O Absolutismo [150] 8511000151

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O Absolutismo [150]
 8511000151

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O Absolutismo

Política e sociedade na

curopa Moderna

Marcos Antônio Lopes

Copyright O by Marcos Antônio Lopes - 1996 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, futocopicda,

reprontuzido por meios mecinicos wu eulros qua lequer sem autorização prévia da editora,

Primeira edição, 1996.

Preparação: Ama Cristina Veixcira Rruisão: Lilian Miranda e Irati Antonio

Capa: Ricardo de Krishna

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cir) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lopes, Marcos Antônio

O absolutismo: política e sociedade na Europa modera

! Marcos Antônio Lopes — São Paulo: Brasiliense, (Coleção tudo é história; 150)

1996. —

Bibliografia. ISBN 85-11-00015-1 |. Absolutismo — Europa 2. Europa — História 3, Monarquia — Europa 4. Poder divino dos reis 1. Título. II, SéTic.

DE-1189

CDD-32] 6004

Índices para catálogo sistemático: 1. Europa : Absolutismo : Ciência política 321.604 2. Enropa : Monarquia absolutista ; Ciência política de 16004

ê

EDITORA BRASILIENSE S/A

E

CEP 03310-010 - SÃO PAULO-SP TELEFONE E FAX: (0xx11) 218-1488

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RUA AIRI, 22 - TATUAPÉ

e-mail: brasilienseeditwuol.com br hom e page: www.editorabrasilien se.com.br : AE

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SUMÁRIO O Estado absolutista na Época Moderna: Aspectos Gerais. ais rososasitaenesnia an Dos pode era era dl on oi pn eae ra e a aa 5 Rupturas e continuidades num mundo em transformação. .sqassasssoasa sas ceu aan cas So Uasda acena ana apRA EO Ea

À linguagem política do absolutismo ...................eos.. O poder que vem dos céus: o direito divino dos reis .... Passado e presente: uma avaliação do absolutismo ......... Indicações para leitura =: .2.45,.225cessstossesreos cesar seio SODre/O/AULOR: soca ne ana ode cansaaa sata sn ts pra So A

25

31 43 60 A

Dedico este livro aos professores Douglas Libby e Antônio Penalves, pelo incentivo discreto, mas sempre estimulante. Para Ricardo Faria, pelo generoso interesse com que acompanhou o nascimento dessa idéia. À memória do professor Carlos Baesse, por uma admiração e amizade que transcen-

dem o tempo.

Minha gratidão ao CNPq e à FAPESP, que ofereceram o indispensável apoio material.

O ESTADO ABSOLUTISTA NA ÉPOCA MODERNA: ASPECTOS GERAIS O absolutismo como sistema europeu O desenvolvimento do Estado absolutista como a forma institucional que lentamente passa a corresponder às exigências colocadas pelo sistema capitalista constituiu-se, segundo a tipologia de Fernand Braudel, na transformação de uma estrutura de “longa duração” cujo processo histórico se apresenta bastante rico em variações. Em Linhagens do Estado absolutista, Perry Anderson

destaca as formas pu-

ras — os modelos francês e inglês —, em que aparecem de maneira mais acentuada as estruturas fundamentais do absolutismo da Época Moderna. Inúmeras outras nações da Europa Ocidental também integraram esse amplo sistema político que foi o absolutismo. Talvez a única exceção seja mesmo os Países Baixos, compostos à época por Bélgica e Holanda, e que trilharam um caminho político muito diferente: o da república bur5

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

guesa. Esse é principalmente o caso da Holanda que bem mais cedo que a Bélgica seguiu uma trajetória política independente, abraçando o protestantismo. Até 1648 a Bel. gica católica manteve-se, pelo menos teoricamente, subordinada à Espanha. Sua independência foi reconhecida pelo

emita em

-

Áustria conheceram, a partir do século XVIII, regimes políticos semelhantes aos modelos clássicos desenvolvidos pelos Stuarts e Bourbons nos séculos XVI e XVII. Mas eram. decisivamente, do ponto de vista político, econômico e social, países bem atrasados em relação à França, à Inglaterra e à Espanha. A figura de maior expressão do absolutismo espanhol foi Filipe II, o rei em cujo reino “o sol nunca se põe”. Seu pai, o imperador Carlos V, já havia travado na Espanha um grande combate contra o espírito medieval da nobreza espanhola fundando a idéia de um Estado Moderno. Caberá a Filipe II abraçar e executar com intrepidez esta idéia. Na verdade, o Estado absolutista espanhol foi um modelo precoce, tendo neste rei sombrio, reservado e cruel o seu grande precursor. Seus descendentes foram soberanos de pequena expressão. Pouco dotados para o exercício do poder, não puderam exibir mais que vaidade e pretensão numa Espanha que lentamente vai se tornando uma nação moribunda; exatamente a Espanha que um século antes fôra o reino mais poderoso da terra. Filipe III foi um rei frívolo e fraco,

passando

sua vida

entre

rezas, passeios e

bailes. Ao contrário de seu pai, Filipe II, que se trajava de

negro e tons escuros, vestia-se de cores vivas e alegres.

6

No

q

Tratado de Munster, celebrado neste ano. Rússia, Prússia e

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

reinado de Filipe III inicia-se a decadência espanhola. Seus sucessores, Filipe IV e Carlos II, entregaram as rédeas da

administração do Estado nas mãos de favoritos, muitas vezes inescrupulosos, com muito mais criatividade para en-

cher os bolsos de dinheiro que talento para cuidar da saúde das finanças públicas. A década de 1570 foi a época de maior glória do Estado monárquico espanhol. Com a morte de dom Sebastião, rei de Portugal, numa guerra contra os marroquinos na África, abre-se à Europa a sucessão ao trono português. Filipe Il argumenta que a coroa portuguesa lhe cabia por ser o pretendente mais próximo, em linha de sucessão. Seu segundo argumento, talvez o mais enfático, são as tropas mais numerosas e equipadas da Europa. O monarca espa-

nhol é coroado rei de Portugal. Com a anexação das colônias portuguesas, espalhadas por todo o mundo, Brasil, por exemplo, a máxima de que “o sol nunca nos domínios espanhóis tornou-se mais verdadeira. tamente esta hipertrofia que fez do maior reino do um

como O se põe Foi examundo

gigante de pés de barro, vulnerável à pilhagem de na-

ções que só tardiamente partiram para a expansão marítima. No século XVII, a Espanha torna-se uma presa fácil à pirataria de franceses e ingleses.

O “século de ouro” havia chegado ao fim. À partir de

Filipe II, a imoralidade

reina absoluta na administração

estatal. Funções públicas são vendidas pelo rei a altos preços, mas seus titulares rapidamente saberão recuperar os valores empregados usando, ou melhor, abusando das prerrogativas que suas patentes lhes conferem. Em seu Dom

ANTÔNIO LOPES E SS

MARCOS

Quixote, Miguel

de Cervantes expressou

literariamente o

declínio de uma nação que ainda tencionava conquistar o mundo,

sem contudo

contar com

os recursos

necessários

para a empresa. O delírio do cavaleiro andante é bem a expressão da decadência espanhola. Nas primeiras décadas do século XVII começa a agonia da Espanha dos Habsburgos. No final do século XVII, o estado de indigência das finanças públicas levou um observador estrangeiro à seguinte reflexão sobre o que outrora fôra o mais temiível exército europeu: “Foi dado a mim observar destacamentos nos quais soldados se encontravam numa tal penú-

Ea

Er

Le

ria, pés descalços, em farrapos, possuindo apenas uma cor-

da para atar a espada à cintura, que causavam lástima ver”. A grandeza espanhola expressa pela legenda do “século de ouro” havia de se revelar muito mais aparência que realidade. O modelo econômico adotado pelos soberanos espanhóis levou à rápida sangria dos metais preciosos oriundos do México e do Peru. Com grande quantidade de metal circulante no interior do reino, a Espanha se deixou levar pelas importações indiscriminadas falindo precocemente a pouca atividade industrial. Filipe III, Filipe IV e Carlos II, os três últimos reis habsburgos, reinaram sobre as ruínas de um império esplendoroso deixado por Carlos V e Filipe Il. Com

a morte

de Carlos II começa

a história da

Espanha bourbônica. O esplendor e a glória não são mais que sonhos de um passado cada vez mais distante, mas ainda muito vivo na memória culo XVIII.

dos espanhóis

no início do sé-

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

Ventos absolutistas sopram sobre Portugal O absolutismo português, como os outros modelos políticos da modernidade européia, passou por várias fases de desenvolvimento, num sentido crescente do aumento de autoridade e concentração do poder nas mãos do rei. Em Portugal, as raízes da monarquia absoluta também remontam ao final da Idade Média. Contudo, não se pode determinar com muita precisão o período em que à monarquia portuguesa já se encontra estruturada em bases absolutistas. Isto porque as feições absolutistas do poder monárquico se desenvolveram aos poucos, sendo enriquecidas e aprimoradas ao longo de mais ou menos três séculos de história. Mas o declínio do absolutismo português não apresenta tantas dificuldades: verificou-se entre os anos 1820-1834, num con-

texto de intensa luta política e guerras civis. Encerrado de forma brusca no início do século passado, o regime absolutista português teve vida longa. No decurso de toda a Época Moderna, a monarquia lusitana desfrutou de grande prestígio dentro das fronteiras do reino. O poder real era acatado tanto pelas camadas senhoriais que compunham a elite política portuguesa quanto pelos segmentos menos privilegiados, numa época em que as maiores barreiras enfrentadas pela administração real foram os limites impostos pelo próprio tempo; nesse sentido, instituições pouco ágeis, mecanismos precários de propaganda política e controle social, bem como uma frágil organização econômica impediam uma administração mais eficaz por parte do Estado monárquico. 9

em

Como nas demais monarquias européias, limites impostos pela tradição também se confrontavam com a ação do poder régio. Pelo menos em tese, o rei tinha por obri-

gação moral observar atentamente as leis estabelecidas pelos costumes

do reino,

consolidadas

ao longo

e

ANTÔNIO LOPES

CT

MARCOS

de séculos,

perado, ou seja, exercido com

relativa brandura, somente

a partir da segunda metade do século XVIII, o absolutismo português assumiu ares de arrogância e despotismo, quando o rei passou a se colocar bem acima da sociedade portuguesa. A originalidade do absolutismo português talvez esteJa no fato de ter sido o regime político europeu que melhor sintetizou a idéia do patrimonialismo estatal: os recursos materiais da nação se confundindo com os bens pessoais do

monarca. À monarquia absolutista em Portugal traduz com muita propriedade a reflexão de Voltaire, como ele expressou em seu livro de aventuras, Zadig, acerca de uma certa indole dos reis de seu tempo: “Tudo o que se encontre em meu reino é meu, e em outras terras também”.

E, de fato,

nossa história sentiu por longo tempo o exercício prático

dessa irônica frase quando, no século XVIII, o Estado por-

tuguês fez baixar suas garras administrativas sobre as áreas ricas em ouro e o distrito dos diamantes. Fato

incontestável,

no

século

XVIII,

a história

do

Brasil cruza-se com a trajetória da monarquia portuguesa. Com

efeito, os bens oriundos da mineração

no Brasil

colonial reforçaram significativamente o poder dos reis. 10

a

como tinha que conviver ainda com os diversos privilégios da aristocracia portuguesa. Regime político de poder tem-

E

|

a

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

Na época da exploração dos metais, verdadeira idade de ouro da monarquia portuguesa, o Estado sai de sua moldura medieval para assumir contornos nitidamente modernos. Com a força do ouro, o Estado monárquico português se organiza burocraticamente, para tornar mais eficaz a administração de seu extenso império. A crença generalizada em Portugal de que apenas um poder forte, sem concorrentes internos, poderia controlar um mundo tão vasto em possessões, transmitiu novo alento ao poder monárquico. Por essa época, acreditou-se firmemente que o poder concentrado nas mãos de um homem de pulso seria capaz de domar a cobiça de potências rivais, bem como fazer frente à pirataria nos mares. Os reis € Os ideólogos do absolutismo souberam fazer bom proveito dessas circunstâncias sociais favoráveis. A autoridade real se reforçou e o poder efetivo do soberano consolidou-se, no sentido de uma maior eficácia administrativa. Outro aspecto que distinguiu o absolutismo português das demais linhagens de monarquias européias foi a ampla liberdade de ação sempre encontrada por seus reis. A realeza em Portugal foi poupada do desgaste provocado pelo confronto com corpos políticos intermediários, como os Estados Gerais na França e um Parlamento sempre alerta, organizado e combativo, a exemplo da Inglaterra Moderna. Até fins do século XVIII não existiam em Portugal setores organizados que fizessem oposição sistemática à monarquia. Conflitos internos opondo a monarquia e as elites políticas do reino sempre existiram. Mas antes da Revolução do Porto, foram resolvidos através de combates abertos, 11]

MARCOS

sem

maiores formulações

ANTÔNIO

LOPES

teóricas ou tentativas de impor

Com

a morte de dom João V, seu filho assume o po-

der. Mas dom José optou por associar ao seu governo uma personalidade forte e centralizadora. De fato, o marquês de Pombal foi um secretário de Estado que atuava com rédeas curtas no campo do poder. Temperamento autoritário, apesar de sua formação influenciada pelos ideais iluministas, desde o início de sua administração conseguiu conquistar o ódio da aristocracia e da sociedade portuguesa em

geral; sentimento,

aliás, cultivado

12

mutuamente

ao

TE

o

O

extração mineral no Brasil. No tempo desse monarca, considerado o equivalente em Portugal da realeza luiscatorziana, por sua queda para o cerimonialismo político e a teatralização do poder, a até então sóbria corte portuguesa adere sem restrições ao luxo e à suntuosidade. O poder real também se transforma em espetáculo. É bem conhecido o episódio da distribuição de moedas de ouro feita em Paris por um embaixador de dom João V, o conde da Ribeira Grande, com a efígie solar deste monarca cunhada num dos versos. A finalidade explícita dessa representação pública era divulgar no estrangeiro a glória do rei e de sua nação. Como reflete o historiador português Rui Bebiano, “como raios enviados pela régia majestade, assim os pequenos pedaços de ouro — imagem da luz solar, simbolo de tudo que é superior — aqueciam as algibeiras dos felizes e atônitos espectadores”.

O Ra

magnificência portuguesa, está associado à época áurea da



limites legais ao poder dos reis. O reinado de dom João V, considerado a idade da

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

collongo dos 27 anos de sua presença efetiva à frente das sas do Estado.

Sua

iluminista

formação

se refletiu

numa

umaior racionalização da política administrativa, cuja infl terência se espraiou até pela arquitetura. Após o grande

remoto de Lisboa, ocorrido em

1755, Pombal

praticamen-

de arte mandou construir uma nova cidade. Uma capital er siquitetura mais sóbria, restringindo o marquês qualqu rio nal exterior que revelasse superioridade social. Contrá u às reparações do que havia se salvado do abalo, ordeno s por tantas demolições a ponto de estas serem comparada seus adversários com o próprio terremoto. Nos tempos da administração pombalina assiste-se à o hipertrofia do absolutismo português. O intervencionism estatal é levado às últimas consequências. A trajetória polí tica de Pombal, figura paradigmática

co,

revela

traços

nítidos

de

do absolutismo ibéri-

um

bem-sucedido

maquiavelismo político. Esmagou seus inimigos sem deixar margens para vinganças, comportamento que se pode compreender pela lógica da “economia da violência”: destruir o inimigo de forma contundente, investindo todo potencial de força de uma só vez, para não permitir que ele se levante mais tarde. Assim sendo, a administração pombalina reduziu quase à nulidade as forças:contrárias a uma monarquia moderna. Sob a influência do marquês de Ferro, assiste-se no Portugal setecentista à ultrapassagem de um Estado de tipo senhorial, e ao triunfo de uma monarquia bafejada pelos ventos de uma indiscutível eficácia administrativa. Seus maiores apuros foram vividos na sequência da morte de seu pro13

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

tetor, dom José. À cabeça do administrador foi literalmente pedida por todo o reino. Sua última vitória sobre os ini-

migos se traduziu num tranquilo exílio em sua província natal, solução encontrada por dona Maria I. Em seu declínio, a história da monarquia absolutista portuguesa volta a se cruzar com a história do Brasil, desta vez em rota de colisão. À atmosfera interna de descontentamento, formada em torno da independência da colônia, juntamente com as dificuldades encontradas pelos defensores do regime em desenvolver novos projetos, tendo a monarquia como condutora, levaram ao colapso do absolutismo português.

À legislação e o aumento do poder real A partir do século XVI, o processo de desenvolvimento das estruturas políticas na Europa levou à existência de uma forma típica de organização política: as monarquias

nacionais. Trata-se de uma forma de governo em que o poder político se transmite hereditariamente e em que, fato

marcante, o soberano recebe seu poder diretamente de Deus. O direito divino dos reis, teoria política da Época

Moderna, foi uma ideologia formada por várias teses refe-

rentes a um princípio geral: o poder e a autoridade reais derivados diretamente de Deus, sem nenhuma possibilida-

de de intervenção popular ou da Igreja.

Tais teses políticas acabaram resultando em um consistente corpo de idéias ao longo do processo de 14

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

reestruturação política européia compreendido entre os séculos XIV e XVI. Foram idéias políticas interligadas e coordenadas em relação ao princípio referido possuindo um horizonte teórico bem definido e um espaço geográfico de atuação. De fato, as idéias que formam a doutrina do direito divino dos reis, dando-lhe um contorno bem configurado, estiveram vinculadas ao universo político e cultural das nações cristãs no Ocidente, ocupando um papel notável do ponto de vista do avanço das estruturas políticas européias. O seu desenvolvimento em corpo doutrinal foi lento e esparso uma vez que diversos escritores políticos, medievais

e modernos,

tentaram

teorizar acerca

da

natureza do poder secular em diferentes nações da Europa Ocidental. A título de ilustração podemos lembrar nomes medievais como Dante Alighieri, Monarquia (1311), John Fortescue, O governo da Inglaterra e Jean de Paris, Do poder real e do poder papal, bem como defensores modernos do poder temporal: os escritores políticos franceses Claude Seyssel e Cardin Lebret, A grande monarquia da França e Da soberania do rei, respectivamente, e o defensor da dinastia Stuart, sir Robert Filmer, Patriarcha. Durante a Época

Mo-

derna muitos reis se dedicaram ao trabalho de reflexão política. Na França da segunda metade do século XVII, Luís XIV ditou a seus secretários as célebres Memórias, obra de caráter pedagógico destinada à formação política de seu filho, na qual se encontra uma defesa convicta da “potestas absoluta” do rei. Um século antes, Jaime I da Inglaterra havia feito o elogio da soberania absoluta da dinastia inglesa 15

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

e de seu direito divino para governar num tratado político

intitulado Verdadeira lei das monarquias livres. Foi do confronto

direto com a Igreja e da antiga ten-

absolutas e místicas apoiadas

sobre

uma

base

racional, a

legislação. De fato, os mistérios da monarquia absoluta estiveram inseparáveis do domínio de uma nascente legislação de Estado e de um crescente aparato burocrático. Na verdade, são esses novos fatores que permitirão às monarquias européias da Idade Moderna desenvolverem mecanismos fiscais mais eficientes; aperfeiçoando o sistema de tributação, os Estados nacionais emergentes se fortaleceram com relativa rapidez. A entrada de um volume maior recursos aumentou sobremaneira o poder de coerção monarquias sobre os súditos. Este talvez seja o principal mento que diferencia as novas monarquias nacionais frágeis e itinerantes monarquias feudais.

de das eledas

Uma forma superior de governo No que se refere aos aspectos funcionais do aparelho administrativo da monarquia absoluta, muitos são os com-

ponentes que de forma progressiva passam a integrar o Estado nacional na Epoca Moderna. Entre eles, vale ress altar 16

e

do poder que a jurisdição e o misticismo da monarquia desenvolveram seus elementos teóricos mais consistentes. Assim é que, no século XVI, alguns Estados nacionais em emergência poderão ser caracterizados como monarquias

TO

dência dessa instituição em intervir junto à esfera temporal

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

o papel marcante representado por um exército forte e regular. Utilizando-se de tropas permanentes, ainda que nos séculos XVI e XVII um bom contingente fosse recrutado no estrangeiro, as monarquias européias se opuseram 208 vários coeficientes centrífugos de força do reino. A constitui ção de um exército nacional representa um fator vital para o estabelecimento e consolidação do Estado absolutista no

Ocidente, haja vista ser a guerra uma prática econômica comum. As monarquias absolutas refletiam a racionalidade da guerra na sua mais íntima estrutura. Nesse sentido, segundo Perry Anderson eram máquinas construídas predominantemente para o campo de batalha”. A burguesia mercantil, classe social em ascensão, cedo compreendeu que da política econômica formulada pela burocracia estatal dependia o sucesso de seus interesses comerciais. Favorecida em seus empreendimentos pela monarquia, não apenas passou a apoiar o novo aparato burocrático-administrativo mediante empréstimos e financiamentos, mas procurou integrar-se ao Estado absolutista

na busca de prestígio e proteção, principalmente através da compra de funções públicas. Na Época Moderna, a parceria entre a alta burguesia comercial e as monarquias desencadeou resultados importantes para a história do Ocidente. A maior complexidade adquirida pelo Estado absolutista forçava os reis a criarem novas fontes de captação de recursos; e, para uma arrecadação mais eficiente e segura destes novos impostos ainda não se dispunha à época de funcionários especializados. Diante de necessidades como a manutenção

de cortes suntuosas, exército permanente

17



MARCOS ANTÔNIO LOPES

demais funcionários administrativos, os monarcas foram se socorrer junto aos grandes comerciantes. Dessa forma, não apenas contraíiram vultosos empréstimos, mas introduziram os burgueses na administração do Estado ao arrendar-lhes

a cobrança dos impostos. É preciso lembrar que “burguesia até o século XVIII significa “segmentos urbanos ricos” e não classe social. Por seu lado, a nobreza conseguiu manter muitos dos antigos privilégios por longo tempo — isenção de impostos, recebimento de pensões, concessão de altos cargos no exército —, mas suas intervenções na vida política declinaram de maneira cada vez mais sensível. A generosidade e as “despesas de representação” do príncipe, que se deve compreender como uma necessidade de ostentação, é um modelo ideológico muito bem recebido pela nobreza. Toda sangria nas finanças do rei representa um êxito político imediato, e o fortalecimento de seu poder e autoridade, a médio e longo prazos. Esse sistema de sujeição da alta aristocracia haveria de se revelar bem caro, mas politicamente

muito rentável porque contornava o problema das revoltas nobiliárquicas contra a monarquia. A adoção de uma etiqueta rigorosa habitua essa nobreza palaciana a considerar o rei uma entidade sobre-huma-

na. Na capela de Versalhes, os nobres se acotovelam para ver mais de perto ao Rei-Sol, na esperança de serem também notados por ele. Luís XIV fez da rígida etiqueta um instrumento poderoso de submissão. Pelas mãos do rei passam inúmeras questões de interesse imediato da nobreza:

- distribuição de cargos e pensões, convites para estadias em 18

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA

E SOCIEDADE...

Fontainebleau e Marli e até autorização para matrimônios. E o rei só premia àqueles satélites mais fervorosos da realeza. Pela manhã,

no “levantar do rei”, uma

das cerimôni-

as menores da monarquia francesa, os príncipes de sangue disputam a honra de segurar a camisa do soberano. Todo um complexo cerimonial, em que sobram reve-

rências e precedências preside o despertar, o deitar, as refeições e toda a vida diária de Luís XIV. O rei não apenas preside o cerimonial, mas o executa com rigor e precisão notáveis. Em suas Memórias, o duque de Saint-Simon afirma que a trezentos quilômetros de distância de Versalhes, e de posse apenas de um relógio, era possível saber exatamente onde

se encontrava

o rei.

No início do século XVIII, sobretudo nos últimos anos

do reinado de Luís XIV, a monarquia francesa se encontra consolidada em bases firmes. A corte do Rei-Sol tornou-se o modelo mais requintado de vida social em toda a Europa. É o período de esplendor e glória da monarquia absoluta. Em sua própria época, o Estado absolutista foi compreendido pelas sociedades européias como um regime superior de governo, pela capacidade desenvolvida pelos reis em assegurar a ordem e dispor de homens e bens para o engrandecimento do reino..Na França do século XVIII, até um pouco antes da Revolução Francesa, os monarcas por direito divino gozavam de imenso prestígio e de um fervoroso devotamento por parte de seus súditos. Em 1751

o grande Voltaire saudava os reis da França em seu O século de Luís XIV como os responsáveis diretos por transfor19

4

4 : A

MARCOS ANTÔNIO LOPES

marem

a Idade Média francesa num

“edifício gótico em

ruínas”.

Repressão e centralização monárquica: a cruzada dos reis contra as bruxas A Idade Moderna européia assistiu ao florescimento de inúmeras práticas sociais voltadas ao serviço da centralização monárquica. Como principais exemplos do esforço dos reis em alcançar um maior domínio sobre as várias províncias do reino contam-se o fenômeno de um crescente aparato de leis e exército permanente, bem como uma cobrança mais eficaz e regular de impostos. Sem dúvida, esses foram os mecanismos tradicionais da centralização monárquica desenvolvidos entre os séculos XV e XVIII. Mas o processo de centralização política que resultou no Estado absolutista

também trilhou outros caminhos. Assim e repressão à feitiçaria são aspectos que e iluminam a história política da Europa Ora, é bem conhecido o destacado

sendo, poder real se complementam monárquica. papel que desem-

penhou o moderno Estado nacional como estimulador de

primeira hora e como o mais avassalador coeficiente de força na grande cruzada de caça às bruxas. Fato notável, assiste-se na Epoca Moderna ao processo de desintegração dos elos comunitários e à desestruturação dos antigos laços de sociabilidade camponesa perpetuados durante séculos. E, a caça às bruxas é o agente catalisador desta desintegração. Províncias inteiras, espaços-tempos que se desconhecem 20

e

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

até se odeiam entre si, serão aproximados pela ação do Estado sob a égide da erradicação da feitiçaria; bem menos religiosa que política, a caça às feiticeiras da Época Moderna não é senão uma pedra entre várias outras na obra de desencravamento e submissão das sociedades camponesas pelo poder oficial da Igreja e do Estado. A feiticeira cede seu lugar central ao padre. À vingança privada recua diante da ordem pública. Os poderes do Estado monárquico, até o século XVI completamente exteriores às províncias e suas tradições seculares, progridem em direção às áreas periféricas do reino. A alavancagem das limitadas monarquias feudais dos séculos XIV e XV, rumo à conquista de um relativo poder e XVII,

está relacionada

soberano

nos séculos XVI

culminam

na noção de lesa-majestade.

ao

desencadeamento do processo de caça às bruxas. O Estado passou a espalhar o pânico pelas províncias, principalmente entre as populações camponesas: a justiça real não busca mais somente garantir a paz, como na Idade Média, mas define uma pirâmide hierarquizada de delitos e penas que

O crime de feitiça-

ria na Europa Moderna coroa precisamente a construção em questão: atinge a lesa-majestade divina, sendo mais horrível do que se possa imaginar.

Na verdade, o fator explicativo da perseguição as prá-

ticas mágicas da Época Moderna parece residir na profunda mutação

ocorrida nas esferas política e institucional.

Nesse sentido, a nova jurisdição — lentamente elaborada pelos legistas desde o resgate do direito romano nos sécu-

los XII e XIII

—, passou a atuar como um agente dissolvente 21

TE E=

Pe

MARCOS

ANTÔNIO

LOPES

das antigas justiças locais de caráter privado. Assim é que,|

a partir do século XVI, o Estado monárquico buscou regu-

lar e uniformizar a vida social banindo, quase definitivamen-,

te, as leis privadas que presidiam todas as pendências pes-| soais e de grupo nas províncias, e que por um longo tempo ainda farão vistas grossas ou mesmo

teimarão em desco-

nhecer os tribunais oficiais. A partir das insurgências sempre brutais do Estado | absolutista contra a antiga ordem provincial e comunitária é que se assistirá a um relativamente rápido abandono, por parte das populações camponesas, dos princípios de vingança privada. Até províncias muito afastadas de centros administrativos importantes, como Londres e Paris, cederam diante da força da administração estatal e se incorporaram rapidamente ao novo mundo político regido pela burocracia e legislação do Estado. Nesse sentido é que se pode falar com razão que os processos de caça às bruxas foram uma verdadeira “liturgia do medo”. De fato, o fenômeno europeu das perseguições às feiticeiras, com todo o seu colorido estarrecedor, representa uma luta armada pela implantação da lei e da ordem propugnadas pelo Estado Moderno. Sem dúvida, foi a última trincheira tomada à cultura folclórica, perpetuada e difundida pelas comunidades camponesas ao longo de séculos. Entretanto, o processo de penetração das garras do Estado absolutista nas províncias, e particularmente entre as sociedades rurais, não foi de nenhuma

maneira unifor-

me. Se determinadas regiões estiveram claramente abertas 22

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

áreas deà implantação da nova ordem, existiram também burocracia e dos cididamente refratárias à penetração da ois, região tribunais. Robert Muchembled cita o caso do Art ncias do Estafrancesa por longo tempo rebelde às ingerê do e da justiça oficial. aria — As perseguições relacionadas às práticas de feitiç

mais notável por sua longevidade, se estendendo de forma carásistemática do século XIV ao XVIII — adquiriram seu que ter mais truculento durante o Renascimento, época em se a cultura européia atingia seu máximo esplendor. Como

areferiu Jean Delumeau, autor responsável por uma explor ição em profundidade do que significou este amplo mov mento de civilização, o período representou a “promoção do Ocidente”, se comparado a todas aquelas civilizações que durante séculos estiveram bem à frente da Europa crista, em termos de conhecimentos científicos e domínio da natureza. Apesar dos primeiros esteios do racionalismo ocidental estarem sendo fincados neste período, e de Descartes ter dito que a razão era um bem natural igualmente repartido entre todos os homens, a Época Moderna constituiu-se num tempo saturado de diabolismo. O grande Luís XIV, que se tinha na posição de lugar-tenente de Deus na terra, e que efetivamente detinha a condição de árbitro de toda a Euro-

pa, é um bom exemplo desta saturação posto que tremia diante da simples idéia do diabo. Como conta o duque de Saint-Simon, que viveu na corte do Rei-Sol, Não é demais

dizer que, sem o medo do diabo que Deus lhe permitiu conservasse mesmo durante os maiores desregramentos, ele se teria feito adorar e teria encontrado adoradores”. 23

MARCOS ANTÔNIO LOPES

O advento da imprensa no início da Idade Moderna, e a sua notável capacidade em movimentar um extraordi- | nário volume

de obras, até então

circulando

em

número

muito restrito, proporcionou às elites européias uma maior notabilização de sua cultura livresca, o que levou a um desmedido alargamento do fosso entre a erudição e a cul tura folclórica. Assim é que, no início dos Tempos Moder- | nos, inúmeras manifestações da cultura popular foram diabolizadas pelas elites. É o caso, por exemplo, da idealização dos sabás; trata-se na verdade

de uma constru-

ção teológica para expressar um ritual orgíaco de culto coletivo ao diabo que nunca existiu na prática. Como se referiu Pierre Chaunu,

o sabá é um

mito inteiramente

estran-

geiro às mentalidades populares. É somente pela diligência do Estado absolutista que o mito satânico deixa o terreno da pura construção teórica para se metamorfosear em pretexto para o martelo exterminador do poder civil.

24

RUPTURAS E CONTINUIDADES NUM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO olutismo, Para uma melhor avaliação do alcance do abs

oximano contexto em que se produziu e subsistiu por apr

s damente dois séculos, para se apreender de uma forma mai oampliada o espaço que ocupou no quadro geral da Eur

faz-se pa Clássica se estendendo pela Europa das Luzes, dos necessária uma rápida visão do que foram as estruturas a espaços público e privado no período; nada melhor par ição tentar os primeiros passos nesse terreno que à propos reinde algumas questões capazes de encaminhar-nos a uma de tegração da monarquia de direito divino no contexto da époco íti pol o ism bol sim do te par m era fiz que es tud ati ca: tentar mensurar os níveis de continuidade entre o “fim”

os é a prida Idade Média e o “início” dos Tempos Modern meira delas.

25

pa

a a

e

MARCOS ANTÔNIO LOPES

Absolutismo e periodização No mundo ocidental, durante os séculos XV e XVI, um

complexo de circunstâncias de caráter variado — técnicas, econômicas, sociais e espirituais — provocou profundas e decisivas transformações que alterariam sensivelmente a fisionomia da vida e cultura européias. À nova época que se inaugura, se ativermo-nos ao quadripartidarismo clássico, costuma-se chamar Tempos Modernos, ou mais comumente,

Idade Moderna.

Entretanto, apesar de todas as rupturas que se processaram no período, é inadequado supor que haveria uma separação inconciliável entre as duas épocas que se daria, inclusive, no nível do pensamento político. Um historiador sensível como Johan Huizinga, por exemplo, parece não descobrir um contraste substancial entre as estruturas da sociedade medieval e as do Renascimento. Até mesmo J Burckhardt, que sempre levou a pecha de ter exagerado a distinção entre os dois períodos, reconhece

que, “sob a apa-

rência da incredulidade ou da superstição, o sentimento

religioso subsistia em toda a sua força”. Dessa forma, é mais razoável considerar um

bom

nível de continuidade

estru-

tural no que se refere às formas de pensamento medievais

e modernas; em meio ao desenvolvimento histórico, é preciso observar processos subterrân cos, lentos, gradativ os, de

variações e continuidades. Num contexto de permanências, em maior grau que de mudanças e superações, é que devemos considerar o pensamento político da época do absolutismo.

26

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

Não podemos negar, no entanto, as transformações políticas fundamentais exemplo,

ocorridas

O enfraquecimento

no período

como,

por

ou a eliminação dos poderes

do locais e do poder supranacional da Igreja no decurso processo de centralização € consolidação das monarquias nacionais. Mas, é preciso reconhecer, numa visão de totalidade e de mais longa duração,

que, no extenso prazo en-

tre os séculos XIV e XVI, a celeridade do movimento histórico não foi de forma alguma homogênea obedecendo a cadências e mediações diferenciadas, através das quais só muito lentamente se processa a passagem do medieval ao moderno. Dessa forma é que Francisco Falcon pôde dizer que, o que ocorreu realmente foi "... uma redistribuição das áreas ocupadas respectivamente pelo secular e pelo eclesiástico, pelo imanente e pelo transcendente, pelo sagrado e pelo profano. Refluindo aqui, espalhando-se alhures, o religioso fortaleceu-se ou reformulou-se em outras direções”. Trabalhando-se com a idéia de processo, o que se verificou foi um complexo de rupturas e continuidades em cujo movimento nada foi destruído de todo e nada se criou de absolutamente novo.

Os Tempos Modernos estiveram marcados por crises profundas em todos os níveis de realidade, ou como propõe F. Braudel, foi uma época em que as rupturas passaram a interromper o ritmo longo das estruturas, rupturas essas, gestadas em meio à calma aparente dos níveis de longa duração. Parece-nos essencial, nesta análise sobre o absolutis-

mo, a noção de que o tecido da história é composto de uma trama complexa dentro da qual variadas instâncias — cada 21

ita

Po

MARCOS ANTÔNIO LOPES

qual com sua importância relativa em contexto dado —| transformam-se em descompasso. Não é este o lugar para| aprofundarmos detalhes quanto à periodização, mas vale! lembrar que nenhum período histórico tem existência própria em si mesmo.

Considerados esses entretons, o absolu.

tismo parece situar-se dentro de territórios diferentes onde são perceptíveis tanto os traços de estruturas tidas como medievais quanto pode se apresentar como algo novo, pró prio aos tempos que se inauguram; e, no entanto, ele não deve ser buscado nem na Idade Média nem na Época Mo: derna porque está nas duas. Encerrar o absolutismo em um recorte rigoroso que conduziu a batizar o período de 1648 a 1789 como a “época do absolutismo” não passaria de mais uma das fantasias reservadas por certos critérios de periodização; os tempos da história servida em fatias cronológicas já ficaram para trás e, conforme nos ensina Philippe Ariês, “Ter o sentimento da história é sentir e compreender que o presente — até então vivido — não pode ser cortado nem do futuro, é cla ro, nem do passado”. De fato, como nos faz recordar também Jacques Le Goff, em um de seus muitos escritos, o pas

sado não está apenas no passado e um dos objetivos da História é encontrá-lo onde quer que ele esteja. O absolutismo, sistema político predominante no Ocidente Moderno, ins

creveu-se na história como fenômeno de duas ou mais temporalidades: teve suas raízes fincadas num passado lon-

gínquo, e o tempo próprio à sua vigência em cronologias de modo algum sincrônicas.

28

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

Absolutismo e mentalidades O humanismo do período absolutista, que em seu sentido ético implicou uma maior autonomia moral do homem do Renascimento,

não significou um

rompimento

definiti-

vo com a antiga “linguagem política” que haveria de persistir por um longo período. Entendemos essa expressão na linha das reflexões de Jacques Le Goff: a da linguagem como a instrumentação mental própria a um período. Segundo esse autor, não se pode confundir idéias com mentalidades porque “As idéias são apenas um pequeno setor [...] um pequeno fragmento no arsenal da instrumentação mental, são talvez os seus objetos mais elaborados, mas não os mais utilizados nem os mais úteis [...]”. É no nível da lin-

guagem e dos seus significados que procuramos entender o pensamento

político na Época

Moderna.

Dessa forma,

não é crível que a ruptura com a teologia e a religião — prenunciada por Maquiavel, a política como categoria autônoma —, ocorresse de forma drástica.

Se já podemos verificar traços da rachadura entre a teologia e a ideologia política, estes se verificam, num primeiro momento,

apenas por parte de uma intelligentsia que,

até certo ponto, “escapa” à imersão na sensibilidade coletiva ao ponto de até apontar para algo novo e desconhecido na política. Um arrazoado de Jacques Le Goff sobre a questão de um certo “embaralhamento” das idéias nos esclarece sobre este ponto ao refletir que várias são as mentalida-

des que participam das mesmas estruturas mentais em um mesmo tempo histórico-social; múltiplas são as mentalida29

MARCOS ANTÔNIO LOPES

des, que sob o domínio de uma linguagem, coexistem numa mesma época, num mesmo espírito. Dessa forma, o preço da persuasão no discurso políti-

co está dado pela adequada utilização de elementos teoló-

gicos. Desvincular-se das convenções que regem a linguagem política à época é tornar o discurso extemporâneo e incompreensível. Escrever uma obra política que se distancie desse padrão, grosso modo, é pronunciar um discurso oco, despropositado. Nos séculos XVI e XVII seria inviável qualquer tentativa nesse sentido, principalmente no marco intelectual estabelecido pela Reforma. Desse modo, Maquiavel pode ser considerado como uma voz clamando sozinha no deserto já que apenas a Itália não fôra agitada de forma tão contundente pela vaga reformista. Assim é que os conceitos da filosofia política não puderam transgredir o círculo das possibilidades fixadas pelo pensamento politico e as questões teológicas e religiosas.

30

A LINGUAGEM POLÍTICA DO: ABSOLUTISMO

Durante muito tempo foi a legitimação do poder real por direito divino o elemento teórico mais eficaz para a aceitação e o reconhecimento da monarquia absoluta. Por características dadas pelo tipo de ligação que estabelece com a mentalidade política comum

à Idade Moderna, for-

çoso é situar o direito divino dos reis numa relação de con-

tinuidade com as formas de pensamento político da Idade Média.

Ainda que surja como um horizonte teórico historicamente novo — as primeiras concepções em forma de doutrina são de meados do século XVI —-, situa-se no contexto da Europa Moderna para dentro de um imaginário políti-

co ainda sensivelmente dominado por conceitos transcen-

dentes. De fato, na Idade Média, já podemos encontrar pre-

núncios de novas formas de pensar as relações de poder que 31

ANTÔNIO LOPES

lentamente iniciam as tendências à superação das relações

qro

MARCOS

feudais. Nesse período, encontram-se esboços do que deve-

ria ser, vários séculos à frente, o Estado nacional autônomo vinculado à religiao. Mas o fato é que, na Baixa Idade Média,

|

havia uma ligação estreita entre monarquias feudais e Igre-

|

uma origem divina. Sobre as relações entre poder espiritual e poder secular no período medieval, e para ficarmos ape-

|

Ja, sendo que esta legitimava o poder secular ao atribuir-lhe nas no exemplo mais ilustre, recordemos que Carlos Magno fôra pomposamente sagrado imperador por Leão III.

É necessário considerar, entretanto, as mutações sofri-

das pela composição das forças políticas dominantes. A partir do século Xl, assiste-se às primeiras tentativas do poder secular de recusa à interferência do papado. O Cisma do Ocidente, divisão ocorrida na Igreja católica entre os anos de 1378 e 1417, acaba por acentuar essa divergência e as tentativas do Estado em firmar sua soberania são muito frequentes e incisivas ao final do século XIV. Alguns teólogos do período — dentre eles Wyclif — foram favoráveis à idéia de uma Igreja nacional ligada à monarquia por exclusão do papado. Na passagem do século XIII ao XIV, Dante Alighieri (1265-1321), em sua Monarquia (1311) já procurava eliminar a função mediadora de Roma ao introduzir teses naturalistas à política. O autor da Divina comédia pro-

duziu também reflexões políticas. No livro Monarquia, obra justificadora do poder imperial, ele exprime o ideal de uma cristandade comandada por um imperador. De acordo com o escritor florentino, Deus, criador da natureza, dotou os homens de livre racio32

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

mesmos à peraos m ia ir it rm pe que a ri óp pr e ad nt vo e cínio Colocava assim, a aufeita condução das coisas do Estado. autoridade da da te en nd pe de in ca íti pol e al or mp te toridade

eria dependev te an rn ve go O que a av er id ns co e nt Da . eja Igr

o que de cer, os ri iá ed rm te in m se , us De de e nt me ta der dire

monárquico. ta forma enuncia as premissas do absolutismo enres rep a rm fo Re a e, am ex re liv o o ig ns co zer tra Ao das divertaria, vários séculos à frente, o agente coroador nto reme vi mo O ça. for de os mp ca s doi es ess re ent s gência uma heresia, mas formista não deve ser tomado como mais

a partir o çã ma or sf an tr da un of pr to an qu en do di en re comp quer predos próprios horizontes do cristianismo, sem qual sença

de elementos

da cultura folclórica,

característica

ulmarcante em movimentos heréticos; tornou-se um imp rna passo vitorioso porque a ordem social na Época Mode sava por sensíveis mudanças. e O Não se deve pensar que as monarquias nacionais feudalismo foram categorias antitéticas. As monarquias con erior do seguiram o seu poder não a despeito, mas no int ao comsistema feudal porque em meio à sensibilidade e do rei. portamento político da época, à fé nos “milagres tendênsempre foi conservada. O poder monárquico com

numa cias ao absolutismo não surge de uma hora para outra ismo, mas al ud fe do o aps col e ão aç eg gr sa de da ura alt da da rchas. em meio a um processo que esteve sujeito a contrama direito Apesar de seus esteios medievais, o absolutismo de contrário divino não é uma tradição política decadente; ao do que se pensa comumente, representou uma novidade qualitativa de enorme importância histórica. 33

ao

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

À ordenação transcendente do mundo Os três séculos que constituem a história Moderna disingúem-se da Idade Média principalmente no que se refere às circunstâncias econômicas: nova capacidade técn ica, novas formas de domínio da natureza, além da amplia-

ção definitiva do âmbito geográfico com a integraçã o de novas sociedades ao “sistema econômico mundial europe u”. Apesar de se verificar no período o desencravamento das comunidades locais para marcos socio-geográficos mais amplos, para a lógica do homem do período, a ordena ção da sociedade e do mundo natural ainda obedece a uma vontade transcendente. A expressão de um escritor político inglês contemporâneo, Bullinger, é ilustrativa a esse respeito: “Os vínculos da sociedade política ou civil não se dissolvem, antes bem se confirmam pela palavra de Deu s”. Para o homem da época, a ordenação da socied ade e do mundo natural ainda obedece a forças exteriore s, suprasensíveis. Como na Idade Média, os diferentes esp aços-tem-

pos são ainda dominados pela idéia de uma orden ação divina do mundo; na mentalidade do período, Deus é o ordenador e a história é o reflexo de sua vontad e. Apesar da visão medieval de mundo se encontrar irreme diavelmente minada tanto pelo humanismo quanto pela Reforma, o espírito do homem comum ainda se enc ontrava preso à tradição. Do ponto de vista de uma mai s profunda laicização da

vida, a maioria dos resultados seriam sentidos bem mais tarde, a partir da segunda metade do século XVIII. Muita razão parece ter Jacques Le Goffao lemb rar-nos que as mentalida34

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

de maneim da mu que o çã ra du a ng lo de s ura rut est des são que a história , ial soc o que e o ic ôm on ec o que ta len s ra mai da história. das mentalidades é a história da lentidão TemA linguagem política dos primeiros séculos dos os teológipos Modernos, pelo que preserva de pressupost cos típicos da Idade

Média,

esteve fundamentalmente

eis elegáv ine se ond ra nt co En a. ci ên an rm pe a pel a ad marc a — ino div o eit dir do s na ri ut do nas a ur pt ru mentos de

e soberania do de da ri to au da a nci erê nsf tra da ão maç iti leg ervam-se topapado para a monarquia, por exemplo — cons tadas ao serdas as premissas teológicas possíveis, agora vol viço de outros

Interesses. É preciso

reiterar que

o período

secularizaenfocado não se caracteriza por uma completa igurando sf de a tur cul da eis nív os os tod em ção exageradamente o pensamento político. a ReComo demonstra Christopher Hill, analisando igião e rel I, XVI ulo séc do a err lat Ing na na, ita Pur volução go tempo. A política não se separariam ainda por um lon ia sido um própria Revolução Inglesa do século XVII hav teológido fun de es stõ que por ado nci lue inf to mui evento religiosa e co-religioso. A desvinculação entre as esferas apenas com a va isi dec s mai ma for de ada fix á ser ca íti pol et “ambas Fur is nço Fra rma afi mo Co sa. nce Fra o çã Revolu ervam a uma revoluções, a inglesa € à norte-americana, cons

rar uma upe rec de -se ata (tr stã cri osa igi rel o açã lig a só vez , a Revoordem original desejada por Deus). Pelo contrário

com a Igreja católução Francesa rompe ao mesmo tempo a religião e com lica e com a monarquia, quer dizer, com a história”.

35

MARCOS

ANTÔNIO

LOPES

Ao longo da Época Moderna, a religião foi um elemento presente em todos os atos da vida familiar e pública. Praticamente todos os quadros da vida cotidiana ainda conservam alguma espécie de ligação com aspectos religiosos. O maior monarca de todo o período, Luís XIV, vai à missa todos os dias, acompanhado

por um

cortejo de no-

bres. Inspirado por madame de Maintenon, com quem se casou secretamente sem nunca ter reconhecido oficialmente o fato, Luis XIV tornou-se sóbrio e moderado. Conforme narra o memorialista Saint-Simon, sua corte seguiu-o em sua circunspecção,

comportamento

adotado

na segunda

metade de seu reinado. À partir do advento de madame de Maintenon, como a principal eminência parda de Versalhes, saias e política se entrelaçam na França do ReiSol. A revogação do Edito de Nantes, que acarretou a expulsão de milhares de protestantes do reino, foi o primeiro grande equívoco de Luís XIV. Uma soma considerável de divisas e homens empreendedores se escoaram pelo ralo da intolerância. Seu segundo maior erro foi a Guerra da Holanda. A despeito de todas as grandes transformações pelas quais atravessa o período moderno — os descobrimentos marítimos, ou melhor, a expansão européia, é um marco privilegiado para a mudança da mentalidade ao ampliar a noção espacial do homem europeu —, a Europa Moderna ainda é, sob inúmeros aspectos, um continuum medieval. No que se refere às estruturas religiosas, apesar da grande vaga de laicização motivada pelo humanismo, as sociedades permanecem

eminentemente

cristãs. Para Jean Delumeau, 36

o

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

paganismo renascentista foi muito mais aparente que real. Em nenhum

momento

aspirou-se a uma ruptura com o cris-

tianismo. Uma certa perda de transcendência da vida não constituiu um processo de descristianização. Como lembrava um contemporâneo, Lorenzo Valla, o cristianismo passou apenas a não significar mais puro ascetismo e uma prova desse fato pode ser encontrada, de acordo com Delumeau, na combinação de contrição e humanismo com que os pintores do período representavam as cenas bíblicas e os nus mitológicos. A própria Reforma, responsável por uma séria

fratura da cristandade, se deu exatamente em nome de uma

purificação religiosa. O pensamento dominante, em meio ao qual se move o homem

dos séculos XVI e XVII, ainda tem a fé como re-

gistro primário e norteador tanto no que se refere ao regime biológico e às leis naturais quanto no que diz respeito à ordem política e social. A idéia de justiça social, como será

concebida a partir do século XIX pelos movimentos sociais,

não faz sentido algum na história da Europa pré-industrial. As guerras camponesas ocorridas no período foram movimentos muito mais voltados ao restabelecimento do passado do que tentativas de transformação da ordem social, no sentido de um passo ao futuro. Em questões referentes

à dominação, O que parece existir, até certo ponto, é uma

espécie de “tolerância” ou resignação com as desigualdades sociais. Em primeiro lugar, porque a capacidade de remediá-las praticamente inexiste dada à fragmentação po-

lítica em que, mesmo com

as monarquias nacionais —

exceção da Inglaterra —,

37

ainda não controlam

talvez

efeti-

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

vamente seus domínios territoriais. Depois, e principalmen-

te, dado ao atraso técnico e ao pouco domínio que se tem sobre os recursos naturais — energia, principalmente —, apesar de alguns notáveis avanços no campo da ciência; mas, sobretudo, porque subsiste a crença na igualdade dos homens diante da morte e de Deus. No Ocidente Moderno, a morte persiste como um fenômeno de profundo significado religioso. Muito antes de marcar O fim da precária existência humana, abre para os Justos o caminho da vida celeste. Na interpretação de André Corvisier, “Deste além, o homem forma uma representação demasiado concreta e vive-a intensamente quando ela vem a seu espírito. Esses chamamentos do além suscitam, em todos os níveis, o desejo mais ou menos constante de sacrificar-se”. A pobreza e as injustiças praticadas pelos grandes do mundo subsistem interiorizadas pela fé religiosa como um tipo de graça, um passe seguro para um plano mais promissor, desde que suportadas segundo os preceitos cristãos.

Pensamento político e matriz teológica No período, persiste todo um esforço doutrinário no sentido de inculcar a idéia de que a sociedade se inscreveria na ordenação divina do tempo e que qualquer transfor-

mação artificial em suas estruturas fundamentais era inconcebível. Na esteira da concepção agostiniana da hist ória, a

Igreja apreende a sociedade como obra de Deus que por Sua vontade atribuiu a cada ordem social uma missão pró38

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

o a ria: a condução dos homens pela religião persiste com al mais elevada das missões porque encaminhadora ao ide

emos deixar pod Não a. alm da ão vaç sal a os, tod de o rem sup

um de notar, contudo, que a despeito do predomínio de ão tipo de pensamento responsável por uma interiorizaç profunda e geral de que a sociedade, nos primeiros tempos do absolutismo, se inscreveria na corrente natural e imutável dos tempos, tal modelo explicativo não encontra estatuto possível junto às novas estruturas sociais em gestação. O fato é que as sociedades da Europa Moderna tiveram um caráter de muito maior complexidade. Começam a se verificar fragmentações no interior das hierarquias: muitos burgueses se enobrecem pela compra de títulos nobiliárquicos e ofícios dentro do aparelho administrativo do Estado.

Em

síntese, verifica-se o incremento

da mobili-

dade social num quadro histórico em que o papel de uma economia monetária, sobredeterminada pelo sistema mercantilista internacional, faz acelerar as rupturas em todo o cenário da vida. A despeito de todas as transformações em curso, a matriz teológica, no que se refere à organização política e social, possui validade prática incontestável. Antes do luminismo, somente expressões isoladas do pensamento político como Maquiavel, trabalharam com o sentido de que as relações de poder poderiam ser histórica e social-

mente produzidas. É num contexto como esse que as justi-

ficativas de natureza político-teológicas se inscrevem, adquirindo o inconfundível caráter de verdade de fé. Não é senão em meio a uma mentalidade predominantemente re-

39

MARCOS ANTÔNIO LOPES

ligiosa, que explica e legitima pela crença,

que os reis de

direito divino encontraram um campo fértil e um amplo espaço de atuação. De acordo com a cultura política da Época Moderna, um rei deveria refletir na terra a própria imagem de Deus. Conforme apregoava Bossuet, o príncipe cristão deveria atuar como uma Providência terrestre: ter as mãos livres para fazer o bem e atadas para agir no mal. Entre as principais virtudes, o rei deveria cultivar a justiça, depósito divino entregue em suas mãos, que tanto poderia ser fonte de salvação quanto de ruína, conforme o emprego que lhe fosse dado. Entre os vícios mais graves deveria evitar o orgulho e a concupiscência. Fato curioso, a Época Moderna produziu um extenso catálogo de virtudes e vícios atentamente observados pelas testas coroadas do período.

O absolutismo como fundação da ordem As ideologias e os sistemas políticos surgem em meio a um contexto histórico específico, geralmente marcado por crises profundas. O absolutismo insere-se numa tal ordenação. De fato, o sistema absolutista, comum a quase toda

Europa Ocidental, entre os séculos XVII e XVIII, foi produto tanto de um processo de transformações econômicas quanto de tensões políticas e sociais num quadro compli-

cado, cuja resposta histórica, no nível político, foi a centralização e consolidação dos Estados Modernos.

A partir das desinteligências do poder régio com o 40

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

e políticos, s iai soc os nt me vi mo m co es cçõ fri das e papado

esas, às pon cam s rra gue as e as uic árq ili nob as olt rev as como a, as alianmonarquias européias se fortaleceram. A Reform egados agr s ore fat de ie sér a um a tod e sia gue bur a m cas co ar uma e conjugados a esses, também acabaram por suscit tetor pro , ado liz tra cen e te for er pod um a al ger ção aspira absolutisdas facções de classe hegemônicas no período. O prios mo se apresentou, se enxergarmos com Os olhos pró r à um da época, como o meio mais seguro para se escapa numa destino incerto e sombrio. A concentração do poder que única autoridade parecia necessária precisamente por e dias forças desagregadoras — particularismos regionais igireitos de sangue, sublevações camponesas € guerras rel osas —, se fizeram sentir extremamente

dente desde A única de força era política que

poderosas no Oci-

o século XVI. forma de conter e submeter tais coeficientes impor-lhes uma força superior, uma ordem um teórico do absolutismo, o inglês Thomas

mpos MoHobbes, denominou “Grande Leviatã”. Nos Te e dernos, o absolutismo monárquico tornou-se, em teoria

na prática, a resposta mais consistente ao problema da segurança pública e da ordem política. As monarquias absolutas corresponderam a uma forte expectativa de paz das sociedades européias do Ocidente Moderno. À presença € efetiva atuação de um soberano forte foi um desejo arraigado em multidões marcadas pela insegurança e pelo medo, que fizeram do período uma verdadeira idade da inquietude. As constantes guerras européias, as revoltas baronais e as sublevações camponesas, 41

que eclodiam em

MARCOS ANTÔNIO LOPES

toda a Europa, acabaram por suscitar uma ampla aspiração a uma monarquia de caráter militar cada vez mais centralizadora. Além de um anseio generalizado por segurança, comum

a todos os súditos, desde os camponeses

de provínci-

as afastadas às populações urbanas, os setores ligados à produção de riqueza necessitavam de estabilidade para o desenvolvimento de suas manufaturas e o exercício do comércio interno e além-fronteiras. A monarquia absoluta suprirá em parte esta demanda. O investimento vultoso sobre a figura do

monarca

absoluto

é, sem

dúvida,

o atestado

das

inquietudes de uma ordem social instável, à procura de identidade e certezas. O problema da insegurança dos séculos XVI e XVII foi a condição necessária, mas não sufici-

ente, para a instalação da ordem a que se aspirava. Para além da segurança pessoal e do desejo de progresso, muitos pensadores políticos da Época Moderna, na sua maioria homens de leis e funcionários reais, passaram a idealizar o Estado absolutista. Um Estado que, personificado pela realeza, e detentor de uma soberania indivisível, se sobre-

pusesse a todos os segmentos sociais e fizesse frente aos fatores de desagregação da ordem.

42

O PODER QUE VEM DOS CÉUS: O DIREITO DIVINO DOS REIS

Segundo Herman Heller, *... todo poder é uma enorme manifestação simbólica, um imenso conjunto de códigos, de condutas, de rituais”. É no sentido de fazer emergir este outro domínio do poder, o do simbolismo político através de algumas de suas melhores metáforas que nos ocupamos, a partir de agora, com as formas do pensar, do sentir e do fazer a política na Europa Moderna. Este simbolisfazenmo esteve enraizado no conjunto de signos religiosos

do da esfera do político um território vincadamente religi-

primeioso, mesmo se considerarmos algumas décadas da

ra metade do século XVIII. É preciso reintegrar as idéias no m contexto próprio das atitudes e cerimônias de que fizera parte. O direito divino dos reis, um dos mais importantes aspectos do absolutismo, adquire assim o seu verdadeiro

significado e passa a revelar-nos uma face da política há muito perdida.

43

MARCOS ANTÔNIO LOPES

Antes de tentarmos uma tal incursão, em favor de um melhor entendimento, é preciso fixar brevemente algumas noções preliminares acerca da mais expressiva teoria polí tica do absolutismo. De maneira geral, encontramos definições do direito divino expressas de modo demasiado didático. As formas mais frequentes de enunciar os fundamentos da soberania absoluta dos reis da Europa Moderna trazem proposições do tipo: o direito divino é a teoria segundo a qual se estabelece que a prerrogativa para governar é uma delegação de Deus ao rei, ficando este desobrigado a prestar qualquer espécie

de satisfação a seus súditos; ou, O

direito divino é a teoria pela qual o poder vem diretamente de Deus aos soberanos sem qualquer possibilidade de intervenção do povo. Apesar de essencialmente corretas, é preciso ampliar a noção agregando a tais proposições algumas novas idéias. Limites do absolutismo Desmistificando certos estereótipos criados em torno de nosso objeto, é necessário estabelecer o primeiro e maior efeito contraditório do direito divino; por paradoxal que pareça, as doutrinas da legitimação

transcendente,

num

sentido e numa dosagem bem definidos, atuaram como instrumentos inibidores do poder absoluto do monarca. efeito, as monarquias

absolutas no Ocidente

Com

Moderno

es-

tiveram limitadas tanto pela complexa cascata de particularismos regionais e poderes intermediários dos rei44

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

nos, quanto

pelo «Meio moral”. Além

de limitações de or-

nistrami ad s ho el ar ap dos ia nc iê ic ef in à mo co dem prática, e em pront me ia or at sf ti sa ar atu am ui eg ns co o nã tivos, que o primeiro súdito é rei o no, rei do s da ta as af o it mu s víncia eitos da ec pr os pel as ad it rd te in m te o, nd se m de Deus. Assi sua condição m ta me ro mp co e qu s õe aç r ue sq ai qu religião tica do prá a “... on rs de An y rr Pe a Par mo. ssi de rei cristianí absolutismo correspondia à teoria de Estados absolutos pôde jamais dispor trio da liberdade e das propriedades za e da burguesia à maneira dos tiranos

Bodin. Nenhum dos segundo o livre arbífundiárias da nobreasiáticos do seu tem-

po”.

-se ter em ve de , to lu so ab r de po do s ite lim s do Acerca que o despotisde ro ne gê um é o sm ti lu so ab o e qu mente podem ser o nã e qu do mo de e, ci pé es a um as mo é apen menos vez tal é mo is ot sp de O , ia nc sê es confundidos. Em um “defeito” da ou ” cio “ví um e qu o rn ve go de a rm uma fo manifestações s sua de er qu al qu em ge in at a e qu soberania, na momo is ot sp de r ve ha de po o nt ta er, históricas. Vale diz

governo. Com de er qu al qu a rm fo a tr ou em mo co narquia péias, porro eu as ui rq na mo das so ca o foi o nã certeza, esse cularin sv de de z pa ca foi a nc nu r de po do que o depositário ntendidas de conbe su e s da xa fi épr as rm no as se de todas

io que não tér cri is ma m se ar rn ve go a do an ss duta social pa fosse o do próprio arbítrio. sínO direito divino não o favorecia nesse sentido. Em ino, como as div o eit dir de s ta lu so ab as ui rq na tese, nas mo

o conheceram a Inglaterra e a França na Época Moderna, nã

uma se tratou de gerir uma autoridade absoluta através de

45

MARCOS

ANTÔNIO

LOPES

doutrina legislativa e executiva com poderes ilimitados. Ainda que sua finalidade fosse fundamentalmente oposta, o

direito divino pôde atuar também como instrumento de li-

mitação do poder. Na Europa Moderna, um poder ilimita-

do, no sentido pleno da expressão, determinado por delegação divina, nunca existiu de fato; a monarquia estava limitada tanto pelas intocáveis imunidades de setores privilegiados como a alta aristocracia das províncias e corporações dos centros urbanos quanto pela falta de fiscalização central de amplos e heterogêneos corpos de funcionários. De fato, uma clara definição do alcance e dos limites

das monarquias absolutas pode ser sintetizada nos seguintes termos: muita concentração no centro e pouca irradiação na periferia do sistema. Desse modo, qualquer tentativa de aproximar o sistema absolutista da Época Moderna com os regimes totalitários do século XX não passa de uma anacrônica ilusão. De fato, a monarquia absoluta é frequentemente confundida com sistemas totalitários. Um rei absolutista jamais pretendeu regulamentar todas as atividades cotidianas de seus súditos impondo-lhes uma única visão de mundo, como Hitler ou Stalin. Um rei absolutista é definido pela nova capacidade, por ele adquirida na Época Moderna, de exercer uma Jurisdição suprema e em última instância. As primeiras idéias formadoras de doutrinas sobre à realeza por ascendência divina na Europa Moderna devem

ser rastreadas a partir do século XIV francês. Tratou-se de

uma tendência galicana caracterizada por uma propensão 46

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

jurídica e teológica que advogava, desde aquela época, certo

nível de interferência dos reis franceses em assuntos eclesiásticos do reino. Em meados do século XVI, o direito divi-

no já é entusiasticamente aplaudido e defendido nas mais importantes cortes européias representando o grande argumento de que lançaram mão os maiores monarcas do período. Uma das validades práticas da teoria deve ser procurada, a princípio, no fato de propiciar-lhes campo de sustentação política tanto para as lutas dissimuladas quanto para os conflitos contra os papas. O direito divino firmouse aos poucos desde os primeiros avanços da monarquia feudal, mas apenas encontra-se “amarrado” em um corpo doutrinal muito tempo mais tarde. A primeira metade do —, é a reinado de Luís XIV — portanto, por volta de 1660 época de seu apogeu. Em sua forma mais acabada, como a conheceu o século XVII, as teorias implicaram um verdaderro cipoal doutrinário tal a profusão dos postulados defendidos.

Estruturas do direito divino. Que a monarquia era uma

instituição de ordenação

divina foi algo que, na mentalidade comum, nunca comportou margem para dúvida. Como segunda premissa -te-

mos a defesa de que o direito de governar advindo de uma tal ordenação

é hereditário

e irrevogável.

ra de um silogismo, podemos

47

Disso, à manei-

concluir que o direito ad-

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

quirido por virtude de nascimento não pode perder-se por qualquer ação terrena. Como princípio das doutrinas de direito divino temos ainda que a sucessão monárquica deve regulamentar-se pela lei da primogenitura e mesmo que o herdeiro se revele com pouca ou nenhuma capacidade para o comando, não pode ter seu poder limitado ou usurpado. “A capacidade para governar não é dom do bom governo, o direito de reger não significa reger direito”, dizia-se à época. Segundo certos aduladores de reis, que escreveram textos políticos, em casos de usurpação, independentemen-

te do tempo decorrido, o direito pertencerá sempre ao soberano destituído, porque fixado pelo nascimento. Desde que o herdeiro viva, ele é o rei por direito hereditário, sem

consideração ao tempo que a linhagem assaltante tenha reinado. Desses raciocínios podemos inferir que a ascendência divina e a transmissão por primogenitura funciona-

vam como mecanismos inibidores, por um lado, de dissenções entre as grandes casas nobiliárquicas em torno do poder e, de outro, de conflitos internos à casa real. Em outras palavras, subentende-se que a monarquia é pura e a soberania pertence por inteiro apenas a um rei, cuja autoridade e poder rechaçam toda e qualquer limitação legal, mas não rechaçam

certos compromissos morais. Apenas a

salvação pública está acima do direito de propriedade e um monarca cristão, em sã consciência, nunca deve agir a seu

bel-prazer. Nesse sentido, qualquer ação do rei fica limitada pela tradição e pelas leis consuetudinárias.

A forma de governo propugnada pelos ideólogos, 48

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

como

se evidencia,

é a monarquia;

monarquia

absoluta,

erlativo. absolutíssima se à expressão coubesse grau sup e ser dev que são ces con s ple sim a um é lei a tod o, mod se Des ceito entendida como ato espontâneo do rei e todo pre formas institucional e todos os mecanismos das por organizativas, como as assembléias dos Estados Gerais, ítrio. exemplo, existem apenas em função direta de seu arb é viviMas entre o que está disposto pela ideologia e o que Já nos do pela prática, a distância sempre foi significativa. o. referimos à dupla limitação do absolutismo monárquic no Para alguns ideólogos, qualquer atentado à soberania, sentido de dividila ou de alguma maneira limitá-la, implicaria em comprometimento de um mais amplo e eficaz exercício da mesma pelo sucessor. Vale dizer, ainda que O monarca tenha agido despoticamente nesta ou naquela ocasião, que é preciso suportá-lo. A preocupação em estancar tais acidentes de percurso, manifesto por algumas ten nte na tativas de limitação do poder real, foi uma consta . Entretanmaioria dos teóricos absolutistas do direito divino

o to, devemos entender esse fato nas suas variantes; a posiçã

e de Jean Bodin, que prevê limites ao poder real, aparec como uma dentre outras exceções.

Uma monarquia mista, ou que de alguma forma so-

fresse sensíveis limitações, implicaria uma

contradição em

termos. Dessa maneira, recomenda-se para todo e qualquer efeito, a obediência passiva e a não-resis que de tência como as posturas desejáveis aos súditos, por

seus próprios

ordenação divina. As resistências à vontade soberana eram

tidas como crime de lesa-majestade acarretando punições 49

MARCOS

ANTÔNIO

LOPES

exemplares e até a condenação da alma. Mesmo que ocorram situações em que o rei prescreva ordenações contrári-

as à religião e à fé cristã, intimamente é sempre a Deus que se deve obedecer; mas pelo preceito da obediência passiva o súdito deve sujeitar-se, seguindo o exemplo dos primiti-

vos cristãos e do próprio Cristo, sofrendo com resignação

as penalidades referentes ao desvio cometido. Um dos fatos curiosos desse período, e que revela o ethos próprio, ou seja, a formatação cultural típica da Europa absolutista, é que não há uma proporcionalidade entre crime e castigo. Muitas vezes, delitos menores como pequenos furtos acarretam condenações graves como a tortura e a mutilação de mãos e orelhas. É fato notável nos textos de teóricos do direito divino a profusão de temas retirados de passagens bíblicas que ajudaram a fazer do exercício do poder uma verdadeira questão de hermenêutica: muitas situações vividas cotidianamen-

te pelos grandes vultos políticos contemporâneos eram interpretadas à luz das Escrituras. Sir Robert Filmer, por exemplo, em Patriarcha, toma como fundamento básico de sua teoria a Instituição patriarcal da forma como

fôra fixa-

da no primeiro livro do Velho Testamento, o Gênesis. Se à questão do patriarcado informa a obra de Filmer como também exerce uma forte influência sobre Bossuet, não há razão para considerá-la como elemento indispensável aos teóricos do absolutismo de direito divino. Sobre a doutrina do patriarcado na obra de Filmer, uma consideração esclarecedora é a que faz Paul Hazard: “Para defender o poder cambaleante dos Stuarts, não se 50

O ABSOLUTISMO:

deixara de apelar para tre outros escritos em der absoluto, os de um do século, defendera

POLÍTICA E SOCIEDADE...

as teorias. Tinham-se exumado, enque afirmava a legitimidade do popolemista vigoroso que, pelo meio valentemente a causa real. Robert

que um Filmer pregava a submissão, a obediência, dizendo

governo misto não levaria senão à desordem, que os súditos não tinham qualquer direito à rebelião; que Hobbes não tinha razão nos seus princípios, mas tinha-a perfeitamente nas suas conseguências. Pôe-se de novo Filmer em moda; see até se edita em 1680, e se reedita no decurso dos anos

guintes, a grande obra de “este sábio”, Patriarcha, que tornava claro como o dia que a autoridade dos reis é o prolongamento da autoridade paterna: contra O próprio rei, nenhum

filho, temente a Deuse aos homens,

ousaria revol-

tar-se”.

A política segundo as sagradas escrituras Como já observamos em outra parte, a religião era a mais ampla província da política. Para demonstrar este fato

basta tomarmos o título de uma das obras mais Importantes produzidas no período Politique tirée des propres paroles de Lº Écriture Sainte, de Bossuet, e teremos uma idéia do nivel de proximidade entre as coisas de Deus e do Estado. Na verdade, obras políticas de títulos semelhantes eram um Jugar-comum na literatura até meados do século XVII. Um outr o

elemento

que

nos



uma

visão

do

grau

de

superposição de política e religião se refere a algumas ce51

MARCOS ANTÔNIO LOPES

rimônias do Estado monárquico, sagração dos reis.

como

os funerais e a

Segundo escritores realistas ingleses mais radicais, a unção do rei pela Igreja durante a sagração era um ornamento de menor importância, e que até mesmo poderia passar por dispensável; segundo

tais escritores, o papel da

unção não vai além de ato manifesto ao legítimo e Justíssimo título ostentado pelo soberano. O ato de ungir o rei devia ser entendido apenas como uma cerimônia, ou seja, mais uma das celebrações em torno do poder real, não conferindo a unção, por si mesma, nem o poder de governar, nem tampouco a graça divina, dados com o próprio nascimento dos príncipes. Mas o elemento fundamental no horizonte teórico dos escritores político-teológicos dos séculos XVI e XVII, no que se refere a esse aspecto, é que o direito hereditário, além de irrevogável, funciona desde já como o elemento de resolução do poder e autoridade do monarca, sendo tudo o mais aspectos ornamentais e acessórios. Nessa linha de pensamento, o rei seria tão rei antes, durante ou após a cerimônia de sua sagração; qualquer ato de rebeldia a um rei, mesmo

é considerado condenável.

que não tenha sido coroado,

Mas, no nível do sentimento

comum,

independente-

mente das variações doutrinárias, o ato de ungir o rei não

era apenas um sentimento pietista, mas conferia graça especial. É bastante crível que o caráter sacramental da unção, defendido como elemento dispensável por alguns teóricos

ingleses, no nível mais pragmático das sensibilidades coletivas, desempenhou um importante papel para a aceitação 52

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

nas sociedades do e interiorização da autoridade dos reis

da imagem el pap te an rt po im o se erd co Re . me gi Re Antigo ensáveis à sp di in s to en em el mo co o çã ra gu fi da e espiritualidade católica.

Ma

me um caráter su as rei do o çã un a , nça Fra da o cas No s de desenvolvimenõe iç nd co as as dad ial enc ess ico ból sim

imperial o çã un da ão uç od tr in A . ado Est te des to histórico nova coroa : ica úrg lit a not a uz od pr I VII e VII s ulo nos séc . Depois disso, ação ungida ao estilo do Velho Testamento à ordeda eci par o it mu fez se ses nce fra s rei dos a coroação não era mais nação de um bispo. O rei foi clericalizado; vas, os reis eti col es ad id al nt me das el nív No ca. lai ura uma fig , dotados do franceses, ungidos pelo óleo santo do Senhor completamenres ato são não s ula róf esc as ar cur de r pode conque io ôn im tr ma de e éci esp a um é ão raç sag A te leigos. tir do século XVI, tratam com a França. O rei francês, a par tico da Repúmís o pos “es de o tet epí o ios cur o ar lev a passa blica”

(entenda-se

reino).

Com

efeito, os franceses do

rio da monarAncien Régime consideravam como O “misté especial de ça gra a a lez rea à er ed nc co s Deu de o fat o quia”

o da “saúde açã liz rea à a par na ra be so e ad nt vo sua colocar século XVIII, os abuo o tod se qua o ári ess nec Foi a”. lic púb

despertar das O e ns bo ur Bo s rei s imo últ dos os id ed sm sos de a para idéias de restrição à soberania absoluta da monarqui nte de seus que os franceses assumissem novas atitudes dia soberanos.

53

MARCOS

ANTÔNIO

LOPES

O absolutismo como projeto de afirmação nacional Como se observou, as origens do poder real por direi-

to divino, tese galicana, devem ser procuradas ao final da Idade Média, ocasião em que os escritores realistas, no esforço de refutar as pretensões do papado à concentração de poderes expressa na Teoria dos dois gládios, desenvolveram uma nova noção de soberania. É no conflito com Roma que se deve buscar as primeiras idéias que irão dar consistência ao direito divino. Apesar da maior profundidade das origens, e de darmos crédito a Perry Anderson, foi apenas na altura da segunda metade do século XVI que a difusão do direito divino inicia-se como corpo doutrinal responsável pela elevação do poder real “a uma altura decisivamente acima da fidelidade limitada e recíproca da suserania real medieval”. Retomando

os efeitos contraditórios que o direito di-

vino impõe à soberania — discussão já levantada anteriormente — o mesmo autor se encarrega de esclarecer-nos: “(...) o século XVI encerrou-se, nos principais países, sem que a forma acabada do absolutismo existisse em qualquer deles (...). Na verdade, o próprio termo “absolutismo” era uma denominação imprópria. Nenhuma monarquia ocidental gozara jamais de poder absoluto sobre seus súditos, no sentido de um despotismo sem entraves. Todas elas eram limitadas, mesmo no máximo de suas prerrogativas, pelo complexo de concepções denominado

direito “divino” ou

natural”. À teoria da soberania de Bodin, que dominou o

pensamento político europeu por um século, corporifica elogquentemente essas contradições do absolutismo”. 54

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

Às idéias de soberania, articuladas pelos escritores papistas da Idade Média, os partidários monarquistas opunham a tese de não ser o papa, senão o monarca, o legítimo soberano por desígnio expresso de Deus. Informando esta justificativa, está a idéia acerca da ascendência por nascimento: os reis, ao contrário dos papas, não eram esco-

lhidos por um conselho de homens, mas pelos mistérios ocultos do nascimento que conferem à estirpe real um parentesco direto com

o fator divino.

Como

se evidencia, a

teologia política do direito divino implica, original e fundamentalmente, a idéia de soberania que aparece tanto nas pretensões de hegemonia universal da Igreja quanto na de liderança nacional das monarquias. Apesar de alguns papas como Gregório VII terem declarado, na Idade Média, que todo governo secular era de origem diabólica, impregnava a consciência popular o sentimento de que o poder do rei provém de Deus e prestarlhe obediência era um dever religioso praticado pelos grandes vultos do cristianismo. Uma prescrição como essa, ape-

sar de profundamente enraizada, não constitui por si só

uma teoria, mas traz consigo o elemento essencial, a cren-

ça, que lhe propiciará tomar forma se o requisitarem as circunstâncias. Com certeza, não se teve na Idade Média uma doutrina como

a conhecerão

os séculos XVI e XVI:

um

corpus amplo e abstrato, organicamente bem torneado, do

direito irrevogável, da soberania absoluta e da obediência

passiva. Na Idade Média esses elementos ainda não se encon-

travam articulados de forma consequente, mas a mentalida55

MARCOS ANTÔNIO LOPES

de predominante

é-lhes francamente

favorável e foi sobre

ela e através dela que se ergueu o absolutismo de direito divino. É preciso lembrar que nem todos os teóricos do absolutismo foram defensores do direito divino dos reis. raram um verdadeiro curto-circuito nas idéias políticas tradicionais ao abolirem qualquer justificativa religiosa para o poder monárquico. Se a justificativa do direito divino dos reis foi responsável, em boa medida, pelo coroamento do absolutismo monárquico na Europa Moderna, devemos recordar que não houve em nenhum teórico realista o desejo de ver uni versalmente realizado o sistema monárquico que pudesse ser comparado, pelo menos de longe, às pretensões do papado e do Império na Idade Média. O horizonte espacial dos escritores político-teológicos dos séculos XVI e XVII circunscreveu-se a um determinado reino. Apesar de animados pelo propósito comum de encontrar a autoridade de Deus para a legitimação do poder real, não empreenderam tentativas de ir além de seus respectivos territórios. O clima de “nacionalismo religioso”, ao qual faremos referência no item seguinte, parece explicar este fato.

Absolutismo e Reforma

Se no conflito com Roma já podemos entrever de for-

ma explícita as relações tensas do poder secular com ligioso, no âmbito especulativo

56

o re-

ou no nível do corpo-a-cor-

Ro ago

Maquiavel, e cem anos depois dele, Thomas Hobbes, ope-

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

po das lutas políticas, note-se que o direito divino dos reis encontrou na Reforma o seu mais poderoso aliado. Um parêntese sobre esse movimento nos parece procedente na medida em que atuou como efeito inibidor das pretensões do papado à concentração dos dois poderes. Por abrir um maior espaço de atuação aos soberanos opondo-se ao co-

mando centralizador da Igreja, a Reforma veio atender aos anseios “nacionalistas”, pois além de favorecer a autonomia das igrejas nacionais, aceitava por aderência a subordinação ao Estado. Em meio ao contexto da Reforma e da ContraReforma, o direito divino se fortaleceu; basta dizer que a ruptura da Europa católica representou um notável avanço das estruturas políticas ao propiciar novas formas de ação aos reis, sob a vigência de uma nova sistematização religiosa. Vale reiterar que essas duas instâncias são, no período, províncias contíguas sem qualquer linha de demarcação

pronunciada, o que limitou as dificuldades de adaptação. Beneficiaram-se politicamente da situação de anarquia religiosa tanto os novos Estados protestantes quanto as monarquias católicas. O que parece mais certo é que, o estado de estupor e fragilidade política de Roma provocado pela Reforma representa o golpe mais rude em favor da

teologia política dos escritores realistas. Ao romper com a

unidade cristã européia, centrada na Igreja, o Movimento os Reformista in tensificou os sentimentos nacionais. Sobre

contributos da Reforma à nova ordenação política é preci-

so ter em conta alguns resultados históricos.

A Reforma favoreceu imensamente algumas monarpode ser quia s. No caso da Inglaterra, França e Espanha ela

a



+!

57

MARCOS ANTÔNIO LOPES

computada

entre

os grandes

fenômenos

históricos

da

o Renascimento

e a

modernidade responsáveis pela centralização dos Estados nacionais. Analisando conjuntamente

Reforma,

em termos de suas contribuições para o proces-

concluir” — afirma ainda — “que cada sociedade está preparada de forma diversa para assimilar os processos históricos e, por isso, utiliza-se deles de forma diferente”. Inegavelmente, todas as grandes mudanças nas atitudes coletivas provocadas pela insegurança dos séculos XVI

e XVII conduzem à existência de um sentimento de maior lealdade ao rei e ao Estado do qual o primeiro é a personificação. No século XVII, mesmo que se encontrassem melhor organizados, os Estados nacionais ainda enfrentam insurgências políticas, guerras civis e conflitos internacionais, fatores que fixam com mais intensidade os anseios coletivos num sentido desprovido de ambiguidade: o desejo de paz e segurança. O campo se tornava por demais fértil ao absolutismo, atingindo a lealdade pessoal ao soberano o seu ponto de inflexão. A profunda e geral simpatia pela realeza de direito divino não somente fortaleceu o Estado como tornou reprovável e ilegítima a menor resistência à vontade soberana do príncipe cristão.

As doutrinas do direito divino acabaram por desenvolver um emaranhado de signos e símbolos sobre o poder e as relações sociais responsáveis por boa parte da estabilida58

e

so de consolidação do poder real, Leon Pomer nos diz que “na Alemanha e na Itália não favorecem o surgimento do Estado Nacional, apesar de a Alemanha ser a Pátria de Lutero e a Itália a base do Renascimento. Devemos, pois,

ui

is

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

ulos de do absolutismo em seus, aproximadamente, dois séc reconhede xar dei e pod se não o, ant ret Ent a. nci stê exi de olutiscer que não houve um tempo próprio ao sistema abs e difeta europeu. Na verdade, há vários pontos de partida rentes pontos de chegada. a Na esteira de uma concepção teológica da história, polio ent sam pen o pel a zad ali ide ade ied soc da ordenação nscentico apareceu como cópia equivalente da ordem tra em que dente: um modelo necessariamente hierarquizado, direito O e. r-s iza mon har am eri dev ino div o e no ma hu o auréola divino representou muito mais que uma simples polítida es açõ ent res rep ou Cri . real er pod o a par a sagrad quias e as ca e da sociedade em que os privilégios, as hierar

foram em ec ed ob que os e am nd ma que os re ent es isõ div Esta é a aceitos como dados naturais, eternos, imutáveis. face mais concreta dessa ideologia política.

59

PASSADO E PRESENTE: UMA AVALIAÇÃO DO ABSOLUTISMO

Passando da exposição à avaliação, é despropositado considerar o absolutismo de direito divino como algo retrógrado ou mesmo ridículo. Nessa época de história nova é muito mais criticável a perda do sentido essencial de que, a partir da segunda metade do século XVI, os que fundamentaram ou de alguma forma favoreceram o poder dos reis absolutos da Europa Moderna eram homens atilados e

progressistas, abertos aos mais importantes problemas práticos de sua época. Assim é, que, faço minha a arguta refle-

xão do escritor francês Anatole France: “Para sentir o espírito de um tempo que já não existe, para fazer-se contemporâneo dos homens de outrora [...] a dificuldade não está

tanto no que é preciso saber do que é preciso não saber mais”. Sem dúvida, palavras de sensibilidade metodológica

ss e

60

is

Julgado em relação às circunstâncias que o produzi-

em

para quem nunca pretendeu-se historiador.

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

ram e com as doutrinas que lhe disputaram o terreno político, o direito divino poderá se afigurar como algo necessário e até muito razoável. Fora deste ponto de vista, ou seja, do ponto de vista “acrítico” comumente aceito, qualquer ção direta ao tempo em que tiver perdido a sua validade prática. Certamente que não é esta a melhor maneira de avaliarmos a verdadeira importância e o real sentido de uma crença há muito abandonada. É anacrônica a suposição de que, devido ao fato de uma teoria ter caído em completo desuso, jamais tivesse elementos que a abonassem, salvo os interesses de uma elite política instruída e bem-informada.

E

pe

ci

e

teoria política necessariamente parecerá ridícula na propor-

Especificidades da política moderna Com efeito, uma doutrina com colorações como as que acabamos de expor, teve seu corpo informado tanto pela teologia quanto pela política e não pode ser julgada às

pressas e segundo juízo de uma época quando ambas as categorias se encontram separadas desde a raiz. É preciso adquirir o sentido de que as doutrinas de direito divino pertencem a uma época em que o ato de fazer política —

e teoria política — implicava trabalhar com registros de na-

e

Ri,

sl

tureza transcendente. Naquele período, tais elementos en-

contram-se inextricavelmente confundidos e o grau de incisão de uma situação como essa na vida diária é tal que, até mesmo para fins cotidianos e utilitários, forçoso era encontrar um colorido espiritual se:se pretendia ser aceito.



=

61

MARCOS

ANTÔNIO

LOPES

No período, em tudo que se referisse às teorias de governo, a mentalidade dominante sempre exigia algum tipo de juízo teológico-religioso, alguma forma de autoridade divina. Na altura das últimas décadas do século XVII,

o universo mental dos defensores de prerrogativas populares frente à ostentação da nobreza e a arrogância da casa real era tão teológico como o de seus antagonistas. Ainda que invertessem os termos da questão, os contraditores do

direito divino dos reis empregavam a mesma fundamentação. Francisco Suarez, notável teólogo e filósofo neoescolástico espanhol que viveu na confluência dos séculos XVI e XVII, por exemplo, defendia a tese de que Deus é certamente a fonte original de todo poder, mas é o povo quem representa o canal pelo qual se transfere esse poder à pessoa do soberano. Essa é a teoria ascendente do poder real conhecida no Ocidente cristão desde a Idade Média. Também

entre os que não acreditavam no direito divino,

teoria descendente do poder dos reis, foi comum a atitude de recorrer às Escrituras, fato que demonstra o esforço em se tentar estabelecer suas respectivas teorias sobre bases sagradas. Sobre a mediação entre a política e a tradição cristã, desde a Idade Média os reis recorrem aos Livros Santos. Utilizando-se de textos do Velho Testamento, das cartas de Paulo aos romanos como das palavras de Pedro, os ideólogos realistas citam as proibições de maldizer € malquerer ao rei até mesmo em pensamento e consideram um decaído como Judas a todo aquele que tenha cumplicidade em um regicídio. O certo é que, entre os contendores,

62

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

não se fez outra coisa senão esgrimir analogias bíblicas muitas vezes forçadas e Incongruentes em relação ao fato que se queria provar. Mas, dentro do espírito de nacionalismo religioso, tais fatos tornam-se perfeitamente compreensíveis. Analisando o processo histórico do Estado absolutista francês,J. R. Strayer nos dá uma curiosa visão do que foi esse nacionalismo religioso: “Há muito que havia em França um culto pelo rei, o único monarca europeu que se podia vangloriar de ter sido ungido com óleos vindos diretamente dos céus, o herdeiro de Carlos Magno, a esperança

dos doentes. [...] A França era uma terra santa, onde flores-

ciam a piedade, a justiça e o saber. Como antigamente os israelitas, os franceses constituíam um povo eleito, merece-

dor e objeto do fator divino”. Inscrevendo-se na dialética de seu tempo, os reis absolutos sempre contaram com

detratores como o papado e os monarcômanos, defensores protestantes do regicídio; aliás, o absolutismo só se delineia e adquire uma imagem bem definida a partir de resistênci-

a

ao

as que opõem ao direito divino dos reis, segmentos com

propostas

discordantes acerca das formas de organização

política. Mesmo durante o apogeu do absolutismo os fun-' damentos de sua teoria política já eram bastante contesta-

dos e, não poucas vezes, o regime absolutista teve que encontrar novas fórmulas e justificativas. Em fins do século

XVII, travou-se um grande debate sobre a sustentação do

poder real fundamentado em pressupostos teológicos. A querela de Locke com o Patriarcha de sir Robert Filmer no

Primeiro tratado sobre o governo (1690) faz-nos entrever os 63

MARCOS ANTÔNIO

LOPES

novos ventos da teoria política nos primeiros tempos do li-

beralismo. Do ponto de vista estritamente histórico, as teorias contratualistas dos teóricos liberais estiveram fundadas em

bases infinitamente mais movediças que o direito divino, que pôde contar com todo um lastro histórico em que se apoiar. Desde a Antiguidade Oriental se acreditava no caráter divino dos reis. ParaJ. N. Figgis, “Uma fé tão geral e entusiasta só pode ter sido expressão de arraigados instintos”. Os próprios prelados reconheciam o poder dos reis da França e Inglaterra de curar as escrófulas. Ainda que o problema da ascendência divina não seja objeto de prova racional, é historicamente compreensível ao passo que no contratualismo — seja em Hobbes, em Locke ou Rousseau —, a questão das origens do Estado, por exemplo, só pode

ser entendida num sentido puramente lógico, a-histórico.

A crítica do absolutismo Um fato comum a boa parte do século XIX — século do pensamento positivo segundo Comte —, no que diz respeito ao pensamento político, foram as atitudes voltadas para a ridicularização das cerimônias monárquicas e do direito divino dos reis. Inúmeros foram os historiadores e es-

a qual se escreveu com

tanta zombaria — que devemos en-

64

———

ve nenhuma outra corrente de pensamento político contra

e

satíricos ao abordarem o assunto. No século XIX, não hou-

em

retóricos €

pi,

recursos

a

não pouparam

e

critores políticos que

E.

=

o

a

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

tender por seriedade militante — que a do direito divino dos reis. À oportunidade de uma análise historiográfica mais apropriada com relação à temática das dimensões simbólicas do absolutismo foi desperdiçada ao evitar-se compreendê-lo em seus fundamentos: aqueles que para a época de sua vigência tinham todos os sentidos possíveis. Atingida de maneira fatal por carências metodológicas, a historiografia do século XIX acabou por se distanciar de um enquadramento mais adequado do absolutismo. Além disso, muita razão parece ter A. M. Hespanha ao dizer que *... toda a literatura sobre o Antigo Regime anterior ao século XX é, em certa medida, uma li-

O

mo

ce

=

CR

teratura politicamente comprometida. (...) A do século XIX, ou se insere num esforço de legitimação do novo re-

gime social e político, à custa, quase sempre, da desfiguração e caricatura do Antigo Regime, ou se integra em visões sociais de intenção programática,

apoio para a política (...)”. Se contirontada com

fazendo da história um

os olhos e o ponto

de vista polií-

tico de hoje, dificilmente se encontraria uma doutrina tão

despropositada quanto a do direito divino. Mas a todo aquele interessado pelo conhecimento do passado cabe a sensibilidade de que o ponto de vista de uma época, e seus modos de sentir e fazer, é algo bem diverso do de uma outra temporalidade que não lhe é apenas muito distante no tempo, mas, sobretudo, produzida sob um sistema de representação completamente estranho ao da Europa Moderna. A quem se debruce sobre a temática, o sentido de tempo histórico-social é absolutamente necessário. Aos histori-

65

MARCOS ANTÔNIO LOPES

adores positivistas do século XIX teria sido muito mais adequado e consequente — em vez da óbvia constatação da total invalidez dos pressupostos teóricos do absolutismo — in-

quirir sobre as concepções políticas dos homens para quem o direito divino aparecia como algo natural e lógico. Mas estes equívocos são até compreensíveis para uma história que se encontrava em vias de consolidação e aprimoramento teórico-metodológico. Conclusões

por projetos

ip

66

entusiasmo

E

A dizer verdade, nenhum

al,

Ao fim dessa narrativa — realizada no sentido de restituir o absolutismo à sua própria época — é preciso fixar algumas noções já difundidas ao longo do texto. O absolutismo foi um sistema político de ambiência européia. O poder dos monarcas de direito divino foi proclamado nos púlpitos das igrejas, apregoado nas praças públicas e defendido nos campos de batalha; desde os grandes vultos politicos até o mais comum dos súditos nele creram com fervor religioso, o que fez do poder por ascendência divina uma. crença profunda de acepção geral; se o enquadrarmos em meio ao processo de crise geral do feudalismo, da centralização do poder político e da consolidação administrativa do Estado Moderno ficará compreensível que se tratou mui to mais de uma resultante de necessidades práticas, de circunstâncias históricas que propriamente da atividad e pura e simples de uma intelectualidade cortesã.

O ABSOLUTISMO:

POLÍTICA E SOCIEDADE...

políticos idealistas, nenhuma discussão desinteressada sobre

a natureza do governo e nenhuma mentalidade religiosa abstrata seriam suficientes para engendrar uma fé tão apaixonada. Como ocorreria com as teorias contratualistas na Europa das Luzes, só a tensão de circunstâncias históricas e o corpo-a-corpo com as condições objetivas da realidade poderiam produzir o absolutismo, nas formas que o conheceram os séculos XVI, XVII e XVIII. A monarquia absoluta da Época Moderna foi preparada lentamente, materializando-se em sistema político euro-

peu enquanto réplica a uma larga e complicada cadeia de eventos históricos. Terminou por desempenhar papel de alta significação histórica prestando um grande contributo a um dos episódios mais relevantes do Ocidente: a centralização e consolidação do Estado Moderno. Derivado de tensões circunstanciais acabou por realizar, sem que disso soubessem,

é claro, os que o produziram,

essa gigantesca

tarefa de ordem prática. O considerável papel do absolutismo no contexto da

Época Moderna pode ainda ser apreciado de uma outra forma:

amplificou

o poder

e a autoridade

secular

a uma

altura até então desconhecida porque, de maneira mais convincente, inverteu os fundamentos teóricos do pensa-

mento político medieval, cimentando suas pretensões de soberania indivisível sobre um substrato tão teológico quanto as justificativas políticas da Igreja e do Império.

67

INDICAÇÕES PARA LEITURA A bibliografia de um tema clássico é sempre imensa e a cada dia surgem novos livros e artigos em revistas especializadas. Na impossibilidade de reunir um grande

volume de obras, indicamos apenas o que há de mais facil-

mente disponível em bibliotecas e no mercado editorial. É

preciso lembrar que toda indicação bibliográfica é como uma bola de neve. Cada texto citado será uma fonte rica em novos complementos para leitura. A partir do contato

com dois ou três títulos, o interessado pela temática se verá logo diante de uma verdadeira avalanche bibliográfica.

ANDERSON, P. Linhagens do Estado absolutista. São Paulo, Brasiliense, 1985.

Análise dos vários modelos do absolutismo europeu. Um dos trabalhos de maior fôlego sobre o sistema absolutista no Ocidente Moderno. 68

O ABSOLUTISMO: POLÍTICA E SOCIEDADE...

BLOCH, M. Os reis taumaturgos. São Paulo, Companhia das Letras,

1993.

Recente tradução de uma obra clássica de história política. O autor estuda a crença popular no poder sobrenatural dos reis de França e Inglaterra de curar enfermidades. CASSIRER, E. O mito do Estado. Lisboa, Public. Europa-América,

19601.

Obra dedicada ao estudo do combate que se travou, desde a Antiguidade, contra as dimensões míticas e transcendentes no terreno de história das idéias políticas. GUENÉE,

B. O Ocidente nos séculos XIV e XV: os Estados. São

Paulo, Pioneira/EDUSP, 1981. Obra de conjunto sobre o processo de afirmação das identidades nacionais. Traz uma bibliografia exaustiva e uma ampla discussão historiográfica. KANTOROWICZ, E. Los dos cuerpos del rey: un estudio de teologia politica medieval. Madrid, Alianza Editorial, 1985. Ao lado da obra de Marc Bloch é um dos marcos da história política que privilegia as estruturas simbólicas nas quais estiveram imersas as sociedades européias na Baixa Idade Média e início da Epoca Moderna. MOUSNIER, R. Monarchies et royautés. Paris, Perrin, 1989. Análise das realezas sagradas da Pré-História às sociedades primitivas contemporâneas. O autor dedica um

e

que

amplo espaço ao estudo das monarquias européias. PAGES, G. La monarchie de L'Ancien Régime. Paris, Armand

|

Colin, 1932.

E”

69

MARCOS

ANTÔNIO LOPES

Estudo antigo, mas importante pela pesquisa empírica e riqueza das análises. PETIT-DUTAILLIS, C. La monarquia feudal en Francia y en Inglaterra. México, UTEHA,

1961.

Análise pormenorizada de dois exemplos históricos que haveriam de se revelar os modelos clássicos do absolutismo europeu. STRAYER,J. As origens medievais do Estado Moderno. Lisboa, - Gradiva, s/d.

O autor empreende análise das monarquias feudais na

França e Inglaterra, rastreando os pilares medievais do

absolutismo monárquico.

70

SOBRE O AUTOR Marcos Antônio Lopes é bacharel em história pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre e doutorando em história pela Universidade de São Paulo. Foi profes-

-—-

sor de história moderna em várias instituições privadas de ensino superior em Belo Horizonte e no interior de Minas Gerais. Com uma bolsa concedida pela FAPESP concluiu dissertação sobre “o ideal ético da realeza nos espelhos de príncipes da Idade Clássica (1640-1700)”. Em seu doutoramento, tem desenvolvido o tema das representa-

ções do absolutismo na literatura política do préjljuminismo. É autor de A imagem da realeza: simbolismo monárquico no Antigo Regime, São Paulo, Ática,

1994 e A Eu-

ropa na Idade Moderna: sociedade, cultura, mentalidades, São

Paulo, Lê, 1995, em co-autoria.

71

O direito divino ao poder absoluto dos reis europeus, proclamado em púlpitos e aceito por todos com fervor religioso, não pode ser julgado como absurdo por historiadores atuais. Resultando mais de necessidades práticas e circunstâncias históricas do que da intelectualidade cortesã, desempenhou um papel crucial na centralização e consolidação do Estado Moderno.

ISBN

85-11-00015-1