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Portuguese Pages 271 [278] Year 1985
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Trabalho de um grupo de especialistas centrado no Núcleo de História da Ciência e da. Tecnologia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, coordenado pelo Prof. Ruy Gama, este volume vem preencher um quase inexplicável vazio em nossa bibliografia científica. Reúne textos básicos sobre a história da técnica, da tecnologia e da ciência, os mais antigos escritos por Johann Beckmann em fins do século 18, e os mais novos de nossos dias, como os de Júlio Roberto Katinsky ou de Fernando Luís Lobo Barbosa Carneiro. Alguns são verdadeiros clássicos, que há muito deveriam já ter sido postos ao alcance dos estudantes e estudiosos brasileiros. De fato, não se compreende por que até hoje não se havia traduzido, por exemplo, o célebre artigo de Marc Bloch sobre o moinho d'água, publicado há exatamente meio século, e o de Lynn White Jr., sobre a tecnologia na Idade Média, de 1940, ambos ausentes até mesmo de nossas melhores bibliotecas. Estão, ambos, nesta coletânea, ao lado de outros de comprovada importância, traduzidos com propriedade por especialistas que souberam brindar o leitor com um trabalho preciso na transposição para o vernáculo e, muitas vezes, na recriação de textos de tradução ·nada fácil, sobretudo, como diz Ruy Gama, "num domínio pouco freqüentado pelos nossos estudiosos, onde vigora um vocabulário difícil, específico e quase sempre ausente dos dicionários comuns". Destinado a utilização como livro-texto em cursos universitários de graduação, em faculdades de Arquitetura e Urbanismo, e de pósgraduação, nas de Engenharia, é ainda de extremo valor como leitura complementar para quantos se interessem cultural ou profissionalmente pela História e pela evolução e filosofia da técnica e da tecnologia.
Obra publicada com a colaboração da UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Prof. Dr. Antonio Hélio Guerra Vieira
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Presidente: Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri
Comissão Editorial: Presidente: Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri (Instituto de Biociências). Membros: Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz (Faculdade de Medicina), Prof. Dr. Oswaldo Fadigas Fontes Torres (Escola Politécnica), Prof. Dr. Oswaldo Paulo Forattini (Faculdade de Saúde Pública) e Prof. Dr. Alfredo Bosi (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).
HISTÓRIA DA TÉCNICA E DA TECNOLOGIA
BIBLIOTECA UNIVERSIT ARIA BASICA
(Engenharia e Tecnologia)
• Volume 4
RUY GAMA (organizador)
HISTÓRIA DA TÉCNICA E DA TECNOLOGIA (textos básicos)
T. A. QUEIROZ, EDITOR EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO São Paulo
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.
A CONTABILIDADE ITALIANA
J. Beckmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.
59
TECNOLOGIA E INVENÇÃO NA IDADE Mf:DIA
Lynn White Jr. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.
35
ADVENTO E CONQUISTAS DO MOINHO D'AGUA
Marc Bloch . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.
28
OS MOINHOS DE CEREAIS
J. Beckmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.
23
CONTABILIDADE E HISTORIA ECONÔMICA
Moses Bensabat Amzalak . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.
1
88
O MOINHO D'AGUA
Bertrand Gille . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 7.
OS MOINHOS DE BARBEGAL E AS RODAS HIDRAULICAS
C. L. Sagui . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 8.
RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS FORMAS PRODUTIVAS: O EXEMPLO DO MOINHO D'AGUA
Charles Parain . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152 9.
O NASCIMENTO DO SISTEMA BIELA-MANIVELA
Bertrand Gille . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 10.
O REFINO DOS MINf:RIOS DO OURO E DA PRATA PELO MERCúRIO
J. Beckmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184 11.
POR QUE ESTUDAR A HISTORIA DA MATEMATICA?
Dirk Jan Struik .................................. 191 12.
GLOSSARIO DOS CARPINTEIROS DE MOINHO
Júlio Roberto Katinsky ............................. 216
13.
GALILEU, FUNDADOR DA TEORIA DA RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS
Fernando Luís Lobo Barbosa Carneiro . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Fontes das contribuições ........................... 271
Apresentação
Com a publicação deste volume, pretendemos trazer ao conhecimento dos leitores de língua portuguesa uma coleção de textos básicos sobre a história da Técnica e da Ciência. Os mais antigos, do final do século XVIII, escritos por Johann Beckmann; os mais novos, de nossos dias. Alguns são clássicos que já deveriam ter chegado às mãos dos leitores brasileiros; não se compreende por que até hoje não se tinha traduzido o célebre artigo de Marc Bloch sobre o moinho d'água, publicado pela primeira vez em 1935. E nem 'o artigo de Lynn White Jr. sobre a tecnologia na Idade Média, datado de 1940, ambos ausentes até de nossas melhores bibliotecas públicas. Publicamo-los agora. O trabalho dos tradutores não foi fácil. Traduzir é, de certa forma, recriar. E, neste caso, recriar num domínio pouco freqüentado pelos nossos estudiosos, onde vigora um vocabulário difícil, específico e quase sempre ausente dos dicionários comuns. Para encontrar correspondentes, em português, às palavras francesas ou inglesas dos textos, é preciso freqüentemente recorrer a antigos dicionários portugueses e a dicionários etimológicos que supram a deficiência do nosso vocabulário técnico usual. Parece que o Brasil, que nunca foi um país agrícola fora do modelo da monocultura, não cristalizou e não dicionarizou um vocabulário técnico agrícola. Não temos nem sequer descritas com suficiente clareza (sem falar na falta de figuras ilustrativas) as ferramentas usadas nos ofícios mais comuns. Quem duvidar disso pode tentar entender, em qualquer dos nossos dicionários, a diferença entre um trado, uma verruma, uma pua e um berbequim! E o arco-de-pua, essa infeliz ferramenta que não tem cédula de identidade e que, desconfio, esconde-se sob nome suposto? Não seria o arco-de-pua, conhecido dos carpinteiros, melhor chamado pelo nome de berbequim? VeJa-se, p01 exemplo, a figura que ilustra o verbete berbequí no Diccionário Manual e Ilustrado de la Lengua Espanola1 e, nesse caso, arco-de-pua não será o nome de outra ferramenta mais antiga, com a qual se imprimia movimento de rotação a uma broca através de um arco? Essa ferramenta antiga, ainda usada por ourives e joalheiros, em inglês se chama bow-drill e o dicionário de Webster mostra-a em uma figura esclarecedora. E, qual seria o nome em português, da ferramenta que o mesmo dicionário chama (e mostra dela uma figura) de "pumpingdrill", e que Leroi-Gourhan chama (e desenha) de perçoir à pompe? 2 Os nossos dicionários ainda não se abriram para o vocabulário dos
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História da técnica e da tecnologia
indotti. Ainda pagamos, talvez, o preço da escravidão, essa forma brutal de divisão do trabalho que nos legou, na dialética do senhor e do escravo, a ignorância em que pensávamos manter os negros e os artesãos mestiços. Parafraseando Campanella: não sabemos o que não fizemos. 3 A digressão serve para mostrar as dificuldades e implicações que pode ter a simples busca de tradução para a palavra francesa vilebrequin. Daí a oportunidade do artigo incluído neste volume, de autoria do arquiteto Júlio R. Katinsky, sobre o vocabulário dos carpinteiros de moinhos. Trabalho que resulta de longa pesquisa, é aparentemente fácil e simples, mas honra aqueles que, como Júlio Katinsky, já realizaram empresas de vulto. Não param aí as dificuldades da tradução, que se transforma, freqüentemente, em longas pesquisas histórico-semânticas. Veja-se, por exemplo, a expressão moulin à eau; seria fácil ceder à tentação de traduzi-la sempre por moinho d'água. Mas não dá certo. Moulin é tão polissêmico como engenho. Moulin nem sempre mói, função que se considera em português como causa final do moinho. Mas, moulin à eau às vezes designa todo o conjunto da máquina de moer, a roda d'água, as transmissões e as mós de pedra, e outras vezes designa máquinas que não moem, máquinas que insuflam ar nas forjas dos ferreiros, serram mármore ou madeira, ou pisoam tecidos. É preciso que o tradutor resolva problemas deste tipo, escolhendo a alternativa correta para cada caso: moinho d'água, roda d'água, etc. O mesmo se pode dizer da palavra inglesa MILL, que teve curso semelhante ao da palavra ENGENHO. De moinho passou a designar o edifício, as instalações fabris em seu conjunto, destinadas ou não à moagem. Outras vezes, deve-se aprofundar a pesquisa na própria lín_gua portuguesa, à procura de palavras que não são mais usadas, mas que convém retomar, recuperando informações importantes sobre o vocabulário e sobre as técnicas no mundo da fala portuguesa. Se a maioria dos autores presentes neste volume recorre à pesquisa semânJica nas suas línguas, no latim e no grego, parece-me importante fazê-lo no vocabulário português. É o caso, por exemplo, de falconry, que em inglês designa a caçada com falcões amestrados e que em português se expressa com as palavras falcoaria, altanaria, ou então volataria. Interessante é também o caso de Great Khan, que denomina príncipe ou autoridade indiana. Na língua portuguesa, desde a Miscelânia de Garcia de Rezende, obra publicada em 1564, aparece a versão Gran Cão. Mário de Andrade, em um de seus poemas, usa a grafia Grã Cão, que foi aqui adotada na tradução dos textos de Lynn White Jr. e de Dirk Jan Struik. Fossem estas as dificuldades, já não seriam poucas. Mas, como deixar de captar e como recriar a poesia do texto de Marc Bloch?
Apresentação -
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" ... au moment ou les premieres roues de moulin commencerent à battre le fi1 des rivieres, l'art de moudre les céréales avait déjà en Europe ... " São estas as palavras iniciais do texto que apresentamos neste volume. Mais adiante, para citar apenas dois exemplos, ele se refere a textos medievais: "Textes, à qui sait écouter, tout bruissants de la chanson des roues de moulin." Leia-se este texto poético, tendo em vista que foi escrito em 1935, época da ascensão do fascismo na Europa e em outras partes do mundo. Marc Bloch tem posições que se opõem a isso. Sua linguagem é poética, de confiança no futuro e de luta. Luta em que tombou, em 1944, quando foi fuzilado pelos nazistas que ocupavam a França. Marc Bloch, Lefebvre de Noettes e Lucien Febvre são os precursores da História das Técnicas em língua francesa. Nos Estados Unidos, poderíamos alinhar os nomes de Abbott Payson Usher, Lynn White Jr. e Lewis Munford. Quase todos eles começaram a escrever no período que vai de 1930 a 1950. Há uma exceção que convém destacar: Johann Beckmann, autor do século XVIII. Outro caso digno de nota é o de V. Danilevsky, que escreveu a Historia de la Técnica (siglos XVIII, XIX) editada em Buenos Aires pela Editorial Lautaro, em 1943. Nada mais sei sobre esse autor soviético; suponho, pela data da edição argentina, com tradução e notas de Adolpho Dorfsman, e pelas datas da bibliografia citada na obra, que ela tenha sido escrita entre 1937 e 1940. O fato é que, a partir de 1930, a preocupação com a História da Técnica vem se difundindo. Mesmo entre pensadores voltados para a Filosofia da Ciência há interesse por esta "nova disciplina". Vejamos, por exemplo, o que escreve Ludovico Geymonat 4 num ensaio denominado Técnica e Ciência: "Os mais competentes historiadores estão de acordo, em reconhecer a grande utilidade que tem, para o estudo aprofundado dos caracteres de uma civilização (antiga ou moderna), a coleta de dados precisos e seguros acerca das conquistas técnicas que a mesma realizou, e acerca da função específica que os espíritos mais ilustrados foram atribuindo às investigações técnicas em comparação com as ciências puras."
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História da técnica e da tecnologia
Um dos aspectos importantes da problemática da História da Técnica é a sua vinculação com a História da Ciência. Outro, é o que apresenta Ciro Flamarion S. Cardoso 5 e que transcrevemos abaixo: " ... as indicações metodológicas de Bloch e Febvre a respeito [da História das Técnicas] concordam com o que sempre afirmam sobre qualquer tipo de estudo histórico: a necessidade de não efetuar um corte artificial e radical entre o aspecto analisado e o contexto históricosocial total em que se insere." Resta, ainda, uma questão: tem a História da Técnica "direito" a uma autonomia ou deve ela filiar-se, abrigar-se numa História a que :,e atribua maior prestígio? ou então lançar-se no seio da História Integral? O autor acima citado refere-se, na mesma obra, a uma questão semelhante: 6 "a defesa da síntese histórica ou da História Integral é algo legítimo. Porém, o caminho da História Integral não consiste na anulação das disciplinas históricas especializadas, mas na sua consolidação." Creio entre a relações fundem.
que o mesmo critério possa História das Técnicas e a com a História da Ciência. De passagem, poderíamos
e deva ser aplicado nas relações História Econômica, como nas Elas se juntam mas não se concitar publicações como Recueil
Annuel des Travaux de l'Institut d'Histoire des Sciences et des Techniques de l'Université de Paris (Thales), organizado por Abel Rey, Ducassé e P. Brunet, desde 1934, e o periódico Arquivos de História da Ciência e da Técnica, publicada em Leningrado a partir de 1933.7 :É preciso dizer alguma coisa acerca da preocupação dos arquitetos com a História da Técnica. Pode-se mencionar, por um lado, a preocupação genérica do cidadão quanto ao papel da técnica na sociedade, com o desenvolvimento das forças produtivas e u progresso. Mas, por outro, há uma preocupação específica que nos liga à técnica e à sua história através da problemática da preservação do patrimônio arquitetônico. A preservação, a restauração e a reutilização de edifícios, áreas, espaços urbanos, implica o conhecimento freqüentemente aprofundado das técnicas construtivas e das técnicas do trabalho menos diretamente ligado à edificação. E os arquitetos têm participado dessas atividades desde a primeira hora em que tais problemas começaram a ser formulados no Brasil.
A presentação -
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"Depois que a restauração de monumentos históricos passou a ser encetada em larga escala, (diz B. Gille) era conveniente, para tal fim, reencontrar as técnicas que podiam dar a esses monumentos o seu aspecto autêntico. Todo o mundo conhece os esforços de Viollet-de-Duc nesse sentido. Seus dicionários de arquitetura e do mobiliário constituem ainda hoje, para os historiadores das técnicas, uma fonte interessante." 8 Muita coisa mudou, na conceituação de restauro e de preservação, após Viollet-de-Duc. Mas os temas ainda existem e vêm se constituindo em interessante campo de trabalho profissional para os arquitetos. 1~ evidente que não é este o único aspecto das técnicas e da tecnologia que interessam aos arquitetos, cujas atividades específicas têm vínculos muito mais estreitos com elas, através dos edifícios, da cidade, dos objetos e de sua representação. O primeiro dos autores presentes nesta coletânea de textos, todos eles integrais, é Johann Beckmann. O tema é a contabilidade pelo método das Partidas Dobradas - Contabilidade Italiana - , que marca um ponto de contacto interessante, entre os matemáticos, como Luca Paccioli, e cientistas como Simão Stevin, com a atividade comercial. O artigo seguinte, de autoria do historiador da economia, o português Moses Bensabat Amzalak, versa sobre o mesmo assunto, voltando-se porém para a apresentação de uma bibliografia comentada sobre o tema, até 1943, data em que foi escrito. Essa junção dos dois primeiros artigos mostra um dos critérios adotados na organização deste volume: além da ordem cronológica dos autores, o agrupamento por assunto. Vamos nos deter um pouco no exame da vida e da obra do autor alemão que tem sido chamado de "o pai da tecnologia".
Quem foi Johann Beckmann? Responderemos a esta pergunta apoiados nos dados constantes de Memoir of the Author, contidos na versão inglesa da obra de Beckmann, editada em Londres em 1846.9 Beckmann, professor de Economia em Gõttingen durante quarenta e cinco anos, nasceu em Hoye, pequena cidade no reinado de Hanover, em 1739. Entrou na Universidade de Gottingen em 1759 a fim de completar estudos teológicos, pois pretendia tornar-se pastor. Mas mudou de idéia e dedicou-se às matemáticas e às ciências naturais e suas aplicações. Ao mesmo tempo, dedicou-se ao estudo da filologia com grande zelo, chegando a dominar dez línguas. Depois
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História da técnica e da tecnologia
de 1762, viajou pela Holanda e pela Rússia, onde foi professor de Filosofia Natural em S. Petersburgo. Viajou posteriormente para a Suécia a fim de conhecer pormenorizadamente os trabalhos de mineração, permanecendo algum tempo em Upsala, onde se tornou amigo de Lineu. Viajou também pela Dinamarca, até que, em 1766, foi indicado para a Universidade de Gõttingen, como professor Extraordinário de Filosofia; naquele tempo Géittingen era uma das mais conhecidas universidades da Europa, à qual se vinculavam muitos estadistas e funcionários administrativos da Alemanha. Semanalmente, Beckmann realizava uma reunião científica, à qual deu o nome de Practicum camerale, e na qual fazia preleções sobre economia, administração e finanças, economia rural, política e comércio, assuntos sobre os quais escreveu manuais e tratados. Sem ter abandonado essa atividade, Beckmann orientou seu interesse pessoal na direção dos estudos históricos. Dedicou-se, pois, quase que exclusivamente, à história das artes e dos negócios, apoiado na vasta biblioteca da universidade. Sua obra "A History of Inventions ... " é um dos resultados dessas pesquisas. Nela Beckmann procura, na mais remota antigüidade, o germe da história das técnicas, trazendo-a até os últimos progressos de seu tempo. Apresenta abundante e inestimável material sobre a história das origens e do progresso das artes mecânicas, ao qual atribui grande importância como aspecto da vida civilizada, e - o que lhe dá um valor adicional para quem não aceita afirmações incorretamente fundamentadas, ou que pretenda estudar profundamente esses assuntos - Beckmann faz acompanhar cada artigo de escrupulosas citações e referências a autores e documentos consagrados. Em 1772, foi aceito na Academia Real de Géittingen e, posteriormente, fez parte da Academia Real dos Naturalistas, da Sociedade Sueca de Ciências e de muitas instituições do gênero na Europa. Sua mente voltava-se para tudo o que fosse da prática, no conhecimento humano. A ele se deve atribuir o mérito de ter sido o primeiro a dar à agricultura sua forma científica e de tê-la separado, de maneira bem distinta, dos aspectos administrativos e financeiros. Unia um extenso conhecimento da natureza à decidida vontade de aplicá-lo na prática. Nessa linha estão suas obras. Principies of Ger-
man Agriculture, lntroduction of the Science of Commerce e lntroduction to Technology, 10 e é quando se trata deste assunto que o nome de Beckmann é mais freqüentemente lembrado como o "pai da tecnologia".11 Já em 1777 publica uma Instrução sobre tecnologia, onde afirmava o seu conceito de tecnologia através do subtítulo: "Para conhecimento dos ofícios, fábricas e manufatura, especialmente daquelas que têm contacto estrito com a agricultura, a administração pública e as ciências cameralísticas."
Apresentação -
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Em introdução à mesma obra escrevia: "A história das artes pode dedicar-se a enumerações das invenções, ao progresso e ao curso habitual de uma arte ou de um trabalho manual, mas é a tecnologia que explica de maneira completa, clara e ordenada, todos os trabalhos, assim como seus fundamentos e suas conseqüências." 1 ~ Seria demais ajuntar outras transcrições de obras do "pai dà tecnologia". Mas, vale a pena encerrar com uma última citação de Albrecht Timm: 13 "Em seu último trabalho, datado de 1806, Beckmann ocupa-se com uma classificação das indústrias, não apenas segundo a estrutura da exploração mas também segundo o entrosamento de seus processos de produção. Pretende assim fomentar a união de 'sábios' com 'fabricantes'."
Johann Beckmann faleceu a 3 de fevereiro de 1811, com 72 anos de idade. A fortuna crítica de Beckmann Se o número de vezes que um autor e suas obras são citados pode "medir" sua qualidade, não menos importante é examinar a qualidade dos que o citam e as críticas que dele fazem. Uma das citações mais interessantes e significativas, para a História da Técnica no Brasil, é aquela em que Miguel Calmon du Pin e Almeida14 refere-se aos cursos de Beckmann em Gõttingen. Entre os autores contemporâneos, de língua inglesa, lembraria aqui W.H.G. Armytage, que o coloca ao lado de A. G. Werner no quadro do ensino e da filosofia da natureza do século XVIII alemão. A ele Armytage atribui ter cunhado a palavra tecnologia. 15 Porém, na mais conhecida das obras contemporâneas de língua inglesa sobre o assunto, A History of Technology, escrita sob a responsabilidade de Charles Singer, Beckmann não merece atenção. A monumental história financiada pela Imperial Chemical In, La vie en Bas-Quercy, p. just. n.º V, p. 472 (inventário após a morte): "unum molendinum brachiorum pro molendo biada". Moinhos a braço são mencionados, por volta de 1150, no tratado De Ustensilibus de Adam du Petit-Pont (Mortet e Deschamps, Recuei/ · de textes, t. II, p. 85). Porém, este escrito, pleno de reminiscências clássicas, não deixa de inspirar uma certa desconfiança. 46. Ad. Dorider, Die Entwicklung des Miihlenwesens in der Ehemaligen Grafschaft Mark (Diss. Munster, 1909), p. 38; A. Trichel em Zeitschrift für Ethnologie, t. XXVI, 1894, p. 415 e segs.; Koehne em Zeitschrift der Sav. Stiftung, G.A., 1907, p. 68. Na Prússia, a guerra do Estado contra os moinhos a braço, que, em 1808, haviam se multiplicado, com a abolição das banalidades, foi retomada em 1810 quando Hardenberg estabeleceu uma pesada "cisa" sobre a moagem, que seria de percepção impossível para a moagem doméstica; mas, este imposto, extremamente impopular, foi abolido em 1811: ver G. Cavainac, La formation de la Prusse contemporaine, t. II, p. 55 e 60 (com referências). Sobre os moinhos a braço, capítulo muito rico de A. Maurizio, Histoire de l'alimentation végétale, p. 377 e segs. Durante muito tempo, eles Si!rviram para esmagar os grãos para mingaus consumidos pelos homens e para a alimentação dos animais, mas já não eram utilizados para a produção de farinha para panificação. 47. Decisão judicial de Dijon, 29 de julho de 1653, cit. por Bouhier, Les coutumes du duché de Bourgogne, t. II, 1846, p. 367,'. Decisão judicial de Rouen de 9 de março de 1743, cit. por Guyot e Merlin, Répertoire, ed. de 1830, t. XI, p. 327, segundo um comentador de Basnage; Mainsard, Les banalités en Bretagne, 1912, p. 142 e segs. e 177; M. Sauvageon, Coutumes de Bretagne, 1747, sobre o Art. 387 (16 de julho de 1629 e 13 de abril de 1684), Poullain du Pare, /ournal des audiences et arrêts du Parlement de Bretagne, t. II; 1775, p. 321 e segs. (1751-1752-1755); H. Sée e A. Lesort, Cahiers de doléances de la sénéchausée de Rennes (referências à tabela, palavra "Meules à bras"). Em compensação, os Cahiers de doléances des sénéchausées de Quimper et de Concarneau (ed. J. Savina e D. Bernard) não mencionam moinhos a braço: silêncio tanto mais surpreendente porque eles protestam violentamente contra as banalidades. O caderno de Pouldrezic (p. 54, e. 1) revela mesmo, com bastante clareza, que a abolição da restrição banal não diminuiu a clientela dos moinhos (d'água ou de vento). 48. Ballard, British Borough Charters, 1916. Convém, sem dúvida, adicionar às cidades citadas acima, a de Bristol, apesar do texto ser menos preciso. Para Londres, cf. Liber A/bus, ed. Riley, p. LXXIV. No país de Gales, pelo século XII, o grão era ainda correntemente moído à mão, por mulheres de condição servil (Ancient Laws o/ W ales, t. II, p. 7, e. 17). 49. Bennet e Elton, t. I, p. 211, e fac-símile do frontispício do volume (para a data, cf. Victoria County Histories, Yorkshire, t. III, p. 195). Ver também o regulamento dos moinhos de Chester, sob Eduardo III (Bennet, t. I, p. 212). 50. Chronicum Petroburgense, ed. Stapleton (Camden, Soe., 1849), p. 67 (1284); E.A. Fuller, Cirencester: the manor and the town em Bristol
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and Gloucestersh. Archeo/ogical Transactions, t. IX, 1884-1885, p. 311 e segs. (1306-1307); Registra quorumdam abbatum monasterii S. A/bani, ed. Riley (Ralis Series), t. I, p. 199 e segs. (1499: motim de mulheres, provocado pela interdição oe um moinho a cavalos); em 1381, o povo de Whatford, como o de Saint-Alban, extorquiu do abade um documento reconhecendo-lhes o direito de usar moinhos a braço; ver Th. Walsin-Gham, Gesta S. A/bani, t. III, p. 325. 51. Thomas Walsingham, Gesta S. A/bani, ed. Riley (Ralis Series), t. 1, p. 410 e segs.; t. II,p. 149,158,287 e segs.; t. III, p. 286 e segs., 360-361, 367-371. Cf. a História anglicana do mesmo autor, ed. Riley (Rolls Series), p. 475. Sobre os acontecimentos de 1381, ver A. Réville, Le soulevement des travailleurs d'Angleterre en 1381, p. 5 e segs., 142 e segs. e Ch. Oman, The Great Revolt of 1381, p. 91 e segs. 52. Bennet e Elton, t. I, p. 224; P. Mantoux, La révolution industrie/le, 1905, p. 341. 53. Bennet e Elton, t. 1, p. 167; Revue Archéologique, 1900, 1, p. 35; Zeitschrift fiir Ethnologie, t. XXII, 1890, p. 607 e t. XXVIII, 1896, p. 372; Lamprecht, Deutsche Wirtschaftsgeschichte, t. I, p. 585. Pesquisas em nossas províncias, sem dúvida, traziam novas luzes sobre a longevidade da moedura à mão. Assim, pelo testemunho de A. Demont (Le bié dans /e traditions artésiennes, na Revue de Folklore Français, 1935, p. 49), um "moinho a braço foi descoberto, em 1856, "no interior do campanário da igreja de Hermaville. As mós traziam marcas de um longo serviço. A caixa em carvalho era uma obra de carpintaria no estilo do século XVIII". Cf. também, Bullet. Soe. Archéol. Limousin, t. CXXLV, p. XLVII e LXXV, p. XVIII. 54. A obra de William Coles Finch, Watermills and Windmills, a historical
survey of their rise, decline and fali as portrayed by those of Kent, Londres, 1933, pertence ao gênero anedótico e pitoresco; o historiador do moinho a omitirá sem grande perda. Não pude ver M. Ringelmann, Essai sur l'histoire du génie rural, Paris, 1907 (? ). 55. A exposição de A. Maurizio na Histoire de l'alimentation végétale (trad. F. Gidon, 1932, p. 377-422) interessa à história da moagem a braço, para a qual ele traz muitas informações úteis, mais do que à do moinho d'água. 56. Os excelentes artigos de P. Aebischer, Les dénominations du "moulin" dans les chartes italiennes du moyen âge (Bu/letin du Cange, 1932) e Les termes servant à désigner /e "moulin" dans quelques anciennes chartes relatives à la Be/gique (Bulletin du Dictionnaire Wa/lon, t. XVII, 1932) têm interesse puramente lingüístico.
5 - Tecnologia e invenções na Idade Média LYNN WHITE JR.*
A história da tecnologia e das invenções, em especial no que se refere aos períodos mais antigos, foi deixada incompreensivelmente sem cultivo. Nossos vastos institutos técnicos continuam a revolucionar, em ritmo cada vez mais acelerado, o mundo em que vivemos, mas apenas um pequeno esforço vem sendo feito para localizar nossa tecnologia atual dentro de uma seqüência cronológica e para oferecer aos técnicos aquela consciência de suas responsabilidades sociais que só pode surgir na compreensão exata de suas funções históricas poder-se-ia quase dizer, de sua herança apostólica. Ao permitir que aqueles que trabalham em oficinas e laboratórios esqueçam o passado, estamos empobrecendo o presente e colocando em perigo o futuro. Nos Estados Unidos, esta negligência é ainda menos desculpável, uma vez que nós, americanos, nos consideramos, nesta época de invenções, o povo mais progressista na área da técnica. Mas, ao buscar as raízes medievais ou renascentistas de algum aspecto de seu campo de trabalho, o historiador da tecnologia americana se depara com dificuldades: o material disponível está disperso e é, inúmeras vezes, discutível, já que os medievalistas de carreira deixaram inexplorado o veio da história da tecnologia e da invenção no que se refere ao período que consideram seu território de direito. De modo amplo, podemos dizer que tecnologia é a maneira pela qual as pessoas fazem coisas (em um certo sentido, exist~ até uma tecnologia da prece). Ainda assim, é surpreendente que, via de regra, tenhamos apenas uma vaga noção de como os homens da Idade Média de fato faziam coisas e como, de tempos em tempos, aprendiam a fazer melhor essas mesmas coisas. Damos um grande valor aos tecidos medievais em nossos museus e reconhecemos a importância crucial da produção de tecidos no crescimento do capitalismo primitivo. Mas, o que sabemos sobre fiação e tecelagem, sobre pisoamento e tingimento e sobre as melhorias em qualidade e produção que afetaram tanto a arte como a economia da época? 1 Todos sabemos que São Luís de França partiu para as cruzadas. Mas, teria velejado para
* Tradução de Sylvia Ficher e Ruy Gama.
Tecnologia e invenções na Idade Média -
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o oriente em um tipo de embarcação2 semelhante à que poderia ter sido utilizada por Godofredo de Bolonha, caso este último não tivesse escolhido, provavelmente por uma boa razão, viajar por terra? Como se alterou a construção de embarcações nos cento e cinqüenta anos anteriores? Sob que influências ocorreram essas alterações? Que possibilidade a mais oferecia uma embarcação de 1249 em relação a uma de 1095? Ainda mais especificamente, o que era possível fazer a mais com uma embarcação de 1492? Todos os livros sobre a história americana deveriam começar pela discussão das melhorias introduzidas pela Idade Média na construção de navios e na navegação, sem as quais a exploração e ocupação do Novo Mundo teria sido tecnicamente impossível. Esse capítulo ainda está faltando principalmente porque os próprios medievalistas não estudaram adequadamente estas questões? um último exemplo: por que a invenção dos óculos, na Itália de fins do século XIII ,4 não foi considerada suficientemente importante? Qualquer pessoa familiarizada com o crescendo da vida intelectual na baixa Idade Média poderia colocar em dúvida o entusiasta que atribuiu à Renascença a descoberta dos óculos; mas ninguém que usa óculos no mundo acadêmico será tão descortês a ponto de duvidar que tal desenvolvimento técnico tenha contribuído para a melhoria do padrão de educação e para o ritmo quase febril Gt't\lT]. Em latim, o significado é pequena mangedoura para animais domésticos. Ver Palheta, Pena e Rodízio. Pejadoiro - (C.A.) - s.m. (Prov. port.) - Aparelho com que se faz parar o moinho, cortando a água. F.r. pejar. Pejador - (Brasil) - Provavelmente o mesmo que o anterior; consiste numa portinhola retangular, disposta na tábua inferior da cale. Quando se quer fazer parar a roda d'água, abre-se o pejador, e a água que se encaminhava para os cubos passa a cair na parte posterior da roda, atrasando o movimento pelo efeito conjugado da ausência da água nos cubos, e por cair no sentido aposto do deslocamento da roda. Segundo Nascentes, pejar viria do latim pedicare-laçar, provavelmente através de uma forma do latim vulgar pediare ➔ pediu ➔ pejo ➔ pejar). Pela - s.f. - A parte mais grossa da haste ou árvore onde se inserem as penas do rodízio. Segundo Nascentes, pela deriva de pila (bola); entretanto, não há acordo entre os estudiosos (Lübke, Cortesão). Pena - s.f. Lâmina de madeira, com um perfil levemente curvo. O conjunto de penas inseridas no rodízio constitui o mecanismo propulsor do moinho de eixo vertical. Parece ter sido o nome mais corrente no Brasil, sendo usual, no litoral norte de São Paulo, usar-se a expressão "pena d'água" para pequenas derivações de água (para abastecer uma casa, por exemplo). Provém de Penna (latim no sentido de pena de ave). Porca - (C.A.) s.f. (Trás-M) - Peça de madeira em que assenta a rã do moinho. Nota: Segundo Nascentes, deriva de torquere (torcer). Ver gogo, rodízio. Roda d'água - Este termo designa, tradicionalmente, a roda com eixo horizontal, motor de várias máquinas, portanto "o primeiro motor universal" de que se tem notícia. Consiste basicamente em duas coroas circulares, com diâmetro de 4 m para pequenos moinhos, chegando a 7 m para engenhos de açúcar ou máquinas de beneficiar café. Essas coroas são feitas de pinas ou cambotas de madeira de cerca de 2,5 cm de espessura por 40 cm de largura. As duas coroas são unidas por
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tábuas, formando recipientes, nos casos mais comuns - cubos - (ou alcatruzes, quando a roda é empregada para elevar água para irrigação). As coroas são unidas ao eixo por caibros de cerca de 12 cm por 6 cm, podendo dispor-se, se são quatro, em forma de cruz, ou de duas cruzes deslocadas em 45º uma da outra, se forem oito. Estes caibros (raios, ou aspas de roda) apresentam-se muito esbeltos, dando sensação de certa fragilidade. Entretanto, seu trabalho é inverso ao dos raios da roda de uma carroça; trabalham predominantemente a tração, daí a esbeltez de sua secção. O eixo é uma peça de secção oitavada, de cerca de 35 cm na diagonal, sendo perfeitamente cilíndrico somente nos coxins. Nesse eixo, localiza-se o mecanismo de transmissão. Conforme a roda recebe água pela parte superior, pelo meio, ou é impulsionada por baixo, o engenho chama-se copeiro, meio-copeiro, ou copeiro rasti;iro. Copeiro, provavelmente vem de "copo". Entretanto, não se registra em nenhum lugar copo como sinônimo de "cubo" ou "alcatruz". Uma das operações finais da instalação da roda consiste no seu "balanceamento", para garantir o máximo de uniformidade no seu movimento. Neste caso de rodas de madeira, a operação de balanceamento se obtém pregando-se peças suplementares de madeira nas cambotas. A lubrificação é feita pelo excesso de água dos cubos, que molha inteira e continuamente o eixo e coxins. A primeira descrição da roda como motor encontra-se no livro de Vitrúvio, portanto no limiar de nossa era, e já fica assinalada sua versatilidade: é feita a descrição de uma roda para elevar água (na tradição i_bérica - nora) e o moinho de cereais com todos seus órgãos (motor-transmissão, máquina operatriz e sistema de alimentação automático). Parece que os romanos do período imperial usaram, para aprovisionamento de suas legiões, baterias de moinhos hidráulicos, sempre movidos com roda vertical, do tipo do conjunto de Barbegal. Neste caso, as rodas girariam no sentido contrário ao fluxo da água. São conhecidas em Portugal como "canhotas". C.L. Sagui aponta como prováveis vários usos industriais para a roda hidráulica ainda no baixo Império, inclusive "serrarias hidráulicas para pedras, sobretudo para o mármore". O certo, entretanto, é que nós temos um desenho do arquiteto francês Villard D'Honnecourt representando uma serra para madeira movida por uma roda d'água. Na Idade Média, a roda d'água (principalmente para moer cereais) foi largamente usada tanto na Europa como nos países de influência árabe, como atestam as várias sobrevivências lingüísticas na península Ibérica. Após a conquista normanda o Domesday Book (1080) nos dá um inventário de mais de 5.000 moinhos para a Inglaterra. Estimando a população total em 1.000.000 de habitantes, obtemos a impressionante relação de um moinho para cada duzentos habitantes, ou seja, cerca de "um escravo mecânico" para cada grupo de sete habitantes. As rodas hidráulicas, contudo, terão seu mais amplo desenvolvimento nos séculos XVI, XVII e XVIII, principalmente na Inglaterra, onde a palavra mill (moinho), como assinala Mantoux, passou a significar "fábrica". Aí também, principalmente no século XVIII, fizeramse as mais sistematizadas investigações para seu aperfeiçoamento (ver "Invenção de máquina a vapor"). No Brasil, desde o início da colonização usaram-se rodas hidráulicas para moer cereais, mover as moendas dos engenhos de açúcar, e, no século passado, para máquinas de beneficiar café, com uma preferência acentuada, senão exclusiva, por rodas copeiras. Em fins do século passado, e até os nossos dias, algumas rodas hidráulicas de aço, fabricadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, substituíram rodas de madeira. Estas, entretanto, são encontráveis ainda
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em funcionamento. Parece que há uma preferência sensível pela utilização do jacarandá-da-baía na sua fabricação. Rodízio - s.m. - Dispositivo de moinho, de madeira, composto de uma haste tronco-cônica, com a secção mais larga na parte inferior, onde se inserem palhetas em -toda a volta; na parte superior a haste está provida de uma barra de ferro veio que, através da segurelha, se fixa à pedra superior da mó. O rodízio, ao girar pelo impacto de um jato d'água nas palhetas (ou penas, ou patenas), comunica seu movimento através do veio à própria moenda. Este dispositivo congrega, numa única peça, o qrgão motor e o sistema de transmissão e, como funciona pelo impacto de um jato d'água, o ponto de apoio inferior é, talvez, a parte mais delicada do mecanismo. Fato esse comprovado pelas inúmeras experiências efetuadas para resolvê-lo, como atestam as palavras registradas: gogo, guilho, cruzeta e seu coxim (rã, ponte, porca). No Brasil, as penas normalmente ficam entre duas coroas de madeira (como se fossem uma roda deitada) formando como que conchas, acentuandose assim sua semelhança com uma roda Pelton, o que poderia ser tomado como uma imitação caipira de uma turbina moderna. Entretanto, a palavra patena nos dá um indício de uma provável tradição antiga para essa variante do rodízio. O dispositivo assim descrito, além de larga utilização no Brasil, e provavelmente em Portugal, também parece ter sido muito usado na Europa do norte, particularmente nas Ilhas Britânicas (segundo Forbes, cap. 17, vol. II, A History of Technology, havia só nas ilhas Shetland cerca de 500 desses rodízios impulsionando moinhos). Os autores ingleses inclinam-se por uma audaciosa hipótese dos rodízios terem antecedido o clássico moinho romano descrito por Vitrúvio e chamado Norse-type Water-Mill, mas os argumentos apresentados em favor dessa hipótese não são convincentes. O diâmetro da roda das penas nos rodízios, pelo menos no Brasil, não ultrapassa 90 cm, razão pela qual são usados em moinhos pequenos com mós de não mais de 70 cm de diâmetro. San;a - (C.A.) - s.f. (Algarve) - Recorte na terra para funcionamento da roda do moinho movido por água, f. cast. zan;a. Nota: segundo Nascentes, do espanhol Zan;a (Cortesão, A. Coelho), que a Academia Espanhola prende ao árabe zanka, rua estreita, e aquele autor ao flamengo schaus, trincheira, com dúvida. Setia - (C.A.) - s.f. - Cano de madeira que conduz a água para os cubos dos engenhos que são movidos por ela. Nota: não há indicação da origem dessa palavra. Tolhedouro - (C.A.) - s.m. (Douro) -- Tábua suspensa sobre o rodízio, para o fazer parar tolhendo a água da cale. Cf. Rev. Luzitana, XT. p. 200. F. tolher.
Sistema de transmissão Alevadouro - s.m. - Barra vertical que atravessa o soalho do moinho, fixa a uma peça de madeira horizontal (ponte?) situada sob o eixo vertical da mó, permite regular o afastamento das pedras da mó. Segundo C. A., a origem dessa palavra é a forma arcaica alevar. Palavra já registrada em Bluteau. Bofete - (C.A.) - s.m. - Haste de ferro que, fixa na extremidade superior do rodízio da azenha, atravessa o pé do moinho. F. bola. Nota: o mesmo que veio?
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COR oA,- PINHÃO
EN,.ROSA- LANTE RNIM
VEIO SE CUR[LHA
Sistemas de transmissão.
Carrete - s.m. - O mesmo que lanternim. Endentação - (C.A. - s.f. - Ação de endentar. F. ententar. Endentado - (C.A.) - adj. - Diz-se da roda cujos dentes travam com os de outra ou com os fuselos do carrete. F. endentar. Endentar - C.A.) - v.tr. - Travar os dentes de uma roda nos de outra roda ou nos fuselos do carrete; embragar - engrenar; engrazar ou engranzar; entrosar. F. en -t- dentar. Engranzado - (C.A.) - ad_j. - Enfiado; endentado. F. engranzar. Engranzador - (C.A.) - adj. e s.m. - Que engranza. F. engranzar. Engranzagem - (C.A.) - s.f. - O mesmo que engranzamento. F. engranzar. Engranzamento - (C.A.) - s.m. - Ato ou operação de engranzar. F. engranzar. Engrazar - (C.A.) - v.tr. - Engrenar (as rodas dentadas umas nas outras ou nos dentes dos carretes). F. en + grão. Engranzar - (C.A.) - v.tr. - O mesmo que engrazar. Engrenado - adj. - O mesmo que endentado (usual no Brasil).
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Jingrenagem - (C.A.) - s.f. - Jogo de rodas dentadas para transmissão de movimento. F. Engrenage. Nota: nos moinhos, a engrenagem de ferro fundido substituiu o sistema de rodas dentadas de madeira. A engrenagem utilizada é a comumente chamada coroa-e-pinhão (couronne-pignon). Engrenar - (C.A.) - v.tr. e intr. - Endentar - entrosar - engrazar. Entrós - (C.A.) - s.f. - O mesmo que entrosa. Entrosa - s.f. - Roda de madeira, solidária ao eixo horizontal da azenha, provida de dentes perpendiculares ao plano da roda, e que se ajustam C. Aulete registra como origem uma palavra latina, intrusa. Entretanto, aos vazios do carrete ou Janternim, transmitindo-lhe seu movimento. A. Nascentes propõe como prováveis as palavras: do lat. entorsus (Figueiredo). Deve ser intorsu, talvez por intortu, torcido. No Brasil, o sistema entrosa-lanternim de madeira foi sistematicamente substituído pela engrenagem de ferro chamada coroa-e-pinhão (ver engrenagem), não restando nenhum exemplar conhecido. Entrosação ~ (C.A.) - s.f. - Ato ou fato de entrosar; o mesmo (e melhor, segundo alguns) que engrenagem. F. entrosa. Entrosagem - (C.A.) - s.f. - O mesmo que entrosação. F. entrosar. Entrosar - v.tr. - O mesmo que engrenar. Em desuso no vocabulârio técnico. Permanece, entretanto, na linguagem erudita e literária. Lanternim - s.m. - O mesmo que carrete. Peça de antiga engrenagem de madeira, constituída por dois discos unidos por hastes boleadas chamadas fuselos. O lanternim gira solidário com o eixo vertical que imprime movimento à pedra superior da mó. A aparência é de uma antiga lanterna, daí seu nome. Bluteau fala em seis fuselos e, de fato, sendo a entrosa composta de cerca de cem dentes (os quais entram nos vazios dos fuselos) podemos estimar o fator multiplicador em 20; ou seja, para cada volta da entrosa, o lanternim e a pedra da mó giram vinte vezes. Deve ser um sistema difundido pelos romanos, pois encontramos para o mesmo objeto palavras semelhantes nas línguas neo-latinas e mesmo no inglês (francês lanterne; ital. lanterna; esp. lanterna; ingl. lantern). É compreensível que, no Brasil, os moinhos maiores substituíssem esse sistema pelas engrenagens de ferro: todo o esforço da roda d'água e toda resistência da mó descansam, em última instância, sobre os dentes da entrosa e os fuselos do lanternim. Lobeto - (C.A.) - s.m. ·_ Peça de ferro que faz parte do aparelho do moinho (anda pegado ao veio e encalha no rodízio). Nota: a última parte parece ser cópia do verbete de Bluteau. Com efeito, seu verbete está assim redigido: "Lobeto - termo de moinho. É um ferro que anda pegado ao veio, e que encalha no rodízio". Peinaços - (C.A.) - s.m.pl. (Trás-M) - Dentes perpendiculares ao plano das rodas de certos engenhos. F.r. Peina (F. Peina, fr. Peigne). Ponte - (C.A.) - s.f. (Prov. port.) - Prancha de madeira, sobre que trabalha o rodízio no cavouco dos moinhos. Nota: (ver gogo, porca e rodízio). Ver também - Sistema de Transmissão: alevadouro - Segundo Nascentes, do latim Ponte. Segure/ha (C.A.) - (Tecn.) - Peça de ferro cujas extremidades são largas e vão diminuindo para o meio, e na qual há um buraco por onde entra o ferro que faz girar a pedra de cima da atafona. F. lat. Securicula. Bluteau - Segurelha (termo de ataforma). Ê um ferro que tem as extremidades mais largas e vai diminuindo para o meio, i10 qual tem uma abertura onde entra.º ferro que faz andar a pedra de cima. Nos
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moinhos é quase o mesmo, porque é um ferro, que está em cima do rodízio, e anda debaixo da mó. Antenor Nascentes: do lat. satureja (Diez Dic. 282, A. Coelho, M. Lübke REW 7622). Esp. ajédrea; it. santoreggia; fr. sariette. Figueiredo tirou do lat. securicula. G. Viana Apost. II, 412 não acha a mínima probabilidade no étimo satureja. Nota: ver Bolete, Lobeto e Veio. Segurelhal - (C.A.) - Cavidade em que entra a segurelha. F. Segurelha. Sergulhal - (C.A.) - s.m. (Minho) - Encaixe inferior da mó do moinho. Teijideiro - (C.A.) - s.m. (Mouraz) - A vara que liga a roda à mó do moinho. Cf. Malheiro do Vale, Linguagem do Mouraz, p. 29. Nota: ver Veio. Veio - (C.A.) - s:m. (Mec.) - Barra de ferro em torno da qual gira alguma roda, eixo: veio da máquina, F.r. Veia. Bluteau: Veyo: nos moinhos. É um ferro que anda no rodízio do meio dele para cima. Viela - (C.A.) - s.f. - Cada um dos quatro ferros com argolas que andam no rodízio do moinho. F.fr. Bielle. Bluteau: palavra de moinho. São quatro ferros redondos, e como argolas. Andam em cima do rodízio. Nota: seriam quatro cintas de ferro aplicadas à ponta superior do rodízio, onde penetra o veio, necessitando portanto desse reforço para não fender a madeira devido ao peso e ao movimento da mó.
Máquina operatriz Borneira - (C.A.) - s.f. (ant.) - Pedra negra, de que se fazem mós. Mó da mesma pedra. Nota: no Brasil, além de pedras importadas de Portugal, usam-se pedras de granito rosa. Barroqueira - (C.A.) - adj. ess.f. - Diz-se da mó para farinha ordinária (opõe-se a alveira). Cambal - (C.A.) - Anteparo das mós para que a farinha não se espalhe (F. Camba). A. Nasc. Camba - de uma raiz céltica camb que dá idéia de arquear, encurvar ant. esp., astur, leonês. Camba (M. Lübke REW, 1542 Gram I, p. 45). Cortesão dá um b. lat. camba. A. Coelho tira de um tema espalhado que designa coisas curvas, da mesma raiz que o lat. camarus, camera, etc. G. Viana deriva do lat. campe termo grego que significa curvatura (kampé). O fr. jante vem de uma alongada do termo céltico camb (cambita). V. Mégades RLP XXVI, 59. Nota: câmara também vem do grego e significa aposento eircular, coberto com abóbada. Ver Bailly Kaµxp't". Ver também Kaµ·mí vários sentidos para curvatura. Cambeiral - (C.A.) - s.m. - O mesmo que cambal. Cambeiras - (C.A.) - s.f.pl. - Anteparo de madeira à frente da mó do moinho. F. Camba. Coração - (C.A.) - (da mó) - Círculo na superfície da mó que fica em roda do olho e entre este e o meio da mó. (f: a parte mais escoada da superfície da mó e onde o grão se quebra e esmaga.) Ver mó. Corredeira - (C.A.) - s.f. - Mó de cima (nos moinhos). F. Correr. Nota: trata-se da pedra de cima da mó, segundo Bluteau.
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Corredoura - (C.A.) - s.f. (Tecnol.) - Peça de moinho que fica por baixo da mó. Derrangadeira - (C.A.) - s.f. (Alg.) - O mesmo que mó. F.r. Derrengar? A. Nasc. anota: A. Coelho tira do esp. derrengar, que lhe parece forma paralela de derrancar, e diz que derrengo é o pau com que se derruba a fruta das árvores. Cortesão e Figueiredo também derivam do esp. M. Lübke, REW 2685, não dá senão a forma espanhola. Galeria - (C.A.) - s.f. - A mó superior ou girante de um moinho ou de um lagar. F.b. lat. galeria. Nota: A. Nasc.: Galeria - o esp. tem galeria, o it. galleria, o fr. galerie. A Academia Esg;mhola, Petrocchi, Larousse, Stappers apresentam um b. lat. galeria, de incerta origem, talvez conexo com galera. M. Lübke, REW 3462, não acha verossímel prender a galera; julga foneticamente impossíveis calaria de cala (Archivio Giottológico Italiano, III, 301, 305) e gr. ganlida (Romanishe Forshungen, I, 236). Mó - s.f. - Ou mós, dispositivo para pulverizar minerais ou cereais ou ainda extrair líquidos de alguns vegetais. No caso dos moinhos azenhas ou moinhos de vento, constitui-se de dois discos de pedra um sobre o outro, que recebem respectivamente os nomes de corredeira, a pedra de cima, e pouso, a pedra de baixo. A corredeira, nas azenhas e moinhos brasileiros raramente ultrapassa 90 cm de diâmetro, tendo sido observado, entretanto, pedras de 50 cm. Sua espessura é de cerca de 12 cm na borda, aumentando para 15 a 18 cm no centro. A face superior é rugosa e convexa. A face inferior é plana e possui sulcos de 2 cm de largura por 1 cm de profundidade, organizados segundo desenhos característicos de épocas e regiões. A corredeira possui na circunferência cavidades na direção de seu centro, preenchidas com chumbo, para garantir seu "balanceamento", isto é, a uniformidade de rotação. No centro geométrico, há um furo de cerca de 6 cm de diâmetro, chamado olho da mó, por onde cai o grão a ser trabalhado (ver mecanismo de alimentação automática). Na parte inferior do olho localiza-se o rebaixo-sergulhal, onde se ajusta a segurelha, que imprime o movimento à corredeira. A pedra inferior - pouso - com um furo semelhante ao olho, e na mesma posição assenta sobre uma mesa de madeira, e é rodeada por anteparos de madeira - cambal ou cambeiras - que dirigem o milho moído para uma bica onde é recolhido em uma caixa. A face superior do pouso possui o mesmo desenho de sulcos da corredeira, porém com disposição oposta, de sorte a favorecer o cisalhamento dos grãos e das partículas, até reduzi-las a pó (farinhafubá). A forma das mós, ou mó, como foi descrita, permaneceu constante ao longo de pelo menos mil anos, a dar crédito exclusivamente nos registros gráficos (iluminuras do século XII em diante). Há, entretanto, a suspeita de que o moinho descrito por Vitrúvio já possuía mós circulares e chatas, como as que podemos ver ainda em funcionamento no Brasil. Não sabemos, contudo, quando essa moenda apareceu, e apesar da diversidade de dispositivos para moer já registrados (quer sejam pequenos, movidos pela mão humana, ou por animais, bois, cavalos, ou escravos, ou ainda conforme foram encontrados nas diferentes áreas do globo ou que se baseiam no princípio da trituração ou golpeamento) ainda não se fez um estudo desses dispositivos tão significativos para a economia de todos os povos. ao longo de sua história. Em nosso caso, os etimologistas já recolheram informações sugestivas: A. Nasc.: Mó - do latim mola; esp. muela; it. mola; fr. meu/e; Are. moa como em galejl"o moo, mó (Cormin, Port. Spr. § 261, Nunes Gram. Hist., 106): "E elrrey mãdou-a entom amarrar a húna
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moo ... " (IV Livro das linhagens, apud Nunes, Crest. Are. 29). Na expressão mó de gef!te Figueiredo deriva do lat. moles (p. 525). Do extenso verbete de Meillet extraímos as seguintes passagens indicativas: "molõ, -is, -ui, -itum, -ere: moudre; broyer le grain sous la meule dans un moulin. Quelque fois, connue le µuÀ.À.w, employé avec un sens obscene; ~~yw et depsõ, dolo-Ancien (Cat. PI); technique. Pan roman, sauf roumain M. L. 5642; cf. aussi 5741 multus 'broyé'. La technique de la 'meule' se distingue de la technique, aussi indoeuropéenne, du 'pilon' (v. pinsõ). Les deux pierres qui servent à moudre ne s'opposent pas comme les deux pieces de l'appareil servant à 'pilloner', pilum et pila, toutes deux sont designées par mola. Comme le grec, le latin n'a pas conservé l'ancien nom de la 'pierre à moudre', skr grã'va (masc), lit girnos e v. si. Z1tuT)y (fem) irl bró, etc. Moenda - (C.A.) - s.f. - Mó de moinho ou peças de outro qualquer engenho de moer ou pisar; moinho. F.r. moer. Olho da mó - s.m. (ver mó.) Pouso - s.m. - Pedra inferior da mó, sobre a qual gira a corredoura nos moinhos, ou a galga nos lagares de azeite (apud Bluteau). Ver mó. F. pousar. Tambor - (C.A.) - s.m. - Caixa de forma circular que rodeia as mós do moinho e para onde_ cai a farinha que elas vão moendo. F. Tambor.
Dispositivo de alimentação automática Adelha - s.f. - Recipiente de madeira, em forma de pirâmide quadrada, truncada, com cerca de 1 m de lado na base mais larga e superior e cerca de 10 cm na base inferior por 70 cm de altura. O cereal é armazenado na adelha e pela base inferior cai em uma pequena calha-adelhão - por onde é encaminhado para o olho da mó. A adelha se apóia, acima da mó, em duas barras de madeira - as cangalhas - presas a um poste móvel - a preguiça - o que lhe permite absorver a trepidação do adelhão. Caldas Aulete dá como palavra usada no Minho. Sua origem seria uma palavra latina, anaticula. A. Nasc. não registra "adelha". Meillet registra anaticula como diminutivo de anas-anatis, pato, marreco. :É dispositivo que comparece com essa forma em iluminuras pelo menos desde o século XII na Europa. Ade/hão - s.m. - Pequena calha de madeira, com a base em forma de trapézio, articulada, na parte mais larga, na adelha junto à base inferior na parte mais estreita, acima do olho da mó, é suspensa por um cordão regulável a um pauzinho dotado de uma carretilha - a varela pn:so a uma face da adelha. O adelhão possui, pelo lado externo, uma vara articulada - o cadela - que se apóia sobre a mó, e que lhe transmite golpes de acordo com a velocidade da mesma, dirigindo os grãos a serem triturados. Segundo C. Aulete, é palavra usada no Minho. Cadela - s.m. - Haste de madeira articulada, na ponta superior, ao adelhão e pousada sobre a pedra - corredeira - da mó. Devido à rugosidade, o cadela trepida, transmitindo os golpes ao adelhão e, por este, à adelha. O conjunto garante o funcionamento automático do moinho, pois,
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Dispositivo de alimentação automática.
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se a velocidade da corredoura aumenta, aumenta o número de golpes, a adelha sacudida deixa cair os grãos mais rapidamente, sendo encaminhados mais rapidamente para o olho da mó. Os grãos, em maior quantidade, tendem a opor uma resistência maior à trituração, diminuindo portanto a velocidade da mó e assim sucessivamente, estabelecendo a tendência para o funcionamento do moinho como um sistema inercial, isto é, de velocidade constante. C. Aulete registra como palavra usada no Minho e dá como origem a palavra latina catellus. Bluteau registra, para o mesmo dispositivo, a palavra cachorro (ver cão). A. Nascentes: cadelo: do lat. catellu, filhote de cão; esp. cadillo, ant. it. catello; fr. cheau. Catellu está por catulu, v. Anel. O fem. cadela tem o sufixo que designa não o grau, mas o gênero (Diez, Gram. II, 276, M. Lübke, Gram. II, 457). Não é etimologicamente dim. de gato (lat. catu), como quer João Ribeiro Gram. p. 69 V. V. Walde Etym. Wõrt lat. Spr. Caleira - (C.A.) - s.f. - Peça de madeira, em forma de telha, o mesmo que adelhão. F. lat. canalaria. V. calhe. Cangalhas - (C.A.) - s.f.pl. Peças de pau sobre que descansa a moega das atafonas. Canoira - s.f. - Canoura. Canoura - (C.A.) - s.f. - Vaso de madeira em forma de pirâmide quadrangular truncada que recebe o grão, e o vai deixando cair regularmente sobre a mó para se moer; moega, tremonha. F. cano. Cão - (C.A.) - s.m. - Cavilhazinha que por um extremo está presa à calha que conduz o grão da tremonha para o olho da mó e pelo outro assenta sobre a mó girante. Ver cadelo. Dorneira - (C.A.) - s.f. - Tremonha, o mesmo que Canoura. F. dorna. Nota: A. Nascentes não registra dorneira. Dorna - do lat. urna, cântaro, o d e o ó aberto exigem todavia esclarecimento (M. Lübke, REW 9086). Esp. duerna, prov. ant. dorna. A Academia Espanhola tira do b.' lat. dorna. Moega - (C.A.) - s.f. - Vasilha de madeira em forma piramidal, que tem o vértice para baixo e nele uma abertura por onde sai o grão a pouco e pouco para cair entre as mós do moinho a fim de ser reduzido a farinha; canoura (R.r. moer). Perguiça - s.f. - O mesmo que preguiça. Preguiça - s.f. - Poste de madeira de secção quadrada 16 x 16 cm com os cantos geralmente chanfrados, apoiado no piso do edifício do moinho e onde estão fixadas as cangalhas que sustentam a adelha. Permite movimento giratório sobre seu eixo. Quelha - (C.A.) - s.f. - Calha, peça de madeira, por onde o grão que sai da tremonha corre para o olho