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Portuguese Pages [334] Year 2012
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TEORIA DO
Fato Jurídico Plano dakxisténcia
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Marcos Bernardes de Mello Professor Emerito da Universidade Federal de Alagoas — UFAL. Ph.D. em Direito Ptiblico pela PUCSP. M.Sc. em Direito lico pela Faculdade de Direito do Recife. Professor de Teoria Geral do Direito do Curso de Mestrado em Direito da UFAL. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito de Alagoas (UFAL). Professor das Escolas Superiores da Advocacia, da Magistratura e do Ministério Ptiblico de Alagoas. Membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros e de Alagoas, da Academia Alagoana de Letras Juriclicas, da Academia Alagoana de Letras e do Institut° Hist6rico e Geognifico de Alagoas.
TEORIA DO
Fato Juriclico Plano da Existência 18 4 edição
2012
Ps
Editora
Saraiva
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Editora
Saraiva Reo Renrique Schoumann, 270, Cerquen° César — Sao Paula — SP CR 05413-909 PABX: (11) 3613 3000
Mello, Marcos Bernardas de
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Teoria do foto jurídico : plano do exisIncio / Marcos Retardes de Mello, — 18. ed. — Sao Paulo : Saraiva, 2012. 1. Atas jurídicos 2. Foros jurídicos I. Título.
FILIAIS MAAIONAS/RONDONWRORAIMA/ACRE Rue Costa kededo, 56 – Centro Fore. (92) 3633-4221 – Far (92) 3633-4182 – Monea
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1. Atas jurídicos : Direito civil
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A Onira, minha esposa, Omar, Alana, Hernia, Nirvana, meus filhos, e Yolanda, minha
AGRADEC1MENTOS
A meu pai, o Desembargador e Professor José Xisto Gomes de Mello, profundo conhecedor do Direito, por me haver feito ver, na doutrina de Pontes de Miranda. a estrutura fundamental da Ciencia Jurídica e, também, por tudo o que, moral e cienti ricamente, me doou enquanto viveu. A meus mestres do Curso de Mestrado, especialmente os Professores Lourival Vilanova, Torquato Castro, José Souto Maior Borges e Nelson Saldanha, pelo estímulo intelectual que me concederam e o muito que me ensinaram.
INDICE
Agradecimentos ....................................................................... ......... 7 Nota a 152 edicclo ..............................................................................17 Nota a 12 2 edicclo ..............................................................................19 Nota a 92 edictio .............................................................................. 21 Nota a & edictio .............................................................................. 23 Now a 4 g ediciio .............................................................................. 25 Apresentactio ........................................................................... ....... 27 I PA RTE
CONCEITOS FUNDAMENTAIS Capitulo I
o FENOMENO JURiDICO (uma visa() integrada) § 1 2 0 homem, a adaptação social e o direito ............................. ....... 33 § 2 2 0 carater necessário do direito ........................................... ....... 37 § 3 2 Mundo factico e mundo juridic°................................................ 38 2 § 4 Logicidade do mundo juridic° ........................................... ....... 41 2 § 5 Direito e realidade .................................................................... 42 § 6 2 As dimensoes do fenômeno juridic° ................................... ....... 44 2 § 7 Uma visão integrada do fenômeno juridic° ......................... ....... 47 § 8 2 Corte epistemológico ........................................................ ....... 49 Capitulo II NORMA E FATO JURiDICO § 92 A previsão normativa do fato juridic° ............................................ 50 1. Norma juridica e definição do mundo juridic° .......................... 50 2. Norma e ordenamento juridic° ................................................... 54 2.1. Normas explicitas ................................................................ 54 2.2. Normas implicitas ................................................................ 58 § 10. A estrutura lógico-formal da norma juridica .................................. 62 1. Expressdo essencial da norma juridica ....................................... 62 9
2. Sancionistas e no sancionistas .................................................. 62 63 2.1. Norma primária e norma secundária (sancionistas) 2.2. No sancionistas .................................................................. 67 § 11. Análise crítica das doutrinas ........................................................... 68
Capítulo III OS ELEMENTOS DA ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA § 12. 0 suporte fáctico ............................................................................. 73 1. Conceito ..................................................................................... 73 2. Espécies ......................................................................................73 3. Significaçáo e importáncia do conceito ......................................74 4. Elementos do suporte fáctico .....................................................75 4.1. Releváncia dos fatos ...........................................................75 4.2. Fatos da natureza e do animal ............................................ 76 4.3. Atos .................................................................................... 76 4.4. Dados psíquicos ..................................................................77 4.5. Estimaçóes valorativas ........................................................ 78 4.6. Probabilidades .................................................................... 78 4.7. Fatos do mundo jurídico .....................................................79 4.8. A causalidade física ............................................................ 81 4.9. 0 tempo .............................................................................. 81 4.10. Elementos positivos e elementos negativos ......................82 5. Elementos subjetivo e objetivo do suporte fáctico ..................... 82 5.1. Elemento subjetivo .............................................................82 5.2. Elemento objetivo ............................................................... 84 6. Elementos nucleares e complementares do suporte fáctico; elementos integrativos ................................................................85 6.1. Elementos nucleares: cerne e completantes ............... ........85 6.2. Elementos complementares ................................................88 6.3. Elementos integrativos .......................................................89 7. Consequéncias da auséncia dos elementos completantes, complementares e integrativos ...................................................95 § 13. Fato (real), supone fáctico e fato jurídico .......................................99 § 14. 0 preceito ...................................................................................... 103 1. Conceito ................................................................................... 103 2. Classificaçáo ............................................................................. 104 § 15. Determinaçáo do suporte fáctico e do preceito ....................... ...... 105 10
Capitulo IV A FENOMENOLOGIA DA JURIDICIZA00 § 16. A incidência da norma juridica ............................................... 1. Nogilo de incidência ........................................................... 2. Caracteristicas da incidência .............................................. 2.1. Incondicionalidade ..................................................... 2.2. 1nesgotabilidade.......................................................... § 17. A vigência da norma juridica .................................................. § 18. A concreção do suporte fáctico ............................................... 1. Generalidades ..................................................................... 2. Fato e realidade .................................................................. 3. A formagdo do suporte fáctico ........................................... 3.1. Suficiência do suporte fáctico .................................... 3.2. Suporte fáctico deficiente ........................................... § 19. As consequências da incidência .............................................. 1. Juridicizaçäo ....................................................................... 2. Pr6-exclusdo de juridicidade .............................................. 3. Inva1idag5o.......................................................................... 4. Deseficacização .................................................................. 5. Desjuridicização .................................................................
108 108 109 109 113 115 120 120 120 123 123 125 127 128 129 130 131 131
Capitulo V OS PLANOS DO MUNDO JURIDIC° § 20. § 21. § 22. § 23. § 24.
General idades ................................................................................ 133 Plano da existência ........................................................................ 134 Plano da validade .......................................................................... 135 Plano da eficácia ........................................................................... 136 Observaçaes finais ........................................................................ 139 II PARTE
DO FATO JURIDICO AO PLANO DA EXISTÉNCIA TITULO I CONCEITO E CLASSIFICAçÃO DOS FATOS JURIDICOS 11
Capítulo VI CONCEITO DE FATO JURÍDICO § 25. A concepçáo tradicional de fato jurídico ...................................... 143 § 26. A concepçáo de Pontes de Miranda .............................................. 145
Capítulo VII A CLASSIFICAÇÁO DO FATO JURÍDICO § 27. Á procura de um critério ............................................................... 146 § 28. A proposta de Teixeira de Freitas ................................................. 147 § 29. 0 critério adotado ......................................................................... 149 1. Classificaçáo segundo o elemento cerne do suporte fáctico . ...... 149 § 30. Conformidade e contrariedade a direito ........................................ 151 1. Consideralóes gerais ................................................................ 151 2. Divergéncias doutrinárias ......................................................... 152 3. Importáncia da classificaçáo .................................................... 155 § 31. Elemento volitivo cerne do suporte fáctico ................................... 155 § 32. Critérios para catalogar os fatos jurídicos ..................................... 158
TÍTULO II CONCEITUAÇÁO SUCINTA DAS ESPECIES LÍCITAS Capítulo VIII DO FATO JURÍDICO STRICTO SENSU § 33. Conceituaçáo ...........................................................................
165
Capítulo IX DO ATO-FATO JURÍDICO § 34. Conceituagáo .......................................................................... 168 § 35. Especies .......................................................................... ...... 168 1. Os atos reais................................................................. ...... 169 2. Os atos-fatos jurídicos indenizativos .....................................169 12
3. Os atos-fatos juridicos caducificantes ...................................... 172 * 36. Divergências doutrindrias ............................................................. 175
Capitulo X DO ATO JURIDIC° LATO SENSU § 37. Conceituação ......................................................................... § 38. Aniilise dos elementos constitutivos ....................................... 1. Exteriorização da von tade .................................................. 2. Consciência da vontade ...................................................... 3. Resultado licit° e possivel .................................................. § 39. As espécies de ato juridico: ato juridic° stricto sensu e negócio juridic° ............................................................................. § 40. Atos juridicos mistos .............................................................. § 41. Atos juridicos de direito ptiblico ............................................. § 42. Os chamados "atos complexos" e "atos compostos" ..............
178 179 179 181 183 188 191 192 195
Capitulo XI DO ATO JURIDIC° STRICT° SENSU § 43. Conceituação ........................................................................... § 44. As vdrias classes de atos juridicos strict° sensu ................
198 200
Capitulo XII DO NEG°CIO JURIDIC° § 45. Noção preliminar .................................................................... § 46. A concepção clássica de negócio juridic° .............................. § 47. Exposição crftica do conceito de negócio juridic° ................. 1. Atitude metodológica ......................................................... 2. Vontade e neg6cio juridic° ................................................. 2.1. Vontade como elemento nuclear de suporte factico 2.2. Vontade e efeitos juridicos9 ........................................ § 48. A fonte da eficácia juridica ..................................................... § 49. Amplitude e surgimento da eficdcia ........................................ 1. As categorias eficaciais ...................................................... 2. Sistema juridic° e poder de autorregramento da vontade § 50. Limitacifies a vontade negocial ................................................
202 202 205 205 207 207 208 208 210 210 217 218 13
§ 51. Negocio jurídico e norma jurídica individual ......................... § 52. Negócio jurídico e efeitos práticos ......................................... § 53. Concluso. O conceito de negocio jurídico ............................ § 54. Divergencias doutrinárias ....................................................... 1. Há necessidade da distinçáo entre as espécies de ato jurídico? ................................................................................. 2. Insuficiencia do conceito clássico de negocio jurídico ...... § 55. As várias classes de negocios jurídicos ................................... 1. Preliminares ...................................................................... 2. Negocios jurídicos unilaterais, bilaterais e plurilaterais 2.1. Conceituagóes ............................................................. 2.2. Lateralidade e pessoalidade ........................................ 2.3. O ato coletivo.............................................................. 2.4. Negocios jurídicos unilaterais .................................... 2.5. Negócios jurídicos bilaterais ...................................... 2.6. Negocios jurídicos plurilaterais .................................. 3. Negocios jurídicos causais e abstratos ............................... 4. Negócio jurídico fiduciário ................................................. 5. Negócios jurídicos inter vivos e mortis causa ................ 6. Negócios jurídicos consensuais e reais .............................. 7. Negocios jurídicos patrimoniais (obrigacionais e juri-reais) e extrapatrimoniais .................................................. 8. Negócios jurídicos solenes e no solenes ........................... 9. Negocios jurídicos típicos e atípicos .................................. 10. Unidade e pluralidade nos negocios jurídicos. Negocios jurídicos unos, unitários e complexos. Unido de negocios jurídicos. Utilidade da classificaçáo ................................... 10.1. Unidade e pluralidade de negócios jurídicos ............. 10.2. Unitariedade e complexidade .................................... 10.3. Uniáo de negocios jurídicos ...................................... 10.4. Utilidade da classificaçáo ..........................................
222 224 225 226 226 229 234 234 234 234 235 236 237 239 241 242 243 249 250 250 252 253
254 254 255 255 256
TÍTULO III CONCEITUAÇÁO SUCINTA DAS ESPÉCIES ILÍCITAS Capítulo XIII DO FATO ILÍCITO LATO SENSU § 56. Conceituaçáo ........................................................................... 14
259
1. Noção preliminar ................................................................ 2. Caracterfsticas da ilicitude .................................................. 2.1. Generalidades ............................................................. 2.2. Contrariedade a direito .............................................. 2.3. A imputabilidade ....................................................... 2.3.1. Conceito ............................................................ 2.3.2. Divergências doutrinárias ................................. 2.3.3. Espécies de imputabilidade ............................. 2.4. Elementos completantes do cerne: a ilicitude in specie * 57. Objegoes doutrindrias a expressão "contrariedade a direito" * 58. Conclusào. 0 conceito de fato ilIcito tato sensu ....................
259 261 261 261 263 263 264 268 270 271 272
Capitulo XIV CLASSIFICA00 DOS FATOS ILiCITOS § 59. Atitude metodológica ............................................................. * 60. Ilfcito absoluto e ilfcito relativo ............................................. * 61. Fatos stricto sensu ilfcitos ....................................................... * 62. Ato-fato * 63. Ato ilicito law sensu .............................................................. 1. Conceito ............................................................................ 2. Ação ou omissão ................................................................ 3. A culpa (?) .......................................................................... 4. Dano e reparagäo ................................................................ * 64. As várias espécies de ato ilfcito .............................................. I. Critérios de classificação .................................................... 2. Do ato ilfcito segundo o suporte factico ............................. 2.1. Do ato ilfcito civil ....................................................... 2.1.1. Ato ilicito strict° sensu .................................... 2.1.2. Ato ilfcito relativo ............................................ 2.2. Do ato ilfcito criminal ................................................. 3. Do ato ilfcito segundo sua eficacia ..................................... 3.1. Do ato ilfcito indenizativo .......................................... 3.2. Do ato ilIcito caducificante ......................................... 3.3. Do ato ilicito invalidante ............................................ 3.3.1. Consideraçaes preliminares .............................. 3.3.2. Invalidade e ilicitude ........................................ 3.3.2.1. 0 cardter ilfcito da invalidade .............. 3.3.3. Invalidade como sanção ....................................
273 276 277 278 280 280 281 282 284 285 285 285 285 285 287 288 288 288 289 290 290 291 291 292 15
3.3.3.1. 0 fundamento lógico das sançóes jurídicas .................................................... 3.3.3.2. 0 caráter sancionatório da invalidade 3.3.4. ObjeOes doutrinárias ....................................... 3.3.4.1. A opiniáo de Bobbio ............................ 3.3.4.2. A concepcáo de Hart ........................... 3.3.4.3. Crítica a essas objegóes ....................... 3.3.4.4. Crime e invalidade ............................... 3.3.5. Atos jurídicos que entram nessa classe ............
292 293 294 295 296 297 298 300
Bibliografia .....................................................................
301
Índice alfabético-remissivo ...............................................
319
16
NOTA 24t 15 4 EDIcA0
Como sempre dissemos, esta nä° é uma obra perfeita e acabada, mas urn trabalho sempre necessitado de revise:1'es para atualizá-lo, corrigir-lhe erros e aprimorar seu contend°. Permanentemente, dnvidas e sugestoes me são encaminhadas por estudantes, professores e advogados que se dignam de percorrer suas páginas, as quais, no mais das vezes, são pertinentes e merecem, por isso, uma atengdo especial, motivo pelo qual as aproveitamos e, quando possfvel, delas nos servimos para aperfeigoar nosso livro. 0 mundo modemo vem impondo As pessoas, em especial aos profissionais, uma atitude prätica diante da vida, de modo que as teorias e o dominio dos conceitos fundamentais nä° precisariam ser estudados e conhecidos. A experiencia vivencial é que valeria. Cultura seria coisa do passado, superada pelo imediatismo das informay3es da internet. Por isso é que, em tal ambiente cultural, chegar a esta 19 edição uma obra que trata de questdes eminentemente te6ricas, consideradas de acentuado nivel de dificuldade, como se costuma classificar a doutrina de Pontes de Miranda que embasa nosso pensamento, ndo somente nos dá a certeza de que nem tudo estci perdido, mas constitui urn estimulo para continuarmos nessa linha de trabalho. Nesta 15 a edição fizemos muitas correOes corn a finalidade de aprimorar o texto, corn vistas a facilitar ao leitor o entendimento da matéria tratada, além de alguns acréscimos destinados a discutir posiçoes doutrirnirias que conflitam corn a teoria ponteana, procurando demonstrar a proeminancia do pensamento do mestre. Continuamos, como de sempre, abertos a criticas e sugestoes, que são muito bem-vindas porque sempre nos ajudam em nosso trabalho. De Ponta Verde, em Macei6 (AL), em 17 de fevereiro de 2008
Marcos Bernardes de Mello Rua Professor Vital Barbosa, 10, CEP 57035-400 E-mail: [email protected]
17
NOTA Á 121 EDIÇÁO
Este livro, embora no seja urna obra específica de direito civil, mas de Teoria Geral do Direito, tem no Código Civil sua maior fonte de exemplos e de temas, em face da amplitude do conhecimento que essa área da Ciéncia Jurídica envolve. Com a adogáo do novo Código Civil, cm decorréncia da sançáo da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro do ano de 2002, mesmo que para entrar cm vigéncia apenas em janeiro de 2003, tomou-se imperiosa urna reviso do conteúdo desta obra com a finalidade primordial, porém no única, de adaptá-la aos termos da nova codificaláo (que, apesar de náo inovar significativamente os institutos civis, modificou a disposigáo da matéria). Ao mesmo tempo, sentimos a necessidade de reelaborar o conteúdo do livro cm alguns pontos, corrigindo algumas imperfeigóes e imprecisóes, suprindo algumas omissóes e, principalmente, buscando tornar mais clara e objetiva a exposigáo dos temas. Isto também fizemos. Desejamos declarar que continuamos a considerar bem-vindas as críticas e sugestóes que nos forem dirigidas, urna vez que se tém constituído cm material extremamente útil ao aperfeigoamento deste trabalho, que buscamos incessantemente. Marcos Bernardes de Mello
R. Vital Barbosa, 10 Ponta Verde — Maceió-AL CEP 57035-570
19
N
NOTA Á 9 1 EDIÇÁO
Em sua quarta edigáo este livro sofreu urna revisáo substancial de seu conteúdo inicial. Nas edigóes seguintes fomos, apenas, corrigindo imperfeigóes, aperfeigoando-o. No entanto, mesmo a par dos diuturnos e pesados encargos e responsabilidades como profissional da advocacia e professor universitário, jamais descuramos da análise das questóes e da pesquisa sobre a matéria atinente á teoria do fato jurídico, tanto com a finalidade de manté-la sempre atual como da procura em siste 1,‘ tizá-la de modo a torná-la mais abrangente e capaz de dar respostas adeq adas aos problánas do quotidiano jurídico. Além disso, buscamos aten r a crítica p construtiva de leitores interessados que, com seus ques onamentos, nos rtam para imperfeigóes do livro ou ternas que precisa ser tratados. () Nesta nona edigáo, trazemos á comunidade universitária e aos profissionais do Direito o resultado desse trabalho. Procedemos a urna reviso da parte relativa aos fatos ilícitos, propondo urna nova classificagáo dos atos ilícitos e melhor sistematizando a matéria. Analisamos a problemática da imputabilidade como dado essencial da ilicitude, negada pela teoria finalista da culpa, que, segundo a doutrina dominante, seria a inspiradora da reforma penal havida coma Lei n. 7.209, de II de julho de 1984. Estudamos, além disso, a natureza jurídica do chamado ato infracional, criado pelo Estatuto da Crianga e do Adolescente, que classificamos como ato-fato ilícito. No mais, ampliamos alguns textos e realizamos algumas precisóes conceptuais que se faziam imprescindíveis, inclusive em notas de rodapé. Voltamos a afirmar que esta náo é urna obra acabada. A crítica que os leitores tiverem a bondade de nos dirigir será sempre bem-vinda e, certamente, será útil ao aperfeigoamento sempre buscado, porém no atingido, deste trabalho. Marcos Bernardes de Mello
R. Vital Barbosa, 10 Ponta Verde — Maceió-AL CEP 57035-570
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NOTA A 6 4 EDIO0
Apos a publicação da quarta edição deste livro, continuamos a receber de estudantes, professores e pessoas interessadas no tema pedidos de esclarecimentos e sugestoes em torn° do seu contendo. Aproveitamos a oportunidade desta sexta edição para complementd-lo naquilo que nos pareceu importante. Agradecemos as criticas e sugestöes que recebemos ao longo desses anos e esperamos continuar a ter o prazer de recebflas. Isto somente nos ajuda a melhorar e melhor servir A divulgação da boa doutrina. Maceió, outubro de 1993 Marcos Bernardes de Mello
23
NOTA A
4
EDIcA0
Desde sua primeira edição em 1985, este livro tern tido, felizmente, uma grande aceitação nos meios academicos. Raras não tern sido as manifestaçöes de membros da comunidade cientffica jurfdica quanto A sua utilidade A boa e correta compreensão do fenomeno juridic°, especialmente no piano da Teoria Geral do Direito. Na apresentação das ediOes anteriores deixamos claro que nä° se tratava de uma obra acabada. Por isso mesmo, esta edição d produto de uma revisdo, que fizemos corn a finalidade de escoimá-la de defeitos que detectamos ao longo destes anos, e de uma ampliação, procurando completd-la dentro de seu limite, ou seja, o piano do existencia. Estamos trabalhando na sua completação, cuidando do fato juridic° aos pianos da validade e da eficticia. Esperamos, em breve, poder oferecer, a quantos lidam corn o direito, essa nova obra. Continuamos abertos a crfticas e sugestoes, sempre muito üteis ao aprimoramento deste livro. Marcos Bernardes de Mello
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APRESENTAÇÁO
No campo da Teoria Geral do Direito, ofato jurídico constitui, parece-nos, o tema que encerra maior significaçáo. Explicamos por qué: (i) Primeiro, se consideramos: (a) que o mundo do direito é integrado pelas relalóes jurídicas, direitos, deveres, pretensaes, obrigagEes, exceçóes e toda a gama de outras consequéncias jurídicas, como os poderes, 6nus, atribuig óes e qualificaçóes que envolvem o homem em suas relaçóes intersubjetivas, isto é, o homem em confronto com outros homens; (b) que as relagóes jurídicas e todas as demais categorias de eficácia jurídica somente podem existir se urna norma jurídica as atribui a certa situagáo de fato; teremos de concluir que o mundo jurídico constitui produto do fato jurídico, resultado da conjunçáo da norma jurídica com a situagáo de fato por ela prevista. A norma jurídica, na verdade, tem a funçáo de definir o fato jurídico, atribuindo-lhe consequéncias no plano das relnlies inter-humanas; enquanto esse fato no se materializar no mundo, a norma no passará de pura hipótese, abstraçáo lógica. O fato social, por sua vez, serve de suporte, de objeto, á definiçáo do fato jurídico pela norma, donde se poder dizer que, enquanto no houver norma que o regule, no se transformará cm fato jurídico e no poderá produzir qualquer consequéncia jurídica, permanecendo fato social, apenas. De tudo isso resulta evidente que o fato jurídico (= norma + fato) representa o elemento fundamental de toda a juridicidade, pois se constitui na fonte imediata do mundo jurídico, sendo a norma, enquanto apenas norma, e o fato, enquanto apenas fato, suas fontes mediatas. (ii) Depois, é um conceito cuja utilidade existe em qualquer área da Ciéncia Jurídica. Estamos acostumados, é verdade, a ver o fato jurídico estudado quase que exclusivamente como tema de direito civil. Praticamente, só livros dedicados a esse ramo do direito tratam do assunto. Isso, segundo cremos, tem como origem a circunstancia de que aquilo que conhecemos como Teoria Geral do Direito nasceu impregnado dos conceitos civilísticos, isso como consequéncia de ter sido elaborada pelos privativistas alemáes, especialmente os Pandectistas, numa época (final do século XVIII e século XIX) cm que conceitos do chamado direito público ainda eram incipientes. Esse fato repercutiu na legislaçáo, tendo os Códigos Civis que adotaram, como no sistema alemáo, urna parte geral, passado a nela regular o fato jurídico. Essa viso, no entanto, parece-nos míope, se levarmos cm conta, como vimos, que nada acontece no mundo jurídico seno como produto de 27
umfatojuridico, seja em que ramo da Ciência Juridica for. Ontologicamente, o crime é um fato juridic° (direito penal), como o são um decreto do Presidente da Republica que nomeia urn funciondrio püblico (direito administrativo), o ato de votar numa eleiçao (direito constitucional), o contratar urn empregado (direito do trabalho), a venda da mercadoria pelo lojista (direito comercial), a formalização de um tratado internacional (direito internacional publico), os atos de um processo judicial, d y e! ou criminal (direitos processuais civil e penal), o lançamento de um tributo (direito tributdrio), e assim por diante. Em essência, nil° ha como estabelecer distinção entre eles, porque constituem um gênero. Metodologicamente, porém, atentando para as peculiaridades exclusivas de cada um, é preciso considern-los como espécies distintas que sat), dentro do genero. Um crime é urn fato juridic° ilicito, como o é o ato de causar dano a patrimonio de outrem. Apesar disso, os pressupostos que tipificam um e outro, como também as suas consequências pr6prias (geralmente, pena privativa da I iberdade, para o crime, e obrigaçao de indenizar, para o ilicito civil), implicam a necessidade de estudd-los particularmente, naquilo em que sdo especificos. Essa necessidade, porém, não exclui uma outra, qual seja, a de analisd-los em comum, naquilo que tern identidade como gênero. Sim, porque, se silo iguais em substancia, integram, como espécies, urn Unico gênero, e, como gênero, precisam de ser tratados corn igualdade. 0 que nao é possivel, cientificamente, é esquecer, ou desconhecer, essa identidade essencial que existe entre eles: o serfatojuddico. (iii) Finalmente, essa identidade como gênero permite tragar do fato juriclico um perfil igual para todas as espécies. Acima propusemos urn conceito de fato juridico (fato a que a norma juridica atribui, especificamente, certas consequências no relacionamento inter-humano). Diz-se, como aforisma fundamental do Direito Penal, que nullum crimen, nulla poena sine lege, no qual estao enunciados os elementos da conceituaçäo de fato juridico que fizemos. Essa frase quer dizer, essencialmente: nä° se pode considerar urn determinado fato come crime (= fato juriclico Weft() criminal), nem lhe ser imputada uma pena (= consequências juridicas), sem que uma norma especffica (= lei) o defina como tal, corn a sanção. Da mesma forma, urn outro fato qualquer somente poderd ser considerado juridic°, seja licito ou Weft°, e, assim, produtor de efeitos, sejam direitos, sejam obrigaçöes, sejam sançOes, se houver uma norma que o estabeleca. Por isso, podemos generalizar o aforisma dizendo que nullum factum, nullus effectus sine norma. A diferenca entre as duas fOrmulas reside, apenas, em que para o fato juridic° penal (= crime) se exige uma definição em norma juridica especifica (= lei) — isto em face da gravidade das suas consequências juriclicas, que, em geral, 28
atingem a liberdade e até a própria vida das pessoas enquanto em relnáo aos demais fatos jurídicos se admite que resultem da aplienáo analógica de outras normas, do costume, de princípios gerais do direito e até da equidade, ou seja, de norma náo específica. Neste trabalho, fizemos uma tentativa de generalizar os conceitos fundamentais relativos ao fato jurídico, de modo que se apliquem a qualquer ramo da Ciéncia Jurídica. Na parte relativa á classificnáo, porém, demos énfase ás espécies tradicionais, sem nos dedicamos ao estudo em campos geralmente classificáveis como de Direito Público (p. ex., os atos processuais, os atos de Direito Administrativo). Em esséncia, porém, estes so atos jurídicos lato sensu, com as particularidades de que se revestem em razáo do ramo jurídico em que se inserem. Náo tivemos, está claro, a pretensáo de elaborar uma Teoria Geral do Fato Jurídico, mas sim de desenvolver um estudo sistemático e generalizante, numa certa medida, do fato jurídico, com especial empenho de tornar didática a sua exposigáo. Anteriormente, com o título de Contribuiçáo á teoria do fato jurídico, 1-memos publicar, em duas ediçóes, a tese que defendemos perante a Comissáo Examinadora composta dos eminentes juristas Torquato Castro. Lourival Vilanova e Souto Maior Borges, e com que obtivemos, com o grau summa cum lauda, o título de Mestre na Faculdade de Direito do Recife. Como explicamos na ocasiáo, por se tratar de urna tese, as questeles levantadas e os temas abordados náo foram exaustivamente discutidos, precisamente pela necessidade técnica de reservar os argumentos decisivos para uso na ocasiáo da defesa. Apesar disso, o livro teve invulgar aceitaeáo, esgotando-se os seus 5.000 exemplares em pouco tempo. Ademais, recebemos, com satisfnáo, a crítica bastante favorável de estudiosos do direito (Geraldo Ataliba e Artur Lima Gonalves, Revista de Direito Tributario, p. 399400), inclusive na Argentina (Héctor Negri, Jurisprudencia de Lomas de Zamora, ed. 20-7-1983) e a sua adoçáo cm várias universidades brasileiras. Depois, farta correspondéncia de professores, advogados e estudantes nos estimulou a rever aquele trabalho, ampliando-o e dando-lhe maior divulgaçáo. Aceitamos a sugestáo, e o resultado está neste livro. Apesar da identidade do tema e da fidelidade á linha científica que presidiu o primeiro trabalho, o conteúdo desta obra é praticamente novo, embora em alguns pontos resulte de urna reelabornáo do texto anterior, ampla e aprofundada, para esclarecer dúvidas e eliminar omissóes. Neste trabalho, tivemos a preocupnáo de dar-lhe um caráter didático, sem contudo nos descuidarmos da precisáo científica, a mais rigorosa que pudemos. Com esse sentido, procuramos aclarar o mais possível as questlies, formulando exemplos e nos detendo, muitas vezes, cm explicnóes que, aos ini-
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ciados, podem parecer ate elementares, mas que se justificam pela necessidade de nä° deixar o iniciante, o estudante, sem a exata noçäo do que quisemos dizer. Nä° é a simplicidade do exemplo ou da linguagem algo que prejudique a cientificidade do contend°, coisa que procuramos preservar por todos os meios. No desenvolvimento do trabalho nos vimos obrigados a utilizar, largamente, notas de rodapé, que rid° se limitaram a indicação bibliograica, mas serviram, também, para a formulae do de exemplos e explicaçöies doutrindrias. Quanto a estas tiltimas, embora as considerdssemos necessdrias A compreensão das ideias expostas, concluimos que a sua inclusdo no texto principal, por constitufrem digressöes, poderia prejudicar-lhe a clareza. Por esse motivo algumas das notas são bastante extensas e tratam, muitas vezes, de questöes cientificamente polêmicas, raid° pela qual entendemos necessdria a sua colocação corn a finalidade de fundamentar as nossas °pinkies. Esta, desejamos destacar, nä. ° é uma obra acabada. Somente a circunstäncia de limitar-se o estudo do fato jurklico ao piano da existência já revela a necessidade de ser continuada. Ademais, a busca por uma major precisac, cientifica näo nos permite apenas olhar satisfeitos para o que fizemos. Por isso, queremos colocar-nos a disposição de quantos nos desejem honrar corn suas observagoes criticas — que sera° sempre bem-vindas das quais procuraremos tirar as ligoes que nos permitiräo aperfeiçoar sempre mais o nosso trabalho. Marcos Bernardes de Mello
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I PARTE
Conceitos Fundamentais
CAPfTULO
0 Fenômeno Juridico (uma visa() integrada)
§ 1 Q 0 homem, a adaptação social e o direito A vida humana em sociedade, a vida do homem diante de outro homem ou dos homens, em face dos entrechoques de interesses que, inevitavelmente, ocorrem, precisa de ser ordenada pela comunidade, a fi m de que essa convivência seja a mais harmonica possivel. 0 ser humano, naturalmente inadaptado ao ambiente em que vive, tanto social quanto culturalmente, sente a necessidade de adquirir aptidOes para sobreviver dentro da sociedade. Essa aquisicao de aptidOes traz como consequencia a sua adaptação ao meio social, o que se revela através dos comportamentos que o individuo integra em si, ao longo de sua existencia, alguns adquiridos espontaneamente, instintivamente, outros moldados de forma consciente, muitas vezes ate contra a sua própria vontade, pelos ensinamentos que a comunidade Ihe concede ou Porque o ambiente social constitui seu habitat mais propicio, o homem tende, naturalmente, a vida em sociedade, isso também como condicionamento decorrente do milenar habit°. que começa a influir sobre a sua psique desde o momento de seu nascimento, de viver em comunidade. 0 ser human°, em situacao normal, nasce no seio da familia — o grupo social basico — e a partir dal tern inicio a moldagem de suas potencialidades no sentido da convivencia social. A ampliação gradativa dos circulos sociais em que o homem se y e envolvido no desenrolar de sua existencia faz crescer, proporcionalmente. o grau de influência que a sociedade exerce em sua formação. A medida que o individuo expande a area de seu relacionamento corn os outros, participando de grupos maiores, como os companheiros de brincadeiras, a escola, as congregagOes e comunidades religiosas, os clubes, e. g., aumentam também as pressOes dos condicionantes sociais que procuram conduzir a sua personalidade conforme os padrOes da sociedade. Os diversos processos de adaptação social — como a religido, a moral, a polftica, a educacao, a economia, a ciencia, a arte, a moda. a 33
etiqueta, o direito — so os instrumentos de que se vale a comunidade para agir sobre o homern. instilando em sua personalidade os valores, as concepgóes e os sentimentos que integram e representam a própria cultura da sociedade em que se encontra inserido. As experiéncias vivenciais que o ambiente social lhe proporciona atuam como elementos determinantes de seu comportamento e, em razáo delas, o homem aprende a falar e o que falar, veste-se e sabe como vestir-se, sabe o que comer e como comer, enfim aprende a comportar-se diante dos outros homens e da comunidade que condicionou as suas aptidóes. O homem (horno sapiens) no é um produto simples da natureza, mas o resultado do convívio com os outros homens. Por isso, apesar de sua sociabilidade, há nele, sempre, algo de próprio, tipicamente individual, que náo se dissolve no social nem se torna comum a todos. Assim, no é possível negar que o homem jamais se despe, por completo, de seus instintos egoístas, motivo pelo qual no se consegue apagar, nem mesmo superar, a sua inclinagáo, muito natural, de fazer prevalecer os seus interesses guando cm confronto com os de seus semelhantes. Além disso, todo o arcabougo social, respaldado no aparato de meios que visam a adaptá-lo, no consegue suprimir ou reduzir o seu livre-arbítrio na escolha de como comportar-se. Parece indiscutível, no entanto, que se a cada qual fosse permitido conduzir-se socialmente como bem lhe aprouvesse, deixando-se governar pelo seu egoísmo e ambigáo, tendo como medida de agáo o seu poder e a fraqueza do outro, a vida em comunidade seria intolerável e praticamente impossível o avango para formas superiores de civilizagáo. Náo se poderia, ao menos, considerar sociedade humana um agrupamento dessa ordem'. O jugo social representado pela atuagáo no sentido da adaptagáo é aceito como urna imposigáo necessária á vida social. Por isso mesmo traz como resultante ineliminável a possibilidade sempre presente de reagáo e rebeldia do homem aos padróes tragados pela sociedade 2 . Disso decor-
I. Vide, a respeito, Bockelmann, The principies of the rule of law, p. 97, e Bodenheimer, Ciéncia do direito, p. 190. Indicnáo bibliográfica completa no final da obra. 2. Esse inconformismo do homem á adaptnáo social é encontrável permanentemente em todo o desenrolar da história e revela, sempre, discordancia com os padres sociais que lhe sáo impostos. Há momentos em que essa discordancia gera renóes que, alcanando níveis paroxísmicos, levam á revolnáo, com alternóes, militas vezes profundas, nos modelos de conduta social. É preciso destacar, porém, que qualquer dessas mudanas jamais conseguiu 34
re, evidentemente, a imperiosa exigéncia da comunidade de estabelecer normas de conduta que tenham um caráter obrigatório cm decorréncia do qual a sua impositividade ao homem seja incondicional e independente da adesáo das pessoas 3 . Essas regras constituem as normas jurídicas que, no seu conjunto, consubstanciam o direito da comunidade em que elas sáo vigentes. eliminar ou neutralizar a exigéncia de adaptagáo; pelo contrário, nas épocas de maior ebuligáo social sempre recrudesce o despotismo e exacerba-se a adaptagáo social. A nova ordem em geral necessita de maior forga de imposigáo para substituir a anterior e instaurar-se. Teoricamente. tem havido sugestóes no sentido de libertar o homem da tirania social, que seria representada pelo direito, usado como instrumento de dominagáo pelo Estado. O regime anárquico, preconizado por Bakunin e Kropotkin. baseava-se no pressuposto, inconciliável com a realidade, de que o homem é naturalmente bom e os males e distorg6es nesse estado de bondade seriam consequéncias da corrupgáo que as instituig6es estatais lhe imp5em. O próprio marxismo se funda, cm última instáncia, na ficgáo de que o desaparecimento das lutas de classe pelo comunismo teria como resultante tornar despiciendo o direito e também o Estado. Atualmente mesmo. o Movimento Criticista do Direito, fundado pelo ilustre jurista francés Michel Miaille (Urna introduçáo crítica ao Direito), de orientagáo marxista, e outros ditos contradogmáticos refletem essa tendéncia contra o Direito posto pela sociedade e as suas press5es sobre o indivíduo. O movimento hippie da década de 60 é exemplo vivo e prático desse anseio de eliminar o jugo social. Teoricamente ou na prática, a verdade histórica, porém, frustra qualquer esperanga de que a sociedade humana possa prescindir dos instrumentos de adaptagáo social, especialmente o direito. Em todos os tempos as transformag5es sociais jamais passaram de metamotfoses, quer dizer, de mudangas de forma, apenas. Quando alguém, como os criticistas, propae o abandono da dogmática jurídica, porque escravizadora do homern pela classe dominante representada pela burguesia, o que na verdade está propondo, cm última anal ise, é a substituiedo dessa dogmática por urna outra que lhe parece mais justa. Eliminar o direito da sociedade é impossível, como inviável haver um direito no dogmático, porque, mais do que os outros processos de atuagáo da sociedade, consubstancia o elemento de estabilidade e de manutengáo da própria convivéncia social. 3. Os processos de adaptagáo social, embora se constituam de normas de natureza comportamental, no tém, exceto o direito, o poder de vincular incondicionalmente as condutas, donde ficarem á mercé da adesáo das pessoas. O direito, diferentemente, é obrigatório, e nisso consiste o elemento que o caracteriza e o distingue dos demais processos de adaptagáo social. Por isso, por integrar a sua própria natureza (= substancia), a obrigatoriedade do direito é dado que se pe aprioristicamente. Cada norma jurídica de per si retira a sua obrigatoriedade dessa obrigatoriedade a priori do direito como processo de adaptagáo social, embora precise atender, particularmente, a certos pressupostos de valéncia (termo que aqui
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usamos para evitar confusão corn validade, que. na concepgao ponteana e. em geral, na doutrina comum, define situação do ato juridic° no piano da validade, parte do mundo juridic° em que se constata se é perfeito — valid° — ou se sofre defeito que o tome invalid° — nub o ou anulavel, que, desatendidos, a descaracterizam como jurfdica. Chegamos a usar antes validez, que resolvemos abandonar por se tratar de palavra do idioma castelhano. Anotamos que os dicionarios consultados registram valencia como palavra própria da terminologia da Quimica e da Biologia, que se refere a capacidade de combinação. No entanto, em seu étimo, vem do latim valentia, ae, substantivo apelativo feminino, que significa "forga corp6rea, vigor, robustez, coragem, valentia" (F. R. S. Saraiva, Novissimo dicioncirio latitzo-portugues, 10. ed., Rio de Janeiro-Belo Horizonte, Livr. Gamier, 1993). Corn esse mesmo sentido que aqui usamos, encontramo-la empregada, naliteratura jurfdica nacional, por Lourival Vilanova, em Causalidade e relaccio no direito, p. 33 e 103, e Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributdrio, p. 59, p. ex.). Que pressupostos sab estes, nab ha uniformidade de respostas. Variam as opinioes, segundo a vinculação filosófica de cada um, desde aquelas, de cunho axiologico, que os veem refletidos nos valores fundamentais da juridicidade, aquelas dogmciticas, que invocam uma norma fundamental, abstratamente posta, portant° de cunho leigico, de que decorreriam todas as outras, aqueloutras jusnaturalistas, que os concebem como uma consequencia de sua harmonia corn a ordem universal, emanada da natureza c mesmo de Deus, e, finalmente, as sociológicas, que se baseiam na aceitação das normas pela comunidade. Também nao ha uniformidade quando se trata de saber em que consistiria essa obrigatoriedade. Para alguns, reside na sançao, na coação externa. Enquanto as normas morais, religiosas, polfticas devem ser seguidas e observadas espontaneamente, e a coação porventura nelas existente tenha cardter psicologico, interior, as jurfdicas são impostas, inclusive pelo uso de coação extema, através de sangiks. As penas do logo do inferno, para o pecado, ou o sofrimento moral do remorso e da vergonha, rid° constituem cciação extema ou sanção imposta pelo grupo social, diretamente, contra o pecado ou o ato imoral, embora rid° se exclua a possibilidade do replidio social ostensivo. Para outros, como Pontes de Miranda, cujo pensamento acompanhamos, a obrigatoriedade das normas jurfdicas resulta de sua incidencia, que, transformando em tato juridic° o fato que constitui o cerne de seu suporte tactic°, subordina as suas normas as condutas relacionadas aquele fato. Nenhuma outra norma de qualquer dos demais processos de adaptação social tern esta caracterfstica de criar fatos especificos vinculantes das condutas a que dizetn respeito. Nilo ha fato moral, nem fato religioso, nem fato politico etc. corn forga vinculativa exterior, sea° como meros eventos sociais. Por isso, a incidencia, por sua eficacia juridicizante, constitui o dado caracterizador do direito e o distingue dos demais processos de adaptação social. Se a norma jurfdica incide, tern de ser aplicada por quern tenha essa responsabilidade no organismo social. Se da aplicagão resulta sangao irrelevante, porque esta é earacteristica de alguns tipos de normas jurfdicas, nal° de todas. Alias as normas juridicas de maior significado para a comunidade — como as que definem e asseguram os direitos fundamentais do homem e do cidaddo, e Os direitos da personalidade — rid° contem qualquer sangdo especifica. Vide adiante Capftulo II, erftica as concepeeles sancionistas do direito. 36
§r O caráter necessário do direito Parece claro, assim, que a própria vida social no só impóe, como n o pode prescindir da adaptnáo do homem, motivo por que os processos de adaptnáo social, especialmente o direito, so instrumentos indispensáveis á convivencia inter-humana. O direito — como, de resto, todos 1aptnáo social —, conquanto se'a essencial á socieos rocessos c ___R____le_a_c______.1/4 dade, náo no é ao homo naturalis ou sea, ao omem -m - ., o • atureza. 0—direiío é essencial ao homem enquanto homo socialis, vale dizer, ao homem considerado integrante da sociedade. O homem sozinho n o necessita de direito ou de qualquer outra norma de conduta. Por isso, o direito náa está na naturezTra-6 ser humano, sendo-lhe estranho e dispensável. Somente guando o homem se vé diante de outro homem ou d7Eei- -r"--nunidade e condutas interferem entre si é que exsurge a indispensabilidade das normas jurídicas, diante da indefectível possibilidade dos entrechoques de interesses que conduzem a inevitáveis conflitos. Daí ser imperiosa e irremovível a necessidade que tem a comunidade de manter sob controle o comportamento de seus integrantes, contendo-lhes as irracionalidades e trnando-lhes normas obrigatórias de conduta, com o sentido de estabelecer urna certa ordem capaz de obter a coexisténcia pacífica no meio social, com vistas á distribuiçáo dos bens da vida. Por isso, a sociedade humana, conquanto possa prescindir de quase todas as instituigóes de que se vale para manter-se, no no pode do direito. O brocardo jurídico ubi societas ibi ius ressalta muito bem esse caráter necessário da ordem jurídica. O Estado, por exemplo, nem sempre existiu e ainda hoje há grupos que desconhecem as estruturas e os entes estatais. No se pode dizer, no entanto, que esses grupos náo tenham sido ou náo sejam sociedades humanas, embora cm estágio embrionário ou em desenvolvimento. Todavia, mesmo nessas organiznóes sociais primitivas, onde sáo mínimas as carencias em relnáo á convivencia de seus integrantes, já se encontram delineadas normas de adaptnáo social, as quais sáo respeitadas e impostas, até, pelo próprio grupo. Essas normas — que sáo jurídicas pela impositividade — podem ser bastante simples, mesmo rudimentares, mas nem por isso dispensáveis. O seu refinamento e a maior ou menor influencia que exercem sobre a conduta dos homens dependem, evidentemente, do grau de aperfeiçoamento cultural, de evolnáo, de cada comunidade. É natural que, á medida que a sociedade se desenvolve, se aprimora, e as relnóes sociais assumem formas mais variadas e complexas, as normas jurídicas — como as dos demais processos de adaptnáo social — passem a ser mais exigentes e a ter urna 37
atua0o mais intensa. Sejam, porem, rudirnentares ou refinadas, elementares ou complexas, simples ou prolixas, as norinas jurfdicas são indispensaveis e insubstituiveis, porque constituem o tinico meio habil e eficaz de que dispae a sociedade para evitar o caos social e obter uma coexistencia harmonica entre os seres humanos.
§ 3 9- Mundo factico e mundo juridico Na sua finalidade de ordenar a conduta humana corn vistas a distribuicio dos bens da vida, a comunidade jurfdica 3- A valora os_fatos e, através das normas jurfdicas que adota, cle fato jtiridico aqueles que em re evancia para o relacionamento inter-humano. Explicamos. A vida é uma sucessão permanente de fatos. Desde o nascimento ate a morte, corn todos os atos que integram a vida, desde a estrela cadente que risca o céu ao vai-e-vem da onda do mar, tudo o que nos cerca, ffsica ou psiquicamente, são fatos. "0 mundo mesmo, em que vemos acontecerem os fatos, é a soma de todos os fatos que ocorreram e o campo em que os fatos futuros se vão dar"4. Adotando um critério bastante simples, mas de abrangencia total, ço.\ aprendido corn Lourival Vilanova, d possfvel classificar os fatos em (a) eventos e (b)condutas, tendo em sua origem a diferença especifica entre eles, a saber: (a) eventos sac) os puros fatos da natureza, aqueles que acontecem independentemente de atuação humana ou, quando ha presença dessa atuação em sua concreg ao no mundo, essa resulta, exclusivamente, de sua condição natural, biológica (como na concepção, no nascimento, na morte de alguém, por exemplo); e (b) conduta, os atos humanos volitivos ou mesmo avolitivos que não sejam •717aTc --)rreie ircia xclusiva de sua natureza animal. Ressaltamos que os vocabulos fato e evento, aqui, nä° são empregados corn o significado ensinado por Tercio Sampaio Ferraz Jr. (Introdução ao estudo do direito, p. 274), adotado por doutrinadores de escol, como Paulo de Barros Carvalho (Direito tributario: fundamentos jurfdicos da incidencia, p. 85), e. g. Também
3-A. Comunidade juridica ë expressão que usamos para designar o grupo social que tenha o poder de ditar normas juridicas, e.g., os Estados, os organismos internacionais, no Brasil, a Unido, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municipios etc. 4. Pontes de Miranda, Tratado de dire ito privado, t. I, p. 3. 38
no guardam reina() com o sentido que lhes dá Eurico Marcos Diniz de Santi (Decadéncia e prescrigdo no direito tributario, p. 111-113). É evidente, porém, que nem todos os fatos — mesmo conduta — tém para a vida humana em sociedade o mesmo valor, a mesma importancia. Há fatos — inclusive puros eventos da natureza — que possuem para os homens, em suas relacbes intersubjetivas, significado fundamental, enquanto outros, ou por lhes fugirem ao controle, ou por no lhes acarretarem vantagens, ou, ainda, por náo lhes provocarem o interesse, sáo tidos como irrelevantes. Quando, no entanto, o fato interfere, direta ou indiretamente, no relacionamento inter-humano, afetando, de algum modo, o equilibrio de posigao do homem diante dos outros homens, a comunidade jurídica sobre ele edita norma que passa a regulá-lo, imputando-lhe efeitos que repercutem no plano da convivéncia social. Disto resulta claro que a norma jurídica atua sobre os fatos relevantes que compó- em o mundo para atribuir-lhes a funçáo de gerar consequéncias específicas (= efeitos jurídicos) relativamente ao comportamento dos homens no meio social, constituindo um plus quanto á sua natureza peculiar. A norma jurídica, desse modo, adjetiva os fatos do_mundo, conferindo-lhes urna característica que os torna espécie distinta dentre os l_flóídico. A constatnáo de que hiTaiC7s relevantes, a que a norma jurídica imputa efeitos no plano do relacionamento inter-humano, e fatos que, considerados irrelevantes, permanecem sem normatiznáo, permite distinguir, dentro do universo dos fatos, que é o mundo em geral — ou mundo fáctico —, um conjunto — o mundo jurídico — formado apenas pelos fatos jurídicos. Se ponderarmos que os efeitos jurídicos, desde as situnóes jurídicas simples, como os estados pessoais, ás relnóes jurídicas de conteúdo o mais complexo, que se desdobram em múltiplos direitos deveres, pretensóes t obrignóes, no:5es e excecóes, sao, exclusivamente, imputnóes feitas pelos homens a certos fatos da vida através das normas jurídicas, teremos de admitir que a distingo, no mundo, entre o que é jurídico e o que no entra no mundo jurídico se reveste de fundamental importáncia ao trato científico do direito. "Por falta de atenga° aos dois mundos muitos erros se cometem e, o que é mais grave, se priva a inteligéncia humana de entender, intuir e dominar o direito"5. Em verdade, somente o fato que este'a re . ulado por norma *urídica pode ser considera.° um fato jurídico, ou seja, um fato produtor de 5. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t.
1, p. 3-4.
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direitos, deveres, pretensöes, obrigaçoes ou de qualquer outro efeito juridic°, por minim° que seja. As meras relaçöes de cortesia, por exemplo. não criam situacöes juridicas, como a de A poder exigir que seu vizinho B o cumprimente toda manila, sob pena de ser constrangido a faze-lo ou punido por ndo o fazer. Esse mesmo fato de cortesia (etiqueta), em outras situaçaes, pode acarretar resultados juridicos — 6 o que acontece entre os militares, e. g., em que pode ser punido o subordinado que nä° prestar continencia ao seu superior — porque ha uma norma juridica que assim estabelece. As relacilies de parentesco são outro exemplo. No piano juridic° não são todas as relaçöes de parentesco que importam. Dependendo da situação, as normas juridicas somente consideram para os fins de direito os parentes ate urn determinado grau. 0 parentesco em grau superior äqueles previstos pelas normas juridicas nä° produz qualquer efeito juridic°, a despeito de poderem ter relevante importância pessoal e mesmo social. Resulta evidente, assim, a diferença substancial que existe entre o factico°, enquanto apenas tactic°, e o juridic°, porque somente este pode ter algum efeito vinculante da conduta humana. 0 mundo juridic°, esti claro, se vale dos fatos da vida e, mais que isso, é constituido por eles prOprios; resulta da atuaçäo (incidencia) da norma juridica sobre os fatos, juridicizando-os 7 , e nä° representa, por isso, uma decorrencia natural dos fatos. Enquanto corn os demais fatos seu agrupamento em classes tern por elemento referencial dado que lhes 6 natural (e.g., morte é fato biológico porque se refere a vida), os fatos juridicos o são pela vontade humana, que, através das normas juridicas, imputa carater juridic° aos simples fatos da vida, integrantes naturais de outros mundos. 0 fato geografico da avulsão, por exemplo, em face da repercussäo que pode ter na ordem do relacionamento humano, corn a transferencia da propriedade de uma pessoa para outra sobre a porçdo de terra avulsa, tambem fato juridic° pela imputagio que a norma juridica lhe faz.
6. A palavra fcictico é aqui empregada para designar o Mio juridico; não tern o sentido preprio restrito aos eventos da natureza nem o de oposição ao de conduta humana (atos). 7. "0 sistema de proposiVies da ciéncia juridica nilo se dirige aos fatos, acrescentamos, sem a mediacão dos proposicoes juridicas que qualificam os faros. Sem as proposig6es normativas do direito positive, nenhum fato do mundo pertence ao universo juridico". Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 118.
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§ 4Q Logicidade do mundo jurídico
O mundo jurídico, como se vé, é criagao humal efere, a nas, r T á_______Ládo_b~nterfei condt. éncia intersubjetiva; nao se desen— — 3 volve,ássitij.,_nslc.Ampo da cau salidade físTE,Trias, sim, nuiláordem de € valéncia, no laz _p_a_dadeverz,jr.. O ser fato jurídico e o iii-o-clialreléito jurídico sao situalóes que se passam no mundo de nossos pensamentos e nao impóem transformalóes na ordem do ser. A circunstancia de o nascimento com vida de um ser humano ser considerado fato jurídico ao qual se imputa o efeito jurídico de o recém-nascido adquirir a personalidade civil (= ser pessoa para os fins de direito, ou seja, poder ter direitos e deveres na ordem civil), nao altera cm coisa alguma o fato biológico do nascimento, como também nada acrescenta ou retira ao ser humano, do ponto de vista físico. Quando, cm decorréncia da escravatura (fato jurídico), o escravo era considerado objeto do dimito de propriedade do senhor (efeito jurídico) e náo sujeito de direito, em nada modificava a sua condicao de ser humano, igual, na ordem da facticidade, á do senhor. Hoje, a plena capacidade civil se adquire aos 18 anos; até 2002, somente aos 21 anos; se amanha, por exemplo, essa idade for reduzida ou aumentada, tal mudarlo nao afetará o ser do homem; o ter capacidade ou nao para praticar atos da vida jurídica no modifica o homem sob o aspecto natural. As mudanças que vemos ocorrer no mundo como defiuéncia de fatos jurídicos sao, sempre e exclusivamente, de cunho comportamental, como acontece guando o dono de um imóvel transfere a sua posse direta a outrem, em virtude de um contrato de locaçáo, passando o locatário a exercitar sobre ele os atos compatíveis com a sua situacao jurídica. As
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modificaeóes por que passam as situavbes jurídicas jamais implicam alteraffles na natureza mesma dos faros (a venda, pelo proprietário, da
safra do coqueiral, no altera o ciclo natural da frutificacáo), mas, ao
contrário, as transformaffies ha vidas nas situagóes de fato podem determinar mutaffies nas situaffies jurídicas (se o bem móvel é consumido pelo fogo, extingue-se o direito de propriedade). Tudo isso, porém, somente pode ser considerado se os fatos esto colocados no mundo jurídico e, para que tal ocorra, é preciso ter cm mente que o fenómeno jurídico', cm toda a sua complexidade, envolve
8. Vide, adiante, a questáo das dimensóes do fenómeno jurídico.
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diversos momentos, interdependentes, a saber: (a) a definição pela norma juridica da hip6tese factica considerada relevante para a convivência humana (definição normativa hipotética do fato juridico); (b) a concreção dessa hipótese no mundo dos fatos; (c) a sua consequente juridicização por tot-0 da incidência da norma e sua entrada como fato juridic° no piano da existência do mundo do direito; (d) a passagem dos fatos juridicos licitos, fundados na vontade:humana (ato juridic° stricto sensu e negócio juridico), pelo piano da validade, onde se verificard se são validos, nulos ou anuldveis; (e) a chegada do fato juridic° ao piano da eficacia onde nascem as situacties juridicas, simples ou complexas (relaçöes juridicas), os direitos 4 deveres, pretensOes situaçOes de acionado, exceçfies situaçoes de exceptuados. A norma juridica, por sua vez, que não revele os valores sociais ou 13. Vide, por exempt°, os trabalhos de Radbruch, Eberhard Schmidt e H. Welzel, na coletânea Derecho injusto y derecho nub, e o célebre discurso de Radbruch proferido durante sua reintegração na Universidade de Heidelberg, denominado "Cinco minutos de filosofia do direito", publicado, como apendice, na edição portuguesa de sua Filosofia do direito, v. 2g. — Thegarg r 14.Apesar de ponderosas opinieies em col TO Fro, nab é possivel normas juridicas uma função educativa, em decorrência da qual os padroes de conduta de uma comunidade podem mudar. As normas promocionais, como as nomeia Bobbio, tern a missão de criar, pela premiação, estimulos a novos comportamentos. Também através da punição, condutas algumas vezes consideradas comuns abandonadas, dando margem a comportamentos segundo o sentido que a sanção qui s obter. Por isso, entendemos ser necessário levar em consideraçiro o fato de ocorrerem mudanças comportamentais como decorrencia da atuação das normas juridicas, portanto da adaptação do homem imposta pela comunidade.
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contrarie os valores fundamentais da juridicidade (paz social, bem comum, justio, ordem, segurança) ou a natureza das coisas, ou, ainda, que no obtenha a adesáo da comunidade, náo poderá ser considerada urna norma jurídica na verdadeira acepçáo do termo. Desse modo, parece imperioso que o direito deve ser sempre analisado sob o tríplice aspecto dos valores, da norma e do fato, para que assim se possa ter urna ordem jurídica que, efetivamente, se realize no meio social, mesmo porque náo se consegue jamais um isolamento completo nessas atitudes monistas. Exemplo ilustre dessa impossibilidade nos foi dado pelo próprio Hans Kelsen. Apesar de todo o seu esforço para purificar o direito, náo conseguiu furtar-se a imiscuir questáo sociológica guando relacionou a eficacia do direito ao efetivo comportamento social, cm um mínimo que seja, segundo os ditames da normal'.
§ 8° Corte epistemológico É possível, contudo, por urna questáo metodológica — náo doutrinária —, tratar o fenómeno jurídico somente sob urna de suas dimensóes, desde que, porém, náo se esqueça de que o corte epistemológico que tal atitude representa náo envolve urna exclusáo dos outros aspectos da juridicidade. Há mesmo ramos da Ciéncia que se especializam cm cada um deles. A Política Jurislativa (comumente chamada Legislativa)' 6 , táo desprezada entre nós, é ramo da Ciéncia Positiva do Direito dedicado á dimensáo política, de revelaçá'o das normas jurídicas. A Teoria Geral do Direito e as Ciéncias Dogmáticas estudam o direito como norma, portanto cuidam da sua dimensáo normativa, enquanto a Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito constitui a parte da Ciéncia Positiva do Direito — náo da Sociologia Geral, como querem alguns — que examina o direito na realidade social de sua realizaçáo. Neste trabalho, propusemo-nos a estudar o fato jurídico sob o ángulo específico da Teoria Geral do Direito. Por esse motivo, devemos desenvolvé-lo na dimensáo normativa. Nesse particular, devemos a Pontes de Miranda, sem sombra de dúvida, a mais percuciente análise do direito. E é baseado cm suas liçóes, principalmente, que procuraremos examinar, fase a fase, a fenomenologia da juridicidade.
15. Teoria pura do direito, v. 1, p. 20. 16. Preferimos a expressao jurislativa por ser mais abrangente, porque se refere nao somente á lei (legis + lativa), mas ao direito (jus) sob todas as suas manifestaçóes (que nao se limitam á lei em suas várias formas de expressao: constituila°, lei complementar, lei ordinaria, lei orgánica, decreto-lei etc.), como os costu mes.
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CAPITULO II
Norma e Fato Juridico § 99- A previsdo normativa do fato juridic° 1. Norma juridica e definição do mundo juridico Como procuramos deixar claro, o mundo juridic° é formado pelos fatos juridicos e estes, por sua vez sio o resultado da incidência da norma jundica sobre o seu suporte factico guando concrenzado no mund6 dos fatos:Disso se conclui que a norma jurfdica é quem define o fato julTdien7Tor forca de sua incidência, gera o mundo juridic°, possibilitando o nascimento de situnoes juridicas, que se desdobram em relaçoes juridicas corn a produção de toda a sua eficacia constituida por direitos dotados do poder de incidir c que, por isso-, se revestem de forea vinculante das condutas a que se referem. A aplicabilidade das normas juridicas depende de sua incidéncia; por isso, uma norma juridica somente pode ser aplicada quando incide sobre a situação factica nela prevista. Pela incidéncia é que os fatos da vida são regrados e as condutas correspondentes ficam subordinadas A norma juridica. Ora. quando o Judiciario, por exemplo, decreta a inconstitucionalidade de certa lei por conflitar corn determinado principio constitucional, esta, ern altima andlise, a aplicar aquele principio, que declara incidente sobre a situação concreta (ato legislativo) e, por consequencia, que o comportamento do legislador esta a ele vinculado. Se o principio nä° fosse incidente e, assim, vinculativo, se o poder politico pudesse agir livremente, inclusive contrariando-o, e nä° houvesse qualquer instrumento de reação do sistema juridic° destinado a repelir a violação e, portanto, apto a manter a sua integridade, como um todo, e a vigéncia de suas normas, cm particular (conceito lato de sancdo, vide, adiante, o § 64, 3.3.3.), entäo seria possivel dizer que os principios não incidem e, portant°, nä° ténn carater normativo. No entanto, nao é isso o que acontece atualmente. Superando a vetusta concepção de que somente poderia ser decretada inconstitucionalidade de lei ou ato do poder public° quando houvesse manifesta violação de expressa norma constitucional, a doutrina do STF, elaborada a partir da Constituição de 1988, firmou-se no sentido de que também ha inconstitucionalidade quando ocorre infringência direta a principio constitucional. bem assim ate quando existe omissão do poder politico em dar efetividade a um principio fundamental. Disso resulta evidente que a decretação de inconstitucionalidade, quer anulando a lei ou ato do poder pilblico, quer emitindo norma para regular o caso concreto, substituindo o °Tao omisso, constitui aplicação do principio constitucional contra sua violacao, por ato ou omissão, e um reconhecimento de seu poder vinculante (de incidéncia). 52
Mas no é somente com fundamento nessa concepgáo de norma jurídica (que tem sua base na doutrina de Pontes de Miranda sobre o fenómeno jurídico) que se demonstra o caráter normativo dos princípios jurídicos. Também. se apreciarmos a questáo conforme a concetNáo sancionista (vide, adiante, § 10, 2.1), que vé na sango punitiva o dado essencial para caracterizar urna norma jurídica, concluiremos que os princípios atendem ao requisito. Seno, vejamos. Toda e qualquer norma jurídica tem sua valencia assegurada pela coercibilidade (= possibilidade de coergáo), que constitui pressuposto irremovível da própria juridicidade, pois nela reside a forga obrigatória do direito. Com esse fim, existem ínsitas nos sistemas jurídicos sanOes (naquele sentido lato antes mencionado) inespecíficas (= que no esto relacionadas, especificamente, a urna conduta determinada), as quais, a par da fungo de garantir sua valencia corno um todo, destinam-se a assegurar a impositividade de suas normas em particular, especialmente daquelas cujos enunciados no preveem sangóes próprias para punir as condutas que as violem. Por isso, todas as normas que integram um dado sistema jurídico so coercitivas (= asseguradas pela coercibilidade), ainda guando no contenham urna punigáo específica para o caso de virem a ser infringidas. A invalidade é exemplo dessas sangóes que, genericamente, estáo presentes nos sistemas jurídicos para garantir sua coercibilidade. No caso dos princípios, essa coercibilidade constitui seu fundamento de impositividade. Toda vez que o Poder Judiciário decreta a nulidade de urna lei ou ato do poder público, por inconstitucionalidade. em face de princípio constitucional, está aplicando urna sangáo ao ato de violagáo. O mesmo ocorre guando edita norma para regular a omissáo do poder público em dar efetividade a princípio. (Pode parecer incorreto ou mesmo sem sentido considerar como sanç . do a regulaçáo. por ato do Judiciário, de situagáo, em havendo omissáo do poder público em dar efetividade a princípio constitucional. Entretanto, se considerarmos o conceito amplo de sangáo antes referido, chegaremos á conclusáo de que, guando o Supremo Tribunal emite a norma reguladora em substituigáo ao órgáo responsável pela omissáo, assume e exerce competencia privativa deste, o que, em última análise, constitui urna punigáo a esse órgáo e um modo de impor o poder vinculante do principio, fazendo cessar a sua violagáo.) Em resumo: porque os princfpios, apesar de sua generalidade e indeterminagáo linguistica, atendem aos pressupostos formais e materiais exigidos para a caracterizagáo das normas jurídicas, parece indiscutível que náo se lhes pode negar seu caráter normativo. Além disso, é preciso ter cm mente que a grande maioria das normas integrantes dos ordenamentos jurídicos sáo táo somente especificagóes dos princípios que os norteiam: vale dizer: a generalidade do conteúdo normativo do princípio é minudenciada por meio de normas específicas. Assim, apenas como exemplos, detalham: 2 (a) o princípio constitucional de garantia da propriedade privada (CF. art. 5 , XII), as normas do direito das coisas; (b) o principio da fungáo social da propriedade (CF, art. 5 9 . XXIII), as que limitam o uso da propriedade, inclusive as de cunho urbanístico e ecológico (CF, art. 225); (c) o principio da absoluta prioridade da crianga e do adolescente (CF. art. 227), o ECA e as normas do direito de familia referentes lis relagóes entre pais e filhos; (d) da indenizabilidade do dano material ou moral, as normas sobre responsabilidade civil; (e) o principio da privaticidade na sucessáo mortis causa (CF, art. 5 2, XXX), as do direito das sucesseies; (f) o princípio da pro53
Parece tnais do que evidente que uma norrna jurfdica que apenas descrevesse um suporte fáctico, sem imputar uma consequencia jurfdica ao fato jurfdico correspondente, ou que prescrevesse certa eficácia jurfdica, sem relaciond-la a determinado fato jurfdico, seria uma proposição sem sentido, do ponto de vista lógico-jurfdico, embora ate pudesse ser uma proposição lingufstica completa, corn sentido.
2. Norma e ordenamento juridico 2.1. Normas explicitas Nos sistemas de direito escrito, as normas jurfdicas, em geral, são expressadas através de proposiOes formuladas em textos sintéticos'8, teçao do consumidor (CF, art. 5 2 , o CDC; (g)o principio da universalidade da pretensao a tutela juridica (direito de Kilo), as normas do processo civil e penal. Apesar disso, mesmo que o seu contetido nao esteja minudenciado em normas especificas ou que, quando pormenorizado, o seja insuficientemente, o seu carater normativo o far incidente aos fatos da vida, como qualquer norma juridica. Essa orientação, a nosso ver, aplica-se nao somente a qualquer principio constitucional ou infraconstitucional, mas também a outras normas expressadas genericamente, como as constitucionais denominadas programaticas. As normas programaticas, em regra, nao podem gerar inconstitucionalidade por omissao, porque, geralmente, definem o programa sem impor sua realização efetiva. Mas, mesmo assim, se o poder politico age de modo contrario ao programa, ha violação da norma programatica, cabendo ao Poder Judiciario promover o controle da constitucionalidade do ato, decretando sua inconstitucionalidade. Acrescente-se que, se o programa constitucional é impositivo (v. g., norma que determine ao Executivo a implementação de certa politica em determinado tempo). vencido o termo fixado sem que haja cumprimento do comando, ha possibilidade de controle jurisdicional, em face da omissão. Finalmente, no piano constitucional, as chamadas nortnas-regras (= preceitos constitucionais determinados), por exemplo, 'fa° podem prevalecer em face de principio, quando corn ele incompativel. Mesmo quando norma-regra, ainda que adotada em atendimento de urn principio, conflita, pelo excesso, corn outra ou outras, o conflito ha de ser resolvido segundo o principio da proporcionalidade na aplicação dos principios da Constituiedo (foi exatamente esse problema que gerou a distinedo a que nos referimos no inicio). 18. Sob o aspecto da criação de normas juridicas ha dois principais sistemas conhecidos hoje em dia: os sistemas de direito escrito, também ditos de direito legislado ou ainda, como preferem os ingleses, sistema de direito continental (que revela a distilled° quanto ao direito vigente na ilha, a Gra-Bretanha), e os sistemas de direito consuetudituirio ou nclo escrito. Ao sistema de direito escrito estdo y inculados quase todos os paises civilizados, corn exceed° dos Estados Unidos da
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ordenados segundo urna metodologia própria com a finalidade de fazer deles um conjunto harmónico, ordenado e coerente, em que as diversas normas que o comp5em se integram e se completam entre si ' 9 . Por isso, é mesmo comum haver proposigóes jurídicas cm cuja formulaçáo linguística, geralmente elíptica, náo se encontra expressa a descriçáo de supone fáctico, ou a correspondente prescrigáo dos efeitos jurídicos. Tais proposiOes, evidentemente, se examinadas isoladamente aparentam ser sem sentido lógico-jurídico; na verdade, porém, no no sáo, se conside-
América, da Inglaterra e países cujos sistemas jurídicos foram estruturados sob a égide da Commonwealth, que adotam o sistema consuetudinário, e, com alguma reserva, os países mugulmanos, que tém um direito basicamente de origem religiosa. Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, na sua quase totalidade. sáo expressadas sob a forma de proposigóes abstratas que se destinam, cm geral, a regular situagóes futuras e consubstanciadas cm documentos escritos, denominados, geralmente, diplomas legais ou legislativos. A sua elaboragáo exige a observáncia de normas procedimentais específicas pela autoridade que tenha a competéncia (= atribuigáo de poder) para tanto: o detentor do Poder Legislativo. De regra, esse poder de legislar (= de estabelecer normas jurídicas) é dividido entre vários órgáos que integram a estrutura estatal, que, em relagáo a alguns tipos de normas, podem agir isoladamente e para outros somente cm conjunto. Tudo isso depende, naturalmente, de como está organizado o poder de legislar cm si e guante) ao seu exercício. (No Brasil essa matéria está regulada na Constituigáo Federal, arts. 59/69 e 166, basicamente.) Nos sistemas de direito consuetudinário, diferentemente, as normas jurídicas s o elaboradas, de ordinário, pelos órgáos judiciais que, analisando os costumes e as tradigóes do comportamento social, as revelam nas deciseies de casos concretos. Essas decisóes se tornam precedentes judiciais que, na seguida reiteragáo, passam a consubstanciar as normas de direito positivo daquele poyo. É necessário destacar, porém, que nem os diplomas legislativos do direito escrito nem os precedentes do direito consuetudinário esgotam as situagóes possíveis de ser encontradas nas relagóes sociais. Por isso, nos sistemas de direito escrito admite-se, na falta de dispositivo legal expresso, a aplicagáo do costume, dos princípios gerais do direito, da analogia e, até, excepcionalmente, da equidade como norma jurídica. Da mesma forma, nos sistemas de direito consuetudinário há normas jurídicas que sáo expressadas cm diplomas legais escritos. Náo há, assim, um sistema puramente escrito ou exclusivamente consuetudinário. O que os caracteriza e os distingue é a predomináncia de determinada espécie de expressáo das normas jurídicas. 19. É preciso ressaltar que as normas jurídicas nem sempre correspondem a um ceno dispositivo legal. É possível, e comum, vários dispositivos legais se referirem á mesma norma (por exemplo: os dispositivos do Código Civil sobre protegáo possessória), como é possível. embora menos comum, um mesmo dispositivo legal conter mais de urna norma (por exemplo: o art. 2 2 do Código Civil: uma norma se refere á aquisigáo da personalidade cm decorréncia do nascimento com vida; outra protege os direitos do nascituro, cm decorréncia da concepgáo).
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radas integradamente dentro do conjunto das normas juridicas que constituem o ordenamento juridic°. Essas situagOes são comumente encontradas quando se trata de instituicäes juridicas que, por definiçäo', constituem urn conjunto de normas que regula determinada relação juNessas espécies, por uma questão de técnica redacional, corn objetivo de evitar repetiOes iniiteis (e deselegantes para a linguagem), as proposiçOes juridicas sOo formalizadas de modo que umas pressuptiem as outras, o que permite, em decorrencia da ordenação, que aquelas normas cujo suporte factico nä° esteja expresso no seu texto, sejam relacionadas ao suporte factico de outra norma que lhes corresponder. Exemplifiquemos. 0 C6digo Civil' dispoe que "Salvo as exceçoes expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar". Esse dispositivo nao menciona, explicitamente, um suporte factico, mas, apenas, define a abrangência da expressão perdas e danos. NO° define ern que casos as perdas e danos são devidas. Esta seria uma norma incompleta se não fosse considerada como complement° do art. 389 do Código Civil, o qual, ao dispor que, "Ndo cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualizagOo monetdria segundo indices oficiais regularmente estabelecidos, e honordrios de advogado", define a indenizabilidade por "perdas e danos" como uma sangOo aplicavel ao inadimplemento das obrigaçOes de carater economic°. Ha, ainda, normas juridicas que sdo formuladas, precisamente, para integrar outras normas juridicas, sem determinar efeitos juridicos próprios. 0 COdigo Civil 23 define: considera-se possuidor todo aquele 20.Vide Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. I, p. 124; Lehmann, de instituição juTratado de derecho civil, v. I, p. 116. Essa é a concepção comum ddica. No entanto, doutrina elaborada por Hauriou (La teort a de la institución y de la fundación) de influência, especialmente, no direito de familia e no direito cornercial, notadamente na area das sociedades anónimas, concebe a instituicdo como sendo urn produto das relaçoes sociais e, por isso mesmo, algo que estaria acima do direito positivo legislado que a recepciona por imposição mesma dos fatos sociais. Trata-se, como se ve, de uma concepção sociologica da instituição. Sobre isso, vide, além da obra citada, Gurvitch, Sociology of law, e Briserio, Categorias instituciona-
les del proceso. 21. Exemplos de instituiçoes juridicas: casamento, posse, propriedade, contrato. 22. Art. 402 do Código Civil. 23. Cridigo Civil, art.1.196.
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que tem de fato o exercício, pleno ou nao, de algum dos poderes merentes á propriedade. Essa norma, evidentemente, no i mputa de modo específico efeitos jurídicos a certo fato, urna vez que náo atribui direitos ou deveres a alguém em decorréncia de um fato, mas, estabelecendo quem deve ser considerado possuidor, para os fins de direito, constitui norma integrativa de toda a instituigao jurídica da posse. Assim é que. por exemplo, guando o Código Civil (art. 1.210) assegura que "o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbagáo, restituído no de esbulho e segurado de violéncia iminente, se tiver justo receio de ser molestado", está em verdade a dispor que todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou nao, de algum dos poderes inerentes á propriedade, tem direito a ser manutenido na posse, em caso de turbaeao, restituído, no de esbulho e segurado contra violéncia iminente que tiver justo receio de sofrer. Sempre que, no sistema jurídico brasileiro, mesmo em situagóes nao reguladas pelo Código Civil (salvo, naturalmente, norma especial) houver alguma norma que se refira á posse de coisas, aquela definiçáo há de ser entendida como integrando-a. Do mesmo modo, o fato jurídico da morte de alguém constitui elemento dos suportes fácticos das normas do direito das sucessees, dentre outras; por isso, mesmo guando nao mencionado expressamente nas normas, as integra". Parecidas com essas, as normas jurídicas remissivas nao integram outras, mas as fazem integrantes suas, quer dizer: as normas jurídicas remissivas apanham outras normas e as consideram parte de seu conteúdo. O parágrafo único do art. 436 do Código Civil faz, no seu texto, expressa renüssito ao art. 438, também do Código Civil, donde se deve entender que as suas normas (do art. 438) compó'em o conteúdo do art. 436. O mesmo ocorre com as normas dos arts. 240 e 241 que fazem remisséío aos arts. 239 e 238, respectivamente, todos do Código Civil. Há, também, normas jurídicas que apenas complementam outras, ampliando ou restringindo os efeitos nelas definidos, ou modificando, parcialmente, a situagáo de fato prevista, como ocorre. por exemplo, no Código Penal, art. 121 e seus parágrafos, no que se refere a circunstancias agravantes e atenuantes da pena.
24. Slio normas jurídicas integrativas, ainda como exemplo, as que compóem o Livro II da Parte Geral do Código Civil, que defmem as varias espécies de coisas (ditas impropriamente bens).
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A integração das normas tern como pressuposto o ordenamento juridic° como urn todo, nào apenas a sua topologia nos textos legais. Assim, ndo importa que as normas juridicas que se integram estejam colocadas em textos legais diferentes; o que importa, realmente, é que componham um mesmo ordenamento jurfdico". Quando o C6digo Civil se refere a indenização no caso de homicfdio faz componente seu a norma do C6digo Penal que define esse crime. 2.2. Normas implicitas Os ordenamentos jurfdicos, no entanto, no conseguem ser plenos, isto é, atender corn suas normas objetivamente postas todas as situaçijes da vida social que tenham urn conteado juridic°. Por isso, quando se trata da integração das normas jurfdicas e de sua expressào, é necessario ter-se em vista que ha mais normas vigentes numa comunidade do que aquelas explicitadas nos documentos legislativos que cornpaem o ordenamento jurfdico". f‘Llv›---cau 25. Embora os sistemas jundicos tenham a sua vigencia restrita a determinado territ6rio (principio da limitação espacial do poder estatal), é possivel que nonna de um sistema juridic° seja aplicada em espaço juridic° onde vige outro sistema juridic° (vide, sobre o assunto, Pontes de Miranda, Comentarios t Constituicao de 1946, 3. ed., t. I, p. 50, e Comentarios a Constitui0o de 1967, corn a Emenda n. 1/69, t. I, p. 57. e nosso Teoria do fato juriclico: piano da efickia, § As regras dos arts. 8 Q a II do Decreto-lei n. 4.657, de 4-9-1942 (Lei de Introdução As Normas do Direito Brasileiro), por exemplo, admitem a aplicagdo no Brasil de normas juridicas de outros paises. A questa° da aplicabilidade de normas de outros sistemas juridicos se torna cada vez mais comum em vista da integração de paises em raid° de organizaçöes de cunho econômico, como o Mercado Comum Europeu, o Mercosul, mas que conduzem a necessidade de uniformização legislativa e, mais ainda, jurisdicional. 26. Essa problemática estd ligada diretamente A questijo das lacunas do direito positivo. Já em 1888, Ehrlich (1 fondamemi della sociologia del diritto), chamava a atenção para o fato de que a lei não pode abranger a plenitude do direito, pois que este é constituido como uma ordem real da sociedade representada pela maneira como os homens se conduzem, verdadeiramente, em sua convivencia. Desse modo, a lei criada pelo homem como regra abstrata, por ser incapaz de prever todas as hip6teses possiveis de ocorrer no relacionamento intersubjetivo, deixa situK6es sem regulamentação, ou as regulamenta parcial ou insatisfatoriamente. A insuficiencia das normas juridicas escritas, para prover todas as situaçoes possiveis, toma inevitável que as proposiOes juridico-positivas, as leis, não deixem areas em branco, campos em que a regulamentação seja incompleta.
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Atualmente, por força mesmo da investignáo científica empregada no trato do direito, a melhor doutrina está de acordo cm afirmar a i mpossibilidade de que a realiznáo do direito no ambiente social possa prescindir da revela çáo de normas jurídicas que preencham os vazios deixados pela legislnáo. Essa atividade reveladora de normas jurídicas com a finalidade de suprir as lacunas do ordenamento jurídico náo é nem pode ser considerada, em face dos dogmas do positivismo, urna atunáo legislativa. O que ocorre, na verdade, é que o intérprete (geralmente o juiz) na solnáo dos casos, tomando como fundamento os princípios que norteiam o sistema jurídico, extrai norma que torna específico aquele princípio. Assim, no há crináo de norma nova, mas, apenas, revelnáo de norma que existe de modo náo expresso, implícito, no sistema jurídico. Como referimos anteriormente, o direito de urna comunidade deve refletir, sempre, os valores que a inspiram e orientam. Nesse sentido, o dado axiológico que existe no direito é determinante da orientnáo imprimida ao sistema jurídico, principalmente quanto á definiçáo dos princípios que fundamentam de suas institui0es. Os microssistemas" que integram o universo jurídico de certa sociedade tém sua estrutura conceptual fundada cm princípios gerais que, de forma bastante ampla, com extrema generalidade, fixam a estimnáo (valornáo) da comunidade sobre os fatos da vida. A legislnáo, guando regulamenta os fatos, torna específico, cm preceitos, aquilo que se encontra ínsito na generalidade dos princípios. Com essa afirmativa queremos dizer que há princípios que norteiam e que dáo um sentido ao sistema, e as normas sáo como urna tradnáo pormenorizada desses princípios. Quando, por exemplo, o Código Civil displie sobre a indeniznáo dos danos, haja ou náo conduta ilícita de quem os causou, está especificando cm regras o princípio da transubjetividade da responsabilidade civil 28 . Do mesmo modo, guando
27. Empregamos a expressáo microssistemu para designar as varias áreas cm que se dividem as normas jurídicas, como direito civil, direito penal etc. 28. No direito brasileiro a responsabilidade de indenizagáo por dano náo tem na culpa, portanto na ilicitude, um pressuposto necessario, de modo que há responsabilidade civil pelo dano que se causa sem ilicitude, por meio de ato-fato lícito indenizativo. Mesmo guando se trata de ato ilícito, a culpa náo constitui elemento essencial. Nessas espécies a responsabilidade civil pode de,correr do que Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. II, p. 197 et passim) denomina principio da transubjetividade da responsabilidade civil porque: (a) náo se limitando á culpa, vai além da subjetividade, mas, (b) embora considere objetivamente o dano, náo se
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a Constituição estabelece regras de convivacia e de repartição de cornpetencias entre a Unido, Estados-membros, Territórios e Municipios, esta minudenciando o principio federativo que norteia a organizaçäo estata129. Diante disso, é claro que o direito de uma comunidade não se restringe A legislação, As normas juddicas explicitadas em textos legislativos escritos, mas envolve outras que existem de modo implicito integrando o sistema juridico30. cinge A pura objetividade. 0 principle da transubjetividade sup& a possibilidade de o responsável eximir-se da obrigação de indenizar provando alguma circunstAncia atribuivel a vitima ou a terceiro. Dessa espécie sac, exemplos as hipeteses previstas no art. 936 do Cedigo Civil. Vide adiante sobre a transubjetividade no capitulo referente aos atos ilicitos. 29. Dentro dessa ordem de ideias parece claro que a integração do sistema, pelo juiz, quando não haja norma especifica para o caso concreto, não pode ser considerada uma atividade legislativa, ou mesmo jurislativa autonoma, porque a liberdade que lhe é concedida se limita a busca de nonna que dê sentido juridic° A conduta dentro da analogia, dos costumes ou dos principles gerais de direito. A sua função, assim, não tern urn carater autonomo e muito menos impositivo de legislador (que manda ate contra os costumes e os principles e os reforma), mas de cientista que pesquisa a matdria social viva — os costumes, os valores comunitaries etc. — ou no material juridic° — legislação, jurisprudência, doutrina — para extrair deles a norma que melhor possa realizar os valores da sociedade. Excepcionalmente, o sistema juridic° permite ao juiz decidir segundo a equidade, oportunidade em que lhe cabe a tarefa de revelar o direito segundo os valores que o inspiram (o sistema). Afora essa hipótese, ao juiz compete aplicar as normas postas pelo legislador, decidindo os cases concretos. No direito brasileiro ha permissive expresso para que o STF estabelega norrnas juridicas e certas circunstâncias (Lei n. 9.868/99, art. 27). 30. No entanto. apes a sua especificação pela jurisprudência ou pela ciência (doutrina), desaparece a sua indetenninação e, portant°, passa ela a integrar o próprio sistema juridic°. Nos sistemas de direito escrito, as norrnas costumeiras somente sac) admissiveis corn efeitos vinculativos da conduta. ou seja, corn natureza juridica, se não ha normas escritas especificas sobre o fato nem é possivel dar-lhe um sentido juridic° pela aplicação analógica de outras normas jundicas. Disso resulta que a norma juridica costumeira já contém em si todos os elementos de identificação do preceito. NA° ha necessidade de confronto com as demais normas e principies escritos do sistema, precisamente porque elas, as normas costumeiras. so existem como decorrência da inexistência de normas escritas. Nos sistemas de direito consuetudindrio, a questa° se coloca exatamente como nos sistemas de di reito escrito. As normas juridicas nesses sistemas nä° sao indeterminadas permanentemente. Ao contrario, constituem documentos jurisprudenciais e ate doutrindrios, deterrninados e escritos; apenas nab sac) documentos legislativos, no sentido de serem ditados pelo legislador. Integram. no entanto, urn sistema e come
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No sistema jurídico brasileiro essas normas implícitas so reveladas a partir da aplicagáo analógica (analogia) de normas explícitas, do costurne, dos princípios gerais do direito e, em casos excepcionais, da equidade. Dessas, as que se prestam á integragáo de outras normas do ordenamento so os princípios gerais que embasam o sistema jurídico. Esses, kr\e. Nke até guando, muitas vezes, no constando de normas expressas, devem sempre ser considerados integrantes de normas com eles compatíveis. Assim, por exemplo, o princípio da ilicitude do enriquecimento sem causa, segundo o qual a ninguém é dado obter vantagens patrimoniais sem que haja urna causa jurídica lícita que as justifique, é norma que há 1130.21 — de ser considerada integrante de todas as demais normas jurídicas do sistema nas quais se estime a possibilidade de ocorrer o enriquecimento injustificado. Igualmente, o princípio da boa-fé no tráfico jurídico. Em I alguns sistemas jurídicos, esse princípio é explicitado como norma jurídica 31 , podendo implicar, até, nulidade do ato jurídico a sua violagáo, como ocorre hoje no direito brasileiro em face do Código de Defesa do Consumidor, art. 51, IV. Em outros, embora no haja norma expressa, a boa-fé constitui princípio fundamental de todo o direito contratual. Por isso a boa-fé dos figurantes na formagáo e na execugáo do contrato representa questáo limite, motivo pelo qual há de ser atendida sempre que haja necessidade de interpretagáo das relagóes contratuais" podendo, inclusive, ser causa de nulidade de negócios jurídicos.
tal devem ser tratados. A diferenga, portant°, entre os dois sistemas parece residir, em última análise, no grau de especificagáo das hipóteses de fatos jurídicos e das consequéncias jurídicas correspondentes, que é maior no direito escrito. De resto, deve-se proceder considerando-se a norma em sua condigo de parte de um sistema, sujeita, assim, á interagáo de outras normas e princípios gerais. 31. Código Civil alemáo (BGB), § 157, e Código Civil italiano, art. 1.337, por exemplo. O Código Civil brasileiro de 1916 no continha regra expressa alguma P,C)2 sobre a boa-fé. O novo Código Civil adotou norma semelhante á do BGB, estabele- r,,, cendo no art.113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a hoa-fé e os usos do lugar de sua celebraçáo. Segundo nos parece, essa atitude do legislador civil cm limitar a boa-fé a princípio de interpretagáo negocial constitui evidente retrocesso, cm face do avango alcangado no campo do direito do consumo cm que foi erigido a elemento de validade dos negócios jurídicos. 32. Essas consideragóes servem para demonstrar que as normas jurídicas analisadas como parte do sistema jamais podem constituir proposiç5es jurídicas incompletas, como pretende Larenz ( Metodologia de la ciencia del derecho, p. 174), tuna vez que, integrando, remitindo, ampliando, restringindo ou modificando outras normas, teráo sempre o sentido jurídico de ordenar a conduta humana. Por isso no se pode considerar norma jurídica cada dispositivo de urna lei — do Código Civil, por exem-
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§ 10. A estrutura lógico-formal da norma juridica 1. Expressão essencial da norma juridica A norma juddica, já dissemos, preve fatos (suporte fáctico) aos quais imputa certas consequencias (= eficacia jurldica) corn implicaVies no piano do relacionamento intersubjetivo. A primeira pane do art. 2 Q do Código Civil brasileiro ("a personalidade civil da pessoa começa do nascimento corn vida"), por exempt°. constitui norma juriclica que atribui ao fato do nascimento de urn ser humano corn vida o efeito juridic° de considerd-lo pessoa para os fins de direito. Assim, por força dessa norma juddica, sempre que um homem nascer corn vida sera, a partir daquele moment°, considerado capaz de ser titular de direitos e deveres na ordem civil (o que constitui o contetido da capacidade juridica). Do ponto de vista lógico-formal, a norma juridica constitui uma proposição hipotética que, usando-se a linguagem da lógica tradicional, pode ser assim expressada: "se SF então deve ser P", em que a hipótese (= antecedente) é representada pelo suporte fáctico (SF) e a tese (= consequente) pelo preceito (P)". 2. Sancionistas e não sancionistas' 0 problema da estrutura lógica da norma juridica, no entanto, não plo — mas, sim, o conjunto de proposiçoes que no seu todo, sistematicamente, constituam uma norma completa, uma proposição corn sentido lógico-juridico. Por isso, podemos dizer que as normas juriclicas nä° existem sem conexäo entre si, mas se encadeiam de modo a constituir a unidade do sistema juridic° que, afinal, integrado por normas e principios, toma-se pleno e abrange todo o direito de uma comunidade. Qualquer atitude de andlise cientifica do direito, portant°, tern de dar a 8nfase devida a essas conexdo e harmonia internas do sistema, sem maiores consideravies ao exame preocupado apenas corn as regras vistas isoladamente. 33. Urn exemplo facilitara o entendimento. 0 054:lig° Civil dispeie: "Art. 5 9 A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa flea habilitada a pratica de todos os atos da vida civil". Nessa norma, temos: (a) come hipótese SF (suporte fáctico) o fato de alguém completar dezoito anos de idade e (b) come tese P (preceito) a aquisiolo da matoridade, ou seja, da habilitação para a prática de todos os atos da vida civil. 34. Expressoes usadas per Norberto Bobbie, Teoria della norma giuridica, p. 209 et passim.
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é táo simples como pode parecer; as questiíes que envolve, mercé de sua complexidade, tém provocado profundas divergéncias doutrinárias. Basicamente, porém, podemos sintetizar essas divergéncias em duas posiOes principais, a saber:
2.1. Norma primária e norma secundária (sancionistas) Para Hans Kelsen"- A , a norma jurídica completa teria urna estrutura dúplice, constituída por urna norma primária e urna norma secundá34-A. A concepgáo normativista do direito, como construída por Hans Kelsen, tem como fundamentos as ideias de que (a) o mundo do direito seria constituído, exclusivamente, por normas e (b) urna norma social para ser considerada jurídica deveria conter, necessariamente, urna sangáo punitiva. Em verdade, (a) segundo o norrnativismo kelseniano no plano da juridicidade, haveria (i) normas gerais e abstratas postas pela comunidade jurídica através de seus órgáos legisferantes, segundo procedimentos determinados pelas Constituigóes, e (ü) normas individuais, consubstanciadas em atos de órgaos (= autoridades estatais, juízes e outros agentes públicos administrativos) competentes para aplicar as normas gerais, adequando-as ás condutas ocorrentes no mundo social e aplicando as sangóes cabíveis. Portant°, todo ato de autoridade, seja judicial (= sentenças), seja administrativo (= atos administrativos), que torna concretas as disposigóes de urna norma geral decretada pelo legislador. pela aplicagáo ás situagóes que se materializam no meio social, constituiria urna norma jurídica. Por isso, diz-se que o juiz e outra autoridade competente criariam normas jurídicas. Mas no somente isto. Para Kelsen até os efeitos jurídicos também seriam normas jurídicas. Assim. o direito subjetivo e o dever seriam normas jurídicas (Teoria pura do direito, p. 151 et passim. A edigáo que citamos é a publicada por Martins Fontes). Pessoa do ponto de vista jurídico seria um complexo de normas (p. 193). Desse modo tudo o que integra o plano da juridicidade seria norma jurídica. Náo haveria, assim, fatos jurídicos e atos jurídicos, com valor jurídico de criar direitos e deveres, precisamente porque os indivíduos, no sendo órgáos estatais competentes, no tém poder de criar norma jurídica; os fatos e aros jurídicos, dessarte, seriam apenas abs o de cumprimento e de observancia das normas postas. (h) Também para Kelsen, constituiria dado essencial da juridicidade de urna norma que contenha a previsáo de uma puniçáo para aquele que realizar conduta contrária ao comando normativo. Essa necessidade estaria pressuposta pela própria norma fundamental (p. 56) que seria o fundamento de validade do ordenamento jurídico. Conforme o pensamento kelseniano, haveria normas autónomas, assim consideradas aquelas que prescrevem urna sango aplicável ás condutas que a contrariem. e normas nao autónomas, guando a sango para punir sua violagáo esteja prevista cm outra norma (p. 60). Essas concepgóes, a nosso ver, consubstanciam táo somente urna ideia formal do fenómeno jurídico, destoante de sua realidade. Quando se admite que o universo
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ria, e configuraria urn juizo hipotético cuja expressão em 1 i nguagem lOgico-formal seria: se F então deve ser P (norma secunddria), se nclo P entdo deve ser S (norma primdria)". Nessa fOrmula, as varidveis proposicionais representam: a) F a situagdo de fato prevista (= suporte factico); b) P, a conduta humana que a nonna ordena como devida em decorrencia da situacdo de fato F (= preceito); c) tuio P a conduta humana contraria ao preceito P. isto é: o descumprimento da norma (= suporte fáctico); d) S a sanc;do pelo descum-
primento (= preceito). Usemos um exemplo para melhor esclarecer. 0 art. 389 do COdigo Civil dispöe: "Ndo cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos (...)". Essa norma deve ser lida como se estivesse assim redigida: Havendo uma divida, o devedor deve cumprir a sua obrigação como pactuada. Se na-c) cumpri-la, responde por perdas e danos.
Decompondo a norma segundo os elementos da formula, teremos: A) norma secundciria a) F (suporte fdctico) = havendo uma divida; b) P (preceito) = o devedor deve cumprir a obrigação conforme
pactuada:
juridic° seja formado apenas per normas deixa-se sem explicação quase ludo o que ocorre em seu seio. 0 universo juridic° é, em verdade, criação dos fatos juridicos que, por sua vez, sac) criação de normas juridicas. Conforme já mencionamos, a norma sozinha nä° produz coisa alguma; somente sua incidencia sobre o fato, fazendo-o juridic°, tern significado. Se os individuos nä° tern poder de criar normas e se somente normas geram efeitos juriclicos, como explicar os efeitos juridicos decorrentes de atos praticados, segundo as leis, pelas pessoas, como, por exemplo, a aquisição da propriedade por Mario do relógio que era de Joao e a de Joao da bicicleta que era de Mario em razão de uma troca feita pelos dois? Depois, dizer que tudo no direito seja apenas punitivo e que cada norma deva ter sua sançao especifica ou que, excepcionalmente, a busque em outra, também especifica, exclui-se do mundo juridic° uma gama enorme das mais importantes normas juridicas. Como, admitida essa ideia, justificar o poder normativo dos principios, per exemplo? Vide algumas outras observagoes no texto, adiante. 35. Teoria general del estado, p. 66. Para expressar a sua concepçao da proposição juridica, Kelsen usa a fórmula eliptica "se A entao deve ser B" (op. cit., p. 62). 0 emprego que fazemos de outras letras (F e P) para indicar as variaveis proposicionais nä° tern qualquer implicação, sendo, portanto, indiferente.
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B) norma primária c) náo P (descumprimento da norma) = se o devedor náo cumpre a obrigagáo pelo modo e no tempo, conforme pactuada; d) S (sangáo) = entáo deve responder por perdas e danos. Como se vé, segundo a formulagáo kelseniana, a norma secundária é aquela que, para dada situagáo de fato (F), ordena certa conduta (P), enquanto a norma primária é a que prescreve urna sangáo (S) para o caso de no se realizar a conduta ordenada (náo P). Desse modo, a norma secundária esgota-se com o cumprimento espontáneo pelo seu destinatário (= o devedor cumpre a obrigagáo conforme pactuada), enquanto a norma primária sup45e conduta contrária á previsáo da norma secundária (= o devedor descumpre a obrigaçáo e deve ser punido)"-A.
35-A. Essa é a concepçáo de Hans Kelsen, que vem de seus escritos publicados em vida. Em sua obra póstuma Allgemeine theorie der normen (Viena, Manz verlag Wein, 1979), no entanto, cm sea Capítulo 35 encontra-se o seguinte texto: "Se se admite ser essencial á lei fazer-se urna distinçáo entre urna norma que ordena urna cena conduta e urna norma que prescreve urna sançáo para a violagáo da primeira norma, entáo aquela (a primeira norma) deve ser chamada a norma primária e essa (a segunda) a norma secundária — e náo o contrário corno expressei cm capítulo anterior" (sáo nossas as interpolaçóes entre paréntesis no texto, que traduzimos da ediçáo inglesa dessa obra — General theorv of norms, p. 142, Oxford: Clarendon Press, 1991, traduzida por Michael Hartney. Essa obra foi editada no Brasil por Sérgio Antonio Fabris Editor, traduzida por José Florentino Duarte — Teoria geral das normas, Porto Alegre, 1986. Há pequena diferença entre os textos das traduçóes inglesa e brasileira, na parte final, que, no entanto, náo the afeta o cometido. É que na edicáo brasileira está escrito... "e náo o contrário, como o foi por mim anteriormente formulado", enquanto na traduçáo inglesa se faz mençáo a "capítulo anterior"). Baseado no trecho antes transcrito, José Florentino Duarte, no prefácio da edigáo brasileira da Teoria geral das normas, p. IX, afirma: "O muito que se divulgou no mundo com referéncia á norma primária e á norma secundária também náo mais corresponde á última opiniáo de Kelsen. Ele modificou, radicalmente, o seu entendimento sobre a qualificaçáo de duas normas que se interligam num núcleo de um preceito: urna descre y endo a conduta devida e a outra fixando a consequéncia jurídica da infringéncia. A segunda norma, Kelsen qualificara primária e a primeira, secundária. No presente tratado, porém, retificou seu antigo modo de pensar: a primeira, hoje, cm terminologia kelseniana, é a norma primária e a segunda, a norma secundária". Esse entendimento, no entanto, a nosso ver, deve ser considerado com bastante reserva, pelas razóes que passamos a expor: (i) primeiro, essa conclusáo está em completa discordáncia com as afirmativas contidas nos Capítulos 15 e 34 da mesma obra em que Kelsen exprime os mesmos
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conceitos originais, segundo os quais norma primdria é a que prescreve uma sangdo para o caso de transgressão da norma que ordena a conduta desejada pela comunidade jurfdica, nomeada norma secunddria. (ii) segundo, porque no desenvolvimento do próprio Capitulo 35 (onde se diz ter havido a modificação de seu pensamento), ao referir-se a expressdo lingufstica da norma que, como é comum, (a) elide a menção a conduta ordenada (b) para prescrever, expressamente, apenas a sanção para o caso de violação daquela conduta implicitamente ordenada, Kelsen afirma: "A expressa formulação da norma que profbe o furto e da norma que imp& o pagamento de urn empréstimo recebido, i. é., a norma que prescreve a conduta que evita a sangdo 6 efetivamente supétflua, pois estd — como já indicado anteriormente — implicada na norma que estatui a sanção. Pois a norma que estatui urn ato coercitivo como sangdo então aparece como a norma primária. e a norma nela implfcita (a qual lido é de fato, nem necessita se-lo, expressarnente formulada), a norma secunddria". Nesse texto, está claro, volta Kelsen a sua concepção original, embora corn uma diferença: tal classificação depende de que, na formulação legislativa da norma. somente esteja expressa a sanção para o caso de transgressdo da conduta desejada, quando implicita na disposição legal. Parece-nos inadmissfvel que um autor do quilate de Kelsen pudesse cometer tais incoerencias e imprecisries, especialmente ao longo de uma mesma obra. Este illti mo texto transcrito mostra que, na verdade, Kelsen ndo renegou sua concepçäo original, ao menos de todo. Talvez. movido pelas criticas que lhe cram dirigidas concepção original, estivesse a esboçar uma revisäo, mas ainda sem convicção. A inconcebfvel confusão que faz no texto entre a norma e a sua formulação legislativa não é própria de Kelsen. E claro que a norma jurfdica ndo pode ser analisada por sua expressdo linguistica, mas pelo seu contend°. Toda norma penal (= que prescreve uma sanção), por exemplo, pressupOe uma proibição ou uma imposição de certa conduta para cuja violação prescreve a punicdo. Como assinalamos antes, a tecnica legislativa impOe que os textos legais penais (como, de resto, os demais, em sua maioria) sejam redigidos elipticamente, omitindo-se a referencia expressa conduta desejada, que, no entanto, é de ser considerada parte integrante da norma. 0 pr6prio Kelsen reconhece ndo ser necessdrio que esteja a proibição ou a imposição da conduta desejada (para cuja transgressOo se estabelece a sanção) explicitamente expressada na formulação legislativa da norma, uma vez que constitui pressuposto necessdrio de sua incidencia.Assim, quando o C6digo Penal prescreve: "Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena — reclusão, de 1 (urn) a 4 (quatro) anos, e multa...", na verdade estd, essencialmente, proibindo a todos o ato de furtar. Essa norma, em sua completude, deve ser lida: (1) é proibido subtrair, para si ou para out rem, coisa meivel alheia (conduta desejada); (2) se alguém subtrair, para si ou para out rem. coisa move! alheia, deve ser punido corn pena de reclusão de um a quatro anos e multa... (punição para conduta contrdria =
violação da norma). Estd claro, portanto. que tanto em sua formulação legislativa. corn linguagem elfptica. como em sua expressdo integral a norma penal (= que impOe uma sançdo) contém, sempre, uma norma primdria e uma norma secunddria. E. numa atitude cientificamente correta, a norma hd de ser analisada e classificada segundo seu contend° especffico e completo, em sua integridade, e tido somente conforme esteja expressada em textos legislativos. 66
Dentro dessa mesma orientaçáo, Carlos Cossio aceita a estrutura dúplice da norma jurídica, sustentando, porém, que náo se trata de um juízo hipotético, mas de um juízo disjuntivo, porque entre a endonorma (que corresponde á norma secundária) e a pennonna (que corresponde á norma primária) no haveria urna relagáo de antecedéncia e consequéncia (que tipifica o juízo hipotético: "dada a hipótese, entáo a tese"), mas urna alternatividade caracterizada pela conjungáo OU, donde expressar-se: "dado F deve ser P, ou dado nato P deve ser S— . Lourival Vilanova, em seu excelente As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 89, demonstra que, rigorosamente. Cossio no recusa a estrutura hipotética kelseniana, pois em sua fórmula "encontra-se a relagáo antecedente e consequente, característica da conexáo hipótese/ tese". O próprio Lourival Vilanova considera a norma jurídica urna proposigáo bimembre, integrada por urna norma primária e urna norma secundária, apesar de atribuir a essas expressóes, com absoluta razáo e propriedade, um sentido inverso áquele empregado por Kelsen; em outras palavras: para Lourival Vilanova a norma primária, que constitui a hipótese (= antecedente) da proposigáo normativa, corresponde áquela em que a comunidade jurídica define a conduta desejada, prevendo seu espontáneo cumprimento pelos seus destinatários, enquanto a norma secundária, que é a tese (= consequente), corresponde á sango a ser imposta áquele que realizar conduta contrária á prescrita. 2.2.
Náo sancionistas
A outra posigáo, adotada por autores como Larenz, Von Tuhr, Pontes de Miranda, sustenta que a norma jurídica é urna proposiçáo
Por isso, ter-se como primaria a norma que estabelece a sançáo (= reclusáo) por estar explícita em sua fonnulacáo legislativa e secundária a que profbe o comportamento criminoso somente porque está implícita constitui, além de grave impreciso científica pela confusáo que faz entre a norma e sua expressáo, prova de que Kelsen náo se despiu de suas convicgties anteriores. Por esses motivos, parece-nos prudente e recomendável receber com reserva, como recebemos, essa mudanca de posicionamento. É preciso ainda lembrar que a Allgemeine theorie der normen é obra póstuma, construída a partir de urna grande quantidade de escritos produzidos esparsamente por Kelsen nos últimos anos de sua vida e ordenados para publicacáo sob a responsabilidade do Instituto Hans Kelsen, de Viena, que, apesar da inquestionável competéncia científica de seus integrantes, náo poderia rever os escritos a ponto de escolher entre posicóes.
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completa quando contern, simplesmente, a descrição do suporte fáctico
e a prescrição do preceito a ele correspondente 36 , independentemente de que esse se refira, ou não, a uma sanção. De acordo corn essa concepção, tanto a norma primaria como a norma secunddria podem ser, cada qual, uma proposição juridica completa. A menção a urn suporte fáctico e a um preceito bastante. Se a norma preve, ou nä°, uma sanção para o caso de ser transgredida não tern qualquer importância. A incompletude da nortna reside, apenas, na falta de menção ao suporte factico ou ao preceito.
§ 11. Analise critica das doutrinas A diferença entre as duas posiOes doutrindrias reside, fundamentalmente, em que: (a) Para os kelsenianos", a condo, representada pela sanclio, constitui o elemento essencial caracterizador da norma juridica"- A . As Ss-D
36. Para os que aceitam a estrutura chiplice da norma juridica, a indicação do suporte factico e do preceito corresponde, apenas, ao que denominam estrutura inferna da norrna primal-1a ou da norma secuncidria, de modo que cada uma delas teria um suixrte fáctico e urn preceito. Veja-se sobre esse pont() de vista, por exemplo, Natalino Irti, Introduzione alto studio del diritto privato, p. 45; Lourival Vilanova, Lo'gica juridica, p. 113. 37. Embora nos refiramos corn destaque aos kelsenianos, essa posição 6 também a dos imperativistas (dentre os quais se incluem o próprio Kelsen, na sua tiltima fuse de vida, e Legaz e Lacambra, Filosofia del derecho, p. 387), dos relativistas, enfim, de todos aqueles que denominamos sancionistas (Bobbio. Teoria della norma giuridica, passim), porque consideram a sanção como condição necessária e essencial do direito. 37-A. Em sua Teoria pura do direito (tradução de João Baptista Machado, publicada em Portugal por Arm6nio Amado Ed., Sucessor, Coimbra, 1962, v. 1, p.48 e 66, e no Brasil por Martins Fontes, Sao Paulo, 2000, p. 26 e 37), Kelsen faz referência aoprémio como incluido no conceito lato de sançoes possiveis em uma ordem social. Querendo livrar-se da dificuldade para explicar a ideia do eminente autor de que somente se pode considerar _lurk:Ilea a norma que instituir uma sanção consistente em ato de coação como punição para o individuo que tiver conduta contrária determinação da norma ou que, ao menos, a ela. norma corn sanção, estiver relacionada (norma ndo au ginoma), o que deixa fora do direito urn mundo de normas juddicas importantissimas, sustentam, alguns kelsenianos, que isso importaria o reconhecimento por Kelsen da denominada sanção premial, demonstrando que rat)
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proposigóes jurídicas que no especifiquem urna sançáo para o caso de serem infringidas so proposiçóes incompletas, iinperfeitas, no autó-
se poderia tomar em caráter absoluto a sua concepgao de que a puniçáo seria a única espécie de sançáo que poderia conter urna norma para ser considerada jurídica. No restante de toda a obra e na sua Teoria geral das normas, no entanto, no há outra referéncia qualquer, por mais leve que seja, ao prémio como possível consequéncia de urna norma jurídica. Ao que nos parece, bem analisados os textos em que há a referéncia ao prémio como sançáo, Kelsen nao ligou essa sanvdo premial ás normas jurídicas, mas, genericamente, a quaisquer normas que integrem urna ordem social, como a moral, mantendo a ideia de que as sanyks jurídicas sáo apenas aquelas punitivas. Com efeito, Kelsen desenvolve no primeiro texto (p. 48 ou 26) urna análise do que denomina ordem social, anotando que, de urna perspectiva psicossociológica, a funçáo de qualquer ordem social consiste cm fazer com que as pessoas a eta subordinadas omitam conduta socialmente prejudicial ou realizem açeies socialmente úteis, utilizando-se para tanto de "normas que prescrevem ou proíbem determinadas agóes humanas". ordem social — prossegue dizendo — pode prescrever urna determinada conduta humana sem ligar á observancia ou náo observancia deste imperativo quaisquer consequéncias. Também pode, porém, estatuir urna determinada conduta humana e, simultaneamente, ligar a esta conduta a concessáo de urna vantagem, de um prémio, ou ligar á conduta oposta urna desvantagem. urna pena (no sentido mais amplo da palavra). O princípio que conduz a reagir a urna determinada conduta com um prémio ou urna pena é o princípio retributivo (Vergeltung). O prémio e o castigo podem compreender-se no conceito de sançáo. (...)" Após essas consideragóes que, claramente, sáo de ordem geral. Kelsen especifica a sant-,:áo punitiva como a única jurídica, quando diz: "Finalmente, urna ordem social pode — e este é o caso da ordem jurídica — prescrever uma determinada conduta precisamente pelo fato de ligar á conduta oposta uma desvantagem, como a privaçáo dos bens acima referidos, ou seja, urna pena no sentido mais amplo da palavra. Desta forma, urna determinada conduta apenas pode ser considerada, no sentido dessa ordem social, como prescrita — ou seja, na hipótese de urna ordem jurídica, como juridicamente prescrita —, na medida cm que a conduta oposta é pressuposto de urna sançáo (no sentido estrito)". No segundo texto, intitulado O Direito: urna ordem coativa (p. 66 ou 37), reconhece Kelsen que "as modernas ordens jurídicas também contén], por vezes, normas através das quais sáo previstas recompensas para determinados serviços, títulos e condecoraçóes". No entanto, rechna de imediato se possa considerar tal disposiçáo urna sançáo premial, afirmando que tais normas "desempenham apenas um papel inteiramente subalterno dentro desees sistemas que funcionam como ordens de conao" e que "de resto estáo numa conexáo essencial com as normas que estatuem, sanleies". A outorga de um título somente se poderia considerar um ato permitido, que, portanto, nao sujeitaria a urna sarna() punitiva. Daí se pode concluir, claramente, que Kelsen nao admite, cm hipótese alguma, possa haver norma jurídica sem que contenha urna sançáo punitiva para o caso de nao ser atendida, o que frustra o ávido anseio de alguns de seus seguidores cm tentar negar o injustificável equívoco da teoria pura do direito cm somente considerar jurídica a norma que for acobertada por urna sarna° punitiva.
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nomas ou simplesmente preceitos auxiliares (leges impetfectae). Assim, normas como a do art. I do C6digo Civil ("toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil"), as outorgativas, as integrativas, as promocionais, as programaticas, por exemplo, não podem ser consideradas normas juridicas completas, seriam meras normas auxiliares ou, na melhor das hipOteses, normas tido autemomas (vide, antes, nota 34-A). (b) Para os outros, o que importa, na caracterização de uma norma jurfdica completa, é, apenas, a descri0o de urn suporte factico e a prescrição de efeitos jurfdicos a ele especificamente imputados, independentemente de serem esses efeitos uma sang -ao ou uma vantagem (= direito, prémio). Para esses, a conexão hipótese/tese do jufzo hipotético, que é a norma jurfdica, nä° se estabelece entre uma norma primaria e uma norma secundaria, mas, sim, entre urn suporte factico e urn preceito. A norma jurfdica pode ter uma estrutura diplice (bimembre), todavia somente quando a sançâo for imanente a ela, em razdo de sua peculiar natureza (norma penal, por exemplo). A nosso ver, a proposta kelseniana parece insuficiente para explicar, em sua plenitude, o fenômeno juridic°, porque: (i) Ao recusar as norrnas que ndo contem sang do especffica o carater de normas juridicas tfpicas, se nab chega a excluir do universo do direito — porque as considera não aut6nomas, auxiliares — normas de altfssima relevância, como o caso, e. g., das normas que definem os direitos fundamentais do homem, ao menos não lhes reconhece a importância e sua verdadeira posição no piano jurfdico. Näo ha como negar, parece-nos, que d muito mais significativa para o direito e para a convivencia social a norma segundo a qual "todos são iguais perante a lei", do que aquela outra que estabelece a pena de prisão para a pessoa que furta, muitas vezes, para dar de comer a seus filhos. (ii) Depois, fazendo da sanção punitiva algo essencial ao direito, confunde a obrigatoriedade das normas jurfdicas corn a coação, quando essas não são expressoes sinftimas. E evidente que o direito não pode deixar de ser obrigat6rio, mesmo porque nisso consiste a diferença substancial que o distingue dos demais processos de adaptação social. Mas o ser obrigatório ndo significa que seja necessariamente punitivo: obrigatoriedade quer dizer possibilidade de imposivcio da norma, pela comunidade juddica, mais precisamente pela autoridade que detenha o poder de realizar, forgadamente, o direito (o juiz, por exemplo), no caso de ser transgredida. 70
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Na obrigatoriedade pode haver cono, pena, sana°, sempre, portanto, com caráter de probabilidade, nunca, porém, de necessidade. As normas penais sao necessariamente coativas (= punitivas), nao assim normas como as que compóem os Livros I e II do Código Civil, e. g. Todas, no entanto, sao obrigatórias. Se alguém comete homicídio, o juiz cumpre o art. 121 do Código Penal punindo o infrator com reclusáo; se, de outro lado, alguém que haja abandonado um imóvel que lhe pertencia, resolve reavé-lo, dele expulsando, á foro, quem o esteja possuindo como i i seu próprio, há mais de quinze anos, mansa e pacificamente, o juiz cumpre o art. 1.238 do Código Civil assegurando, simplesmente, ao possuidor a sua permanéncia na posse do bem, reconhecendo-lhe o direito de i propriedade adquirido pela usucapiáo. Desses exemplos comparativos parece resultar evidente que as normas jurídicas nem sempre necessitam de sançáo punitiva e de conáo para realizar-se. Há situnóes, até, em que o direito se efetiva premiando, como acontece com as normas promocionais. A obrigatoriedade das normas jurídicas reside, em última análise, na sua incidéncia. Se o fato previsto (suporte fáctico hipotético) acontece no mundo, a norma jurídica incide e a partir daí subordina a seus preceitos as condutas a eta relacionadas. Essa subordinnao da conduta á norma geral traz, cm consequéncia, o dever da comunidade jurídica de fazer realizar o direito do modo o mais coincidente possível com as prescrigóes de suas normas'''. Sempre que há incidéncia = aplicnao, ocorre a plenitude na realiznáo do direito. (iii) E, finalmente, nega urna das funges típicas das normas jurídicas, qual seja, precisamente, a de obter a adaptnáo social do homem, o que envolve, essencialmente, um cunho educativo e promocional. As normas jurídicas, apesar de muitos o negar, mais do que a obrigar, proibir e permitir, destinam-se a alcanor dos homens, cm suas relnóes intersubjetivas, um determinado comportamento julgado conveniente e necessario á harmonia social. Esse fím do direito revela certo sentido educacional de suas normas, urna vez que através delas a comunidade procura moldar o comportamento humano a seus valores". 38. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. I, p. 36. 39. Nega-se, muito comumente, como anotamos na nota n. 14, esse caráter educacional das normas jurídicas. Isto, porém, exprime urna visáo puramente dogmática do di reito que, por isso mesmo, nao leva cm consideralao as consequéncias sociopsicológicas das normas jurídicas. E sob esse ponto de vista nao se pode
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For isso, os significados deOnticos do dever-ser, seja o de obrigar, o de pertnitir ou o de proibir, expressam meios de que se utiliza a sociedade para alcancar um fim, a convivência harmonica no meio social, mas não constituem um fim em si mesmos 40 . Desde quando os meios são erigidos a posição de essencialidade, invertem-se os termos da questão e se distorce a realidade cientlfica.
negar que as normas juridicas fazem corn que o comportamento social se modifique, ajustando-se aos seus comandos. E evidente que ocorre, muitas vezes, reação contra o modelo traçado pela norma, pelo que ela nib conseguird realizar-se efetivamente. Mas essas hipóteses são excepcionais e, por isso mesmo, nä() invalidam a regra geral. 40. Sobre isso, E. Garcia Maynez, Filosofta del derecho, p. 29, escreve: "As ordens estabelecidas pelo homem tendem sempre a urn prop6sito. De acordo corn a concepção cristd, a da natureza serve, pot sua parte, aos designios de Deus. Os ordenamentos humanos (tinicos a que agora desejamos dedicar a nossa andlise) assumem, em todo caso, carater medial quer se trate dos de indole técnica, quer dos de naturcza normativa. A partir desse ponto de vista, aparecem como meios ou instrumentos de realizaciio dos prop6sitos de seu criador. Ordena-se pot ordenar, mas para conseguir, através da ordenação, determinados objetivos".
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CAPÍTULO III i
Os Elementos da Estrutura da Norma Jurídica
§ 12. O suporte fáctico 1. Conceito
No estudo da problemática da juridicidade o primeiro elemento essencial a considerar é a previsáo, por norma jurídica, da hipótese fáctica condicionante da existéncia do fato jurídico (= o antecedente da estrutura lógica da proposigáo normativa, a que Pontes de Miranda de- 3 C nominou suporte fáctico, traduzindo a expressáo Tatbe stand, criada pela °
-doutrinalemá).
Quando aludimos a suporte fáctico, estamos fazendo referéncia a 00 algo (= fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ss ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica. Supone fáctico, assim, constitui um conceito do mundo dos fatos, 15:-Aco náo do mundo jurídico. porque somente depois que se concretizam (= ocorram) no plano das realidades todos os elementos que o compñem é que se dá a incidéncia da norma, juridicizando-o e fazendo surgir o fato jurídico. Portanto, somente a partir da juridicizagáo poder-se-á falar em mundo e conceitos jurídicos. 2. Espécies
Por aí já se vé, há duas conotagóes a considerar guando se fala em supone fáctico41:
41. Domenico Rubino
(La fattispecie e gli effetti giuridici preliminari, p. 3) se
refere a trés espécies de fattispecie (supone fáctico): (a) abst rata ou legislativa — que con-esponde ao que denominamos hipotético: (b) concreta, que corresponde á fartispecie abstrata "mas pensada no seu devir histórico" e "distingue-se da fattispecie
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(a) u ma que designa a parte do enunciado lOgico da norma em que se descreve a situação de fato relevante condicionante de sua incidência; (b) outra, que nomeia o pi-61)d° fato quando materializado no mundo. (a') Ao suporte fáctico, enquanto considerado apenas como descrito no enunciado lógico da norma juridica, se dá o nome de suporte fcictico hipotetico ou abstrato, uma vez que existe, somente, como hipótese prevista pela norma sobre a qual, se vier a ocorrer, dar-se-d sua inciancia juridicizante. (b') Ao suporte fáctico quando já materializado, vale dizer, quando os fatos previstos como hip6tese se torna realidade no mundo fáctico, denomina-se suporte fáctico concreto. 3. Significação e importfincia do conceito A express do suporte fcictico foi utilizada inicialmente no direito penal, e trazida para o direito privado por Tohl, segundo o depoimento de Cammarata". 0 conceito, conforme demonstra Pontes de Miranda no prefácio do seu Tratado de direito privado, é de aplicacdo universal na Ciência Juddica, tido sendo privativo de urn deterrninado ramo do direito. Tanto isso é verdade que nos diversos campos juddicos o vemos
legislativa porque ilk, é concebida como parte constitutiva da norma: mas volta a assemelhar-se a fattispecie legislativa porque é simplesmente pensada e é, nun certo sentido, uma abstração: nao uma abstraçao criada pela lei, como a fattispecie legislativa, mas uma abstração que o intérprete extrai de todas as possíveis fattispecies reais"; e (c)fattispecie real, que corresponde aquele que denominamos suporte factico concreto, ou seja, "os fatos da vida individuados no tempo e no espago". Essa proposta de Rubino, no que se refere a fatrispecie concreta, segundo sua terminologia, parece-nos sem importancia pratica ou ciendfica. A abstração do intérprete nao pode ser diferente da abstraçao do legislador. A diferença entre as duas reside, apenas, no nivel de linguagem prescritiva na norma e descritiva da ciéncia. Se a deserica° do suporte factico feita pelo intérprete é diferente da previsc7o da norma, ha erro e a formulação é nao verdadeira (inveddica. como anota Kelsen, Teoria pura do direito, p. 82). Além disso, as formulaçdes que o intérprete faça de suportes facticos, a partir do suporte factico previsto na lei, não constituem suportes facticos concretos, mas permanecem abstratos: a concreção exige realidade. Por isso, preferi mos a mei-10o, apenas, as duas espécies, como no texto. 42. Forrnalismo e sapere giuridico, p. 256. Também Domenico Rubino, La fattispecie, cit., p. 3, nota I.
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empregado muitas vezes disfargado em outras denominagóes, tais como pressuposto de incidéncia, tipificacao legal, tipo legal, hipótese de incidéncia. No direito tributário, emprega-se a expressáo fato gerador, embora com muita impropriedade, como mostramos em nossa Contribuiçao GeVZ- ao estudo da incidéncia da norma jurídica tributaria, p. 34, porque na verdade o fato gerador da obrigagáo tributária é o fato jurídico, ponanto,
o suporte fáctico depois de juridicizado pela incidencia, e no o supone fáctico guando ainda táo somente conjunto de fatos. Entre os autores italianos está difundido o uso do termo fattispecie — proposto por Betti —. e entre os autores de língua espanhola a expressáo supuesto de hecho.
4. Elementos do suporte fáctico 4.1. Releváncia dos falos A norma jurídica representa a valoragáo de fatos da vida feita pela comunidade jurídica. Realmente, guando a comunidade jurídica traga as
43. E. García Máynez (Introducción al estudio del derecho, p. 170) condena todas as expressóes empregadas pela doutrina guando netas se inclua alusáo a fato, tais como suporte fáctico, Tatbestand, supuesto de hecho, fattispecie, com o argumento de que, multas vezes, o suporte fáctico da norma jurídica é precisamente o náo ser, o nao ter acontecido, a omissao, o siléncio, donde parecer incoerente a referéncia a um ser (o fato), onde náo há qualquer fato previsto. Propóe, por isso, o emprego da expressáo hipótese jurídica (supuesto jurídico) que evitaria o inconveniente da referencia ao nao ser como ser. Esse argumento, aparentemente coerente e inegavelmente atraente, peca, no entanto, por confundir com a causalidade natural a causalidade jurídica — que é imputacional — e também por desconsiderar um dado fundamental da juridicidade: o plano lógico em que se desenvolve o fenómeno jurídico. A ordem jurídica náo está sujeita á causalidade natural, porque sendo urna ordem de valéncia se constitui independentemente das leis físicas de causa e efeito. Por isso, na formulaçáo dos preceitos jurídicos os fatos da vida sáo tomados em um cerio sentido que pode náo ser, exatamente, o da natureza. Nisso há, inegavelmente, urna certa arbitrariedade conforme denotarn autores como Von Tuhr, Pontes de Miranda, Larenz, entre tantos outros — mas admissível em face da necessidade de atender aos interesses da convivéncia humana. É ceno, porém, que a causalidade natural é indiferente ás imputal óes da norma jurídica. Disso se conclui que o n'a° acontecer que eventualmente esteja previsto como integrante do suporte fáctico de urna norma jurídica, embora no plano da natureza configure o nao ser, no plano jurídico representa um dado fáctico cuja verificaçáo faz composto o suporte fáctico e nascido o fato jurídico correspondente.
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regras juridicas de convivencia social trata os fatos segundo critérios axiológicos, em razdo dos quais é medida a importância que possam ter para o relacionamento inter-humano. A regulação dos fatos, assim, depende da sua major ou menor interferência no meio social, afetando as necessidades dos homens. Por isso é que, para serem erigidos a categoria de fato juridic°, basta que os fatos do mundo — meros eventos ou condutas — sejam relevantes a vida humana em sua interferência intersubjetiva, independentemente de sua natureza. Tanto o simples evento natural como o fato do animal e a conduta humana podem ser suportes fácticos de normas juridicas e receber um sentido juridic°.
4.2. Fatos da natureza e do animal Do fato da natureza ou do animal se exige que esteja relacionado a alguém", ou por lhe dizer respeito diretamente ou por Ihe atingir a esfera juridica, ou, ainda, por se referir a seu modo de atuar. Naturalmente, a irreferibilidade aos homens impede que o mero evento seja valorado no sentido de sobre ele editar-se norma juridica. porque a sua relevância existe, apenas, enquanto instrumento de realização do direito, corn vistas a adaptação social. Tudo o que, na natureza, nä.° possa ser atribuido ao homem ou lhe seja inacessivel constitui objeto materialmente impossivel e, portanto, nào deve entrar nas cogitaçOes do direito.
4.3. Atos Quanto aos atos humanos, de regra, interessam os que se ciao ao conhecimento das pessoas-". Como as normas juridicas os recebem — se kArR 44. 0 nascimento de urn filhote de °Ka em plena selva não tern qualquer contetido juridico, em face da circunstfincia de que o animal selvagem, nä° pertencendo a alguém especificamente, não constitui objeto de direito. Diferentemente, se nasce um filhote de ono que pertence a um zoológico, esse nascimento tern caráter jurfdico, porque desse fato biológico resulta uma consequéncia jurfclica: o dono do zoológico terti direito de propriedade sobre o filhote. 45. 0 conhecimcnto do fato somente constitui elemento integrante do suporte factico quando a norma jurfdica lhe atribui algum efeito relativamente ao fato jurfdico (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. I, p. 135), como acontece corn o fato juridico da morte (morte nä° conhecida é ausência).
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como abs o volitivos, mesmo silentesA6 ou tácitos", ou como avolitivos" — é questáo de técnica jurídica, especialmente de expressáo legislativa. O sistema jurídico pode conceber determinado ato humano como manifestagáo de vontade intencional e qualificá-lo como ato jurídico (lato sensu), ou considerá-lo avolitivo, em que passa a importar, preponderantemente, o resultado fáctico da concluta, abstraída a vontade que porventura exista á sua base, classificando-o como ato-fato jurídico. É evidente que o sentido que a norma jurídica atribui ao ato é valorativo, o que envolve certa arbitrariedade cm relagáo íi causalidade natural, sem, contudo, se poder chegar ao extremo de, desatendendo á índole mesma dos fatos e á natureza das coisas, afrontá-las a ponto de dizer que o ser nao é. Há certas condutas, porém, que, independentemente do querer das pessoas, trazem sempre e naturalmente um resultado físico, muitas vezes irremovível. Na caga, na pesca, a apreensáo do animal ou do peixe é dado fáctico que no depende da vontade. Um louco pode pescar, como uma crianga pode apreender um animal. A árvore pode nascer de urna semente que foi atirada fora como lixo. Nem por isso deixa o louco, a crianga ou o dono do terreno de adquirir a propriedade (efeito jurídico) sobre o peixe pescado, o animal cagado ou a árvore nascida. Em todas essas situagóes, como cm tantas outras de que so exemplos a especificagáo, a tomada de posse, a invengáo, a descoberta do tesouro, a comistáo, há urna conse9uéncia física indiferente á circunstancia de que alguém a tenha querido. E evidente que tais fatos, cm havendo conduta humana á sua origem, podem ser volitivos, mas é patente. também, que a vontade de praticá-los náo Ihes é essencial á existéncia. Por essa razáo é que os ordenamentos jurídicos, geralmente. tomam tais atos cm sua relagáo com o resultado fáctico e os tratam como condutas avolitivas, atendendo mais á própria causalidade física. Silo os atas reais, espécies de atos-fatos jurídicos (ver adiante § 35).
4.4. Dados psíquicos Nilo apenas os atos, mas simples atitudes e dados anímicos, que, portanto, permanecem internos, sem exteriorizagáo, podem, também,
46. Revogaçáo do testamento cerrado na hipótese do art. 1.972 do Código Civil. Assim também o siléncio concludente (Código Civil, art. 111). 47. Consumigáo da coisa ofertada. 48. Especificaçáo, semeadura.
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integrar suporte tactic°. Corn efeito, ha situaVies em que a norma jurfdica leva em consideraçâo dados intimos, como o conhecimento ou tido conhecimento de alguma circunstância, a intenção na pratica de certo ato e ate os motivos em praticd-lo. Esses dados, naturalmente, sac) significativos fa° somente enquanto relacionados a um acontecimento, um ato materializado, nä- 0 em si ou isoladamente. A interpelaccio para constituir o devedor em mora, por exemplo, faz do conhecimento daquele a quem é dirigida elemento essencial do suporte tactic° do paragrato tinico do art. 397 do COdigo Civil. Do mesmo mod°, o desconhecimento, pelo possuidor, dos vfcios que o impedem de adquirir a coisa (Codigo Civil, art. 1.201), dentre tantas outras situag6es. Algumas vezes, porem, o desconhecimento nä° tern qualquer relevância, como na hip6tese dos vfcios redibitOrios, em que o fato de o alienante ignorar a sua existéncia nao exclui a sua responsabilidade (Código Civil, art. 443, 21 parte). 0 dolo — não o dolo vicio de vontade, mas a intenciio consciente de certa conduta — constitui elemento comum ao suporte tactic() de normas de direito penal, mas C também encontravel, embora corn certa raridade, no direito privado, como acontece nos arts. 147, 180 e 403 do C6digo Civil, e.g. A intenctio negocial — intenção de realizar negócio juridic° — integra, como a consciencia de negocio, o inicleo do suporte tactic° dos negócios juridicos.
4.5. Estima(6es valorativas Outras vezes, estimaçOes valorativas' podem integrar suporte tactic°. A malicia C contend° do art. 129 do Código Civil, assim também a idoneidade do tutor (C6digo Civil, art. 1.732, caput), a negligencia e a imprudencia (Código Civil, art. 186), a imoralidade do objeto de atos jurfdicos e aqueles comportamentos atentatórios aos bons costumes (Código Civil, art. 122 c/c o art. 123, II) exemplificam casos em que a conduta humana recebe uma avaliaçâo e que a qualificação valorativa a ela atribuida entra na composição do suporte tactic°.
4.6. Probabilidades Nä. ° apenas acontecimentos em concreto, mas tambem meras probabilidades podem ser elementos de suporte tactic°. Os lucros cessantes
49. Larenz, Metodologia de la ciencia del derecho, p. 194.
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lucy) (Código Civil, art. 402), por exemplo, constituem probabilidade que a norma jurfdica considera dado suficiente a indenizabilidade em decor- ceSS.,IA-e rencia do ilicito. Na ressalva dos direitos do tzascituro que faz a segunda parte do art. 2 9 do C6digo Civil, do mesmo modo, se tern como fundamento a probabilidade de que haja urn nascimento corn vida, a possibilidade de ofeto vir a ser uma pessoa. Assim, também, quando o Código Civil, art. 1.799, I, admite a disposição testamentaria em favor de prole eventual de pessoas existentes, ou, ainda, quando no art. 1.281 outorga ao proprietario ou possuidor de urn prédio pretensäo a segurança contra prejufzo eventual, no caso de dano iminente decorrente de obras que terceiro tenha o direito de nele realizar, tern-se espécies ern que probabilidades estdo previstas em suportes facticos.
4.7. Fatos do mundo juridico Fatos juridicos e efeitos juridicos também podem constituir elementos de suporte tactic°. Autores como Enneccerus-Nipperdey 50 , Von Tuhr51 e Larenz" mencionam apenas a possibilidade de que efeitos de fatos jurfdicos integrem suporte tactic° de normas jurfdicas. Realmente, l'AocR as situaçöes mais comumente encontraveis são as em que efeitos juridicos (relacaes juridicas, direitos, deveres etc.) aparecem como suporte tactic°. A mora, por exemplo (que é efeito do Código Civil, art. 394), é suporte tactic° da ressarcibilidade dos danos (Código Civil, art. 389 c/c o art. 395). Da mesma forma, a personalidade juridica das sociedades (efeito do Código Civil, art. 45) é elemento completante do suporte tactic° dos negócios jurfdicos que realiza. Todo ato ilicito relativo pressup6e, como suporte tactic°, a existencia de uma relação juridica de direito relativo entre o que descumpriu as obrigacöes que são conte6do dela, relação, e aquele que sofreu os danos do descumprimento. Mas, apesar de serem mais frequentes esses casos, ha hipóteses em que sac) os próprios fatos juridicos que constituem o suporte tactic° de outros fatos jurfclicos. 0 suporte tactic° dos contratos tern como elementos nucleares dois fatos jurfdicos (negócios jurfdicos unilaterais): a
50. Tratado de derecho civil, t. I, v. 2 2, p. 5. 51. Teoria general del derecho civil alemcin, v. I, t. H, p. 9. 52. Metodologla de la ciencia del derecho, p. 193.
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proposta (oferta) e a acei (nao. Pode parecer incoerente essa afirmativa guando considerada diante daquela outra de que suporte fáctico é conceito pré-jurídico, do mundo dos fatos, e no do mundo do direito. Como considerar fáctico o que é jurídico? Esclarecemos. O fato jurídico e o efeito jurídico esto no mundo jurídico, mas nem por isso deixam de integrar, com essa característica de jurídico, o mundo cm geral, dito mundo dos fatos. O mundo jurídico é, apenas, parte do mundo geral, portant° comp¿Se o todo. O fato jurídico, como os efeitos jurídicos, guando entram na composiçáo de um suporte fáctico, sao tomados como fato jurídico ou como efeito jurídico. tal qual sao. No voltam a ser fáctico desqualificado de jurídico, mas continuara a ser fáctico adjetivado de jurídico. A distinçáo entre mundo dos fatos (geral) e mundo do direito é puramente lógica, nunca fáctica. O que interessa, portant°, como bem demonstram Pontes de Miranda" e Enneccerus-Nipperdey", é a existéncia do fato jurídico ou de efeito jurídico, como tais, porque é essa existéncia que importa á composiçao do suporte fáctico do outro fato jurídico; quer dizer: se a norma jurídica tem como pressuposto de sua incidéncia (= suporte fáctico)fatojá juridicizado por outra norma jurídica (= fato jurídico), somente se comporá seu suporte fáctico se aquele fato já existir juridicizado. O pressuposto do crime de adulterio (Código Penal, art. 240) é o fato jurídico do casamento do adúltero. Se, cm vez de casamento. há uniJo está ve!. náo se pode falar cm adulterio. O fato social de homem e mulher se unirem e viverem juntos é o mesmo no casamento e na uniáo estável, mas, juridicamente, a diferença é insuperável, porque no casamento á juridicizaçáo do fato social se imputa, dentre outros, como efeito jurídico, o dever de fidelidade, enquanto na unido está vel a eficácia jurídica no envolve esse dever jurídico"-A.
53. Tratado de direito privado, t. I, p. 34. 54. Tratado de derecho civil, t. I, v. 2°, p. 5. 54-A. Há doutrinadores que consideram, com razáo, existir, na uniáo estável, dever de fidelidade entre os conviventes, isto como resultado da norma do art. 2°, inciso I, da Lei n. 9.278/96, que se referia, expressamente, a respeito e consideraciks mútuos entre os direitos e deveres dos conviventes. A materia passou a ser tratada pelo Código Civil, arts. 1.723 e s., que definiu a lealdade, respeito e assisténcia ( mútuos), e de guarda, sustento e educacao dos jilhos deveres dos conviventes, espancando quaisquer dúvidas a respeito do assunto. De qualquer forma, no entanto, o adulterio náo pode ser cometido cm uniáo estável, urna vez que o suporte fáctico do crime supóe a existencia de casamento, o que resulta da legitimaçáo para ser intentada a açáo penal (Código Penal, art. 240 e seus parágrafos). Até a 8 ediçáo
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Corn isso se demonstra que o fat° juridic°, quando previsto como elemento de suporte tactic°, nele entra como fato juridico", e não se dilui na massa dos fatos, para integrar suporte tactic°. Também os fatos ilicitos integram suportes facticos; não apenas os fatos juridicos licitos. 0 set licit° ou ser ilicito é uma qualificação do direito. Ndo ha urn fato que seja ilicito por natureza, embora haja fatos naturais aos quais é imputada a pecha da ilicitude (caso fortuito e forca major, no caso do art. 399 do Código Civil). Na mora, por exemplo, o suporte tactic° é o ilicito relativo do descumprimento da obrigação no tempo, lugar ou forma pactuados. Na perda do poder familiar (Código Civil, art. 1.638, I), o suporte tactic° se constitui do ato ilIcito caducificante, caracterizado pelo ato de castigar, o pai ou a nide, imoderadamente, o filho. 4.8. A causalidade fisica Embora, como ja referimos, a ela a norma juridica nä° esteja sujeita, muitas vezes a causalidade fisica constitui elemento de suporte tactic°. Na ilicitude, e. g., o dano ha de guardar relação de causalidade corn o ato de alguém (o agente dito causador), ou relacionado a alguém; vale dizer: o dano deve ser decorrência do ato imputado. Se alguém atentou contra a vida de outrem, contudo ficar provado que a morte da vitima nä° se deu em consequência do atentado, mas por uma outra causa, nä° haverd crime de homicidio (embora possa haver crime de outra espécie, como o de lesäo corporal). No entanto, somente se a norma jurldica liga os seus efeitos a existencia da causalidade fisica que essa causalidade passa a ser elemento de suporte tactic°. Se, ao contrario, a norma juridica toma o evento em si, independentemente de qualquer ligação causal fisica, não ha por que considerd-la no piano juridico. 4.9. 0 tempo 0 tempo cronológico tern considerdvel importäncia no mundo do direito. A duraçäo dos efeitos juridicos, a perda e a aquisição dos direitos dependem, muitas vezes, de seu transcurso.
nos referfamos a concubinato, em face da terminologia ate então empregada pela legislated°. substituindo-a, desde a 94 edited°, por unicio estcivel. 55. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, t. 1, p. 43. 8I
O tempo em si nao pode ser fato jurídico, porque é de outra dimensao. Mas o seu transcurso integra com muita frequéncia supones fácticos: na usucapiáo, na prescrigáo, na mora, por exemplo. Também as reinó-es temporais entre os fatos que compóem o suporte fáctico muitas vezes sáo elementos do próprio supone fáctico. A contemporaneidade ou a sucessividade na formagáo do suporte fáctico, guando previstas expressamente pela norma, háo de ser consideradas elementos de suficiéncia para a configuraçáo do fato jurídico respectivo.
4.10. Elementos positivos e elementos negativos Geralmente, os suportes fácticos sáo constituídos de elementos positivos, tais como acontecimentos simples, acontecimentos em complexo, acontecimentos continuados e estados fácticos ou jurídicos. Os acontecimentos, por serem fatos positivos, tém existéncia espacial e temporal (o fato acontece em determinado local, a cena hora) ou apenas temporal (urna certa data), definida. Diferentemente, os estados fácticos (como ser surdo-mudo) envolvem situnóes de permanéncia, no tempo, resultante de acontecimentos. Do mesmo modo os estados jurídicos, com a particularidade de que estes sáo efeitos de fatos jurídicos: ser incapaz é estado decorrente do fato jurídico da menoridade, por exemplo. O supone fáctico, porém, pode, muitas vezes, ser constituído de elementos negativos, como (a) omissbes, (b) abstenffies, (c) o ndo acontecer, (d) o rulo ter acontecido, (e) a auséncia,(f) o siléncio. (a) A falta de exercício da pretensáo em ceno tempo (Código Civil, art. 189), (b)abster- se o obrigado de praticar certa conduta (Código Civil, arts. 250/251), (c) o náo se realizar a condigáo resolutiva (Código Civil, art. 127), (d) a inexisténcia de oposiçáo á posse ad usucapionem (Código Civil, art. 1.238), (e) a auséncia (Código Civil, art. 198, II), como (f) a falta de declaragáo do donatário (Código Civil, art. 539), sáo exemplos de suportes fácticos que preveem elementos negativos cm sua composigáo.
5. Elementos subjetivo e objetivo do suporte fáctico 5.1. Elemento subjetivo Os fatos jurídicos pressupóem urna necessária referibilidade a sujeitos de direito, porque sua eficácia (jurídica) se liga, essencialmente, 82
a alguem ou a algum ente, inclusive a conjunto patrimonial, a que o ordenamento juridic° outorga capacidade de direito"- A . A eficacia juridica, seja qual for sua natureza — constitutiva, modificativa, extintiva, qualificante diz respeito, indefectivelmente, a algum sujeito de direito. Mesmo as normas juridicas que n5o criam direitos, pretensoes, açöes e exceçoes, mas, apenas, dispOem sobre possibilidades de titularidade de direitos, pretensoes, Köes e exceçoes (e. g., art. 1.263 do Código Civil), tern como pressuposto sujeito que lhes venha a ser titular. Seria sem sentido fato juridic° que nä° se referisse a algum sujeito de direito. Por esse motivo, os suportes fácticos são integrados, sempre, por elemento subjetivo (indicação de certo sujeito de direito), mesmo quando não esteja explicit°, caso em que deve ser pressuposto. Na configuração de cada suporte fáctico, portanto, é necessário considerar, como dado completante de seu aide°, o elemento subjetivo que o compöe, ndo se podendo te-lo concretizado se o sujeito n5o existir ou, se existir, nâo for aquele previsto pela norma. No fato juridic° tributário, e. g., a presença do elemento subjetivo em seu suporte fáctico é evidente, considerando-se a qualifica0o de quem seja o contribuinte. Somente quern seja definido como contribuinte pode praticar ato que integre a hipótese de incidencia do fato juridic° tributário. Assim, por exemplo, no ICMS, somente constitui hipOtese de sua incidencia a circulação de mercadoria realizada por quem exerça mercancia, legalmente (comerciante. industrial, agricultor, devidamente inscritos como tal) ou corn habitualidade (pessoa não inscrita naquelas categorias, mas que pratica, habitualmente, a atividade). Por isso, a eventual circulação de mercadorias decorrente da atuação de quem ndo seja definido como contribuinte não sofre a incidencia do ICMS. Também constituem exemplos de fatos juridicos em cujos suportes facticos estdo presentes elementos subjetivos os negócios juridicos que
55-A. Segundo nosso entendimento, ha mais sujeitos de direito que pessoas. Todo ente, independentemente de que seja pessoa, a que normas juridicas atribuem algum direito, ou uma simples situação juridica de capacidade, como uma qualidade, qualificação ou capacidade qualquer (e. g., capacidade de ser parte), tern entrada no mundo juridic° como sujeito, mesmo que limitadamente a situação juridica que lhe 6 atribuida. Nessa condição de sujeito de direito, que irk) é pessoa, citamos: o nascituro, o nondum conceptus, a herança jacente e a vacante, a massa falida, o condominio (exceto o condominio tradicional) etc. Vide, adiante, a nota 58 e, corn andlise mais aprofundada, o nosso Teoria do law juridico: piano da eficacia, l a parte, §§ 27 e 28.
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caracterizam: (a) relnóes de consumo, enquadráveis, portanto, nas normas do Código de Defesa do Consumidor, urna vez que se tem, com caráter de necessidade, como sujeitos o produtor ou fornecedor de bens ou servigos de um lado e o consumidor de outro; (b) crimes, como os definidos no Título XI da Parte Especial do Código Penal, cm que o sujeito passivo somente pode ser órgáo da administrnáo pública e, cm algumas especies, o sujeito ativo há de ser servidor público. 5.2. Elemento objetivo Os bens da vida, em geral, guando no haja norma jurídica que os pré-exclua de aproprináo (bens de uso comum do po yo, e. g.) ou que, por sua natureza, sejam inapropriáveis ou inatribuíveis a alguém (o Sol, a atmosfera, o espaço cósmico, e. g.), podem integrar suportes fácticos, como seus elementos objetivos seus. So a parte objetiva dos suportes fácticos. A res nullius (coisa adéspota), por exemplo, constitui a parte objetiva do suporte fáctico da ocupnáo; as coisas (= bens materiais) a constituem da posse; as coisas e os bens imateriais o so das normas relativas á propriedade e aos direitos reais, cm geral. Do mesmo modo, nos contratos de empréstimo afungibilidade ou infungibiliclade do bem que seja seu objeto integran], como elementos completantes do núcleo, os seus suportes fácticos, pois que estabelecem a diferena entre suas duas espécies: o mútuo e o comodato. Nem todo suporte fáctico, porém, tem a integrá-lo parte objetiva, de que so exemplos aqueles que dizem respeito a normas de direito formal. Somente aqueles de que decorrem fatos jurídicos produtores de direito a tem. É preciso no confundir o bem, que é parte objetiva de suporte fáctico, com o objeto de direito, que definirnos como todo bern da vida que possa constituir elemento de suporte fáctico de norma jurídica, porque seja por ela regulado, de algum modo, para atribuí-lo a alguém (vide, adiante, nota 154). Logicamente, somente se pode falar de objeto de direito guando já existe o direito, portant°, guando já se está no plano da eficáci a, pois direito, nesse sentido, é categoria de eficácia jurídica (vide nosso Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1 1 parte, § 36,
1, ii). No entanto, para que o direito recaia sobre certo bem da vida (= objeto de direito), faz-se necessário que as normas jurídicas o tenham como elemento de seu supone fáctico. Na definiçáo que demos acima o dado essencial e diferencial do objeto de direito é, precisamente, a sua atribuiçáo a alguém pelas normas jurídicas. Quando há no suporte fáctico, mesmo implícito, elemento objetivo, este integra o núcleo do suporte fáctico como elemento completante. 84
6. Elementos nucleares e complementares do suporte factico; elementos integrativos 6.1. Elementos nucleares: cerne e completantes Geralmente, o suporte factico é complexo, sendo raras as espécies em que apenas um fato o compae. No estudo dos suportes facticos cornplexos, em especial dos negócios juridicos, é preciso ter em vista que ha fatos que, por serem considerados pela norma juridica essenciais a sua incidência e consequente criação do fato juridic°, constituem-se nos elementos nucleares do suporte fcictico ou, simplesmente, no seu micleo. Dentre esses ha sempre urn fato que determina a configuração final do suporte factico e fixa, no tempo, a sua concreção. As vezes esse fato não estd, expressamente, mencionado, mas, por constituir o dado factico fundamental do fato juridic°, a sua presença é pressuposta em todas as normas que integram a respectiva instituição juridica. Esse fato configura o cerne do suporte fcictico56. Além do cerne, ha outros fatos que completam o nucleo do suporte factico e, por isso, sac) denominados elementos completantes do micleo. Os elementos nucleares do suporte factico tern sua influência diretamente sobre a existência do fato juridic°, de modo que a sua falta nao permite que se considerem os fatos concretizados como suporte factico suficiente A incidência da norma juridica. Nos negócios juridicos, por exemplo, em que a manifestação da vontade consciente ë o cerne do suporte factico, a sua ausencia implica não existir o negócio, mesmo que presentes outros elementos. Da mesma maneira ocorre se a falta é de element° completante. No mütuo, por se tratar de neg6cio juridico real, em que o suporte factico se comp& do acordo de vontades mais a entrega (= tradigao) da coisa fungivel ao mutudrio (= consensus + traditio), essa constitui elemento completante do seu nude°. Se ha o acordo sobre o rmituo, mas nä° se realiza a entrega da coisa emprestada, mütuo nao ha, existindo, apenas, uma promessa de meituo que, se nä° cumprida, pode dar
56. Por exemplo: a morte, quanto a sucessão; a vinculação do fato da natureza ou do animal a alguém, quanto aos fatos jurldicos stricto sensu: a contrariedade a direito, no ilicito civil; a vontade consciente, no ato juridico; o dolo ou a culpa, no Welt° penal.
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ensejo a ressarcimento pelas perdas e danos que resultarem do inadimplemento. No contrato de compra e venda, exige-se que haja acordo de vontades (cerne) sobre certo bem e prego determinado ou determinável (elementos completantes). O bem pode ser futuro e o prego a apurar segundo critérios que sejam predeterminados na avenga. Se o bem futuro nao vier a existir cm decorréncia de fato nao imputável ao devedor (= sem culpa do devedor, conforme a inadequada expressáo do Código Civil, art. 234), resolve-se o contrato de compra e venda porque a falta de elemento completante faz insuficiente o seu suporte fáctico, atingindo-lhe a existéncia. O mesmo ocorre se, em iguais circunstancias, o bem existente ao tempo da formalizagao do negócio vier a se perder antes da tradigao (diferentemente, se a inexisténcia ou a perda do objeto for imputável ao devedor, o negócio se resolve, mas responde ele pelo equivalente mais perdas e danos). Algumas vezes, embora raras, a forma do negócio jurídico entra na composigao do suporte fáctico como elemento completante. Se as disposigóes de última vontade nao forem feitas através das formas de testamento previstas no Código Civil (e. g., forem gravadas cm vídeo ou dirigidas cm carta a alguém), testamento nao há, urna vez que o Código Civil somente considera testamento aquele formalizado por unta das formas que ele prevé no Capítulo III do Título III do seu Livro V. A forma do negócio jurídico constitui, nesse caso, elemento que a lei considera essencial á sua própria existéncia. Conforme mencionamos antes, o elemento subjetivo do suporte fáctico (o sujeito de direito) integra o seu núcleo como elemento completante. Porque o ser sujeito de direito tem como pressuposto necessário a capacidade jurídica, esta compóe, também, o núcleo do suporte fáctico dos fatos jurídicos lato sensu. Do mesmo modo, o elemento objetivo do suporte fáctico, guando há. Assim, se urna instituigao que formaliza um contrato nao tem capacidade jurídica (nao é pessoa jurídica, nem pode ser considerada sujeito de direito, por exemplo), contrato nao há (vide, sobre a distinga() entre pessoa e sujeito de direito e também sobre capacidade jurídica, nosso Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, l a parte, §§ 22, 27 e 28, principalmente). No género fato jurídico lato sensu (vide classificagao adiante nos §§ 29 a 31), os elementos cerne do suporte fáctico servem para definir as duas grandes categorias de fatos jurídicos: (a) fatos jurídicos conforme a direito e (b) fatos jurídicos contrários a direito, bem como, cm cada 86
uma delas, as classes de fatos juridicos que as integram, da mais genérica a mais especifica, a saber: (i) os elementos cerne (a) conform idade e (b) ncio conformidade a direito + imputabilidade caracterizam as categorias dos fatos juridicos licitos e ilicitos, respectivamente; (ii) os elementos cerne (a) conduta corn vontade relevante, (b) conduta sem vontade ou corn vontade irrelevante e (c) sem conduta alguma configuram os (a) atos juridicos law sensu, (b) os atos-fatos jundicos e (c) os fatos juddicos stricto sensu, respectivamente; (iii)os elementos cerne (a) manifestação consciente de vontade corn poder de autorregramento (= poder de escolha da categoria jundica e, dentro de limites prescritos pelo ordenamento, de estruturação do conteudo da relação juridica correspondente) e (b) manifestacao consciente de vontade, sem poder de autorregramento (= nao ha poder de escolha da categoria juridica nem de estruturação do contetido da relação junidica, que sae () predispostos pelas nonnas jundicas), estabelecem a diferenca entre (a) os negócios juridicos e (b) os atos juddicos strict° sensu. Nessas classes mais especificas, como as dos atos-fatos juridicos, dos negócios juridicos e dos atos jurillicos stricto sensu, suas várias espécies säo classificaveis nao mais em razdo de elemento cerne, porém, dos elementos completantes. Exemplifiquemos corn dois suportes facticos assim constituidos: (i) (a) elemento cerne: acordo consciente de vontades, corn poder de autorregramento; (b) elementos completantes: sobre a disposição de certo objeto corn pagamento de determinado preço; (ii) (a) elemento cerne: acordo consciente de vontades, corn poder de autorregramento; (b) elementos completantes: sobre a disposição de certo objeto de modo gratuito. Analisando os dois suportes facticos, constata-se que se trata de dois negócios juridicos (em face de se constitufrem por acordo de vontades corn poder de autorregramento), que se diferenciam entre si por um de seus elementos completantes: (i) em urn, o pagamento de um prego caracteriza uma compra e venda; (ii) no outro, a gratuidade da transmissão configura uma doação. Ainda exemplificando corn outros dois suportes facticos assim estruturados: (i) (a) elemento cerne: acordo consciente de vontades, corn poder de autorregramento; (b) elemento completante: sobre o empréstimo de bem fun give!;
g7
(ii) (a) acordo consciente de vontade com poder de autorregramento; (b) elemento completante: sobre empréstimo de bem infungível. Pelos cernes desses supones fácticos (acordos conscientes de vontades com poder de autorregramento) identificam-se dois negócios jurídicos que se diferenciam pelos elementos completantes, a saber: em (i) a presenca de bem fungível caracteriza um contrato de mútuo, enquanto em (ii) há um contrato de comodato por consequéncia da infungibilidade do bem.
6.2. Elementos complementares Na configuraçáo do suporte fáctico dos atos jurídicos, em especial, mas. no somente, dos negócios jurídicos, há de se considerar, além dos elementos nucleares (cerne e completantes), outros dados que o complementam e, por essa razáo, so ditos elementos complementares. Diferentemente dos elementos completantes, os complementares no integram o núcleo do suporte fáctico, apenas o complementan' (náo completam) e se referem, exclusivamente, á perfeigáo de seus elementos. Assim, siso elementos complementares relativos: (a) ao sujeito: (i) a capacidade de agir; (ii) a legitimaçáo (poder ativo ou passivo de disposigáo)- A ; (iii) a perfeigáo da manifestagáo de vontade (auséncia de erro, dolo, coaçáo, lesáo, estado de perigo, simulagáo e fraude contra credores); (iv) a boa-fé e a equidade, esta, apenas, nos negócios de consumo; (b) ao objeto: (i) a licitude, (ii) a moralidade, (iii) as possibilidades física e jurídica e (iv) a determinabilidade; (c) á forma da manifestaçáo da vontade: o atendimento á forma guando prescrita ou náo defesa em lei. Como se vé, os elementos complementares apenas constituem pressupostos de validade ou eficácia dos negócios jurídicos. Porque tém suas consequéncias limitadas aos planos da validade e/ou da eficácia, sem qualquer influéncia quanto á existéncia do fato jurídico, sáo elementos que somente dizem respeito a atos jurídicos lícitos lato sensu. Quando se trata de fato jurídico stricto sensu, de ato-fato jurídico ou de fato ilícito lato sensu, náo há de se cogitar de elementos complementares,
56-A. Sobre legitimaçáo e suas espécies, vide nosso Teoria do fato jurídico: plano da validade, § 11.
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pois que essas espécies de fatos juriclicos nab estao sujeitas a invalidade ou ineficacia (vide adiante no Capitulo V),
6.3. Elementos integrativos
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Nos negócios juridicos, exclusivamente, enquanto os elementos nucleares (cerne e completante) dizem respeito a sua existência e os complementares, a sua validade ou eficacia, ha especies em que sao necessarios atos juridicos praticados por terceiros, em geral autoridade ptiblica, que o integram, mas, apenas, no piano da eficacia. Esses atos integrativos, como os denominamos. nao compoem o suporte factico do negócio juridico e, portanto, nao interferem quanto a sua existência, validade ou eficacia própria, mas atuam no sentido de que se irradie certo efeito que se adiciona A eficacia normal do negócio juridic°. Vejamos alguns exemplos. No sistema juridic° brasileiro, a eficacia real dos negócios juridicos relativos a constituicao, translacao ou extincao de direitos reais sobre bens iinoveis, inter vivos, depende de seu registro no Registro de Imóveis (Código Civil, art. 1.227). 0 registro, assim, constitui ato juridic° cujo efeito consiste em criar, modificar ou extinguir as relaceies juridicas de direito real, dentre as quais estd a de direito de propriedade. Por decorrencia dessa sistematica, o direito de propriedade sobre bem imóvel tern por titular aquele em nome de quem esteja inscrito no Registro de Imóveis (Código Civil, art. 1.245, § 1 2 ). Por isso, para que alguém adquira, por transmissao, o direito de propriedade sobre bem imovel que haja comprado, ou recebido em doacao, por exemplo, nao basta que haja formalizado o negócio juridic° da compra e venda, ou da cloaca°, mas essencial que seja promovido o registro, no Registro de Imóveis competente (Lei n. 6.015/73 — LRP. art. 169), do acordo de transmis.sdo57nele
57. A doutrina nacional costuma referir-se ao registro do contrato de connpra e venda como ato que tern o efeito de transmitir a propriedade imobiliária. Ha nessa referenda urn equivoco, porque a transferencia do domfnio não resulta do registro de contrato de compra e venda (que é negócio juridic° causal e obrigacional), mas de acordo de transmisstio (que ë negócio juridico abstrato e jurirreal. Vide, adiante, § 52). Em geral, o acordo de transmissiio integra o mesmo instrumento do contrato de compra e venda e se consubstancia na formula "e, por este instrumento, o vendedor transmite todo o direito, domfnio etc.", usual nas escrituras de compra e venda. No entanto, o acordo de transmissão, pot ser negOcio juridic° autemomo, pode
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embutido. Enquanto náo efetivado o registro, o negócio jurídico da compra e venda, ou da doagáo, existe e, se é válido, produz toda a sua eficácia de natureza obrigacional; no se irradia, porém, a eficácia real da transmissáo do direito de propriedade ao adquirente. A falta do registro implica continuar a propriedade a pertencer ao alienante, sem, contudo, acarretar qualquer consequéncia negativa quanto á existéncia, validade ou eficácia obrigacional do negócio jurídico da compra e venda ou da doagáo, tampouco do acordo de transmissáo que lhe disser respeito. Por isso é que, se o alienante efetua urna segunda venda do mesmo bem a outra pessoa e esta registra o acordo de transmissáo antes do primeiro, adquire-lhe a propriedade, restando ao primeiro adquirente, que no promoveu o registro, táo somente o direito de pedir do alienante ressarcimento pelas perdas e danos (eficácia obrigacional do negocio jurídico da compra e venda ou da doagáo) que tiver sofrido. No lhe cabe, no entanto, a pretensáo á reivindicagáo do imóvel (que é conteúdo da relagáo jurídica real de propriedade), por no se haver produzido a eficácia real da transmissáo. As sociedades, associagóes, e outros entes coletivos coletivos a que o ordenamento jurídico atribui personalidade de direito, bem assim as fundagóes, se constituem como tal por meio de negócios jurídicos específicos (= atos constitutivos), passando a existir desde o momento em que so regularmente formalizados. Para que adquiram personalidade jurídica (= se tornem pessoa jurídica), porém, necessitam ter seus atos constitutivos registrados no Registro próprio e competente (Código Civil, arts. 45 e 985). Algumas delas, cm face de sua natureza peculiar, dependem também de prévia autorizagáo govemamental, como acontece com as instituigóes financeiras, e. g., ou de aprovaçáo de seu estatuto pela autoridade competente, em geral o Ministério Público, como no caso das fundaçóes. Tanto o registro como a autorizagáo do Poder Público ou a
ou náo constar do mesmo instrumento do contrato de compra e venda. Também é possível haver contrato de compra e venda em que o acordo de transmissáo seja para formalizar-se posteriormente (por exemplo, o vendedor vende agora, mas só transmitirá o bem guando e se decidida cm seu favor açáo cm que se discute a titularidade sobre o imóvel). Se no houver acordo de transmissáo, o registro do contrato de compra e venda náo produz a transferéncia da propriedade imobiliária, mas, apenas, a eficácia ergo omnes da publicidade. O fato de o acordo ser simultáneo á compra e venda e constar do mesmo instrumento, como é o mais comum, náo é essencial, mas é o motivo que leva a doutrina a confundir os dois negócios.
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aprovação da autoridade competente constituem atos integrativos da eficácia dos negócios juridicos de constituição da sociedade, associação ou fundagao para deflagrar-lhes o efeito da personificação. Enquanto não houver o registro (que depende da autorização ou aprovação, quando necessárias), o negócio juridic° de constituicalo existe e, se for valid°, irradia a sua pura eficacia obrigacional de criar a sociedade, a associação ou a fundação, hem assim de gerar os direitos e deveres entre os sócios, mas não se dard a personificação juridica da entidade criada. Conforme vimos nos exemplos dados acima, o registro constitui ato integrativo da eficácia de certos negócios juridicos, o que pode fazer parecer que tern somente essa natureza. Nem sempre, porém, o registro pablico atua como elemento integrativo. 0 registro do casamento religioso nab diz respeito, em rigor, a atibuir efeitos civis a esse ato (como faz sugerir a expressão usual de casamento religioso corn efeitos civis), mas comp& como elemento completante, o Miele° do suporte factico do negócio juridic° do casamento formalizado perante autoridade eclesidstica, de modo que a sua falta importa inexistencia do casamento para o direito e nâo somente ineficacia. 0 mesmo ocorre no casamento celebrad° perante autoridade estatal em que o registro do ato integra o nticleo de seu suporte factico como elemento completante. A diferença entre as duas espécies (elemento integrativo e completante) reside em que: (i) No caso dos negócios constitutivos de sociedade, associagao ou fundação e do acordo de transmissão nas aliena0es de imóveis, o registro não comp& seus suportes facticos; sac) atos juridicos que se juntani aos neg6cios juridicos já existentes, fa() somente para que possam gerar um efeito adicional ao seu pr6prio. Para que se concretize o negócio juridic° de constituição de sociedade ou o acordo de transmissão referente a compra e venda, e. g., não ha necessidade de registro: são nee).cios juridicos consensuais. por isso se perfazem corn a simples formalização. Entretanto, para que produzam a eficdcia final de gerar a personalidade juridica ou transmitir a propriedade necessitam, sempre, sem exceção, de que sejam registrados. (ii) Diferentemente. no caso do casamento, o registro é dado cornponente do micleo do suporte factico, de modo que sem ele nem existe, ao menos, o fato juridic°. No casamento o registro é componente do suporte factico na posicao de element() completante do seu made°, logo, dado concernente a sua exist8ncia: sem registro não ha casamento. Em direito tributdrio nacional, o lançamento constitui element° integrativo do suporte factico do fato juridic° tributdrio. uma vez que a 9'
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7 lei lhe confere a funcáo de deflagrar sua eficacia final, consistente na atribuicao de exigibilidade ao crédito tributário, gerando, por conseguinte, a obrigaçcio do contribuinte de pagar o tributo. Com efeito, desde a ocorréncia do fato jurídico tributario, que se dá, fatalmente, por foro. da 211, 90 incidéncia da norma jurídica tributária sobre seu suporte fáctico concretizado57 - A , estabelece-se a relacáo jurídica tributaria entre o ente respon, sável pela imposiçáo tributar'ia (= langamento, arrecadaçáo e fiscalizaçáo), LcIk5la'que é seu sujeito ativo (credor) e o contribuinte, seu sujeito passivo (devedor), cujo conteúdo eficacial específico é composto por diversas (a) obrigaffies (ditas) acessórias, dentre as quais a de efetuar, nos casos específicos previstos cm lei, o lançamento por delegaçáo, inadequada, „..0Triente dito lanoamento por homologaffio 57- B , e (b) pela chamada obrigags
ó
ii dever, de pretensáo < > obrigagáo' 76- A , de agáo, de excegáo ou de vinculabilidade, de irrevogabilidade e qualquer outro efeito jurídico, é preciso que já se esteja no plano da eficácia, isto é, já se tenha ultrapassado o plano da existéncia e o plano da validade. Q
175. Teoría general del derecho civil alemán, t. III, v. I , p. 4 e passim; Tratado de derecho civil, v. 1, p. 195, e Tratado de derecho civil, t. I, v. 2, p. 5, respec-
tivamente. 176. Teoría geral do negócio jurídico, v. I, p. 75, e La fattispecie e gli effetti giuridici preliminari, p. 538, respectivamente.
176-A. Na expressáo contrai obrigaçáo de cumprir o prometido constante do art. 854 do Código Civil, o vocábulo obrigaffio está empregado em sentido impróprio, urna vez que, conforme se vé no texto, enquanto há apenas a oferta. somente existe
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§ 49. Amplitude e surgimento da eficacia A extensão da eficácia de urn fato juridic° é fixada pelo sistema juridic°. Se urn fato juridico ira produzir toda a gama de efeitos previstos pelo sistema ou somente alguns deles é à escolha da comunidade juridica. Os efeitos do fato juridic° dependem, assim, do que prescrevem as normas juridicas incidentes. Por isso, para saber qual a amplitude de sua eficácia, é necessária uma andlise do que o sistema juridic° atribuiu como seus efeitos.
1. As categorias eficaciais As várias espécies de efeitos que se podem encontrar no mundo juridic° damos o nome de categorias eficaciais, ou categorias de eficácia juridica, as quais procuramos sintetizar no esquema abaixo: > simples ou unissubjetiva CATEGORIAS DE EFICACIA JURiDICA
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SITUKA 0 JURiDICA BASICA > a) unilateral
complexa > ou intersubjetiva > b) multilateral = relação juridica
a possibilidade de o ofertante vir a tornar-se obrigado, se e quando nascer a relação juridica. Obrigação em sentido próprio é categoria eficacial que constitui conteticlo de relação juridica correspectiva de pretensão. Portanto, enquanto não se forma a relação jurfdica como resultado da aceitação, existe tão somente vinculabilidade ou vinculaçäo, conforme se mostra no texto.
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i) Situac do jurídica básica"-B Segundo a esquematizaçáo retro, todo fato jurídico produz o efeito mínimo básico de criar, ao menos, urna situacáo jurídica. Pode acontecer que o fato jurídico — especialmente atos jurídicos — náo possa produzir seus efeitos próprios e completos, como, por exemplo, guando 1 o negócio jurídico é nulo, ou guando, como no caso do testamento. precisa de um fato que deflagre a sua eficacia. Mas, em qualquer hipótese, a simples entrada no mundo jurídico fará com que o fato jurídico irradie, pelo menos, o efeito de criar urna situacáo jurídica cujo conteúdo, embora limitado, é típico. A denominagáo situaçáo jurídica básica — que adotamos para designar a eficacia mínima e necessária dos fatos jurídicos — justifica-se por ser ela o lastro, a base, sobre que se erige a sua eficácia plena; quer dizer: a partir da situaffio jurídica básica so irradiados os outros efeitos do fato jurídico, guando possível. A situaçáo jurídica básica, de regra, tem seus efeitos variáveis conforme a natureza do fato jurídico a que se refere. Por isso, é preciso identificá-los cm cada caso. O testamento, por exemplo — que é fato cuja eficacia completa só se produz com a morte do testador —, apenas por existir como negócio jurídico, cria urna vinculabilidade do testador ás suas disposiçóes que, somente se há revogaçáo ou caducidade pelas formas e nos casos previstos no Código Civil (arts. 1.969 e segs. e 1.939), no produzirá os seus plenos efeitos, após a sua morte. A necessidade de revogaffio pela forma prescrita cm lei constitui o conteúdo da situacdo jurídica básica que se cria com o testamento. O mesmo ocorre com a lei durante a vacatio legis. Desde que publicada, apesar de náo poder produzir sua eficacia própria de incidir, porque ainda no vigente, a norma jurídica vincula os poderes legisferantes, urna vez que terá de ser revogada se no se quiser que entre cm vigor. Também, por meio da situagáo jurídica básica, explicam-se os efeitos, ditos aparentes, dos atos nulos. Parece evidente que somente se o fato jurídico no pode produzir a sua plena eficacia, ou se ainda no a produziu, tem a situacáo jurídica básica importáncia e significado práticos. Precisamente por constituir eficácia mínima, dilui-se no todo da eficacia plena. Isso, no entanto, náo faz dela un] conceito superfluo, ou desnecessário, urna vez que a ele ternos de recorrer sempre que, por algum motivo, a eficacia plena no se possa irradiar. , I76-B. Sobre eficácia jurídica, vide nosso Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1' parte.
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A partir da situação juridica basica, o fato juridic° produzirá sua eficacia especifica, quando possivel. Essa eficacia especifica do fato juridic°, considerada, abstratamente, em toda a sua plenitude, tal como o sistema juridic° a definiu, algumas vezes (a)6 limitada, exclusivamente, a uma so esfera juridica, referindo-se apenas a um s6 sujeito de direito, ou, (b) como ocorre na maioria das espécies, envolve mais de uma esfera juridica, portanto, mais de um sujeito, estabelecendo urn relacionamento intersubjetivo. ii) SituagTo juridica simples ou unissubjetiva
Quando a eficacia juridica diz respeito apenas a uma esfera juridica, definindo, somente, a posição de seu titular, sem alcançar outras esferas juridicas, e, por isso mesmo, sem estabelecer, como decorrencia sua, um relacionamento juridic° intersubjetivo, temos uma situação juridica simples. E o que ocorre nos estados pessoais e na legitimação hereditaria, por exemplo. Serpessoa é qualificação juridica que constitui eficacia de fato juridic° especifico (o nascimento corn vida é fato juridic° — art. 2Q do COdigo Civil — cuja eficacia consiste na atribuição da personal idade de direito ao ser humano). Ser sujeito de direito é eficacia juridica que se li mita a qualificar aqueles entes capazes de direitos e obrigacCies. Isla° envolve, de modo algum, relacionamento juridic° corn outras pessoas. Também o ser pessoa no piano juridic°. Ninguéni é pessoa em relagao algudm. Do mesmo modo, o ser maior, o ter plena capacidade de agir, ou o ser incapaz, relativa ou absolutamente, entre outras situaçOes. Quando, pordm, dizemos que ha uma situaçdo juridica unissubjetiva, ndo queremos excluir a necessaria interferência intersubjetiva da conduta que inerente ao direito. A conduta para ser considerada juridica rid() pode prescindir da posição do homem diante de outro homem ou da comunidade. A unissubjetividade a que nos referimos tern cardter apenas eficacial, o que significa dizer que os efeitos nä° decorrem de uma relação juridica especifica entre dois sujeitos de direito, ou melhor, nä() constituem contetido de uma relaçâo juridica. Mas, é evidente, ser capaz ou ser pessoa são qualificaOes pessoais que, no entanto, somente tern sentido se consideradas no plan° da intersubjetividade. 0 homem sozinho, sem interferência de outras condutas, não necessita ser capaz, ou ter personalidade de direito.
As situaçöes juridicas simples, unissubjetivas, porém, sac) em pequeno ntimero no mundo juridic°. iii) Situaviies juri'dicas complexas (a) Exceto as hip6teses de situagöes juridicas simples, dos fatos
juridicos resulta sempre o envolvimento de mais de uma esfera juridica, 212
portanto, de mais de um sujeito. Em geral, esse envolvimento intersubjetivo tem a consequéncia de produzir direitos e deveres correspectivos; quer dizer: o direito que integra urna esfera jurídica corresponde a um dever em outra esfera jurídica e vice-versa. Essa correspectividade de direitos e deveres caracteriza urna relnáo jurídica entre os titulares (sujeitos) das duas esferas jurídicas. Mesmo guando se trata de fato jurídico stricto sensu é isso o que, geralmente, ocorre. Em decorréncia da avulstio, por exemplo, estabelece-se urna relnáo jurídica entre o proprietário do imóvel do qual se destacou a porçáo de terra e o daquele que a recebeu, cujo conteúdo (= direitos e deveres correspectivos) está definido no art. 1.251 do Código Civil. (b) Há, porém, situnóes jurídicas que exigem, necessariamente, intersubjetividade, mas seus efeitos se restringem a urna esfera jurídica apenas. É o que acontece com certos negócios jurídicos unilaterais, corno a oferta ao público, cuja eficacia jurídica se limita á esfera jurídica daquele que manifestou a vontade negocial, formulando a oferta. Em ambas as situnóes, a e b, a necessária intersubjetividade jurídica implica complexidade no conjunto dos efeitos conteúdo das situnóes jurídicas. Por isso, as denominarnos situaçóes jurídicas complexas, com o que desejamos distingui-las das situnóes jurídicas simples. Nas situnóes jurídicas complexas, no entanto, já vimos, há: (a) algumas em que os efeitos vinculam, apenas, urna esfera jurídica, enquanto (b) outras, que relacionam duas ou mais esferas jurídicas, determinando urna correspectividade de direitos e deveres. Baseados nessa diferença, distinguimos nas situnóes jurídicas complexas duas espécies: (a) situnóes jurídicas complexas unilaterais; e (b) situniies jurídicas complexas multilaterais ou reinó- es jurídicas. a) As situaffles jurídicas complexas unilaterais Quetn formula oferta revogável, seja a alguém em particular, seja ao público, p5e-se numa situnáo jurídica denominada vinculabilidade, cujo conteúdo eficacial consiste cm ficar a sua esfera jurídica exposta a ser vinculada por um ato voluntario de terceiro que manifeste aceitar a sua proposta. Enquanto vigente a oferta, o ofertante no está ainda vinculado, mas permanece, apenas, cm posigáo de ser vinculado. Se a oferta é revogada antes de ser aceita, extingue-se a situnáo jurídica. Do 213
mesmo modo se o seu destinatario a recusa, ou ocorre o implemento de condição, ou se alcança termo resolutivo final. Quando a oferta é irrevogeivel, a situação juridica que se forma tern urn contend° diferente, porque a irrevogabilidade implica, desde logo, a vinculacc7o do ofertante a sua proposta. A diferença especifica entre a vinculabilidade e a vinculação reside na revogabilidade ou ndo da manifestação de vontade. Além disso, a vinculabilidade constitui sempre uma situação juridica complexa unilateral; a vinculação, em alguns casos, pode ndo ser urn efeito aut6nomo (= situação juridica unilateral), mas integrar contend° eficacial de relac5o juridica, mais especificamente de direito expectativo decorrente de negócio juridic° enquanto pendente condiçäo suspensiva. Nessas duas situaçoes juridicas, como se ve, ha necessidade de urn relacionamento intersubjetivo, mas esse relacionamento nao implica correspectividade de direitos e deveres, portant°, tido se estabelece, ainda, uma relacäo juridica. 0 ofertante, por estar exposto a vincular-se ou ja vinculado, encontra-se so em situação juridica. 0 destinatário, seja o pdblico, seja alguém ern particular, não tern qualquer ligação corn a oferta, porque a ninguém se imp6e o dever de aceitá-la ou de, ao menos, a ela responder. Ressalta evidente, porém, que nessas situag6es juridicas, embora somente a uma esfera juridica — a do ofertante — se refiram os efeitos juridicos do negócio, a intersubjetividade constitui dado essencial, uma vez que seria absolutamente sem sentido uma oferta dirigida a ninguém. A proposta ha de ser formulada a alguem, mesmo, indeterminadamente, ao alter Se, em vez de aceitar a oferta como proposta, o destinatário prop6e modificaceies, estard formulando outra oferta: cria-se uma nova situação de vinculabilidade ou de vinculacAo, conforme seu contend°, que tern as mesmas caracteristicas da primeira. Se, diferentemente. o destinatário recusa a oferta, extingue-se a situaçäo juridica. Embora rid° tenha qualquer dever quanto A oferta, assiste ao destinatário o poder juridic° de aceitá-la e, assim, obrigar o proponente sua proposta. Esse poder juridic° configura urn dire ito formativo gerador m , o qual, mesmo estando ligado a oferta, é, em si, independente e constitui contend° de uma outra situação juridica complexa unilateral. Na oferta, assim, pode haver duas situacöes juridicas complexas uni177. Os direitos formativos geradores, modificativos e extintivos são espécies de direitos potestativos.
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laterais, específicas, com conteúdos próprios, que se esgotam cm si: (a) a do ofertante, caracterizada pela vinculabilidade ou pela vinculacdo, e (b) a do destinatário, representada pelo direito formativo gerador. Entre o direito formativo gerador e a vinculaçáo, ou a vinculabilidade, há urna necessária referéncia de um á outra e, portant°, intersubjetividade essencial, embora no se estabelega, ainda, urna relagáo jurídica, porque náo há dependéncia jurídica do destinatário á proposta. O poder jurídico que lhe cabe é autónomo, no sentido de que (a) a sua titularidade existe náo como um efeito pleno da oferta, mas como decorréncia da adesáo espontánea do destinatário a ela, donde (b) ser exercitável pela sua exclusiva vontade. Numa relagáo jurídica, salvo algumas de direito absoluto, como as de direito da personalidade, a titularidade do polo ativo (= ser sujeito ativo da relagáo jurídica, portant°, ser titular de direitos, pretensóes e agóes) somente pode resultar de manifestaçóes de consentimento. Ninguém se torna credor (= titular de direitos) sem consentir, mesmo guando há sucessáo legítima mortis causa. O herdeiro somente é considerado titular da posigáo do sucedido cm suas relagóes jurídicas se aceita (= consente), mesmo tacitamente, a heranga. As vezes admite-se, até, que a aceitagáo seja feita por terceiro guando, sendo credor do herdeiro, possa vir a ser prejudicado no seu crédito pela renúncia (= no aceitaçáo) á herança (Código Civil, art. 1.813). 0 consentimento, porém, cm regra é indispensável e ineliminável para a aquisigáo de direito subjetivo. Se o destinatário exerce o seu direito formativo gerador, aceitando a proposta, nasce daí a relagáo jurídica que se desenvolve e desdobra cm direitos deveres, pretensóes