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Portuguese Pages 163 [170] Year 2019
Kohut (ed.)
Palavra e Poder
amootPúGama ©ygticM^mgta Publikationen des Zentralinstituts fiir Lateinamerika-Studien der Katholischen Universität Eichstätt Serie A: Kongreßakten, 8 Publicaciones del Centro de Estudios Latinoamericanos de la Universidad Católica de Eichstätt Serie A: Actas, 8 P u b l i c a f ö e s do C e n t r o de Estudos Latino-Americanos d a Universidade Católica d e Eichstätt Serie A: Actas, 8
Akten des Kolloquiums »O Papel dos Intelectuais na Sociedadc Brasileira Contemporánea. Política - Literatura - Jomalismo« vom 23.-2S. Februar 1989. Actas del Coloquio »O Papel dos Intelectuais na Sociedadc Brasilcira Contemporánea. Política - Literatura - Jomalismo« del 23 al 25 de febrero de 1989. Actas do Colóquio »O Papel dos Intelectuais na Sociedadc Brasileira Contemporánea. Política - Literatura - Jomalismo« do 23 até 25 de fevereiro de 1989.
Karl Kohut (ed.)
Palavra e Poder Os Intelectuais na Sociedade Brasileira
Vervuert Verlag • Frankfurt am Main 1991
Gedruckt mit Unterstützung der Katholischen Universität Eichstätt
Die Deutsche Bibliothek - CIP-Einheitstitel Palavra e Poder: os intelectuais na sociedade brasileira; [Akten des Kolloquiums »O Papel dos Intelectuais na Sociedade Brasileira Contemporánea. Política - Literatura - Jornal ismo« vom 23.-25. Februar 1989] / Kail Kohut (ed.). - Frankfurt am Main: Vervuert, 1991 (Americana Eystettcnsia: Ser. A., Kongressakten; 8) ISBN 3-89354-908-0 NE: Kohut, Karl [Hrsg.]; Kolloquium O Papel dos Intelectuais na Sociedade Bruileira Contemporinea. Política - Literatura - Jomalismo ; Americana Eystettensia/ A
© Vervuert Verlag, Frankfurt am Main 1991 Alle Rechte vorbehalten Printed in Germany
INDICE Agradecimentos
7
Introdujo Karl Kohut: Palavra e poder. Reflexóes em torno ao intelectual latino-americano I Os intelectuais na sociedade brasileira. Da história á teoría Oscar S. Lorenzo-Fernandez: 0 papel do intelectual no Brasil. Urna perspectiva recente
9
29
Edgar Salvadori de Decca: Os intelectuais e a redemocratiza;ao no Brasil
43
Hartmut Sangmeister: Os intelectuais e o Estado no processo de (re-)democratizasáo: Urna rela;áo ambigua
53
II Os intelectuais e as institugóes sociais Joaquim Pedro de Souza Campos: O papel dos militares no processo de abertura política no Brasil
65
Christiano Germán: A Igreja Católica na "Nova República": Os conceitos políticos dos pensadores eclesiais
75
Maria Christina S. de Souza Campos: As universidades brasileiras como centros de resistencia
92
Achim Schrader: Educadores — companhia limitada. Sobre a utilidade e inutilidade dos intelectuais no estabelecimento pedagógico
112
III Jornalismo e literatura Antonio Hohlfeldt: Relagoes entre jornalismo e literatura na década dos 70
125
Angela Pacheco Pimenta: A reportagem brasileira nos anos 80: Jogo democrático e sintaxe do mercado
140
Moacyr Scliar: A fantasia literaria como crítica da sociedade
153
Luis Fernando Veríssimo: O humor no jornalismo na situagáo contemporánea do Brasil
160
Agradecimentos O presente volume reúne as conferencias proferidas num simposio celebrado na Universidade Católica de Eichstätt, de 23 até 25 de fevereiro de 1989. Sua Excelencia Doutor Oscar S. Lorenzo-Fernandez, Embaucador do Brasil na República Federal da Alemanha, apoiou o projeto do simposio desde o cometo e teve a amabilidade de inaugurar o evento com urna palestra sobre "O papel do intelectual no Brasil". A realiza;ao do simposio somente foi possível grabas ao apoio financeiro do Dresdner Bank, das empresas Siemens (Munique) e Schubert und Salzer (Ingolstadt), do Banco Sparkasse der Stadt Eichstätt e da Sociedade dos Amigos da Universidade. Ray-Güde Mertin muito amavelmente prestou-me seus servidos valiosos para os contatos com os autores brasileiros. Com Antonio Hohlfeldt tive varias conversas que me ajudaram a orientar-me na intricada cena política e literária do Brasil. Edith Jehlitschke e Christiano German redigiram e prepararam os textos para a impressáo, Madalena de Sousa-Gerbert corrigiu o portugués deficiente deste texto e da introdu^áo. A todos eles os meus mais sinceros agradecimentos. Eichstätt em mar^o de 1991
Karl Kohut
Introduçâo Palavra e poder: Reflexôes em torno ao intelectual latino-americano Karl Kohut
poesia paixâo revoluçâo (Ferreira Gullar: A
poesia)
"¿Es posible un intelectual fuera de la Revolución?, ¿es posible un intelectual no revolucionario?", perguntava Roberto Fernández Retamar numa discussáo que teve lugar, a 2 de maio de 1969, em Havana (Dalton, 9). Para ele como paja os outros intelectuais latino-americanos presentes tratava-se de urna pergunta retórica, já que para todos eles se mostrava claramente que a própria idéia do intelectual era inconcebível fora da revoluçâo. Também era certo o reverso da fórmula: quem nao era revolucionário, nao era intelectual; era, quando muito, pseudo-intelectual. O episodio é marcado pelo lugar e momento histórico em que teve lugar a discussáo. Foi nos anos 60 e principios dos 70 que a discussáo acerca do intelectual se intensificou na América Latina, e foi Cuba o centro ideológico déla. Fidel Castro e Ernesto Che Guevara foram os modelos admirados dos intelectuais. "Fidel Castro, Che Guevara y muchos outros dirigentes de la Revolución, ¿no son intelectuales?", perguntava o escritor haitiano René Depestre na discussáo mencionada, e replicou à sua própria pergunta: "su gran mérito consiste en haber ampliado el concepto del intelectual, añadiéndole las dimensiones del hombre de acción" (Dalton, 140s). Contudo, nao era nova a uniáo dos intelectuais e do socialismo revolucionário . Históricamente, começou na Uniáo Soviética depois do triunfo da Revoluçâo e continuou sob o lema da frente comum na luta contra o fascismo nos anos trinta, sendo os centros a França e, a partir do começo da Guerra Civil, a Espanha 1 . Foi nesses anos que Antonio Gramsci escreveu as páginas sobre o intelectual que rápidamente se tornaram clássicas. Depois da Segunda Guerra Mundial, Jean-Paul Sartre tornou-se o porta-voz mais importante da discussáo sobre a temática. E certo que as très famosas conferencias sobre o intelectual tiveram lugar somente em 1965, mas a base teórica da sua Defesa do 1
Acerca das discussóes destes anos sol»« os intelectuais, ver Garosci 1959, Caute 1967 e 1979, Pérez Ramos 1982, Kohut 1982, Siefi 1984.
10 intelectual já. foi lançadanos anos 1947/1948, no ensaio arquiconhecido Qu'estce que la littérature? Com a Revoluçâo Cubana surgiu um novo foco da discussáo na América Latina, reforçado prontamente pela revoluçâo de 68. Visto duma distancia de mais ou menos 20 anos, este momento parece como o — até agora — último apogeu da uniáo entre intelectuais e revoluçâo 2 . Discrepar era perigoso porque implicava o desprezo da comunidade intelectual como pseudointelectual, se nao como câo de guarda da burguesía, fórmula lançada por Paul Nizan j á em 1932, ou, mais grave ainda, o desprezo dos próprios líderes revolucionarios. Pouco mais tarde, a uniáo entre intelectuais e revoluçâo se desfez. A causa imediata foi o tristemente famoso caso Padilla 3 . Mas esse caso foi somente a superficie de processos mais profundos que podem compreender-se como choque entre as aspiraçôes ideáis dos intelectuais e a realidade política da revoluçâo cubana. E certo que muitos intelectuais, sendo García Márquez o mais proéminente entre eles, mantinham e mantêm a fé no modelo cubano, mas as vozes discrepantes tornaram-se cada vez mais numerosas e fortes. A partir desta data, Fidel Castro distinguiu publicamente entre "revolucionarios de verdad, intelectuales de verdad, combatientes de verdad", e "señores intelectuales burgueses y libelistas burgueses y agentes de la C.I.A. y de las inteligencias del imperialismo" (El caso Padilla, 120). Mas nem por isso acabou a discussâo. Em 1987, Jean Franco anotou que "actualmente se lleva a cabo en América Latina un debate sobre el signiñcado de la democracia, la nación y el papel que le corresponde al intelectual" (411). Na Europa como ñas duas Américas, seguem-se livros e artigos sobre a temática, a tal ponto que num ensaio recente esta onda de publicaçôes foi interpretada como indicio inconfundível de urna crise histórica, de urna ruptura na historia do conceito do intelectual 4 . A crise do conceito do intelectual precedeu a crise 2 Acerca dos intelectuais na América Latina, veja, além do já citado volume Dalton 1981, Debray 1966, Bustamante 1967, o número especial de Cata de las América» 1967, dedicado à Situación del intelectual latinoamericano, o volume El intelectual en la política 1970, o fascículo Lot intelectualei n a série IVansformaciones 1972, Benedetti 1977 e outras publicaçôes do autor, Miceli 1979, Suárez Iñiguez 1980, o volume Champí de pouvoir et de savoir au Mexique 1982, Brunner 1982, o debate Ot Intelectuais e a Política 1983, Gonzalez Casanova 1984, Rama 1984 e numerosas publicaçôes anteriores, Bninner/Flisfîsch 1985, Franco 1985 e 1987, Ribeiro 1985, Soares 1985, o volume Derechos intelectualei 1986, Camp 1986, Levy 1986, Pécaut 1986 e 1989, Ardao 1987, Sebreli 1987, Penna 1988, o volume Perfil do penlamento bratileiro 1988. 3 Veja a documentaçâo "El caso Padilla" 1971 e o comentario lúcido de Héctor Manjarrez (1990, 161 - 168). 4 Helene Harth: Les intellectuels. Zur Rollendefinition eines modernen Sozialtypus. Em: Siefi, 200 - 220; a cita è 200. Veja no mesmo livro: Paul Aubert: Der traditionelle Intellektuelle. Moral und Politik bei Jean-Paul Sartre, 173 - 199. Helene Harth cita, entre outros, Schelsky 1975, Sontheimer 1976, Konrád/Selényi 1978, Biegalski 1978, Bering 1978, Debray 1979 e 1980, Rusconi 1980, Bourdieu 1980a e 1980b. A esta lista pode acrescentar-se Kraus 1967, Alba 1976, Gella 1976, Mills 1979, Rusconi 1980, Holländer 1981, Bergsdorf 1982, LaCalle 1982, Lecerf 1987, Lévy 1987 e 1991, Braukhorst 1987 e 1990, Jacoby 1987, Johnson 1988 e o volume Dernière* question» aux intellectuels 1990 e Lévy 1991. Para as nâo menos numerosas publicaçôes sobre America Latina, ver nota 2.
11 do marxismo, que inevitavelmente reagirá, por seu lado, sobre aquele. Explica-se a uniáo entre intelectuais e revolu;ao pela origem do conceito. Parece que a palavra foi cunhada nos debates do caso Dreyfus pelos defensores do papel estadual que polemizar am contra os "intelectuais", inimigos da ordem nacional. Se a palavra é relativamente nova, o fenómeno designado tem urna idade venerável. Os autores concordam sobre a origem dos intelectuais que constituiriam a classe dos sacerdotes surgida ao mesmo tempo que a propria sociedade. Os herdeiros medievais dos sacerdotes antigos, os cleros — palavra do velho francés derivada do latim clericus — sao outra prefigurado do intelectual moderno. A palavra sobreviveu até nosso século e ainda se usa, na maioria dos casos irónicamente, para denominar os intelectuais. No processo da evoluijáo histórica européia, apareceram mais tarde os tipos sociais do "humanista" do século XVI, do "filósofo" do Século das Luzes e do "ideólogo" desprezado por Napoleáo 5 . E significativo o fato que a palavra tenha aparececido numa consteladlo que pode considerar-se como arquetípica da situa;áo do intelectual em nosso século: mantendo principios moráis contra desabusos do poder e sendo censurados pelos defensores do poder como abstratos, sem instinto, antinacionais, judeus, decadentes e incompetentes (Bering, 43 52). Prontamente, os intelectuais aceitaram a palavra, transformando, contudo, as características negativas em positivas. A constelado repetiu-se ao longo do século: os comunistas e — como diziam — todos os homens de boa vontade na frente comum contra o fascismo antes e durante a Segunda Guerra Mundial, mais tarde contra o capitalismo e imperialismo. Para os intelectuais latino-americanos este combate concretizou-se na resistencia contra os regimes ditatoriais, num sentido mais largo contra as doen?as do continente: pobreza, explota$ao, fome, marginalizagáo. Dos anos vinte aos anos setenta, as discussóes sobre o intelectual foram dominadas pela esquerda política, que estabeleceu os modelos seguidos pela imensa maioria dos próprios intelectuais, o que corresponde, conforme observou Edward Shils em 1969, á curiosa tendencia deles de seguir certos modelos, tendencia surpreendente em homens cujo norte é a independencia do pensamento 6 . Isso explica o fato que grande parte dos livros e artigos escritos nesses anos tenham sido, até certo grau, documentos de combate que definiram o intelectual em vista a finalidades revolucionarias. Para Gramsci todos os homens sao intelectuais, mas nem todos tém na sociedade a fun?ao de intelectual (6). Esse intento de definir o intelectual 5
Sobre a historia do conceito do intelectual, veja o livro bem documentado de Bering; sobre a história social dos intelectuais veja Alba. 6 "The function of providing a model for intellectual activity, within and among societies, implies the acceptance of a general criterion of superior quality or achievement. The pattern of action of a certain group of intellectuals comes to be regarded as exemplary because it is thought to correspond more closely by certain ideal requirements of truth, beauty, or virtue. Such standards are never the objects of complete consensus, but they are often widely accepted over very extensive areas of the world at any given time". (Edward Shils: "The intellectuals and the Powers: Some Perspectives for Comparative Analysis". E m : RiefT, 25 48; a cita e 30).
12 pela sua fungáo é geralmente admitido, sendo poucas as vozes discrepantes. A mais importante entre elas é a de Ortega y Gasset, para quem o intelectual se definiría por seu ser: Ser intelectual no es cosa que tenga que ver con el yo social del hombre. No se es intelectual para los demás, con este o el otro propósito, a fin de ganar dinero, de lucir, de sostenerse en el piélago proceloso de la colectividad. Se es intelectual para sí mismo, a pesar de sí mismo, contra sí mismo irremediablemente (508). Como veremos mais adiante, a definí gao de Gramsci tem certas vantagens comparada á de Ortega, sem solucionar todos os problemas. Mas qual seria, pois, a fun$áo do intelectual? As respostas — mencionadas já brevemente — parecem excluir-se mutuamente: para uns, os intelectuais sao necessariamente ligados á revolu;áo, para outros, ao poder. Sao múltiplas as causas destas discrepancias: a ideologia, a profissáo ou funqáo social, o contexto nacional, a tradi;áo cultural dos autores e, muitas vezes, as diferentes causas misturam-se em graus individuáis. Aproximativamente, podemos distinguir os literatos e políticos dos sociólogos, sendo mais prescritivos os primeiros, mais descritivos os segundos. Mats essas discrepancias de principio — abstraindo dos nexos históricos — encobrem urna dialética secreta, porque urna análise mais estrita revela que os intelectuais revolucionários sao, em potencia, servidores do poder e os servidores, revolucionarios. No campo da sociología, a defini;áo clássica do intelectual visto no papel tradicionad do sacerdote — compreende-se que se fala dum sacerdocio secularizado — foi dada por Karl Mannheim, segundo a qual existiriam em cada sociedade grupos sociais, designados pelo nome genérico de "inteligencia", e cuja tarefa especial seria de fornecer á sociedade urna interpreta;áo do mundo 7 . A fórmula de Karl Mannheim é retomada, com varia^oes individuáis, por muitos sociólogos modernos. Seja citada, como exemplo representativo, a defini;áo dada por Edward Shils: Indeed in modern times, first in the West, and then in the nineteenth and twentieth centuries at the peripheries of Western civilization and in the Orient, the major political vocation of the intellectuals has lain in the enunciation and pursuit of the ideal. Modern liberal and constitutional politics have largely been the creation of intellectuals with bourgeois affinities and aristocracies. This has been one major form of the pursuit of the ideal. Another has been the promulgation and inspiration of politics, i. e. revolutionary politics working outside of the circle of constitutional traditions 8 . 7
"In jeder Gesellsdiaft gibt es soziale Gruppen, deren besondere Aufgabe darin liegt, dafi sie der Gesellsdiaft cine Deutung der Welt besorgen. Wir nennen sie die 'Intelligenz"' (11). 8 Shils em RiefT, 32. — P a r s aproxima^óes sociológicas anteriores veja Schumpeter 1975 ( l a ed. 1942), 145 - 155 (The Sociology of the Intellectual), discutido detalhadamente p o r Sdirader (veja 112s) e as pesquisas de Talcott Parsons dos anos 30 até os 70. Sobretudo
13 A formulagáo clássica da visao negativa do intelectual como sacerdote foi dada pelo j á varias vezes citado Gramsci, que deñne o intelectual como empregado da classe dominante9. Cada novo grupo social crearía um ou varios estratos de intelectuais que teriam a fungáo de assegurar a identidade coletiva do grupo. Ao lado deste tipo, vé outro de intelectuais que representariam urna tradiqáo intelectual continua e que existiriam independentemente dos grupos sociais . Denomina os primeiros intelectuais orgánicos, os segundos tradicionais (3s). Em última conseqüéncia, essa definigáo do intelectual equivale a dar-lhes urna fungáo de transmissores do poder abstrato na práxis institucional, o que continuaría até as últimas ramifica;5es do poder. Assim, por exemplo, na práxis das cb'nicas psiquiátricas italianas, como escrevem Franco Basaglia e Franca Basaglia-Ongaro num livro polémico no qual denunciam a práxis psiquiátrica em Itália como obra de intelectuais executores da ideología dominante e, como tais, culpados de crimes de pacificando (12s, ed. alema). Urna vez que se contam entre os autores do livro alguns intelectuais mais em vista como Sartre, Foucault e Chomsky, esta visáo extrema tem o selo de representatividade da esquerda moderna. A base filosófica desta visao foi fornecida pelo próprio Sartre, a quem os Basaglia se referem constantemente. Contudo, aquele usa duma terminologia diferente com o que póe e resolve o problema do intelectual duma maneira aparentemente elegante. Se trata de urna tática usada muitas vezes nos debates em torno ao intelectual e que poderia chamar-se solugáo por vía de terminologia. Para Sartre, o intelectual ao servido da ideología dominante nao é intelectual, mas sim o que chama "técnico do saber" (technicien du savoir), forma moderna do clerc medieval. O técnico do saber se transforma em intelectual quando reconhece a sua situadlo como empregado da classe dominante, e simultáneamente a sua ideología como filosofía particular da classe. A percepqáo desta sitúa;áo constituí o passo do particular ao universal, com o qual o intelectual se muda de defensor da classe dominante em seu crítico incondicional (1972, 397 - 399). A nivel individual, este passo pode repetir-se em qualquer momento da vida de um técnico do saber (1972, 397). Históricamente, e como processo coletivo, produziu-se no século XVIII (1972, 386s). Segundo a esquerda política, o intelectual moderno está em oposi;áo á classe dominante. Vai subentendido que esta afirmagáo vale somente para os regimes burgueses10. A coisa complica-se se o governo é formado por um partido revolucionário como nos países do antigo bloco socialista ou em Cuba. Sao sumamente instrutivos os dois debates que tiveram lugar no contexto cubano, em 1967 e 1969 (Situación del intelectual y Daitón). Se é certo — como constatou René Depestre em 1969 — que em Cuba o poder político e social se tornou o princina Europa e nos Estados Unidos, a m&ioria das obras recentes sobre a temática situa-se no campo da sociologia. 9 "Gli intellettuali sono i 'commessi' del gruppo dominante per l'esercìzio delle funzioni subalterne dell'egemonia sociale e del governo politico" (9). 10 Neste contexto situam-se os intentos de ligar a problemática dos intelectuais à problemática mais vasta da marginalidade geral. Como exemplo representativo, veja Vidal.
14 pal rebelde, seria ridículo por parte do intelectual querer ser mais rebelde que os homens de agao que tém feito a revolugáo (Dalton, 63s). Da mesma opiniáo era Roberto Fernández Retamar, que aduziu o exemplo do revolucionário que havia posto bombas na fase do combate e que, depois do triunfo da revolugao, se torna viceministro de constru;áo. E Fernández Retamar concluí: ¿Quiere decirse con esto que ha traicionado sus ñnes? Por supuesto que no. Los traicionaría si siguiera poniendo bombas, esta vez contra la revolución socialista. La mutación que sufre en su actividad este compañero es precisamente lo que le permite seguir siendo ñel a los ñnes que se había propuesto. Si es incapaz de hacer esta mutación, se convierte en un contrarrevolucionario (Dalton 81). O exemplo é instrutivo precisamente por ser absurdo. Para os partidários incondicionais do modelo cubano, criticar o regime revolucionário era equivalente a passar ao campo contra-revolucionário. As palavras de Fidel Castro dirigidas aos intelectuais a propósito do caso Padilla, citadas mais acima, sao a conseqüéncia direta desta atitude. Nesse conflito se repetiu a consteladlo dos anos vinte, quando Stalin eliminou TYotzki e, com isso, o conceito da revolugao permanente. Assim embasou o processo de esclerosi;áo do comunismo, urna das causas mais importantes da crise letal da qual estamos sendo testemunhas nestes dias. Os intelectuais mais clarividentes sempre defenderam a necessidade da crítica também depois do triunfo da revolu;lo, sendo o exemplo mais proeminente Sartre, que apesar de certos dogmatismos sempre exigiu a crítica permanente, mesmo contra o poder revolucionário11. Na América Latina, os casos mais proeminentes — abstraqáo feita de todas diferen;as políticas — sao os de Cortázar e de Vargas Llosa 13 . E certo que o testemunho deste último se tornou suspeito para a esquerda pela evolugáo política posterior do autor. Por isso é mais significativo o caso do Cortázar, que deixa entrever, mesmo na obra que deveria ser a sua contribuigáo representativa á arte revolucionária — a novela Libro de Manuel —, o seu medo ante o poder absoluto dos revolucionários13. Fácilmente se esquece que a relagáo entre a revolugáo marxista e os intelectuais teve momentc« difíceis, e que existe certo "radicalismo mal colocado en la revolución cultural" — segundo as palavras de Marcuse —,que " E r a Plaidoyer pour leí intellectuel!, descreve como tarefa do intelectual, entre outras coisas, "se faire contre tout pouvoir — y compris le pouvoir politique qui s'exprime par les partis de masse et l'appareil de la classe ouvrière — le gardien des fins historiques que les masses poursuivent"(1972, 424). 1 2 V e j a as contribuiçôes dos dois autores para o volume Situación ¿el intelectual latinoamericano. Para Héctor Manjarrez, o artigo de Cortázar é o melhor do volume: "La revolución cubana, en ese momento, necesita a un Julio Cortázar para expresar su posición innovadora en el terreno cultura], Ningún cubano producía un discurso así entonces" (122). 1 3 Numa cena-chave da novela, o protagonista confessa o seu medo de certo tipo de revolucionarios ortodoxos e dogmáticos que chama "los fascistas de la revolución" (351). E s t a atitude concorda com inumeráveis declaraçôes do autor esparsas por sua obra ensaística e de ficçâo.
15
coincide com o antiintelectualismo dos "representantes más reaccionarios del establishment "14. Insistir tanto na relaçâo entre o problema do intelectual e a revoluçâo marxista pode hoje parecer fastidioso, ou o pagamento de contas de ontem. Mas a problemática nao pode ser iludida, porque — repito — foi o modelo ideológico cubano que dominou as discussoes sobre o intelectual na América Latina. Urna prova esclarecedora do clima intelectual da época o fornece o mesmo número da revista Casa de ¡as Américas que contém os artigos sobre a Situación del intelectual latinoamericano. Ñas páginas seguintes se acham impressas a Declaración general de la primera conferencia latinoamericana de solidaridad (109 111) e a Resolución sobre ¡a penetración cultural e ideológica del imperialismo norteamericano en América Latina (111 - 114). Nesse texto se define a tarefa dos intelectuais com as palavras: El deber de todo revolucionario es hacer la revolución. Esa revolución la hacen los pueblos, las grandes masas de explotados. Los trabajadores intelectuales son parte del pueblo, que les ha dado la posibilidad de alcanzar un nivel intelectual superior. Ello es un privilegio, pero sobre todo una responsabilidad que los lleva a identificarse con el destino revolucionario de nuestra América. ( . . . ) Es necesario además que [los intelectuales] articulen los organismos idóneos mediante los cuales participar colectivamente, a escala continental, en el respaldo de la gran lucha de liberación que está en marcha, y que fue la aspiración de Simón Bolívar y José Martí, y es hoy la tarea de los hombres como Fidel Castro y Ernesto "Che" Guevara y de innumerables mártires, intelectuales revolucionarios, caídos en la lucha por esta causa (114). O marxismo seduziu os intelectuais latino-americanos porque parecia-lhes realizar de feito a mais intransigente e radical oposiçâo contra os males do continente e oferecia, ao mesmo tempo, a mais convincente explicaçâo das suas causas. Muito devagar, outras forças ganharam peso, sendo a mais importante a Igreja Católica. Mas durou muito tempo até os intelectuais católicos terem sido aceites pelos outros como aliados com direitos iguais, permanecendo católicos, e nao sonriente na eventualidade da sua conversáo ao marxismo revolucionário, como foi o caso, na realidade histórica, do sacerdote Camilo Torres e, na ficçâo, do padre Nando, no romance Quarup, de Antonio Callado. Todos, marxistas, católicos, independentes, se uniram na luta contra os regimes ditatoriais, que eram a expressáo política dos antagonismos sociais. Se a discussâo teórica sobre os intelectuais latino-americanos foi dominada pela ideología marxista, a sua prática definiu-se pela luta contra as ditaduras que dominaram o continente nos anos 60 e 70. Este combate durou varios decenios e constituí a gloria deles, 140. Urna história breve do conceito de intelectual no campo marxista oferece Bering, 148 - 262. Sao significativos os casos dos intelectuais "renegados" (segundo a terminología marxista) como André Gide, Arthur Koestler ou Jorge Semprun, que deram origem a polémicas encaminadas.
16 tanto por suas açôes pessoais como por seus escritos. O risco variava, segundo os regimes diversos, porque às vezes as ditaduras apresentavam-se sob a forma duma "ditabranda", mas sempre era real e presente. Por isso, a historia dos intelectuais latino-americanos dos últimos decênios é urna seqüéncia de perseguiçôes, torturas, exilios e, em alguns casos trágicos, mortes. E certo que nem todos foram heróis, nem toda a linha escrita foi urna façanha. Mas o conjunto é admirável. Melhor que as discussôes intermináveis, esta pràtica presta-se a captar mais precisamente o conceito teórico e a praxis real do intelectual no contexto latino-americano. O núcleo da problemática está no antagonismo de palavra e poder 1 5 . Mas nâo é a mesma palavra que denuncia o poder e que o defende?, pergunta Marcuse, marcando implicitamente que nâo aceita a equiparaçâo (144). As palavras nâo sâo iguais, contra todas as aparências. A palavra do poder recebe a sua força do poder e só, secundariamente, da força do argumento. E certo que nem sempre as coisas sâo tâo claras, razáo essa porque seria preferível dizer que a palavra do poder é — conforme os casos — respaldada ou poluída pelo poder. E certo que também o contràrio constituí urna simplificaçâo, porque nem toda a palavra contra o poder é pura. Mas, isso sim, é certo que somente a palavra livre de todo poder é palavra intelectual por excelencia. Por isso, a palavra intelectual precisa da liberdade política. Sâo válidas aínda hoje as reflexôes de Sartre sobre a dialética da liberdade literária e da liberdade política, que formam parte do seu ensaio Qu'est-ce que la littérature? Nos regimes democráticos essa liberdade é mantida por certos mecanismos constitucionais 16 . Os regimes ditatoriais, pelo contràrio, suprimem esses mecanismos porque temem a liberdade da palavra. 0 intelectual é o inimigo natural de toda a ditadura. Contudo, essa fórmula é verdadeira e falsa ao mesmo tempo porque descreve somente urna face da moeda. Nâo explica porque tantos intelectuais se prestam a servir o poder, seja revolucionario ou reacionário, o que lhes valeu a designaçào depreciativa de "câo de guarda" pela esquerda, no caso dos intelectuais ao serviço da burguesía, ou, numa coincidènza curiosa, de "mastins" por um ditador latino-americano 17 . A historia das relaçôes entre intelectuais e poderosos é urna historia de antagonismos e desprezos mutuos, mas também de 15 Utilizo "palavra" num sentido largo. "Palavra" neste sentido também pode ser urna expressáo pictórica, seja u m quadro ou urna caricatura, ou qualquer gesto ou signo no sentido da semiologia. ' ' S c h u m p e t e r opina (150) que ñas democracias burguesas esta atitude nâo é desinteressada, mas obedece a u m instinto de autopreservaçâo ( "In defending the intellectuals as a group — not of course every individual — the bourgeoisie defends itself and its scheme of life. Only a government of non-bourgeois nature and non-bourgeois creed — under modern circumstances only a socialist or fascist one — is strong enough to discipline them. In order to do that it would have to change typically bourgeois institutions and drastically reduce the individual freedom of all strata of the nation. And such a government is not likely — it would not even be able — to stop short of private enterprise"). 17 Vargas Llosa relata que o general Velasco, ditador do Peru, chamou "mastines" os intelectuais que se prestaram a servir o regime ("El intelectual barato", em Vargas Llosa 1983, 334.
17 atragáo mutua e tenta;oes. Porque é certo que o intelectual é, na sua essència, critico do poder; mas ao mesmo tempo sempre é tentado por ele. Vargas Llosa fala do "apetite do poder" dos intelectuais: Mandar, ejercer influencia sobre los demás, decidir el movimiento de los hechos, participar en ese mecanismo que ordena y desenvuelve la historia, es la más fuerte de las tentaciones para un intelectual. Ello se explica, sin duda, por la atracción de los contrarios. Por su oficio y vocación — la crítica — el intelectual se ve casi siempre alejado del poder o confinado a sus estribaciones remotas. Como es su crítico principal, en todo caso el más consciente de sus deficiencias y estropicios, quienes gobiernan prefieren mantenerlo a distancia pues lo consideran un enemigo en potencia, un colaborador incontrolable. Por eso mismo, ese objeto huidizo, que lo repele y al que sabe que sólo puede acercarse mediante alguna claudicación, ejerce sobre él una suerte de hechizo18. Desde logo, há urna diferenqa de principio entre os intelectuais ao servido do poder democrático (ou, pela esquerda, revolucionário) e os ao servido do poder ditatorial (pela esquerda, burgués, reaccionário, imperialista). Mas a diferenga é de ordem ideológica ou, em outras palavras, ética-moral. O fato essencial é que, nos dois casos, a palavra intelectual nao é livre. Para a esquerda revolucionária, sao intelectuais somente os primeiros, sendo os outros falsos ou pseudo-intelectuais. Para eles, tem valor de dogma a undécima tese de Marx contra Feuerbach, segundo a qual os filósofos somente interpretaram o mundo de modo diferente, sendo a verdadeira finalidade transformá-lo. Por isso, um dos grandes temas dos debates sobre os intelectuais foi o da distancia ou da participa;«) na política concreta. Para uns, a participagáo constituí urna traigáo, segundo a fórmula cunhada nos anos vinte pelo autor francés Julien Benda. Para outros, a trai;ao consistiría precisamente na distancia, sendo necessària a participa;ao no combate, sabendo que isso significa sujar as màos, lema tornado famoso pela pe988, 330 S., 36,00 DM
Vervuert Verlag /sa/v 3-89354-904-8 Wielandstr. 40 • D-6000 Frankfurt/M. R.F.A. - West Germany
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