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Portuguese Pages 665 Year 1960
TRATADO DE
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HRASllflRO
POR
,
JOSE XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA ADVOGADO
6. ª EDIÇÃO POSTA EM DIA POR
ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA VOLUME VI
LIVRO IV DAS OBRIGAÇÕES, DOS CONTRATOS E DA PRESCRIÇÃO EM MATÉRIA COMERCIAL PARTE II
Das obrigações em matéria comercial
.J!.iotatia Çft.eifag Bastos RIO DE JANEIRO R. Sete de Setembro, 111
1960
S. d.
SÃO PAULO R. Ui de Novembro, li:2,'li6
Todos os exemplares são numerados
N'!
3179
LIVRO QUARTO Das obrigações, dos contratos e da prescrição em matéria comercial PARTE II Dos contratos em matéria comercial Sumário: - 588. A matéria da parte segunda do livro quarto dês:e Tratado.
588. Na segunda parte dêste livro quarto, apreciaremos os contratos peculiares ao direito comercial. Alguns tratadistas agrupam em classes diversas êstes contratos de acôrdo com a natureza econômica e jurídica de cada um (1). Não nos prenderemos a qualquer das classificações propostas, porque seria difícil achar-se o apoio legal, mormente se se atender à deficiência do Cód. Comercial, que não regulou muitos contratos hoje comuns na vida mercantil. (1) VIDARI distingue os contratos em contratos máximos do comércio e em contratos que servem unicamente para promover e facilitar a circulação das riquezas. Entre os primeiros, enumera a compra e v·enda e o transporte, e entre os segundos os demais (Corso di Diritto Commerciale, 5.ª ed., vol. 3.0 , n. 2.599). Os tratadistas espanhóis classificam ordinàriamente os contratos mercantis em fundamentais e auxiliares CBLANCO CONSTANS, Derecho Mercantil, 2.ª ed., vol. 2. 0 , págs. 103 a 109) .
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Para metodizar a exposição e sem a menor preocupação sistemática, diremos: 1. 2. 3.
dos contratos principais do comércio; das operações bancárias; e das negociações nas bôlsas .
Tais serão as matérias dos três títulos desta parte segunda.
TíTULO I Dos contratos principais do comércio
Sumário: - 589. Contratos principais do comercio, que serão e>· tudados no título I. - 590. Necessidade de examinar a estrutura e os característicos de cada um.
589. tamos:
Entre os contratos principais do comércio, alis-
a compra e venda; a troca ou permuta; o mandato; a comissão; o mútuo; a abertura de crédito; a conta-corrente; a locação; o depósito; o transporte e os de garantia, compreendendo especialmente a fiança e o penhor.
tstes contratos serão estudados nos capítulos em seguida.
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J. X. CARVALHO DE MENDONÇA
Para metodizar a exposição e sem a menor preocupação sisterná tica, diremos: 1. dos contratos principais do comércio; 2. das operações bancárias; e
3. das negociações nas bôlsas .
Tais serão as matérias dos três títulos desta parte segunda.
TíTULO I Dos contratos principais do comércio
Sumário: - 589. Contratos principais do comércio, que serão estudados no título 1. - 590. Necessidade de examinar a estrutura e os característicos de cada um.
589. tamos:
Entre os contratos principais do comércio, alis-
a compra e venda; a troca ou permuta; o mandato; a comissão; o mútuo; a abertura de crédito; a conta-corrente; a locação; o depósito; o transporte e os de garantia, compreendendo especialmente a fiança e o penhor. ~stes
guida.
contratos serão estudados nos capítulos em se-
s
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590. Dispensamo-nos de chamar a atenção para a estrutura e os traços característicos de cada um dêstes contratos, único meio de facilitar a solução das dúvidas que na sua execução podem surgir. Importaria violação da lei federal fixar os elementos integrantes de uma figura contratual e, depois, com errôneos critérios de direito, lhe aplicar a disciplina de figura diferente. Não raras vêzes observamos êsses lamentáveis desvios nas decisões judiciais. Há belíssimas sentenças incensuráveis sob o ponto de vista jurídico, porém, falhas na parte em que aplicam os princípios, que desenvolvem, aos fatos da causa.
CAPÍTULO I Do contrato de compra e venda mercantil
Generalidades
Sumário: - 591. A importância da compra e venda mercantil. 592. Fontes legislativas: o Cód. Comercial, sua deficiêrJcia e dificuldades atuais. - 593. Continuação. Leis subseqüentes ao Cód. Comercial. O Cód. Civil, os usos comerciais e a jurisprudência.
591. A compra e venda é o contrato usual da vida diária; é, igualmente, o negócio jurídico por excelência, típico do direito comercial; consubstancia o próprio comércio. Por meio dêle, realiza-se, em grande parte, a circulação dos bens. Muitos outros institutos jurídicos, diz-se com razão, não passam de auxiliares ou complementares da compra e venda. O mandato, a comissão, a preposição, a mediação, o transporte, a conta-corrente, o depósito nos armazéns gerais, as operações cambiais e as bancárias, os negócios diferenciais e de seguro, na sua finalidade, visam desenvolver o
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contrato de compra e venda, facilitando os seus efeitos mediatos e imediatos (1) . ASQUINI tem razão ao afirmar que a compra e venda é "a matriz de quase tôdas as normas que se tornaram as normas gerais sôbre contratos em matéria comercial" (2). Eis a razão por que iniciamos o estudo dos contratos em matéria comercial pelo de compra -e venda, "o mais geral e nêcessano para a prosperidade do comércio, por lhe servir pela maior parte de base e fundamento" (3). 592.
O Cód. Comercial, nos arts. 191 a 220, ocupou-se da compra e venda mercantil ( 4) . As disposições dêstes artigos foram calcadas nas dos arts. 453-504 do Cód. Comercial português de 1833, as quais, por sua vez, se basearam, aliás, com variantes, no Cód. Civil francês (5) e, igualmente, (1) DERNBURG, Pandette, trad. CICALA, vol. 2.0 , § 94; GAREIS, in ENDEMANN, Manuale, vol. 2. 0 , § 258; TARTUFARI, Della vendita, no Comentário de Verona, vol. 2.0 , n. 1; VIDARI, Corso di Diritto Commerciale, 5.ª ed., vol. 3.0 , n. 2. 599; PIPIA, La Compra-vendita Commerciale, n. 2. (2) Na Rivista di Diritto Commerciale, vol. 25, P. I., pág. 514.
(3) Palavras do alvará de 4 de setembro de 1810, dado no Rio de Janeiro pelo Príncipe Regente. (4) Melhor talvez se diria compra-venda, correspondente à emptio-venditio dos romanos. Pode-se dizer comvra e venda, emptio et venditio. VINNIO escreveu: "Appellatur hic- contractus emptio et venditio, quia duobus hisce factis, seu partibus constat, emptione ea venditione, quae juncta unum contractum constituunt". Alguns Códigos empregam a palavra venda (exs.: o francês o italiano e a lei ing·lêsa), outros a palavra compra (ex.: o alemão). Mais razoável é de certo a expressão compra e venda do nosso Código, principalmente porque ato de comércio não é sàmente a venda, mas a compra para a revenda ou a locação (n. 323 do 1.0 vol., 2.ª ed. dêste Tratado) . Por outro lado, atente-se a que não há dois negócios unilaterais, a compra e a venda, mas um só contrato bilateral, composto dêstes dois elementos. Falando-se da venda, vem logo à mente a compra. DONELLO explicava: "Emptione posita, non potest esse quin intelligatur venditio, quia necessario venditio ei conjuncta est. Sic nec posita venditione, aliud intelligere possumus quam emptionem huic adjunctam" (Ad. título XXXVIII, de contrah. empt.). (5) O Cód. Com. francês contém um só artigo, art. 109, sôbre compra e venda, onde se limitou a enumerar os meios probatórios dêste contrato como se êles constituíssem a diferença entre a compra e venda civil e comercial. Os meios de prova são os mesmos aplicáveis a todos os negócios jurídicos comerciais. A doutrina e a juris-
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no Cód. Comercial espanhol de 1829 (1), o qual teve uma preponderante influência relativamente ao contrato de compra e venda. Os elaboradores do Cód. Comercial acharam-se em sérias dificuldades. A legislação civil sôbre a compra e venda consistia na massa informe das Ordenações Filipinas, no Livro 4, Títulos 1 a 21. Dois sistemas diferentes disputavam a primazia, o consubstanciado na tradição romana (de origem até hoje não esclarecida), que elevara a compra e venda a contrto consensual por excelência e lhe atribuía apenas a virtude de criar relações meramente pessoais entre os contratantes (2), operando-se a transferência da propriedade sàmente por meio da tradição, sistema esposado pelas men-
prudência estão acordes em aplicar como supletivas as disposições do Cód. Civil, não obstante a valiosa ooinião contrária de DELAMARRE et LE POITVIN (Traité de Droit Coinmercial, vol. 4, n. 9). Esta omissão do Cód. Com. francês deu azo aos usos das praças comerciais, sempre invocadas para solverem as palpitantes questões oriundas da compra e venda mercantil de cada uma das mercadorias. A Lei de 13 de junho de 1866 "sur les usages commerciaux", reuniu os usos gerais vigentes em tôdas as praças. Tenhamos, portanto, muita cautela nas exposições dos escritores franceses, que atendem aos usos locais, muitas vêzes diferentes dos nossos textos legais e dos nossos usos. BÉDARRIDE afirma que o laconismo do Cód. Com. francês a respeito da compra e venda fôra volontaire et calculé. Quis-se fazer um Código não exclusivo à nação francesa, mas geral e podendo ser adotado pelo comércio de tôdas as nações. Era, então, necessário absterse êle de muito precisar, contrariando hábitos e dificultando relações que devia favorecer (Des achats ·et ventes, 2.ª ed., n. 3) . (1) O Cód. Com. espanhol de 1829 foi um dos primeiros que se ocuparam largamente da compra e venda mercantil, seguindo a orientação da legislação da Espanha no Fuero Juzgo, no Consulado de Mar e nas Ordenanzas de Bilbao, que trataram com minúcias dêste contrato. LORENZO BENITO pondera que se pode dizer com sólido fundamento constituírem as disposições do Código espanhol de 1829, relativos à compra e venda, a base da legislação mercantil moderna dêste contrato na imensa maioria dos códigos comerciais, que não imitaram o silêncio do Código francês, e acrescenta: "a tradição do direito espanhol a êsse respeito não tem igual nem precedente em outra legislação" (Manual de derecho meircantil, vol. 2.0 , n. 1. 254, nota 1) . (2} "Hactenus tenetur (venditor) ut rem emptori hab.ere liceat, non etiam ut ejus faciat" (AFRICANUS, na L. 30, § 1.0 , D1g. de act. emti et vend.) .
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cionadas Ordenações (1) e aceito pelo Código espanhol de 1829 e pelo português de 1833, e o do Cód. Civil francês, que imprimiu a êsse contrato, desde que formado, a função translativa da propriedade. Adotaram aquêles elaboradores o sistema radicado na tradicão romana, mas deixaram-se levar pelas estiradas normas do código português, redigido sob a influência do Cód. Civil francês. Daí os trinta artigos do nosso Código, uns nem sempre claros, e outros dispensáveis. Nos setenta e seis anos de vida dêste monumento legislativo (*) estreitaram-se as comunicações terrestres e marítimas entre as nações para plasmarem figuras especiais da compra e venda. A expansão industrial e comercial dos nossos estados, com a expedição das mercadorias por terra e mar, as bôlsas que vão surgindo aqui e ali, as incessantes necessidades do comércio, tudo isso mostra como envelheceram as normas legais que temos, pouco ampliadas pelos usos comerciais, mal-formados, e por isso fracos e tímidos, e nem sempre uniformes nas diversas praças, e lembra a necessidade de regras mais completas e flexíveis sôbre o contra to máximo do comércio. 593. Além do Cód. Comercial, outras leis estabelecem normas relativas à compra e venda mercantil, especialmente para as realizadas nas bôlsas de fundos públicos e de mercadorias. Na omissão das disposições do Cód. Comercial, são subsidiárias as do Cód. Civil, legislação moderna, mas pouco auxiliante, em contrário do que se dá em outros países, nos quais o Cód. Civil precedeu o comercial.
(1) Leiam-se COELHO DA ROCHA, Direito Civil, nota K K ao § 818, no 2. 0 vol., pág. 745, 5.ª ed., sôbre a tradição romana e a sua infiltração nas Ordenações, e JOÃO ARRUDA num belo trabalho: "O art. 206 do mosso Código Comercial", inserto na Revista dos Tribunais, vol. 43, págs. 431 e segs. (Consultem-se, ainda para maior elucidação do assunto, o alvará de 4 de setembro de 1810, e a tese do Dr. CLEMENTE FALCÃO DE SOUSA FILHO, na Revista Jurídica, do Conselheiro SILVA COSTA, 1871, págs. 212 e segs.). ( •)
O autor escrevia em 1926.
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Na falta das disposições do Cód. Civil, por sua vez, seguem-se os usos comerciais. Nos casos expressos nos arts. 199, 201 e 207, n. 2, do Cód. Comercial, prevalecem, entretanto, êstes usos sôbre as normas do Cód. Civil (Regul. n. 737, de 1850, art. 2. 0 ; n. 120 ão 1. 0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado). Como são muitos os ramos de comércio e variados os sistemas de negociar nas diversas praças, era de presumir que surgissem usos e costumes para suprirem as falhas da legislação comercial positiva, impossibilitada de acompanhar o desenvolvimento das negociações mercantis. Seria incontestável o seu valor na matéria de compra e venda. Poderiam acautelar melhor os interêsses comerciais do que o Direito Civil. Sôbre o valor dêstes usos, já dissemos no n. 592, supra. Na deficiência dos dois códigos, na lacuna de usos co- · merciais e em falta de cláusulas contratuais miúdas, que· nem sempre ocorre às partes no momento do contrato, buscam-se, em geral, nos livros estrangeiros, orientados por sistema diferente do nosso, soluções para os casos ocorrentes, perturbando e obscurecendo o que basilarmente adotamos e· nos deve orientar. Em matéria mercantil, afora os casos de falência, é relativamente ao contrato de compra e venda que as decisões do poder judiciário federal e dos estados são mais freqüentes. Muitas não têm valor apreciável, por versarem sôbre meras questões de fato; algumas são infelizes na aplicação do Direito; não poucas, porém, oferecem valioso auxílio à interpretação dos textos do Cód. Comercial, em face do desenvolvimento dos negócios, como se verá no correr desta exposição.
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SEÇÃO I Da noção, dos característicos e dos elementos do contrato de compra e venda mercantil
Sumário: 594. A definição do contrato de compra e venda. 595. Característicos da compra e venda comercial. 596. Continuação. - 597. Continuação. - 598. Formação e perfeição dês te contrato. 599. Continuação. 600. És te contrato não transfere a propriedade da coisa vendida; confere apenas o jus ad rem obtinendam. 601. Justificação do sistema brasileiro. - 602. Regras gerais a todos os contratos com aplicação ao de compra e venda. - 603. A teoria geral das mercadorias e os usos e costumes das praças do Rio e Santos. 604. Modalidades do contrato de compra e venda: o têrmo e a condição. - 605. Êste contrato é consensual, oneroso e bilateral. - 606. O contrato estimatório e a dação em pagamento nas suas afinidades com a compra e venda. - 607. A cessão. - 608. Razão de ordem.
594. O Cód. Comercial não definiu o contrato de compra e venda mercantil; limitou-se a indicar os seus característicos. Provàvelmente, entendeu com DUARENO, que "nemo est qui non intelligat quid sit emere, et quid si vendere". O Cód. Civil seguiu outra rota. No art. 1. 122, definiu nestes têrmos: "Pelo contrato de compra e venda, um dos contraentes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro" (1).
(1) PAULO, na L. 5, § 1.º, Dig. de praescript. verbis: "Et si quiden pecuniam dem, ut rem accipiam, emptio et venditio est". - O Cód. Com. português de 1833, no art. 543, definia a compra e venda: "o contrato pelo qual o vendedor se obriga a entregar uma coisa •e o comprador a pagar um preço ajustado e convindo". Esta é a compra e venda tanto civil como comercial. No art. 504, ao encerrar o assunto, caracterizava por exclusão de partes as compras e vendas mercantis . Mais feliz não fôra o Cód. Com. argentino, definindo no art. 450: "la compra-vendita mercantil". Censuram esta ddinição SEGOVIA,
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A definição aplica-se à compra e venda comercial. A noção jurídica nos dois contratos, civil e comercial, é a mesma. Êles variam somente na função econômica, caracterizada por normas algumas vêzes diversas, distribuídas pelos dois códigos de direito privado. O que dizemos não é novidade para os que conhecem a teoria, que formulamos e expusemos sôbre atos de comércio no l.º vol. dêste Tratado. 595. O Cód. Comercial, na parte 2.ª do art. 191, e o Regul. n. 737, de 1850, no art. 19, 1.0 , estabeleceram incompletamente os característicos da comercialidade da compra e venda, apesar da palavra unicamente empregada naquele art. 191, conforme mostramos nos ns. 323 e 324 do 1.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado (1). Neste vol. l.º, ns. 323 a 336, explicamos largamente os característicos da compra e venda mercantil e apresentamos uma série de aplicações, para bem acentuar o sistema brasileiro (2) . Em primeiro lugar, a operação deve ter por objeto bens ou coisas móveis, inclusive títulos de crédito. Em segundo lugar, o comprador deve ter a intenção de revender a coisa comprada ou de locá-la (ns. 327 a 333 do l.º vol. cit.), visando especular (elemento intencional). sob o seu ponto de vista quanto aos atos de comércio (Explicación y crítica, vol. 2.0 , notas 1.622 e 1.623) e OBARRIO (Curso de Derecho Comercial, vol. 1.0 , n. 467) . (1) O Cód. Com. espanhol de 1829, no art. 359, definiu as compras que pertenciam à classe das mercantis, e no art. 360, as compras, vendas e revendas que não se consideravam mercantis. O Cód. Com. português de 1833, no art. 504, compendiou as compras e vendas que não se deveriam considerar mercantis, porquanto no art. 203 apontara a compra mercantil entre os atos de comércio e explicara qual fôsse ela. De tais origens surgiu a segunda alínea do art. 191 do Cód. Comercial Brasileiro. (2) Aos casos de aplicação que enumeramos no n. 335 do 1.º vol., 2.ª ed. dêste Tratado, acrescem outros mencionados na nota ao n. 100 do 7.0 vol., todos sufragados pela jurisprudência.
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Em terceiro lugar, devem ser comerciantes o comprador na aquisição e o vendedor na revenda, finalidade do negócio celebrado (ns. 309 e 311) . Esta é a compra e venda mercantil por natureza. 596. Se o primeiro característico relativamente ao objeto da compra e venda é da essência da comercialidade dêste contrato, os outros dois podem deixar de ser. Assim, a compra e venda é também comercial: a) Por dependência ou conexão, teoria sôbre a qual longamente falamos nos ns. 360 a 368 do 1.0 vol., 2.ª ed., dêste Tratado. Neste caso, o comprador dEve ser sempre comerciante. Falta o elemento intencional, acima mencionado, diretamente vinculado na operação. A compra e venda de um estabelecimento comercial, um dos casos típicos na espécie, não tem por escopo a sua revenda ou a sua locação, mas o ex·ercício do comércio. É certo que o comerciante comprador pretende revender as mercadorias que formam o seu ativo, porém, não o estabelecimento, o qual pode s-er também adquirido com a intenção de ser fechado, evitando ou suprimindo concorrência danosa. Por fôrça ou autoridade da lai, o que explicamos nos ns. 373 a 379, in fine, do 1.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado. Aqui é b)
indiferente que o comprador ou o vendedor sejam comerciantes e muito menos se exige o elemento intencional. Figuram sob êste último título as compras e vendas de apólices da dívida pública e papéis de crédito do govêrno, de ações e debêntures, de cambiais etc. 597. Nos ns. 313 a 319 do 1.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado, dissemos ser um dos grandes pilares do nosso Direito Comercial o princípio da integridade do ato de comércio. Se a compra e venda é concluída entre comerciantes, o ato é comercial por natureza; a legislação que a disciplina é a comercial. Mas, se nela intervém, de um lado, um comerciante, e, do outro, pessoa não comerciante, tal como acontece nas vendas para consumo, gôzo, ou para satisfazer necessidades
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próprias, ainda é regulada integralmente pela lei mercantil, salvo as disposições relativas à pessoa do comerciante, como a falência etc. O leitor encontrará explanado o assunto nos números indicados daquele volume (1) . 598. O Cód. Comercial, conquanto se abstivesse de definir o contrato de compra e venda, o apreciou na sua formação, dispondo que estaria perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor, um dêles comerciante, acordassem na coisa, no preço e nas condições, scilicet cláusulas (art. 191, princ.). O Cód. Civil, no art. 1.126, enunciou êste princípio, em têrmos mais precisos: "A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço". Era dispensável a rêferência do Cód. Comercial às condições, no sentido de cláusulas contratuais (2). Elas não são conseqüências normalmente decorrentes da índole da compra e venda, porém restrições ou ampliações dependêntes da vontade das partes, isto é, obrigações eventuais e acessórias, que, estranhas ao contrato na sua figura típica, entendam as partes ajustar, e tais são, ordinàriamente, as relativas ao prazo do pagamento, à embalagem e à expedição das mercadorias, ao seguro, ao tempo e modo da entrega, ao desempenho das exigências aduaneiras e fiscais etc. (3). (1) Tivemos a satisfação de ver a nossa doutrina acolhida pelo Dr. OTAVIO MENDES, distinto professor da Faculdade de Direito de São Paulo (Revista dos Tribunais, vol. 16, pág. 5) e pela Relação de Minas Gerais (Acórdão de 13 de abril de 1921, na Revista Fore,nse, vol. 37, págs. 43-44). Foi pena que êste Tribunal não aplicasse os princípios aí adotados a outros casos bem interessantes. Contra: Dr. AFONSO JOSÉ DE CARVALHO, sentença de 28 de maio de 1923, na Revista Forense, vol. 41, págs. 296-297. (2) TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, nota 4 do art. 512 (Veja-se a nota ao n. 102 do 6. 0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado). (3) Podem ser ajustados na compra e venda comercial o pacto de preferência (pactum protimeseos), que caducará se não fôr exercido durante três dias subseqüentes àquele em que o comprador tiver afrontado o devedor (Cód. Civil, arts. 1.149 e 1.158), o pacto comtssório, (art. 1.163), e o pactum displicentiae, pelo qual o vendedor ou comprador se reserva o direito de durante algum tempo retirar-se do contrato.
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O VISCONDE DE CAIRU mostra que neste contrato podem entrar todos os pactos, condições e cautelas em que as partes expressamente se ajustarem, contanto que lícitas e não proibidas pelas leis, e que, além dêstes pactos, outros há "tácitos e subentendidos pela boa-fé e natureza do contrato, presumida intenção das partes e regras estabelecidas pelas leis do país, usos e costumes do lugar e praça tanto sôbre a coisa vendida, como sôbre o modo, tempo da entrega e pagamento" (1) . Existem, entretanto, pactos que, admitidos nas vendas civis, não podem ser ajustados nas compras e vendas comerciais (2) . Ao contrato de compra e venda mercantil é lícito dar as vestes da estipulação em favor de terceiro, instituto do qual falamos nos ns. 302 a 307 dêste 6. 0 vol., P. l.ª. Compreende-se aí o contrato ordinàriamente denominado compra e venda por pessoa a designar ou nomear (3). Podem as partes convencionar no contrato de compra e venda arras ou sinal, com a dupla função, a que nos referimos nos ns. 443 e 444 dêste 6.º vol., Parte l.ª. Para maior desenvolvimento, veja-se o que ficou ali exposto nos números 442 a 448. (1) Princípios de Dirtito Mercantil, ed. CANDIDO MENDES, vol. 2. 0 , pág. 472. A Ord. 4.4, princ., dizia: "Lícita coisa he que o comprador e vendedor ponhaI? _na compra e venda, que fizerem, qualquer cautela, pacto e cond1çao, em que ambos acordarem, contanto que seja honesta e conforme o Direito". (2) Tais são os pactos de retrove,nda (Cód. Civil, art. 1.140), e o de melhor comprador (Cód. Civil, art. 1.160). O pacto de retrovenda é operação análoga ao empréstimo hipotecário, com a diferença de se apresentarem os seus elementos em ordem cronológica inversa, isto é, o que toma por empréstimo, hipotecando, retém provisàriamente o imóvel e só o perderá se não pagar no vencimento (PLANIOL, Traité de Droit Civil, vol. 2, n. 1.573). (3) O Cód. Com. não se referiu a êsse contrato. A sua fonte, o Cód. Com. português, de 1833, no art. 497, dispunha: "O contrato de compra e venda mercantil pode ser feito, ainda que diretamente, para pessoas que depois hajam de nomear-se". Quando na compra e venda se diz "compro por mim ou pessoa que indicar", a venda é válida; reveste apenas quanto à última cláusula a estipulação em favor de terceiro (ns. 302 a 307 dêste 6.0 vol., P. 1.ª).
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599.
Desde o momento do ajuste sôbre a coisa e o
preço, elementos essenciais do contrato de compra e venda (1), nenhum dos contratantes pode arrepender-se sem o consentimento do outro, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago (Cód. Comercial, art. 191, princ.). Imprimindo maior energia à primeira proposição, certamente com o intuito de lembrar a situação em que ficavam entre si o comprador e o vendedor, o Cód. Comercial neste artigo assim dispôs, aliás, sem necessidade, porque perfeito e acabado o contrato bilateral, não é mais lícito a nenhuma das partes, por seu arbítrio individual, dêle se retirar sem responsabilidade, por meio do arrependimento. O contrato de compra e venda obriga necessàriamente as duas partes, uma para com a outra (2). 600. O contrato de compra e venda mercantil torna-se definitivo e obrigatório entre as partes, eis que ajustem sôbre a coisa e o preço; êle, porém, não transfere a propriedade da coisa vendida. Esta transferência realiza-se mediante a tradição, isto é a entrega da coisa ao comprador ou, melhor, a passagem desta coisa ao seu poder jurídico (3). (1) "Aliquando et sine re venditio intelligitur" (L. 3, Dig. 18 .1) . "Sine pretio nulla vendi tio est" (L. 2, § l.º, Dig. 18 .1) . - A compra e venda supõe acôrdo quanto ao preço, não bastan-
do a remessa da mercadoria para que o destinatário seja havido como devedor do preço faturado (Acórdão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, de 5 de dezembro de 1924, na Revista dos Tribunais, vol. 53, págs. 176 e 177). (2) Se a mercadoria é vendida pelo caixeiro-viajante, não pode o vendedor deixar de entregá-la sob o pretexto de não tê-la mais nos seus depósitos. O contrato está perfeito e pela sua inexecução responde o vendedor (Veja-se VALDEMAR FERREIRA, Ma.nual do Comerciante, pág. 187) . (3) É a regra tradicional do nosso Direito. MELO FREIRE, com apoio na Ord. 4. 7, in princ., escr·eveu: "Venditor ... , quamvis rem venditam emptori tradere teneatur, illius tamen dominium retinet usque ad traditionem" (lnst. juris civilis, L. 4, T. III, § 14) . - TEIXEIRA DE FREITAS, Consol. das Leis Civis, 3.ª ed., art. 511, nota 5: "O contrato só dá direitos pessoais, é simplesmente um título justo para aquisição do domínio; mas, não o transfere, sem que aceda a tradição. O nosso Cód. Com., arts. 191 e segs., não apartou-se dêstes princípios ... ". - o Cód. Com. não diz que pela venda o domínio da coisa se transfere; a sua preocupação versa sôbre a entrega da coisa vendida
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Êste contrato é, na frase de DERNBURG, o primeiro degrau para a aquisição da coisa por parte do comprador (1). Por meio dêle, o vendedor obriga-se a transferir a coisa vendida; resta executá-lo (2). Se, efetivamente, não entrega esta coisa, não a tem transferido, não existe a alienação. Em tais condições, o comprador não se reputa proprietário por fôrça do simples consentimento das partes; tem sàmente o jus ad rem obtinendam (3).
Se, porém, o simples contrato não transfere por si mesmo a propriedade da coisa, seu objeto, os riscos desta passam
(arts. 191, 197, 198, 200, 202 et passim) devendo o comprador ficar satisfeito desde que não seja inquietado na sua posse (art. 215) . A imprecisão de idéias a êsse respeito é grande e no art. 215 já o Código dá a entender que o comprador adquire pela venda o domínio. O Cód. Civil, no art. 1.122, esclareceu as obscuridades, consagrando a doutrina sã. A entrega da coisa móvel vendida é que investe o comprador do domínio (art. 620). - Não deixa de incorrer em censura o acórdão da 2.ª Câmara, de 22 de maio de 1908, que parece dizer, cumprida a condição, o domínio da coisa passa ao comprador (Revista de Direito, vol. 9, pág. 322) . - Na técnica rigorosa, nunca se deve empregar a palavra adquirente em lugar de comprador, pois aquela supõe que pelo contrato se transferiu a propriedade da coisa vendida. {1) Pandette, trad. CICALA, vol. 2.0 , § 94. (2) Costuma-se neste tema .distinguir entre a formação e a execução do contrato. VINNIO escreveu: "ln contractibus, qui consensu perficiuntur, distinguenda perfectio contractus a consummatione sive implemento. Emptionem et venditionem perficit solus consensus de re et pretio; consummat rei traditio et nretii numeratio, qui extremus est contrahentium finis" (ad. § t.õ, Inst. III, 24). (3) Veja-se LAFAIETE, Direito das coisas, vol. 1.0 , § 44. - Lê-se na sentença do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de março de 1861 (recorrentes Mauá, MacGregor & C.) o seguinte: "A venda ou cessão dá ao comprador ou cessionário um simples direito pessoal contra o vendedor ou cedente, mas não lhe dá o direito de domínio sôbre a coisa comprada ou cedida, sem que o vendedor tenha dela feito tradição, e sem que o comprador tenha dela tomado posse. Êste são princípio, que é o sustentáculo de tôdas as relações comerciais, não sofre exceção alguma, como aliás supusera o acórdão recorrido por influência do art. 192 do Cód. Com., que declara ser lícito comprar coisas futuras e incertas, que ainda não existem. O que se segue é que, em tais casos, o comprador apenas pode adquirir um simples direito pessoal e não que se dê perfeita, ou que se suponha feita numa tradição impossível no presente, é que no futuro pode acontecer que não se realize".
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em muitos casos, para o comprador, antes da tradição, conforme adiante desenvolvidamente diremos. 601. É de tôda a conveniência, para as aplicações teóricas e práticas, pôr em relêvo essa função do contrato de compra e venda mercantil (n. 600, supra), diferente da adotada no direito francês, italiano e outros (1). Do contrato de
(ln MAFRA, Jurisprudência dos Tribunais, vol. 3, pág. 13; CÂNDIDO MENDES, Arestas do Supremo Tribunal de Justiça, pág. 519). No mesmo sentido manifestou-se a Relação da Bahia, designada para Tribunal Revisor, no acórdão de 9 de setembro de 1861, in MAFRA, ob. cit., págs. 21-25. - Ler-se-á com proveito o voto vencido do Desemb. BARROS PIMENTEL, no acórdão revisor da Relação do Rio, de 27 de junho de 1890 (Revista Comercial, n. 11.075; O Direito, vol. 53, págs. 31 a 36) . (1) O Cód. Civil francês, art. 1. 583 dispõe: "Elle est parfaite entre les parUes, et la propriété est acquise de droit à l'acheteur à l'égard du vendeur, dês qu'on est convenu de la chose et du prix, quoique la chose n'ait pas encore été livrée ni le prix payé". Ensinam os escritores franceses de acôrdo com êste Código que a venda é translativa de propriedade. O Cód. Civil italiano, art. 1.448: " ... la proprietà si acquista di diritto dal compratore riguardo al venditore, al momento che si ê convenuto sulla cosa e sul prezzo, quantunque non sia seguita ancora la tradizione della cosa nê sia pagato il pr:ezzo". - A doutrina romana não dava ao contrato o efeito de transferir a coisa vendida (L. 30, § 1.º, Dig. de act. emt. et venditi) . A obrigação do vendedor era entregar a coisa e defender o comprador das turbações que o inquietassem e das evicções. Na doutrina da época intermediária, sob a influência dos elementos germânicos e do Direito Canônico, a teoria romana clássica teve sérios opositores, como GROCIO, HUBERO e outros. Apesar disso, o direito comum manteve os princípios romanos, conforme mostra POTHIER, Contrat de vente, ns. 318 e segs. O sistema romano foi adotado no Cód. Civil alemão (art. 433) e no federal suíço (art. 184) . - A lei inglêsa sôbre a compra e venda estabelece duas formas de contrato. A venda (sale), pela qual o vendedor transfere ou concorda em transferir a propriedade de móveis (goods) ao comprador, mediante um equivalente rem dinheiro (a money consideration), chamado preço. O agreement to sell, convenção para vender, ainda que existam ou não tenham sido adquiridos pelo comprador (The Sale of Goods Act, 1883, sect. 1) . A diferença entre the sale e the agreement to sell pode ser grande, explica STEVENS: "se as mercadorias são efetivamente vendidas, a propriedade muitas vêzes s e transfere imediatamente; mas, se há uma convenção para vender (agreement to sell), esta não se torna venda (sale) enquanto não se vence o prazo ou se cumprem as cláusulas a que está sujeita a transferência da propriedade" (The eiements of mercantile law, 3.ª ed., pág. 92). Nos Estados Unidos da América do Norte a doutrina é a mesma. 1
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compra e venda não emanam direitos reais. Os direitos daí decorrentes são direitos de crédito. Atenda-se a esta circunstância, a fim de evitar equívocos (1). Os partidários do direito francês e italiano censuram o sistema que adotamos, por desconhecer, dizem, a natureza real do contrato, cujo escopo é unicamente uma obrigação de dar, e, portanto, a de transferir a propriedade da coisa vendida, e ainda por contrário às exigências práticas e à rapidez das operações comerciais. Para que a formalidade da tradição? perguntam. Se a coisa vendida se acha na posse do comprador, para que a formalidade da entrega, ainda que mediante o constituto possessório? Tudo isso, concluem, é dificultar o que simples deveria ser. Responde-se: Realmente o fim do contrato de compra e venda é a alienação da coisa, mas a compra e venda e a alienação são atos diversos. A compra é a promessa de adquirir, a venda a de transferir a propriedade. A tradição é a execução desta dupla promessa, realizando ou consumando a alienação. Êstes princípios são firmes e seguros. Não se dá o mesmo no sistema oposto, e eis a sua inconsistência. Em muitos casos, justamente os mais numerosos em matéria comercial, o contrato deixa de operar, de direito, a transferência da propriedade da coisa vendida, exemplos, se esta ainda não existe (coisa futura), se se não acha individualmente determinada, pois sem a especificação o comprador não se torna proprietário, se se trata de coisas alternativas, etc. Justifica-se assim, também, o pacto reservati do~ (1) O alvará de 4 de setembro de 1810, que revogou a Ord. 4.6, 2.0 assim explicava: "sendo sem controvérsia estabelecido pelos direitos natural, romano e pátrio, e pelo das nações cultas e civilizadas, que no contrato de compra e venda, ajustado o preço e -entregue ao comprador a coisa vendida, e ao vendedor o preço, ou fiando-o êle, não· só fica o contrato aperf,eiçoado, mas comp1'eto de todo; que por meio da .tradição passa o domínio para o comprador, ainda quando o ajuste foi feito habita fide de pretio; que dêste contrato nascem as ações pessoais ex empto et vendito, para se haver por meio delas a coisa vendida e o preço; e que a ação de reivindicação é real, e tem origem imediata no domínio ... ". §
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minif (ns. 645 e 755, infra) . Estas exceções enfraquecem, como é fácil de compreender, as bases do sist2ma francoitaliano.
DELAMARRE et LE POITVIN bem dissera1n: "Grave censura se levanta contra o Cód. Civil francês. Imputa-selhe, com razão, confundir a obrigação com a propriedade, o contrato com a execução, a causa com o efeito. É uma ficção perpétua e não razoável, que leva o homem ao mundo ideal e dá à sua vontade poder imaginário. Daí grande número de disposições legislativas, que se não harmonizam umas com as outras, e desta colisão inconseqüências sem número; não se edita impunemente em sentido inverso à natureza das coisas! (1) . Ao s2mpre lembrado VIDARI não passou sem reparo a disposição do Código italiano, considerando-a êle doutrinalmente incorreta, porque sem a tradição, qualquer que seja a forma, o comprador não pode trazer ao seu domínio a coisa que lhe fôra vendida, nem ter sôbre ela a livre disponibilidade, e aconselhando que se entendesse aquela disposição com bastante prudência (2). PIPIA, por sua vez, mostra que, em face das numerosas exceções, abertas pela própria lei à proclamada norma da transferência da propriedade pela simples formação do contrato, a lógica jurídica impõe a conclusão "de tratar-se de afirmação platônica e acadêmica sem corresponder à realidade prática do direito" (3). Os requisitos do contrato de compra e venda quanto à capacidade das partes (4), à declaração ou mani602.
(1) Traité de Droit Commercial, vol. 5, n. 2. Entendem êstes autores, aliás contra a opinião geral dos escritores franceses, que o Cód. Civil, nesta parte, não se aplica ao Direito Comercial, que permaneceu de acôrdo com o Direito Romano e o antigo Direito Civil. (2) Corso di Diritto Commerciale, 5.ª ed., vol. 3.0 , n. 2. 608. (3) La compra-vendita commerciale, n. 254. (4) As normas legais relativas à capacidade somente se apuram nas compras e vendas ·entre mercadores. Quantos menores de 16 anos realizam comoras nas lojas a retalho e nas mercearias? Quantos menores não são prepostos de casas COplerciais e ven?-em ao bal~ão, ainda que no exercício das suas funçoes? Tem-se dito que aqueles
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festação da vontade (1) e às suas modalidades (2), e os preceitos relativos a sua interpretação e formação, são dominados pelos princípios gerais dos negócios jurídicos, expostos no Tít. I da P. l.ª dêste 6. 0 vol. Quanto à prova, nos ns. 626 e segs., infra. 603. A respeito da teoria geral das mercadorias, e, especialmente, sôbre a sua circulação e os usos e costumes das nossas duas principais praças, Rio e Santos, estudo indispensável para completar a matéria do contrato de compra e venda comercial, dissemos nos ns. 24 a 98 do 5. 0 vol., P. l.ª, dêste Tratado. Voltaremos a falar dêste assunto com mais ou menos minúcias no correr do presente Capítulo. 604. Quanto às modalidades, o contrato de compra e venda pode ser sujeito a têrmo (3) ou dependente de condição.
Se a condição fôr suspensiva, os seus efeitos ficam paralisados até que se verifique a existência ou não do evento, menores são mandatários tácitos dos nais ou de outros representantes. Não parece, porque nada fazem em nome dos pais. O que há é o enfraquecimento das regras legais por ser o contrato de compra e venda usual na vida, como se dá com o de transporte etc. (1) Aludimos à declaração concorde da vontade das partes (n. 543 dêste 6.0 vol., P. l.ª). - O êrro, a coação, o dolo e a simulação podem viciar a declaração da vontade do comprador, ou do vendedor (n. 50 do 6.0 vol., P. l.ª). O êrro tem vasto campo para se expandir nos contratos de compra e venda, onde podem freqüentemente ocorrer os principais casos mencionados no n. 57 do cit. 6.0 vol. O êrro node recair tanto sôbre a coisa, como sôbre o preço. O consentimento relativo ao preço, se fôr viciado oor êrro substancial, é anulável: "Si dissentiant in pretio, emtio imperfecta est" (L. 9, princ., Dig. 18, l.º) . (2) Vejam-se os ns. 99 e segs. dêste 6.0 vol., P. l.ª. (3) O alvará de 4 de setembro de 1810, revocatório da Ord. 4. 5, § 2. 0 , determinou que "fiando o vendedor o preço, seja ou nào por prazo certo, tenha somente a ação pessoal para pedi-lo e não possa haver a coisa vendida, porque lhe não fôsse paga no tempo aprazado, devendo entender-se que a concessão de espaço para o pagamento sem outra convenção não importa mais do que não pedir-se o preço antes dêLe findar-se". O contrário disso seria "argúcia e sutileza dos comentadores destituídos dos princípios sólidos de direito", afirmava o mesmo alvará.
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ao qual estão subordinados (1), e se resolutiva, tais efeitos produzem-se imediatamente e extinguem-se desde o advento do fato (veja-se o n. 106 dêste vol. 6. 0 , P. l.ª) (2). Compra e venda sob condição resolutiva no comércio é raríssima; podemos até dizer, pouco conciliáveis os seus efeitos com os usos e necessidades comerciais (3) .
(1) O Cód. Com., no art. 191, primeira parte, diz: "Fica entendido que nas vendas condicionais não se reputa o contrato perfeito
senão depois de verificada a condição". Isto não quer dizer que deixe de existir o contrato; não se manifestam simplesmente os direitos e as obrigações dêle resultantes (n. 109 dêste 6.0 vol., P. 1.ª). Conseguintemente, ainda que subordinada à condição, a compra e venda não pode ser dada por inexistente ou rescindida pela vontade de qualquer das partes. A linguagem do Código é meio confusa e a referência ao art. 127 mais compromete o caso, porque a condição à qual êste artigo teve em vista não passa de adições, restrições ou modificações à proposta do v.endedor (n. 556 dêste vol. 6.0 , P. 1.ª e nota ao n. 562, in fine).
TEIXEIRA DE FREITAS, na Consolidação das Leis Civis, art. 512, nota 4, bem adverte que a condição referida pelo Código é a suspensiva e não a resolutiva. - Ajustando vender o meu estabelecimento comercial se neste ano fôr à Europa, há uma condição potestativa, é verdade, porém válida, porque não está no meu poder absolutamente impedir que a venda se realize. Somente serei obrigado se fôr à Europa (TROPLONG, De la vente, vol. 1.º, n. 52) . - F. vendeu a e. dez cartolas com óleo de linhaça genuíno cru de Fenner para entregar depois da chegada do vapor que o trouxesse da Inglaterra a Santos, ficando, porém, o contrato sujeito à licença para exportação do govêmo inglês. tste, porém, proibiu a exportação de óleos minerais e vegetais durante 1917. O comprador demandou o vendedor, que alegou o evento da condição a que foi sujeita a venda. Vitorioso na 1.ª instância, decaiu na 2.ª (Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 27 de fevereiro de 1920, confirmado em embargos pelo de 6 de maio de 1921). Na Revista dos Tribunais, vol. 33, pág. 294 e vol. 38, pág. 395. - A compra e venda de uma concessão outorgada pelo Govêrno Federal fica subordinada à condição do consentimento ou autorização dêste para a transferência, quando necessária, salvo se as partes ajustarem expressamente em sentido contrário, fixando prazo certo para a tradição da coisa vendida, época em que o comprador, ou o v:endedor se obrigue a obter aquêle consentimento (Veja-se o acórdão da Câmara Civil da Côrte de Apelação, de 22 de agôsto de 1892, em O Direito, vol. 60, págs. 110-113, achando-se desde a pág. 70 as peças mais importantes da causa) . (2) Se se estipula que o contrato fique sem efeito pela falta de pagamento do preço no prazo ajustado, há o pacto corr~issório (Cód. Civil, art. 1.163) . (3) BÉBARRIDE, Achats et ventes, n. 211.
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Completam êste assunto os princípios reguladores das condições, que se encontram nos ns. 106 a 111 do 6. 0 vol., P. l.ª, dêste Tratado. 605. O contrato de compra e venda mercantil é consensual (n. 541 dêste vol., P. l.ª) oneroso (n. 539), bilateral (n. 538), se bem que ofereça algo de anormal quanto a vários princípios decorrentes dêstes contratos, principalmente do último, no ponto relativo aos riscos da coisa vendida, e, eventualmente, aleatório (n. 540). 606.
A compra e venda mercantil distingue-se:
1. Do contrato modernamente usado, ao qual, sob a inspiração do Direito Romano, se tem denominado estimatório (1). O comerciante entrega mercadorias a terceiro com valor estimado para que as venda, pagando-lhe êste o preço da estimação, ou restituindo as mercadorias. São hoje freqüentes tais contratos, tendo por objeto jóias, livros editados, quadros, automóveis etc. A quem recebe as mercadocias, tem-se chamado entre nós agente vendedor, expressão infeliz, porque não há mandato, visto como o accipiens, recebendo a coisa em confiança, obra por conta própria e não por conta do tradens. Outros descobrem nesta figura o contrato de comissão (2), quando é certo que não há pràpriamente um encargo por parte do tradens. O accipiens não presta contas do preço que achou, mas, se vender a coisa confiada, deve ao tradens pagar a aestimatio. Os riscos correm por conta do accipiens e a transferência
(1) Vejam-se COELHO DA ROCHA, Direito Civil, vol. 2. 0 , § 825; TEIXEIRA DE FREITAS, Esbôço de Código Civil, arts. 2 .105 a 2 .108. Na Rivista di Diritto Commerciale, vol. 17 (1919), P. l.ª, encontra-se uma monografia de LEONE BOLAFFIO sôbre il contratto estimatorio
quale atto oggettivamente commerciale.
- Não confundir êste caso com a venda a crédito anexa à obrigação de entrar com o valor em certo orazo, o que deu ocasião às decisões na Revista de Di'Jieito, vol. 66, págs. 360-361. (2) COELHO DA ROCHA, Direito Civil, vol. 2.0, § 825.
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de propriedade da coisa sàmente se opera depois de pago o preço ao tradens (l). Não se aplicam ao caso as regras da compra e venda (2) . Da dação em pagamento, cuja afinidade, com a compra e venda, levou os romanos a diz·erem: "dare in solutum est alienare" (L. 4, Cód. 8. 45), e o Cód. Civil, no art. 996, a dispor que, determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda (Veja-se o n. 498 dêste 6.º vol., P. l.ª). O critério distintivo está principalmente no seguinte: A dação em pagamento supõe uma obrigação que se extingue (n. 496 dêste 6. 0 vol., P. l.ª); a compra e venda cria nova relação contratual. 2.
Se a compra e v2nda tem por objeto coisas imateriais (incorpóreas), como créditos, direitos e ações (n. 609, infra), toma o nome específico de cessão. O fundamento e a substância da relação são sempre os mesmos, conquanto na cessão se apresentem algumas peculiaridades (Vejam-se os ns. 371 e segs. dêst2 6. 0 vol., P. l.ª) . 607.
608. No n. 599, supra, dissemos que dois eram os elementos essenciais para a composição do contrato de compra e venda, a saber: a coisa, objeto da prestação do vendedor, e o preço, objeto da prestação do comprador. Exige especial apreciação cada um dêstes elementos.
PIPIA, Trattato di Diritto Commerciale, vol. 4, n. 72. (2) Quem recebe em confiança jóias para vender, mediante comissão e com a obrigação de restituir aquelas para as quais não achasse compradores, não contrata a compra e venda. Não restituindo as jóias ao tradens, nem pagando o preço, pratica o crime de apropriação fraudulenta (Cód. Penal, art. 331, n. 2) (•). Acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 28 de dezembTo de 1907, na Revista de Direito, vol. 3, págs. 404-409. (1)
(•)
Art. 168 do Cód. Penal vigente.
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ARTIGO I Do objeto da compra e venda Sumário: - 609. Coisas que podem ser vendidas e compradas. 610. Coisas que não podem ser objeto da compra e venda comercial. - 611. Coisas que para serem objeto dêste contrato devem ficar sujeitas a restrição ou fiscalização. 612. Coisa certa e segura ou incerta e duvidosa. - 613. Coisas futuras. - 614. Coisas que nunca existiram ou que pereceram antes de concluído o contrato. - 615. Venda da coisa alheia. 616. Determinação das coisas vendidas e compradas, gênero e espécie. 617. Designação, identidade, qualidade e quantidade das mercadorias.
609. Podem ser objeto de compra e venda comercial tôdas as coisas suscetíveis de serem objeto da atividade mercantil, isto é, as coisas móveis (ns. 2 e 3 do 5. 0 vol., P. l.ª, dêste Tratado), ou melhor, as mercadorias (ns. 5, 24, 25 e 26 do mesmo 5. 0 vol.) (1) . Entre as mercadorias, objeto da indústria mercantil, compreendem-se as coisas materiais e as imateriais transmissíveis, de que são exemplos os títulos de fundos públicos, as ações de companhias, e os títulos de crédito (Cód. Comercial, art. 191, 2.ª alínea) (2), as fungíveis e infungíveis, as singulares e coletivas, os estabelecimentos comerciais com ou sem a sua freguesia, as marcas de fábrica e o frio industrial (n. 3 e respectivas notas do 5.º vol., P. l.ª, dêste Tratado) , o metal nobre, reduzido ou não a moeda (n. 445 do cit. 5.0 vol.) etc. O contrato de compra e venda pode consistir em uma ou mais coisas conjuntas ou alternativas. Neste último caso aplicam-se-lhe os princípios gerais expostos nos ns. 356 a 358 dêste 6. 0 vol., P. l.ª. (1) O Cód. Com ... no art. 191, referiu-se a efeitos móveis e semovenbes. Os semoventes entram no conceito de bens móveis (Cód.
Civil, art. 47) . (2) O Cód. Com., no art. 191, parte 2. 8 , diz "papéis de crédito comerciais". A frase não é correta. Papéis de crédito civis ou, melhor, os títulos de crédito in gene:re podem ser objeto de compra e venda mercantil, desde que atuem os elementos indicados no texto (Veja-se o n. 461 do 5.0 vol., P. 2. 8 , dêste Tratado) .
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Na grande maioria das vêzes, as operações mercantis versam sôbre coisas fungíveis. Ajusta-se a compra de certa quantidade de mercadorias designadas simplesmente pela contagem, pesagem ou medição, e a qualidade, conf arme veremos mais adiante, quase sempre pela referência a um tipo, usualmente conhecido no comércio, e, algumas vêzes, por amostras. Se a compra e venda têm por objeto coisas imateriais, toma o nome específico de cessão, conforme já dissemos no n. 607, supra. 610. Estão excluídos da atividade mercantil e, portanto, não podem ser objeto da compra e venda comercial: a) Os imóveis (Vejam-se os ns. 290 e 336 do 1.º vol., 2.ª ed., e 4 do 5.0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado).
b) As coisas móveis retiradas do comércio (Vejam-se o n. 4 e notas respectivas do 5.º vol., P. 1.ª, dêste Tratado). e) As coisas, cuja alienação é legalmente proibida (1), por conveniência, ou moralidade pública (2), ou especial(1) O Cód. Civil, art. 69, declara fora de comércio as coisas legalmente inalienáveis. O crédito não é justo. A inalienabilidade pronunciada por lei não é por si só motivo para ficar a coisa íora do comércio. Vejam-se, por exemplo, os bens dotais que são inalienáveis, não se podendo dizer fora do comércio. Assim os direitos de uso e habitação. A retirada da coisa do comércio importa necessàriamente a sua inalienabilidade, mas a inalienabilidade não basta para colocá-la fora do comércio. - As marcas de comércio sàmente podem ser transferidas com o gênero de comércio e indústria para o qual tenham sido adotadas (Veja-se o n. 333 do 5.0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado) . (2) Exemplo: as ações das sociedades anônimas não podem ser vendidas antes de realizados 40% do capital (Dec. n. 434, de 1891, arts. 25 a 29). (*). São proibidas as vendas de produtos ou artigos revestidos de marca alheia, falsificada no todo ou em parte, ou de marca imitada (Dec. n. 16. 264, de 19 de dezembro de 1923, art. 116, ns. 4 e 6), ( • *) ou de marca que contenha, sem autorização competente, armas, brasões ou distintivos públicos ou oficiais, nacionais ou estrangeiros, ou ofensiva ao decôro público ou ainda com indicação de localidade ou estabeLecimento que não seja o da procedência (Dec. (*) Hoje basta terem sido realizados 30%. - Decreto-lei n. 2. 627, de 26 de setembro de 1940, art. 14, in principio. ( • •) Código da propriedade industrial (Decreto-lei n. 7. 903, de 17 de agôsto de 1945, art. 169, ill) .
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mente, por exigências sanitárias, de higiene, ou preservativas da saúde pública (1), pela necessidade da defesa sanitária vegetal (2), ou por interêsses fiscais. Outras coisas, para serem objeto de compra e venda mercantil, estão sujeitas a restrições ou fiscalização, podendo-se, além das mencionadas nos arts. 200, letra l, e outros do 1.º vol., 2.ª ed., dêste Tratado, apontar as substâncias venenosas ou entorpecentes (analgésicas ou anestésicas), como o ópio e seus derivados, a cocaína e seus congêneres, que não podem ser despachados pelas alfândegas, nem vendidos ou expostos à venda sem legítima autorização e sem as formalidades prescritas nos regulamentos sanitários (3) . 611.
A coisa que o vendedor tem de entregar pode ser certa e segura, ou incerta, desde que, nesta hipótese, se indique, ao menos, pelo gênero e quantidade (Código Civil, artigo 874) . 612.
n. 16.264 cit., art. 117, ns. 5 e 6 (*); a venda de qualquer livro, fo!heto, periódico ou jornal, gravura, desenho, estampa, pintura ou impresso desde que contenha o:llensa à moral pública ou aos bons costumes (Lei n. 4. 743, de 31 de outubro de 1923, art. 5.0 ) . (1) Expor à venda substâncias alimentícias, alteradas ou falsificadas constitui o crime uunido com as oenas do art. 164 do Cód. Penal (**). Veja-se o Dec. n. 16.300, de- 31 de dezembro de 1923, arts. 658 e seguintes) . - Para a oenalidade do art. 164 do Cód. Penal não é necessário que a venda se- realize; basta a exposição à venda. Somente se isenta desta penalidade quem provar que os vícios da mercadoria eram ocultos. (Acórdão de 28 de novembro de 1901, do Conselho do Tribunal Civil e Criminal, em O Direito, vol. 87, págs. 380-382) . (2) Vejam-se o art. 1.º do Dec. n. 15 .189, de 21 de dezembro de 1921 (defesa sanitária vegietal) e o art. l.º da Lei n. 3. 058, de 10 de julho de 1918 (adubos químicos e seu comércio), com o regulamento no Dec. n. 17 .313, de 12 de maio de 1926. (3) Lei n. 4.294, de 6 de julho de 1921, arts. l.º e 10; Dec. n. 14. 969, de 3 de setembro de 1921, arts. 1.0 e 8.0 (Consulte-se o rico e proficiente comentário à Lei n. 4.294 pelos Drs. CANDIDO DE OLIVEIRA FILHO e JúLIO PôRTO CARRERO, Venenos Sociais e Condição dos Envenenados, Rio, 1922). Em anexo ao Dec. n. 14.969, vem a tabela das substâncias que, sem receita médica, podem ser vendidas ao público pelos farmacêuticos, droguistas e ervanários. ( *)
{• •)
Código da Propriedade Industrial, arts. 179 e 180. Vigente Código Penal, art. 272.
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Basta que possa existir no futuro, conquanto ainda não exista no momento de ser concluído o contrato, visto ser suscetível de prestar utilidades, com as quais se pode contar antecipadamente (1). Em idênticas circunstâncias não se acharia a coisa especificada que não existisse ou deixasse de existir (ns. 318 dêste 6. 0 vol., P. 1.ª, e 614, infra) . 613.
É
lícito, pois, comprar coisas futuras (2) .
Estas podem ser compradas por dois modos: Como emptio rei speratre; exemplo, as colheitas em formação que, apesar de poderem ser destruídas pela geada ou pelo sol, têm possibilidade de existir e tanto basta para constituírem objeto do contrato. O comprador tem de pagar o preço sôbre a quantidade colhida, ainda que a colheita seja diminuta ou quase nula (3). Somente o amparará a perda total devida à fôrça maior. a)
b) Como emptio spei, sendo inteiramente incerto se ela produzirá alguma coisa; exemplo, um bilhete de loteria ou, o clássico, o lanço de uma rêde de pesca. Nestes casos, o comprador paga o preço, qualquer que seja a sorte do bilhete, premiado ou não, ou o resultado do lanço, ainda que
(1) A coisa que nunca pudesse existir seria o nada e não poderia constituir objeto de contrato. Dá-se o mesmo com a coisa qu;e existiu; tomou-se o nada. Mas, a coisa ainda não existente poderá mais tarde existir, não é o nada (LACANTINERIE et SAIGNAT, De la vente et de l'échange, n. 96) • (2) Cód. Com., art. 192: "Ainda que a compra e venda deva recair sôbre coisa existente e certa, é lícito comprar coisa incerta, corno por exemplo, lucros futuros". Esta fórmula é restrita. Aí se empregam mal as palavras coisa incerta; deveria dizer-se coisas futuras. Tem razão o Dr. DíDIMO DA VEIGA, mostrando que a disposição do art. 192 refere-se à emptio spei e não à emptio rei speratae; isso porque a emptio rei speratae é reputada venda condicional, que caduca pela falta de objeto quando a coisa não vem a ter existência (Código Comercial Comentado, vol. 1.0 , pág. 382, nota 193) . - O contrato de compra e venda de coisa futura e certa para ser entregue em prazo determinado é perfeitamente lícito e legal (Acórdão do Trtbunal de Justiça de S. Paulo, de 4 de maio de 1920, na Revista dos Tribunais, vol. 34, págs. 201-202). (3) Veja-se o parecer do Dr. VALDEMAR FERREIRA sôbre a insuficiência da colheita de uma fazenda, colheita vendida a tanto a arrôba, e designada ·em quantidade determinada, na Revista dos Tribunais, vol. 50, págs. 312-317.
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na rêde venham sargaças em lugar de peixe (1). Não se vendeu o prêmio nem o peixe, mas a spes (2) (Veja-se o número 318 dêste 6. 0 vol., P. 1.ª). Se o contrato de compra e venda consiste em coisas futuras, assume o caráter aleatório (3), sendo que, no caso da rei speratre, se entende feito sob a condição se a coisa existir, e, por isso falhando esta, não surgiria obrigação entre os contratantes (4) . Pouco importa que a existência futura da coisa dependa da natureza ou da obra do homem, ou ainda dêstes dois elementos. Seria válida a compra e venda de mercadorias ou de produtos a manufaturar nas fábricas do vendedor ou de terceiro, de máquinas que o vendedor se obrigasse a construir, de materiais de um edifício a demolir etc. 614. Se o contrato de compra e venda tiver por objeto coisa certa e individualmente determinada que nunca existiu, ou que pereceu antes dêle concluído, é inválido, por lhe faltar elemento específico fundamental, ainda que soubesse o comprador no momento do contrato, que a coisa havia pe-
(1) BÉDARRIDE explica: "L'opération est moins une vente qu'un pari, don l'incontestable légalité recommande l'exécution quidquid evenerit" (Des Achats et Ventes, 2.ª ed., n. 38) . (2) Compra a esperança, na expressão de LAUTERBACH, "tanquam aleam et sortem; quod factum censetur, si ipsum actum capiendi vel percipiendi in contractum deduxerit". Neste caso, desde que é comprada spes fortunae, o contrato julga-se válido e o preço deve pagar-se, "sive multum, sive parum, sive nihil sit natum, nihilque si captum" (LOMONACO, Istituzioni di Diritto Civile, 2.ª ed., vol. 6, pág. 135. (3) Cód. Civil, art. 1.118. (4) PAUIFICI-MAZZONI, Istituzioni di Diritto Civile, vol. 5. 0 , número 18. - CLóVIS apresenta-nos esta bela síntese sôbre a venda de coisas futuras: ·'A coisa futura supõe-se vendida sob a condição tácita de que venha a existir. Entrietanto, é permitido que o comprador tome sôbre si o risco dessa probabilidade; e, então, o contrato de compra e venda será aleatório, versando sôbre uma coisa incerta, sendo uma emptio spei. Esta espécie, que foi reconhecida pelo Direito Romano, acha-se consagrada em nosso Cód. Comercial art. 192 e em vários códigos modernos" (Direito das Obrigações, § Í32) . '
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recido (1). Se o preço foi pago antecipadamente, deve ser restituído, e o contratante que tiver procedido com dolo pagará ao outro perdas e danos. Admite-se, entretanto, que se a coisa pereceu sàmente em parte, o comprador tenha a faculdade de, ao invés de dar por inválido o contrato, receber a parte restante, pagando o preço proporcional. Se, porém, na época da formação do contrato, o comprador soubesse da perda parcial da coisa vendida, a presunção é que desejara comprar o que restava (2) . :Êle não pode retirar-se do contrato. Não vemos inconveniente em que se venda a coisa alheia (3). Não queremos com isto dizer que o dono fique privado do que é seu. A validade do negócio jurídico entre o comprador e o vendedor não afeta o direito de terceiro. O art. 214, in fine, do Cód. Comercial, afastando da cláusula dos riscos, assumidos pelo comprador, o caso de pertencer a coisa vendida, por algum título, a terceiro, o artigo seguinte, 215, permitindo a evicção, cujo fundamento reside na venda a non domi7w, e o art. 338, n. 1, do Código Penal, parece, opõem-se a esta solução (*). Em nosso sistema legislativo, o contrato não transfere ipso facto a propriedade da coisa vendida. O comprador adquire um direito pessoal contra o vendedor ut rem habere illi Ziceat. Se, pois, antes da época marcada para a entrega, o vendedor adquirir a coisa que vendeu, ou se sobrevier o prazo para o usucapião, o contrato se executará normalmente (4). Se não puder adquiri-la para entregar ao comprador, 615.
(1-2) PIPIA, Compra-vendita, n. 97; PACIFICI-MAZZONI, Istituzioni di Diritto Civile, vol. 5.0 , n. 17; GLüCK, Pandecten, § 975. - A Lei inglêsa de 1893 dispõe de outro modo: "Se, ao tempo do
contrato, as mercadorias esnecificadas deixaram de existir sem o conhecimento do vendedor, não há contrato. Se, porém, se ajustou vender mercadorias especificadas e se subseqüentemente estas mercadorias, sem culpa do vendedor ou do comprador, pereceram antes de passar os riscos ao comprador, o ajuste fica .anulado (is avoided) (Sect. 6 e 7) . (3) O Cód. Com. italiano, no art. 59, considera válida a vienda comercial de coisa alheia; obriga o vendedor a adquiri-la e entregála ao comprador, sob pena de indenizar perdas e danos. (4) CLóVIS, Código Civil, 2.ª ed., vol. 4. 0 , págs. 298-299. ( •)
Código Penal vigente, art. 171,
§
2.0 , I.
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fica o vendedor obrigado a indenizá-lo. A lei não exige que a mercadoria se ache nas mãos do vendedor, e, no caso de que cogitamos, não há a intenção dolosa de apossar-se do alheio. Seriam impossíveis os grandes negócios do comércio sem se reconhecer a venda de coisas de terceiro como legítima; basta lembrar a venda de ações de companhias e de debêntures, que o vendedor ainda vai adquirir para entregar. Nas vendas a têrmo, o vendedor promete entregar a coisa vendida dentro de certo prazo; ainda não a tem; vai adquiri-la de terceiros ( 1) . O Cód. Civil, art. 1.177, n. II, exclui expressamente a evicção, se o comprador sabia que a coisa era alheia. 616. As coisas, objeto da prestação do vendedor, podem ser determinadas de modo específico (species) ou indicadas de modo genérico (genus) (Veja-se o n. 31 do 5.º vol., P. l.ª, dêst-e Tratado).
As primeiras têm um caráter próprio, individual, ou são designadas pela convenção das partes de modo a não poderem ser confundidas com outras da mesma espécie, nem substituídas. As segundas são coisas ainda não identificadas, mas em todo caso designadas pela quantidade e qualidade. Na técnica comercial, há muitas vêzes têrmos usualmente adotados para designarem a qualidade das mercadorias.
(1) O Dec. n. 806, de 25 de julho de 1851, o primeiro regimento que tiveram os corretores da praça do Rio de Janeiro, mandado sucessivamente observar nas praças da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará (n. 321 do 2.0 vol. dêste Tratado) e o Dec. n. 2. 733, de 23 de janeiro de 1861, no arl. 2. 0 , 1exigiam que os fundos públicos e ações de companhias não fôssem vendidos pelos corretores sem que pertencessem verdadeiramente aos vendedolies. Observava, porém, o Dr. DiDIMO DA VEIGA, que desde o Dec. 1.359, de 20 de abril de 1893, art. 121, a proibição fôra revogada. O Dec. Legislativo n. 354, de 16 de dezembro de 1895, no art. 9. 0 , confirmara a revogação dos Decs. de 1851 e 1861 (Código Comercial Comentado, vol. 1.0 , pág. 378, nota) . _ o Cód. Comercial argentino, no art. 450, na definição de compra e venda mercantil, diz: "É um contrato pelo qual uma pessoa,
seja ou não proprietária ou possuidora da coisa. . . obriaa-.nhecimen~o e a resoectiva fatura. Antes da chegada da mercadoria ao destino, verificou o vendedor-embarcador que o comprador não merecia confiança. Não pode sustar a entrega da mercadoria, salv9 substituindo o conhecimento de frete, coisa no caso quase imposs1vel porque já se acha uma das vias em poder do comprador (Parecer do Dr. VALDEMAR FERREIRA, no Manual do Comerciante, 2.ª ed., págs. 176-178). (3) Cód. Comercial, art. 199.
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No n. 84 do 5. 0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado, demos o conceito da tradição pela entrega material da coisa vendida e nada temos a acrescentar . 656.
657. O Cód. Comercial, no art. 199, admite ainda a tradição pela entrega simbólica, e, no art. 200, enumera os casos em que presuntivamente existe esta tradição, com os mesmos efeitos da que denomina real (1).
Preliminarmente, temos a notar que estas diversas formas de tradição, expressas no Cód. Comercial, não se alistam em antítese uma das outras. A linguagem do Código é lamentável; acha-se a tradição real nos casos da simbólica (2), e a simbólica onde êle parece ver a real, e eis a razão por que se tem condenado a distinção meramente escolástica da tradição em real, simbólica, consensual, hoje discordante de princípios científicos exatos. O Cód. Civil não conhece a tradição simbólica. Devemos, ainda, observar que as disposições legais a êsse respeito não são taxativas, mas simplesmente exemplificativas ou de ordem demonstrativa. Tivemos ocas1ao de dizer no n. 83 do 5. 0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado que, na fase atual do Direito Comercial, a circulação das mercadorias tende a se desprender de formas estreitas, procurando outras mais rápidas. Basta que a mercadoria passe, por acôrdo entre as partes, ainda que sem qualquer ato material, ao poder jurídico, à livre disponibilidade do comprador para que se dê a tradição. Dominar a coisa pela vontade só é possível a quem sôbre ela tem a propriedade e esta não se compreende sem a prévia tradição, 658.
(1) O VISCONDE DE CAIRU, Princípios de Direito Mercantil, vol. 2, pág. 473, refere-se ainda à tradição de longa mão e à tradição de breve mão, fundadas no Direito romano. (2) O Código argentino, no art. 463, reproduziu idênticas disposições do Cód. português de 1833, que se acham no art. 200 do nosso. Os escritores argentinos censuram e mostram a inconsistência da chamada tradição simbólica (Vejam-se OBARRIO, Curso de Derecho Mercantil, vol. 1.0 , n. 484, e SEGOVIA, Explicación y Crítica, vol. 2.0 , notas 1. 669-1. 675) .
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que não consiste sàmente na posse corporal, mas também na de direito. Quem põe a mercadoria sob a vigilância ou guarda dos seus representantes, quem a coloca nos recipientes para exportá-la, tem recebido. O próprio Código autoriza esta nova orientação jurídica, quando, antes de tudo, dá às partes a liberdade de estipular o meio de ser realizada a tradição. Se o comprador deixa Em poder do vendedor a coisa, tendo êste a faculdade de levá-la, ou de mandar levá-la quando queira, o consentimento do vendedor equivale à tradição. Êste reputa-se depositário da coisa no que diz respeito à conservação enquanto ela permanece na sua posse (1). Êste caso inclui aquêle em que o comprador põe as marcas, fato que o Código considera como simbólico da tradição, quando o não é . 659. A tradição simbólica ou alegórica, cuja noção sumária se acha no n. 85 do 5.º vol., P. l.ª, dêste Tratado, é m·era presunção legal condicional da entrega da coisa vendida, e admite prova em contrário no caso de êrro, fraude ou dolo (n. 211 dêste 6.º vol., P. l.ª) (2). Se, portanto, o coisa vendida, para nua com os direitos rescindir o contrato
comprador não receber efetivamente a que dela possa livremente dispor, contide comprador, quais os de exigi-la ou de nos têrmos indicados n on. 795, infra.
Outra conseqüência daí resulta: A tradição real não se substitui pela simbólica senão quando o comprador por meio desta última obtém a disponibilidade efetiva da coisa que lhe foi vendida. De outro modo, não há tradição. 660. Representam tradição simbólica, diz o Código Comercial: 1. A entrega das chaves do armazém, loja ou caixa em que se achar a mercadoria vendida (3). Por êsse meio, o (1)
(2) (3)
VIDARI, Corso, 5.ª ed., vol. 3, n. 2.652. Cód. Comercial, art. 200, princ. Cód. Comercial, art. 200, n.1.
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vendedor põe a coisa vendida na disponibilidade plena do comprador. Dá-se no caso a tradição real da coisa vendida. A lei não materializa o ato da tradição a ponto de exigir que o comprador receba em mãos a coisa que comprou. Qual o comprador, por mais ingênuo, que, sem prévio exame, se satisfaça com receber as chaves do armazém ou da caixa com a simples declaração do vendedor de se acharem aí as mercadorias vendidas? ~sse exame, ou verificação é justamente o recebimento material da coisa (1). Pondera MASSÉ que "pela entrega das chaves, o armazém do vendedor torna-se o armazém do comprador" (2) . 2. O fato de pôr o comprador a sua marca nas mercadorias compradas, em presença do vendedor ou com o seu consentimento (3) . Aqui, também, não existe símbolo. Se vendedor e comprador estão diante da mercadoria, é lógico, há a entrega efêtiva, material desta mercadoria, e se o comprador a assinala com a própria marca é porque já a recebera em propriedade e a tem em sua disponibilidade. Se o vendedor não está presente e aquiesce à marcação, a solução é a mesma. A propriedade ou a posse não se firmam pela aposição da marca; esta visa simplesmente a mercadoria e isto porque o comprador já é seu dono (4). A mercadoria pode ficar sob a guarda do vendedor, mas outro é o seu título de posse. 3. A remessa da fatura, com os requisitos do art. 219 do Cód. Comercial (portanto, com os característicos de um título líquido representativo da mercadoria), à vista da qual
(1) A disposição do art. 200, n. I, do Cód. Comercial provém daquele "vecchio ·errore dei Codice Napoleone", a que se referiu VIDARI no n. 2. 643, do Corso, 5.ª ed., 3. 0 vol. (2) Le Droit Commerctal, vol. 3.0 , 3.ª ed., n. 1. 600. (3) Cód. Comercial, art. 200, n. 2. (4) ULPIANO, na L. 1, § 2. 0 , Dig., 18.6: "Si dolium signatum slt ab emtore, TREBATIUS ait, tradltum id vlderi", LABEO contra. "quod et verum est, magis enim ne submutetur, signari solere, qua~ ut traditum videatur".
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o comprador revendera esta mercadoria, se o cessionário a aceitar ou s2 a ela não se opuser imediatamente (1). Esta é a inteligência que nos parece se deve dar ao art. 200, n. 3, do Cód. Comercial, esclarecida pelo art. 138, n. 4, da Lei n. 2. 024, de 17 de dez·embro de 1908. Não se pode considerar tradição simbólica a remessa da fatura pelo vendedor ao comprador, para que êste a aceite, ou recuse aceitar imediatamente. Seria impossível esta interpretação contra a qual se chocaria o art. 219, que concede ao comprador, para reclamação, o prazo de dez dias subseqüentes ao recebimento. Com efeito, se o comprador tem de aceitar a fatura que o vendedor lhe remete, visto como somente como poderia êle opor-se ime(jiatamente a esta fatura? (2) . O Código, no art. 200, n. 3, refere-se à mercadoria vendida sem fraude à vista da fatura, por um comerciante a outro d2 diferente praça, isto é, à mercadoria que, não se achando ainda na posse direta de quem a comprou, que apenas tem em mãos a fatura, é por êste imediatamente
(1) Cód. Comercial, art. 200, n. 3. - O Cód. Comercial argentino, copiando o art. 200 do nosso Código, no art. 463, n. 3, considerou tradição simbólica a "entrega ó recibo de la factura sin oposición inmediata del comprador".
Parece não haver atendido ao espírito do nosso Código, que buscou a disposição do n. 3 do art. 200 no Cód. Comercial português de 1833, art. 472. SEGOVIA diz que mais exatos são êstes dois códigos, exigindo a remessa e a aceitação da fatura (Explicación y crítica, vol. 2. 0 , nota 1. 672) . Devemos acrescentar que o Código Comercial de 1833 não conhecia a fatura que figurou o artigo 219 do nosso código . (2) Esta foi mais ou menos a interpretação que ao obscuro art. 200, n. 3, do Cód. Comercial deu o Conselheiro DUARTE DE AZEVEDO, nas Controvérsias Jurídicas, págs. 369-371. - O ilustrado Juiz de Direito de São Paulo, Dr. AFONSO JOSÉ DE CARVALHO, em sentença de 17 de outubro de 1922, prendeu-se de mais à letra do art. 200, n. 3, do Código, que encerra um enigma, e formula a tese seguinte: - "Recebida a fatura, verificando que ela não está de acôrdo com o pedido, deverá o comprador revelar imediatamente a sua oposição. O recebimento da fatura sem oposição imediata importa na aceitação da coisa nos têrmos declarados na mesma fatura" (Revista Forense, vol. 40, pág. 78) . Ainda que a fatura de que trata o art. 200, n. 3, do Código não fôsse a mesma do art. 219, não seria possível admitir esta tradição instantânea da mercadoria .
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rev-endida. e entregue o título para o novo comprador havêla primeiro vendedor. O novo comprador recebe a fatura na devida forma que lhe é cedida pelo seu portador. O cessionário fica sub-rogado nos direitos do cedente (1) . Eis por que se exige a aceitação do cessionário e para garantia ·e bom govêrno do cedente se impõe àquele um prazo brevíssimo para a aceitação ou oposição. (1) Em 1886-1888, houve na praça de Santos grande especulação com o café. A exposição do caso seguinte mostrará a fonna usual desta especulação. A. vendeu a B . um lote de determinado número de sacas de café, e êste o revendeu a C.; êste, por sua vez, a D.; e êste, finalmente, a A. Estas operações realizaram-se no espaço de 5 dias, sendo de 30 o prazo pa::-a as retiradas do café vendido na praça de Santos, conforme o estilo. Os vendedores limitaram-se a entregar aos respectivos compradores uma simples nota ou fatura da venda. Nenhum dos compradores, porém, recebera efetivamente o lote de café. Por exigência de C., o seu vendedor B, entregou uma ordem de entrega contra A, de quem havia por sua vez com orado o lote, quatro vêzes vendido. Apresentada a ordem, A. recusou-se a entregar o café, sob o pretexto de que o havia recomprado de D. Tudo correria no melhor dos mundos, operando-se uma liquidação por diferença, se as fatídidas falências de D. e de A. não viessem perturbar o j ôgo. A massa falida de A. exigia o café da massa falida de D., e a massa falida de D. a C. c , que não havia obtido o cumprimento da ordem de B. contra A.~ tendo de entrar ou entrando com o café para a massa falida de D. acionou B. oela rescisão do contrato que com êle celebrara e que' não fôra seg-uido da tradição da coisa vendida. O juiz de direito de Santos julgou improcedente a ação sob fundamento. de ter-se dado a "cessão do contrato e a tradição brevi manu, eqmvalente à real, !JOr haver sido o réu (B) substituído na obrigação da entrega por novo devedor e achar-se o lote vendido em poder de A.". O Tribunal da Relação de São Paulo, no acórdão de 22 ~e junho de 1888, reformou esta sentença sob o fundamento de nao se haver realizado a entrega do café vendido por B. a C., e muito menos novação de contrato, como menos bem julgara o juiz a quo. A nota de venda provaria apenas o contrato. Não se podia considerar, concluía o acórdão, como fatura, revestida das condições exigidas pelo art. 219, a simples nota de venda, tanto que B. deu muito depois a ordem para entrega do café. Confirmado em embargo êste acórdão (de 7 de agôsto de 1888), subiram os autos em revista, interposta por B. ao Supremo Tribunal de Justiça. tste, por sentença de 28 de novembro de 1888, dois votos contrários concedeu a revista, sob os fundamentos seguintes: não ter havido oposição à fatura por parte do comprador e ter o comprador revendido o café a terceiro, nas mesmas condições em que se achava. A Relação do Rio, designada revisora, pelo acórdão de 23 de julho de 1889, manteve o acórdão na Relação de São Paulo, porque a nota de venda sem os requisitos do art. 219 do Cód. Comercial
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Daí dizer-se que a fatura pod2 ser passada ao comprador nominalmente designado, à ordem e até ao portador, visto como a esta última não se opõe o art. 1. 511 do Cód. Civil. A fatura no caso de que tratamos desempenha função idêntica à do conhecimento de embarque. Fôrça é convir que tais faturas nunca entraram no uso e prática do nosso comércio, porque é um título que não pode inspirar segurança igual ao conhecimento de depósito emitido pelos armazéns gerais ( 1) . não havia onerado a tradição nos têrmos do art. 200, n. 3, do mesmo Código (0 Direito, vol. 48, págs. 254-265, e vol. 52, págs. 53-55) . Não anlaudimos estas decisões, porque em nosso parecer interpretaram mal o art. 20~, n. ~' do Cód. Comercial_ (Veja-se o .n~me ro 660 acima) . Certo e, porem, que a condenaçao de B. foi Justa na ação proposta por C. porque a ordem que aquêle deu a êste contra A. não importava tradição simbólica, mas simplesmente um meio de obter a entrega da mercadoria, do mesmo modo que uma ordem de pagamento emitida pelo comprador para terceiro pagar o preço representa não o pagamento, mas o meio de obter o pagamento. Se a ordem é passada por uns a outros compradores sucessivos, o portador não tem direito de reclamar in solidum de qualquer dêles a entrega da mercadoria vendida. O seu direito limita-se à pessoa que lhe vendeu. A venda entre B. e e. não estava executada, porque a mercadoria não fôra entregue. A fatura não é forma de tradição simbólica (n. 660, supra) . A ordem de entrega não r>odia consumar o contrato, pois fora de dúvida é que os compradores sucessivos não tiveram a intenção de substituir os vendedores por aquêles contra quem a ordem fôra passada. Ainda que assim fôsse, não bastaria que o vendedor cedesse os direitos que tinha sôbre a coisa vendida, mas seria indispensável fazer a tradição por qualquer dos meios de direito. Estas considerações respondem a alguns dos argumentos invocados na sentença do Supremo Tribunal de Justiça. - Veja-se no mesmo sentido o voto vencido do Desembargador BARROS PIMENTEL, no acórdão revisor da Relação do Rio de Janeiro, de 27 de junho de 1890, em O Direito, vol. 53, págs. 31-36. - Em O Direito, vol. 71, págs. 564-570, acha-se o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo. de 15 de janeiro de 1895, confirmado pelo de 28 de abril de 1896, julgando no mesmo sentido dos acórdãos de 1888 e 1889 acima referidos. (1) Em 1897 deu-se interessante questão no fôro de Santos. B. vendeu a Z. um carregamento de sal a bordo de navio indicado, entregando a Z., o comprador, os conhecimentos de carga endossados e a fatura. O comandante do navio, alegando razões de mais ou menos relevância, entre outras a do endôsso sem data, recusouse a entregar o sal a Z . e para pagamento do frete e estadias requereu e obteve do juiz a venda do carregamento (arts. 527 e 617 do Cód. Comercial) . O vendedor propôs ação contra o comprador para haver o preço. O juiz de 1.ª instância julgou improcedente a ~
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4. A cláusula - por conta - lançada no conhecimento ou cautela de remessa, não sendo reclamada pelo comprador dentro de três dias úteis, achando-se o vendedor no lugar onde se receber a cautela ou conhecimento, ou pelo segundo correio destinado ao lugar onde êl2 se achar (1) . Quem poderá entender estas palavras do Cód. Comercial? Não podemos dizer melhor que SEGOVIA, comentando igual disposição do Cód. Comercial argentino, art. 463, n. 4: "Toação e o Tribunal de Justiça de São Paulo, no acórdão de 17 de março de 1897, deu provimento à apelação da sentença dêste juiz sob fundamento de que "a tradição simbólica (art. 200, n. 3, do Cód. Comercial) da mercadoria vendida se onerou, sem embargo de quaisquer defeitos do endôsso ou título de transferência, não só porque os arts. 200, n. 3 e 191 não cogitam dêles como nela inaplicabilidade do art. 362", que então regia os endossos das letras de câmbio e por analogia se aplicavam aos dos conhecimentos de embarque. Embargado êste acórdão, o mesmo Tribunal, pelo de 20 de abril de 1898, o reformou e muito bem. Diz êste acórdão: que as partes estão de acôrdo não ter havido a tradição; que se não deu a simbólica basta atender a que o endôsso do conhecimento não reunia os requisitos legais (sob o domínio do Código exigia-se para a transferência do título a declaração da data, o que está hoje revogado pela Lei n. 2 . 024, de 1908) , o que por si só mostrava não ter havido endôsso válido (Veja-se a Revista Mensal, vol. 5. 0 , pág. 315 e vol. 8. 0 , págs. 394-397). Nesta mesma Revista, vol. 4.0 , págs. 195 e seguintes acham-se pareceres de jurisconsultos a êste respeito, sendo o mais convincente o do exímio LAFAIETE PEREIRA. - Mais tarde, pelo acórdão de 28 de setembro de 1898, o mesmo Tribunal, absurda e contraditàriamente, resolveu que um pertence opera a tradição simbólica, porque equivale ao conhecimento para o despacho e recebimento da mercadoria (.~evista Mensal, vol. 9, págs. 270-271) . - Aquerone vendeu a Queiroz uma partida de enxôfre em pedra. O vendedor entregou a fatura ao comprador, que aceitou ao mesmo tempo uma letra representativa do valor do preço. Na conferência feita na Alfândega de Santos (a mercadoria fôra expedida por mar) verificou-se que o enxôfre sujeito a despacho era moído. Não quis o comprador receber a mercadoria e apesar de afirmar o vendedor que a tradição simbólica se havia operado, aquêle a abandonou nos armazéns da Alfândega, dando prévio aviso ao mesmo vendedor. ~ste o acionou pelo preço e foi vencido. A tradição simbólica, se no caso houvesse, não poderia obrigar o comprador a receber uma coisa por outra, ainda que mais valiosa fôsse (Sentença do Juiz MEIRELES REIS confirmada pelo acórdão de 13 de setembro de 1905, no São Paulo Judiciário, vols. 8, pág. 99, e 9, pág. 105) . Caso bem julgado, mas se o vendedor tivesse transferido por endósso a terceiro a letra de câmbio aceita pelo comprador, êste teria de pagá-la no vencimento, restando-lhe, sàmente, a ação para haver a restituição do preço pago. (1) Cód. Comercial, art. 200, n. 4.
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dos convêm em que a tradição se opera pela entrega ou recibo da cautela ou do conhecimento de remessa, mas a doutrina do n. 4 do art. 463 é peculiar ao velho Código português, e não foi reproduzida no novo nem pode ser aprovada. É certo que a cláusula por conta existirá ordinàriamente no conhecimento ou na carta de transporte, mas a fôrça transla tiva da posse não reside nesta cláusula, que não pode ter virtude tão extraordinária senão na entrega dêstes documentos que constatam a aquisição e representam a própria coisa adquirida pelo seu possuidor. Demais, se há prazos para o comprador reclamar, quer dizer que a entrega ·e o recibo dêsses documentos providos de tal cláusula não têm eficácia bastante para produzirem a tradição, e que não será possível em muitos casos estabelecer o momento preciso em que a tradição teve lugar e com ela a transferência do domínio e dos riscos, o que constituirá fonte de dificuldades e pleitos" (1) . 5. A declaração ou averbação em livros ou despachos das estações públicas a favor do comprador, acordes as partes (2) . Ora, aqui temos outra coisa incompreensível. Declarase ou averba-se na alfândega, suponhamos, o nome do comprador, mas o vendedor de má-fé pode vender a terceiro a mercadoria e passar-lhe uma das vias do conhecimento que retivesse em seu poder. 661. Dos títulos representativos das mercadorias falamos no n. 86 do 5.0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado e da tradição usual dissemos no n. 87 do mesmo volume. Nada há a acrescentar. Se a coisa vendida consistir em títulos de crédito nominativos, a tradição opera-se conforme as regras especiais sôbre a sua circulação, isto é, em virtude do registo nos livros dos institutos emissores. 662. A tradição faz-se pessoalmente e por meio de representantes ou de terceiros. O assunto ficou explanado no n. 88 do 5.0 vol., P. 1.ª, dêste Tratado. (1)
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Explicación y crítica, vol. 2, nota 1. 673. Cód. Comercial, art. 200, n. 5.
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Sôbre o caso da entrega da mercadoria vendida ao transportador, veja-se o que dissemos no n. 646, supra. 663. IV. Despesas com, a tradição. As despesas com a tradição correm a cargo do vendedor ( 1) e tais são as da pesagem, contagem e medição das mercadorias vendidas a pêso, conta ou medida, a menos que o uso ou a convenção não as tenha pôsto a cargo do comprador. As despesas com embalagem, se as mercadorias não se acham devidamente acondicionadas e as do rec·2bimento e transporte da mesma praça ou para praça diferente, são por conta do comprador (2), pois são feitas no seu exclusivo interêsse, salvo sempre pacto em contrário. Se, porém, fôr ajustado que o vendedor entregue a mercadoria no domicílio do comprador, as despesas de transporte fazem parte das despesas da tradição, porque é obrigação do vendedor fazer chegar a mercadoria ao lugar onde a deve entr2gar. As despesas na alfândega são a cargo do comprador, que é o recebedor da mercadoria, salvo sempre a convenção das partes. Os usos modificam muitas vêzes estas regras.
(~) Contra: ALF~EDO BERNARDES, parecer na Revista Geral de Direito, vol. 1.0 , pags. 264-265. Não nos parece que o Código
Comercial, no art. 196, disponha em contrário ao art. 1.129 do Cód. Civil. As despesas da tradição correm por conta do vendedor, as do recebimento e transporte por conta do comprador. São atos diferentes, que, se regem, neste ponto, por princípios diversos. (2) Cod. Comercial, art. 196.
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§ 2.º Da garantia da coisa vendida e entregue Sumário: 664. Conceito da garantia da coisa vendida. - 665. A tríplice forma desta garantia. - 666. I. A garantia pelo fato pessoal do vendedor. - 667. Seu fundamento legal e lógico. - 668. II. Garantia pela evicção. Seu fundamento legal e compreensão. - 669. Se o comprador não está na posse da coisa vendida. . . - 670. A restituição do preço no caso de achar-se a coisa vendida depreciada na quantidade, ou na qualidade ao tempo da evicção pela culpa elo comprador, ou por fôrça maior. - 671. Temendo o comprador a evicção, pode... - 672. Benfeitorias feitas pelo comprador. - 673. Conseqüências da vitória ou da queda do vendedor no pleito a que fôr chamado :.ielo com;.irador. 674. III. Garantia do vendedor pelos riscos ou defeitos ocultos da coisa vendida. 675. A construção do Cód. Comercial. 676. Os verdadeiros princípios dos arts. 21 O e 211 dêste Código. - 677. Limite da responsabilidade do vendedor. - 678. A intervenção do corretor na negociação não elide a responsabilidade do vendedor. - 679. Deficit em pequeno valor e prejuízo resultante do caráter aleatório das vendas comerciais. 680. Diferenças de qualidade e de quantidade. 681. Casos em que o comprador não pode reclamar. - 682. A denúncia dos vícios ou defeitos ocultos ao vendedor. Prazo fatal !'ara esta denúncia. - 683. Cuidados do comprador relativamente à mercadoria contendo v(cios e defeitos ocultos. - 684. Não é necessário o depósito judicial da mercadoria. - 685. O exame pericial. - 686. A rejeição e a devolução da mercadoria. Direitos do vendedor neste caso. - 687. Reparação dos vícios ou defeitos por parte do vendedor. - 688. Ação do comprador. - 689. O comprador pode reter a coisa até ser embolsado do preço que pagou?
664. COELHO DA ROCHA escreveu: "A boa-fé dos contratos exige que cada uma das partes fique responsável à outra pelo bom e livre uso da coisa ou prestação, que lhe dá, ou, como vulgarmente se diz, a fazer o contrato bom. Esta responsabilidade constitui a garantia dos contratos" (1) .
(1) Instituições de Direito Civil português, vol. 2. 0 , § 742. - Os romanos chamavam auctor o garante (Veja-se o n. 10 dêste 6.º vol., P. l.ª). CUJACIO descobriu a origem da palavra garante
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O instituto da garantia formou-se em tôrno do contrato de compra e venda, que mais diretamente o reclamava para firmeza das suas relações. Com a evolução jurídica ·estendeuse a todos os contratos que tivessem por objeto a aquisição de um direi to. Esta evolução jurídica deu-se também entre nós, manifestando-se no Cód. Civil, arts. 1.101 a 1.106, quanto aos vícios redibitórios, ·e arts. 1.107 a 1.117 quanto à evicção, tudo isso hoje desmembrado da matéria especial da compra e venda. A garantia é, pois, obrigação inerente a todos os contratos, onde se dá a transferência de coisa ou de direito a título oneroso. Quem transmite coisa ou direito a título oneroso recebe o equivalente, a contraprestação, e, por isso assume de pleno direito a obrigação de assegurar ao adquirente o gôzo tranqüilo, a posse pacífica desta coisa ou direito que deixou de ser sua propriedade, deslocando-se para alheio patrimônio. A garantia, escreve SALEILLES, é "une protection spéciale accordée à celui à qui l'on a promis de faire acquérir un droit" (1), e, nesse sentido, o art. 365 do Cód. Civil alemão, a síntese da cultura jurídica por mais de um século, lançou uma das suas lapidares fórmulas, obrigando o devedor que entrega coisa certa ou direito em execução do contrato à mesma garantia do devedor (in gleicher Weise wie ein Verkaufer Gewahr zu leisten).
Esta garantia que -existe em todos aquêles contratos é prestada nos mesmos têrmos e condições em que o vendedor é obrigado a garantir a coisa vendida que entregou ao comprador. Tal o ensino unânime dos escritores (2). no idioma alemão. LOYSEAU a encontrou na antiga palavra francesa garer, que significava pôr em segurança (TROPLONG, De la vente,
n. 410) .
Essai d'une théorie générale de l'obligation, n. 199. (2) A obrigação de garantia ·estende-se também ao sócio que conferir ou entregar bens para a formação do capital social (Vejamse os ns. 552 e 554 do 3.0 vol. dêste Tratado) (Consultem-se o Cód. Suíço das Obrigações, art. 531; PARDESSUS, Cours de Droit Commercf.al, vol. 3, n. 989; THALLER, Traité de Droit Commercial, n. 234; (1)
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665. Não basta pôr o comprador na posse da coisa vendida; o vendedor obriga-se de pleno direito a garanti-lo ainda depois de executado o contrato, sob três formas, evitando que esta posse seja falha, incompleta, inútil ou vã, a saber: l.º pelo fato pessoal do próprio vendedor; 2.º pela evicção; e 3.º pelos vícios ou defeitos ocultos da coisa vendida. 666. I. Da garantia pelo fato pessoal do vendedor. Transferida a propriedade da coisa vendida pela tradição, o direito do comprador é usá-la e gozá-la (Cód. Civil, art. 524). o vendedor, portanto, não pode ofendê-lo por qualquer modo, turbando ou pretendendo tirar-lhe a coisa vendida (1). Temos, pois, que qualquer turbação causada pelo vendedor à posse e gôzo do comprador, privando-o das vantagens a que tem direito, considerada a destinação da coisa e o estado em que ela se achava no momento do contrato, envolve a sua responsabilidade, ainda que se trate de simples moléstias de fato, que não dariam lugar a recurso algum, se proviesse de terceiro (2). Assim, o vendedor do estabelecimento comercial não pode fundar outro que abra concorrência ao comprador, e desviar-lhe tôda ou parte da clientela, ainda que seja por via oblíqua, como passando para uma sociedade anônima onde comprometa capitais e assuma a administração, ou estabelecendo um seu parente ou terceiro com capitais por êle fornecidos. Nem os próprios herdeiros podem infringir o preceito legal (Veja-se o n. 767, infra) LYON-CAEN et RENAULT, Traité, vol. 2.º, n. 16; PATERI, La società anonima, n. 35) . Leiam-se os nossos trabalhos na apelação cível n. 2 .183 (Supremo Tribunal Federal), na causa Companhia Nacional de Tecidos de Juta versus Conde de Penteado e Companhia Paulista de Aniagem. (1) "Obligé de proteger l'acheteur contre tout trouble, il ne peut pas lui-même le troubler: obligé de l'indemniser en cas d'éviction, il ne peut pas lui-même l'évincer (LAURENT, Príncipes de droit civil, vol. 24, n. 210) . (2) Consultem-se PLANIOL, Droit Civil, vol. 2. 0 , n. 1.472; LACANTINERIE et SAIGNAT, De la_ vent.e, n. 361; PACIFICI-MAZZONI, Istituzioni di diritto civile, 3.ª ed., vol. 5. 0 , n. 54; GASCA, Compravendita, vol. 2, n. 1. 403: "A primeira garantia, que deve o vendedor, é contra a sua própria moléstia";_ PIPIA, La compra-vendita commerciale, n. 708. 6
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667. A garantia do fato pessoal do vendedor está assegurada no art. 214 do Cód. Comercial, nestes têrmos: "O vendedor é obrigado a fazer boa ao comprador a coisa vendida. ainda que no contrato se estipule que não fica sujeito a responsabilidade alguma; salvo se o comprador, conhecendo o perigo ao tempo da compra, declarar expressamente, no instrumento do contrato, que toma sôbre si o risco; dev.:ndo entender-se que esta cláusula não compreende o risco da coisa vendida que, por algum título, possa pertencer a terceiro". A garantia pelo fato pessoal do vendedor, visando asseguarar a posse e gôzo do comprador sôbre a coisa vendida, é de direito; existe, ainda que as partes estipulem o contrário, o que envolveria dolo. É uma cláusula da essência do contrato.
ainda, uma obrigação indivisível. O vendedor obrigase a entregar uma coisa na sua integridade; não pode turbar o comprador no gôzo ainda que parcial (1). É,
668. II. Da garantia pela evicção (2) . A evicção signüica o fato proveniente de terceiro, impedindo ao comprador gozar paclficamen te a coisa, em virtude de um direi to anterior sôbre esta. Nas vendas comerciais não será fácil surgir o caso da evicção. A evicção propriamente dita é a perda qe um direito em virtude de sentença. O comprador é condenado a restituir ao terceiro, que o acionou, tôda ou parte da coisa que lhe tinha sido vendida. "Evincere est aliquid vincendo auferre". A palavra evicção, no uso comum de falar, emprega-se muitas vêzes para significar a ação proposta a fim de torná-la efetiva. Eis como se explica a expressão do Código Comercial, art. 215, "o vendedor é obrigado à .evicção em juízo", (1) LAURENT, Príncipes de Droit Civil, vol. 24, n. -213. (2) Cód. Civil, no art. 1.107, dispõe: "Nos contratos onerosos, pelos quais se transfere o domínio, posse e uso, será obrigado o alienante a resguardar o adquirente dos riscos da evicção, tôda vez que se não tenha excluído expressamente_ esta responsabilidade'. Parágrafo único. "As partes podem r_eforçar ou diminuir essa garantia".
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isto é, êle é obrigado a vir defender em juízo a coisa vendida para que a venda se torne boa, ou seja logo firmada judicialmente a sua responsabilidade. Mais correta é a forma adotada pelo art. 1.116 do Código Civil: "Para poder exercitar o direito, que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante, quando e como lhe determinarem as leis do processo". O Cód. Comercial, no art. 215, estabelece a garantia da evicção nestes têrmos: "Se o comprador fôr inquietado sôbre a posse ou domínio da coisa comprada, o vendedor é obrigado à evicção em juízo, defendendo à sua custa a validade da venda; e se fôr vencido, não só restituirá o preço com os juros e custas do processo, mas poderá ser condenado à composição das perdas e danos conseqüentes, e até às penas criminais, quais no caso couberem". A turbação a que o Código se refere não é mera turbação de fato ainda que seja desapossado o comprador. ~ste tem nas leis remédios possessórios garantidores. O vendedor responde pela turbação de direito, isto é, pelas ameaças de evicção resultantes de ações exercidas contra o comprador por terceiros que pretendam ter um direito sôbre a coisa (reivindicação etc.), ou de exceções fundadas nos mesmos direitos e opostas ao comprador quando êste pretenda exercer as ações resultantes da compra (1). 669. Se o comprador não está na posse da coisa que lhe foi vendida, a turbação consiste na recusa que lhe oponha terceiro, que a tenha na sua posse, de entregá-la. Quando se dá a turbação de direito, o comprador voltase contra o seu vendedor; chama-o à causa e pede-lhe que o venha defender. 670. A restituição do preço tem lugar, pôsto que a coisa vendida se ache depreciada na quantidade, ou na qualidade ao tempo da evicção por culpa do comprador, ou por
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PLANIOL, Traité de droit civil, vol. 2.º, n. 1.478.
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fôrça maior. Se, porém, o comprador auferiu proveito da depreciação por êle causada, o vendedor tem direito para reter a parte do preço que fôr estimada por arbitradores (1). 671. Temendo o comprador a evicção, pode deixar de pagar o preço até que o vendedor remova o perigo, salvo ajuste em contrário (2) . 672. O comprador que, com benfeitorias, aumentar o valor da mercadoria ao tempo da evicção, vencida esta, tem o direito de reter a posse da m·esma coisa até ser pago do valor das benfeitorias, por aquêle a quem pertencerem (3) . 673. Se o vendedor assume a defesa do comprador e vence a ação, satisfez plenamente a obrigação da garantia que devia prestar e nada pode exigir do comprador a título de recompensa ou indenização. Se perder a causa, fica sujeito às conseqüências mencionadas no art. 215 do Código Comercial, transcrito no n. 668, supra. Não se defendendo na causa, uma vez notificado (Cód. Civil, art. 1.116), fica também sujeito às mesmas conseqüências. 67 4. III. Da garantia do vendedor pelos vícios ou defeitos ocultos da coisa vendida. Sabemos que, por Direito
Civil, o vendedor é obrigado a garantir ao comprador a imunidade dos vícios ou defeitos ocultos da coisa vendida; o que significa ter o comprador meio defensivo contra os efeitos do contrato, que, em virtude do estado da coisa entregue, Cód. Comercial, art. 215, 2.ª parte. O Cód. Civil dispõe, no art. 1.110: "Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente". No art. 1.111: "Se o adquirente tiver auferido vantagem das deteriorações, e não tiver sido condenado a indenizá-las, o valor das vantagens será deduzido da quantia que lhe houver de dar o alienante". (2) VIDARI, Corso, 5.ª ed., vol. 3, n. 2. 772. (3) Cód. Comercial, art. 216 (Vejam-se os arts. 1.112 a 1.115 do Código Civil). (1)
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não corresponderem à sua normalidade, escopo visado pelo mesmo comprador (1). O vendedor assume a responsabilidade dêsses vícios € defeitos perante o comprador, e a esta responsabilidade, conforme dissemos no n. 664, supra, dá-se a designação genérica de garantia (2), garantia de pleno direito, porque não há necessidade de manif