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Portuguese Pages 60 [57] Year 2021
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Copyright© 2019 michelc roman faria CRÉDITOS
paulo sérgio de souza jr. PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E ILUSTRAÇÃO: eva christie roman IMPRESSÃO: romus artes gráficas e editora CAPA: didot design EDITORAÇÃO: toro editora REVISÃO DE TEXTO:
Reimpressão da edição de 2019 Todos os direitos desta edição reservados à Toro Editora (11) 9 7132-2109 www.toroeditora.com. br
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Faria. Michele Roman Real, simbólico e imaginário no ensino de Jacques Lacan / Michele Roman Faria. - São Paulo: Toro Editora, 2019. -- (Série ensaios psicanalíticos) Bibliografia. ISBN 978-85-92779-07-8 1. Lacan, JacqUC1, 1901-1981 2. Psicanálise - Prática 3. Psicanalistas 1. Tirulo. II. Série. COD-150.195
19-29515 (ndica para cadlogo 1iltemidco: 1. P1ican'1i1e : P1icologi1 150.195 Cibele Maria Diu - Blblioudria - CRB-8/9427
Para Nina, com uma gratidão que não cabe em palavras pela amizade, acolhimento e incentivo que tornaram possível essa pesquisa.
índice
RSI: eixo epistemológico do ensino de Lacan imaginário 1 1 2
simbólico 1 1 real l 20
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real, simbólico e imaginário concl usáo notas l 43
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bibliografia
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Os meus três são o simbólico, o real e o imaginário. Vi-me levado a colocá-los em uma topologia, a do nó, chamado borromeano. O nó borromeano põe em evidência o ao menos três. É o que une os outros dois, desenodados. Eu dei isso aos meus. Dei-lhes isso para que se orientem na prática. (Lacan, Conferência de Caracas, 1980)
RSI: eixo epistemológico do ensino de Lacan Simbólico, imaginário e real aparecem muito precocemente no ensino de Lacan. Em 1953, darão título à conferência de inauguração da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), sendo definidos como "os registros essenciais da realidade humana" (Lacan, 1953/2005, p.12). Para Lacan, a realidade não se reduz nem deve ser confundida com o real; a realidade é real, simbólica e imaginariamente constituída. No mesmo ano, em seu primeiro seminário, Lacan afirmará: "sem esses três sistemas de referências, não é possível compreender a técnica e a experiência freudianas" (1953-54/1986, p.89). Preocupado com os rumos de uma psicanálise que considerava ter se desviado da descoberta freudiana do inconsciente, Lacan contará com seus três como sistema de referências a partir do qual tais desvios poderiam ser esclarecidos. Seus três lhe servirão de apoio no início e seguirão com ele, em cada um de seus vinte e sete seminários, até o final. Sem jamais considerá-los isolada ou evolutivamente, e descartando qualquer hierarquia entre eles, simbólico, imaginário e real darão suporte a uma investigação teórica e clínica na qual cada um dos três estará sempre referido e articulado aos outros dois, e o desafio constante será encontrar uma forma de abordá-los, os três, ao mesmo tempo. O primeiro esforço para reuni-los está na própria conferência
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de 1953, onde R, Se I, grafados em letras maiúsculas e minú.Kulas, são apresentados dois a dois, compondo um esquema da andliu (Lacan, 1953):
rS - ri - iR - iS - sS - SI - SR - rR - rS Em 1958, na "Questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses" (1958/ 1995, p.559) os três aparecem no esqumuz R, talvez o mais conhecido dos esquemas que articulam real, simbólico e imaginário:
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Outros esquemas, menos conhecidos, também reunirão os três, como no décimo quinto seminário, sobre O ato psicanalítico (1967-68/inédito, 06/12/67) e no vigésimo, Mais, ainda ( 197273/1985, 20/03/73):
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Serão necessários \'ince anos até que Lacan encontre, final mente, um suporte teórico para "dar a esses crês termos - real, simbólico e imaginário - uma medida comum" (Lacan, 1974-75/ inédito, 10/12/7 4): o nó borromeano.
Com o nó borromeano, Lacan mostrará, de maneira ainda mais clara que nos esquemas elaborados até então, que é do enoda mento dos três que se trata e que, em tal enodamento, real, simbó lico e imaginário devem ser considerados equivalentes. A proprie dade borromeana - que define que, ao soltar-se qualquer um, os três estarão soltos - será constantemente lembrada para relacionar os nós à teoria e à clínica psicanalíticas. Os sete últimos anos de seus seminários - do vigésimo pri meiro, Les non-dupes errent (I 973-74/inédito) ao vigésimo sétimo, Dissolução (1979-80/inédito) - serão dedicados a uma vigorosa exploração da teoria topológica dos nós. Sete anos de intenso tra balho que não parecem ter sido suficientes para esgotar o alcance desse recurso, cujo valor para a clínica psicanalítica ainda está para ser explorado. Não foi o acaso, portanto, que reuniu simbólico, imaginário e real no início, em 1953, e no fim, em 1980. Ainda que o caminho percorrido de 1953 a 1980 se esclareça apenas por retroação, a teoria dos nós não é senão o ponto de convergência de um exten so, rigoroso e consistente percurso teórico, traçado ao longo de quase três décadas de seminários, na conceituação do imaginário,
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do simbólico e do real. _Lembrando as palavras do próprio Lacan: É bem concebí,·el. com efeito, que não seja na entrada, à guisa de prefácio, até à guisa de programa, que alguma coisa possa ser elucidada daquilo que t um fim. É preciso ao menos rer percorrido um pedaço do caminho para que �ia pela �troaçáo que a panida se esclareça (Lacan, 1968-69/2006, p.183: rrad. modificada).
Situemos, então, na cronologia do ensino de Lacan, as bases desse caminho no qual a partida se esclarece, ao final, retroativa mente [ 1 ].
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No Semiruírio 1: Os escritos técnicos de Freud (I 953-54/1986, p.25), Lacan afumará: Àqudcs que se encontram em posição de seguir Freud coloca-se a questão de corno as vias que herdamos foram adotadas, recompreendidas, repen sadas. AJém disso, não podemos fazer de urna outra forma senão juntar o que traremos sob o árulo de uma crítica, uma crítica da técnica analítica.
Interessado em esclarecer os problemas de uma prática clí nica que considerava ter se distanciado da experiência freudiana, Lacan tomará como ponto de partida de seu ensino um projeto de retorno a Freud, a fim de mostrar os equívocos de uma condução da análise pautada no eu e em seu fortalecimento: O que nos propõem como meta da análise é arredondar este eu, dar-lhe a forma esférica na qual ele terá definicivamente integrado todos os seus esta dos disjuntos, fragmentários, seus membros esparsos, suas etapas pré-geni tais, suas pulsões parciais, o pandemônio de seus inúmeros e despedaçados egos. Corrida para o ego triunfante(... ) (Lacan, 1954-55/ l 985, p.304).
Em seus dois primeiros seminários, retomará a teoria freudiana do narcisismo para mostrar a função ilusória, totalizante e imaginária do eu, afirmando que "não há meio de compreender o que quer que seja da dialética analítica se não assentarmos que o eu é uma construção imaginária" (Lacan, 1954-55/ l 985, p.306).
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Lembrará, nesses seminários, sua teoria do estádio do espelho apresentada pela primeira vez no congresso de Marienbad, em 1936, e depois novamente, em 1949, sob o título "O estádio do es pelho como formador da função do eu" - para mostrar o papel es sencial do imaginário na formação do eu, marcando a importância da função de antecipação da imagem do corpo próprio numa unidade organizada, efeito da alienação que confere ao eu sua estrutura. Destacará a expressão de júbilo da criança que reconhece sua própria imagem no espelho como uma importante evidência da gestalt ilusória e totalizante do eu, lembrando sua precocidade e seu efeito sobre o domínio motor: "a mera visão da forma total do corpo humano dá ao sujeito um domínio imaginário do seu corpo, prematuro em relação ao domínio real" (1953-54/1986, p.96). Buscando recursos teóricos em outros campos d.a ciência [2], encontrará, na física, um esquema - o do buquê invertido, de Bouasse - que tomará como base para construir seu próprio es quema, no qual situa a função do imaginário na formação do eu trabalhada na teoria do estádio do espelho (Lacan, 1953-54/1986) - o esquema óptico:
espelho côncavo
Em seus primeiros escritos e seminários estão concentradas, portanto, as mais importantes reflexões sobre o imaginário, ponto de apoio para sua contundente crítica dos desvios da psicanálise
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para um moddo adaptativo de rcmoddagem do eu. Ao mesmo tempo, nesse mesmo período, sua investigação sobre o imaginário também abrirá caminho para uma valiosa reílexão sobre as psicoses e seu tratamento pela psicanálise, tanto na perspectiva da função imaginária do delírio, como no papel do eu e do imaginário na construção da realidade (3]. São dessa época algu1nas das mais importantes lições de Lacan sobre as psicoses, presentes principalmente na discussão sobre o caso Dick, de Melanie Klein, no início do Seminário 1 ( 1953-54), e nos comentários sobre o trabalho de Freud com o texro de Schreber, ao longo de todo o Semindrio 3: As psicoses ( 1955-56), retomados em "De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose" ( 1958) [ 4]. Esse período inicial do ensino de Lacan será marcado, portanto, de um lado, pela crítica ao manejo imaginário e alienante das análises que tomam o eu como fundamento; e, de outro, pelo destaque dado à função organizadora do eu e do imaginário enquanto perspectiva fundamental para situar o tratamento possível das psicoses pela psicanálise. Assim, longe de considerá-lo menor ou sem importância, o imaginário será constantemente lembrado por Lacan como uma chave valiosa para esclarecer e advertir os psicanalistas não apenas dos riscos de um efeito desviante da clínica, como também dos problemas que norteiam a clínica das psicoses. Além disso, também os desvios e equívocos na transmissão dos conceitos serão atribuídos ao imaginário e aos seus efeitos ilusórios, "perigo de ilusão de toda compreensão,, (Lacan, 195859/2002, p.36), outra advertência constante de Lacan aos psicanalistas. É, aliás, para reduzir esse perigo que ele dará cada vez mais importância à transmissão sustentada em maternas, esquemas e grafos. Passado esse período inicial cm que o imaginário esteve cm evidência, Lacan passará a dar maior destaque ao simbólico, para mostrar que é a partir de sua função que se pode situar e definir a descoberta freudiana do inconsciente e a clínica que dela decorre.
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simb6lico O simbólico estará no centro das preocupações de Lacan es pecialmente a partir do quarto seminário, sobre A reÚtçáo de objeto (1954-55), e até ao menos o oitavo, sobre A transferência (196061). Escritos fundamentais como "O seminário sobre 'A carta rou "' bada (l 955) [5], bem como "Função e campo da fala e da lingua gem em psicanálise" (1953), "A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud" (1955), "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" ( 1958), "De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses" (1958), "A significação do falo" (1958) e "Subversão do sujeito e dialética do desejo" (1960) são todos dessa época, extremamente rica e abundante na explora ção do simbólico e do seu lugar na teoria freudiana. Nesse período, Lacan sustentará que a linguagem e sua fun ção simbólica estão na base da experiência psicanalítica descrita por Freud. Insistirá na importância de definir e delimitar a "função da fala", o "campo da linguagem", a "instância da letra" no in consciente, lembrando que a psicanálise é um tratamento cuja via é a linguagem, uma experiência que depende dos efeitos de uma intervenção que opera sobre a fala. Enquanto a reflexão sobre o imaginário, nos primeiros se minários, conduzira Lacan a uma investigação sobre o eu e o nar cisismo tendo como ciências de apoio a óptica e a etologia, seu interesse pelo simbólico e pelas hipóteses sobre a linguagem que extrai do texto freudiano irão aproximá-lo da linguística, de onde recolherá os conceitos que irão levá-lo a formular que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. No final das contas, não apreendemos o inconsciente senão em sua expli cação, no que dele é articulado que passa em palavras. É dai que remos o direito - e isso, ainda mais porque a continuação da descoberta freudiana no-lo mostra - de nos darmos conta de que esse inconsciente não cem, ele mesmo, afinal, outra escrurura senão uma esrrurura de linguagem (Lacan,
1959-60/1991, p.45).
Em Saussure, Lacan encontrará um conceito fundamental para abordar a estrutura de linguagem do inconsciente - o signo
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linguístico, definido a partir da relação entre significante e sign i ficado [6]. É desse conceito que Lacan extrairá os fundamentos para mostrar que a essência da técnica freudiana da associação livre está na subversão do lugar do sentido: enquanto o uso da língua coloca-o do lado do sign ificado, no tratamento psicanalítico ele passa a depender do significante e da forma como ele se encadeia a outros sign ificantes. Destacará, assim, a função do sign ificante e sua primazia sobre o sign ificado, escrevendo-o no materna S/1. E utilizará a fórmula da metáfora para esclarecer que o efeito de sentido que interessa ao psicanalista é aquele que brota da relação entre os sign ificantes, na cadeia. Colocará essa estrutura em um pequeno grafo, mostrando que o sentido está ligado a uma noção de temporalidade que somente o termo "retroação" [Nachtriiglichkeit; aprts-coup] permite situar:
Se a cadeia sign ificante é representada pela seta que vai da esquerda para a direita, o sentido, por sua vez, é representado pela outra seta - é o efeito retroativo que opera na direção inversa, na qual o que vem depois é capaz de ressignificar o que estava antes. Lacan relacionará essa estrutura com a estrutura de lingua gem do inconsciente, tomando-a como base para a construção de um grafo nos seminários S e 6, o grafo do desejo - um de seus mais engenhosos esforços para definir, tanto clinica como teoricamente, o que é desejo na perspectiva da psicanálise.
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Depois de ter dado destaque, com a teoria do tstddio do tspt /1,o, ao papel do tu e do narcisismo para esclarecer o lugar do ima ginário na constituição do sujeito, Lacan destacar:i a importància do simbólico nessa constituição, dessa vez marcando a função do desejo inconsciente e sua relação com a estrutura de linguagem que o define. � na teoria freudiana do complexo de �dipo que encontrará as bases para essa investigação. Conceitos como o significante e a metáfora serão fundamen tais para extrair, do complexo de �dipo, sua estrutura simbólica. Inspirado no trabalho de Lévi-Strauss em Estruturas tlnnentam do parentesco (1949), Lacan mostrar.! que, independentemente das configurações particulares de cada família, o que o complexo de �ipo revela é a função estrutural da interdição. Destacará o papel da caatração simbólica como nodal para situar essa função, lem brando que é da que define o desejo [ Wunsch] como inconsciente, recalcado, distinto do querer ou da vontade. O problema temporal da constituição do sujeito, que já es tava presente na teoria do tspt/ho pela noção de antecipação que
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marca os efeitos da imagem sobre o domínio motor, terá destaque ainda maior na teoria sobre o complexo de Édipo. Lacan dividirá o &l.ipo em três tempos, que definirá como lógicos, distinguindo-os do tempo cronológico para marcar, mais uma vez, o distanciamen to de qualquer noção desenvolvimentista na concepção de sujeito que interessa à psicanálise. Esse será o primeiro passo para afirmar que o sujeito se constitui como efeito de um cone - aquele que inscreve o ser no campo da linguagem -, e que esse cone define uma operação que é lógica, que só pode ser situada temporalmente na perspectiva da retroação. Depois de ter construído um esquema para abordar a teoria do tstddio do espelho - o esquema óptico-, ele escreverá a teoria do complexo de Édipo em uma fórmula - a fórmula da metáfora paterna-, reduzindo a uma escrita a estrutura simbólica que extrai da teoria freudiana [7]. Insistirá na importância da função do pai como central para compreender o lugar da interdição no Édipo, definindo-a como uma função simbólica, significante. Descreverá essa função signifi cante como sendo a de representar o desejo materno, DM, desejo este introduzido pelo cone que o instaura como enigma, x. De finirá o desejo enigmático da mãe como o "primeiro significante introduzido na simbolização'' (1957-58, p.180), DM/x, e a função do pai como a de representar esse desejo. Para marcar que a função simbólica do pai é uma função de nomeação do enigma do desejo materno, chamará de Nome-do-Pai o significante que, uma vez as sociado a seu significado, NdP/DM, produz um efeito metafórico. Mostrará assim que, tal como ocorre na metáfora, o que resulta da articulação entre esses dois significantes - o desejo materno, cujo significado é um enigma, DM/x, e o Nome-do-Pai, que passa a nomear o significado do desejo materno, NdP/DM - é um ganho de sentido(+), a partir do qual a significação fálica passa a coman dar o sentido no campo do Outro, A/falo(1958/ 1998, p.563):
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Lacan encontrará, assim, na fórmula da metáfora paterna, a chave para aproximar a estrutura simbólica do Édipo da estrutura de linguagem do inconsciente. Essa investigação dará prioridade ao simbólico e será desenvol vida ao longo do quarto, quinto e sexto seminários, estendendo-se até o oitavo, período em que a linguística e a antropologia estru turalistas fornecerão as bases para a definição do inconsciente es truturado como uma linguagem e para articular o desejo, eixo do trabalho psicanalítico, à estrutura simbólica do complexo de Édipo.
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Pouco a pouco, entretanto, certos conceitos como a angústia, o fantasma, o gozo e a pulsão começam a exigir maior atenção de Lacan, e vão se tornando cada vez mais evidentes os limites da linguística estruturalista para abordá-los. Tais conceitos trarão a necessidade de incluir, na própria concepção do inconsciente es truturado como uma linguagem, o lugar do real como impossível, inapreensível pela linguagem. Na mesma medida em que o real começa a atrair um interes se maior de Lacan, a linguística - que não pode tratar do real senão como externo a seu próprio campo - perderá seu papel central como ciência de apoio para os próximos passos da investigação la caniana. Afinal, como tratar, pela linguística, daquilo que se apre senta do lado do que a linguagem não é capaz de nomear? Evidentemente, não se trata de um abandono da linguística por Lacan. A linguística seguirá sendo o recurso fundamental para situar os problemas do simbólico, até os últimos seminários [8]. Trata-se de seu limite para abordar o lugar do real na estrutura simbólica [9), e da necessidade de uma nova ciência de apoio para tratar dos problemas que ocuparão o centro da investigação laca niana nos anos seguintes. É assim que a matemática passará a ter um papel central como suporte para a reflexão de Lacan a partir do
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nono seminário, sobre a identificação. Depois de ter abordado, nos seminários iniciais, o eu e sua função imaginária com o auxílio da etologia e da óptica; tendo pa. ainda que ali Lacan já antecipasse o lugar do sintoma como essencial para situar o nó da fobia, situando o sintoma como "representante" dos três "cir cuitos" [circuits]: "Eu não sei se alguns entre vocês se lembram, eu fiz alguma coisa, há algum tempo, sobre a fobia do pequeno Hans. É muito curioso. Eu nunca vi ninguém ressaltar esse signo ( ... ). Eu me perguntava, como todo mundo: porque o cavalo, não é? (. ..) A explicação que eu encontrei - porque eu a tenho e eu a dei, eu a trabalhei, eu insisti, é que o cavalo era o representante, posso mesmo dizer, dos três circuitos" (Lacan, 1973-74/inédito, 11/12/73).
[22] Da mesma forma que Freud nao foi analista de Schreber, Lacan não foi analista de Joyce. Lacan o lembrará em seus co mentários, marcando que sua leitura de Joyce parte daquilo que se pode apreender da biografia e da sua obra, com os limites próprios a toda leitura: "ao ler Joyce, como saber em que ele acreditava? O que há de terrível, com efeito, é que fico reduzido a lê-lo, posto que não o analisei. Lamento por isso" (1975-76/2007, p.77). [23] Dessa articulação entre o não há relação sexual e a teoria dos nós resultarão também algumas indicações importantes sobre a psicose. Sobre Joyce, indagará: "Que é, portanto, essa relação de Joyce com Nora [sua esposa]? Direi, coisa singular, que é uma re lação sexual, ainda que eu diga que não há relação sexual" (197576/2007, p.81). E sobre Schreber, afirmará que ele é um exemplo claro daquilo "que dá a medida da própria verdade, a saber, o que demonstra, afinal, a paranoia do presidente Schreber, é que só há ,, relação sexual com Deus (1974-75, 08/04/75). [24] Trata-se da longa pergunta feita por Madame Mouchonnant ( 1978-79/inédito, 20/02/79) em alusão ao comentário de Lacan feito duas lições antes, em que afirmara que "a metáfora do nó bor ,, romeano é imprópria (idem, 09/11/79). Que Lacan tenha afir mado que o nó não é nem modelo, nem metáfora, não impediu a psicanalista de sentir-se incomodada, sugerindo que Lacan deveria admitir uma certa distância da matemática, indagando: "Coloco a questão depois do que o senhor adiantou, não faz muito tempo, há quase dois seminários, de que talvez a metáfora do nó borromea no, quer dizer os três, não convém para abordar RSI. Então, não sei o que ocorrerá com nossos camaradas a esse respeito, isso me caiu mal, me pareceu extremamente importante, penso inclusive que se poderia dizer que há quem não possa dormir mais, o que não seria tão mal, talvez". E ela questiona: "A pergunta que que ria fazer é esta: é simplesmente um problema de matemática?". E conclui: "a questão que coloco a Lacan é: estamos neste momento, todos nós, enredados com os nós que estão ali adiante, com difi culdades propriamente matemáticas?".
12 5] Só para mencionar um exemplo, cada uma das teorias sobre a constituição do sujeito anteriores ao nó - o estádio do espelho, o complexo de Édipo e a alienação - exige, para que se entenda sua complexidade, a articulação dos três (simbólico, imaginário e reaJ), ainda que o destaque estivesse em apenas um deles. Foi, aliás, para fa zê-lo que Lacan retomava cada uma dessas teorias constantemente. É por isso que não só a concepção do sujeito como efeito da inscri ção do ser no campo da linguagem está presente em todas elas, como não se trata nunca da superação de uma dessas teorias pela outra. [26] Um mal-entendido desses ocorre justamente em seu último seminário, e é bastante ilustrativo do problema enfrentado por Lacan em sua própria transmissão. Ao mencionar as mulheres e sua relação com o gozo fálico, ele comenta: "É preciso que eu ter mine com o mal-entendido, as mulheres de que disse, no meu último seminário, não estarem privadas do gozo fálico. Imputa ram-me pensar que são homens" (1979-80/inédito, 11/03/80). A volta, sempre, do mal-entendido - e sua necessidade perpétua de retomar, portanto. [27] Em francês, trata-se do jogo de palavras entre dissolution, dis solução, e ''je dis: solution,,, "eu digo: solução". Em sua alocução de 15/03/80 ele chamará essa "dis-solution" de "uma interpretação eficaz", e sua carta de dissolução, de "carta de amor". [28] Na lição de 18/03/80, ele lembra que existem "aqueles aos quais a dissolução dá pânico". Na lição seguinte, em 15/04/80, Lacan contará ter recebido uma carta de Françoise Dolto, sobre a qual faz comentários bastante irônicos: "É uma cartinha 'para dissipar o mal-entendido'. Ela me ama tanto, diz-me em resumo, que não pode suportar que a Escola seja dissolvida. E por que, não adivinham? Porque a Escola sou eu. É seu axioma. De modo que, forçosamente, dissolver a Escola seria anular a mim mesn10. E isso é o que ela não quer. Há um detalhe, é que sou eu quem dissolve a Escola. Isso não a detém, não há nada que a detenha. Ela imagina que eu me autodescruo. É por isso que, de acordo com seu princípio filantrópico, vem em meu socorro. Estão vendo
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como tudo isso se sustenta. É lógico. Vê-se que não sacrifica nada à verossimilhança". [29] Passo cuja ambivalência a língua francesa acolhe tão bem, indicando o duplo sentido dopas: por um lado, referência ao ca minho a trilhar, o pas que se traduz por "passo", mas também a advertência do risco sempre presente do desvio, em que o pas é também o "não".
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Jorge Zahar
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