Memórias de um educador / Paschoal Lemme (Estudos de educação e destaques da correspondência) [5]

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Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Paschoal Lemme Memórias de um Educador Volume 1 Infância, Adolescência, Mocidade Volume 2 Formação Profissional e Opção Política Volume 3 Estudos de Educação e Perfis de Educadores Volume 4 Estudos de Educação, Participação em Conferências e Congressos. Documentos Volume 5 Estudos de Educação e Destaques da Correspondência

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Paschoal Lemme | Memórias de um Educador

PASCHOAL LEMME MEMÓRIAS DE UM EDUCADOR Estudos de Educação e Destaques da Correspondência

Volume 5

2ª edição

Organização e apresentação de Jader de Medeiros Britto Prefácio de Alberto Venâncio Filho

Brasília-DF 2004

Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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COORDENADORA-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES Patrícia Barcelos COORDENADORA DE PRODUÇÃO EDITORIAL Rosa dos Anjos Oliveira COORDENADOR DE PROGRAMAÇÃO VISUAL F. Secchin EDITOR EXECUTIVO Jair Santana Moraes REVISÃO José Adelmo Guimarães Rosa dos Anjos Oliveira NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Regina Helena Azevedo de Mello PROJETO GRÁFICO/CAPA/DIAGRAMAÇÃO/ARTE-FINAL Marcos Hartwich TIRAGEM 1.000 exemplares EDITORIA Inep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4º Andar, Sala 418 CEP 70047-900 - Brasília-DF - Brasil Fones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042 Fax: (61) 2104-9812 [email protected] DISTRIBUIÇÃO Inep - Coordenação de Divulgação Institucional Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 2, 4º Andar, Sala 414 CEP 70047-900 - Brasília-DF - Brasil Fone: (61) 2104-9509 [email protected] http://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes

Lemme, Paschoal, 1904-1997 Memórias de um educador / Paschoal Lemme. – 2. ed. – Brasília: Inep, 2004. 5 v. : il. Conteúdo: v. 1. Infância, adolescência, mocidade – v. 2. Vida de família, formação profissional, opção política – v. 3. Estudos de educação e perfis de educadores – v. 4. Estudos de educação, participação em conferências e congressos, documentos – v. 5. Estudos de educação e destaques da correspondência. 1. Lemme, Paschoal, 1904-1997 - Biografia. 2. Escola pública. 3. Educação de adultos. 4. Lemme, Paschoal, 1904-1997 - Correspondência. 5. Azevedo, Fernando - Correspondência. I Título. CDU 92:37.011.31(81)

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Os homens levaram seus poderes de submeter as forças da natureza a tal ponto que os utilizando poderiam, agora, muito facilmente, exterminarem-se mutuamente até o último homem. Sabem disso – daí surgiu grande parte da inquietação atual, seu desalento, seu sentimento da apreensão. E agora se pode esperar que a outra das duas "forças celestes", o Eros eterno, exiba sua força de modo a manter-se ao lado de seu adversário igualmente imortal. SIGMUND FREUD. Civilization and its discontents Algumas pessoas que, infelizmente, possuem grande poder, não têm freios morais nem conhecimentos elementares: elas imaginam que a libertação da energia atômica é uma invenção comum, algo como o motor a vapor ou o motor de explosão. FOLIAT-CURIE. Preciosidades humanas da ciência Viver é um negócio muito perigoso. GUIMARÃES ROSA. Grande sertão: veredas

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SUMÁRIO Apresentação da 2ª edição ................................................... 9 Prefácio da 1ª edição .............................................................. 13 Apresentação da 1ª edição ................................................... 19 Introdução ................................................................................... 23 PARTE I Educação Supletiva/Educação de Adultos Apresentação ............................................................................... 41 Introdução ................................................................................... 43 Capítulo I Fundamentos sociais e evolução da educação de adultos .................................................................................... 47 Capítulo II Fundamentos psicológicos da educação de adultos .................................................................................... 59 Capítulo III A educação de adultos no Brasil ...................................... 65 Capítulo IV Uma experiência de cursos de continuação, aperfeiçoamento e oportunidade realizada no Distrito Federal .................................................................... 73 Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Conclusões ................................................................................... 83 Referências bibliográficas ...................................................... 85 PARTE II Em Defesa da Escola Pública Capítulo I A volta à Idade Média ............................................................ 91 Capítulo II Educação e desenvolvimento ................................................ 95 Capítulo III O ensino é privilégio ............................................................. 103 Capítulo IV Ainda sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ............................................................ 107 Capítulo V Um velho sofisma ..................................................................... 113 Capítulo VI Alguns princípios de uma educação verdadeiramente democrática ........................................... 117 Capítulo VII A reforma do ensino na Albânia ........................................ 121 PARTE III Destaques da Correspondência Diálogo com Fernando de Azevedo sobre a educação no País ................................................................ 141 Diálogo com Zaia Brandão .................................................... 227 Carta a seu filho Antônio César Lemme ....................... 233 Medalha do Mérito Educativo ............................................. 235 Biobibliografia ......................................................................... 241

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APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO PASCHOAL LEMME: SERVIDOR DA EDUCAÇÃO PÚBLICA Celebra-se, neste ano de 2004, o centenário do educador Paschoal Lemme. Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 12 de novembro de 1904, no bairro do Méier, viveu numa família de classe média, sendo seu pai, de origem italiana, dentista de profissão e sua mãe, de berço português, professora, inteiramente dedicada à educação dos filhos (Memórias, v. 1). A formação de Paschoal, iniciada na família – foi alfabetizado por sua mãe – , desenvolveu-se na escola pública. Do primário ao superior, freqüentou sempre estabelecimentos da rede escolar do antigo Distrito Federal, passando pela Escola Visconde do Cairu, pela Escola Normal do Rio de Janeiro e pela Escola Politécnica da rede federal, na qual estudou engenharia até a 3ª série, pois já havia se definido pelo total engajamento no universo da educação. Disse a seu pai: "Se não for professor, não serei mais nada!" (Memórias, v. 1). Ativo colaborador das reformas do ensino no município do Rio de Janeiro, durante as gestões de Fernando de Azevedo (1928-1930) e Anísio Teixeira (1931-1935), Paschoal já havia ingressado na Associação Brasileira de Educação (ABE), familiarizando-se com os principais educadores de então (Memórias, v. 2). Membro atuante dessa Associação, foi o mais jovem signatário do emblemático Manifesto de 1932, dos Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Pioneiros da Educação Nova, e um de seus articuladores (Memórias, v. 4). Ainda que solidário com as idéias esposadas por esse Manifesto, nascido no âmbito da ABE, terá sido no Manifesto dos Inspetores de Ensino do Estado do Rio de Janeiro ao Magistério e à Sociedade Fluminense, de 1934 (Memórias, v. 4), que Paschoal, seu principal redator, ao lado de Valério Konder, esboçou uma definição mais pessoal em termos de política educacional, ao adotar a premissa de que a educação, para se tornar efetivamente democrática, pressupunha a transformação da própria sociedade, em termos de um real compromisso com a ascensão socioeconômica das classes menos favorecidas. Sua percepção objetiva da realidade vivida pelo operariado do Rio de Janeiro levou-o, durante a administração do Anísio Teixeira na Secretaria de Educação do Distrito Federal, a organizar os cursos noturnos supletivos da União Trabalhista, considerada de orientação marxista pela polícia fascista do capitão Felinto Müller, nos albores do Estado Novo. Ao lado de militantes socialistas como Graciliano Ramos e Nise da Silveira, pagou o tributo da fidelidade a suas aspirações de justiça social, recebendo o batismo do cárcere durante um ano e quatro meses (Memórias, v. 2). Dessa experiência com o ensino supletivo, originou-se sua tese sobre "Educação de Adultos", apresentada ao concurso para técnico de educação do Ministério da Educação e Saúde Pública (Memórias, v. 5). Estando entre os primeiros classificados, foi convocado para integrar a equipe de Lourenço Filho na organização do Inep, então Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, de início como chefe da Seção de Documentação e Intercâmbio e, mais tarde, da Seção de Inquéritos e Pesquisas. Ao longo do Estado Novo e, após sua queda, no período seguinte, denominado de Democracia Liberal, sob a égide da Constituição de 1946, Paschoal Lemme dedicou-se integralmente ao serviço público, sempre atuando no campo educativocultural, ora no Museu Nacional, ora no Instituto Nacional de Cinema Educativo. Justamente nessa fase, em que simultaneamente exercia o magistério na Escola Normal do Rio de Janeiro, foi divulgando suas idéias, por meio de livros como Educação democrática e progressista, síntese de seu pensamento, mediante artigos, ensaios, cartas, relatórios técnicos ou comunicações a congressos nacionais e internacionais de que participou. Em todos esses trabalhos, ressalta-se a absoluta coerência e fidelidade a seu ideário, consubstanciado no leitmotiv de sua reflexão: "Educação democrática somente numa sociedade democrática" (Memórias, v. 5). Seu apurado gosto pela epistolografia fica evidente em sua farta correspondência constante de seu arquivo, por ele doado ao Programa de Estudos e Documentação, Educação e Sociedade (Proedes), da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nela se destaca o intercâmbio com Fernando de Azevedo, dos anos de 1930 a 1960 (Memórias, v. 5), além das cartas aos jornais em que assume sempre a defesa da educação pública em todos os seus aspectos. É nessa perspectiva que se tornou um dos principais articuladores do Manifesto de 1959, dirigido ao povo e ao governo, da lavra de Fernando de Azevedo. Debatia-se, então, no Congresso, o Projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, marcado pela antinomia das correntes empenhadas na primazia ideológica a ser concedida ao ensino público e ao ensino privado.

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Ao reeditar os cinco volumes das Memórias, por ele estruturados, o Inep se associa às justas homenagens que lhe estão sendo prestadas na celebração de seu centenário, registrando o reconhecimento desse Instituto à relevante contribuição do educador Paschoal Lemme, um de seus primeiros e qualificados servidores. Para esta segunda edição, foram necessárias algumas alterações no título dos volumes, com base em consulta a sua família, prevalecendo o título geral Memórias de um educador para todo o conjunto, com pequenos ajustes nos subtítulos de cada volume. Acrescentou-se uma biobibliografia ao 5º, compreendendo a cronologia do educador, apoiada em seu curriculum vitae, por ele organizado, e sua bibliografia, presente na primeira edição. As idéias, reflexões e testemunhos de Paschoal Lemme reunidos nas suas Memórias, certamente, poderão inspirar as novas gerações a melhor alicerçar sua percepção dos caminhos para a educação brasileira.

Jader de Medeiros Britto Rio de Janeiro, junho de 2004

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PREFÁCIO DA 1ª EDIÇÃO A memorialística é gênero literário cultivado na literatura universal desde a Antigüidade. Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio foram, de certa maneira, ensaístas com um certo quê de memorialistas. Santo Agostinho, nas Confissões, representou outro tipo de memórias. A partir da Idade Moderna, podemos apontar Marco Polo, Fernão Mendes Pinto na língua portuguesa, e o maior deles todos, que foi Saint-Simon. O século 18 é rico em memórias, mas o momento áureo do gênero está no século 19, com as Memórias de além-túmulo, de Chateaubriand. Diante desses vultos expressivos, a memorialística brasileira que se inicia no século 19 apresenta contraste flagrante. Nesse século, o visconde de Taunay e Joaquim Nabuco são os primeiros representantes do gênero. O século 20 inaugura-se com as memórias políticas de Salvador Mendonça e do conde Afonso Celso, vindo, em seguida, as de Medeiros de Albuquerque, Rodrigo Otávio e Humberto de Campos. Mas a rigor se pode considerar que o momento áureo encontra-se nos cinco volumes de Gilberto Amado, nos oitos volumes de Pedro Nava, a que se pode acrescentar sem desdouro os cinco volumes de Afonso Arinos de Melo Franco. Recentemente, surgiu também um volume bastante expressivo que é Se não me falha a memória, de Joaquim de Salles, relatando experiências de um seminarista na sua cidade natal, o Serro, nos seminários do Caraça e de Petrópolis e, afinal, em Saint-Sulpice. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Se esse é o panorama no quadro da memorialística brasileira, ainda menos expressiva é a situação das memórias de professores e educadores. Não há um número grande a apontar, e mesmo entre eles a messe não é brilhante. Poder-se-ia exemplificar com Homens e fatos do meu tempo, de Aurélio Pires, e o livro de uma professora alemã que se radicou no Brasil, Alegrias e tristezas de uma professora alemã no Brasil, de Ina Von Binzen. Fernando de Azevedo relatou em História da minha vida algumas passagens expressivas de sua vida de professor, educador e administrador escolar. Entretanto, as Memórias de Paschoal Lemme representam uma expressão inédita no quadro da memorialística dos educadores, pois descreve com simplicidade, franqueza e mesmo humildade uma carreira expressiva, toda ela dedicada aos misteres da educação, descrevendo as instituições nas quais trabalhou, os vultos expressivos com quem conviveu e, ao mesmo tempo, permitindo ao leitor o conhecimento de fase importante da educação brasileira, sobretudo aquela onde se sobressaiu no movimento expressivo de renovação educacional, hoje conhecido como "Os Pioneiros da Educação Nova". É comum nas memórias o fato de os escritores sempre se sobressaírem em atos nobres e expressivos, jamais podendo apontar atitudes menos dignas e corretas. Desse vício não padecem as Memórias de Paschoal Lemme que, com lealdade, descreve as suas deficiências e os problemas que teve que enfrentar, nem sempre com sucesso. A fase inicial de Memórias concentra-se no exame de sua infância e adolescência, num bairro de classe média baixa, de família oriunda de imigrantes italianos e elementos portugueses. A descrição da vida nessas ruas suburbanas é o primeiro mérito dessa obra, em que Paschoal Lemme tem a capacidade de rememorar com felicidade a vida familiar nesse ambiente. Logo em seguida, aparece o marco expressivo de sua formação educacional, com o ingresso na Escola Visconde de Mauá, onde tem a oportunidade de conhecer um verdadeiro mestre, o professor Teófilo Moreira da Costa, desses que marcam a personalidade dos discípulos e que representou para Paschoal Lemme o direcionamento da verdadeira vocação. O professor Teófilo Moreira da Costa é um desses tipos que encontramos freqüentemente de pessoas vocacionadas para a educação, sem nenhuma outra aspiração do que ser professor e que fazem da vida verdadeiro apostolado. A descrição que faz desse professor revela realmente a marca profunda que deixou no discípulo e, certamente, em vários outros. Enquanto o pai, num desejo natural de ascensão social, desejava para os filhos um diploma universitário – ele próprio obteve o grau de cirurgião-dentista – , a uma pergunta dele, Paschoal Lemme respondeu: "Serei professor ou não serei nada". Daí o seu ingresso na Escola Normal do Rio de Janeiro, importante centro de estudos que, entre os professores, tinha também catedráticos das principais escolas de nível superior da capital. Não obstante, juntamente com esse curso, Paschoal Lemme tentou o ingresso na Escola Politécnica, a fim de atender ao desejo de obtenção de grau universitário, mas o curso foi cortado com as absorventes atividades que, em breve, aguardavam-lhe no sistema educacional do Rio de Janeiro.

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Mal iniciado nessas atividades, Paschoal Lemme, já na administração da educação, no Distrito Federal, de Antônio Carneiro Leão (1922-1924), ocupa função de direção na escola em que estudara, a Escola Visconde de Mauá, quando procura seguir as "pegadas" de seu professor. O marco decisivo na vida de Paschoal Lemme se dá, porém, em 1926, através da administração Fernando de Azevedo, quando prefeito Antônio Prado Júnior, e presidente da República Washington Luiz. Fernando de Azevedo se dispunha a realizar uma obra educacional de profundas reformas, alterando o sistema até então vigente, que já fora objeto de modificações em administrações anteriores. Para isso, entre outros fatores, necessitava de uma equipe que pudesse auxiliá-lo na hercúlea tarefa em que se empenharia. Assim, procurou cercar-se de um grupo de professores e educadores, entre os quais se encontrava o professor de História do Colégio Pedro II, Jonathas Serrano, que obteve informações do trabalho do jovem professor e convidou-o para ser seu assistente. Quando este respondeu que queria ser só professor e não tinha nenhum interesse na administração, Jonathas Serrano respondeu: "Esse também é o meu caso, mas não pude resistir à sedução do convite de Fernando Azevedo". Nesses quatro anos, realizou-se realmente uma tarefa de reconstrução educacional ainda nunca vista, com a mudança dos programas, aperfeiçoamento de professores, construção de prédios escolares de categoria, entre os quais avulta o prédio do Instituto de Educação na Rua Mariz e Barros. Para essa obra, trabalhou com afinco Paschoal Lemme que teve, assim, revelada a importância da administração escolar na realização de programas de educação. De época um pouco anterior, já aglutinando os educadores empenhados em programas de reformas, criava-se, em 1924, a Associação Brasileira de Educação, a ABE, segundo é comumente chamada, fundada por Heitor Lyra e por grupo expressivo de figuras, como Everardo Backheuser, Edgard Sussekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho. A ABE se propôs, desde logo, a trabalhar num programa de idéias renovadoras, realizando conferências nacionais e vendo seus quadros aumentarem com a participação de jovens elementos, desejosos de aperfeiçoarem seus conhecimentos. Assim, já em 1926, dois anos após a fundação, ingressava Paschoal Lemme no quadro de sócios, nela tendo uma participação ativa por muitos anos. À administração de Fernando de Azevedo sucedeu, em 1931, a administração de Anísio Teixeira. No discurso de posse, o educador baiano declarava que pretendia dar andamento aos trabalhos que o seu antecessor realizara, criando no Distrito Federal um verdadeiro sistema educacional. A reforma que realizou foi também profunda em todos os níveis de ensino, com ênfase no ensino técnicoprofissional, e com a criação, em nível superior, de uma universidade, a Universidade do Distrito Federal, em moldes novos e renovadores – tal como na época ocorria com a Universidade de São Paulo – e à qual se agregou como instituição de nível universitário o Instituto de Educação. Um dos aspectos mais importantes da administração de Anísio Teixeira foi a ótica nova com que encarou o ensino técnico-profissional, não como ensino de segunda categoria para as classes menos favorecidas, como afirmaria em seguida a Constituição de 37, ensino para os filhos dos outros, como foi comentado com Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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ironia certa vez. O ensino técnico-profissional era, na verdade, concebido como um ensino de caráter autônomo, no qual eram ministradas as cadeiras básicas das humanidades, mas, ao mesmo tempo, se forneciam os elementos para aquisição de uma profissão. Para esse setor foi chamado Paschoal Lemme, dando nele, mais uma vez, a contribuição do seu alto valor. Conjugada com essa tarefa foi-lhe atribuída a função de cuidar do problema da educação de adultos. Também esse tema foi encarado em bases novas, não como a idéia de mal ensinar a técnica da leitura e da escrita, mas com o fornecimento de conhecimentos gerais adequados à vida na sociedade moderna. Quando, em 1938, concorreu Paschoal Lemme ao concurso de técnico de educação do Ministério da Educação, apresentou como tese um trabalho exatamente sobre Educação de adultos, descrevendo a experiência que acumulara e embasada em sólidos fundamentos teóricos. Também nessa época realizou concurso para a Inspetoria de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, obtendo sempre excelente classificação e realizando também nessas funções um trabalho de alto nível. Ali as suas preocupações levaram-no a liderar um movimento que, em 1934, foi lançado ao público com o título A reconstrução educacional no Estado do Rio de Janeiro pelos inspetores de ensino do Estado do Rio de Janeiro, ao magistério e à sociedade Fluminense, de sua autoria e de Valério Konder. O documento era corajoso, terminando com a proposta de "uma escola ativa, progressiva, socializada, única, obrigatória, gratuita, mista e leiga". As idéias renovadoras lançadas pela administração Fernando de Azevedo, prosseguidas e ampliadas pela administração Anísio Teixeira, aliadas ao trabalho de divulgação de idéias da Associação Brasileira de Educação, levaram a que na 4ª Conferência Nacional de Educação, em 1931, o próprio chefe do Governo Provisório lançasse um apelo para que os educadores organizassem um programa de ação educacional. Daí, surgiu a idéia, levada à frente, de divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por um grupo de vinte e sete educadores. O Manifesto era repositório dessas idéias renovadoras, e dentre seus subscritores havia educadores provectos, ligados a um outro tipo de sistema, mas que se juntaram às idéias novas, além do grupo que se aglutinara em torno da Associação Brasileira de Educação. Paschoal Lemme foi um desses subscritores e, incumbido da coleta de assinaturas, ficou surpreso quando Francisco Venâncio Filho lhe exigiu que também o assinasse. Era o mais moço, mas já estava plenamente irmanado nesses ideais da renovação educacional. As acusações feitas após o movimento de novembro de 35 contra a administração Pedro Ernesto, e especialmente ao setor de educação, dirigido por Anísio Teixeira, atingiram também Paschoal Lemme que, com seu trabalho no setor de educação de adultos, tinha revelado princípios e atividades que assustaram setores conservadores. Por isso, foi preso durante dois anos, sem inquérito e sem culpa formada, sendo, afinal, solto em fevereiro de 1937. Pode-se dizer que este episódio constituiu um marco na vida de Paschoal Lemme, pois a partir daí os estudos que passou a realizar levaram-no à mudança de ótica ao encarar os problemas da educação, não mais como elementos autônomos

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capazes de promover a mudança da sociedade, mas, segundo ele, a mudança da sociedade viria através da alteração de vários condicionantes. Exerceu, depois, as funções de chefe do Setor de Inquéritos e Investigações Pedagógicas do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) e chefe do Setor de Extensão Cultural do Museu Nacional, onde realizou notável trabalho de difusão entre alunos dos cursos secundários, com a publicação de excelente revista. Como chefe de setor do Instituto Nacional de Cinema Educativo, realizou, junto com Roquette-Pinto e Humberto Mauro, filmes escolares. Se a atuação como administrador escolar praticamente se encerrou, iniciou-se um trabalho extremamente importante de divulgação educacional. À tese do concurso para técnico de educação do Ministério da Educação, sobre educação de adultos, seguiram-se vários outros estudos, como Estudos de educação, em 1953, Problemas brasileiros de educação, em 1959, e Educação democrática e progressista, em 1961, além de numerosos artigos e traduções de livros sobre educação, sem falar nas cartas que, com freqüência, enviava a jornais do Rio de Janeiro. Todos esses livros e trabalhos espelham a preocupação com os problemas de educação, encarados em ótica nova, ligada à concepção do sistema educacional como integrado nas condições básicas da sociedade, sendo necessária a alteração dessas condições para a realização de um verdadeiro programa de educação. Chegando à idade provecta com a mesma lucidez dos tempos de jovem, cada vez mais convencido das opções que tomou em relação à sociedade brasileira, sempre pronto na defesa dos princípios que sustentou, Paschoal Lemme é exemplo expressivo do que deva ser um verdadeiro professor e educador, apaixonado pelas suas tarefas, empenhado na defesa dos princípios que ostentou e, sobretudo, preocupado com os dramas da sociedade brasileira. Num país de pobre e escassa memorialística, devemos nos regozijar que tenha deixado escritos que permitiram organizar esse novo volume de memórias, como testemunho dessa atuação brilhante e fecunda.

Alberto Venâncio Filho

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APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO Na organização deste 5º volume da série Memórias de Paschoal Lemme que o Inep vem editando, de modo a resgatar a significativa contribuição desse educador que foi, inclusive, um de seus primeiros técnicos, havendo chefiado a Seção de Inquéritos e Pesquisas, tornou-se imperativo atentar para as circunstâncias especiais de sua produção. Ao contrário dos anteriores que ele próprio estruturou, neste, embora tivesse escrito um breve sumário de seu conteúdo, Paschoal Lemme, falecido em janeiro da 1997, deixou elaborada apenas a introdução, talvez inacabada, levando à necessidade de considerar outras alternativas de composição do presente volume. Em visita a sua filha professora Maria Lúcia Lemme Weiss, com o objetivo de informá-la do propósito de o Inep realizar esta edição, dela recebemos duas coletâneas de textos desse educador, a fim de integrarem seu arquivo, sob a guarda do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade (Proedes).1 Previstos para constituírem o 6º e 7° volumes da referida série, que ultimamente preferia denominar Estudos de educação, tais trabalhos, hoje inteiramente esgotados, ajudam a esboçar uma perspectiva mais completa de seu itinerário de educador. 1

Órgão vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Reexaminando os quatro volumes editados, observou-se que, enquanto nos dois primeiros prevaleceu o relato memorialístico da história pessoal, nos dois últimos o autor preferiu reunir estudos seus já divulgados sobre educação no País e no exterior, bem como documentos relevantes para a História da Educação Brasileira, dos quais destaca o Manifesto dos Pioneiros de 1932. Comparando os textos programados para o 6º e 7º volumes com os publicados no 3º e 4º, dada a ocorrência de repetições, a opção foi estruturar um novo conjunto de estudos do autor ainda não incluídos nesta série, acrescido de destaques de sua correspondência, contendo informações de interesse histórico sobre educação no País, definições pessoais ou revelando instantes significativos de sua atuação. Os trabalhos aqui reunidos, em sua quase totalidade, foram produzidos do final dos anos 30 aos 60. Excetuam-se algumas cartas e a Introdução, na qual traça um esboço do quadro de tensões ideológicas por ocasião da Segunda Guerra Mundial e seus reflexos no Brasil durante o Estado Novo, detendo-se na gestão de Capanema, à frente do Ministério da Educação. Segue-se o texto de sua monografia Educação Supletiva/Educação de Adultos, apresentada ao concurso para técnico de educação, em 1938. Trata-se de estudo considerado atual, ainda hoje, dada a pertinência de determinados conceitos e análises e, particularmente, da experiência que dirigiu na Secretaria de Educação do antigo Distrito Federal. Por exemplo, ao conceituar educação, ressalta, em sintonia com a contemporaneidade, que "o homem, individualmente, se educa permanentemente e continua a se educar ininterruptamente". Essa percepção ele a formulou naquela época, bem distante das conceituações europeizantes de educação permanente. Em outro tópico, numa compreensão contextualizada da educação de adultos, assinala que "é na necessidade de preparar rapidamente os indivíduos para atuarem com eficiência nessas novas condições da vida social, que se complicava progressivamente, que vamos encontrar a origem dos cursos e instituições destinados à educação de indivíduos adultos". Em sua percepção, trata-se de uma "educação sistemática, escolar, para os indivíduos que atingiram a maturidade, no sentido de lhes dar os instrumentos considerados necessários para o desempenho de sua atividade social, no mais amplo sentido", ou ainda "para corrigir essa ação escolar" ou para "adquirir técnicas elementares" e "se aperfeiçoar em qualquer forma de atividade". Sucedem-se textos em defesa da escola pública, que escreveu em fins dos anos 50, quando tramitava no Congresso Nacional o Anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nesses escritos, combate intrepidamente o substitutivo Carlos Lacerda por favorecer o ensino privado como protagonista privilegiado da educação brasileira. A propósito, será pertinente atentar para a advertência de Danilo Lima,2 em estudo publicado em 1978:

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LIMA, Danilo. Educação, Igreja e ideologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. p. 103.

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[...] a questão da escola privada não se resumia a uma questão de verbas, mas encerrava uma verdadeira defesa ideológica de uma situação na qual a escola confessional havia se legitimado por produzir os dirigentes da sociedade e, conseqüentemente, havia legitimado a Igreja como educadora.

Segundo revelam as cartas para Fernando de Azevedo na década de 50, Paschoal se torna então um operoso articulador do novo manifesto Mais uma vez convocados, dirigido ao Povo e ao Governo e redigido por Fernando de Azevedo, no qual defende os princípios de uma educação liberal e democrática, capaz de revigorar o trabalho e o desenvolvimento, uma educação de que a escola pública se constitui instituição emblemática. O texto seguinte debate questão na ordem do dia durante o Governo Kubitschek, quando se propunha um programa de metas de "Educação para o Desenvolvimento". Na análise de Paschoal Lemme, os termos da equação deveriam ser invertidos: "Desenvolvimento para a Educação", por considerar a educação como variável dependente do processo social. Em "Alguns Princípios de uma educação verdadeiramente democrática", sintetiza seu ideário educacional, reiterando pronunciamentos em conferências nacionais e internacionais de que participou. O eixo desses princípios é a igualdade de oportunidades para todos, independente de condição econômica, política, religiosa, racial ou qualquer outra, enfatizando no princípio 10, seu leitmotiv, ao afirmar que o componente final e decisiva para a conquista de uma educação verdadeiramente democrática é a luta permanente pela transformação da sociedade neste sentido. Para o educador, "sem sociedade democrática não há educação democrática". Adverte Paschoal que [...] isso não significa, porém, que se deva ficar esperando as transformações sociais para que, automaticamente, as condições de educação também se transformem... Lutar por melhores condições de educação e ensino é uma das formas de levar educadores, professores, estudantes e o povo em geral a compreenderem justamente que, para conquistarem vitórias significativas nesse setor, é preciso que a luta se torne tão ampla que redunde em transformações da sociedade como um todo...

O texto que se sucede, uma análise descritiva da reforma de ensino na Albânia, escrito nos anos 50, é ilustrativo da fase em que Paschoal Lemme, embora jamais tivesse ingressado no Partido Comunista Brasileiro, esteve sempre identificado com suas diretrizes ideológicas, havendo colaborado regularmente com o jornal do partido, a Tribuna Popular. Nessa perspectiva, sua definição em carta a Fernando de Azevedo, de 9 de janeiro de 1952, não poderia ser mais precisa: [...] desde 1929, vinha tomando conhecimento do marxismo-leninismo (materialismo dialético e materialismo histórico), chegando hoje a considerá-lo como a filosofia, a sociologia, a economia, a teoria do conhecimento capazes de darem uma verdadeira interpretação do universo, e portanto do homem e de sua vida em sociedade.

Encerram este volume os destaques de sua correspondência. Para esta seleção foi de todo oportuna a entrega das 49 cartas de Fernando de Azevedo, feita ao Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Proedes pelo doutor Alberto Venâncio Filho, que as recebera de Paschoal Lemme. Na oportunidade providenciou-se o microfilme dessas cartas e, em articulação com o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, que mantém a guarda do arquivo de Fernando de Azevedo, estabeleceu-se o intercâmbio, de modo que o Proedes recebeu o microfilme de 40 cartas de Paschoal a Fernando e viceversa. Da leitura dessas cartas se ressalta a elevada sensibilidade dos dois educadores para os problemas brasileiros de educação, no quadro de nossas realidades e suas contradições intrínsecas, em termos de justiça social no acesso aos bens da cultura, da educação, enfim, a um padrão de vida humano. A carta a Zaia Brandão constitui um depoimento-síntese do itinerário do educador, enquanto a enviada a seu filho Antônio César Lemme contém dados de interesse histórico relativos à atuação de Pedro Ernesto como prefeito do então Distrito Federal. Por último, mas não menos importante, o Aviso do ministro da Educação, professor Murílio Hingel, comunicando a Paschoal Lemme que este fora agraciado pelo presidente da República, Itamar Franco, com a "Medalha do Mérito Educativo", pelos relevantes serviços prestados à Educação Brasileira. E o agradecimento do educador, em que assinala o registro de suas idéias mediante a publicação pelo Inep desta série de suas Memórias.

Jader de Medeiros Britto Organizador

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Paschoal Lemme | Memórias de um Educador

INTRODUÇÃO Este 5º volume das Memórias pretende abranger o período que se estende de 1937 a 1947. Creio que se poderá afirmar, sem receio de contestação, que esses foram os tempos mais dramáticos, mais trágicos e talvez decisivos deste século 20. Isso se a loucura de alguns desatinados não provocar a destruição, ou mesmo, a devastação do planeta nos poucos anos que nos separam do fim do século. Tivemos primeiro a ascensão do fascismo e depois a subida de Hitler ao poder na Alemanha, em janeiro de 1933. Ah! O nazismo! Como foi que a pátria de um Goethe, Beethoven, Marx, de um Einstein, pôde descer a tal degradação? Difícil de entender… Muitas explicações já têm sido tentadas. Dizem uns que o capitalismo ameaçado endoidece como cetáceo ferido pelo arpão e desfere golpes terríveis contra os que imaginam que o seu fim está próximo. E o fascismo, tal como o nazismo seriam formas de preservação do regime, apesar da demagogia com que se apresenta de um nacional-socialismo em guerra contra o liberalismo democrático. Em Marx e a História – da sociedade primitiva ao futuro comunista, do professor D. Ross Gandy, leio esta passagem que talvez acrescente algum esclarecimento ao fenômeno terrível do nazismo. Diz o professor norte-americano em seu livro: Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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A classe dominante, em geral, controla o Estado como instrumento. Mas nem sempre. Vez por outra o Estado alcança independência relativa. Isso acontece em épocas de transição, quando duas classes lutam pelo domínio, mas nenhuma das duas é bastante forte para governar. Absolutismo e bonapartismo são duas formas de Estado independente (Gandy, 1980, p. 143144).

Os séculos 17 e 18 foram uma época de transição na qual a monarquia absoluta adquiriu independência das classes. Nem a burguesia em ascensão nem a aristocracia em declínio eram bastante fortes para governar. O rei jogava as duas classes uma contra a outra e consolidava o seu poder. Pelo direito divino ele dominava através da burocracia real e do exército, e só era responsável perante Deus. Vez por outra surgia o bonapartismo no século 19. Sempre que a guerra de classes exauria o proletariado e a burguesia, surgia uma ditadura bonapartista para governar. Isso aconteceu três vezes: quando a burguesia se refugiou de Robespierre e Babeuf no despotismo de Napoleão (1799-1814); quando a burguesia parisiense fugiu de um proletariado revolucionário na ditadura de Luís Bonaparte (18511870); e quando a burguesia alemã, aterrorizada pelos trabalhadores, consentiu no governo de Bismark (1871-1890). Ditadura bonapartista é um despotismo burocrático-militar: o dirigente governa através da burocracia e do exército. O modelo de bonapartismo foi a ditadura de Luís Napoleão na França, em 1851. "Na realidade", diz Marx, "era a única forma de governo possível quando a burguesia já havia perdido a faculdade de dominar a nação e a classe trabalhadora ainda não a havia conquistado". A derrota na guerra de 1914-1918, a crise econômica, as ameaças da classe trabalhadora, o medo do comunismo e a incapacidade da burguesia de dominar essa situação não seriam os ingredientes da ascensão de Hitler ao poder? Thyssen (1942), o magnata do aço de Rhure, acrescenta mais alguns esclarecimentos ao drama em seu conhecido livro Eu financiei Hitler. No prefácio desse livro, ele confessa: Sustentei Hitler e seu partido durante os dez anos que precederam a ascensão de ambos ao poder. [...] Hitler me enganou como enganou o povo alemão inteiro e a todos os homens de boa vontade [...] Hitler nos ludibriou a todos… [...] Hitler – pelo menos eu e muitos outros alemães pensávamos assim – contribuiu para o ressurgimento da Alemanha, para o renascimento de uma vontade nacional e de um programa social moderno. É inegável também que seu esforço foi amparado pelas massas que o seguiam. E, num país que já tivera duma feita sete milhões de desempregados, era necessário afastar essas massas das vãs promessas dos socialistas radicais. Por que esses socialistas da ala esquerda tinham obtido vantagens durante a depressão econômica, do mesmo modo como quase haviam triunfado durante o período revolucionário que sobreveio após a derrocada de 1918. Mas, a minha esperança de salvar a Alemanha desse segundo perigo seguiu-se logo de desilusão. Essa desilusão data quase do princípio do regime nazista. Durante os sete anos que decorreram desde então, intervim em várias ocasiões, tentando por cobro a excessos que constituíam um desafio à consciência da humanidade…

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É isso: Hitler nos ludibriou a todos… e desencadeou sobre a humanidade a onda de baixezas e crimes jamais imaginados pelas mentes mais doentias… Entretanto, Hitler não deveria surpreender ou enganar ninguém. Já em sua "bíblia" – Minha luta – em 1926, escrevia: "Um Estado que, na época, do envenenamento das raças, se dedica a cultivar seus melhores elementos raciais, tem de um dia se tornar o senhor do mundo"… A esse tempo, a paranóia racista e até mesmo a nazista já estavam bem claramente delineadas. Em 1934, Ilya Ehrenburg, o escritor e jornalista soviético, assim descrevia o panorama da Europa, que acabava de percorrer em todas as direções: Regressei à França com impressões pouco alegres: fascistas e semifascistas tinham transformado a Europa numa jângal impenetrável. Nas fronteiras, as árvores tinham sido derrubadas e, em seu lugar, os fascistas levantavam cercas de arame farpado. Os viajantes eram revistados em busca de jornais e revólveres, de dinheiro estrangeiro e bombas. Os fascistas croatas atacavam os sérvios, que não partilhavam das suas opiniões. Na Romênia, a Guarda de Ferro saqueava lojas e ameaçava os magiares; na Hungria, os sequazes de Horthy matavam os camponeses e juravam que conquistariam a Transilvânia. Os camisas-negras italianos berravam sobre o Tirol austríaco e a Savóia francesa. A praga fascista transpunha as fronteiras sem quaisquer vistos (Ehrenburg, 1966, v. 4).

Dentro em pouco a "jângal nazista" ardia nas labaredas da II Guerra Mundial, com todo o seu cortejo de misérias e crimes hediondos inenarráveis. Pérfidas manobras foram tentadas pelas chamadas potências democráticas ocidentais, especialmente a Inglaterra e a França, para jogar Hitler contra a União Soviética e assim liquidar, ao mesmo tempo, os dois inimigos… Mas as coisas não decorreram nesse sentido. Tivemos então a resistência inglesa que empolgou o mundo. A queda de Paris que consternou a todos nós. A resistência subterrânea dos franceses que produziu tantos heróis. A invasão da União Soviética e a terrível obstinação do povo soviético. A grande virada em Stalingrado e o início da derrota da Alemanha nazista. O ataque japonês a Pearl Harbor e a entrada dos Estados Unidos na guerra, sob a liderança de Roosevelt. Enfim, o criminoso genocídio de Hiroxima e Nagasaki, pelas primeiras bombas atômicas lançadas pelos norte-americanos. E com elas o mundo entrava na nova era da fissão do átomo, da libertação da energia atômica. O mundo, o homem, possuía agora o engenho terrível capaz de destruir a própria humanidade. Surgiram, então, as duas superpotências que emergiram dos horrores da segunda hecatombe mundial e que passaram a se enfrentar ameaçadoramente, pondo em constante risco o futuro do homem. E assim, tudo se tornou precário, instável, mórbido, sob a terrível e constante ameaça. Parece que os aprendizes de feiticeiro tinham perdido o segredo do encantamento…

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••• Creio que foi Erich Marie Remarque (Nada de novo na frente ocidental) quem sugeriu: o símbolo da Primeira Guerra Mundial foi a trincheira onde chafurdavam os pracinhas, tentando liquidar o "inimigo" com a rainha das armas – a metralhadora. O símbolo da Segunda Guerra Mundial foi o "campo de concentração". Quando estive em Varsóvia, Polônia, em 1957, como participante da II Conferência Mundial de Educadores, convocada pela Federação Internacional Sindical de Ensino (Fise) foi-me dada a oportunidade de visitar um desses testemunhos da máxima degradação humana. Era um dos "campos de concentração" de Oswiecim,1 o Brzezinska, que o governo polonês mantinha como permanente lembrança e advertência. Aos visitantes, depois dos horrores que visualizavam, foi distribuída uma publicação na qual colho as seguintes passagens: "Os campos de concentração hitlerianos representaram na história do III Reich uma das páginas mais sinistras e mais ignóbeis" (do Prefácio). E adiante: Mais de 400 mil detidos registrados passaram pelo campo de Oswiecim, dos quais apenas um terço pôde ser salvo. Milhões de inocentes que fizeram parte de inúmeros comboios o dos quais não fizeram registro na contabilidade do campo, tiveram morte nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de Brzezinska. No Natal, cerca de 4 milhões de seres humanos foram deglutidos por Oswiecim.

E em todo o livro perpassa um frêmito de horror e degradação. Mas, o que foi profundamente lamentável é que a "técnica", em poucos minutos, causou um horror ainda maior com o lançamento das bombas atômicas norte-americanas sobre as duas desprotegidas cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki. Ainda agora foram descobertos poemas no Japão em que amadores e crianças narram os horrores do terrível massacre. No poema Flash-bang (Barulho brilhante), de Osamu Harada, aluno do 1º ano ginasial, o horror de Hiroxima é revoltante: As pessoas gritavam: "Água! Água!". Corremos [ele e a mãe] para uma caverna escura impregnada pelo cheiro das queimaduras. Um cachorro correu para a floresta, comendo um bebê.

Como as gerações atuais pouco recordam dessas misérias da condição humana, creio não ser demais insistir nessa questão, até para reforçar os propósitos de tantos movimentos que, em todo o mundo, lutam pela manutenção da paz e pela destruição dos arsenais de armas atômicas.

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Auschwitz, em alemão.

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Cito por isso novamente, Elya Ehrenburg, em suas Memórias: Foi ao entardecer da minha vida que vi o amanhecer da nova era. É claro que as invenções de Einstein impressionaram-me ainda no início da década de vinte, embora eu as compreendesse mal. Hiroxima chocou-me com as dimensões da desgraça, mas eu não tinha idéia do acontecido. A bomba atômica revoltou-me porque ela era mil ou dez mil vezes mais poderosa que as bombas comuns. Eu não compreendia que a tragédia era outra: os acontecimentos passaram à frente da moral. O poder na América não pertencia ao professor da Universidade de Princeton, que era considerado um tipo esquisito e genial, ao cientista de longos cabelos e imbuído de amor aos homens, típico do século passado, mas a uma pessoa contemporânea, de ar bem distinto, a um político estandardizado, que por acaso se encontrou no posto de presidente (Ehrenburg, 1966, v. 6, p. 188-189).

••• Essa onda de insânia antiliberal e antidemocrática que percorria o mundo deveria chegar até nós. Tínhamos para isso todos os ingredientes necessários. Nosso povo, em sua grande maioria, sofrido, desassistido, estava muito longe de alcançar a cidadania que lhe permitisse influir, de forma significativa, na constituição dos governos, em todos os níveis. Facilmente poderia se transformar em "massa de manobra" para o primeiro aventureiro mais ousado que lhe acenasse com alguma melhoria que o viesse tirar da situação de penúria em que vivia. Aliás, é essa, até nos nossos dias de hoje, a forma mais comum pela qual se exerce a atividade política entre nós. Essa falta de representatividade de nossas assembléias legislativas e um judiciário tradicionalmente dependente do Poder Executivo resultava numa preeminência deste que, ao longo do nosso regime republicano, foi aos poucos se transformando num verdadeiro "poder imperial" que tudo pode e ao qual tudo mais acabava ficando subordinado. Aliás, nossa República, gerada no leito da ideologia positivista, não poderia ser infensa à preconizada "ditadura republicana" da pregação comteana. Além disso, não precisávamos ir procurar muito longe, para encontrar os ideólogos do pensamento autoritário, tais como um Oliveira Vianna ou um Jackson de Figueiredo. Muito mais recentemente a safra de intelectuais que tendia claramente para considerar ultrapassada a época da democracia liberal não era pequena: desde um Cassiano Ricardo, um Menotti del Pichia, Plínio Salgado, do chamado grupo Verde-Amarelo, Rosário Fusco, Almir de Andrade, e até mesmo, um Gilberto Freyre, ou um Gustavo Barroso, um Santiago Dantas e Otávio Farias, que em Maquiavel e o Brasil (1931) faz diretamente a apologia do fascismo e especialmente de Mussolini, que considera como o homem-síntese: "que contém e supera tudo o que há de útil no socialismo, no democrata e no liberal". Por fim, a reação fascista entre nós dispunha de três forças perfeitamente organizadas e aguerridas, sintonizadas com os ares dos ventos que sopravam da Europa: a Igreja Católica, pela sua mais alta hierarquia e seus colaboradores leigos, a maioria dos chefes mais representativos das forças armadas e o partido ostensivamente representante do nosso "fascismo caboclo", a Ação Integralista Brasileira. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Com todos esses ingredientes, não foi difícil a Getúlio Vargas estabelecer no Brasil o regime autoritário de caráter fascista, que adotou entre nós o nome de "Estado Novo". A luta entre a direita, comandada pelos integralistas, e a esquerda, dirigida pelo Partido Comunista do Brasil, que foi se acirrando nos anos de 1934 e 1935, já apontava o que seria um pretexto e justificativa para um "golpe" salvador das instituições "democráticas"… Os erros de avaliação política que levaram à desastrada tentativa insurrecional de novembro de 1935 pelo Partido Comunista do Brasil forneceram o material mais substancial que faltava à reação para se unir no apoio à instalação no País de um regime que sintonizava com os pregoeiros da morte da democracia liberal (Konder,1988). E assim, a 10 de novembro de 1937, em discurso pelo rádio na "Hora do Brasil", Getúlio Vargas podia instalar o "Estado Novo", pronunciando estas palavras históricas: Fortalecido pela confiança das Forças Armadas e em resposta aos pedidos dos meus concidadãos, concordei em sacrificar o justo descanso a que tinha direito, com o firme propósito de continuar a servir à Nação.

E em seu livro O regime de Vargas: os anos críticos 1934-1938, o brasilianista Robert M. Levine (1980, p. 228-229) escreve: Na madrugada de 10 de novembro de 1937, tropas de cavalaria cercaram o Palácio Tiradentes, barrando-lhe a entrada. Exemplares da carta constitucional de Francisco Campos, impressa secretamente, foram distribuídos depois que o ministério confirmou sua aprovação. Só o Ministro da Agricultura, Odilon Braga, objetou: foi imediatamente substituído por Fernando Costa, de São Paulo, chefe, significativamente, do Instituto Nacional do Café e membro do Partido Republicano Paulista, hostil no Estado a Armando Salles. O Ministro da Guerra, Dutra, leu uma breve declaração à imprensa, sobre a alta missão confiada às Forças Armadas. Uns poucos militares renunciaram. O mais importante deles foi o coronel Eduardo Gomes, sobrevivente dos 18 do Forte e herói da resistência contra a insurreição de novembro de 1935. [...] Foram nomeados interventores federais para todos os Estados, à exceção de Minas Gerais, onde Valadares, o político mais comprometido com o planejamento do golpe antes de novembro, conservou seu status. [...] Em 13 de novembro, uma delegação de 80 membros do Congresso em recesso visitou o Catete para dar apoio ao Governo, a despeito do fato de haverem sido presos vários parlamentares dois dias antes. Os restantes 150 guardaram distância, aparentemente amargurados.

Apesar de eu ter assistido pessoalmente a todas essas ocorrências, prefiro servir-me das palavras de um outro autor, este brasileiro, para completar o relato da instalação do "Estado Novo" entre nós. Paulo Brandi, em seu livro Vargas: da vida para a história, escreve: Na noite de 10 de novembro, Getúlio transmitiu pelo rádio uma proclamação ao povo brasileiro, anunciando a entrada em vigor da nova Constituição e o início de uma nova fase da história brasileira. Getúlio procurou justificar a necessidade e a inevitabilidade de um regime autoritário, começando por declarar: "O homem de estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão excepcional não pode fugir ao dever de tomá-la". Explicou que o Brasil devia deixar de lado a "democracia de partidos" que, "nos períodos de crise, como a que atravessamos

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[...] submete a hierarquia, ameaça a unidade da pátria e põe em perigo a existência da nação". Nesse contexto, "o sufrágio universal passa a ser instrumento dos mais audazes e máscara que mal dissimula o conluio dos apetites pessoais e de corrilhos". Segundo Getúlio, o Brasil não tinha outra alternativa senão "reajustar o organismo político às necessidades econômicas do País". Para sublinhar esse ponto de vista, anunciou a decisão de suspender o pagamento da dívida externa e o seu propósito de inaugurar um vasto programa de obras públicas e de reequipar as Forças Armadas. Concluiu sua proclamação com um apelo: "Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação… deixando-a construir livremente sua história e seu destino".

Depois da perplexidade e do impacto que acontecimentos de tal natureza teriam que produzir sobre toda a sociedade brasileira, e mais precisamente com a derrota dos integralistas mancomunados com alguns setores políticos inconformados, em maio de 1938, o "Estado Novo" começou a mostrar a sua face operativa e ganhar a feição própria que o caracterizaria, como um regime, segundo parecia, sem aspectos radicais definidos, aliás muito reveladores do caráter e do temperamento do próprio Getúlio Vargas. Não tivemos partido único, nem sinais exteriores que expressassem o regime. Não foi organizada uma juventude nos moldes fascistas ou nazistas. O máximo que se efetivou nesse setor foram as manifestações e os desfiles escolares nas datas festivas e as grandes demonstrações de canto orfeônico dirigidas por Vila Lobos que, contraditoriamente, tinha começado essas exibições na administração de Anísio Teixeira, na antiga Capital da República… Um órgão de propaganda, este sim, foi instituído nos moldes aproximados dos regimes fascistas, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), e a censura era rigorosa. Mas, a face verdadeira do "Estado Novo" foi aos poucos se delineando e que, segundo me parece, depois dos estudos que têm sido realizados no sentido de melhor conhecer e caracterizar esse período de nossa história, já batizado como a Era de Vargas, poder-se-á talvez, resumir nos seguintes tópicos: populismo, trabalhismo, centralização, nacionalismo e industrialização. Populismo – A miséria, o infortúnio, a desesperança, esses os "caldos da cultura", que transformam o povo em "massa". O desamparo leva a procurar no misticismo, na fé religiosa ou nos cultos afro, o conforto e a resignação. Mas também a entrega do destino ao chefe carismático, ao "pai dos pobres", o salvador Getúlio, que auxiliado pela propaganda, soube assumir, com maestria, essa posição, criando no Brasil o protótipo do dirigente populista. E Octavio Ianni (1975, p. 98), apesar de anunciar em seu conhecido livro O colapso do populismo, escreve: Assim, a Consolidação das Leis do Trabalho, o Partido Trabalhista Brasileiro, o "peleguismo", o Estatuto do Trabalhador Rural, Vargas, Kubitschek, Goulart, Arraes, Brizola fazem parte de um mesmo sistema e continuum. E juntam-se também Ademar de Barros, Hugo Borghi, Jânio Quadros e outros, como elementos do mesmo universo populista. Todos eles, no entanto, estão relacionados ao pensamento getuliano e particularmente à política de massas, como elementos ligados nuclearmente ou como variantes. Essa é uma das conotações básicas da democracia populista.

Não sei, porém, como se pode falar em "colapso do populismo" quando algumas das personagens citadas estão ainda plenamente atuantes no cenário político Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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brasileiro; outros vieram se firmando no decorrer desses anos, desde o término da "Era Vargas" e, principalmente, se as condições de vida do povo brasileiro vêm se agravando, mais e mais, criando uma maioria de pobres cada vez mais pobres e uma minoria de ricos cada vez mais ricos… E essa situação está a apontar novamente para um "colapso", isto sim, da nossa incipiente "democracia". Com a ameaça de uma possível ascensão de um novo "chefe populista", a minoria poderosa dos "cada vez mais ricos" apelaria para o golpe preventivo, na defesa de seus interesses ameaçados, e o pêndulo voltaria a tender mais uma vez para uma ditadura militar. Getúlio Vargas, porém, continua vivendo no coração do povo desprotegido, empobrecido, que se viu privado de seu "protetor" naquele 24 de agosto de 1954. Trabalhismo – O trabalhismo getuliano apresentava duas vertentes bem definidas: uma era desviar a classe trabalhadora organizada e a massa que pudesse acompanhá-la da pregação da esquerda e, especialmente, dos comunistas; a outra seria arregimentar o operariado em organizações sob a direção do Estado, no sentido de buscar sua colaboração para o processo de intensificação da industrialização, que se tornou outra meta do "Estado Novo". Getúlio Vargas, em As diretrizes da nova política do Brasil (coletânea de discursos e pronunciamentos), pontifica: O Estado não quer, não reconhece luta de classes. As leis trabalhistas são leis de harmonia social (Vargas, 1938, v. 5, p. 311). A disciplina política tem de ser baseada na justiça social, amparando o trabalho e o trabalhador, para que este não se considere um valor negativo, um pária à margem da vida pública, hostil ou indiferente à sociedade em que vive. Só assim se poderá constituir em núcleo nacional coeso, capaz de resistir aos agentes da desordem e aos fermentos de desagregação. [...] Sempre tive em vista, ao resolver o problema das relações do trabalho e do capital, unir, harmonizar e fortalecer todos os elementos dessas duas poderosas forças do progresso social. [...] O trabalho é, assim, o primeiro dever social. Tanto o operário como o industrial, o patrão como o empregado, realmente voltados às suas tarefas, são todos trabalhadores (Vargas, 1940, v. 7, p. 334 e seg.). O Primeiro de Maio deverá ser, então, a data da confraternização de todas as classes, exaltando o esforço coletivo (Vargas, 1950).

Centralização – Um regime autoritário, em que todos os poderes estão concentrados nas mãos do "chefe", obviamente não podia conviver com a Federação, com o poder dos governadores dos Estados, que tinham, por exemplo, a liberdade de contrair diretamente empréstimos no Exterior e alguns dispunham de forças militares superiores às do Exército, sediadas em seus territórios (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). Como assinala Lourdes Sola (1975, p. 267-268): A reforma administrativa, consolidada até fins de 1941, foi, pelos quadros institucionais que criou, pelos seus efeitos econômicos e políticos, a verdadeira condição de possibilidade da hegemonia do Estado introduziu os instrumentos de controle, que permitiram a definida centralização do poder e a integração nacional.

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E a queima das bandeiras dos Estados, em solenidade dramática foi o ato solene que consagrou a "nova ordem" que se estabelecia para a Nação. Nacionalismo – Do excelente estudo dessa autora retiro as seguintes referências a esse aspecto da ideologia do "Estado Novo". Diz ela: Os traços nacionalistas que caracterizavam a Constituição de 37, confirmados através de inúmeros decretos e reforçados pela ideologia dos chefes militares, estendiam-se também às relações internacionais. Por isso, seria falso afirmar uma adesão clara do governo, até 1940, quer à política dos países do Eixo, quer às exigências norte-americanas. Ambos os blocos tentaram conquistar as simpatias e as preferências de Vargas, através de seus principais colaboradores, que, é inegável, tinham preferências ideológicas e mesmo procuravam forçar compromissos políticos, ou com os EUA. ou com a Alemanha (Sola, 1975, p. 273).

Como se sabe, Osvaldo Aranha, embaixador em Washington, ministro do Exterior, era favorável ao engajamento do Brasil na política norte-americana; Francisco Campos, Filinto Müller e também os chefes militares Góis Monteiro e Dutra não escondiam suas preferências pelo estreitamento de nossas relações com a Alemanha. As condições objetivas, porém, levaram o Brasil, por fim, a se engajar definitivamente no chamado "campo democrático", com o rompimento e a declaração de guerra às potências do eixo nazi-fascista e o envio da Força Expedicionária Brasileira aos campos de luta na Itália. A contradição que caracterizava o regime foi então rompida, pois não era mais possível o Brasil manter internamente uma política de Estado autoritário e lutar no exterior contra o nazi-fascismo. O reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética e a concessão da anistia aos presos políticos completaram esse quadro de democratização do País. Getúlio Vargas, sentindo-se prestigiado, alimentou ainda a esperança de continuar à frente do poder nessa nova fase que se abria para o País. Transcrevo de Lourdes Sola: Vargas, alimentando discretamente movimentos populares como o "queremismo", que reivindicava Assembléia Constituinte com Getúlio, e que mobilizava as camadas populares urbanas, propondo leis "nacionalistas", como a lei antitruste, confirmava as desconfianças dos grupos oposicionistas, de que pretendia continuar no poder. A polarização de forças se deu rápida, quando Getúlio antecipou a data das eleições locais e estaduais para a mesma data das presidenciais; a oposição estava ameaçada de perder o controle. A campanha pela imprensa, dirigida em grande parte por esses grupos, era estimulada pelas manobras da Embaixada Americana e, finalmente por um discurso de Berle, exigindo a democratização (Sola, 1975, p. 282).

A situação foi se agravando, até que, afinal, os próprios chefes militares que apoiaram, e de certa forma inspiraram o golpe de 10 de novembro de 1937, especialmente Dutra e Góis Monteiro, depuseram, a 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas, que assim deixava o poder depois de quinze anos. Termino2 esta parte com palavras dessa autora:

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Observa-se que o autor deixou de abordar o item relativo à Industrialização, como indicado atrás, o que leva a supor que Paschoal Lemme provavelmente não revisou este texto. (N. do O.)

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Às características contraditórias do Estado Novo, combinando aspectos progressistas, como o impulso à industrialização, e conservadores como a repressão aos movimentos de esquerda, e a utilização de técnicas de propaganda e coerção, apoiado nos grupos militares, integrou elementos típicos (ao lado de outros, sem dúvida conjunturais) bastante comuns na evolução dos países subdesenvolvidos (Sola, 1975, p. 282).

O "Estado Novo" pode ser assim classificado como um período de "modernização conservadora", como vem sendo denominado esse processo de evolução econômica dos países subdesenvolvidos que, entretanto, deixa à margem do progresso a maioria do povo, num tipo de desenvolvimento que tem sido denominado também de dependente e excludente. ••• E A EDUCAÇÃO? Foram, sem dúvida, os "tempos de Capanema", com muita propriedade assim denominados por Simon Schwartzman, Helena Maria Bousquet Bomeny e Vanda Maria Ribeiro Costa, na obra com esse mesmo título. Apesar de ter sido, de certa forma, um participante desse período da educação brasileira, com a minha entrada na área federal, através do concurso para provimento do cargo de técnico de educação do Ministério da Educação e Saúde, utilizarei, em grande parte, as informações sistematizadas no trabalho antes citado. E já como definição bem precisa daqueles tempos, colhemos do referido trabalho as seguintes indicações: O que ocorria na área da educação e da cultura naqueles anos fazia parte de um processo muito mais amplo de transformação do País, que não obedecia a um projeto predeterminado nem tinha uma ideologia uniforme, mas que tem sido estudado, mais recentemente, como um processo de "modernização conservadora". É um processo que permite a inclusão progressiva de elementos de racionalidade, modernidade e eficiência em um contexto de grande centralização do poder, e leva à substituição de uma elite política mais tradicional por outra mais jovem, de formação cultural e técnica mais atualizada. É natural que os membros dessa nova elite, que vêem seus espaços se alargarem, se identifiquem com as virtudes do novo regime, mesmo que percebendo, e freqüentemente criticando, muitas de suas limitações. Isso explica, sem dúvida, a visão contraditória que muitas vezes temos dos tempos de Capanema tempos de arte moderna, de educação moral e cívica, de criação da Universidade do Brasil, ao fechamento da Universidade do Distrito Federal, do estímulo ao ensino industrial, do predomínio da literatura clássica sobre a científica nas escolas, da organização nacional da juventude, do apoio ao rádio e ao teatro, da censura ideológica e do apoio e abertura de espaço para os intelectuais. Tempos conturbados, tempo real (Schwartzman, Bomeny, Costa, 1984).

Nesta introdução não cabe, evidentemente, uma descrição minuciosa do que foram os onze anos da administração de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde (1934-1945). E muito menos uma apreciação desse período. Os interessados nessas questões dispõem não somente da obra já citada, como excelente roteiro, no qual se inclui significativa bibliografia, como também

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dos arquivos do CPDOC, e da safra abundante de documentos oficiais, leis, decretos, portarias, instruções, etc. O que pretendo aqui destacar é que a educação e o ensino não poderiam deixar de refletir a orientação que o "Estado Novo" pretendia imprimir à sociedade brasileira antiliberal e antidemocrática, isto é, reacionária. E, nesse sentido, creio ser de evidente interesse transcrever o documento que Alceu Amoroso Lima, o mais prestigioso líder católico e assessor constante de Gustavo Capanema, desde sua investidura à frente do Ministério da Educação e Saúde, enviou a este. Dizia o documento: No setor educação: a) seleção do professorado e das administrações em todo o País; b) seleção de um conjunto de princípios fundamentais da educação no País; c) fundação de institutos superiores na base dessa seleção e orientação; d) publicação de uma grande revista nacional de educação na base desses princípios, com boa colaboração etc.; e rigorosa exclusão do ecletismo pedagógico e muito menos do bolchevismo etc.; e) publicação de pequenas ou grandes doutrinas antimarxistas e de documentação antisoviética; f) idem de obras sadias, construtivas, na base dos princípios da educação no Brasil; g) defesa das humanidades clássicas, latim e grego, e sua incorporação ao plano nacional de educação; h) idem de uma filosofia sã; i) convocação de uma Convenção Nacional das Sociedades de Educação para os fins de h, mas com as bases já previamente assentadas; j) atenção muito particular com o espírito ainda dominante em certos meios pedagógicos, particularmente em São Paulo; l) entendimento com os estados para uma uniformidade na orientação educativa; m) elaboração do Plano Nacional de Educação nessas bases; n) escolha dos futuros membros do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista esse objetivo; o) elaboração de programas para os cursos complementares; p) facilidades do ensino religioso em todo o país; q) idem para a fundação da Faculdade Católica de Teologia nas universidades; r) idem para a realização de congressos católicos de educação nos vários estados e em geral para os trabalhos sociais da Ação Católica Brasileira; s) idem para a Universidade Católica do Rio de Janeiro; t) entrega a uma orientação segura e uniforme e à direção dos católicos da Escola de Serviço Social.

Essas instituições que reconduziam a educação brasileira à direção da Igreja Católica Apostólica Romana, representando quase como uma volta a um passado medieval, eram complementadas com indicações precisas sobre a defesa contra as infiltrações socialistas e comunistas entre as quais se recomendava "organizar a educação e entregar os postos de responsabilidade nesse setor importantíssimo a homens de toda confiança moral e capacidade técnica (e não a socialistas como o diretor do Departamento Municipal de Educação)"…, numa referência direta a Anísio Teixeira, que desde outubro de 1931 ocupava esse cargo no antigo Distrito Federal. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Nessa direção geral e sempre com a assistência do líder católico Alceu de Amoroso Lima, foram sendo desenvolvidos os planos e realizações da administração Capanema. E foi assim que a "derrota dos pioneiros" se consumou… E uma das demonstrações mais evidentes e características dessa derrota verificou-se na organização do ensino de 2º grau. Enquanto Anísio Teixeira criava escolas secundárias técnicas, que incluíram no currículo, com igual importância, as atividades manuais e intelectuais, digamos assim, a reforma Capanema, de 1942, previa a existência de vários tipos de ensino de 2º grau – geral, comercial, industrial, agrícola e normal – estabelecendo, porém, um privilégio para a primeira dessas modalidades – o secundário geral – como o único que, uma vez concluído, permitiria o acesso aos cursos de ensino superior. A transcrição do que prescrevia o Manifesto dos pioneiros da educação nova para o ensino secundário nos dará uma idéia exata sobre a extensão da "derrota", de nós, os "pioneiros". A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de preferência intelectual) sobre uma base comum de três anos. A escola secundária deixará de ser assim a velha escola de "um grupo social", destinada a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais (A reconstrução..., 1932, p. 57).

Ainda a propósito dessa questão da "derrota dos pioneiros" e da reforma do ensino secundário dos "tempos de Capanema", quero relatar aqui um curioso episódio de que eu próprio fui protagonista. Como se sabe, a eleição para a Assembléia Nacional Constituinte de 1946 levou às assembléias municipais, estaduais e federais candidatos do Partido Comunista do Brasil, que tinha adquirido a legalidade em 1945. Para dar assessoria aos trabalhos de suas bancadas, o PCB criou o que denominou de Fração Parlamentar. Nos assuntos referentes a educação e ensino, em várias oportunidades, foi-me solicitado colaborar no sentido de opinar sobre questões que eram submetidas à apreciação dos parlamentares desse partido. Jorge Amado foi um dos deputados eleitos para a bancada do Partido Comunista à Câmara dos Deputados e escolhido para fazer parte da Comissão de Educação e Cultura desse órgão do Poder Legislativo. Com o objetivo de corrigir o que considerava uma grave injustiça e discriminação da legislação Capanema referente ao ensino secundário, redigi um projeto de lei permitindo que todos os estudantes, que concluíssem qualquer curso de 2º grau pudessem prestar os exames vestibulares para o ingresso nos cursos de ensino superior, isso porque todas as quatro modalidades desse ensino de 2º grau (geral,

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comercial, industrial, agrícola e normal) tinham a mesma extensão de sete anos, divididas em dois ciclos, de quatro e três anos. O anteprojeto foi entregue a Jorge Amado, que o apresentou à Câmara. E aconteceu que Jorge Amado começou a receber de todo o País manifestações efusivas de aplausos e agradecimentos, o que o surpreendeu, pois ele não tinha ainda avaliado o alcance da medida. Depois, como se sabe, veio a cassação dos mandatos dos parlamentares eleitos pelo Partido Comunista. A "guerra fria" começava, e o governo brasileiro era presidido pelo general Eurico Gaspar Dutra, o "condestável do Estado Novo"… E nunca mais se ouviu falar no projeto Jorge Amado…

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDI, Paulo. Vargas: da vida para a história. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. EHRENBURG, Ilya. Memórias, 1933-1941: a Europa sob o nazismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. 6 v. GANDY, D. Ross. Marx e a História: da sociedade primitiva ao futuro comunista. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. HITLER, Adolf. Minha luta. Porto Alegre: Globo, 1938. IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. KONDER, Leandro. Derrota da dialética. Rio de Janeiro: Campus, 1988. LEVINE, Robert M. O regime de Vargas: os anos críticos 1934-1938. Tradução de Raul Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. A RECONSTRUÇÃO Educacional no Brasil. Ao Povo a ao Governo. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. São Paulo: Ed. Nacional, 1932. SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet, COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo: Ed. da USP; Paz e Terra, 1984. SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 3. ed. São Paulo: Difel, 1975. THYSSEN, Fritz. Eu financiei Hitler. Tradução de Érico Veríssimo. Porto Alegre: Globo, 1942. 335 p. VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil: o Estado Novo, 10 de novembro de 1937 a 25 de julho de 1938. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1938. _______. A nova política do Brasil: no limiar de uma nova era, 20 de outubro de 1939 a 29 de junho de 1940. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1940. v. 7. _______. A política trabalhista no Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1950. 307 p.

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PARTE I

EDUCAÇÃO SUPLETIVA/EDUCAÇÃO DE ADULTOS

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The provision of opportunities whereby adults can learn those things which they are able to learn and which it is for the common good that they should learn is a safe philantropy and a productive investment for the nation. EDWARD L. THORNDIKE The ambition of democracy is to set men free. The ambition of adult education is the same, to set men free… Adult education and the democracy go hand in hand – if we abandon one, perforce we must abandon the other. MORSE A. CARTWRIGHT Temos, afinal, bem fixados, com satisfatória objetividade, minúcia e precisão, os elementos numéricos que traduzem o aspecto básico da educação popular no Brasil e a inserem no grande quadro da educação nacional. São eles auspiciosos? Que prognósticos justificam? Que soluções reclamam? Estas três perguntas são fatídicas para a Nação. M. A. TEIXEIRA DE FREITAS E é de Condorcet, e da realidade latino-americana, esta certeza, experimentada: "Anarquia, ou despotismo, é o quinhão dos povos não educados". Vamos vendo. AFRÂNIO PEIXOTO

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APRESENTAÇÃO1 Os valores sociais, com a hecatombe de 1914, sofrendo as conseqüências das profundas transformações operadas em todos os setores da vida humana, buscam uma sedimentação, na instabilidade e convulsionismo que ainda perdura. Criam-se sistemas políticos para encontrar a fórmula do equilíbrio que reponha a balança no estado ideal que todos anseiam. Neste tentame, a função educacional é primordial na concepção nova com que a vida passou a ser aceita. Dados desconhecidos surgem; o fenômeno das reivindicações operárias, no intenso industrialismo vigente, exalçou o trabalho a um primado que as constituições modernas consagraram. O adulto, o homem sazonado até então ignorado, relegado, é o centro das atenções como fator incontrastável na evolução em marcha da civilização. Nesta psicologia da changing civilization, de John Dewey, cifra-se a orientação da educação de

1 Apresentação feita pela redação do Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que publicou o presente trabalho nos números 51, 52, 53 e 54 (novembro e dezembro de 1938 e janeiro e fevereiro de 1939). Foi publicado também pela revista Formação (números 25, 26 e 27, agosto, setembro e outubro de 1940) e tirado em separado por essa mesma revista, impressa no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1940. Como revela a correspondência de Paschoal Lemme com Fernando de Azevedo, cogitou-se de uma nova edição deste trabalho pela Companhia Editora Nacional que, embora composta, não chegou a ser publicada. Nessa versão o autor mantém, com pequenas alterações, o texto anterior, sob o título Educação de Adultos. Para este volume, levou-se em conta essas modificações, preservando, porém, o título anterior. (N. do O.)

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adultos, assunto que informa a tese apresentada pelo dr. Paschoal Lemme, inspetor de Ensino do Estado do Rio e professor das Escolas Técnicas Secundárias do Distrito Federal, tese que constitui monografia com que se inscreveu ao concurso de Técnicos de Educação do Ministério da Educação e Saúde. Não fora a originalidade do motivo, já por si a despertar a curiosidade dos interessados, há que colocá-la em plano de destaque, sobretudo porque engloba problema que nos cumpre atender com solicitude especial, nós agora que estamos criando uma consciência integral das nossas necessidades mais vitais, a fim de estarmos à altura da corrente que agita o mundo, buscando uma cristalização para o complexo turbilhonante dos fatores que vêm caracterizando a nacionalidade brasileira.

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INTRODUÇÃO COMPREENSÃO E DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA

Educação, no sentido mais lato, compreende todas as formas de modificação do comportamento humano, considerado quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista coletivo. O homem, individualmente, educa-se permanentemente, e, através dos tempos, no desenvolvimento da espécie, veio se educando e continua a se educar ininterruptamente. Os primeiros contatos do recém-nascido com o meio ambiente, as ações e as reações recíprocas, constituem o início do processo educativo individual. As mais longínquas notícias sobre a espécie humana já nos informam sobre comportamento de caráter grupal, primeiras formas de vida social, que foram se modificando, também, com características próprias de tempo e de lugar, até os nossos dias. É nesse sentido amplo que se pode identificar o processo educativo com o próprio progresso da espécie e a educação com o próprio processo de vida; as idéias de vida e de progresso envolvem necessariamente o conceito de educação. Por que assim compreendemos o fenômeno educação, é que se torna necessário explicar o sentido da expressão que usamos para título do presente trabalho– educação de adultos. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Num dado estádio da evolução da humanidade, apareceram instituições que se propunham a agir deliberadamente no processo educativo, dirigindo nesse ou naquele sentido, a conduta humana. Aí, já é possível falar-se de uma educação sistemática para determinados fins. Nesse momento, nasceram as "filosofias" da educação e também as controvérsias sobre os alvos a atingir na vida humana, uma vez que a face do imediatismo da luta pela conservação biológica elementar tinha sido ultrapassada. Essas instituições se especializaram também pelos vários tipos de educação, conforme as idades ou os períodos de vida dos educandos. Mais recentemente, a Psicologia, definindo a existência de determinadas espécies de "interesses", correspondentes às várias idades, precisou melhor a ação educativa sistemática e as características que essas instituições deveriam apresentar para se desincumbirem, com sucesso, da tarefa de educar os indivíduos nas várias fases em que, dessa forma, se dividiu a vida humana. E assim, de uma primitiva iniciação intencional aos deveres do indivíduo adulto para com seu grupo social, nas sociedades primitivas, dividindo a vida do homem em dois períodos, chegou-se à complexa rede de instituições que se propõe a conduzir o indivíduo, nas várias fases do seu desenvolvimento, para as mais diversas formas de condutas e atividades, segundo os critérios de formação adotados. Educação pré-escolar, educação elementar, educação secundária, e finalmente, os cursos chamados de ensino superior proporcionados aos indivíduos que atingiram a maturidade, eis o esquema geral das organizações escolares, universalmente aceito. Esse, o esquema considerado "normal", e que tem procurado adaptar-se, cada vez melhor, ao duplo aspecto dos interesses e necessidades individuais e sociais utilizando, para isso, os subsídios fornecidos pela Psicologia e pela Sociologia e determinando as reformas de educação a que vimos assistindo ultimamente, em todo o mundo. É evidente, porém, que ainda está longe de ser logrado o limite ideal de se obter, para essa organização escolar, uma eficiência tão alta que, atingindo todos os indivíduos, proporcione a cada um a formação exatamente adequada às suas condições pessoais, tendo em vista sua vida futura e as próprias transformações que se estão processando, continuamente, na sociedade. Apesar de todos os esforços realizados, tem que se reconhecer que, no conjunto das influências educativas a que os indivíduos estão submetidos, a parte que cabe às organizações escolares sistemáticas não é preponderante, podendo considerar-se mesmo bem pouco significativa em meios como o nosso, em face das enormes deficiências quantitativas e qualitativas que apresentam. Surgiu então a necessidade da organização de uma rede de instituições que, de certa forma, viesse corrigir as deficiências do aparelhamento de educação considerado normal, sistemático, visando, preferencialmente, aos indivíduos adultos, desenvolvendo uma ação considerada, geralmente, supletiva. Chegamos, assim, à compreensão do problema que nos preocupa. A expressão – educação de adultos – pode apresentar, então, o tríplice conteúdo:

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a) educação sistemática, escolar, para os indivíduos que atingiram a maturidade, no sentido de lhes dar os instrumentos considerados necessários para o desempenho de sua atividade social, no mais amplo sentido; b) educação sistemática complementar que corrige essa ação escolar e fornece os elementos que a escola não pode proporcionar, no sentido de uma melhor adaptação a condições sociais do indivíduo, não consideradas antes e também a novas formas de atividade; c) educação supletiva para os indivíduos que, por qualquer circunstância, não puderam sofrer a ação das instituições consideradas normais e fundamentais e que necessitam adquirir técnicas elementares, continuar seu aprendizado ou se aperfeiçoar em qualquer forma de atividade. Deixando de lado a primeira categoria, que podemos considerar mesmo fora do âmbito do assunto escolhido, pois vem incluída em outro tema, vamos delimitar o problema que escolhemos para assunto do nosso trabalho e que está compreendido nas duas últimas categorias. Não insistiremos nesta introdução sobre a importância que hoje se dá, em todo o mundo, a esses aspectos da questão da educação de adultos. Para termos uma impressão sumária do problema, basta compulsar um dos handbooks da American Association for Adult Education. No ano de 1934, por exemplo, vamos encontrar estas 35 modalidades, tipos e instituições de educação de adultos, a maioria tratada por especialistas: "Agriculture Extension", "Alumni Education", "The Arts in Adult Education", "Community and State Organizations of Adult Education", "Private Correspondence Schools", "Courses in Adult Education", "Private Correspondence Schools", "Courses in Adult Education", "Adult Education and The Foreign Born", "Open Forums", "Libraries and Adult Education", "Lyceums and Chautauquas"; "Men's and Women's Clubs", "Museums and Adult Education", "Music in Adult Education", "Adult Education for Negroes", "Parent Education", "Political Education", "The Education of Adult Prisioners", "Adult Education Under Public School Auspices", "Puppet in Adult Education", "The Radio in Adult Education", "The Place of Recreation in Adult Education", "Programmes of Social Education Conducted by Religious Groups", "Adult Education in Settlements", "Special School and Instituts for Adults", "The Little Theater", "Training by Corporations", "Training Leaders for Adult Groups", "Educational Opportunites for the Unemployed", "University Extension", "Visual Education", "Vocational Education for Adults", "Vocational Guidance of Adults", "Vocational Rehabilitation of Physically Handicapped Adults", "Workers Education", "Schools for Women Workers in Industry". Cada um desses tópicos daria matéria para uma monografia. Sobre muitos já há dezenas de livros publicados em todo o mundo. Como tive a oportunidade e a responsabilidade da organização dos primeiros cursos de continuação e aperfeiçoamento para adultos, no Distrito Federal, foi esse o assunto que escolhemos, pois dentro dele teremos maiores probabilidades de apresentar alguma coisa de original, senão no tipo da instituição, ao menos nas observações que pudemos colher no período de quase três anos em que procuramos proporcionar à população da capital da República, os cursos que já são oferecidos, em grande quantidade, em quase todos os países civilizados.

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"Uma experiência de cursos de continuação, aperfeiçoamento e oportunidade realizada no Distrito Federal", tal o subtítulo que delimita a questão que pretendemos apresentar. A boa compreensão do problema exige, porém, o estudo dele no tempo e no espaço. Daí, as indispensáveis considerações de caráter histórico que faremos antes de chegar ao momento e ao local de nossa experiência.

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CAPÍTULO I

FUNDAMENTOS SOCIAIS E EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS

O fato de encontrarmos na Inglaterra, em 1730, uma das primeiras referências a escolas dominicais freqüentadas tanto por crianças "como por adultos" e, daí em diante, estender-se esse movimento nesse país, na Europa continental e na América do Norte, dá-nos uma indicação suficiente para tentarmos pesquisar os fundamentos sociais da organização de uma educação de adultos, tal como hoje se compreende. Por essa época, processava-se o grande acontecimento que deveria mudar totalmente o panorama do mundo, as relações sociais, a própria concepção dos valores morais até então aceitos. A extensão, a profundidade e a forma do desenrolar desse evento histórico e suas conseqüências determinaram uma completa unanimidade dos historiadores, ainda os mais conservadores, em denominá-lo, englobadamente, de "revolução industrial". Dela surgiu a nova classe social que deveria, depois de lutas cruentas, assumir o poder político e a direção ideológica da sociedade – a burguesia. O marco vitorioso da nova ordem de coisas é, historicamente considerado, a Revolução Francesa, quando o Terceiro Estado, a princípio o povo indistinto, mas realmente a burguesia nascente, se afirmou definitivamente, postergando os privilégios aristocráticos e trazendo para o primeiro plano o homem empreendedor, o homem de negócios, o industrial, o capitalista. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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A igualdade e a liberdade reclamadas estenderam-se também ao campo cultural. Instrução para todos, educação liberal que dignificasse o trabalho, as atividades práticas, antes menosprezadas, e desses elementos para o homem novo compreender e dominar o mundo novo que crescia e se complicava rapidamente, à sua volta, impulsionado pela ciência e pela técnica, tais eram as exigências que a burguesia inscrevia nos seus programas de combate à velha ordem das coisas. Rousseau é a figura máxima dessa época, o grande intérprete dessas aspirações, que vinham em elaboração subterrânea desde o Renascimento e que deveriam se impor fragorosamente em 1789. Dele diz Paul Monroe (1900): A los cuarenta años su falta de método y su miserable existencia le sugirieron una gran idea, una idea que dió pábulo a sus ensueños sentimentales, a sus prejuicios emotivos, a sus creencias raras; una idea que consistía en revolucionar la estructura social de su país adoptivo y modificar profundamente todos los demás; una idea que, aplicada a la educación, habia de crear una nueva era en la história. Esa idea dominante era bien simple y ahora común entre nosotros: que la felicidad humana es un derecho natural de todo individuo y no un privilegio de las clases elevadas; que la organización social y la educación han de servir para cumplir este desiderátum. A esto añadió un argumento capital – la mecha que hizo explotar la bomba: – ciencia, arte, gobierno, tal como entonces estaban constituídos, impedian esta realización y, tanto, eran objetos de destrucción.

A educação deixava de ser assim um meio de perpetuação das instituições, de conformismo social, para assumir o papel de propulsora das transformações que se vinham processando. Modificam-se os currículos pela introdução de novos conhecimentos e pela colocação em plano secundário das matérias literárias que antes o constituíam exclusivamente. Um dos mais típicos propugnadores das necessidades dessas modificações – Thomaz H. Huxley (1825-1895) – assim se expressa: A costa de mil o dos mil libras de nuestro dinero, tan duramente ganado, nosotros consagramos doce años de los más preciosos de nuestra vida a la escuela. Allí trabajaréis asiduamente o supondréis que trabajáis; pero no aprenderéis una sola cosa de todo aquello que más necesitáis saber en el momento que dejáis la escuela e ingresáis en la tarea prática de la vida. Entraréis probablemente en los negocios, pero no sabréis donde ni cómo se producen los artículos de comercio, o la diferencia que hay entre exportación e importación, o el significado de la palabra "capital". Probablemente os estableceréis en una colonia, pero no sabréis si Tasmania es una parte de la Nueva Gales del Sud o viceversa. Muy probablemente llegaréis a ser industriales, pero no poseréis los medios de comprender el trabajo de uns de vuestras proprias máquinas o la naturaleza de los productos en bruto que empleáis; y cuando necesitéis comprar una patente no tendréis ni los más ligeros medios de juzgar si el inventor es un impostor que está falsificando los principios elementares de la conciencia o un hombre que os hará tan ricos como Creso. Llegaréis problabemente a formar parte del Ayuntamiento y tendréis que participar en la formación de las leyes, que podrán ser o una bendición o un anatema para millones de hombres. Pero no oiréis una sola palabra respecto a la organización política de vuestro país; la significación de la lucha entre los libre-cambistas y los proteccionistas os será totalmente desconocida, ni sabréis que existen cosas tales como las leys economicas.

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Um inventário das inúmeras coisas que era necessário aprender agora para vencer na concorrência econômica e social, a pedra de toque, o padrão de aferição para o valor do homem da era da máquina que despontava. É na necessidade de preparar rapidamente os indivíduos para atuarem com eficiência nessas novas condições de vida social, que se complicava progressivamente, que vamos encontrar a origem dos cursos e instituições especialmente destinadas à educação de indivíduos adultos. Instalada no poder, a burguesia transformou, de acordo com os seus interesses, a organização escolar, e aos poucos, de novo, a educação volta a assumir o papel de força conservadora dos períodos sociais estáveis, de formadora de homens que devem manter as instituições vigentes. As classes dirigentes dispõem agora dos cursos regulares em que fazem sua formação sistemática, de acordo com suas necessidades. A educação de adultos ganha então uma significação totalmente diversa. Com a burguesia nascera o proletariado, contingência da própria organização da economia capitalista. A bandeira do Terceiro Estado – liberdade, igualdade e fraternidade – era em breve rasgada pelas primeiras dissensões entre aquelas duas forças, antes reunidas na mesma denominação de povo no combate aos privilégios aristocráticos. Os conflitos se agravam cada vez mais e com eles se vai aprofundando a consciência da oposição de interesses. Nessa fase, vamos encontrar a educação de adultos com um duplo aspecto: de um lado, satisfazendo às necessidades das classes dirigentes e por elas estimulada; de outro, incluída entre as reivindicações das classes populares, cada vez mais ávidas de aperfeiçoarem suas condições culturais e técnicas. Ambos os aspectos têm fundamentos na impossibilidade de essas classes populares galgarem níveis altos de cultura, dentro das organizações escolares sistemáticas, em vista de suas próprias condições de trabalho e de recursos econômicos. No primeiro caso, é preciso fazer com que os trabalhadores fiquem aptos a acompanhar as modificações e os aperfeiçoamentos constantes das técnicas do trabalho industrial, agrícola ou comercial, no sentido de produzirem mais e melhor. É preciso obter do povo um certo adestramento no uso das instituições sociais que se vão complicando gradativamente, pois é inevitável sua participação na constituição dos governos democráticos. É preciso dar noções sobre a defesa da saúde, cada vez mais ameaçada pela intensidade e complexidade da vida social. É útil descobrir as tendências e vocações para se conseguir um melhor rendimento possível das capacidades individuais. Como tal ação educativa não pode ser exercida pela escola elementar, mesmo nos países onde ela ganhou maior extensão, impôs-se a organização de uma educação extra-escolar que atingisse os indivíduos adultos, onde estivessem atuando, quer como cidadãos, quer como profissionais. São os cursos de alfabetização, de extensão cultural, de aperfeiçoamento, ministrados fora das horas normais de trabalho e mantidos na maioria dos casos pelas próprias empresas interessadas. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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De outro lado, à proporção que o proletariado se organiza e se agremia nos sindicatos e nas associações de classe e vai se processando sua "ascensão"2 dentro da sociedade, seus líderes, dentro ou fora dos parlamentos, ao lado das reivindicações de ordem econômica, pugnam também pela melhoria de suas condições culturais e técnicas, ora influindo na elaboração da legislação do ensino, ora fundando instituições de caráter cultural e de aperfeiçoamento profissional, que funcionam como parte de suas atividades sindicais. As universidades populares francesas são típicas nesse sentido, como produtos dessa luta das classes trabalhadoras pela conquista da cultura. É, aliás, explicável que justamente na França surgisse tão nitidamente tal instrumento, dadas as condições especiais da evolução política desse país que inclui em sua história os momentos decisivos da evolução da humanidade nos tempos modernos: Mais l'université populaire est autre chose. C'est seulement en 1896 qu'elle commence a apparaître avec sa physionomie propre. A cette date, est formé, à Montreuil, par un ébéniste, M. Méreaux, un groupe d'ouvriers qui se réunissent chez lui, le soir, pour lire et s'instruire en commun. Vers le même temps, d'autres ouvriers, au faubourg Saint Antoine, tiennent tantôt chez un marchand de vins, tantôt chez un autre, des séances où ils causent philosophie, sociologie, art et "mettent en commun leur maigre savoir et leurs pauvres bibliothèques". [...] Malgré beaucoup de trasseries, ils réussissent à faire paraître une feuille volante, la Coopération des idées, rédigée surtout par M. Deherme, laquelle ne tarde pas à devenir une petite revue mensuelle et éveille l'atention sympatique de quelques philosophes et savants. Par lá un rapprochement est insensiblement ménagé entre l'élément intellectuel et l'élément ouvrier. On se concerte, on se sonde les reins, et bientôt on décide que le moment d'agir est venu (Buisson, 1911, p. 2.022).

Até aqui procuramos esquematizar as origens e a evolução da educação de adultos no período de relativa estabilidade social correspondente à plena expansão do liberalismo. Para completar o quadro, devemos acrescentar que, à ação individual de certos espíritos imbuídos de um sentimento filantrópico, sem dependência imediata de qualquer das duas forças referidas, devem-se, em todo o mundo, iniciativas interessantes no campo da educação popular onde se incluem, quase sempre, aspectos da educação de adultos. Entre nós, mesmo onde a educação de adultos está inteiramente por organizar, como mostraremos depois, pode-se citar uma interessante instituição dessa natureza: o Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1856, por Bethencourt da Silva. Também no espírito do proselitismo religioso tem se originado a organização de instituições para o mesmo fim, dirigidas e mantidas pelas igrejas de vários credos.

2 A ascensão do proletariado é o segundo fenômeno capital da preparação à "Idade Nova". Formado pela burguesia, nascido e crescido à sua sombra, o proletariado é filho e vítima de todos os erros da classe que o gerou. Pela instrução generalizada, que baixou o nível intelectual da burguesia, mas elevou o do proletariado; pelo pauperismo oriundo das injustiças sociais e provocador das revoltas criadoras; pelo índice numérico, em virtude da prolificidade clássica das classes mais simples e menos egoístas; pela tendência natural à capilaridade de todas as sociedades humanas; pelos erros e pecados tremendos das classes superiores e responsáveis pelo governo das nações; pela intervenção da Guerra, da Revolução, da Crise e da Reação, de todos os fenômenos acidentais que já estudamos, assiste o mundo moderno a esse fenômeno essencial para a "Idade Nova" – a ascensão de uma nova camada social (Lima, 1935a, p. 24).

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Procurando pesquisar os fundamentos da educação de adultos durante esse período que vai desde o aparecimento das primeiras instituições, no princípio do século 18, até o primeiro decênio do século 20, estamos sentindo a pouca consistência do movimento, a falta de sistematização que o mesmo apresenta. A imprecisão e a fragilidade são realmente as características dessa primeira fase da educação de adultos. Todas as atenções estavam voltadas, no campo da educação, para as organizações sistemáticas: a escola elementar, a secundária, o ensino superior. As reformas reclamadas não saíam geralmente desses quadros da instrução considerada regular. Educação popular era sinônimo de escola elementar para todos. Os sistemas de educação pública que se iam constituindo não davam ênfase especial a essa forma de educação extra-escolar. Os cursos noturnos de alfabetização refletem, em sua ineficiência e reduzida extensão, a pouca atenção que lhes é dispensada. O ensino de continuação e aperfeiçoamento para operários é organizado, em geral, pelos próprios estabelecimentos industriais, no exclusivo interesse do maior rendimento do trabalho. Na França, por exemplo, onde já em 1887 aparece legislação sobre cursos para adultos, eles se arrastaram em grandes vicissitudes, ao sabor da maior ou menor boa vontade das autoridades de ensino. Salvo na Dinamarca, onde se assinala um interessantíssimo movimento de escolas populares para adultos, que se reveste de características peculiares, relacionado com a própria formação da nacionalidade e inspirado pela ação verdadeiramente profética de Grundtvig, não se percebe, compulsando a história das instituições de educação, vigor notável, preocupação absorvente com o problema, a não ser em casos isolados. Foi preciso que a humanidade sofresse o grande abalo da catástrofe de 1914, em que se destruíram as mais sólidas convicções sobre a própria organização social, mergulhando o mundo na tremenda crise de que ainda não se refez, para que o movimento pela educação popular ganhasse organicidade, consistência, projetando-se até ao plano internacional. Como observa F. Bloch-Lainé (1936, p. 29): C'est en éffet de la cooperation internationale qui s'est établie depuis la guerra entre les principaux États du monde moderne que sont nés les prémiers efforts concertés en faveur du développement intellectuel des classes nombreuses. Il n'y avait eu dans ce sens jusqu'en 1914 que quelques tentatives dispersées. La question avait été raremente débattue; aucune idée d'ensemble ne la dominait.

Os profundos desajustamentos, que atingiram todas as classes sociais após a guerra, produziram um movimento generalizado em direção à escola, à educação. Pedem-se, de todos os lados, à educação e à escola, os remédios para os efeitos desastrosos desse acontecimento doloroso, que para muitos encerrou definitivamente uma época. Em todo o mundo, para atender a esse chamamento angustioso, abre-se o ciclo das grandes reformas escolares. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Novas vozes, até então pouco ouvidas, passam a opinar nos grandes problemas que preocupam a humanidade: filósofos de educação, educadores, técnicos de educação, administradores de ensino. A Europa faz da escola um dos baluartes de sua reconstrução, e os países mais profundamente convulsionados são justamente os que mais radicalmente reformam seus sistemas educacionais e a própria filosofia da educação. A América do Norte,3 cujo maior filósofo era também um filósofo de educação, sente necessidade de reafirmar e esclarecer princípios e de adaptar seu formidável aparelhamento escolar às novas condições de uma "civilização em mudança". É nesse ambiente de inquietações e de esperanças que a educação de adultos sai de sua primitiva incipiência e passa a constituir uma preocupação marcada de educadores e homens públicos. Em 1918, funda-se em Londres a World Association for Adult Education, tendo por finalidade incentivar a educação de adultos em todo o mundo e coordenar os movimentos nacionais, colaborando ainda em todas as atividades correlatas. Ela deseja também dissipar a convicção melancólica de que os homens e as mulheres nada têm que aprender, e difundir em todos os países e em todas as camadas sociais o sentimento de admiração e curiosidade e o dom da simpatia e camaradagem mútuas que tanto aumentam a significação da vida. Sua sede em Londres compreende um bureau de informações e os serviços de publicação de um boletim e de anuários. Mantém um representante junto à Sociedade das Nações e ao Bureau Internacional do Trabalho. Em 1929, em Cambridge, realizou um dos seus congressos periódicos e em conseqüência do qual foi publicado um handbook considerado como "le plus precieux document dont on dispose pour étudier l'ensemble du mouvement de l'éducation des adultes" (Bloch-Lainé, 1936). Outras organizações de caráter internacional, de tendências as mais diversas, trabalham no mesmo sentido da readaptação cultural, vocacional e profissional de milhares de indivíduos, atingidos pelos efeitos da crise de após-guerra. A Federação Sindical Internacional cria, em 1923, uma "Seção de Educação Operária" que, em 1924, organizou sua primeira conferência, em Oxford. Apesar das grandes divergências surgidas, um voto unânime pôde ser assim expresso: L'humanité ne peut être liberée que par la solidarité internationale et que l'éducation ouvrière, plus que tout autre moyen, en contribuant à faire comprendre l'unité de l'humanité sans distinction de race, de croyance ou de pays, permettra que soient posées les bases d'un internationalisme durable (Bloch-Lainé, 1936).

A Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos, no seu congresso de 1922, em Insbrück, conclui que [...] la condition indispensable de l'ascension sociale de la classe ouvrière est l'étude approfondie des problèmes sociaux, économiques et politiques, la conscience de la dignité du travail, la

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Os Estados Unidos, especificamente, onde o pensador John Dewey difundiu seu ideário pragmático em educação. (N. do O.)

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notion du devoir et le sentiment de la responsabilité envers la societé, l'État et la familie (BlochLainé, 1936).

Ainda de inspiração e orientação católicas, assinala-se um movimento interessante – a Jeunesse Ouvrière Chrétienne – que, nascido na Bélgica, estendeu-se à França e em breve à Holanda, Polônia, Espanha, Portugal e Canadá. La Jeunesse Ouvrière Chrétienne (JOC) est une institution permanente qui groupe tous les jeunes travailleurs sortis de l'école et leur donne entre 14 et 25 ans une formation integrale, c'est-à-dire tout à la fois religieuse, morale, sociale, générale et physique.

Também as igrejas protestantes "apesar da diversidade de seitas" mantêm uma organização internacional a Young Men's Christian Association, empenhada na obra de educação popular, e que, "à l'exemple des missions catholiques, s'adresse à toutes les races et agit sous tous les latitudes". Por fim, deve ser citada, ainda com caráter de ação internacional, a Organisation Internationale de Coopération Intellectuelle, que funciona junto à Liga das Nações, e que inclui entre suas atividades o estudo da instrução pósescolar e da educação de adultos. Em 1933, iniciou mesmo um inquérito comparativo sobre os métodos de educação de adultos. Esse inquérito compreende, de um lado, estudos efetuados por especialistas de primeiro plano, e de outro, a documentação sobre as organizações de educação de adultos num pequeno número de países onde foi considerada pela OICI como melhor instituída (Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e URSS). Essas referências sumárias às primeiras organizações internacionais que se vêm preocupando com o problema da cultura popular, e da educação de adultos mais restritamente, são suficientes para demonstrar a importância extraordinária que a questão assumiu no quadro das soluções ansiosamente procuradas pela humanidade inteira para os males profundos que a perturbam nessa época de "plena ebulição de um novo mundo" de onde decorre "toda a angústia, toda a instabilidade, toda a insegurança, toda a agitação em que nos movemos, sem rumo certo e sem construções estáveis" (Lima, 1935a, p. 17). Descendo ao exame das organizações e dos movimentos nacionais pela educação de adultos, o mesmo interesse se verifica pelo problema, se bem que com intenções e finalidades diversas, segundo os regimes políticos vigentes nos respectivos países. Aqueles que foram dominados por formas de governo antidemocráticas monopolizam a educação e estabelecem uma "cultura oficial" que é imposta por todos os meios: L'organization culturelle devient une affaire démagogique. Si la police est nécessaire pour maintenir l'ordre et la sécurité d'un regime politique établi, le nouveau regime a besoin d'une "Kulturpolizei", d'une police de culture… Cette police impose un ordre à la culture, parce qu'un parti populaire a la prétention de mettre toute la culture à son service; aussi la culture est elle encadrée dans "Beamtenschaft" dans l'État fonctionnariste (Bigot, 1937, p. 14-15).

Num tal ambiente, a educação de adultos, como aliás toda a educação, torna-se uma "modelação mecânica" dos indivíduos a fórmulas de pensar e de agir Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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preestabelecidas. Nenhuma oportunidade para a manifestação livre de tendências pessoais, repressão rigorosa de tudo quanto discrepe dos critérios oficiais adotados. Totalmente diversa é a compreensão do problema nos países vivendo sob regime democrático. Não havendo nenhuma ideologia oficial niveladora das personalidades por imposição, no campo da educação e da cultura, uma grande margem é concedida ao livre jogo das capacidades e preferências individuais e coletivas. A iniciativa particular, agindo livremente, agrupa e desenvolve essas diversas tendências. O Estado inscreve entre os seus deveres primordiais o estímulo e a criação de oportunidades para o desenvolvimento de todas as atividades consideradas úteis à sociedade. E, nessas condições, a educação de adultos ganha, no conjunto das instituições que promovem a educação do povo, uma significação de grande relevância, cujos aspectos nos interessam especialmente considerar. Dentre os países que se enquadram no segundo grupo é, sem dúvida, os Estados Unidos da América do Norte aquele que nos pode proporcionar as observações e as sugestões mais fecundas para o fim que temos em vista. É ali que vamos encontrar, ao lado da mais extensa e mais rica organização de educação sistemática, uma rede imensa de instituições assistemáticas que promovem a educação dos indivíduos que já atingiram a maturidade. Essa verificação inicial abre, desde logo, perspectivas inteiramente novas para o problema: a educação de adultos não é mais considerada mero ensino supletivo, colocado em plano secundário entre as cogitações dos administradores de ensino e mantido pelas sobras das verbas orçamentárias. É alguma coisa pelo menos tão importante e decisiva para o futuro da nacionalidade e mesmo do mundo, quanto as organizações escolares consideradas até então como normais. Pelo menos, dizemos, pois há quem vá bem mais longe, afirmando como Joseph K. Hart (1927): Hence we may as well admit that it is not the education of children that can save the world from destruction; it is the education of adults; it is the adult who must be released from his provincial mindedness, his animistic prejudices, his narrow customs, his obsolete habits; it is the adult who must be given the chance to become free in a world of science, tolerance, human sympathy, and intelligent organization.

Ou ainda como Alvin Johnson (1936): "In short, the future of our civilization turns on the kind of adult education, formal or spontaneous we enjoy". Este novo sentido dado à educação de adultos veio ganhando rapidamente grande conceito na opinião pública americana, principalmente a partir do advento doloroso da economic depression, conseqüente ao crack de 1929 que pôs em xeque toda aquela aparente indestrutibilidade e segurança de ação do aparelho educacional na formação do povo para uma verdadeira democracia. Passada a fase de perplexibilidade, ocasionada pelo inopinado e pela brutalidade do golpe, que apanhou desprevenida a grande maioria dos educadores, apesar de estarem grandemente trabalhados pela idéia da "educação para uma civilização em mudança", na reação sobrevinda, surgiu imperiosa a necessidade de uma ação educativa mais eficiente e coordenada que atingisse diretamente os indivíduos adultos.

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E assim o movimento se desenvolve e se afirma rapidamente. Antes do mês de junho de 1924, a expressão adult education não era usada na América do Norte, afirma Cartwright. Foi nesse ano que a Carnegie Corporation of New York promoveu a primeira conferência sobre educação de adultos. Em 1926, por ocasião de uma segunda conferência nacional convocada pelo Executive Committee of the Corporation's Advisory Committee, realizada em Chicago, funda-se a American Association for Adult Education que daí em diante passa a liderar e coordenar todo o movimento. Suas finalidades ficaram assim definidas no artigo II dos estatutos então aprovados: Its object shall be to promote the development and improvement of adult education in the United States and to cooperate with similar associations in other countries. It shall undertake to provide for the gathering and dissemination of information concerning adult and education aims and methods of work; to keep its members informed concerning the achievements and problems of adult education in other countries; to conduct a continuous of work being done in this field and to publish from time to time the results of such study; to respond to public interest in adult education and particularly to cooperate with community group activities in this field, in the formation of study groups whether within or without regular educational institutions; and in other ways to cooperate with organizations and individuals engaged in educational work of this nature in the task of securing books and instructors; and to serve such other ways as may be deemed advisable.

Em 1934, a Associação edita seu primeiro handbook onde já vêm registradas 35 modalidades de instituições que agem no campo da educação de adultos. Uma farta documentação bibliográfica e informativa acompanha a referência a cada uma. Ao mesmo tempo, grande número de trabalhos pertinentes ao assunto, tratados por especialistas, são publicados, destacando-se entre eles a coleção intitulada Studies in adult education, que aparece sob os auspícios da American Association for Adult Education. Em 1936, essa associação comemorou os 10 anos de existência, realizando um congresso com o seguinte plano de trabalho: a) Agências de educação: – Educação dada nas escolas públicas e educação de emergência; – Colleges e universidades; – Bibliotecas; – Museus; – Prisões; – Exército; – Igrejas; – Organizações religiosas; – Organizações de mulheres; – Colônias; – Agências informativas (promover a troca de idéias entre os vários grupos da comunidade); – Agências de serviço. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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b) Tipos de educação de adulto: – Educação rural; – Educação para estrangeiros; – Educação para trabalhadores; – Educação dos pais; – Educação para os negros; – Educação vocacional; – Ajustamento; – Reajustamento; – Educação pela recreação. c) Assuntos de estudo: – Ciências; – Música; – Arte dramática. d) Instrumentos de instrução: – Livros; – Cinema; – Rádio. e) Métodos e formas de instrução: – Fórum (praça pública); – Demonstrações; – Grupos de discussão. f) Professores e alunos: – Ensino para professores; – O espírito do ensino para adultos; – Estudo sobre alunos. g) O movimento americano: – Retrospecto; – Educação do adulto para a democracia. Do desenvolvimento desse riquíssimo programa resultaram conclusões valiosas que se encontram consignadas na publicação oficial da Associação. Quanto ao futuro da educação de adultos nas escolas primárias, eis uma das conclusões: [...] educação pública de adultos é um programa educacional dirigido ao povo que já está no limite de idade para os outros programas oferecidos pelas escolas públicas. Há três campos máximos: 1) educação dos direitos do cidadão; 2) orientação vocacional e treino; 3) educação cultural, vocacional e de oportunidades recreativas.

No decênio 1924-1934, segundo a estimativa de Cartwright, o número de pessoas, interessadas nas 30 espécies de instituições classificadas por ele

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como de educação de adultos, subiu de 14.881.500 para 22 milhões e 311 mil, o que representa uma despesa aproximada de 2 bilhões de dólares, fazendo "a highly conservative estimate of expenditure of the dollars per person per year", conforme observa o referido diretor da American Association for Adult Education. O confronto daquela cifra de 22 milhões e.311 mil com os 36 milhões de crianças que constituíam o total da população escolar, na mesma época, dá a medida da importância que o problema da educação de adultos representa hoje para a grande nação americana e corrobora de certa forma as considerações que vimos expendendo na tentativa de pesquisar os fundamentos sociais e surpreender os móveis da evolução do fenômeno. Essa tarefa não é nada fácil, pois, como observa Charles Beard, [...] the writing of history is difficult, especially in the case of a movement so young and miscellaneous as that of adult education. The materials are not yet collected, and calendared. And most of us who have been associated with the movement are too close to it in time to have that detachment and insight called perspective.

Não obstante, parece-nos ficou suficientemente demonstrado: 1. Que a educação de adultos, tal como a definimos, tem profundas raízes nas condições sociais verificadas no mundo com o advento da Revolução Industrial e suas conseqüências. 2. Sua importância cresceu porém, extraordinariamente, a partir da Grande Guerra, porque foi sendo considerada como um dos meios capazes de corrigir ou atenuar os efeitos desastrosos produzidos por esse acontecimento, sobre a humanidade. 3. Veio, assim, ganhando rapidamente uma grande unidade de ponto de vista da compreensão geral do problema, apesar da extraordinária diversidade dos meios de ação de que se utiliza, e se colocando quase no mesmo pé de igualdade com as organizações incumbidas da educação sistemática.

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CAPÍTULO II

FUNDAMENTOS PSICOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS

A confirmação do que deixamos assentado anteriormente, de que o problema da educação de adultos só recentemente assumiu uma forma orgânica e uma orientação segura, pode-se ter também através do estudo da evolução da Psicologia da Aprendizagem. A princípio, quando a Psicologia não saíra ainda dos domínios da Filosofia e só por filósofos era tratada, todas as indagações referentes ao psiquismo humano ficavam dentro dos quadros do "adulto, branco e civilizado". Correlativamente, nesse período em que se inclui também a fase da psicofisiologia, no tocante aos fins visados pela educação, a criança era considerada como "um adulto em miniatura", e o melhor método educativo era o que conseguia moldá-la com maior sucesso e rapidez às formas de pensar e de agir do adulto. Realizada a "revolução copernicana" de que fala Dewey,1 considerada, agora, a criança como centro do processo educativo ou melhor, verificada a existência de "interesses" relativos a cada fase da vida humana que

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Em 1889, em School and society, escrevia Dewey: "A transformação que ora se opera no nosso sistema educativo não é outra coisa senão o desvio do centro de gravidade. É uma mudança, uma revolução, com algo de semelhança à transformação introduzida por Copérnico, com a transferência do centro astronômico da Terra para o Sol. Neste caso da educação, a criança é o sol ao redor do qual giram os aparelhamentos da educação, o centro em relação ao qual eles se organizam".

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era preciso respeitar para que a ação educativa se desenvolvesse nas melhores condições possíveis, as indagações referentes à aprendizagem se dirigiram, quase todas, para a "idade escolar", cujo estudo passou a constituir a preocupação primordial da Psicologia Educacional. E essa "idade escolar" referia-se quase exclusivamente à escolaridade elementar. Por isso mesmo, o próprio estudo das características da aprendizagem do adolescente não apresenta ainda desenvolvimento acentuado. Quanto à aprendizagem dos indivíduos adultos ficou sendo um campo quase desconhecido ou, mais justamente, um campo que se julgava conhecer perfeitamente, pois se fazia uma tácita extrapolação das conquistas que iam sendo obtidas nesse terreno relativamente à idade infantil. Esse fato era conseqüência do conceito ainda hoje muito generalizado de que a idade própria para aprender é a infância, daí decorrendo logicamente o outro, de que a aprendizagem do adulto é excepcional e não leva, geralmente, nenhuma garantia de êxito. Deve-se, sem dúvida, a Thorndike a mudança completa que se operou nesse sentido, em conseqüência de seus notáveis trabalhos sobre a aprendizagem dos indivíduos adultos, especialmente de 25 a 45 anos, com os quais enriqueceu extraordinariamente o acervo inestimável de contribuições trazidas à Psicologia Educacional. O meticuloso trabalho de pesquisa que vem relatado na obra intitulada Adult learning, marca, nesse sentido, uma etapa decisiva. Antes era o desconhecimento completo, a incerteza, a ação empírica, o tateamento, o que, se em alguns casos resultava em sucesso, grandes sucessos mesmo, "they have not produced a general theory or technique". E é o próprio mestre da Columbia University que, sem negar o valor dessas experiências pessoais, acrescenta: […] But even if all the experiences of all the teachers of adults were fully and accurately reported, they would probably still not provide a general theory and technique. These experiences are too complicated and confused by a multiplicity of varying factors. Old learners, for exemple, may be the specially ambitious old who make sacrifices to learn more, or the dull old who did not learn when they were young because they were dull, or the foreign old.

Grandes mestres endossavam mesmo, com sua autoridade, essas suposições sobre o comportamento do adulto frente ao problema da aprendizagem tais como W. James, quando escreve: Out side of their own business, the ideas gained by men before they are twenty-five are practically the only ideas they shall have in their lives. They 'can not' get anything new. Desinterested curiosity is past, the mental grooves and channels set, the power of assimilation gone. Whatever individual exceptions might be cited to these are of the sort that "prove the rule" (apud Thorndike).

Coube ao verdadeiro fundador da Psicologia Educacional, e maior dos discípulos do próprio James, demonstrar os erros grosseiros que se cometiam com esse julgamento tão sumário sobre a capacidade de aprender dos indivíduos adultos,

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abrindo assim perspectivas inteiramente novas para o encaminhamento mais seguro do problema. É ele mesmo quem, com a simplicidade característica dos verdadeiros homens da ciência, assinala o fato de que, antes de suas pesquisas e de seus colaboradores, nada de sistemático, nada que apresentasse a garantia das conclusões obtidas por um tratamento experimental dos fatos, tinha sido conquistado nesse terreno: There has never been an extensive and systematic inquiry seeking to discover whether and what extent infancy, childhood, and adolescence do have by nature and advantage over the years from twenty to forty in respect of ability to learn. We have made such an inquiry so far as time and means were avaliable and present the results in the next ten chapters.

A influência que essas pesquisas exerceram sobre o movimento da educação de adultos foi enorme, como se poderia prever. Tal como no campo da Psicologia da Aprendizagem, elas marcaram verdadeiramente uma nova fase na evolução desse movimento, a partir de 1928, quando apareceu a primeira edição do Adult learning. Poder-se-ia dizer talvez, com mais justeza, que foi exatamente a ânsia generalizada de dar ao problema da educação de adultos soluções mais seguras, no período de pós-guerra, pelas razões que assinalamos anteriormente, que concorreu de modo decisivo para a consecução do trabalho de Thorndike, pois ela motivou a deliberação da Carnegie Corporation em combinação com a American Association for Adult Education, de entregar ao diretor do Institute for Educational Research, do Teachers College da Universidade de Columbia, a tarefa de realizar tais estudos. Mas os resultados obtidos tiveram tal significação, como dizíamos, para o desenvolvimento da questão, que levou Cartwright, um dos líderes do movimento, a se pronunciar desta forma: Without doubt the most potent factor in the spread of the adult education in the last decade was that contributed by Professor E. L. Thorndike of Teachers College, Columbia University.

De todas essas considerações pode-se desde logo concluir que não é possível tratar dos fundamentos psicológicos da educação de adultos, sem uma larga referência à obra de Thorndike e seus colaboradores, ou melhor, só se pode falar, propriamente, da existência desses fundamentos, pela consideração, em primeiro plano, desse trabalho, pois nenhuma outra contribuição de vulto apareceu até agora que viesse modificar ou ampliar, significativamente, suas conclusões. Essa parte do nosso trabalho não pode, pois, ir além de um comentário, infelizmente muito sumário, dos resultados das investigações a que nos vimos referindo, os quais tivemos a oportunidade de ver confirmados, no decorrer da experiência adiante relatada. Deixaremos de lado os capítulos da obra em que o autor, sucessivamente, analisa os "Facts of adult learning reported in the general literature of psychology and education"; realiza "Comparison of adult and youthful learning"; estuda "Learning by adults of superior intellect"; "Learning by adults of inferior intelect"; "The learning of high school subjects by adults in public evening high schools"; Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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"Learning by adults in secretarial schools"; faz "Corroborative experiments" utilizando alunos graduados da Escola de Professores da Universidade de Columbia; estuda "Age differences in sheer modifiality", chegando a conclusões interessantíssimas, tais como a de que: […] the general tendency from all our experiments is for an inferiority of about 15 percent as a result of 20 years from twenty-two on. Learning representing an approximation to sheer modifiability unaided by past learning shows considerably more inferiority than this. Actual learning of such things as adults commonly have to learn shows considerably less;

dá-nos as conclusões da análise das respostas a um questionário a que submete 39 indivíduos de 40 e mais anos, 43 de 30 a 39 anos e 17 de 20 a 29 anos e que […] parecem mostrar que os adultos aprendem muito menos do que eles podem aprender, em parte porque subestimam sua capacidade de aprender e em parte porque lhes desagrada chamar sobre si a atenção dos comentários;

debate minuciosamente a curva aproximada, representativa da habilidade de aprender em relação à idade dos cinco aos 45 anos, que obteve como resultado das conclusões anteriores; e finalmente relata fatos "concerning qualitative differences between the learning of children and young adolescent, and between the learning of adults 25 to 45 and that of adults 20 to 25". Comentaremos apenas, ligeiramente, as "aplicações práticas" que decorrem dessas riquíssimas investigações e cujos preceitos mais expressivos servem de bandeira, de estímulo constante, na campanha pela educação de adultos na América do Norte. Frases como estas são utilizadas a cada momento como epígrafes e aparecem freqüentemente em publicações de propaganda do movimento: In general, nobody under forty-five should restrain himself from trying to learn anything because of a belief or fear that he is too old to be able lo learn it. Nor should he use that fear as an excuse for not learning anything which he ought to learn. If he fails in learning it, inability due directly to age will very rare, if ever.

Ou ainda: In general, teachers of adults of age 25 to 45 should expect them to learn at nearly the same rate and in nearly the same manner as they would have learned the some thing at fifteen to twenty.

As sugestões e as recomendações dirigidas especialmente aos que estão encarregados da organização de serviços de educação de adultos são inestimáveis: Those in charge of enterprises for adult education ought to be provided with means for administering a system of admission and classification that will be even more searching and decisive than is customary in schools for the young.

E em seguida:

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In particular, the argument that the adult student who takes a course voluntary will be much more interested in study than the young student who takes it more or less parental compulsion, so that the stimulation of interest requires far less care and skill in adult classes, in likely to be given too much weight. The adult, too, is often interested not in the day by studying itself but in something ulterior - in the promotion, or social advantages, or selfesteem which he gains.

Não se esquece de considerar a educação de adultos em relação ao fato de que, na maioria dos casos, ela se exerce sobre indivíduos já cansados do trabalho diário a que estão obrigados, ocasionando isso um obvious handicap que é preciso levar em conta. Observa que os fatos constatados sobre a aprendizagem dos adultos devem encorajar a indústria, em face das mudanças da maquinária, dos métodos de trabalho e favorecer a redução de prejuízos pela educação dos trabalhadores. Aborda o problema da reeducação dos operários em vista dessas contínuas modificações introduzidas na aparelhagem e na técnica do trabalho industrial, dizendo a propósito do aproveitamento dos trabalhadores desajustados em conseqüência dessas transformações: "public or private provision for his education for some suitable work seems highly desirable, and likely to cost less and succeed better than has been supposed". E, por fim, reafirma que: "on the whole, the facts of adult learning are a strong support to those who have given time and thought and money to adult education". Mas, suas conclusões não se detêm no simples campo dos preceitos de ordem aplicada. Suas indagações sugerem questões muito mais complexas e gerais que vão incidir diretamente em problemas até então considerados como definitivamente resolvidos, tais os que se referem à distribuição do tempo de escolaridade pelas várias idades dos indivíduos. "What are the advantages of concentrating schooling in childhood and youth as is now so universally done?" E com essa pergunta abre um campo imenso para pesquisas de alcance incalculável e que poderão resultar numa profunda modificação da própria estrutura da organização escolar tradicional. Analisa, detidamente, as razões até agora consideradas válidas que determinam a acumulação do tempo de aprendizagem escolar sistemática no período que vai dos 5 aos 15 anos, contestando, nesse sentido, afirmações de Freeman e de Edwards. Discute longamente os fatores que pesam pró e contra a acumulação da escolaridade nesse período, apresentando os interessantes gráficos que mostram as várias formas pelas quais 10 mil horas de escolaridade total podem ser distribuídas durante a vida humana. Lança aquela afirmativa que veio a se tornar célebre, e que é um verdadeiro lema para o movimento da educação de adultos: If there were nothing in favor of early schooling save the greater mental plasticity of youth, in the sense of youth's greater ability to learn, we might better replace "Childhood is the

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time for learning" by "The time for learning anything is the time when you need it". For there are great advantages which accrue when learning satisfies some real need, benefits some cherished purpose, and is made use of at once and so is kept alive and healthy for further use.

E conclui por esta forma: The present quantitative distribution of schooling in our best communities is almost entirely a matter of public indiscriminate compulsion for certain early years and of entirely private volition thereafter. This seems improbable. Public welfare depends as truly on who goes to school after fifteen as on how many go to school till fifteen. The continued schooling of some individuals is so useful to the nation that it should be assured. "Adult scholing is a promising means for gaining flexibility in caring for such individuals". The facts of adult ability to learn should caution us against attaching too much weight to youth in the laws and customs which decide who shall be forced or encouraged to go to school.

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CAPÍTULO III

A EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL

O problema da educação de adultos, nas condições em que ficou definido, está ainda quase inteiramente para ser atacado entre nós. Mais grave, porém, do que isso é a verificação de que estamos ainda grandemente distanciados de uma compreensão mais justa da questão. Mesmo entre as pessoas que têm certo trato com os problemas de educação e de ensino é comum verificar-se um completo desconhecimento da importância e da significação hoje emprestadas ao problema da educação de adultos. Por isso mesmo, pouca coisa é possível alinhar como verdadeiras realizações neste terreno, quer no plano da ação oficial, quer no que se refere à iniciativa particular. Os próprios cursos noturnos de alfabetização que constituem a forma mais elementar na solução da questão, onde existem com razoável extensão, funcionam com incipiência verdadeiramente lastimável, à míngua de recursos, de assistência técnica e mesmo de atenção esclarecida dos responsáveis pela sua manutenção. Não é de admirar, pois, que nesse campo da simples alfabetização ainda não tenhamos ultrapassado a fase primitiva das "cruzadas". Essas afirmações, que poderiam ser atribuídas a um pessimismo mais ou menos apressado, estão hoje dolorosamente documentadas no trabalho O que dizem Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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os números sobre o ensino primário, de Teixeira de Freitas (1937) que é, sem dúvida, nossa maior autoridade em estatística educacional. Este livrinho que "deveria levantar, pelas suas afirmações documentadas, um forte clamor nacional", como diz Lourenço Filho (1937) ao prefaciá-lo, é a mais séria contribuição ultimamente trazida para o esclarecimento da grave questão da educação popular no Brasil, justamente pelo caráter de objetividade que apresenta, uma vez que todas as conclusões e observações decorrem da consideração das nossas mais recentes e melhores estatísticas educacionais, elaboradas e interpretadas pelo autor. Com ele, saímos do terreno das impressões mais ou menos vagas para uma realidade, infelizmente quase desalentadora, que, por mais de uma vez, leva o autor a abandonar a posição de simples intérprete da "palavra" fria dos números para profligar com veemência nossa lamentável incúria: Disseram-nos os números até aqui a flagrante insuficiência quantitativa do aparelho escolar brasileiro de educação primária. Mas uma outra pergunta lhes deve ser feita: aos pequenos brasileiros, aos infantes que a nossa escola primária consegue atrair, vem, ao menos, sendo dada uma educação que, embora ainda não apropriada na qualidade e na profundidade, esteja de acordo com a finalidade legal do sistema? (Freitas, 1937, p. 77).

É mais uma "dolorosa interrogação". E eu quase diria que os números "choram" quando respondem… E em relação mais direta com o problema que no interessa aqui, porque a Nação estava e está na suposição de que a "sua" escola primária (de ensino geral, comum e supletivo), nos seus vários tipos, abrigando nominalmente 2.071.437 educandos, estava preparando para a vida, ainda que rudimentarmente, outros tantos indivíduos. Não se lhe dizia que, dessas unidades, recebiam o restritíssimo ensino preliminar ou pré-primário, apenas 20.338; o precário, inexpressivo e limitadíssimo ensino complementar, 22.887, e o deficiente e desigual ensino supletivo, em grande parte para adultos, 49.132. Nem se lhe dizia, tampouco, que o efetivo dos discentes restantes, em número de 1.979.080, estava tendo apenas um ligeiro contato com a escola, de tão precário quase inoperante, e só continha 94.652 alunos que já haviam realizado um tirocínio escolar mais ou menos satisfatório (conclusões nos 3º, 4º e 5º anos), ou seja a ínfima proporção de 4,78%. E com bem pouca franqueza se lhe dava a conhecer que esse mesmo tirocínio regular, de três, quatro ou cinco anos, era de significação muitíssimo desigual e raramente tinha o alcance de preparar "de fato" para a vida os seus beneficiários. Eis aí a rude, mas leal, linguagem dos números, no que toca à "finalidade legal" da escola primária brasileira. Mas as suas revelações vão além. E se sairmos desses dados que exprimem a situação do Brasil em conjunto, para considerarmos, especialmente, a imensa maioria da população brasileira, aquela que se distribui pelas zonas rurais, o panorama se agrava de maneira impressionante, sendo assim caracterizado por Teixeira de Freitas: [...] Mas como a concentração urbanística está em franco aumento em todo país, orcemos pelo dobro da taxa mineira, ou 22%, a população do Brasil, ou seja, para a população total que fixamos, 8.192.800 almas. O que quer dizer que 29.047.200 brasileiros residentes nos pequenos

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povoados e na zona rural propriamente dita – já não se falando da população das médias e pequenas cidades, onde também não existe ensino especializado – iniciaram-se ou terão de iniciar-se no trabalho sem nenhuma possibilidade, próxima ou remota, de um ensino adequado à sua formação profissional ou doméstica. [...] Mas não rompeu ainda a madrugada da jornada redentora, em que o Brasil se dedicará a proporcionar efetivamente a seus filhos sertanejos adequada formação profissional. A escola brasileira primária foi até agora e continuará a ser, ainda por muito tempo, uma simples agência de "ensino geral" e "educação elementar". E como outra não é possível para lhe continuar o esforço educativo, a formação da nossa mocidade rurícola continua entregue – é a lógica dos nossos governos – às tristes contingências do medievalismo em que permanece o interior brasileiro… (Freitas, 1937, p. 90-91).

A esse quadro de tintas tão vivas, pouca coisa é possível acrescentar. Sem conhecer ainda tais dados, postos agora à disposição de homens públicos e educadores, pela autoridade do diretor da Estatística do Ministério da Educação, assim concluíamos, utilizando impressões pessoais e as informações até então existentes, em relação ao problema da educação de adultos no Brasil: [...] Enorme, pois, é a massa adulta que jaz na mais completa ignorância, sem dispor das técnicas fundamentais da leitura, escrita e cálculo, usando processos inteiramente primitivos de trabalho, incapaz de defender a saúde, vivendo nas condições da maior miséria, sujeita a todas as explorações, totalmente abastardada e afastada das grandes conquistas que a ciência e a técnica vêm proporcionando ao homem nos últimos tempos e sem poder gozar dos prazeres que a cultura pode proporcionar à criatura humana.1

E adiante: O problema da educação do adulto, da incorporação desse imenso capital humano à civilização assume, entre nós, sob todos os aspectos, tais proporções que não será exagerado afirmar-se que ultrapassa em premência e importância a própria obra de extensão do ensino elementar para os indivíduos na idade escolar.2

São essas condições de incultura alarmante da massa adulta que pesam de maneira nefasta em todos os aspectos da vida nacional, ocasionando a desordem que campeia em todos os setores das atividades do País e agravando a desorientação ideológica que caracteriza os tempos agitados que estamos atravessando. Toda essa obra de educação popular assistemática, isto é, fora da rigidez dos quadros escolares, especialmente dirigida ao adulto que não teve nenhuma oportunidade escolar ou a teve insuficiente, está inteiramente por fazer, entre nós, a desafiar a ação do Estado, num programa que, a ser levado a efeito, redundaria em benefícios de tal monta que todos os recursos empregados teriam uma produtividade verdadeiramente maravilhosa, uma compensação extraordinária de todos os sacrifícios realizados. Tal obra glorificaria, por si só, o governo que se dispusesse a empreendê-la, arrostando todos os óbices que por certo a entravariam.

1 2

Citação do próprio autor, destacada na versão da tese solicitada pela Editora Nacional, que não a publicou. Saiu, mais tarde, no livro Estudos de educação (São Paulo: Lis Gráfica e Editora, 1952). Lourenço Filho, M. B. Estudos de educação. São Paulo: Lis Gráfica e Editora, 1952.

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Porque, nesse particular, tudo o que existe é ridículo em relação às nossas necessidades e isso mesmo funcionando com lamentável incipiência: os cursos noturnos e elementares e de continuação, aperfeiçoamento e oportunidade, os cursos de extensão de todos os graus, onde os há, têm uma vida precaríssima, à míngua de recursos, de orientação segura e de entusiasmo; as bibliotecas públicas, fixas ou circulantes, o cinema, o rádio e o jornal, ainda não cumprem, no Brasil, a função que lhes é primordialmente destinada de promoverem a cultura popular. Algumas iniciativas tentadas não têm obtido a continuidade de propósitos que as inspiraram e ficam expostas aos azares do maior ou do menor interesse das administrações que se sucedem. Foi justamente essa convicção que adquirimos no trato concreto com o problema, de que a organização da educação de adultos no Brasil deve ser considerada uma obra, sob muitos aspectos, mais urgente do que a própria extensão do aparelhamento escolar elementar para receber as crianças nas idades próprias, que nos levou, quando oficialmente convidados pelo Departamento de Educação do Estado do Rio de Janeiro a apresentar sugestões para o Plano Nacional de Educação, a ficar tão somente dentro dessa questão. Dizíamos então: [...] Preconizamos, assim, como necessidade inadiável, a existência de uma organização assistemática, paralela à de educação sistemática, para atingir todas essas espécies de situações pessoais e atender a todas essas solicitações e que tem que se iniciar com a escola primária para adultos e terminar com as extensões universitárias.3

Referíamo-nos, é evidente, especialmente, às necessidades das populações urbanas, pois, quanto àquela massa de 30 milhões de brasileiros que ainda vive nas condições de incultura denunciadas por Teixeira de Freitas, a solução para sua deplorável situação está dependente de causas fundamentais tão complexas que seria verdadeira ingenuidade pretender encontrá-la somente com os recursos da ação escolar. Pois, como diz Fernando de Azevedo (1937), "a educação rural é um problema substantivamente econômico e adjetivamente educacional", por outras palavras, "ruralizar" é "civilizar", e ainda, "a questão da educação rural é de uma grande complexidade e toca os interesses essenciais do país". Não queremos de forma alguma, com isso, negar o papel importante que a ação educativa desempenhará na solução do problema, desde que seja iniciada, de fato, a remoção dos fatores fundamentais determinantes dessa situação, aliás já bastante debatidos pelos nossos sociólogos. Seria desconhecer totalmente o que nesse terreno realizou o México, por exemplo, para citar apenas um país que apresenta condições sob vários aspectos semelhantes às nossas. Esses trechos de relatórios são índices expressivos da ação do Departamento de Escuelas Rurales e das interessantíssimas Missiones Culturales:

3

Lourenço Filho, M. B. Estudos de educação. São Paulo: Lis Gráfica e Editora, 1952.

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Al llegar a los pequeños poblados los Misioneros iniciaron sus labores, haciendo la limpia del pueblo y de los barrios, quemando las basuras, excitando a los vecinos a blanquear sus casas, organizando festivales de cultura, impartiendo la vacuna antivariolosa a niños e adultos; en algunos poblados introdujeron el agua potable, precedieron a la creación y organización de los anexos de la Escuela Rural, orientaron a los maestros, mediante demonstraciones práticas en la técnica de la enseñanza; establecieron clubes desportivos, clubes pro-infancia, comités prolimpieza, sustentaron conferencias sobre civismo, hicieron demonstraciones sobre mejores métodos de cultivo ante los campesinos. Durante los dias de mí permanencia, despues de la inauguración del Instituto, estuve asistiendo a todas las clases, y pude darme cuenta que los professores misioneros han comenzado a desarollar sus programas respectivos com bastante eficiencia, atendiendo no solamente a los maestros, sino las señoritas, señoras, jóvenes y señores del pueblo, asi como a los ejidatarios, algrado que las señoritas, em número de setenta, hasta el momiento em que yo salí del pueblo, estaban concorriendo a las clases de la Trabajadora Social, de Cultura Física, de Pequeñas Industrias, Artes Populares y Cantos y Orfeones; los agraristas, en número de cien, más o menos, estuvieron recibiendo pláticas de parte del Jefe de la Misión, así como del suscrito, en esperando la llegada del ingeniero, quien tan pronto como llegó, se puso en contacto con ellos, y empezó a delinearles su programa de trabajo para beneficio de aquella organización. En quanto a los señores y jóvenes, han estado también recibiendo classes de cantos, orfeones, pequeñas industrias y desportes.

E ainda esta providência profundamente significativa na sua simplicidade: El señor Secretario de Educación se servió agregar un equipo de peluquería y herramientas para talla en madera, a cada instituto, de suerte que las Misiones Culturales cuentam ya com los seguintes equipos: De carpinteria; De agricultura; De jaboneria; De conservación de frutas; De curtiduria; De cocina; De medicina doméstica; De peluquería; De talla en madera; De técnica enseñanza.

Poderíamos multiplicar as referências a essa obra imensa realizada pelo México em benefício de suas populações rurais. Foi diante desse esforço, tão bem orientado para tentar resolver essa complexa questão, que John Dewey pôde afirmar que "em nenhuma parte o problema da educação rural tem alcançado solução tão inteligente e prática quanto no México". Essas ligeiras considerações que a situação do Brasil, em relação à educação de adultos, sugere, fazem-nos concluir, desde logo que, nesse terreno, ainda estamos naquela fase informe de iniciativas fragmentárias, públicas ou particulares, que surgem aqui e ali, ao calor de entusiasmos desproporcionados, para morrerem mais adiante ou se arrastarem penosamente, quando conseguem vingar, num ambiente de incompreensão e de indiferença, senão mesmo de oposição por parte, muitas vezes, daqueles mesmos de que vêm a depender.

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Por isso mesmo, não tentaremos fazer aqui um histórico detalhado do que tem sido realizado, entre nós, pois, em face das condições apontadas, pode-se inferir que o movimento de educação de adultos no Brasil ainda não apresenta características que permitam um tratamento suficientemente justo, pois, além da escassez de informações, há uma completa falta de "perspectiva". Incorreríamos, certamente, em grave erro, ofendendo pela omissão grandes dedicações, cujo trabalho, silencioso mas profícuo, passa quase despercebido e sobrestimando obras que se impõem tão-somente pelos esplendores da fachada. Examinaremos, apenas, sucintamente, a ação do Governo Federal, num dos aspectos mais importantes da questão – a organização dos cursos de aperfeiçoamento para trabalhadores em geral – o que nos dará um índice expressivo da situação no problema. Na exposição de motivos que acompanha o Decreto n° 13.064, de 12 de junho de 1918, o ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, Pereira Lima, assim se expressava a propósito da criação de cursos noturnos para operários nas Escolas de Aprendizes Artífices: Enquadrando-se rigorosamente na autorização que dá lugar ao presente decreto, o novo regulamento consigna a criação dos cursos noturnos de aperfeiçoamento, permitindo assim que os operários completem seus conhecimentos, de maneira a poderem auferir maiores resultados do seu trabalho. Releva, aliás, salientar que a matrícula não ficou restrita aos operários. Antes, tendo sempre em vista a vantagem do alargamento da campanha contra o analfabetismo, faculta ainda o ingresso a todos aqueles que o desejarem, uma vez por estes atingida a idade de 16 anos. Dessa maneira, quem por excesso de idade encontrar fechadas as portas dos cursos diurnos nem por isso ficará privado dos meios de aperfeiçoar suas aptidões artísticas deparando-se-lhe, para tanto, os cursos noturnos, organizados, a bem dizer, como útil complemento dos primeiros.

Os dispositivos referentes ao assunto constantes desse decreto estão assim redigidos: Art. 43. Haverá em cada escola dois cursos noturnos de aperfeiçoamento, primário e de desenho, destinados principalmente a ministrar aos operários conhecimentos que concorram para torná-los mais aptos nos seus ofícios. § 1º Em cada um dos cursos de aperfeiçoamento poderão ser admitidos, mediante matrícula verbal, quaisquer indivíduos que já tenham atingido a idade de 16 anos. § 2º Os cursos de aperfeiçoamento serão ministrados pelos professores primários e de desenho das respectivas escolas. Quando a freqüência atingir os limites de que trata o art. 11, serão admitidos os adjuntos, obedecida a ordem de antigüidade. § 3º Os cursos noturnos durarão duas horas, de acordo com o horário organizado pelo diretor e aprovado pela Diretoria Geral de Indústria e Comércio. § 4º Sempre que for possível, o diretor dará aos respectivos alunos um curso prático de tecnologia. § 5º Os programas dos cursos noturnos serão organizados de acordo com o disposto no art. 23. § 6º Além das disposições de que trata este artigo, serão observadas nos cursos noturnos todas as deste regulamento que lhes forem aplicáveis.

Pois bem, segundo informações colhidas na Divisão do Ensino Industrial do Ministério da Educação, esses cursos funcionaram mais ou menos regularmente até

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1931. Nesse ano foram suspensos, em virtude da sempre alegada falta de recursos. Só agora puderam voltar a funcionar, mas apesar de todos os esforços da Chefia da Divisão a cujo cargo estão atualmente, no sentido de desenvolvê-los e melhor adaptálos às suas verdadeiras finalidades, a matrícula registrada no corrente ano foi apenas de 1.391 alunos, distribuídos pelos 19 Liceus Profissionais (antigas Escolas de Aprendizes Artífices). Em relação ainda à ação do Governo Federal, só há muito pouco tempo, na nova organização do Ministério da Educação e Saúde, baixada com a Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, foi criada a Divisão de Educação Extra-Escolar a qual, aliás, até agora, não definiu, perfeitamente, seu campo de ação. Para terminar, observaremos que a intenção explícita de promover a educação de adultos e a difusão cultural, em moldes mais modernos, por parte do poder público, segundo nos parece, só foi expressa, até agora, pelo Governo do Distrito Federal, graças à iniciativa de Anísio Teixeira. O Decreto nº 17, de 2 de setembro de 1935, que organizou as SecretariasGerais da Prefeitura do Distrito Federal, assim dispunha com referência à Secretaria-Geral de Educação e Cultura: Art. 11. À Secretaria de Educação e Cultura compete promover a educação popular, a formação dos quadros profissionais e técnicos e desenvolver e difundir a cultura em todos os seus aspectos dentro do sistema educativo local, obedecidas as diretrizes do plano geral de educação nacional. § 1º Os serviços dessa Secretaria compreenderão o Departamento de Educação, mantida a sua atual organização, exclusive o ensino de nível universitário e o de extensão, a Diretoria de Educação de Adultos e Difusão Cultural e a Universidade do Distrito Federal. § 2º A Diretoria de Educação de Adultos e Difusão Cultural compreenderá os atuais serviços de ensino de extensão e aperfeiçoamento, administração e direção artística dos teatros da Municipalidade, os museus e bibliotecas públicas e escolares, bem como todas as organizações de natureza cultural ou educativa destinadas a adultos.

Foi essa disposição do Governo Municipal de atacar o relevante problema, manifestada já em 1933, com a promulgação do Decreto nº 4.299, de 25 de julho desse ano, que dispôs sobre os cursos de continuação e aperfeiçoamento e o ensino elementar para adultos, que nos proporcionou a oportunidade de fazer a experiência sobre um dos aspectos mais interessantes da educação de adultos e que passamos a relatar.

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CAPÍTULO IV

UMA EXPERIÊNCIA DE CURSOS DE CONTINUAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO E OPORTUNIDADE REALIZADA NO DISTRITO FEDERAL

ANTECEDENTES A história do ensino de adultos no Distrito Federal, mantido pelo município, pode se considerar dividida em duas fases, sendo o marco divisório entre elas a Reforma Fernando Azevedo. O que existia antes eram os cursos elementares noturnos – funcionando com a mesma incipiência que já tivemos ocasião de assinalar – , e que foram transformados pela reforma em cursos populares noturnos, melhor adaptados às necessidades locais. Ficaram assim definidas suas finalidades (Decreto nº 2.940, de 22 de novembro de 1928): Art. 405. As escolas noturnas, reorganizadas sob a denominação de cursos populares noturnos, agrícolas, comerciais e industriais, têm por fim ministrar: 1) ensino primário elementar de dois anos a adultos analfabetos; 2) ensino técnico elementar; 3) instrução prática de economia doméstica (para mulheres) e instrução elementar, comercial, industrial e agrícola conforme a zona (para homens); 4) cultura geral, sobretudo higiênica; profilaxia, higiene alimentar e puericultura por meio de projeções, demonstrações práticas e palestras populares. Parágrafo único - Esses cursos, ministrados em três anos, se realizarão à noite durante três horas diárias, exceto aos sábados, de 1º de março a 15 de junho e de 1º de julho a 15 de dezembro.

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Art. 406. O ensino nos dois primeiros anos dos cursos populares noturnos constará de rudimentos das seguintes disciplinas: a) Português; b) Aritmética, inclusive sistema métrico; c) Geometria; e) História do Brasil; f) Desenho. Art. 407. O ensino no 3º ano dos cursos populares compreenderá: a) Português (leitura e exercícios escritos de acordo com a orientação particular de cada curso); b) Desenho e modelagem; c) Tecnologia das profissões elementares; d) Datilografia e noções de Contabilidade ou noções de História Natural, Química Agrícola, Agricultura e Zootécnica ou trabalhos de agulha e noções de Economia Doméstica, conforme a feição especial das classes, organizadas dentro do duplo critério das necessidades do meio e das preferências dos alunos. Art. 408. Paralelamente ao ensino primário do 1º e 2º anos e no ensino técnico do 3º ano, serão organizadas projeções, demonstrações práticas e palestras populares, com o fim de ministrar conhecimentos de higiene e puericultura e noções básicas de economia social, direito civil, e constitucional, aos alunos, esclarecendo-os e orientando-os no desempenho de suas funções, como elementos sociais e políticos. Art. 409. A localização dos cursos populares noturnos será em centros onde a população proletária seja densa, divididos em masculinos e femininos, regidos aqueles de preferência por professores e estes por professoras. Art. 410. O mínimo de idade para a matrícula nos cursos populares noturnos será de treze anos.

Além disso, procurou melhorar a qualidade do professorado, permitindo a designação dos elementos dos quadros do magistério primário diurno para servir nos cursos populares noturnos. Por outro lado, remodelando totalmente a antiga Escola de Aperfeiçoamento que se transformou na atual Escola de Comércio Amaro Cavalcanti, criava cursos livres para o preparo necessário às atividades ligadas às profissões comerciais. Esses cursos apresentavam, porém, pouca flexibilidade nos planos respectivos. Em 1930, quando no exercício dos cargos de professor e vice-diretor dessa Escola, dirigíamos o curso noturno, propusemos uma regulamentação para os cursos livres de modo a melhor adaptá-los às necessidades dos que o procuravam. Esses cursos foram, posteriormente, extintos por ocasião da oficialização da Escola, de acordo com a Lei Federal que passou a regular o ensino comercial. Só em 1932, já na administração do professor Anísio Teixeira, é que se criaram, com maior amplitude, os cursos de continuação para adultos, pelo Decreto nº 3.763, de 1º de fevereiro desse ano, em virtude do seguinte dispositivo: Art. 1º Além do disposto no art. 1º do Decreto nº 3.281, de 23 de janeiro de 1928, o ensino público a cargo dos poderes locais do Distrito Federal compreenderá também o ensino dito secundário, organizado de acordo com a legislação federal em vigor, e o ensino para adultos, que, em cursos de continuação, será ministrado nos estabelecimentos de ensino profissional.

Tais cursos não foram, porém, imediatamente regulamentados, o que só se verificou no ano seguinte, com o Decreto nº 4.299, de 25 de julho de 1933, que remodelou também o ensino elementar para adultos. Eis os principais dispositivos desse decreto que foi o ponto de partida da nossa experiência: Art. 1º O ensino elementar para adultos, constando de leitura, escrita e aritmética, será ministrado nas escolas primárias, em seções noturnas, que funcionarão das 19 às 22 horas.

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Art. 2º Assim que o aluno tenha conhecimento das técnicas fundamentais de cultura passará a freqüentar a sala de leitura, onde disporá de livros para a continuação do curso, sob a direção de um professor, que procederá às escolhas mais recomendadas para cada um e guiará o estudo individual. Art. 3º Os cursos de continuação, aperfeiçoamento ou oportunidade destinados a estender, melhorar ou completar a cultura de qualquer pessoa, compreenderão todas as matérias de ensino comumente ministradas em nível primário e secundário geral ou profissional, bem como quaisquer matérias ou especialidades que venham a ser requeridas por um grupo de 20 alunos, no mínimo, desde que seja possível obter o professor e as instalações permitam. Parágrafo único. Esses cursos funcionarão a partir das 17 horas até as 22 horas, nos estabelecimentos de ensino secundário geral e profissional. Art. 4º A matrícula nesses cursos será livre, não havendo seriação obrigatória, nem dependência forçada entre os mesmos. Parágrafo único. Havendo conveniência, poderão também ser organizados cursos seriados secundários, gerais ou profissionais, para os que quiserem continuar a sua educação regular e sistemática.

O ensino elementar para adultos continuou a cargo da Superintendência de Ensino Elementar, cabendo a organização dos cursos de continuação, aperfeiçoamento e oportunidade, à Superintendência de Educação Secundária, Geral e Técnica e do Ensino de Extensão. Ainda em 1933, esses cursos não puderam ser instalados por falta de recursos orçamentários. Só em maio de 1934 éramos designados para, junto àquela Superintendência, iniciar a organização dos primeiros cursos de continuação, aperfeiçoamento e oportunidade.

PRIMEIRA ETAPA (1934) Inicialmente, procuramos, de acordo com o superintendente, estabelecer com maior precisão a esfera de ação do ensino de extensão a cargo da Superintendência. Eis o que ficou assentado: Ensino de Extensão a) Fins – Ministrar ensino de instrumentos essenciais a adolescentes e a adultos que não tiveram nenhuma oportunidade escolar no tempo próprio ou a tiveram incompleta. Ministrar variados cursos práticos de artes e ofícios a quantos desejem neles ingressar. Organizar cursos de aperfeiçoamento para os que já abraçaram determinadas profissões e desejem progredir nas mesmas, pela sua eficiência. Oferecer cursos de oportunidade, segundo os interesses de grupos de alunos e as oportunidades de empregos e atividades existentes no momento. b) Organização e condições – Cursos de preferência noturnos, sem limite de idade, sem formalidades especiais de matrícula, sem seriação especial de matérias. Cursos de duração variável, segundo as condições dos alunos. Cursos criados segundo as solicitações e os interesses dos candidatos.

Deveríamos, em seguida, procurar verificar quais as necessidades mais urgentes da população do Distrito Federal, em relação a esses cursos, no sentido de aproveitar da melhor maneira possível a pequena verba de que dispúnhamos, nesse ano, para organizar o ensino de extensão. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Na impossibilidade de procedermos a um inquérito direto, procuramos obter do Ministério do Trabalho dados relativos à distribuição das principais atividades profissionais da capital da República. Infelizmente, nada pudemos conseguir, pois, nesse momento justamente é que o Ministério iniciava estudos preliminares para esse fim. Tivemos que nos socorrer, então, dos índices gerais fornecidos pela nossa experiência pessoal no trato com os problemas do ensino técnico profissional que nos vinham preocupando, desde 1923, quando nos iniciamos no magistério oficial, na Escola Profissional Visconde de Cairu. Por outro lado, era preciso considerar com muita atenção, o problema do professor, sabido que a freqüência a essa espécie de cursos tem por móvel principal um interesse real de indivíduos adultos em lograr progresso rápido nas suas condições culturais ou técnicas, no sentido de obter geralmente uma melhoria imediata de ordem econômica, e para isso sacrificam, quase sempre, suas já reduzidas horas de repouso ou recreação. O professor tem, pois, que preencher, além dos requisitos normais de um domínio completo da técnica, condições especiais que lhe dêem uma atitude adequada para enfrentar, com sucesso, todas essas variedades de situações dos alunos a seu cargo, desde as que são provenientes das condições apontadas, até as relativas à diversidade de formação e de conhecimento que os mesmos apresentam. Nesse terreno estávamos e estamos com tudo totalmente por fazer: o professor de que pudemos dispor, apesar do cuidado que pusemos na escolha, não tinha, nem podia ter, qualquer formação especializada para enfrentar a delicada tarefa que lhe era confiada. Outro tanto poderemos dizer da direção imediata que tínhamos que dar aos cursos. Por todas essas considerações é que deliberamos dar aos primeiros cursos instalados uma grande simplicidade de organização, compreendendo duas peças principais: apenas o diretor, que funcionava, especialmente, como coordenador de todas as atividades e o professor, diretamente responsável perante os alunos e a administração, pelo seu trabalho. Essas duas peças se ligavam diretamente com a Superintendência, que agia junto de uma e outra, esclarecendo, estimulando, fiscalizando e resolvendo todas as dúvidas gerais que iam surgindo no decorrer de uma obra inteiramente nova para quase todos os que nela estavam empenhados. Assentadas essas medidas preliminares, passamos à etapa da propaganda, parte importante para o êxito do empreendimento. Era preciso utilizar, para isso, processos adequados, de forma a atingir os indivíduos para quem os cursos especialmente se destinavam: pessoas de condições econômicas e culturais reduzidas, operários e comerciários, principalmente, uma vez que o ponto de vista da Administração era de que deveria empregar as verbas de que podia dispor, em benefício dessas classes menos favorecidas. Chamar a atenção desses grupos, vencer neles a natural desconfiança em relação a tais iniciativas, o esgotamento quase total em que vivem em conseqüência das próprias atividades, a que se dedicam, as preocupações provenientes dos encargos de família que não lhes permite dar uma atenção continuada ao aperfeiçoamento pessoal

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deliberado, aquele acanhamento resultante do temor do ridículo, de que fala Thorndike, tal era a tarefa a realizar com o emprego de uma propaganda hábil e sugestiva. Utilizamos para isso os meios principais: a imprensa diária e o apelo às associações de classe, a quem nos dirigimos através de cartas e circulares. Tínhamos agora tudo preparado para iniciar a experiência. E assim, de 15 de maio a princípios de junho de 1934, foram sendo abertos os cinco primeiros cursos de continuação e aperfeiçoamento, instalados nas escolas técnicas secundárias, oferecendo os seguintes cursos: 1. Escola Amaro Cavalcanti (mista) – Português, Francês, Inglês, Matemática, Contabilidade, Datilografia, Estenografia; 2. Escola Souza Aguiar (masculina) – Português, Francês, Inglês, Matemática, Ciências, Desenho, Mecânica e Eletricidade; 3. Escola João Alfredo (masculina) – Português, Francês, Inglês, Matemática, Ciências, Geografia, Desenho, Mecânica e Eletricidade; 4. Escola Visconde de Cairu (masculina) – Português, Francês, Matemática, História, Geografia, Ciência, Desenho, Tecnologia (madeira); 5. Escola Orsina da Fonseca (feminina) – Português, Francês, Inglês, Matemática, Desenho, Puericultura, Chapéus, Costura, Malharia, Flores, Bordados, Rendas e Estenografia. A procura de matrículas excedeu, desde logo, qualquer expectativa. Em alguns dos cursos, na Escola Amaro Cavalcanti, por exemplo, foi necessário limitar, imediatamente, a matrícula para ficar dentro das possibilidades do prédio e do aparelhamento escolar disponíveis, conforme se verifica pelo relatório do respectivo diretor. Essa afluência que pode ser atribuída à propaganda, à gratuidade dos cursos e à absoluta facilidade do processo de matrícula, realizada por simples declaração verbal, foi para nós também um indício seguro de que a iniciativa veio corresponder a uma necessidade inadiável da população do Distrito Federal. A qualidade dos alunos nos conduziu também a uma série de observações interessantes e que nos deram elementos para melhor adaptar a organização dos cursos às suas verdadeiras finalidades, no segundo ano de seu funcionamento. As espécies de alunos se distribuíam desde os estudantes de ensino secundário, interessados em corrigirem as deficiências dos cursos que estavam fazendo, até os vendedores ambulantes, os mais humildes, que tiveram sua atenção despertada, com a passagem ocasional pelas imediações dos locais onde se aglomeravam os candidatos à matrícula. Constatamos, porém, desde logo, uma porcentagem relativamente pequena de candidatos provenientes das classes operárias, em relação principalmente aos que provinham das profissões ligadas às atividades comerciais. Esse fato tem uma dupla explicação: em primeiro lugar, a maior procura dessas últimas atividades, consideradas de nível superior e mais favoráveis à obtenção de uma colocação que proporcione rendimento econômico imediato; em segundo lugar, as dificuldades que encontram os elementos das classes operárias e industriais, que residem, geralmente, em subúrbios longínquos, de freqüentarem regularmente os cursos. Essas observações, sugeriram-nos medidas tendentes a levar os benefícios da cultura até essas classes, sem dúvida as mais necessitadas dela, tais como a localização dos cursos nos bairros de moradia operária, aproveitamento das sedes Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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das associações de classe onde já está assegurada uma certa freqüência, e ainda a instalação de cursos nos próprios locais de trabalho. Infelizmente, só em escala muito reduzida puderam essas medidas ser postas em prática. Diversas outras observações, decorrentes do próprio funcionamento das aulas, tais como a grande mobilidade da freqüência, a enorme diversidade do preparo e de interesses demonstrados pelos candidatos e também das próprias condições já bastante debatidas, referentes ao horário, programas, preparo e atitude dos professores, etc., nos deram elementos para introduzir, no ano seguinte, algumas modificações para o melhor ajustamento dos cursos às suas verdadeiras finalidades. Ao chegar ao fim desse primeiro ano letivo, quisemos ouvir com mais cuidado as impressões dos próprios alunos sobre a iniciativa e para isso distribuímos um questionário que foi respondido por mais de mil. Deles, destacamos alguns, contendo observações interessantes, e que anexamos ao presente trabalho.1 E assim, apesar de todos os defeitos, aliás explicáveis, dessa primeira etapa da experiência, fortaleceu-se nossa convicção de que seu sucesso estava plenamente assegurado, e que competia, agora, ao Governo Municipal proporcionar cada vez maiores recursos para que pudesse prosseguir, melhorando sempre e ganhando cada vez maior extensão. Ao se referir a ela no seu relatório de 1934, o diretor do Departamento de Educação,2 com sua indiscutível autoridade, pôde assim se exprimir: Poucas iniciativas do Departamento de educação lograram aceitação tão imediata e entusiástica quanto esta. É que a educação, de ordinário tão remota em seus frutos, porque se dedica exclusivamente aos indivíduos em idade de preparação para a vida econômica, associouse, nesse caso, aos interesses do adulto e se dispôs a dar-lhe uma assistência direta no seu trabalho. Passando, assim, a retribuir imediatamente os esforços nela empregados, era de esperar a simpatia com que os novos alunos acorreriam ao seu chamado. Infelizmente, trata-se de empreendimento que exige grandes facilidades de recursos de professorado e de verbas. O sistema escolar carioca, embora desenvolvido, não oferece, ainda, a variedade de magistério e muito menos magistério especializado para essa função, como se fazia mister. Por esse motivo, tais cursos foram reduzidos em número e em extensão. Mesmo assim, o êxito de que foram coroados foi de tal natureza que a administração não só os quer conservar, como incrementar na medida do possível, nos próximos exercícios.

SEGUNDA ETAPA (1935) De posse dessas observações, e continuando em 1935 com a responsabilidade de prosseguir no trabalho, projetamos com mais tempo uma organização que viesse corrigir os defeitos verificados anteriormente.

1 2

Tais questionários foram anexados apenas a um dos exemplares datilografados do presente trabalho, dentre os exigidos pelo regulamento do concurso, não tendo sido possível reproduzi-los posteriormente. Anísio Teixeira. Em 1935, o Departamento foi elevado ao status de Secretaria de Educação e Cultura, tornando-se o professor Anísio Teixeira o primeiro secretário a exercê-la. (N. do O.)

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Tratava-se, além disso, de ampliar o raio de ação dos cursos, quer na qualidade das oportunidades oferecidas, quer na extensão propriamente dita. Já agora, dispúnhamos de um grupo de diretores e professores tocados pelo entusiasmo proveniente dos resultados obtidos e com um lastro de experiência capaz de permitir vôos mais amplos. Infelizmente, a verba para a manutenção do serviço, se bem que bastante aumentada, só nos foi concedida relativamente tarde. Por isso, antes dos fins do mês de abril não pudemos reabrir os cursos. Esse pequeno contratempo foi, porém, compensado pela possibilidade que tivemos de proporcionar à população carioca mais quatro centros de ensino e cultura, com as mesmas facilidades já referidas e sem despesa de qualquer espécie. Foram os seguintes esses novos cursos, já agora localizados segundo um critério de melhor atenderem às necessidades das classes trabalhadoras do Distrito Federal: Escola Bento Ribeiro (feminina), situada na Estação do Meyer; Escola Gonçalves Dias (mista), em São Cristóvão; Escola Júlio de Castilhos (mista), na Gávea; e Escola João Barbalho (mista), em Ramos. Instruções mais precisas foram baixadas tendo em vista o maior rendimento do ensino. Os cursos ficaram divididos em "básicos", de "informação" e "especializados"; as condições de matrícula foram estabelecidas para cada uma dessas espécies, de maneira a assegurar o melhor ajustamento às condições individuais dos alunos. O plano de cursos foi grandemente ampliado com uma nova série de oportunidades de aquisição de conhecimentos para a formação cultural, social e profissional. Medidas visando a uma melhor homogeneidade das turmas foram estabelecidas, pois é esta uma das condições essenciais da melhoria do rendimento do ensino. Os candidatos eram agora submetidos, inicialmente, a uma prova de verificação de conhecimentos e, periodicamente, a provas de apuração do aproveitamento, para permitir a reorganização das turmas. Os diretores, com a experiência já adquirida, puderam iniciar um trabalho de orientação vocacional, feito através de indagações e conselhos aos alunos, no sentido de melhor poderem resolver seus problemas pessoais, relacionados com as necessidades de aperfeiçoamento cultural e profissional. Atividades extraclasse foram introduzidas pela própria iniciativa dos alunos, que se agremiavam fundando clubes e associações, onde faziam realizar palestras e conferências de cultura geral, sessões de cinema educativo e tentando também o teatro de amadores . E dessa forma, num ambiente verdadeiramente empolgante de vida e entusiasmo, as matrículas em quase todos os cursos passaram a ser disputadas, subindo de 1.366, em 1934, para 5.174, em 1935. Não é de estranhar, pois, que se levantasse grande celeuma por parte dos beneficiários dessa obra, quando em fins do ano de 1935, foi anunciado que as verbas para a manutenção dela seriam reduzidas no ano seguinte e, conseqüentemente, os cursos ficariam limitados em seus planos e sua extensão. Os registros da imprensa diária dão uma impressão bem nítida do vulto dos protestos, os quais, sem dúvida alguma, constituem uma eloqüente demonstração da utilidade real da obra que vinha sendo realizada.

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A administração negou, firmemente, qualquer intenção de entravar o desenvolvimento dos cursos, declarando, ao contrário, peremptoriamente, ser desejo seu ampliá-la cada vez mais, desde que estava perfeitamente comprovado que a sua criação correspondeu plenamente às necessidades da população trabalhadora da capital da República. E se não foi possível proporcionar-lhes verbas maiores do que as asseguradas para o ano de 1935, a palavra empenhada foi cumprida, pois com a remodelação dos serviços da Prefeitura, efetivadas pelo Decreto n° 7, de 2 de setembro de 1935, já citado, ficou, conforme referimos, explícita a intenção de, por parte do Governo do Distrito Federal, organizar em moldes modernos e eficientes a educação de adultos e a difusão da cultura em geral. Esses serviços foram reunidos num mesmo organismo, a Diretoria de Educação de Adultos e Difusão Cultural, compreendendo a Superintendência dos Cursos de Continuação e Aperfeiçoamento e de Ensino Elementar para Adultos, as Divisões de Bibliotecas, Museus, Cinemas, Teatros e Radiodifusão. Infelizmente, e é sempre o mesmo doloroso estribilho, toda essa obra sofreu uma profunda descontinuidade, com a mudança brusca da administração municipal, ocorrida de dezembro de 1935 a abril de 1936.3 Poderíamos terminar aqui. É preciso, porém, ficar patenteado que não desertamos do posto que nos foi confiado e que chegamos mesmo a iniciar uma terceira etapa.

TERCEIRA ETAPA (1936) Convidado, em 1936, pelo novo responsável pela recém-criada Diretoria de Educação de Adultos e Difusão Cultural – o doutor Roquette Pinto – para reassumir a direção da Superintendência dos Cursos de Continuação e Aperfeiçoamento e Ensino Elementar para Adultos, não pudemos desatender a esse chamado, partido de quem o Brasil tanto deve no campo da divulgação da cultura popular. E assim, em janeiro desse ano, reiniciávamos os trabalhos. Nossa tarefa estava agora grandemente ampliada e dificultada com a necessidade de remodelar inteiramente a organização e a orientação dos cursos elementares para adultos, no sentido de bem se articularem com os de continuação e aperfeiçoamento e ganharem o mesmo ritmo de trabalho desses últimos. Pusemo-nos imediatamente a agir, estudando as condições daqueles cursos em relação ao pessoal docente e à localização. Entramos em entendimento com a associação de classe dos professores dos cursos noturnos, solicitando sua colaboração.

3

Em 2 de dezembro de 1935, Anísio Teixeira demitia-se do cargo de secretário-geral da Educação e Cultura do Distrito Federal, sendo acompanhado por todos os seus colaboradores, em face da reação desencadeada, em conseqüência do movimento revolucionário de novembro. Em abril de 1936, deixava a Prefeitura o prefeito Pedro Ernesto, sendo preso e processado perante o Tribunal de Segurança Nacional.

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Organizamos novas instruções, não só para os cursos elementares, como para os de continuação e aperfeiçoamento. Projetamos, em vista de não termos ainda conseguido do Ministério do Trabalho as necessárias informações, um largo inquérito, cujos dados seriam colhidos através de uma ficha a ser preenchida pelos candidatos à matrícula, em todos os cursos. Estávamos assim com tudo preparado para reabrir os cursos em princípios de março, quando o nosso trabalho foi de novo e definitivamente interrompido.4

4

O autor, em 14 de fevereiro de 1936, era detido em seu gabinete de trabalho, permanecendo preso durante ano e meio, e respondendo a processo perante o Tribunal de Segurança Nacional sob a acusação de ter organizado cursos para operários na União Trabalhista, associação fundada pelo Prefeito Pedro Ernesto.

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CONCLUSÕES Será preciso concluir? Parece-me que as conclusões estão todas explícitas no próprio corpo do que ficou sucintamente relatado: nos defeitos, nos fracassos, nas observações colhidas, nos resultados que ficaram patentes. Resta-nos, nesta oportunidade, fazer ardentes votos para que, em relação ao Distrito Federal, pelo menos, na apuração dos índices de nossa cultura popular, em 1940, os números já tenham "enxugado as lágrimas" com que, em 1934, se apresentaram envergonhados à análise, patrioticamente emocionada, de Teixeira de Freitas.

Rio de Janeiro, maio de 1938.

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PARTE II

EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

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CAPÍTULO I

A VOLTA À IDADE MÉDIA*

Qualquer estudante de história da educação (e eles são muitos atualmente no Brasil, pois é matéria constante do currículo dos cursos normais de formação de professores primários) sabe perfeitamente que a educação, a instrução, até o fim da Idade Média, era um problema particular, da família, e um privilégio das classes dominantes. A instrução estava, no mundo ocidental, quase toda entregue à Igreja Católica, e as famílias contratavam preceptores para educar e instruir em casa, os filhos, para a vida da sociedade da época. Não havia a instrução pública. Quando começa a Renascença, ou seja, o início da ascensão da burguesia ao poder público, uma das reivindicações mais insistentes da nova classe que vinha liquidar o feudalismo era justamente uma instrução generalizada que preparasse a nova classe operária para o trabalho industrial que surgia e os filhos das classes dominantes para as novas tarefas de direção da nova sociedade, primeiro mercantilista e depois industrial, o que se traduziu, no aspecto político, pelo advento da democracia liberal-burguesa.

* Este artigo foi publicado originalmente em O Semanário, Rio de Janeiro, janeiro de 1959. Posteriormente, foi incluído no livro Problemas brasileiros de educação (Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1959). Com ele, foi iniciada a grande campanha nacional contra o chamado "substitutivo Carlos Lacerda" ao Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e cunhada a expressão "volta à Idade Média" ou "projeto medieval", como ficou conhecido o referido substitutivo.

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Já agora era preciso dar também ao cidadão comum, que escolhia seus mandatários pelo voto, uma instrução capaz de torná-lo apto para o desempenho dessa função social básica, cabendo ao Estado proporcionar, com a instrução pública, uma rede de instituições que facultasse a todos, sem distinção nem privilégios, essa formação. Ninguém pensava então em qualquer oposição entre as famílias, os cidadãos e o Estado, pois este era uma emanação da vontade daqueles. Naturalmente a Igreja Católica, que via assim perdidas suas prerrogativas seculares de direção ideológica da sociedade, não podia se conformar com tal situação, e sua oposição à educação pública, a grande conquista da democracia liberal do século 19, continuou e continua até hoje, aberta ou sub-repticiamente. Nesse sentido, os períodos de reação, de retrocesso, são sempre caracterizados pela ofensiva da Igreja para retomar a direção do ensino, sob o pretexto de que esse é um problema particular das famílias, uma questão privada, e que não cabe ao Estado intrometer-se nele, mas apenas facilitar os meios para que os pais eduquem e instruam os filhos como e onde desejarem. Assim, a característica dos países atrasados é sempre a predominância do ensino particular sobre o público. A democracia capitalista mais avançada – os Estados Unidos da América do Norte, por exemplo – orgulha-se, com razão, de sua portentosa organização de educação pública, e resiste tenazmente a desviar recursos dos orçamentos públicos para custear ensino particular, e muito menos confessional. Ali, ninguém se lembra de levantar a tese retrógrada de que o Estado coage os pais ou a liberdade de pensamento quando organiza o ensino público. No Brasil, apesar da distância que nos separa dos Estados Unidos em matéria de desenvolvimento econômico, fomos criando nosso sistema de ensino público, através de todas as vicissitudes e, apesar de todas as deficiências que apresenta, é o que merece o favor do povo, que procura avidamente as escolas públicas e luta por obter vagas nos estabelecimentos do Estado, onde o ensino é sempre de melhor qualidade, o professor melhor remunerado, e não sujeito às injunções e coações dos proprietários dos colégios. Assim é que a escola pública primária no Brasil, mantida principalmente pelas unidades federadas, é absolutamente majoritária, como se pode ver pelos seguintes dados oficiais relativos ao ano de 1958: 1958 – Matrícula geral no ensino fundamental comum

Como se vê, numa matrícula de 5.775.246, o ensino particular consegue obter apenas uma "freguesia" de 720.745 alunos, ou seja, 12,5% em todo o País. Apesar de todas as deficiências, o ensino público primário é o que ainda temos de melhor no ensino oficial brasileiro, necessitando apenas de ser estendido cada vez mais e do aperfeiçoamento permanente do professor, que já cumpre uma admirável tarefa, apesar das condições, em geral precárias, em que trabalha.

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Aqui é preciso notar que não se deve imaginar que o ensino primário possa ser rapidamente estendido a certas regiões e erradicado o analfabetismo, pois esse é um processo que depende fundamentalmente do próprio desenvolvimento econômico do País: cada região que entra no processo de desenvolvimento começa a exigir mais e melhor ensino, e não ao contrário, como geralmente se pensa, de que o desenvolvimento econômico depende da existência prévia de escolas. Em relação ao ensino secundário é que a situação do Brasil se apresenta mais grave, e isso também resulta principalmente do estágio de desenvolvimento em que ainda nos encontramos. Mas, nesse particular, o Brasil apresenta uma anomalia séria e única em todo o mundo, qual seja, exatamente o fato de quase 80% do ensino secundário de grau médio estar entregue a particulares: daí é que decorre toda a crise em que se debate esse grau de ensino. O ensino secundário no Brasil somente entrará num caminho de regularização, progresso e eficiência, quando o Estado dispuser de recursos para inverter essa porcentagem, ou seja, mantendo pelo menos uns 70% da educação secundária de todos os tipos, como continuação normal da educação primária, e deixando aos particulares o restante, com toda a liberdade de organizar o ensino como entenderem e cobrando as taxas que julgarem remuneradoras para o capital investido em seus estabelecimentos. Ninguém pode nem deve impedir que os pais das meninas "bem" as coloquem no Colégio Sion, por exemplo, pagando o que as santas madres julgarem que vale a educação que ali se ministra… Mas, privar a maioria do povo brasileiro da educação secundária pública e gratuita, ministrada pelos estabelecimentos do Estado, Estado esse constituído pelo voto do próprio povo, como delegação sua, é uma enormidade que se custa a crer ainda seja defendida nos dias de hoje. Aliás, o povo acorrendo em massa aos colégios do Estado (Pedro II, Militar, Instituto de Educação, Escola Técnica Nacional, escolas superiores oficiais, etc.) somente na capital da República, demonstra perfeitamente o que se pensa a respeito da tão discutida "liberdade de ensino", do "monopólio do Estado", etc., que vem agitando as altas rodas do pensamento reacionário e clerical do país. O povo quer é mais ensino público, mais vagas em estabelecimentos do Estado, e é essa ânsia do povo que o Estado deve satisfazer com a maior urgência e solicitude. O substitutivo do deputado Carlos Lacerda ao projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que transforma, na prática, todo o ensino brasileiro em ensino particular, é pois um monstrengo, atrasado de vários séculos, e que deve ser combatido sem tréguas, por todas as correntes do pensamento democrático e progressista brasileiro. Mesmo porque acima de tudo é frontalmente inconstitucional em face do que dispõe o artigo 167 da Constituição de 18 de setembro de 1946, que diz, com clareza iniludível: "O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulam".

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CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO*

Permita-me tomar como pretexto o editorial de ontem de seu prestigioso jornal, intitulado "Fora das metas", para tecer alguns comentários que me parecem oportunos para o melhor esclarecimento desse problema tão complexo quanto importante que é o da educação no Brasil. Faço-o, não somente como técnico de educação do Ministério da Educação e Cultura, mas também como quem, há mais de trinta anos vem se dedicando unicamente aos problemas de educação, tendo sido contemplado com a feliz oportunidade de participar diretamente dos grandes movimentos de reforma do ensino no Brasil dirigidos por Carneiro Leão, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho ou liderados pela Associação Brasileira de Educação. Mas, acima de tudo, por julgar que ninguém, com alguma responsabilidade na matéria, se deve furtar a trazer, neste momento, algum subsídio que possa concorrer para o melhor entendimento da questão. Não sendo possível, evidentemente, abordar numa carta o problema em toda a sua complexidade, vou me referir, apenas, depois de assentar algumas premissas, às três divisões básicas do ensino: o primário, o médio e o superior.

* Carta ao Diário de Notícias, a propósito do editorial intitulado "Fora das metas", de 13 de fevereiro de 1959; publicada em 17 de fevereiro de 1959.

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Preliminarmente, parece-me importante assentar que educação não é alguma coisa de mirífico, alguma panacéia ou alguma fórmula mágica que, aplicada sobre uma dada região, faça produzir, como por encanto, a transformação, o progresso ou o desenvolvimento da mesma. Do meu ponto de vista, é esse um dos enganos, muito freqüentes, de educadores, homens públicos e publicistas, com repercussão no povo em geral, ocasionando grandes dificuldades na melhor compreensão do problema. Entre nós, chegou-se até à fórmula extrema, cunhada em frase célebre de Miguel Couto: No Brasil só há um problema – o da educação (Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Commércio, 1927). Penso que tal confusão resulta da própria natureza do fenômeno da educação, que apresenta o duplo aspecto de um fenômeno de caráter permanente e de caráter histórico. A educação é um fenômeno de caráter absolutamente geral e permanente, pois em todas as épocas e em todos os tipos de sociedade, cada indivíduo que nasce imediatamente passa a sofrer o processo educativo, que não cessa até a morte. Mas, de outro lado, a educação, o ensino, são fenômenos de caráter histórico, que variam de acordo com a época, com o tipo de sociedade e até com o ambiente particular em que o indivíduo vive. A educação escolar propriamente dita é um fato tardio na história, e a educação pública, então, é relativamente recente, produto de condições determinadas de um período histórico. O que desejo concluir dessa pequena digressão é que a educação escolar, o ensino, em suas características fundamentais, depende do estágio de desenvolvimento de cada comunidade, e não o contrário. Em resumo: escola, por si só, não cria desenvolvimento; escola profissional não cria indústria; universidade não promove por si mesma as condições para a pesquisa e para a criação científica em nível superior. Sei que essas considerações são chocantes para muitas pessoas de boa-fé, que estão absolutamente convencidas de que, se pudermos espalhar escolinhas primárias por todo o território nacional, o Brasil será redimido com essa providência tão simples; se transformarmos todo o ensino médio em ensino profissional, de ofícios, teremos industrializado o País… Infelizmente, é quase o contrário o que acontece, na realidade. Uma região quando começa a entrar no processo de desenvolvimento, o que se dá por argumentos de ordem econômica, passa a exigir a escola ou ensino de melhor qualidade e mais diversificado, o que, por sua vez, vem reforçar e consolidar o desenvolvimento, num processo que poderemos chamar de dialético. Da mesma forma, a indústria, quando começa a se desenvolver e atinge certo estágio, exige a formação de pessoal especializado e força a criação de escolas ou cursos adequados às suas necessidades. As forças econômicas e as circunstâncias que produzem o aparecimento da indústria, através dos respectivos empresários, não se detêm na falta de mão-de-obra especializada, mas vão buscá-la onde estiver, incluindo em seus planos os contratos da que lhe for necessária ou passa a formá-la à medida que se desenvolve. De outro lado, ninguém se prepara em cursos longos e especializados se não existe mercado certo de trabalho para as respectivas especialidades: é o caso de nossas escolas de engenharia que até há bem pouco só preparavam quase exclusivamente engenheiros civis, de formação geral, que se adaptavam depois ao trabalho especializado que pudessem obter para exercer a profissão. É o caso ainda mais típico

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de nossas escolas de agronomia, que continuam formando um número relativamente pequeno de profissionais, porque nossa agricultura não chegou ainda a um estágio de desenvolvimento que exija o emprego de maior número de técnicos de nível superior. Assentadas essas premissas, por cujo tom professoral peço as devidas escusas, pois é um vício da formação profissional e também resultado do resumo excessivo, passemos à análise rápida da situação dos três graus de ensino. O ensino primário no Brasil, apesar de todas as deficiências que apresenta, e elas são enormes, conforme o editorial tão bem assinala, é o que de melhor temos em matéria de instrução pública. Apesar de todas as vicissitudes, cada unidade federada conseguiu estabelecer um sistema de ensino público primário, inteiramente gratuito, em que trabalha um professorado que, de modo geral, cumpre sua tarefa com dedicação, apesar das condições precárias em que tem de agir. Nessa organização de ensino público primário, quaisquer que sejam os critérios adotados para julgá-la ou medir-lhe a eficiência, é preciso distinguir, para a boa compreensão do problema, o que é decorrente das condições de desenvolvimento das várias regiões do País e o que deve ser atribuído ao descaso, à irresponsabilidade e à incapacidade dos respectivos administradores. Sobre o primeiro aspecto, é preciso notar que a taxa global de analfabetismo vem baixando, muito lentamente é bem verdade, à proporção que o País se desenvolve, e isso é fatal, pois desenvolvimento, industrialização, urbanização exigem e forçam a alfabetização. De outro lado, observe-se que as várias regiões apresentam taxas muito desiguais de analfabetismo, demonstrando ainda uma vez a correlação entre desenvolvimento e alfabetização. (Essas taxas, como se sabe, variam entre cerca de 80% e 10%). A correção dessa situação só se fará gradativamente através do próprio processo de desenvolvimento. Por isso, não temos grandes entusiasmos por essas campanhas indiscriminadas de alfabetização, que consomem grandes recursos, quase sempre com resultados duvidosos, de mera propaganda política ou pessoal. Preferimos um emprego tópico de verbas, onde realmente for compensador. Uma aplicação racional do Fundo Nacional de Ensino Primário, previsto na Constituição Federal, parece-nos a fórmula acertada do Governo Federal colaborar com os Estados na ampliação e melhoria dos sistemas escolares primários. A evasão escolar é outra característica, não apenas do ensino primário brasileiro, mas de todos os países subdesenvolvidos: a criança abandona a escola, antes de concluir os respectivos cursos, por motivos de ordem fundamentalmente econômicos – necessidade de trabalhar precocemente, a miséria, a doença, etc. Desenvolvimento, riqueza, significam também maior possibilidade de permanência das crianças nas escolas e cursos mais longos. Finalmente, o próprio caráter do ensino, mais ou menos livresco, melhor ou pior adaptado às necessidades da vida, do trabalho, e a conseqüente formação do professor, também dependem, primacialmente, do que estiver se passando fora da escola, do que a sociedade estiver exigindo, do seu desenvolvimento econômico. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Paschoal Lemme em sua biblioteca, na casa da Tijuca, Rio de Janeiro, 1978.

Isso tudo, porém, não absolve ninguém, nenhum administrador, do descaso, da irresponsabilidade, da incapacidade. E não podemos deixar de citar, mesmo a contragosto, o exemplo do Distrito Federal, que conhecemos melhor, com um enorme déficit de escolas, e a maioria das existentes mal aparelhadas, resultando nesse vergonhoso espetáculo das filas para a disputa de vagas nas escolas. Entretanto, creio que as coisas estariam em condições muito diferentes se não tivesse sido interrompido o ritmo em que o problema foi colocado pelas administrações Carneiro Leão (1924-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (19311935). Note-se que não estamos justificando a situação em que se encontra o ensino primário no Brasil, mas apenas procurando distinguir, para esclarecer, o que depende das condições gerais do País, de seu desenvolvimento, e o que deve, ou melhor, deveria estar sendo feito, ou o que nunca poderia deixar de ter sido feito, pelo aperfeiçoamento dos sistemas de ensino público primário no Brasil. Passando agora para o ensino médio, vamos nos defrontar com os problemas mais complexos e mais difíceis de tratar, com isenção e serenidade, e isso resulta também de condições históricas e de peculiaridades do desenvolvimento nacional. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Como se sabe, o ensino secundário, como organização, nasceu antes do primário, sendo destinado exclusivamente às classes altas da sociedade, para o desempenho das posições de direção, tendo sua base nas letras clássicas, e especialmente no latim. A burguesia nascente, a partir do século 16, naturalmente forçou sua transformação para melhor adaptá-lo às suas novas necessidades; mais tarde, as classes trabalhadoras, pelos seus líderes, passaram a reivindicar, também para si, o acesso ao ensino médio. Entretanto, a divisão em classes determinou desde logo a diversificação desse grau de ensino em vários ramos com a manutenção do ensino clássico para as classes superiores da sociedade e a criação do ensino profissional de várias modalidades para as outras classes sociais. Aqui, como se vê, é também a sociedade que modela a escola e não o contrário. Os velhos países da Europa lutam até hoje pela unificação desse grau de ensino, não o tendo conseguido, completamente, até agora. Somente o país capitalista mais avançado, os Estados Unidos da América do Norte, sem o peso das tradições medievais e com os fartos recursos de sua riqueza e desenvolvimento, pôde organizar um sistema de ensino médio unificado em continuação ao primário. Não nos referimos à União Soviética, que pôs o ensino, em todos os graus, ao alcance de todos, porque o regime socialista, ali vigorante, empresta um caráter especial ao problema. O Brasil, porém, além do impacto de todos esses fatores, de suas características e de seu estágio de desenvolvimento, apresenta, em relação ao ensino secundário, um fenômeno absolutamente particular, uma verdadeira anomalia, única no mundo, segundo me parece: a alta porcentagem desse grau de ensino que está entregue a particulares (cerca de 80%). Em minha opinião, daí decorrem todas as vicissitudes que esse grau de ensino vem sofrendo entre nós. Não é o numero de séries, não é a existência de mais ou menos latim, de mais ou menos ciência, a presença ou ausência do francês ou do inglês no currículo; não é o maior ou menor número de feriados escolares durante o ano letivo; nem mesmo a deficiente formação do professor que determinam a grande crise em que se debate o nosso ensino secundário. É que o Brasil não conseguiu ainda organizar um sistema de ensino público secundário, em continuação ao primário, como o puderam fazer mesmo países em estágio de desenvolvimento semelhante ao nosso. E em mãos de particulares, em tão alta porcentagem, a defender interesses privados, ainda quando tenham a melhor boa vontade, as mais puras intenções e a mais perfeita idoneidade, não é possível instituir um sistema de ensino médio que realmente convenha e satisfaça ao povo brasileiro. Sei que essa minha afirmação provocará uma reação tremenda da parte de quantos, na melhor boa-fé, inclusive seu próprio ilustre autor, inspiraram e vêm se batendo pela adoção do substitutivo do deputado Carlos Lacerda ao Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em discussão na Câmara dos Deputados, o qual torna, na prática, todo o ensino brasileiro, particular. Mas, evidentemente, senhor diretor,1 não podia me dirigir a V. Sª, como ora o faço, senão para expressar minha opinião com toda a franqueza.

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O diretor do Diário de Notícias a que se refere o missivista, na época, era o Dr. João Ribeiro Dantas. (N. do O.)

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É claro que essa luta pelo estabelecimento de um sistema de ensino público de grau médio no Brasil será longa e árdua e dependerá, como dissemos, do processo de desenvolvimento do País. Sobre isso não temos qualquer ilusão. Mas a adoção de uma solução como a preconizada no substitutivo Lacerda, que para mim representaria um retrocesso à Idade Média, como disse em outro lugar, seria uma verdadeira calamidade, como tudo o que pretende fazer parar ou regredir o processo histórico. O de que o Brasil precisa e o povo deseja é mais e melhor educação pública, e isso é claramente apontado pelo próprio povo quando acorre, em massa, a disputar as minguadas vagas nos estabelecimentos oficiais de ensino (Colégio Pedro II, Instituto de Educação, Colégio Militar, Escola Técnica Nacional, escolas superiores oficiais). Veja, senhor diretor, que não desço a qualquer minúcia sobre reformas de ensino, pois desejo ficar no mesmo plano geral do editorial que motivou estas linhas. Entretanto, como indicação geral, penso que não sendo possível inverter a porcentagem do ensino público de grau médio em relação ao particular, em prazo curto, deveríamos ao menos caminhar para uma unificação relativa desse grau de ensino, tornando-o mais democrático: um curso único, intermediário, entre o primário e o secundário, propriamente dito, de dois ou três anos, e, em seguida, os cursos de nível médio, com a variedade conveniente, mas todos permitindo igualmente o acesso ao ensino superior. Sobre o ensino superior diremos apenas algumas palavras. Não acreditamos em planos gerais de reforma desse grau de ensino. Preferimos as soluções tópicas, que felizmente já estão sendo adotadas, sob a direção de um homem sério, de visão e experiência, como é o professor Ernesto Luís de Oliveira Júnior. Em cada caso e de acordo com as circunstâncias e as necessidades, o Governo Federal fará convênios com os estabelecimentos de ensino superior para a criação ou melhoria dos cursos que vão se fazendo necessários, em face das exigências do desenvolvimento do País. Isto não quer dizer, porém, que cada curso em conjunto, medicina, engenharia, direito, etc., não se deva estudar, como já o estão fazendo os respectivos planos de reformas gerais, com a prudência que o problema requer. Repare, senhor diretor, que não ponho qualquer ênfase na discussão da chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Como é muito comum, no ambiente em que ainda vivemos, cercou-se essa lei de uma verdadeira mística, do caráter de verdadeira panacéia para a cura de todos os males do ensino no Brasil. Dentro de meu ponto de vista, nunca pensei assim. E, mesmo com o risco de provocar o escândalo de muitas pessoas, devo declarar que sempre me pareceu benéfica a demora na elaboração dessa lei, pois os problemas altamente complexos que ela pretende resolver só agora começam a amadurecer e a ganhar alguma perspectiva, com a possibilidade de se chegar a soluções mais acertadas. Sua decretação precipitada traria fatalmente o perigo de estarmos novamente pensando em reformá-la, com grave desprestígio para as reformas, além das inevitáveis dificuldades de modificar uma lei dessa natureza. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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É preciso terminar, senhor diretor, apesar de ter ficado em aberto a maioria dos aspectos desse problema tão controvertido. Espero, porém, ter a oportunidade de abordá-los em outra ocasião. Realmente, como muito bem diz o editorial em questão, "educação não é estrada, não é represa, não é palácio". Mas, a educação, o ensino que pretendemos proporcionar ao povo brasileiro, depende fundamentalmente de tudo isso, desde que tais metas se traduzam, efetivamente, nos fatores de desenvolvimento, de progresso básico do País. Nesse sentido, penso mesmo que a fórmula adotada pelo atual governo de "educação para o desenvolvimento" deveria ser modificada para a de "desenvolvimento para mais e melhor educação".

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CAPÍTULO III

O ENSINO É PRIVILÉGIO...*

Rio de Janeiro, 2 de abril de 1959. Prezado Dr. Paulo Silveira, Foi com a maior satisfação que, lendo anteontem seu comentário intitulado "Ensino é privilégio", verifiquei que a causa da instrução pública acabava de ganhar mais um defensor em sua pena denodada, lastreada no prestígio popular de Última Hora. Penso que no meio de toda essa confusão propositada, estabelecida em torno da questão do ensino no Brasil, é preciso denunciar energicamente, como acaba de fazer, a ação dos grupos de pressão que, movidos por interesses sectários, comerciais ou ambos, pretendem, num momento de dificuldades, levar a Administração Pública à parede, sob as falsas acusações de ela exercer ou pretender exercer um "monopólio" sobre o ensino, ou de violar o "sagrado direito das famílias" de escolherem para seus dependentes o tipo de educação que julguem lhes dever proporcionar. Ora, evidentemente, isso é uma impostura, pois o que na realidade está acontecendo é que o Estado brasileiro é tremendamente faltoso em seu dever imprescin-

* Carta ao diretor do jornal Última Hora, Rio de Janeiro, publicada na sexta-feira, 3 de abril de 1959.

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dível de oferecer à maioria do povo brasileiro ensino gratuito e cada vez de melhor qualidade. E, ao lado dessa falta grave, é extremamente tolerante com os estabelecimentos de ensino particular, que têm a mais completa liberdade, inclusive a de ministrar ensino da pior qualidade, pois, como é notório, a fiscalização do Ministério da Educação e das autoridades de educação estaduais e municipais se resume a uma inspeção de caráter meramente burocrático, que não atinge a qualidade do ensino, nem exerce qualquer coação sobre diretores e professores. Os colégios particulares no Brasil têm, assim, a mais completa liberdade de orientar o ensino como entendem e de organizar as provas de promoção e conclusões de curso, aprovando e promovendo sua freguesia a seu bel-prazer e até se servindo do número de aprovações como propaganda comercial… Quanto à pretensa imposição de cursos, currículos e programas, é preciso não esquecer, e é de má-fé que o fazem, que tais imposições são oriundas de leis votadas pelo Congresso, Congresso esse que é constituído pelo voto das famílias que poderão influir tanto mais na constituição do mesmo, quanto mais cultas forem e mais clara tiverem a orientação que desejam dar aos filhos. Assim, quando as autoridades executivas de educação estão apenas cumprindo uma lei votada pelo Congresso, constituído pelo voto democrático de todas as famílias, só pela mais solerte mistificação é que poderão ser acusadas de exercer monopólio ou cercear a liberdade de quem quer que seja. Como é sabido, foi justamente em face da omissão do Estado em oferecer instrução pública gratuita – em todos os graus, na medida do crescimento e do desenvolvimento do País e da pressão cada vez maior exercida, especialmente pelas classes médias, nos últimos tempos, no sentido de gozar também do privilégio de dar aos filhos educação de nível secundário, especialmente a conducente ao ensino superior, antes quase que somente acessível às classes mais ricas, e isso em virtude das novas exigências que se iam criando na sociedade brasileira – que resultou na proliferação dos colégios particulares, notadamente secundários, que, em breve, conscientes de sua força, em face dessa omissão do Estado (detêm em suas mãos, como se sabe, quase 80% da matrícula dessa modalidade de ensino), passaram a desafiar o Estado e a exigir cada vez maiores prerrogativas, arvorando-se em intérpretes da família brasileira, que nada lhes encomendou e, ao contrário, vem sofrendo o impacto das taxas cada vez mais altas, e de um ensino cada vez pior, situação essa que culminou agora (aliás, facilmente previsível), no impasse que desorganizou totalmente o ensino no início do corrente ano letivo. Essas exigências, impertinências e imposições culminaram agora na apresentação de um substitutivo ao Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em elaboração no Congresso – o substitutivo Lacerda – pelo qual o ensino brasileiro passava todo para o controle de organismos particulares. A aprovação desse projeto medieval, como tão bem o classifica em seu comentário, isso sim redundaria no estabelecimento da pior espécie de monopólio do ensino no País, exercido por grupos sectários e comerciais minoritários, privando o povo brasileiro daquilo que hoje é muito mais do que uma simples "liberdade", mas um direito imprescindível de receber do Estado ensino gratuito e da melhor qualidade possível

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em troca dos recursos que entrega ao governo sob a forma de impostos e taxas. O que é mais engraçado é que esses grupos minoritários que gritam contra supostos "monopólios" e por "liberdades" em nome das famílias, além de não serem fiscalizados devidamente em suas atividades como o deveriam ser, conforme dissemos, têm recebido e continuam a receber do governo os maiores favores até com grave prejuízo para o ensino público concorrente. Para citar apenas um exemplo recente: no momento exato em que essas forças sectárias desfechavam seu ataque tremendo contra o governo e a instrução pública, esse mesmo governo entregava 20 milhões de cruzeiros a uma dessas entidades sectárias de ensino superior particular – a Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica (que, aliás, desde sua fundação, vem recebendo enormes favores do Estado, em subvenções, terrenos valorizadíssimos, etc., etc.) – enquanto a velha e tradicional Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil continua a vegetar no Largo de São Francisco à falta de maiores recursos para ministrar um ensino de engenharia moderno, como estão a exigir os interesses do desenvolvimento do País. Isto para não falar na decantada Cidade Universitária, cuja construção se arrasta há quase vinte anos. Que política é essa de subvencionar regiamente um estabelecimento de ensino particular e sectário, que cobra taxas que o tornam acessível somente a uma ínfima minoria dos filhos das classes mais ricas, e abandonar à própria sorte o estabelecimento oficial tradicional situado na mesma cidade e onde o ingresso é feito, não pelas posses dos alunos, mas por um exame vestibular dos mais difíceis? A política de um Estado democrático deve ser exatamente o contrário: não desviar um ceitil sequer do orçamento público para o ensino particular e, ainda menos, sectário, quando haja, como no caso em apreço, condições para oferecer ensino gratuito da mesma modalidade e nas melhores condições possíveis. É essa, aliás, a orientação seguida pelos Estados Unidos da América do Norte, que se orgulham muito justamente de sua portentosa organização de ensino público, e onde a opinião pública não aceita, em absoluto, a distorção de recursos orçamentários do Estado para o ensino particular confessional, que vem sendo energicamente repelido em todas as tentativas nesse sentido. De passagem, é curioso assinalar que essas forças sectárias, que, entre nós, procuram sempre os exemplos norte-americanos, e até julgam que é muito salutar a tutela que esse país exerce sobre nações menos desenvolvidas como é o caso do Brasil, no entanto, fingem esquecer de trazer para o Brasil o exemplo da organização do ensino norteamericano nesse particular. Assim, reputo um erro dos mais graves e de conseqüências desastrosas a solução que acaba de ser dada pelo governo à questão dos colégios particulares, subvencionando-os maciçamente, reforçando, pois, aquilo que num Estado democrático deve constituir a exceção, a minoria, ou até mesmo uma excrescência ou uma anomalia. No meio de toda essa confusão, pois, é preciso não ceder, não cansar de repetir: a instrução pública é uma conquista irreversível da História, que deve ser sempre e cada vez mais ampliada e não restringida ou ameaçada por manobras sectárias obscurantistas medievais; a instrução pública gratuita é dever do Estado Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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democrático moderno e direito do cidadão que paga impostos e que precisa ser formado para a cidadania e para a vida profissional, em seu próprio benefício e da comunidade; a instrução pública não pode, por isso mesmo, ser objeto de negócio (ainda que o empresário seja portador da mais rígida integridade moral e cultural e da mais completa honestidade de propósitos), e muito menos motivo de ameaças obscurantistas de fantasmas da Idade Média, ou de manobras sectárias que já foram derrotadas nos fins do século 18 pelo progresso, pela civilização, pela marcha irreversível da História. Em matéria de ensino, o que mede o grau de extensão da democracia existente num determinado Estado é o esforço que esse Estado estiver fazendo, continuamente, no sentido de assegurar ao maior número possível de cidadãos oportunidades iguais de acesso ao ensino, à educação e à cultura. E isso só pode ser feito através de uma organização sempre aperfeiçoada de instrução pública gratuita e até obrigatória, dentro de certos limites. Quanto à "liberdade" das famílias, de que essas forças sectárias se dizem representantes e tanto se ufanam em defender, exercerão o seu direito de proporcionar aos filhos o ensino que julguem melhor, ou através de instituições por elas próprias criadas e totalmente pagas, ou através do livre jogo do processo democrático, influindo junto aos seus representantes nas assembléias democráticas, no sentido de legislar sobre educação e ensino, de acordo com seus pontos de vista. O resto é pura mistificação. São essas, Dr. Paulo Silveira, as considerações que desejava fazer, por agora, a propósito de seu oportuno comentário, pedindo relevar-me a extensão das mesmas, fruto da indignação com que venho acompanhando essas manobras interesseiras, as hesitações e até a franqueza do Governo, eu, que há mais de trinta anos, e com muita honra, sou unicamente um servidor da instrução pública de meu País. Muito cordialmente, Paschoal Lemme

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CAPÍTULO IV

AINDA SOBRE A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL*

É com o maior prazer que atendo à solicitação do Diário de Notícias para falar sobre o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, isso apesar de hoje, infelizmente, divergir da linha política atualmente seguida pelo grande matutino e mais ainda e, profundamente, de quase todos os seus mais ilustres redatores. Nunca me esqueço, porém, que o Diário de Notícias nasceu empunhando a bandeira da renovação escolar naqueles tempos da Reforma Fernando de Azevedo, em que, diariamente, Nóbrega da Cunha ou Cecília Meireles explicavam ao povo os ideais do grande movimento e o defendiam contra os ataques do atraso e da má-fé. Desde aí, o Diário de Notícias mantém a liderança indiscutível na divulgação de assuntos de educação e seu Diário Escolar é a seção mais bem organizada que se pode encontrar na imprensa brasileira. Conheço, também, por experiência própria, a grande penetração que tem o que se escreve sobre educação, em suas páginas: o número de pessoas que se manifestam, por terem lido com atenção a matéria divulgada, é impressionante.

* Entrevista solicitada pelo Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Publicada em O Semanário (9-15 de abril de 1960), com a seguinte nota: "Por falta de espaço ou por qualquer outro motivo, o Diário de Notícias depois de solicitar a presente entrevista, não pôde ou não quis publicá-la na íntegra, prejudicando a compreensão do pensamento do Autor". Também foi incluída no livro Problemas brasileiros de educação (Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1959. 190 p.).

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Muito já se falou sobre o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, atualmente em trâmite no Senado, mas o problema é de tal maneira relevante e complexo que sempre cabe dizer alguma coisa mais, sempre há um aspecto que deve ser ainda debatido, que deve ser acentuado ou esclarecido. O que desejo ressaltar em primeiro lugar, como fato para mim da mais alta significação, é a mobilização da opinião pública que se verificou em torno da questão. Até bem pouco tempo, os problemas da educação, que interessam a todo o povo, a todas as camadas sociais, eram discutidos apenas pelos entendidos, por técnicos e professores, e as reformas se faziam nos gabinetes. Os debates e as controvérsias sobre a lei básica de diretrizes e bases da educação nacional, porém, ganharam as ruas. Parece, pois, que tinha alguma razão quando dizia, contra a opinião de quase todos os meus colegas, que a demora na elaboração dessa lei fundamental foi de "certa forma benéfica, porque permitiu uma melhor sedimentação de pontos de vista e evitou a precipitação num problema em que as "reformas" pouco têm correspondido às esperanças e por isso são olhadas com descrença" (entrevista a O Nacional, de 26 de novembro a 4 de dezembro de 1957). Mas nessa luta pela elaboração de uma lei que venha corresponder de fato às mais sentidas necessidades do povo brasileiro é preciso destacar a atuação dos estudantes, especialmente dos líderes da União Nacional dos Estudantes (UNE). Tive vários contatos diretos com aquela casa da Praia do Flamengo, vibrante de entusiasmo e patriotismo, a chamado dos estudantes, para debates sobre a referida lei, e devo declarar que me senti plenamente confiante nos destinos do Brasil, que possui uma mocidade com tal interesse e disposição de luta por um problema de natureza tão importante. Os estudantes, com rara acuidade, penetraram o fundo da questão, perceberam melhor do que muita gente responsável as ameaças que pesavam sobre a educação brasileira e daí saiu límpido o movimento de defesa da escola pública, em face dos ataques coordenados do obscurantismo e do "negocismo". Esmiuçaram o longo anteprojeto, cheio de aspectos técnicos e de armadilhas ali postas por mãos solertes ou desprevenidas e localizaram exatamente os artigos que devem ser escoimados pelo Senado para que a lei corresponda ao que o País dela espera. Afrontando toda sorte de incompreensões e a campanha de descrédito dos interessados, conseguiram mobilizar verdadeiramente a opinião pública nacional e dar um apoio efetivo aos educadores progressistas que vinham lutando para obter o melhor do Congresso Nacional. Já agora ninguém desconhece que há alguma coisa de grave que se pretende fazer com a educação do povo brasileiro e que é preciso evitar. O exemplo do ensino normal do Distrito Federal é típico. Convocado à UNE pelos estudantes, para debater, em nome deles, com os ilustres deputados Aderbal Jurema e Aurélio Viana, o primeiro, relator do anteprojeto na Comissão de Educação e Cultura, e o segundo, um dos mais enérgicos e brilhantes lutadores, para que a Câmara aprovasse uma lei à altura de suas responsabilidades, não consegui fazer vitorioso meu ponto de vista de que a redação adotada pelo Comissão impedia uma unidade federada, no caso o Distrito Federal, de adotar para a formação de seus professores primários um regime próprio, isto é, o preparo exclusivo em estabelecimentos oficiais de ensino municipal, sem permitir a competição do ensino normal particular. Isso era considerado antidemocrático por aqueles ilustres deputados,

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porque permitia o acesso de todos aos cargos de professores primários municipais. Foi inútil esclarecer que, em primeiro lugar, fere a autonomia dos Estados a imposição de normas para recrutamento de seu pessoal, pois o que a Constituição estabelece em seu artigo 184 é que: "Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, observados os requisitos que a lei estabelecer". O Distrito Federal conseguiu implantar um regime de formação de seus professores primários em estabelecimentos mantidos pela própria municipalidade, nos quais a admissão se faz democraticamente por meio de concurso, que é célebre pela sua severidade, proporcionando uma seleção indiscutível. O ensino nesses estabelecimentos aprimora-se continuamente, e sua ampliação, para atender às necessidades do ensino do Distrito Federal, tem sido feita gradativamente. Pois bem, se o anteprojeto de lei for aprovado pelo Senado, toda essa organização desmoronará, com a concorrência das instituições particulares de ensino, o que, como vimos, nada tem de democrático. Ao contrário, isso redundará em prejuízo de muitas crianças cuja instrução ficará a cargo de professoras mal preparadas. É, pois, perfeitamente justa a luta das normalistas do Distrito Federal. E isso tudo se deve sem dúvida à atuação dos estudantes que tomaram a frente para obter do Poder Legislativo uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que corresponda de fato aos interesses mais legítimos do povo brasileiro, que procuraram obter o apoio da classe operária, organizada em seus sindicatos, que está profundamente interessada na defesa e ampliação da escola pública e agora se dirigem aos pais dos alunos para explicar-lhes o sentido de sua luta e o interesse que eles devem ter em apoiá-la. Mais uma vez, pois, os estudantes, seguindo a tradição histórica, são merecedores da gratidão do povo brasileiro, pois se colocam na vanguarda de uma luta árdua, enfrentando por vezes todo o peso da reação e das incompreensões. Desejo abordar ainda um outro ponto, sem dúvida muito delicado, qual seja o aspecto ideológico, claro ou dissimulado, que tomou a discussão do problema fundamental da escola pública versus escola particular, que se pretende transformar na luta da liberdade do ensino contra o pretenso monopólio do Estado. Todos os argumentos em torno desse problema foram esgotados na discussão travada, no século passado, na França, pelas mais altas figuras da Igreja e do liberalismo francês. A renovação dela é um anacronismo. A "escola pública" é filha dileta do liberalismo em luta contra o medievalismo. É absurdo, pois, querer utilizar a "escola pública" para fins que lhe são estranhos: a formação e a pregação religiosas são absolutamente livres e devem ser realizadas no seio da família, nos templos, na sociedade em geral. Considero um oportunismo indigno das grandes religiões, das grandes idéias religiosas, querer utilizar para suas altas finalidades extraterrenas uma instituição que tem objetivos puramente terrenos, de transmissão de conhecimentos indispensáveis aos homens, na época e no país em que vivem, conhecimentos esses que nem a família ou qualquer grupo particular pode ministrar. São conhecimentos indispensáveis ao cidadão comum, ao profissional, ao artista, que com a elevada técnica de hoje só podem ser devidamente ministrados em instituições especializadas e por pessoal tecnicamente qualificado. E só o Estado, como legítimo representante de "todos os cidadãos", quaisquer que sejam seus credos religiosos ou suas convicções políticas, como coordenador e propulsor dessas atividades, pode Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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organizar. Há a considerar ainda que, nos países subdesenvolvidos, onde o Estado tem que empunhar as alavancas de comando das transformações econômicas e sociais que tirem o país dessa situação, em luta contra forças e grupos privados poderosos que se opõem a essas modificações, em benefício da maioria, a organização e a manutenção da "instrução pública" torna-se um dos deveres precípuos e intransferíveis do Poder Público. Foi o que aliás, muito lucidamente, previu nossa Constituição, quando fixou em dispositivo lapidar e iniludível esse princípio básico do Estado moderno (Art. 167): "O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulam". Pesa assim sobre o Senado a grave responsabilidade de restabelecer no Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a limpidez desse princípio constitucional onde ele foi injuriado no trabalho elaborado pela Câmara Federal. Quanto ao problema ideológico, que as almas tranqüilas e verdadeiramente convictas de "sua verdade" tenham confiança na ação de seus princípios, propagados livremente na sociedade, pois a escola é fruto da sociedade e não ao contrário: a "verdade" que estiver "verdadeiramente" na sociedade estará na escola. Mas, de meu ponto de vista, e é esta também uma convicção antiga, qualquer que seja o desfecho da luta que ora se trava em torno da obtenção de uma lei fundamental de educação, que melhor atenda aos interesses do povo brasileiro e das novas gerações, é preciso, de um lado, não se deixar embalar pela crença ingênua de que, promulgada a lei, no dia de sua entrada em vigor, como num passe de mágica, tudo se transformará. Um brilhante economista brasileiro, Américo Barbosa de Oliveira, já fixou em conceitos muito claros a posição do ensino, da educação institucionalizada ou sistemática, no processo atual do desenvolvimento brasileiro: "As condições de instrução de um povo, como também as de saúde pública, são corolários do nível de vida, sendo este função do desenvolvimento econômico da coletividade" (Conjuntura Econômica Brasileira, v. 3, n. 3-4, jul./dez. 1957). Assim, o nível educacional e também sanitário de um povo depende do grau de desenvolvimento que tenha alcançado a sua economia: "O problema fundamental da coletividade brasileira é o desenvolvimento. Se este marcha bem, os outros problemas vão encontrando solução. Se o desenvolvimento estanca, todos os problemas se agravam"… (idem). Para mim, a transformação mais importante que nós, do Ministério da Educação, devemos introduzir imediatamente na organização dos serviços de educação e que não pode mais ser protelada é a remodelação da atuação do Ministério, eliminando tudo o que sejam despesas supérfluas, dispersão de recursos e concentrando as verbas disponíveis e sua ação numa atividade coordenada e planificada. A descentralização dos serviços de educação, que a Constituição estabeleceu claramente em 1946, já podia estar sendo efetivada há muito tempo. A liquidação de todas essas "campanhas" de caráter nacional, que fragmentam recursos e pouco rendimento dão, é uma medida a ser tomada imediatamente. O Ministério da Educação, pelos seus serviços, sem administração direta, deve oferecer assessoria técnica às Secretarias de Educação dos Estados, de cada unidade federada, nos vários níveis de ensino, fazendo a planificação dos respectivos sistemas de educação e ensino, em cada uma, e mediante convênios, proporcionar o

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auxílio financeiro complementar para a execução estrita desses planos, que poderão ser anuais ou se estender até por um período inteiro dos governos locais. O grande corpo de inspetores, técnicos e assistentes de educação, que perderão a função de fiscalização direta de estabelecimentos de ensino, será constituído em missões técnicas que agirão junto aos serviços locais de educação, por períodos longos, planificando, com as autoridades locais, o desenvolvimento dos sistemas de ensino, proporcionando a ajuda técnica e fiscalizando o cumprimento dos planos elaborados de comum acordo, e a utilização dos recursos concedidos. É essa a única forma pela qual os serviços locais de educação irão se desenvolvendo organicamente e se irá realizando a transição entre o sistema centralizado atual, em que tudo depende de portarias do Ministério, para uma sadia descentralização, em que a realidade viva de cada unidade federada irá sendo atendida ordenadamente. É evidente que essa reorganização se refere especialmente aos ensinos de grau primário e médio, de todas as modalidades. Quanto ao ensino superior, a autonomia universitária, continuada com a assistência financeira proporcionada pelo Governo Federal, irá fortalecendo, desenvolvendo e diversificando o nosso sistema de educação superior, mantido seu caráter nacional, pois visa principalmente à formação de profissionais de nível superior, cujas atividades têm âmbito nacional e seu exercício é regulado por legislação federal. Desse modo, qualquer que seja a lei que o Poder Legislativo entregue ao País, o Ministério da Educação já deve ter o seu caminho traçado: assistência técnica e financeira aos Estados, ao invés de portarias e fiscalização direta; auxílio à expansão planificada dos sistemas de educação locais em lugar de "campanhas" de caráter nacional, comandadas do centro; concentração de recursos na execução dos planos estaduais em substituição à fragmentação atual. E assim restará um campo enorme para a ação federal, que os Estados necessitam e solicitam com avidez, e não haverá lugar para o saudosismo das portarias executivas, uniformizadoras e inoperantes. Aliás, há agora um fato que facilitará e mesmo exigirá essa transformação radical da organização do Ministério da Educação: com a mudança da capital para Brasília, os funcionários técnicos do Ministério não mais poderão nem precisarão se amontoar no edifício-sede, no planalto, pois estarão operando junto às administrações dos Estados, executando a política de educação traçada pelo Governo Federal, sem depender de troca de ofícios, nem se emaranhar nas teias de uma burocracia estiolante, herdada dos tempos coloniais.

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CAPÍTULO V

UM VELHO SOFISMA*

Na discussão que se trava em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,1 não se trata de abrir qualquer nova "questão religiosa", pois tal questão não existe, felizmente, no Brasil e, quanto ao ensino religioso, desde a Constituição de 1934, está devidamente regulamentado. Mas, ao ponto em que a controvérsia já chegou, em que o Estado, no cumprimento de seu dever elementar de proporcionar instrução a todos, é acusado de pretender exercer um "monopólio", é preciso não ter mais reservas em caracterizar claramente as forças que estão empenhadas nessa verdadeira conspiração contra a escola pública e que sentido tem a "liberdade" de ensino que reivindicam. A acusação e a reivindicação se originam sabidamente nos meios do reacionarismo clerical, do obscurantismo retrógrado, mancomunado com os interesses do mercantilismo do ensino. Ora, como se sabe, quem exerceu o monopólio da educação foi a Igreja

* Estudo publicado no livro Educação democrática e progressista. São Paulo: Editorial Pluma, 1961 1 Será oportuno assinalar que a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024) foi sancionada pelo Presidente João Goulart em 20 de dezembro de 1961. Com a vigência da Constituição de 1988, o Congresso Nacional elaborou uma nova Lei Complementar de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394), sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 20 de dezembro de 1996. (N. do O.)

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Romana, que o perdeu quando o Estado liberal-democrático se constituiu e assumiu, como um dos seus deveres fundamentais, o de proporcionar a educação cívica e a preparação profissional, para formar convenientemente o cidadão do Estado nacional, ao menos teoricamente, em igualdade de oportunidade para todos. E o instrumento para o exercício dessa função foi a escola pública, gratuita, leiga e até obrigatória. Essa função da educação pública, pois, nada tem de transcendental, nada tem a ver com a formação para a "vida sobrenatural", mas se exerce simplesmente no campo das coisas terrenas, não disputando, em absoluto, às religiões, essa preparação para a vida eterna. A educação pública tem, pois, um campo perfeitamente delimitado e a acusação que se pode fazer ao Estado, que deve promovê-la, é a de não estar cumprindo devidamente esse dever, não só na extensão devida como na qualidade conveniente, em vista das necessidades do povo. Não há, assim, qualquer "monopólio" ou ofensa à "liberdade" de quem quer que seja, mas simplesmente o cumprimento de um dever e a satisfação de um direito. Quanto à liberdade de ensinar, ela está perfeitamente regulada pelo Art. 167 da Constituição quando diz que o ensino "é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem". Toda essa celeuma, pois, que se levanta agora em torno da Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional, pretendendo dividir a opinião pública em dois setores irreconciliáveis – dos "liberais agnósticos" e "materialistas ateus", de um lado, e dos "humanistas ecumênicos", de outro – significa que os referidos grupos estão temerosos diante do fato indiscutível de que o País está dando passos decisivos no caminho do desenvolvimento econômico e cultural, o que libertará o povo brasileiro dessa tutela obscurantista, da direção dessas "elites" fracassadas, que, essas sim, querem manter os privilégios da cultura para "minorias" e impedir, por todas as formas, que o povo tome em suas mãos seus próprios destinos. Exatamente, há um século, na França, a reação, que colocou Napoleão III no poder, com a célebre Lei Falloux, entregue à Assembléia Legislativa em 18 de junho de 1849, também pretendeu golpear todas as grandes conquistas liberais e democráticas da Revolução Francesa, no campo da educação. Coube então às mais gloriosas figuras da cultura francesa levantar suas vozes em defesa dos princípios republicanos e democráticos, agigantando-se, entre elas Victor Hugo com suas dramáticas advertências: Votre loi est une loi qui a un masque. Elle dit une chose et elle en fait une autre. C'est une pensée d'asservissement qui prend les allures de la liberté; c'est une confiscation intitulée donation. Je n'en veux pas. Du reste, c'est votre habitude; toutes les fois que vous forgez une chaine, vous dites: voilá une liberté. La liberté que vous reclamez c'est la liberté de ne pas enseigner.

E reclamando o acesso, igual para todos, às fontes do saber, Victor Hugo proclamava que o direito da criança era "mais sagrado do que o do pai". Também o nosso Joaquim Nabuco, durante a discussão da célebre Reforma Leôncio de Carvalho (1879), que pretendia estabelecer o chamado "ensino livre" no Brasil, assim se manifestava no Parlamento do Império sobre a "liberdade de ensino":

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É a Igreja Católica que em toda parte pede a liberdade do ensino. Essa liberdade não foi pedida na França pelos liberais, mas pela Igreja. É porque reconheça que o ensino deva ser livre? Não. Aí está o Syllabus, que fulmina de excomunhão quem o sustentar.

O que a Igreja pretende é a "partilha do monopólio para quando achar-se senhora exclusiva de fechar a porta à liberdade e à ciência". E adiante: Não sou inimigo da Igreja Católica. Basta ter ela favorecido a expansão das artes, ter sido o fator que foi na História, ser a Igreja da grande maioria dos brasileiros e da nossa raça, para não me constituir em seu adversário. Quando o catolicismo se refugia na alma de cada um, eu o respeito; é uma religião da consciência, é um grande sentimento da humanidade. Mas, do que sou inimigo é desse catolicismo político, desse catolicismo que se alia a todos os governos absolutos, desse catolicismo que em toda parte dá combate à civilização e quer fazê-la retroceder (Almeida Júnior, A. Problemas do ensino superior. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. p. 92).

Como dissemos, não há nessa questão que interessa tão profundamente ao povo brasileiro, qualquer aspecto de luta religiosa. Mas, se esses grupos, em defesa de seus privilégios e de seus interesses subalternos, querem enganar n opinião pública afirmando estarem as famílias ameaçadas em suas crenças íntimas e em sua liberdade de dar e receber a formação religiosa que for de seu agrado – apenas porque se deseja pôr ao alcance de todos a educação e a cultura, através da escola pública, em cumprimento a um preceito elementar ao Estado republicano e democrático, e a uma imposição constitucional – então é preciso denunciar essa conspiração e não ter mais reservas em apontar quem são os conspiradores e onde se localizam os seus focos. Em documento recente, em que mentirosamente se afirma que "duas concepções especialmente disputam o predomínio sobre a educação: o liberalismo agnóstico e o totalitarismo ateu" e que a terceira, a dos signatários, a "humanística e democrática", fica perfeitamente claro esse conluio de elementos ultramontanos, antiliberais, com os beneficiários do mercantilismo do ensino, através das assinaturas dos presidentes dos maiores sindicatos de proprietários de colégios particulares e até do chefe de relações públicas do vespertino conhecido como o maior defensor de todos os interesses antinacionais e que chefia o combate ao movimento nacionalista brasileiro. Não há, pois, qualquer dúvida de que o substitutivo Lacerda, que pretende liquidar a escola pública brasileira, é de inspiração das forças obscurantistas e antinacionais que se apresentam falsamente como defensores dos "direitos das famílias" e da "liberdade de ensino", coisas essas que não estão em discussão nem estão sofrendo qualquer ameaça. Aos verdadeiros católicos, porém, ou aos adeptos sinceros das outras religiões, não é preciso lembrar a advertência de eminentes personalidades católicas que, em recente manifesto, na França, abordando a controvérsia entre ensino religioso e ensino leigo, diziam: Não podemos por mais tempo deixar aprisionar os cristãos deste país na equação simplista: direita –igual a catolicismo, esquerda –igual a laicidade... Recusamo-nos a ser considerados cúmplices de uma eventual "operação clerical" contra a República… Opomo-nos, desde logo, a toda operação política tendente a utilizar a Igreja.

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CAPÍTULO VI

ALGUNS PRINCÍPIOS DE UMA EDUCAÇÃO VERDADEIRAMENTE DEMOCRÁTICA*

1. O princípio fundamental de uma educação verdadeiramente democrática continua sendo o da igualdade de oportunidade para todos, isto é, o da possibilidade do acesso de todos, a todos os aspectos e níveis da educação, da instrução e da cultura. 2. Isso significa que a educação, a instrução e a cultura devem estar ao alcance de todos, sem quaisquer restrições de ordem econômica, racial, religiosa, ou qualquer outra, e com as únicas limitações do desejo, da vocação e da capacidade de cada um. 3. Tal concepção, entretanto, significaria o máximo de individualismo, podendo considerar-se mesmo como a expressão do individualismo absoluto, se não atentássemos para o outro pólo da questão, que transforma completamente o problema. 4. Isso porque:

* Sugestão apresentada à direção da Federal Internacional Sindical de Ensino (Fise), por solicitação desta, como subsídio para a discussão do problema dos princípios em que se deve basear uma educação verdadeiramente democrática.

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L'individu est l'être social. [...] La vie individuelle et la vie générique de l'homme ne sont pas diférentes, bien que le mode d'existence de la vie individuelle soit – et cela nécessairement – un mode plus particulier ou plus général de la vie générique, ou que la vie générique soit une vie individuelle plus particulière et plus générale. [...] L'homme – à quelque degré qu'il soit donc un individu particulier et bien ce soit précisement sa particularité qui fasse de lui un individu et le réel être commun individuel – est tout autant la totalité... (Marx, Karl. Economie politique et philosophie. Paris: Costes, 1935 (Oeuvres philosophiques de Marx, v. 6).

5. Assim, não tem qualquer sentido a oposição entre o indivíduo e a sociedade, pois, "de la même façon que la Societé produit elle-même l'homme como homme, elle est produite par lui" (idem). 6. Quando se diz, pois, que a educação democrática significa a possibilidade do acesso de todos a todos os bens culturais da sociedade, sem quaisquer restrições, a não ser o desejo, a vocação e a capacidade de cada um, isto quer dizer também que tal possibilidade é dada pelas condições existentes em cada momento na sociedade criada pelo próprio homem. 7. Mas, a sociedade criada pelo homem, e por meio da qual ele se expressa, é um fenômeno histórico, isto é, tem uma história, desenvolve-se das formas mais primitivas para as mais complexas e evoluídas. 8. Assim, os bens culturais, que significam o domínio progressivo do homem sobre a natureza, sobre a própria sociedade e sobre si mesmo, como resultado do trabalho comum, tendem a ser postos a serviço de um número cada vez maior dos homens que os criam. 9. A educação democrática, portanto, só atingirá aquele limite ideal da igualdade de oportunidades para todos, quando a sociedade estiver afinal organizada de tal maneira que torne possível o acesso a todos os bens culturais, de todos os indivíduos, sem quaisquer restrições. 10. A componente final e decisiva, pois, para a conquista de uma educação verdadeiramente democrática é a luta permanente pela transformação da sociedade no sentido democrático: sem sociedade democrática não há educação democrática. 11. A democratização da educação assim concebida é, pois, um processo que se define, em cada momento e em dada situação concreta, pela luta que se estiver travando em direção àquele limite ideal da igualdade de oportunidades para todos. 12. Mas, o que ficou dito sobre o conceito de uma educação democrática refere-se, especialmente, aos aspectos quantitativos do problema. A educação, porém, como formação do indivíduo é essencialmente qualidade,

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valor, e assim, uma educação democrática tem que ser definida também por seus valores próprios. 13. Uma educação democrática deve objetivar o desenvolvimento harmonioso das potencialidades do indivíduo, físicas, intelectuais, estéticas e morais. 14. A educação democrática deve ter um conteúdo essencialmente científico, no sentido de levar o indivíduo a utilizar os métodos das ciências na busca permanente da verdade. 15. A educação democrática deve conduzir o indivíduo a aperfeiçoar a sensibilidade para apreciar as manifestações estéticas, para o gozo do patrimônio artístico acumulado pela humanidade. 16. Acima de tudo, porém, a educação democrática é aquela que dá ao indivíduo o sentimento de respeito pela pessoa de seu semelhante, tanto como se respeita a si próprio; o respeito pela cultura dos outros povos, tanto quanto pela de seu próprio povo. 17. A educação democrática, enfim, é aquela que forma o indivíduo inteiramente livre de qualquer idéia de dominação e de exploração de uns homens pelos outros, de um povo por outro povo; é uma educação para a fraternidade, para a paz, para o entendimento e para a compreensão recíproca entre os povos. 18. A luta por uma educação democrática, assim concebida, que constitui o aspecto prático do problema, assume características peculiares em cada momento e em cada um dos regimes econômicos, políticos e sociais existentes. 19. De outro lado, tal luta só pode se desenvolver com êxito a partir das características da evolução histórica e cultural de cada povo, de cada país, tendo, pois, um conteúdo eminentemente nacional. 20. Na situação atual do mundo, poder-se-ia estabelecer, para facilitar a compreensão do problema, uma classificação geral das situações reinantes nas várias regiões e nos vários países, onde a questão apresenta características aproximadamente semelhantes. 21. Teríamos assim, ampliando a classificação já adotada para caracterizar as várias áreas e os vários países do mundo, do ponto de vista do desenvolvimento econômico, social e político, a seguinte divisão: a) países ou áreas coloniais; Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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b) países coloniais em luta pela libertação nacional; c) países recentemente libertados; d) países subdesenvolvidos, que gozam de independência política, mas não de completa independência econômica; e) países capitalistas, sem domínios coloniais; f) países capitalistas que perderam ou estão em processo de perda de seus domínios coloniais; g) país imperialista de maior desenvolvimento (USA); h) países de democracia popular; i) país socialista (URSS). 22. Evidentemente, essa classificação apresenta falhas, pois não somente não discrimina todos os matizes possíveis, como despreza fatores importantes, como, por exemplo, a decisiva extensão territorial e a população, que têm influência de nas condições políticas; não se pode comparar a China Popular, a Índia ou o Brasil, com outros países menores e de menor população. 23. Sem desprezar, pois, as características nacionais de cada povo, que é fator fundamental a ser levado em conta em cada caso, essa divisão geral do mundo em áreas de desenvolvimento semelhante, é um expediente prático, útil para tornar compreensível a discussão dos problemas gerais da luta pela conquista ou pela ampliação da educação democrática. 24. De outro lado, o estudo do problema com tal determinação permitirá, através do intercâmbio de experiências, a elaboração de plataformas de ação comum. Ao contrário, a falta do estudo aprofundado dos problemas de uma educação democrática, sem relacioná-los com as situações concretas existentes em cada região do mundo, torna muito pouco produtivas as discussões de caráter geral e a aglutinação dos educadores em organismos internacionais. 25. A Federação Internacional Sindical do Ensino (Fise) tornará seu trabalho tanto mais fecundo e produtivo quanto mais estimular o intercâmbio de estudos das situações particulares de cada região do mundo, de cada país, em relação a esse problema fundamental da luta por uma educação verdadeiramente democrática.

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CAPÍTULO VII

A REFORMA DO ENSINO NA ALBÂNIA*

1. ASPECTOS GEOGRÁFICOS, HISTÓRICOS, POLÍTICOS, ECONÔMICOS E SOCIAIS DA ALBÂNIA

A Albânia, pequeno país balcânico, situada à beira do Mar Adriático e encravada nos territórios da Iugoslávia e da Grécia, é muito pouco conhecida dos brasileiros, apesar de ser um dos mais antigos agrupamentos humanos da Europa. Os ancestrais dos albaneses foram os ilírios, que habitavam aquela região por volta do século 10, antes de nossa era. Escavações arqueológicas realizadas nas antigas cidades de Amântia e Finik, fundadas pelos gregos na costa do Adriático, revelaram a existência de tesouros

* Trabalho elaborado por solicitação da Associação de Intercâmbio Cultural Brasil-Albânia, como comemoração do 16º aniversário da libertação do povo albanês do jugo fascista e da proclamação da República Popular Democrática da Albânia (29 de novembro de 1960). Embora se trate de estudo datado, expressando a realidade de um momento histórico distante no tempo, pareceu-nos pertinente sua inclusão neste volume, considerando o método de trabalho adotado por Paschoal Lemme ao situar a reforma do ensino na Albânia, a partir de seu contexto geográfico, histórico, político, econômico e social. Conseqüentemente, a informação por ele reunida constitui hoje contribuição valiosa para o conhecimento desse país que, ainda há pouco, esteve presente na cena internacional, na esteira dos conflitos ocorridos na Iugoslávia, divulgados pela mídia. Além disso, a descrição do projeto educacional da Albânia é ilustrativa da experiência de um país socialista, em processo de construção. (N. do O.)

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de grande valor histórico e artístico, que atestam a superior civilização atingida pelos ilírios, sob a influência da cultura helênica: templos e teatros, ricamente ornamentados, estádios que podiam conter milhares de espectadores, ginásios de cultura física, bibliotecas e outros monumentos. O nome albaneses foi usado, pela primeira vez, por Ptolomeu em suas obras geográficas, mencionando-os entre os povos ilírios, com sua capital Albanópolis. A denominação de Albânia presume-se que seja resultante da helenização de uma forma de r, que persiste no sérvio arbanos e no turco arvanitis, e que era aplicado ao país dos albaneses. A Albânia, em virtude da sua situação geográfica, passou a constituir uma verdadeira encruzilhada naquela região do mundo, oscilando entre o domínio do Ocidente e do mundo eslavo, e transformando-se por isso num palco de guerras entre grandes potências, o que acabou por levar seu povo à ruína econômica e cultural e à perda da independência nacional. A ocupação turca, que se prolongou do século 15 aos princípios do atual, foi uma das mais nefastas e, quando os invasores foram expulsos, em 1912, a antiga e florescente região estava reduzida a um dos territórios mais atrasados da Europa. Grande parte dos valores materiais da cultura albanesa foi pilhada pelos invasores, por arqueólogos estrangeiros ou simplesmente vendidos por aventureiros que, no passado, se apossavam do poder no país. O povo albanês, entretanto, nunca se submeteu aos invasores e dominadores e assim é que, nas sangrentas lutas contra os turcos, revelou-se o primeiro de seus heróis nacionais – Jorge Kastrioto, denominado o Scanderberg (1443-1468) – , que dirigiu a resistência dos patriotas albaneses contra seus dominadores, durante muito tempo. Depois do domínio turco, a Albânia, como todos os países balcânicos, passou a ser alvo das intrigas e da exploração imperialista tornando-se apenas nominalmente um país independente. Depois da Primeira Grande Guerra Mundial, uma Assembléia reunida em Durazzo declarou, em dezembro de 1919, a independência da Albânia, tendo ela ingressado na Liga das Nações, em dezembro de 1921. Em janeiro de 1925, foi proclamada a República no país, a qual, entretanto, não se consolidou. Foi substituída pela forma monárquica, tendo subido ao trono, em 1º de setembro de 1928, Zogu I. A história mais próxima da Albânia é a do domínio fascista italiano. Ocupada pela Itália, a 3 de junho de 1939, foi erigida em monarquia hereditária, sob o cetro da Casa de Savóia, com um Constituição calcada no regime fascista corporativo. Em 1940, foi levada ao estado de guerra ao lado dos países nazi-fascistas e em junho de 1941, declarou guerra à URSS. Durante a dominação fascista, porém, o velho espírito de independência indomável do povo albanês se reacende e a resistência ao fascismo se cristaliza em torno do líder popular antifascista Enver Hodja. Em 1943, em plena guerra, é constituído um "governo da Montanha", sob a direção de Hodja. Em 1944, com a derrocada do fascismo, Hodja instala um governo provisório, em Berat, que é transferido em 28 de novembro, para Tirana, onze dias depois da libertação da capital. No dia seguinte – 29 de novembro de 1944 – a Albânia é

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declarada pela Assembléia Constituinte, República Popular Democrática. Esse dia passa a ser considerado a data nacional do país e Enver Hodja é proclamado herói nacional. A Albânia é um país montanhoso, de difícil acesso e o clima varia segundo a altitude e a distância da costa marítima: é temperado no inverno, junto ao mar e no Sul, e é tão agradável como em Nápoles; no interior montanhoso é, porém, bastante rigoroso; os rios gelam e a neve cobre a terra durante vários meses. A área do país é de 28.748 km2, e a população é estimada para o corrente ano (1960), em cerca de 1 milhão e 500 mil habitantes. Sua capital é Tirana e seu porto principal Durazzo, sobre o Adriático. A moeda albanesa é o lek. O povo albanês, alegre e expansivo, distingue-se por suas tradições, por uma indumentária belíssima e característica, pela música, pelas danças típicas e pelo folclore. Apesar das seculares incursões e pilhagens a que foi submetida, ainda restaram igrejas e edifícios, esculturas de mármore e madeira, e tecidos finamente bordados, que demonstram a maestria dos artesãos e arquitetos albaneses da antigüidade. Assim é que a Albânia conta hoje com oito cidades consideradas como "monumentos históricos", setenta fortalezas seculares e cento e quinze igrejas, monastérios e mesquitas de considerável valor artístico e histórico, além de um grande número de habitações características, cuidadosamente restauradas e conservadas, pelo Governo Popular. Essas relíquias históricas e as manifestações artísticas de seu povo fazem hoje da pequena Albânia um motivo de atração para estudiosos da história e das artes, ou simplesmente para turistas, fascinados pelas belezas naturais do país e o acolhimento afável que recebem de seu povo. A Albânia é ainda, um exemplo típico das possibilidades de um povo que, mesmo pequeno, toma em suas mãos seus próprios destinos, libertando-se da nefasta influência imperialista estrangeira. Esta influência deforma o caráter do povo e as manifestações de sua cultura, explora suas riquezas sem qualquer benefício para o país, e leva-o à miséria, impedindo a formação de uma verdadeira consciência nacional, dificultando a formação e o uso do instrumento básico da unidade de um povo que é a língua nacional. O povo albanês, apesar de ser, como vimos, um dos mais antigos da Europa, até bem pouco tempo não tinha conseguido organizar sua linguagem literária; nos seus vários dialetos são empregados elementos dos alfabetos grego, latino, eslavo e até sinais inventados ad hoc. Completando, no dia 29 de novembro de 1960, 16 anos de poder popular, a fisionomia do país transformou-se completamente. No corrente ano, conclui a Albânia a execução de seu segundo plano qüinqüenal (1956-1960) e com ele novos e grandes progressos foram obtidos no desenvolvimento da economia e da cultura do país. As metas econômicas fundamentais do segundo plano qüinqüenal foram cumpridas com sucesso. Assim é que o volume da produção industrial global do país é expressa, em 1960, pelo índice de 215, em relação ao de 1955, e a produção industrial de 15 dias, em 1960, é igual à de todo o ano de 1938. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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De país agrário dos mais atrasados da Europa, mas com um subsolo rico especialmente em petróleo, cromo e cobre, sofreu uma completa transformação através do desenvolvimento, em primeiro lugar, da indústria pesada, que compreende a exploração e tratamento dessas riquezas do subsolo, indústrias mecânicas e elétricas, de materiais de construção e da madeira. Atualmente, a Albânia produz mais petróleo, cromo e minério de cobre por habitante do que a Itália, a Grécia e a Turquia, consideradas separadamente. Paralelamente, grandes progressos foram realizados no domínio da agricultura e da pecuária. A coletivização agrícola foi concluída no conjunto. Em fins de 1959, as cooperativas agrícolas englobavam cerca de 84% da área cultivável do país, restando apenas algumas províncias essencialmente montanhosas onde a coletivização ainda não foi realizada. Em princípios de 1960, o setor socialista da agricultura (fazendas do Estado e cooperativas agrícolas) perfazia mais de 35% de toda a superfície arável do país. Um índice expressivo do progresso da Albânia no setor da produção agrícola é que ela possui atualmente mais tratores em serviço do que a Iugoslávia, a Grécia e a Turquia. Em 1959, a produção agrícola albanesa era duas vezes superior à de 1938. Esse enorme desenvolvimento da economia e o conseqüente aumento da produção permitiram elevar extraordinariamente o bem-estar da população. A renda nacional aumentou de 43% no ano de 1959, em relação ao de 1955, e o salário real dos operários e empregados acusou uma elevação de 29%. Durante o segundo plano qüinqüenal, os preços de venda a varejo dos artigos de consumo corrente baixaram seis vezes. A construção de residências para a população sofreu um grande incremento. Todo esse desenvolvimento permitiu à Albânia elevar consideravelmente os índices de saúde e de cultura de seu povo. Em 1938, a Albânia possuía apenas 10 estabelecimentos hospitalares, com 820 leitos, funcionando em condições precárias; agora já existem 130 hospitais com cerca de 7 mil leitos. O número total de estudantes elevou-se de 56.650, em 1938, a 293.570, em 1960, e a qualidade, a diversificação do ensino e o sentido da educação sofreram transformações radicais. São também consideráveis os progressos nos setores da arte: a Albânia, que não contava com nenhuma organização teatral, hoje possui várias, inclusive o Teatro de Ópera e Ballet. A arte cinematográfica foi também criada, assim como uma extensa rede de museus e bibliotecas. A Associação de Intercâmbio Cultural Brasil-Albânia, em homenagem a esse pequeno país, o menor e menos conhecido do campo socialista, pelo transcurso de mais um ano de sua libertação que se verifica a 29 de novembro, dedica esse primeiro folheto o qual procurará dar aos brasileiros uma impressão do que tem sido o esforço e as conquistas do valente povo albanês no desenvolvimento do ensino, da educação, e da cultura de seu país. Isso constitui um estímulo e um exemplo para nós, empenhados na mesma árdua tarefa pelo desenvolvimento econômico e cultural do nosso povo, em luta contra as mesmas forças imperialistas estrangeiras que peiam nosso progresso e deformam nossa cultura nacional.

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2. A EDUCAÇÃO A Albânia, tal como a maior parte dos países balcânicos antes da instauração dos regimes democrático-populares, era um país culturalmente atrasado, com um índice de analfabetismo que se elevava a 85%. Atualmente, o analfabetismo já foi totalmente eliminado para pessoas até 40 anos, e todos, sem distinção, encontram oportunidades de educação. Os novos caminhos para esse extraordinário progresso, que transformou a fisionomia do país, foram traçados pela reforma do ensino de 1946, de caráter profundamente democrático e popular, que liquidou a velha escola e lançou os fundamentos da nova educação. Todo o sistema escolar foi democratizado, as taxas escolares suprimidas, o ensino tornado obrigatório e laico, dentro de um plano de escola única. Essas medidas e mais a instituição de um largo sistema de bolsas de estudo, que beneficiou até 80% dos estudantes, permitiram a todos os trabalhadores gozarem de oportunidades para se instruir e educar. A democratização e o desenvolvimento do ensino foram sendo realizados por etapas, paralelamente às conquistas no campo econômico. Em 1946, o ensino primário de quatro anos foi tornado obrigatório para todos, tarefa essa concluída em 1951. Em 1952, o ensino de sete anos tornouse também obrigatório e, em 1960-1961, 66% dos alunos que terminarem as escolas primárias de quatro anos prosseguirão seus estudos em escolas de sete anos. Ao mesmo tempo, foi criada uma rede de 63 escolas de ensino médio, geral e especial; a primeira universidade, escolas de ensino superior e organizado o trabalho de pesquisa científica. Paralelamente a esse sistema regular de ensino, foi instituída uma rede de escolas de todos os graus, nas quais os trabalhadores adultos podem fazer sua educação sem abandonar o trabalho, e também um sistema de escolas de formação de mão-de-obra para operários qualificados, em articulação com as fábricas, usinas e empresas. Assim, em 1960, as escolas albanesas de todos os graus receberam cerca de 300 mil estudantes, o que significa que em cada cinco pessoas uma freqüentará a escola. Com isso, a Albânia ultrapassou não somente a situação dos países vizinhos, mas também alguns países capitalistas adiantados. Em lugar de algumas escolas secundárias incompletas de outrora, a Albânia conta agora com 500 escolas de sete anos. O número atual de estudantes das escolas secundárias é quatro vezes superior ao de 1938. A extensão considerável do ensino e o estabelecimento do sistema de escolas profissionais criaram a possibilidade de formar quadros de especialistas para os diferentes setores da economia, da cultura e da administração, o que era exigido pelo desenvolvimento econômico e cultural do país. O novo caráter da escola se traduz pelo fato de que as escolas atualmente são acessíveis a todas as crianças e adolescentes, em completa igualdade de oportunidade para todos. Também o conteúdo e orientação do ensino sofreram radicais transformações, expressas nos planos e programas escolares, nos manuais e textos, nos métodos e formas de trabalho da instrução e da educação, bem como nas correlativas modificações na formação dos professores. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Paschoal Lemme na varanda de sua casa do Sítio Remanso em Paty do Alferes, Estado do Rio de Janeiro, 1990.

Há três anos, as novas condições de desenvolvimento do país levaram à necessidade de procurar uma aproximação cada vez maior da teoria com a prática, no ensino, a introdução de todas as técnicas elementares de trabalho – o chamado ensino politécnico – e de educar os alunos num profundo amor ao dito trabalho, criador de todos os bens da vida e da compreensão profunda da interdependência entre todos os homens. Assim é que foi extraordinariamente intensificado o trabalho manual nas escolas primárias e nas escolas de sete anos. Os próprios estudantes se encarregam dos serviços nas escolas, nos internatos e participam cada vez mais ativamente da vida social. Nas escolas secundárias experimentais foram introduzidas matérias de caráter técnico e também o trabalho dos alunos na produção. Medidas ainda mais profundas foram adotadas em relação às escolas secundárias profissionais e superiores, onde os estudantes participam diretamente do trabalho ao lado dos operários, à base das especialidades em que estão se preparando. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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3. A REFORMA DE ENSINO Agora, com a discussão das diretrizes para a elaboração do terceiro plano qüinqüenal, a Albânia entrará numa nova etapa de seu desenvolvimento: a da transformação de um país agrário-industrial num país industrial. Novos ramos de indústria serão criados: a indústria metalúrgica e química; uma grande extensão será dada à base energética do país, à indústria mecânica, à de materiais de construção, à indústria leve de alimentação e do vestuário; os transportes serão desenvolvidos; grandes obras serão realizadas assim como o nível de mecanização; além disso, serão desenvolvidas numa grande extensão a mecanização e a cultura intensiva na agricultura. Com a ajuda técnica da União Soviética e dos outros países do campo socialista, serão introduzidas, cada vez mais, na produção, novas técnicas avançadas. Tudo isso requer a elevação do nível de instrução do povo e a formação de quadros para os diferentes ramos da economia e da cultura, para atender às exigências do emprego dessa ciência e dessas técnicas novas. Esse terceiro plano qüinqüenal conduz à supressão gradativa das diferenças entre o trabalho intelectual e manual, e acelera a construção de um regime em que o domínio da ciência e da técnica seja a base sólida sobre a qual o homem assente o desenvolvimento pleno de todas as suas potencialidades morais e espirituais, no novo e verdadeiro humanismo, em que o reino da necessidade se transforme no reino da liberdade. O princípio fundamental da organização é a ligação orgânica do ensino e da educação com o trabalho produtivo. A nova escola deve preparar os alunos para participarem do trabalho produtivo a partir de uma idade determinada e lhes assegurar a formação geral necessária para poder continuar seus estudos superiores. À base desse princípio, devem ser fixadas de maneira justa: a proporção do ensino geral, a do ensino politécnico e a do ensino profissional, combinando o ensino e o trabalho com repouso e o desenvolvimento físico normal das crianças e dos jovens. Assim, a ligação do ensino com a vida, com a produção e com a pratica da edificação do novo regime social deve determinar o conteúdo, a organização e os métodos de ensino. A ligação do ensino e da educação com o trabalho produtivo deve ser feita tendo em conta a idade dos alunos. As crianças devem se habituar ao trabalho, desde as idades mais baixas. Os jovens devem participar, desde a idade de 15 ou 16 anos, de um trabalho socialmente útil. O homem deve adquirir a consciência profunda de que o trabalho é a fonte de todos os bens. Dentro desses princípios, o ensino na Albânia está sendo reorganizado nas bases adiante descritas.

3.1. Primeira Etapa: a Escola Comum de Oito Anos A primeira etapa do ensino será a escola obrigatória de oito anos, que substitui a escola de sete anos atual. Por essa escola de ensino geral, politécnico e profissional deverá passar toda a jovem geração de 7 a 15 anos. A tarefa dessa

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educação básica, comum e obrigatória é assegurar uma melhor preparação, através da cultura geral e politécnica. Deve formar jovens psicológica e praticamente para o trabalho, a fim de continuar a segunda etapa da educação nas escolas secundárias e para obter uma ocupação na produção. Deve ajudar os jovens a escolher, de maneira mais justa, a profissão futura e assegurar melhor a educação moral, estética e física. Nessa etapa, a instrução politécnica será adquirida por meio do ensino das bases das ciências e da aprendizagem prática. O aumento de um ano nessa primeira etapa da educação permitirá aliviar a sobrecarga de matérias que se verifica hoje na escola de sete anos. Às quatro primeiras séries (I-IV) da escola de oito anos, que constituem a escola primária propriamente dita acrescenta-se o ensino do trabalho, sendo que nas séries III-IV aparece o trabalho de utilidade social. Na IV série, em lugar de Geografia e da História Natural, introduz-se uma nova matéria – as Ciências Naturais – na qual grande atenção é dedicada ao estudo do país natal, e serão dados aos alunos os conhecimentos de Ciências Naturais e de Geografia. O ensino da Higiene será suprimido na V série como matéria à parte, sendo introduzido o ensino da Anatomia e da Fisiologia Humana, incluindo a Higiene, enquanto que os preceitos de saúde serão adquiridos pelo trabalho de auto-serviço e de Economia Doméstica (esta para o sexo feminino). Na VIII série acrescenta-se uma nova disciplina – a Educação para a Cidadania – que permitirá aos alunos conhecerem a organização social e estatal do país, bem como as exigências fundamentais da Educação Moral. O Desenho Técnico aparece nas séries VII e VIII, como base para o ensino do trabalho. O plano restante de instrução da escola de oito anos comporta, em geral, as mesmas matérias já existentes no plano da escola de sete anos, com algumas diferenças de extensão e de conteúdo. A língua albanesa será ensinada durante os oito anos do curso, com um acréscimo de um ano, o que permitirá destinar mais tempo aos exercícios práticos e a um melhor domínio da ortografia e da estilística. A Literatura aparece nas séries V-VIII e terá um caráter de leitura literária, o que permitirá, segundo a idade, que os alunos travem conhecimento com as obras notáveis da literatura nacional e universal. Nas séries V e VI, as peças literárias serão estudadas à base de uma temática determinada, enquanto que nas VII e VIII, de acordo com a ordem cronológica. Através do curso de literatura serão dadas noções elementares da Teoria da Literatura e nas séries VII e VIII, noções sobre a biografia dos autores. A escola de oito anos dará aos alunos uma melhor preparação em Matemática do que a de sete anos. Nela será dado um curso completo de Aritmética, enquanto que a Álgebra e a Geometria aumentarão em volume. Em Álgebra, será introduzida a equação de segundo grau, com a representação gráfica da função quadrática. Para a Geometria, será aumentado o ensino dos paralelepípedos e dos círculos, assim como os conhecimentos práticos de áreas e volumes, noções necessárias ao preparo para a vida. Serão retiradas do curso de Matemática certas noções desnecessárias à vida prática, tais Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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como o cálculo de juros e das ligas, em Aritmética, e alguns temas de Álgebra passarão para os cursos mais elevados, como as potências, radicais, etc. Por outro lado, serão introduzidas modificações na ordem dos temas de Álgebra, o que permitirá aos alunos obter mais facilmente o domínio dos mesmos, e também ser dada uma atenção mais séria à prática, para aquisição dos hábitos de cálculos concretos, com rapidez e exatidão. Os capítulos da Mecânica e de Eletricidade do curso elementar de Física serão ampliados. Serão dadas noções sobre a constituição atômica e sobre a acústica, sendo reforçado o conhecimento das aplicações das leis da Física sobre os ramos mais importantes da produção. A mecânica será prolongada de dois anos (VI-VII) e a eletricidade, ensinada atualmente na VII série, passará para a VIII, compreendendo muito material prático. O curso de Química será modificado e prolongado para dois anos. Os alunos deverão aprender as concepções e as leis mais importantes da Química, os tipos mais importantes das composições orgânicas e seu emprego nos principais ramos da produção; conhecerão igualmente os materiais combustíveis, os adubos minerais e os metais mais importantes. O curso de Biologia na escola de oito anos comportará todo um ciclo de conhecimentos. A Botânica será estudada nas séries V e VI e a Zoologia nas séries VI e VII. Na VIII série será estudado o curso elementar da Anatomia e Fisiologia Humana. O curso de Geografia, ensinada atualmente em três anos (V-VII) será prolongado para quatro anos (V-VIII) e compreenderá o curso elementar de Geografia Física, de Geografia das Partes do Globo e da Geografia Física da Albânia, com elementos de Geografia Econômica. Importantes modificações são introduzidas no ensino da História. Assim, na série V, será estudada a História Antiga, na VI a História da Idade Média e nas séries VII e VIII, a História da Albânia e os mais importantes acontecimentos da História Moderna e Atual. O ensino da língua russa será intensificado. Mas, o que distingue a escola de oito anos da antiga escola de sete é a introdução de um sistema de educação para e pelo trabalho que se faz simultaneamente com a assimilação aprofundada das bases da ciência. O ensino do trabalho, começando nas classes inferiores, assegura aos estudantes a preparação psicológica e prática para o trabalho de utilidade social, e é por isso que a escola de oito anos, paralelamente ao aumento do número de horas consagradas às disciplinas de ensino geral, aumenta também o número de horas destinadas ao ensino do trabalho. O plano de instrução consagra, ao ensino do trabalho e ao trabalho de utilidade social, duas horas semanais para os alunos das séries I-II, quatro horas para os das séries III-IV, oito horas para os das séries V-VIII, sendo que nessas últimas séries, duas horas serão empregadas no trabalho de utilidade social e o resto para o ensino do trabalho. Os alunos do ciclo primário (I-IV) farão trabalhos com papel, cartão, argila e outros materiais; cultivarão plantas, far-se-ão servir eles próprios e realizarão diversas outras atividades para adquirir as expressões elementares do trabalho. O ensino do trabalho nas séries V-VIII tem por objetivo fazer adquirir as noções e a capacidade técnica, agrícola e a da vida cotidiana. Nessas séries, os

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trabalhos serão feitos com madeira, metal e participarão de atividades agrícolas nas áreas escolares próprias. Para o sexo feminino, serão aumentadas as horas consagradas à economia doméstica (corte, costura, arranjos domésticos, cozinha, etc.). Este ensino será realizado nas oficinas ou nas áreas de terreno das escolas, nas cooperativas e nas explorações agrícolas do Estado. Será feito de acordo com as condições locais, podendo as escolas consagrar mais tempo às respectivas atividades se houver condições favoráveis. Além deste ensino, os alunos farão toda uma série de trabalhos de utilidade social, de auto-serviço na escola, etc. O trabalho de auto-serviço ocupa um lugar de grande importância no sistema geral da educação para o trabalho. Os alunos das escolas de oito anos serão levados a fazer a limpeza de suas classes, a cultivar árvores, cuidarão do "canto da natureza viva", farão o trabalho de vigilância no internato, defenderão a propriedade, tomarão parte na preparação e na conservação do material de ensino, etc. Neste sentido, é preciso levar em conta as exigências sanitário-higiênicas e ter em vista as particularidades da idade, para não haver sobrecarga de trabalho físico. Os alunos das séries V-VIII farão, no decorrer do ano escolar, uma prática semanal, participando do trabalho de utilidade social produtiva. A realização do sistema de educação do trabalho na escola de oito anos contribuirá para a elevação do nível de instrução geral dos estudantes, para o desenvolvimento da iniciativa e da atividade independente, para a educação da atitude cuidadosa para com o trabalho social, despertando o respeito pelas tarefas e por aqueles que as farão. Tudo isso exercerá uma influência benéfica sobre a conduta dos alunos. O ensino politécnico, que tem por objetivo iniciar os alunos nos princípios fundamentais dos processos essenciais dos ramos mais importantes da produção moderna e os dotar de noções sobre o emprego dos principais instrumentos de produção, será dado através das matérias de cultura geral (Matemática, Física, Química, Biologia, Geografia, Desenho Técnico) e por meio do ensino do trabalho e de excursões aos centros de trabalhos (canteiros de construções, usinas, fábricas, parques automobilísticos, centrais elétricas, cooperativas, fazendas, etc.). Na escola de oito anos, o ensino do Desenho será ministrado a partir da I série e até a VII, enquanto que o ensino da Música e do Canto será dado em todas as oito séries. O ensino dessas matérias, da literatura e de outras reforça a educação estética dos alunos. A Educação Física ocupará um total de 566 horas na escola de oito anos. O plano de instrução da escola de oito anos propõe-se normalizar os encargos dos alunos e alternar de maneira justa o trabalho intelectual com o trabalho físico. Para não sobrecarregar os alunos com o trabalho de instrução, o novo plano da escola de oito anos foi diminuído de uma hora por semana na parte das matérias que exigem trabalho intelectual intenso. Essa normalização dos encargos dos estudos deve ser feita pela supressão nos programas e nos textos escolares dos cursos de segunda mão e pelo aperfeiçoamento dos métodos de ensino. Deve procurar-se também reforçar a influência da escola sobre os alunos e tomar mais cuidado no trabalho de educação extra-escolar e com as horas de repouso. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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O ano escolar na escola de oito anos será de 35 semanas para as séries I-III; de 35,5 semanas para a série IV, das quais uma será consagrada aos exames de certificado de fim de curso; será de 38 semanas para as séries V-VII, das quais duas serão consagradas à prática do trabalho de utilidade social; para a série VIII será de 39 semanas, das quais duas serão destinadas ao trabalho de utilidade social e duas para os exames de certificados do fim de curso. Durante o ano escolar, os alunos terão 3,5 semanas de férias, entre os períodos letivos, incluídos os dias de festas públicas. Em resumo, o currículo da escola de oito anos compreenderá o seguinte total de horas de atividades, distribuídas pelos quatro tipos principais das mesmas:

3.2. Segunda Etapa: Três Vias Principais na Continuação do Ensino Terminada a escola comum obrigatória de oito anos, a educação da juventude poderá ser continuada segundo os três seguintes caminhos principais: 1. Nas escolas secundárias de ensino geral, politécnico e profissional, com o ensino na produção, com duas variantes, de 3 a 4 anos, respectivamente; 2. Em escolas secundárias de ensino geral, noturnas, escolas de acordo com as estações e escolas por correspondência; 3. Em escolas secundárias profissionais (pedagógicas, técnicas e outras escolas especiais), noturnas ou por correspondência. A escola secundária do ensino geral proporciona uma instrução secundária completa. O traço característico dessa escola é a continuação do ensino geral, politécnico e profissional. Na segunda etapa dessa escola, conclui-se o estudo das ciências, estende-se o horizonte politécnico dos alunos e, com a ajuda da aprendizagem na produção, bem como do trabalho de produção, eles adquirem uma profissão. Terminada essa escola, os alunos ficam aptos a continuar os estudos numa escola superior e poderão trabalhar na profissão aprendida. As escolas secundárias de ensino geral noturnas, de acordo com as estações e por correspondência, que são organizadas junto aos grandes centros de trabalho,

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nas cidades e vilas, visam dar possibilidades aos jovens trabalhadores e empregados de adquirirem uma educação secundária completa. As escolas secundárias profissionais poderão ter duas modalidades: as inferiores e as secundárias profissionais propriamente ditas. As primeiras substituirão as chamadas escolas de reservas de trabalho e sua função será de formar trabalhadores qualificados para os diferentes setores da economia, conforme as modalidades e as exigências da técnica, do aumento da produção, da produtividade e da melhoria da qualidade. Nas escolas urbanas, os cursos serão de um, dois ou três anos, e nas escolas rurais de um ou dois anos, e funcionarão como instituições complementares das escolas comuns de oito anos. Essas escolas deverão formar operários que terão uma qualificação completa, dotados de conhecimentos teóricos sobre o ramo da produção para o qual estão se preparando. O volume da cultura geral será maior do que é dado atualmente nas escolas de reservas de trabalho e o ensino será baseado diretamente na especialidade. Os alunos dessas escolas poderão completar sua instrução secundária freqüentando as escolas noturnas ou por correspondência. Os cursos das escolas secundárias profissionais propriamente ditas terão uma extensão de quatro anos e funcionarão como estabelecimentos complementares das escolas comuns de oito anos. Paralelamente a uma especialidade preferida, devem proporcionar aos alunos uma educação geral igual à da escola secundária geral. A organização dessas escolas resulta do desenvolvimento contínuo da produção e da introdução incessante de novas técnicas avançadas nos diferentes setores da economia, exigindo a formação de técnicos de nível médio com uma cultura geral e técnica mais elevada. Os alunos que terminarem o curso dessas escolas devem ter adquirido, além da categoria de técnico médio, a de operário qualificado numa especialidade de sua profissão. A preparação teórica dos alunos deve ser combinada com o trabalho produtivo nas oficinas ou terras de produção agrícola da escola e, em seguida, nas empresas. Daremos, agora, maiores detalhes da reorganização da escola secundária de ensino geral nas suas duas variantes, de três e quatro anos, seguintes às oito séries da escola comum de oito anos, isto é, das séries que são consideradas também como as IX, X, XI e XII séries dessa escola. Esses detalhes farão melhor compreender o sentido e o conteúdo dessa reorganização, no nível de educação, que é justamente considerado como o ponto nevrálgico de qualquer sistema de ensino.

3.3. A Primeira Variante da Escola Secundária de Ensino Geral (Séries IX-XI) O plano de instrução da escola secundária de três anos, de ensino geral, politécnico e do trabalho, tem por objetivo assegurar aos que o concluem, o prosseguimento dos estudos nas escolas superiores, assim como uma formação profissional para poder trabalhar num ramo da economia ou da cultura. Esse objetivo é alcançado ligando o ensino com o trabalho produtivo. Para esse fim, o plano de ensino geral e politécnico é de 1.200 horas para o ensino da produção e do trabalho produtivo dos alunos.

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O plano de ensino da escola secundária de três anos difere do da escola atual de quatro anos nos seguintes pontos: O ensino da língua albanesa será suprimido como disciplina independente, devendo terminar na escola de oito anos; será suprimido o ensino da Geologia e da Psicologia; suprimir-se-ão também a Anatomia e a Fisiologia Humana assim como o Desenho Técnico, que passa para a escola de oito anos. A língua estrangeira é mantida apenas como matéria facultativa. No lugar do ensino da Constituição, será introduzida uma nova matéria – Noções de Política – que compreende o ensino daquela. As horas consagradas ao ensino do trabalho serão consideravelmente aumentadas, tendo por objetivo a formação profissional dos alunos. Nas séries IX-XI, o nível do ensino da Matemática, da Física, da Química e da Biologia elevar-se-á em relação ao nível atual. Relativamente aos programas em vigor, os cursos das matemáticas que não tenham aplicação prática, tais como equações biquadradas, os binômios e trinômios, as desigualdades de 2º grau, etc., assim como os temas que ultrapassam o nível do ensino dessa matéria na escola secundária, tais como certos problemas sobre o estudo de limites, pontos de inflexão, etc., serão suprimidos. A Trigonometria não será mais estudada, como matéria separada, mas por intermédio da Álgebra e da Geometria. No curso de Física, será visado o ensino da Física Atômica, os ultra-sons, as funções físicas das matérias plásticas e seu emprego na técnica serão dadas noções sobre os sputniks da Terra e do Sol, etc. É por essa razão que o curso de Física, na segunda etapa da escola, será aumentado de 363 para 421 horas. O curso de Química propõe-se a que os alunos cheguem a conhecer as funções e a construção de altas composições moleculares, sua classificação e os métodos fundamentais da síntese; será dispensada atenção especial às matérias plásticas, aos fios artificiais e sintéticos, etc. Em lugar do curso sobre "as bases do darwinismo" será dado o curso sobre "as bases da Biologia Geral" que engloba aquele. Esse curso passa de 66 para 117 horas de duração. Os novos planos de ensino e os programas dispensam também uma grande atenção ao ciclo de matérias de caráter humanista. Nas séries IX-XI será ministrado o curso de História da Literatura Albanesa, assim como as melhores obras da literatura russa e soviética e as clássicas dos outros países. Para cada autor previsto nos programas, será estudada a obra completa e não trechos de obras diferentes, como se faz atualmente. Isso levará a um nível mais elevado a preparação dos alunos, do ponto de vista literário, e os tornará capazes de analisar obras completas de maneira independente. Será também intensificada a leitura de obras fora das aulas. A Geografia Econômica dos países estrangeiros será estudada na série X, e a da Albânia na XI. O ensino da Língua Russa prosseguirá nas séries IX-XI. Com essas modificações, o programa da escola secundária de três anos, pelo ensino da produção e o plano de ensino geral, dará aos alunos um nível mais elevado de noções e os preparará melhor para os estudos superiores.

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A formação profissional, nessa etapa da escola secundária, faz-se nos vários ramos da produção e dos serviços, pela escolha das especialidades fundamentais, segundo as possibilidades e as necessidades da região em que se localize a escola. Essa preparação faz-se pelo ensino teórico e prático da produção, e compreende: a) matérias técnicas gerais (conhecimento de máquinas e eletrotécnica; nas escolas de zonas agrícolas, acrescentam-se noções de agrobiologia); b) ensino teórico e prático da especialidade de um ramo da produção ou de serviço; c) trabalho na produção. O ensino politécnico na escola secundária de três anos será dado com a ajuda das ciências naturais e das matemáticas, do desenho técnico, das matérias técnicas gerais, do ensino da produção e do trabalho na produção. A formação profissional será feita junto às empresas industriais, nos canteiros de construção, nas cooperativas e nas explorações agrícolas do Estado, nas instituições de serviços, etc. Assim, os alunos serão educados para a produção socialista atual: a atitude em relação ao trabalho, a ordem e a disciplina conscientes, a atitude criadora, a vontade de aumentar sempre os índices de quantidade e qualidade da produção, as aptidões de trabalhar em comum e de atingir os objetivos fixados. Os alunos obterão a formação profissional elementar no meio do ano escolar da X série, para que, no tempo restante até o fim da XI, possam fazer um trabalho produtivo independente. Durante esse mesmo tempo, prosseguirão o trabalho visando ao aperfeiçoamento técnico e prático de sua formação profissional. Eis porque, no plano de ensino, a relação entre a cultura geral e politécnica e a cultura profissional é tal que tornará possível a formação teórica e prática elementar dos alunos para que possam ascender a uma categoria mais elevada de uma determinada especialidade. São previstos dois dias por semana para o ensino teórico e prático numa especialidade e para o trabalho produtivo realizado junto às empresas, enquanto que os quatro dias restantes serão dedicados às matérias de ensino geral e politécnico. A quantidade total de horas semanais foi aumentada de 32 para 36, mas a carga das matérias que implicam trabalho intelectual intenso foi diminuída para 23 na série IX, para 26 na série X e para 22 na série XI. As escolas secundárias que devem realizar trabalho produtivo na agricultura terão um plano de ensino especial em face das características peculiares à produção agrícola.

3.4. A Segunda Variante da Escola Secundária de Ensino Geral (Séries IX-XII) A escola secundária geral de quatro séries tem as mesmas tarefas e finalidades gerais da de três séries, e o plano de ensino é, de modo geral, o mesmo; apenas com o acréscimo da Geologia como matéria independente. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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O plano de ensino da escola de doze séries ocupará um total de 13.229 horas de aulas, contra 11.981 da antiga escola de 11 séries. As quatro séries da segunda variante da escola secundária geral compreenderão 4.973 horas de aula, contra 4.968 da escola de quatro séries e 4.892 da antiga escola de três séries (VIII-XI). Na segunda variante da escola secundária de quatro séries, as matérias de cultura geral e politécnica ocuparão 3.461 horas, enquanto que as de cultura geral totalizarão 1.912 horas. O ano letivo compreenderá o mesmo número de semanas previstas para a escola de três séries. O trabalho na produção dos alunos da segunda etapa da escola secundária determinará que a estrutura do ano escolar seja repartida em dois semestres. Para manter a unidade da estrutura do ano escolar, também o ano escolar na escola comum de oito séries tem por unidade o semestre.

3.5. O Ensino Superior Os especialistas de nível superior devem dominar os ramos respectivos da ciência e da técnica atuais, conhecer a tecnologia e a organização da produção, estar preparados para a atividade independente de direção. Eis por que é preciso reorganizar a escola superior no sentido de ligar estreitamente suas atividades de ensino e de pesquisa científica com a produção. Nos ramos das ciências politécnicas, os estudantes devem trabalhar por um certo tempo, até um ano, nas empresas de produção. Durante esse período, os alunos devem trabalhar de acordo com o sistema das escolas noturnas. No Instituto Agrícola, a ligação do ensino com o trabalho produtivo deve ser feita tendo em vista o caráter especial da produção. Os próprios estudantes devem cuidar dos animais e fazer a colheita da produção. Em particular, devem ser adotadas medidas para melhorar a formação teórica e prática dos especialistas das ciências naturais: das matemáticas, da Física, da Química e da Biologia. Na Faculdade de Medicina, o ensino deve caminhar a par com a prática contínua nos estabelecimentos médico-profiláticos, a começar pelos serviços mais simples. É preciso reformar, especialmente, a ligação do ensino com a vida, nas Faculdades de Humanidades, dispensando-se cuidado particular à prática da profissão e à participação dos estudantes nas atividades sociais úteis. A reorganização do sistema de ensino geral e a elevação da qualidade do trabalho de ensino nas escolas exigem a melhoria radical da formação dos professores. Nesse sentido, devem ser tomadas medidas importantes pelos institutos pedagógicos de dois anos e, sobretudo, pelas faculdades da universidade que preparam os professores; é preciso elevar o nível científico-técnico dos cursos, aumentar e reforçar, de maneira particular, a prática pedagógica junto às escolas para as quais se preparam os professores e reafirmar as ligações com a escola. Na admissão às escolas superiores, conceder sempre preferência aos jovens provenientes da produção, ajudando-os, a título prioritário, no estudo das principais

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matérias que são necessárias para a especialidade que devem seguir, a fim de que se preparem com vistas a continuar os estudos. Para isso, é preciso organizar cursos preparatórios de seis a nove meses de duração, sem abandono da ocupação habitual, junto às escolas superiores ou secundárias. As escolas superiores devem desenvolver o trabalho científico, ligando-o estreitamente aos problemas da edificação econômica e cultural do país. Os pedagogos devem participar da elaboração e da solução dos problemas mais importantes que preocupam os diversos setores da economia, e também na elaboração e na solução dos problemas das ciências sociais. A ligação do trabalho científico com a produção contribuirá para o desenvolvimento ulterior da economia e da cultura e assegurará um maior desenvolvimento do trabalho científico, constituindo o único caminho para a elevação desse trabalho a um nível superior, assim como para a preparação de jovens especialistas. O Instituto Agrícola superior deve ajudar as cooperativas e as empresas agrícolas e de criação do Estado a obter o aumento da produção e a qualificação dos diversos especialistas em agricultura. A sólida preparação de jovens especialistas é, igualmente, ligada estreitamente ao trabalho perseverante dos estudantes para assimilar a ciência; assim como pelas condições que lhes são criadas para realizar um trabalho independente. Para esse fim, deve ser aumentado gradativamente o trabalho independente dos estudantes, sendo necessário empenhá-los mais ativamente no trabalho científico e de pesquisa. Um cuidado especial deve ser dispensado ao estudo da língua russa, de modo que os estudantes sejam capazes de utilizar correntemente a literatura da respectiva especialidade. O conhecimento das bases do marxismo-leninismo é indispensável para os especialistas de todos os setores. O método de ensino do marxismo-leninismo deve ser criador e combativo. A juventude deve se educar com as características da moral comunista, no espírito de intransigência em relação à ideologia burguesa e todas as manifestações do revisionismo. As ciências sociais devem ser ensinadas em estreita ligação com as ciências naturais, com as condições concretas da prática da edificação, e o método de ensino das ciências deve ajudar a dar aos estudantes o domínio da teoria científica do conhecimento.

3.6. Os Estudos sem o Abandono da Ocupação Habitual Em cada ano, as escolas noturnas e por correspondência são freqüentadas por dezenas de milhares de trabalhadores dos diferentes ramos da produção. No futuro, esse número aumentará sempre, porque os trabalhadores sentirão sempre a necessidade de desenvolver sua cultura e instrução. O ensino dos trabalhadores sem o abandono das respectivas ocupações é, e se tornará cada vez mais, uma forma muito importante de elevação do nível de instrução das massas e de formação de quadros, para os diversos setores da economia e da cultura. Eis porque é necessário dispensar um cuidado especial à extensão de todas as formas de escola para adultos: escolas noturnas, escolas de acordo com as estações do ano, de Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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revezamento e por correspondência. É preciso melhorar o trabalho de ensino dessas escolas e os métodos, tendo em vista a idade avançada dos alunos, designando para elas os professores mais capazes. Para o desenvolvimento ulterior do ensino para adultos, cabe uma inteira responsabilidade, além dos órgãos da administração do ensino, às diferentes instituições centrais, às direções das empresas e das organizações de massa.

3.7. Elevar a um Nível Superior o Trabalho do Ensino Na solução dos problemas importantes do ensino, o principal papel é desempenhado pelo quadro dos professores, pelo exército dos educadores do povo. Nenhum desses problemas será resolvido sem uma grande mobilização dos professores, sem a elevação de sua consciência e disciplina, sem o aumento de sua responsabilidade nos resultados do trabalho. Os professores constituem um destacamento combativo da "inteligência" popular, política, ideologicamente unido e estreitamente ligado ao povo. Trabalharam e trabalham incansavelmente pelo desenvolvimento do ensino, pela educação das jovens gerações. Esses educadores cumprem um dever sagrado e nobre: o povo lhe confiou a instrução e a educação das novas gerações. "Em nossa sociedade, os nossos orientadores são respeitados e honrados de maneira especial." Um grande papel deve ser desempenhado pelos professores para o progresso do ensino, que é um problema muito importante e atual da escola albanesa. O progresso dos estudantes nas aulas é ainda limitado. Assim, verificam-se deficiências sensíveis na formação dos quadros e cria-se um espírito de conciliação com os defeitos no trabalho e na própria vida da escola. Esse progresso limitado dos estudantes reflete, em certa medida, as dificuldades da maior extensão e crescimento do ensino. É preciso, pois, pesquisar as causas principais das deficiências do trabalho na escola. Eis por que, em primeiro lugar, é preciso melhorar o trabalho dos professores.

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PARTE III

DESTAQUES DA CORRESPONDÊNCIA

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DIÁLOGO COM FERNANDO DE AZEVEDO SOBRE A EDUCAÇÃO NO PAÍS

Rua Santa Terezinha, 14 – Tijuca 21 de fevereiro de 1941 Meu caro A. Fernando de Azevedo, O desejo de lhe escrever mais longamente fez sempre com que vá adiando as respostas às suas cartas e ficando em falta, de que mal posso me desculpar. Suas palavras de extrema bondade para o insignificante trabalho que lhe remeti tocaram-me profundamente. Sabe bem as contingências com que se escreve uma tese daquela natureza, cheia de restrições de espaço e de pensamento, especialmente no momento em que se vive. Por isso, ela está muito aquém do tratamento que recebi no concurso e muito mais ainda das palavras com que recebeu agora impressa, sem qualquer alteração. Sinto não ter liberdade de fazer o que desejava no assunto, ao menos como justiça à sua obra e à de A. Teixeira, a quem devo a segurança e a rapidez com que ascendi na minha carreira. Os tempos melhorarão, porém, tenho absoluta convicção. Agora outro assunto. O Observador Econômico e Financeiro, que conhece com toda certeza, vai iniciar um grande inquérito, em todo o País, sobre o tema "Economia e Educação". Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Ocasionalmente, foi pedida minha colaboração particular, através da pessoa encarregada de redigir as questões. Tratando-se de uma coisa ampla, inteiramente fora do ambiente estreito dos educadores profissionais, formulei 20 questões, cuja cópia lhe mando junto. Teria todo o interesse em ouvir sua opinião a respeito. Além disso, mando-lhe, também o trabalho de apresentação do inquérito, isso porque indiquei o seu nome como o primeiro a ser ouvido, não em resposta às perguntas, mas numa preview do importante problema. O Observador é uma publicação de grande prestígio e recursos, considerada no estrangeiro como a nossa Fortune. Dirigida por Valentim Bouças, torna possível dizer-se o que deseja, sem qualquer aborrecimento. Creio que o Observador já lhe escreveu a respeito. Pedia-lhe encarecidamente não recusar a colaboração, pois a coisa terá grande repercussão e o sr. terá plena liberdade de dizer o que achar oportuno. Com um grande abraço agradecido do Paschoal

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São Paulo, 28 de fevereiro de 1941. Meu caro Paschoal, Parece-me da maior utilidade o inquérito que o Observador Econômico e Financeiro pretende iniciar, em todo o País, sobre "Economia e Educação". Agradoume o trabalho de apresentação, de que você me enviou cópia; e as vinte e cinco questões que você formulou, com largueza e segurança de vistas, ainda me satisfizeram mais pela precisão com que você abordou problemas fundamentais. Já começou bem o inquérito: a introdução é arejada, lúcida e sacudida, e as questões ferem com tanta nitidez tudo o que constitui o essencial, nas relações entre economia e a educação, que basta lê-las para fazer uma idéia clara da importância desses problemas e, em alguns casos, devido à sua complexidade, da dificuldade de resolvê-las. À medida que passava os olhos pelos diversos itens do questionário, tinha a impressão que "se movia", induzido pelas suas mãos, o problema que você agarrou e cujas faces se iam sucedendo bastante iluminadas para se imporem à observação. É certo que é preciso ter olhos para perceber o que elas contêm, nem sempre explicitamente formulado, mas implícito, envolvido na complexidade do problema, que se pretende discutir ou sobre o qual se deseja despertar a reflexão. As perguntas têm, pois, sobre a vantagem de atacar o "essencial", a de sugerir idéias e largas perspectivas e abrir, no inquérito, um domínio cada vez mais vasto e mais alto à reprodução dos que devem ser interrogados no inquérito do Observador Econômico. Se tenho alguma dúvida é quanto à seriedade e ao valor das respostas. Não é muito difícil obtê-los, em inquéritos sobre qualquer assunto. Mas muito poucos se disporão a estudar e a refletir, antes de alcançarem no papel o que se costuma chamar uma "opinião" e, em geral, não passa de "impressões". Não há assunto técnico ou problema, por mais complexo que seja, sobre o qual, interrogado, um intelectual entre nós não tenha a sua opinião, e se há matéria em que quase todos se julgam entendidos é educação e cultura. Acredito, porém, que se o Observador colher umas seis respostas profundamente meditadas, de pessoas que se especializaram nesses estudos, já terá atingido os objetivos do inquérito: o debate e o esclarecimento de apurar problemas fundamentais. Não sei se poderei dar resposta às perguntas ou mandar minha opinião numa "previsão", no caso de ser interrogado, como v. me anuncia,– e o primeiro a ser ouvido, de acordo com seus desejos. Estou agora sobrecarregado com a redação da última parte de um livro em preparo, sobre cultura e educação, e, portanto, sem tempo bastante para refletir sobre as repostas que deveria dar. Se não me engano, entendo um pouco do assunto, mas tenho uma consciência muito viva de minha responsabilidade para responder sem meditar e sem ter idéias muito claras e precisas. Ficarei muito obrigado a v. se pedir que me mande o Observador: gostaria de acompanhar muito de perto esse inquérito que reputo do maior interesse para a educação nacional. Com um afetuoso abraço do seu de sempre, Fernando de Azevedo Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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16/3/1945 Meu caro Dr. Fernando, Não obstante a missão que confiamos ao Pedro Gouveia de lhe expor mais detalhadamente nosso pensamento, não posso deixar de lhe escrever para lhe agradecer a atenção com que atendeu ao nosso apelo e as palavras tão justas e equilibradas que nos mandou. Isso vem provar mais uma vez, se não tivéssemos outras razões, como é imprescindível sua presença aqui para coordenar o movimento que, todos sentimos, devemos organizar neste momento. Agora, se me permite algumas ponderações à margem de suas palavras, as quais sendo pessoais, representam entretanto o pensamento de muitos elementos do nosso grupo de educadores e também de outros setores, inclusive de elementos das chamadas esquerdas. Quando somos obrigados a embarcar num veículo, único que nos pode conduzir a determinado ponto, é claro, não podemos fazer a escolha de nossos companheiros de viagem. Logo que soube das articulações em torno do nome do brigadeiro Eduardo Gomes, senti a habilidade admirável com que os elementos políticos mais puros e desinteressados estavam agindo, indo procurar um elemento que reunia tantas condições para em torno dele se congregarem os elementos mais diversos, todos porém tendo um objetivo fundamental: liquidar essa "ordem" que levou o País ao impasse que nos colocava e ainda coloca interna e externamente na posição a mais penosa. Que tais elementos estavam certos viu-se pela reação imediata que se verificou, pelas liberdades que logo foram conquistadas e pelo completo desarvoramento com que ficou a situação existente. A solução, a que agora chegaram, evidencia mais uma vez, que, a não ser que surja alguma coisa de melhor, é com esse grupo que forçou a democratização do País que devemos todos formar. Por outro lado, Dr. Fernando, sempre julguei, e agora mais do que nunca, que nós educadores não devemos ficar nessa posição de portadores exclusivos das normas salvadoras que oferecemos aos outros para que aceitem sob pena de perdição ou pelo menos de nossa condenação. Penso que devemos participar da luta política, com os elementos existentes, pois essa é a nossa realidade e, no meio, deles procurar doutriná-los e convencêlos dos nossos pontos de vista. Concretamente, neste momento, parecia-me, por exemplo, que os nossos líderes (com o Dr. Fernando de Azevedo à frente) deveriam procurar os homens que estão dirigindo o movimento político democrático, para conversar com eles, explicar-lhes nossas idéias, explicar-lhes nossa posição, interessá-los nos problemas educacionais, num trabalho paciente de verdadeiros educadores, não importando que, nessa obra, tivéssemos de ombrear com os "ademares de barros", os "jorges americanos", ou coisas ainda piores. Sei que um José Américo, um João Mangabeira e o próprio Brigadeiro desejam esse contato com os homens de bem, com aqueles que possam trazer subsídios úteis a uma ação futura e acho que não devemos nos negar a essa colaboração.

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Tudo, porém, Dr. Fernando, só poderá ser detalhadamente discutido e ponderado de viva voz. Insisto, pois, para que o senhor chegue ao sacrifício, se for preciso, para estar conosco tão cedo quanto seja possível. Perdoe-me a franqueza com que lhe falo e receba um afetuoso abraço do Paschoal

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São Paulo, 3, junho, 45. Meu caro Paschoal, No dia seguinte ao de sua chegada, o Milton me procurou para dar-me seu recado. Estamos examinando o assunto sobre o qual precisamos ainda conversar, para elucidação de alguns pontos que me parecem fundamentais e não ficaram, naquela troca de idéias, suficientemente esclarecidos. À satisfação de ver o interesse manifesto pelo estudo e pela solução do grande problema, se juntou a que me trouxe a notícia da volta do Samuel Wainer ao Brasil e do reaparecimento de Diretrizes. Escrevo hoje mesmo a esse nosso amigo, exprimindo-lhe minha alegria por vê-lo novamente entre nós e à frente do vespertino em que, com a mesma orientação, se transformou aquele semanário de combate. Tenho acompanhado de tão perto quanto possível os acontecimentos atuais, para cuja compreensão me têm sido muito úteis as informações e os discursos e artigos, mais interessantes, vindos de suas mãos. Ou muito me engano, ou estou vendo as coisas com clareza, embora não se possa fazer muito boa cara a um jogo, não digo mau, mas difícil. Recear, ainda receio que as rivalidades políticas, de que tão freqüentemente se afasta a consciência dos interesses da nação, possam desfechar em campanha militar, sempre tão prejudicial a esses interesses. Mas não creio que já agora se possa arriar a bandeira de liberdade e de democracia (social, econômica e política) que desassombradamente se desfraldou e à sombra da qual todos nos recolhemos. Espero que tenhamos oportunidade de conversar com mais espaço, quando for ao Rio de Janeiro para o Congresso de Educação. Escreva-me. Recomendações aos seus e, para v., um afetuoso abraço do Fernando de Azevedo

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16 de novembro de 1945. Meu caro Dr. Fernando, Pedi ao Venâncio que lhe entregasse um estudo que fiz, a pedido de Prestes, sobre o problema de educação no Brasil e sugestões para algumas soluções imediatas. Como o senhor verá trata-se de um estudo muito geral, sem "filosofias" e sem "pedagogias". Destinava-se a leigos, e mesmo, julgo que é um bom ponto de partida considerar as instituições como elas são (escolas primárias, secundárias e superiores) independente de qualquer "filosofia", uma vez que no caso brasileiro ou latino-americano trata-se ainda de um problema de quantidade, bem que esta nunca exclua a qualidade. A "qualidade" porém é função dos recursos técnicos existentes e só à técnica (com a devida orientação social e política) compete resolver. É inútil dizer que gostaria de receber sua impressão franca logo que lhe fosse possível. Verificará também que procuro liquidar certos "tabus" e confusões de muitos de nossos educadores e até amigos bem chegados. O momento é, porém, de definições e estou resolvido a tomá-las nessa encruzilhada de nossa vida institucional. Nesse sentido é que lhe escrevo também. O Partido Comunista lançou seu programa de união nacional, democracia e progresso, magnífica palavra de ordem, e apresentará até amanhã quem ela pensa seja o verdadeiro candidato do povo à Presidência da República. Achei o programa admirável e pensei em que um grupo de educadores, mesmo não filiados ao Partido e tendo para com ele certas reservas, pudessem fazer uma manifestação de público, principalmente no momento em que um grande grupo vai prestar uma homenagem ao Brigadeiro, cujas convicções e conhecimentos na matéria são muitíssimo vagos e até perigosos, pois até já estabeleceu compromissos com a Liga Eleitoral Católica (ensino religioso, etc.). Consulto-o, pois, se o senhor encabeçaria uma tal declaração de apoio ao programa. Particularmente penso que é a hora de se dar um passo decisivo ou cairemos na descrença e nas desilusões. Conto, como sempre, com sua palavra sempre franca, ponderada e firme. Um grande abraço do Paschoal

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São Paulo, 17, novembro, 45. Meu caro Paschoal Lemme, No dia seguinte ao em que deitei ao correio uma carta para v., endereçada aos cuidados do Venâncio, chegava-me a sua, também pelo expresso. Vejo que se cruzaram pelo caminho. A estas horas v. já deve ter lido minha opinião sobre o trabalho que fez, analisando o problema de educação no Brasil e apresentando "sugestões para algumas soluções imediatas". É, como lhe escrevi, um estudo de primeira ordem, lúcido, sereno, objetivo. V. tem uma maneira de atacar o assunto, tão persuasiva, que nos faz imediatamente aceitar a realidade que nos é proposta e me parece de acordo com os dados estatísticos e demais elementos indispensáveis à sua compreensão. Consulta-me agora se eu estaria disposto a assinar uma declaração de apoio ao "programa de união nacional, democracia e progresso". Acrescenta v. que o achou admirável e me dá as razões que o convenceram da necessidade de uma demonstração pública por parte de um grupo de educadores. Penso também que o momento é oportuno para reafirmarmos a nossa posição diante de problemas fundamentais. Mas não conheço o programa a que v. se refere, em sua carta, e que eu gostaria de examinar antes de dar minha opinião. Não podia v. enviar-me o trabalho pelo correio expresso? Escreva-me logo, e diga-me se recebeu a carta que lhe mandei pelo Venâncio. Com um afetuoso abraço do seu, de sempre, Fernando

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Rio, 21 de novembro de 1945. Meu caro Dr. Fernando, Confesso-lhe que foi com bastante emoção que recebi suas palavras tão generosas sobre meu modesto trabalho. É certo que procurei pôr nele o máximo de sinceridade e de segurança, condicionada esta aos dados de que dispunha, pois se tratava de orientar ou melhor atender à solicitação de um homem e de uma agremiação (Prestes e o Partido Comunista do Brasil) que desejavam ter a palavra de um técnico sobre problema tão vasto e tão complexo. Considerei detidamente minha tremenda responsabilidade diante do uso que Prestes e o Partido poderiam vir a fazer do material que lhes fornecesse com programa e orientação, pois seria lamentável que eles "embarcassem" em confiança em alguma coisa que fosse menos justa ou menos bem orientada. O trabalho deveria ter sido feito por uma equipe, pois não era evidentemente tarefa para uma pessoa. Isso disse ao Milton Rodrigues quando de passagem por aqui ao voltar da América. As dificuldades que tive em articular um grupo de educadores que pudessem trabalhar em harmonia e com conhecimento dos problemas cuja orientação se pedia, a visão, do meu ponto de vista, deformada de que muitos dos nossos amigos e colegas têm dessa questão, assumindo uma posição excessivamente "idealista" ou mesmo ingênua diante de certas questões fundamentais (como por exemplo, a da educação rural e profissional que, segundo penso, colocam exatamente às avessas, como dizia Marx da filosofia hegeliana) e ainda mais a premência de tempo fizeram com que me abalançasse a elaborar o trabalho sozinho, escudandome no material de que dispunha, na minha pequenina experiência e em algumas convicções filosóficas e políticas a que cheguei lentamente, numa evolução de muitos anos de trabalho, de estudo e também de algum sofrimento. Suas palavras, pois, vieram tirar um grande peso e dar-me a tranqüilidade que o endosso de seu nome proporciona ao autor de qualquer estudo sobre educação. Muito obrigado, pois! Agora o outro problema que considero mais premente e seriíssimo. Lembra-se bem que lhe escrevi logo que houve fatos concretos que importavam modificação na situação política em que estávamos e que me parecia criar condições para os educadores voltarem a se manifestar e a agir de público (fevereiro deste ano - início do movimento "brigadeirista"). Sua carta em resposta e suas palavras em encontros posteriores foram uma antevisão rigorosa dos acontecimentos e nisso, conforme lhe disse, coincidiu o seu pensamento exatamente com o de Prestes: mudar sim, mas mudar realmente e decisivamente para a frente. Nada adiantaria a substituição de homens e um simples programa de vaga "democracia" e "moralização". O País precisa dar passos decisivos em direção ao futuro. A ação de Prestes e do Partido durante esses meses pode ser criticada. Os estatutos que votaram para o Partido podem ter suas falhas, principalmente, do nosso ponto de vista, que nem sempre é o real, da massa proletária de que o PCB é a vanguarda. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Mas não se pode negar a Prestes uma grande coerência e firmeza de propósitos e, em linhas gerais, um acerto notável no fundamental. Em comparação com o resto então, nem se pode discutir. Quero dizer-lhe agora, ou melhor, repetir-lhe, aqui, que nunca pertenci ao Partido Comunista nem mesmo agora que ele está na legalidade. Sofri com eles e jamais os recriminei inclusive por erros que, por exemplo, agravaram minha situação quando estive preso. Vou revelar-lhe aqui, pela primeira vez, que foi uma anotação do próprio punho de Prestes (que não conhecia e nem sabia que se achava naquela ocasião no Brasil) em que havia uma referência ao meu nome com o de outras pessoas para uma determinada tarefa que, em 1936, quando ele foi preso e apreendido seu arquivo (que já poderia ter sido destruído) agravou minha situação. Isso porém, não tem a menor importância e continuo a considerá-lo, depois de vários contatos pessoais, como uma das maiores cabeças em matéria política e econômica de que o Brasil dispõe e que deve ser ajudado por todos as formas. Não me filiei ainda ao Partido simplesmente porque não me acho em condições de colaborar na medida em que ele precisa de nós, sem restrições e dentro de uma rigorosa disciplina, que é a própria essência da organização do Partido. Minhas condições de família e de funcionário ainda não permitem entregar-me completamente a essa situação, esperando porém fazê-lo em futuro não muito longínquo. Mas no momento não se trata absolutamente disso. Trata-se, sim, de colaborar com todas as outras forças progressistas do País na obra de fazer o Brasil dar um decisivo passo à frente e, para isso, considero que o único núcleo capaz de realizar essa tarefa é o Partido Comunista, em torno do qual se agremiará, como já está se agremiando, tudo o que é realmente limpo e que não tem medo do futuro. Por isso (e aqui voltamos ao assunto de minha carta e ao apelo que lhe fiz) julgo que todas as classes progressistas (e os educadores que têm a pretensão de preparar o futuro, especialmente) só têm um caminho no momento: apoiar o programa mínimo que o Partido lançou (que considero, como lhe disse, excelente) em declaração pública (não envolvendo isso compromissos com a linha interna e a organização oficial do Partido) e votar e fazer propaganda pelas chapas eleitorais do Partido para a futura Assembléia Constituinte e Parlamento e agora para o candidato à Presidência por eles apresentado, Yeddo Fiuza. Pedia-lhe, assim, que examinasse a questão e me dissesse alguma coisa com a urgência possível, pois caso concordasse seria interessante o senhor redigir essa declaração pública de apoio, ao menos ao programa mínimo que lhe mando junto, que o senhor assinaria em primeiro lugar, procurando depois educadores de São Paulo e me remetendo para eu procurar outros aqui no Rio e nos Estados. Gostaria que escrevesse ao Frota Pessoa e ao Venâncio ao mesmo sentido. O tempo urge. Temos apenas dez dias diante de nós. Qualquer que seja sua resposta receba os agradecimentos e um grande abraço do Paschoal

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PROGRAMA MÍNIMO DE UNIÃO NACIONAL que será defendido pelos candidatos do Partido Comunista do Brasil É a seguinte declaração do PCB feita no momento em que são lançados os nomes de seus candidatos a senadores e deputados: Ao apresentar à nação as listas de seus candidatos às eleições parlamentares de 2 de dezembro próximo, o Partido Comunista do Brasil pede a atenção de todos os brasileiros, eleitores ou não, homens e mulheres, independentemente de classes sociais, de ideologias políticas, de crenças religiosas ou pontos de vista filosóficos, para os nomes registrados e para o programa mínimo de união nacional que seus candidatos defenderão no futuro Parlamento. Os nomes registrados sob a legenda do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL são de homens e mulheres dignos de receber os votos de todos os patriotas e democratas, e de todos os sinceros antifascistas, de todos que desejam o progresso do Brasil, porque são nomes de operários, de camponeses, de agricultores, comerciantes e industriais, de intelectuais, médicos, advogados e engenheiros, de escritores e militares, comunistas e não comunistas, mas todos democratas honestos, lutadores antifascistas, conhecidos e provados nos duros anos de reação e de guerra. Os candidatos registrados sob a legenda do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, comunistas ou não, comprometem-se ante a Nação a serem no Parlamento os mais intransigentes e infatigáveis lutadores contra o fascismo e a tudo fazerem pela ampliação e consolidação da democracia em nossa terra. Sua atividade no Parlamento ficará subordinada aos seguintes preceitos por todos voluntariamente aceitos, como programa mínimo de união nacional: I – Os eleitos do povo, senadores e deputados, devem reunir-se em assembléia única, conforme determina a Lei Constitucional nº 18, para, como poder soberano, emanação direta da Nação, constituir-se em Assembléia Constituinte, que proclamará a imediata caducidade da carta reacionária de 10 de novembro de 1937. II – A Assembléia Constituinte decidirá, soberanamente, a respeito do governo da República, que substituído ou confirmado no poder, passará desde logo a ser mero delegado da Assembléia Constituinte, perante ela responsável coletiva e individualmente por todos os seus atos. III – A Assembléia Constituinte poderá, desde logo, antes de entrar propriamente na discussão sobre a futura Constituição, elaborar uma DECLARAÇÃO DOS DIREITOS E DEVERES DO CIDADÃO, segundo os imortais princípios das Revoluções Americana de 1776 e Francesa de 1789, mas acrescida dos direitos sociais essenciais e indispensáveis nas democracias modernas. Serão assim proclamados todos os direitos do homem e do cidadão: liberdade de consciência; de religião (de ter ou não ter religião); de manifestação do pensamento pela imprensa, rádio, etc.; liberdade de reunião, de associação política; inviolabilidade do domicílio e o sigilo da correspondência. E, como direitos sociais essenciais: o direito à instrução para todos sem distinção, a não ser o valor individual revelado; o direito ao trabalho e ao repouso; o direito à assistência paga pelo Estado, para acidentes, doença, invalidez; aposentadoria digna para os velhos trabalhadores. Completa igualdade de direitos para a mulher. IV – Quanto à Constituição democrática a ser adotada, seus princípios fundamentais serão os seguintes: 1) Toda a soberania reside na Nação – o único poder legítimo é o que vem do povo. Nestas condições, os deputados nada mais são que mandatários dos que os elegeram e perante eles responsáveis. Aos eleitores, portanto, o direito de caçar a qualquer momento o mandato de seus representantes. 2) O voto é direito inalienável de todo cidadão maior de 18 anos, homem ou mulher, independentemente do nível cultural (mesmo analfabetos) e profissão que exerçam, inclusive soldados e marinheiros. Só o sufrágio direto, secreto e universal é realmente democrático.

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As eleições para a Assembléia devem ser feitas por listas de partidos políticos e o sufrágio rigorosamente proporcional às forças de cada partido, dentro de cada unidade da Federação. 3) Todos os cargos administrativos importantes, cargos de governo principalmente, devem ficar nas mãos de representantes eleitos pelo povo, desde o município até os órgãos supremos do poder. 4) O governo federal (o Poder Executivo), será exercido por um Conselho de ministros escolhidos e nomeados pela Assembléia de representantes do povo e perante ela responsáveis. A mesa da Assembléia acompanha todos os trabalhos do governo, controla a sua atuação e defende a Constituição. 5) O presidente da República deve ser eleito pela Assembléia de representantes do povo e não tem poderes a ela superiores. 6) Como regra geral, os juízes devem ser eleitos pelo povo. A justiça será serviço público gratuito. 7) Estados, Municípios e o Distrito Federal terão completa autonomia política e administrativa, regendo-se pelos preceitos constitucionais que adotarem, respeitada a Constituição da República. 8) As grandes propriedades abandonadas ou mal utilizadas junto aos grandes centros de consumo e às vias de comunicação já existentes deverão passar ao poder do Estado para que sejam gratuitamente distribuídas aos camponeses sem terra. 9) Na Constituição será assegurada a supressão do feudalismo econômico e financeiro. Todos os trustes que pelo seu poderio econômico possam impedir na prática o gozo das liberdades teoricamente proclamadas, e aqueles cujo poderio ameaçar a independência nacional devem ser por via constitucional imediatamente nacionalizados pelo governo. 10) Será mantida rigorosa separação do Estado da religião. Liberdade na prática de todas as religiões. Laicidade do ensino público. V – Mas, além do interesse pela nova Constituição, os senadores e deputados do povo na Assembléia Constituinte, ou mesmo nas duas casas do Parlamento, tudo farão em defesa dos mais imediatos interesses da Nação, lutando: 1) Pela manutenção da paz mundial, pela ruptura de relações com os governos fascistas, especialmente da Espanha e de Portugal; pela solidariedade das Nações Unidas, em apoio da Carta de São Francisco e da política de paz e colaboração sob a égide do CONSELHO DE SEGURANÇA MUNDIAL e das três grandes nações democráticas: Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética. 2) Pela prática da democracia interna, em defesa intransigente dos direitos civis do cidadão. 3) Contra o fascismo, pela dissolução imediata dos bandos integralistas, quaisquer que sejam seus nomes, e prisão e processos de seus chefes, como traidores nacionais. 4) Contra a carestia da vida, através de medidas práticas contra a inflação. 5) Pela efetiva aplicação da legislação trabalhista sobre o controle dos próprios interessados, organizados em seus sindicatos realmente livres e autônomos. Ampliação da JUSTIÇA DO TRABALHO e imediata substituição dos juízes que não forem livremente eleitos. 6) Pela imediata extensão dos direitos sociais aos trabalhadores agrícolas. 7) Pela ajuda decidida do governo à organização sindical do proletariado, inclusive empresas autárquicas, a fim de que unifique nacionalmente suas forças numa grande CONFEDERAÇÃO GERAL. 8) Pela rápida liquidação dos restos feudais na agricultura, em defesa da massa camponesa, contra a exploração dos grandes fazendeiros reacionários. 9) Pela entrega de terras úteis à agricultura junto aos grandes centros de consumo e às vias de comunicação existentes aos camponeses pobres que as queiram diretamente trabalhar. 10) Pela imediata dissolução de todas as polícias políticas e processo criminal contra os carcereiros e carrascos policiais que maiores crimes cometeram durante a reação.

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11) Pela imediata democratização do ensino, sua simplificação de maneira a assegurar instrução primária, técnico-profissional e na medida do possível secundária, gratuita às mais amplas massas da população. 12) Pelo socorro médico e hospitalar imediato às vítimas das endemias que maiores males causam a nossa população, especialmente a tuberculose. Proteção à maternidade e à infância. 13) Pela democratização das nossas forças armadas e sua aparelhagem progressiva, de maneira a constituírem elemento cada vez mais eficiente em defesa da democracia e da independência nacional. 14) Pela revisão dos contratos mais lesivos aos interesses nacionais com as empresas nacionais ou estrangeiras. 15) Pela revisão geral do sistema de impostos, e substituição rápida dos impostos indiretos pelas diretos, sobre a renda e o capital.

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1945. O Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil

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São Paulo, 23 de novembro de 1945. Meu caro Paschoal, Foi um grande prazer o que v. me deu com sua carta, recebida ontem, numa hora de tristeza e desilusões. Todas as que me vieram de suas mãos trouxeram-me com a expressão de sua solidariedade e de sua confiança, palavras de fé na vitória final de nossas campanhas pela educação. Nenhuma, porém, me fez sentir tão profundamente a extensão de sua confiança e o calor de sua amizade. Já faz quase vinte anos que nos conhecemos e nos unimos por uma compreensão mútua e, sobretudo, pela mesma fidelidade às convicções e aos ideais, pelo mesmo desprendimento pessoal e por igual decisão nas lutas que temos travado ou em que nos achamos envolvidos e das quais saímos ao menos com uma vitória sobre nós mesmos. Não houve generosidade em meu julgamento sobre seu trabalho, que é excelente a todos os respeitos. Você foi direto e com vigor ao cerne das questões. Em vez de lançar poeira nos olhos, para dissimular a realidade ou lhe atenuar as asperezas, o que procurou você foi desarmá-los a todos os leitores, para lhes revelar, em sua nudez, a tremenda situação do ensino no Brasil. Já estou perdendo as esperanças, que alimentássemos, num governo com uma visão bastante elaborada desses problemas e uma vontade decidida de os enfrentar para resolvê-los ou pô-los em via de solução. Sem uma consciência nítida do que vale a educação para um país, bem como da importância e complexidade desses problemas, ou cruzamos os braços, contentando-nos com palavras e meias medidas, ou nos lançamos à aventura das improvisações. Para encaminhá-los à solução, é indispensável associar a uma alta especialização de conhecimentos a mais ampla perspectiva que, abrangendo todos os pontos de vista, nos mantenha sempre vigilante o sentido do elemento essencialmente político e, sem negligência dos debates, a visão de conjunto. Este é um ponto sobre o qual nunca seria demais insistir. Agora, o que tenho a dizer em relação ao "programa mínimo", de que você me enviou cópia. Já o conhecia. Não sabia, porém, que você se referia a esse plano de ação, quando aludiu a um trabalho publicado sob o título União nacional para a democracia e o progresso. É, em suas linhas gerais, um programa admirável. Mas, em primeiro lugar, teria objeções a fazer aos números 4, 5 e 6 (primeira parte), do número IV, entre outros; e, quanto à educação (V, número 11), parece-me que deviam ter ajuntado a esse item, com que estou inteiramente de acordo, outros igualmente importantes. Em segundo lugar, tratando-se de um programa de política geral, seria difícil obter, à última hora, a adesão de outros educadores, como o Frota e o Venâncio, que dando inteira aprovação à parte, aliás tão reduzida, relativa à educação (laicidade e democratização do ensino), poderiam, também, levantar dúvidas com referência a pontos essenciais. Acresce ainda que uma "declaração pública" em apoio de um programa de partido que seria defendido por seus candidatos à Assembléia e à Presidência da República podia ser naturalmente interpretada, às vésperas das eleições, como apoio a esse partido e a seus candidatos. De minha parte, espero a oportunidade para tomar posição, franca e decidida no partido a que possa dar minha colaboração leal, eficaz e sem reservas.

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Terminada essa primeira campanha eleitoral, que acompanho com o maior interesse, o ambiente político, tão confuso nestes últimos meses, tenderá a esclarecer e se tornarão mais definidas as correntes de opinião e, em conseqüência, as linhas de demarcação das agremiações partidárias. Continuarei, por enquanto, o mesmo observador, atento e vigilante, mas intransigentemente fiel as idéias fundamentais, políticas, sociais e econômicas, por que me venho batendo há um quarto de século. Escreva-me sempre. Com um saudoso abraço do amigo certo, Fernando

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São Paulo, 22, fevereiro, 1949. Meu caro Paschoal Lemme, Com o artigo "Miséria e educação", que teve a delicada lembrança de me enviar, pude ter, depois de prolongado silêncio, notícias suas. Desde 1945, ao que parece, nunca mais nos vimos nem trocamos cartas. Foi em casa do nosso querido e inesquecível Venâncio que nos encontramos pela última vez, em uma dessas amáveis reuniões a que ele costumava convocar, quando eu ia ao Rio, alguns amigos comuns, professores e educadores. Retraído por temperamento, carregado de desilusões, ainda me tornei mais solitário com a morte do Venâncio e com tudo o que se vê e se ouve, à volta de nós, neste mundo tempestuoso, sacudido pelos choques de interesse e pela violência das prisões, e em que todos parecem desconfiar de todos e de tudo… Certamente, embora sem entusiasmos que passaram com a mocidade, nem se apagou em mim a chama do ideal, nem se quebrou a fidelidade às minhas normas de conduta e às minhas convicções. Encontrei em meus livros, nas minhas leituras e meditações, um refúgio quase monacal em que, pensando e escrevendo, continuo a lutar por um mundo melhor para os filhos de nossos filhos. O seu artigo eu li com o maior interesse. Já disse uma vez que "é preciso tornar as crianças felizes para poder educá-las". E crianças mal nutridas, sem agasalhos, abandonadas à sua sorte, doentes e expostas a todos os perigos, materiais e morais, tendo, no meio em que vivem ou lutam por sobreviver, tantas fontes impuras para envenená-las, que podem aproveitar de uma educação de conta-gotas, sem base e sem sentido? Com afetuoso abraço do amigo de sempre, Fernando de Azevedo

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Rio, 21 de março de 1949. Meu caro Dr. Fernando, Adiei um pouco o agradecimento que lhe devo pela maneira tão carinhosa com que recebeu minha carta e meu artigo de "Emancipação", porque desejava enviar-lhe um outro pequeno trabalho que só agora saiu publicado em Fundamentos, números 7 e 8, revista fundada por Monteiro Lobato aí em S. Paulo. Nesse outro trabalho, aliás sem qualquer originalidade, como verá, lamento a atitude da maioria de nossos educadores que vêm agindo em completo desligamento de nossas trágicas realidades, resultando daí, quase sempre, a esterilidade da obra a que se dedicam, às vezes com grandes sacrifícios, o que acarreta, para os que são sinceros, tremendas desilusões. De minha parte, estou cada vez mais convencido de que a posição justa, nesse como em todos os outros problemas que angustiam a humanidade, é a marxista, não só no diagnóstico dos males como nas soluções que preconiza. Com relação ao Brasil, pela sua situação de país semifeudal e semicolonial, deformada secularmente em sua economia porque esta sempre esteve e continua a estar muito mais voltada para os interesses estrangeiros do que para as necessidades do nosso povo, creio que só mesmo a união de todos os verdadeiros patriotas, dispostos a todos os sacrifícios, na luta contra essa situação, poderá nos conduzir ao caminho da independência nacional, do progresso, abrindo-se então perspectivas para que o problema de educação seja colocado em bases mais orgânicas, em extensão e profundidade. Nesse sentido, parece-me que, respeitadas as diferenças evidentes, muito temos que nos inspirar no exemplo do povo chinês que, com admirável coragem e persistência, vem numa luta árdua e prolongada, limpando o país dos traidores que, servindo de agentes a interesses próprios e estrangeiros, mantinham o povo na mais negra miséria, fazendo, como aqui, da educação, saúde, bem-estar, privilégios dessa minoria exploradora. E é para essa luta que vai caminhando, entre nós, rapidamente, para um ponto crítico que a cooperação de pessoas como o senhor torna-se absolutamente indispensável, pela inteireza de caráter, cultura e larga experiência no trato dos grandes problemas nacionais. Não tenho qualquer dúvida, Dr. Fernando, que nesses momentos decisivos, como sempre, o país o encontrará na primeira linha dos que colocam acima de qualquer interesse pessoal o bem de seu povo, pois esse tem sido o exemplo de toda a sua vida. No meio de toda essa agitação em que se vive hoje, me esforçarei por manter uma correspondência mais assídua com o senhor, pois suas palavras são sempre um grande conforto para quem as recebe. Abraço-o afetuosamente, Paschoal Lemme P.S. Não desejo que a obtenção da cópia do trabalho que lhe pedi venha a lhe dar qualquer incômodo. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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São Paulo, 20, junho, 1949. Meu caro Paschoal, A perda do Venâncio contribuiu por certo, em grande parte, para o isolamento a que me condenei, e do qual só me tenho afastado por motivos graves e imperiosos. Sua morte foi, para mim, como que uma mutilação. Mas esse retiro não se tornou uma "solidão completa", como lhe dizia em minha última carta, senão pela consciência da inutilidade de qualquer esforço reconstrutor, no domínio da administração pública, perturbada, solapada e desorganizada pelas lutas, interferências e concessões políticas. Como o Frota Pessoa ainda há pouco me dizia em uma de suas cartas, a cada novo governo que surge, renascem as esperanças e, com elas, as decepções. O que posso fazer, faço, no meu exílio voluntário, em que consagro todo o meu tempo aos estudos, às pesquisas e à produção. Ainda este mês entreguei, para publicação, os originais de meu último livro Um trem corre para o Oeste, que traz o subtítulo "Estudo sobre o Noroeste e seu papel no sistema de criação nacional". É, como indica o subtítulo, um ensaio sobre esse caminho de ferro que é a seção mais importante da primeira transcontinental do Brasil e se a estuda, nessa obra, sob todos os seus aspectos: econômico, demográfico, político, estratégico e internacional. No fundo, o que realmente me preocupa, nesse trabalho, é a conquista do Oeste à cultura e à civilização. Já é tempo de orientarmos a política (tomada a palavra no seu mais alto sentido) para a recuperação econômica do Brasil central e das regiões ocidentais, para cujos extremos se dilatam as duas grandes bacias hidrográficas, do Prata e do Amazonas. De saúde, um pouco melhor. Com um abraço afetuoso de Fernando de Azevedo

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Rio, 31 de outubro de 1951. Meu caro Dr. Fernando, A presteza com que respondeu à minha carta, a bondade com que julga o trabalho que lhe enviei e, acima de tudo, a nitidez com que manifesta sua opinião sobre os problemas que levantei são, mais uma vez, motivo para minha gratidão e de reafirmação da certeza de que não se bate em vão à sua porta. Infelizmente, meu desejo de ir a São Paulo agora, para uma conversa mais ampla, não pode concretizar-se, por várias razões; as mais sérias ligam-se a questões domésticas imprevistas, que se acumularam justamente durante os dias em que aguardava sua resposta à minha carta. Nós, os pais, "pomos", mas os filhos dispõem...: meu filho que o procurou, estudante de engenharia, é o mais velho e acabou de fazer um casamento, com a coragem dos 23 anos... O segundo, estudante de arquitetura tem que iniciar um tratamento sério, achando-se internado há dois meses. O terceiro, estudante de engenharia, também foi ao Festival da Juventude, em Berlim (oriental), e na volta, em Praga, adoeceu gravemente, e só agora pude obter informações seguras sobre o estado dele e providenciar o regresso. Tenho ainda uma menina que se forma este ano no Instituto de Educação e um garoto de 11 anos, mas com esses vai tudo bem, felizmente. Essas são algumas razões que me fizeram adiar, não apenas, uma resposta imediata à sua carta, mas, por tempo indefinido, a projetada viagem a São Paulo. Não quero, porém, demorar mais a explicar-lhe, ou melhor esclarecer, dois pontos que me parecem fundamentais, pedindo-lhe relevar-me a maneira desalinhavada com que o faço. O primeiro é o problema da ABE. Devo confessar-lhe, lealmente, que não acredito muito na possibilidade de uma renovação da ABE, pelo menos nas condições atuais do País, no sentido de que ela venha, não só retomar seu papel no panorama educacional brasileiro, reatando as tradições do pensamento de Heitor Lyra e seus companheiros, mas também assumir a liderança dos educadores, nos momentos difíceis que estamos atravessando. Reconheço, de outro lado, todos os inconvenientes da fundação de uma nova entidade para congregar os educadores brasileiros dentro daqueles objetivos. A consulta que lhe fiz foi de minha iniciativa pessoal e exclusiva, mas resultante da preocupação de um círculo de pessoas (a maioria sem qualquer ligação anterior com a ABE) com a situação em que se encontram os educadores, professores de todos os graus, técnicos de educação, enfim, de quantos se interessam ou estão ligados aos problemas de educação de completa apatia, desagregação mesmo: uns totalmente enterrados na pior burocracia (nós, os chamados técnicos de educação do Ministério da Educação); outros professores primários, sofrendo enorme pressão ideológica, ferozmente reprimidos pelas forças reacionárias que pretendem fazer a historia andar para trás, nesse mundo que denominavam de "ocidental e cristão"...; os professores secundários, coitados, ou desumanamente explorados pelos colégios particulares, ou se Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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estiolando num funcionalismo público, sem estímulo e sem ideais; os professores universitários, esses o senhor os conhece melhor do que eu... As pessoas a que me refiro, entretanto, talvez mesmo por não conhecerem bem a situação a que chegou a ABE nesses anos de reação (a crise começou em 1934, como o senhor está lembrado com a cisão verificada então e o afastamento do grupo católico), estão pensando poder depositar grandes esperanças na renovação da ABE de Heitor Lyra e Venâncio, para, pelo menos, tentar fazê-la tomar a iniciativa de uma congregação dos educadores, em plano nacional, para estudo e debate das questões que a todos vêm preocupando. De minha parte, porém, como disse, não participo dessa crença na possibilidade de se colocar a ABE nesse caminho, pois o ambiente lá é francamente desanimador. Eu mesmo, depois da X Conferência Nacional de Educação e do repúdio que recebeu, de velhos companheiros, a colaboração que procurei dar àquele certâmen, repúdio esse que culminou com a carta do Dr. Gustavo Lessa, recusando meu trabalho (essa carta está anexada à cópia que lhe enviei), não mais tenho ido lá. Meus contatos são feitos muito irregularmente e quase sempre através do Edgard Sussekind de Mendonça, que está colaborando conosco no Instituto Nacional de Cinema Educativo, onde trabalho atualmente. O Edgard, como fundador da ABE e com seu ilimitado bom humor, paciência e boa fé, continua persistindo, apesar de sempre freado em todas as iniciativas. A ele somente, num encontro logo depois que recebi sua carta, transmiti seu ponto de vista, e ainda mais, o que muito o alegrou, sua disposição de aceitar o posto de comando para tentar imprimir a ABE novos rumos. Com surpresa minha, disse-me ele que justamente tinha sido designado juntamente com o dr. Arthur Moses (que na minha opinião é um dos líderes dissimulado ou ostensivo da atual situação da ABE), para, em comissão, propor uma fórmula de renovação da direção da ABE, uma vez que o atual presidente doutor Prado Kelly (ex-deputado federal, líder da UDN, irmão do Celso Kelly) demonstrara a intenção de não continuar na presidência, até o fim do período (dezembro) por estar excessivamente ocupado em sua banca de advogado. Entretanto, na segunda-feira passada (dia 22), sempre de acordo com a informação do Edgar, o doutor Prado Kelly resolveu reconsiderar sua decisão e aceitar a reeleição para um novo período de um ano (dez. 1951 – dez. 1952), cedendo à insistência do grupo que controla, na prática, a ABE, atualmente. Esse desejo da permanência do atual presidente deve prender-se, segundo creio, aos serviços por ele prestados, – tais como, entre outros, aumento da subvenção do Governo Federal de 120 mil para 180 mil cruzeiros anuais, solução do caso da sede etc., – serviços esses não sendo estritamente educacionais (ele não é educador de profissão, nem mesmo professor, como o senhor sabe, mas um político militante e pessoa de prestígio social) são, sem dúvida, muito importantes e respeitáveis, especialmente do ponto de vista do ambiente que reina na ABE e das pessoas que decidem de sua sorte... É esta, pois, Dr. Fernando, em linhas muito gerais, a situação atual da ABE, salvo engano meu, oriundo talvez de um julgamento excessivamente severo das coisas e dos homens de minha terra: prefere-se ali, na direção, uma figura, sem

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dúvida brilhante, e de indiscutível prestígio social e político ("político" no sentido particular de "política" entre nós...) capaz de obter certas vantagens materiais mesmo que a Associação continue vazia de educadores e professores e o debate e estudo dos problemas, para os quais foi especificamente fundada, deixem de ser o sentido principal de suas atividades. Minha impressão, continua sendo, pois, a que lhe transmiti na carta anterior: a grande aspiração que parece dominar os responsáveis pela vida da ABE deve ser a de transformá-la numa academia, não naquele belo sentido grego, mas na significação muito moderna e principalmente muito nossa, de uma instituição onde o cultivo do que é morto, passado, estéril sobreleva o que é corrente, vivo, progressista... É o caminho a que conduz o medo, o oportunismo, a acomodação, o alheamento dos problemas da realidade, e leva, por fim à traição dos interesses mais sagrados, no caso, os interesses do povo brasileiro, ávido de quem venha formar com ele na luta áspera, feroz, em que está empenhado, por mais progresso e liberdade... Dr. Fernando, não quero retardar mais a remessa desta primeira parte, relativa à primeira questão. Deixo para outra carta, a segunda: a aparente contradição entre o meu julgamento dos "sociólogos" brasileiros, e a consulta que lhe fiz. Evidentemente, não poderia incluí-lo naquela expressão entre aspas. Poderei ter, e tenho, certas divergências doutrinárias em relação a passagens de suas obras. Nunca, porém, poderia referir-me a elas por aquela forma. Escrever-lhe-ei mais assim que puder. Abraço-o afetuosamente. Paschoal Lemme

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São Paulo, 7 de novembro de 1951. Meu caro Paschoal, Espero que não lhe tardem a voltar ao coração e ao lar a paz e a alegria, com o restabelecimento do filho que se acha internado, e o regresso do que se encontra na Europa, também doente e longe dos pais. Compreendo, em toda a sua extensão, os seus sofrimentos. Tenho tido com os meus, sobretudo com o rapaz, atribulações semelhantes. Meu filho que sofreu um gravíssimo acidente de automóvel, em 48, esteve três meses em tratamento num hospital. São tempestades que, às vezes, nos rondam a casa, mas não chegam a desabar e, quando se desencadeiam, nem sempre trazem os estragos que nos prenunciavam os nossos sobressaltos. Fico-me por aqui na expectativa de notícias e na mais viva esperança de que serão sempre e cada vez melhores. Pelo que me consta, a ABE dos Lyra e dos Venâncio, que era uma força ativa, uma associação zelosa de sua independência e um centro livre de estudos e debates, já se está transformando numa "academia" de letrados, numa espécie de mandarinato da educação. As subvenções oficiais que podiam ser tão úteis, a certos respeitos, passam a exercer freqüentemente a função de "entorpecentes". Constituem, não raro, um processo de emasculação. Devem conservar a vida, mas tiram a vitalidade e a força. Uma sociedade dessa ordem que não age, não discute, não protesta, que, em vez de se expandir, se fecha sobre si mesma, que se encolhe para não tomar atitudes, que, em lugar de se manter alerta, cochila e se espreguiça, se não está morta, está com os dias contados. No entanto, que grande papel já não desempenhou ela na educação nacional. Mas, que fazer? Escreva-me. Sua última carta está por terminar. Agradeço-lhe, de coração, as palavras que lhe inspirou a nossa velha amizade. Com um abraço afetuoso, Fernando de Azevedo M. Casa Rua Bragança, 55 São Paulo

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Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1952. Meu caro Dr. Fernando, Venho corrigir hoje, em parte, a falta em que estou, em relação ao que lhe prometi na última carta, e mais ainda, todas as outras faltas pela demora em lhe responder, contando, para tudo isso, com a absolvição de sua inesgotável bondade. Começo, assim, por lhe agradecer os votos que fez para que as coisas aqui em casa se normalizassem. Realmente, a família já está toda, de novo, reunida – o rapaz doente na Europa chegou afinal, em condições bem razoáveis; o que estava internado aqui teve alta provisória; e os demais vão seguindo relativamente bem. Não lhe respondi imediatamente, não só porque tinha também chegado a minha vez de estar ameaçado de uma operação de garganta (o que ainda não se confirmou e talvez não venha mesmo a se efetivar, se o tratamento que estou fazendo der resultado), como também a segunda parte da resposta que lhe estou devendo dependia de obter algumas publicações para lhe enviar, o que só agora consegui parcialmente. Não sabia também do acidente que vitimou seu filho, e espero que ele tenha se recuperado completamente. Das meninas, guardo uma única e viva recordação de uma vez em que o senhor as levou a visitar a I Exposição de Cinematografia Educativa, na Escola José de Alencar, em 1929 (de passagem, deveríamos ter comemorado os 20 anos desse acontecimento, em 1949, mas apenas consegui que a ABE lhe remetesse um telegrama de congratulações, o qual não sei se recebeu). Depois dessa ocasião, sabia que suas filhas estavam casadas e morando aqui no Rio, onde o senhor tem vindo visitá-las, em algumas das vezes, infelizmente, por motivo de doença. Faço votos, porém, que nesse começar de Ano-Novo estejam todos bem, e assim continuem com saúde e tranqüilidade. Na minha última carta já lhe afirmara que a referência a "sociólogos" (entre aspas), que entre nós defendem ideologias das classes dominantes, opressoras do povo, e servem a interesses antinacionais, não podiam, em hipótese alguma, incluir sua obra. Disse-lhe mais que poderia ter divergências com alguns de seus pontos de vista, em matéria de ciência social, mas isso jamais me levaria, sem grave injustiça ou erro deliberado, incluí-lo entre os sociólogos acima referidos. São esses, justamente, os pontos que precisaria explanar longamente, menos para me justificar, pois, como disse, as expressões um tanto desabusadas que usei, de maneira alguma poderiam atingir sua obra, mas para que deixasse bem claro e preciso meu pensamento e minha posição em face desses problemas. Infelizmente, Dr. Fernando, é praticamente impossível explanar numa carta assuntos sobre os quais, desde as mais remotas eras, escreveram-se toneladas de páginas, em todas as línguas, porque são as questões que estão exatamente no centro das preocupações do homem, desde que este tomou consciência de sua posição em face do mundo e do Universo. O problema torna-se, porém, relativamente simples, porque sua obra está escrita à disposição de quem quiser julgá-la, e quanto a mim, se quase nada posso apresentar impresso, de minha autoria, desde 1929, vinha tomando conhecimento Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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do marxismo-leninismo (materialismo dialético e materialismo histórico), chegando hoje a considerá-lo como a Filosofia, a Sociologia, a Economia, a Teoria do Conhecimento, capazes de darem uma verdadeira interpretação do universo, e portanto do homem e de sua vida em sociedade. Minhas divergências ficam, pois, perfeitamente localizadas: elas existem à medida que sua obra, Dr. Fernando, diverge da interpretação marxista-leninista da vida em sociedade. Evidentemente, seria um insulto à sua probidade profissional (de professor de Sociologia e sociólogo) imaginar que o senhor não estudou cuidadosamente todo o marxismo-leninismo para poder, justamente, localizar as divergências, como faz em seus livros. Entretanto, para que minha posição fique perfeitamente clara em face dessas questões fundamentais e do debate que se estabeleceu involuntariamente na troca de cartas entre nós (o que aliás é de grande agrado, pois há muito que desejava provocar esse esclarecimento com o senhor), esperei que saísse uma nova edição de um pequeno livro – O método dialético marxista, de M. Rosental – que resume, de maneira muito feliz, ao menos para mim, os fundamentos do que considero hoje a filosofia. É este livrinho que vou lhe remeter em registrado separado, perdoando-me se lhe faço a injustiça irreparável de imaginar que o senhor já não o possuía em edição original: minha defesa é que ele constitui apenas minha resposta, ou melhor, minha posição em face dos problemas em discussão, e de maneira alguma poderia escrevêla melhor. Agora, quero com a mesma franqueza de sempre dizer-lhe a que "sociólogos" me referia, especialmente, no meu trabalho. Pensava, em primeiro lugar, num Gilberto Freire que, de degradação em degradação, desceu até às páginas da revista O Cruzeiro, de Chateaubriand, sórdido agente de todos os interesses antinacionais, de tudo quanto é contra o povo brasileiro. Depois de uma verdadeira falsificação da Sociologia que é Casa grande e senzala, em que a evolução do povo brasileiro está completamente falsificada (ver artigo de Rodolfo Ghioldi, em Fundamentos), e que lhe granjeou uma incrível notoriedade, só explicável pela ignorância ou pelo comodismo ou acomodação dos nossos sociólogos, foi decaindo, até assinar as crônicas mais idiotas imagináveis, naquela nojenta revista de pornografia e de propaganda de tudo o que serve aos interesses das corrompidas classes dominantes brasileiras e dos estrangeiros opressores e exploradores desse infeliz e lúdico povo brasileiro, os quais atualmente podem ser personalizados e concretizados nos miliardários e militaristas norte-americanos, que estão procurando nos reduzir, cada vez mais, à miséria, ganhando nossas riquezas (petróleo, ferro, manganês, areias monazíticas), e querendo nos forçar a participar de suas aventuras guerreiras, na Coréia e em outras partes do mundo, onde pretendem esmagar a resistência dos povos contra a agressão, o colonialismo, pela libertação nacional e pela paz. Gilberto Freire é um símbolo desses "sociólogos" entre aspas, que tudo cedem à reação e ao obscurantismo, e chegam mesmo à suprema ignorância de forjarem "sociologias" para explicar a inevitabilidade da miséria do povo brasileiro, seu "con-

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formismo", sua "resignação ancestral", influência da escravidão negra, que, segundo ele, dominou todo o panorama social do Brasil, influenciando mesmo os senhores de engenho e as "iaiás", e que hoje (o povo brasileiro) deve se dobrar às exigências das raças arianas superiores… Além disso, sua escola de pesquisas sociológicas, aprendida com os norteamericanos, é aquela "laranjada" (desculpe-me a "gíria") que estuda, por exemplo, uma rua, registrando os hábitos dos moradores, as horas em que os homens saem, como as mulheres se vestem, ou como as crianças brincam ou que "palavrões" usam, para depois descrever tudo isso com riqueza de detalhes e abundância de estatísticas, que nada concluem, nem chegam a qualquer resultado concreto… "Sociologia" que não conclui… É tipicamente a "sociologia" norte-americana dos "inquéritos", das "pesquisas" de detalhes, onde se esqueceu a "floresta" porque se fica perdido nas minúcias das "árvores" isoladas… É a "sociologia" "made in USA", "coca-cola", que não pode mesmo concluir, como já notavam verdadeiros sociólogos, porque a conclusão seria a condenação daquela sociedade que se desagrega, apodrece, sob a direção de "gangsters" fardados, miliardários ociosos e politiqueiros sem escrúpulo, que na ânsia de salvarem a tal "civilização ocidental e cristã", não hesitarão em jogar a humanidade na mais criminosa das carnificinas, tangendo a juventude para os tenebrosos matadouros atômicos, se em todo o mundo não se levantar, cada vez mais forte, a voz potente dos partidários da PAZ. Mas voltando ao "sociólogo" de Apipucos, já o velho João Ribeiro, com aquela sabedoria e malícia que o caracterizavam, apontava, na crítica que escreveu no Jornal do Brasil sobre a primeira edição de Casa grande e senzala, que o grave defeito do livro, que o condenava como "sociologia", era justamente nada concluir… Sociologia não pode ficar, em simples inquéritos parciais, sem chegar a um corpo de doutrina que conclua dando normas para a ação prática do homem e da comunidade… Ou não poderá ser chamada de Sociologia… Mas esse é outro problema que demandaria longa explanação, e esta carta já vai ficando excessivamente longa. Gilberto Freire, insisto, é pois o mais típico daqueles sociólogos que coloquei entre aspas. Há outros, porém – um Oliveira Viana, que chegou até ao racismo, um Calógeras, que, entre muitas outras coisas, não compreendeu o "fenômeno" dos jesuítas no Brasil e condena os movimentos populares pela libertação do Brasil; um Capistrano de Abreu, que também embarcou no "conto" da "obra civilizadora" dos jesuítas e faz afirmações incríveis, como esta: "começada em 1558, a obra das missões tomou um desenvolvimento rápido nos anos seguintes, principalmente no provincialato de Luís da Grã. Com a mesma rapidez decaiu, sobretudo em conseqüência do fato, misterioso e até agora inexplicável, que condena ao desaparecimento os povos naturais, postos em contato com os povos civilizados (Cf. Capítulos de História Colonial, 3. ed. 1934, p. 58. O grifo é meu). E muitos outros maiores e menores, cuja enumeração seria interminável. O próprio grande Euclides da Cunha, magnífico na terceira parte de Os Sertões, ("A luta"), porque se tratava da parte em que viveu concretamente, e descreveu com aquela fidelidade doentia, comete erros graves na primeira e na segunda partes ("A terra" e "O homem"), perdendo-se num "geologismo" e num Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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"geografismo", inconseqüente (oposição do litoral ao sertão, etc.) e também num quase racismo à Gumploviz, um dos pais do que seria depois o racismo nazista. Foi, por isso, Dr. Fernando, que no prefácio, ao meu modesto trabalho (que aliás tem que ser revisto à luz das críticas, dos quais a mais séria até agora, foi sem dúvida a sua), só citei, como exemplo, os mortos, e os que apresentavam um saldo francamente positivo em relação aos meus pontos de vista atuais. Entre os educadores, citei apenas Manuel Bonfim, porque, além de morto, foi o único que chegou a afirmar claramente sua adesão ao marxismo. Não me referi aos vivos, não por covardia, mas por um cuidado perfeitamente explicável, pois, para cada um que citasse teria que explicar precisamente a razão da inclusão. De passagem, quero esclarecer também, o caso do Anísio. A verdade é que hoje, não sei com segurança qual a posição de Anísio em todos esses problemas. O que tem aparecido atribuído a ele (entrevistas em jornais), e por ele assinado (relatórios de administração), confesso que me tem decepcionado profundamente. Há muito tempo que não falo com ele, mas por aqueles documentos, tenho a impressão de que Anísio embaraçou-se naquela algaravia filosófica de Dewey, de quem foi discípulo, e intérprete autorizado no Brasil, e perdeu-se, talvez definitivamente (o que será profundamente lamentável, dada sua admirável inteligência), para a consideração de coisas mais claras e decisivas. Prefiro estar enganado, mas é esta a minha impressão ao menos enquanto não tiver uma oportunidade de uma verificação direta e pessoal com ele. Longa demais já está esta minha resposta parcial, Dr. Fernando, e muito desalinhavada, reconheço. Como sempre, conto que o senhor me relevará, pois escrevo sobre a pressão de tempo e da doença. Devo sair do Rio amanhã, quinta-feira, dia 10 de janeiro, para tentar descansar um pouco e ver se consigo, com a recuperação que obtiver, escapar de fazer a operação de garganta (amídala, etc.). Estarei de volta, provavelmente, até o dia 25 (de janeiro). Conforme as coisas correrem, escrever-lhe-ei novamente para lhe falar, especialmente, de um outro problema: o Congresso dos Partidários da Paz (a realizar-se em março próximo) e a participação nele dos educadores (preciso ouvir a sua opinião sobre algumas questões relacionadas com esse problema). O Edgar Mendonça disse-me há algum tempo que continuaria insistindo por uma renovação na ABE. Coloquei-me, como sempre faço, à inteira disposição dele para ajudá-lo em tudo o que puder. Parece que o Prado Kelly acabará mesmo por deixar a presidência, talvez em março, no reinício das atividades da Associação. Não sei, porém, o que resultará de tudo isso. Fico hoje por aqui. Agradeço, mais uma vez, suas palavras de conforto; peço recomendar-me a d. Elizinha, desejando a todos os seus os melhores votos de saúde, paz e tranqüilidade. Abraça-o afetuosamente, Paschoal Lemme

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São Paulo, 25, janeiro, 1952. Meu caro Paschoal, Ao voltar de Santos, onde me prenderam as preocupações e os cuidados com uma filha e um netinho, encontrei, entre as cartas que me esperavam, a sua, de 9 de janeiro. Ao terminar-lhe a leitura, quase me felicitei por lhe ter feito um reparo à sua expressão "nossos sociólogos" (entre aspas): foi ele, de fato, que provocou a excelente resposta que me deu, tão amável para comigo como lúcida e vigorosa, rica de dados e de fatos. Fico-lhe muito obrigado pelo prazer que me trouxe, com suas palavras amigas, e pelas suas considerações que me fizeram repensar problemas, no campo de minha especialidade, e refletir sobre outros, ainda mais importantes, porque fundamentais. Logo que for ao Rio (em março ou talvez antes), procurarei uma oportunidade para conversarmos sobre estes e outros assuntos. Os recortes de jornal que mandou, chegaram-me também às mãos. Não recortes, como me saiu por engano, mas os números do jornal, em que vinham assinalados vários artigos para os quais me pediu a atenção. Li-os um por um com vagar e tomei algumas notas para as nossas palestras quando for ao Rio. Tenho necessidade de fazer essa viagem que venho adiando desde dezembro por motivos independentes de minha vontade. Mas, como já estou tranqüilo a respeito de minha filha (nasceu-lhe um menino ontem, em parto normal e mais feliz do que podíamos esperá-lo) e com melhores perspectivas para o neto, farei tudo para não protelar mais e rever brevemente os amigos. Cheguei hoje de Santos, para voltar amanhã ou depois. Com um abraço afetuoso do Fernando de Azevedo M. Casa Rua Bragança, 55 São Paulo

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Rio, 20 de setembro de 1952. Meu caro Dr. Fernando, Propositadamente esqueci a resposta que lhe devia à última carta, pois senti seu estado de espírito em face do transe doloroso que sofreu, e não desejava insistir em problemas espinhosos, colocados por mim quase de maneira impertinente. Perdoe-me! Foi boa a demora, pois a reflexão nunca é demasiada, principalmente em assuntos tão delicados e em hora tão difícil. Pelo Edgar Mendonça soube, também, de sua intenção de colaborar sempre em qualquer movimento que de novo viesse arrancar os meios educacionais da apatia em que vivem, e isso me satisfez muito. Por último, sua carta ao Centro dos Técnicos de Educação, por ocasião da comemoração pela passagem do 20º aniversário do Manifesto dos Pioneiros, a sua entrevista em a Última Hora, de S. Paulo, sobre a oportunidade do lançamento de um novo manifesto, completaram para mim o quadro e me deram os elementos necessários para voltar a tratar esses assuntos. Em primeiro lugar, uma explicação. A idéia da fundação de uma nova entidade que congregasse os educadores verdadeiramente dispostos a prosseguir na luta pelos ideais de 1927, era evidentemente uma idéia extrema, e só deveria ser posta em prática se fracassassem outros meios, tais, em primeiro lugar, como os de reavivar as associações tradicionais já existentes, especialmente a velha ABE. Era, necessário, entretanto, uma sondagem prévia, junto a uma série de elementos, ao mesmo tempo que se consultavam três figuras eminentes e totalmente insuspeitas, para figurarem ou agirem como presidentes de honra natos e perpétuos: o seu nome foi o primeiro lembrado e também o de Roquette-Pinto e o de um ilustre professor militar (cuja escolha ficaria entre os sócios militares da novel associação. Roquette-Pinto aceitou imediatamente, em carta que muito nos honrou. Sobre sua aceitação também não tinha a menor dúvida, depois que os objetivos ficassem perfeitamente esclarecidos. O professor militar não chegou a ser indicado pois, nesse meio tempo, houve uma mudança de orientação, para adiar-se o lançamento da "Associação dos Educadores Democráticos". Essa mudança de orientação surgiu em face de se ter pensado em insistir num trabalho de renovação da ABE. e também em procurar se ativar os trabalhos do Centro dos Técnicos de Educação do Ministério da Educação. O trabalho que lhe enviei representava, pois, a referida sondagem prévia, e estava reagindo justamente em termos um tanto polêmicos para se poder sentir a reação dos meios mais diversos, inclusive militares. Sua crítica incidiu especialmente numa acusação que no documento se fazia à intervenção policial do governo aos meios estudantis. Quero dizer-lhe que, ao menos para o Rio de Janeiro, ela se justificava, plenamente. Os estudantes vivem aqui, debaixo de permanente repressão policial, nos menores detalhes de sua vida, até nos precários restaurantes de que se servem.

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O último Congresso Nacional de Estudantes foi realizado sob pressão de verdadeiro terror policial, para impedir a manifestação dos estudantes democráticos e a eleição de uma nova diretoria, cujo candidato a presidente era um líder estudantil católico. Mando-lhe junto um recorte de jornal sobre o fato. O contato que depois de tudo isso teve com o senhor o Edgar Mendonça, que foi o portador de sua carta ao Centro dos Técnicos de Educação, e a nascente idéia do lançamento de um novo manifesto, que procure despertar, nas condições atuais, os educadores, para uma nova campanha em prol da melhoria das condições de educação para o povo brasileiro, fez-me concordar plenamente em que seria esse o melhor meio de se obter a desejada unidade de ação, entre todos os educadores, verdadeiramente progressistas e conscientes de suas responsabilidades. Depois disso, li também, uma entrevista de Júlio Mesquita Filho (Última Hora do Rio de Janeiro, de 15/9/1952), fazendo severas críticas às condições atuais do ensino no País, e concordando também na necessidade do lançamento de um novo manifesto. E aí uma grande dúvida me assaltou: será possível mesmo, nas condições atuais, a redação de um novo manifesto que possa ser assinado, sem reservas, por plutocratas e modestos educadores, apenas democratas e progressistas? Não estarão exigindo de sua capacidade uma ação sobre-humana, impossível? Deixo-lhe aqui a dúvida. Procederá? Um grande abraço do Paschoal Lemme Trav. Santa Teresinha, 16 – Tijuca Rio de Janeiro

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São Paulo, 26, setembro, 1952. Meu caro Paschoal Lemme, Foi essa, desde o princípio, a minha opinião. Em vez de provocar uma cisão no corpo dos educadores, insistir ainda nesse esforço para a renovação da ABE, e procurar ativar os trabalhos do Centro dos Técnicos de Educação. Para despertar do marasmo em que vivem educadores, indiferentes e sonolentos, é preferível começar com um grito de alarme e um toque de reunir, congregando, todos o maior número possível, sob a mesma bandeira, para uma nova campanha pela educação nacional. Todo o empenho nesse sentido é útil e pode ser fecundo. Se a ABE não tomar essa iniciativa ou, ao menos, não se dispuser a formar conosco nessa luta de todos pela reconstrução educacional do País, então, só então, poderemos assumir a grave responsabilidade de uma cisão, que é preciso evitar por todas as formas. Admitida a possibilidade de se obter a desejada unidade de ação, tão importante para encaminhar a solução de problemas fundamentais, parece-me que um novo Manifesto dos educadores ao povo e ao governo será o melhor meio para abrir a campanha que as condições da educação atual no Brasil tornam cada vez mais urgente. Mas, um manifesto claro nos seus propósitos, realista e objetivo na análise da situação atual como preciso nas soluções propostas. Compreendo a dúvida que o assaltou: será possível a redação de um Manifesto que possa ser assinado sem reservas? Posso tentá-lo; mande-me, para tese e roteiro, cópia do documento com que vocês pretendiam lançar uma nova Associação e os demais elementos que sejam necessários. Os dados estatísticos precisam ser rigorosamente exatos. Li o recorte de jornal que me mandou. Não imaginava que pudessem descer tanto. Escrevo-lhe às carreiras. Com um afetuoso abraço de Fernando de Azevedo. M. Casa Rua Bragança, 55 São Paulo

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Rio, 5 de dezembro de 1952. Meu caro Dr. Fernando, Escrevo-lhe ainda sob a impressão de sua visita ao Rio, lastimando apenas que tivesse sido tão rápida e que a coincidência com o período de provas escolares não tivesse me permitido a oportunidade de vê-lo maior número de vezes e por tempo mais prolongado. Enfim, o fundamental daquilo que necessitava lhe dizer ficou dito, e agora venho lhe dar conta do que lhe prometi fazer. Tive um encontro com o Nóbrega da Cunha no dia seguinte ao de sua volta a S. Paulo, e creio, tudo ficou perfeitamente assentado quanto ao Manifesto. Ele aceitou a incumbência de redigir um documento a ser assinado por um grupo de educadores, inclusive alguns dos signatários do "Manifesto de 32", dizendo da oportunidade, conveniência e necessidade do lançamento de um novo Manifesto e concluindo por mostrar que a pessoa a ser escolhida para redator deve ser o Dr. Fernando de Azevedo. Tal documento, depois de assinado, será remetido ao senhor, que o divulgará com uma entrevista aos jornais de São Paulo e do Rio. Pensa o Nóbrega em lhe propor a convocação de uma reunião de educadores no Rio, perante os quais o senhor leria o trabalho, submetendo-o a debate e recolhendo sugestões para dar forma definitiva ao Manifesto. Essa reunião, pensa o Nóbrega, deveria realizar-se até 15 de dezembro, antes que os interessados se ausentem do Rio, em gozo das férias escolares. A divulgação do Manifesto, conforme o senhor sugeriu, seria feita em março de 1953, depois de iniciado o ano letivo. De tudo isso, o Nóbrega da Cunha lhe dará contas diretamente, pois ele aceitou a incumbência de ficar como coordenador-geral da questão. Estou procurando obter mais algum material estatístico, o qual lhe remeterei logo que esteja organizado. Continuarei também a lhe enviar recortes e publicações que contenham informações de interesse para um levantamento, tão completo quanto possível, da situação. Esperando poder vê-lo brevemente, abraço-o afetuosamente, Paschoal Lemme Trav. Santa Teresinha, 16 Tijuca. Rio de Janeiro, DF

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São Paulo, 15, dezembro, 1952. Meu caro Paschoal, Obrigado por sua carta de 5 deste mês e pelas palavras, tão afetuosas, que lhe inspirou a nossa velha amizade. Desde que nos conhecemos, já faz um quarto de século, tem sido a mesma, pela fidelidade em que toma sua forte resistência às flutuações e incertezas da vida, e pelo calor da afeição que nunca lhe permitiu incompreensões e desfalecimentos. É no Rio que tenho os meus melhores amigos, todos feitos nas lutas pela educação nacional, alguns dos quais, – o Nereu Sampaio, o Jonatas Serrano, o Venâncio Filho, o Frota Pessoa e outros – já não andam sobre a terra nem nos confortam com seu convívio, mas continuam a viver entre nós no culto permanente que prestamos a sua memória e pela saudade que é a presença invisível dos ausentes. Abriram-se já muitos claros em nossas fileiras. Somos um grupo mais reduzido de combatentes fiéis às idéias do Manifesto de 32 e à causa da educação no Brasil. Entre estes, estão v., o Gouveia, o Sussekind de Mendonça, o Anísio, o Lourenço, o Nóbrega da Cunha, para citar apenas alguns. No Rio, conversamos sobre a oportunidade e a necessidade de um novo Manifesto. Parecia-me que estava tudo assentado. A sua carta confirmou-me, em termos incisivos, esta impressão. Mas, até agora não me chegou às mãos nem o apelo de um grupo de educadores nem uma palavra do Nóbrega sobre esse documento e a reunião que deveria realizar-se até 15 de dezembro. Pretendo sair de São Paulo em princípios de janeiro, para passar um mês numa estação de repouso. Li atentamente os recortes e publicações que me mandou. Na expectativa de suas notícias, um abraço cordial do sempre seu, Fernando de Azevedo M. Casa Rua Bragança, 55 São Paulo

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Rio, 10 de fevereiro de 1953. Meu caro Dr. Fernando, Recebi com grande atraso as duas cartas a que o senhor se refere na última que me escreveu, pois estava fora do Rio, em gozo de férias, e na volta, houve, infelizmente, uma demora na entrega da correspondência. Confesso que me surpreendeu o fato do Nóbrega da Cunha não lhe ter escrito, pois, segundo me pareceu, tudo tinha ficado perfeitamente combinado após sua viagem ao Rio. O próprio Nóbrega traçara todo o plano: entraria em contato com o grupo inicial de elementos que seria signatário de um apelo ao senhor no sentido de aceitar a incumbência de redigir um novo manifesto; em seguida, seria convocada uma reunião aqui no Rio para que o senhor apresentasse um esboço do trabalho perante um grupo de educadores, para o recebimento de sugestões; concluída a redação final, o manifesto seria dado à publicidade no início do ano letivo, isto é, exatamente nessa primeira quinzena de março. Não estive mais com o Nóbrega, mas vejo que as coisas não caminharam de acordo com o combinado. Não quero prejulgar, mas, segundo me parece, estão se confirmando as minhas suposições: os educadores parece que se cansaram da luta tão bem iniciada naqueles tempos heróicos da "Reforma Fernando de Azevedo". É certo que alguns dos mais combativos elementos já não são mais do mundo dos vivos, mas devem estar atuando outros fatores para levar tantos outros elementos a essa verdadeira "demissão" ou deserção das fileiras em que naquele tempo combatiam com tanta bravura. Na minha opinião, a principal razão dessa atitude é que, hoje, uma definição clara de princípios, no caos em que estamos vivendo, envolve uma crítica de tal modo severa às instituições e aos homens que hoje dirigem o País, que um sentimento de verdadeiro temor paralisa tal gesto, pois resultaria com toda certeza, na perda de uma situação mais ou menos cômoda, no próprio seio da vida pública, oficial, que quase todos esses elementos foram adquirindo, durante anos em que as vozes discordantes foram sendo reduzidas ao silêncio. Além disso, o conflito ideológico, em que se debate o mundo, torna ainda mais difícil uma definição clara de pontos de vista. Tudo isso resultou nessa forma de agir de quase todos os nossos mais destacados educadores (e o exemplo típico é a conduta de ABE), de fugirem, cuidadosamente de penetrar o fundo das questões, indagação perigosa, para ficarem nesse remexer eterno de sintomas, de superficialidades cujo trato não compromete. É certo que isso não é um sentimento muito claro em todos eles e, de outro lado, há alguns que são estruturalmente reacionários, e outros ainda que o fazem honestamente, pois não chegaram a penetrar o âmago dos problemas e abordam as questões de educação pelo lado da técnica estreita em que se especializaram, seja ela apenas didática ou legislativa. Em face disso, um novo Manifesto, que logicamente deve conter uma definição clara de princípios, baseada numa análise profunda da situação, não representará alguma coisa de muito incômoda no momento para a maioria de nossos educadores? Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Pode ser que esteja sendo um tanto pessimista e injusto em relação a muitos dos velhos companheiros de jornada, mas o que tenho observado no lugar onde se concentram em maior número, na ABE, leva-me, mesmo sem querer, a essas conclusões. Foi por isso, exatamente, Dr. Fernando, que resolvi apressar a publicação dos trabalhos que vieram constituir os "Estudos de Educação". Desprovidos de valor, como são, têm porém, esse objetivo principal: o não conformismo com tal situação e uma definição de meus pontos de vista sobre as principais questões relacionadas com o problema. Minha conclusão, como viu, é de que a educação no Brasil é assim porque o País conserva uma estrutura econômico-social atrasada de séculos que a condiciona; sem a modificação pois dessa estrutura, serão vãos quaisquer esforços, por mais honestos que sejam, no sentido de dar ao povo brasileiro melhores condições de educação, ensino e cultura, quer quantitativa quer qualitativamente. Dirse-á que essa é uma posição revolucionária, extrema, e que a não adotá-la, nada há a fazer, absolutamente. Cada um, nessa luta, tem um papel a desempenhar; a única atitude que não conduzirá a nada é o conformismo, a "desconversa", a recusa em discutir os problemas, em ouvir todas as opiniões. Nada mais oportuno, pois, do que um documento (o manifesto), onde o terreno comum das opiniões fosse exposto e isso com a maestria, a segurança a energia e com o prestígio que teria se redigido pelo senhor. Enfim, Dr. Fernando, quero agradecer-lhe de todo o coração suas bondosas palavras sobre o meu livrinho; um agradecimento que é tanto mais profundo e emocionado, quanto tenho a certeza de que não haverá neste País outro homem, com a sua responsabilidade, valor e prestígio intelectual, capaz de escrever sobre o mesmo e que me diz em sua carta, com tanta firmeza, isenção e coragem. De outro lado, não tenho ilusões sobre os dissabores que a publicação possa me acarretar: a questão, porém, é que meu caminho já de há muito está traçado, e não seriam quaisquer outros sofrimentos ou sacrifícios de ordem pessoal, além dos que já experimentei, que me fariam deixar de afirmar de público aquilo que constitui as conclusões a que cheguei e as convicções que adquiri. Mais uma vez, profundamente agradecido, abraça-o carinhosamente, o Paschoal Lemme

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São Paulo,3, março, 1953. Meu caro Paschoal, O seu silêncio induz-me a crer que v. não tenha recebido minhas duas últimas cartas, escritas, uma em janeiro, e a outra, no mês passado. Já me faltavam notícias suas desde dezembro, quando me chegou às mãos o exemplar que me reservou, de seu livro Estudos de educação. No mesmo dia em que me foi entregue pelo correio, comecei a leitura do volume com que v. traz uma contribuição da primeira ordem para o estudo e solução de alguns de nossos problemas fundamentais. Embora constituído de trabalhos "elaborados em várias épocas, para atender a finalidades diferentes", a unidade de pensamento lhe imprime uma coerência e solidez que não seriam maiores se v. o tivesse escrito dentro de um plano traçado com unidade de concepção. Desde as primeiras páginas, o seu livro impressiona pelo tom de verdade, pelo espírito objetivo e pela coragem das afirmações. As idéias, claras; as análises, severas mas exatas; os golpes, certeiros e implacáveis. A sua visão realista das coisas e o gosto de atacar os problemas, sem rodeios, e ir direto ao essencial, levaram-no a descer ao fundo das questões, apanhadas na sua dura realidade concreta, e a examiná-las à luz fria dos dados estatísticos. Nada dessa superficialidade (tão comum entre nós) que se compraz em deslizar pela superfície das coisas e que deixou mesmo de ser "brilhante", como em outros tempos se costumava qualificá-la, para cair na mais grosseira vulgaridade; nada desse diletantismo, com que tantos ainda se divertem em passeios pelos assuntos, sem se deter em nenhum deles, ou em dissipar-se em generalidades pela inaptidão de se aprofundar em qualquer domínio de estudos. É desses dois graves pecados contra o espírito que vem marcado, com tanta freqüência, o que se escreve ou se diz sobre a educação no País. Mas deles não se encontra sinal nessas páginas excelentes pela lucidez e sinceridade radical. É realmente uma satisfação ver como v. arrancou esses problemas aos castelos e nuvens, em que flutuam, para os renovar no áspero contato com a terra e com tudo o que o País oferece de mais específico, e é preciso ter presente para lhes dar soluções adequadas. Se não me engano (pois é sempre precário o juízo sobre nós mesmos), nunca deixei de manter o contato necessário com a experiência, para ver as coisas como se apresentam na realidade e repensar, à luz crua dos fatos, as mais clássicas das teorias da educação. Ressaltadas as divergências na apreciação desse ou daquele problema, essa tem sido também a atitude assumida em face dessas questões por outros educadores, igualmente sinceros e, por certo, com maior autoridade, que têm observado alguns dos problemas mais importantes da educação nacional. O seu livro é um desses que se impõem e fazem refletir. Ele fará o seu caminho, mais coberto de espinhos do que de flores. Pois é sempre rude, áspero e desigual o espinho dos primeiros. É o que venho percorrendo, desde a mocidade já distante, através de incompreensões e hostilidades. Com um abraço muito cordial, Fernando de Azevedo M. Casa Rua Bragança, 55 S. Paulo Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Rio de Janeiro, 29 de maio de 1955. Meu caro Dr. Fernando, Recomeço sempre minha correspondência com o senhor, com a desculpa de que a interrompi porque desejava encontrá-lo pessoalmente, uma sempre adiada viagem a S. Paulo. Mas a realidade não é mesmo desculpa, pois tenho estado, desde que o vi a última vez aqui no Rio, para ir a S. Paulo, quase que em cada quinze dias, mas por uma série de razões, de várias ordens, essa intenção tem sido, até agora, frustrada. Como, porém, tenho pelo menos um assunto que não posso mais adiar, volto a lhe escrever para tratar dele, mesmo com todas as limitações da palavra escrita. Como sabe, há algum tempo venho me preocupando seriamente com a questão da unidade dos educadores brasileiros, rompida em 1931, na Conferência de Niterói: situação essa depois agravada, por motivos bem conhecidos. Na situação atual do Brasil e do mundo, parece-me que se deve fazer um esforço supremo para conseguir, de novo, um congraçamento de quantos vêm lutando há longos anos para que o problema da educação seja colocado em termos mais convenientes, independentemente das filiações ou pontos de vista filosóficos, políticos ou religiosos, pois há um terreno comum no qual todos poderão trabalhar, sem abdicar de suas convicções. A dificuldade estava, porém, na forma de realizar tal objetivo, que é hoje sentido por todas as correntes de opinião, dentre os educadores honestos e sinceros. Uma nova associação de educadores, conforme o senhor ponderou, não seria solução conveniente. Pensamos, então, em fundar uma Academia Brasileira de Pedagogia, dentro dos moldes clássicos, apenas com algumas inovações que a tornem mais adaptada às condições atuais. Terá 40 cadeiras, com 40 patronos, escolhidos dentre educadores brasileiros falecidos ou figuras que se destacaram nos esforços pela solução dos problemas de educação no Brasil. Os 40 membros fundadores foram escolhidos dentre pessoas cuja atividade principal tem sido a educação, a pedagogia ou ramos de conhecimento correlatos, sejam homens ou mulheres, e ainda que representem a geração menos jovem. A idéia tem tido uma magnífica receptividade, entre educadores pertencentes a correntes mais diversas do pensamento filosófico e político, e por isso nos parece de antemão vitoriosa. É evidente que seu nome não podia deixar de ser o primeiro a ser lembrado por todos que, sem favor, o reconhecem como figura de mais prestígio, em todos os sentidos, ao mesmo tempo que é o único capaz de realizar o congraçamento por todos desejado. Já há um pequeno documento redigido, propondo a concretização da idéia e sugerindo os nomes dos patronos e dos elementos titulares da novel instituição. Dentro de poucos dias ser-lhe-á remetido.

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Pensamos em fazer, em junho próximo, uma reunião preparatória para resolver sobre os estatutos (coisa muito simples) e eleger a primeira diretoria. Pretendemos que haja uma chapa única constituída, mais ou menos, da seguinte forma: Presidente – Fernando de Azevedo 3 Vice-Presidentes – Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Carneiro Leão Secretário-Geral – Luis Narciso de Matos 1º secretário: (?) 2º secretário: (?) 3º secretário: (?) Tesoureiro: (?) A instalação solene seria em julho, no período das férias escolares. Pretendemos ainda conseguir o Silogeu Brasileiro, para sede, pois dispõe de excelente salão "acadêmico" e local para uma secretaria, e onde já funcionam o Instituto Histórico e Geográfico, a Academia Nacional de Medicina e outras instituições semelhantes. Gostaríamos imensamente de ouvir sua opinião, mesmo antes de receber o convite formal e as sugestões para a organização. Será possível? Espero tenha recebido o folheto sobre A situação do ensino no Brasil, contendo também o material relativo à Conferência Mundial de Educadores, realizada em Viena, em 1953. Jorge Amado transmitiu-me suas saudações, pelo que lhe fico muito grato. O Edgar Sussekind de Mendonça, que é um dos maiores entusiastas da Academia, deverá ir em breve a S. Paulo, devendo procurá-lo para lhe explicar detalhes do problema. Esperando vê-lo brevemente, peço recomendar-me a D. Elisinha, e receba um abraço fraternal do Paschoal Lemme

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São Paulo, 4, junho, 1955. Meu caro Paschoal, Foi uma satisfação, para mim, a carta com que v. quebrou um longo silêncio, e que veio acompanhada de seu trabalho A situação do ensino no Brasil. Já o separei para o ler com o vagar e a atenção que merece tudo o que me vem de suas mãos. Muito me contentou também saber que v. voltou a preocupar-se com o problema da união dos educadores brasileiros. Mas (permita-me dizê-lo com toda a franqueza), se não está sua solução em uma nova associação de educadores, pelas razões que já apresentei, muito menos se encontrará na fundação de uma Academia Brasileira de Pedagogia. Academizar, envelhecer… Trata-se, de fato, como se vê de sua exposição, de uma Academia, calcada em moldes clássicos, com 40 cadeiras e seus 40 patronos e fundadores! Com todo esse aparato acadêmico, nem se fará a união dos educadores nem se aumentará o prestígio à educação nacional. Receio que esse academismo e pedagogismo possam concorrer para se meterem a ridículo uma das coisas mais sérias e mais graves da vida, que é a formação do homem, e uma das campanhas mais belas e fecundas como essa de que resultou a obra de renovação educacional no Brasil. Agradeço a extrema gentileza de vocês para comigo e compreendo os altos e generosos propósitos que os inspiraram, mas não vejo nessa fundação o meio eficaz para realizá-los. Teremos, dentro de oito meses, novo governo. Em vez de nos recolhermos em corporações acadêmicas, devemos é sair a público e promover um novo e vigoroso movimento de opinião: de aproximação do povo e junto aos poderes políticos, para redespertar a consciência da gravidade e importância dos problemas de educação e da necessidade urgente de resolvê-los ou pô-los em via de solução. Poderá esse movimento ser precedido de um novo manifesto, bastante lúcido, preciso, positivo e realista para desencadeá-lo. Perdoe-me esse desabafo. A v., que sempre me compreendeu e me conforta com sua amizade, falo de coração. Escreva-me logo. Com as nossas melhores recomendações aos seus, um abraço fraternal do Fernando de Azevedo M. Casa Rua Bragança, 55 S. Paulo

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S. Paulo, 28 de outubro de 1955. Meu caro Paschoal, Muito obrigado pelo exemplar que me enviou, do seu livro A educação na URSS – 1953. É realmente uma "apreciação simples e honesta", a que não faltam nem o calor da simpatia nem o cuidado da exatidão. Não é possível a compreensão clara das coisas, dos homens e da vida sem haver de nossa parte um movimento de interesse pelo que observamos, pelo só prazer de conhecer, e não há nada como ver as coisas com os olhos desanuviados de paixões. Essa viagem que v. fez à Rússia, vendo, observando, anotando, permitiu-lhe trazer um testemunho, leal e franco, do que se realiza, nesse país, em matéria de educação, e do enorme esforço que aí se desenvolveu, para suprimir ou reduzir a contradição entre o interesse geral e o interesse particular e formar o homem para uma sociedade reconstruída com espírito e em bases novas. É sem dúvida um depoimento, quase uma "reportagem", feita dia a ia, com os dados colhidos em visitas e excursões, e em que predominam os elementos informativos. Mas, daí a frescura, a naturalidade comunicativa e a vivacidade dessas páginas bem escritas, por que passa freqüentemente um sopro forte de entusiasmo. Soube, também v. ordenar o material que recolheu, e de tal modo e com tal arte que conseguiu destacar alguns dos aspectos principais da educação soviética. Se há passagens em que a sua vibração resvala pelo apologético e se pode notar a falta de imperfeições e fraquezas do sistema (não as terá também ele?), como os problemas a resolver e inquietações em face de problemas novos, as qualidades do livro e o interesse que desperta são tão grandes que nos incitam à leitura e à reflexão. Com um abraço afetuoso do muito seu Fernando de Azevedo

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Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1955. Meu caro Dr. Fernando, Recebi sua carta de 28 de outubro, que não respondi imediatamente porque estava certo de encontrá-lo no dia 16 de novembro, na Conferência que deveria fazer para o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, conforme foi anunciado. Posteriormente, o Instituto (cujo curso estou seguindo) avisou que nesse dia falaria o professor Djacir Menezes, nada nos comunicando sobre a sua aula. Resolvi, assim, escrever-lhe para não retardar mais os agradecimentos que lhe devo pelas palavras carinhosas com que se refere ao meu livro, pela crítica compreensiva que faz, inclusive as restrições, ou a restrição fundamental que é, sem dúvida, a falta de referências a defeitos do sistema soviético de educação. Esse é um problema que demandará uma conversa longa, mas que posso esclarecer em poucas palavras: os defeitos existem, naturalmente, e são amplamente reconhecidos e criticados abertamente, como aliás tudo o mais na União Soviética, não somente nos meios especializados, mas o que é mais notável, pelo público em geral, por todas as formas e meios. É essa talvez a diferença fundamental entre o regime socialista (que se acusa falsamente de cercear a liberdade de opinião e de crítica) e todos os outros regimes existentes no mundo atualmente, onde, em nome da "liberdade" estão sendo cometidos os maiores crimes contra a livre expressão do pensamento (veja-se a situação dos Estados Unidos). Mas a outra diferença fundamental é que os defeitos, mais constantemente criticados, são permanentemente corrigidos, havendo pois um desenvolvimento ininterrupto em direção do melhor ou ao que é julgado melhor pela maioria, não só dos especialistas, mas em matéria de educação especialmente, pelo maior interessado em receber cada vez melhor educação: o povo. Um exemplo que cito no livro é o da co-educação – generalizada depois da Revolução e praticada por muitos anos – houve um momento em 1943 em que a corrente favorável à separação dos sexos nas escolas secundárias predominou e a medida foi adotada num certo número de escolas. A discussão, porém, continuou até que se chegou, depois de minuciosas pesquisas, realizadas sob a direção da Academia de Ciências Pedagógicas, à conclusão de que se deveria voltar à co-educação generalizada, o que se verificou no início do ano letivo, um 1º de setembro de 1954. O que verifiquei é que tudo o mais no regime funciona nessa base: ampla liberdade de discussão, mas tomada uma deliberação ela é rigorosamente cumprida, até que a prática a desaconselhe ou a mudança da situação torne necessário introduzir alterações. O que caracteriza o regime socialista é pois essa capacidade de evoluir permanente e planificadamente, de modo a ir dando a todos, gradativamente, melhores condições de vida, sob todos os aspectos, dentro da fórmula: o que um pode ter todos também terão, dependendo apenas do desejo e da capacidade de cada um. Em educação, pois, pondo de lado o problema de se aceitar ou não a orientação filosófica que a norteia na URSS, a questão fundamental é de proporcionar

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ensino e educação cada vez de melhor qualidade e mais extensa a um número de indivíduos cada vez maior, o que vai sendo conseguido com o desenvolvimento geral e contínuo do país, em todos os outros aspectos, mas especialmente, no tocante à melhoria das condições gerais de vida. O interesse que o livro despertou foi grande, e a pequena edição de 2 mil exemplares esgotou-se rapidamente. A editora está tratando de dar uma 2ª edição, tendo me pedido um pequeno prefácio. Lembrei-me de incluir nele sua carta, mas como é natural, somente no caso de o senhor concordar. Peço-lhe, pois, dizer-me, sem qualquer constrangimento (o que seria absurdo entre nós) o que pensa a respeito. Estou com um segundo volume pronto sobre aspectos mais especializados da educação e do ensino soviéticos, em trabalhos de especialistas soviéticos, e incluindo uma extensa bibliografia organizada por mim. Servirá para as cadeiras de Administração Escolar, Educação Comparada e História da Educação, das escolas normais e faculdades de filosofia. Em preparo, e em vias de conclusão, tenho um outro trabalho sobre a crise da educação norte-americana (a crise do sistema, na parte material, e da filosofia, ou melhor, da orientação geral da educação norte-americana, em conseqüência da própria crise do regime capitalista). Além disso, continuo trabalhando no curso de História da educação, cujo primeiro volume (educação nas sociedades primitivas, nas civilizações orientais, na Grécia e em Roma) pretendo concluir brevemente. Tudo isso, é claro, se a situação permitir, pois estamos diante de uma conjuntura muito grave, cujo desfecho é muito difícil de se prever. Parece, entretanto, que o Brasil vai entrar numa etapa decisiva de lutas muito sérias, de onde, mais tarde, poderá resultar alguma coisa de novo e de realmente construtivo… Para isso, porém, é preciso que todos os homens realmente progressistas estejam alertas e prontos a assumirem as pesadas tarefas que a situação exigirá de cada um. Releve-me a "rabiscada" e receba um afetuoso abraço de Paschoal Lemme

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S. Paulo, 27 novembro 1955. Meu caro Paschoal, Não me foi possível aceitar o convite que me dirigiu o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, para proferir uma conferência no curso com que se inauguraram suas atividades. Conforme declarei, em resposta ao diretor, o assunto que me reservara (a estrutura social do Brasil), além de ainda muito pouco estudado, era vasto e complexo demais para se tratar numa só aula, sem se cair em generalizações apressadas. Daí não ter ido ao Rio em 16 de novembro. Se não me foi dado, por isso, o prazer de revê-lo, os esclarecimentos que v. pretendia prestar-me de viva voz sobre tópicos de minha carta, v. os deu agora na que me mandou, de maneira a satisfazer-me integralmente. A "restrição fundamental" (são palavras suas) que havia feito ao seu livro, em que reparei a falta de referências a defeitos do sistema de educação na Rússia, se fica esclarecida para mim, seria interessante deixá-la elucidada para todos em um capítulo mais ou menos nos termos da carta que acabo de receber. Nada tem que me agradecer. Meu juízo sobre seu trabalho, além de sincero, é exato. Aí estão por prova o interesse que o livro despertou e o fato, muito significativo, de se haver esgotado rapidamente a primeira e já se encontrar em preparo a 2ª edição. Quanto à inclusão de minha carta no prefácio que para a nova edição projeta escrever, pediria apenas o favor de me remeter antes cópia datilografada dessa carta, para eu ver se nela há coisas do ponto de vista da linguagem, a corrigir. Como não faço rascunhos (nem tenho cuidado de tirar cópias) das numerosas cartas que escrevo todos os meses, é possível me saiam algumas menos cuidadas. Guardo de cabeça por muito tempo o que lancei no papel, podendo mesmo reproduzir muitas delas, excetuados os detalhes. Mas esses também importam para publicação. Felicito-o pelo êxito de seu livro e pela atividade intelectual de que me dá notícias e são testemunho os trabalhos novos que tem em boa altura ou já por concluir. Escreva-me. Com um afetuoso abraço do Fernando de Azevedo M. Casa Rua Bragança, 55

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São Paulo, 21 de fevereiro de 1959. Meu caro Paschoal Lemme, Obrigado por me ter remetido o número do Diário de Notícias, em que vem a carta que você lhe escreveu, a propósito do editorial "Fora das metas". É uma análise lúcida e segura, uma crítica severa mas exata da lamentável situação a que se degradou o ensino no país. O quadro que você traçou com mão de mestre experimentado – quadro de aspectos sombrios e dolorosos – é o mesmo em que se debate ou se desagrega a educação em São Paulo. Ou muito me engano ou a pintura vale, sem retoques, para todo o Brasil. O próprio ensino primário ("o que de melhor temos em matéria de instrução pública", no seu preciso julgamento) é sustentado pela dedicação incomparável do magistério, desassistido, mal remunerado, sem estímulos. Iniciativas de primeira ordem é claro que se encontram (e todos nós sabemos onde estão e quem as inspirou), mas fragmentárias e isoladas, quase sempre recebidas com desconfiança ou sem entusiasmo por um professorado que, conservando a crença nas virtudes da educação, já perdeu a que lhe restava na ação dos poderes públicos. Infelizmente continua a ser o nosso país uma caixa sem ressonância para os problemas de educação que por toda a parte se consideram de uma importância vital. Veja você, por exemplo, o que se está passando com o projeto de Lei de Diretrizes e Bases e, particularmente, com o substitutivo Carlos Lacerda. Com ser a lei complementar da Constituição assunto do maior interesse e alcance para a educação nacional e sendo, como é, aquele substitutivo uma tenebrosa máquina de destruição armada para desmantelar toda a educação pública no país, nem o debate do projeto de Lei de Diretrizes e Bases teve a repercussão que era de esperar, nem o substitutivo do deputado da UDN levantou o clamor ou a onda de protestos que contra ele deviam erguer-se de todas as instituições escolares públicas e associações de professores. A própria imprensa (se excetuarmos um ou outro grande matutino) encolheu-se e emudeceu. Com essa espantosa demissão dos mais diretamente interessados na obra do ensino público, estão-se regalando a Igreja e os proprietários de colégios particulares que se preparam para arrebatar uma vitória sem batalha. Vitória fácil, se não romper a tempo a luta contra esse assalto inadmissível aos cofres públicos e às escolas oficiais, mas enganadora e de efeitos catastróficos. Clama, ne cesses. Que seja cada um de nós uma voz que clame, ainda que seja no deserto. É preciso exorcizar o país do demônio da demagogia que dele se apoderou e anda por aí à solta, desembestado, batendo portas e rugindo pelas fachadas. Vivemos apavorados como em casa assombrada, com medo de tudo e de todos. Precisamos varrer esses fantasmas, se quisermos tratar seriamente de nossos problemas fundamentais. Pois na verdade já não pensamos sobre eles, de cabeça fria, nem procuramos dar-lhes soluções racionais. Obrigado meu caro, pelo seu excelente trabalho e pelas referências ao meu nome. Eu não abandonarei a nossa trincheira. Sei também que você dela não desertará. Escreva-me. Com afetuoso abraço do seu Fernando de Azevedo Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Rio de Janeiro, 3 de abril de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Muito grato pelas palavras carinhosas que me mandou nas últimas cartas. Como esse grave problema da educação no Brasil tivesse se agravado extraordinariamente, com a pressão cada vez maior das forças obscurantistas contra a instrução pública e diante da fraqueza do governo, resolvi romper definitivamente as baterias, e a carta que acabo de escrever à Última Hora do Rio já é fruto dessa minha resolução. Penso que, diante dessa situação, é hora de os verdadeiros servidores da instrução pública se congregarem e passarem à ofensiva, na defesa do direito do povo brasileiro a uma educação verdadeiramente democrática. E nesses momentos difíceis para a educação brasileira, sempre me volto para o nosso grande líder – Fernando de Azevedo – que há trinta anos, na campanha mais memorável que se travou nesse país pela renovação educacional, pôs abaixo com uma energia e um denodo invulgares a montanha de rotina que se acumulara, durante séculos, nesse setor da vida brasileira. É a ele que venho fazer um apelo agora para que empunhe de novo a bandeira e a chefia de outra etapa da libertação cultural do povo brasileiro, do obscurantismo, da má-fé, do negocismo, que tenta solapar os restos de um edifício que passamos nossa vida a tentar construir. Não seria o caso e a oportunidade de voltarmos à idéia do lançamento de um novo manifesto ao povo e ao governo? Aqui lhe deixo a sugestão, pois só o seu prestígio será capaz de emprestar o sucesso a uma tal iniciativa. Junto um exemplar de minha carta à Última Hora. Com um grande e afetuoso abraço do Paschoal Lemme Trav. Santa Terezinha, 16 Tijuca, Rio de Janeiro Tel. 48-8865 P.S. Em separado, estou lhe remetendo o número 3/4 da revista Estudos Sociais, que publica meu relatório sobre a situação da educação na América Latina, apresentado à II Conferência Mundial de Educação, reunida em Varsóvia, em julho de 1957.

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São Paulo, 11 de abril de 1959. Meu caro Paschoal, Não fossem os contratempos da semana passada - doença de um neto, o qual muito nos preocupou e o meu próprio estado de saúde, além de trabalhos dobrados por circunstâncias diversas – eu já lhe teria agradecido sua carta e a que mandou ao Paulo Silveira e foi publicada na Última Hora. Esse é um documento de primeira ordem pela lucidez e coragem com que aborda a questão, e que impressionam tanto mais quanto o que se observa à volta de nós é uma atmosfera pesada de incompreensão e de medo. Quase diria, de estupidez e de covardia. O que é preciso para acabar com essa pasmaceira, é fazer o que você fez, como outros poucos: dizer a verdade, só a verdade e toda a verdade. Meus parabéns. Agora, quanto à idéia de um "novo manifesto ao povo e ao governo" e ao apelo que me dirige, com tão amáveis e confortadoras palavras, "para que empunhe de novo a bandeira e a chefia de outra etapa da libertação cultural do povo brasileiro", estou de acordo com a idéia e disposto a atender a seu apelo. Outros já me têm convocado com igual empenho. Mas, como não tenho passado bem e, apesar de doente, sobrecarregado de encargos e ocupações, podemos dividir o trabalho de elaboração do manifesto: você aproveitando o material do que já escreveu, e outros dados e informações, tomaria a si próprio escrever o documento, já em forma de manifesto (não mais que 12 páginas), e eu me incumbiria de reexaminar (se me permite) o projeto, fazer acréscimos e modificações, e dar-lhe redação final. Está de acordo? Escreva-me logo, para reiniciarmos a nova campanha. Não recebi o número 3/14 da Estudos Sociais em que vem o seu relatório. Com afetuoso abraço do seu Fernando de Azevedo

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São Paulo, 11 de maio de 1959. Meu caro Paschoal, Pela minha resposta à sua carta você deve ter sentido que estava disposto a encabeçar um novo movimento, lançando um outro manifesto, menos doutrinário, mais realista e positivo, sobre a educação no Brasil. Esbarrava, porém, numa dificuldade, que me parecia irremovível: a angústia do tempo decorrente dos pesados encargos que assumi e em cujo desempenho me vão todas as horas. Daí, a sugestão de dividirmos, nos termos propostos, a elaboração desse manifesto. Você demorou a responder-me. Telegrafei-lhe e no dia seguinte já tinha a sua opinião na mensagem que me mandou. Cortante e decisiva. É a mim e só a mim, no seu entender, que cabe redigi-lo. Agradeço-lhe a confiança sem reserva no reformador de 1928, no Distrito Federal, de 33, em São Paulo e no antigo Manifesto de 1932, de que você é um dos signatários – você, meu companheiro de ideais e de lutas em 28. Honra-me e conforta-me essa solidariedade de meus antigos colaboradores, amigos fiéis e dedicados. Tratei, pois, de dar um balanço ao material de que disponho, para iniciar o trabalho. Mais do que suficiente, talvez mesmo demasiado para a elaboração de um documento dessa natureza. Mas o tempo urge. Deve entrar agora em discussão o projeto de Diretrizes e Bases e o governo parece-me pouco decidido a tomar uma posição. Encolhidas, indecisas, as associações de educadores. Por toda a parte, a indiferença e a confusão entre hostilidades abertas. Chegaremos a tempo em junho? Não poderia cuidar do Manifesto antes de fins de maio. Que pensa? Escreva-me. Com um afetuoso abraço do seu Fernando de Azevedo

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Rio de Janeiro, 14 de maio de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Demorei a responder à sua primeira carta porque desejava lhe transmitir impressões do ambiente aqui no Rio, em relação à idéia do lançamento de um novo manifesto de educadores democratas. Sua resposta no sentido de que eu colaborasse na redação do manifesto emocionou-me profundamente, mas, como lhe disse no telegrama, foi sempre e continua sendo minha convicção que somente o senhor tem autoridade para redigir o documento, e ainda mais, para coordenar o seu lançamento; penso mesmo que, na situação atual, ou esse movimento se fará em torno do seu nome ou não terá êxito, pois não atingirá o nível e a amplitude necessária para pesar, de alguma forma, na modificação da conjuntura que atravessamos, no tocante aos problemas de educação. Além disso, parece-me que o movimento poderia ser de certa forma prejudicado se chegasse a saber que o manifesto tinha sido elaborado com a colaboração direta de pessoas "comprometidas" com determinadas correntes de idéias (é o meu caso) ou de outras muito visadas por correntes de opinião que ainda têm grande preponderância no País (é o caso de Anísio em relação aos católicos). A situação atual é muito diferente daquela em que foi concebido e lançado o Manifesto de 1932, pois a luta ideológica se acirrou em face dos acontecimentos ocorridos nos últimos vinte anos, no mundo e entre nós. Assim, segundo penso, um novo manifesto tem de ser redigido com extrema habilidade e amplitude, sem prejuízo da nitidez e da firmeza das afirmações fundamentais de modo a reunir em torno dele todos os educadores realmente progressistas, independentemente de suas convicções pessoais, políticas ou religiosas. E, repito, um documento dessa natureza, de elaboração tão difícil e delicada, só pode ser redigido e ter lançamento coordenado por um Fernando de Azevedo, nome conhecido nacionalmente pela obra que realizou e vem realizando, pela firmeza dos princípios, mas também pela larga compreensão que tem dos pontos de vista de todas as correntes de opinião que influem, queiramos ou não, na orientação dos problemas de educação do País, e que, por isso, têm que ser devidamente consideradas. Reconheço, Dr. Fernando, que as dificuldades para a elaboração e o lançamento desse novo manifesto são muito grandes, no momento. Conforme o senhor diz bem, e é essa também minha impressão pelas sondagens que fiz no Rio, o ambiente é, por toda a parte, de indiferença, de confusão e encolhimento. Quase todos cansados, muitos doentes, outros desiludidos ou inteiramente entregues a afazeres pessoais múltiplos, dos quais não querem ou não podem se desviar para pensar em problemas de ordem mais geral, que não lhes trarão qualquer proveito… ou mesmo poderão importar em aborrecimentos pelas definições que exigirão… Mas, de outro lado, estamos em vésperas de decisões de grande importância com a entrada em ordem do dia do projeto de Lei de Diretrizes e Bases, sendo portanto o momento mais apropriado para uma manifestação pública dos educadores progressistas. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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É muito difícil prever o tempo que levará essa discussão e ainda mais o rumo que tomará. Segundo informação que obtive, sem grande segurança porém, o governo parece disposto a fazer aprovar na Câmara o último substitutivo da Comissão de Educação e Cultura, repelindo o substitutivo Lacerda, e quando o projeto for remetido ao Senado, fazer apresentar até o novo substitutivo que está sendo elaborado pela comissão especial designada pelo ministro da Educação. Nesse caso, o projeto terá de voltar à Câmara, devendo todo esse processo consumir uns dois ou três meses, no mínimo. Diante de tudo isso, e não sendo justo que todo o ônus da elaboração e do lançamento do novo manifesto recaia somente sobre seus ombros, ocorreu-nos uma fórmula que lhe transmito como simples sugestão, e que, se vitoriosa, talvez viesse a dar ao manifesto maior repercussão e amplitude. A Associação Brasileira de Educação está estudando, no momento, a realização da XIII Conferência Nacional de Educação, não tendo porém, até agora, decidido quanto ao local e ao temário. Sei, entretanto, que Gilberto Freire manifestou grande interesse em que a Conferência seja realizada em Recife, em julho próximo, mês de férias gerais, o que facilitaria a participação do maior número de professores e educadores. Há também uma proposta no sentido de a Conferência ser realizada em Brasília (?). Não seria o caso, Dr. Fernando, de a Conferência adotar como tema de seus trabalhos o estudo da situação atual da educação no Brasil em face da discussão da Lei de Diretrizes e Bases, ficando desde logo assentado que eles se concluiriam com o lançamento do novo manifesto? Tal solução exigiria, porém, um trabalho imediato junto aos elementos que influem decisivamente na orientação das atividades da ABE, e esse trabalho só poderá ser feito por quem tem a autoridade indiscutível para tal: Fernando de Azevedo. Os dois elementos que julgo em melhores condições para levar a questão ao Conselho Diretor da ABE são os doutores Raul Bittencourt (que deixou agora a presidência, sendo substituído, por sua indicação, pelo professor Djalma Régis Bittencourt, do Instituto de Educação e do Colégio Militar) e Gustavo Lessa, que é um dos elementos acatados na ABE. Além desses dois, teriam que ser conquistados para a idéia Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Carneiro Leão, Artur Moses, Nóbrega da Cunha, Abgar Renault, Almeida Júnior, Gilberto Freire, Delgado de Carvalho, entre outros do Rio, de São Paulo e dos outros Estados. Para maior comodidade de todos, a Conferência poderia ser realizada em São Paulo. O Manifesto seria lido pelo senhor na sessão solene de encerramento da Conferência e assinado por quantos desejassem fazê-lo. E mesmo que já não pudesse influir na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases, ficaria, tal como o de 1932, como um novo marco na história da educação brasileira, a assinalar o esforço de um grupo de educadores para dar à educação de seu país uma orientação mais de acordo com os verdadeiros interesses do povo. Não sei se, com tal sugestão, estou sendo demasiadamente otimista quanto à possibilidade de despertar a ABE da "sonolência" em que mergulhou desde há algum tempo. Mas, como disse, se essa fórmula fosse aceita e realizada com sucesso, penso que o lançamento do Manifesto ganharia em ressonância e amplitude.

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Segundo me parece também, para esse fim, São Paulo seria o melhor local para a realização da Conferência. Aí fica a sugestão, que será considerada, estou certo, com a segurança e o conhecimento agudo que o senhor tem dos homens e das coisas. Em separado, estou lhe remetendo o número de novembro de 1958 de Enseignants du Monde, órgão da Federação Internacional Sindical do Ensino (Fise), no qual aparece, à página 3 o projeto de uma Carta dos princípios democráticos da educação, discutida e aprovada em reunião realizada em Moscou, de 29 de junho a 3 de agosto de 1958. Note, dr. Fernando, a amplitude dos conceitos, não obstante tratar-se de uma reunião em que predominavam os elementos da esquerda. (Eu fui convidado para participar dessa reunião, mas na ocasião não pude viajar). Gostaria de sugerir-lhe, também, a leitura do trabalho de Alceu Amoroso Lima, intitulado O Estado e a educação, publicado recentemente na revista Síntese, órgão do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (v. 1, n. 1, jan./mar. 1959), pois é preciso estar sempre a par da posição exata dos elementos contrários aos nossos pontos de vista… Com os votos de saúde para o senhor e todos os seus, abraça-o afetuosamente o Paschoal Lemme

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São Paulo, 15 de maio de 1959. Meu caro Paschoal, Penso com você que, ao menos quanto à amplitude e à repercussão do documento, seria excelente oportunidade (se não for tarde demais), para o lançamento de outro Manifesto, a realização em julho próximo da XIII Conferência Nacional da Educação. No Recife? Em Brasília? Ou em São Paulo, que me parece mais indicado. Mas estaria a ABE disposta a adotar "como tema de seus trabalhos o estudo da situação atual (e futura) da educação no Brasil" em face das discussões do projeto de Lei de Diretrizes e Bases? Concordaria ela em promover ou, ao menos, em aceitar o debate livre sobre o substitutivo Lacerda que é de fato, como você o qualificou, "um retorno à Idade Média"? Julga você que ela se decidiria a dar por assentado que aquele estudo e esses debates deveriam concluir-se com o lançamento de novo Manifesto, e que eu (também marcado) ficasse incumbido de redigi-lo? As respostas a essas perguntas dependem de uma análise preliminar da situação e das tendências atuais da ABE em que não sei que forças predominarão, se as reacionárias ou as progressistas, e de uma consulta aos seus líderes de maior influência no momento. Anísio Teixeira e Almeida Júnior (e, com este, o que temos de melhor em nosso grupo, em São Paulo), com os quais falei a respeito, entendem que deve ser lançado logo esse Manifesto, mas sem caráter polêmico, e que não posso recusar a incumbência da elaboração e redação dessa nova mensagem dos educadores "ao povo e ao governo". Mas um documento de tal ordem e em tal conjuntura tem de ser escrito com sobriedade, mas com força e vigor, bem fundamentado nas observações e críticas, firme e coerente quanto à declaração de princípios e ao desenvolvimento lógico do raciocínio. Não será (é o que também penso) um grito de guerra, mas uma tomada, franca e decidida, de posição. Não receia, porém, que na Conferência, a ser promovida pela ABE, venham a predominar, ao menos do ponto de vista quantitativo, os adeptos do catastrófico substitutivo Lacerda, a saber, professores, diretores e proprietários de instituições de ensino particulares, leigos e confessionais, elementos mais radicais do clero, que já se pronunciaram favoravelmente àquele substitutivo? Eles, como você sabe, estão mobilizando por toda a parte suas forças (muito menos poderosas, aliás, do que se supõe), para pô-las a serviço de um projeto (o do Lacerda) que atende, de maneira escandalosa, aos interesses de escolas particulares e aos do grupo religioso ou melhor, clerical. Diante de tal situação – e ainda que não houvesse esse predomínio e se mantivessem as forças equilibradas – que conclusões poderiam resultar como "material" para um Manifesto, de tendências e idéias divergentes senão opostas? A sua carta em que examinou com tanta lucidez e segurança o "problema" do Manifesto, esclareceu-me sobre alguns de seus aspectos principais. É à margem de suas considerações que me permiti formular perguntas e levantar certas dúvidas que me surgiram, ao refletir, com os poucos dados e informações de que disponho, sobre a presente situação da ABE. Não ignoro que lá temos ainda vários de nossos antigos companheiros de ideais e lutas, e excelentes amigos. Mas qual a posição deles em face dos novos acontecimentos e, sobretudo, qual a disposição dos demais

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para uma batalha difícil e talvez longa como essa em que as forças mais ativas, já distribuídas em campos definidos, são poucas de nosso lado (ou estarei em erro), pela omissão ou deserção de unidades, individuais ou coletivas, já encolhidas desde as primeiras escaramuças? Que poder paralisante não tem o medo de comprometer situações e perspectivas ou simplesmente o sossego de espírito, não o que resulta de uma consciência tranqüila, mas o que se reduz, para tantos o "estar bem com todos" e a assistir de palanque, para se divertir com elas ou delas tirar proveito, as lutas mais belas, desinteressadas e mais duras de sustentar! Escreva-me e perdoe-me o trabalho que lhe dou. Creia-me disposto a encarar de frente a situação e a coordenar novo movimento, ainda que me custe sacrifícios. O número de novembro de 58 de Enseignants du Monde, que me mandou, ainda não o recebi, nem sei onde encontrar a revista em que vem o artigo "O Estado e a Educação", do Sr. Amoroso Lima. Com as nossas recomendações aos seus, com afetuoso abraço do Fernando Azevedo

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Rio de Janeiro, 25 de maio de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Suas dúvidas em relação à ABE são também as minhas. Num momento desses é que podemos avaliar toda a extensão da falta de um Venâncio ou de um Edgar. Infelizmente, a ABE vem cedendo, pouco a pouco, daquela posição de independência e de luta, e foi se acomodando às circunstâncias, situação essa que se agravou enormemente com a morte daqueles dois queridos companheiros e o afastamento de muitos outros, por doença ou por excesso de trabalho. Sabendo disso por experiência direta (e lamentável, pois só agora fui eleito para o Conselho Diretor, graças à ação pessoal de Raul Bittencourt, apesar de ser atualmente um dos sócios mais antigos, quase fundador, isso porque até velhos companheiros e amigos, como Gustavo Lessa, achavam que minhas "idéias" poderiam comprometer a "eqüidistância democrática" da ABE e perturbar a sonolência em que vive), por que me ocorreu fazer a sugestão de ligar o Manifesto à XIII Conferência Nacional de Educação! Em primeiro lugar (talvez com bastante otimismo) pensei que um trabalho dentro da ABE, no sentido de levar a XIII Conferência a servir deliberadamente de base e cobertura para o lançamento do Manifesto, seria a maneira mais apropriada de recolocá-la no seu verdadeiro caminho, naquele caminho em que se inspiraram Heitor Lyra e seus companheiros ao fundá-la em 1924. Tal trabalho é, evidentemente, bastante difícil, mas se fosse coroado de êxito, além do Manifesto, teríamos conseguido a recuperação da ABE., que continuaria como tribuna de caráter nacional para a defesa e propaganda dos ideais do próprio Manifesto. A segunda razão está ligada ao que lhe dizia na carta anterior: o ambiente de hoje é muito diferente do de 1932. Os antagonismos ideológicos se acirraram, em face do que aconteceu e vem acontecendo no mundo e no País, a partir da II Grande Guerra Mundial, e assim, mais do que naquela época, um novo manifesto, se assinado por um grupo pequeno de educadores, mesmo de grande expressão nacional, arrisca-se a não ser discutido, mas a ser combatido apenas como mais uma manifestação de "um pequeno grupo sectário, já muito conhecido por suas idéias pragmatistas, materialistas e até comunistas…" (Como ilustração desse ambiente, basta lhe dizer que, dentro da própria comissão nomeada pela ABE para resolver sobre o local e o temário XIII Conferência Nacional de Educação, sua realização em Recife foi combatida pelos "perigos" do "comunismo" de Pernambuco e também, pasme!… de Gilberto Freire!!!, que, como lhe disse, demonstrou grande interesse em que a Conferência se realizasse naquela cidade). Entretanto, Dr. Fernando, a sugestão foi, e não podia deixar de ser, senão apenas e exatamente mera sugestão, e não me parece que se deva retardar o lançamento do Manifesto se, desde logo, a proposta que fiz for considerada de realização excessivamente difícil e não puder ser cercada das necessárias garantias de que a XIII Conferência Nacional de Educação terá como coroamento o Manifesto, com as características que julgamos deva ele apresentar.

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Nesse caso, a fórmula a adotar não pode ser muito diferente da que foi seguida no Manifesto de 1932 e até, segundo me parece, haveria vantagem em que ficasse perfeitamente caracterizado que o novo Manifesto representaria uma nova etapa, adaptada às circunstâncias atuais, do pensamento da mesma corrente de educadores sobre os problemas da educação brasileira, dirigidos e coordenados pelo mesmo educador - Fernando de Azevedo, a quem coube realizar a primeira grande reforma de ensino no Brasil e a quem foi, por isso mesmo, dada a incumbência de defender seus postulados no Manifesto de 1932. Apenas, segundo penso e creio que o senhor concorda, dadas as características da situação atual, o novo documento, como o senhor diz muito bem, "não será um grito de guerra, mas uma tomada, franca e decidida, de posição", e especialmente não deverá conter nada que possa assumir o caráter de luta religiosa, ou de imposição de ideologias, mas, ao contrário, defender com nitidez e energia a posição da verdadeira educação democrática, da escola democrática e progressista, que tem como postulado a liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades para todos, justamente porque não deseja moldar ninguém por imposição de qualquer pensamento sectário, político ou religioso, mas quer dar a todos a possibilidade de discutir livremente todas as correntes de pensamento, para que cada um escolha a direção de sua preferência. E essa educação e essa escola, evidentemente, só podem ser a escola e a educação públicas, conquista definitiva da burguesia em sua ascensão no século 19 e que é agora serodiamente combatida com argumentos capciosos, que visam, em última análise, a reconquista (impossível!) da escola pelos "elementos mais radicais do clero", aliados, entre nós, aos negocistas do ensino particular, especialmente secundário. Uma redação hábil e ao mesmo tempo firme do Manifesto deveria, segundo penso, ter em vista também a possibilidade de que o documento venha a ser assinado por elementos católicos esclarecidos, companheiros que têm sido das lutas pela renovação da educação brasileira num sentido democrático e progressista: um Abgar Renault, um Afrânio Coutinho, um Mário Casassanta e outros. A vantagem do aparecimento desses nomes como signatários do Manifesto não precisa ser encarecida, pela amplitude que confeririam ao documento. Outro aspecto que, segundo penso, o documento não poderia deixar de abordar, seria o das preocupações dos educadores em face dos problemas do desenvolvimento econômico (tão em moda no momento) e o da independência econômica do País, em face das pressões que os países subdesenvolvidos sofrem no sentido de atenderem aos interesses de outros países, prejudicando um desenvolvimento harmônico em benefício de seu próprio povo. Reconheço que é um problema delicado, mas não vejo como um documento, que pretende ser a manifestação de um grupo de educadores progressistas, possa se furtar a dizer em que sentido a educação, a instrução, a formação técnica, especialmente, deve concorrer para a emancipação econômica do País. Acresce que é nesse sentido que, visivelmente, vai se travar a luta que já se delineia pela sucessão presidencial, e não me parece que um documento que pretende traçar a orientação para a formação das futuras gerações possa omitir esse aspecto fundamental. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Paschoal Lemme recebendo os amigos: o acadêmico Alberto Venâncio Filho (ABL) e o presidente da ABI, Fernando Segismundo, em sua casa na Tijuca, Rio de Janeiro, 1994.

Perdoe-me, Dr. Fernando, se estou pretendendo "ensinar o padre-nosso ao vigário", pois é evidente que ao sociólogo não poderia escapar esse aspecto, mesmo na hipótese de o educador (e não é absolutamente o seu caso) sofrer a tentação de não abordar esse aspecto, pela dificuldade de ser abordado num documento de educadores. Reconheço que é esse aspecto o mais delicado pois, segundo penso, nem é possível a omissão nos dias que correm, nem o documento deve poder ser acusado de partidarismo simplesmente eleitoral entre "nacionalistas" e "entreguistas", apesar de ser minha convicção de que é em torno dessa "controvérsia" que está girando e vai girar toda a luta fundamental do povo brasileiro em busca de melhores dias. Em resumo, Dr. Fernando: parece-me que a idéia do lançamento do Manifesto já está suficientemente amadurecida e se as respostas às suas indagações sobre a ABE, infelizmente, venham a ser negativas, creio que não nos resta outra atitude senão fazer-lhe um apelo para que se lance imediatamente ao trabalho da redação do Manifesto, para que o tenhamos pronto para a colheita de assinaturas, no menor prazo possível. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Queria sugerir-lhe também que o movimento deve ter aqui no Rio um coordenador, que agiria em seu nome, e para isso só vejo um nome: Nóbrega da Cunha, que apesar de doente (agora bem melhor) é ainda o companheiro leal e eficiente, e além disso seu grande amigo, e que tem o mesmo ponto de vista: só em torno de Fernando de Azevedo, um movimento desses pode ter êxito. Seria também indispensável que o senhor escrevesse diretamente, pelo menos, aos drs. Gustavo Lessa (ABE), Lourenço Filho, Carneiro Leão, Delgado de Carvalho e Raul Bittencourt, ou então pedisse ao Nóbrega da Cunha e ao Anísio Teixeira que fizessem as necessárias articulações com esses companheiros. Parece-me também de toda conveniência, como lhe disse na carta anterior, que elementos de projeção nos Estados mais importantes fossem, desde já, consultados ou pelo menos cientificados dos propósitos do lançamento do Manifesto. Não preciso dizer, Dr. Fernando, que, na medida das minhas possibilidades, aqui fico à sua inteira disposição, e que é com enorme prazer que recebo sempre suas cartas e suas ponderações, pelas lições de firmeza, sem desfalecimentos, na defesa dos princípios que adotou em sua vida, pelo carinho com que trata e pelas demonstrações de confiança neste seu modesto discípulo e amigo. Com os votos de saúde ao senhor e a todos os seus, receba o abraço carinhoso do Paschoal Lemme P.S. 1. Enseignants du Monde foi como correspondência expressa, pois o "Serviço de Entregas Rápidas" só aceita cartas. 2. A revista Síntese, da Universidade Católica, é distribuída pela Livraria Agir (em São Paulo, rua Bráulio Gomes, 125). Estou procurando conseguir um exemplar para lhe mandar. 3. Estou lhe remetendo um livro que acabo de receber do Chile e cujo autor é atualmente o grande líder do magistério chileno (de esquerda): Educación y política, de Cesar Godoy Urrutia (conheci-o nos congressos internacionais a que tenho comparecido e hoje é meu grande amigo). 4. Estou lhe remetendo também quatro números da revista Educadores del Mundo, edição latino-americana de Enseignants du Monde, órgão da Federação Internacional Sindical de Ensino (Fise).

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Rio de Janeiro, 26 de maio de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Espero já tenha recebido minha carta de ontem, pelo "Serviço de Entregas Rápidas". Como correspondência expresso-registrada lhe enviei na mesma ocasião um pacote contendo os quatro números de Educadores del mundo e o livro de Cesar Godoy Urrutia, Educación y política. Agora, com este pequeno recado, estou lhe remetendo a revista Síntese, de que lhe falei e que obtive ontem na livraria Agir. Ainda ontem, segunda- feira, dia da reunião do Conselho Diretor da ABE, conversei com o Nóbrega da Cunha sobre o problema do lançamento do manifesto, e ele aceitou a incumbência de coordenar em seu nome, aqui no Rio, as respectivas providências, esperando para isso, apenas, uma palavra sua. O endereço dele é o seguinte: Prof. C.A. Nóbrega da Cunha Rua Cruz Alta, 41 Campo Grande – Distrito Federal Um abraço carinhoso do Paschoal Lemme

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Rio de Janeiro, 29 de maio de 1959. Meu caro Dr.. Fernando, Remeto-lhe junto o discurso do deputado Seixas Dória, da UDN, que é o primeiro pronunciado na Câmara sobre o Projeto de Lei que fixa as Diretrizes e as Bases da Educação Nacional. O deputado Seixas Dória faz parte da Frente Parlamentar Nacionalista, que é, como sabe, um movimento progressista que congrega parlamentares independentemente de filiação partidária. Além desse aspecto curioso do primeiro discurso ser de um deputado da UDN e contrário ao substitutivo do próprio líder do partido (Lacerda), é interessante notar a disposição em que está o líder de defender, mesmo com os argumentos mais capciosos, o substitutivo que lhe foi encomendado pelas forças mais reacionárias do País. Procurarei ir lhe remetendo tudo o que se relacionar com a questão para que possa acompanhar o desenvolvimento da mesma no âmbito do Legislativo. Hoje deverei me encontrar com o Prof. Raul Bittencourt a quem falarei do lançamento do Manifesto. Escrever-lhe-ei em seguida. Aqui ficando ao seu inteiro dispor, abraço-o carinhosamente, Paschoal Lemme

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Rio de Janeiro, 1º de junho de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Mando-lhe hoje mais dois documentos, que reputo muito interessantes. Um, o registro de uma publicação especializada em economia e finanças da controvérsia entre a educação pública e o chamado ensino livre, sintetizado nas opiniões dos dois mais graduados defensores de cada uma das duas posições: Anísio Teixeira e A. Amoroso Lima. O outro documento resultou do II Encontro dos Bispos do Nordeste realizado em Natal de 24 a 26 de maio findo. Como se vê, parece que a Igreja se convenceu de que a humanidade quer primeiro arrumar as coisas neste mundo para depois tratar dos problemas do outro… E assim, estamos assistindo, em todo o mundo aliás, a essa ofensiva ou melhor a essa competição com o poder temporal para a salvação do homem aqui mesmo na terra… Para mim, esses fatos e esses documentos vêm reforçar meu ponto de vista de que o Manifesto não poderá fugir de abordar de frente essas questões, mas com a necessária habilidade, para que não se desvie o problema para uma luta religiosa. A defesa da educação pública como conquista irreversível da humanidade e a educação para o trabalho, para o desenvolvimento, são, do meu ponto de vista, as teses fundamentais a serem defendidas por educadores progressistas. Conversei com o Dr. Raul Bittencourt que aguarda o Manifesto com o maior interesse, desejando ser um dos signatários. Como lhe disse, irei lhe remetendo tudo o que me parecer de interesse. Abraça-o carinhosamente o Paschoal Lemme

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São Paulo, 6 de junho de 1959. Meu caro Paschoal, Creio que, se não fosse v., com seus reiterados e calorosos apelos, não me aventuraria a redigir o novo Manifesto. Solicitações feitas com vivo empenho e renovadas expressões de confiança, tenho-as recebido de muitos companheiros e amigos e de várias associações de professores. Nenhuma delas, porém – ainda dos que me são, como v., mais chegados a mim – , com o interesse e o ardor com que v. me convocou para a nova campanha. O ambiente, de modo geral, é de indiferença, senão de inércia e, o que é pior, de confusão, por ignorância ou conscientemente estabelecida, de palavras e de idéias. Daí, a minha relutância em aceitar a incumbência que vocês entenderam confiar-me. Tomei agora a decisão de escrever o novo Manifesto, a despeito de minha pouca saúde, de um estado de cansaço mortal, de desilusões, amarguras e de revolta diante da estupidez, e da má-fé no tratamento de problemas de importância vital para o País. Não há pior cegueira do que a daqueles que não querem ver, nem mais pesada névoa para os olhos do que a dos interesses e das paixões. Na próxima semana darei o balanço do material de que disponho, e traçarei o plano do trabalho que espero escrever na terceira semana deste mês, aproveitando algumas horas disponíveis. Deverá estar datilografado até o fim de junho, senão me faltarem tempo e forças. Obrigado por sua excelente colaboração. Escreva-me. Com um afetuoso abraço do seu Fernando de Azevedo

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São Paulo, 6 de julho de 1959. Meu caro Paschoal, O nosso Manifesto teve aqui larga repercussão e, ao que me parece, poderá desencadear um novo movimento pela reconstrução educacional do País. Tínhamos de partir agora, como partimos, da defesa da escola pública e da educação democrática, tão gravemente ameaçadas e que precisamos preservar com todas as forças e por todas as formas. Foi esse documento publicado na íntegra pelo O Estado de S. Paulo. O Júlio Mesquita Filho que ficou de subscrevê-lo, resolveu abster-se de o assinar, para (segundo me declarou expressamente) estar mais à vontade na defesa de nossos pontos de vista que são os dele, como o provam as dez ou onze notas já publicadas em seu jornal contra o substitutivo. Ele está conosco. É necessário alimentar o movimento com repetidas manifestações individuais, por entrevistas, artigos e comentários não só de signatários do Manifesto como também de todos aqueles que estejam do nosso lado nesta luta, áspera e penosa, pela educação nacional. Você que foi dos que mais insistiram comigo para redigir esse documento e que tem feito um excelente trabalho, sem desfalecimentos, precisa manter-se vigilante para não perdermos uma oportunidade de contra-ataque e não deixarmos sem resposta as represálias. Mobilizar e coordenar as forças, com o nosso Anísio e o Darci Ribeiro à frente, eis o que é preciso neste momento difícil. Não importam os insucessos provisórios, desde que se obtenha a vitória final. Confio plenamente em você. Escreva-me logo. Com um abraço do muito e sempre seu, Fernando de Azevedo

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Rio de Janeiro, 9 de julho de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Penso, como o senhor, que o Manifesto deve constituir o início (ou reinício) de um grande movimento de reconstrução educacional do País, nos termos em que o problema se coloca atualmente. Por isso, já combinei com o Darci Ribeiro, que também está ansioso por tirar a educação das "torres de marfim" e levá-la ao povo, aos estudantes, isto é, aos consumidores, a forma de ação. Já os estudantes estão se manifestando em apoio ao Manifesto. Na ABE, Segunda-feira 6, propus ao Conselho Diretor um voto de aplausos ao Manifesto e a imediata convocação da comissão coordenadora da XIII Conferência Nacional de Educação que seria realizada em São Paulo, em setembro ou, se não for possível, em janeiro de 1960. Sugeri um lema geral para a Conferência: Em defesa da educação pública e um temário que atendesse às atuais circunstâncias: 1. A reorganização da escola pública primária (Relator?) 2. A reorganização do ensino de nível médio e a formação para o trabalho (Joaquim Faria Góes) 3. A reorganização do ensino superior (Ernesto Luís de Oliveira Júnior) 4. A formação para a pesquisa científica (J. Leite Lopes) Propus ainda que, dessa vez, a ABE convidasse para colaborar nos trabalhos da Conferência as seguintes entidades: 1. A entidade máxima dos estudantes (UNE) 2. Os sindicatos de professores do Rio e de São Paulo 3. As entidades patronais 4. As entidades de trabalhadores Seria importantíssimo que o senhor desse todo o apoio à idéia e constituísse em São Paulo uma comissão pró-conferência para verificar como poderia ela ser realizada no menor prazo possível, oferecendo à ABE condições materiais para sua efetivação. Seriam presidentes de honra da Conferência o senhor e mais os cinco maiores educadores do Brasil ligados aos movimentos de renovação educacional, desde 1924. Com um grande abraço do Paschoal Lemme P. S. Logo que a ABE aprove a proposta, poderei ir a São Paulo articular o movimento.

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São Paulo, 12 de julho de 1959. Meu caro Paschoal, Muito obrigado pela sua carta de 9, que somente ontem me chegou às mãos, e em que me comunica suas atividades a respeito do nosso Manifesto e junto à Associação Brasileira de Educação. Fico satisfeito por entender você também que o Manifesto deve desencadear um novo e grande movimento de que venham a participar professores e estudantes, os consumidores de educação e entidades ou associações interessadas na solução de seus problemas, a imprensa e o povo, em geral. Excelente, a sua proposta, na ABE, de convocação imediata da XIII Conferência Nacional de Educação, em São Paulo, sobre o tema: Em defesa da educação pública. O temário, bem organizado; muito bons, os nomes lembrados para relatores. Está claro que darei apoio sem restrições à idéia de movimento que pretendeu reiniciar e já estava nos meus propósitos, e à da Conferência a ser convocada pela ABE, sobre educação pública, em setembro deste ano ou em janeiro de 60. O que não convém de modo algum, é esmorecermos na luta, pela imprensa, junto às associações de professores e, sobretudo, à Câmara dos Deputados. É preciso sustentála até o fim, custe o que custar. Quando você vier a São Paulo, como é seu desejo e do maior interesse para nós, e logo que for aprovada na ABE a sua proposta, trataremos de articular o movimento e constituir em São Paulo a Comissão Pró-Conferência. Chegou-me ao conhecimento que está sendo elaborado (não sei por quem nem qual sua orientação) um outro Manifesto em São Paulo. Dê notícia ao Anísio e ao Darci Ribeiro. Com um grande abraço do sempre seu Fernando de Azevedo

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Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Demorei em responder à sua última carta porque desejava lhe transmitir algumas notícias positivas sobre nossa campanha. Espero que tenha recebido, através de um portador particular, um pacote contendo recortes de jornais do Rio sobre a campanha. Minha proposta à ABE sobre a realização e a organização da XIII Conferência Nacional de Educação continua "congelada" nas mãos do Dr. Gustavo Lessa, designado relator. Continuo fazendo palestras de esclarecimento entre estudantes e sindicatos operários sobre a Lei de Diretrizes e Bases, o substitutivo Lacerda e o Manifesto dos Educadores. O Sindicato de Professores do Rio de Janeiro, segundo me informaram, aprovou uma indicação sobre um convite ao Dr. Fernando de Azevedo, para falar aos professores particulares sobre os problemas educacionais brasileiros, e, particularmente, sobre a Lei de Diretrizes e Bases. O senhor, segundo creio, deverá receber um convite expresso nesse sentido. O Sindicato divulgará um manifesto sobre esses problemas em que é, como exceção especial, citado o seu nome. Também os estudantes e a Frente Parlamentar Nacionalista deverão divulgar manifestos em apoio às teses do Manifesto. Nesse particular, a colaboração do Darci Ribeiro tem sido muito eficiente. Remeti para a Revista Brasiliense um artigo em que estudo as origens do que denomino "a conspiração contra a escola pública" e que deverá sair não no próximo número, mas no seguinte. Segundo estou informado, no próximo número sairá um estudo sobre o Manifesto. Como vê, e conforme suas indicações, temos procurado manter a campanha com os "fogos acesos", esperando que a área dos grupos interessados se amplie cada vez mais. O recuo dos "conspiradores" é evidente e o documento que divulgaram é muito fraco. O projeto de Lei de Diretrizes e Bases continua em discussão na subcomissão da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, e prevê-se que demorará a chegada ao plenário. Há quem julgue que não teremos a lei ainda este ano. Continuarei a lhe transmitir as notícias que me pareçam de interesse sobre a campanha. Com minhas recomendações a d. Elisa e a todos os seus, receba um abraço afetuoso do Paschoal Lemme

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Rio de Janeiro, 10 de setembro de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Estive no Sindicato de Professores (Av. 13 de Maio, 13 – 4º andar, Conjunto 402) onde transmiti ao professor Bayard Demaria Boiteux, atual presidente, o que o senhor assertou comigo pelo telefone. Ficou tudo combinado: ele lhe telefonará na sexta-feira (dia 25) para confirmar sua vinda. Porá a passagem de ida e volta (Varig) à sua disposição, reservará apartamento no Hotel Serrador. O senhor marcará na Varig, em São Paulo, o avião em que desejar vir e uma comissão do Sindicato irá buscá-lo no Aeroporto (segunda- feira, dia 28). O Sindicato convidará o Ministro da Educação e diretores do Ministério e outras autoridades para assistirem à Conferência, seguida de debates (o senhor, digo eu, terá paciência com alguma pergunta ou indagação menos atilada, pois sabe que o nível do professorado particular é muito desigual). Como o senhor estará no Rio, na segunda-feira, que é dia de sessão do Conselho Diretor da ABE, propus ao presidente (professor Djalma Regis Bittencourt) que fosse aproveitada sua estada no Rio para que lhe seja conferido também o título de Conselheiro Vitalício da ABE, entre outros nomes já escolhidos. Como depende da impressão de um diploma e de outras providências, não sei se haverá tempo, mas, em qualquer caso, creio que o professor Regis Bittencourt lhe comunicará o que for resolvido. Sobre a Lei de Diretrizes e Bases, não sei se leu a nota do Santiago Dantas, informando que a subcomissão partidária tinha chegado a uma "fórmula feliz" que não era nem a do substitutivo Lacerda (particularista) nem da "burocracia ministerial" de Anísio Teixeira… Anísio, naturalmente, não gostou da referência e, ontem, fez à Última Hora, a declaração que lhe mando junto. De qualquer forma, a reação não levou a melhor nesta fase, e se mantivermos a luta, mesmo essas "conciliações" que não signifiquem uma real melhoria para o projeto, não vingarão. Espero que nos dias em que o senhor venha permanecer aqui no Rio tenhamos algum tempo para conversar sobre tudo isso. Com minhas recomendações a todos os seus, receba uma abraço carinhoso do Paschoal Lemme

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São Paulo, 10 de outubro de 59. Meu caro Paschoal, Ainda persistem, infelizmente, as razões que me levaram a desistir de minha viagem ao Rio; doença de um neto, da qual, apesar de todos os recursos – exames médicos e de laboratórios –, ainda não se precisou o diagnóstico, e, quanto a mim, as crises sucessivas de pequeninos furúnculos nas pálpebras (tersóis), que me têm molestado demais, perturbando-me seriamente o trabalho. Mas nem por isso tenho deixado de atender às minhas ocupações (ainda que, às vezes, com enorme sacrifício) e de acompanhar de perto os fatos referentes ao Projeto de Diretrizes e Bases. A Folha da Manhã vem publicando, por parte, o Projeto elaborado pela Comissão e deve ser levado ao plenário. Estou muito preocupado, pois verifiquei a infiltração, nele, de várias disposições constantes do substitutivo do Carlos Lacerda. Elas se apresentam, dissimuladas ou bastante claras, mas sob formas diferentes. Esse deputado, tendo perdido a batalha em campo aberto (pois não conseguiu a aprovação do seu substitutivo), recolheu-se, para nela operar ativamente, à própria Comissão de Educação e Cultura, onde obteve, sem ruído, concessões importantes, graves e perigosas. É preciso lutar junto à Câmara de Deputados. A Frente Parlamentar Nacionalista poderá ter, nessa fase final, um papel decisivo. Escreva-me. Com um saudoso abraço do seu, Fernando de Azevedo

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Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Sinto muito que a doença de seu netinho ainda lhe esteja causando tantas preocupações e que a inflamação de olhos que lhe acometeu continue lhe causando tantos incômodos. Espero, porém, que, em breve, as coisas melhorem e o senhor possa retomar plenamente suas atividades. Não preciso lhe dizer que foi muito sentido no Sindicato de Professores o cancelamento de sua palestra. A direção do Sindicato considerava sua presença na sede do mesmo como uma verdadeira mudança de rumos, com o início de atividades culturais, cuja falta numa associação de professores era considerada uma falha grave. Depois a sua posição de liderança indiscutível no panorama educacional do País, e o fato do lançamento recente do Manifesto de Educadores, emprestava à sua palestra uma significação de alta relevância. O Bayard Boiteux e seus companheiros de direção do Sindicato esperam que em breve o senhor possa vir ao Rio e, nessa oportunidade, estão certos que os honrará com sua palavra autorizada. Estive, como lhe disse, em Porto Alegre, onde fui, a pedido da direção do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) fazer a palestra sobre problemas brasileiros de educação (e especialmente sobre a Lei de Diretrizes e Bases) no Círculo Militar de Porto Alegre, como parte de um curso que o Iseb está ministrando ali, dedicado especialmente a oficiais do Exército. Foi realmente uma coisa empolgante o ambiente que encontrei. Falei a perto de 600 pessoas, das quais mais de 200 oficiais do Exército, desde generais e professores oficiais, até os de mais baixa graduação. Além disso, estão inscritos no curso estudantes, líderes sindicais e outros interessados (médicos, advogados, engenheiros, etc.). Recebi homenagens excepcionais quando me referi ao Manifesto dos Educadores e a seu autor; recebi verdadeira ovação e imediatamente fui consultado sobre se poderiam assiná-lo em solidariedade. Terminada a palestra, o exemplar do Manifesto que levava comigo recebeu em poucos minutos perto de 200 assinaturas, especialmente dos oficiais mais graduados e dos estudantes. Ficou em poder do encarregado das atividades culturais do Círculo para receber novas assinaturas. Voltei verdadeiramente impressionado com o ambiente que encontrei em Porto Alegre. De tudo isso queria lhe dar notícia pessoalmente, de passagem por S. Paulo, de volta ao Rio, mas acontece que precisava estar no Rio no sábado antes do meiodia e, além disso, só consegui passagem num avião direto Porto Alegre – Rio. Conforme o senhor diz na carta que acabo de receber, há poucos minutos, realmente o projeto da subcomissão de Comissão de Educação e Cultura que acaba de vir à luz é realmente um trabalho, além de medíocre, decepcionante, depois de uma tão longa gestação; está propositadamente redigido em termos confusos em benefício de uma interpretação a favor da escola particular sectária e do ensino comercializado. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Por isso mesmo, encetamos imediatamente uma campanha de esclarecimentos da opinião pública e de ataque a essa orientação do projeto. Tenho falado em agremiações estudantis sempre que tem sido oportuno, e no vespertino Última Hora, único que tomou uma posição clara e de luta, temos procurado agitar a questão. Por outro lado, o grupo contrário, muito sintomaticamente, vem se mobilizando também na defesa do monstrengo que tanto o beneficia. O lamentável é que os nossos amigos (Anísio, Darci Ribeiro, etc.) tomaram a atitude de que obtiveram uma grande vitória (!) e parecem dispostos à capitulação. Junto lhe remeto alguns recortes pelos quais o senhor poderá tomar conhecimento de como as coisas estão por aqui. Penso que é preciso desencadear uma ofensiva violenta contra esse trabalho capcioso e mal redigido e nesse sentido quero sugerir que o senhor dê uma entrevista naquele seu estilo contundente, pois a sua palavra será um verdadeiro brado de alerta para muitos educadores desprevenidos e para a classe estudantil, que, esta sim, percebeu toda a manobra e está disposta a jogar tudo na luta por uma lei nacional de educação verdadeiramente progressista e à altura do nosso tempo e das necessidades atuais e futuras do povo brasileiro. O Almeida Júnior poderia também se manifestar, pois sua palavra é também recebida sempre com muito acatamento. O que não podemos, doutor Fernando, é enrolar a bandeira da luta. Assumimos com o povo brasileiro um compromisso muito grave de orientá-lo e defendêlo dos ataques da reação, do obscurantismo e dos mercadores do ensino. E não podemos traí-lo nessa emergência. E como sempre, a direção dessa luta cabe ao grande general que nunca desertou, que nunca se deixou "amaciar" com honrarias, cargos e posições: Fernando de Azevedo. Se o senhor quiser mandar suas impressões sobre o monstrengo em forma de entrevista para a Última Hora daqui do Rio, será excelente. Como vê, Dr. Fernando, mais uma vez o senhor está convocado e estou certo que, como sempre, não deixará de dar sua cooperação nessa luta, que não é nossa, porque é do povo brasileiro. Com os votos de melhoras para o netinho e de completo restabelecimento para o senhor, abraça-o carinhosamente o Paschoal Lemme

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S. Paulo, 17 de outubro de 1959. Meu caro Paschoal Lemme, As críticas em Última Hora, ao projeto de Diretrizes e Bases, só agora as li, graças à gentileza que teve, de me enviar os "recortes" do jornal, com os comentários. São, em geral, muito claras, precisas e contundentes. Não há, nelas, meias palavras no apontarem as verdades, ainda que claras, nem meias medidas nos ataques a que instiga e abre o flanco o projeto elaborado pela Comissão. O que ela fez, infelizmente, com seus propósitos ecléticos, foi dar de mãos beijadas aos sectários de diversos tipos e aos mercenários do ensino a vitória que estavam longe de pensar estivesse tão próxima e fosse tão fácil. Daí o farisaico "ato de humildade" a que o Correio da Manhã (não foi esse, o jornal a que se referiu?) convida os parlamentares, sob a falsa alegação de não haver vencidos nem vencedores… Mas a verdade é que houve, e o que se quer é escamotear os fatos com esse apelo, tardio e de uma hipocrisia refalsada, à indulgência e à acomodação. Seriam os nossos adversários capazes de tolerância se se considerassem vencidos? Poriam a boca no mundo, com quatro pedras na mão contra o que classificariam de "malfadado" projeto. Eles voltam, humildes e conciliadores, porque sabem bem e muito bem que da contenda saíram vitoriosos. Vencedores, sim, eles que investiram contra a educação pública, para entregarem a escola aos seus exploradores, prontos a manobrá-la como instrumento de dominação ideológica ou a transformá-la em loja de comércio. Todas essas afirmações descabeladas de que a educação, no País, é um "monopólio do Estado" ou de que não existe liberdade de ensino, não passou de poeira (e poeira grossa) lançada aos olhos dos incautos e desprevenidos para ocultarem os verdadeiros propósitos, inconfessáveis, dessa campanha, sem precedentes, contra o ensino público. Logo que recebi sua carta e os recortes da Última Hora, pensei em dar a entrevista que me pediu. Já me dispunha a entrar em cheio na luta quando, ao abrir ontem a Folha da Manhã, dei com a desconcertante notícia de que os oito primeiros artigos já haviam sido aprovados na Câmara, sem discussão! Pareceume melhor, diante disso, conversar antes com o Almeida Júnior sobre o assunto e examinar com v. o que mais convém, nessa altura, para determos a marcha do projeto ou lhe orientarmos a discussão. Como agir rápida e eficazmente? Que faz a Frente Parlamentar Nacionalista? Não está ela conosco? O Almeida Júnior que proferiu, também com grande sucesso, duas conferências em Porto Alegre, sobre o projeto de que foi relator, e vai pronunciar outra aqui, está disposto a conceder uma entrevista, mas depois da leitura do projeto da Comissão. Peço-lhe, pois, mandar-me com urgência duas ou mais cópias desse projeto, que ele não conhece ainda, e de que eu não li senão as partes publicadas na Folha da Manhã, conforme lhe declarei. Penso com v. que não podemos enrolar a bandeira nem tolerar capitulações e acomodações em questão de tamanha importância para a educação nacional. Mas é necessário ordenar e atacar logo um plano de ação conjugada de todos os setores e com todos os Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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meios de que podemos dispor, para esclarecer a opinião pública e influir sobre bancadas e grupos das duas Casas do Congresso. Não lhe parece? Escreva-me e não deixe de me remeter algumas cópias do projeto. Com um afetuoso abraço do seu de sempre, Fernando de Azevedo

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S. Paulo, 19 de outubro de 1959. Meu caro Paschoal, Já lhe havia mandado pelo serviço de entrega rápida, pelo qual seguirá também esta, uma carta em resposta à que me escreveu, quando me chegaram com as outras considerações suas, os mais recentes comentários sobre o projeto de Diretrizes e Bases. A posição do Anísio e do Darci coincide, como vê e eu esperava, com a que tomamos em face da questão. Continuamos unidos na mais grave batalha que já se travou, em defesa da educação nacional contra os sectários de várias cores e os mercenários do ensino. O que pelo projeto da Comissão se instituiu, de fato, é a oficialização do ensino privado. Só não o vêem os que não tem olhos ou não querem ver. Insisto no pedido que lhe fiz, de algumas cópias do referido projeto, que o Almeida Júnior não conhece ainda e de que eu li apenas as partes publicadas na Folha da Manhã. Estou hesitando entre uma entrevista e uma ou mais conferências sobre o assunto. O espaço reservado a entrevistas é, geralmente, muito limitado e são muitos os pontos do projeto que merecem crítica e não podem, de forma alguma, ser aceitos. Não seria interessante uma reunião em São Paulo, em que tomassem parte Anísio, Darci, você e outros, do Rio, Almeida Júnior e eu, com meus amigos, para a análise rigorosa do projeto e um pronunciamento coletivo, vigoroso e decidido? Não um novo Manifesto, mas uma crítica implacável do projeto. Se for difícil a reunião, que um de vocês (o Anísio, por exemplo) redija o documento, curto e incisivo, para ser assinado por todos e amplamente divulgado. Escreva-me. Do muito e sempre seu, Fernando

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Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Nossa luta pela obtenção de uma lei nacional de educação que atenda às necessidades do povo brasileiro, ao momento atual e em futuro próximo, continua aqui no Rio árdua mas sem desfalecimentos. A Comissão de Educação e Cultura da Câmara, onde está sendo discutido e votado, artigo por artigo, o substitutivo único, aprovado pela subcomissão especial, suspendeu os trabalhos por dez dias, para uma pausa para meditação (aliás muito necessária, pois a discussão estava se tornando cada vez mais confusa). Aproveitando esse interregno, as forças mais progressistas, com os estudantes à frente, estão se reorganizando e se fortalecendo, para travar a batalha decisiva junto à Comissão de Educação e Cultura no sentido de que o projeto saia, nas melhores condições possíveis, desse órgão e chegue ao Plenário da Câmara, onde não será mais discutido, mas apenas votado e remetido, em seguida, ao Senado. O que não for conseguido, nessa fase (da Câmara) só poderá ser tentado no Senado, que poderá, inclusive, recusar todo o projeto aprovado pela Câmara e adotar outro como substitutivo. Se o projeto da Câmara for emendado pelo Senado, como sabe, voltará à Câmara, onde apenas serão aceitas ou recusadas as emendas do Senado, subindo o vencido à sanção presidencial. Todo esse trâmite, como se verifica, impossibilitará a aprovação da lei ainda este ano. Muitos deputados e interessados estão receando que, com a luta política que se intensificará enormemente em torno das eleições presidenciais do próximo ano, o andamento da elaboração legislativa da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional será prejudicado ou até mesmo interrompido, salvo se o governo adotar medidas drásticas para obter a aprovação. Qualquer que seja, porém, o andamento do processo legislativo do projeto, penso que devemos intensificar cada vez mais a campanha pela obtenção de uma lei o mais democrática e progressista que for possível. Nesse sentido, Dr. Fernando, desejava insistir para que o senhor, mais uma vez, assumisse o comando dessa campanha dando entrevistas e mobilizando todos os elementos (Almeida Júnior, Júlio Mesquita e outros) que puderem colaborar nessa fase da luta. Não lhe remeti imediatamente exemplares do projeto de autoria da subcomissão especial, porque não pude obter o "avulso" da Câmara, que incluiu, nem a edição de 4 deste mês (4/10/59) do Correio da Manhã, que o publicou na íntegra, e que vinha acompanhando a discussão e aprovação de artigo na Comissão (plena) de Educação e Cultura (essa discussão foi interrompida no artigo 30, do projeto da subcomissão, que consta de 103 artigos e foi aprovado em 29-9-1959, exatamente, pois, há um mês). Entretanto, Dr. Fernando, pedi aos estudantes da União Nacional de Estudantes (UNE)), com quem estou em contato permanente e que lideram a campanha no Rio, que enviassem diretamente para sua residência uns 5 exemplares do "avulso" da Câmara, com o projeto da subcomissão, e, mais do que isso, mobilizassem os

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estudantes de S. Paulo para o movimento. Terá o senhor recebido esses "avulsos" prometidos? Seria, talvez, interessante que o doutor Júlio Mesquita procurasse obter (o que não será difícil para ele) essa última versão do projeto e o divulgasse na íntegra no Estado de S. Paulo, pois seria essa uma grande ajuda para a campanha, pois tornaria acessível a todos os interessados, matéria da maior importância para todos, mas que é mantida quase em segredo, uma vez que o "avulso" da Câmara não é fácil de obter e a imprensa comum não divulga nem trata, como deveria, de problema de tanta relevância. De qualquer forma, Dr. Fernando, e sejam quais forem os entraves que ponham, deliberadamente ou não, em nosso caminho, estamos dispostos a levar a luta até o fim (o nós significa especialmente os estudantes, com o apoio dos educadores mais progressistas), pois que se trata de uma questão fundamental que diz respeito diretamente ao desenvolvimento do País e ao futuro das novas gerações brasileiras. De outro lado, estamos certos que seu comando, mais uma vez, não nos faltará, e essa será, sem dúvida, uma condição essencial para a vitória: dispor de um comandante experimentado e provado à frente da batalha. Junto, estou lhe remetendo mais alguns ecos da campanha aqui no Rio. Ela intensificar-se-á bastante, na próxima semana, após os feriados. Faço hoje (29) uma palestra na Faculdade Nacional de Filosofia, na qual mais uma vez procurarei esmiuçar o problema e mostrar as verdadeiras origens e a significação da tentativa de Lacerda e Cia. de nos fazer voltar à Idade Média… Esperando que o senhor esteja completamente restabelecido e que o netinho entre no caminho de plena recuperação, aqui continuo a receber suas ordens, que são frutos do "saber de experiência feito". Receba um abraço carinhoso do Paschoal Lemme P.S. Poderei receber os números 1 e 2 de Pesquisa e Planejamento, órgão do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, e ficar inscrito para recebimento, dos números seguintes e de todas as outras publicações do CRPE? Desde já muito grato.

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S. Paulo, 3 de novembro de 59. Meu caro Paschoal, Que é preciso intensificar e estender a todos os campos em que podemos travá-la, dando-lhe grandes proporções, a nossa luta em defesa da escola pública, tão grosseiramente ameaçada, não há sombra de dúvida. O de que tenho estado à procura é dos meios de ação mais eficazes para desencadear um vasto movimento de opinião pública contra o incrível projeto em discussão. Este é um mostrengo, sem pés nem cabeça, mas extremamente perigoso pelo seu espírito sectário, que domina o conjunto e se infiltra em seus detalhes. O Almeida Júnior vê no Conselho Federal que ele instituiu, a "arma secreta" desse projeto. Mas são muitas as "armas secretas" que saíram das forjas da Comissão. É necessário destruí-las, liquidando com o projeto, que é um atentado contra a educação pública, as instituições democráticas e a própria vida nacional. Por mais estranho que pareça, encolheram-se, diante dessa obra diabólica tramada contra a nação, as associações de professores das escolas oficiais de todos os graus e tipos. Nenhuma universidade, que eu saiba, levantou a cabeça, para um enérgico protesto contra essa investida de loucos ou de inconscientes. Estão todos dormindo ou com medo? Os estudantes, certamente conosco, dispostos a entrar em cheio no combate pela causa nacional. Eu o senti ainda um dia destes nos debates que promoveu o Grêmio da Faculdade e a que compareceu, também convidado, o Monsenhor Enzo, da Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo. Duraram cerca de cinco horas. Nos aplausos entusiásticos com que interromperam várias vezes a minha oração e saudaram as minhas intervenções, que foram muitas, no silêncio mal contido com que ouviram os pontos de vista desse representante do clero secular, e nos seus respectivos apartes, manifestaram a sua solidariedade sem restrições aos que defendemos a escola pública contra os assaltos de interesses inconfessáveis. Eles, os estudantes, estão conosco. Inteiramente ao nosso lado, como dizia. O que urge é mobilizá-los e organizá-los. Vejo que as férias escolares tornarão essa tarefa difícil, mas não irrealizável, se iniciarmos o movimento sem perda de tempo. Faça o que estiver em suas mãos. Sugeri ao Anísio (peço-lhe que o procure, para lhe dar as minúcias) um plano que aceitou: cada um de nós (e o seu nome já está incluído entre os primeiros sete) irá, com cópias do nosso Manifesto e do projeto da Comissão, a diferentes centros culturais do País para conferências e debates públicos. Ataques simultâneos, diretos e frontais, em todos os setores. Artigos, entrevistas sucessivas, mensagens à Câmara e ao Senado, pronunciamentos de associações de professores e de estudantes e, por final, o nosso protesto coletivo completariam o plano de ação. Vamos, pois, para a luta. Não é possível retardar mais esse movimento, cuja direção entende v. que devo assumir. Comove-me a reiteração dessa confiança sem reserva. Não recebi ainda os exemplares que pedi, do projeto da Comissão. Veja com o Anísio se é possível obter uma cópia autenticada e mandar mimeografá-la em uns 100 (cem) exemplares. Precisamos ter outras tantas cópias do Manifesto.

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Escreva-me logo e perdoe-me o desalinho desta carta, escrita a correr e num estado de cansaço mortal. Com um afetuoso abraço do muito e sempre seu, Fernando de Azevedo

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S. Paulo, 14 de novembro de 59. Meu caro Paschoal, V. deve ter recebido a carta que lhe mandei, pelo "Serviço de Entrega Rápida", para lhe comunicar os meus entendimentos com o nosso Anísio sobre plano e meios de intensificação da campanha em defesa da escola pública. Não tive resposta sua. Mas o Anísio já me escreveu, dizendo-me que, consultado o Jaime Abreu, o Darci e v., por intermédio deste, foram todos de opinião que não deviam, no momento, afastar-se do Rio. Embora me parecesse que uma ausência de poucos dias (e não era preciso saírem todos ao mesmo tempo) não podia comprometer a vigilância indispensável sobre o Projeto em discussão, submeti-me à resolução tomada por vocês. Esta, porém, tem outro objetivo. E é por isso aí que devia começar, isto é, pelo agradecimento a v. por seu livro Problemas brasileiros de educação, que é dedicado a mim, em primeiro lugar. Fico-lhe muito grato pela atenção com que me distinguiu e vivamente me cativou. Desvanece-me a homenagem tanto mais quando partiu de ilustre educador e companheiro exemplar que nunca abandonou a "trincheira que lhe coube", em nossas lutas pela educação nacional. Páginas lúcidas, precisas e corajosas são as desse volume em que v. reuniu artigos e entrevistas e tantas vezes tive a honra de ser citado. O seu livro Problemas brasileiros de educação constitui contribuição de primeira ordem, tanto pelo rigor de suas análises com que vai direto ao essencial, quanto pelas soluções nele propostas com a mesma lucidez para vários de nossos problemas fundamentais. Aceite-me os parabéns por seu trabalho, realmente digno, sob todos os aspectos, de ampla divulgação, e, com eles, a expressão do meu respeito por sua fidelidade aos nossos ideais e a de meu reconhecimento por tudo o que indica, desde a dedicatória, de confortadora solidariedade ao velho companheiro de lutas comuns pela educação no Brasil. Afetuoso abraço do seu de sempre, Fernando de Azevedo.

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Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1959. Meu caro Dr. Fernando, Uma série de problemas de ordem particular e doméstica fez com que retardasse as respostas que lhe devia às duas últimas cartas que me escreveu. Devendo sair do Rio para alguns dias de férias quero, com as maiores desculpas, dizer-lhe que suas palavras sobre meu modesto trabalho são a maior recompensa que poderia receber pela atitude que assumi comigo mesmo, desde muito cedo, de dizer o que penso, sem subterfúgios ou escamoteações, e quaisquer que sejam as conseqüências, em relação aos problemas a que me consagrei, conduzido pelo entusiasmo que sua obra de 1927-1930 me comunicou de maneira definitiva. Devo dizer-lhe agora que, em 1925, tinha me matriculado na Escola Politécnica, mas quando recebi do Antônio Victor, então seu secretário e meu amigo, um telegrama convidando-me para secretário de Jônatas Serrano, na novel subdiretoria técnica, criada pela Reforma de janeiro de 1928, e em conseqüência disso entrei em contato com o grande reformador da educação brasileira, o rumo da minha vida estava traçado. Tinha então 23 anos. ••• Como já deve estar informado, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, segundo estou lendo hoje no Correio da Manhã, o projeto já foi incluído na ordem do dia para discussão no plenário. O Congresso encerrou, porém, seus trabalhos, ontem, 15, devendo reabrir-se a 18 de janeiro. Não tenho ainda conhecimento da redação final do projeto, pois aqueles motivos de ordem particular mantiveram-me afastado da campanha que vínhamos realizando. Creio, porém, que os defeitos mais graves não foram corrigidos e a luta portanto tem que continuar. O Darci Ribeiro, segundo me comunicou por telefone, estava organizando um plano para essa segunda fase da campanha que culminaria com a realização da XIII Conferência Nacional de Educação. Em princípio achei bom o plano, que atingirá uma parte dos interessados. Particularmente, porém, devo dizer-lhe que me agradou muito mais (e nesse sentido tenho compromissos) o tipo de campanha conduzido pelos estudantes (UNE), os sindicatos e a Frente Parlamentar Nacionalista. Evidentemente, porém, fazendo parte do Conselho Diretor da ABE, cooperarei com todo o interesse no que ficar assentado. De qualquer forma, porém, somente depois de 15 de janeiro, conforme disse ao Darci, poderei voltar à plena atividade. Esperando que d. Elisinha já esteja restabelecida e desejando-lhe e a todos os seus um novo ano de tranqüilidade, abraça-o carinhosamente o Paschoal Lemme P.S. Espero tenha recebido dois exemplares de Educadores del Mundo com extratos do Manifesto e sua fotografia. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Rio de Janeiro, 4 de julho de 1961. Meu caro Dr. Fernando, No último momento, meu filho teve que modificar o itinerário que costuma fazer em suas viagens freqüentes de Goiânia (onde trabalha) para o Rio, pois, por questões de serviço, foi obrigado a fazer a volta por Belo Horizonte e não por São Paulo. Daí a discordância entre o que tinha escrito no cartão que acompanhou o livro que lhe mandei e o que na realidade aconteceu: para não atrasar mais a remessa, despachei o pacote, já pronto, pela Vasp, deixando para lhe explicar o ocorrido em carta que pretendia lhe escrever logo em seguida. Mais uma vez muito agradecido pelas palavras sempre tão bondosas com que recebe meus trabalhos, que têm como único mérito a sinceridade, a honestidade de propósitos e o desejo de esclarecer meus colegas e meu povo sobre questões que reputo fundamentais para a melhor compreensão e encaminhamento das verdadeiras soluções dos problemas de educação no Brasil. Nesse mesmo sentido, dediquei-me à tradução (do espanhol) de um curso de História Geral, tal como é ensinada nas escolas secundárias soviéticas, pois, se, como é natural, muitos não concordam com a versão que nele se dá dos acontecimentos, ao menos tomarão conhecimento de que há outras maneiras de encarar esses mesmos acontecimentos, maneiras essas que o professor verdadeiramente democrata não deverá ignorar. Desse curso já foram publicados quatro volumes (História da Antigüidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea), restando o último, que terá o título de História dos tempos atuais, compreendendo o período que vai da Revolução Russa (1917) ao lançamento do primeiro sputinik (1957). Pelo serviço de encomendas da Vasp estou lhe remetendo esses quatro primeiros volumes. Como já lhe disse, estou também preparando um volume contendo os últimos trabalhos que publiquei, especialmente sobre a campanha em defesa da escola pública, e no qual, em apêndice, pretendo incluir o Manifesto de sua autoria, que foi sem dúvida o ponto alto da campanha. Além disso, estou organizando mais dois volumes: um sobre a obra de Pavlov, o grande fisiologista e psicólogo soviético e outro sobre Makarenko, o maior educador soviético, cujos métodos inspiram toda a pedagogia russa atual, mas que é quase totalmente desconhecido entre nós. Infelizmente, tudo isso demora muito a aparecer, pois a única editora que pode publicar trabalhos desse tipo é a Vitória, e os recursos de que dispõe são muito pequenos, situação essa agora imensamente agravada com as últimas providências de caráter cambial adotadas pelo governo. Quero comunicar-lhe ainda, Dr. Fernando, que estou tratando de minha aposentadoria no cargo de técnico de educação do Ministério da Educação, o que espero obter até o fim do corrente mês ou nos princípios do mês de agosto. Ficarei assim com mais tempo para me dedicar a trabalhos e atividades que julgo mais úteis e produtivos do que aqueles a que uma burocracia incorrigível me obrigava,

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do meu ponto de vista, quase sem qualquer benefício para quem, por força de minhas funções, deveria servir: o povo brasileiro. Ficarei também com mais tempo e possibilidades de viajar e portanto tornar mais freqüentes e longas as visitas como a que lhe fiz, que além do prazer que me proporcionam, são um estímulo excepcional, pois sua extraordinária capacidade de trabalho, em meio de tantas preocupações domésticas e profissionais, e agora até com os tão desagradáveis incômodos produzidos pela diminuição da capacidade visual, representa um exemplo admirável de energia, extremamente reconfortante e alentador. Assim, Dr. Fernando, logo que me desvencilhe da necessidade de acompanhar quase que diariamente o processo de aposentadoria (pois do contrário não caminhará, tal é a burocracia do nosso serviço público), estou pretendendo voltar a S. Paulo com mais vagar e, é claro, e em primeiro lugar, ficarei à sua inteira disposição. Pedindo recomendar-me a D. Elisinha, receba o abraço afetuoso do Paschoal Lemme P.S. Infelizmente, não tive conhecimento dos artigos de Francisco Ayala, sobre a crise da educação norte-americana, publicados em La Prensa, de Buenos Aires. Como o senhor sabe perfeitamente, não tenho qualquer prevenção em relação ao admirável povo norte-americano, cujas magníficas qualidades tive a feliz oportunidade de conhecer de perto. Minha preocupação, e mais do que preocupação, o que reputo ser de meu dever profissional, é prevenir os educadores brasileiros quanto aos graves inconvenientes de certos aspectos da educação norte-americana que se tornariam ainda mais graves se transplantados para o nosso meio. A propósito: já teve a oportunidade de ler o livro de Wright Mills sobre Cuba (A verdade sobre Cuba), traduzido agora para o português? O depoimento constante desse pequeno volume cresce extraordinariamente de importância pelo fato de seu autor ser justamente um dos maiores sociólogos norte-americanos da atualidade; dele já conhecia um outro livro (The power elite – 1856, traduzido para o espanhol pelo Fundo de Cultura Econômica com o título de La elite del poder) e que reputo um dos documentos mais sérios que já se escreveram sobre os Estados Unidos da América do Norte.

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São Paulo, 22 de julho de 1961. Meu caro Paschoal, Não lhe agradeci antes os livros que me mandou, e a sua carta de 4 deste mês, por estar à espera de umas horas disponíveis para, não digo lê-los todos (são quatro), mas, ao menos, folheá-los com vagar, detendo-me nesse ou naquele capítulo. Foi o que fiz nessas três últimas noites. Excelente, sua iniciativa de traduzir e anotar os cinco volumes (o quinto ainda por publicar) do curso de História Geral para as escolas secundárias soviéticas. E que trabalhador infatigável! Como pode encontrar tempo para verter para português e, além disso, anotar os quatro volumes que perfazem um total de perto de mil páginas de texto? E, enquanto trabalha no último dessa série, já está organizando mais dois volumes sobre a obra de Pavlov e de Makarenko! Motor poderoso que trabalha silenciosamente, v. surpreende pelo que realiza e ainda mais pelo alto nível e pelo interesse cultural e prático do que produz. v. sabe quanto o admiro por sua probidade profissional, solidez de conhecimentos, segurança de espírito crítico, fidelidade de convicções, firmeza de atitudes, sem quebra da moderação, e tolerância nas relações humanas. Com a aposentadoria que v. se propõe a obter agora, perderá o Ministério um de seus mais altos valores, mas, em compensação (e será um proveito para todos) se abrirão novas possibilidades e perspectivas a seus planos de estudos, de viagens e publicações. É por isso, e somente por isso, que me consolo de vê-lo afastar-se do quadro de técnicos de educação do Ministério a que vem prestando há mais de 30 anos (já 30 anos?) serviços de primeira ordem, por sua competência, capacidade de trabalho e dedicação. Não sei se pensa também em renunciar ao magistério nas escolas a que vinha dando sua valiosa colaboração. Essa atividade que não lhe tomaria muito do tempo que pretende reservar a estudos e à produção intelectual, parece-me que não somente não é incompatível em seus novos planos de vida como também poderá ser-lhe extremamente útil manter o contato com as novas gerações e seus problemas. Não li o livro de Wright Mills sobre Cuba, traduzido para o português sob o título A verdade sobre Cuba. Tenho ouvido a respeito as melhores referências. Oh! os trabalhos forçados a que me condenaram e que me roubam as horas destinadas à leitura, aos estudos e à meditação. Vou, no entanto, procurar este livro como o outro, do mesmo autor The power elite (1956), que o Fundo de Cultura Econômica fez traduzir para o espanhol sob o título La elite del poder, como v. me informa. Não sei se encontrarei este último. Tenho tanto mais saudades do meu recolhimento e de meus estudos quanto mais sinto a desproporção entre os esforços aplicados na obra educacional e na difusão da cultura e os resultados que tenho obtido. Quando penso numa reestruturação radical dos serviços de ensino, educação e cultura, no governo do Município, – e todas as medidas, para isso, foram tomadas com uma rapidez que a todos espantou, – tenho a impressão de que me apóiam sem reserva os projetos (belos planos de um sonhador ou … de um louco) mas, no fundo, sem nenhuma vontade de os verem realizados!

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Com as recomendações minhas e de Elisa à sua senhora e aos filhos, um afetuoso abraço do muito seu, Fernando de Azevedo

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Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1961. Meu caro Dr. Fernando, Junto estou lhe remetendo o último volume do curso de História Geral, que traduzi e anotei, terminando assim a série. Em seguida, devem ser publicados, por uma nova editora de São Paulo, os três volumes de que já lhe falei: História da Filosofia, de Shchelogov; Introdução à obra de Pavlov, de vários autores; e Educação democrática e progressista, reunião de trabalhos que publiquei ultimamente, inclusive algumas reedições. Meu plano de trabalho inclui, em seguida: o Poema pedagógico, de Makarenko; Problemas fundamentais da Psicologia, de S. L. Rubinstein, o mais destacado psicólogo soviético da atualidade; e Problemas fundamentais da Pedagogia, por um grupo de destacados soviéticos. Depois disso, continuarei a preparar outros trabalhos, sempre com a preocupação de divulgar o ponto de vista de autores que hoje representam o que se poderia denominar de nova civilização do socialismo. Minha aposentadoria já foi efetivada e assim estou agora inteiramente livre para me entregar a esses trabalhos e outros, tais como a História da educação no Brasil (que tenho em projeto há muito tempo) e talvez umas Memórias, em que procurarei mostrar, através de fatos de minha vida, minha formação, na luta constante por uma compreensão cada vez mais ampla da vida, dos homens e das coisas. Pretendo, para a realização desses planos de trabalho, sair do Rio e me instalar numa pequena propriedade que tenho no Estado do Rio (Pati do Alferes, zona de Miguel Pereira), provavelmente a partir de meados de outubro próximo. É provável, porém, que antes disso faça uma viagem a São Paulo, e nessa oportunidade espero que estaremos juntos uma tarde ou uma noite, com bastante tempo para trocarmos, longamente, impressões sobre os últimos acontecimentos do Brasil e do mundo e as perspectivas que se abrem para nós e para a humanidade. Soube que o secretariado do prefeito Prestes Maia pediu demissão coletiva, e confesso que fiquei bastante satisfeito se, nessa oportunidade, deixou a Secretaria de Educação. Achei, e manifestei essa opinião ao Milton Rodrigues, quando estive em S. Paulo, que não me parecia que o exercício desse cargo lhe conviesse: penso que o serviço público brasileiro chegou a um tal ponto de dissolução e mesmo de desintegração, que tudo na organização burocrática do País está a serviço apenas da manutenção do acessório e secundário, ou melhor, passou apenas a funcionar como "assistência social", isto é, para justificar a remuneração de pessoas que acabaram por depender do que recebem para sua manutenção, tendo perdido completamente a noção de que o "serviço público" é "serviço", isto é, deve servir a algum fim definido, e é "público", isto é, deve funcionar para atender a algum interesse específico do povo, que, em última análise, paga o serviço através de impostos e taxas. Por isso mesmo, pareceu-me que sua atividade era muito mais profícua no prosseguimento de seus trabalhos e estudos, do que à frente de uma máquina burocrática, cujo rendimento é mínimo, especialmente tendo em vista o esforço que se despende. Folgo, por isso, em vê-lo de novo restituído à tranqüilidade de seu gabinete, de suas leituras, de seus trabalhos.

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Nesse sentido, queria sugerir-lhe que promovesse a edição, num volume único, dos dois Manifestos dos pioneiros da educação (o de 1932 e o de agora), precedido de uma introdução explicativa. Seria de grande utilidade para a documentação e a história da educação brasileira, pois o interesse por esses documentos é grande e o Manifesto de 1932, por exemplo, é dificílimo de ser obtido. E a geração atual de estudantes de educação, quase que o desconhece completamente, nem tem idéia das circunstâncias que o geraram. Esperando poder vê-lo muito brevemente, abraça-o muito carinhosamente o Paschoal Lemme

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São Paulo, 30 de setembro de 1961. Meu caro Paschoal, Suas palavras, não imagina o prazer que me deram: chegaram-me, com todo o calor de sua amizade, numa hora de decepções amargas. A 15 deste mês, mandei ao prefeito Prestes Maia carta longa e de uma delicadeza julgada por todos excessiva, pedindo-lhe demissão e dando-lhe as razões de minha renúncia. Respondeu-me, aceitando-a, por um bilhete sujo, muito mal escrito e confuso, em que a burrice, a grosseria e a mentira se atropelavam numa singular competição. Minha carta, o comunicado que distribui à imprensa e o referido bilhete foram amplamente divulgados. Retruquei-lhe numa "Carta Aberta ao Prefeito Prestes Maia", também publicada em todos os jornais, e que teve em São Paulo larga e profunda repercussão. O homem calou-se e deu o incidente por encerrado! Nela tratei de lhe arrancar a máscara que trazia afivelada há muitos anos. Não estava entre seus amigos, quando recebi seu convite, e não me lembra ter tido com ele, em toda a minha vida, mais de três ou quatro contatos pessoais. Depois da resistência de mais de uma semana acabei por atender ao seu apelo inexistente: era eu, como me dizia, o homem de que necessitava, pela competência, probidade e dedicação, reconhecidas em toda a parte, e de cujo nome precisava para … "dar ao seu Secretariado o gabarito de um Ministério"! No despacho de 3 ou 4 de agosto em que pus o cargo à sua disposição, declarou-me (e eu tenho testemunho) que não podia dispensar meus serviços, acrescentando: "O Sr., Dr. Fernando, é o Secretário que dá brilho à minha administração". E agora, por tê-lo advertido sobre os perigos que lhe ameaçavam o governo (inoperante, incapaz, burocratizado), esquece-se de todos esses serviços, que ele mesmo considerava indispensáveis e excepcionais, para me respingar um coice de mula na hora da despedida! Daí, minha resposta, dura e veemente, em carta aberta. Se tiver disponíveis os recortes de jornais, enviarei a v. toda essa documentação em envelope separado. É bom que dela tome conhecimento. Em todo caso, já respiro aliviado e com uma decepção a mais. Concordo com v. quando me diz que o serviço público do País está em dissolução, senão em fase de desintegração. E dos homens públicos, em geral, neles se pode depositar inteira confiança? Volto, satisfeito, ao estudo e a meus livros, e começo por lhe agradecer o que me mandou, a História dos tempos modernos, da Revunenkov. Venham os outros, em seguida, que agora tenho tempo de lê-los – e, particularmente, a Educação democrática e progressista e a História da educação no Brasil, que v. tem em preparo. Invejo-lhe a sorte de já estar a caminho de seu retiro espiritual, na paz do campo. Mas, antes de nele se refugiar, para concluir seus livros, dê, por favor, um pulo a São Paulo: temos muito o que conversar. Com um afetuoso abraço do seu Fernando de Azevedo

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S. Paulo, 10 de março de 1969. Sr. Prof. Paschoal Lemme Travessa Santa Terezinha, 16 – 1º andar Tijuca ZC-10 – Rio de Janeiro Meu caro Paschoal,* Somente agora pelo nosso Nelson consegui, afinal, seu endereço certo. É para aí que vai esta carta. Mas, se não me falha a memória (já tão esquiva nesta altura), foi para aí, para seu endereço na Tijuca que lhe mandei duas cartas registradas. A última foi para Miguel Pereira, no Estado do Rio, para onde você teria transferido sua residência, ao que me informaram. Dessas três cartas, nenhuma resposta. Teriam ido com endereço errado? Ter-se-iam extraviadas? Mas você deve ter sabido, por seu irmão (com quem o Nelson teve contato) que eu estava à sua procura e aflito por notícias suas e dos seus. Pelo Nelson, que me enviou seu novo endereço, soube também que não ia bem de saúde. Esse, um prolongado silêncio, para o qual não encontro outra explicação que não as desordens de nosso correio. Os nossos desencontros, as notícias que me chegam de você, escassas e às vezes contraditórias, tudo isso me preocupa e me deixa um pouco no ar, sem saber bem o que há com você, com os seus e em nossas relações, que sempre se basearam numa compreensão recíproca e numa perfeita lealdade de um para com o outro. Nunca me esqueço de sua colaboração, como assistente do Jônatas Serrano, quando era eu Diretor da Instrução Pública, no Distrito Federal (1926-1930). Éramos companheiros de quase todos os dias. E depois de 30, os contatos que tivemos não foram freqüentes. Mas, embora mais raros, todos marcados por uma amizade sem desfalecimentos e pela velha lealdade com que sempre nos tratamos, sem quebra do respeito às divergências de opinião. Na esfera da educação e fora dela a minha atitude foi sempre a mesma: de fidelidade aos propósitos e ideais, de disposição de lutar por eles, enfrentando dificuldades de toda ordem. Mas sei bem o que devo a todos que conviveram ou trabalharam comigo e quanto me confortava e estimulava o apoio de tantos. Escreva-me logo. Gostaria muito de ter notícias suas. Com um saudoso abraço do Fernando de Azevedo Rua Bragança, 55 Pacaembu São Paulo * Esta terá sido, provavelmente, a última carta de Fernando de Azevedo a Paschoal Lemme. Não consta resposta deste no arquivo daquele na USP. Fernando de Azevedo faleceu em 18 de setembro de 1974, na cidade de São Paulo. (N. do O.)

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DIÁLOGO COM ZAIA BRANDÃO

Rio, 3 de fevereiro de 1989. Meu caro Prof. Paschoal, Mil desculpas pelo atraso. Tânia só entregou-me o texto* na semana passada. Li e vi que há várias falhas, tanto na forma quanto no conteúdo. Por exemplo, não falo de suas viagens ao exterior. Há muita repetição também. Terei que submeter o texto a um "copy-desk". Mais uma vez gostaria de pedir-lhe tolerância para com a "minha versão". Não gostaria que este trabalho trouxesse ao senhor qualquer preocupação. A intenção foi estudar o porque tão pouco está registrado na história "oficial" da Educação Brasileira a sua presença. Mais ainda, registrar a caminhada exemplar de um servidor público que sempre procurou dirigir as suas ações no sentido da justiça social. Prometo-lhe um texto final mais cuidado. Escreva-me. Com um abraço carinhoso, aguardo notícias, Zaia

* Trata-se da tese de doutorado defendida por Zaia Brandão na PUC/RJ em 1992, intitulada A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. (N. do O.)

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Sítio "Remanso", Pati do Alferes, sábado, 14/2/1989. Zaia, Logo que seu trabalho chegou às minhas mãos, emocionado, li-o de uma assentada e confesso que fiquei seriamente impressionado com sua capacidade, ou melhor dizendo, sua criatividade, em transformar elementos tão desiguais, dispersos e até contraditórios e desimportantes, num todo único, coerente e excelentemente concebido e redigido. Terá você conseguido retratar com fidelidade a trajetória do "ator social" que você escolheu como protagonista principal do seu trabalho? Confesso que me sinto incapaz de responder com segurança a tal indagação. O melhor que posso fazer é me socorrer da sabedoria de um Shakespeare quando faz sua personagem principal da tragédia – Hamlet – advertir seu amigo: – Horácio, há muito mais coisas no Céu e na Terra do que possa imaginar nossa vã filosofia… Mas, essa é uma advertência que se pode fazer, praticamente, a propósito de tudo que acontece neste mundo complexo e inescrutável e que o homem insiste em compreender em toda a sua extensão: sempre estão aparecendo coisas inusitadas, no Céu e na Terra… e parece que é a isso que se chama de progresso… Uma coisa, porém, posso afirmar com certeza: você conseguiu captar muito bem a questão crucial de toda essa história. Eu não hesitei entre as concepções liberais dos meus amigos educadores, especialmente dos "cardeais da educação" e os conhecimentos que fui adquirindo sobre o "fenômeno" educação, à luz das idéias de caráter marxista. O que se deu é que sempre considerei e continuo a considerar que o chamado movimento da "escola nova", cuja ideologia, digamos assim, foi consubstanciada no histórico "Manifesto dos Pioneiros", representou o que mais progressista se propugnava, na época, em matéria de educação e ensino, isto é, uma escola única, pública, leiga, gratuita, co-educacional, aberta a todos… E a prova de que essa proposta era a mais avançada é que foi implacavelmente combatida pelas forças mais reacionárias reinantes no País, combate esse que se estendeu virulento, até os tempos da discussão da Lei de Diretrizes e Bases. E Anísio Teixeira que em sua administração no antigo Distrito Federal (19311935) teve a veleidade de tentar levar à prática os ideais e as propostas dos "pioneiros" foi o mais violentamente visado pela ação dessas forças obscurantistas e levado a um ostracismo que se estendeu por muitos e muitos anos. Apenas os "pioneiros" não quiseram ou não puderam compreender que a "escola democrática e popular" que preconizavam só poderia florescer numa sociedade verdadeiramente democrática. Daí a minha insistência no refrão, leitmotiv da minha pregação: só pode haver uma educação plenamente democrática numa sociedade democrática. Conforme você observou muito bem, tentei junto aos meus amigos e mestres, especialmente Fernando de Azevedo, apesar de sociólogo, fazê-los compreender essa

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verdade elementar que se tornou óbvia para mim, e se não tive êxito nesse esforço obtive entretanto, algum resultado, como sua adesão a amplos movimentos unitários até com forças de esquerda, como por exemplo, na defesa da escola pública, com o lançamento do segundo manifesto, em 1959, "mais uma vez convocados"… cuja iniciativa foi de minha inspiração. É que eles, evidentemente, não podiam, nem eu esperava tal, aderir àquelas idéias "subversivas" de uma sociedade dividida em classes, de interesses conflitantes, o que tornava a educação um privilégio, ao contrário do que Anísio pretendeu comprovar no seu conhecido trabalho. E mais do que isso, que a educação fosse um problema basicamente político e só secundariamente técnicoadministrativo… Conforme o mesmo Anísio afirma ao se declarar apenas um "técnico", na histórica carta de dezembro de 1935 em que solicita demissão da chefia da Secretaria de Educação e Cultura da antiga Capital da República. Os tempos foram passando e muitas reformas e campanhas foram realizadas para melhorar as condições da educação e do ensino e até mesmo para liquidar o analfabetismo com data marcada… Tivemos até mesmo vinte anos de ditadura militar que pretendeu substituir, com violência inaudita, a alegada incapacidade dos paisanos, corruptos e subversivos, de resolverem os problemas fundamentais do País, inclusive os da educação e do ensino… E quando o pesadelo terminou e enfim pôde-se fazer o balanço dos resultados desse trágico período, verificou-se que o legado básico da ditadura fora que a minoria ínfima dos ricos tinha se tornado incomparavelmente mais rica e a enorme maioria dos pobres empobrecera ainda mais, chegando mesmo à pobreza absoluta e, correlativamente, a educação, o ensino e a cultura se abastardaram em quantidade e qualidade… Mas a dialética da história é inexorável e, aos poucos, um fenômeno inédito foi surgindo no rescaldo dos dias negros que o País acabava de viver: os educadores, das mais humildes professorinhas do ensino primário aos eruditos mestres do ensino universitário, para espanto de muitos e a severa condenação dos eternos reacionários, vinham para as ruas, em massa, para reivindicar melhores condições de remuneração e de trabalho: a educação e o ensino, de repente revelavam sua verdadeira face de questão primordialmente política… E muitos desses educadores, professores, cientistas, intelectuais em geral, engajavam-se nas lutas políticas, filiavam-se a partidos políticos comprometidos com transformações sociais profundas que viessem permitir uma melhoria real das condições da educação, do ensino, da pesquisa científica, da cultura, em quantidade e qualidade, para benefício de todo o povo brasileiro… Não quero me alongar em maiores considerações. E se isso tudo não significasse um triste retrato da verdadeira situação do País e de seu povo, eu até poderia mesmo me vangloriar e mesmo aceitar o rótulo de "pioneiro" de uma pregação vitoriosa, a da educação como problema essencialmente político, conforme você, Zaia, se esforçou tão brilhantemente para comprovar no seu belo trabalho… Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Medalha comemorativa do centenário de nascimento de Rui Barbosa, dada pelo Ministério da Educação a alguns educadores.

Todos os galardões merecem, isto sim, aqueles que, certa ou erradamente, dedicaram suas vidas e muitas vezes as sacrificaram em condições terríveis, para participarem das lutas pelas transformações econômicas, políticas e sociais profundas que viessem permitir a nós educadores e professores exercerem, com dignidade e eficiência, nossas funções específicas. Estudos de Educação e Destaques da Correspondência | Volume 5

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Quanto a mim, o que almejo agora é, afinal, livre de obrigações com prazo certo, dedicar-me, nos dias de vida que me restarem, às minhas atividades prediletas, leituras e releituras e, às vezes, aparentemente sem nada fazer, exercer a função mais alta de que foi dotado o ser humano, que é a de pensar, rememorar, sem compromissos, a vida que passou e que não volta mais, e quem sabe, aqui neste "Remanso", continuar a escrever as Memórias… Receba, Zaia, com as expressões da minha mais profunda gratidão, a segurança da amizade deste seu admirador Paschoal Lemme

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CARTA A SEU FILHO ANTONIO CÉSAR LEMME

Antonio César, Tudo aqui continua ótimo e vou passando muito bem. Estou escrevendo a você porque fiquei pensando naquelas transas da sua tese* e lamentei que eu estivesse esquecido de uma coisa muito importante sobre o Pedro Ernesto. Como disse a você, sem dúvida, era o Hermes de Lima, o orientador político do Pedro Ernesto. Não sei o detalhe de como o Hermes chegou a essa posição, pois me parece que o Pedro Ernesto não o conhecia pessoalmente (o Hermes), como não conhecia o Anísio. Não me lembro, se o Hermes refere-se a essas circunstâncias na biografia que escreveu do Anísio (Anísio Teixeira: o estadista da educação) que está com você. O fato é que quando o Anísio me transmitiu a ordem do Pedro Ernesto de ir organizar cursos para os sócios da União Trabalhista (eu era o chefe do Serviço de Educação de Adultos da Secretaria de Educação do DF) me foi recomendado que procurasse o Hermes Lima que era o orientador político da União Trabalhista. O Hermes a esse tempo já era considerado como socialista. Posteriormente, foi chefe da ala socialista da UDN (do brigadeiro Eduardo Gomes) que se transformou depois no Partido

* Trata-se da dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, defendida por Antonio César no IMS/Uerj, sobre o tema "Saúde, educação e cidadania". . (N. do O.)

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Socialista Brasileiro, do qual um dos dirigentes era o próprio Hermes de Lima. Assim, parece que não há dúvida que foi o Hermes Lima que teria influenciado o Pedro Ernesto em adotar certa orientação socialista em sua administração. Há mais ainda: o Odilon Batista, filho do Pedro Ernesto, era sanitarista e creio que já tinha se filiado ao PCB, e parece que foi quem levou o Pedro Ernesto a se comprometer, de certa forma, com a "intentona" de 1935. Ele, o Odilon, provavelmente saberá explicar a tal história da "traição" do pai ao movimento de 1935. Creio que você deveria, para esclarecer esse problema, procurar ter um encontro com o Odilon. Se isso for importante para a sua tese. O outro problema: parece-me, também, que você deveria fazer uma referência, ao menos de passagem, ao Serviço Médico e Dentário Escolar, que, como disse você, foi minuciosamente regulamentado pela Reforma Fernando de Azevedo (o texto dessa reforma está num volume que me parece deixei em cima da minha secretária na Stª Terezinha, 16). A organização desses serviços médicos e dentários nas escolas públicas parece-me foi reforçado pelo movimento da chamada escola nova, que preconizava que a criança deverá receber uma educação integral, inclusive na parte física e de saúde (daí o desenvolvimento da Educação Física, prevenção e tratamento de saúde). Era, portanto, um serviço paralelo e complementar aos serviços médicos para a população em geral que é um assunto da sua tese, segundo me parece. É isso aí! Espero que você consiga terminar em boas condições a tese, para ir em frente. Um abraço do Velho.

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MEDALHA DO MÉRITO EDUCATIVO

(Aviso do Ministro da Educação e resposta de Paschoal Lemme) AVISO/MEC/GM/Nº 1.458/93-CIRCULAR Em 22 de outubro de 1993. Prezado Senhor, Tenho a grata satisfação de participar-lhe que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República assinou Decreto de 19 de outubro de 1993, publicado no Diário Oficial de 20 de outubro, Seção I, página 15.639, admitindo Vossa Excelência no Grau de Comendador, do Corpo de Graduados Especiais, da Ordem Nacional do Mérito Educativo, em reconhecimento à simpatia e sensibilidade demonstradas por Vossa Excelência aos temas de extremo valor para a Educação, fazendo-se, portanto, digno do nosso reconhecimento. Informo a Vossa Excelência que a entrega da comenda será realizada às 11h do dia 11 de novembro do ano em curso, em solenidade cujo programa ser-lheá oportunamente enviado. Congratulando-me com Vossa Excelência, aproveito o ensejo para expressar os meus cumprimentos pela distinção honorífica a que merecidamente fez jus.

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Cordialmente, Murílio de Avellar Hingel Ministro de Estado da Educação e do Desporto

Excelentíssimo Senhor Professor Paschoal Lemme Travessa Santa Terezinha, n.º16 20271-070 - Rio de Janeiro - RJ

Rio de Janeiro-RJ, 22 de novembro de 1993. Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e do Desporto Professor Murílio de Avelar Hingel Profundamente emocionado, venho agradecer a Vossa Excelência a gentileza da participação que me fez, pelo Aviso de 22 de outubro de 1993, de que, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, na qualidade de Grão-Mestre da Ordem Nacional do Mérito Educativo, por decreto de 19 de outubro deste mesmo ano, resolveu admitir-me no Grau de Comendador do Corpo de Graduados Especiais da Ordem Nacional do Mérito Educativo. Quero, entretanto, dizer a Vossa Excelência que, ao receber tão elevada distinção, sinto-me no dever de dedicá-la à memória dos grandes reformadores da educação brasileira, nas décadas de 20 e 30 – Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho (os quais, Afrânio Peixoto, com inteira justiça, cognominava de os "três Cardeais da Educação Brasileira"), meus mestres e amigos, com quem tive a honra de colaborar estreitamente durante todo o referido período. Conforme Vossa Excelência sabe perfeitamente, toda essa obra veio a se expressar no histórico documento intitulado Manifesto dos pioneiros da educação nova, dirigido "ao Povo e ao Governo", em março de 1932, do qual, dos 26 signatários originais sou eu o único sobrevivente. Aproveito igualmente esta oportunidade para agradecer também a Vossa Excelência o empenho com que tem determinado, através do Inep, a continuidade da publicação dos trabalhos de minha autoria, com os quais, por mais de meio século, tenho procurado colaborar no debate e esclarecimento dos problemas brasileiros de educação e ensino. Por fim, permita-me, Senhor Ministro, que no tocante a esta mesma matéria, acrescentar que, além dos três volumes já publicados, por iniciativa do Inep, sob a denominação geral de Memórias, e um quarto volume, cuja publicação já me foi comunicada, tenho mais seis volumes em preparação, os quais, oportunamente, tomarei a liberdade de submeter à apreciação de Vossa Excelência.

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Reiterando a Vossa Excelência meus melhores agradecimentos por todas as atenções a mim dispensadas, sirvo-me do ensejo para apresentar a Vossa Excelência meus protestos de consideração com que, cordialmente, me subscrevo, Paschoal Lemme

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Diploma e medalha do Mérito Educativo. Paschoal Lemme com a Medalha do Mérito Educativo, em sua mesa de trabalho, no Sítio Remanso, em Paty do Alferes, Estado do Rio de Janeiro, 1993.

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BIOBIBLIOGRAFIA

A. Cronologia 1904 – Nasce na cidade do Rio de Janeiro, em 12 de novembro, filho de Antônio Lemme e de Maria do Nascimento Lemme. 1911-1917 – Cursa o primário, de 7 anos, em escolas públicas do Distrito Federal. 1918-1924 – Faz o curso secundário no Colégio Pedro II, sob o regime de exames parcelados, obtendo certificado de aprovação em todas as matérias, em 1924. 1919-1922 – Faz o curso normal na antiga Escola Normal do Distrito Federal. 1923 – É designado professor-substituto da Escola Profissional Visconde de Cairu. 1924 – É nomeado professor-adjunto de 3a classe na rede pública do Distrito Federal. 1925 – Organiza o ensino de Iniciação Agrícola nas escolas do 19o Distrito Escolar e dirige a primeira escola masculina federal desse Distrito. Faz o vestibular e ingressa na Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro, trancando a matrícula e interrompendo os estudos na 3ª série. 1926 – Exerce o magistério na Escola Profissional Visconde de Cairu. É promovido, por merecimento, a professor-adjunto de 2ª classe. Ingressa na Associação Brasileira de Educação (ABE).

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1927 – Casa-se com a professora Carolina de Barros e Vasconcelos, na igrejinha de Santo Antônio dos Pobres. 1927 – Inicia o curso de engenharia, na Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro, interrompendo os estudos na 3a série. 1928 – Nasce seu primeiro filho, Luís Carlos Lemme, em 29 de setembro. Exerce o magistério no Curso Complementar anexo à Escola Profissional Visconde de Cairu. É nomeado Assistente do Subdiretor Técnico da Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal, na gestão do professor Fernando de Azevedo, cargo que exerce até 1930, colaborando na reforma da instrução pública do Distrito Federal. É designado para a Secretaria da Comissão Organizadora dos Programas das Escolas Profissionais da Prefeitura do Distrito Federal e para a Comissão Organizadora da Primeira Exposição Cinematográfica Educativa. 1929 – Nasce seu segundo filho, Paulo Cid Lemme, em 3 de dezembro. Assume o cargo de Oficial de Gabinete do Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, sem prejuízo de suas funções e de Assistente da Subdiretoria Técnica. Integra o Conselho Escolar da Escola Profissional Visconde de Cairu. 1930 –É nomeado professor de Matemática Aplicada ao Comércio, na Escola Amaro Cavalcanti, na qual exerceu também a função de vice-diretor. 1931 – Nasce seu terceiro filho, Emílio Cláudio Lemme, em 11 de maio. Participa da equipe de Anísio Teixeira de 1931 a 1935, na Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal, de início como Chefe de Gabinete, desempenhando posteriormente várias funções. Cria o Instituto Brasileiro de Educação, em articulação com a professora Julieta Arruda, mantendo colégio particular inspirado nos princípios da Escola Nova. 1932 – Nasce sua filha, Maria Lúcia Lemme, em 21 de maio. Integra a comissão encarregada de estudar a reorganização dos serviços da Diretoria Geral da Instrução Pública do Distrito Federal. Subscreve o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", sendo um dos articuladores e o signatário mais jovem. É nomeado professor do ensino profissional com exercício na Escola Amaro Cavalcanti, após concurso de títulos. 1933 – Assume como professor a Cadeira de Estatística da Escola Técnica Secundária. Estagia na Seção de Matérias de Ensino da Escola de Professores do Instituto de Educação. É aprovado em concurso para a Cadeira de Metodologia da Matemática. É nomeado Inspetor de Ensino Primário e Profissional do antigo Estado do Rio de Janeiro, após concurso de títulos e provas. Participa da Conferência Regional de Campos, realizando palestra sobre "As organizações pré-escolares e a assistência social". Auxilia o serviço de "renovação escolar", ficando sob sua superintendência os Jardins de Infância do Estado. Promove cursos de renovação escolar nos municípios sob sua inspeção. Organiza Curso de Especialização de Professores para as Instituições Pré-Escolares dessa unidade da Federação. Institui, com Ernesto Faria, a Fundação da Sociedade de Pedagogia do Rio de Janeiro, incorporando o Instituto Brasileiro de Educação, de curta existência por falta de recursos financeiros. 1934 – Nasce Fernando Celso Lemme, seu quinto filho, em 5 de julho. Redige com Valério Konder e publica o "Manifesto dos Inspetores do Ensino do Estado do Rio de Janeiro sobre a Reconstrução Educacional desse Estado", defendendo uma "escola ativa, progressiva,

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socializadora, única, pública, obrigatória, gratuita, mista e leiga". Desde então já havia feito opção pelas teses fundamentais da filosofia marxista, sobretudo em sua dimensão humanística. É nomeado Assistente do Superintendente da Educação Secundária e Técnica e do Ensino de Extensão da Prefeitura do Distrito Federal. Integra a comissão encarregada de organizar a proposta orçamentária do Departamento de Educação do Distrito Federal para 1935. 1935 – Assume a Superintendência dos Cursos de Continuação e Aperfeiçoamento, promovendo os cursos supletivos da União Trabalhista. Inspeciona as escolas dos municípios de Niterói, São Gonçalo e Nova Iguaçu. 1936 – Assume novamente o cargo de Superintendente dos Cursos de Continuação e Aperfeiçoamento do Ensino Elementar para Adultos, da Secretaria Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal, na gestão do Secretário Francisco Campos, e é preso, logo em seguida, em fevereiro desse ano, pela polícia de Felinto Müller, permanecendo no DOPS durante um ano e quatro meses. 1937 – Retorna à Superintendência de Educação Secundária Geral e Técnica, após a prisão. Estuda a reorganização dos programas das escolas primárias do Estado do Rio de Janeiro. Opta pelo cargo de Professor da Prefeitura do Distrito Federal, em 31 de dezembro, em virtude da lei de desacumulação. 1938 – É aprovado em concurso público para Técnico de Educação do Ministério de Educação e Saúde (MES). 1939 – Integra a Comissão encarregada de estudar o ensino de trabalhos manuais nas escolas elementares, para o currículo da 6a série complementar, em organização. Toma posse no cargo de Técnico de Educação do Ministério de Educação e Saúde, para o qual foi nomeado por ter sido classificado em concurso de título e provas, com a defesa de tese sobre Educação de Adultos. Faz o curso Critical Problems in Education, promovido no Rio de Janeiro por "The Summer School of the College of the University of Pennsylvania" Brazilian Field Course. Assume a chefia da Seção de Documentação e Intercâmbio e, posteriormente, a de Inquéritos e Pesquisas, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), dirigido pelo professor Lourenço Filho. Secretaria a Comissão Nacional de Ensino Primário. Viaja aos Estados Unidos para fazer os cursos Public School Administration e School Interpretation, da University of Michigan. 1940 – Nasce Antonio Cesar Lemme, seu sexto filho, em 5 de janeiro. 1942 – Passa a trabalhar no Museu Nacional, a convite da diretora, professora Heloísa Alberto Torres, chefiando a Seção de Extensão Cultural. 1943 – Morre seu filho Fernando Celso Lemme, em 6 de janeiro. 1947 – É transferido para o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), a convite do diretor, assumindo a chefia da Seção de Orientação Educacional. 1949 – É agraciado pelo Presidente da República, em 5 de novembro, com a "Medalha Rui Barbosa", pelos serviços prestados às comemorações do centenário de nascimento desse jurista (autor do texto do filme sobre Rui Barbosa, editado pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo).

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1952 – Leciona História e Filosofia da Educação no Curso Normal do Instituto de Educação de Niterói, aposentando-se nesse cargo em 19 de março de 1955. 1953 – Viaja à Europa, a fim de participar da I Conferência Mundial de Educadores, convocada pela Federação Internacional de Ensino (Fise), efetuada em Viena, de 21 a 26 de julho. Visita a União Soviética, a convite da delegação desse país à citada conferência, para observar seu sistema educacional. Visita a China, a convite da delegação de professores desse país à referida conferência, a fim de observar suas realizações pedagógicas. 1955 – Faz o curso do Instituto Brasileiro de Estudos Superiores (Iseb). 1957 – Realiza a 2a viagem à Europa, participando, na qualidade de co-relator do tema "Situação da Educação na América Latina. Como melhorá-la?", da II Conferência Mundial de Educadores, convocada pela Fise, em Varsóvia, no mês de agosto. Participa do IX Congresso Internacional de Cinema Científico, representando o Instituto Nacional de Cinema Educativo, realizado em Amsterdã, em setembro. Representa o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais no II Congresso Internacional de Pesquisas Pedagógicas de nível universitário, em Florença, no mês de setembro. 1959 – Atua como um dos principais articuladores do manifesto Mais uma Vez Convocados: Manifesto ao Povo e ao Governo. 1961 – É aposentado no cargo de Técnico de Educação do Ministério da Educação e Cultura, em 17 de agosto. Dedica-se a escrever suas memórias. 1982 – Dirige mensagem aos educadores reunidos na II Conferência Brasileira de Educação, realizada na UFMG, Belo Horizonte/MG, de 10 a 13 de junho. 1982 – Participa, na qualidade de homenageado, da III Conferência Brasileira de Educação, realizada na UFF, Niterói/RJ, de 12 a 15 de outubro, fazendo pronunciamento. 1985 – Falece D. Carolina de Barros Lemme, sua esposa, em 9 de abril. 1986 – Morre seu filho Paulo Cid Lemme. 1988 – Inicia a publicação de suas Memórias, editadas pelo Inep e pela Editora Cortez. 1993 – É agraciado pelo Presidente da República, Itamar Franco, com o grau de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Educativo, mediante Decreto de 19 de outubro, publicado no Diário Oficial de 20 desse mês. 1995 – Recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal Fluminense. 1996 – Recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Morre seu filho mais velho, Luís Carlos Lemme, em 9 de agosto. 1997 – Falece Paschoal Lemme, na cidade do Rio de Janeiro, em 14 de janeiro, aos 92 anos de idade.

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B. Bibliografia* 1. Livros Educação supletiva: educação de adultos. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1940. 64 p. Estudos de educação. Rio de Janeiro: Livraria Tupã, 1953. 262 p. A situação do ensino no Brasil (À margem da Conferência Mundial de Educadores). Rio de Janeiro: Gráfica Lux, 1955. 77 p. A educação na URSS. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1955. 260 p. 2. ed. em 1956. Problemas brasileiros de educação. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1959. 190 p. Educação democrática e progressiva. São Paulo: Editorial Pluma, 1961. 272 p. Memórias. infância, adolescência, mocidade. São Paulo: Cortez; Brasília: Inep/MEC, 1988. v. 1, 215 p. Memórias: vida de família, formação profissional, opção política. São Paulo: Cortez; Brasília: Inep/MEC, 1988. v. 2, 335 p. Memórias: reflexões e estudo sobre problemas de educação e ensino. Perfis: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Heloísa Alberto Torres, Humberto Mauro, Sousa Silveira. São Paulo: Cortez; Brasília: Inep/MEC, 1988. v. 3, 279 p. Memórias: estudo e reflexões sobre problemas de educação e ensino. Participação em conferências e congressos nacionais e internacionais. Documentos. Brasília: Inep/MEC, 1993. v. 4, 442 p. Memórias: estudos de educação e destaques da correspondência: Brasília: Inep/MEC, 2000. v. 5, 330 p.

2. Traduções IFIMOV, N. História moderna: da Santa Aliança (1815) até as vésperas da Revolução de 1870. Trad. e notas de Paschoal Lemme. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1963. 252 p. JONES, Artur J. A educação dos líderes. Trad. de Paschoal Lemme, Thomaz S. Newlands Neto e Maria de Lourdes Sá Pereira. São Paulo: Ed. Nacional, 1942. JVOSTOV, V. M.; ZUBOK, L. I. História contemporânea. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1961. 232 p.

* Algumas referências constam com dados incompletos, pois foram retiradas de recortes de periódicos colecionados pelo educador, sem outras informações.

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KOSMINSKY, E. História da Idade Média. Trad. e notas de Paschoal Lemme. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1963. 278 p. MATHIAS, L. L. et al. A educação norte-americana em crise. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1956. 280 p. Trabalhos e estudos da Federação Internacional Sindical de Ensino; compilação, tradução, prefácio e notas de Paschoal Lemme. MICHÚLIN. A. V. História da antiguidade. Trad. e notas de Paschoal Lemme. 3. ed. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1963. 220 p. REVUNENKOV, V. G. História dos tempos atuais: 1917, com apêndice de Jean Bruhat sobre o sentido e o ensino da História . Trad. e notas de Paschoal Lemme. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1961. 293 p. SIMON, Brian. Escola secundária para todos. Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1961. 182 p. Título original: Intelligence testing and the comprehensive school. 2. ed. Londres: Lawrence and Wishart, 1954.

3. Artigos, comunicações e entrevistas publicados em revistas e anais A morte de Ovide Decroly. Revista do Ensino, Rio de Janeiro, v. 1, n. 4, p. 12-14, out. 1932. A reforma do ensino secundário técnico no Distrito Federal. Revista Fluminense de Educação, Niterói, v. 1, n. 10/11, p. 30-31, jun./jul. 1934. Recreação. Criança: Revista para os Pais, Rio de Janeiro, v. 1, n. 11, nov. 1938. Cooperação entre a escola e a família: a propósito da reabertura das aulas nas escolas primárias. Criança: Revista para os Pais. Rio de Janeiro, v. 2, n. 14, p. 21-22, mar. 1939. Medindo a inteligência das crianças. Criança: Revista para os Pais, Rio de Janeiro, v. 2, n. 15, abr. 1939. A escola intermediária. Formação: Revista do Ensino Secundário, Rio de Janeiro, v. 2, n. 9, p. 26-30, abr. 1939. Introdução à administração escolar: nota bibliográfica sobre livro com esse título, de autoria de A. Carneiro Leão. Formação: Revista de Ensino Secundário. Rio de Janeiro, v. 2, [ n. ?], maio 1939. Vida íntima da criança (notas de leitura). Criança: Revista para os Pais. Rio de Janeiro, v. 2, n. 16, p. 1-2, maio 1939. Dois grandes passos. Formação: Revista de Ensino Secundário. Rio de Janeiro, v. 2, n. 11, p. 39-43, jun. 1939. Nota bibliográfica. Formação: Revista de Ensino Secundário. Rio de Janeiro, v. 2, n. 13, p. 7073, ago. 1939.

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A universidade de Michigan (primeiras impressões). Educação, ABE, Rio de Janeiro, n. 5, p. 14-15, jan. 1940. Como viu e sentiu os Estados Unidos o professor Paschoal Lemme. Formação: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 20, p. 19-29, mar. 1940. Conferência sobre relações internacionais no campo da educação. Educação, ABE, Rio de Janeiro, n. 6, abr. 1940. A juventude conta sua história. Formação: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 23, p. 63-65, jun. 1940. Educação supletiva: educação de adultos. Formação: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 25, p. 9-38, ago. 1940. Educação supletiva: educação de adultos (continuação). Formação: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 3, n. 26, p. 61-78, set. 1940. Intercâmbio cultural com a América do Norte. Educação, ABE, Rio de Janeiro, n. 8, out. 1940. O "College of Literature, Science and Arts" da Universidade de Michigan, celebra seu centenário de fundação. Educação, Rio de Janeiro, n. 15/16, p. 44-46, jan/dez. 1942. Pequena antologia do petróleo. Panfleto, Rio de Janeiro, v. 2, n. 38, p.15, maio 1948. Verdadeira "Campanha de Salvação Nacional". Panfleto, Rio de Janeiro, v. 2, n. 39, p. 14, maio 1948. Ainda a literatura tipo "gibi". Panfleto, Rio de Janeiro, v. 2, n. 52, p. 48, ago. 1948. Reforma agrária e educação. Fundamentos, São Paulo, v. 3, n. 7/8, p. 64-69, dez.1948/jan. 1949. Miséria e educação. Emancipação: semanário dedicado à defesa da economia nacional, Rio de Janeiro, n. 3, 16 fev. 1949. Os problemas de educação e cultura no Brasil (à margem da X Conferência Nacional de Educação). O Homem Livre: grande hebdomadário de informação mundial, Rio de Janeiro, v. 18, n. 221, 1º dez. 1950. A propósito de literatura infantil e juvenil. Temário: Revista de Literatura e Arte. Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, p. 35-39, nov./dez. 1951. A educação no Brasil atual. Temário: Revista de Literatura e Arte. Rio de Janeiro, v. 2, n. 5, p. 51-8, maio./set. 1952. Evolución histórica de la educación brasileña. Educadores del Mundo: revista sindical y pedagógica. Santiago de Chile, n. 1, p. 4-8, mar./abr. 1956.

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A situação da educação na América Latina e como melhorá-la. Revista de Estudos Sociais, Rio de Janeiro, n 3/4, p. 372-392, set./dez. 1958. A educação brasileira num momento crítico. Revista Brasiliense, São Paulo, n. 25, p. 95-109, set./out. 1959. A Escola Regional de Meriti: uma experiência brasileira de educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 39, n. 90, p. 239-245, abr./jun. 1963. Seção: Através de revistas e jornais. Publicado originalmente no jornal Diário de Notícias, Rio de Janeiro. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade educacional brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 255-272, maio/ ago. 1984. Pronunciamento do Professor Paschoal Lemme. III Conferência Brasileira de Educação. Niterói, 12 a 15 out. 1984. Anais: abertura, simpósio e encerramento. São Paulo: Edições Loyola, 1986. v. 4, p. 17-41. Mestre Paschoal Lemme: entrevista concedida a Oswaldo Frota-Pessoa (USP), Clarice Nunes (PUC-RJ) e Sheila Kaplan (Ciência Hoje). Revista Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 7, n. 40, p. 19-23, mar. 1988.

4. Artigos, entrevistas, cartas e notas publicados em jornais O afastamento do subdiretor da Escola Amaro Cavalcanti. O Globo, Rio de Janeiro, 21 mar. 1931. As complicações da Inspetoria do Ensino. O Estado, Rio de Janeiro, p 1, 19 maio 1934. Abrindo oportunidades aos que querem aprender [Entrevista]. O Globo, Rio de Janeiro, p. 4, 1935, Os cursos de continuação e aperfeiçoamento. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, maio 1935. Educação assistemática em todos os graus de ensino. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, jun. 1935. Os cursos noturnos do Departamento de Educação do Distrito Federal. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 25 out. 1935. Uma circular da Superintendência da Educação Secundária. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 31 out. 1935. Os trabalhos manuais na educação secundária. O Globo, Rio de Janeiro, 12 nov. 1935. O orçamento da educação em Detroit. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 11, 28 fev. 1940. Aspectos da educação americana. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 mar. 1940.

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Princípios de administração e organização escolar. Correio da Noite, Rio de Janeiro, 8 maio 1940. Ensino supletivo, seus objetivos e seus recursos. Correio da Noite, Rio de Janeiro, 4 jun. 1940. Os educadores brasileiros em luta contra o nazifascismo [Entrevista]. O Radical, Rio de Janeiro, 3 set. 1942. O problema da criança. Diretrizes, Rio de Janeiro, 18 nov. 1943. Qual a verdadeira situação do ensino primário no Brasil? Diretrizes, Rio de Janeiro, 1944. Ensino secundário. Diretrizes, Rio de Janeiro, 13 jan. 1944. Livro único. Diretrizes, Rio de Janeiro, 3 fev. 1944. Notas educacionais. Diretrizes, Rio de Janeiro, 9 mar. 1944. Democratização do ensino secundário. O Jornal, Rio de Janeiro, 3 mar. 1945. A ditadura fascista tentou a criação do homem providencial. O Jornal, Rio de Janeiro, p. 4, 13 mar. 1945. Os ideais de Roosevelt e os educadores. O Jornal, Rio de Janeiro, 27 abr. 1945. Terceira Secção. Educação de adultos. O Jornal, Rio de Janeiro, p. 1 e 7, 6 maio 1945. Educação de adultos. O Jornal, Rio de Janeiro, 18 nov. 1945. A educação e a autonomia do Distrito Federal. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 21 dez. 1945. Os fascistas são contra a autonomia do povo carioca [Entrevista]. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, p. 1 e 2, 21 dez. 1945. Educação e padrão de vida. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 2 mar. 1946. Escolas para o povo. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3, 10 mar. 1946. A educação no Distrito Federal. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3, 20 fev. 1947. Democratização do Ensino Secundário. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3, 26 fev. 1947. A educação nas constituições estaduais. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 4 mar. 1947. Congresso de Educação de Adultos. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3, 11 mar. 1947. A educação e a mensagem. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3, 5 ago. 1947. Alberto Torres e o imperialismo. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3, 12 ago. 1947.

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A verdadeira Campanha de Salvação Nacional. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 16 ago. 1947. O Projeto Jorge Amado (sobre equiparação de todos os tipos de cursos de nível secundário). Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 7 set. 1947. A defesa do nosso petróleo e a escola primária (um exemplo que vem do México). Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 28 set. 1947. Gibis, globos juvenis e cia. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 2 out. 1947. No dia da criança. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, p. 3 e 2, 12 out. 1947. A história de Joãozinho: "um novo dia". Jornal de Debates, Rio de Janeiro, 10 set. 1948. Irresponsabilidade. Folha do Povo, Rio de Janeiro, 9 set. 1948. O crime dos editores dos "gibis". Folha do Povo, Rio de Janeiro, 11 set. 1948. Propaganda velada de guerra nas páginas da revista Sesinho. Folha do Povo, Rio de Janeiro, p. 5, 20 set. 1948. O fascismo nas universidades americanas. A Classe Operária, Rio de Janeiro, 16 out. 1948. Propaganda de guerra para crianças. Folha do Povo, Rio de Janeiro, 20 nov. 1948. Nem centralismo nem descentralismo. Jornada: Órgão Universitário Independente. Rio de Janeiro, v. 1, n. 5, p. 2, maio 1953. Desenvolvimento cultural na União Soviética. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 2 jul. 1954. Falta tudo nas escolas... Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 2 jul. 1954. Confronto deprimente para o Brasil. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 3 jul. 1954. A Instrução Pública no Distrito Federal. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 4 jul. 1954. Crise na educação americana – II. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 7 jul. 1954. A crise na educação americana – III: os professores. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 8 jul. 1954. Princípios pedagógicos da educação democrática da juventude – Conferência Mundial de Educadores, Viena 21 a 26 de julho de 1953. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 10 jul. 1954. Ensino superior. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 14 jul.1954. O caso do latim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 15 jul.1954. Colonialismo e incultura. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 16 jul.1954.

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O Ensino das Ciências Sociais e da Filosofia. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 17 jul.1954. Histórias em quadrinhos. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 20 jul. 1954. Apelo aos professores de todo o mundo. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 21 jul. 1954. A situação do professor. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 23 jul. 1954. A educação fundamental soviética. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 24 jul. 1954. A "cola" e a "gazeta". Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 27 jul. 1954. Novas ameaças. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 28 jul. 1954. A coeducação. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 29 jul. 1954. Terror na Guatemala. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 30 jul. 1954. Paz no Viet-Nam. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 31 jul. 1954. A cidade universitária. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 1 ago. 1954. A nova Universidade de Moscou. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 3 ago. 1954. Ensino superior na URSS – I. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 4 ago. 1954. Ensino superior na URSS – II. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 5 ago. 1954. Ensino superior da URSS – III. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 7 ago. 1954. Ensino superior na URSS – IV. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 10 ago. 1954. "Para que estudar?" Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 11 ago. 1954. Paz pela escola. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 12 ago. 1954. Despesas de guerra. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 14 ago. 1954. Ensino secundário. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 17 ago. 1954. Férias escolares. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 18 ago. 1954. A escola e a pedagogia americana a serviço da reação. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 19 ago. 1954. Merenda escolar. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 20 ago. 1954. Proteção à maternidade e à infância. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 21 ago. 1954. Descalabro. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 22 ago. 1954.

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O ensino da Geografia. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 5 set. 1954. Reformas. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 9 set. 1954. Educação e cultura na Polônia Popular. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 11 set. 1954. "Uniformidade" democrática. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 22 set. 1954. Educação e cultura na Rumânia Popular. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 23 set. 1954. Indústria da mentira. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 1º out. 1954. Eleições. Imprensa Popular Rio de Janeiro, 2 out. 1954. Financiamento dos "gibis". Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 5 out. 1954. Professores primários. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 6 out. 1954. "Instalações péssimas... Métodos viciosos". Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 7 out. 1954. Promessas de candidatos. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 12 out. 1954. Livro didático. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 14 out.1954. Semana da criança. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 19 out. 1954. Bulgária democrático-popular. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 23 out. 1954. Reunião em Moscou. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 26 out. 1954. Carta dos educadores. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 27 out. 1954. Intercâmbio internacional. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 29 out. 1954. Os estudantes nas lutas de libertação nacional. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 30 out. 1954. Ensino demais!... Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 21 nov. 1954. Conselheiro sem autoridade. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 23 nov. 1954. Desfaçatez. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 26 nov. 1954. Educação e saúde no Distrito Federal. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 27 nov. 1954. Colheita de uma semana. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 30 nov. 1954. Onde o ensino nunca é demais. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 2 dez. 1954.

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Testes. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 3 dez. 1954. Discurso na UNESCO. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 7 dez. 1954. Matrícula nas escolas primárias. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 8 dez.1954. "Testes" de inteligência. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 9 dez. 1954. Os educadores contra o renascimento do militarismo alemão. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 11 dez. 1954. Reunião em Praga. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, p. 4, 14 dez. 1954. A luta por uma educação democrática. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, p.4, 17 dez. 1954. O educador e forças novas do mundo de hoje. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, p. 4, 21 dez. 1954. Forjando a união da juventude. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 23 dez. 1954. Jornada internacional dos estudantes. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 24 dez. 1954. O sanatório de Pequim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 25 dez. 1954. Bem-estar do povo. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 29 dez. 1954. A democracia popular transforma a vida rural. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, 30 dez. 1954. Abandonado inteiramente o plano-piloto. Última Hora, Rio de Janeiro, p.3, 19 fev. 1957. Crimes contra a cultura da Guatemala e Argélia. O Nacional, Rio de Janeiro, v. 1, n. 5, p. 3, 3 a 9 set. 1957. Problemas de educação e ensino (alguns aspectos atuais) – I. O Nacional, Rio de Janeiro, n. 17, p. 4, 28 nov./4 dez. 1957. Problemas de educação e ensino (alguns aspectos atuais) – II.. O Nacional, Rio de Janeiro, n. 18, p. 4, 1957. Educação e desenvolvimento. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 fev. 1959. O ensino é privilégio ... Última Hora, Rio de Janeiro, 3 abr. 1959. Substituto reacionário e crise no ensino particular [Entrevista]. Última Hora, Rio de Janeiro, 11 jul. 1959. O projeto de "Diretrizes e Bases" é medíocre e anticonstitucional. Última Hora, Rio de Janeiro, 12 out. 1959.

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Educador deve ser reeducado [Entrevista]. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 24 out. 1959. Igualdade do ensino normal e particular prejudica a educação. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 mar. 1960. Educadores falam sobre a dualidade "Escola e Estado" [Entrevista]. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 25 mar. 1960. Controvérsias sobre a lei atingiram as ruas [Entrevista]. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 2 abr. 1960. Os educadores e as eleições. Hoje, Rio de Janeiro, 28 set. 1960. Os educadores e o marechal. Última Hora, Rio de Janeiro, 29 set. 1960. A problemática da educação brasileira. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1962. Carta a estudantes do Paraná. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 26 ago. 1962. A lição da lei. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 16 set. 1962. Analfabetismo e subdesenvolvimento. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 21 out. 1962. O ensino e a preparação para o trabalho. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 28 out. 1962. O problema do ensino superior. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 11 nov. 1962. Cadernos do povo brasileiro. O Semanário, Rio de Janeiro, 28 ago./4 set. 1963. Atividade criminosa. O Semanário, Rio de Janeiro, 12-18 set. 1963. CGT-UNE-ISEB. O Semanário, Rio de Janeiro, 31 out./6 nov.1963. A educação no plano trienal. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20 jan. 1963. Que fazer? Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 21 jul. 1963. Discussão dos problemas de educação e ensino [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 jun. 1975. Educação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 jun. 1975. Sobre o recenseamento escolar no Rio de Janeiro [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 set. 1975. Sobre problemas de educação e ensino [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 out. 1975. Educação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 nov. 1975. Medida que não se justifica [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 fev. 1976.

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Salário e escola. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 mar. 1976. Anísio Teixeira [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 jul. 1976. Sobre a liberdade [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 ago. 1976. Caminhos do Imperador. O Globo, Rio de Janeiro, 2 set. 1976. A palavra mágica. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 ago. 1976. Nome de praça no Méier. O Globo, Rio de Janeiro, 2 set. 1976. Fernando de Azevedo [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 out. 1976. Heloísa Alberto Torres [Carta]. O Globo. Rio de Janeiro, 13 mar. 1977. UFRJ [Carta]. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 14 mar. 1977. Manifesto dos educadores [Carta conjunta com Raul Gomes]. O Globo, Rio de Janeiro, 26 set. 1977. Educação democrática. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 out. 1977; O Globo, Rio de Janeiro, 31 out. 1977. Educação e distribuição da renda [Carta]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 maio 1978. Ensino e renda. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 maio 1978. Cartas. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 4 jan. 1979. Anistia e as mortes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 jul. 1979. Anistia e as mortes. O Globo, Rio de Janeiro, 16 ago. 1979. Professores universitários. O Globo, Rio de Janeiro, 19 out. 1980. Manifesto elogia líderes educacionais. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 4, 22 dez. 1980. Homenagens. O Globo, Rio de Janeiro, 23 dez. 1980. Dois professores. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 dez. 1980. Educação e crise. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 6 jan. 1981, Cartas e Opiniões, p. 4. A crise no ensino. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 jan. 1981. Educação e ensino. O Globo, Rio de Janeiro, 1º fev. 1981.

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Escola Nova [Carta]. O Globo, Rio de Janeiro, 2 mar. 1982; Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 9 mar. 1982. Cinqüentenário. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 9 mar. 1982. A crise não é do ensino, é do país. Folha do Professor. Rio de Janeiro, jun./jul. 1982. Um depoimento de Paschoal Lemme. Folha do Professor, Rio de Janeiro, out./dez. 1982. O Manifesto de 32. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 jan. 1983. Ensino e evasão. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 fev. 1983. Souza Silveira. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 ago. 1983. Os caminhos cruzados do Dr. Alceu. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 out. 1983. Crítica ao MEC. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 dez. 1983. Palavras tocantes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 jan. 1984. Entulho autoritário [Nota]. O Globo, Rio de Janeiro, p. 4, 14 jun. 1985. Desperdício de recursos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 jun. 1985. IBC, Mobral, Cesgranrio. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 ago. 1985. Austeridade. O Globo, Rio de Janeiro, 31 ago. 1985. As páginas abertas da memória. O Globo, Rio de Janeiro, 25 out. 1988.

5. Trabalhos sobre o autor BRANDÃO, Zaia. A "Intelligentsia" educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: CDAPH/IPHAN, Editora da Universidade São Francisco, 1999. 205p. _______. Paschoal Lemme. In: FAVERO, Maria de Lourdes de A.; BRITTO, Jader de Medeiros. Dicionário de Educadores no Brasil: da Colônia aos dias atuais. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2002. p. 879-887. BRITTO, Jader de Medeiros. Paschoal Lemme: uma perspectiva socialista em educação. In: GARCIA, Walter (Org.). Educadores Brasileiros no séc. XX. Brasília: Plano Editora, 2002. p. 259-78. FÁVERO, Maria de Lourdes de A.; BRITTO, Jader de Medeiros. Memórias e escritos de um educador. In: MIGNOT, Ana Chrystina V.; CUNHA, Maria Teresa S. (Orgs.). Práticas de memória docente. São Paulo: Cortez, 2003. p. 113-134.

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LEAL, Maria Cristina; PIMENTEL, Marília Araújo Lima. História e memória da Escola Nova. São Paulo: Loyola, 2003. 143 p. PAIVA, Vanilda P. Homenagem ao professor Paschoal Lemme. In: CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, 3, 1984, Niterói. Anais: abertura, simpósio e encerramento. São Paulo: Loyola, 1986. v. 4, p. 14-16. PASCHOAL Lemme. In: CIENTISTAS do Brasil. [São Paulo]: SBPC, 1998. Disponível em: Notáveis da Ciência e Tecnologia . Acesso em: 1º dez. 2004. PEREIRA, Dayse Regina. Paschoal Lemme: um pioneiro do pensamento pedagógico. São Paulo, 1955. Tese (Mestrado) – USP/FED. 180 p.

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