Gênero e língua(gem): formas e usos 9788523219932

"Tendo em vista a pluralidade de visões acerca da área, Gênero e Lingua(gem): formas e usos pretende fornecer uma a

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Portuguese Pages 347 [177] Year 2020

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Gênero e língua(gem): formas e usos
 9788523219932

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um frutrfero

diálogo feito em ,minhos de reflexão nas es ..•sociologia, antropologia, literatura, análise do discurso, :1, gramática - G~neroe t):formas e usos proporciona ersldade de material para s e curiosos no campo da studos de gênero e particularmente para ejam contribuições à sua ·a,bem como aprender e ,do dos trabalhos de reditamos que est~ Irar e contribuir para gêneros, sexualidades

a.

.A

GENERO E ,

LI NG UA'{ GE:M,;:) FORMAS E'USOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Reitor

Vice-reitor

Danniel Carvalho Dorothy Brito

Paulo Cesar Miguez de Oliveira

ORGANIZADORES

João Carlos Salles Pires da Silva

Assessor do Reitor Paulo Costa Lima

t·,.':'··· ,

.

EDUFBA

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Gênero e língua(gem) formas e usos

Diretora Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Nino EI Hani Cleise Furtado Mendes Evelina de Carvalho Sá Hoisel Maria do Carmo Soares Freitas Maria Vidal de Negreiros Camargo

'r'in

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o C A

P E S

SALVADOR

I EDUFBA I 2020

2020. Autores. Direitos dessa edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal. Grafia atualizada conforme. o Acordo Ortográfico em vigor no Brasil desde 2009.

da Língua Portuguesa de

1990,

SUMÁRIO

Capa e Projeto Gráfico Lúcia Valeska Sokolowicz Revisão Mariana Santos

7

Gênero e língua(gem}:

diferentes

práticas teóricas

Oanniel Carvalho, Oorothy Brito

Normalização Bianca Rodrigues

PARTE I GÊNERO E SOCIOLlNGuíSTICA/DIALETOLOGIA

Sistema Universitário de Bibliotecas - UFBA Gênero e língua(gem) : formas e usos / Danniel Carvalho, Dorothy Brito, organizadores .. Salvador: EDUFBA, 2020. 347 p. Programa de Educação Tutorial do Instituto Federal da Bahia.

21

sexual na pesquisa

sociolinguística

de Letras da Universidade

ISBN: 978-8S'232-1993-2

Sexo, gênero e orientação

Elisa Battisti, Samuel Gomes de Oliveira

43

As variáveis sexo/gênero

e indivíduo

em situação

de contato dialetal

1. Linguagem e línguas - Estudo e ensino. 2. Identidade de gênero - Brasil. 3· Sociolinguística. I. Carvalho, Danniel. 11. Brito, Dorathy.

Livia Oushiro

CDD - 401.9

67

Elaborada por Evandro Ramos dos Santos CRB-S/120S

Percepções de masculinidade associadas

EC..lI:EI:)

à concordância nominal de número

Ronald Beline Mendes

Editora afiliada à

ASOCIACION DE EDITORIALES UNIVERSITARIAS DE AMERICA LATINA Y El CARIBE

e femininidade

I••'

AssociaçAo Brasileira das Editoras Universitárias

Editora da UFBA

CBaL

95

Reflexões sobre lia fala

gay" no sertão de Pernambuco

Jamilys Maiara da Silva Nogueira, Oorothy Brito,

Cúm:u:a Bahienu do Livro

Renata Lívia de Araújo Santos 123

Inclusão, cooperação

e gênero

Raquel Meister Ko. Freitag, Josilene de Jesus Mendonça

Rua Barão de Ierernoabo Campus de Ondina

s/n -

40170-115 - Salvador - Bahia Tel.: +5571 3283-6164 www.edufba.ufba.br [email protected]

145

A presidenta

e a presidente

do atlas linguístico Nordeste,

- uma análise dos dados

do Brasil nas capitais das regiões

Centro-oeste

e Sul brasileiras

Élide Elen da Paixão Santana, Marcela Moura Torres Paim, Sandra Cerqueira Pereira Ptuáencio

PARTE " GÊNERO E DISCURSO 175

Estratégias

discursivas como elemento

performativo

de gênero e sexualidade

Diferentes práticas teóricas

Pedro Eduardo de Lima

205

e expressões de gênero em Mãe só há

Identidades

uma: reflexões

dialógicas

Oanniel Carvalho,

Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva, Raquel de Oliveira Meira

235

I

Textualidades profanação

Gênero e língua(gem)

bichas-loucas:

Oorothy Brito

língua menor e

em Copi e Perlongher

Helder Thiago Maia

Segundo Greville G. Corbett PARTE li'

I

p.

I,

tradução nossa), em sua intro-

dução a The Express af Gender, "gênero é uma categoria infinitamente

GÊNERO, GRAMÁTICA 279

(2015,

E INTERFACES

Predizibilidade substantivos

cinante".' Como apontam Santana, Paim e Prudencio neste volume, apenas

da marcação de gênero em no português

fas-

brasileiro

Y4 das línguas do mundo são consideradas

línguas de gênero, isto é, línguas

que possuem gênero gramatical ou algum tipo de classificação para essa categoria. Gênero gramatical ou linguístico possui uma relação evidente com

iuiz Carlos Schwindt

o mundo real, seja como expressão gramatical de uma realidade biológica 295

319

I

Individuação,

aspecto nominal e a função de gênero

e/ou social, seja como representação

e complexo. De acordo com McConnell-Ginet

Oanniel Carvalho, Oorothy Brito, Jair Gomes de Farias

gênero pode se referir a:

Sentenças panquecas no português

brasileiro

(2015,

p. 76, tradução nossa),

o complexo de fenômenos sociais, culturais e psicológicos ligados a sexo, um uso comum nas ciências sociais e comporta mentais. A palavra gênero também [...] tem um senso técnico bem estabelecido nas discussões linguísticas. Gênero, nesse sentido técnico, é uma classificação gramaticalmente significativa de nomes que tem implicações em vários fenômenos de concordância.'

Alane Luma Santana Siqueira, Marcelo Amorim Sibaldo, Adeilson Pinheiro Sedrins

339

de um fenômeno psico-sociocultural

nas línguas naturais

Sobre os autores

Texto original: gender is an endlessly fascinating category. 2

Texto original:

the complex

of social, cultural,

and psychological

phenomena

attached to

sex, a usage common in the behavioral and social sciences. The word gender also [...] has a well-established

technical sense in linguistic

discussions. Gender in this technical sense is a

I

7

Gênero como expressão gramatical é comumente associado a relações morfossintáticas de nomes e pronomes, geralmente estabelecidas através de concordância,

de acordo com a sua relação com o sexo. Essa abordagem

conhecido no universo discursivo. Em línguas com gênero gramatical, uma correspondência pode ser observada entre a classe gramatical de gênero de um nome e sua especificação lexical, Schwindt, em "Predizibilidade da mar-

para o estudo de gênero não é uma novidade e desponta como uma das pri-

cação de gênero em substantivos no português brasileiro" traz de forma mais

meiras vertentes do estudo da categoria, como apontam Carvalho, Brito e

consistente no campo dos termos de parentesco. Línguas como o alemão e o

Farias neste volume. Entretanto, essa categoria apresenta funções e nature-

português ilustram claramente esse comportamento.

zas distintas a depender do prisma pelo qual é observada. Como uma noção

e tia são femininos e Onkel e tio são masculinos e têm uma especificação le-

técnica na linguística, pode ser analisada, pelo menos, a partir de seu com-

xical como feminino e masculino, respectivamente.

portamento

uso dos pronomes correspondentes

gramatical, lexical, referencial e sociocultural.

É tradicionalmente

assumido que o gênero gramatical é uma propriedade

inerente do nome que controla a concordância satélites - isto é, que acompanham,

estabelecida com elementos

complementam

na sentença - que podem ser um determinante,

ou recuperam o nome

um adjetivo, um pronome,

um verbo, um numeral ou uma preposição. Mesmo os advérbios podem ser flexionados para gênero - o caso de muito/muita

3

e meio/meia no português

respectivamente

Nessas línguas, Tante Esses nomes exigem o

sie e ela (feminino) e er e ele (masculino),

para o alemão e para o português. Para termos sem gênero

lexical, como Individuum e indivíduo e Person e pessoa, a escolha pronominal é geralmente, mas não sempre, determinada

pelo gênero gramatical do ante-

cedente. (HELLINGER;BUgMANN , 200I; CARVALHO,2013) Tipologicamente, das terminologias

gênero lexical é um parâmetro importante de parentesco, termos de tratamento

e boa parte dos no-

brasileiro. O gênero nominal geralmente mostra apenas um valor, que é de-

mes pessoais comuns. No entanto, conforme apontado por Kramer (2009;

terminado

2015), o que é chamado de gênero lexical seria o resultado de um processo

por uma interação de regras de atribuição formal e semântica.

O debate tradicional

sobre gênero e língua usa esse termo geralmente

para relacioná-to com propriedades feminilidade

ou masculinidade

extralinguísticas,

como, por exemplo,

natural ou biológica. Assim, em uma língua

morfossintático McGonnell-Ginet

que depende da informação básica de uma raiz. Por sua vez, (2015) sugere que alguma coisa como gênero sociocultural

media a conexão entre sexo e a escolha dos pronomes e, menos diretamente,

como o português, nomes pessoais" comuns como mãe, irmã, filho e menino

entre sexo e as relações de concordância

são especificados

inglês, por exemplo. Gênero referencial relaciona as expressões linguísticas

lexicamente

como portadores das propriedades

semânti-

cas (feminino) e (masculino), o que pode, por sua vez, relacionar-se gênero referencial extralinguístico.

com o

Esses nomes podem ser descritos como

não linguística.

Mais especificamente,

de gênero em uma língua como o com a realidade

o gênero referencial identifica um

"específicos de/para gênero", em contraste com nomes, como testemunha e

referente como feminino, masculino ou independente

indivíduo ou estudante e paciente, que são considerados independentes

plo, um nome pessoal como o alemão Miidchen (menina) é gramaticalmente

de ou

neutro, tem especificação semântico-lexical

arbitrários para gênero. Tipicamente, mas-satélite

termos específicos de gênero requerem a escolha de for-

correspondentes

semanticamente,

como, por exemplo, prono-

de gênero. Por exem-

(feminino), e geralmente é usa-

do para se referir a mulheres. No entanto, uma expressão idiomática como

Miidchenfüsalles,

literalmente

"garota para tudo", "empregada de todo o tra-

mes anafóricos, ou no caso de nomes cujo gênero é indefinido, a escolha pro-

balho", pode ser usada para se referir a homens também. Neste exemplo,

nominal pode ser determinada

enquanto a metáfora parece neutralizar

por referência, por exemplo, um indivíduo

a especificação lexical de Müdchen,

uma mensagem de gênero é, no entanto, transmitida

para se referir a um

phenomena.

faz-tudo (masculino). Em línguas de gênero, uma relação complexa entre gênero gramatical

3

Apesar de não ser consensual se esse elemento é um advérbio real quando flexionado.

e gênero referencial é observada na maioria dos pronomes pessoais, com

4

Nomes pessoais aqui são aqueles que possuem o traço [+humano].

grammatically

8

na estrutura

I

G~NERO

significant

E L1NGUA(GEM):

FORMAS

classification

E usos

of nouns that has implications

for various agreement

GÊNERO E lÍNGUA(GEM):

DIFERENTES

PRÁTICAS TEÓRICAS

I

9

assimetrias típicas relacionadas ao gênero em pronominalizações e coordenações. Por exemplo, quando se faz referência a um determinado indivíduo conhecido, a escolha de pronomes anafóricos pode ser motivada referen-

as em mulheres/feminino e homens/masculino como tal, o que as pessoas entendem por gênero natural, mas do significado associado a essa divisão,

cialmente e, portanto, pode substituir

variedade de práticas sociais que sustentam

o gênero gramatical do nome, como

no alemão Tennisstar "estrela do tênis" (masculino)

... sie (feminino). Esse

fenômeno também pode ser observado em certas comunidades associando a escolha pronominal

ideológicos relacionados às comunidades. Gênero sociocultural

a elementos socioculturais

prescritas e reivindicadas essas instituições,

identidades. (MCCONNELL-GINET,1988) Essa perspectiva surge nos estudos linguísticos



ideologias e

como consequência

das

e

de 1960. No início dessa perspectiva, gua costumava restringir-se

(CARVALHO,2017)

é uma categoria que se refere à "dicotornia social-

a língua como desviante,

o campo de estudo sobre gênero e lín-

a descrever a forma como as mulheres usavam perspectiva

conhecida

como teoria do déficit,

mente imposta de papéis masculino e feminino e respectivos traços caracte-

(BERNSTEIN, 1964) ou teoria da diferença, (LABOV,1969) ou identificar va-

rísticos". (KRAMARAE;TREICHLER, 1985, p. 175) Os pronomes pessoais serão

riedade's linguísticas específicas para cada gênero. Essas práticas acadêmicas podem ser vistas como uma reflexão de um

especificados associadas

para gênero sociocultural

se o comportamento

das palavras

não puder ser explicado por gênero gramatical ou lexical. Uma

ilustração do gênero sociocultural

em inglês vem do fato de que muitos ter-

momento. em que o sexismo ainda era praticamente

inquestionável

pesquisadores

masculinos.

costumavam

ser quase exclusivamente

e os

A partir

mos ocupacionais de alto status, como advogado, cirurgião ou cientista, sejam

de Lakoff (1975), a discussão linguística acerca de gênero e língua alcançou

frequentemente

um nível mais sofisticado de tratamento

pronominalizados

no masculino em contextos em que o gê-

nero referencial não é conhecido ou é irrelevante. Por outro lado, os títulos

acadêmico. Seu livro Language and

Woman's Place teve um importante efeito de conscientização,

expondo o viés

ocupacionais

de baixo status, como secretária, enfermeira ou professora, são

sistemático contra as mulheres tanto na forma como a língua é usada, como

normalmente

pronominalizados

Contudo, mesmo para nomes humanos em geral, como pedestre, cliente ou

na forma em que as línguas são estruturadas. Teorias mais recentes tentaram mitigar as reivindicações

paciente, a prática tradicional prescreve a escolha do pronome masculino

mulheres e homens feitas pelas teorias linguísticas

no feminino nos mesmos contextos acima.

em contextos neutros. Uma vez que a maioria dos pronomes pessoais apre-

a sociolinguística

senta-se tendenciosamente

gênero como uma construção

pendentemente

masculina, parece plausível sugerir que - inde-

de uma língua ter ou não gênero gramatical - o "princípio"

Esse tipo de categoria de gênero é saliente em turco, por exemplo, que não possui variação pronominal

variacionista

para gênero. Muitas vezes, as associações

gênero linguistico, sões, conjuntamente

profundo. Por exemplo, o kuyumcu (vendedor de ouro) é lexicamente

inde-

siva do binarismo

finido para gênero, mas está invariavelmente

associado a referentes mas-

um vendedor de ouro cujo referente é uma

pessoa do sexo feminino também possa ser referido como kuyumcu. Por seu turno, gênero como representação

de um fenômeno sociocultu-

ral e psicológico complexo não é uma questão de divisão sexual de pesso-

I

G~NERO

E LlNGUA(GEM}:

FORMAS E USOS

como

(LABOV,1972) considerando

a ser estudada localmente

estritamente

o

e em

encontrar ma-

binário de construção de

(BING; BERGVALL,1996) ou fornecendo análises críticas

de discursos normativos de gênero. (BUCHOLTZ,2003) Todas essas discus-

mais

a gênero permanecem

culinos, embora, teoricamente,

linguística

gerais sobre

mais tradicionais,

práticas reais, (ECKERT;MCCONNELL-GINET,1992) tentando

ocultas em um nível semântico

relacionadas

quantitativa,

neiras de ir além de um pensamento

masculino é norma subjacente.

10

e às ideologias, às identidades

reflexões geradas nas ciências sociais com o movimento feminista dos anos

(ela, dela, sua) para referentes

sil, que fazem uso de pronomes femininos masculinos,

gays no Bra-

às instituições

2004),

com o influente trabalho sobre a construção normativo

abriram o caminho

de gênero de [udith Butler (1990, 1993, 1997,

para uma abordagem dos estudos de gênero e

língua que pode ser denominada

pós-estruturalista

pratica mais um uso inquestionável duas macro-categorias

discur-

na medida em que não

das noções de mulher e homem como

de base biológica autoexplicativas.

Ao mesmo tem-

po, o campo de estudos de gênero e língua foi ampliado para incluir discus-

GÊNERO E LíNGUA(GEM):

DIFERENTES PRÁTICAS TEÓRICAS

I

11

sões de desejo e/ou identidade sexual a partir de nomes como Baker (2008), Cameron; Kulick (2003), Campbell-Kibler e demais autores (2002), Leap e

papel em situação de contato dialetal, quando se lida com a fala de migranteso Nesse sentido, a autora contrasta, teórica e metodologicamente, os re-

Boellstorff (2004), Livia; Hall (1997), Mcilvenny (2002), Morrish; Sauntson

sultados de análises sobre a fala de 30 migrantes alagoanos e paraibanos residentes na cidade de São Paulo quanto a seis variáveis sociolinguísticas,

(2007) e Sauntson e Kyratzis (2007) - um aspecto que pesquisas

anteriores

com os resultados de estudos prévios sobre a fala de migrantes. (BORTONI-

tinham tratado apenas de forma implícita. Portanto, o estudo da relação gênero e língua(gem) é um campo diversificado e em pleno desenvolvimento,

que tem tanto apelo acadêmico quanto

popular. A virada linguística nas ciências humanas e sociais e o impacto do

linidade e femininidade

desenvolvimento

porta resultados de um trabalho desenvolvido com a técnica dos estímulos

contribuíram

da linguística

crítica e formal, e da análise do discurso,

para uma reformulação

das questões sobre gênero e língua(-

associadas à concordância

nominal de número", re-

pareados, sobre o efeito das variantes padrão e não padrão da concordância

gem). Tendo em vista essa pluralidade de visões acerca de gênero e da lin-

nominal em percepções acerca de falantes paulistanos

guagem humana é que Gênero e Língua(gem): formas e usos pretende forne-

soam mais masculinas ou mais femininas e em percepções acerca desses fa-

cer uma ampla visão de questões fundamentais

lantes como pessoas que soam gay ou não. Para tal, o autor aponta caminhos

acerca do tema, e pretende

como pessoas que

fazê-lo tanto em termos teóricos quanto práticos. Ele introduz conceitos e

para responder à questão de se as variantes de concordância

abordagens

cionam também como índices de significados

teóricas e ilustra e exemplifica as relações entre gênero e uso

da língua, examinando

as especificidades

das modalidades

da língua em

contextos específicos. Os trabalhos que resultaram neste livro são fruto de pesquisas desenvolvidas

nos últimos anos por pesquisadores

que, de forma

nominal fun-

sociais definidos com base

em noções de sexo/gênero, além de indiciar conceitos de classe, escolariza-

ção e paulistanidade,

entre outros. No quarto trabalho que compõe essa seção, intitulado

"Reflexões sobre

com o grupo de pesquisa A Sintaxe-Phi das

'a fala gay' no Sertão de Pernambuco", jamilys Maiara da Silva Nogueira, Do-

Línguas Naturais (Phina), sediado no Instituto de Letras da Universidade Fe-

rothy Brito e Renata Lívia de Araújo Santos procuram trazer algumas refle-

deral da Bahia (Ilufba) e coordenado pelo Prof. Dr. Danniel Carvalho.

xões acerca da fala empregada por um informante

direta ou indireta, contribuíram

Gênero e Língua(gem): formas e usos está dividido em três partes. A Parte I "Gênero e Sociolinguística/Dialetologia"

é composta por seis trabalhos desen-

volvidos sob os pressupostos teóricos metodológicos da sociolinguística dialectologia com um viés contemporâneo

e da

dos estudos de gênero. O primeiro

homossexual

masculino,

em três situações de fala diferentes. As autoras puderam verificar que o informante se utiliza de determinadas

adequações no seu uso linguístico, de

acordo com a situação de fala em que está inserido: no contexto ambiente de trabalho, por exemplo, ele apresenta um maior nível de monitoramento

da

trabalho, intitulado "Sexo, gênero e orientação sexual na pesquisa sociolin-

fala em relações aos outros dois contextos, que são a entrevista sociolinguís-

guística", de Elisa Battisti e Samuel Gomes de Oliveira, mostra a relevância de

tica e a conversa entre amigos. Dessa forma, as autoras concluem que o fator

considerar a distinção entre sexo, gênero e orientação sexual dos informantes

estilístico da fala está ligado à identidade ou identificação

nos procedimentos

tentativa de construir sua identidade

metodológicos tradicionais de amostragem e no estudo da

percepção e avaliação de uma variável sociolinguística.

A discussão é feita a

partir do estudo-piloto de Oliveira (2015) sobre o ingliding

(SÓ::SÓll,

café::cafw no

O segundo trabalho, "As variáveis sexo/gênero e indivíduo em situação gênero em estudos de variação linguística

G~NERO E LlNGUA(GEM):

FORMAS E USOS

e

no uso de Nota da gente ou de Nossa nota. Conside-

rando a avaliação do sentimento

o seu

um estudo

de percepção do viés de gênero quanto às diferenças sintático-discursiva semântico-discursiva

I

individual ou um traço particular de

distintividade. Em seguida, josilene de Jesus Mendonça e Raquel Meister Ko. Freitag, no

de contato dialetal", de LiviaOushiro, problematiza o papel da variável sexo/ e, mais especificamente,

do sujeito numa

trabalho intitulado "Inclusão, cooperação e gênero", apresentam

português brasileiro falado em Porto Alegre (RS).

12

-RICARDO, 20n; RODRIGUES,1987) Em seguida, Ronald Beline Mendes, em seu artigo "Percepções de mascu-

de inclusão do interlocutor

G~NERO E LÍNGUA(GEM):

na referência

DIFERENTES PRÁTICAS TEÓRICAS

I

13

das formas variantes e da classe social do público-alvo, as autoras objetivam analisar o efeito de gênero no uso das formas nosso (a) ou da gente em oito campanhas publicitárias. O último artigo da primeira parte do volume, intitulado "A presidenta e a presidente - uma análise dos dados do Atlas Linguístico do Brasil nas capitais das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul brasileiras", de autoria de Élide Elen da Paixão Santana, Marcela Moura Torres Paim e Sandra Cerqueira Pereira Prudencio, verifica o comportamento

linguístico de informantes

do

Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB)ao indicarem a forma feminina de presidente em seus usos variantes: a presidente e a presidenta. Os informanpara esse trabalho pertencem às capitais das regiões Nor-

tes considerados

deste, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Para a análise, o

corpus

foi constituído

por gravações de fala em áudio, recolhidas in loco, com base no Questionário Morfossintático

do ALiB,em 15 localidades. Os resultados apontam a prefe-

rência dos informantes

pela variante não flexionada em gênero a presiden-

te, embora a forma flexionada, presidenta, conste nos dados com expressiva quantidade de ocorrências. A Parte II "Gênero e Discurso(s)" é composta por trabalhos que abordam gênero não apenas em sua concepção linguística,

mas também discursiva.

É composta por três trabalhos. O primeiro deles, "Estratégias discursivas como elemento performativo

de gênero e sexualidade", de Pedro Eduardo

de Lima, procura, a partir de dados gerados em uma pesquisa anterior junto a integrantes estudantes

de um grupo de discussões, composto em sua maioria por

autorreferenciados

como homossexuais,

em uma universidade

pública no Centro-Oeste do Brasil, descrever de que maneira os participantes, ao empregarem

estratégias discursivas

performam identidades

na construção

de significados,

de gênero e sexualidade e como o emprego de estra-

tégias discursivas se relaciona a questões de poder/resistência construção

com base na

social de identidade. A análise das estratégias discursivas

pregadas pelos participantes

em-

sugere que o uso de pistas de contextualização

e controle interacional está ligado à forma com que identidades são co-construídas na linguagem.

de gênero

sonagem principal (Pierre) traz ao filme discursos e embates sobre a identidade e a expressão de gênero que circulam atualmente em nossa sociedade. Os resultados apontam para o fato de que a obra, embora abra espaço para o vivenciamento empático dos espectadores com diferentes personagens, mostra que Pierre, ao deslizar entre diferentes expressões de gêneros, é vítima de forças normatizadoras

diferentes daquelas que incidem sobre seus

interlocutores. Para finalizar a segunda parte deste volume, Helder Thiago Maia, em seu artigo "Textual idades bichas-loucas:

língua menor e profanação em Copi e

perlongher", discute a literatura dos autores argentinos Copi e Perlongher, a partir da ideia de que a produção literária dos dois autores faz parte de uma constelação de textos, de fluxos poéticos, que compartilham sibilidade de uma leitura desierarquizante sexualidades,

e não normativa sobre gêneros e

a partir de performatividades

fanam a heteronormatividade

textuais dissidentes,

que hegemoniza

faz uma leitura que, levando em consideração especialmente

entre si a posque pro-

o campo literário. O autor os aspectos formais da obra,

através da ideia de uma linguagem menor, não abre mão de

pensar os seus aspectos éticos, especialmente

através do conceito de profa-

nação e bichas-loucas. O livro é finalizado com a Parte III "Gênero, Gramática e Interfaces", cujos trabalhos discutem questões linguisticamente

mais formais sobre a catego-

ria gênero. O primeiro trabalho desta seção, "Predizibilidade gênero em substantivos

da marcação de

no português brasileiro", de Luiz Carlos Schwindt,

discute uma hipótese sobre a motivação para a crença de que palavras femininas terminam em a e masculinas terminam em o e de que há mais palavras masculinas do que femininas em nosso léxico, a partir de dados de pesquisa sobre marcação de gênero e classe temática em português brasileiro. Para o desenvolvimento

de sua análise, o autor discute a hipótese de que a expo-

nenciação da categoria

gênero

é menos impredizível na língua do que sugere

a literatura sobre o tema se observada da ótica de sua produtividade,

o que

explica em boa medida a crença dos usuários sobre seu funcionamento. O artigo seguinte, de Danniel Carvalho, Dorothy Brito e Jair Gomes de Fa-

Em seguida, Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva e Raquel de Oliveira Meira, em seu trabalho intitulado

"Identidades

e expressões de gênero em

Mãe só há uma: reflexões dialógicas", discutem como a construção

14

I

GÊNERO E LlNGUA(GEM):

da per-

rias, com o título "lndividuação,

aspecto nominal e a função de gênero nas

línguas naturais", discute, do ponto de vista interlinguístico,

a função da ca-

tegoria gênero, a fim de testar se tal função atesta a predição do Universal 36

FORMAS E USOS GÊNERO E líNGUA(GEM):

DIFERENTES

PRÁTICAS TEÓRICAS

I

15

de Greenberg. Para tal, os autores fazem uma contextualização histórica das abordagens - majoritariamente germânicas - de gênero e uma apresentação de dados de diversas línguas que demonstram que a distribuição das marcas

BUCHOLTZ,M. Theories of discourse as theories of gender: Discourse analysis in language and gender studies. In: HOLMES, J.; MEYERHOFF,M. (ed.) The Handbook ofLanguage and Gender. Oxford: Blackwell, 2003·

de gênero determina diferenças de perspectivização

p.43-68. BUTLER,J. Bodies that Matter: on the discursive fimits of 'Sex', London:

dos nomes.

Por fim, o artigo "Sentenças panquecas no Português Brasileiro", de Alane Luma Santana Siqueira, Marcelo Amorim Sibaldo e Adeilson Pinheiro Sedrins, encerra a terceira parte do livro. Os autores retomam discussões apresentadas na literatura acerca das sentenças panquecas - sentenças que não apresentam

concordância

truções predicativas de construções

de gênero morfologicamente

visível nas cons-

adjetivais -, que propõem a existência de dois tipos

panquecas nas línguas escandinavas

português brasileiro, argumentam

e, a partir de dados do

a favor de que nessa língua as estruturas

formas e usos proporciona

material para pesquisadores

Routledge, 1997· BUTLER,J. Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. NewYork NY: Routledge, 1990. BUTLER,J. Undoing gender. London: Routledge, 2004· CAMERON,D.; KULICK,D. Language and Sexuality. Cambridge: Cambridge University Press, 2003·

panquecas são também de dois tipos. Gênero e Língua(gem):

Routledge, 1993· BUTLER,J. Excitable Speech: a politics of the performative. London:

uma rica diversidade de

e curiosos neste campo, particularmente

aque-

CAMPBELL-KIBLER,K.; PODESVA,R. J.; ROBERTS,S. J. et aI. (ed.). Language and sexuality: contesting meaning in theory and practice. Stanford

les que desejam contribuir com sua própria pesquisa, bem como aprender

California: CSLI,2002.

sobre e apreciar os resultados dos trabalhos de áreas diversas. Esperamos

CARVALHO,D. S. À beira do pertencimento: filiação e autopercepção em comunidades de prática gays em Salvador, Bahia. In: SILVA,D. e.; PEREIRA, 1. F. M.; CASTRO,L. G. F. (ed.). Dissidências sexuais e de gênero nos estudos de

que este volume inspire e contribua para a continuação

da pesquisa sobre

gênero e linguagem humana. Para concluir esta apresentação, de agradecer profundamente

aos colaboradores,

gostaríamos

cujas excelentes contribui-

discurso. Aracaju: Criação, 2017·p. 31-49·

ções propiciam a ampliação e a difusão dos estudos sobre gênero.

CARVALHO,D. S. Algumas considerações sobre a morfossintaxe Estudos LinguÍsticos e Literários, Salvador, n. 47, p. 30-46, 2013·

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de gênero.

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2015·

16

I

G~NERO E LlNGUA(GEM):

FORMAS E USOS

G~NERO E LíNGUA(GEM):

DIFERENTES

PRÁTICAS TEÓRICAS

I

17

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18

I

G~NERO E lINGUA(GEM):

FORMAS E USOS

Parte I ;

GÊNERO E . SOCIOLINGuíSTICAI DIALETOLOGIA

Sexo, gênero e orientação sexual na pesquisa sociolinguística Elisa Battisti, Samuel Gomes de Oliveira

INTRODUÇÃO

Viver em sociedade implica produzir e perceber distinções sociais, algumas delas relacionadas

aos usos da linguagem. (BOURDIEU, 2015) A socio-

linguística variacionista

(LABOV,2008) mede os efeitos dessa diferenciação

social nos padrões linguísticos,

controlando

estatisticamente

grupos de fatores corno classe social, gênero e escolaridade

o papel de

na aplicação de

processos variáveis. Embora essa tradição de pesquisa tenha revelado aspectos expressivos sobre o componente

social da variação linguística,

sos abaixo do nível da consciência'

corno o de que proces-

se originam em estratos centrais da hie-

rarquia social, e de que as mulheres apresentam

mais altas frequências

de

uso de formas inovadoras do que os homens, (LABOV,2001) questiona-se desenho dos grupos de fatores em si, tanto na sociolinguística outras ciências humanas

o

quanto em

e sociais. Discute-se o fato de que as categorias

Labov ('994, p. 78, tradução nossa) define mudanças abaixo do nível da consciência, que implicam variação linguística, como "mudanças sistemáticas que aparecem primeiramente

no verná-

culo e representam a operação de fatores linguísticos, internos. No começo, e durante boa parte de seu desenvolvimento,

elas estão completamente

abaixo do nível da consciência social".

I

21

controladas na análise podem não corresponder à realidade que se almeja investigar, pois: tornam descontínuo um aspecto contínuo, como as classes sociais; (BOURDIEU, 2008) simplificam

dramaticamente

uma realidade

ladora que tenta uniformizar a identidade de gênero a partir de uma neterossexualidade compulsória naturalizada, em que se elege a heterossexualidade como norma. As ambiguidades e incoerências de práticas heterossexuais,

complexa, como o gênero. (SCHILLING, 20n) Este capítulo insere-se nessa

homossexuais

discussão. Trata do desafio de lidar com sexo, gênero e orientação sexual no

minino, intervêm, denunciam

estudo da percepção e avaliação de uma variável sociolinguística,

o binarismo

realização das entrevistas,

desde a

que envolve o registro, em categorias, de dados

do perfil social do informante,

até a repercussão

das classificações

adota-

e bissexuais, suprimidas

na estrutura binária masculino/fe-

e deslocam essas reificações. Questionando como definidor de gênero, sutíer (2017)

masculino/feminino

chega à noção de gênero performativo,

em que gênero é algo que se "faz" e não

algo que se "é". O próprio sujeito é um construto performativo,

no discurso e pelos atos que executa. Nessa perspectiva, é a repetição - esti-

das nos resultados estatísticos. Serão discutidas algumas etapas do estudo-piloto

de Oliveira (2015), sobre

lizada - dos atos que, a partir da materialização

do sexo, cria o gênero, que,

o ingliding (só::s~ café::caffJiJ no português brasileiro falado em Porto Alegre

sendo performativo, não é um dado da realidade que expressa ou exterioriza

(RS), com o objetivo de mostrar a relevância de considerar a distinção entre

uma essência, nem uma identidade

sexo, gênero e orientação sexual dos informantes

meto-

pela estilização do corpo, constitui, para sutler (2017, p. 242), a "ilusão de um

do banco

eu permanentemente marcado pelo gênero". segundo Butler (2017), portanto, não há uma identidade de gênero pree-

dológicos tradicionais

de amostragem,

nos procedimentos

se não para a estruturação

de entrevistas, ao menos para o registro do perfil social do informante. O capítulo inicia pela fundamentação atributo biológico a identidade

teórica, opondo sexo a gênero, ou

social, e gênero a orientação

última é percebida sociolinguisticamente gay" e pode ser alvo de lutas simbólicas

via estereótipos

sexual. Essa

como o da "fala

estável. O efeito de gênero, produzido

xistente pela qual um ato ou atributo de gênero possa ser medido. Se a realidade do gênero é criada mediante performances

sociais contínuas, a postu-

lação de uma identidade de gênero verdadeira, real ou original é uma ficção reguladora calcada em estruturas

que, como se mostrará, repercutem

da heterossexualidade

em alguma medida nos estudos de avaliação de formas linguísticas.

restritivas de dominação

compulsória.

possibilidades

SEXO, GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL Afinal, o que é sexo e o que é gênero? Sexo e gênero são variáveis distintas? Que fatores compõem essas variáveis? Butler (2017) problematiza

a identificação,

relativamente

corrente nas

ciências humanas e sociais, de sexo com uma realidade - e naturalidade

-

biológica e gênero com uma construção social. Sexo é uma categoria suspeita, segundo a autora, tanto pelos seus atributos quanto pela discriminação das características

- biológicas - que definiriam um ou outro sexo. Para ela,

não há como comprovar que exista um corpo físico anterior ao corpo percebido. Além disso, a aparente unidade que conferiria coerência ao corpo como sexuado pode servir a propósitos de fragmentação, nação sociocultural

restrição e domi-

e política.

Em relação a gênero, Butler (20I7) alerta para o fato de que sua reificação como categoria binária (masculino/feminino) é efeito de uma prática regu-

I

hierárquico.

de gênero que contestem

os códigos rígidos do binarismo

Para ela, tanto gênero quanto sexo, inscritos

existam possibilidades

materialmente produzidos,

E LlNGUA(GEM):

FORMAS

E USOS

têm

de poder. Embora, no espaço social, não

de escolha de gênero completamente

livres, há lugar

para intervenção nas estruturas de poder e na reificação do gênero como binário, a partir da subversão das expectativas de gênero. A problematização de sexo e gênero realizada por Butler (2017) assemelha-se à de Bourdieu (2012), para quem também as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculino

e feminino

são uma construção

social. Essa

diferença biológica entre os sexos é, para Bourdieu (2012), uma justificativa naturalizada

da diferença socialmente

engloba relações de dominação

construída

entre os gêneros, que

inscritas na objetividade - divisões objeti-

vas dos sexos - e na subjetividade, que organiza a percepção dessas divisões

PARTE I - GÊNERO E SOCIOLINGufTICA/DIALETOLOGIA G~NERO

e

é possível, com novas

no corpo em um conjunto de práticas, discursivamente relação direta com as assimetrias

masculinista

A autora defende que, no interior das

práticas de significação, a subversão da identidade

22

constituído

I

23

Para o autor, gênero interage com classe social e estilo de vida, e interfere

objetivas sob forma de esquemas cognitivos. Para Bourdieu (2012), o gênero tem apenas existência relacional, sendo produto do trabalho de construção teórica e prática: um gênero possui um corpo socialmente diferenciado do

justamente

gênero oposto - de um lado, há um habitus viril (não feminino) e, de outro,

percussões, por exemplo, no mercado de trabalho. Bourdieu

um habitus feminino (não masculino).

que a história deveria empenhar-se

Bourdieu

(2012,

p. 33, grifos do autor), ao tratar da construção simbólica

- de gênero -, vai além daperformatividade

o trabalho

de construção

não se reduz a uma operação

performativa de nominação que oriente representações, a começar pelas representações

estritamente re as

(o que ainda não é nada); ele se completa transformação

profunda

isto é, em um trabalho que impõe uma sobretudo

e duradoura

os sexuais,

de construção

dos usos legítimos

e tende a excluir do universo pertencer

e em particular

biologicamente

'perverso

polimorfo'

é - para produzir

do corpo

e se realiza em uma

e do factível tudo que se caracteriza todas as virilidades

e estrutu-

dos corpos (e dos cérebros),

e por um trabalho

definição diferencial

prática, do corpo,

do pensável

ao outro gênero inscritas

no

que, se dermos crédito a Freud, toda criança este artefato

ca independente,

ou interagindo

social que é um homem

viril ou

dera possível-

(2012)

acredita

em descrever e analisar a (re)construção (2017),

Bourdieu

(2012)

consi-

da ordem dos gêneros.

Os dois autores ressaltam a tendência à manutenção

da ordem social como

está _ gênero como categoria binária de dominação

-, mas não deixam de

chamar atenção para a possibilidade

de subversão no interior das práticas de

significação, ou do habitus, que deem visibilidade a possibilidades

de gêne-

ro para além da lógica binária masculino/feminino. Na esteira desses questionamentos, e em favor dos direitos daqueles que não se conformam à heterossexualidade

compulsória

ou à divisão social bi-

nária nas categorias homem viril e mulher feminina, movimentos buscando dar visibilidade a possibilidades

de gênero não hegemônicas.

desses movimentos

(2016),2

sociais vêm

pode ser encontrada

que se define como "um espaço colaborativo

que busca a inclusão da diversidade de gêneros através da língua" e que reúne representantes

ilegítimos, excluindo tudo o que não se conforma ao "homem viril" ou à "mu-

identidade, partindo da premissa de que "só quem sente pode definir".

(2012),

de um

trabalho incessante e histórico de reprodução e contínua recriação de estru-

de diversos gêneros e suas interpretações

categorias estão definidas da seguinte maneira: Identidade de gênero:

famílias, escola, Igreja, Estado.

com identificação. mem cisgênero,

A reprodução social dessas estruturas, de modo a manter a ordem do espaço social em que os "homens viris" ocupam posições superiores, é garan-

car com nenhum

tida pelo habitus que, para o autor, atua tanto nos esquemas de percepção

Sexo: É uma

quanto na ação dos agentes sociais, (re)produzindo

no ou intersexo.

estilos de vida defini-

transgênero,

característica

Orientação sexual:

sinais distintivos.

As condições de existência condicionam

o habitus que,

ligada à atração.

sendo constituído

de esquemas geradores de práticas e de percepção de prá-

xual, bissexual,

estilo de vida.

(DICIONÁRIO

2

I

E LlNGUA{GEM):

FORMAS

E USOS

mulher

cisgênero,

ho-

entre outres, e até não se identifi-

biológica.

Pode ser masculino,

femini-

É o que a pessoa sente por outra. Também

Uma pessoa pode ser homossexual, pansexual

está

heterosse-

etc.

.. , 2016)

Ver: httPs://www.artplan.com.br/trabalhos/afroreggae/dicionario-de-generos.

PARTE I - GtNERO G~NERO

se vê e se sente. Tem a ver

deles.

a classe e seus

O

É como a pessoa

Ela pode se enxergar

dos pelo conjunto de práticas classificadas que determinam

ticas, constitui

sobre a própria

Em seção destinada à diferença entre sexo, orientação e gênero, essas três

turas objetivas e subjetivas de dominação, de que fazem partes agentes sociais específicos, instituições,

No

no Di-

bólica e motiva violência simbólica contra os usos do corpo tomados como lher feminina". Essa violência é resultado, conforme Bourdieu

24

com classe social, tendo re-

embora custosa - uma transformação

cionário de gêneros social de natureza binária é resultado de uma construção sim-

uma dinâmi-

social dos princípios de visão e de divisão geradores dos gêneros e das cate-

Brasil, uma manifestação

uma mulher feminina.

o artefato

diretamente

gorias de práticas sociais. Assim como sutíer

de Butler: simbólica

em qualquer análise de classe, ou apresentando

E SOClOLlNGU[TlCA/DIALETOLOGIA

I

25

Nessas definições, cisgênero (homem ou mulher) refere-se à identidade de gênero conforme ao sexo de nascimento. Transgênero (binário ou não binário)," à identidade de gênero desassociada do sexo de nascimento. Um trans-

gênero pode ou não realizar cirurgia para modificação de seus órgãos sexuais. Já orientação sexual não é identidade de gênero, mas pode ter efeitos sobre ela em termos de distinção ou diferenciação social: homossexual é aquele que sente atração por alguém do mesmo gênero, heterossexual sente atração por alguém de outro gênero, bissexual sente atração por dois gêneros, pansexual sente atração independentemente do gênero. As combinações possíveis entre gênero e orientação sexual são, portanto, várias, mas orientação sexual e gênero são categorias diferentes: um homem (cisgênero ou transgênero) não deixa de ser homem, se assim se entende, por ser homossexual, por exemplo. Em relação à orientação sexual e às categorias identitárias de gênero, cabe

membros de uma comunidade

em relação a uma obediência às regras da

identidade; (iii) lutar pela abolição da identidade - a abolição da identidade implica abolição da propriedade da soberania, indo além de uma visão reformista de emancipação

na busca por um mundo em que haverá proliferação

de singularidades. A política queer/que

tem em Butler uma de suas defensoras, pode ser,

segundo Hardt e Negri (20I6), uma forma de política identitária mais claramente revolucionária

por vincular a política de gênero a uma crítica da iden-

tidade. Revelando as violências e subordinações

da heteronormatividade,

da

de gênero, a política queer propõe projetos de

homofobia e das hierarquias luta enquanto problematiza

e, assim, desestabiliza

as identidades

de gêne-

ro. Nessa perspectiva, o termo queer se define menos como uma identidade,

ressaltar o que Hardt e Negri (20I6, p. 356) afirmam sobre os movimentos

mas sim como uma crítica à identidade. Hardt ~ Negri (20I6) explicam que a terceira tarefa da política revolucio-

revolucionários

nária sobre as identidades,

alicerçados na identidade:

mos: a política revolucionária

"É este o enigma que enfrenta-

precisa começar na identidade, mas não pode

a de abolição da identidade, não tem o intuito de

destruir a diferença em prol de uma uniformização.

Pelo contrário, busca-se

terminar nela". Para os autores, existem três tarefas básicas que devem ser

a libertação e a proliferação de diferenças, para além do que termos como

executadas - simultaneamente

homem, mulher, homossexual

terrenos identitários: de, reapropriando-se

(i) revelar a violência da identidade

da indignação identidade

dentro dos

como proprieda-

dessa identidade - é preciso atacar a invisibilidade

violências identitárias nação, segmentação

- nos projetos revolucionários

para revelar as estruturas

hierárquicas

- de subordi-

podem conter. Nessa pers-

pectiva, faz sentido usar, em lugar de identidade, abarca multiplicidade

- em constante

Para os autores, identidades

singularidade, termo que

fluxo - e diferença, singularidade.

podem ser emancipadas,

mas somente singu-

de dominação usando a

laridades podem se libertar. As entradas em dicionários e listas colaborativas de gêneros e orientações

como arma na busca da liberdade - evitando tan-

sexuais não hegemônicas, aqui mencionadas, conferem visibilidade a grupos

e exclusão - que perpassam

para a rebelião contra as estruturas

subordinada

das

e heterossexual

to lutas multiculturalistas

e de reconhecimento,

a sociedade; (ii) avançar

por reduzirem a busca de

ou categorias que, em decorrência das estruturas

liberdade a um projeto de expressão e tolerância, quanto os nacionalismos

geralmente

que, em suas formações combativas contra estruturas de subordinação,

aca-

Revelam tanto identidades quanto a violência por trás das estruturas

dos

que originam essa violência. A busca pela nomeação de diferentes gêneros

bam reforçando a fixidez da identidade,

policiando o comportamento

despercebidos,

são socialmente

sociais de poder, passam

invisíveis. (BOURDIEU, 2008) sociais

e orientações sexuais faz parte de um processo de crítica, desconstrução

e

reconstrução das identidades de gênero que tem repercussão tanto na produ3

Enquanto os cisgêneros são de gêneros binários, os transgêneros

podem ser tanto de gêneros

binários (homem ou mulher) quanto não binários. Indivfduos de gênero não binário justamente

a necessidade de um padrão binário de gênero. Uma lista (em construção) de gê-

neros não binários pode ser encontrada no site Orientando (Ver: https:jjorientando.orgj).

Esse

site apresenta diversas listas, tanto para categorias de gênero quanto para orientações sexuais, com diversas possibilidades.

Para os gêneros não binários,

portador de qualquer gênero, como de gênero fluido demigênero

26

I

G~NERO

ção, quanto na percepção de distinções sociais.

negam

FORMAS

E

usos

como não

(que muda de tempos em tempos), como

(parte de um gênero), dentre (vários) outros.

E LlNGUA(GEM):

há quem se identifique

4

Hardt e Negri (2016, p. 80, grifos dos autores) definem queer como "palavra inglesa originalmente significando

estranho. esquisito, excêntrico e que, através de sobreposição com queen

(rainha), designando na segunda metade do século XX homossexuais masculinos afeminados e praticantes de transsexualismo,

passou a conotar transgressão da ordem heterossexual".

PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGU[TlCA/DIALETOLOGIA

I

27

Lidar com a variedade de gêneros e a possibilidade de sua combinação com orientação sexual é um desafio para o estudo sociolinguístico, que tem um de seus pilares em amostras representativas de fala, tradicionalmente constituídas a partir de entrevistas de homens e de mulheres. A questão é importante porque, se de um lado se busca transpor os limites do binarismo canônico, de outro se procura assegurar que os conjuntos comparáveis. Nosso envolvimento

com essa problemática

de dados sejam está relatado nas

seções que seguem, sobre um estudo-piloto

(OLIVEIRA,2015) que colaborou

para definir e aperfeiçoar os instrumentos

de coleta de dados da amostra

do LínguapoA, um acervo de entrevistas sociolinguísticas A VARIÁVEL LlNGuíSTICA:

O INGL/DING

em consntuícão.'

O ingliding não se origina de coarticulação,

estrutura de contorno intrínseca ao fone vocálico, conforme Clements e Hertz (1996). Gera ditongos centralizados

cos. pode ser o efeito de marcação de limite de frase entoacional. (BATTISTI; OLIVEIRA,2014) Embora não ocorra em proporção significativa

no estudo-piloto

de vogais tônicas, ou a transformação

de Oliveira (2015) é o ingliding

dessas vogais em ditongos por centra-

lização de sua porção final, de que resulta um glide centralizado, OLIVEIRA,2016, p. 15) como representa a Figura 1.

(BATTISTI;

- aplica-se na proporção

de 9,5%, conforme Oliveira (2016) -, o ingliding é estereótipo

do português

de Porto Alegre - imitado por pessoas de fora da comunidade

- e marca-

dor social - compõe um estilo. (BATTISTI, 2013) Nos termos de Silverstein constitui-se

sujeito a constante A variável contemplada

perceptíveis de oitiva apenas quando o in-

gliding ocorre em conjunto com alongamento vocálico. Em termos prosódi-

(2003), o ingliding

DE VOGAIS TÔNICAS

(BATTISTI,2013) mas de uma

sociada a categorias

como um índice de segunda ordem, pois está

reinterpretação macrossociais

e conta não apenas com indexação as- local de residência,

classe social -,

mas também com indexação da avaliação social dos falantes sobre o seu emprego. (OLIVEIRA, 2016) Um dos significados

sociais no campo indexi-

cal do ingliding o associa à fala gay, associação muito possivelmente

evoca-

da pela afetação, peculiar também ao estilo de grupos da vanguarda cultuFigura 1 - Centralização

vocálica

de ingliding, com exemplos

no processo

ral - "descolados" - e de classe social mais alta - "refinados".

VOGAIS

. 1

Anterior Alta

Central

CLASSIFICAÇÕES NA IDENTIFICAÇÃO

Posterior

CONFERINDO VISIBILIDADE

u fie]

Média-alta

Média-baixa

o

preciso-precinllso

O estudo de Oliveira (2015) colaborou na testagem de instrumentos

[ee] -> tetras-teantras

a constituição do LínguaPOA. Um desses instrumentos

[EU]

-+

dessa-denllssa

vista - doravante apenas Ficha. Nela registram-se dados de identificação

[oe]

-+

negócio-lIcgónllcio

informante

[oc]

->

foda-fonflda

A formação

do LínguaPOA é um dos objetivos

social na comunidade jeto foi desenvolvido

(nome, endereço, data de nascimento,

[ue] -> indlísfrin-indtínllstria

infância, residiu, reside no momento). A Figura

do

sexo/gênero, orientação profissão, ocupa-

locais em que passou a mostra o começo da pri-

meira versão da Ficha, testada por Oliveira (2015).

do projeto Variação fonético-fonológica

de fala de Porto Alegre, coordenado pelo CNPq junto à Universidade

2

para

foi a Ficha de Entre-

sexual, estado civil, etnia, origem dos pais, escolaridade,

Fonte: adaptado de Battlstí e Oliveira (2016, p. 16).

5

AO INViSíVEL

ção) e localidades relevantes (local de nascimento,

a

Baixa

-->

DO INFORMANTE:

pela Prof." Dr." Elisa Battisti.

e classe O pro-

Federal do Rio Grande do Sul CUFRG5) de

2015 a 2019 O acervo contempla quatro áreas geográficas da cidade, dois bairros em cada área, três grupos etários, três nfveis de escolaridade, dois sexos/gêneros.

28

I

G~NEROE LlNGUA(GEM):FORMASE usos PARTEI - MNERO E SOCIOLlNGufTlCA/DIALETOLOGIA

I

29

Figura 2 - Categorias "sexo/gênero" de Entrevista do LínguapoA

e "orientação

sexual"

na primeira

versão da Ficha

não seja critério de estratificação,

orientação sexual é informação de perfil

social que auxilia na discussão e interpretação FICHA DE ENTREVISTA Entrevistador:

_

Data: __

__

dos resultados, e na avaliação

das categorias em si. A inclusão de orientação sexual na Ficha implica distinguir tecnicamen-

_ __

te gênero de sexualidade, embora se reconheça que, no espaço social, possa

Ideurlflcaçüo 1. NOUJe: 2. Endereço (rua, n", bairro, zona):

_

haver interdependência

_

lidade, resultantes

3. Data de nascimento:

_

homossexuais

4. Sexo/Gênero:

_

dade" por destoarem

5. Orientação sexual:

_

6. Estado civil:

_

7. Enua:

_

8. Origem dos pais (cidade, bairro):

_

9. Escolaridads

._-----------

mulheres e homens

podem não ser percebidos como mulheres e homens "de verda lógica homem viril e mulher feminina. (BOURDIEU,

quem enxergue gênero e sexualidade como imbricados e inter-re-

lacionados, conforme ressalta Levon

o que os faz conceituar sua sub-

(20I6),

jetividade - e a dos outros - dessa maneira. A inclusão de orientação sexual subjetividade. No estudo de percepção e avaliação do ingliding no português falado em

U Nenhuma ( ) I" a 4' série do Ensino Fundamental / Primário

compulsória:

na Ficha permite que o informante represente, em certa medida, sua própria

(assinalar se completo ou em curso):

'----

2012)8 Há

entre percepções de gênero e percepções de sexua-

da heterossexualidade

_-_ _- __

.._ ..

..

...

...

Porto Alegre, (OLIVEIRA, 2015) oito foram os participantes,

Fonte: acervo LínguaPOA ([201-]).

-alegrenses - um do sexo masculino

nativos porto-

e um do sexo feminino para cada uma

das quatro zonas da cidade (central, norte, leste e sul).? Já no preenchimen-

o item

4 - sexo/gênero

gistrar informações amostra,

- da Ficha (Figura 2) não serve apenas para re-

de perfil do informante.

que busca comparabilidade

geral, consideram

pressuposto

da

com acervos similares." Esses, em

a categoria 'sexo' e dividem os informantes

e mulheres. O LínguaPOA contempla "sexo/gênero",

É critério de estratificação

em homens

a mesma categoria, mas a denomina

não apenas pela atualidade

do termo,' mas também

pelo

de que, em termos sociais mais amplos, os porto-alegrenses

to da Ficha, antes da aplicação do teste de percepção e avaliação, ver seção "Efeitos da classificação reação dos informantes dade - os participantes

certamente

pria orientação

características

biológicas de homens e mulheres. No entanto, o LínguaPOA

que ele abertamente

o projeto

Variação Linguística na Região Sul (VARSUL), por exemplo, contemplou 'sexo' em sua

Freitag (2015, p, 29) afirma que, "tanto em estudos sociolinguísticos

quanto em bancos de

entrevistas, 'sexo/gênero' é o termo mais frequentemente empregado, em geral na distribuição dos informantes em duas categorias, homens e mulheres ou masculino e feminino".

30

I

G~NERO

E LlNGUA(GEM):

FORMAS

E

na

e o item 5 "orientação

com 'masculino'

8

heterossexual

não se deve ao desconhecimento

com tranquili-

ou 'feminino',

sem

etc", Esse tipo de reação

do participante

de sua pró-

sexual, mas ao fato de essa não ser uma informação construa

classificações

oriente percepções e interpretações

Ao abordar tal interdependência

com

sociais, embora tacitamente

das práticas cotidianas. É o que sugere

entre as percepções de gênero e sexualidade, Levon (2016,

p. 178) afirma que "essa interdependência

do Brasil (Porto Alegre foi um deles), divididos em dois grupos etários e três níveis de escolaridade. Ver: http://www.varsul.org.br/. 7

preencheram

a diferença

hesitar -, o item 5 gerou dúvida: "O que eu respondo aqui?" O pesquisador

sociais - de gênero - em masculina e feminina a partir das

amostra-base: reuniu entrevistas de homens e mulheres de diferentes municípios da região Sul

para o item 4 "sexo/gênero"

teve que explicar: "homossexual,

operem com uma visão dicotômica de gênero no espaço social, polarizando

6

dos resultados",

sexual" chamou atenção: enquanto o item 4 foi respondido

as identidades

dá um passo além: registra "Orientação sexual" (Item 5 da Ficha). Embora

na interpretação

não implica que gênero e sexualidade sejam a mesma

coisa; tampouco significa que não haja motivos convincentes para distinguir os dois construtos". 9

A concepção da cidade em quatro zonas respeita a divisão municipal para a circulação do transporte coletivo e coincide com a ideia dos porto-alegrenses sobre áreas da cidade. Há um mapa dessa divisão, ver: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/Cs/usujmg/regioes_atendimento_cores.jpg).

usos PARTE I - G~NERO

E SOCIOLlNGU(TlCA/DIALETOLOGIA

I

31

a réplica de um participante ao esclarecimento fornecido pelo pesquisador: "Até isso [es]tão perguntando agora!". A Ficha foi, então, revista, e os esclarecimentos antes fornecidos verbal-

III

mente pelo pesquisador, incluídos na Ficha na forma de alternativas. É o que se vê no item 6 da Figura 3, que traz o começo da Ficha em sua segunda versão.

1I

à orientação sexual (EDWARDS,2009), essas podem não ser captadas pelas categorias, por mais que nos empenhemos em refiná-Ias; (b) como bem alerta sourdieu. (2008) a busca por categorias precisas, representativas, e a substituição de emblemas e estigmas do senso comum, como também dos princípioS práticos do juizo cotidiano, por critérios controlados e fundados na lógica científica podem tirar lugar de representações

I

Figura 3 - Categorias "Sexo/Gênero" e "Orientação sexual" na segunda versão da Ficha

buam para produzir o que elas descrevem e designam, isto é, que produzam atos de percepção e de apreciação, de conhecimento

de Entrevista do Língua POA

I

FICHA DE ENTREVISTA Entrevistadorfa):

_

N" LínguaPOA:

I

--

parte dos informantes. Assim, apesar de consistir em procedimento categorias claras para os pesquisadores,

Data:

que de fato contri-

e reconhecimento

por

de pesquisa inovador, com

capazes de contribuir

para a dis-

cussão de resultados de futuras análises de variação com os dados do Lín-

Identíílcação 1. Nome do(a) entrevistado(a):

guaPOA, a inclusão de orientação sexual na Ficha não se afigura como a so-

_

lução definitiva para questões de gênero na amostragem.

2. Endereço (rua. n", bairro, zona): 3. Contatos (telefone, e-mail):

_

4. Data de nascimento:

_

5. Sexo/Gênero:

_

6. Orientação sexual (assinalar):

U Homossexual

U Heterossexual

U Bissexual

U Pansexual

As categorias não

têm total respaldo na lógica da prática cotidiana, por isso são desconhecidas dos informantes de sexualidade

que - ainda - não operam abertamente

na vida em sociedade.

com distinções

Esse fato, relacionado

a disputas

simbólicas em torno do tema, tiveram efeito nos resultados alcançados pelo Fonte: acervo LínguaPOA([201-

estudo-piloto

D.

Mesmo com a inclusão das alternativas, o item 6 seguiu gerando dúvidas,

EFEITOS DA CLASSIFICAÇÃO NA INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Oliveira (2015) utilizou duas técnicas de pesquisa no estudo de percep-

agora em relação às categorias propostas (O que é pansexual? Qual a diferença entre bissexual e pansexual?). Ou seja, o aperfeiçoamento liou a minimizar incertezas, oferecendo ao informante

na Ficha auxi-

um ponto de partida

ção e avaliação do ingliding

(SÓ::SÓ8,

café::caftIl.) no português de Porto Alegre

no Rio Grande do Sul (RS), a de estímulos pareados" (LAMBERTet al., 1960)

para a resposta, mas as categorias elencadas não são de amplo domínio pú-

e a de mapas desenhados.

blico. Além disso, o conjunto de alternativas pode ter deixado de lado deno-

presente capítulo são os da técnica de estímulos pareados, parte dos quais

minações necessárias e eventualmente

serão apresentados

outras possibilidades

de orientação

Em nossa avaliação do aperfeiçoamento cem destaque: (a) embora reconheçamos nilidade e masculinidade tradicionais

10

Uma lista de possíveis nomenclaturas lista-de-orientacoes/

I

na Ficha, dois aspectos merea necessidade

ao longo de um continuum,

e assim expressando

(PRESTON, 1989) Os resultados relevantes para o

aqui. Os estímulos

foram gravados por dois porto-ale-

grenses, um homem M(masc) e uma mulher F(fem), ora com ingliding, ora

sexual para além das quatro listadas.'?

32

de Oliveira (2015).

de lidar com femirevendo dicotomias

nuanças de gênero relevantes associadas

pode ser encontrada em: http://orientando.org/listas/

sem ingliding. Os oito participantes

responderam

a um questionário

questões: (1) de respostas organizadas em diferenciais semânticos de 5 pontos, sendo 1 equivalente

11

Matched-guise

a pouco e 5 a bastante; (2) de respostas em caixas

technique, também comumente traduzida como 'técnica dos falsos pares'.

.

PARTE I - GENERO G~NERO

E LlNGUA(GEM):

com dois tipos de

FORMAS

E usos

E SOCIOLlNGuITICA/DIALETOLOGIA

I

33

de seleção, com características pessoais das quais os informantes podiam escolher quantas achassem relevantes. Apenas parte dos resultados das questões tipo (r), com respostas em diferenciais semânticos, será aqui abordada. Essas questões e as alternativas

de resposta fornecidas

"Para você, o falar dessa pessoa é": Agradável, Feminina/Masculina,

Formal, Amigável,

N° e.

mais periférico, 2

foram submetidos

ao teste-t de amostras em pares com o

softwate SPSS,12do qual foram extraídos os valores de significância sentados nas tabelas. Embora a quantidade

o teste revelou dados interessantes

significativos, significância

Consideram-se

3 4

5

dos

6

que, mesmo quando não

7

a significância

indicam fatores que podem estar influenciando

e a avaliação dos informantes.

apre-

pequena de dados e a natureza

da pesquisa - percepção e avaliação - comprometesse

significativos

Sexo

Zona

M

sem ingliding

com ingliding

Central

4

5

F

Central

4

3

M

Norte

5

5

F

Norte

5

5

M

Sul

5

5

F

Sul

5

4

.

M

Leste

5

4

F

Leste

5

4

4,86

4,28

8

a percepção

Médias

os valores de

Significância

inferiores a 0,05.

Para a maioria dos informantes, o estímulo com ingliding é percebido como típico de Porto Alegre - principalmente

DE M (MAS C)

INFORMANTES

Ter sota-

Bairro mais central.

resultados,

CLASSIFICAÇÕES

da

Masculino

Escolarizada,

Porto-alegrense,

que, Ter amigos; (LC) "Essa pessoa deve morar num": Bairro

Os resultados

-

(inteligível/claro),

(r.b) "Para você, essa pessoa parece": Extrovertida,

Prestigiado; Inteligente,

Confortável

foram: (r.a)

Tabela 1 _ Resultados para o questionário de percepção e avaliação do estímulo M(m ). Os valores do informante 1, sombreados em cinza, foram desconsiderados asc 'lise (média e significância)

1

0,03

Fonte: adaptado de Oliveira (2015, p. 368).

do bairro Bom Fim, bairro da zona O informante

central da cidade. Os fatores formal e ter sotaque revelaram-se estatisticamente

I,

homem cisgênero, foi o único informante

homossexual

significativos: o falar com ingliding foi associado ao de pessoas menos formais

no estudo-piloto.

e com sotaque. Além disso, os demais resultados de Oliveira (2015) mostram

terossexuais. A maioria desses classificou o estímulo M(masc) com ingliding

que o estímulo com ingliding é associado principalmente

como menos masculino. Já para o informante

a pessoas desencana-

reveladores.

do fator masculino

Mostraram-se

sideraram-na

um informante

de M(masc) foram

o falar com ingliding

(informante

ou igualmente

masculina.

o falar com ingliding

é percebido como pouco masculino (r ou

2

é mais

avaliação

na escala se-

=

mântica de 5 pontos). Vale dar atenção ao único informante que considerou

a

os demais con-

o estímulo com ingliding como mais masculino, o informante 1. Na Ficha (primeira versão, ver Figura 2), o informante r preencheu "Orien-

Se desconside-

tação sexual" com a palavra gay. Indagado pelo pesquisador

no teste-t (significância

de M(masc) como mais masculina,

menos masculina

rado esse informante

para o estímulo

não significativos

0,197), isso porque somente

emissão com ingliding

I,

masculino. A diferença entre as médias é pequena, e em nenhuma

das, descoladas e preguiçosas.

Os resultados

Os demais, homens e mulheres cisgênero, eram todos he-

r) considerou

(linha sombreada na Tabela r), os resultados

passam

a ser significativos.

homossexual?", o informante "homossexual"

I

"por que não

respondeu que preferia essa nomenclatura

a

por uma posição política. Tal afirmação sugere que o infor-

mante conhece questões associadas a gênero e orientação sexual, já que faz

12

Statistical

Package for Social Sciences, pacote de programas estatísticos empregados em ciências

defesa de uma classificação aparentemente

menos isenta ou neutra do pon-

to de vista científico. Seu posicionamento

parece sugerir a separação entre

masculinidade/feminilidade

e orientação sexual, o que, por seu turno, justi-

humanas e sociais (ver: www.spss.com).

34

I

I

PARTEI- GÊNEROESOCIOLlNGuíTICA/DIALETOLOGIA35 G~NEROELlNGUA(GEM): FORMASEusos

CONSIDERAÇÕES

fica a discrepância da resposta dada em relação aos outros sete informantes, que associaram ingliding a menor masculinidade. E que relação pode haver entre ingliding,

masculinidade

A GÊNERO E ORIENTAÇÃO

e orientação

pode ser relacionado,

conforme Oliveira (20I6), a características

pessoas que fizeram parte de um movimento jovem de efervescência tural em um período pós-ditadura

de cul-

militar que, nos anos I980, teve o Bom

Fim como palco. (FILME..., 20IS) Aflorava, nos participantes

SEXUAL EM PESQUISAS

SOCIOLlNGuíSTlCAS

sexual? Associado ao bairro Bom Fim de Porto Alegre (RS), o falar com ingliding

FINAIS: PERSPECTIVAS DE ABORDAGEM

desse movi-

A divisão de seres humanos em categorias como sexo e gênero não é uma questão trivial. Embora a grande maioria das pesquisas estratifique os informantes em masculino efeminino,

sociolinguísticas

tal divisão binária da so-

ciedade não é consensual e vem sendo cada vez mais problematizada. Ao lidar com variáveis sociais, o sociolinguista

precisa tomar decisões importantes

a

mento, um caráter crítico, urbano, de inovação cultural e de busca por li-

respeito dos informantes

berdade em diversas formas de expressão. O bar Ocidente, localizado

cluem a necessidade de esclarecer o que se entende pelas categorias macros-

coração do Bom Fim e considerado

importante

para o movimento

no

por ter

sociais consideradas

que irão compor sua amostra, e essas decisões in-

na pesquisa. É por isso que questionar a definição de

aberto suas portas aos artistas locais, teria surgido, conforme registros do

sexo e gênero é uma etapa essencial tanto na tomada de decisões a respeito da

Filme Sobre um Bom Fim (20IS), dirigido por Migotto, como um espaço de tendo sido

estratifica5ão da amostra, quanto na análise dos resultados obtidos. A Ficha de Entrevista, testada por Oliveira (20I5) em questionários

de

por pessoas de dife-

percepção e avaliação, é agora utilizada nas entrevistas sociolinguísticas

do

diversidade

sexual em uma época de repressão e preconceito,

considerado

um bar gay que passou a ser frequentado

rentes orientações Assim, ingliding mossexuais,

sexuais.

LínguaPOA. Os informantes,

não é prototipicamente

uma variante associada a ho-

mas a gama de significados potenciais no campo indexical da

nessa pesquisa sociolinguística

la, que busca constituir uma amostra representativa estratificados

pela variável sexo/gênero,

de larga esca-

da fala da cidade, são

o que permite a comparabilidade

variante fornecem motivação para que ela seja ligada à orientação sexual, o

com outras amostras, como a do projeto Variação Linguística na Região Sul

que tem efeitos na concepção de masculinidade:

(VARSUL).No entanto, para essa e outras pesquisas sociolinguísticas,

relaciona-se com a persona

do movimento jovem dos anos I980 que, se não é homossexual, não é conservadora

a ponto de defender a heterossexualidade

Os resultados do informante

I,

como norma.

portanto, impõem a necessidade de ir além da

categoria binária homem/mulher

ou masculino/feminino

na análise: para quem se declara abertamente masculinidade

na amostragem

é distinta e a avaliação das formas linguísticas, Mesmo assim, dão peso à inclusão de orientação

cha de Entrevista. Além disso, apontam para a importância mentos de pesquisa - entrevista sociolinguística, ao informante

também.

a pergunta: por que ainda manter o termo "sexo" na denominação

cabe

"sexo/gê-

nero"? Se, conforme sutler (2017) e Bourdieu (2012), mesmo a categoria sexo é um construto social, qual a serventia de preservar o termo? A menos que se queira fazer um estudo sobre diferenças

que possam

existir entre os diferentes sexos enquanto categorias biológicas reificadas, manter essa categoria significa excluir informantes

transgênero da amostra.

com poucos

Afinal, o que um transgênero

sexual na Fi-

não está de acordo com sua vivência de gênero? As respostas "mulher trans"

de, nos procedi-

por exemplo -, conceder

espaço para afirmar sua singularidade,

lativos a gênero e orientação sexual.

e

homem e gay, a concepção de

Os resultados de Oliveira (20IS) são os de um estudo-piloto, informantes.

ao menos

abordando temas re-

pode registrar na Ficha se seu sexo biológico

ou "homem trans" encaixam-se

no par binário tradicional,

mas deixam de

fora transgêneros não binários. Em uma amostra estratificada por gênero que considere categorias binárias, não há qualquer impedimento

para a participação de transgêneros

nários. Descartar dados de informantes

transgênero

sob o pressuposto

bida

busca pelo protótipo masculino ou feminino é fechar os olhos para a realidade, o que se configura como um contrassenso

em pesquisas interessadas

PARTE I - G~NERO

36

I

G~NERO

E LlNGUA(GEM}:

FORMAS

E USOS

E SOClOLlNGufTICA/DIALETOLOGIA

I

37

na análise da correlação entre língua e sociedade. Da mesma forma, faz-se necessário interpretar resultados a partir da problematização dessa categoria. Nesse sentido, incluir, no roteiro de entrevista, um tópico denominado

te, a opção de um espaço aberto para o informante

parece contemplar

me-

gênero parece um bom caminho para gerar dados que possam ser analisados

lhor as singularidades. orientação sexual pode fornecer informações para análise dos dados, in-

na perspectiva dos indivíduos. Assim como o roteiro do LínguaPOA dá conta,

clusive dos resultados relacionados

hoje, de explicar resultados motivados pela diferença entre informantes

de

receria ser assunto abordado na entrevista. Nesse sentido, não apenas fun-

que se

damental é entender a diferença entre orientação sexual e gênero - mesmo

uma zona da cidade que sempre viveram nessa zona, e informantes

a gênero, razão pela qual também me-

mudaram para outra zona, também o roteiro, ao incluir gênero como tópico,

que sejam categorias percebidas por alguns como interdependentes

teria o potencial de explicar possíveis diferenças entre um sujeito que sempre

compreender

se entendeu como de um gênero e um sujeito que passou boa parte da vida

seja, que não há uma única comunidade

como de um gênero e, no momento da entrevista, entende-se como de outro.

lésbica, hétero etc. Nesse sentido, o pesquisador precisa estar consciente da

Em relação aos gêneros não binários, novamente um roteiro de entrevista que abarque questões de gênero poderá sugerir onde encaixar o informante

diferença entre o estereótipo e o que os dados gerados atestam. A esse respeito, Levon (2016), retomando estudos anteriores, afirma que

caso seu gênero não binário seja parte "masculino" ou "feminino", ou assim

muitas pesquisas assumem, mesmo que implicitamente,

o esteja no momento da entrevista. Esse esforço, é claro, não tem o objetivo

dade da prática linguística de gays e héteros, o que os faz analisar tais prá-

de tornar binário o gênero do informante,

ticas como um resultado natural da identidade sexual dos falantes. O autor

dados para a análise estatística,

mas apenas de compatibilizar

a ser problematizada

os

e analisada conside-

que as pessoas não se limitam a suas orientações

defende um deslocamento,

-, como sexuais, ou

- e um modo único de ser - gay,

uma homogenei-

no foco das pesquisas, de identidade para práti-

rando esse aspecto. Tanto os resultados de rodadas estatísticas quanto a aná-

cas sociais, de maneira a não considerar a sexualidade como categoria está-

lise das práticas por meio das entrevistas podem trazer respostas para a rela-

tica. Examinando

ção entre o emprego de determinadas

materializam na linguagem, é possível compreender,

variantes e o gênero dos informantes.

Além disso, nada impede o pesquisador

de buscar por mais informantes

gêneros não binários, se não para incluir na amostra estratificada

de

de fala,

Entende-se, portanto, que não oferecer categorias para que o informante preencha sua informação

as diversas maneiras pelas quais desejo e sexualidade se

de gênero, respeitar sua singularidade

(2016), como as pessoas negociam o desejo a fim de apresentar

tidade psicológica distintiva e como funcionam

e confor-

gênero _ em prol da singularidade

medidas de pesquisa adequadas, dando espaço para que o informante

to tornar a amostra estratificada

ça a resposta que bem entender. Se há transformação

forne-

nas categorias utiliza-

das pelos agentes sociais, as pesquisas sociolinguísticas,

mesmo as de larga

Compatibilizar

as categorias

E se há um movimento de reivindicação por nomenclaturas

que diferen-

representativa

os dados de maneira a entendê-Ios

explicações fixas para o uso das mesmas. Assim, mesmo que a amostra, por sua natureza, se utilize de categorias binárias de gênero, tal decisão requer olhar atento do pesquisador,

separado de gênero e orientação sexual para preenchimento

dadas estatísticas é uma especificidade

daqueles

que não têm certeza sobre o que responder, mas deixa de fora possibilidades

das práticas dos agentes sociais. É o

bem como sua análise crítica dos resultados,

os responsáveis

formante. Dar opções de orientação sexual facilita o preenchimento

e inclusiva, quanto analisar

como correlações entre variáveis, e não

cia sexo, gênero e orientação sexual, faz sentido incluir na Ficha um campo por parte do in-

por esclarecer que considerar masculino/feminino

E lINGUA(GEM):

FORMAS

E USOS

nas ro-

da análise que precisa ser problema-

tizada, na busca de explicação tanto para padrões de variação, quanto para aquilo que foge aos padrões. Isso só é possível quando se consideram as prá-

PARTE I - G~NERO G~NERO

inovadora de

em lugar da identidade -, é preciso tan-

explicação por meio da consideração

para a análise estatística é papel do pesquisador.

I

uma iden-

as ideologias sociais e lin-

dos indivíduos. Em suma, na busca por uma perspectiva sociolinguística

mar-se à ideia de que gênero não deva ser tomado como categoria fixa sejam

escala, precisam abarcar essas transformações.

de acordo com Levon

guísticas acerca da sexualidade e da identidade que limitam a agentividade

para comparação de resultados com a mesma.

38

que não estejam abarcadas nas opções fornecidas. Nesse sentido, novamen-

E SOCIOllNGufTICA/DIALETOLOGIA

I

39

ticas dos agentes das variáveis.

sociais

pesquisados,

na busca

É o que sugere Eckert (2012) quando

dos sociolinguísticos

em três ondas

e ressalta

dagem complementar

entre as mesmas,

e englobando

estilística

a prática

ciais da variação Tal análise

partindo

dos sujeitos

a divisão

a importância

de estu-

de uma abor-

de estudos

de larga escala

em busca dos significados

so-

de duas formas,

implica,

bem como a consideração mas como um construto

sem dúvida,

Partir da identidade

requer certo aprofundamento

se de dados linguísticos.

ECKERT, P. Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of variation. Annual Review of Anthropology, PaIo Alto, v. 4I,

p. 87-100,

2012.

EDWARDS, J. Language and identity.

Cambridge:

Cambridge

University

de trabalho

em busca da singularidade em teorias

esse e outros

não como

social que pode ter mais

um maior volume

para os

dos agentes

sociais para uma boa análi-

Se o que se quer é avançar

ção entre língua e sociedade,

de gênero

na compreensão

desafios

precisam

da rela-

ser encarados.

Press,

2009.

FILME sobre um Bom Fim. Direção e Roteiro: Boca Migotto.

complementar, e estática,

sociais

propõe

sociais

linguística.

variável binária

pesquisadores.

pelos significados

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life.

PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGuíTICA/DIALETOLOGIA G~NERO

E LlNGUA(GEM):

FORMAS

E USOS

I

41

As variáveis sexo/gênero e indivíduo em situação de contato dlaletaf Livia Oushiro

INTRODUÇÃO

o objetivo

deste capítulo é o de discutir o papel da variável sexo/gênero

em estudos de variação linguística e, mais especificamente,

o seu papel em

situação de contato dialetal, quando se lida com a fala de migrantes. A variável é, certamente, uma das mais analisadas em estudos da Sociolinguística Variacionista, uma vez que a obtenção de amostras balanceadas quanto ao sexo do falante é tarefa relativamente simples. (MILROY;MILROY,I997 apud CHESHIRE, 2002) Entretanto, não é sem problemas a interpretação de resultados de análises de correlação entre essa variável e determinada

variável sociolin-

guística - como, por exemplo, a concordância nominal, a realização de /r/ em coda silábica, a altura das vogais pretônicas etc. Uma das dificuldades reside no fato de que normalmente as amostras se baseiam em um critério biológico - o sexo do falante -, mas as interpretações devem levar em conta elaborações culturais atribuídas a papéis sociais desempenhados

por indivíduos de gêne-

ros diversos, que vivem em comunidades específicas. (CHESHIRE,2002) Não é raro, contudo, deparar-se com análises sociolinguísticas o

que conferem a uma

presente capítulo é fruto do projeto de pesquisa "Processos de acomodação dialetal na fala

de nordestinos residentes em São Paulo", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).Ver: Oushiro (2016).

I

43

suposta "sensibilidade feminina" o fato de que as mulheres tendem a favorecer as formas consideradas "de prestígio" dentro de uma comunidade, uma explicação de cunho essencialista que faz tábula rasa dos diferentes papéis sociais desempenhados comportamento

por homens e mulheres e da ampla variação que se verifica no linguístico de diferentes indivíduos.

O estudo da fala de migrantes pode trazer novos questionamentos.

Em si-

- possivelmente,

maior do que aquilo que normalmente

praticamente

de seu local de origem quanto aqueles cuja fala

não se distingue dos padrões da comunidade

anfitriã.

Nesse sentido, aqui se discutem os resultados de análises sobre a fala de 30 migrantes alagoanos e paraibanos

residentes

lo quanto a seis variáveis sociolinguísticas

resultados de diferentes modelos estatísticos, em discussão com resultados prévios de estudos sociolinguísticos sobre a variável sexo/gênero. Conclui-se o texto com as consequências

de tais modelos para a interpretação

do

se

vê na análise da fala de não migrantes -, desde falantes que mantêm amplamente os traços linguísticos

análises de correlação. Os resultados de análises sobre a fala de migrantes da presente amostra são reportados na sequência; nelas, são contrastados os

papel da variável em estudos variacionistas.

tuação de contato dialetal, observa-se uma variada gama de comportamentos linguísticos

tanto, permitem uma melhor avaliação do papel de diferentes variáveis em

na cidade de São Pau-

que são, em princípio, diferen-

A VARIÁVEL SEXO/GÊNERO EM ESTUDOS SOCIOLlNGuíSTICOS Diversos estudos sociolinguísticos

que incluem a variável sexo/gênero

na estratificação de uma amostra de fala verificaram uma relação recorrente entre essa variável social e diferentes variáveis sociolinguísticas: mas consideradas

as for-

"padrão" ou "de prestígio" tendem a ser favoreci das por

falantes do sexo feminino, enquanto as variantes consideradas

"não padrão"

ciadoras de variedades geográficas brasileiras, tanto no que tange à divisão

ou "estigmatizadas"

entre "falares do Norte" e "falares do Sul" (NASCENTES,1953)quanto ao con-

mens.' Por um lado, tal recorrência é indubitavelmente

tínuo rural-urbano

bora tal correlação não seja, em absoluto, uma regra que se aplica a todas as

(BORTONI-RICARDO,20II): (i) e (ii), a altura das vogais

médias pretônicas /e/ e /0/ (como em relógio e romã); (iii), a realização de (-r)

comunidades,

tendem a ocorrer mais frequentemente

na fala de ho-

digna de nota - em-

tampouco a todas as variáveis sociolinguísticas

sob estudo.

em coda silábica (como em porta, mulher); (iv) a pronúncia de /t/ e /d/ antes

Dentre as diversas explicações propostas para tal recorrência, já se su-

de [i] (como em tia, gente, dia e arde); (v), a negação sentencial (como em Não

geriu que as mulheres tenderiam a empregar formas de prestígio como ma-

vou, não vou não e vou não); e (vi), a concordância

neira de tentar superar sua posição desprivilegiada

ninos, os menino-f/J). Para nenhuma

nominal (como em os me-

delas se verificou correlação significativa

1990) ou de adquirir status social indiretamente,

na sociedade (FASOLD, ao passo que os homens

com o sexo do falante quando se levam em conta os indivíduos como uma

podem fazê-lo por outros meios, como pela ocupação e renda. (TRUDGILL,

variável aleatória. As correlações apenas emergem, e para somente três das

1972) Também já se postulou que as mulheres teriam uma maior capacidade

variáveis, quando não se considera o papel do indivíduo, ou seja, na análise

neurobiológica

de amplos padrões que não necessariamente

temente criticada por Romaine (2003). Explicações alternativas

refletem as práticas linguísti-

para a linguagem (CHAMBERS,1995), uma interpretação

for-

argumen-

cas de cada falante. Tais análises apontam para a necessidade de se atentar a

tam, ainda, que não são as mulheres que favorecem as formas de prestígio,

múltiplas variáveis sociolinguísticas

- cujos padrões podem não ser os mes-

mas sim que são as formas por elas empregadas

ao comportamento

como "mais corretas" (MILROYet al., 1994), ou que não são as mulheres que

mos em uma mesma comunidade divíduos, e à interpretação

linguístico dos in-

que se faz de resultados de análises estatísticas.

Para tanto, inicialmente sociolinguística

+,

se apresenta

um breve apanhado

da literatura

a respeito do papel da variável sexo/gênero.

Em seguida,

discute-se a variação interfalante

e apresentam-se

que tendem a ser vistas

favorecem as formas de prestígio, mas sim que são os homens que se orientariam a formas de prestígio encoberto, em geral identificadas

com classes

modelos estatísticos (mo-

delos de efeitos mistos) que permitem considerar a contribuição

individual

de cada falante em processos de variação e mudança linguística e que, por-

2

Ver por exemplo: Labov (1990; 2001), Chambers (1995), paiva (2004), Romaine (2003). Oushiro (2015).

PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGufTICA/DIALETOLOGIA 44

I

GÊNERO E LlNGUA(GEM):

FORMAS

E USOS

I

45

sociais mais baixas, cujo trabalho mais frequentemente braçal se relaciona simbolicamente com ideais de virilidade. (CHESHIRE,2002) Essa correlação, de tão frequente, pode ser tomada como uma expectativa de resultado em novos estudos sociolinguísticos,

em certos tipos de comuni-

ao gênero: (i), homens casados e com trabalho estável; (ii), mulheres casadas e donas de casa; (iii), homens desempregados; trabalho. Em vez de uma distribuição desempregados

tar; de modo algum pode essa correlação ser tomada como premissa ou como

e mulheres

conclusão a se chegar independentemente

modo, tende a ocorrer entre os moradores

há toda uma série de estudos sociolinguísticos entre determinado

que não observam correlação

fenômeno variável e o sexo/gênero dos falantes', ou que

e homens,

coelho (2006) verificou que a marca zero é favorecida tanto pelos homens

dades. Trata-se, no entanto, de uma questão empírica a se observar e a se tesdos dados analisados. Com efeito,

e (iv), mães solteiras e com

binária entre mulheres

quanto pelas mães solteiras, e desfavorecida pelos homens

casados, de "famílias

estruturadas".

A forma padrão, desse

de maior prestígio no bairro e

com maiores expectativas de ascensão social. Bortoni-Ricardo (20n), em sua análise da fala de 33 migrantes mineiros

observam a correlação inversa: o favorecimento de formas ditas "não padrão"

em Brasília quanto a quatro variáveis sociolinguísticas

ou "estigmatizadas" por parte dos falantes do sexo feminino. Dentre esses úl-

ral palatal/M,

timos encontram-se

e 3PP), em uma abordagem de suas redes sociais, verificou que os falantes com maior índice de "integração" e "urbanização" apresentaram maior ten-

estudos em comunidades urbanas de grupos menos fa-

vorecidos socioeconomicamente

(COELHO,2006; OUSHIRO,2015), em comu-

monotongação

(realização da late-

de ditongos e a concordância

verbal em rPP

nidades rurais (LUCCHESI,20r2), e em comunidades "rurbanas" de migrantes

dência a empregar as formas consideradas

advindos de zonas rurais para os grandes centros. (BORTONI-RICARDO,20n;

descobertas é que a difusão dialetal por meio das redes sociais dos migran-

RODRIGUES,rg87)

tes pode se dar de modo distinto para homens e mulheres:

Rodrigues (rg87) constatou

tal padrão "invertido" para a concordância

No caso dos homens, [o processo de difusão dialetal] pode ser previsto pelo número e características de suas relações interpessoais em uma esfera pública, i.e., fora do domínio do lar. [...] A arena onde a difusão dialetal das mulheres deve ser investigada é, em contraste, não a esfera pública, mas a esfera privada de relações sociais. As mulheres migrantes ainda se mantêm muito confinadas em suas redes de parentesco e vizinhança. Uma consequência disso é que não ficam diretamente expostas à cultura dominante via vínculos interpessoais com estranhos.

verbal de Primeira Pessoa do Plural (rpp) - mas não para a terceira pessoa do plural (3PP), com a qual Sexo/Gênero não se mostrou correlacionada

- ao

analisar a fala de 40 moradores do bairro da Brasilândia, na Zona Norte da capital paulista. A partir dos padrôes de variação para rPP e 3PP e da observação etnográfica da comunidade, concordância

padrão. Uma de suas principais

Rodrigues (rg87) avalia que a marca zero de

verbal para rPP tem significado social diferente da marca zero

para 3PP: apesar de ambas serem proscritas na norma culta, o "erro" em rPP

(BORTONI-RICARDO,20Il, p. 263-264)

identifica o falante de origem rural. Coelho (2006), aproximadamente riação no emprego dos pronomes concordância

20 anos mais tarde, investigou

a va-

de rPP (nós vs. a gente), bem como na

verbal (Nóis V-zero vs. Nóis V-mos), em uma comunidade

de

Sobre as concordâncias

de rPP e 3PP, Bortoni-Ricardo

(20n) constatou

que os homens estavam claramente à frente na aquisição da forma padrão, fato que é atribuído às suas redes sociais e seu maior índice de integração

periferia também no bairro da Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo. Sua

e urbanização

amostra compreende

(como em filha), verificou-se que o ritmo de aquisição da forma padrão era

paulistanos.

alguns migrantes, mas sobretudo seus descendentes

Especificamente

quanto ao sexo/gênero,

(2006) revela uma distribuição rPP na comunidade.

° autor

a análise de Coelho

complexa das variantes da concordância considerou

de

quatro grupos de falantes quanto

em relação às mulheres. No entanto, no caso da variável/M

o mesmo entre homens e mulheres e, no caso dos ditongos (como em armário, negócio), as mulheres estavam um pouco à frente dos homens no uso da

forma padrão. A partir desses estudos, percebe-se que: (i) o favorecimento

da forma

padrão pelas mulheres ou mesmo a correlação com a variável sexo/gênero, 3

46

Ver: Cheshire (2005),

I

Oushiro (2011), Brandão, Vieira (2012).

PARTE I - G~NERO G~NERO

E LlNGUA(GEM):

FORMAS

E USOS

E SOClOLlNGU[TICA/DIALETOLOGIA

I

47

ainda que recorrentes, não são uma constante em estudos sociolinguísticos; e (ii) a explicação para os diferentes padrões observados deve residir, além de em uma diferença de status social entre homens e mulheres, também em fatores locais, tais como as condições socioeconômicas junto às oportunidades de educação e de emprego para cada sexo, a configuração

das redes

sociais dos falantes e seus diferentes níveis de acesso à vida pública. A maior parte desses estudos, entretanto, classifica os falantes em categorias de sexo ou de gênero, sem um tratamento quantitativo dos padrões indivi-

análise que incluiu o falante como uma variável, da qual se obtêm as probabilidades da Tabela bela 2 _ Ordem

.32

[osé

.36

Jorge M.

ou outras categorias sociais, che-

.39

Bira, George

.43

Henrique

·47 .48

Jorge F.

·52

uma comunidade.

.53

1,

traduzida e adaptada de

Guy (1981, p. 194), a respeito do uso variável da concordância uma amostra com

20

Beth

.41

gam a amplas descrições de padrões de variação linguística que ocorrem em Veja-se, por exemplo, a Tabela

nominal em

.56

falantes cariocas com baixo nível de escolaridade:

.57

Madalena Marlene Hilda Vanilda Lúcia

·59 Tabela 1 - Efeito da variável

% CN

sexo sobre a concordância PADRÃO

N

nominal

Sexo

Sidnei

.68

Cantídio

·74 Sônia

.84

Masculino

61

4515

·44

Feminino

65

5273

·56

Fonte: adaptado de Guy (1981, P·19S).

Fonte: adaptado de Guy (1981, P.194).

Observa-se que a maior parte dos homens se concentra na parte superior da Tabela

Vê-se que as mulheres empregaram

mais a forma padrão (65%) do que os

homens (61%), e que tal diferença se mostra significativa em uma análise de regressão logística que retoma uma probabilidade

de os homens desfavo-

recerem a forma padrão (.44) em relação às mulheres (.56). Tais proporções e probabilidades

Elvira

.62

padrão

PROBABILIDADE

representam

de uso de CN padrão

.27

Naldécio

A VARIAÇÃO INTERFALANTE E MODELOS DE EFEITOS MISTOS

sua faixa etária, seu nível de escolaridade

de acordo com a probabilidade

.26

paulo

Lídio

ao agrupar falantes de acordo com seu sexo,

dos informantes

-

duais de diferentes falantes. A próxima seção se volta à discussão desse tópico.

Estudos sociolinguísticos,

2:

médias gerais que englobam falantes cujos

usos giram acima e abaixo dessas médias. Evidentemente, todas as mulheres realizam mais a concordância

não é o caso que

padrão do que todos os ho-

mens. Interessado em padrões individuais, Guy (1981) também realizou uma

2,

com probabilidades

concordância

mais baixas de emprego da forma padrão da

nominal, ao passo que a maioria das mulheres se concentra

na parte inferior, apresentando

probabilidades

mais altas de uso da forma

padrão. Desse modo, a tendência ao uso da forma de prestígio por parte de falantes do sexo feminino, tal como verificam muitos dos estudos sociolinguísticos, parece ser um padrão verdadeiramente Tal cuidado em considerar os indivíduos, mado em estudos variacionistas. tica (ainda) mais usualmente

relevante nessa amostra.

entretanto,

nem sempre é to-

Em parte, isso se deve à ferramenta estatís-

empregada nos trabalhos sociolinguísticos,

Varbrul, em suas diferentes versões, cujo modelo matemático

48

I

de regressão

PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGuíTICA/DIALETOLOGIA GÊNERO E LlNGUA(GEM):

FORMAS

E USOS

o

I

49

logística pressupõe a independência e a ortogonalidade entre os grupos de fatores incluídos em cada análise. (TAGLIAMONTE,2006) Isso significa que, ao se incluir o falante em um modelo, não se pode incluir qualquer outra variável social, pois o sexo, a faixa etária, a escolaridade etc. são constantes dentro do conjunto de dados para cada falante. Ao mesmo tempo, dificilmente

se verifica um padrão tão regular de es-

tratificação social como aquele observado por Guy (1981). A Figura 1 mostra a proporção de emprego de uso da forma padrão de concordância

nominal

para cada falante das amostras de migrantes alagoanos (ALSP)e paraibanos (PBSP)residentes em São Paulo, analisadas no presente estudo.

Nessa figura, as mulheres são representadas por barras mais claras e os homens pelas barras mais escuras." Diferentemente do estudo de Guy (1981),não se verifica aí um padrão aparente de acordo com o sexo do falante, pois tanto mulheres quanto homens podem apresentar proporções bem abaixo ou bem acima da média geral da amostra de migrantes, representada pela linha vertical contínua, próxima a 45% (a linha pontilhada se refere à proporção média de concordância padrão na fala de paulista nos nativos). Nota-se que as proporções de emprego da variante padrão vão desde 1,5% (para Roberto) até 96,3% (para MarcoD, que na prática abrangem todo o espectro possível de variação. Modelos mais recentes de análises de regressão linear e logística permi-

Figura 1 - Proporção de emprego da concordância nominal padrão nas amostras AL5P e PB5P.A linha vertical contínua representa a média geral da fala dos migrantes e a linha pontilhada a média geral para paulistanos PBSP-M2S-MarcoJ P8SP-M2M-.PedroC-

P8SP-M1

a ou-

tros fatores como sexo e faixa etária. (BAAYEN,2008; GRIES,2013)Essas duas

.

últimas variáveis são chamadas de efeitos fixos, pois são facilmente replicáveis em outros estudos que se baseiem nos mesmos critérios de amostragem.

-

P8SP-M2M-HenriqueA

tem a inclusão do falante como uma das variáveis, simultaneamente

Os indivíduos, por sua vez, compõem uma variável do tipo aleatória, que se

..

S.ArnaldoR"

refere à amostra específica sob análise. Embora o principal interesse das aná-

P8SP-M1M.JosueOP8SP-MtM-JoaoS-

lises, em geral, não seja sobre efeitos aleatórios, uma vez que se buscam ge-

PBSP...f2S-UichelelPBSP..f2M-JossneV'

neralizações representativas

PBSP-F2F-MarinalvaS-

de toda a comunidade - e não apenas sobre os

falantes contatados -, boa parte da variação que se observa nos dados se deve

PBSP-F2F·DarleneNPBSP-F1F.MartaS-

ao comportamento

AlSP-M3F-Josemar

-.

estatísticas que incluem tanto os efeitos fixos quanto os efeitos aleatórios são

AlSP-M2S-Pcdro

"

AlSP-M3F-Rodrigo

próprio de cada falante que compõe a amostra. Análises

ALSP-M3F·Roberto-

i ~

ALSP.M2S-A1doALSP-M2F-Valdo' AlSP.M2F-lucas": ALSP-MtM..Joao'

SEXO

chamadas de modelos de efeitos mistos e permitem mais bem avaliar o papel

IIreminino • masculino

dos efeitos fixos aí incluídos: um efeito fixo só se mostra significativamente correlacionado com a variável dependente - o fenômeno linguístico em foco

ALSP-F3F-VaJdenice-

- se a diferença entre seus níveis supera a variação dentre os efeitos aleató-

AlSP-F3F-Nf.llalia .. AlSP-F3F-lourdes·

rios. (JOHNSON, 2009) Em outras palavras, modelos de efeitos mistos têm

AlSP-F2M-RaquelAlSP-F2M-Marial

maior probabilidade de discriminar

AlSP-F2M-Gildete-

efeitos reais de correlações aparentes,

AlSP.F2F-JaneAlSP-F2F ..Al1tonia .. AlSP-F lS-SoJange" AlSP·F lM-Fabiana" AlSP-F1

F-Nadia"

W1S't?fir:,,~_ 0.00

0.25

0.50

0.75

1.00

4

Cada falante é também identificado

por seu perfil de acordo com a estratificação das amostras:

nome da amostra-sexo, faixa etária e escolaridade·pseudônimo.

Fonte: elaborado pela autora.

Assim, a falante ALSP-F1F-Nadia

se refere a uma participante alagoana, do sexo feminino, de primeira faixa etária (20 a 34 anos) e com nível fundamental

de escolaridade. As entrevistas com alagoanos foram originalmente

coletadas para a dissertação de mestrado de Silva (2014) e aquelas com paraibanos são resultado do Projeto Casadinho entre as universidades UFPB e USP (HORA; NEGRÃO, 2011); ambas as amostras foram gentilmente cedidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Sociolinguística (GESOL-USP),coordenado pelo Prof. Dr. Ranald Beline Mendes.

50

I

GÊNERO E L1NGUA(GEM):

FORMAS

E USOS PARTE I - GÊNERO E SOClOLlNGU[TlCA/DIALETOLOGIA

I

51

possivelmente enviesadas devido ao comportamento duo idiossincrático.

de um ou outro indiví-

Em todos os casos, a análise se realiza da perspectiva das variantes que podem ser consideradas

Nas análises que seguem, apresentam-se resultados de modelos estatísticos de efeitos fixos (i.e., sem a inclusão do falante) e de efeitos mistos, re-

paulistanas

ou "mais urbanas", com o intuito de

apreender possíveis graus de acomodação

à fala da comunidade

anfitriã:

alizados na plataforma R (R CORE TEAM, 2017) com cada uma das seis va-

realizações relativamente [-baixa] das vogais pretônicas; emprego de tepe/ retrOflexo de (-r) em coda; pronúncias africadas e palatalizadas de Itl e Idl

riáveis sociolinguísticas

antes de li]; negr: e concordância

aqui enfocadas. Em todas elas, o interesse é o de

nominal padrão.

verificar se há diferenças no grau de acomodação dialetal por parte de mulheres e homens nordestinos

aos padrões da comunidade

MIGRANTES ALAGOANOS E PARAIBANOS EM SÃO PAULO

anfitriã.

101, em pa-

Nas análises que seguem, os modelos foram gerados em rodadas multi-

lavras como relógio e romã - cuja sílaba seguinte contém uma vogal [-alta],

variadas que incluíram diferentes variáveis previsoras sociais (as variáveis

contexto favorecedor de abaixamento

estratificadoras

As medidas da altura (FI) das vogais médias pretônicas lei e

vocálico (PEREIRA, 1997) -, foram ex-

das amostras: sexo, faixa etária e escolaridade) e linguísticas

traídas por meio do programa Praat (BOERSMA;WEENINK, 2014) e norma-

(pertinentes

lizadas pelo método de Lobanov (1971) na plataforma R. Medidas maiores

com as va~iáveis sociolinguísticas

de FI representam

os resultados para a variável sexo/gênero, foco da presente análise. Os resul-

vogais mais baixas (Le., mais abertas: [E, J]) e, inversa-

mente, medidas menores de FI representam (i.e., mais fechadas: [e, o]), prototípicas pronúncia mulher,

sob análise. Contudo, reportam-se apenas

vogais relativamente

mais altas

tados para modelos de efeitos mistos, com inclusão do indivíduo como uma

de falantes paulistanos.

Quanto à

variável aleatória, são apresentados

do segmento (-r) em posição de coda silábica, como em porta e

os dados foram codificados como não realizados, fricativas (velar e

glotal, surda e sonora), retroflexo e tepe; posteriormente, realização foram desconsiderados,

a cada variável resposta)s, a fim de testar possíveis correlações

os dados de não

e as variantes [+posterior] foram contras-

à esquerda, e aqueles para modelos de

efeitos fixos aparecem à direita. Em modelos de regressão linear e logística na plataforma R, as estimativas são geradas em relação ao intercept,

o nível de referência que toma por

base a ordem alfabética dos fatores; assim, nas tabelas que seguem, o inter-

tadas com as variantes [-posterior] tepe e retroflexa. Já os dados da realiza-

cept se refere ao sexo/gênero

ção de It/ e Idl antes de [i], como em tia, gente, dia e arde, foram codificados

devem ser lidas como valores a serem adicionados

como oclusivas [t, d], africadas [ts, dz] e palatalizadas

subtraídos (quando negativos) do valor de intercepto Na Tabela 3, as estimati-

últimos fatores amalgamados

[tJ, d3], sendo os dois

em oposição às oclusivas.

A análise da negação sentencial contrapôs a variante negr (não vou) às

(quando positivos) ou

vas são as medidas previstas para a altura das vogais (FI) em Hertz: em modelos de efeitos mistos, a estimativa de altura da vogal/e/

variantes negz (não vou não) e negj (vou não), mais frequentes em variedades

460,7 Hz e, para os homens,

nordestinas.

(uma vogal relativamente

(CUNHA, 200I; ROCHA, 20I3) Por fim, a análise sobre a concor-

feminino, e as estimativas para demais fatores

para mulheres é

é 0,30 Hz a mais, ou seja, 460,7 + 0,3

=

461 Hz

mais baixa). As colunas seguintes indicam o erro

dância nominal considerou o uso da variante considerada padrão (os meni-

padrão da estimativa e um valor-t, a partir do qual se estima uma probabili-

nos), com marcas redundantes

dade de se ter observado tal estimativa em caso de a hipótese nula ser verda-

de pluralidade em todos os elementos flexio-

náveis do sintagma nominal, em contra posição a sintagmas que continham

deira. A última coluna, p, apresenta tal medida de significância."

pelo menos uma palavra com marca zero de número (os meruno-e. umas casas enorme-e).

5

Por exemplo, para a variável

I-ri

-t (medial ou final), tonicidade

da sífaba, classe morfológica,

em coda silábica, as variáveis linguísticas foram posição do contexto fônico precedente e contexto

fônico seguinte. 6

52

I

Convencionalmente,

adota-se o limite de p < 0,05 para considerar uma diferença significativa.

PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGufTICA/OIALETOLOGIA G~NERO

E LlNGUA(GEM}:

FORMAS

E USOS

I

53

tais modelos - semelhantes

Tabela 3 - Resultados de análises de regressão linear em modelos de efeitos mistos (esq.) e de efeitos fixos (dir.) sobre a altura das vogais médias pretônicas lei e 101. O intercept se refere à estimativa para o sexo feminino. MODELOSDE EFEITOSMISTOS Estimativa

-,

MODELOSDE EFEITOSFIXOS

Valor-t

(Hz)

Erro padrão

Intercept

460,74

4,23

108,90