Palavra e verdade: na filosofia antiga e na psicanálise
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PALAVRA E

VERDADE na filosofia antiga e na psicanálise Luiz Alfredo Garcia-Roza

TEXTOS DE

ERUDIÇÃO & PRAZER Jorge..Zahar Editor

TEXTOS DE

ERUDIÇÃO &. PRAZER A Morte dos Deuses,

Michel Henry A Morte nos Olh~.

Jean-Pierre Vernant Dioniso a Céu Aberto,

Mareei Detienne Maneiras Trágicas de Matar uma Mulher,

Nicole Loraux A Vida na Grécia Clássica,

Jean..Jacques Maffre O Processo de Sócrates,

Claude Mossé As ··Teses sobre Feuerbach•• de Karl Marx,

Georges Labica Hegel e a Arte,

GérardBras Palavra e Verdade na filosofia antiga e na psicanálise,

Luiz Alfredo Garcia-Roza O •·:zaratustra•• de Nietzsche,

Pierre Héber-Suffrin

-...... ... --··__

L. A. Garcia-Roza

PALAVRA E VERDADE na filosofia antiga e na psicanálise

Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro

r

Copyrigbt@ 1990, Luiz AJ.fmlo Garci•Raza

Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyrigbt. (Lei 5.988)

1990 I>ireitos para esta edição contratados com

Jorge Zahar Editor Uda. rua México 31 sobreloja 20031 Rio de J1111eiro, RJ

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lmpmll!ão: Tav.-es e Tristio Ltda. ISBN: 85-7110-154-X (JZE, RJ)

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'· Sumário

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Alétheia · 7 A verdade filosófica A busca da verdade

25 33 39 47

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Introdução

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A palavra do aedo A dessacralização da palavra e da memória Pannênides: a verdade gosta de se esconder Heráclito e a escuta do Logos Os sofistas e a palavra persuasiva Platão e a ordem do discurso Aristóteles e a refutação sofística O lêkton dos estóicos A função significante da palavra: Lacan e Santo Agostinho Notas Sobre o autor

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Ao grupo das terças-feiras

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Introdução•

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Alétheia Houve wn tempo, na Grécia arcaica, em que as palavras faziam parte do mundo das coisas e dos acontecimentos. Ela era voz e gesto, dia e noite, verão e inverno. Signos mundanos e signos sagrados remetiam o indivíduo a wn outro tempo e a wn outro lugar: ao tempo dos começos e ao mundo dos deuses e dos heróis. A palavra, juntamente com as condições de sua enunciação, não valia apenas pelo seu sentido manifesto, mas como signo a ser decifrado para que um outro sentido, oculto e misterioso, pudesse emergir, num interminável de decifrações. Essa era a palavra do aedo, poeta-profeta da Grécia arcaica, palavra portadora da alétheia, da verdade. Passados três mil anos, vamos encontrar a psicanálise ainda à procura de sua alétheia e, para ela, a verdade fundamental é a verdade do desejo. No entanto, os fatos do nosso cotidiano não nos remetem diretamente a ela, não nos oferecem essa 7

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verdade já pronta, mas dissimulada porque distorcida. A verda~_é_:u.m.. enigma_ a. ser decifrado.e a psicanálise constitui::se._como.teoria_e técnica do deciframento. O inconsciente não é o que se oferece benevolamente à escuta do psicanalista, mas o que teima em se ocultar e que só se oferece distorcidamente, equivocamente, dissimulado nós sonhos, nos sintomas e nas lacuná's do nosso discurso consciente. O psicanalista é aquele que sabe que o relato do paciente é um enigma a ser decifrado, e sabe também que através desse enigma uma verdade se insinua. No enigma. verdade e engano são complementares e não exclud.~ntes. Os signos que compõem esse enigma são portadores de uma intensidade análoga à das pegadas que Robinson Crusoé descobriu na praia de sua ilha deserta. Enquanto signos, não nos remetem apenas a uma outra cojsª, ~ Jt UllJ..O!l~r.o .s.Y.hili-º'· No entanto, à diferença do romance de Daniel Defoe, nosso Sexta-ferra habita nossa própria interioridade, ou melhor, somos simultaneamente Robinson Crusoé e Sexta-feira, sendo que este último teima em se esconder e, quando aparece, coloca em questão e deita por terra a onipotência de Robinson. O enigma ·da psicanálise -

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ou um dos enigmas da psicanálise - reside nesse fato desconcertante: o de que somos dois sujeitos, um dos quais nos é inteiramente desconhecido. Apossamo-nos dos signos com a mesma violência com que eles se apossam de nós. O signo não espera docilmente pela nossa inteligência, at~ porque inteligência e docilidade não habitam o mesmo espaço. Não há inteligência sem violência, assim como a verdade não é o lugar do gozo. O pensador não é aquele que colhe a verdade, já pronta, no mundo. A própria imagem do filósofo como amante da sabedoria nada tem a ver com a de um ser de boa vontade que, tranqüilo, goza da bem-aventurança da verdade. Como todo amante, ele é um inquieto, um ciumento pronto a decifrar as palavras da amada, a hesitação de sua voz ou a "insignificante" troca de palavras que denuncia o oculto. O amor não nos retira da roda do tempo para nos remeter a um lugar nirvânico de plenitude e gozo, ele nos mantém no interminável das repetições. O amor pela verdade é, pois, desconfiado e inquiridor, sempre pronto a identificar os signos que denunciam a traição do dado. A condição fundamental para o amante e para o pensador (o que vem a dar no mesmo) é afastar-se da pasmaceira da boa vontade do dar e do receber.

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A verdade jamajs é dada. A boa vontade, que acolhe o dado enquanto tal, abriga-se na quietude e na miopia da certeza. Q. dadQ..nã.Q_~tQ.V..QÇ{t a inteliaência. apl~~=-~L Nossa.suposição inicial será a de que a busca da verdade não é uma atitude natural ao homem ·comum, entendendo-se por "homem comum., aquele que é guiado pelo bom senso, mas sim que \ ela implica uma violência ao senso · comum na medida em que este se apega à evidência do dado imediato. Como nos diz Heidegger, "O senso comum possui um olhar e uma escuta próprios, resistentes a tudo aquilo que o coloca em questão'•.2 Para o senso comum, a verdade designa o verdadeiro e o verdadeiro é o que se apresenta como real à evidência sensível. A verdade surge ·então num duplo registro: no re~istro da coisa, na medida em que esta se apresenta como ..verdadeira", como não-ilusória, e no registro da linguagem, enquanto enunciação adequada à coisa. Trata-se aqui da verdade empírica do homem comum em seu cotidiano. Essa verdade não é buscada, ela se oferece docilmente ao nosso olhar e à nossa escuta sem nos violentar. A evidência é, neste caso, certeza objetivada. Procurar a verdade é supor que ela não esteja dada em nossa experiência cotidiana, mas para 10



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que esta suposição possa ser feita é .n ecessário que no seio mesmo dessa experiência algo insinue que não estamos de posse da verdade. Esse algo é da ordem do equívoco, do erro, da mentira, da dissimulaçã. É..por.tanto na dimensão do erro que a · verdade faz sua emergência, ou se quisennos, a hi~ória da verdade é coextensa à hjstória do erro. - A pré-história da verdade - entendida agora não mais como certeza objetivada, mas como verdade ftlosófica - encontrâmo-la ao rastrearmos a noção de alétheia na Grécia arcaica. Mas é -com Parmênides, na passagem do século VI para o séc~lo V antes de Cristo, que a alétheia vai ser colocada como solo a partir do qual a verdade filosófica fará sua emergência. Em Parmênides, a alétheia não é ainda 'a • verdade do'filósofo, ou, pelo menos, não é ainda pensada tal como será a partir de Platão. Não é ainda da verdade filosófica que Parmênides nos fala em seu poema, mas do desvelamento, da condição através da qual o ser e o pensar farão sua apresentação recíproca. É o que nos díz Heidegger em sua leitura de Parmênides: ..A questão da aléth~l.a. a questão do desje.lªm_en_tQ_Ç_QlJlo tal,_não é a questão da verdade··, isto é, não é a verdade entendida como adequação entre o pensamento__e 11

a coisa, mas como caminho pelo qual ser e pensar podem dar-se. , A alétheia é, pois, essa abertura pata o ser'e o pensar, e esse desvelamento-abertura não se dá pelo caminho da opinião dos mortais, não se atém à evidência fornecida pela experiência à certeza manifesta. A alétheia ,de Parmênides 'não é uma evidência, mas uma presença que se vela, um desvelamento do qual fpz parte um ve lamento, um ocultar-se. Não há alltheia sem lethe, sendo que o próprio fato do termo a-létheia ser privativo, é, por si só, indicativo desse jogo do mostrar-se e do ocultar-se.

A verdade filosófica Apesar da filosofta ter-se erigido pelos éaminhos da alétheia, esta permanece impensada desde Platão e Aristóteles até os nossos dias. Mais de vinte séculos se passaram até sua retomada por Heidegger. E muita coisa se passou nesse meio tempà, que é todo o tempo da fllosofia. Num artigo que se tomou objeto de inúmeras análises, Heidegger pergunta sobre'a essênci$l da 12

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verdade.4 Seu ponto de partida é o conceito corrente, aquele que chegou até nós originário da filosofta medieval: V~ritas est adaequatio rei et intellectzis (Verdade é a adequação do intelecto à çoisa). Trata-se de definir a verdade em termos de concordância: concordância entre uma coisa e o que dela previamente se presume, e concordância entre o enúnciado e a coisa. Mas o que funda a possibilidade da concordância? Quandó em presença de duas moedas de cinco marcos - o exemplo é de Heidegger -, dizemos que há concordância entre elas, e essa concordância é estabelecida pela identidade de seu aspecto( quando dizemos de uma delas ..esta moeda é redonda", trata-se de outro tipo de concordância. No primeiro caso, a concordânCia é estabelecida entre duas coisas, no segundo caso a concordância é entre~ enunciação e uma coisa. Se as dualprimeiras podem ser comparadas porque são da mesma natureza, como estabelecer a · conveniência·entre uma coisa e uma enunciação, já qtie a coisa (moeda) é material e a enunciação é imaterial? Como pode uma enunciação, mantendo sua essência, adequar-se a algo diferente, a uma coisa?

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Poderíamos responder que ~o se trata aqui de estabelecer a igualdade entre duas coisas desiguais, mas da natureza e da constância da relação entre a enunciação e a coisa (essa foi a proposta de Aristóteles), algo análogo à concordância entre uma figura géométrica e a equaQão algébrica que a expressa. Heidegger nos adverte, porém, que enquanto a t'atureza dessa relação permanecer indetenninada e infundada, não .há como estabelecennos a ~bilidade intrínseca da concordância...A enunciação sobre a moeda se relaciona com esta coisa enquanto a apresenta e diz da coisa apresentada o que ela é sob o ponto de vista principal. A enunciação apresentativa exprime, na~uil~ que~ da coisa a~n~da, aquilo ~ue ela é, ISto e, expnme-a tal qual e, assun como é'"._

Apresentar significa, aqui, o fato de deixar.

surgir a coisa diante de nós enquanto objeto. Essã relação se faz sob a forma de um eQcontro, no qual a coisa que se opõe a nós deve, ao mesmo tempo, manter aberta a possibilidade do encontro e per~ manecer como coisa ein si mesma, na sua estabilidade. É no âmbito de uma abertura para a coisa que se funda a enunciação -apresentativa; é por essa abertura que a coisa se totrui suscetível. de ser expressa. A e~~nciação _não ~}>ois, rt;pre- '

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se.JJtação, mas expre&Wo. Assim sendo, a verdade não se dá exclusivamente na proposição, mas na possibilidade d~a abertura que articula a coisa e a palavra. De onde, então, a enunciação retira sua orientação para o objeto de modo a expressá-lo verdadeiramente? ·ueidegger responde que essa abertura que articula a enunciação e o objeto funda-se na liberdade...A essência da verdade é a liberdade... Isso nos dá·a vaga impressão de ter. mos substituído um mistério (a verdade) por outro (a liberdade), além de deslocarmos a verdade para o âmbito da subjetividade. Não é assim, contudo, que pensa Heidegger.

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A liberdade diz respeito a essa abertura para a coisa, revela-se como possibilidade de deixar ser o ente, sendo que esse deixar não significa indiferença ou omissão, mas entrega...Deixar-ser significa o entregat-se ao ente(..~) entregar-se ao aberto e à sua abertura, na qual todo o ente entra e permanece, e que cada ente traz, por assim dizer, consigo... 6 Esse entregar-se ao ente não significa, porém, perder-se nele, mas colocar-se em: face dele como ta alétheia, o desvelado (e também o verdadeiro). A liberdade é portanto uma exposição ao enle na medida em qu~ ele possui o caráter

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de desvelado. A verdade não diz respeito a uma · proposição que um sujeito enuncia sobre wn oh- ~ jeto, mas sim a esse desvelamento (alétheia) do . ente graças ao qual se realiza uma abertura. É essa ~ abertura que funda o homem enquanto tal. . Mas se a verdade é liberdade, o homem pode~ nessa abertura para o ente, deixá-lo ser naquilo que ele é ou deixá-lo ser rJquilo que ele não é. Pode encobri-lo ou dissimulá-lo. , .·

O velamento, a dissimulação, é pensado a partir da verdade entendida co~o desvelamento. Assim sendo, o não-desvelamento (a não-verdade) pertence à essência da verdade. De fato, o velamento é mais antigo do que toda revelação do ente, pois a abertura para a coisa manté~, desde o início, uma relação com a dissimulação. Esse é o mistério presente essencialrhente ao homem. Mais ainda, o mistério não apenas diz respeito ao que é velado, mas também e sobretudo ao fato de que a própria dissimulação é velada. O

que primariamente é dissimulado é a própria dissimulação. A verdade é, originalmente, mistério, dissimulação da dissimulação. O homem voltado para o cotidiano afasta-se, porém, desse mistério, desvia-se efll relação à, alétheia. É o que Íieidegger chama de errância da '

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não-verdade, isto é, a verdade enquanto não-experimentada e inexplorada. Assim, o homem não erra ocasionalmente, não cai na errância, ele se encontra sempre na ettância, é dentro dela que ele se move. Se o homem se move na errância da não-verdade, se o mistério presen~e essencialmente ao homem não diz respeito ao que é velado, dissimulado, mas à própria dissimulação, se o que é .originalmente dissimulado é a própria dissimulação, o que move o homem na procura da verdade? E mais ainda, quem procura a verdade?

A busca da verdade Quem primeiro se lança à busca da verdade é. o filósofo, e o faz movido por uma inquietude frente à realidade. Tomado pela perplexidade resultante ·dos múltiplos dizeres, o llósofo platônico·se pergQD.ta pela própria essência do dizer e pela possibilidade desse dizer nos falar sobre o ser. Constrói, então, seu próprio discurso, discurso esse que por autolegitimado apresentar-se-á,-daí por diante, ·c omo juiz de todos os discursos, 7 sendo que o que lhe confere legitimiºªde é a estrita obediência ao princ._~P._i_~ ~...OOQ=contradição. A ~ de en~o,

ser

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presenciamos o surgimento da ty.etafísica: a universalidade do discurso tomada como indício de wna verdade sobre o ser. Os séculos que se seguiram, e que cobrem o percurso filosófico de Platão a Hegel, foram ocupados com essa busca da verdade, com essa tentativa de construção do discurso, da exata correspondência mtre Q~O

e o...scr. Um critico do pensamento filosófico poderia argumentar que a verdade que o filósofo procura é uma verdade que ele previamente colocou lá. A filosofia seria como a cartola do mágico: dela só retiramos o coelho que previamente colocamos ali. O filósofo responderia que a objeção é especiosa, posto que o discurso filosófico não nos oferece uma resposta já pronta que estaria à espera do fllósofo para retirá-la da cartola e exibi-la ao público espectador, mas que ele se constitui como um procedimento no caminho da verdade e não como uma exibição circense. Trata-se, emftlosof~ de eliminar o erro e o equívoco pelo caminho ~ não-contradição, mas essa eliminação, por mais que se faça, levar-nos-á apenas a verdades parciais, embora seu alvo seja a verdade plena. Próximo à procura empreendida pelo fiJósofo, temos a procura do religioso. Próximo, porque· '

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ambos admitem uma verdade~bsoluta que orienta a procura, mesmo que essa verdade não seja jaroàis atingida. Em_Santo Agostinho, por exemplo, a b~ca da verdade nos encam.inhará não em direção às coisas ou às palavras, mas em direção à ·nossa própria interioridade. A verdade, diz Agostinho, ou bem a possuímos ou não podemos adquiri-lá. Assim, quando compreendemos o que se exprime pelos signos da linguagem, isto se dá graças a algo que é exterior aos signos e também exterior aos objetos: a nossa interioridade. É graças à presença do Absoluto em nós que as palavras e ~ coisas ganham sentido. A palavra, por si só, não é portadora de verdade, ..com as palavras não aprendemos senao - pa1avras••,8 e Ias servem para incitar-nos na busca da verdade, mas esta só será atingida por uma ilwninação interior. O caminho

para a

v~tdad.e _é_.o ..caminhu__paraJ)__ellS.

e esse

á,mrlnhQ.,~~ pelª_inte.tiori~g~ çlo sujeito -~ não pela exterioridade das palavras e das coisas.

A literatura ns fornece o terceiro tipo de buscador da verdade: o amante. Gilles Deleuze9 nos presenteia com uma análise extremamente das mais belas buscas da verdade original de empreendidas no campo da literatura: a obra de Proust. A la recherche du temps perdu é de fato

uma

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uma buSca da verdade, escreve Deleuze, e o buscador da verdade é o amante ciumento que decifra os signos da amada, que percebe uma dissimulação, um ocultamento, wna mentira nos seus ges-' tos, nas suas palavras, nos seus silêncios.

A verdade não ~lta da apüçação de_uril método. mas é o efeito de encontros que se dão ao a~. A verdade .à qual chegamos pela aplicação rigorosa do método é uma verdade puramente lógica, abstrata, em tudo diferente daquela a que chega o amante ao decifrar os signos da amada. A verdade não é obra da inteligência pura, na medida que esta última é uma atividade voluntária operando segundo uma boa vontade do pensador, mas sim o resultado de uma violência feita a essa boa vontade. Não chegamos à verdade através de uma série de doces encadeamentos lógicos, mas somos compelidos a buscá-la, premidos por uma neces- ' sidade que nada tem a ver com a necessidade da· lógica filosófico-científica. · A mulher amada é muito mais rica em signos do que o mais complexo tratado científicq. O . cientista poderá argumentar que estamos falando, . · aqui, de signos mundanos e não dos signps da ciência. Com o que Proust concordaria, já que para ele são precisamente os signos mundanos os que

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nos

provocam, nos atropelam e· n