Gramsci em Turim: a construção do conceito de hegemonia [1 ed.] 9788585833513


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Table of contents :
Sobre o discurso gramsciano e a questão da leitura......Page 9
Introdução......Page 11
Notas para a compreensão do campo ideológico vivido por Gramsci......Page 19
I - O campo ideológico vivido por Gramsci......Page 21
Cultura e política na prática da classe......Page 49
I - Um escrito “maldito”......Page 51
II - Cultura, política e cidadania......Page 53
III - A Revolução Russa e o processo de hegemonia......Page 79
IV - As formas da classe: a luta contra o reformismo......Page 85
V - As contradições italianas no pós-guerra......Page 99
VI - A questão da história......Page 109
As principais questões gramscianas......Page 115
I - A atualidade do imperialismo e da revolução......Page 117
II - A cena da luta: as classes em presença......Page 135
III - Democracia operária: conselhos, sindicatos e partido......Page 161
Renovar ou cindir: das lutas operárias à fundação do PCd'I......Page 191
I - O significado das eleições......Page 193
II - Abril de 1920, ensaio da luta......Page 197
III - O momento atual da revolução......Page 203
IV - Setembro de 1920, o clímax da luta......Page 211
V - Fascismo!......Page 219
VI - Criar o PCd'I: acelerar o futuro......Page 225
VII - Conclusões?......Page 235
Anexo histórico......Page 241
Bibliografia......Page 275
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Gramsci em Turim: a construção do conceito de hegemonia [1 ed.]
 9788585833513

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Edmundo Fernandes Dias

GRAMSCI EM TURIM a construção do conceito de hegemonia

1º edição

São Paulo - 2000

& Edmundo Fernandes Dias 1º edição — 2000 — Xamã Editora

Edição e capa: Expedito Correia Revisão: Alvaro Bianchi Editoração Eletrônica: Xamã Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dias, Edmundo Fernandes Gramsci em Turim : a construção do conceito de hegemonia/ Edmundo Fernandes Dias. — |. ed. — São Paulo : Xamã, 2000. Bibliografia. ISBN |. Classes sociais

85 -85833-51-3 2. Gramsci, Antonio, 1891-1937

3. Itália - Política e governo 4. Política - Filosofia 5. Política e cultura |. Título.

ll Título : A construção do conceito de hegemonia.

98-5364

CDD-320.01

Índices para catálogo sistemático: |. Gramsci : Filosofia política 320.01 2. Hegemonia : Conceito: Filosofia política 320.01

Xamã VM Editora e Gráfica Ltda. Rua Loefgreen, 943 — Vila Mariana

CEP 04040-030 — São Paulo — SP

Tel/fax.: (011) 5574-7017

e-mail: xamaedQuol.com.br

Impresso no Brasil Outubro — 2000

Mi SONO APPASIONATO COST ALLA VITA, PER LA LOTTA, PER LA CLASE OPERAIA. Ma QUANTE VOLTE

MI SONO DOMANDATO SE LEGARSI A UNA MASSA ERA POSSIBILE QUANDO NON SI ERA MAI VOLUTO BENE A NESSUNO, NEPPURE Al PROPRI PARENTI, SE ERA POSSIBILE AMARE UNA

COLLETIVITA SE NON SE ERA AMATO PROFONDAMENTE DELLE SINGOLE CRIATURE UMANE. NON AVREBBE CIÔ AVUTO UN RIFLESSO SULLA MIA VITA DI MILITANTE, NON AVREBBE CIÔ ISTERILITO E RIDOTTO A UN PURO FATTO INTELLETTUALE, A UN PURO CALCOLO MATEMÁTICO, LA MIA QUALITÃ DI RIVOLUZIONARIO?

CARTA DE GRAMSCI A GIULIA SCHUCHT, SUA MULHER, 6/3/1924

ÍNDICE Sobre o discurso gramsciano e a questão da leitura Introdução, 13 Notas para a compreensão do campo ideológico vivido por Gramsci I O campo ideológico vivido por Gramsci, 23 Cultura e política na prática da classe I

Um escrito “maldito”, 53

h

Cultura, política e cidadania, 55

mr A Revolução Russa e o processo de hegemonia, 81 Iv As formas da classe: a luta contra o reformismo,

87

V

As contradições italianas no pós-guerra, 101

VI

A questão da história, 111 às principais questões gramscianas

I A atualidade do imperialismo e da revolução,

119

|]

A cena da luta: as classes em presença, 137

Hi Democracia operária: conselhos, sindicatos e partido, 163

Renovar ou cindir: das lutas operárias à fundação do PCd'I I O significado das eleições, 195 I

Abril de

1920, ensaio da luta, 199

M O momento atual da revolução, 205 IV Setembro de

1920, o clímax da luta, 213

V

Fascismo!, 221

VI

Criar o PCd'I: acelerar o futuro, 227

Vil

Conclusões?, 237

Anexo histórico, 243 Bibliografia, 277

SOBRE O DISCURSO GRAMSCIANO E A QUESTÃO DA LEITURA

INTRODUÇÃO LENINISTA OU GRAMSCIANO! SOBRE A LEITURA DOS TEXTOS GRAMSCIANOS: USOS E ABUSOS xistiu, e de certa forma, existe ainda, uma tradição que tenta, a todo custo, encaixar a totalidade do pensamento marxista dentro de um esquema linear, evolucionista, que tem como matriz de verdade a trilogia Marx/Engels/Lenin. Evolução linear, sem contrastes, sem problemas. Ao preço mesmo de liquidar a historicidade própria a este pensamento. Essa tradição, ao apagar as diferenças no campo do marxismo, define a “ortodoxia”, isto é, “verdades” a serem aplicadas. Nada mais sintomático. Uma das mais expressivas demonstrações dessa tendência é a redução do pensamento gramsciano, em especial do conceito de hegemonia, a uma mera “aplicação” da obra de Lenin. Os debates sobre a obra de Gramsci têm revelado, desde logo, que o tipo de “leitura” feito sobre ela tem sido frequentemente bastante instrumental.! Essa leitura reduz, quase sempre, as “verdades de Gramsci” às teses que o “leitor”

quer “provar”; isto é, “usa-se” Gramsci, como nos diz Portantiero.? Este procedimento permite “reduzir” o texto à condição de “verdade”. Ou porque ele passa

a ser a “matriz de verdade”, a única matriz possível, de outros textos e de outros autores, ou porque ele passa a ser medido pelo acerto/erro em relação à(s) outra(s) matriz(es) de “verdade”. Só que com isso ele perde a sua própria especificidade. Existem também leituras “inocentes”. Dois problemas: a) o texto é tomado em si mesmo. Como uma unidade conceitual a ser tratada independentemente da sua historicidade. Pouco importa com quem e contra quem se «debate, o que importa é a lógica que preside o texto. Como uma unidade

conceitual cujo rigor reside, apenas, no seu próprio interior, e b) o texto é dado

1, O que permitiria continuar a trilogia clássica. Assim derivando de Lenin chegaríamos a Togliatti, pela mediação de Gramsci. E isso nos permitiria chegar, com o máximo de “legitimidade” ao parido de tipo novo, à “via italiana” para o socialismo. Cf. “Los usos de Gramsci”, "DMUNDO

FERNANDES

DIAS

in Cuadernos de pasado y presente,

Buenos Aires, p. 54. 13

por acabado,

como

pronto,

e, assim,

montar um certo quebra-cabeça. O campo da nossa reflexão

gramsciano.

a leitura se

é o da

E não o do acerto ou erro em

resume

quase

especificidade

sempre

do

em

re-

pensamento

relação à matriz de “verdade”

leninista, como querem e praticam muitos especialistas em Gramsci, Do mesmo modo, não é a sua relação com qualquer outra matriz de “verdade”, seja ela a de Croce, Sorel, Bergson, etc. como preferem outros. Para tanto é necessário afirmar que Gramsci parte de questões/problemas seus para enfrentar os problemas colocados à sua reflexão pelos campos político e ideológico (contraditórios) do seu tempo. A partir desta tradição de redução de Gramsci a outra(s) matriz(es) de “verdade”, chegou-se mesmo a negar a originalidade do seu pensamento e a dizer que tal elaboração só foi possível quando este conheceu as obras de Lenin. Para outros (mesmo no PCI, ou talvez principalmente para esse partido), Gramsci era passível de acusações do tipo “idealista”, “crociano”, etc. Nesse sentido a própria afirmação gramsciana de que ele tinha sido “tendencialmente crociano”, contida nas Lettere del carcere, era não apenas a legitimação da acusação, mas era também tomada como “confissão de culpa”, do pecado idealista.

Assim,

para alguns

leninistas,

a rigor o conceito

gramsciano

de

hegemonia só teria aparecido em 1926, nos Alcuni temi sulla questione meridionale* Isto é falso. Afirmamos isso ainda que Gramsci fale, em célebre nota nos Quademi del carcere, que a maior contribuição de Lenin ao marxismo foi a construção, teórica e prática, da hegemonia. O que aliás não é contraditório com nossa tese. Gramsci trabalhará mais tarde a proposição

leninista, é certo, mas seu conceito de hegemonia é diferenciado do de Lenin.

E não uma mera “aplicação” da teoria de um autor por outro. Afirmar a originalidade gramsciana significa reafirmar a prática política e a história como laboratórios reais da teoria. Para nós, e tentaremos demonstrá-lo, a questão da hegemonia já está presente, em 1916, em estado prático. E, seguramente, no biennio rosso, no período dos Conselhos (1919-1920), o conceito está, no fundamental, elaborado. Essa construção só foi possível pela articulação, rica e original, entre o 3. Ver Luciano Gruppi, Il concetto di egemonia in Gramsci, Editori Riuniti-Istituto Gramsci, Roma, 1972. Em especial o capítulo |. É necessário esperarmos até o capítulo 4 para Gruppi começar a operar propriamente com Gramsci. E, para nossa surpresa, se afirma (p. 65) que só em 1918 ele se apresenta como socialista de novo tipo (sic). Abandona-se toda a reflexão anterior, como se ela não existisse. Ainda Gruppi: “Gramsci aproxima-se sempre mais de uma compreensão do pensamento de Lenin, com um processo que vai desde 1919 até 1925-1926. Também os Cadernos do cárcere são um aprofundamento do pensamento de Lenin.” Ver em especial: Tudo começou com Maquiavel (As concepções de Estado em Marx, Engels, Lenin e Gramsci), P&M, Porto Alegre, 1980, p. 71. Seguem-se as reduções, E os dogmatismos.

uu

GRAMSCI EM TURIM

movimento operário metalúrgico turinense (vanguarda das classes trabalhadoras italianas) e um grupo de intelectuais universitários. SOBRE

A QUESTÃO

DA

LEITURA

É nosso propósito ler Gramsci na sua especificidade. E para tal faz-se necessário colocar algumas referências sobre esse discurso. Trata-se de examinar não apenas a sua produção mas a sua interferência na cena italiana. Pensar o seu discurso na cena é examinar a interferência de um discurso transformador que coloca como sua a problemática da constituição de uma nova forma de existência social. Significa afirmar que a articulação destes termos tem duplo caráter: se, por um lado, o discurso faz parte da cena, está presente nela, por outro, essa presença não é passiva, mas, pelo contrário, pretende a transformação da cena. Pensar o discurso gramsciano na cena italiana é, portanto, pensar as condições nas quais esse discurso é produtor e produto. É, portanto, afirmar a dialética da totalidade social. O discurso é produto da totalidade, ao mesmo tempo que é uma forma de apropriar-se dela. Apropriação que não é retilínea, que destaca do universo ideológico dominante elementos que a personificarão, mais tarde, como discurso. Mas o discurso é também produtor da cena. Tendo sido produzido, o discurso entra no jogo contraditório da realidade. A cena, contraditória ela própria, expressa também as condições de possibilidade de um discurso crítico do universo ideológico que lhe é, ao mesmo tempo, anterior e contemporâneo. Na dialética da cena e do discurso, por transformações desiguais e combinadas, esses dois elementos ganham cara nova. E o discurso novo, crítico, criado pela intervenção dos homens, como membros de uma classe, pode vir a ser produtor; pode ser uma nova forma de apropriação do real: uma apropriação que permitirá a transformação do próprio real. O discurso transformador é produzido e produtor. É construído na articulação com outros discursos. É, no início, fragmento, para mais tarde transformar-se em corpo diferenciado. Enquanto fragmento, esse discurso vai «lestacar elementos de outros discursos, trabalhá-los com outro método, com outras questões. Como fragmento ele só pode, pouco a pouco, ir combatendo fragmentos do discurso dominante. Esse trabalho de quebra e reconstrução de fragmentos privilegia problemas, questões, desarticula-os do seu todo anterior. Torna-os estranhos a este último, O discurso gramsciano é, no início, duplamente fragmentário. Primeiro por ter que fazer o que chamamos de quebra e reconstrução. Em segundo lugar, pelo fato de ser discurso jornalístico, discurso sobre o cotidiano. Quase nunca há uma sistematização. Quando falamos em discurso sobre o coti-

diano, não estamos entendendo esse cotidiano como na

O cotidiano

EDMUNDO

repetição, como

roti-

é o lugar da luta de classes, Talvez, inclusive, seu caráter de

FERNANDES DIAS

15

discurso sobre

o cotidiano lhe dê uma

riqueza

multo

grande,

quase

sempre

inexistente em outros discursos políticos, Este discurso sobre o cotidiano tem a função não de explicitar uma verdade para sempre revelada, externa e superior à classe, mas de produzir respostas hs perplexidades da classe, ou mesmo, simplesmente, de colocar melhor as próprias perplexidades. Mais do que uma pedagogia da revolução, o discurso gramsciano vive uma dialética

da construção prático-teórica do saber das classes trabalhadoras e de suas tentativas de se colocar plenamente como classe,

UMA ÚLTIMA NOTA SOBREA QUESTÃO DA LEITURA No entanto, colocava-se para nós a questão da originalidade samento gramsciano. Como ele podia ser tão radicalmente diverso junto do pensamento socialista italiano? Como se constituíra? Nossa pação foi, por um lado, examinar a produção anterior à fundação do

do pendo conpreocuPartido

Comunista da Itália, seção da Internacional Comunista, Se a literatura do biennio rosso é praticamente desconhecida, os seus textos anteriores o são

absolutamente. uma

produção

Encaminhando

a leitura destes textos, fomos entrando em

multifacética de um

jornalista que

escrevia sobre o cotidiano.

Sob sua pena passava tudo: a irresponsabilidade dos políticos, o abuso dos

ricos, o jesuitismo, a crítica teatral, o problema dos aluguéis, a vida operária sob a coação da mobilização bélica, a censura, a cultura, etc, Um novo discurso socialista surgia. No trabalho de pensar o discurso gramsciano, examinamos mais de mil artigos, notas, editoriais. Nesse trabalho, defrontamo-nos com momentos distintos em que o discurso sofre torções, é repensado e rearticulado, cons-

truindo assim sua intervenção no real. Na tentativa de pensar o discurso gramsciano anterior à fundação do Partido Comunista da Itália, destacaremos

dois períodos: o que vai do célebre artigo sobre a neutralidade até o fim da guerra, e outro que parte daí e alcança a fundação do PC. Em cada um des-

ses momentos, o discurso gramsciano nos interessa enquanto articulação/elaboração

de práticas políticas. Do nosso ponto de vista, a reflexão central de Gramsci

é a necessida-

de de se pensar historicamente a questão da revolução socialista na Itália: de pensar a prática concreta do Partido Socialista Italiano como Estado em potência, como antagonista do Estado capitalista, como embrião de uma nova forma estatal. É, pois, ao pensar o Estado, como instituição conflitiva e contraditória, que Gramsci pode colocar a questão da dominação ideológica da burguesia sobre as classes subalternas. A questão da construção de uma ideologia própria para o proletariado é então fundamental, graças à qual esta classe

pode libertar-se, E não apenas isto: graças a ela é possível que, pensando-se tó

GRAMSCI EM TURIM

a si mesma como classe, e como classe tendente a construir uma nova sociedade, coloque a questão da libertação de todas as classes subalternas, oprimidas e exploradas.

SOBRE A ATUALIDADE DESTA REFLEXÃO Que significado pode ter hoje, no Brasil,* uma reflexão sobre a formação do pensamento de Antonio Gramsci? Que sentido tem um estudo sobre Gramsci

em um momento tão rico e contraditório como o que vivemos hoje?

Estas indagações são pertinentes. Para muitos, este tipo de trabalho poderá parecer uma mera reflexão intelectualística, desprovida de um contato maior com a nossa realidade e com os problemas e as necessidades colocadas por ela. Obviamente, este não é o nosso entendimento. Para nós, essa reflexão é atual e pertinente mas, mais do que isso, ela é absolutamente necessária. Essa necessidade radica-se no fato de que a construção da democracia no nosso país passa sem dúvida alguma pelo encaminhamento das questões operária e sindical. E, também, pela articulação das questões democrática e nacional. Ela não pode ser resolvida se não se coloca a questão das classes, dos partidos e dos sindica-

tos. E, obviamente, não se pode deixar de lado a questão do intelectual, tanto

no aspecto de suas práticas como teórico, quanto e, principalmente, pelas suas práticas como cidadão e como militante. O período que estamos analisando, na produção gramsciana, nos coloca todo esse conjunto de questões de forma dramática. Não se trata, é claro, de traduzir automaticamente nenhuma experiência. Mas de aproveitar seus êxitos e fracassos. É, pois, na perspectiva de elaborar teoricamente a questão da democracia que se coloca nossa reflexão. Mas é preciso deixar bem claro que essa reflexão ganhou para nós um sentido mais amplo e mais fundamental pela nossa própria militância partidaria e sindical. Foi nessa perspectiva de luta democrática que este trabalho, pelo menos para nós, perdeu a possibilidade de ser uma mera reflexão teórica, para ser uma tentativa de repensar nossa prática social.

A obra gramsciana foi introduzida no Brasil por volta de

1964,º pelo

menos como divulgação. Um dos grandes problemas encontrados pela maioria dos debatedores brasileiros de Gramsci foi seu enorme desconhecimento da história italiana. Mas, apesar disso, as “leituras”, ou melhor, os “usos”, sobre os textos juvenis são, no mais das vezes, bastante conclusivos: para a maioria deles, a posição gramsciana em relação às formas de organização das

classes

trabalhadoras

era meramente

tática. Quando,

no entanto,

as ques-

tões sindical e partidária se tornaram fundamentais na nossa vida política,

ela ganhou mais importância. Na medida em que a estrutura sindical imposta pelo Estado Novo começou a entrar em crise, uma série de problemas 4, À primeira versão deste texto foi escrita em 5, Sobre Isso ver; Edmundo

EDMUNDO FERNANDES DIAS

1984.

Fernandes Dias, “Rabo preso”,

Teoria e Debate,

14:

1991.

7

polarizaram as classes trabalhadoras, Qual deve ser a relação entre partidos e sindicatos? Entre sindicato e cominho de fábrica? Autonomia ou subordi-

nação? Comissão de fábrica ou delegado mindleal? Pluralismo ou unicidade?

Tudo

isso passava

a ser elemento

de polómica,

Isto é, de permanente

refle-

xão sobre a prática dos trabalhadores, sobre a possibilidade ou não de eles superarem os limites impostos não apenas pelo arbítrio geral, consolidado na Constituição, como aqueles impostos pela CLI — Instrumento ditatorial específico sobre a classe trabalhadora — que sobredetermina a já discricionária Constituição.

Nesse contexto, a reflexão gramsclana sobre a democracia se tornava

vital. Colocava a questão de um modo novo, Não mais como simples liberdade formal no exercício da cidadania mas, pelo contrário, colocava a questão

da obtenção da hegemonia como condição de realização de uma nova cidadania. O que implicava repensar profundamente a maneira pela qual as classes se relacionam. Implicava, também, ver como as classes, embora tenham seu solo no conjunto das relações econômicas, só se desenvolvem plenamente com a criação dos seus intelectuais. E o debate político a respeito dos intelectuais classistas, do partido como intelectual coletivo, leva à busca de um dimensionamento real deste partido em relação hs demais formas de organização da classe. Quinze anos após a defesa da tese que originou este trabalho (fevereiro de 1985, na USP) fica mais claro e mais constrangedor o ar de incredulidade de alguns argúidores: estaria eu falando da Itália ou, na prática, estaria usando uma metáfora para falar da situação brasileira, Naquele tempo pode-

ria parecer que se estava fazendo uma crítica implícita ao velho PCB. Hoje,

passada essa década e meia, em face das posições que tanto o PT quanto a CUT vêm assumindo na conjuntura nacional e frente ao deslumbramento com a modernidade que implica, na prática, uma integração passiva — às vezes, ativa — à ordem, essa pergunta parece ter um tom maior de atualidade.

Devo, NÃO NEGO Cabe agora fazer o melhor agradecimento àqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este trabalho fosse possível. De todos, de modo diferente, tive o apoio, a simpatia, o carinho. A mim, e tão somente a mim, de-

vem ser creditadas todas e quaisquer limitações.

A Alexandrino e Walkiria, meus pais devo o aprendizado da honestidade, da dignidade e do valor do trabalho. E acima de tudo, devo o imgnso amor de quem sempre viveu pelo trabalho, de quem sempre valorizou a

possibilidade de seus filhos ultrapassarem, pelo estudo e pela inteligência, os limites que o capitalismo impõe aos trabalhadores. Ao Zé, irmão querido, pelas suas sempre lúcidas permanentes e férteis discussões.

w

reflexões

e nossas

GRAMSCI EM TURIM

A Ruth, querida companheira, que ao longo de doze anos foi presença permanente e efetivo estímulo intelectual. Companheira que sempre esteve na luta e é, para mim, exemplo de dignidade e integridade pessoal, intelectual e profissional. A Moema, filha muito amada, que desde o início da sua vida conviveu com este estudo e a militância política e sindical, devo o amor e a criatividade que só as crianças e os jovens possuem. Devo-lhe também ter sabido compreender, ainda que sob permanentes protestos pelos seus direitos, o tempo que lhe foi roubado por este trabalho. A Antonio Carlos devo o permanente estímulo intelectual, sua forte presença e a dignidade do seu trabalho, A ele devo as inumeráveis discussões que me enriqueceram humana e teórica e politicamente, o estímulo do trabalho conjunto e, acima de tudo, o benefício das suas amizade e inteligência. A ele devo também a primeira revisão do original que assim se

tornou mais legível.

A Ilmar, querido companheiro dos meus tempos de universidade no Rio, devo o raro privilégio de sua amizade e sua permanente crítica. Devo também o seu exemplo como professor e pesquisador. A Michael Hall e a Maurício Tragtemberg devo não apenas o constante estímulo para a produção deste trabalho mas, também, o acesso a muitos textos fundamentais. Aos companheiros da biblioteca do IFCH-Unicamp e do Arquivo Edgard Leuenroth que tornaram possível o meu acesso aos respectivos acervos, tornando viável este trabalho. E, por fim mas não menos importante, quero agradecer muito particularmente ao professor doutor Ulysses Telles Guariba Neto, meu orientador na USP. Ulysses foi quem, desconhecendo-me, se prontificou a caminhar comigo até o final do doutorado. Ulysses foi sempre uma presença boa, democrática, respeitando nossas diferenças e estimulando sempre meu trabalho, feito no clima da mais ampla liberdade intelectual.

EDMUNDO FERNANDES DIAS

19

NOTAS PARA A COMPREENSÃO DO CAMPO IDEOLÓGICO VIVIDO

POR GRAMSCI

“A FASE MAIS INTELIGENTE DA LUTA CONTRA O DESPOTISMO DOS INTELECTUAIS DE CARREIRA E DAS COMPETÊNCIAS POR DIREITO DIVINO É CONSTITUÍDA PELA AÇÃO PARA INTENSIFICAR A CULTURA, PARA APROFUNDAR 4 CONSCIÊNCIA. E ESTA AÇÃO NÃO SE PODE DEIXAR PARA DEPOIS, QUANDO SEREMOS POLITICAMENTE LIVRES. ELA PRÓPRIA É LIBERDADE, ELA PRÓPRIA É ESTÍMULO À AÇÃO E CONDIÇÃO DA AÇÃO.”

“Prima LIDER”, ANTONIO GRAMSCL,

O CAMPO IDEOLÓGICO VIVIDO POR GRAMSCI SOCIALISMO E REVISIONISMO NA ITÁLIA odo que

o pensamento italiano é marcado por uma tradição humanística influenciou fortemente o pensamento socialista. A debilidade dessa

tradição “se manifestou na incapacidade (...) de colocar o problema do

poder e do Estado, mesmo ao nível dos mais responsáveis 'chefes' do movimento de vanguarda, e na carência quase incrível para uma tradição autônoma, de um pensamento econômico autônomo”.º Dupla carência que marcou limites precisos para os socialistas: a ausência de uma teoria do poder e da economia. Dupla carência que evidenciava outra: a da elaboração de uma teoria das classes sociais. E das suas práticas.

Tudo

potenciado

pelo peso

ideológico do positivismo na Itália. O

positivismo italiano, nascido no combate ao pensamento teológico, ideologicamente dominante, aparece marcado, por um lado, por um processo de renovação científica”e, por outro, por uma ligação forte com os partidos democráticos e burgueses.' Graças a isso, ele foi fortemente expansivo. Foi efetivamente o húmus, em que penetraram as raízes do revisionismo italiano.º Além disso, é preciso ter claro que o socialismo italiano é bastante periférico e retardatário em relação ao continente. Basta lembrar que no momento em que o Anti-Diihring era publicado na Alemanha, os bakuninistas ainda tinham um peso importante no movimento social italiano. O socialismo italia6. Enzo

Santarelli,

La revisione

del marxismo

in Italia, p. 28.

7. Garin, na sua Storia della filosofia italiana, mostra a influência que o positivismo teve De Sanctis. Este, em uma conferência em Roma, a || de março de [883 afirmou: um vivo interesse em estudar as coisas em si mesmas, na sua exterioridade, na sua vida. As bases dos nossos estudos eram gramáticas, retóricas, lógicas, metafísicas (...); o laboratório mesmo nas ciências espirituais”. Op. cit., v. 3, p. 1.264.

sobre Francesco “Hoje tomamos natureza, na sua hoje (...) querem

8. “o grande mérito do positivismo de Ardigó foi o de oferecer, com aspecto de respeitabilidade científica, um bom substituto da religião tradicional àqueles grupos de italianos de cultura média que tinham realizado a Unidade em luta contra a lgreja.”, Garin, op. cit., p. 1.268. 9. Santarelli, op. cit., p. 43.

EDMUNDO

FERNANDES DIAS

23

no surge, em uma articulação com a “ciência” oficial do momento," como economicismo, amplamente mesclado com o materialismo ottocentesco, iluminista. Para se ter uma idéia do socialismo italiano nesse momento basta recordar que só em 1891 o Manifesto Comunista é publicado na Itália." Em suma, o ambiente cultural positivista constitui a matriz “histórica” da revisão do socialismo marxista. Com efeito, mesmo antes que sobre o terreno filosófico, científico ou literário, o positivismo como concepção geral da vida e do mundo, de um certo ponto de vista e por um certo período exprimia as posições mais avançadas da burguesia; assim, na concreta evolução histórica, se estabeleceu uma ligação precisa entre o substrato cultural positivista e a crítica revisionista

da doutrina marxista.'?

Esse positivismo, na sua vertente acadêmica, vai fornecer ao PS o “socialismo dos professores”: Achile Loria, Enrico Ferri," Guglielmo Ferrero, Gino Lombroso” e outros aderem formalmente ao partido ou fazem abertamente proselitismo socialista. Loria'” queria, por exemplo, construir uma sociologia econômica filiada à economia clássica, ao evolucionismo e, embora reverenciasse a teoria socialista negava-lhe a concepção da história e a teoria do valor. Via no socialismo uma “força benéfica e fecunda na evolução social da humanidade” e propunha a colaboração entre o trabalho e 10. A tal ponto que a “Critica Sociale', (...) se converteu não apenas no centro dos estudos marxianos, mas inclusive, quase que de qualquer estudo de ciência social, e nela colaboravam, com entusiasmo, cientistas que não eram do Partido Socialista.", Robert Michels, “Historisch-Kritische Einfúhrung in die Geschichte des Marxismus in Italien", citado por Bo Gustafson, Marxismo y revisionismo, p. 286. 11. Outra indicação precisa do que era o socialismo italiano pode ser vista no texto de Salvemini, “Il partito socialista in Imola”, Critica Sociale, 1892: “bastava ter bom coração, acreditar na evolução, ser muito inteligente, desejar a regeneração de todo o universo (...), sentir-se pronto a sofrer pela idéia”, Garin, op. cit. p 1.271. 12. Santarelli, op. cit., p. 48. 13. Para Ferri, o marxismo é senvolvimento de Spencer”; a “tomando por base a doutrina tes meios de transformar são Wissenschaft, Leipzig, p. V e

nada mais nada menos do que o “irmão gêmeo da doutrina do deinsurreição e a violência são fenômenos patológicos”. Conclui que, do desenvolvimento, o socialismo científico mostra como os diferentão menos eficazes quanto mais violentos”. Sozialismus und moderne ss., 49, 132 e 134, citados por Gustafson, op. cit., p. 246-247.

I4. Jl Ventesimo Secolo, periódico turinense, a 13 de setembro de sua entrevista à Nouvelle Revue, de Paris, distinguia fisicamente os nios ou santos e suas fisionomias são excelentemente harmônicas”) ra que entre estes últimos, presos nas manifestações do dia |º 34% eram anormais, aliás o mesmo se dava entre os comunardos de Chicago de 1887, que também apresentavam grandes anomalias

nariz, tatuagens, antigas feridas, características do delinquente di Torino operaia e socialista, p. 38.

1891, lembra que Lombroso, em revolucionários ("quase todos gêdos anarquistas. Lombroso declade maio daquele ano, em Turim, de Paris de 187| e os anarquistas na cor da pele, nas orelhas e no

nato.”, Citado

por Paolo

Spriano, Storia

IS. Sobre Loria, Antonio Labriola escrevia a Engels: “anti-socialista nas publicações acadêmicas; marxista na polêmica; (...) louvado pelos jornais políticos como aquele que rebateu todos os sofismas de Marx.”, Antonio Labriola, Lettere a Engels, Roma, 1949, p. 9, citado por Santarelli, op, cit., p. 46. Enquanto isso a Critica Sociale de Turati, considerava Loria “o maior socialista, 'revisor' de Marx”, citado por Spriano, op, cit., p. 46. Sobre tudo isso ver a rubrica “Lorianesimi” dos Quaderni del carcere. 2

GRAMSCI

EM

TURIM

o capital.!* la mais longe: via Hegel como precursor de Spencer, Autoproclamava-se um descobridor e um aperfeiçoador do pensamento marxista. Diferentemente do revisionismo alemão que se caracterizava no plano teórico, por uma “volta” a Kant e pelo combate à teoria da mais-valia e, no plano político, por uma real inserção no movimento operário, o revisionismo italiano é marcado, no plano teórico, pelo predomínio ideológico do positivismo — sendo, portanto, sua adesão ao “materialismo histórico, à filosofia da práxis (...) muito mais em nome de um moralismo (e de um idealismo) neokantiano”!” — e, no plano político, por uma pequena intervenção no mundo do trabalho. Mas o revisionismo não é, apenas, uma luta de idéias, de concepções ideológicas. Sua existência é possibilitada pela expansão imperialista, que permite criar formas mais democráticas no interior dos países capitalistas avançados, chegando a uma visão otimista, a belle époque, caracterizada pela crença na inevitabilidade do processo de crescimento da democracia e do bem-estar nos países europeus. Crença essa que “tende” a superar o momento da luta de classes e a afirmar a política pluriclassista. O primeiro a combater o revisionismo na Itália foi Antonio Labriola. '* Sua eficácia, contudo, ficou limitada por não ter conseguido ter voz ativa nos debates no interior do partido. Sua ação de clarificação do pensamento socialista foi muito mais eficaz no plano internacional. Manteve relações epistolares com Engels e com os maiores pensadores socialistas da época. Todo o pensamento revisionista passa por ele: “Sorel se torna editor de suas obras na França, e Bernstein mantém com ele amigável troca de idéias, enquanto na

Itália Benedetto Croce é introduzido por ele ao estudo do marxismo”'* Assim,

aquele que primeiro se mobiliza contra o revisionismo é o vértice de uma articulação de grandes revisionistas. Na prática, ele só consegue, e com apoio muito diversificado, sufocar o revisionismo de Francesco Savério Merlino. Mas, diante

de

Croce,

e de

seu

ataque

ao

marxismo,

Labriola

cede.

Pode-se dizer que o debate revisionista começa na Itália em 1894-1895, com a polêmica sobre a teoria do valor de Marx, publicada na Critica Sociale, de Turati. Principal crítico: Loria. Esse debate, no entanto, é totalmente exteri16. Achile Loria, La proprietà fondiaria e la questione sociale, Verona, op. cit, p. 49.

1897, p. 257-259, apud Santarelli,

17. Idem, ibidem. 18. Para uma análise da obra de Labriola ver: Eugenio Garin, La cultura italiana tra '800 e *900 e Antonio Labriola nella storia della cultura e del movimento operaio; Paul Piccone, Labriola and the roots

of euro-communism;

Nicola Badaloni, Gramsci et le problême

de la revolution; Mario

Tronti,

Tra mate-

rialismo storico e filosofia della prassi, in Caracciolo e Scala (1976); Manuel Sacristán, Porque leer Labriola e Valentino Gerratana, “Introduzione” a Labriola (1974) e “Antonio Labriola e V'introduzione del marxismo in Italia”, 19. Gaetano

Arfé,

Storia del socialismo

italiano (1892-1926),

p. 84-85.

Sobre

entre Labriola e os revisionistas, ver Badaloni, op. cit., e Santarelli, op. cit. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

as futuras

divergências

25

or à prática socialista. A crítica revisionista se torna mais forte quando Merlino, recém chegado ao socialismo após décadas de militância anarquista, publica

a Rivista Critica del Socialismo, tentando ocupar o lugar da Critica Sociale, cuja publicação

fora temporariamente

suspensa.”

Diferentemente da Critica Sociale, a Rivista trata, de forma muito menos

provinciana, temas muito mais ricos do que os habituais nas publicações socialistas. Busca principalmente ligar as problemáticas ideológica e política, tentando vencer um problema comum entre os socialistas: a diferença entre formulações ideológicas rígidas e “uma prática confiada à empiria, quase que esperando que o próprio curso dos acontecimentos soldasse os dois momentos”, Labriola ataca Merlino com todas as suas armas: usa o Avanti!, a Critica Sociale (que voltara a ser publicada em 1899), faz contato com Sorel e Bernstein para não colaborarem com a Rivista, denuncia infiltrações na redação. Merlino sucumbe: estava isolado no movimento, e, diante das dificuldades financeiras, a revista morre antes do seu primeiro aniversário. Labriola combate ainda, e eficazmente, a Loria que “é familiar na Critica Sociale e os jovens lorianos espalham por toda a parte a semente de um revisionismo ao mesmo tempo charlatanesco e perigoso.” Labriola “pensa escrever um Anti-Diihring italiano: contra a sociologia de Ferri, o cooperacionismo de Merlino e a economia loriana. Da empresa deveriam ter participado também Croce e Sorel; mas este Anti-Dúhring Labriola teria que escrevê-lo sozinho”.” Ele se julgava apto para tal tarefa, pois, como escrevera em carta

a Turati de 15 de junho de 1897: “Antes de tornar-me socialista eu tinha tido

inclinação, ocasião e tempo, oportunidade e obrigação de ajustar (...) minhas contas com o darwinismo, o positivismo e o neokantismo”.* O revisionismo no interior do Partido Socialista se acentua. Turati já havia afirmado na Critica Sociale, respondendo a Sorel, que o marxismo tinha “a faculdade de rever-se a si mesmo, aquela potência de autocrítica e de 20. Turati, diretor da Critica Sociale, tinha sido preso pelos motins de Milão de

1898.

21. Sobre a relação Merlino-revisionismo: “As teses da revista tiveram, de fato, muitos pontos de

contato

com

as de Bernstein,

mas, na realidade,

amadurecidas

independentemente

destas,

prece-

dem-nas mesmo, e ainda que bastante menos organicamente construídas e documentadas, são ricas de sugestões e intuições (...). Nas páginas da revista, tanto Bernstein quanto Sorel encontram hospitalidade, e entre os colaboradores (...) Andrea Costa e Maffeo Pantaleoni, Luigi Einaudi e Arturo Labriola.”, Arfé, op. cit., p. 86-87. 22. Santarelli, op. cit., p. 57. 23. Idem, ibidem. O primeiro grifo é nosso. “Labriola, de resto negará que na Itália se estivesse frente a uma real e verdadeira 'crise do marxismo", pela razão de que nem os 'críticos', nem os “revisores'

de

Marx

(...) tinham

na realidade

aderido

ao marxismo

e, portanto,

não

tendo

experi-

mentado, não o tinham sequer 'superado"”, op. cit., p. 56-57. Sobre a importância de Sorel, ver Santarelli, op. cit. p. BO-I 16. 24. Antonio 26

Labriola, Saggi sul materialismo storico, p. 228. GRAMSCI EM

TURIM

constante aperfeiçoamento, de que se fazem fortes os que lhe anunciam a crise e lhe preconizam a dissolução”.” Quando a Critica Sociale volta a ser publicada, ela não se intitula mais “revista do socialismo científico” e sim simplesmente “revista do socialismo”. E o próprio Turati dirá claramente mais tarde: “Toda a nossa propaganda está penetrada de revisionismo mais ou menos

bernsteiniano

e se

permanecemos

de

algum

modo

marxistas,

é nas

grandes linhas, no espírito geral da doutrina, no conceito e na prática da luta de classes e do materialismo econômico”. A tentativa de Labriola é a de pensar o marxismo, o “comunismo crítico”,” “no tríplice aspecto de tendência filosófica, quanto à visão geral da vida e do mundo; de crítica da economia que tem modos de procedimento redutíveis a leis porque representa só uma determinada fase histórica; e dé interpretação da política sobretudo, de que se necessita e é adequada para dirigir o movimento operário em direção ao socialismo”. A eficácia do marxismo reside em sua análise da história, baseada no “processo de formação e de transformação da sociedade”, que fundamenta sua intervenção na história. A história da sociedade classista se baseia no antagonismo das classes, na apropriação do trabalho, na “luta do trabalho vivo contra o trabalho acumulado”.* A contradição capitalista só pode ser resolvida pela “abolição do salariado”, o que só é possível pela construção de uma sociedade “que não produz(a) mercadorias; e que esta forma de sociedade não (seja) mais o estado, mas o seu contrário, isto é, a dominação técnica e pedagógica da convivência humana, o self government do trabalho”. Até lá, devese compreender e atuar sobre as leis do desenvolvimento da sociedade capitalista. Contrariamente ao que pensam os socialistas ele afirma a especificidade das leis econômicas. “Acima de tudo, é necessário conhecer (..) a Economia relativa de cada época, para explicar especificamente as clas-

ses que aí se desenvolvem”,*! mente,

O marxismo não é uma teoria econômica. É “a tentativa de refazer na com método, a gênese e a complicação da vida humana desenvolvi

25. Critica Sociale,

1/5/1898, citado por Santarelli, op. cit., p. 64

26. Critica

1/10/1906,

Sociale,

idem,

p. 66.

27. “In Memoria del Manifesto Comunista (1895)”, 28. “Discorrendo

in Saggi..., op. cit., p. I5.

di socialismo e di filosofia (1899)”, in Saggi..., Carta a Sorel, 24/4/1897.

29. Idem, p. 44. 30. Idem,

p. 45.

Em

inglês no texto.

3|. Idem, p. 61. A tal ponto é acentuada essa especificidade que Labriola chega a afirmar: “Marx escreveu em O Capital não o primeiro livro do comunismo crítico, mas o último grande livro da economia burguesa.”, idem, p. 60. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

27

da através dos séculos". É um procedimento que determina uma estruturação das informações, pois “não se trata de traduzir em categorias econômicas todas as manifestações complicadas da história, mas somente de explicar em última instância (Engels) todos os fatos históricos por meio da estrutura econômica subjacente (Marx)”.ºº Labriola afirma que a história é “fato do homem, enquanto o homem pode criar e aperfeiçoar os seus instrumentos de trabalho, e com tais instrumentos pode-se criar um ambiente artificial, o qual depois reage nos seus complicados efeitos sobre ele, e assim como é e como pouco a pouco se modifica, é a ocasião e a condição do seu desenvolvimento”. Guardemos essa caracterização da história como “fato do homem”. Como ciência, a história determina a ori-

gem, a composição e as transformações do “ambiente artificial”, que nada mais

é do que a “soma das relações sociais resultantes das formas e das repartições de trabalho”. Esse “terreno” possui suas leis que não podem ser colocadas em uma sucessão evolutiva genérica. O evolucionismo é um elemento

degenerativo do pensamento e da prática marxista. “O danvinismo político e social invadiu, como uma epidemia, (...) a mente de vários pesquisadores, (...) advogados e declamadores da sociologia”. E mesmo: essa “enfermidade cerebral que de alguns anos para cá invadiu o cérebro de muitos italianos que falam agora de uma Nossa Senhora Evolução, e a adoram”.” Não se pode falar em evolução genérica. E os que pretendem combater o marxismo, ou revê-lo, acabam por reduzi-lo às teorias evolucionistas: “procuram nessa doutrina (o marxismo) um derivado do darwinismo (...); ou nos favorecem com a aliança e o patrocínio desta filosofia que vai de Comte (...) a (...) Spencer, quinta-essência do burguesismo anemicamente anárquico"; E, acima de tudo, essas teorias não servem de parâmetro para o materialismo histórico na medida em que os exemplos e as analogias das ciências

naturais nada têm a ver com o “ambiente artificial”

O marxismo não precisa de nenhuma filosofia exterior a ele. Nem o neokantismo nem o positivismo. O marxismo tem a filosofia da práxis que “é 32. “Del materialismo storico. Delucidazione preliminare (1896)", in Saggi..., op. cit., p. 77. 33. Idem, p. 84. 34. Idem,

p. 89.

35. Idem,

ibidem.

36. Idem, p. 86. 37. "Discorrendo...", op. cit., p. 229. Carta a Turati, 5/6/1897. 38. “In memoria..." op. cit., p. e da astronomia, precisamente e poucos anos antes da ruidosa a investigação sobre a origem 28

19. “Comte que proclamava fechado para sempre o ciclo da física no momento em que se descobria o equivalente mecânico do calor descoberta da análise espectral; (...) que em 1845 declarava absurda das espécies!", “Discorrendo...”, op. cit., p. 233. GRAMSCI

EM

TURIM

a medula

do

materialismo

histórico";”

O tríplice aspecto do marxismo,

a que

nos referimos anteriormente, é a comprovação disso. Badaloni

resume

Tratava-se

da

assim

teorização de

a contribuição uma

nova

de

pedagogia

Labriola: social, cujos

pressupostos

eram,

por um lado, o levar em consideração as condições reais da classe operária (“a direção do possível é dada pela condição do proletariado”, isto é, por sua capacidade “psicológica de receber a teoria científica”) como teoria 'verdadeira', apta a interpretar os fatos sociais sem fazê-los por isso entrar em esquemas rígidos, e a manter a orientação geral da vida e do mundo em um diálogo permanente com o desenvolvimento das ciências. (...) Assim o socialismo, de necessidade objetiva, tendia a se transformar em ponto de vista subjetivo da luta operária e, por esta mediação, a soldar as leis objetivas do devir histórico à consciência subjetiva da

nova classe progressista.”

As relações com Turati marcam

extremamente os limites da ação de

Labriola. Ambos trabalharam na redação do programa do PS quando da sua formação. O afastamento de Turati em relação a Labriola chega mesmo, salienta

Santarelli,

a produzir

uma

recusa

ou

uma

substancial

limitação

da

con-

tribuição ideológica de Labriola. Este, no entanto, é fundamental. O marxismo que Croce e Gentile querem revisar não é o de Marx, mas o de Labriola: “São estes ensaios (os de Labriola) que introduzem propriamente o marxismo na Itália. A partir daí, o objeto em discussão por todos, será Marx; assim como apenas Labriola foi estudado por todos”.*! A luta real contra o revisionismo teria que ser travada contra Croce. Este, sem qualquer experiência política anterior, se interessou pelo marxismo assim como se interessara por inúmeras outras teorias e idéias.'” Mas, após o seu rápido interesse pelo marxismo, ele acaba por tomar-se o grande líder revisionista italiano. Irá mesmo influenciar Sorel e Bernstein. Primeiro, Croce se choca contra o que chama de falsos marxistas: Paul Lafargue e Achile Loria são suas grandes vítimas. Limpo o terreno, o ataque de Croce se dirige ao próprio Marx. Em um artigo, de novembro de 1897,% 39. “Discorrendo...”, op. cit., p. 207. Carta a Sorel, 14/5/1897. 40. Badaloni, op. cit., p.

103-104.

41. Tronti, op. cit., p. 77. 42. Sobre a gênese do pensamento crociano, ver Garin, Inttelletuali italiani del XX secolo, cap. 1º: “Appunti sulla formazione e su alcuni caratteri del pensiero crociano”, p. 3-31. “Na sua gênese, o pensamento

de

Croce

se

mostra

ligado

ao

herbatismo

(...) Simmel

e à filosofia

da

vida

(...).

Neokantismo, portanto, bem mais do que hegelianismo (...), dialética vida-forma, discussão da relação entre ciências da natureza e ciências do espírito, investigação sobre a história, polêmica antipositivista em uníssono com boa parte do debate contemporâneo do mundo”, idem, p. XI-XII. 43. Sobre a crítica a Loria ver “As teorias históricas do professor Loria”, publicado originalmente em Devenir Social, a. Il, novembro de 1896, republicado em Materialismo storico ed economia marxistica, p. 21-51. Croce comenta o fato de que Loria ao mesmo tempo gozava das boas graças do pen-

EDMUNDO FERNANDES DIAS

29

ele inicia sua revisão do marxismo, Croce vê em O Capital um estudo “abstrato” sobre uma “sociedade ideal e esquemática, deduzida de algumas hipóteses que (falemos assim) poderiam não ter se apresentado jamais como

fatos reais no curso da história”.'* Partindo de tal premissa, Croce pode chegar a afirmar com facilidade que “Marx postulou (...) uma proposição, que é

a famigerada igualdade de valor e trabalho (...). Só em virtude dessa afirmação teve início sua própria investigação”. Ora, se considerarmos que Marx, como quer Croce, fala de uma sociedade puramente conceitual e “postulando” a teoria do valor, teremos forçosamente de admitir que tudo isso tem pouco a ver com a economia. Croce vai mais além e afirma que a teoria do valor não tem nenhum significado moral e nada diz sobre as necessidades concretas das sociedades. E mais: “O valor trabalho apareceria, (...) como (...) determinação do valor, própria da sociedade econômica em si mesma, considerada apenas enquanto produtora de bens aumentáveis pelo trabalho. Desta definição pode-se extrair o corolário seguinte: a determinação do valor trabalho terá certa correspondência com os fatos, sempre que existir uma sociedade que produza bens por meio do trabalho”.* A partir disso Croce afirma que se trata de um fato, “mas um fato que vive entre outros fatos, ou seja, um fato que aparece-nos empiricamente contrastado, diminuído, alterado por outros fatos, como uma força entre outras forças, que dessem uma resultante distinta da que daria se as outras forças deixassem de atuar. Não é um fato dominante absoluto”,* e por aí vai. Sucedemse vários outros pseudo-problemas como o da relação entre Marx e a economia pura, o da neodialética de Marx, a aceitação da tese labrioliana segundo a qual os homens são “como que vividos pela história”, etc., etc. Eis aqui, resumindo, a sua revisão: 1. Com relação à ciência econômica, a justificação da economia marxista, entendi-

da não enquanto ciência econômica geral, mas enquanto economia comparada, que trata das condições do trabalho na sociedade;

sociológica

samento antimarxista e também as recebia dos círculos socialistas, e se pergunta como isso é possível. Sua explicação — e isso é importante para a compreensão do movimento socialista italiano — prende-se ao desconhecimento do marxismo na Itália. Muitas das “investigações” de Loria não passavam de plágio. “"Plagiando e censurando Marx, era fácil passar por pensador de grande envergadura e mais ou menos socialista”, diz Croce, op. cit., p. 38. O plágio foi denunciado pelo próprio Engels no prefácio do terceiro volume de O Capital. 44. “Para a interpretação e a crítica de alguns conceitos do marxismo”,

op. cit., p. 67-116.

45. Idem, p. 54. 46. Idem, p. 56. trabalho” como cita, a Crítica da valor, O primeiro da investigação.

O último grifo é nosso e decorre da frase “a proposição da igualdade de valor e ponto de partida da investigação se deve ao fato de que Croce conhece, e até economia política onde estava claramente encaminhada a constituição da teoria do volume de O Capital, como o próprio Marx ressalta, só é possível após o término Trata-se da famosa diferença entre a ordem de investigação e a de exposição.

47, Idem, p. 63. 48. Idem, ibidem.

30

GRAMSCI EM TURIM

2. Com relação à teoria da história, a libertação do materialismo histórico de todo conceito apriorístico (seja herança hegeliana, seja contágio de evolucionismo vulgar) e o entendimento da doutrina como cânone de investigação histórica, fecunda sim,

mas

simples;

3. Com relação à praticidade, a impossibilidade de deduzir o programa social marxista (como qualquer outro programa social) de proposições de ciência pura, devendo conduzir o juízo sobre os programas sociais ao campo da observação empírica e das persuasões práticas; 4. Quanto à ética, a negação da intrínseca amoralidade ou da intrínseca antieticidade do marxismo.*

A ação revisionista de Croce continua: a mais-valia é considerada como uma categoria que pode ter valor prático mas não científico;*” refuta a lei tendencial da queda da taxa de lucro;*! a filosofia de Marx é considerada inexistente. No entanto Croce afirma que é grande o mérito de Marx por ter revalorizado, contra os socialistas utópicos, o momento da força. Pode mesmo ser considerado o “Maquiavel do proletariado”. Grande agitador e polemista, mas como cientista — que pena! — Marx é demasiadamente fraco.

Diante desse ataque, Labriola não consegue uma refutação de peso.

Ingenuamente, ele pede a Croce que se declare um diletante, dado que nunca tivera atuação política. “Labriola lhe reprova as “sutis distinções metafísicas' usadas 'para fabricar um Marx diferente do verdadeiro" e discerne no seu método (que era o de distinguir no marxismo a parte aceitável da não-aceitável) uma conseqiiência direta do “maléfico bacilo metafísico” de que Croce não tinha ainda se libertado completamente”.*?

49. Idem, p. 102-103. Santarelli, op. cit., salienta que esse artigo foi decisivo para a passagem de Sorel ao revisionismo. Já, em 1896, no artigo Sobre a concepção materialista da história, onde comenta Labriola, Croce afirmara: “O materialismo histórico não é, e não pode ser uma nova filosofia da história, nem

um

novo

método:

é, porém,

e deve

ser precisamente

isto: uma

soma

de novos dados,

de novas experiências, que penetram na consciência do historiador” (p. 9); “que no materialismo histórico não devemos procurar uma teoria que deva ser tomada em sentido rigoroso; que, aliás, nele não existe o que se chama, propriamente, uma teoria”, idem, p. 12. No já citado artigo contra Loria, Croce é mais enfático: Marx e Engels não produziram essa teoria pois “faltavam (...) os elementos constitutivos de uma teoria. Tanto um como o outro não nos deixaram sobre esse tema senão aforismos gerais e aplicações particulares”, (p. 26); e em carta a Gentile (1899), embora matize suas considerações, permanece firme no essencial: “eu não quero negar que para Marx o materialismo histórico fosse em um certo período uma filosofia. Mas digo que na forma em que é anunciado em O Capital, e no prefácio a Zur Kritik..., nas aplicações históricas, etc., ele é exposto de tal modo — com tais limitações — que logicamente não se pode interpretá-lo senão como um cânone empírico”, citado por Garin, op. cit., p. II-12. SO. Cf. Recentes interpretações da teoria marxista do valor e polêmicas sobre ela, p. 121-137. Para um maior detalhamento da crítica crociana e para uma crítica a ela ver: Nicola Badaloni e Carlos Muscetta, Labriola, Croce, Gentile, p. 63-65 e Gustafson, op. cit., p. 262-273. Sl. Cf. Uma objeção à lei marxista da taxa de lucro, p. 139-150. 52. Santarelli, op. cit., p. 58-59. A visão de Croce sobre Labriola é a seguinte: “Começa a parecerme que ele leu Marx demasiado tarde: permaneceu preso como um incubo; não soube conectar a sua nova cultura filosófica, fatigantemente adquirida, com a antiga, ainda que em forma de negação e

EDMUNDO FERNANDES DIAS

31

A ação de Croce é violentíssima — declara Marx morto teoricamente — e, além do apoio de Sorel e de Bemstein, conta com a generalizada falta de cultura marxista dos socialistas. Ganha assim para a sua posição os jovens socialistas.” Sobre isso Gramsci meditará profundamente nos seus Quaderni del carcere. O que se segue a tudo isso — o ataque de Croce, o positivismo dos líderes, o corporativismo que pouco a pouco vai se tomando a tônica do partido e dos sindicatos, etc. — é a progressiva perda do poder expansivo que os socialistas tinham tido no último decênio do século XIX. Esse foi o pior revisionismo italia-

no, “forma tipicamente italiana do revisionismo, (...) dada pela revisão na prática,

do possibilismo tático que determina o fácil manejo dos princípios, aconselha a superação dos contrastes e dos debates ideológicos, e empurra para os compromissos entre correntes. Donde, enfim, a capacidade, apesar de tudo, de evitar as posições extremas da social-democracia.”** E foi por essa “revisão na prática” que “a prática da revisão” não venceu na Itália. Manteve-se em grande parte a fraseologia socialista, mas prati-

cou-se abertamente a colaboração.

OS CATÓLICOS ESUA INTERVENÇÃO NA POLÍTICA ITALIANA que

A Igreja, instituição plurissecular, sempre praticou a hegemonia, ainda não desse esse nome à sua prática de se definir e realizar, como

crítica, e na sua vida intelectual existe um hiato, não uma transição ou o significado de uma luta. Admira pois demasiadamente a Engels que, no meu parecer, contribuiu para desviar e fazer degenerar o pensamento de Marx”, citado por Garin, op. cit., p. 13. 53. Garin exemplifica a dos jovens socialistas de atrás, para a parte mais Isto é, deve ser o fulcro e se

desenvolvem”,

ação de Croce através da intervenção de Mario Montagnana no congresso 1919: “L'Ordine Nuovo deve ser, para os socialistas, o que foi, poucos anos inteligente da burguesia a revista La Voce, que se publicava em Florença. em torno ao qual todas as inteligências e as vontades de saber se realizam

citado

por

Garin,

op.

cit.,

p.

XII.

54. Santarelli, op. cit., p. 62. 55. Não se tratava aqui de discorrer sobre o revisionismo como movimento de conjunto do pensamento marxista europeu, mas de verificar as bases teóricas desse movimento na Itália onde podemos analisar suas implicações sobre o pensamento operário e socialista, e ver contra quem Gramsci está lutando. Sobre o revisionismo de Bernstein muito já se escreveu. Duas obras clássicas são decisivas: Rosa Luxemburgo, Reforma ou revolução? e Karl Kautski, Bernstein e o programa social-democrata. Na produção mais recente, o artigo de Lucio Coletti, Bernstein e il marxismo della Seconda Internazionale, publicado como prefácio à edição italiana da obra de Bernstein, e depois republicado no livro [deologia e societã, p. 61-147, nos parece fundamental. Hoje, no entanto, a partir das mais recentes pesquisas historiográficas, podemos perguntar se o marxismo (pós-Marx) não foi ele próprio já uma revisão, se a codificação feita do marxismo por Engels e Kautski não o simplificara para torná-lo “acessível” a uma parcela. Cf. Hobsbawm, A fortuna das edições de Marx e Engels e À cultura européia e o marxismo entre o séc. XIX e o séc. XX; de Franco Andreucci, À difusão e a vulgarização do marxismo; de Marek Waldemberg, À estratégia política da social-democracia alemã; e o de Massimo L. Salvadori, Kautsky entre a ortodoxia e o revisionismo e mais recentemente as obras de Massimo L. Salvadori, Kautsky e la rivoluzione socialista 1880-1938, Milano, Giangiacomo Feltrinelli, 1976 e de Marek

Waldemberg,

Il papa rosso.

Karl Kautsky,

Roma,

Riuniti,

1980,

lançaram importantíssimas

sobre a problemática do revisionismo e da submissão dos socialistas à ideologia burguesa.

2

luzes

GRAMSCI EM TURIM

horizonte ideológico. Era (e é) vital elaborar um corpo de teoria (e teóricos) e de práticas (e práticos) que fosse capaz de traduzir, a cada momento e para cada conjuntura, o seu discurso “universal”, de dar conta das diversidades, criando e mantendo, assim, uma cidadania específica no interior da instituição, capaz de ligar Roma à menor das aldeias. Explicando, justificando, localizando os problemas do/no tempo, essa hegemonia mostra as diferenças existentes no real, como partes constitutivas do todo e não como incoerências e torna possível ganhar as consciências: podem assim atuar sempre no campo do sagrado — ainda que vivam no século, isto é, no profano.

Gramsci analisou repetidamente nos seus textos juvenis a intervenção

da Igreja e de suas múltiplas materializações: da ação direta na política à ação educacional; da imprensa católica que dia a dia organiza a visão dos fiéis (e onde estes costumam anunciar, agradecendo aos santos uma graça recebida,

como conseguir alugar uma casa, curar uma doença ou mesmo casar), aos folhetos das paróquias, passando pela formação daquilo que ele chama

mentalidade jesuítica. No campo ideológico italiano, a presença dos católicos é vital. O controle exercido sobre as massas subalternas pela Igreja foi sempre decisivo. O próprio processo de unidade italiana foi longamente retardado pelo poder temporal do papado. A unidade italiana foi feita contra ele e, por isso, a in-

serção dos católicos na política nacional foi lentíssima.

Mesmo antes da unidade a luta entre o reino do Piemonte e o Vaticano foi duríssima. Pelas leis Sicardi (1850) era abolido o foro especial para os eclesiásticos e as sociedades eclesiásticas colocadas fortemente sobre controle. Aboliam-se as penalidades contra o trabalho nos dias santificados — o que além de golpear a Igreja, beneficiava o patronato. Em 1855, toda e qualquer congregação que não se dedicasse à pregação, à assistência aos enfermos e à instrução foi abolida e teve seus bens confiscados. Em 1865, pelo novo Código Civil, aboliram-se as congregações religiosas e os capelães militares. E os padres foram obrigados ao serviço militar. A reação vaticana não demora: em 1862, pela alocução Maxima quidem laetitia, o papa declara não poder ser livre sem o poder temporal. Dois anos após, pela encíclica Quanta cura, o papa condena os “erros” do liberalismo, exige o poder temporal, o privilégio de foro, o direito de vigiar as escolas estatais, de regulamentar o casamento. O máximo da tensão se dá no Concílio Vaticano (1869-1870) em que se proclama a infalibilidade papal e quando da conquista de Roma o papa declara seu autocativeiro. Após a unificação começa um gradual processo de normalização das relações. Já em 1871, pela Lei das Garantias (31 de janeiro), embora o Estado italiano não reconhecesse qualquer soberania territorial do papa concede a este uma série de privilégios: concede-lhe honras de soberano e o declara isento da jurisdição penal italiana; reconhece e garante o corpo EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

33

diplomático credenciado junto ao papa com os mesmos direitos dos diplomatas credenciados junto ao rei; concede o direito do papa de ter seus corpos armados, seus próprios telégrafo e mala diplomática, etc. Além dos palácios Vaticano e Lateranense, a vila de Castelgandolfo e uma dotação de 3.225.000 liras anuais. Abre mão de seu direito de controlar a publicação das novas leis eclesiásticas e, em geral, sobre os atos das autoridades eclesiásticas; abre mão ainda do seu direito quanto ao juramento de fidelidade dos bispos e do seu direito de nomeação dos bispos nas regiões onde o rei o reivindicasse. Chega mesmo a declarar não-passíveis de punição penal os cardeais em época de concílio. Não abre mão, contudo, nesse

momento,

de

controlar

os

atos

referentes

à concessão

de

rendas

e aos

bens das instituições eclesiásticas. Apesar dessas concessões o papa considera inaceitável a lei. A partir de 1874, os católicos são formalmente proibidos, pela bula Non expedit, de participar da vida política nacional. A palavra de ordem é “nem eleitores, nem eleitos”. A luta será longa.“ Luta de dois poderes que buscam o domínio dos corpos e das almas. Em 1875, os bispos se rebelam e recusam-se a solicitar o exequatur real para tomar posse de suas dioceses. O Estado pune essa rebelião. Reforça-se a organização católica: são criadas a Opera dei congressi e dei comittati cattolici in Italia (Opera) e a Giuventit Cattolica Italiana. Os católicos passam

a luta em defesa da escola “livre”.” Em

1877, a luta é contra a lei de educa-

ção

primária que tornava o ensino religioso facultativo. O reforço da centralização da disciplina eclesiástica é promovido pelo papa Leão XIII que para tal objetivo fortalece a cultura tomista como base da teologia. Esse mesmo papa, em 1890, convoca os católicos a desobedecer ao Estado italiano. No ano seguinte publica a encíclica Rerun novarum para fazer frente ao avanço do movimento socialista e proletário. A Rerun novarum reconhece que o trabalho não é uma mercadoria como outra qualquer e, portanto, não pode estar submetido apenas à oferta e à procura. Cria-se assim as condições para a formação e desenvolvimento do sindicalismo bianco, católico. Nesse mesmo ano o 9º Congresso católico tem a presença de 284 sociedades operárias com 73 mil aderentes. O Congresso de 1892 (ano de fundação do PS) convida as associações rurais — de proprietários e camponeses — a se agruparem territorialmente, surgindo assim a primeira união agrária católica, Em 1894, a Unione Cattolica propõe o programa do 56. E só terminará com os Acordi del Laterano, feitos já sob o domínio do fascismo (1929). Cf. Arturo Claro Jemolo, Chiesa e Stato in Italia. Dalla unificazione ai giorni nostri. Em especial as páginas 220-258. 57. Ou seja, o direito da Igreja possuir suas próprias escolas. 3

GRAMSCI

EM

TURIM

azionariato operaio,* propõe também as uniões profissionais mistas — de trabalhadores e patrões. Estas duas teses serão consagradas pelo 11º Congresso Católico, A luta pela renovação católica” se trava nos congressos, mas face à intransigência conservadora (dos velhos), os democratas cristãos (os jovens) se rebelam e juntamente com os moderados se articulam nos Fasci democratici cristiani.” Mesmo entre os militantes dos fasci haviam contradições. Meda (moderado) não via antagonismo entre o Estado e a Igreja! e Murri (democratacristão) tinha uma visão antiestatal. Já no 17º Congresso (Roma, 1900) os velhos evitam o confronto. A questão Opera X Fasci deveria ser regulamentada proximamente pelo Vaticano. Esse congresso favorece a formação de uniões profissionais compostas unicamente por trabalhadores. E a 1º de novembro, Murri — da revista Cultura Sociale —, Valente — do Popolo Italiano — e Mattei Gentile fundam o Domani d'ltalia que será o órgão dos democrata-cristãos. Logo após o Vaticano deixa claro que a ele, e só a ele, competia a formação de um partido católico.

O ano de 1901 começa com a encíclica Graves de communi que recusa as interpretações de Murri: não é lícito “dar um sentimento político à de-

mocracia-cristá”. Mais ainda: reforça que o “entendimento e a ação dos católicos que visam promover o bem dos proletários, não deve (...) propor-se a preferir e preparar com isto uma forma de governo ao invés de outra”. E reafirma que a Opera era a única organização geral dos católicos. Aproveitando-se das ambigúidade do texto, os democrata-cristãos intensificam a organização e a propaganda. Com isso o movimento sindical católico cresce e o Domani d'Italia se expande. Os democrata-cristãos chegam mesmo, no congresso regional de Milão a reconhecer o “confronto e a luta de interesses e das classes na produção e na vida pública (...) a resistência legal e a greve como meios de defesa dos interesses dos humildes”. Na realidade, a ambição do grupo era travar a luta contra os socialistas no próprio terreno daqueles, e tentar obter o comando do movimento dos trabalhadores. 58. Ações das empresas deveriam ser distribuídas aos operários e junto a isso estes deveriam participar dos lucros daquelas. 59. Sobre o modernismo ver Jemolo, op. cit., p. I1I-1 16. 60. Não sem um certo escândalo visto que a palavra fasci àquela época designava as organizações socialistas e/ou sindicais. 61. Murri insiste na “necessidade de uma reorganização começada de baixo e, portanto, no sentido oposto à ação do Estado moderno”, “Carta a Meda” (setembro de 1899). Meda responde: "Penso que nos propormos a combater o Estado é afirmar que em si mesmo o Estado está contra nós: pelo

contrário,

o Estado,

mesmo

nas

suas atuais formas

italianas, poderia

muito

bem

subsistir em

harmonia com a Igreja.” citado por Giorgio Candeloro, Storia dell'talia Moderna, v. VII, p. 188. 62. Idem, ibidem. 63. Idem, p. EDMUNDO

189. FERNANDES

DIAS

35

Leão

XIII diante do avanço democrata-cristão

tem que

optar entre

submetê-los ou não à Opera, O risco era o do surgimento de um partido católico. O papa sugere aos jovens a integração no segundo grupo da Opera (o econômico-social); e reforma a Opera, subordinando-a ainda mais à autoridade eclesiástica. Dissolve por fim, em fevereiro de 1902, a organização dos democrata-cristãos, os quais são obrigados a entrar na Opera e aí fundarem uma fração. Em 1903, punido pelo cardeal Respighi por ter feito um discurso sobre liberdade e cristianismo, Murri resolve dedicar-se apenas a uma sociedade cultural. Passa o controle do Domani d'Italia ao segundo grupo da Opera, mas conserva a Cultura Sociale. Retoma as suas atividades políticas, reinterpretando posições papais: sua situação se torna mais e mais insustentável. O novo papa, Pio X, inicia a normalização das relações com o Estado italiano. Pela encíclica E supremi apostolatus cathedra, Pio X defende a necessidade da criação da Ação Católica como “instrumento insubstituível para a defesa, a restauração e a difusão dos princípios cristãos na sociedade moderna, nascida da revolução francesa e atingida pelo paganismo”. No referente à questão da Opera, Pio X não altera nada. O combate entre conservadores e democratas cristãos se acirra mais no 19º Congresso Católico. O grupo conservador apresenta, a 2 de setembro de 1904, na reunião do Comitê Permanente da Opera, moção condenando a democracia cristã, o predomínio dos temas econômicos na ação social da Igreja em detrimento dos temas religiosos, o fortalecimento das autoridades eclesiásticas e põe na mão do papa o destino da Opera. Esta acaba sendo extinta, permanecendo apenas o segundo grupo. A greve geral de 1904 possibilita a ação giolittiana no sentido de relaxar a aplicação do Non expedit. Da palavra de ordem “nem eleitores, nem eleitos” se passa a “católicos deputados sim, deputados católicos não”. Del Carria salienta que “cada novo passo da inserção dos católicos na classe liberalburguesa ocorre em consequência, e após, uma nova luta popular que ameaça a ditadura de classe” da burguesia. Dois outros momentos de recuo tinham ocorrido em 1895 e 1900. O Non expedit que implicou por quinze anos o abandono da esperança dos católicos mais ativos da formação de um partido e implicou por outro lado a marginalização da democracia cristã, deveu-se essencialmente à coincidência de duas ordens de interesses: os dos pequenos burgueses empresariais, bancários e agrários, que controlavam amplos setores do movimento católico e que impulsionavam para uma inserção deste na luta com função moderada, senão conservadora, e os do Vaticano, às voltas com 64. In Alfonso Leonetti, Mouvements ouvriers et socialistes (chronologie et bibliographie): Ltalie (Des origines à 1922) p. 96. 65. Renzo Del Carria, Proletari senza rivoluzione, v. |, p. 390. 36

GRAMSCI

EM

TURIM

a política anticlerical predominante na França, e temeroso do desenvolvimento do socialismo e de uma retomada do anticlericalismo na Itália.

Suprimida a Opera e suspenso temporariamente o Non expedit, Pio X publica, a 11 de junho de 1905, a encíclica 11 fermo proposito dando aos bispos italianos diretrizes para a organização e ação dos católicos, atribuí-lhes também o direito de suspender o Non expedit, proibindo no entanto, os católicos de se organizarem em partido político. Em novembro, muitos democratas cristãos se reúnem em Bolonha e fundam a Lega Democratica Nazionale (LDN) inspirada por Murri, e passam a publicar o jornal Azione democrática. Em 1906, após aprovação vaticana, a organização nacional dos católicos passou a ser feita por três associações: a Unione popolare tra i cattolici d'ltalia, a Unione economico-sociale dei cattolici italiani e a Unione eletorale cattolici italiani. À primeira competia liderar ideológica e politicamente as outras duas. É No entanto, a repressão que o papado exercia a cada dia sobre o modernismo e a democracia cristã tornava o debate teórico e as iniciativas culturais católicas cada vez mais áridas. A própria Unione elettorale define a sua ação como sendo a “intervenção direta nos colégios onde existem sérias possibilidades de se elegerem seus candidatos; intervenção em apoio a conservadores ou moderados (que dessem garantias particulares) nos colégios onde a extrema esquerda seja forte; abstenção, nos colégios onde estas possibilidades não existam e onde as forças de esquerda sejam débeis”. Pio X volta à carga contra os adeptos de Murri e, pela encíclica Pieni d'animo, de 28 de julho, condena a ação da LDN, proibindo aos sacerdotes pertencerem a ela. Torna a punir Murri, que desde maio tivera suspensa a publicação da sua Cultura Sociale, mas ele não desiste e funda a Rivista di Cultura, participa de outros jornais e periódicos. A LDN passa a ter uma posição laica e favorável à separação da Igreja em relação ao Estado. Em 1907, Murri é suspenso a divinis por ter defendido a tese de que se poderia ser, ao mesmo tempo, católico e anticlerical. A revista Rinnovamento que publicara a tese é suprimida. É substituída por outra ainda mais radical: Nova e Vetera. Em setembro, em plena campanha anticlerical dos socialistas, a LDN publica um programa de política eclesiástica onde é proposto: liberdade de ensino em todos os graus, controle estatal sobre todas as instituições educacionais, a abolição do ensino religioso nas escolas primárias, separação total econômica e financeira em relação ao Estado, a entrega dos bens da Igreja às associações católicas de culto, etc. A reação conservadora veio a 3 de julho: proíbe-se pelo decreto Lamentabile sane exitu, do Santo Ofício, o 66. Candeloro, op. cit. p. 196.

67. Idem, p. 257. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

37

romance modernista Santo de Fogazzaro. E a 8 de setembro Pio X torna a condenar o modernismo pela encíclica Pascendi dominici gregis. Em 1908, são criadas a Direzione generale del!Azzione cattolica italiana e uma organização feminina, a Unione fra le donne cattoliche d'Italia. Entre 1907 e 1909 se intensificam as ações católicas nos campos mutualístico, cooperativístico e de caixas rurais, com a criação das respectivas federações. Em 1909, ano eleitoral, o Non expedit é suspenso em 72 colégios e aparecem 52 candidatos católicos. Murri é eleito deputado com votos socialistas e é excomungado pelo papa. A ala clerical moderada, vencedora nas eleições, dirige a rede bancária, assume a maior parte dos jornais católicos e funda outros: Il momento (Turim, 1912), o Corrieri d'Italia (Roma, 1900), o L'Avvenire d' Italia (1910), Litalia (1912) e o Unione (Milão). Esta nova imprensa é menos sectária e pretende elevar o nível de informação dos jornais católicos para que eles possam concorrer com os jornais laicos. Em 1910, o sindicalismo católico, bianco, cresce atingindo o número de 374 ligas, constituindo, em julho, o Segretariato Generale delle Unione Professionale,

vinculado à Unione economico-sociale. Ainda neste ano os democratas cristãos se reúnem e proclamam que “a meta de todo o progresso social no terreno econômico é a abolição do salariado e de toda forma de exploração onde os meios de produção não são de propriedade de quem os emprega”.“ Mais do que católicos, proclamam-se democráticos. A essa altura, o sindicalismo bianco já dividia com os socialistas e os anarquistas o comando do movimento sindical. Nesse mesmo ano, o papa, pelo Moto propriu sacrorum antistitum, proíbe aos sacerdotes o juramento modernista. A maioria se submete, mas muitos modernistas continuam, anonimamente ou sob pseudônimo, a travar a luta contra os integristas. Estes organizam o Sodalitium Pianum pelo qual se passa abertamente à espionagem, às delações, às calúnias que sequer poupam bispos progressistas mais moderados que os modernistas.” Croce e Gentile acusam os modemistas de quererem conciliar o inconciliável: fé e ciência, dogma e crítica histórica. Os socialistas vêem no episódio mais uma prova de obscurantismo clerical. Mesmo no plano da cultura laica e da política nacional ninguém percebe as conseqiiências dessa repressão: formação moral

e cultural

do clero cada

vez mais

tradicional e autoritária,

censura

a todo

o pensamento moderno. Jemolo chega mesmo a comentar que “a condenação ao modernismo encontra a Itália laica totalmente indiferente”.”” E justo no momento em que os católicos passavam a inserir-se na vida nacional, o que leva a que o processo de democratização das bases católicas seja mais e mais reprimido por uma cúpula mais e mais conservadora. 68.

Citado

por

Leonetti,

op.

cit., p.

LIO.

69. Cf. Gramsci, Quaderni del carcere, p. 2.09] 70. Jemolo, op. cit., p. 38

e 2.208.

113. GRAMSCI

EM

TURIM

É novamente o aumento da força socialista que leva a direção católica a aliar-se a Giolitti, Em 1913 os católicos estarão praticamente integrados à política nacional. Em auxílio a Giolitti o conde Vicenzo Ottovino Gentiloni, presidente da Unione elletorale, elabora um plano segundo o qual os católicos poderiam votar nos candidatos que pública ou privadamente se comprometessem com a defesa das instituições, a garantia à escola privada, a defesa da instrução religiosa nas escolas comunais, a oposição ao divórcio, a defesa da investidura dos católicos em todas as instâncias estatais, etc. Trata-se do famoso Pacto Gentiloni: Isto é, o eleitorado católico, pondo de lado o Non expedit depois de cinqiienta anos de luta, confiava nos candidatos giolittianos e se inseria no Estado liberal, recebendo

em troca a abolição de todos os postulados anticlericais que tinham constituído para muitas gerações a essência da política liberal. Esta aliança, ainda uma vez, era feita sobre uma plataforma de rígida defesa de classe que impedia que o sufrágio ampliado pudesse assinalar uma ameaça de deslocamento para posições de extrema-esquerda.”

A NOVA IDEOLOGIA DA DIREITA:O NACIONALISMO O processo da industrialização italiana desde o começo fora tendencialmente monopolista e sua realização reafirma, pouco a pouco essa tendência. A pequena burguesia e a chamada classe média vêem-se desde logo afastadas tanto do poder econômico quanto do poder político. Essa liminaridade se acentua com o setor intelectual desses grupos. Daí surge o nacionalismo em polêmica com a política (...) da velha classe dirigente, o antiparlamentarismo que vê o parlamento como fetiche a abater para renovar a classe política, o irracionalismo contra o positivismo até então imperante na cultura governamental, e na socialista, o futurismo contra a literatura e a arte oficiais, o super-homem contra a vida cinzenta do dia-a-dia da pe-

quena burguesia. ”?

Luta contra o positivismo. E nisso os futuros nacionalistas terão gran-

des aliados: Antonio Labriola e Benedetto Croce. Estes combateram as deformações que o positivismo tinha introduzido seja no marxismo, seja na cultura italiana em geral. À luta contra os positivistas realizada pelos nacionalistas, pelo contrário, é travada no quadro de uma luta contra a democracia, na medida mesmo em que o positivismo fora a base ideológica dos partidos democrático-radicais, e mesmo do PSI. Luta que assume tanto o evolucionismo e suas implicações sorelianas quanto o pragmatismo de William James, que será lido na Itália, inicialmente, em uma vertente mística. Aí também estão presentes tanto o historicismo 71. Del Carria, op. cit., v. 2, p. I41. 72. Del Carria, op. cit., v. |, p. 349.

EDMUNDO

FERNANDES DIAS

39

idealista de Croce quanto o atualismo de Gentile. Todas essas correntes intelectuais acabarão por permitir a formação de um amálgama, de uma visão intelectual cujo ponto nodal é a já citada luta contra o positivismo. Essa corrente político-intelectual se expressará por uma série de revistas. Nunca será demasiado ressaltar que na Itália as editoras e as revistas fizeram as vezes de verdadeiros partidos políticos. E, como os demais, os nacionalistas também se servirão delas. A primeira revista dessa nova corrente é Il Leonardo, fundada em Florença por Giovanni Papini e Giuseppe Prezzolini. /! Leonardo, contrariamente à idéia crociana de codificação de uma nova cultura idealista, irá desempenhar um papel abertamente contestador. Fortemente irracionalista, suas posições passavam por Kierkegaard, Nietzsche, Dostoievski, Pascal, Bergson, Blondel, William James, Pierce, Dewey, sindicalismo revolucionário, nacionalismo, budismo, modernismo, magia e teosofia. !l Leonardo “quer ser uma revista de contestação dos ideais, da mentalidade, dos costumes típicos da

burguesia italiana e conduz (...) uma polêmica vivíssima contra o positivismo,

a democracia, o socialismo, o giolittismo e a organização estatal existente na Itália”.'* É uma tendência claramente direitista, mas de uma direita nova, com pretensões imperialistas. A ação de Giolitti após a greve de 1904" faz com que as críticas dirigidas a ele por parte da revista percam intensidade. Croce tem, no início, uma posição simpática. Fala de Papini e de Prezzolini como sendo portadores “de almas agitadas e inebriadas pela virtude das idéias, e escritores vivazes e mordazes”, defensores do idealismo “na forma dada por Bergson como filosofia da contingência, da liberdade, da ação.” E não é apenas Croce que, no início, apóia a revista: William James e Pierce, Sorel e Bergson, Salvemini, Amendola, Piero Gobetti, Renato Serra e mesmo Vaillati e Calderoni. Um processo de diferenciação vai se processar no interior da revista nos anos de 1905-1906. Por um lado, um pragmatismo próximo ao empiro-

criticismo (Vailati e Calderoni), por outro um

pragmatismo de tipo místico

(Papini). Papini concede o primado à vontade. Tratava-se de “descobrir a priori o mundo (...) modificá-lo (...) modificar o nosso organismo (...) curar o nosso corpo (...) construir nossas sensações (...) criar Deus com nossa prédica e nossa fé”.'% Vailati e Calderoni seguem as trilhas de Pierce conseguindo mesmo uma renovação da problemática do positivismo: “um aprofundamento

“positivo' do significado do saber científico, um

esforço por uma

análise

73. Candeloro, op. cit., p. 271. 74. Ver anexo histórico. 75, Citado por Garin, 76. Idem, 40

p.

Storia... op. cit, v. 3, p.

1.30].

1.304. GRAMSCI EM

TURIM

aprofundada dos vários campos da experiência e dos vários tipos de linguagem”.” E, além disso, a aproximação cada vez maior de Prezzolini em relação à Croce. Em 1907 a revista cessa sua publicação. Obviamente,

o nacionalismo

não

tinha pretensões

revolucionárias,

ainda

que, uma ou outra vez, tivesse que assumir essa fachada. Tratava-se muito mais de ganhar espaço para forçar uma melhor inserção no aparelho estatal. Suas propostas “imperialistas” e colonialistas pouco tinham a ver com a fase imperialista vivida pelo capitalismo. É importante ressaltar que os nacionalistas — Corridoni, Papini,'* Prezzolini” — estão profunda e basicamente fundamentados nas teorias de Mosca e de Pareto, em especial na tese da circulação das elites. Renovar-se ou perecer, eis o desafio que eles colocam à burguesia. Na realidade renovar significa conceder participação no poder aos nacionalistas, para deste modo evitar que outras classes tomem o poder. Outra revista nacionalista, /! Regno, fundada em setembro de 1903, tem precisamente a função de lutar contra os socialistas, ainda que combata também, de forma diferente, a velha classe dominante. Corradini defende a tese de que o socialismo, inicialmente a única força viva da Itália, pouco a pouco se tornara reformista, pacifista, parlamentar, oportunista, e maçônica. Também devia ser combatida a “monarquia socialista”.*! Era preciso que a melhor parte da burguesia despertasse e lutasse contra a “politicalha”. À Itália

de

então,

os

nacionalistas

opunham

o

modelo

da

velha

Roma,

dos

condottieri, da Itália renascentista. /I Regno irá desaparecer em 1905. A herança do nacionalismo será colhida por Prezzolini e Papini, que em 1908, fundam a revista La Voce. Esta trazia como proposição a criação de um órgão fora dos partidos “que defenda princípios acima das lutas políticas”. Essa colocação do ideal nacionalista como superior às lutas políticas se, por um lado pretende expressar uma identidade política, por outro é a confissão da própria inexistência dessa identidade: “Estamos acomunados mais pelos ódios do que por fins comuns: na verdade o melhor cimento; e nos reúnem mais as forças do inimigo do que as nossas”. Por La Voce passam figuras diferentes: liberais (Amendola), neoliberais (Croce e Gentile), ex-socialistas (Salvemini), gentillianos (Guido de Ruggiero, 77.

Garin,

idem,

p.

1306.

78. Cf. “A nationaliste programme”,

conferência feita em fevereiro de

1904,

in Italian fascism, p. 99-19.

79. Cf. “An aristocracy of brigands e Can the bourgeoisie revive?”, idem, p. 120-127 e 128-133. 80. Cf. o editorial de fundação in idem, p. 81. Nome

137-140.

dado à democracia parlamentar giolittiana.

82. Citado por Robert Paris, As origens do fascismo, p. 36. 83. Citado por Del Carria, op. cit., v. |, p. 350. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

41

Vito Fazzio Allmayer, Adolfo Omodeo, Armando Carlini) e nacionalistas (Federzoni, Davanzati e Papini). A revista tende a desenvolver uma problemática cultural de tipo crociano. Oposicionista em relação a Giolitti, a revista discute

os

grandes

temas

nacionais:

o Sul,*!

a escola,

a universidade,

a cultura

popular, o voto universal, etc. Por volta de 1911 os contrastes se acentuam: Salvemini quer dar-lhe um caráter claramente político contra a tendência culturalista. Também a questão da Líbia separa seus redatores e Salvemini acaba por retirar-se. Sai e funda a revista L'Unitã. Outro elemento de discórdia é o futurismo que provoca, em 1913, uma nova cisão: Papini e Soffici saem e fundam a revista Lacerba. O nacionalismo sofre então as mais diversas influências: a repu-

blicação das obras de Oriani, crítico da formação

do estado

unitário e

revalorizador da política colonial de Crispi; a presença de D'Annunzio com o seu individualismo exasperado, seu apelo à violência; a influência de Sorel a partir da sua “concepção espontaneísta e voluntarista da revolução proletária contida no livro Réflexions sur la violence (...) da polêmica antiiluminista e antidemocrática contida no livro Les ilusions du progrês (...)”,º da sua desvalorização das ideologias reduzidas a mitos; o futurismo, cujo manifesto lançado pelo Le Figaro, de Paris, em 20 de fevereiro de 1909, que pretende romper com todo o passado, principalmente nas artes, exaltador da violência,

da agressividade, da “guerra, higiene única do mundo”,* do militarismo, da virilidade e da vitalidade; e por fim, mesmo o irridentismo,*” inicialmente patrimônio dos partidos democrático-burgueses, dos radicais, da maçonaria, etc.,

serve

como

estímulo:

os conflitos

entre

eslavos

e italianos

na

Ístria

e na Dalmácia contribuem para dar caráter nacionalista ao irridentismo ainda sob o domínio austro-húngaro. O que era o nacionalismo? Era um pouco de positivismo anti-spenceriano; luta pela vida, seleção do mais forte (...). Era um pouco de sindicalismo: exaltação do fato econômico e das organizações das forças produtivas como elementos que deveriam dirigir, no lugar das velhas formações políticas, a vida social. Mas era também a divinização alemã do Estado, na qual e pela qual somente vivem os indivíduos e tomam finalidade e sentido os fatos econômicos, sociais, religiosos. Enfim e sobretudo era muito, muitíssimo nacionalismo francês (...). Depois do que, nada mais natural que os nacionalistas se apresentassem como aqueles que abriram o caminho a uma formação italiana, política, moral e espiritual, expelindo toda infiltração de pensamento estrangeiro, e particularmente às sobrevivências da revolução burguesa gálica e da revolução so84. Ver anexo histórico ao final da obra. 85. Candeloro, op. cit., p. 277. 86, Título da obra de Tommaso

Marinetti, Guerra sola igiene del mondo, Milão,

1915.

87. Irridentismo: movimento de libertação dos territórios italianos (terras ainda não-redimidas, irridenti). 4

GRAMSCI

EM

TURIM

clalista alemã, programa este, de expulsão das idéias estrangeiras e de escrupulosa nacionalização do pensamento, que, naturalmente tinha se baseado fortemente no habitual evangelho francês maurrasiano.*

Em 1910 funda-se a Associazione Nazionalista Italiana (ANI) que se propõe a suscitar um despertar nacional.” “Tal como o socialismo tinha acordado o proletariado e o tinha colocado em posição de 'ditar a sua lei de classe às outras classes", o nacionalismo, substituindo a luta de classes pela luta 'das nações", devia segundo Corridoni, suscitar na Itália a vontade da guerra vitoriosa.” Os conflitos que se vinham produzindo no mundo mostravam, segundo os nacionalistas, o despertar dos povos outrora dominados como, por exemplo, o Japão. Tratava-se de modificar toda a política interna, de mudar todas as estruturas, de varrer toda a “politicalha”. No congresso de fundação da ANI, em Florença, Corridoni lança o socialismo nacional. A idéia da nação proletária era o elemento decisivo: “Da mesma maneira que, dentro dos limites

de

cada

também,

Estado,

se

nas relações

formou

um

internacionais,

conjunto

existem

de

classes

Estados

dominadas,

mais

mais fracos: os Estados burgueses e os Estados proletários.””

assim

fortes e Estados

Esta idéia será

extremamente importante para o desenvolvimento da ideologia nacionalista. A Itália é a “grande proletária”. E este aparente radicalismo será importante na futura mutação dos nacionalistas ex-socialistas como Benito Mussolini e Arturo Labriola, entre outros. A partir desse congresso surge, em 1911, o semanário Lldea Nazionale.

Corridoni,

Federzoni, Coppola,

Maraviglia e Davanzati pretendem expressar e

representar os interesses dos “produtores de riquezas” — retomando assim um tema soreliano. O jornal defendia o Estado forte, as forças armadas, o nacionalismo econômico e a expansão colonial. Se o Congresso de Florença recebera nacionalistas, liberais, republicanos e mazzinianos isso não se repetirá. No 2º Congresso, Roma, dezembro de 1912, a ANI depura os maçons. E, em Milão, maio de 1914, são os liberais, vinculados à indústria leve, que são expurgados. Permanecem apenas os representantes nacionalistas vinculados à indústria pesada e ao grande capital. Essas frações da burguesia tinham encontrado — afinal! — seus ideólogos. 88. “Premesse nazionalitiche”, || Tempo, 9/11/1919, de Luigi Salvatorelli, agora em Nazionalfascismo,

p. 41-42,

89. Extratos do relatório de Corradini para o |º Congresso da ANI transcritos em Italian fascism, p. 146-148.

encontram-se

parcialmente

90. Paris, op. cit., p. 36-37. 91. Citado por

Paris, op. cit., p. 38. Para maiores detalhes da posição de Corridoni

proletarian nations and

orality” (ambos de EDMUNDO

nationalism”

1913) agora em

FERNANDES

DIAS

(191 |); “Nationalism and democracy”

Italian fascism, p.

149-151,

e “The

152-154

ver: “The

cult of the warrier

e [55-158.

43

O ITINERÁRIO DE CROCE A ação teórico-política de Benedetto Croce“ e a prática da Igreja foram as principais matrizes para as primeiras formulações da teoria gramsciana da hegemonia. No que se refere à ação de Benedetto Croce a prática da hegemonia é a de colocar-se como um horizonte ideológico para as massas. Mas um horizonte

de

tipo novo,

baseado

em

uma

reforma

intelectual e moral,

abso-

lutamente necessária para colocar a Itália e os italianos no plano da cultura européia mais avançada. Seu projeto: moldar uma cultura que ultrapasse o transcendental e elimine o primitivismo positivista. Para ele, o intelectual deve ter plena consciência do papel de sacerdote

dessa

nova

cultura,

não

devendo

nunca

rebaixar-se

a

ser

um

mero

ideólogo. Para realizar esse projeto Croce vai percorrer um amplo arco de estudos teóricos, passará por temáticas diversificadas e estabelecerá um profundo contato com o grande debate intelectual europeu do seu tempo.

Desde o início da sua reflexão, Croce se coloca contra Hegel. Escreve

em 1892: “creio que os princípios fundamentais, e especialmente o método daquele sistema são inteiramente errados; e as consequências danosas deste erro se fizeram claras nas disciplinas particulares”. Sua posição original era herbartiana, com influências kantianas. Durante os anos 90, Croce pretende escrever o que chama de história íntima da Itália do século XVI à Unidade, a história cultural, intelectual e moral da península. Quer trabalhar sobre as atividades historiográfica e artística. E para tal se coloca a necessidade de clarificar os conceitos necessários. Passa pelo marxismo e participa, também, no debate sobre as ciências do espírito. Trabalha com Edouard von Hartmann, Rickert, Dilthey e Simmel. Croce publica La storia ridotta sotto il concetto generale dell'arte em 1893. Trata-se de um debate sobre a cientificidade ou não da história. Croce pretendia sustentar a posição da história como ciência. Ao final posiciona-se contra essa cientificidade. A história, enquanto concreta, tinha de ser compreendida como arte.”! Já estava aí presente a sua questão sobre a arte. A 92. Sobre a obra de Croce ver: Michele Abbate, La filosofia di Benedetto Croce e la crisi della societa

italiana, Turim, Einaudi, 1976; Nicola Badaloni e Carlo Muscetta, Labriola, Croce, Gentile, Bari, Laterza, 1977; Eugenio Garin, Intellettuali Italiani del XX Secolo, Roma, Riuniti, 1974, La cultura italiana tra “800 e “900, Bari, Laterza, 1976 e Storia della Filosofia Italiana, Turim, Einaudi, 1978; Bo Gustafson,

Marxismo y revisionismo. La critica bernsteiniana del marxismo y sus premisas histórico-ideológicas, Barcelona, Grijalbo, 1975; Edmund E. Jacobetti, “Hegemony before Gramsci: the case of Benedetto Croce”, The Journal of Modern History, 52 (1): março, 1978; e, obviamente, os Quaderni del carcere (QC) do próprio Gramsci. 93. Citado por Garin, Intellettuali..., op. cit., p. 6.

94. A memória já estava composta. “Corri à tipografia. Desfazei! Era todo o meu passado que se descompunha”, citado por Garin, Storia..., v. 3, p. 1.297. 44

GRAMSCI

EM

TURIM

tese original era exatamente a contrária. Era uma crise que atingia o conjunto do pensamento europeu: “À “ciência, se se quer uma “ciência! equívoca no seu significado, elevada mesmo à potência 'metafísica', mas ainda 'ciência”, se substituíam a arte, a 'vida', o “espírito”, um dinamismo profundo do real, a colher-se com instrumentos privilegiados, como a intuição”. Em 1895, ainda falando de filosofia da história, Croce afirma: A assunção de um desígnio preestabelecido na história conduziria logicamente ao fatalismo, ao acomodamento e à poltronice individual; e se não produziu ainda, na prática, danos graves, porque os homens deixam-se guiar mas pelos seus interesses e pelos seus sentimentos do que pelas suas falazes teorias. A história nós mesmo a fazemos, levando em conta, certamente, as condições objetivas nas quais nos encontramos,

mas

com

nossos

ideais, com

nossos

esforços,

com

os nossos

sofri-

mentos, sem que nos seja concedido descarregar este fardo nas costas de Deus ou da Idéia.”

A relação Croce-ciências do espírito é extremamente importante na sua trajetória intelectual. Isso está ligado à sua dupla recusa do hegelianismo e do positivismo. Durante os anos 1893-1896, Croce trabalha com a filosofia da vida e com a temática Kulturwissenscheft-Naturwissenschaft, com Rickert e Dilthey, então no centro do debate acadêmico alemão. A história é a grande questão colocada por este debate. Na tentativa de ligar conhecimento histórico e intuição artística, Croce se preocupa sobretudo com a questão da compreensão, com a relação vida-formas, com a psicologia e seu método, etc.” Em 1º de dezembro de 1895, na Academia Pontaniana, Croce discute o conceito de Kulturgeschichte e, portanto, sobre Dilthey e Simmel. A ligação de Croce com essa problemática fora influenciada por um filósofo que irá marcar também o contato de Croce com o marxismo: Antonio Labriola. O marxismo está no centro de interesse de Croce nos anos 1895 a 1899 e ele chega a ter importante atividade revisionista, como já vimos.** Labriola reconhece publicamente o primado do debate sobre Marx e sobre a história não apenas na Itália mas nas universidades européias. Contudo, vale a pena relembrar seu testemunho sobre esse momento. Reconhece seu débito para com o marxismo: “retirei o benefício de ter completado minha formação filosófica com o conhecimento de um lado bastante importante da atividade prática do homem, que é o lado econômico; e de ter-me formado uma convicção política que, de uma quase plena per95. Idem,

p.

1.298.

96. Primi saggi, p. 67-68. Citado por Garin, op. cit., p. 1.283. 97. Cf. Garin, Intellettuali.., op. cit., p. 8. 98. Em carta (9/9/1899) a Croce, Sorel afirma: “Bernstein acaba de me escrever que indicou na Neue Zeit, nº 46, que tinha sido inspirado, de certo modo, por vossos trabalhos”, La Critica, XXV, 20/9/1927, citado por Gramsci, Lettere del carcere, p. 610. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

45

suasão das leses e previsões de Marx, mudou-se depois em um liberalismo e radicalismo democráticos".”* A partir de 1897, começa sua colaboração com Gentile e a separação em relação a Labriola. A relação Croce-Gentile se fortalecerá em 1902-1903 no trabalho da revista La Critica. O pano de fundo da passagem de Labriola à Gentile é, ainda uma vez, a recusa de Hegel. Croce chega mesmo a fazer profissão de fé kantiana e herbartiana. A própria recusa a Marx é também marcada pela recusa hegeliana. Mais e mais se aproxima da discussão alemã, principalmente no debate realizado pelos neokantianos. Está preocupado em separar dois tipos de pesquisa: “as de ordem espiritual” e as de “índole psicológica”. Seu caminho passa pela “idéia fundamental” segundo a qual “a estética era uma lingúística, ou melhor, a lingúística era um caso especial de estética geral, e assim como a linguagem não é um fato meramente psicológico, também o fato estético geral não pode explicar-se por leis psicológicas”.'” Desde

1901,

tenta elaborar

uma

análise

da

intuição

em

geral,

que

com-

preende também os vários aspectos do fato artístico. Tenta coordenar todas as atividades do espírito humano, chegando a afirmar que o “conhecimento humano tem duas formas: ou é conhecimento intuitivo ou é conhecimento lógico; conhecimento pela fantasia ou conhecimento pelo intelecto; conhecimento do individual ou conhecimento do universal; das coisas ou de suas relações; é, em suma, ou produtor de imagens ou produtor de conceitos”. A atividade crociana se coloca entre reduzir uma realidade imediatamente a esquemas, por um lado e, por outro, ter a “capacidade de reencontrar a riqueza da vida concreta e das suas formas para além dos esquemas”.'*

Os anos de 1902 e 1903 assinalam a passagem dos problemas da his-

tória para os da estética. Na Estetica, de 1902, estão presentes as reflexões de Dilthey mas também toda uma problemática que passa pelo “mundo espiritual”, pelo “vivo”, “interior”, “histórico”, pelo que é vivido como interioridade e não como exterioridade objetivada. Daí a reflexão sobre as ciências do espírito como diversas das da natureza; daí a análise da arte e da história como manifestações autênticas da vida; mais ainda, a passagem ao idealismo pós-kantiano. Em 1º de novembro de 1902 lança o programa de La Critica. Afirma a necessidade de um redespertar do espírito filosófico na Itália. Reconhecendo a importância das universidades Croce quer, no entanto, julgar “os produtos 99. Memorie della mia vita,

1922, p. 20-21, citado por Garin, op. cit., p.

100. Citado por Garin, op. cit. p. 101. Estetica,

10.

15.

1901, citado por Garin, op. cit. p.

19.

102. Garin, op. cit., p. 21. 46

GRAMSCI

EM

TURIM

culturais, não mais sob o plano das contribuições eruditas ou especializadas, mas sob o da visão de conjunto”, !º Redespertar via “um ponderado retorno a tradições de pensamento (...) desgraçadamente interrompidos pela revolução italiana, e nas quais refulgia a idéia da síntese espiritual, a idéia da humanitas”'* A tarefa de La Critica era, nada mais nada menos, que fazer o balanço da cultura recente italiana. No ano de 1903, deixa de colaborar com o Avanti!, jornal do PSI, e passa a colaborar no Giornale d'Italia, liberal conservador, oposicionista em relação a Giolitti e vinculado a Sonnino. Apóia inicialmente a Papini e Prezzolini quando da fundação de Il Leonardo. De 1903 a 1906, passa a elaborar um sistema “capaz de integrar o processo dialético da história com sólidas estruturas, com uma classificação exaustiva dos conceitos-chave necessários para por ordem na realidade e nos

seus planos”,!ºs tuais,

O fenômeno do “renascimento idealista”, que avança entre os intelecé visto por Croce como “necessidade de orientação em relação à

realidade e à vida.” Chega mesmo

a identificá-lo como

religião, laica, pois,

segundo ele, a religião tem uma origem naquela necessidade e mais, na “necessidade de um conceito de vida e de realidade. Sem religião, ou seja sem esta orientação, não se vive, ou vive-se com ânimo dividido e perplexo, infelizmente”, !º8 Nesse período, a elaboração crociana se move da elaboração dos Lineamenti di una logica como scienza del concetto puro à conclusão da Logica e da Filosofia della pratica. Ao mesmo tempo ele traduz a Enciclopédia hegeliana e escreve sobre Hegel, Ció che é vivo e ciô che é morto della filosofia de Hegel. Trabalha profundamente na revista La Critica, junto com Gentile, e na análise da cultura italiana do século dezenove, do ponto de vista literário. É também neste momento que se dá sua aproximação com os filósofos pragmatistas, com Bergson e com Sorel. Com tudo isso se dá a ruptura de Croce com a problemática da

Kulturwissenschaft-Naturwissenschaft. Ele irá proclamar as noções científicas como

pseudo-conceitos

103. Garin,

Storia...,

p.

(empíricos

ou

abstratos),

isto é “como

esquemas

ou

1.299.

104. Citado por Garin, op. cit., p.

1.300.

105. Garin, Intellettualli.... op. cit., p. 49. 106. “Cultura e vita morale”, citado por Leonardo Paggi, Antonio Gramsci e il moderno principe, p. 38. Os grifos são nossos. É nesse sentido de religião como concepção laica, imanentista, que Gramsci define o socialismo como religião: “Religião no sentido que também ele é uma fé, que tem seus místicos e os seus práticos; religião, porque substitui nas consciências o Deus transcendental dos católicos pela confiança no homem e nas suas emergias como única realidade espiritual.” "Audacia e fede”, Avanti! (A), 22/5/1916, in Cronache torinesi (1913-1917) (CT), p. 329. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

47

ficções mentais não correspondentes a estruturas reais, mas apenas para fins práticos”.!” É o seu grande ataque ao positivismo que está por trás do desenvolvimento das chamadas ciências naturais. Sua referência à construção de uma orientação para a vida e para a realidade é outro ataque ao positivismo. Nem mesmo as chamadas ciências morais escapam do ataque crociano. Típico disso é a redução da filosofia do direito à economia. A publicação da Filosofia della pratica é o ponto final da tentativa crociana de sistematização filosófica. Daqui por diante ele irá dedicar-se a algo que lhe interessa mais: Vico, De Sanctis e os literatos — grandes ou pequenos. O marco fundamental da atividade crociana é dado pela sua concepção do papel dos “sábios”, do dever que aqueles tem de produzir obras que atuem no sentido da libertação humana e, mais do que isso, da necessidade de transformá-los em instrumentos adequados a essa tarefa/dever. Croce tem a pretensão de reconstruir um idealismo filosófico capaz de exercer a hegemonia intelectual e ideológica sobre o pensamento italiano. Pretende fazer a síntese dele, Sua teoria idealista “porque é dialética, é liberal e reconhece com a necessidade de luta, o ofício e a necessidade de todos os mais diversos partidos e dos homens mais diversos”. Mas ao combater “as teorias diversas e opostas, combate (...) enquanto teorias, como partidos, isto é, como fatos políticos, não as combate mas as abraça e compreende em si; e abraça e compreende em si, isto é, submete a si, (...) como partido entre partidos, momento entre momentos do desenvolvimento histórico”,'* colocando-se assim como totalidade na qual os demais pensamentos encontramse e explicam-se. Como horizonte cultural. Como hegemonia. Como “consciência crítica de todo um curso histórico”.'º Croce afirma uma espécie de divisão do trabalho: enquanto aos políticos cabe a administração estatal, aos homens de cultura compete “o cuidado do intelecto e da vida espiritual da nação. (..) Intrinsecamente, os dois trabalhos não estavam divididos e se referiam, em última análise, à mesma fé”.'º

Nesse sentido ele irá preferir a atividade de publicista à de professor

universitário. Produz uma infinidade de livros e controla em boa parte o que se publica na Itália através de dois instrumentos: por um lado a revista La Critica, e, por outro, a editora Laterza.''! Tudo isso combinado à profunda 107. Garin, op. cit., p. 23. 108. “Contro la troppa filosofia politica”, republicado mais tarde em Cultura e..., op. cit., citado por Abbate, op. cit., p. 95. 109. Abbate, op. cit., p. 96. IO. Storia d'italia dal 1871 al 1915, Bari, 1947, p. 266, citado por Abbate, 111. Sobre a 159-177. 48

op. cit., p. 92.

influência da Editora Laterza, ver: Eugenio Garin, La cultura italiana tra '800 e 900, p.

GRAMSCI

EM

TURIM

capacidade de influenciar os intelectuais: Prezzolini é um exemplo típico. Através da La Voce, Prezzolini submetido à hegemonia crociana, influencia, por sua vez, o conjunto dos intelectuais italianos. Croce faz uma opção vital. Opta pelos intelectuais médios. Mais do que atuar sobre os universitários Croce atua sobre os professores da escola primária e secundária. Atinge sobretudo a estes, que eram os responsáveis pela difusão na sociedade da concepção racionalista-positivista, verdadeira rede nacional de cultura. E é através deles que Croce exerce uma imensa influência cultural e política e mais do que isso trava uma “batalha para reconstruir a unidade espiritual e cultural da sociedade italiana sobre bases mais sólidas”, 2 Sua autoridade vem da sua reputação “de crítico, de erudito, de historiador, de teórico da estética mais do que de 'filósofo' em sentido técnico”."'º Contrariamente à tradição intelectual, seu estilo é simples, direto e aparece como permanentemente sereno, imperturbável. A influência crociana é potenciada. Seu pensamento não aparece como um sistema monolítico e abstruso. Como diz Gramsci (no cárcere): Parece-me que a qualidade de Croce tenha sido sempre esta: fazer circular, não pedantemente, a sua concepção de mundo em toda uma série de escritos breves, nos quais a filosofia se apresenta imediatamente e é absorvida como bom senso e senso comum.

Assim, as soluções de tantas questões

terminam

por circular anoni-

mamente, penetram nos jornais, na vida de cada dia e se tem uma quantidade de “crocianos” que não sabem que o são e que talvez nem saibam sequer que Croce exista. !t

Ou para dizer de outro modo: “o seu ensino produz talvez a maior quantidade de “sucos gástricos” aptos à obra de digestão. (...) a atividade de Croce aparece como a mais poderosa máquina para 'conformar' as forças novas

aos

interesses

vitais

(não

só imediatos,

mas

também

futuros)

que

o

grupo

hoje dominante possui”.''* Podemos exemplificar a ação crociana, relembrando, com Paggi, o processo pelo qual o conceito soreliano de “mito” ganha cidadania no pensamento político italiano. Pela via normal, ou seja, pelos sindicalistas-revolucionários, esse conceito não penetraria. É através de Croce e da revista La Voce, profundamente influenciada por ele, que a questão do mito é colocada. A questão do mito e da religião permite evitar a degradação do intelectual, garantindo-lhe a autonomia. Via La Voce, preocupada com a inserção na vida política, o mito é traduzido em termos de propaganda cultural.

LIZ. Abbate, op. cit, p. LIZ. 113. Garin, Intellettuali..., op. cit., p. 4. [14. Gramsci,

“Carta a Tatiana Schucht”,

25/4/1932,

115. Gramsci,

“Carta a Tatiana Schucht”,

6/6/1932,

EDMUNDO

FERNANDES DIAS

Lettere..., p. 613. Lettere....

p. 633.

49

Para Croce, o papel dos intelectuais não é o de colocar-se ao nível das massas. É vital que eles “compreendam que uma coisa é a ideologia, instrumento prático para governar, e outra é a filosofia, a religião, que não devem ser prostituídas nas consciências dos próprios sacerdotes. Os intelec-

tuais devem

ser governantes e não governados, construtores de ideologias

para governar os outros e não charlatães que se deixam morder e envenenar pelas próprias víboras”,"!S Gramsci realça a importância de Croce na vida italiana ao lembrar “que tanto as memórias de Giolitti quanto as de Salandra se concluem com uma

carta de Croce”,'” o que seguramente é muito significativo.

16. Gramsci, 117. Idem, 50

QC, Il, p. 1.212.

ll, p. 1.238. GRAMSCI

EM

TURIM

CULTURA E POLÍTICA NA PRÁTICA DA CLASSE

“PARA CONVENCER É PRECISO POLEMIZAR, É NECESSÁRIO AFIRMAR VERDADES QUE DESTRUÍAM CONVICÇÕES; EM SUMA, TRABALHAR. ”

Caroniso “AQUELA REALIDADE MAIS VERDADEIRA QUE NÃO É CONSTITUÍDA APENAS DE NÚMERO

E DE BUROCRACIA, MAS TAMBÉM DE IDÉIAS E DE SENTIMENTOS. ” LaBirINTO

UM ESCRITO “MALDITO” nteriormente à guerra, Gramsci já trabalha a questão da cultura de modo

a liberar as classes

trabalhadoras

da dominação

do pensamento

burguês, seja na sua forma religiosa, seja nas formas laicas — entre elas o positivismo. Escreverá, nos jornais socialistas, uma grande quantidade de artigos analisando as relações entre a política e o cotidiano, as formas de organização da classe, a necessidade de estudo, etc. Gramsci na sua primeira intervenção como jomalista, como político lido pelos operários, no artigo famoso e maldito,? tratando da intervenção italiana na guerra, define claramente o papel do Partido Socialista Italiano e expõe sua concepção sobre a questão da revolução. O famoso artigo gramsciano Neutralitã attiva ed operante, é, no fundamental, uma “interpretação” das teses defendidas por Mussolini no artigo Dalla neutralità assoluta alla neutralitá attiva ed operante.

Do texto de Mussolini são retiradas questões, e não soluções. Retiradas e

repensadas como por exemplo, a questão da nação no contexto internacional. Essas questões são conectadas com uma outra extraordinariamente vital: a da criação de um Estado operário já no próprio seio do Estado burguês. Contra as vagas generalizações, tão comuns no socialismo italiano, Gramsci coloca o problema historicamente: “E nós socialistas propomos o problema: “Qual deve ser a função do partido socialista italiano (...) e não do proletariado ou do socialismo em geral) no presente momento da vida italiana””.* Contra os discursos catequéticos da antiga geração socialista, contra a universalidade vazia de um socialismo internacional que a fatalidade histórica realizaria um dia, é preciso pensar a ação do PS. Mas não de um PS qualquer. Do PS italiano, isto é, daquela “seção da Internacional socialista que assumiu para si a tarefa de conquistar para a Intemacional a nação italiana. Esta tarefa, sua, imediata, sempre atual lhe confere caracteres especiais, nacionais”.* |. Sobre as condições históricas da produção do texto ver o anexo histórico.

2. “Neutralitã attiva ed operante”, II grido del popolo (GP), 31/10/1914, in Cronache Torinesi 1913-1917 (CT). 3. Idem,

p. 10.

4. Idem, ibidem. O terceiro grifo é nosso. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

s3

O partido é pensado, como “Estado em potência (...) antagonista do Estado burguês, que busca na sua luta diária contra este último e no desenvolvimento de sua dialética interior, criar para si os órgãos para superá-lo e absorvê-lo”. E não mais, como querem os reformistas, um partido da ordem burguesa. É na dialética do nacional e do internacional que o PSI pode realizar-se enquanto elemento de fundação de uma nova ordem, do Estado proletário. Mas só poderá realizá-la se levar em conta que, mesmo sendo uma seção da Internacional, ele é um elemento nacional, específico, que deverá passar da potência ao ato. A tarefa do PSI é revolucionária. E os revolucionários são aqueles “que concebem a história como criação do próprio espírito, feita por uma série ininterrupta de rupturas realizadas sobre as outras forças sociais ativas e passivas da sociedade, e preparam o máximo de condições favoráveis para a

ruptura definitiva (a revolução)”.º

Assim definidos o Estado e a revolução, fica claramente colocada a necessidade dos socialistas pensarem sua atuação como relação de forças,

como

intervenção da vontade consciente na luta e na história. Primeira ob-

servação: desde o início Gramsci já expressa seu pensamento

do partido e da revolução.

sob o estímulo

A história é vista como uma criação do espírito, como uma ação humana e não como produto de uma lei externa a ela. Por isso mesmo os homens preparam a revolução. É pois a intervenção da vontade humana, do “espírito”, que irá tornar possível a atualização do Estado em potência. Desde logo, os reformistas-positivistas viram nisto um sinal de “voluntarismo”. O choque com os reformistas é claro: as instituições são vistas como produtoras de um “beco sem saída”, Isso tem conseqiiências para o PSI, que deve colocar a questão da luta de classes para liberar-se “de todas as incrustações burguesas”.” A relação entre ideologia e sociedade é, desde logo, postulada, seja no processo de formação do estado italiano, seja no papel fundamental das organizações da própria classe, seja finalmente, no papel das instituições estatais italianas.

5. Idem, ibidem. O grifo é nosso. 6. Idem, p.

1I-I2.

7. Idem, ibidem. 54

GRAMSCI EM

TURIM

CULTURA, POLÍTICA E CIDADANIA ESTADO ECIDADANIA A palavra “ordem” tem um poder taumatúrgico; a conservação das instituições políticas é conferida em grande parte a este poder. A ordem presente se apresenta como

algo harmoniosamente coordenado, estavelmente coordenado; e a multidão dos

cidadãos hesita e se atemoriza na incerteza do que uma mudança radical pode trazer.

(...) Forma-se na fantasia a imagem de algo violentamente dilacerado; não se vê a possibilidade de uma nova ordem, melhor organizada do que a velha, mais vital do que avelha, porque ao dualismo se contrapõe a unidade, a imobilidade estática da inércia à dinâmica da vida movendo-se por si mesma. Vê-se apenas a laceração violenta, eo ânimo temeroso detêm-se no medo de perder tudo, de ter diante de si ocaos, adesordem inelutável.*

rata-se de uma preciosa análise da eficácia da ideologia, enquanto materialização/organização das relações políticas. Ela nos revela um elemento importante da política: o presente, enquanto tal, é glorificado, é a ordem. Concebido o presente como ordem, como “naturalidade”, se é levado a pensar o diferente, o diverso, como violência, caos, artificialidade, enfim, como perigo. A ordem burguesa, pelo efeito ideológico da idéia de ordem, se naturaliza, perde sua historicidade, se eterniza. E com isso é evitada a questão central da ordem: seu caráter classista. Uma ordem é, por exemplo, burguesa ou proletária. E é o predomínio de uma dessas classes que determina o apagamento do “bom direito” da outra. O chamado Estado ético dos liberais, ou seja um Estado “acima” das lutas de classes, mais do que uma realidade política “é uma aspiração política (...); existe apenas como modelo utópico, mas é precisamente o fato de ser uma miragem que o fortalece e faz dele força de conservação. Na esperança de que, finalmente, ele se realize na sua perfeição completa, muitos encontram a força para não o renegar e não procurar então substituí-lo”.º 8. “Tre principi, tre ordini”, 9. Idem,

11/2/1917, in La cittá futura 1917-1918

(CF) p. 5.

p. 7.

EDMUNDO

FERNANDES DIAS

55

Romper, então, com a forma da ordem burguesa significa romper com a idealidade burguesa, E com os riscos daí decorrentes. A “ordem” é assim uma concreção de formas políticas. Nesse sentido, se, para a burguesia, o liberalismo é uma idéia limite, para o proletariado ele é apenas um programa mínimo. No entanto, mesmo como concreção política, a ordem burguesa só é genérica nos seus efeitos enquanto que, no encaminhar as soluções, ela é diversa. Assim, por exemplo, a Inglaterra é o locus do liberalismo. E este nada mais é do que a fórmula que compreende toda uma história de lutas, de movimentos revolucionários para a conquista das liberdades individuais. É a forma mentis que veio se formando em um número cada vez maior de cidadãos, de que, por meio dessas lutas vieram a participar da atividade pública, que na livre manifestação das suas convicções, na livre realização das forças produtivas e legislativas do país estava o segredo da

felicidade.”

A idéia de uma evolução inevitável e sempre positiva marca essa forma mentis. Ela não é, entretanto, genérica, para todos os países: ela requer a idéia de liberdade, de cidadania, não apenas passiva mas principalmente ativa, ainda que não de todos.

Por contraposição à concreção

encarna-se

no estado germânico

política inglesa, a ordem

na forma

burguesa

do protecionismo:

Fichte deu o código do Estado fechado. Isto é, dirigido pela razão. Do Estado que não deve ser deixado à mercê das forças livres e espontâneas do homem, mas deve,

em cada coisa, em

cada

ato, imprimir o timbre de uma

vontade,

de um

pro-

grama estabelecido, pré-ordenado pela razão. E, por isto, o Parlamento não tem os mesmos poderes que em outros lugares. É simplesmente consultivo (...). O Ministério (o imperador) permanece o árbitro que julga e escolhe, e só é substituído pela vontade imperial. Mas as classes têm a convicção, não-retórica, não-servil, mas forma-

da através de decênios de experiência de administração proba, da observação da justiça distributiva, que os seus direitos à vida são tutelados. Para os socialistas, que sua atividade deve consistir em tentar tornar-se maioria, e para os consetvado-

res demonstrar continuamente a sua necessidade histórica."

Não é o mesmo tipo de cidadania, mas, pelo menos, os resultados que se podem esperar são basicamente os mesmos: administração eficiente no governo da coisa pública. E na Itália? Bem, aqui “faltou completamente aquele período de desenvolvimento que tornou possível as atuais Alemanha e Inglaterra”.'? Criado tardiamente, o Estado italiano, teve de romper/recompor as sólidas institui-

ções dos antigos Estados peninsulares. A unificação é um processo comple10. Idem, p. 7-8. HI. Idem, p. 9.

12. Idem, p. 10. 56

GRAMSCI

EM

TURIM

xo que

marcará

a existência do novo

toricamente distintas:

Estado que

teve de “fundir”

partes his-

De um lado a tradição de uma certa autonomia tinha criado uma burguesia audaz e cheia de iniciativa e existia uma organização semelhante à dos outros Estados da Europa, propícia ao posterior desenvolvimento do capitalismo e da indústria. Do outro, as administrações (...) da Espanha e dos Bourbons nada tinha criado: não existia burguesia, a agricultura era primitiva e sequer bastava para atender

o mercado local.!º

Unidade que se faz pela articulação de formações sociais desiguais e pelo equilíbrio sempre instável de classes, em nível desigual de estruturação. A centralização, condição histórica da unidade, marcou brutalmente a história italiana. Produziu “a emigração de todo o dinheiro líquido do Sul para o Norte para encontrar maiores e mais imediatos lucros na indústria, e a emigração de homens para o exterior (...). O protecionismo industrial encarecia a vida do camponês calabrês sem que o protecionismo agrário (...) conse-

guisse estabelecer o equilíbrio”.

A centralização cristaliza o que Gramsci chama de ausência de caráter político: “A Itália é o país onde sempre se verificou este fenômeno curioso: os políticos, chegando ao poder, renegaram imediatamente as idéias e os programas propugnados por eles enquanto simples cidadãos”. O transformismo, prática política imortalizada em /! gatopardo, sumária e exemplarmente sistematizado nessa frase, é a característica de um Estado que não foi produto da luta de uma burguesia economicamente definida como articuladora da produção. Esta desde sempre se assenhoreou do Estado e fez dele o sucedâneo da sua falta de combatividade na ordem capitalista internacional. Não tendo sido portadora de uma organização econômica e política revolucionária, essa burguesia limitou-se a ganhar as benesses que esse Estado poderia oferecer. Não tendo ultrapassado a fase corporativa, permanecendo ainda como agrupamentos não unificados ao invés de uma classe nacionalmente expressiva, tal burguesia não pode formar partidos políticos organizados que controlem a ação dos jornais e dos homens políticos da classe burguesa: as idéias gerais, os programas concretos não encontram, portanto, na sociedade quem os difunda e defenda eficazmente. A democracia italiana é ainda uma “demagogia”, dado que não se constituiu em organismo hierár13. “Il mezzoggiorno

e la guerra”, GP

1/4/1916, CT, p. 228.

14. Idem, p. 229. I5. “Il regime dei pasciã”, Avanti! (A), 28/7/1918,

mentalidade

burguesa é o transformismo,

Il nostro Marx (NM), p. 217. “O conteúdo da

isto é, o mais trivial dos empirismos políticos”, Il bozzachione,

A, 14/6/1917, CF p. 187. “(os políticos) convertem-se por sentimentalismo ou por espírito de adaptação. (...) (o transformismo) substituiu a vida lógica pela confusão, o distinto pelo indistinto e pelo caótico. (...) nega todo o programa concreto, porque está disposto a modificar-se de acordo com as contingências

(...) está disposto

a violentar suas idéias elementares

se um hábito, determina um modo EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

(...). Esta acomodabilidade

especial de pensar”. “Carattere”, GP,

tornou-

13/3/1917, CF p. 70.

57

quico, dado que não obedece a uma disciplina ideal dependente de um programa ao qual livremente se aderiu; isto significa que na Itália a democracia é apenas uma palavra, uma frase feita, um figurino da moda anglo-americana; não se tornou uma fé, não determinou uma distinção entre os cidadãos, não alimenta de paixões

morais a luta política.!*

Na Itália não havia uma burguesia unificada nacionalmente, o partido liberal era apenas um agenciador de casuísmos, e não um verdadeiro partido. Assim, se a própria classe (ou o conjunto das suas frações) que exerce o poder é incapaz de articular-se a si mesma, como poderia articular a totalidade nacional? Se não existem “interesses iguais e difundidos”, só pode haver uma política visando interesses conjunturais. “Os ministros, se querem governar, ou melhor, se querem permanecer algum tempo no poder, necessitam adaptar-se a estas condições: eles não são responsáveis diante de um partido que queira defender o seu prestigio, e então os controle e os obrigue a demitir-se se se desviam; (...) respondem pela sua ação às forças ocultas, nãoquestionáveis”.”” Em um campo político assim definido, no qual o Executivo é todo-poderoso, o Legislativo está inteiramente desarticulado enquanto organizador de políticas e totalmente articulado enquanto local de transações; em um campo político, em que domina a irresponsabilidade política, em que domina uma burguesia “essencialmente demagógica, superficialmente cética (isto é, cônscia intimamente da própria incapacidade e impotência), é natural que os governantes se tornem déspotas, que sigam o seu caminho recusando-se a dar explicações dos seus atos”.!* Não existindo partidos políticos orgânicos, capazes de clarificar as oposições entre as frações burguesas e a luta destas contra o proletariado e o campesinato pobre, “a oposição ao governo se manifesta como uma revolta; explode intempestivamente, é cheia de golpes e subentendidos, de ameaças ou de promessas (...) continua nos salões, nos escritórios dos bancos ou das empresas industriais, nas sacristias ou nos corredores parlamentares. E se a oposição-revolta não tem êxito nos seus intentos, retoma a polêmica nos jornais, estéril, sem uma meta determinada que os leitores possam seguir e controlar”.'º Carente de um ideal comum, a relação entre os indivíduos se caracteriza pela hipocrisia. “A desconfiança recíproca, o subentendido desleal corroem no nosso país todas as formas de relações (...). A hipocrisia do caráter italiano é absolutamente dependente da falta de liberdade. É, no fundo, uma forma de resistência”. Se as relações entre os indivíduos, e entre estes e a 16. “La democrazia italiana”, GP 17. “IH regime...”, op. cit., NM,

7/9/1918, NM,

p. 279.

p. 218.

18. “La democrazia...”, op. cit., NM,

p. 279.

19. Idem, p. 279-280. 20. “Caratteri italani”, A, 5/3/1917, CF p. 75. 58

GRAMSCI

EM

TURIM

coletividade,

são

marcadas

pela

ausência

de

liberdade,

como

pensar

uma

vida

política, dos partidos da ordem, que não seja transformística? Se a adaptação é a forma da integração na ordem, se para tanto é preciso abjurar os antigos princípios, então a cidadania é impossível e as “circunstâncias” passam a ser o único parâmetro da realidade política. É então

necessário que tudo na vida social seja transformista. Por isso o giolittismo?

ou qualquer outra das formas do transformismo tenha que tentar adaptá-lo. É contra essa forma de fazer política que o partido socialista deve lutar. Deve fazê-lo encarnando a vontade dos trabalhadores. O

socialismo,

forma

mentis

das

classes

trabalhadoras,

recusa

o

transformismo, a perpétua adaptação. Só através do socialismo, os italianos poderiam romper com o transformismo. Mas para tanto teriam necessidade de liberdade. “Teriam necessidade de maiores garantias, para a sua independência moral: de maiores garantias da sua integridade e segurança corporal. O problema da liberdade — política, religiosa, de consciência, de palavra, de ação — é em toda a Itália mais vivo e mais presente do que em qualquer outro país”, Na Itália, claramente, é impossível a realização dos princípios liberais e/ou nacionalistas, sem que se esmaguem as classes oprimidas. Nada há a comparar com a Inglaterra e a Alemanha: não há lei, não há administração proba e o direito é uma palavra vazia. No entanto, e por isso mesmo, a luta de classes pode se agudizar com facilidade, pois, onde “não ocorrem os conflitos de rua, onde não se vêem pisoteadas as leis fundamentais

do

Estado,

nem

se vê

o arbítrio ser o dominador,

a luta de

classes

perde a sua aspereza, o espírito revolucionário perde o impulso e cai. (...) Onde existe uma ordem, é mais difícil que se decida a substituí-la por uma nova ordem”. A noção de cidadania burguesa — baseada na idéia da nacionalidade — é incompatível com o proletariado. E o é porque esteve ausente do processo de construção dessa nacionalidade. O proletariado não pode viver a idéia territorial da pátria, porque ele não tem história, porque nunca participou na vida política, porque não tem tradições de uma vida coletiva que ultrapassem os limites das comunas. Tornou-se ser político por meio do socialismo; na sua consciência, o território não tem concreção espiritual; a necessidade nacional não ecoa em nenhuma recordação específica de dores e de mártires específicos. A sua paixão, as suas dores, os seus mártires o foram por uma outra idéia, pela libertação do homem de toda e qualquer escravidão, pela possibilidade de conquista de todas as possibilidades do homem enquanto tal, que não tem território, que não conhece limites para além das inibições de sua consci21. Ver anexo histórico. 22. “Caratteri...”, op. cit., p. 76. 23. Tre principi...”, op. cit., p. 10. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

59

ência,

Para o socialismo

o homem

retorna,

assim,

aos

seus

caracteres

genéricos:

eis porque falamos tanto de humanidade e queremos a Internacional,”

favor.

A burguesia não crê muito na cidadania, salvo para manipulá-la a seu “Sendo o burguês um homem da ordem, como se diz, e não subversi-

vo, ele aceita as leis do seu Estado e da sua cidade. Aceita-as integralmente, porque

não as combate,

porque

não faz nenhuma

tentativa para

mudá-las,

porque sua atividade de cidadão tende à conservação e não à substituição, à revolução”. Mas, na realidade, na prática, ele “tende com todas as suas forças a tornar-se um parasita das suas próprias idéias, do seu próprio programa, do seu nascimento, da herança do seu pai, da ignorância dos seus operários (...). Pôe em contradição as palavras com os fatos, o burguês com o cidadão, com o legislador”. Assim, seu programa, sua cidadania tem que desconhecer o outro — o trabalhador — sobre o qual recai o ônus da vida nacional. Por isso, o critério italiano (burguês) da cidadania é aquele ditado pela “consciência tributária da burguesia”, segundo a qual o cidadão é “um contribuinte que tem apenas o sacrossanto dever de pagar os impostos sem reclamar, e aceitar sem protesto todos os gravames que os (...) monopolizadores das indústrias cívicas crêem ter o direito de lhe impor, de não perturbar a tranquilidade pública, etc., etc”.” Esta cidadania caracterizada somente pelo fato de alguém nascer em um dado território, para ser realizável, exige das massas uma postura de absoluta indiferença. “Os fatos amadurecem na sombra, porque mãos não

vigiadas por controle algum tecem a teia da vida coletiva, e a massa ignora. Os destinos

quenos

são manipulados

por visões restritas, finalidades imediatas de pe-

grupos ativos, e a massa dos cidadãos ignora”.” Tudo tem que pare-

cer mecânico,

fatalidade, pois a indiferença

“é o peso morto da história.

(...)

O que ocorre não ocorre tanto porque alguns queiram que ocorra, quanto

porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa dar os nós que depois só a espada poderá cortar.” E essa indiferença, a base da cidadania burguesa italiana. 24. “Lidea territoriale”, A, 3/11/1916, CT, p. 609. Artigo escrito em aberta polêmica contra Croce. No mesmo sentido ver: “Il socialismo e Italia”, GP 22/9/1917, Per la veritá (PV), p. 38-41. E também "Il diavolo e il negromante”, GP 23/2/1918, CF p. 679-682. 25. “Fra me e me”, À, 28/I/1917, 26. Idem, p. 719-720. No 27.

"| trombetieri”,

A,

CT,

p. 719.

mesmo

sentido:

24/12/1916,

CT,

cittadini", A, 8/4/1917, CF

p.

118-120.

p.

“Equilibrio”, A, 8/2/1918, CF p. 636-637. 151-152.

No

mesmo

sentido:

“Lo

Stato

28. “Lindiferenza”, A, 26/8/1916, CT, p. 509. No mesmo sentido: "Indiferenti”, GP p. 13-15 e “La passivitã”, A, 16/6/1918, Il nostro Marx (NM), p. 122-123.

e |'utile dei

11/2/1917, CF

29. "Indiferenti”, op. cit., CF p. 13. 60

GRAMSCI

EM

TURIM

O homem, o cidadão, nascido da indiferença é o uomo che aspetta qualcosa” é base fundamental da nação burguesa. Ele “não é um homem de ação, porque não deu sua adesão a nenhum programa concreto. Não é um temperamento crítico, porque para criticar é preciso distinguir; para dislinguir é preciso ter um critério, uma idéia geral, um apriorismo polêmico”. Eis aqui o critério de cidadania para o proletariado. Ser cidadão é submeter-se a uma disciplina. “Associar-se a um movimento quer dizer assumir-se uma parte da responsabilidade nos acontecimentos que se preparam, tornarse artífice direto desses acontecimentos”.A burguesia tem uma disciplina. Só que ela é mecânica, exclui a livre adesão dos indivíduos. Enquanto aquele que se disciplina no sentido socialista comanda

a

si

mesmo,

impõe

aos

seus

caprichos,

às

suas

veleidades

desordenadas, uma regra de vida (...). Este é o caráter das disciplinas autônomas: ser a própria vida, o próprio pensamento de quem as observa. A disciplina que o Estado burguês impõe aos indivíduos faz deles súditos que têm a ilusão de influir sobre o desenrolar dos acontecimentos. A disciplina do Partido Socia-

lista faz do súdito um cidadão.**

Os que querem quebrar a cidadania burguesa e estabelecer a sua cidadania — vale dizer, dominar a história e não apenas sofrê-la — têm nessa disciplina sua saída. Essa disciplina que faz do súdito um cidadão, o faz dentro de um Estado em potência e que quer tornar-se atual. Tarefa do PS: subtrairse a uma ordem, realizar outra. “Acelerar o futuro. Esta é a necessidade mais

sentida na massa socialista”. E para tal é necessária a vontade dos homens,

vontade tornada concreta pela adesão a uma disciplina — e a um partido. Como o processo de integração da população ao Estado unitário se fez via manu militare, e não pela criação de uma nova cidadania, os novos dominantes não deram a menor importância ao processo de elaboração cultural. Atuaram mais na repressão, e assim as instituições fundamentais da nova ordem são a censura e a polícia. Nesse quadro, o Parlamento não era vital: servia apenas para os costumeiros acordos. Esta é a questão da cidadania burguesa, do tipo de disciplina requerida, pois, aqui se trata de obter a indiferença, a passividade. E os instrumentos adequados são: a polícia, a censura, etc. “Onde não existem cidadãos responsáveis, com um pingo de dignidade, é fatal que a Segurança Pública, re30. Retratado

com

apuro

na obra de Italo Svevo,

rização fascista do uomo qualunque. 31, “L'uomo

La coscienza

de

Zeno.

Importante

ver a caracte-

che aspetta qualcosa”, A, 7/1 1/1916, CT, p. 614.

32. “Disciplina e liberta”, CF 11/2/1917, CF p. 19. 33. “La disciplina”, CF 34. “Margini”, CE EDMUNDO

11/2/1917, CF p. 19.

[I/2/1917, CF

FERNANDES

DIAS

p. 27. 6!

crutada nas cloacas da vida nacional, acabe por impor o seu arbítrio e transporte o marasmo e a purulenta gangrena da sua organização para as outras ordens. Há vinte anos a SP se intrometia até mesmo nas nomeações dos professores das universidades”. Os órgãos de segurança criaram mesmo um tipo de homem distinto, acima das leis, com poder de vida e morte sobre os demais, “uma categoria de pessoas, à paisana mas com um distintivo no bolso, aos quais é permitido tudo o que é proibido aos demais”.ºº Ora, dado que a burguesia não tem partidos orgânicos e seus jornais não possuem uma linha político-ideológica clara, a situação deve apenas contar com o enfrentamento dos socialistas, único partido nacional, e temer a capacidade de mobilização da classe operária pelos jornais socialistas, isto é, temer a luta ideológica. Daí a importância da censura como instrumento político: “A censura é o método de governo do Estado italiano (...). Os socialistas devem sempre procurar explicar os acontecimentos e as ações políticas; devem fazê-lo porque têm uma doutrina e devem difundir as conclusões a que chegam porque são os únicos democratas, porque aspiram à instauração da única democracia historicamente necessária: a democracia social”.” A censura é fundamental no Estado italiano: “a vontade dos cidadãos não vale nada, porque os cidadãos não podem ter vontade concreta, porque o Estado impede que essa vontade surja, inibindo a discussão”.º* A ordem burguesa não pode fazer dos proletários verdadeiros cidadãos. O proletariado, nascido para a política, tornado ser político, pelo socialismo, antiteticamente ao ser político da burguesia, por sua vez nega o particularismo nacional. Para tal, é necessário fazer frente à burguesia, organizada como Estado, e, nesse sentido, organizar a sua força, pois é esta “que 35. “Sua maestã la Pubblica Sicurezza”, A, 2/2/1917,

CT, p. 726.

36. “Direito comune”, A, 22/8/1917, CT, p. 726. Na mesma página: “Os italianos têm tão pouca consciência do que é verdadeiramente a liberdade, a ponto de permitir que uma categoria restrita de pessoas, fina flor dos patifes e escuma das cloacas, esteja acima do direito comum e possa subtrair-se malfeitores

áquelas sanções comuns.”

punitivas

37. “La censura”, A, 4/11/1918, 38.

Idem,

ibidem.

“Uma

NM,

que

a consciência

universal

crê justificadas

contra

todos

os

p. 390.

vez, duas vezes, três vezes... Escrevo

e risco, escrevo

e risco...

O

cérebro

está esmagado, não transmite mais à mão, aos dedos, o impulso para mover-se. A mão cai sobre o papel e a pena de aço passeia sobre o papel descrevendo complicadíssimos rabiscos, labirintos sem saída. O pensamento aguça-se na angústia, choca-se contra as paredes para procurar ver se se encontra uma saída possível. Começa-se, apaga-se. Recomeça-se. À expressão flui, o trabalho de aglutinamento das frases, dos períodos, repousa, alenta o esforço inicial. Se está persuadido de ter encontrado o equilíbrio necessário entre as necessidades da própria sinceridade e as agressões irracionais da censura. Espera-se vacilando. Claro, vacilando, porque amamos tudo o que nos exigiu o esforço para nascer, para exteriorizar-se. Sentimos a mesma sensação de uma ocasião, diante dos professores, com esta diferença: com os professores estávamos persuadidos de ter que fazê-lo para indivíduos absolutamente superiores, que verdadeiramente tinham a capacidade de julgar nossos esforços, nossos méritos. Sentimos, agora, pelo contrário, absoluta incapacidade, o despreparo absoluto, em quem armado com lápis (...) julga e manda.” “Ghirigori”, A, 4/11/1917, CF. p. 436. 62

GRAMSCI

EM

TURIM

decide sobre os vários bons direitos. E o proletariado vai organizando essa força nas suas ligas, nas suas seções, com suas greves e revoltas, até que

adquirida a consciência de sua maior força (e esta sua maior força ele já a tem

neste

momento,

mas,

infelizmente,

(...) é apenas

de

poucos,

dos

revolu-

clonários), fará a sua guerra, e, após a vitória, o seu bom direito será reconhecido por todos”.” Essa realização do “bom direito” do proletariado é, como vimos, tarefa do seu partido, do PS, Estado em potência. A incapacidade da burguesia de realizar a sua cidadania decorreu das próprias condições em que se deu a unidade: A nação se constituiu em grande parte por um estímulo econômico, pela pressão exercida em algumas regiões por núcleos burgueses que não podiam desenvolver a sua capacidade capitalista devido à estreiteza dos mercados regionais, determinada pela fragmentação política. Mas se realiza também por obra das seitas e pela necessidade do equilíbrio europeu, isto é, também por razões extrínsecas à sua estrutura econômica e, por isso, dependentes das necessidades econômicas de outros grandes Estados.”

Este é o quadro geral em que se formou a burguesia. A unidade foi feita por pequenos núcleos regionais que, desde logo, controlam o Estado nascente e tratam de submeter as outras classes. A burguesia não aparece como classe, sequer como classe economicamente ativa, como a inglesa. Assim a Itália teve uma “burguesia política, sem programas claros e orgânicos, sem atividade coerente e retilínea”.*! E “a vida política italiana esteve sempre mais ou menos em poder absoluto dos pequenos burgueses: meias-figuras, meios-homens”.'2 Gramsci afirma que é a partir da cisão entre essa política e essa economia, que nasce o “confusionismo”, a “corrupção dos costumes”, em suma o transformismo: “A burguesia não teve (...) programas concretos e retilíneos, porque não era uma classe de produtores, e sim um bando de politiqueiros."*! Isto decorre de um duplo processo tardio: da unificação e do ingresso na ordem capitalista. Esse duplo processo leva a burguesia a aparecer como um conjunto de categorias: siderúrgica, metalúrgica, etc., conjunto esse que nasce marcado pela sua relação com o Estado, que desde logo garante o domínio industrial do Norte. Assim, a luta que a burguesia teve que travar em outros países capitalistas não ocorre na Itália. Não tendo que enfrentar grandes lutas econômico-políticas, a burguesia deixa-se comandar por aquelas “meias-figuras”. A partir daí, a burguesia não pode perceber a cidadania com tudo o que esta implica. Herdando um país acostumado a obedecer, cheio de 39. "Il buon diritto”, A, 20/7/1916,

CF, 436.

40. “La funzione sociale del partito nazionalista”, GP 26/1/1918, 41, “Il riformismo

borghese”,

À, 5/12/1917,

42. “La scimmia giacobina”, A, 22/10/1917, 43. “Per chiarire le idee sul riformismo

EDMUNDO FERNANDES DIAS

CF

p. 598-599.

CF, p. 470. CF

p. 408.

borghese”, A,

11/12/1917,

CF p. 481.

63

súditos e vazio de cidadãos, a burguesia percebe a lei não como produto da vida social, mas como mero instrumento de repressão/desorganização das massas, como algo a que não se deve dar muita importância. Os burgueses “não têm o sentido da universalidade da lei (...). Não têm uma vida moral. Agem movidos por fins imediatos, particularíssimos. Para atingir um deles, sacrificam tudo: a verdade, a justiça, as leis mais profundas e mais intangíveis da humanidade. Para destruir um adversário, sacrificam todas as garantias de defesa de todos os cidadãos, mesmo a sua própria garantia de defesa”. Essa burguesia que não se percebe como classe, vai chegando, pouco a pouco, pela guerra e pelas conseqiiências dela, a impasses não apenas econômicos, mas também políticos. Como agregado de corporações, ela não tem um nítido perfil classista, que será construído pela ação dos grupos nacionalistas e pelas lutas contra a ação do proletariado. “O desenvolvimento do nacionalismo na Itália assinalou e está assinalando o surgimento da classe burguesa como organismo combativo e consciente. (...) O nacionalismo está dando à classe burguesa consciência de si”.tº Os nacionalistas naquele momento expressavam quatro categorias básicas (siderúrgica, construção naval, têxtil, agrária) — e eram por elas mantidos —, na luta por um protecionismo contrário à massa da população. E também, segundo Gramsci, contrário ao desenvolvimento da própria classe como um todo. Esses grupos recusam qualquer possibilidade de afirmação liberal, seja econômica seja política no enfrentamento de problemas cujo crescimento apenas tinha sido impedido pela guerra. Fazem “o Estado servir como distribuidor de riquezas, como criador de riquezas privadas, (...) faz(em) passar o capital dos bolsos dos contribuintes e dos investimentos em atividades não protegidas para as atividades protegidas e para os bolsos dos capitalistas das indústrias protegi-

das”. O resultado da ação dessa burguesia sobre o Estado tem efeitos contra-

ditórios. O Estado, na sua ação protecionista, acaba por revelar o peso real da burguesia. Assim o proletariado, experimentalmente, começa a perceber que o “capitalismo realmente não é necessário”,” e rompe com o mito ideológico da necessidade da capacidade de iniciativa do capitalista. Tudo isso significa, em última instância, a incapacidade dessa burguesia de articular-se como classe nas lutas tanto nacionais quanto internacionais. Nessa circunstância, o Estado é um elemento chave para a constituição da classe e para a sua relação com as demais classes: o proletariado, o campesinato

O

pobre,

etc.

nacionalismo

aparece

como

“reformismo”:

44. La scimmia..., op. cit, p. 408. 45. Il riformismo, op. cit., p. 470 46. Per chiarire..., op. cit., p. 482. 47. “Socialismo e cooperazione”, 64

L'Alleanza cooperativa

(AL), 30/10/1916, CT, p. 601. GRAMSCI

EM

TURIM

Entre a idéia liberal e a idéia nacionalista há a mesma diferença que entre o socialismo

revolucionário

e o reformista.

Os

nacionalistas

(...) são

os

reformistas

da

burguesia. (...) Os nacionalistas são os paladinos dos “direitos” das corporações que fazem coincidir, naturalmente, com os “direitos” da nação, assim como muitos reformistas fazem coincidir todo o proletariado com uma ou outra categoria de trabalhadores pela qual lutam e buscam obter benefícios.“

O ção

da

“reformismo” idéia

liberal.

burguês

é compreendido

Desmascara-se,

assim,

então

a idéia

da

como

uma

generalidade

contrafados

inte-

resses. Uma redução acentuadamente mecânica da expressão “nação = interesses da burguesia” à simples defesa dos interesses específicos de setores da classe mostra muito bem a diferenciação interna e a incapacidade da burquesia de colocar-se no plano do liberalismo. Quanto ao reformismo proletário, fórmula pela qual uma parte da burguesia conseguira incorporar setores do

proletariado,

mostra

também

a diferenciação

dessa

classe

e a sua

ainda

atual incapacidade de enfrentar a burguesia como classe. Gramsci pensa ambos os reformismos como imaturidade: O tardio ingresso da Itália na atividade capitalista levou a esta confusão ideológica (que se reflete na confusão prática, de ação e de programa): a imaturidade do pensamento histórico do nacionalismo vence a maturidade de pensamento do liberalismo, que é a verdadeira doutrina de classe, não só nacional, mas também internacional (...). Na realidade histórica atual, ocorreu que o proletariado italiano, elevando-se à compreensão do socialismo revolucionário, adquiriu a maturidade do pensamento que faz discernir os seus verdadeiros interesses de classe internacional dos interesses de suas simples categorias.”

A imaturidade da burguesia é produzida pela sua inserção na rede internacional capitalista. “A doutrina da classe burguesa é a ideologia liberal, que triunfou integralmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde a burguesia é, ao mesmo tempo, classe econômica e classe histórica. Não triunfou na França pela economia, dada a prevalência de categorias burguesas comerciais e bancárias e não das categorias diretamente produtivas”. No momento da guerra, a tomada de consciência por parte do prole-

tariado de sua real situação, sua maturidade como classe, corre paralelamente

à agitação nacionalista. A luta contra os nacionalistas protecionistas é uma necessidade. Segundo Gramsci “o proletariado socialista turinense (...) compreendeu que para as reivindicações da classe é necessário que a riqueza global nacional e internacional, esteja em crescimento e não haja apenas transferências de riquezas”.*! Assim, é necessário que também a burguesia 48. Il riformismo..., op. cit., p. 470-471. 49. Per chiarire..., op. cit., p. 482-483.

50. Idem, p. 482-483. SI. Idem, p. 483. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

65

vença a sua imaturidade, torne-se classe produtiva, para que dadas essas circunstâncias o enfrentamento das classes se realize mais plenamente. A guerra linha realizado, pela via do protecionismo, a acumulação de capitais em condições monopólicas. Pela guerra, os industriais tinham “feito” a sua segunda “revolução” industrial. Na Itália, os industriais queriam cada vez mais ampliar a extração da mais valia, sem que para tal fosse necessário fazer crescer as forças produtivas. E a guerra imperialista fornece cada vez mais aos industriais as condições generosas para ampliar a estrutura básica da desigualdade e da exploração. “A guerra, cortando muito das correntes comerciais tradicionais, estabelece automaticamente condições de monopólio que os industriais italianos podem ter explorado para abusar, para ter condições de poder fazer o que antes era impossível, dados certos condicionamentos especiais de nosso país e a falta de certas matérias primas”.º? Com isso, se fortalece uma estrutura industrial parasitária que só pode existir em condições de excepcional coerção estatal da força de trabalho. A guerra européia fez desse processo condição de transformação capitalista. Ela “acelerará ainda mais a concentração capitalista. As imensas chagas que a guerra abriu no campo econômico dos Estados, só poderão ser parcialmente sanadas por um aumento da produção, que só será conseguido intensificando-se o ritmo industrial”.

CULTURA E CIDADANIA Gramsci vai pensar a cultura no quadro mais geral da questão do Estado, da classe, da cidadania e da guerra. Ela é ou não uma necessidade para o movimento operário e socialista? Que tipo de cultura será necessária? Perguntas fundamentais na reflexão desse período, e que percorrerão toda a obra de Gramsci. O debate entre Bordiga e Tasca, no interior da juventude do PS, já tinha recolocado a questão da cultura.”! Bordiga se posicionara como anticulturalista e afirmara que a reivindicação da cultura é o produto de um congresso de professores e não de socialistas. Tasca tinha uma visão da cultura ligada também ao desempenho profissional, podendo mesmo ser visto como produtivista. Gramsci não parte de nenhuma das duas perspectivas, pois a cultura não deve ser “um saber enciclopédico, em que o homem é visto como recipiente de empiria e portador de dados empíricos, de fatos brutos e desconexos que deve 52. “Prodotti nazionali”, A, 9/4/1916, CT, p. 246. 53. “Cristianissimi”, A, 29/3/1916, 1916, CT, p. 236-237.

CT, p. 225. No mesmo

sentido: “Sofismi curialeschi”, A, 3/4/

54. Ver anexo histórico. 66

GRAMSCI

EM

TURIM

arrumar em seu cérebro do mesmo modo que nas colunas de um dicionário para poder depois, em cada ocasião, responder aos vários estímulos do mundo extemo”.* Esse modo de encarar a cultura é burguês. E fossilizado. Não apenas porque cria um grupo de “diplomados” inúteis para a civilização burguesa, mas também porque, no início da dominação burguesa, a cultura teve outro papel: o iluminismo “não foi, em suma, um fenômeno de intelectualismo pedantesco e árido (...). Foi uma magnífica revolução (...) criou em toda a Europa (...) uma consciência unitária, uma internacional espiritual burguesa” A cultura não é um enumerar contínuo de informações, não é um arquivo. Ela é “organização, disciplina do próprio eu interior, é tomada de posse da própria personalidade, é conquista da consciência superior, pela qual se consegue compreender o próprio valor histórico, a própria função na vida, os próprios direitos e deveres. (...) O homem é sobretudo espírito, isto é, criação histórica e não natureza” * É esse o sentido da cultura que leva Gramsci a afirmar que: “toda revolução foi precedida por um imenso trabalho de crítica, de penetração cultural, de permeação de idéias através de agregados de homens antes refratários e unicamente preocupados em resolver dia a dia, hora a hora, o próprio problema econômico e político para si mesmo, sem ligações de solidariedade com os outros que se encontravam nas mesmas condições”.* Entendida como crítica, ela acaba por tornar possível a transformação social. Podemos afirmar que toda revolução digna desse nome é viabilizada pelo processo de construção da hegemonia da classe revolucionária. O ponto de partida da cultura da ordem burguesa foi a crítica radical à ordem “natural” feudal: foi como que “um exército invisível de livros, de opúsculos (...) que prepararam homens e instituições para a revolução necessária”. Foi elemento

de

direção

intelectual

e política

das

massas.

Tal deverá

ser, tam-

bém, o ponto de partida da cultura socialista. A consciência do proletariado também se forma na crítica dos seus inimigos, os capitalistas: como o iluminismo, a cultura socialista poderá — e terá que — ser uma magnífica revolução. E o poderá ser, dado que “conhecer a si mesmo quer dizer ser si mesmo, quer dizer ser senhor de si mesmo, distinguir-se, sair fora do caos”.º 55.

“Socialismo

e cultura”, GP

29/1/1916,

CT,

p.

100.

56. “Socialismo e...”, op. cit., in CT, p. 101. Grifo nosso. 57. Idem, ibidem. Grifo nosso. Tomemos cuidado com as palavras do discurso. Trata-se de um duro combate ao positivismo, que era, como sabemos, a linguagem teórica dos socialistas reformistas. A linguagem sem dúvida ainda é crociana, mas as questões e as soluções estão longe disso. Sobre isso ver o debate althusseriano sobre o jovem Marx. Para um detalhamento da questão ver nossas conclusões. 58. Idem, p.

IOI. Grifo nosso.

59. Idem, p.

102. Grifo nosso.

60. Idem, ibidem. Grifo nosso. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

61

pm

Distinguir-se, diferenciar-se, eis outra idéia fundamental que Gramsci começa a trabalhar. E por toda a sua vida. O proletariado deve distinguir-se da burguesia. O PS deve livrar-se das incrustações burguesas, positivistas, evolucionistas. A cultura como saber dicionarizável é uma das formas dessas

incrustações, da presença da burguesia no seio do proletariado.

Gramsci vai além: a cultura não é só dos grandes intelectuais, dos iluminados. Ela é arma de superação da indiferença. E para tal todos estão convocados. É necessário superar o estigma e o preconceito que atribui a poucos o direito e o dever de elaborar culturalmente: dou à cultura este significado: exercício do pensamento, aquisição de idéias gerais, hábito de conectar causas e efeitos. Para mim, todos já são cultos, porque todos pensam, todos conectam causas e efeitos . Mas o são empiricamente (...) não organicamente. E assim como sei que a cultura é também um conceito basilar do socialismo, porque integra e concretiza o vago conceito de liberdade de pensamento, assim gostaria também que ele fosse vivificado por outro. Pelo de organização. Organizemos a cultura, assim como buscamos organizar toda atividade prática.*!

Dado que o Estado não criava a cidadania, as massas só podiam consegui-la com os opositores da ordem. A tarefa de educar as massas politicamente, de criar a nova cidadania é, portanto, fundamental para os socialistas. É nesse quadro que a questão da cultura ganha sentido: a possibilidade da libertação das classes passa essencialmente pela sua capacidade autônoma de criação cultural. Por que negar o óbvio? Temos aqui, em estado prático, a teoria dos intelectuais — que se expressará de forma mais clara nos Quademi. O texto é de 1916. Precisamos mesmo esperar até 1926 para encontrar o conceito de hegemonia? Organizar a cultura, criar o gosto pelo livre debate, subtrair-se ao inexplicado pelo uso da razão e da inteligência, eis a tarefa dos socialistas. Para construir isso, é preciso superar as formas ditadas pelo pensamento burguês, subtrair-se a elas, diferenciar-se,

É preciso atuar em conjunto, ter tolerância com as dificuldades alheias.

Gramsci trabalha, neste sentido, com dois pares conceituais: intransigência/tolerância, intolerância/transigência.“ Postulado vital da ação humana a intransigência de princípios, significa que um grupo possui finalidades objetivas que busca realizar e, para tanto, tem que adequar meios e fins. Convencido de que uma finalidade é correta, o grupo com sua natural diversidade na captação da realidade tem que discutir para chegar a firmar sua ação. O debate é necessário, e tem que ser levado tolerantemente: cada membro do grupo deve ser convencido da justeza das proposições. Uma vez convencidos eles podem atuar intransigentemente. “Pode-se ser intransigente na ação se se foi tolerante nas discussões, e os mais preparados ajudaram os menos preparados a acolher a verdade, e se 61. “Filantropia, buona volontã e organizzazione”, A, 24/12/1917, CF p. 519. Grifo nosso. É a meira

vez

que Gramsci

afirma

62. “Intransigenza-tolleranza, 68

essa tese.

pri-

intolleranza-transigenza”, GP 8/12/1917 in CF GRAMSCI

EM

TURIM

us experiências

individuais foram

tornadas comuns,

e todos os aspectos do pro-

blema foram examinados, e nenhuma ilusão foi criada”.

Tolerância significa capacidade de entender as dificuldades dos outros, e agir sobre elas. Quando falamos de tolerância não estamos pensando em conivência com os equívocos. Desde que esteja dentro de um grupo, cada Indivíduo deve submeter-se à sua disciplina. Assim, a afirmação de ter o direito de pensar como lhe aprouver não pode ser aceita. Isto não é liberdade de pensamento, é tornar impossível a vida do grupo. Oposto à intransigência de princípios/tolerância na discussão (princí-

pio democrático), se coloca a intolerância/transigência (princípio dissolvente):

“Nós somos apenas contra a intolerância (...) porque impede os acordos «luráveis, porque impede que se fixem regras de ação obrigatórias moralmente (...). Por que essa forma de intolerância leva necessariamente à transigência, à incerteza, à dissolução dos organismos sociais”.'! Para

que

tudo

fique

mais

claro,

basta

ler

radicalidade

onde

se



intransigência e sectarismo no lugar de intolerância. E veremos que a radicalidade no terreno dos princípios é o oposto do sectarismo. Em uma postura radical, se se está convencido de que o princípio e/ou a ação são justos, pode-se discutir tolerantemente. E, por isso mesmo, pode-se fazer com que os outros percebam a justeza do proposto e, no debate, todos cresçam politicamente. Mas, se desde o início, já se usa uma postura sectária, intolerante, não há nenhuma margem para a discussão e na hora do enfrentamento, despreparado para a ação, acaba-se por transigir. O debate amplo e pleno é, pois, uma necessidade democrática para o movimento operário. Uma das mais graves lacunas de nossa atividade é esta: esperamos a atualidade para discutir os problemas e para fixar as diretrizes da nossa ação. Coagidos pela urgência, damos aos problemas soluções apressadas, no sentido de que nem todos os que participam do movimento dominam os termos exatos das questões. E, portanto, se seguem a diretiva fixada, fazem-no por espírito de disciplina e pela fé que nutrem nos dirigentes, mais do que por uma convicção íntima, por uma espontanei-

dade racional.&

Esta não é contudo 63. Idem,

a visão da direção

sindical.

p. 479.

64. Idem, p. 480. 65.

“Per una associazione di cultura”, A,

18/12/1917,

CF

p. 498.

Gramsci colocava a questão

da asso-

ciação de cultura como um “órgão do movimento de reivindicação da classe trabalhadora italiana.”, p. 150. Contra essa posição gramsciana se colocam tanto os dirigentes “intransigentes”, portadores de uma posição anticulturalista, quanto os-reformistas, preocupados em que nada “ponha em discussão e debilite a velha hegemonia exercida pelos quadros reformistas sobre o movimento operário local.”, Giancarlo Bergami, 1! giovani Gramsci e il marxismo, Milão, Feltrinelli, 1977, p. 112. O problema continuará preocupando Gramsci. Na prisão, afirmava ser necessário "fazer algo (...) de um ponto de vista “desinteressado”, “fiir ewig'", “Carta a Tatiana Schucht”, 19/3/1927, Lettere del carcere, Turim, Einaudi, 1975, p. 58. 66. A posição da liderança sindical reformista é exemplarmente clara, Contestando a necessidade de uma organização de cultura proposta por Gramsci, M. Guarnieri pergunta se ela é de fato necessária: EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

69

Vemos então que a cultura e a discussão livre se fundem na realização dos fins colocados intransigentemente. Na ausência de uma prática cotidiana de debate, a disciplina pode mal e mal substituir a existência de uma convicção que permita aos elementos do grupo uma ação eficaz. A disciplina só limitadamente permite levar adiante a ação. Um órgão cultural operário permitiria integrar a prática política e a prática econômica frequentemente dissociadas. Permitia criar uma convicção difundida no seio do proletariado, que estaria assim em condições de ter “aquela longa preparação que dá rapidez ao deliberar em qualquer momento, que determina os acordos imediatos, acordos efetivos, profundos, que reforçam a ação”.” A cultura é plenamente política. E deve ser democrática porque permite a todos discutir; e deve ser intransigente para que todos possam colocar radicalmente as questões pertinentes e pensar os meios adequados a elas. A cultura deve ser então organizada. Organizada “desinteressadamente”, isto é, “sem esperar o estímulo da atualidade, (...) deveria discutir-se tudo aquilo que interessa ou possa interessar um dia ao movimento proletário”.* Esta última consideração é fundamental para quem quer acelerar o futuro, tarefa fundamental e da maior atualidade para o movimento operário e socialista. Em outras palavras, preparar a sua cidadania, a sua hegemonia. É nesse contexto que Gramsci analisa o problema da escola, do jornal, da religião, e insiste em pensar a cultura socialista como questão vital.

A idéia da velha geração socialista da necessidade e da inevitabilidade

do socialismo é aqui combatida. Nada se cria fatalmente. Pensar que a luta sindical por si só resolve o problema do operariado é equivocar-se: “a organização

como

fim

em

si mesmo

é um

obstáculo

ao

futuro

do

socialismo,

e

de modo algum um propulsor do progresso. Educa o egoísmo, transcende-o no corporativismo, nas lutas de categoria. Pulveriza as forças operárias”.º E aqui Gramsci intervêm com a questão da imprensa operária: “sentimos (...) a necessidade cada vez maior de unidade e de coesão. Para obter isto é necessário criar os órgãos competentes, (...) é necessário que a massa amorfa, flu“Quem quer tornar-se culto, socialista ou operário que seja, tem a possibilidade ainda agora, mesmo faltando um órgão de cultura popular. Segundo seus gostos e inclinações, pode encontrar livros, jornais, revistas. À

participação

no nosso

movimento

contribui enormemente

para desenvolver

a inteligência.

(...) Se existe alguém que possua os requisitos favoráveis ao desenvolvimento da própria cultura, não existe nenhuma razão para obrigá-lo a permanecer ignorante. Mas convém evitar querer tornar cultos a todos porque, em muitos casos, uma falsa cultura recheada de tudo pode ser mais danosa do que a simples ignorância." “Tra cultura e ignoranza, l'umilissimo" (M. Guarnieri), A, 20/12/1917, citado por Bergami, op. cit., p. 112. Também em CF, p. 520. Para a resposta de Gramsci a Guarnieri, ver Filantropia..., op. cit. Sobre

toda essa questão

ver o citado

Bergami,

p.

II I-II6

e

119-120.

67. Per una..., op. cit., p. 498. 68. Idem, p. 499. 69. “Labirinto”, A, 8/6/1916, CT, p. 352. Será vital retomar essa crítica com a visão que Gramsci apresentará no período dos conselhos operários. 70

GRAMSCI

EM

TURIM

tuante (...) seja ligada por um entusiasmo, por um hábito intelectual”,'º Não se trata, entretanto, de opor os sindicatos à imprensa operária, mas, pelo contrário, de tentar superar as limitações particularizantes da luta de categora, corporativa por excelência, pela intervenção da cultura socialista, tornada possível pela imprensa operária. É preciso, pois, que essa imprensa perceba a necessidade política da cultura. O jornal operário deve “ser um foco de entusiasmo, ser a voz do partido «que todos os dias ligará novos espíritos, novas energias. Criar um elemento novo: o hábito e, o mais importante, o afeto às nossas instituições (operárias);

(...) fará cessar (as) flutuações””! experimentadas pela classe, e assim realiza-

rá a ação de integração.

Guardemos essa observação: o jornal, a voz do partido, como elemento de coesão, de unidade. Tenhamos também presente esta: “atualmente apenas a greve realiza a unidade das organizações; mas a greve não pode existir permanentemente.”'? A diversidade das formas organizacionais do proletariado precisam ser pensadas: “A organização econômica é um fato natural, porque se nasce proletário, enquanto o socialismo é um ato de vontade. A organização econômica (...) pode existir fora do partido. Mas o Partido Socialista não pode existir se não (...) se afirma plenamente em todas as suas complexas e várias atividades.”"* Especifiquemos um pouco mais o papel do jornal. Não basta a afirmação geral do seu caráter classista, é preciso especificar mais como se realiza esse caráter. Para o operário, comprar um jornal parece ser à primeira vista, algo inocente, contudo, isso implica graves riscos para ele. O operário deve então “negar sistematicamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deve-

(...) que o jornal burguês (qualquer que seja sua li-

ria recordar-se sempre

nha) é um instrumento de luta movido por idéias e sentimentos em contraposição com os seus. Tudo o que se publica é conscientemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante; que se traduz inelutavelmente em um fato: combater a classe trabalhadora”.”* No entanto, essa arma da burguesia tem uma especificidade. Embora o jornal seja uma empresa e, portanto, seja o porta voz dos acionistas, ele é pago por aqueles que combate: “É necessário dizer que aquele vin70. Idem,

ibidem.

71.

p.

Idem,

72. Idem,

353.

Grifo

nosso.

ibidem.

73. “Risposta coletiva”, A,

17/6/1916, CT, p. 382.

74. “Il giornali e gli operai”, A, 26/12/1916, CT, p. 661. Este artigo é dado, na edição dos Scritti giovanilli, como sendo da autoria de Gramsci. Contudo, Sergio Caprioglio, na edição crítica (Cronache EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

7

tém, colocado distraidamente na mão do jornaleiro, é um

do ao massa

projétil forneci-

jornal burguês, que o disparará no momento oportuno, contra a operária”.'º Existe então uma arma antioperária, financiada pela massa operária, uma artilharia burguesa contra as posições proletárias. Mas o operário tem uma alternativa: ele possui também os seus jornais, a sua artilharia. Por isso,

o boicote à imprensa

burguesa é uma

funda

classe:

tarefa política. Subtrair-se à ela, é

começar a subtrair-se à sua hegemonia e por isso o apoio à imprensa operária é uma importantíssima tarefa política. Em contraposição à imprensa burguesa, ao jornal-mercadoria, a imprensa operária corresponde a uma pronecessidade

da

“O

Avanti!,

jornal

único,

sem

concorrente;

é

produto “necessário”, porque é insubstituível, porque corresponde a uma necessidade íntima”. Finalmente, a questão cultural se coloca na questão escolar. A escola classista afasta os proletários. Além desta existe a escola “profissional”. O proletariado se move entre a impossibilidade, ou quase, de entrar na primeira — de tipo clássico, humanista — e a obrigação, ou quase, de entrar na segunda. “Um proletário, ainda que inteligente, ainda que de posse de todos os elementos necessários para tornar-se um homem de cultura, é forçado a arruinar suas qualidades em atividades diversas, ou a tornar-se um refratário, um autodidata, isto é, feitas as devidas exceções, um meio-homem, um homem que não pode dar tudo que teria podido se tivesse se completado e fortalecido na disciplina da escola. A cultura é um privilégio, a escola é um privilégio”.” Colocada essa determinação geral, a questão é especificada na análise da escola profissional, que acaba sendo “uma incubadora de pequenos

monstros aridamente instruídos para um ofício, sem idéias gerais, sem cultu-

ra geral, sem alma, mas apenas com olho infalível e mão firme”.'* Como o jornal, a escola é também uma arma classista que busca pela formação profissional, o meio-homem. Para os burgueses, é natural que se

queira ter esse meio-homem,

para eles é mais “útil ter operários-máquinas

do que operários homens”.” No entanto, do ponto de vista operário, essa “formação” profissional, essa fabricação de monstros, só pode ser vista como força de destruição a favor da burguesia. Por isso é necessário destruir o torinesi), cita-o como sendo de autoria duvidosa. Nós o usaremos, apesar da restrição de Caprioglio, dado que a temática é tipicamente gramsciana. 75. Idem,

p. 662.

76. “ll giornale-merce”, A, 27/12/1918, NM, 77. “Uomini o macchine?”, A, 24/12/1916, 78. Idem,

p. 472. Grifo nosso. CT, p. 670.

p. 671.

79. Idem. n

GRAMSCI

EM

TURIM

privilégio burguês da escola, transformá-la em algo distinto. A escola deve ser o local onde se aprimorem as potencialidades humanas. “Fazei assim com que a escola seja verdadeiramente escola e a fábrica não seja uma prisão”. É preciso ter claro que, se existe um embrião de Estado socialista, o PS, é necessário ter também uma escola nova, onde “seja dada à criança a possibilidade de se tomar homem, de adquirir os critérios gerais que sirvam ao desenvolvimento do caráter. (...) Uma escola que não hipoteque o futuro da criança e constranja sua vontade, sua inteligência, e a consciência em formação a mover-se dentro de uma bitola (...). Uma escola de liberdade e de livre iniciativa, e não uma escola de escravidão e mecanicidade”.*! É preciso estar alerta para o fato de que, do mesmo modo que a imprensa, o jornal e as outras instituições, também a escola é “um problema de direito e de força. E o proletariado deve estar alerta”*? para que possa impor

o seu “bom

direito”. Tudo isso esclarece o sentido da afirmação gramsciana

segundo a qual o “problema da educação é o máximo problema de classe” e, por isso mesmo, ele não pode ser resolvido pelo Estado burguês. Gramsci não confunde escola pública e sua educação — cujo “conteúdo real (deve ser) deduzido da consciência imediata e direta das suas aspirações, dos seus interesses e deveres”! com a escola estatal, dado que estatal e burguês coincidem. “Retiremos às classes dirigentes a educação do povo (...) e teremos dado o primeiro passo decisivo para aquela nova era" que o proletariado deve construir. A questão da educação do proletariado na sua perspectiva de classe remete, pois, à construção do socialismo, enquanto que a educação burguesa remete simplesmente à manutenção da ordem vigente. E aqui se recoloca a questão da indiferença e da passividade. O capitalismo não necessita de um grande número de intelectuais e, portanto, basta-lhe a apatia. É a disciplina via autoridade e não pela consciência. Por isso mesmo, a ignorância e a preguiça mental são “privilégio” da burguesia, pelo menos da maioria da classe. Já os proletários vêm a questão de outro ponto de vista. “A civilização socialista, sem privilégios de casta e de categoria, para realizar-se completa80.

“La scuola

all'officina”,

81. “Uomin

op.

A,

8/9/1916,

CT,

p. 537.

cit., p. 671.

82. Idem.

83. “La prima pietra”, GP 9/12/1916, 84. Idem,

CT, p. 643. Ver a observação

da nota 20.

ibidem.

85. Idem. 86. “Il privilegio dell'ignoranza”, GP EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

13/10/1917, CF p. 393. 13

mente, quer que todos os cidadãos saibam controlar o que os seus mandatários, momento a momento, decidem e fazem”.*” Essa civilização exige, portanto, a qualificação de todos para que se possam escolher os melhores, para que os escolhidos não sejam sempre os mesmos: “é necessário que ninguém seja absolutamente indispensável. O problema da educação dos proletários é um problema de liberdade”.'s Gramsci vai mais adiante: “A história pedagógica demonstra que cada classe que se preparou para a conquista do poder, tornou-se apta mediante uma educação autônoma. A primeira emancipação da servidão política e social é a do espírito." Nada mais correto, pois, que a educação do proletariado seja elaborada pelos seus próprios organismos e que a “escola popular dev(a) ser posta sob o controle dos grandes sindicatos operários”. A questão da cultura é múltipla: escola humanística vs. escola profissional, intelectuais de carreira (burguesia) vs. intelectuais empíricos (operári-

os), saber dicionarizável vs. diferenciação, escola vs. fábrica; enfim, ela é co-

locada sob o ponto de vista do seu produto: uomo che aspetta qualcosa vs. consciência organizada. Mas é também, e finalmente, o choque de mentalidades: católico-jesuítica (produtora de “jovens-decrépitos”), jacobina (qualquer que seja a sua precedência: maçônica, anarquista, etc.) e socialista “intransigente-tolerante”. Retomemos então a questão da indiferença. Graças a ela pode haver o domínio do desconhecido, que nada mais é do que a ação de poucos que organizam a vida social. O absenteísmo, o alheamento do homem em relação à vida social, esse ilusório apoliticismo faz com que a vida apareça como

fatalidade e não como “parasitismo”,

obra dos homens.

“velhacaria”.

Assim

Não é neutra, nem

a indiferença, vista como

impotente:

muito

rio. Na realidade ela é a falta de caráter, ausência de vontade.

pelo contrá-

É colabo-

racionismo. Nesse sentido, a censura, parteira da indiferença, tem um peso fundamental na repressão à participação política. Falamos em ausência de vontade. “Vontade, em termos marxistas, significa consciência dos fins (...) noção exata do próprio poder (...) distinção, individualização da classe, vida política independente da de outra classe”.º! A vontade se diferencia, portanto, totalmente da indiferença. Ela é consciência dos fins e negadora de uma postura colaboracionista, o que significa 87. Idem, p. 394. 88. Idem, ibidem. 89. “La prima...”, op. cit., p. 643. Ver a referência ao iluminismo como uma “magnífica revolução”. 90. “La prima...”, op. cit, p. 643. 91. “Il nostro Marx”, GP 4/5/1918, 74

NM,

p. 5-6. GRAMSCI

EM

TURIM

para os socialistas “fazer com que os proletários participem do patrimônio do pensamento, das experiências espirituais, da inteligência”.O que poderá no realizar pela associação cultural, por aquela organização que vivifica a liberdade de pensamento, Vontade é individualização da classe, independência em relação às

outras classes: “A educação, a cultura, a organização difundida do saber e

da experiência, e a independência das massas em relação aos intelectuais”.”* [, importantíssimo chamar a atenção sobre essa tese. Ela é publicada como nota redacional que precede o artigo de Alfonso Leonetti, que afirmava a tese «da necessária antecedência da liberdade política sobre a cultural. Gramsci objeta: “A fase mais inteligente da luta contra o despotismo dos intelectuais de carreira e das competências por direito divino é constituída pela ação de intensificar a cultura, para aprofundar a consciência. E essa obra não pode ser postergada para amanhã, quando formos politicamente livres. Ela própria é liberdade, ela mesma é estimulo à ação e condição de ação.” Mais do que direito é dever: a preparação para “assumir a gestão social”. É preciso, pois, historicizar os problemas, torná-los concretos dado que ou “a vontade é clara e concreta ou não é". É preciso ser antijacobino, pois “o jacobinismo é uma visão messiânica da história; fala sempre por abstrações, o mal, o bem,

a opressão,

a liberdade,

a luz, as trevas, que existem

absolutamente,

genericamente, e não em formas históricas e concretas como são as instituições econômicas e políticas nas quais a sociedade se disciplina”.ºº Tudo isso coloca claramente a questão da “reforma intelectual e moral” das massas: acelerar o futuro, gerir a sociedade, clarificar seu projeto estatal, libertar-se do domínio ideológico das outras classes exercido pelos intelectuais daquelas... O que mais faltará para reconhecermos que, no mínimo, é abusivo dizer que Gramsci tinha que ler Lenin para elaborar seu conceito de hegemonia!!! 92. “La tua ereditá...”, A,

1/5/1919, CF

p. 869.

93. “Prima liberi”, GP 31/8/1918, in Il nostro Marx mada

questão

dos

intelectuais poderia

1918-1919

ser, de certa forma,

(NM), p. 275. Para Gramsci, a cha-

resolvida pela associação

de

cultura:

“Os

intelectuais representam um peso morto no nosso movimento, porque nele não têm uma tarefa específica, adequada às suas capacidades. Encontra-la seria pôr a prova o seu intelectualismo, sua capacidade de inteligência.”, Per una..., op. cit, p. 499. 94. Idem, ibidem. Grifo nosso. 95.

“La collaborazione

96. "La

politica del

col

senso

'se'”, GP

morale”,

29/6/1918,

NM,

GP

8/6/1918, p.

149. O

NM,

p.

102.

jacobinismo

“abstrai

dessas formas

concre-

tas da sociedade humana que atuam permanentemente sobre o desenrolar dos acontecimentos, põe a história como um contrato, como a revelação de uma verdade absoluta que se realiza sempre porque um certo número de cidadãos de boa vontade se puseram de acordo, juraram realizar o pensamento. Assim concebida, a história é uma longa série de desilusões, de recriminações, de reclamações, de 'se'. Se os acontecimentos não se desenvolvem de acordo com o esquema preestabelecido, grita-se traição, defecção, e supõe-se que vontades perversas atravessaram o curso EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

75

Ora, realizar essa “reforma intelectual e moral” é praticar a vontade, é dizer a verdade. Fazer com que ela penetre as consciências: “para sermos fáceis, deveríamos desnaturar, empobrecer (...). Um conceito que por si mesmo seja difícil não pode ser tornado fácil, sem se transformar em uma vulgaridade”.” Para que a verdade ganhe as massas, é preciso que “o tom dos escritos e da propaganda seja um pouco superior à (...) média, para que isto seja um estímulo ao progresso intelectual, para que ao menos um certo número de trabalhadores saia do indistinto genérico das ruminações de livretos, e consolide o seu espírito em uma visão crítica superior da história e do mundo em que se vive e luta”. A cultura

socialista,

criadora

da

mentalidade

intransigente-tolerante

é,

pois, criadora do caráter. Este “se revela no indivíduo por uma série de atos intimamente homogêneos, ainda que distintos um do outro pela coloração ocasional determinada pela espontaneidade”.”” Graças a essa coerência que se pode observar o que há de idêntico na aparente diversidade dos acontecimentos. O caráter é a afirmação de que se vive no cotidiano a prática da classe. Caráter “não quer dizer gesto excepcional ou, pelo menos, apenas gesto

excepcional.

Pelo

contrário,

caráter

é

muito

mais

continuidade;

e a

continuidade encontramo-la mais nos pequenos gestos do que nos grandes, nos episódios pequenos mais do que nas situações dramáticas”.'º Ora, é justamente a relação cultura-vontade-caráter que separa a mentalidade democrático-socialista das mentalidades católico-jesuítica e jacobina. Diremos mesmo que o jacobinismo, tal como Gramsci o define no período, é a ausência de caráter. É o gesto pelo gesto, o gesto em si mesmo. Assim, “stenterello é o protótipo da burguesia italiana, palradora, vaidosa, vazia que não quer adaptar-se ao modesto mas fecundo trabalho da coletividade anônima”.'! Ele é “um macaco prático: mas a sua filosofia da prática é natural". E o jacobinismo tira do seu espírito messiânico, de sua fé na verdade revelada, a pretensão política de suprimir violentamente qualquer oposição, qualquer vontade que recuse aderir ao contrato social.”, idem, p. 149. Gramsci se referia fundamentalmente a Gaetano Salvemini. Sobre a relação Salvemini-jacobinismo, ver Eugenio Garin, La cultura italiana tra “800 e “900, p. 142-150. 97. “Cultura e lotta di classe”, GP 25/5/1918,

NM,

p. 49.

98. Idem, ibidem. “Não se responde à crítica burguesa com o entusiasmo e pode ser cômodo, permite não pensar, não fatigar-se; mas não é realmente esconder-se o realismo dos subversivos? Onde vão esconder-se as reprovações não poupam aos burgueses pela sua ação de embotamento das cabeças, pela dão, desfigurando os acontecimentos, exagerando o bem, tratando de esconder o GP

16/3/1918,

CF

p. 751.

99. "Luigi Carini”, A,

palavras fortes: isto elogiável. Onde vai que os subversivos falsa educação que mal?”, "La Comune”,

I6/1/1917, CT, p. 841.

100. Idem, ibidem 101. “Stenterello”, A, 10/3/1917, CF p. 84. Stenterello: máscara popular florentina. Por extensão pessoa macérrima, debilíssima, ridícula pelo seu desajeitamento. 76

GRAMSCI

EM

TURIM

aquela contemplada no código penal",.!? Stenterello é, pois, a mentalidade Jacobina, “o último produto das diferenciações que estão se determinando nos bandos de animais que enchem com seus grunhidos os mercados italianos. (...) não tem alma, a sua vida é uma sequência de gestos; (...) Concebem a vida livrescamente. (...) não têm o sentido das leis, por isso são macacos. (...) São em um certo sentido italianos. São os últimos restos de uma italianidade decrépita, saída das seitas, das lojas”.'“* Mas além do gesto pelo gesto, o jacobinismo é o gosto pela aventura, pelo uso da força, pelo desres-

peito ao cotidiano e à lei. Os pequenos burgueses, esses macacos

práticos,

stenterelli, servem pelo menos para uma coisa: exigem que os “novos” llalianos reajam. Para fazer frente aos jacobinos, estes restos da italianidade decrépita, é necessária a ação dos socialistas, dos “novos italianos, que fores:

maram

uma

consciência

e um

caráter”'“

e, que

se

tornaram

homens,

que

«querem “diferenciar-se, para não serem confundidos com os canalhas que têm por cérebro um ninho de escaravelhos, e por alma uma fotografia desbotada de Marat”.!º5 É necessário,

no

entanto,

que

o processo

de

diferenciação

continue

para resgatar os anarquistas. Estes são jacobinos, mas não são macacos. São jacobinos porque recusam historicizar seu pensamento. “Os libertários, enquanto são dogmáticos, intolerantes, escravos das suas opiniões particulares,

se

acima

esterilizam de

tudo,

em

vítimas

diatribes da

sua

vãs,

diminuem

recusa

tudo”.'%

à Opressão

(com

Os O

libertários

maiúsculo),

são, recu-

sa que é incapaz de concretizar-se, porque incapaz de historicizar-se. E a grande massa da população? Esta é vítima da mentalidade católico-jesuítica que a reduz ao estado de perpétua menoridade intelectual, eternamente submetida à onipotência de um Deus claramente usado pelos senhores. Resta-lhe a submissão, a hipocrisia. Esta última é, sem dúvida alguma, uma das “faces mais aparentes e vistosas do caráter italiano”.'” A hipocrisia, resistência

à falta

de

liberdade,

é, por

um

lado

ausência

de

caráter,

produto

da “educação jesuítica que se concedeu e continua a conceder nas escolas e nas famílias, e que deriva espontaneamente da vida cotidiana”'* e, por outro, é o elemento essencial do transformismo. Ela é um dos elementos

102. Idem, p. 86. 103, “La scimmia...”, op. cit., p. 408-409.

104. Idem, p. 409. 105. Idem. 106. “Libero pensiero e pensiero libero”, GP to7.

15/6/1918, NM,

p. LI4.

+ op. cit. p. 75.

108. Idem.

EDMUNDO

FERNANDES DIAS

7

constitutivos dos uomo che aspetta qualcosa. Resgatar o conjunto da população ao jacobinismo é preparar o terreno para assumir o controle da gestão social, e para construir o Estado operário. Tudo isso passa pela libertação intelectual e política das massas. Uma última palavra sobre a questão da cidadania. Ela pode ser fundamentalmente pensada na sua relação com a forma social da disciplina. É o conteúdo dessa forma. Se a disciplina burguesa quer a indiferença da maioria, a obediência sem adesão, a disciplina socialista necessita, e só pode viver, pela adesão, pela participação ativa. A disciplina socialista parte necessariamente de uma postura antijacobina, enquanto que a capitalista encontra no jacobinismo um elemento fundamental para a sua realização. A cidadania burguesa supõe o apagamento das diferenças classistas, por isso fala no homem genérico e a partir daí pode colocar a questão da democracia genérica. Nessa democracia o número, a quantidade, é o elemento essencial: Para atrair os jovens (...) bastaria que os círculos católicos representassem, para eles, uma necessidade do espírito, a necessidade de estar juntos entre companheiros de ideal e de luta, e a consciência de que é um dever difundir e propagandear a fé que se vive como verdade única a afirmar a qualquer preço. (...) Juventude decrépita, a católica, que tendo perdido todo calor interno busca em arranjos práticos (...) saturar-se de associados; não importa que a maioria seja um peso morto (...) que entra no círeulo como poderia entrar em uma associação esportiva (...) Basta que na ocasião possam exibir-se centenas de assinaturas (...) para protestar

contra uma estátua de mulher nua ou contra a exposição de jornais pornográficos. '*

São, portanto, esses dois elementos: a quantidade abstrata e a individualidade genérica que caracterizam a disciplina burguesa. Quantidade abstrata, isto é, o uso do número como elemento de pressão como se bastasse isso para que as vontades se fizessem ação. Individualidade genérica, porque, apagando as diferenças classistas, reduzimos operários, camponeses e burgueses a homens, a indivíduos. E uma vez pensados como indivíduos, basta somá-los. Quantidade abstrata e individualidade genérica são, pois, as duas faces do mesmo mecanismo de ocultamento das vontades reais, concretas. Dissolvem-se também os vínculos de participação real, de concreção das vontades na história real.

Antiteticamente, para existir, a disciplina socialista tem que negar esse

processo de ocultamento/redução. Ela tem que privilegiar o elemento de consciência, de afirmação da vontade, de livre adesão a programas. Essa disciplina cria um novo indivíduo: Ao indivíduo capitalista se contrapõe o indivíduo-associação, ao bodegueiro a cooperativa; o sindicato se torna um indivíduo coletivo que moderniza a livre concorrência, subordina-a a novas formas de liberdade e de atividades. A maioria dos indivíduos se organiza, cria as competências, habitua-se à responsabilidade, ao desprendimento,

109.

78

“Giovani

à iniciativa sem

decrepiti”,

A, 4/4/1916,

CT,

fins imediatos

de lucro

pessoal,

Difundem-se

assim

GRAMSCI

TURIM

p. 238-239.

EM

as condições ideais e morais para o advento do coletivismo, para a organização da sociedade; afirma-se aquela atmosfera moral, pela qual o novo regime não é o triunfo dos poltrões e dos irresponsáveis, mas seguro processo histórico, realização

de uma vida superior a todas as do passado.!!º

A realização da disciplina socialista implica, portanto, a contraposição à disciplina burguesa. Trata-se da construção de uma nova ordem, e o processo de construção da nova cidadania é o próprio processo de crítica e destruição da velha cidadania, da velha ordem. A nova cidadania não é mais baseada na quanlidade abstrata e na individualidade genérica. Ela é agora claramente qualificada, implica “chamar ao exercício da soberania estatal todos os homens, e ao exercício da soberania da produção os que produzem”.!'! O socialismo, a nova ordem, é a democracia plena. A democracia burguesa afirma que “todos os homens podem tornar-se autoridade (...) com a circulação das minorias: todos os homens podem ser capitalistas, mas não todos ao mesmo tempo e sim uma minoria por vez. “O socialismo ultrapassa essas limitações, elimina essa declaração, realiza o “primeiro modelo de representação direta do produtor: os sovietes.”!'2 E com isso elimina o domínio das minorias sobre as maiorias e realiza a democracia mais ampla, a democracia dos trabalhadores.

IO.

“Individualismo e colletivismo”, GP 9/3/1918, CF p. 723.

1 1. “Lultimo tradimento”, A, 3/1/1918, 112.

"Costituinte

EDMUNDO

e soviete”,

FERNANDES

DIAS

GP

CF p. 537.

26/1/1918,

CF

p. 602.

7”

A REVOLUÇÃO RUSSAE O PROCESSO DE HEGEMONIA ara terminarmos o período anterior ao biênio roso faltaria falar da Revolução Russa e de como ela tocou a imaginação e a inteligência gramscianas. Contrariamente ao noticiado pela imprensa italiana censurada pelas autoridades militares, que censurava também os jornais dos países aliados, eles próprios já censurados, Gramsci vê a Revolução Russa, desde logo, como proletária

e não

burguesa,

como

a francesa,

como

imaginam

a maioria

dos

articulistas e editorialistas. Ele coloca a questão prévia de poder-se caracterizar ou não a revolução como proletária, por ter sido feita por essa força social. E conclui que não basta isso para dar tal caráter à revolução. A Revolução Russa ignorou o jacobinismo. (...) teve que abater a autocracia, não teve que conquistar a maioria com a violência. O jacobinismo é um fenômeno puramente burguês: ele caracteriza a revolução burguesa na França. A burguesia, quando fez a revolução, não tinha um programa universal: servia a interesses particulares, a interesses da sua classe, e servia com a mentalidade fechada e mesquinha de todos os que tendem para fins particularistas. O fato violento das revoluções burguesas é duplamente violento: destrói a velha ordem,

impõe a nova ordem. A burguesia impõe

a sua força e

as suas idéias, não apenas à casta antes dominante, mas também ao povo que ela trata de dominar. É um regime autoritário que substitui um outro regime autoritário."

Aqui está exatamente a diferença. A nova ordem está baseada em um programa universal, capaz de mobilizar todas as consciências, e não na dominação da sociedade por outra minoria, dotada de programas particularistas. “A Revolução Russa destruiu o autoritarismo (...) Substituiu o autori-

tarismo pela liberdade, a constituição pela voz livre da consciência universal. Porque os revolucionários russos não são jacobinos, isto é, não substituíram

a ditadura de apenas um pela ditadura de uma minoria audaz e decidida a tudo para fazer triunfar o seu programa?”!“ O programa proletário, diz 113, “Note sulla Rivoluzione Russa”, GR 29/4/1917, CF p. 138-139. 114. Idem,

p.

140.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

81

Gramsci, gem

é universal, a nova ordem

deseja

uma

“na Rússia, um

transformação

novo costume

não é restrita, e seu principal persona-

radical que

mobilize

todas as consciências:

foi criado pela revolução. Ela não substituiu

potência por potência, substituiu costume por costume, criou uma nova atmosfera moral, instaurou a liberdade de espírito, além da liberdade corporal”! Esta é a negação radical da velha ordem e de qualquer jacobinismo. Na Rússia a negação do jacobinismo tornou-se possível por uma propaganda ativa de diferentes grupos políticos que, na sua luta, levavam adiante a revolução. Os bolcheviques colocam-se como tarefa “impedir que o problema imediato, de hoje, a resolver, se dilate até ocupar toda a consciência, e se torne a única preocupação; se tome frenesi espasmódico que erga barreiras intransponíveis a ulteriores possibilidades de realização”.''* Levar avante a revolução pela presença ativa dos revolucionários na massa

proletária é a característica fundamental desse antijacobinismo.

Negando

o

evolucionismo, negando que o futuro realizaria o socialismo por decreto, os bolcheviques querem impedir qualquer compromisso que detenha a revolução. Lenin é citado como aquele que teria criado esse grupo bolchevique tão atuante. Seria irrelevante mencionar isso não fosse a brutal censura vivida pela Itália. A importância dada aos bolcheviques e a Lenin, por Gramsci, contraria, neste momento, a maior parte dos que falam dos “acontecimentos” russos. “E a revolução continua. Toda a vida se tornou verdadeiramente revolucionária; é uma atividade sempre atual, é uma troca contínua, uma escava-

ção no bloco amorfo do povo.” Assim, a revolução russa marca o encontro

do antijacobinismo com a permanência da revolução. Encontro este soldado pela contínua luta ideológica. A necessidade de organizar as amplas massas e a impossibilidade de eternizar o momento atual da revolução são, na realidade, para Gramsci, os elementos originais da revolução. Nesse enfrentamento, enquanto ele durar, não pode haver jacobinismo. As idéias se materializando na ação bolchevique, na ação dos demais grupos, tendem a um enfrentamento contínuo, tornam impossível a ditadura de uma minoria audaz, isto é, torna impossível o jacobinismo. A partir de 1918, fica cada vez mais claro o sentido da revolução russa. Gramsci vai fortalecer, ainda mais, a crítica do socialismo italiano da velha geração. Em tal crítica, o alvo principal será o determinismo positivista professado pelos velhos socialistas: Turalti, Treves, etc. Em seu segundo escrito maldito,'” Gramsci fazendo a crítica dos reformistas russos critica os reformistas italianos: 115.

Idem.

116.

“| massimalisti

russi”,

GR

28/7/1917,

CF,

p. 265.

117. “La rivoluzione contro il 'Capitale'”, GP 5/1/1918, CF 82

GRAMSCI EM

TURIM

O Capital de Marx era, na Rússia, o livro dos burgueses, mais do que dos proletários, Era a demonstração crítica da fatal necessidade de que na Rússia se formasse uma burguesia, se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequer pensar na reconquista dos seus direitos, nas suas reivindicações de classe, na sua revolução. Os fatos superaram as ideologias."*

Por que o livro dos burgueses? Tomado ao pé da letra em uma leitura que o transformava em uma história de todos os países, O Capital era uma “demonstração” “científica” da impossibilidade de queimar etapas. Os problemas que resultariam da queda do czarismo deveriam ser resolvidos pela burguesia, e esta criaria as condições de desenvolvimento das forças produtivas. Com estas, tornar-se-ia então possível, no futuro, a civilização operária. Os socialistas reformistas russos davam o caráter de “marxista” a um colaboracionismo que postergava a revolução em nome de uma... evolução! De uma evolução prevista pelas “leis científicas”... Gramsci contrariamente às velhas gerações socialistas italianas chama a atenção para os bolcheviques, que longe de serem “frios” cientistas como os outros “marxistas” russos (e italianos), se apresentam como realizadores: se os bolcheviques renegam algumas afirmações de O Capital, não renegam seu pensamento imanente, vivificador. Não são “marxistas”, eis tudo; não compilaram sobre as obras

do mestre

uma

doutrina exterior, de afirmações

dogmáticas

e indiscutíveis. Vi-

vem o pensamento marxista (...). E este pensamento põe sempre como fator máximo da história não os fatos econômicos, brutos, mas os homens, a sociedade dos homens que se aproximam

uns dos outros, entendem-se

mutuamente,

desenvolvem por esses

contatos (civilização) uma vontade social, coletiva, e compreendem os fatos econômicos, e os julgam, os adequam à sua vontade, até que esta se tome a força motriz da economia, a plasmadora da realidade objetiva que vive e se move, (...) que pode ser canalizada para onde a vontade quiser."º

Os bolcheviques foram aqueles que, entendendo o marxismo e a sociedade russa, realizaram uma vontade social, a do proletariado. E puderam fazê-lo porque souberam compreender e articular vontade e realidade, porque captaram o sentido básico da obra de Marx, que não era o de dar um modelo “objetivo” da sociedade, mas de tomar possível sua compreensão e sua transformação. Com isso eles liberaram o legítimo pensamento marxista das deformações positivistas em que se encontrava preso na mão dos reformistas (russos ou italianos). Deformação essa que corria o risco de, em nome de uma ortodoxia, acabar por matar a vertente fundamental do pensamento de Marx. Gramsci critica Treves. Este “no lugar do homem realmente existente" põe 'o determinismo” ou a 'força transformadora", assim como Bruno Bauer colocava a 'autoconsciência'. Porque Treves, na sua alta cultura, reduziu a doutrina de Marx a um esquema exterior, a uma lei natural, ocorrendo fatalmente de fora da vontade dos homens, da sua atividade associativa, das forças sociais que essa ativida118. Idem,

p. SI4.

119. Idem,

p. 513-514.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

83

de desenvolve, tomando-se ela própria determinante do progresso, motivo necessário de novas formas de produção”.'” Mais precisamente Treves fez do marxismo uma teoria da inércia do proletariado, a partir do que cessa toda a atividade de proselitismo e de organização por parte dos velhos socialistas de direita. Isso é exatamente o contrário do que fazem os bolcheviques. A luta ideológica travada por eles permitiu ultrapassar a experiência puramente nacional: A prédica socialista colocou o povo russo em contato com as experiências dos outros proletariados. A prédica socialista faz viver dramaticamente em um instante a história do proletariado, de suas lutas contra o capitalismo, a longa série de esforços que ele deve fazer para emancipar-se idealmente dos vínculos com o servilismo que o tornavam objeto, para tornar-se consciência nova, testemunho atual de um mundo futuro. A prédica socialista criou a vontade social do povo russo. Por que o povo russo deveria esperar que a história da Inglaterra se repetisse na Rússia, que na Rússia se formasse uma burguesia, que a luta de classes fosse suscitada para que nascesse

a consciência

de

classe

e, finalmente,

ocorresse

a catástrofe

do

mundo

capitalista? O povo russo passou por essas experiências no pensamento, ainda que no pensamento de uma minoria."

Afirmar que o povo russo passou por essas experiências no pensamento é afirmar que toda a experiência internacional do proletariado é pensada e vivida por essa minoria que a transmite, sob a forma da luta político-ideológica,'2 na qual e pela qual a experiência internacional, pensada como ciência experimental que pode dar corpo a uma vontade social, ganha materialidade. O marxismo dos bolcheviques, teoria corporificada pela vontade social do povo russo, é capaz de dar vida a um novo projeto estatal independente do inevitável acontecer histórico... tão ao gosto dos reformistas'2e não por um mero esquema ideológico de explicação do “inevitável” ocorrer da história. É a afirmação da ação e a negação da inércia. Partindo do momento mais avançado da produção ocidental, o proletariado russo, formado pelo socialismo, caminhará para o coletivismo. Gramsci res-

ponde ao ceticismo dos reformistas sobre as possibilidades do socialismo: “Será 120. “La critica critica”, GR

12/1/1918, CF p. 554-555. Referência clara à obra de Marx A sagrada

família ou Crítica da crítica crítica ou contra Bruno

Bauer e seus consortes.

121. Idem, p. SIS. Grifos nossos. 122. Os bolcheviques “são um conjunto de milhares de homens que dedicaram toda a vida ao estudo (experimental) das ciências políticas e econômicas, que durante dezenas de anos de exílio analisaram e esmiuçaram todos os problemas da revolução”. "La taglia della storia”, L'Ordine Nuovo (ON), 7/6/1919, L'Ordine Nuovo (L'ON), p. 6. 123. Tal é o impacto dessa análise que Claudio Treves, um dos mais importantes reformistas, retrucou: “Recentemente um colaborador do 'Avanti!' expunha a doutrina segundo a qual os decretos de Lenin superam a história, isto é, ultrapassam os períodos de evolução da propriedade. Com decretos se salta de pés juntos a era burguesa industrial, se passa da economia patriarcal ao coletivismo!”, Very Well (Claudio Treves), “Lenin, Martoff e... noi!”, Critica Sociale, | a 15/3/1918, citado por Luigi Cortesi, Le origini del PCI, p. 399. 84

GRAMSCI

EM

TURIM

no início o coletivismo da miséria e do sofrimento, Mas as mesmas condições de miséria e sofrimento seriam herdadas por um regime burguês. O capitalismo não pode, de imediato, fazer na Rússia mais do que poderá fazer o coletivismo”.'! Essa idéia de que o socialismo partirá do ponto mais avançado da técnica capitalista é um elemento fundamental para a construção da nova ordem econômica no novo quadro político. Gramsci chama a atenção para o fato de que a utilização da técnica capitalista sob uma forma política coletivista, gera necessariamente uma nova economia: Mas pelo fato da economia e da política estarem estreitamente ligadas, a revolução russa cria um novo ambiente para a produção, e esta se desenvolve com finalidade diversa. Em um ambiente jurídico burguês, a produção tem (fins) burgueses; em um ambiente jurídico socialista, a produção tem fins socialistas, mesmo que ainda se deva servir por muito tempo da técnica capitalista, e não se possa dar a todos os homens aquele bem-estar que se imagina que em um regime coletivista todos os homens devam e possam ter.'5

Valeria a pena mencionar que esta é uma visão que se generalizará no seio da Terceira Internacional. E que, no fundamental, gerará uma série de equí-

vocos, e de problemas, graves: a questão da neutralidade da técnica capitalista. A não-resolução dessa questão é a nosso ver um dos elementos vitais para a compreensão dos “acontecimentos do Leste Europeu”, há uma década. O socialismo gera novas formas de estruturação econômica e, absolutamente conectado a isso, gera novas formas de soberania: o soviete como forma de representação direta dos produtores. Por isso, Gramsci não manifesta

nenhuma

inte. Mostra

É

que

surpresa,

há uma

nenhum

escândalo

especificidade

com

o fechamento

da

Constitu-

no evento:

Vemos no fechamento da Constituinte apenas a aparência violenta, o golpe de força. Jacobinismo? o jacobinismo é um fenômeno absolutamente burguês (...). Uma minoria que está segura de tornar-se maioria absoluta, quando não diretamente a totalidade dos cidadãos, não pode ser jacobina, não pode ter como programa a ditadura perpétua. Ela exerce provisoriamente a ditadura para permitir à maioria efetiva organizar-se, tornar-se consciente das suas necessidades intrínsecas, e instaurar a sua ordem, fora de qualquer apriorismo, segundo as leis espontâneas desta necessidade. 'º

« Soberania dos produtores e ditadura revolucionária dos bolcheviques.

A minoria que quer ser maioria, os bolcheviques, realiza a ditadura como momento transitório para a real democracia socialista. Democracia que se baseia em um novo tipo de cidadania: a dos produtores. A partir dessa concepção, o fechamento da Constituinte não causa escândalo. E isso porque 124. “La rivoluzione...”, p. 516. 125. “Lultimo tradimento”, A, 3/1/1918, CF p. 3. Essa solução similar a de Lenin em O Estado e a revolução, foi elaborada sem o conhecimento do texto leninista. Só em [919 Gramsci passa a ter acesso aos textos do russo. 126. “Costituinte...”, op. cit., p. 602-603. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

85

na Rússia tende assim a realizar-se o governo com o consenso dos governados, com a autodecisão de fato dos governados, para que vínculos de sujeição não liguem os cidadãos aos poderes, mas se tenha uma coparticipação dos governados nos poderes. Os poderes realizam assim uma imensa obra educativa, trabalham para tornar cultos os cidadãos, trabalham na realização daquela república de sábios e de co-responsáveis que é o fim necessário da revolução socialista, porque é a con-

dição necessária às realizações integrais do programa socialista.!”

Em contraste com as posições bordiguistas do período'* não aparece no texto gramsciano uma referência muito clara às classes ou forças sociais em presença na luta. Mas, curiosamente, certas semelhanças chamam nossa atenção. Uma delas é o valor atribuído por ambos à intransigência dos bolcheviques como elemento fundamental para obter um consenso com a maioria da população. Ambos partilham, aliás equivocadamente a noção desse consenso que os bolcheviques não obtiveram em tão alto grau. Outro ponto de semelhança é o julgamento favorável ao fechamento da Constituinte, posição marginal dentro do PSI. Bordiga vê claramente a ação violenta dos bolcheviques, Gramsci a nega. Dois pontos os separam: a interpretação da afirmação marxista da possibilidade de queimar etapas e a questão dos sovietes. Na primeira, a partir dos

textos

da conjuntura

revolucionária

de

1848,

Bordiga

demonstra

pensara a possibilidade de um país atrasado (a Alemanha)

que

Marx

realizar a passa-

gem de uma revolução burguesa para uma revolução proletária. E, com isso, afirma, as observações de La rivoluzione contro il “Capitale” estariam desautorizadas. Curiosamente, Bordiga não aprofunda a temática da revolução permanente que está presente naqueles textos de Marx. Quanto aos sovietes, Bordiga ressalta que eles são organismos políticos e não podem ser aproximados ou identificados com o mundo da produção (já em 1918!). Esta diferença durará todo o período ordinovista. Trataremos dela mais adiante. Uma última observação gramsciana, feita ao final de 1918, merece ser apreciada: A salvação da Revolução Russa está baseada essencialmente na energia do proletariado internacional, no ritmo sempre crescente da retomada da luta de classes nos países da Entente. A República dos Sovietes não poderá avançar na via do comunismo integral a não ser que o mundo inteiro, ou pelo menos, que as nações cujo papel é decisivo para a produção e as trocas, instaurem o regime

dos sovietes.!*

meira

A temática da revolução permanente se casa com a da salvação da pripátria operária. O tema do internacionalismo aparece aqui claramente.

127. “Per conoscere la Rivoluzione Russa”, GP 22/6/1918, NM, jacobinismo ver o anexo histórico.

p. 137. Sobre jacobinismo e anti-

128. Ver anexo histórico. 129. “La crociata contro la Russia”, A, 27/12/1918, NM,

8

p. 470.

GRAMSCI EM TURIM

IV AS FORMAS DA CLASSE: À LUTA CONTRA O REFORMISMO ONOVO QUADRO ITALIANO ordem tem um poder taumatúrgico. Este poder está fortemente articulado com a indiferença. O grande peso de inércia da história reside na crença que os indiferentes têm da ordem. A vida política italiana, caracterizada pelo transformismo, necessita da inércia mais do que em outras situações nacionais: que todas as decisões fiquem em poucas mãos; que estas sejam maleáveis; que a massa permaneça amorfa. No entanto, apesar da guerra, da censura, do governo militar, do parlamento

reduzido a quase nada, as energias sociais começam a mover-se; “em tempos normais, há um equilíbrio de forças cuja instabilidade tem oscilações mínimas;

quanto mais essas oscilações se tomam irregulares e caprichosas, tanto mais se diz que os tempos são calamitosos; quando todo o equilíbrio tende irresistivelmente a mudar, admite-se que se entrou em um momento de vida nova”.'” Pouco a pouco, aqui e ali, a sociedade vai sofrendo abalos. Os anos de guerra trouxeram novas e imensas transformações, surge algo novo: “um novo hábito se forma: o de não temer o fato novo; primeiro, porque pior do que está não pode ficar, depois porque se está convencido de que virá o melhor”.''! O presente não é mais capaz de garantir a sua continuidade, o temor do futuro vai desaparecendo. Esse processo é marcado pela incapacidade

desse

presente,

ou

seja, da

ordem

vigente.

Quando

isso ocorre,

mesmo

os indiferentes começam a agir. Uma semana antes dos “acontecimentos” de Turim, em 1917, os fatti d'agosto, Gramsci dirá: “Começou o processo ideal do regime, começou a sua declaração de falência: perdeu-se a fé instintiva e de cabresto dos indife-

rentes, porque se fecharam muitas portas”,'* 130.

“Lorologiaio”,

GP

1/8/1917,

CF

p. 281.

131. Idem. 132. Idem, p. 281-282. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

Br

Os fatti d'agosto, momento

importante desse processo, ocorrem

na cida-

de proletária por excelência, onde a polarização política se dá claramente, onde

as classes estão diferenciadas, onde são eleitos apenas socialistas e conservadores, dispensando-se os “democratas”.'“ Trata-se de uma rebelião que, por sorte do regime, o PSI se recusa a e/ou é impotente para comandar, e ainda por cima combate aqueles que lutam no movimento. '* “5ramsci, assesta as suas baterias contra Cláudio Treves, porta-voz do reformismo que condenara o movimento. Treves condena a rebelião por acreditar que naquelas circunstâncias, nada se poderia fazer, que tudo seria “necessariamente estéril” e comprovava sua assertiva afirmando que mesmo a Rússia que fizera a revolução (a democrático-burguesa, é bom lembrar) tivera que continuar a guerra. Treves considerava que era profundamente

antimarxista a “exaltação das élites que conduzem Gramsci

critica a “sutil dialética”

a história.” '*

que Treves usa para negar a realida-

de e promover a inércia à categoria de estratégia marxista! “A verdade só é real quando nega”, diz Treves, na interpretação gramsciana, “é ilusão idealista quando afirma: a verdade é ativa quando defende", é piedosa ilusão de cretinos quando pretende uma iniciativa.”'“ Essa era a suma da posição dos reformistas. Ora, diz Gramsci, Treves pode formular tal “marxismo” porque crê na fatalidade evolutiva que fará com que se chegue ao socialismo. Se assim é, os socialistas podem esperar, colocar-se como superiores: “Os socialistas não são os oficiais do exército proletário; são uma parte do próprio proletariado, são sua consciência, talvez, mas como a consciência não pode estar separada de um indivíduo, assim os socialistas não podem estar postos em dualidade com o proletariado”.'” Gramsci combate o férreo determinismo evolucionista, pelo qual o homem é um “átomo de um organismo natural, que obedece a uma lei abstrata

os”.'s

enquanto

Recupera

tal,

mas

a noção

que

torna

concreta

historicamente,

de vontade,

se

a noção

de atividade

nos

indivídu-

consciente

que

133. Turim, caracterizada por Gramsci, pela “multiforme operosidade das suas categorias sociais que se agitam vertiginosamente na luta pela produção, pelo comércio, pelas suas ideologias políticas. Turim, representa em tamanho reduzido um verdadeiro organismo estatal. Todas as energias estão aí representadas, todas as forças antitéticas de um Estado estão aí representadas.” “Preludio”, A, 17/5/1916, CT, p. 320. No mesmo sentido: “Torino cittã di provincia”, À, 17/8/1918, NM, p. 255-257. 134. Ver anexo histórico. 135. “Antica predica”, Critica Sociale, 136. “Analogie e metafore”, GR

11-19/9/1917, XVIII (7). Em francês no texto.

15/9/1917, CF p. 331.

137. Idem, p. 332. Grifo nosso. Essa concepção irá marcar uma diferença radical em relação a Bordiga e aos maximalistas. Em relação a Bordiga essa diferença se tornará explosiva durante a luta

interna no PCd'l (1923-1926).

138. “Il nostro Marx”, GP 4/5/1918, NM, 88

p. 4. GRAMSCI

EM

TURIM

|

atua na realidade social, Essa recuperação da atividade consciente passa por outra recuperação: a do significado da teoria marxista. Além de tarefa teórica, isto é também, e principalmente, uma tarefa prática. Contra o evolucionismo ele salienta que “Marx significa o ingresso da inteligência na história da humanidade”.'*º Na história, entendida como “pura atividade prática (econômica e moral)”,'º as idéias e a economia aparecem intimamente unificadas. A história tem sua substância na economia, mas a idéia “se realiza não enquanto logicamente coerente com a verdade pura (...) mas enquanto encontra na realidade econômica a sua justificação, o instrumento para afirmar-se”.!!! Conhecer a história implica um conhecimento dessa realidade econômica. É a partir desse conhecimento que se percebe a divisão da sociedade em classes e pode-se tomar consciência das circunstâncias específicas em que se realiza a vida social. Esse conhecimento se torna princípio de ordem que vai permitir a expressão da vontade e esta significa a capacidade de auto-articulação da classe no processo de luta. O evolucionismo, ao fazer com que o “marxismo” apareça como um conjunto de leis exteriores que fatalmente ocorrerão, leva à abdicação da vontade. O abandono pelos reformistas da tarefa de diferenciação da classe, a não-distinção de suas formas organizativas em relação às da classe burguesa são consequência disso. O partido, para a velha direita socialista, não se diferenciaria totalmente dos partidos burgueses: é, como aquele, um partido parlamentar que quer governar a nação pelo sufrágio popular. Nada mais do que isso. Gramsci insiste: A atividade científica é, em enorme parcela, materializada por esforço fantástico; quem é incapaz de construir hipóteses jamais será um cientista. Também na atividade política a fantasia tem uma enorme participação; mas na atividade política as hipóteses não são feitas com fatos inertes, matéria surda à vida; na política, a fantasia tem por elementos os homens, as necessidades vitais dos homens. (...) Se o político se confunde nas suas hipóteses, é a vida dos homens que corre perigo, é a fome, é a revolta, é a revolução para não morrer de fome.!?

PARTIDO ESINDICATO Com a aproximação da paz, a “unidade” que prevalecera no interior do partido começa a quebrar-se. O grupo parlamentar entra em choque com os “intransigentes”. Por um lado o grupo parlamentar, reforçado pela CGT, tenta uma 139. Idem,

p. 3.

140. Idem,

p. 4.

41.

p. 4-5.

Idem,

142. “Una veritã che sembra un paradosso”, A, 3/4/1917, CF EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

p.

109 89

aproximação com o Estado e os grupos políticos burgueses, em uma atitude tipicamente transformista, colaboracionista. Por outro, os intransigentes buscam uma definição classista para o partido. É dentro dessa luta intema que o jornal giolittiano La Stampa vai tentar atuar, colocando-se ao lado do grupo parlamentar. Gramsci, na resposta a uma série de artigos daquele jornal vai precisar pouco a pouco as diferenças existentes entre as frações em luta. A lógica dos artigos do La Stampa pode ser resumida na afirmação: as duas faces da luta têm sua raiz na própria personalidade de Marx: por um lado, ele era “místico-revolucionário” (os “intransigentes”) e, por outro, era “concreto-histórico” (identificado com os reformistas). Gramsci mostra que a aparente cientificidade da posição do jornalista? e sua preocupação com os “fatos” são mera ideologia: Mas, existem fatos sem os homens, e fatos determinados sem homens determinados, que têm uma cultura determinada, que se propõem um fim determinado? O concretismo se torna abstracionismo quando, alucinado pelo empirismo, esquece que os fatos, enquanto atualidade e não história do passado, enquanto estímulo para o ulterior desenvolvimento da sua efetiva essência, são sobretudo conhecimento, juízo, avaliação, e estas belas coisas só são possíveis se os homens, os agrupamentos se propõem um fim geral na sua ação."

O “simpatizante” apresentava o debate socialista como uma mera dualidade abstrata: por um lado os pragmáticos, os que sabem o que estão fazendo — o grupo parlamentar — e, por outro, os que valorizam a interven-

ção da vontade, os intransigentes. Gramsci denuncia a distinção entre ciência e ideologia, tão cara à direita do PSI, à CGT, ao grupo parlamentar e ao “simpatizante” ao mostrar que, se Marx combate as ideologias ao nível da análise científica, ele sabe que “como revolu-

cionário, (...) não pode prescindir das ideologias e dos esquemas práticos, que são

entidades históricas potenciais, em formação; só que as solda com a força da organização, do partido político, da associação econômica”.'º A ideologia não é necessariamente erro. Ela é a maneira pela qual é possível mobilizar a classe e fazê-la colocar-se a caminho de sua realização

histórica: “O político que não é um empírico, age em relação ao futuro como se a classe já estivesse atualmente na plena

eficiência dos quadros”.'*

143. “Os artigos da 'Stampa' são escritos por um 'simpatizante', condição útil para adormecer o senso crítico dos leitores proletários do jornal", “Lintransigenza di classe e la storia italiana”, GP 18/ 5/1918, NM, p. 27. 144. “Astrattismo e intransigenza”, GP 11/5/1918, NM, p. 15-16. O artigo foi apresentado na edição dos Scritti giovanili (SG), como de autoria duvidosa. Paulo Spriano, editor dos Scritti politici (SP) e Sergio Caprioglio, da edição crítica Il nostro Marx (NM), o colocam como sendo de Gramsci sem sombra de dúvida. 145. Idem, p.

17. Grifo nosso.

146. Idem, ibidem. Grifo nosso. 90

GRAMSCI

EM

TURIM

O problema da política socialista só pode ser visto na perspectiva do futuro, colocando-se como alternativa de transformação, como projeto revo-

lucionário. Deste ponto de vista a intransigência é “método democrático (...) para que a realidade efetiva se organize e se revele, para que a história dialeticamente necessária se afirme”'” e não se pode mais afirmar que ela seja “passividade e reação”,"'* como quer o “simpatizante”. Do ponto de vista da alternativa revolucionária, a postura da direita socialista é a liquidação prática de qualquer revolução. “A colaboração é morte do espírito, porque é ausência de distinção, de plasticidade política”.'* Ela implica não colocar a radical diferença entre as democracias socialista e capitalista e é a ausência dessa distinção que impede uma atuação alternativa por parte dessa direita. Mais concretamente: ao aceitar a postulação da democracia de tipo giolittiano, os próprios reformistas sofrem a ação do transformismo, isto é, perdem sua plasticidade política. É na luta contra esses reformistas, que se realiza no interior do PS, que Gramsci coloca o dever da intransigência. Conclui: este dever “é razão de existência e de desenvolvimento do Partido Socialista. A história é a dialética da luta de classes que tem como protagonistas e antagonistas o Estado e o Partido Socialista com as organizações econômicas que controla"? Tudo isso pode ser mais claramente percebido dentro da ótica gramsciana do PS como Estado em potência. Gramsci precisa a noção de Estado, pensando as diferenças entre os Estados burgueses, as diferentes concepções dos partidos (a partir das suas vinculações classistas), a sua análise da situação italiana bem como a participação dos intransigentes socialistas nesse processo.

Após denunciar o significado da ação do “simpatizante”, Gramsci

mostra que as modificações que vêm ocorrendo na Itália levam diretamente a uma transformação do Estado. Transformação essa que acabará por liquidar o tipo de política giolittiana. Pela da luta entre os partidos se criará “uma nova forma de governo, que pressupõe um Estado de classe diante do qual todos os partidos burgueses são iguais”.!! A partir do exame da realidade inglesa, ele vê nesse processo de competição entre os partidos e a transformação da “estrutura feudal, despótica e militarista” do Estado italiano, “de modo a ser impossível a ditadura de um líder partidário, mas sempre com a possibilidade de alternância, de sucessão no poder dos que 147. Idem,

p.

18-19.

148. Idem. 149.

Idem.

150. Idem. Grifo nosso. 151. “Vintransigenza...”, op. cit., p. 28. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

91

representam

o essencial

das

forças

políticas

e econômicas

do país”.'?

O

Estado italiano assumirá a forma do Estado liberal, em que os elementos

mais vigorosos se fortalecerão, e se limitarão os elementos parasitários que apenas continuam a existir pelo superprivilégio que conseguem arrancar desse mesmo Estado. O “Estado é a organização econômico-política da classe burguesa. O Estado é a classe burguesa na sua força concreta, atual”.' Fora do plano. estatal, a burguesia não é senão um conjunto de grupos capitalistas que lutam incessantemente entre si para obter o monopólio. Daí a importância da luta pelo controle estatal. O Estado compõe juridicamente os dissídios internos da classe, os atritos dos interesses contrastantes, unifica as frações e dá a imagem plástica da classe como um todo. O governo, o poder, é o ponto no qual se afirma a concorrência das frações. O governo é o prêmio do partido, da fração burguesa mais forte, que por esta força conquista o direito de regularo poder do Estado, de encaminhá-lo para determinados fins, de plasmá-lo prevalentemente segundo seus programas econômicos e

políticos."

Diante desta realidade estatal, os partidos burgueses e o partido socialista não se colocam da mesma maneira. Há entre eles uma diferença radical: a de classe. Mas há outra diferença essencial: os partidos burgueses são partidos de frações de classe,!* enquanto o PS é ou deveria ser, um partido de classe, isto é, um partido que unifica a classe, e não apenas exprime suas frações. Por isso mesmo enquanto os partidos burgueses buscam conquistar o Estado, ou seja, modificar a correlação de forças entre as frações burguesas para imporem a dominação da sua fração específica, o PS não pode fazer o mesmo. Os partidos burgueses podem disputar o Estado entre si porque fundamentalmente estão de acordo com a generalidade da vida estatal. Já o PS se não quiser ser um mero agregado político, tem que atuar de modo diferente. “O Partido Socialista não conquista o Estado, substitui-o; substitui o regime, abole o governo dos partidos, substitui a livre concorrência pela organização da produção e das trocas”.'% Mas, na Itália, afirmar a existência de um Estado capitalista, de partidos, é possível desde que estes termos não sejam confundidos com o significado que eles têm nos países capitalistas avançados. Na Itália o capitalismo apenas começa, e a lei “é uma incrustação moderna em um edifício antiqua152. Idem,

p. 28-29.

153. Idem,

p.29. No mesmo

sentido:

“Il nostro punto de vista”, GR

16/3/1918, CF

p. 740-742.

154. “Uintransigenza...”, op. cit., p. 29. 155. “Programma socialista di pace?", GP 2/3/1918, CF p. 694-697. 156. “Lintransigenza...”, op. cit. p. 30. 2

GRAMSCI EM

TURIM

do, não é o produto de uma evolução econômica, é um produto do mimetismo político internacional, de uma evolução intelectual da lei, não do instrumento de trabalho”.'” Sob a aparência liberal, o Estado italiano é, na realidade, um “regime burocrático centralista, fundado sobre o tirânico sistema napoleônico, apto para oprimir e nivelar toda energia e todo movimento espontâneo”. 58 Nesse quadro, em que os partidos e a concorrência política burguesa não existem o Estado não é plenamente um Estado de classe e sim “a ditadura de um homem, expoente dos interesses políticos restritos da região piemontesa, que, para manter a Itália unida, impôs a ela um sistema de dominação colonial, centralizador e despótico”.'” Obviamente, essa dominação

de um homem

(Giolitti) só é possível dado o caráter particular da formação

da burguesia italiana — seu caráter regional, sua não superação da fase corporativa, sua tardia integração na ordem capitalista — e também da formação tardia do Estado italiano. O transformismo daí decorrente é a condição necessária à existência do giolittismo. O grande problema do “simpatizante” é que todo esse aparato está naquele momento, em mãos de outros burgueses, e Giolitti está em minoria. Se houver um enfrentamento real entre esses agrupamentos burgueses corre-se o “risco” de ver nascer um Estado liberal, e é dentro dessa perspectiva que é examinada a luta no interior do PS. O “simpatizante” quer evitar que os intransigentes dominem o partido, quer que continue o domínio dos reformistas. Por isso, ele apresenta a intransigência como “místico-revolucionária”, como “inércia mental e política”; já o colaboracionismo é “concreto-histórico”, é realista. “Se o Partido socialista, quer permanecer e tornar-se cada vez mais o órgão executivo do proletariado, deve observar e fazer respeitar por todos o método da mais feroz intransigência.”'º O PS não pode adotar, sem se desnaturar, a postura do colaboracionismo. Se ele quer ser o partido da classe operária tem que buscar “substituir o Estado”, não conquistá-lo, pois mais do que um partido ele é o “anli-Estado”.'* Nesta perspectiva a intransigência é o único modo de existência do PS. É “uma política de princípios, é a política do proletariado consciente de sua missão revolucionária de acelerador da evolução capitalista da sociedade, de 157. Idem. 158. Idem. 159. Idem,

p. 33.

160. Idem,

p. 35-36.

161. “Programma...”, EDMUNDO

op. cit., p. 694.

FERNANDES

DIAS

93

reagente que clarifica o caos da produção e da política burguesas (...) À intransigência é o único modo de ser da luta de classes” !º O PS sempre afirmou ser um partido de classe, um partido operário. No entanto, é preciso ter clareza de duas coisas: não basta afirmar-se como tal para sê-lo efetivamente, e não basta falar em nome da classe para representá-la; há uma distinção entre a existência objetivada de uma classe e sua existência política: “A classe, como fato econômico, se fortalece fora das vontades individuais: ela nasce de uma fonte natural, que é o regime burguês (...). Mas a força da classe, enquanto fato econômico, enquanto efeito de uma causa objetiva, não tem um valor político."'* Cabe, portanto, ao partido a tarefa de transformar a força econômica da classe em força política. Para tanto o partido tem que for-

mar com a classe uma unidade que reúna as energias dela.

Para que ele amplie a esfera de sua ação, torne-se um elemento de ordem no caos

ainda existente — dado que a evolução econômica ainda não chegou a seu cume, e a humanidade ainda não está clara e conscientemente dividida em duas classes — é necessário que o partido mantenha distinta a sua individualidade finalística, que sempre, mesmo nas questões aparentemente sem importância, ponha em relevo a sua personalidade inconfundível. Só assim organizará em torno de si as forças classistas que, desordenadamente, o regime produziu e continua a produzir sem cessar!

Deste modo, o partido não pode ser reduzido a algo que pode esperar o desenlace fatal da história. Gramsci critica precisamente essa postura quietista. A criação do Estado proletário não será obra de uma lei exterior e fria, pelo contrário, será a ação coordenada da classe. O partido como organizador da força política da classe tem um papel fundamental nessa criação. A cultura, dentro da ação partidária, tem também um grande peso. Dado que é necessária a manutenção da sua individualidade política, o partido não pode descurar-se da preparação cultural dos operários. Diferenciando-se dos demais, o PS deve fazer com que a classe se tome autônoma em relação às outras classes, resguardando a necessidade de o partido e a classe formarem uma unidade. Queremos dizer com isso que o partido deve manter-se na vida da classe e não colocar-se sobre ela como exterioridade, como autoridade superior. Para que se mantenha a convivência com a classe, a intransigência é não apenas “o único modo de ser da luta de classe”, mas é, também “uma necessidade democrática”.!* 162. “Uintransigenza...”, op. cit., p. 36. dividida em classes. “A luta de classes é da sociedade atual. (...) Quem diz que trégua de classe pronuncia apenas uma é uma condição de sua vida (...).” “La 163. “Fiorisce |'ilusione”, GP 164.

15/6/1918,

À questão da intransigência decorre da própria sociedade imanente na sociedade capitalista, isto é, é um modo de ser a luta de classes pode ser suspensa, que pode existir uma tolice, Nao é o proletariado que quer a luta de classes, ela lotta di classe”, GP 1/12/1917, CF. p. 462. NM,

p.

III.

Idem.

165. Idem. 94

GRAMSCI

EM

TURIM

A organização se articular,

política e a organização econômica

se pretendem

pôr um

fim

à sociedade

da classe

capitalista,

têm

que

isto é, libertar a

coletividade, Se a organização econômica — CGT, cooperativas!“ — permitem melhorar a situação operária no campo da materialidade, a organização política (o PS), faz pela sua ação educativa com que o proletariado ultrapasse o egoísmo corporativista. Cabe à organização cultural outra tarefa: permitir que os operários participem “do patrimônio do pensamento, das experiências espirituais, da inteligência”. '” Precisemos mais. As organizações econômicas educam o egoísmo nas lutas de categoria, mas não unificam a classe. Reforçam mesmo as divisões no seio da classe, e recusam a politização da luta de classes. Instauram na classe a cisão entre economia e política. Cisão, que é a característica fundamental da prática e do pensamento burgueses, que acabou por passar ao

pensamento dos dirigentes operários. “A organização tem essencialmente fins

imediatos, principalmente econômicos; serve para constituir as fileiras, mas estas devem ser mantidas sempre íntegras e compactas, por uma idéia geral, por um fim distante que imponha uma disciplina constante, metódica”.'* Vale dizer que por si só a organização econômica não permite ultrapassar os limites impostos pela organização da produção, ainda que possa melhorar aí a posição da classe. É necessário lembrar, além disso, que no próprio processo de constituição da organização econômica da classe se institui uma assimetria entre

organizadores e organizados. “As organizações italianas de resistência estão bem

longe de representar aquelas forças democráticas e capazes de controle recíproco, que são os pressupostos de uma ação de classe política e econômica, sistemática e ordenada”.'º O problema radica basicamente na baixa participação nessas organizações. Essa falta de participação não lhes retira, todavia, o direito formal de decidir nos momentos decisivos da vida da organização. Inexiste uma vida associativa que prepare o associado à participação cotidiana, e o resultado é que ele “não compreende o alcance e as conseqiiências de uma decisão, não tem o sentido das responsabilidades dos seus atos”. Decorre daí o poder dos organizadores: “Os dirigentes adquirem uma autori166. Sobre o peso das cooperativas no conjunto das formas operárias, é necessário lembrar que o domínio dos reformistas levava a uma diminuição da questão da política. Nesse sentido, é importante a assertiva segundo a qual “não se pode certamente afirmar que a cooperação seja na sua essência socialista, e seria ingênuo e criminoso fazer crer que ela esgote o programa socialista.”, “Socialismo...”,

op.

cit., CT,

p. 601.

167. “La tua eredita”, op. cit. p. 869.

168. “Labirinto”, op. cit, p. 352-353. 169.

“Il patto

d'alianza”,

170.

Idem,

319.

EDMUNDO

p.

GP

FERNANDES DIAS

12/10/1918,

NM,

p. 318.

95

dade e uma

importância que não deveriam

ler, de acordo com

litário e essencialmente democrático das organizações."'!

o espírito igua-

A organização eco-

nômica da classe, longe de fortalecê-la como um todo, leva à supremacia de um setor, o dos dirigentes, sobre o conjunto: “Os dirigentes deliberam muito, demasiadamente, ao invés de serem, apenas e puramente, órgãos executivos e administrativos”."” O que é importante reter é que, embora isso possa ser uma necessidade, dadas as circunstâncias, deve ser desde logo combatido. O poder da burocracia sindical repousa na inércia da massa da classe, e essa inércia deve ser destruída. A organização sindical vigente reproduz a própria estrutura da produção capitalista e todas as suas desigualdades. No seu existir, ela acaba por perder a visão do movimento da classe e “quando se torna um fim em si mesmo”, passa a ser “um empecilho ao devir socialista, enquanto desagrega a classe com o espírito do corporativismo e, pior, de categoria”.'* O partido surge com a finalidade de alterar essa situação, de ser o momento propriamente político da classe, de ser o seu unificador. O PS, Estado em potência, “é o órgão de educação, de elevação”."* Nele o sentido da coletivida-

de, a negação do egoísmo, a construção do futuro deve fazer-se presente. Ele é

“o órgão da conquista (...), o elaborador das formas e dos modos pelos quais a classe conquista a vitória”.'* Só que, diferentemente da organização econômica, o partido tem que romper com o cotidiano de forma mais radical. Se o reformismo na ação sindical, elemento de entrave à realização plena da força da classe, na esfera política ele é a morte da possibilidade de unificação da classe. O reformismo, produto do transformismo, conduz à não diferenciação plástica das forças proletárias. Para o partido, a questão da intransigência é vital para evitar que também na esfera da política se dê o predomínio dos dirigentes e a submissão destes, e do partido, à ordem capitalista. A relação entre as duas formas da classe é, portanto, conflitiva: ambas aspiram ao comando da classe. Pode-se dizer da organização econômica e do Partido Socialista o que um antigo dizia do parentesco e da amizade. A amizade pode e deveria existir especialmente entre os parentes, pelos laços de afeto que a afinidade faz nascer espontânea. Mas, assim como se nasce parente, mesmo não o querendo, como a amizade é uma construção voluntária, se se tolhe a amizade, o parentesco permanece o mesmo. A organização é um fato natural, porque se nasce proletário, enquanto o socialismo é

um ato de vontade."º

171. Idem. 172. Idem. 173. “Risposta coletiva”, A,

18/6/1916, CT, p. 38].

174. “La tua...”, op. cit., p. 869.

175. “Risposta...”, op. cit, p. II. 176. “Risposta...”, op. cit., p. 382. 96

GRAMSCI

EM

TURIM

Claramente

formulada

a diferença

entre

as

formas

da

classe,

pode-se

agora ver o conflito expressar-se na luta pelo domínio sobre ela. Enquanto o sindicato é defensivo, é organização de resistência, o partido é ofensivo, quer acelerar o futuro, Nessa articulação, o papel principal cabe à organização política que deve comandar as outras. O destaque especial dado à cultura traz de novo à baila a discussão anterior sobre a impossibilidade de reduzir o universo cultural à determinação econômica. Se o partido é enfatizado em relação aos sindicatos e às cooperativas, isso se deve à necessidade de superar o cotidiano corporativo da classe. Mas é necessário também ultrapassar o individualismo criado pela sociedade capitalista. E preciso criar um novo homem: o Indivíduo-associação. A criação desse novo indivíduo implica o desenvolvimento de “leis próprias da sua convivência nova”. “Difundem-se assim as condições ideais e morais para o advento do coletivismo, para a organização da sociedade”.!” Essa difusão não é automática, é a tarefa da organização cultural. É a ela que

cabe um dever: o “de educar (...) de liberar do seu agrupamento o prestígio

necessário para asssumir a gestão social”."* Fica claro que o que se pretende é a liquidação do operário com cabeça burguesa como condição necessária à construção do indivíduo-associação e do poder operário sobre a sociedade. Interligar os espíritos e as energias pulverizadas pelas lutas econômicas é a tarefa básica dessa organização cultural. Aqui, ainda uma vez, se coloca a necessidade de o partido ser antijacobino, intransigente, antitransformista, como forma de incorporação das massas. A cultura assim explicitada ganha pleno sentido quando articulada às posições intransigentes dentro do PS. O 15º Congresso, de Bologna, realizado em setembro de 1918, parece dar a vitória à linha mais radical. É o início do que passou à história como predomínio do maximalismo. Os velhos reformistas são derrotados. O PS “constituiu-se, no início, pela confluência caótica de indivíduos saídos das mais diversas fontes sociais: demorou para tornar-se intérprete da vontade classista do proletariado. (...) Esta incapacidade do partido de funcionar classisticamente estava em correlação com o baixo nível social da nação italiana. A produção era ainda infantil, as trocas débeis; o regime

era,

como

agora,

não-parlamentar,

mas

despótico,

isto

é,

não-capita-

lista mas pequeno-burguês”."º No entanto, ao não conseguir funcionar classísticamente, o partido acabou presa do transformismo: era um parti177. “Individualismo e coletivismo”, GP 9/3/1918, CF p. 723. 178. “Prima liberi", GP 179. “Dopo EDMUNDO

31/8/1918, NM,

il congresso”, FERNANDES

GP

DIAS

p. 275.

|4/9/1918, NM,

A p. 287-288. 97

do “pequeno-burguês, descarado, oportunista, intermediário de privilégios estatais para poucas categorias proletárias”,'*º A reação a essa situação já começara nos congressos de Reggio Emilia (1912) e Ancona (1914). Em 1912, a ala abertamente reformista tinha sido expulsa; dois anos após foi a vez dos maçons serem eliminados do partido. No entanto, a ambigúidade partidária continuava a existir. O XV Congresso, para Gramsci, parece indicar uma mudança: “O Congresso de Roma, o primeiro congresso do partido renovado, foi mais ação do que palavras, porque fixou uma férrea disciplina de ação, porque quis dar à ação caráter de continuidade e de distinção clara. Não mais políticas pessoais, mas organização da atividade política; não mais liberdade de iniciativa, mas controle da liberdade”.'*! Esse otimismo logo se dissiparia. O maximalismo prontamente mos-

traria o que era: radicalismo verbal, inércia de ação.

Mas é nesse clima de

otimismo que Gramsci vai, ainda uma vez, precisar sua partido antecipa idealmente os momentos do processo de e se prepara para ser capaz de dominá-los quando sabemos que nada mais contrário à etapa maximalista cidade. Contrária à direção maximalista está a atitude

noção de partido: “O histórico da sociedaocorrerem”.'*“ Todos do PS que essa capaintransigente: esta

tem valor revolucionário enquanto obriga os burgueses a assumirem toda a responsabilidade dos seus atos, e é o mecanismo necessário para a Internacional proletária (...) é necessário destruir o espírito colaboracionista e reformista (...). É necessário fixar e fazer penetrar nas consciências que o Estado socialista, isto é, a organização da coletividade depois da abolição da propriedade privada, não prolonga o Estado burguês, não é uma evolução do Estado capitalista constituído por três poderes: executivo, legislativo e judiciário, mas continua e é um desenvolvimento sistemático das organizações profissionais e das entidades locais que o proletariado já soube suscitar espontaneamente no regime individualista. A ação imediata que, portanto, o proletariado deve desenvolver não pode absolutamente tender à dilatação dos poderes e do intervencionismo estatal, mas deve tender à descentralização do Estado burguês, à ampliação das autonomias locais e sindicais, fora da lei

regulamentadora. 'º

Aqui,

certamente,

sem

dúvida,

está esboçada

uma

visão do Estado

proletário que,

tem muito pouco de ortodoxa e contribuirá para tornar ainda

mais polêmicas as posições gramscianas. A identificação entre regime soviético, descentralização estatal e maior autonomia das bases trará antagonismos tanto na esfera política quanto na sindical. 180.

Idem,

p. 288.

181. Idem,

p. 287.

182. Idem, p. 288. 183. Idem,



p. 288-289,

.

BGHAMSCI EM TURIM

|

A afirmação de que a vitória maximalista no Congresso não deveria criar ilusões, confirma-se menos de um mês depois. As direções da CGT e do PS reafirmam o Pacto de Aliança, pelo qual redividiam as esferas de atuação: ao PS cabia o comando político e à CGT o econômico. O PS abdica de vez da tarefa de coordenar os sindicatos e as cooperativas, coisa aliás que jamais tinha conseguido. O litígio estava muito mais nas coisas do que nos homens. Os homens podem facilmente, quando são sinceros e aspiram ao trabalho fecundo, pôr em acordo as suas boas vontades; a composição “jurídica” basta para tal. Mas as coisas são menos dúcteis e maleáveis. Plasmar um fim pragmático é operação muito mais difícil e complicada. E por coisa entendemos (...) as organizações, os homens que delas fazem parte, o complexo do movimento de resistência que, na Itália, é o que é —

sem que a boa vontade dos indivíduos possa transformá-lo imediatamente — dependendo do grau de desenvolvimento italiana atingiu.

acadêmico

e cultural que

a sociedade

Se a razão do litígio não reside na boa ou má vontade dos indivíduos,

ela deve ser buscada nas próprias organizações. Do ponto de vista da classe, os sindicatos são fracos e desconexos, porque conseguem mobilizar apenas uma pequena minoria entre os trabalhadores, porque esses trabalhadores não têm “consciência individual das responsabilidades e dos deveres democráticos.”!t Nesse quadro, os dirigentes sindicais acabam por assumir um controle das decisões, um autoritarismo que decorre da ausência do próprio proletariado. Tal domínio, como vimos, deve ser substituído por uma democratização das organizações, por uma maior participação das bases no processo de decisão e de existência dessas organizações.

184. Idem,

po 3186-319.

EDMUNDO FERNANDES DIAS

9”

AS CONTRADIÇÕES ITALIANAS NO POS-GUERRA A QUESTÃO MERIDIONAL E A LUTA ANTIPROTECIONISTA primeiro artigo de Gramsci sobre a questão meridional, '* responde a um discurso de Arturo Labriola sobre os efeitos econômicos da guerra em relação ao Sul.'“* Na sua intervenção Gramsci parte do debate sobre os efeitos da unificação nacional. Mostra o ponto de partida desigual (os dois tipos de economia italiana pré-unificação) e denuncia a articulação que acaba por empobrecer o Sul. Trata-se na verdade de uma luta contra o protecionismo. Este tipo de direção da economia prejudica objetivamente o Sul. Contrariamente ao pensamento conservador-liberal, “o Sul não necessita de leis especiais (...). Tem necessidade de uma política (...) que seja inspirada no respeito às necessidades gerais do país, e não das tendências políticas particulares ou regionais”.!*” Ele denuncia, também, as ideologias anti-sulistas, muitas vezes defendidas pelos próprios socialistas, como a acusação da falta de iniciativa dos meridionais. A explicação decorre do desenvolvimento desigual da economia. “O fato é que o capital vai procurar sempre as formas mais seguras e mais rentáveis de emprego, e que o governo com muita insistência ofereceu (...). Aí onde a fábrica já existe, continua a desenvolver-se pela poupança; mas onde toda forma de capitalismo é incerta e aleatória, a poupança, suada e fatigantemente recolhida, não confia e vai investir-se onde encontra logo um lucro tangível”.'S No desenvolvimento do capitalismo que reside o verdadeiro problema. A falta de iniciativa é mero efeito ideológico de recobrimento da desigualdade. 185. Ver anexo histórico. 186.

“Il mezzogiorno

187.

Idem,

p.

e la guerra”,

GR

1/4/1916,

CT,

p. 228-230.

230.

188. Idem, p. 229. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

101

Para Gramsci, o protecionismo se tornou viável pela capacidade de ampliar o antagonismo entre classes e grupos, pela capacidade de jogar uns contra os outros, por ter sabido “tornar antagônicos os interesses imediatos do campo com os da cidade, e de uma parte da Itália com a outra”.'*” Tudo isso em nome do poder italiano, da derrota do odiado alemão,” quando na realidade tratava-se apenas do poder de algumas frações burguesas. Cabe ao proletariado comandar a luta contra o protecionismo, elemento chave do massacre econômico das classes trabalhadoras. Trata-se, portanto, de “buscar com a sua resistência e oposição, também violenta, desmontar a velha máquina camorrística”.! E deve fazê-lo por ser o elemento da sociedade mais capaz de combater o protecionismo, e com isso transformar a economia agrícola italiana pré-capitalista. Resistindo às especulações dos proprietários agrários, o proletariado pode ajudar a liberar os camponeses pobres do Sul: “E não é paradoxal a afirmação de que uma greve de Turim contra uma ameaça de aumento do preço do pão, possa servir também para salvar a Sardenha e a Calábria da mania desastrosa de arrancar as árvores para semear o trigo, na falsa esperança de que os preços altos tornem automaticamente rentáveis as terras onde apenas a árvore encontra alimento nas águas do subsolo”.

Existe uma originalidade gramsciana no trato da questão meridional?

Cicerchia!” vê Gramsci ainda preso ao meridionalismo tradicional. E tira da conclusão de Il mezzogiorno e la guerra a afirmação de que o sardo foi “vítima daquele erro que reprovará depois aos meridionalistas: considerar possível a resolução do problema do Sul por parte dos burgueses”.'” Esta afirmação acaba por limitar o alcance do debate. Há muito mais do que essa mera reiteração do pensamento meridional. De Felice, '* por exemplo, afirma que “encontramo-nos frente a uma perspectiva “decididamente nova', que, se resgata os temas da batalha livrecambista, assinala uma modificação no modo de tratar a questão pelo fato de apelar à classe operária”.'* O que obviamente diferencia o pensamento gramsciano da temática liberal-conservadora. 189.

“Clericali e agrari”,

A,

7/7/1916,

CT,

p. 425.

190. “Quer-se, com o sacrifício, com as privações e a miséria da massa proletária italiana, cimentar a barreira que servirá amanhã para cercar o povo alemão, para extenuá-lo, para arrancá-lo da superfície da terra”,

“Contro il feudalesimo economico. Perché il libero scambio non é popolare”, GP 19/8/1916, CT, p. 497. 191. *Clericali e...”, op. cit., p. 425. 192. Idem, p. 426. 193. Carlo Cicerchia, Rapporto col léninismo e

il problema della rivoluzione, p. 17-43.

194. Cicerchia, op. cit., p. 35. 195. Franco De Felice, “Questione meridionale e problema dello Stato in Gramsci”, Rivista Storica

del Socialismo,

IX

(27):

1966.

196. Op. cit., p. 195, citado por Salvadori, Gramsci e il problema storico della democrazia, p. 67. 102

GRAMSCI

EM

TURIM

Salvador demonstra que a questão é mais complexa: o pensamento gramsciano está fora do meridionalismo tradicional. A conclusão citada por Cicerchia relembra claramente a temática de Salvemini do tempo do LUnitã, influência aliás confessada, mas temos também a retomada das teses de Ciccoti que denunciava o desenvolvimento do capitalismo como fonte do problema e a ideologia da incapacidade sulista. Gramsci retoma ainda de Ciccoti a função da liderança dos proletários na luta contra o protecionismo. “Nenhum desses elementos”, diz Salvadori, “é novo do ponto de vista teórico. À novidade consiste no dado prático de retomar elementos elaborados pelo meridionalismo

do

primeiro

Salvemini

e de

Ciccoti,

então

esmaecidos,

e

fazer deles ponto de partida para uma retomada na situação nova criada pela guerra”,"” Um meridionalismo novo, contudo, só surgirá no período do L'Ordine Nuovo. Finalmente,

De

Felice e Parlato'*

insistem

na novidade

gramsciana:

não se trata mais, como nas batalhas do L'Unitã, de Salvemini, de conclamar a missão dos homens de boa vontade para fazer triunfar uma causa justa, nem dos estudos doutos e cientificamente rigorosos de De Vitti De Marco ou de Eugenio Azimonti sobre a conveniência para as regiões sulistas de uma ordenação articulada de culturas, não-baseada

exclusivamente

na cultura cerealista. Em Gramsci,

é a

classe operária que tem a tarefa de despedaçar o corporativismo agrário na base do interesse que ela tem, em comum com o camponês (...). É uma autêntica função nacional à que Gramsci chama a classe operária italiana."

Ora, o problema dessa análise é ver a libertação dos camponeses como conseqiiência da vitória operária, e não como, mais tarde Gramsci fará, como uma componente essencial dessa vitória. E aí está a diferença específica em relação ao meridionalismo ordinovista. O proletário fará sua ação em benefício do camponês, fará para ele e não com ele. A aliança de classes contra a

dominação capitalista ainda não está teorizada.

A questão meridional é fortemente marcada pelo protecionismo. Por isso, o proletariado tem interesse nas posições livrecambistas, “porque o protecionismo significa fatalmente a absorção de uma parte dos trabalhadores ao campo dos interesses econômicos e políticos de uma parte da burguesia; significa o reforço de um Estado burguês que tende a perpeltuar-se, pela abdicação de uma parte conspícua dos seus antagonistas naturais”.?º Assim, a luta pelo liberalismo é fundamental no plano político, pois o protecionismo permite aos burgueses ganhar a hegemonia graças à cooptação dos refor197. Salvadori, op. cit., p. 68. 198. Franco De Felice e Valentino Pariato, “Introduzione”, in La questione meridionale. 199. Op. cit., p. 9-10. 200. “La funzione sociale del Partito Nazionalista”, GP 26/1/1918, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

CF p. 601. 103

mistas. Insistimos: o que está em questão para Gramsel é a subordinação dos socialistas ao Estado burguês. E isso nada tem a ver com Clecoti ou Salvemini; a inspiração é muito mais do antigiolittismo de Arturo Labriola ou do sindicalismo revolucionário, como salienta Salvadori. A luta política contra o protecionismo é vital para o PS, porque pode catalisar um grande conjunto de forças, dada “a maioria quase absoluta dos italianos, que em trinta anos de regime protecionista viram encurtados o seu salário, tornando impossível o seu bem-estar”.”! Essa luta “esclarece” melhor a luta entre capitalismo e proletariado. O conteúdo da luta antiprotecionista variará de acordo com quem a trava. Para a burguesia democrática e conservadora, “trata-se de uma distribuição diversa das vantagens entre produtores, trata-se somente, ou principalmente, de impedir que a agricultura sofra com

as vantagens concedidas à indústria ou vice-versa; ou que certas indústrias sejam sufocadas pelos privilégios de que outras gozam”, enquanto que, para os proletários, essa luta “é uma reação contra as causas que contribuíram para determinar a guerra (...); é a afirmação de uma aspiração de solidariedade humana, internacional”,2? Obrigando a burguesia a disputar no terreno econômico, pensava Gramsci, privando-a das benesses estatais, evidentemente forçaria a criação de uma nova racionalidade econômica, que as forças produtivas crescessem e, assim, todas as classes, ainda que desigualmente, se beneficiariam. Com o fim do protecionismo, a burguesia teria que fazer um trabalho real e não apenas esperar que o governo lhe transferisse riquezas produzidas por outros. A nação se diferenciaria brutalmente pela liberdade comercial. Os proletários e os camponeses não mais constrangidos pela legislação militar obrigariam a burguesia a introduzir melhorias tecnológicas, para resistir a eles, ou então perecer.?* Ou seja, a burguesia teria que sair da sua fase econômico-corporativa para se transformar em classe.”! 201.

“Unita”,

A,

23/9/1916,

CT,

p. 557.

202.

“| socialisti per la libertã dogonale”,

GP

20/10/1917,

CF.

p. 402-403.

203. “Queremos um patronato forte, ativo, cônscio dos seus próprios interesses, enérgicos; (...) para aprofundar e resolver as antíteses sociais." “Piccole ironie”, A, 19/3/1916, CT, p. 203. Tambéi “queremos contribuir ao desenvolvimento do capitalismo, à concentração econômica, à grande indústria, à ampliação das antíteses de classe, lutando contra os capitalistas, denunciando-lhes (...) as formas de exploração ignóbil”, “Sofismi...”, op. cit. p. 237. Ou: “Normalmente, é pela luta de classes, sempre mais intensificada, que as duas classes do mundo capitalista criam a história. O proletariado sente a sua miséria atual, está sempre incomodado e pressiona a burguesia para melhorar as próprias condições. Luta, obriga a burguesia a melhorar a técnica de produção, a tornar-se mais útil à produção, para que seja possível a satisfação de suas necessidades mais urgentes.”, “La rivoluzione contro...”, op. cit., p. SI4. 204. Sobre isso ver “Il riformismo borghese”, A, LI/I0/1917. 104

borghese”, A, 5/12/1917 e “Per chiarire le idee sul riformismo

GRAMSCI

EM

TURIM

AS CONTRADIÇÕES INTRABURGUESAS NO PÓS-GUERRA Uma burguesia não-unificada e que depende essencialmente do Estado para continuar a ter lucros extraordinários não pode sair da guerra tranquilamente. Não só internamente, pois as condições de dominação sobre o

proletariado não podem

ser mantidas, mas também

externamente.2

A burguesia industrial e fundiária do nosso país está confusa. A preparação aduaneira do pós-guerra encontra-a dividida, suscita conflitos insanáveis no seu seio. Em relação à política aduaneira, a nossa classe dirigente se divide em três setores: os industriais siderúrgicos que têm necessidade de altíssimas tarifas protetoras para os seus negócios; os agricultores da Itália central, meridional e insular, para os quais, pelo contrário, a liberdade de trocas é razão essencial de vida; e os industriais mecânicos turinenses, que não sabem como decidir-se, já que se a liberdade aduaneira no Estado italiano lhes daria vantagens para a conquista de mercados internacionais e para dar maior elasticidade aos salários, em contrapartida entrariam violentamente em luta contra os industriais siderúrgicos, que até agora predomina-

ram na política do país e lhe regularam o bom e o mau tempo.” É do difícil equilíbrio dessas

nacional.

Entre

todos,

os agricultores

três frações que meridionais

depende

eram

os

o jogo político

mais

frágeis:

“dis-

punham de poucos vinténs, eram desorganizados, sua produção era arcaica e pouco rentável”.?” Tal quadro foi bruscamente alterado pela guerra e os agricultores ganham tal força que a Câmara do Comércio de Bari declara “que os agricultores conduzirão a luta até ao fim, mesmo à custa de pôr em perigo a unidade nacional”.2”* Tal demonstração de força, preventiva, é uma necessidade, pois foi sempre em detrimento dos agricultores meridionais que se deu o equilíbrio das frações burguesas. À luta entre as frações passa por uma tentativa de pactuar as diferenças existentes, mas que logo fracassa dada a posição intransigente dos industriais siderúrgicos, firmes “no querer servirse do Estado, apenas para os seus interesses, impondo à política aduaneira o sistema de duas tarifas, (...) e abolindo o sistema de tratados que limitavam a determinados mercados a proteção à sua indústria, especialmente os impérios centrais, facilitando a exportação agrícola. Declaravam abertamente querer passar por cima dos agricultores”.”º Os industriais mecânicos

turinenses se colocam como mediadores. Graças a essa intervenção, a tentativa de conciliação interburguesa fracassa ainda mais. talecem, não havendo mais tentativas de conciliação.

Os agricultores se for-

205. Ver anexo histórico. 206. "Uomini, giornali e quatrini", A, 23/10/1918, NM, p. 366. 207. Idem. 208. Idem, p. 367. 209. Idem, p. 368. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

105

Fortalece-se a aliança entre indústria mecânica e agricultura meridional, “ligados por tantos interesses solidários”. Já a situação dos siderúrgicos é complicada: “estão desvalorizados, mesmo politicamente: um retorno do seu Giolitti é cada vez mais improvável e, ainda que isso ocorresse, encontraria as condições de poder bem modificadas”.”º O pós-guerra prenuncia o

acirramento da luta entre essas frações. Elas querem política. Trata-se, para vida política, poderia parlamento pelo PS e totalidade das classes de possibilidade para

o monopólio da vida

elas, de um arranjo no seu interior. No máximo, essa. contar com a aristocracia operária representada no no mundo do trabalho pela CGT — mas nunca com a trabalhadoras. A exclusão dessas últimas é condição aquele monopólio. No entanto, os

anos de guerra tiveram uma eficácia educativa para o proletariado das fábricas ou das trincheiras; tiveram também eficácia educativa para uma parte dos capitalistas e da burguesia industrial. (...) Estes núcleos burgueses queriam que fosse instaurado um costume liberal, de tolerância civil para que as lutas políticas e sociais não fossem um choque faccioso e caótico (...). Mas a burguesia é constituída majoritariamente por indivíduos de nível inferior e são estes que dão o tom à sociedade italiana, que lhe excitam as atitudes políticas, tanto nacionais quanto locais.”

O “patriotismo” desses setores burgueses, que se expressa pelas manifestações ultranacionalistas, garante-lhes uma posição bem mais vantajosa que a dos tempos normais. A paz pode ameaçá-los e por isso tentam manter a agitação. A burguesia “bem pensante”, por outro lado, continua a colocar a questão da harmonia social, da colaboração de classes. A propósito da paz o Comitato di mobilitazione afirma e conclama: a conversão industrial trará um “problema grandioso e complexo, que requer da parte de todos, da autoridade central ao mais modesto operário, concordância de intenções, fé nos propósitos, fervor disciplinado de ação. Qualquer pessoa que não se coloque em tal linha de conduta, será indigna de ser italiana e de partilhar a admiração mundial pela nossa pátria triunfante.”22 A questão da política nacional se apresenta para a burguesia como uma disjuntiva: ou agitação antioperária, ou aberta pregação ao colaboracionismo de classe, como querem os setores mais avançados da burguesia. Ainda que taticamente distintas, essas “políticas” são faces da mesma moeda — a subordinação política e econômica do trabalho ao capital. Gramsci alerta para os perigos do colaboracionismo: “As 'intenções' não podem concordar, sem que uma das partes se suicide. De resto, apenas

quando os operários e os industriais têm fins divergentes, a civilização tanto material

quanto

espiritual se desenvolve,

aumenta

a riqueza

e a cultura."*3

210. Idem, p. 369.

211. “Demagogia", A, [4/1 I/1918, NM, p. 397. 212, Citado em

“Il propositi e le necessita”, A,

I2/1 1/1918, NM,

p. 393.

213. “| propositi...”, op. cit., p. 394. 106

GRAMSCI

EM

TURIM

|

Os operários na luta contra o aumento da exploração obrigam os capitalistas a “aperfeiçoar a técnica de trabalho e a organização capitalista”: se eles «querem manter intactas as suas taxas de lucro. O problema não se resolve pela colaboração mas pela liquidação da atual situação de superprivilégio criada na/pela guerra e mantida pelo Estado. O colaboracionismo e o reformismo operários não apenas manteriam a situação atual a favor dos ca-

pitalistas, como

cia:

“de

também

piorariam sensivelmente a sua condição de existên-

resto, os proletários

não

se

propõem"

a luta de classes; ela lhes vem

“imposta” pelas condições em que se realiza a produção. Os operários tem" ao ambiente econômico para não serem esmagados”.“*

'resis-

A QUESTÃO VATICANA E O NASCIMENTO DO PPI Além do colaboracionismo de classe, a fundação do Partito Popolare ltaliano (PP, partido católico irá intervir sobre o proletariado italiano. O PPI responde, enfim, à questão da organização política dos católicos. A idéia do Estado liberal ou parlamentar, própria da economia liberal do capitalismo, não se difundiu na Itália com o mesmo ritmo e a mesma intensidade de outras nações. Seu processo de desenvolvimento se chocou

irredutivelmente com a questão religiosa, ou melhor, com

o complexo dos

problemas econômicos e políticos inerentes aos formidáveis interesses constituídos em tantos séculos de teocracia. Aqui estão presentes duas idéias importantes: uma, já comentada, refere-se ao ritmo e a intensidade do desenvolvimento capitalista. A outra, que é também uma questão central, refere-se à articulação Estado-papado, enfim, à questão “religiosa” criada pela unificação nacional, ou seja, à questão vaticana. Como vimos, desde a unificação, o papado reagiu com a nãointegração, oficial, dos católicos na vida estatal que começava a existir. Essa recusa, como é fácil de imaginar, trouxe graves problemas e, embora o Estado se dissesse laico, não ousou acabar com os privilégios religio-

sos. Ora, o “partido” liberal não teve a audácia de promover “a dissolução das

instituições jurídicas e econômicas que potenciam socialmente o catolicismo.”*!º Esse partido, que nunca foi partido no sentido moderno do conceito, que nada mais fez do que dividir-se em “tantos grupelhos quantos são os centros mercantis italianos”,º” serviu apenas para patrocinar os casuísmos necessários à burguesia. Se a burguesia não se apresenta como classe mas como conjunto de grupos regionais — exceção feita nos confrontos com os trabalhadores —, como poderiam os liberais formar um partido único? 214. Idem, ibidem. 215. Idem, p. 395. Grifo nosso. 216. Idem, p. 456. 217. Idem,

p. 457.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

107

E “Assim, desnaturado e corrompido, sem unidade e sem hlerarquia nacls onal, o liberalismo acaba por subordinar-se ao catolicismo, cujas energias sos ciais são, pelo contrário, fortemente organizadas e centralizadas e possuem, na. hierarquia eclesiástica, uma ossatura milenar, sólida e preparada para toda for=

ma de luta política e de conquista das consciências e das forças sociais”.“!*

Conquistar consciências: tarefa fundamental do PPI no processo integração dos católicos na vida estatal. Conquistar forças sociais para servir de anteparo à penetração das forças socialistas, tanto na cidade quanto n campo. A guerra tinha acelerado a dominação do Estado sobre a sociedad

italiana, diminuído a importância do papado. O desenvolvimento do capitalismo, paralelo à guerra, acaba por criar formas econômicas que laicizam cada: vez mais a sociedade e, em particular, aceleram a destruição das atividades:

econômicas vinculadas à estrutura religiosa. O mito religioso “laiciza-se, renuncia

a sua

universalidade

para tornar-se vontade

prática de uma

camada

burguesa particular, que se propõe, conquistando o governo do Estado, além: da conservação geral dos privilégios da classe, a conservação dos privilégios. particulares dos seus aderentes.”*º Essa nova intervenção político-ideológica na cena italiana produz forte. impressão em Gramsci, que a caracteriza da seguinte maneira: “A constituição dos católicos em partido político é o maior fato da história italiana desde o Rissorgimento.”“>

ALIGA DAS NAÇÕES Outra

grande influência sobre

a cena

política italiana,

no plano inter-

nacional, é a criação da Liga das Nações. O projeto wilsoniano de regular as relações internacionais no pós-guerra é uma talismo. Wilson é visto, por Gramsci, como derna nação capitalista, como representante protecionismo e que tendo necessidade de vê com maus olhos um pós-guerra em que

necessidade intrínseca do capio chefe de Estado da mais mode uma burguesia que nega o mercados para a sua expansão, cada país crie barreiras ao de-

senvolvimento do comércio internacional. A internacionalização do mundo sob a direção de um capitalismo extremamente agressivo como o americano, supõe o fim dos nacionalismos pro-

tecionistas. “Para essa burguesia, a Liga das Nações quer dizer dissolução das

relíquias políticas do feudalismo. (...) (ela) sente-se sufocada pela sobrevivência do protecionismo em muitos mercados europeus e mundiais. A guerra 218. Idem. Grifo nosso. 219. Idem, p. 459. 220. Idem. Grifo nosso. 108

GRAMSCI

EM

TURIM

das tarifas não a tenta; sabe-a, por experiência, danosa a ambas as partes beligerantes" 2 A Liga é “a tentativa de adequar a política internacional às necessida-

des das trocas internacionais”2 Condição de existência da atividade econô-

mica internacional, garantia do pleno desenvolvimento capitalista, ela representa “para cada Estado, a garantia de segurança e de liberdade que

correspondem

ao habeas corpus para a liberdade e a segurança individuais

de cada cidadão, no seio de cada Estado. É o grande Estado burguês supranacional, que dissolve as barreiras alfandegárias, que amplia os mercados, que amplia o fôlego da livre concorrência e permite as grandes empresas, as grandes concentrações capitalistas internacionais" Estamos falando do imperialismo. A Liga é o “grande Estado burgués supranacional”, é a tentativa de construir uma Internacional Capitalista. E o momento atual do jogo político internacionalmente demarcado, é a “superação do período histórico das alianças e dos acordos militares; reprenta uma equiparação da política com a economia, uma ligação das classes burguesas nacionais que as irmana, para além das diferentes políticas: o interesse econômico.” No entanto, essa ideologia e esse governo internacionais só podem ser sustentados pelos países que tenham condições de enfrentar a concorrência, pelos países cuja burguesia seja realmente uma classe, o que não ocorre na França e na Itália onde “não é uma classe que detém o poder, mas apenas pequenos grupos políticos, representantes das negociatas, mais do que da vigorosa e potente economia burguesa.”?5 Assim, a Liga é a expressão imediata do predomínio do grande capitalismo no plano internacional, e a oposição a ela é feita por aquelas economias capitalistas que não podem aceitar a livre concorrência. Gramsci chama a atenção para o elemento “anticlassista e tendente ao confusionismo espiritual": exercido pela doutrina Wilson. A Liga das Na-

ções, a Internacional Capitalista, não é vista como tal pela imensa maioria da

população européia; mas o que é mais grave, o seu caráter capitalista sequer é percebido pela imensa maioria dos partidos socialistas. Wilson encarna o 221. "La Lega delle Nazioni”, GP

19/1/1917, CF p. 570.

222. Idem, p. 571. 223. Idem. Os grifos são nossos, com exceção do primeiro. 224. Idem. A questão do imperialismo, aqui esboçada sofrerá, no pós-guerra, uma profunda alteração. Será acentuada a questão do monopólio, da negação do liberalismo. 225. Idem, ibidem. 226. “Wilson e i socialisti”, GP EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

12/10/1918, NM,

p. 313. 109

mito da “América livre”, mito que pa. No entanto, a

exerce

um

enorme

fascínio sobre

a Euros

ideologia de Wilson é a ideologia da maturidade da sociedade burguesa, À conceps ção de mundo implícita nas mensagens do presidente americano e no projeto da Liga das Nações representa o modo de convivência internacional, no regime da pros priedade privada e da produção capitalista, mais perfeito que se possa atingir. (...) O mundo capitalista atingiu em Wilson a consciência de sua função, e a vontade de organizar-se internacionalmente.?”

Assim, os socialistas não devem procurar ajudar a constituição da Liga mas, pelo contrário, têm que lutar contra ela. Como podem os socialistas reformistas pensar que o plano de paz de Wilson deve receber o apoio proletário? Só a confusão ideológica, o despreparo político e uma postura reformista-colaboracionista pode ver no “plano de reconstrução internacional burguesa"? um avanço democrático real. O apoio socialista levaria à negação da finalidade da política do proletariado: a Internacional proletária. A Liga das Nações é justo a antítese da Internacional Proletária. É a “organização internacional burguesa mais útil (...), porque subtrai os Estados à influência de alguns setores burgueses que acham útil a guerra”.º A liga permite, portanto, o domínio da burguesia mais avançada; e clarifica a luta do proletariado. Eliminado o protecionismo, o conflito. se instaura mais e mais claramente. '

227. Idem,

p. 314-315.

228. Programma...,

op. cit., p. 696.

229. Idem. o

GRAMSCI

EM

TURIM

VI A QUESTÃO DA HISTÓRIA oda problemática gramsciana, até aqui exposta, está centrada na historicidade da ação humana. A história como intervenção da vontade, como criação humana, se opõe à percepção da história como ciência natural, possuidora de uma fria objetividade.

Essa valorização da intervenção humana se faz principalmente a partir

do importante papel que o positivismo desempenhou na Itália como arma do pensamento laico contra todo o tradicionalismo. Ele fora mais do que uma concepção de mundo, vaga, a base ideológica dos chamados partidos democráticos e radicais. Foi através dele que as idéias democrático-burguesas circularam na Itália. O pensamento positivista foi também, e consequentemente, o responsável por uma concepção de ciência que marcou o desenvolvimento intelectual italiano desde o final do século passado.

O positivismo foi importante politicamente: ele educou toda uma geração de socialistas como Turati, Treves, Ferri e outros. Estes, ao aceitarem a concepção positivista de ciência, aceitaram, também, a concepção de

evolucionismo típica da época. Mais do que isso: aceitaram a concepção de

uma história “natural”, isto é, exterior à vontade dos homens. Ao aceitarem a visão evolucionista — o mundo caminha para o socialismo — caíram em um duplo equívoco: por um lado, viam no desenvolvimento da burguesia um passo, necessário e inevitável, para o socialismo e aí aliavam-se com as forcas “mais avançadas” (sic) da burguesia; por outro, acreditavam na mecanicidade da fórmula “crescimento das forças produtivas/salto qualitati-

vo”

sem

se perguntarem

como

positivismo permitiu, assim, que

e porque

se dava

eles aceitassem

essa

passagem.

o transformismo

como

O

ne-

cessidade, e deu-lhes a “base” científica para denunciar a intervenção ativa

das vontades humanas como fonte de erro e/ou obstáculos à livre determinação da férrea necessidade econômica. Gramsci intervém contra essa formulação inibitória para o campo operário e socialista. Contra o determinismo economicista dos socialistas reformistas, ele vai afirmar a história como campo de possibilidades mais do que de certezas: “não há na história, na vida social, nada de fixo, de enrijecido, de definitivo. E não existirá nunca. Verdades novas aumentam o patrimônio EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

ER

da sabedoria; necessidades novas, superiores, são suscitadas pelas novas condições de vida; novas curiosidades intelectuais e morais pressionam o espírito e o obrigam a renovar-se, a melhorar-se”.2” A história, portanto, nada tem de fatal e é composta tanto pelas determinações econômicas quanto pelas ideológicas (intelectuais, morais, etc.). E todas essas determinações presentes interagindo umas sobre as outras, sobredeterminando-se, formam o momento sempre original chamado história: “todo fenômeno histórico é 'indivíduo'; o desenvolvimento é governado pelo ritmo da liberdade; a pesquisa não deve ser da necessidade genérica, mas da necessidade particular. O processo de causação deve ser estudado intrinsecamente aos acontecimentos

(...), não de um ponto de vista genérico e abstrato”.”! Aqui a crítica está

esboçada. O determinismo evolucionista afirma abstratamente a passagem do capitalismo ao socialismo como questão de tempo: “o pensamento revolucionário nega o tempo como fator de progresso. Nega que toda experiência intermediária entre a concepção do socialismo e sua realização devam ter no tempo e no espaço uma comprovação absoluta e integral”.”º O que significa afirmar que o desenvolvimento das forças produtivas por si só leva ao socialismo? Significa negar o específico da história, a luta das possibilidades,

para afirmar determinações abstratas válidas tanto para a Rússia czarista quanto para a Polinésia. Estudar intrinsecamente os acontecimentos, pelo contrário, é perceber a “história como necessidade imanente que encontra justificação na cultura, nas formas econômicas, nos modos de convivência humana determinados pelo desenvolvimento do passado”.23 É percebê-la como “necessidade espiritual e econômica”. A história não é pura determinação mecânica: “Entre a premissa (estrutura econômica) e a consequência (Constituição política) as relações não são simples e diretas: e a história de um povo não é documentada apenas pelos fatos econômicos”.?º Gramsci recusa a redução economicista: [o marxismo] coloca sempre como fator máximo da história não os fatos econômicos, mas os homens, a sociedade dos homens, dos homens que se aproximam entre si, que desenvolvem por meio destes contatos (civilização) uma vontade social, coletiva, e compreendem os fatos econômicos e os julgam, e os adequam à sua vontade, até que esta se lorna a força motriz da economia, a plasmadora da realidade objeti230. “La lingua unica e |'esperanto”, GP

16/2/1918, CF

p. 672.

231. Utopia, op. cit., p. 204.

232. "| massimalisti russi”, GR 28/7/1917, CF p. 266. 233. “Libero pensiero e pensiero libero”, GP

[5/6/1918, NM,

p. Il6.

234. Idem, p. LIS. 235. Utopia, op. cit., p. 204. "2

GRAMSCI

EM

TURIM

va, que vive e se move, e adquire caráter de matéria telúrica em ebulição, que pode ser canalizada para onde a vontade queira, como a vontade queira.”

O problema se desloca então para o conjunto das relações sociais. E é justamente esse conjunto de relações que permite o desenvolvimento da vontade social. Os homens entendem os fatos econômicos e os guiam. Essa ação de direção cabe, portanto, aos homens e não o contrário. É ela que se faz “força motriz da economia” e “plasmadora da realidade objetiva”, produtora e produto da vontade humana. Voluntarismo? Não. Voluntarismo é apenas a vontade descarnada de história. Quando vontade e história se interpenetram não há espaço para voluntarismos. A substância da história está “na economia, na atividade prática, nos sistemas e nas relações de produção e de troca. A história como acontecimento é

pura atividade prática (econômica e moral). Uma idéia se realiza não enquanto é logicamente coerente com a verdade pura (que existe apenas como progra-

ma, como fim ético geral dos homens), mas enquanto encontra na realidade econômica a sua justificação, o instrumento para afirmar-se”. As idéias são determinadas nas suas possibilidades de existência. A economia é, portanto, o solo em que se realiza o conjunto das relações, o locus onde elas são possíveis. É na articulação das relações sociais que se realiza a intervenção humana, em que se realiza a história. A história não é cálculo matemático: nela não existe um sistema métrico decimal, uma numeração progressiva de quantidades iguais que permita as quatro operações, as equações e as extrações de raiz: a quantidade (estrutura econômica) se torna qualidade porque se torna instrumento de ação nas mãos dos homens, daqueles que não valem apenas pelo peso, pela estatura, pela energia mecânica que possam tirar dos músculos e dos nervos, mas valem especialmente enquanto são espírito, enquanto sofrem, compreendem, alegram-se, querem ou negam.**

Intervenção humana, vontade, relações econômicas e ideológicas — História. Os acontecimentos “não dependem do arbítrio de um homem, e sequer do de um grupo, ainda que numeroso: dependem das vontades de muitos, as quais se revelam no fazer ou não certos atos e nas atitudes espirituais correspondentes, e dependem da consciência que uma minoria tenha dessas vontades, e de saber, mais ou menos, dirigi-las a um fim comum depois de tê-las enquadrado nos poderes do Estado."*” Fazer ou não fazer certos atos, atitudes espirituais correspondentes: articulação entre economia, política e ideologia. Mais adiante ele se pergunta por que a maioria dos homens realiza sempre, e apenas, determinados atos. E responde: 236.

“La rivoluzione

contro...”,

op.

cit., p. 514.

237. Il nostro..., op. cit., p. 4-5. 238. Utopia, op. cit., p. 204-205. 239. Idem, EDMUNDO

p. 282. FERNANDES

DIAS

113

Porque eles não tem outro fim social a não ser a conservação da própria integridade fisiológica e moral; assim, adaptam-se às circunstâncias, repetem mecanicamente alguns gestos, os quais, por experiência própria e por educação recebida (resultado das experiências dos outros), se demonstraram adequados para atingir o fim desejado: poder viver. Essa semelhança de atos da maioria produz uma ses

melhança de efeitos, dá à atividade econômica uma certa estrutura: nasce o conceito de lei.

Gestos, experiências, necessidades — estrutura. Como cadeia, como ultrapassar o presente e acelerar o futuro?

romper

com

essa

Só a busca de um fim maior corrói esta adaptação ao ambiente: se o fim humano

não é mais o puro viver, mas o viver qualificado, realizam-se esforços maiores e de

acordo com a difusão do fim humano superior têm-se êxito em transformar o am-

biente, instauram-se novas hierarquias, diversas das existentes, para regular as relações entre os indivíduos e o Estado, tendentes a substituir permanentemente a estas para a realização difundida do fim humano superior.”

Difusão de uma nova finalidade, diferenciação, corrosão do ambiente, intervenção da vontade: História. Gramsci concebe então a história “como livre desenvolvimento — de energias livres, que nascem e se integram livremente — diverso da evolução natural, assim como o homem e as associações humanas são diversas das moléculas e dos agregados de moléculas. (...) a liberdade é a força imanente

da história, que faz rebentar qualquer esquema preestabelecido”.”* Mais ainda: mesmo nas ciências da natureza não existem leis que sejam “dados objetivos de fato, mas apenas construções do nosso pensamento, esquemas úteis praticamente para a comodidade do estudo e do ensino”. Intervenção ativa no processo: o conhecimento da realidade é ele próprio parte da realidade e age sobre ela pois, “a estrutura não determina a ação política, e sim a interpretação que se dá dela e das chamadas leis que

lhe governam o desenvolvimento”.

Analisando os acontecimentos russos, Gramsci vê a destruição da velha ordem e a constituição da nova através do encontro entre a necessidade econômica e a vontade dos homens. Na Rússia patriarcal não podiam ocorrer aqueles adensamentos de indivíduos que ocorrem em um país industrializado, e que são a condição pela qual os proletários se conhecem entre si, se organizam e adquirem consciência da sua própria potência de classe para encaminhar-se a um fim universal. Um país com agricultura extensiva isola os indivíduos, torna impossível a consciência igual e difundida, torna 240. Idem, p. 206. 241. Idem. 242. Idem,

p. 209.

243. idem, p. 205. 244. Idem. 114

GRAMSCI

EM

TURIM

impossível as unidades sociais proletárias, a consciência concreta da classe que dá a medida da própria força e a vontade de instaurar um regime legitimado perma-

nente daquela força.

Falamos da determinação da estrutura passando pela interpretação da própria estrutura. As propostas políticas nada mais são do que uma intervenção na estrutura a partir do que se “conhece” dela. Os reformistas atuam de um certo modo e os bolcheviques de outro. Não existindo em si mesma, a estrutura altera-se historicamente. Na Rússia, a guerra foi o momento de condensação máxima das contradições, “a concentração máxima da atividade humana nas mãos de poucos”, “corresponde à concentração máxima dos indivíduos em casernas e nas trincheiras”2* produzindo assim um adensamento que a estrutura econômica anterior impossibilitara. Mas a guerra forçou também à “Rússia atrasada (...) (a) combatê-la nas mesmas formas dos Estados capitalistas mais avançados”. Acelerou tanto a capitalização da sociedade russa quanto o adensamento revolucionário do povo russo. Por meio dessa condensação a

estrutura foi violentamente alterada. O poder despótico do Estado czarista persistiu.

Mas

persistiu alterado:

as condições suscitadas artificialmente, pela imensa potência do Estado despótico, produziram as consequências necessárias: as grandes massas dos indivíduos socialmente solitários, (...) adensados em um pequeno espaço geográfico, desenvolveram sentimentos

novos, desenvolveram uma solidariedade humana

inaudita. Quanto mais

se sentiam fracos antes, no isolamento, e se dobravam ao despotismo, tanto maior foi a revelação da força coletiva existente, tanto mais prepotente e tenaz o desejo de conservá-la, e de construir sobre ela a nova sociedade.”*

Diante dos reformistas que haviam pregado a necessidade do desenvolvimento capitalista na Rússia, a inevitabilidade do processo, a impossibilidade de queimar etapas, Gramsci sorri e pergunta: “Onde estava na Rússia a burguesia capaz de realizar esta tarefa? E se o seu domínio é uma lei natural, como então a lei não funcionou?”*º Esse sorriso, como diria Althusser, é uma tese.5º

Por último, resta a questão da identificação, comum nesse período entre

marxismo e idealismo. Gramsci afirma que o marxismo “é a continuação do pensamento idealista italiano e alemão, e que (...) se tinha contaminado com 245. Idem, p. 207. 246.

Idem.

247. Idem.

248. Idem, p. 208. 249. Idem. 250. Ver Lénine et la philosophie suivi de Marx & Lénine devant Hegel, Paris, François Maspero, 1972, p. 9. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

115

incrustações

posilivistas e naturalistas”.2!

Afirma,

nesse

mesmo

texto, O pas

pel da vontade na história. Esse texto, sem dúvida polêmico, tem como

fun

ção o combate anti-reformista. Gramsci vê o marxismo como sequência em linha direta do idealismo e denuncia “que a esterilização realizada pelos soci» alistas positivistas das doutrinas de Marx não foi exatamente uma grande conquista da cultura; sequer foi (necessariamente) acompanhada de grans des conquistas na realidade”,2 e se transformou em “doutrina da inércia proletariado”. Mais adiante, ele afirma mais claramente a separação en! marxismo e positivismo. “O marxismo se funda no idealismo filosófico, qui (...) é uma doutrina do ser e da consciência, segundo a qual estes dois co ceitos se identificam e a realidade é o que se conhece teoricamente, o nos: próprio eu”,2! enquanto o positivismo, “metafísica e mística da evolução da natureza”. E para demonstrar a dependência do marxismo em relação ao idealis: mo filosófico afirma: “Pense-se de resto, no grande uso que os socialistas fi zem da palavra 'consciência": 'consciência de classe”, 'consciência socialista proletária"; está implícita nessa linguagem a concepção filosófica que se * quando 'se conhece”, 'se tem consciência” do próprio ser: um operário * proletário quando 'sabe' sê-lo tal, e age e pensa de acordo com este seu *

ber'”, 2%

Esta última observação chama diretamente à reflexão para a relação: Hegel-Marx e para o problema, não-resolvido, da determinação da filoso i marxista enquanto prática e teoria autônomas. Por último, deve-se ressaltar o quanto da influência crociana”” está. presente nessa concepção de história e do marxismo. Trata-se, todavia, de: um idealismo de tipo novo: de um “idealismo” que reconhece a materialidade: da vontade da prática econômica.

251. “La rivoluzione contro...”, op. cit., p. 514. 252.

“La critica critica”,

253. Idem,

GP

12/1/1918,

CF

p. 554.

p. 555

254. “Misteri della cultura e della poesia”, GR

19/10/1918, NM,

p. 348.

255. Idem. 256. Idem,

p. 349.

257. Veja-se neste mesmo capítulo a afirmação segundo a qual não existem leis nas ciências nat: mas apenas “construções do pensamento, esquemas úteis”, etc., etc. 116

GRAMSCI

EM

TURIM

Às PRINCIPAIS QUESTÕES GRAMSCIANAS

“INSTRUÍ-VOS, PORQUE TEREMOS NECESSIDADE DE TODA A NOSSA INTELIGÊNCIA. AGITAI-VOS, PORQUE TEREMOS NECESSIDADE DE TODO O NOSSO ENTUSIASMO. ORGANIZAI-VOS PORQUE TEREMOS NECESSIDADE DE TODA A NOSSA FORÇA.” EpíorarE DE L'ORDINE N tovo “CONHECIMENTO É, NO MOMENTO ATUAL, SINÔNIMO DE FORÇA. ” CRONACA

A ATUALIDADE DO IMPERIALISMO E DA REVOLUÇÃO O MOMENTO DO IMPERIALISMO... pós-guerra encontra Gramsci teoricamente mais armado para o nfrentamento das novas e diversas questões colocadas ao movimento socialista. A revolução permanece como o objeto privilegiado da sua prática e da sua análise. O partido permanece como o sujeito da transformação revolucionária, necessidade atualizada pela presença do imperialismo. A ação do partido deveria ser marcada fortemente pelo trabalho ideológico para acelerar o futuro, para subtrair-se ao capitalismo política, ideológica e economicamente. Isto é tão mais visível quanto mais se acentua a crí-

tica gramsciana à ação reprodutora do capitalismo levada a efeito pelos sin-

dicatos ao não colocarem esse modo de produção em questão. Para poder fazer isso é necessário que se trave o combate, claro e permanente, ao economicismo, pois ele é uma incrustação positivista no pensamento marxista. A crítica, prática e teórica, ao economicismo passa pela afirmação da intervenção da vontade humana, na história, materializada pelo partido, Estado em potência; pela construção de uma cultura e de uma cidadania específicas da classe; enfim, pela construção da independência e da autonomia da classe em face dos dominantes; portanto, pela explicitação de uma postura inequivocamente anticolaboracionista. O pós-guerra é estruturalmente marcado por uma dupla atualidade: do imperialismo e da revolução. É aí que o PSI vai poder construir a nova ordem social. O drama é que essa possibilidade se apresenta a um partido que está, por um lado, marcado pela incapacidade de pensar a nova fase da luta (a maior parte do partido sequer percebe a mudança de qualidade da luta! e da vida social italiana) e, por outro, cindido entre fra|. Texto exemplar: “Nós, marxistas, interpretamos a história, não a fazemos. E nos movemos, nos tempos, de acordo com a lógica dos fatos e das coisas.” Na mesma página: “Não somos pela guerra, do mesmo modo que não somos pelo capitalismo, ainda reconhecendo que o capitalismo é, historiEDMUNDO

FERNANDES

DIAS

9

ções que iam do reformismo mais açodado? à hipótese do derrolismo revolucionário.” A caracterização gramsciana do momento imperialista (e da correlata possibilidade revolucionária) é vital para a compreensão das suas proposições, “O quadro da vida internacional que veio se configurando nesses últimos meses dá a impressão de um espantoso vendaval em paisagem de ruína. Um mundo caiu. E a metáfora é tão pouco enfática quanto a queda foi simultânea em todo mundo. A organização da civilização mundial, formada por um lentíssimo processo de justaposições e superações parciais, nacionais e imperiais, se esfacelou em sua totalidade”. Mas não é só. Esse esfacelamento é acompanhado de uma gênese: “Na classe dos operários e camponeses repousa a juventude renascente da civilização humana. (...) Uma sociedade, a capitalista, está se esfacelando; uma revolução, a comunista, está em marcha batida”. O imperialismo e a revolução caminham pari passu, O imperialismo não é apenas a brutal centralização capitalista. É a liquidação de todo e qualquer intento de um capitalismo “nacional”, de toda e qualquer soberania “nacional” dentro dos quadros do campo capitalista. Muda

não

apenas

a economia,

mas

fundamentalmente

muda

a maneira

de

pensar o estado nacional, tanto interna quanto externamente e, portanto, mudam as articulações classistas e também a forma do seu jogo. A subversão das relações se dá em todos os níveis e o processo ganha dimensões inusitadas: “Determinou-se um desencadeamento de forças demoníacas, incontroláveis e incapazes de serem dominadas por parte da classe dirigente burguesa”,º e por isso mesmo se fez necessário uma integração monopolística do capitalismo sintetizada na Liga das Nações, a “Cosmópolis capitalista, com camente, necessário ao incremento e ao triunfo do socialismo.”, Giacinto Menotti Serrati, “In vista del Congresso de Bologna”, Comunismo. Rivista della Terza Internazionale, | (1): I/10/1919, p. IS. Grifo nosso. Serrati era o principal dirigente do PSI e da posição centrista do partido. 2. Exemplar a afirmação de Filippo Turati, lider histórico da direita reformista do PSI: “Nos sovietes, grupos inorgânicos de operários, camponeses, soldados, tomados pelos seus pequenos interesses materiais, sem visões superiores e de conjunto (como o próprio Gorki constatou), em frequentes conflitos egoístas entre si, a grande alma que constitui o campo de instituições políticas de nossa civilização não vibra e não pode, por outro lado, vibrar. Eles são muito mais a horda do que a 'urbs'. Querer

propô-los

como

modelos,

sonhar substituir nossas grandes

federações de trabalhadores,

nos-

sos corpos políticos nacionais, nos quais o sufrágio universal esclarecido pode amadurecer as energias inovadoras mais resolutas, isto nos parece uma ilusão infantil”. Citado por Silvio Trentin, Laventure italienne. Légendes et réalités, Paris, Presses Universitaires de France, 1928. 3. A hipótese do derrotismo revolucionário na Itália foi formulada por Amadeo insegnamenti

della nuova

storia”, A,

16/2/1918,

republicado

Edizioni “Il Programa Comunista” del Partito Comunista Internazionalista, 4. "Uno

p. 3-4.

sfacello ed una genesi,

Lordine

Nuovo"

(ON),

Bordiga

in Storia della sinistra comunista,

1964,

1/5/1919, in Lordine nuovo

(1919-1920)

em "Gli Milão,

(LON),

5. Idem, p. 4-5. 6. Idem,

120

p. 4.

GRAMSCI

EM

TURIM

|

cidadanta de billonários (...) ficção jurídica de uma hierarquia internacional da classe burguesa”.” Essa integração multinacional produz uma grande limitação da soberania dos Estados nacionais: “É a morte do Estado, que só existe enquanto é soberano e independente; o capitalismo nacional foi redu-

zido à condição de vassalo. Como o operário não é autônomo na indústria,

no âmbito da fábrica, assim também os capitalistas italianos não são autônomos no âmbito do Estado, que é a sua fábrica, porque dele depende a sua existência como capitalistas”.* Os capitalistas italianos não podem existir sem o seu Estado, dependem visceralmente dele. A profunda associação entre Estado e burguesia é absolutamente vital, pois sem este aquela não poderia sobreviver. Na guerra e pela guerra, o Estado produziu uma nova “revolução industrial” para a burguesia. Gramsci falará mais tarde que o Estado “fabricou o fabricante”. Mas o Estado mudou: “O Estado nacional morreu, tornando-se uma esfera de influência, um monopólio em mãos de estrangeiros. O mundo “unificou-se' no sentido de que se criou uma hierarquia mundial, que disciplina e controla autoritariamente todo o mundo; chegou-se à concentração máxima da propriedade privada”.º Duas conclusões imediatas: primeiro, redefine-se internamente a luta entre as classes, com a perda da significação “nacional” da burguesia e com o reconhecimento de sua superfluidade (falaremos disso mais tarde) e, segundo, a criação das condições objetivas do aparecimento de uma nova civilização, inimiga da atual: “As condições do comunismo internacional se realizaram

totalmente:

(...) nele

toritária, monopólica,

o comunismo

mas

espontânea,

encontrará

por adesão

a sua

unificação,

não

au-

orgânica das nações”.!º

Internamente, a brutal concentração faz uma

nova vítima: o Estado

liberal. O parlamento, expressão máxima da relação de forças na sociedade capitalista, perde sentido, fica abertamente parasitário. E, assim como ele,

todas as demais instituições. “A legalidade não existe mais e não poderá mais

existir. Esta é a das incrustações Essa é a pitalista e fábrica 7. “Larmisticio

característica do período atual”, “as instituições se tornam rígiparasitárias, sem função útil, sem prestígio”. grande novidade do período imperialista: se, por um lado, case dissociam, e assim sendo, uma nova burocracia junto com

e la pace”,

8. “Lunitã del mondo”,

À,

ON,

11/2/1919,

NM,

p. 539,

15/5/1919, L'ON, p. 20. Grifo nosso.

9. Idem. 10. Idem.

| |. "Maggioranza e minoranza nell'azione socialista”, ON, 15/5/1919, LON, p. 23 e Ritorno alla libertá, À, 26/6/1919. O capitalismo atinge seu ponto morto. Essa é a analise feita pela Terceira Internacional. Gramsci cita-a muitas vezes, seja em “Ritorno...”, op. cit., ibidem, seja em “Uno sfacelo...": “A produção dos bens materiais está estagnada; dilacerada pela guerra a densa rede de comércio entre os grandes mercados de produção e de consumo, a atividade industrial e agrícola foi despedaçada”, op. cit., p. 4. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

121

a plutocracia

comandam

o processo produtivo,

por outro, o do

Estado,

a bus

rocracia do executivo sobrepõe-se total e cristalinamente ao parlamento e cos

manda o processo político. A classe trabalhadora passa a ser vista como à única que “pode salvar a humanidade do abismo da barbárie, e do esfacelamento econômico para o qual conduzem as forças exasperadas e enlous quecidas da classe proprietária, e pode fazê-lo organizando-se em classe dominante para impor a própria dialética no campo político-industrial”,'? A dialética reação-revolução se realiza na Europa dilacerada, colocando a questão do poder como crucial. Como questão de vida e morte. Para as classes proprietárias é essencial possuir o “Estado parlamentar-burocrático, o organismo central de sua força, o organismo que controla e dirige toda a atividade econômica e espiritual da nação, que reúne a direção suprema de todo o aparelho de produção industrial e agrícola"º O Estado é apresentado como uma articulação de dois campos da vida social: a atividade econômica e a atividade espiritual. Anteriormente, Gramsci se referira ao Estado como a “fábrica dos capitalistas” e assim ele pensa o Estado, na época imperialista, como o máximo da unidade do econômico e do político do ponto de vista da burguesia. Mais: esse Estado mostra como a violência básica da economia revela-se na violência aberta da política. “A produção assume a forma do monopólio centralizado nas finanças, não por acaso, não por razões contingentes, não em conseqiiência da guerra: é esta a sua tendência orgânica, a sua normalidade”.”' Para a burguesia, deter o Estado significa ter “no momento decisivo, o mecanismo administrativo que

regula a vida da nação, lançando assim o pais no caos e tumulto, criando as

condições que permitirão a uma minoria de mercenários, bem armados e bem mantidos, ter razão contra a maioria que vê levantar-se diante dela o espectro da fome”.!*

.. E DA REVOLUÇÃO... A atualidade da revolução não é deduzida mecanicamente do imperialismo, ela é uma possibilidade inscrita na ordem capitalista. Gramsci insiste muito na afirmação de que a luta de classes não é proposta pelo proletariado mas imposta pela burguesia, e isso é básico. Na etapa imperialista, a concentração é tão brutal que só pode gerar o incremento máximo da riqueza e da miséria. 12. “Lo sviluppo della rivoluzione”, ON, 13. “Lotta antiborghese”, A,

13/9/1919, LON, p. 203.

13/11/1919, LON,

p. 312. Grifo nosso.

14. “Un programma di governo”, À, 30/5/1920, LON, p. 530. A visão do imperialismo como tendência do capitalismo era minoritária entre os socialistas italianos. Neste artigo Gramsci faz a crítica às teses de Tasca. 15. "Lotta...”, op. cit, p. 312. 122

GRAMSCI

EM

TURIM

A revolução está colocada,

pois “decapitar o aparelho da exploração da nação

é impossível no regime da propriedade privada, do sufrágio universal, da democracia burguesa”! principalmente na “época da decomposição e da falência de todo o sistema capitalista mundial”.” A revolução, como o imperialismo, se apresenta como universal.'* A Revolução Russa é um marco na história exatamente pela sua diferença radical em relação aos outros experimentos revolucionários que tendiam apenas a corrigir a forma da propriedade privada e nacional dos meios de produção e de troca; atingiam uma parte limitada dos agregados humanos. A revolução proletária é a revolução máxima: porque quer abolir a propriedade privada e nacional e abolir as classes, ela arrasta todos os homens e não uma parte deles. Obriga todos os homens a moverem-se, a intervirem na luta, a participarem explicitamente. Transforma fundamentalmente a sociedade: de organismo unicelular (indivíduo-cidadão) transforma-a em organismo pluricelular; coloca na base da sociedade núcleos já orgânicos da própria sociedade. Obriga a sociedade a identificar-se com o Estado, quer que todos os homens tenham consciência espiritual e histórica.

Isso foi possível porque os bolcheviques?” souberam “soldar a doutrina comunista com a consciência coletiva do povo russo, (lançar) os sólidos fundamentos sobre os quais a sociedade comunista iniciou seu processo histórico” e traduzir “historicamente na realidade experimental a fórmula marxista da ditadura do proletariado”.* Este é um tema grato a Gramsci: o “saber” e o “querer” materializando-se no “poder”. Processo duplo: de um lado, a experiência histórica da civilização capitalista permite pensar o processo da luta; de outro, a luta concreta contra o czarismo permite pensar a realidade russa e atuar sobre ela: a concreção de todas essas experiências: Os bolcheviques deram forma estatal às experiências históricas e sociais do povo russo, que são as experiências da classe operária e camponesa internacionais; sistematizaram em organismo complexo e agilmente articulado a sua vida mais

16. “Un programma...”, op. cit, p. 530. 17. “Vinternazionale comunista”, ON, 24/5/1919, LON, p. 33. Trata-se na realidade de uma síntese da primeira parte da Carta-convite ao Partido alemão para participar do |º Congresso da Terceira Internacional. 18. O conceito de revolução “indica o processo consciente da instauração de um novo tipo de Estado, a república dos Conselhos operários e camponeses”, “Maggioranza...”, op. cit. p. 22. 19. “La taglia della storia”, ON, 7/6/1919, “Cronaca”, ON, 7/6/1919, LON, p. 54-55.

LON,

p. 56. Grifo

nosso.

No

mesmo

sentido

ver

20. "são um conjunto de homens que dedicaram toda a vida ao estudo (experimental) das ciências políticas e econômicas, que durante dezenas de anos de exílio analisaram e esmiuçaram todos os problemas da revolução”, “La taglia...”, op. cit., p. 56.

21. Idem, p. 57. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

123

íntima, a sua tradição e a sua história espiritual e social mais profunda e amada, Romperam com o passado, mas continuaram o passado; romperam com o passado da história dominado pela classe possuidora, continuaram, desenvolveram, enriqueceram as tradições vitais da classe proletária operária e camponesa. (...) À ruptura é irrevogável, porque toca no essencial da história, sem possibilidade de retorno

pois, em

edade russa.”

caso contrário,

uma

desmesurada

desgraça

cairia sobre

a soci-

O “querer” fazer a revolução, a criação de uma nova forma social, o comunismo, levou os bolcheviques à luta e ao estudo experimental. A ditadura do proletariado é, ao mesmo tempo, o resultado da intervenção des-

se “saber/querer” e a concreção ao nível do real da teoria marxista da luta de

classes. Falamos da concreção da doutrina marxista e da experiência se trabalhadora russa (experiência nacional e internacional):

da clas-

A Revolução Russa encontrou precisamente sua força e sua salvação no fato de que na Rússia operários e camponeses, partindo de pontos opostos, movidos por sentimentos diversos, encontraram-se reunidos por uma meta comum, em uma única luta, porque ambos se convenceram, na luta, que não poderiam libertar-se da opressão dos patrões, a não ser dando à própria organização de conquista mma forma que permitisse eliminar diretamente o explorador do campo da produção. Essa forma foi o conselho, foi o soviete.?

E o soviete nada mais é do que “um sistema de ordenação que sintetiza a forma de vida econômica proletária na fábrica, em tomo das comissões inter-

nas, e a forma de sua vida política organizada nos círculos de bairro, nas seções

urbanas e de aldeia, nas federações provinciais e regionais em que se articula o

partido socialista”.

A ditadura do proletariado necessita, mais do que qualquer outro Estado, do consentimento ativo da população. Para ela não basta a passividade social. É necessário que o povo russo veja no Estado dos conselhos o seu Estado. E se identifique com a nova cidadania e com a sua forma estatal. A partir da realidade das classes russas e da sua experiência, os bolcheviques, apesar de serem minoria, transformam a situação. Minoria consciente dos interesses vitais da população, e em especial da classe operária. É pela “assídua e incessante obra da propaganda, de esclarecimento, de educação dos homens excepcionais do comunismo russo”,* que se pode obter o consen22. Idem,

p. 57-58.

23. “Gli avvenimenti del 2-3 dicembre”, ON, 6 a 13/12/1919, LON, p. 356. Grifo nosso. “O fato essencial da Revolução Russa é a instauração de um tipo novo de Estado: o Estado dos Conselhos. (...) Todo o resto é contingência”. “Leninismo e marxismo di Rodolfo Mondolfo”, ON, 15/5/1919, LON, p. 374. Ver também "Azione positiva”, ON, 6 a 13/12/1919, LON, p. 344-347. 24. “Maggioranza...”, op. cit., p. 373. 25. “La taglia...”, op. cit., p. 58.

124

GRAMSCI EM TURIM

timento ativo e a participação ativa da população. Esclarecimento e educação: palavras-chave, Os bolcheviques, na visão gramsciana, não descuidam nunca do trabalho permanente de educação política das massas. Educação feita a partir da experiência internacional das classes trabalhadoras. O Estado daí resultante “não é a falsa democracia burguesa, forma hipócrita da dominação oligárquica financeira, mas a democracia proletária que realizará a liberdade das massas trabalhadoras; não o parlamentarismo, mas o autogovermo das massas através dos próprios órgãos eletivos; não a burocracia de carreira, mas órgãos administrativos criados pelas próprias massas, com a participação real das massas na administração do país”.“ Essa nova estruturação do poder “é a alavanca da expropriação imediata do capital e da supressão da propriedade privada sobre os meios de produção, que de-

vem ser transformados em propriedade de toda a nação”.”

Essa confusão entre samento de Gramsci — e ponsável por uma série de maneira de interferir nelas.

socialização e nacionalização percorrerá o pende toda a Terceira Internacional — e será resproblemas na avaliação das conjunturas e da Um desses problemas se refere ao caráter de

classe do Estado socialista. Voltemos à atualidade da revolução como processo universal. Ela não pode ser meramente uma revolução “política”: A sociedade comunista só pode ser concebida como uma função 'natural' aderente ao instrumento de produção e de troca; e a revolução só pode ser concebida como

o ato de reconhecimento histórico da “natureza" dessa formação. O processo revo-

lucionário se identifica então somente com um movimento espontâneo das massas trabalhadoras, determinado pelos golpes das contradições inerentes à convivência humana no regime da propriedade capitalista. Presas entre as tenazes dos conflitos capitalistas, ameaçadas por uma condenação inapelável à perda dos direitos civis e espirituais, as massas se separam das formas de democracia burguesa.**

E mais: “O período da história que atravessamos é revolucionário porque as instituições tradicionais de govemo das massas humanas que estavam ligadas aos velhos modos de produção e de troca perderam todo o significado e toda função útil”. O centro de gravitação de toda a sociedade mudou para um novo campo: “as instituições tornaram-se mera exterioridade, pura forma, sem substância histórica, sem espírito animador”. O subtrair-se

às formas de dominação política e econômica da burguesia se articula com uma

nova

“substância

histórica”:

a organização

econômica

do proletariado,

26. “Linternazionale...”, op. cit., p. 34. Grifo nosso. 27. Idem. 28.

"Il partito e la rivoluzione”,

29. “Lunitã proletaria”, EDMUNDO

FERNANDES

ON, DIAS

ON,

27/12/1919,

LON,

p. 368.

28-2 a 6/3/1920, L'ON, p. 439-40. Grifo nosso. 125

a eliminação direta do capitalista, a supressão do proprietário fundiário, a eliminação do “explorador do campo da produção”;º “a autonomia do produ-

tor (...) no campo econômico e no campo político. A ação política da classe

proletária (...) só adquire valor histórico real quando é função do desenvolvimento das condições econômicas novas, ricas de possibilidades, ávidas por

expandir-se e consolidar-se definitivamente”.º!

Assim a revolução cria uma nova sociedade, liquida a figura do indivíduo-cidadão e, acima de tudo, transforma a idéia de Estado. Este não é mais

uma entidade à parte e contra a sociedade. Pelo contrário. O Estado é criação da sociedade e a realiza: “Não existe sociedade a não ser em um Estado,

que é a fonte e o fim de todo direito, de todo dever, que é a garantia de permanência e de sucesso de toda atividade social. A revolução proletária é tal quando dá vida e se encarna em um Estado tipicamente proletário, custódia do direito proletário, que desenvolva suas funções essenciais como ema-

nação da vida e da potência proletária”.º?

Este Estado deve servir-se da “potência armada para dominar a classe burguesa e determinar as condições em que a classe exploradora seja suprimida e não possa renascer. (...) e romper com os direitos e as relações antigas inerentes ao princípio da propriedade privada”. “Toda forma de po-

der político não pode ser historicamente concebida e justificada a não ser como aparelho jurídico de um poder econômico real, não pode ser concebida e justificada a não ser como a organização de defesa e a condição de desenvolvimento de uma determinada ordem nas relações de produção e de

distribuição de riqueza”.

Coloca-se claramente

a questão

mas é rigorosamente definida:

da violência.

Esta não é algo abstrato,

a violência burguesa é ilimitada e determina sempre novas condições de violência, porque é violência de poucos contra a extraordinária maioria do povo trabalhador (...). [A] violência dos socialistas revolucionários é a violência necessária para expelir os bandidos, para reduzi-los à impotência e submetê-los à lei comum do trabalho. É violência transitória, porque da extraordinária maioria contra poucos, hoje fortíssimos apenas porque de posse do governo e porque tem a

possibilidade de organizar com seu dinheiro dezenas e centenas de carabineiros

e guardas

reais.*

30. “Gli avvenimenti...”, op. cit. LON, 31. “Lo strumento di lavoro”, ON,

p. 356. Grifo nosso.

14/2/1920, LON, p. 413.

32. “La taglia...”, op. cit., p. 57. 33. "I sindacati e la dittatura”, ON, 34.

“Due

35.

“Bolscevichi

126

rivoluzione”,

ON,

25/10/1919, LON,

3/7/1920,

e antibolscevichi",

A,

LON,

p. 259.

p. 569.

[6/1 |/1919,

LON,

p.

318-319.

GRAMSCI

EM

TURIM

Contudo não basta a violência necessária desenvolvimento da nova forma social:

para criar as condições

de

Essa ação destrutiva e de controle deve ser imediatamente acompanhada de uma obra positiva de criação e de produção. Se esta obra não tem êxito, é vá a força política, a ditadura não consegue sustentar-se: nenhuma sociedade pode manterse sem a produção e muito menos a ditadura que, realizando-se em condições de esfacelamento econômico produzido por cinco anos de guerra exasperada e de meses de terrorismo burguês armado, tem assim necessidade de uma intensa

produção.*

A derrubada do aparelho estatal burguês caráter comunista da revolução, ela

não

basta

para conferir

o

não é necessariamente proletária e comunista enquanto se propõe e obtém a derrubada do governo político do Estado burguês (...) mesmo se a onda da insurreição popular entrega o poder nas mãos dos homens que se dizem (e são sinceramente) comunistas. A revolução só é proletária e comunista quando ela é a liberação das forças produtivas proletárias e comunistas que vinham sendo elaboradas no seio da sociedade capitalista, (...) na medida em que consegue favorecer e promover a expansão e a sistematização das forças proletárias e comunistas capazes de iniciar o trabalho paciente e metódico, necessário para construir uma nova ordem nas relações de produção e distribuição, uma nova ordem com base na qual seja tornada impossível a existência da sociedade dividida em classes, e cujo desenvolvimento sistemático tenda por isso a coincidir com um processo de exaustão do poder do Estado, com um dissolver-se sistemático da organização política de defesa da classe proletária que se dissolve como classe para tornar-se

humanidade.”

A crítica à identificação entre tomada do poder e revolução é clara. O processo revolucionário significa a construção de uma nova ordem, de um novo poder, o dos conselhos, preparada já anteriormente à conquista do poder. De novo perguntamos: trata-se ou não do processo de hegemonia? Já estamos em 1920... será mesmo necessário esperar 1926? Após a Revolução Russa a relação destruição/construção não pode mais sofrer um lapso temporal. Todas as revoluções posteriores à russa que 36. "| sindacati...”, op, cit. p. 259. No mesmo sentido: "A revolução que se do aparelho estatal burguês, e na construção de um novo aparelho estatal, classes oprimidas pelo capitalismo. Ela é determinada imediatamente pelo condições de carestia deixadas pela guerra imperialista, a grande maioria da ida de

artesãos,

pequenos

proprietários

fundiários,

pequenos

burgueses

realiza na destruição interessa a todas as fato brutal que, nas população (constitu-

intelectuais

massas

campo-

nesas paupérrimas e mesmo de massas proletárias atrasadas) não tem mais nenhuma garantia no que diz respeito às exigências elementares da vida cotidiana. Nessa revolução tende a prevalecer o caráter anárquico e destrutivo e a manifestar-se como uma cega explosão de cólera, como um tremendo desencadear de furores sem objetivo concreto, que se compõem em um novo poder do Estado apenas quando a fadiga, a desilusão e a fome acabam por fazer reconhecer a necessidade de uma ordem constituída e de um poder que a faça verdadeiramente respeitar.”, “Due rivoluzione”, op. cit., p. 570. 37. “Due...”, op. cit., p. 569. Já anteriormente Gramsci tratara desse assunto (como caracterizar a revolução proletária) em “Note sulla rivoluzione russa”, GP 29/4/1917. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

127

viveram duas etapas diferentes foram vencidas (a alemã e a húngara). Para Gramsci, faltaram nessas revoluções “forças produtivas tendentes ao desen volvimento e à expansão, movimento consciente das massas proletárias dirigido a substanciar o poder político com o poder econômico, vontade das massas proletárias de introduzir na fábrica a ordem proletária, de fazer da fábrica a célula do novo Estado, de construir o novo Estado como reflexo das relações industriais do sistema de fábrica”, de fazer com que a nova ordem consubstancie a nova cidadania: a dos produtores. Na ausência disso, as próprias forças operárias tradicionais ajudam na derrota das revoluções. Veremos isso mais adiante. Por tudo isso é que Gramsci insiste, permanentemente, na necessidade de o processo revolucionário estar, sempre, fortemente ancorado na capacidade produtiva da classe operária. Além disso, a revolução comunista não pode esgotar-se em um único país. Ela tem que buscar, como condição de desenvolvimento, a mais ampla. criação possível de Estados operários. Sua plena realização, seu livre desenvolvimento, está condicionado “pela existência mundial de uma grande organização proletária, e pelo desenvolvimento dela contra a organização capita-

lista. A Comuna

Russa se realiza com a realização do socialismo no mundo

(...) entrar no processo de socialização definitivo quando no resto do mundo o proletariado tiver realizado a sua ditadura política”.*” Na vida política a revolução é permanente. Não apenas no terreno da economia: Para os comunistas (...) nenhuma instituição é definitiva e absoluta; a história é: um perpétuo devenir, um processo dialético indefinido. Mesmo as instituições proletárias não são definitivas e absolutas, e em tal sentido não pode existir no Estado socialista, uma “legalidade” no sentido que a palavra assumiu na prática dos regimes que se sucederam até agora. A tática comunista consiste, por tudo isso, em reconhecer com exatidão e sem preconceitos o caráter essencial dos vários momentos que é necessário atravessar na luta e aderir às suas exigências incoercíveis.!

O mesmo se dará no ra? Esse processo é tão mais todo o modo de construir processo econômico. Neste, um planejamento, usando as no campo cultural. Também

campo cultural. Como construir uma nova cultucentral quando dele e de sua resolução decorre uma nova cidadania. O processo é distinto do a sociedade pode ser reorganizada a partir de técnicas capitalistas já existentes. Tal não se dará aqui

serão despedaçadas as distinções de classe, será despedaçado o caneirismo burguês; (...) O que resta por fazer? Nada mais do que destruir a presente forma de civiliza-

38. “Due...", op. cit. p. 571. Grifo nosso. 39. “La Russia e il mondo”, A, 27/1/1919,

NM,

p. 5ll.

40. “Postilla a “ll problema delle comissioni interne””, ON, 128

23/8/1919, LON, p.

176.

GRAMSCI

EM

TURIM

ção, Nesse campo “destruir” não tem o mesmo significado que no campo econômico; destruir não significa privar a humanidade dos produtos materiais necessários à sua subsistência e ao seu desenvolvimento; significa destruir hierarquias espirituais, preconceitos, ídolos, tradições enrijecidas, significa não ter medo da novidade e da audácia, (. .) não acreditar que o mundo se arrebente se um operário cometer erros de gramática, se uma poesia é mal feita, se um quadro se assemelha a um cartaz, se a juventude torce tanto o nariz à sensibilidade acadêmica e

cretinizada.*

Falamos que a revolução comunista só se dá pela realização das ditaduras proletárias em todo o mundo. Realiza-se pela Internacional Comunista. Por isso o “comunismo existirá apenas quando, e enquanto, for intemacional. Nesse sentido, o movimento socialista e operário é contra o Estado, porque é contra os Estados nacionais capitalistas, porque é contra as economias nacionais, que têm sua fonte de vida no Estado nacional e trazem a sua forma”.*? É exatamente por eliminar as condições de exploração da burguesia sobre o proletariado russo que a revolução colocou em cheque esse capitalismo falido e em decomposição. Todavia, como movimento de autopreservação e de resistência à decomposição, o capitalismo não hesita em atacar as nações soviéticas (Rússia, Ucrânia, Hungria) o que coloca como tarefa para o proletariado internacional “desarmar completamente a burguesia e seus agentes e armar todo o proletariado”, isto é, fazer a defesa internacional das revoluções proletárias: “A vitória do capitalismo ocidental sobre o proletariado russo significaria a Europa lançada por um vintênio nos braços da mais feroz e desapiedada reação. Nenhum sacrifício pode ser excessivo se se conseguir impedir que isto aconteça, se se conseguir reforçar a Internacional Comunista, que é a

única que dará ao mundo a paz no trabalho e na justiça”.'!

O furor capitalista contra o comunismo se deve principalmente ao fato de que a Revolução Russa, pela sua existência, se coloca como alternativa para as classes trabalhadoras de todo o mundo: “Como os proletários naci-

onais não podem

colaborar com a burguesia sem se dissolverem como ener-

gia histórica e espiritual, assim a República dos Sovietes não pode colaborar com os Estados burgueses, não pode integrar-se em uma ordem internacio-

nal dominada pelo capitalismo sem trair a missão histórica congênita nas suas

origens e no seu progressivo

desenvolvimento.”

41. “Marinetti rivoluzionario?", L'Ordine Nuovo (diário) (LONd), 5/1/1921, Socialismo e Fascismo (SF). p. 22. Grifo nosso. 42. “Lo Stato e il socialismo”, ON,

28/6 a 5/7/1919, LON,

p. IIS.

43. "Linternazionale...”, op. cit. p. 34. 44. Idem, p. 35. Grifo nosso. No mesmo

sentido: "La taglia...”, op. cit.

45. “La Russia....”, op. cit. p. SIO. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

129

«NA ITÁLIA A realidade italiana é hoje um movimento de forças subterrâneas e incontroláveis que não assumiram e nunca mais poderão assumir uma forma nos quadros dos partidos políticos tradicionais. Colocar o problema da vida política italiana no jogo dos partidos políticos, crer ou fingir crer que o povo italiano possa sair do tremendo torniquete da história com um ato de política parlamentaré hoje mero charlatanismo e poderia tornar-se amanhã uma farsa trágica.”

É o reconhecimento da incapacidade do Estado burguês de garantir até mesmo a propriedade privada capitalista — os camponeses ocupam as terras, os operários limitam o arbítrio dos capitalistas — que permite a caracterização do período revolucionário. O Estado italiano não funciona politicamente, porque não funciona mais o aparelho de produção industrial e agrícola que é a substância do Estado político. Obrigado a fundir-se com aparelhos econômicos bem diversamente potentes, durante a guerra, pelas necessidades da guerra, o aparelho econômico italiano despedaçou-se, perdeu seu centro de gravitação, perdeu seu impulso vital, (...) tornou-se um fenômeno puramente financeiro."

Atingida a fase imperialista, agravadas as contradições no interior da sociedade italiana, o capitalismo vive hoje o seu peso morto. Isso se traduz, de imediato, na conjuntura italiana, que é “peculiarmente revolucionária pelo fato de sua estrutura econômica ser atrasada e pobre. (...) para fazer a guerra, (...), a Itália teve que destruir mais do que o seu aparelho econômico pode reproduzir em tempo útil para evitar a morte por inanição”.'* tem

Além das contradições vividas pelo Estado italiano, outras mais exise se fundem em um núcleo que torna a sua resolução impossível pelo

Estado democrático-burguês. A guerra e as contradições econômicas da vida

internacional que a ela se seguiram na sociedade italiana que

criaram

um

estado de desordem

geral

se complica pelos resíduos da guerra: a existência de grupos armados irresponsáveis, não mais ligados a nenhuma disciplina estatal, não controlados por nenhuma autoridade central responsável, e tendentes a criar poderes pretorianos locais e possivelmente uma ditadura militar nacional; coalizões de forças pseudopolíticas, que não têm interesses e fins vitais e permanentes a defender e propugnar, mas apenas interesses e fins individuais e contingentes.”

Referência clara ao fascismo. 46. “Fuori del dilemma”, A, 29/11/1919,

LON,

p. 335.

47. Idem. Grifo nosso. 48. “Ritorno alla libertã”, A, 26/6/1919,

LON,

p. 108.

49. Idem. 130

GRAMSCI

EM

TURIM

O Imperialismo retirou a soberania do Estado e fez da Itália um país colonial, “um povo de chineses: a Itália tornou-se um mercado de exploração colonial, uma esfera de influência, um dominion, uma terra de capitulações, tudo, menos um Estado independente e soberano”. E, se a Itália conlinua a ser levada mais e mais para o caos, movida pela política burguesa, a única esperança que lhe resta é o movimento operário que, à custa de imen-

sos sacrifícios quer deixar de ser “chinês”. A classe burguesa, no entanto,

ainda não está satisfeita e quer lançar as massas trabalhadoras ainda mais para baixo, quer reduzi-las “ao nível dos cafres e dos bosquímanos.”*! Só a revolução pode cortar este processo, pode deter a crise italiana, que “só entrará na sua fase decisiva, internacional e nacionalmente, no dia em que o proletariado tiver conquistado o Estado”. Para fazer com que o aparelho industrial volte a funcionar em termos capitalistas, é “necessário o terror ou um enorme aparelho burocrático de controle (a chamada nacionalização) que golpearia principalmente os operários

e os

camponeses,

porque

se

deveria

extrair

ainda

mais

recursos

da população, e a ordem produtiva se corromperia ainda mais”. O colaboracionismo de classe, condição necessária para tentar uma

“saída” burguesa para a crise, além de conduzir “ao marasmo, à permanente desordem, ao pulular decomposto e atroz de todas as paixões”! não será

eficiente, isto é, não impedirá que os capitalistas e os proprietários fundiários continuem a tramar o fechamento das fábricas e a expulsão dos camponeses das terras ocupadas. A única solução para as massas é, portanto, a ditadura proletária. “Os operários e os camponeses são melhores do que os

capitalistas? Têm eles o segredo mágico da ordem, da produtividade, da poupança? Não, não; eles têm a força do número e o interesse da ordem, da produtividade, da poupança, e não apenas o interesse de uma taxa de lucro; porque uma parada na produção significa para os operários a morte aos montões nas praças”.º Vale dizer, a morte como indivíduos e como classe. Nestes termos coloca-se como necessidade a intervenção das forças socialistas que Gramsci, em novembro de 1919, recensearia em II problema del potere: no plano político são 156 deputados que representam 3,5 milhões

50. “ltaliani e cinesi”, A, 18/7/1919, LON, p. 142. Em inglês no texto. Gramsci usa “chinês” como metáfora. Refere-se aos cules chineses, sinônimo moderno de trabalhador servil, de população sem quaisquer direitos. Sl. Idem, p.

143.

52. "Ritorno...”, op. cit., p. 108. 53. "Fuori...”, op. cit. p. 336. 54.

Idem.

55. Idem, EDMUNDO

p. 337. FERNANDES

DIAS

131

de operários, camponeses e empregados, que com suas famílias chegam à casa dos 15 milhões de italianos; no plano econômico, são as diversas orgas nizações sindicais, ligas e cooperativas. Enquanto a eleição dos deputados representou “um golpe tremendo no aparelho político da supremacia capitalista, que se funda na circulação dos partidos conservadores e democráticos, na alternância no governo dos vários grupos políticos que envernizam com cores variadas o banditismo capitalista, o domínio dos cofres-fortes”,* o movimento sindical e cooperativo determinam a paralisação do mercado capitalista de trabalho. A conquista das oito horas e dos mínimos salariais são dependentes destas condições gerais do mercado de trabalho. A ordem capitalista de produção foi profundamente perturbada, a “liberdade” de exploração, a liberdade de arrancar mais-valia da força de trabalho (...) foi limitada, foi submetida, ainda que de modo indireto, ao controle proletário; as bases econômicas da organização capitalista que culmina na mais alta associação do capitalismo, o Estado parlamentar-burocrático, foram desagregadas, pela sabotagem à primeira fonte da potência capitalista: a liberdade de arrancar mais-valia.”

É sobre essa contradição, fundamental para a transformação da sociedade capitalista em comunista, que devem agir as forças socialistas. As massas trabalhadoras indicaram ao Partido o caminho do poder, o caminho do governo, que não se baseia constitucionalmente no Parlamento eleito por sufrágio universal, dos explorados e dos exploradores, mas no sistema dos conselhos dos operários e camponeses, que encarnam tanto o governo do poder industrial quanto o governo do poder político, isto é, que sejam instrumentos da expulsão dos capitalistas do processo da

produção, e instrumentos da supressão da burguesia como classe dominante de todas

as instituições de controle e de centralização econômica da nação.

A criação de um democraticamente,

aparelho estatal “que

isto é, que

garanta

no seu âmbito interno funcione

a todas

as

tendências

anticapitalistas

a liberdade e a possibilidade de tornar-se partido de governo proletário”.” Coloca-se, assim, a necessidade de alianças entre todos os revolucionários: os socialistas marxistas, os católicos radicalizados, os anarco-sindicalistas, os excombatentes democráticos, etc. E não só a questão das alianças. Mas a luta pela obtenção da hegemonia como um momento necessário para a realização da revolução. Para os revolucionários, o problema concreto atual é a fixação da massa do povo italiano em formas consiliares e a obtenção, na luta concreta, e não por direito divino, de que os socialistas sejam aí maioria. A possibilidade de 56. Il problema del potere, ON,

29/1I/1919,

LON,

p. 338.

57. Idem, p. 339. Grifo nosso. 58. Idem, p. 340. Grifo nosso. 59. Idem, p. 342. Grifo nosso. 132

GRAMSCI

EM

TURIM

predomínio dos populares, dos anarco-sindicalistas e mesmo dos reformistas dentro dos conselhos não assusta Gramsci, desde que “sejam trabalha-

dores assalariados e sejam eleitos no seu local de trabalho, e enquanto adiram ao Estado operário”.” A luta democrática dentro dos conselhos garantirá a possibilidade que esses elementos sejam influenciados e transformados. A democracia interna dos conselhos é vital. Retomar a atividade econômica e fazer viver a democracia só é possível pelo movimento operário. E a essência desse movimento, na Itália, é a “limitação da liberdade do capitalista na fábrica, imposta, pelas organizações de ofício; a limitação da concorrência comercial, imposta pelo complexo movimento operário que tende a consolidar a potencialidade da aquisição do salário; a limitação do esforço dos partidos políticos pelo governo do Estado na chamada Santa Aliança, imposta pelo medo da revolução”. Eis aqui traçado o plano estratégico do choque contra o Estado capitalista. O medo da revolução e o desejo violento de sufocar as pátrias socialistas que surgem levam os países capitalistas a tentar bloqueá-las. Em contrapartida, do lado operário impõe-se a solidariedade às repúblicas soviéticas, isto é, a solidariedade operária internacional. Essas nações soviéticas encontram-se entre as mais devastadas pela guerra. O que irrita fundamentalmente a burguesia italiana é o fato de que ser uma das “vencedoras” da guerra não lhe dá melhores condições do que às repúblicas soviéticas bloqueadas pelo capitalismo. A Itália “continua a decair, continua a destruir-se a si mesma, continua a debilitar-se, continua a perder cada dia uma nova fração de independência e de soberania”, enquanto que a “Rússia e a Hungria (...) bloqueadas,

continuam a

viver, resistem,

lançaram

as bases sobre as quais

é possível uma retomada da atividade econômica e do progresso civil”. Para fazer frente a esse bloqueio, o movimento operário internacional marca para os dias 20 e 21 de julho de 1919 um conjunto de manifestações na Itália, na França e na Inglaterra, em defesa dos países soviéticos. Um movimento desse tipo, seguramente serviria de pretexto para que os capitalistas tentassem quebrar o movimento operário. Mormente, pelo fato de que os capitalistas tinham, até então, cedido à maior parte das reivindicações da massa operária. Se ela transbordasse em movimento insurrecional 60. Idem, p. 343, 61. "ltaliani e...”, op. cit. p. 62. Idem, p.

144.

143.

63. Idem.

64. A greve geral internacional de 20 e 21/7/1919 era uma greve de solidariedade internacional às Repúblicas Soviéticas da Rússia e da Hungria e de protesto contra a intervenção armada das potências aliadas em apoio ao general Koltchak. Ela foi decidida na Conferência de Southport (Inglaterra). Essa conferência reuniu as principais lideranças operárias inglesas, francesas e italianas. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

133

isso permiliria tanto ao governo quanto aos capitalistas exercerem a repressão. Os operários não tinham “nenhuma instituição comunista (...) capaz de

substituir permanente e fortemente o poder do Parlamento".”” Como não con-

seguiram ainda articular-se de modo a conquistar o poder do Estado, os operários, em especial os operários comunistas, deviam manter-se lúcidos, A Inglaterra e a França não se manifestam. Mesmo na Itália, graves quebras da greve ocorreram: “como foi possível que os dirigentes do proletariado organizado da França e dos ferroviários da Itália, responsáveis diante das massas por um dever livremente contratado, tenham cometido um ato tão grave de felonia e de deslealdade? É apenas culpa dos homens? (...) Ou existem condições reais objetivas que favorecem e tornam possível a felonia e a deslealdade, e ainda podem favorecê-las e tomá-las possíveis?” E a resposta gramsciana, por via negativa, é no sentido de que a culpa não reside na boa ou má vontade dos homens. Isto é, existem condições objetivas para que tal ocorra. A pergunta-chave que ilumina o fracasso da greve é o significado da ade-

são à Internacional. Era “aderir à concepção do Estado soviético e repudiar todo

resíduo de ideologia democrática, mesmo no seio da atual organização do movimento socialista e proletário. (...) A Internacional comunista não é um escritório burocrático de líderes de massa: é, uma consciência histórica da massa”. Assim, ser intemacionalista significa pôr em xeque a própria ideologia da nacionalidade no seio do proletariado italiano, significa perceber que a solução dos problemas dos proletários de cada país só existe no seio da Internacional, por via revolucionária. É justamente isso o que as lideranças sindicais querem evitar a qualquer custo, pois tal fato implica a radical mudança de toda prática das

classes trabalhadoras, e a liquidação desse tipo de liderança.

A greve fracassa. Mas continua sendo necessário defender os Estados proletários contra toda intervenção capitalista, e para isso o mais eficaz, limitar (para daí anular) o poder do capitalista sobre o instrumento de produção e de troca; (...) proibir a fabricação de determinados produtos, (...) proibir a exportação de

armas e munições armazenadas depois do armistício e (...) impor que seja retomado o comércio com a Rússia e a Hungria. É toda uma ação densa e sistemática que deve ser exercida pelos operários e camponeses da Eritente, com órgãos adequados que não podem ser nem os partidos socialistas nem as federações profissionais. *

Gramsci mostra claramente a limitação das instituições clássicas da classe trabalhadora. Presas à legalidade industrial e do Estado burguês, como veremos adiante, elas não podem dar o passo seguinte: a destruição deste próprio Estado. Ele propõe, então, como tarefa para os comunistas dentro do 65. "20-21

luglio”, ON,

19/7/1919, LON,

66. "Per ['Internazionale comunista”, 67. Idem,

26/7/1919, LON,

p.

150,

p. 151. Grifo nosso.

68. Idem, p.

134

ON,

p. 148.

153. Grifo nosso.

GRAMSCI EM TURIM

“artido Socialista “promover o desenvolvimento das instituições proletárias de fábrica onde já existam ou fazê-las nascer onde ainda não surgiram. Coordenálas local e nacionalmente”.º Assim procedendo os comunistas do PS podem criar as condições para impedir que a boa ou má vontade dos membros do partido e da Confederação do Trabalho sejam capazes de impedir o avanço

revolucionário.

A CENA DA LUTA Turim. Esbocemos agora o quadro local onde se travará um dos capítulos mais importantes da luta de classes do biennio rosso: a ocupação das fábricas realizada pelo movimento consiliar. Examinemos também o conjunto das principais articulações entre as cidades e o Estado, forma condensada da dominação de classe. Realizada a unidade italiana como “expansão” do Estado piemontês, Turim, a capital, cede seu lugar de sede do aparelho governamental para Florença. Logo depois, a capital passa a ser Roma. Turim perde quase que por completo a sua classe pequeno-burguesa, que se desloca para a nova sede do poder estatal. A pequeno-burguesia, funcionária do Estado, já esvaziada da sua participação na produção capitalista, cede lugar ao operariado que, concomitantemente, chega a Turim, através do sistema de fábricas da Fiat. Esta ocupa a cidade e a transforma: o desenvolvimento capitalista, destruindo a pequena indústria e o artesanato da nação italiana, fez afluir a Turim uma massa proletária compacta, que deu à cidade o seu aspecto atual, talvez um dos mais originais de toda a Europa. À cidade assume e mantêm uma configuração centralizada e organizada naturalmente ao redor de uma indústria, que “governa” todo o movimento urbano e regula as saídas: Turim é a

cidade do automóvel.”

Cidade industrial. Possuindo quase meio milhão de habitantes, três quartas partes de sua população são operários e seus familiares. Além deles existe uma grande massa de empregados e de técnicos, organizados como os operários em sindicatos e na Camera del Lavoro. “Hoje Turim não é a cidade capitalista por excelência, mas é a cidade industrial por excelência, a cidade operária por excelência (...). Turim é como uma única fábrica: a sua população trabalhadora é de um mesmo tipo, e é fortemente unificada pela

produção

industrial”.

Cidade industrial, cidade operária, Turim representa a unificação do proletariado. Mais: “A cidade, organismo industrial e de vida civil (...) este

69. Idem. Grifo nosso. 70. “Il programma dell'Ordine Nuovo

(Il)”, ON,

71. “La funzione storica delle cittã”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

28/8/1920,

17/1/1920, LON,

LON,

p. 625.

p. 387. 135

magnífico aparelho de produção industrial, de produção intelectual e de propulsão da vida civil"? Essa idéia de cidade como aparelho de produção material e, ao mesmo tempo, de produção simbólica nos permite pensar uma vez mais a unidade indissolúvel da economia e da política. Além de aparelho de produção industrial e de produção simbólica, ela é também elemento de organização política. A relação espaço-poder define assim um campo de realização da luta de classes. E se Turim era o locus da dominação burguesa, poderá ser também, pela eliminação desta, “o instrumento da potência econômica comunista e da ditadura proletária”. Além de Turim, outras cidades são fundamentais. Se Turim é a capital industrial, Milão é a capital financeira e Roma a capital política. Se é em Turim que a produção industrial atinge o seu ponto máximo, é, no entanto, em Milão que se encontram as “maiores e mais potentes forças financeiras da burguesia (.). A imensa fábrica do lucro capitalista que é o Estado burguês tem seu centro vital em Milão. Daí partem os milhares e milhões de fios que se derramam por todo o território nacional, e subjugam o trabalho dos operários e dos campo-

neses aos cofres-fortes (...): Milão é a capital efetiva da ditadura burguesa”.

Como o governo é apenas um dos aparelhos do poder, a capital administrativa e política é apenas a sede formal do poder, não a real. O “aparelho capitalista de governo real do país não está em Roma, mas em Milão. Roma é a capital burocrática”.” A conquista do poder não será realizada em Roma: o Estado capitalista “deve ser decapitado em Milão (...) e em Roma a ditadura proletária dever lutar, não contra a potência econômica da burgue-

sia, mas apenas contra a sabotagem dos burocratas (...). Roma,

como

cida-

de, não tem nenhuma função na vida social italiana, não representa nada”.'º A relação entre Turim e Milão é, na realidade, a relação entre a cidade operária por excelência e a cidade capitalista por excelência. São as fortalezas das classes fundamentais. Turim, a cidade operária, esvaziada da sua pequena burguesia e enriquecida socialmente pelo desenvolvimento capitalista, torna-se o centro

de atração para o operariado italiano: “O proletário turinense torna-se assim

o dirigente espiritual das massas operárias italianas, que estão vinculadas a esta cidade por múltiplas ligações: parentesco, tradição, história e por ligações espirituais (o ideal de todo operário é poder trabalhar em Turim)". 72. Idem, p. 386. 73. Idem. 74. Idem, p. 389. 75. Idem. 76. Idem,

p. 389-390.

77. “Il movimento torinese dei Consigli di fabbrica (Rapporto inviato nel luglio 1920 al Comitato esecutivo dell'Internazionale Comunista)”, ON(d), 14/3/1921, LON, p. 603. Grifo nosso. 136

GRAMSCI EM

TURIM

A CENA DA LUTA: AS CLASSES EM PRESENÇA OESTADO ITALIANO esde o começo da sua vida estatal a Itália vive a crise da construção de uma democracia liberal. Na realidade as massas populares só são incorporadas... pela via militar. Subordinando os antigos Estados peninsulares, o Piemonte consegue dar unidade política e administrativa à península. Mas não cria uma cidadania popular. A Itália “constituiu-se por impulso dos núcleos burgueses industriais da Alta Itália; consolidou-se com o desenvolvimento da indústria em prejuízo da agricultura, com a subjugação brutal da agricultura aos interesses da indústria”.”* Apesar da subordinação, das antigas classes dominantes à burguesia industrial do Norte, elas não foram esquecidas. Obviamente! Os latifundiários, se perdiam o controle estatal e se a questão econômica escapava-lhes das mãos — na/pela sua incorporação à nova ordem —, ganhavam “os bens eclesiásticos”. E “os vínculos feudais que gravavam a terra” foram rompidos em seu benefício. Os camponeses pobres não são esquecidos: ganham “a metralha dos carabineiros”.'º O processo de unificação era uma necessidade para a burguesia. Esta precisava “unificar o sistema das relações de propriedade e de troca no mercado nacional, subdividido em uma multiplicidade de pequenos Estados regionais e provinciais”.” Para subjugar os setores não capitalistas, o processo unificatório foi extremamente violento. Foi realizado por uma ditadura que submeteu o Sul e as ilhas, 78. “Lo

Stato

italiano”,

ON,

7/2/1920,

LON,

p. 407.

79. “H rivoluzionario e la mosca cocchiera”, A, 25/11/1919, ON, p. 333. Sobre a importância dos carabineiros na história italiana, ver “Un simbolo", ON(d), 14/1/1921], Socialismo e fascismo 1921-

1922 (SF): tida a um um militar coisa que pleno

“os carabineiros, são na Itália, o símbolo do Estado, (...) sua força controle; nunca se concebeu a possibilidade de ver um carabineiro da benemérita comparece diante dos juizes, estes têm a obrigação ele diga; quando prendem, o cidadão não pode protestar; quando

direito, e mesmo

quando

matam

sequer

então se discute;

é o Estado

não é nunca submeno tribunal. Quando de crer em qualquer batem estão no seu

que dispõe da vida dos

seus súditos; e o Estado italiano não submete a crítica, a julgamento, a controle os seus órgãos executivos: o seu liberalismo cede frente ao mosquetão dos seus agentes; frente a sua ação, se detém a autoridade dos juizes”, op. cit., p. 46-47 80. “Il lanzo ubriaco", EDMUNDO

FERNANDES

A, 18/2/1920, LON, DIAS

p. 422. 137

erucificando, esquartejando, enterrando vivos os camponeses

pobres que os escritos

res assalariados tentaram difamar com a pecha de “bandidos”, O desenvolvimento da

indústria reforçou o Estado unitário: a esquerda"! chegou ao poder, ampliou o sufrágio, introduziu um pouquinho de “democracia”. A ditadura industrial, porém, não foi menos feroz que a ditadura da média burguesia e dos proprietários fundiários (...). À “democracia” industrial se evidenciou nas leis excepcionais contra a classe operária, e no poder dado aos oficiais de suspender as garantias constitucionais na Sicília e na Sardenha (...). O Estado italiano nunca foi democrático, mas despótico e policialesco (um único poder: o governo; com um corpo consultivo: o parlamento).*

po.

Unificação nacional e questão meridional nascem, pois, ao mesmo temNesse Estado altamente centralizado, a construção e as leis sempre foram

ficções. Não existe um poder judiciário, peça fundamental no equilíbrio das democracias

liberais, e sim uma subordinação da Justiça ao Executivo.

Pode-se dizer que a Constituição albertina serviu à um único fim preciso: ligar fortemente a sorte da Coroa à sorte da propriedade privada. De fato, os únicos freios que funcionam na máquina estatal para limitar os arbítrios do governo dos ministros do rei são os que interessam à propriedade privada do capital. A Constituição não criou nenhuma instituição que presida, ainda que formalmente, as grandes liberdades dos cidadãos: a liberdade individual, a liberdade de palavra e de impren-

sa, a liberdade de associação e de reunião.* Para que

o poder

dessa

burguesia —

que

nunca

travou

as batalhas

necessárias para afirmá-lo, seja econômico, seja político — possa ser exercido, em um país sem cidadania, é fundamental que ele seja incontrastável, absoluto. Isso porque só nessas condições esse capitalismo pode existir e por isso mesmo ele é, desde o início, reacionário: O capitalismo é reacionário quando não consegue mais dominar as forças produtivas de um país. O capitalismo italiano começa a ser reacionário desde quando o: governo italiano, abandonando o programa livre-cambista do conde de Cavour e da velha direita, tornou-se protecionista e “reformista”. Incapaz de dominar nos quadros da livre iniciativa as forças produtivas italianas, o capitalismo reduziu o Estado à missão de seu agente comercial direto, (...) a milícia nacional, a magistratura, todas as instituições do poder governamental, à missão de instrumentos imediatos de sua permanência e seu desenvolvimento.

Para realizar essa política é necessário criar um novo “estilo” governamental: o giolittismo. Aplica-se à saciedade a política do pacto social, atraindo as direções socialistas e operárias para o seu projeto: é o chamado transformismo.*º 81. Esquerda dos liberais. Nada tem a ver com os socialistas. 82. Idem, p. 422-423. 83. “Lo Stato italiano”, ON, 84. “Cos'ê

7/2/1920, LON,

la reazione?”, A, 24/11/1920,

LON,

p. 404-405. p. 763. Grifo nosso.

85. “A política de Giovanni Giolitti foi tal que o 'giolittismo” tornou-se sinônimo de uma continua adaptação (...) de uma metódica contrafação dos princípios”. Dietro lo scenario del giolittismo (IV), 138

GRAMSCI

EM

TURIM

O oportunismo burguês resolve, caso a caso, os conflitos de classe ampliando «a esfera do privilégio, ampliando a esfera da classe dominante. A classe explorada, a classe dos operários e dos camponeses, organizando-se corporativamente, construiu para si uma hierarquia dirigente: o oportunismo burguês tratou de absorver essa hierarquia, adulando os homens, corrompendo-os, “honrando-os”, (...) e encarregando-os de um acúmulo de responsabilidades (...). Atraiu as hierarquias proletárias para o âmbito do poder governamental.

Por esse meio der,

como

diria

Marx,

fez com

que as direções sindicais

e fez com

que

elas

integrassem

tivessem o que perum

complexo

sistema

de poder que realmente domina o país, para além e contra o Parlamento, daquele sistema de forças sobre o qual sempre baseou a ditadura burguesa: junto aos bancos, à maçonaria, ao estado maior, à hierarquia eclesiástica, à camorra napolitana, às embaixadas estrangeiras, à Confederação Geral do Trabalho. Os líderes das organizações e das cooperativas trabalharam sempre para derrubar e criar ministérios, rindo-se da democracia e do sufrágio universal que, no Parlamento, expressam a

soberania popular.*”

Esta descrição mostra com clareza os limites dessa política para as classes trabalhadoras. Política de subordinação/decapitação das classes subalternas, o pacto social (transformismo) quebra o elá das organizações e faz delas cúmplices ativas e atuantes das classes dominantes. Ao isolar os dirigentes da classe, ao fazer a integração dessas lideranças, o pacto dá estabilidade ao regime, dá uma aparente vantagem para os operários organizados... e deixa a conta para os camponeses pobres e para as populações do Sul e das ilhas. Impede assim uma possível articulação do conjunto das classes trabalhadoras. O pacto social, a tentativa da construção da hegemonia burguesa. Pela Constituição italiana, a sociedade está separada de todo vínculo coletivo e reduzida ao seu elemento primordial: o indivíduo-cidadão. É o início da dissolução da sociedade corroída pelos ácidos cáusticos da concorrência. (...) Cada cidadão é um gladiador que vê nos outros, inimigos a abater ou a subordinar a seus interesses. (...) A concorrência é instaurada como fenômeno prático do comércio humano: o indivíduo-cidadão é a célula da nebulosa social, elemento irrequieto e inorgânico que não pode aderir a nenhum organismo. Sobre essa inorganicidade e irrequietude social baseia-se o conceito de soberania da lei, conceito puramente abstrato, escroqueria potencial da boa fé e da

inocência popular.

A, B/II/1919,

LON,

p. 291.

Na realidade

o giolittismo

não

é “nem

uma

fé, nem

um

uma modesta prática de governo (...) é a 'razão de Estado” feita norma suprema “Dietro... (HI), A, 7/11/1919, LON, p. 288.

86.

“La disfatta”,

ON,

18/10/1919,

LON,

p. 251.

Grifo

programa:

é

de governo”.

nosso.

87. Idem. 88. “La sovranitã delle legge”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

1/6/1919, LON,

p. 48. 139

O

Estado

capitalista

está

aqui

bem

caracterizado,

O

elemento

“unificador” da política é a concorrência, é a luta, A cidadania é, nesse tipo

de Estado, o elemento

que

expressa o interesse particular, e por outro lado,

coloca a questão da universalidade. A contradição básica desaparece como forma. O capitalista, o operário, o camponês, são “na política” figuras “iguais”,

Na economia eles não apenas são desiguais, são violentamente desiguais. À violência aberta da economia, está oculta na política. No entanto é o ocultamento, na política, que permite a transformação da “clareza”, da economia, em ocultamento. A economia e a política não são apenas solidárias, mas também mutuamente necessárias. Se no Estado liberal isto funciona como ocultamento, no capitalismo tardio isso não é mais possível. As instituições liberais possuem, nesse último, uma alma, mas não um corpo. O Estado italiano, produzido pela unificação, tem que submeter tudo e todos às suas necessidades. E o faz violentamente: toda região tem sua página de sangue: prova plasticamente evidente da resistência que todas opuseram ao processo de unificação realizado sem a presença de um, princípio universal e profundamente sentido, vivo no ânimo das massas, e que tomasse forma concreta no Estado italiano a não ser um agregado mantido uno por uma força externa (...) Sem ela, o Estado italiano não teria continuado a existir e sequer teria sido concebível.*º

A burguesia italiana unificou o país, mas apenas como território. A unidade política só poderia ter sido realizada, de fato, a partir de uma possibilidade concreta, de um programa que “aproximasse” as classes. O capitalismo tardio italiano só pode criar uma entidade estatal pela submissão quase incondicional: subjugou o campo à cidade industrial e subjugou a Itália central e meridional à Itália do norte. A questão das relações entre cidade e campo apresenta-se no Estado burguês italiano, não apenas como questão das relações entre as grandes cidades industriais e o campo imediatamente vinculado a elas, mas como questão das relações entre uma parte do território nacional e uma outra absolutamente distinta e caracterizada por seus traços particulares.”

Essa separação/dominação realiza, ao nível das regiões, a separação/ dominação entre as classes: “o capitalismo exercia a sua exploração e o seu predomínio: na fábrica, diretamente sobre a classe operária; no Estado, sobre os mais amplos estratos do povo trabalhador italiano formado pelos camponeses pobres e semiproletários”.º! A cidadania inexiste, o poder estatal é opressivo. O presidente do Conselho de Ministros, pela sua primazia nessa estrutura centralizada de poder,

detém o direito de vida e de morte sobre as massas da nação: a massa trabalhadora, vista como ) 89. Un simbolo, ON(d), 90.

Il Congresso

I4/1/1919, SF, p. 46.

di Livorno,

ON(d),

13/1/1921,

SF, p. 40.

91. Idem. 140

GRAMSCI

EM

TURIM

um povo de raça Inferior que se pode governar sem cortesia, como uma colônia africana, O país está submetido a um constante estado de sítio. A qualquer hora do dia ou da noite, uma ordem do ministro do Interior aos chefes de polícia pode pôr em movimento a máquina policialesca. Os agentes são lançados às casas e aos locais de reunião: sem mandado dos juízes, que são passivos, de modo puramente administrativo, a liberdade individual e de domicílio é violada, os cidadãos são presos.

(...) Pela simples ordem de um delegado de polícia, um censor proíbe um escrito, cujo conteúdo sequer entra nas proibições contempladas nos decretos gerais. Por uma simples ordem de um chefe de polícia, os dirigentes de um sindicato são presos, isto é, tenta-se dissolver uma associação.”

Criado se

pela burguesia

industrial, o Estado

privilegia o seu criador:



preocupou

com o desenvolvimento, mesmo doentio, do capital industrial: proteções, prêmios, favores de todo tipo e de toda medida. Os campos foram saqueados, a fertilidade foi esterilizada, as poupanças camponesas tiveram que emigrar. O poder do Estado defendeu selvagemente os cofres fortes: as mortes dos operários explorados nas fábricas e dos camponeses pobres colocados na impossibilidade de poder viver — pela legislação aduaneira que exaure o solo, faz abater as florestas, faz transbordar os rios, — são incontáveis na história italiana contemporânea. O Estado para o desenvolvimento do aparelho industrial, absorve a pequena burguesia dos campos, os intelectuais,

nos

seus organismos

administrativos,

nos jornais,

nas magistraturas;

assim o campo nunca teve um partido político próprio, não exerceu nunca um peso nos negócios públicos* Esse

tema

será

retomado,

mais

tarde,

em

1926,

quando

do

famoso

Alcuni temi della questione meridionale. A questão da decapitação/desorganização das classes subalternas está colocada com todas as letras. E também a questão de como as possíveis lideranças intelectuais do campo acabam atuando na conformação de um bloco no poder. Por ação e por omissão. Da mesma forma está colocada a questão da ausência do partido camponês — o que rigorosamente o Partido Popular não era —, pela vinculação dessas lideranças intelectuais com o bloco do poder. A cidadania inexiste, a cultura política é pobre, as instituições políticas populares são irrelevantes: “Não existindo na Itália o aparelho repressivo às ordens da justiça, o poder parlamentar não existe, a legislação é um engodo: na realidade e no direito só existe um poder, o executivo, existe a Coroa, existe a classe proprietária, que quer ser defendida a qualquer preço”.”' Na ausência de tudo isso, o Estado italiano se configura na ditadura de Giolitti, que 92. “Lo Stato...”, op. cit. p. 406. 93. “Il potere in Italia”, A, 11/2/1920, ON, p. 410. Grifo nosso. Sobre a questão do desenvolvimento do capitalismo italiano e sua relação com o Estado ver: Pietro Grifone, Il capitalismo finanziario in Italia. La politica economica del fascismo; Rodolfo Morandi, Storia della grande industria in Italia; e Rosario

Romeo, Breve Storia della grande industria in Italia e "Aspetti storici dello sviluppo della grande industria in Italia”.

94. “Lo Stato...", op. cit., p. 406. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

141

pela violência mais aberta e a corrupção mais fisiológica, articula a ditadura do capital. Partidos nacionais para quê? Basta o transformismo, a articulação dos grupos regionais comandados por Giolitti. Marcadas pela incapacidade de obter a hegemonia, as instituições aparecem como alma sem corpo. Domina o arbítrio e é vã a palavra lei. O arbítrio prepondera. Não existe hierarquia de poderes. Gramsci afirma: “o “Estado” tornou-se o árbitro supremo dos nossos destinos, da nossa vida elementar, fisiológica, e da vida espiritual superior; o presidente do Conselho de Ministros, com o sistema administrativo que dele depende: a hierarquia dos chefes de polícia, delegados, tiras. Um tira 'vale' hoje politicamente mais que um deputado; o tira é uma parte do poder, o deputado é uma ficção jurídica”. As instituições têm, portanto, pesos distintos: “parte do poder”, o aparelho repressivo, “ficção jurídica”, o aparelho ideológico. Na sociedade capitalista, a idéia de pátria é uma idéia central. Ela marca concretamente um espaço político: o da nação. Essa idéia, cara à burguesia, serve como elemento unificador dos indivíduos em um espaço territorial. A

pátria serve assim para separar o nacional do não-nacional. Mas se em rela-

ção ao exterior ela marca uma separação, no interior ela marca uma integração, um “apagamento” de diferenças. Esse “apagamento” é exatamente a questão central. E é, ele que

Gramsci questiona ao afirmar que “a pátria é o governo, o Estado; (...) é o

poder nas mãos dos capitalistas, é o Estado administrador dos interesses da classe capitalista”.”” Assim definida a pátria, vemos como ela se articula de imediato com a classe dominante, com o seu poder, com o seu Estado. É essa identificação total entre pátria e Estado, entre pátria e classe dominante

que revela plenamente a ditadura burguesa. O Estado italiano não é um tado liderado pela Mas a pátria Apenas em alguns construção de um

burguesia, burguesa lugares a novo tipo

Es-

mas um Estado a seu serviço. não é algo genérico, igual em todas as partes. burguesia conseguiu exercer um papel ativo na de sociedade. Em outros lugares o que há

é a dolorosa história da pequena burguesia, desta classe média que na Inglaterra e na França chegou ao poder do Estado, mas que na Itália e na Rússia não pode desenvolver nenhuma tarefa precisa e foi revolucionária enquanto a classe trabalhadora, débil e desequilibrada, teorizava a dialética da sua função social específica e era, para os intelectuais, dado exterior para construir mitos ideológicos; e essa classe média se converteu à “ordem, tão logo a classe trabalhadora, organizada em unidade social, tornada uma potência, começou a realizar, com métodos e procedimentos próprios, o próprio devir específico, rompendo todo o esquema preestabelecido intelectualisticamente pelas moscas cocheiras da pequena burguesia.” 95. “La sovranitã...”, op. cit., p. 48. Grifo nosso. 96. “La patria e il potere”, A, S/I/1919, 97. “Stato

e sovranitã”, Energie

NM,

p. 482.

Nuove, fevereiro de

1919, NM,

p. 518-519.

Grifo

nosso. Gramsci

usa

muito a metáfora da mosca cocheira para exprimir a situação da pequena burguesia: trata-se de uma figura segundo a qual uma mosca pousando junto a orelha do cavalo julga dirigi-lo com seus gritos. 142

GRAMSCI

EM

TURIM

dade

No pós-guerra as contradições são sobredeterminadas pela incapacido exercício “normal” da política liberal do período anterior. O Estado

“inchou”

tornou-se

na/pela guerra, A pequena sua

funcionária.

O

Estado

burguesia

“apoderou-se” do Estado e

revelou sua essência intima: (...) é o domínio do arbítrio, do capricho, da iresponsabilidade, da desordem imanente, gerador de uma desordem cada vez mais asfixiante. Nos Estados absolutistas existe um único autocrata, depositário da soberania e do poder; no país de Polichinelo os autocratas se multiplicam por geração espontânea: a tribo dos secretários e subsecretários de Estado é um viveiro de poderes autocráticos, cada um dos quais atua por conta própria, faz, desfaz (...) destrói a riqueza nacional. (...) Cada um desses “servidores” do poder executivo transforma a esfera de sua ação em uma satrapia independente das leis gerais, em um Estado no Estado, onde o abuso e a prepotência são a atividade cotidiana, que conduz e dissolve as tradições, a segurança, os interesses considerados legítimos, a hierarquia sentimental e da autoridade, as relações sociais.”

e por isso os cidadãos são reduzidos ao nível de “uma bais da Papuásia.”

tribo de cani-

Até a revolução bolchevique, bem ou mal, existia apenas a pátria burgue-

sa. Agora existe no mundo uma alternativa de pátria, de Estado: da classe trabalhadora. E, por isso, a pátria burguesa está em perigo.'” A nova pátria passa a ter uma profunda influência sobre as massas trabalhadoras italianas. O Estado italiano está em crise, retrato vivo da desagregação do Estado capitalista, um Estado que perde cada vez mais rapidamente as condições de sua realização, em que ninguém comanda, porque uma infinidade de irresponsáveis comandam, no qual ninguém cria, porque os incompetentes dançam em volta dos honorários e sinecuras, onde o amanhã é escuro porque não existe atividade geral organizada que siga retilineamente um caminho conhecido. É o país da desordem, do estado de sítio permanente, ainda que decretos e disposições particulares anunciem, confirmem, repitam, advirtam, assegurem. Existe ainda um Estado? Existem ainda leis gerais? Existe ainda uma hierarquia de autoridade que efetivamente consiga obter

obediência dos subalternos.!"!

O Estado está em crise, não consegue mais “obter a obediência dos subalternos”. Nele as leis — nem mesmo figuradamente — conseguem exercer o seu papel de asseguradoras genéricas da ordem. O Estado em crise significa a ditadura dos burocratas, cada qual no limite do seu poder, da sua posição na hierarquia. 98. “Il paese di Pulcinella”, A, 30/1/1919, NM.

p. 513-4.

99. Idem, p. 513 100. “Está em perigo porque os operários e os camponeses russos afirmaram a sua pátria; a pátria dos operários e dos camponeses, a pátria que é o Estado da classe proletária, que é a ditadura do proletariado que substituiu a ditadura da burguesia”, “La patria e il...”, op. cit. NM, p. 482. 101. “Il paese...”, op. cit. NM, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

p. 514. 143

AS TRANSFORMAÇÕES DA SOCIEDADE Uma grande diferença caracteriza o momento imperialista. Nele, a res alização do velho liberalismo se torna impossível. Mudam as classes, mudam as condições estruturais, altera-se o jogo político, Na fase liberal do processo histórico da classe burguesa e da sociedade dominada pela classe burguesa, a célula elementar do Estado era o proprietário que, na fábrica, subjugou ao seu lucro a classe operária. Na fase liberal o proprietário, ainda era industrial,

estava

na fábrica,

e o operário

não conseguia

liberar a sua consciência

da persuasão da necessidade do proprietário, cuja pessoa se identificava com a do industrial, do gestor responsável pela produção e, portanto, também do seu salário, do seu pão, da sua roupa, do seu teto. Na fase imperialista do processo da classe burguesa, o poder industrial de cada fábrica separa-se dela e centraliza-se em um truste, em um monopólio, em um banco, na burocracia estatal. O poder industrial torna-se irresponsável e, portanto, mais autocrático, mais desapiedado, mais arbitrário; mas o operário, liberado da sugestão do “chefe”, liberado do espírito servil da hierarquia, empurrado também pelas novas condições gerais em

que

a sociedade

se encontra

dependentemente

da nova

conquistas incalculáveis de autonomia e de iniciativa 'º

fase

histórica,

realiza

A mudança nos planos da ideologia e da economia revela uma nova estruturação das classes. Gramsci coloca aqui as condições da passagem da situação de subalternidade à da liberação e da autoconstituição de uma nova ordem. O que permitira em grande parte o projeto burguês como projeto universal era agora impossível. O burguês que perdera a hegemonia no interior da fábrica, torna-se agora mais e mais policial. Liberado da persuasão da necessidade do “chefe”, do proprietário, o operário pode agora colocar a questão do seu poder. A guerra tem nesse processo uma determinação essencial.

“Durante a guerra e pela necessidade da guerra, o Estado italiano assumiu

nas suas funções a regulamentação da produção e da distribuição dos bens materiais. Realizou-se em uma forma de truste da indústria e do comércio, uma forma de concentração dos meios de produção e de troca e um nivelamento das condições de exploração das massas proletárias e semiproletárias”,'* mais: “na guerra e pela guerra o aparelho capitalista do governo econômico e do governo político militarizou-se: a fábrica tornou-se uma caserna, a cidade tornou-se uma caserna, a nação tomou-se uma caserna”.!* O Estado assume a função do capitalista privado. Essa ação estatal realiza um duplo movimento: por um lado aumenta brutalmente a concentração dos meios de produção, nivela as condições de exploração das mas102. “Il consiglio di fabbrica”, ON, 5/6/1920, LON,

p. 534-535. Grifo nosso.

103. “Operai e contadini”, ON,

156.

2/8/1919,

LON,

104. “Gli avvenimenti del 2-3 dicembre”, ON, escrito em conjunto com Togliatti. 144

p.

6 a 13/12/1919,

LON,

p. 62. Grifo nosso. Artigo

GRAMSCI EM

TURIM

sas, cria novas fortunas da noite para o dia, e por outro, demonstra empiricamente a desnecessidade do capitalista privado. O empresário desaparece, permanece o proprietário. Isso significa para a classe burguesa um «ebilitamento importante: o da perda de capacidade de dominação ideológica. E não de uma dominação qualquer, mas da “hegemonia que nasce na fábrica”. O nivelamento das condições de exploração das massas não apenas permite a brutal possibilidade de acumulação nas mãos das classes dominantes bem como generaliza o grau de possibilidade da mobilização das massas camponesas e semiproletárias. A crise do capitalismo internacional é também a crise do capitalismo e do Estado italianos. Desse modo, o Estado italiano e suas instituições se tornam «de imediato ainda mais abertamente reacionários. Se desde o início esse Estado fora incapaz de realizar a hegemonia, agora ele tem apenas uma alternativa: a ditadura aberta. “O capitalismo italiano, em suma, perdeu sua autonomia, perdeu sua liberdade e não pode reconquistá-las. Ao monopólio econômico corresponde um monopólio político e militar.”'“ Esse Estado sequer pode decretar a autonomia do mercado para o capitalista, e mesmo imaginar as liberdades democráticas, pois a “liberdade econômica intema esfaimaria o povo italiano; a liberdade política daria ao povo italiano a possibilidade de organizar-se amplamente, armar-se, potenciar-se e derrubar o Estado. A classe burguesa está presa neste dilema insolúvel do qual não conseguirá sair”.'* A conjuntura, reveladora da indissolubilidade da relação economiapolítica, mostra a fraqueza do Estado de capitalismo tardio. Incapaz de conter as forças burguesas no afã de expandi-las às custas do povo, ou seja, do conjunto das classes subalternas, ele não pode obter o apoio destas últimas. Por outro lado, mesmo no campo da produção, o capitalismo começa a perder terreno. Em perpétuo estado de sítio, o Estado italiano trata sua população como a de um território conquistado. É o reino do arbítrio: é o Estado “dos burocratas incompetentes e irrevogáveis; o Estado dos politiqueiros, dos aventureiros, dos rufiões. Consequência: aumento da força armada policialesca, aumento caótico da burocracia incompetente, tentativa de absorver todos os descontentes da pequena burguesia ávida de ódio; e criação, nesse sentido, de órgãos parasitários ao infinito.”!” Evidentemente essa articulação tem custos. Alguém paga por eles. A própria produção irá sentir os efeitos dessa situação, pois não há como sustentar essa estrutura. Assim, esse processo de desintegração cai, inevitavelmente e sem qualquer possibilidade de êxito, sobre as costas do proletariado, “as horas não-pagas do trabalho operário não 105. “Lo Stato...”, op. cit., p. 106. Idem, p.

106.

107-108.

107. "Lo strumento di lavoro”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

14/2/1920, LON,

p. 416. 145

servem mais para incrementar a riqueza dos capitalistas; servem para acals mar a avidez da infinita multidão de agentes, de funcionários, de ociosos (...), O Estado burguês, que se tornou o gerente do instrumento de trabalho que se decompõe, que está em pedaços, que é hipotecado e será vendido em leilão no mercado internacional de sucata”,'º* incapaz de articular a nação, Os governantes, portanto, para realizar a política dos capitalistas industriais e dos proprietários fundiários, têm que decapitar as classes subalternas, o proletariado e o campesinato. Sua política será garantir a exploração sobre: as classes trabalhadoras, impedir a coordenação entre elas. Realizar a política do capitalista industrial e do proprietário fundiário, eis a raiz, eis “a origem, da crise italiana, a origem da dependência das instituições públicas, a origem da desagregação e da dissolução dos costumes. A forma assumida pelo apa-. relho nacional de produção e de troca não assegura a vida elementar das grandes massas da população, porque está voltada unicamente para assegurar os altos lucros e grandes rendas aos capitalistas, aos proprietários: fundiários e aos banqueiros”.'” Mas esse processo de centralização da vida nacional no Estado é múltiplo. A guerra determinou uma profunda rearticulação das forças sociais. As classes não são mais as mesmas. O Estado ampliou enormemente suas funções: Pela guerra, pela necessidade da guerra, o Estado não se transformou em aprovisionador e distribuidor das matérias-primas para a indústria, segundo um pla-: no preestabelecido, comprador único da produção? Que ocorreu então com a figura econômica do empresário-proprietário, do capitão da indústria, que é indispensável. à produção, que faz florescer a fábrica com seu descortino, com sua iniciativa, com: o estímulo do seu interesse individual? Ele se desvaneceu, se liquefez no processo de desenvolvimento do instrumento de trabalho, no processo de desenvolvimento das relações técnicas e econômicas que constituem as condições de produção e

do trabalho."

Dialeticamente, a guerra serviu à classe burguesa para sua expansão, criou condições novas exigindo a participação do Estado. Essa participação: percorreu o processo produtivo de ponta a ponta, fazendo aquilo que a burguesia não faria. E com isso acabou demonstrando na realidade efetiva a desnecessidade do capitalista. Destruído o mito, a figura do capitalista aparece tal qual é: “Dado que ele não é mais indispensável, dado que suas funções históricas estão atrofiadas, ele se torna um mero agente de polícia, ele põe os seus 'direitos' imediatamente nas mãos do Estado para que este os defenda desapiedadamente”.'! 108. Idem. 109. "Un programa di governo”, A, 30/5/1920, HO,

"Lo strumento...”, op. cit, p. 415.

HI.

Idem.

146

( LON,

p. 530.

GRAMSCI

EM

TURIM

O Estado fião tem mais controle sobre o conjunto dos seus funcionários e cada vez o lerá menos (veremos isso mais adiante). O exército escapa ao controle “a disciplina militar é uma ficção jurídica, também o 'apoliticismo” militar é uma lenda. O exército representa, no regime capitalista, a agressividade potencial da classe que domina o Estado”."'2 As forças armadas no período aberto da crise não têm qualquer veleidade democrática. No período “normal”, a violência é exercida pelos carabineiros e pelas instituições públicas, e no período de violência declarada o exército entra também em cena. No entanto, é importante ressaltar que as instituições civis desempenham um forte papel de repressor/desorganizador das classes. A censura, por exemplo, exerce essa dupla ação: ela “é uma satrapia, não uma função. O censor realiza o desenvolvimento máximo da sociedade democrática: o culto oficial da incompetência e a ausência absoluta de responsabilidade. No fundo, o censor é um documento do esfacelamento da velha ordem”.''* Ou seja, um espelho da decrepitude do Estado. Ele é a confissão da impotência do exercício da hegemonia. A coerção realizada por ele reprime, impede a informação,

e com

isso

tenta

desarticular,

desorganizar

as outras

classes.

E tudo

isso se faz com/sobre o chamado aparelho de supremacia espiritual. A etapa imperialista modifica o conjunto das relações políticas italianas. Sobretudo, modifica as relações de governo. A classe burguesa governa os seus interesses fora do Parlamento; (...) (que) era o organismo em que se resumiam as relações superiores determinadas pela concorrência individual, de grupo, de camada, pelo lucro: dado que o regime da concorrência foi abolido pela fase imperialista do capitalismo mundial, o Parlamento nacional perdeu sua tarefa histórica; a burguesia governa-se nos bancos e nas grandes centrais capitalistas, que resumem os interesses amalgamados e unificados de toda a classe: o governo político apóia-se diretamente nestas coalizões e reduz

suas atividades à polícia, à manutenção da ordem nas ruas e nas praças.'4

Estamos pois em um período revolucionário: nenhuma classe vê, na organização estatal existente, condições de continuar a convivência contraditória. As instituições não dizem nada para ninguém. O Estado burguês entrou então em uma crise formidável que pode fazê-lo despedagar-se. Deveria normalmente tornar-se um Estado liberal, de equilíbrio entre industriais e agricultores; mas para isto o controle da força armada deveria passar das mãos do governo (poder executivo) para as mãos de um poder independente do governo e do parlamento, para as mãos da ordem jurídica tomada poder (..). À classe capitalista quer evitar esta crise, quer evitar que, mesmo por um instante o seu governo possa perder o controle da força armada: a classe operária inomperia para ampliar a brecha e para conquistar revolucionariamente o poder do Estado."'º 112. “Grammantieri 113. “Cronaca”,

ON,

e Chiarla”, A, 21/1/1919, 31/5/1919,

114. “Lunitã proletaria”, ON,

LON,

NM,

p. SOI.

p. 46-47.

28/2 a 6/3/1920,

LON.

p. 440.

LIS. “Il lanzo...”, op. cit, p. 423-424. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

147

Neste Estado que mantém do liberalismo apenas uma pálida aparéncia, a crise não é apenas política e nacional. Ela é uma crise econômico-política e se circunscreve na crise geral do sistema capitalista. A crise italiana não pode ser resolvida nacionalmente: o Estado italiano não resistirá à crise. Nas condições em que está reduzido atualmente, a crise o despedaçará. Mas a classe operária não se preocupa com o fato de que o Estado burguês caminhe para o despedaçamento; pelo contrário, contribui para isso com toda a sua força. A classe operária se preocupa com o fenômeno por outra razão: porque compreende que está por chegar a sua hora histórica, grávida de responsabilidades. A classe dos industriais é impotente para evitar que o partido político dos camponeses se apodere do Estado e da indústria e submeta um e outro à cobiça dos grandes e médios proprietários fundiários; a classe dos industriais é impotente para evitar que a indústria seja destruída, que o Estado dos camponeses ricos sacrifique a produção industrial para liberar-se dos débitos com o exterior, que o Partido popular reduza a Itália a uma esfera de influência do capitalismo estrangeiro, a um, país de camponeses que se abastecem diretamente no exterior de produtos industriais e manufaturados. Mas, os operários se preocupam com o problema pelos seus interesses vitais de classe, não pelos interesses econômicos e políticos dos industriais, porque sua classe seria destruída, porque sua função histórica de progresso civil seria

aniquilada, com o aniquilamento da indústria."

A crise do capitalismo gera, portanto, uma situação nova: a da dualidade do poder. A crescente militarização do Estado burguês corresponde ao avanço da força operária que se traduz nas greves, nas agitações, no medo dos governantes, nas convulsões dos funcionários governamentais, na trepidação dos capitalistas (...). O poder da classe operária poderia amanhã, mesmo hoje, encarnar-se em um sistema de conselhos, se para isso bastasse o entusiasmo revolucionário do proletariado. (...) A luta entre os dois poderes se funda hoje sobre a força armada e organizada. O Estado burguês vive apenas porque possui um centro de coordenação de força militar, e porque possui

ainda a liberdade de iniciativa: ele está em condições de fazer manobrar as suas tropas e de concentrá-las nos focos revolucionários para sufocá-los imediatamente em uma torrente de sangue.!”

O momento revolucionário que a Itália atravessa se caracteriza pela incapacidade das instituições estatais de conseguirem ter um papel ativo no governo das massas humanas. A crença na validade dessas instituições é condição necessária para que as classes dominantes possam integrar as classes dominadas no seu programa. A fase imperialista, ao liquidar a figura do capitalista, indivíduo-base da economia, segundo o pensamento liberal, liquida também, na prática, a idéia da absoluta liberdade individual na produção. A realidade agora é de monopolização e de centralização; ainda que ideologicamente se mantenha a figura da livre-concorrência. 116. “Il potere...”, op. cit., p. 41 1-412. 117. “Il problema della forza”, A, 26/3/1920,

148

LON,

p. 473.

GRAMSCI EM TURIM

No plano da política, o parlamentar é a figura correspondente ao empresário no início do capitalismo. Se o empresário era um egoísta em luta contra todos para impor a sua presença econômica, o parlamentar era também um egoísta lutando para impor a sua ação. O Parlamento era assim a arena onde os interesses políticos se chocavam e os partidos eram vistos como agregadores de interesses. O parlamentar e o empresário eram pois almas-gêmeas: a glorificação do individualismo. O crescente esvaziamento da “soberania” popular leva o Estado à militarização como forma de garantir a preservação do status quo. O governo cria um verdadeiro exército, a Guardia regia,"* inteiramente sob o controle do ministro do Interior. O Parlamento se cala, sequer toca no assunto. Ao menos os parlamentares socialistas deveriam combater essa política militarizada. “O Parlamento deve exigir contas ao governo desta sua atividade, para obrigá-lo, pelo menos, a desmascarar as suas intenções, para demonstrar, com evidência luminosa, como funciona a ditadura burguesa, que se ri das leis básicas, que dirige todo o aparelho administrativo e todos os meios financeiros a um único fim: defender-se contra a maioria da população, de quem se pretende representação suprema e soberana”.''º Por que os deputados socialistas não questionaram o governo? Porque a crise do Estado liberal e de suas instituições afeta também a classe operária e suas instituições. Os dirigentes das instituições operárias protestam contra os acontecimentos que se desenrolam, consideram-nos irracionais e caóticos (...). A verdade é que também a classe operária se governa fora dos sindicatos, se governa na fábrica, nos seus locais de trabalho, e se não conseguiu ainda criar para si um organismo próprio de govemo, se faltam no seu seio os indivíduos capazes de expressar com clareza e precisão o tumulto de sentimentos e de paixões que agita a comunidade trabalhadora, os indivíduos capazes de encontrar uma sisternatização para este tumulto, então a massa se faz governar por chefes improvisados, por qualquer um dos tantos Masanielos que correm às ruas e às praças em busca de emoções fortes e de belas aventuras

revolucionárias. !**

AS CLASSES EM PRESENÇA Nessa realidade complexa, as contradições entre operários e capitalistas são marcadas, reforçadas, ocultadas e ao mesmo tempo clarificadas pela presença dos grupos camponeses. Assim, por exemplo, os camponeses “apa118. Criada por Francesco Saverio Nítti a Guardia Regia era uma tropa de elite, composta por 25 mil homens, inicialmente, para reforçar uma polícia e um exército em que o primeiro-ministro não confiava. Sobre a Guardia Regia ver o artigo de Lorenzo Donati, “La Guardia Regia”, in Storia Contemporanea. 119. “Il problema...”,

op. cit., p. 475-476.

120. "Lunitã...”, op. cit., p. 440. Tomaso Masanielo (1620-1647) chefiou a rebelião contra os impostos em Nápoles (1647). Chegou a dominar toda a cidade e ser reconhecido como vice-rei de Carlos V. Foi assassinado pelos seus próprios amigos. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

149

recem” unificados no Partido Popular, Esse partido encobre realidades tão distintas quanto o camponês rico, o camponês sem-terra, o foreiro, o meeiro, etc., cada um dos quais com problemas distintos. Do lado dos industriais, as diferentes categorias apresentam suas contradições. O mesmo vale para as forças operárias e seu partido. Nesse cerco do campo à cidade, nessa luta do grande proprietário fundiário contra a indústria, poderia a luta dos operários parecer mais eficaz se estivessem colocados ao lado dos industriais em uma típica postura colaboracionista? Seria ela possível? Para responder a esta questão é necessário colocar agora a questão das classes italianas. Os grandes proprietários são parte integrante do aparelho de governo econômico que toma forma nas altas finanças; a renda fundiária está ligada estreitamente ao lucro capitalista: o país vai se esfacelando precisamente por este fenômeno. Na Itália a agricultura, ainda majoritariamente extensiva centralizando-se em um organismo unitário com a grande produção industrial monopolizada, não pode senão determinar um contínuo aumento de preço da vida. A agricultura sem máquinas, sem divisão do trabalho, sem implementos para a irrigação, equipara a sua renda ao lucro capitalista, destilado pelo trabalho do operário que trabalha na fábrica mecânica nas condições da mais alta produtividade e do maior rendimento."

Definido assim o bloco do poder, pela equiparação entre a renda da terra e o lucro capitalista, fica também definido o bloco das classes subalternas: o proletariado e o campesinato. A pequena burguesia, que no século passado atuara tanto na produ-

ção quanto na política, pelo desenvolvimento do capitalismo na Itália, fora expulsa desses dois campos. Sua forma e sua atuação foram redefinidas. “O processo de esfacelamento da pequena burguesia começa no ultimo decênio do século passado. (...) perde todas as funções vitais no campo da produção, com o desenvolvimento da grande indústria e do capital financeiro: torna-se pura classe política e especializa-se no cretinismo parlamentar.”'2 Na preparação e na realização da guerra ela acentua esse papel. São então “de fato a barreira de humanidade corrupta, dissoluta, putrefata, com que o capitalismo defende o seu poder econômico e político: humanidade servil, abjeta, humanidade de sicários e lacaios, tornada hoje a “serva patroa” que quer retirar da produção rendimentos não apenas superiores aos da massa dos salários percebidos pela classe trabalhadora, mas aos próprios rendimentos retirados pelos capitalistas”.'* Ela será a massa do fascismo. A massa que atacará o conjunto das classes rabehaichaa: 121. “Un programa...”, op. cit., p. 529. Grifo nosso. 122. “Il popolo delle scimmie”, Ordine Nuovo diário [ON(d)], 2/1/1921, Socialismo e Fascismo (SF), p. 9. Grifo nosso. 123. Gli avvenimenti..., op. cit., p. 350. 150

GRAMSCI

EM

TURIM

Quanto ao camponês pobre, se antes da guerra ele aparecia como um “saco de batatas” — na expressão de Marx —, desorganizado em relação a si mesmo, incapaz de se perceber a si mesmo como coletividade — o que é fundamental para se identificar como classe — agora, na guerra e pela guerra, a situação mudou. Se antes da guerra o camponês parecia destinado a ser “átomo independente de um tumulto caótico, freado apenas pelo medo dos carabineiros e do diabo”,'*! capaz da mais feroz disciplina privada, ele que “viveu sempre fora do domínio da lei, sem personalidade jurídica”, '* sempre permanentemente entregue à exploração dos latifundiários e dos funcionários corruptos e do proprietário da terra, rebenta, na luta de classes, em ações que se confundiam “com o banditismo, a extorsão, o incêndio dos bosques, o massacre do gado, o rapto de crianças e mulheres, o assalto às chefaturas de polícia”,'* formas de um terrorismo elementar, incapaz objetivamente de garantir uma continuidade e uma eficácia nas relações sociais. A guerra tinha colocado lado a lado, nas trincheiras, operários e camponeses. Ela sobredeterminará essas contradições, pelo efeito da disciplina militar, que, bem ou mal, dera um sentido de organização, rompera a visão trazida da aldeia. Na guerra e pela guerra essas massas ganharam uma nova disciplina,

uma nova forma de ser.

A classe operária, classe subalterna fundamental, aparece desde sempre como passível de organização e de disciplina. Realidade política e econômica, essa disciplina cria, por um lado, o assalariado e, por outro, o cidadão. E é como cidadão livre que ele se torna assalariado. “Na esfera da atividade geral capitalista, também o trabalhador age sobre o plano da livre-concorrência, ele é um indivíduo-cidadão”.'” Esse individuo-cidadão é determinado estruturalmente pelo capitalismo, ele é basicamente assalariado-organizado. Se no plano da política aparece como átomo com grande margem de liberdade e de individualidade, no plano da economia, aparece como peça de engrenagem. Concretiza-se nele “um tipo de humanidade historicamente original e novo: o operário de fábrica, (...) o proletário que vive a vida da fábrica, a vida da produção intensa e metódica”.'* Não podendo deixar de trabalhar e de trabalhar disciplinadamente, segundo o ritmo das máquinas, o operário converte-se na “maior máquina da produção industrial”, '” Criador e criatura desse processo político de produção de riquezas e de sua distribuição, o proletário vê, por esse próprio processo, ser criada uma 124.

» op. cit,

p.

I57.

125. Idem. 126.

Idem.

127. "La conquista dello Stato”,

12/7/1919, LON,

128. "Loperaio di fabbrica”, ON,

21/2/1920,

p. 127.

L'ON, p. 432.

129. Idem, p. 433. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

151

íntima solidariedade de classe, “aquele corpo de sentimentos, de instintos, de pensamentos, de costumes, de hábito, de afetos".'” A crescente especialização torna de imediato necessária a indispensabilidade dos demais. O trabas lho operário é coletivo por definição. O mundo passa agora a ser percebido como uma imensa fábrica na sua organização, no seu ritmo. O processo tem, no entanto, uma contrapartida decorrente do fato de o operário desempenhar funções de execução, não necessariamente conhecer, ou melhor quase nunca, o processo geral da produção: ele não é senão uma peça, e tudo se passa regido por uma vontade exterior à dele. Essa vontade, disciplinadora e exterior, acaba por limitar muito rapidamente a vontade dos operários, que se reduz à de um executor: “O operário tende a trazer esse seu modo de ser para todos os ambientes da sua vida, contenta-se facilmente, em todos os lugares, ao ofício de executor material, de “massa” guiada por uma vontade estranha à sua: é preguiçoso intelectualmente, não sabe e não quer prever para além do imediato”. Contraditoriamente organizado na estrutura social, ele tem a sua via marcada pela exterioridade do comando, mas pela dialética da produção tem a possibilidade, sempre negada aos camponeses, da reunião, da disciplina.

Alfa e ômega

de sua existência, o trabalho, a sua negação cotidiana e sua

possibilidade de afirmação pela destruição de uma forma de produção — e de tudo que a torna possível —, e pela construção de uma nova forma de produção — e de tudo que a torna possível. Durante a guerra o Estado ampliara enormemente sua esfera de influência; tornara-se o coordenador de toda a economia e sua ação acabara por esvaziar a mitológica figura do empresário, do capitão de indústria, cuja figura era necessária e indispensável à produção. Essa figura “se desvaneceu, se liquefez no processo de desenvolvimento do instrumento de trabalho, no processo de desenvolvimento das relações técnicas e econômicas que constituem as condições de produção e do trabalho”.'* Mudaram

as classes,

mudou

o Estado.

Este

não

pode

contar

mais

com

a eficácia da permanente concorrência entre os cidadãos. O indivíduo-cidadão base do “conceito de soberania da lei, conceito puramente abstrato, escroqueria potencial da boa-fé e da inocência popular” deixa de ser o “elemento irrequieto e inorgânico que não pode aderir a nenhum organismo”.'* 130. Idem.

131. “Il partito comunista (1)*, 4/9/1920, LON, p. 655. 132. “Lo strumento

di lavoro”, ON,

14/2/1920, ON,

p 415.

133. “La sovranitã delle legge”, ON, 1/6/1919, ON, p. 49. “A constituição — ficção jurídica da soberania imparcial e superior da lei votada pelos representantes do povo — foi na realidade o início da ditadura da classe possuidora, a conquista 'legal' do poder supremo do Estado. A propriedade privada tornou-se 152

GRAMSCI EM

TURIM

A guerra que servira à classe burguesa criara novas condições para a intervenção do Estado, Graças a essa intervenção do Estado fica demonstrada a desnecessidade empírica da figura do capitalista, já que “ele não é mais indispensável, (...) suas funções históricas estão atrofiadas, torna-se um mero agente de polícia [e] põe os seus “direitos! imediatamente nas mãos do Estado para que este os defenda desapiedadamente”.'*! O momento é revolucionário. A guerra preparara esse momento. Se antes da guerra o camponês era um elemento isolado de toda a vida nacional, depois da guerra ele é um participante da política. Mas essa inserção se faz no quadro da crise que toda a economia está vivendo. E isso coloca a questão da aliança operário-camponesa. A destruição do gado impõe a introdução de máquinas, impõe uma rápida passagem à cultura industrial centralizada (...). Mas uma tal transformação não pode ocorrer no regime da propriedade privada sem determinar um desastre (...). A introdução das máquinas no processo de produção sempre suscitou profundas crises de desemprego, superadas apenas lentamente pela elasticidade do mercado de trabalho. Hoje as condições de trabalho estão radicalmente perturbadas (...) a transformação industrial só pode ocorrer com o consentimento dos camponeses pobres através de uma ditadura do proletariado que se encarne nos conselhos de operários industriais e de camponeses pobres.'*

Embora os proletários sejam os protagonistas da revolução, com eles apenas sua realização será problemática: “é necessário ligar a cidade ao campo, suscitar no campo instituições de camponeses pobres sobre os quais o Estado socialista possa fundar-se e desenvolver-se, através das quais seja possível ao Estado socialista promover a introdução das máquinas e determinar o grandioso processo de transformação da economia agrária”,"“ ou seja, é preciso que os operários e os camponeses se aliem para realizar a transformação do Estado. A separação cidade-campo tornou possível a dominação da burguesia italiana: a unidade cidade-campo tornará possível o Estado proletário na Itália.

No biennio rosso a luta camponesa, em especial no Sul, é extremamente

forte. O PS pouca importância concede a ela. E, no entanto, ela é uma luta vital para o proletariado. A aliança operário-camponesa passa pela criação dos conselhos camponeses como órgãos de controle da produção. “Este organismo de controle, o conselho dos camponeses, mesmo deixando subsistir as formas médias de apropriação (pequena propriedade), fará obra de coeinstituição fundamental do Estado, garantida e tutelada tanto contra os arbítrios do soberano quanto contra as invasões dos camponeses expropriados. Com a Constituição, se tolhe ao rei qualquer poder de intervir na regulamentação das questões da propriedade privada”, idem, p. 48-49. 134.

“Lo

strumento.

135. “Operai

op. cit, p. 415.

e...”, op. cit., p. 159.

136. Idem, p. 161. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

153

são e de transformação psicológica e técnica, será a base da vida comum nos campos, o centro através do qual os elementos revolucionários poderão fazer valer de modo contínuo e concreto a sua vontade”, !” O levante camponês de Andria coloca mais claramente a questão meridional que os socialistas têm que resolver: o da conquista da terra por quem nela trabalha, conquista que “se prepara hoje com as mesmas armas com as quais os operários preparam a conquista da fábrica, isto é, formando os organismos que permitam à massa que trabalha autogovernar-se no seu local de trabalho”.'* A questão da terra coloca concretamente os termos da aliança operário-camponesa: “O controle da fábrica e a conquista da terra devem ser um único problema. Norte e Sul devem realizar em conjunto o mesmo trabalho, preparar em conjunto a transformação da nação em comunidade produtiva, Deve ficar cada vez mais claro que somente os trabalhadores têm hoje condições de resolver e de modo “unitário' o problema do Sul”.'*

A questão da terra, coincide

na Itália, com

a formação

do Estado

nacional e deixada sem solução desde então. A forma pela qual se deu o Rissorgimento acabou por ser a de um equilíbrio entre as diversas classes dominantes dos antigos “Estados” peninsulares. A situação do Sul e das ilhas não é ocasional. A reforma agrária é, portanto, a pedra de toque de todo o aparelho estatal. A questão meridional só poderá ser resolvida através de uma transformação radical da produção e do Estado. Realizar a solução da questão meridional significa integrar e unir realmente toda a nação. E isso só será possível contra a burguesia, contra a propriedade fundiária e contra todo o monopólio industrial-financeiro-comercial. Só será possível pelo controle operário-camponês sobre a produção. Esse controle ao nascer na “ordem inerente ao processo técnico de produção e de troca, não poderá deixar de ser obrigado a eliminar do domínio histórico os parasitas, quantos vivam não para a produção mas da produção; não para o trabalho manual e intelectual”. !º Isto equivale dizer que novas formas de produção, de sua organização e de sua gestão são necessárias: “As formas em que deve funcionar o governo da produção comunista são determinadas pelo modo de produção, pelo grau de desenvolvimento técnico do trabalho e do aparelho de produção, e deverão eliminar o desperdício das pequenas empresas e da multiplicidade das funções burocráticas e disciplinares”. A questão da aliança 137. “Gli avvenimenti...”, op. cit., p. 356. 138. Idem. 139. Idem, 140. “Azione 141. Idem, 154

p. 357. positiva”, ON,

6 a 13/12/1919,

LON,

p. 346.

p. 345. GRAMSCI

EM

TURIM

de classes é central; [E é a conquista da terra pelos que nela trabalham que pode dar aos socialistas a possibilidade de fundir os interesses das classes trabalhadoras, Os políticos burgueses querem “resolver” a questão agrária entregando aos camponeses pobres as terras incultas e malcultivadas. Essa tese, que recebe o apoio de deputados socialistas, tem a consequência prática de afastar a questão da propriedade privada da terra, base do poder dos setores agráros. E, além disso, não resolve o problema. Como deve ser entendida a palavra de ordem “terra para os camponeses”, tese contrária à anterior? Ela significa “que as empresas agrícolas e as fazendas modernas devem ser controladas pelos operários agrícolas organizados por empresa agrícola ou fazenda (...) que as terras com cultura extensiva devem ser administradas pelos conselhos de camponeses pobres das

aldeias e dos vilarejos rurais”,2

Se é assim, a entrega das terras incultas ou malcultivadas aos camponeses, além de ser contrária aos interesses destes, é acima de tudo anti-revolucionária: O que obtém um camponês invadindo uma terra inculta ou malcultivada? Ser máquinas, sem uma habitação no local de trabalho, sem crédito para esperar o tempo da colheita, sem instituições cooperativas que adquiram a própria colheita sem antes pendurar-se no mais forte arbusto da mata, ou na mais tísica figueira selvagem, da terra inculta!) e o salvem das garras dos usurários, que pode um camponês pobre com a invasão? Ele satisfaz, de imediato, os seus instintos de proprietário, sacia a sua primitiva avidez de terra, mas depois, quando percebe que os braços não bastam para romper a terra que só a dinamite pode abrir, quando percebe que são necessárias sementes, adubos e instrumentos de trabalho, e pensa que ninguém lhe dará todas essas coisas indispensáveis, e pensa na futura série de dias e de noites a passar em

uma

terra sem

casa,

sem água,

com

do oportunismo

dos

malária,

o

camponês sente a sua impotência, a sua solidão, a sua desesperada condição e torna-se um bandido, não um revolucionário, e sim um assassino para os 'senhores', e não um combatente pelo comunismo."

Independente

da agitação maximalista,

reformis-

tas e da direita clássica, esse plano de “reforma agrária” tende ao fracasso. Primeiro, por permitir à burguesia agrária libertar-se do peso dos proprietários não-capitalistas sem correr o risco de pôr a instituição da propriedade privada em questão. Produz-se então um deslocamento político e ideológico fundamental, pois, afinal, apenas as terras incultas ou malcultivadas são tocadas. Depois, porque obviamente não se mexe na pedra de toque: o monopólio financeiro. A liberação daquelas terras acabaria por ter uma contramarcha: acabariam por passar das mãos dos camponeses pobres ao bloco financeiro, via hipotecas. Ou seja, retornariam aos membros do bloco do poder. 142. “Operai e contadi 143. Idem,

p. 376-377.

EDMUNDO

FERNANDES

ON,

3/1/1920, LON,

p. 376.

Grifo nosso. DIAS

155

Acenar com a possibilidade de fácil acesso à lerra nada mais é do que. uma ação reformista, oportunista, contra-revolucionária, Ela é produto do: cretinismo parlamentar: a ação parlamentar poderia ter sido útil: poderia ter servido para informar todos os operários e todos os camponeses dos termos exatos do problema industrial e agf cola e dos meios necessários e suficientes para resolvê-los. Teria podido servir pan dar conhecimento à grande massa dos camponeses de toda a Itália que a solução: do problema agrícola só pode ser realizada pelos operários urbanos da Itália seten

trional, (...) pela ditadura proletária. !*

acesso Ambos

A alternativa para os camponeses pobres não pode ser a ilusão do à pior terra. Ela deve ser procurada na articulação com os operários, necessitam objetivamente um do outro:

o proletário nortista, emancipando-se a si mesmo da escravidão capitalista, emancipará as massas camponesas sulistas submetidas aos bancos e ao industrialismo pas rasitário do Norte. A regeneração econômica e política dos camponeses não deve ser - procurada em uma divisão de terras incultas ou malcultivadas, mas na solidariedade: do proletariado industrial, que tem necessidade, por seu turno, da solidariedade dos camponeses, que tem “interesse” em que o capitalista não renasça economicamente da propriedade fundiária, e tem interesse em que a Itália do Sul e das ilhas não se torne uma base militar da contra-revolução capitalista. Impondo o controle operário sobre a indústria, o proletariado dirigirá a indústria para a produção de máqui agrícolas, de roupas e de calçados, de luz elétrica para os camponeses, impedi que a indústria e os bancos explorem os camponeses e os subjuguem como escras vos dos cofres-fortes. Despedaçando a autocracia nas fábricas, despedaçando o opressivo aparelho do Estado capitalista, instaurando o Estado operário que submete capitalistas à lei do trabalho útil, os operários despedaçarão todas as cadeias que mantêm os camponeses acorrentados à sua miséria, ao seu desespero. Instaurando a, ditadura proletária, tendo nas mãos as indústrias e os bancos, o proletariado dirigi o enorme poder da organização estatal para sustentar os camponeses na sua lut; contra os proprietários, contra a natureza e contra a miséria, dará crédito aos cam». poneses, instituirá cooperativas, garantirá a segurança pessoal e dos bens contra os. saqueadores, fará as obras públicas de saneamento e irtigação. Fará tudo isto porque é do seu interesse ter e conservar a solidariedade das massas camponesas, porque é do seu interesse dirigir a produção industrial para o trabalho útil de paz e de. fraternidade

entre cidade

e campo,

entre Norte e Sul.“

No entanto, é preciso ter clareza de que a obra de educação política das massas é fundamental. É preciso “unificar os sentimentos e as aspirações das grandes massas na compreensão do programa comunista, difundir incessantemente a persuasão de que os atuais problemas da economia industrial e agrícola só podem ser resolvidos fora do Parlamento, contra o Parlamento, pelo Estado operário”.'* Nessa linha de análise, fica mais clara ainda a recusa da linha de colaboracionismo:

144. Idem, p. 377. 145. Idem, p. 377-378. 146. Idem, p. 378. 156

GRAMSCI EM TURIM

Colaborande com a burguesta, a classe operária retardaria o processo revolucionário que se desenvolve na situação italiana e que deve culminar na ruptura em dois troncos do Partido Popular, na violenta irrupção da luta de classes no campo: ainda por algum tempo, os camponeses pobres se alinharão nas mesmas fileiras dos proprietários, para não serem destroçados pela cidade, pela indústria flibusteira. A classe operária (...) é a única que tende realmente a “salvar a pátria” e a evitar a catástrofe industrial: mas,

para a realização desta sua missão quer “todo” o poder.!*?

Pois com esse poder, através dos conselhos de fábricas e do controle operário poderá aniquilar os inimigos da produção e da liberdade: os capitalistas e os proprietários fundiários. Para tanto, a classe operária precisa liquidar a falsa unidade camponesa que os populares dizem ser. É necessário subtrair os camponeses pobres, os meeiros, os foreiros, etc., da dominação político-ideológica burguesa. Travar a luta nas fábricas e nos campos, fazer a unidade revolucionária operáriocamponesa, eis a única possibilidade de construir o futuro Estado proletário: a cidadania dos produtores.

A QUESTÃO DO ESTADO E OS ANARQUISTAS A unidade político-ideológica da classe operária é algo a ser construído nesse processo. Essa unificação não é algo preexistente. Mesmo no interior da classe politicamente mais organizada, as diferenciações ocorrem. E é exatamente na atividade diária do movimento consiliar que se coloca o enfrentamento com a tendência anarquista. Os anarquistas, ativos militantes do movimento, se contrapõem à visão socialista. E a questão do Estado ganha no interior de L'Ordine Nuovo uma maior intensidade. É na resposta aos anarquistas For Ever e Petri que Gramsci irá, ainda uma vez, desenvolver a sua concepção de Estado. Porque “se realiza na Internacional proletária”,'* o comunismo é contra as economias nacionais baseadas na propriedade privada, e contra os Estados que as sustentam. Mas a supressão dos Estados capitalistas não implica o desaparecimento de toda e qualquer forma estatal. Na realidade, o Estado é uma “forma concreta da sociedade”, mas não de uma sociedade genérica, pois a sociedade é sempre “um sistema e um equilíbrio de institui-

ções concretas nas quais a sociedade adquire consciência do seu existir e do seu desenvolver,

e pelas quais, sobretudo,

existem

e se desenvolvem”.'º

Com a revolução proletária, a idéia socialista deixou de ser um mito para

ser uma 147.

realidade concreta, e cria-se um

“Il potere

in Italia”,

A,

11/2/1920,

Estado socialista. Esse Estado está se

p. 412.

148. “Lo stato...”, op. cit, p. LIS. 149.

Idem.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

157

construindo de tal modo que se poderá conjugar com outros Estados socialiss tas na Internacional. É nesse sentido que os comunistas não apenas são favoráveis ao Estado, como combatem os que pretendem lutar contra ele. O socialismo não conduz à anarquia. “Na dialética das idéias, a anarquia continua o liberalismo e não o socialismo; na dialética da história, a anarquia é expulsa do campo da realidade social junto com o liberalismo”.'” A res volução industrial, com sua colossal concentração humana liquida a idéia. libertária, que é majoritária onde predomina o artesanato e o “feudalismo. fundiário”. Mas... a guerra não trouxe consigo um aumento numérico dos anar. quistas? O fenômeno, diz Gramsci é regressivo, pois para as “cidades emigraram

elementos

novos,

sem

cultura política, não

adestrados

à luta de classes

na

forma complexa que esta assumiu com a grande indústria”.'! A revolução será feita pelas massas operárias disciplinadas e organizadas e não pelos libertários.

A luta contra o Estado não é uma tradição socialista e sim liberal. Os

burgueses

sempre

viram

o Estado

com

desconfiança:

“A história

política do

capitalismo é caracterizada por uma contínua e furiosa luta entre o cidadão e!

o Estado. O parlamento é o órgão dessa luta: e o parlamento tende precisas mente a absorver todas as funções do Estado, isto é, a suprimi-lo, esvaziandoo de todo poder efetivo”.'? Apesar disso, o Estado, é um órgão da concorrência e só poderá desaparecer com o desaparecimento desta. “A ditadura do pro-. letariado ainda é um Estado nacional e um Estado de classes. Os termos da : concorrência e da luta de classes foram deslocados, mas a concorrência e as classes subsistem”.'“* Esquecer isso, pensar que a concorrência entre o Estado socialista e os Estados capitalistas está superada é um erro perigoso. A decomposição dos Estados capitalistas cria uma imensa desordem e é sobre ela que deverá se exercer a ditadura do proletariado. Logo, a construção de um sólido Estado socialista é condição de sobrevivência da revolução. Ele “deve

resolver os mesmos problemas do Estado burguês: de defesa externa e inter-

na.”!t Isto porque os resíduos de dissolução do Estado capitalista gerarão imensas tensões internamente e, externamente, imensas ameaças. “Devemos, hoje, refazer a educação do proletariado: habituá-lo à idéia de que para suprimir o Estado na Internacional é necessário um tipo de Estado adequado à realização deste fim (...). Isto significa adestrar o proletariado ao exercício da ditadura, do autogoverno”.'* O proletariado não educado 150. Idem,

p.

116.

152. Idem, p.

117.

151. Idem.

153. Idem. Grifo nosso. 154. Idem. 155. Idem, p. 158

118. Grifo nosso. GRAMSCI EM

TURIM

politicamente correrá o risco de desesperar-se diante das imensas dificuldades que terá de enfrentar, À liquidação do capitalismo e a construção da Internacional requer um cidadão diferente do cidadão do Estado capitalista: pela sua natureza “o Estado socialista exige uma lealdade e uma disciplina diversas e opostas àquelas que o Estado burguês, que é tanto mais forte interna e externamente quanto menos os cidadãos controlem e sigam a atividade dos poderes, o Estado socialista exige a participação ativa e permanente dos companheiros na vida das suas instituições”.!'* Essa participação é tão mais necessária quanto maior for o número de resíduos antiestatais que o capitalismo deixará, resíduos esses que servirão de desculpa para a irresponsabilidade de muitos indivíduos na nova sociedade. O Estado é então instrumento fundamental para qualquer forma de articulação política. É uma articulação complexa de aparelhos. No capitalismo este Estado desempenha múltiplas tarefas: Existe um aparelho de forças materiais e econômicas, com o qual a classe capitalista tem submetido o proletariado: é o Estado policialesco que do governo central se derrama

em

uma

hierarquia de chefes

de polícia, tiras, oficiais de carabineiros;

em

uma hierarquia militar que do estado-maior chega ao soldado enquadrado na sua disciplina; é o Estado econômico capitalista que do governo se derrama em uma hierarquia de trustes bancários e industriais até os diretores das fábricas e os menores agentes da polícia do trabalho. Através desse aparelho, a classe dos exploradores determina aos operários e camponeses o alimento para sustentar-se, o tempo a dedicar ao repouso e à educação, a liberdade política, o direito à vida e o respeito pelos cadáveres. Ao lado deste aparelho de supremacia física e econômica, existe um aparelho de supremacia espiritual: é a imprensa (jornal e revistas)?

Não é, portanto, apenas um instrumento de dominação. No embate ideológico com os anarquistas, no seio do movimento consiliar, Gramsci nega a existência de uma doutrina anarquista. O que existe são idéias capazes de atuar como elemento catalisador do mal-estar social: “A “doutrina” anarquista vale para todos os tempos e todos os lugares, ela é baseada sobre a 'natureza' humana, que deveria ser governada por leis fixas e imutáveis”.'8 As críticas anarquistas ao Estado como algo necessariamente mau, a liberdade como algo até hoje inexistente, demonstram a radical ahistoricidade do anarquismo. Já os socialistas reivindicam a historicidade das instituições, e então vêem de modo radicalmente distinto as questões da liberdade e do Estado. “Na convivência humana, como relação entre indivíduos, a liberdade é um equilíbrio de forças e se concretizam em uma organização, uma or156.

Idem,

p.

119.

157, “Una lezioni agli operai”, A, 8/12/1919, LON, 158, “Socialisti e anarchici”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

20 a 27/9/1919,

p. 359. Grifo nosso. LON,

p. 215. 159

dem”.'” Se assim é, a liberdade não pode ser pensada como categoria exters na às lutas de classe. Existe liberdade sob o capitalismo? Sim. Só que liberda-

de nesse regime é apenas liberdade política, “porque relação entre indivídu-

os, entre cidadãos e não entre comunidades de produtores, entre associações, como será no regime comunista”, 'º O Estado é tomado pelos anarquistas abstratamente. Enquanto isso, para os socialistas, ele é concretamente considerado de dois pontos de vista: como poder político e como aparelho de produção e de troca. Como princípio industrial de organização da economia de um país, o Estado deve: ser conservado e desenvolvido; como todos os instrumentos de produção e de troca que o capitalismo deixará para o proletariado devem ser conservados e desenvolvidos para conservar e ampliar o bem-estar comum. Se a centralização é exigida pela necessidade da produção industrial, ela deve ser mantida e desenvolvida até tornar-se mundial; seria louco e criminoso destruir um instrumento de produção, sobre cuja existência se funda o bem-estar e mesmo a elementar possibilidade de. vida das populações do mundo.'*

Mesmo como aparelho político, o Estado não poderá desaparecer enquanto existam as classes e, para isso é necessário que a classe trabalhadora consiga “através do Estado político (ou ditadura) (...) dominar e possuir realmente o aparelho nacional de produção e, fazer dele a condição permanente de sua liberdade.”'? Para os socialistas não faz, portanto, o menor sentido a pregação anarquista. Pelo contrário: os socialistas vêem neles adversários perigosos e os combatem, quando eles “se revelam instrumentos inconscientes da força capitalista”. !* Durante a greve dos ponteiros, os anarquistas pôem-se contra a orien-

tação socialista na luta travada pelos conselhos de fábrica. Contra as acusa-

ções genéricas política:

dos

anarquistas,

Gramsci

continua

a sua

luta de

educação

O anarquismo não é uma concepção que seja própria da classe operária e somente da classe operária: eis a razão do permanente “triunfo”, da permanente “razão” dos anarquistas. O anarquismo é a concepção subversiva elementar de toda classe oprimida e é a consciência difusa de toda classe dominante. Dado que toda opressão de classe tomou forma em um Estado, o anarquismo é a concepção subversiva. que atribui ao Estado em si e para si a causa de todas as misérias da classe oprimida. Toda classe tornando-se dominante realiza a própria concepção anarquista porque realizou a própria liberdade. O burguês era anarquista antes que sua classe conquistasse o poder político e impusesse à sociedade o regime estatal adequado 159. Idem, p. 217. 160. Idem. 161. Idem, p. 218. Grifo nosso 162. Idem. Grifo nosso.

163. Idem, p. 216. 160

GRAMSCI EM

TURIM

a proteger o modo de produção capitalista; o depois da sua revolução porque as leis do seu são as suas leis, e o burguês pode dizer que vive O burguês tornar-se-á de novo anarquista depois

burguês continua a ser anarquista Estado não são para ele coações: sem leis, que vive libertariamente. da revolução proletária: então co-

meçará a ver novamente a existência de um Estado, a existência de leis estranhas à sua vontade, hostis aos seus interesses, aos seus hábitos, à sua liberdade, come-

gará a ver que o Estado é sinônimo de coação porque o Estado operário tolherá à classe burguesa a liberdade de explorar o proletário, porque o Estado operário será o protetor de um novo modo de produção que desenvolvendo-se destruirá todo traço

de propriedade capitalista e toda possibilidade de seu renascimento. !*!

Com

essa afirmação, Gramsci pretende clarificar que a negação abs-

trata do Estado, isto é, a des-historicização da questão política leva a equívocos perigosos. A luta não é contra o Estado, pela Liberdade (ambas com

maiúscula),

genericamente,

e sim pela liberdade e pelo Estado operários.

Estado e liberdade em si não significam nada. No processo revolucionário, na construção da nova sociedade “nenhuma diferença poderá subsistir entre operário e operário. A sociedade comunista não pode ser construída pelo poder, com leis e decretos: ela nasce espontaneamente da atividade histórica da classe trabalhadora que adquiriu o poder de iniciativa na produção de novos modos, com uma nova ordem.”!º

164.

“Discorso

agli anarchici”,

3 a 10/4/1920,

LON,

p. 488-489.

165. Idem, p. 490. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

161

DEMOCRACIA OPERÁRIA: CONSELHOS, SINDICATOS E PARTIDO /

CONTROLE OPERÁRIO E DEMOCRACIA

na situação revolucionária, marcada pelo quadro imperialista que se coloca a questão do controle operário. A liberdade capitalista é antioperária; é a liberdade de comprar a mercadoria força de trabalho, de extrair a mais-valia. O movimento operário com seu fortalecimento, limita, essa liberdade. “O controle industrial escapa aos capitalistas. A 'pessoa” do capitalista revela-se cada vez mais danosa à produção, deletéria para a vida social.”'º O que está colocado em questão é efetivamente o domínio capitalista na fábrica. Os capitalistas não conseguem mais obrigar os operários a trabalhar: “é o primeiro golpe vigoroso que o produtor vibra no gordo espinhaço do empresário parasita para expeli-lo da fábrica, para conquistar a sua

autonomia,

a sua

liberdade

econômica

e política.

(...) A solução

deste

nó górdio? A expulsão do capitalista da fábrica, a conquista do Estado por parte dos proletários e a instauração do regime dos conselhos”! A questão está colocada. O controle operário aparece como peça chave para o movimento operário. O comunismo é a única alternativa para a civilização italiana e, em geral, para a européia. É nesse cenário que é colocada, pelo operário metalúrgico Enea Matta, a questão sobre a representatividade das comissões internas! e da necessidade de repensá-las, libertando-as do colaboracionismo. Esta é a origem do célebre editorial que vai

promover a mudança da linha de L'Ordine Nuovo.

Reafirmando a idéia de cultura, já anteriormente exposta, Gramsci e Togliatti enfatizam que “apenas por um trabalho solidário de esclarecimento, 166. “La volontã di lavorare”, ON,

7/6/1919, LON,

p. 66.

167. Idem, p. 66-67. 168. Criadas como órgãos de controle da disciplina do trabalho, no início do século, as Cl após a guerra passaram a desenvolver um novo papel: o de representação e de organização dos trabalhadores no terreno da fábrica. Serão a base dos futuros conselhos de fábrica. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

163

de persuasão e ção”. E isto é rária é nova. É em “eliminação do proletariado

de educação recíproca nascerá a ação concreta de construtanto mais importante quanto a questão da democracia opes claro que os socialistas sempre falaram em “fim do Estado”, da propriedade”, mas só recentemente a figura da ditadura ganhara concreção. A experiência soviética estimula a possi-

bilidade de pensar-se a questão da democracia operária, não como algo distante e utópico, mas como algo atual e possível. É nesse contexto que estão postas questões revolução:

sobre

a atualidade

da

Como dominar as imensas forças sociais que a guerra desencadeou? Como disciplinálas e dar-lhes uma forma política que contenha em si a virtude de desenvolver-se normalmente, de integrar-se continuamente, até tornar-se a ossatura do Estado socialista, no qual se encarnara a ditadura do proletariado? Como soldar o presente ao. futuro, satisfazendo as urgências do presente, trabalhando utilmente para criar e

“antecipar” o futuro?"

A suposição básica dessas questões é a de que o Estado socialista já exista potencialmente. E a sua existência nas organizações proletárias, é o que permite colocar, como atual, a questão da realização da ditadura do proletariado. A novidade, pelo menos para os socialistas italianos, é a idéia de que se pode ligar presente e futuro através da ação cotidiana da classe operária. Ligar entre si estas instituições, coordená-las e subordiná-las em uma hierarquia de competência e de poderes, centralizando-as fortemente, ainda que respeitando-lhes as necessárias autonomias e competências, significa criar desde já uma verdadeira e real democracia operária, em contraposição eficiente e ativa ao Estado burguês, em todas as suas funções essenciais de gestão e de domínio do patrimônio nacional."!

A democracia operária não é questão para ser resolvida ou pensada após a tomada do poder estatal, é uma questão atual. As organizações de base dessa democracia são o Partido Socialista e a Confederação Geral do Trabalho. E, embora elas continuem a ampliar a sua esfera de poder e de prestígio, embora atinjam camadas populares jamais alcançadas, elas possuem limitações de coordenação das forças da classe. “O partido deve continuar a ser o órgão de educação comunista, o foco de fé, o depositário da doutrina, o poder supremo que harmoniza e conduz à meta as forças organizadas da classe operária e camponesa”."*? Apesar disso, o partido não absorve. a totalidade da classe, pois ele não pode deixar de exigir uma disciplina política que nem todos os trabalhadores possuem. 169. "Democrazia operaia”, ON,

21/6/1919,

LON,

p. 87.

170. Idem. Grifo nosso. 171. Idem. 172. Idem, p. 88. Grifo nosso. 164

GRAMSCI

EM

TURIM.

As Cl aparecem como Instituições capazes de captar a maioria da classe e organizádas disciplinadamente visto existirem no interior da fábrica, no próprio local de trabalho, podendo coordenar tanto os sindicalizados quanto os não-sindicalizados. Isso é essencial. É esse potencial de luta que as torna passíveis de transformação, órgãos da democracia operária que é necessário libertar das limitações impostas pelos empresários e às quais é necessário infundir vida nova e energia: "Hoje as comissões internas limitam o poder do capitalista na fábrica e desenvolvem funções de arbitragem e disciplina. Desenvolvidas e enriquecidas, deverão ser amanhã os órgãos do poder proletário que substitua o capitalista em todas as suas funções úteis de direção e de administração”.!”” Assim o poder proletário começa a se articular já-antes da tomada do poder estatal. A transformação da massa operária se faz por um processo constante de educação mútua no interior das fábricas, o que torna possível uma transformação radical na “psicologia operária”. Cada fábrica é um regimento do

exército operário, difundindo-se assim “uma consciência dos deveres e dos

direitos do companheiro e do trabalhador, concreta e eficiente, porque gerada espontaneamente pela experiência viva e histórica”. !! Um vasto núcleo de instituições, o comitê de bairro, entre outras, coordenará os demais trabalhadores não-proletários da região, sob a direção das

comissões

(dos

conselhos),

ligando-se

assim

todos

os membros

da

clas-

se operária. O poder operário, articulando as palavras de ordem “todo poder da fábrica aos conselhos” e “todo poder do Estado aos conselhos operários e camponeses”, torna concreta a figura da ditadura do proletariado, que deixa de ser figura de retórica para ser realidade atual. Ela “é a instauração de um novo Estado, tipicamente proletário, para o qual a vida social da classe operária e camponesa se torna sistema difundido e fortemente organizado. Este Estado não se improvisa (...) a obra de reconstrução exigirá por si só tanto tempo e tanto trabalho, que cada dia e cada ato deveria poder ser destinado a ela”.!'” É necessário reter e sublinhar a questão de que o Estado não se improvisa. Concretamente isto significa que não basta “tomar” o poder de assalto. E que o velho Estado não é substituído; é preciso “inventar”'* outra forma estatal. Dai a extrema necessidade da qualificação dos operários. “A 173. Idem, p. 88-89. 174. Idem, p. 90. 175. Idem, p. 90-91. Grifo nosso. 176. Bordiga responde a essa afirmação dizendo: “a revolução russa não inventou formas novas e imprevistas, mas confirmou as previsões da teoria marxista sobre o processo revolucionário", in Per Ja costituzione dei Consigli Operai in Italia (1), Il Soviet (IS), 11/1/1920, Debate sobre los consejos de

fábrica (DCF), p. 102. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

165

massa operária deve preparar-se efetivamente para a aquisição do completo domínio de si mesma, e o primeiro passo neste caminho está no seu mais sólido disciplinamento, na fábrica, de modo autônomo, espontâneo e livre". !” Fica claro, pois, que se precisa modificar as antigas instituições operárias e/ ou criar outras. De todas as instituições operárias a mais vulnerável é o sindicato. O partido pode ainda ser renovado. A questão agora é pensar as organizações operárias e camponesas, em especial as primeiras, como organizações realmente classistas e revolucionárias. O reformismo desorganizador tem que ser superado. Trata-se agora de pensar a conquista (destruição/construção) do Estado. É nessa conjuntura que se coloca a questão do controle operário. Se o capitalista, como vimos, é desnecessário, sua liberdade toma-se ainda mais limitação e violência sobre as classes subalternas. O chamado biennio rosso é um período de intensa atividade operária e camponesa no sentido de limitar a liberdade do capitalista. A Revolução Russa marcou profundamente o proletariado italiano e os jovens revolucionários. A idéia do soviete como instituição universal e não apenas russa leva ao questionamento da prática política reformista.

PARTIDO ESINDICATO munista

“Dizer a verdade, chegar em conjunto à verdade, é realizar ação coe revolucionária.” "'*

As organizações revolucionárias (o partido político e o sindicato profissional) nasceram no campo da liberdade política, no campo da democracia burguesa, como afirmação e desenvolvimento da liberdade e da democracia em geral, em um campo em que subsistem as relações de cidadão a cidadão: o processo revolucionário se realiza no campo da produção, na fábrica, onde as relações são de opressor a oprimido, de explorador a explorado, onde não existe liberdade para o operário, onde não existe a democracia; o processo revolucionário se realiza onde o operário é nada e quer tornar-se tudo, onde o poder do proprietário é ilimitado, é poder de vida e de morte sobre o operário, sobre a mulher do operário, sobre os filhos do

operário."'º

Essa é a questão central: o ocultamento da dominação política determinando negativamente a tomada de consciência dessa dominação pelas classes subalternas. Podemos dizer que no campo de forças do Estado burguês todo o jogo se dá entre “indivíduos”, pelo menos essa é a forma fenomênica (aparência necessária) do processo. Na política há como que um “desnudamento” dos homens em relação às determinações estruturais; tanto o capitalista quanto os operários são reduzidos à cidadania. Desaparecem 177. "Ai commissari

178. "Democrazia...”,

di riparto delle officine

Fiat Centro

ON,

13/9/1919,

LON,

p. 209.

op. cit., p. 90.

179. “Il consiglio di fabbrica”, ON, 5/6/1920. LON, 166

e Brevetti”,

p. 533. Grifo nosso GRAMSCI

EM

TURIM

as diferenças; pode-se agora transformar indivíduos-cidadãos em vontades cívicas ou, quem sabe, em consciências cívicas. De abstração em abstração, despidos de suas determinações estruturais, transformados em unidades isoladas,

esses

homens

são,

por

outro

lado,

“enriquecidos”.

Se

todos

são

iguais,

é possível uma unidade fundamental: a pátria. Se as instituições liberais têm força e são ideologicamente eficazes, o problema é apenas de uma mera agregação de forças. Os partidos surgem como catalisadores de interesses diferentes mas que suportam, no limite, a mesma unidade ideológica. Estamos pois no campo da colaboração e não da luta de classes. Já na economia, o problema se coloca de modo distinto: despidos no início,

de

suas

determinações

estruturais,

esses

homens

são

rapidamente

“vestidos”. Despidos no início: se eles são indivíduos, vontades, eles são iguais. E há na diferença de interesses um ponto de unidade: ambos “necessitam” um do outro (outra aparência necessária). O capitalista necessita comprar a força de trabalho, o operário necessita vendê-la. O termo comum, força de trabalho, torna-se assim o núcleo da relação. No entanto, feita a relação, a nudez desaparece. A “colaboração-unidade” também. Na fábrica, todo homem é historicamente determinado: operário, capitalista, etc. A diferença torna-se positividade, a determinação está estabelecida. Na fábrica capitalista não pode

haver dois poderes. Esta é a questão.

Sendo assim, e os operários necessitando obter da relação alguma forma de poder, estabelecem-se os sindicatos. Estes são objetivamente “a forma que assume a mercadoria-trabalho (...) no regime capitalista, quando se organiza para dominar o mercado”.'* Para realizar a defesa da classe, criam-se os funcionários especialistas, pelo menos em tese, “na arte de concentrar e guiar as forças operárias de modo a estabelecer com a potência do capital um equilíbrio vantajoso à classe operária”.'*! Nesse processo, o sindicato, as federações, etc., terminam por separar-se das suas bases, são capazes de sobrepor-se a elas e de discipliná-las: “o sindicato torna-se capaz de construir pactos, assumir obrigações; assim ele obriga o empresário a aceitar uma legalidade nas suas relações com o operário, legalidade que é condicionada pela confiança que o empresário tenha na solvibilidade do sindicato, na confiança que o empresário tenha na capacidade do sindicato de obter da parte das massas operárias o respeito pelas obrigações contraídas”.'* Nesse sentido, os funcionários do sindicato se transformam em “funcionários da legalidade industrial”. De funcionários da classe, transformam-se em “magistrados” dessa legalidade. Defensores de uma legalidade que acabou por tornar-se a fonte de sua permanência na “direção” da classe, eles 180. “Sindacati e consigli”, ON,

12/6/1920,

LON,

p. 547.

181. Idem.

182. Idem. EDMUNDO

) FERNANDES

DIAS

167

acabam constituindo-se uma “verdadeira casta de funcionários e jornalistas sindicais, com um espírito corporativo absolutamente em contraste com à massa operária, a mesma posição da burocracia governamental em confronto com o Estado parlamentar: é a burocracia que reina e goverma”.'** Isto é inevitável? Não, seguramente não. Mas, para que isso não ocor» ra, evidentemente a ligação orgânica com a classe tem que ser assegurada, Ao não estar subordinada à classe, mas pelo contrário ao dominá-la, ao ob» ter dessa classe amorfa (e isso é algo necessário) uma autonomia tão grande, a direção sindical acaba por colocar-se como mais uma força social. E força privilegiada porque mediadora das classes fundamentais. Não se cos loca como mais uma força transitória e sim como força perene, necessitando assim do par dialético, a burguesia, para poder existir. Negociadora da mercadoria força de trabalho, a organização sindical não põe em xeque a ordem capitalista: “O erro do sindicalismo consiste nisto: assumir como fato permanente, como forma perene de associacionismo, o sindicato profissional na forma e com as funções atuais, que são impostas e não propostas, e então não pode ter uma linha constante e previsível de desenvolvi mento”.!*t

O outro elemento organizador (ou não) da classe é o partido. Os par-

tidos políticos são “o reflexo e a nomenclatura das classes sociais. Nascem, desenvolvem-se, decompõem-se, renovam-se. Na medida em que os diversos

estratos das classes sociais em luta sofrem mudanças de real alcance histórico, vêm radicalmente mudadas as suas condições de existência senvolvimento, adquirem uma maior e mais clara consciência de si prios interesses vitais”.'*º Visto assim, o partido é essencialmente Sua vida aparece totalmente imbricada à da classe, cuja dinâmica

expressar.

e de dee dos pródinâmico, acaba por

E que não haja equívoco: reflexo aqui não é mecanicidade. Se a dialética da classe se dá no sentido de uma permanente redefinição, se ela se organiza, se unifica, ela obriga o seu partido a guiá-la neste processo ou a esclerosar-se. Não há meio-termo. Se a classe permanece desorganizada, com reduzida possibilidade de unificação, ou o partido consegue dar-lhe corpo ou então será substituído pela eficácia dos partidos das outras classes. Uma associação pode ser chamada de “partido político” só enquanto possuir “uma doutrina constitutiva, sua, própria; só enquanto conseguir concretizar uma noção, sua, própria, de Estado; só enquanto concretizar e divulgar entre as grandes massas um programa de governo, apto para organizar praticamente 183. “I sindacati e la dittatura”, ON,

25/10/1919,

184. “La conquista dello stato”,

12/7/1919, LON,

muitas

vezes

no discurso

ON,

gramsciano.

185. "Il partito comunista (I)”, ON,. 9/10/1920, 168

LON,

LON,

p. 259. p. 128. Grifo nosso. A expressão voltará p. 656. GRAMSCI

EM

TURIM

um Estado, e-lsto em condições determinadas, com homens reais e não com fantasias abstratas de humanidade” O que implica dizer que o partido, além de ser um conjunto de pessoas com pretensão a guiar e a expressar uma classe, deve ser capaz de apresentar-se a essa classe com uma proposta clara e consciente que lhe expressa e organiza a realidade. O partido pressupõe a classe e um tipo de Estado, solidário com a classe base. À própria forma de organização partidária deve ser solidária com a proposta. A forma organizativa do PSI, “não é diferente da forma de todos os outros partidos nascidos no terreno da democracia liberal”. Também nele estão presentes “todos os princípios de funcionalidade próprios da associação política democrática: a divisão dos poderes em deliberativo, executivo e

judiciário e a concorrência interna”.'” Na sua vida está presente o individua-

lismo, dessa associação voluntária, que se manifestava em “toda assembléia em que se exprime a democracia soberana: a irresponsabilidade, a incompetência, a volubilidade, o tumulto”, que são essenciais a essa forma organizativa “naturalmente 'corrigidas' pelo funcionalismo e pelo arbítrio burocrático dos escritórios executivos”. !** Assim o partido, ao não ter controle sobre seus membros, ao não possuir uma unidade ideológica, ainda que comportando discussão interna, acaba sendo mais um partido tradicional. Se ele se apresenta como partido de classe, nem sempre mostra essa aderência e expressão na sua vida. A incorporação dos mecanismos formais liberais, a não-qualificação dos militantes o torna pluriclassista.

Eis o quadro da crise das instituições tradicionais do movimento “O atual sistema de organização da classe operária: associação por ofício (sindicato), por

indústria (Câmara do Trabalho e Confederação Geral do Trabalho), nascidas para organizar a concorrência da venda da força de trabalho (...) foi um instrumento eficaz de defesa dos trabalhadores, porque conseguiu limitar a imensa potência e o arbítrio da classe capitalista, impondo o reconhecimento dos direitos dos oprimidos na questão dos horários e dos salários.”'º Essa eficácia na luta se limita, dentro do complexo sistema de mediações entre as classes proprietárias e

não-proprietárias, ao quadro da legalidade industrial.

As instituições do operariado, vivendo no quadro mais geral da legalidade definida pelo Estado burguês, sendo organizações defensivas, tendo que respeitar essa legalidade, acabaram por assumi-la e reproduzi-la no interior 186. “Lo Stato operaio”,

ON(d),

187. “| gruppi comunisti”,

ON,

I/1/1921, SF p. 3. 17/7/1920, LON,

p. 591.

188. Idem. 189. “Lo sviluppo della rivoluzione”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

13/9/1919, LON, p. 205. 169

da classe operária. Assim, ao assumirem como sua uma legalidade de outra classe, as instituições sindicais passaram a viver uma crise de poder. Os operários sentem que o complexo da “sua” organização se tornou um aparelho. tão enorme que acabou por obedecer a leis próprias, íntimas à sua estrutura e ao seu complicado funcionamento, mas estranhas à massa que adquiriu consciência de classe revolucionária. Sentem que a sua vontade de potência não consegue expressar-se em um sentido claro e preciso, através das atuais hierarquias institucionais”.!” A organização da classe está cindida na sua base e tendencialmente integrada a uma forma estatal contrastante com a sua classe,

De certo modo, essa tendência de integração à ordem capitalista é mais ou menos previsível. Na medida em que a organização sindical tem de

conseguir vantagens para o operário na venda da força de trabalho, ela não

pode deixar de funcionar como instrumento desta forma de produção. O operário é, para ela, força de trabalho e nada mais, conforme atesta o famoso Pacto de Aliança entre o PSI e a CGT."! Assim, o sindicato organiza os operários não como produtores, mas como assalariados, isto é, como criaturas do regime capitalista, da propriedade privada, como vendedores da mer cadoria-trabalho. O sindicalismo une os operários segundo o instrumento do trabalho, ou segundo a matéria a transformar, isto é, o sindicalismo une os operários a partir da forma que lhes imprime o regime capitalista, o regime do individualismo econômico. Servir-se de um instrumento mais do que de um outro, modificar uma matéria-prima mais do que uma outra, revela capacidade de atitude diferentes em relação à fadiga e ao ganho; o operário se fixa nesta sua capacidade e nesta sua atitude e a concebe como um puro meio de ganho e não como um momento da

produção.'*

Assim

procedendo

o sindicato reproduz, ou seja, mantém

timo o esquema capitalista que pensa os homens

como

e torna legí-

indivíduos isolados

e não como classes. Reforça a percepção burguesa que separa o econômico do político: na fábrica o trabalhador é operário, na rua é cidadão. Ao reforgar a cisão entre operário e cidadão, o sindicato é um poderoso instrumento para impedir a percepção do homem como classe, O sindicato acaba contribuindo para afastar o operário “cada vez mais de uma possível concepção de si mesmo como produtor, e o leva a considerar-se 'mercadoria' de um mercado nacional e internacional que estabelece, pelo jogo da concorrência, o seu próprio preço, o próprio valor”.'º O PS, nascido no “campo da democracia liberal”, “da concorrência

política”, “projeção do processo de desenvolvimento do capitalismo como 190.

“Sindacati

e consigli”,

ON,

LI/10/1919,

LON,

p. 236.

191. Ver anexo histórico. 192. "Sindicalismo e consigli”, ON, 8/11/1919,

LON, p. 298.

193. Idem. 170

GRAMSCI

EM

TURIM:

uma das forças soclals que tendem a criar uma quistar o poder do Estado para dirigilo em seu “organizar os operários e os camponeses pobres tudar e promover as condições favoráveis para o

cia proletária”, '

base de governo e a conbenefício”, tem por missão em classe dominante, e esadvento de uma democra-

Podemos desde já pensar os elementos básicos na conceituação de partido, o que nos permitirá analisar sua ação, O partido é um partido de classe, isto é, deve

criar as

condições

da

democracia

operária,

deve

transformar

suas

bases em classe dominante, realizando assim sua hegemonia. Esta, por outro lado, é realizada quando o proletariado se apresenta como classe dominante das antigas classes dominantes, e dirigente das classes subalternas. Realizar o Estado de classe é o primeiro passo da liquidação do Estado e das classes. O PSI tinha conseguido encaminhar um programa verbalmente revolucionário, conseguira, relativamente, subtrair da influência da burguesia con-

siderável parcela da população. Não conseguira, porém, realizar sua missão;

não teve êxito em dar uma forma permanente e sólida ao aparelho que tinha conseguido suscitar agitando as massas. “Construído para conquistar o poder, construído como preparação das forças militantes destinadas a lutar, o

aparelho de governo do Partido Socialista se despedaça e se desagrega; (...)

perde cada dia mais contato com as grandes massas em movimento; os acontecimentos se desenrolam e o partido está ausente deles”.'”> O partido, montado sobre o esquema dos partidos liberais, cindido em frações que vão do reformismo mais açodado ao radicalismo mais verbal, não possui capacidade interna de propor e realizar um projeto. Além disso, está cindido em dois: de um lado o grupo parlamentar e, de outro, as bases e a direção. Esse partido vê seu grupo parlamentar, reformista na sua quase totalidade, tornar-se autônomo e construir sistematicamente uma prática de adesismo e de assimilação ao poder burguês. O partido não está a altura de si mesmo e de sua missão; partido de agitadores, de negadores, de intransigentes nas questões de tática geral, de apóstolos das teorias elementares, não consegue organizar-se nem enquadrar as grandes massas em movimento, não consegue preencher os minutos e os dias, não consegue encontrar um campo de ação que a cada momento o ponha em contato com as grandes massas. Não consegue organizar a sua própria coesão interna, não tem uma disciplina teórica e prática que lhe permita permanecer sempre aderente à realidade política nacional e internacional para dominá-la, para controlar os acontecimentos e para não ser

abatido e esmagado por eles. "8

A realidade é algo a ser dominado. O partido de uma classe subalterna não pode deixar de dominar a realidade; caso contrário, ou será esmaga194. “Primo: rinnovare il partito”, ON,

24 a 31/1/1920,

LON,

p. 394.

195. Idem 196. Idem, p. 396-397.

Grifo nosso.

EDMUNDO

DIAS

FERNANDES

171

do ou será impotente, A posição em relação ao poder marca a radicalidas do partido. Ao invés de perceber o partido como renovador, criador, recriador da

totalidade social, a maioria dos socialistas via a sociedade como extensão da

partido. Imaginar “toda sociedade humana como um colossal Partido Socialista, com seus pedidos de admissão e de demissão, não pode deixar de excitar o conceito contratualista de muitos subversivos, educados mais por J. J. Rouss e por opúsculos anarquistas, do que pela doutrina histórica e econômica do

xismo”.'” Essa idéia de admissão e de demissão “voluntárias”, significa que es:

“contratualismo” é a consequência do individualismo burguês. Um partido que pretenda a construção do socialismo não pode per= manecer nesse nível. Ele tem que superar o contratualismo liberal mas deve buscar sua identificação com a consciência das massas, consciência histórica, e governar o seu “movimento espontâneo e irresistível: este governo

incorpóreo, funciona através de milhões e milhões de laços espirituais, é um

irradiação de prestígio que só em momentos culminantes pode tornar-se governo efetivo”.'8 Isso é vital para o processo revolucionário. É a diferença entre: burocratismo da organização e capacidade de governo democrático do partido. Esse governo incorpóreo é, precisamente, a hegemonia realizada. O partido corre

sempre

o risco

de

subtrair-se

às

massas

e,

se por uma concepção sectária do papel do partido na revolução se pretende mas terializar esta hierarquia, se pretende fixar em formas mecânicas de poder imediato o aparelho do governo das massas em movimento, se pretende constranger o: processo revolucionário nas formas do partido, se conseguirá desviar uma parte dos. homens, se conseguirá “dominar” a história; mas o processo revolucionário real ess capará ao controle e ao influxo do partido tornado, inconscientemente, organismo.

de conservação. "*

Trata-se, agora, de saber se as formas organizativas da classe são capazes de realizar um duplo processo: ter uma aderência real e concreta ao movimento das massas e, ao mesmo tempo, subtrair-se à dominação ideo-

lógica da burguesia e colocar-se como horizonte da classe. O sindicalismo e: o PSI, embora teoricamente representantes e organizadores da classe operária, caíram sob o fascínio do poder estatal e da ordem capitalista. Tendo como ponto de referência a organização estatal e estando desligados da classe, partido e sindicatos tomam uma atitude comum: “adotam” o Estado. Este. 197.

“Il partito

e la rivoluzione”,

ON,

27/12/1919,

ON,

p.

367.

Grifo

nosso.

Alusão

à frase de

Giacinto Menotti Serrati: “a ditadura do proletariado é a ditadura consciente do partido socialista”, “| comitati di fabbrica”, Comunismo, |5 a 30/12/1919. ) 198. “Il partito e...”, op. cit., p. 369. Grifo nosso. 199. Idem, p. 370. Grifo nosso. 172

GRAMSCI

EM

TURI;

sempre fol o protagonista da história, porque em seus órgãos se centraliza a potência da classe proprietária; no Estado, “a classe proprietária se disciplina e se unifica sobre os litígios e os choques da concorrência, para manter intacta a condição de privilégio na fase suprema da própria concorrência: a luta de classe pelo poder, pela preeminência da direção e no disciplinamento da sociedade”.20 Dissemos

que partido e sindicatos

“adotam”

o Estado a partir de pos-

turas distintas. Os sindicalistas colocam-se do ângulo de “não fazer política”, ou seja, pensam a relação capitalista-operário trativa (trabalhista). Não colocam nem o Estado nem tão. Já os socialistas parlamentares colocam-se tão , tão no “íntimo das coisas”, que acabam por cla”, isto é, triunfam na via parlamentar. Triunfo este ocasionando a perda da concepção de que “a sua essencialmente

critica, de antítese”,

sendo

como questão adminiso capitalismo em quesdentro da realidade esvencer na “concorrênque lhes custa a lucidez, posição devia manter-se

absorvidos

por uma

realidade

que

não dominam. Deste modo, absorvidos pelo Estado, desligados do movimento das massas, “expressando” burocraticamente suas bases, o partido e o sindicato apresentam-se estruturalmente marcados pela crise comum às instituições liberais. Partido e sindicato, que deveriam cada qual no seu campo (e aí está a limitação) realizar o poder da classe de maneira autônoma, limitam-se a tentar marcar uma posição menos desfavorável no sistema global de forças

do domínio

burguês. Ao fazer isso, colocam-se como

instituições perenes,

insubstituíveis. E desse modo, partilhando, com todas as instituições liberais burguesas, o mito da supra-historicidade, acabam, como aquelas, por perder a direção da classe. Tornadas burocráticas, essas organizações tratarão de impedir o nascimento de novas formas operárias e camponesas (ainda não havia o chamado “paralelismo”) e passam a realizar uma função policial, juntamente com o Estado e as classes proprietárias.

O CONSELHO DE FÁBRICA Repensar as instituições operárias articulando as diversas formas organizativas da classe. Tudo isso na perspectiva da atualidade da revolução. Este é o pano de fundo da ação do movimento operário turinense. Aqui claramente está colocada a questão de acelerar o futuro. Para tanto é necessário romper uma visão fatalista (economicista) e é nesse sentido que Gramsci afirma: A história é conjuntamente liberdade e necessidade. As instituições em cujo desenvolvimento e em cuja atividade a história se encarna, surgiram e se mantiveram porque têm uma tarefa e uma missão a realizar. Surgiram e se desenvolveram sob determinadas condições objetivas de produção dos bens materiais e de 200. “La conquista dello Stato”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

12/7/1919, LON,

p. 128. 173

consciência espiritual dos homens. Se essas condições mudam,

consciência dos homens:

tradicionais se empobrecem,

a configuração social se transforma,

muda o grau de:

as instituiçõ

são inadequadas à sua tarefa, tornam-se estorvantes

e perigosas.?!

Analisando as experiências revolucionárias, russa, húngara e alemã, Gramsci pensa a natureza diferencial dos Estados capitalista e socialista. Este. é uma criação fundamentalmente nova. Não basta mudar a burocracia gos vernamental se são mantidas as instituições burguesas, contrariamente ao que: pensavam Kautski, Turatti e outros, pois elas não foram criadas para cons» truir

uma

outra

ordem,

o

Estado

socialista:

é uma criação nova (...). As instituições do Estado capitalista foram organizadas. para os fins da livre concorrência (...). O Estado socialista ainda não é o comuniss mo (..) mas é o Estado de transição que tem a tarefa de suprimir a concorrência com a supressão da propriedade privada, das classes, das economias nacionais! . esta tarefa não pode ser realizada pela democracia parlamentar. A fórmula “cons quista do Estado” deve ser entendida neste sentido: criação de um novo tipo de. Estado gerado pela experiência associativa da classe proletária.”?

No

quadro

do

desenvolvimento

capitalista italiano,

acentuado

pela

guerra, surgem modificações de tal monta que as instituições tradicionais do | movimento tornaram-se incapazes para conter tanto vigor de vida revolucionária. (...) Mas ao. lado delas devem surgir e desenvolver-se instituições de tipo novo, de tipo estatal, que precisamente substituirão as instituições privadas e públicas do Estado democrático-parlamentar. Instituições que substituam a pessoa do capitalista nas funções administrativas e no poder industrial, e realizem a autonomia do produtor na fábri-

ca; instituições capazes de assumir o poder diretivo de todas as funções inerentes

ao complexo sistema de relações de produção e de troca que ligam as relações de uma fábrica com as outras, constituindo a unidade econômica que liga as várias atividades da indústria agrícola, que por planos horizontais e verticais devem constituir o harmonioso edifício da economia nacional e internacional, liberado da tira-

nia imensa e parasitária dos proprietários privados.“

Nesse quadro a idéia dos sovietes ganhou a massa: no entanto, o impacto dessa idéia não é respaldado por uma concepção tática de como estabelecer o Estado proletário.”* Refletindo sobre as experiências húngara e alemã, Gramsci afirma: “A criação do Estado proletário não é (...) um ato taumatúrgico”.25 Não basta assaltar o poder: é necessário “um trabalho pre201.

“La conquista dello

Stato”,

ON,

12/7/1919,

LON,

p.

129-130.

202. Idem. p. 130-131. 203.

Idem,

p.

131-132.

204. Ilustrativo dessa situação é o projeto Bombacci para a construção dos sovietes italianos publicado no Avanti! de 28/1/1920. 205. “La conquista...”, op. cit., p. 174

132. Grifo nosso. GRAMSCI

EM

TURIM

paratório de sistematização e de propaganda. (...) dar maior desenvolvimento e maiores poderes às Instituições proletárias de fábrica já existentes, fazer surgir similares nas aldeias, conseguir que os homens que as compõem sejam comunistas conscientes da missão revolucionária que a instituição

deve absorver”,

O desenvolvimento das novas instituições da classe é absolutamente necessário para fazer frente à orientação reformista das organizações tradiclonais do proletariado e sua incapacidade de perceber a nova realidade e nela atuar adequadamente. Esta realidade é pensada como “estrutura do Estado socialista”, como “instrumento da ditadura proletária no campo da produção industrial”.?” Sua especificidade decorre do fato de que elas nascem do trabalho, de que “nela a economia e a política confluem, nela o exercício da soberania é uno com o ato da produção; nela, portanto, se realizam embrionariamente todos os princípios que informarão a Constituição do Estado dos conselhos, nela se realiza a democracia operária”, ?* Gramsci enfatiza a necessidade dos comunistas participarem resolutamente destas novas instituições. Para o movimento operário não se trata apenas de destruir o aparelho de dominação burguesa. Deve ir mais longe, substituí-lo e realizar as tarefas que a burguesia não cumpriu: “O Estado operário, segundo a enérgica definição de Lenin, é o Estado burguês sem a burguesia. O Estado operário deve

desenvolver,

no

interior como

no exterior,

os mesmos

problemas

de

um

Estado burguês e não pode resolvê-lo com os sistemas e os meios técnicos substancialmente diversos daqueles adotados por um Estado burguês”.”” O Estado burguês de capitalismo tardio, por sua organização e destinação, acaba por não realizar muitas de suas tarefas básicas, em especial a de unificar realmente a nação. Unificar a nação, dotar de efetiva personalidade jurídica o conjunto dos

cidadãos, liquidar o “individualismo animalesco” das populações “atrasadas e sem cultura”, dar-lhes um sentido e uma direção: uma disciplina. Mas esta

é uma tarefa praticamente impossível ao Estado capitalista, pois realizar uma disciplina — entendida como sentido e direção — no todo social significa exercer a hegemonia. A criação desse novo Estado é complexa e difícil. Produtos da dominação burguesa, sindicato e partido acabam por enrijecerse. As instituições clássicas do proletariado não dão conta do recado. No entanto, no próprio movimento das classes subalternas, no movimento es-

206. Idem, p. 132-133. 207. “Postilla a '1l problema delle comissioni interne”, ON,

23/8/1919, LON,

p. 177.

208. Idem. 209. “La Russia, potenza mondiale”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

14/8/1920, LON,

p. 616. 175

pontâneo, expresso no cotidiano, existe uma prática nova que pode permitir o aparecimento de uma nova democracia: as comissões internas, Estas tem uma tarefa que requer a atenção de todos: é vital que se. construa uma nova máquina (e não apenas destrua-se a velha). E se lem que partir dos operários, até aqui mero instrumento executor. Para tal fazs se necessária a “reforma intelectual e moral”: “É necessário convencer 08. operários e os camponeses de que é de seu interesse se colocar sob uma: disciplina permanente de cultura, e fazer para si uma concepção do mun do, do complexo e intrincado sistema de relações humanas, econômicas e. espirituais que dê uma forma à vida social do globo”. Dado que o Estado. operário só pode ser uma “invenção”, uma novidade histórica, não se tra! apenas de dar “novas” ordens aos “antigos” funcionários. Trata-se de criar.

uma

nova civilização.

As comissões internas, transformadas em conselhos de fábrica pela. eliminação dos limites impostos pelos capitalistas serão a escola na qual os operários poderão atingir o domínio da produção e, tornando-se conscientes, realizar o controle industrial; em suma, expulsar os parasitas capitalistas.

e instaurar a soberania dos produtores.

|

]

Trata-se de realizar uma constante educação, de instaurar uma prática. nova, a da discussão comum, que modifica as consciências operárias. Não mais doutrinas piegas e elementares, não mais simples repetições de palavras de ordem, mas estudos, por vezes difíceis. O operário, o mais poderoso instrumento de produção, deve tomar consciência de sua situação de classe, Deve perceber-se como produtor, e apenas transitoriamente como assalariado. E ai está a limitação das instituições anteriores. O sindicato diz “assalari-. ado!”; o partido fala: “cidadão”; e embora ambos digam “proletário”, não pensam “produtor”. E não podem pensá-lo porque, como na dialética do senhor e do escravo, vêm o proletário com os olhos do capitalista.

A diferença essencial entre o sindicato e as comissões

é a da sua

função objetiva: enquanto o sindicato “tem uma meta que se pode chamar de comercial, e que consiste na valorização, em um dado mercado burguês, do trabalho de uma categoria, para vendê-lo por um preço maior”,*! as comissões destinam-se ao “preparo dos homens, organismos e conceitos, com uma continua ação pré-revolucionária de controle, para que estejam prontos a substituir a autoridade patronal na empresa, para enquadrar em uma nova disciplina a vida social”.”? Continuidade ou ruptura: eis a questão. O operário pode conceber a si mesmo como produtor, apenas se se concebe como parte indissociável de todo o sistema de trabalho, que se sintetiza no objeto fabrica210. “Cronaca”,

ON,

211.

“Il programa dei

212.

Idem.

176

12/7/1919, LON, comissari

p.

126. Grifo nosso.

di riparto”, ON,

8/11/1919,

LON,

p. 307,

GRAMSCI EM

TURIM

do; apenas se vive a unidade do processo industrial que pede a colaboração do balhador manual, do qualificado, do funcionário administrativo, do engenheiro, do retor técnico, O operário pode conceber a si mesmo como produtor se, depois de se inserido psicologicamente no processo produtivo particular de uma fábrica, exemplo,

em Turim, de uma

traditerpor

fábrica automobilística, e depois de se ter pensado como

um momento necessário e insuprimível da atividade de um complexo social que produz o automóvel, supera essa fase e vê toda a atividade turinense da indústria produtora de automóveis. Concebe então Turim como uma unidade de produção que é caracterizada pelo automóvel, e concebe uma grande parte da atividade geral do trabalho turinense como existindo e se desenvolvendo apenas porque existe e se desenvolve a indústria do automóvel. Concebe então os trabalhadores destas múltiplas atividades gerais também como produtores da indústria do automóvel, porque criaturas das condições necessárias e suficientes para a existência desta indústria. O operário movendo-se a partir desta célula, a fábrica, vista como unidade, como ato criador de um determinado produto, eleva-se à compreensão de unidades sempre mais vastas, até a nação, que é, no seu conjunto, um gigantesco aparelho de produção (...). Agora o operário é produtor porque adquiriu consciência de sua função no processo produtivo, em todos os seus graus, da fábrica à nação, ao mundo; agora ele percebe a classe e torna-se comunista, porque a propriedade privada não é função da produtividade e torna-se revolucionário porque concebe o capitalista, proprietário privado, como um ponto morto, como um obstáculo, que ele precisa eliminar. Agora ele concebe o “Estado”, concebe uma organização complexa da sociedade, uma forma concreta da sociedade, que reflete a vida da fábrica, com todas as relações e as funções, novas e superiores, exigidas pela sua imensa grandeza e que representa o complexo, harmonizado e hierarquizado, das condições para que a sua indústria, a sua fábrica, a sua personalidade de produtor viva e se desenvolva.

O operário é então um produtor. Agora ele se apresenta na sua determinação mais complexa. Só ao conceber-se como tal, ele pode conceber-se como classe, fundamental e subalterna, e pode ultrapassar as determinações de assalariado e de cidadão. Agora ele pode se perceber como solidário e não como concorrente. Na visão burguesa, que lhe é imposta por todas as formas mentais da sociedade capitalista, o operário é um soldado de uma imensa guerra civil. Luta contra todo o conjunto das classes, dominantes e subalternas. Um contra todos, todos contra todos. Se ele rompe com essa visão, se ele se percebe como um soldado de uma classe e, mais ainda, como soldado do conjunto das classes subalternas, pode perceber sua diferença em relação aos proprietários como sendo uma diferença efetiva e não como questão de azar ou destino. Pode então subtrair-se à dominação ideológicopolítica da burguesia e, então, colocar a questão do seu poder, da sua hegemonia, do seu Estado. O conselho de fábrica é, para Gramsci, o instrumento de realização desse poder e encamará a ditadura proletária. Só “um sistema de conselhos eleitos, nos locais de trabalho, articulados agilmente de modo a aderir ao processo de produção industrial e agrícola, coordenados e hierarquizados, local e nacional213. “Sindicalismo e consigli”", ON, 8/1 1/1919, LON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

p. 298-299. 177

mente, de modo a realizar a unidade da classe trabalhadora para além das cates

gorias determinadas pela divisão do trabalho”, poderá tomar possível a col trução da democracia operária. Só ele conseguirá reunir e dirigir a classe traly lhadora. O conselho é o local onde poderá-se reunir toda a classe. Só no/pelé conselho, vivendo e resolvendo os problemas do trabalho, o operário pode perceber e exercer a soberania que “deve ser uma função da produção”2º seja, capacitar-se para o exercício do poder e para a expulsão do capitalista. Dado que “a revolução não é um ato taumatúrgico”, fica clara a necessidade de pres paração para a gestão da nova sociedade estruturada em torno da produção, “Os comissários trabalham”.2:ºO comissário não está separado da cla como o funcionário sindical ou do partido. E essa convivência deverá lhe pe tir manter o contato permanente com a realidade da sua classe. A fábrica Fiat-Brevetti, em Turim, constitui o primeiro conselho de fás brica: “a massa operária sente (...) ter começado a marcha 'na' revolução

não mais 'em direção à” revolução”.'!” O voto operário para o conselho “também uma produção, é ele também uma atividade criadora porque, sil tetizando em poucos uma função necessária da vida social, determina u

“poupança! de energias, uma concentração harmônica e potente dos esfoj ços dirigidos à meta da luta de classes, até a obtenção do fim máximo: libertação do trabalho da escravidão do capital”.?* Os comissários são elei tos e isso coloca a questão do voto que neste sistema ainda não é universal, e isto por razões contingentes; existe aind uma burguesia com numerosos servos, existem proletários não conscientes, de ganizados que, se podem e devem ter o direito de voto para o exercício da s vontade, não devem ter o direito da candidatura, isto é, de serem investidos da autoridade de controlar os sindicatos, dos quais eles não tem consciência, e a vida

social que eles não entendem.*!º

O sufrágio que elege os comissários não lhes dá, irrestrito, pois os comissários podem ser destituídos, caso ça dos companheiros. Aos eleitos compete um conjunto de tarefas que do cumprimento dos pactos de trabalho existentes até a 214. “Lo sviluppo della rivoluzione”, ON, 215. Idem.

13/9/1919,

porém, um poder percam a confia vão da fiscalização: vigilância sobre os

LON, p. 205.

p. 206.

216. “Il programa...”, op. cit., ON reproduz o documento. 217. “Cronaca”, ON, Brevetti.

13/9/1919,

(da edição de LON,

1972), p.

197. A edição crítica infelizmente

p. 201. Alusão à frase de um operário na assembléia

da

218. Idem, p. 201-202. 219. “Il programa...” op. cit., p. 193, 178

GRAMSCI EM

TURI)

capitalistas, passando pelo estudo das condições de trabalho, das inovações

tecnológicas, ete. O comissário deve não apenas estudar, mas, também estimular o estudo dos demais operários. Todos devem capacitar-se para o domino da produção. O operário deve, além disso, perder os “mesquinhos sentimentos de ciúme profissional que ainda criam divisões e discórdias”,2? pois isso é fundamental na perspectiva do dia em que os capitalistas forem eliminados da produção. Essa educação para o poder é essencial para eliminar os efeitos da opressão no trabalho. Os conselhos deverão fazer “nascer na própria fábri-

ca, oficinas especializadas de instrução, verdadeiras escolas profissionais, onde

cada operário, escapando da fadiga que embrutece, possa abrir a mente ao conhecimento dos processos de educação, e melhorar a si mesmo”.?! É necessário realizar uma nova ordem, um novo poder. A disciplina necessária para a constituição desse poder não é mais vista como opressão: Certamente, para fazer tudo isto será necessária disciplina, mas (esta) (...) será bem distinta daquela que o patrão impunha e pretendia forte pelo direito de propriedade que constitui para ele uma posição de privilégio. Sereis fortes por um outro direito, o do trabalho, que depois de ter sido por séculos instrumento nas mãos dos vossos exploradores, quer hoje redimir-se, quer dirigir-se por si mesmo. O vosso poder, oposto ao dos patrões e dos seus oficiais, representará, frente às forças do passado, as forças do futuro, que esperam a sua hora, e a preparam, sabendo que essa será a hora da redenção de toda a escravidão.”

Os conselhos se colocam então-como negadores radicais dos sindicatos? Não, pelo menos não de todos os sindicatos. Eles continuam a reconhecer a utilidade dos sindicatos de ofício e de indústria na história da luta de classes, e a necessidade de que eles continuem “sua função de organizar as

categorias particulares de trabalhadores, para obter melhores salários e horári-

os, enquanto permanecer a concorrência no mercado de trabalho (...). Reconhecem nos sindicatos uma forma indispensável de organização (...). Sustentam que todos os operários devem estar organizados nos sindicatos”.?” No entanto, declaram que a disciplina sindical só tem valor na medida em que as

organizações sindicais sejam revolucionárias.

Os operários organizados no seio dos conselhos aceitam sem discussão que a disciplina e a ordem dos movimentos econômicos, parciais ou coletivos, sejam fixados pelos sindicatos, desde que as normas dos sindicatos sejam dadas pelos comissários de fábrica, como representantes da massa trabalhadora. Recusam como artificial, parlamentarista e falso qualquer outro sistema que os sindicatos queiram seguir para interrogar a vontade das massas organizadas. A democracia operária 220. "Ai comissari di riparto delle officine Fiat-Centro e Brevetti”, ON,

13/9/1919, LON, p. 211.

221. Idem. 222.

Idem.

223. “Il programa...”, op. cit., p. 194. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

179

não se baseia no número e no conceito burguês de cidadão e sim nas funções da trabalho, na ordem que a classe trabalhadora assume naturalmente no processo d produção industrial, profissional e nas fábricas.”

A questão do poder está claramente colocada. Os sindicatos perd ram a capacidade de hegemonia na medida em que absorveram o estilo e q conteúdo burguês. O poder deve agora repousar em novas bases, não mal! nos escritórios sindicais e sim nos locais de trabalho. E expressar-se pelo comissários e não pelos funcionários. Mais ainda: “Os conselhos encarnam, (...) o poder da classe trabalhadora organizada por fábrica, em antítese à ai toridade patronal que se realiza na própria fábrica”. O conselho,”º embrião da futura cidadania dos produtores e, ao mess mo tempo, o início de sua realização, tem como tarefa imediata fazer com que a massa operária se torne o mais rápido possível capaz de gerir a prod ção, afastando a presença dos capitalistas. A produção deverá melhorar e aos que “objetam que deste modo se está colaborando com os adversários, com os proprietários das empresas, respondemos que, pelo contrário, este é O único meio de fazê-los sentir concretamente que está próximo o fim do seu. domínio, porque a classe operária concebe daqui por diante a possibilidad de fazer por si mesma e de fazer bem”.=” Os conselhos eleitos pela massa operária, e não mais indicados pelos: sindicatos



como

nas

comissões

internas

—,

deverão

vigiar e diminuir

co

cretamente o poder dos capitalistas nas fábricas. Mais: pelo próprio fato de viverem a vida da fábrica, poderão dominar a produção, conhecer as inovar

ções tecnológicas, acompanhar e estimular o crescimento da capacidade d trabalhadores. “Deste modo ir-se-á constituindo um novo costume de ca, primeiro grau da verdadeira e efetiva legislação do trabalho, isto leis que os produtores elaborarão e darão a si mesmos”. Tarefa política e cultural, a ação dos conselhos se exercerá em seção da fábrica, fazendo com que os operários se qualifiquem mais e

fábr é, d cada mais,

224. Idem. 225. Idem. 226. Essa não é uma posição unânime entre os ordinovisti. Desde logo, Tasca procura (e com alguma, razão) demonstrar os problemas da generalização dos conselhos, mostrando que estes são factíveis. apenas nas “indústrias na proporção inversa da facilidade em que estas possam ser controladas. Em, outras palavras, quanto mais a indústria é centralizada e o trabalho é especializado e dividido, maior é o tamanho das fábricas e o emprego da força motriz e da força de trabalho, mais rapid damente os operários sentem a necessidade de orientar-se dentro do colossal aparelho técnico e: buscam modelar sua própria organização para defesa e ataque, de tal modo que siga o tipo de, organização industrial, mantendo um contínuo contato com o '“inimigo'," “| valori politici e sind dei consigli di fabbrica”, ON, 29/5/1920, Selections of Political Writings (1919-1920), p. 244. O pro: blema para os Conselhos se radica “nas pequenas indústrias, na zona cinzenta da produção artesanal que ainda sobrevive ou vegeta às margens da organização industrial, moderna, centralizada e tecni camente avançada”, idem. ' 227. “Ai comissari...”, op. cit. p. 209-210. 180

GRAMSCI

EM

TUR

permitindo que um dia a massa proletária trabalhe para si mesma, E o comissário, verdadeiro intelectual da classe, deve ser o articulador do processo de transformação de cada operário em um outro intelectual da classe. A ação do conselho implica efetivamente o início da construção da hegemonia proletária, processo que se inicia antes da conquista do poder do Estado. Dispensemonos afinal da dúvida. Aqui está formulada, de fato, ainda que não plenamente, a teoria da hegemonia. A atualidade da relação entre o conselho de fábrica e o sindicato é tanto maior quanto mais clara é a crise que atravessa a CGT. A central “atravessa uma crise de natureza similar à crise em que se debate em vão o Estado democrático parlamentar. A crise é de poder e de soberania”.?* A resolução dessa crise está estritamente vinculada à vontade de poder «da classe operária. O problema reside na transformação da organização sindical em uma imensa máquina burocrática, incapaz de atrair a massa operátia revolucionária: “a máquina esmaga o homem, o funcionalismo esteriliza o espírito criador e o diletantismo banal e verbalístico tenta em vão esconder a ausência de conceitos precisos sobre a necessidade da produção industrial, e a ausência da compreensão da psicologia das massas proletárias”.*?A con-

dução burocrática da liderança sindical tenta sufocar as formas consiliares, na medida em que estas pôem sua dominação em perigo. Por sua própria

formação, essa liderança é incapaz de perceber as novidades que vão ocorrendo nas fábricas, e tenta fazer crer que soviete e sindicato são a mesma

coisa, e que este último já é a base sobre a qual se construirá a sociedade

comunista. É necessário distinguir as duas instituições. Os sindicatos “são o tipo de organização proletária específica do período da história dominado pelo capital. Em um certo sentido pode-se sustentar que é parte integrante da sociedade capitalista, e têm uma função que é inerente ao regime da propriedade privada”.”! Isso não significa desconhecer e negar as grandes vitórias obtidas pela classe através dos sindicatos. Eles disciplinaram o mercado de trabalho. Mas o que lhes dá êxito na luta contra o capitalismo, ou seja a disciplina e a confiança da classe, é também aquilo que os afasta dessa mesma classe. O sindicato representa o proletariado organizado, mas desconhece e 228. "Sindacati e consigli”, ON,

11/10/1919, ON, p. 236.

229. Idem. 230. Para Tasca, de todos os ordinovisti o mais próximo do movimento sindical tradicional, o sindicato tem uma função mais avançada, pois “para defender o assalariado dentro da estrutura do sistema burguês, libera(ndo) finalmente o proletariado da escravidão sob o capitalismo”, tem que dirigir a classe para “superar os limites da economia capitalista e substituí-la pela sua própria economia proletária.”, "| valori...", op. cit., p. 241.

231. Idem, p. 237. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

181

Pr

não representa outra parte desse mesmo proletariado que a ele não aderiu, Confiança e disciplina: eis o que as organizações esperam de seus filiados, Confiança em que elas consigam resolver as questões. E disciplina antes, durante e após as negociações. Já o conselho tem seu lugar na fábrica. Contrariamente à organização. sindical, o conselho vive a vida diária da classe, está acoplado ao proce de elaboração da experiência da classe. O conselho não é um escritório c: tral que organiza e disciplina e a confiança da classe. Ele é o “tipo de organis

zação (...) específica da atividade própria dos produtores”.

Essa distinção é fundamental para a compreensão dos conselhos. assalariado é o proletário considerado do ponto de vista da relação jurídica do trabalho, e o produtor é o proletário enquanto classe e não apenas instrumento. de trabalho. No pensamento liberal existe uma cisão entre cidadão e assalariado, entre política e economia, no pensamento comunista essa cisão desaparece. na figura do produtor, representação plástica da classe. O conselho existe “no trabalho (...) na produção industrial, isto é, em, um fato permanente e não apenas no salário, na divisão de classes, isto é, em um fato transitório e que precisamente se quer superar”.”º Essa presença do conselho no local de trabalho, o fato de não distinguir entre sindicalizados e não-sindicalizados faz com que ele possa representar efetivamente a

classe e não apenas uma parte dela; por isso mesmo o conselho é “o modelo do

Estado proletário”.=4 O conselho trabalha com

uma

nova

psicologia:

A solidariedade operária, que no sindicato se desenvolve na luta contra o capitalismo, no sofrimento e no sacrifício, no conselho é positiva, é permanente, é encarnada também no mais comum dos momentos da produção industrial. Está. contida na consciência feliz de ser um todo orgânico, um sistema homogêneo e compacto que, trabalhando utilmente, produzindo desinteressadamente, a riqueza social,

afirma

ra da história.

a sua

soberania,

realiza o seu poder

e a sua liberdade

criado-

Passamos, na visão gramsciana, da resistência à afirmação da nova soberania. O conselho, contrariamente ao sindicato, é capaz de marcar a diferenciação no interior da classe e, ao mesmo tempo, realizar a sua unificação. O sindicato se baseia no indivíduo, como toda e qualquer associação liberal; o conselho se baseia no coletivo, se baseia na unidade orgânica e concreta do ofício que se realiza no disciplinamento do processo industrial. A equipe percebe que é diferente no corpo homogêneo da 232. “Sindacati e...”, op. cit., p. 238. 233. Idem. 234. Idem. 235. Idem, 182

p. 239. GRAMSCI

EM

TURIM

classe, mas -ao mesmo tempo so sente engrenada no sistema de disciplina e de ordem que toma possível, com o seu funcionamento exato e preciso, o desenvolvimento da produção, Como interesse econômico e político o ofício é parte indistinta e perfeitamente solidária do corpo da classe; distingue-se dele como interesse técnico e como desenvolvimento do instrumento particular que usa no trabalho.*º

A contraposição até aqui esboçada entre sindicato e conselho vai clafificando as opções para a classe trabalhadora. O sindicato é uma organização que, por não mobilizar o trabalhador, ou por fazê-lo restritamente, coloca-se dentro do campo do capitalismo para daí arrancar ao poder do capitalista melhorias em termos de horários, salários, condições de trabalho, mas que em princípio não afetam o essencial: “todos os resultados, todas as vitóras da ação sindical se fundam sobre bases antigas: o princípio da propriedade privada permanece intacto e forte, a ordem da produção capitalista e a exploração do homem pelo homem permanecem intactas e, pelo contrário, se complicam em formas novas."*” O sindicato é também incapaz de educar a massa trabalhadora para o controle da produção. Mesmo como liderança, o sindicato não educa os trabalhadores. Como são escolhidos os seus líderes? Esta escolha não se deve nunca a “critérios de competência industrial, mas de competência meramente jurídica, burocrática ou demagógica”,= O conselho aparece como contestador do poder do capitalista, colocando-se fora da perspectiva capitalista. Contrariamente ao sindicato, o conselho não deseja melhorar as condições de trabalho: ele pretende liquidar o processo de produção capitalista; ele quer eliminar, suprimir a propriedade privada.” A luta entre as duas instituições é feroz.

Gramsci chama

a atenção para o papel “derrotista” desempenhado

pela liderança sindical húngara que, para não perder o controle sobre “suas” bases, acaba por solapar a própria existência da República dos Conselhos da Hungria: e dado que os funcionários (sindicais) não tinham competência técnico-industrial, sustentavam a imaturidade da classe proletária para a gestão direta da produção, 236. Idem,

p. 239-240.

237. “| sindacati e...", op. cit., p. 258. 238. Idem, p. 259. 239. Em contraposição às teses gramscianas, Tasca afirma: “nossa crítica dos erros e enganos do movimento sindical não deve levar-nos a condenar os sindicatos, mas a fortalecê-los (...). Se as funções sindicais hoje se limitassem a discutir salários e horários, sua ação seria tão útil quanto indispensável (mesmo sob estas circunstâncias podemos dizer que se os sindicatos não existissem, deveriamos inventá-los)”. | valori..., op. cit., p. 241. Diz não acreditar na possibilidade de “criar dois organismos

distintos,

os quais,

vivam

do

mesmo

tecido:

a classe trabalhadora.”,

idem,

p. 242.

Tasca

consegue aprovar esse ponto de vista no Congresso da Câmara do Trabalho de Turim. Vai mais além: “Conselhos de fábrica e sindicatos não podem possivelmente atuar na base de um 'pacto de aliança! definindo suas respectivas funções. Eles só podem ter uma função, que é comum a ambos — a libertação do proletariado e a criação da nova ordem na qual a classe revolucionária, tendo conquistado o poder político, possa estabelecer a sua própria economia”, idem, p. 243. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

183

sustentavam

a “verdadeira” democracia,

isto é, a conservação da burguesia nas 8

posições principais de classe proprietária, queriam perpeluar e exasperar o tem das concordatas, dos contratos de trabalho, da legislação social, para terem cj ções de fazer valer a sua competência.”

Tudo fizeram para deter os avanços da classe: “as fábricas tiveram ser socializadas contra a vontade dos sindicatos, embora a socialização fi

o dever por excelência dos sindicatos”.”" Os líderes sindicais esperavam q a revolução proletária se tornasse universal para então aderir a ela. A ad' tência gramsciana sobre a situação contra-revolucionária dos sindicatos âmbito internacional é clara: os sindicatos arruinaram “a base do poder Hungria, determinaram na Alemanha imensas carnificinas de operários com nistas e o nascimento do fenômeno Noske, determinaram na França o fra casso da greve geral de 20-21 de julho e a consolidação do regi Clemanceau, impediram até agora toda intervenção direta dos operários gleses na luta política e ameaçam cindir profunda e perigosamente as fi proletárias em todos os países”. As lideranças sindicais húngaras habituadas às negociações com os capitalistas, sentiram-se na república soviética como peixes fora da água. Ala; caram o partido, construtor da nova ordem, e, para que os sindicatos pel manecessem, sacrificaram aquela república. Mas nem assim escaparam: a tória da reação da burguesia e da nobreza aniquilou as forças proletárias, clusive a dos sindicatos reformistas. E o exemplo da Hungria está bem pj sente para Gramsci que acompanha pari passu a ação dos sindicalistas r formistas italianos. Para os reformistas Gramsci era um anarquista. Os socialistas de c tro e de direita viam nele um sindicalista-revolucionário. Na resposta a essas acusações Gramsci precisa sua posição. Existe uma relação entre sindicalis) e revolução: A teoria do sindicalismo faliu completamente na experiência concreta das revoluções. proletárias (...). O desenvolvimento normal do sindicato é marcado por uma linha de: decadência do espirito revolucionário das massas: aumenta a força material, enlanguesce ou devanesce totalmente o espírito de conquista, o elã vital torna-se preguiçoso, à intransigência heróica sucede a prática do oportunismo, a política do: feijão com arroz. O crescimento quantitativo determina um empobrecimento qualita-. tivo e uma acomodação fácil às formas sociais capitalistas, determina o surgimento.

de uma psicologia operária tacanha, estreita, de pequena e média burguesia.” Já os conselhos produtor. E isso é uma

trabalham no sentido de transformar o assalariado em: nova forma de cidadania, caminhando para uma outra.

240. “| sindacati e...”, op. cit., p. 260.

241. Idem. 242. “Sindacalismo e....”, op. cit., p. 297. 184

GRAMSCI

EM

TUR

realidade social-e estatal: à dos conselhos de operários e camponeses pobres. Ora, os sindicatos são a negação de tudo isso, são defensores de uma política de pequenas vantagens materiais para os operários, e querem, no máximo, “eliminar algumas das ocorrências mais perigosas para a integridade física e moral do operário". Em contrapartida, o movimento dos conselhos é o início de um grande processo histórico no qual a massa trabalhadora adquire consciência de sua unidade indivisa baseada na produção, baseada no ato concreto do trabalho. E dá uma forma orgânica a esta sua consciência, construindo para si uma hierarquia, exprimindo-a do seu mais profundo íntimo, para que ela mesma seja vontade consciente de um fim preciso a conseguir, de um grande processo histórico que culminará irresistivelmente na ditadura do proletariado, na internacional comunista, apesar dos erros que os indivíduos possam cometer, apesar das crises que as condições nacionais e internacionais possam determinar.”

A característica do período imperialista pós-guerra é a modificação tanto da figura do operário quanto a do capitalista: isto é, uma mutação do capitalismo, do Estado, da política. A fábrica, entendida como célula básica do capitalismo, deixou de sê-lo: não existe na fábrica o empresário-proprietário, que tinha a capacidade mercantil (estimulada pelo interesse ligado à propriedade privada) de comprar bem as matérias-primas e de vender melhor o objeto fabricado. Estas funções passaram da fábrica ao sistema de fábricas possuídas pela mesma empresa. E não só: elas se reúnem em um banco ou em um sistema de bancos que assumem a tarefa real de fornecedores de matérias-primas e açambarcadores dos mercados

de venda.

o

Essa passagem do domínio do empresário-industrial para a burguesia financeira altera a composição da própria classe. Agora ela é “representada por uma camada... de vanguarda, a plutocracia: a linha de desenvolvimento histórico da classe capitalista é um processo de corrupção, um processo de decomposição. As funções tradicionais da classe capitalista passaram para as mãos de uma nova camada irresponsável, sem vínculos nem de interesses, nem psicológicos, com a própria produção”.2'º A luta interimperialista teve um papel importante nessa transformação, na liquidação do empresário industrial. E para além dessa transformação se dá outra, a do próprio Estado, que deixa de ser um articulador das diferenças entre os capitalistas para coordenar todo o conjunto da produção industrial. A partir dessa intervenção estatal se desmistifica o papel do empresário industrial que, com sua “capacidade e iniciativa”, era o único que poderia dirigir a produção. Onde fica essa figura? “Ela se desvaneceu, se liquefez no 243. Idem,

p. 300.

244. Idem,

p. 300-301.

245. “Lo strumento..

op. cit. p. 415.

246. “Loperaio...”, op. cit., p. 432. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

185

processo de desenvolvimento do instrumento de trabalho, no processo de desenvolvimento do sistema de relações técnicas e econômicas que constis tuem as condições de produção e de trabalho”. A crise da produção é tal que ela é incapaz de garantir a sobrevivência. tanto do operário, quanto da burguesia e de seus agentes. O desenvolvimento. dos instrumentos de produção não é mais suficiente, pelo menos sob a forma pela qual são geridos. Manter a atual forma de governo desse instrumento é:

condenar a civilização européia à morte. A luta pelo controle desse instrumen-. to é pois tarefa essencial para a sobrevivência da classe operária e para a construção de uma nova ordem social. Essa luta só pode ser perfeitamente compreendida colocando as relações sociais que existem entre os operários e as múltiplas determinações do conjunto da produção: as máquinas, as hierarquias, o sistema fabril, a especialização, as relações cidade-campo, ou melhor, indústria-agricultura, o comércio interno e externo, o Estado.

A classe operária se identificou com a fábrica, se identificou com a produção: o pro-. letariado não pode viver sem trabalhar, e sem trabalhar metódica e ordenadamente, A divisão do trabalho criou a unidade psicológica da classe social, criou no mundo. proletário aquele corpo de sentimentos, de instintos, de pensamentos, de costumes, de hábitos, de afeto, que se resumem na expressão: solidariedade de classe. Na fábrica, todo proletário é levado a conceber a si mesmo como inseparável dos seus companheiros de trabalho (...). Quanto mais o operário se especializa em um gesto profissional, tanto mais sente a indispensabilidade dos companheiros, tanto mais sente ser a célula de um corpo organizado, de um corpo intimamente unificado e coeso; tanto mais sente a necessidade da ordem, do método, de precisão, tanto mais sente a necessidade de que todo o mundo seja como uma única e imensa fábrica, organizada com a mesma precisão, o mesmo método, a mesma ordem que ele verifica ser vital na fábrica em que trabalha: tanto mais sente a necessidade de que a ordem, a precisão, o método que vivificam a fábrica sejam projetadas no sistema das relações que liga uma fábrica a outra, uma cidade a outra, uma nação a outra.?*

Os reformistas e os oportunistas sempre falaram que o comunismo. só se realizaria pelo desenvolvimento do instrumento de produção. Mas não perceberam, ou não quiseram perceber, que o operário na sua própria produção, poderia dominar esse instrumento. A experiência dos conselhos de fábrica demonstra o contrário: “Os comícios, as discussões para a preparação dos Conselhos (...), favorecem a educação da classe operária mais do que dez anos de leituras de opúsculos (...). A classe operária comunicou-se as experiências reais dos seus componentes individuais e delas fez um patrimônio coletivo: a classe operária educou-se comunisticamente, com seus próprios meios, e com seus próprios sistemas”. 247. “Lo strumento...”, op. cit., p. 415. 248. “Loperaio...", op. cit., p. 433. 249.

186

“Lo

strumento...”,

op. cit,

p. 414.

GRAMSCI

EM

TURIM.

Esse processo de domínio técnico sobre a produção liberta progressi-

vamente o operário da necessidade do técnico, dá-lhe maior autonomia, malor autoconfiança, disciplina-o melhor. O comissário acaba por ser a sínte-

ne da “consciência unitária” da seção, assim como o conselho o é de todos

os operários

da fábrica, A classe obtêm

assim

um altíssimo grau de autonomia no campo da produção, porque o desenvolvimento da técnica industrial e comercial suprimiu todas as funções inerentes à propriedade privada, à pessoa do capitalista. A pessoa do proprietário privado automaticamente expulsa do campo industrial da produção, alinhou-se no poder do Estado monopolizador da distribuição do lucro. À força armada mantém a classe operária em uma escravidão política e econômica tornada anti-histórica, tornada fruto de decomposição e ruína.

Os conselhos realizam, portanto, o grande passo para a revolução comunista: dão “à classe operária consciência do seu valor atual, da sua função real, da sua responsabilidade, do seu futuro. A classe operária tira as con-

sequências da soma de experiências positivas que os indivíduos obtêm

pes-

soalmente e adquire a psicologia e o caráter de classe dominante, e se organiza como tal, isto é, cria o soviete político, instaura a sua ditadura”.*! Por isso mesmo, Gramsci afirma que “a construção dos sovietes políticos comu-

nistas não pode senão suceder historicamente ao florescimento e a uma primeira sistematização dos conselhos de fábrica”.

CONSELHOS, PARTIDO ESINDICATOS A caracterização gramsciana

do processo

revolucionário é clara;

A revolução proletária não é um ato arbitrário de uma organização que se afirme

revolucionária, ou de um sistema de organizações que se afirmem revolucionárias. A revolução proletária é um longuíssimo processo histórico que se verifica no surgimento e no desenvolvimento de determinadas forças produtivas (que sistematizamos na expressão “proletariado”), em um determinado ambiente histórico (que sintetizamos nas expressões “modo de propriedade individual” e “modo de organização da sociedade no Estado democrático-parlamentar”). Em uma determinada fase deste processo, as novas forças produtivas não podem mais desenvolver-se e sistematizar-se de modo autônomo nos esquemas oficiais em que se desenvolve a convivência humana. Nesta fase determinada ocorre o ato revolucionário que consiste um esforço dirigido a romper as máquinas do Estado burguês e a constituir um tipo de Estado em cujos esque-

mas as forças produtivas liberadas encontrem a forma adequada ao seu desenvolvi-

mento ulterior, à sua expansão ulterior, em cujas organizações encontrem a direção e as armas necessárias e suficientes para suprimir os seus adversários.4 250. Idem, p. 416. Grifo nosso. 251. Idem, p. 413. 252. Idem. 253. “Il consiglio di fabbrica”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

5/6/1920, LON,

p. 532. 187

Assim definido o processo revolucionário fica claro que tanto o PSI quanto os sindicatos reformistas pouco ou nada têm a ver com a revolução, A passagem do capitalismo a sua fase monopolista retirou das velhas organizações operárias o seu caráter radical. Não se trata de negar a importância. dos sindicatos, mas de vê-los à luz da história da classe e perceber as transformações necessárias para que continuem a ser elementos importantes do: ponto de vista da classe. A autonomia que a massa trabalhadora vai obtendo, no e pelo conses lho de fábrica, caminha no sentido de perceber os limites da legalidade

industrial da qual os líderes sindicais são simples funcionários. Essa legalida-

de tem valor enquanto as condições gerais são desfavoráveis à classe. O sin= dicato é revolucionário se consegue dirigir toda a classe que representa no.

sentido de alterar a relação de forças vigentes, “se eles desenvolvem

todo o

trabalho de preparação espiritual e material necessário para que a classe operária possa, em um determinado momento, iniciar uma ofensiva vitoriosa contra o capital e submetê-lo à sua lei”.>* Nesse novo sentido histórico o conselho de fábrica é “uma instituição absolutamente original, que não pode ser confundida com o sindicato, que. não

pode

ser coordenada

e subordinada

ao

sindicato,

mas

que,

pelo

contrário, com seu nascimento e o seu desenvolvimento, determina mudan-

ças radicais na estrutura e na forma do sindicato”.”* O relacionamento conselhos-sindicatos torna-se a questão central do período revolucionário que a Itália está atravessando, A classe operária torna-se revolucionária não mais no sentido em que ela se recusa genericamente a colaborar com as instituições de governos da classe burguesa, não mais no sentido em que ela representa uma oposição no campo da democracia, mas no sentido de que toda a classe operária, que se encontra na fábrica, inícia uma ação que deve necessariamente desembocar na fundação de um Estado operário, que deve necessariamente conduzir a configurar a sociedade humana em uma forma que é absolutamente original, em uma forma universal que abarca toda a Internacional operária e, portanto, toda a humanidade.*%

O operário, que se transformara na fábrica em um

instrumento de pro-

dução superior adquire consciência disso e cria uma nova instituição: acaba por fundar

“um

aparelho

representativo de tipo estatal (isto é, não-voluntá-

rio, contratualista, por via de filiação, mas absoluto, orgânico, aderente a uma realidade, que é necessário reconhecer se se quer ter assegurado o pão, a roupa,

o teto, a produção

254. “Sindacati e consigli", ON,

industrial); se o operariado,

se a classe operária

12/6/1920, LON, p. 548.

255. “La relazione Tasca e il Congresso camerale di Torino”, ON, 5/6/1920,

LON,

p. 540-541.

256. “Il consiglio...”, op. cit., p. 534. 188

GRAMSCI EM

TURIM

faz isto, (..) eta intela uma

que devem

história nova, Inicia a era dos

Estados

conflulr na formação da sociedade comunista"?

operários

Gramsci salienta que, ao subtrair-se ao poder do capitalista na fábrica, o operariado realiza a primeira, e mais fundamental, de todas as expropriações: a do instrumento de produção que é ele próprio. A classe operária afirma assim que o poder industrial deve retornar à fábrica, põe novamente a fábrica, do ponto de vista operário, como forma em que a classe operária se constitui o campo orgânico determinado, como célula de um novo Estado, o Estado operário, como base de um novo sistema representativo, o Sistema dos conselhos. O Estado operário cria desde já, dado que nasce segundo uma configuração produtiva, as condições do seu desenvolvimento, do seu dissolver-se como Estado, do seu incorporar-se orgânico em um sistema mundial, a Internacional

comunista.8

É no quadro do movimento consiliar que que redefinir-se, isto é, “o partido e o sindicato tutores ou como superestruturas já constituídas” central da relação conselho-sindicato radica-no O conselho a nega, o sindicato a afirma:

os sindicatos e o partido têm não devem colocar-se como =º dos conselhos. A questão valor da legalidade industrial.

O sindicato é responsável perante os industriais, mas o é enquanto é responsável diante dos seus organizados: ele garante a continuidade do trabalho, do salário, do pão e do teto, ao operário e à família do operário. O conselho tende, por sua espontaneidade revolucionária, a desencadear em todos os momentos a guerra das classes; o sindicato, por sua forma burocrática, tende a não deixar que a guerra de classe venha jamais a ser desencadeada.” [O equilíbrio entre as duas instituições deve ser tal que] o conselho aceite e faça sua a disciplina do sindicato, (...) em que o caráter revolucionário

do conselho

tenha

um

influxo sobre

o sindicato,

seja

um reagente que dissolva a burocracia e o funcionalismo sindical.*!

A saída da legalidade industrial deve ser, portanto, resultado de uma ação disciplinada da classe e não um “estouro” das paixões desencadeadas de maneira absolutamente irresponsável.” A possibilidade do equilíbrio é dada 257. Idem,

p. 535.

258. Idem, p. 536. Grifo nosso. 259. Idem,

p. 536-537.

260. “Sindacati e...”, op. cit., p. 548. 261. Idem, p. 548-549. 262. Tasca ironiza a possibilidade da “saída da legalidade": "Quando o conselho sai da legalidade, o patrão por meio dos guardas reais o faz... sair da fábrica, e então os operários vêm ao sindicato, à Câmara do Trabalho: o fato passa à esfera da organização que não pode mais e não pode nunca permanecer à parte; e então é necessário que a organização — a qual não pode somente 'dar assistência” aos operários de uma dada fábrica nas suas tentativas de 'sair da legalidade", mas recebe logo, por tabela, em pleno peito o choque que aqueles operários sofreram na luta contra o industrial — possa intervir não apenas para apagar o incêndio ou para 'acabar com o morticínio"."Polemica sul programa dell'Ordine Nuovo (Il), ON, 3/7/1920, ONCF, p. 283. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

189

pelo fato de que a maioria dos elementos do conselho está organizada sil calmente. Não deve haver relação de dependência hierárquica entre eles. o sindicato domina o conselho, este acaba por esterilizar-se, acaba por der-se como instrumento revolucionário. A força do conselho consiste no fato de que ele adere à consciência da operária (...) que quer emancipar-se autonomamente, que quer afirmar a sua li dade de iniciativa na criação da história: toda a massa participa na vida do c lho e sente ser algo por esta sua atividade. Na vida do sindicato participa um mero restritíssimo de organizados; a força real do sindicato está neste fato, neste fato está também uma fraqueza, que não pode ser posta à prova se

gravíssimos perigos.%*

Se, pelo contrário, o sindicato absorve a psicologia própria do con: lho, ele tende a desencadear a guerra de classe a todo o momento e “perd: ria o seu caráter de força disciplinadora e reguladora das forças impulsi da classe operária”. Diante da realidade italiana, as lideranças sindicais são defensoras ri dicais da legalidade industrial, colocam-se praticamente do ponto de vista dos capitalistas. A intervenção partidária é então decisiva. Gramsci coloca o papel dos comunistas, a fração mais avançada do PS, no processo de luta: constituindo grupos organizados permanentemente nos sindicatos e nas fábricas (eles) devem transportar para os sindicatos e fábricas as concepções, as teses, a tática da, Terceira Internacional. Devem influenciar a disciplina sindical e determinar os fins, devem influenciar as deliberações dos Conselhos de fábrica e fazer com que os impulsos à rebelião, que nascem das situações que o capitalismo cria para a classe operária, se tornem consciência e criação revolucionárias.**

Do nosso ponto de vista, essa articulação conselho-sindicato só pode: ser rigorosa se lembrarmos que o sistema dos conselhos é a organização de. toda a classe, seu poder deliberativo e executivo ao mesmo tempo. Os conselhos não se reduzem à massa “organizada” pelos conselhos, e nem àquela “organizada” pelo partido. Assim, os conselhos são órgãos políticos da classe diversificada, ainda não unificada política e economicamente; eles são o locus do debate. Os grupos comunistas devem proclamar: “todo o poder aos conselhos”, devem participar dos conselhos, como produtores, não como cidadãos ou assalariados, e devem tratar de tornar-se maioria aí dentro. Trata-se, do nosso ponto de vista, de fazer o partido (e o sindicato) entrarem neste Estado potencial e, aí, na luta contra as outras ideologias e orientações reali-

zar a sua hegemonia. Trata-se, portanto, de fazer o partido viver a legalidade

do novo

Estado,

de convencer,

de persuadir, de guiar as massas,

dando-lhes

263. “"Sindacati e...", op. cit., p. 549-550. 264. Idem,

p. 550.

265. Idem, p. 551. 190

GRAMSCI EM

TURIM

organicidade

e trabalhando a partir delas e com

elas, Trata-se, enfim,

para o

partido de fazer-se classe, e não de dominá-la, O partido é o momento, deve sê-lo, da democracia operária, do Estado operário. Cremos

partido sempre

ser a partir dessa

posição que

se pode

entender

Gramsci.

ou

O

foi o local a partir do qual ele examinou a realidade operá-

rla, suas novas instituições. É dessa perspectiva que ele pode falar da crise do PS e da CGT, e pode propor os conselhos. Se o PS falhou irremediavelmente, trata-se de expulsar os reformistas, de dar nova vida e nova orientação aos organismos partidários, enfim, transformá-los de fato e de direito no Partido Comunista. Se o PS não pode trabalhar nos conselhos, e os teme, o PC, na visão gramsciana, deve atuar aí, deve fazer-se maioria, deve exercer o comando. Que coisas separam os conselhos do partido e do sindicato? como a classe operária se representa ou se percebe nessas instituições? [0] conselho de fábrica é uma instituição! de caráter “público” enquanto o partido e o sindicato são de caráter “privado”. No conselho de fábrica, o operário faz parte como produtor, isto é, (...) em conseqiiência de sua posição e de sua função na sociedade, do mesmo modo que o cidadão começa a fazer parte do Estado democrático-parlamentar. No partido e no sindicato, o operário faz parte “voluntariamente”, assinando um compromisso escrito, assinando um “contrato”, que ele pode romper a qualquer momento: o Partido e o sindicato, por este seu caráter de “voluntariedade”, por este seu caráter “contratualista”, não podem ser de modo algum confundidos com o conselho, instituição representativa, que se desenvolve não aritmética, mas morfologicamente, e tende, nas suas formas superiores, a dar o selo proletário ao aparelho de produção e de troca criado pelo capitalismo **

Examinemos as relações entre as instituições contratualistas. Qual deve ser no momento revolucionário a hierarquia destas instituições? E como ela se apresenta? Em princípio, não parece haver dúvida nem muitos problemas com a idéia de que compete ao partido guiar a classe na sua luta. A liderança do partido sobre a classe, expressando-a, deve incorporar o sindicato. Ora, se a organização sindical expressa as relações de compra e venda da mercadoria força de trabalho, pode parecer infantil que essa organização possa conduzir o processo político da classe. No entanto, a realidade italiana mostra como a organização política da classe, o partido, acabou por se submeter à organização de defesa econômica. A ausência do partido em todas as questões fundamentais da classe, e o predomínio dos reformistas dentro do partido deixam espaço político para que a burocracia sindical comande a classe. Sempre que há alguma luta, ainda que meramente corporativa, é a burocracia sindical que aparece. O partido sempre se omite. O famoso pacto entre a direção sindical e

a partidária demonstra o quanto o partido abdicara de suas tarefas. Se a situação italiana é revolucionária, se “a agitação pode, imprevistamente, transformar-se de corporativa em agitação política, como poderia e 266. “Il programa dell'Ordine Nuovo EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

(Il)", ON,

28/8/1920,

LON,

p. 623-624. 191

como pode o partido permanecer estranho, assistir como simples especl dor a tais agitações?"*” Para os que pretendam realizar o espírito da Inte cional Comunista trata-se de politizar aquelas questões: não

só deve

ser absurdo

que

do

“alto”,

do

centro,

das

mãos

dos

inscritos

partido, partam agitações de caráter estritamente corporativo, mas se de bai, das massas, parte o estímulo para o movimento por horários e por salários, t as energias devem ser desencadeadas para, adequadamente, organizar e ed as massas, para dirigir esses estímulos para os objetivos máximos da clas:

operária, para abater o poder burguês e instaurar o poder proletário.**

E isto é tão necessário quando se tem presente que a classe operária pode ir além pelas vias sindicais. A tarefa do partido deve ser a de conduzir processo revolucionário, integrando em seu movimento a organização sin submetendo-a ao seu comando. Submeter à disciplina partidária os burocral sindicais significa pôr fim à esdrúxula situação de poder desses funcionários q! pela omissão do partido acabam por comandar a classe. Gramsci relembra que, já desde Zimmerwald, Lenin afirmara a neces» sidade dos grupos socialistas de fábrica e de sindicato e que passado tan! tempo o problema sequer tenha sido discutido pelo partido que aderira à querda zimmerwaldiana e depois à Internacional Comunista.

O problema do partido não termina aí. Como

sua incapacidade

em

relação à burguesia:

decorrência lógica de

relação à classe operária, ele é também

incapaz em

Os capitalistas constituítam, em brevíssimo tempo, uma organização sindical: fortíssima, ligada aos fasci, à guarda real, ao militarismo ávido por impor a ditadus: ra do sabre; os capitalistas dedicaram centenas de milhões (de liras) para tornar. eficaz a sua organização, criaram panfletos para difundir notícias falsas e para conduzir uma incessante campanha de difamação e denegrimento dos chefes d sindicatos operários; (...) Todo esse trabalho de organização do capitalismo escapou ao Partido, ou, se não escapou, foi visto apenas do ponto de vista “literário”, do ponto de vista de quem se crê socialista e revolucionário porque comenta; “Eu disse que os burgueses são reacionários, tinha razão Marx”, etc., etc,“

Obviamente, dentro desse jogo as instituições voluntárias, contratualistas, têm o desejo de esmagar os conselhos. Estes aparecem como movi-

mentos de insubordinação das massas “despreparadas” dirigentes.

Por isso mesmo

contra os “sábios”

o partido e os sindicatos estarão unidos

para im-

pedir que o proletário se liberte da dominação capitalista e da deles...

267. “Partito e sindacati”, ON,

21/8/1920,

ON,

p. 632.

268. Idem. 269. Idem, p. 634. Gramsci refere-se à ação dos industriais na greve dos ponteiros. Grifo nosso.

192

GRAMSCI EM TURIM

RENOVAR OU CINDIR! DAS LUTAS OPERÁRIAS À FUNDAÇÃO Do PCD!

“À CLASSE NÃO IMPORTA QUE UMA DERROTA SUA DERROTA SEJA DEVIDA À BOA OU MÁ FÉ,

O QUE IMPORTA É NÃO SER DERROTADA, IMPORTA CHEGAR A LIBERTAR-SE, CHEGAR REALMENTE A SUPRIMIR AS CLASSES E, ASSIM, SUPRIMIR O ESTADO. ” (QuE ENTENDEMOS POR “DEMAGOGIA ”

O SIGNIFICADO DAS ELEIÇÕES luta eleitoral é, segundo Gramsci, intervenção do partido na luta pela aos reformistas, que tem uma visão basta eleger deputados; aos bordiguistas,

uma oportunidade importante para a (conquista das massas. Contrariamente liberal do processo, que acreditam que que pregam a abstenção nas eleições,

Gramsci propõe a utilização revolucionária da agitação eleitoral.!

As eleições variam no seu significado de acordo com o ponto de vista classista. Para a burguesia, é uma questão de sobrevivência. Por isso, ela gasta milhões para vencer as eleições. Controlar o Parlamento significa controlar o “seu bastião mais válido e mais poderoso: o Estado parlamentarburocrático, o organismo central de sua força, o organismo que dirige toda a atividade econômica e espiritual da nação, que reuniu a direção de todas as fábricas, de todas as empresas agrícolas, em uma única direção suprema de todo o aparelho nacional de produção”.? Controlar o Parlamento significa, pois, uma poderosa ação anti-revolucionária. Além disso, as classes proprietárias têm fundamentalmente a necessidade de uma maioria tranquila no Parlamento para poder governar os seus negócios, à revelia da nação e além disso aniquilar o progressivo crescimento político das classes operária

e camponesa.

Para estas, a eleição tem um outro significado. Para elas, a eleição de um número alto de deputados socialistas significa tornar impossível o exercício do poder das classes proprietárias e para tal não é necessário que parlamentares; basta ra não poderia mais ria crise sobre crise, a sair da sua apatia,

o partido socialista obtenha a metade mais uma das cadeiras que o partido socialista obtenha cem deputados (...). A câmafuncionar como base de governo, como base de poder. Haveagitação sobre agitação, as grandes massas seriam obrigadas a sacudir sua falta de energia, e a entrar no sistema de forças

|. Em Bolonha, no XV Congresso do PSI, o grupo abstencionista conseguiu maioria serratiana conseguiu 48.966 votos e a direita, favorável à fidelidade obteve 14.935 votos. Durante todo o período que estudamos, a posição de ção eleitoral, porque o Parlamento e as eleições são vistos por ele como ideológica e de diversionismo das massas em relação à revolução. 2. “Lotta antiboghese”, EDMUNDO

FERNANDES

A, 15/11/1919, DIAS

LON,

apenas 3.359 votos. A ao programa de 1892 Bordiga é pela abstenelementos de confusão

p. 312. Grifo nosso. 195

revolucionárias para colaborar com o proletariado de vanguarda na derrubada classe patronal, e na fundação orgânica da sociedade comunista,”

di

Apatia, falta de energia, desorganização: eis a situação em que a € se trabalhadora se encontra. A guerra já havia começado a mobilizar as m: sas apesar de tudo. Premidas, tiranizadas, exploradas, esfaimadas pela implacável máquina do Es

burguês, as massas adquiriram um sentido e uma direção. O individualisi animalesco, próprio das populações atrasadas e sem cultura, morreu. Os homer agruparam-se, a humanidade italiana tornou-se sociedade finalmente. Mas, qual é à sentido e a direção das massas? Há um sentido único e uma direção única, cons ciente, em todo o movimento social, ou há ainda apenas uma multiplicidade movimentos decompostos de quem se procura a si mesmo, de quem sente a p pria inorganicidade e procura tornar-se um organismo unitário, uma capacida

uma disciplina.*

A resposta é que

ajudar a consegui-la.

falta ainda essa direção e o processo eleitoral

Essa é a importância da campanha

pod

eleitoral:

Uma das condições do triunfo da revolução é a organicidade unitária e centralizad

da psicologia popular, é então a existência da sociedade humana com uma confik guração real e precisa. Era necessário um acontecimento pré-revolucionário q! fizesse convergir a atenção das massas simultaneamente sobre seus próprios pro blemas e sobre as soluções que destes problemas propunham as várias correnti políticas. Era necessário que a classe dirigente, por um lado, e as multidões, p outro, fossem obrigadas a assumir uma fisionomia; a sair do indistinto genérico: tumultuoso produzido pela guerra, a distinguir-se, diferenciar-se em tendências e em

correntes unitárias*

A eleição tem, então, essa dupla finalidade: por um lado, ampliar os trastes e, portanto, fazer com que as classes operária e camponesa tomem co ciência da sua situação e, por outro, desmistificar a identificação entre Parlame: e nação: eleitos em número relevante, os deputados socialistas “obrigarão partidos políticos burgueses a formar um truste de defensores da classe pro prietária e a desmascarar-lhe a ditadura”. Os militantes socialistas, pelo seu. número, devem “obrigar os partidos burgueses a se unificar, devem pôr ui termo à concorrência dos partidos políticos na esfera governamental e pi mover também nessa esfera a concorrência das classes, a luta de classes pelo. poder social”.º Unificando

os partidos

da burguesia,

os socialistas demonstrariam

unidade real desses partidos, na sua aparente diversidade, mostrando assim 3. Idem, p. 312-313. 4. “| risultati chi attendiamo”, A, 17/1/1919, LON,

p. 320.

5. Idem, p. 321. Grifo nosso. 6. "Lotta...", op. cit, p. 313. 196

GRAMSCI EM

TUR

a.

o Parlamento como local de manipulação das massas. Fazer muitos deputados não é pretender o poder via parlamentar. Muito pelo contrário: “Os socialistas querem enviar muitos militantes ao Parlamento para romper o encanto da “soberania popular, para golpear a classe proprietária no seu cerne, no seu governo, no seu organismo de controle do aparelho nacional de produ-

ção e de troca”.”

Lutar dentro do Parlamento, nessas condições, possibilitará fazer com que “a burguesia demonstre a sua absoluta incapacidade de satisfazer as necessidades das multidões”.' Ou seja, as multidões têm que se convencer “experimentalmente de que subsiste um dilema claro e cru: ou a morte pela fome, a escravidão de um tacão estrangeiro sobre a nuca que obrigue o operário e o camponês a morrer sobre a máquina ou sobre parcelas de terra, ou um esforço heróico, um esforço sobre-humano dos operários e camponeses Italianos para criar uma ordem proletária”, para suprimir a classe proprietária e eliminar qualquer razão de desperdício, de improdutividade, de indisciplina, de desordem.” A agitação eleitoral permite mobilizar as massas, clarificar para elas mesmas a sua situação, diferenciá-las da burguesia, suprimi-las ao comando ideológico burguês. Contrariamente a isso atua a tentação de “tomar” o poder pelo golpe. A violência golpista necessariamente desmobiliza a maioria da população, que passaria a ser presa das forças do capitalismo. Trata-se, pois, de ganhar as massas, ideológica e politicamente, da direção proletária organizar “material e espiritualmente esta maioria de indolentes e preguiçosos. É necessário que a

vanguarda revolucionária suscite, com os seus meios e os seus sistemas, as con-

dições materiais e espirituais nas quais a classe proprietária não consegue mais governar pacificamente as grandes massas de homens”.'º O PSI, apesar de vencer a disputa eleitoral, ser o partido mais forte eleitoralmente, dominado pelos reformistas (no Parlamento) e pelos maximalistas

(na direção partidária), mantém-se

nada”, no nullismo proletárias:

em uma

revolucionário, com

o que

imensa agitação, no “tudo ou perde

contato com

as massas

o país é percorrido por calafrios de febre, as forças dissolventes da democracia burguesa e do regime capitalista continuam a agir implacável e desapiedadamente e o partido não intervém, não ilumina as grandes massas dos operários e dos camponeses, não justifica a sua ação e a sua inação, não lança palavras de ordem que acalmem a impaciência, que impeçam as desmoralizações, que mantenham cerradas as fileiras e forte a coesão dos exércitos operário e camponês. O partido, 7. Idem. Grifo nosso. 8. "l rivoluzionnari e le elezioni”, ON,

IS/[I/1919, LON, p. 317.

9. Idem. Grifo nosso.

IO. Idem, p. 316. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

197

que se tornara a maior energia histórica da nação Italiana, caiu em crise infantilismo político, é hoje a maior das fraquezas da nação italiana. Não es;

deveras que em tais condições propícias, o nullismo reformista e a fras:

pseudo-revolucionária anárquica (dois aspectos de tendência pequeno-burguesas pululem e se desenvolvam com impressionante rapidez."

Ora,

é preciso renovar o partido, derrotar os reformistas que são|

partido dentro do partido e que controlam os lugares-chave tanto no

mento quanto na confederação sindical. Essa renovação, fundamental, que o partido consiga evitar sua derrocada, se fará pela sua transform em uma efetiva seção da Terceira Internacional. As massas organizadas devem tornar-se senhoras dos seus organismos de luta, vem “organizar-se em classe dirigente” antes de mais nada nas suas próprias tituições, devem fundir-se com o Partido Socialista. Os operários comunistas, os volucionários (...) devem renovar o partido, dar-lhe uma forma e uma direção cisas; devem impedir que os oportunistas pequeno-burgueses o reduzam ao nível

tantos partidos do país de Polichinelo.!?

11. “Primo: Rinnovare il partito”, ON,

24-31/1/1920, LON,

p. 394-395. Grifo nosso.

12. Idem, p. 397-398.

198

GRAMSCI EM TUI

ABRIL DE 1920, ENSAIO DA LUTA classe trabalhadora ainda não está unificada. Não é apenas o operário de fábrica, mas é também o camponês, o artesão, etc., o que leva a um problema específico: o da unidade desse conjunto. O processo da revolução comunista enfrentará uma série de contradições. Despedaçado o Estado burguês, despedaçado o aparelho do qual o capitalismo fi-

nanceiro se serve para monopolizar aos seus interesses todo o trabalho e toda a

população, o artesão pode tentar servir-se do governo socialista para desenvolver o seu negócio, assalariar operários, tornar-se um industrial; se o governo proletário não o permitir, o artesão pode tornar-se um rebelde, declarar-se anarquista, individualista (...) e formar a base política para um partido de oposição ao governo proletário. O pequeno proprietário (ou o camponês pobre do regime agrário de latifúndio, de cultura extensiva), pode abusar do fato de que, transitoriamente, enquanto durem as condições de abastecimento criadas pela guerra, um quilo de batata pode valer mais que uma roda de automóvel, um pão pode valer mais do que um metro cúbico de construção de muros, para exigir em troca do seu trabalho não-industrializado

e por isso economicamente

pobre,

um

trabalho

dez vezes

superior do proletário; e se o governo proletário não permite ao camponês substituir ao capitalista na exploração do operário, eis que o camponês pode rebelar-se, e encontrar entre os agentes da burguesia o grupo que se constitua como partido político dos camponeses contra os proletários. Em todas essas esferas do trabalho, que não podem deixar de ter direitos políticos no Estado operário, destas esferas de trabalho nas quais o industrialismo capitalista não conseguiu ainda criar as condições de trabalho proletário, do trabalhador que não é proprietário e que, é matematicamente certo, não se tornará proprietário, podem nascer depois da revolução, forças políticas antiproletárias, forças políticas que tendam a fazer renascer a propriedade

capitalista e a exploração da classe operária.!º

Isto só será evitado se o operariado e o campesinato estiverem ligados na mesma ação revolucionária. O problema fundamental para essa revolução será então conseguir criar uma organização estatal que tenha os meios de industrializar a agricultura, “que consiga pôr o camponês nas mesmas condições de trabalho do operário, para que seja possível trocar uma hora de trabalho agrícola por uma hora de trabalho industrial, para que o proletá13. “Partito di governo e classe di governo”, ON, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

28/2 a 6/3/1920, LON,

p. 445-446. 199

rio não

seja aniquilado

pelo camponês

na troca de mercadorias

em condições de trabalho absolutamente

incomparáveis”,

produzi

O partido socialista é, no quadro dessa luta, um elemento vital. Em ra seja o partido dos operários, ele tem que colocar-se como vanguarda d, classes trabalhadoras para difundir na massa as teses marxistas pelas qui se explica o destino comum dessas massas no capitalismo, ou seja, a 5 proletarização. Mas, para tornar-se partido de governo, ele precisa colocaj claramente para as massas a questão da revolução, quando disser: a revolução proletária resolverá de tal ou qual modo tais e q problemas da vida moderna que assaltam e desesperam as massas humanas. (... [quando] indicar as formas e os modos com os quais a classe operária atinge, seu ordenado e metódico trabalho proletário, (...) suprimir todos os antagonismos todo o conflito que pode emergir das condições em que o capitalismo deixa a so»

ciedade, e (...) [quando] fundar a sociedade comunista. Preparar a classe operái que tem interesse vital em fundar o comunismo zar o proletariado em classe dominante."

ponesa.

(...) significa precisamente or;

Ainda uma vez é preciso insistir na questão da aliança operário-camEla é necessária, inclusive, por questões de sobrevivência do proces-

so revolucionário. O enfrentamento que o Estado pretende travar com a clas-. se trabalhadora terá efeito diferente, caso seja lançado contra o proletariado: urbano ou contra o campesinato.

Se os operários, centralizados nas cidades industriais, serão os principais atores da revolução comunista, os principais atores da ação pré-revolucionária serão, pelo contrário, as massas camponesas. Os movimentos das massas do campo aniquilarão. definitivamente o poder do Estado burguês, porque lhe aniquilarão as forças milita-. res. Nenhum exército basta para domar o campo em revolta; os regimentos que parecem invencíveis se lançados nas ruas de uma cidade, tornam-se um brinquedo na imensidade dos campos; os canhões, as metralhadoras, os lança-chamas que decapitariam as massas operárias nas ruas e nas praças sem saídas, são impoten-

tes na imensidão dos horizontes do campo.!º

No entanto, quando em abril de 1920” se dá o enfrentamento, nada dis-

so ocorre. À greve geral, provocada pelos capitalistas, com a tentativa de reduzir

os conselhos à impotência, mobiliza a massa trabalhadora mas não o PSle a CGT. Cinquenta mil trabalhadores, sobre um total de noventa mil, em Turim, estão em greve. Não se trata de uma luta corporativa, mas de uma luta abertamente política: o que está em jogo são os direitos políticos operários. Trata-se de impedir que o exercício da democracia consiliar nas fábricas seja mais efetivo. I4. “Il problema della forza”, A, 26/3/1920,

LON,

p. 474.

15. “Partito...”, op. cit., p. 446-447, 16. “Il problema...”, op. cit., p. 474. Grifo nosso. 17. Ver anexo histórico.

200

GRAMSCI EM TURIM

|

As lutas de categorias se estendem e se fazem mais intensas, novas batalhas se travam, que exigem uma tática diversa da habitual (...). E a situação se agudiza. Assim o sente todo operário; sente de modo mais ou menos claro que vive em um

momento que para a história da sua classe pode ser decisivo, em que tudo pode

estar em jogo, tudo arriscado, tudo talvez perdido. Nunca como hoje o participar na ação da classe aparece como deve realmente ser: esforço por dominar uma realidade, de não se deixar arrastar por um mecanismo que age exteriormente a nós, tensões de todas as vontades, ânsia de todas as consciências.!*

O enfrentamento é fundamental. Os industriais não apenas querem des-

carregar todo o seu poder contra os conselhos, mas também fazer cair sobre eles o poder do Estado. A cidade cercada militarmente mostra que o clima da luta de classes é quase o da guerra civil. A ação dos capitalistas clarifica a luta: Rendemos graças deste fato aos senhores industriais, rendemos graças de ter tornado evidente para todos, se ainda fosse necessário, quais são os termos das relações de força. Se ainda havia alguém entre nós que nutrisse ilusões, se alguns dos nossos operários pudesse crer legítima a limitação do horizonte revolucionário ou do horizonte insurrecional nas fábricas ou na cidade, se alguém encontrava dificuldade de realizar o caminho ascensional que faz com que as autoridades da fábrica não apareçam mais como um elemento e um correspondente da autoridade do Estado, se estes incertos, se estes iludidos existiam, a lição foi dada para eles. Luta-se pela

disciplina na fábrica e o poder do Estado está ainda presente, ativo, insuperável."

A luta de classes é educativa: no enfrentamento aberto, a tomada de consciência pelos incertos se realiza, a vontade dos revolucionários se fortalece. A relação entre o poder na fábrica e o poder do Estado se esclarece. A

ninguém mais é dado ter ilusões.

O que torna possível que essa batalha se trave em Turim? Ela será realizada aí porque esta é a cidade operária por excelência, porque ela é como

uma única fábrica. Porque aí os conselhos de fábrica sintetizam a experiên-

cia da classe operária, ção comunista.

transformam

o entusiasmo

revolucionário em

educa-

Na nossa cidade, nestes últimos meses, concentrou-se, acumulou-se uma massa de energias revolucionárias que a todo custo tende a expandir-se, procurando um caminho de saída. E o seu caminho de saída não pode ser por ora uma laceração local, perigosa, talvez fatal; deve ser um aumento de intensidade da obra de preparação em todo o país, uma difusão de forças, uma aceleração geral do processo de desenvolvimento dos elementos que devem concorrer todos em conjunto para uma obra comum.”

No decorrer da luta, da greve dos “ponteiros”,? muita coisa acontece. O mais grave, o decisivo foi o “corpo mole” do PSI e da CGT. Não cabe nenhu18. “Torino e Italia”, A, 3/4/1920,

LON, p. 479. Grifo nosso.

19. Idem, p. 480. 20. Idem,

p. 480-481.

21. Trata-se de uma luta contra a aplicação do horário de verão, associado na massa proletária às duras condições de trabalho durante a guerra. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

201

ma surpresa quanto ao “corpo mole”. A luta das massas lurinenses não trapassa o Piemonte, onde é geral, graças à posição em contrário do PSI 4

da CGT. O famoso documento sobre o movimento apresentado à Internack nal Comunista coloca as questões muito claramente:

O movimento encontrou, porém, a encarniçada resistência dos funcionários si dicais, da direção do Partido Socialista e do Avanti!. A polêmica dessa gente

baseava na diferença entre o conceito de conselho de fábrica e o de soviela

Por trás das suas frases altissonantes se mostrava o desejo de evitar a ção direta das massas na luta revolucionária, o desejo de conservar a organizações sindicais sobre as massas. Os componentes da direção recusaram-se sempre a tomar a iniciativa de uma ação revolucionária, se realizasse um plano coordenado, mas nada fizeram para preparar este plano.??

participa tutela d do partidk antes q e elabo

Mas não é apenas a indecisão, tanto sindical quanto partidária, q faz o movimento ficar restrito ao Piemonte, e logo fracassar. Mais do que isso As ásperas críticas corajaram de novo tra o proletariado industriais, levada

dos organismos sindicais e da direção do Partido Socialista e os capitalistas, os quais não tiveram mais freio na sua luta turinense e contra os conselhos de fábrica. A conferência do! a cabo em março de 1920, em Milão, elaborou um plano

ataque; mas os “tutores da classe operária”, as organizações econômicas e polítl

cas não se preocuparam com este fato. Abandonado por todos, o proletariado turinense foi obrigado a enfrentar sozinho com as próprias forças, o capitalismo cional e o poder do Estado.Z

Apesar do boicote da CGT ao movimento, o proletariado italiano aqui

e ali, espontaneamente, apoiou à luta operária. Mas esta revelou “toda a im: potência dos homens chamados a dirigir o partido; enquanto a massa opes

rária defendia corajosamente em Turim os conselhos de fábrica, a prime

organização baseada na democracia operária, encarnando o poder proletá: rio”,2 o “Avanti!” recusa-se a publicar o manifesto da seção socialista turinei

o conselho nacional do partido que deveria reunir-se em Turim é deslocado

para Milão, etc., etc. E isso tudo é a resposta oferecida pelos “tutores” ao mo vimento turinense em que pela primeira vez na história verificou-se de fato q caso do proletariado que trava a luta pelo controle da produção, “sem ser estimulado à ação pela fome ou pelo desemprego. Além disso, não foi sos mente uma minoria, uma vanguarda da classe operária que entrou na luta, mas toda a massa dos trabalhadores de Turim saiu a campo e travou a luta, sem se preocupar com as privações e os sacrifícios, até o fim”. 22. “Il movimento torinese dei consigli di fabrica. Rapporto inviato nel luglio 1920, al comitato ese

dell'internazionale

Comunista”,

ON(d),

14/3/1921,

LON,

p. 609.

Grifo

nosso.

23. Idem, p. 610. 24. Idem, p. 611. 25. Idem, p. 599-600. 202

GRAMSCI

EM

TURI)

Após a derrota de abril, as provocações e os ataques do 1º de maio” Procurando as causas da derrota, Gramsci sublinha duas: “A falta de coesão revolucionária do conjunto do proletariado italiano, que não consegue expressar no seu seio, orgânica e disciplinadamente, uma hierarquia sindical que seja o reflexo dos seus interesses e de seu espírito revolucionário” e “o estado geral da sociedade italiana”, para concluir que “a classe operária foi derrotada porque na Itália não existem, ainda não estão amadurecidas, as condições necessárias e suficientes para um movimento de conjunto, orgânico e disciplinado, das classes operária e camponesa”.” Enquanto a classe capitalista, e sua expressão política, o Estado democrático-parlamentar, atacam o movimento dos conselhos baseados no princípio de unicidade do poder nas fábricas, as lideranças operárias (partido e sindicatos) mantêm-se alheias. Não “percebem” a escalada capitalista contra Turim. A classe operária não se propôs a luta, ela lhe foi imposta, diz Gramsci, e reagiu para realizar a tentativa de impedir sua destruição. Cento e cinquenta mil operários e camponeses foram arrastados à luta: contra eles acamparam toda a classe capitalista e as forças do poder do Estado. A intervenção enérgica das centrais do movimento operário poderia equilibrar as forças e, talvez, determinar a vitória, manter e consolidar as conquistas feitas pelos operários com um trabalho paciente e tenaz de organização, com centenas e milhares de pequenas ações nas fábricas e nas seções. De quem depende essa intervenção? De um organismo eleito pelos operários, continuamente controlado, cujos membros podem ser revogados a qualquer momento? Não; por empregados colocados naquele posto por vias burocráticas, por amizade; por empregados de mente curta que sequer vêem o que os industriais e o Estado preparam, que não conhecem a vida da fábrica e as necessidades dos operários (...). A classe operária turinense já demonstrou que não saiu da luta com a von-

tade despedaçada, com a consciência derrotada. Continuará na luta em duas

frentes. Luta pela conquista do poder industrial. luta pela conquista das organizações sindicais e pela unidade proletária.*

26. Ver anexo histórico. 27. “Superstizione

e realtã”, ON, 8/5/1920,

28. Idem, p. 507-508. EDMUNDO

FERNANDES

LON,

p. 503.

Grifo nosso. DIAS

203

O MOMENTO ATUAL DA REVOLUÇÃO ual a situação política italiana? Como se apresentam as forças em luta? Estas são questões que o Partido Socialista não consegue responder. Como e porque os oportunistas e os reformistas predominam dentro da estrutura política e sindical da classe operária? A determinação da conjuntura é elemento fundamental para que o partido possa ter qualquer clareza na ação política. Responder às questões acima seria o mínimo necessário para tal. E durante a greve dos “ponteiros”, diante da inação do partido, Gramsci elabora um importante documento sobre a renovação necessária da estrutura partidária. O primeiro ponto a clarificar é a questão da conjuntura: “A fisionomia da luta de classes é, na Itália, no momento atual, caracterizada pelo fato de que os operários industriais e agrícolas estão incoercivelmente determinados, em todo o território nacional, a colocar de modo explícito e violento a questão da propriedade dos meios de produção”.*º Essa determinação se liga à concepção de que o capitalismo atingiu seu ponto morto, e que lhe é impossível atender às mínimas necessidades da vida da população, o que obriga o Estado a exercer o poder basicamente

pela força. Diante desse quadro e do fato de que os industriais e proprietári-

os fundiários se tenham organizado nacionalmente, diante da criação da Guarda Real, tropa mercenária, criada pelo próprio Estado, diante do terrorismo dos proprietários e do fechamento das fábricas (serrata), o operariado não tem outra saída senão a revolucionária. Se os “tutores” operários não coordenam suas tropas, as lideranças capitalistas o fazem com as suas. Os últimos desenvolvimentos da luta nas fábricas e nos campos, autorizam a afirmação de que a atual fase da luta de classes na Itália é a fase que precede ou a conquista do poder político pelo proletariado revolucionário, pela passagem a novos modos de produção e de distribuição que permitam uma retomada da produtividade; ou uma tremenda reação por parte da classe proprietária e da casta governamental. Nenhu29. “Per un rinnovamento del Partito socialista”, ON, 8/5/1920, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

LON, p. SIO. Grifos nossos. 205

ma violência será deixada de lado para submeter o proletariado industrial e agríco-

la a um trabalho servil: procurar-se-á despedaçar inexoravelmente os organismos

de luta política da classe operária (partido socialista) e incorporar os organismos de resistência econômica (os sindicatos e as cooperativas) nas engrenagens do Es-

tado burguês.”

O PSI se caracteriza, nesse momento, pelo predomínio dos reformistas e dos oportunistas, pelo nullismo revolucionário, pela confusão ideológica, pela ausência na vida cotidiana da classe e mesmo pela quebra de contato com as suas seções. Tudo isso leva a que a direção partidária não com-

preenda o que está ocorrendo na realidade. Só lhe resta, portanto, deixar os

fatos ocorrerem sem que ela se comprometa com a ação. Isso é exemplarmente anunciado por Serrati: “nós, os marxistas, interpretamos a história, não a fazemos”.! Com isso, o partido se descaracteriza como vanguarda revolucionária e sequer a adesão formal à Internacional Comunista permite ilusões. É mais um partido “democrático” que pratica o cretinismo parlamentar. Ele

deveria “encamar a vigilante consciência revolucionária de toda a classe explorada. A sua tarefa é concentrar em si a atenção de toda a massa, obter que as suas diretivas permanente de toda a pensante”, mas tudo tante é realizada. Em

se tornem a diretiva de toda a massa, conquistar a fé massa de modo a tornar-se o seu guia e a sua cabeça isso é esquecido, abandonado. Nenhuma tarefa imporvez de polemizar contra os reformistas e os oportunis-

seu

folhetos

tas, de publicar os documentos da Internacional Comunista, o partido e o jornal

publicam

dos seus

deputados,

na

maioria

permeados,

embebidos, pelo espírito da velha Segunda Internacional. Os reformistas e os

oportunistas chegam mesmo a propor a existência de um parlamento socialista que, reunindo o grupo parlamentar, as lideranças sindicais e a direção do partido, deveria conduzir a luta do partido. Os reformistas aí seriam a quase totalidade; E as pressões das massas, aniquiladas. “O Partido Socialista permaneceu, mesmo depois do Congresso de Bolonha, um mero partido parlamentar que se mantém imóvel nos estreitos limites da democracia burguesa, que se preocupa apenas com as superficiais afirmações políticas da casta governamental”. Enquanto isso, abandonados por seus “dirigentes”, as classes subalternas espontaneamente continuam a sua luta: continuam as invasões de terra e a luta pelo controle industrial. O PSI, fascinado pelo mito serratiano da unidade, continua concedendo a maior autonomia aos reformistas. O grupo parlamentar sequer esconde 30. Idem, p. Sll. Grifo nosso. Clara percepção do desenvolvimento do fascismo. 31. Giacinto Menotti Serratti, “In vista del Congresso di Bologna”, Comunismo, I5. Grifo nosso.

I(1): 1/10/1919, p.

32, “Per un...", op. cit., p. 512. 33. Idem, 206

GRAMSCI

EM

TURIM

o adesismo, É o Isolamento em relação à revolução. nada fazem para unir e educar as massas,

Os

órgãos

do partido

É necessário alterar a situação. O partido político da classe operária só se justifica quando, centralizando e coordenando fortemente a ação proletária, contrapõe um poder revolucionário de fato ao poder legal do Estado burguês, e lhe limita a liberdade de iniciativa e de manobra: se o partido se revela um mero organismo burocrático, sem alma e sem vontade, a classe operária instintivamente tende a construir um outro partido e dirigir-se para as tendências anarquistas que, precisa e incessantemente, criticam a centralização e o domínio dos funcionários nos partidos políticos.*!

O partido deve tornar-se revolucionário, expulsar os reformistas.” Liberado desses parasitas, o partido não terá mais o fantasma do “racha” e poder dedicar-se às suas tarefas reais: o permanente contato com as bases, o permanente trabalho de educação. Grupos comunistas devem ser criados em todos os lugares, nas fábricas, nos sindicatos, nas casernas. A conquista do poder deve ser sua meta, de modo que “o proletariado industrial e agrícola seja convidado a preparar-se, a armar-se”.”º E o partido deve encaminhar “soluções comunistas para os problemas atuais: controle operário sobre a produção e a distribuição, desarmamento dos corpos armados mercenários, controle dos municípios exercido pelas organizações operárias”.” Educar a classe, educar-se a si mesmo. Para tal, o partido deve desenvolver um permanente trabalho de análise, de permanente adequação à realidade. Todo acontecimento da vida política deve ser imediatamente comentado em manifesto e circulares da direção, para dar argumentos de propaganda comunista e educação às consciências revolucionárias. A direção, mantendo-se sempre em contato com as seções, deve tornar-se o centro motor da ação proletária em todas as suas realizações. As seções devem promover em todas as fábricas, nos sindicatos, nas cooperativas, nas casernas, a instituição dos grupos comunistas, que difundam no seio das massas a concepção e a tática do partido, que organizem a criação dos conselhos de fábrica para o exercício do controle sobre a produção industrial e agrícola, que desenvolvam a propaganda necessária para conquistar de modo orgânico os sindicatos, as Câmaras de Trabalho, e a Confederação Geral do Traba-

34. Idem, p. 513. 35. Bordiga coloca a questão da expulsão como questão crucial já desde o Congresso de Bolonha: "Queremos que seja excluído do partido quem não aceita o programa de amanhã” (refere-se à mudança de programa feita pelo congresso), “Scritti scelti”, p. 85. E mesmo antes: “Para evitar graves embaraços à ação do partido e do proletariado, seria desejável eliminar os anti-revolucionários antes mesmo do momento decisivo; e isto pode fazer-se apenas por um congresso que submeta o programa do partido à revisão”, “Questione di competenza, Il soviet”, 30/3/1919, citado por Franco De Felice, Serrati, Bordiga, Gramsci e il problema della rivoluzione in Italia. 1919-1920, p. 139. 36.

“Per

un...”,

op.

cit.,

p. 516.

37. Idem. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

207

lho, para tornar-se elementos

de fé que

a massa

delegará

sovietes políticos e para o exercício da ditadura proletária,” A classe operária, e suas organizações, revolucionário. Ela é

devem

para a formação

comandar

dom

o processo

historicamente forte e madura, não enquanto os seus componentes correspondem numericamente à maioria da população, mas enquanto, através do seu part

político, ela se demonstra capaz de construir um Estado, isto é, enquanto a classe

operária consiga convencer a maioria da população (...) [de] que os seus interesses imediatos e futuros coincidem com os interesses da própria maioria; sobre esse convencimento tornado consciência difusa da sociedade, se funda precisamente q Estado, se funda a disciplina e o espírito da hierarquia. Hierarquia? Sim, hierarquiay o poder operário é a fundação de uma nova hierarquia das classes sociais.” À

Tal como

o fizeram a classe operária russa e o partido comunista.

Mas.

o exemplo russo (de duas revoluções) não parece mais ser passível de reali zação. A Alemanha, a Áustria, a Baviera, a Ucrânia e a Hungria, testemunharam que esse processo depende da “existência de forças produtivas tendentes ao desenvolvimento e à expansão, movimento consciente nas massa:

proletárias dirigido a substanciar com

o poder econômico

o poder político,

vontade nas massas proletárias de introduzir na fábrica a ordem proletária, de fazer da fábrica a célula do novo Estado, de construir o novo Estado como reflexo das novas relações industriais no sistema de fábrica”.* Ausentes essas condições, a presença de fortes organizações sindicais, de um partido cos munista, proletariado armado e outras condições, não bastam para a realização da revolução comunista: muitas vezes redundam em uma assembléia constituinte que dá tempo e local político para a rearticulação do antigo poder, levando ao esmagamento das forças comunistas. É exemplar a situação alemã, em que a social-democracia acaba por assassinar a revolução e: os revolucionários. Lembremo-nos de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, É tarefa dos núcleos comunistas dentro do proletariado socialista evitar “alucinações particularistas (problema do abstencionismo eleitoral, problema da construção de um partido 'verdadeiramente' comunista), mas de trabalhar para. criar as condições de massa em que seja possível resolver todos os proble-

mas particulares do desenvolvimento orgânico da revolução comunista”. A questão do partido verdadeiramente maneira:

comunista

é colocada

de outra

Pode de fato existir um partido comunista (...) se não existe no meio da massa o espírito de iniciativa histórica e a aspiração à autonomia industrial, que devem encon. 38. Idem,

p. 515.

39, “La Russia, potenza mondiale”, ON, 40. "Due

Rivoluzioni", ON,

3/7/1920,

14/8/1920, LON,

p. 616-617.

LON, p. 571

41. Idem, p. 571. Alusão às teses de Bordiga. Grifo nosso. 208

GRAMSCI

EM

TURIM

trar o seu refloxo e a sua síntoso no partido comunista? E dado que a formação dos partidos são o reflexo, não ocorre subitamente, não vem do nada, mas ocorre

segundo um processo dialético, a tarefa maior das forças comunistas não é precisamente a de dar consciência e organização às forças produtivas, essencialmente comunistas, que deverão desenvolver-se e expandindo-se, criar a base econômica segura e permanente do poder proletário em mãos do proletariado?"

Não basta, portanto, o desejo de criar um verdadeiro partido comunista. Se ele não é, nem quer ser apenas a projeção dos nossos sonhos, ele tem que manter com as massas uma relação constante, expressando-as. O processo de educação política comunista está imbricado com a questão da articulação entre proletariado e classes oprimidas. Nesse processo o partido comunista deve conseguir que as classes oprimidas vejam no proletariado a sua vanguarda. A profunda ligação entre poder político e poder industrial, relação que materializa os poderes de classe, coloca a questão do reconhecimento do soviete como “o instrumento de luta revolucionário que permite o desenvolvimento autônomo da organização comunista, que, do conselho de fábrica chega ao conselho central da economia, que estabelece os planos de produ-

ção e de distribuição e assim consegue suprimir a concorrência capitalista”.** Isso não se desmente pela militarização da indústria ponde negativamente. Argumenta:

na Rússia? Gramsci

res-

pela falta de força motriz e de atraso industrial, o Estado operário foi obrigado a introduzir em algumas indústrias grandes massas de camponeses, afastadíssimos da psicologia proletária e, portanto, sem capacidade de autogoverno industrial; o conselho não tinha significado para essas massas camponesas atrasadas (não tinha significado no campo industrial); a única forma adequada de disciplina era a disciplina do exército revolucionário, com a sua fraseologia e o seu entusiasmo guerreiro.

A situação da massa camponesa russa estava, é preciso que se lembre, bastante longe da situação das massas rurais italianas, acostumadas estas à disciplina sindical socialista e, mais recentemente, à disciplina sindical

católica, da organização das cooperativas, etc. Por tudo isso, o problema da

incapacidade das massas rurais italianas para a democracia consiliar não se coloca (pelo menos com tanta gravidade). O partido comunista não será uma alucinação se ele for “um partido

de ação comunista revolucionária, um

partido que tenha consciência exata

da missão histórica do proletariado e saiba guiar o proletariado na realização da sua missão, que por isto seja o partido das massas que querem libertar-se 42. Idem. 43. Idem, p. 573. 44. “La relazione Tasca e il Congresso Camerale di Torino”, ON, 5/6/1920, posição será inteiramente revista nos Quaderni. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

LON,

p. 539. Essa

209

com os próprios meios, autonomamente, da escravidão política e industrial, por meio da organização da economia social”.*º A instituição por excelência

do processo de construção

das

novas

fors

mas de convivência social é o conselho de fábrica. Os grupos comunistas qj vão surgindo dentro do PSI são elementos importantes na vida democrática dos conselhos. Assim, o partido vive a vida da classe no locus da existênc proletária: a fábrica. O conselho é, portanto, a instituição adequada para desenvolver “ perene esforço de liberdade que a classe operária realiza por si mesma (..

sem intermediários, sem delegação de poder a funcionários e a politiquei

de carreira”. Os conselhos enfrentam a CGT, que vê na nova instituição al destruidor da sua “obra”. E a CGT tem razão, pois os conselhos pretende realmente sepultar o oportunismo das lideranças sindicais. Essas lideranças. estão sempre lembrando as possíveis “conseqiiências e complicações”, tendem a desenvolver a idéia de que a ação operária “deve ser limitada a: possível, a todo o possível, evitando complicações”.” Ora, como é possível fi

a luta de classes sem complicações?

Mas os erros não são monopólio das lideranças sindicais, pois o partido pratica-os largamente. O PSI revela-se mais e mais um partido “democrático”, isto é, um partido inerente ao capitalismo. Ele guarda todas as características das instituições das sociedades regidas por esse modo de produção: A forma tradicional de organização do Partido Socialista não é diversa da forma de

qualquer outro partido nascido no terreno da democracia liberal. (...) é a assembléia geral dos sócios que dá a si um centro executivo de confiança da maioria e: um centro de notáveis. (...) encontram-se (...) a divisão dos poderes em deliberativo, executivo e judiciário e a concorrência interna dos partidos (tendências revolucionária. e reformista que procuram alternar-se no poder, manobrando o “cavalheirismo” oportunista), e se encontram as características essenciais de toda assembléia em. que se exprime a democracia soberana: a irresponsabilidade, a incompetência, a. volubilidade, o tumulto, características que são naturalmente “corrigidas” pelo funcionalismo e pelo arbítrio dos centros executivos. Esta forma, que é própria a todas as associações nascidas com o desenvolvimento da democracia política burguesa, expressa a substância histórica que vivifica as próprias associações: a vontade de. conquistar essa maioria nas assembléias populares (conselhos comunais e provinciais, câmara dos deputados); o de conquistar essa maioria com o método que é próprio da democracia: apresentar aos corpos eleitorais programas tão genéricos quanto confusos, e jurando realizá-los a qualquer preço.“ 45. “Due...”, op. cit., p. 573. 46. “Il gruppi comunisti", ON, 47. “Dove

17/7/1920, LON,

va il Partito socialista”, ON,

p. 590-591.

10/7/1920, LON,

p. 581.

48. “Il gruppi...”, op. cit, p. 591. 210

GRAMSCI EM

TURIM

Enquanto fsso ocorre dos oportunistas, as massas

no partido, sob o predomínio dos reformistas e proletárias tendem à ação direta, e essa ação

é revolucionária precisamente porque eminentemente destrutiva. Dado que a classe

operária não tem nenhum poder sobre o governo industrial, é natural que revele a

potência econômica adquirida tentando destruir a disciplina industrial e toda a disciplina

industrial; dado que a classe operária ocupa no exército a mesma posição que ocupa na fábrica, dado que tanto na fábrica quanto no exército a classe operária deve sofrer uma disciplina e uma lei que não contribuiu para estabelecer, é natural que ela tenda a destruir a disciplina do exército, e a destruí-la completamente; dado que todo o aparelho burguês é completamente estranho e hostil às massas proletárias, é natural que cada ação dirigida a controlar diretamente a atividade governamental chegue até a destruição ativa do Estado burguês, até a insurreição armada.

Os oportunistas e os reformistas do partido socialista temem essa ação das massas proletárias e, por isso, tendem a favorecer o poder estatal capitalista. A ação desses elementos leva a um aumento da influência anarquista, pois a massa operária se desespera de encontrar na liderança socialista a sua direção. Os grupos comunistas intervêm, ou devem intervir, nessa circunstância, tentando deter a dissolução do partido. Eles não têm medo das massas proletárias: Tem-se medo do imprevisível, do imprevisto, não daquilo que se espera como uma necessidade e que se trata de promover para estar em condições de dominar a realidade que se prevê, seja para derivar-lhe, para obter que a destruição já contenha os elementos e a vontade de reconstrução, para obter que a violência não seja estéril desencadear de cegos furores, mas seja potência econômica e política que se libera a si mesma e coloca as condições do seu desenvolvimento.”

O partido carece de organização e de propaganda para poder conduzir as massas, nas fábricas, nos campos, à revolução. Enquanto o partido não se preocupar em saber como os operários e os capitalistas pensam e agem, ele continuará a ver a história desenvolvendo-se por obra de abstrações ideológicas (a classe em geral, o partido em geral, a humanidade em geral) e não por obra dos homens reais que se chamam Pedro, Paulo, João e são o que são realmente, e não por obra das comunidades urbanas e rurais, no espaço e no tempo, que mudam (e mudam rapidamente no período atual) com o mudar de lugares e com o passar dos meses e mesmo das semanas. Assim, esses dirigentes não prevêem nada, e são levados a ver a presença do diabo em cada evento, e são levados a descarregar-se da sua responsabilidade histórica nas costas dos multiplicados grupos de indisciplinados e anarcóides.”!

Este tipo de “democracia” burguesa que o partido executa na sua vida interna acaba por ser uma manifestação do liberalismo mais larvar, casado 49. “Dove va...”, op. cit., p. 580. 50. Idem,

581.

51. Idem,

p. 582.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

211

com o mente que a afirma

positivismo mais grosseiro, dando como resultado um partido mera parlamentar, apesar da adesão à Terceira Internacional. Ressalta forma do Estado tende a coincidir com a forma da produção, Gra que o Estado operário não será parlamentar. Se o PS se organiza nos locais de trabalho, ele se coloca como poder de governo da cl operária nas novas instituições que ela está elaborando para realizar a sua autono histórica, para tornar-se classe dominante. (...) Torna-se possível prever uma

transformação da forma organizativa do partido: a assembléia dos sócios, áto

individuais, responsáveis apenas diante da sua consciência perturbada e ento: pelos rumores, pelas improvisações demagógicas, e pelo medo de não estar à a das metas políticas do proletariado, será substituída pela assembléia dos deleg com mandato imperativo; as discussões genéricas e confusas serão substituídas p discussões sobre problemas concretos que interessam a todos os operários de fábri (...); que as assembléias do partido se tornem, finalmente, preparação para. conquista real do poder econômico e político por parte das massas operárias,”

Esse processo de transformação partidária conduz vanguarda revolucionária que, vivendo a vida da classe, marxista, luta para criar as condições para o comunismo. vontade clara e consciente, para que se possa realizar a

à constituição de e encarando a O partido tem que futura sociedade.



só pode “realizar-se quando existem as condições materiais para a sua rea ção; (...) não pode ser instaurada por via legislativa e administrativa. O Pa comunista tem

no Estado operário a missão de reagente psicológico sobre

grandes massas, para conduzi-las à realização consciente e voluntária das relações, que as condições novas tornaram possíveis”.

52. “Il gruppi...”, op. cit., p. 592. 53. Idem, p. 593-594. 212

GRAMSCI

EM

TURI;

IV SETEMBRO DE 1920, O CLÍMAK DA LUTA ontra a vontade das organizações sindicais e do PSI, a luta de classes desembocou na ocupação das fábricas. Os operários diante da ameaça da serrata, reagem não apenas com a greve, mas vão além e ocupam as fábricas. O partido e os sindicatos, ainda uma vez, não mo-

bilizam o proletariado italiano em

e as associações formações.

“liberais”

Durante

apoio à Turim rossa. O Estado burguês

do proletariado

a realização

se reúnem

da luta, fora de Turim,

para censurar quase

nada

as in-

se sabe

sobre ela. O “Avanti!” nada publica. A CGT trata de impedir qualquer manifestação operária de apoio. Como em abril, O significado e a novidade resumem-se no abandono da posição passiva. Isto significa, em última instância, que, diante da incapacidade, da incompetência e do desinteresse geral das suas lideranças “oficiais”, e diante da força de resistência dos capitalistas, a classe resolve ultrapassar a velha disciplina e as metas meramente corporativas, e criar uma nova forma de atuação. 4 palavra de ordem do controle operário se materializa na gestão operária da fábrica. Essa gestão é um “ato de autoridade da classe operária que viola os princípios sagrados da propriedade privada, e destrói os esquemas tradicionais das hierarquias sociais. Está nele mesmo a origem e a causa de sentimentos novos, de paixões novas nas consciências individuais e na

consciência coletiva da massa”.

A ocupação é a crítica radical da estrutura industrial. Radical porque nega o capitalismo em todas as suas instituições: nega a apropriação privada e a disciplina-coerção que a torna possível e a garante. Nega o Estado. Mostra, fundamentalmente, que o partido e o sindicato, tornaram-se não apenas, desnecessários, mas obstáculos. A tomada das fábricas subverte a estrutura de classes porque “as classes 'executoras', as classes “instrumentais, tornaram-se classes “dirigentes”, colocaram-se como chefes de si mesmas, encontraram em si mesmas os homens representativos, os homens para investir no poder de governo, os homens que assumem todas as funções que fazem de um agregado elementar 54. “LOccupazione”, EDMUNDO

A, 2/9/1920, LON,

FERNANDES

DIAS

p. 646. 213

e mecânico

uma coesão orgânica, uma criatura viva”, rompendo

truturas e, mais do que isso, toda a “psicologia” das O movimento altera a relação entre as classes — o partido e o sindicato. Trata-se do conflito entre a na e, portanto, das questões dos métodos de ação e dirigentes-dirigidos. Com a tomada das fábricas

assim es

classes. e “suas” organizaç: velha e a nova discipll da relação hierárq

um fato novo foi criado subitamente pelo novo método de luta: quando os ope: lutavam para melhorar a sua situação econômica realizando a greve, sua tarefa na se limitava a ter fé nos chefes longínquos, limitavam-se a desenvolver a virtude solidariedade e da responsabilidade fundada precisamente nesta fé genérica. Mas se operários, na luta, ocupam as fábricas e querem continuar a produzir, a posição mi da massa assume subitamente uma figura e um valor diversos; os chefes sindicais podem mais dirigir, desaparecem na imensidade do quadro, a massa deve resolver si, com os próprios meios, com os próprios homens, os problemas da fábrica.

Essa relação é de uma importância prática enorme: quanto maior participação da massa no processo das tomadas, menor a presença e a i portância das organizações sindicais; relação que reforça o sentido de u outra: a uma maior importância das organizações sindicais corresponde menor presença da base. Na primeira o aspecto é o da atividade. Requer além da solidariedade, a participação criadora, consciente. Na última se req!

uma virtude, a da solidariedade, mas no aspecto passivo. Ato pedagógico

excelência, a tomada da fábrica coloca para o movimento a questão radical exercício do poder, ainda que sob a forma de uma experiência limitada. A questão que se põe de imediato é: por que o Estado burguês não reprime esse ato do proletariado? e que conclusões se devem retirar da situação? Quanto à primeira questão, Gramsci acentua o caráter nacional do movimento. Se o Estado reprimisse o movimento, teria contra si todo o proletariado industrial, algo que as forças partidárias e sindicais nunca tinham podido (ou querido). Mas há algo mais, o Estado “deixou invadir seu próprio território pelo exército inimigo, mantendo o seu exército intacto, em plena posse das suas forças"? e o faz por acreditar na absoluta incapacidade dos operários de dirigirem-se a si mesmos. 55.

“Domenica

rossa”,

A, 5/9/1920,

LON,

p. 668.

Grifo

nosso.

56. Idem, p. 669. Grifo nosso. 57. “L'occupazione”, op. cit., p. 647. Giolitti dirá no Senado: “Como poderia impedir a ocupação Trata-se de 600 manufaturas da indústria metalúrgica. Para impedir a ocupação deveria ter colocado. uma guarnição em cada um desses estabelecimentos, nos pequenos uma centena de homens, nos. grandes alguns milhares: teria empregado para ocupar as fábricas toda a força de que se poderia. dispor. E quem vigiaria os 500 mil operários que ficariam fora das fábricas? Quem teria tutelado a segurança pública no país? Dever-se-ia talvez, dada a ocupação, fazer abandonar as fábricas pela. força? Era a guerra civil.”, “Atti Parlamentari,

Senato

del Regno,

Legislatura XXII”,

sessão de 26 de.

setembro de 1920, citado por Barbadoro, op. cit., p. 407-408 e por Del Carria, op. cit., p. 118. Ver também de Giovanni Giolitti, Memorie della mia vita, v. !l, p. 598-599, 58. “Tive, desde o primeiro momento, a clara e precisa convicção que o experimento não tt levado senão a demonstrar aos operários a impossibilidade de atingir aquele fim, faltando a eles 214

GRAMSCI EM

TURIM.

Evitando o choque militar, Giolitti se coloca à espera do fracasso proletário. Dando a entender que a tomada das fábricas é uma experiência co-

munista, Giolitll espera que o fracasso demonstre, concreta e experimentalmente, que o comunismo é uma utopia. Evita o choque militar, esperando uma vitória ideológica. Que conclusões se podem tirar da ocupação. Gramsci

nos diz: É necessário então dizer a verdade à massa operária. É necessário que os operári-

os não possam crer sequer um instante que a revolução comunista é tão fácil de realizar quanto uma ocupação de fábrica não defendida. Estes acontecimentos, pelo contrário, devem permitir aos comunistas explicar claramente às massas o que re-

presenta a revolução em toda a sua complexidade: estes acontecimentos demons-

tram de modo ofuscante a utopia reformista e anarco-sindicalista. Para que serve o Parlamento à classe operária? Para que serviria a ocupação no sentido que lhes dão os anarquistas, se não existe — ou se não se organiza energicamente — um centro político-econômico (o Estado operário) que una uma fábrica à outra, que quebre, seja por sanções físicas, seja pelo racionamento, a sabotagem contra-revolucionária? E como poderão, os operários, estar ao mesmo tempo nas fábricas e nas ruas para defender as suas conquistas, se não tem uma organização do Estado para disciplinar uma força armada fiel e bem localizada, pronta para todas as circunstâncias e para todas as eventualidades?*”

A fábrica que, sob o domínio do capital, é o locus clássico da ditadura burguesa sobre o operariado, deve tornar-se, sob a gestão operária, o locus da democracia operária. Sob o mando dos capitalistas, a fábrica é um Estado despótico, onde “o senhor tem o privilégio de um sufrágio individual e o exerce escolhendo os operários, os funcionários, os chefes, os especialistas, e os distribui nas seções, nos escritórios, nos laboratórios”. Se cada fábrica é um pequeno Estado, o Estado burguês é então o governo central que obtém “a disciplina e a obediência da população não-possuidora, dando-lhe uma ficção de poder e de soberania”,º! ficção esta que é tão mais descarada quanto mais avança a fase imperialista. A ocupação quebra o poder despótico de cada capitalista, os conselhos assumem o poder em cada um destes Estados-fábricas. Contudo é um poder extremamente limitado por não controlar o poder estatal: se a ocupação pura e simples das fábricas, por parte da classe trabalhadora, indica o grau de potência do proletariado, não produz em si, nem por si, nenhuma nova posição definitiva. O poder permanece nas mãos do capital; a força armada perma-

capitais, instrução técnica e organização comercial, especialmente para a compra das matérias-primas e para a venda dos produtos que talvez conseguissem fabricar. (...) deixar que o experimento se realizasse até um

certo ponto,

para que os operários tivessem

modo

de convencer-se

da impos-

sibilidade dos seus propósitos, e aos cabeças fosse retirado o modo de jogar as responsabilidades sobre os outros.”, Giolitti, op. cit., p. 598. 59. “Loccupazione”, op. cit., p. 648. 60. “Domenica...”,

op. cit., p. 669

61. Idem. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

215

nece com o Estado burguês; a administração pública, a distribuição dos víveres, os

organismos de crédito, o aparelho comercial intacto, permanecem sob o controle da

classe

burguesa. O proletariado não tem nenhum

meio coercitivo para quebrar a

sabotagem dos técnicos e dos funcionários, não pode aprovisionar-se de matérias. primas, não pode vender os objetos produzidos. A ocupação das fábricas em si e por si, sem que o proletariado disponha da força armada, sem que tenha os meios de racionar os víveres segundo os interesses de classe, sem que tenha os meios de punir

corporalmente a sabotagem dos especialistas e da burocracia, a ocupação não pode ser considerada como uma experiência de sociedade comunista º

É na construção desse poder operário na fábrica, como embrião do. poder operário na sociedade, que se coloca a questão da defesa dos Esta-

dos-fábricas. Essa é, também, uma questão nova. exército reproduz as desigualdades classistas:

Na sociedade

capitalista, o

O povo dá a massa militar; a grande burguesia proprietária e a aristocracia dão a oficialidade superior; a pequena burguesia dá os comandos subalternos. Verifica-se. no exército capitalista a mesma organização da fábrica capitalista, onde a classe | proprietária ou assimilada por interesses financeiros tem a função de comando despótico, o proletariado é a massa de manobra passiva, a pequena burguesia tem as

funções de comando subalternos.“

Tais critérios não podem

servir aos Estados-fábricas,

e criar novos cri-

térios é a realização da capacidade política, da iniciativa e da criação revolucionárias das classes trabalhadoras. Por sua condição estrutural, própria, a república-fábrica deve eliminar as classes. Ela é constituída pela classe traba-

lhadora e é essa classe que tem de criar o seu exército.

Os operários são conduzidos a conceber a defesa como dever universal, e esta concepção é exata; mas são levados a concluir que isto deva ser desenvolvido. imediatamente por todos, e isto é um erro. A defesa militar deve ser organizada em um corpo especial, que tenha os seus comandos e as suas funções; a concepção . de hierarquia não tem mais consistência alguma nestas formações, dado que “existe apenas uma classe”. Estas formações devem ser ilimitadas, dado que o conceito de defesa pode, de um momento para outro, transformar-se no de ataque e de ofensiva militar. O problema da iniciativa militar está ligado a um outro: a multiplicidade das repúblicas proletárias constituídas pelas fábricas ocupadas e dirigidas pelos operários não será levada necessariamente, pela íntima dialética do desenvolvimento histórico, a confederar-se, a organizar-se unitariamente, a contrapor um poder central seu ao poder central do Estado burguês? O problema da constituição do soviete urbano coloca-se hoje concretamente para a classe operária. Se ele nasce, deve ter à sua disposição uma força armada que pode e deve ser dada pelas formações de fábrica, regularmente constituídas e comandadas, de modo a poder, mediante as funções de comando, amalgamar-se e constituir uma milícia urbana; mas por sua. vez, a criação dos núcleos militares de fábrica coloca o problema do soviete, dado: que a defesa não tem limites e deve proceder segundo a sua lógica. 62. “L'Occupazione”, op. cit., p. 646-647. 63. “Domenica...”, op. cit., p. 670. 64. Idem, p. 670-671. 216

GRAMSCI

EM

TURIM

A constituição do poder operário é a questão crucial. O trabalho de propaganda

e de preparação

para a escolha dos deputados

operários

deve

ser feito “de tal modo que em um momento dado, quando o desenrolar dos acontecimentos

tenha

conduzido

a história ao clima

em

que

explodem

os

fatos novos e originais, de cada fábrica ou grupo de fábricas derivem as arti-

culações de

poder do proletariado em

luta por sua emancipação”.

O Estado burguês tem uma hierarquia classista que deve ser rompida:

as funções de comando supremo (o governo) estão em mãos dos capitalistas ou de outra classe ligada aos proprietários por interesses financeiros; os postos subalternos, a função dos deputados nacionais, estão em mãos da pequena burguesia, que se deixa dominar econômica e moralmente pelos capitalistas; a massa do povo é manobrada politicamente para satisfazer os interesses materiais dos proprietários e as ambições ideológicas dos pequeno-burgueses. Para manter intacta essa hierarquia de classes, a Constituição considera ilegal o mandato imperativo dos deputados; a burguesia conta com a força do ambiente e com a sugestão da possibilidade de satisfazer as ambições pessoais para corromper os deputados mesmo operários, quando, porém, eles não estão ligados a um mandato imperativo. Na formação do poder central proletário, todas estas questões estão mudadas: existe apenas uma classe, que elege os seus deputados escolhendo-se do seu seio, sendo a fábrica o colégio eleitoral, subsistindo o mandato imperativo.&

A questão do controle distinto em relação à maneira

operário está colocada de modo totalmente pela qual era pensada pelas organizações sin-

dicais. O processo de ocupação significa que os operários deixam de ser “ob-

teto industrial e disciplinado, tornam-se sujeito responsável. Devem criar para si uma personalidade coletiva, uma alma coletiva, uma vontade coletiva”*” ou seja, devem assumir-se plenamente como classe dirigente. O que é o controle operário? Para os operários se coloca a questão da autonomia industrial, a expulsão total do capitalista da fábrica. Controle operário, em última instância, significa pôr termo aos sindicalistas reformistas que querem a criação de um controle sindical de fábrica,“ que querem apenas mais um órgão burocrático para daí controlar a vida da classe. Controle operário significa a criação de órgãos operários de economia popular que sejam a representação dos operários de fábrica. Apesar da luta, a classe operária não triunfa. As velhas lideranças reformistas, sindicais e partidárias, voltam a “enterrar” a classe. As frações mais avançadas da classe não conseguem organizar um núcleo central que coordene o movimento até a vitória. Quais os problemas que se colocam para essas direções? 65. Idem, p. 671. 66. Idem. 67. Idem, 68. Ver o anexo histórico. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

217

Os grupos operários que chefiaram o movimento, nestes dias, mediram exatamente o seu poder de ação e as forças de resistência passiva que existiam no seio das massas? Adquiriram consciência das fraquezas íntimas que mesmo que não sejam. reveladas na coesão da classe operária, fraquezas que não são individuais, que não. corroem a valoração do espírito revolucionário do proletariado no atual período hiss tórico, mas que são encontráveis nas relações gerais das organizações profissios nais? Habituaram-se a identificar os sentimentos mais recônditos que fazem o ânimo popular e os sentimentos negativos, as forças de inibição que imobilizam e con somem os impulsos mais generosos e audazes.*

Verdadeiro guia da elaboração de uma análise da vontade das mas-. sas, este conjunto de problemas ressalta elementos fundamentais da teoria. gramsciana. É necessário detectar e destruir tudo o que impediu o avanço. do movimento dos conselhos. A avaliação da vontade de poder das massas: e a possibilidade de articulação revolucionária é fundamental. A incapacidade de adaptação às circunstâncias, adaptação crítica obviamente, é o maior problema que resulta no oportunismo, ou que dá no mesmo, no predomínio dos oportunistas no seio das massas, na manutenção das hierarquias que conduziram à atual conclusão do movimento revolucionário. A vanguarda. proletária precisa considerar e avaliar os acontecimentos ocorridos, não a partir dos. seus desejos, das suas paixões, da sua vontade, mas objetivamente, como dados. externos a submeter ao juízo político, e como movimento histórico possível de prolongamentos e de desenvolvimentos conscientes. De um ponto de vista meramente. objetivo, a classe operária, como massa guiada e disciplinada na fábrica pelos seus representantes diretos, demonstrou estar em condições de autogovernar-se industri-.

al e politicamente.”

Curiosamente, as organizações sindicais que sempre governaram

as.

massas burocraticamente, solicitam agora um plebiscito para pôr fim à ocupação. O plebiscito, ao dissolver, na totalidade da massa, a responsabilidade de colocar termo à luta, acaba por sufocar a voz das lideranças dos con-

selhos. A tática sindical é significativa: os chefes do movimento

proletário.

baseiam-se nas “massas”, isto é, pedem para a ação o consenso preventivo das massas, procedendo a consultas nas formas e nos tempos que escolheram: um movimento revolucionário não pode, pelo contrário, fundar-se senão sobre a vanguarda proletária, e deve ser conduzido sem consultas preventivas, sem aparelhos de assembléias representativas. A revolução é como a guerra; deve ser minuciosamente preparada por um estado-maior (...): as assembléias não podem senão ratificar o. já ocorrido, exaltar os sucessos, punir implacavelmente os insucessos. É tarefa da vanguarda proletária manter sempre desperto nas massas o espírito revolucionário, criar as condições nas quais as massas estejam predispostas à ação, nas quais as

massas respondam imediatamente às palavras de ordem revolucionárias.”

69. “Capacitã politica”, A, 24/9/1920, 70. Idem,

LON,

p. 686.

p. 687.

71. Idem, p. 688. 218

GRAMSCI

EM

TURIM

Na verdade, as vanguardas revolucionárias se concentram nos conselhos e mesmo, parcialmente, no partido. Já a CGT, centro da reação reformista

está intacta, Nenhuma oposição real existe aí. Nenhum

controle da vanguarda

revolucionária se faz aí presente. Avaliar corretamente esta situação ao invés de lamentar-se é tarefa dessa vanguarda, como também o é realizar um trabalho tenaz e paciente de organização e de preparação, é necessário que os grupos operários que chefiam as massas aceitem a realidade tal qual é, para

modificá-la eficazmente; “é preciso que mantenham a massa unida, compac-

ta, em tomo dos seus programas e das suas palavras de ordem, é preciso que se tornem capazes de exprimir do seu seio um Estado mais enérgico, que sai-

ba com inteligência e audácia conduzir uma grande ação de massas”.'2

Diante do término da ocupação, que balanço se pode fazer da ação dos ordinovistas? Qual a contribuição dos conselhos ao processo revolucionário? A primeira grande constatação é a de que os conselhos ocuparam, o espaço deixado vazio tanto pelo sindicato quanto pelo PS, demonstrando ser

assim “a instituição revolucionária historicamente mais vital e necessária da

classe operária italiana. O operariado (...) encontrou no conselho o seu órgão de governo, estreitou-se forte e audazmente em torno dos conselhos, venceu porque o conselho disciplinou-o, armou-o, fez de cada fábrica uma república proletária”.'* O segundo ponto a referir é a questão do controle operário. Ele é uma fase do processo revolucionário, pois é através dele que a classe operária pode conseguir maior liberdade para os operários nas fábricas, liberdade de organizar os conselhos, liberdade de propaganda e de iniciativa. O controle pode servir aos operários (a todos os operários), organizados nos conselhos para conhecer as engrenagens e os processos de produção e das trocas, e não tornar-se uma nova arma para o grande poder da burocracia sindical, e não tornar-se uma nova fábrica de mandarinetes para os maus operários que não querem mais trabalhar nas fábricas, e não transformar-se em uma nova cadeia para prender a classe operária. Da fábrica à nação, o controle deve ser exercido pelas organizações dos

conselhos de fábrica.”

Contra a luta pelo controle operário, não se manifestara apenas a burguesia, mas também e principalmente a organização sindical que via no chamado controle sindical uma forma de recuperar o domínio sobre as mas-

sas organizadas pelos conselhos.

O controle sindical é um engodo dos colaboracionistas e dos reformistas, que conduziram a classe operária até as margens da insurreição armada... sem ter pensado em dar armas e munições aos operários; os revolucionários querem o

72. Idem, p. 689. 73. “Cronaca”, ON, 74. Idem, EDMUNDO

2/10/1920,

LON,

p. 694. Grifo nosso.

p. 695. FERNANDES

DIAS

219

controle exercido pelos próprios operários, pelas organizações eletivas de toda a massa trabalhadora, querem o controle como arma de batalha e não como meio de conciliação.

A estratégia dos conselhos é uma crítica radical à incapacidade das organizações tradicionais do proletariado. Contra a falta de democracia dessas organizações, contra o espírito burocrático que as governa, a classe necessita criar a sua própria forma democrática de governo. Tanto o PSI quanto a CGT

jamais

se colocaram

no plano da nova disciplina operária.

A ação dos partidos e dos líderes sindicais se dava mais no sentido de

desacreditar a Revolução

Russa do que pôr em

exército proletário italiano. Essas lideranças “mostravam”

que a revolução comunista

marcha,

para a revolução,

o.

reformistas continuamente.

fracassara.

Os comunistas italianos não crêem que a revolução tenha fracassado na Rússia, porque a revolução comunista ou é internacional ou não é, ou , apenas o nascimento de um Estado operário (um Estado... burguês sem... a burguesia, segundo a enérgica definição de Lenin), porque a revolução comunista pode apenas fracassar como iniciativa da classe operária de organizar em escala mundial, fundada na pro-

dução nacional tecnicamente mais desenvolvida, a economia de todas as populações

do globo, como tentativa de realizar o que não consegue realizar a classe burguesa para dar paz ao mundo. (...) Os comunistas italianos, como os comunistas de toda a Internacional operária, consideram que a revolução comunista seja um momento necessário do desenvolvimento geral da história mundial; eles “querem” apenas o. que é concedido aos homens querer, preparar-se para os acontecimentos, armar-se para serem fortes, organizarem-se para serem tenazes e resistentes, educar-se para serem confiantes, entusiasmar-se para serem audazes, elevar-se para que os indivíduos e as coletividades se vejam inseridos em um sistema universal de forças

tendentes a uma mesma meta.”

75. Idem. 76. “La Compagnia di Gesú”, A, 9/10/1920, 220

LON, p. 707. Grifo nosso. GRAMSCI

EM

TURIM

FASCISMO!” Écerto que a reação italiana se reforça e procurará impor-se violentamente em

tempo breve. A reação que sempre existiu, que obedece a leis próprias de desenvolvimento, que culminará no mais atroz terrorismo já visto na história. (... JA reação é o desenvolvimento do fracasso da guerra imperialista, é o

desenvolvimento das desastrosas condições econômicas a que o capitalismo

italiano reduziu o povo italiano, é o desenvolvimento das ilusões nacionalistas

e das desilusões oportunistas de um Estado que não consegue assegurar o pão, o teto, a roupa, à população. (...) A reação sempre existiu

na Itália; ela não nasceu agora por culpa dos comunistas.”

burguesia, os seus jornais, os seus parlamentares e ministros, atribuem o terror a que

a população

está submetida

ao proletariado.

No entanto

as aventuras de D'Annunzio, o incêndio do Avanti!, a morte dos operá-

rios, o roubo escancarado dos fornecedores militares, a corrupção financeira, o envio de capital para o estrangeiro, não podem ser atribuídos ao movimento de resistência das massas proletárias. O problema reside em que a posição subordinada da Itália no bloco imperialista torna impossível qualquer eficácia da burguesia, e faz com que ela aumente o terror sobre as massas. A Itália está bloqueada: ela não tem uma grande propriedade nacional. (...) não tem meios, de um ponto de vista nacional, para pagar as importações necessárias à vida das suas indústrias e à vida dos seus habitantes, (...) não tem reservas de ouro nos bancos, não tem minas (...) não tem nenhuma matéria-prima no seu solo e subsolo; (...) calcula-se que o movimento metalúrgico tenha determinado um êxodo de 30 bilhões de capi77. Sobre o fascismo ver: Paolo Alatri, Le origini del fascismo; Lelio Basso et allii, Fascismo e antifascismo

(1918-1936).

Lezione

e testimonianze;

Giampiero

Carocci, Storia del fascismo; Franco Catalano,

L'italia

della dittatura alla democrazia 1918-1948; Federico Chabod, Litalia contemporanea (1918-1948); Renzo del Carria, Proletari senza rivoluzione. Storia delle classi subalterne dal 1860 al 1950; Francesco Ercoli, La rivoluzione fascista; Pietro Grifone, II capitale finanziario in Italia. La politica economica del fascismo; Daniel Guerin, Fascisme et grand capital, Adrian Lyttelton (ed.) Italian fascism. From Pareto to Gentile; Ernst Nolte, La crisi del regime liberali e i movimenti fascisti; Robert Paris, Histoire du fascisme en Italie

e Les origines du fascisme; Nicos Poulantzas, Fascisme et dictadure: la troisiême internationale face au fascisme; Luigi Salvatorelli, Nazionalfascismo; Angelo Tasca, El nascimiento del fascismo e Silvio Trentin,

Laventure italienne. Légendes et réaliés, entre outros. 78. “La reazione”, A, EDMUNDO

FERNANDES

17/10/1920, DIAS

LON,

p. 721. 221

tal comerciável;

(...) este medo

razão dos 30 bilhões.”

“neomalthusiano”

agravou o bloqueio efetivo em

Duas são as vias para uma saída reacionária. Duas vias que se fundem;

a agressão externa e o terror interno. A agressão extema teria a finalidade de

“resolver” as questões econômicas internas pelo saque dos países vizinhos. Não é gratuito e nem patético o gesto de D'Annunzio e a cumplicidade, ao menos por inércia, de Nitti, Milo e Caviglia. A Dalmácia e os Balcãs valem bem uma missa, pensam os nacionalistas. Mas a questão fundamental é o ajuste contas com, e contra, o proletariado. De dois anos para cá (...) o povo italiano vive em pleno terrorismo, em plena reação; não existe mais segurança pessoal para a classe operária, não existe mais nenhuma garantia civil de tranquilidade e de paz. No atual período, o terrorismo quer passar do campo privado ao campo público; não se contenta mais com a impunidade que o Estado lhe concede, quer tornar-se Estado. Eis o que significa hoje a palavra “advento” da reação; significa que a reação tornou-se tão forte, que não considera mais útil para os seus fins a máscara de um Estado legal; significa que quer, para os seus fins, servir-se de todos os meios do Estado.”

A palavra de ordem da reação, restaurar a ordem, é impossível. O Estado já não controla nada. Ele pode reduzir todas as conquistas operárias, pode reduzir os operários quase à escravidão; o que ele não pode é eliminar as leis do imperialismo, não pode “sanear” a burguesia, não pode impedir que o sistema financeiro esmague o campo e reduza mais e mais a produção de alimentos. Eis a origem da reação: “o medo louco da morte pelo esgotamento, mesclado do desejo desenfreado de abater-se sobre um organis-

mo nacional ainda com alma eficiência para devorá-lo, para procurar salvarse com

uma

transfusão de sangue

(...). A reação é furiosa também

por isto:

porque deve reconhecer em si mesma nada mais que os últimos espasmos raivosos de um organismo exaurido”.*! A situação é polarizada pela pequena

burguesia,

que

não

tem

outro

desejo senão o de realizar a sua vingança contra o proletariado e contra a própria

burguesia.

O duplo processo da centralização do Estado italiano e de monopolização da economia conduz a um esvaziamento da possibilidade de intervenção da pequena burguesia, que se vê relegada à função de mero apoio parlamentar. Não encontrando no Parlamento a possibilidade de se fazer ouvir, as massas populares tentam a ação direta. E aí vai surgir a nova possibilidade da pequena burguesia: ela “que se tinha submetido ao poder go79.

“La disciplina internazionale”,

ON,

16 a 23/10/1920,

LON,

p.

716-717.

80. “La reazione”, op. cit., p. 721-722. 81. Idem, p. 723. 222

GRAMSCI EM

TURIM

vernamental pela corrupção parlamentar, muda a sua forma de prestação de serviço, torna-se antiparlamentar e tenta corromper as ruas”.*” O intervencionismo, os atentados de dezembro de 1919 contra os deputados

socialistas, o ataque aos jornais e às associações operárias do ano de 1920 são a nova forma de atuação dessa classe. A aventura dannunziana em

Fiume é talvez a demonstração mais rica da paralisação do Estado burguês. Durante um ano, toda a política externa do Estado italiano é posta em xeque. “Essa atividade da pequena burguesia tornada oficialmente “o fascismo", não é sem conseqiiência para a coesão do Estado. Depois de ter corrompido e arruinado a instituição parlamentar, a pequena burguesia corrompe e arruína também outras instituições, os sustentáculos fundamentais do Estado: o exército, a polícia, a magistratura”.*' Arruinadas estas instituições, não pode haver mais ilusões: não existe mais qualquer vestígio do Estado nacional-popular. A atividade da pequena burguesia fascistizada “mostrou-se definitivamente na sua verdadeira natureza de serva do capitalismo e da propriedade fundiária, de agente da contra-revolução”.* Financiado pela burguesia, o fascismo (e a pequena burguesia) apresenta-se como revolucionário para melhor realizar a sua função. “A classe proprietária repete, em

relação ao poder executivo, o mesmo

ao Parlamento:

crê poder defender-se

cionária, abandonando

erro que tinha cometido em

melhor

relação

dos assaltos da classe revolu-

as instituições do seu Estado aos caprichos histéri-

cos do 'povo dos macacos”, da pequena burguesia”.º A crescente monopolização capitalista arruinara a pequena

destruíra seus sonhos. A pequena burguesia fora a classe

burguesia,

que mais esperara da guerra a vitória (...); tinha acreditado que a guerra significaria verdadeiramente prosperidade, segurança da vida material, satisfação das suas vaidades nacionalistas; tinha acreditado que a guerra teria significado todos estes bens para o “país”, isto é, para a própria classe. Perdeu, ao contrário, tudo, viu arruinar-se o seu castelo de sonho, não tem mais liberdade de escolha, está reduzida à mais tenebrosa miséria pelo contínuo aumento dos preços, e está exasperada, furiosa, bestializada: quer vingar-se genericamente, incapaz como é de identificar

as

causas

reais

do

marasmo

em

que

caiu

a

nação. *

Ela se tona assim a grande massa reacionária a ser lançada contra o proletariado. Massa que será controlada pela burguesia, mas não pelo aparelho estatal. O aparelho formal de comando da burguesia, o Estado, está paralisado. O aparelho informal acentua a sua ação: é o fascismo. Em 82. “Giolitti al potere”, ON,

12/6/1920, LON, p. 10.

83. Idem, p. IJ. 84. Idem, p.

12.

85. Idem, p.

Il.

86. “Giolitti...”, op. cit., p. 337 EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

223

toda a sua excitação reacionária, a pequena

burguesia tem um

papel À

portante. Se bem ela não é o elemento que governa, é ela que agita questões, que denuncia mais freneticamente a luta de classes e a barbái comunista. Ela é, ao mesmo tempo, massa de manobra e liderança pol

co-ideológica.

O sentimento do medo louco é próprio da pequena burguesia e dos intelect

como é próprio destes extratos da população o sentimento da vaidade e da ção nacionalista. A pequena burguesia e os intelectuais, pela posição que ocus pam na sociedade e pelo seu modo de existência são levados a negar a luta

classes e, portanto, estão condenados a não compreender nada do desenvolvime!

da história mundial e da história nacional que está inserida no sistema mundial obedece às pressões dos acontecimentos internacionais. A pequena burguesia os intelectuais, com sua cega vaidade e sua desenfreada ambição nacionalista, dominaram a guerra italiana, difundiram uma ideologia abstrata e grandiloquente, e foram arrastados e despedaçados por ela, pois a guerra italiana era um mento secundário da guerra mundial, era o episódio marginal de uma gigantess luta pela repartição do mundo entre forças hegemônicas que precisavam da Itália como simples peão no seu formidável jogo. Vencida e despedaçada no ca internacional, a pequena burguesia parecia estar vencida e destruída também

campo nacional, pela irrupção súbita do proletariado depois do armistício até 16 de novembro.* Contudo, não o fora. É a partir da contradição entre as massas presença ativa dos reformistas no PSI e na CGT,

y e seus “organizadores”, na que reside a esperança da

burguesia e da pequena burguesia de que se conserve o status quo. Esta. esperança se perde pela radicalização da situação que acaba por colocar o dilema ditadura operária ou ditadura reacionária, dilema já expresso pelas análises da Internacional Comunista e diante do qual nem o velho PSI nem a CGT nada podem fazer. Mas a situação é ainda mais grave: os camponeses assaltam mais e mais a propriedade. O Estado nada pode fazer, não pode legalizar esta mudança violenta de propriedade, não pode legalizar esta formação de um novo estrato de proprietários, não pode por outro lado, sequer, opor-se eficazmente à irrupção dos camponeses, “porque deveria desencadear uma imensa guerra civil, cujo paralelo — a luta contra o banditismo, desenvolvida logo após a anexação das Duas Sicílias ao Piemonte — seria um jogo de crianças”. Este Estado também não pode fazer frente ao movimento operário, que coloca a

questão do controle operário da gestão fabril. Em face da simultaneidade dos dois movimentos, o Estado se encontra imobilizado. “A impotência do Estado legal para dominar o desenvolvimento das novas 87. “Previsioni”, A, eleitoral socialista.

19/10/1920, LON,

p. 724-725.

forças

16 de novembro

de

produlivas

se mani-

1919 é, a data da vitória.

88. "Il comploto e il partito”, A, 26/10/1920, LON, p. 732. “Luta contra o banditismo": explicação | dada pela historiografia oficial da luta contra os camponeses, durante o período da unificação. 224

GRAMSCI EM

TURIM

festa privadamente na violência e na ilegalidade que caracterizam as relações das classes, dos grupos, dos indivíduos. (...) o Estado se decompõe em suas células elementares", O esfacelamento do Estado burguês encontra na violência fascista uma força de resistência. O “fascismo” é a fase preparatória da restauração do Estado, isto é, de um recrudescimento da reação capitalista, de uma exasperação da luta capitalista contra as exigências mais vitais da classe proletária. O fascismo é a ilegalidade da violência capitalista: a restauração do Estado é a legalização dessa violência (...). O fascismo italiano incendiou o Avanti! (...), o Proletario (...), o Lavoratore (...) e nenhum fascista foi punido: o Estado restaurado não incendiará mais, suprimirá “legalmente”, O fascismo assaltou as câmaras de trabalho e as prefeituras socialistas: o Estado restaurado fechará “legalmente” as câmaras de trabalho e as prefeituras que quiserem permanecer socialistas. O fascismo assassina os militantes da classe operária, o Estado restaurado os mandará “legalmente” para a cadeia, e restaurada também a pena de morte, os fará matar “legalmente” por um novo funcionário governamental:

o carrasco.”

Clara previsão dos efeitos do fascismo sobre o proletariado italiano. Mas o fascismo é algo radicalmente novo? A violência reacionária é algo inédito? ou decorre da forma pela qual o capitalismo se estruturou na Itália? No início o capitalismo italiano, e seus quadros políticos, ainda conseguiu formar um bloco com os setores reformistas operários, conseguiu durante algum tempo uma aliança com a “aristocracia operária” e com o sistema de cooperativas dos trabalhadores do Norte, conseguiu integrar no seu projeto os deputados socialistas, “ao mesmo tempo em que se massacram os camponeses pobres do Sul; (...) que, através da ação policialesca dos chefes de polícia e a ação intimidadora dos agentes debellistas, se enche o Parlamento com um bando de soldados coloniais do Sul”.” Essa situação não pode perdurar em face do simultâneo aparecimento na cena política das massas operárias e camponesas. O Estado tem agora que revelar-se abertamente reacionário. Não pode mais haver espaço para uma democracia, ainda que de fachada. A democracia não pode mais expressar partidos políticos, isto é, não consegue mais organizar interesses permanentes e difusos; “a democracia expressa apenas complôs, conjuras, golpes de mão. O futuro é das forças sociais que ainda conseguem organizar-se em partido homogêneo e coeso: o proletariado e os camponeses pobres são estas forças sociais; o seu partido é o partido comunista”."? 89. Idem,

p. 733.

Ver sob

essa simultaneidade:

90. "Cos'ê la reazione”, A, 24/11/1920,

LON,

Tasca,

op. cit., e Del

Carria,

op. cit.

766.

91. Idem. Debellistas: partidários do deputado giolittiano Vito de Bellis. Grifo nosso. 92. “Il comploto...”, op. cit., p. 734. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

225

O Estado legal caminha para o esfacelamento: os poderes locais subs traem-se ao comando centralizado e “pululam os grupos armados locais que substituem a organização oficial, obedecem a interesses locais (...). O fas mo é a expressão deste corromper-se dos poderes estatais”.”' Esse esfacelas mento do poder estatal se dá pela adesão dos funcionários ao fascismo, e! “sustentam o fascismo, armam os fascistas, confundem-se com os fascisl

(...) o fascismo se confunde com a hierarquia militar, porque (...) o

judiciário deixa imune o fascismo. O fascismo como fenômeno nacional, pode fundar um Estado seu, não pode organizar-se em poder central, por:

que já se confunde com o Estado, porque já encontra a sua centralização atual governo

de Giolitti”.”*

O Estado legal sequer consegue controlar sua política externa. Dada

crise estatal, um aventureiro como D'Annunzio é capaz de pôr em xeque o Estado italiano. “Que poder tem um Estado que não pode fazer a paz, porque um cidadão privado se opõe com meios privados?”.”* Mas o aspecto bu

da crise de Fiume pode obscurecer a realidade:

O Estado italiano se debate nesta sua crise mórbida, de desmascaramento íntimo; ela pode apenas resultar em nova barbárie, novo caos, nova anarquia, nova reação, Nunca, como neste momento, o Estado italiano foi coisa risível, uma coisa bufa; mas, infelizmente, na vida dos Estados, ser bufo e ridículo significa impunidade para os violentos e nenhuma segurança para as pessoas, significa imposição, prepotência, abuso, significa reação contra os trabalhadores &

A crise revolucionária que o Estado burguês enfrenta tem duas possi-

bilidades básicas: ou a conquista revolucionária do poder pelas massas populares; ou a mais forte reação, representada pela pequena burguesia e pelo. fascismo. Contra-revolucionário, o fascismo liquida qualquer ilusão liberal.

Impõe a ditadura dos proprietários sem qualquer máscara,

“substitui em es-

cala cada vez maior, a 'autoridade' da lei pela violência privada, violência exercida (e não poderia ser de outro modo) caoticamente, brutalmente”” e, aqui está o elemento contraditório desta opção, “faz sublevar contra o Estado, contra o capitalismo, estratos da população cada vez mais amplos”.

93. “La forza dello Stato”, A, 94.

11/12/1920, LON,

p. 777.

Idem.

95. "Il comploto...”, op. cit., p. 734. 96. “La forza...”, op. cit., p. 777-778. Grifo nosso. 97. Idem,

p. 12.

98. Idem. 226

GRAMSCI

EM

TURIM

VI CRIAR O PCD'I: ACELERAR O FUTURO odo fenômeno histórico “(...) deve ser estudado pelos seus caracteres peculiares, no quadro da atualidade real, como desenvolvimento da liberdade

que

se

manifesta

em

finalidade,

em

instituições,

em

formas

que não podem ser absolutamente confundidas e comparadas (a não ser metafisicamente) com a finalidade, as instituições, as formas dos fenômenos históricos passados”.” A partir desse princípio metodológico se coloca a “análise concreta de uma situação concreta” como única possibilidade de compreensão da realidade, que afirma a radical historicidade da política. Gramsci pode então propor uma nova questão: Toda revolução (...) se realiza e pode realizar-se apenas como um movimento das mais profundas e vastas massas populares; não pode senão despedaçar e destruir todo o sistema existente de organização social: quem pode imaginar e prever as conseqiiências imediatas que provocará a aparição no campo da destruição e da criação históricas das multidões imensas que hoje não têm vontade e poder? Elas porque nunca tinham “querido ou podido”, pretenderão ver materializadas em cada ato público e privado a vontade e o poder conquistados; elas encontrarão misteriosamente hostil todo o existente e desejarão destruí-lo desde os fundamentos; mas precisamente por esta imensidade da revolução, por este seu caráter de imprevisibilidade e de liberdade sem limites, quem pode arriscar sequer uma hipótese definitiva sobre os sentimentos, as paixões, as iniciativas, as virtudes que se forjaram em uma tal fábrica incandescente? O que hoje existe, o que hoje vemos, de fora da nossa vontade e da nossa força de caráter, que mudanças poderá sofrer? Cada dia de uma vida tão intensa não será uma revolução? Cada modificação nas consciências individuais, enquanto obtida simultaneamente por toda a amplitude da massa popular, não terá resultados criadores inimagináveis?!

O processo revolucionário ganha uma nova relações sociais, será ao mesmo tempo construtor Ele não poderá ser apenas um mero exercício de preparado, mas terá necessariamente que passar participação das massas. 99.

“Il partito

comunista

(1)”, ON,

4/9/1920,

LON,

dimensão. Destruidor de de novas relações sociais. um pequeno grupo bem pela ampla mobilização e

p. 652.

100. Idem. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

227

A crise despertara

as massas,

mesmo

as secularmente

colocadas

em

letargia, como as massas camponesas, que não conseguiram escapar “à ação: enérgica dos reagentes que dissolvem o corpo social; (...) quanto mais estas: classes foram preguiçosas e lentas no passado, tanto mais querem hoje clas ramente

atingir às consequências

dialeticamente extremas

à guerra civil e à destruição das relações econômicas”.'”

da luta de classes,

O biennio rosso viveu uma transformação política no campo. Por um. lado, as massas querem fare da sê, por outro, surge o Partido Popular, parti= do moderno, pluriclassista, que embora pretenda representar o campo (em. toda a sua diversidade) acaba por ser o representante dos capitalistas, dos. setores financeiros ligados ao campo e dos barões latifundiários. Essas mas» sas viram também uma potente ala esquerda dentro desse partido: “as gran-. des massas de pequenos proprietários e de camponeses pobres, não querem mais ser a massa de manobra passiva para a realização dos interesses dos médios e grandes proprietários; (...) vimos então, sob a pressão dos cam-

poneses pobres, a extrema esquerda popular tornar-se revolucionária”. Do lado proletário, já extremamente mobilizado, a situação se coloca de modo

distinto “dado que o inimigo a combater e a vencer não está mais

fora do proletariado, mas estará no próprio proletariado, na sua ignorância,

na sua preguiça, na sua maciça impenetrabilidade às rápidas intuições, quando a dialética da luta de classes se tiver interiorizado e em cada consciência o homem novo deverá, a cada ato, combater o “burguês! emboscado”.'* O

inimigo de classe está inserido objetivamente dentro da própria classe, o que reforça a necessidade da construção de sua independência ideológica e política em relação às classes dominantes. Se a pequena burguesia, é aliada da burguesia na ameaça reacionária contra as massas populares, ela participa também do lado proletário com resultados igualmente desastrosos. O proletariado tem também a sua “pequena burguesia” como o capitalismo; e a ideologia dos pequeno-burgueses que aderem à classe burguesa não é, como forma, diversa daquela dos pequeno-burgueses que aderem ao capitalismo. Encontramos aí o mesmo elemento de vaidade ilimitada (o proletariado é a maior força! o proletariado é invencível! nada poder deter o avanço do proletariado na sua marcha fatal para frente!) e o mesmo elemento de ambição internacional, sem uma exata compreensão das forças históricas que dominam a vida do mundo, sem a capacidade de identificar no sistema mundial o próprio posto e a própria função. (...) hoje vemos que o “maximalismo” socialista em nada se diferencia como forma, da ideologia pequeno burguesa da guerra; recorre-se ao nome de Lenin ao invés de Wilson, pronuncia-se a favor da Terceira Internacional ao invés da Liga das Nações, mas o nome é apenas um nome. e não um símbolo de um ativo estado de consciência: (para eles) a Terceira Inter101. “Il partito comunista (1l)", ON, 9/10/1920, LON, 102. Idem,

p. 656.

p. 657.

103. “Il partito... (1)”, op. cit, p. 653. 228

GRAMSCI

EM

TURIM

nacional, como a Liga das Nações é um mito vulgar, não uma organização de vontades reais e de ações transformadoras do equilíbrio mundial.!

Essa incapacidade pequeno-burguesa dos socialistas, esse nullismo revo-

lucionário deu alento à alta hierarquia militar, aos fascistas e aos nacionalistas. Os proprietários agrários e os industriais pagarão para que se restaure a ordem, a “sua” ordem: a ordem da possibilidade contínua de extração da mais-valia. Se, em

breve

tempo,

uma

potente

força

política

de classe

não emerge

do caos

(e

essa força, para nós, só pode ser o partido comunista italiano), e se esta força não consegue convencer a maioria da população de que uma ordem é imanente na atual confusão, que mesmo esta confusão tem uma razão sua de ser, dado que não se pode imaginar uma crise de uma civilização secular e o advento de uma civilização nova sem tal abismo apocalíptico e tal ruptura formidável, se esta força não consegue colocar a classe operária como classe dominante e dirigente, nas consciências das multidões e na realidade política das instituições de governo, o nosso país não poderá superar a crise atual, não será mais, pelo menos por duzentos anos,

uma

nação

e um

Estado,

será o centro de

seus vórtices toda a civilização européia.'* A crise que mobiliza as mais amplas

um

maelstrom

que

arrastará nos

massas proletárias e camponesas

ilumina fortemente e põe em questão a organização estatal, seus limites e sua

dissolução.

O capitalismo, como força política, está reduzido às associações sindicais dos proprietários de fábricas. Ele não tem mais partido político cuja ideologia abarque sequer os estratos pequeno-burgueses das cidades e dos campos, e permita então a permanência de um Estado legal de amplas bases. O capitalismo se vê reduzido a ter uma representação política apenas nos grandes jornais (...) e no Senado, imune, como formação, às ações e reações das grandes massas populares, mas sem autoridade e prestígio no país. Por isso a força política do capitalismo tende a identificar-se cada vez mais com a alta hierarquia militar, com a guarda real, com os múltiplos aventureiros (...); por isto a força política do capitalismo não pode hoje realizar-se senão em golpes de Estado militares e na tentativa de impor uma férrea ditadura nacionalista que estimule as embrutecidas massas italianas a restaurar a economia com o saque dos países vizinhos, à mão armada *

Não podendo incorporar, sem graves riscos, as massas populares, o Estado capitalista tem como único programa a reação interna e a intervenção bélica externa. Incapaz de fazer avançar as forças produtivas no interior do país, só pode tentar recompô-las pela compressão das massas populares, pelo militarismo.

Diante da incapacidade da burguesia (apesar da ajuda dos reformistas, tanto do PSI quanto da CGT), das classes camponesas de se expressarem politicamente, resta apenas o proletariado como força capaz de criar uma 104.

“Previsione”,

A,

19/10/1920,

p. 725.

Grifo

nosso.

105. Idem, p. 724. Grifos nossos.

106. “Il partito... (11). op. cit., p. 657-658. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

229

nova forma estatal. Será o PSI capaz de dar sentido e direção mento espontâneo do proletariado?

a esse

movi-

Mesmo o tradicional partido político da classe operária italiana, o Partido Socialista, não escapou ao processo de decomposição de todas as formas associativas, pros cesso que é característico do período que atravessamos. Ter acreditado poder sal» var a velha coesão do partido da sua íntima dissolução foi o erro colossal dos hos mens que do começo da guerra até hoje controlaram os órgãos de governo da nossa associação. Na verdade, o partido (...) pelas suas tradições, pelas origens históricas | das várias correntes que o constituíram, pelo pacto de aliança tácito ou explícito, com a Confederação Geral do Trabalho (...), pela autonomia ilimitada concedida ao. grupo parlamentar (...), não difere em nada do Labour Party inglês e é revolucionário apenas pelas afirmações gerais do seu programa. Ele é um conglomerado de partidos; move-se e não poderia deixar de mover-se preguiçosa e atrasadamente; está exposto continuamente a tornar-se o fácil campo de caça dos aventureiros, dos carreiristas, dos ambiciosos sem seriedade e sem capacidade política; pela sua heterogeneidade, pelos inumeráveis atritos das suas engrenagens gastas e sabotadas pelas servas-patroas, não está nunca em condições de assumir o peso e a res-

ponsabilidade das iniciativas e das ações revolucionárias que os acontecimentos

urgentes impõem incessantemente. Isto explica o paradoxo histórico pelo qual na Itália são as massas que estimulam e “educam” o partido da classe operária, e não

é o partido que guia e educa as massas"?

Estas são as contradições que paralisam o partido da classe operária. O

PS se diferencia dos demais pelo programa radical no discurso. Contradição entre

proposta radical e prática reformista imobilizante. Partido sem disciplina partidária, o que permite a existência no seu seio não de frações, mas de verdadeiros partidos. Partido que sequer lidera os seus membros. Partido cuja vinculação com a massa é reduzida, o que permite à organização sindical reformista comandar e não ser comandada. Contradição entre organização política que deveria comandar e dar as linhas estratégicas e táticas e é comandada pela organização econômica, dirigida pelo mais puro taticismo reformista. E finalmente, mas não menos importante: um partido que é guiado pelas massas ao invés de guiá-las.

Partido que menos de dois anos depois de ter-se tornado eleitoralmente a maior força da nação, vê-se reduzido agora à impotência. “Na verdade, esse partido socialista, que se proclama guia e mestre das

massas, não é outra coisa senão o pobre tabelião que registra as operações realizadas espontaneamente pelas massas; este pobre partido socialista, que se proclama chefe da classe operária, não é senão obstáculo para o exército proletário”,!ºs Obstáculo à revolução, tal é o papel que o PSI desempenha. Estragalhado por suas contradições internas, por uma ala direita que teme a revolução e por um centro que quer manter a unidade a qualquer preço, esse partido contém em si a possibilidade de transformação em um Partido Comu107. Idem, p. 659. Em inglês no original. 108. Idem, p. 660. O primeiro grifo é nosso. 230

GRAMSCI EM

TURIM

nista. Gramsel

vê nos grupos comunistas,

que

já tiveram

grande

participação

na ocupação das fábricas, “grupos enérgicos (...) conscientes de sua missão histórica, enérgicos e perspicazes na ação, capazes de guiar e educar as massas locais do proletariado”."” A essa possibilidade do Partido Comunista

não falta senão a organização explícita e uma disciplina própria para desenvolver-se rapidamente, conquistar e renovar a coesão do partido da classe operária (...). O problema imediato deste período, que sucede à luta dos metalúrgicos e precede o congresso em que o partido deve assumir uma posição séria e precisa frente à Internacional Comunista, é precisamente o de organizar e centralizar essas forças comunistas já existentes e atuantes. (...) Os comunistas (...) sobre a base da disciplina leal à suprema autoridade do movimento operário mundial, devem desenvolver o trabalho necessário para que no mais breve tempo possível, seja constituída a fração comunista do Partido Socialista Italiano (...) para que a fração comunista se constitua com um aparelho dirigente, orgânico e fortemente centralizado, com articulações, próprias, disciplinadas

em todos os ambientes onde trabalha, se reúne e luta a classe operária."º

Esse partido novo deve realmente ser um partido da classe operária. Não quer apenas receber os votos dos operários e fazer discursos no parlamento. Ele quer fundar um novo Estado, o Estado operário, e não remendar o Estado burguês; ele quer transformar o operário, criar a soberania desta classe. Ele é o instrumento e a forma histórica do processo de íntima liberação pela qual o operário, de executor torna-se iniciador, de massa torna-se chefe e guia, de braço torna-se cérebro e vontade; (...) o operário, entrando para o Partido Comunista, (...) colabora para “descobrir” e para “inventar” modos de vida originais, (...) colabora “voluntariamente” para a atividade do mundo, (...) pensa, prevê, tem responsabilidade, (...) é organizador além de organizado, (...) percebe constituir-se uma vanguarda que corre adiante, arrastando consigo toda a massa popular."!

Portanto, o Partido Comunista aparece como necessidade real da sociedade italiana e não como dedução lógica de uma teoria. Necessidade expressa por uma crise revolucionária aberta. O PSI já não pode mais oferecer uma resposta às tarefas colocadas pela conjuntura. E, além disso, convém lembrar que não se trata de uma crise nacional, e sim de uma crise total do capitalismo. Mudara “o caráter da classe operária, que tinha adquirido a persuasão de não poder superar a crise determinada pela guerra de outro modo senão conquistando diretamente o poder do Estado, e submetendo ao seu controle as forças produtivas desorganizadas e desperdiçadas pela especulação burguesa”."'2 O paradoxal é que se as massas tinham mudado, tinham se radicalizado, o mesmo não ocorrera com suas instituições, “não tinha mudado em nada o aparelho de governo destas massas revolucionárias (...) 109. Idem.

110. Idem, p. 660-661.

UHE. “Il partito... (1º, op. cit., p. 654-655. 112. “La frazione comunista”, EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

A, 24/10/1920, LON,

p. 728. 231

deste aparelho (...) com toda evidência, não poderia expressar-se um poder governamental de caráter estatal”, !!* l Necessidade histórica, o Partido Comunista deve surgir das cinzas do velho PSI. As forças das classes trabalhadoras encontram-se despreparadas para enfrentar a crise, pois, de um lado, elas são cada vez mais estimuladas à ação pelas suas lideranças e, por outro, não encontram nessas próprias lideranças os elementos para o encaminhamento eficaz da ação. O problema que as classes trabalhadoras têm para resolver é o de saber se existe entre os seus homens de confiança, (...) que lhe dão absoluta garantia de lealdade e de desprendimento, a possibilidade de encontrar modo de constituir uma organis zação militar que guie à vitória a milícia vermelha, uma organização econômica que consiga, nas condições atrozes em que a guerra imperialista lançou nosso país, para fazer viver a população, uma organização industrial que faça funcionar as fás bricas, uma organização judiciária que dê justiça e não abuso, uma organização burocrática que administre e não provoque marasmos e não se torne odiosa com.

os favoritismos e com a indiferença pelos interesses populares.!'*

A questão fundamental, ainda uma vez, não se reduz a uma mera instrumentação da tomada do poder. O problema da revolução está basicamente na organização do novo poder e, por isto mesmo, ele não pode ser

visto como resolvido pela ação de um partido político qualquer. A questão é:

como cente

realizar estas tarefas quando a modema classe operária italiana, de reformação, apenas uma geração, ainda não possui estes quadros? O PSI mostra-se completamente impotente para a ação,

para dominar a situação, porque contém em seu seio as mesmas contradições que despedaçam o Estado burguês. Como a burguesia não consegue mais manter de pé um Estado forte, respeitado, obedecido pelas múltiplas partes que o compõem, assim não conseguiria reger-se um Estado popular resultante da chegada ao poder do: Partido Socialista tal como hoje é composto. Um Estado de tal gênero não teria nenhuma força, como o atual Estado giolittiano-fascista; seria uma continuação do caos e da anarquia hodiernas: não seria um enérgico golpe de detenção desta dissolução, com uma mais completa desmoralização das massas populares. '!º

Um partido como o socialista que reproduza o esquema organizativo liberal não seria capaz de realizar a passagem para uma nova forma estatal, Por isso mesmo, a preparação dos quadros operários em uma perspectiva comunista é uma necessidade radical e premente. Devemos intensificar nossa obra de educação econômica e política dos melhores

elementos da classe operária, de preparação teórica, de elevação espiritual, de reforçamento do sentido das responsabilidades, de formação dos quadros para a gestão dos bens materiais e espirituais do nosso povo. A constituição do partido comunista cria as condições para intensificar e aprofundar a nossa ação: liberados do 113. Idem, p. 728-729. 114. “Cronaca”,

ON,

4/12/1920, ON,

1I5. “La forza dello Stato”, A, 232

p. 770.

11/12/1920, LON,

p. 778. GRAMSCI

EM

TURIM

peso morto dos céticos, dos palradores, dos irresponsáveis, liberados da idéia fixa de dever, continuamente, no seio do partido, lutar contra os reformistas e os oportunistas, de dever fazer fracassar as idéias deles, de dever analisar e criticar as posições equivocadas deles e a sua fraseologia pseudo-revolucionária, poderemos dedicar-nos inteiramente ao trabalho positivo, à expansão do nosso programa de renovação, de organização, de despertar das consciências e das vontades.'º A luta

nada

contra

os reformistas

pela Intemacional,

e os oportunistas

está na ordem

e sua

exclusão,

determi-

do dia.

O partido se desagrega porque se desagrega o Estado burguês, porque em tais condições as ideologias e os programas tendem a clarificar-se até o espasmo (...). O que acontece hoje com a burguesia é um precioso ensinamento para a classe operária; Giolitti não pode governar com os fascistas, a classe operária não poderá governar com os reformistas e os oportunistas: no Estado operário, como no Estado burguês, não se podem fazer experiências de parceria, sem que se siga a ruína e maior corrupção.”

A luta contra os oportunistas e os reformistas, por um lado, e contra os representantes das forças reacionárias, organizados no Estado liberal burguês em desagregação, e no Estado fascista, em gestação, por outro, dá o pano de fundo da cena onde se move a extrema esquerda socialista. A luta

pela eliminação da direita socialista é dificultada pela ação dos centristas que,

com Serrati, querem manter a unidade partidária a qualquer custo. Do ponto de vista da esquerda — e da Internacional — trata-se de romper “com uma parte mínima do próprio corpo, com uma parte que não tem nenhuma função vital no organismo, que está longe das massas proletárias, que pode-se dizer representante das massas apenas enquanto estas estão desmoralizadas pelos erros, pelas incertezas, pelo absenteísmo dos chefes revolucionários”.'!s Essa unidade é um dos elementos paralisadores da ação do partido. Ele estava virtualmente fragmentado em várias frações que guardavam entre si muito pouca coisa. “A verdade é que o Partido (...) não era uma “urbe, era uma “horda": não era um organismo, era um aglomerado de indivíduos que tinham o tanto de consciência classista necessária para organizar-se em um sindicato profissional, mas não tinham em grande parte a capacidade e a preparação política necessárias, para se organizar em um partido revolucionário que é exigido pelo atual período histórico”.!!º 116.

“Cronaca”,

op.

cit., p. 771.

Grifo

nosso.

117. “La forza...”, p. 778. 118. “Scissione o sfacelo?”” ON,

|| a 18/12/1920,

LON,

p. 782.

119. Idem, p. 783. Alusão à afirmação de Turati: “Nos sovietes, grupos inorgânicos de operários, camponeses, soldados, tomados pelos seus pequenos interesses materiais, sem visões superiores e de conjunto (como o próprio Gorki constatou), em frequentes conflitos egoístas entre si, a grande alma que constitui o campo de instituições políticas de nossa civilização não vibra e não pode, por outro lado, vibrar, Eles são muito mais a horda do que a 'urbs”. Querer propô-los como modelo, sonhar substituir nossas grandes federações de trabalhadores, nossos corpos políticos nacionais, nos quais o sufrágio universal esclarecido pode amadurecer as energias inovadoras mais resolutas, isto nos parece ainda uma ilusão infantil”, citado por Silvio Trentin, Laventure italienne. Lêgendes et réalités, p. 222-223. Grifo nosso. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

233

A inorganicidade, a falta de capacidade revolucionária da maioria dos. socialistas é elemento essencial da crise partidária. A manutenção da unidas de teria consequências terríveis na conjuntura revolucionária: A crise que hoje atravessamos é talvez a maior crise revolucionária do povo italiano, Para compreender esta verdade, os companheiros devem fazer esta hipótese; o que. teria sucedido se o Partido Socialista tivesse sofrido esta crise em plena revolução, tendo

sobre si toda a responsabilidade de um Estado? Que teria sucedido se o governo de um

Estado revolucionário estivesse nas mãos de homens que lutam pelas tendências, &

que na paixão desta luta põem em dúvida todo o mais sagrado patrimônio de um.

operário: a fé na Internacional e na capacidade e lealdade dos homens que ocupam os.

cargos mais elevados? Teria sucedido o que aconteceu na Hungria: debandada das massas, relaxamento da energia revolucionária, vitória fulminante da contra-revolução.

O período que atravessamos é precisamente caracterizado pela imprevisibilidade dos acontecimentos históricos, imprevisibilidade que é determinada, não só pelo jogo da política nacional, mas também, e especialmente, pelo jogo da política internacional: quanto menos controláveis são os acontecimentos, quanto mais eles fogem às vontades individuais e à vontade dos chefes dos Estados burgueses, tanto mais era necessária a organização máxima por parte da classe operária e do seu partido, e

também mais necessária era a máxima inteligência política.

A questão que se coloca para Gramsci é a incapacidade do PSI de guiar

as massas populares

no processo revolucionário. O partido tinha passado

todo

o período que vai do fim da guerra ao biênio vermelho em plena radicalização

verbal, sem no entanto articular qualquer alternativa prática. Em grande parte, essa ausência de articulação política se deve ao fato de que o partido não possui uma idéia clara de como intervir na realidade. Não percebe, por exemplo, que a partir das eleições de 1919 podia-se afirmar que “existem dois govemos. Toda a classe operária e grandes estratos camponeses tinham explicitamente declarado estarem decididos a seguir até o fim o partido da ditadura proletá-

ria”.'2 Mais importante ainda era o fato de que a ideologia burguesa, incluindo

o catolicismo não conseguia mais dominar as massas. Os outros dois grupos eleitorais à esquerda dos liberais o partido popular e os ex-combatentes, fala-

vam cada vez mais uma linguagem “revolucionária”.

Os socialistas tinham conseguido manter em permanente mobilização as massas, ainda que nunca ou quase nunca pudessem ser tidos como responsáveis pelo início dos movimentos, ou por sua radicalidade. Mas fundar um Estado operário e suscitar e organizar as condições políticas necessárias para tal era exa-

tamente o que o PSI não tinha condições de fazer. Afinal, ele não era senão um

partido parlamentar, do Estado burguês, que, pretendia, via parlamento, corrigir os males daquela sociedade. Os socialistas chegaram mesmo a estabelecer um modelo de soviete exatamente no momento em que ajudavam a esmagar, com 120. “Scissione...”, op. cit., p. 783-784. 121. “Fiume”,

ON(d),

11/1/1921, SF p. 36.

122. “Lo Stato operaio”, ON(d), 234

1/1/1921, L'ON, p. 4. GRAMSCI EM

TURIM

sua ausência, o movimento

turinense de abril!” O velho PS “demonstrou

prati-

camente não conseguir compreender a posição hierárquica que, no âmbito nacional, deve ser ocupada pela vanguarda revolucionária (o proletariado urbano) nos confrontos

dos mais amplos

estratos do povo trabalhador”.'*!

Para manter

a “unidade partidária”, para manter a contradição interna entre suas múltiplas frações, a direção socialista recusa-se a cumprir a decisão da Internacional, embora a aceite em tese, de expulsar os reformistas. É no sentido de romper com a fonte dos equívocos do partido que sua ala esquerda exige o cumprimento da decisão, e a partir daí a renovação completa da ação do partido. “O Congresso de Livorno está destinado a tornar-se um dos acontecimentos históricos mais importantes da vida italiana contemporânea. (...) será finalmente verificado se as experiências de quatro anos de guerra imperialista e de dois anos de agonia das forças produtivas mundiais valeram para tornar consciente a classe operária de sua missão histórica”.'2 Ora, a missão histórica desse congresso é a de dar (para os comunistas) nascimento a uma nova estrutura partidária e definir, consequentemente, as tarefas que se impõem. Para tanto, é preciso ter clareza da situação nacional e internacional do Estado italiano, ter clareza de que a etapa imperialista do capitalismo coloca problemas novos para este Estado e para as suas classes. O processo de formação do Estado italiano com sua articulação/dominação das cidades sobre os campos, e sua dominação inter-regional faz com que as condições de cidadania se coloquem diferencialmente. Assim o esquema clássico capitalista versus operário se revela claramente empobrecedor. Para a compreensão da conjuntura, é necessário colocar várias questões:

do

preeminência

Estado,

da

da classe

aliança

operária

de

classes

e, acima

no processo

de

tudo,

a questão

da

revolucionário:

É certo que apenas a classe operária, arrancando das mãos dos capitalistas e dos banqueiros o poder político e econômico, tem condições de resolver o problema central da vida nacional italiana, a questão meridional; é certo que apenas a classe operária pode conduzir a termo o laborioso esforço de unificação iniciado no Risorgimento. A burguesia unificou territorialmente o povo italiano; a classe operária tem a tarefa de unificar econômica e espiritualmente o povo italiano. Isto só pode ocorrer despedaçando a atual máquina do Estado burguês, que está construída sobre uma sobreposição hierárquica do capitalismo industrial e financeiro sobre outras forças produtivas da nação; (...) na Itália, pela configuração particular da sua estrutura econômica e política, não é apenas verdade que a classe operária, emancipando-se emancipará todas as outras classes oprimidas e exploradas, como também é verdade que estas outras classes não conseguirão nunca emancipar-se, a não ser aliando-se estreitamente à classe operária, e mantendo permanentemente esta aliança, ainda através dos mais duros sofrimentos e das provas mais cruéis. é 123. “Projeto Bombacci”, publicado pelo Avanti! em 28/1/1920. 124. “Lo Stato...”, op. cit., p. 6. 125. "Il Congresso di Livorno", ON(d),

13/1/1921, SF p. 39.

126. Idem, p. 40. Grifo nosso. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

235

Unificação nacional, extensão da cidadania, eliminação da exploração

capitalista, eis as condições da criação da nova ordem,

do Estado operário, A

hegemonia,

sem

elemento

aqui

claramente

central desse

colocada,

embora

ainda

esse

nome,

é O

processo.

A revolução não é um fato puramente nacional. Ela tem profundas implicações internacionais, daí a necessidade da vinculação entre a classe:

operária italiana e a vanguarda nacional Comunista.

mundial

do movimento

operário:

a Inter

A classe operária italiana sabe que não pode emancipar-se e que não pode emans cipar todas as outras classes oprimidas pelo capitalismo nacional, se não existe um

sistema mundial de forças revolucionárias que atuam com o mesmo fim. A classe operária italiana está disposta a ajudar as outras classes operárias no seu esforço

de libertação, mas quer também uma certa garantia de que as outras a ajudarão. nos seus esforços. Essa garantia só pode ser dada pela existência de um poder internacional fortemente centralizado, que goze da fé plena e sincera de todos os seus associados, que tenha condições de pôr em movimento os seus efetivos com, a mesma rapidez e com a mesma precisão com que se consegue, por sua conta €. no interesse da burguesia, o poder mundial do capitalismo.”

Esse era o conjunto de tarefas colocadas à classe operária e à sua orga-. nização política. Em Livorno, a fração de esquerda não consegue convencer os. centristas da necessidade de expulsar a direita, ainda que esta fosse minoritária

no partido. Chega-se ao “caporettto do maximalismo italiano” .'* Tentando ches

gar ao socialismo pelas vias parlamentares, tentando alcançar o futuro sem

pro-

por-se a via revolucionária “o maximalismo (...) aplicou na guerra civil a mesma.

tática que o generalíssimo Cadomna aplicou na guerra nacional: esgotou os efetivos proletários em uma multiplicidade de ações desordenadas e caóticas, desfibrou as massas, iludiu-se sobre a facilidade e a rapidez da vitória” 2

É nessa circunstância de desmoralização ativa das massas proletárias

e camponesas, nesse momento de ascensão fascista, apoiado peia burguesia e com a “neutralidade” ativa do Estado e o derrotismo da CGT'” que o Partido Comunista da Itália, Seção da Internacional Comunista, é fundado."

127. Idem,

p. 41.

128. Caporetto e Vittorio Veneto, ON(d), 28/1/1921, SF p. SO. Grifo nosso. Caporetto, importante derrota italiana na Primeira Guerra Mundial, é usado por Gramsci como sinônimo de derrota. 129. Idem, p. 51. Grifo nosso. 130. “La guerra é la guerra”, ON(d), 31/1/1921, SE p. 56: “Os contra-revolucionários da Confederação Geral do Trabalho vêm afirmando (para aviltar a massa e tolher-lhe toda capacidade de ataque e de defesa) que os operários não tendo feito a guerra, não podem combater e vencer o fascismo no terreno da violência armada.” 131. Ver anexo histórico. 236

GRAMSCI EM

TURIM

VII CONCLUSÕES) e procurarmos as citações explícitas de Gramsci a Croce, no período que vai até 1918, usando os textos republicados em Cronache torinesi, La città futura e H nostro Marx,'* encontraremos um total de dez citações.!* Gentile citará cinco vezes"” e Bergson quatro vezes.'” E é só. De 1919 a janeiro de 1921, cita ainda menos. Em L'Ordine Nuovo, L'Ordine Nuovo (edizione critica), Socialismo e fascismo e mais nos comentários teatrais republicados em Letteratura e vita nazionale, cita Croce duas vezes e Bergson três vezes.'"º Fôssemos nós empiristas, e em especial dos mais sectários, e seria um mistério entender as frequentes acusações de “crociano”, de “bergsoniano”, feitas a Gramsci a torto e à direita. No entanto, não nos passa pela cabeça negar que, na formação do pensamento gramsciano, Croce, Sorel, Bergson e outros tiveram forte influência. E porque não falarmos de Salvemini, de Lombardo-Radice e outros menos citados? Isso equivale, no entanto, a afirmar que ele foi crociano, bergsoniano, soreliano? Relembremos, não se espantem, as palavras de Louis Althusser. Em um belo artigo “Sobre o jovem Marx”, Althusser, contestando as análises sobre a 132. Estaremos citando a partir ao período 1919-21|, estaremos como elas só foram publicadas ções críticas serão citados pelas

da edição crítica das obras anteriores ao cárcere. No que se refere preferentemente citando também essas edições críticas. Contudo até o período de 1920, os textos ainda não publicados nessas ediedições anteriores.

133. "Pietã per la scienza del prof. Loria”, A, 16/2/1915; “Laio senza imbarazzi”, A, 18/5/1915; “Il bon diritto”, A, 20/6/1916; Ex, A, 2/10/1917; “Achile Loria”, GP 19/1/1918; “La barba e la fascia”, A, 15/2/1918; “Maurizio Barrês e il nazionalismo sensuale”, A, 10/3/1918; “Cocaina”, A, 21/5/1918; “Bellu sches'c e dottori!", A, 20/10/1918; “Le vie della divina providenza”, A, 21/10/1918. 134.

“Uaio...”,

op.

cit.; “Riappertura d'esercizio”,

GR 9/2/1918; “La scuola libera”, A, 15/8/1918

A, 6/3/1917;

“Il socialismo

e la filosofia attuale”,

e “Il 'programma' di Wilson”, GP

19/10/1918.

135. “Dai Macellai a Poledro”, A, 26/1/1916; "Dimostrazioni”", A, 12/8/1916; Merce, A, 6/6/1918 e

“Misteri della cultura e della poesia”, 136. Sobre

Croce:

“Einaudi

EDMUNDO

FERNANDES

GP

19/10/1918.

o dell'utopia liberale”, GP 9/2/1918

e “La ca'veuida'

di A.

GP, 27/3/1919. Sobre Bergson: “Il giuoco delle parti de L. Pirandello”, GP 6/2/1919; ON, 16 a 23/10/1920 e “Bergsoniano”, ON(d), 2/1/1921. DIAS

F Nicola”,

“Cronaca”,

237

constituição do pensamento marxista, sabiamente, princípios marxistas da evolução ideológica:

a nosso juízo, afirmava

os

1º) Que cada ideologia seja considerada como um todo real, unificada pela sum própria problemática e tal que não se possa retirar um elemento sem lhe alterar à sentido. 2º) Que o sentido desse todo, de uma ideologia singular (aqui o pensamento de um indivíduo) depende, não de sua relação com uma verdade diferente dela, mas de sua relação com o campo ideológico existente, e aos problemas e à estru tura social que a sustentam e aí se refletem; que o sentido do desenvolvimento de. uma ideologia singular depende, não da relação desse desenvolvimento com a sua. origem ou o seu termo considerados como sua verdade, mas da relação existente, nesse desenvolvimento, entre as mutações desta ideologia singular e as mutações. do campo ideológico e dos problemas e relações sociais que o sustentam. 3º) Que. o princípio motor de desenvolvimento de uma ideologia singular não reside, pois, no seio da própria ideologia, mas fora dela, acima da ideologia singular: seu autor, como indivíduo concreto, e a história efetiva que se refletiu neste desenvolvimento |

individual segundo as complexas relações deste indivíduo com esta história.'?

A longa citação nos coloca vários problemas fundamentais para a clarificação da relação Gramsci/Croce-Sorel-Bergson, ou, mais explicitamente da relação Gramsci/idealismo-revisionismo. Gramsci, repetidas vezes falou de sua relação com Croce. Exemplar disso são as suas referências tanto nos Quaderni quanto nas Lettere del carcere: “eu era tendencialmente crociano”. Falamos, acima, do pequeno número de citações explícitas. Voltemos, de novo, a Althusser: é mas, porque Marx devia citar Feuerbach, quando todos o conheciam, e sobretudo quando tinham-se apropriado do pensamento dele, e pensava nos pensamentos dele como nos seus próprios? Mas é preciso (...) ir ainda além da presença não mencionada de um autor vivo, é necessário ir até a presença da possibilidade dos seus pensamentos; até a sua problemática, isto é, até a unidade constitutiva dos pensamentos efetivos que compõem esse domínio do campo ideológico existente, com o qual um autor singular se explica no seu próprio pensamento. Percebe-se logo que não se pode pensar, sem o campo ideológico, a unidade de um pensamento singular; o próprio campo. ideológico exige, para ser pensado, o pensamento desta unidade '*

A problemática, conceito-chave de indagação, “essência interior de um pensamento ideológico”,'º como quer Althusser, permite o evidenciamento “da estrutura sistemática típica, que unifica todos os elementos do pensamento, (...) [permite] descobrir nesta unidade um conteúdo determinado (...) [e] ao mesmo tempo conhecer o sentido dos *elementos' da ideologia considerada, (...) relacionar esta ideologia com os problemas ligados ou postos a todo pensador pelo tempo histórico que ele vive”.

Sejamos um pouco mais explícitos:

137. “Sur le jeune Marx. Questions de théorie”, La Pensée, março-abril 1961, agora em Pour Marx, p. 59.

138. Idem, p. 62-63. 139. Idem, p. 63. 140. Idem, 238

p. 63-64. GRAMSCI

EM

TURIM

O que distingue, com efeito, o conceito de problemática dos conceitos subjetivistas das interpretações idealistas do desenvolvimento das ideologias é que ela põe em evidência, no interior de um pensamento, o sistema de referência interna objetiva de seus próprios, temas; o sistema de questões, que exigem as respostas dadas por esta ideologia. E necessário, então, de início, colocar a uma ideologia a questão de suas questões, para compreender, neste nível interno, o sentido de suas respostas. Mas esta problemática é ela própria, uma resposta, não mais às suas questões/problemas internos, mas aos problemas objetivos colocados pelo seu tempo à ideologia"!

Temos agora, acreditamos, um conjunto de elementos que nos permitirão pensar a relação Gramsci e Croce e perguntar-mo-nos se este é um problema real ou um falso problema. Uma teoria, a de Gramsci, por exemplo, não pode ser decomposta e afirmar-se sobre ela: aqui está Croce, olha aí o Sorel!, vejam... é Bergson!!!!“ Não, não: pode. E isso porque a apropriação de temas, originalmente trabalhados por Croce, não é uma simples apropriação, mas uma reinvenção, uma reconstrução. Um tema novo, uma nova questão, dado que, ao ser retirado da problemática crociana, deixa de ser crociano. Pode ser gentiliano, gramsciano, ou de qualquer outro autor, desde que passe a incorporar-se a uma problemática nova. O discurso gramsciano, “apropria-se” de temas crocianos, e o faz por serem elementos centrais do campo ideológico dominante. Afinal, pensa-se com/ contra o pensamento da época. O próprio Gramsci em carta a Tatiana Schucht, sua cunhada, a 17 de agosto de 1931, coloca bem o problema: “Mas parece-me que tanto eu, quanto Cosmo, como muitos outros intelectuais do tempo (podese dizer nos quinze primeiros anos do século) nos encontrávamos em um terreno comum que era este: participávamos no todo ou em parte do movimento de

reforma intelectual e moral promovido na Itália por Benedetto Croce”.'* E, como

bem acentua Garin, este debate com Croce, e mais, com todo o mundo intelectual formado por Croce, é o índice da inserção nacional de Gramsci.'* O discurso gramsciano é constituído na articulação com outros discursos. É, no início, fragmento para mais tarde transformar-se em corpo diferenciado. Enquanto fragmento, esse discurso vai destacar elementos de outros discursos, trabalhá-los com outro método, com outras questões. Como fragmento ele só pode, pouco a pouco, ir combatendo fragmentos do discurso dominante. Este trabalho de quebra e reconstrução de fragmentos privilegia então problemas, questões, desarticula-os do seu todo anterior. Torna-os estranhos a estes últimos. Por isso vemos não apenas Croce, Bergson, Sorel, Ciccotti, Fortunato, 141. Idem, p. 64. 142. Um belo exemplo disso é o texto de Bob Lumley, Gramsci's writings on the State and the hegemony, 1916-1936. À critical analysis, que “demonstra” (!!!) o crocianismo de Gramsci com um pequeno excerto de Socialismo e cultura. Lumley, op. cit., p. 3. Belo exemplo do que deve ser evitado como modelo de “análise”. 143. Gramsci,

Lettere..., p. 466.

144. “Antonio Gramsci nella cultura italiana”, in Studi gramsciani, p. 7 EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

239

Salvemini, Lombardo-Radice, aparecem no discurso gramsciano. Mas o que à distinguirá deles é a sua problemática, é a questão de suas questões, é a resposs

ta aos problemas objetivos colocados pelo seu tempo. Poderíamos lembrar que frequentemente os que recusam a cisão jovem Marx/Marx maduro, na problemática althusseriana, curiosamente — caso lípl» co de má consciência teórica e prática — aceitam com tranquilidade essa els

são no discurso gramsciano. Lá é necessário mostrar a unidade do discurso: marxista, aqui é necessário reafirmar o salto leninista que “desprovincianizou”

Gramsci. O hegelianismo das obras juvenis de Marx não traz maiores probles mas, mas... O crocianismo e o sorelianismo de Gramsci... isso sim é grave! temas,

O “sorelianismo” de Gramsci é um bom exemplo. Decomposto em o discurso de Sorel não é mais soreliano. São problemas (respostas,

questões) reapropriáveis às vezes até mesmo contra o seu núcleo inicial. À reapropriação da idéia de mito, da idéia da classe operária como classe de: produtores (já presente em Labriola), etc., por Gramsci não implica automaticamente o “sorelianismo” do nosso autor. Outras questões sorelianas como. a autonomia da classe operária e o problema da espontaneidade seriam outros indicadores de que Gramsci caiu sob tão nefasta influência. Contudo, como ficarão os “acusadores” diante do fato de que Sorel recusa, econos micisticamente o partido (coisa que Gramsci sempre afirmou), afirma o antiparlamentarismo como essencial à autonomia operária (o que Gramsci. recusará sempre, e, por suprema ironia, é afirmado por Bordiga)? Como fica.

a questão da recusa soreliana dos intelectuais (justo o contrário da posição

gramsciana)? Todas essas colocações sorelianas foram apoiadas pelos sindica-

listas revolucionários aos quais Gramsci nunca demonstrou simpatia.'* Como um “soreliano”, ou alguém que evoluiu em um quadro teórico “oferecido por Sorel, por sua teoria da espontaneidade, pelo interesse concedido por ele à classe

dos produtores”'*

pode afirmar a indissolubilidade entre economia e

política, justo o oposto do que Sorel afirma? Poderíamos continuar citando:

Sorel nega a unidade e a organicidade do marxismo, rebaixa toda potencialidade teórica à imediaticidade da luta, transforma a luta de classes em conflito entre ricos e pobres, vê na propriedade o lado jurídico e não as relações sociais de produção e a divisão social do trabalho, vê o socialismo não como forma societária e sim como movimento contra a tradição. Tudo isso é negado por Gramsci na sua obra.'” Porque privilegiar algumas ques-

tões para afirmar e enfatizar o “sorelianismo” de Gramsci e não privilegiar outras que demonstrariam justo o contrário? 145. Sobre o sorelianismo e sua influência na Itália, ver Santarelli, op. cit., p. 80-16. 146. Badaloni, op. cit., p. 108. 147. Para

48-52. No

mito,

240

uma

análise das diferenças

mesmo

in Hobsbawm,

entre Gramsci

e Sorel,

ver Silvio Suppa,

Il primo

Gramsci,

p.

sentido é útil o artigo de Gregorio De Paola, Giorgio Sorel, dalla metafisica al 1979.

GRAMSCI

EM

TURIM

Como aceltar essas avaliações parciais: Badaloni fala em Sorel, Bergami em Gentile (apesar de apenas falar em “ecos”), a maioria fala em Croce. Quanto a este último, é nele que Gramsci encontra um horizonte intelectual. Croce não é apenas o organizador da vida intelectual do seu tempo, mas é também um dos elementos centrais do debate revisionista. É em Croce que Gramsci vai encontrar a concepção da necessidade de uma visão da vida e da realidade que elimine a transcendência, que vai perceber a necessidade de uma consciência filosófica que se coloque no lugar onde antigamente vivia a religião. E a partir daí perceber a luta entre idealismo e transcendência como luta “entre duas forças históricas reais, entre duas linhas ideais que acabam depois por tornar-se a expressão de forças sociais concretas.” 48

É basicamente

daí que vai maturar-se a importância da intervenção

ideológica. É em Croce que se protagoniza em nível teórico a luta contra o positivismo. É, também, de Croce que ele recebe a idéia do Estado como potência e do direito como força. Mas será com/contra Croce que Gramsci lutará contra a glorificação do conceito de pátria!” e da afirmação do Estado como poder classista.'º É, finalmente, com Croce que Gramsci percebe a contemporaneidade da história. Mas, se estes elementos são decisivos na formação de Gramsci, decisivas são também as contribuições de Gentile, Bergson, Spaventa, Barbusse, etc. Com Gentile, Gramsci descobrirá o conceito de práxis; com Bergson negará a imprevisibilidade que Croce afirma na análise da história; com Spaventa descobrirá (recebendo a influência hegeliana) que a construção de “um novo Estado significará, também, impor uma nova concepção de vida e de mundo”.!! Com Barbusse terá um fortalecimento na concepção do intelectual ligado à realidade e subtraído ao domínio das ideologias tradicionais. Por último, mas não menos importante, é necessário lembrar que a formação intelectual de Gramsci não se faz apenas com os grandes autores. É o seu posicionar-se ao lado das massas operárias turinenses, o seu viver a imprensa socialista, mantendo a cabeça aberta, que torna possível a elaboração de uma teoria nova, contrastada com todo esse conjunto de elementos ideológicos e teóricos acima registrados.'? Não se trata de uma frase de sabor obreirista, mas de reafirmar que é no encontro contraditório e ricamente

articulado, sobredeterminado, com real da sociedade

uma vertente idealista com o movimento

que se faz o processo

de elaboração

do seu discurso.

148. Paggi, op. cit., p. 5. 149. “Lidea territoriale”, A, 3/11/1916, CT, p. 609. 150, “Bellu...”, op. cit., p. 447-448. 151. Paggi, op. cit., p. 45. 152. Ver em especial as obras de Garin, Paggi e Spriano. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

241

Assim, O importante não é a “originalidade” das questões gramscianas, O importante efetivamente é o processo de busca e afirmação das

respostas,

Com tudo isso, se Croce e o movimento de cultura que dele se originou tiveram um grande peso na formação de Gramsci, dizê-lo “crociano” no terreno filosófico ses quer é exato para este período. Na verdade, ele faz seus alguns temas comuns 4 uma parte conspícua da cultura européia do início do Novecento: e, em primeira

lugar, a crítica do positivismo e do cientificismo positivista, em uma atenção dirigida toda ao mundo terrestre do homem como mundo da história. "**

É ainda Garin quem

sublinha: a influência idealista de Croce e Gentile

não cria em Gramsci um idealismo produzido pela atividade espiritual e indi vidual. O “idealismo” de Gramsci é produzido pela sua ligação orgânica com os “íntimos processos do ânimo popular”. Manacorda afirma: “o crocianismo,. o neoidealismo, representa a seu modo, moderno e não-provincianizado, de. entender o socialismo, em contraste com o modo antiquado e provinciano. dos socialistas positivistas.” '* Concluindo, cremos que os conselhos de Garin a respeito das “leitu-,

ras” de Gramsci são pertinentes: não reduzi-las a esquemas que não são os

seus, não des-historicizá-los — coisa aliás muito frequente — pois, assim pros cedendo, podemos “comparar” textos diversos para mostrar o “acerto” ou o. “erro” de Gramsci. Só não poderemos entender o próprio pensamento gramsciano, !

153. Eugenio Garin, “Gramsci e Croce”, Critica Marxista, Quaderno Ill, agora em Intellettuali..., p. 354. No mesmo sentido: “Isolar os conceitos e os princípios teórico-políticos da sua relação com a realidade e reduzi-los a um todo sistemático significa impedir a possibilidade de compreender e explicar o objeto de pesquisa. (...) É necessário, pelo contrário, reconstruir, julgando com a experiência de quem vive algumas dezenas de anos depois, o desenvolvimento do pensamento de Gramsci na sua contínua relação com

os problemas

de uma sociedade historicamente determinada,

cujas contradições

internas fazem nascer a necessidade de uma passagem a formas novas de organização.", Carlo Cicerchia, “Il rapporto col leninismo e il problema della rivoluzione italiana”, in La Cittã Futura, p. 20. 154. Mario Alighiero Manacorda, || pensiero educativo in Gramsci, p. |8. 155. “Discorso”, 242

in Gramsci e..., v. |, p. 21 GRAMSCI EM

TURIM

ÂNEXO HISTORICO À QUESTÃO

MERIDIONAL

No processo da unidade italiana as frações burguesas do Norte acabaram por impor sua forma de dominação sobre o conjunto do território italiano. Chama-se questão meridional ao problema da terra gestado por essa forma de dominação. A partir do momento em que os liberais perderam o controle da economia nacional, essa questão ficou associada à luta antiprotecionista. Várias tentativas de resolvê-la foram ideadas. Vários foram, portanto, os “meridionalismos”. Pasquale Vilari (Scritti sulla emigrazione, Bolonha, 1909); Leopoldo Franchetti, Mezzo secolo di unitã nell'ltalia meridionale, Nuova Antologia, 1/5/1911); Giustino Fortunato (1 mezzogiomo e lo Stato italiano, Bari, 1911) e Giorgio Sidney Sonnino (Discorsi parlamentari, Roma, 1925), são os expoentes do meridionalismo conservador-liberal. Francesco Saverio Nitti (Scritti sulla questione meridionale) protagoniza uma outra corrente: a liberal, Socialistas e exsocialistas, como Napoleone Colajanni, Ettore Ciecotti (Sulla questione meridionale, Milão, 1904) e Gaetano Salvemvini (La questione meridionale), têm também seu meridionalismo. Para os conservadores-liberais, o problema está no fato de que o Estado unitário é um fenômeno puramente elitista e incapaz de ligar a si as grandes massas da população. Marcado pela centralização, por uma brutal concentração de riquezas, o Estado lança as classes trabalhadoras nos braços dos subversivos. Sonnino (1880) acusa: “O cobrador de impostos e o carabineiro; eis os protagonistas da religião da pátria no seio das grandes massas embrutecidas do nosso campesinato. É com a cobrança dos impostos, com a admoestação e o confinamento, com a liberdade de usura, com a prepotência das classes mais ricas, com a desigualdade política, e com a desigualdade de fato diante da justiça, que se ensina ao camponês ser a Itália a grande mãe comum, que vigia com cuidado amoroso sobre

todos os filhos indistintamente”."%

O programa desse meridionalismo era a criação de uma potente classe média, no Sul, para com ela garantir o programa de conservação social, subtraindo-se as massas à propaganda socialista. É necessário, no entanto, que a burguesia concorde em fazer seu este programa, para que ele seja realizável. Mas a burguesia não o quer. Os meridionalistas liberais centram sua análise na desigualdade Norte-Sul. Nitti demonstrou que, a partir de 1860, fora exercida uma drenagem dos capitais do Sul para o Norte realizada pela política estatal, Para Nitti, trata-se de construir uma economia moderna no Sul, eliminada, obviamente, a drenagem. Colajanni vê o problema na existência da monarquia, uma força de conservação social e de centralização administrativa e social. Propõe a república federativa e a força democrática dos partidos progressistas. Em Ciecotti, a chave do problema é o desenvolvimento desigual da economia capitalista. No Norte, um desenvolvimento capitalista e, no Sul, a sua ausência. É por isso que o Norte tem a hegemonia, enquanto o Sul aparece como uma economia capitalista vencida pela concorrência. Ele vê a possibilidade de alteração desse 156. Sonnino, op. cit., v. 1, p. 8, citado por Massimo L. Salvadori, Gramsci e il problema storico della democrazia, p: 60-61. Ver também de: Franco de Felice e Valentino Pariato, Introduzione a la questione meridionale; Michele

Abbate, La filosofia di Benedetto Croce e la crisi della società italiana, p. 54-71, além, obviamente, do próprio Gramsci, Alcuni temi della questione meridionale. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

243

quadro pela agitação das idéias socialistas no Sul. O caminho é chamar as massas atrasar, das para a luta de classes, Ele não acredita que elas possam ser autônomas: devem subordje nar-se à ação do proletariado, Única força capaz de agir revolucionariamente. Salvemini luta. contra essa postura. Lança em 1898-1899, a idéia de que a libertação do Sul não decorrei da boa vontade do Estado ou do proletariado do Norte. Estes não poderiam enfrentar as forças reunidas dos proprietários agrários do Sul e dos industriais do Norte. Daí a necessidade objes tiva da aliança entre os camponeses do Sul e os operários do Norte. Propõe: o federalismo para combater a centralização burguesa; o voto universal para dar às classes trabalhad em especial no Sul, as armas necessárias; e uma política alfandegária que golpeie as i trias parasitárias e permita a transformação da agricultura socialista. O PS seria o elemei capaz de realizar essa tarefa. As lideranças reformistas, claramente aliadas a Giolitti, vi no desenvolvimento da burguesia italiana um passo para o socialismo, tornando-se assim des fensoras do protecionismo. Salvemini sai do PS e, pouco a pouco, abandona os projetos lucionários. Liga-se aos liberais (por exemplo Antonio De Vitti De Marco) na luta contraà

protecionismo e por uma democracia rural com base na pequena propriedade. Em

191

Salvemini funda uma revista, V'Unitã, onde desenvolve a tese da aliança entre os camponeses do Sul e os intelectuais que se disponham a uma ação de educação e à luta antiprotecionista,

A GREVE DE 1904 A greve geral de 1904 é a primeira greve de caráter nacional. Ela se inicia como pros. testo contra os massacres policiais contra os trabalhadores (Cerignola, Buguerru), aos quais se somam muitos outros. À exasperação no mundo do trabalho é grande. Os protestos se dão em toda a Itália. É, contudo, em Milão que se chega ao clímax. Decide-se, a 11 de: setembro, proclamar dentro de oito dias a greve geral cujo comando caberia à Camera del Lavoro. Claudio Treves, diretor do Il Tempo, deputado socialista reformista, opõe-se a greve; a direção do PS, embora ache corneta a medida, considera-a impraticável. No meio tempo, ocorre outro massacre (Casteluzzo). Imediatamente se declara a greve: geral em Milão. Logo ela se espalha por toda a Itália, embora Milão seja o centro do movimento. Em face da maré operária, as chamadas forças da ordem permanecem nas casernas. As assembléias gerais assistem à luta entre reformistas (Turati, Cabrini, Rigola) e revolucionários (Arturo Labriola, Lazzari). Debate-se o caráter da greve. Os reformistas querem uma greve de protesto puro e simples e os revolucionários a queda do ministério. O auge é o dia 16: são 30 mil grevistas reunidos em assembléia, em Milão. Nesse mesmo dia o refluxo começa e Cabrini apresenta moção de fim de greve, divulgada pelo governo por toda a Itália. Só no dia 19 os burgueses saem à rua para fazer uma manifestação antioperária. Nos dias que se seguem continua o refluxo, mas a massa continua a punir os crumiri (furagreves), a assaltar as lojas, etc. Duas são as novidades dessa greve. Por um lado, pela primeira vez, ainda que ocasionalmente, intelectuais de esquerda do PS ligam-se à massa dos trabalhadores não-organizados. Por outro, a burguesia, com Giolitti, inaugura um novo método de luta: não exasperar as massas, enquanto a pressão revolucionária se encontrar

desprovida de direção, por mais radical que se apresente, pois ela tende a esgotar-se sem

maiores conseqiiências. Isso evita maiores problemas. No entanto quando o choque é localizado e secundário, aí então exercer a repressão a mais feroz. Especialmente quando a

chefia dos movimentos não estiver sob controle dos reformistas.'”

157. Sobre a greve de 1904 ver principalmente: Mario Abrate, La lotta sindacale nella industrializzazzione in

Italia; Idomeneo Barbadoro, Storia del sindacalismo italiano; Adolfo Pepe, Movimento operaio e lotta sindacale; Giuliano Procacci, La lotta di classe in Italia agli inizi del secolo XX e Del Carria, op. cit.

244

GRAMSCI

EM

TURIM

O cioLrrrismo Síntese de uma década de política italiana, a “era” giolittiana, difere basicamente dos demais governos italianos, pela tentativa largamente exitosa, de obter o consentimento do todo nacional. Consentimento que não foi homogêneo no espaço e no tempo, muito pelo contrário. Giolitti tem de resolver, entre outras coisas, duas grandes questões: por um lado a questão meridional e por outro a questão do desenvolvimento da grande indústria, do aparecimento do proletariado nacional e do movimento socialista. A primeira dessas questões coloca problemas fundamentais relativos ao equilíbrio da própria totalidade nacional, e a segunda implica uma tendência de desenvolvimento. Como resolver a complexidade das classes sociais no período? Do “lado” urbano, veremos que a industrialização que se processa é extremamente protegida pelo Estado. O capitalismo italiano, surgido tardiamente no cenário internacional, já na fase imperialista, incapaz de dominar o avanço tecnológico, absolutamente concentrado é produto do capital financeiro antes que seu produtor. Antes de Giolitti, a indústria ainda não era predominante: a figura do operário ainda tinha muito a ver com o artesão e mesmo com o camponês. A força de trabalho italiana era a menos remunerada e a que trabalhava a maior quantidade de horas em toda a Europa. No campo, a coisa é bastante complexa. São várias as formas: dos proprietários rurais capitalistas (Vale do Pó, p. ex.), proprietários sulistas chamados de feudais. Do lado das classes subalternas estavam os assalariados, os colonos, os meeiros, os foreiros, etc. E no meio disso tudo existiam camponeses médios e pobres. Outro elemento importante no equilíbrio classista é o chamado extrato intermediário. Este também se apresenta de maneira complexa, indo desde o elemento tradicional, que de algum modo sempre se ligara ao Estado e à política, até o elemento moderno produzido pela nascente indústria. A tarefa giolittiana é estabelecer uma hierarquia entre as várias classes e frações de classe e constituir uma política que as integre assimetricamente ao Estado nacional, maximizando os lucros das classes dominantes. Nesse sentido, a reforma ou a repressão variaram de acordo com a escala de prioridades estabelecida e a conjuntura. A prioridade é dada ao capital financeiro, depois ao industrial, a propriedade fundiária capitalista e por fim a propriedade nãocapitalista meridional. Esta última cumpria uma função de polícia em relação às massas rurais e recebia em troca o protecionismo agrário. Essa política que é capaz de realizar a “revolução” industrial italiana, requer como contrapartida uma espécie de “neutralização” do Estado na relação capital-trabalho. Giolitti tem que contar, com uma relativa não-oposição dos industriais a um movimento operário qualificado que vai surgindo no norte da Itália. O reformismo

giolittiano seduz

o reformismo

socialista. Turati, Treves, etc., têm,

como

Giolitti, a crença no progresso indefinido. Para Giolitti se trata de um domínio classista. Para os socialistas, este é um momento necessário para o socialismo. A hegemonia política

giolittiana garante a fusão do bloco.

Com o decênio giolittiano grupos da pequena burguesia, em grande parte nortistas, tornaramse governistas (...) grupos restritos das aristocracias operárias e camponesas tornaram-se paragovernistas através do partido social-reformista e da burocracia sindical (aos quais foram reconhecidos os direitos de cidadania); mas permaneceram estranhas a toda inserção no Estado e (...) em posição potencialmente revolucionária as massas operárias menos qualificadas, as massas camponesas, sobretudo as do Sul e mesmo vaslíssimos extratos da camada intermediária (que a industrialização ia criando cada vez em maior número) que não encontravam como inserir-se econômica e socialmente nas deficientes estruturas do país e, em particular no Sul.

158. Renzo del Carria,

EDMUNDO

Proletari senza rivoluzione, v. |, p. 349.

FERNANDES

DIAS

245

À QUESTÃO

CULTURAL

NO CONGRESSO

DE JUVENTUDE

O Congresso da Federazione Giovanile Socialista Italiana (FGSI), realizado em Bolonha,

setembro de 1912, é particularmente importante para o debate que se trava entre Tasca & Bordiga sobre os problemas da cultura. Bordiga sustenta a tese de que, no regime capitalista, “a educação dos jovens se faz

mais na ação do que no estudo regulado por sistemas e normas quase burocráticas”. Contra. tal tendência, conclama jovens a “tomar parte ativa na vida das organizações de ofício, fazer do a mais intensa propaganda socialista entre os companheiros organizados; especialmente difundindo a consciência de que o sindicato não tem por fim único as melhorias econômicas imediatas, mas, pelo contrário, é um dos meios para a emancipação completa do proletariado,

ao lado das outras organizações revolucionárias”."º Ele vê claramente que a escola, no

capitalismo, nada mais é do que “uma potente arma de conservação mas mãos da classe dominante”.!*º Mais: “a finalidade do nosso movimento é contrapor-se aos sistemas de educação da burguesia, criando jovens intelectualmente livres de toda a forma de preconceito, dedicados a trabalhar pela transformação revolucionária das bases econômicas da sociedade,

prontos a sacrificar na ação revolucionária todo interesse individual”.!! Esse tipo novo de

educação “só pode ser dado pelo ambiente proletário quando este vive da luta de classe entendida como preparação às conquistas máximas do proletariado”. Acredita que, “os jovens. encontrarão em todas as agitações de classe do proletariado o melhor terreno para o

desenvolvimento da sua consciência revolucionária”. !*

Em contrapartida, Tasca sustenta que a educação socialista deve “elevar a alma e a mente da juventude proletária, com uma instrução genérica, literária e científica”, capaz de. “dar ao partido militantes conscientes e seguros; (...) criar organizadores competentes e bons produtores, mediante uma ação de elevação e de aperfeiçoamento técnico-profissional, sem a qual não será realizável a revolução socialista."'** A posição de Tasca é melhor esclarecida pela sua moção que, segundo Spriano, não foi publicada pelo L'Avanguardia, mas foi transcrita no L'Unitã de 12 de outubro: “As teorias progrediram, mas a cultura, isto é, os homens, permaneceram no mesmo ponto. O nosso partido foi formado na maioria por pessoas que julgam com critérios de mais de dez ou vinte anos. Não podemos mais proclamar a verdade do socialismo em nome da ciência: não que entre um e outra existam contradições, mas porque os socialistas não sabem mais onde se encontra a ciência”! Feita a votação, Bordiga recolhe 2.730 votos e Tasca obtém 2.465. A polêmica aberta pelo congresso dos jovens vai dar margem a uma intervenção do salveminiano L'Unita. O

comentário de Pietro Silva sobre o debate suscita retificações de ambas as partes.

Bordiga faz a sua retificação: concorda com Silva que a crise do socialismo está no corporativismo, no culto do parlamento, no localismo e na falta de unidade do partido, mas recusa a idéia de crise da cultura. Propõe como resposta à crise do socialismo um forte

159. LAvanguardia (LA), 15/9/1912, PCln. op. cit.. p. 185-186. 160. Idem, p. 185. 161. Idem, ibidem. 162. Idem. ibidem. 163. Idem, p. 184. 164, Citado por Spriano, Storia di Torino... p. 253. 246

GRAMSCI

EM

TURIM

movimento antiburguês, no qual o entusiasmo e a fé socialistas prevaleçam sobre a cultura escolar, Não renega a cultura socialista, mas esta nada a tem a ver com o “odioso campo do regime escolar”, a cultura socialista só pode ser realizada pelos jovens socialistas no vivo da luta e do confronto social, que desenvolve neles o desejo de tornar-se mais aptos para a batalha. (...) a nossa Avanguardia assumir uma orientação cultural, depois de quatro números os operários não a lerão mais. Mas nossos jovens companheiros que hoje a procuram e a amam, vêm nela um cenáculo de luta, encontram nas nossas

campanhas

entusiasmo,

toda a alma e há

algo

dos explorados. "5

proletária (...). No operário socialista, a convicção

que

não

deixa

gastar esse

sentimento:

a solidariedade

é filha do instintiva

Tasca fala apenas do sectarismo dos bordiguistas, “expressão pessoal de uns poucos, estragados pelo ambiente romano” que ameaçava vaiar a posição contrária enquanto a posição vencida tinha tido a votação “compacta das regiões onde o movimento juvenil é, mais

forte e mais maduro: Piemonte, Regiano e Parmense”.!“%

Em 26 de outubro, Salvemini intervêm no debate para retomar a antiga batalha sobre a incultura da massa do partido. Ele a travava desde quando era do PSI. Comentando as posições de Bordiga sobre a crise da fé socialista, ele pergunta: Mas porque chegamos a isto? Para tal pergunta Bordiga não encontrará resposta na sua leoria segundo a qual o entusiasmo e a fé bastam para tudo, e que basta a solidariedade

instintiva dos explorados para renovar o mundo. Não basta querer, isto é, ter fé e desejar

o bem,

para

poder,

é necessário

também

zir-se na realidade, saltando a fase grosseiros e, portanto, à aridez de

dez

anos

de

querer

sem

saber

para

saber. A fé e o entusiasmo

do saber, não conduzem todo o entusiasmo e ao

reduzir o partido

que

pretendem

tradu-

senão aos despropósitos mais fim de qualquer fé, Bastaram

ao não

poder e ao

não

querer!”

O “INTERVENCIONISMO DE GRAMSCI”: SOBRE A QUESTÃO DA NEUTRALIDADE O famoso artigo gramsciano Neutralitã attiva ed operante, é, no fundamental, uma “interpretação” das teses defendidas por Mussolini no artigo Dalla neutralitã assoluta alla neutralitã attiva ed operante, Mussolini tinha sido até então o mais respeitado dos jovens socialistas. Era o diretor do Avanti!, Ficara conhecido pelo seu intransigente combate aos reformistas. Todos os jovens socialistas, Gramsci, Bordiga Tasca entre eles, viam nele o seu líder natural. No entanto, após a mais radical condenação da guerra, Mussolini passara pouco a pouco

a defender a intervenção italiana. A mudança de posição se dá no sentido da guerra de

defesa contra uma possível invasão austríaca. Essa mudança fortalecerá os reformistas no interior do partido. Da esquerda socialista vem o protesto de Bordiga, que, como veremos adiante, irá defender a tese do derrotismo revolucionário. Mussolini, contudo, reafirma progressivamente a tese da intervenção. Os contatos de Mussolini com os intervencionistas de direita se acentuam,

mas

é com

o contato

com

o socialista

francês Marcel

Cachin

que

se

solidifica sua posição pró-guerra. A revista Utopia, do próprio Mussolini, principalmente no nº 11-12, é claramente favorável à guerra. Os reformistas da Confederação Geral do Trabalho, em especial seu secretário Ronaldo Rigola, fortalecem a posição de Mussolini. A 18 de outubro ele escreve o seu famoso texto intervencionista. Após advertir que a fórmula da neutralidade absoluta, defendida pelo PSI, é cômoda e negativa, mostra que no 165. LUnitô,

14/10/1912,

in idem, p.

188.

166. LUnitô, 16/10/1912, citado in PCln, op. cit., p. 186-187. Ainda sobre a posição de Tasca no debate sobre a escola e a cultura ver o seu artigo: “| socialisti e la scuola”, Utopia, Il (3-4).

167. Citado por Spriano, op. cit, p. 254. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

247

partido

muitos

são

pela guerra,

Dentro do PSI existem

de antimilitaristas

clássicos

a

intervencionistas de esquerda, passando pelos que advogam a guerra defensiva e os francófilos,

Mussolini fala da diferença entre guerra de conquista e de defesa e salienta a necessidade de apoiar a Entente. Defende a guerra como tática para pôr fim às guerras, que libere o socias lismo e a Europa do jugo austro-alemão. A neutralidade dos socialistas fora um poderoso incentivo à posição triplicista. Mostra que os socialistas, ao não reagirem contra a convoca» ção militar para uma guerra de defesa do território nacional, admitiam uma possível intervenção. Para ele só se poderia impedir a intervenção na guerra se se fizesse a revolução. Também para os socialistas existem os problemas nacionais. E têm que ser resolvidos, sob pena de complicar a luta de classes. Ele combate o humanitarismo do PSI e afirma que, se o conceito de nação está superado, então é necessário afirmar que os soldados franceses e belgas tinham errado ao defender suas nações. E isso era seguramente uma contradição com: a tese da guerra de defesa, amplamente defendida no PSI. Finalmente, após analisar o

intervencionismo de esquerda de Amilcare Cipriani, de H. M. Hyndmann (socialista inglês) e

de Kropotkin, defende abertamente a adesão ao bloco da Entente. O artigo causa uma imensa polêmica. Gaetano Salvemini, o grupo do L'Unitã, e os reformistas, Camilo Prampolini entre outros, apóiam a tese. A direção do PSI rejeita a tese da * intervenção. Mussolini é destituído da direção do Avanti! Bordiga sintetiza a posição da esquerda do PS: O conceito de neutralidade tem por sujeito o Estado e não os socialistas. Queremos que o Estado permaneça neutro na guerra, absolutamente, até o fim, aconteça o que acontecer. Para obtermos isso, agimos sobre ele, contra ele, no campo e com os meios da luta de classes. Desta não queremos nos desarmar. Nossa guerra é permanente, desemboca (...) em revolta aberta, mas não concede armistícios. Hoje somos vítimas de uma mauvais mol, Neutralistas nós? (...) Nós, pelo contrário, sustentando que o Estado deve permanecer neutro, permanecemos seus inimigos abertos, ativos e atuantes. "*

A 9 de novembro de 1914, em uma conferência em Milão, Mussolini afirma a ineficácia da greve geral contra a guerra. E que entre a nação e a classe ele escolhe a nação. AINDA

UMA PALAVRA SOBRE O JACOBINISMO

Na sua análise, Portelli'” afirma que Gramsci é “utópico” no seu entusiasmo pela revolução russa, embora seja mais “sério” na análise do antijacobinismo nessa revolução. A contraposição entre jacobinos e antijacobinos na revolução é vista tipificadamente na contraposição entre Fanny Kaplan (jacobina, incapaz de perceber a sociedade na sua complexidade) e Lenin (“frio estudioso”, pensador permanentemente historicizador). Portelli parte da valorização gramsciana do realismo político dos bolcheviques e do desconhecimento quase total, na Itália, da produção leninista para afirmar que a análise de Gramsci sobre a revolução é a projeção de sua concepção da revolução sobre as informações dos acontecimentos. Seguramente é verdade. Contudo isto não autoriza a conclusão de Portelli: esta concepção é “fundamentalmente oposta à de Lenin. Ignorando os escritos deste (...), mas sensível

à influência de Sorel, Gramsci desenvolve os temas que serão os da ultra-esquerda: os re-

volucionários russos não foram senão os 'predicadores' do socialismo, a revolução foi o fato das massas que criaram espontaneamente suas próprias instituições: os sovietes. O partido 168. “Per Wantimilitarismo atgitivo ed operante”, || Socialista, 22/10/1914, francês no texto.

in PCln, vol.

I-bis, p. 34-35.

Em

169. Hugues Portelli, “Jacobinisme et anti-jacobinisme de Gramsci”, Dialectiques, nº 4-5, p. 29-33. 248

GRAMSCI

EM

TURIM

revolucionário

educa

e

orienta

as

massas,

mas

elas

têm

a

iniciativa.

iacobinismo, é a concepção leninista de partido que é rejeitada" o

Para

além

do

Esta conclusão é falsa. É absolutamente sem sentido afirmar-se que Gramsci rejeita a teoria leninista do partido. Mesmo considerando como elemento definidor dessa teoria a afirmação de ser um partido de quadros, há que se considerar que ele tem uma concepção de democracia, de táticas e estratégias, que não são em absoluto desligadas do momento de ascenso e descenso da luta de massas, e das possibilidades de ação legal, ou da necessidade da ação clandestina."'! Além disso, reduzir essa teoria, como costumeiramente se faz, a Que fazer? recurso cômodo é mesmo uma redução rigorosamente estalinista. Onde fica nesse debate O Estado e a revolução? Os revolucionários russos não foram apenas “predicadores” do socialismo. Justo o contrário. Os bolcheviques, na análise gramsciana, fizeram com que, pela luta ideológica, a prédica se fizesse materialidade. E foram decisivos nesse processo. Por outro lado, não há qualquer contradição entre essa “prédica” e a revolução como “o fato de que as massas criaram espontaneamente suas próprias instituições”. Não vamos confundir os momentos: 1917 é o momento especificamente democrático da Revolução Russa e, se as massas inventaram formas novas de convivência social (aliás já o tinham feito em 1905), os diversos partidos russos agiam nessas massas. Gramsci salienta, inclusive, esse florescimento dos movimentos políticos russos, uma livre-competição política, como definidora do antijacobinismo. Por fim, mas não menos importante, a questão da influência soreliana sobre Gramsci. Nas nossas conclusões esperamos ter esclarecido esse famoso “sorelianismo”. Cabe, no entanto,

assinalar

que

essa

relação

é, em

Portelli,

apenas

postulada,

dada

como

uma

obviedade dispensando a demonstração o que é um procedimento inaceitável. Para nós o erro fundamental de Portelli, e de tantos outros, é ver o pensamento de Gramsci como desvio/diferença em relação ao pensamento de Lenin, ou no sentido inverso ao de Sorel. Com isso, o que não se coloca é o especificamente gramsciano. Na nossa leitura, a análise do jacobinismo é elemento vital para uma teoria da direção políticointelectual das massas, para uma teoria da hegemonia. Reduzir a crítica do jacobinismo a uma rejeição do leninismo leva Portelli a não perceber a questão da construção da hegemonia. O seu erro é partilhado — paradoxo? — por todos aqueles que subordinam o conceito gramsciano de hegemonia ao leninista.

Às POSIÇÕES DE BORDIGA NO PERÍODO 1917-1918 Apenas como contraponto às idéias gramscianas do período apresentamos uma síntese

das posições de Bordiga. "* Trataremos de duas intervenções fundamentais. A primeira é um

conjunto de artigos intitulados “La Rivoluzione Russa”, publicados por L'Avanguardia, nos dias 21 de outubro, 4 e 11 de novembro e 2 de dezembro de 1917. A segunda, do dia 16 de fevereiro de 1918, está em “Gli insegnamenti della nuova storia”, publicada no L'Avanguardia."* 170.

Idem,

p. 32. Grifo nosso.

171, Cf. Antonio Carlo,

“El partido revolucionário en Lenin”,

dezembro de 1973, p. 303-348,

Pasado y Presente, nova série, ano

IV, julho-

172. Sobre a obra de Bordiga: Partito Comunista Internazionalista, Storia della Sinistra Comunista; Amadeo Bordiga, Scritti Scelti; Franco Livorsi. Amadeo Bordiga. Il pensiero e V'azione política (1912-1970) e principalmente a entrevista (quase à altura da sua morte) concedida por Bordiga a Edek Osser. 173. Considero-as intervenções exemplares de Bordiga, dado que são republicadas pelo seu autor na Storia della Sinistra Communista. Obviamente como não dispomos de toda (ou quase toda) a produção do comunista napolitano a comparação é limitada.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

249

Em “La rivoluzione russa” Bordiga, tendo como pano de fundo a tese do derotismo revolucionário, assumida por ele em 1915, defende as seguintes posições: 1) Quanto menos capitalista é o país, maior é a possibilidade da derrota: “A guerra, moderna baseia-se em tais coeficientes e tem tais características que o Estado militarmente mais moderno é aquele em que os recursos da indústria, do comércio, da administração,

da finança, são maiores, e, em que as formas políticas evoluíram até a 'democracia',"'* E; “O regime moderno e capitalista determina as condições da guerra moderna. O Estado burguês tem uma coesão tal que resiste a (...) uma crise tão aguda e tão prolongada como a atual. O Estado pré-burguês russo despedaçou-se na prova: muito pouco civil, estava inadaptado à guerra.”"5 2) As forças sociais em presença são: “o absolutismo sustentado pela alta burocracia, pela casta militar, pelo clero, pela nobreza fundiária; a burguesia constituída pela nascente indústria e pelas camadas do mundo dos negócios e da cultura que convergem à sua volta, o socialismo, seguido pelo proletariado industrial — onde este existe — e pelas massas agrárias segundo um processo sui generis, e chefiados por muitos intelectuais idealistas .""S 3) a oposição burguesa é caracterizada por uma contradição interna: reformista e - anticzarista na política interna, imperialista e czarista na política externa.'” 4) Há uma dualidade de poder entre o Estado burguês e o soviete: “As correntes burguesas (...) querem a continuação da guerra (...) tentam transferir o poder para a Duma, na qual os socialistas estão em minoria, formar um governo com predomínio dos seis partidos, e adiar as questões sine die. O proletariado, pelo contrário, constitui o Conselho dos Delegados de Operários, Soldados e Camponeses, em que estão representados, diversamente, as correntes socialistas. Entre estas, a extrema é a mais genuína: quer a paz, recusa a colaboração de classes ainda que transitória e, invoca a tomada do poder para realizar o programa comunista.”"* 5) Ao mesmo tempo em que tratam de liquidar a guerra, os socialistas realizam o programa do Manifesto do Partido Comunista “a expropriação dos detentores privados dos

meios de produção.”"º

O limite da análise bordiguista é sua incapacidade de classificar claramente os partidos da revolução. Livorsi!*” fala de “uma curiosa inversão: o bolchevismo era identificado com o partido socialista revolucionário, e este com o partido social-democrático bolchevique”, A segunda intervenção importante “Gli insegnamenti...”, defende as seguintes teses: 1) “Os bolcheviques russos, adotando a mais rígida intransigência frente aos partidos burgueses, não só, mas também em relação às próprias frações socialistas, fazendo seu o mote “quem não está conosco, está contra nós', chegaram a obter o pleno consenso da

grande maioria das massas russas, com rapidez e segurança maravilhosas."'*! 174. “Lavanguardia”, 21/10/1917, in op. cit., p. 324.

175. “Lavanguardia”, 4/11/1917, in op. cit., p. 325. 176.

“Lavanguardia”, 4/11/1917, in op. cit., p. 326. O

177. “Lavanguardia”,

[/11/1917,

2º grifo é nosso.

in op. cit., p. 328.

178.

“Lavanguardia”, 4/12/1917, in op. cit.. p. 331. Grifo nosso.

179.

Idem.

180. Op. cit.. p. 76. 181, “PCln”, op. cit, v. I-bis, p. 71.

250

GRAMSCI EM

TURIM

2) Os bolcheviques recusam a guerra e afirmam “a falência do conceito de 'guerra de defesa! (...) e a sua incompatibilidade com o verdadeiro internacionalismo.”!*? 3) Necessidade do derrotismo revolucionário. 4) Reafirmação da possibilidade enunciada por Marx (em 1847) de que os países atrasados possam passar da revolução burguesa à proletária (Alemanha, por exemplo). 5) O fechamento da Constituinte é válido e prova a necessidade da ditadura proletária: “a efetiva transformação das instituições sociais exige um longo período de uma verdadeira

e real ditadura de classe."'“

6) Contraditando as teses de Enrico Leone, Bordiga sustenta: “Os sovietes têm pouco a ver com o sindicalismo — são órgãos políticos e não sindicatos; os operários estão aí re-

presentados por um critério numérico e independentemente de sua profissão”.!!

7) Há um profundo paralelismo entre a situação alemã de 1847 e a da Rússia de 1917, tese aliás partilhada por Lenin.

Os rarri p'acosto (Turim, 1917) Turim é a grande cidade industrial. A guerra transformou-a em um imenso arsenal. A concentração operária é acentuada. Os salários, quando aumentam, são corroídos pela inflação e pela carestia — il carovivere. O descontentamento é total na cidade. Total e difuso. Não apenas no proletariado, mas também na pequena burguesia, cansada de privações de todos os gêneros e do sacrifício de vidas promovido pela guerra. As agitações se sucedem em greves. Dezenas de fábricas, das metalúrgicas às automobilísticas, das têxteis às de

calçados, param. Política e economia se fundem nas reivindicações de paz e nas reivindica-

ções econômicas. O clima torna-se tenso: de maio a agosto de 1917, o pão, elemento básico da alimentação popular, falta na cidade. A guerra tem, no entanto, seus adeptos. Surgira uma camada de especuladores, de açambarcadores, de novas fortunas criadas da noite para o dia pelos favores governamentais. Estes, evidentemente, nada reclamam da guerra. Falamos em carovivere. E assim é. O próprio Estado reconhece que, em Turim, o custo de vida subira em 58,69% no período que vai de julho de 1914 a fevereiro de 1917.'5 Os socialistas estimam que em 1914 “bastavam 20,84 liras para uma família de cinco pessoas comer, e agora são necessárias 39,50”.!º De julho de 1917 a dezembro de 1918, a circulação de papel moeda crescera em 5.934 milhões de liras.!*? Falamos de reivindicação de paz. E assim é. O deputado Casalini confessa o seu espanto: “as massas operárias (que) tinham obtido melhorias salariais alguns dias antes, deixavam a fábrica sem motivo econômico e iam para as associações operárias; a quem perguntava a razão do abandono do trabalho e se tinham apresentado reivindicações respondiam que não, que queriam fazer o que fizeram na Rússia.” Concluía: “Foi um momento perigoso, mais perigoso que o do pão, mas foi superado com a sabedoria de todos”.'* 182. Idem, p. 72. 183. Op. cit, v. I-bis, p. 76.

184. Op. cit. p. 77. 185. Cf. o “Bolletino del!'Ufficio del Lavoro”, 1/5/1917, citado por Spriano, op. cit, p. 392. 186. Avantil,

16/3/1917,

citado por Spriano, op. cit., p. 392.

187. Cf. Pietro Secchia,

Capitalismo e classe operaia nel centro laniero d'talia, p. 324.

188. Idem, ibidem.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

251

Fare come in Russia. As notícias que chegam dos acontecimentos russos são favoráveis h agitação. Por motivos diferentes, obviamente. Os nacionalistas pouco se preocupavam com a sorte dos Romanoff na medida em que o príncipe Lvov, do governo provisório, promete a continuação da luta. E isso parece aos nacionalistas um sintoma da ampliação da participação do exército e do povo russo na luta. Os reformistas e os radicais intervencionistas acentuam O caráter democrático da luta comum. Mas os operários socialistas vêm a coisa de outro modo: o velho equilíbrio social parece começar a esfacelar-se sob a pressão da revolta popular. A tensão aumenta. A luta pela paz começa a aprofundar-se também no PSI. Em Turim, já em março, a seção socialista vê o confronto entre os reformistas e os “rígidos”. Derrotados, estes ficam muito mais à vontade para proceder à agitação. Preparam manifestações operárias para o 1º de maio, sob a palavra de ordem de mobilização e ação geral do proletariado para fazer cessar a guerra e para seguir o exemplo russo. As autoridades estão em pânico. O deputado reformista Romita solicita autorização para um comício na Associazione Generale degli Operai (AGO) onde devem falar Serrati e Modigliani (deputados) e Zavério d'Alberto (da Camera del Lavoro — CL). O chefe de policia recusa e solicita reforços. Apesar da recusa são realizados “comícios privados” nos círculos socialistas. Durante as comemorações do 1º de maio são feitas 40 prisões. Só um camponês. Os demais são operários. Jovens novareses, bielleses, astigianos, spezinos, vercelleses, alessandrinos, genoveses, toscanos e turinenses. Este é outro elemento a salientar: Turim, cidade industrial, recebe um grande número de trabalhadores. E os socializa tanto industrial quanto politicamente. A situação é de tal modo grave que o chefe de polícia solicita, às autoridades nacionais, que a província de Turim seja declarada zona de guerra. Segundo os cálculos do chefe de policia, 65 mil operários e 15 mil operárias trabalham como dependentes militares e, portanto, a declaração de zona de guerra não é arbitrária. Além disso ela, permite às autoridades locais uma mobilidade de ação capaz de cortar pela raiz qualquer movimento. E expulsar os líderes sindicais e políticos. No entanto, e apesar das críticas, o governo central recusa. O radicalismo verbal, sem qualquer contrapartida mínima de ação, cresce. Barberis e Rabezzana, “intransigentes”, chegam mesmo a falar em atacar as forças policiais quando essas interviessem nas manifestações operárias. Mas, nada se organiza: “Nenhuma preparação militar (...) nenhuma medida conspiratória de tipo insurrecional (...). Nem as autoridades da polícia (...) nem as judiciárias, puderam provar a existência da menor organização clandestina. (...) a palavra insurreição, a exortação aos meios de luta radicais, retornam semana após semana, como o leitmotiv da propaganda febrilmente desenvolvida pelos “rígidos"”.!*º A cena apresenta-se de tal modo revolucionária que os delegados mencheviques Ronskanov e Erlich (do soviete de Moscou) e Goldemberg e Smirnov (de Petrogrado), dez dias antes da insurreição, apresentam-se falando em moderação. Eles estavam em missão diplomática pela Europa. O governo italiano os acolhe de bom grado. Orlando, ministro do Interior, não apenas permite a viagem mas também a sua ampla divulgação. Mais ainda: permite concentrações socialistas em homenagem a eles. As concentrações são feitas em Turim (dias 6 e 13), em Roma (dia 7), em Florença e Bolonha (dia 10) e em Milão (dia 11). Ao comício do dia 13 de agosto, na Casa del Popolo, diante de uma multidão de 40 mil pessoas, estão presentes de D'Alberto, Bruno Buozzi, Romita e D'Aragona (CGT), Maria Giudice (diretora do 1! Grido del Popolo), Anselmo Acutis (anarquista) e Foggiano (ferroviário). Goldemberg fala em termos vagamente pacifistas, mas Serrali, ao traduzir, dá uma versão bastante livre (como confessará mais tarde no processo) com um conteúdo claramente favorável à paz, como se o menchevique tivesse feito um caloroso convite a intensificar a 189. Spriano, op. cit., p. 400. 252

GRAMSCI EM

TURIM

luta pela paz, O PSI já comporta claramente a cisão. À ala direitista busca afastar-se de sua “irmã” de esquerda, Logo após partem os russos e tudo parece calmo nos arraiais proletários. Mesmo os rígidos estão calmos, Na CL, de 18 a 22 de agosto, transcorre calmamente o congresso nacional dos ferroviários. A maioria dos dirigentes está de férias. A agitação pela falta de pão já dera sinais a partir do dia 7. Naquele dia, algumas padarias suspenderam seus trabalhos por falta de farinha. A situação vai em um crescendo. O próprio chefe de polícia, no dia 8, denuncia a escassez. No dia 10, os jornais da cidade lançam o alarme: padarias fechadas, falta pão. Nos dias 12 e 13 as padarias fecham e a polícia intervêm. Aparece o trigo e a situação se acalma. Por pouco tempo, pois o pão volta a faltar no dia 21, quando 80 padarias permanecem fechadas. O descontentamento cresce: “a multidão em geral era mais violenta por volta do meio dia, já que nessa hora era formada quase que exclusivamente por mulheres operárias, por mulheres que já tinham estado na fila de manhã, antes de ir para o trabalho, que tinham trabalhado de estômago vazio e que, muitas vezes, refaziam inutilmente a “fila” ao meio-dia. Eram elas que, ao voltarem ao trabalho, levavam para a fábrica o fermento da exasperação de que estavam possuídas”.!* As mulheres fazem manifestações diante da chefatura de polícia e da prefeitura. As autoridades pedem calma e prometem regularizar a provisão de pão no dia seguinte. Apesar de que, realmente, no dia 22 a quantidade de trigo fosse o equivalente ao consumo de dois dias, a insurreição eclode. Mulheres e jovens atacam e param os bondes e logo após, nos diversos bairros, começa o enfrentamento com a polícia. No bairro de Vanchiglia, a população ataca o quartel da polícia. Luta-se em todos os bairros. A greve, iniciada espontaneamente pela manhã, amplia-se por volta do meio dia. As manifestações contra a falta de pão transformam-se em luta política contra o governo e pela paz. Mario Montagnana, operário da fábrica Diatto, nos relata que os operários não entram na fábrica e gritam: “Não comemos. Não podemos trabalhar. Queremos pão”. O patrão dirige-se a eles, dando-lhes razão, prometendo-lhes obter o pão. “Os operários calamse um instante. Durante um instante se entreolham, uns aos outros, quase para consultar-se tacitamente. E, depois, todos em conjunto, recomeçam a gritar: 'Não nos importa o pão! Queremos a paz! Abaixo os tubarões! Abaixo a guerra!" E foram unir-se aos demais grevistas”, Ao meio dia, milhares de operários abandonam as fábricas e se dirigem à CL. Vão em busca de orientação. As lideranças operárias estão em férias e os funcionários limitam-se a telefonar para Morgari para que volte de Roma. Zavério D'Alberto, retorna e pede permissão para falar à multidão, no sentido de acalmá-la. As autoridades, no entanto, prendem-no “preventivamente” e ocupam militarmente a CL. Com o que corta-se a possibilidade de recolocar os insurretos na linha. Insisto: a possibilidade. A realidade parecia mostrar a inviabilidade desse projeto. O secretário da Federazione Italiana Operai Metallurgici (Fiom), Bruno Buozzi, tenta uma última manobra: conseguir a liberação da CL para daí falar à multidão que as autoridades tinham providenciado o pão. Demasiado tarde. Desprovida de seus dirigentes reformistas, porta-vozes da hegemonia burguesa no seio das classes subalternas, a população exprime 190. “Cronaca dei fatti d'agosto”, Stato Operaio, rassegna politica proletaria, Paris, nº 6, agosto de 1927, in Spriano, op. cit.. p. 413, Del Carria, op. cit., p. 37-38. Ver também Adolfo Pepe, Movimento operaio e lotte sindacali (1880-1922), p. 239-251.

191. Mario Montagnana, “Ricordi di un operaio torinese”, Roma,

Carria, op. cit., p. 38.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

1953, in Spriano, op. cit, p. 417 e Del

253

agora livremente seu ódio contra a guerra, Atacam as lojas de armas: pela tarde caem os

primeiros feridos. No dia 23, a cidade aparece totalmente paralisada. A greve espontânea toma acentos pré-insurrecionais, apesar, ou melhor, por causa da inexistência de qualquer palavra de ordem do partido ou dos sindicatos. O chefe de polícia entrega o comando da cidade ao general Santirana para “manter a ordem”. Barricadas são erguidas. Os operários ocupam “militar-

mente” seus bairros. Com

a maioria dos dirigentes de férias, as lideranças secundárias da comissão exes

cutiva da seção socialista e da CL se reúnem na sede da Alleanza Cooperativa Torinese

(ACT), mas não conseguem tomar qualquer resolução. Estão divididas: os reformistas, tentam fazer o movimento voltar à legalidade; os revolucionários aplaudem a insurreição mas... não sabem dirigi-la. É impossível formar um centro dirigente do movimento, A omissão caracteriza a chefia socialista. Morgari volta nesse mesmo dia pela noite e vai, imediatamente, conferenciar com o chefe de polícia juntamente com Romita, conselheiro municipal, e Galetto, correspondente do Avanti! sobre a maneira de acabar a

insurreição. O deputado Casalini volta, mas não faz nada.

O dia 24 é o clímax dos acontecimentos. Os operários controlam a parte norte da cidade, As prisões se sucedem. A censura bloqueia toda e qualquer informação sobre os acontecimentos. Turim está isolada. As próprias lideranças do PSI, do grupo parlamentar e da CGT nada fazem para romper o bloqueio. Nada fazem para obter apoio dos demais operários italianos. Serrati, diretor do Avanti!, aparece em Turim. Conversa com Morgari e Sciorati e parte para Milão no dia 25, sem interferir. Nesse mesmo 24, Morgari, Casalini e outros intervêm a favor da ordem. Os revolucionários lançam manifesto: “Trabalhadores turinenses, o Partido Socialista e a Câmara do Trabalho estão orgulhosos da prova de força que dais nestes dias frente à insipiência e às provocações das autoridades. Não escuteis aqueles que

vos aconselham a retornar ao trabalho. A direção do movimento está em boas mãos. Observai

as disposições de vossas organizações. Buscai simplesmente evitar atos de violência inútil, sobretudo aqueles que possam limitar ao povo e a vós a possibilidade de prover regular-

mente os víveres”,!?

Impotentes, tratam de... estimular a população sem direção. Pela manhã os bairros operários, la cintura rossa, estão controlados pelos insurretos e o centro da cidade pelo exército. Para os militares a situação é taticamente defensiva: querem apenas impedir que os insurretos alcancem e dominem o centro. O povo espera, a partir do exemplo russo, ganhar o apoio e a solidariedade dos soldados. Estes foram “informados” que a insurreição era “coisa dos alemães”, Continuam as prisões. A luta é desproporcional: o povo possui, no máximo, alguns revólveres e fuzis; os “guardiães da ordem” atacam com metralhadoras e tanques. Por volta das 18 horas as forças repressivas conseguem debelar as forças mais aguerridas. Romita pede a devolução das sedes operárias para falar à massa, na certeza de que uma vez que “possamos explicar à massa aquilo que acreditamos, a calma reinará”.'“ Era tarde demais. Ele ou qualquer outro reformista não eram mais necessários. As armas já “explicaram” a situação, Romita só será útil quando Turim, dias depois, estiver “pacificada”. O dia 25, vê o início do refluxo. A greve ainda é geral. Ainda se luta. Mas as barricadas são desfeitas. Os operários limitam-se a se defender. No começo da noite a polícia prende quase 192. Citado por Spriano, op. cit., p. 423 e por Del Carria, op. cit., vol. 2, p. 42. Grifos nossos. 193. Citado por

254

Del Carria, op. cit, p. 45.

GRAMSCI

EM

TURIM

todos os membros das seções executivas do PSL e da CL em suas casas, Exceto os refor-

mistas, que continuam soltos, No dia seguinte a luta está praticamente encerrada. A greve continua compacta em toda a cidade e em localidades da província. Chegara a hora dos reformistas. Casalini, Sciorati, Morgari

e Giovano,

deputados,

falam em

nome

do PSI e da CL: “cremos ser nosso

dever advertir-vos que as vossas organizações deliberaram convidar-vos a retornar ao trabalho."!'* O dia 27, marcado pela volta ao trabalho, encontra metade da cidade ainda em greve, Do lado operário, o balanço da insurreição registra: 50 operários mortos, 200 feridos e 822 levados a julgamento. Montagnana comenta o fim da insurreição: “não se pode dizer que os mortos tenham sido afogados em sangue. Na realidade os motins de Turim não foram mortos; eles morreram porque os operários, desafogada a sua raiva e, bem ou mal, o seu ódio contra a guerra, não sabiam mais o que fazer, não sabiam mais a que propósitos imediatos dirigir seus esforços. (...) Os motins acabaram, morreram, sem que o Partido Socialista tivesse dado o mínimo sinal de existência.”!'* Ou, nas palavras de Serrati, diante do tribunal que julgou a insurreição: “não é movimento nosso”.!'º Para a história dos fatti, contada por Gramsci, nesse período, ver: “Carattere”, op. cit.; “Analogie e

metafore”, GP “Elementi fronte

15/9/1917; “La giustizia”, GP 23/10/1917; “I fatti di Turim”, A, 7/4/1918;

minimi

interno”,

di un processo. A,

27/8/1918;

Una

“Elogio

figura balzachiana”, di

Ponzio

Pilato”,

A, GP

11/4/1918; 29/9/1918;

“Lo caporetto del “Gompers

e

la

'manovera”, A, 16/10/1918 e “Quatri cani”, 4, 6/11/1920. Sobre toda essa dêmarche ver: Sergio Caprioglio na apresentação do texto “Lo caporetto del fronte interno”, in Les Temps Modernes, 30 (343), fevereiro de 1975.

A ITÁLIA E O PÓS-GUERRA A Nália sai da guerra exaurida em homens e recursos. Sua vida social está despedaçada: grandes desequilíbrios, grandes fraquezas, pouca estabilidade. O processo inflacionário toma proporções imensas. A inflação passa do índice 100 (1913) para 409 (1918). O dólar, que era cotado a 5,18 por lira (1914), passa a 13,07 (1919) e 28,57 (dezembro de 1920). A dívida pública soma no final da guerra 74.496 milhões de liras e o ritmo da indústria cai de 20 a 40%. O déficit do Estado eleva-se de 214 milhões de liras (1914-1915) para 23.345 milhões (1918-1919). A circulação monetária passa de 2.007 milhões (junho de 1914) para 20 bilhões (dezembro de 1920). Entre 1916 e 1918 cerca de 30% da renda nacional é obtida a título de empréstimo. A agricultura está em crise: 40% da balança comercial estão comprometidos com a importação de alimentos. “Falta, sobretudo, o trigo: antes de 1914, a Itália produzia em média cerca de 50 milhões de quintais de trigo por ano (...) e tinha ainda que importar cerca de 14 milhões, mas durante a

guerra a produção tinha caído para 38 milhões”.'”

O custo da guerra fora brutal: 65 milhões de lira-ouro; 680 mil mortos; 680 mil prisioneiros; mais de um milhão de feridos; 500 mil mutilados e 600 mil mortos pela espanhola. 194.

Idem,

p. 64.

195. “Il partito socialista italiano nell'ultimo conflito mondiale”, Lo Stato Operaio, Rassegna politica proletaria,

HIS). maio 1929. p. 424-425. 196. Citado

por Spriano,

op. cit., p. 438.

197. Federico Chabod, História do fascismo, p. 37. O quintal equivale a 100 quilos. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

255

A

Mália

sai da

guerra

extenuada,

O

conflito tinha

absorvido

não

apenas

os

recursos

core

rentes, mas até mesmo uma parte da riqueza acumulada (...) no quadriônio 1915-1018, os gastos, calculados a preços correntes, tinham superado em 16,15% a renda nacional, (...) O aparelho produtivo do país estava em más condições e cheio de contradições, (...) enormes imobilizações nos setores industriais, cuja capacidade produtiva excedia à consumo

interno;

mas,

ao

mesmo

lempo,

sem

competitividade

onais, e necessitados (...) de novos e maciços investimentos reorganizados;

acentuada

obsolescência

das

máquinas;

formas

nos

mercados

para serem de

intermach

reconvertidos é

concentração

financels

ra que interferiam e distorciam a concentração técnica dos capitais, e se exprimiam em colossos de pés de barro; baixa produtividade do trabalho (...); vasto e crescente des semprego que já no outono de 1919 chegava a 2 milhões de pessoas; sistema bancário (...) tornado

frágil pelo

tipo de

relações

com

as

empresas

industriais. !*

É nesse quadro de contradições que se dá a cena política e econômica do pósguerra. Toda a brutal concentração industrial se dera pelas condições da guerra. E pela. ação do Estado italiano. O Estado comprava a produção bélica, garantindo assim aos industriais um mercado cativo, sob condições monopólicas ou de alta oligopolização, permitindo-lhes vender muito acima de qualquer custo, A contínua emissão de moeda e .a inflação aberta permitiam não apenas o aumento crescente dos preços e imensos lucros bem como liberava, pelo mecanismo inflacionário, os industriais das suas velhas dívidas. Mas, mais importante do que tudo isso: o proletariado tinha sido “colocado”, pelo Estado, “à disposição do capital privado” e despojado de toda e qualquer proteção legislativa, Isso. foi imposto pelo Código de 5 de novembro de 1916, calcado no Código Militar. Basta dizer que o abandono do trabalho ou mesmo a mudança de fábrica sem autorização oficial era considerado deserção, ainda que os criminosos fossem crianças ou estrangeiros. O abandono podia ser punido com prisão de dois meses a um ano. Se o caso fosse de mudança de fábrica, a pena era de dois a seis meses. E, se houvesse insubordinação, o criminoso poderia pegar até 24 meses de reclusão. Não bastando tudo isso, o preço da força de trabalho era o mais baixo entre todas as mercadorias. Enquanto o preço das mercadorias em geral subia até o índice 409 (1913 = 100), o salário raramente atingiu o índice 200. Os lucros médios das sociedades por ações passam de 4,16% (1914) para 7,75% (1917). E quanto mais ligada à guerra mais lucrativa era a indústria: siderurgia (de 6,30% para 16,55%), automóveis (de 8,20% para 15,39%), química (de 8,02% para 15,39%), etc. A concentração industrial cresceu em média 56% (1913-1918), chegando o setor metalmecânico a crescer 252%. O grupo Ilva teve um acréscimo de capital de 30 milhões (1916) para 300 milhões (1918). E por aí adiante.

A concentração foi tão violenta que as indústrias intervieram e submeteram os grandes bancos (invertendo o processo anterior em que os bancos dominavam e criavam as indús-

trias). A situação foi tão grave que Olivetti, poderoso secretário geral da central industrial patronal, chegou mesmo a afirmar: “E não deveria realizar-se uma investigação preventiva sobre aquela empresa que se arroga dominar a nação no referente à relação econômicofinanceira? E que coisa aconteceria, em hipótese longínqua, no caso de um desastre da empresa Ansaldo? Não se arrebentariam talvez todos os nossos bancos e todas as nossas indústrias”.!º As palavras de Olivetti se confirmam três anos após. Acabada a guerra os problemas “surgem”: não é fácil a reconversão para a paz. Há o problema dos desmobilizados. Durante a guerra e na hora em que tudo parecia perdido, o 198, Idomeneo

Barbadoro, Storia del sindacalismo italiano, v. 2, p.338.

199. Citado por Franco Catalano, cit., p. 337.

256

1919-1921

Potere economico e fascismo, p. 316-317, e por Barbadoro,

GRAMSCI

EM

op.

TURIM

ministro Salandra e muitos outros políticos prometem tudo a um exército na sua imensa maioria camponês: terra, trabalho, justiça, vida decente, ete. Ao mesmo tempo que no fronte interno a campanha contra o “enriquecimento” e o “fausto” dos operários chega a lances «dramáticos. Com o fim da guerra, como era de se esperar, nenhuma das promessas aos soldados-camponeses foi cumprida.

O Pacto

DE ALIANÇA

Eis a íntegra do famoso Pacto de Aliança entre a CGT e o PSI: “Invocada

a moção

de

Stuttgart de

1907 que

em

linhas

gerais

estabelece

as

relações

que

devem existir entre os partidos políticos socialistas e as organizações de trabalhadores, e também a Convenção de Florença, do mesmo ano, com a qual foram fixadas as relações entre o Partido Socialista Italiano e a Confederação Geral do Trabalho; * reconfirmada a independência

próprio

campo,

é afirmado

que

e a autonomia da confederação e do partido, cada um no

a direção

e a responsabilidade

cabe à confederação do trabalho e a do movimento

do movimento

econômico

político à direção do partido; e além

disso, que os sindicatos confederados inspirarão a sua propaganda em conceitos profundamente socialistas e procurarão colaborar assiduamente com o partido para a obtenção de fins

comuns;

* o PSlea CGT por meio dos seus legítimos representantes, ou seja, pela direção: Alfi Bassi, Bombacci, Farini, Gennari, Reposi, Voghera; e pela confederação Altobelli, Baldini, Belelli, Braga, Buozzi, D'Aragona, Del Buono, Dugoni e Zirardini, reunidos em Roma, na sede da Direção do Partido, pactuam o que se segue: 1) A greve

e as agitações

de

caráter político

nacional

serão

proclamadas

e dirigidas

Direção do Partido, ouvido o parecer da confederação do trabalho, a qual, em

se empenha

em

não

obstaculizar a realização

das deliberações

da direção

do

pela

cada caso,

partido.

2) A greve e as agitações de caráter econômico nacional serão proclamadas e dirigidas pela confederação, ouvido o parecer da direção do partido, a qual, se empenha, em cada caso, em não obstaculizar a realização das deliberações confederais. 3) Caso

existam

questões que

podem

ser avaliadas como

direção do partido e como predominantemente econômicas

predominantemente

políticas pela

pela confederação ou vice-versa

e, portanto, podem surgir dúvidas ou conflitos de competência, se pacta que todas as vezes que a direção do partido se reunir, transmitirá a tempo a própria ordem do dia à confederação do trabalho, para que esta tenha modo de examinar a natureza dos assuntos, postos na ordem do dia, e, no caso, intervir de direito, mediante uma representação sua, nas

reuniões

da direção. Outro tanto será feito para as reuniões

do conselho diretor e do

conselho nacional da confederação do trabalho, os quais transmitirão as suas ordens do dia à direção, para que esta, onde o creia útil e necessário, intervenha de direito nas reuniões do conselho diretivo e do Conselho nacional. 4) Sempre com a finalidade de conservar as melhores relações entre os dois organismos, as secretarias da confederação e da direção manterão continuamente correspondência entre si.20

As CRÍTICAS DE BORDIGA AOS CONSELHOS DE FÁBRICA À proposta gramsciana se oporão Bordiga e Tasca. Oposição distinta que se articula sobre o mesmo horizonte: a recusa do papel revolucionário dos conselhos. O primeiro problema da relação Gramsci-Bordiga sobre os conselhos radica em particular em um particular mal-entendido. Embora Gramsci não afirme serem os conselhos iguais aos sovietes, Bordiga reafirma que tal identidade é postulada pelo sardo. Mas isso não é o

200. O texto encontra-se em: Adolfo Pepe, Movimento operaio e lote sindacali (1880-1922), Turim, Loescher, 1976, p. 252-253. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

257

mais importante, Bordiga também coloca equivocadamente, a nosso juízo, o problema como.

se ele fosse um problema de “representação comunista".*! Enquanto para Gramsci os. conselhos são a articulação classista na fábrica, disputando no espaço fabril a hegemonia: sobre a produção, criando uma nova cidadania, Bordiga vê a questão como sendo de representação política. Se o “sistema dos sovietes é uma representação política da classe: trabalhadora, cuja característica fundamental radica em excluir do direito eleitoral a todos os que não pertençam ao proletariado”, ele terá razão em afirmar que “nada mais inexato. que acreditar que o soviete é o mesmo que o sindicato econômico",*? Só que não é disso. que

se trata.

Contrariamente a Gramsci, Bordiga separa o econômico do político. Segundo ele, os sovietes só são realmente revolucionários depois da conquista do poder pois “enquanto existe o poder burguês, o órgão da revolução é o partido; depois da liquidação do poder

burguês é a rede dos conselhos operários."*º

É esse antes e depois que dão o peso das instituições operárias. Bordiga chega mesmo a afirmar que ao “desenvolver-se a revolução com a gradual eliminação das classes parasitárias, as funções políticas vão perdendo importância diante das econômicas, porém em. um primeiro momento, sobretudo quando se trata ainda de lutar contra o poder burguês, a atividade política ocupa o primeiro plano” 24 O antes. Durante o período da dominação burguesa é um equívoco, na perspectiva bordiguista, equívoco que pode chegar a ser oportunismo, acreditar na possibilidade do: controle operário sobre a produção. Bordiga afirma que em tais circunstâncias os conselhos não controlam nada. Defender, como os companheiros do V'Ordine Nuovo, de Turim, que antes da queda da. burguesia os conselhos operários já não são apenas órgãos de luta mas também de configuração econômico-técnica do sistema comunista, é uma volta pura e simples ao gradualismo socialista; este gradualismo, chame-se reformismo ou sindicalismo, está marcado pelo erro segundo o qual o proletariado pode emancipar-se ganhando terreno nas relações econômicas quando ainda o capitalismo detém, mediante o Estado, o poder político.” Isto é, todo o processo real da revolução supõe, para Bordiga, a tomada do poder. Antes disso o proletariado não conquista nenhuma emancipação. Durante o período histórico dominado pela burguesia “uma representação dos interesses gerais

revolucionários do proletariado apenas poderá ser obtida no terreno político por um

partido de classe que recolha as adesões pessoais daqueles que, por dedicar-se à causa da revolução, superaram a estreita visão do interesse da categoria, e até mesmo do

interesse de classe.”

A intervenção do partido, visto como único elemento capaz de uma posição universalista, não-corporativa, é vital, pois “o homem faz valer com a sua ação política os seus interesses não como membro de uma categoria de produtores, mas como membro de uma classe 201. Amadeo Bordiga,

“El sistema de representación comunista”, 1 soviet (IS), 14/9/1919,

consejos de fóbrica (DCF).

in Debate sobre los

202. Idem, p. 79. 203. “Creamos los sovietes?”, JS, 21/9/1919, DCF, p. 93. 204. “Per la costituzione dei consigli operai in Italia (I)", 1, 4/1/1920,

Scritti Scelti (SS), p. 86.

205. “Creamos...”, op: cit., p. 99. 206. “Per...(U1)". op. cit., p. 99. 258

GRAMSCI

EM

TURIM

social," Desconhecer o peso do partido “de classe, comunista”, é ignorar que ele é o “verdadeiro instrumento da luta de libertação do proletariado."** Mais do que isso; “Fazer coincidir na função dos órgãos de libertação do proletariado os momentos do processo político e do processo econômico significa cair naquela caricatura pequeno-burguesa do marxismo que poderia chamar-se economicismo e qualificar-se como reformismo e sindicalismo; a

sobrevalorização do conselho de fábrica não seria senão uma encarnação a mais deste velho

erro que se estende desde o pequeno-burguês Proudhon até tantos revisionistas que acredi-

taram superar Marx."*º

Os textos de Bordiga se caracterizam por uma singular ausência e por uma sintomática presença. A ausência: de qualquer análise de conjuntura econômica, sobre o processo fabril, sobre as classes. A presença: de uma teoria a partir da qual se deduz e se enquadra a realidade. Como são importantes o partido e a revolução, todos os movimentos não dirigidos pelo partido são secundários. E mais, como o partido é o guia da revolução, os movimentos de massa são obviamente menores, pois para Bordiga “os que hoje podem representar o proletariado que amanhã tomará o poder são os trabalhadores conscientes dessa perspectiva

histórica, ou seja, os trabalhadores inscritos no partido comunista "º Ou no mesmo sentido:

“o único meio de que dispõe a classe oprimida (...) é sua organização e unificação em partido político de classe”. O depois. Feita a revolução o peso do partido diminui, aumenta o dos sovietes. A estes cabe a criação da nova ordem econômica. Obviamente a relação partido-soviete não é rompida pois “os sovietes do futuro devem ter sua gênese nas seções locais do partido comunista."!? O que nada mais é do que uma continuidade histórica, pois no “poder burguês os conselhos operários só podem ser organismos dentro dos quais trabalha o partido comunista, que é o motor da revolução”.?'* E não na classe. Tomado o poder, “a preocupação do partido não será tanto a construção econômica à qual há de contribuir espontaneamente a maravilhosa germinação dos novos organismos — posto que no conflito entre produtores e formas de produção já existe essa energia constru-

tiva e inovadora que a revolução proletária coloca em condições de desenvolver-se”.2! Trata-

se agora de construir uma nova ordem econômica. Bordiga afirma que, feita a revolução, o “problema histórico é, portanto, conservar a burguesia como classe econômica, assegurando sua expropriação gradual, mais rápida possível, sem contudo paralisar a produção, e ao mesmo tempo impedir que a burguesia reconstitua o seu poder."*!5 Nesse processo, a importância do soviete está “no fato de que é o órgão de uma classe que toma em suas mãos toda a direção da gestão social. Cada um dos membros do soviete 207. “Lerrore dell'unitã proletaria”, IS, 1/6/1919, Storia della Sinistra Comunista (SSC), v. |, p. 387. 208. “Per

la... (I)", op. cit., SS, p. 86

209. Idem (IV), 8/2/1920, op. cit., DCF, p. 115-| 16. 210. “Creamos...”,

op. cit.. p. 92.

211. “Los objetivos de los comunistas”, 212. “Creamos...”,

15, 29/2/1920,

DCF,

p.

130.

op. cit., p. 92.

213. “Per... (IV)", op. cit, p. 11S-[ 16. 214. “Los objetivos...”, op. cit, p. 131. Grifo nosso.

215. “Per la valutazione storica della dittatura proletaria”, LAvanguardia (LA), SSC, v. |, p. 404. EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

259

é um proletário consciente de estar exercendo a ditadura conjuntamente com sua própria classe,"“!* “Na nossa opinião, um soviete só é revolucionário quando a maioria dos seus

membros está inscrito no partido comunista."

As CRÍTICAS DE TASCA AOS CONSELHOS DE FÁBRICA Além das críticas já examinadas anteriormente Tasca coloca uma questão central; na

realidade, mesmo afirmando os erros do sindicalismo, ele reafirma que os sindicatos devem permanecer como organizações fundamentais do mundo do trabalho. Obviamente, são:

necessárias transformações para que os sindicatos possam ganhar plena legitimidade, É necessário que eles estejam no cotidiano da classe, é preciso “transformar o sistema de organização por ofício em uma organização por indústria”.**

Entre as transformações vitais está a incorporação dos conselhos. que são vistos como. “parte do sindicato industrial”. Os conselhos deveriam ser seções da Federazione Italiana Operai Metallurgici (Fiom). Os escritórios centrais não devem substituir as seções, mas ter fins puramente burocráticos. “Queremos insistir em que uma vez esta transformação se complete, o sindicato será também o órgão natural da luta de classes — não apenas em termos de defesa ou de resistência mas também de conquista e de produção."2!º Para realizar essa incorporação, Tasca propõe um novo modo de eleição para os conselhos: 1.0 conselho de fábrica ou de empresa, como organismo atuando em relação aos interesses, e de acordo com os desejos de todos os produtores organizados por local de trabalho, deve ser eleito por todos os produtores; 2. O conselho é eleito indiretamente, contudo, pelos delegados de seção, que devem ser sindicalizados; 3. A federação reconhece o conselho como organismo que ocupa o lugar da antiga comissão interna; 4. A seção executiva do comitê (antes diretivo) é eleita apenas pelos sindicalizados na base de uma lista proposta pelos delegados de seção, que nomearão um comitê eleitoral; 5. Se o comitê executivo tem a concordância dos delegados de seção, ele pode adotar imediatamente as decisões colocadas por este acordo; 6. Em casos de desacordo ou duvida, o comitê executivo pode e deve chamar uma reunião do conselho geral, o mais alto organismo legislativo, que tem a vantagem de ser

menos numeroso;

7. O conselho geral é composto pela assembléia plenária dos comitês executivos de fábrica nas quais mais de 75% dos trabalhadores são sindicalizados, e de comitês federais. Isto é, as comissões eleitas apenas pelos sindicalizados e por essa razão, distintos dos comitês executivos de fábrica — em cujas fábricas menos de 75% dos trabalhadores sejam sindicalizados; 8. Como a primeira responsabilidade dos delegados de seção é organizar os seus próprios eleitores dentro do sindicato, o comité executivo de fábrica terá o direito de representar a fábrica no conselho geral quando o numero de sindicalizados na fábrica ultrapassar a 216. “Creamos...”,

op. cit., p. 92.

217. “Per. IV)". op. cit, po 1IS-LI6. 218. “1 valori...”, op. cit., p. 243. 219. Idem, ibidem.

260

GRAMSCI EM

TURIM

marca

dos

75%,

Em

resumo,

o conselho geral se tornará

dos comitês executivos de fábrica,"

idêntico à assembléia

plenária

Na verdade, esse mecanismo descaracteriza tanto o conselho quanto o sindicato. No caso dos conselhos ele acaba com sua democracia, tornando suas esferas mais e mais indiretas, mais e mais rarefeitas. Para Tasca esse conselho “representa a mais racional (...) articulação do movimento sindical. (...) pode rápida e efetivamente proteger os interesses do proletariado nas disputas que possam ocorrer a qualquer momento nos complexos negócios da fábrica e da empresa. Estes interesses, na medida em que são contínuos e permanentes, podem enriquecer os órgãos centrais (...) e fornecer material para as deman-

das que são a base da luta sindical."

Ao conselho caberá a transformação do padrão de organização de categoria para o de indústria. Ele é o elemento que pode fazer ter “sua origem no local de trabalho, mas investir a ação sindical o peso dessa modificação é tal que permite aos sindicatos

comunista”.=º

sindical, de ofício e/ou essa transformação por na sua totalidade."? E “optar pela revolução

As relações entre os conselhos e os sindicatos, para Tasca, são claras: eles são “um único organismo, dado que o “conselho” não é senão a expressão da atividade sindical no local de trabalho e o sindicato é o organismo principal agrupando os conselhos por setor produtivo, coordenando e disciplinando a sua ação. O 'conselho' é a unidade celular do todo: o sindicato. "= Deste ponto de vista, o conselho passa a ser um mero representante do sindicato na fábrica. A experiência de articulação da totalidade da classe deixa de existir. Na realidade, para Tasca, só o sindicato é vital.

A GREVE DE ABRIL Turim, em março, encontra-se em greve. Trata-se de defender os conselhos de fábrica (CF). Se durante a guerra, e sob forte coerção militar, as comissões internas (CI) serviam de correia de transmissão, agora, no pós-guerra, transformando-se nos CF, elas passam a representar a possibilidade de autonomia da classe. Os capitalistas temem os novos CF, dado que eles ultrapassam o limite do horizonte corporativo. E querem acabar com a brincadeira. Já em novembro de 1919 se realiza em Turim uma assembléia de comitês executivos dos CF, reunindo representantes de 30 mil operários. Nesse mesmo mês a seção turinesa da Fiom adere, e em dezembro o Congresso Extraordinário da Fiom aprova que os CF sejam eleitos pela totalidade dos operários e não dos sindicalizados. Contra os CF se mobilizam não apenas a CGT, Serrati e mesmo Bordiga. Já vimos a posição de Bordiga. Quanto a Serrati, ele via o direito de voto dos não-sindicalizados como uma “aberração”, como a proclamação da “capacidade revolucionária da massa amorfa”, abandonando “aquele movimento organizado que é o núcleo da futura sociedade”. 220. Idem,

p. 247-248.

221. Idem,

p. 251-252.

222.

p. 252.

Idem,

223. Idem, 224.

ibidem.

Idem, ibidem.

225. “In Battaglie sindacali”, 8/11/1919, citado por Idomeneo Barbadoro, Storia..., vol. 2, p. 397-398.

EDMUNDO

FERNANDES

DIAS

261

Mas não são apenas as instituições tradicionais do operariado que se voltam contra os CR Na Conlindustria, entidade máxima dos industriais, reunida em assembléia, em Milão, no dia 7 de março de 1920, Olivetti, seu secretário geral, no seu relatório sobre os CF, coloca a questão em termos de força: “não é possível que nas fábricas se constitua um organismo que se proponha. e pretenda atuar e decidir à margem e, em certo sentido, sobre os órgãos diretivos das fábricas”. Síntese da fala de Olivetti naquela assembléia, essa frase define rigorosamente a situação. É um documento muito importante por ter captado o fundamento dos CF. Olivetti chega

mesmo a afirmar que os ordinovistas “consideram que um dos motivos pelos quais os resultados. derivados da ditadura do proletariado e da instauração do comunismo na Rússia não foram de

todo bons, consiste na falta de preparação do proletariado para o exercício das funções dirigentes, técnicas e econômicas. Por isso, com a sua instauração, desde agora, os conselhos operários tendem a evitar tal inconveniente no caso de uma revolução italiana, e, consequentemente, ten dem a estabelecer um período de adestramento para o futuro exercício de todas as funções técnicas e administrativas da indústria. Esse é o ponto de partida do movimento italiano”. Olivetti pensa melhor a conjuntura que o PSl e a CGT. Pensa-a do ponto de vista de classe é não de burocracia. E assim compreende a ação do inimigo. Chama-se a isso objetividade! Poucos dias depois, a Lega Industriale di Turim (Lega) convida os seus associados a não “reconhecerem organismos representativos operários que se afastem das habituais formas sindicais”.=º Os capitalistas querem mais: querem anular a existência dos CF, proibir a eleição dos delegados e dos conselhos, e reduzir as CI à órgãos de colaboração para o bom funcionamento das fábricas.

A “greve dos ponteiros” é o acontecimento mais importante do período. Envolvendo

inicialmente 50 mil operários metalúrgicos, ela acaba se estendendo a todo o Piemonte, paralisando cerca de 200 mil trabalhadores. Durou de 29 de março a 23 de abril. O “pretexto” “da greve foi a adoção, pelo Estado, da hora legal. Os operários a recusam por lhes lembrar a guerra. E comunicam à Associazione tra gli Industriali Metallurgici Meccanici ed Affini (Amma) o seu desejo de continuar a seguir a hora solar. Agnelli, que comanda a Amma não vê problema, mas submete à Lega. De Benedetti, presidente da Lega, chama a atenção para o fato de que os operários se recusam a pagar a sua parte no seguro contra O desemprego. E que tudo junto era uma grave indisciplina que não poderia ser tolerada. Olivetti adverte que se deve deter de qualquer modo o avanço operário, mas aconselha os seus colegas a deixarem o primeiro passo aos operários, para depois golpeá-los. Tudo está preparado para a ofensiva patronal. Agnelli declara, a 20 de março, que a situação era insustentável, que o poder da direção em relação aos operários estava esgotado, que a política de contemporização tinha fracassado, e que para repor a ordem e a autoridade nas fábricas ele estava disposto a chegar à serrata a partir de 1º de abril.

No dia 22 de março nas Indústrias Metalúrgicas (Fiat), a CI pede que o relógio seja

recolocado na hora solar. Diante da recusa um operário executa o desejo. Diante desse ato, considerado de grave indisciplina, todos os operários envolvidos são demitidos. Depois de realizar um comício na fábrica, os operários decretam greve. No mesmo dia na Acciaierie Fiat, os operários exigem que as CI sejam pagas pelo salário máximo, visto que pelas suas funções eles perdem tempo e têm, portanto, sua remuneração reduzida. A direção pede tempo. Os operários abandonam o trabalho. A fábrica, fechada. 226. “La opinión de los industriales sobre los consejos de fábrica”, ON,

15/5/1920,

DCF

p. 152.

227. Idem, p. 149-150, 228. Citado por Renzo del Carria, Proletari senza rivoluzione, vol. 2, p. 104.

262

GRAMSCI EM

TURIM

No dia 23 de março, o governo ocupa todos os grandes e médios estabelecimentos de Turim, Guarda Real, carabineiros e cavalaria, com blindados e metralhadoras. No dia 26 de abril, Agnelli propõe, no conselho da Amma, um acordo de cúpula com a Fiom: ele anularia a demissão das Cl, mas estas não poderiam ser reeleitas e se o fossem deveriam demitir-se, e a Fiom não as ratificaria. E mais do que isso: as CI deveriam voltar às antigas funções. E conclui: “a presente crise (...), mais do que qualquer outra, crise de autoridade, e então, é do interesse dos industriais favorecer a restauração dessa autoridade, seja nas suas relações com os operários, seja na relação destes com os seus próprios dirigentes”.=º O Avanti!, de 27 de março, ataca violentamente a greve: Não se é obrigado a aceitar a batalha todas as vezes que o inimigo (...) a provoca. Parece

que, a este propósito foi bastante diverso o parecer dos dirigentes do movimento turinês, os quais vendo-se atacados, ao invés de deter o golpe, descobriram-se e, sentindo-se premidos pelos vizinhos — “depois de ter lançado ao inimigo mais provocantes injunções, tanto para fazer crer que o seu ato fosse diretamente o inicio da revolução explodindo em Turim, finalmente próxima ao comunismo — correram em volta, nas últimas horas, a buscar

ajuda com os menos fortes, os menos preparados entre eles. Enquanto negociavam na chefatura de polícia (...) faziam crer em outros lugares que estavam na vigília da insurreição para depois lançar sobre as costas capazes da direção do partido a responsabilidade insucesso que de fato não lhe toca”.2º

do

A isso se referia Gramsci quando falava que o PSI encorajava os adversários ao invés de combatê-los. Os operários voltam às fábricas mas fazem greve branca, permanecendo inativos em seus postos. À Lega hesita e avisa que, se a greve continuar até o dia 29, os regulamentos serão cumpridos.

A assembléia dos comissários de seção decide voltar a trabalhar exceto naqueles dois

estabelecimentos, se os capitalistas estiverem dispostos a negociar. Os industriais aceitam. Os operários voltam no dia 29, mas após uma greve branca, decidem em assembléia continuar a greve. Os industriais proclamam a serrata e se dizem dispostos a discutir com a Fiom, desde que os operários durante o período de trabalho não se comuniquem com as suas CI e que na fábrica a única autoridade seja a dos empresários e seus representantes. A força pública continua nas fábricas. A luta tinha sido minuciosamente preparada pelos capitalistas. A cidade é ocupada por milhares de soldados de todos os tipos. As associações estudantis, subsidiadas pelos industriais, armam-se ostensivamente, sob a vista grossa das autoridades. A luta é política, não há reivindicações econômicas: os operários respondem à serrata com uma greve geral da categoria de dez dias. No dia 1º de abril, a Fiom e os industriais chegam à um acordo inicial: a Fiom recua de qualquer tentativa de ampliar as atribuições das representações operárias em troca da não-aplicação dos regulamentos disciplinares. A Fiat não abre mão, contudo, de uma multa contra os operários das Acciaierie por terem estes entrado em greve antes das práticas regulares de conciliação. A seção turinense da Fiom pede o apoio ao Comitê Central da Fiom e à Câmara do Trabalho (CT). A direção operária da negociação passa ao deputado reformista Bruno Buozzi. Ela se prolonga. Os industriais propõem a manutenção da multa, ainda que reduzida à metade, e aceitam que as Cls tenham, no tempo em que estivessem ausentes do seu serviço o pagamento médio do valor das tarefas. A seção turinense da Fiom rejeita a proposta. E, com o apoio dos operários, decide-se pela continuação da greve. Essa decisão tem o apoio dos comissários de fábrica. Faz-se 229. Citado por Mário Abrate, La lotta sindacale nella industrializzazione in Italia. 230. Barbadoro,

EDMUNDO

1906-1926,

p. 262.

op. cit., p. 400.

FERNANDES

DIAS

263

então um referendo entre os operários inscritos na Fiom, À suspensão da greve é decidida por 6.191 votos contra 5.397, Os comissários, após discutir o resultado, se submetem, No dia 11, as partes se reúnem para redigir o documento que põe fim à greve. São trôs os problemas: a multa, a punição dos culpados e a regulamentação das Cls. Os dois pri meiros pontos são logo concedidos pelos industriais: tinham sido apenas usados para forçar a rendição. O outro é que era vital. Os industriais insistem em impedir reuniões das Cls com os operários durante o expediente. Os operários contra-atacam mostrando que os regue lamentos disciplinares, como os próprios industriais já tinham admitido, eram obsoletos, € que em muitas fábricas as Cls já tinham uma liberdade e uma amplitude maiores, o que tornará impossível a aceitação do retorno ao passado. Os industriais aceitam a reunião das Cls com os operários no período do trabalho, se os motivos forem prementes e se essas. questões não forem resolvidas entre os superiores imediatos e a CI. Os operários recusam, O chefe de polícia, chefe da arbitragem, propõe um prazo de um mês para que se faça à regulamentação. A comissão operária faz objeções à proposta e fala-sp em proclamar a greve geral. No dia 12 reúne-se a Amma. A questão é colocada com clareza: trata-se de impedir

que as Cls possam “andar livremente pela fábrica fazendo propaganda”?! e, por outro lado,

fazer com que os empresários sejam notificados dos contatos da CI com os operários. No dia seguinte, o chefe de polícia convoca a comissão industrial e os deputados reformistas Buozzi e Casalini, e mais o secretário da CT, para uma reunião conciliatória. A “parte” operária se diz sem mandato para tal. A greve geral em Turim, cidade e província, é decretada a partir do dia 13 até a resolução de todas as questões. Essa decisão pega de surpresa os industriais. A greve tem uma intensidade tal que a cidade “torna-se como que congelada por duas semanas”.2? Um mínimo de serviços públicos funciona restritamente (água, luz, bombeiros e pronto-socorro). Até mesmo as guardas municipal e fiscal fazem greve. À meia noite, os ferroviários paralisam o serviço, logo seguidos pelos telegrafistas. Os jornais diários deixam

de circular e a única folha informativa é o boletim do comitê operário de agitação. “Toda a cidade e a província estavam paradas e

operários parecia assediá-la”.=º

isoladas do resto do país; um exército de 120 mil

No dia 14, são 500 mil trabalhadores, das cidades e do campo, em luta; a greve é geral no Piemonte. A serrata é decidida pelos industriais. No momento em que a luta se generaliza, se bem que independentemente do movimento operário, entram em uma gigantesca greve os trabalhadores rurais de Novara, Asti, Pavia, Vercelim Voghera, Mortara e Casale Monterrato. Pouco depois, os de Biella e Alessandria. A luta não se unifica, ainda que os

dirigentes turinenses tenham proposto ligar as duas frentes, conduzindo assim a luta pelo

controle operário e camponês. Proclamada a serrata, os industriais se coordenam nacionalmente. A Amma

se reúne

no dia 15. Reunião assistida pela Conlindustria, pela Federazione Nazionale Sindacale della Industria Mecanica (FNSIM), e pela Lega. Decide-se que a FNSIM declararia a questão das

Cls de caráter nacional, envolvendo assim toda a indústria metal-mecânica, assumindo a FNSIM o comando da luta. Para fazer frente às despesas é proposta uma caixa-comum: cada industrial pagaria 100 liras por operário e 70 por operária e menor, garantindo-se tra231. Citado por Abrate, op. cit., p. 315. 232. Del

Carria,

op. cit., p. 106.

233. Abrate, op. cit., p. 266. 264

GRAMSCI

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tamento especial às empresas menores ou recentemente “sacrificadas” por greve, Quem não contribulsse seria expulso, Assim, cada empresa contribui com o equivalente de 2 a 2,5 salários operários/dia para esmagar a greve. Centraliza-se a direção do movimento, No dia 18, a Lega reúne-se para ouvir a proposta de Buozzi, Casalini e Chignoli, secretário da CT: reconhecimento das CIs e de sua liberdade de movimento dentro das fábricas du-

rante determinadas horas do dia e nenhuma punição contra os grevistas. Em troca: renúncia

da exigência operária do pagamento dos dias parados e das serrate. A questão dos CF sequer é mencionada. A contraproposta industrial coloca: manutenção das multas, volta das Cls ao modelo tradicional, a não extensão do movimento metalúrgico às demais categorias. Recusa discutir a questão dos CF e a possibilidade de pensar as CIs como órgão de controle. A proposta da Fiom estava em aberta contradição com o boletim do comitê de agitação que proclamava que o que estava em jogo eram “os ideais e os interesses mais vastos da classe trabalhadora para o futuro”. Neste mesmo dia em Alessandria, o conselho das ligas resolve entrar na luta ao lado dos operários. E em Vercelli a frente operária se estende aos campos: os braccianti entram em greve geral em luta pela renegociação dos contratos agrários. A organização capitalista fora eficiente e o “recolhimento compulsório” atinge a cifra de 9,5 milhões de liras, dos quais se gastam apenas 825 mil liras durante a greve. Para se ter uma idéia da importância do enfrentamento, os industriais gastarão na ocupação das fábricas, em setembro, apenas 515 mil liras. Jogaram-se, portanto, todos os trunfos. Durante a greve, a organização dos industriais substitui os poderes públicos. Cuida do aprovisionamento da cidade ao serviço dos correios, passando pela distribuição da eletricidade. Trata, acima de tudo, de fazer a contra-informação. Com toda essa atividade, os industriais passam da fase de pura resistência, guerra de posições, para a ofensiva, guerra de movimentos. Mudara a qualidade da luta. Diante do enrijecimento dos industriais cabia às forças operárias obter o apoio das demais regiões italianas. A “velha e prudente guarda reformista” da CGT — como exemplarmente a chama Abrate — esperava ansiosamente esse momento: era a hora de reduzir os “rebeldes turinenses” à disciplina. A CGT impede a ajuda das demais regiões. O PSI intervém no mesmo sentido. A Convenção Nacional do PSI tinha sido convocada para Turim,

mas é transferida para Milão. Os delegados turinenses são recebidos com hostilidade. O

Avanti! recusa-se a publicar o manifesto da seção turinense pedindo a solidariedade do proletariado italiano. Tasca fala em nome do comitê de agitação e solicita uma pressão nacional contra a “aliança entre industriais, agrários e governo”. Terracini vai mais longe: não basta a greve geral, é necessário romper o pacto de aliança e que o partido assuma o comando do movimento. Nesse mesmo momento em que o partido ajuda, pela sua omissão, a esmagar a luta pelos CFs, é aprovada a moção Sasdelli que coloca como objetivo de todas as seções do PSI “a precisa tarefa de iniciar a preparação dos órgãos soviéticos, tendo presentes as normas propostas pela direção que mantenham a harmonia entre o partido e as organizações econômicas”.”º Era a aprovação da proposta de projeto de constituição dos sovietes feita por Gennari, Regent e Baldesi, Ou seja, no momento mesmo em que se esmaga a experiência real, constróem-se fantasias. D'Aragona vai a Turim para “sepultar o morticínio”, declarando irrealizável a extensão da luta a todo o território nacional. Ele parte do suposto que não se deve tratar da extensão

das Cls à todos os setores industriais. Do lado patronal, Olivetti reafirma: “durante as horas de trabalho,

trabalha-se,

não se discute, e na fábrica só pode

existir uma

autoridade.

O

234. Citado por Del Carria, op. cit., p. 106 e Abrate, op. cit., p. 317. 235. Citado por

EDMUNDO

Del Carria, op. cit., p. 107 e Abrate, op. cit., p. 268.

FERNANDES

DIAS

265

poder na fábrica insatisfatório para CFs, conseguem, prira o declarado:

pertence ao empresário." Chega-se a um acordo, que é bastante os operários: se os industriais não conseguem acabar com as Cls e os no entanto, impedir sua função de controle nas fábricas. D'Aragona cum sepultara mais um capítulo da luta de classes.

SETEMBRO VERMELHO: À OCUPAÇÃO DAS FÁBRICAS Após a derrota de abril, o movimento operário reflui, mas não por muito tempo. Logo após ocorrem os incidentes do 1º de maio. Durante a passeata comemorativa, realizada pelos operários na Piazza Statuto, uma bomba e lançada contra policiais. A culpa é atribuída: pelo La Stampa, jornal giolittiano, aos anarquistas. Segue-se um tiroteio e o resultado é a morte de dois operários e o ferimento de trinta e três. Do lado policial morre um e seis são feridos. A Amma e a Lega não perdem tempo e começam a política de desgaste das forças operárias: abrem uma subscrição para os policiais “vítimas do dever”, subscrição que alcança 30 mil liras. Além disso doam ao chefe de polícia outras 100 mil liras para premiar aqueles que se distinguissem “no exercício de suas funções”. Além disso os empresários resolvem intensificar e aprimorar seus grupos de trabalho da greve dos ponteiros, em especial a ação de contra-informação e de propaganda. Fala-se em uma revista “educativa” e

em comitê de organização civil.

Mesmo derrotados, os operários seguem discutindo as questões econômicas e políticas. O comando do movimento de reforma dos contratos de trabalho passa à Fiom. Na reunião desta, em Genova, Bruno Buozzi, em seu informe sobre as condições de trabalho, propõe um conjunto de medidas: aumentos salariais variáveis segundo as condições da prestação do trabalho (tarefa, tempo) e fixação de salários mínimos; indenização por carestia; indenização de 75% caso o trabalho fosse suspenso por motivo de força maior; doze dias de férias anuais, pagas, sem que fosse permitido a transformação delas em dinheiro e continuação do trabalho; horas extras; utensílios e indumentárias por conta do patrão; regulamentação das Cls, das comissões paritárias e das relações entre as organizações; aviso prévio ou indenização por dispensa sem justa causa de seis dias para cada 3 anos de trabalho na empresa, etc. Tratava-se, na prática, da denúncia

dos contratos coletivos existentes.

Os operários dos Cantieri Aeronautici Ansaldo e de outras fábricas de aviões se opõem à construção de aeronaves para a Polônia, presumidamente para atacar a Rússia. Também o pessoal do gás, da luz e de serviços municipais ameaçam a greve. Esta é contornada. O problema maior para os industriais era a denúncia dos contratos de trabalho. Em fins de

junho “a conjuntura industrial se mantém boa e a

relativa rarefação da mão-de-obra permit(e)

às federações de ofício exercer sobre as empresas uma pressão tão forte, quanto sindicalmente correta, por melhoramentos contínuos".** Essa rarefação é tal que a Amma proíbe a seus associados aceitar a contratação de operários de uma fábrica por outra, para impedir que estes obtenham nessa concorrência salários mais altos. Do lado industrial existem outros problemas: o da provisão de matérias-primas e o programa tributário de Giolitti, que entre outras coisas exige a nominatividade dos títulos. Para os industriais isso era um confisco sobre seus lucros. Diziam que o combate ao descalabro financeiro do Estado passava pela reestruturação do equilíbrio comercial, pela diminuição

236. Citado por Abrate, op. cit, p. 318319. 237. Abrate,

op. cit., p. 325.

238. Abrate, op. cit. p. 281. 266

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do crédito público e privado, pelo controle do câmbio e pelo aumento dos custos de produção, Antes que a Fiom pudesse apresentar o Memorial Buozzi, os industriais se reúnem para fixar o que era aceitável. Para Agnelli (Fiat), o fundamental era o restabelecimento do trabalho e das disciplinas nas fábricas, embora para tal não se deva voltar atrás nas conquistas operárias, em especial a jornada de 8 horas. Já se sabia que a tática operária seria o obstrucionismo. Além da Fiom, portanto da CGT, participam também no processo as outras três centrais: a Unione Sindacale Italiana (anarquista), a Unione Italiana del Lavoro (nacionalista e depois fascista) e o sindicalismo católico. Isso trará dificuldades adicionais. Não só a luta entre as centrais facilitará o trabalho dos capitalistas, mas a diferença entre as prioridades de cada uma delas torna mais difícil o debate. Se do ponto de vista sindical as outras centrais acabam por uniformizar-se com a Fiom, duas reivindicações parciais complicam as negociações: os católicos insistem na participação no lucro das empresas e a USI não quer um acordo nacional, mas caso a caso, empresa a empresa, para aí fazer valer a gestão operária das fábricas. O conselho diretor da CGT, no mês de junho, reafirma que a participação nos lucros é uma manobra patronal contrária aos interesses operários porque vai contra “aquele controle geral sobre a produção e os produtos, para o qual tende (...) o movimento sindical”.=º A luta, no entanto, excedia o movimento sindical: mais do que o coroamento das reformas imediatas e garantia das conquistas sindicais, ela é o instrumento para dar à fábrica uma direção diferente e contrária à dos capitalistas. E essa luta só pode ser luta aberta, dado que no campo da produção e da apropriação nenhum compromisso é possível. Quando o memorial é entregue, inicialmente pela Fiom, e depois pelas demais centrais, a recusa dos empresários já está praticamente selada. Agnelli, partindo do suposto de um aumento médio de 40% sobre os salários anteriores, conclui que “pelas dificuldades do mercado, a incerteza do futuro imediato, e pelos novos agravamentos que as providências governamentais tinham prenunciado, as indústrias não estão em condições de conceder um tal aumento sobre os salários, para além das variações do custo de vida como já estava

estabelecido”.*º

As propostas operárias significam, na realidade, a denúncia dos pactos de trabalho vigentes. E, mesmo sem entrar no mérito da questão, os industriais convocam uma reunião conjunta com as organizações operárias para o dia 15 de junho. Pauta da reunião: condições reais da indústria. Surgia o primeiro problema: a Fiom exige uma reunião específica; o sindicalismo católico, defensor da participação dos lucros e do acionariato operário, e a UIL aceitam discutir em conjunto; quanto à USI, declarando “irredutíveis incompatibilidades teóricas, políticas e práticas”, em relação às demais, excluída a Fiom, não aceita a reunião conjunta. Os industriais se recusam a discutir quatro acordos com quatro entidades distintas que “representam” o mesmo operariado, e solicitam que estas se ponham de acordo para uma reunião no dia 29. No dia 29, os industriais tinham “demonstrado” que de novembro de 1919 a junho de 1920, os ganhos operários tinham sido superiores não só ao custo de vida, mas que sua condição tinha mesmo melhorado. E que a indústria não tinha condições de pagar mais, ainda que fossem justas as reivindicações. Reunidos a 1º de julho, os industriais chegam à conclusão de que o que podia ser aceito era uma indenização pelo custo de vida. E nada mais. 239. Citado por Barbadoro, op. cit., p. 385. 240. Citado por Abrate, op. cit., p. 284-285. EDMUNDO

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O obstrucionismo começa, sem maiores problemas, no dia 26 de julho, quase um més antes que o congresso extraordinário da Fiom o decidisse. Principalmente nas horas extras, A situação agrava-se a partir do dia 29. Os industriais decidem discutir separadamente as questões normativas das econômicas. As normativas seriam discutidas nacionalmente, enquanto as econômicas seriam debatidas regionalmente. Insistem em que pode-se apenas pensar em pagar a indenização pela carestia, e no referente ao obstrucionismo, interpelam, a Fiom, avisando que, se isso continuasse, os industriais seriam obrigados a reduzir ou o pessoal ou as horas de trabalho. Não se descartava a serrata. E, além disso, as negociações só seriam retomadas com o fim do obstrucionismo. Entre 10 e 13 de agosto, capitalistas e operários negociam em Milão. Depois das afirmações patronais sobre a crise e a desqualificação dessa argumentação pelos operários, se coloca a posição operária segundo a qual os industriais deveriam abandonar essa premissa e partir para o exame dos memoriais. Os capitalistas suspendem a negociação. Os operários são tomados pela surpresa, pois desde maio vinham as negociações, e agora, de repente, elas são suspensas. É então convocado para os dias 16 e 17 um Congresso Extraordinário da Fiom. No congresso, a Fiom reconhece a derrota e decide aplicar o obstrucionismo. O início dessa forma de luta estava marcado para o dia 20 e a sua adoção deveu-se ao fato de que permitiria “quebrar” a resistência patronal sem enfrentar uma greve longa para a qual não havia preparação. A surpresa está agora com os capitalistas. Divididos entre “duros”, que não querem ceder nada, e os que pretendem manter o diálogo, os industriais debatem suas posições.

E

O obstrucionismo cede lugar à sabotagem da produção, das máquinas e das ferramentas. O comando de luta passa aos operários comunistas, aos anarquistas e aos pequenos sindicatos da USI. Agnelli afirma existirem apenas três alternativas: fechar os olhos, reprimir os casos mais graves (reduzindo salários, demitindo, aplicando multas) ou partir para a guerra (a serrata). Reunidos na Amma, no dia 26 de agosto, os industriais decidem aplicar a serrata apenas onde os prejuízos fossem grandes. Agnelli havia informado que o obstrucionismo tinha causado graves prejuízos, pois a produção não é, sequer 10% do normal. A Societã Officine Nicola Romeo & C., de Milão, onde o obstrucionismo cede lugar à greve branca, e onde a direção da empresa não consegue mais exercer sua autoridade, proclama a serrata no dia 30 sem esperar os demais industriais. Os operários tomam todas as fábricas metal-mecânicas, passando assim à ofensiva. A ocupação das fábricas é uma tática nova na luta de classes. Até aquele momento, a classe, mesmo quando estava em luta, o fazia sempre na defensiva. Declaravam-se em greve, as fábricas eram ocupadas pelas tropas. Os operários dispersos nos seus bairros careciam de coesão. Turim é o mais célebre, mas não o primeiro episódio das tomadas de fábricas. A novidade turinense é a generalização das ocupações: são ocupadas seis fábricas de automóveis, seis de borracha e afins, uma de aviões, nove de carrocerias, 24 de confecções e calçados e 81 mecânicas e fundições, sete de fornecimentos militares. Total: 134 empresas ocupadas. Além disso sob o controle dos CFs estão 22 empresas químicas, 16 lanifícios, 36 cotonifícios e 47 empresas diversas (entre as quais oito de gás, elétricas e de transporte) e mais 43 tipografias controladas pela Federazione del Libro. Entre empresas ocupadas, geridas e controladas pelos operários, em Turim e região, estão 291 empresas. Quando a serrata é proclamada, as fábricas e as empresas são ocupadas. Os operários de vanguarda falam de “ocupação armada” e tratam de formar as squadre armatte ainda

o

Vencem os “duros”,

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que rudimentares,

Fabricar armas, realizar turnos de guarda, estabelecer a disciplina militar

entre os ocupantes. E manter a produção,

A CGT, em colaboração com Giolitti e os chefes de polícia, tenta impedir qualquer desenvolvimento revolucionário da situação. A Federterra,, reluta ligar o movimento dos assalariados do Vale do Pó ao movimento turinense. Os deputados socialistas-reformistas recusam-se a apoiar. Os industriais recusam qualquer compromisso e lamentam-se da inatividade do govemo. Quem lidera o movimento? Em Turim, grupos ligados ao Ordine Nuovo e a Hl Soviet; na Ligúria e no litoral tirrenaico, os sindicalistas da USI. Estes sofrem um grande golpe com a prisão da secretaria geral da central e a impossibilidade de realização do Congresso de Bolonha. Enquanto isso a cúpula socialista pensa que a ocupação será um instrumento para

“induzir os industriais a dar outros passos no sentido da solução”.**!

Giolitti percebe que não pode opor-se pela força a um movimento de meio milhão de operários armados, ainda que precariamente, e disposto a defender as fábricas. Seria um erro fatal obrigar a direção social-democrata a entrar na guerra civil, pois tem certeza de que ela fará o possível para contornar a situação. O binômio social-democracia/governo tenta cada qual “conter os seus radicais”. Giolitti assume uma posição formal de “não-intervenção”, mas cuida especialmente de manter os telégrafos, telefones, ferrovias e chefaturas de polícia sob o seu controle. Ele sabe que as massas seguem as lideranças reformistas e que sem um centro dirigente o movimento acabará por refluir. Os industriais, contudo, estão dispostos a ir até o fim. Os líderes reformistas tentam acabar com o movimento. O chefe de polícia afirma em telegrama: “O deputado Turati está preocupado não tanto movimento metalúrgico quanto possibilidade, se não se acelera resolução controvérsia, alargamento agitação conjunto operário outras indústrias, que nesse caso reputa perigosíssima”.*? Os industriais, percebendo a possibilidade revolucionária, decidem, dia 6 de setembro, só voltar a discutir questões econômicas, e só depois que a disciplina voltasse às fábricas. A ocupação se amplia, seja por necessidades objetivas da produção, seja por solidariedade. No final da primeira semana são 600 mil os operários que ocupam as fábricas. Mas a ocupação não pode ser permanente se o Estado e seus aparelhos permanecem nas mãos dos capitalistas. A situação parece madura para uma ligação com o proletariado rural e com os setores médios. O govemo prepara-se com um decreto de militarização dos ferroviários. Tanto os ordinovistas, quanto os bordiguistas e os sindicalistas da USI tentam a ampliação da luta a todas as fábricas. Os ordinovistas falam de concentrar a ação sobre “os meios de comunicação, os bancos, as forças armadas, o Estado” e pedem a constituição dos sovietes urbanos. Os bordiguistas, principalmente na Fiat-Centro, querem sair das fábricas para ocupar a cidade. Mas tudo permanece projeto. Falta liderança para realizá-los. A massa proletária segue ainda, como Giolitti sabia, as lideranças reformistas. O dia 9 de setembro é fundamental para as duas classes em luta. Os industriais se reúnem na Lega (todos!) e decidem protestar contra a omissão do governo. Exigem que as mercadorias produzidas pelas fábricas ocupadas não possam sair delas e “declaram que a retração da autoridade tolhe qualquer fé nos defensores das presentes instituições sobre a capacidade do governo de tutela das liberdades constitucionais e que se verão obrigados a suprir por sua própria 241. Citado por Del Carria, op. cit., p.

116.

242. Citado por Del Carria, op. cit, p. 116. EDMUNDO

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iniciativa aquela defesa que lhes é recusada"2º Nesse mesmo dia, estão reunidos em Milão o conselho geral da CGT com a direção do PSI, os “Estados Gerais” do proletariado organizado, na feliz expressão de Spriano, Também está presente o diretório do grupo parlamentar. Pautas como encaminhar a luta. A Fiom, diante do desenvolvimento da luta, propõe o comando para

a CGT, Esta propõe que a luta deve ser fixada no “reconhecimento por parte do patronato do

princípio do controle sindical da empresa”. Os maximalistas chegam à reunião sem qualquer proposta, presos ao seu imobilismo político. Os dirigentes sindicais, diante da impotência dos políticos, chegam mesmo a oferecer-lhes o comando da luta: “Acreditais”, diz D'Aragona, “que este seja o momento para fazer um ato revolucionário; bem, assumi a responsabilidade. Nós não podemos assumir a responsabilidade de lançar o proletariado ao suicídio; dizemo-vos que nos retiramos e apresentamos nossas demissões. Pensamos que neste momento é dever o

sacrifício de nossas pessoas; tomai a direção de todo o movimento”. A direção do partido abdica da tarefa. E o conflito é levado ao conselho nacional da CGT. A direção do PSI propõe a transformação da ocupação em invasão de todas as fábricas

e de todos os campos. Feita a votação, a “revolução” é derrotada: 591.245 votos contra, 409.569 a favor e 93.623 abstenções. O partido suspira aliviado.

No dia 11 de setembro, o mesmo da votação da “revolução”, os industriais estão divi-

didos. O setor têxtil tenta acordo com a Câmara do Trabalho. Nos dias seguintes, de 12 a 14, a Cofindustria parece caminhar para as teses da CGT do controle sindical. A Cofindustria, no dia 15, apesar da imensa resistência da Lega, da Amma, das associações da Ligúria e da Toscana e da Federazione Nazionale Laniere, acaba por aceitar a tese do controle sindical que é imposta por Giolitti. Giolitti convoca as “partes” a Roma para firmar o acordo. São concedidos aumentos salariais de 4 liras por dia, melhorias nas férias, indenização por carestia e por demissão.

Questões controversas como a impunidade ou não das “violações” cometidas durante a ocupação e o pagamento ou não do trabalho útil ficam em suspenso. Mesmo após o decreto e o acordo, os operários não se mostravam dispostos a sair das fábricas. A opinião corrente entre os industriais é que, superada a questão econômica, estava em curso a própria revolução, que ocorria diante dos olhos complacentes do governo. Antes, porém, da restituição das fábricas, a Fiom promove um referendo, a 24 de setembro, para saber se os seus associados estão a favor ou não do acordo. Referendo este que nas palavras de Abrate, era “profundamente anti-revolucionário”. A maioria operária vota a solução

reformista Giolitti-Buozzi-D'Aragona. Apesar disso, em Turim, permanecia ainda a possibilidade

de continuar a luta. A resistência dura até o início de outubro. Tanto as massas operárias quanto os industriais amargam um certo sabor de derrota. Os operários quase fazem a revolução. Os

industriais cedem muito mais do que querem. O governo e a liderança reformista ganham. Mas

é uma vitória de Pirro! Não se ganha o apoio da massa operária por que não existem condições de beneficiá-la. E também não se tem o apoio dos industriais que percebem os limites do

Estado liberal. Estavam criadas as condições do fortalecimento do fascismo. O coNTROLE

SINDICAL

A CGT propõe o controle sindical. Eis a sua posição: A CGT, examinando a questão da produção na Itália constatou que, para haver um aumento da oferta de produtos, absolutamente necessário para restabelecer o equilíbrio entre o

243. Citado por Abrate, op. cit, p. 332. 244.

270

La CGL nel sessenio

1914-1920,

Paris,

1937, citado por Barbadoro.

op. cit., p. 411.

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TURIM

consumo, bastante acrescido pelas ea produção, bastante diminuída

necessidades maiores e pelas novas condições de por vários coeficiontes ocasionados pela guerra;

vida, para

reduzir as importações e consequentemente facilitar o restabelecimento do curso normal

das trocas, e também para evitar que o conhecimento imperfeito das condições da indústria permita aos industriais afirmações sem controle, e aos operários exigências de melhorias que poderiam não ser aceitas, é necessário modificar as relações até agora mantidas entre empregadores e operários; de tal modo que estes últimos — pelos seus sindicatos — sejam investidos da possibilidade de conhecer o verdadeiro estado das indústrias no seu funcionamento técnico e financeiro, e que possam, pelos seus representantes de fábrica — emanação dos sindicatos — contribuir para a aplicação dos regulamentos, controlar a admissão e demissão do pessoal, e favorecer assim o desenvolvimento normal da vida da fábrica com a necessária disciplina. Para obter tal meta, a CGT considera indispensável proceder imediatamente à constituição de uma comissão de representação paritária, a qual estabeleça de modo particularizado métodos e modos de aplicação do princípio do controle das empresas.?5

Belo documento de administração da crise. Ao mesmo tempo em que ajuda a liquidar os CF, a CGT incorpora algumas das tarefas deles, reformando-as sob o controle dos sindicatos e na perspectiva da “legalidade industrial”. Ou seja, sequer se pensa em questionar a ordem capitalista. Este texto documenta a afirmação gramsciana, já vista, segundo a qual a burocracia sindical ao se transformar em magistratura da “legalidade industrial”, se converte em “demiurgo das classes em luta”. Mesmo no nível do discurso, transformara os CF em

“emanação dos sindicatos”.

Giolitti acede a tal desejo: O

presidente

do conselho

de ministros:

considerando que a Confederação Geral do Trabalho formulou o pedido de modificar as relações até agora existentes entre os empregadores e os operários, de tal modo que estes últimos, pelos seus sindicatos, sejam investidos da possibilidade de um controle sobre as indústrias, motivado pela afirmação de que com um tal controle, seu propósito conseguirá uma melhoria

nas relações disciplinares entre empregadores e empregados e um aumento

da produção, à

qual por sua vez é subordinada uma severa retomada da vida econômica do país; considerando que a Confederação Geral da Indústria não se opõe, por seu lado, a que seja feito o experimento de introduzir um controle por categorias de indústrias para os fins acima; o presidente

do

conselho

de

ministros

toma

conhecimento

deste

acordo

e decreta:

seja constituída uma comissão paritária formada por seis membros nomeados pela Confederação Geral da Indústria e seis pela Confederação Geral do Trabalho, entre os quais dois técnicos por parte, a qual formule propostas que possam servir ao govemo para a apresentação de projetos de lei com a finalidade de organizar as indústrias sob a base da intervenção dos operários no controle técnico e financeiro da administração da empresa. A mesma comissão, no prazo de oito dias, proporá normas para resolver as questões que possam surgir sobre a aplicação dos regulamentos e a admissão ou demissão da

mão-de-obra.

O pessoal retornará aos seus postos. Quando, porém, a presença na mesma seção ou estabelecimento de operários ou seus chefes seja tomada incompatível, uma comissão de dois membros designados pelos industriais e dois designados pelos operários, estabelecerá as medidas a tomar. Roma, O

19 de

presidente

setembro do

de

conselho

1920. de

ministros.

Ass: Giolitti"s 245. “Battaglie Sindacali”, 21/9/1920, reproduzido em Adolfo Pepe, Movimento operaio e lotte sindacali (18801922), p. 275. 246. Transcrito em

EDMUNDO

Pepe,

FERNANDES

op. cit., p. 275-276.

DIAS

271

Como dirá Pepe:*? “Naturalmente, depois da saída dos operários dos estabelecimentos,

tudo isso permanece letra morta”,

À ESQUERDA COMUNISTA NO PSI Dois Amadeo torno de LOrdine

grupos Bordiga Antonio Nuovo,

de esquerda vão se formando no PSI. Um deles se reúne em torno de e do jornal |! Soviet, fundado em 22 de dezembro de 1918, o outro em Gramsci, Angelo Tasca, Umberto Terracini e Palmiro Togliati e do jornal fundado a 1º de maio de 1919.

A posição bordiguista, a partir da qual ele forma sua fração de extrema esquerda, é o abstencionismo eleitoral. Já em março de 1917, no Avanti! ele combatia a presença dos reformistas no PSI. Trata-se de fazer com que o partido assuma a questão da revolução ao invés do gradualismo do PSI.

O grupo ordinovista está muito mais voltado para um trabalho de educação política. Vê

as eleições como momento pedagógico.

Em carta à Internacional (10/11/1919) Bordiga fala em fundar um partido verdadeiramente

comunista, cindindo com os reformistas. Em relação aos CF, como já vimos, a posição de Bordiga é absolutamente contrária. Apesar das diferenças entre os dois grupos, ambos fundamentam seus programas a partir da crítica de fundo contra todo o socialismo “burguês” encarnado no PSI e na CGT. Ambos buscam dar à classe operária uma nova direção revolucionária, contra o Estado burguês e a favor da instauração da ditadura do proletariado. Wl Soviet desde o início da sua publicação começara a colocar a questão da constituição de uma fração nacional no interior do PSI, graças à qual dentro de dois

anos se daria a formação do núcleo comunista. Sua negação absoluta e intransigente,

fundamento do seu sucesso entre as massas, fecha a porta a todas as alianças e a qualquer forma de colaboração com a burguesia. O L'Ordine Nuovo tem uma temática mais rica. Liga-se aos problemas concretos do operariado turinense e vê o processo revolucionário da classe de maneira mais original. Não coloca, contudo, a questão da constituição da fração e sua ação é puramente regi-

onal. Em 8 de maio de 1920, realiza-se em Florença uma reunião entre os abstencionis-

tas, os velhos expoentes do partido e os jovens da oposição de esquerda do PSI. A Internacional envia Carlo Nicolini (Nikolai Markovic Liubarski) como representante. Ele salienta a necessidade da unidade das forças de esquerda do PSl e de não apressar a cisão.

À Conferência Nacional da Fração Comunista Abstencionista comparecem:

Francisco

Misiano (pelos maximalistas de esquerda), Antonio Gramsci (L'Ordine Nuovo) e Gennari (direção do PSI). Assim, Bordiga ataca a proposta da Internacional pela unidade das “forças sadias” do PSI. Gramsci sustentará a necessidade de abandonar a restrita base do abstencionismo e congregar todas as forças revolucionárias. Bordiga discorda: o abstencionismo é uma garantia de pureza do movimento. Além disso ele não tem pressa e, mais do que isso, ele desconfia dos ordinovistas. Mais tarde, em julho, Bordiga, em Moscou, acaba por “aceitar” as pressões contra o abstencionismo programático e por uma fração comunista mais ampla. Para Gramsci, a situação não é tranquila em Turim. Mesmo entre os ordinovistas ele é minoria: Tasca tende a valorizar a CL e fazer os CF reentrar no controle sindical, Togliatti e

247. Op. cit., p. 274. 272

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Terracini estão mais próximos dos bordiguistas. Em agosto, a seção turinense cal sob o controle de Togliatti e Terracini, com o apoio de Tasca, Montagnana, Roveda (os eleitoralistas) que obtém 466 votos. Os bordiguistas (Boero, Parodi) ganham 186 votos. Quanto ao Grupo de Educação Comunista (Gramsci, Santhiã, Bianco e Viglongo) somam apenas 31 votos. Gramsci está bastante isolado. O refluxo dos conselhos coloca drasticamente a questão da organização da luta. O PSI e a CGT demonstram de uma vez por todas, serem incapazes de dirigir, ou melhor, não desejam, de forma alguma a via revolucionária. Tanto o L'Ordine Nuovo quanto o Il Soviet acentuam a disciplina e, principalmente, a disciplina em relação à Internacional Comunista. Em 29 de setembro o PSI delibera sobre as “21 condições” entre as quais está a expulsão dos reformistas. Terracini: “Não se pode ter dúvidas: a cisão à esquerda, além de afastar do partido núcleos compactos e amplos, terá profundas repercussões no seio do proletariado que segue o PSI por sua tática e seu programa extremista. Pelo contrário, a cisão à direita permanecendo difusa por todo o partido, muito superficialmente, não terá larga

influência na massa”.

Os reformistas formam uma nova fração, a “concentracionista”, que se unifica em outubro. Neste mesmo outubro, Bordiga abre mão do abstencionismo eleitoral e aceita fazer com Gramsci e Misiano uma plataforma comum. A seção turinense, em 6 de outubro, aprova moção no sentido de que “se empenha em aderir a toda iniciativa séria que seja tentada para construir uma forte fração que organize e guie o triunfo das forças comunistas no

próximo congresso”.**

O manifesto-programa bordiguista de Milão afirma a necessidade da disciplina e da centralização. Em 17 de outubro, Otavio Pastore e Palmiro Togliatti, expressam pelo Avanti! desacordos com a direção nacional e a intenção de ampliar a ação do V'Ordine Nuovo nacionalmente, como órgão da fração comunista, As tensões de Gramsci, por um lado, e Togliatti-Terracini, por outro, são bastante profundas. Na assembléia turinense que escolhe os candidatos às eleições administrativas de 31 de outubro e 7 de novembro são propostos os nomes de Gramsci e de Togliatti. Protestos na assembléia (pois Gramsci “fora” intervencionista) lembram que o PSI tinha recusado aceitar qualquer candidatura daqueles que, por qualquer modo, tivessem apoiado ou participado da guerra. Curiosa acusação, pois se “embravam” de um artigo de Gramsci, “esqueciam” que Togliatti participara na guerra como voluntário, apesar de dispensado nos exames médicos. “Esqueciam” também que Tasca fora convocado e partira para a guerra. E que, mesmo Terracini, que tinha sido preso distribuindo panfletos contra a guerra, lutara nela. Embora Togliatti e Terracini controlem a seção, nenhum dos dois defende Gramsci. E este, obviamente, não sairá candidato. A seção turinense está, nesse momento, dividida em três grupos: os “abstencionistas” (Parodi, Boero), os “comunistas eleitoralistas” (Togliatti, Terracini e Tasca) e o grupo de “educação comunista” (Gramsci, De Biasi, Bianco e Santhiã). Parodi, Terracini e Gramsci irão formar o comitê piemontês da fração unificada. A luta contra Serrati e os centristas nesta assembléia é duríssima. A moção vitoriosa exaltará os CF como instituição soviética da classe operária italiana; salientará que a formação do partido é um processo de conquista dos trabalhadores, que parte da fábrica e se estende aos sindicatos; e que é preciso lutar contra os que desvalorizam o partido. 248. Citado por Paolo Spriano,

Storia del Partito Comunista

Italiano, p. 84.

249. Idem, p. 89. EDMUNDO

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Realiza-se então a assembléia da fração comunista unificada em 28 de novembro na cidade de Imola. Fala-se de contatos com os centristas. Bordiga ameaça retirar-se. Chiarinl, representante da Internacional, salienta a necessidade de unidade da fração e afirma que: ela é o único ponto de apoio da Internacional na Itália. À fração aderem: ex-maximalistas de esquerda (Bombacci, Gennari, Misiano, ete.), O grupo ordinovista, a imensa maioria da Federação Juvenil Socialista. Precisam-se os objetivos

da fração: expulsão dos reformistas, constituição do PC, preparação da ação revolucionária

do proletariado, anulação do pacto PSI-CGT, subordinação dos sindicatos ao partido, ganhar os sindicatos para liberá-los do secretariado de Amsterdã e para fazê-los aderir à Internaci-

onal Sindical Vermelha e participação nas eleições.

O comitê executivo da fração é composto por Bordiga, Gramsci, Bombacci e Terracinl,

Em Livorno No mesmo momento em que Bordiga, Gramsci e outros caminham para a formação da fração comunista unificada, outras frações se formam. Os “concentracionistas” fundam a sua em Reggio Emília de 10 a 12 de outubro. Os “comunistas unitários”, maximalistas serratianos, se reúnem em Florença. E no dia 15 de outubro, finalmente se funda a fração comunista unificada. A 19 de dezembro Bordiga escreve no Il Comunista anunciando que caso sua Fração

seja minoritária em Livorno, a cisão será realizada. A direção do Avanti! rompe com a

seção turinense do jornal. E a 1º de janeiro surge o V'Ordine Nuovo, diário. 1921, janeiro. Chegamos a Livorno. Paul Levi representante do KPD, já no discurso de saudação declara ser favorável à expulsão dos reformistas: “Na Alemanha tivemos por muito tempo a unidade, tivemos por muito tempo o grande Partido Social-Democrata, e hoje maldizemos os assassinos que saíram desse Partido Social-Democrata. Existem momentos em que é necessário separar-se e tomar cada qual o próprio caminho. Existem na evolução de um proletariado momentos em que aquele que foi nosso irmão ontem não o é mais hoje,

não o será mais amanhã”.3º

Lazzari discursa: “Nós condenamos a violência como uma necessidade histórica, mas também como uma triste necessidade. Nós afirmamos ainda que existe uma violência inútil e mesmo nociva. (...) Esqueceste-vos que acima de nós deve planar um ideal mais alto de bondade e de fraternidade. Esqueceste-vos do espírito do socialismo”.*! Não há mais nada a comentar. Os concentracionistas (Turati, Treves, Prampolini, Buozzi, D'Aragona e outros propõem: a manutenção do nome do partido, a disciplina de ação (sic) e a expulsão dos “anarco-sindicalistas e maçons” (sic); são contra a ditadura do proletariado, coisa inconveniente aos “povos democraticamente desenvolvidos”, e o emprego da violência e dos meios ilegais na luta de classes. Os unitários (Serrati), dizendo aceitar as 21 condições, querem, no entanto, “entendêlas” a partir do contexto e da história italiana e dado que o PSI não ultrajou durante a guerra a bandeira socialista, não querem que os renegados de hoje ou de amanhã possam usar o seu nome, que é o único conhecido pela massa proletária. E propõem à Terceira Internacional que lhes seja concedido o direito de conservar o seu nome. Quanto aos comunistas (Bordiga, Gramsci, Gennari, Bombacci) querem o pleno acordo com as 21 condições 250. “XVII Congresso Nacional do PSI", Avanti!, Milão, 1963, p. |6. citado por Franco de Felice, Serrati, Bordiga, Gramsci e il problema della rivoluzione in Italia, p. 43. 251. Citado por Silvio Trentin, Laventure italienne, Lêgendes et rêalitês, p. 227.

274

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e com as decisões do 2º Congresso da Internacional, a exclusão dos reformistas e a anulação do pacto PSI-CGT. Robert Paris nos diz serem, na verdade, cinco e não três, as frações presentes: maximalistas (Serrati), reformistas (Turati), comunistas (Gramsci), comunistas puros (Bordiga) e uma fração comunista que permanece entre os maximalistas por oportunismo tático. A Internacional se faz representar no Congresso por Kristos Kabaktchief (búlgaro) e por Matias Rakósi (húngaro). Zinoviev escolheu e enviou esses “mensageiros da intransigência e do sectarismo”, como diz Paris. Ele quer realmente a cisão. E eles serão eficazes. Discursando no plenário, Kabaktchief diz: “A unidade do partido é uma fórmula equívoca: ela significa a unidade entre os comunistas e os inimigos do comunismo. Não há lugar para essa unidade no seio da Terceira Internacional. Os que querem permanecer na Internacional Comunista tem que grupar-se contra os reformistas."? Mas não foi apenas Kabaktchief e Rakósi; a mensagem de Zinoviev era explícita: “O congresso do vosso partido se reúne no momento em que a revolução bate às portas da Itália”.*º Feita a votação, no dia 21, os unitários (Serrati) obtêm 98.028; os comunistas (BordigaGramsci) recebem 58.783 votos e os reformistas (Turati) apenas 14.695 votos. Derrotados,

os comunistas

se retiram e fundam o Partito Comunista

d"ltalia, sezione

della Internazionale Comunista. Grande parte da Juventude Socialista adere. O partido nasce minoritário na classe operária: os reformistas tinham os quadros da CGT, das cooperativas, das municipalidades e o grupo parlamentar; os centristas tinham o aparelho partidário e o jornal diário. Essa posição minoritária é reafirmada pelo Congresso da CGT em Livorno (26 de fevereiro a 4 de março). Os socialistas têm aí 1.435.000 votos e os comunistas apenas 432 mil. Os turinenses chegam a Livorno subordinados a Bordiga. Sua unidade com Bordiga não é automática. Este, pressionado pela Internacional, a contragosto, tinha aceito a aliança com os “professores” de Turim. Ainda uma vez Gramsci é minoritário, mesmo entre os ordinovistas. No congresso de fundação do PCd'I ele vai ser novamente acusado de intervencionista. E novamente Togliatti e Terracini se calam. Só Bordiga o defende. Apesar de ser eleito para o comitê central, não o será para o comitê executivo. O CC será composto por oito bordiguistas (Bordiga, Grieco, Repossi, Fortichiari, Parodi, Polano, Sessa e Tarsia) e apenas dois ordinovistas (Gramsci e Terracini). O CE terá quatro bordiguistas (Bordiga, Grieco, Repossi e Fortichiari) e apenas um ordinovista (Terracini).

252. Citado por Robert Paris, Histoire du fascisme en Italie, p. 201. 253.

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