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Portuguese Pages 589 Year 1960
TRATADO DE
DIR[IJO
COMfRCIAl
HRASllflftO
POR
,
JOSE XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA ADVOGADO
f
6.ª EDIÇÃO POSTA EM DIA
POR ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA
VOLUME VII LIVRO V DA
FAL~NCIA
E DA CONCORDATA PREVENTIVA
PARTE 1
!'M
DA FALÊNCIA
•
..cunruüa J-aeitas Bastas s/a. RIO DE JANEIRO R. Sete de 3etemhro, 111
SÃO PAULO
1 9 6
o
R. 15 de Novembro, S2/G6
LIVRO QUINTO DA F ALF::NCIA E DA CONCORDATA PREVENTIVA
Sumário: -
1. Objeto do livro quinto.
O livro quinto do presente Tratado compreenderá três partes, estudando-se: na primeira, a falência; na segunda, a concordata preventiva; e na terceira, os crimes em matéria de falência e de concordata preventiva. 1.
PRIMEIRA PARTE
DA F ALtNCIA
Sumário: - 2. Sentido etimológico da palavra falência. 3. A falência sob .o ponto de vista econômico. - 4. A falência sob o ponto de vista jurfdico. - S. Os vocãbulos quebra e bancarrota na linguagem jurfdica.
2.
FALIR, do latim f allere, exprime a mesma coisa que faltar com o prometido, com a palavra, enganar (1); daí /alimento, falência, seus derivados, significando falha, falta, omissão (2) .
(1) FREI DOMINGOS VIEIRA, Grande dicionário português; AULETE, Dicionário contemporâneo; CANDIDO DE FIGUEIREDO, Novo dicionário da língua portuguêsa, ed. de 1913.
O latim faller.e procede da raiz sânscrita sphall, vacilar, mover, desviar, donde também o grego sphallen, faltar; o alemão, fallen, fehlen, cair, decair, faltar, cair em falta; o inglês, fall, fail, cair, faltar; o francês, faillir, faillite, enganar, pecar, faltar; o italiano, fallire, fallimento com o mesmo significado. (2) A palavra falência é empregada, na Ord. Afonsina, Livro 4.0, Tít. 72, § 2.0 , como exceção da lei· /alimento encontra-se na mesma Ord., ~iv. 1.~, T!t. 67, § 2.0 , ~ignificando falta, êrro, culpa; e ~~ d!J . L1y .. 4: , T1t. :45, § diminuição (PEREIRA E SOUSA, Dzczonario 1urzdico, verb1s: falencia e /alimento).
;o.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
3. Apreciada sob o ponto de vista rigorosamente econômico, a falência é o efeito da função anormal do crédito (1). Ela designa a situação daquele que, tendo recebido uma prestação, não dispõe de valores realizáveis suficientes para satisfazer, no momento exato, a contraprestação a que se obrigou. Falta com o prometido, não cumpre a palavra quem se encontra nessa posição. O devedor, que, em.pregapdo rpeios fraudulentos ou ruinosos, continua a manter os seus compromissos, denuncia, não obstante, a impossibilidade de executar regularmente as suas obrigações, dá a conhecer a real situação que procura ocultar ou disfarçar, revela, também,.a função anormal do crédito (2). 4. As normas de direito material, processual e penal, que disciplinam êsse fenômeno econômico em utilidade púplica para a defesa do crédito, constituem o instituto da falência sob o ponto de vista jurídico . 5. Quebra, parece ser a verdadeira palavra portuguêsa para enunciar aquela situação do comerciante; encontramo-la
e
_(l) WAGNER, Del credito dezz'e banche, no ManÜale d'economia ·política, de SCHONBERG, vol. r, parte· 2.ª, pág. 294, d~fi~e O crédito e 'sob o oonto de vista econômico: . "a relação ·economic~"'." privad~, ou o dar -e receber voluntário de bens ecónômic'Os entre duas
pessoas, na qual a prestação de uma das partes se- realiza sob a confiança na promessa da contraprestação futura da outra"· FERRARIS, Principii di scienza bancaria, pág. 5, define, por sua vez, o crédito: "o conjunto de condições econômicas e morais, mediante as quais se consente numa prestação presente contra a p~o messa de outra prestação futura'.', e as operações de crédito: _"quaisquer operações de troca, nas quais se ef et~a uma prestaçao pre;:sente contra a promessa d.e outra prestação 'futura". · · ·. (2) ROCCO, Studi sulla teoria del fallimento, nà Rivista d~l diritto commerciale, 1910, P. r .. 669-674. ·No sentido ~conômico! diz ROCCO, a falência .é ''uno stato di ,equilíbrio tra i valori reallzza_bili e le prestazioni da eseguirsi''. "Perche vi sia fallimento,· i~ senso economico, e necessario .e sufficiente che il debitore si trovi nella impossibilità di realizzare i valori occorrenti al pagamento de suoi debiti, per l'epoca della scadenza". VISCONDE ·DE CAYRU, Direito .mercantil, Tratado sétimo, Cap; XV; "Fallimento é expressão contrária ao crédito e abonação mercantil; e supõe falta de, fundos, mudança. de estado, isto é, alteração na fortuna e reputação. do comerciante, constituindo-o no desclC'édito, e impossibilidade de ~atisfazer as suas obrigações".
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEmo
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desde as ordenações. ( 1) , e muito antes da entrada do têrmo falência nos monumentos legislativos (2). Atualmente, porém, são sinônimas, e aquela vai sendo abandonada e :substituída por esta (3). O Cód. Civil emprega indistintamente falência e quebra. ]3ancarrota não é expressão· hoje adotada em nosso direito (4). No Cód. Criminal de 1830 era empregada para de-
o) · A Ord. liv. ~. tít. 66, inscrevia-se:· "Dos M~roadores, que
que"t,Jram: E dos que se levantam com fazenda. alheia". N:o princ. esta Ord. refere-se a. mer,c.adores que "quebram de seus ,tratos".; ·no § 5.0, fala de !'que.br:ar de· seu crédito.". . .. · . _ .• .. - (2) ·.·FERREIRA BORGES,· Dicipnário jurídico, .verb.: falência e quebra; . FREI POMINGOS VIEIRA,, Grande; dicionário português, verb · falência · · - · · ·· · · · · - · · · ····• · -. c~me~~ial porluguês de· 1B33, uma das fontes do· ~osso Côdígo,, emp~egava ªª.palavras québra e quebrad-0, definindo~as nês-
0-Cod.
ses têrmos·: · . T · • · - • ··· , · · · . , Art. 1 .121. "Diz-se negociante que1Jrado aquêle que pÜr vício da fortl,llla ou ~eu,, -ou- parte da fortuna e parte seu. se acha ·inábil para satisfazer a seus pagamentos, e abandona o comércio". . . Era .a tradução das palavras. •de STRACCA: "Decoctor est qui fortunae vitio, vel suo, vel partim fortunae, partim silo vitio,. non solvendo· factu.s· foro cessit" (de d.ecQct, P. II; n·. ·1). Ark: 1.-123. ·"Todo o comerciante que cessa pagamentos~ acha-se em estado de quebra'''·: . -· ·· .:·; ," _ . · . · · - (3) · O Cód .. Comercial usava indistintamente· os têrmos. quebra e falência, -quebraçfo ·e- falida. O ·art-. 797-. -salientava a sinonímta. O Dec.· n. 917, de 1890, e a L~i n .. 859, de 1902; empregaram·sempre ·os têrmos falên'cia, ··falido;. não obstante, . estava, .. no art; ~21 da primeira e no art. 27 da• segunda; a· palavra quebrá. ·· · · " · O VISCONDE DE CAYRU, Direito mercantil, Cap. XV, distinguia no comércio "quatro· sortes ·de fàlim-ento~ um parcial e outro total, e se dizem --'-- impontualidade; ponto~, quebra .e bancarrota". · '
Esta distinção· càsuística é impossível diante do ~ireito· atual.. - Da palavra quebra vem 'o brasileirismo quebradeira ou quebreira, significando falta de dinheiro. XCANDIDO' DE FIGUEIREDO, na edição de 1913, regista êsses ·vocábulos)~ · · · · · ·. · (4) A palavra bancarrota ·é" de origem italiana, b~nco rottc:, bancçi qüebrado: Esta .·expressão provi?ha, conf?rme esci:1tore~ antigos, do· costumé ·de os credores do·· fa.hdo lhe quebr.arem e ·retirarem o ·banco ou balcão, sôbre· o qual mostrava o que tmha para vender ou o que fazia .objeto do seu comércio. Outros afirmam que, por costume, também se quebrava ao falido o banco. em que êste se sentava na ·praça do comércio. Ainda, 'segundo _um · escritor.• inglês (Sir EDWARD COKE), a palavra bancarrota deriva-se do francês banque e route, significando ·esta última - o· ·.sinal ou marta que deixava no chão a roda do carro, e assim .metafàricamente se dizia daquele que tendo perdido os seus bens, retirava o banco, deixando vestígios no lugar..ou referências· dêsse acontecimento.· ' Por muito temJJO, bancàrrota e falência exprimiram o. mesmo conceito. Mas tarde, . falência foi aplicada para significar o es-
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J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
signar a falência fraudulenta (art. 263). O Cód. Comercial, publicado em 1850, baniu o vocábulo. No direito francês (1), no belga (2), no italiano (3) e em outros, aquela palavra é reservada à falência em que se prova culpa ou fraude do devedor. No direito inglês (4) e no direito norte-americano (5), bancarrota (bankruptcy) equivale à expressão falência. tado do comerciante infeliz, qui fortunre vitio decoxerit, e bancarrota reservava ao que partim fortunre, partim suo vitio decoxerit e ao que suo vi tio decoxerit . Esta distinção foi acolhida no Código francês e se transfundiu nos códigos dos países que o imitaram, menos o nosso, que se ateve ao sistema espanhol (Código de 1829) adotado também pelo Cód. Com. português de 1833. No antigo direito português, dizia-se bancarrota a quebra dolosa (PEREIRA E SOUSA, Dicionário jurídico, verb. quebra), conquanto a expressão não fôsse legal. A Ord., Liv. 5.0 , Tít. 66, fala apenas de mercadores que se levantam com fazenda alheia, ordinàriamente conhecidos sob o nome de levantados (FERREIRA BORGES, Dicionário jurídico, verb. bancarrota) . Nos primeiros tempos, os falidos chamavam-se decocti ou decoctores, expressão empregada por CtCERO, na Philippica, II, C. XVII, e que, segundo MAYNZ (Droit romain, vol. 2.º, n. 299, nota 42), nada tinha de jurídica. A palavra vinha de coquere, cozer, e com ela se queria significar que o patrimônio do devedor se consumia como alimento pôsto ao fogo; decoctor era aquêle cuja falência se preparava há muito, o que havia desperdiçado, ou, como dizem geralmente, liquidado os bens. STRACCHA explica assim a origem daquela palavra: "Decoctor a decoquo, verbo descendit, quod paulatim diminuere significat et coquendo, absumere. . . Unde decoctores, conturba tores, et bonorum consumptores dicuntur quos recentiores juris consulti fallitos et cessantes vocant". Nas leis lombardas, os falidos chamavam-se fugitivi. Em Firenze, cessanti; em Veneza, aggravati di debiti,· em Gênova, rotti ou rompenti; em Roma, falliti ou fallentes; em Pisa, a falência indicava-se com a frase far galiga, cometer fraudes. (1) Cód. Comercial, arts. 584 e segs. (2) Cód. Comercial, arts. 573 e segs. (3) Cód. Comercial, arts. 856 e segs. (4) A palavra bankruptcy, italiana de origem e francesa de adoção (banqueroute) foi empregada desde as primeiras leis inglêsas, aliás, bárbaras contra os falidos, considerados sempre dolosos ou fraudulentos. A palavra bankruptcy definia-os bem. Quando se imprimiu à falência outra orientação, já a expressão bankruptcy estava adotada e, por isso, fôra mantida, representando, embora, uma instituição mais doce, mais humana. (5) A legislação americana adotou o mesmo vocábulo bankruptcy Act of 1898". KENT, nos Commentaries on American law, vol. 2.0 , 389, nota e,
define: "a bankrupt means a broken up and ruined trader, accordlng to the original signification of the term; a person whose table or counter of business is broken up, bancus ruptus."
T1TULO 1
Das noções fundamentais e históricas e do sistema legislativo brasileiro sôbre o instituto da falência
Sumérlo: -
6. Razão de ordem.
6. A vasta matéria resumida na inscrição dêste título será desenvolvida nos capítulos seguintes.
CAP1TULO 1
De uma síntese histórica do instituto da falência
Sumário: - 7. Na "vendi tio bonorum" do direito romano tem o instituto da falência as suas raízes. - 8. O "concursus creditorum", na última fase do direito romano, suas causas e efeitos, arcabouço da falência moderna. - 9. Meios preventivos da falência romana. to. A amplitude da falência romana e porque no direito moderno ela penetrou com feição essencialmente comercial.
7. Nos últimos tempos da república romana, o pretor com a extraordinária faculdade de confirmar, suprir e corrigir o direito civil, admitira a venditio bonorum entre os meios
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J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
de execução forçada das sentenças condenatórias tendo por objeto o pagamento de certa soma em dinheiro (1). O credor ou credores, munidos de sentença, procuravam o magistrado que, causa cognita, autorizava por decreto a missio in bana, e, em virtude desta, entravam na posse de todos os bens do devedor, procedendo depois à venda mediante determinadas formalidades. -, (1) Sob o primitivo direito romano crudelíssima era a situação do devedor: podia possuir casa, campos, escravos, gado e dinheiro; em nada 41ss0: tocai;, ao qredor era lícito. A pessoa_ do devedor constituía a garantia __ ú.nica.. dos cr1:?dores. _Qui _non ·-habçt in rere- sólvat in corpore. Fô"sse · fsto devido, como 'pénsa IHERING, ao caráter da sociedade primitiva onde os primeiros movimentos do sentimento do direito lesado consistiam na violenta reação contra a injustiça causada, na defesa privada e na_ vingança (Esprit du droit romain, volume 2.0 , n. 740; MAYNZ, Coúrs de droit romain, vol. 1.º, § 34), fôsse o resultado, como supõe NIEBUHR, de uma política resoluta dos chefes da plebe, que consideravam perigoso admitir a execução real, porque os patrícios podiam dessarte se apoderar dos domínios da sua oz;deIIl, _ou fôsse a_ consegüênci8r do _grand~_respeito que_. tinh~m os 'romanos pela propriedade, que' era inerehte à religião doméstica (O que SAVIGNY combateu,·mas-;FUSTEL PE COULANGES; La cité-éan;., tique, Cap. VI, modernamente sustentou) , é certo que a execução versava unicamente sôbre a pessoa do devedor. Por obrigado se entendia o próprio corpo do devedor. As leis das Doze Tábuas mantiveram a odiosa medida de manus injectio contra o confessus e ô _jiidicatus, permitindo ao credor conservar o devedor in carcere privato, vendê-lo como escravo trans Tiberim, e até matá-lo e in partes secare. . A frase partes secare tem sido interpretada por alguns escritores como ficção ou modo enfático de exoressão (PUCHTA, Inst., § 179, in nota; MOM1VISEN, Jlriscr.;-Ma,Z::, 479, .nq,Ç'orPUS. IT?-scriptionum>.. outros se inclinam a interpretar literalmente a frase (HUGO, Histoire du droit romain, § 119; BAYER, Theorie des Concurs-Proc-esses nach
gemeinem Rechte,
§
3.0 )
•
Com o andar dos tempos, êsse rigor foi modificado já pela lei Pretelia Papiria, que, no dizer do·gr-ancie TlTO I,.IVIO, inaugurou noya era- de -liberdade, v.elut aliud- i_nitium, libertati,s (Historia romana, L1v. -VIII 1 C. · XXVIII-); já "pela. inJluência . do •-direito_ pretoriano. Veio, desde então, a- execução real_sôbre-os bens do devedor, o sistema da -execução patrimonial,· -a· qual sÕ:{Ilente teve verdadeiro desenvolvimento depois que a L~i- JEbutia derrotou as actiones legis, substituindo-as pelo sistema formular. · Sob o domínio dêste processo formular, entre os meios de execução forçada, além da detenção pessoal do devedor, contavam-se a b01;orum sectio, privativa -do. erário público contra os seus: dev:edores, a bonor,um venditio (à qual.nos referimos no texto) ,_a bo:norúm dis'tractio, e ·o pignus in causa jud~cati' captum, ou -.simplesmente -pignus 1udieíále. · · ·
:- · -
TRATADO 'DE DIREITO COMERCIAL BRAslLEIRO
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A missio não despia o devedor da propriedade nem da posse jllrídica dos seus bens; privava-o apenas da administração, que passava ao curator, nomeado pelo magistrado ex consensu majoris partis creditorum. O patrimônio do devedor co'nstituía um penhor em benefício dos credores (1). ~sse processo obrigatório, preliminar da venditio bonorum, tomou a designação específica de missio in possessionem rei servandae causa para diferençar-se das outras missiones, e representava não só a introdução ao concursus creditorum, como também alta medida conservatória de direitos, impedien te de desvios e abusos: custodia, observatio et praescriptio bonorum (2). . . , . A nota de. infâmia vinha pesar sôbre o devedor insolvente (3), o qual só se libertava de todos os efeitos da venditio bonorum depois de pagos integralmente os credores. Uma lei
de ADRIANO agravou ainda os efeitos da nota de infâmia, mandando que aos espetáculos públicos fôssem levados os decoctores, para serem calamidiati, o que na linguagem grega significava: expostos ao riso, ao escárnio . Essas penas mais tarde foram julgadas insuficientes para refrearem a fraude, e nos tempos de VALENTIANO se estabeleceu a pena capital, mantida também em outra lei de GRACIANO. É nesse remédio pretoriano que descobrimos as profundas raízes da falência . 8 ~ Estudando o direito romano, em sua época última, acharemos, então, o arcabouço do instituto perfeitamente composto. O concursus creditorum do insolvente abria-se em virtude de causas determinadas, tais como: · a) Se o devedor infeliz e de boa-fé recorresse à bonorum cessio, entregando a seus credores a totalidade dos bens presentes (4) . (1) ULPIANO, na L. 26, pr., Dig., 13, 7: "Non est mirum, si ex quacunque causa magistratus in possessionem aliquem miserit, pignus constitui ... ". · (2) L. 3, § 23; Dig., 41, 2; L. 12, pr.; L. 14; 15; Dlg. 42, 5; L. 8; Dig., 4; CICERO, Pro Quint., 27. (3) L. 2; Cod. 2, 12. VAINBERG, La faillite d'apres Ze droit romain, pág. 282. (4) Dig. 42, 3; Cód. 7, 71.
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Esta cessão que JUSTINI,j\NO chama flebile adjutorium (L. 7 Cód. 7, 71), conservava intacta a honra do devedor e evitava a detenção pessoal ( 1) , independia da aceitação dos credores (2) e libertava o devedor, não da obrigação integral, mas até à concorrência do valor dos bens abandonados (3). O devedor não podia ser executado para pagamento do saldo senão até à concorrência dos bens futuramente adquiridos in quantum acere potest, e ainda assim lhe assistia o direito de conservar quanto fôsse necessário para viver, favor denominado pelos romanistas modernos beneficium competentiae ( 4) . b) Se o número de credores e a importância dos créditos fôssem tão elevados que tornassem provável a insuficiência dos bens do devedor, e êste não quisesse consentir na cessão (5).
e) Se o devedor fugisse, ou se uma sucessão vaga concorressem muitos credores sendo manifesta a insuficiência dos bens para pagamento de todos (6). A abertura do concurso, que devia ser requerida pelos credores, ordenada por decreto do magistrado, iniciada pela missio in bana, e publicada por editos para conhecimentos dos in.;. teressados, trazia importantes efeitos, além dos já mencionados, quer quanto à pessoa do devedor, quer quanto aos credores; organizava o sindicato de todos êstes e impunha-lhes como regra fundamental a mais completa igualdade, post bona possessa ... PAR CONDITIO omnium creditorum (7); formava dos bens arrecadados a massa, cuja administração cabia ao curator bonorum, nomeado pelos credores por maioria de votos e confirmado pelo juiz; estabelecia a classificação dos credores em diversas categorias: credores reivindicantes, credores separatistas, credores da massa e credores quirografários; , autorizava a anulação dos atos fraudulentos do devedor _por meio da actio pauliana e do interdictum fraudatorium. L. 1; Cod., 7, 71; L. II; Cod., 2, 12. (2) L. 9; Dig., 42, 3; L. 6; Cod., 7, 71. (3) L. 1; Cód., 7, 71. . (4) § 40, Inst., 4, 6; L. 4 e 6; Dig., 42, 3; L. 6; Cod., 7, 71. (5-6) MACKELDEY, Manuel de droit romain, § 767. (7) ULPIANO, na L. 6, § 7.0 ; Dig., 42, 8. .
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TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
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São êstes justamente og traços salientes da instituição da falência hodierna (1) . 9. Existiam também diversos meios de evitar a abertura real do concurso e afastar as suas conseqüências. Tais eram, segundo expõem MACKELDEY e VAINBERG: a intervenção de terceiro pagando ou dando fiança pelo vendedor; 1.º
2. 0 a espera ou o moratorium concedido pelo Imperador ao devedor de boa-fé; 3.º
a espera concedida pelos próprios credores - moratorium conventionale, que era um pactum de non petendo intra tempus, isto é, limitado a certo tempo; a maioria dos créditos vencia e forçava a minoria a aceitá-lo; 4.º
a concordata, isto é, o pactum remissorium, ou o pactum de parte debiti non petenda, pelo qual os credores declaravam perder parte do seu crédito, contentando-se com um dividendo. 10-. Os romanos não tinham em sua legislação normas espec1a1s para regularem a atividade comercial (2) . O conceito da missio in bana era amplo, abrangia os devedores de qualquer classe ou categoria.
(1) Quem tiver interêsse em pesquisar minúcias leia a importante monografia de S. VAINBERG, La faillite d'apres le droit rornain impressa por ordem do govêrno francês em 1874; TAMBOUR, Des voies d'exécution sur les biens des débiteurs, Paris, Lacour, 1856; VINCENS, Exposition raisonnée de la législation commerciale; GIORGIO PAGANO; Teorica del fallimento, Palermo, 1889; RENOUARD, Traité des faillites et banqueroutes, vol. 1.0 , P. l.ª; KELLER, Procedure civile et des actions chez les romains, trad. de C. Capmas, Paris, 1870; BONJEAN, Traité des actions chez les romains, Paris, 1845, vol. 2. 0 , §§ 392 e segs.; ARMUZZI, 1l magister et il curator della bo~ norum venditio, no Archivio giuridico, 3.ª série, vol. l.º, págs. 481 ·e segs.; e, especialmente, os exaustivos estudos de ALFREDO ROCCO sôbre a história da falência no direito romano e na idade média na Rivista del diritto commerciale, vol. II (1913), Parte I, págs. 853:890 e 930-946. (2) Vejam-se o n .. 18. e a nota 1 da pág. 60 do l.º vol., 4.ª ed., dêste Tratado.
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J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
A falência ,penetrou, porém, no direito moderno com uma
feição essencialmente comercial por motivos simplesmente históricos. Na idade média causas políticas, econômicas e sociais concorrem eficazmente para que, em diversos Estados do norte da Itália, entre outros Gênova, Florença, Milão e Veneza, se desenvolva o espírito comercial. As novas relações, que então apareceram, não encontraram na legislação daqueles Estados normas que se lhes aplicassem; tiveram de ser regidas pelos usos e costumes. Desde a queda do império romano foram abandonados o estudo e o cultivo do direito que por tantos séculos governara o povo-rei, e, ao lado dêle, surgira outro direito com traços completamente diversos: o direito germânico; mas justamente quando aquêles Estados começaram a prosperar, o estudo do direito romano renascera com vigoroso impulso, sobressaindo especialmente a célebre escola de Bolonha, para afinal, devido à sua íntima virtualidade, triunfar, auxiliado pelo Cristianismo, de todos os obstáculos e elementos germânicos ( 1) . Aquêles usos e costumes, estabelecidos pelo tráfico comercial, foram depois convertidos em lei escrita, f armando mais tarde uma legislação a par da romana, com vida independente desta, da qual aliás recebera as inspirações dos grandes preceitos e regras. Essa legislação, nascida nos séculos XVI e XVII, progrediu ràpidamente, constituindo-se num corpo de doutrina, que foi recebendo constantes aperfeiçoainentos, enquanto que o direito romano aplicado às relações de ordem civil, já constituído e codificado, passou a ser tido na conta de arca santa _em a qual se não devia tocar (n. 18 do 1.0 vol. dêste Tratado).
(1) CONDE SAVERIO DE CILLIS, ll diritto romano a traverso la civilità, Napoll, 1879, pág. 4.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
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O direito comercial foi então chamado a si, ampliando e adaptando à esfera de sua ação, certas instituições delineadas pelo direito romano, e criando outras para regerem as relações que surgiam com o desenvolvimento do comércio. Aproveitando a missio in bana do direito romano, os jurisconsultos e legisladores daqueles Estados italianos aperfeiçoaram-na, preparando-a de modo a regular a insolvência dos que se entregassem ao tráfico mercantil. Graças a seus pacientes esforços, diz eminente escritor, as lacunas que apresentava a falência romana completaram-se e foram imaginadas novas rodas destinadas a dar ao mecanismo maior destreza.
o velho direito italiano foi, pode-se dizer, o laboratório da falência n1oderna. Estabeleceu a designação normal dos síndicos; o seqüestro dos bens e livros do devedor; o balanço; o exame de livros e contas; a verificação do ativo e passivo; a publicidade da falência; o vencimento antecipado das dívidas a prazo; o período suspeito; a privação do falido da administração de seus bens; a distribuição de dividendos proporcionais à importância dos créditos, salvo as preferências hipotecárias e privilegiadas; a prestação de alimentos ao falido em certos casos; o acôrdo entre o falido e os síndicos representantes dos credores e provado pela maioria dêstes, obrigando a todos os outros ausentes e dissidentes; a cessão de bens concedida aos falidos casuais, etc. (1) . A França, nos séculos XVII e XVIII, antes de qualquer outra nação, recebeu dos italianos as leis que êstes haviam estabelecido em benefício do comércio. Foi principalmente por Lyon, diz RENOUARD, que os costumes comerciais da Itália se introduziram na França, e que o direito italiano sôbre falências dominou nos usos do comércio francês até à época em que a ordenança de 1673 os reuniu. Estas ordenanças, primeira codificação do direito francês, grandes elementos forneceram ao Cód. Comercial de 1807, onde (1) Consulte-se LATTES, 1l diritto commerciale nella legislazione statutaria delle città italiane, 1884, §§ 25 a 29, págs. 308 e segs. · RENOUARD, Traité des faillites, vol. 1.0 , págs. 21 e segs., e PERCE: ROU:, Des /aillites ~t ba1}-q~e:outes, vol. 1.0 , ns. 5 a 37, que oferecem preciosas mformaçoes h1stoncas.
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
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foi consagrada a falência como instituição exclusivamente comercial (1) . As nações, que se inspiram na escola italiana e francesa, adotaram a instituição só relativamente aos comerciantes e incorporaram as suas disposições reguladoras nos respectivos códigos de comércio . Ao contrário, outros estados europeus, como a Inglaterra, a Dinamarca, a Suécia, a Noruega, a Austria, Hungria, mantiveram os antigos princípios e sob o nome de concurso ou de falência estabeleceram regras comuns aos devedores civis comerciais (2) .
CAPÍTULO II
Da falência meio extraordinário de execução e também remédio conservatório de direitos. Seu caráter hodierno relativamente ao devedor
Sumário: - 11. O feitio processual da falência. 12. A falência é uma execução extraordinária ou coletiva diversa da exe· cução singular ou exclusiva. 13. O caráter executivo da falência em nosso direito. 14. Apreciação dêsse ponto na doutrina e nas legislações. 15. A falência remédio conservatório de direitos. 16. A falência oferece ao devedor o meio de mostrar a sua lisura no infortúnio. 17. A feição da falência hodierna·
Procurando proteger o crédito, alma do comércio e órgão essencial à função da hodierna sociedade com os processos de produção e de organização da grande indústria, a falência propõe-se a pôr em prática lógica e econômicamente, o princípio básico do direito obrigacional: os bens do devedor 11.
(1) O ilustrado professor SÃ VIANA, Das falências, págs. 89 e segs., procedendo a interessante e erudita pesquisa histórica, mostra que Portugal desde 1597 limitara a falência aos comerciantes. (2) Consulte-se, sôbre o direito comparado, PERCEROU, Des faillites et banqueroutes, vol. 1.º, ns. 38 e segs.
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são a garantia comum dos credores, salvo as preferências legítimas. As normas que constituem o sistema dêste instituto visam aproveitar quanto possível os elementos do ativo do devedor para o pagamento proporcional dos credores mantendo entre êstes a devida igualdade (jus paris conditionis) . O feitio preeminente do instituto é, como se vê, o processual. Post mona possessa, exequendi sunt creditares (1). 12. Em verdade, a falência é uma execução extraordinária ou coletiva. Na execução ordinária, singular ou exclusiva, um ou mais bens determinados, móveis ou imóveis, parte do ativo do devedor, são penhorados em proveito de um ou outro credor, que age individualmente. Na falência, arrecada-se o patrimônio disponível do devedor (2), garantia comum dos credores, e congregam-se todos êstes, para a defesa coletiva dos seus direitos e interêsses (3). Não é a falência o meio normal de obter o credor o cum. primento exato da obrigação assumida pelo devedor, se êste, por motivos atendíveis ou ainda por culpa, ma-fé ou fôrça maior, não a desempenha, nem se acha em condições de desempenhá-la (4), mas o remédio extraordinário, que institui o Lei 6, § 7. 0 ; Dig. 42, 8. (2) O patrimônio é o complexo das relações jurídicas da pessoa, que tiverem valor econômico; é, na expressiva frase de CLOVIS, Teoria geral do direito civil, pág. 216, a atividade econômica da personalidade civil. (3) O Supremo Tribunal Federal, no acórdão de 28 de outubro de 1899, estabeleceu a distinção entre a execução ordinária e a falência, mas obscuramente. (Na Jurisprudência, 1899, pág. 89, e na Revista de Jurisprudência, vol. 12, pág. 229) . (4) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, nos acórdãos de 1.0 de setembro de 1899 e 15 de outubro de 1926, assentou bem êsse princípio, dizendo que "a falência não é meio de cobrança" (Revista de Jurisprudência, vol. 15, págs. 56-57; Gazeta Jurídica, de S. Paulo, vol. 23, pág. 313, e Revista dos Tribunais, vol. 48, pág. 57) . No acórdão de 4 de outubro de 1923, repetiu: "A falência não é meio de cobrar dívidas" (Revista dos Tribunais, vol. 58, pág. 46) . No mesmo sentido, manifestou-se, mais tarde, a 2.ª Câmara da Cõrte de Apelação, em acórdão de 19 de abril de 1910: "A falência (1)
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concurso dos credores sôbre o patrimônio realizável do devedor con1um, manifestada que seja a impossibilidade de satisfazer pontualmente os seus compromissos. Se o devedor não paga a um credor, cujo título de obrigação é indiscutível, e se se revela privado de recursos para satisfazer a todos os credores, não bastariam os remédios ordinários autorizados pelas leis do processo, inspiradas no conceito individualista. A comunhão de prejuízos certos ou prováveis impõe e justifica a constituição de outro aparelho, no qual se sujeite o patrimônio do devedor a uma ordenada e universal execução. O concurso resultante da falência difere radicalmente, pela sua estrutura, pelo seu alcance e pelos seus efeitos, daquele outro concedido pelo Cód. Civil e pelas leis gerais do processo comum, para o caso do devedor insolvente, não sujeito a falência, concurso êste instaurado na execução ordinária ou exclusiva e no mesmo juízo, onde se procede a arrematação dos bens penhorados pelo exeqüente (1). O concurso falencial, dotado de organização autônoma, apresenta uma fisionomia característica, oferecendo maiores garantias a todos os interessados para o reconhecimento dos seus direitos, se violados ou em perigo. O próprio devedor ou os seus credores podem dar o primeiro impulso. Verificados e classificados os créditos, seguem-se a venda dos bens arrecadados e o pagamento proporcional aos credores até o valor dos créditos de cada um, respeitadas as legítimas preferências. Sob êsse prisma, a falência é um processo análogo ao da linão é meio· ordinário de tornar efetivas obrigações contraídas" Direito, vol. 112, pág. 157) .
(0
.
CAETANO MONTENEGRO, sôbre uma questão de direito, no Jornal do Commercio (editorial), de 10 de setembro .de 1914, escreveu: "Em nosso regimen judiciário ou direito formulário, a falência não é meio judicial (ação ordinária, sumária, executiva ou especial) para demandar o pagamento de dívida; mas um procedimento excepcional, modo ou forma extraordinária de execução conjunta ou coletiva, concurso de credores, ·juízo de preferências em contraposição ao ordinário e comum, nos casos de insolvabiÍidade do devedor não comerciante (ex arg. arts. 609 .e 610 do Regul. n. 737 de 1850) . ' (1) Regul. n. 737,. de 1850, arts. 605 a 608 e 609, § i.o; Dec. n. 3.084, de 5 de novembro de 1898, P. 3.ª, arts. 637 e 638. (•) ( *)
Código de Processo Civil, Livro VIII, Título VI, .Capítulo II.
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quidação comercial, procedida sob a fiscalização do juiz. O direito que têm os credores de promovê-la é o meio pronto e enérgico pôsto à disposição dêstes para obrigarem o devedor a essa liquidação judicial (1) . 13. Desde a sua origem, a falência assinalou-se com o caráter executivo. A missio in bona e a cessio bonorum do direito romano, embrião do processo moderno da falência, eram medidas puramente executivas. Em nosso direito, encontra-se êsse caráter bem acentuado (2). Se o devedor está sujeito à falência, não tem lugar o concurso de preferência no juízo da execução exclusiva ou ordinária. A falência substitui êste concurso (3) (*). -----(1) Com o processo da falência apresentam certo símile os processos instituídos nos casos de administração e liquidação comercial, cogitados nos arts. 309 2.ª alínea, e 310 do Cód. Comercial. A analogia a que aludimos no texto mais se estreitaria no caso da falência da sociedade, se a liquidação social não fôsse um insti~ut'? _estabelecido no interêsse dos sócios, em antítese à liquidação Judicial que se procede na falência, no interêsse dos credores. Permite-se a abertura da falência do comerciante post mortem, l!lanifeste-se êsse estado antes ou depois da morte (art. 5.0, princ.) . E uma extensão que a Lei n. 2. 024 trouxe em benefício dos credores, e dos próprios herdeiros, instituindo a liquidação na falência. (2) O acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 19 de maio de 1921, diz que a falência é "uma forma extraordinária de execução, sem caráter litigioso" (Revista dos Tribunais, vol. 38, página 238) . Outro acórdão, na mesma Revista, vol. 45, pág. 433. (3) Regul. n. 737, arts. 609, § 2.º, e 610; Dec. n. 3 .084, de 5· de novembro de 1898, P. 3.ª, art. 640, letra b. O Tribunal de Justiça de S. Paulo declarou, no acórdão de 8 de junho de 1911, que a lei substituiu o concurso de preferência no juízo da execução ordinária ou exclusiva pela falência, se se trata de devedor comerciante, sem bens para o pagamento de todos os credores (S Paulo Judiciário, vol. 26, págs. 172-173) . í!:sse princípio devemos ampliar às sociedades anônimas, ainda que tenham por objeto operações de natureza civil. ( *) A margem do exemplar de seu uso, escreveu o autor: "Parece haver exagêro meu. Vejam-se acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo (na Revista dos Tribunais, vol. 44, pág. 193) e acórdão da 2.ª Câmara (na Revista do Supremo Tribunal Federal, vol. 49, p. 219).
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O patrimônio realizável do devedor é liquidado e o produto distribuído em pagamento dos credores (1); não havendo bens cessa a falência, por falta de objeto (2) . Encerrado o processo da falência sem o pagamento integral dos credores, êstes readquirem o direito de executar singularmente o devedor, a todo o tempo, pelo saldo dos seus créditos, e o falido não os contestou (3) . Poderão êles obter, pela execução ordinária ou exclusiva, o que pela extraordinária ou coletiva não conseguiram. Bem o disse a Relação da Côrte, em acórdão de 10 de março de 1885, que "a falência importava na execução conjunta dos credores sôbre os bens do falido" ( 4) . A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no parecer de 17 de setembro de 1908, sôbre o substitutivo do Senado, hoje Lei n. 2. 024, de 17 de setembro de 1908, frisou o caráter executivo da falência, embora, também, a apreciasse sob outra feição (5) . Esta outra feição será examinada em o n. 15 infra. A doutrina hoje é geral sôbre êsse ponto. Na Alemanha, o caráter executivo da falência é aceito sem discrepância (6) desde o velho direito germânico (7) · 14.
n. 2. 024, arts. 129 e segs. ( *) n. 2. 024, art. 79, § 3. 0 . ( * *) n. 2.024, arts. 36 e 136. (***) (4) O Direito, vol. 38, pág. 409. (5) Diário do Congresso, de 26 de setembro de 1908 (Suplem.) · (6) Consultem-se: KOHLER, no Lehrbuch des Konkursrechts, 20, 81 e segs., e nos Annales de droit commerciale, vol. 1. 0 , pág. 99: "A construção racional da organização da falência alemã (Konkurs) não é difícil; aí encontramos o pignus praetorium, o penhor dos credores manifestando-se sôbre o patrimônio do devedor, penhor em que todos os interessados se acham no mesmo pé de igualdade, exceção aberta para a categoria de credores privilegiados com direito de preferência"; SEUFFERT, Deutsches Konkursprozessrecht 0889), § 1.0 ; DERNBURG, Lehrbuch des Preussischen Privatrechts, vol. 2. 0 , § 113. (7) WILMOWSKI, Deutsche Reichs-Konkursordnung, 6.ª ed., pág. 1; SAVIGNY, Droit romain, vol. 8. 0 , § 374: "A falência, em sua essência, é um simples processo de execução sôbre determinada massa de bens e o ofício do juiz consiste em conciliar os interêsses dos diversos credores sôbre essa massa". ( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 125. ( * •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 75, in principio. ( • • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, arts. 33 e 133. (1)
(2) (3)
Lei Lei Lei Em
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Na Itália, VIDARI (1) e BOLAFFIO (2) sustentaram-no admiràvelmente, em que pese ao douto BONELLI, o qual, sem desconhecer de todo a feição executiva, classifica a falência como processo sui generis, participando da jurisdição contenciosa e da voluntária (3) . Na França, escritores modernos também o consagram (4). Na Suíça (5), na Inglaterra (6) e nos Estados Unidos (7), é considerada a falência meio de execução. (1) Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8.º, n. 7 .456: "II fallimento ê una esecuzione generale sui beni del debitore fallito a vantaggio di tu ti i creditori commerciali e civili". (2) No 1l nuovo codice di commercio, edição de Turim, v. I, n. 3. "La natura esecutiva e preminente perchê scopo essenziale del fallimento. . . ê di attuare quel procedimento che ha l'obbiettivo di liquidare il passivo, di realizzare !'ativo, e ripartirne il ricavato fra i creditori, tenuto calcolo dei loro diritti di priorità anteriormente e legittimamente acquistati". - MORT ARA considera a falência "forma particolarissima di esecuzione forzata" (Manuale de procedura, ed. VALLARDI, 2.ª edição, n. 700). (3) Commentario al codice di commercio, ed. de Milão, vol. 8.º, ns. 1 e 63. (4) PERCEROU, Des faillites et banqueroutes, no Traité de droit commercial, vol. 1. 0 , n. 3: "En réalité, la faillite n'est pas autre chose qu'un vaie d'exécution collective. C'est comme telle qu'il faut l'envisager si l'on veut se rendre compte de ses origines: son histoire n'est qu'un morceau détaché de l'histoire générale de la orocédure d'exécution". Consultem-se, também, THALLER, Des faillites en droit comparé, vol. 1.0 , Introd., vol. 2. 0 , pág. 352; LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit comercial, vol. 7.º, n. 2; THOMAS, Études sur la faillite, pág. 86. DEMANGEAT sur BRAVARD, Traité de droit commercial, vol. 5. 0 , pág. 56, nota 1, parece ver na falência um meio simplesmente conservatório: "Le créancier qui requiert un jugement déclaratif de faillite fait purement et simolement un act conservatoire de son droit". NAMUR adota no-direito belga a mesma opinião de DEMANGEAT sur BRAVARD, Le code de commerce belge, vol. 3. 0 , n. 1.618. (5) BROCHER, Cours de droit international, vol. 3. 0 , pág. 191; MARTIN, Loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite, páginas 1 e segs. Uma só lei, de 17 de novembro de 1889, regula a execução forçada por dívidas singularmente ou por meio da falência. . (6) ROBSON A treatise on the law of bankruptcy, pag. 1; MUNRO Commercial l~w, § 258: "The law of bankruptcy is based on the pri::icipe that if a person is unable to pay his debts in full, his property should be taken to satisfy his creditors as far ru.: it will go, he himself being discharged from any further liability in respect of such debts". SMITH, no seu Compendium of mercantile law, inclui a falência entre os mercantile remedies, pág. 790. (7) WHARTON, Commentaries on law, § 311; BANDENBURG,
The law of bankruptcy, § 12.
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15. Há outro aspecto, se bem que secundário, sob o qual pode ser apreciada a falência. Ela é remédio conservatório de direitos. e, nessa conformidade, tem a função de tutela preventiva contra a insolvência e a fraude do devedor, obstando a dissipação do patrimônio dêste em prejuízo dos credores (1). A falência sendo um processo de exequendo, é também um processo de cavendo, uma medida conservatória, como o é a penhora na execução singular ou exclusiva. Pode-se dizer que o efeito conservatório da falência é comum a qualquer meio de execução (2). Êsse caráter do instituto já se observava no direito romano (n. 7 supra) e se acha ampliado na disposição do art. 2. 0 da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908. 16. A falência sôbre oferecer aos credores valiosa defesa coletiva no desastre econômico do devedor comum, impedindo preferências injustas, abusos e fraudes, proporciona o expediente honesto para o devedor demonstrar a sua lisura no infortúnio, observando a par conditio creditorum, e promover a sua liberação, mediante prazo para o pagamento ou remissão parcial, liquidando êle próprio os seus bens e dívidas sem interromper a sua atividade industrial. _ Essa é uma das singularidades daquela forma de execuçao. Ao contrário do que se dá com a execução ordinária ou exclusiva, o devedor pode, se não deve, provocar, no momento oportuno, a declaração judicial da própria falência (3) . ln re Deckert, dizia WAITE, presidente da Côrte: "One of tl~e effects of a bankruptcy law is that of a general execution issued in favor of all the creditors of the bankrupt, reaching all his property subject to levy, and applying it to the payment of all his debts according to their respective priorities". (1) MASSÉ, Le droit commercial, vol. 4. 0 , n. 2. 686, acentua bem êsse caráter preventivo da falência. LUCIAI, Trattato del fallimento, n. 97, escreve: "Il fallimento e ad un tempo, un provvedimento conservativo ed una procedura esecutiva, che il nostro legislatore disciplino nel corpo delle leggi commerciali, destinandola a tutela esclusiva del commerciü". (2) BOLAFFIO diz acertadamente que: "L'effetto conservativo ê connesso necessariamente ad ogni atto di esecuzione" (No Nuovo codice di commercio, ed. de Turim, comentário ao Liv. 3. 0 , v. 1. 0 , n. 3). (3) Lei n. 2.024, arts. 8. 0 e 169, n. 3. ("') O cônjuge sobreviv,ente ou os herdeiros do devedor também podem requerer a falência (Lei n. 2.024 art. 9. 0 , n. 1). (**) ("') Decreto-lei n. 7. 661, de 21-6-945, art. 8. 0 • ("'*) Cit. D. L. n. 7.661, art. 9, n. 1.
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17. Considerando-se a falência sob o duplo aspecto que deixamos assinalado linhas acima, afasta-se a impressão moral que desde o início a tem acompanhado (1), revelando-se o seu caráter verdadeiramente humano, compatível com o progresso social. O instituto limita-se a ser preciosíssimo meio para garantir a expansão do crédito e o desenvolvimento do comércio. A falência hodierna não serve mais de instrumento de ignorância e de desonra, nas mãos dos credores para a vingança pessoal contra o devedor; não é o aparelho penal que, por exagerado, caiu em franca desmoralização. A lei que a disciplina não é a lei de cólera, a que se referia CASIMIR PÉRIER. Os bens do falido não constituem agora prêsa de (1) O rigor da doutrina era exposto por BALDO, nas célebres palavras: "Falliti sunt infami et infamissimi et more antiquissimre legis tradi creditoribus laniandi. . . nec excusantur ob adversam fortunam; est decoctor ergo fraudator; sic lex enim vocat eos, unde edictum fraudatorium". CASAREGIS, Disc. Zeg. de commercio, disc. 209, ns. 46 e sebs.: "Decoctus omnes dali, fraudis et malitia prreesumptiones contra se habet: decocti enim ... sicut sunt faciles ad mentiendum, ita creditorum damnum et frauden solent colludere, bana intrincare, et conturbare; ubi dando, alteri auferendo, et mille alia mala et facínora perpetrando" . STRACCHA, De mercatura, pág. 339: "Falliti pessimum genus hominum". ANSALDO, De commerc., disc. 65, n. 4: "Fallitus semper dolosus prresumitur, donec contrarium probetur". A antiga jurisprudência italiana (séculos 17 e 18) tratava com severo rigor os falidos. A Rota de Gênova havia firmado as máximas seguintes: "Decocti sunt infames et faciles ad mentiendum". "Decocti gravantur conjectura fraudis, nisi probent id secutum ex mera fortuna et casu". A Rota Romana declarava: "qui proximus est decoctioni cogitat defraudare suas creditares, et prresumitur in omnibus inesse quod omnibus est commune". Em França, as primeiras leis eram terríveis contra os bancarroteiros. Em Portugal, os que por dolo mau se levantavam com fazenda alheia, ficavam sujeitos: se o valor excedesse a 100 cruzados, à pena de morte e ao confisco dos bens, metade para os cativos e metade para o acusador; de menos de 100 cruzados e mais de 50, ao degrêdo para o Brasil por 8 anos; de menos de 50, ao degrêdo a arbítrio (Ord., Liv. 5. 0 , Tit. 66; Alv. d e13 de novembro de 1756 e outros; PEREIRA E SOUZA, Classes dos Crimes, pág. 335) . Ainda contemporâneamente dizia o VISCONDE DE CAYRU (Princípios de direito mercantil, Trat. sétimo, Cap. XV) : "Falimento ... supõe. . . alteração. . . na reputação do comerciante, constituindo-o no descrédito ... ".
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guerra. tste não é atualmente o interdito, proibido de empregar a sua atividade em profissão lucrativa e até de exercer direitos políticos. medida que a civilização progrediu e que o indivíduo se tornou sujeito de relações jurídicas mais numerosas e variadas e que se considerou a impontualidade ou a cessação de pagamentos do comerciante mero acidente da vida comercial, a atmosfera pesada que envolvia a falência, o seu caráter infamante foi se modificando e o instituto acabou por assumir caráter diverso do que lhe emprestavam as antigas legislações. A falência não macula a honra do devedor ( 1) . À
A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, não ousou romper em absoluto com a tradição, mas acompanhou o progresso jurídico, quanto permita o nosso meio. A falência é aí apreciada sob os dois aspectos de que falamos em os ns. 13, e 15 supra, e instituída não só para defesa e proteção do crédito, mas ainda para garantia do próprio devedor, ao qual presta muitas vêzes auxílio ou favor. certo que a falência produz um dano individual (aos credores) e outro social (restrição ou sacrifício do interêsse geral pela perturbação do crédito público) (n. 34 infra, in fine); ela não é, porém, um crime, a dizer, um fato proíbido sob sanção penal. A imposição da pena, que muitas vêzes segue à falência, pressupõe um fato humano voluntário, que a tenha causado direta ou indiretamente, total ou parcialmente. Eis porque a Lei n. 2. 024 riscou dos seus preceitos o processo É
(1) O Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 15 de abril de 1903 (em O Direito, vol. 91, pág. 331) e de 24 de janeiro de 1910 (em O Direito, vol. 111, pág. 485), decidiu que não é injúria chamar-se a outrem de falido. Isso não significa que qualquer pessoa possa mimosear a outrem com o qualificativo de falido. Quem assim procede abala o crédito de terceiro e responde por perdas e danos. No primeiro daqueles acórdãos diz o Supremo Tribunal: "a falência em si sem outro qualificativo, embora seja uma situação anormal do negociante, não compromete, todavia, sua reputação ou honra individual, por isso que pode independer da vontade, como sucede na quebra casual. Sendo ela, ~orno foi figurada, apenas capaz de prejudicar o crédito comercial, pelo que a imputação de tal estado somente daria lugar a uma ação civil de reparação de perdas e danos, mas não à ação criminal para imposição de pena".
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penal sistemático e obrigatório em tôdas as falências, e cuja ameaça até então se admitia como freio preventivo. A ação penal contra os falidos tornou-se facultativa. A lei de falência deixou de ser uma lei de suspeitos, sem omitir, porém, a rigorosa punição daqueles que, culposa ou fraudulentamente, prepararam a situação. As restrições, ainda hoje conseqüências da falência, não são penas, porém, meios compulsórios de caráter administrativo tendentes a reprimir fraudes e abusos em prejuízos da execução coletiva. CAPÍTULO III Do problema consütucional da falência (*) Sumário: - 18. À União compete legislar sôbre o instituto da falência. 19. Impossibilidade prática da separação entre a parte material e a formal dêsse instituto. - 20. Inconseqüência dos separatistas. 21. Apreciação histórica da Constituição Federal sôbre o instituto da falência. 22. Os que no Congresso Constituinte se batiam pela legislação civil e comercial dos Estados estavam acordes em conferir à União o poder de legislar sôbre a falência. - 23. As manifestações do Congresso Nacional em 1902 e 1908. - 24. A legislação da Monarquia distribuiu por dois estatutos ou diplomas a parte material e a parte formal da falência, mas sem inconveniente prático. - 25. A unificação das normas da falência não ofende a índole do nosso sistema político, podendo servir de modêlo outras repúblicas federativas. - 26. A questão nos Estados Unidos da América do Norte. 27. Histórico ligeiro das leis de falência nos Estados Unidos. - 28. Apreciação da lei federal suíça. 29. Continuação. - 30. O problema constitucional da falência na República Argentina. 31. A separação entre o fundo e a forma na lei de falência da Espanha. - 32. De Portugal. 33. As leis austríaca, húngara, alemã e holandesa.
18. A Constituição de 24 de fevereiro deu ao Congresso Nacional a competência privativa para legislar sôbre o direito ( *) Pela Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 (art. 16, n. XVI), como pela Constituição de 16 de julho de 1934 (art. 5.0 , n. XIX, a) e hoje pela Constituição de 1946, art. 5.0 , n. XV, letra a, compete privativamente à União legislar sôbre direito comercial e processual. Cessou, portanto, a questão que o autor discute neste capítulo.
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civil. comercial e criminal da República (art. 34, n. 23), deixando aos Estados a organização do processo da sua justiça. A União ou aos Estados cabe legislar sôbre o instituto da falência?
Atendendo-se à razão e ao fim da falência não se lhe pode negar o caráter processual (n. 11 supra), e, em tais condições, dever-se-ia reconhecer a competência dos Estados para incluí-la nos respectivos códigos do processo, organizados pelos seus corpos legislativos. A falência, porém, na sua vasta complexidade não se confina no território do direito processual. Ela reflete-se diretamente sôbre a pessoa do devedor, sôbre as suas relações patrimoniais, sôbre os direitos dos credores. Nela se enfeixam, por isso, todos os institutos de direito civil e de direito comercial; nela repercutem graves interêsses regulados pelo direito público, pelo direito penal e pelo direito internacional privado. Não nos iludamos, escreveu um mestre nesse assunto, o professor THALLER, não nos iludamos, a falência é a legislação civil inteira, é a teoria das obrigações e dos direitos reais de novo sondadas e investigadas desde os primeiros elementos (1) . Daí a necessidade de ser alistada a falência entre os institutos de direito comercial ou civil (conforme a extensão que se lhe dê), reservando-se à União o poder exclusivo de regulá-la. A União compete legislar sôbre a falência, em razão dos relevantes interêsses que aí se acham comprometidos, interêsses que surgem como simples e inevitável conseqüência da movimentação do seu aparelho e desde o momento em que se inicia o juízo universal dêsse meio de execução; quer dizer isso: retira-se a disciplina da falência do direito processual, passando tôda ela para o quadro do direito comercial, porque as modificações e aplicações especiais que sofrem as regras fundamentais dêste direito constituem a parte mais importante, atraindo a meramente processual, absorvendo-a, com ela se fundindo . (1)
Des faillites em droit comparé, vol. 1.º, pág. 6.
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E a necessidade das coisas que impõe essa construção compacta, conglobada, e tudo quanto concorre para romper a sua unidade está em contradição aos princípios fundamentais do instituto e desorganiza a sua economia.
A falência desloca-se do Cód. do Processo para o Cód. Comercial, porque constitui sanção necessária para manter o comércio na via legal (VIVANTE) . É por isso que muitos escritores espanhóis dela se ocupam no tratado das pessoas, pois altera a normalidade do exercício do comércio, que constitui a ordem jurídica mercantil, e o perturba (n. 303 do 2.º vol. dêste Tratado) . JITTA tinha razão em considerar a falência uma instituição de caráter misto ( 1) . THALLER estabelecia um axioma, quando dizia que a falência formava um regímen indivisível, achando-se as regras de fundo intimamente ligadas ao emprêgo do processo legal (2). O direito material está tão prêso ao processual, como no corpo humano a carne aderente aos ossos. 19. Admitir na disciplina da falência dois compartimentos distintos, um reservado à lei da União e outro às leis dos Estados, tentar uma separação entre o fundo e a forma, entre o que chamam direito material ou substantivo e direito formal ou adjetivo, é criar fantasia, é negar os princípios dos quais se partiu, é complicar o que tão simples se apresenta. Teoricamente poder-se-á distinguir numa lei de falências a parte material da parte formal. É fácil dizer que na primeira se compreende a determinação do estado de falência, os efeitos jurídicos da sua declaração judicial, os direitos dos credores concorrentes, as normas sôbre a revogação dos atos praticados pelo devedor antes dessa declaração, os direitos do falido e a sua condição jurídica depois de encerrado o processo, e que na segunda se contemplam as normas ou regras processuais sôbre as relações entre o falido e os credores. ( 1) (2)
La méthode du droit international privé, pág. 90. Traité de droit commercial, 4.ª ed., n. 1. 715.
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Desarticular, porém, a parte material da formal para entregar aquela à União e esta aos Estados é demolir o instituto, pois tão entrelaçadas se acham as disposições de uma com as da outra que reciprocamente se completam, produzindo um todo sistemático e harmônico. Tirai da lei reg·uladora da falência o rito processual, escreve THALLER, e tereis um edifício levantado no ar e sem alicerces . (1) A lei substantiva define o estado de falência. ~ste, entretanto, não surge, não aparece na cena jurídica sem a declaração judicial. Para isso é mister um rito; é indispensável o processo inicial ou preliminar da falência. Eis a parte material, desde o início, vinculada, senão dependente da parte formal. Inclui-se, de ordinário, na lei de falência a disciplina do instituto da concordata, cujo escopo é fazer cessar ou evitar a declaração da falência. Não são poucos os que definem a concordata uma decisão judiciária, em virtude da fôrça coativa que sàmente a sentença homologatória lhe impõe. Reúne muitos prosélitos a doutrina que a considera um contrato processual. A concordata pertence à parte material ou à formal? A organização administrativa da falência, condição essencial para o seu bom êxito, por qual das leis deve ser regulada, pela federal ou pela estadual? A que se reduziriam as disposições substantivas de uma lei de falência, tendo de ser aplicadas em vinte Estados por processos diversos? O instituto de falência ficaria como o casaco de Arlequim. Atualmente muito preocupa aos publicistas e governos o problema internacional das falências. Procura-se uniformizar tanto quanto possível, não só as disposições fundamentais, mas também muitas relativas à forma ou ao processo, pela influência que produzem sôbre aquelas. Se· esta (1)
Des faillites en droit comparé, vol. 1.0 , n. 16.
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é uma aspiração geral entre as nações, que dizer com relação aos Estados da Federação Brasileira, partes integrantes de uma só nação, de um só povo?
Por mais longe que se leve o exagêro da tão falada autonomia dos Estados (existem até partidários da soberania), é preciso atender a que êles mantêm entre si estreitíssimas relações comerciais, garantidas pela própria Constituição Federal (art. 7 n. 2. 0 , art. 11 n. 1. 0 , art. 34 n. 5.º) . 20. Lógicos, mais lógicos que os separatistas seriam os que negassem à União a competência de legislar sôbre a falência, por ser matéria processual, conferindo-a em absoluto aos Esta dos. Sim, muito mais lógicos, porque êsses fetichistas dos textos constitucionais não dividiriam o que é inseparável, não mutilariam o instituto da falência. O preclaro VIVANTE, na conferência no Círculo Jurídico de Roma, em fevereiro de 1901, sôbre a tese Il fallimento civile, afirmou: "o instituto da falência não pertence às leis substanciais, porque não se propõe a determinar direitos; pertence antes às leis processuais, porque o seu escopo essencial é reconhecer direitos já existentes por ocasião da abertura da falência, a fim de satisfazê-los em medida de dividendo". Eis uma opinião de subido valor, à qual poderiam êles apegar-se. Outro escritor italiano, BONELLI, examinando o caráter da falência, escreveu também: "Costuma-se separar no direito de falência uma parte de direito material e outra de direitoformal ou puramente processual; a primeira compreendendo as normas sôbre os pressupostos da falência, e os efeitos que se refletem nas relações patrimoniais do devedor insolvente e nos direitos dos seus credores; a segunda contendo as normas relativas à organização administrativa e aos diversos processos especiais a que a falência dá lugar. Veremos, entretanto, que também aquelas modificações nas relações materiais de direito, efeitos do estado de insolvência, se produzem somente depois de judicialmente declarado êste estado e para o efeito de tornar possível o processo da
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liquidação e da distribuição. A parte de direito material é por isso na falência, essencialmente subordinada à parte processual". (1) 21. Não temos dúvida em reconhecer que à União cabe privativamente legislar sôbre o instituto da falência, estabelecendo as normas substanciais e f armais para a sua disciplina. Sôbre o concurso de credores já legislou o Código Civil. (2)
Aos Estados pertence a faculdade de legislar sôbre a parte da falência relacionada com a organização judiciária. (3) Andaram bem aquêles Estados que se apressaram em reconhecer a constitucionalidade da Lei n. 2 . 024, de 17 de dezembro de 1908, respeitando-a integralmente. ( 4) (1) No Commentario al codice di commercio, ed. Milão, vol. 8. 0 , Del fallimento, P. I, n. I.
Na Alemanha, a lei da falência, abrangendo comerciantes e não comerciantes, é uma lei processual· faz parte integrante do aparelho judiciário. ' A Holanda, na Lei de 1893, retirou tôda a matéria de falência do Cód. Comercial. O Japão, que organizou o seu Cód. Comercial sob a inspiração das idéias alemães, amoliou a falência à matéria civil e fêz das suas disposições uma lei ou- pequeno código à parte. Veja-se a comunicação de M. TOM!, à Société de legislation comparée de Paris, no Bulletin Mensuel de la Société de législ. comp., março, 1898, pág. 184. A Lei de 1861, sôbre falências, do Reino da Sérvia, no art. 1.0 , dispõe: "A falência é um processo judiciário mediante o qual o patrimônio de um devedor que se não acha no estado de satisfazer os seus credores é dividido entre êstes, de acôrdo com as formas prescritas pela lei. (2) Veja-se M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, Obrigações, 1.0 vol., pág. 165. (3) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 31 de dezembro de 1913 no Diário Oficial de 4 de maio de 1914 e na Revista de Legislação e Jurisprudência do Brasil, de CANDIDO MENDES, v. 3. 0 , p. 98. (4) Em 1903, sob a vigência da Lei n. 859, de 1902, no Congresso do Estado de S. Paulo, tentou-se legislar sôbre falências. A Comissão de Justiça, Constituição e Poderes da Câmara dos Deputados apresentou um projeto, cujo art. l.º era redigido nestes têrmos: "Enquanto não fór promulgado o Código de Processo Civil e Comercial, serão observadas nos processos de falências, além das disposições do Decreto estadual n. 1. 901, de 10 de janeiro de 1903 (comissão de curador fiscal), as do Decreto federal n. 4.855, de 2 de junho de 1903 (o regulamento de falências)". O Dr. CANDIDO MOTTA, membro dessa comissão, assinou-o vencido, declarando: "~ste projeto é inútil
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Além de ser da essência do instituto a indivisibilidade das disposições materiais e formais, o elemento histórico dálhes razão. Deturparia o pensamento da Constituição Federal, quem dissesse ter esta outorgado aos Estados o poder-se legislar sôbre o processo da falência. Na segunda e na terceira votação do projeto da Constituição ficou resolvido conferir-se ao Congresso Nacional a competência privativa de legislar sôbre o direito civil, comercial e criminal (art. 35, n. 23, do projeto aprovado em terceira discussão) e sôbre falências (art. 35 cit., n. 24) . JOSÉ HIGINO e mais dezesseis congressistas, em sessão de 23 de fevereiro de 1891, propuseram à redação do art. 35 a seguinte emenda, que foi aprovada: "No n. 24 suprimam-se as palavras - e falências porque a atribuição de legislar sôbre esta matéria já está compreendida no número antecedente. Suprimam-se ...................................... . Estas emendas têm por fim pôr a redação da Constituição de acôrdo com o vencido, fazendo desaparecer disposições redundantes". (1) Eis claríssimo o pensamento da constituinte. Ela, outorgando ao Congresso Nacional, em cláusula especial da Constituição, o poder exclusivo de legislar sôbre falência, reinconstitucional e por isso mesmo inconveniente". Depois de grande discussão, o projeto caiu no Senado. - Em 1909, o Senado paulista votou um projeto de lei mandando aplicar às letras de câmbio e notas promissórias o processo estabelecido oelo Cap. XIII da Lei federal n. 2. 044, de 31 de dezembro de 1908, -e estabelecendo que, nos processos de falência, fôssem observadas as disposições processuais da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro do mesmo ano. A Câmara dos Deputados, em sessão de 14 de dezembro de 1909, aprovou unânimemente o parecer da sua Comissão de Justiça, Constituição e Poderes, rejeitando o projeto do Senado. Êste parecer, digno de leitura, encontra-se transcrito no S. Paulo Judiciário, vol. 22, págs. 30-40, e em O Direito, vol. 110, págs. 545-557. Foi relator o Dr. JOÃO SAMPAIO e está também assinado pelos Drs. AZEVEDO MARQUES, ANTONIO MERCADO e J. B. OLIVEIRA COUTINHO. (1) Anais da Constituinte, vol. 3. 0 , pág. 259.
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liquidação e da distribuição. A parte de direito material é por isso na falência, essencialmente subordinada à parte processual". (1) 21. Não temos dúvida em reconhecer que à União cabe privativamente legislar sôbre o instituto da falência, estabelecendo as normas substanciais e formais para a sua disciplina. Sôbre o concurso de credores já legislou o Código Civil. (2) Aos Estados pertence a faculdade de legislar sôbre a parte da falência relacionada com a organização judiciária. (3) Andaram bem aquêles Estados que se apressaram em reconhecer a constitucionalidade da Lei n. 2 . 024, de 1 7 de dezembro de 1908, respeitando-a integralmente. ( 4) (1) No Commentario al codice di commercio, ed. Milão, vol. 8. 0 , Del fallimento, P. I, n. I.
Na Alemanha, a lei da falência, abrangendo comerciantes e não comerciantes, é uma lei processual; faz parte integrante do aparelho judiciário. A Holanda, na Lei de 1893, retirou tôda a matéria de falência do Cód. Comercial. O Japão, que organizou o seu Cód. Comercial sob a inspiração das idéias alemães, amoliou a falência à matéria civil e fêz das suas disposições uma lei ou- pequeno código à parte. Veja-se a comunicação de M. TOMI, à Société de legislation comparée de Paris, no Bulletin Mensuel de la Société de législ. comp., março, 1898, pág. 184. A Lei de 1861, sôbre falências, do Reino da Sérvia, no art. Lº, dispõe: "A falência é um processo judiciário mediante o qual o patrimônio de um devedor que se não acha no estado de satisfazer os seus credores é dividido entre êstes, de acôrdo com as formas prescritas pela lei. (2) Veja-se M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, Obrigações, 1.0 vol., pág. 165. (3) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 31 de dezembro de 1913 no Diário Oficial de 4 de maio de 1914 e na Revista de Legislação e Jurisprudência do Brasil, de CANDIDO MENDES, v. 3. 0 , p. 98. (4) Em 1903, sob a vigência da Lei n. 859, de 1902, no Congresso do Estado de S. Paulo, tentou-se legislar sôbre falências. A Comissão de Justiça, Constituição e Poderes da Câmara dos Deputados apresentou um projeto, cujo art. l.º era redigido nestes têrmos: "Enquanto não fôr promulgado o Código de Processo Civil e Comercial, serão observadas nos processos de falências, além das disposições do Decreto estadual n. 1. 901, de 10 de janeiro de 1903 (comissão de curador fiscal), as do Decreto federal n. 4.855, de 2 de junho de 1903 (o regulamento de falências)". O Dr. CANDIDO MOTTA, membro dessa comissão, assinou-o vencido, declarando: ":6:ste projeto é inútil,
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Além de ser da essência do instituto a indivisibilidade das disposições materiais e formais, o elemento histórico dálhes razão. Deturparia o pensamento da Constituição Federal, quem dissesse ter esta outorgado aos Estados o poder-se legislar sôbre o processo da falência. Na segunda e na terceira votação do projeto da Constituição ficou resolvido conferir-se ao Congresso Nacional a competência privativa de legislar sôbre o direito civil, comercial e criminal (art. 35, n. 23, do projeto aprovado em terceira discussão) e sôbre falências (art. 35 cit., n. 24) . JOSÉ HIGINO e mais dezesseis congressistas, em sessão de 23 de fevereiro de 1891, propuseram à redação do art. 35 a seguinte emenda, que foi aprovada: "No n. 24 suprimam-se as palavras - e falências porque a atribuição de legislar sôbre esta matéria já está compreendida no número antecedente. Suprimam-se ...................................... . Estas emendas têm por fim pôr a redação da Constituição de acôrdo com o vencido, fazendo desaparecer disposições redundantes" . ( 1) Eis claríssimo o pensamento da constituinte. Ela, outorgando ao Congresso Nacional, em cláusula especial da Constituição, o poder exclusivo de legislar sôbre falência, reinconstitucional e por isso mesmo inconveniente". Depois de grande discussão, o projeto caiu no Senado. - Em 1909, o Senado paulista votou um projeto de lei mandando aplicar às letras de câmbio e notas promissórias o processo estabelecido pelo Cap. XIII da Lei federal n. 2. 044, de 31 de dezembro de 1908, e estabelecendo que, nos processos de falência, fôssem observadas as disposições processuais da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro do mesmo ano. A Câmara dos Deputados, em sessão de 14 de dezembro de 1909, aprovou unânimemente o parecer da sua Comissão de Justiça, Constituição e Poderes, rejeitando o projeto do Senado. Êste parecer, digno de leitura, encontra-se transcrito no S. Paulo Judiciário, vol. 22, págs. 30-40, e em O Direito, vol. 110, págs. 545-557. Foi relator o Dr. JOÃO SAMPAIO e está também assinado pelos Drs. AZEVEDO MARQUES, ANTONIO MERCADO e J. B. OLIVEIRA COUTINHO. (1) Anais da Constituinte, vol. 3.º, pág. 259. 3
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conhecera a necessidade do regime indivisível, da construção uniforme dêste instituto, da união indissolúvel dos seus preceitos substanciais e processuais. Na redação final do projeto da Constituição achou-se porém, que era redundante aquela cláusula; redundante' (preste-se atenção à palavra), porque a competência de legislar sôbre matéria de falência vinculada se achava à de legislar sôbre o direito substantivo. A falência, instituto mercantil, estava naturalmente incluída na fórmula direito comercial.
LEOVIGILDO FILGUEIRAS frisava na seguinte emenda, que também apresentou, o motivo da supressão: "Suprimamse os ns. 25 e 28, assim como a palavra - falência - do n. 24, por serem redundantes, em vista do vencido sôbre a unidade do direito civil, comercial e criminal . ( 1)
A competência conferida expressamente ao congresso nacional de legislar sôbre falência foi riscada do texto constitucional, não por ser incoerente, não por se achar em contradição com a faculdade reservada aos Estados de legislarem sôbre o processo da sua justiça, mas, repetimos, por supérflua e redundante, visto que estava impllcitamente compreendida na atribuição outorgada ao Congresso de legislar sôbre o direito civil, comercial e criminal. Houve quem tentasse a supressão do n. 23 do art. 35 do projeto da Constituição, mediante uma emenda à sua redação final . JOSÉ HIGINO combateu-a nestes têrmos: "Chamo a atenção de V. Ex., Sr. Presidente, para esta emenda porque parece-me que, nos têrmos do art. 64 do nosso regimento, ela não pode ser aceita por ser contra o vencido. O n. 23 do art. 35 firma a competência do Congresso para legislar privativamente sôbre direito civil, criminal -e comercial; isto é, firma o princípio da unidade da legislação sôbre o direito, princípio que, V. Ex. sabe, venceu nesta casa em 2.ª e 3.ª votações. A disposições do n. 23 não está em contradição com O)
Anais da ConstitU:inte, vol. 3.0 , pág. 260.
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nenhum outro artigo ou disposição da Constituição. Se a redação da Constituição fôsse aprovada tal como se acha, nenhuma dúvida se poderia suscitar sôbre a competência exclusiva, privativa do Congresso para legislar sôbre as matérias de direito .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vê, portanto, V. Ex. que, sob a aparência de uma questão de redação, a emenda substitui o princípio adotado pelo Congresso pelo sistema oposto, e é contra essa pretendida alteração do vencido que reclamo . Sei que os signatários da emenda se fundam no n. 24 do art. 35, em que a Constituição confere ao Congresso a faculdade de legislar sôbre falências, e citam também os ns. 25 e 28 do mesmo artigo, em que é reservada para o Congresso a faculdade de legislar sôbre crimes políticos, de falsificação de moeda e dos títulos públicos da União, a pirataria e os atentados ao direito das gentes. Mas as disposições contidas nestes números são meras redundâncias (apoiados), são repetições escusadas (apoiados). Tendo o legislador reservado para o Congresso a faculdade privativa de legislar sôbre o direito, fêz uma enumeração escusada de algumas faculdades referentes ao mesmo assunto.
Firmado o princípio geral contido no n. 23, tôdas aquelas outras disposições devem desaparecer. O que se deve propor é, pois, a supressão de tais disposições, mas nunca a do princípio geral".
(1)
Pode-se com fundamento contestar que o fim da emenda JOSÉ HIGINO e outros fôra evitar a enumeração escusada da faculdade de legislar sôbre a falência, contida na competência privativamente conferida ao Congresso Nacional de legislar sôbre o direito substantivo? O Presidente da grande assembléia, PRUDENTE DE MORAIS, declarando serem muito procedentes as observações de JOSÉ HIGINO reflexionou: " ... o que o Congresso (1)
Anais da Constituinte, vol. 3.0, pág. 261.
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poderá fazer hoje é, mantendo a disposição do n. 23, modificar-lhe a redação de acôrdo com a declaração do autor da emenda, e suprimir, se quiser, os ns. 24 (falências) e 25, por conterem disposições redundantes". ( 1)
Foi o que prevaleceu na redação final da Constituição. A vista dêsses teste1nunhos, constantes das páginas dos Anais da Constituinte, é temeridade afirmar que a Constituição separou no instituto da falência a parte substantiva da processual, entregando a primeira ao Congresso Nacional e a segunda às legislaturas dos Estados. 22. Aquêles que no Congresso Constituinte se bateram pela legislação separada, cada Estado com a f acuidade de estabelecer o seu direito privado, tiveram o cuidado de afastar da legislatura dos Estados a disciplina da falência. Foi LEOPOLDO DE BULHõES, separatista intransigente, quem ofereceu a emenda outorgando ao Congresso Nacional a atribuição privativa de legislar sôbre a falência. (2) Entre separatistas e unitários havia completo acôrdo no que respeitava a essa matéria: todos conferiam ao Congresso Nacional a competência exclusiva de legislar sôbre a falência. É de surpreender que, atualmente, alguns intérpretes da Constituição, esquecendo-se da contextura do instituto da falência e desprezando o valioso subsídio dos debates na Constituinte, queiram ser mais realistas que o rei! Com que ingenuidade, êles, confessando a impossibilidade da separação entre o direito substancial e o processual na lei de falência, atribuem ao legislador constituinte o absurdo que não querem aceitar! A questão comporta sàmente dois extremos: o sistema da falência íntegro, completo, como é possível entender, enAnais da Constituinte, vol. 3.º, pág. 262. Anais cits., vol. 2. 0 , pág. 137. - É digno de nota um consciencioso trabalho que a êsse respeito publicou o saudoso Dr. OLIVEIRA COUTINHO, erudito professor da Faculdad~ de Direito de S. Paulo (na Gazeta Jurídica, de s. Paulo, vol. 31, pags. 150-166). (1)
(2)
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tregue à competência privativa do Congresso Nacional ou à das legislaturas dos Estados. O instituto anfíbio da falência é que se não admite. Se no sistema os preceitos de fundo dominam, vencem, absorvem os preceitos de forma, fundindo-se os dois, as legislaturas dos Estados não têm o poder de regulá-lo.
o legislador constituinte bem sentiu que a necessidade das coisas impunha a construção sólida, enfeixada e harmônica do instituto da falência e por isso o incluiu logo na fórmula direito comercial do art. 52, n. 23 da Constituição. Se de tão alto não dominasse aquêle sistema, teria quebrado a sua unidade, teria acabado com êle. (1)
o Dec. n. 917, de 24 de outubro de 1890, promulgado por quem mais se bateu pela separação do direito privado (CAMPOS SALES), reuniu todos os preceitos de fundo e de processo; a Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902, inspirada nas mesmas idéias, foi também por êle sancionada. (2) (1) Alguns tribunais locais têm consagrado essa doutrina. Consultem-se os acórdãos do Superior Tribunal de Pernambuco, de 7 de julho de 1903 (em O Direito, vol. 92, pág. 482), do Tribunal da Relação de Minas Gerais, de 7 de novembro de 1905 (na Revista Forense, vol. 4. 0 , págs. 499-500), da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de abril de 1907 (obiter dictum) (na Revista de Direito, vol. 4.0 , pág. 686), e do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 14 de março de 1904 (em O Direito, vol. 94, pág. 153) e de 10 de maio de 1909 (no S, Paulo Judiciário, vol. 20, págs. 47-48). Êste último acórdão, proferido depois da Lei n. 2. 024, declara: "é da exclusiva competência do Legislativo federal legislar sôbre falências, sem distinção entre as disposições substantivas e as processuais". O mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda em acórdão de 20 de fevereiro de 1913, decidiu que o promotor público da comarca de Santos, na qualidade de curador das massas falidas, não tinha direito a oercentagem por conta dessas massas, ainda que o regimento de custãs do Estado a marcasse, pois a Lei n. 2. 024, no art. 182, § 3.0 , era expressa a êsse respeito e "a lei sôbre falência é de ordem especial, faz parte do direito comercial e é impossível distinguir a parte substantiva da adjetiva. Em face da disposição do art. 34, n. 23, da Constituição Federal, é manifesto que o Estado não pode legislar sôbre tal matéria. A disposição do art. 68 do Decreto estadual de 1893 (regimento de custas), aliás, expedido pelo Poder Executivo, é inconstitucional, não tem vigor nem fôrça de lei e não pode prevalecer" (S. Paulo Judiciário, vol. 31, p. 80). (2) Apreciou muito bem o Dr. OLIVEIRA COUTINHO no trabalho a que já nos referimos em a nota 2 da pág. 32. ' . "O auto~ do Dec. n. 917, quando presidente da República, sancionou a Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902. Se não estivesse de
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Publicada a Constituição, o governador do Estado do Espírito Santo consultou ao govêrno federal se podia a legislatura local estabelecer um sistema de falência. Respondeulhe o Ministro da Justiça, em aviso de 22 de maio de 1891: "Atendendo ao espírito da doutrina que prevaleceu no Congresso, da unidade da legislação, nos têrmos finais do art. 34, n. 23 da Constituição Federal estão compreendidas a falência e a liquidação das sociedades anônimas, só competindo ao Congresso Nacional legislar sôbre tais objetos". 23. A questão da constitucionalidade da lei de falência foi solvida pelo Congresso Nacional elaborando as leis números 859, de 16 de agôsto de 1902, e 2. 024, de 17 de dezembro de 1908. SEABRA, um dos signatários da emenda JOSÉ HIGINO apresentada na constituinte, presidente da comissão de constituição, legislação e justiça e autor do projeto da reforma de 1902, na sessão de 14 de maio de 1901, ponderou: "O Congresso tem inteira competência para estabelecer uma lei a respeito das falências, e esta pela sua feição especial deve compreender o respectivo processo .
. .. .. .. .. . ... .. . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A competência do Congresso é positivamente constitucional, como é o Dec. n. 917, já reconhecido pela própria Constituição com outras leis emanadas do govêrno provisório". ( 1) No Senado, um de seus membros lançou a dúvida (sic) da constitucionalidade do projeto daquela lei n. 859: a parte substantiva, declamava êle, é da União, a processual cabe aos Estados .
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Peço a V. Ex., reptou-lhe GOMES DE CASTRO, peço a V. Ex. separe as duas partes, se puder; divida, quero ver. A comissão de legislação e justiça da Câmara dos Deputados dizia no parecer de 17 de dezembro de 1908, sôbre o projeto, hoje Lei n. 2. 024: "Reconhecendo que a falência não está limitada ao território do direito processual, mas que aí se enfeixam institutos do direito civil e do direito comercial e nêle se repercutem valiosos interêsses regulados pelo direito público e pelo direito internacional, o substutivo do Senado subordina as normas de direito processual às de direito material ou substancial, para que, destarte, a competência legislativa da União, espontânea e francamente se firme (Const. Federal, art. 34, n. 23) . (1) Já tivemos na legislação da Monarquia completamente separada a parte material ou substantiva da parte formal ou processual da falência. O Cód. Com. de 1850, nos arts. 797 e 897, dispunha sôbre a matéria de fundo; o processo era regulado pelo Dec. n. 738, de 25 de novembro de 1850. 24.
Passou sempre imperceptível essa separação, porque o Código e o Regul. n. 738 se completavam, constituindo ambos a legislação sôbre falência em todo o país. Se as leis processuais emanam do mesmo poder que as substantivas ou materiais, essa distinção é doutrinária, inócua; a unidade legislativa acentua-se perfeitamente; a execução é uniforme. Se se conferisse, porém, aos nossos Estados a competência de legislar sôbre a parte processual da falência, haveria vinte leis de falência, ao invés de uma, vinte vêzes traída, sofismada, iludida seria a lei federal, a lei da substância, e, então, como manter a necessária harmonia, a indispensável simetria, a imprescindível unidade do instituto, o seu regímen indivisível? Nessas condições, seria um perigo a instituição da falência; sacrificada o crédito particular e (1)
Diário do Congresso Nacional, de 26 de setembro de 1908.
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público; deixaria malhas para vitória da fraude e do crime; não seria um processo de execução, mas de espoliação. 25. Não ofende a índole do nosso sistema político a doutrina que sustentamos. · Outras repúblicas federativas oferecem valioso argumento e modêlo digno de ser imitado. Na América do Norte, na Suíça e na República Argentina a preocupação tem sido a de fundir em um só estatuto a disciplina geral da falência. Ver-se-á na exposição em seguida a orientação dessas Repúblicas, vencendo aliás preconceitos, no intuito de unificar a lei da falência. 26. A Constituição dos Estados Unidos deu ao Congresso a competência de estabelecer leis uniformes sôbre a falência em todo o país. Congress shall have power to establish uniform laws on the subject of bankruptcies throughout the United States (art. I, sect. 8) .
Esta cláusula constitucional importou notável exceção ao direito que tinham e têm os Estados de legislar sôbre o direito civil, criminal e processual. A Constituição norte-americana não separou a parte fundamental da parte processual; em seu preceito compreendeu tanto uma como outra. A tentativa da separação entre a substância e a forma em matéria de falência foi agitada também nos Estados Unidos por uma escola partidária, ferrenha da soberania absoluta dos Estados. Entendiam alguns advogados que a Constituição conferindo ao Congresso o poder de uniformizar o sistema da falência não lhe dava mais do que a competência de legislar sôbre a matéria de fundo. Os tribunais repeliram sempre essa falsa e perigosa doutrina. "A competência conferida pela cláusula constitucional disse-se in Goodall v. Tuttle, é bastante ampla para habilitar' o Congresso a votar um sistema uniforme de falência, confiar a administração das massas falidas aos tribunais dos Estados
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Unidos que entender, e estabelecer o processo especial ou não, como discricionàriamente achar conveniente para garantir e realizar os fins da lei (to secure and accomplish the objects of act); e se êsses meios adotados pelo Congresso diversificarem dos meios ordinários estabelecidos nas ações em geral, serão, não obstante, obrigatórios para todos os tribunais, porque o Congresso tem, pela Constituição, plena autoridade sôbre êsse assunto". "A competência de legislar sôbre falência, proclamou-se in Russel v. Cheatam, 16 Miss, 703, implica a competência de exercer esta atribuição eficazmente. O fim autoriza os meios". Silvermann, assentou-se ainda êste princípio: "A competência conferida ao Congresso é plena em matéria de falência. A matéria de falência compreende não só a distribuição dos bens do devedor fraudulento ou insolvente entre os seus credores e a reabilitação (discharge) do devedor, como todos os assuntos intermédios ou incidentes que tendem à realização ou consecução dêsses dois fins principais. O Congresso tem ampla competência nesse assunto, com um só requisito: a uniformidade dessa lei em todos os Estados Unidos". ln re
27. Não é sem interêsse conhecer o que se há passado nos Estados Unidos relativamente ao instituto da falência. Em execução do preceito da Constituição, o Congresso Federal votou, durante a presidência de JOHN ADAMS, a primeira lei sôbre falência, que teve a data de 4 de abril de 1800. Esta lei, que determinava o prazo de cinco anos para a sua duração, referiu-se exclusivamente aos comerciantes; fôra inspirada no estatuto inglês de 1706, então vigente, votado sob o reinado da RAINHA ANA. Êste estatuto inglês havia modificado profundamente o sistema da falência um tanto bárbaro da primeira lei de 1542, promulgada sob o reinado de HENRIQUE VIII (1), (1) Eis como o Estatuto de 1542 (34 & 35, HENRY, VIII, c. 4), publicado quando o comércio começou a ser cultivado efetivamente na Inglaterra, definiu os falidos: "pessoas que astuciosamente obti-
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abrandando o rigor com que era tratado o falido, ao qual, quando infeliz e de boa-fé, se permitiu fazer cessão judicial de todos os bens aos seus credores, obtendo a reabilitação. Não era facultado, entretanto, ao devedor requerer ou declarar espontâneamente a sua falência, porque, tendo o comerciante de sair do processo completamente libertado de dívidas (salvo exceções), não lhe era dado procurá-la ou promovê-la em seu b€nefício. A principal objeção levantada contra aquela lei de 1800 dos Estados Unidos foi que o Congresso não podia legislar sôbre falências, mas sàmente estabelecer uniformidade entre as leis que os Estados adotassem sôbre essa matéria. Os têrmos da cláusula constitucional respondiam à objeção e ficou, desde logo, fora de debate a competência do Congresso Nacional. Não agradou ao comércio a lei de 1800. Moldada no estatuto inglês do comêço do século precedente, ela revelara-se estreita, retrógrada. Além disso, a disseminação dos estabelecimentos comerciais, a escassez dos tribunais federais e daí as dificuldades das viagens para a êstes chegar e as conseqüentes lentidão e carestia do processo, desmoralizaram a lei, tornando-a impopular. Aos 19 de dezembro de 1803, era revogada, antes de expirado o tempo marcado para sua vigência. Os Estados começaram, daí em diante, a legislar sôbre a falência sob o nome genérico de insolvência, e interessantes questões relativas à constitucionalidade dessa competência foram levadas à decisão da Suprema Côrte dos Estados Unidos. Dois casos célebres firmaram a doutrina constitucional. nham grande parte de bens alheios, que repentinamente fugiam para lugares desconhecidos ou mantinham suas casas sem se lembrarem de oagar ou de prestar aos credores suas dívidas ou serviços, e a belpra-zer consumiam os bens, obtidos de outrem a crédito, em seu próprio gôzo e vida agradável, contra tôda a razão, equidade e boa consciência". - BLACKSTONE caracteriza o falido dêste modo: "é o comerciante que desaparece ou pratica certos atos tendentes a frustrar os seus credores". (Traduct. CHOMPRÉ, vol. 3. 0 , págs. 150 e 492) . Veja-se, também, STEPHEN'S, Commentaries of the Laws of England, vol. 2.0 , págs. 148.
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O primeiro foi o de Sturges v. Crownigshield (1819). O Estado de Nova York publicara, em 1811, uma lei que, mediante certos requisitos, libertava o devedor de suas obrigações, diríamos em nossa linguagem jurídica, reabilitava o falido. Era competente o Estado para legislar sôbre falência? Tal foi um dos pontos de ataque a essa lei. O presidente (Chief-Justice) MARSHALL deu o seu voto nestes têrmos: "O princípio estabelecido pelo advogado do autor é incontestàvelmente correto. Quando as expressões pelas quais a Constituição confere ao Congresso uma competência, ou quando a natureza desta competência exigem que seja privativamente exercida pelo Congresso, a matéria é totalmente retirada das legislaturas dos Estados, como se a êstes fôsse expressamente proibido regulá-la. A competência outorgada ao Congresso de estabelecer leis unifarmes sôbre falência em todos os Estados Unidos não é daquelas". Chegou o notável juiz à conclusão de que os Estados podiam legislar sôbre falências, sàmente se não existisse lei federal a respeito dêsse objeto, e continuou: "Afirma-se que o Congresso tem exercido essa competência, o que importa dizer que se acha extinta a competência dos Estados, que não deve ser restabelecida pelo fato da revogação da lei federal. Não pensamos assim. Se o direito de o Estado legislar sôbre falências não é retirado pela simples outorga dessa competência ao Congresso, não pode tal direito ficar extinto, mas sàmente suspenso pela publicação de uma lei geral sôbre falências. A revogação desta lei não pode, é verdade, conferir aquela competência aos Estados, mas faz cessar a inabilidade ao seu exercício, inabilidade estabelecida pela lei federal". Nesse sentido decidiu a Suprema Côrte. O segundo caso foi o de Ogden, v. Saunders, onde se confirmaram os fundamentos da decisão anterior. Em resumo: ficou assentado como princípio constitucional que, não existindo lei nacional ou federal de falência,
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prevaleceriam as leis dos Estados sôbre êsse assunto. Os Estados, na falta de lei federal, readquiriam a competência e podiam legislar amplamente sôbre falências. Essas leis, entretanto, não deviam afetar as dívidas previamente contraídas, nem se aplicar a credores que não residissem no Estado, salvo se êstes consentissem. (1) Êsse princípio e suas limitações são muito importantes nessa matéria e sempre prevaleceram nos interregnos das leis federais sôbre falência, como adiante diremos. Devido à iniciativa e esforços de um grande jurisconsulto, DANIEL WEBSTER, foi votada pelo Congresso a segunda lei de falência e promulgada em 19 de agôsto de 1841, sob a presidência de JOHN QUINCY ADAMS. Esta lei, provocada pelos efeitos da grande crise comercial de 1837, compreendia exclusivamente os comerciantes. Mais ampla que a de 1800, permitia ela que o devedor comerciante declarasse espontâneamente a sua falência em juízo (voluntary bankruptcy), seguindo, nessa parte, idêntica disposição introduzida na lei inglêsa de 1825. Concedia também essa lei a reabilitação aos devedores que fôssem declarados falidos, voluntária ou compulsàriamente, embora o produto de seus bens não chegasse para o pagamento total dos credores (the discharge in bankruptcy), mediante certas condições. Em 1840, existiam nos Estados Unidos mais de cem mil comerciantes fali dos, sem elementos para conseguirem a reabilitação. Afirmava BENTON que o número dêsses infelizes constituía uma fôrça e ao mesmo tempo uma calamidade, que, no interêsse público, deviam ser atendidas e remediadas. (2) (1) Vejam-se decisões, em BLACK, The constitutional law, 2.a ed., pág. 210. (2) VON HOLTS, The constitutional and political history of the United States, vol. 20. 0 , pág. 448.
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WEBSTER apresentou o seu projeto (bankruptcy) ao Senado, na sessão de 1. 0 de abril de 1840. "Francamente confesso, disse êste senador, que o meu alvo principal é socorrrer os falidos atuais, falidos irremediáveis, que não podem ser reabilitados nem libertados senão por uma lei de falência votada pelo Congresso. ~ste estado de coisas é grande móvel do meu procedimento e também o que formou a opinião geral a favor da medida legislativa, cujo interêsse não é oposto ao dos credores e menos ao bem geral do país. Ao contrário, entendo eu que o interêsse dos credores muito ganharia até com o sistema único da declaração voluntária da falência pelo devedor, e estou cerk> que o bem público seria atendido em alto grau". (1) Continuava WEBSTER: "Entre a falta de competência dos Estados e a falta de vontade do Congresso, falidos infelizes são deixados em cativeiro irremissíveis. Provàvelmente cem ou duzentos mil devedores, honestos, sóbrios e laboriosos, arrastam uma vida inútil para êles próprios, para as famílias e para o País, pelo simples fato de não se poderem libertar da responsabilidade das dívidas. . . que desgraçadamente os têm embaraçado e cujo pagamento é impossível fazer ... É-lhes tirado o direito de ganhar; paralisada se acha a faculdade de procurar útil ocupação; a própria esperança está extinta". (2) Combatia-se, entretanto, o projeto de WEBSTER, alegando que a competência de legislar sôbre falência, conferida pela Constituição ao Congresso, era dependente ou conexa à de regular o comércio, e que falência na linguagem constitucional deveria ser tomada no sentido técnico e limitado, como estabeleciam as leis inglêsas existentes ao tempo da publicação da Constituição, em 1787. Sendo assim, a falência deveria ser organizada tendo-se em vista exclusivamente o benefício dos credores e sàmente compreender os comerciantes, competindo aos Estados publicar leis sôbre insolvência para os não comerciantes. (1) (2)
WEBSTER'S, Works, vol. 5. 0 , pág. 18. WEBSTER'S, Works, pág. 20.
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O projeto WEBSTER triunfou, não obstante, sôbre a implacável oposição que lhe moveram o estreito interêsse individual e o doutrinarismo constitucional. (1) Nos tribunais sofreu a lei de 1841 ásperas argüições de inconstitucionalidade (2), e, logo, em janeiro de 1842, os adversários de WEBSTER tentaram revogá-la, nada conseguindo. No ano seguinte, quando a lei havia prestado o bom serviço a que se destinara (3), surgiram as conhecidas objeções, e o mesmo Congresso, que a votara decretou a sua revogação, tendo a lei revogatória a data de 3 de março de 1843. No espaço de dezoito meses, vida dessa lei, muitos falidos libertaram-se das suas dívidas. Sob a presidência de ANDREW JOHNSTON, em 1867, o Congresso votou a sua terceira lei sôbre falência, em 2 de março dêsse ano. Desde 1843, data em que fôra revogada a segunda lei os Estados legislaram amplamente sôbre a matéria. ' •. "J.
A imperfeição das leis dos Estados, a fraude sem limites que elas alimentaram, a grande perturbação que trouxeram às relações mercantis entre os Estados, atenta a sua limitação territorial, a crise financeira de 1866, despertou tudo isso grande celeuma, produzindo a lei de 2 de março de 1867. Esta lei, mais importante que as anteriores, teve a sua fonte em uma lei do Estado de Massachusetts, publicada em 1838 (Insolvency Law), que provara bem, e nos estatutos inglêses já modernizados pela reforma de 1861. Ela compreendia tanto os comerciantes como os não comerciantes. Foi a primeira lei que nos Estados Unidos ampliou a falência a todos os devedores . A lei de 1867 passou por sucessivas alterações em 1868, 1870 (duas reformas), 1872, 1873, 1874, 1875, 1876 e 18771 (1) Minúcias em VON HOLST, The constitutional and political Jiistory of the United States, vol. 2. 0 , pág. 449. (2) São muito interessantes os votos vencidos do juiz COWEN in Kunzier v. Kohaus e do juiz BROSSON in Sackett v. Andross. ' (3) É de PARSONS a frase. Diz êle no The law of contracts eighth edit., vol. 3. 0 , pág. 435: "when this good work was accom~ plished, the general objection to a bankruptcy law reappeared in full force . .. "
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Não obstante isso ela não satisfazia. O seu processo defeituoso, longo e caro levantava queixas gerais. Ela exigia, já do falido, já dos credores, uma série interminável de declarações sob juramento e organizava numeroso pessoal para funcionar na falência. Veja-se isso: o registrador (register) e seu suplente, o marshall, o secretário ou escrivão (clerk) do tribunal de falências, o contador (auditor), encarregado de rever as contas dos dois precedentes, o liquidante ou síndico (assignee), a quem o uso fêz juntar um advogado (counsel) e o pagador (disbursing agent). Todo êsse funcionalismo reclamava grandes despesas com honorários regulados por uma tarifa incompreensível e da qual ainda se abusava. A American Law Review, de julho de 1873, trazia o dito de um candidato, definindo o objeto dessa lei em poucas e sugestivas palavras: "O fim da lei de falências é procurar a mais equitativa distribuição do ativo do falido entre os advogados e o pessoal encarregado da liquidação da massa". Em 1873, dizia o presidente na mensagem ao Congresso sôbre a lei de 1867: "Esta lei não tem produzido bem, sómente males. Há muitos motivos para ser revogada. As suas disposições sôbre o chamado falido involuntário contribuem para aumentar os embaraços financeiros do país. Muitas vêzes, homens prudentes e zelosos desenvolveram os negócios com o crédito de que gozam e dispondo de valores consideráveis, que bastariam para todos os seus compromissos se fôssem imediatamente convertíveis, acham-se impossibilitados de pagar a seus credores em virtude de rarear o dinheiro . Ficam êles, então à mercê do credor impaciente. A simples petição de uma falência em juízo produz atualmente tão forte alarme sôbre as questões monetárias, que basta para trazer a ruína de um homem de grandes responsabilidades. . . A lei é também um meio de intimação empregado por credores pouco escrupolosos com o intuito de conseguirem vantagens sôbre os concorrentes". Quis o Congresso, melhorando, conservar a lei de 1867. Não o pôde fazer. A prevenção contra ela era grande.
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A legislatura do Estado de Nova-York, por deliberação das suas duas Câmaras, em 5 e 15 de maio de 1877, dirigira ao Congresso Nacional a seguinte moção: "Atendendo a que os negócios sofrem por falta de confiança; a que tôda a lei que embaraça o curso ordinário da justiça na cobrança das dívidas, ou que atenua as obrigações resultantes de um contrato, exerce desmoralizadora influência nos negócios e impede a circulação de capitais; a que uma lei que garante a irresponsabilidade dos futuros devedores estimula a má-fé nas convenções; por êsses motivos a legislatura: Declara que o sentimento do povo dêste Estado é contrário à lei que estabeleceu um sistema uniforme de falências nos Estados Unidos, e convida o Congresso a se ocupar imediatamente da revogação desta lei". Para encurtar explicações, a lei de 1867 não podia resistir a tão veementes ataques. O Congresso, quase sem oposição, pela lei de 7 de junho de 1878, revogou-a, começando êste ato a produzir os seus efeitos depois de 1 de setembro dêsse ano. Voltaram, em 1878, a regular a matéria de falência as leis dos Estados, que estiveram suspensas durante a vigência da lei federal de 1867. Sentiram-se mais uma vez os efeitos e inconvenientes dessas legislações locais. Em 1884, o Congresso Nacional iniciou a discussão e um projeto, uniformizando o sistema de falências. O projeto foi rejeitado. A agitação crescia, especialmente entre os comerciantes. Associações comerciais encarregaram, então, o distinto advogado de São Luís, JAY TORREY, de organizar novo projeto. Não obstante algumas censuras que a êste trabalho se fizeram, notadamente por se mostrar mais favorável aos credores do que ao devedor, o senador LINDSAY, do Kentucky, apresentou-o ao Senado em 1897. Depois de muito discutido foi aprovado com emendas, chegando nesse mesmo ano à Câmara dos Deputados, onde passou com outras emendas,
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às quais o Senado não aderiu. Uma comissão mista destas duas casas redigiu afinal outro projeto, calcado no primitivo e nas emendas, o qual, aprovado pelo Congresso, foi publicado como lei pelo presidente em 1. o de julho de 1898. A lei de 5 de fevereiro de 1903 emendou ou reformou algumas disposições desta lei. É a lei de 1898, emendada pela de 1903, que atualmente se acha em vigor nos Estados Unidos.
Ao elaborar-se essa lei de 1903, ficou assentado e firmado o desejo do povo dos Estados Unidos de manter uma lei federal de falência. M. RAY, no seu parecer, mostrou lucidamen te essa circunstância . ( 1) Daí dizer EASTMANN, no prefácio do seu livro The Bankruptcy law annotated, Chicago, 1903: "É evidente que o interêsse que se demonstrou em 1903 na reforma da lei de 1898 e a educação que o país recebeu em matéria de falência mudaram a opinião pública e com segurança garantem os competentes que uma lei federal de falência se tornou parte do nosso direito; pode ser alterada ou melhorada temporàriamente, nunca, porém, revogada" (pág. VI) . A lei de 1.º de julho de 1898 contém sete capítulos (chapters) e setenta artigos (sections) . No art. 30 ela conferiu à Suprema Côrte dos Estados Unidos a competência de organizar o regulamento processual e suas fórmulas. A Suprema Côrte desempenhou essa comissão, publicando, em 28 de setembro de 1898, XXVIII regras (rules), acompanhadas de 63 fórmulas. A Côrte é facultado modificar êsse regulamento quando entender. 28. Na Suíça, onde os Cantões são considerados soberanos, o art. 64 da Constituição Federal deu à Confederação o poder de legislar sôbre a falência. (1)
Veja-se êsse parecer traduzido por nós em vernáculo, no
São Paulo Judiciário, vol. 5. 0 , págs. 269-272.
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Quando, em 1864, o notável Professor da Universidade de Berna, Dr. VALTER MUNZINGER, redigiu o projeto do código comercial suíço, observou, apoiado na autoridade do Secretário da justiça do Cantão de Zurique, que era impossível, na Suíça, um regímen completo e geral sôbre a falência em razão das leis divergentes dos cantões, sendo grande parte delas o produto de costumes locais desenvolvidos com o tempo. A primeira idéia do codificador foi afastar do projeto essa intrincada matéria, mas teve de mudar de orientação porque, como notou nos Motivos, "vozes autorizadas resolutamente declararam que um código comercial suíço, que não regulasse a matéria da falência, seria friamente acolhido pelos comerciantes e teria pouca probabilidade de êxito". Era essa justamente a matéria mais urgente em ser reformada no sentido de sua uniformidade. MUNZINGER contemplou, então, no projeto poucas regras que considerou fundamentais deixando o mais aos Cantões. Era a tal separação entre o fundo e a forma. sabido que a Confederação suíça repeliu a idéia do código comercial, organizando em 1881 o código federal das obrigações e adotando, em 1889 (11 de abril), a lei sur la poursuite pour dettes et la f aillite, em execução do art. 64 da sua Constituição. É
Essa lei repeliu a distinção que MUNZINGER havia feito entre o fundo e a forma; estabeleceu a unidade completa da organização falencial . Aos Cantões deixou, é verdade, algumas faculdades, entre elas a de determinar o número e a extensão das circunscrições, de organizar o ofício de falências de cada circunscrição (art. 1 a 3 e 13), de designar as autoridades judiciárias para conhecer das matérias afetas ao conhecimento do juiz (arts. 22 e 23), de estabelecer as caixas de depósitos e consignações (art. 24), e de legislar sôbre o processo civil sumaríssimo (art. 25) . A beleza do sistema está, porém, no seguinte: as leis e regulamentos feitos pelos Cantões para execução dessas prin-
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cipais faculdades que lhes foram outorgadas, devem ser submetidos à aprovação do Conselho Federal (art. 29), o poder executivo da Confederação. Ainda mais: o Cantão é responsável pelo dano causado pelos funcionários ou empregados que nomear, se êstes ou seus fiadores não tiverem elementos para completa indenização às partes (art. 6); responde também pelas caixas de depósito e consignação (art. 24). O Conselho Federal é que estabelece o regimento das custas de todo o pessoal que funciona nas falências. Le conseil fédéral arrête les tarifs, dispõe o art. 16. Para a execução dêste artigo, o Conselho Federal publicou, em l.º de maio de 1891, a respectiva tarifa (tarif des frai.s), que é precedida da disposição seguinte, a primeira de tôdas: "Les opérations faites en vertu de la loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite sont taxées conformément au présent tarif. D'autres frais ou émoluments ne peuvent être réclamés aux parties par les autorités".
Completou e aperfeiçoou o sistema a lei de 28 de junho de 1895, conferindo ao Tribunal Federal a alta fiscalizaçãq em matéria de falências. Assim, o Tribunal Federal provê no sentido de ser aplicada uniformemente a lei de falência, publica regulamentos, dá instruções às autoridades cantonais e delas exige relatórios anuais, conhece das decisões das autoridades locais quando proferidas contra a lei, etc. 29. A originalidade da lei suíça de 11 de abril de 1889 leva-nos a mais outras informações muito interessantes. Essa lei foi elaborada em 1885 por Mr. RUCHONNET e nela trabalharam durante vinte anos os mais capazes jurisconsultos da Suíça inteira. Votada pela assembléia federal na sessão de junho de 1889, teve de passar pela prova do referendum e, apesar da viva oposição dos partidários da soberania cantonal e do partido católico (êste aliás por mo-
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tivo estranho ao objeto da lei), foi votada em 17 de outubro do mesmo ano por 244.212 sim contra 217 .598 não. (1) Esta lei representa uma obra profunda e tenaz de unificação, isto é, de fusão dos principais sistemas precedentemente em vigor nos diferentes Cantões. O Conselho Federal na mensagem de 7 de dezembro de 1888, dirigida à assembléia federal, judiciosamente observava: "Proveniente de um estudo de 20 anos, do qual participaram os juristas mais eminentes do nosso país, essa obra é a resultante da luta das mais opostas correntes. Ninguém achará aí seu ideal, se ideal existe em tal matéria, porém, cada um verificará importantes concsesões a sua opinião. As Câmaras atenderam no curso dos debates às múltiplas representações que lhes foram dirigidas em nome de certas cidades ou de certas classes da população. O mundo dos juristas, cujo concurso muito deixou a desejar durante a discussão parlamentar, assumiu posição saliente quando se tratou de concluir o projeto de lei. Como se acha hoje, êste projeto representa bem o que devem ser as leis numa república: a obra comum de tôdas as fôrças vivas do país; o povo, os estadistas e os especialistas têm nessa lei o seu quinhão de mérito e de satisfação. Possa êsse caráter verdadeiramente democrático assegurar-lhe bom acolhimento pela nação e pelos representantes!" Aí estão os vinte e seis anos de aplicação desta lei, sem reclamações, mostrando o seu grande valor, que, digamos, quase inteiramente depende da probidade e da responsabilidade séria e efetiva do pessoal encarregado de executá-la. O território da Confederação é dividido em arrondissements de poursuites pour dettes e arrondissements de f aillite. Cada um dêstes últimos é dotado com um office des faillite,
cuja organização pertence aos Cantões: Aos funcionários do ofício de falências cumpre administrar e zelar pela massa (1)
Nota de LOUMYER à obra de ADAMS, La Conf édération
Suisse, pág. 41.
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falida, além de importantes e especiais atribuiçõ€s que a lei confere. O mecanismo da lei federal suíça é, na frase de MARTIN, ingénieux et assez compliqué (1). Na V€rdade êle é curiosíssimo. Essa lei versa sôbre a execução forçada, tendo por obj€to uma quantia em dinheiro. Trata de uma sanção jurídica, mas parcialmente, visto se ocupar sàmente da sanção dos direitos de crédito, tendo por objeto importância em dinheiro. Como procede o credor para obter o pagamento do seu devedor? Pelo meio de penhora (saisie) ou pelo meio da falência.
P€la penhora, o credor, mediante o cumprimento de certas formalidades, obtém que objetos particulares dependentes do patrimônio do seu devedor se tornem indisponíveis e sejam V€ndidos para que pelo produto da venda êle se pague. Pela falência, o ativo do devedor é liquidado, o produto da liquidação é repartido entre os credores. Assim, pois, a penhora é uma forma de execução, equivalente a nossa ex€cução de direito comum. 30. Na República Argentina, ao Congresso Nacional compete organizar os códigos civil, comercial, penal e de mineração ( art. 67, n. 11 da Const. Argentina), cabendo às províncias a organização dos códigos de proc€sso. Entretanto, é exclusiva do Congresso Nacional a faculdade de legislar sôbre falências (art. 67, n. 11), sendo expressamente proibido às províncias ditar especialmente leis sôbre bancarrotas (artigo 108). Nessa República, tem-se entendido que a atribuição de legislar sôbre falências por parte da Nação compreende tanto o fundo como a forma. (1)
Loi fédéral sur la '])Oursuite pour dettes et la faillite Lau-
sanne, 1908, Préface.
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Quem consultar o livro 4.º do código comercial (1), há de ver que foram aí contempladas verdadeiras disposições formulares. A Comisión de Códigos da Câmara dos Deputados no Proyecto e informe, apresentado em agôsto de 1889 (2), depois de estudar a legislação das falências sôbre o ponto de vista constitucional, ocupa-se da separação das regras de fundo das de forma, exprimindo-se nos seguintes têrmos: "Devemos agora dar as razÕ€s que nos levaram a conservar o sistema do código vigente e mmatéria de falência (3), quando não legisla separadamente sôbre tudo quanto se pode considerar de simples processo. Em primeiro lugar, existem tal coesão e imediatas relações entre as disposições de fundo e as que são reputadas processuais, que a separação ofereceria defeitos capitais no que se pode chamar a economia da lei. Com efeito, uma vez estabelecidas as disposições gerais em matéria de falência, determinados os extremos que a produzem, e os efeitos jurídicos que de tal estado decorrem para o comerciante, para terceiros e para os atos executados depois da cessação de pagamentos, impõe-se naturalmente uma ordem imediata de disposições que regulamentem os requisitos e as exigências necessárias à declaração judicial do dito estado, a forma dessa declaração compreendendo tôdas as medidas tendentes à arrecadação dos bens, nomeação de um administrador ou síndico, etc., etc. (1) As disposições contidas no Liv. 4. 0 do Cód. Comercial argentino de 1889, foram substituídas por outras constantes da Lei n. 4.156, de 30 de dezembro de 1902. (2) Essa comissão era composta dos deputados WENCESLAO ESCALANTE, ESTANISLAO S. ZEBALLOS, BENJAMIN BASUALDO e ERNESTO COLOBRES. (3) O primeiro Cód. Comercial argentino foi publicado pela província de Buenos Aires, em 8 de outubro de 1859. Em 10 de setembro de 1862 o Congresso argentino declarou-o Código Nacional .. O Cód. Comercial vigente foi sancionado pelo Congresso Nacional em 5 de outubro de 1889 e pôsto em execução desde 1.0 de maio de 1890.
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Que razão induziria a transladar êste corpo de disposições a um título ou livro especial destinado a tratar do processo da falência? Não é evidente que a índole desta matéria impõe, como condição indispensável, a sucessão lógica das disposições já de fundo ou de forma, já de ambas? Se, por outro lado, existe sôbre alguns pontos tal amálgama entre as disposições de uma e de outra ordem, de modo a não ser possível distinguir o que pertence a cada uma, a que propósito corresponderia o interêsse de legislar separadamente sôbre o processo? Não o vemos, quer sob o ponto de vista da harmonia da lei, quer do sistema lógico e correto a ·que deve obedecer". 31. Ministram ainda úteis ensinamentos sôbre êsse assunto Espanha e Portugal . A Espanha, no código comercial de 1885, ao tratar da falência (quebra) incluíra unicamente a parte que considerou declaratória de direitos, reservando para a lei de enjuiciamiento civil a parte relativa ao processo. Mas, atenda-se .bem, esta lei de enjuiciamiento é uma só para tôda a Espanha; os inconvenientes da separação não se podem manifestar. Na época em que se reformava a legislação comercial espanhola, redigia-se a lei do processo civil; as respectivas comissões trabalhavam ao mesmo tempo. A Exposición de motivos do código comercial de 1885 informa-nos que o comissão el'1:carregada dêste código deixou a tarefa de regular os trâmites y procedimientos das quebras à comissão encarregada da elaboração da lei do enjuiciamento civil, separando aquelas duas partes, e, acrescenta, essas partes REUNIDAS COMPLETAM A LEGISLAÇÃO SôBRE A MATÉRIA (palavras textuais). Unidade de vistas e simetria observam-se nessas duas partes de uma mesma legislação; não pode haver atrito entre elas. 32. Portugal, que, no código de 1888, pensara ter resolvido o problema da separação, não obstante prevalecer em todo o Reino um só código de processo, viu-se obrigado, em
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1899. a remediar tão deplorável situação, publicando um código de falências, onde fundiu tôda a matéria. O Conselheiro BORGES CABRAL, apresentando ao Rei o decreto de aprovação
desse código, dizia: "Nesse assunto as disposições de direito substantivo acham-se por tal forma entrelaçadas e conexas com as estritamente relativas ao processo, que, sendo de todo o ponto impossível uma separação absoluta, impossível se tornou também para o legislador seguir rigorosamente a lógica da sua orientação (referia-se ao legislador do código comercial de 1888), da qual além disso o incitavam a arredar-se os precedentes legislativos do país e os modelos estrangeiros, que mais de perto seguira nessa matéria". 33. Outras nações, legislando sôbre falência em um só ato ou lei, separaram as regras substanciais das processuais, por simples princípio de classificação ou método de exposição. A lei austríaca, de 25 de dezembro de 1868, na parte primeira, trata dos princípios gerais relativos à abertura da falência e aos direitos na falência; na segunda, do processo ordinário da falência . A lei húngara, de 27 de março de 1881, obra do Professor da Universidade de Budapest, ETIENNE APATHY, compreende duas partes, uma sôbre as conseqüências jurídicas da falência e outra sôbre o processo da falência. A lei alemã, de 10 de fevereiro de 1877, modificada pela lei de 17 de maio de 1898, divide-se em três livros: o 1. 0 , intitulado Direito das falências (Konkursrecht) ;o 2.º, Processo das falências (Konkursverfaheren); (Strafbestimmungen).
3.º, Disposições penais
A lei holandesa, de 30 de setembro de 1893, também separa a matéria de direito da matéria de processo. Numa mesma lei a distinção entre essas duas espec1es de normas tem um alcance sómente científico, meramente teórico.
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CAPÍTULO IV
Da legislação brasileira sôbre a falência
(Sinopse histórica)
Sumário: - 34. Dificuldades Ela elaboração da lei de falência. 35. Clamores gerais contra essa lei. - 36. O Cód. Comercial de 1850. - 37. Os retoques do Decreto de 1855, a lei e a regul. de 1860 sôbre a falência nos bancos de circulação e as providências governamentais na crise de 1864. - 38. O projeto Nabuco em 1866. - 39. A lei de concordatas de 1882. - 40. Necessidade urgente da reforma do Cód. Comercial. As comissões nomeadas em 1898 por Ferreira Viana e em 1889 por Cândido de Oliveira para organizarem o projeto dessa reforma. - 41. O Dec. n. 917, de 1890, publicado pelo Govêrno Provisório da República. - 42. Valor do Dec. n. 917, sua má aplicação pelos juízes, críticas. - 43. Movimento do comércio contra o Dec. n. 917. - 44. A intervenção do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. - 45. A ação do Congresso Nacional em 1890. A elaboração da Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902. 46. O desastre da Lei n. 859. - 47. O inconstitucional regulamento dessa lei pelo Dec. n. 4.885, de 1903. - 48. A elabo. ração da Lei n. 2. 204, de 17 de dezembro de 1908. O substitutivo do senador Urbano Santos. - 49. Continuação. O parecer da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados. 50. Votação do substitutivo do Senado na Câmara. 51. A execução da Lei n. 2.024 não ficou dependente de regulamento. 52. Apreciação geral sôbre a execução desta lei. 53 . Continuação.
34 . Uma lei sôbre falência é trabalho de magnitude. Para nos convencermos dêste asserto bastará atender ao fim que ·ela visa: a garantia e proteção ao crédito. M. CHAMBERLAIN, presidente do Board of Trade, da Inglaterra, por ocasião da discussão do projeto que foi convertido no Bankruptcy Act (46 a 47, Vict. 52), disse criteriosamente na Câmara dos Comuns em 19 de março de 1883: "A boa -lei de falência deve ter em vista dois objetos principais e distintos. Em primeiro lugar, deve propor-se a garantir a administração honesta do patrimônio do falido,
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a fim de chegar a uma distribuição integral e pronta do ativo entre os credores. Em segundo lugar, deve, respeitando o princípio - é melhor prevenir do que punir - , tomar medidas para elevar o nível da moralidade comercial, para favorecer o desenvolvimento do comércio honesto e para diminuir o número das falências. Em outros têrmos, o legislador deve proteger, tanto quanto possível, o salvamento (to protect the salvage) e diminuir o número de naufrágios (to diminish the number of the wreks). (1)
O assunto é escabroso e vastíssimo, e toma proporções gigantescas se se considera que nas minúcias da lei deve ser mantida numa grande homogeneidade, para que, nas muitas € complicadas fases porque passam os diversos interêsses nela comprometidos, a aplicação das suas normas não seja lacunosa, falha, contraditória ou improfícua. Por isso que a falência se prende estreitamente a outros institutos jurídicos, a simetria e a conformidade entre todos devem ser observadas a fim de que se não quebre o sistema harmônico da ciência do direito. Il tema dei f allimenti
e un
problema insoluto ed insolu-
bile, observou CAVERI, inaugurando os trabalhos da comissão
governamental italiana para a elaboração do Cód. do Comércio, de cuja comissão foi presidente (2). Las quiebras son la cuadratura del círculo del derecho comercial, escreveu, por sua vez, o Dr. LISANDRO SEGOVIA (3) . A falência é a grande espinha da legislação comercial, já o havia dito DESI:ÊRE, antigo presidente do tribunal de comércio do. Sena, promotor da reforma comercial da França. Quanto mais se desenvolve o comércio de um país, mais repetidas, são as reformas dessa parte da legislação . "Podemos dizer, afirmava Mr. LAROZE, no seu relatório de 1887 sôbre a reforma da lei francesa relativa à liqui(1) Annuaire de législation étrangere, 1884, pág. 78; Bulletin de la Société de législation comparée, 1898, vol. 17, pág. 293. (2) Apud CUZZERI, no 1l codice di commercio italiano commentato, 2.ª ed. de Verona, vol. 8. 0 , Introd., n. III. (3) Explicactón y crítica del nuevo código de comercio argentino, Introd., pág. XXIV.
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dação judiciária, que os povos que mais se têm distinguido pelo comércio em todos os séculos, não deixaram passar duas gerações sem reformar as regras estabelecidas para a realização e liquidação dos bens dos devedores insolventes. Mas, se o problema de uma boa lei de falência se acha universalmente proposto, não parece ter sido resolvido vantajosa e definitivamente em parte nenhuma". (1)
A prova temos na Inglaterra. O legislador inglês, procurando dotar o seu país com uma boa lei de falência, foi de encontro a seus hábitos e, nos sessenta anos anteriores a 1883, publicou quarenta e uma leis sôbre aquela matéria, seguindo-se outras em 1884, 1888 e 1890. (2) (*) No relatório de 26 de julho de 1899, o Ministro da Justiça de Portugal, o Cons. 0 BORGES CABRAL, apresentando à aprovação do Rei o Cód. de Falências, escreveu: "Em matéria de falências não há previsões legislativas que bastem, nme reformas que muito durem. Por um lado, a extrema mobilidade e susceptibilidade do crédito, cuja segurança a lei de falência se propõe tutelar, desorientam e amesquinham as mais completas e adequadas providências e obrigam o legislador a seguir nas suas constantes transformações os caprichosos movimentos dêsse maravilhoso proteu. Por outro lado, a astúcia dos interêsses penetra e ,desconcerta as mais finas malhas da urdidura legislativa, e o dolo e a fraude, tantas vêzes auxiliados pelo desleixo ou complacências dos próprios executores da lei, a breve trecho fazem do descrédito gesta o pedestal dos seus triunfos''. Qual o país que já chegou a ter a sua legislação sôbre falência escoimada de defeitos e ao abrigo da crítica? Onde a êsse respeito não se levantam dúvidas e queixas? Uma lei de falências, escreve THALLER, tenha embora grande valor, deixará sempre muito maior margem à crítica do que as leis concernentes a outras partes do direito. Todo Apud DALLOZ, Supplément au répert., verb. faillite, n. 3. LYON-CAEN, na Annuaire de législation étrangere, 1884, página 77. ( *) Posteriormente, em 1914 e 1926. Veja-se WILLIAMS, Law and practice in bankruptcy, ed. de 1932. (1) (2)
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instrumento complexo é delicado; tendo por mister realizar funções múltiplas, basta a fraqueza de um só órgão para embaraçar o estabelecimento do equilíbrio geral. A falência tem um campo muito vasto para o autor da lei evitar no seu trabalho a entrada de erros e de disposições mal aplicadas. O espírito, procurando figurar o desenvolvimento de uma falência e o fim a atingir, perturba-se com as proporções do plano. Qual será, pois, a impressão dos homens de lei incumbidos da delicada honra de realizar êste plano por meio de textos precisos e regras homogêneas? Não nos iludamos, termina o sábio professor, a lei de falência é a legislação civil inteira, é a teoria das obrigações e dos direitos reais, de novo sondadas e investigadas desde os seus primeiros elementos. (1) Na verdade, o instituto da falência não se restringe aos domínios do direito comercial; penetra nos do direito público, do direito civil, do direito internacional público e privado, do direito criminal, do direito judiciário, em cada um dos quais vai buscar regras, preceitos e ensinamentos, tendo, muitas vêzes, de modificá-los a fim de adaptá-los ao grande meio de execução coletiva que trata de organizar. Inspira-se ainda na ciência econômica, cujos fenômenos não lhe devem ser estranhos, na ciência financeira e na estatística (2), onde verifica a prova do resultado do seu funcionamento. Apreciada econômicamente, a falência interessa não sàmente à economia individual como à pública, pois incontestàvelmente perturba o crédito público, produz a dispersão de capitais, trazendo dano para a economia geral . 35. As dificuldades da elaboração da lei sôbre falência formaram uma corrente de idéias a favor da abolição do instituto. Contra as leis de falência há sempre queixas gerais (1)
Des faillites en droit comparé, vol. 1.0 , n. 3.
(2) Indispensável é a estatística das falências para apreciá-las sob os pontos de vista judiciário e econômico. É o que não temos. Andamos às cegas nesse assunto. A lei federal americana de 1898, no art. 53, impôs ao procurador geral da obrigação de apresentar anualmente ao congresso o movimento das falências na República, indicando o número, a importância do ativo e passivo, os dividendos distribuídos, as despesas com a administração da massa e ministrando as informações que julgar úteis.
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de credores e devedores. Ninguém se satisfaz (1). A causa, afirmam, vê-se e não se quer ver; está na ineficácia dessas leis. Os defeitos e vícios acham-se nas raízes da instituição, que não corresponde ao espírito da legislação e às necessidades do tempo (2). ~sse instituto medieval é ilógico e irracional, acrescentam ainda; capitula criminoso um ato praticado pelo comerciante, sendo lícito se praticado pelo não comerciante; as despesas devoram o patrimônio do devedor. Uma opinião intermédia apareceu, inclinando-se para a abolição da falência da pessoa singular, mas admitindo-a como lógica onde existe administração coletiva do patrimônio. Dêsse modo, a falência seria justificável nas sociedades e noutros entes coletivos com administração social. (3) Tudo isso não passa de bonitas dissertações, sem fôrça para destruírem um instituto mundial, que, originário do direito romano, reorganizado na idade média, especialmente nos estatutos das cidades italianas e remodelado pelo direito atual dos povos cultos e comerciais, tem oferecido resultados mais proveitosos do que a execução singular (4) . Enquanto coisa melhor não se descobrir ou enquanto o instituto não atingir à perfeição, o remédio é utilizarmo-nos do que atualmente temos para solver a situação recorrente da função anormal do crédito. Uma magistratura inteligente e um círculo de comerciantes probos poderão certamente evitar as fraquezas e as lacunas das leis de falência. Mas, se o mal provém dos costumes ... ( 1)
Todos
perdem
em
uma falência,
aprecia RENOUARD
(Traité des faillites, vol. l.º, pág. 175); a sabedoria consiste não
em impedir ou prevenir sacrifícios obrigatórios; mas, em medi-los e coordená-los. Atribuem-se fàcilmente à lei os males provindos da necessidade a que a lei deve obedecer; e como, em tempo nenhum, nem em país nenhum do mundo a lei poderá impedir que a falência seja um mau negócio, é de presumir que por tôda a parte e sempre apareçam queixas contra a legislação das falências. (2) Assim discorre ANTONIO DE PETRIS, na sua curiosa monografia L'abolizione del fallimento, Veneza, 1879. (3) Deputado GALLINI, na Câmara dos Deputados da Itália, sessão de 14 de maio de 1908. (4) São de BRANDENBURG, The law of bankruptcy, 3.ª ed., § 1. 0 , estas palavras: "With hardly an exception, bankruptcy laws form a part of the administra tive systems of all civilized nations".
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36. A legislação portuguêsa sôbre quebras, aliás abundante (1), vigorou no Brasil com profundas modificações, desde que a lei de 30 de outubro de 1823 mandou observar a de 18 de agôsto de 1769, que determinava se guardassem nos negócios mercantis e marítimos, como subsidiárias, as leis das nações civilizadas da Europa. As disposições do Código Comercial francês eram preferidas às das leis portuguêsas, para regularem e decidirem tôdas as questões originadas das falências. (2) A deficiência da legislação, a facilidade das quebras e as altas imoralidades que as conquistavam foram as causas que mais contribuíram para a publicação do Cód. Comercial de 1850, conforme se apreende das representações da classe comercial e da discussão do código no Parlamento. A êsse respeito já dissemos em o n. 34 e notas do 1.0 vol., dêste Tratado. :Êste código, como os que lhe serviram de fonte, ocupouse da falência, em último lugar, na ordem das matérias, na parte terceira, sob a rubrica Das quebras, compreendendo 114 artigos (797 a 911) . (3) 37. Bem cedo mereceu censuras e queixas a legislação sôbre as quebras, e sôbre o respectivo processo, regulado pelo (1) SA VIANA, Das falências, págs. 22-41, traz um bom apanhado do direito português sôbre falências desde remotíssima época. HINTZE RIBEIRO, Da reforma da legislação comercial, Lisboa, 1877, mostra que em todo o tempo convergiram para as falências os desvelos dos estadistas portuguêses e, enumerando tôdas as disposições e leis sôbre o instituto desde as Or. do Liv. 4. 0 , Tít. 77, e Liv. 5. 0 , Tít. 66, até o Assento de 23· de junho de 1811, acrescenta: "Mas baldados os esforços de tantas provisões para assentar os princípios que, traduzindo os verdadeiros ditames da justiça, conciliassem o respeito às liberdades individuais do falido com as garantias devidas aos direitos dos credores", págs. 168-169) . Em ALMEIDA E SOUSA, Execuções, §§ 500 a 512, acha-se a velha legislação portuguêsa sôbre o concurso de credores do falido. (2) Veja-se o n. 28 in fine, do 1.0 vol., dêste Tratado. (3) O Cód. .Comercial do Panamá ocupa-se das falências no Tít. V e último do Liv. I, depois de tratar "de. los comerciantes y
agentes de comercio".
Leiam-se considerações a êsse respeito em o n. 303 do 2.º vol. dêste Tratado.
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Dec. n. 697, de 25 de novembro de 1850. Os ligeiros retoques do Dec. n. 1. 597, de l.º de maio de 1855, nada adiantaram. A Lei n. 1.083, de 22 de agôsto de 1860, no art. l.º, § 5.º, estabeleceu os casos de falência dos bancos de circulação, e o Dec. n. 2. 691, de 14 de novembro do mesmo ano, determinou os casos de falência dos bancos e outras companhias e sociedades anônimas e o processo que se devia seguir. (1) Por ocasião da crise comercial de 1864, proveniente da quebra do banqueiro VIEIRA SOUTO, o govêrno baixou o Dec. n. 3. 308, de 17 de setembro dêsse ano, concedendo uma moratória por 60 dias e mandando que as falências dos bancos e casas bancárias, ocorridas desde 9 daquele mês e nos 60 dias seguintes, fôssem reguladas por um decreto que expediria. O Dec. n. 3. 308 era justificado nos seguintes têrmos: "Atendendo à suma gravidade da crise comercial, que domina atualmente a praça do Rio de Janeiro, perturba as transações, paralisa tôdas as indústrias do país, e pode abalar profundamente a ordem pública, e à necessidade que há de prover de medidas prontas e eficazes, que não se encontram na legislação em vigor, os perniciosos resultados que se temem de tão funesta ocorrência ... ". (2) O Dec. n. 3. 309, de 20 de setembro de 1864, regulou a falência dos bancos e casas bancárias nos têrmos do Dec. n. 3. 308 supra mencionado, dizendo: "Considerando que a falência dos bancos e casas bancárias, pela multiplicidade de suas transações com o povo, pelas suas importantes relações com o comércio e a agricultura e pela influência que
O Dec. n. 2.691, de 1860, no art. 1.0 , dispunha: "A falência dos bancos em geral e de outras companhias e sociedades anônimas e de suas caixas filiais e agências terá lugar em todos os casos e pelo modo estabelecido na legislação comercial em vigor (Parte III, Tít. I, do Cód. Comercial e respectivos regulamentos)". Quanto a êsses bancos e sociedades não houve, pois, modificação. (2) O Dec. n. 3.308, expedido pelo Imperador, teve a referenda de todos os ministros e foi previamente ouvido o Conselho de Estado com parecer unânime. (1)
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pode exercer sôbre o crédito e a ordem pública, não deve ser regulada pela legislação das falências ordinárias, usando da autorização concedida pela Lei n. 799, de 16 de setembro de 1854 (1), e outrossim fundado nos imperiosos motivos de fôrça maior que atualmente, e, na ausência da assembléia geral legislativa, reclamam uma providência urgente e eficaz, hei por bem decretar ... " :Ê:sses dois Decs. ns. 3 . 308 e 3 . 309 foram declarados sem efeito pelo Dec. n. 3. 516, de 30 de setembro de 1865, por terem cessado os motivos que os determinaram. 38. Estava comprovada a deficiência do código, e a reforma das falências começou a preocupar a atenção dos estadistas . NABUCO, um dos nossos maiores jurisconsultos, então Ministro da Justiça, apresentou, em sessão de 1 de junho de 1866, na Câmara dos Deputados, uma proposta modificando diversas disposições daquele código e estabelecendo outras. O eminente estadista justificava nestes têrmos o seu projeto: "Há quatorze anos o nosso comércio acolheu esperançoso a legislação de 1850. o tempo, porém, veio demonstrar que não era senão ilusória a proteção que o código prometia aos credores . Com efeito, o nosso processo das falências, lento, complicado, dispendioso importa sempre a ruína do falido e o sacrifício do credor. Uma dolorosa experiência tem demonstrado que os credores, apesar das fraudes de que são vítimas, descoroçoados do resultado, abstêm-se dêsses processos eternos, e querem antes aceitar concordatas as mais ruinosas e ridículas. Os exemplos são freqüentes e de cada dia, não há que duvidar daquilo que vemos e deploramos. (1) Esta Lei n. 799, de 1854, estabeleceu a competência dos tribunais e juízes do comércio, e a ela já nos referimos em o n. 192 do 1.º vol. dêste Tratado.
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No meu relatório assinalei como um dos graves defeitos do processo atual a confusão do interêsse da justiça pública e do interêsse privado, a dependência da parte criminal e da parte comercial, os inconvenientes de uma instrução comum muitas vêzes desnecessária em relação à justiça pública, e quase sempre gravosa à massa falida. A proposta separa os processos, torna independentes e sem influência recíproca e prejudicial às decisões, na parte criminal e comercial . Êste princípio, porém, tem uma exceção; a qualificação de bancarrota fraudulenta impede a concordata e a reabilitação.
o
modo da administração é outro defeito do regímen atual, porquanto, como sabeis, a administração da falência é encarregada a diversos agentes provisórios (curadores fiscais e depositários), e ao depois a outros agentes definitivos (os administradores) . Essas nomeações dependem da reunião de credores, essas reuniões são dispendiosas por causa da convocação, os credores nomeados, ocupados com os seus interêsses, não podem aplicar-se a uma administração que exige grande atenção e perda de tempo, as mais das vêzes escusam-se, a gestão da falência vai recair em pessoas inábeis ou suspeitas. A proposta institui em tôdas as praças comerciais do Império liquidadores juramentados, nomeados pelo govêrno, sob proposta do presidente do tribunal do comércio, por cinco anos, mas revogáveis. Logo que alguma falência é aberta, o juiz do comércio nomeia dentre os liquidadores o curador-fiscal que deve administrá-la até a definitiva liquidação. Êsses liquidadores exercem as funções que ora competem ao curador-fiscal, ao depositário e aos administradores da massa falida, os quais ficam suprimidos. A fonte desta instituição é a lei belga de 18 de abril de 1851. Também na Rússia e na Inglaterra existem, com poucas diferenças, êstes liquidadores, com diversos nomes. Vem aos olhos de todos a vantagem que resulta da profissão na gestão das falências. Os interêsses da massa falida serão mais acautelados , encarregados a um ·agente pronto desde a abertura da · falên-
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eia até à liquidação definitiva. O processo da falência se tornará mais fácil, desembaraçado das delongas provenientes das reuniões dos credores. Sobreleva que pelas vantagens que podem auferir das grandes falências, êsses liquidadores se encarregarão das pequenas falências, que assim não ficarão, como hoje, abandonadas e sem administradores. A proposta simplifica o mais que é possível o processo das falências. Assim que a verificação e classificação dos créditos que, conforme o código, se faziam no fim do processo ou depois do contrato de união (art. 859), precede, conforme a proposta, à concordata, e dispensa a verificação do art. 845. Portanto, a reunião de que trata o art. 842 não tem por objeto senão a concordata ou o contrato de união. Esta mesma reunião para a concordata é dispensada, se o falido apresenta ao juiz uma concordata escrita, assinada pelos credores. A concordata, porém, é nula, se não precede a ela a publicação ou depósito do balanço, inventário e relatório das causas da falência assim como a verificação dos créditos. Se os credores se não reúnem para a concordata,. e o falido não apresenta concordata escrita, presume-se o contrato de união, e seguem-se os seus efeitos. A proposta também providencia sôbre falência dos bancos. Outrossim, estabelece a concordata por abandono, cujos motivos expendi no relatório que apresentei à vossa consideração". Iniciava-se, assim, a reforma sôbre falências. O projeto NABUCO, porém, não vingou, ou porque fôsse incompleto, ou porque circunstâncias especiais de ordem política embaraçassem o seu estudo. 39. Em 1879, a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados ofereceu um projeto de lei sôbre concordatas. Daí proveio o Dec. Legisl. n. 3. 065, de 6 de maio de 1882, que alterou as disposições dos arts. 844 e 847 do Cód. Comercial e permitiu a concordata por abandono, aliás já lembrada no projeto NABUCO. Foi esta a modificação de maior importância que sofreu a parte III do Cód. Comercial durante a Monarquia.
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Urgia a reforma da legislação sôbre falências.
Em 1872, notava AQUINO E CASTRO: "Sôbre a deficiência e vícios, que a prática tem demonstrado, da legislação pátria em matéria de falências há muito que dizer. É a parte da legislação comercial que mais reparo merece e onde justamente se faz preciso um estudo de reforma mais aprofundado". (1) geralmente reconhecido, escrevia, em 1899, MACEDO SOARES, então juiz da 2.ª Vara Comercial da Côrte do Império, que o processo das falências, tal como está determinado no Cód. Comercial do Brasil, no Regul. n. 738, de 25 de novembro de 1850, na Lei n. 1.597, de l.º de maio de 1855, e mais monumentos legislativos, ressente-se, entre outros defeitos, de dois gravíssimos: é demasiado lento e demasiado dispendioso . A longa morosidade, que consome a paciência dos credores, e o avultado dispêndio que absorve em custas o melhor das massas f elidas, são devidos a formalidades inteiramente inúteis, que podem ser eliminadas ou substituídas, sem dano para os credores, sem gravame para os falidos, semprejuízo para a verdade dos fatos concernentes à qualificação da quebra, à punição dos criminosos e à reabilitação do devedor honesto que se achar envolvido nas tramas do processo". (2) "É
Os derradeiros governos da Monarquia mostraram-se dispostos a enfrentar, com seriedade, a reforma. FERREIRA VIANA, Ministro da Justiça em 1888, no seu relatório dêsse ano, aludia à necessidade da revisão do processo da falência e para êsse fim encarregara os juízes do comércio da Côrte (HOLANDA CAVALCANTE e MACEDO SOARES) de propor as medidas aconselhadas pela prática e experiência adquiridas no exercício dos cargos, consultando as legislações mais adiantadas. (3) CANDIDO DE OLIVEIRA, último Ministro da Justiça, nomeara, para organizar o projeto de lei sôbre falências, uma Em O Direito, vol. 1.º pág. 7. Em O Direito, vol. 51, pág. 323. (3) Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 3.ª sessão da 20.ª legislatura, 1888, pág. 75. (1)
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comissão (1), que se reunira, pela primeira vez, em 21 de outubro de 1889, na Secretaria da Justiça, sob a sua presidência, incumbira MACEDO SOARES de redigir o projeto. (2) Êste magistrado chegou a escrever uma exposição intitulada - Reflexões sôbre o processo da falência, publicada em O Direito, vol. 51, págs. 323-343. O advento da República não consentiu que a comissão concluísse a tarefa. O govêrno provisório da República, constituído pelo exército e armada em nome da Nação, na agitação de reformas de que foi acometido, não esqueceu as falências. 41.
(1) "Ministério dos Negócios da Justiça. - Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1889 - Ilm. 0 Exm. 0 Snr. - Tendo o govêrno imperial de apresentar na próxima reunião do corpo legislativo um projeto de lei sôbre falências e outro sôbre tribunais correcionais, resolveu nomear para êsse fim uma comissão composta de V. Ex., do conselheiro JOÃO JOSÉ DE ANDRADE PINTO e dos Drs. AFONSO CELSO DE ASSIS FIGUEIREDO, LUiS DE HOLANDA CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE e ANTôNIO JOAQUIM DE MACEDO SOARES, a qual, presidida pelo Ministro da Justiça, deverá reunir-se nesta Secretaria de Estado, no dia 21 do corrente, à 1 hora da tarde. O govêrno imperial espera do zêlo de cada um dos membros da comissão que aceitarão êsse encargo, dando mais uma prova do seu reconhecido patriotismo e interêsse por tudo quanto se refere à causa pública. Deus guarde a V. Ex. - CANDIDO LUÍS MARIA DE OLIVEIRA. - A S. Ex. o Sr. Conselheiro EDUARDO DE ANDRADE PINTO, e idêntico aos demais membros da comissão". (Diário Oficial, de 15 de outubro de 1889) . (2) O Diário Oficial, de 22 de outubro de 1889, em seu Noticiário, publicou o seguinte: "Falências e tribunais correcionais. Reuniu-se on~em na Secr~taria da Justiça a comissão nomeada pelo Sr. Cons. CÃNDIDO LUIS MARIA DE OLIVEIRA para organizar um projeto sôbre falências e outro sôbre tribunais correcionais, que deverão ser submetidos ao corpo legislativo. Estiveram presentes os Srs. Ministro da Justiça, Cons. JOÃO JOSÉ DE ANDRADE PINTO, EDUARDO DE ANDRADE PINTO, Drs. LUÍS DE HOLANDA CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE, ANTôNIO JOAQUIM DE MACEDO SOARES e AFONSO CELSO DE ASSIS FIGUEIREDO. O Sr. Cons. CANDIDO LUÍS MARIA DE OLIVEIRA agradeceu o comparecimento dos Srs. membros da comissão, solicitando o seu concurso para o fim que o Govêrno tinha em vista. Depois de ligeiro debate, resolveu-se que o Sr. Dr. MACEDO SOARES ficasse encarregado de formular o projeto sôbre falências e o Sr. Cons. JOÃO JOSÉ DE ANDRADE PINTO o relativo a tribunais correcionais, sendo os respectivos trabalhos discutidos em reuniões ooortunamente marcadas. Deliberou-se também, que o Dr. AFONSÕ CELSO fôsse nomeado o ·"'""...,,..4-.resentada aos síndicos dentro do prazo marcado pelo JUIZ na sentença declaratória da falência é acompanhada dos documentos ou títulos comprobatórios. Os síndicos examinam estas declarações ouvindo o falido, que também dirá por escrito sôbre cada uma, e depositam-nas em cartório, para serem examinadas pelos credores. Com essas declarações apresentam êles as seguintes relações: uma contendo os nomes dos que reclamaram a sua inclusão na falência, com as devidas especificações; outra os nomes dos credores que não tendo reclamado, constam, todavia, dos livros da casa falida. Tratando-se de falência de sociedade de responsabilidade pessoal, êles organizarão outras relações referentes aos credores particulares dos sócios solidários. Durante o prazo de cinco dias os interessados podem impugnar os créditos incluídos nesta relação, quanto à sua legitimidade, importância ou classificação. Em assembléia dos credores o juiz examina uma a uma as declarações apresentadas, resolvendo as dúvidas que a respeito apareceram, depois de breve debate oral e diligências que achar acertadas. Os créditos não impugnados serão tidos por verificados. Do despacho do Juiz cabe recurso para o tribunal superior sem suspensão do processo da falência, mas a decisão dês te tribunal pode prejudicar ou invalidar a concordata, se o voto do credor admitido ou impugnado influir na sua aprovação. O substitutivo do Senado estabelece a classificação dos credores mais ou menos como na lei atual, suprimindo, entretanto, os credores reivindicantes. Dêsse modo, êle retira êsses credores de uma classe especial de privilegiados, para tratar, do instituto da reivindicação nos arts. 138 a 143. No título VIII, o substitutivo se ocupa da realização do ativo e liquidação do passivo, estabelecendo regras muito pre.cisas e completas sôbre êstes assuntos. Os encargos e dívidas da massa serão pagos preferencialmente sôbre todos os créditos do falido, ficando bem entendido
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que os credores hipotecários tendo o privilégio sôbre determinados imóveis, do produto dêstes se deduzirão exclusivamente as despesas e custas judiciais (art. 94) . Pagos os credores com o que houver na massa, a falência é encerrada, publicando-se pela imprensa. O Juiz mandará passar aos credores, que pedirem, uma carta de sentença para em todo o tempo e enquanto não prescrever a obrigação, executarem o devedor pelo saldo. Quanto à reabilitação, o substitutivo do Senado estabelece princípios novos protetores dos falidos casuais. O falido que tiver pago aos seus credores mais de 50 % , decorrido o prazo de 10 anos, ou que tiver pago mais de 25 % , decorrido o prazo de 20 anos, poderá se reabilitar desde que não fôr condenado por falência culposa ou fraudulenta ou por crimes a elas equiparados, provando que durante aquêles prazos procedeu sempre com lisura. No título XIII, estabelece aquêle substitutivo tôdas as disposições penais em matéria de falência e de concordata preventiva e o respectivo processo. O substitutivo do Senado estabelece duas espécies de concordata: a concordata preventiva e a concordata na falência. A concordata preventiva evita a declaração de falência e deve garantir aos credores o pagamento de mais de 20 % . Não poderão propor esta concordata as sociedades anônimas, os corretores, agentes de leilões e empresários de armazéns gerais. Nos arts. 140 a 157 do substitutivo, acham-se expostas com minúcias tôdas as regras referentes a êsse importante instituto. Basta o simples confronto entre estas disposições do substitutivo do Senado e as dos arts. 23 a 38 do projeto da Câmara para se notar a superioridade daquelas. Da concordata na falência trata o substitutivo do Senado nos arts. 103 a 120. São dignas de nota as seguintes disposições : 1) se o pagamento fôr à vista, a concordata para ser válida deverá ser aceita: por maioria de credores representando pelo menos três quintos do valor dos créditos, se o
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dividendo oferecido fôr superior a 60%; por dois terços de credores, representando pelo menos três quartos do valor dos créditos, se o dividendo fôr superior à 40%; por três quartos dos credores, representando pelo menos quatro quintos do valor dos créditos se o dividendo fôr até de 40%. Se o pagamento do dividendo fôr a prazo, que não poderá ser maior de dois anos, a concordata deverá ser aceita por credores representando pelo menos três quartos do valor dos créditos; 2) não valerá a concordata que trouxer aos credores maior sacrifício que a liquidação na falência, atendendo-se à proporção entre o valor do ativo e a porcentagem oferecida; 3) os credores dissidentes poderão opor os embargos que o substitutivo do Senado estabelece no art. 108; 4) a concordata poderá ser rescindida nos casos do art. 115, podendo requerer a rescisão qualquer credor sujeito aos seus efeitos; 5) os bens da massa somente serão entregues ao concordatário depois de pagar ou depositar em juízo a importância devida aos credores privilegiados sem garantias especiais e tôdas as despesas do processo e da administração da massa; 6) o falido poderá firmar concordata não só na primeira assembléia dos credores, como em qualquer tempo depois desta assembléia, observando o que dispõe o art. 119. Finalmente, o substitutivo do Senado termina estabelecendo algumas úteis providências, muitas de caráter meramente processual. Eis em síntese o que se contém no substitutivo do Senado que, incontestàvelmente, leva uma vantagem ao projeto da Câmara, e nestas condições, sendo urgente uma lei de falências que corrija os grandes abusos atuais, pelos quais tanto têm reclamado o comércio e homens do fôro, a Comissão é de parecer que seja o mesmo aprovado. Sala das sessões, 17 de setembro de 1908. FREDERICO BORGES, Presidente. - ALVARO DE CARVALHO, Relator. - GERMANO HASSLOCHER. - ARTUR LEMOS. - ESMERALDINO BANDEIRA. - HENRIQUE BORGES. PEDRO VIANA. -_ LUfS DOMINGUES, pelo projeto do Se-
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nado, como uma tentativa mais contra a roubalheira judicial das falências, sobretudo neste Distrito Federal". (1) 50. Na sessão de 8 de outubro de 1908, anunciada a discussão do substitutivo do Senado, orou CASSIANO DO NASCIMENTO, leader da Câmara, encerrando a discussão. (2) (1) Diário do Congresso Nacional, suplemento ao n. 122, de 26 de setembro de 1908. O Jornal do Comércio, de 14 de novembro de 1908, publicou um artigo de PARANHOS MONTENEGRO, apreciando êsse parecer da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados. (2) "O Sr. CASSIANO DO NASCIMENTO - Tanto quanto era possível, desta manhã até à hora em que chegou no recinto, deu-se ao trabalho de confrontar o substitutivo do Senado com o projeto da Câmara, e deve declarar que, de acôrdo com a comissão desta Casa, achou, corno advogado que é, muito melhor o substitutivo do Senado. Não tem, portanto, outras observações a fazer senão declarar neste instante, que aceita, com a digna comissão, o substitutivo do Senado, sôbre a lei de falências, medida que entende ser necessário votar quanto antes (muitos apoiados) para acabar com os abusos que se dão na matéria, diàriamente, tanto no fôro da Capital Federal, corno no dos Estados. Sr. Presidente, sabe que esta questão das falências é muito interessante porque há uma parte do direito substantivo que aí se confunde com o adjetivo e é bem de ver que isto não é um assunto nara se dirimir ou discutir em um final de sessão. Não obstante te·r sido distribuído o parecer às 8 horas da manhã, a leitura que fêz do substitutivo o convenceu de que a Câmara deverá quanto antes votá-lo, porque êle é preferível a tudo quanto atualmente há sôbre a matéria. (Muito bem). Como se depreende do que disse, não tem emendas a oferecer, estando como está de acôrdo com o substitutivo do Senado. Lamenta que alguns dos colegas, talvez partidários do projeto da Câmara, não tenham dúvidas a sugerir, caso em que o orador teria .Drazer de se envolver na discussão porque, embora entendendo pouco do assunto (não apoiados), em todo caso como advogado teve ocasião de por muito tempo manejar o Dec. n. 917, de estudá-lo, de examiná-lo e se enfronhou um pouco neste assunto de falências. Teria, pois, muito prazer se se proporcionasse ocasião de controvérsia, mas, como ela não se proporciona e corno lhe parece que a Câmara inteira está disposta a aceitar o substitutivo ... O Sr. ADOLFO GORDO - Que é excelente. O Sr. CASSIANO DO NASCIMENTO - ... que é, a seu ver excelente que nada tem a dizer senão que o aceita. ' O Sr. LUÍS DOMINGUES - Muito bem. O Sr. CASSIANO NASCIMENTO - Era o que tinha a dizer
(Muito bem; muito bem.)
·
O Sr. Presidente - As observações do nobre deputado me parecem tanto mais procedentes, quanto é certo que o parecer da comissão com o projeto foi publicado no dia 18, sendo decorridos portanto, 20 dias, durante os quais a Câmara poderia tomar conhe~
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A Câmara aprovou o substittuivo em sessão de 21 daquele mês de outubro. (1) O Diário do Congresso, n. 196, de 17 de dezembro de 1908, págs. 4. 270-4. 288, publicou a redação final. (2) No mesmo dia, 17 de dezembro, o Presidente da República sancionou a lei sob o n. 2. 024, sendo publicada no Diário Oficial, n. 295, de 19 do aludido mês. (*) 51. A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, entrou em vigor, no Distrito Federal, três dias depois da sua publicação no Diário Oficial, e nos Estados nos prazos marcados no art. 1.º, ns. II e III, do Dec. n. 572, de 12 de julho de 1890. (3) Ela julgou necessário declarar no art. 191, que a sua execução não dependia de regulamento do Poder Executivo: Escusada seria a declaração em virtude do conteúdo dessa lei (veja-se o n. 80 do 1.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado), se o precedente do Dec. n. 4. 855, de 2 de junho de 1903 (n. 47, supra) não aconselhasse a advertência. cimento do assunto. Se nenhum dos Srs. deputados quer discutir a matéria, é porque, como diz S. Excia., estão todos de acôrdo. Não havendo quem queira usar da palavra, darei por encerrada a discussão. (Pausa.) Está encerrada e adiada a votação." (Diário do Congresso Nacional, de 9 de outubro de 1908.) O) Fêz-se a votação dos títulos a requerimento de CASSIANO DO NASCIMENTO e por deliberação da Câmara (Diário do Congresso Nacional de 22 de outubro de 1908, págs. 3.155 e segs.). (2) A essa publicação precediam as seguintes palavras: "Por haver reclamado a tiragem de várias provas com o fim de serem corrigidas cuidadosamente as disposições do projeto de acôrdo com o substitutivo enviado pelo Senado, sàmente agora pode ser publicada a seguinte redação final". Não obstante todo êsse cuidado, faltou entre os arts. 62 e 63 as palavras: TÍTULO III. (3) A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, acha-se traduzida em francês pelo Dr. VELOSO REBELO, secretário da Legação do Brasil, em Bruxelas, anotada por ZWENDELAAR, advogado na Côrte de Apelação de Bruxelas, e publicada na Revue de l'Institut de droit comparé à Bruxelles, vol. 2.º (1909), págs. 753 e segs., e em francês, inglês e alemão nas respectivas edições da grande coleção de Les lois commerciales de l'Univers, The commercial law of the world, Die Handelgetze des Erdballs.
( •) A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, foi substituída pela de n. 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Na realidade, houve, em 1929, mera revisão da lei de 1908, que sofreu pequenas alterações, algumas para pior. Vigora, presentemente, o Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945.
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As censuras teóricas que de vez em quando aparecem ao art. 191 da Lei n. 2. 024, caem ante o objeto dessa lei, e em face do art. 4. 0 do citado Dec. n. 572, de 1890, do Govêrno Provisório. A Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados, no parecer de 17 de setembro de 1908 (à pág. 104, supra), justificou brilhantemente a disposição daquele art. 191. (1) 52.
Seria injustiça contestar os benéficos efeitos da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, não obstante a má aplicação que dêsse ato se vai fazendo. Há disposições que reclamam reforma e outras que precisam ser explicadas para assentarem julgados vacilantes. Não se pode, porém, condenar uma lei, e uma lei destas, tal a sua complexidade e vastidão, só porque tenha necessidade de retoques. Mencionamos acima os pareceres da Comissão de Legislação e Justiça do Senado, em 1907 (n. 48), e da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados, em 1908 (n. 49), e o discurso do leader CASSIANO DO NASCIMENTO (nota 2 da pág. 112), realçando o valor do substitutivo URBANO SANTOS, hoje Lei n. 2. 024, e a sua superioridade sôbre as leis de 1890 e 1902. São opiniões e votos valiosos, por emanarem de jurisconsultos, advogados, e estadistas eminentes. O Dr. VICENTE DE MORAIS MELO JÚNIOR, ilustrado Ministro do Tribunal de Justiça cie S. Paulo, apreciando essa lei com o apurado critério jurídico, que tanto o distingue, escreveu um belo trabalho, acolhido pelo O Estado de S. Paulo, de 27 de janeiro de 1909, em suas colunas de honra, do qual destacamos os trechos seguintes: "A Lei n. 2 . 024, de 17 de dezembro, veio sanear o nosso instituto de falência. Vazada em moldes práticos, corrigindo as falhas e omissões das leis ante.riores, estabelecendo medidas (algumas das quais inteiramente originais e de incontestáveis resultados benéficos), tendentes (1) Há, entre nós, a mania da regulamentação. O Cód. Civil, por milagre, escapou desta monstruosidade. Não fôra o bom senso do Ministro da Justiça, Dr. CARLOS MAXIMILIANO.. . (Veja-se Revista Jurídica, vol. 4. 0 , pág. 191) .
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a manter a direta intervenção dos credores em todo o processo da falência e seus incidentes, dificultando o ingresso da fraude e providenciando enfim largamente no sentido de se manter a igualdade e o equilíbrio entre os interêsses dos credores do falido, a nova lei, desde que seja sàbiamente aplicada, há de produzir os melhores resultados. De todo o seu conjunto se vê que o característico da nova lei, é: visar uma verificação e classificação de créditos, que sejam a expressão da verdade, e desterrar a fraude, o conluio, a má-fé, e a chicana, dando-lhes caça, onde quer que se ocultem. Entre as disposições que sobremaneira dificultam o ingresso da fraude, do conluio e da má-fé, na formação e aceitação das concordatas, se notam as que: obrigam o concordatário a depositar a importância dos créditos privilegiados, sem garantias especiais, antes de receber os bens da massa; excluem da votação da concordata os credores que se apresentarem com créditos transferidos depois da abertura da falência; presumem o conluio entre o devedor e o credor que desistir de suas garantias para votar na concordata, quando nenhum interêsse de ordem econômica lhe aconselha êsse procedimento e o seu voto influiu na formação da concordata. O cancro que infeccionava até agora as falências e que tanto desânimo trazia aos credores honestos, era a defeituosa verificação de créditos, onde se ocultava tantas e tantas vêzes a fraude e o conluio dos compadres, sendo de notar que as concordatas eram, às mais das vêzes, votadas e aceitas sem se saber ao certo quais eram os verdadeiros credores. :mste mal, parece que, se não ficou extirpado, ao menos já não pode ser temido, desde que por parte do síndico, dos credores legítimos, do Juiz e do Ministério Público haja a necessária diligência no descobrimento da verdade e na punição dos que tiverem usado de falsidades e simulações. O processo da verificação e classificação de créditos é engenhoso, garantidor das partes interessadas e econômico; faz com que, no momento em que é azada a apresentação da proposta de concordata, a verificação e classificação dos créditos já estejam definitivamente decididas em l.ª instância. É o
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quanto se pode exigir para garantir a verdade e justiça, sem quebra da celeridade peculiar a tais processos. Esperar, para permitir a apresentação da proposta de concordata depois que os créditos sejam verificados e classificados em 2.ª instância, seria prolongar demasiadamente a primeira fase da falência, trazendo mais prejuízos que vantagens. A nova lei de falências trouxe, pois, incontestáveis melhoramentos, veio moralizar o instituto; e alguns pontos fracos que possa ela conter hão de ser reforçados por uma jurisprudência bem orientada, podendo augurar-se à nova lei duração e estabilidade, até ser fundida no futuro Código Comercial em reforma do vigente, já em tantos pontos grandemente alterado. A nova lei veio submeter à falência as sociedades anônimas; e foi lógica, desde que, ante a moderna intuição jurídica, nas falências se deve atender mais ao patrimônio do que às pessoas, não havendo, portanto, motivo de distinções". O saudoso PARANHOS MONTENEGRO, que em comêço se mostrara hostil ao substitutivo URBANO SANTOS, acabou por dizer: "Apesar de minhas divergências em alguns pontos, o meu juízo é que a nova lei de falência é excelente e muit~ aproveitará ao comércio honesto, cujos interêsses procurei sempre garantir contra as roubalheiras, quer judiciais, quer dos ávidos de riquezas sem escolha de meios". (1) Por sua vez, o digno Presidente da Junta Comercial de S. Paulo, o Sr. JOÃO CÂNDIDO MARTINS, dá o seguinte testemunho: "A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, refundiu completamente a legislação anterior, melhorou-a consideràvelmente na redação, nos preceitos e no processo; e garantindo melhor os direitos creditórios, constitui um real progresso da nossa legislação comercial". (2) ALFREDO PUJOL, notável erudito advogado paulista, em resposta à consulta que lhe dirigira o Centro do Comércio e Indústria de S. Paulo, se achava aconselhável uma revisão na lei de falências e quais as modificações aceitáveis, respondeu (1)
(2)
Jornal do Comércio, de 14 de novembro de 1908. Diário Popular, S. Paulo, de 2 de janeiro de 1909.
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em 29 de outubro de 1914: "Do meu próprio estudo e das minhas observações, bem como das palestras que tenho tido sôbre o assunto com o principal autor da atual lei de falências, resultou a convicção em que me acho, de que aquela lei precisa menos de modificações do que de uma mais escrupulosa aplicação por parte de juízes e tribunais. A lei é ótima: e os seus relativamente pequenos defeitos não devem aconselhar uma revisão que poderia dar em resultado a adoção de medidas inconvenientes e a modificação de disposições necessárias, dada a facilidade, a incongruência e a irreflexão com que infelizmente em regra, são estudadas e votadas as questões no Congresso Nacional. Tenho notado, na experiência diária da lei, que muitos dos clamores contra ela levantados resultam imicamente da sua má aplicação ou interpretação. Por exemplo: A lei manda que os síndicos e liquidatários desempenhem pessoalmente as suas funções (art. 68). Entretanto, diàriamente vêem-se tais funções exercidas, mediante delegação dos nomeados, por procuradores que muitas vêzes deixam a desejar no que respeita à probidade e ao fiel cumprimento dos seus deveres. A lei prescreve que o movimento das falências seja escriturado em livro diário, rubricado pelo Juiz (art. 68, n. 2) e que os síndicos e liquidatários apresentem mensalmente a conta da liquidação do mês anterior (art. 67, n. 7): raramente se vê cumprido êsse dispositivo claro e terminante. A lei dispõe que não poderá ser alterado o dia marcado pelo Juiz na sentença declaratória da falência, para a primeira assembléia dos credores (art. 100): diàriamente vemos alterados duas ou mais vêzes, sob fúteis pretextos ocultando motivos inconfessáveis, os dias marcados pelos juízes. A lei ordena no art. 187, que o salário dos peritos por exames dos livros dos falidos seja arbitrado pelo Juiz, não excedendo de trezentos mil réis para cada um; e tratando-se de trabalho excepcional, nas grandes falências, tais salários poderão ser maiores de trezentos mil réis, não excedendo, porém, em caso algum, do dôbro daquela taxa.
Ora, estamos vendo todos os dias exigirem-se e pagarem-se salários de muitos contos de réis por exames de livros". (1)
(1)
Na Revista de Comércio e Indústria, de março de 1915,
págs. 61-62.
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53. Uma lei de falências é sempre suscetível de retoques (2), e linhas acima dissemos que a Lei n. 2. 024, necessitava de correções que a aperfeiçoassem e melhorassem, de acôrdo com a experiência demonstrada na sua aplicação durante os sete anos decorridos. Parece, porém, exagêro dizer-se que "essa lei é defeituosíssima, mais defeituosa do que a primitiva, cujos senões quis remediar. Não há nela uma disposição que dispense a interpretação. E, em alguns pontos, então é obscuríssima". (1) Para tanto se afirmar, precisa esquecer fatos na memória de todos . Porventura, as censuras à Lei n. 2. 024 equivalem aos ataques que sofreram a parte terceira do Cód. Comercial de 1850 e as reformas de 1890 e 1902? Sendo indispensável a interpretação das normas da Lei n. 2. 024, deduzem-se daí os seus defeitos? O valor das leis não se afere mediante êsse critério. A obra da interpretação é sempre necessária, tanto na doutrina como na prática, para que se oponham meios eficazes contra os desvios ou as fraudes da lei. A Lei n. 2. 024 tivera talvez o defeito de confiar demais nos juízes, a cujo saber, inteligência e discrição entregou a sua parte mais delicada e fundamental, a verificação e classificação dos créditos. Tem sido êsse o motivo da crítica de alguns magistrados contra a lei, que lhes aumentou o trabalho e lhes duplicou a responsabilidade. Mas, a quem se devia entregar essa preciosa tarefa? Aos credores, partes no processo? Como saber quais os verdadeiros e os simulados? Que preparo jurídico têm os credores para decidirem em assembléia altas questões de direito, reconhecendo e graduando créditos no concurso falencial? É justo, é útil que êles intervenham e cooperem na administração da (2) Aprecie-se êste caso singular na lei de falências da cultíssima Itália. Em 1903, publicou-se a lei sôbre as pequenas falências. Mas, essa lei se aplica às sociedades ? Decisões diversas dos tribunais. . . discussões fortes entre escritores da fôrça de VIDARI, BONNELLI, BOLAFFIO ... Se no Brasil se desse a dúvida. . . que diriam os arquitetos de obra feita ? (3) Opinião do Dr. PINTO DE TOLEDO, digno ministro do Tribunal de Justiça de S. Paulo, na Gazeta (de S. Paulo), de 11 de maio de 1915, reproduzida na publicação oficial "Reforma do processo, São Paulo, Tip. do Diário Oficial, 1915", pág. 25.
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massa, e na sua liquidação; porém, só ao magistrado devem ser atribuídas, no primeiro período do processo, as funções de apurar os direitos dos interessados, de afastar a fraude dos credores, do devedor e de terceiros com êstes parceirados, e de investigar, auxiliado pelo Ministério Público, o procedimento do falido. (1) Diz-se, há séculos, que o Juiz faz boas as leis más. (2) Se êle não sabe ou não quer, por comodismo, cumprir o seu dever, se não tem a compreensão do seu alto sacerdócio, não há leis possíveis, não há diques nas leis de falências, sempre com pontos vulneráveis, que bastem para impedir as trapaças. Dêem-se-lhes leis completas, claras, se já existiram leis assim (3), êle sempre as achará defeituosas e obscuras ... Confronte-se a Lei n. 2. 024 com as das nações mais cultas sôbre o mesmo objeto e adquiriremos a certeza de que estas não são melhores. (4) preciso sómente que os juízes brasileiros se convençam de que o bom êxito da lei de falência dêles depende. Lei perfeita sôbre essa matéria não existe. É
(1) Vejam-se no art. 2.º da lei americana do norte de 1898 sôbre fa~ências as grandes e pesadas atribuições conferidas ao tribuna~, dizendo ainda êste artigo que as suas disposições não se devem mterpretar de modo a privar o tribunal de qualquer poder especial que possa ter. No Brasil, a presidência de uma alinhavada assembléia de credores cansa um juiz ... . (2) São de DUPIN as seguintes palavras: "C'est du choix des JUges que tout dépend. Même avec de mauvaises lois, de bons juges (à qui on laisse une certaine latitude) trouvent encore le moyen de faire le bien; mais les meilleures lois n'empêchent pas les mauvais juges d'en abuser pour faire le mal" (Des magistrats d'autrefois, des magistrats de la révolution, des magistrats à venir, n. 4) . (3) A êsse respeito e a propósito da missão do juiz, intérprete do Direito, lêde a bela apreciação de GENY, no seu livro notável M éthode d'interprétation et sources en droit privé positif, n. 85. (4) A tradução francesa da nossa lei de falência pelo Dr. VELOSO REBELO e a anotação de ZWENDELAAR (nota 2 da pág. 113) são precedidas das seguintes considerações: "La nouvelle loi brésilienne du 17 décembre 1908 sur les faillites est l'une des plus completes sur la matiêre. Elle s'est manifestement inspirée des législations étrangêres et s'est efforcée de parer aux défauts et lacunes que l'expérience de la pratique avait signalés dans les lois similaires des autres nations. Ses dispositions sur la mise en faillite des sociétés, le régime auquel sont soumises aprês la faillite les conventions conclues par le failli, les effets des jugements étrangers en matiêre
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CAPÍTULO V Da aplicação da falência. Da sua ampliação aos não comerciantes Sumário: - 54. A falência supõe um devedor comerciante e obrigação mercantil. Exceções ou ampliações a êste princípio. 55. A insolvência civil. 56. Distinção entre a falência comercial e a insolvência civil. - 57. Injustiça entre o tratamento dos devedores comerciantes e o dos devedores não comerciantes. 58. Continuação. - 59. As objeções contra a falência civil. - 60. Tendência da doutrina e das legislações em ampliar a falência aos não comerciantes. - 61. O I>roblema entre nós. 62. Conclusões do estudo da legislação comparada sôbre o assunto.
54. A falência é uma forma de execução, execução coletiva (n. 12 supra), promovida contra o devedor comerciante (sujeito passivo) responsável por obrigação mercantil (base do processo inicial) . A cada um dêsses princípios, devedor comerciante e obrigação mercantil, a Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, abriu exceções. Esta lei não sàmente: 1. 0 ) ampliou a falência às seguintes pessoas não comerciantes:
a) às sociedades anônimas com objetivo civil (art. 3. 0 ) e às em comandita por ações com o mesmo objeto umas e outras aliás sociedades comercializadas (ns. 96 e 122, infra); e b) aos sócios de responsabilidade ilimitada no caso de falência da sociedade (art. 6.º) (ns. 96 e 128, infra); como: 2. 0 ) permitiu que a obrigação civil servisse de base ao processo inicial ou declaratório da falência: a) se fôsse reconhecida por sentença passada em julgado e em via de execução (art. 2.0 , n. 1), caso único em que o credor por obrigação civil pode iniciar, com título próprio, a declaracão da falência do seu devedor comerciante (artigo 9. 0 , n. 3, § 2. 0 ); ou
de fa1llite, sont plus completes que dans la plupart de nos législations européennes". (Na Revue de l'Institut de Droit comparé de Bruxelles, 2.0 vol., pág. 753) .
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b) se o sujeito passivo da falência fôsse sociedade anônima (art. 3.º) . (1) Essas exceções, porém, não retiram da falência o seu caráter comercial. Ela ainda é, em nosso direito, um instituto mercantil. 55. Na ordem civil não temos a falência nem instituição equivalente à falência comercial. (2) Se o devedor não comerciante deixa de pagar as suas obrigações, porque não pode ou porque não quer, o credor dispõe somente dos meios ordinários do processo, salvo, bem entendido, os casos mencionados em o n. 54, supra. Tôda vez que as dívidas excedem à importância dos bens do devedor manifesta-se a insolvência (Cód. Civil, artigo 1.554). O devedor, nessas condições, é chamado insolvente. A insolvência, por si só, não quer dizer, portanto, cessação de pagamentos, nem a simples impossibilidade de pagar; significa o estado do patrimônio, no qual se manifesta o desequilíbrio entre o ativo e o passivo desfavorável àquele. (3) O) Não nos referimos especialmente às sociedades de crédito real (Lei n. 2. 024, art. 179), porque sendo constituídas sempre sob a forma anônima, entre estas ficam compreendidas. (2) O pagamento em concurso, na forma determinada no Código Civil, arts. 1. 554 e segs., é ato de execução e não é propriamente o concurso de credores que estabelece a falência. (Veja-se o que dissemos em o n. 12, supra) . (3) A lei nacional de falências dos Estados Unidos, de 1898, no art. 1. 0 , letra a, n. 15, explica: "É considerado insolvente (insolvent), nos têrmos desta lei, a pessoa cujos bens, em totalidade, não bastam para o pagamento de suas dívidas, verificado o valor dêsses bens mediante justa avaliação. Não serão computados no ativo os bens que a pessoa cedeu, alienou, ocultou, desviou ou consentiu que fôssem ocultados ou desviados, com a intenção de fraudar, embaraçar ou retardar o pagamento dos credores". O Cód. Civil português dispõe, no art. 1.036: "Dá-se insolvência, quando a soma dos bens e créditos do devedor, estimados no justo valor, não iguala a soma das suas dívidas". Quando se discutiu na Câmara dos Deputados a lei das sociedades anônimas, de 4 de novembro de 1882, disse LAFAYETTE, na sessão de 12 de junho dêsse ano: "O honrado senador (o Cons. José Bonifácio) perguntou primeiramente se as palavras do artigo in-
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A lei civil, porém, não estabelece uma organização geral para a defesa coletiva dos credores, manifestada que seja a insolYencia do devedor comum, conquanto o Cód. Penal, no art. 337, puna o que se constitui em insolvência, ocultando ou alheando maliciosamente os seus bens, ou simulando díYidas em fraude dos credores legítimos (1) . A insolvência e, conseguintemente, mero estado de fato. Note-se que insolvência e insolvente não são têrmos privativos da legislação civil; o comerciante e o não comerciante podem se achar impossibilitados de pagar o que devem, em virtude do desequilíbrio operado entre o valor dos seus bens, seu patrimônio, e a soma dos seus débitos. (2) A insolvência na ordem comercial, não se confunde em seu conceito e efeitos com a falência; esta pode, é verdade, solvabilidade e cessação de pagamentos significam uma só e mes-
ma idéia, ou idéias diferentes. . . O orador explica que aquelas expressões significam coisas distintas. Dá-se insolvabilidade quando o passivo é superior ao ativo; mas a insolvabilidade por si só não traz cessação de pagamentos, podendo acontecer que a sociedade, embora tendo passivo superior ao ativo, possa, pelo seu crédito e por meio de recursos e operações bem combinados, continuar a efetuar seus pagamentos. E, por outro lado, não se dando o caso de insolvabilidade, isto é, não sendo o passivo superior ao ativo, pode contudo suceder que, em conseqüência de crises ou de outros embaraços, a sociedade se veja obrigada a não fazer seus pagamentos. Em direito comercial, na primeira hipótese não há, e na segunda há falência" (Anais, 1882, vol. 1.0 , pág. 273) . PEREIRA E SOUSA, Dicionário jurídico, verb. Insolúvel: "Insolúvel se diz todo o devedor cujos bens não bastam para pagar as suas dívidas; a insolubilidade é o estado de um tal devedor". (1) Ao devedor insolvente permitia a Ord. do liv. 4. 0 , tít. 74, para evitar a prisão a que estava sujeito, a cessão cLe bens, isto é, apresentar aos seus credores a exposição e inventário de todos os seus bens e dívidas, justificando a sua boa-fé, e que ao tempo em que as contraiu, tinha ainda sufici~ntes bens, que depois perdeu sem culpa. ~ste remédio cessou depois que a lei de 20 de junho de 1774 § 19, e o Assento de 18 de agôsto do mesmo ano proibiram a prisã~ dos devedores insolventes. (Vejam-se COELHO DA ROCHA, Direito civil, vol. 1.0, nota ao § 170; TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis, nota 7 ao art. 436 e nota 24 ao art. 839) . Em contrário pensam CANDIDO MENDES, Código Filipino, notas à Ord. do Llv. 4.0, Tít. 74 (págs. 885 e 888), e CLOVIS, Direitos das obrigações, § 43) . O Cód. Civil não admitiu a cessão de bens. (2) O Cód. Comercial, no art. 475, fala da insolvência do armador do navio; no art. 687 da insolvência do segurador.
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proceder daquela mas também ser gerada por outras causas. (1) 56. A falência, na esfera comercial, é determinada por fatos certos, positivos e definidos em lei; a insolvência civil não tem sinais legais exteriores, que a caracterizem. Esta não é criação legislativa, mas um fenômeno reconhecido por certas circunstâncias e especialmente no balanço do ativo e passivo. A insuficiência patrimonial no estado latente é imperceptível. Na execução civil, quando muitas vêzes o credor já está exausto de alimentar longa demanda, por ocasião da penhora, é que reconhece o estado econômico do devedor; outras vêzes, vê aberto o concurso de credores, achando-se malogrado, depois de ter facilitado o caminho a outros. Assim, pois, enquanto a falência é uma instituição de direito, que oferece condições próprias para a sua existência, um processo coletivo de unidade e concentração, a insolvência civil não é mais que um estado de fato, provocado pelas ações individuais dos credores. A falência, inspirada na idéia do coletivismo, procura manter a igualdade entre os credores que confiaram no devedor; a insolvência disso não cogita, não tem sistema nem organização . A falência só existe legalmente em virtude da sentença judicial que a declara, que a torna pública, que abrange, nivela e protege todos os credores etiam dormientes; dá origem a uma associação, um sindicato, com administração especial, visando a defesa coletiva dos credores, baseada no conceito da igualdade (par conditio) . A insolvência civil não exige declaração solene (2); manifestada, cada credor trata dos seus interêsses, obra por conta própria, sendo o caso do jura vigilantibus subveniunt. O vigilante, e, não raras vêzes, o astuto, são os que mais direitos têm. A falência produz importantes efeitos, já relativamente à pessoa do devedor, já às de terceiros; da insolvência civil nenhum efeito jurídico decorre. (1)
(2)
Lei n. 2.024, arts. 1.0 e 2. 0 • o Cód. Civil, no art. 823, refere-se, entretanto, à declara-
ção legal da insolvência.
57. Injusta é, entretanto, a diferença no tratamento dessas duas qualidades de devedores. Os bens do devedor constituem o penhor comum dos credores; tal é a forma definitiva com que se assegura, nas nações civilizadas, o cumprimento das obrigações. Se na esfera comercial tem êste princípio realizarão prática, dando-se o processo coletivo da falência como remédio eficaz, porque não o aplicar na esfera civil, onde subsiste a mesma necessidade, fim do instituto, de garantir a todos os credores igual tratamento, para manter prestigiada a função do crédito e prevenir a fraude do devedor, que deseje favorecer uns em dano dos outros? "A ruína do comerciante é quase sempre o fruto da dissipação". Como fato econômico, a falência não é fenômeno especial de determinada espécie de produção, mais da indústria comercial do que da manufatureira ou agrícola; ela, pondera o professor ROCCO, pode verificar-se e verificar-se onde se usa o crédito (1). Em o n. 3, supra, assinalamos êsse conceito da falência. 58. O devedor civil, no estado da nossa legislação, pode desviar bens, fraudar credores, sem receio das disposições dos arts. 106-113 do Cód. Civil; a questão é de destreza, arte e jeito. O processo comum, longo e custoso, dá tempo para tudo. A A ação pauliana, única barreira que se lhe antepõe, também vagarosa, desanima o credor e é insuficiente. O arresto, que o direito processual faculta, acha-se, por sua vez, cercado de tantas exigências e formalidades que de ordinário não pode ser utilizado. No cível não existe a detenção pessoal; foi retirada sem compensação para o credor, que ficou desarmado ante a astúcia e a fraude do devedor. O devedor se malbaratou a fortuna alheia, evita as conseqüências da culpa, vai gozar vida folgada com o fruto da fraude; se é honesto e infeliz, não pode salvar-se do naufrágio, tem seu futuro comprometido com os credores! Acentua-se todos os dias a necessidade da falência civil nos embaraçosos inventários do devedor. Convertem-se êsses (1)
No mesmo sentido LONGHI, La bancarrota, n. 3.
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processos divisórios em verdadeiras liquidações, e não raras vêzes com prejuízo total dos credores e herdeiros. (1) 59. Sérias objeções não têm faltado contra a falência civil. Diz-se que o crédito é a alma do comércio, e a falência é a garantia e defesa do crédito. O particular não especula, não necessita de crédito e os seus credores não são tão numerosos como os do comerciante. Receiam-se os abusos, acha-se perigo em conceder aos devedores civis a concordata, esta obra de perdão e de paz, sob o fundamento de que as operações dos não comerciantes independem de imprevistas eventualidades. O crédito não constitui privilégio do comerciante. O não comerciante recorre hoje freqüentemente à especulação, ao crédito e a outras fontes de riqueza. A agrciultura, por exemplo, não se pode desenvolver sem crédito, e aí estão diversas leis amparando o crédito agrícola (n. 57, supra). Não é também o número de credores que aconselha a facilidade da liquidação . Qual o inconveniente em admitir-se a concordata civil? Na concessão desta medida os credores atendem exclusivamente a seus próprios interêsses, e, acham-na vantajosa, que razão social superior àqueles interêsses impõe a sua proibição? (2) Quanto aos alegados abusos, provam êles demais. Nenhuma instituição tem dado entrada a maiores abusos do que a própria falência comercial. 60-. Não deixam de ser respeitáveis os votos da ciência representada pelos seus mais notáveis cultores (3), e é digna (1) Consultem-se os arts. 1. 796 e segs. do Cód. Civil. (2) GUARIGLIA, Il concordata, n. 3. - Nos países em que a falência se amplia aos não comerciantes, a concordata permite-se a êstes. Abre exceção a esta regra a Austria, onde a concordata só é admitida uara o comerciante (Lei de 1868, art. 207) . (3) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8, ns. 7.392 e segs.; THALLER, Des faillites en droit comparé, vol. 1.0 , ns. 27 a 49; LYON-CA.EN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, vol. 7. 0 , ns. 37 bis e 37 ter; LUCIANI, Del fallimento, ns. 112 a 128. Entre os nossos, consulte-se GABRIEL DE REZENDE, Da aplicabilidade da falência aos não comerciantes, na Revista da Faculdade de Direito de S. Paulo, 1898, págs. 115 e segs., e no Curso de falências, págs. 37 e segs.
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de ser apreciada a tendência das legislações em ampliar o instituto da falência aos devedores não comerciantes. Nos domínios da legislação comparada, encontramos dois sistemas: o restritivo e o ampliativo. (1) Para o primeiro, a falência é um instituto exclusivamente mercantil; o estado de falência é peculiar ao comerciante. seguem-se a França (2), a Bélgica (3), a Itália (4), Portugal (5), a Rumânia (6), a Grécia (7), o Grão-Ducado de Luxemburgo (8) e tôda a América do Sul. (9) (1) Não é possível reunir em tipos gerais as leis sôbre falências. DALLOZ, no supplément au Répertoire, verb. faillite, ns. 6 e segs. seguindo THALLER (obra cit., vol. I, n. 17) as classifica em três tipos: o francês, o germânico e o anglo-saxônico. Mas, entre as próprias l~is compreendidas em qualquer dêsses tipos, as divergências são tao profundas que tiram todo o valor à classificação . A êsse propósito escreve JITTA, La codification du droit intern. de la faillite, pág. 3: "L'institution de la faillite, dans un pays déterminé, reçoit d'ailleurs l'empreinte de toutes les particularités, qui forment l'individualité juridique de ce pays. La faillite, en effet, le concursus creditorum, est la lice ou viennent s'entrechoquer tous les droits patrimoniaux d'une législation. Le caractere de cette ~utte, lutte nour la vie ou du moins pour le bien-être, est détermine par toutes- les nuances du droit natrimonial et les lois, qui réglent l'intervention de l'autorité publiqÜe dans la lutte, subissent nécessairen:ie~~ l'influence du milieu ou cette intervention est appelé à se prodmre · (2) Legislação francesa: lei de 28 de maio de 1838, incorpo~ada ao Cód. Comercial, compreendendo os arts. 437 a 614 (quando citar: mos qualquer dêstes artigos, referimo-nos à reforma de 1838); lei de 17 de junho de 1856, sôbre a concordata por abandono; lei de 12 de fevereiro de 1872, que modificou os arts. 450 e 550 do Cód. Come:cial; lei de 4 de março de 1889 e 4 de abril de 1890, sôbre liquidaçao judicial e leis de 30 de dezembro de 1903 e 23 de março de 1908, sôbre a reabilitação. . (3) Legislação belga: lei de 18 de abril de 1851, que, como a lei francesa de 1838, foi incorporada ao Livro III do Cód. Comercial, compreendendo os arts. 437 a 614; lei de 20 de junho de 1883, que estabeleceu a concordata preventiva, como medida de experiência, até que se tornou definitiva pela lei de 29 de junho de 1887. (4) Legislação italiana: Cód. Comercial de 1882, arts. 683 e 867; lei de 24 de maio de 1903, sôbre a concordata preventiva. (5) Legislação portuguêsa: Cód. Comercial de 1882, arts. 692 a 749, modificado pelo Código de Falências, aprovado pelo decreto de 26 de julho de 1899. (6) Legislação românica: lei de 20 de junho de 1895. (Veja-se a apreciação de VIDARI sôbre esta lei no Il ciiritto commerciale, vol. 14, pág. 817). (7) Cód. Comercial de 1835, e lei de 1878; lei de 6 de fevereiro de 1893 sôbre liquidação judiciária. (8) Leis de 2 de julho de 1870 e de 14 de abril de 1886 esta sôbre concordata preventiva. '
(9)
Legislação dos principais países da América do Sul: Repú-
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Para o segundo, o não comerciante também incide em falência. E o mais seguido. Dividem-se, porém, em dois grandes grupos as legislações que seguem êste sistema. Em um, nota-se a regulamentação idêntica, isto é, unidade de regras sôbre a falência dos comerciantes e não comerciantes, e aí estão a Alemanha (1), a Inglaterra (2), a Esblica Argentina, veja-se no n. 30, supra; Chile, Cód. Comercial de
1865, arts. 1.325 a 1.533; lei de 11 de janeiro de 1879, reformando os arts. 1.350, 1.412, 1.457, 1.459, 1.460, 1.461, 1.463, 1.489, 1.528 e 1.533; Uruguai, Cód. Comercial de 1865, sendo o Livro IV sôbre concordata preventiva e quebras reformado pela lei de 2 de outubro de 1900. No Paraguai vigora o Cód. Comercial argentino, em virtude da resolução do Congresso paraguaio de 5 de outubro de 1903. (1) Legislação alemã: lei do concurso (Konkursordnung), de 17 de maio de 1898. É a legislação que mais completamente equiparou os comerciantes aos não comerciantes. Esta lei refundiu as de 10 de fevereiro de 1877 e de 21 de julho de 1879. (2) Legislação inglêsa: The bankruptcy act, 1883, com as seguintes modificações: do art. 104, pelo The bankruptcy appeals (County Courts) Act 1884; do art. 40, als. 1 e 2, pelo Preferential payments in bankruptcy act, 1888; de diversos outros artigos, pelo Bankruptcy act, 1890. - O primeiro act sôbre falência foi de 1542, 34. 0 e 35. 0 ano de HENRIQUE VIII, quando o comércio, diz BLACKSTONE (Liv. II, C. XXXI), começou a ser efetivamente exercitado na Inglaterra. BLACKSTONE ainda nos informou que a legislação inglêsa se inspirou no direito romano, "não no direito das Doze Tábuas, e da República, porém nas leis dos Imperadores Cristãos relativas à cessão dos bens". Outro act do 13. 0 ano de ISABEL, em 1570, modificou consideràvelmente o act de HENRIQUE VIII. A legislação sôbre falências era então privativa do comércio. . O act de 1706, publicado no reinado da rainha ANA, assinalou importante evolução. O falido deixou de ser tratado como criminoso. Um sôpro de piedade, de comiseração e de justiça animou o legislador e provocou um progresso considerável para a época. O devedor infeliz e de boa-fé podia abandonar todos os seus bens, e obter a liberação absoluta, mediante decisão dos credores, homologada pelo Lord Chanceller. O act de 1825 de GEORGE IV permitiu que o próprio devedor promovesse a sua falência, a voluntary bankruptcy. O act de 1831 suprimiu os comissários (commissioners) e confiou aos tribunais a administração dos bens dos falidos, instituindo síndicos ou curadores. É desta época que data a Court of Bankruptcy, com apelação para a Côrte do Lord Chanceller, e, em certos casos, uma segunda apelação, para a Câmara dos Lords. Pelo act de 1861 (24 & 25 Vict., c. 134), é que o parlamento sujeitou também os não comerciantes à falência; havia, porém, disposições especiais para uns e outros. A equiparação completa foi feita pelo act de 1883. O act de 1861, conquanto aplicasse a falência também aos não comerciantes, estabelecia regras diferentes aplicáveis
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cocia (1), a Irlanda (2), a Suíça (3), a Holanda ( 4), o Japão (5), e os Estados Unidos da América. (6) Em outro, dá-se a regulamentação paralela, isto é, dois regulamentos, um para a ordem civil e outro para a comeràs falências destas duas classes de pessoas, e em um de seus anexos (schedules) enumerava as profissões comerciais para os efeitos legais. O act de 1869 ocupou-se especialmente das vantagens fraudulentas, concedidas a certos devedores. As suas disposições, parece, ficaram ineficazes. Seguiu-se o act de 1883, modificado em 1890, estabelecendo importante distinção entre a falência fraudulenta e a falência causada por circunstâncias infelizes. A remissão das dívidas, discharge, foi rodeada de garantias; não se concedeu senão em casos especiais. Em 1887, publicou-se o Deeds arrangements act (sôbre concordata preventiva) ; em 1888, modificou-se a lei de 1833 sôbre privilégios em matéria da falência e na liquidação da sociedade; em 1890, retocou-se o orocesso da concordata e tornou-se mais rigorosa a arder of discharge; em 1897, retocou-se a lei de 1888 na parte dos p~ivi légios no caso de liquidação das sociedades por ações; em 1908, mstituiu-se o ofício do public trustee para tutela do público que recorresse a trusts para administração de sucessões, de bens dotais, tutelas, etc. (1) Legislação escocesa: a lei fundamental é de 1856. Em 1880, 1881 e anos posteriores o parlamento inglês votou outras leis. . (2) Legislação irlandesa: leis de 25 de agôsto de 1857 Urzsh Bankruptcy (lsland) amendment Act, 1872), de 30 de agôsto de 1889 (Preferencial Payments in Bankruptcy (lsland) Act, 1889) . (3) Legislação suíça: loi fédérale sur la poursuite pour dettes ·et la faillite, de 11 de abril de 1889. Na Suíça é ampla a falênc!a, :n:as sàmente podem ser declarados falidos os que tiverem o nome ins~nto
no registo do comércio. Êste registo é obrigatório para os comerciaptes e facultativo oara os não comerciantes. O Cód. Federal Smço das Obrigações, revisto em 30 de maio de 1911, modificou em alguns pontos essa lei de 1889, pondo-a de acôrdo com o Cód. Civil. Sôbre a lei federal suíça já demos grande notícia em os ns. 28 e 29, supra. (4) Legislação holandesa: a lei de 30 de setembro de 1893 (que revogou as disposições sôbre falências contidas no Cód. Comercial de 1838) ampliou a falência aos não comerciantes e considerou uma penhora legal sôbre todo o patrimônio do devedor. (Veja-se análise desta lei por A. MULDER, no Annuaire de législation étrangere, 1894, pág. 400. Êste advogado estudou o projeto dessa lei no Bulletin de la Société de législation comparée, 1890-1891, págs. 621 e segs.) . A lei de 1893 sàmente entrou em vigor a 1.º de setembro de 1896, em virtude da lei de 20 de janeiro dêste ano, que preparou a sua aplicação, fazendo nos diversos códigos as modificações exigidas pelo novo regímen. (Consulte-se Annales de droit commercial, 1902, página 57. A lei de 9 de junho de 1902 modificou a lei de 1893) . ( 5) Cód. Comercial, arts. 978 a 1 . 064. (6) Legislação norte-americana: veja-se a apreciação dos números 26 e 27, supra.
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cial. A êste grupo pertencem a Espanha (1), a Austria (2), a Hungria (3), a Suécia (4), a Noruega (5), a Rússia (6), e a Dinamarca. (7) Nos países em que ainda prepondera o sistema restritivo, a idéia da aplicabilidade da falência aos não comerciantes tem caminhado muito. Na Itália, quando se tratou do atual Cód. do Comércio, a comissão organizadora do projeto reconheceu a vantagem da ampliação do conceito da falência a todos os devedores, mas achou-se sem poderes para propor a reforma porque o seu mandato se limitava à revisão da legislação comercial. Entretanto, manifestou o desejo "che non sia lontano il momento, in cui l'attenzione del potere competente possa essere rivolta anche a trovar modo di riparare all'accennata lacuna".
Voltou a questão ao seio da comissão revisora da Câmara dos Deputados e adiou-se a solução, pois, como se lê na Relazione (1) Legislação espanhola: o Cód. Comercial espanhol de 1885, em vigor desde 1. 0 de janeiro de 1886, trata das quebras dos comerciantes; a lei do processo civil (Ley de enjuiciamiento civil) trata do concurso de credores (arts. 1.130 a 1. 317), verdadeira falência civil; lei de 10 de junho de 1897, modificando os arts. 870 a 873 do Cód. Comercial, sôbre a suspensão dos pagamentos; e lei de 9 de abril de 1904 sôbre concordata preventiva das companhias concessionárias de obras públicas com os seus credores. (2) Legislação austríaca: leis de 25 de dezembro de 1868 e de 16 de março de 1884. Esta última é esoecial à revocatória dos atos do devedor insolvente. (Veja-se o n. 33, supra) . A lei austríaca de 1868 segue em suas partes essenciais o direito prussiano e o direito francês. Reclama-se a reforma com insistência. O comércio queixa-se das despesas, dos resultados quase nulos da realização do ativo e da demora do processo. (3) Legislação húngara: lei de 30 de março de 1881, que forma um pequeno Código de Falências. (Veja-se o n. 33, supra). (4) Legislação sueca: lei de 18 de setembro de 1862, com algumas modificações em 1870, 1882, 1883, 1884, 1901 e 1903 (sôbre concordatas), além da lei de 15 de outubro de 1880, sôbre a falência das emprêsas de estradas de ferro. (5) Legislação norueguesa: leis de 6 de junho de 1863 e 3 de junho de 1874, refundidas pela de 6 de maio de 1899. (6) Legislação russa: lei de 9 de novembro de 1863: Cód. do Proc. Civil de 1864; Cód. do Proc. Com. de 1903. (7) Legislação dinamarquesa: lei de 25 de março de 1872, que substituiu a de 30 de dezembro de 1858, sendo aquela a primeira codificação propriamente dita relativa à matéria. Tomou por modêlo a lei da Noruega de 1863, a qual foi em grande parte influenciada pela
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MANCINI-PASQUALI: dovrebbe trovare piu opportuna sede in una revisione del codice civile e di quello di procedura civile.
Em 1894 e 1895, apareceu de novo a discussão na comissão organizadora do projeto de concordata preventiva. BOLAFFIO advogou com ardor a falência civil, mas a maioria entendeu que não era oportuno o momento. Em 1903, a Câmara dos Deputados aprovou unanimemente, e o govêrno aceitou uma ordem do dia, na qual se convidava o govêrno a iniciar sem demora os oportunos estudos para o fim de completar e apresentar um projeto de lei que ampliasse a falência às pessoas não comerciantes. Na França, em 1879, foi enfrentado o problema, por ocasião de lei sôbre a liquidação judiciária. Os projetos de SAINTMARTIN e outros, os de RICHARD, WADDINGTON e DAUTRESME não resistiram à oposição de COURCELE-SENEUIL e LAROZE. La réforme, diziam êstes, amenerait une quantité d'autres modifications q'on ne peut introduire dans la loi des f aillites .
As leis de 2 de junho de 1893 e 1 de agôsto do mesmo ano assimilaram quase por completo as sociedades civis e comerciais quanto à falência. Em Portugal, examinada a questão ao preparar-se o Cód. Comercial de 1888, adiou-se para a revisão do Cód. do Processo Civil. Dizia o Ministro da Justiça VEIGA BEIRÃO no relatório de 17 de maio de 1887, que precedia o projeto do código: "Restringem-se a comerciantes as disposições do projeto, porque o código é meramente comercial, e por isso fica para outro lugar, que seja próprio, a solução da questão, muito da atualidade, de saber se a insolvência dos não negociantes deverá operar também alguma espécie de interdição, que complete a liquidação geral de todos os bens dêles em um só processo, já lei prussiana de 1855 e, por isso indiretamente pela lei francesa de 1838. Quanto à concordata, a lei dinamarquesa modelou-se na lei austríaca de 1868. A lei de 1872 foi modificada pela de 18 de dezembro de 1897, no § 164, acabando com a distinção entre nacionais e estrangeiros quanto à detenção pessoal. A lei de 14 de abril de 1905, sôbre concordata fora da falência e sôbre a extensão do direito de obter a concordata na falência, é a mais moderna na Dinamarca.
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ordenado no Cód. do Processo Civil, ao regular o concurso de credores". A comissão da Câmara dos Deputados, no parecer de 14 de janeiro de 1888, acrescentava: "Não duvidava parte da vossa comissão da conveniência de ampliar as providências relativas à quebra dos não negociantes, como é já direito na Alemanha, Austria-Hungria, Inglaterra, Dinamarca, Suécia e nos Estados Unidos da América, se não em outras nações; mas não sendo ainda êste o direito geral e não sendo o Cód. Comercial lugar próprio para esta disposição, deixando à reforma ou revisão do Cód. de Processo Civil o cuidado de completar as suas disposições, adotando do processo da falência o que fôr conveniente, e resolvendo sôbre êste momentoso assunto". Em 1899, na reforma do código de 1888, veio de novo à tona a idéia da ampliação do regímen especial da falência aos não comerciantes mas, sob o pretexto de que seria preciso alterar gravemente a economia de vários capítulos da legislação civil, criminal e do processo, e isso excederia os limites da autorização legal de que se achava investido o govêrno, adiouse ainda a solução . ( 1) 61. Entre nós a questão foi apreciada por ocasião de elaborar-se o Código Civil. O projeto COELHO RODRIGUES (arts. 1. 271 a 1. 323) estabelecia a falência para o não comerciante sob o nome de insolvência. Esta podia ser verificada por declaração do próprio devedor em juízo ou em virtude de requerimento de credores, justificando a existência de casos certos e taxativos. O insolvente, equiparado ao pródigo e sujeito a um curador, ficava privado da administração dos bens; êstes formavam uma massa, que era liquidada por um administrador. O projeto admitia a cessão de bens como meio de prevenir a declaração da insolvência. O projeto CLóVIS BEVILAQUA (Título X, arts. 1.679 a 1. 725), organizava a insolvência do devedor e o concurso dos credores, estabelecendo as condições em que a insolvência po-
(1) Relatório de 26 de junho de 1899, do Ministério da Justiça BORGES CABRAL.
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dia ser declarada e os seus efeitos. Concedia, também, a cessão como favor ao devedor que se tornasse insolvente sem culpa sua, e como meio preventivo da declaração da insolvência. O eminente CLóVIS BEVILAQUA justificava nestes têrmos o seu projeto: de bens
"Em relação à insolvência ou falência dos não comerciantes havia quatro problemas a resolver: Seria conveniente estender aos não comerciantes a instituição da falência? 1. 0
2. 0 Decidido que sim, seria necessário unificar o direito privado neste domínio ou manter o paralelismo existente para as relações civis e comerciais? 3. 0 É um código civil o lugar adequado para regulamentação desta matéria ou o do processo, êste ou uma lei especial? 4. 0 Sendo o código civil o regulador do instituto, onde abrir espaço para a sua inclusão? Os documentos legislativos e os livros de doutrina favoreciam qualquer solução adotada, exceto em relação à última interrogativa, para a qual não tem sido talvez tão diferentes as respostas. Ponderando as razões divergentes e colimando apanhar a tendência revelada no último estádio da evolução jurídica, pareceu-me que era bem fundada a observação já citada de JOSEPHUS JITA, afirmando que essa tendência é no sentido de afastar a falência do dir·eito penal e do comercial, reconduzindo-a para o direito civil geral. (Veja-se também RAOUL DE LA GRASSERIE, Classification scientifique du droit, pág. 151; CARVALHO DE MENDONÇA, Das falências, ns. 8-24). Seria realmente injusto continuar a tratar, por modo tão diverso os devedores comerciais e os civis, quando é princípio definitivamente assentado na jurisprudência ocidental que os bens do devedor constituem garantia comum dos seus credores (CARVALHO DE MENDONÇA, op. cit., n. 20) . Não hesitei, portanto, em aceitar a insolvência estabelecida no projeto COELHO RODRIGUES, como fecho natural do direito das obrigações. Nem é outro o lugar que têm assinado os Cód. Civis modernos ao concurso dos créditos.
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Mas, em um ponto tive de afastar-me do ilustre jurista piauiense; foi em relação à incapacidade com que o seu projeto f.ere o insolvente. A evolução do instituto revela que, de um exagerado rigorismo contra os que malbaratam a sua fortuna prejudicando os credores, se tem chegado a um tratamento mais brando à proporção que a convicção se forma de que neste assunto mais importa garantir do que punir. Uma expressão notável desta forma do pensamento jurídico é a lei federal norte-americana de l.º de julho de 1898: "o elemento característico predominante desta lei, diz STOCQUART (CLUNET, 1899, pág. 498), é uma indulgência extrema para com os devedores insolventes. De agora por diante a falência deixa de macular a honra ou a probidade". um sentimento que hoje compartem todos os juristas liberais e que, afinal, se há de traduzir em normas jurídicas por tôda a parte". (1) É
A comissão ministerial encarregada de rever o projeto CLóVIS BEVILAQUA manteve o instituto, com algumas emendas (projeto revisto, arts. 1. 848 e 1. 897), mas a comissão especial da Câmara dos Deputados suprimiu do projeto os artigos ou seções que tratavam da insolvência do devedor, da insolvência declarada judicialmente e da cessão de bens (2), não obstante a manifestação favorável de muitas pessoas e corporações, ouvidas sôbre aquêle projeto. (3) Assim votou a Câmara dos Deputados, e no Cód. Civil figura o título IX, sob a rubrica DO CONCURSO DE CREDORES. Das preferências e privilégios creditórios (arts. 1. 554 a 1. 571) .
( 1) Trabalhos da comissão especial da Câmara dos Deputados sôbre o projeto do Cód. Civil Brasileiro, vol. 1.0, pág. 44. (2) Trabalhos cits., vol. 6.º, pág. 534. (3) O Cons. 0 DUARTE DE AZEVEDO disse: "Sabe-se que a falência civil ou a aplicação ao devedor civil insolvente dos favores da falência é um oostulado da ciência atual" (Trabalhos da comissão especial da Câmãra dos Deputados sôbre o projeto do Cód. Civil Brasileiro, vol. 2. 0 , pág. 24) .
Em contrário manifestara-se a Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, (Trabalhos cits., vol. 2. 0 , págs. 59-60), à qual CLOVIS BEVILAQUA respondera com imensa vantagem (Trabalhos cits., vol. 2. 0 , pág. 77) .
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Jurídica e racionalmente é tese vencedora a ampliação da falência aos não comerciantes. Atualmente, porém, poderia ser, entre nós, um perigo essa ampliação, pelo fato de os Estados não quererem compreender os poderes que lhes foram atribuídos na Constituição Federal. Pensemos em que se tornaria a falência, se os Estados, inventando a impossível separação entre o fundo e a forma dêsse instituto, entrassem a disciplinar a parte processual, criando curadores fiscais das massas, depositários e outros parasitas, sustentados direta ou indiretamente à custa dos credores e do pobre devedor! 62. O estudo dos sistemas legislativos sôbre a falência, expostos em o n. 60, supra, e as sucessivas mudanças que cada país experimenta neste ramo do seu direito, deixam assinalado: 1.º Que o sistema do concurso creditório, que, no direito romano era comum a tôdas as classes de devedores, ao mesmo tempo que se aperfeiçoou e completou, perdeu, na idade média, a sua generalidade, restringindo-se à classe dos comerciantes, e nos tempos modernos tende a voltar à unidade observada nas suas fontes.
2. 0 Que, realizada a assimilação completa dos comerciantes e não comerciantes para os efeitos da falência, as normas legais reguladoras dêste instituto se desligam do quadro do direito comercial para se incorporarem ao direito judiciário na parte relativa ao processo da execução (nota ao n. 20). 3.0 Que as leis sôbre falência, tendo em sua origem um caráter repressivo claramente acentuado vão recebendo profundas atenuações em seus rigores devido às múltiplas circunstâncias, chegando até a facultar os meios de o devedor conjurá-la.
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CAPÍTULO VI
Do rito processual da falência
Sumário: - 63. O processo preliminar ou inicial e o processo propriamente da falência. - 64. Os característicos dêsses processos. - 65. Arrecadação dos bens, convocação dos credores, formação da massa falida. - 65 bis. As massas ativas e passivas. - 66. Falência da sociedade em que figuram sócios de responsabilidade ilimitada também arrastados à falência. - 67. As massas da falência social e dos sócios falidos. - 68. Sistemas legislativos sôbre a falência das sociedades em que há sócios de responsabilidade ilimitada. 69. Os dois períodos da falência. - 70. Pequenas falências. - 71. Normas processuais subsidiárias. - 72. Regras e preceitos peculiares ao processo da falência. - 73. Recursos. Casos de apelação. - 74. Casos de agravo. - 75. Agravo por dano irreparável e outros fundamentos. 76. Agravos de petição e de instrumento, interposição e julgamento. - 76 bis. Do recurso extraordinário das decisões proferidas no processo da falência. - 77. Publicação dos atos oficiais do r>rocesso da falência. - 78. órgão da publicidade. 79. Reprodução das publicações. 80. Não se atenderá alegação de não ter recebido cartas, avisos ou notüicações quando o ato tiver sido publicado pela imprensa. - 81. Notícia do jornal que tem de publicar os atos da falência. - 82. Encerramento do processo da falência. - 83. O processo penal. - 84. Custas do processo da falência. - 85. As marcadas pela Lei n. 2.024. 86. Dos advogados dos credores e do falido.
63. A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, estabeleceu, a par das normas materiais ou de fundo sôbre a falência, o respectivo processo, com um rito fora dos moldes comuns, conforme as exigências da peculiar organização daquele instituto. Há, em primeiro lugar, o processo preliminar ou inicial, onde se examinam e apuram as condições legais para a declaração judicial da falência. ~sse processo é cuidadosamente regulado para segurança dos direitos dos credores e especialmente do devedor. Se a falência é judicialmente declarada, a sentença inaugura a execução coletiva, o verdadeiro processo da falência,
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no qual o juiz exerce não somente função judicante, mas também diretiva e fiscalizadora. (1) 64. O processo preliminar e o processo propriamente da falência apresentam como característicos a brevidade dos seus têrmos e a simplicidade das suas formas (2) . Já mostramos a analogia dêss·e último con1 a liquidação comercial (n. 12, supra) .
Um e outro serão estudados no correr dêste livro e vers-e-á, como na falência se dá a mais extensa intervenção conhecida nos negócios de outrem. Tôdas as pessoas nela interess?-das são tidas como partes. (3) 65. A falência começa pela penhora geral (arrecadação) dos bens do devedor, e pela convocação de toods os credores para que, provando os seus direitos, intervenham na grande execução. O devedor fica privado de administrar os bens ou dêles dispor: os credores não podem mais exercer ação individual contra o devedor comum. (1) Lei n. 2.024, art. 63. ( *) (Vejam-se nos ns. 196 e segs. o que aí se diz sôbre o juiz comoetente nara declarar a falência e presidir o processo) . (2) Nota-se na legislação a tendência para estabelecer, em ~1guns casos, processo ainda mais rápido contra devedores que nao cumprem pontualmente as suas obrigações. Podemos apontar os casos seguintes, em que a lei permite a liquidação coativa imediata, sem i~ tervenção judiciária: se o credor por penhor e com direito de retençao conservou a faculdade de mandar vender o objeto apenhado ou retido (Cód. Comercial, art. 275; Lei n. 2.024, art. 127, parágrafo único); se o comitente não executa o contrato de corretor (Dec. n. 2 .475, de 13 de março de 1897; art. 45); se a dívida do warrant não é paga no vencimento (Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 23, § 6. 0 ) ( * *) ; se o arrematante, nas vendas públicas voluntárias, nas vendas de mercadorias warrantadas ou nas vendas de bens de massas falidas, não pagam no prazo legal o preço oferecido em leilão (Lei n. 1.102, cit., arts. 23, § 4.0 , e 28, § 6.0 ; Lei n. 2.024, art. 122, § 4.0 ) . ( * * *) (3) No direito norte-americano, o processo de falência é in rem e tôdas as pessoas interessadas na res são tidas como partes e sujeitas ao tribunal de falências, inclusive o falido, o síndico e todos os credores, qualquer que seja a residência (Carter V. Hobres, I. A. B. R., 215; Southern L. & Co. v. Benbow, 3 A. B. R., 9; Marsh V. Armstrong,
II A. B. R., 125) .
( •)
(U) (***)
Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 59. Cit. decreto-lei n. 7.661, art. 120, § 2. 0 . Cit. decreto-lei n. 7.661, art. 117, § 2. 0 •
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Com aquela penhora geral e com o concurso diligente e cooperador dos credores, surge a figura conhecida sob o nome de massa falida, a qual, no sentido amplo e geral, significa o conjunto, o totum jurídico do ativo e passivo do devedor, sujeito da execução coletiva. Muitos sistemas têm sido expostos para justificarem essa figura da massa falida. Não devemos ver aí a sucessão universal, teoria que admite a propriedade dos credores sôbre os bens arrecadados na falência, para que se paguem com o produto da venda, operando-se a retrocessão da sobra ao devedor comum; nem a datio in solutum, mediante a qual os b€ns do devedor ficam desde logo transferidos aos credores para o seu pagamento (sistema anglo-americano). Veremos oportunam·ente que a declaração da falência não opera mudança ou alteração nas relações jurídicas entre o devedor e os credores. O devedor, embora falido, continua proprietário dos bens. Para o fim que visa o processo de execução coletiva não há necessidade dessa mudança ou alteração e muito menos de conceder aos credores concorrentes direitos especiais sôbre o patrimônio do devedor. Tudo isso sàmente poderia contribuir para obscurecer o que aliás é simples (ns. 359 a 360, infra) . 65 bis. A cada um daqueles elementos, ativo e passivo, corresponde uma massa peculiar. A massa ativa da falência, que podemos chamar massa patrimonial, massa objetiva, constitui-se pelo complexo dos bens arrecadados . A massa passiva, massa credora, massa de credores, massa subjetiva compõe-se das pessoas que concorrem à falência na qualidade de credores (n. 358, infra) .
Não caprichou a Lei n. 2. 024 no uso dessas expressões massa falida, massa ativa e massa de credores, mas o sentido em que as empregou fàcilmente se percebe. 66. Na falência da sociedade comercial em que há só., cios de responsabilidade ilimitada e solidária, arrastados também à falência ( 1), tôdas essas falências paralelas se concen(1) ( *)
Lei n. 2.024, art. 6.0 • ( • ) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1954, art. 5.0, in
princípio.
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tram num só processo, sujeitando-se à mesma disciplina e administração . O princípio da unidade tão apreciável em tudo que se refere ao instituto da falência, tem ainda aqui exata aplicação. A falência da sociedade é a falência mater; é a que dita a regra às dos sócios. Aquela e estas são declaradas numa só sentença pelo mesmo juiz. É no juízo da falência da sociedade que se arrecadam os bens sociais e os particulares dos sócios falidos, e que se reúnem os credores sociais e os individuais dêstes sócios, se bem que se separem a massa social e as massas singulares de cada um dêles, para se procederem distintamente as respectivas liquidações; é, naquele juízo, em suma, que se iniciam e terminam tôdas as operações das falências paralelas. Graves complicações de fato podem surgir dessa coexistência de falências, onde se chocam interêsses diversos; mas as dificuldades na aplicação do direito desaparecerão desde que se façam as devidas distinções e se combinem as regras fundamentais do instituto da falência com os princípios, aliás complexos, que regulam as sociedades (n. 97, infra) . (1) 67. Se, na falência da sociedade anônima, não há mais do que u1na massa ativa em face de outra massa passiva, na falência da sociedade em que figuram sócios de respons!1'b~i dade ilimitada, além das massas ativas e passivas da falenc1a social, existem outras tantas especiais, quantos os sócios falidos. (2)
Na falência da sociedade, a massa ativa é formada pelo fundo social: bens móveis e imóveis, coisas e direi tos da sociedade, inclusive a contribuição com que os sócios entraram ou prometeram entrar para o capital social (3); a massa pasPERCEROU, Faillites et banqueroutes, vol. 2. 0 , n. 1.602. No art. 132, a Lei n. 2.024 alude às massas particulares dos sócios, à massa do sócio. ( .. ) (3) O Cód. Federal Suíço das Obrigações, no art. 608, explicou (1)
(2)
claramente que na falência fazia parte dos bens sociais o fundo comanditário. ( •) Cit. decreto-lei n. 7. 661, art. 128, II.
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siva compõe-se dos credores sociais (n. 358, infra), podendo
figurar entre êstes os sócios falidos pelos créditos que tenham contra a sociedade por qualquer título que não seja a contribuição acima referida. (1) Na falência dos sócios a respectiva massa ativa constitui-se com o patrimônio particular de cada um (2) e a passiva compõe-se dos credores individuais e dos sociais pelos saldos dos seus créditos, se pela massa ativa social não forem integralmente pagos (n. 358, infra) . (3) Como conseqüência lógica do que fica exposto, a lei n. 2. 024 ditou as regras seguintes, além de outras, que oportunamente apreciaremos: l.ª Por ocasião da arrecadação dos bens, levantar-se-á inventário especial de cada uma das massas (arts. 75).
2.ª Nas deliberações referentes ao patrimônio social somente os credores sociais tomarão parte e nas que afetarem o patrimônio individual de cada sócio falido, concorrerão os credores particulares e os credores sociais (art. 101, § 5.º). 68 . Três sistemas existem sôbre a falência da sociedade em relação aos credores sociais e aos particulares dos sócios de responsabiildade ilimitada. 1. 0 Sistema da partilha . A falência da sociedade traz a dos sócios de responsabilidade ilimitada. Há tantas massas quantos os sócios. Em cada massa figuram: como ativo os bens particulares do sócio e a parte que êste tem nos bens sociais, e como passivo, os credores particulares, que se apresentam na massa do respectivo devedor, e os credores sociais, que se apresentam em tôdas as massas, em virtude da solidariedade dos sócios . Nesse sistema, diz-se, os bens do devedor constituem o penhor comum de todos os credores; os credores sociais não têm privilégio algum; gozam somente a vantagem da solidariedade. (1) Arg. do art. 349, 2.ª alínea, do Cód. Comercial. Neste sentido é expresso o Cód. Federal Suíço das Obrigações, art. 567. (2) Lei n. 2.024, art. 75. (•) (3) Lei n. 2.024, art. 132. ( .. ) ( • Cit. decreto-lei n. 7. 661, art. 71. ( • •) Cit. decreto-lei n. 7. 661, art. 128, n.
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O sistema parece partir da negação da personalidade jurídica da sociedade, e exige que se proceda, antes de tudo, a partilha dos bens sociais pelos sócios. 2.º Sistema da liquidação. Os bens sociais reservam-se para os credores sociais e os particulares de cada sócio para os seus credores individuais. Além da massa social, há tantas massas quantos os sócios falidos. Cada uma se liquida, e, com os s·eus próprios recursos, paga os respectivos credores. O saldo da massa social vai reforçar as massas particulares dos sócios na proporção dos interêsses que êstes tiverem na sociedade; os saldos das massas de cada sócio se reúnem ao ativo da massa social. É o sistema norte-americano (1) e o que tem prevalecido na Holanda. (2) 3.º Sistema Brasileiro. A Lei n. 2. 024, seguindo o sistema do Dec. n. 917, de 1890, e da Lei n. 859, de 1902, determina que os credores sociais se paguem em primeiro lugar pelo produto dos bens da sociedade, com exclusão dos credores particulares dos diversos sócios. Se não ficam pagos em virtude da insuficiência do produto dêsses bens, concorrem com os particulares na massa de cada sócio falido, apresentando-se pelo saldo dos seus créditos. (3) Os credores particulares de cada sócio pagam-se pelo produto dos bens do respectivo sócio devedor em concurso com os credores sociais, nos têrmos acima ditos, e pelas sobras que o sócio tiver na Rociedade, depois de pagos os credores sociais. (4) Tal é também o sistema suíço. (5) A êsse assunto voltaremos oportunamente. Lei norte-americana de 1898, art. 5. 0 , letra f. Annales de droit commercial, 1902, pág. 65. (3) No sistema do Cód. Comercial de 1850 era essa uma das mais sérias questões, como se pode verificar em ORLANDO, Código Comercial, 6.ª ed., nota 1. 060, que compendiou os arestas mais notá veis. É interessante o estudo dessa nota de ORLANDO para se conhecer a evolução do direito comercial brasileiro. (4) Lei n. 2. 024, art. 132. ( *) (5) Cód. Federal Suíço das Obrigações, arts. 566 e 567 (sociedades em nome coletivo), e arts. 608 e 609 (sociedades em comandita) . (*) Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945, art. 128. (1) (2)
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69. No processo de falência há duas fases distintas e muito apreciáveis, correspondentes aos dois períodos que a Lei n. 2. 024 assinala: o de informação e o de liquidação (artigo 63) . (*) Serve de linha divisória dessas duas fases a assembléia dos credores, à qual se refere o art. 100 dessa lei (**). No primeiro período, também chamado de instrução, verificam-se as fôrças da falência, o seu ativo e passivo; no segundo realiza-se o ativo e pagam-se os credores. Naquele a intervenção judicial é muito direta; neste, mais atenuada e quase limitada à fiscalização do cumprimento da lei, para garantia dos direitos dos credores e do falido. Voltaremos a estudar demoradamente êsses dois períodos no título V, e diremos, então, do pessoal que figura num e noutro. 70-. Nas falências de ativo inferior a quinze contos de réis, o processo simplifica-se. O juiz procede sumàriamente; os prazos são brevíssimos; reduzem-se as formalidades, e procede-se a uma liquidação imediata (Lei n. 2. 024, artigo 178) . (***) 71. Casos omissos. - Faltando disposição processual expressa na Lei n. 2. 024, as normas do processo comum, ou ordinároi, servem subsidiàriamente, bem entendido se não perturbam a índole da falência e se se hamonizam com a ordem de relações de que aí se trata, por outra, se não são contrárias às regras aplicáveis à falência, ou se não são incompatíveis com estas. E mister atender muito a essa circustância, porque as leis processuais, atos das legislaturas locais, vêm, assim, completar as normas do instituto federal da falência. ( •) Sem correspondente no vigente Decreto-lei n. 7. 661. ( .. ) Diferente o vigente Decreto-lei n. 7. 661. Apresentado 0 relatório passa o síndico à liquidação, avisando os credores (art. 114). Não há mais assembléia para eleição de liquidatário. ( • • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 200.
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As disposições do processo comum são, pois, subsidiárias do processo da falência e dos seus incidentes (1); podem ser invocadas para integrarem e solverem obscuridades e lacunas da parte processual da Lei n . 2 . 024. Por exemplo: as disposições sôbre as citaçõ€s, qualidade das pessoas em juízo, suspeição e recusação dos juízes, administração das provas, prazos, recursos, etc .
72. Regras e preceitos peculiares ao processo da falência. - A Lei n. 2. 024 estabeleceu os seguintes preceitos,
uns peculiares ao processo da falência e outros comuns ao processo ordinário, lembrados para evitarem dúvidas: 1. Os processos de falência e seus incidentes preferem na ordem dos feitos a todos os do juízo comercial (artigo 184) . (*) 2 . Êstes processos e seus incidentes não se suspendem durante as férias ,art. 184) . (2) (**) 3 . Todos os prazos legais correm em cartório independentemente de assinados em audiência, e são contínuos, peremptórios e improrrogáveis (art. 183, prin.). (3) (***) O escrivão certificará nos autos a terminação dos prazos (art. 183, § 3.º) . (4) 4. Nos prazos não se computa o dia em que êles começam; conta-se, porém, aquêle em que findam (art. 183, § 1.º) (5). Terminando os prazos em domingo, ou dia fe(1) Acórdãos da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 13 de setembro de 1907 (na revista de Direito, vol. 7. 0 , pág. 303), e de 27 de julho de 1915 (na mesma Revista, vol. 38, pág. 398) . Neste sentido são exnressos o Cód. Comercial italiano, art. 685, 3.ª alínea, a lei alemã dê 1898, art. 72, e o Código de Falências de Portugal, art. 178. (2) Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal), art. 252, § 4.º. (3) Dec. n. 9. 263, de 1911 (Distrito Federal), art. 200, § 1. 0 . (4) Dec. n. 9. 263, de 1911 (Distrito Federal), art. 200, § 4.0 . (5) Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal), art. 200, § 2. 0 . A lei norte-americana de 1898, no art. 31, reza: "se, na presente lei ou no processo de falência, se designar um prazo enumerando dias, deve-se excluir o primeiro e contar o último, salvo se êste cair em domingo ou feriado, casos em que o último dia será o primeiro útil que se seguir". (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 203. ( .. ) Cit. decreto-lei n. 7. 661, art. 204. ( * • •) Cit. decreto-lei n. 7. 661, art. 204.
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riado, ficam prorrogados até ao primeiro dia útil seguinte (art. 183, § 2.º) . (1) 5. Os escrivães não podem conservar autos em cartório por mais de 24 horas, depois de preparados, sob pena de suspensão mediante reclamação da parte (artigo 183, § 4. 0 ) . (2) (*) 6. o escrivão sàmente poderá confiar autos aos advo-
gados e não às partes ou seus procuradores judiciais (artigo 183, § 5. 0 , em referência ao artigo 40 da Lei n. 1.338, de 1905) (3) Os advogados são obrigados a fazer a entrega dos autos em cartório, independentemente de cobrança no dia em que se findar o prazo da vista. Infringindo êsse preceito os articulados, alegações ou razões podem não ser recebidos e o que estiver escrito nos autos pode ser riscado pelo escrivão, mediante reclamação da parte e despacho do Juiz (artigo 183, § 5. 0 ) (4), e mais: o advogado não terá daí em diante vista dos autos senão em cartório (art. 183, § 5.0 , 2.ª alínea) . (5) 7. O advogado que, até o prazo máximo de 48 horas, depois da cobrança pelo escrivão, não entregar os autos será suspenso de suas funções (***) pelo presidente do Tribunal (1) Dec. n. 9. 263, de 1911 (Distrito Federal), art. 200, § 3. 0 • (2) Dec. n. 9.263, de 191 (Distrito Federal), art. 256, ampliando para 48 horas o prazo de 24. No art. 257, êste decreto impõe ao escrivão, sob a mesma pena, a obrigação de cobrar os autos até 48 horas depois de findos os prazos concedidos aos advogados, representantes do Ministério Público e da Fazenda Municipal. (3) Dec. n. 9.266, de 1911 (Distrito Federal), art. 254. Dec. número 9. 266, de 1911, art. 201: "A intimação para o advogado receber os autos, quando não fôr encontrado, será feita por carta registrada do escrivão com recibo de volta, contando-se o prazo da data do recibo". (4) Dec. n. 9.263, de 1911 (Distrito Federal, art. 254. (**) Na 2.ª alínea do art. 41 da Lei n. 1.338, ao qual se refere o artigo 183, § 5. 0 , da Lei n. 2. 024, se permite a prorrogação do prazo de vista ao advogado que alegar moléstia. Sendo, na falência, os prazos improrrogáveis (art. 183), aplica-se essa disposição? (5) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 9 de outubro de 1913, mandou que se cumprisse e respeitasse o art. 183, § 5.º da Lei n. 2. 024. É mais um reconhecimento da matéria federai da Lei de Falências (Revista dos Tribunais, vol. 7.0, pág. 276). ( *) Cit. decreto-lei n. 7. 661, art. 208. ( **) Art. 36 do Cód. de Processo Civil. ( *"' *) Hoje o porder de punir disciplinarmente os advogados cabe à Ordem dos Advogados (art. 28 do vin. 22-478 de 20-2-1933).
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Superior, até que faça a entrega; durante a suspensão não ?CJderá advogar perante qualquer juízo, sob pena de nulidade dos atos que praticar. A suspensão será decretada a requerimento da parte, com prévia informação do escrivão (art. 183, § 5.º, em referência ao art. 42 da Lei n. 1. 338) . 8. O repres·2ntante do Ministério Público não restituindo os autos no último dia de vista, pode a parte requerer ao Juiz que designe o seu substituto legal, impondo ao desidioso a pena de descontos de tantos dias de ordenado quantos tiverem sido excedidos (art. 183, § 5. 0 , em referência ao art. 41 da Lei n. 1. 338) . (1) 73. Recursos. - Com o intuito de acelerar a solução dos recursos das decisões judiciais nos incidentes do processo da falência, a lei n. 2. 024 admitiu, na generalidade dos casos, o agravo, preferindo-o à apelação. A apelação ficou reservada para as sentenças proferidas: a) na ação de responsabilidade solidária dos sócios comanditários compreendidos nos têrmos do art. 314 do Código Comercial (art. 6. 0 , § 2. 0 (*); b) na ação de integração das ações ou quotas subscritas pelos acionistas, ou pelos sócios comanditários (artigo 53, § l.º) (**);
e) na ação revocatória (art. 60) (***); d) na reabilitação do falido, art. 146, § 2.º (****); e e) nas ações executivas e de execução de penhor, às quais se referem os arts. 126 e 127 da Lei n. 2. 024. (*****) O) O representante do Ministério Público nos processos de falência não tem o dôbro dos prazos contados às outras partes em vista da disposição taxativa do art. 183, pr., da Lei n. 2.024. O' Dec. n. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911 (reorganização da Justiça do Distrito Federal), concedeu aos representantes do Ministério Público e da Fazenda Municipal o dôbro dos prazos judiciais (art. 255). . ( ~). Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 6.º, in prmczpzo.
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 50. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 55, in principio e § 2 o ( * * *"') Hoje recurso em sentido estrito. - Cit. Dec;eto-lei · :ri 7. 661, art. 198, páragrafo único. · ( • • * * ':') Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 120. ( **)
( * * *)
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A apelação das sentenças acima mencionadas está sujeita à mesma disciplina da apelação das sentenças nos processos comuns, com as seguintes modificações: 1.ª prefere na ordem dos feitos aos outros processos do juízo comercial (art. 184) . (*) 2.ª para execução do julgado do tribunal, basta a certidão autêntica, passada pelo respectivo escrivão (artigo 185, § 3.º) . (**)
Nos incidentes que surgem pràpriamente no processo da falência, o recurso é o de agravo. A Lei n. 2. 024 estabeleceu taxativamente os casos seguintes de agravo (1): a) da sentença que declara aberta a falência (artigo 74.
19 (***); b) da decisão nos embargos à declaração da falência (art. 19, § 1. o) ( * * * *) ; e) da sentença que não declara aberta a falência (artigo 20) (*****); d) da sentença que fixa o têrmo legal da falência (art. 23) (******); e) da prisão administrativa do falido (art. 37, parágrafo único) (*******); f) do despacho que indefere ou ordena o seqüestro como medida preventiva da ação revocatória (art. 61, parágrafo único) (********); g) do despacho que decreta ou não a destituição dr síndicos ou liquidatários (art. 69, § 2.º) (*********); (1) O Dec. n. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal, art. 289, n. 3, permite o agravo da sentença que nomeia o síndico ou o liquidatário. O engano é manifesto, pois que o liquidatário não é riomeado pelo juiz. ( *) Ci t. Decreto-lei n. 7. 661, art. 203. ( * *) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 207, § 2.º. ( * * *) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, artigo 17. ("'***) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 18, § 3.º. ( • * * * *) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 19, in principio. (****"'*) Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 22, parág. único. ( *"' "'**.....,) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 35, parág. único. ( *"' * "'* * * *) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 56, § 4.º. (****"'**"'"') Decreto-lei n. 7.661, art. 66, § 2.º.
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h) da sentença na prestação de contas dos síndicos ou liquidatários (art. 71, § 5º) (*); i) do arbitramento de porcentagem aos síndicos e liquidatários (art. 13, §§ 4. 0 e 6. 0 ) (**); j) da decisão do juiz na verificação dos créditos (artigo 86) (***); k) da decisão no processo de habilitação do credor retardatário (art. 87, § l.º) (****); Z) da sentença na ação da revisão do processo da verificação ou da classificação de créditos (artigos 88, § 2. 0 ) (*****);
m) do veto do juiz nas deliberações das assembléias dos credores contrárias às disposições da lei (artigo 102, § 5.0 ) (******);
da sentença que homologa ou não a concordata na falência (art. 109, § 4.º) ou a concordata preventiva (artigo 156) (*******); o) da sentença que julga cumprida ou não a concordata (art. 111, § 3. 0 ) (********); p) da sentença que rescinde a concordata, porque reabre a falência (arts. 115, § 1.º, e 19) (1), ou que não a rescinde, porque, por sua vez, importa em não declarar aberta a falência (arts. 115, § 1.º e 20) (*********); q) da sentença na ação reivindicatória (art. 139, § 4. 0 ), ou nos embargos de terceiro senhor e possuidor (artigo 140, n)
§ 2.º). (**********)
O Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911, que reorganiwu a Justiça do Distrito Federal, estabeleceu ainda o (1) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 5 de agôsto de 1915 (na Revista dos Tribunais, vol. 15, pág. 33) . (*) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 69, § 4.º. (*"') Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. § 5.º. (***) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 97. (****) Ci~. Decreto-lei n. 7.661, art. 99, parágrafo umco. (**** •) C1t. Decret~-lei n. 7. 661, art. 99, parágrafo único. ( • *****) De?reto-le1 n. 7. 661, art. 99, parágrafo único. (**"'*...,*) C1t. Decret~-lei n. 7.661, art. 146. (••••••••) Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945 artigo
5 15 ,
3o
(~• .. •*••••)
,
Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 162, § 2.º. (•••••"'****) Cit. Decreto-lei n. 7.661, arts. 77, § 4.º, e 79, § 2.º.
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agravo dos despachos que concederem ou negarem licença para a venda, ou qualquer ato de alienação de bens das massas ou acervos das sociedades mercantis, ou anônimas em falências (art. 289, n. IV) . 75.
Esses casos de agravo não sao limitativos.
A lei n. 2. 024 não excluiu o agravo com fundamento em dano irreparável (1), no seu conceito clássico (2), podendo ser interposto pelo falido, pelos síndicos, ou liquidatários, ou ainda pelo credor singular. (3) (1) Regul. n. 737, art. 669, § 15; Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal), art. 289, princ. (2) O Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 13 de abril de 1912 (agravo n. 1.490), afirma êsse conceito: "O dano irreparável em direito pátrio está definido em um conceito clássico, freqüentemente repetido, que é o de SYLVA, ad ordinationes, Liv. 3.0 , § 1.0 , ns. 1, 2, 3 e 4: uma sentença interlocutora contém dano irreparável quando o dano por ela produzido não pode ser reparado pela sentença final, nem por apelação ou só é reparável com grande dificuldade, ou apenas parcialmente". (3) Não faltam decisões judiciais admitindo na falência o agravo com fundamento em dano irreparável. Podemos citar: acórdãos da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 14 de junho de 1912 (Revista de Direito, vol. 25, pág. 169) e de 17 de setembro de 1912 (Revista de Direito, vol. 27, págs. 151-152), e do Tribunal da Relação de Minas, de 6 de setembro de 1916 (na Revista Forense, vol. 27, pág. 241). Êsses agravos foram interpostos por credores. Depois de estar assim assentado, aquela mesma 2.ª Câmara, em acórdão de 4 de maio de 1915, com o voto vencido do desembargador GEMINIANO DA FRANCA, esporàdicamente julgou que no processo da falência não são admissíveis outros casos de agravo além dos expressamente previstos na Lei n. 2. 024 (Revista de Direito, vol. 37, págs. 384-385) . Por que assim ? . . . Não o diz o acórdão. Caso curioso ele agravo da sentença declaratória da falência, com fundamento em dano irreparável, vê-se no acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 17 de setembro de 1914 (na Revista dos Tribunais, vol. 11.ª, pág. 150) . - Na vigência do Dec. n. 917, de 1890, e da Lei n. 859, de 1902, estava assentada a admissibilidade do agravo, sob o fundamento do dano irreparável em muitas decisões proferidas no curso do processo da falência. O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 6 de dezembro de 1895, decidira que "os casos de agravo cogitados na lei de falência não eram taxativos, devendo-se entender que não fôra excluído o caso comum da irreparabilidade do dano" (R.evista Mensal, vol. 2. 0 , pág. 98) . Esta jurisprudência foi sempre mantida. (Acórdãos de 25 de novembro de 1899, na Gazeta Jurídica, vol. 25, pág. 209, e de 26 de abril de 1906, no S. Paulo Judiciário, vol. 10, pã-
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Outrossim, cabe o agravo com fundamento na incompetencia do juiz (1), ou tratando-se de entrega de dinheiro sem ser em cumprimento de sentença anterior (2) (n. 71, supra) .
76.
Os agravos no processo de falência podem ser de petição ou de instrumento, como no processo comum, mas estão sujei tos às seguintes normas: 1.ª O prazo para a interposição dessas duas espécies de agravo é de cinco dias, salvo o das decisões judiciais na verificação dos créditos, que pode ser interposto até 20 dias depois daquele em que os liquidatários assinarem o compromisso (art. 185, princ. e 86, § l.º) . (*) 2.ª O processo dêsses dois agravos em l.ª e 2.ª instância é o mesmo observado no processo comum dos Estados, ginas 391-392) . Êsses agravos foram interpostos por credores singulares. O próprio falido podia interpor agravo sob êsse fundame~to se não lhe fôsse nermitido oferecer concordata aos credores; assim decidiu o mesmo -Tribunal, em acórdão de 14 de março de 1907, no S. Paulo Judiciário, vol. 13, pág. 227, e na Gazeta Jurídica, de São Paulo, vol. 43, página 297. A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 19 de novembro de 1907, admitiu na falência o agravo sob o fundamento de dano irreparável (na Revista de Direito, vol. 7. 0 , págs. 568-569) . Doutrina contrária adotou o Tribunal da Relação do Estado do Rio de Janeiro, em acórdão de 6 de março de 1896, para logo depois variar. Em acórdão de 6 de fevereiro de 1897, decidiu que era caso de dano irreparável e, portanto, de agravo, o despacho que em uma concordata judicial negou a ratificação de poderes contidos em procuração de credores. O Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, em acórdãos de 31 de janeiro e 18 de fevereiro de 1902, seguiu a jurisprudência do Tribunal de S. Paulo (Jurisprudência, organizada pelo Dr. CUNHA MACHADO, tomo 16, págs. 15 e 18) . O) Acórdão do Tribunal de Justiça de s. Paulo, de 10 de maio de 1909, negando provimento a um agravo interposto no curso do processo da falência com fundamento no art. 669, § 1.0 , do Regul. n. 737, de 1850). (2) Acórdãos da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 20 de abril de 1909 (em O Direito, vol. 109, págs. 118-122), e de 23 de julho de 1915 (na Revista de Direito, vol. 38, pág. 613) . O fundamento dêsse agravo no Distrito Federal é atualmente o art. 289, n. II, do Dec. n. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911. Note-se: para distribuição dos rateias não há mister sentença do juiz (art. 131 da Lei n. 2.024). (•) o agravo deve ser interposto até cinco dias depois da publicação do quadro dos credores. - Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945. (art. 97 § l.º)
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ou do Distrito Federal, sendo que o agravante pode juntar à sua minuta quaisquer documentos, e o agravado contraminutar qualquer dêsses agravos, tendo para êsse fim prazo igual ao do agravante (art. 185, § 2.º) . (1) (*) 3.ª Êsses agravos são julgados pelos tribunais superiores, câmaras ou seções dêsses tribunais que conhecem das apelações comerciais (ar!;. 185, § 1.º) (2) (**), sendo decididos com a maior rapidez, preferindo aos outros feitos comerciais, lavrando-se o acórdão na mesma sessão do julgamento, ou na s·eguinte, o mais tardar (art. 185). (***) 4. a A êsse acórdão não podem ser opostos outros embargos que os de simples declaração, nos casos de omissão, obscuridade, ou contradição do julgado (artigo 185, § l.º) . (3)
(****)
5.ª Para a execução da sentença, proferida no agravo de instrumento, basta a certidão autêntica do julgado do tribunal superior, passada pelo respectivo escrivão (art. 185, § 3.º). (*****)
6.ª No agravo de petição, a execução faz-se no processo original, que, para êsse fim, deve baixar ao juízo a quo, com a maior urgência e sem ficar traslado (artigo 185, § 4. 0 ) . (******) (1) Dec. n. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal), art. 291. (2) Tendo a Lei n. 2. 024 substituído na maioria dos casos a apelação pelo agravo, justo seria que os tribunais de apelação conhecessem dêsses recursos. Infelizmente não se tem entendido assim: no Distrito Federal, o Dec. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911, art. 139, deu à 2.ª Câmara da Côrte de Apelação (que é uma câmara de agravos) a competência para julgar os agravos na falência. (3) Dec. n. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal), art. 294. Sendo reduzidos no Distrito Federal os membros da 2.ª Câmara, tem sido um mal a negação dêsses embargos ... (Veja-se o que se diz no n. 203, infra) . ( *) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 207. ( * *) sem correspondência no decreto-lei vigente. ( * * *) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 203. ( * * * *) Sem correspondente no vigente Decreto-lei n. 7. 661. Rege-se a matéria pelo Código de Prccesso Civil, que não admite embargos das decisões sôbre agravos. ("' ** **) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 207, § 2.0. (* • * * * *) Sem correspondente no vigente Decreto-lei n. 7. 661, regendo-se a matéria pelo art. 207, § 2.º.
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Das sentenças definitiYas proferidas no processo preliminar e nos incidentes da falencia cabe o recurso extraordinário no caso do art. 159, § 1. o, da Constituição Federal. ( *) i6
bis.
Do recurso extraordinário. -
Em o n. 67 do l.º vol., dêste Tratado, mostramos que a função dêsses recursos era manter e defender a integridade do direito substantivo. (1)
Não faltam decisões do Supremo Tribunal admitindo tal recurso em matéria de falência. (2) Na marcha do processo da falência há muitos e diversos interessados . 77.
Publicação dos autos oficiais da falência. -
A necessidade da maxima divulgação da sentença declaratória da falência e dos atos principais do processo, a impossibilidade da notificação ou intimação pessoal de todos os interessados, a dificuldade de serem encontrados, e também a conveniência de economizar tempo e despesas, aconselham o sistema especial da notificação pública a êsses in( *) Arts. 101, n. III da Constituição de 1946 e 865 do Cód. de Proc. Civil. (1) Veja-se, também, a nota 1 da pág. 137 do 1.0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado. Depois da publicação dêste 1.º vol. O.ª ed.), temos visto muito bem sufragada pelo Supremo Tribunal Federal a tese que ali sustentamos. (Consultem-se: os acórdãos de 1.º de junho de 1910, no Diário Oficial, de 4 de setembro de 1910; de 10 de junho de 1911, no Diário Oficial, de 20 de julho; de 15 de julho de 1911, no Diário Oficial, de 3 de setembro de 1911 e de 11 rde outubro de 1911, no Diário Oficial, de 9 de maio de 1912) . (2) Cabe o recurso extraordinário: a) da decisão que não aplica ao caso concreto o art. 108, n. 2, da Lei n. 2.024, invocado pelo recorrente (embargos à concordata). (Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 29 de janeiro de 1910, na Revista de Direito, vol. 18, pág. 124, e vol. 20, pág. 346); b) da decisão sôbre a classificação de créditos (aplicação do art. 92 da Lei n. 2.024) (Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 5 de maio de 1915, na Revista do Supremo Tribunal, vol. 3.0 , P. I, Páginas 478-479) . Não cabe êsse recurso do despacho do juiz que destitui síndicos. (Acórdãos do Supremo Tribunal Federal, de 4 de dezembro de 1912, na Revista de Direito, vol. 29, págs. 133-134) . Escusado é dizer que, por jurisprudência constante, o recurso extraordinário pode ser interposto das decisões proferidas em agravo, desde que sejam definitivas.
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teressados na falência, já por conta (1), ou telegrama (artigo 81 da Lei n. 2.024), já por edital (arts. 17, n. 1, 18, 22, 71 § 2.0, 79 princ., 87, 100 parágrafo único, b, 109, § 5.º, 119 § 2.º, 146, 150 § 2. 0 , etc.) já por simples comunicação ou aviso publicado na imprensa (arts. 65, n. 67, parágrafo único, n. 1, 83 § 4. 0 , 86 § 1. 0 , 122, 131 § 1. 0 , 139 § 2.º). Todos os editais, avisos ou comunicações pela imprensa devem ser precedidos das epígrafes: "FAL:ÊNCIA DE ... Aviso a ... "; "CONCORDATA PREVENTIVA DE ... Aviso a . .. " (art. 186, § 3. 0 ) • (*) 78. O órgão destinado a publicação dêsses editais, avisos ou comunicações é o Diário Oficial da União ou dos Estados (art. 186, princ.) . Onde não há Diário Oficial, publicam-se no jornal designado para a publicação dos atos oficiais dos juízes e tribunais (art. 186, princ.) . (**) Se, no lugar da declaração da falência, não existem jornais, faze1n-se as publicações por editais, afixados na porta da sala dos auditórios (art. 186, § 6.º) . (***) A Lei n. 2 . 024, obrigando a publicação de todos os atos do processo da falência em jornal certo, remediou um dos inconvenientes das leis anteriores. Nas grandes cidades, disseminadas as publicações nos seus muitos jornais, passariam despercebidas. (2) (1) A lei alemã de 1898, no art. 77, dispõe: "Se, simultâneamente com a notificação pública, é prescrita uma notificação particular, esta pode fazer-se pelo correio. Não há necessidade de autenticar a cópia do documento ou da peça a notificar". A lei norte-americana de 1898, no art. 58, manda notificar os credores pelo correio, sendo, pelo correio e pela imprensa, a notificação para a l.ª assembléia. ( *) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 205. ( * *) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 205. ( * * *) Art. 205, § 2.0 , do cit. Decreto-lei n. 6. 771. (2) A Lei Federal Suíça sôbre falências no art. 35, manda inserir as publicações na fôlha oficial do Cantão e na fôlha federal do comércio. Se as circunstâncias exigem, os atos da falência podem também publicar-se em outros jornais ou por pregão (par crieur
public) .
A lei nacional norte-americana de 1898, no art. 28, manda que os tribunais de falência designem um dos jornais, editados dentro do respectivo distrito e no lugar de residência do falido, ou onde estiver
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Os comerciantes não podem mais dispensar o Diário Oficial ou aquêle que legalmente o supre, para acompanharem o rnovin1ento das falências e concordatas da respectiva praça. Tratando-se de avisos que exijam larga publicidade, como os dos síndicos e liquidatários ao entrarem em exercício, das vendas de bens e outros, os síndicos e liquidatários pcderão mandar reproduzi-los em outros jornais do lugar e de fora (art. 186, § 5.0 ) • (*) 79. As publicações oficiais serão insertas por três vêzes ao menos (art. 186, princ.) (**) e o escrivão certificará sempre nos autos qual o número e a data do Diário Oficial ou do jornal que fêz a publicação e por quantas vêzes (artigo 186, § 2.º) . (***) 80. Não será atendível, para qualquer efeito, a alegação de não ter recebido cartas, avisos ou notificações pelo correio ou pelo telégrafo, se publicados êsses avisos, editais ou notificações nos jornais referidos em o n. 78, supra. (1) A parte prejucticada pela falta do recebimento dessas cartas, avisos ou notificações, terá ação de perdas e danos contra quem se mostrou desidioso no cumprimento de desituada a maior parte de seus bens, para serem inseridos os a visos sôbre a falência e as decisões que os tribunais mandarem publicar. O tribunal pode, em caso especial e por conveniência dos interessados, designar um outro jornal para a publicação dos avisos e decisões relativas a êsse caso. A lei alemã de 1898, no art. 76, dispõe:" As notificações públicas fazem-se mediante uma inserção ao menos na fôlha destinada à publicação das comunicações oficiais dos tribunais, podendo ser por extrato. A notificação considera-se realizada decorrido que seja o segundo dia depois da publicação da fôlha com a primeira inserção. O tribunal pode ordenar subseqüentes notificações. A notificação pública equivale à citação de todos os interessados, ainda que a lei determine outras notificações especiais". Na Holanda, as publicações fazem-se gratuitamente no Diário Oficial (lei de 1893, art. 17) . ( *) Art. 205, § 3.0 , do cit. Decreto-lei n. 7. 661. (**) Por duas vêzes. Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 205. (* . . ) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de janeiro de 1945, art. 205, § l.º. (1) A Lei Federal suíça sôbre falências dispõe no art. 35: "L'insertion dans la feuille fédérale rêgle pour la supputation de.s délais et pour les conséquences de la publication".
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veres que a Lei n. 2. 024 impõe (arts. 186, § 1.º e 81, parágrafo único) . 81. Os síndicos e liquidatários nos avisos que são ob1igados a dar pela imprensa, ao entrarem no exercício de suas funções, devem declarar o jornal onde se publicarão os atos oficiais da falência (art. 186, § 4. 0 ) . Isso não quer dizer que os síndicos e liquidatários possam alterar o que a lei determina quanto aos jornais encarregados das publicações dêsses atos; procura-se indicar cGm exatidão o jornal que os vai publicar, seja o Diário Oficial, seja o que legalmente o substitui. Porque sàmente nas cidades capitais da União e dos Estados, se publica o Diário Oficial, a providência é aconselhada especialmente para as outras cidades. 82 . Encerramento do processo da falência. A falência deve estar encerrada dois anos depois do dia da sua declaração, salvo o caso de fôrça maior devidamente provado, como ação em juízo tendente a completar ou indenizar a massa (artigo 137) . (*) Anuncia-se êsse encerramento, pela imprensa por edital do juiz, para c2ência dos interessados. Os credores não pagos integralmente do principal e juros têm o direito de a todo o tempo executar singularmente o devedor pelo saldo (art.
136 princ.) .
(**)
83 . O processo penal. - Paralelamente ao processo que a Lei n. 2. 024 chama comercial pode desdobrar-se outro, o penal (art. 174) (***) onde se apura a responsabilidade criminal do falido, dos seus cú1nplices, ou daquelas pessoas que tenham incorrido em qualquer dos crimes definidos nessa lei (***'~) ou no Cód. Penal (arts. 169, 170, 171 e 172). Seguindo vida independente, êste processo é em sua marcha disciplinado por normas que estudaremos na P. III dêste Livro.
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 132. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, arts. 33, 131 e 133. ( * * ... ) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 103. (*"'**) Cit. Decreto-lei n. 7 .661, arts. 186 e segs. (*) (**)
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8-1. Custas. - Uma das maiores queixas contra o antigo processo da falência, regulado pelo Cód. Comercial, era o ayultado dispêndio que exigia. O Dec. n. 917, de 1890, procurou remediá-la, determinando que as custas fôssem contadas na razão de dois terços das taxas marcadas no De:-. n. 5. 737, de 2 de setembro de 1874, (regimento de custas então vigente), e que nada percebesse o escrivão pelas cartas de intimação e avisos telegráficos e telefônicos (artigo 147) . A Lei n. 859, de 1902, prescreveu que o juiz e o escrivão percebessem custas na razão de um têrço das atuais, e mais 1 % sôbre o líquido da massa até 200: 000$ e sôbre o que excedesse desta soma tivessem 1/4% até o limite máximo de mil contos, sendo uma parte para o juiz e duas para o escrivão (art. 129) . Infelizmente, os abusos continuaram, e o escândalo chegou ao ponto de um dos juízes da capital do Estado de S. Paulo decidir que as custas do processo da falência eram duplas: as estaduais sem dedução, e mais a comissão ou porcentagem marcada na lei federal, visto as primeiras constituírem matéria da competência legislativa do Estado, que não podia ser alterada pelas leis da União, e a segunda, um presente da lei federal, intangível pela legislatura dos Estados! ( 1) Competindo à União legislar sôbre falências, não se lhe pode negar o poder de estabelecer as custas dos funcionários que no processo intervêm. De outro modo, não seria possível manter um dos princípios econômicos do instituto. O exagêro dos dispêndios tem concorrido para a desmoralização das falências e, se se não dá ao poder competente para regulá-las, o direito de taxar as despesas e custas dos
(1) Apreciando essa decisão do juiz da 1.ª Vara Comercial de S. Paulo, publicado n'O Estado de S. Paulo, de 19 de maio de 1903, dissemos alhures: "A argumentação tem êste jurídico fim: os juízes e escrivães percebem as custas inteiras que o regimento estadual taxou, pois éste não cogitou de custas pela têrça parte para os processos de falência, e mais a porcentagem, donativo da lei federal! É possível moralizar as falências com interpretação dessa ordem? Aos juízes, dando essa inteligência à lei, que fôrça moral, que autoridade lhes sobeja para punirem a fraude do devedor e os atos de improbidade dos credores? A lei federal quis economizar as massas falidas, poupar-lhes as despesas; o resultado foi contrário, onerou-as com a tal comissão ou porcentagem sôbre o líquido ! "
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funcionários, deixa-se uma perigosa arma nas mãos dos Estados para destruírem a obra federal. 85. A Lei n. 2. 024 empenhou-se vivamente em evitar a dilapidação das massas pelos agentes da autoridade pública. Acabou com as comissões ou porcentagens, por conta da massa, aos órgãos do Ministério Público, proibindo terminantemente aos Estados marcarem tais comissões ou porcentagens (art. 182, § 3.0 ) (*) . Os representantes do Ministério Público receberão simplesmente os emolumentos fixados nos respectivos regimentos de custas (art. 182, § l.º). Se os Estados abusarem na fixação dessas custas, o poder legislativo federal tem a faculdade de taxá-las. Os juízes e escrivães percebem nos processos de falência e seus incidentes as custas regimentais, marcadas pelo poder federal (no Distrito Federal), ou pelo poder local (nos Estados), com a seguinte modificação: - os escrivães não têm mais de 500 réis por circular ou carta que enviarem (artigo 187) . (1) Juízes e escrivães não têm direito a comissões e porcentagens por conta das massas falidas. Os outros funcionários ou serventuários ou auxliiares do juízo têm também as custas dos respectivos regimentos com as modificações seguintes: l.º Agentes de leilão: pela venda de bens das massas falidas, percebem a comissão seguinte, paga sàmente pelos comprados: (**)
de 5 % sôbre o produto da venda não excedente de 100:000$000; b) de 2% % sôbre o que exceder de 100:000$000 até 1.000.000$000; e) de 1 % % sôbre o que exceder de 1. 000: 000$000 até 8. 000: 000$000, nada percebendo daí em diante. a)
(1) O Dec. n. 11.842, de 29 de dezembro de 1915 (regimento de custas da justiça local do Distrito Federal), no art. 74, manteve o art. 187 da Lei n. 2 .024. ( *) Art. 210, parágrafo único, do cit. Decreto-lei n. 7. 661. ( * *) O Decreto-lei n. 7. 661 de 21-6-45, art. 212 n. V.
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Quando, nos casos das letras b e e, a venda houver sido feita em lotes a diversas pessoas, reunidas as importâncias das comissões, a soma será paga pro rata (art. 188) . (2) 2.º Avaliadores: percebem a metade das custas taxadas no regimento federal ou estadual (art. 187, 5.ª alínea) . (*) 3.º Contadores: o mesmo que se acha disposto para os avaliadores (art. 187, 7.ª alínea) . (**) 4.º Depositário de bens seqüestrados (art. 15 da Lei n. 2. 024) : tem um quarto das taxas marcadas para os depositários judiciais, e nada recebe se fôr o próprio requerente da falência ou pessoa que fôr nomeada síndico. No primeiro caso, evita-se o abuso de requerimentos injustos de seqüestro pelo espírito de lucro; no segundo, o síndico já percebe a comissão pelo seu trabalho, baseada na importância da massa, diligência e responsabilidade (art. 187, 6.ª alínea) . (***) 5.º Peritos: percebem: (****) (2) A Lei n. 857, de 9 de agôsto de 1902, que era somente aplicável ao Distrito Federal, tornou-se geral e aplicável às falên~ias declaradas nos Estados. (Vejam-se o n. 426 e notas do 2. 0 vol., deste Tratado). A Lei n. 3. 070-A, de 31 de dezembro de 1915 (Lei do Orçamento da Receita para 1916), no art. 7.º, parece ter i.·estaurado, no Distrito Federal, a disposição do art. 24 do Dec. n. 858, de 10 de novembro de 1851, que mandava regular a comissão dos leiloeiros por conve_ncão entre êles e os comitentes, e não sendo estipulado, não poderao, nos leilões fora de casa, exigir dos comitentes mais de dois e meio por cento, e, nos feitos nas suas próprias casas, mais de cinco por cento, também pagos pelos comitentes. Se o Govêrno expedir regulamento para a execução dêsse escandaloso dispositivo da lei orçamentária, o resultado será perderem os leiloeiros o que tanto ambicionavam. . . Nenhum liquidatário de massa falida deixará de ajustar previamente a comissão a pagar pela venda em leilão, sob pena de responder à massa pela falta de diligência no desempenho do cargo, e não chegando a acôrdo razoável, restar-lhe-á a providência do art. 123 da Lei n. 2.024, a venda dos bens da massa mediante propostas escritas. Como se modifica uma lei de honestidade, como a de n. 857, de 9 de agôsto de 1902, para se dilapidarem as massas falidas ! ! (") Custas integrais. - Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de janeiro de 1945, art. 212, IV. ( * *) Perceberão a remuneração arbitrada pelo juiz. - Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 212, I. (***) Art. 212, IV, do cit. Decreto-lei n. 7.661. ( • * • •) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de janeiro de 1945, art. 212.
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na verificação de contas, preparatório para o requerimento da falência, o salário máximo de 50$000 cada um; b) nos exames de livros do falido, o que fôr arbitrado pelo juiz, não excedendo de 300$000 para cada um. Pelos trabalhos excepcionais nas falências de grande ativo, os síndicos poderão previamente ajustar os salários dêsses peritos e submeter à aprovação do juiz, não excedendo, em caso algum, da taxa de 600$000 para cada um (art. 187) . (1) a)
86. Os advogados do falido e dos credores têm direito às custas do regimento, na falta de contratos; a massa, porém, não lhas paga (art. 187) . (*) Sôbre os advogados dos falidos diremos em ocasião oportuna quando tratarmos dos direitos especiais dêstes no processo da falência .
CAPÍTULO VII De alguns princípios de interpretação Sumário: 87. Regras fundamentais de interpretação. - 88. As normas da Lei n. 2. 024 não constituem derrogação às do direito comum. 89. Necessidade de proteger o crédito. - 99. A "utilitas" e a "juris ratio" do comércio. - 91. A defesa da "par conditio creditorum". 92. Na falência não se r>rocura ganhar; trata-se de r>erder o menos possível. - 93. A lei de falência não é uma lei de rigor contra o devedor.
87. Na aplicação prática da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, nunca se deve perder de vista que ela obedece a um sistema dominado principalmente pelas noções (1) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 21 de setembro de 1914, mandou que, tratando-se de serviços excepcionais, o juiz arbitrasse os salários dos peritos, desde que não foram previamente ajustados, pois êsses salários se compreendem nas custas. O mesmo Tribunal determinou ainda que, no arbitramento, o juiz atendesse ao trabalho e importância da massa e observasse a disposição do art. 187 da Lei n. 2. 024, segundo o qual o salário não pode exceder de 600$000 (na Revista dos Tribunais, vol. 11.º, págs. 151-152). É mais uma decisão reconhecendo a extensão da lei federal em matéria de falência. 1 (' ') Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 208, § 2.º.
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da equidade, da boa-fé e da moralidade, cujos princípios precisan1 ser inrxoràvelmente atendidos para que se não malogrem, ou se não iludam o objeto e o fim do instituto da falência. ln fraudem saevire; bonae fidei indulgere. Eis aí a fundamental e mais poderosa regra para a interpretação dessa lei. Assim orientado, o intérprete manterá sempre a mais completa igualdade entre os credores da mesma espécie, respeitará os direitos dos credores com garantias legitimamente firmadas, afastará soluções que permitam à fraude e à má-fé se insinuarem por qualquer modo na falência, evitará que os autores ou promotores dêsses artifícios perturbem ou se coloquem na situação de embaraçar, iludir ou enfraquecer o direito dos credores legítimos. (1) A lei adverte aos juízes que não estão adstritos às regras de direito quanto à prova da fraude, ou má-fé, cumprindo-lhes decidir conforme a sua livre e íntima convicção (2) . Se na falência campear a fraude, os juízes, aplicadores da lei, diretores e superintendentes do pessoal que funciona no processo (3), não se eximem da responsabilidade. Deu-lhes a lei os mais amplos poderes para limpar as falências dos meios fraudulentos, que as empestam. Compendiaremos neste capítulo outras regras peculiares ao instituto, que deve1n estar sempre presentes ao espírito do intérprete. (4) Na discussão de um agravo no Tribunal de Justiça de São dizia o douto ministro BRITO BASTOS: "Em matéria de tudo se aperfeiçoa neste país e gente há que se especia~i sistema de furtar com o auxílio da justiça. É preciso, pois, interprete a lei de falências com cuidado" (Na Revista dos Tribunais, vol. 15, pág. 21) . (2) Lei n. 2.024, art. 60, § 3.0 (*). (3) Lei n. 2.024, art. 63 (**). (4) A lei inglêsa de 1883, no art. 168, e a americana de 1898, no art. 1. 0 , estabelecem muitas definições, para facilitar a interpretação evitando dúvidas. Os escritores americanos recomendam o estudo dessas definições, que representam, em grande parte, a doutrina firmada pelos tribunais (jurisprudência) . Não são, portanto, definições arbitrárias, criadas a bel prazer do legislador, mas princípios conquistados na aplicação constante do direito aos casos concretos. (1)
Paulo, fraude, zou no que se
(") Sem correspondente no vigente Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945, mas, a disposição passou para o art. 118 do Código do Processo Civil. ( *"') Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 59.
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I
88. As prescrições da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, não constituem derrogação ou exceção às normas do direito comum. Não se lhes aplica, pois, o princípio da interpretação restritiva. (1) II
89. A lei de falência, sob o ponto de vista do interêsse social, tem por escopo a proteção do crédito (n. 4, supra). (1) O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, em acórdão de 7 de maio de 1895, declarou que a l~i de falência, como tôda a lei
de exceção, deve ser interpretada restritivamente (Relatório do Presidente dêste Tribunal, 1895, Anexo E, pág. 68). A lei de falência não é iei de exceção, no sentido que se dá em direito a esta frase. As leis de exceção, ieis anormais, derrogatórias do direito comum (jus singulare), que não comportam interpreta-
ção analógica e devem ser restritamente entendidas e aolicadas, são as fundadas em motivos estranhos às razões do direito- (contra tenorem rationis propter utilitatem) . Ora, a lei de falência não está nessas condições; ela estabeleceu um sistema de execução por dívidas contraposto a outro individual. Se se quisesse dizer que a lei de falência era excepcional, o princípio estabelecido pela Relação do Rio ainda mereceria censura, pois as l~i~ anormais admitem interpretação extensiva, como meio necessano de segurar a sua execução na resnectiva esfera, de modo a não serem iludidas ou fraudadas (PAULÂ BATISTA, Hermenêutica, § 45) . Seria êsse precisamente, o caso da lei de falência. (Veja-se o n. 164, in fine, do vol. 1.º, do presente Tratado) . A própria Relação do Rio não tardou em contestar o princípio que formulara no acórdão de 1895. Em um dos considerandos do seu acórdão de 12 de junho de 1896, lê-se: "a Lei n. 918 (antiga lei de falência), não estando ainda regulamentada e não cogitando de normas processuais, deve ser interpretada, pelo seu silêncio em matéria processual, por analogia e paralelismo de outras leis mais precisas e concisas" (Relatório citado, 1896, pág. 57) . O novo princípio do acórdão de 1896 é o verdadeiro, conquanto apoiado em dois falsos motivos: 1.º Pelo fato de não estar regulamentada a Lei n. 917. Esta lei, incorporada às leis comerciais (Constituição Federal, art. 34, n. 23), não tinha necessidade, para sua fiel execução, de ser regulamentada. 2. 0 Pela razão de não haver a Lei n. 917 cogitado de normas processuais. Não é exato. O Decreto n. 917, como as Leis n. 859, de 1902, e n. 2. 024, de 1908, cogitaram do processo da falência. Não havendo lei completa, são possíveis obscuridades e lacunas. Nesse caso, as disposições do processo comum subsidiam as do processo de falência (n. 71 supra) . Melhor orientados se revelaram os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Maranhão, e a 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, decidindo que, "os casos de agravo cogitados na lei de falência não são
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O comerciante, por um lado, tem fundada esperança de \er pagos em dia os seus créditos para que possa, por sua \ez. honrar os seus compromissos, e, por outro, precisa garantir a sua situação perante o devedor, evitando que outros credores se lhe avantagem em seu manifesto prejuízo. Hoje, com o comércio internacional, a falência se tornou um dos meios mais eficazes na defesa do crédito. Tôda a doutrina que contrariar êsse escopo deve ser repelida, pois emprestaria àquela lei um sentido anormal, ofensivo ao seu caráter. Seria diluir a obra legislativa.
III 90. Deve-se bem considerar que se trata de instituto mercantil, e que o comércio tem a sua própria utilitas e a sua própria juris ratio . A lógica do direito comercial, escreve o insigne MATTEO PESCATORE, ora é muito severa e pende particularmente para o estrito rigor do direito, ora é mais benigna que no direito civil comum e mostra-se mais condescendente para com a boa-fé e a equidade natural. (1)
IV 91. O princípio dominante na falência é a estrita igualdade entre os credores, garantidos, porém, os direitos daqueles que tiverem legítima causa de preferência. taxativos, devendo-se entender que não foi excluído o caso da irreparabilidade do dano, admitido no processo comum" (n. 75 supra e respectiva nota) . Nos Estados Unidos da América do Norte, muitos Tribunais opinam que as leis de falência devem ser interpretadas restritivamente por importarem derrogação ao direito comum, visto como privam o devedor de seus bens, trazem a paralisação dos seus negócios e tiram aos credores os meios ordinários de execução. Autoridades eminentes, e os próprios Tribunais, modernamente, têm contestado e abandonado essa jurisprudência. A interpretação é restritiva em matéria penal, ampliativa tôdas as vêzes que se trata de assegurar o objeto e fins que aquelas leis tiveram em vista promover (BLACK, Construction and Interpretation of the Laws, páginas 301-302; COLLIER, BankruptC1.J, pág. 36) . (1) La logica del diritto, pág. 73; CASAREGIS (Disc. 144, n. 34, e Disc. 190, n. 13) já havia dito: "coram publici commercii utilitate, ommes regulre juris silere debent ... "
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Êste princípio pode ser expresso nos têrmos da L. 6, § 7.º Dig. XLII. 8 "Post bona possessa ... PAR CONDITIO omnium creditorum" .
Daí dizer-se que o instituto da falência é de natureza essencialmente socialista. (1) Deve ser repelida tôda a interpretação que ofenda, restrinja ou anule essa igualdade. (2) V
92. Na falência não se procura ganhar; cogita-se de perder o menos possível, ne pejus adveniant. Não seria admissível interpretar as disposições da lei permitindo o enriquecimento dos credores em manifesto prejuízo do d·evedor ou de terceiro (3). A falência não é uma expropriação violenta, é meio de execução e remédio preventivo de prejuízos. Também seria condenável se o devedor achasse na falência os meios de se enriquecer, empobrecendo os credores.
IV 93.
A lei de falência não é sàmente uma lei de rigor
contra o devedor; é, ao mesmo tempo, uma lei de favor
(n. 170 do 2. 0 vol. dêste Tratado) (4) . Quanto mais pronunciadas a boa-fé e a lisura do devedor, tanto mais amplas (1) THALLER, Traité de droit commercial, 4.ª ed., n. 1.698; PERCEROU, Des faillites, vol. 1.º, n. 87. (2) "Logo que se abre a falência assim os credores como os bens dos falidos ficam subordinados a um regímen, que tem por base a unidade, a ordem e a igualdade". (Sentença do Supr. Trib. de Just., de 28 de junho de 1865, apud CÂNDIDO MENDES, Arestas, pág. 631. - O nosso antigo direito estabelecia os axiomas: "É da mente da lei, que entre os credores de um falido haja a possível igualdade" (Alvará de 17 de maio de 1759) . "Os bens do devedor falido são comuns de seus credores depois de seqüestrados". (Alvará de 17 de maio de 1759) . (3) Temos aqui a aplicação do princípio de profunda moral proclamado por PO:MPONIO, na L. 206, Dig. 50, 17: "Jur.e naturae
aequum est neminem cum alterius detrimento et injuria fieri locupletiorem".
(4) Lei n. 2.024, arts. 40 e 145. Aprecie-se a intervenção voluntária do falido no processo da falência, favor sôbre o qual falamos em o n. 440, infra.
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deYen1 ser as concessões, levadas ao extremo de permitir a concorda ta preventiva da falência. Se à má-fé e à fraude se não devem dar tréguas (n. 87, supra), seria iníquo proceder severamente contra o devedor honesto, vítima da sorte. Não é para prejudicar o próximo que a lei estabeleceu os meios rápidos de execução e conferiu garantias e prerrogativas ao credores. Não deve haver desigualdade e injustiça nas relações entre credores e devedores. É princípio de humanidade que não precisa estar escrito por extenso na lei. Não se deve negar consideração ao devedor e os códigos modernos vão trilhando esta senda, bem indicada com a impenhorabilidade de certos bens e, portanto, com a exclusão dêstes da massa falida, e com a instituição do bem de família. (1)
(1) O caráter humanitário da falência foi, no Brasil, acentuado desde o Alvará de 29 de junho de 1809. (Veja-se CAYRU, ed. CANDIDO MENDES, vol. 2.0 , pág. 924) .
TfTULO II
Do estado de falência
Sumário: -
94. O estado de falência. -
95. Razão de ordem.
94. Na conformidade da Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, o estado de falência supõe: devedor sujeito ao processo da execução coletiva; e impossibilidade de pagar no vencimento obrigação líquida e certa. a) b)
O concurso d~sses requisitos, nos têrmos em que adiante se explicará, define sàmente o estado de fato da falência. Para que, porém, êsse estado de fato se converta em estado de direito, produzindo efeitos jurídicos, essencial é que o juiz o declare por sentença. Não temos o que se denomina na teoria a falência virtual . Essa sentença pressupõe, por sua vez, um processo (n. 191 infra).
95. Neste título II, diremos sôbre aquêles requisitos e, no seguinte, falaremos do processo preliminar, ou inicial da falência. 11
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CAPÍTULO I Dos devedores sujeitos à falência
Sumário: - 96. Somente os comerciantes são sujeitos à falência e, excepcionalmente, as sociedades anônimas e as comanditárias por ações, que não exercem o comércio, e os sócios de responsabilidade ilimitada. 97. As normas relativas às sociedades. - 98. Falência com um só credor. 99. Razão de ordem.
96. Estão sujeitas à falência as pessoas naturais ou jurídicas que exercem a profissão mercantil, id est, os comerciantes. (1) Excepcionalmente, incidem em falência as seguintes pessoas não comerciantes: as sociedades anônimas e em comandita por ações com objeto civil (2) ; e 1.º
2.0 os sócios de responsabilidade ilimitada no caso da falência da sociedade. (3) (1) A Lei n. 2 .024, arts. 1.º e 2. 0 (*) . - A lei nacional norte-americana de 1898, no art. 4. 0 , dispõe sôbre os que podem ser falidos (who may become banckruptcy), dizendo que: a) qualquer pessoa que tem dívidas, exceto as corporações civis, pode gozar os benefícios dessa lei, a título de falido voluntário; b) qualquer pessoa natural, exceto os assalariados, lavradores, cultivadores, companhias sem personalidade, e qualquer pessoa jurídica, cujo objeto principal seja a manufatura, o tráfico, a imprensa, a edição de livros, a exploração de winas ou a mercancia, tendo dívidas na importância mínima de mil déflares, podem ser declaradas falidas involuntàriamente, quer à revelia, quer em processo contencioso, ficando sujeitas as disposições da presente lei e gozando os seus benefícios. Os banqueiros particulares podem também ser declarados falidos involuntàriamente; não, porém, os bancos nacionais, os estaduais e os territoriais. Esta última disposição alínea b, está de acôrdo com a emenda feita pelo art. 3. 0 da lei de' 5 de fevereiro de 1903. (2) Lei n. 2.024, art. 3. 0 (**) _ (3) Lei n. 2.024, art. 6. 0 • ("""*) (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, arts. 1.º e 2 o (**) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 8. 0 , § 2. 0 . Hoje qualqtie~ que seja o objeto da soc}edade ~n.ônima é mercantil (D. L. 2.627 de 26-9-940 art. 2. 0 , paragrafo umco. ' ( u •) 'veja-se o art. 5. 0 do cit. Decreto-lei 7. 661.
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97. As normas legais que disciplinam o instituto da falência aplicam-se às pessoas naturais ou jurídicas, sujeitas a essa execução coletiva. A falência não muda de essência pelo fato de ser o devedor pessoa natural, ou jurídica. O estado de falência é objetivo, patrimonial. Como, porém, as sociedades têm estrutura própria e são distintas das pessoas dos sócios, não lhes bastam, na falência, os preceitos relativos ao comerciante singular. Faz-se mister normas especiais, que fixem as relações entre elas e os sócios e terceiros, e entre os sócios e terceiros. O Dec. n. 17, de 1890, e a Lei n. 859, de 1902 (que aliás não admitiam a falência das sociedades anônimas), continham um título especial sob a rubrica Da falência das sociedades. (1)
A Lei n. 2. 024, de 1908, preferiu outro método, para não quebrar a harmonia do seu sistema. Tôdas as vêzes que há necessidade de preceitos complementares, ou modificativos sôbre determinado ponto relativo às sociedades, ou aos sócios, ela os estabelece a par das disposições sôbre a falência do comerciante singular. De ordinário, o comércio é exercido por sociedades, especialmente se giram avultados capitais. Na reforma da lei de falência, precisa atender-se a essa circunstância, prescrevendo-se regras mais amplas do que as atuais quanto à falência das socieddaes . O que a lei considerou singularidade é o que se apresenta freqüentemente. 98. Sendo a falência uma execução coletiva, o seu pressuposto é a pluralidade de credores. Tem-se, porém, sujeitado a essa execução o devedor com um só credor, sob o fundamento de que o estado de falência resulta não do número dos credores, porém, do fato da impossibilidade de pagar (n. 94, supra). Ao credor não satisfeito pode ser indispensável a falência para revogar atos praticados (1) Adotaram êsse sistema os códigos italiano, românico, espanhol e a lei austríaca. É o que se observa, também, em muitos tratados sôbre falência, que reservam uma parte especial para a falência das sociedades.
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em seu prejuízo. Negar-lhe êst·e direito, diz-se, é privá-lo da garantia com que contava ao tratar com o devedor (1). E se odevedor satisfizer todos os seus pequenos credores, deixando sem pagamento o mais importante? A dificuldade séria é que nessa falência muitas disposições legais ficam sem aplicação. O processo torna-se mais expedito, o que não repugna à natureza da instituição, às obrigações do devedor e aos direitos do credor. Não é possível a _concordata, no sentido legal. O legislador cogita de casos ordinários - quod raro evenit prcetereunt legislatores. Ocorrendo a presença de um só credor na falência, fica ao arbítrio do juiz simplificar o processo quanto possível. (2)
(1) Antes do Dec. n. 917 assim pensavam ilustrados juízes do comércio (HOLANDA CAVALGANTE, Informações, pág. 22, e TOLEDO LESSA, n'O Direito, vol. 38, pág. 5). o acórdão da Relação do Rio, de 11 de outubro de 1887 (n'O Direito, vol. 44, nág. 597), entretanto, em um dos considerandos parece não apadrinhava essa doutri?-ª•. que, aliás, fôra acolhida em 1868 (em sentença do juiz do comerCio _da Côrte, confirmada oelo Presidente do Tribunal do Comércio, como mforma a Revista JÜrídica, 1868, vol. 5. 0 , págs. 236-247. O Tribunal de Justiça de s. Paulo, em acórdão de 20 de novembro de 1902, admitiu a possibilidade da falêncta com um só credor, ence~ rando-se logo que -êste seja pago (na Gazeta Jurídica, vol. 31, paginas 138-139) . Os códigos comerciais argentino, art. 1.435, e chileno, art. 1. 342, expressamente dispõem que se pode dar a falência com um credor. As leis da Austria 06 de março de 1884, art. 2.º) e da Croácia (art. 71 e segs.) são no mesmo sentido, exigindo, porém, que o credo~ I?rov~ a necessidade de revogar um ato do devedor (Annuaire de legislation étrangere, 1898, pág. 469) . (Consulte-se o art. 59, d, da lei norte-americana de 1898, em a nota do n. 230 infra) . - A jUrisprudência francesa tem assentado que não é o número de credores que dá importância ao processo da falência; haja um, haja vinte, ela é legitimada pelos mesmos motivos, funda-se nas mesmas condições de ordem pública. BÉDARRIDE, Traité des faillites, vol. 1.0 , n. 58; LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, vol. 7. 0 , n. 96, nota 2. O mesmo na Bélgica, NAMUR, Le code de com. belge, vol. 3. 0 , n. 1.593, § 4. 0 ; e na Itália, CUZZERI, Il codice di commercio commentato, 2.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7.409; RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. 1. 0 , n. 51. A jurisprudência alemã é no sentido da francesa (decisões referidas por EUSEBIO, Leggi complementari al codice di commercio germanico, vol. 2. 0 , pág. 82). Na Hungria, onde a falência é extensiva aos não comerciantes, não é admissível se o devedor tem somente um credor Oei de 1881) . (2) DALLOZ, Répertoire, verb. faillite, n. 76; CUZZERI, Il codice di commercio commentato, 2.ª ed. de Verona, vol. 8. 0 , n. 12.
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99. Para sistematizar o estudo, diremos separadamente nas seções seguintes: I.
II. III.
dos comerciantes, compreendendo tanto as pessoas naturais como as sociedades comerciais em nome coletivo, em comandita simples e de capital e indústria; das sociedades anônimas e em comandita por ações; e dos sócios de responsabilidade ilimitada. SEÇÃO I
Dos comerciantes Sumário: 100. Os comerciantes incorrem em falência. 101. É indiferente que sejam nacionais ou estrangeiros, matriculados ou não, e que os seus credores sejam também nacionais ou estrangeiros. 102. Que compreende a locução comerciantes. 103. As pessoas administrativas, ainda que exerçam habitualmente atos de comércio, não incidem em falência. 104. Nas sociedades em conta de participação só os sócios gerentes ou o~tensivos podem ser declarados falidos. 105. Razão de ordem.
Os comerciantes, reputados tais os que fazem da mercancia profissão habitual (ns. 103 e 109 do 2. 0 vol., dêste Tratado), incidem em falência. (1) 100.
JURISPRUDÊNCIA - São comerciantes: Os empreiteiros que compram madeiras e materiais para revender, depois de manufaturados já em obras de carpintarias, já em construções de casas ou outras edificações (n. 335 do 1.0 vol., 2.ª edição, dêste Tratado) . b) O fabricante e vendedor de sacos, que compra o cânhamo (n. 335 do 1.0 vol. cit.) . e) O farmacêutico (n. 335 do 1.º vol. cit.) . d) O hoteleiro (n. 335 do 1.º vol. cit.) . Hoteleiro não é aquêle que toma de aluguel ou com_::ira um prédio e subloca cômodos mobiliados, com ou sem fornecimento da alimentação. Para que o dono da pensão se considere comerciante é mister que o seu estabelecimento seja franqueado ao público para a locação de cômodos e fornecimento de alimentos, mediante pagamento, como objetos principais de (1) a)
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especulação, e, assim, seja equiparado a hotel ou restaurante. (Sentença do juiz da 6.ª Vara, Dr. CESARIO PEREIRA, confirmada pelo acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 21 de julho de 1914 na Revista de Direito, vol. 38, págs. 374-376) . ' e) O vendedor de bilhetes de loterias autorizadas (n. 335 do 1.0 vol. cit.) . f) Os marchantes de gado e açougueiros (Acórdão da Câmara Civil da Côrte de Apelação, de 27 de abril de 1891, no Jornal do Comércio, de 3 de maio de 1891, "Seção Judiciária") . g) O alfaiate que negocia com fazendas (Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 24 de julho de 1905, no S. Paulo Judici,ário, vol. 8. 0 , pág. 283) . h) O joalheiro que compra matéria-prima e ganha sôbre o preço da compra e do trabalho de fabricar jóias (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 3 de dezembro de 1904 e 24 de maio de 1905, no S. Paulo Judiciário, vol. 8.0 , pág. 108) . i) O que explora pedreiras (Acórdão da Relação do Rio, de 16 de março de 1888, n'O Direito, vol. 47, pág. 241, e da Câmara Comercial da Côrte de Apelação, de 12 de julho de 1904, n'O Direito, vol. 102, págs. 114-115) . j) O fazendeiro que tem casa de comércio bem sortida, franqueada ao público, ao qual constantemente vende, com guarda-livros e caixeiros, demonstrando assim a profissão habitual do comércio (Acórdão da Relação de Ouro Prêto, Minas Gerais, de 6 de março de 1897, no Forum, vol. 3.0 , pág. 528) . - O agricultor não é comerciante; vende os produtos da sua fazenda; faz compras; tem muitas vêzes de constatar adiantamentos de dinheiro; joga em suma com o crédito. Pelos motivos expostos em o n. 336, inciso /, do 1.º vol., dêste Tratado, tais operações não têm sido consideradas comerciais. O agricultor não pratica atos de intermediação entre .o produtor e o consumidor, porque êle é o próprio produtor. O que há de comercial nessas operações, escreve RENOUARD, absorve-se e desaparece em seu caráter dominante, o da exploração da propriedade, da fazenda (Traité des faillites, vol. 1.0 , pág. 238) . No intuito de auxiliar o crédito agrícola móvel, o Dec. n. 169-A, de 19 de janeiro de 1890, equiparou as transações sôbre êsse crédito às do comercial, sujeitando à jurisdição comercial e à falência todos os signatários de efeitos comerciais, inclusive os que contraíssem empréstimos mediante hipoteca ou penhor agrícola por soma superior a 5:000$000. O Dec. n. 370, de 2 de maio do mesmo ano, modificou a disposição nesses têrmos: "Ficam sujeitos à jurisdição comercial e à falência todos os signatários de efeitos comerciais, compreendidos os que contraírem empréstimos mediante hipóteca ou penhor agrícola, por qualquer soma, ou bilhetes de mercadoria" (art. 380) . Sob o domínio do Dec. n. 917 entrou em dúvida a vigência dessa disposição, entendendo-se geralmente que fôra por êle (arts. 1.º e 140) implicitamente revogada, e ainda pelo art. 337, do Cód. Penal. (Parecer do Dr. SOUSA RIBEIRO, no Forum, vol. 2.0 , pág. 596, e acórdão do Superior Tribunal de Pernambuco, de 30 de novembro de 1897 transcrito na 1.ª ed. da nossa obra Das falências, vol. 1.0 , pág. 54: nota 3). A Lei n. 859, de 1902, no art. 139, revogou p citado art. 380 do Dec. n. 370, na parte em que sujeitava à falência os que contraíssem
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A falência é instituição de ordem pública. Não depende, conseguintemente, da pessoa submeter-se a ela voluntàriamente, declarando-se comerciante sem que realmente o seja. (1)
101. Estão sujeitos à falência tanto os comerciantes nacionais como os estrangeiros (2); basta que exercitem o comércio na República (3). Igualmente não se indaga se os
empréstimo mediante hipoteca ou penhor agrícola. O que estava aceito, ficou perturbado por essa disposição leviana. O~ não comerciantes, signatários de efeitos comerciais, desde que se nao tratasse de empréstimo mediante hipoteca ou penhor agrícola, estavam sujeitos à falência? Os responsáveis não comerciantes por bilhetes de mercadorias incidiam em falência? Em face da letra do art. 139 da Lei n. 859 e do art. 380 do Dec. n. 370, de 1890, a resposta devia ser afirmativa. A Lei n. 2. 024 terminou a questão. Quem não é comerciante não pode ser declarado falido, salvo os casos restritamente especiais apontados em o n. 96, supra. (1) PERCEROU, Des faillites, vol. 1.0 , n. 169. (2) A Constituição Federal de 1891, no art. 72, § 24, garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país o livre exercício de qualquer profissão. ( •) As leis sôbre falência são leis sôbre a execução forçada, estatutos reais, quoad objectum; podem também em rigor ser classificadas entre as leis de polícia e segurança porque têm por fim proteger os credores contra as fraudes do devedor. Aplicam-se a todos os que habitam o Estado. Quando estas razões não atuassem basta que sejam leis e atender a que nenhuma consideração as excetua da regra geral segundo a qual tôdas as leis regem todos os que se acham no território do Estado. ( COMTE DE V AREILLES-SOMMI:ERES, La Synthese du droit inter. privé, vol. 1.º, n. 435) . Na Inglaterra, os estrangeiros não podem ser declarados em falência senão quando são domiciliados na Inglaterra ou aí residem ou têm o seu escritório desde um ano antes do requerimento de falência (Bankruptcy Act, 1883, s 6, d) . Nos Estados Unidos, incidem em falência os estrangeiros que durante os seis últimos meses ou a maior parte dêsse tempo têm ali a sede do principal estabelecimento, residência ou domicílio ou aquêles que, não tendo estabelecimento, domicílio ou residência nos Estados Unidos, possuem bens sujeitos à jurisdição dos seus tribunais (Lei nacional de falência, 1898, art. 2. 0 , n. 1) . Leia-se CONTUZZI, De la nécessité d'assurer aux étrangers le même traitement qu'aux nationaux dans la répartition des produits de la faillite (in CLUNET, Journal de droit international privé, 1892,
pág. 1.105) . (3) Cód. Comercial, art. 30. ("') Observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer. Constituição de 1946, art. 141, § 14.
le.8
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seus credores são nacionais ou estrangeiros ( 4) . É também indiferente que sejam matriculados ou não. (5) 102. Na locução conierciantes estão incluídos não só os indivíduos (pessoas naturais) no gôzo da capacidade jurídica contratual, que se dedicam à profissão mercantil, como as sociedades comerciais (pessoas jurídicas), constituídas especialmente para o exercício do comércio (ns. 9 e 121 do 2. 0 vol. e n. 506 do 3. 0 vol., dêste Tratado) . 103. As pessoas de direito administrativo, se exercer habitualmente atos do comércio, não incidem em falência (n. 127 do 2. 0 vol., dêste Tratado) . 104. Em falência não incorrem as sociedades em conta de participação, porque não têm personalidade jurídica (n. 1.430 do 4. 0 vol., dêste Tratado) . Sàmente o sócio ostensivo ou gerente pode ser declarado falido (1). A sociedade não trata com terceiros; êste não têm direitos nem assumem obrigações senão relativamente ao sócio-gerente (Veja-se o n. 225, infra) . 105. Nos dois artigos em seguida, trataremos dos comerciantes singulares das sociedades comerciais em nome coletivo, em comandita simples e de capital e indústria. As sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações podem exercer o comércio, e, se êsse é o seu objeto, são comerciantes. Como, porém, essas sociedades podem ter objeto civil (n. 122, infra), sendo em um e outro caso sujeitas à mesma disciplina jurídica, apreciá-la-emas na seção II.
(4) Lei n. 2.024, art. o. 0 , §§ 1.0 e 4. 0 (*"'). (5) A formalidade da matrícula não caracteriza a qualidade de comerciante nem confere favores no nrocesso da falência. (Consultem-se os ns. 141 e segs. do 2. 0 vol., dêste Tratado, onde o assunto foi amplamente explanado) . (1) Lei n. 2.024, art. 6. 0 , § 1.0 (*). (.,..) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 9.º, III, letras a e e. (*) Sem correspondente no vigente Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, mas o princípio decorre do art. 326 do Código comercial.
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ARTIGO I
Dos comerciantes singulares Pessoas naturais
Sumário: - 106. Os que exercem o comércio em nome de outrem não estão sujeitos à falência. - 107. Solução da contestação sôbre a qualidade de comerciante. - 108. Menores e mulheres casadas que exercem o comércio sem a autorização devida. 109. Pessoas proibidas de comerciar, que transgridem o preceito legal. 110. A morte do devedor e a cessação do exercício do comércio não obstam a declaração da falência. 111. Falência "post-mortem". 112. Pouco importa que o estado de falência se tenha verificado antes da morte, ou manifestado depois dêsse fato. 113. Separação do patrimônio do devedor do dos seus herdeiros. 114. Representantes do devedor falecido. 115. Prescrição. 116. Falência depois da cessação do exercício do comércio. 117. Só possível relativamente a dívidas dependentes do exercício do comércio.
Em falência incidem os que exercem o comércio em seu nome. Os representantes de outros, como o mandatário, o preposto, o capitão do navio, etc., não são comerciantes (ns. 106 e 107 do 2. 0 vol., dêste Tratado). 106.
Os corretores e leiloeiros oficiais são comerciantes, e, como tais, sujeitos à falência. (1) Ao juiz compete apreciar a qualidade de comerciante no devedor, caso haja dúvida ou contestação a tal respeito. É questão prejudicial, que deve ser preliminarmente resolvida pela importância capital que assume no instituto da falência (2). O juiz decidirá a questão conforme as regras 107.
(1) Lei n. 2.024, arts. n. 2, e 170, n. 4 (*). (Vejam-se os ns. 342 e 353 do 1.º vol., 2.0 ed., e ns. 336 e 388 do 2. 0 vol., dêste Tratado). (2) Lei n. 2.024, art. 4.0 , n. 7 (**). ( •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 188, IX. ( *"') Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 4.0 , VIII.
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gerais de prova (n. 120 do 2. 0 vol., dêste Tratado). Há fatos que mostram, em tôda evidência, esta qualidade, tais como: o registo da firma, a abertura de estabelecimento comercial; o pagamento de impôsto de indústria e profissão, a expedição de faturas de gêneros e negociantes, as declarações em tabuletas ou placas, as circulares, a autorização de pessoas competentes, etc. 108. Os menores ou as mulheres casadas que comerciarem sem a devida autorização não estão sujeitos à falência (ns. 55 e 96 do 2.º vol., dêste Tratado) .
Os menores e as mulheres casadas, se não reunirem as condições expressamente exigidas para exercerme o comércio (Cód. Comercial, art. l.º, ns. 2, 3 e 4), são incapazes de direito. (1) Quem quer que, porventura, tenha tratado com êstes incapazes não se pode queixar com justiça, pois a todos corre o dever de se instruir da qualidade e da capacidade daqueles com quem contratam: qui cum alio contrahit, vel est vel esse debet non ignarus conditionis ejus (L. 19 Dig. 50, 17) .
Estão sujeitas à falência as pessoas proibidas de comerciar, se transgridem o preceito legal (n. 138 do 2. 0 vol., dêste Tratado) . (2) 109.
(1) Quanto aos menores, assim já decidiu o Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 24 de março de 1913, fundado no que dissemos em o n. 57, das Falências (S. Paulo Judiciário, vol. 31, pág. 202, e Revista dos Tribunais, vol. 5.º, pág. 194) . Quanto à mulher casada, consultem-se os arts. 6. 0 e 242, n. VII, do Cód. Civil. O Cód. Comercial do Chile, art. 1.342, alínea 2.ª: "Os incapazes não pode~ ser declarados em falência, ainda quando se hajam entregues habitualmente ao exercício do comércio". O menor emancipado, que negocia, está sujeito à falência. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo de 28 de agôsto de 1913 na Revista dos Tribunais, vol. 7.º, pág. 100) . ' (2) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 6 de agôsto d~ 1907 na Revista de Direito, vol. 6.º, págs. 190-193). No mesmo sentido, GABRIEL DE REZENDE, Curso de falências, S. Paulo 1912 págs. 24-25. ' ' (*) V. De. do art. 3. 0 , III, do D. L. 7.661, de 21-6-45.
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A proibição não tem por fundamento a incapacidade. Dá-se apenas a incompatibilidade entre certas profissões e a de comerciante. Os atos praticados pelos incompatíveis não são nulos, salvo as exceções relativas aos corretores e leiloeiros oficiais (Cód. Comercial, arts. 59, § 1.0 , e 69). Note-se: l.º podendo os proibidos de comerciar incidir em falência, não gozam, entretanto, a faculdade de obstar a sua declaração por meio da concordata preventiva (1); 2.º a falência destas pessoas é sempre culposa, porque não lhes é permitido ter firma legalmente inscrita (ns. 181 e 194 do 2.º vol., dêste Tratado) . (2) 110. Para a declaração judicial da falência não é necessário que o comerciante esteja no exercício atual da profissão mercantil . O art. 5. 0 da Lei n. 2. 024 faz certo que não obstam aquela declaração: a) a morte do devedor (3); e b) a cessação do exercício do comércio. 111.
a)
Morte do devedor. A morte do devedor extin-
gue somente as obrigações e direitos restritos à sua pessoa, ou que dizem respeito a fatos pessoais. (4) Os credores das outras obrigações não perdem o direito de requerer a falência do devedor já falecido. Por outro lado, ao cônjuge sobrevivente e aos herdeiros do devedor não se pode negar o direito de promover a falência, Lei n. 2.024, art. 149, §§ 2. 0 e 3. 0 (*). (2) Lei n. 2.024, art. 169, n. 1 ( * *) . (3) No direito inglês, a pessoa falecida não pode ser declarada falida. Seus bens podem, entretanto, ser administrados de acôrdo com a lei de falências. Se, porém, o devedor morre depois da declaração da falência, o processo, salvo decisão contrária da Côrte, segue como se o falido estivesse vivo. o mesmo se dá no direito norte-americano, tanto no caso de morte, como no de alienação mental do falido (Lei de 1898, art. 8.0 ) . (4) Cód. geral austríaco, art. 1.448, MAYNZ, Droit romain, volume 2. 0 , § 298. ( • .. ) ( *) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, arts. 140, I, e 158, I. ( **) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 188, IX. (***) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 3. 0 , n. I. (1)
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muitas vêzes único meio de se conseguir a pronta e fácil liquidação da casa comercial, e, ao mesmo tempo, de reabilitar moralmente a memória do morto, ponto delicadíssimo e altamente prezado no íntimo das famílias. Afastar a falência nesse caso seria, na expressão de PERCEROU, "modo singular de salvaguardar a memória do defunto de aumentar as ruínas, das quais êle foi causa, denegando aos credores o direito de se utilizar do processo igualitário do concurso, e obrigando-os a recorrer ao sistema longo, ruinoso e anti-igualitário das execuções individuais". (1) A falência póstuma, por mais severa que pareça, tornase uma necessidade para os credores, a fim de manterem a par conditio entre êles, e, ao mesmo tempo, zelarem o patrimônio do devedor, penhor comum, evitando que vá cair nas mãos dos herdeiros, que, não sendo responsáveis além das fôrças da herança (Lei n. 2. 024, art. 41, parágrafo único), o poderiam dissipar. Da falência do devedor post mortem não há falido, porque com a morte deixou o homem de ser sujeito privado de direitos, e não se pode substituí-lo pelo herdeiro. O que realmente se dá é uma liquidação patrimonial, sob o regímen da falência, garantidor dos direitos dos credores. Por outra, a falência tem efeitos meramente comerciais. Se a sucessão ou a herança fôsse pessoa jurídica, seria esta a fali da. Pouco importa que o estado de falência se tenha verificado antes do falecimento do devedor, ou manifestado depois dêsse fato. (2) Muitas legislações exigem que a falência se tenha verificado durante a vida do devedor, para que seja judicialmente declarada depois da morte (3), sob a impressão de que algo 112.
Des faillites, vol. 1.0 , n. 210. (2) Lei n. 2. 024, art. 5. 0 , princ. (3) O Cód. Comercial, no art. 807, 2.ª parte, permitia a declaração da falência do devedor que em vida houvesse cessado os seus pagamentos. o Dec. n. 917, de 1890, art. 100, e a Lei n. 859, de 1902 art. 14 art. 4 § 2.0, exigiam que o fato característico da falência se v~rificass~ (1)
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de odioso seria lançar a nota de fali do sôbre o nome de quem, durante a vida, manteve incólume o crédito e cumpriu pontualmente as suas obrigações. (1) A falência, porém, não tem mais êsse caráter odioso e infamante. É um meio de execução, é um processo ou sistema de liquidação do patrimônio do devedor comum (2). Não se dando a falência, qual o meio de pagamento aos credores? No inventário, de acôrdo com o art. 1. 796 do Cód. Civil? Será possível liquidar no inventário o passivo de relativa importância de um comerciante? A falência importa a separação do patrimônio do devedor falecido dos patrimônios dos seus herdeiros (3). Os 113.
em vida do devedor ou que a falta de pagamento se desse depois da morte. O Cód. Comercial francês, art. 437, alínea 2.ª, e o Cód. Comercial belga, art. 437, alínea 3.ª, exigem que o devedor, na ocasião da morte, se achasse em estado de cessação de pagamentos embora com o ativo inferior ao passivo. ' Se, pois, o devedor se suicida por se ver nas vésperas de cessar pagamentos não pode ser declarado falido (LYON-CAEN et RENAULT Traité de droit commercial, vol. 7.º, n. 70) . ' O Cód. Comercial argentino, art. 1.380, exige que a cessação de pagamento se tenha verificado durante a vida do devedor. Se, pois, um comerciante :paga a seus credores até o dia da morte, não pode ser declarado falido. No mesmo sentido o Cód. Comercial dos E. U. da Colômbia, art. 885. O Cód. Comercial italiano, art. 690, alínea 2.ª, não diz expressamente que a cessação de pagamentos deva preceder à morte do devedor, mas a doutrina e a jurisprudência têm assentado, exigindo a cessação de pagamentos antes da morte. VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8.º, n. 7 .397; MAS!, Del fallimento, vol. 1.0 , págs. 224 e segs. Afasta-se, porém, da opinião dêstes comercialistas CALAMANDREI, Del fallimento, n. 80. O Cód. Comercial chileno, art. 1.343, dispõe que a sucessão de um comerciante pode ser declarada em falência sempre que êste tenha falecido em estado de cessação de pagamentos. (1) Neste sentido, GABRIEL DE REZENDE, Curso de falências, página 30. (2) Leia-se interessante trabalho do Dr. LEVI CARNEIRO (na Revista de Direito, vol. 37, págs. 11 e segs.) . (3) O Cód. chileno permitindo, no art. 1.343, que a sucessão de um comerciante possa ser declarada em quebra, se êle faleceu em estado de cessação de pagamentos, acrescenta: "La declaración de quiebra separa de derecho el patrimonio dei difunto dei patrimonio de sus herederos". No mesmo sentido, o Cór. Comercial dos E. U. da Colômbia, art. 885.
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credores daquele têm o direito de se pagar de preferência aos credores do herdeiro sôbre o patrimônio do devedor falecido. (1) Decorrem daí as seguintes conclusões: l.ª Aberta a falência, será suspenso o inventário judicial, a que porventura se estiver procedendo em razão do óbito do devedor. (2) 2.ª Declarada a falência, antes, ou depois, da aceitação da herança, os herdeiros não serão responsáveis além das fôrças desta. (3) 114. O comerciante falecido será representado no processo da falência pelo cônjuge sobrevivente e herdeiro (4) . Havendo menores entre êstes, o juiz nomeará um curador. (5) 115. A falência não poderá, porém, ser declarada um ano após a morte do devedor (6), pela conveniência de se fixar a sorte da sucessão no interêsse dos herdeiros. (7) (1) Cód. Civil, art. 1.799: "Os legatários e credores da herança podem exigir que do patrimônio do falecido se discrimine o do herdeiro, e, em concurso com os credores dêste, ser-lhes-ão preferidos no pagamento". . (2) Lei n. 2.024, art. 5.º, § l.º, 2.ª alínea (*). Idêntica disposição no Cód. Comercial português, art. 693, parágrafo único. (3) Lei n. 2.024, art. 41, parágrafo único; Cód. Civ~l, art. _l.58 7· (4) Na vigência do Cód. Comercial, a jurisprudência ha~ia :i~ sentado que a viúva cabeça de casal devia ser citada para a J1!st1f1cação da falência do negociante falecido (Acórdão da Relaçao da Côrte, de 12 de dezembro de 1879, n'O Direito, vol. 21, pág. 345); q~e a abertura da falência, sua qualificação e mais têrmos ulteriores nao podiam correr sem ciência e conhecimento dos legítimos representantes do mesmo falido (Acórdão da mesma Relação, de 12 de março de 1880, n'O Direito, vol. 22, pág. 104) . . Consulte-se CONS. AQUINO E CASTRO, Exame crítico (n'O Direito, vol. l.º pág. 3) . (5) Lei n. 2.024, art. 5.0 , § l.º. (6) Lei n. 2.024, art. 5.0 , princ. ( * *) . (7) MACEDO SOARES, Reflexões (n'O Direito, vol. 51, pág. 327) · O Cód. Comercial português de 1888 (art. 693) marca o prazo de dois anos; o Cód. italiano (art. 690), o francês (art. 437) e o chileno (art. 1.343) marcam o prazo de um ano;o argentino (art. 1.383) seis meses. O Cód. Comercial belga é silencioso, mas NAMUR (Le code de commerce belge, vol. 3. 0 , n. 1.591) e HUMBLET (Traité des faillites, n. 70), entendeu que, em face do art. 422, segundo o qual a época da
( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 39, parágrafo único. ( "'*) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 4. 0 • § 2.º.
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b) Cessação do exercício do comércio. Em o n. 300 do 2. 0 vol., dêste Tratado, dissemos que a desistência voluntária ou o abandono da profissão mercantil faziam cessar a qualidade de comerciante em que a exercia. A cessação do exercício do comércio não exime, porém, o ex-comerciante das responsabilidades contraídas (n. 301, do 2.º vol.). No intuito de garantir os direitos dos credores, evitando a sua burla mediante o abandono voluntário da profissão mercantil, a lei permite a declaração da falência do ex-comerciante até dois anos depois da cessação do exercício do comércio, pouco importando que êste estado se manifeste antes ou depois dêsse fato. (1) A falência durante êsse tempo pode ser requerida pelo próprio devedor, ou pelo seus credores . Limitando essa situação ao prazo de dois anos, a lei usou de um princípio de equidade para com o devedor, que indo naturalmente empregar a sua atividade em outra profissão, não deveriam êle e os seus novos credores ficar sujeitos às eventualidades da falência por dívidas antigas. (2) Depois daquele prazo não fica, porém, extinta a obrigação; os credores e o próprio devedor são apenas privados das vantagens que lhes poderia trazer a falência. 116.
cessação de pagamentos não pode retroagir além de seis meses à dec}ar~ção da falência, é êste o prazo máximo para se requerer a falencia do devedor falecido. (1) Lei n. 2. 024, art. 5. 0 , princ. (*) . O Cód. Comercial não continha disposição a êste respeito, mas a jurisprudência havia admitido que o fato de haver deixado a profissão mercantil não evitava a declaração da falência. (Veja-se arestas em ORLANDO, Cód. Comercial, 6.ª ed., nota 1.053, e leia-se HOLANDA CAVALCANTE, Informações, pág. 23). O Dec. n. 917, art. 10, § l.º, e a Lei n. 850, art. 14, § 1.0 , continham disposição idêntica à do art. 5. 0 , princ., da Lei n. 2.024. O Cód. Comercial italiano, art. 690, o românico, art. 703, e o mexicano, art. 946, marcam até 5 anos depois de o negociante retirar-se do comércio. O português, art. 693, até dois anos depois da cessação de pagamentos; o argentino, art. 1.383, até seis meses contados do dia em que se retirou do comércio. O francês nada diz a tal respeito, porém, a doutrina e a jurisprudência mantêm a falência neste caso, podendo a declaração dela ter lugar em qualquer tempo (LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, vol. 7. 0 , n. 72; THALLER,
Droit commercial, n. 7 .476). (2) MACEDO SOARES, Reflexões (n'O Direito, vol. 51, pág. 327). ( *)
Cit.
Decreto-lei n. 7 .661, art. 4.0 , VII.
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A cessação do exercício do comércio deve ser real, efetiva. Não evitariam a falência aquêle que se retirasse do giro ativo do negócio, colocando interposta pessoa, aquêle que abandonasse um ramo de comércio ou indústria para adotar outro, e também aquêle que anunciasse a liquidação do seu estabelecimento e efetivamente se mantivesse à testa dessa liquidação. Nem sempre é fácil provar a data precisa na qual o devedor cessou o exercício do comércio . Neste assunto o juiz deve firmar a sua convicção por todo o gênero de prova (1) . Provas apreciáveis dêsse fato encontram-se em dedicar-se o devedor a outra profissão incompatível com a de comerciante no fechamento do estabelecimento comercial, na cessão do negócio, na revogação da autorização marital, etc .. 117. Deixando a profissão mercantil, o ex-comerciante não está vedado de contrair dívidas ou responsabilidades, como qualquer pessoa não comerciante. Pelo fato de não pagar essas dívidas, que nenhuma relação têm com a sua antiga profissão, não pode ser declarado falido, ainda que dentro do período legal de dois anos. A Lei n. 2. 024, no art. 5.0 , princ., admitindo a possibilidade da manifestação do esta~o de falência durante êsse período, refere-se evidentemente as dívidas dependentes do exercício do comércio (2) . Não seria justo, pondera CUZZERI, que pelas conseqüências de qualquer ato singular, ainda que comercial, praticado pelo excomerciante depois do abandono do comércio, se concedessem aos credores direitos maiores do que os que tiveram intenção de adquirir contratando com uma pessoa não sujeita às disposições especiais aos comerciantes. (3)
(1) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 8 de outubro de 1903, apreciou o fato por meio de "documentos exibidos, corroborados por depoimentos de testemunhas" (S. Paulo Judiciário, vol. 3.0, pág. 185) . (2) O Cód. Comercial italiano, no art. 690, é expresso, referindo-se a "debiti dipendenti dell'esercizio del commercio". (3) Il codice di commercio commentato, Verona, 2.ª ed., vol.
8.0 , n. 74.
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ARTIGO II
Das sociedades comerciais em nome coletivo, em comandita simples e de capital e indústria
Sumário: 118. As sociedades comerciais sôbre qualquer dessas formas e as irregulares estão sujeitas à falência. - 119. Sociedades comerciais das quais fazem parte menores não autorizados. 120. Falência de sociedades dissolvidas. - 121. Prescrição.
118. As sociedades comerciais em nome coletivo, em comandita simples e de capital e indústria estão sujeitas à falência (n. 102, supra) . (1) As sociedades irregulares, porque têm personalidade jurídica, incorrem em falência (ns. 665, 666 e 667 do 3. 0 vol., dêste Tratado). (2) 119. Se o menor sem a devida autorização para comerciar não incide· em falência (n. 108, supra), a sociedade de que êle faça parte não está isenta dessa execução coletiva. O menor deve ser excluído do processo da falência, mas o seu associado, em face da disposição do art. 317 do Cód. Comercial, é solidàriamente responsável pelo débito da sociedade, pois a nulidade do contrato social não o desobriga para com os credores que, em boa-fé, prestaram seus capitais. Os credores não podem sofrer prejuízo por atos dos associados (1) As sociedades civis não estão sujeitas à falência. (Veja-se em o n. 568, do 3.0 vol., o critério diferencial entre as sociedades comerciais e as civis. (2) O Cód. Civil, no art. 166, considera pessoa jurídica de direito privado a sociedade mercantil, e, art. 20, § 2. 0 , parece negar a personalidade à que faltar o registro. Mas, o mesmo código, no art. 16, § 2. 0 , determinando que as sociedades mercantis continuarão a reger-se pelo estatuído nas leis comerciais, a disposição do art. 200, § 2. 0 , parece que somente se refere às sociedades ou associações civis, conforme indica a rubrica da seção III do Cap. II. 12
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entre si, antes têm direito para se pagarem pelo acervo social. (1) 120. A dissolução da sociedade não extingue as obrigações por esta contraídas. Finitur societas, sed non obligatio societatis (ns. 808 e seg., do 3. 0 vol.) . A sociedade em liquidação continua a viver, dê-se a dissolução de pleno direito ou em virtude de sentença judicial. Ela rem apenas o seu escopo modificado; visa, agora, levar ao fim as operações correntes, pagar os credores e partilhar o saldo resíduo entre os sócios (n. 808, do 3. 0 vol.). As obrgiações subsidiárias dos sócios de responsabilidade ilimitada não se extinguem com a dissolução; ao contrário, subsistem até a inteira satisfação e extinção das responsabiildades sociais (Cód. Comercial, art. 329), e os comanditários são obrigados a completar as suas quotas, se não há em caixa recursos suficientes (n. 835, alínea 5.ª, do 3.0 vol.). Se a sociedade em liquidação não paga no vencimento as dívidas contraídas antes ou depois da dissolução, ou se pratica atos que caracterizam a falência, não pode deixar de nesta incorrer. (2) Dir-se-á abstratamente que a aplicação da falência às sociedades dissolvidas não corresponde às conveniências práticas porque os credores acham na liquidação o meio eficaz de realizar a cobrança do que se lhes deve . Atenda-se, porém, a que a liquidação, amigável ou judicial, é ato do exclusivo interêsse dos sócios. Os credores não participam nesse ato. Para com terceiro respondem a sociedade devedora, os sócios de responsabilidade ilimitada e os comanditários, ambos solidàriamente com aquela, mas os primeiros pela dívida (1) Decisão do juiz do comércio da Côrte, confirmada pela Relação, em acórdão de 8 de agôsto de 1879 (n'O Direito, vol. 20, página 362) ; acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 24 de março de 1913 (no S. Paulo Judiciário, vol. 31, pág. 202, e na Revista dos Tribunais, vol. 4. 0 , pág. 194) . - O mesmo tem adotado a jurisprudência americana. BRANDENBURG, On bankruptcy, § 125. (2) Lei n. 2.024, art. 5. 0 (*).
(•) o Decreto-lei 7.661, de 21-6-45, não dispõe expressamente sôbre a falência das sociedades em liquidação.
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integral e os segundos até o valor da quota subscrita. Ora, a liquidação normal não oferece as facilidades e garantias da falência, onde, além do emprêgo da ação revocatória, se fôr necessária, pagam-se os credores, no caso de insuficiência de bens, com a máxima igualdade, respeitadas as preferências legais. Que seria dos credores, se os sócios, por deliberação própria, declarassem a sociedade dissolvida, ou, obtendo sentença nesse sentido, evitassem a falência? A fraude, a má-fé, o dolo mais requintado campeariam impunes. As sociedades comerciais não passariam de armadilhas; o seu crédito desapareceria. Seria uma calamidade, disse CARLOS DE CARVALHO, se o fato de declarar-se em liquidação uma sociedade autorizasse os tribunais e erigi-lo em meio preventivo de falência. Não haveria lei que resistisse a êsse processo de descrédito. ( 1) Compreende-se que a vontade dos sócios produzam a liquidação da sociedade, escreveu o professor SRAFFA, porque a liquidação não prejudica direitos de terceiros; não se admite, porém, que a vontade dos sócios possa destruir a existência da sociedade o que interessa especialmente a terceiros. Destruindo a sociedade, como ente jurídico, os sócios privariam a terceiros, credores, de direitos adquiridos. Notese: o fato de os sócios dividirem o ativo social entre si, extinguindo de vez a sociedade, seria ilegítimo e necessàriamente de má-fé, praticado com o escopo de tirar aos credores sociais o direito de preferência que lhes concede a lei sôbre os bens sociais . ( 2) Tratando-se de sociedades em que figuram sócios de responsabilidade ilimitada, o direito de requerer a falência prescreve no prazo de dois anos (3), que se conta desde o dia em que é acabada definitivamente a liquidação com a 121.
( 1) Parecer em O Direito, vol. 95, pág. 178. (2) Il fallimento delle societá, pág_s. 95-96. (Veja-se um parecer nosso no S. Paulo Judiciário, vol. 6. 0 , pags. 27-34) . (3) Lei n. 2. 024, art. 5. 0 • O tex~o, p_ublica~o ofi~ia~~en_te:, diz "da dissolução e liquidação", em vez de a d1ssoluçao e llqmaaçao . É manifesto o êrro de construção da frase como foi publicada a lei ( •) .
( •) A Lei n. 5. 746, de 1929, havia corrigido êsse êrro. V. Decretolei 7. 661, de 21-6-45, art. 4, n. VII.
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divisão e partilha aprovadas pelos sócios (Cód. Comercial, art. 348). Dividam os sócios entre si o ativo da sociedade, os credores, durante o prazo de dois anos após essa partilha, não ficam privados de requerer a falência. (1) Se a sociedade se dissolver em virtude da morte de um dos soc10s (Cód. Comercial, art. 335, n. 4), pode ser declarada falida ainda um ano depois dêsse acontecimento. Não se aplica ao caso a disposição do art. 5. 0 da Lei n. 2. 024, na parte relativa à parte do devedor, porque devedora é a sociedade, individualidade jurídica distinta e independente das pessoas dos sócios, e subsiste até final liquidação. SEÇÃO II Das sociedades anônimas e em comandita por ações Sumário: 122. Estão sujeitas à falência as sociedades anônimas e as em comandita por ações. - 123. Justificativa da falência das sociedades anônimas. 124. Idem da falência das sociedades em comandita por ações. 125. A sociedade anônima pode ser declarada falida no curso da sua liquidação. 126. Os administradores e liquidantes não incidem em falência como tais· 127. Sociedades anônimas estrangeiras.
As sociedades anônimas e as em comandita por ações, comercial ou civil o seu objeto, estão sujeitas, como dissemos, à falência. Seria impossível submeter essas sociedades a regimens diversos no caso de impossibilidade do pagamento das dívidas conforme o seu objeto fôsse comercial, ou civil, sendo tôdas disciplinadas pelas mesmas normas, 122.
(1) Não é assim na legislação alemã e na suíça (Code fédéral des obligations, art. 573, alínea 1.ª), onde a partilha do ativo pelos
sócios faz prescrever a falência. Que fundamento e que escopo tem a falência de uma sociedade depois de o ativo estar repartido entre os sócios? Pergunta SRAFFA (Il fallimento delle società commerciali, pág. 96), e responde: "Quanto ao fundamento acha-se individualidade jurídica que subsiste à partilha do ativo social. Quanto ao escopo reconhecemos que a declaração da falência não pode chamar ao patrimônio social o que os sócios dividiram entre si, a sociedade terá um crédito para com os sócios e poderá obrigá-los à restituição; mas se esta não se realiza efetivamente (e não poderá ter lugar parte dos sócios solidàriamente responsáveis porque são declarados falidos ao mesmo tempo que a sociedade, e, portanto, não gozam a disponibilidade do seu patrimônio sôbre o qual têm
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que se enquadram no direito comercial (n. 887 do 3.º vol., dêste Tratado). Quanto às sociedades anônimas, é expresso o art. 3.º da Lei n. 2. 024. (*) Quanto às sociedades em comandita por ações, não temos disposição clara, idêntica à do art. 3.º da Lei n. 2.024. O art. 231 do Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, declara, porém, essas sociedades sujeitas à falência sem distinguir o objeto. Não se duvida, em face dos arts. 215, 229 e 230 do Dec. n. 434, de 1891, que as sociedades em comandita por ações possam ter por objeto atos ou operações de natureza civil, porque o primeiro daqueles artigos se referiu aos arts. 311 a 314 do Cód. Comercial, e o segundo e terceiro não mandaram expressamente aplicar a essas socieddaes a disposição do seu art. 3. 0 , ou a do art. 1.º in princ. do Dec. n. 164, de 17 de janeiro de 1890. Essas sociedades ainda que tenham objeto civil, não podem deixar de ficar submetidas à mesma disciplina que as que têm objeto comercial, por idênticos motivos que justificam a aplicação de normas uniformes às sociedades anônimas. A Lei n. 2. 024, nos arts. l.º, parágrafo único, n. 3, 8, § 2. 0 , etc., referiu-se às sociedades em comandita por ações sem distinguir o objeto. Se essas sociedades podem emitir obrigações ao portador, seja civil ou seja comercial o seu objeto, tôdas hão de forçosamente estar sujeitas à falência, garantia dêsses credores. (**) de concorrer indistintamente, e em proporção de seus créditos, os credores particulares dos sócios, e os credores sociais, o direito de prelação por parte dos credores da sociedade não pode efetuar-se. Mas, a declaração da falência da sociedade tem sempre um fim, qual o de facultar a anulação de todos os atos com que depois da cessação de pagamentos alguns credores, ou os comanditários se tenham beneficiado em prejuízo de outros credores. VIDARI e CUZZERI entendem que, encerrada a liquidação, desaparece a razão de ser da falência social. A falência só pode ser declarada contra os sócios solidários pessoalmente. ( *) Não há disposição, no Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, porque a sociedade anônima, qualquer que seja o seu objeto, é sempre mercantil e sujeita às leis comerciais. Decreto-lei n. 2.627 de 26 de setembro de 1940, art. 2. 0 páragrafo único. (**) As sociedades em comandita por ações regem-se pelas normas das sociedades anônimas. Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 163.
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123. As sociedades anônimas sob o regímen do Cód. Comercial e da Lei de 1860 (n. 37, supra) estiveram sujeitas à falência (1) .
Na reforma de 1882, elas passaram à liquidação forçada (2), que era, em substância, a própria falência, sob outra designação . A razão por que se retiraram as sociedades anon1mas da disciplina da falência, deu-nos LAFAYETTE, no Senado, ao discutir o projeto mais tarde convertido na Lei n. 3 .150, de 4 de novembro de 1882: - "Não há falência sem falido: quando uma sociedade anônima cessa os seus pagamentos e é dissolvida por decreto judicial, não há falido, visto que a sentença de dissolução extingue a personalidade jurídica da sociedade. Desaparecendo esta personalidade, que seria o falido, claro está que não pode haver processo de falência, pois êste pressupõe de um lado o falido e do outro os credores .
. . .. ..... . . . ... .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . ... . A submissão das sociedades anônimas à lei das falências repugna à razão natural ... '' (3) Era essa a objeção apresentada também na França, especialmente antes da Lei de 4 de março de 1889, sôbre a liquidação judiciária. (4) (1) Cód. Comercial, art. 295, n. 2: Dec. n. 2.691, de 14 de novembro de 1860; Dec. n. 2.711, de 19 de dezembro de 1860, art. 35, n. 2. A falência das sociedades anônimas não estavam, porém, subordinada à disposição do art. 820, do Cód. Comercial que mandava classificar a falência em casual, culposa e fraudulenta. Os administradores dessas sociedades não incidiam em falência. Consultem-se artigos de doutrina de AQUINO E CASTRO, Falências de sociedades anônimas, n'O Direito, vol. 18, pág. 193, e do Dr. JOSÉ JOAQUIM SEABRA, Produz efeito contra os administradores ou diretores da sociedade anônima a sentença que qualifica culposa ou fraudulenta a falência dela?, n'O Direito, vol. 19, pág. 589. (2) Lei n. 3. 150, de 4 de novembro de 1882, arts.: 18 e 19; Decreto do Govêrno Provisório n. 164, de 7 de janeiro de 1890, arts. 18 e 19; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 166. (3) Sessão de 16 de junho de 1882. (Anais do Senado, 1882, vol. 1.0 , página 329) . (4) RENOUARD, Des faillites, vol. 1.0 , pág. 261; MASSÉ, Droit commercial, vol. 3. 0 , n. 1.169.
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O Dec. do Govêrno Provisório, n. 917, de 24 de outubro de 1890, manteve prêsa à antiga legislação a liquidação forçada das sociedades anônimas, não pelas considerações expostas, mas para forçar a comparação das legislações paralelas (o Cód. Comercial e o Dec. n. 917), e da experiência saírem as correções e acentuar-se a preferência em reforma futura. (1) Tratando-se da reforma do Dec. n. 917, de 1890, o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros lembrou que se submetesse a liquidação forçada das sociedades anônimas ao mesmo processo da falência. (2) A Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902, nada disse sôbre essa liquidação das sociedades anônimas, riscando a disposição do art. 141, do Dec. n. 917, de 1890, conquanto dos seus textos se deduzisse que não modificara o direito em vigor. (3) A Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, inspirou-se em outros princípios. A falência é uma forma de execução. Em tese, a ela pode estar sujeita tôda a pessoa, natural ou jurídica, capaz de direitos e obrigações patrimoniais que usa do crédito, pois a falência sob o ponto de vista econômico não é mais do que a função anormal dêste crédito (n. 3, supra). (4) Veja-se sôbre êsse assunto o parecer da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados, às págs. 97-98, dêste volume, justificando o sistema legal. (1) Em carta de 17 de janeiro de 1900, escrita de Bruxelas, dizia-nos o eminente CARLOS DE CARVALHO: "Prevendo os defeitos, porque não costumo iludir-me e sou em assunto científico muito dócil, indiquei a conveniência de estabelecer que o Dec. n. 917 vigoraria por prazo determinado para obrigar à revisão. Deixou de ser acolhida essa idéia para não enfraquecer a autoridade da reforma. Consegui, uorém, que as sociedades anônimas continuassem sob o regímen do -Dec. n. 164, de 1890, para forçar a comparação e da experiência saírem as correções". (2) Em O Direito, vol. 83, pág. 407. (3) Na verdade, às sociedades anônimas não é permitido ter firma ou razão social e em falência unicamente incorria o comerciante sob firma individual ou social, conforme o art. 1.0 da Lei n. 859. As sociedades anônimas podem ter objeto civil, e, neste caso, não são comerciantes. A Lei n. 859 cogitava sàmente dos comerciantes. Nos arts. 80 e 83 desta lei não se falava dessas sociedades. (4) Hoje essa é a opinião vencedora na França, podendo consultar-se com proveito: DEMANGEAT SUR BRAVARD, Droit commercial, vol. 5. 0 , pág. 673; LYON-CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, vol. 7. 0 , n. 1.137; THALLER, Traité de droit commercial, 4.ª ed., n. 2 .191.
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As sociedades em comandita por ações estiveram sen1pre sujeitas à falência (1) . Veja-se o n. 122, supra. 124.
Relativamente a êsse assunto não há nada de novo além do que se disse quanto à sociedade em comandita simples. A sociedade anônima ainda que em liquidação pode ser declarada falida, mas uma vez liquidada, isto é, partilhado e distribuído o ativo, não está mais sujeita a essa execução coletiva. (2) 125.
Os diretores, administradores ou liquidante das sociedades anônimas, não são comerciantes nem respondem solidàriamente pelas obrigações sociais; não incidem em falência, como tais (3) . Não obstante: 1.º os seus nomes são mencionados na sentença declatória da falência da sociedade (4) ; 2.0 ficam sujeitos a tôdas as obrigações impostas ao comerciante falido pela Lei n. 2. 024 (5); 3.º são ouvidos, como representantes da sociedade falida, nos casos em que a lei prescreve que o comerciante falido seja ouvido (n. 422, infra) (6); 4.0 incorrem na pena de prisão nos casos declarados no art. 37, parágrafo único, da Lei n. 2. 024 (n. 425, infra) (7) ; e, 5. 0 prestam contas de seus atos e respondem penal e civilmente pelos delitos cometidos contra a sociedade e contra terceiros. (8) 126.
(1) Dec. n. 917, art. 72; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, artigo 231. (2) Lei n. 2.024, art. 5. 0 , § 2. 0 (*). Idêntica disposição da lei alemã de 1898, art. 207, 2.ª alínea; "Depois de dissolvida a sociedade anônima, a abertura da falência é admissível enquanto a partilha do patrimônio não se realizar". No caso de fusão? Aplica-se o que dissemos ein o n. 587, do 3.º volume dêste Tratado, na alínea e, e especialmente em o n. 1. 391 do 4. 0 volume. (3) Lei n. 2.024, art. 39, parágrafo único. (4) Lei n. 2. 024, art. 16, letra a ( * *) . (5-6-7) Lei n. 2.024, art. 39 (***). (8) Lei n. 2. 024, art. 39, parágrafo único ( * * • *) .
(*) Decreto-lei n. 7.661, art. 4. 0 , § 2. 0 . (**) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 14, parágrafo único. (* . . ) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 37, in principio. ("'***) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 37, in principio.
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127. As sociedades anônimas estrangeiras, as suas sucursais ou caixas filiais autorizadas legalmente para funcionarem na República estão sujeitas também à falência, sendoIhes aplicável o que dissemos em o n. 101, supra, sôbre o comerciante estrangeiro residente no Brasil. SEÇÃO III Dos sócios de responsabilidade ilimitada
Sumário: - 128. A falência da sociedade acarreta as dos sócios de responsabilidade ilimitada. - 129. Razões justificativas. - 130. Sócios ocultos descobertos no curso da falência. - 131. Sócios, que se retiram ou se despedem da sociedade, sua falência. - 132. Casos em que êstes sócios estão isentos da falência. - 133. Caso em que uma turma de credores consente ou aceita a ressalva dada· ao sócio e a outra turma não o exonera. - 134. Sócios de responsabilidade ilimitada que se tornam comanditários. - 135. Sócios da sociedade em comandita sem arquivamento do contrato orgânico ou do at da prorrogação do prazo.
128. A falência da sociedade acarreta as de todos os sócios ilimitada e solidàriamente responsáveis (1), sejam nacionais ou estrangeiros . É certo que êsses sócios não são comerciantes (ns. 108 do 2.0 vol. e 589 do 3.º vol., dêste Tratado), pelo que não podem ser declarados falidos, quer por obrigações pessoais, ou de sua direta responsabilidade (2), quer por obrigações da sociedade (1) O Código Federal Suíço das Obrigações, mantendo com tôdas as suas conseqüências o princípio da :personalidade das sociedades comerciais, dispõe, no art. 573, 2.ª al.: "A falência da sociedade em nome coletivo não traz de uleno direito a falência nessoal dos sócios". Os sócios limitam-se -a responder solidàriamente pelas obrigações sociais. Segundo a lei alemã, também a falência social não traz a dos sócios solidários. (2) Acórdãos da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 21 de junho de 1909 (na Revista de Direito, vol. 13, págs. 138-141); da 2.ª Câmara da mesma Côrte, de 18 de outubro de 1912 (na citada Revista, vol. 27, pág. 372); e do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 10 de julho de 1916 (na Revista dos Tribunais, vol. 18, págs. 209-210) .
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da qual participam (1). A falência a que são arrastados tem por base a in1pontualidade e o caráter mercantil da sociedade; ela surge produzida, ocasionada, acarretada (é a expressão legal) pela falência da sociedade, art. 6. 0 da Lei n. 2. 024) . (*) Ao contrário, se o sócio exerce também o comércio individual, ou pessoalmente, ou se faz parte de outra sociedade na qualidade de sócio de responsabilidade ilimitada, a sua falência direta ou ocasionada pela falência social, não produz ipso facto a da sociedade in banis. Esta apenas se dissolve pleno jure, para entrar em liquidação (n. 793 do 3.º vol. e n. 487, infra). Do exposto se conclui que o juiz não precisa examinar re-
lativamente a cada sócio a sua qualidade de comerciante e a ocorrência de atos ou fatos que por ventura lhe caracterizem a falência. A lei considera-os falidos, sàmente porque são sócios de responsabilidade ilimitada (2) . Pouco importa que o domicílio dêles seja diverso do da sociedade. Muito menos se exige que a falência dos sócios seja requerida por quem promove a falência da sociedade . Aquela falência é declarada ex officio, sem necessidade de prova do interêsse dos credores sociais. A falência da sociedade precipita as dos sócios de responsabilidade ilimitada, ocasionando falências paralelas (n. 66, supra).
A sentença que declara a falência da sociedade deve conter (conterá, diz a lei, no art. 16, letra a) os nomes dos sócios de responsabilidade ilimitada. ( * *) O sócio já falecido, mas comprometido nas responsabilidades sociais, é, também, arrastado à falência . (1) Nesse sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 15 de março de 1909 (no S. Paulo Judiciário, vol. 19, pág. 360) . (2) Nesse sentido, o acórdão das Câmaras Reunidas da Côrte de Apelação, de 26 de novembro de 1914 (na Revista de Direito, vol. 37, págs. 248-352) . ( *) O vigente Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945 declara que os sócios solidários e de resnonsabilidade ilimitada não são atingidos pela falência, mas ficam sÜjeitos aos demais efeitos desta. (Art. 5. 0 , in principio). Como entender isso atendendo ainda a que o art. 71 do cit. decreto determina a arrecadação dos bens particulares dos sócios solidários "ao mesmo tempo que a dos bens da sociedade"? ( .. ) Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 14, parágrafo único, n. I.
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129. O sistema legal à primeira vista parece incongruente; se as sociedades são pessoas jurídicas distintas e independentes das pessoas dos sócios, se os seus credores são pagos pelos bens sociais, cabendo-lhes entrar pelos bens particulares dos sócios na falta ou insuficiência daqueles, se os sócios não incorreram diretamente em falência, como os arrastar na falência social? Mas a falência dos sócios de responsabilidade ilimitada justifica-se pela necessidade de manter o crédito das sociedades comerciais e, ao mesmo tempo, de facilitar a execução coletiva sôbre os bens componentes do patrimônio individual dêsses sócios (ns. 614 e 615 do 3. 0 vol., dêste Tratado). A lei firma a presunção de que os sócios ilimitadamente responsáveis acham-se impossibilitados de pagar, uma vez que deixaram a sociedade cair em falência, não tendo fornecido fundos bastantes para que ela fizesse frente aos seus compromissos. A dívida da sociedade é dívida de cada sócio. Co-obrigados, os sócios acham-se cativados à sorte e ao destino da sociedade. E porque, nas sociedades em que há sócios de responsabilidade ilimitada, o elemento pessoal predomina sôbre o elemento econômico do capital, a falência reflete-se no seu modo de formação, isto é, sôbre as pessoas que as compõem. 130. Se, no decurso do processo, se provar dos autos, dos papéis e da correspondência, ou dos livros, que existe algum sócio oculto e solidário, o juiz, a requerimento dos síndicos ou liquidatários, deverá incluir na falência da sociedade êsse sócio e de tal decisão, que importa em declarar a falência de alguém, cabem os mesmos remédios ordinários concedidos à sentença da abertura da falência (1). Não há necessidade da citação inicial dês te sócio para se defender. A sua defesa pode ser feita no agravo (2). No caso de o juiz não declarar aberta a falência dêsse sócio, os síndicos, ou liquidatários que a tive(1) Pareceres de LAFAYETTE, SILVA COSTA e SOUSA RIBEIRO (no Forum, vol. 4. 0 , págs. 4-12). Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 2 de setembro de 1909 (no S. Paulo Judiciário, vol. 21, página 69) . (2) Acórdão da Relação de Minas, de 18 de outubro de 1924 (na Revista For.ense, vol. 44, pág. 117) .
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ren1 requerido, podem agravar, com fundamento no art. 20 da Lei n. 2 . 024. 131. O sócio de responsabilidade ilimitada que se retira, ou despede da sociedade, ainda que o sócio ou sócios que ficam na sociedade, ou a esta sucedem lhe dêem ressalva das dívidas sociais, continua responsável solidàriamente pelas obrigações sociais contraídas e perdas havidas até o momento da retirada ou despedida e, portanto, a falência da sociedade acarreta a daquele sócio se ainda perduram as suas responsabilidades. (1) :a:sse momento da despedida é a data do arquivamento do distrato no registro do comércio e da sua publicação, pois daí se conta a prescrição qüinqüenal. (2) A falência dos sócios nessas condições é também declarada conjuntamente à falência da sociedade, ficando sotoposta ao mesmo e único processo. (3) Fica, porém, isento da falência o sócio que se retirou ou despediu da sociedade, com ou sem ressalva dos outros sócios, se os credores existentes na época da sua retirada ou despedida: 1.º Consentirem expressamente ( 4) na retirada ou despedida; 132.
Cód. Comercial, art. 339; Lei n. 2.024, art. 6. 0 ; ns. 681 e 683 do 3. vol. dêste Tratado ( *) . O art. 6. 0 da Lei n. 2. 024 deve ser entendido de acôrdo con: o art. 339 do Cód. Comercial. Êste artigo não foi revogado I?ºr ª9-uele. A responsabilidade do sócio retirante ou despedido vai ate o dia em que se torna pública a retirada ou despedida. . Se não existem o arquivamento e publicação, está sub_enten~1~0, o sócio retirante ou despedido responde por tôdas as obrigaçoes soc1a1s. (2) Cód. Comercial, arts. 444 e 338; n. 818 do 3. 0 vol. dêste Tratado. (3) Poder-se-ia dizer que o sócio nas condições expostas, não respondendo por tôdas as obrigações da sociedade, mas somente por uma parte, qual a existente no momento da retirada ou despedida, não pode ser arrastado pela falência da sociedade, mas só individualmente deve ser declarado falido. Não é assim, porém, porque o sócio, não sendo comerciante não uode ser declarado falido diretamente pelas obrigações sociais (n. 129 supra). (4) A lei exige neste caso o consentimento expresso. A simples publicação do distrato social no Diário Oficial não supre essa formalidade legal. (Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 22 de julho de 1911, na Revista de Direito, vol. 21, págs. 176-177) . , ( •) , D~creto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 5.º, paragrafo umco. (1) 0
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2.º fizerem novação de contrato com os sócios, que ficarem na sociedade sob a mesma ou outra firma, ou que individualmente assumirem as responsabilidade sociais; ou 3. 0 continuarem a negociar com a sociedade, ou com os sócios sucessores, indicando ter confiança no seu crédito. (1) É bem de ver que, nesse último caso, como nos outros dois, os credores deverão ter conhecimento da retirada do sócio; se êsse fato se passasse clandestinamente, sem o registro e a publicidade legal (Cód. Comercial, art. 338), perduraria a responsabilidade do sócio retirante. As palavras legais "indicando ter confiança no seu crédito", tudo esclarecem. (**)
Pode acontecer que uns credores desobriguem, nos têrmos do n. 132, supra, o sócio que se retirou, ou despediu, e outros credores mantenham os seus direitos contra êle. A falência da sociedade arrasta ainda a dês se sócio, se bem que a turma de cr·edores, que o exonerou, dêle nada possa mais exigir . Se, dissolvendo-se a sociedade, um ou mais sócios assumem integralmente as responsabilidades sociais dando ressalva contra tôda a responsabilidade futura a um ou mais sócios, para os credores, que nisso não convieram expressa, ou tàcitamente (Cód. Comercial, art. 343), não se extinguiu a responsabilidade da sociedade, nem conseguintemente aresponsabilidade ilimitada e solidária dos respectivos sócios (Cód. Comercial, artigo 329). Os credores, porém, que, expressa ou tàcitamente concordaram com a ressalva, novaram as suas Dbrigações; substituíram a devedora antiga, a sociedade, por outro devedor, o sócio que passou a ressalva, ou a sociedade que continua com outros sócios, sob a mesma ou nova firma; desobrigaram, ao mesmo tempo, a sociedade e o sócio que se retirou com a ressalva. Declarada a falência de uma sociedade nessas condições, para os 133.
(1) Lei n. 2 .024, art. 6.º; Cód. Comercial, art. 343; acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 29 de abril de 1915 (na Revista dos Tribunais, vol. 14, pág. 22 ( *) .
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 5. 0 , parágrafo único. (* Essas palavras - indicando ter confiança no seu crédito -são do art. 343 do Código Comercial. ( *) *)
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credores dissidentes ela subsiste com todo o seu ativo, demonstrado pelos livros comerciais. tste ativo é ressalvado para pagamento dêsses credores. Sôbre êste ativo, portanto, nenhum direito têm mais os credores que aquiesceram, expressa ou tàcitamente, com aressalva, pois, como ficou dito, novaram os seus créditos e a novação extingue não só a dívida antiga, criando uma nova, como tôdas as qualidades, privilégios e garantias que eram conexas à dívida antiga. (1) A dívida que êstes credores tinham contra a sociedade passou a ser dívida particular do sócio, e nessa conformidade deve figurar o seu titular na falência . 134. Está também sujeito à falência o sócio de responsabilidade ilimitada que, em virtude da alteração no contrato social, passa a ser comanditário, salvo se os credores consentiram expressamente, ou celebraram com os sócios que ficaram na sociedade, sob a mesma ou outra firma, novação de contrato, ou continuaram a negociar com a sociedade modificada, indicando ter confiança no seu crédito ( 2) . Ainda nesse caso se aplica o que ficou dito no final do n. 132, supra. 135. Em os ns. 736 e 737 do 3.º vol. dêste Tratado dissemos que são solidàriamente responsáveis pelas obrigações sociais os sócios que figuram como comanditários nas sociedades sem contrato arquivado no registo do comércio, ou naquelas que, expirado o prazo contratual, continuam de fato. Se a sociedade, que se considera irregular, é declarada f alida, falidos são também todos os seus sócios, inclusive os pretensos comanditários (3) (n. 486, infra) . (l)L. 18, L. 31, § 1.º; Dig. 46, 2; L. 4, Cód. 8, 40; L. 3, Cód. 8, 41.
(2) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 21 de maio de 1912 (na Revista de Direito, vol. 25, págs. 545-546) . (3) Em a nota 2 da pág. 180 do 3.0 vol., 2.ª ed., encontra-se um nosso parecer a êsse respeito, ao qual juntamos mais dois, publicados n'O Estado de S. Paulo, de setembro de 1903, sôbre o mesmo caso. Parecer do CONS.O LAFAYETTE: "As disposições dos arts. 307 e 301 do Cód. Comercial resolvem de maneira clara e positiva as questões formuladas na proposta. Segundo o art. 307, expirado o prazo da sociedade celebrada por tempo determinado, a continuação de tal sociedade só pode ser pro-
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CAPfTULO II
Da impossibilidade de pagar obrigação líquida e certa
Sumário: 136. Manifestação do estado de falência. - 137. Sistema legislativo sôbre os meios de caracterizar o estado de falência. 138. Sistema da cessação de pagamentos. O nosso Cód. Comercial de l 850. 139. Incerteza dêsse sistema nas legislações que o adotaram. - 140. Sistema que vincula o estado de falência a fatos certos, taxativos. 140 bis. O sistema norte-americano. 141. A construção da Lei n. 2.024. - 142. Respostas às objeções.
136. O estado de falência manifesta-se pela impossibilidade de pagar, fenômeno resultante na falta de valores pronta e imediatamente realizáveis para que o devedor solva a obrigação no dia do vencimento. vada por novo instrumento passado e legalizado com as mesmas formalidades que o da sua instituicão.
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Desta disposição resulta que sociedade, continuada depois de expirado o prazo ajustado, não constando de instrumento registado fica legalmente constituída na situação jurídica da sociedade que não tem contrato registado. E em tal caso todos os sócios reuutam-se em Direito solidàriamente responsáveis. "Enquanto o instrumento do contrato não fôr registado não terá validade (a sociedade), entre os sócios, nem contra terceiros: mas dará ação a êstes contra todos os sócios solidàriamentel' (art. 301) . A vista da exposta doutrina é fora de dúvida que, tendo a sociedade de que se trata continuado depois de expirado o prazo ajustado, sem novo instrumento devidamente registado, todos os sócios, entre os quais o comanditário, são solidàriamente responsáveis uelas dívidas contraídas uela firma ulteriormente à terminação cfo tempo da duração estipÜlado. Nesta conformidade a falência da sociedade compreende o sócio que era comanditário pelo contrato da instituição da mesma sociedade, e, portanto, os seus bens devem ser chamados à massa falida. A decisão, pois, do juiz em contrário é antijurídica e deve ser reformada. Da decisão do juiz cabe agravo, ao qual pode ser interposto pelo síndico e ainda por qualquer dos sócios solidários. Rio, 4 de setembro de 1903". Parecer do Dr. GABRIEL DE REZENDE: "O vencimento do prazo extingue por completo tôda espécie de sociedade (Cód. Comercial brasileiro, art. 335, n. 1) . Nada impede, porém, que os sócios possam continuar na sociedade, uma vez que renovem o contrato social. Neste caso, devem
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Vai perdendo cada dia mais terreno o critério preconizado pelos antigos jurisconsultos italianos (1) e abraçado pelo velho direito germânico (2), a insuficiência do ativo para cobrir o passivo, conhecido na teoria sob a denominação de sistema do desequilíbrio econômico. (3) ser observadas as mesmas formalidades legais exigidas para a constituição das sociedades comerciais. Assim, ex vi dos arts. 300 e 301 do Cód. Comercial, a renovação do contrato social deve ser feita por escritura pública ou particular, devidamente registada e tornada oública nela fôlha oficial do Estado (Dec. n. 596, de 1890, art. 12, -§ 4.º) . Cumpre notar, porém, que o arquivamento do instrumento de prorrogação das sociedades comerciais deve ser feito antes de haver expirado a duração do primitivo contrato, pois que, no caso contrário, deve o mesmo ser recusado pela Junta Comercial (A viso n. 0 40, de 1886) . A falta do registo dos contratos de sociedades torna estas irregulares e solidàriamente responsáveis por todos os seus sócios, ainda que comanditários (argumento tirado do art. 301, últ. alínea, do Cód. Comercial; O Direito, vol. 17, pág. 315) . Embora as sociedades irregulares, segundo a melhor doutrina, não constituam individualidade jurídicas distintas das pessoas dos sócios, e, em conseqüência, não possam ser declaradas fali das - todavia, no caso da impontualidade ou ocorrência de qualquer dos fatos presuntivos de insolvabilidade (art. l.º, § 1.0 , da Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902) - devem ser declarados falidos todos os seus sócios (art. 301, in fine, do Cód. Comercial; art. 80 da cit. lei de 1902 e art. 8. 0 desta mesma lei) . Ante os princípios expostos, penso que a sociedade comandi~ária V. & Cia., cujo prazo de duração expirou em 1899, continuando a exercer o comércio, sem renovação do respectivo contrato, legalmente registado, - tornou-se uma sociedade de fato, irregular. Conseqüentemente, verificado qualquer dos casos do art. 1.0 , 0 .§ 7. , da Lei n. 859, de 1902, devem ser declarados falidos todos os sócios da aludida sociedade. Salvo melhor juízo. S. Paulo, 14 de .agôsto de 1903" . - Se se declara a falência de sócio, na sociedade irregular, êste pode agravar para demonstrar a não existência da sociedade. (Acórdão da 2.ª Câmara, de 22 de setembro de 1916, na Revista de Direito, vol. 43, pág. 513) . (1) CASAREGIS, Disc., 192, n. 2. (2) Atualmente a lei alemã de 1898, § 102, exige para a abertura do concurso (falência) a impossibilidade de pagar (Zahlungsunfaehigkeit), e esta impossibilidade, presume-se especialmente quando há cessação de pagamento (Zahlunseinstellung) . (3) O Cód. de Falências de Portugal, art. 1.0 , § 1.0 , ainda se prende ao velho conceito da falência. Depois de estabelecer a cessação de pagamentos como presunção do estado de falência, acrescenta no § 1.º: "Antes da cessação de pagamentos pode também ..-declarar-se a falência com audiência do argüido no caso de manifesta insuficiência do ativo para satisfação do passivo.
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O excesso do passivo sôbre o ativo, a simples desproporção aritmética ou o deficit não passa de um fato apreciável no domínio da contabilidade. O ativo pode estar ao nível ou apresentar-se superior ao passivo; o devedor, entretanto, incorre em falência se, em virtude de circunstâncias extraordinárias, não dispõe de valores realizáveis bastantes para satisfazer obrigações líquidas no momento exato da prestação. Ao contrário, o passivo pode ser maior que o ativo e o devedor dispor de meios para a execução das suas obrigações a tempo e hora, devido isso a sua habilidade de empresário, a sua capacidade de trabalho, etc., em suma, ao seu crédito (1) . A insolvência, ainda que verificada pelas cifras do balanço, não autoriza a declaração judicial da falência, se o devedor valendo-se da sua aptidão em diligenciar recursos honestos, sana pelo seu crédito, os efeitos da insolvência, mantendo o pontual pagamento das suas dívidas. (2) Do crédito depende a manutenção da vida industrial; não o perde aquêle que tem muitas dívidas, mas quem realmente se coloca na situação de não poder pagar o que deve (n. 145, infra) .
O devedor que não possui dinheiro, não dispõe de valores realizáveis, ou não goza de crédito, que lhe permita antecipar sôbre êsses valores, fica impossibilitado de pagar, tem de parar o curso dos seus negócios e cessar o comércio, manifestando destarte o seu estado de falência nos têrmos da lei . (1) ROCCO, Studi sulla teoria generale del fallimento (na Rivista del diritto commerciaZe, 1910, P. I., pág. 671) . (2) A Lei n. 2. 024 é bem clara a êsse respeito. Não é a insolvência que caracteriza a falência, tanto que o art. 133 provê sôbre a restituição ao falido das sobras da liquidação ( *) . BORSARI, Commentario al codice di commercio italiano, vol. 3.0 , página 760: "Pagar é tudo; quem paga não está falido, ainda que,
assoberbado pelo passivo, se sustente com mil expedientes; quem não paga está falido, ainda que o seu ativo patrimonial seja superior ao passivo. A lei não indaga das causas; atende somente aos efeitos e julga-os". VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7 .404: "No comércio olha-se e dá-se importância mais ao que aparece exteriormente do que às condições intrínsecas, e, enquanto os credores não observam nenhuma grave perturbação no estado "'" ___ · ..:ln rlonorln't'
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Vai perdendo cada dia mais terreno o critério preconizado pelos antigos jurisconsultos italianos (1) e abraçado pelo -relho direito germânico (2), a insuficiência do ativo para cobrir o pa.ssivo, conhecido na teoria sob a denominação de sistema do desequilíbrio econômico. (3) ser observadas as mesmas formalidades legais exigidas para a constituição das sociedades comerciais. Assim, ex vi dos arts. 300 e 301 do Cód. Comercial, a renovação do contrato social deve ser feita por escritura pública ou particular, devidamente registada e tornada oública nela fôlha oficial do Estado (Dec. n. 596, de 1890, art. 12, -§ 4.º) . Cumpre notar, porém, que o arquivamento do instrumento de prorrogação das sociedades comerciais deve ser feito antes de haver expirado a duração do primitivo contrato, pois que, no caso contrário, deve o mesmo ser recusado pela Junta Comercial (Aviso n. 0 40, de 1886) . A falta do registo dos contratos de sociedades torna estas irregulares e solidàriamente responsáveis por todos os seus sócios, ainda que comanditários (argumento tirado do art. 301, últ. alínea, do Cód. Comercial; O Direito, vol. 17, pág. 315). Embora as sociedades irregulares, segundo a melhor doutrina, não constituam individualidade jurídicas distintas das pessoas dos sócios, e, em conseqüência, não possam ser declaradas falidas - todavia, no caso da impontualidade ou ocorrência de qual9uer dos fatos presuntivos de insolvabilidade (art. 1.º, § l.º, da Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902) - devem ser declarados falidos todos os seus sócios (art. 301, in fine, do Cód. Comercial; art. 80 da cit. lei de 1902 e art. 8. 0 desta mesma lei) . Ante os princípios expostos, penso que a sociedade comanditária V. & Cia., cujo prazo de duração expirou em 1899, continuando a exercer o comércio, sem renovação do respectivo contrato, legalmente registado, - tornou-se uma sociedade de fato, irregular. Conseqüentemente, verificado qualquer dos casos do art. 1.0, .§ 7. 0 , da Lei n. 859, de 1902, devem ser declarados falidos todos os sócios da aludida sociedade. Salvo melhor juízo. S. Paulo, 14 de agôsto de 1903". - Se se declara a falência de sócio, na sociedade irregular, êste pode agravar para demonstrar a não existência da sociedade. (Acórdão da 2.ª Câmara, de 22 de setembro de 1916, na Revista de Direito, vol. 43, pág. 513) . (1) CASAREGIS, Disc., 192, n. 2. (2) Atualmente a lei alemã de 1898, § 102, exige para a abertura do concurso (falência) a impossibilidade de pagar (Zahlungsunf aehigkeit), e esta impossibilidade, r>resume-se especialmente quando há cessação de pagamento (Zahlunseinstellung) . (3) O Cód. de Falências de Portugal, art. 1.0 , § 1.0 , ainda se prende ao velho conceito da falência. Depois de estabelecer a cessação de pagamentos como presunção do estado de falência, acrescenta no § 1. 0 : "Antes da cessação de pagamentos pode também .-declarar-se a falência com audiência do argüido no caso de manifesta insuficiência do ativo para satisfação do passivo.
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O excesso do passivo sôbre o ativo, a simples desproporção aritmética ou o deficit não passa de um fato apreciável no domínio da contabilidade. O ativo pode estar ao nível ou apresentar-se superior ao passivo; o devedor, entretanto, incorre em falência se, em virtude de circunstâncias extraordinárias, não dispõe de valores realizáveis bastantes para satisfazer obrigações líquidas no momento exato da prestação. Ao contrário, o passivo pode ser maior que o ativo e o devedor dispor de meios para a execução das suas obrigações a tempo e hora, devido isso a sua habilidade de empresário, a sua capacidade de trabalho, etc., em suma, ao seu crédito (1). A insolvência, ainda que verificada pelas cifras do balanço, não autoriza a declaração judicial da falência, se o devedor valendo-se da sua aptidão em diligenciar recursos honestos, sana pelo seu crédito, os efeitos da insolvência, mantendo o pontual pagamento das suas dívidas. (2) Do crédito depende a manutenção da vida industrial; não o perde aquêle que tem muitas dívidas, mas quem realmente se coloca na situação de não poder pagar o que deve (n. 145, infra).
O devedor que não possui dinheiro, não dispõe de valores realizáveis, ou não goza de crédito, que lhe permita antecipar sôbre êsses valores, fica impossibilitado de pagar, tem de parar o curso dos seus negócios e cessar o comércio, manifestando destarte o seu estado de falência nos têrmos da lei. (1) ROCCO, Studi sulla teoria generale del fallimento (na Rivista del diritto commerciaie, 1910, P. I., pág. 671) .
(2) A Lei n. 2. 024 é bem clara a êsse respeito. Não é a insolvência que caracteriza a falência, tanto que o art. 133 provê sôbre a restituição ao falido das sobras da liquidação (*). BORSARI, Commentario al codice di commercio italiano, vol. 3. 0 , página 760: "Pagar é tudo; quem paga não está falido, ainda que, assoberbado pelo passivo, se sustente com mil expedientes; quem não paga está falido, ainda que o seu ativo patrimonial seja superior ao passivo. A lei não indaga das causas; atende somente aos efeitos e julga-os". VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7 .404: "No comércio olha-se e dá-se importância mais ao que aparece exteriormente do que às condições intrínsecas, e, enquanto os credores não observam nenhuma grave perturbação no estado econômico do devedor, êste tem o direito de ser reputado solvente". (*) ~sse é também o critério do Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945. 13
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137. Dois sistemas legislativos apresentam-se sôbre os meios de caracterizar o estado da falência quando não revelado pela formal declaração do devedor: um fá-lo emergir da cessação de pagamentos, conceito entregue à apreciação livre dos tribunais; outro o vincula a fatos certos, taxativos, que indiquern o embaraço econômico do devedor, ou a intenção fraudulenta de lesar os seus credores. 138. O Cód. Comercial de 18~0 seguiu o primeiro sistema, dispondo no art. 796: "Todo o comerciante que cessa os seus pagamentos entende-se quebrado ou falido". (1) Determinar a cessação de pagamentos era questão de fato, entregue ao livre arbítrio do poder judiciário. Desde a discussão do projeto do código surgiram dúvidas sôbre o sentido das palavras - cessação de pagamentos. O senador VASCONCELOS, na sessão do Senado de 8 de agôsto de 1848, perguntava: "Que significa cessar pagamentos? Entender-se-á por cessar pagamentos não fazer pagamento algum? A palavra cessar significa uma uma suspensão momentânea ou uma impossibilidade de pagar?" (2) Sem regra legal que os orientassem, os nossos tribunais nunca precisaram definitivamente o conceito da cessação de pagamentos, e, na generalidade, reconheciam o estado de falência sàmente quando a ruína do comerciante se apresentava patente, notória. A obra de quarenta anos de jurisprudência pátria mostrou simplesmente que a tendência nela predominante foi explicar o conceito da cessação de pagamentos pelo da insolvência (3), doutrina errônea, que importava aceitar em nosso direito o velho sistema, que êle repeliu, do desequi(1) O Cód. Comercial, no ~rt. 810, dava ao juiz do comércio a faculdade de, a requerimento do fiscal ou de qualquer credor, ordenar a aposição provisória de selos como medida conser.vatória, quando o devedor comerciante que tivesse cessado os seus pagamentos, intentasse ausentar-se ou desviar todo ou parte do seu ativo. Se não havia cessação de pagamentos, o devedor fraudulento podia, com arte, deixar os credorse a ver navios. (2) Jornal do Comércio, de 10 de agôsto de 1848. (3) Veja-se com ORLANDO, Código comercial, 6.ª ed., nota 1.024, a jurisprudência variadíssima dos nossos tribunais, onde se notará a tendência acima assinalada.
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líbrio econômico. E como as provas dêste último eram grandemente difíceis, o devedor à sombra dêsses escrúpulos judiciais, ficava com a liberdade de desviar o ativo, garantia dos credores, ou então de sobrecarregá-lo de novos compromissos para sair de embaraços, que reputava momentâneos, porém, na realidade, os prenúncios, quiçá a expressão da sua crise econômica. 139. Se lançarmos a vista sôbre as legislações estrangeiras, que fazem emergir a falência da cessação de pagamentos, notaremos a mesma flutuação da jurisprudência, a mesma incerteza na precisão exata daquele fato, a ausência de um firme critério jurídico regulador do estado de falência. O Cód. Comercial francês (reforma de 1838), no artigo 437 (que serviu de fonte ao art. 797 do nosso código) dispõe: "Tout commerçant que cesse ses payements est en état de fallite". Os comercialistas franceses não puderam até agora dar a verdadeira significação da cessation de payements. (1) MASSÉ reconhece que a cessação de pagamentos é um fato ordinàriamente complexo, tornando-se impossível determinar os seus sintomas de maneira precisa e uniforme (2), enquanto RENOUARD afirma que "é expressão tão clara, por si mesma, que qualquer definição só poderia escurecê-la"! e, acrescenta êsse sábio elaborador da lei de 1838, "se os repertórios de jurisprudência estão repletos de decisões, ora severas, ora benéficas, esta inconstância, mais aparente que real, tem a sua principal causa na infinita diversidade dos casos particulares". (3) DELAMARRE et LE POITVIN, censurando a definição do código francês por falta de clareza, e depois de transcreverem as palavras de RENOUARD, glosam-nas nestes têrmos: "não obstante esta asserção, em nosso entender, al( 1) consulte-se BONNECASE, La f aillite virtuelle et la. notion juridique de la cessation des payements (nos Annales de drozt commercial 1910, págs. 353-374) . (2)' Le droit commercial, vol. 2.0 , _n. 1.147 · (3) Traité des faillites, vol. 1.0 , pag. 235.
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gun1 tanto temerária, perguntamos ainda a nós mesmos o que significa exatamente cessação de pagamentos". (1)
PARDESSUS, ante a dificuldade da qu€stão, teve a franqueza de dizer que o meio mais seguro de conhec€r o estado de falência de um comerciante era obter-lhe a confissão. (2) O Cód. Comercial b€lga, no art. 437, diz: "Tout commerçant que cesse ses payements et dont le crédit se trouve ébranlé est en état de faillite".
NAMUR com€nta: "a cessação de pagamentos é um fato complexo, inteiramente entregue à apreciação dos tribunais e quase não é possível precisar os seus elementos; pod€m-se estabelecer somente algumas regras". (3) O código belga não se contenta com a cessação de pagamentos para caracterizar a falência; exige mais o abalo do crédito do comerciante. O Cód. Comercial italiano, no art. 683, por sua vez, declara: "Il commerciante che cessa di f are i suoi pagamenti per obbligazioni commerciali
e in istato di fallimento".
Conquanto não precisasse os fatos constitutivos da cessação de pagamentos, o legislador italiano afastou-se um pouco do sistema francês; não deixou o assunto inteiramente ao arbítrio judicial. Estabeleceu (art. 705) que não provava a cessação de pagamentos a recusa de pagar quando o devedor se julgasse fundado na boa-fé, e que a continuação de pagamentos, realizados por. meios ruinosos e fraudulentos, não impedia a declaração da falência. Não temos, assim, reconhecida a insuficiência do critério da cessação de pagamentos para, por si só, caracterizar a falência? Podemos ainda lembrar os códs. argentino (art. 1. 379) e espanhol (art. 877), que, admitindo como fato gerador do estado de falência a cessação de pagamentos, ampliam o conceito desta aos casos de fuga ou ocultação do comerciante, embora se não dê a real cessação de pagamentos!
(1)
(2) (3)
Droit commercial, vol. 6. 0 , n. 9. Cours de droit commercial, vol. 3. 0 , n. 1.095. Le code de commerce belge, vol. 3. 0 , n. 1. 593.
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140. O segundo sistema, que reconhece a manifestação característica do estado de falência em fatos explícitos, demonstrando estar o devedor impossibilitado de satisfazer as obrigações, vigora, atualmente, na Inglaterra (acts of bankruptcy) (1), na Suécia (2) e no México (3). Vem êle desde o direito romano, que estabelecia os casos, em que se dava a venditio bonorum (n. 8, supra), e foi mais ou menos o adotado pelo Cód. Comercial francês de 1807, que a reforma de 1838 alterou. O eminente THALER defende-o com ardor. (4) 140 bis. Nos Estados Unidos da América do Norte adotou-se um sistema misto. A lei federal de 1898 enumerou no art. 3. 0 os atos característicos da falência (acts of bankruptcy), acrescentando que seria relevante razão para excluir a falência (lt shall be a complete defense to any proceedings in bankruptcy), a alegação provada de não se achar o réu insolvente ao tempo em que foi requerido a falência. É, como se vê um sistema diferente do inglês, por exigir além de qualquer daqueles atos, a insolvência real, efetiva como elemento do estado de falência. (5) 141. Ao segundo sistema (n. 140, supra), filiou-se a Lei n. 2. 024, de 1908, imprimindo-lhe, porém, original feição. A construção desta lei, a mesma do Dec. n. 917, de 1890, funda-se em fazer emergir o estado de falência: a) da impontualidade do devedor, isto é, da falta de pagamento de obrigação líquida e certa no vencimento, sem que para isso influa relevante razão de direito (manifestação típica, direta da falência); ou b) de determinados atos ou fatos indicativos da iminência do desastre econômico do devedor ou da dissipação culposa ou fraudulenta do seu patrimônio (manifestação indireta). :tsses atos ou fatos, embora se não dê a falta de paLei de 1883 (Bankruptcy act, 46 & 44 Vic. eh. 52), art. 4. 0 • (2) Lei de 13 de abril de 1883, art. 2. 0 , § 1.0 , no Annuaire de zégislation étrangere 1884, pág. 681. (3) Cód. Comercial, art. 952. (4) Des faillites en droit comparé, vol. 1.0 , n. 40. (1)
(5) A lei americana teve a cautela de definir em que consist•a a insolvência. Já nos referimos a esta definição na nota ao 1 5 supra. (Veja-se o n. 179, infra, nota) . 5 n.
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ga1nentos! caracterizam a falência. É a falência surpreendida no seu momento de gestação. A flutuação da nossa jurisprudência em determinar o conceito da cessação de pagamentos aconselhara ao ilustrado autor do Dec. n. 917, de 1890, a especializar logo os fatos, que a eÀ'"Periência mercantil demonstrou serem os pródromos da ruína econômica do devedor e do abalo do seu crédito. Entendeu êle que a falência sàmente era salutar quando viesse a tempo senão de o ativo cobrir o passivo, ao menos antes do desaparecimento daquele; que o simples conceito da cessação de pagamentos, a não ser que se lhe desse uma compreensão elástica, era insuficiente para caracterizar a falência, colocando-a no pé de realizar os fins a que visa: a garantia do crédito, a proteção ao devedor infeliz e de boa-fé, a repressão da fraude, a segurança do comércio . Procurou evitar que o comerciante, urgido pelas necessidades de momento, empregasse meio de depauperar o seu ativo sme vantagem; que, quando viesse a falência, a massa se achasse em presença de um patrimônio desperdiçado, de contratos nulos, de pagamentos irregulares, donde o retardamento da liquidação, despesas avultadas, e afinal dividendo insignificante. A Lei n. 2. 024 aceitou tôdas essas idéias e sôbre elas calcou também o seu sistema. 142. A Lei n. 2. 024, determinando os casos especiais da manifestação da falência, e afastando todo o arbítrio judicial, preferiu uma legislação de fórmulas à outra de eqüidade. Tem-se censurado êste sistema dizendo que a falência é um fato complexo, cujos sintomas são impossíveis de determinar precisa e uniformemente, isto é, tem-se atacado com os mesmos argumentos com que os comercialistas franceses e italianos justificam o sistema em seus códigos adotado.
Ouçamos duas autoridades. RENOUARD, defendendo a lei francesa de 1838, incorporada ao Cód. Comercial, diz que as "legislações de fórmulas são as mais cômodas, auxiliam o trabalho da redação das leis e evitam embaraços aos tribunais, mas não é por essa habilidade de meios que se bitola a sabedoria legislativa, a
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qual consiste antes em penetrar na apreciação íntima dos fatos e do direito para os regular conforme a sua natureza, e segundo a justiça e a verdade". (1) VIDARI, justificando o sistema do código italiano, não aprova o modêlo de algumas leis que descem a exemplificações (sempre perigosas) como faz a inglêsa, pois a sabedoria legislativa não consiste em reunir um formulário de casos e indícios, mas em fixar, com precisão, alguns critérios diretores gerais, a cuja luz o magistrado possa conhecer a verdade. (2) O ilustrado professor GABRIEL DE REZENDE pensa também ser preferível o sistema do código de 1850 ao do Dec. n. 917, de 1890, e da Lei n. 2. 024, por ter aquêle em seu 'favor a longa tradição e a experiência de legislações cultas. (3) Responde-se: Em primeiro lugar, a melhor lei é a que não deixa margem ao arbítrio do juiz: optima lex qure minimum relinquit arbitrio judieis (BACON, Aphor. 8). Evitam-se as incertezas e surprêsas em matéria importante onde os interêsses de muitos se acham comprometidos. O juiz com ação limitada eleva a sua fôrça moral, o seu prestígio, a sua autoridade. São sempre perigosos os julgamentos ex requo et bano. (4) Em segundo lugar, a cessação de pagamentos não satisfaz ao conceito da falência (n. 138, supra). Só por meio de uma amplíssima interpretação, tocando, quase às raias legislativas, compreender-se-iam naquela locução muitos fatos demonstrativos dos embaraços do devedor, e, não raras vêzes, do seu projeto fraudulento, fatos que sàmente podem ser Traité des faillites, vol. l.º, pág. 228. Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7.406. BONELLI, Del fallimento, vol. 8. 0 , n. 36, refere-se expressamen(1)
(2)
te à lei brasileira, criticando-a. O eminente escritor não compreendeu, entretanto, a construção e o alcance do nosso sistema, que não negou à cessação de pagamento o caráter de fato determinador da falência. (3) Curso de falências, S. Paulo, 1912, págs. 13-14. ( 4) STRACCHA escreveu: "Conscientia legis vincit conscientiam hominis, et melius est civitatem ab optima lege quam ab optimo viro gubernari". (Quomodo in causis mercatorum procedere sit, P. I., ns. 4-5).
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evitados ou corrigidos pela abertura da falência. Os tribunais não se julgam com a faculdade de tão larga interpretação, e daí a vacilação dos julgados e o malôgro do instituto da falência . Atenda-se ainda que a Lei n. 2. 024 não negou à cessação de pagamentos o caráter constitutivo do estado de falência. A cessação de pagamentos está implicitamente definida, quando essa lei considera como fato gerador do estado jurídico de falência a impontualidade do devedor, isto é, o não pagamento de obrigação certa e líquida no vencimento. Não podia ficar aí. Demonstrada a pobreza dêste critério para caracterizar a falência em suas variedades e múltiplas manifestações, a Lei n. 2. 024 fê-la emergir também de atos ou fatos certos, nos quais, sem a impontualidade, o procedimento do devedor traduzia a intenção de prejudicar os credores, ou mesmo, independente desta intenção, revelava transparentemente o seu estado ruinoso e a iminente impossibilidade de pagar (art. 2.º). Verificada a existência de qualquer dêsses atos ou fatos, lei ampara e salvaguarda os interêsses e a boa-fé dos credores, facultando-lhes requererem a falência. Melius est occurrere in tempore quam post vulneratam causam remedium qucerere .
Pode-se dizer que foi muito severa a Lei n. 2. 024, fazendo emergir a falência da simples impontualidade, mas é injusto afirmar que materializou por demais o conceito da falência tornando-a dependente de uma série de disposições isoladas, sem ligação entre si, e sem uma idéia superior que as domine, movimente e verifique. SEÇÃO 1
Da falta de pagamento de obrigação líquida e certa Sumário: -
143. Razão de ordem.
143. Dissemos em o n. 141, supra, que o estado de falência emergia, em primeiro lugar, da impontualidade do devedor, isto é, da falta de pagamento de obrigação líquida e certa no vencimento.
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Dessa manifestação típica da falência trataremos na presente seção em três artigos, falando: no primeiro, da impontualidade; no segundo, das obrigações comerciais e civis que podem servir de base à falência; e no terceiro, das obrigações comerciais e civis, líquidas e certas. ARTIGO I Da impontualidade Sumário: -- 144. Como se caracteriza a falência dos comerciantes e das sociedades anônimas pela falta de pagamento. - 145. A impontualidade dos comerciantes e das sociedades anônimas é e> sinal ostensivo mais perfeito da impossibilidade de pagar. - 146. Relevantes razões de direito que justificam a falta de pagamento.
144. O comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação mercantil líquida e certa, entende-se falido, tal é a literal disposição do art. 1.0 , in princ. da Lei n. 2. 024. (*) Na expressão comerciante acha-se compreendida a sociedade propriamente comercial, como já dissemos em o n. 96, supra. A sociedade anônima incorre também em falência se, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação comercial ou civil líquida e certa. É o que dispõe o art. 3. 0 , n. 1, da Lei n. 2.024. 145. O comerciante que não paga, no vencimento, dívida mercantil líquida e certa, sem relevante razão de direito, tem dado golpe profundo na sua vida profissional (1); alarma os credores; e, com a rapidez do raio, o acontecimento repercute na praça. (1) Pagar é não somente entregar a quantia devida, mas também cumprir a obrigação de entregar. Solutio este praestatio ejus quod in obligatione est. Não restituir a cousa depositada, não en( *)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. l.º.
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Uma casa comercial, observa EST ASÉN, poderá desacreditar-se por falsificar os artigos que expõe à venda por defraudar as mercadorias no pêso, na medida, na qualidade; um industrial terá o nome mais ou menos suspeito, se imitar as marcas alheias, se fizer uma concorrência desleal etc. Tudo isso tem atenuantes, mas o simples fato de não pagar uma só obrigação vencida é sempre um acontecimento surpreendente, uma notícia inquietante, algo de extraordinário, que desde logo afeta profundamente o crédito de uma casa, e tão segura é a nódoa que não desaparece. (1) As sociedades anônimas e as em comandita por ações, com a sua organização moderna, são institutos que necessitam do crédito para realizarem o seu destino . As considerações relativas aos comerciantes, aplicam-se-lhes perfeitamente, ainda que tais sociedades se constituam para objeto não mercantil. A pontualidade é considerada pela Lei n. 2 . 024, a manifestação típica, direta, o sinal ostensivo, qualificado, da impossibilidade de pagar, e, conseqüentemente, do estado de falência. O legislador não exigiu provas mais completas para definir êsse estado; contentou-se com êste fato todo pessoal ao devedor, sem atender ao estado do seu patrimônio (n. 136, supra) (1); entendeu que não devia autorizar uma vida artregar a mercadoria vendida declarada na fatura, não entregar a carga mencionada no conhecimento de frete, tudo isso é não pagar. Creditorum appellatione non hi tantum accipiuntur, qui pecuniam .crediderunt, sed omnes quibus ex qualibet causa debetur (L. II, Dig. 50, 16) . (Veja-se a nota ao n. 528, infra) . Derecho mercantil, vol. 5. 0 , n. 21. VISCONDE DE CAYRU, Princípios de direito mercantil, trat. cap. XV: "Todo o comerciante, que não paga em dia, isto é, no (1)
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vencimento da obrigação contraída, ou que sem justa causa não cumpre qualquer ajuste deliberado, e de boa-fé, é havido por impontual e falto de honra, delicadeza, e primor, e sofre logo por isso pesar na sua reputação mercantil; de sorte que as pessoas de caráter devem necessàriamente evitar o comprometerem-se com êle em transações de importância; ditando a prudência, que ninguém trate, e se implique, em interêsses consideráveis com homem, que não cumpre o que promete, quando aliás, quem com êle transigiu, também contou em suas operações, e empenhos com a esperada pontualidade, e firmeza de trato". · (1) É da impontualidade sem relevante razão do direito, por parte do comerciante, que emerge o estado de falência, pouco im-
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tificial ao devedor a braços com a crise que se manifestasse, trazendo naturalmente a desordem aos negócios, a preocupação ao espírito, a facilidade nas resoluções e principalmente a luta aberta entre as necessidades que sentisse e a atração irresistível para satisfazê-las com os meios que de pronto se lhe deparassem. Demorar a falência importaria iludi-lo, se de boa-fé, cavando mais fundo a sua ruína, ou animá-lo, se de má-fé, a pôr em ação a fraude, com calma, em prejuízo dos credores. A falência é um meio extraordinário de execução e o seu principal objetivo é manter ileso o crédito. Quando êste sofre qualquer estremecimento ainda que seja pela mora do devedor, e põe em perigo o direito dos credores, a lei os protege com o seu braço forte, facilitando-lhes o ingresso em juízo, de modo a salvarem o ativo existente de possíveis desvios ou de maiores encargos . A crise econômica do devedor está denunciada, trata-se de evitar o prejuízo dos credores. 146. Relevantes razões de direito. Para que se dê a impontualidade e se entenda falido o devedor é, porém, necessário que a recusa de pagar a um ou mais credores não dependa de justos motivos, de causas legítimas, que constituam objeto de verdadeiras execuções e em nada prejudiquem a boa-fé do devedor. Não há devedor moroso se não existe um direito de crédito válido,· realizável por meio de ação, não paralisado por alguma exceção. (1) Não é impontual quem deixa de pagar no vencimento obrigação líquida e certa, tendo para isso relevantes razões de direito. Essas razões acham-se enumeradas no art. 4. 0 , da Lei n. 2 . 024, e o devedor pode opô-las em sua defesa no processo inicial ou preliminar da falência (*). Sendo relevantes, não há falência. É necessário atender a essa circunstância. Afora êste caso, que não desmente a boa-fé do devedor, a lei não indaga nem procura saber . o motivo por que o portando que esteja solvente. (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 21 de junho de 1907, em O Direito, vol. 105, págs. 287-288). ( 1) WINDSCHEID, Pandekten, vol. 2.0, § 277. ( *) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 4.0 •
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con1nciante (pessoa física ou judiciária), ou a sociedade anônima não paga, no dia do vencimento, esta a obrigação mercantil ou civil líquida e certa, e aquêle a obrigação mercantil líquida e certa, e muito menos se lhe dá que a impontuaüdade seja efêmera ou devida a embaraços momentâneos (1), ou seja contínua. A Lei n. 2.024 não admite o que se chama suspensão de pagamentos, não reconhece êste fato, não o atende. Acima de tudo, coloca a inviolabilidade do crédito, visa protegê-lo eficazmente; o comerciante que deixa de pagar uma só obrigação mercantil líquida e certa no dia do vencimento, e a sociedade anônima que assim também procede relativamente a uma só obrigação civil ou comercial, líquida e certa, têm perdido o crédito: estão falidos. Tal é o sistema legal . ARTIGO II Das obrigações comerczazs e czvzs que podem servir de fundamento à declaração da falência Sumário: 147. Obri!!ado mercantil e civil dos comerciantes. Só a primeira serve de fundamento à falência, salvo.·· 148. A separação dos patrimônios civil e comercial dos que exercem a profissão mercantil. 149. Concorrência das dívidas civis e comerciais, uma vez declarada a falência do comerciante. 150. Corolários dêsse concurso de dívidas. 151. Dívidas particulares dos sócios de responsabilidade ilimitada. 152. Dívidas do falido que usa firma social fictícia. 153. Obrigações comerciais e civis das sociedades anônimas.
147. A falência do comerciante deve ter por fundamento obrigação mercantil. (2) (1) O não pagamento de obrigação mercantil líquida e certa em virtude dos embaraços provenientes de um incêndio, ainda que provada a solvência do devedor, não evita a falência. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 24 de novembro de 1900, na Gazeta Jurídica, vol. 25, pág. 204) . (2) Lei n. 2.024, art. 1.0 . (•)
( *)
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A comercialidade da obrigação é objetiva. Se o conteúdo da obrigação é um ato comercial, ela é mercantil embora o sujeito ativo e passivo não seja comerciante. Se, porém, versa sôbre atos complementares estranhos ao tráfico comercial, isto é, sôbre atos que não se podem juridicamente conceber como aptos para ajudarem, facilitarem, promoverem ou levarem a efeito o exercício do comércio ou como dependentes dêste mesmo exercício - a obrigação é civil. Um comerciante pode, assim, além de obrigações mercantis, ser sujeito ativo e passivo de obrigações civis. As dívidas ou obrigações civis do comerciante não autorizam por si a declaração da falência, salvo se executado pelos meios ordinários por dívida dessa natureza não paga a importância da condenação, nem a deposita dentro das 24 horas seguintes à citação inicial da execução para poder apresentar embargos. (1) Isso não quer dizer que o credor por título civil não possa requerer a falência do seu devedor comerciante se êste falta ao pagamento de obrigação mercantil líquida e certa no vencimento ou se pratica qualquer dos atos, ou fatos mencionados no art. 2. 0 , ns. 3 a 7 da Lei n. 2.024 (2) (veja-se n. 236, infra) . 148. A lei separa o patrimônio civil do patrimônio comercial do devedor. Esta dualidade de patrimônios, admitida também por algumas leis estrangeiras, tem sido fortemente combatida, alegando-se: 1. 0 , não ser possível distinção clara e perfeita entre os atos que um indivíduo pratica como comerciante e como não comerciante, atendendo-se principalmente, a que o crédito não é suscetível de solução de continuidade e não pode ser abalado em uma qualidade sem que na outra se ressinta a ação reflexa dêste fenômeno; 2. 0 , que a falência limitada às obrigações comerciais pode proporcionar um meio fácil de fraude e ardil ao comerciante de má-fé e abrir porta a discussões e controvérsias por ocasião da declara(l) (2)
Lei n. 2.024, arts. 2. 0 , n. 1, e 9. 0 , Lei n. 2.024, art. 9. 0 , § 2.0.
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§ 2.0
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ção da falência; 3. 0 , que o credor por título civil, ficando sujeito a tôdas as conseqüências da falência deve estar nas mesmas condições do credor por título comercial para poder requerê-la; 4. 0 , enfim, que admitida a falência, sàmente por obrigações mercantis, devia a lei, para ser lógica, admitir também que os não comerciantes fôssem declarados falidos quando faltassem ao pagamento de obrigações decorrentes de atos comerciais. (1) Incontestàvelmente muito procede a observação de VIDARI, dizendo que aquela distinção entre dívidas c1v1s e dívidas comerciais é fictícia, pois muitas vêzes as dívidas civis são constituídas para auxiliarem os negócios comerciais, sendo ainda certo que todos os bens do deevdor respondem por tôdas as suas obrigações. (2) Todos os bens do devedor, escreve brilhantemente RENOUARD, são o penhor tanto das suas dívidas civis como das comerciais. A execução forçada de um crédito civil trará aos negócios comerciais do devedor desordem igual à que traria a execução de outro qualquer título. Como dividir o seu estado? Como estabelecer que êle possa ser em parte solvente e em parte insolvente? (3) A tendência das legislações, esclarecida pela dou trina científica, é suprimir a distinção entre aquelas dívidas. A Lei n. 2. 024 não quis romper de vez com a tradição do nosso direito e achou prudente evitar que a falta de um simples pagamento de dívida civil ou a má administração do patrimônio particular influíssem diretamente na vida mercantil do devedor. Ela abriu, entretanto, por motivo muito justo, a exceção do art. 2. 0 , n. 1 (o caso da execução, ao qual nos referimos em o n. 147, supra), e armou o credor civil com o direito de requerer a falência do seu devedor, verificada a impontualidade de obrigação mercantil ou de prática de atos mencionados no art. 2. 0 , ns. 3 a 7 (4) (n. 236, infra). (1)
(2) (3) (4)
CAVO, La cessazione dei pagamenti, págs. 23, nota 2. Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8.0, n. 7 .412. Traité des faillites, vol. 1.0 , pág. 275. Lei n. 2.024, art. 9.0, § 2.0 •
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As dívidas civis dos comerciantes acionam-se no juízo comum ou ordinário e somente se reconhecidas por sentença passada em julgado e em via de execução servem de fundamento ao processo preliminar da falência (1), iniciando o credor a falência baseada em título próprio. (2) 149. Declarada, porém, a falência, ílOr dívida quer comercial, quer civil, muda-se a situação. O estado de falência é indivisível, abrange a universalidade dos bens do devedor (3) ; não exige mais cisão entre a pessoa comerciante e a não comerciante. O juízo da falência absorve então aqui o juízo comum, pois, na frase de um grande processualista, os juízos que exigem celeridade atraem sempre os juízos ordinários que lhes são conexos; o credor por título civil participa das vantagens da execução comercial sôbre a totalidade dos bens do devedor. Dêste modo as dívidas civis vêm concorrer com as comerciais na falência do devedor comum. (4) Esta absorção é também necessária para acautelar os interêsses dos credores comerciais; em virtude dela, a lei permite a revogação de muitos atos de natureza civil praticados pelo falido, como doações, renúncias à sucessão, legado ou usufruto, etc., etc. Em conseqüência do concurso das dívidas civis e comerciais na .falência do comerciante singular: 150. 1.º
O falido fica privado também da administração dos
seus bens fora do giro comercial; êstes bens são arrecadados para a massa. (5) 2.º (1)
(2)
(3) (4)
(5)
Os credores civis: Lei Lei Lei Lei Lei
o
n. n. n. n n.'
2.024, art. 2.0 , n. 1. (*) 2. 024, art. 9. 0 , n. 3, ': § 2.0 . • • 2. 024 arts. 7. 0 , paragrafo umco, 24 e 43. (,...) 2.024: art. 24. (**"') 2.024, art. 43. (• .. •)
Decreto-lei n. 7.66.1, no art. 2. 0 , n. I não faz distinção entre dívida civil e comercial. 0 ( • •) Decreto-lei n. 7. 661, art. 7.º, § 2.. (* .. ) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 23. ( • • *"') Cit. Decreto-lei n. 7. 661, arts. 39, in principio, e 70. (*)
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a)
têm os seus créditos desde logo vencidos (1);
b)
são convocados para as assembléias;
c) tomam parte nas deliberações, votam para a nomeação de liquidatários, ficam sujeitos aos efeitos da concordata (2), gozam enfim, dos mesmos direitos dos credores por título mercantil. (3) 151. A falência da sociedade comercial acarreta as dos sócios pessoal e solidàriamente responsáveis (n. 128, supra), e êstes podem ter dívidas particulares, pois são individualidades jurídicas distintas da sociedade. Os credores particulares dos sócios não se confundem com os credores sociais, assim como os bens daqueles não se misturam com os da sociedade. Em o n. 67, supra, falamos dêsse assunto, mostrando as diferentes massas que surgem na falência das sociedades em que há sócios de responsabilidade ilimitada. 152. Sucede, não raro, que o comerciante, sem ter sócio, usa nas transações mercantis o seu nome com o aditamento e companhia; então, sendo fictícia a firma, e proibida por lei (Dec. n. 916, de 24 de outubro de 1890, art. 3.0 ), os credores a título civil dêste comerciante entram em concorrência com os credores comerciais da firma simulada. A verdade dos fatos deve sempre triunfar. Tanto uns como outros vêm à falência do devedor comum, no mesmo pé de igualdade. 153.
Podem servir de base ao processo declaratório
da falência das sociedades anônimas as obrigações mercantis ou civis, líquidas e certas, pois essas sociedades, ainda que
o seu objeto seja civil, incorrem em falência
(n.
96,
supra). Lei n. 2 . 024, art. 26. ( •) (2) Lei n. 2.024, art. 113. ( .. ) (3) Lei n. 2. 024, art. 32. ( •) Cit. Decreto-le in. 7. 661, art. 25, in principio e art. 128. ( .. ) Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945, art. 147.
(1)
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ARTIGO III Das obrigações comerciais e civis, líquidas e certas Sumário: 154. Para a declaração da falência deve a obrigação ser líquida e certa, ainda que principal, subsidiária ou solidária. 155. Que é obrigação líquida e certa. 156. a) Os instrumentos de contratos com o valor fixado da prestação. 157. b) As letras de câmbio e notas promissórias. - 158. e) Os bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias. Síntese histórica dêsse instituto, seu caráter jurídico. 159. d) Os cheques. - 160. e) As obrigações ao portador ("debêntures"), emitidas pelas sociedades anônimas e em comandita por ações e os cupões de juros. 161. f) As letras hipotecárias e respectivos cupões. - 162. g) As faturas. 163. h) As contas comerciais com os saldos reconhecidos exatos e assinados pelo devedor. 164. i) Os conhecimentos de depósito e "warrant'"· 165. j) Os recibos dos empresários de armazéns gerais ou dos trapicheiros. 166. k) Os conhecimentos de frete. - 167. 1) As notas dos corretores. - 168. m) As contas dos leiloeiros. 169. n) As contas extraídas dos livros comerciais e verificadas judicialmente. 170. Onde pode ser feita a verificação. 171. Juiz competente para êsse processo. 172. A verificação nos livros do requerente. - 173. Nesse caso não há necessidade da citação do devedor. - 174. A verificação nos livros do devedor e respectivo processo. - 175. Apresentação do laudo dos peritos; salários dêstes. 176. Julgamento do exame por sentença. 177. Vencimento das obrigações fundadas nas contas comerciais vedficadas judicialmente.
154. Para autorizar a declaração da falência, a obrigação mercantil (n. 147, supra), ou civil (n. 153, supra), deve ser líquida e certa, pouco importando que seja principal, subsidiária ou solidária. A Lei n. 2. 024, no art. l.º, parágrafo único, teve a cautela de enumerar as obrigações líquidas e certas que servem de alicerce à execução coletiva sôbre os bens do devedor. (*) 155. Não obstante a previdência legislativa, desperta interêsse a explanação de algumas idéias sôbre as obrigações líquidas e certas, pois novos casos podem apresentarse. A enumeração legal não é taxativa, mas declarativa, e compendia os títulos mais gerais, em que a liquidez e a certeza da obrigação se impõem à primeira vista. ( •) Essa enumeração não existe no Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945. (V. art. l.º) . 14
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Líquido, do verbo latino liquet, significa o que é manifesto, claro, certo, evidente; liquidum, est constans et manif estum et certum. É líquida uma obrigação quando não se pode duvidar -
an, quid, quale, quantum debeatur. (1)
Neste sentido geral, pode-se dizer, a dívida líquida compreende a dívida certa. (2) a) An debeatur, isto é, a existência certa da dívida é a primeira condição para a sua liquidez. Dúvidas sôbre a sinceridade do documento, falta de título escrito, obscuridades que se não podem aclarar sem o recurso de provas estranhas, questões de êrro, dolo, simulação e outras análogas, eis incertezas que tornam ilíquida a dívida. (3) Pelo simples fato de ser contestada, não se torna ilíquida a obrigação (4) ; se assim fôsse, impossível seria declarar a falência contra a vontade do devedor. A contestação, para ser atendível, deve fundar-se em justa razão de direito. b) Quid, quale debeatur. Não é líquido o crédito quando se não sabe precisamente qual a cousa devida. Assim, são ilíquidas as dívidas por perdas e danos enquanto não (1) ALMEIDA E SOUSA, Summarias, vol. l.º, pág. 613, ensina que há duas espécies de iliquidez:
quando in certitudo versatur circa quantitatem seu valorem; quando vertitur circa rem debitam, aut personam obligatam, vel circa casum obligationis. - O direito romano definia como líquida a dívida que "non multis ambagibus innondata, sed possit judice facilem exitum sui prcestare". (L. 14, Cód., de compensat.). a) b)
(2)
No entanto, rigorosamente falando, diferençam-se. Dívida
líquida é a determinada pela respectiva espécie, quantidade e qualidade; certa, a que é provada pelos meios competentes. (LACERDA, Obrigações, § 79 e notas 4 e 8) .
(3) GIORGI,Obbligazioni, vol. 8.0 , n. 20. Essas nossas considerações, já constantes da l.ª edição, foram adotadas pelo acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 30 de agôsto de 1910, na Revista de Direito, vol. 18, págs. 166-168. (4) LACERDA, Obrigações, § 79, nota 4. - As questões de direito não produzem iliquidez, devendo sempre o juiz resolvê-las, em sua ciência, sem necessidade de provas. (GIORGI, Obbligazioni, vol. 8.0 , n. 20) . VINNIO, Selectae juris quaest., lib. I, cap. 59: "Liquidum debitum est illud existimandum quod juris tantum qurestionem habet: veluti si qmeratur, cui in contractibus bonre fidei usurre debeantur ex mora".
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taxados; as alternativas enquanto o devedor não faz a escolha, ou não tenha sido constituído em mora; as prestações não determinadas; e as de fazer e não fazer porque se reputam resolúveis em obrigações de perdas e danos. (1) As obrigações sem prazo certo para o vencimento não são ilíquidas. São exigíveis dez dias depois da sua data (Cód. Comercial, art. 137) . (2) e) Quantum debeatur. É essencial que seja determinada a quantidade da dívida, para a exata responsabilidade do devedor. A amortização de parte da dívida não a torna ilíquida. (3) O Cód. Civil, no art. 1. 533, dispõe nestes têrmos: "Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, determinada, quanto ao seu objeto". (4) (1) Cód. Civil, arts. 879, 883 e 1.535; POTHIER, Traité des Obligations, n. 179; CLóVIS, Direito das Obrigações, § 29. (2) Acórdão da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28 de abril de 1906, na Revista de Direito, vol. l.º, pág. 147. Em contrário,
julgou a 2.ª Câmara da mesma Côrte, no acórdão de 3 de novembro de 1905, denegando a falência do subscritor de uma obrigação sem prazo, porque "é impossível declarar-se alguém impontual quando no escrito da obrigação falta o ponto ou têrmo em que o pagamento se deve realizar". Não está de acórdo com o art. 137 do Cód. Comercial esta decisão. Aí se declara que a obrigação mercantil sem o prazo certo, estipulado pelas oartes ou marcado pelo código, será exeqüível dez dias depois da suã data. Se, findo êsse prazo, o devedor não paga, está o credor impedido de recorrer ao meio extraordinário da falência? Não, certamente, depois de exigir o pagamento, e na falta, levar o título a protesto. ~ste protesto constata o vencimento do título e prova a mora do devedor. Por ser a falência regulada por disposições especiais, como diz o acórdão referido, não se conclui que fôra revogado o art. 137 do Cód. Comercial. Nesse acórdão, figuram três votos vencedores e três vencidos, tendo desempatado o presidente. (3) ALMEIDA OLIVEIRA, Assinação de dez dias, pág. 90; decisões em O Direito, vol. l.º pág. 145; 6. 0 , pág. 485; e 9.0 , pág. 305. Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 20 de março de 1902, na Revista de Jurisprudência, vol. 15, pág. 58 e de 21 de julho de 1914, na Revista dos Tribunais, vol. 11, pág. 20. O pagamento parcial da letra de c_âmbio e. not_a promissória deve constar da própria letra ou nota, alem da qmtaçao em separado. Lei n. 2. 044, de 31 de dezembro de 1908, art. 22, § 2.0 e 56. Em acórdão de 14 de dezembro de 1914, decidiu aquêle Tribunal de Justiça que a letra perde o caráter de título líquido e certo se não estiverem nela lançados os pagamentos parciais, constando apenas de quitação em separado. (Revista dos Tribunais, vol. 12, págs. 211-212). (4) "Não é líquida e incerta a divida que, por simples opera-
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156.
A Lei n. 2. 024, no art. 1. 0 , parágrafo un1co, con-
sid-era liquidas e certas e com fôrça para fundamentarem a abertura da falência, as seguintes obrigações: A. Os instrumentos públicos, ou particulares de contratos com a quantidade ou valor fixado da prestação. (1)
Entre os instrumentos particulares de contratos figuran1 os escritos de transações comerciais, não obstante a Lei n. 2. 024 mencioná-los especialmente no art. 1. 0 , parágrafo único, n. 2. Êstes escritos têm inteira fé contra quem os assina. (2) Constando dêles a promessa, ou a obrigação de pagar quantia certa e com prazo fixo, à ordem ou sem ela, são obrigações mercantis líquidas e certas. Em os ns. 166 e 167 do 2. 0 vol. dêste Tratado, falamos dêsses escritos, os quais, desde o direito estatutário, tinham a fôrça de títulos executivos. 157. B. sórias. (3)
As
letras
de
câmbio
e as
notas
promis-
158. e. Os bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias. ( 4) (*) ção aritmética pode ser fixada; para tanto, é preciso que seja litigiosa, que dependa de provas discutíveis para a sua verificação ou estimação". (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 2 de junho de 1916, na Revista dos Tribunais, vol. 18, pág. 131) . ( 1) Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 1. O Cód. Civil dispõe, no art. 136: "O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus· bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas, os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam a respeito de terceiros, antes de transcrito no registro público". (2) Regul. n. 737, de 1850, art. 141, § 2.0 . (3) Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 2. A Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, define a letra de câmbio e a nota promissória e regula as operações cambiais. BIBLIOGRAFIA: SARAIVA, A cambial, 1912; RODRIGO OTAVIO, Lei de câmbio e nota promissória. Relatório referente ao trabalho da unificação do direito cambiário na Conferência de Haya, 1911; PAULO DE LACERDA, A cambial no direito brasileiro, 2.ª ed., 1913; JOAO ARRUDA, Decreto número 2.044 anotado, 1914. (4) Lei n. 2. 024, art. 1. 0 , parágrafo único, n. 2 . BIBLIOGRAFIA: VISCONDE DE OURO PRETO, Crédito móvel pelo penhor e o bilhete de mercadorias, 1898. (*) E as duplicatas, acrescentou o mesmo art. 1.0 , parágrafo único, n. 2, da Lei n. 5. 746, de 1929.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
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O instituto dos bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias, instrumento poderoso para o desenvolvimento do crédito agrícola móvel, foi introduzido pelo Dec. do Govêrno Provisório n. 165 A, de 17 de janeiro de 1890, regulamentado pelo Dec. n. 370, de 2 de maio de 1890, arts. 379 e segs. (1) Desconhecido por muitas legislações, entre as quais a francesa (2), expressamente proibido por outras, como a prussiana, com receio de que servisse de alimento às especulações da bôlsa (3), na Itália, entretanto, aquêle instituto acha-se muito desenvolvido sob a denominação de ordine in derrate, e no Cód. Comercial dessa nação, art. 333 e segs., inspirou-se o legislador brasileiro de 1890. (4) Na Itália, convém dizermos, o instituto não apareceu com o último código de 1882, mas é de origem tradicional; as leis de 1808 do ex-Reino das Duas Sicílias, e as de 1819 do Napolitano já o conheciam. O caráter jurídico da ordine in derrate do antigo direito italiano era, porém, muito diverso do atual. Ali representava a continuação e execução de um precedente contrato de compra e venda, concluído entre o sacador emissor e o aceitante do título, de modo que por meio dela o ( 1) Consulte-se a Exposição apresentada ao Chefe do Govêrno Provisório, pelo Ministro da Fazenda, o eminente RUI BARBOSA, por ocasião de levar à assinatura daquele chefe o Dec. n. 165-A, de 17 de janeiro de 1890. (Diário Oficial, janeiro de 1890, pág. 257) . (2) RUBEN DE COUDER, Dictionnaire de droit commercial, verb. billet en marchandises: "Dá-se esta denominação a um bilhete pelo qual o subscritor se obriga a entregar em lugar e em época convencionada uma certa quantidade de mercadoria de natureza e qualidade determinadas. Ao contrário do que acontece na maioria dos casos, é, como se vê, o subscritor do bilhete quem entrega valores em troca de uma quantia em dinheiro fornecida pelo beneficiário". TOUZAUD, Des effets de commerce, pág. 278: "Na França, o uso o estabeleceu; mas seu emprêgo é muito restrito. A forma da letra de câmbio que revestem as faturas, as ordens de entrega, os conhecimentos, traz maiores vantagens ao comércio". (3) TOUZAUD, Obr. cit., pág. 278. (4) Cód. Federal Suíço das Obrigações, art. 843: "Todo título pelo qual o subscritor se obriga a entregar em lugar e tempo determinados certa quantia em dinheiro ou certa quantidade de coisas fungíveis, pode ser transferido por endôsso, se foi expressamente emitido à ordem". Estão aí compreendidos os bilhetes de mercadorias. _ o Cód. Comercial da Romania, de 1887, adotou a instituição. (Artigos 358 e segs.) .
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vendedor ordenava a quem tinha em depósito os seus produtos agrícolas entregá-los ao comprador ou à ordem dêste. No direito moderno italiano, porém, tais títulos são verdadeiras obrigações à ordem por si mesmos, e participam da natureza das letras de câmbio, das quais diferem sàmente pelo objeto, pois naqueles títulos êste objeto, é produto agrícola ( derrate), nestas dinheiro. ( 1) O Cód. Comercial italiano de 1865 já os admitia também como meio de facilitar aos agricultores a obtenção de dinheiro vendendo antecipadamente as suas colheitas, e VIDARI informa-nos que nos países agrícolas servem de muito. Em virtude dêles faculta-se a permuta, por assim dizer, dos produtos agrícolas (derrate) por dinheiro, ou por outro valor, criando-se dês te modo um novo título de crédito para facilidade dos negócios, e para sôbre as colheitas futuras obter-se dinheiro e crédito no presente. (2) Tal é também o conceito dos bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias, segundo o nosso direito . ~les não tiveram ainda uso e são desconhecidos da generalidade dos nossos fazendeiros e do comércio. Não há inconveniente, nem proibição legal de serem subscritos por comerciantes. O art. 397, § 3.0 , do cit. Dec. n. 370, fala dêstes títulos quando firmados por negociante. Os bilhetes de mercadorias gozam as garantias das letras de câmbio. (3) ~stes títulos não constituem a expressão de um contrato de compra e venda, criando obrigações bilaterais, isto é, concedendo ao responsável a faculdade de deixar de entregar quando não receba o preço da mercadoria prometida. (1) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7.259. O Cód. Comercial italiano admite somente o bilhete tendo por objeto produto agrícola (derrate). VIDARI, Obr. cit., ns. 7.263 e 7.264, censura a omissão dêste código que não reconhece os bilhetes propriamente de mercadorias (merci) e diz que o uso vencerá a lei. (2) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7. 260, de 2 de maio de 1890, art. 379, § 2.º. - O art. 380 dêste decreto sujeitou à falência os signatários (comerciantes e não comerciantes) dos bilhetes de mercadorias. Os signatários não comerciantes não estão hoje sujeitos à falência. (Veja-se nota ao n. 100, supra).
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A sua emissão e negociação, escreve MARGHIERI, não pressupõe essencialmente nenhum contrato especial; é verdade que freqüentemente se ligam a um contrato de compra e venda, mas podem também se referir a um contrato de comissão, de depósito ou outro qualquer, tal como se dá com a letra de câmbio. A obrigação que surge por efeito da emissão, da negociação e de aceitação, é unilateral; o possuidor tem todos os direitos, o devedor tôdas as obrigações, e nenhuma disposição de lei justifica a não entrega da mercadoria por falta de pagamento do preço. Se assim não fôsse estaria inteiramente transformada a função do título e o contrato deixaria de ser literal. (1) Demonstra-se dêste modo que os bilhetes de mercadorias são verdadeiros títulos de dívida líquida e certa. (2) 159. D. Os cheques (3). Os cheques sàmente são obrigações líquidas e certas, autorizando a declaração da falência contra o passador ou emissor. (4) 160. E. As obrigações ao portador (debêntures), emitidas pelas sociedades anônimas e comanditárias por ações e os respectivos cupões de juros (5). (Veja-se o n. 1.256 do 4. 0 vol., dêste Tratado. (*) MARGHIERI, Diritto commerciale, vol. 3. 0 , n. 2.284. (2) As disposições comuns às letras de câmbio são igualmente aplicáveis aos bilhetes de ordem pagáveis em mercadorias (Dec. n. 370, artigo 379, § 2.0) . Por conseguinte, a transferência por via de endôsso, os direitos do sacador, do portador, do sacado e aceitante, os protestos, etc., são regulados pelas mesmas disposições das letras de câmbio. (3) Lei n. 2. 024, art. l.º, parágrafo único, n. 2. A Lei n. 2. 591, de 7 de agôsto de 1912, regulou a emissão e circulação de cheques. A Lei do Orçamento da Receita, n. 2. 919, de 31 de dezembro de 1914, no art. 3. 0 , § 9. 0 , alterou durante a sua vigência o art. 2.º, da Lei n. 2.591, de 1912! Belezas da nossa incomparável fábrica de leis ! BIBLIOGRAFIA: RODRIGO OCTAVIO, Do cheque, sua origem função econômica e regulamentação, 1913. ' (4) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 6 de junho de 1918, na Revista dos Tribunais, vol. 26, pág. 186. (5) Lei n. 2.024, art. l.º, parágrafo único, n. 3. A Lei n. 177-A, de 15 de setembro de 1893" regulou a emissão (1)
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Os cupões de juros, uma vez vencidos, são documentos hábeis para instruírem o pedido da falência; não precisa virem anexos às respectivas obrigações. (1) 161.
F. de juros. (2)
As letras hipotecárias e os respectivos cupões
As sociedades de crédito real ordinàriamente são bancos, instituídos sob a forma anônima. A sua principal operação consiste em emprestar a longo prazo mediante hipoteca, em benefício da lavoura e indústria conexas (3) e, ao mesmo tempo, emitir letras hipotecárias, correspondentes à quantia emprestada e destinada a formar o seu contravalor exato. ( 4) Como se sabe, os empréstimos contraídos por aquelas sociedades servem de fundamento à emissão dêsses títulos (5), os quais, na expressão legal, representam os empréstimos. (6) de empréstimos em obrigações ao portador (debêntures) das companhias ou sociedades anônimas. BIBLIOGRAFIA: INGLÊZ DE SOUSA, direito brasileiro, 1898.
Títulos ao portador no
No 4. 0 vol. do presente Tratado, ns. 1.253 a 1.342, estudamos os empréstimos em obrigações ao portador. ( *) Dispõe o art. 1.º do Decreto-lei n. 781, de 12 de outubro de 1938: Os empréstimos por obrigações ao portador (debêntur~s) contraídas pelas sociedades anônimas, ou em comandita por açoes, ou pelos autorizados por leis especiais, criarão, quando tal condicão constar do manifesto da sociedade e do contrato devidamente inscrito, uma comunhão de interêsses entre os portadores dos títulos da mesma categoria, a saber, emitidos com fundamento no mesmo ato, subordinados às mesmas condições de amortização e juros, e gozando das mesmas garantias. (1) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 5 de agôsto de 1915 (na Revista dos Tribunais, vol. 15, págs. 17-20) ressalvado o que neste acórdão se sustenta, quanto à renúncia do privilégio do obrigacionista, sôbre o que diremos em o n. 240, infra. (2) Lei n. 2 .024, art. 1.º, parágrafo único, n. 3. A legislação sôbre êsses títulos consta do Decreto n. 169-A, de 19 de janeiro de 1890, arts. 13, 17 e 18; Dec. n. 370, de 2 de maio de 1890, P. II, arts. 278 a 361; e Lei n. 2. 024, de 1908, art. 179. BIBLIOGRAFIA: INGLÊZ DE SOUSA, Títulos ao portador direito brasileiro, ns. 345 e segs. (Consulte-se o nosso trabalho vencimento das letras hipotecárias emitidas pelas sociedades bancos de crédito real, em O Direito, vol. 95, págs. 372-398 ou S. Paulo Judiciário, vol. 6. 0 , páginas 5-26. '
(3) número (4) (5) (6)
no Do ou
no
Dec. n. 169-A de 19 de janeiro de 1890, art. 13, § 16; Dec. 370, de 2 de maio de 1890, art. 286. Dec. n. 169-A, art. 13, § 6. 0 ; Dec. n. 370, de 1890, art. 310. Dec. n. 370, de 1890, art. 289. Dec. n. 370, de 1890, art. 310.
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As letras hipotecárias são, pois, títulos emitidos pelas sociedades de crédito real para representarem os empréstimos por elas contraídos sob garantia hipotecária nos têrmos da parte II do Dec. n. 370, de 2 de maio de 1890. Essas letras mobilizam, assim, o capital empregado pelas referidas sociedades nos empréstimos hipotecários; pode-se dizer que são a moeda dêstes contratos. (1) A garantia dêsses títulos está no privilégio sôbre o patrimônio da sociedade, intangível, isento de execução por qualquer outra dívida. Êles não têm garantia direta sôbre tal ou tal imóvel hipotecado à sociedade; mas uma garantia indeterminada sôbre todos os imóveis hipotecados à sociedade, ou, precisando melhor as idéias, sôbre todos os créditos hipotecários e, ainda, sôbre o capital e o fundo de reserva da sociedade. (2) É o penhor coletivo, escreve JOUSSEAU, que substitui o penhor individual. Emitidas pela sociedade, as letras hipotecárias são o desdobramento dos contratos de empréstimo, por ela celebrados com os seus mutuários; elas mobilizam êsses contratos, fracionando-os; dêles separam o penhor, e formam um título circulante, transmissível pela tradição, ou pelo endôsso. (3) A responsável direta para com os portadores das letras hipotecárias é a sociedade emissora. Esta é a devedora; aquêles portadores são seus credores, que, somente contra ela têm ação. (4) As letras hipotecárias, cujo valor não pode ser inferior a 100$000, não têm época fixa de pagamento; êste efetua-se, mediante sorteio, um pelo menos cada ano, aplicando-se para êsse fim as quantias provenientes das anuidades e das prestações antecipadas, em dinheiro, por parte dos mutuários da sociedade . ( 5) Pagam-se os juros semestralmente. (6) ( 1) Os empréstimos hipotecários podem ser realizados em dinheiro, ou letras hipotecárias (Dec. n. 169-A, de 1890, art. 13, § 11; Dec. n. 370, de 1890, art. 292) . (2) Dec. n. 370, arts. 329 e 335; Lei n. 2.024; art. 95. (3) Traité du crédit foncier, 3.ª ed., vol. 1.º, n. 238. (4) Dec. n. 169-A, de 19 de janeiro de 1890, art. 13, § 3.º; Dec. n. 370, de maio de 1890, art. 334. (5) Dec. n. 370, de 1890, art. 334. (6) Dec. n. 370, de 1890, art. 325.
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As leis especiais sôbre o crédito real não obrigam as sociedades a entregar cupões de juros; não obstante, são geraln1ente adotados com o fim de simplificar e fiscalizar os pagamentos. Eis porque a Lei n. 2. 024 se referiu a êsses cupões. Neles se costuma declarar a época do pagamento dos juros. Se às letras não acompanham cupões para o pagamento dos juros, bastará carimbar no verso, mencionando o cump1imento da obrigação acessória. (1) 162. G. As faturas nos tênnos do art. 219 do Cód. Comercial (2). O Cód. Comercial, no art. 219, dispõe: "Nas
JOUSSEAU, Traité du crédit foncier, vol. 1.0 , 256. (2) Lei n. 2.024, art. 1. 0 , parágrafo único, n. 4. A Lei n. 2.919, de 31 de dezembro de 1914, Lei do Orçamento da Receita para 1915, no art. 3. 0 § 8. 0 , autorizou o Govêrno a providenciar em regulamento de modo a tornar efetiva a cobrança do impôsto do sêlo proporcional a que estavam sujeitas as faturas ou contas assinadas (art. 219 do Código Comercial), podendo estabelecer que fôssem as mesmas equiparadas às letras de câmbio e às notas promissórias, etc. Mais uma beleza das nossas leis orçamentárias ! O Dec. n. 11.527, de 17 de março de 1915, aprovou o tal regul~ mento para a cobrança do sêlo sôbre as faturas ou contas assinadas. Levantou-se o comércio contra êsse ato e o govêrno viu-se obrigado a prorrogar por quinze dias o prazo para que. ,ei:tras~e em execução (Circular n. 20, de 8 de junho de 1915, no Diarzo Oficial, de 9) e, ainda adiá-lo por circulares sucessivas (n. ~2, de 30 de junho, no Diário Oficial, de 2 de julho; n. 34 de 13 de JUlhC!•, ~o Diário Oficial, de 14; n. 45, de 3 de setembro de 1915, no Diario Oficial, de 4), até que a outra Lei Orçamentária n. 3.070-A, de 31 de dezembro de 1915, no art. 19 revogou o dispositivo do art. 3. 0 , § 8.º, da Lei n. 2.919. Afinal, pelo Dec. n. 11.856, de 5 de janeiro de 1916, foi revogado o Dec. n. 11.527, de 1915. Para deixar aqui o registo completo sôbre essa questão, transcrevemos o que disse o Ministro da Fazenda (CALOGERAS) na Introdução do seu relatório de 1915, publicada no Jornal do Comércio, de 27 de novembro de 1915: "Surgiram dúvidas sérias na regulamentação das contas assinadas. Por fôrça do art. 3. 0 , § 8. 0 , da vigente lei da receita, foi expedido o Dec. n. 11.527, de 17 de março último, sôbre as contas assinadas. Desde logo, despertou reparos que levaram o govêrno a suspender sua execução, a fim de melhor investigar o assunto. As censuras, a princípio, visavam pontos secundários e tendiam a tornar mais prático o funcionamento das providências compendiadas no ato do Executivo. Com o maior cuidado na análise, porém, vícios mais graves se foram apurando, e dêles pa(1)
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vendas em grosso ou por atacado, entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicado, no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo do pagamento, presurece resultar que a assimilação autorizada pelo art. 3.º, § 8.º, da Lei n. 2.919, entre as contas assinadas e notas promissórias e as letras de câmbio, vale por uma larga retrogradação no evolver de nosso direito comercial. Longe de mim a idéia de menos respeitosa crítica ao texto legislativo. Mera autorização, apesar de utilizada e ora suspensa em sua aplicação à vida econômica do país, não seria demais solicitar do Congresso se, positivamente, entende, abolir os princípios jurídicos concretizados na Lei número 2.024, de 31 de dezembro de 1908, com o fito de volver ao primitivo título XVI do Cód. Comercial, pela mesma lei revogada. Parte que foi na Conferência Internacional de Haia, está o Brasil prêso ao que deliberou essa mesma assembléia e é de esperar figure em nossa legislação, em face da mensagem que V. Excia. ultimamente enviou ao Congresso. Por êsses atos decisivos, em nosso direito cambial liberto, ficou o título da operação que lhe deu origem, a fim de lhe conferir vida autônoma e facilidade de circulação, incorporada a obrigação no próprio documento que a traduz, nada mais tendo que ver com a relação jurídica de que provém. Ora, a conta assinada é a negação de quanto acima se expôs. É a tradução numérica, em documento de contabilidade comercial, de determinada operação de compra e venda. A princípio, solicitei o parecer de jurisconsultos sôbre modificações projetadas no Dec. n. 11.527. A medida, porém, que o exame se instituía mais profundo, mais patente se tornava o grave regredir às normas jurídicas abolidas. Daí o pedir eu a opinião dos doutos, não já sôbre a forma exterior do ato que se tratava de modificar, e sim sôbre sua essência, seu modo intrínseco de agir. Como conseqüência de tais exames, formei minha convicção de que mais prudente seria suspender o decreto regulamentar, de 17 de março, até que o Congresso se pronunciasse definitivamente sôbre a nova rota a seguir. Mantido o disposto no art. 3.0, § 8. 0 , o Executivo expediria novo regulamento que já está em elaboração adiantada. Restabelecida a vigência dos princípios vencedores na Lei n. 2. 044, seria expedido novo decreto revogando o de 17 de março. Com o intuito de solicitar do Congresso Nacional sua deliberação expressa sôbre êsse problema, parece-me oportuno dirigirlhe uma mensagem, expondo os fatos e pedindo as normas precisas para melhor solução dos largos interêsses vinculados a êsse assunto". - Sôbre o Dec. n. 11.527, de 17 de março de 1915, demos um _parecer, publicado no Jornal do Comércio (edição da tarde), de 11 de maio de 1915, mostrando a sua inconstitucionalidade e o pe-
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me-se que a compra foi à vista. As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador dentro de dez dias subseqüentes à entrega ou recebimento, presumemse contas líquidas". A fatura é a nota descri tiva das das mercadorias vendidas com indicação da qualidade, quantidade, pêso, ou medida e do preço. No caso do art. 219 do Cód. Comercial, trata-se da venda de gêneros em grosso ou por atacado, devendo a fatura ser apresentada no ato da entrega da mercadoria. Supõe não só que a mercadoria é entregue, assim como que o vendedor e o comprador estão presentes na mesma praça, ou que o vendedor tem na praça onde é estabelecido o comprador um agente que ao entregar a mercadoria lhe apresente a fatura. O duplicado da fatura deve ser imediatamente assinado pelo comprador, que ainda dispõe de dez dias para reclamar, salvo se o vendedor exige do comprador que examine a mercadoria antes de recebê-la. (Cód. Comercial, art. 211). Somente depois dêste prazo, a obrigação tem-se tornado líquida e certa. Não há inconveniente em que o valor da fatura seja pagável à ordem. Neste caso, a transferência pode se efetuar por endôsso, pois se trata de um título circulante. Isso é pouco usado, achando-se mais prático que o comprador aceite um letra de câmbio, ou uma nota promissória correspondente ao valor da fatura. (1) Entre comerciantes de praças diversas, os dois exemplares da fatura podem ser expedidos pelo correio, acompanhando carta do vendedor (Cód. Comercial, art. 12, 3.ª alínea), e esta fatura, uma vez aceita sem oposição imediata do comprador, importa a tradição simbólica da mercadoria (Cód. Comercial, art. 200, n. 3), a qual, ainda em viagem, pode ser revendida à vista da fatura (Lei n. 2. 024, art. 138, n. 4, 2.ª alínea) . rigo ao comércio. A Revista do Supremo Tribunal Federal o transcreveu no vol. 3.º, P. 2.ª, pág. 276. o Dr. ALFREDO PUJOL, em erudito parecer, publicado em O Estado de S. Paulo, de 8 de junho de 1915, demonstrou que aquêle decreto não alcançava as vendas de café na praça de Santos. (1) No mesmo sentido, JOAO VIEffiA, na Revista de Jurisprudência, vol. 4.0 , págs. 135 e segs.
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Conquanto não se ache nos precisos têrmos do art. 219 do Código Comercial, esta fatura, enviada pelo vendedor de uma praça ao comprador de outra, acompanhando a mercadoria, ou mesmo precedendo-a, desde que o comprador a assina e devolva, têm-se tornado uma obrigação líquida e certa (Regul. n. 737, art. 152, § 5.º) . Se, porém, o comprador não devolve o duplicado devidamente selado e assinado, o vendedor poderá formar o seu título de obrigação líquida e certa, para os fins da falência, mediante o processo do art. 1. 0 , parágrafo único, n. 8, letra a da Lei n. 2.024. Com o copiador, onde as faturas devem ser lançadas (Cód. Comercial, art. 12, 3.ª alínea), e com a prova da remessa da mercadoria, com a correspondência e outros documentos úteis, o vendedor tornará líquido e certo o seu crédito. 163. H. As contas comerciais com os saldos reconhecidos exatos e assinados pelo devedor. (1)
A lei prescreve imperiosa e categoricamente que as contas comerciais, para que sejam considerações obrigações líquidas e certas e possam servir de fundamento ao processo de falência, contenham dois requisitos formais, necessários, essenciais, substanciais: 1. 0 o reconhecimento da exatidão do saldo pelo devedor; 2. 0 a assinatura do devedor. (2) A lei não se contentou com exigir a assinatura do devedor nem o reconhecimento do saldo; foi além, impondo a exigência do reconhecimento da exatidão do saldo pelo devedor .
E, realmente, só assim se poderá ter uma obrigação líquida e certa, bastante para autorizar a declaração da falência (3). Sem a observância das formas e solenidades leLei n. 2.024, art. 1.º, parágrafo único, n. 4. (2) Se se trata de sociedade, o saldo da conta deve ser reconhecido exato e assinado em nome da sociedade pelo seu representante ou órgão. A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 30 de abril de 1912, anulou um processo inicial da falência por ter sido a conta reconhecida individualmente por um dos sócios solidários. (Revista de Direito, vol. 24, págs. 432-435) . (3) Parecer de URBANO SANTOS: "A simples assinatura do devedor na conta não basta r>ara se inferir o reconhecimento exato do saldo, visto corno a lei expressamente exige uma e outra cousa." Parecer de RODRIGO OTAVIO: "Entre os títulos de dívida (1)
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gais. o ato não produz ação em juízo (Cód. Comercial, artigo 124). Essa verdade, que o bom-senso justifica, foi negada pela 2.° Câmara da Côrte de Apelação, em um célebre acórdão, que deixou profundo eco no fôro brasileiro, atestando a insegurança dos direitos, quando os juízes não querem distribuir justiça. (1)
líquidos e certos que o art. 1.0 , parágrafo único, da Lei n. 2. 024 atribui a faculdade de autorizar o requerimento de falência encontram-se (n. 4) as contas comerciais com os saldos reconhecidos exatos e assinados pelo devedor. Dêsse enunciado se vê que, para o efeito requerido, as contas comerciais devem ter dois requisitos: 1. 0 , o saldo reconhecido exato; 2. 0 , a assinatura do devedor. Se a assinatura do devedor, por si só, importasse no reconhecimento da exatidão do saldo, a lei apenas exigiria como requisito de certeza e liquidez a assinatura do devedor. Tôda a conta comercial te~ um saldo, que se presume certo, mas que de fato está sujeito a verificação, assim é que sempre as contas mantêm as letras sacramentais de ressalva recíproca, salvo êrro ou omissão. :J?esde que a lei, além de mencionar a assinatura do devedor, mepc1onou também o reconhecimento exato do saldo, é evidente que sao _duas as exigências que faz para que o título possa produzir o efeito a que a lei se refere. Tenho, pois, que uma conta comercial, mesmo extraída regularmente de livros comerciais e simplesmente assinada pelo devedor, não é título que autorize originàriame~te a falência. Dela pode-se originar ação ordinária ou decendial, conforme a conta tem ou não a aceitação por escrito do devedor, segundo se vê em PAULO DE LACERDA, Contrato de conta-;:cm:rente, ns. 183-184. Para que autorize o requerimento da fale?c;a faz-se mister que tenha expresso o reconhecimento da exatidao do saldo assinado pelo devedor". Parecer de PAULO DE LACERDA: "Para que esteja nos têrmos do art. 1.0 , parágrafo único, n. 4, da Lei n. 2. 024, é indispensável que a conta-corrente tenha sido acertada pelas partes, apurando-se definitivamente o saldo, cuja exatidão deve ser reconhecida, por escrito e de modo expresso, pelo respectivo devedor, e tal reconhecimento por êle assinado. Somente assim o
credor pode, em vista do dispositivo legal, requerer a falência do devedor do saldo. De resto, a lei de falências ora em vigor consagrou a doutrina que se deduzia claramente das leis e dos regulamentos anteriores e que era aceita sem contradita (Conta-corrente, ns. 182, 183 e 184). . Esses pareceres foram publicados no Jornal do Comércio de 25 de agôsto de 1914. ' (1) Acórdão de 1 de setembro de 1914, na Revista do Supremo Tribunal, vol. 2. 0 , P. 2. 0 , págs. 125 e segs. e na Revista de Direito, vol. 38, págs. 171 e segs. _ Para se apreciar devidamente a questão suscitada, leiam-se as peças reunidas na brochura Guinle & C. e o Município do
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O Presidente desta Câmara, o eminente e provecto CAETANO MONTENEGRO, ainda que sem voto, escalpelou esta decisão em notável estudo sôbre o caso, dizendo: "O decreto de 1890 e a lei de 1902, considerando dívidas líquidas e certas, para a declaração da falência, as indicadas no art. 247 do Regul. 737 de 1850, e, conseqüentemente, os escritos de transações comerciais, ex vi do cit. art. 247, § 4.º sua referência ao art. 22 do código, a conta, assinada por comerciante, sendo exigível pela assinação de dez dias, era exeqüível pela falência, no regímen anterior. A lei de 1908, porém, reformando o decreto de 1890 e a lei de 1902, e especificando o que nêles se generalizara, individuou a conta comercial e, em têrmos positivos, taxativos e expressos, a considerou líquida e certa com os saldos reconhecidos exatos e assinados pelo devedor. Dupla formalidade, pois, a do reconhecimento e a da assinatura, prescreve a lei e requer a conta comercial, como fórmula essencial extrínseca, para o fim da sua liquidez e certeza, ou fôrça jurídica de título executivo, e, nesse caráter, autorizar a sua execução pela falência. Solenidade ou forma especial que, nas contas-correntes, estrema o saldo provisório ou o do balanço, em dado momento, para fazer conhecer a situação dos correntistas, do saldo definitivo, que é o crédito exigível e só se verifica pelo encerramento da conta. A só assinatura da conta sem o reconhecimento da exatidão do saldo é a forma especial para a ação de dez dias, mas não é a forma executiva, no domínio da lei atual, para o procedimento da falência. Sôbre ser uma regra elementar da hermenêutica jurídica, que no texto da lei se deve entender não haver frase, nem mesmo palavra supérflua, é tão clara e positiva a redação do aludido texto da lei, que, dispensando interpretá-lo, Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1914, 105 páginas.' Encontrar-se-ão ali a sentença do probo juiz Dr. OVÍDIO ROMEIRO e os trabalhos nossos em colaboração com o eminente e erudito advogado e publicista AURELINO LEAL. A Revista do Supremo Tribunal publicou parte dêsses trabalhos no vol . 2. 0 , P. 2.ª, págs. 130 e segs. A decisão da 2.ª Câmara encerra ainda outros incidentes, desastradamente resolvidos. Abyssus abyssum invocat. Oportunamente apreciaremos alguns dêsses incidentes. Salvador
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quando necessário fôsse, as noções próprias e regulares de seus têrmos (lei de 18 de agôsto de 1769, § 19), sem o concurso de outro elemento, que não o gramatical, bastariam para determinar o seu verdadeiro sentido". (1) 164. I. Os conhecimentos de depósito e warrants emitidos pelas emprêsas de armazéns gerais. (2)
A Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, instituiu regras para o estabelecimento de emprêsas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações dessas emprêsas. Os armazéns gerais são estabelecimentos destinados a receber em depósito para serem guardadas e conservadas ou também beneficiadas as mercadorias, produtos agrícolas ou objetos fabricados que o seu proprietário queira, ou não vender de pronto, ou tenha a intenção de exportar, reexportar, importar, ou de fazê-las por ali simplesmente transitar. Tais estabelecimentos realizam duplo fim: guardam e zelam as mercadorias, nêles depositadas, qualquer que seja a proveniência, ou destino; l.º
2. 0 mobilizam as mercadorias, emitindo títulos especiais negociáveis na praça e transferíveis por endôsso. Esta mobilização da mercadoria depositada torna-a imediatamente realizável, facilita a sua circulação, simplifica as operações que sôbre ela queira o dono fazer, desenvolv.e o crédito, permitindo que a mercadoria trabalhe como capital, traz em suma, apreciabilíssimas vantagens ao comércio· Tudo isto se consegue com a emissão de dois títulos entregues, simultâneamente ao depositante, mas separável um do outro, à vontade, para os fins que se tenha em vista, e sem que a mercadoria se desloque. Um dêstes títulos, que é propriamente o recibo passado pelo armazém, prova o direito de propriedade ou de livre disposição da mercadoria por parte do depositante; é destinado (1) Publicado em editorial do Jornal do Comércio, de 10 de setembro de 1914. (2) Lei n. 2. 024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 5. BIBLIOGRAFIA: Os nossos trabalhos: Armazéns gerais. Exposição de motivos e projeto de lei, Rio de Janeiro, 1901 (a Lei n. 1.102 é cópia fiel dêste projeto); e A Companhia Docas de Santos e os Armazéns Gerais, Rio de Janeiro, 1906.
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a servir de instrumento de venda ou cessão.
É
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o conheci-
mento de depósito.
O outro tem fim diverso. Desempenha as funções de instrumento de crédito; dá ao portador um direito real sôbre a mercadoria até à concorrência do valor que ela representa (valor que é enunciado por ocasião do primeiro endôsso); e serve para transferir a posse do penhor, passando livremente de mão em mão e gozando entre os banqueiros favor igual ao da moeda corrente. É o warrant. J!:sses dois títulos funcionam conjunta ou separadamente. As diversas operações a que dão lugar as mercadorias depositadas resumem-se no seguinte: O depositante quer levantar dinheiro sôbre elas? Transfere por endôsso o warrant, ao mutuário. O endôsso do warrant, por si só, separado do conhecimento de depósito, importa uma garantia, e confere ao mutuário, sôbre a mercadoria depositada, todos os direitos do credor pignoratício sôbre a coisa dada em penhor. ~ste direito de penhor acompanha o warrant por tôdas as mãos por onde passe em virtude de negociações sucessivas. O proprietário quer dispor das mercadorias depositadas? Se estão gravadas com penhor, isto é, se o warrant foi n.egociado, transfere ao comprador o conhecimento do depósito, que conservou consigo e o comprador torna-se proprietário da mercadoria, com a obrigação de pagar a importância do crédito garantido pelo endôsso do warrani. Se as mercadorias não estão oneradas do penhor, o depositan te, que em seu poder deve ter os dois títulos, transfere-os ao comprador e, pelo endôsso, a propriedade das mercadorias depositadas passa pura e simplesmente para o comprador. Eis o mecanismo da instituição em sua nudez, ou na sua máxima simplicidade, em seu fundo essencial. Não se conclua do que fica exposto que o warrant é um simples instrumento do empréstimo sôbre o penhor. Não. A tendência moderna é considerar o warrant como um instrumento de circulação da mercadoria e desde logo de compra e venda. 15
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O con1erciante, ou o produtor, tem mercadorias a vender. Sendo baixos os preços do mercado e havendo probabilidade de próxima alta, a negociação do warrant proporciona um adiantamento sôbre o preço. Com as grandes vantagens que a instituição oferece, mobilizando os capitais empregados em mercadorias, regulando as relações entre a oferta e a procura, forçosamente há de desaparecer o preconceito que tem acompanhado o warrant e dificultado o desenvolvimento dos armazéns gerais. O warrant poderá competir vantajosamente com as letras de câmbio; estas repousam sôbre o crédito pessoal do devedor e dependem da solvência dêste na época do vencimento; aquêle é um título de crédito real e simultâneamente pessoal. Não satisfeito no vencimento, o credor paga-se prontamente pelo produto da venda da mercadoria, realizada por corretor ou leiloeiro. Não bastando êste produto, recorre à obrigação pessoal e solidária dos endossantes. A Lei n. 1.102, de 1903, no art. 23, estabelece a forma da liquidação do warrant não pago (Veja-se nota ao n. 64). É fora de dúvida que o portador do warrant protestado por falta de pagamento não recorrerá à falência do devedor sem que sejam vendidas as mercadorias especificadas no título. Além de não consultar a seus interêsses, pois independentemente de formalidades judiciais pode ser pago, a isso se oporia a disposição do art. 9.º, § 3.º, da Lei n. 2. 024. Mas, se o portador do warrant não ficar integralmente pago em virtude da insuficiência do produto líquido da venda das mercadorias ou da indenização do seguro, tem ação para haver o saldo contra os endossadores anteriores solidàriamente (Lei n. 1.102, de 1903, art. 25) . Eis quando os conhecimentos de depósito e os warrants podem ser utilizados para base da falência. 165. J. Os recibos dos empresários dos armazéns gerais ou dos trapicheiros (1). Os empresários de armazéns gerais são obrigados a passar recibo das mercadorias confia(1)
Lei n. 2. 024, art. 1.0, parágrafo único, n. 5.
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das à sua guarda, declarando a natureza, quantidade, número e marcas, fazer pesar, medir, ou contar no ato do recebimento as que forem suscetíveis de ser pesadas, medidas ou contadas (Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 6.º). :ttstes recibos não se devem confundir com os conhecimentos de depósito e warrants (Lei n. 1.102, art. 15) . A mesma obrigação de passar recibo das mercadorias recebidas têm os trapicheiros (Cód. Comercial, art. 88, n. 3). Tais recibos não devem oferecer dúvida, mas definir claramente a responsabilidade do empresário do armazém geral, ou do trapicheiro, depositário da mercadoria. Note-se, porém, que, para que êsses recibos constituam obrigação líquida e certa, é mister que conste dêles ou de documento a êles anexo, o pagamento do armazém e de outras despesas privilegiadas. Se o empresário do armazém geral ou o trapicheiro não estiver pago, pode exercer o direito de retenção sôbre a mercadoria depositada, e conseqüentemente negar-se a entregá-la. (1) 166. K. Os conhecimentos de frete (2) . O conhecimento de frete passado nos têrmos do art. 575 do Cód. Comercial tem fôrça de escritura pública (Cód. Comercial, art. 587). 167. L. As notas dos corretores nas operações em que êstes são pessoalmente obrigados (3). Quanto à responsabilidade pessoal dos corretores oficiais de mercadorias e de navios nas praças da República nas operações em que intervierem, veja-se o n. 346, do 2.º vol., dêste Tratado, e quanto à dos corretores de fundos públicos do Distrito Federal o número 355, do 2. 0 vol., do mesmo Tratado. 168. M. As contas dos leiloeiros (4). Sôbre essas contas vejam-se os ns. 422 e 425 do 2. 0 vol., dêste Tratado. (1) Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 14; Cód. Comercial, arts. 96-97; Lei n. 2. 024, art. 92, n. 2, a. (2) Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 6. (3) Lei n. 2. 024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 7. (Consulte-se sôbre corretores os ns. 307 a 382, do 2. 0 vol. do presente Tratado). (4) Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 7.
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169. N. As contas extraídas dos livros c01nerczazs e verificadas judicialmente (1). O exame parcial dos livros
dos comerciantes realiza-se na pendência da lide e nos têrmos do art. 19 do Código Comercial. A Lei n. 2. 024 abre a essa norma uma exceção, permitindo que in praeparatorio judicio o credor, sem título, escrito, verifique a conta extraída dos seus livros, para constituir o título que tem de servir de base à falência (2) . (Veja-se o n. 288 do 2.º vol., dêste Tratado). Tratando-se de caso excepcionalíssimo, derrogatório das normas gerais, essa verificação não produz um título líquido para todos os efeitos de direito, mas simplesmente para instruir o requerimento de falência. (3) Lei n. 2 .024, art. 1. 0 , parágrafo único, n. 8. - Relativamente às contas mercantilmente extraídas de livros comerciais revestidos das formalidades legais, a jurisprudência, sob o domínio do Cód. Comercial, dividia-se em três sistemas: l.º Em falta de título, ou impossibilidade de exibi-lo bastavam contas ainda mesmo não assinadas pelo devedor (Crônica do Fôro, de 1859, n. 13 apud ORLANDO, Código Comercial, nota 159 ao art. 116 do Regul. n. 738; O Direito, vol. 43, pág. 268, e vol. 44, pág. 379). 2. 0 As contas, desde que não estivessem assinadas p~lo devedor e revestidas das solenidades nrescritas no art. 219 do Cod. Comercial, não produziam ação em -juízo, na forma do art. 124 do_ mesmo código e 152, § 5.º do Regul. n. 737, de 1850, e, portanto, nao ~era;m títulos hábeis para instruir o requerimento de abertura da falenc1~, ainda quando judicialmente verificadas nos livros do credor (0 Direito, vol. 8. 0 , pág. 711; vol. 25, pág. 303) . . 3. 0 As contas mercantilrnente extraídas dos livros escriturados em regra, principalmente de negociantes matriculados, com c~ta ção das partes e sendo conferidas e reconhecidas exatas por peritos por elas nomeados, nos têrrnos dos arts. 23, § 2. 0 do Cód. Comercial e 141, § 3.0 , e 152, § 5.º, do Reg. n. 737, constituíam títulos de crédito, satisfazendo a disposição do art. 111 do Regul. n. 737 (0 Direito, vol. 14, pág. 757; vol. 21, pág. 845; vol. 29, pág. 121) . (2) O Tribunal de Justiça de s. Paulo, em acórdão de 8 de dezembro de 1910, decidiu muito bem que o caso era de exibição parcial (S. Paulo Judiciário, vol. 24, pág. 378), corrigindo o lapsus do acórdão da Côrte de Apelação, mencionado em a nota 3 da pág. 263 do 2.0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado. (3) Leia-se nota 2 da pág. 263 do 2.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 13 de agôsto de 1910, declarou que a disposição do art. l.º, parágrafo único, n. 8, da Lei número 2.024 "não era aplicável aos casos em que se faz a prova em uma ação ordinária, mas somente a quem se recusa a exibir os seus livros para a verificação de contas, destinada a servir de documento para o requerimento da falência". (1)
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170. O credor extrai dos seus livros comerciais, a conta do devedor e requer ao juiz do comércio a nomeação de dois peritos para procederem a sua verificação. (1) Esta verificação pode ser feita nos livros do requerente, que pretende ser credor, ou nos livros do devedor. (2) 171. Qual o juiz competente para o processo dessa verificação? O juiz perante o qual a falência vai ser requerida, isto é, o juiz do comércio em cuja jurisdição o devedor tiver o seu principal estab-elecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil (art. 7. 0 da Lei n. 2. 024), pois se trata de uma diligência in praeparatorio judicio (3). Se, pois o credor tem o seu domicílio comercial em lugar diverso do devedor e requer o exame nos próprios livros, deve pedir a êsse juiz a expedição da precatória nos têrmos do art. 19, 2.ª alínea do Cód. Comercial (Veja-se o n. 196, infra). (**) 172. Se se tiver de proceder a verificação da conta nos livros do requerente, proprietário dêstes, são essenciais as seguintes condições: 1 . que êstes livros se achem revestidos das formalidades legais extrínsecas (4), e 2. que a conta seja comprovada com documentos: a) que mostrem a natureza das transações mercantis havidas entre as partes; 0-2) Lei n. 2.024, art. l.º, parágrafo único, n. 8, letra a. (*) (3) Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 14 de maio de 1917, e 15 de abril de 1920, na Revista dos Tribunais, vol. 22, pág. 38 e vol. 34, pág. 89. (4) Cód. Comercial, arts. 13-14. (Vejam-se os ns. 228 e segs. do 2. 0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado) . O juiz da 3.ª Vara Cível, Dr. OViDIO ROMEIRO, julgou improcedente um pedido de declaração de falência, porque além de não estarem os assentos comprovados, os lançamentos no Diário do credor, onde se procedeu a verificação foram feitos englobadamente, e, portanto, sem individuação e clareza exigidas, visto que o código somente permite que sejam lançadas em globo as parcelas de despesas domésticas na data em que forem extraídas da caixa. A 2.6 Câmara confirmou essa sentença pelo acórdão de 22 ele maio de 1914. (Na Revista de Direito, vol. 36, págs. 120-122) . ( •) (**)
Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 1.0, § 1.0. Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 1.0, § 1.º.
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b) que justifiquem não ter sido omisso o requerente (proprietário dos livros) em dar, a tempo competente, os avisos necessários; e e) que demonstrem haver a parte contrária recebido êsses avisos (1). O documento que provar êsse recebimento justificará implicitamente o aviso a tempo competente. A cada uma dessas condições, devem os peritos referir-se no seu laudo, com a maior clareza e completa minúcia, respondendo aos quesitos apresentados. Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 8, letra a, 2.ª alínea; Cód. Comercial, 23; nossa monografia Dos livros dos comerciantes, n. 118. - Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 3 de fevereiro de 1910: " ... a agravada (requerente da falência) apresentouse credora por conta-corrente com o falido, e juntou a conta extraída dos seus livros e, sendo impugnada a dívida, não exibiu documento algum que comprovasse as parcelas do seu crédito. O fato de estarem devidamente lançadas e escrituradas as parcelas do deve e haver nos livros legalizados da agravada por si só não prova a veracidade das transações; era indispensável que existissem no arquivo documentos e papéis relativos a tais negócios e que servissem de base aos assentamentos e os peritos não atestam a sua existência. A conta-corrente exibida foi seriamente contestada e o próprio gerente da agravada no seu depoimento pessoal deixa dú~i~as sôbre o quantum do crédito da agravada e tratando-se de credito que não é líquido e certo, os direitos da agravada só podem ser apl}rados por ação competente". (No S. Paulo Judiciário, vol. 22, pagina 196). . - Se se não prova no exame que o comerciante dera~ os. av1s_9S necessários à parte contrária e que esta os recebesse, a falencia nao pode ser declarada. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 21 de outubro de 1912, no S. Paulo Judiciário, vol. 30, pág. 206) · - No acórdão de 19 de abril de 1910, a 2.ª Câmara da Côrte de Apelação apreciou o seguinte caso: "A disposição do art. 1. 0 , § 8.0 , letra a da Lei n. 2.024, de 1908, definindo entre os títulos idôneos para tal pedido as contas verificadas nos livros do credor, exige, como complemento, além das formalidades extrínsecas e intrínsecas, que na hipótese foram reconhecidas, a sua comprovação nos têrmos do art. 23 do Cód. Comercial, que nela não se verifica, nos têrmos de direito. Os documentos oferecidos :pela agravante, aliás de tôda a relevância para provar as relações contratuais entre a agravante e a agravada, não ministram base para considerar dívida líquida e certa a que foi objeto do pedido de falência. A construção da linha de que resulta a invocada obrigação, feita com ciência e anuência da agravada; a aprovação do poder público ao projeto da execução da concessão a ela feita; a aprovação nas assembléias gerais dos relatórios apresentados pelos diretores se prova, por circunstâncias lógicas, a realidade do contrato, xião contém os elementos precisos de liquidez e de certeza essenciais à decretação da falência, que não é meio ordinário de tornar efetivas obrigações contraídas" (Em O Direito, vol. 112, pág. 157) . (1)
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Como se vê, o requerente tem de apresentar no processo da verificação não só a conta, mas os documentos acima mencionados. 173. A lei não exigiu e nem tinha necessidade de exigir a citação do devedor para a verificação judicial da conta nos livros do credor r~querente, porque não se trata de processo contencioso e seria inoportuna nessa verificação a defesa do devedor . ( 1)
(1)
Nesse sentido julgou o Tribunal de Justiça de S. Paulo, de
27 de janeiro de 1910, no S. Paulo Judiciário, vol. 22, pág. 88: "no regímen da Lei n. 2. 024, de 1908, não há disposição que exija a ci-
tação do devedor para ver e verificar a extração da sua conta dos livros do credor". Contra: Acórdãos da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 19 de abril de 1910, dizendo: "Acresce que a falta de citação do devedor para a verificação da conta, induz a surprêsa do protesto, de graves conseqüências para os devedores solváveis". (Em O Direito, vol. 112, págs. 157-158), e de 5 de novembro de 1912, sob êsses fundamentos: "A conta não é título líquido e certo de dívida, porquanto, não sendo um documento ou instrumento revestido de fé pública, requeria para adquirir aquêle caráter a intimação do agravado no processo da sua verificação, pois do contrário, a falência de qualquer casa comercial por mais sólido que fôra o seu crédito, dependeria apenas do arbítrio de qualquer comerciante que exibisse uma conta verificada nos seus próprios livros, na insciência e à revelia do pretenso devedor. Uma tal situação seria incompatível com as exigências que a estabilidade dos negócios e as delicadezas do crédito reclamam na vida comercial". (Na Revista de Direito, vol. 27, págs. 354-355) . Se, sob o domínio do Dec. n. 917 e da Lei n. 859, havia dúvidas a êsse respeito, parece-nos que a nova lei não exigindo a citação, as afastou. Cumpre observar em l.º lugar, que não é a simples conta verificada nos livros do credor que prepara o título líquido e certo; sem que esta conta seja acompanhada de documentos que a comprovem nos têrmos indicados no n. 172 supra, não existe o título dessa natureza. Em 2.º lugar, a citação pessoal do devedor não traria vantagens a êste nem evitaria o protesto, porque somente no processo preliminar é o réu ouvido em defesa. Em 3. 0 lugar, contra os abusos existe a nrovidência do art. 21 da Lei n. 2 . 024. ComÕ assim não entendem os tribunais, dando à lei uma interpretação aliás mais favorável aos devedores, aconselharíamos a formalidade da citação. Quod abundat non nocet. A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, no acórdão de 24 de abril de 1914 (na Legislação e Jurisprudência do Brasil, de CANDIDO MENDES, vol. 3. 0 , pág. 548), onde se discutiu êsse ponto, sem aliás a êle aludir, abriu a falência do devedor, baseada em uma conta para cuja verificação não foi citado.
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A citação pessoal do devedor, condição essencial à garantia da defesa, sob pena de nulidade (1), é sàmente imposta: a) no protesto da conta, para que êle pague ou dê as razões por que não paga; resposta que serve de base à defesa no contencioso (2); b) no processo preliminar ou inicial· da declaração da falência. (3) Neste processo, o réu pode excluir a falência provando por todos os meios admitidos em direito, inclusive exame nos próprios livros e nos do adversário, a improcedência do pedido, id est, demonstrando nada dever ao pretenso credor, ou que êste não possui título de obrigação mercantil líquida e certa exigível (4) . Se, no prazo limitado de três dias, o réu não puder apresentar prova que destrua a resultante da conta verificada, restam-lhe os embargos à sentença declaratória da falência, em cujo processo se lhe dão prazos maiores, bastantes para novo exame minucioso nos livros do requerente da falência e verificação dos documentos que serviram de base aos lançamentos. (5) A citação do devedor para a verificação da conta nos livros do credor não traria a menor vantagem. Aquêle não poderia contestar nesse ato a procedência dos documentos apresentados pelo credor, não poderia oferecer prova contrária, nem recurso de qualquer natureza lhe seria permitido da sentença que julgasse o exame. (6) Para amparar o crédito do presumido devedor e evitar o dolo, a má-fé, ou falsidade aí está o art. 21 da Lei n. 2. 024, definindo a responsabilidade do requerente da falência, abriRegul. n. 737, de 1850, art. 673, § 2.º. Lei n. 2.024, art. 11. Lei n. 2 .024, art. 10, § 1.º (*) Lei n. 2.024, art. 10, § 2.º. ( .. ) Lei n. 2.024, art. 19, § 1.0. (* . . ) Lei n. 2.024, art. 1.0, parágrafo único, n. 8, letra e. ( *"' • •) (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 art 11 § . (**) Essa.prova deverá ser feit~ no prazo de 'cinc~ dlas 1.º. C1t. Decreto-lei n. 7 .661, art. 11, § 3. . · (* • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 18. ( ** • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 1.º, § 1.º, IV. (1)
(2) (3) (4) (5) ( 6)
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gando-o a indenizar as perdas e danos e regulando a respectiva ação e processo. (7) Certo é, porém, que o juiz nesse caso deve ser tolerantíssimo, facultando e facilitando ao réu no processo preliminar da falência todos os meios de prova, e declarar aberta a falência se estiver demonstrada manifesta e evidentemente a liquidez e certeza da dívida. Qualquer sombra de dúvida que paire no seu espírito, é justo e legal motivo para denegar a falência. Não é a conta, preparada pelo pretenso credor e verificada nos seus livros, que prova a obrigação e muito menos a liquidez e certeza desta (n. 172, supra). Todo o valor probatório repousa nos documentos, que a devem acompanhar, e que vão ser examinados pelo juiz no processo preliminar da falência. Êsses documentos devem fornecer prova clara e insofismável contra o devedor . Em regra, é muito difícil constituir por êsse meio o título da obrigação líquida e certa para requerer a falência, e tenham cautela os próprios credores, para não verem perecer o seu direi to e não caírem na rêde de um processo civil de indenização . Se o credor quiser verificar a conta comercial nos livros do devedor, requererá e o juiz ordenará a citação dêste para exibi-lo em juízo no dia e hora designados, sob pena de confesso . ( 1) Os livros são examinados na presença do comerciante a quem pertencem, ou na da pessoa por êste nomeada, para nêles se verificar simplesmente a conta apresentada pelo requerente. (2) 174 .
(7) Nosso parecer na Revista dos Tribunais, vol. 9. 0 , páginas 249-250. (1-2) Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 8, a, 3.ª alínea ( *) . Ao comerciante citado para exibir os seus livros em juízo é facultado pedir ao juiz que o exame seja feito em seu escritório comercial. Essa é a praxe. - Se o juiz não designa o lugar para a exibição dos livros, o negociante devedor não pode ser havido por confesso. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 15 de setembro de 1902, na Gazeta Jurídica, vol. 30, pág. 55) . - Do despacho do juiz que ordena o exame nos livros do devedor não cabe agravo. (Acórdão da Relação de Minas, de 22 de setembro de 1915, na Revista Forense, vol. 27, pág. 45) . - Cabe agravo, com fundamento em dano irreparável do des-
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Os livros irregulares, isto é, os que se não acham revestidos das formalidades legais extrínsecas e intrínsecas, provam contra os comerciantes, seus proprietários. (1) Recusando o devedor, sob qualquer pretexto, exibir os seus livros, isto é, os livros que o código obriga a todo o comerciante indispensàvelmente possuir (2), o juiz cominará a pena de confesso (3). Exclui esta pena a prova da perda ou da destruição dos livros, em virtude de fôrça maior ( 4), e equivalem à recusa da exibição as alegações apontadas em o n. 294 do 2.º vol., dêste Tratado. Se o devedor deixa de apresentar livros, alegando não ser comerciante, nem por isso se suspende o processo da verificação, porquanto se trata de um simples exame de livros para fins excepcionais e nêle não se permitem discussões e recursos. No processo inicial da falência é que se aprecia o efeito dessa denegação; então, ao réu é facultado alegar e provar que não está sujeito à falência por não ser comerciante. (5) pacho que indefere o requerimento para exame judicial de contas. (Acórdão da Relação de Minas, de 24 de maio de 1916, na Revista Forense, vol. 26, pág. 275) . (*) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 1.0 , § 1.0 , II. , (1) Lei n. 2.024, art. l.º, parágrafo único, n. 8, a, 4.ª almea; nossa monografia Dos livros dos comerciantes, n. 122; n. 228 do 2.º vol. dêste Tratado. (2) Cód. Comercial, art. 11. (3-4) Lei n. 2.024, art. l.º, parágrafo único, n. 8, b. ( *) Não se comina a pena de confesso por não ter apresentado os livros para a verificação da conta à sociedade, que fôra citad::i- na pessoa de um dos sócios que não podia ter em seu poder os llvros por se haver retirado da sociedade, estando registado na Junta Comercial o respectivo distrato, ainda que êle continuasse solidàriamente responsável pelas dívidas sociais. Baseado o pedido de falência em documento assim irregular deve ser esta denegada. (Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 25 de julho de 1910, na Revista de Direito, vol. 17, págs. 379-380) . - A disposição do art. 1.0 , parágrafo único, n. 8, letra b, da Lei número 2.024, não é aplicável aos casos em que se faz a prova em uma ação ordinária, mas somente a quem se recusa a exibir seus livros para a verificação de contas, destinada a servir de documento para o requerimento de falência. (Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 13 de agôsto de 1910, na Revista de Direito, vol. 18 páginas 285-287) . ' (5) Lei n. 2.024, art. 4, n. 7. (*-). Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte, d:e Apelação, de 2 de maio de 1913, na Revista de Direito, vol. 28, pagmas 334-335. ( *) Decreto-lei n. 7.661, art. 1.0 , § 1.0 , m. ( **) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 4. 0 , VIII.
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A pena de confesso, julgada por sentença, estabelece uma presunção de que a conta está conforme aos livros ou assentos do devedor ( 1) , mas é uma presunção legal condicional, que admite prova em contrário (2). Acresce que contra confissões tácitas ou fictas (é o caso) se admite prova em contrário (3), e, ainda, às sentenças proferidas em processo preparatório falta autoridade de coisa julgada. (4) O mesmo se deve aplicar ao caso em que o devedor não apresenta livros, porque não os possui em virtude da exigüidade do comércio e da falta de habilitações literárias rudimentares. Se êste comerciante não é obrigado a ter livros (n. 215 do 2. 0 volume do presente Tratado), claro é não ser possível a verificação judicial da conta. A pena de confesso, neste caso, não imprime à conta apresentada pelo credor a qualidade de obrigação líquida e certa. (5) 17 4 bis. Se o devedor já é falecido, deve ser citado para exibir os livros, a fim de proceder-se o exame, aquêle em cujo poder êles se acham: herdeiro, inventariante, testamenteiro, sucessor, etc. Se não exibe, o juiz comina a pena de confesso, nos têrmos do art. l.º, parágrafo único, n. 8, letra b da Lei n. 2. 024. Nem de outro modo se pode compreender a lei, a menos que se não procure retirar as garantias dos credores no caso da morte do devedor. A confissão de que falamos aqui não exige o devedor na livre administração dos bens: se êste é declarado inter- A pena de confesso imoosta ao devedor sàmente se considera obrigação líquida e certa parã o efeito da falência se o d~vedor fôr comerciante, assim decidiu e bem o acórdão da Primeira Camara, de 12 de dezembro de 1910 (na Revista de Direito, vol. 19, pág. 192) . (1) Acórdão da Câmara Civil da Côrte de Apelação, de 3 de abril de 1899 (na Revista de Jurisprudência, vol. 7.0 , pág. 78) . (2) Regul. n. 737, art. 186. (3) PEREIRA E SOUZA & TEIXEffiA DE FREITAS, Primeiras linhas vol. l.º, nota 455. (4) PAULA BATISTA, Teoria do processo civil, § 183. (5) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 19 de agôsto de 1910, confirmando a sentença de 1.ª instância (na Revista de Direito, vol. 17, págs. 588-589), e acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 8 de junho de 1920 (na Revista dos Tribunais, vai. 35, página 18) .
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dito, pode a pena ser interposta, se o seu curador não apresenta os livros. O mesmo se dá no caso de morte. Consulte-se o n. 259 do 2.º volume, dêste Tratado. (1) 175. Os peritos, no processo da verificação realizada nos livros do credor ou do devedor, apresentarão o laudo dentro de três dias, e, juntos aos autos, serão êstes conclusos ao juiz. (2) Cada perito não poderá perceber salário superior a 50$000 por êsse exame ou verificação . ( 3) 176. O juiz julgará por sentença o exame e, mandará entregar ao requerente os autos originais indepentemente de traslado . (4) Dessa sentença não cabe recurso algum . ( 5) 177. Os saldos das contas comerciais verificados nos têrmos dos ns. 172 e 174, supra, consideram-se obrigações mercantis líquidas e certas (6) vencidas desde a data do despacho do juiz no requerimento em que o credor requerer o exame. (7) (1) Veja-se o trabalho do Dr. LEVI CARNEIRO, na Revista de Direito, vol. 37, págs. 19 e segs. (2) Lei n. 2.024, art. l.º, parágrafo único, n. 8, letra e. (*) (3) Lei n. 2.024, art. 187. ( * *) (4-5) Lei n. 2.024, art. 1.º, parágrafo único, n. 8, letra e. (***)
(6) Não precisa dizer que se dos livros do devedor na~a .cons~a relativamente à conta, não há a verificação, nem se const1tm o titulo de obrigação líquida e certa. O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 17 de setembro de 1914, decidiu: "a conta com que foi requerida e aberta a falência do agravante não se podia dizer verificada para os efeitos da Lei n. 2.024, uma vez que, além de tratar-se de um negociante com o capital insignificante de dois contos de réis, não foi nem poderia ser havido por confesso, uma vez que apresentou os poucos livros que possuía e dêstes não constava absolutamente quaisquer assentamentos relativos a negociações com a agravada como se vê do laudo de fls. Como se declara verificada uma conta pelos livros do devedor se dêles coisa alguma consta a respeito? Verificada a ausência completa de referência sôbre a conta, ao credor cumpria fazer a verificação em seus próprios livros nos têrmos da letra a do art. l.º da lei de falências" (Na Revista dos Tribunais, vol. 11, págs. 150-151) . (7) Lei n. 2.024, art. 1.0 , parágrafo único, n. 8, d. Depois de verificadas as contas são levadas a protesto (ns. 258 e segs. infra) . (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 art. l.º IV (**) Hoje o salário máximo é de Cr$ 150,00. - éit. Decr~to-lei n. 7. 661, art. 212, II. (* . . ) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 1.º, § 1.º, IV.
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SEÇÃO II
De outros atos ou fatos indicativos da falência independentemente da falta de pagamento
Sumário: - 178. Atos ou fatos que revelam a impossibilidade de pagar. - 179. A lei enumera êsses atos ou fatos. - 1110. Razão de ordem.
178. Não é sàmente da impontualidade, que pode emergir o estado de falência. Antes da manifestação dêsse fenômeno, ao qual deu a lei importância particular, atos ou circunstâncias podem aparecer que revelem indiretamente os embaraços econômicos do devedor, a manifesta impossibilidade de continuar êle a pagar pontualmente, e, não raras vêzes, o desígnio de fraudar os credores. Pode o devedor achar-se impossibilitado de pagar se bem que não tenha de fato deixado de pagar obrigação alguma, a falta de pagamento, se é sinal visível da impontualidade, não é o único que a denuncia; outros atos ou fatos resultantes da conduta pessoal do devedor no exercício da sua indústria ou comércio também a demonstram. A lei salvaguarda tanto quanto possível a boa-fé e os interêsses dos credores, permitindo-lhes a defesa coletiva, levada a efeito por meio da falência do devedor, meio extraordinário de execução e também remédio assecuratório e preventivo de prejuízos (ns. 141 e 142, supra). Como medida preventiva, as leis do processo (Regul. número 737, art. 321, §§ 2.º a 5.º) autorizam o embargo ou arresto dos bens do devedor, com o fim de torná-los indisponíveis, garantindo as suas obrigações. Os casos em que esta medida conservatória pode ser empregada acham-se taxativamente enumerados, e são mais ou menos os que a Lei n. 2. 024 considera denunciadores da falência latente. 179. A Lei n. 2. 024, nos arts. 2. 0 e 3.º, ns. 2 e 3, enumerou os atos ou fatos que independentemente da falta de
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pagamento de obrigação líquida e certa, caracterizam a falência dos comerciantes, pessoas naturais ou jurídicas, e das sociedades anônimas . ( 1) ( *) Consideram-se praticados pelas sociedades os referidos atos provenientes dos seus administradores, diretores, gerentes ou liquidantes. (2) 180. Como a Lei n. 2. 024, no art. 3. 0 , se ocupou especialmente das sociedades anônimas, definindo os casos em Esta lei, no art. 2. 0 , e no art. 3. 0 n. 2, enumera, como característico da falência do comerciante ou da sociedade anônima, a recusa do endossador ou sacador à fiança de que trata o art. 390 do Cód. Comercial. Tal disposição acha-se, porém, revogada pela Lei n. 2. 044, de 31 de dezembro de 1908. A enumeração da Lei n. 2.024, no art. 2. 0 , é equivalente aos acts of bankruptcy da lei inglêsa, que, no art. 4. 0 , arrola oito casos. Os escritores inglêses dividem êstes oito casos em três classes: a 1.ª compreendendo atos pessoais ou omissões por parte do devedor; a 2.ª o procedimento do devedor com os seus bens; a 3.ª os atos que mostram o estado de insolvência de seus negócios. (BALDWIN, A treatise upon the law of bankruptcy, pág. 72; ROBINSON, A treatise in the law of bankruptcy, pág. 133) . A lei nacional de falências da América do Norte, de 1898, no art. 3. 0 , sob o título de acts of bankruptc:y, estabelece os fatos certos, taxativos que, revelando o embaraço econômico do devedor, ou a intenção fraudulenta de lesar os credores, autorizam a declaração da falência . É, também, conforme a lei americana, elemento essencial de todos os acts of bankruptcy a insolvência do devedor. Ê:ste defendese eficazmente provando estar solvente ao tempo em que a falência é requerida (n. 140 bis, supra) . Outrossim, o requerimento para a declaração da falência de quem, se achando insolvente, praticar qualquer dos atos especificados na lei, deve ser apresentado dentro de quatro meses a contar da data do ato (Lei de 1898, art. 3.0 , letra b) . A maior parte dêsses atos, denunciadores da falência, tem um colorido penal e os tribunais norte-americanos interpretam restritivamente as disposições legais nesse particular. A jurisprudência condena qualquer interpretação extensiva, que, saindo dos textos da lei, procura indagar o espírito desta (Jones v. Sleeper, 2, N. Y. Leg., obs. 131) . A lei americana anterior de 1867, enumerava dez acts of bankruptcy; a lei de 1898 reduziu-os a cinco. O mesmo se deu entre nós: o Dec. n. 917, de 1890, e a Lei n. 859, de 1902, arrolavam onze casos· a Lei n. 2.024 reduziu-os a sete, sendo que o segundo caducou ex vi 'da nova lei cambial. O Cód. Comercial mexicano, no art. 952, enumera quatro casos nos quais os comerciantes ou emprêsas comerciais se reputam em estado de falência. (2) Lei n. 2.024, art. 2. 0 , in fine. ("'*) (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 2.º. (* *) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 2.0, parágrafo único. (1)
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que estas incorriam em falência, dividiremos a presente seção em dois artigos, tratando-se, no 1. 0 , dos comerciantes e sociedades que não assumem a forma anônimas, e, no 2.º, das sociedades anônimas . ARTIGO I Quanto aos comerciantes singulares e sociedades que não revestem a forma anônima
Sumário: 181. Atos que caracterizam a falência do comerciante: a) O não pagamento da importância da condenação ou a falta de depósito no prazo legal. - 181 bis. Continuação. 182. Continuação. - 182 bis. Continuação. - 183. b) A liquidação precipitada e os meios ruinosos ou fraudulentos de pagamentos. 184. e) Convocação de credores para dilação, ou remissão de créditos, ou cessão de bens. - 185 d) Alienação, transferência, doação do ativo, bens em nome de terceiros, simulação de dívidas. 186. e) Hipotecas, anticreses, penhôres ou outras garantias, preferências ou privilégios. 187. f) Ausência sem representante, abandono do estabelecimento, ocultação. - 188. g) Requerimento para concordata preventiva indevidamente instruído.
Ainda que não haja falta de pagamento, a falência caracteriza-se também: a. Se o comerciante, executado por dívida civil ou comercial, não paga a importância da condenação nem a deposita, dentro das vinte e quatro horas seguintes à citação inicial da execução, para poder apresentar embargos. (1) A lei considera título com fôrça de fundamentar a falência a sentença condenatória, versando sôbre quantidade de dinheiro; ela refere-se à execução da sentença líquida (Regul. n. 737, art. 507) e não da que depende de liquidação (Regul. n. 737, art. 503). Nesse caso, dá-se a falta de pagamento, mas a lei não enumerou a sentença condenatória entre as obrigações líquidas e certas, porque precisava, por motivos que adiante 181.
(1)
Lei n. 2.024, art. 2. 0 , n. 1.
( •)
Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 2.0 , I.
(*)
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se dirão, estabelecer, em defesa do devedor, no processo preliminar da falência requerida sob êsse fundamento, um rito mais amplo (art. 12) do que o prescrito para o caso da falência requerida com fundamento na impontualidade das obrigações arroladas no art. 1. 0 , parágrafo único (art. 10). 181 bis. A providência legal sugere importantes considerações, umas explicativas e outras justüicativas. Das primeiras diremos aqui. Primo. Convém atender a que se trata de execução da sentença já proferida nas ações ordinárias, sumárias ou decendiais. Acham-se, pois, fora dos têrmos da lei pelo motivo de não haver uma prévia sentença a executar: As ações executivas (1), que constituem uma exceção na ordem comum do processo, começando pelo têrmo final das outras, como a própria denominação está dizendo (2). Cumpre acrescentar que os títulos, nos quais se podem apoiar essas ações, autorizam, em regra, a declaração imediata da falência (exemplo mais comum: a cambial), e se o credor prefere a execução singular ou exclusiva não é lícito variar do meio pelo qual livremente optou. a)
As ações hipotecárias, aliás também executivas. O credor hipotecário pode, entretanto, requerer a falência do devedor, de acôrdo com o art. 9.º, § 3.º, da Lei n. 2. 024. (*) Se renuncia o privilégio, é quirografário, e para requerer a falência do devedor, basta o seu título, se líquido e certo. Se a garantia não é suficiente, deve êle independentemente da ação executiva, dar a prova do art. 9.º, § 3. 0 , 2.ª alínea da Lei n. 2.024. (**) Acresce: a ação executiva hipotecária decretada a falência não se suspende; continua com os síndicos e liquidatários (art. 25 § 2.º da Lei n. 2. 024) . (***) b)
O) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo de 31 de maio de 1915 (na Revista dos Tribunais, vol. 14, pág. 125) : (2) JOÃO MONTEIRO, Direito das ações, n. 98. Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 art. 9 o III b Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 9.º, III, b. ' · ' ' · (***) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 24, § 2.º.
( *) ("'*)
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e) As ações de excussão de penhor, que seguem um processo especial. ( 1) A providência legal refere-se unicamente às sentenças das quais não pendem recursos ordinários. (2) Ainda que a apelação da sentença tenha sido recebida no só efeito devolutivo e o autor possa executá-la provisóriamente, não existe a obrigação líquida e certa, necessária para a abertura da falência. Na verdade, se a lei autoriza a execução no caso de ser sómente devolutivo o efeito da apelação interposta da sentença condenatória, "é justo e natural que o apelado (exeqüente) preste caução que assegure ao apelante (executado) as restrições e interêsses, que êste tem o direito de esperar da forma da sentença". Tal é a lição da PAULA BATISTA (3), com fundamento em PEREIRA E SOUSA e TEIXEIRA DE FREITAS (4), aceita também por JOÃO MONTEIRO (5), e sufragada pela jurisprudência. (6) Segundo.
Além de não ser a falência meio para cobrança de dívidas (n. 12, supra), a Lei n. 2.024 no art. 2. 0 , n. 1, manda o devedor depositar a importância da condenação para conjurar a abertura da falência e poder oferecer embargos na execução . Êste depósito tem por fim a suspensão da execução para ser apreciada a nova defesa do devedor, e não para se guardar a decisão da apelação pelo tribunal supe(1) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 8 de janeiro de 1915 (na Revista de Direito, vol. 37, págs. 521-522). No parecer do curador das massas encontram-se essas judiciosas considerações: "A disposição do art. 2. 0 , n. 1, da Lei n. 2.024 refere-se às execuções. . . e não a excussão de penhor, hipótese inteiramente diversa, com conseqüências jurídicas diversas. Na execução de que trata o n. 1 do art. 2. 0 , o credor pela penhora se apossa de bens que estão no giro do comércio, ao passo que pela excussão de penhor o credor executa bens que já se acham em seu poder em garantia da dívida; aquela pode abranger a totalidade dos bens, ao passo que esta recai sôbre certos e determinados bens, já devidamente especificados no contrato de penhor e fora do comércio do devedor". (2) Assim julgou a 2.ª Câmara, no acórdão de 25 de dezembro de 1926 (no Arquivo Judiciário, vol. 1. 0 , pág. 129) . (3) Compêndio de teoria e prática do processo, 2.ª ed., § 227. (4) Primeiras linhas sôbre o processo civil, voz. 3. 0 , nota 809 .. (5) Teoria do processo civil e comercial, nota à pág. 162 do 3. 0 volume. (6) Em alguns casos a lei do processo é expressa. Reg. n. 737, arts. 255, 259, etc.
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rior. Se se não der essa interpretação lógica e racional à lei. ter-se-á espoliado o devedor do recurso da apelação, que é sagrado como a própria defesa. :Êle pode ter relevantes razões de direito para obter o provimento da apelação, não, porém, para fundamentar os embargos na execução.
Tertio.
Não é o simples fato de o comerciante não pagar nem depositar a importância da condenação que autoriza qualquer credor a requerer a falência do devedor comum. Sómente o credor que obteve a sentença pode promover a execução coletiva (1). A carta de senteça é título líquido a favor do exeqüente, ao qual a lei oferece dois meios: a execução ordinária e a execução sob ameaça da falência. No 1.º caso, o exeqüente requer a citação do devedor para pagar ou nomear bens à penhora (2). No 2. 0 não havendo mais recuras ordinários da sentença, êle pede a citação do devedor para pagar ou depositar a importância da condenação, se desejar oferecer embargos à execução sob a cominação de ser requerida a falência (3). Ao credor cabe examinar qual dêsses meios lhe será mais profícuo, e, se se não trata de um credor perverso, êle decerto consultará os seus expressa a Lei n. 2.024, no art. 9, § 2. 0 , quanto ao cred~r por título civil, verbis: "sendo por êle executado". A mesma razao quanto ao credor por título comercial. Acresce que depende do exeqüente cominar a pena; da_ falenc1a · O mesmo do direito inglês. O preceito com a commaçao da falência, no ato mencionado em a nota 1 da pág. 247, só pode ser promovido pelo próprio credor que obteve a sentença ou seu representante legal. (SMITH'S Mercantile law, vol. 2. 0 , pág. 720) . (2) Reg. n. 737, arts. 507 e 510. (3) Eis um nosso narecer de 23 de outubro de 1913: "Afirma-se na exposição preambuiar da consulta que a executada, sociedade anônima, fôra citada para pagar a importância da condenação, sob pena de penhora. De acôrdo com o requerimento do exeqüente, a executada, dentro do prazo assinado, nomeou bens a penhora. Isso quer dizer que o exeqüente preferiu a execução ordinária ou singular, disciplinada pelo Regul. n. 737, art. 507, à extraordinária ou coletiva, que a Lei n. 2 .024, lhe facultava (art. 2.0, n. 1, e art. 9. 0 , § 2. 0 , verb. poderá) . Para o início da execução extraordinária ou coletiva, id est, para o requerimento da falência do executado, é mister que esta falência se caracterize pela falta de pagamento, sendo facultado ao devedor depositar a importância da condenação para suspender a execução (1)
É
A
•
(art. 2. 0 , n. 1).
Ora, êsse depósito não é obrigatório em todos os casos de execução, ou melhor, nos casos normais de execução. É, portanto, de
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interêsses, preferindo muitas vêzes a execução ordinária, onde ficará só em campo, semelhantemente ao credor por cambial, que freqüentemente recorre à ação executiva, deixando de lado a falência. Quarto. O devedor comerciante, citado inicialmente na execução para pagar ou depositar a importância da condenação dentro de 24 horas, sob pena de f,er requerida a falência, pode promover esta espontâneamente nos têrmos do art. 8. 0 da Lei n. 2.024. Outrossim, o cônjuge sobrevivente ou herdeiros dêsse devedor, citados sob a mesma cominação, achando-se impossibilitados de pagar ou de depositar, podem logo requerer a falência do de cujus, sem esperar que o credor a promova. (1) 182. Quais as razões justificativas do art. 2. 0 , n. 1, da Lei n. 2.024? Na execução ordinária, singular ou exclusiva, o credor por título civil ou comercial, habilitado com a carta de sentença, requerer a citação do executado para, dentro de 24 horas seguintes a esta citação, pagar ou nomear bens à penhora. (2) Se o executado não pode ou não quer pagar, e se se propõe a nomear bens à penhora, tem de guardar a gradação estabelecida no art. 512 do Regul. n. 737, a saber; dinheiro, ouro, prata e pedras preciosas; títulos da dívida pública e papéis de crédito do govêrno; móveis e semovenrigor que o exeqüente, se pretende preparar elemento para promover a falência do devedor, requeira inicialmente na execução o pagamento ou depósito em dinheiro. Isso resulta do art. 9.0 , § 2. 0 , da Lei número 2. 024. Se a executada foi citada para pagar a importância da condenação sob pena de penhora, para que fazer o depósito em dinheiro a fim de excluir a falência já afastada pelo próprio exeqüente ? Requerer a falência depois de nomeação de bens à penhora, procedida a pedido do próprio exeqüente, é não somente surpreender o devedor com aquela medida violenta, mas ainda, variar de forma de execução sem motivo plausível". O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 3 de julho de 1916, adotou essa nossa doutrina. (Na Revista dos Tribunais, vol. 18, págs. 207-209). No mesmo sentido, a 2.ª Câmara, no acórdão de 25 de dezembro de 1926 (no Arquivo Judiciário, vol. 1.º, pág. 129) • (1) Lei n. 2.024, art. 9, n. 1 ( •) • (2) Regul. n. 737, art. 507. ( •) Decreto-lei n. 7. 661, art. 9.º, I.
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tes; imóveis, direitos e ações (1) . Não observada essa gradação, a nomeação não vale, salvo convindo o -exeqüente. (2) Se êle não nomeia bens à penhora ou se nomeia contravindo à lei, procede-se à penhora por mandado judicial, versando sôbre tantos bens quantos bastem para o pagamento. (3) Qual seria a conseqüência da penhora? Na falta de dinheiro, ela versaria sôbre móveis, isto é, sôbre mercadorias do estabelecimento comercial, impossibilitando o comerciante de manter o seu comércio. Na falta de móveis, a penhora recairia em imóveis que poderiam ser as usinas, as fábricas, os depósitos do comerciante ou industrial. Enquanto perdem os recursos ordinários, há probabilidades, mais ou menos consideráveis, de emenda ou modificação da sentença exeqüenda; mas esgotados que sejam, o comerciante executado, com os bens ou partes dêstes ?enhorados e vendidos em hasta pública, é fatalmente levado ao descrédito. Para evitar essa situação, a Lei n. 2 .024, no art. 1.0 , n.1, autorizou a abertura da falência. Foi, ainda, no interêsse do credor para não ver frustrada a sua execução com sacrifício de tempo e grandes despesas, que se lhe deu na carta de sentença um título hábil para requerer a falência do devedor. Se o comerciante há de cair, mais cedo, ou mais tar-:de, em falência, é melhor precipitá-la enquanto há tempo de salvar alguma coisa. ( 4) Dir-se-á que as leis processuais, em muitos casos, negam ao recurso efeito suspensivo, e realizada a penhora, o comerciante executado achar-se-á na situação acima descrita. Pode, realmente, assim acontecer. Mas, se comerciante, dispondo de meios ou de crédito, mantém a sua vida 0-2) Regul. n. 737, art. 508, § 1.0. (3) Regul. n. 737, arts. 510 e 513. (4) A Relação de Pôrto Alegre, em acórdão de 27 de fevereiro de 1883, sob o domínio do Cód. Comercial, havia decidido que a sentença condenatória a pagamento da importância devida, embora pendente a apelação, era título creditório hábil para que se intentasse a justificação da abertura da falência (Apud ORLANDO Código comercial, 5.ª ed., nota 159, ao Regi.11. n. 737, de 1850) • '
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normal, sem deixar de pagar no vencimento obrigação mercantil líquida e certa e sem praticar atos fraudulentos ou ofensivos dos direitos dos credores (arts. l.º e 2.º, ns. 3 a 7), seria incurial declarar, baseada em um título ainda litigioso, a falência de quem procedendo com lisura, se mostra habilitado a remir os seus compromissos. Permitir a falência nesse caso, seria autorizar um vexame injustificável, sufocando, ou frustrando a ampla defesa do executado. A Lei n. 2. 024, com a disposição do art. 2. 0 , n. 1, não procurou dar ao exeqüente o direito de requerer a falência do executado, visou, principalmente, constituir um documento pessoal ao exeqüente com fôrça jurídica bastante para por si só fundamentar a falência do devedor, se aquêle credor visse em perigo o seu direito já apurado, ou reconhecido definitivamente pela justiça. Certo é, porém, que a carta de sentença, à qual a lei permite a execução, não obstante pendente o recurso, é um título de crédito, que pode habilitar o exeqüente a requerer a falência do executado, seu devedor, se esta se caracteriza pela falta de pagamento de obrigação líquida e certa no vencimento (art. 1.º), levada a protesto (art. 10), ou pela prática de qualquer dos atos ou fatos indicados no art. 2.0 ns. 3 a 7 da Lei n. 2. 024 (art. 9.º, n. 3 e § 2.º). A falência não se baseará, então, no fato de o comerciante executado não pagar a importância da condenação nem a depositar, dentro das vinte e quatro horas seguintes à citação inicial da execução, para poder apresentar embargos (art. 2. 0 , n. 1), mas na impontualidade, provada com o protesto, ou em outros atos ou fatos que caracterizem aquêle estado do devedor. 182
bis.
•Tem-se censurado a providência legal pelo
exagerado rigor de privar o devedor de defesa na execução. (1) (1) O Dec. n. 917, no art. 1.0 , § 1.0, i, e a Lei n. 859, de 1902, no art. 1.º, § 1. 0 , i, dispunham: "Caracteriza-se também o estado de falência, embora não haja falta de pagamento, se o devedor não pagar, quando executado por divida comercial ou não nomear bens
Em vista das considerações em o n. 181 bis, supra, dando a liberal inteligência do art. 2. 0 , n. 1 da lei, parecenos infundada a crítica. Sobreleva notar: os embargos mais relevantes que ao devedor é lícito opor na execução consistem nas alegações de concordata, pagamento, novação, transação e prescrição supervenientes depois da sentença ou não alegados e decididos na causa principal. (1) Essas matérias podem ser alegadas e apreciadas na defesa permitida ao devedor no processo preliminar da falência (art. 4. 0 da Lei n. 2. 024) . Foi justamente, em atenção a essa defesa que a Lei n. 2 . 024 estabeleceu para o processo o rito do art. 12, mais amplo do que o art. 10. Restam somente os embargos de nulidade do processo e infringentes do julgado nos têrmos dos arts. 577, § 8. 0 do Regulamento n. 737 e 604 h do Dec. n. 3 . 084, de 1898. i:sses embargos são raros e a lei de falência não priva o devedor de oferecê-los; apenas exige que o devedor ou pretenso devedor faça o depósito da importância da condenação, se assim o exeqüente requerer, para mostrar que tem recursos para cumprir a sentença e que não procura protelar para consumir fàcilmente o seu patrimônio em detrimento dos credores. O dispositivo do art. 2.º, n. 1, da Lei n. 2. 024, interpretado material e rigorosamente, tem proporcionado oca-· a penhora dentro das 24 horas seguintes à citação inicial. da execução". Não havia motivo para distinção entre dívida civil e comercial, desde que uma e outra se refletem sôbre o patrimônio do devedor. A lei norte-americana de 1898 dispõe, no art. 3. 0 , n. 3: "É fato característico da falência deixar ou consentir, achando-se em estado de insolvência, que qualquer credor, mediante processo regular, obtenha preferência e não anular ou remir essa preferência ao menos cinco dias antes da venda ou disposição da cousa gravada". A lei inglêsa de 1883, no art. 4.0, letra e e g, declara atos de falência (acts of bankruptcy): se uma execução pronunciada contra o devedor é seguida do seqüestro e venda das suas mercadorias e bens móveis, ou se o credor, obtendo sentença definitiva por qualquer quantia contra o devedor., e não estando suspensa a execução o notifica para pagar ou garantir, sob ameaça de falência (a bar{kruptcy notice) . (1) Regul. n. 737, art. 577; Dec. n. 3.084, de 5 de novembro de 1898, P. 3.ª, art. 604.
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sião a abusos e injustiças, que, parece-nos, afastar-se-ão com a inteligência que lhe demos em os ns. 181 bis e 182, supra. Na reforma da lei, convém dar nova redação ao art. 2.º, n. 1, podendo-se considerar característico da falência o fato de o comerciante executado, ainda que por dívida civil, não pagar ou não depositar a importância da condenação até três dias antes da praça dos bens penhorados. 183. B. Se o comerciante procede à liquidação precipitado do seu negócio, ou se lança mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos. (1)
Temos aí dois fatos muito graves, demonstrando a impossibilidade em que se acha o devedor de pagar os credores com a devida igualdade . Entre as muitas variedades da liquidação precipitada, figura a venda do estabelecimento sem conhecimento prévio dos credores, ficando alguns sem serem pagos e sem a garantia da existência do estabelecimento. (2) (**) Meios ruinosos são os que colocam o comerciante nas unhas dos usurários, os expedientes protelatórios, ou fictícios, que o permitem deitar alguns dias para trás, mas, passados que sejam, surjem as mais prementes necessidades. Em geral, compreendem-se entre os meios ruinosos os empréstimos a juros elevadíssimos, os descontos de títulos em condições muito mais onerosas que as usuais, o abuso das cambiais de favor, alimentação uma circulação fictícia, a yenda de mercadorias por preço notàvelmente inferior à cotação do mercado, a venda dos maquinismos e materiais necessários ao exercício da indústria ou do comércio, etc. Não se confundam meios ruinosos com meios gravosos, que não comprometem seriamente a situação do comerciante. (3)
Lei n. 2.024, art. 2.0, n. 3 ("'). Sentença do juiz do comércio da Côrte, de 6 de agôsto de 1879 (n'O Direito, vol. 21, pág. 357) . (3) RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. 1.º, n. 92. (1) (2)
(*) (**)
Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 2.0 II Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 2.0, V. ' ·
24S
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lr!eios fraudulentos são aquêles legal e moralmente reproYados. por exemplo: a apropriação de dinheiros em depósito. o emprêgo de astúcia para obter dinheiro, etc. (1) Não exerce o comércio no verdadeiro sentido da palavra aquêle que, por meios ruinosos ou fraudulentos, satisfaz as necessidades de hoje com dano próprio e alheio e com a quase certeza de caminhar ao encontro do descrédito. (2) Na apreciação dos a tos apontados como ruinosos ou fraudulentos, o juiz tem arbítrio, discricionário, convindo, porém, a máxima cautela "para evitar que o excessivo amor do princípio de igualdade se traduza em vexação de direitos adquiridos em boa-fé". (3)
184. C. Se convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de ·Créditos ou cessão de bens ( 4) : Em ocasião oportuna, ao tratar da concordata preventiva, havemos de ver que um dos meios de evitar a falência é sem dúvida o acôrdo extrajudicial. :Este acôrdo deve ser, porém, formado com a unanimidade dos credores . Se o comerciante convoca os credores para dêles obter acôrdo, te?do por objeto a dilação, a remissão de créditos, ou a cessao geral de bens, e se um dêsses credores não está disposto a dar o seu assentimento, tem logo o caminho facilitado para pedir a declaração da falência do devedor . Na linguagem comercial, dizendo-se que um comerciante convocou os credores, quer-se denotar a notícia de uma anormalidade nos seus negócios, tentando êle repará-la extrajudicialmente, afastando a falência, por meio do acôrdo, ou da cessão de bens . Êsses acôrdos e cessões, se úteis algumas vêzes, são em outras, um perigo à moralidade pública e ao comércio. O só (1) CUZZERI, no Il codice di commercio commentato, ed., de Verona, 2.ª ed., vol. 8. 0 , n. 204. (2) LUCIANI, Trattato del fallimento, 1893, n. 229: "Mezzi rovinosi o fraudolenti devono in generale ritenersi quelll che pure essendo atti a fornire momentaneamente una certa quantità di fondi importano un dano sicuro e notevole per il commei:ciante che vi ricorse o pei suai creditori". · (3) LUCIANI, Trattato del fallimento, n. 229. (4) Lei n. 2.024, art. 2.0 , n. 4 (•). (*) Decreto-lei n. 7 .661, de 21 de junho de 1945, art. 2.0, III.
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fato da convocação de credores revela a impossibilidade de continuar o devedor a honrar os seus compromissos e não se pode deixá-lo fora da disciplina da falência, salvo se há da parte dos credores em unanimidade a vontade deliberada de aceitar o acôrdo proposto. (1) 185. D. Se o comerciante aliena, transfere, cede ou faz doação de parte, ou de todo o ativo a terceiro, credor ou não, com a obrigação dêste solver dívidas vencidas; põe bens em nome de terceiro; contrai dívidas simuladas e assim procede com o fim de ocultar ou desviar bens, de retardar pagamentos ou fraudar credores; ou tenta praticar qualquer dos referidos atos com o mesmo fim. (2) (1) Na jurisprudência americana, a cessão onerosa de todos os bens não é considerada cessão em benefício dos credores e, por isso, não constitui act of bankruptcy CLOWEL, On bankruptcy, pág. 350). (2) Lei n. 2.024, art. 2. 0 , n. 5 (*). Alienação (do latim alienare, alienum facere), no sentido restrito diz-se o negócio jurídico em virtude do qual uma pessoa transfere a outra um direito que lhe pertence. No sentido amplo compreende todo o ato que traz a perda de um direito, embora não contenha a intenção de transferi-lo a outra pessoa. Ainda em sentido amplíssimo, se diz alienação todo o ato voluntário que produz a perda de um direito, sendo o motivo ou causa desta perda outra coisa que não a declaração da vontade de quem o perde. Neste sentido as fontes romanas servem-se da palavra alienação para designar uma omissão que tem por efeito a perda de um direito. Basta citarmos a Lei 28, pr., Dig. 50, 16: Alienationis verbum etiam usucapionem continet: vix est enim, ut non videatur alienare, qui patitur usucapi. Eum quoque alienare dicitur, qui non utendo amisit servitudes ... " CWINDSCHEID, Pandekten, vol. I, § 69) . Em matéria de proibição, a palavra alienação deve ser tomada no seu mais amplo sentido, significando não só a transferência da propriedade em seu todo, como qualquer desmembramento dela, tal como a constituição de um jus in re, e particularmente de uma servidão ou de uma hipoteca. CMAYNZ, Droit romain, vol. I, § 123). - A lei inglêsa de 1883, no art. 4.º, letra b, define atos de falência a fraudulenta cessão, doação, entrega ou transferência de todos os bens ou parte dêstes. A lei americana de 1898, no art. 3. 0 , ns. 1 e 2, estabelece como atos de falência: ceder, alienar, ocultar, ou desviar, ou consentir que seja ocultada ou desviada parte do ativo com a intenção de embaraçar, retardar, ou defraudar os seus credores, ou qualquer dêles (to hinder, delay, or defraud his creditors or any of them) ; e transferir, achando-se em estado de falência, qualquer parte do ativo a um ou mais credores com a intenção de preferir êstes a outros credores. A palavra alienação, empregada pela lei americana, significa,
( •)
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 2.0, IV.
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O comerciante que pratica qualquer dêsses atos, com os fins acima declarados, revela a sua situação de insolvência e denuncia o laboratório de uma falência dolosa. Os fatos mencionados devem ter sido praticados ou tentados com o manifesto intuito de ocultar, ou desviar bens, de retardar pagamentos, ou de fraudar credores. Se não visam êsse alvo, certamente não são atos fraudulentos e não caracterizam o estado de falência (1) . Há muitos dêsses atos que já trazem em si qualquer dêsses fins. Se o devedor põe bens em nome de terceiro, quem duvidará do seu intuito? 186. E. Se constitui hipotecas, antícreses, penhôres ou qualquer outra garantia, preferência ou privilégio a favor de algum credor, sem ficar com bens livres e desembargados, equivalente às suas dívidas, ou tenta praticar qualquer dêste atos, revela tal propósito por fatos inequívocos. (2) conforme a definição do art. l.º, n. 25, "a venda ou qualquer outra forma de disposição ou de alienação, simples ou condicional, da pr~ priedade ou posse de uma coisa: exemplo: pagamento, penhor, hipoteca (mortgage) dação em garantia". A palavra ocultar quer dizer (art. l.º, n. 22), "a sonegação, a falsificação ou o truncamento". Sôbre a intenção do devedor, veja-se a nota 2 infra. (1) Acórdão da 1.ª Câmara da Côrte d.e Apelação, de 5 de .ag~s to de 1910, e sentença do juiz de 1.ª instância (na Revista de Direito, vol. 17, págs. 570-577) . (2) Lei n. 2.024, art. 2.0 , n. 6 (*). Sob o domínio do Cód. Comercial de 1850, já se havia julgado que a dação in solutum feita pelo devedor comum a um de seus credores, não se podia dizer fraudulenta, desde que o mesmo d~vedor ficasse com bens livres e desembaraçados. (0 Direito, vol. 27, pag. 121 e vol. 29, págs. 210 e 549) . - Sôbre a intenção do devedor, são interessantes as seguintes máximas jurisprudências do direito americano. Em direito, presume-se que todos têm a intenção de fazer o que é conseqüência necessária e inevitável dos seus atos (Haughey v. Albim, 2. B. R. 399; Foster v. Hackley & Sons, 2 B. R. 406; Ahl et alt. v. Thorner, 3 B. R. 118). Presume-se que todos conhecem a lei e são obrigados a conhecer os efeitos legais dos seus atos e, como conseqüência, que tiveram a intenção de realizar êsses efeitos (Arnold v. Maynard, 2 Story, 349; Morse v. Godfrey, 3, Story, 364) . Presume-se que o agente tem intenção de realizar as prová veis conseqüências dos seus atos, isto é, as conseqüências que naturalmente acompanhariam êsses atos e que uma pessoa de inteligência ( •)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 2.º, VI.
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Evidente é que êste caso se refere às garantias oferecidas pelo próprio devedor. Se se ausenta sem deixar representante para 187. F administrar o negócio (isto é, o estabelecimento comercial) e pagar os credores; se abandona o estabelecimento; se se oculta, ou intenta se ocultar, deixando furtivamente o seu domicílio. ( 1) Qualquer dêsses fatos impede materialmente aos credores exigir ~ pagamento do que lhes é devido e importa a confissão da impossibilidade de pagar, de um estado de cessação de pagamentos latente e particularmente grave e ruinoso. A latitatio já no direito romano dava ocasião à missio in bana (n. 8, supra). No direito estatutário a fuga era caso para abertura da falência, ainda sem a falta de pagamentos. Fugitivi era o nome com que se conheciam os falidos nas leis lombardas. Equivalente ao abandono do estabelecimento é o fechamento da casa dos armazéns, em suma, a cessação do exercício do comércio, tudo isso feito com a intenção de não reabrir a casa ou os armazéns, e sem avisos, publicações ou cautelas que justifiquem o procedimento do devedor. A ocultação ou ausência devem ser propositais. Se o afastamento é devido a motivos que não se prendam à situação econômica do devedor, não é o caso previsto na lei. A intenção de subtrair-se fraudulentamente à ação ou exigên-
comum esneraria como efeitos naturais (ln re Dibble, 2 B. R. 617; in re Drumond, 1 B. R. 231; Curran v. Munger, 6 B. R. 33). A intenção infere-se das circunstâncias de fato (Luckmann v. Wilcox, 1 Dillon, 161; Giddings, v. Dood, B. R. 657). A intenção das partes é julgada pelo efeito legal dos seus atos. (Sanson v. Burton, 4 B. R. 1; Trader's National Bank v. Cambell, B. R. 408). Presume-se que o devedor conhece a sua situação financeira (ln re Gilbert, 8 A. B. R. 101). (1) Lei n. 2.024, art. 2.0 , n. 7 (*). ( •)
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 2.º, VII.
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eia legítima dos credores é essencial para caracterizar a falência. (1) 188. G. Se, requerendo a concordata preventiva, não instrui o requerimento nos têrmos legais ou se faz desde logo declarações falsas ou inexatas (2) ou se, tendo obtido essa concordata, ela é rescindida. (3) Êstes fatos, conquanto não enumerados no art. 2. da Lei n. 2. 024, são característicos da falência e bastantes para sua declaração . ARTIGO II Quanto às sociedades anônimas Sumário: 189. Fatos que caracterizam a falência das sociedades anônimas. a) Atos mencionados nos ns. 181 a 186 supra. - 190. b) Perda de três quartos ou mais do capital social.
189. Não é também só devido à impontualidade que as sociedades anônimas, seja civil, seja comercial o seu objeto, incorrem em falência. Esta pode caracterizar-se, também, independe~temen~e da falta de pagamento de obrigação civil ou mercantil no dia do vencimento: A. Se a sociedade anônima pratica qualquer dos atos ou fatos mencionados em os ns. 181 a 186, supra. ( 4) Era essa a doutrina do direito romano (Lei 7, §§ 4. 0 e 9.º) · ~5te caso já era reconhecido no domínio do Cód. Comercial, como revelador da falência. (Acórdão da Relação de Belém, de 1.0 de setembro de 1882, em O Direito, vol. 29, págs. 579-580) . (2) Lei n. 2.024, art. 150, § 1.º (•). (3) Lei n. 2.024, art. 158, 2.ª alínea (• •). (4) Lei n. 2.024, art. 3.0 , n. 2. A ausência ocultação ou fuga dos administradores, diretores, gerentes ou liquidantes das sociedades anônimas e o abandono dos e~tabelecin:en~os por .parte dêles, por si só, não autorizam a declaraçao da falenc1a. A lei n. 2. 024, no art. 3.0, n. 2, exclui o caso do art. 2.0, número 7 . . Em. ac~rdão ~e 5 de junho de 1911, conformando a decisão de 1.ª mstancia, o :rnbunal de Justiça de S. Paulo julgou que o abandono do _estabelec~me_nto pela sociedade anônima não determina a declaraçao da falenc1a (no S. Paulo Judiciário, vol. 26, págs. 167-168) . (1)
( •) ( • *)
Decreto-lei n. 7. 661, art. 161, in principio. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 151, § 3.º.
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Consideram-se praticados pela sociedade os atos provenientes dos seus administradores, diretores, gerentes ou liquidantes. (1) 190 . B . Se a mesma sociedade perder três quartos ou mais do capital social (2), isto é, do capital declarado no contrato ou nos esta tu tos e não da parte realizada do seu capital. (3) Está subentendido: para se requerer a falência da sociedade, sob êsse fundamento, é essencial que esta tenha credores, e que se ache insolvente. A falência é execução; supõe credores. Se a sociedade nada deve, isto é, se não tem credores ou se os tem em valor tal que nada podem sofrer com a redução do capital a um quarto, o caso é de liquidação judicial, previsto no art. 153 do Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, e nunca de falência (Veja-se o n. 1. 360 do 4.º vol., dêste Tratado).
Lei n. 2.024, art. 2. 0 , in fine (•). (2) Lei n. 2.024, art. 3. 0 , n. 3. Em acórdão de 4 de abril de 1911, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença de 1.ª instância, onde se declarou que o fato de não pagar dividendos e de acharem-se as ações sem valor não é prova da perda mínima de três quartos do capital social. Esta perda deve ser provada plenamente (no S. Paulo Judiciário, vol. 25, páginas 391-392) . (3) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 5 de junho de 1911, conformando a sentença de 1.ª instância (no S. Paulo Judiciário, vol. 26, pág. 168) . (1)
( •)
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 2.0 , parágrafo único.
TfTULO III Da declaração judicial da falência
Do processo inicial ou preliminar da execução coletiva
Sumário: 191. O processo inicial ou preliminar da falência. - 192. A sentença nesse processo firma o estado jurídico da falência. 193. Apreciação dessa sentença. Seus característicos. 194. Corolários. - 195. Razão de ordem.
191. No título II, definimos o estado de falência, expondo os seus pressupostos de fato. Para que, porém, êsse estado se torne de direito, é mister que o juiz, em um processo inicial, ou preliminar, examine, apure o reconheça as condições legais da sua manifestação. 192.
A sentença, que, nesse processo preliminar, declara a falência (1), inaugura o processo da execução coletiva e providencia sôbre a organização e função dêste meio extraordinário de execução. (2) Desta sentença (decretum de aperiundo concursu) e somente dela decorre o estado jurídico da falência com todos os efeitos legais (3) (n. 297, infra). (1-2) Lei n. 2.024, art. 16 (*). (3) Veja-se a epígrafe do Tít. II da Lei n. 2.024: "Dos efeitos jurídicos da sentença declaratória da falência" (**). ( •)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 14. É a mesma epígrafe do título II do Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945.
(* "')
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Daí se dizer que essa sentença é condição formal da existência jurídica da falência. Já mostramos em o n. 94, supra que não existe a falência de fato ou virtual. 193. A sentença declaratória da falência tem um caráter especialíssimo; é uma sentença anormal. (1) Em primeiro lugar, ao contrário do que se observa no processo comum, onde a sentença é o último ato, pondo fim, à instância e terminando o ofício do juiz, aqui ela inicia a execução coletiva, chamando a postos todos os credores. Em segundo lugar, essa sentença não condena; define uma situação jurídica, submetendo a universidade dos bens do devedor comum a um regímen especial e estabelecendo uma condição particular a todos os seus credores, evitando, dessarte, que apareçam duas falências paralelas em juízo ou tribunais diferentes. Em terceiro lugar, essa sentença facit jus erga omnes, isto é, relativamente aos credores não representados no processo preliminar da falência, ainda que não se achem vencidos os seus títulos, o que se justifica pela necessidade de organizar o processo coletivo de liquidação, alvo dessa sentença. O caráter de unidade e universidade de tal sentença fica assim bem acentuado.
Do exposto no n. 193, supra deduzem-se os seguintes corolários: a) Nenhum juiz ou tribunal, civil, comercial, criminal ou administrativo, pode, indireta, ou incidentalmente, reconhecer a existência do estado de falência de qualquer comerciante, ou da sociedade anônima sem que haja uma sentença declaratória, emanada do juiz competente nos têrmos do art. 7.º princ., da Lei n. 2.024. 194.
(1) MATTffiOLO, Trattato di diritto giudiziario civile, 4.ª ed., vol. 4.º, n. 470: "É questa evidentemente una sentenza anormale, imperochê puo emanare senza il contradittorio degli interessati, senza
che neppure sia citato il fallito, e anche senza istanza di parti, d'ufficio". BONELLI diz ser uma sentença sui generis. (Del fallimento, vol.
8. 0 , número 64) .
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A doutrina contrária inutilizaria a disposição do art. 16 da citada lei, que se inspira em altos princípios, e estabeleceria sentenças contra sentenças. TíCIO reconhecido falido pelos tribunais de S. Paulo e in banis pelos tribunais da Bahia! Argumenta muito bem BORSARI: "A falência é um estado negativo, um estado de desordem que, entregue a si mesmo, cresce desm·edidamente e produz iniqüidade e injustiça. Os negociantes infelizes acham proteção e defesa neste benéfico instituto, que tem por divisa: conservação, igualdade, respeito ao direito, justiça para todos. Não se obtém, porém, êsse escopo se não existe um .magistrado que tenha competência própria para declarar a falência e organizar os seus efeitos jurídicos" .
Nenhuma ação criminal pode ser intentada contra o comerciante por crime em matéria de falência, seJTl que êste estado seja judicialmente declarado, como acima se disse. O Cód. Penal, art. 336, somente sujeita à penalidade o comerciante que f ôr declarado em estado de falência. A Lei n. 2. 024, no art. 174, expressamente determina que o.processo penal contra o falido, seus cúmplices e demais pessoas punidas pela mesma lei, não poderá ser iniciado antes de declarada a falência. b)
195.
1.
Diremos nos sete capítulos dêste .título: Do juízo competente para a declaração da falência.
2 . Das pessoas que podem requerer a declaração da falência. 3.
Do ri to do processo preliminar da falência.
4.
Da def.esa no processo preliminar da falência .
5.
Da sentença declaratória, ou denegatória da falência.
6. Do seqüestro dos livros, correspondência e bens do devedor. 7. Da responsabilid~de de quem promove dolosa, falsa ou culposamente a falênc1a de outrem. 17
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CAPÍTULO I
Do juízo competente pma a declaração e o processo da falência Sumário: 196. Juiz competente para declarar a falência. 197. Indivisibilidade do juízo da falência e extensão da sua competência. 198. Cessação da indivisibilidade do juízo da falência em virtude da concordata. - 199. As causas de falência pertencem à jurisdição exclusiva dos Estados. 200. A magna questão da falência na justiça federal havendo interessados residentes em Estados diversos. - 201 . As causas da falência pertencem à jurisdição contenciosas. - 202. Não são causas relativas ao estado das pessoas nem de valor inestimável. 203. A decla204. Juiz ração da falência pertence à jurisdição comercial. competente para abrir a falência. - 205. O princípio da unidade de domicilio e o da unidade da falência. - 206. Pessoas sem domicílio certo. - 207. O estrangeiro negociando no Brasil. - 208 • Como se alega a incompetência do juiz. - 209. Suspeição e recusação do juiz competente para abrir a falência.
196. O juiz competente para declarar a falência no processo inicial ou preliminar (n. 191, supra) é o mesmo que acompanha a falência no seu respectivo processo, que diremos principal (1). O direito judiciário estabelece o princípio: o juiz competente para conhecer da causa sê-lo-á também para conhecer dos processos que lhe servem de preliminar ou de garantia. (2) Para que se mantenha a unidade da exposição nessa matéria, trataremos aqui da competência para as causas de falência, sem distinguir o processo preliminar do principal. 197. O juízo da falência é indivisível e competente para tôdas as ações e reclamações sôbre bens, interêsses e negócios
(1) A Lei n. 2.024, no art. 174, § l.º, dispõe ainda, que o processo penal contra o falido, seus cúmplices e demais pessoas por ela punidas, correrá até a pronúncia ou não pronúncia perante o juiz que declarou aberta a falência. Na P. III do vol. 8. 0 dêste Tratado estudar-se-á esta disposição em face da organização judiciária dos Estados. (2) JOAO MONTEIRO, Teoria do processo civil e comercial, vol. 1.º § 42.
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relativos à massa falida: eis os têrmos nos quais a Lei n. 2. 024, no art. 7. 0 , parágrafo único, formula um dos cânones mais notáveis no instituto da falência. (1) (*) Tendo a falência por escopo a liquidação do patrimônio integral do devedor e o pagamento a todos os credores, forçoso é que o juízo, onde ela se processa, possua essa vis attractiva, tornando-se único e universal. Sàmente o juiz da falência poderá, com a brevidade reclamada pelas circunstâncias e com melhor conhecimento de causa, examinar e decidir as contestações àquele respeito. O juízo da falência é um mar onde se precipitam todos os rios. Nêle concorrem todos os credores, embora de fôro privilegiado (2); nêle se arrecadam todos os bens do devedor (3); nêle se discutem e resolvem tôdas as ações e reclamações sôbre bens, interêsses e negócios da massa falida, qualquer que seja o valor, pela forma por que a lei determina (4); (1) Cód. Comercial do Chile, art. 1.328: "La quiebra es un estado indivisible: i por conseguinte, abraza la universidad de los bienes e deudas dei fallido" . (2) Lei n. 2.024, art. 24, princ. (**) (3) Lei n. 2.024, arts. 43 e 74 (***) (4) Lei n. 2.024, art. 7. 0 , parágrafo umco, 2.ª alínea. (** . . ) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 5 de agôsto de 1911: "O. juízo competente para as questões relativas à massa falida é, incontestàvelmente, o juízo da falência. É ali, pois, que se devem discutir e apreciar os direitos que se alegarem no juízo deprecado, relativamente à soma em dinheiro que o juiz deprecante requisitara, como pertencente à massa falida, mediante requerimento dos agravantes. Supondo mesmo que a dita soma de dinheiro seja litigiosa, desde que foi ela depositada em favor do falido, é aos liquidatários e não mais ao falido, que cumpre sustentar os direitos dêste a semelhante respeito; e, em conseqüência, deverão os interessados requerer no próprio juízo da falência quanto bem entenderem necessário para salvaguarda dos seus direitos ou preferências em relação ao dinheiro em depósito". - A Lei n. 2. 024, no art. 60, manda expressamente correr as ações revocatórias perante o juiz da falência. - Quid, quanto às ações contra os acionistas ou comanditários para integrarem as quotas subscritas ? Decidiu o Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 13 de setembro de 1915, que deviam ser propostas no domicílio do réu e
(*)
principio.
Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 7.º, in
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 23. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, arts. 39, in principio e 63 III. (**"'*) Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 7.ª, § 2.ª. ' ' ( u)
( u •)
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nêle se verificam e classificam os créditos (1); nêle se partilha o produto dos bens do devedor comum entre os credores, respeitadas as legítimas preferências (2) ; nêle prestam contas os síndicos e liquidatários (3); etc. É em virtude da competência absorvente dêsse juízo sôbre causas afetas à autoridade judiciária, que cessam as ações e execuções pendentes ao tempo da abertura da falência, ainda que corram na justiça federal (4) . Salvo as que a lei, em virtude de justificadas razões, manda prosseguir (5), e eis porque os bens penhorados nessas execuções ·entram para a massa. (6) 198. Se o falido, porém, forma concordata com os credores, cessando a falência de acôrdo com o art. 111 da Lei ·n. 2. 024, desaparece êsse juízo indivisível. O fôro em que se processou a concordata não é, como o da falência, obriganão no juízo da falência, porque se deve entender o art. 7.0, parágrafo único, da Lei n. 2. 024, de acôrdo com o art. 60, que estabelece .uma exceção, relativamente às ações revocatórias (Revista dos Tri.bunais, vol. 15, página 177) . Pedimos permissão para dissentir. O art. 7~ 0 , parágrafo único, é claríssimo, e o art. 60 confirma o que aí se diz; não abre exceção. No juízo da falência correm as ações a que se referiu a Lei n. 2. 024, nos arts. 6. 0 , § 2. 0 , 53, § 1.0 , 60 § 2.0 , 122, § 4. 0 , etc. - Contra outros devedores da massa? Aqui, sim; o processo corre no juízo do domicílio do réu se não há fôro do contrato. Assim o é nesse caso, porque não se trata de ação processada na forma determinada na Lei n. 2.024 (art. 7. 0 , parágrafo único, 2.ª alínea). - Quid relativamente às liquidações da sociedade dissolvida nos têrmos do art. 51 da Lei n. 2. 024 ? Trata-se da questão em o n. 488 infra. - Quid relativamente as ações fundadas no art. 72 da Lei n. 2.024?
Essas ações fundadas na culpa, negligência ou fraude dos síndicos e liquidatários, são processadas no juízo comum. Aqui, a falência está fora de debate; não é ela que origina a controvérsia, mas o fato ilícito do síndico ou liquidatário, resolvendo-se a causa pelos princípios do direito civil e não pelos especiais da falência. (RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. 1.0 , n. 161) . (1) Lei n. 2 . 024, arts. 80, 84, 85, 86 e 87 . (2) Lei n. 2. 024, arts. 129, 130 e 131. (3) Lei n. 2. 024, art. 71. (4) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 24 de janeiro de 1914 (na Revista dêste Tribunal, vol. 1.0 , P. I, págs. 369-370), e de 16 de maio do mesmo ano (no Diário Oficial de 15 de setembro de 1915, oág. 10 .166) . (5) Lei n. 2. 024, art. 25, princ.,0 e § 2.0 (6) Lei n. 2.024, art. 74, § 2. • (*) (•)
Decreto-lei n. 7.661 de 21-6-45, art. 7.0 ,
§
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tório para tôdas as ações propostas pelo ou contra o concordatário. (1) Rescindida que seja a concordata, restaurando-se o juízo unievrsal da falência, cessa a competência dos outros juízos para prosseguirem nas causas anteriormente intentadas contra o concordatário. (2) 199. As causas de falência pertencem à jurisdição exclusiva dos Estados (3); não se processam na justiça federal, ainda que se trate de matéria da sua privativa competên(1) Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 7 de maio de 1914 (na Revistcl dos Tribunais, vol. 10, págs. 8-9) ; e da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 9 de maio de 1913 (na Revista de Direito, vol. 28, págs. 525-526); de 10 de junho de 1913, confirmando a decisão da 1.ª instância (na mesma Revista, vol. 29, págs. 371-473), e de 31 de agôsto de 1917 (na mesma Revista, vol. 46, pág. 397) . (2) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 9 de maio de 1913 (na Revista de Direito, vol. 28, págs. 525-526) . (3) Constituição Federal, arg. art. 60. ( * *) - A lei argentina de 14 de setembro de 1863, sobre la jurisdicción y competencia de los Tribunales Nacionales, no art. 12, l.ª alínea, excetua da jurisdição dos tribunais federais todos os juízos universais de concurso de credores e inventários, ainda que se trate de estrangeiros ou de cidadãos de províncias diversas (vecindad) diretamente interessados, ou, naquelês juízos, se aduzam ações fiscais da nacão. A lei de 3 de setembro de 1878, art. 2.º, dispôs também: "El conocimiento de los juicios universales de concurso de acreedores Y de sucesión, corresponderá en el territorio de la Reoública, á los juices respectivos de aquella Provincia en la que el fallido tuviere su principal establecimiento al tiemoo de la declaración de quiebra, ó en la que debe abrirse en su casõ la sucesión, según las disposociones del Código Civil". - Nos Estados Unidos da América do Norte, a falência (bankruptC1J) é regulada pela lei nacional de 1898 (n. 27, supra) . Esta lei estabeleceu a jurisdição privativa da justiça federal para os processos de falência, evitando assim, a possível dúvida se o Congresso podia confiar a execução de uma lei federal aos tribunais dos Estados. A jurisprudência já se manifestara contra essa delegação (Goodall v. Tuttle), se bem que, por contesia, as justiças dos Estados reconhecessem e desem_penhassem as atribuições que a lei de falência lhes confiara, como se estivessem compreendidas nos seus poderes (BRANDENBURG, On bankruptcy, § 21). A lei de 1898 erigiu em tribunais de falência (courts of bankruptcy) os tribunais federais de distrito nos diferentes Estados, a suprema côrte do distrito da Colúmbia, os tribunais de distrito nos territórios e os tribunais federais do Território Indiano e do Distrito do Alasca, definindo as suas atribuições (art. 2. 0 ) • A lei aproveitou a organização judiciária federal para constituir os tribunais de falência, os quais são distintos e independentes, ainda que compostos ( •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 183. ( *"') Refere-se o autor à Constituição de 1891.
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eia. (*) As justiças dos Estados ficaram com essa especial e extraordinária jurisdição, ante a qual cedem tôdas as regras da competência, em razão da necessidade de manter a unidade e a indivisibilidade na liquidação dos interêsses do concurso na falência . Na falência podem aparecer: a) questões de direito marítimo e navegação (1); b) questões de direito civil internacional (2); e) interêsses da União, se esta é credora por dívida fiscal ou por letras ou títulos mercantis (3), ou se se trata de concessionários de obras públicas. (4) dos mesmos juízes e tendo a mesma jurisdição territorial dos tribunais de distrito federais. Como, porém, êsses tribunais de falência são de grande extensão territorial e podem as respectivas sedes estar distantes do domicílio do devedor e do lugar em que êste tenha todos ou a maior parte dos seus bens, a lei lhes conferiu a faculdade de nomear comissários (referees), com importantes atribuições, quanto à abertura e fiscalização das falências. J!:stes referees encontram um simile nos comissários, que o art. 809 do nosso Cód. Comercial mandava o Tribunal do Comércio nomear para instruir o processo da falência.
A título de curiosidade, diremos sôbre o papel dêsses referees. l!:les são nomeados pelos tribunais de falência, dentro da respectiva jurisdição para servirem por dois anos, nos distritos, onde sejam necessários os seus serviços (art. 35) . ~stes funcionários, cujos atos estão sujeitos à revisão dos tribunais de falência, exercem as mes.ma funções dêstes em seus distritos, salvo no que diz respeito a prisão, concordata e discharge (art. 38). Incumbem-lhes as seguintes atribuições: fixar os dividendos e ordenar aos sindicas a sua distribuição; examinar o inventário dos bens e a lista de credores que os falidos apresentarem, e corrigir êsses documentos; informar aos interessados tudo quanto se referir ao estado da falência e administração da massa; apresentar relatórios, etc., etc. (art. 39) . ~les têm direito a título de remuneração a 10 dollars fixos, e mais 1 % sôbre as quantias distribuídas em dividendo, ou à de 1/2% sôbre a quantia paga aos credores no caso de concordata homologada (artigo 40) . (1) Lei n. 2.024, arts. 1.º, parágrafo único, n. 6; 91, n. 5, e 92, número 4. (2) Lei n. 2.024, arts. 161 a 166. (3) Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, art. 32, n. 3; Lei n. 2. 024, art. 34, § 1.0 , e 91, n. 1; Dec. n. 3. 084, de 5 de novembro de 1898, P. 4.ª, art. 39; Dec. n. 10. 902, de 20 de maio de 1914, artigo 55, § 4.0 . A Fazenda Nacional, quando interessada na falência do devedor comum, concorre como qualquer outro credor, devendo alegar e provar o seu direito (Lei n. 2. 024, art. 24) . (4) Lei n. 2.024, art. 180. ( •) A Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937 extinguiu a Justiça Federal, princípio mantido na Constituição de 1946.
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Nem por isso, a falência se desafora da justiça dos Estados para a justiça da União. (1) 200. Outrossim, um ou todos os credores podem residir em um Estado e o devedor em outro; a justiça competente para declarar e processar a falência e seus incidentes é sempre a estadual. (2) (1) Em 1902, no fôro da Capital Federal, surgiram dúvidas sôbre a competência da justiça nas falências em que a União era interessada. Pela justiça local fôra declarada a liquidação forçada (que correspondia à falência) da Companhia União Sorocabana e Ituana. O juiz federal levantou conflito positivo de jurisdição, julgando-se competente para a decretar e prosseguir nos têrmos da liquidação forçada, visto ser a companhia devedora à Fazenda Nacional de mais de trinta mil contos, por debêntures emitidos e cujos cupões não haviam sido pontualmente pagos. Firmava-se o juiz federal nas disposições do art. 15, d, do Dec. n. 848 de 11 de outubro de 1890, e do art. 12, § 2. 0 , da Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, que lhe deram competência para conhecer das causas cíveis em que a Fazenda Nacional fôsse interessada por qualquer modo. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 3 de dezembro de 1902 (que, aliás, não prima por clareza), decidiu que tôdas as nossas leis, consoante a letra e espírito constitucional, reconhecem a jurisdição das justiças locais, exclusiva da federal, quanto a falências (O Direito, vol. 90, págs. 60-65) . Em 1903, no mesmo fôro, o juiz federal decretou a liquidação forçada do Banco de Crédito Real do Brasil, sob o fundamento de serem de natureza federal as instituições de crédito real e por ser o art. 60 da Constituição Federal extensivo a tôdas as causas de interêsse da União, quaisquer que sejam as suas proveniências. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 16 de janeiro de 1904, anulou o processo, declarando ser incompetente o juiz federal. A liquidação forçada devia correr no fôro comum local (n'O Direito, vol. 94, págs. 507-510, e na Revista Forense (de Minas), vol. 1.0 , págs. 211-212) . (2) Aparece aqui a magna questão fundada no art. 60, letra d, da Const. Federal. Não tencionamos, nos estreitos limites de uma nota sôbre esta matéria incidente, estudar a disposição da discutidíssima cláusula constitucional, à qual o Supremo Tribunal Federal tem dado, nos últimos tempos, uma interpretação uniforme, reputando não escritas, ou supérfluas as palavras "diversificando as leis dêste". O grande Intérprete da Constituição tem assim entendido e assim devemos aceitar. O que esperamos é a constância dessa jurisprudência para que se não sacrifiquem interêsses respeitáveis com a versatilidade dos julgados. Permitam-se-nos, não obstante, as seguintes considerações muito breves. JOAO BORRALHO, Constituição Federal brasileira, páginas 252 e segs., e PEDRO LESSA, Poder judiciário, §§ 36 a 46, sustentam e justificam a jurisprudência atual do Supremo Tribunal, riscando aquelas palavras do texto constitucional, em virtude da
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201. A jurisdição, em relação ao seu objeto, é contenc:iosa ou graciosa (esta também chamada voluntária ou administrativa), conforme s·e proponha a garantir, ou restabe-
lecer direitos ameaçados, ou violados, pressupondo um efetivo ataque à ordem jurídica, ou conceder sõm·ente garantias unificação da legislação civil e comercial, definitivamente aceita na Constituição de 1891. Os argumentos podem ser convincentes, mas o que diz o texto constitucional e mostra o elemento histórico é coisa muito diferente do que se tem julgado. A vista da letra do art. 60, d, da Constituição, são incontestáveis as seguintes teses: compete à justiça federal processar e julgar os litígios entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis dêstes.
Ergo: não diversificando as leis dos Estados, onde residem os pleiteantes, compete à justiça local processar e julgar o litígio entre êles, salvo, bem entendido, casos excepcionais, que, pela sua natureza, pertencem à justiça federal. Ora, as leis civis, comerciais e criminais não são leis dos Estados, porém, da República (Const., art. 34, n. 23) . Não há diversidade entre essas leis nos Estados. Aquela cláusula constitucional, portanto, não se refere às causas entre cidadãos de Estados diversos, fundadas em disposições das leis civis, comerciais e criminais da República, porque, repetimos, estas leis não são estaduais, e muito menos há possibilidade da sua diversidade (no sentido genérico) entre os Estados. Referir-se-ia a Constituição às leis processuais, leis locais e, por isso, suscetíveis de diversificarem uma das outras ? Há uniformidade na resposta negativa, com fundamento na irretorquível razão do acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 20 de abril de 1897: "basear a competência dos tribunais federais ~a diversidade das leis processuais, que não ofendem o objeto do 11tígio em sua substância, seria decretar a anarquia judiciária, pois que dar-se-ia absorção das justiças locais pela da União, com o completo aniquilamento da índole do sistema federativo, aceito e proclamado pelo nosso pacto fundamental" (Jurisprudência, 1897, págs. 73-74) . . Não será possível surgir, entre cidadãos de Estados diversos, 11tígios fundados em leis da competência exclusiva dêsses Estados, mas divergentes entre si? Eis aí o caso providenciado no art. 60, letra d, da Const. Alega-se ter desaparecido a razão de ser das quatro palavras finais do art. 60, "diversificando as leis dêstes", porque, havendo a Constituição unificado a legislação civil e comercial, somente devido a um lapso ali continuaram elas a figurar. Admitido êsse motivo, a conclusão não seria lógica, porque, se a condição sine qua non da competência excepcional da justiça federal não pudesse mais aparecer, dever-se-iam ter por supérfluas não unicamente aquelas quatro palavras mas as dez últimas do art. 60, letra d, da Const.: "ou entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis dêstes". Aplicar a cláusula sem a condição restritiva, sob a qual ela seria operante, importa ampliar o texto constitucional.
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O Sr. MORAES BARROS propôs na Constituinte a supressão das dez palavras finais da letra d do art. 60 da Const. (e não das cinco· últimas) e a sua emenda caiu (Anais da Constituinte, vol. 2.º, página 97) . Há, além disso, uma observação relevante: a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, organizada pelo Govêrno Provisório e publicada no Dec. n. 510, de 12 de junho de 1890, conferia privativamente ao Congresso Nacional a codificação das leis civis, criminais, comerciais e processuais da República (art. 33, n. 24), e, não obstante, atribuía aos juízes ou tribunais federais a decisão dos litígios entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis dêstes (artigo 59, letra b) . O projeto do Govêrno Provisório conciliava perfeitamente a unidade da legislação civil e comercial com a competência de a justiça federal conhecer os litígios entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis dêstes.
Abrimos um parêntesis para pôr em relêvo o engano de JOÃO BARBALHO, na Constituição Federal, pág. 252, e no seu voto vencido no acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 20 de abril de 1897, acima citado, afirmando que a restrição, diversificando as leis dêstes, não constava do projeto de Constituição, publicado pelo Govêrno Provisório no Dec. n. 510. No art. 59, letra b, acham-se essas quatro palavras. Pelo Dec. n. 914-A, de 23 de outubro de 1890, o Govêrno Provisório publicou de novo a Constituição, que ia submeter ao Congresso Constituinte, com modificações "nos raros tópicos sôbre que se pronunciou acentuadamente a 09inião do !laís", mantendo, no art. 33, n. 24, a unidade da legislação civil e comercial da República, e, no art. 59, letra b a competência da justiça federal para decidir os litígios entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis dêstes. É certo que no Congresso Constituinte foi vencedora no l.º turno da votação a idéia da legislação civil e comercial a cargo dos Estados, mas, rejeitada, se conservou o que o projeto do Govêrno Provisório estabelecia. Parece-nos, pois, que isso basta para demonstrar que a restrição da cláusula 60, letra d, da Constituição Federal, não se fundava na diversidade da legislação civil e comercial entre os Estados, suposto fôsse a êstes conferida a competência nesse assunto. Não deixa de ser singular resolver essa nossa questão constitucional pela constituição norte-americana, a qual, na seção 2.ª do art. 3. 0 , conferiu ao Poder Judiciário federal as decisões sôbre conirovérsias entre cidadãos de Estados diversos, sem restrição de espécie alguma. Além de diametralmente onostas as duas constituicões quanto ao poder de legislar sôbre o dirêito civil e comercial, qu~ nos E. U. da América do Norte é dos Estados, a nossa Constituiçao procurou afastar-se justamente da americana do norte, restringindo aquela competência atribuída ao Poder Judiciário Federal. Depois de oublicado o Dec. n. 510, o Govêrno Provisório, pelo Dec. n. 848, de -11 de outubro de 1890, organizou a justiça federal, e no art. 15, letra c, declarou da competência dessa justiça o processo e o julgamento dos "litígios entre os habitantes de Estados diferentes, inclusive os do Distrito Federal, quando sôbre o objeto da ação houvesse diversidade nas respectivas legislações, caso em que a decisão deveria ser proferida de acôrdo com a lei do fôro do contrato". O Dec. n. 848, de 1890, pressupunha a unidade da legislação civil
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e comercial, consagrada no projeto da Constituição publicado pelo Decreto n. 510 do mesmo ano. Na Exposição de motivos do Dec. 848, dizia CAMPOS SALES, l\Iinistro da Justiça do Govêrno Provisório: "nos arts. 9. 0 , 15 e 16 acham-se especificadas as causas que, em razão das pessoas ou da natureza do seu objeto, pertencem ao julgamento dos juízes federais. Mais liberal do que a própria organização americana, o decreto restringe a jurisdição civil da justiça federal, ampliando correspondentemente a esfera de competência da justiça territorial. É assim que, segundo a lei americana, todos os litígios, qualquer que seja o
seu caráter, suscitados entre cidadãos de diversos Estados, são sujeitos ao julgamento dos juízes federais: no entanto que entre nós, de acôrdo com a melhor doutrina e dando mais amplitude à esfera de ação do poder local, essas causas, quando não envolvam questões que pela sua natureza devam pertencer à alçada da justiça nacional, recaem sob a privativa jurisdição local".
Atenda-se a que essas palavras são do estadista que mais se bateu na Constituinte pelo poder de os Estados legislarem sôbre o direito civil, comercial e penal ! Ainda na Exposição apresentada ao Chefe do Govêrno Provisório em janeiro de 1891, o eminente e saudoso ministro dizia: "A unidade da legislação civil tornará talvez raro um dêsses casos (litígios entre habitantes de diversos Estados, inclusive os do Distrito Federal, quando sôbre o objeto da ação divergirem as respectivas legislações), mas não poderá ser tal que exclua disposições peculiares, ou a aplicação de usos locais, que tôdas as legislações facultam em várias espécies de contratos, e cuja colisão de praça a praça, comercial, e muito mais de Estado a Estado, é impossível prevenir de modo absoluto" (págs. 133-135 do 1.º vol., 2.ª edição) . _ Essas :palavras podem oferecer ótimo elemento à interpretaçao do texto constitucional. Procura-se justificar, também, a atual jurisprudência do SUJ?remo Tribunal com a razão invocada por alguns escritores amenca;nos: "o receio de que interêsses, sentimentos e preconceitos l~ca~s levem a justiça local a não proceder com a necessária imparcialldade". ~ste preconceito norte-americano não influiu na Constituinte brasileira, e nem seria curial admitir que a Constituição, ao mes?1o tempo que ditava normas garantindo a liberdade, a segurança mdividual e a propriedade dos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil (art. 72), entregasse a administração da justiça também aos Estados (art. 63), sem confiar na indenendência, honestidade e capacidade. da magistratura local, da quaf depende, em última análise, a garantia daqueles direitos. CAMPOS SALES afirmava: "A confianca na justiça dos Estados, que determinou o Govêrno a tanto limitar a jurisdição federal privativa, permitiu-lhe dar a esta uma organização menos complicada do que a da União Americana ... " (Exposição cit. pág. 35) . Bem sabemos que êsses documentos são anteriores à data da promulgação da Constituição; foram, porém, os elementos que nela influíram e que lhe deram o cunho nacional. Essas objeções é que desejaríamos ver desfeitas nelos nossos constitucionalistas, sem transplantarem para a Constituição nacional preconceitos da Constituição norte-americana, claramente repudiados. Rabiscando essas linhas, não temos outro alvo senão ver bem explicado o texto constitucional por quem o pode e sabe interpretar. Voltemos à falência, objeto do_ nosso estudo.
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As constituições norte-americana (seção 2.ª do art. 3. 0 ) e a argentina (art. 100) dão ao Poder Judiciário federal ou nacional o julgamento dos litígios entre cidadãos de Estados ou Províncias diferentes. Como resolveram o problema quanto às falências? Já explicamos em a nota 3 da pág. 263. Na América do Norte, cabe à justiça federal, que, com uma lei apropriada às circunstâncias, providencia eficazmente sôbre o êxito do instituto. Na Argentina, às justiças das províncias compete processar e julgar as falências e seus incidentes. Entre nós, o Dec. n. 917, de 24 de outubro de 1890 (publicado depois do Dec. n. 848, que organizou a Justiça Federal), a Lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902, e a Lei n. 2.024, de 1908, deram como líquido que ao Poder Judiciário dos Estados cabia o processo da falência e seus incidentes, residissem o devedor ou os credores em Estados diversos. Desse-se à justiça federal, exercida por um juiz na capital dos Estados, a competência sôbre a falência no caso acima, que é o freqüente, ter-se-ia abolido ao mesmo tempo o instituto relativamente a devedores residentes fora da sede do juiz. Não precisamos demonstrar o que todos compreendem. Escusado é falar na distância do Tribunal que conhece dos recursos. O Supremo Tribunal Federal, apesar da sua conhecida interpretação do art. 60, letra d, da Const., mas forçado pelas circunstâncias, tem reconhecido aos Estados a competência sôbre a matéria de falência, ainda que com hesitações. A. Julgaram ser competente a justiça federal: a) Acórdão de 19 de dezembro de 1908 (agravo): "É incontestável a competência do juízo federal, à vista da disposição do artigo 60, letra d, da Constituição Federal". Unanimidade. (Na Revista de Direito, vol. 11, págs. 75-80, onde se encontram a sentença e a sustentação do juiz de 1.ª instância) . b) Acórdão de 30 de abril de 1910 (agravo n. 1.239): "... a competência do juiz que a proferiu (sentença de falência) é manifesta em face do disposto no art. 60 da Const., letra d, e decisões dêste Tribunal em casos idênticos". Unânime. (Em O Direito, volume 115, págs. 564-567, onde se encontra o despacho agravado). e) Acórdão de 19 de abril de 1911 (habeàs corpus n. 3.000): "Negam a soltura dos pacientes, pois sendo pedida com o fundamento de que se acham pronunciados por juiz incompetente, êste fundamento não procede, como consta da informação do juiz secional de Minas Gerais, porquanto, a disposição do art. 7.ª da Lei n. 2.024, de 1908, declarando competente para a falência o juiz do comércio, não impede a jurisdição federal desde que a competência dêste seja determinada pela Constituição, como é na espécie pelo art. 60, letra d, "sem que venha a sofrer a universalidade do juízo da falência, estabelecida no parágrafo único daquele art. 7. 0 ". Seis votos vencedores e cinco vencidos (na Revista de Direito, vol. 21, págs. 50-508). d) Acórdão de 2 de maio de 1911 (recurso criminal n. 242). (Na Legislação e jurisprudência do Brasil, de CANDIDO MENDES, filho, vol. 3.0, pág. 161) . e) Acórdão de 26 de julho de 1913 (agravo n. 1.667) reconheceu, por cinco votos contra outros cinco votos e desempate do presidente do Tribunal, a competência da justiça federal para conhecer do processo de falência, requerida por um credor estabelecido no Rio
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contra o devedor residente no Estado de Sergipe. De meritis, não foi àeclarada a falência. (No Diário Oficial, de 28 de outubro de 1913) . B. Julgaram ser competente a justiça local, sendo essa a jurisprudência atualmente mantida: a) Acórdão de 2 de maio de 1911 (habeas corpus n. 3. 027) : "Considerando que o Juízo Federal de Minas Gerais decretou a falência dos pacientes a requerimento dos negociantes Ferreira Serpa & Comp., residentes em Estado diverso daquele em que os mesmos pacientes têm domicílio; Considerando que o mesmo juízo os pronunciou afinal como incursos nas penas do crime do art. 336 do Código Penal; Considerando que a falência, simples concurso de credores, mera comunhão de bens, processo especial, regido por disposições também especiais, não reveste os caracteres de um verdadeiro litígio, na acepção do art. 60, letra d, da Constituição; Considerando que mesmo aquêles que lhe emprestam caráter contencioso, como CARVALHO DE MENDONÇA, entendem que as causas de falência pertencem à jurisdição exclusiva da justiça dos Estados, ante a qual cedem tôdas as regras de competência (Falências, vol. l.º, pág. 91) ; Considerando que deslocar, por exemplo, o processo de falência do domicílio do falido, ou do seu principal estabelecimento para as capitais dos Estados, sedes dos juízes federais, seria sem dúvida prejudicial aos interêsses dos credores e do devedor e incompatível com a celeridade que exige êsse processo; Considerando, por conseguinte, que constitui constrangimento ilegal a prisão dos pacientes determinada por despacho de pronúncia de autoridade incompetente: "acordam conceder a impetrada ordem de habeas corpus, pagas as custas ex causa". Seis votos vencedores contra cinco vencidos. (No Diário Oficial, de 16 de dezembro de 1911; na Revista de Direito, vol. 21, págs. 115-122, com as alegações do impetrante do habeas corpus, e na Legislação e jurisprudência do Brasil, de CANDIDO MENDES, filho, vol. 3. 0 , págs. 161-162) . b) Acórdão de 23 de agôsto de 1911 (conflito de jurisdição n. 246): "Conforme já tem decidido êste Tribunal em casos análogos, a disposição do texto constitucional litígios entre cidadãos de E~ta dos diversos só é aplicável aos feitos judiciais, que tenham prec1s,amente o caráter de litígio, isto é, às causas em que há autor e reu, assim tecnicamente entendidos, e não aos feitos ou processos, como o da espécie sujeita, de natureza manifestamente administrativa. Deixam, conseguintemente, por isto, e por outras razões de diferença, que não é mister indicar, de servirem de argumento em contrário os suprimentos da jurisprudência americana, porventura invocada, para combater o modo de ver e decidir dêste tribunal a semelhante respeito". Sete votos contra quatro, sendo digno de nota o voto vencido fundamentado do ministro PEDRO LESSA (No Diário Oficial, de 16 de outubro de 1912, e na Revista de Direito, vol. 29, página 105). c) Acórdão de 24 de janeiro de 1912 (agravo n. 1.482) : "Considerando que se trata da verificação da importância de uma conta em face dos livros comerciais dos devedores, para se requerer a f alência dêstes; considerando que essa diligência preliminar se prende ao instituto da falência, matéria da exclusiva comoetência da justiça local, conforme já decidiu êste Tribunal, notadamente no acórdão n. 3. 027, de 2 de maio de 1911: acordam negar provimento ao recurso, para confirmar o despacho agravado em que o juiz federal se julgou incompetente para conhecer do pedido". Cinco votos contra cinco e voto de desempate do presidente. (No Diário Ofi-
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cial de 14 de junho de 1914; na Legislação e jurisprudência, de CÂNDIDO MENDES, filho, vol. 3. 0 , pág. 143, e na Revista de Direito, volume 36, págs. 271-272) . d) Acórdão de 17 de abril de 1912 (habeas corvus n. 3.165): "negam provimento ao recurso para confirmar a de.cisão recorrida a fls. 18, que negou o !)edido de habeas corpus, porquanto não sendo ilegal a prisão do paciente pelo motivo que se alegou, visto tratar-se do processo criminal de falência, sôbre o que é constante a jurisprudência dêste Tribunal em reconhecer a competência da justiça estadual, carece de fundamento neste e nos demais pontos o dito recurso". Unânime, 11 votos. (No Diário Oficial, de 14 de julho de 1914, e na Revista de Direito, vol. 36, pág. 262) . e) Acórdão de 1 de novembro de 1912 (agravo n. 1.445): " ... fa'!ência não é propriamente um litígio no conceito com que êsse vocábulo figura no art. 60, letra d, da Const. Federal". O acórdão decidiu que o juiz federal devia mandar cumprir a precatória do juiz local que abriu a falência, para a entrega aos liquidatários dos bens penhorados, ou por outra forma apreendidos ou seqüestrados, artigo 74, § 2.0 , da Lei n. 2.024, "sem o que não se poderá tornar efetiva a igualdade dos credores na liquidação dos seus créditos". Cinco votos contra quatro. (No Diário Oficial de 3 de junho de 1913) . Êste acórdão de 1.º de novembro reformou o de 8 de novembro :de 1911, que confirmara o despacho do juiz de 1.ª instância. negando cumprimento àquela precatória. (Veja-se êste último acórdão na Legislação e jurisprudência do Brasil, de CÂNDIDO MENDES, filho, .vol. 3.0 , págs. 162-163) . f) Acórdão de 1 de novembro de 1912 (agravo n. 1. 566): "Acordam em negar provimento ao agravo por têrmo a fls. 8, para confirmar, como confirmam, o despacho de fls. 3, pelo qual o juiz a quo se julgou incompetente para o processo de verificação de contas de que trata o art. 1.0 , parágrafo único, n. 8, da Lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908. Tratando-se de uma diligência preparatória do pedido de falência, é claro que somente à jurisdição a que êste pertence incumbe tomar conhecimento da matéria da petição de fls. 3, não se podendo invocar como matéria da competência do juiz federal, a regra do art. 60, letra d, da Const. Federal, pois que a falência é um processo administrativo por sua natureza, não o abrangendo, porém, a expressão litígio daquele dispositivo constitucional, e assim julgando condenam o agravante nas custas". Cinco votos contra quatro. (No Diário Oficial, de 23 de fevereiro de 1913, Suplemento). g) Acórdão de 30 de agôsto de 1913 (agravo n. 1. 678) : "Considerando que a falência é um processo administrativo, não revestindo, portanto, o caráter de controvérsia regular entre autor e réu; considerando que o vocábulo litígio, de que usa a Constituição da República, no art. 60, letra d, equivale à demanda, pleito ou lide; considerando que nesta significação são, também, empregadas no referido artigo, as expressões causas (letras a, b e c), ações (letra f), e questões (letras g e h) ". (No Diário Oficial, de 6 de dezembro de reza, administrativo, de conformidade com a jurisprudência dêste 1913, e na Revista de Direito, vol. 31, pág. 333). Cinco contra quatro votos. h) Acórdão de 20 de dezembro de 1913 (agravo n. 1. 724) : "na expressão litígio, a que se refere o art. 60, letra d, da Constituição da República, para estabelecer a competência da justiça federal, não se deve compreender o processo de falência, que é, por sua natu-
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contra possíveis lesões futuras, sem que haja, portanto, desconhecimento do direito alheio. (1) As causas de falência pertencem à jurisdição contenciosa (2). No seu processo inicial podem surgir importantes controvérsias sôbre as condiçÕ€s, ou elementos característicos do estado de falência (3), sôbre a fixação do têrmo legal (4), e sôbre extensão da falência às pessoas, sócias ou não, etc. No processo principal, que é propriamente o da falência, temos os embargos de terceiros (5), as reivindicações (6), os embargos à concordata (7), a impugnação de crédireza, administrativo, de conformidade com a Jurisnrudência dêste Tribunal". Cinco contra dois V'Jtos. (No Diário oiicial, de 17 de abril de 1914) . i) Acórdão de 16 de maio de 1914 (conflito de jurisdição n. 294) : " ... cabe o processo da falência ao juiz local, porquanto a falência, sendo uma modalidade de liquidação, não é um litígio na rigorosa expressão da Const. Federal, art. 60, letra d". Unânime: dez votos. (No Diário Oficial, de 25 de setembro de 1915, e na Revista Jurídfca, do Rio, vol. l.º págs. 109-110) . Podem ainda ser consultados, consagrando o mesmo princípio. os acórdãos de 24 de janeiro de 1914 (agravo n. 1. 737) na Legislação e jurisprudência do Brasil, de CANDIOO MENDES, vol. 3.0 , pág. 143, de igual data (agravo n. 1. 738), na mesma Legislação e jurisprudência, vol. 3.0 pág. 160, de 9 de maio de 1914, na Revista de Direito, vol. 33, pág. 307, e na citada Legislação e jurisprudência, vol. 3. 0 • págs. 390-391. - A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 30 de abril de 1912, e 22 de maio de 1914 (êste confirmando a sentença de l.ª instância), julgou também competente a justiça local. (Na Revista de Direito, vol. 24, pág. 432) . - Leia-se a êste respeito a.s considerações de MANUEL LAGOEIRO, Notas judiciárias, Belo Horizonte, 1915, págs. 343-348. (1) Dr. JOÃO MONTEIRO, Teoria do processo civil, vol. 1.0 • § 35. Dec. do Estado de S. Paulo, n. 123, de 10 de novembro de 1892 (Organização judiciária), art. 126: "A todos os juízes, feita apenas distinção quanto à natureza do objeto respectivamente às varas. compete: 1.0 , proceder a todos os atos de jurisdição graciosa, que lhes forem requeridos para prevenir futuras lesões de direitos e garantia de interêsses jurídicos". (2) Acórdão do Superior Tribunal do Rio Grande do Sul, de 8 de julho de 1897, na respectiva Coleção das Decisões, págs. 122-127. (Consultem-se, ainda, os votos vencidos do Ministro PEDRO LESSA, no acórdão de 23 de agôsto de 1911, no Diário Oficial, de 16 de outubro de 1912, e na Revista de Direito, vol. 29, pág. 105, e no acórdão de 30 de agôsto de 1913, no Diário Oficial, de 6 de dezembro de 1913, e na Revista de Direito, vol. 31, pág. 333) . (3) Lei n. 2.024, arts. 4, 10, § 2.0 , 12, 19 e 20. (4) Lei n. 2. 024, art. 23. (5) Lei n. 2.024, art. 140. (6) Lei n. 2.024, art. 138. (7) Lei n. 2.024, art. 108.
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tos declarados (8), sem esquecer as ações revocatórias (9), as tendentes a completar, ou indenizar a massa (10), etc., etc. Há na falência decerto, muitos atos judiciais que não têm o caráter contencioso, com nomeação de síndicos, provimento sôbre a arrecadação e conservação de bens, etc. A Lei n. 2. 024, no art. 63, confere ao juiz a direção e superintendência sôbre os síndicos e liquidatários. Mas, isso tudo é relativo à forma do processo. O escopo dêste é conciliar os interêsses contrapostos dos que são chamados a essa execução coletiva no intuito de se aproveitarem o mais posslvelmente os bens do devedor para satisfazer os seus legítimos credores. Pode suceder, é verdade, que durante a falência não se levante controvérsia, mas a jurisdição, nem por isso, perde o caráter de contenciosa. (1) 202. As causas de falências não se alistam entre as relativas ao estado das pessoas ou as que são de valor inestimável, pois o falido não é um incapaz, equiparado ao interdito. (2) 203 . A declaração da falência pertence à jurisdição comercial (competência ratione materiae, quer seja exercida especialmente, quer cumulativamente, com a cível, na conformidade das respectivas leis orgânicas judiciárias. (3) No Distrito Federal, os juízes de direito das varas cíveis exercem a jurisdição civil e comercial e a êles competem as falências e tôdas as ações que delas se derivarem. (4) Em quase tôdas as legislações atribui-se o processo da falência a um corpo colegial (tribunal) de preferência ao (8) Lei n. 2. 024, arts. 83, § 5.0 , 84, § 2.0 , 87, etc. (9) Lei n. 2. 024, art. 59. (10) Lei n. 2.024, arts. 6. 0 , § 2. 0 , 65, n. 16 e 53, § 1.º. (1) A jurisdição d:i- magistrado não deixa de ser contenciosa pelo simples fato de se exercer entre pessoas consencientes. A proposição inversa não seria exata. Se no curso de um processo de jurisdição voluntária sobrevém adversário, que levanta controvérsia, cessa aquela para dar lugar à jurisdição contenciosa. (JOÃO MONTEIRO Teoria do processo civil, vol. 1.0 , § 35, e nota 3). (2) Acórdão do Superior Tribunal do Rio Grande do Sul de 8 de julho de 1897 (na respectiva Coleção de Decisões, 1897, pâ.ginas 122-127) . (3) Lei n. 2.024, art. 7. 0 (*). (4) Dec. n. 9. 263, de 28 de dezembro de 1911, art. 128, princ., e § 7. 0 • ( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 7.º.
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juiz singular, por isso que a conveniente direção dêsse processo se prende ai piil importanti e gravi compiti di cui un tribunale possa essere investito. (5)
Infelizmente entre nós, os tribunais que decidfm os re'Cursos nas mais intrincadas e sérias questões, que surgem nesses processos, compõem-se de número reduzido de juízes, que muitas vêzes nem a noção têm dos casos que julgam! Triste verdade! No Distrito Federal, as Câmaras Reunidas conhecem das mais simples questões em valor econômico e jurídico por meio _de embargos. Tratando-se de controvérsias, que surgem no processo da falência, sejam de milhões, elas se julgam incompetentes, ainda que a câmara inferior, confirmando ou modificando a sentença de 1. a instância, exceda os seus podêres, convertendo o processo da falência, ou os seus inci·den tes em ações ordinárias sem defesa cabal dos litigantes, como serve de exemplo, entre outros, o caso apontado em uma das notas do n. 291, infra. 204. O juiz comercial competente para declarar a falência (competência ratione personae e para acompanhar o processo principal é aquêle em cuja jurisdição o devedor tem 'seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil . (1) RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. 1.0 , n. 159. Lei n. 0 2 .024, art. 7.0 (*). O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 12 de junho de 1894 (na Gazeta Jurídica, de s. Paulo, vol. 5. 0 , pág. 320), decidiu que o juiz que decretou a dissolução de uma firma comercial fica_va com a jurisdição preventa para declarar a falência desta firma, a fim de não dividir a continência da causa. É insustentável a doutrina dêste acórdão, pois atenta contra os princípios que dominam a falência e contra as regras comuns do processo, porque a competência por conexão de causas tem por fim evitar julgamentos contraditórios, o que é impossível dar-se na hipótese, visto que a falência absorve a liquidação. O único voto vencido daquele acórdão, o do ministro FERREIRA ALVES, salvou a verdade jurídica. No mesmo grave êrro, incidiu o acórdão da 1.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 19 de julho de 1906, decidindo que a falência, por não te1 o devedor, quando. executado, pago em 24 horas subseqüentes à citação inicial, devia correr no juízo da execução! (Revista de Direito, vol. l.º, pág. 412) . O Tribunal de Justiça de S. Paulo, porém, em acôrdão de 7 de abril de 1900 (na Gazeta Jurídica, vol. 23, pág. 99), firmou a verdadeira doutrina, julgando que, não havendo continência de causas entre a falência e a execução singular que lhe serve de base, o juiz (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 7.º. (5) (1)
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Principal estabelecimento é o 1ugar onde o devedor, co-
merciante ou a sociedade anônima, centraliza a sua atividade e influência econômica; onde tôdas as suas operações recebem o impulso diretor; onde, enfim, se acham reunidos normal e permanentemente todos os elementos constitutivos do seu crédito (1). É, em resumo, o lugar da sede da vida ativa, o lugar onde reside o govêrno dos negócios do devedor. (2) da execução não ficava com a jurisdição preventa para a abertura da falência. Sôbre essa questão, agitada em S. Paulo, a propósito da falência de Camilo Cresta & Cia., deram parecer, no sentido da decisão do Tribunal paulista, FERREIRA VIANA, COSTA BARRADAS e DUARTE DE AZEVEDO. Fomos também, ouvidos e dissemos, entre outras considerações: uA execução singular corre no juízo da ação (Reg. n. 737, art. 490), o qual podia ter sido: o do contrato, o do quase-contrato, o da continência, etc., sem esquecer que muitas vêzes a execução corre em juízos- p_rivativos, que conheceram da causa principal. A falência, porém, tem o seu juízo especial: aquêle em cuja jurisdição o devedor mantém o seu principal estabelecimento. Já se vê que o juízo da execução singular não tem competência natural e orgânica para conhecer da falência, caso o credor a esta recorra; ou melhor, ao juiz da execução singular, como tal, não deu a lei jurisdição para declarar a falência do devedor executado. Basta essa consideração para demonstrar que a execução singular não pode ser tida como lide preventora em relação à falência, que o credor tem a faculdade de promover com fundamento na falta de pagamento da importância da condenação; muito menos aparece, na hipótese, a figura da conexão de negócio que autorize a se levar a falência possível ao juízo atual da execução. Deixando o juízo da execução, o credor exeqüente pode promover em outro juízo, que fôr competente, a falência sem receio de dividir a continência da causa e de trazer possível contrariedade de sentenças (fundamento da preve,nção). No juízo especialíssimo da
falência, êle pede a declaração oficial do estado, em que o devedor se mostrou achar (declaração apreciável pelos efeitos jurídicos que produz), e, recorrendo a êsse remédio extraordinário, sacrifica a sua execução individual. O processo da falência, que se inicia, não mantém com a execução, que cessa, as três identidades: de cousa. de causa e de pessoas. Está, assim, excluída a idéia de prevenção de jurisdição". Todos êsses pareceres constam de uma brochura. impressa em S. Paulo, Tip. Brasil, 1900. O Dec. n. 4.855, de 2 de iunhn rlt> 1 oM -~~··· - --- · lências). rH~n,.-'1
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juiz singular, por isso que a conveniente direção dêsse processo se prende ai piu importanti e gravi compiti di cui un tribunale possa essere investito. ( 5)
Infelizmente entre nós, os tribunais que decidrm os re-cursos nas mais intrincadas e sérias questões, que surgem nesses processos, compõem-se de número reduzido de juízes, que muitas vêzes nem a noção têm dos casos que julgam! Triste verdade! No Distrito Federal, as Câmaras Reunidas conhecem das mais simples questões em valor econômico e jurídico por meio _de embargos. Tratando-se de controvérsias, que surgem no processo da falência, sejam de milhões, elas se julgam incompetentes, ainda que a câmara inferior, confirmando ou modificando a sentença de l.ª instância, exceda os seus podêres, convertendo o processo da falência, ou os seus inci,dentes em ações ordinárias sem defesa cabal dos litigantes, como serve de exemplo, entre outros, o caso apontado em uma das notas do n. 291, infra. 204. O juiz comercial competente para declarar a falência (competência ratione personae e para acompanhar o processo principal é aquêle em cuja jurisdição o devedor tem seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil. (1) RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. 1.0 , n. 159. (1) Lei n. 0 2.024, art. 7.0 (*). O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 12 de ju:i~o de 1894 (na Gazeta Jurídica, de s. Paulo, vol. 5.º, pág. 320~, de.c1dm que o juiz que decretou a dissolução de uma firma comercial f1ca_va oom a jurisdição preventa para declarar a falência desta firma, a ~1m de não dividir a continência da causa. É insustentável a doutrma dêste acórdão, pois atenta contra os princípios que dominam a falência e contra as regras comuns do processo, porque a competência por conexão de causas tem por fim evitar julgamentos contraditórios, o que é impossível dar-se na hipótese, visto que a falência absorve a liquidação. O único voto vencido daquele acórdão, o do ministro FERREIRA ALVES, salvou a verdade jurídica. No mesmo grave êrro, incidiu o acórdão da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 19 de julho de 1906, decidindo que a falência, por não te1 o devedor, quando executado, oago em 24 horas subseqüentes à citação inicial, devia correr nõ juízo da execução! (Revista de Direito, vol. 1.º, pág. 412) . O Tribunal de Justiça de S. Paulo, porém, em acôrdão de 7 de abril de 1900 (na Gazeta Jurídica, vol. 23, pág. 99), firmou a verdadeira doutrina, julgando que, não havendo continência de causas .entre a falência e a execução singular que lhe serve de base, o juiz (*) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 7. 0 • (5)
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Principal estabelecimento é o lugar onde o devedor, co-
merciante ou a sociedade anônima, centraliza a sua atividade e influência econômica; onde tôdas as suas operações recebem o impulso diretor; onde, enfim, se acham reunidos normal e permanentemente todos os elementos constitutivos do seu crédito (1). É, em resumo, o lugar da sede da vida ativa, o lugar onde reside o govêrno dos negócios do devedor. (2) da execução não ficava com a jurisdição preventa para a abertura da falência. Sôbre essa questão, agitada em S. Paulo, a propósito da falência de Camilo Cresta & Cia., deram parecer, no sentido da decisão do Tribunal paulista, FERREIRA VIANA, COSTA BARRADAS e DUARTE DE AZEVEDO. Fomos também, ouvidos e dissemos, entre outras considerações: ºA execução singular corre no juízo da ação (Reg. n. 737, art. 490), o qual podia ter sido: o do contrato, o do quase-contrato, o da continência, etc., sem esquecer que muitas vêzes a execução corre em juízos- p_rivativos, que conheceram da causa principal. A falência, porém, tem o seu juízo especial: aquêle em cuja jurisdição o devedor mantém o seu principal estabelecimento. Já se vê que o juízo da execução singular não tem competência natural e orgânica para conhecer da falência, caso o credor a esta recorra; ou melhor, ao juiz da execução singular, como tal, não deu a lei jurisdição para declarar a falência do devedor executado. Basta essa consideração para demonstrar que a execução singular não pode ser tida como lide preventora em relação à falência, que o credor tem a faculdade de promover com fundamento na falta de pagamento da importância da condenação; muito menos aparece, na hipótese, a figura da conexão de negócio que autorize a se levar a falência possível ao juízo atual da execução. Deixando o juízo da execução, o credor exeqüente pode promover em outro juízo, que fôr competente, a falência sem receio de dividir a continência da causa e de trazer possível contrariedade de sentenças (fundamento da preve,nção). No juízo especialíssimo da
falência, êle pede a declaração oficial do estado, em que o devedor se mostrou achar (declaração apreciável pelos efeitos jurídicos que produz) , e, recorrendo a êsse remédio extraordinário, sacrifica a sua execução individual. O processo da falência, que se inicia, não niantém com a execução, que cessa, as três identidades: de cousa de causa e de pessoas. Está, assim, excluída a idéia de prevenção de jurisdição". Todos êsses pareceres constam de uma brochura, ilnpressa em S. Paulo, Tip. Brasil, 1900. O Dec. n. 4.855, de 2 de junho de 1903 (regulamento das falências), dispunha no art. 43, que "a competência para a declaração da falência ficà preventa nos casos de liquidação judicial, já decretada, da firma individual ·ou social e da requerida con1 fundamento no n. IX do art. 7. 0 (não pagar quando executado)". Esta disposição não foi aceita pela Lei n. 2.024, nem pelo próprio decreto da reorganização da Justiça do Distrito Federal (Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911), não se podendo aplicar às falências o disposto no art. 109, § 6. 0 , dê.ste Dec. n. 9.263. (1) Nesse sentido julgou o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 15 de abril de 1916 (na R9vista Jurídica, vol. 3. 0 pág. 96) . (2) O Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro dP 1° 11 · 1
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Pouco importa que o devedor tenha em outro lugar depósito de mercadorias, ou mesmo fábricas que manufaturem os produtos que mais tarde aliment·em o giro comercial. Também indiferente é que cada uma das suas sucursais prospere, ou pelo menos não tenha faltado ao pagamento de dívida mercantil (1). No estabelecimento principal é que existe o termômetro do crédito do comerciante, pois aí estão absorvidos todos os seus negócios, e o patrimônio do devedor é único e indivisível, constituindo em qualquer lugar em que esteja a garantia comum dos credores. Morra o devedor, cesse o exercício do comércio, dissolvase -e liquide-se a sociedade; prepondera sempre o princípio da competência, firmado no art. 7. 0 da Lei n. 2. 024, isto é, a do juiz em cuja jurisdição o devedor tinha o principal estabelecimento. No caso de morte, a falência não se declara no domicílio civil onde se acha a suc-essão e se procede o inventário, salvo se nPste domicílio tinha o devedor o seu principal estabelecimento. Tratando-se de sociedade com·ercial e sendo aberta a falência desta no lugar da sua sede social, as falências dos sócios de responsabilidade ilimitada também aí se declaram, não obstante terem êles o domicílio em outro lugar. Daí se deduz que o devedor não pode ser declarado falido na sede da casa filial ou sucursal, mas sàmente na do principal estabelecimento, ordinàriamente chamado 205.
casa matriz.
A lei, estabelecendo o princípio da unidade de domicílio, tem, ao mesmo tempo, assentado o da unidade da falência. O devedor estabelecido no Brasil não pode ter mais de uma declaração de falência . 206. Pode, porém, o comerciante não ter estabelecimento nenhum: e~emplo: as pessoas itinerantes por profissão, da Justiça do Distrito Federal), dispõe no art. 110: "O domicílio das associações, companhias, bancos, etc., é o da sede da sua administração e principal estabelecimento; salvo para os contratos celebrados ou obrigações contraídas pelas sucursais ou filiais, em que será competente o juízo do domicílio destas". (1) Um princípio, que se deve ter muito em atenção nesse assunto, é o seguinte: As obrigações contraídas pelas sucursais ou filiais obrigam a matriz; as sucursais com todos os seus haveres respondem pelas obrigações que contrai a matriz. (ESTASEN, Derecho Mercantil, vol. 7. 0 , n. 25).
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ou negociantes ambulantes, os empresários de espetáculos públicos. Nesses casos, as necessidades práticas aconselham declarar-se a falência onde se produz·em os embaraços financeiros do devedor, onde existem os principais elementos do ativo, os principais credores. O juiz do comércio do lugar onde fore1n encontrados os comerciantes ambulantes e empresários de espetáculos públicos pode abrir-lhes a falência. (1) 207. O estrangeiro negociante no Brasil pode ser declarado falido (n. 101, supra) . A casa filial de outra situada no estrangeiro é o principal estabelecimento no Brasil, e pode ser declarada falida pelo juiz comercial em cuja jurisdição ela tiver domicílio. 208. A incompetência do juiz pode ser alegada pelo devedor em sua defesa ou ainda por qualquer credor, que, também, é parte no processo da falência (n. 64, supra) . (2) Não cabe, porém, a exceção de incompetência (declinatoria fori) com o seu rito especial. (3) 209. O juiz competente para conhecer da falência deve declarar-se suspeito nos casos expressos em lei (4); se não o faz, além de eivar de nulidade a sentença que proferir (5), incorre ·em penalidade. (6) (1) Lei n. 2. 024, art. 7.0 , 2.ª alínea. ( *) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 5 de maio de 1910, considerou negociante ambulante o comprador de café em diferentes lugares para revendê-lo depois de beneficiado, remetendo-o em consignação a casa comissária (no S. Paulo Judiciário, vol. 23, pág. 64) . Êste acórdão não parece lógico na parte em que reconhece o devedor negociante ambulante e julga competente o fôro do domicílio, centro da sua atividade comercial, para a decretação da falência. (2) No direito norte-americano, permite-se a alegação de incompetência do tribunal, incidente que se deve resolver o mais brevemente possível. Por uma originalidade dêsse direito, um estranho pode alegar essa incomp2tência, ficando à discrição do tribunal ouvi-lo como amicus curice (ln re Columbia Real Estate
Co., 4 A. B. R. 411).
(3) Nesse sentido já decidira a antiga Relação de Ouro Prêto, em acórciã,.o de 26 de agôs~o de 1874 (em O Direito, vol. 6.0 , pág. 485). (4) Regul. n. 737, a:-t. 85. Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Anelação, de 24 de novembro de 1914 (na Revista de Direito, vol. 3-5, pág. 229) . (5) Regul. n. 737, art. 680, § l.º. Acórdão citado na nota 4, supra.
(6) (*)
Cód. Penal, art. 207, n. 8. Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 7.º § l.º.
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Não há razão para se proibir às partes interessadas averbarem de suspeito o juiz, quando êste espontâneamente se não acusa. Há quem pense de modo diverso sob os fundamentos: a) a falência é de fato de jurisdição voluntária e na prática dos atos desta natureza não pode o juiz ser acusado por suspeito; b) a falência é uma forma de execução e nesta não tem lugar a recusação do juiz nos têrmos do art. 95, do Regul. número 737. RESponde-se, sem aliás mostrar a contradição entre êstes dois argumentos: l.º a falência não é ato de jurisdição voluntária (n. 201, supra), e, quando o fôsse, a ratio legis autoriza a suspeição e recusação em caso de julisdição voluntária (1); 2.º a falência é meio extraordinário de execução e se lhe não pode aplicar o art. 95 do Regul. n. 737, atendendo-se aos motivos desta disposição. O juiz da causa principal não pode ser suspeitado na execução. Entretanto, se nesta sobrevém novos interessados, como no caso de embargos de terceiros e nos de preferência, o juiz pode ser recusado. (2) CAPfTULO II Das pessoas que podem requerer a declaração da falência Sumário: 210. Pessoas que podem requerer a declaração da falência. - 211. Não temos a declaração "ex officio" · - 212 · Nem a requerimento do Ministério Público.
210. Podem requerer a declaração da falência, por outra, têm a iniciativa da abertura do juízo da falência: a) o devedor; b) o cônjuge sobrevivente ou os herdeiros do devedor; (1) CAMARA LEAL, Aporntamentos sôbre suspeições e recusações, pág. 2.
(2)
-
Regul. n. 737, art. 95.
Na Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros
vol. 7.~, p_ágs. 198-204, discute-se essa questão da suspensão do juiz na falenc1a.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
e) d)
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o sócio ou o acionista; e o credor.
Havemos de ver oportunamente em que têrmos e em que condições cada uma dessas pessoas pode promover a declaração da falência . Não temos a declaração da falência ex officio que o Cód. Comercial, art. 807, facultava ao juiz, quando esta 211.
lhe constasse por notoriedade pública fundada em fatos indicativos de um verdadeiro estado de insolvência . .... A intervenção do juiz proprio motu na vida mercantil do
devedor oferece sérios receios; não se harmoniza com a sua elevada missão desempenhar l"office d"un gérant d"affaire de la masse (1). Por mais que se procure justificar a declaração ex officio da falência pela necessidade da tutela ao comércio e ao crédito não satisfaz (2); entretanto, adiantadas legislações a mantêm (3), e escritores de nota justificam-na. (4) Convém, entretanto, lembrar que a lei permite, ou melhor, impõe a declaração da falência pelo juiz, independentemente do requerimento de qualquer credor nos dois casos seguintes: a) do devedor que solicitando a concordata preventiva não se mostra digno de obtê-la; b) do sócio, quando se declara a falência da sociedade . (1)
(2) vol. 7.0 ,
THALLER, Des faillites en droit comparé, vol. 2. 0 , n. 157. LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, n. 108; VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol.
8.0 , n. 7 .439.
(3) Admitem a falência ex officio: os Códigos Comerciais francês, art. 440; belga, art. 442; italiano, art. 688, a lei românica de 1885, artigo 701. Na França, a jurisprudência tem modificado a rigidez do texto do art. 440: "Se os credores estão presentes, conhecem a situação e não se queixam, não se admite, em princípio, a intervenção do tribunal; êste não deve, por excesso de zêlo, impedir acomodações amigáveis no interêsse comum ou tornar irrealizável, agravando, uma situação, já comprometida" (LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, vol. 7. 0 , n. 108; Pandectes Françaises, verb. faillite, ns. 1. 226 e segs.) . Na Itália tem sido letra morta a disposição do art. 688 do Cód. ComercÍal. (VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. 8.0 , 5.ª ed., n. 7 .439) . O Cód. Comercial do Chile, art. 1.356, admite a falência ex officio somente se o devedor foge ou se oculta, deixando fecha~o.s os seus escritórios ou armazéns e sem nomear pessoa que adm1mstre os negócios e cumpra as suas obrigações. (4) SRAFFA, Jl fallimento delle società commerciali, pág. 83.
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J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
212. Não pode também iniciar o processo declaratório da falência, sob qualquer pretexto, ou fundamento, o órgão do Ministério Público. A Lei n. 2. 024 estabeleceu "o Ministério Público como fiscal da execução da lei, deixando a defesa dos interêsses dos devedores à vigilância dêstes". (Parecer da Comissão de Legislação e Justiça, em o n. 49 dês te Vol.) . O Dec. n. 917, de 1890, abolira a declaração da falência ex officio, para conferir ao curador fiscal a faculdade de requerer a dos comerciantes impontuais, isto é, daqueles que, sem relevante razão de direito, deixassem de pagar no vencimento obrigação mercantil líquida e certa (art. 4, d) . Para habilitar êsse funcionário a desempenhar tão árdua tarefa, o mesmo decreto determinou que, no primeiro dia útil de cada semana, o oficial dos protestos lhe remetesse relações dos protestos interpostos durante a semana precedente. Não é preciso rememorar a grita que despertou no comércio esta providência, e a crítica severa e justa que se levantou. Dela se abusou criminosamente e até de arma política serviu para perseguir adversários! A reforma de 1902 (Lei n. 859) já havia banido aquela disposição do Dec. n. 917, de 1890, tendo a Comissão de Justiça e Legislação do Senado, no parecer n. 123-1901, se manifestado de modo cabal, precisando até onde podia ser tolerada a ação do Ministério Público nas falências . ( 1) (1) A Alemanha, a Áustria, a Hungria, a Suíça e os Estados Unidos da América do Norte não conhecem a falência promovida pelo Ministério Público, e nesses países o Ministério PúblicJ está hàbilmente organizado. · Na França e na Itália, o Ministério Público, não tem a faculdade de requerer a falência, não obstante poder ser declarada ex officio (nota 3 da pág. 279) . Na Holanda, a falência pode ser declarada, por interêsse público, a requerimento do Ministério Público (lei de 30 de setembro de 1893, artigo 1.0 ) . Em Portugal (decreto de 26 de julho de 1889, art. 5. 0 ), o Ministério Público tem a faculdade de requerer a falência somente no caso de fuga do comerciante ou abandono do estabelecimento. Na República Argentina (Cód. Comercial, art. 1.379, reforma de 1902), o Ministério Público pode requerer a falência nos únicos casos de fuga ou ocultação do comerciante sem deixar representante que dirija os seus negócios e cumpra as suas obrigações.
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SEÇÃO I
Do requerimento da falência pelo próprio devedor
Sumário: 213. A obrigação de o comerciante, pessoa natural ou sociedade, confessar a sua falência. 214. Quanto às sociedades irregulares. - 215. Quanto às anônimas. - 216. Prazo dentro do qual o devedor está obrigado a cumprir essa obrigação. - 217. Sanção. - 218. O devedor pode também requerer a própria falência fora do prazo legal. - 219. A desistência do pedido da falência. 220. O pedido da falência da sociedade anônima no caso de perda de três quartos ou mais do seu capital.
213. Faltando ao pagamento de alguma obrigação comercial, o primeiro dever, que a lei impõe ao devedor comer-
ciante, pessoa natural ou sociedade mercantil, é requerer a declaração judicial da sua falência, expondo as causas que a determinaram e o estado dos seus negócios (1). (Vejam-se os números 248 e segs., infra) . O devedor não espera a ação dos credores. A lei o obriga a denunciar, a confessar logo o seu falimento para que não seja levado à prática de expedientes ruinosos a êle e aos credores. Essa confissão é, também, um direito conferido ao de(1) Lei n. 2. 024, art. 8. 0 . ( *) - Merecem atenção as palavras "d9ve requerer". Trata-se de uma obrigação imposta ao devedor. O Cód. Comercial, art. 805; o Dec. n. 917, de 1890, e a Lei n. 859, de 1902, davam o nome de declaração da falência à denúncia, participação, ou melhor, à confissão que o próprio devedor fazia do seu falimento. Em muitos artigos, êstes atos legislativos empregavam a mesma expressão significando a sente1nça declaratória da falência. Neste vício incorrem também o Cód. Comercial francês e o italiano. Soube evitá-lo o Cód. Comercial belga, empregando o têrmo confissão (aveu) para designar a declaração espontânea do devedor, e declaracão oara indicar a sentença que abre a falência. No antigÔ direito português, a declaração espontânea da falência chamava-se apresentação do falido. (Veja-se FERREIRA BORGES Dicionário Jurídico, verb. falência, falido) . Na 4.ª ed. português~ de PEREIRA E SOUSA, Primeiras_ linhas, ~isboa, 1834, nota 991 encontra-se o processo da apresentaçao dos falidos. 'A Lei n. 2. 024 acabou com esta ambigüidade de expressões. Não há a declaração da falência pelo devedor; há simplesmente o reque-
rimento de falência.
("')
Dec:-eto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, ar.t. 8.º.
~so
J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
vedar, para que "assuma voluntàriamente posição nítida e decisiva em face dos credores, pondo os seus bens em liquidação judicial para o pagamento dêstes". (1) Vê-se nesse ato uma aproximação histórica da cessio bonor-um.
As atuais legislações consagram a declaração da falência pelo próprio devedor. (2) Note-se que o devedor tem de requerer a falência depois de faltar ao pagamento da obrigação e nunca anteriormente a êsse fato, embora se ache impossibilitado de pagar dívida de próximo vencim·en to. As sociedades irregulares (n. 665 do 3. 0 vol., dêste Tratado) devem requerer a declaração da própria falência, pois constituem pessoa jurídica. (3) A lei veda sómente que o sócio requeira em seu próprio nome a falência dessas sociedades, como se dirá em o n. 227, 214.
infra. 215. As sociedades anônimas têm também a obrigação de requerer a falência, se deixam de pagar no vencimento obrigação mercantil ou civil líquida e certa. ( 4) Os administradores ou liquidantes dessas sociedades não precisam convocar a assembléia g-eral para deliberar sôbre o pedido de falência. Esta caracteriza-se por fato certo, positivo; os acionistas não têm de apreciá-lo e julgá-lo. Os interêsses dos credores e dos acionistas podem exigir que a declaração da falência não se retarde. ( * **) (1) BONELLI, Del fallimwto, no Comrnentario al codice di commercio, ed. Milão, vol. 8. 0 , n. 87.
(2) As leis da Inglate:ra e do·s Estados Unidos da América do Norte, que a princípio não admitiam a falência voluntária ( voluntary bankruptcy) para que não desse origem a abusos com a obtenção da discharge, hoje a consagram. Nos Estados Unidos excetuam-se sàniente as corporações. Temos, assim, naquelas nações a falência voluntária e a involuntária.
(3)
Lei n. 2.024, art. 8. 0 , o qual na letra e se refere à sociedadt?A
irregular. ( •)
(4) Lei n. 2.024, arts. 3, ns. 1 e 8, § 2. 0 • ("'*) ( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 8.º, III. ( .. ) Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 9. 0 , II. ( . . *) Hoje é necessária a autorização da assembléia. Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 8. 0 , parágrafo único J
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
281
216. O devedor (pessoa natural, ou sociedade) tem de requerer a declaração da própria falência no preciso prazo de dez dias, contado do dia em que se der o vencimento da obrigação, sendo indiferente que esta seja ou não levada a protesto. (1) (*)
Concede-se decênio, improrrogável, para o devedor preparar os docum·entos instrutivos do seu requerimento. (2) 217. Decorrido o prazo legal sem o cumprimento dessa obrigação, o falido incorre nas penas da falência culposa, se
da omissão resulte ficar fora da influência do têrmo legal da falência algum ato que, dentro dêsse têrmo, seria revogável em benefício da massa. (3) (**)
(1) Lei n. 2. 024, art. 8.º. O Cód. Comercial, art. 805, marcava o prazo de três dias, como ainda fixam os códigos italianos, art. 686, o belga, art. 440, o chileno, art. 1. 345, e o argentino art. 1.384. O Dec. n. 917, de 1890, designava cinco dias. A Lei n. 859, de 1902, marcava dez dias, de acôrdo com o código português, art. 697. A lei francesa de 1889 estabelece quinze dias. (2) Muitas vêzes sucede que o devedor não pode apresentar dentro do prazo de dez dias, depois da falta de pagamento, o balanço do ativo e passivo. A falência, não raro, vem de imprevisto e o de~edor pode ter casas filiais em lugares afastados, das quais lhe não e dado obter exatas informações dentro daquele prazo. O Cód. Comercial, que concedia três dias para a declaração do devedor, art. 817, parece que permitia um prazo suplementar de outros três dias. O Cód. Comercial italiano (artigo 746) resolve o embaraço dando ao juiz a faculdade de autorizar o devedor a exibir o balanço dentro de uma prazo razoável, desde que justifique a impossibilidade da apresentação e seja manifesta a sua boa-fé. Esta solução, por equitativa, tem sido muitas vêzes adotada em nossa praxe. Como o credor pode promover a falência, desde que haja título protestado do devedor, será sempre de grande utilidade para êste requ2rer logo a declaração da sua falência, protestando apresentar no decêndio legal os documentos exigidos no art. 8. 0 da Lei n. 2.024. Dêste modo, êle previne: dúvidas e revela a intenção de cumprir o preceito legal . (3) Lei n. 2.024, art. 169, n. 3. A falta da declaração da falência no prazo legal faz incorrer o devedor nas penas da bancarrota simples (falência culposa) na Austria (Cód. Penal, art. 486), na Itália (Cód. Comercial, art. 889,
Dentro de trinta dias. - Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 8.0 • A pena consiste em ficar o falido impedido de obter concordata. - Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 140, II. ( *)
( * *)
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218. Se é certo que a lei determina o prazo preciso de dez dias a contar do vencimento da obrigação para o devedor requerer a declaração da própria falência, não está êle vedado de requerê-la depois do decêndio. É um direito que se lhe não pode negar (n. 16, supra). A demora acarretar-lhe-á, porém, as penas legais (n. 217, supra) . (1) 219. O devedor que espontâneamente requer a declaração da falência pode retirar o seu pedido até antes de proferida a sentença, pois, até então existem simples atos preparatórios, que ficarão sem valor com a retirada do requerimento que os provocou. (2) Embora impontual, pode o devedor, de momento, encontrar recursos para saldar as suas dívidas exigíveis. Satisfeitas estas, não há necessidade nem vantagens na abertura da falência. O seu ato podia ter sido o resultado de êrro de apreciação, de precipitação irrefletida, de desânimo ou abatimento moral. Se a confissão pode ser retratada por êrro de fato, por que não admitir a retirada do pedido da falência? (3) 220. A sociedade anônima, dando-se a perda de três quartos ou mais do seu capital, tem a faculdade de requerer a n. 2), na República Argentina (Cód. Comercial, art. 1.515,. n. 3) e ~o Chile (Cód. Comercial, art. 1.333, n. 7). O Cód. Comercial frances (art. 586, n. 4) e o belga (art. 574) facultam aio juiz apreciar se nes~a falta houve ou não culpa. O Cód. Comercial português (art. 697) obriga a apresentação do estado de quebra pelo próprio falido, sob pena de
s~
presumir culpa.
Não estabelecem penalidade por esta omissão a lei alemã, salvo para as sociedades anônimas e cooperativas, e as leis inglêsa e americana do norte. (1) Acórdão do Superior Tribunal do Rio Grande do Sul, de 10 de abril de 1908 (Decisões de 1908, págs. 52-55) . Não convence o voto vencido do Sr. V. DO MONTE. (2) RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. l.º, n. 124. (3) Os credores em unanimidade podem opor-se à declaração espontânea da falência do devedor, reputando-a prejudicial a seus interêsses? Não, porque, em nosso sistema de falência, há considerações de ordem pública que a isso se opõem (no mesmo sentido BONELLI, no Commentario al codice di commercio, ed. Milão, vol. 8. 0 , n. 97, nota 8, quanto ao direito italiano). É também um direito do devedor promover a liquidação do seu estabelecimento e muitas vêzes sómente a falência pode levar a êsse resultado.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
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falência, para salvaguardar dos direitos dos credores e acionistas. (1) É êsse outro caso em que o devedor requer espontâneamente a falência.
A lei não determina prazo para a apresentação do requerimento, visto se tratar de ato meramente facultativo. (2)
SEÇÃO II
Do requerimento da falência pelo cônjuge sobrevivente ou pelos herdeiros do devedor
Sumário: - 221. Requerimento da declaração da falência pelo cônjuge sobrevivente ou pelos herdeiros do devedor.
221. A morte do devedor não elide a falência (n. 110, supra). O cônjuge sobrevivente ou os herdeiros podem reque-
rer a declaração da falência (3), representando o devedor no respectivo processo. (4) ~l_®,5 1;1 · 'e
Mas o fundamento da falência, corno é natural, não pode ser outro, nesse caso, senão a falta de pagamento de obrigação mercantil líquida e certa no vencimento, ou na impossibilidade de pagar, ainda que dívida civil, em execução de sentença. (5)
U-2) Lei n. 2.024, art. 9. 0 , § 6. 0 , verbis: " pode ser requerida ... ". (3) Lei n. 2.024, art. 9. 0 , n. I (*). (4) Lei n. 2. 024, art. 5, § 1.º. (5) Lei n. 2.024, art. 9. 0 , n. 1. O caso do art. 2. 0 , n. 2, da Lei n. 2.024, mencionado no art. 9. 0 , n. 1, perdeu a razão de ser em face da Lei cambial n. 2. 024, de 31 de dezembro de 1908. ( •)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 9. 0 , I.
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SEÇÃO III Do requerimento da falência pelo sócio ou pelo acionista Sumário: - 222. 1. Nas sociedades que não revestem a fonna anônima. Qualquer sócio pode, em seu nome, requerer a falência da sociedade; prova a ministrar. 223. Razão justificativa do art. 9. 0 , n. 2, da Lei n. 2. 024. - 224. Resposta a uma objeção contra o direito facultado aos comanditários. - 225. Quanto aos sócios na participação. - 226. O sócio requerente deve provar a sua qualidade. 227. Nas sociedades irregulares, o sócio não pode, em nome individual, requerer a falência da sociedade. - 228. Pode o sócio requerer a falência da sociedade da qual faz parte ascendente, descendente ou afim e cônjuge? 229. II. Nas sociedades anô-
nimas.
222.
I. Nas sociedades comerciais que não revestem a forma anônima. - A qualquer dos sócios é facultado reque-
rer, em seu próprio nome a falência da sociedade comercial. (1) Neste caso não se trata de uma denúncia espontânea da falência por parte da sociedade; o que somente podia ser feito pelos representantes legítimos desta ou por todos os sócios, como se dirá no n. 48, infra. Portanto, o sócio, que, em seu nome individual, requer a falência da sociedade, está obrigado a provar, pelos meios ordinários, que se deu a falta de pagamento de obrigação mercantil no respectivo vencimento, ou que, independentemente desta falta, existe qualquer fato característico do estado de falência. (2) 223. Nas sociedades comerc1a1s há dois tipos de sócios: uns com a responsabilidade ilimitada e solidária; outros, limitada, isto é, restringida ao valor dos fundos pelos quais se responsabilizaram no contrato social. Os primeiros se tornam falidos com a falência da sociedade (3); os segundos Lei n. 2.024, art. 9, n. 2. (•) Acórdão da l.ª Câmara da Côrte de Apelação, de junho de 1907 (na Revista de Direito, vol. 5.0 , págs. 380-381) . (3) Lei n. 2.024, art. 6. 0 . ( . . ) (1) (2)
( •) (U)
11
de
Decreto-lei n. 7. 661, art. 9.0 , II. Veja-se o art. 5. 0 , in principio, do cit. Decreto-lei n. 7.661.
..
~~------------· TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
285
são obrigaenhor comum dos credores. Finalmente, a expropriação foi rejeitada pelo Conselho de Estado, que adotou o seguinte dispositivo, proposto por JAUBERT: "O falido, desde o dia da falência, fica privado, de pleno direito, da administração de todos os seus bens". (Consulte-se LOCRÉ, Esprit du code de commerce, comentário ao art. 442, vol. 3. 0 , págs. 60 e seguintes) . No direito inglês, os bens do falido passam a tittle of bankruptcy para os representantes da massa (trustees) . HOLLAND, The Elements of Jurisprudence, pág. 142: " ... a universal succession takes place when a. . . trustee in bankruptcy succeeds to a whole group of the rights and liabilities of. . . a bankrupt". A lei norte-americana sôbre a falência, de 1898, no art. 70, dispõe: "O síndico da massa falida (the trustee of the estate of a bank-
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
375
copo da falência a liquidação dos bens do devedor e a distribuição proporcional do produto entre os credores, aquêle patrimônio passa como que a título de penhor para a massa ( 1), que fica investida do poder legal de disposição. Sob ruptcy), desde a sua nomeação e posse, seu sucessor ou sucessores se houver mais de um, desde a sua nomeação e posse adquirem, por fôrça da lei, a partir da data da declaração da falência, o direito de propriedade, salvo quanto aos bens isentos da falência: a) sôbre todos os documentos relativos aos bens do falido; b) sôbre todos os lucros nas cartas-patentes de invenção, nos direitos autorais e marcas de fábrica; e) sôbre poderes outorgados em benefício do falido, não, porém, no interêsse de terceiros; d) sôbre os bens alienados em fraude dos credores: e) sôbre os bens, que antes de apresentado o requerimento da falência, podia o falido ter alienado por qualquer modo, ou sôbre os bens que podiam ser penhorados ou vendidos em execução contra êle promovida ... ; f) sôbre todos os direitos e ações relativos a contratos ou a esbulho, detenção ou dano de bens pertencentes ao falido". Por que o direito anglo-americano adotou o sistema da transmissão dos bens do falido aos credores, representados pelos síndicos (trustee)? Que razões o levaram a isso? Explica-nos THALLER, Des faillites en droit coniparé, vol. 1.º, n. 87, que, conforme a organização anglo-saxônia do fideicomisso (trust), freqüentemente usada tanto na matéria de falência como nas fundacões eclesiásticas e no casamento, em favor da mulher, os bens entregues ao fiduciário tornam-se propriedade dêste, com o ônus, bem entendido, de executar êle a missão que a lei ou a vontade do anterior proprietário lhe confiou. A coletividade dos credores, pessoas incertas quando se declara a falência, não tem a precisa capacidade para receber diretamente das mãos do devedor os bens que a justiça manda êle abandone em benefício dos seus credores. De outro lado, os princípios do direito inglês opõem-se a que o falido, perdendo a administração dos bens, conserve a propriedade; é mister que êsses bens passem por uma transmissão, expediente que as leis européias continentais julgaram dispensável. Essa noção britânica de uma cessão de bens pelo falido a título de pagamento, concluiu THALLER, explica bem o efeito liberatório da falência do saldo não pago: uma datio in solutum legal liberta o devedor da anterior obrigação. PARSONS, On contracts, vol. 3. 0 , pág. 428, por sua vez, diz que os bens do falido, estando sujeitos ao pagamento das suas dividas, representam o ces alienum, geralmente empregado no direito romano. Ora, se êsses bens são res alienum, dinheiro dos outros, aos seus donos devem ser logo transferidos. Se o falido deve mais do que pode pagar, tod~s os seus bens pertencem a todos ~s seus credores não a um mais do que a outro, porque a todos igualmente. Por {im processo semelhante à cessio bonorum do direito civil, a lei de falência toma do devedor todos os seus bens e os dá a quem desempenha as funções de síndico da massa, representante dos credores e manda que tais bens sejam entre êstes divididos em proporção aos seus créditos. (1) Na venditio bonorum do direito romano, vemos o patrl-
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êste ponto de vista, a massa exerce uma administração in rem suam. O falido não tem um dominiuni dormiens sôbre os seus bens; menos do que isso, pois que os representantes dos seus credores podem dêles dispor, nos têrmos da lei. 361. Arredando a falência a pessoa do devedor diretamente do processo, as relações existentes entre o falido e cada credor passam a atuar contra a massa. Esta desconjunção de relações, as quais por sua vez sofrem também grandes modificações, não tem por causa a novação, criada pelo estado de falência, como a muitos parece, pois o falido não deixa de ser devedor pelo total do crédito, caso a massa não chegue para integral pagamento, o que sucederia se, efetivamente, se desse a novação. ~ste fato jurídico, ensina o preclaro VIDARI, é uma simples deslocação de funções e de ações, e não uma substituição de devedor; é obra da lei, que se de um lado priva o falido da administração de seus bens, de outro lado entrega esta administração à massa . A lei tira e a lei dá: eis tudo . (1) 362. A massa dos credores, no exercício da sua atividade, funciona em dupla qualidade. a) como representante do falido, sub-rogando-se nos direitos dêstes, ou b) como terceiro, exercendo direitos que lhe são próprios. 363. Como representante do falido, a massa o substitui em seus direitos, não por efeito da vontade dêle mas, por fôrça da lei. É um representante in omnibus et per omnia. Daí a conseqüência seguinte: o direito da massa mede-se pelo direito do falido, ou, mais claramente: a massa não tem mais direitos do que o devedor que ela substitui. l!:ste princípio está de acôrdo com a Lei 175, Dig., de regulis juris: "non debeo melioris conditionis esse, quam auctor meus a mônio do devedor, formando um pignus para os credores. (Veja-se nota ao número 7). A lei húngara de 1881, art. 3.0 , dispõe: "O patrimônio do devedor comum, sôbre o qual a falência é aberta, serve para pagar os credores cujos créditos existiam no momento da declaração da falência". (1) Corso di diritto commerciale, vol. 8.0 , 5.ª ed., n. 7. 876.
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quo jus in me trasit". Assim: o contrato legitimamente celebrado pelo devedor não se r€solve pela falência; o crédito condicional não perde esta natureza (n. 382, infra); os bens gravados com ônus reais continuam no mesmo estado (1); os rendimentos do usufruto dos bens dos filhos menores permanecem sujeitos aos encargos do pátrio poder (2); os bens alheios existentes em poder do falido por ocasião da ab€rtura da falência, devem ser restituídos aos legítimos donos (3); etc. Ainda outra conseqüência: tôdas as exceções, que podiam ser opostas ao falido quando in banis, são permitidas também contra a massa, e esta não tem o direito de invocar favores que o falido não podia gozar. (4) 364. No uso de direitos que lhe são próprios, a massa assume a papel do terceiro: já relativamente ao falido e terceiros, se tem de agir para ser indenizada pelos valores ou bens por êles desviados antes da declaração da falência (5), já relativamente ao sócios de responsabilidade limitada, se êstes não preenchem as quotas que subscreveram (Lei n. 2.024, art. 53), já relativamente a cada um dos credores, se os interêsses individuais dêstes se manifestam em oposição aos interêsses coletivos da massa (n. 374, infra), já, enfim, relativamente a outras pessoas, se contrata serviços para a arrecadação, administração, distribuição, segurança, guarda, conservação e defesa dos bens e interêsses a seu cargo. (6) 365. Daí se conclui que a massa é capaz de contrair obrigações ativas e passivas. Surgem, assim, duas ordens de (1)
(2) (3) (4)
Lei n. 2.024, art. 94. Lei n. 2.024, art. 45, n. 5. (*) Lei n. 2.024, art. 138. (**)
DALLOZ, Supplément au Répertoire, verb. faillite, n. 452.
Acórdão do Tribunal de Justiça de s. Paulo, de 22 de abril de 1919 (na Revista dos Tribunais, vol. 30, pág. 273). (6) É questão muito agitada no direito francês se os credores do falido são representantes dêste, ou terceiros. A jurisprudência é de confusão extrema. LAURENT (Príncipes de droit civil, vol. 19, n. 330) entende que, em regra, os credores são terceiros, e, só excepcionalmente, representantes do devedor, se exercem um direito em nome dêste e se os seus interêsses se confundem com os do mesmo devedor. DALLOZ, no Répert., verb. Obligation, n. 3.992, no mesmo sentido, e no Supplément au répert., verb. Obligation, n. 1. 638, expõe com clareza as diversas nuances da jurisprudência francesa sôbre esta questão. ( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 42. ( **) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 76. (5)
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credores: credores concorrentes, que constituem a massa, credores na massa (Lei n. 2. 024, arts. 91 e segs.), e credores da massa (Lei n. 2. 024, arts. 128 e segs.) . Sôbre êsses últimos credores falaremos na Seção II dêste capítulo. 366.
A formação da massa dos credores, imediata con-
seqüência da declaração da falência, produz os efeitos seguintes: l.º a suspensão das ações e execuções individuais; 2.º o vencimento antecipado das dívidas do falido; e 3. 0 a não fluência de juros contra a massa. É o que passamos a examinar. ARTIGO I
Da suspensão das ações e execuções singulares ou individuais dos credores Sumário: - 367. Incompatibilidade do exercício das ações singulares dos credores com a falência. 368. Providências sôbre as ações e execuções pendentes. - 369. Continuação. 370. Exceções ao princípio da suspensão das ações singulares ou exclusivas. - 371. 1.ª Ações fundadas em títulos não sujeitos a dividendos ou rateio. 372. Conclusões. 373. No caso de concordata. - 373 bis. No caso da reabertura da falência para rescisão da concordata. - 373 ter. Meios dos quais podem usar os liquidatários para terminarem as questões pendentes. 374. 2.ª As ações e reclamações nas quais os interêsses do credor singular se manifestam contrários aos dos outros.
367. A razão de ser da falência consiste em substituírem-se as execuções exclusivas ou singulares por uma execução geral ou coletiva, onde se proceda a liquidação integral do ativo e passivo do devedor. O exercício da ação individual dos credores é manifestamente incompatível com a falência. Daí o aforismo: con-
cursus sistit processus . O princípio fundamental da falência é, como temos dito a igualdade entre os credores, a par conditio creditorum . s~ cada um adquire o direito de impedir aos outros se avantajarem, perde em compensação, a liberdade de proceder por si só com o intento de pagar-se prfeerencialmente, salvo se legítima causa existe em favor do seu crédito. A falência neu-
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traliza o vigilante esfôrço do devedor; na expressiva frase de KENT, the race of diligence between them is wholly interrupted . ( 1)
to
gain advantages
368. A Lei n. 2. 024 dispõe, no art. 25, princ.: "As ações e execuções individuais dos credores sôbrn direitos e interêsses relativos à massa falida, ficarão suspensas, desde que seja declarada a falência e até ao encerramento desta". Paralisam-se as ações e execuções sôbre créditos de natureza patrimonial que se refletem na falência, por outra, que são nesta compreendidos e os autores ou exeqüentes devem ir ao juízo da falência alegar e provar o seu direito (2), ainda Comme:ntaries on American law, vol. 2.0 , pág. 635. (2) Lei n. 2. 024, art. 24, pri.nc. ( *) A respeito das ações intentadas pelos falidos ou contra êles (suits by and against bankrupts), dispõe a lei norte-americana de 1898, no art. II: "a. A ação, fundada sôbre direito sujeito aos efeitos da reabilitação (discharge), pendente contra o devedor ao tempo em que fôr requerida a sua falência, ficará susriensa até que seja esta declarada ou não. Se a falência fôr declarada, a ação pode continuar suspensa durante um ano, a contar da data dessa declaração, ou, se dentro dêsse ano, o falido pedir a discharge, até que seja decidida. b. O tribunal pode ordenar que o trustee assista e defenda qualquer ação pendente contra o falido. e. Ao trustee é nermitido, com autorização do tribunal, continuar, como tal, qualqÜer acão iniciada pelo falido antes de declarada a falência, com os mesmos efeitos, como se fôsse por êste iniciada. d. Dois anos depois de encerrada a falência, nenhuma ação poderá ser intentada nelo trustee ou contra êle". Essa disposição legal providencia,- como se vê, sôbre o adiamento das ações :pendentes contra o falido ao tempo em que é requerida a falência. Dois são os fins da lei, determinando o adiamento: 1.0, evitar incômodos e prejuízos ao falido com essas ações, se se acha êle de boa-fé e promove a discharge, cuja consecução inutilizaria o esfôrço do credor; 2. 0 , evitar que uns credores se avantajem a outros (ln re Metcalf & Duncan, 1 B. R. 201; in re M. Rosenberg, 2 B. R. (1)
236) .
Sendo êsses os dois fins, não deveriam ser permitidas as ações dos credores contra o falido. A lei considera os credores bastantemente garantidos com as reclamações no processo da falência e se o crédito está sujeito aos efeitos da discharge, o falido nenhum prejuízo sofre em virtude rdas ações promovidas em outros tribunais, pendente o oedido da discharge. Se esta fôr concedida, servirá de arma de defesâ, elidinrdo o direito o autor; se fôr negada, o credor fica com o direito de exigir o seu crédito ou o saldo, se já recebeu os dividendos (COLLIER, On bankruptcy, pág. 102). Como a oronriedade dos bens do falido, nelo direito norte-americano, passa -para o síndico, estabelece a le( a prescrição das ações, ( •)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 23.
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que estejam na justiça federal. (1) Se êste direito obtiver reconhecimento, aquêles autores ou exeqüentes incorporar-se-ão à massa credora. Se fôr denegada, encerrada a falência ou f armada a concordata, poderão êles prosseguir a ação ou a execução contra o devedor, se êste contestou o crédito por ocasião da verificação. (2) Note-se que a declaração da falência do devedor não extingue o direito individual do credor; suspende simplesmente o seu exercício até que seja encerrada a falência. 369. Achando-se os bens penhorados já em praça, com dia definitivo para a arrematação, fixado por editais, far-se-á esta, entrando o produto para a massa. Se, porém, os bens já tiverem sido arrematados ao tempo da declaração da falência, sàmente a sobra entrará para a massa, depois de pago o exeqüente (3). Note-se bem, o exeqüente não vai receber na falência; porém, no próprio juízo da execução . (4) 370. A inibição do exercício da ação exclusiva ou singular fora da falência não é, porém, absoluta; comporta exceções, justificadas pela necessidade de garantir os direitos do litigante sem perturbarem a estrutura e a índole da falência. Apreciemos essas exceções. depois de encerrada a falência. A máxima interest rei publica, sit finis litium serve de fundamento à disposição do inciso d acima·
Dêsse modo a lei federal revoga as leis estaduais reguladoras das prescrições das ações, o que se acha compreendido nos poderes constitucionais do Congresso Nacional, porque lhe foi conferida a atribuição de legislar sôbre falências (Peiper v. Harmer, 5 B. R. 252). (1) Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 16 de maio de 1914, no Diário Oficial de 25 de setembro de 1915, e outros citados na nota ao n. 201. (2) Lei n. 2. 024, arts. 136, § 2. 0 e 86, § 4. 0 • ( • ) (3) Lei n. 2.024, art. 25, § 1.0, 2.ª alínea. (**) (4) Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 8 de junho de 1911 (no S. Paulo Judiciário, vol. 26, págs. 172-173). O juiz da execução deve, nesse caso, ordenar que se passe o mandato de levantamento do produto da arrematação em favor do exeqüente, sem se importar com o processo da falência. ( •) A disposição do art. 86, § 4.0, da Lei n. 2.024, de 1908, foi suprimida pela Lei n. 5.746, de 1929. Nem para o vigente Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945. (..,.) Decreto-lei n. 7. 661, art. 24, § 1.0.
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371. 1.ª exceção. As ações e execuções fundadas em títulos não sujeitos a dividendo ou rateio, iniciadas antes da declaração da falência do devedor. (1) Entre êsses títulos figuram os que conferem um privilégio geral ou particular. Se tivessem de ser rigorosamente aplicados os princípios dominantes da falência, onde se liquida o patrimônio integral do devedor, essas ações ou execuções deveriam ser suspensas, para que os bens, destinados à garantia daqueles credores, fôssem vendidos por intermédio dos órgãos da massa. Pagos êsses credores, tornar-se-iam sem efeito as ações ou execuções. A lei transigiu um pouco para respeitar direitos adquiridos pelo credor privilegiado. ~ste já penhorou os bens móveis ou imóveis do devedor destinados à sua garantia. Há despesas e custas, há penas convencionais em que incorrem o devedor, especialmente as estipuladas para o caso de cobrança judicial, de ordinário aplicadas a honorários de advogados. Eis porque a lei determinou que as ações e execuções já iniciadas pelos credores privilegiados não se suspendessem com a superveniência da falência do devedor, porém, continuassem com os síndicos no período de informação e com os liquidatários no período de liquidação (2) . Veja-se n. 348, supra).
372.
Daí as conclusões seguintes: l.ª Estes credores não precisam apresentar a declaração do seu crédito (3); êste não se acha sujeito à verificação e classificação na falência. (4) 2.ª Os mesmos credores não participam nas deliberações da massa porque desta não fazem parte (n. 348, supra). 3.ª Os credores privilegiados têm sôbre os bens destinados à sua garantia à preferência a quaisquer outros. (5) (1)
(2) (3)
(4)
tembro
Direito, (5)
Lei n. 2.024, art. 25, § 2. 0 • (•) Lei n. 2.024, art. 25, § 2. 0 • ( . . ) Lei n. 2. 024, art. 82. Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 23 de sede 1913, m_antendo a sentença de 1.ª .instância (na Revista de vol. 31, pags. 387-390) . Lei n. 2.024, arts. 91 e 94 e 129; Cód. Civil, art. 755.
( •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 24, § 2. 0 , I. ( • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 24, § 2.0, I.
3S~ J ------
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Se não forem pagos na ação que promovia111 desde antes de declarada a falência do devedor, porque o produto dos bens penhorados ou dos que lhes serviam de garantia não chegou para a solução da dívida privilegiada, êsses credores devem pedir a entrada para a massa, na qualidade de privilegiados ou quirografários, conforme o seu direito pelo saldo dos seus créditos, mediante o processo do art. 87, da Lei n. 2. 024, podendo achar ali a reserva do seu dividendo, se usaram u.tilmente da faculdade que lhes dá o art. 134 da mesma lei. O processo do art. 87 da Lei n. 2. 024 é indispensável no caso, porque os credores privilegiados, entre êstes os hipotecá1ios, são incluídos entre os quirografários pelo saldo dos seus créditos, independente de formalidade, somente se se habilitaram nos têrmos do art. 82 da mesma lei, fazendo parte da massa e se os bens oferecidos em garantia são vendidos administrativamente pelos liquidatários (1) . Sem a formalidade da verificação do crédito nenhum credor pode concorrer na falência. (2) 373. Formada a concordata entre o devedor e os seus credores quirografários, os credores com privilégio especial prosseguem a ação que moviam contra o devedor, pois a concordata encerra a falência, entrando o devedor na administração dos seus bens (3). Eis outro motivo que justifica a continuação das ações e execuções dos credores privilegiados (com garantias especiais), não obstante a falência do devedor. Êsses credores, no caso de concordata do devedor, não perderam tempo, o que é de suma vantagem a seus interêsses. 373 bis. Pode acontecer que solvida a falência pela concordata, o credor com garantias especiais, não sujeito a rateio ou dividendo, acione ou execute o devedor e que no (1) Lei n. 2.024, arts. 99, e, e 130. (•) (2) Lei n. 2.024, art. 24. ( .. ) (3) Somente os credores privilegiados sem garantias especiais recebem a importância dos seus créditos antes da entrega dos bens ao concordatário. (Lei n. 2. 024, art. 112, n. 1) . ( • u ) .
( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, arts. 102, e 125. ( .. ) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 23. ( • • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 183, parágrafo único, I.
§ 4. 0 ,
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curso da ação ou execução a concordata seja rescindida e a falência reaberta. A reabertura da falência não inutiliza essa ação ou execução, que prossegue com os representantes da massa, ficando sujeita à disposição do art. 25, § 2.º, da Lei n. 2.024. (1) 373 ter. Não obstante os credores privilegiados nas condições em que os temos apreciado, estarem fora da massa, os liquidatários podem, se acharem de conveniência para esta: a) acordar com êles sôbre a venda dos bens que servem de garantia especial (2); ou b) transigir nos têrmos do art. 67, parágrafo único, n. 6, da Lei número 2. 024. Aos síndicos, no período de informação, não é permitida essa faculdade. Devem manter o statu quo, limitando-se a defender os direitos e interêsses da massa no período provisório e rápido da sua gestão. (3) 374 . 2. ª exceção . As ações e reclamações, nas quais os interêsses do credor singular se manifestam contrários aos dos outros credores, coletivos ou singulares. Neste caso, a personalidade do credor não é unificada nem absorvida na dos síndicos, ou liquidatários, representantes da massa, e não (1) Nesse sentido julgou a 2.ª Câmara da Côrte de Apelação em acórdão de 8 de janeiro de 1915 (na Revista de Direito, vol. 38, págs. 389-340. Diz êsse acórdão nos seus principais considerandos: "C. .que, segundo o taxativamente disposto no art. 25, § 2.0 , da Lei n. 2.024, as ações hipotecárias iniciadas antes da decretação da falência seguem o seu curso normal no juízo, onde foram começadas com os síndicos ou liquidatários; c. que o fato de ter sido reaberta a falência posteriormente à propositura da ação, pelo não cumprimento da concordata, não altera os .efeitos da disposição supra-mencionada, pois a concordata aceita e homologada restabelece o falido na plenitude de seus direitos e na livre disposição de seus bens (art. 111); C. que o juiz a quo mandando vender os bens hipotecados em leilão no processo da falência, apesar de negado cumprimento à avocatória do processo hipotecário pelo juiz da 6.ª Vara Cível, procedeu contra a expressa disposição de lei, causando destarte gravame de monta a agravante: acordam, em 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, prover o agravo, a fim de que o juiz a quo torne de nenhum efeito o despacho que mandou vender em leilão os bens hipotecados e cuja execução corre por outro juízo". (Relator o Sr. GEMINIANO DA FRANCA) . (2) Lei n. 2.024, arts. 67, 121 e 122. (3) Lei n. 2.024, art. 65.
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está êle, portanto, vedado de defender individualI11ente os seus direi tos . Assim, quando excluído da massa (1), quando não se conforma com a classificação do seu crédito (2), quando impugnada a admissão de qualquer credor (3), quando dissidente da concordata, etc., etc., pode obrar individualmente já contra a própria massa, já diretamente contra outro credor. ARTIGO II Do vencimento antecipado das dívidas do falido Sumário: 375. Razões justificativas da disposição do art. 26 da Lei n. 2.024. - 376. O vencimento antecipado compreende tôdas as dívidas do falido. 377. Particularidades relativas às letras de câmbio e às notas promissórias. 378. Não se refere, porém, aos seus créditos. - 379. O vencimento antecipado é circunscrito à falência e para os efeitos desta. - 380. Exceções ao princípio do vencimento antecipado. - 381. 1.ª exceção. - 382. 2.ª exceção. - 383. 3.ª exceção. - 184. 4.ª exceção. - 385. Particularidades relativas às letras de câmbio e notas promissórias. 386. 5.• exceção. - 387. Abatimento dos juros. - 388. Debênturcs.
375. A falência reclama o nivelamento de todos os credores, sejam vencidas ou vincendas as suas obrigações, de modo a se acharem em posição definida no momento em que se inicia a execução geral sôbre os bens do devedor comum. Todos confiaram no crédito que inspirava o devedor quando lhe concederam o prazo; a falência abatendo a confiança e fazendo desaparecer, portanto, o fundamento do prazo (4), nada mais justo do que sujeitar todos os credores à mesma sorte, reduzindo os seus direitos ao mesmo denominador coLei n. 2 . 024, art. 84, § § 2 e 3 e 86 . (2) Lei n. 2. 024, art. 86. (3) Lei n. 2. 024, art. 83, § § 5-6, e art. 86. (4) POTHIER, Obligations, n. 234: "Le terme accordé par le créancier au débiteur, est censé avoir pour fondement la confiance en sa solvabilité: lors donc que se fondement vient à manquer, l'effet du terme cesse". VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7. 582. A exigibllidade de tôdas as dívidas passivas do falido, ainda não vencidas, sejam comerciais ou civis, baseia-se, diz o Acórdão de 4 de junho de 1886, da Relação de Pôrto Alegre, "no manifesto intuito de promover-se uma liquidação geral para salvaguardar o mais possível os direitos de todos aquêles que indistintamente foram prejudicados pelo sinistro da falência" (0 Direito, vol. 1, pág. 580) . o)
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mum jurídico, isto é, a um vencimento geral e contemporâneo, sem preferência nenhuma. Por outro lado, a necessidade de acelerar e facilitar as operações da falência, submetendo os direitos diversos dos credores a um tipo único no interêsse da coletividade dêstes e do próprio falido, aconselha a equiparação dos créditos vencidos aos créditos a vencer, a fusão de todos os créditos em um só crédito que, na ocas1ão da abertura da falência, se ache vencido e exigível. Faltaria a falência a seus fins o ativo se distribuísse pelos titulares dos créditos vencidos, deixando-se de satisfazer aos dos ainda não vencidos; seria ainda inconveniente e absurdo adiar as operações da falência atk que expirassem os prazos de todos os créditos, forçando os vencidos a esperarrm pelos não vencidos . Justificam, pois, a disposição do art. 26 da Lei n. 2. 024, quando faz decorrer pleno jure da sentença declaratória da falência o vencimento antecipado das dívidas passivas do falido, três motivos, cada qual de ordem mais elevada, intimamente vinculados à índole do instituto: o tresmalho do crédito do devedor, a necessidade de fixar a igualdade entre os credores e a facilidade da liquidação. (1) O Cód. Civil, no art. 954, confere ao credor o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no con(1 > O vencimento antecipado ou prematuro de tôdas as dividas passivas do falido era admitido desde o nosso antigo direito (SILVA, à Odr., Liv. 3.º, Tít. 35, n. 2; CORR:e.A TELLES, Dig. port., vol. 1.0 , art. 368; COELHO DA ROCHA Dtr. civil, vol. 1.0 , § 147, n. 4), e achase consagrado em tôdas as l~gislações estrangeiras. Códigos comerciais francês, art. 444; belga, art. 450; italiano, art. 701;_ espanhol, art. 883; argentino, art. 1.459; chileno, art. 1.367; portugues, art. 710; lei alemã de 1898, art. 65; lei suíça, art. 208; lei românica, art. 715; lei húngara, art. 14. . O nosso Cód. Comercial, no art. 831, estabelecia o mesmo principio, mas a partir da qualificação da quebra. As dúvidas sõbre a interpretação dêste artigo podem ser vistas em ORLANDO, Cod. Com., 6.ª ed., nota 1. 091 . O Dec. n. 917, de 1890, no art. 23, e a Lei n. 859, de 1902, no nrt. 29, dispunham: "A declaração da falência torna exigiveis tõdas as dívidas passivas do falido, comerciais ou civis, observadas as regras do desconto pela taxa legal, quando outra não tiver sido estipulada". 2!1
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trato ou neste código, se executado o devedor, se abrir concurso creditório. 376. O vencimento antecipado compreende tôdas as dívidas passivas do falido, comerciais ou civis, quirografárias ou privilegiadas (1), a prazo certo ou incerto, de vencimento convencional ou facultativo, tenham por objeto dinheiro ou coisas que se possam igualar à moeda ao justo valor da época da falência, e isso pelo interêsse da massa. 377. As letras de câmbio e as notas promissórias, porém, só se vencem antecipadamente, relativamente a coobrigados se, ocorrendo a falência do aceitante naquelas ou do emitente nestas, o portador tira o protesto. (2) Dada a falência do sacador, do endossador ou do avalista, ao portador não é permitido o protesto. O título não se vence. Os efeitos dêste vencimento extraordinário (como se chama no direito cambial) ou antecipado (conforme o qualifica_tivo da lei de falência) consistem em ficar suspensa a circulação do título e poder o portador exigir dos coobrigados o pagamento imediato. (3) Na letra de câmbio ( 4), êsses efeitos cessam nos dois casos seguintes, ficando o pagamento diferido até o vencimento ordinário da letra: l.º se extinguindo outro sacado nomeado, êste aceita a letra; 2. 0 se se dá a intervenção voluntária de algum aceitante, com aquiescência do portador da letra. (5) 378. -O vencimento a'ntecipado não se refere aos créditos do falido, mas sàmente, como diz a lei, às dívidas do falido. Não há reciprocidade, pois que, relativàmente aos devedores (1) Consulte-se o art. 762, n. II, do Cód. Civil. _ (2) Lei n. 2. 024, de 31 de dezembro de 1908, arts. 19, n. II, e 56. A lei não estabeleceu tempo para a interposição dêsse protesto; deixou-o inteiramente à vontade do portador. (3) Consulte-se PAULO DE LACERDA, A cambial no direito brasileiro, n. 206. (4) Na nota promissória, não havendo aceitante, não é possível aplicar o que a lei nesses casos determina relativamente à letra de câmbio. , (5) LeLn. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 19, 2.ª almea.
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do falido, não militam os mesmos motivos expostos no n. 375, supra. Não se lhes pode obrigar a pagarem antecipadamente uma obrigação a prazo, em virtude de um acontecimento ao qual são de todo estranhos, e que lhes não pode ser imputado. 379. O vencimento antecipado, que emerge da falência, todo acidental, impôsto pela lei, vencimento artificial, na frase de BORSARI, não produz os mesmos efeitos do vencimento ordinário pela expiração natural do prazo ou pela falta de prazo. Os seus efeitos não ofendem nem prejudicam a terceiros; são circunscritos à falência; o seu objetivo é simplesmente habilitar o credor a tomar parte nos atos da falência, a receber os seus créditos nos rateias ou dividendos, como se êstes créditos fôssem vencidos na época convencional. (1) Daí o corolário seguinte: - o vencimento antecipado não dá aos credores o direito a pronto pagamento; êles devem esperar que se liquide o ativo da massa e se estabeleça o dividendo proporcional. Não podem, conseguintemente, acionar a massa (n. 368, supra), salvo os casos expostos em o n. 374, supra. Não há exigibilidade, mas sàmente vencimento antecipado. Vencem-se as dívidas do falido para serem pagas na falência pelo modo e no tempo a esta relativos. A Lei n. 2. 024 limpou a impureza das leis anteriores. (2) 380. O princípio do vencimento antecipado ou imediato das dívidas do falido não é absoluto. Exceções existem, como passamos a mostrar: (1) O Cód. Comercial chileno, art. 1.367, faz certo que a declaração da falência torna exigíveis a respeito do falido tôdas as suas dívidas passivas, para o único efeito de os credores intervirem nas operações da falência, e perceberem os dividendos correspondentes ao valor atual de seus respectivos créditos. E acrescenta: Entende-se por valor atual a quantia que, posta a .juros correntes pelo tempo que faltar para o vencimento do prazo, forme o caoital nominal da dívida. O valor atual refere-se à época dos respectivos dividendos. (2) A expressão "as dívidas serão exigíveis" do Cód. Comercial, art. 831, do Dec. n. 817, art. 23, e da Lei n. 859, art. 29, incorria em censura, por isso que os credores não podiam receber de pronto o seu pagamento.
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381. 1.ª exceção. As obrigações que procedem de contratos bilaterais a prazo. A falência não resolve êsses contratos (art. 47) (*). Nêles as partes devem ser tratadas no mesmo pé de igualdade; a obrigação de uma é subordinada à da outra. Se o falido nada recebeu, nada deve ao outro contratante. Os contratantes gozam o prazo até o seu têrmo. (1)
2.ª exceção. As obrigações sujeitas à condição suspensiva, visto que tal condição se refere à própria existência da dívida e não sàmente ao seu vencimento. Os créditos sujeitos à condição figuram na falência, mas o seu pagamento adia-se até que se verifique a condição (Cód. Civil, art. 118). (2) O credor condicional, conquanto ainda não disponha do direito certo e atual de exigir a dívida, pode praticar todos os atos lícitos que tenham por fim conservar os seus direitos eventuais (Cód. Civil, art. 121), e entre êstes se acham o de requerer a falência do devedor (n. 241, supra), e o de participar no processo da falência. Mas, enquanto a condi382.
(1) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , n. 7.589; CUZZERI, 1l codice di commercio commentato, ed. Verona, 2.ª ed., vol. 8. 0 , n. 174; SEGOVIA, Explicación y crítica del nuevo código -de commercio, n. 3.0 , nota 4.545, in fine. (2) Lei n. 2.024, art. 26, § 1.0, n. 1. ( .. ) - O Cód. Civil, art. 114:"Considera-se condição a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto". No art. 115, dispõe o mesmo código: "Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo o efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes". Confunde-se muitas vêzes, a palavra condição com cláusula, que depende exclusivamente do arbítrio das partes contratantes. O art. 191 do Cód. Comercial labora nesta confusão empregando a palavra condição po.r cláusula. Estas condições, segundo SAVIGNY, são, pelos intérpretes do direito romano, chamadas: conditiones tacitre, ou qure insunt, tacite insunt, -extrinsecus veniunt, muito diferentes das condições cuja noção científica demos acima. · DERNBURG (Pandekten, P. I. § 107) chama tais condições de impróprias e diz: "as c::mdições impróprias têm a forma, não têm, porém, a substância, a essência da condição. Algumas são ineficazes. Podemos chamá-las condições aparentes". (Wir konnen sie Scheinbe-
dingungen nennen).
( •) principio.
( • •)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 19-45, art. 43, in Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 25,
§
2.0
•
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ção, o direito permanece suspenso; não se pode dizer que exista, e, sim que é apenas possível. Nas obrigações condicionadas tendo o credor sàmente a possibilidade ou eventualidade do direito, o vencimento antecipado, por efeito da falência, não pode ser aplicado a estas obrigações, salvo se o credor se sujeitasse à caução de restituendo, em favor da massa, para o caso da conditio defecta.
(1)
A lei, como meio indispensável à conservação dos seus direitos, mandou contemplar na falência tais obrigações, depositando-se os dividendos e diferir o pagamento até que se verifique a condição. (2) Se a condição se realiza, a relação jurídica dela decorrente existe como se condicional não tivesse sido, os seus efeitos retrotraem-se em geral ao dia em que se concluiu o contrato - retrahitur impleta conditio ad conventionis diem (3) e o credor já encontra na massa o seu direito perfeitamente garantido. Se, ao contrário, vem a faltar a condição suspensiva, ou se se torna certo que ela não se realizará, o contrato não produzindo efeito, o dividendo reservado volta para a massa. (4)
(1) A lei austríaca, § 16, e Cód. Comercial chileno, art. 1.370, autorizam a entrega do dividendo, se o credor, condicional der fiança para a restituição com juros, à massa da falência. Esta solução não poderia ser admitida entre nós. (2) Não diexa de ser procedente a seguinte observação de MARTIN, Loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite, pág. 196: "Cette solution présente d'assez grands inconvénients. Si la condition consiste dans un événement tres incertain, qui probablement ne s'accomplira jamais un dividende peut-être considérable sera réservé pour un temps Índéfini au grand détriment des créanciers qui ont un droit actuel et certain". (3) L. 11, § 1. 0 , in fine, Dig. XX, 4. (4) O credor sob condição resolutiva, ao contrário do credor sob condição suspensiva, apresenta-se na falência pela importância nominal do seu crédito como se fôsse puro e simples (venditio pura, quce sub conditione resolvitur, segundo a fórmula romana) . Mas, antes de receber dividendos, deve prestar caução garantindo a restituição das quantias recebidas, caso a condição se realize (Cód. Civil, art. 119). Consultem-se RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. l.º, n. 64; MARTIN, Loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite, pág. 196) .
390
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Entre os credores condicionais figuram os endossadores de letras de câmbio. (1) 383. 3.ª exceção. As letras hipotecárias emitidas pelas sociedades de crédito real (2) . O fundamento dessa exceção
acha-se nos arts. 357 e 358 do Dec. n. 370, de 2 de maio de 1890, dispondo: o l.º: "Desde o princípio da liquidação forçada (falência) e durante tôda ela, os direitos dos portadores das letras hipotecárias e as obrigações dos mutuários serão os mesmos que dantes", e o 2. 0 : "Assim que os portadores das letras hipotecárias continuarão a perceber os juros anuais, bem como o pagamento por via de sorteio e os mutuários não serão obrigados senão a pagar as suas anuidades". 384. 4.ª exceção. As obrigações solidárias a prazo relativamente a terceiros, coobrigados com o falido.
Art. 26 da Lei n. 2. 024 dispõe que a falência produz o vencimento antecipado de tôdas as dívidas do falido; exclui implicitamente os coobrigados com o falido em dívida não vencida ao tempo da falência. É de justiça que êsses coobrigados não percam o benefício do prazo por um fato que lhes não é imputável; nemo ex alterius facto prregravari potest. O credor de obrigação solidária a prazo pode, à sua vontade: ou apresentar-se na massa pela totalidade do crédito, pois relativamente ao falido a obrigação se acha vencida; ou esperar a época do vencimento convencional para receber do coobrigado a importância integral do crédito. O efeito principal da solidariedade entre devedores é obrigar cada qual a representar os outros na obrigação de pagar integralmente a dívida. A falência de um não produz a do outro; não é lícito, portanto, tornar vencível o prazo que goza o devedor in banis . Parecerá talvez singular que uma dívida solidária se torne vencida relativamente a um coobrigado e não a outro; ,uma espécie de obrigação-jano. Nas obrigações solidárias entre devedores não é essencial, porém, a unidade nas suas determinações acidentais. Um devedor pode obrigar-se pura(1) GOETZNGER, no Commentaire ~u code fédéral des obligations de SCHNEIDER et FICK, vol. 2.0, pag. 302, nota 5. (2) Lei n. 2.024, art. 26, § 1.0 , n. 2.
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391
mente, outro, a prazo ou sob condição, mantendo a solidariedade (1). Também não é exigida a unidade de lugar e de tempo. Os contratantes podem obrigar-se em lugares e tempos diversos, conservando a solidariedade desde que a vontade de todos os interessados concorra para a criação dêsse vínculo jurídico. (2) 385. Em virtude da natureza especial das letras de câmbio e das notas promissórias e do papel que desempenham nas relações mercantis, dando-se a falência do aceitante ou do emitente, êsses títulos consideram-se vencidos, logo que o portador tira o protesto (3), e um dos efeitos dêsse vencimento antecipado é, conforme dissemos em o n. 377, supra, poder êle exigir dos coobrigados o pagamento imediato. Os coobrigados não podem diferir o pagamento dando fiança, pois o título está vencido. (4) Outrossim, se o pagamento continuar diferido até o vencimento ordinário da letra de câmbio nos dois casos expostos em o n. 377, supra, o portador ou credor não tem o direito de exigir fiança dos coobrigados. (5) Ocorrendo a falência de qualquer dos endossadores a letra ou a nota promissória não se vence pelo protesto do portador. Assim, pois, a falência do endossado posterior não autoriza o protesto e muito menos a ação regressiva contra os endossatários anteriores. O título vencer-se-á normalmente no dia nêle declarado. (6) 386. 5.ª exceção. As fianças, prestadas ao falido, por dívidas comerciais ou civis ainda não vencidas.
O fiador do fali do, por obrigação comercial, é solidário Cód. Civil, art. 897. (2) GIORGI, Obbligazioni, vol. 1.0, n. 141. (3) Lei n. 2. 044, de 31 de dezembro de 1908, arts. 19, n. II, e 56. (4-5) A Lei n. 2. 044, de 1908, no art. 19, n. II, revogou o art. 26, § 2. 0 , da Lei n. 2.024, na parte em que impunha a obrigação da fiança na falta de pagamento imediato pelos co-obrigados, caracterizando a falência dos co-obrigados a infração dessa obrigação (art. 2. 0 , n. 2) . (6) Lei n. 2. 024, art. 26, § 2. 0 , 2.ª P., que seria escusada, mas tem ainda agora aplicação ( • ) . (1)
( •)
Essa disposição não passou para a Lei n. 5. 746, de 1929.
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(art. 258 do Cód. Comercial) e a êle aplicain-se as considerações expostas no n. 384, supra. O fiador, por obrigação civil, também não é obrigado antes do prazo convencional (seja embora simples a fiança), não obstante o vencimento imediato das dívidas passivas do falido. O vencimento antecipado é de lei, escreve VIDARI, e um fato estranho ao contrato não pode modificar a condição jurídica de uma pessoa alheia à falência . ( 1) 387. Abatimento dos juros. Manda a lei n. 2. 024, no art. 26 (*), que relativamente às dívidas passivas do falido com prazo certo, vencidas em virtude da falência, se abatam os juros legais (6%), se outra taxa não houver sido estipulada. Trata-se de uma operação idêntica à que praticam diàriamente de um crédito próprio ou alheio. (2) A disposição legal tem por fim evitar que o titular de um crédito, ainda não vencido no dia da declaração da falência do devedor, encontre meio de lucrar, gozando relativamente à causa melhor posição do que a que tinha relativamente ao fali do . Desse a massa grande dividendo, e o credor a prazo pago antes do vencimento da obrigação ganharia com a falência do devedor. Antecipação do vencimento sem o desconto sôbre o valor nominal do título equivaleria a um benefício, a uma melhora de direito. A experiência mostra-nos que se é credor de quantia menor quando se contrata receber a dívida a prazo mais ou menos longo do que quando se contrata recebê-la à vista. (3) ( 1) O Cód. Federal Suíço das Obrigações, art. 500, e o código argentino, art. 1.463, contêm disposição expressa nesse sentido. o fiador não deve sofrer um gravame, em suas responsabilidades, escreve ROSSEL, Manuel du droit fédéral des obligations, n. 658, comentando o art. 500 acima referido, por causa da falência do devedor principal. O vencimento convencionado desde o comêço e aceito pelo fiador não pode ser antecipado contra êle, por qualquer sucesso, salvo expresso consentimento. (2) Consulte-se sôbre descontos o laureado tratado sôbre a Contabilidade, de HORACIO BERLINCK, 5.ª ed., págs. 229 e segs. (3) O Cód. Comercial francês autoriza os credores a prazo a fi( •)
Decreto-lei n. 7. 661 de 21-6-45 art. 25 tn principio.
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388.
A falência torna vencidas as obrigações ao portador (debêntures), emitidas pelas sociedades anônimas e em comandita por ações, porque a essa prescrição estão sujeitas as dívidas passivas privilegiadas (n. 376, supra) . Se, na época da declaração da falência, não estão vencidas, admitem-se essas obrigações pelo seu valor nominal, deduzido o que a sociedade já pagou a título de amortização ou de reembôlso sôbre o capital de cada uma (n. 1.339 do 4.t volume). O valor nominal é a importância que a sociedade deve, que se obrigou a pagar. ( *) gurarem na falência, em virtude do vencimento antecipado, pela importância nominal dos seus créditos, sem dedução. Os escritores franceses censuram essa disposição pela sua injustiça e pelo êrro econômico que contém. Um crédito de 100 francos, dizem êles, pagável em seis meses, não equivale a um crédito igual pagável à vista pois na fixação do preço estipulado com pagamento a prazo, o credor atendeu ao tempo em que ficaria privado do seu dinheiro e aumentou, por conseqüência, o valor da fatura. A lei alemã, de 1898, no art. 65, dispõe: "Os créditos a prazo consideram-se vencidos. Se o crédito a prazo não produz juros, reduzse à soma que, acrescida dos seus juros legais, contados desde o dia da abertura da falência até o do seu vencimento, seja igual à importância integral do mesmo crédito". O cálculo faz-se pela chamada fórmula de HOFFMANN: 100 X=
100
+
s ti
onde x é a importância que se procura, S a importância do crédito a prazo, t o tempo expresso em dias, fazendo 1 dia = 1/365 do ano, i a medida de juro. O Código belga, no art. 450, declara que se o crédito não vence juros e se para o seu vencimento falta mais de um ano, deve ser admitido no passivo da falência com dedução do juro legal calculado desde o dia da abertura da falência até o vencimento. Mais ou menos, dispõe a lei holandesa de 30 de setembro de 1893: "O crédito exigível no ano da declaração da falência, é admitido como se fôsse exigível no dia desta. Se o vencimento fôr depois dêste ano, é admitido pelo valor que tiver na expiração do ano que segue à declaração da falência. No cálculo do valor, levam-se em conta unicamente a época e o modo do reembôlso, a álea do vencimento e a taxa dos juros, se forem estipulados". A lei suíça, no art. 208, 2.ª alínea, prescreve que "os créditos não vencidos sem estipulação de juros são reduzidos pelo desconto à taxa de 5%". O Código de Falências de Portugal (1899) dispõe, no art. 17, § 2.0 : "Dos créditos não vencidos, que só por efeito da falência ficam exigí' *) As debêntures são admitidas, na falência, pelo valor do tipo de emissão. - Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 25, § 1.".
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Dir-se-á que a falência da sociedade dá azo aos obrigacionistas se beneficiarem, pois, vindo a ela pelo valor do capital nominal reembolsável a prazo longo e agora exigível, a debênture de uma sociedade fali da poderia ter maior valor do que a de uma sociedade solvente. Atenda-se, porém, a que a diferença entre a taxa da emissão e o preço do reembôlso, o que se chama prêmio de reembôlso, foi um meio de atrair os prestamistas, compensando-se pelo juro mais baixo (n. 1. 309 do 4.º vol.) . Ora, se o obrigacionista concorreu à subscrição, se aceitou os juros prometidos, teve justamente em vista êsse prêmio. Uma coisa equivale a outra. Como privá-lo da vantagem, que o animou à subscrição e com a qual contava? Suprimir o prêmio, que faz parte da importância total devida pela sociedade, parece injusta (1). O princípio legal é que na liquidação da sociedade (a falência é uma liquidação), os credores quirografários e outros se paguem somente depois de recolhidas tôdas as obrigações emitidas ou depositado o seu valor. (2) Excetuam-se dessa regra as obrigações emitidas com prêmio de reembôlso e reembolsáveis mediante sorteio, que serão admitidas pelo valor correspondente ao capital que se perfizer, reduzidas ao seu valor atual, à taxa de 5 %, as anuidades do juro e da amortização por vencer. Cada obrigação representará importância igual ao quociente dêsse capital, dividido pelo número de obrigações ainda não extintas (3). (Vejam-se ns. 1.310 e 1.339 do 4.º vol., dêste Tratado).
veis. serão descontados os juros uue nêles se achem acumulados ou capitalizados, relativos ao prazo que faltava para o seu regular vencimento". Como se vê, muitos são os sistemas legislativos. (1) Para conciliar todos· os interêsses, a jurisprudência francesa admitiu um sistema intermediário, consistindo em autorizar os obrigacionistas a figurarem por um valor superior à taxa da emissão, mas inferior à taxa do reembôlso, valor que se determina por um cálculo de proporções, sob bases que variam conforme as opiniões. (Consultem-se CARPENTIER et DU SAINT, Repértoire de droit trançais, ver. faillite, n. 1.109, e LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, vol. 8.0, n. 1.170) . (2) Lei n. 177-A, de 15 de setembro de. 1893, art. 1.0 , § 1.0, n. I. (3) Lei n. 2.024, art. 26, 2.ª alínea; Lei n. 177-A, de 1893, artigo 6.0 , parágrafo único.
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395
ARTIGO III Da não fluência de juros contra a massa Sumário: 389. Contra a massa não correm juros, salvo se pago o passivo houver saldo. - 390. Casos em que correm os juros. - 391. Imputação dos pagamentos. - 392. Contra o falido pessoalmente e contra os coobrigados correm juros. - 393. Juros incorporados ao capital. - 394. Venda a prazo com promessa de desconto no caso de pagamento antecipado.
389. Contra a massa não correm juros convencionais ou moratórias, se os bens arrecadados na falência não dão para o pagamento do principal, eis o que dispõe a Lei número 2. 024, no art. 27 princ. (*) . A contrário, se o ativo da massa chega para o pagamento integral do capital e juros, êstes são devidos . ( 1) Regra excelente, escreve THALLER, destinada a manter todos os credores no mesmo nível. Faltasse ela, os que estipulassem juros teriam vantagens na protelação da liquidação; ao contrário, os que não tivessem tal cautela, veriam engrossar à sua própria custa os dividendos daqueles (2). Agravar-se-ia a massa em benefício de uns e em prejuízo de outros credores . Motivos juridicamente insuficientes, senão inexatos invocam-se em defesa dêsse princípio, exclama BONELLI (3). Se os juros continuam a correr contra o devedor, por que não onerar o seu patrimônio, que na falência se arrecadou? (4) A fluência dos juros cessa desde a data da sentença declaratória da falência. (1) Já o Alvará de 17 de maio de 1759 determinava que se não contassem juros senão até o dia da apresentação dos falidos. (2) Des faillites en droit comparé, vol. 2. 0 , n. 124; Droit commercial, 4. ª ed., n. 1909. (3) Del fallimento, no Commentario al codice di commercio, ed. de Milão, vol. 8. 0 , n. 307. (4) Nesse sentido, a lei austríaca, § 7.0, a húngara, § 64, a dinamarquesa, § 17, norueguense, § 112, nas quais os credores concorrem em igual grau pelos juros convencionais sucessivos à declaração da falência e os moratórios desde o dia da verificação dos seus créditos, Código chileno, art. 1.372, em referência ao art. 2.941, do Código Civil. ( *)
cipio.
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 26, in prin-
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A importância dos juros não se inclui, pois, no passivo da falência. Ela considera-se crédito estranho à massa. Se porém, realizado o ativo e pago o passivo, aparece saldo, o liquidatário deve calcular os juros e pagá-los com êsse saldo. Desapareceu o perigo da desigualdade entre os credores. A Lei n. 2. 024, no art. 27 citado, é expressa a êsse respeito com a condicional se ela não chegar. ( *) 390.
Contra a massa correm, porém, os juros: Das obrigações ao portador (debêntures), emitidas pelas sociedades anônimas ou em comandita por ações. (1) 2. 0 Das letras hipotecárias, emitidas pelas sociedades de crédito real. (2) 3. 0 Dos créditos garantidos, de boa-fé e em tempo útil, por hipoteca, anticrese ou penhor. (3) Todos êsses credores tiveram confiança limitada no devedor: potius rei quam ipsi crediderunt. Seria incompreensível que havendo êles estipulado a garantia justamente para o caso de falência, sobrevindo esta, não tivessem direito à satisfação integral dos seus créditos. Os juros serão pagos, porém, até onde chegar o produto dos bens constitutivos do privilégio, hipoteca ou penhor. (4) Se, porventura, a garantia fôr insuficiente e o credor tiver de concorrer à falência na posição de quirografário, então já não tem direito a juros, salvo, bem entendido, se o ativo da massa chegar para integral pagamento do principal e juros a todos os outros. 1. 0
391. Surge aqui uma interessante questão: aos credores acima mencionados (n. 390, supra) aplica-se na falência do devedor a regra do art. 433, n. 5, do Cód. Comercial, isto é, os pagamentos imputam-se primeiro nos juros corridos depois da falência, quanto baste para solução dos vencidos? A regra legal traz inquestionàvelmente o resultado de ser a massa quirografária da falência onerada com a parte (1-2-3) Lei n. 2.024, art. 27, 2.ª alínea ( .. ). (4) Lei n. 2.024, art. 27, 3.ª alínea ( .. •). ( •)
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 26, in
principio. ( • *) (U•)
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 26, parágrafo único. Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 26, parágrafo único.
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de capital correspondente àqueles juros, e por conseguinte vem ela a pagar indiretamente êsses juros, do que aliás a lei a isenta . Esclareçamos o caso com um exemplo: X, credor hipotecário de 100 contos de réis, de capital e juros contados até o dia da falência do devedor, e de 8 contos de juros, decorridos depois da sentença declaratória da falência, encontrou no produto de venda do imóvel 60 contos de réis. Aplicado o art. 433, n. 5, do Cód. Comercial, teria êle de ser pago, primeiramente, dêsses 8 contos de réis correspondentes aos juros e, depois, de mais 52 contos por conta do seu crédito até o dia da falência. Dêsse modo, irá êle se alistar na massa quirografária pela soma de 48 contos de réis. Se se procedesse inversamente, X, recebendo por conta dos 100 contos a quantia de 60 contos, e, não podendo cobrar juros da massa quirografária (salvo se ela chegasse para pagamento do principal), passaria a figurar nesta como credor de 40 contos de réis, com vantagens para os credores quirograf árias . Os nossos tribunais ainda não se manifestaram sôbre o caso. Pelo menos não encontramos decisão alguma a êsse respeito . As nossas falências correm atropeladamente e os liquidatários e credores pouco caso fazem dessas e outras questões ... O Cód. Comercial italiano cogitou expressamente do caso dispondo, no art. 700, que, verificada a insuficiência da garantia e devendo. o direito dos credores exercer-se sôbre a massa quirografária, o crédito resíduo se determinasse sem calcular os juros vencidos desde a data da sentença declaratória da falência . (1) (1) A jurisprudência francesa em comêço mandava fazer os pagamentos primeiramente por conta do capital; depois, ordenou- que os pagamentos se imputassem primeiramente por conta de todos os juros (DALLOZ, Répertoire, verb. faillite, ns. 1.057 e 1.058) . · A Côrte de Apelação, de Turim, antes do Cód. Comercial de 1882, adotara um sistema misto: mandava o credor privilegiado fazer a imputação proporcionalmente sôbre o capital e sôbre os juros, e de.pois tomar posição na massa quirografária pelo resíduo capital sem juros.
398
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392. Os juros não correm contra a inassa, pois somente a respeito desta subsiste o motivo legal: a necessidade de manter a igualdade entre os credores na falência; mas, os fluentes na época da declaração da falência ou os que começarem a vencer-se desde êsse dia (juros moratórias), continuam a correr: Contra o falido pessoalmente. ~sse é obrigado a pagar aos credores o desfalque que a liquidação apresentar e os juros, se quiser obter quitação plena e conseguintemente a reabilitação. (1) a)
b) Contra os coobrigados com o falido ou os fiadores do falido, estranhos ao fato da falência · (ns. 384 e 386) . ~sses coobrigados e fiadores não poderiam invocar a falência como bneefício. ~les não estão falidos e não há obstáculos de direito que vede aos credores reclamar o pagamento integral do que lhes é devido de capital e juros.
393. Se os juros se acham capitalizados, isto é, incorporados ao principal, de modo que o valor do título representa o capital e juros até o dia do vencimento, tais juros não se descontam, pois o contrato, em virtude do qual se os capitaliza, muda a sua natureza. É o caso de dizer, com VIDARI: juros e capital constituem uma só quantia de débito, uma obrigação indivisível. (2) A decomposição do capital nominal nos dois elementos, capital e juros, traria grandes embaraços, dificuldades, e prejuízo a terceiros de boa-fé que interviessem no título, como endossantes, cessionários, etc., pois é negociado no comércio sem se estremarem aquêles dois elementos. (3) 394. É freqüentíssimo o comerciante vender mercadorias pagáveis a prazo certo, prometendo um desconto se o comprador satisfizer antes do vencimento a importância da (1)
Lei n. 2.024, art. 144.
Corso di diritto commerciale, vol. 8.0 , 5.ª ed., n. 7. 604. No mesmo sentido acórdão da Relação de Minas, de 27 de setembro de 1924 (na Revista Forense, vol. 45, pág. 539) . (3) LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit com., vol. 7.º, (2)
n. 269 e CUZZERI Jl codice di commercio commentato, Del fallimento, ed'. de Verona,' 2.ª ed., vol. 8.0 , n. 164, resolvem assim a questão.
TRATADO DE DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO
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fatura. ~ste desconto, como se sabe, equivale ao abatimento dos juros contados sôbre a importância total da fatura, desde o dia do pagamento em que o comprador delibera pagar até ao dia marcado para o vencimento convencional. Aberta a falência do comprador antes do vencimento da fatura, o vendedor tem direito a apresentar-se na massa como credor pelo valor inteiro da fatura, ou é obrigado a fazer o desconto? Com a maioria dos escritores entendemos que o vendedor deve· apresentar-se pela quantia inteira da fatura. Trata-se de um direito subordinado a uma condição que, na espécie, não se realizou (1). O desconto é condicionado ao pagamento antecipado do preço. A sentença da declaração da falência não traz o imediato pagamento; ao contrário, o vendedor tem de aguardar a liquidação da massa. SEÇÃO II
Da compensação de débitos e créditos Sumário: - 395. A compensação entre os créditos e débitos de terceiros para com o falido. - 396. Histórico legislativo dêsse direito de compensação. - 397. Casos em que se não opera a compensação.
395. Opera-se a compensação entre os créditos e os débitos de terceiros_ para com o falido, provenha o vencimento da sentença declaratória da falência ou da expiração do prazo contratual. (2) O crec;lor, an mesmo tempo devedor do falido, tem na própria dívida -uma garantia, sôbre a qual exerce o seu direito. Quem possui um bem do devedor pode retê-lo até ser pago. Assim o devedor, se é, também, credor, pode abster-se de paNAMUR, Code d.e com. belge, vol. 3.0 , n. 1.682; LYON-CAEN et RÉNAU(..T, Traité de droit com., vol. 7. 0 , n. 269; ALAUZET, n. 2.495; e cUZZERI, Il codice di commercio commentato, Del fallimento, 2.ª .ed., de Verona, vol. 8.0 , n. 165. (2) Lei n. 2.024, art. 49 (*). _
(1)
( •) principio.
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 46, in
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gar operando a compensação ainda que não haja conexão entre as dívidas recíprocas. ~ste direito de compensação é, para o credor, uma cobertura (Deckung), na expressão dos escritores alemães, semelhante ao direito de retenção ou ao direito de penhor. ~stes três direitos constituem relativamente ao credor um meio de segurança, uma garantia, uma defesa. Ora, não seria justo que o credor restituísse à massa a cobertura do seu crédito, e, abrindo mão da garantia, figurasse como simples credor da falência. Ao direito de o credor pagar-se, separadamente dos outros, sôbre uma coisa do devedor comum, que êle detém, corresponde o direito de não pagar à massa, mas de aplicar o seu débito para especialmente satisfazer o seu crédito.
"O direito de retenção aparece como o meio de segurança mais fraco, a compensação como o mais forte: o direito de ri:tenção proporciona ao credor sàmente uma garantia; o direito de penhor permite ao credor pagar-se com o débito ~e outrem; o direito de compensação facilita ao credor o mew de extinguir a obrigação com o próprio débito. O direito de retenção e o direito de penhor, tendo por objeto uma coisa que econômicamente se considera moeda (Geldwerth), podem elevar-se a direito de compensação; mas, o direito de compensação compreende, per se, a substância, o conteúdo daqueles outros dois direitos". 396. O direito de compensação na falência foi estabelecido pela Lei n. 859, de 1902 (art. 27), aliás sem que a comissão de Justiça e Legislação do Senado, que a propôs, o jus: tificasse teõricamente com argumentos aceitáveis. Tem-se ate a impressão de que ela não compreendia o que indicava. (1) ( 1) Eis os têrmos em que essa comissão se manifestou no parecer de 14 de setembro de 1901: "Já de tempo se nota e mais acentuadamente agora, na crise desta e outras praças da República, a situação desigual, confrangedora daqueles que, o mesmo tempo credores e devedores de um mesmo estabelecimento falido. vêem-se obrigados a pagar integralmente o que devem, recebendo pelo que lhes é devido o que lhes couber no rateio com os mais credores. Isto resulta do Dec. n. 917, de 1890, art. 21, e do projeto, art. 27, que consideram fechadas as contas correntes no dia da declaração da quebra, para o efeito da compensação das dívidas; dispondo assim que a exigi-
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No sistema do Cód. Comercial de 1950 (art. 439), refletido no Dec. n. 917, de 1890, não se podia operar a compensação subseqüente à falência entre obrigações preexistentes senão no caso de achar-se a dívida líquida e exigível por ocasião da abertura da falência. (1) Essa solução, que era a francesa, fundava-se em que, na teoria do código, a compensação é modo normal da extinção das obrigações, análogo ao pagamento, por outra, um processo simplificado de pagamento. Declarada a falência e operada a compensação dar-se-ia duplo pagamento, quando é certo que o devedor não podia receber nem pagar. Daí a impossibilidade dessa compensação na falência. Assim o é, também, no código italiano . ( 2)
o direito germânico segue orientação diversa. Com apoio no antigo direito romano, baseado na exceptio dali (o direito justinianeu abandonou êsse conceito), a compensação é para o credor uma garantia. O credor-devedor do falido pode reter bilidade por efeito da falência, não determina essa compensação. a doutrina professada pela mor parte dos comerciantes". Depois de referir-se às lições de DURANTON, CASAREGIS e de BRUSTLEIN et RAMBERT, continua: "A exigibilidade legal pela declaração da quebra tem o efeito mais ou menos amplo que a lei lhe der, e não pode ser destinada somente a facilitar a liquidação, como pretende OBARRIO. E se a dívida exigível é compensável não importa seja a exigibilidade convencional ou legal. A compensação de direito funda-se na intenção presumida das partes, e essa. intenção que se presume ao tempo da falência, porque não presumi-la também depois dela? É que prejudica a igualdade dos pagamentos? Mas como? se precípuo a essa igualdade subsiste o princípio do encontro de dívidas exigíveis ou de sua comoensação? Assim pensando não ousaria ainda a comissão tentar essa - inovação no nosso direito tradicional se a não visse já realizada em legislação de países cultos, como a Alemanha, Austria, Hungria e Suíça". (1) Veja-se n. 214 do 1.0 vol. do nosso livro Das falências e É
dos meios preventivos da sua declaração, 1899.
(2) Na doutrina dos velhos comercialistas italianos, a opinião geral era que a falência obstava a compensação. CASAREGIS, Disc. 75, n. 23: "juxta veriorem et communiorem opinionem doctorum, dato caso decoctionis, debitares decocti non possunt compensare eorum debita cum propriis creditis erga decoctum in prejudicium tertii, sed solutis prius eorum debitis, pro eorum creditis teneantur postmodum actionem promovere in judicio concursus ad effer.tnm nhH.-.~.-...:i; n-ro:irhrntionem",
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a própria dívida para se pagar sôbre ela. Dêsse modo, o titular do direito de retenção consegue colocar-se fora da massa. (1) No mesmo sentido do alemão é o direito norte-americano. (2) A L€i n. 2. 024, manteve as disposições que a êsse respeito estabelecera o art. 27, 2. ª alínea, da Lei n . 859 . 397. Não se opera, entretanto, a compensação: l.º Nos créditos fundados em títulos ao portador. (3)
Sendo difícil verificar a época exata, na qual foram entregues êsses títulos ao devedor do falido, a lei estabeleceu a presunção juris et de jure de terem sido por êste devedor adquiridos depois da falência, para o fim da compensação. Trata-se de disposição especialíssima para a falência. Fora daí, dá-se a compensação. Convém, entretanto, interpretar devidamente essa disposição legal. Ela não se aplica ao caso em que o devedor do falido é credor dêste em virtude de uma letra de câmbio endossada em branco, se bem que êste título possa circular de mão em mão como título ao portador (4). A compensação se:ia O) A lei alemã de 1898 dispõe no art. 53: "Tendo o credor direito à compensação não é obrigado a concorrer na falência pelo valor do seu crédito". Adotam essa orientação os códigos austríaco (art. 20, húngaro (art. 38) e o Federal suíço, que, no art. 123, dispõe: "Les créanciers ont le droit, dans la faillite du débiteur, de compenser leurs créances, même si elles ne sont pas exigibles, avec celles que le failli peut avoir contre eux". (2) Lei federal norte-americana de 1898, art. 68: "Das compensações e reconvenções (Sett-Offs and counterclaims) . a) Nos casos de débitos ou créditos recíprocos entre a massa falida e um credor, a conta será balanceada, compensando-se um com o outro débito, sendo somente o saldo credor admitido e pago na falência. b) A compensação ou reconvenção não terá lugar em favor de qualquer devedor do falido: (1) que não provar o seu direito contra a massa, ou (2) que o comprar ou adquirir por transferência depois de requerida a falência, com o fim de operar aquela compensação ou reconvenção e com o conhecimento ou ciência de que o devedor estava insolvente ou praticara qualquer ato característico da falência". (3) Lei n. 2. 024, art. 49, parágrafo único, a ( •) . (4) MARTIN, Loi fédérale sur la poursuite pour dettes et la faillite, riágs. 209-210; PONTES DE MIRANDA, Títulos ao portador, n. 88.
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aqui admitida, salvo a prova de a letra de câmbio ter sido adquirida pelo devedor, depois de conhecido o estado e falência do credor para o fim da compensação, como adiante se dirá. 2.0 Nos créditos, ainda que vencidos antes da falência, adquiridos pelo devedor do falido ou a êle transferidos quando já era conhecido o estado de falência (1) , para o fim da compensação em proveito próprio ou de terceiro, com prejuízo da massa. (2) 3. 0 Nos créditos transferidos, salvo o caso de sucessão mortis causa. (3) No caso de sub-rogação legal do coobrigado nos direitos do credor originário, em virtude do resgate ou pagamento feito por aquêle a terceiro, portador do título, não se opera a compensação, porque não se trata mais de credor originário. (4) SEÇÃO III
Da assembléia dos credores Sumário: 398. A assembléia dos credores da falência. 398 bis. Peculiaridades dessa assembléia. 399. É obrigatória uma assembléia pelo meno~. 400. Convocação dessa primeira assembléia. 401. Assembléias extraordinárias. 402. Convocação dessas assembléias. - 403. Regras a observar em tôdas as assembléias. 404. Adiamento das assembléias. - 405. Regras especiais da primeira assembléia. 406. Se na primeira assembléia não comparece nenhum credor. - 407. Deliberações contrárias à lei. - 407 bis. Veto judicial e recursos.
398. A massa dos credores concorrentes, devidamente admitidos à falência, delibera por meio da assembléia, reunida por convocação e sob a presidência do juiz. Nessa assembléia tomam parte os credores privilegiados e quirografários, aqueles enquanto tiverem interêsse na faA Lei n. 2.024 diz insolvência; mas, deve ler-se falêncta. Lei n. 2. 024, art. 49, parágrafo único, b ( •) . Lei n. 2. 024, art. 49, parágrafo único, e ( * *) . Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 4 de junho de 1907 (na Revista de Direito, vol. 5. 0 , págs. 398-399) . (1)
(2) (3) (4)
( *)
( * *)
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 46, parágrafo único, III. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 46, parágrafo único, II.
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lência (1). São excluídas as pessoas mencionadas em o n. 348, supra.
398 bis. A assembléia dos credores não é soberana, nem lhe cabem atribuições equivalentes às das assembléias dos acionistas nas sociedades anônimas . Ela não exerce atos de administração ou de liquidação; não assume vestes de reclamante; não representa a massa nas relações externas; não toma contas aos liquidatários que nomeia. O seu círculo de ação é muito limitado pela lei. Outra peculiaridade dessa assembléia é que nem todos os credores que a compõem têm o direito de voto com igual extensão. Algumas vêzes, uma turma de credores apresenta-se com interêsses opostos aos de outra, e, não raro, se um grupo tem interêsse direto em certa deliberação, ao outro grupo ed.a é completamente indiferente, senão incompatível ou ofensiva aos seus direitos. Assim: entre os credores privilegiados a os quirografários podem surgir conflitos; os privilegiados não têm interêsses nas concordatas; os credores sociais e os credores particulares de cada um dos sócios podem representar interêsses contrários, etc. O direito de votar nas deliberações relativas à falência mede-se pelo interêsse de cada classe de credor nestas deliberações (2). Essa é a regra fundamental que convém não esquecer para que se conciliem os interêsses de todos, ainda que opostos, sem atritos, sem ofensa de direitos e de garantias legítimas e sem infração da lei da igualdade. É mais uma tarefa deixada ao critério e à capacidade científica do juiz, que deve saber distinguir os casos e aplicar eficazmente a lei. (1) Na lei norte-americana de 1898, art. 56, os credores garantidos ou privilegiados não poderão, nessa qualidade, votar nas assembléias, nem os seus créditos se computam para fornecerem número de credores ou soma de créditos, salvo quanto ao excesso do valor das garantias ou dos privilégios. O Cód. Comercial italiano, no art. 771, dispõe que todos os credores do falido têm o direito de tomar parte nas deliberações da falência, salvo as disposições que regulam a participação dos credores hipotecários, pignoratícios e outros privilegiados na repartição do ativo e a sua intervencão na concordata. (2) VIDARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 8. 0 , número 7.957.
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399. A assembléia dos credores realiza-se obrigatàriamente pelos menos uma vez durante o processo da falência. Essa primeira assembléia traça a linha divisória entre os dois períodos da falência: o de informação e o de liquidação. (1) (*) 400 . Essa primeira, e não raras vêzes umca assembléia, convoca-se pelo edital do juiz, que publica a declaração da falência, mencionando-se o lugar, dia e hora da reunião, determinadas na sentença. (2) Não precisa d€clarar expressamente nessa convocação o objeto ou ordem do dia da primeira assembléia, porque a lei explica as suas funções especiais e a permite deliberar sôbre tudo quanto os credores julgarem necessários aos interêss€s e defesa da massa. (3) 401. Além dessa assembléia, primeira assembléia obrigatória, o juiz convoca outras extraordinárias (4) : Lei n. 2 . 024, art. 63 . Lei n. 2. 024, art. 16, f. (3) Lei n. 2.024, art. 102, §§ 2. 0 e 5. 0 ( . . ) . (4) A lei nacional norte-americana de 1898, sôbre falências dispõe, no art. 55, relativamente às assembléias dos credores (meet(1)
(2)
ings of creditors) : "a. O tribunal providenciará no sentido de realizar-se a 1.ª
assembléia dos credores denois de 10 e dentro de 30 dias após a declaração da falência, nb lugar em que o falido teve o seu principal estabelecimento ou residência ou tem o seu domicílio. Se esses lugares oferecem manifesta inconveniência nara a reunião dos interessados ou se o falido não tiver o seu orincinal estabelecimento, residência ou domicílio nos EE. UU., ô tribÚnal determinará, para aquela assembléia, o lugar mais vantajoso aos mesmos intere~sados. Se por qualquer eventualidade. esta assembléia não puder reallza:-se dentro do prazo designado acima, o tribunal, o mais cedo poss1vel, fixará outra data. b. O juiz ou comissário presidirá esta primeira assembléia dos credores, e, antes de tudo, apreciará as reclamações apresentadas pelos interessados atendendo-as ou indeferindo-as. A requerimento de qualquer creda'r poderá interrogar publicamente o falido ou providenciar sôbre êsse interrogatório. e. Os credores, em cada uma das assembléia, poderão promover tudo quanto fôr pertinente e necessário aos interêsses da massa e à execução da presente lei. ( *) O Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, suprimiu essa assembléia, que era a primeira. Apresentado o relatório do síndico, se não houver concordata, inicia êle a liquidação (art. 114, in principio) .
( .. )
Art. 102,
§§ 1.0
a 5. 0 , da Lei n. 5. 746, de 1929.
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a)
Ex officio, para a eleição do liquidatário, no caso de
não aceitação do cargo, morte, falência ou destituição do nomeado. (1) A convocação da assembléia para êsse fim ficará sem efeito, se credores, representando a maioria dos créditos, aprovarem, em declaração assinada com firmas reconhecidas, o nomeado pelo juiz ou nomearem quem definitivamente deva servir. (2) b) A requerimento do falido para propor concordatas no segundo período da falência. (3) Em ocasião oportuna (volume 8.º) diremos da convocação da assembléia para êsse fim. e) A requerimento dos credores representando um quarto dos créditos admitidos na falência. (4) d. Depois da l.ª assembléia dos credores, poderá haver outras, em qualquer tempo e lugar, se todos os credores admitidos ao passivo declararem, por escrito, que aprovam a convocação nesse tempo e lugar. e. O tribunal convocará os credores para se reunirem tôdas as vêzes que um quarto, pelo menos, dos credores admitidos ao passivo o requererem por escrito. Se o requerimento estiver assinado pela maioria dos credores, admitidos ao passivo, cujo número represente a maioria em soma de créditos da falência, pedindo que a reunião se realize em determinado lugar, o tribunal convocará _9S credores para êsse lugar dentro de 30 dias a contar da apresentaçao dêsse requerimento. f. Convocar-se-á a última assembléia dos credores logo que as operações da falência se achem em condições de ser encerradas"· A lei alemã de 1898, § 93, dispõe: "O Tribunal delibera sôbre a convocação da assembléia dos credores. A convocação deve ter lugar a pedido do administrador, da delegação dos credores ou de cinco credores concorrentes pelo menos, cujos créditos, conforme estime o tribunal, represente o quinto da massa devedora. A convocação notifica-se publicamente. A notificação pública é, porém, dispensada se se trata do adiamento de uma deliberação iniciada na assembléia anterior". No direito alemão, a assembléia dos credores é um órgão do processo do concurso, chamado a desempenhar determinadas funções, mas não é pessoa jurídica, nem, além das funções próprias, pode exercer atos de administração (WOLDERDORFF, Die Konkursordnung, II, 110). (1) Lei n. 2.024, art. 70. (2) Lei n. 2.024, art. 70, parágrafo único. Na indicação do li-
quidatário pode o credor ser representado por procurador. (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 21 de agôsto de 1916, na Revista dos Tribunais, vol. 19, pág. 68) . (3) Lei n. 2. 024, art. 119. (4) Lei n. 2.024, art. 100, parágrafo único.
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Neste requerimento, assinado pelos credores em número legal, com as firmas reconhecidas por tabelião, declarar-se-á o motivo ou objeto da assembléia. (1) 402. Convocam-se os credores para as assembléias extraordinárias por edital do juiz, publicado na imprensa e também por cartas-circulares do escrivão, mencionando-se naquele e nestas, além do dia, hora e lugar, a ordem do dia dessa assembléia. (2) Na convocação da assembléia extraordinária é necessária a menção da ordem do dia, isto é, do objeto sôbre que ela vai deliberar: somente assim, a deliberação poderá obrigar os ausentes. (3) As despesas da convocação e da assembléia, se requerida pelo falido para propor concordata, correm por conta dêste, sendo depositada previamente em cartório a respectiva importância (4) ; se pelos credores, por conta dêstes, ficando salvo à assembléia deliberar que as despesas corram por conta da massa, se esta obtiver vantagens com a reunião dos credores. (5) Nas convocações ordenadas ex officio, as despesas são por conta da massa. (6) 403 . Em tôdas as assembléias dos credores, observarse-ão as seguintes regras gerais: l.ª O juiz as presidirá, manterá o respeito e a ordem nas discussões e deliberações e resolverá de pronto as dúvidas que se suscitarem. (7) É o poder de polícia do juiz. t.:ste poder não o autoriza, porém, a ingerir-se no mérito das discussões e deliberações. Se estas não forem conLei n. 2. 024, art. 100, parágrafo único, a. ( 2) Lei n. 2. 024, art. 100 parágrafo único, b ( •) . (3) SARWEY, Konkursordnung, 4.ª ed., 595. (4) Lei n. 2.024, art. 119, § 3.0 • (5) Lei n. 2.024, art. 100, parágrafo único, e. (6) Lei n. 2. 024, art. 128, § 1.0 , a. (7) Lei n. 2. 024, art. 101, princ. ( • •) . RENOUARD, Traité des faillite~ •. vol. ~·º· pág. 3: "La présence de ( 1)
ce magistrat assure l'ordre des deliberat1ons, les rend plus faciles ( •) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 art 122 (,..) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 122, § 2.º. ' · '
§ 1o
· ·
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formes à lei, resta-lhe o veto, do qual diremos em o n. 407, infra.
Os Motivos da lei alemã de 1898 explicam muito bem que a intervenção do juiz é meramente formal, notadamente, para a resolução das controvérsias, que aparecerem sob a veste jurídica, ou a legitimidade dos que tomarem parte na deliberação, e para a documentação dos resultados da assembléia. 2. a O escrivão do processo fará a chamada dos credores reconhecidos e admitidos na falência e o juiz examinará as procurações apresentadas, rejeitando as mal ordenadas. (1) 3.ª Os nomes dos credores presentes serão declarados na ata. Se forem muitos êstes credores, assinarão seus nomes na fôlha de presença, que, depois de rubricada pelo juiz, o escrivão juntará aos autos, seguidamente à ata. (2) A lei não diz, mas está subentendido que o escrivão deve encerrar essa fôlha de presença, rubricando o juiz, também, o têrmo de encerramento, para atribuir a êsse documento o caráter de autenticidade. Na ata declarar-se-á, então, sàmente o número dos credores presentes e o valor dos créditos representados de acôrdo com essa fôlha. 4. a Em regra, não há exigência de quorum para funcionar a assembléia. Qualquer que seja o número de credores presentes, por si ou seus representantes ou procuradores, ela achar-se-á legalmente composta. (3) Casos existem, porém, nos quais a lei exige um quorum determinado: exemplo, no do art. 124, onde a assembléia para deliberar, precisa ser composta de credores que, pelo menos, representem dois terços dos créditos admitidos na falência, e no do art. 106 sôbre concordata. par l'intervention conciliante d'une autorité à la fois éclairée et désintéressée, enfin porte la surveillance et la lumiêre au milieu des débats ou la marche de la faillite s'explique, ou le secret des influences diverses destinées à agir sur ses actes se dévoile et quelquefois se trahit". No direito norte-americano, o juiz, ou o comissário, preside somente a l.ª assembléia ARI, Corso di diritto commerciale, 5.ª ed., vol. 5.º, n. 4. 269) . 3. 0 ) Para alguns: é o exercício da ação que a lei confere contra os sacadores, endossantes ou abonadores de letras, solidàriamente garantem. (BOISTEL, Droit commercial, n. 833 a). ~ 4. 0 ) Para outros: é a aplicação do princípio: nula é a obrigaçao sem causa. A falta de pagamento do título vem provar que na realidade nenhum valor _entrou para o patrimônio do recipiente. O crédito não tem causa. (LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, vol. 4.º, n. 811) . 5. 0 ) Para outros, finalmente: é uma simples condição resolutória subentendida na convenção, não por se tratar de um contrato sinalagmático, mas em virtude da intenção presumida das partes, e dos usos comerciais. (CLEMENT, Compte-courant, n. 55). É esta a doutrina que nos parece mais exata. A cláusula salvo embôlso é uma condição resolutória que, a menos não haja circunstâncias denunciativas de uma vontade contrária, deve sempre ser subentendida nas relações dos correntistas, quer sejam solventes, quer o recipiente tenha, ou não, negociado os títulos. (Consulte-se PAULO DE LACERDA, Estudos sôbre o contrato de conta-corrente, ns. 124 e segs.) . (2) Conta-corrente, n. 66.
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mente. Nesse ocasião JOÃO remete a PEDRO uma letra de responsabilidade de MANOEL no valor de 20: 000$000 . PEDRO credita a JOÃO. ~ste é declarado falido e a conta-corrente é fechada. MANOEL não paga o título no dia do vencimento. Fazendo-se o estôrno, o crédito de 20: 000$000 lançado a favor de JOÃO é destruído pelo débito de igual soma levado à sua conta, e assim a falência de JOÃO não causará prejuízo a PEDRO. Mas, se o estôrno não tem lugar, PEDRO vem a pagar integralmente à n1assa falida de JOÃO a quantia de 20: 000$000, saldo verificado da conta-corrente, devendo apresentar-se como credor quirografário da massa por 20: 000$000, como portador de um título não pago, endossado pelo falido; conseguintemente, fica PEDRO sujeito às contingências da falência. Entendem uns que o lançamento feito pelo recipiente a crédito do remetente não pode ser anulado depois da falência dêste, pois a massa dos credores é um terceiro, alheio às compensações produzidas pela conta-corrente, devendo correr a cargo do recipiente os riscos de uma operação da qual tiraria proveito em condições contrárias. Pensam outros de modo oposto, e, parece-nos, com justa razão. A massa somente se reputa terceiro nos casos expostos no n. 364, supra, e a falência não pode conf,erir aos credores maiores direitos do que os que tinha o falido, e, portanto, não pode tornar puro e simples um contrato condicional (número 363, supra). Se o título não é pago, não está cumprida a condição e o recipiente tem o direito de exigir o cumprimento do contrato, no qual a cláusula salvo embôlso é sempre subentendida. O que temos dito aplica-se tan1bém ao caso em que o recipiente tenha negociado o título, pois a condição jurídica dos correntistas em nada se altera com a falência. (1) (1) A êsse propósito podem ainda surgir importantíssimas questões que apenas de leve esboçamos. O remetente (ou a massa dos credores dêste) pode exigir que se faça o estôrno se o recipiente preferir manter o lançamento a crédito feito oportunamente? Muitas vêzes está no interêsse do recipiente não fazer êste estôrno porque, além de figurar na f alência do remetente pelo saldo da conta-corrente, pode, na confor-
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Dada a falência do recipiente, a solução é a mesma, pois as razões de decidir são idênticas. (1) midade do art. 29 da Lei n. 2. 024, apresentar-se pela importância total da letra não paga na falência dos coobrigados, recebendo maior porcentagem do que se houvesse feito o estôrno. Entendem uns que o remetente pode exigir o estôrno porque a cláusula salvo embôlso, sendo, segundo pensam êles uma condição suspensiva, impede que o recipiente se torne proprietário definitivo da letra não paga, devendo ser considerado simples detentor· e - expressa, se deve decidir pela ' ainda porque, não havendo convençao lei da igualdade e reciprocidade, concedendo-se ao remetente os mesmos direitos que ao recipiente. Pensam outros de modo diverso, e com êstes estamos nós. A transferência do título opera-se com a condição resolutória subentendida no caso de não pagamento. Ora, diz muito bem CLEMENT (Des comptes-courants, n. 69), a resolução, segundo os princípios gerais de direito, deve ficar à vontade do recipiente, porque não pode ser invocada por quem faltou às suas obrigações. Ao recipiente é permitido, em caso de não embôlso, manter ou anular o crédito que deu ao remetente. O seu fim não é realizar um lucro, mas evitar um prejuízo, e compreende-se que é justo tirar o melhor partido das letras não pagas. - Acabamos de ver que o recipiente no caso do não pagamento de uma letra ou outro qualquer título de crédito lançado na contacorrente, tem o direito de optar pelo estôrno ou obrar na qualidade de portador, quer contra o remetente, quer contra os coobrigados com o remetente. Surge daí estoutra questão: o recipiente, depois de haver cobrado parte do seu crédito em virtude de um dos meios de que dispõe, pode empregar o outro para chegar ao embôlso integral, ou tão completo quanto possível? Em outros têrmos: tendo cobrado parte do seu crédito como portador do título, pode estornar o restante, e, ao contrário, tendo feito o estôrno pode obrar como portador? Divergem as opiniões, não se podendo, nos estreitos limites dêste estudo, apreciá-las detidamente. Leiam-se FEITU, Traité du comptecourant, ns. 154 e segs.; HENRI DA, Du contrat de compte-courant; P. CLEMENT, Compte-courant, ns. 70 e segs.; LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit com., vol. 4.º, ns. 818 e segs. Depois do recipiente ter obrado na qualidade de portador contra os responsáveis pelo título, pode fazer o estôrno pela diferença entre a soma total do título e aquela que recebeu. O recipiente está no seu direito tirando todo o partido possível dos títulos não pagos no vencimento, e a cláusula ·salvo embôlso, estabelecida em benefício do recipiente, continua a proteger a porção não cobrado do seu crédito. A razão lógica da disposição do art. 29 da Lei n. 2. 024, fundada em princípios de equidade, pode ter aplicação ao caso que apreciamos. O recipiente, não obstante ter estornado o valor dos títulos não pagos, pode guardá-los em carteira, como garantia, e demandar os devedores solidários até à concorrência do saldo da conta-corrente de que fôr credor (CLEMENT, Compte-courant, ns. 80 e segs.; Contra: LYON-CAEN et RÉNAULT, ob cit., vol. 4.º, n. 820). (1) Consulte-se PAULO DE LACERDA, Estudos sôbre o contrato de conta-corrente, n. 149.
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No caso de falência dos dois correntistas prevalece ainda a mesma solução. 475. Quanto à fluência de juros recíprocos dos artigos insertos na conta-corrente, pouco há a dizer, sendo certo que êste efeito é da natureza, e não da essência da conta-corrente. 476. Para terminar estas ligeiras notas sôbre o contrato de conta-corrente, que, aliás, já vão desnorteando o plano dêste livro, e que somente se justificam por não estar ainda publicado o volume dêste Tratado que do assunto particularmente se ocupará, diremos que para garantir o saldo desta conta pode uma das partes, ou podem ambas, hipotecar imóveis, ou constituir penhor. Neste caso, verificado o saldo da conta-corrente, o credor será considerado não quirografário, mas hipotecário com privilégio sôbre os imóveis hipotecados, ou pignoratício sôbre os móveis dados em penhor (1), pois a superveniência da falência não anula as garantias (n. 345, supra) . Se o saldo excede o produto dos bens que servem de garantia, o credor será admitido como quirografário pela parte resídua. (2) ARTIGO IV Do contrato de sociedade
Para apreciarmos os efeitos da falência relativamente ao contrato da sociedade, convém atender: 477.
1. 2.
à falência da própria sociedade; e à falência individual do sócio.
É
o que estudaremos em seguida.
(1)
(2)
Lei n. 2. 024, art. 94, n. 1 ( *) . Lei n. 2.024, art. 99, e (**).
(*) ( "'*)
Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 1o 2, I. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 125, § 2. 0 •
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§ 1.º Da falência da sociedade Sumário: - 478. A falência dissolve a sociedade. - 479. A dissolução operada pela falência e a dissolução ordinária. - 480. Ação dos órgãos da sociedade dissolvida pela falência. - 481. Integração das quotas ou ações pelos comanditários ou acionistas. 482. Meios amigáveis e judiciais para essa integração. - 483. Dispensa da justificação da insuficiência do ativo. - 484. Caso da redução do capital ou da fusão. - 485. Responsabilidade dos sócios comanditários retirantes. - 486. Comanditários que se tornam solidários.
478. Declarada a falência da sociedade, dissolve-se esta de pleno direito (1), se se não acha dissolvida. A liquidação social, complemento necessário da dissolução, confunde-se com a liquidação que na falência se vai operar. Os representantes dos interêsses comuns dos credores, os síndicos e liquidatários, absorvem a administração dos gerentes, diretores ou liquidantes (ns. 792 do 3.º vol., 1. 348 do 4. o vol., dêste Tratado) . Que é a falência senão a liquidação geral do estabelecimento do devedor? 479. A dissolução operada pela falência da sociedade difere substancialmente em sua estrutura da dissolução sobrevinda por outras causas. 1.º A dissolução em virtude da falência não está sujeita ao regímen de publicidade, prescrito para a dissolução sob outros fundamentos (2). A larga publicidade da sentença declaratória da falência (ns. 309 e 310, supra) satisfaz plenamente. ( 1) Cód. Comercial, art. 335, n. 2. Quanto às sociedades anônimas, Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 148, ns. 3, 4 e 7 (*). (2) Cód. Comercial, art. 338; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 91. (Vejam-se os ns. 813, do 3. 0 vol. e 1.535 do 4.0 vol. do presente Tratado) . ( *)
Decreto-lei n. 2. 627, de 26-9-1940, art. 138, e.
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2.º Na dissolução ordinária (e assim chamamos a que não é provocada pela falência), a sociedade muda simplesmente de objeto; mas subsiste com o seu patrimônio autônomo, com a sua firma, com o seu domicílio, com a sua contabilidade (ns. 808 do 3.º vol. e 1. 343 do 4. 0 vol.) . Na dissolução ocasionada pela falência, a sociedade não subsiste com êsses elementos e para o fim de concluir as operações pendentes e liquidar as ultimadas (1); os credores congregados em massa, são que a liquidam prontamente, ficando paralisada tôda a sua vida . 3. 0 Na dissolução ordinária procede-se a liquidação no interêsse dos sócios; na resultante da falência, a liquidação faz-se no exclusivo interêsse dos credores. 480. A falência das sociedades comerciais acarreta a _dos sócios de responsabilidade ilimitada e solidária, como se explicou em o n. 128, supra. Cessam os podêres dos sócios gerentes . Aos sócios, em número restrito, é fácil a defesa dos interêsses individuais e coletivos, pois sôbre êles refletem-se intensamente os efeitos da falência (ns. 792 do 3. 0 vol. e 422, supra). Nas sociedades anônimas, a situação é outra. Os acionistas não intervêm diretamente na falência; é mister que os órgãos da sociedade lhes defendam os interêsses. Eis porque a lei manda que os administradores, ou liquidantes, se conservem nos seus postos (n. 1. 349 do 4.º vol.) . Podem os acionistas, na conformidade da lei e dos estatutos, nomear e destituir os administradores e os liquidantes durante a falência da sociedade anônima. (2) 481. Os acionistas (nas sociedades anônimas) e os comanditários (nas sociedades em comandita simples ou por ações) não são arrastados à falência em virtude da falência (1) Cód. Comercial, art. 335, in fine; Dec. n. 434, de 4 de julho de 1891, art. 156. (Vejam-se os ns. 807 do 3.º vol. e 1.343 do 4. 0 vol. dêste Tratado) . _ (2) Injustificável é o acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelaçao, de 15 de dezembro de 1914, anulando a eleição de diretor de uma companhia, procedida depois de aberta a falência (Revista de Direito, vol. 37, págs. 538-539) .
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da sociedade; são, porém, obrigados a integrar as açÕ€s ou quotas que subscreverem para o fundo social, não obstante quaisquer restrições, limitações ou condições estabelecidas nos estatutos ou no contrato da sociedade. (1) As cláusulas, que estabelecem tais restrições, limitações ou condições, pressupõem a sociedade em sua vida normal e referem-s·e vislvelmente às entradas destinadas à realização do escopo social. Não têm, nem podem ter, relativamente a terceiros a mínima eficácia, porque o capital social, formado pela contribuição dos sócios, se destina justamente à primeira das garantias oferecidas a êsses terceiros (n. 535 do 3. 0 volume) . Por outra: a quota ou ação subscrita pelo sócio de responsabilidade limitada tem duas funções: a de formar o ca(1) Lei n. 2. 024, art. 53, princ. ( *) Acórdãos do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 2 de outubro, confirmado pelo de 13 de nov~mbro de 1914 (na Revista dos Tribunais, vols. 11, págs. 232, e 12, pags. 160-161) . - Em 1894, fundou-se na cidade de Santos uma sociedade bancária sob a forma comanditária (Robertson & Cia.), estipulando-se no contrato que o cauital social seria do valor de l.800:000SOOO, dividido em 18 quinhões de 100: 000$000 cada um e que do "capital comanditário seriam realizados até 50% devendo os outros 50% restantes ser realizados com a metade d~s lucros, que tocassem anualmente a cada um dos sócios". Os comanditários entraram com êsses 50%, e, em 1899, a sociedade faliu, sem que fôsse integrado o capit~l; ~m 1894 e 1895, a sociedade distribuíra lucros, mas os comandltarios. os embolsaram sem o pagamento determinado na cláusula transcrita. Realizado o ativo da sociedade falida, o apurado mal chep:ou para os reivindicantes e credores orivilegiados. Promoveram os síndicos a ação ordinária para que os comanditários integrassem a quota. Inacreditável.. . O Tribunal de Justiça de S. Paulo, por maioria de um voto, revogou a lei, libertando êsses comanditários das suas responsabilidades ! N'O Direito, vol. 84, pág. 596, pode-se ver a pálida decisão dêsse Tribunal neste caso memorável. O art. 53, da Lei n. 2. 024 deu mais expressiva redação ao art. 74 da Lei n. 917, de 1890, e trouxe outras disposições que eficazmente garantem os direitos dos credores, vítimas da cilada de comanditários ardilosos. A integração das quotas comanditárias, ou ações, no caso de falência da sociedade é imposta expressamente pelos códigos comerciais italiano (art. 852), mexicano (art. 1. 020) e espanhol (artigo 925), pelo Cód. de Falências de Portugal (art. 171), e pelas leis românica (art. 872) e búlgara (art. 813) .
( •) principio.
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 50, iri
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pital social e a de responder perante os credores pelas obrigações da sociedade. Ora, nem a sociedade ne1n os sócios podem restringir, diminuir ou adiar essa responsabilidade relativamente a terceiros; importaria em deixar nas mãos dos responsáveis os meios de anular as garantias prometidas ou oferecidas. A sociedade ou os sócios poderiam diminuir ou limitar os seus próprios direitos, não, porém, os dos credores, cujo fundamento se acha na lei. Se, pois, os sócios ajustam entre si que as suas contribuições ou quotas percam a primeira das funções, acima referida, subsiste sempre, intangível, a outra, a função de garantia, que êles não podem modificar. Cada sócio ou acionista deve, pois, à sociedade a quota integral que subscreve; assume ipso facto a obrigação de completá-la logo qu_e _terceiro_s a reclamem p_ara o pagamento das obrigações sociais. (VeJam-se as cons1deraçoes que se acham em o n. 1. 540 do 4. 0 vol., dêste Tratado).
482. Os liquidatários convidarão os acionistas ou comanditários a satisfazerem amigàvelmente as prestações devidas para a integração das ações ou quotas subscritas, sendo prudente a fixação de um prazo razoável, conforme .º quantum da responsabilidade, para o cumprimento da obrigação. :€ste convite deve ser feito por carta registrada, com recibo de volta. Não sendo encontrado o devedor, pode o liquidatário, verificada a ausência, fazer o convite pela imprensa. Não satisfazendo amigàvelmente, os liquidatários proporão contra êles a ação executiva, regulada pelos arts. 310 a 317 do Regul. n. 737, de 1850. (1) (1) Lei n. 2.024, art. 53, § 1.º (•). Quais os efeitos da apelação nessa ação executiva ? O Tribuna~ de Justiça de S. Paulo tem julgado que a apelação ~eye ser receb1?a nos do~s efeitos se a ação é julgada procedente, visto _como e?'i~t.em motivos relevantes e especiais, que obstam a execll:çao provisona da sentença, caso em que a apelação deve ser recebida em ambos os efeitos conforme o ensino de PAULA BATIS'!'A~ come:itando o art. 652 do Regul. n. 737, de 1850, e consoante a JUrisprudencia do Tribunal. No caso vertente, com o recebimento
( •)
principio.
Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 50, in
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Esta ação, que sàmente pelos liquidatários (no segundo período da falência) deve ser proposta, pode compreender todos os réus ou ser especial a cada um devedor em condições de solvência (1) . A obrigação dos acionistas e comanditários não é correal; não existe a unidade de obrigação e multiplicidade de devedores, de modo que em face do credor comum os devedores constituam uma só pessoa (2). (Vejam-se o n. 543, n. 3, do 3. 0 vol., dêste Tratado). 483. Os liquidatários poderão propor a ação para a integração das ações, ou quotas, antes de vender os b€ns da sociedade e apurar o ativo, e sem necessidade de justificar a insuficiência dêste para a solução do passivo da falência (3). A lei brasileira adotou o sistema mais simples, e mais garantidor dos direitos da massa. Ela partiu do princípio que, decretada a falência, a situação dos acionistas e comanda apelação somente no efeito devolutivo, ficará o réu apelante sem garantia: É certo que os liquidatários não podem levantar o preço da arrematação sem fiança, mas é, também, certo que os liquidatários, levantando o produto da arrematação, terão, ex vi do art. 131 da Lei n. 2.024, de distribuí-lo entre os credores; portanto, se o réu fôr vencedor em última instância, ficará sem a garantia da fiança, porque esta, como obrigação acessória, extingue-se em conseqüência da distribuição daquela imuortância entre os credores da massa falida, aos quais os liquidatáriÕs são obrigados a fazer, por determinação expressa da lei. Conseguintemente, em tal hipótese, desaparece a responsabilidade dos liquidatários e só resta ao executado o direito de exigir de cada credor a restituição do que recebeu, e, assim, ficará despojado de qualquer garantia e sujeito, quiçá, a dano irreparável. No caso do recebimento da apealção em seus efeitos regulares, nenhum prejuízo resultará à massa, que apenas sofrerá a demora pelo tempo necessário à avaliação e praça dos bens caso seja vencedora". (Acórdão de 21 de maio de 1914, com um voto vencido, que entendia ser devolvido o efeito da apelação, não podendo os liquidatários levantar a importância sem fiança; Revista dos Tribunais, vol. 10, páginas 57-59, e acórdão de 8 de junho de 1914, na mesma Revista, vol. 10, páginas 149-150). (1) Lei n. 2.024, art. 53, § 3. 0 (*). (2) A lei deixa ao arbítrio dos liquidatários promover a ação conjuntamente e no mesmo processo contra todos os acionistas ou comanditários, porque têm a mesma origem as obrigações (o contrato social), ou demandar singularmente cada um dos responsáveis solventes. Nisso está de acôrdo com o art. 46 da Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 (" ... pode o autor ... "), e com o art. 198, § 1.º, do Dec. n. 9.263, de 28 de dezembro de 1911 (Distrito Federal) . (3) Lei n. 2.024, art. 53, § 2.0 (**). (*) ( * *)
Cit. Decreto-lei n. 7.661, art. 50, § 2.º. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 50, § 1.0.
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ditários não se modifica: devedores são da sociedade pela importância que falta para integrar as suas ações ou quotas subscritas, devedores continuam a ser para com a massa, na qual se subrogam os direitos da sociedade falida. Assim, ficam na mesma situação dos devedores ordinários, cumprindo não esquecer que as entradas dos acionistas e comanditários para a formação do capital social constituem a garantia por excelência dos credores (ns. 481, supra, e 1. 540 do 4. 0 vol., dêste Tratado). (1) ( 1) Como conseqüência dessa premissa, temos que se o acionista ou comanditário fôr credor da sociedade falida pode compensar ês~e seu crédito com a importância que deve para completar as açoes, ou quotas subscritas. A êsse respeito, demos o seguinte parecer em 23 de dezembro de 1915: "O sócio comanditário é devedor à sociedade da parte da quota, ainda não paga (nosso Tratado, vol. 3.º, ns. 542 e 543) . . Sobrevindo a falência da sociedade, êsse sócio está obrigado a mt~g:ar a quota (art. 53, princ., da Lei n. 2. 024), devendo fazê-lo am_igavelmente, logo que avisado, sob pena de lhe ser proposta a açao competente (art. 53, § 1.º) . Mas, o sócio comanditário pode ser, por sua vez, credor da sociedade, sendo tratado pela mesma forma que outros quaisquer credores (art. 349, 2.ª alínea, do Cód. Comercial) . Temos, portanto, que, por efeito da falência, se opera a c?mpensação entre o débito do comanditário a título de quota social e_ 0 seu crédito, de acôrdo com o art. 49 da Lei n. 2.024, desde que se nao ache êste crédito nas exceções do parágrafo único do citado art. 49 · Não há necessidade de esperar a ação judicial, a que se refere o art. 53, § 1.0 , da Lei n. 2. 024, à qual sàmente se recorre no caso de recusa do pagamento. . Se o comanditário na declaracão do seu crédito, para consegmr a admissão na falência, reconheêe, se confessa logo a sua ~ívida, tem o direito de descontar daquele a i~portância desta, menc10nando a importância exata do crédito, pelo qual tem de concorrer na falência (art. 82) . A compensação extingue a dívida. Se não procedeu a essa compensação ao apresentar a declaração do crédito, nada obsta a que o comanditário o faça em qualquer tempo, antes, durante ou depois da primeira assembléia dos credores, oedindo a retificacão da importância do seu crédito. A simples retificacão dos créditos pode ser feita a todo o tempo, e se o próprio credor não se apressa a dar essa prova de lisura podem promovê-la os liquidatários ou qualquer outro credor (art. 88) ". Na Itália, RAMELLA, Trattato del fallimento, 2.ª ed., vol. 2.0 , n. 628, admite essa compensação. Na Suíça, a compensação nesse caso é proibida pela expressa disposição do art. 213, in fine, da lei de 11 de abril de 1889 (Poursuite pour dettes et faillite) .
Justificam os escritores nuíços essa proibição, dizendo que a integração efetiva da importância das ações ou quotas é obrigação absoluta dos sócios. Sendo o capital a garantia dos credores, perml-
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Em tais condições, os representantes da massa falida não precisam justificar quanto necessitam dêsses fundos. A obrigação daqueles sócios é para com a sociedade e não para com os credores sociais. Devem pagar a dívida à sociedade, desde que esta, falida, tem de realizar todo o seu ativo; oportunamente, êles receberão o rateio do saldo que porventura exista depois de pago o passivo. A doutrina não é, entretanto, uniforme sob êsse ponto da integração das ações ou quotas pelos acionistas ou comanditários, no caso da falência da sociedade.
Se alguns escritores aceitam como melhor o sistema da Lei n. 2. 024 (1), outros o combatem, procurando distinguir entre os sócios devedores de entradas e os devedores ordinários. LABRÉ, que, na França, senão pela primeira vez, ao me-
nos com entusiasmo, sustentou esta última doutrina (na falta de disposição legal expressa), a justificou dizendo que os devedores ordinários devem integralmente à massa falida do credor, sem que esta exerça nenhuma influência sôbre os seus débitos, pois, terminada a falência, êles nada têm a repetir do que pagaram aos síndicos ou liquidatários. Mas, tratando-se de sócios de responsabilidade limitada, que contrataram simultâneamente, que se devem reciprocamente a importância da quota subscrita e que criaram a sociedade atribuindo o caráter de pessoa jurídica, como mera ficção, no interêsse dêles e de terceiros credores, a situação é outra. Se dissolvida a sociedade e pagos os credores, êsses sócios ficam libertos da integração das suas quotas e partilham o saldo tida a compensação nesse caso, êstes poderiam sofrer prejuízo (MARTIN, La loi fédérale, sur la poursuite pour dettes et la faillite pág. 210). (Veja-se a doutrina de BÉDARRIDE, Des faillites, volume 1.0 , n. 92, que expende valiosas razões) . (1) DELACOURTIE, Droit du syndic dans la faillite des sociétés par actions, págs. 60 e segs.; LYON-CAEN et RÉNAULT, Traité de droit commercial, vol. 8. 0 , n. 1.186; PERCEROU, Des faillites et banqueroutes, vol. 2. 0 , ns. 1.656 e segs. Nesse sentido se tem manifestado a parte mais notável da jurisprudência francesa, especialmente nos útlimos tempos, como se pode ver no Répertoire de droit /rançais, de CARPENTIER et DU SAINT, verb. Sociétés commerciales, ns. 2.221 e segs., e nos Annales de droit commercial, 1907, página 313. 31
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do ativo social entre si, incidindo a sociedade em falência, e também dissolvida por êsse fato, libertam-se da responsabilidade de integrar as suas ações ou quotas, se não há necessidade para o pagamento do passivo social resultante de operações anteriores. A massa não ten1 devedores nos acionistas e comanditários. Não existe a dívida, se não há necessidade de satisfazer credores sociais. É preciso, pois, conhecer previamente a medida dessa necessidade para verificar o débito certo daqueles sócios. (1) No mesmo sentido se manifestou, na Itália, o professor SRAFFA. (2)
Por mais rigoroso que pareça o sistema da Lei n. 2 . 024, êle se funda na personalidade jurídica das sociedades, hoje princípio legal, e é o único que pode imprimir o indispensável crédito às sociedades anônimas e comanditárias (n. 1 . 540 do 4.0 vol., dêste Tratado). t:le fixa com precisão o direito da massa falida e a obrigação dos sócios de responsabilidade ilimitada. Não há surprêsas de um e outro lado, t:sses sócios sabem de antemão a situação jurídica que assumem com a falência da sociedade, se a esta ainda deverem por conta das entradas prometidas para a formação do capital social, garantia dos credores. ~le evita discussões intermináveis, insolúveis muitas vêzes, entre os representantes da massa e os sócios, sempre interessados em opor exceções e contestações para se libertarem do pagamento. Depois, se a falência da sociedade acarreta a dos sócios de responsabilidade ilimitada em virtude da solidariedade que assumiram, não é justo estabelecer para os sócios de responsabiildade limitada uma situação de privilégio, desde que êles também respondem pelas obrigações sociais, se bem que até o valor das suas ações ou quotas. Se aos sócios de responsabilidade ilimitada não se pede a integração das suas quotas é porque êles não podem ficar simultâneamente sujeitos a duas obrigações, a de pagar os débitos sociais ilimitada e solidàriamente e a de satisfazer as entradas devidas para a integração da quota. Ora, os sócios de responsabilidade limitada (1)
(2)
SffiEY, 1887, I, pág. 49. Il fallimento delle società commerciali, pág. 196 e segs.
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acham-se em outra situação; a sua obrigação é uma só, a de completar a quota subscrita. (1) A vista do exposto, conclui-se que a defesa na ação para a integração ou complemento das ações ou das quotas comanditárias é, por sua natureza, restrita. (Veja-se o n. 1. 540 do 4. 0 vol., dêste Tratado). (2) (1) O Cód. Comercial italiano, no art. 852, autorizou o curador a exigir dos sócios de responsabilldade ilimitada as entradas, cuja necessidade o tribunal da falência reconhecer. No mesmo sentido, a lei românica, art. 872. Os códigos comerciais espanhol (art. 952), mexicano (art. 1. 020) e peruano (art. 936) dão aos representantes da massa a faculdade de exigir dos sócios de responsabilidade limitada os dividendos ne-
cessários. (2) Pode o sócio alegar compensação nos têrmos do nosso parecer em a nota 1 da pág. 482. Podem os sócios alegar em defesa atos de má ou culposa gestão dos liquidatários na falência e dos administradores ao tempo em que a sociedade se achava in bonis, ou pretender a nulidade da verificação e classificação dos créditos? Sôbre essa questão já nos referimos, em o n. 1.540 do 4. 0 vol. dêste Tratado, trazendo em apolo o acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 2 de outubro de 1914. Ouvidos sôbre o caso, demos em 2 de dezembro de 1913 o parecer seguinte, publicado na Revista dos Tribunais, vol. 10, páginas 45-58: "Os acionistas são devedores da sociedade da importância que falta para integrar as ações de que são titulares (Cód. Comercial, art. 15) . Declarada a falência da sociedade, os liquidatários têm o direito de exigir êste crédito social, elemento do ativo da massa, garantia oferecida a terceiros, desde o modo, o processo e o tempo para aquela exigência. Tal disposição é hoje recebida sem discrepância pela jurisprudência dos povos cultos e imposta pela moralidade que deve haver nas sociedades anônimas. A defesa que apresentaram os acionistas, ora demandados pelos liquidatários do banco falido, para integrar as ações, defesa exposta circunstanciadamente na consulta, parece-nos improcedente. O acionista nada tem que ver com a realização do ativo da falência nem com as medidas e atos tomados ou deliberados pelos síndicos ou liquidatários sôbre a resolução, rescisão ou liquidação dos contratos e têrmo em que fôra parte o banco falido. Válidos ou nulos êstes contratos, bem ou mal liquidados pelos representantes da massa, proveitosa ou não essa liquidação, certa ou errada a verificação dos créditos, tudo isso escapa à discussão e apreciação do acionista-devedor no processo executivo, ao qual se refere o art. 53, § 1.0 , da Lei n. 2. 024. Que lhe aproveita essa defesa ? A falência tem passivo, reconhecido judicialmente mediante as formalidades legais? O acionista integrou as suas ações? Eis as duas questões únicas a atender. Os liquidatários têm por dever solver o passivo da falência; para êsse fim, a massa tem direito a haver dos acionistas a quota social prometida e não entregue à sociedade, garantia primeira dos credores. A que propósito e com que fim o acionista devedor, colocado no plano
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484. No caso de redução do capital da sociedade anônima ou de fusão, não podendo qualquer dêsses atos afetar os direito dos credores sociais, então existentes, continuam os acionistas com a obrigação de integrar as suas ações, no caso de falência (ns. 1 . 044 do 3. 0 vol. e 1 . 381 do 4. o vol. dês te Tratado). 485. O soc10 comanditário na sociedade em comandita simples, que se despedir antes de dissolvida a sociedade retirando os fundos com que entrara para o capital, ficará responsável, até o valor dêsses fundos, pelas obrigações contraídas e perdas havidas até o momento da despedida, que será o da respectiva averbação no registro do comércio. (1) 486. Os comanditários, nas comanditas simples, tornam-se solidários: l.º Se praticam algum ato de gestão, se se empregam nos negócios da sociedade, ainda que na qualidade de procuradores ou se fazem parte da firma (n. 752 do 3.º vol. dêste Tratado). (2)
2. 0 Se não existe contrato registado (n. 736 do 3. 0 vol.), ou se expirado o prazo social a sociedade continua de fato (n. 737, do 3. 0 vol.) . comum dos outros devedores, vem atacar os contratos celebrados pelos administradores da sociedade, enquanto esta se achava in banis? Os administradores da sociedade tinham sido eleitos pelos acionistas (Decreto n. 434, art. 97). Se excederam o mandato, se violaram a lei ou os estatutos, o recurso que cabe aos acionistas prejudicados é responsabilizar êsses administradores pedindo-lhes a indenização das perdas e danos (Dec. n. 434, art. 109), nunca, porém, lhes seria lícito opor contra terceiros, credores da sociedade falida, a validade de atos que se tivessem bom êxito dariam para fartos dividendos, certamente percebidos sem reclamação ou protesto. Como tentar excluir credores em um processo que corre à revelia dêles onde não são ouvidos nem cheirados? O nosso parecer é que os acionistas, ora demandados para completar as suas ações, não podem alegar a nulidade das operações praticadas pela sociedade em sua vida normal antes da falência e muito menos pretender modificar a verificação e a classificação dos credores, que é irrevogável, salvo os casos do art. 88 da Lei n. 2. 024". (1) Lei n . 2 . 024, art. 54 ( * ) . {*)
principio.
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Nas sociedades em comandita por ações, os comanditários tornam-se solidários, S€ servem de gerentes, prestem ou não o nome à firma (n. 1. 408, do 4. 0 vol.) . No primeiro caso acima apontado, os sócios comanditátários não incidirão nos efeitos da falência, mas responderão in solidum com a sociedade falida por tôdas as obrigações sociais. (1) Esta responsabilidade solidária do soc10 comanditário, argüido de tomar parte em atos de g€stão social, deve ser decretada por meio da ação sumária, estabelecida no art. 238 do Regul. n. 737, de 25 de novembro de 1850 (2) e nunca decidida s€m forma ou figura de juízo no processo da falência da sociedade. Esta ação sumária deve ser promovida pelos liquidatários (3), e pode ser proposta antes da venda dos bens sociais e da apuração do ativo e sem nec€ssidade de justificarem a insuficiência dêste para a solução do passivo da falência. (4) A solidariedade pronunciada contra o comanditário que pratica atos de gestão, diz MASSÉ, é uma pena, que não deve exced€r os têrmos da lei nem receber agravação arbitrária. O sócio comanditário, ainda que passível dé uma ação solidária, não se torna por isso sócio solidário, porquanto não é admissível submetê-lo à solidariedade senão quando os outros sócios não pagam; não se lhe podem aplicar as normas reguladoras dos sócios em nom€ coletivo, solidários de pleno direito e cuja sorte está necessàriamente ligada à da sociedade; é um devedor ordinário contra o qual os consócios e os cre-
(1) Lei n. 2. 024, art. 6. 0 , § 2. 0 . Neste § 2.0 a Lei n. 2.024 somente se refere aos comanditários das comanditas simples (art. 314 do Código Comercial), mas compreendem-se aí, sem dúvida, os comanditários das comanditas por ações nos têrmos do art. 218, § 2.0 , do Decreto n. 434, de 4 de julho de 1891. (2) Lei n. 2. 024, art. 6.0 , § 2.0 • (3) Lei n. 2. 024, art. 68, § 3. 0 . (4) Lei n. 2.024, art. 6. 0 , § 2. 0 , 2.ª alínea, em referência ao artigo 53, § 2.0 •
(*)
artigo 6. 0
Apuração de responsabilidade, Decreto-lei n. 7 .661, de 1945, •
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dores da sociedade têm uma ação indefinida em vez da ação limitada a que se deveriam restringir se não houvesse êle praticado atos de gestão. Mas, esta ação, no caso em que o comanditário não pague, deve seguir as vias de direito comum, e não pode levar a uma declaração de falência senão quando o devedor, sendo comerciante, se ache em posição pessoal que a autorize. (1) No segundo caso, a falência da sociedade acarreta ipso facto a falência dos sócios comanditários, conforme ficou dito e1n o n. 135, supra.
2.0
Da falência do sócio de sociedade "in banis"
Sumário: - 487. A falência do sócio produz a dissolução da sociedade. - 488. Onde se procede a liquidação. - 489. A falência do acionista não produz a da sociedade anônima. - 490. A falência do sócio dissolve também a sociedade civil. 491. A liquidação opera-se com a intervenção dos síndicos ou liquidatários. - 492 · Falência do sócio de mais de uma sociedade,
487.
A falência do soc10 de responsabilidade ilimitada
em qualquer forma de sociedade ou do comanditário na sociedade em comandita simples produz de pleno direito a sua dissolução. (2)
O) MASSÉ, Le droit commercial, vol. 2.º, n. 1. 171; veja-se, também TROPLONG, Société, vol. 1.0 , n. 74, in fine. (2) Cód. Comercial, art. 335, n. II; Lei n. 2.024, art. 51, princ. A disposição do art. 51 da Lei n. 2. 024 refere-se evidentemente à sociedade existente, que tenha sido regularmente formada. Se na iminência da declaração da sua falência, o sócio distrata a sociedade que tenha com outros, pode êste ato ser revogado pela competente ação nos têrmos do art. 56 da Lei n. 2. 024. Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 7 de fevereiro de 1896, na Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol. 11, pág. 170.
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É essa uma providência de precedentes históricos (1), conquanto vá modernamente sofrendo modificações. (2)
Em o n. 793 do 3. 0 vol., dêste Tratado, demos a razão justificativa do preceito legal, não sendo, também, justo que r.s síndicos e liquidatários tomem na sociedade o lugar do sócio inibido da administração e disposição dos bens. 488. A liquidação da sociedade in bonis opera-se ami.gàvelmente ou, se houver motivo legal, no juízo da sua sede (n. 826 do 3.º vol., dêste Tratado). Ainda que universal o juízo da falência, perante êste não corre a liquidação judicial da sociedade, sendo os interêsses da massa acautelados pela intervenção dos síndicos nos têrmos do art. 51 da Lei n. 2.024 (*),como se diz em o n. 491, infra (3), pelo que correndo a liquidação no juízo comercial ao tempo em que o sócio é declarado falido, ela não se desafora para o juízo da falência. (4) Apurada, em favor do sócio falido, a parle líquida, esta é levada à falência. Pela mesma razão, se na liquidação, o sócio ficar devendo, a sociedade ou os consórcios, todos êles podem, na qualidade de credores, pedir a sua admissão na falência, para serem pagos em rateio. (1) Lê-se em GAIO, Comm., III, § 154: "Item si cujus ex sociis bona publice aut privatim venierint solvitur societas". No Dig. Lei n. 65, § 1.º Pro socio: "Bonis a creditoribus venditis unius distrahi societatem Labeo ait".
(2) Há legislações modernas que admitem em vez da dissolução da sociedade, o direito dos sócios in banis pedirem a exclusão do sócio falido. (Cód. Comercial alemão, art. 131) . Veja-se em o n. 794 do 3. 0 vol. dêste Tratado sôbre a estipulação de não se dissolver a sociedade no caso de falência de um dos sócios. (3) Nesse sentido, a sentença do Dr. OVIDIO ROMERO, ilustre juiz da 3.ª Vara, confirmada pelo acórdão da 2.ª Câmara de 22 de junho de 1915, na Revista de Direito, vol. 37, págs. 524-525. Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 12 de novembro de 1914, na Revista dos Tribunais, vol. 12, págs. 83-84, que acrescenta: "por identidade de razão, se fôr o falido condômino pro indiviso de um imóvel, o juízo da falência não desafora do juízo competente a actio communi dividundo". {4) Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 13 de setembro de 1910, na Revista de Direito, vol. 18, págs. 145-146. ( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21-6-945, art. 48.
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489. Nas sociedades anônimas e nas em comandita por ações, a falência do acionista ou comanditário não produz a dissolução, porque para elas pouco importa que as ações se achem em mãos de quem quer que seja. A massa arrecada essas ações. Passa imperceptível à sociedade a falência dos seus acionistas. 490. Pela mesma razão e para os mesmos fins, as sociedades civis também se dissolvem pela falência de qualquer dos sócios . (1) 491. Na liquidação da sociedade intervirão os síndicos ou liquidatários, sendo válidos e irrevogáveis todos os atos que praticarem conjuntamente com os sócios in bonis. (2) Está subentendido que os síndicos ou liquidatários não intervêm na nomeação de liquidantes, nem sôbre essa nomeação são ouvidos (3) . (Veja-se o n. 794 do 3.0 vol.) . 492. Se algum dos sócios solidários da sociedade cuja falência fôr declarada, fizer parte de outras sociedades, para a massa daquela entrará somente a quota que a êsse sócio couber na liquidação das sociedades solventes, depois de pagos os credores destas (4). (Veja-se o n. 936 do 8. 0 vol.).
(1) Cód. Civil, art. 1.399, n. IV. Anteriormente assim era: TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis, nota 17 ao art. 758
§ 1. 0 ; CLOVIS, Direito das obrigações, § 164· COELHO DA ROCHA' Direito Civil, 2. 0 , § 869. ' • (2) Lei n. 2.024, art. 51, 2.ª alínea.
(3)
Sentença do juiz da 3.ª Vara, confirmada pelo acórdão de
22 de junho de 1915 da 2.ª Câmara, citado em a nota 3 da pág. 489. (4) Lei n. 2.024, art. 51, parágrafo único.
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ARTIGO V '
Dos contratos·1:1de mandato e comissão Sumãrlo: - 493. A falência do mandatário rompe o mandato; não a do mandante.
493. A falência do mandatário ou comissano, pessoa natural ou jurídica, rompe pleno jure o mandato ou comissão; ao contrário, a falência do mandante ou comitente não faz cessar o exercício do mandato ou comissão sôbre negócios que interessam à massa falida. (1) § l.º Da falência do mandatário Sumãrio: - 494. Falência do mandatário. Justificação do rompimento do mandato. - 495. Ineficácia dos atos praticados pelo mandatário depois da falência. - 496. Os representantes da massa devem zelar os interêsses do mandante provisàriamente. - 41l7. A massa presta contas ao mandante. - 498. O falido não está proibido de receber mandato.
494.
No mandato, a gestão é confiada pelo mandante
intuitu personre mandatarii.
Declarado falido o mandatário, a massa não poderia pretender substituí-lo, e é de presumir que o mandante não de(1) Lei n . 2 . 024, art. 52 ( • ) . O Cód. Comercial, no art. 157, mandava acabar o mandato pelo !alimento quer do comitente quer do mandatário, disposição que desde o art. 20 do Decreto n. 917 fôra modificada. O Cód. Civil, no art. 1.316, n. II, dispõe: "Cessa o mandato pela mudança de estado, que inabilite o mandante para conferir poderes, ou o mandatário, para os exercer".
( •) Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 49 e respectivo parágrafo.
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seje que o negócio continue sob a gestão de quem perdeu a sua confiança, baseada na garantia que oferecia. Mutato statu procuratoris, dicitur statim mutato voluntas in mandante.
495. Publicada a falência, cessa o mandato, constituído anteriormente a êsse fato (1). Os atos praticados pelo falido, na qualidade de mandatário, não obrigam o mandante, pois se considera ter êle obrado sem procuração. Em todo o caso, pode o dono do negócio ratificar o defeito substancial. 496. Falido o mandatário, devem os representantes da massa participar êsse acontecimento ao mandante e, até que recebam resposta, zelar os interêsses dêste e concluir os atos de gestão começados pelo falido, se da mora puder vir dano ao mandante. (2) Os representantes da massa· obrarão como gestores de negócio . (3) 497. Cessando o exercício do mandato com a superveniência da falência do mandatário, a massa tem de prestar contas ao mandante (como representante que, neste particular, é do falido), segundo as regras de direito. 498. Deve-se notar que o falido não está privado de receber o mandato, desde que o seu objeto não tenha referência aos interêsses, direitos e obrigações da massa. Se o mandante quiser que o falido continue na execução do mandato, (1) Lei n. 2.024, art. 52, parágrafo único (•). "Mandatum d~ tum a scribente cessat et intelligitur revocatum, si sequatur scribentis decoctio" (CASAREGIS, Dis. 152, ns. 4-5) . "Rumpente mercatore omne mandatum et omnis commissio dicitur revocata" (Rota de Genova, Dec. 2, n. 31) . Consulte-se GAMA, Das procurações, 4.ª ed., n. 37, letra i e nota 227 e 242. (2) Tal é a importância dêste tema que não hesitamos aplicarlhe por analogia à disposição do art. 161 do Cód. Comercial, relativa ao caso de morte do comitente. Consulte-se o bom livro de PONCIANO DE OLIVEIRA, Do mandato e da comissão mercantil (dissertação, Bahia, 1900, págs. 102-103. (Veja-se, também, o art. 1. 308 do Código Ci.vil). (3) Cód. Comercial, art. 163.
( *)
Decreto-lei n. 7. 661, art. 49, § 1.º.
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ou se alguém conhecendo êste estado lhe confiar a gestão de um ou mais negócios, nada obsta a que o falido desempenhe o encargo (1) . Quaisquer responsabilidades em que incorrer o falido, em virtude do mandato recebido, ficarão alheias à massa. § 2.º Da falência do mandante Sumário: 499. Pela falência do mandante não cessa o mandato. - 500. O falido pode constituir mandatário.
Se o mandante é declarado falido, não há razão para cessar o mandato. Tratando-se de negócio que interesse à massa falida, o mandatário, ainda assim, exercerá os podêres que lhe foram confr.ridos até à expressa revogação pelos síndicos ou liquidatários, a quem prestará contas (2). Há, então, a revogação do mandato pela única vontade dos representantes da massa. 499.
500. Ao terminar êste assunto, resta observarmos que o falido não está privado de constituir procurador para tudo quanto não se refira a direitos, interêsses e obrigações da massa. (3) Relativamente ao processo da falência, a Lei n. 2. 024 permite que êle nomeie procurador para representá-lo nos atos e assembléias, e como assistente nas ações pró ou contra a massa. O mandato que, para êsse fim, o devedor constituir antes de aberta a falência mantém-se em pleno vigor, ( 1) A Lei n. 2. 024, no art. 52, parágrafo único, dispõe: "Para o falido cessará o mandato ou comissão, que houver recebido antes da falência". Pode, pois, receber o mandato ou a comissão depois de aberta a falência.
(2)
Lei n. 2. 024, art. 52, princ. ( *) . Lei n. 2. 024, arg. a contrario do art. 44, § 1.º. ( **) . Não pode o falido constituir procurador para negócios que tenham relação, direta ou indireta, com interêsses, direitos e obrigações da respectiva massa falida. (GAMA, Das procurações, 4.ª ed., n. 89, letra e) . (3)
( *)
("' "')
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 49, in principio. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 40, · § 1.º.
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como ato de interêsse pessoal do mesmo devedor e nao pode ser revogado pelos síndicos ou liquidatários. ARTIGO VI De outros diversos contratos bilaterais e unilaterais Sumário: - 501. A locação de prédios. 502. A preposição. - 503. A concessão de obras e serviços públicos. - 504. Peculiaridades sôbre as falências das emprêsas concessionárias de obras e serviços públicos. - 505. A fiança. - 560. Os depósitos nos armazéns gerais. - 507. O seguro.
501. O contrato de locação de prédio (locação por prazo certo) não se resolve pela falência do locador, nem pela do locatário (1). Se, porém, a locação foi feita com proibição de ceder ou sublocar, a massa não poderá dispor do contrato. (2) Está fora de dúvida que se no contrato de locação é estipulada a cláusula de resolução no caso de falência, a sentença declaratória desta produz o efeito da cláusula. (Veja-s·e o n. 461, supra) (**). Não têm fundamento os pareceres de CLOVIS, VILLEMOR, AMARAL e VIEIRA FERREIRA adiando a resolução para depois de negada a concordata. (3) Lei n. 2.024, art. 47, in princ., e § 1.º (*). Cód. Civil, art. 1. 201. A falência do locatário resolve o contrato de arrendamento, quando a sua cessão ou transferência é proibida. Não pode_m_ os representantes da massa transferir o contrato nessas cond1çoes · (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 23 de março de 1904, confirmando a sentença do juiz da 1.ª Vara de Santos, no S. Paulo Judiciário, vol. 4.0 , págs. 33-334) e da 2.ª Câmara, de 4 de janeiro de 1918, confirmando a sentença do Dr. CESARIO PEREIRA (Revista de Direito, vol. 47, pág. 590) . - Se no contrato de locação existe a cláusula de o locatário não o transferir sem o consentimento do locador, êste pode opor-se à venda em leilão daquele contrato. Esta cláusula equivale a uma proibição. (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 29 de novembro de 1912, na Revista de Direito, vol. 27, págs. 350-352) . (3) Revista de Direito, vol. 90, págs. 51-56. (1) (2)
( •) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 43 e respectivo parágrafo. ( * *) Hoje o art. 29 do Decreto n. 24.150, de 20 de abril de 1934, declara nula de pleno dirieto a cláusula do contrato de locação que estipula a rescisão pelo só fato de fazer o locatário concordata, ou ser decretada a sua falência.
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502. Quanto ao contrato de preposição, leia-se o n. 187 do 2. 0 vol., dêste Tratado. 503. O contrato de concessão (1) não se resolve ipso jure pela falência do concessionário (2), mas depende da autorização da pessoa administrativa concedente a transferência da concessão e dos direitos dela decorrentes a terceiros por fôrça da liquidação da massa falida. (3) 504. A falência das emprêsas concessionárias de obras e serviços públicos federais, estaduais ou municipais não interrompe a construção das obras ou a execução dos serviços constantes dos respectivos contratos. Poderá, entretanto, a concedente ordenar a suspensão das obras no caso da 2.ª alínea do art. 180, princ., da Lei n. 2.024. A situação em que ficam as emprêsas concessionárias e a necessidade de garantir especialmente a continuação do tráfego nos têrmos previstos no contrato da concessão aconselham cautelas especiais. (4) 1. Os serviços e obras prosseguirão sob a direção dos síndicos ou liquidatários, junto aos quais haverá um fiscal nomeado pela pessoa administrativa concedente, União, Estado ou Municipalidade. (5) (1) Sôbre o contrato de concessão, consulte-se o n. 189 do l.º vol., 2.ª edição dêste Tratado. (2) Lei n. 2. 024, art. 180, princ. ( *) . (3) Lei n. 2.024, art. 180, § 4. 0 (**). ( 4) O Cód. Comercial espanhol, arts. 930 a 941, estabelece dispos1çoes especiais para os casos da suspensão de pagamentos ou da quebra das companhias e emprêsas de ferrocarris e outras obras públicas. O Cód. Comercial argentino, reforma de 1902, nos arts. 1.539 a 1. 542, contém diS!>Osições es!)eciais sôbre a falência das sociedades que têm por objeto a exploração de ferrocarris, abastecimento d'água, iluminação pública, canais ou outros objetos análogos de interêsse comum nacional, provincial ou municipal, ou concessões do govêrno ou da municipalidade. Tem-se entendido que seria melhor afastar dessas emprêsas as formas ordinárias da falência e organizar uma liquidação forçada sui generis (Annales de droit commercial, 1888, pág. 153). (5) Lei n. 2.024, art. 180, § 1.0 (***).
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 201, in principio. Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 201, § 4.º. ( * * *) Decreto-lei n. 7. 661, de 21 de junho de 1945, art. 201, (*) ( **)
§
3.º.
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2. Êsse fiscal será ouvido sôbre todos os atos dos síndicos ou liquidatá1ios relativos àqueles serviços e obras, inclusivamente sôbre a nomeação do pessoal técnico e organização provisória de tais serviços e obras, e poderá examinar todos os livros, papéis, escrituração e contas da emprêsa falida e dos síndicos ou liquidatários e requerer o que fôr a bem dos interêsses a seu cargo . (1) 3. A pessoa administrativa concedente dará ao seu fiscal as devidas instruções para a observância dos contratos, e êle deverá assistir às reuniões dos síndicos ou liquidatários, onde dará por escrito as razões do seu parecer divergente. (2) 4. No caso de divergência com os síndicos ou liquidatários, poderá o fiscal recorrer para o juiz. 5. Declarada a falência das emprêsas de obras e serviços públicos, a pessoa administrativa concedente será notificada para se representar na falência e nomear o fiscal. A falta ou demora da nomeação do fiscal não prejudicam o andamento do processo da falência. (4) 505. Os efeitos da fiança não se extinguem pela falência do fiador ou do afiançado. (5) Se o falido é o fiador, a lei obriga o devedor originário a dar nova fiança ou a pagar imediatamente a dívida. (6) Lei n. 2.024, art. 180, § 2. 0 (•). Lei n. 2. 024, art. 180, § 2.0 , 2.ª alínea ( .. ) . Lei n. 2.024, art. 180, § 2.º, 3.ª alínea c•u). Lei n. 2.024, art. 180, § 3.º cuu). (5) A falência não é meio de extinguir a fiança. (Sentença de Revista Cível do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de junho de 1869, apud CANDIDO MENDES, Arestos, pág. 706, n. IX) . (6) Cód. Comercial, art. 263. o Cód. Civil, no art. 1. 490, dispõe: "Se o fiador se tornar insolvente, ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído". - Embora aberta a falência do devedor não desaparece o direito do credor contra o fiador e principal pagador, o qual não responde no juízo da falência. (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 4 de outubro de 1915, na Revista de Direito, vol. 38 páginas 583-584) . ' (1)
(2) (3) (4)
(•) Cit. Decreto-lei n. 7 .661, art. 201, § 3.0 • ( .. ) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 201, § 3.0. ( • • •) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 201, § 3.0 • (.... ) Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 201, § 2.º ..
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Se é o afiançado, o fiador apresenta-se na falência por tudo quanto tiver pago em descarga do afiançado ou também pelo que mais tarde possa satisfazer, se o credor principal não pedir a sua inclusão na falência (l} . (Veja-se o número 386, supra). 506. Os depósitos nos armazéns gerais não podem ser restituídos à massa, senão contra pagamento, se foram emitidos conhecimentos de depósito e warrant. (2) 507. O contrato de seguro não se rescinde pela falência, quer do segurador, quer do segurado, mas dão-se nêle as seguintes particularidades: A) No contrato de seguro regulado pelo Cód. Civil: 1.º Se o segurador falir antes de passado o risco poderá o segurado recusar-lhe o pagamento dos prêmios atrasados e fazer outro seguro pelo valor integral (art. 1.465). 2. 0 Se o segurado vier a falir, estando em atraso nos prêmios, ou se se atrasar após a falência, ficará o segurador isento de responsabilidade pelos riscos, se a massa não pagar antes do sinistro os prêmios atrasados (art. 1.451). B) No contrato de seguro marítimo, regulado pelo Cód. Comercial: 1.º Na falência do segurador: a) o segurado pode pedir a anulação do seguro da primeira apólice para ressegurar o objeto do seguro (3). ~ste pedido de anulação deve ser feito no juízo da falência (4); (1) Lei n. 2. 024, arts. 28 e 99, e ( *) . A falência do locatário de um nrédio não exonera o seu fiador e principal pagador, que responde também pela multa convencionada, no caso de infração do contrato, ainda que essa infração fôsse devida aos síndicos, que não pagaram os aluguéis. Ao fiador, como principal obrigado pela execução do contrato, cabe o dever de pagar os aluguéis no vencimento, havendo-os da massa. (Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação de 30 de julho de 1909, com alguns votos vencidos) . (Revista de Direito, vol. 15, págs. 522-523) . (2) Lei n. 1. 202, de 21 de novembro de 1903, art. 17. A falência do devedor não evita a venda da mercadoria warrantada. (Lei n. 1.202, de 1903, art. 23, § 5.0 ) . (3) Cód. Comercial, art. 687, 2.ª parte. (4) o Cód. Comercial limita-se a dizer o segurado pedirá em juízo a anulação da primeira apólice; observa SILVA COSTA,
( •)
Cit. Decreto-lei n. 7. 661, art. 29.
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b) consumado o risco, estando o falido obrigado à respectiva indenização, o segurado é contemplado na massa como credor quirografário. (1) 2.º Na falência do segurado: a) dado o sinistro, a massa, representante do segurado, vai haver do segurador a indenização devida; b) o segurador é credor privilegiado para haver a importância do prêmio nos têrmos dos arts. 470, §§ 8.º e 9.º, 471, 472, 475, 877, §§ 6. 0 e 9. 0 , do Cód. Comercial.
ARTIGO VII Da cláusula penal dos contratos
Sumário: - 508. Quando se atende ou não à cláusula penal na falência. - 508 bis. Cláusula penal adjeta à obrigação meramente pessoal do falido.
508. A cláusula penal, estipulada conjuntamente com a obrigação ou em ato posterior, também denominada pena convencional ou multa contratual (2), tem as funções expostas nos arts. 917 a 919 do Cód. Civil, isto é, pode ser estipulada: a)
para o caso do total inadimplemento da obrigação
(pena compensatória); b)
para o caso de mora (pena moratória) ; ou
Seguros, n. 93, que o Cód. não exige sentença que anule a primeira apólice, fazendo depender a validade do resseguro do simples pedido da anulação. Pode a massa preferir manter o contrato, consultadas as razões de conveniências? Sim, desde que contraia o compromisso do pagamento integral da indenização, pensa SILVA COSTA, Seguro, n. 523. (1) Cód. Comercial, art. 687, 2.ª parte. (2) A Lei n. 2.024, no art. 126, § 1.0 , chama "multa penal no contrato estipulada". Não se confunda a pena convencional ou cláusula penal com a pena pecuniária. Em o n. 349 assinalamos a diferença.
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e) para a segurança da execução de alguma cláusula especial (pena, também, compensatória). Ocorrendo a falência do devedor, a cláusula penal é atendida: l.º Nos contratos unilaterais a prazo, vencidos ao tempo da declaração da falência. Entre êsses contratos ocupa preeminente lugar o mútuo, quer simples, quer garantido por penhor ou hipoteca. (1)
A contrario: não se atende a cláusula penal estipulada nos contratos unilaterais a prazo vencidos em virtude da falência. (2)
O inadimplemento total ou parcial do contrato ou a mora debendi, tôda acidental em virtude da falência, não se deve imputar ao falido, nem considerar infração culposa da lei contratual reguladora do momento exato da prestação. Seria, pois, iníquo responsabilizar o falido e, portanto, a sua massa, por culpa que não existe. 2. 0 a) lência;
Nos contratos bilaterais: já vencidos, resolvidos ou rescindidos antes da fa-
(1) Quanto ao mútuo garantido por penhor: acórdãos do Tribunal