desaparecia,
assim,
pouco
a pouco,
do
cená-
rio político brasileiro, a herança triste das unanimidades incondicionais. Forçados por divergências profundas, no terreno das realizações sociais, ansiosos de garantir os interesses supremos dos grupos que representavam, as agremiações partidárias tinham de decidir-se. Adeus, conchavos. Adeus, acomodações e troca de favores... E o marasmo das populações brasileiras, a apatia da nossa existência política, foram sacudidos de repente, com o manifesto violentíssimo do Partido Democrático paulista, hostilizando o Governo Provisório. E o PRP, logo depois, ressurge, animadamente, deitando falação. Aproveitando
essas
agitações, a frente única gaúcha
agiu com atividade, exigindo a decretação toral,
que
se retardava
nas
pastas
do
da Lei Elei-
Catete.
O tenen-
tismo, em réplica, desejoso de anular os maus efeitos da lei de sindicalização do Ministro Collor, reclamou o reconhecimento dos direitos políticos dos sindicatos de 89
classe. E o novo Código Eleitoral saiu com a emenda pleiteada, marcando mais uma vitória da corrente revolucionária sobre as correntes políticas. Esses últimos acontecimentos marcavam a extrema tensão dos ânimos e a convergência acelerada das correntes de ideais comuns para uma ação única. Os interesses moviam-se numa exploração tendenciosa da confusão caótica do momento nacional. A imprensa redobrou os seus ataques ao tenentismo, apresentando os seus homens representativos como as piores pragas sociais e os mais perfeitos analfabetos do nosso ultraanalfabetismo. Em nome da democracia, cuja existência eles julgavam seriamente ameaçada, excitando os preconceitos populares, os nossos jornalistas começaram afoitamente a demolição dos próceres do outubrismo.
Iniciara-se uma
campanha
de
natureza exclusivamente
pessoal, agressiva e indigna, como costumam ser todas as campanhas do jornalismo indígena. E o Diário Carioca, acolhendo ressentimentos e agravos alheios, destacou-se no desmando de atitudes e desabridamento de linguagem. Os militares, a grande maioria do núcleo outubrista, tendiam a repelir as ofensas. E a reação, como era fatal, devia vir sob a forma de violência. Sem imprensa e outros meios de combate, só lhes restava o recurso da agressão física. Ademais, assim já o observou Oliveira Vianna, o pundonor da bravura e valentia, torna o militar um explosivo demasiadamente deflagra nte, quando em contato com os processos rasteiros e vis do nosso meio politiqueiro. Eles entram nas lides part idárias com os mesmos preconceitos e a mesmiíssima mentalidade do quartel, sem conformar-se com as deficiências da nossa falta de educação cívica. Daí, os atritos,
os atentados
e violências
inomináveis,
toda
vez
que
as
vicissitudes da vida nacional os chamam ao cenário po9
90
Oliveira
Vianna,
O
Ocaso
do
Império.
lítico. O explosivo
detona
ao menor
insulto. E, assim,
obedecendo a essa constante da nossa existência social, o Diário Carioca foi brutal e desassombradamente empastelado, com espetaculosidade rara, aparato de cami-
nhões, forças e metralhadoras. Não bastando a violência, os responsáveis fizeram ostentação da brutalidade e da força. O empastelamento do Diário Carioca foi o fósforo destinado a fazer saltar o paiol, a gota de água que transbordou o vaso. As oligarquias políticas instantaneamente se colocaram ao lado do jornal destruído. O Clube 3 de Outubro, embora condenando platonicamente o atentado, teve palavras candentes contra os desmandos e abusos da imprensa. O Ministro da Justiça exigiu a abertura de inquérito e a punição rigorosa dos responsáveis. E todos ficaram vários dias em completa paralisação, em atitude de absoluta expectativa. De
súbito, a curiosidade
pública
estremeceu,
abala-
da. Os próceres gaúchos abandonaram o Governo, publicando cartas enérgicas ao chefe do Governo. A retirada era uma manobra destinada a provocar um recuo da Ditadura. Os políticos do Rio Grande pretendiam uma ação repressiva, firmemente conduzida, contra o tenentismo. E tanto quiseram subtrair o Governo à influência da ala esquerda revolucionária, que acabaram por entregá-lo unicamente a ela, sem o contrabalanço das forças de reação. E, doravante, a revolução entrava, em passos decisivos, no caminho da renovação social. Essa cisão abrupta dos elementos políticos com o Governo Provisório veio delinear claramente a situação que se desenvolvia entre as perturbações e confusionismos. Agora, todos podiam-se orientar de acordo com as suas convicções e conveniências. Os políticos, encarnando as forças de conservação, acenavam com a necessi-
dade
de reformas
meramente
políticas.
O
tenentismo,
91
possesso de espírito moderno, vinha de conquistar uma esplêndida vitória e ficaria, ele, sozinho, com as respon-
sabilidades da organização nacional. A pequena burguesia, alijando do poder as figuras representativas das plutocracias agrícola e industrial, podia, talvez, consolidar as posições adquiridas sem grandes entraves, nem maio. res empecilhos. A Ditadura,
entretanto,
insistia
em
acentuar
o seu
papel notoriamente administrativo, isento de sugestões partidárias. No discurso pronunciado em Petrópolis, na manifestação dos membros do Clube 3 de Outubro, ao receber o esboço de programa político dessa associação, o Sr. Getúlio Vargas timbrou em frisar a sua men-
talidade neutra, somente empolgada pelos cuidados da reconstrução econômica do País. Em rápidas palavras, S. Ex.º condenou os antigos companheiros de partido, do Rio Grande, que pretenderam ditar leis e prefixar a orientação de governo e também, referindo-se aos que faziam justiça por suas próprias mãos, não escolheu termos de censura aos responsáveis pelo atentado do Diário Carioca.
Todavia, o que há de importante nesse mesmo discurso, são as declarações governamentais sobre o momento histórico brasileiro. É que o Ditador, pela primeira vez, mostrava compreender a necessidade de transformações sociais profundas, na obra futura de organização nacional. O ritmo de ação governativa, tanto tempo peada pela reação das oligarquias, procurava O compasso mais acelerado das realidades nacionais. As classes médias, se tivessem consciência nítida dos seus problemas íntimos, podiam, agora, acreditar na proximidade de melhores dias, capazes de assegurar a liberdade de sua expansão econômica. E assim, nesses princípios
do ano de 1932, o tenen-
tismo quase atingiu o apogeu político, cons olidadas todas 92
as posições passadas e conquistadas, ainda mais, a Che fatura de Polícia do Distrito Federal e a Pasta do Trabalho, com a nomeação de uma individualidade sem coloração política, alheia aos interesses das oligarquias partidárias. nom E
=
n
Depois do rompimento dos gaúchos com o Governo Provisório, as oligarquias multiplicaram a atividade partidária. Os políticos assanharam-se, famintos de revan-
che, afoitos de retomar o poder. Os bastidores movimentaram-se febrilmente, arquitetando-se uma cenografia de princípios sonoros e ilusórios, e coligindo-se todas as
energias possíveis para a última cartada. Todos sentiam que chegara a hora do último lance. Era preciso cortar
o avanço certeiro do tenentismo, que tendia, cada vez mais, para a realização de maiores compromissos com as massas. E as entrevistas sucediam-se umas às outras; as conferências não tiveram conta. Cachoeira, cidade pa-
cata e elegante, viu-se subitamente perturbada, na sua serenidade e no sossego de suas ruas, por uma publicidade ruidosa e alarmante. Graças a sua proximidade à
estância de Irapuazinho, a cidade do Sr. João Neves da Fontoura ingressou na história brasileira. Ali, nos hotéis, nos bancos do seu jardim e no edifício da Câmara Municipal, os políticos foram preparando a investida capital. Ali, foi pacientemente elaborado um famoso decálogo liberal-democrático, mais conhecido entre nós que o de Moisés, e prontamente rebaixado a heptálogo. Ali, os políticos gaúchos roncaram ameaças, declamaram bravatas e pretenderam perturbar o sono tranquilo do Sr. Getúlio Vargas. E dali, em manobras de flanco, com arreganhos e apertos, quiseram forçar o Governo a re-
93
cuar
dos
seus
primeiros
passos
nos
caminhos
do
te-
nentismo.
Todos eles, representantes das oligarquias, tentavam impedir a renovação social, que se aproximava de nós
em pisadas largas, imperiosa
e fatal.
E agiam, logica-
mente, de acordo com as conveniências dos industriais e dos senhores dos latifúndios, desejando que a revolu-
ção brasileira permanecesse no terreno meramente político. Mas o Brasil já começara a viver o trepidante mo-
mento
universal,
em
toda
a sua balbúrdia
catastrófica,
e não haviam forças capazes de detê-lo na carreira impetuosa que o arrebatara. Enquanto a frente única rio-grandense se compor-
tava dessa maneira avassaladora, pensando atrair à sua órbita o Governo Federal, as demais oligarquias regionais mobilizavam os últimos recursos disponíveis. Instintivamente, polarizadas em derredor das imposições do heptálogo, as individualidades carcomidas pelos vícios do passado regímen sentiam a ânsia dos combates. E Cachoeira tornou-se subitamente a Meca dos decaídos. As imaginações exaltadas, os descontentamentos exacerbados, os egoísmos desequilibrados, todos como que vibraram ao perceber uma esperança no passado e uma ameaça no futuro. Por isso, todos se volveram para a
cidadezinha do Sr. João Neves da Fontoura, julgando, decerto, que a salvação poderia vir de lá, delineada nos conciliábulos
e conferências...
Assim,
houve
uma
con-
centração tácita ou franca das oligarquias ao redor do
prestígio dos pampas. Algumas delas, apesar do máximo esforço das personalidades dirigentes, não conseguiram ressurgir à atividade politicante. A máquina tinha encravado com a longa paralisação de ano e meio. A falta de ambiência local não permitia o renasc imento dessas organizações moribundas, mesmo a peso do óleo canforado das entrevistas e exploração dos sentimentos regio94
nalistas. E, somente as oligarquias mineira, gaúcha e paulista se mantiveram mais ou menos vivas no setor da luta, num bloco de interesses mais ou menos uniformes e com certa monotonia de mentalidade. Era o nosso
liberalismo
democrático.
partidárias
se arregimentavam,
A reconstituição das políticas regionais em grupos coesos foi um fenômeno geral dessa época. As frentes prontas
para
o combate
decisivo. Minas Gerais refez-se das feridas causadas pela sissiparidade do velho PRM, aglutinando elementos da mais variada coloração dentro do heterogêneo Partido Social Nacionalista. S. Paulo formou também a sua frente única, num conchavo indecente e vergonhoso das velhas inimizades partidárias locais. Facilitou essa união do PRP e do PD, a ausência de divergências profundas entre eles. E que a roupagem democrática, vistosa de ouropéis liberais, só servia para disfarçar as desavenças pessoais que dividiam os dois agrupamentos. Nascidos do mesmo tronco, criados na gleba dos latifúndios, era lógica e obrigatória essa solidariedade, ao sentirem ameaçados os interesses comuns. Depois, o momento nacional favorecia a fusão de conveniências análogas, numa aparência de idealismo e ideologia. O povo paulista estava exasperado pelos reflexos amargos da crise cafeeira e principiava a culpar os revolucionários de 30 pelo fracasso das valorizações artificiais. Todos queriam que a onisciência e a onipotência governamental aplicasse prontos remédios à angústia geral. Ademais, os erros políticos do Governo Provisório, consentindo que vários grupelhos disputassem
entre si o governo do grande Estado, agravaram o malestar regional. E esse ambiente explosivo, acirrados o orgulho bandeirante e os melindres regionalistas, fazia esquecer todas as animosidades passadas e facilitava os conchavos.
95
Formada a liga partidária do PD com o PRP, os seus
representantes mais destacados entraram a exigir, com maior veemência, um interventor civil e paulista. A fór-
mula envolvia uma hostilidade franca ao tenentismo e uma declaração excessiva de regionalismo. O espírito au-
tonomista local, habilmente explorado pelas conveniências partidárias, repelia de maneira acintosa a centrali-
zação ditatorial. E havia nisso, como característica prin-
cipal, o açodamento cantes regionais.
de poder
que
assanhava
os politi-
Diante dessa ação impetuosa contra os seus homens e os seus princípios, o tenentismo experimentava dificuldade de reação. O Sul, quase unanimemente agrupa-
do em torno das oligarquias, formava
um
bloco pode-
roso contra a reforma social que se projetava. O Rio Grande, com o prestígio do seu Interventor e das suas hostes partidárias, solidário com os interesses dos latifúndios, apoiava abertamente o movimento envolvente das plutocracias paulistanas contra o advento da pequena burguesia nacional. Nesse sentido são notórias as declarações e os pactos firmados... Além disso, a antiga guarnição federal do Rio de Janeiro, que dera a última demão na Revolução de 1930, demonstrava fundos ressentimentos contra a ação tenentista, da qual se divorciara por questões de doutrina e interesses. Os seus vultos mais eminentes não se resignaram ao alijamento brusco das posições de mando após a posse do Sr. Getúlio Vargas e a repressão governamental, com remoções
para guarnições distantes, só redundara no aumento dos inimigos da Ditadura. E os militares descontentes, mor-
mente esses antigos componentes das guarnições da Junta
Pacificadora, vieram engrossar e fortalecer à reação das frentes únicas... Assim, dentre essas forças regionais sulinas, somente a formação partidária mineira salienta-
96
va-se pela prudência e moderação, numa atitude de expectativa.
mantendo-se
sempre
Essa descrição, contudo, não era de molde a influir confiança ao tenentismo. A astúcia montanhesa, que produziu exemplares refinados, como o aristocrático Antônio Carlos, espreitava manhosamente o rumo dos acontecimentos. A raposa observava as peripécias da luta, entre negaças e instigações, esperando talvez decidir a contenda como fiel da balança. Por isso, não se manifestava
a favor deste ou daquele; não comprometia o prestígio oficial. Aguardava serenamente o momento propício para impor a sua vontade, arrancando a solução mais conve-
niente aos interesses regionais. Mas, de coração, a oligarquia mineira não podia deixar de aplaudir a aliança paulista-gaúcha, tão uníssona com os seus sentimentos íntimos. Isso é tanto mais evidente quanto o Bloco da Montanha, sociedade política fundada pelo industrial Lanari, já começava a minar a existência da oligarquia local. E esse fato, por certo, devia provocar a tendência da política mineira no sentido de uma manifestação franca, no cenário federal, contra o reformismo nascente,
único meio de lhe assegurar a conservação própria. Urgia,
assim, çava a gando poder
reagir contra a nova agremiação, que lhe comecercear a independência de movimentos, desagrea politicalha, numa batalha contínua junto ao estadual.
Alcançando o Interventor civil e paulista, com a nomeação do ex-Embaixador Pedro de Toledo, a politi-
calha regional não se deu por satisfeita. O perrepismo,
possuidor da fortuna paulistana, absorveu o Partido Democrático e encabeçou a reação, animado pelos sentimentos de vindita. Lentamente, acirrando as animosidades regionalistas, os politicóides reacionários planejaram a anulação de todas as conquistas revolucionárias. 97
Mas, para isso, encontravam sério obstáculo nos elementos extremados, que lhes dificultavam as manobras,
agindo no cenário federal. A interventoria, oscilante entre
os dois grupelhos
rivais, devia tornar-se exclusivamente
prisioneira dos seus interesses. E, fiéis a esses propósitos, no dia 23 de maio, esses politicantes encenaram um
motim de rua, impetuoso e torrencial, implantando um secretariado composto de elementos preponderantes no seio dos partidos oligárquicos. De súbito, numa arranca-
da triunfadora, o perrepismo, aproveitando-se do mal. estar do povo, apossava-se da máquina administrativa,
retomando o vigor antigo. E o tenentismo, dentro de S. Paulo, perdeu toda a força e quaisquer possibilidades de predomínio. As oligarquias, num só golpe, conquistavam a maior organização regional, assentando a reação em bases de um êxito seguro. E a aliança política paulista-gaúcha surgiu, no plano das forças que se debatiam no cenário federal, com uma intensidade sem par. O governo, instigado pelo revolucionarismo rubro, chegou a esboçar uma tentativa de reação à ascensão perrepista. Armou o General Rabello e delegou-lhe plenos poderes, para derrubar o reacionarismo triunfador. É pelo menos o que se pode concluir da nota do gabinete do Capitão João Alberto, Chefe de Polícia do Distrito Federal. Mas o Ministro Oswaldo Aranha, então na capital paulista, observador pessoal dos acontecimentos, conseguiu frustrar a repressão armada, desejoso de pou-
par derramamento de sangue. E São Paulo ficou inteiramente entregue à exaltação perrepista, no calor e na embriaguez da vitória recente.
Daí por diante, unidos os paulistas e gaúcho s, foi iniciado violentíssimo ataque às posições tenentistas. As frentes únicas, coligadas no objetivo de arrasar as pretensões reformadoras das novas camadas das populações nacionais, atacaram os bastiões gove rnamentais, queren98
a Ditadura
do obrigar
à aceitação
de um
de
ministério
concentração nacional. Tentava-se, com isso, simplesmen-
te arrebatar o Governo Provisório da influência do tenentismo... Foi um período agitadíssimo da vida nacional,
como
todos
se lembram.
Rio Grande e São Paulo, por intermédio dos interventores federais e das oligarquias regionais, apertavam o cerco em redor do Sr. Getúlio Vargas. O Norte, poli-
ticamente
subjugado
aos
tenentes
interventores, não
in-
tervinha na contenda, senão como força renovadora. E Minas, embora dominada por elementos provenientes dos latifúndios, mantinha a sua eterna expectativa. O Brasil perdera-se num verdadeiro labirinto. Os grupos hostilizavam-se numa intransigência radical. Todo o país jazia na iminência de dar um salto para trás, fugindo às repercussões inevitáveis do momento universal. As promessas de revolução social, consolidando o poderio das classes médias brasileiras, pareciam definitivamente ameaçadas pela vigorosa arrancada da politicalha nacional. Estava prestes o rompimento do equilíbrio dinâmi-
co, em favor das forças de reação. E, sobretudo, pairava sobre as inteligências e os corações brasileiros, o espec-
tro de uma tremenda guerra civil, a guerra de secessão entre o Norte e o Sul. E a angústia enraizou-se em todos
Os espíritos.
Nenhum perigo conseguiu deter a marcha das forças litigantes. O choque tornou-se mais que fatal. O ultimato foi lançado, exigindo as frentes únicas nada menos do que cinco pastas no novo gabinete ministerial. A Ditadura, isto é, o tenentismo, somente podia indicar os seus candidatos para os Ministérios da Viação e da Marinha. No primeiro, o Sr. José Américo de Almeida, ho-
mem
sem
coloração
política demasiado
nítida, de rude
independência de caráter, ligara o seu nome à renovação
administrativa do País. A retirada de semelhante Minis99
tro, caso fosse provocada pelos interesses partidários do tenentismo, certamente despertaria estranheza na opinião pública e facilitaria uma exploração facciosa pelos seus
adversários.
Quanto à segunda pasta, todos conhecem por certo a sua ineficácia na vida interna do País, por falta de
recursos
do
ministério...
Portanto,
a proposta
das
oli-
garquias para um gabinete de concentração nacional implicava no completo aniquilamento do tenentismo. As plutocracias agrícola e industrial minavam, assim, habilidosamente, as rápidas avançadas da pequena burguesia. Tendo o Governo cedido à proposta das frentes únicas, o Ministério apresentou o pedido de demissão coletiva. E todos já julgavam as oligarquias definitivamente vencedoras no combate ao tenentismo, quando
o Chefe do Governo Provisório solicitou-lhes uma pequena trégua, um ligeiro adiamento para ultimar as ne-
gociações. Paralisaram-se as demarches. A proposta foi arreglará...
E,
na gaveta dois
dias
dos negocios
depois,
em
que
pleno
marasmo político, estourou a novidade do pedido de demissão
do General Leite de Castro, Ministro
da Guerra.
O cargo era um dos mais importantes na solução da crise nacional. E as frentes únicas aguardaram pacientemente a reabertura das negociações em torno do seu preenchimento. Mas o tenentismo, colhendo a oportunidade ainda no ar, conseguiu a nomeação de novo ministro à revelia das pretensões oligárquicas. Foi uma
bomba. E desde aí, por certo, a politicalha nacional passou a encarar a deflagração de um movimento arma do, como única possibilidade de retorno ao poder. As forças de reação não se conformaram com o dete rminismo evolucionista da Revolução de 1930. E o perig o da guerra de secessão — Norte contra Sul — avivou-se no horizonte. 100
am
el tiempo
encerrada
o —
cuidadosamente
Então, convergentes
todos
os
iniciaram
descontentamentos a preparação
do
e
idealismos
movimento
ar-
mado. Os antigos oficiais da Junta Pacificadora, arrebanhando os militares desgostosos com a nova ordem de coisas, arquitetaram a revolta. Rio Grande e São Paulo, irmanados no mesmo anseio reacionário, firmaram o pacto de agressão ao Governo Provisório. Só Minas, apesar da identidade de interesses com o movimento esbocado, conservou a mesmiíssima atitude enigmática e indecifrável. A
impaciência
do
General
Klinger,
porém,
preci-
pitou os acontecimentos. A reação explodiu demasiado cedo, quando a conspiração ainda não estava perfeitamente articulada. Surgiu assim a revolução paulista, revanche plutocrática e reacionária, que pretendeu
inocuamente anular as conquistas outubristas. Sirvam de prova dessa asserção as medidas pleiteadas e apregoadas pelas irradiações constitucionalistas, como sejam: a decretação imediata da Constituição de 24 de fevereiro
e a eleição da Assembléia Constituinte, sem expurgar o eleitorado antigo dos seus vícios radicados... Tudo, fe-
lizmente, para a pequena burguesia, desfez-se na fumaça
dos combates. E o movimento ficará somente na memória de todos como uma maravilha de civismo e de capacidade do povo paulista, que marchou para frente, arrastado por uma ilusão execranda. Todavia, essa revolução constitucionalista teve uma utilidade suprema: graças a ela terminou a nossa era confusionista e, dissolvidas as nuvens que se amontoavam no horizonte, o País entrou na verdadeira fase de sua reconstrução social.
101
IV O
tenentismo
aparece-nos,
sobretudo,
como
or-
um
sanismo em plena formação. Representa na vida nacional o papel de coeficiente de variação, agitando a placidez do magma social, em busca de novas cristalizações. Nas-
cido do mal-estar da pequena burguesia, sem ainda haver
atingido o ápice do seu desenvolvimento, ele reflete, obrigatoriamente, nas suas linhas gerais, a ausência de um espírito associativo entre as novas camadas das populações brasileiras, a carência de uma comunhão de aspirações e de interesses dos habitantes dos centros urba-
nos...
Por
isso, a sua
pouco,
com
o progresso
doutrina
crescente
só se definiu pouco da revolução,
a
através
dos entrechoques das correntes partidárias. Dia a dia, os homens representativos de seus interesses, as mentalida-
de diretoras de suas aspirações, coordenam e encaminham o caudal impetuoso. Ação, reação, e transação, no embate das formas embrionárias, no rebaixamento das asperezas rivais, moldam e desenham a grande marcha para o futuro, aclimando as sugestões do momento universal mais concordes com as nossas realidades...
O processo é lento e inevitável. E inútil tentar fugir, procurando escapar às diretrizes empolgantes do espírito moderno. A ascensão das massas urbanas, acompanha o crescendo do surto industrial e o Brasil, gravitando na órbita da civilização ocidental, não pode ficar alheio ao fenômeno. Pouco adiantam os freios e gemidos, as hostilidades dos temperamentos conservadores e dos espíritos emperrados. O presente veio encerrado no 103
passado, pois a fundação de um melhoramento material,
como
fábricas, vias férreas
etc...
já conduzia
em
seu
bojo o gérmen da futura questão social. Não há como evitar o imperativo social. A avançada das massas é triunfal... A princípio, com o nascimento das primeiras fábricas e o crescimento das grandes cidades, levantaram-se
somente protestos tímidos e queixas resignadas, meros esboços indecisos de anseios reivindicadores. Eram ainda reclamos vagos, brados sem intensidade, dispersando-se as inteligências novas, que surgiam do nosso subsolo econômico, num subjetivismo hesitante, privado de tonalidades de coloridos cegantes. Mais tarde, porém, ao avolumar da onda pequeno-burguesa, forçada a comporta das conveniências oligárquicas, produziu-se uma agitação intensa e um clamor surdo no seio das multidões insatisfeitas. E essa inquietação das novas classes, ansiosas de representação política, objetivada em campanhas partidárias e pronunciamentos militares, encheu a história contemporânea por todo um decênio... Tempos depois, dentro das próprias oligarquias lati fundiárias, uma corrente relativamente considerável houve por bem acolher as reivindicações das plebes operárias. A grita que perturbava a serenidade de lin guagem da imprensa e recrudescia pelos centros urbano s como em caixas de ressonância, penetrou assim nos recintos partidários, abrindo brechas na amurada formidável dos partidarismos extremados. Tentava-se, com isso, somente, anular as consegiiências desastrosas da cólera das turbas, se compelidas a movimento revolucionário, fixando-se as aspirações da pequena bu rguesia no terreno meramente político. Esboçou-se, co m essa tolerância de alguns
partidarismos regionais, uma ci são profunda nas mentalidades dirigentes, apesar do s traços de identidade, oriundos de um passado comum. E foi, sobre esse campo
104
a.
propício, que a ambição da política mineira deixou cair as sementes
da animosidade.
Então, o tenentismo, como já dissemos
atrás, irrom-
peu na existência política do Brasil, agitando-se com o vigor de um reagente formidável. Cresceu o caos. Ferveram os ânimos, exaltadíssimos. Revolveu-se o marasmo da vida politicante, como sacudida por um terre-
moto. E o espírito de variação, surgido das novas
camadas
das unanimidades,
sociais, remexendo
animava
com
a erupção
a antiga placidez
a renovação
profunda
da
vida econômica e política do País. Observando as atitudes das figuras mais representativas do tenentismo, veremos que a tendência social-democrática, que o caracteriza atualmente, não foi atingida por uma evolução nítida e retilínea. Ao contrário. E o exame da situação demonstra o papel preponderante dos princípios da “ação, reação e transação” na fixação dessa ideologia. Foi só depois da elaboração do anteprojeto do programa político do Clube 3 de Outubro, que o entrechoque com as oligarquias obrigou à escolha da ideologia erguida nesses fundamentos social-democráticos. Forçado pelas contingências do momento, acossado pela oposição que se desencadeava, o tenentismo buscou uma manifestação política mais consentânea com a índole nacional brasileira, voltando atrás dos primitivos arreganhos de dominação dos arraiais partidários. É que a inércia das multidões urbanas, a falta de um condutor empolgante capaz de acelerar o movimento das classes médias, obrigaram a transigência dos revolucionários, o retraimento inevitável diante das peculiaridades econômicas
do País.
De fato, a princípio, no ardoroso entusiasmo que se seguiu à vitória da revolução, o tenentismo ensaiou sobrepor-se aos demais agrupamentos políticos nacionais, organizando-se num partido único e exclusivo. Essa ten105
tativa, provocada pela ambição dos novos elementos, teria permitido a ditadura de um partido apoiado nos interesses todo-poderosos das massas urbanas. Compelia-os, para tal fim, uma das tendências mais caracterís-
ticas da evolução universal, a fusão de um determinado partido com o Estado. O tenentismo, querendo aproveitar a velocidade adquirida, forcejou aclimar em terras brasileiras o exemplo da Itália, Rússia ou Turquia. Faltou, porém, a ambiência indispensável para essa inovação. A vastidão territorial e descentralização administrativa inutilizaram o esboço dessa tentativa. E, sobre isso, houve também a reação de múltiplos interesses econômicos, objetivados nas oligarquias partidárias, que não
podiam permitir o advento das classes médias, como poder absoluto. Os espaços rarefeitos, ocupados pelos latifúndios, impediram a tentativa extemporânea de entregar todo direito de governo aos centros urbanos. As
fazendas ainda pesam como força econômica absorvente, ante os diminutíssimos centros rurais. O nosso deficiente estágio social, o nosso “feudalismo achamboado”,!º impediu o salto projetado. E o tenentismo, privado de ener-
gias ou de audácia para um golpe fulminante, assistiu ao fracasso retumbante das experiências legionárias.
Ademais,
sobretudo,
esse
movimento
semifascista
care-
ceu de seriedade. Foi uma verdadeira mascarada, a formação dos nossos camisas cáquis, figurando os interesses latifundiários mineiros, sob a direção da intelectualidade incaracterística de Francisco Campos, entre os
principais encabeçadores do movimento tão ridiculamente iniciado. Desde aí, não havia o que escolher: a social-democracia se apresentava como a única solução apropriada para o caso brasileiro. Não havia outro jeito. O nosso estágio econômico-cultural favorecia e facilitava a con10
- 106
Euclides
da
Cunha,
Os
Sertões.
servação
do latifúndio, base e sustentáculo
das
oligar-
quias partidárias regionais. E o tenentismo, cuja eclosão no cenário político obedeceu à necessidade imperio-
sa de representação das classes médias urbanas, impossibilitado
de aniquilar
definitivamente
os velhos
adver-
demagógica
das
sários, foi levado a desistir dos pruridos hegemônicos sobre os demais núcleos partidários. Apesar de todos os seus esforços, os nossos homens não puderam absorver a máquina administrativa do País dentro de suas hostes e imprimir novas acelerações ao ritmo da vida nacional nos conciliábulos secretos do Clube 3 de Outubro. As oligarquias frustraram todas as tentativas de absolutismo da nova corrente política. Estabeleceu-se, contudo, um estado de equilíbrio entre as forças de ação e reação, a pequena e a grande burguesias. Atingiu-se, assim, um estágio mais avançado de nossa vida política, conquistando as novas camadas populares representação política. Mas é uma situação iminentemente provisória, propícia a inevitáveis lutas futuras. Uma das partes deverá romper o equilíbrio a seu favor. Essa afoiteza de predomínio da pequena burguesia, manifestada pelos seus representantes eventuais no esboço de absolutismo do Clube 3 de Outubro, esbarrou na incompreensão das camadas populares. As classes médias, únicas a lucrarem com o rápido advento do tenentismo, permaneceram indiferentes à contenda ou hipotecaram
apoio
franco
à
azáfama
oligarquias. Tudo isso, graças à deplorável ignorância das nossas populações em assuntos sociológicos, incessantemente explorada pelos interessados. E essa ignorância é tamanha, que muitos dos nossos doutores vivem inteiramente alheios às novas formas de governo universais, acreditando somente nos arrebiques democráticos. O fascismo, para esses senhores, é unicamente a 107
vontade de Mussolini, imposta a óleo de rícino. E o co-. munismo, para esses espíritos primários, ainda é uma.
maré sangrenta ou a doutrina que faz cada um
dividir-
o dinheiro do bolso com o vizinho. É que o cordão de: isolamento estendido pelos nossos caciques latifundiários. ao longo do litoral acrescentou à carência de conhecimentos gerais do nosso povo, agravando as consegiiências maléficas do analfabetismo nacional. Agora, quandoviolentamente arrastados ao compasso desordenado do. momento universal, compreendemos toda a nossa ce--
gueira.
As
trevas
do
último
decênio
passaram,
neste
ins-
tante que finda, a pesar ainda mais sobre o nosso país..
Atirados
de roldão num
ambiente convulsionado, sentin-.
do as repercussões desastrosas da crise cafeeira, premidos por necessidades várias, os espíritos agitaram-se em. plena escuridão. Ninguém achava uma orientação segura e definitiva. Poucos percebiam o rumo inconsciente: dos acontecimentos. É que a destruição da velha ordem: arrojara a confusão nas inteligências mais esclarecidas.. A falta
de preparo
prévio
das
elites,
a impossibili--
dade de uma persistente pregação doutrinária no ambiente ultra-reacionário dos últimos quatriênios presidenciais, exigiram a fatalidade da revolução armada. anteceder à revolução espiritual. Assim, o desconheci-mento das manifestações do novo espírito impediu a. prefixação dos vindouros destinos nacionais. Multiplicaram-se as angústias das mentalidades em presença do desmoronamento iminente das instituições pretéritas. Cada um projetou sobre o plano social o seu caos interior. Ninguém sabia como penetrar o sentido dos
acontecimentos. O personalismo obscureceu os cérebros. mais lúcidos. Todos se sentiram desnorteados, comple tamente bestificados pela violência das lutas, as muta-
ções fantasmagóricas dos comparsas e o arre batamento 108
das
transfigurações
partidárias.
de
Esvaneceram-se,
súbito, o antigo regímen das unanimidades, as negocia«ções do dá-cá, toma-lá; agora, era o eterno espetáculo “de insatisfações permanentes, uma inquietude constante
e interminável. Os homens não esqueciam agravos nem “as correntes antagônicas se harmonizavam facilmente. Havia uma divergência profunda e insolúvel entre os «competidores. É que, pela primeira vez em nossa existência republicana, interesses profundos e irreconciliáveis dividiam -as organizações e agrupamentos partidários. Era a luta de classes, nascida com a proliferação das indústrias e -o crescente desenvolvimento das cidades litorâneas. E, por isso, os olhos afeitos à contemplação da estabilidade
passada, sem o conhecimento da balbúrdia das reivin-dicações sociais, não conseguiram delinear a nova ordem, -surdindo dentre o tumulto. Tonteava-os o dinamismo formidável a desmoronar as situações aparentemente "estáveis, em busca dum equilíbrio mais ou menos permanente e duradouro. nom
Para alastrar a incompreensão entre as camadas populares, procurando impedir o estreitamento de laços partidários do tenentismo com as massas urbanas, os políticos não pouparam meios. Toda exploração foi “pouca. A imprensa, servindo aos interesses das pluto-cracias, instigou a ignorância do povo, provocando a exacerbação dos preconceitos democráticos e antimilitaristas.
Sobre a acusação de o tenentismo propender para formas políticas antidemocráticas já vimos que, de fato, 109
foi essa a tendência inicial da nova corrente partidária, somente corrigida pela reação intempestiva das oligar-
quias. Pessoalmente, deploramos a necessidade desse recuo. É nossa convicção firmada que a social-democracia, com o regímen da pluridade dos partidos, amea-
ça-nos com a eterna confusão. Aguarda-nos a triste sorte da Alemanha ou a anarquia futura da Espanha. E quem: conhece as deficiências do nosso meio partidário, as re-. taliações pessoais que infeccionam as nossas lutas políticas, pode imaginar as consequências desastrosas des-. se
TÉCUO...
Infelizmente, as condições da nossa vida econômica. impossibilitam a sujeição completa das oligarquias. E a democracia teve de ser mantida e assegurou-se um estado de equilíbrio mais ou menos precário entre
os representantes
Daí em
diante,
dos
latifúndios
entre avanços
e as massas
e recuos,
marchas
rurais.
e con-
tramarchas, a pequena burguesia irá rompendo a crosta. dos preconceitos, alargando as brechas feitas no organismo constitucional até atingir o domínio do Estado. E a democracia, a forma política por excelência do individualismo burguês, irá desaparecendo ante a investida das massas organizadas e cada dia mais conscientes da sua força e dos seus direitos... Assim, o nosso libera-lismo-democrático tende a perecer por inanição. Os. sulcos demagógicos abertos nas populações urbanas, pelos verbos dos nossos tribunos liberais, lentamente seapagarão. Debalde a imprensa partidária, manejada pelos interesses plutocráticos, forceja espalhar a confu-. são. O mal-entendido é passageiro. O tenentismo, dentro: em breve, reconquistará as multidões. Senão como go-. verno, certamente como oposição. Quanto ao militarismo dos tenentes, é curioso obser-.
var o fundo da questão. Houve, na celeuma levantada nos espíritos, somente uma exploração partidária. A im-110
prensa, afeiçoada às oligarquias, procurou ativamente. despertar nas imaginações brasileiras os ecos da campanha civilista de Rui Barbosa. E o bovarismo nacional, relembrando as sugestões de leituras, influenciados pelas peculiaridades do ambiente europeu, sentiu estranhos. repelões de indignação, perante a ameaça de domínio das
espadas e baionetas... Entretanto, nada mais falso. E até irrisório falar em militarismo, num País onde o Exér-
cito sempre acompanhou o povo, em todas as causas. nacionais e nunca sustentou a menor campanha que só visasse atender aos interesses da classe. Depois, chega a ser ridículo, pensar em perigo militarista, numa Nação. onde o Exército constitui uma minoria verdadeiramente risível, diante da arregimentação poderosa das brigadas policiais estaduais. E, por tudo isso, só a má fé, a paixão e o bovarismo das nossas elites, manobrados cegamente pelo facciosismo politicante, puderam permitir a criação desse estado de espírito artificialíssimo. Oliveira Vianna," ao analisar a questão militar que deu o empurrão final
no 2.º Império, estudou a fundo esse fenômeno. Depois de afirmar que os nossos políticos “sempre viram no Exército um campo a explorar em benefício dos interesses deles”, ensina: — “Há uma grande ilusão quando
se fala em política militar e militarismo no nosso País. Nunca houve, entre as nossas classes armadas, esse estado de espírito que constitui o militarismo, nem a sua
consegiência lógica, que é uma política militar. O nosso Exército pode ter um certo espírito de corpo, aliás muito menos vivo do que nas velhas nações militarizadas; mas não
tem,
nem
nunca
teve, consciência
de
uma
missão
política qualquer, em contraposição às classes civis do País”. O que existe realmente — aprendemos ainda nessas páginas — é a eterna exploração tendenciosa dos polísenna
11
Cage
mms
Oliveira Vianna,
O Ocaso
do Império.
111T
ticos, aproveitando a permeabilidade das casernas às campanhas partidárias. Habilmente, manejando elegante dialética e instigando apetites subalternos ou idealismos exaltados, eles arrastam os militares às aventuras re-
volucionárias.
Então,
para
dourar
a pílula,
eles
apre-
goam em jornais e manifestos e berram nas tribunas e
sacadas, o direito do militar em fazer parte dos corpos partidários, deliberando com a força de sua inteligência e o prestígio de seus galões sobre os graves problemas do momento. É a doutrina do cidadão-fardado que não
pode permanecer inativo, ante os múltiplos perigos
ameaçam E
a nacionalidade.
urgente,
portanto,
que
ele
se
intrometa
que nas
«questões partidárias e use o direito de deliberação, cumprindo o dever sagrado de desembainhar a sua espada em salvaguarda da Pátria. Mas, depois, quando o militar acabou de vencer a revolução e ajudou o político na ascensão ao poder, já a dialética é outra. A imprensa, os manifestos e as vozes das tribunas e sacadas, pregam coisa muito diversa, inteiramente oposta às manifestações do passado. Agora, ao militar não é lícito exercer o mandato que lhe foi conferido pela sorte das armas. Cabe-lhe, somente, voltar modestamente ao quartel, distraindo-se com as manobras dos batalhões, preocupando-se exclusivamente com os estudos técnicos militares.
a O 4
vinda de novos tempos, novas questiúnculas partidárias. E-lhe forçoso, então, aguardar que os políticos proclamem a Pátria novamente em perigo, quando se torna necessária, outra vez, a intervenção do cidadão-fardado. Nesse ciclo fechado, cada qual preenche a sua função. 'O político brada pela urgência de salvação nacional e o militar arrasta os batalhões às ruas. O político abocanha os postos mais destacados e presenteia os militares mais heróicos com um ou dois galões. Assim, em 112
E, E me
a
——
esperar
e
deve
ES
e resignadamente,
em
paciente
SS
E aí, muito
toda a nossa vida política, os figurões e figurinhas do Exército têm sido procurados e solicitados somente como uma espécie de jagunço, os cangaceiros assalaria dos pelos interesses partidários. E, por isso, quando o militar, que expôs a vida em
revoluções, pleiteia uma organização capaz de impedir essas contínuas perturbações e masorcas, então — ai Jesus! —, a imprensa partidária grita e clama contra o
militarismo, a tirania das forças armadas etc... É que a politicalha indígena não quer outro poderio que se lhe contraponha
dos
interesses
no cenário federal, anulando
as investidas
facciosos.
Entre as energias que entravaram a hegemonia decisiva do tenentismo e favoreceram o confusionismo da atualidade nacional, está a Ditadura, graças à sua posição neutra, sem orientação provém, principalmente, da
definida situação
Getúlio Vargas, como elemento partidárias antagônicas.
e firme. singular
equilibrador
E isso do Sr.
de forças
Devemos salientar aqui, em ligeiro esboço, os traços fundamentais da mentalidade do Ditador, para compre-
endermos melhor as hesitações do momento. Antes de tudo, sob o ponto de vista evolucionista, foi o homem providencial. Representante dos interesses latifundiários, espírito de formação oligárquica, inteligência aferrada ao positivismo do Sr. Borges de Medeiros, S. Ex.* foi, dia a dia, transformado pela corrente renovadora e caminhou, embora com grande inércia,
nos novos rumos sociais. Personalizou, ele sozinho, toda a transmutação
nacional.
O estudo
da
evolução
do seu
113
espírito marca nitidamente o momento brasileiro. A sua
personalidade essencialmente plástica — ou a ausência absoluta de personalidade, como querem outros — consentiu que ele fosse propugnando o equilíbrio entre os extremos. O traço de conciliação, característico do seu
temperamento, manifestou-se desassombradamente no cenário federal, como já havia antes operado o milagre da frente única dos pampas. Não fosse a defecção gaúcha, após o empastelamento do Diário Carioca, as oligarquias teriam,
por
certo, anulado
muitas
conquistas
do
tenen-
tismo... O fato básico, contudo, é que o Governo Provisório sempre procurou equilibrar as forças de ação e reação, as oligarquias e o tenentismo. Pouco a pouco, num apagamento de personalidade que seria genial se fosse proposital, o Sr. Getúlio Vargas assiste ao livre jogo das energias partidárias, os choques de interesses irreconciliáveis, sem um gesto da vontade. Pela simples força da inércia e com um sorriso cândido, S. Ex.º consentiu que os fatores econômicos alcançassem uma situação mais compatível com o momento nacional. Raramente ordenou; poucas vezes imprimiu aceleração a qualquer movimento político. As medidas e decretos foram sempre arrancados dele pelos seus lugares-tenentes, pelos agrupamentos partidários. Distante, inacessível, nunca se deixou dominar exclusivamente por quem quer que seja. O seu espírito veio sofrendo profundas transformações em contato com o
país, ao invés do fenômeno inverso, que seria o natural. Ele veio caminhando lentamente, arrastado pela evolu-
ção social. Limitou-se a assinar aquilo que sentiu fundamental a uma determinada corrente política. Não houve
isocronismo dos seus movimentos, com as pulsações do organismo brasileiro. Ele andou sempre anacrônico, um pouco atrasado, pontos abaixo, puxado pelos fatos. E,
por isso, maleável, 114
dobradiço,
adaptável
às situações
mais antagônicas, o seu temperamento pôde consentir que a Ditadura acompanhasse todas as vicissitudes da atualidade política brasileira... Outra qualquer individualidade, de características mais vivas e resistentes, tentando impor uma orientação pessoal a esse momento de transição, teria provocado, talvez, maiores perturba-
ções na vida nacional. E, assim, encarado sob esse aspecto
único,
apesar
de
todas
as
censuras
em
que
possa
incorrer de parte dos extremismos partidários, ele foi o homem talhado para essa fase difícil da nacionalidade — o homem providencial. É que a ironia dos acontecimentos forçava essa mentalidade de formação oligárquica a preparar a renovação social brasileira. E, com interesses ligados à preponde-
rância dos latifúndios, S. Ex.? estava em absoluta contradição com essa missão que lhe reservara o destino. Dificilmente, ao cogitar de uma reforma indispensável, ele poderia afastar do seu espírito reacionário as oposições já enraizadas, os brados e protestos das velhas conveniências latifundiárias. E, ao dar o menor passo no
sentido da remodelação social, é de presumir que das dobras recônditas do seu cérebro surgissem resistências
capazes de anulá-lo. Daí as transigências, as acomodações, as meias medidas que o caracterizaram. Daí a evo-
lução lenta do governo, quase inerte, diante da necessi-
dade de reajustamento social, arrastado pela força impetuosa dos acontecimentos, sem uma definição rigorosa de atitudes e um traço superior e firme.
Se essas indecisões e recuos prepararam uma renovação mais de acordo com a realidade nacional, elas impediram, entretanto, uma ascenção mais rápida do tenentismo. As marchas e contramarchas da Ditadura, incapaz de impor uma orientação definitiva ao país, enfraqueceram os anseios dominadores da pequena burguesia. Tivessem os tenentes conseguido desalojar o Sr. 115
Getúlio Vargas do Catete, substituindo-o por uma individualidade pertencente à facção outubrista, o Brasil
teria escapado ao confusionismo social-democrata — posto que em sua fase rudimentar —, que provavelmente
ficará estereotipado na futura Carta Constitucional. Mas isso era uma utopia. Além de faltar ao tenentismo os elementos de sucesso, as oligarquias mineira e gaúcha, apoiadas em só-
lidas forças policiais, não podiam consentir nesse golpe
tremendo.
E, assim, privados
tidários
e do
tenentes
tiveram
sustentáculo
do
do auxílio
Governo
de núcleos
par-
Provisório,
sem
possibilidades de atingir o poder pela arregimentação de forças poderosas ou por uma escalada audaciosa, os de
recuar
da
propensão
ao
domínio
de um partido exclusivista, que sujeitasse toda a vida nacional a uma orientação renovadora. E a pequena
burguesia,
por
intermédio
desses
seus
representantes
eventuais, não conseguiu implantar uma ditadura nacional, forte e enérgica, apta a transformar a sociedade brasileira com a decretação de reformas profundas e radicais, para assegurar o domínio mais ou menos duradouro das classes médias urbanas e rurais.
om
A nossa futura Assembléia Constituinte, por certo, irá dar expressão jurídica a essa nova situação de equilí-
brio das populações brasileiras. A revolução paulista, deslocando a contenda de interesses para os campos de batalha, provocou a definição ex-abrupto das forças políticas e permitiu que as eleições venham a realizar-se dentro de maior serenidade de ânimos. Foi o raio que clareou a atmosfera, despejadas as nuvens mais negras...
Agora, tudo se apresenta sob melhores 116
auspícios.
Muitos espíritos, curvados à evidência dos fatos, já reconhecem a necessidade de uma profunda renovação
social, visto que o processo da Revolução de 1930 pouco a pouco vai ultrapassando o terreno meramente político. Todos sentem que é realmente indispensável condensar no futuro estatuto nacional os direitos legítimos das classes médias. Poucos, somente, ainda ousam afirmar que a Constituição de 91, zeladora exclusivista das pretensões latifundiárias, é o código intangível da nacionalidade. E a maioria aclamará, sem dúvida, dentro de breves meses, as conquistas sociais outubristas, reconhe-
cendo-as
como
da remodelação lução universal.
os
nossos
primeiros
social, acompanhando
passos
no
sentido
o ritmo da evo-
Todavia, é preciso que o tenentismo não tenha a atenção unicamente voltada para os problemas das classes médias urbanas. Há, no Brasil, infelizmente, uma
população ainda mais miserável, solta ao absoluto desamparo: os agregados, as massas rurais. Sem terra para cultivar, sem nenhuma feição econômica, essa gente paupérrima do nosso hinterland vive no nomadismo das
tribos indígenas. Nada os prende ao solo. Nenhuma raiz os liga à gleba generosa. Vegetam semi-escravizados, em dependência econômica dos senhores dos latifúndios... Só
o
amparo
dos
nossos
barões
sertanejos
famílias misérrimas de morrer de fome.
livra
essas
Arrancham-se aqui ou ali, onde a generosidade do fazendeiro lhes consentiu a pousada. Constroem uma palhoça de pau-a-pique, paredes de barro, sem janelas, e nela passam a morar, em promiscuidade, com as aves e bichos do terreiro... Dia a dia, mourejam numa roça de milho
e mandioca,
lavrando
a terra
“de meia”
com
como
cães
o proprietário do solo. Não plantam uma árvore; não criam amor ao torrão. Eles sabem que, hoje ou amanhã, ao
desgostar
o compadre,
serão
enxotados
117
seprosos.
E assim
permanecem,
anos
e anos,
raramente
juntando qualquer pecúlio, e sempre, em toda colheita, entregando submissamente a metade do trabalho ao senhor do latifúndio. É comovente a pobreza dessa gente, a sua probidade humilde e resignada. Esse regimen de subordinação econômica ao landlord
é que permite o esmagamento das massas urbanas nos prélios eleitorais. Esse pobre diabo, para conservar a
proteção do potentado, que o ampara e não o deixa mor-
rer à míngua, é-lhe dedicado como um cão. Nem pode ser de outro modo. É absurdo até pensar ao contrário.
Reserva-lhe o voto e a última bala da carabina, em sinal
de gratidão e reconhecimento. Por nenhum preço rompe o liame dos interesses, a trama que o mantém no quadro social... Assim, se o tenentismo pretende fazer obra política capaz de vingar em nosso clima, deve volver os olhos para o problema dos latifúndios. É inútil atacar e destruir os velhos troncos oligárquicos, quando se deixa viva a raiz da árvore. É que o
latifúndio é a base e o sustentáculo de todas as forças partidárias regionais. E toda a política dos quarenta
anos de República, como dos cem anos de Independência, girou ao redor de seus interesses e em proveito de suas necessidades... Em alguns pontos do país, assim como os grandes Estados sulinos, o colosso prosperou
e produziu riqueza. Noutros, porém, ele estacionou numa existência vegetativa, rudimentar e inglória. Mas, aqui e ali, em todos os quadrantes, o domínio rural é
o viveiro de eleitores do cacique das tribos partidárias.
Dentro dele, o coronel mal presente o aceno garquias.
coordena do chefe
as massas dispersas, proeminente das oli-
Não é somente do ponto de vista político que o pro-
blema dos latifúndios merece estudo e cuidado. A solu-
ção deve ser buscada mais no fundo, atingindo-se o em118
unidabasamento da questão. É que o latifúndio, como de
econômico-social,
já
começa
a entravar
O ritmo
de
expansão da vida nacional. Martins de Almeida,” estu-
dou admiravelmente o fenômeno: “Cada grande fazenda é uma unidade social quase sem interdependência eco nômica, umas em relação às outras e em relação aos próprios centros urbanos. As nossas cidades do interior têm a sua vida industrial e comercial, em grande parte, abafada pelas reduzidas necessidades de consumo dos vastos domínios agrícolas, cujo comércio é feito quase todo com a própria natureza ou com os grandes empórios da costa. Os latifúndios constituem núcleos vitais independentes, dissociados entre eles mesmos. Cada um guarda em relação ao outro uma existência de perfeito paralelismo, não se solidarizando, não se integrando na defesa dos interesses comuns. Origina desse quase insulamento latifundiário, a falta de um suficiente conteúdo social nos quadros das nossas organizações municipais.” Verifica-se assim que o latifúndio é o grande obstáculo à vida de relação entre as populações brasileiras: O isolamento de sua existência reflete-se perniciosamen-
te, tanto no plano elevado das aspirações sociais, como no terreno fundamental das trocas comerciais. Economicamente, é um empecilho formidável, reduzindo o consumo, não concorrendo para o barateamento da produ-
ção com o aumento de mercados. Socialmente, é um recinto fechado, segregado, impermeável às correntes ideológicas e um retardador do progresso intelectual. Em todos os aspectos impede a circulação dos produtos ou idéias, aparecendo como entrave ao engrandecimento do país. E, raras vezes, como nas fazendas cafeeiras paulistas ou nas estâncias pastoris gaúchas, é um centro
de vida ativa, produtor de riqueza e manancial de regular fortuna. 12
Martins
de Almeida,
O Brasil Errado.
119
Sobre outro aspecto, o latifúndio ainda perturba a economia nacional: é como o disseminador de nossas populações. As grandes extensões de terra em mãos de
um único proprietário impedem o crescimento da densidade demográfica em cada quilômetro quadrado. As divisas de cada grande fazenda estorvam o estabelecimento de novas famílias naqueles campos incultos. E diante de infindáveis léguas de terrenos inaproveitáveis, os novos braços têm de bater em retirada, cada vez mais para dentro do país. E que o latifúndio espalhou uma rede extensíssima
sobre o território nacional, retalhando as sesmarias imensas, mas só, pouco a pouco, consente no estreita. mento dessas malhas, na condensação de núcleos fortes e resistentes. Muito lentamente, com o crescimento das
populações e as divisões por herança, a onda demográfica vai penetrando os sertões, fugindo dos acotovelamentos do litoral. E as novas gerações e os recém-chegados vêem-se obrigados a procurar sítios distantes, longínquas terras devolutas. Ora, isso criou o nosso insolúvel problema das distâncias, que tanto atormenta a administração pública. E o resultado são as nossas estradas de ferro deficitárias, cortando desertos para atingir um ou outro centro urbano mais importante, necessitado de vida de relação.
O latifúndio já cumpriu inteiramente a sua missão histórica, semeando pela vasta superfície do nosso território os principais nós da nossa extensíssima rede demográfica. Sob esse ponto de vista, ele veio comple tar a heróica tarefa do bandeirismo paulista, tomand o posse definitiva dos campos e matas atravessados e varados pelo nomadismo das entradas. Agora, fin da essa missão de elevada importância, o progresso do país está a exigir a intervenção direta e imediata do Estado, para regul arizar
120
a
situação
quase
anômala
desses
infindáveis
domínios rurais. Urge que os governos voltem as vistas para essas fazendas agrícolas e de criação, coordenando-lhes o desenvolvimento e a utilidade social. Nem se compreende que, numa época em que o interesse geral prima sobre O particular, a inércia burocrática cruze os braços
ante
o
egoísmo
dos
proprietários
de
cultas, cujo individualismo desbragado ameaça o nosso crescimento econômico e cultural.
terras
in-
entravar
É preciso cuidar de resolver o impasse criado pela
conservação
desses
buracos
inúteis
no
seio
de
zonas
progressistas, onde ficam aguardando trangiiilamente a
valorização das áreas, pelo trabalho dos proprietários circunjacentes. São verdadeiros hiatos, grandes espaços perdidos, a amortecer a velocidade de propagação do ritmo administrativo. Torna-se indispensável, portanto, a promulgação de uma lei agrária que, atendendo às condições peculiares do meio brasileiro, venha pôr cobro em certos abusos e nos prejuízos causados pelo feudalismo emperrado dos nossos fazendeiros. Urge uma legislação eficaz, uma série de medidas reguladoras da propriedade, como fonte de produção e cultura social.
Entre elas, primeiramente, para coibir vários abusos vigentes, necessitamos de uma fiscalização tenaz e intran-
sigente da quitação dos impostos territoriais e das falsas declarações de valor dos latifúndios, nos registros de lançamentos das municipalidades.
Essa ação inflexível da parte dos poderes públicos, estribada no assentamento rigoroso dos cadastros imo-
biliários, evitaria que o coronel situacionista sonegasse o pagamento dos impostos devido, ou o reduzisse à metade ou a um terço. E todos sabem que semelhante
hábito é inveterado nos costumes sertanejos, facilitando aos coronelões políticos a propriedade de várias léguas de terras inaproveitáveis. Depois, entre as leis a decretar, deveria vir o imposto progressivo sobre terras sem 12I
cultivo, visando a reversão de domínio à União, que ficaria obrigada a subdividi-las em lotes destinados aos trabalhadores agrícolas.
A obrigatoriedade
dessa transferência, a concessão
de grandes terrenos aos agregados, provocaria a proliferação da pequena propriedade racionalizada, com o aluguel módico de máquinas para a lavoura, pertencen-
tes às municipalidades. Além disso, como o solo deve ser considerado propriedade exclusiva da nação, com o direito de usufruto pelos particulares, o Governo deverá ter a faculdade de desapropriar, mediante indenização, os latifúndios que julgar conveniente aos interesses gerais. E, dotada dessa autoridade suprema, a administração pública promoverá o estabelecimento de núcleos coloniais agrícolas nas proximidades dos centros urbanos do interior. Pouco a pouco, num plano sistemático
e em realização cada vez mais intensiva, o Governo apres-
sará a disseminação de pequenas propriedades ao redor das cidades mais importantes do nosso hinterland. dos
Dia a dia, subdividindo os latifúndios circunvizinhos nossos
melhores
centros
comerciais
do
interior,
o
Estado os libertará da ação absorvente da força centrípeta dos extensos domínios territoriais. E, assim, permitirá o amparo justo e racionalizado à nossa infeliz população
rural, criando
uma
classe
média
mais
indepen-
dente, poupando-a da subordinação econômica ao senhor feudal. E também favorecerá o incremento desses centros rurais próximos, beneficiando-os com uma vida de relação mais intensa e vertiginosa, acelerando as possibilidades comerciais locais... Ao mesmo tempo, com essa faculdade de desapropriação, os governos adquirirão os latifúndios marginais às vias férreas, povoando os desertos ora atravessados pelos seus trilhos e provocando rápida condensação de produtos ao longo dessas
linhas de escoamento. Inteligentemente, ao lançar cami-
122
—
E
mr»
mm
—
aihos de penetração, a administração pública irá localizando em lotes concedidos gratuitamente, os braços capazes de aumentar O volume dos transportes. Assim,
com
uma
reforma
agrária
que
consulte
os
interesses fundamentais do país, o homem brasileiro será integralizado na economia nacional. Então, poderemos
ver qual a sua capacidade produtiva. Agora, sem terra e
sem estímulo, escravizado ao proprietário de latifúndios,
é irrisório exigir dele qualquer esforço sério. Ninguém tem ânimo de trabalhar desde que esse trabalho vai be-neficiar a outrem, que vive de braços cruzados. Ninguém se esforça em melhorar uma casa que não é sua, nem
um
pomar de onde será expulso
«outro. Que venha uma
de um
momento
para
lei dando terra ao caboclo, livran-
'do-o da ignomínia de se esforçar somente pelo enriquecimento alheio e veremos que a sua inferioridade tão apregoada é mais aparente do que real! Essa reforma agrária impõe-se sobremodo ao tenentismo e, felizmente, a maior parte das mentalidades que «o dirigem, já parece ter compreendido essa necessidade inadiável. Aqui, o interesse nacional coincide estreita“mente
com
os interesses
desse
agrupamento
partidário.
'E os tenentes enxergam claramente a obrigatoriedade de mais esse avanço no terreno das conquistas sociais. Nunca, como hoje, aos ouvidos dos membros do Clube 3 de Outubro, transparece a atualidade do aviso de “Saint-Just: — “Ceux qui font les revolutions à demi ne font que creuser leur tombeaux.” E o tenentismo, se não “for realizada essa reforma radical, não passará de mero “acidente de nossa vida política, simples episódio de nossa
história, sem a menor projeção para dentro do futuro da macionalidade. A reforma agrária, pois, impõe-se como uma justi-
ficativa de toda a celeuma renovadora. Exige-a o próprio
instinto de conservação
da facção partidária
dos outu123
bristas. Doutro modo, todo o esboço de transformação social perecerá, inevitavelmente. A revolução, pouco a
pouco,
se voltará sobre
si mesma,
recuará
às trevas
do
passado, retornando o país aos mesmíssimos hábitos e práticas que animaram a reivindicação armada. Os latifúndios repetirão a carga, investindo lenta e sossegadamente sobre as instituições vigentes, sejam elas de que natureza forem e corrompendo-lhes infalivelmente os. princípios básicos. É inútil, por isso, reformar o nosso: estatuto político desde que se não corrija esse mal intrínseco da nossa organização social. Sem independência.
econômica, o agregado perdurará como o eterno pária,. o escravo do senhor de latifúndios. Infantil, portanto,
se nos afigura destruir oligarquias políticas e constituições, quando não se cuida do nosso problema estru-. tural...
A conjuração das conveniências latifundiárias, confederadas em partidos regionais, continuará a influir decisivamente na nossa vida política, desde que se não. faculta libertação econômica às massas de agregados. E a prepotência dos nossos caciques rurais, mobilizando. esses dois terços da população nacional, esmagará e comprimirá indefinidamente as classes urbanas do li-. toral. E como a mochila do corcunda que acaba por deformar a roupa mais elegante que se lhe vista. A reforma agrária é, portanto, indispensável e inadiável para a consolidação definitiva das conquistas sociais da Revolução de Outubro, no sentido de perfeita. expressão política das classes médias. E os próceres te-nentistas, se desejam a gratidão nacional, não devem bater em retirada diante dos obstáculos que surgem às. suas veleidades reformadoras. É natural essa oposição: popular às tentativas de renovação do quadro social. A inércia: da nacionalidade intervém em prejuízo da cele-. ridade de execução da obra planejada.
124
Esse fenômeno de resistência é geral em todas as o longitudes e latitudes. Pierre Dominique! já focalizou assunto da seguinte maneira: — “Rien de plus conservateur que le peuple, par paresse, par naturelle patience, par respect, por crainte... Il faut donc imposer Vidée, le systême, Vinvention. L'opinion publique est souvent,
toujours hostile. Pierre le Grand réforme contre [opinion de son peuple. Les Soviets contre Vopinion des russes. Mussolini contre "opinion du grand nombre des Ttaliens. Le roi d'Afghanistan à Pheure actuelle contre Vopinion
des Afghans. Le Kuomintang contre celle des Chinois. Les réformateurs japonais de 1869 contre celle du
Japon. Les hommes de la Révolution française, enfin, ont contre eux "opinion publique qui est monarchiste des tout, le grand nombre à lépoque, et comme Français.”
Assim, a nossa minoria revolucionária deve propugnar a lei agrária, lembrando-se de que o latifúndio já cumpriu o seu destino histórico, e é, hoje, um entrave ao progresso da nacionalidade.
poderoso
dd
Dentro do atual estágio da vida econômica brasileira, o tenentismo, apesar das deficiências que possam ser erguidas aos seus principais dirigentes, já representou um elevado papel. Foi ele o incontestável remexedor de idéias, o preparador da revolução espiritual que se seguiu à revolução armada. Graças à agitação por ele provocada
no nosso marasmo
partidário, o homem
bra-
sileiro sentiu a necessidade de uma política mais grandiosa, sem o tacanhismo e a miopia facciosa do passado. 13
Pierre
Dominique,
La
Révolution
Créatrice.
Graças a ele, também, a pequena burguesia cresceu: na vida partidária, conquistando as suas primeiras pos-sibilidades de representação parlamentar. Agora, decerto,. ele irá cedendo no primitivo ardor reconstrutivo, perdendo o inflamável caráter de revolução permanente: que o vem distinguindo. Muitas de suas mentalidades.
diretoras, certamente,
adormecerão
nas responsabilida--
des de governo, apagada a heroicidade exacerbada dos. primeiros meses. Todavia, a semente ficará entre as mas--
sas, frutificando novos cérebros para as reivindicações.
de amanhã. Entretanto, defendendo a Constituinte o retorno às. prepotências latifundiárias e negando a reforma agrária, . é de prever um recrudescimento inevitável do espírito de rebeldia. Nascerá, assim, entre nós, uma consciência.
revolucionária
forte
e lúcida,
renovando-se
a arrancada.
das classes médias em uma vigorosa ofensiva. O atual equívoco dos reformadores com as massas cessará e os. espíritos compreenderão claramente a razão profunda. do dissídio do passado.
NOVEMBRO
126
1932”
“int e p rações
que à historiaa polca
PeRsaáio
a Conhece, brasileira
| ou É | | | político, eo us Quê vm contribuindo par que cl elf
pensado de utilizarbuioção ro cante tenha dis se que Rosa, que ficou assim como contrihúlçdo mar
de determinado período, o tenentista”
RR
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