268 49 201MB
Portuguese Pages 347 [177] Year 2020
um frutrfero
diálogo feito em ,minhos de reflexão nas es ..•sociologia, antropologia, literatura, análise do discurso, :1, gramática - G~neroe t):formas e usos proporciona ersldade de material para s e curiosos no campo da studos de gênero e particularmente para ejam contribuições à sua ·a,bem como aprender e ,do dos trabalhos de reditamos que est~ Irar e contribuir para gêneros, sexualidades
a.
.A
GENERO E ,
LI NG UA'{ GE:M,;:) FORMAS E'USOS
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor
Vice-reitor
Danniel Carvalho Dorothy Brito
Paulo Cesar Miguez de Oliveira
ORGANIZADORES
João Carlos Salles Pires da Silva
Assessor do Reitor Paulo Costa Lima
t·,.':'··· ,
.
EDUFBA
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Gênero e língua(gem) formas e usos
Diretora Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
Conselho Editorial Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Nino EI Hani Cleise Furtado Mendes Evelina de Carvalho Sá Hoisel Maria do Carmo Soares Freitas Maria Vidal de Negreiros Camargo
'r'in
(~
~~~=
aIG'"~'""""""
o C A
P E S
SALVADOR
I EDUFBA I 2020
2020. Autores. Direitos dessa edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal. Grafia atualizada conforme. o Acordo Ortográfico em vigor no Brasil desde 2009.
da Língua Portuguesa de
1990,
SUMÁRIO
Capa e Projeto Gráfico Lúcia Valeska Sokolowicz Revisão Mariana Santos
7
Gênero e língua(gem}:
diferentes
práticas teóricas
Oanniel Carvalho, Oorothy Brito
Normalização Bianca Rodrigues
PARTE I GÊNERO E SOCIOLlNGuíSTICA/DIALETOLOGIA
Sistema Universitário de Bibliotecas - UFBA Gênero e língua(gem) : formas e usos / Danniel Carvalho, Dorothy Brito, organizadores .. Salvador: EDUFBA, 2020. 347 p. Programa de Educação Tutorial do Instituto Federal da Bahia.
21
sexual na pesquisa
sociolinguística
de Letras da Universidade
ISBN: 978-8S'232-1993-2
Sexo, gênero e orientação
Elisa Battisti, Samuel Gomes de Oliveira
43
As variáveis sexo/gênero
e indivíduo
em situação
de contato dialetal
1. Linguagem e línguas - Estudo e ensino. 2. Identidade de gênero - Brasil. 3· Sociolinguística. I. Carvalho, Danniel. 11. Brito, Dorathy.
Livia Oushiro
CDD - 401.9
67
Elaborada por Evandro Ramos dos Santos CRB-S/120S
Percepções de masculinidade associadas
EC..lI:EI:)
à concordância nominal de número
Ronald Beline Mendes
Editora afiliada à
ASOCIACION DE EDITORIALES UNIVERSITARIAS DE AMERICA LATINA Y El CARIBE
e femininidade
I••'
AssociaçAo Brasileira das Editoras Universitárias
Editora da UFBA
CBaL
95
Reflexões sobre lia fala
gay" no sertão de Pernambuco
Jamilys Maiara da Silva Nogueira, Oorothy Brito,
Cúm:u:a Bahienu do Livro
Renata Lívia de Araújo Santos 123
Inclusão, cooperação
e gênero
Raquel Meister Ko. Freitag, Josilene de Jesus Mendonça
Rua Barão de Ierernoabo Campus de Ondina
s/n -
40170-115 - Salvador - Bahia Tel.: +5571 3283-6164 www.edufba.ufba.br [email protected]
145
A presidenta
e a presidente
do atlas linguístico Nordeste,
- uma análise dos dados
do Brasil nas capitais das regiões
Centro-oeste
e Sul brasileiras
Élide Elen da Paixão Santana, Marcela Moura Torres Paim, Sandra Cerqueira Pereira Ptuáencio
PARTE " GÊNERO E DISCURSO 175
Estratégias
discursivas como elemento
performativo
de gênero e sexualidade
Diferentes práticas teóricas
Pedro Eduardo de Lima
205
e expressões de gênero em Mãe só há
Identidades
uma: reflexões
dialógicas
Oanniel Carvalho,
Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva, Raquel de Oliveira Meira
235
I
Textualidades profanação
Gênero e língua(gem)
bichas-loucas:
Oorothy Brito
língua menor e
em Copi e Perlongher
Helder Thiago Maia
Segundo Greville G. Corbett PARTE li'
I
p.
I,
tradução nossa), em sua intro-
dução a The Express af Gender, "gênero é uma categoria infinitamente
GÊNERO, GRAMÁTICA 279
(2015,
E INTERFACES
Predizibilidade substantivos
cinante".' Como apontam Santana, Paim e Prudencio neste volume, apenas
da marcação de gênero em no português
fas-
brasileiro
Y4 das línguas do mundo são consideradas
línguas de gênero, isto é, línguas
que possuem gênero gramatical ou algum tipo de classificação para essa categoria. Gênero gramatical ou linguístico possui uma relação evidente com
iuiz Carlos Schwindt
o mundo real, seja como expressão gramatical de uma realidade biológica 295
319
I
Individuação,
aspecto nominal e a função de gênero
e/ou social, seja como representação
e complexo. De acordo com McConnell-Ginet
Oanniel Carvalho, Oorothy Brito, Jair Gomes de Farias
gênero pode se referir a:
Sentenças panquecas no português
brasileiro
(2015,
p. 76, tradução nossa),
o complexo de fenômenos sociais, culturais e psicológicos ligados a sexo, um uso comum nas ciências sociais e comporta mentais. A palavra gênero também [...] tem um senso técnico bem estabelecido nas discussões linguísticas. Gênero, nesse sentido técnico, é uma classificação gramaticalmente significativa de nomes que tem implicações em vários fenômenos de concordância.'
Alane Luma Santana Siqueira, Marcelo Amorim Sibaldo, Adeilson Pinheiro Sedrins
339
de um fenômeno psico-sociocultural
nas línguas naturais
Sobre os autores
Texto original: gender is an endlessly fascinating category. 2
Texto original:
the complex
of social, cultural,
and psychological
phenomena
attached to
sex, a usage common in the behavioral and social sciences. The word gender also [...] has a well-established
technical sense in linguistic
discussions. Gender in this technical sense is a
I
7
Gênero como expressão gramatical é comumente associado a relações morfossintáticas de nomes e pronomes, geralmente estabelecidas através de concordância,
de acordo com a sua relação com o sexo. Essa abordagem
conhecido no universo discursivo. Em línguas com gênero gramatical, uma correspondência pode ser observada entre a classe gramatical de gênero de um nome e sua especificação lexical, Schwindt, em "Predizibilidade da mar-
para o estudo de gênero não é uma novidade e desponta como uma das pri-
cação de gênero em substantivos no português brasileiro" traz de forma mais
meiras vertentes do estudo da categoria, como apontam Carvalho, Brito e
consistente no campo dos termos de parentesco. Línguas como o alemão e o
Farias neste volume. Entretanto, essa categoria apresenta funções e nature-
português ilustram claramente esse comportamento.
zas distintas a depender do prisma pelo qual é observada. Como uma noção
e tia são femininos e Onkel e tio são masculinos e têm uma especificação le-
técnica na linguística, pode ser analisada, pelo menos, a partir de seu com-
xical como feminino e masculino, respectivamente.
portamento
uso dos pronomes correspondentes
gramatical, lexical, referencial e sociocultural.
É tradicionalmente
assumido que o gênero gramatical é uma propriedade
inerente do nome que controla a concordância satélites - isto é, que acompanham,
estabelecida com elementos
complementam
na sentença - que podem ser um determinante,
ou recuperam o nome
um adjetivo, um pronome,
um verbo, um numeral ou uma preposição. Mesmo os advérbios podem ser flexionados para gênero - o caso de muito/muita
3
e meio/meia no português
respectivamente
Nessas línguas, Tante Esses nomes exigem o
sie e ela (feminino) e er e ele (masculino),
para o alemão e para o português. Para termos sem gênero
lexical, como Individuum e indivíduo e Person e pessoa, a escolha pronominal é geralmente, mas não sempre, determinada
pelo gênero gramatical do ante-
cedente. (HELLINGER;BUgMANN , 200I; CARVALHO,2013) Tipologicamente, das terminologias
gênero lexical é um parâmetro importante de parentesco, termos de tratamento
e boa parte dos no-
brasileiro. O gênero nominal geralmente mostra apenas um valor, que é de-
mes pessoais comuns. No entanto, conforme apontado por Kramer (2009;
terminado
2015), o que é chamado de gênero lexical seria o resultado de um processo
por uma interação de regras de atribuição formal e semântica.
O debate tradicional
sobre gênero e língua usa esse termo geralmente
para relacioná-to com propriedades feminilidade
ou masculinidade
extralinguísticas,
como, por exemplo,
natural ou biológica. Assim, em uma língua
morfossintático McGonnell-Ginet
que depende da informação básica de uma raiz. Por sua vez, (2015) sugere que alguma coisa como gênero sociocultural
media a conexão entre sexo e a escolha dos pronomes e, menos diretamente,
como o português, nomes pessoais" comuns como mãe, irmã, filho e menino
entre sexo e as relações de concordância
são especificados
inglês, por exemplo. Gênero referencial relaciona as expressões linguísticas
lexicamente
como portadores das propriedades
semânti-
cas (feminino) e (masculino), o que pode, por sua vez, relacionar-se gênero referencial extralinguístico.
com o
Esses nomes podem ser descritos como
não linguística.
Mais especificamente,
de gênero em uma língua como o com a realidade
o gênero referencial identifica um
"específicos de/para gênero", em contraste com nomes, como testemunha e
referente como feminino, masculino ou independente
indivíduo ou estudante e paciente, que são considerados independentes
plo, um nome pessoal como o alemão Miidchen (menina) é gramaticalmente
de ou
neutro, tem especificação semântico-lexical
arbitrários para gênero. Tipicamente, mas-satélite
termos específicos de gênero requerem a escolha de for-
correspondentes
semanticamente,
como, por exemplo, prono-
de gênero. Por exem-
(feminino), e geralmente é usa-
do para se referir a mulheres. No entanto, uma expressão idiomática como
Miidchenfüsalles,
literalmente
"garota para tudo", "empregada de todo o tra-
mes anafóricos, ou no caso de nomes cujo gênero é indefinido, a escolha pro-
balho", pode ser usada para se referir a homens também. Neste exemplo,
nominal pode ser determinada
enquanto a metáfora parece neutralizar
por referência, por exemplo, um indivíduo
a especificação lexical de Müdchen,
uma mensagem de gênero é, no entanto, transmitida
para se referir a um
phenomena.
faz-tudo (masculino). Em línguas de gênero, uma relação complexa entre gênero gramatical
3
Apesar de não ser consensual se esse elemento é um advérbio real quando flexionado.
e gênero referencial é observada na maioria dos pronomes pessoais, com
4
Nomes pessoais aqui são aqueles que possuem o traço [+humano].
grammatically
8
na estrutura
I
G~NERO
significant
E L1NGUA(GEM):
FORMAS
classification
E usos
of nouns that has implications
for various agreement
GÊNERO E lÍNGUA(GEM):
DIFERENTES
PRÁTICAS TEÓRICAS
I
9
assimetrias típicas relacionadas ao gênero em pronominalizações e coordenações. Por exemplo, quando se faz referência a um determinado indivíduo conhecido, a escolha de pronomes anafóricos pode ser motivada referen-
as em mulheres/feminino e homens/masculino como tal, o que as pessoas entendem por gênero natural, mas do significado associado a essa divisão,
cialmente e, portanto, pode substituir
variedade de práticas sociais que sustentam
o gênero gramatical do nome, como
no alemão Tennisstar "estrela do tênis" (masculino)
... sie (feminino). Esse
fenômeno também pode ser observado em certas comunidades associando a escolha pronominal
ideológicos relacionados às comunidades. Gênero sociocultural
a elementos socioculturais
prescritas e reivindicadas essas instituições,
identidades. (MCCONNELL-GINET,1988) Essa perspectiva surge nos estudos linguísticos
eà
ideologias e
como consequência
das
e
de 1960. No início dessa perspectiva, gua costumava restringir-se
(CARVALHO,2017)
é uma categoria que se refere à "dicotornia social-
a língua como desviante,
o campo de estudo sobre gênero e lín-
a descrever a forma como as mulheres usavam perspectiva
conhecida
como teoria do déficit,
mente imposta de papéis masculino e feminino e respectivos traços caracte-
(BERNSTEIN, 1964) ou teoria da diferença, (LABOV,1969) ou identificar va-
rísticos". (KRAMARAE;TREICHLER, 1985, p. 175) Os pronomes pessoais serão
riedade's linguísticas específicas para cada gênero. Essas práticas acadêmicas podem ser vistas como uma reflexão de um
especificados associadas
para gênero sociocultural
se o comportamento
das palavras
não puder ser explicado por gênero gramatical ou lexical. Uma
ilustração do gênero sociocultural
em inglês vem do fato de que muitos ter-
momento. em que o sexismo ainda era praticamente
inquestionável
pesquisadores
masculinos.
costumavam
ser quase exclusivamente
e os
A partir
mos ocupacionais de alto status, como advogado, cirurgião ou cientista, sejam
de Lakoff (1975), a discussão linguística acerca de gênero e língua alcançou
frequentemente
um nível mais sofisticado de tratamento
pronominalizados
no masculino em contextos em que o gê-
nero referencial não é conhecido ou é irrelevante. Por outro lado, os títulos
acadêmico. Seu livro Language and
Woman's Place teve um importante efeito de conscientização,
expondo o viés
ocupacionais
de baixo status, como secretária, enfermeira ou professora, são
sistemático contra as mulheres tanto na forma como a língua é usada, como
normalmente
pronominalizados
Contudo, mesmo para nomes humanos em geral, como pedestre, cliente ou
na forma em que as línguas são estruturadas. Teorias mais recentes tentaram mitigar as reivindicações
paciente, a prática tradicional prescreve a escolha do pronome masculino
mulheres e homens feitas pelas teorias linguísticas
no feminino nos mesmos contextos acima.
em contextos neutros. Uma vez que a maioria dos pronomes pessoais apre-
a sociolinguística
senta-se tendenciosamente
gênero como uma construção
pendentemente
masculina, parece plausível sugerir que - inde-
de uma língua ter ou não gênero gramatical - o "princípio"
Esse tipo de categoria de gênero é saliente em turco, por exemplo, que não possui variação pronominal
variacionista
para gênero. Muitas vezes, as associações
gênero linguistico, sões, conjuntamente
profundo. Por exemplo, o kuyumcu (vendedor de ouro) é lexicamente
inde-
siva do binarismo
finido para gênero, mas está invariavelmente
associado a referentes mas-
um vendedor de ouro cujo referente é uma
pessoa do sexo feminino também possa ser referido como kuyumcu. Por seu turno, gênero como representação
de um fenômeno sociocultu-
ral e psicológico complexo não é uma questão de divisão sexual de pesso-
I
G~NERO
E LlNGUA(GEM}:
FORMAS E USOS
como
(LABOV,1972) considerando
a ser estudada localmente
estritamente
o
e em
encontrar ma-
binário de construção de
(BING; BERGVALL,1996) ou fornecendo análises críticas
de discursos normativos de gênero. (BUCHOLTZ,2003) Todas essas discus-
mais
a gênero permanecem
culinos, embora, teoricamente,
linguística
gerais sobre
mais tradicionais,
práticas reais, (ECKERT;MCCONNELL-GINET,1992) tentando
ocultas em um nível semântico
relacionadas
quantitativa,
neiras de ir além de um pensamento
masculino é norma subjacente.
10
e às ideologias, às identidades
reflexões geradas nas ciências sociais com o movimento feminista dos anos
(ela, dela, sua) para referentes
sil, que fazem uso de pronomes femininos masculinos,
gays no Bra-
às instituições
2004),
com o influente trabalho sobre a construção normativo
abriram o caminho
de gênero de [udith Butler (1990, 1993, 1997,
para uma abordagem dos estudos de gênero e
língua que pode ser denominada
pós-estruturalista
pratica mais um uso inquestionável duas macro-categorias
discur-
na medida em que não
das noções de mulher e homem como
de base biológica autoexplicativas.
Ao mesmo tem-
po, o campo de estudos de gênero e língua foi ampliado para incluir discus-
GÊNERO E LíNGUA(GEM):
DIFERENTES PRÁTICAS TEÓRICAS
I
11
sões de desejo e/ou identidade sexual a partir de nomes como Baker (2008), Cameron; Kulick (2003), Campbell-Kibler e demais autores (2002), Leap e
papel em situação de contato dialetal, quando se lida com a fala de migranteso Nesse sentido, a autora contrasta, teórica e metodologicamente, os re-
Boellstorff (2004), Livia; Hall (1997), Mcilvenny (2002), Morrish; Sauntson
sultados de análises sobre a fala de 30 migrantes alagoanos e paraibanos residentes na cidade de São Paulo quanto a seis variáveis sociolinguísticas,
(2007) e Sauntson e Kyratzis (2007) - um aspecto que pesquisas
anteriores
com os resultados de estudos prévios sobre a fala de migrantes. (BORTONI-
tinham tratado apenas de forma implícita. Portanto, o estudo da relação gênero e língua(gem) é um campo diversificado e em pleno desenvolvimento,
que tem tanto apelo acadêmico quanto
popular. A virada linguística nas ciências humanas e sociais e o impacto do
linidade e femininidade
desenvolvimento
porta resultados de um trabalho desenvolvido com a técnica dos estímulos
contribuíram
da linguística
crítica e formal, e da análise do discurso,
para uma reformulação
das questões sobre gênero e língua(-
associadas à concordância
nominal de número", re-
pareados, sobre o efeito das variantes padrão e não padrão da concordância
gem). Tendo em vista essa pluralidade de visões acerca de gênero e da lin-
nominal em percepções acerca de falantes paulistanos
guagem humana é que Gênero e Língua(gem): formas e usos pretende forne-
soam mais masculinas ou mais femininas e em percepções acerca desses fa-
cer uma ampla visão de questões fundamentais
lantes como pessoas que soam gay ou não. Para tal, o autor aponta caminhos
acerca do tema, e pretende
como pessoas que
fazê-lo tanto em termos teóricos quanto práticos. Ele introduz conceitos e
para responder à questão de se as variantes de concordância
abordagens
cionam também como índices de significados
teóricas e ilustra e exemplifica as relações entre gênero e uso
da língua, examinando
as especificidades
das modalidades
da língua em
contextos específicos. Os trabalhos que resultaram neste livro são fruto de pesquisas desenvolvidas
nos últimos anos por pesquisadores
que, de forma
nominal fun-
sociais definidos com base
em noções de sexo/gênero, além de indiciar conceitos de classe, escolariza-
ção e paulistanidade,
entre outros. No quarto trabalho que compõe essa seção, intitulado
"Reflexões sobre
com o grupo de pesquisa A Sintaxe-Phi das
'a fala gay' no Sertão de Pernambuco", jamilys Maiara da Silva Nogueira, Do-
Línguas Naturais (Phina), sediado no Instituto de Letras da Universidade Fe-
rothy Brito e Renata Lívia de Araújo Santos procuram trazer algumas refle-
deral da Bahia (Ilufba) e coordenado pelo Prof. Dr. Danniel Carvalho.
xões acerca da fala empregada por um informante
direta ou indireta, contribuíram
Gênero e Língua(gem): formas e usos está dividido em três partes. A Parte I "Gênero e Sociolinguística/Dialetologia"
é composta por seis trabalhos desen-
volvidos sob os pressupostos teóricos metodológicos da sociolinguística dialectologia com um viés contemporâneo
e da
dos estudos de gênero. O primeiro
homossexual
masculino,
em três situações de fala diferentes. As autoras puderam verificar que o informante se utiliza de determinadas
adequações no seu uso linguístico, de
acordo com a situação de fala em que está inserido: no contexto ambiente de trabalho, por exemplo, ele apresenta um maior nível de monitoramento
da
trabalho, intitulado "Sexo, gênero e orientação sexual na pesquisa sociolin-
fala em relações aos outros dois contextos, que são a entrevista sociolinguís-
guística", de Elisa Battisti e Samuel Gomes de Oliveira, mostra a relevância de
tica e a conversa entre amigos. Dessa forma, as autoras concluem que o fator
considerar a distinção entre sexo, gênero e orientação sexual dos informantes
estilístico da fala está ligado à identidade ou identificação
nos procedimentos
tentativa de construir sua identidade
metodológicos tradicionais de amostragem e no estudo da
percepção e avaliação de uma variável sociolinguística.
A discussão é feita a
partir do estudo-piloto de Oliveira (2015) sobre o ingliding
(SÓ::SÓll,
café::cafw no
O segundo trabalho, "As variáveis sexo/gênero e indivíduo em situação gênero em estudos de variação linguística
G~NERO E LlNGUA(GEM):
FORMAS E USOS
e
no uso de Nota da gente ou de Nossa nota. Conside-
rando a avaliação do sentimento
o seu
um estudo
de percepção do viés de gênero quanto às diferenças sintático-discursiva semântico-discursiva
I
individual ou um traço particular de
distintividade. Em seguida, josilene de Jesus Mendonça e Raquel Meister Ko. Freitag, no
de contato dialetal", de LiviaOushiro, problematiza o papel da variável sexo/ e, mais especificamente,
do sujeito numa
trabalho intitulado "Inclusão, cooperação e gênero", apresentam
português brasileiro falado em Porto Alegre (RS).
12
-RICARDO, 20n; RODRIGUES,1987) Em seguida, Ronald Beline Mendes, em seu artigo "Percepções de mascu-
de inclusão do interlocutor
G~NERO E LÍNGUA(GEM):
na referência
DIFERENTES PRÁTICAS TEÓRICAS
I
13
das formas variantes e da classe social do público-alvo, as autoras objetivam analisar o efeito de gênero no uso das formas nosso (a) ou da gente em oito campanhas publicitárias. O último artigo da primeira parte do volume, intitulado "A presidenta e a presidente - uma análise dos dados do Atlas Linguístico do Brasil nas capitais das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul brasileiras", de autoria de Élide Elen da Paixão Santana, Marcela Moura Torres Paim e Sandra Cerqueira Pereira Prudencio, verifica o comportamento
linguístico de informantes
do
Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB)ao indicarem a forma feminina de presidente em seus usos variantes: a presidente e a presidenta. Os informanpara esse trabalho pertencem às capitais das regiões Nor-
tes considerados
deste, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Para a análise, o
corpus
foi constituído
por gravações de fala em áudio, recolhidas in loco, com base no Questionário Morfossintático
do ALiB,em 15 localidades. Os resultados apontam a prefe-
rência dos informantes
pela variante não flexionada em gênero a presiden-
te, embora a forma flexionada, presidenta, conste nos dados com expressiva quantidade de ocorrências. A Parte II "Gênero e Discurso(s)" é composta por trabalhos que abordam gênero não apenas em sua concepção linguística,
mas também discursiva.
É composta por três trabalhos. O primeiro deles, "Estratégias discursivas como elemento performativo
de gênero e sexualidade", de Pedro Eduardo
de Lima, procura, a partir de dados gerados em uma pesquisa anterior junto a integrantes estudantes
de um grupo de discussões, composto em sua maioria por
autorreferenciados
como homossexuais,
em uma universidade
pública no Centro-Oeste do Brasil, descrever de que maneira os participantes, ao empregarem
estratégias discursivas
performam identidades
na construção
de significados,
de gênero e sexualidade e como o emprego de estra-
tégias discursivas se relaciona a questões de poder/resistência construção
com base na
social de identidade. A análise das estratégias discursivas
pregadas pelos participantes
em-
sugere que o uso de pistas de contextualização
e controle interacional está ligado à forma com que identidades são co-construídas na linguagem.
de gênero
sonagem principal (Pierre) traz ao filme discursos e embates sobre a identidade e a expressão de gênero que circulam atualmente em nossa sociedade. Os resultados apontam para o fato de que a obra, embora abra espaço para o vivenciamento empático dos espectadores com diferentes personagens, mostra que Pierre, ao deslizar entre diferentes expressões de gêneros, é vítima de forças normatizadoras
diferentes daquelas que incidem sobre seus
interlocutores. Para finalizar a segunda parte deste volume, Helder Thiago Maia, em seu artigo "Textual idades bichas-loucas:
língua menor e profanação em Copi e
perlongher", discute a literatura dos autores argentinos Copi e Perlongher, a partir da ideia de que a produção literária dos dois autores faz parte de uma constelação de textos, de fluxos poéticos, que compartilham sibilidade de uma leitura desierarquizante sexualidades,
e não normativa sobre gêneros e
a partir de performatividades
fanam a heteronormatividade
textuais dissidentes,
que hegemoniza
faz uma leitura que, levando em consideração especialmente
entre si a posque pro-
o campo literário. O autor os aspectos formais da obra,
através da ideia de uma linguagem menor, não abre mão de
pensar os seus aspectos éticos, especialmente
através do conceito de profa-
nação e bichas-loucas. O livro é finalizado com a Parte III "Gênero, Gramática e Interfaces", cujos trabalhos discutem questões linguisticamente
mais formais sobre a catego-
ria gênero. O primeiro trabalho desta seção, "Predizibilidade gênero em substantivos
da marcação de
no português brasileiro", de Luiz Carlos Schwindt,
discute uma hipótese sobre a motivação para a crença de que palavras femininas terminam em a e masculinas terminam em o e de que há mais palavras masculinas do que femininas em nosso léxico, a partir de dados de pesquisa sobre marcação de gênero e classe temática em português brasileiro. Para o desenvolvimento
de sua análise, o autor discute a hipótese de que a expo-
nenciação da categoria
gênero
é menos impredizível na língua do que sugere
a literatura sobre o tema se observada da ótica de sua produtividade,
o que
explica em boa medida a crença dos usuários sobre seu funcionamento. O artigo seguinte, de Danniel Carvalho, Dorothy Brito e Jair Gomes de Fa-
Em seguida, Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva e Raquel de Oliveira Meira, em seu trabalho intitulado
"Identidades
e expressões de gênero em
Mãe só há uma: reflexões dialógicas", discutem como a construção
14
I
GÊNERO E LlNGUA(GEM):
da per-
rias, com o título "lndividuação,
aspecto nominal e a função de gênero nas
línguas naturais", discute, do ponto de vista interlinguístico,
a função da ca-
tegoria gênero, a fim de testar se tal função atesta a predição do Universal 36
FORMAS E USOS GÊNERO E líNGUA(GEM):
DIFERENTES
PRÁTICAS TEÓRICAS
I
15
de Greenberg. Para tal, os autores fazem uma contextualização histórica das abordagens - majoritariamente germânicas - de gênero e uma apresentação de dados de diversas línguas que demonstram que a distribuição das marcas
BUCHOLTZ,M. Theories of discourse as theories of gender: Discourse analysis in language and gender studies. In: HOLMES, J.; MEYERHOFF,M. (ed.) The Handbook ofLanguage and Gender. Oxford: Blackwell, 2003·
de gênero determina diferenças de perspectivização
p.43-68. BUTLER,J. Bodies that Matter: on the discursive fimits of 'Sex', London:
dos nomes.
Por fim, o artigo "Sentenças panquecas no Português Brasileiro", de Alane Luma Santana Siqueira, Marcelo Amorim Sibaldo e Adeilson Pinheiro Sedrins, encerra a terceira parte do livro. Os autores retomam discussões apresentadas na literatura acerca das sentenças panquecas - sentenças que não apresentam
concordância
truções predicativas de construções
de gênero morfologicamente
visível nas cons-
adjetivais -, que propõem a existência de dois tipos
panquecas nas línguas escandinavas
português brasileiro, argumentam
e, a partir de dados do
a favor de que nessa língua as estruturas
formas e usos proporciona
material para pesquisadores
Routledge, 1997· BUTLER,J. Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. NewYork NY: Routledge, 1990. BUTLER,J. Undoing gender. London: Routledge, 2004· CAMERON,D.; KULICK,D. Language and Sexuality. Cambridge: Cambridge University Press, 2003·
panquecas são também de dois tipos. Gênero e Língua(gem):
Routledge, 1993· BUTLER,J. Excitable Speech: a politics of the performative. London:
uma rica diversidade de
e curiosos neste campo, particularmente
aque-
CAMPBELL-KIBLER,K.; PODESVA,R. J.; ROBERTS,S. J. et aI. (ed.). Language and sexuality: contesting meaning in theory and practice. Stanford
les que desejam contribuir com sua própria pesquisa, bem como aprender
California: CSLI,2002.
sobre e apreciar os resultados dos trabalhos de áreas diversas. Esperamos
CARVALHO,D. S. À beira do pertencimento: filiação e autopercepção em comunidades de prática gays em Salvador, Bahia. In: SILVA,D. e.; PEREIRA, 1. F. M.; CASTRO,L. G. F. (ed.). Dissidências sexuais e de gênero nos estudos de
que este volume inspire e contribua para a continuação
da pesquisa sobre
gênero e linguagem humana. Para concluir esta apresentação, de agradecer profundamente
aos colaboradores,
gostaríamos
cujas excelentes contribui-
discurso. Aracaju: Criação, 2017·p. 31-49·
ções propiciam a ampliação e a difusão dos estudos sobre gênero.
CARVALHO,D. S. Algumas considerações sobre a morfossintaxe Estudos LinguÍsticos e Literários, Salvador, n. 47, p. 30-46, 2013·
REFERÊNCIAS
CARVALHO,D. S. traço de gênero na morfossintaxe São Paulo, v. 34, n. 2, p. 635-660, 2018.
BAKER,P. Sexed Texts: language, gender and sexuality. London: Equinox, 2008.
CORBETT,G. G. (org.) The Expression of Gender. Berlim: The Gruiter Mouton,
BERNSTEIN,B. Elaborated and restricted codes: their social origins and some consequences. American Anthropologist, Washington, D.e., v. 66, n. 6, p. 55-69, 1964.
ECKERT,P.; MCCONNELL-GINET,S. Think practically and look locally: language and gender as community-based practice. Annual Review of Anthropology, PaIo Alto, v. 21, p. 461- 490,1992.
BING, J. M.; BERGVALL,V. L. The question of questions: beyond binary thinking. In: BERGVALL,V. L.; BING, J. M.; FREED,A. F. (ed.) Rethinking Language and Gender Research: theory and practice. London: Longman, 1996. p. 1-33·
HELLINGER,M.; BUBMANN, H. (ed.) Gender Across Languages: the Linguistic Representation of Women and Men. Amsterdam: [ohn Benjamins, 2001. v. 3
°
BORTONI-RICARDO,S. M. Do campo para a cidade: estudo sociolinguístico de migração e redes sociais. São Paulo: Parábola, 2011.
de gênero.
do português. DELTA,
2015·
KRAMER, R. Definite Markers, Phi Features and Agreement: a Morphosyntactic Investigation of the Amharic DP. 2009· Dissertation (PhD in Linguistics) - University of California, Santa Cruz, 2009· KRAMER, R. The Morphosyntax
of Gender. Oxford: Oxford University Press,
2015·
16
I
G~NERO E LlNGUA(GEM):
FORMAS E USOS
G~NERO E LíNGUA(GEM):
DIFERENTES
PRÁTICAS TEÓRICAS
I
17
KRAMARAE, c.. TREICHLER, P. A. A Peminist Dictionary. Boston: Pandora Press, 1985. LABOV,W. Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972. LABOV,W. The logic of nonstandard
English. Monograph Series on v. 22, p. 1-43, 1969.
Languages and Linguistics, Washington,
LAKOFF,R. Language and Woman's Place. New York: Harper and Row, 1975. LEAP,W. L.; BOELLSTORFF,T. (ed.) Speaking in Queer Tongues: globalization and gay language. Urabana: University of Illinoism, 2004. LIVIA, A.; HALL, K. (ed.) Queerly Phrased. Language: gender, and sexuality. Oxford: OUP, 1997. MCCONNELL-GINET,S. Gender and its relation to sex: the myth of 'natural' gender. In: CORBETT,G. G. (org.) The Expression of Gender. Berlim: The Gruiter Mouton, 2015. MCCONNELL-GINET,S. Language and Gender. In: NEWMEYER, F. J. (ed.). Linguistics: the Cambridge Survey. Cambridge: Cambridge University Press, 1988. v. 4, p. 75-99 MCILVENNY,P. (ed.). Talking Gender and Sexuality. Amsterdam: john Benjamins, 2002. MORRISH, L.; SAUNTSON, H. New Perspectives on Language and Sexual Identity. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2007. SAUNTSON, H.; KYRATZIS,S. (ed.). Language, Sexualities and Desires: crosscultural perspectives. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2007. OLIVEIRA,S. O estereótipo do falar porto-alegrense: percepções e atitudes sobre o falar com ingliding e alongamento vocálico. In: FORÚM FAPA,14., 2015, Porto Alegre. Anais [00']' Porto Alegre: UFRGS, 2015. p. 358-374. RODRIGUES,A. C. S. A concordância verbal no português popular em São Paulo. 1987. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.
18
I
G~NERO E lINGUA(GEM):
FORMAS E USOS
Parte I ;
GÊNERO E . SOCIOLINGuíSTICAI DIALETOLOGIA
Sexo, gênero e orientação sexual na pesquisa sociolinguística Elisa Battisti, Samuel Gomes de Oliveira
INTRODUÇÃO
Viver em sociedade implica produzir e perceber distinções sociais, algumas delas relacionadas
aos usos da linguagem. (BOURDIEU, 2015) A socio-
linguística variacionista
(LABOV,2008) mede os efeitos dessa diferenciação
social nos padrões linguísticos,
controlando
estatisticamente
grupos de fatores corno classe social, gênero e escolaridade
o papel de
na aplicação de
processos variáveis. Embora essa tradição de pesquisa tenha revelado aspectos expressivos sobre o componente
social da variação linguística,
sos abaixo do nível da consciência'
corno o de que proces-
se originam em estratos centrais da hie-
rarquia social, e de que as mulheres apresentam
mais altas frequências
de
uso de formas inovadoras do que os homens, (LABOV,2001) questiona-se desenho dos grupos de fatores em si, tanto na sociolinguística outras ciências humanas
o
quanto em
e sociais. Discute-se o fato de que as categorias
Labov ('994, p. 78, tradução nossa) define mudanças abaixo do nível da consciência, que implicam variação linguística, como "mudanças sistemáticas que aparecem primeiramente
no verná-
culo e representam a operação de fatores linguísticos, internos. No começo, e durante boa parte de seu desenvolvimento,
elas estão completamente
abaixo do nível da consciência social".
I
21
controladas na análise podem não corresponder à realidade que se almeja investigar, pois: tornam descontínuo um aspecto contínuo, como as classes sociais; (BOURDIEU, 2008) simplificam
dramaticamente
uma realidade
ladora que tenta uniformizar a identidade de gênero a partir de uma neterossexualidade compulsória naturalizada, em que se elege a heterossexualidade como norma. As ambiguidades e incoerências de práticas heterossexuais,
complexa, como o gênero. (SCHILLING, 20n) Este capítulo insere-se nessa
homossexuais
discussão. Trata do desafio de lidar com sexo, gênero e orientação sexual no
minino, intervêm, denunciam
estudo da percepção e avaliação de uma variável sociolinguística,
o binarismo
realização das entrevistas,
desde a
que envolve o registro, em categorias, de dados
do perfil social do informante,
até a repercussão
das classificações
adota-
e bissexuais, suprimidas
na estrutura binária masculino/fe-
e deslocam essas reificações. Questionando como definidor de gênero, sutíer (2017)
masculino/feminino
chega à noção de gênero performativo,
em que gênero é algo que se "faz" e não
algo que se "é". O próprio sujeito é um construto performativo,
no discurso e pelos atos que executa. Nessa perspectiva, é a repetição - esti-
das nos resultados estatísticos. Serão discutidas algumas etapas do estudo-piloto
de Oliveira (2015), sobre
lizada - dos atos que, a partir da materialização
do sexo, cria o gênero, que,
o ingliding (só::s~ café::caffJiJ no português brasileiro falado em Porto Alegre
sendo performativo, não é um dado da realidade que expressa ou exterioriza
(RS), com o objetivo de mostrar a relevância de considerar a distinção entre
uma essência, nem uma identidade
sexo, gênero e orientação sexual dos informantes
meto-
pela estilização do corpo, constitui, para sutler (2017, p. 242), a "ilusão de um
do banco
eu permanentemente marcado pelo gênero". segundo Butler (2017), portanto, não há uma identidade de gênero pree-
dológicos tradicionais
de amostragem,
nos procedimentos
se não para a estruturação
de entrevistas, ao menos para o registro do perfil social do informante. O capítulo inicia pela fundamentação atributo biológico a identidade
teórica, opondo sexo a gênero, ou
social, e gênero a orientação
última é percebida sociolinguisticamente gay" e pode ser alvo de lutas simbólicas
via estereótipos
sexual. Essa
como o da "fala
estável. O efeito de gênero, produzido
xistente pela qual um ato ou atributo de gênero possa ser medido. Se a realidade do gênero é criada mediante performances
sociais contínuas, a postu-
lação de uma identidade de gênero verdadeira, real ou original é uma ficção reguladora calcada em estruturas
que, como se mostrará, repercutem
da heterossexualidade
em alguma medida nos estudos de avaliação de formas linguísticas.
restritivas de dominação
compulsória.
possibilidades
SEXO, GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL Afinal, o que é sexo e o que é gênero? Sexo e gênero são variáveis distintas? Que fatores compõem essas variáveis? Butler (2017) problematiza
a identificação,
relativamente
corrente nas
ciências humanas e sociais, de sexo com uma realidade - e naturalidade
-
biológica e gênero com uma construção social. Sexo é uma categoria suspeita, segundo a autora, tanto pelos seus atributos quanto pela discriminação das características
- biológicas - que definiriam um ou outro sexo. Para ela,
não há como comprovar que exista um corpo físico anterior ao corpo percebido. Além disso, a aparente unidade que conferiria coerência ao corpo como sexuado pode servir a propósitos de fragmentação, nação sociocultural
restrição e domi-
e política.
Em relação a gênero, Butler (20I7) alerta para o fato de que sua reificação como categoria binária (masculino/feminino) é efeito de uma prática regu-
I
hierárquico.
de gênero que contestem
os códigos rígidos do binarismo
Para ela, tanto gênero quanto sexo, inscritos
existam possibilidades
materialmente produzidos,
E LlNGUA(GEM):
FORMAS
E USOS
têm
de poder. Embora, no espaço social, não
de escolha de gênero completamente
livres, há lugar
para intervenção nas estruturas de poder e na reificação do gênero como binário, a partir da subversão das expectativas de gênero. A problematização de sexo e gênero realizada por Butler (2017) assemelha-se à de Bourdieu (2012), para quem também as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculino
e feminino
são uma construção
social. Essa
diferença biológica entre os sexos é, para Bourdieu (2012), uma justificativa naturalizada
da diferença socialmente
engloba relações de dominação
construída
entre os gêneros, que
inscritas na objetividade - divisões objeti-
vas dos sexos - e na subjetividade, que organiza a percepção dessas divisões
PARTE I - GÊNERO E SOCIOLINGufTICA/DIALETOLOGIA G~NERO
e
é possível, com novas
no corpo em um conjunto de práticas, discursivamente relação direta com as assimetrias
masculinista
A autora defende que, no interior das
práticas de significação, a subversão da identidade
22
constituído
I
23
Para o autor, gênero interage com classe social e estilo de vida, e interfere
objetivas sob forma de esquemas cognitivos. Para Bourdieu (2012), o gênero tem apenas existência relacional, sendo produto do trabalho de construção teórica e prática: um gênero possui um corpo socialmente diferenciado do
justamente
gênero oposto - de um lado, há um habitus viril (não feminino) e, de outro,
percussões, por exemplo, no mercado de trabalho. Bourdieu
um habitus feminino (não masculino).
que a história deveria empenhar-se
Bourdieu
(2012,
p. 33, grifos do autor), ao tratar da construção simbólica
- de gênero -, vai além daperformatividade
o trabalho
de construção
não se reduz a uma operação
performativa de nominação que oriente representações, a começar pelas representações
estritamente re as
(o que ainda não é nada); ele se completa transformação
profunda
isto é, em um trabalho que impõe uma sobretudo
e duradoura
os sexuais,
de construção
dos usos legítimos
e tende a excluir do universo pertencer
e em particular
biologicamente
'perverso
polimorfo'
é - para produzir
do corpo
e se realiza em uma
e do factível tudo que se caracteriza todas as virilidades
e estrutu-
dos corpos (e dos cérebros),
e por um trabalho
definição diferencial
prática, do corpo,
do pensável
ao outro gênero inscritas
no
que, se dermos crédito a Freud, toda criança este artefato
ca independente,
ou interagindo
social que é um homem
viril ou
dera possível-
(2012)
acredita
em descrever e analisar a (re)construção (2017),
Bourdieu
(2012)
consi-
da ordem dos gêneros.
Os dois autores ressaltam a tendência à manutenção
da ordem social como
está _ gênero como categoria binária de dominação
-, mas não deixam de
chamar atenção para a possibilidade
de subversão no interior das práticas de
significação, ou do habitus, que deem visibilidade a possibilidades
de gêne-
ro para além da lógica binária masculino/feminino. Na esteira desses questionamentos, e em favor dos direitos daqueles que não se conformam à heterossexualidade
compulsória
ou à divisão social bi-
nária nas categorias homem viril e mulher feminina, movimentos buscando dar visibilidade a possibilidades
de gênero não hegemônicas.
desses movimentos
(2016),2
sociais vêm
pode ser encontrada
que se define como "um espaço colaborativo
que busca a inclusão da diversidade de gêneros através da língua" e que reúne representantes
ilegítimos, excluindo tudo o que não se conforma ao "homem viril" ou à "mu-
identidade, partindo da premissa de que "só quem sente pode definir".
(2012),
de um
trabalho incessante e histórico de reprodução e contínua recriação de estru-
de diversos gêneros e suas interpretações
categorias estão definidas da seguinte maneira: Identidade de gênero:
famílias, escola, Igreja, Estado.
com identificação. mem cisgênero,
A reprodução social dessas estruturas, de modo a manter a ordem do espaço social em que os "homens viris" ocupam posições superiores, é garan-
car com nenhum
tida pelo habitus que, para o autor, atua tanto nos esquemas de percepção
Sexo: É uma
quanto na ação dos agentes sociais, (re)produzindo
no ou intersexo.
estilos de vida defini-
transgênero,
característica
Orientação sexual:
sinais distintivos.
As condições de existência condicionam
o habitus que,
ligada à atração.
sendo constituído
de esquemas geradores de práticas e de percepção de prá-
xual, bissexual,
estilo de vida.
(DICIONÁRIO
2
I
E LlNGUA{GEM):
FORMAS
E USOS
mulher
cisgênero,
ho-
entre outres, e até não se identifi-
biológica.
Pode ser masculino,
femini-
É o que a pessoa sente por outra. Também
Uma pessoa pode ser homossexual, pansexual
está
heterosse-
etc.
.. , 2016)
Ver: httPs://www.artplan.com.br/trabalhos/afroreggae/dicionario-de-generos.
PARTE I - GtNERO G~NERO
se vê e se sente. Tem a ver
deles.
a classe e seus
O
É como a pessoa
Ela pode se enxergar
dos pelo conjunto de práticas classificadas que determinam
ticas, constitui
sobre a própria
Em seção destinada à diferença entre sexo, orientação e gênero, essas três
turas objetivas e subjetivas de dominação, de que fazem partes agentes sociais específicos, instituições,
No
no Di-
bólica e motiva violência simbólica contra os usos do corpo tomados como lher feminina". Essa violência é resultado, conforme Bourdieu
24
com classe social, tendo re-
embora custosa - uma transformação
cionário de gêneros social de natureza binária é resultado de uma construção sim-
uma dinâmi-
social dos princípios de visão e de divisão geradores dos gêneros e das cate-
Brasil, uma manifestação
uma mulher feminina.
o artefato
diretamente
gorias de práticas sociais. Assim como sutíer
de Butler: simbólica
em qualquer análise de classe, ou apresentando
E SOClOLlNGU[TlCA/DIALETOLOGIA
I
25
Nessas definições, cisgênero (homem ou mulher) refere-se à identidade de gênero conforme ao sexo de nascimento. Transgênero (binário ou não binário)," à identidade de gênero desassociada do sexo de nascimento. Um trans-
gênero pode ou não realizar cirurgia para modificação de seus órgãos sexuais. Já orientação sexual não é identidade de gênero, mas pode ter efeitos sobre ela em termos de distinção ou diferenciação social: homossexual é aquele que sente atração por alguém do mesmo gênero, heterossexual sente atração por alguém de outro gênero, bissexual sente atração por dois gêneros, pansexual sente atração independentemente do gênero. As combinações possíveis entre gênero e orientação sexual são, portanto, várias, mas orientação sexual e gênero são categorias diferentes: um homem (cisgênero ou transgênero) não deixa de ser homem, se assim se entende, por ser homossexual, por exemplo. Em relação à orientação sexual e às categorias identitárias de gênero, cabe
membros de uma comunidade
em relação a uma obediência às regras da
identidade; (iii) lutar pela abolição da identidade - a abolição da identidade implica abolição da propriedade da soberania, indo além de uma visão reformista de emancipação
na busca por um mundo em que haverá proliferação
de singularidades. A política queer/que
tem em Butler uma de suas defensoras, pode ser,
segundo Hardt e Negri (20I6), uma forma de política identitária mais claramente revolucionária
por vincular a política de gênero a uma crítica da iden-
tidade. Revelando as violências e subordinações
da heteronormatividade,
da
de gênero, a política queer propõe projetos de
homofobia e das hierarquias luta enquanto problematiza
e, assim, desestabiliza
as identidades
de gêne-
ro. Nessa perspectiva, o termo queer se define menos como uma identidade,
ressaltar o que Hardt e Negri (20I6, p. 356) afirmam sobre os movimentos
mas sim como uma crítica à identidade. Hardt ~ Negri (20I6) explicam que a terceira tarefa da política revolucio-
revolucionários
nária sobre as identidades,
alicerçados na identidade:
mos: a política revolucionária
"É este o enigma que enfrenta-
precisa começar na identidade, mas não pode
a de abolição da identidade, não tem o intuito de
destruir a diferença em prol de uma uniformização.
Pelo contrário, busca-se
terminar nela". Para os autores, existem três tarefas básicas que devem ser
a libertação e a proliferação de diferenças, para além do que termos como
executadas - simultaneamente
homem, mulher, homossexual
terrenos identitários: de, reapropriando-se
(i) revelar a violência da identidade
da indignação identidade
dentro dos
como proprieda-
dessa identidade - é preciso atacar a invisibilidade
violências identitárias nação, segmentação
- nos projetos revolucionários
para revelar as estruturas
hierárquicas
- de subordi-
podem conter. Nessa pers-
pectiva, faz sentido usar, em lugar de identidade, abarca multiplicidade
- em constante
Para os autores, identidades
singularidade, termo que
fluxo - e diferença, singularidade.
podem ser emancipadas,
mas somente singu-
de dominação usando a
laridades podem se libertar. As entradas em dicionários e listas colaborativas de gêneros e orientações
como arma na busca da liberdade - evitando tan-
sexuais não hegemônicas, aqui mencionadas, conferem visibilidade a grupos
e exclusão - que perpassam
para a rebelião contra as estruturas
subordinada
das
e heterossexual
to lutas multiculturalistas
e de reconhecimento,
a sociedade; (ii) avançar
por reduzirem a busca de
ou categorias que, em decorrência das estruturas
liberdade a um projeto de expressão e tolerância, quanto os nacionalismos
geralmente
que, em suas formações combativas contra estruturas de subordinação,
aca-
Revelam tanto identidades quanto a violência por trás das estruturas
dos
que originam essa violência. A busca pela nomeação de diferentes gêneros
bam reforçando a fixidez da identidade,
policiando o comportamento
despercebidos,
são socialmente
sociais de poder, passam
invisíveis. (BOURDIEU, 2008) sociais
e orientações sexuais faz parte de um processo de crítica, desconstrução
e
reconstrução das identidades de gênero que tem repercussão tanto na produ3
Enquanto os cisgêneros são de gêneros binários, os transgêneros
podem ser tanto de gêneros
binários (homem ou mulher) quanto não binários. Indivfduos de gênero não binário justamente
a necessidade de um padrão binário de gênero. Uma lista (em construção) de gê-
neros não binários pode ser encontrada no site Orientando (Ver: https:jjorientando.orgj).
Esse
site apresenta diversas listas, tanto para categorias de gênero quanto para orientações sexuais, com diversas possibilidades.
Para os gêneros não binários,
portador de qualquer gênero, como de gênero fluido demigênero
26
I
G~NERO
ção, quanto na percepção de distinções sociais.
negam
FORMAS
E
usos
como não
(que muda de tempos em tempos), como
(parte de um gênero), dentre (vários) outros.
E LlNGUA(GEM):
há quem se identifique
4
Hardt e Negri (2016, p. 80, grifos dos autores) definem queer como "palavra inglesa originalmente significando
estranho. esquisito, excêntrico e que, através de sobreposição com queen
(rainha), designando na segunda metade do século XX homossexuais masculinos afeminados e praticantes de transsexualismo,
passou a conotar transgressão da ordem heterossexual".
PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGU[TlCA/DIALETOLOGIA
I
27
Lidar com a variedade de gêneros e a possibilidade de sua combinação com orientação sexual é um desafio para o estudo sociolinguístico, que tem um de seus pilares em amostras representativas de fala, tradicionalmente constituídas a partir de entrevistas de homens e de mulheres. A questão é importante porque, se de um lado se busca transpor os limites do binarismo canônico, de outro se procura assegurar que os conjuntos comparáveis. Nosso envolvimento
com essa problemática
de dados sejam está relatado nas
seções que seguem, sobre um estudo-piloto
(OLIVEIRA,2015) que colaborou
para definir e aperfeiçoar os instrumentos
de coleta de dados da amostra
do LínguapoA, um acervo de entrevistas sociolinguísticas A VARIÁVEL LlNGuíSTICA:
O INGL/DING
em consntuícão.'
O ingliding não se origina de coarticulação,
estrutura de contorno intrínseca ao fone vocálico, conforme Clements e Hertz (1996). Gera ditongos centralizados
cos. pode ser o efeito de marcação de limite de frase entoacional. (BATTISTI; OLIVEIRA,2014) Embora não ocorra em proporção significativa
no estudo-piloto
de vogais tônicas, ou a transformação
de Oliveira (2015) é o ingliding
dessas vogais em ditongos por centra-
lização de sua porção final, de que resulta um glide centralizado, OLIVEIRA,2016, p. 15) como representa a Figura 1.
(BATTISTI;
- aplica-se na proporção
de 9,5%, conforme Oliveira (2016) -, o ingliding é estereótipo
do português
de Porto Alegre - imitado por pessoas de fora da comunidade
- e marca-
dor social - compõe um estilo. (BATTISTI, 2013) Nos termos de Silverstein constitui-se
sujeito a constante A variável contemplada
perceptíveis de oitiva apenas quando o in-
gliding ocorre em conjunto com alongamento vocálico. Em termos prosódi-
(2003), o ingliding
DE VOGAIS TÔNICAS
(BATTISTI,2013) mas de uma
sociada a categorias
como um índice de segunda ordem, pois está
reinterpretação macrossociais
e conta não apenas com indexação as- local de residência,
classe social -,
mas também com indexação da avaliação social dos falantes sobre o seu emprego. (OLIVEIRA, 2016) Um dos significados
sociais no campo indexi-
cal do ingliding o associa à fala gay, associação muito possivelmente
evoca-
da pela afetação, peculiar também ao estilo de grupos da vanguarda cultuFigura 1 - Centralização
vocálica
de ingliding, com exemplos
no processo
ral - "descolados" - e de classe social mais alta - "refinados".
VOGAIS
. 1
Anterior Alta
Central
CLASSIFICAÇÕES NA IDENTIFICAÇÃO
Posterior
CONFERINDO VISIBILIDADE
u fie]
Média-alta
Média-baixa
o
preciso-precinllso
O estudo de Oliveira (2015) colaborou na testagem de instrumentos
[ee] -> tetras-teantras
a constituição do LínguaPOA. Um desses instrumentos
[EU]
-+
dessa-denllssa
vista - doravante apenas Ficha. Nela registram-se dados de identificação
[oe]
-+
negócio-lIcgónllcio
informante
[oc]
->
foda-fonflda
A formação
do LínguaPOA é um dos objetivos
social na comunidade jeto foi desenvolvido
(nome, endereço, data de nascimento,
[ue] -> indlísfrin-indtínllstria
infância, residiu, reside no momento). A Figura
do
sexo/gênero, orientação profissão, ocupa-
locais em que passou a mostra o começo da pri-
meira versão da Ficha, testada por Oliveira (2015).
do projeto Variação fonético-fonológica
de fala de Porto Alegre, coordenado pelo CNPq junto à Universidade
2
para
foi a Ficha de Entre-
sexual, estado civil, etnia, origem dos pais, escolaridade,
Fonte: adaptado de Battlstí e Oliveira (2016, p. 16).
5
AO INViSíVEL
ção) e localidades relevantes (local de nascimento,
a
Baixa
-->
DO INFORMANTE:
pela Prof." Dr." Elisa Battisti.
e classe O pro-
Federal do Rio Grande do Sul CUFRG5) de
2015 a 2019 O acervo contempla quatro áreas geográficas da cidade, dois bairros em cada área, três grupos etários, três nfveis de escolaridade, dois sexos/gêneros.
28
I
G~NEROE LlNGUA(GEM):FORMASE usos PARTEI - MNERO E SOCIOLlNGufTlCA/DIALETOLOGIA
I
29
Figura 2 - Categorias "sexo/gênero" de Entrevista do LínguapoA
e "orientação
sexual"
na primeira
versão da Ficha
não seja critério de estratificação,
orientação sexual é informação de perfil
social que auxilia na discussão e interpretação FICHA DE ENTREVISTA Entrevistador:
_
Data: __
__
dos resultados, e na avaliação
das categorias em si. A inclusão de orientação sexual na Ficha implica distinguir tecnicamen-
_ __
te gênero de sexualidade, embora se reconheça que, no espaço social, possa
Ideurlflcaçüo 1. NOUJe: 2. Endereço (rua, n", bairro, zona):
_
haver interdependência
_
lidade, resultantes
3. Data de nascimento:
_
homossexuais
4. Sexo/Gênero:
_
dade" por destoarem
5. Orientação sexual:
_
6. Estado civil:
_
7. Enua:
_
8. Origem dos pais (cidade, bairro):
_
9. Escolaridads
._-----------
mulheres e homens
podem não ser percebidos como mulheres e homens "de verda lógica homem viril e mulher feminina. (BOURDIEU,
quem enxergue gênero e sexualidade como imbricados e inter-re-
lacionados, conforme ressalta Levon
o que os faz conceituar sua sub-
(20I6),
jetividade - e a dos outros - dessa maneira. A inclusão de orientação sexual subjetividade. No estudo de percepção e avaliação do ingliding no português falado em
U Nenhuma ( ) I" a 4' série do Ensino Fundamental / Primário
compulsória:
na Ficha permite que o informante represente, em certa medida, sua própria
(assinalar se completo ou em curso):
'----
2012)8 Há
entre percepções de gênero e percepções de sexua-
da heterossexualidade
_-_ _- __
.._ ..
..
...
...
Porto Alegre, (OLIVEIRA, 2015) oito foram os participantes,
Fonte: acervo LínguaPOA ([201-]).
-alegrenses - um do sexo masculino
nativos porto-
e um do sexo feminino para cada uma
das quatro zonas da cidade (central, norte, leste e sul).? Já no preenchimen-
o item
4 - sexo/gênero
gistrar informações amostra,
- da Ficha (Figura 2) não serve apenas para re-
de perfil do informante.
que busca comparabilidade
geral, consideram
pressuposto
da
com acervos similares." Esses, em
a categoria 'sexo' e dividem os informantes
e mulheres. O LínguaPOA contempla "sexo/gênero",
É critério de estratificação
em homens
a mesma categoria, mas a denomina
não apenas pela atualidade
do termo,' mas também
pelo
de que, em termos sociais mais amplos, os porto-alegrenses
to da Ficha, antes da aplicação do teste de percepção e avaliação, ver seção "Efeitos da classificação reação dos informantes dade - os participantes
certamente
pria orientação
características
biológicas de homens e mulheres. No entanto, o LínguaPOA
que ele abertamente
o projeto
Variação Linguística na Região Sul (VARSUL), por exemplo, contemplou 'sexo' em sua
Freitag (2015, p, 29) afirma que, "tanto em estudos sociolinguísticos
quanto em bancos de
entrevistas, 'sexo/gênero' é o termo mais frequentemente empregado, em geral na distribuição dos informantes em duas categorias, homens e mulheres ou masculino e feminino".
30
I
G~NERO
E LlNGUA(GEM):
FORMAS
E
na
e o item 5 "orientação
com 'masculino'
8
heterossexual
não se deve ao desconhecimento
com tranquili-
ou 'feminino',
sem
etc", Esse tipo de reação
do participante
de sua pró-
sexual, mas ao fato de essa não ser uma informação construa
classificações
oriente percepções e interpretações
Ao abordar tal interdependência
com
sociais, embora tacitamente
das práticas cotidianas. É o que sugere
entre as percepções de gênero e sexualidade, Levon (2016,
p. 178) afirma que "essa interdependência
do Brasil (Porto Alegre foi um deles), divididos em dois grupos etários e três níveis de escolaridade. Ver: http://www.varsul.org.br/. 7
preencheram
a diferença
hesitar -, o item 5 gerou dúvida: "O que eu respondo aqui?" O pesquisador
sociais - de gênero - em masculina e feminina a partir das
amostra-base: reuniu entrevistas de homens e mulheres de diferentes municípios da região Sul
para o item 4 "sexo/gênero"
teve que explicar: "homossexual,
operem com uma visão dicotômica de gênero no espaço social, polarizando
6
dos resultados",
sexual" chamou atenção: enquanto o item 4 foi respondido
as identidades
dá um passo além: registra "Orientação sexual" (Item 5 da Ficha). Embora
na interpretação
não implica que gênero e sexualidade sejam a mesma
coisa; tampouco significa que não haja motivos convincentes para distinguir os dois construtos". 9
A concepção da cidade em quatro zonas respeita a divisão municipal para a circulação do transporte coletivo e coincide com a ideia dos porto-alegrenses sobre áreas da cidade. Há um mapa dessa divisão, ver: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/Cs/usujmg/regioes_atendimento_cores.jpg).
usos PARTE I - G~NERO
E SOCIOLlNGU(TlCA/DIALETOLOGIA
I
31
a réplica de um participante ao esclarecimento fornecido pelo pesquisador: "Até isso [es]tão perguntando agora!". A Ficha foi, então, revista, e os esclarecimentos antes fornecidos verbal-
III
mente pelo pesquisador, incluídos na Ficha na forma de alternativas. É o que se vê no item 6 da Figura 3, que traz o começo da Ficha em sua segunda versão.
1I
à orientação sexual (EDWARDS,2009), essas podem não ser captadas pelas categorias, por mais que nos empenhemos em refiná-Ias; (b) como bem alerta sourdieu. (2008) a busca por categorias precisas, representativas, e a substituição de emblemas e estigmas do senso comum, como também dos princípioS práticos do juizo cotidiano, por critérios controlados e fundados na lógica científica podem tirar lugar de representações
I
Figura 3 - Categorias "Sexo/Gênero" e "Orientação sexual" na segunda versão da Ficha
buam para produzir o que elas descrevem e designam, isto é, que produzam atos de percepção e de apreciação, de conhecimento
de Entrevista do Língua POA
I
FICHA DE ENTREVISTA Entrevistadorfa):
_
N" LínguaPOA:
I
--
parte dos informantes. Assim, apesar de consistir em procedimento categorias claras para os pesquisadores,
Data:
que de fato contri-
e reconhecimento
por
de pesquisa inovador, com
capazes de contribuir
para a dis-
cussão de resultados de futuras análises de variação com os dados do Lín-
Identíílcação 1. Nome do(a) entrevistado(a):
guaPOA, a inclusão de orientação sexual na Ficha não se afigura como a so-
_
lução definitiva para questões de gênero na amostragem.
2. Endereço (rua. n", bairro, zona): 3. Contatos (telefone, e-mail):
_
4. Data de nascimento:
_
5. Sexo/Gênero:
_
6. Orientação sexual (assinalar):
U Homossexual
U Heterossexual
U Bissexual
U Pansexual
As categorias não
têm total respaldo na lógica da prática cotidiana, por isso são desconhecidas dos informantes de sexualidade
que - ainda - não operam abertamente
na vida em sociedade.
com distinções
Esse fato, relacionado
a disputas
simbólicas em torno do tema, tiveram efeito nos resultados alcançados pelo Fonte: acervo LínguaPOA([201-
estudo-piloto
D.
Mesmo com a inclusão das alternativas, o item 6 seguiu gerando dúvidas,
EFEITOS DA CLASSIFICAÇÃO NA INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Oliveira (2015) utilizou duas técnicas de pesquisa no estudo de percep-
agora em relação às categorias propostas (O que é pansexual? Qual a diferença entre bissexual e pansexual?). Ou seja, o aperfeiçoamento liou a minimizar incertezas, oferecendo ao informante
na Ficha auxi-
um ponto de partida
ção e avaliação do ingliding
(SÓ::SÓ8,
café::caftIl.) no português de Porto Alegre
no Rio Grande do Sul (RS), a de estímulos pareados" (LAMBERTet al., 1960)
para a resposta, mas as categorias elencadas não são de amplo domínio pú-
e a de mapas desenhados.
blico. Além disso, o conjunto de alternativas pode ter deixado de lado deno-
presente capítulo são os da técnica de estímulos pareados, parte dos quais
minações necessárias e eventualmente
serão apresentados
outras possibilidades
de orientação
Em nossa avaliação do aperfeiçoamento cem destaque: (a) embora reconheçamos nilidade e masculinidade tradicionais
10
Uma lista de possíveis nomenclaturas lista-de-orientacoes/
I
na Ficha, dois aspectos merea necessidade
ao longo de um continuum,
e assim expressando
(PRESTON, 1989) Os resultados relevantes para o
aqui. Os estímulos
foram gravados por dois porto-ale-
grenses, um homem M(masc) e uma mulher F(fem), ora com ingliding, ora
sexual para além das quatro listadas.'?
32
de Oliveira (2015).
de lidar com femirevendo dicotomias
nuanças de gênero relevantes associadas
pode ser encontrada em: http://orientando.org/listas/
sem ingliding. Os oito participantes
responderam
a um questionário
questões: (1) de respostas organizadas em diferenciais semânticos de 5 pontos, sendo 1 equivalente
11
Matched-guise
a pouco e 5 a bastante; (2) de respostas em caixas
technique, também comumente traduzida como 'técnica dos falsos pares'.
.
PARTE I - GENERO G~NERO
E LlNGUA(GEM):
com dois tipos de
FORMAS
E usos
E SOCIOLlNGuITICA/DIALETOLOGIA
I
33
de seleção, com características pessoais das quais os informantes podiam escolher quantas achassem relevantes. Apenas parte dos resultados das questões tipo (r), com respostas em diferenciais semânticos, será aqui abordada. Essas questões e as alternativas
de resposta fornecidas
"Para você, o falar dessa pessoa é": Agradável, Feminina/Masculina,
Formal, Amigável,
N° e.
mais periférico, 2
foram submetidos
ao teste-t de amostras em pares com o
softwate SPSS,12do qual foram extraídos os valores de significância sentados nas tabelas. Embora a quantidade
o teste revelou dados interessantes
significativos, significância
Consideram-se
3 4
5
dos
6
que, mesmo quando não
7
a significância
indicam fatores que podem estar influenciando
e a avaliação dos informantes.
apre-
pequena de dados e a natureza
da pesquisa - percepção e avaliação - comprometesse
significativos
Sexo
Zona
M
sem ingliding
com ingliding
Central
4
5
F
Central
4
3
M
Norte
5
5
F
Norte
5
5
M
Sul
5
5
F
Sul
5
4
.
M
Leste
5
4
F
Leste
5
4
4,86
4,28
8
a percepção
Médias
os valores de
Significância
inferiores a 0,05.
Para a maioria dos informantes, o estímulo com ingliding é percebido como típico de Porto Alegre - principalmente
DE M (MAS C)
INFORMANTES
Ter sota-
Bairro mais central.
resultados,
CLASSIFICAÇÕES
da
Masculino
Escolarizada,
Porto-alegrense,
que, Ter amigos; (LC) "Essa pessoa deve morar num": Bairro
Os resultados
-
(inteligível/claro),
(r.b) "Para você, essa pessoa parece": Extrovertida,
Prestigiado; Inteligente,
Confortável
foram: (r.a)
Tabela 1 _ Resultados para o questionário de percepção e avaliação do estímulo M(m ). Os valores do informante 1, sombreados em cinza, foram desconsiderados asc 'lise (média e significância)
1
0,03
Fonte: adaptado de Oliveira (2015, p. 368).
do bairro Bom Fim, bairro da zona O informante
central da cidade. Os fatores formal e ter sotaque revelaram-se estatisticamente
I,
homem cisgênero, foi o único informante
homossexual
significativos: o falar com ingliding foi associado ao de pessoas menos formais
no estudo-piloto.
e com sotaque. Além disso, os demais resultados de Oliveira (2015) mostram
terossexuais. A maioria desses classificou o estímulo M(masc) com ingliding
que o estímulo com ingliding é associado principalmente
como menos masculino. Já para o informante
a pessoas desencana-
reveladores.
do fator masculino
Mostraram-se
sideraram-na
um informante
de M(masc) foram
o falar com ingliding
(informante
ou igualmente
masculina.
o falar com ingliding
é percebido como pouco masculino (r ou
2
é mais
avaliação
na escala se-
=
mântica de 5 pontos). Vale dar atenção ao único informante que considerou
a
os demais con-
o estímulo com ingliding como mais masculino, o informante 1. Na Ficha (primeira versão, ver Figura 2), o informante r preencheu "Orien-
Se desconside-
tação sexual" com a palavra gay. Indagado pelo pesquisador
no teste-t (significância
de M(masc) como mais masculina,
menos masculina
rado esse informante
para o estímulo
não significativos
0,197), isso porque somente
emissão com ingliding
I,
masculino. A diferença entre as médias é pequena, e em nenhuma
das, descoladas e preguiçosas.
Os resultados
Os demais, homens e mulheres cisgênero, eram todos he-
r) considerou
(linha sombreada na Tabela r), os resultados
passam
a ser significativos.
homossexual?", o informante "homossexual"
I
"por que não
respondeu que preferia essa nomenclatura
a
por uma posição política. Tal afirmação sugere que o infor-
mante conhece questões associadas a gênero e orientação sexual, já que faz
12
Statistical
Package for Social Sciences, pacote de programas estatísticos empregados em ciências
defesa de uma classificação aparentemente
menos isenta ou neutra do pon-
to de vista científico. Seu posicionamento
parece sugerir a separação entre
masculinidade/feminilidade
e orientação sexual, o que, por seu turno, justi-
humanas e sociais (ver: www.spss.com).
34
I
I
PARTEI- GÊNEROESOCIOLlNGuíTICA/DIALETOLOGIA35 G~NEROELlNGUA(GEM): FORMASEusos
CONSIDERAÇÕES
fica a discrepância da resposta dada em relação aos outros sete informantes, que associaram ingliding a menor masculinidade. E que relação pode haver entre ingliding,
masculinidade
A GÊNERO E ORIENTAÇÃO
e orientação
pode ser relacionado,
conforme Oliveira (20I6), a características
pessoas que fizeram parte de um movimento jovem de efervescência tural em um período pós-ditadura
de cul-
militar que, nos anos I980, teve o Bom
Fim como palco. (FILME..., 20IS) Aflorava, nos participantes
SEXUAL EM PESQUISAS
SOCIOLlNGuíSTlCAS
sexual? Associado ao bairro Bom Fim de Porto Alegre (RS), o falar com ingliding
FINAIS: PERSPECTIVAS DE ABORDAGEM
desse movi-
A divisão de seres humanos em categorias como sexo e gênero não é uma questão trivial. Embora a grande maioria das pesquisas estratifique os informantes em masculino efeminino,
sociolinguísticas
tal divisão binária da so-
ciedade não é consensual e vem sendo cada vez mais problematizada. Ao lidar com variáveis sociais, o sociolinguista
precisa tomar decisões importantes
a
mento, um caráter crítico, urbano, de inovação cultural e de busca por li-
respeito dos informantes
berdade em diversas formas de expressão. O bar Ocidente, localizado
cluem a necessidade de esclarecer o que se entende pelas categorias macros-
coração do Bom Fim e considerado
importante
para o movimento
no
por ter
sociais consideradas
que irão compor sua amostra, e essas decisões in-
na pesquisa. É por isso que questionar a definição de
aberto suas portas aos artistas locais, teria surgido, conforme registros do
sexo e gênero é uma etapa essencial tanto na tomada de decisões a respeito da
Filme Sobre um Bom Fim (20IS), dirigido por Migotto, como um espaço de tendo sido
estratifica5ão da amostra, quanto na análise dos resultados obtidos. A Ficha de Entrevista, testada por Oliveira (20I5) em questionários
de
por pessoas de dife-
percepção e avaliação, é agora utilizada nas entrevistas sociolinguísticas
do
diversidade
sexual em uma época de repressão e preconceito,
considerado
um bar gay que passou a ser frequentado
rentes orientações Assim, ingliding mossexuais,
sexuais.
LínguaPOA. Os informantes,
não é prototipicamente
uma variante associada a ho-
mas a gama de significados potenciais no campo indexical da
nessa pesquisa sociolinguística
la, que busca constituir uma amostra representativa estratificados
pela variável sexo/gênero,
de larga esca-
da fala da cidade, são
o que permite a comparabilidade
variante fornecem motivação para que ela seja ligada à orientação sexual, o
com outras amostras, como a do projeto Variação Linguística na Região Sul
que tem efeitos na concepção de masculinidade:
(VARSUL).No entanto, para essa e outras pesquisas sociolinguísticas,
relaciona-se com a persona
do movimento jovem dos anos I980 que, se não é homossexual, não é conservadora
a ponto de defender a heterossexualidade
Os resultados do informante
I,
como norma.
portanto, impõem a necessidade de ir além da
categoria binária homem/mulher
ou masculino/feminino
na análise: para quem se declara abertamente masculinidade
na amostragem
é distinta e a avaliação das formas linguísticas, Mesmo assim, dão peso à inclusão de orientação
cha de Entrevista. Além disso, apontam para a importância mentos de pesquisa - entrevista sociolinguística, ao informante
também.
a pergunta: por que ainda manter o termo "sexo" na denominação
cabe
"sexo/gê-
nero"? Se, conforme sutler (2017) e Bourdieu (2012), mesmo a categoria sexo é um construto social, qual a serventia de preservar o termo? A menos que se queira fazer um estudo sobre diferenças
que possam
existir entre os diferentes sexos enquanto categorias biológicas reificadas, manter essa categoria significa excluir informantes
transgênero da amostra.
com poucos
Afinal, o que um transgênero
sexual na Fi-
não está de acordo com sua vivência de gênero? As respostas "mulher trans"
de, nos procedi-
por exemplo -, conceder
espaço para afirmar sua singularidade,
lativos a gênero e orientação sexual.
e
homem e gay, a concepção de
Os resultados de Oliveira (20IS) são os de um estudo-piloto, informantes.
ao menos
abordando temas re-
pode registrar na Ficha se seu sexo biológico
ou "homem trans" encaixam-se
no par binário tradicional,
mas deixam de
fora transgêneros não binários. Em uma amostra estratificada por gênero que considere categorias binárias, não há qualquer impedimento
para a participação de transgêneros
nários. Descartar dados de informantes
transgênero
sob o pressuposto
bida
busca pelo protótipo masculino ou feminino é fechar os olhos para a realidade, o que se configura como um contrassenso
em pesquisas interessadas
PARTE I - G~NERO
36
I
G~NERO
E LlNGUA(GEM}:
FORMAS
E USOS
E SOClOLlNGufTICA/DIALETOLOGIA
I
37
na análise da correlação entre língua e sociedade. Da mesma forma, faz-se necessário interpretar resultados a partir da problematização dessa categoria. Nesse sentido, incluir, no roteiro de entrevista, um tópico denominado
te, a opção de um espaço aberto para o informante
parece contemplar
me-
gênero parece um bom caminho para gerar dados que possam ser analisados
lhor as singularidades. orientação sexual pode fornecer informações para análise dos dados, in-
na perspectiva dos indivíduos. Assim como o roteiro do LínguaPOA dá conta,
clusive dos resultados relacionados
hoje, de explicar resultados motivados pela diferença entre informantes
de
receria ser assunto abordado na entrevista. Nesse sentido, não apenas fun-
que se
damental é entender a diferença entre orientação sexual e gênero - mesmo
uma zona da cidade que sempre viveram nessa zona, e informantes
a gênero, razão pela qual também me-
mudaram para outra zona, também o roteiro, ao incluir gênero como tópico,
que sejam categorias percebidas por alguns como interdependentes
teria o potencial de explicar possíveis diferenças entre um sujeito que sempre
compreender
se entendeu como de um gênero e um sujeito que passou boa parte da vida
seja, que não há uma única comunidade
como de um gênero e, no momento da entrevista, entende-se como de outro.
lésbica, hétero etc. Nesse sentido, o pesquisador precisa estar consciente da
Em relação aos gêneros não binários, novamente um roteiro de entrevista que abarque questões de gênero poderá sugerir onde encaixar o informante
diferença entre o estereótipo e o que os dados gerados atestam. A esse respeito, Levon (2016), retomando estudos anteriores, afirma que
caso seu gênero não binário seja parte "masculino" ou "feminino", ou assim
muitas pesquisas assumem, mesmo que implicitamente,
o esteja no momento da entrevista. Esse esforço, é claro, não tem o objetivo
dade da prática linguística de gays e héteros, o que os faz analisar tais prá-
de tornar binário o gênero do informante,
ticas como um resultado natural da identidade sexual dos falantes. O autor
dados para a análise estatística,
mas apenas de compatibilizar
a ser problematizada
os
e analisada conside-
que as pessoas não se limitam a suas orientações
defende um deslocamento,
-, como sexuais, ou
- e um modo único de ser - gay,
uma homogenei-
no foco das pesquisas, de identidade para práti-
rando esse aspecto. Tanto os resultados de rodadas estatísticas quanto a aná-
cas sociais, de maneira a não considerar a sexualidade como categoria está-
lise das práticas por meio das entrevistas podem trazer respostas para a rela-
tica. Examinando
ção entre o emprego de determinadas
materializam na linguagem, é possível compreender,
variantes e o gênero dos informantes.
Além disso, nada impede o pesquisador
de buscar por mais informantes
gêneros não binários, se não para incluir na amostra estratificada
de
de fala,
Entende-se, portanto, que não oferecer categorias para que o informante preencha sua informação
as diversas maneiras pelas quais desejo e sexualidade se
de gênero, respeitar sua singularidade
(2016), como as pessoas negociam o desejo a fim de apresentar
tidade psicológica distintiva e como funcionam
e confor-
gênero _ em prol da singularidade
medidas de pesquisa adequadas, dando espaço para que o informante
to tornar a amostra estratificada
ça a resposta que bem entender. Se há transformação
forne-
nas categorias utiliza-
das pelos agentes sociais, as pesquisas sociolinguísticas,
mesmo as de larga
Compatibilizar
as categorias
E se há um movimento de reivindicação por nomenclaturas
que diferen-
representativa
os dados de maneira a entendê-Ios
explicações fixas para o uso das mesmas. Assim, mesmo que a amostra, por sua natureza, se utilize de categorias binárias de gênero, tal decisão requer olhar atento do pesquisador,
separado de gênero e orientação sexual para preenchimento
dadas estatísticas é uma especificidade
daqueles
que não têm certeza sobre o que responder, mas deixa de fora possibilidades
das práticas dos agentes sociais. É o
bem como sua análise crítica dos resultados,
os responsáveis
formante. Dar opções de orientação sexual facilita o preenchimento
e inclusiva, quanto analisar
como correlações entre variáveis, e não
cia sexo, gênero e orientação sexual, faz sentido incluir na Ficha um campo por parte do in-
por esclarecer que considerar masculino/feminino
E lINGUA(GEM):
FORMAS
E USOS
nas ro-
da análise que precisa ser problema-
tizada, na busca de explicação tanto para padrões de variação, quanto para aquilo que foge aos padrões. Isso só é possível quando se consideram as prá-
PARTE I - G~NERO G~NERO
inovadora de
em lugar da identidade -, é preciso tan-
explicação por meio da consideração
para a análise estatística é papel do pesquisador.
I
uma iden-
as ideologias sociais e lin-
dos indivíduos. Em suma, na busca por uma perspectiva sociolinguística
mar-se à ideia de que gênero não deva ser tomado como categoria fixa sejam
escala, precisam abarcar essas transformações.
de acordo com Levon
guísticas acerca da sexualidade e da identidade que limitam a agentividade
para comparação de resultados com a mesma.
38
que não estejam abarcadas nas opções fornecidas. Nesse sentido, novamen-
E SOCIOllNGufTICA/DIALETOLOGIA
I
39
ticas dos agentes das variáveis.
sociais
pesquisados,
na busca
É o que sugere Eckert (2012) quando
dos sociolinguísticos
em três ondas
e ressalta
dagem complementar
entre as mesmas,
e englobando
estilística
a prática
ciais da variação Tal análise
partindo
dos sujeitos
a divisão
a importância
de estu-
de uma abor-
de estudos
de larga escala
em busca dos significados
so-
de duas formas,
implica,
bem como a consideração mas como um construto
sem dúvida,
Partir da identidade
requer certo aprofundamento
se de dados linguísticos.
ECKERT, P. Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of variation. Annual Review of Anthropology, PaIo Alto, v. 4I,
p. 87-100,
2012.
EDWARDS, J. Language and identity.
Cambridge:
Cambridge
University
de trabalho
em busca da singularidade em teorias
esse e outros
não como
social que pode ter mais
um maior volume
para os
dos agentes
sociais para uma boa análi-
Se o que se quer é avançar
ção entre língua e sociedade,
de gênero
na compreensão
desafios
precisam
da rela-
ser encarados.
Press,
2009.
FILME sobre um Bom Fim. Direção e Roteiro: Boca Migotto.
complementar, e estática,
sociais
propõe
sociais
linguística.
variável binária
pesquisadores.
pelos significados
Porto Alegre:
Epifania Filmes, 20IS. I DVD (90 min), son., calor. FREITAG, R. M. K. (Re)discutindo sexo/gênero na sociolinguística. In: FRElTAG, R. M. K.; SEVERO, C. G. (org.) Mulheres, linguagem e poder: estudos de gênero na sociolinguística brasileira. São Paulo: Blucher, 201S· p. 17-73· HARDT, M.; NEGRI, A. Bem estar comum. Rio de Janeiro: Record, 2016. LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. LABOV,W. PrincipIes oflinguistic
São Paulo: Parábola,
change - internal
2008.
factors. Malden:
Blackwell: 1994·
REFERÊNCIAS
LABOV,W. PrincipIes of linguistic
BATTISTI, E. Realizações Ditongação ou ingliding?
variáveis de vogais tônicas em Porto Alegre (RS): Fragmentum, Santa Maria, n. 39, p. 60-78, 2013.
BATTISTI, E.; OLIVEIRA, S. Alongamento e ingliding de vogais em sílabas tônicas no português falado em Porto Alegre (RS). Revista (Con)Textos Linguísticos, Vitória, n. II, v. 8, p. 39-56, 2014.
BOURDIEU, P. A dominação
masculina.
2.
Bertrand
o que falar quer dizer.
PRESTON, D. Perceptual Dialectology: Nonlinguists' Views of Areal Linguistics. Dordrecht - Holanda: Foris Publications, 1989.
Brasil,
BUTLER. J. Problemas de gênero: feminismo e subversão Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
2.
ed.
da identidade.
CLEMENTS, G. N.; HERTZ, S. R. An integrated approach to phonology and phonetics. In: DURAND, J.; LAKS, B. (ed.) Current trends in phonology. Salford: University of Salford Publications, 1996. DICIONÁRIO de gêneros. [São Paulo]: Artplan, 20I6. Disponível http://dicionariodegeneros.com.br/. Acesso em: 7 ago. 2017·
40
I
em:
1960.
Letras, São Paulo, n. 2, v. 18, p. 16S-I8I, 2016.
2012.
BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas: São Paulo: EdUSP, 2008.
LAMBERT, W.; HODSON, R.; GARDNER, R. et al. Evaluational reactions to spoken languages. foumal of Abnormal and Social Psychology, Albany, v. 60,
LEVON, E. O que soa "gay"? rrosódía. interpretação e julgamentos da fala masculina. Tradução de Livia Oushiro e Ronald Beline Mendes. Todas as
ed. São Paulo:
11. ed. Rio de Janeiro:
Blackwell,
200I.
n. I, p. 44-S1,
BATTISTI, E.; OLIVEIRA, S. Significados sociais do ingliding de vogais tônicas no português falado em Porto Alegre (RS). Revista Todas as Letras, São Paulo, n. 2, v. 18, p. 14-29, 2016. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. EdUSP; Porto Alegre: Zouk, 2015.
change - social factors. Malden:
OLIVEIRA, S. O estereótipo sobre o falar com ingliding
do falar porto-alegrense: e alongamento vocálico.
percepções e atitudes In: FORÚM FAPA, 14·,
201S, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: UFRGS. p. 358-374.
OLIVEIRA, S. O ingliding característico do falar de Porto Alegre (RS): um estudo de produção, percepção e atitudes. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras) - Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. SCHILLING, N. Language, The Cambridge Handbook University
gender and sexuality. In: MESTHRIE, R. ofSociolinguistics. Cambridge: Cambridge
Press, 20Il. p. 218-237·
SILVERSTEIN, M. Indexical order and the dialectics of sociolinguistic Language and Communication, [S. 1.], v. 23, p. 193-229, 2003·
life.
PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGuíTICA/DIALETOLOGIA G~NERO
E LlNGUA(GEM):
FORMAS
E USOS
I
41
As variáveis sexo/gênero e indivíduo em situação de contato dlaletaf Livia Oushiro
INTRODUÇÃO
o objetivo
deste capítulo é o de discutir o papel da variável sexo/gênero
em estudos de variação linguística e, mais especificamente,
o seu papel em
situação de contato dialetal, quando se lida com a fala de migrantes. A variável é, certamente, uma das mais analisadas em estudos da Sociolinguística Variacionista, uma vez que a obtenção de amostras balanceadas quanto ao sexo do falante é tarefa relativamente simples. (MILROY;MILROY,I997 apud CHESHIRE, 2002) Entretanto, não é sem problemas a interpretação de resultados de análises de correlação entre essa variável e determinada
variável sociolin-
guística - como, por exemplo, a concordância nominal, a realização de /r/ em coda silábica, a altura das vogais pretônicas etc. Uma das dificuldades reside no fato de que normalmente as amostras se baseiam em um critério biológico - o sexo do falante -, mas as interpretações devem levar em conta elaborações culturais atribuídas a papéis sociais desempenhados
por indivíduos de gêne-
ros diversos, que vivem em comunidades específicas. (CHESHIRE,2002) Não é raro, contudo, deparar-se com análises sociolinguísticas o
que conferem a uma
presente capítulo é fruto do projeto de pesquisa "Processos de acomodação dialetal na fala
de nordestinos residentes em São Paulo", financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).Ver: Oushiro (2016).
I
43
suposta "sensibilidade feminina" o fato de que as mulheres tendem a favorecer as formas consideradas "de prestígio" dentro de uma comunidade, uma explicação de cunho essencialista que faz tábula rasa dos diferentes papéis sociais desempenhados comportamento
por homens e mulheres e da ampla variação que se verifica no linguístico de diferentes indivíduos.
O estudo da fala de migrantes pode trazer novos questionamentos.
Em si-
- possivelmente,
maior do que aquilo que normalmente
praticamente
de seu local de origem quanto aqueles cuja fala
não se distingue dos padrões da comunidade
anfitriã.
Nesse sentido, aqui se discutem os resultados de análises sobre a fala de 30 migrantes alagoanos e paraibanos
residentes
lo quanto a seis variáveis sociolinguísticas
resultados de diferentes modelos estatísticos, em discussão com resultados prévios de estudos sociolinguísticos sobre a variável sexo/gênero. Conclui-se o texto com as consequências
de tais modelos para a interpretação
do
se
vê na análise da fala de não migrantes -, desde falantes que mantêm amplamente os traços linguísticos
análises de correlação. Os resultados de análises sobre a fala de migrantes da presente amostra são reportados na sequência; nelas, são contrastados os
papel da variável em estudos variacionistas.
tuação de contato dialetal, observa-se uma variada gama de comportamentos linguísticos
tanto, permitem uma melhor avaliação do papel de diferentes variáveis em
na cidade de São Pau-
que são, em princípio, diferen-
A VARIÁVEL SEXO/GÊNERO EM ESTUDOS SOCIOLlNGuíSTICOS Diversos estudos sociolinguísticos
que incluem a variável sexo/gênero
na estratificação de uma amostra de fala verificaram uma relação recorrente entre essa variável social e diferentes variáveis sociolinguísticas: mas consideradas
as for-
"padrão" ou "de prestígio" tendem a ser favoreci das por
falantes do sexo feminino, enquanto as variantes consideradas
"não padrão"
ciadoras de variedades geográficas brasileiras, tanto no que tange à divisão
ou "estigmatizadas"
entre "falares do Norte" e "falares do Sul" (NASCENTES,1953)quanto ao con-
mens.' Por um lado, tal recorrência é indubitavelmente
tínuo rural-urbano
bora tal correlação não seja, em absoluto, uma regra que se aplica a todas as
(BORTONI-RICARDO,20II): (i) e (ii), a altura das vogais
médias pretônicas /e/ e /0/ (como em relógio e romã); (iii), a realização de (-r)
comunidades,
tendem a ocorrer mais frequentemente
na fala de ho-
digna de nota - em-
tampouco a todas as variáveis sociolinguísticas
sob estudo.
em coda silábica (como em porta, mulher); (iv) a pronúncia de /t/ e /d/ antes
Dentre as diversas explicações propostas para tal recorrência, já se su-
de [i] (como em tia, gente, dia e arde); (v), a negação sentencial (como em Não
geriu que as mulheres tenderiam a empregar formas de prestígio como ma-
vou, não vou não e vou não); e (vi), a concordância
neira de tentar superar sua posição desprivilegiada
ninos, os menino-f/J). Para nenhuma
nominal (como em os me-
delas se verificou correlação significativa
1990) ou de adquirir status social indiretamente,
na sociedade (FASOLD, ao passo que os homens
com o sexo do falante quando se levam em conta os indivíduos como uma
podem fazê-lo por outros meios, como pela ocupação e renda. (TRUDGILL,
variável aleatória. As correlações apenas emergem, e para somente três das
1972) Também já se postulou que as mulheres teriam uma maior capacidade
variáveis, quando não se considera o papel do indivíduo, ou seja, na análise
neurobiológica
de amplos padrões que não necessariamente
temente criticada por Romaine (2003). Explicações alternativas
refletem as práticas linguísti-
para a linguagem (CHAMBERS,1995), uma interpretação
for-
argumen-
cas de cada falante. Tais análises apontam para a necessidade de se atentar a
tam, ainda, que não são as mulheres que favorecem as formas de prestígio,
múltiplas variáveis sociolinguísticas
- cujos padrões podem não ser os mes-
mas sim que são as formas por elas empregadas
ao comportamento
como "mais corretas" (MILROYet al., 1994), ou que não são as mulheres que
mos em uma mesma comunidade divíduos, e à interpretação
linguístico dos in-
que se faz de resultados de análises estatísticas.
Para tanto, inicialmente sociolinguística
+,
se apresenta
um breve apanhado
da literatura
a respeito do papel da variável sexo/gênero.
Em seguida,
discute-se a variação interfalante
e apresentam-se
que tendem a ser vistas
favorecem as formas de prestígio, mas sim que são os homens que se orientariam a formas de prestígio encoberto, em geral identificadas
com classes
modelos estatísticos (mo-
delos de efeitos mistos) que permitem considerar a contribuição
individual
de cada falante em processos de variação e mudança linguística e que, por-
2
Ver por exemplo: Labov (1990; 2001), Chambers (1995), paiva (2004), Romaine (2003). Oushiro (2015).
PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGufTICA/DIALETOLOGIA 44
I
GÊNERO E LlNGUA(GEM):
FORMAS
E USOS
I
45
sociais mais baixas, cujo trabalho mais frequentemente braçal se relaciona simbolicamente com ideais de virilidade. (CHESHIRE,2002) Essa correlação, de tão frequente, pode ser tomada como uma expectativa de resultado em novos estudos sociolinguísticos,
em certos tipos de comuni-
ao gênero: (i), homens casados e com trabalho estável; (ii), mulheres casadas e donas de casa; (iii), homens desempregados; trabalho. Em vez de uma distribuição desempregados
tar; de modo algum pode essa correlação ser tomada como premissa ou como
e mulheres
conclusão a se chegar independentemente
modo, tende a ocorrer entre os moradores
há toda uma série de estudos sociolinguísticos entre determinado
que não observam correlação
fenômeno variável e o sexo/gênero dos falantes', ou que
e homens,
coelho (2006) verificou que a marca zero é favorecida tanto pelos homens
dades. Trata-se, no entanto, de uma questão empírica a se observar e a se tesdos dados analisados. Com efeito,
e (iv), mães solteiras e com
binária entre mulheres
quanto pelas mães solteiras, e desfavorecida pelos homens
casados, de "famílias
estruturadas".
A forma padrão, desse
de maior prestígio no bairro e
com maiores expectativas de ascensão social. Bortoni-Ricardo (20n), em sua análise da fala de 33 migrantes mineiros
observam a correlação inversa: o favorecimento de formas ditas "não padrão"
em Brasília quanto a quatro variáveis sociolinguísticas
ou "estigmatizadas" por parte dos falantes do sexo feminino. Dentre esses úl-
ral palatal/M,
timos encontram-se
e 3PP), em uma abordagem de suas redes sociais, verificou que os falantes com maior índice de "integração" e "urbanização" apresentaram maior ten-
estudos em comunidades urbanas de grupos menos fa-
vorecidos socioeconomicamente
(COELHO,2006; OUSHIRO,2015), em comu-
monotongação
(realização da late-
de ditongos e a concordância
verbal em rPP
nidades rurais (LUCCHESI,20r2), e em comunidades "rurbanas" de migrantes
dência a empregar as formas consideradas
advindos de zonas rurais para os grandes centros. (BORTONI-RICARDO,20n;
descobertas é que a difusão dialetal por meio das redes sociais dos migran-
RODRIGUES,rg87)
tes pode se dar de modo distinto para homens e mulheres:
Rodrigues (rg87) constatou
tal padrão "invertido" para a concordância
No caso dos homens, [o processo de difusão dialetal] pode ser previsto pelo número e características de suas relações interpessoais em uma esfera pública, i.e., fora do domínio do lar. [...] A arena onde a difusão dialetal das mulheres deve ser investigada é, em contraste, não a esfera pública, mas a esfera privada de relações sociais. As mulheres migrantes ainda se mantêm muito confinadas em suas redes de parentesco e vizinhança. Uma consequência disso é que não ficam diretamente expostas à cultura dominante via vínculos interpessoais com estranhos.
verbal de Primeira Pessoa do Plural (rpp) - mas não para a terceira pessoa do plural (3PP), com a qual Sexo/Gênero não se mostrou correlacionada
- ao
analisar a fala de 40 moradores do bairro da Brasilândia, na Zona Norte da capital paulista. A partir dos padrôes de variação para rPP e 3PP e da observação etnográfica da comunidade, concordância
padrão. Uma de suas principais
Rodrigues (rg87) avalia que a marca zero de
verbal para rPP tem significado social diferente da marca zero
para 3PP: apesar de ambas serem proscritas na norma culta, o "erro" em rPP
(BORTONI-RICARDO,20Il, p. 263-264)
identifica o falante de origem rural. Coelho (2006), aproximadamente riação no emprego dos pronomes concordância
20 anos mais tarde, investigou
a va-
de rPP (nós vs. a gente), bem como na
verbal (Nóis V-zero vs. Nóis V-mos), em uma comunidade
de
Sobre as concordâncias
de rPP e 3PP, Bortoni-Ricardo
(20n) constatou
que os homens estavam claramente à frente na aquisição da forma padrão, fato que é atribuído às suas redes sociais e seu maior índice de integração
periferia também no bairro da Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo. Sua
e urbanização
amostra compreende
(como em filha), verificou-se que o ritmo de aquisição da forma padrão era
paulistanos.
alguns migrantes, mas sobretudo seus descendentes
Especificamente
quanto ao sexo/gênero,
(2006) revela uma distribuição rPP na comunidade.
° autor
a análise de Coelho
complexa das variantes da concordância considerou
de
quatro grupos de falantes quanto
em relação às mulheres. No entanto, no caso da variável/M
o mesmo entre homens e mulheres e, no caso dos ditongos (como em armário, negócio), as mulheres estavam um pouco à frente dos homens no uso da
forma padrão. A partir desses estudos, percebe-se que: (i) o favorecimento
da forma
padrão pelas mulheres ou mesmo a correlação com a variável sexo/gênero, 3
46
Ver: Cheshire (2005),
I
Oushiro (2011), Brandão, Vieira (2012).
PARTE I - G~NERO G~NERO
E LlNGUA(GEM):
FORMAS
E USOS
E SOClOLlNGU[TICA/DIALETOLOGIA
I
47
ainda que recorrentes, não são uma constante em estudos sociolinguísticos; e (ii) a explicação para os diferentes padrões observados deve residir, além de em uma diferença de status social entre homens e mulheres, também em fatores locais, tais como as condições socioeconômicas junto às oportunidades de educação e de emprego para cada sexo, a configuração
das redes
sociais dos falantes e seus diferentes níveis de acesso à vida pública. A maior parte desses estudos, entretanto, classifica os falantes em categorias de sexo ou de gênero, sem um tratamento quantitativo dos padrões indivi-
análise que incluiu o falante como uma variável, da qual se obtêm as probabilidades da Tabela bela 2 _ Ordem
.32
[osé
.36
Jorge M.
ou outras categorias sociais, che-
.39
Bira, George
.43
Henrique
·47 .48
Jorge F.
·52
uma comunidade.
.53
1,
traduzida e adaptada de
Guy (1981, p. 194), a respeito do uso variável da concordância uma amostra com
20
Beth
.41
gam a amplas descrições de padrões de variação linguística que ocorrem em Veja-se, por exemplo, a Tabela
nominal em
.56
falantes cariocas com baixo nível de escolaridade:
.57
Madalena Marlene Hilda Vanilda Lúcia
·59 Tabela 1 - Efeito da variável
% CN
sexo sobre a concordância PADRÃO
N
nominal
Sexo
Sidnei
.68
Cantídio
·74 Sônia
.84
Masculino
61
4515
·44
Feminino
65
5273
·56
Fonte: adaptado de Guy (1981, P·19S).
Fonte: adaptado de Guy (1981, P.194).
Observa-se que a maior parte dos homens se concentra na parte superior da Tabela
Vê-se que as mulheres empregaram
mais a forma padrão (65%) do que os
homens (61%), e que tal diferença se mostra significativa em uma análise de regressão logística que retoma uma probabilidade
de os homens desfavo-
recerem a forma padrão (.44) em relação às mulheres (.56). Tais proporções e probabilidades
Elvira
.62
padrão
PROBABILIDADE
representam
de uso de CN padrão
.27
Naldécio
A VARIAÇÃO INTERFALANTE E MODELOS DE EFEITOS MISTOS
sua faixa etária, seu nível de escolaridade
de acordo com a probabilidade
.26
paulo
Lídio
ao agrupar falantes de acordo com seu sexo,
dos informantes
-
duais de diferentes falantes. A próxima seção se volta à discussão desse tópico.
Estudos sociolinguísticos,
2:
médias gerais que englobam falantes cujos
usos giram acima e abaixo dessas médias. Evidentemente, todas as mulheres realizam mais a concordância
não é o caso que
padrão do que todos os ho-
mens. Interessado em padrões individuais, Guy (1981) também realizou uma
2,
com probabilidades
concordância
mais baixas de emprego da forma padrão da
nominal, ao passo que a maioria das mulheres se concentra
na parte inferior, apresentando
probabilidades
mais altas de uso da forma
padrão. Desse modo, a tendência ao uso da forma de prestígio por parte de falantes do sexo feminino, tal como verificam muitos dos estudos sociolinguísticos, parece ser um padrão verdadeiramente Tal cuidado em considerar os indivíduos, mado em estudos variacionistas. tica (ainda) mais usualmente
relevante nessa amostra.
entretanto,
nem sempre é to-
Em parte, isso se deve à ferramenta estatís-
empregada nos trabalhos sociolinguísticos,
Varbrul, em suas diferentes versões, cujo modelo matemático
48
I
de regressão
PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGuíTICA/DIALETOLOGIA GÊNERO E LlNGUA(GEM):
FORMAS
E USOS
o
I
49
logística pressupõe a independência e a ortogonalidade entre os grupos de fatores incluídos em cada análise. (TAGLIAMONTE,2006) Isso significa que, ao se incluir o falante em um modelo, não se pode incluir qualquer outra variável social, pois o sexo, a faixa etária, a escolaridade etc. são constantes dentro do conjunto de dados para cada falante. Ao mesmo tempo, dificilmente
se verifica um padrão tão regular de es-
tratificação social como aquele observado por Guy (1981). A Figura 1 mostra a proporção de emprego de uso da forma padrão de concordância
nominal
para cada falante das amostras de migrantes alagoanos (ALSP)e paraibanos (PBSP)residentes em São Paulo, analisadas no presente estudo.
Nessa figura, as mulheres são representadas por barras mais claras e os homens pelas barras mais escuras." Diferentemente do estudo de Guy (1981),não se verifica aí um padrão aparente de acordo com o sexo do falante, pois tanto mulheres quanto homens podem apresentar proporções bem abaixo ou bem acima da média geral da amostra de migrantes, representada pela linha vertical contínua, próxima a 45% (a linha pontilhada se refere à proporção média de concordância padrão na fala de paulista nos nativos). Nota-se que as proporções de emprego da variante padrão vão desde 1,5% (para Roberto) até 96,3% (para MarcoD, que na prática abrangem todo o espectro possível de variação. Modelos mais recentes de análises de regressão linear e logística permi-
Figura 1 - Proporção de emprego da concordância nominal padrão nas amostras AL5P e PB5P.A linha vertical contínua representa a média geral da fala dos migrantes e a linha pontilhada a média geral para paulistanos PBSP-M2S-MarcoJ P8SP-M2M-.PedroC-
P8SP-M1
a ou-
tros fatores como sexo e faixa etária. (BAAYEN,2008; GRIES,2013)Essas duas
.
últimas variáveis são chamadas de efeitos fixos, pois são facilmente replicáveis em outros estudos que se baseiem nos mesmos critérios de amostragem.
-
P8SP-M2M-HenriqueA
tem a inclusão do falante como uma das variáveis, simultaneamente
Os indivíduos, por sua vez, compõem uma variável do tipo aleatória, que se
..
S.ArnaldoR"
refere à amostra específica sob análise. Embora o principal interesse das aná-
P8SP-M1M.JosueOP8SP-MtM-JoaoS-
lises, em geral, não seja sobre efeitos aleatórios, uma vez que se buscam ge-
PBSP...f2S-UichelelPBSP..f2M-JossneV'
neralizações representativas
PBSP-F2F-MarinalvaS-
de toda a comunidade - e não apenas sobre os
falantes contatados -, boa parte da variação que se observa nos dados se deve
PBSP-F2F·DarleneNPBSP-F1F.MartaS-
ao comportamento
AlSP-M3F-Josemar
-.
estatísticas que incluem tanto os efeitos fixos quanto os efeitos aleatórios são
AlSP-M2S-Pcdro
"
AlSP-M3F-Rodrigo
próprio de cada falante que compõe a amostra. Análises
ALSP-M3F·Roberto-
i ~
ALSP.M2S-A1doALSP-M2F-Valdo' AlSP.M2F-lucas": ALSP-MtM..Joao'
SEXO
chamadas de modelos de efeitos mistos e permitem mais bem avaliar o papel
IIreminino • masculino
dos efeitos fixos aí incluídos: um efeito fixo só se mostra significativamente correlacionado com a variável dependente - o fenômeno linguístico em foco
ALSP-F3F-VaJdenice-
- se a diferença entre seus níveis supera a variação dentre os efeitos aleató-
AlSP-F3F-Nf.llalia .. AlSP-F3F-lourdes·
rios. (JOHNSON, 2009) Em outras palavras, modelos de efeitos mistos têm
AlSP-F2M-RaquelAlSP-F2M-Marial
maior probabilidade de discriminar
AlSP-F2M-Gildete-
efeitos reais de correlações aparentes,
AlSP.F2F-JaneAlSP-F2F ..Al1tonia .. AlSP-F lS-SoJange" AlSP·F lM-Fabiana" AlSP-F1
F-Nadia"
W1S't?fir:,,~_ 0.00
0.25
0.50
0.75
1.00
4
Cada falante é também identificado
por seu perfil de acordo com a estratificação das amostras:
nome da amostra-sexo, faixa etária e escolaridade·pseudônimo.
Fonte: elaborado pela autora.
Assim, a falante ALSP-F1F-Nadia
se refere a uma participante alagoana, do sexo feminino, de primeira faixa etária (20 a 34 anos) e com nível fundamental
de escolaridade. As entrevistas com alagoanos foram originalmente
coletadas para a dissertação de mestrado de Silva (2014) e aquelas com paraibanos são resultado do Projeto Casadinho entre as universidades UFPB e USP (HORA; NEGRÃO, 2011); ambas as amostras foram gentilmente cedidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Sociolinguística (GESOL-USP),coordenado pelo Prof. Dr. Ranald Beline Mendes.
50
I
GÊNERO E L1NGUA(GEM):
FORMAS
E USOS PARTE I - GÊNERO E SOClOLlNGU[TlCA/DIALETOLOGIA
I
51
possivelmente enviesadas devido ao comportamento duo idiossincrático.
de um ou outro indiví-
Em todos os casos, a análise se realiza da perspectiva das variantes que podem ser consideradas
Nas análises que seguem, apresentam-se resultados de modelos estatísticos de efeitos fixos (i.e., sem a inclusão do falante) e de efeitos mistos, re-
paulistanas
ou "mais urbanas", com o intuito de
apreender possíveis graus de acomodação
à fala da comunidade
anfitriã:
alizados na plataforma R (R CORE TEAM, 2017) com cada uma das seis va-
realizações relativamente [-baixa] das vogais pretônicas; emprego de tepe/ retrOflexo de (-r) em coda; pronúncias africadas e palatalizadas de Itl e Idl
riáveis sociolinguísticas
antes de li]; negr: e concordância
aqui enfocadas. Em todas elas, o interesse é o de
nominal padrão.
verificar se há diferenças no grau de acomodação dialetal por parte de mulheres e homens nordestinos
aos padrões da comunidade
MIGRANTES ALAGOANOS E PARAIBANOS EM SÃO PAULO
anfitriã.
101, em pa-
Nas análises que seguem, os modelos foram gerados em rodadas multi-
lavras como relógio e romã - cuja sílaba seguinte contém uma vogal [-alta],
variadas que incluíram diferentes variáveis previsoras sociais (as variáveis
contexto favorecedor de abaixamento
estratificadoras
As medidas da altura (FI) das vogais médias pretônicas lei e
vocálico (PEREIRA, 1997) -, foram ex-
das amostras: sexo, faixa etária e escolaridade) e linguísticas
traídas por meio do programa Praat (BOERSMA;WEENINK, 2014) e norma-
(pertinentes
lizadas pelo método de Lobanov (1971) na plataforma R. Medidas maiores
com as va~iáveis sociolinguísticas
de FI representam
os resultados para a variável sexo/gênero, foco da presente análise. Os resul-
vogais mais baixas (Le., mais abertas: [E, J]) e, inversa-
mente, medidas menores de FI representam (i.e., mais fechadas: [e, o]), prototípicas pronúncia mulher,
sob análise. Contudo, reportam-se apenas
vogais relativamente
mais altas
tados para modelos de efeitos mistos, com inclusão do indivíduo como uma
de falantes paulistanos.
Quanto à
variável aleatória, são apresentados
do segmento (-r) em posição de coda silábica, como em porta e
os dados foram codificados como não realizados, fricativas (velar e
glotal, surda e sonora), retroflexo e tepe; posteriormente, realização foram desconsiderados,
a cada variável resposta)s, a fim de testar possíveis correlações
os dados de não
e as variantes [+posterior] foram contras-
à esquerda, e aqueles para modelos de
efeitos fixos aparecem à direita. Em modelos de regressão linear e logística na plataforma R, as estimativas são geradas em relação ao intercept,
o nível de referência que toma por
base a ordem alfabética dos fatores; assim, nas tabelas que seguem, o inter-
tadas com as variantes [-posterior] tepe e retroflexa. Já os dados da realiza-
cept se refere ao sexo/gênero
ção de It/ e Idl antes de [i], como em tia, gente, dia e arde, foram codificados
devem ser lidas como valores a serem adicionados
como oclusivas [t, d], africadas [ts, dz] e palatalizadas
subtraídos (quando negativos) do valor de intercepto Na Tabela 3, as estimati-
últimos fatores amalgamados
[tJ, d3], sendo os dois
em oposição às oclusivas.
A análise da negação sentencial contrapôs a variante negr (não vou) às
(quando positivos) ou
vas são as medidas previstas para a altura das vogais (FI) em Hertz: em modelos de efeitos mistos, a estimativa de altura da vogal/e/
variantes negz (não vou não) e negj (vou não), mais frequentes em variedades
460,7 Hz e, para os homens,
nordestinas.
(uma vogal relativamente
(CUNHA, 200I; ROCHA, 20I3) Por fim, a análise sobre a concor-
feminino, e as estimativas para demais fatores
para mulheres é
é 0,30 Hz a mais, ou seja, 460,7 + 0,3
=
461 Hz
mais baixa). As colunas seguintes indicam o erro
dância nominal considerou o uso da variante considerada padrão (os meni-
padrão da estimativa e um valor-t, a partir do qual se estima uma probabili-
nos), com marcas redundantes
dade de se ter observado tal estimativa em caso de a hipótese nula ser verda-
de pluralidade em todos os elementos flexio-
náveis do sintagma nominal, em contra posição a sintagmas que continham
deira. A última coluna, p, apresenta tal medida de significância."
pelo menos uma palavra com marca zero de número (os meruno-e. umas casas enorme-e).
5
Por exemplo, para a variável
I-ri
-t (medial ou final), tonicidade
da sífaba, classe morfológica,
em coda silábica, as variáveis linguísticas foram posição do contexto fônico precedente e contexto
fônico seguinte. 6
52
I
Convencionalmente,
adota-se o limite de p < 0,05 para considerar uma diferença significativa.
PARTE I - GÊNERO E SOCIOLlNGufTICA/OIALETOLOGIA G~NERO
E LlNGUA(GEM}:
FORMAS
E USOS
I
53
tais modelos - semelhantes
Tabela 3 - Resultados de análises de regressão linear em modelos de efeitos mistos (esq.) e de efeitos fixos (dir.) sobre a altura das vogais médias pretônicas lei e 101. O intercept se refere à estimativa para o sexo feminino. MODELOSDE EFEITOSMISTOS Estimativa
-,
MODELOSDE EFEITOSFIXOS
Valor-t
(Hz)
Erro padrão
Intercept
460,74
4,23
108,90