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O NO VO
PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
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O GEN | Grupo Editorial Nacional reúne as editoras Guanabara Koogan, Santos, Roca, AC Farmacêutica, Forense, Método, LTC, E.P.U. e Forense Universitária, que publicam nas áreas científica, técnica e profissional. Essas empresas, respeitadas no mercado editorial, construíram catálogos inigualáveis, com obras que têm sido decisivas na formação acadêmica e no aperfeiçoamento de várias gerações de profissionais e de estudantes de Administração, Direito, Enfermagem, Engenharia, Fisioterapia, Medicina, Odontologia, Educação Física e muitas outras ciências, tendo se tornado sinônimo de seriedade e respeito. Nossa missão é prover o melhor conteúdo científico e distribuí-lo de maneira flexível e conveniente, a preços justos, gerando benefícios e servindo a autores, docentes, livreiros, funcionários, colaboradores e acionistas. Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o crescimento contínuo e a rentabilidade do grupo.
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA Professor titular de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
O NO VO
PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
(Exposição sistemática do procedimento)
29ª edição, revista e atualizada
Editora
Rio de Janeiro
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1ª edição – 1975 / 29ª edição – 2012
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CIP – Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. M837n Moreira, José Carlos Barbosa, 1931 – O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. – 29.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro, Forense, 2012. Processo de conhecimento, processo de execução, processo cautelar. ISBN 978-85-309-4102-4 1. Processo civil. 2. Processo civil – Brasil. I. Título. CDU – 347
347.9(81)
À Gilka e aos nossos filhos Luís Eduardo, Carlos Roberto, José Henrique e Mário Celso, com amor.
AO LEITOR
Visa o presente trabalho a descrever, em exposição sistemática, o procedimento entre nós adotado no exercício da jurisdição civil, tal como o regula o Código aprovado pela Lei 5.869, de 11.1.1973, em vigor desde 1.1.1974, com as modificações introduzidas pela Lei 5.925, de 1º.10.1973, e legislação posterior. A obra compõe-se de dois volumes: este, dedicado ao processo de conhecimento; o segundo, ao processo de execução e ao cautelar.1 Noutra oportunidade, se for possível, tentar-se-á redigir uma Teoria geral do processo civil, para estudar os institutos fundamentais da nossa disciplina, inclusive aqueles que, versados embora no Livro I do novo diploma, sob a rubrica “Do processo de conhecimento”, com maior propriedade se inseririam numa Parte Geral a que o legislador não abriu espaço na estrutura do Código. O propósito de dar ao livro cunho eminentemente prático responde pela ausência de mais longas elaborações doutrinárias e das habituais remissões à literatura processual. É que não se pretendeu fazer trabalho erudito, destinado a especialistas, mas simples roteiro de imediata utilidade para juízes, advogados, estudantes e outras pessoas que necessitem lidar com os problemas do processo civil. Manifesta-se o autor, de antemão, imensamente grato aos leitores que se disponham a apontar lacunas e equívocos, ou a trazer por qualquer forma a sua contribuição crítica, que se ponderará com todo o cuidado numa eventual reedição. Esse agradecimento é desde já devido a vários amigos. Luís Antônio de Andrade, Nelson Nascimento Diz e Carlos Roberto de Siqueira Castro leram os originais e formularam valiosas observações críticas, em grande parte acolhidas. Na revisão do texto e das provas tipográficas, bem como na preparação dos índices, colaboraram, fazendo também sugestões úteis, Miriam Rocha Mello, Bernardo Buarque Schiller, Francisco Augusto da Costa e Silva, José Emílio Nunes Pinto, Luiz Carlos Rodrigues da Costa, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Ricardo Carrilho Santoro e Ruy Mendes Pimentel Sobrinho. Do trabalho datilográfico desincumbiu-se, com o habitual apuro, Teresinha Dantas. A revisão para a 22ª edição do livro contou com a prestimosa colaboração de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. Os índices, na presente edição, foram cuidadosamente revistos por Andréa Sales. A todos, o profundo reconhecimento do autor.
José Carlos Barbosa Moreira Rua Anita Garibaldi, 26 – apto. 401 Rio de Janeiro
1 Desde a 5ª edição, sai todo o livro num único volume.
Nota da Editora: o Acordo Ortográfico foi aplicado integralmente nesta obra.
ÍNDICE GERAL
1ª PARTE PROCESSO DE CONHECIMENTO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
Processo de conhecimento ou de cognição . . . . . . . . . . . O procedimento na fase de cognição . . . . . . . . . . . . . . Estrutura geral do processo de conhecimento de primeiro grau As etapas do procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Etapas do procedimento ordinário . . . . . . . . . . . . . . . Estrutura do procedimento sumário . . . . . . . . . . . . . . Estrutura dos procedimentos especiais . . . . . . . . . . . . . Procedimento em grau superior. . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo I – Etapa postulatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 1º – A demanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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PROCESSO COMUM DE CONHECIMENTO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA (Primeiro Grau de Jurisdição) PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
I. Noções fundamentais . . . . . . . . . . . . . II. O pedido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Espécies de pedido . . . . . . . . . . . . . . IV. Modificações do pedido . . . . . . . . . . . . V. Cumulação de pedidos . . . . . . . . . . . . VI. A causa petendi . . . . . . . . . . . . . . . . VII. A petição inicial . . . . . . . . . . . . . . . . VIII. O valor da causa . . . . . . . . . . . . . . . . IX. Ajuizamento e distribuição da petição inicial . § 2º – O despacho liminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Objeto do despacho liminar . . . . . . . . . . II. Natureza do despacho liminar . . . . . . . . . III. Despacho liminar de conteúdo negativo . . . IV. Despacho liminar de conteúdo positivo . . . .
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X
Índice Geral
§ 3º – Citação do réu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Modalidades da citação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Impedimentos à citação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Efeitos da citação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Momento de produção dos efeitos nos casos de falta e de nulidade da citação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VI. Repetição e renovação da citação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 4º – Resposta do réu. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Contestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Exceções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Reconvenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Outras possíveis atitudes do réu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo II – Etapa de saneamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 5º – As providências preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Enumeração das providências preliminares . . . . . . . . . . . . . . . § 6º – A decisão de saneamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Conceito e natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Eficácia preclusiva da decisão de saneamento . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo III – Etapa instrutória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 7º – O procedimento probatório em geral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Noções introdutórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Proposição, admissão e determinação de provas . . . . . . . . . . . § 8º – A produção das provas em espécie. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Depoimento pessoal da parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Confissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Exibição de documento ou coisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Prova documental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Prova testemunhal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VI. Prova pericial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII. Inspeção judicial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo IV – Etapa decisória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 9º – Audiência de instrução e julgamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Características e estrutura da audiência . . . . . . . . . . . . . . . . III. Adiamento e antecipação da audiência . . . . . . . . . . . . . . . . IV. A tentativa de conciliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. O juiz na audiência de instrução e julgamento . . . . . . . . . . . . § 10 – Julgamento em primeiro grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Publicação e intimação da sentença . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Resolução do mérito em primeiro grau sem realização de audiência . IV. Antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional . . . . . . . . . . . . V. Situação do processo após a resolução do mérito em primeiro grau .
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XI
O Novo Processo Civil Brasileiro Capítulo V – Modificações do procedimento ordinário . . . . . . . § 11 – Cumulatividade superveniente . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Ação declaratória incidental. . . . . . . . . . . § 12 – Abreviação do procedimento . . . . . . . . . . . . . . . I. Resolução do mérito na fase de saneamento . . II. Extinção do processo com resolução do mérito . III. Julgamento antecipado da lide . . . . . . . . . IV. Conciliação das partes na etapa de saneamento .
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Capítulo I – Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 15 – Conceito e classificações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Os recursos como meios de impugnação das decisões judiciais II. Classificações dos recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 16 – Admissibilidade e mérito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Distinção entre os conceitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Juízo de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Juízo de mérito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 17 – Efeitos dos recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Cessação dos efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . III. Efeitos do julgamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 18 – O sistema de recursos: visão de conjunto . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Enumeração dos recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Distribuição dos recursos conforme os atos impugnados . . . . Capítulo II – Os recursos em espécie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 19 – Apelação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Questões novas no juízo da apelação . . . . . . . . . . . . . .
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PROCEDIMENTO SUMÁRIO Capítulo único . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 13 – Âmbito de incidência . . . . . . . . . . . . . I. Delimitação . . . . . . . . . . . . . II. Exclusão do procedimento ordinário § 14 – Estrutura do procedimento . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . II. A demanda . . . . . . . . . . . . . III. Despacho liminar e citação do réu . IV. Tentativa de conciliação. . . . . . . V. Resposta do réu . . . . . . . . . . . VI. Atividade de instrução . . . . . . . VII. Julgamento da causa. . . . . . . . . VIII. Recursos . . . . . . . . . . . . . . .
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RECURSOS
XII
Índice Geral
IV. Procedimento no juízo a quo . . . . . . . . . . . . . . V. Procedimento no tribunal . . . . . . . . . . . . . . . . § 20 – Agravo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Regimes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 21 – Embargos infringentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Embargos infringentes contra decisão de primeiro grau § 22 – Embargos de declaração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 23 – Recurso ordinário constitucional . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição e procedimento . . . . . . . . . § 24 – Recurso especial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 25 – Recurso extraordinário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Requisitos de admissibilidade . . . . . . . . . . . . . . II. Efeitos da interposição . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Procedimento no tribunal recorrido . . . . . . . . . . . IV. Procedimento no Supremo Tribunal Federal . . . . . . V. Recurso extraordinário (e/ou especial) retido . . . . . § 26 – Embargos no Supremo Tribunal Federal . . . . . . . . . . . . . I. Visão de conjunto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Embargos de divergência . . . . . . . . . . . . . . . . III. Embargos infringentes . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Embargos de declaração. . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo I – Liquidação da sentença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo III – Incidentes no julgamento de grau superior § 27 – Uniformização da jurisprudência . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . II. Pressupostos . . . . . . . . . . . . . III. Procedimento . . . . . . . . . . . . § 28 – Declaração de inconstitucionalidade. . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . II. Pressupostos . . . . . . . . . . . . . III. Procedimento . . . . . . . . . . . .
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LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DA SENTENÇA
XIII
O Novo Processo Civil Brasileiro § 29 – Cabimento e características gerais . . . I. Cabimento e natureza . . . . II. Características gerais . . . . § 30 – Modalidades . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . II. Liquidação por arbitramento III. Liquidação por artigos. . . .
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Capítulo II – Cumprimento da sentença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 31 – Cumprimento da sentença nos casos de obrigação não pecuniária . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Cumprimento da sentença no caso de obrigação de fazer ou não fazer. III. Cumprimento da sentença no caso de entrega de coisa . . . . . . . . . § 32 – Cumprimento da sentença no caso de obrigação pecuniária . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Início da fase executiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Despacho liminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Procedimento subsequente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Cominação de multa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VI. Impugnação do executado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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193 193 193 193 194 195 195 195 197 197 198 199
2ª PARTE PROCESSO DE EXECUÇÃO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. Processo de execução . . . . . . . . . . . 2. Espécies de execução . . . . . . . . . . 3. O procedimento no processo de execução 4. Instauração do processo de execução. . . 5. Execução de obrigação alternativa . . . .
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EXECUÇÃO PARA A ENTREGA DE COISA Capítulo único . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 1º – Entrega de coisa certa . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . II. Linhas fundamentais do procedimento III. Casos especiais . . . . . . . . . . . . § 2º – Entrega de coisa incerta . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . II. Procedimento . . . . . . . . . . . . .
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EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER Capítulo I – Meios de sub-rogação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 3º – Execução das obrigações de fazer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Execução das obrigações com prestação fungível . . . . . . III. Execução das obrigações com prestação infungível . . . . . IV. “Execução” das obrigações de emitir declaração de vontade .
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XIV
Índice Geral
§ 4º – Execução das obrigações de não fazer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo II – Meios de coerção . . . . . . . . . . § 5º – Generalidades . . . . . . . . . . . . . . I. Razão de ser e natureza . . . . II. Campo de aplicação . . . . . . § 6º – Modo de atuação . . . . . . . . . . . . . I. Aplicabilidade conforme o caso II. Procedimento . . . . . . . . .
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Capítulo I – Execução por quantia certa contra devedor solvente . . . . . . . . . . . . . § 7º – Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Campo de aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Modalidades e estrutura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 8º – Apreensão de bens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Penhora: conceito e objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Procedimento da penhora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Efeitos da penhora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Modificações da penhora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Destino dos bens penhorados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 9º – Avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 10 – Expropriação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Adjudicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Alienação por iniciativa particular . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Arrematação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 11 – Pagamento ao credor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Entrega de dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Usufruto de móvel ou imóvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 12 – Modalidades especiais de execução por quantia certa contra devedor solvente. I. Execução contra a Fazenda Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Execução de prestação alimentícia . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. Execução fiscal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Capítulo II – Execução por quantia certa contra devedor insolvente § 13 – Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Pressupostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Estrutura geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 14 – Declaração da insolvência. . . . . . . . . . . . . . . . . I. Pressupostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
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O Novo Processo Civil Brasileiro II. Insolvência requerida por credor . . . . . . . . . . III. Insolvência requerida pelo devedor ou seu espólio . IV. A sentença e seus efeitos . . . . . . . . . . . . . . § 15 – A execução universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Verificação e classificação dos créditos. . . . . . . III. Pagamento dos credores . . . . . . . . . . . . . . . IV. Situação dos credores retardatários . . . . . . . . . § 16 – Extinção das obrigações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. Procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. A sentença e seus efeitos . . . . . . . . . . . . . .
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Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. Processo cautelar: noção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. Características gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Estrutura do Livro III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo único – Procedimento comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 1º – Estrutura do procedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Características gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. A demanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III. O despacho liminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV. Citação e defesa do réu . . . . . . . . . . . . . . . . . V. Procedimento após a fase postulatória . . . . . . . . . VI. Fase decisória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 2º – Questões particulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I. Substituição, modificação e revogação da medida cautelar II. Duração da eficácia da medida cautelar. . . . . . . . .
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EMBARGOS DO DEVEDOR Capítulo único . . . . . . . . . . . . . . . . . . . § 17 – Generalidades . . . . . . . . . . . . . . I. Conceito e natureza . . . . . . II. Requisitos de admissibilidade . III. Juízo competente . . . . . . . § 18 – Espécies e fundamentos . . . . . . . . . I. Espécies de embargos . . . . . II. Fundamentos dos embargos . . § 19 – Procedimento . . . . . . . . . . . . . . I. Fase postulatória. . . . . . . . II. Julgamento dos embargos . . .
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3ª PARTE PROCESSO CAUTELAR
XVI
Índice Geral III. IV.
Relações entre o processo cautelar e o principal . . . . . . . . . . . . . Peculiaridades do processo cautelar quando requerido o Poder Público . . .
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Índice Alfabético-Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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1ª PARTE PROCESSO DE CONHECIMENTO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Processo de Conhecimento e Cumprimento... – Introdução
INTRODUÇÃO
1. Processo de conhecimento ou de cognição O exercício da função jurisdicional visa à formulação e à atuação prática da norma jurídica concreta que deve disciplinar determinada situação. Ao primeiro aspecto dessa atividade (formulação da norma jurídica concreta) corresponde, segundo terminologia tradicional, o processo de conhecimento ou de cognição; ao segundo aspecto (atuação prática da norma jurídica concreta), o processo de execução. Ressalve-se que as duas atividades não se contêm necessariamente em compartimentos estanques: há casos em que elas se conjugam no mesmo processo. O Código de Processo Civil de 1973 adotava, como regra, a distinção formal entre o processo de conhecimento e o processo de execução, nas hipóteses em que este é necessário, porque a sentença não basta para a satisfação efetiva da parte vitoriosa, a exigir modificações no mundo exterior, sensível. Tal sistemática viu-se alterada por leis sucessivas, primeiro para as sentenças de procedência relativas a pedido de cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, depois para as atinentes a pedido de entrega de coisa. Mais recentemente, estendeu-se a evolução aos casos de obrigação pecuniária (Lei nº 11.232, de 22.12.2005), de acordo com a qual o “cumprimento da sentença” (expressão que abrange a execução) passa a seguir-se, em regra, à atividade cognitiva, sem solução de continuidade marcada, convertendo-se assim aquela atividade e a executiva em fases de um único processo. A situação cuja disciplina há de ser fixada pelo órgão de jurisdição é a que se lhe submete através do pedido. Acolhendo ou rejeitando o pedido, formula o órgão de jurisdição a norma jurídica concreta aplicável à situação. Ao fazê-lo, resolve o mérito da causa, por meio de uma sentença. Assim, a sentença de mérito (ou definitiva) é o ato em que se expressa a norma jurídica concreta que há de disciplinar a situação submetida ao órgão jurisdicional. À preparação de tal sentença ordena-se toda a atividade realizada, no processo de conhecimento, pelo órgão de jurisdição e perante ele. Em casos especiais, o teor da norma jurídica concreta vê-se fixado por manifestação de vontade das partes (transação) ou de uma delas (renúncia à pretensão deduzida, reconhecimento do pedido). Ainda nessas hipóteses, profere o órgão judicial uma sentença, que se limita a homologar a manifestação de vontade, mas que a lei também considera de mérito (art. 269, nºs II, III, V), em razão da similitude dos efeitos.
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Processo de Conhecimento e Cumprimento... – Introdução
Quando a sentença de mérito transita em julgado – isto é, quando já não se pode impugnar mediante recurso, nem está sujeita a revisão ex vi legis –, torna-se imutável a norma jurídica concreta nela contida, enquanto norma reguladora da situação apreciada. Com a formação da coisa julgada, pois, atinge seu fim normal o processo de conhecimento. 2. O procedimento na fase de cognição A lei regula a forma pela qual se realizam e se sucedem os atos processuais. Como essa forma, na fase de cognição, varia em função de diversos fatores, mais de um procedimento pode ser aqui observado. Distinguem-se, em primeiro lugar, o procedimento comum e os procedimentos especiais. O âmbito de incidência do procedimento comum é delimitado por exclusão: a ele se submetem todas as causas para as quais não preveja a lei um procedimento especial (art. 271). A distinção só tem relevância, em regra, no primeiro grau de jurisdição: salvo disposição legal expressa, a título excepcional, nenhuma particularidade apresenta o procedimento, em grau superior, que decorra de sua natureza especial na fase precedente (infra, nº 8). O procedimento comum, por sua vez, pode ser ordinário ou sumário (art. 272, caput). Ainda aqui, a linha divisória traça-se por exclusão: a lei enumera taxativamente, dentre as causas submetidas ao procedimento comum, aquelas em que se deve observar o sumário (art. 275); todas as restantes adotarão o ordinário. A discriminação das causas sujeitas ao procedimento sumário inspira-se ora no critério do valor (art. 275, nº I), ora no da matéria (art. 275, nº II). Não se preocupa a lei em disciplinar de modo exaustivo senão o procedimento ordinário. No tocante ao sumário e aos especiais, limita-se geralmente a estabelecer os preceitos peculiares a cada qual, ou seja, a versar os tópicos em que se afastam do padrão representado pelo procedimento ordinário. Por isso mesmo, as disposições a este relativas são subsidiariamente aplicáveis às causas de procedimento sumário ou especial (art. 272, parágrafo único), seja previsto no Código de Processo Civil ou em lei extravagante. Conclui-se que, de certo ponto de vista, não obstante o teor do art. 272, caput, comum é, na verdade, apenas o procedimento ordinário, podendo o sumário, a rigor, incluir-se entre os especiais. Há ainda um procedimento a que se pode chamar sumaríssimo: é o que se realiza nos Juizados Especiais Cíveis. Não o disciplina o Código de Processo Civil, mas a Lei nº 9.099, de 26.9.1995, e, quanto à Justiça Federal, a Lei nº 10.259, de 12.7.2001. Foi criado, também como procedimento sumaríssimo, o Juizado Especial da Fazenda Pública, através da Lei nº 12.153, de 22.12.2009, tendo competência para julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. 3. Estrutura geral do processo de conhecimento de primeiro grau Em nosso sistema jurídico, o princípio fundamental é o de que o órgão de jurisdição, em matéria civil, só exerce atividade quando provocado: princípio da iniciativa da
O Novo Processo Civil Brasileiro
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parte (ne procedat iudex ex officio) (art. 262). A provocação consiste na demanda, ato pelo qual o autor requer ao Estado determinada providência jurisdicional. Sobre o pedido formulado pelo autor, com a demanda, naturalmente deve abrir-se ao réu a oportunidade de pronunciar-se: princípio do contraditório (audiatur et altera pars). Salvo expressa autorização legal (ex.: art. 922), o réu, como tal, não formula pedido em sentido técnico; mas, em regra, pleiteia e trata de obter que se rejeite o pedido do autor, isto é, defende-se. A demanda e as modalidades da defesa constituem atos postulatórios. Também o são aqueles em que o réu, porventura, formule algum pedido (reconvenção, requerimento incidente de declaração), passando ele próprio, neste caso, a assumir por sua vez a posição de autor. Normalmente, precisa ser examinada pelo órgão judicial a veracidade das afirmações das partes. Para formar convicção acerca dos fatos que interessam à solução do litígio, deve o juiz considerar as provas. É necessária, pois, uma atividade de instrução. À luz das provas, e aplicando as regras jurídicas pertinentes – com ressalva dos casos especiais em que a vontade das partes lhe predetermina o teor (supra, nº 1) –, formula o órgão judicial a norma concreta que disciplinará a situação; isto é, julga a causa. A prolação da sentença de mérito é o alvo normal a que tende o processo de conhecimento de primeiro grau, o que não exclui a possibilidade de que ele se extinga, por uma razão ou por outra, sem julgamento desse tipo, nem a de que a atividade jurisdicional haja de prosseguir, sem solução de continuidade, para tornar efetiva a tutela concedida na sentença (vide os arts. 461, 461-A, 475-I e segs.). 4. As etapas do procedimento Do exposto no item anterior infere-se que o procedimento, no primeiro grau, deve comportar essencialmente uma atividade postulatória, uma atividade instrutória ou probatória e uma atividade decisória. Pode conceber-se, in abstracto, um esquema de procedimento em que para cada qual dessas atividades se reserve uma etapa nitidamente diferenciada. Na prática, todavia, considerações várias de política legislativa conduzem à atenuação desse rigor estrutural. O exame dos modelos conhecidos no direito moderno evidencia que, se em geral se podem distinguir no itinerário processual diversas etapas, correspondentes aos tipos de atividade acima indicados, a caracterização de cada uma delas antes se liga à predominância que à exclusividade do respectivo exercício. Ter-se-ão, assim, uma etapa predominantemente postulatória, uma etapa predominantemente instrutória e uma etapa predominantemente decisória. Mas, de um lado, as fronteiras entre elas nem sempre são muito nítidas; e, de outro, aqui tampouco se trata de compartimentos estanques: a produção de provas, por exemplo, começa a realizar-se desde a etapa postulatória, e mesmo após o encerramento desta podem, eventualmente, praticar-se atos por natureza assemelhados à demanda ou à defesa. A nitidez da diferenciação entre as várias etapas naturalmente varia em sentido inverso ao do grau de concentração do procedimento. Quanto mais concentrado seja este, mais se esfumam as linhas divisórias entre as etapas. No sistema do Código de
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Processo de Conhecimento e Cumprimento... – Introdução
Processo Civil, v.g., é bem mais fácil discernir uma divisão em etapas no procedimento ordinário do que no sumário. Por outro lado, os tipos de atividade acima referidos não cobrem necessariamente todo o quadro processual. Outros se manifestam, a cujo exercício pode a lei fazer também corresponder, eventualmente, etapas diferenciadas. Daí os possíveis desdobramentos do esquema básico. 5. Etapas do procedimento ordinário No procedimento ordinário, manifesta é a existência de uma etapa inicial postulatória. Regem-na as disposições constantes do Livro I, Título VIII, Capítulos I e II. Segue-se-lhe uma segunda etapa a que se pode chamar de saneamento, em que se integram as providências preliminares reguladas no Capítulo IV, e aquelas de que trata o art. 331, § 2º, Seção III do Capítulo V, todos do mesmo Título VIII do Livro I. Além de comportar, se disponível o direito controverso, uma tentativa de conciliação, promovida em audiência (art. 331, caput e § 1º), esta etapa destina-se precipuamente à verificação, pelo órgão judicial, da regularidade do processo e da presença dos demais requisitos necessários para que seja viável o julgamento do mérito, bem como à adoção de providências ordenadas à preparação de tal julgamento. Menos perfeitamente individuada é a etapa instrutória. De um lado, certas provas devem ser produzidas, em princípio, na própria etapa postulatória, acompanhando as petições oferecidas pelas partes: é o caso da prova documental (art. 396). De outro lado, as provas orais (depoimento pessoal da parte, prova testemunhal) produzem-se geralmente (art. 452, nºs II e III) no curso do mesmo ato (audiência de instrução e julgamento) em que já pode vir a ser proferida a sentença (art. 456), passando-se, destarte, em regra sem solução de continuidade, à etapa decisória. A rigor, de uma etapa instrutória bem diferenciada só cabe falar quando necessária a realização de perícia: ela sucederá à etapa de saneamento. A estrutura do procedimento ordinário simplifica-se bastante, se forem suficientes as provas produzidas até a etapa de saneamento: suprime-se a etapa instrutória e antecipa-se a decisória, julgando o órgão judicial o mérito da causa na oportunidade mesma em que lhe tocaria proferir a decisão de saneamento (art. 330, nº I, fine). Idêntica abreviação ocorre quando, para resolver o mérito, só precise o juiz enfrentar questões de direito (art. 330, nº I, principio) e, portanto, de nenhuma prova necessite (ressalvado o caso do art. 337); bem assim, afora hipóteses excepcionais, quando o réu tenha permanecido revel, isto é, não haja oferecido defesa (art. 330, nº II). Outra hipótese em que se encerra aqui o iter processual é a de ter êxito a tentativa de conciliação, na audiência preliminar (art. 331, caput, na redação da Lei n° 10.444, de 7.5.2002, e § 1º). Não se confunde com qualquer desses casos a eventualidade de antecipar o juiz, no curso do iter processual, os efeitos da tutela jurisdicional pleiteada pelo autor (infra, § 10, nº IV), o que lhe é dado fazer “desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”, e mais que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, ou então “fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu” (art. 273, caput e
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incisos I e II). A antecipação, cuja possibilidade se exclui “quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado” (art. 273, § 2º), não encerra a marcha do feito, que prossegue “até final julgamento”, na hipótese de concessão não menos que na de denegação (art. 273, § 5º). 6. Estrutura do procedimento sumário Na disciplina legal do procedimento sumário, o escopo de celeridade reflete-se na maior concentração, embora atenuada em virtude da reforma levada a cabo pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995. A divisão em etapas não é tão nítida: inexiste, por exemplo, fase diferenciada de saneamento, exercendo-se a atividade saneadora difusamente, ao longo do itinerário processual. Numa única audiência, destinada em princípio à conciliação dos litigantes, podem realizar-se, por parte do réu, atividade postulatória e produção de prova documental, assim como pode ocorrer o próprio julgamento da causa (arts. 277 e segs.). 7. Estrutura dos procedimentos especiais No sistema do Código de Processo Civil, distinguem-se, entre os procedimentos especiais, os de jurisdição contenciosa (Livro IV, Título I), e os da chamada jurisdição voluntária (Livro IV, Título II). Quanto à estrutura, os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa disciplinados no Código podem distribuir-se em três classes: a) a dos que, a despeito de particularidades quase sempre iniciais, recaem, sob certas circunstâncias, no procedimento ordinário: estão neste caso a ação de consignação em pagamento (não obstante a inexistência de disposição expressa no Capítulo I do Título I do Livro IV), a ação de depósito (art. 903), a de anulação e substituição de títulos ao portador (arts. 910, parágrafo único, e 912, parágrafo único, fine), as ações possessórias (arts. 931 e 933), a de usucapião de terras particulares (apesar da revogação do parágrafo único do art. 943, pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994), a de demarcação (art. 955), a de divisão (art. 968), a de resolução de venda a crédito com reserva de domínio (art. 1.071, § 4º); b) a dos que, sob certas circunstâncias, passam a seguir o rito característico do processo cautelar: assim os embargos de terceiro (art. 1.053), a habilitação (art. 1.058), a restauração de autos (art. 1.065, § 2º); c) a dos que não se deixam reduzir a qualquer denominador comum: inventário e partilha (arts. 982 e segs., na redação das Leis nºs 11.441, de 4.1.2007, e 11.965, de 3.7.2009) e duas causas da competência originária de órgãos judiciais superiores: a homologação de sentença estrangeira (cujo rito o art. 483, parágrafo único, remeteu ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, então competente) e a ação rescisória (arts. 485 e segs.), à qual, todavia, se aplicam em parte as disposições do procedimento ordinário (art. 491, 2ª parte).
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No âmbito da jurisdição voluntária, distinguem-se: a) um procedimento a que, por analogia, se pode chamar comum, regulado nos arts. 1.104 e segs., e aplicável na ausência de disposições específicas (art. 1.103), no qual é manifesta a diferenciação entre a etapa postulatória (arts. 1.104 a 1.106) e a decisória (art. 1.109), sendo menos nítida a etapa instrutória, se bem que à atividade de instrução se refira especificamente o art. 1.107; b) os procedimentos especiais das alienações judiciais (arts. 1.113 e segs.), da separação judicial consensual (arts. 1.120 e segs.), da execução de testamentos e codicilos (arts. 1.125 e segs.), da arrecadação da herança jacente (arts. 1.142 e segs.), da arrecadação de bens de ausentes (arts. 1.159 e segs.), da arrecadação de coisas vagas (arts. 1.170 e segs.), da interdição (arts. 1.177 e segs.), da nomeação, remoção e dispensa de tutor ou curador (arts. 1.187 e segs.), da organização e fiscalização das fundações (arts. 1.199 e segs.), e da especialização da hipoteca legal (arts. 1.205 e segs.), todos com características muito variáveis, que não comportam redução a um modelo comum. O legislador brasileiro, além de implementar medidas céleres e desburocratizantes na estrutura do Código de Processo Civil, também tem relegado alguns procedimentos para a esfera extrajudicial. Alguns ritos que abarrotam nossas varas de Família e Sucessões com discussões inócuas tiveram, finalmente, autorização para que sejam celebrados extrajudicialmente. Trata-se dos procedimentos especiais do inventário e partilha (Jurisdição Contenciosa); e da separação e divórcio consensuais (Jurisdição Voluntária) que sofreram alterações com a promulgação das Leis nos 11.441, de 4.1.2007, e 11.965, de 3.7.2009. No procedimento do inventário e partilha, se não houver testamento do falecido ou herdeiro incapaz, o procedimento poderá ser feito extrajudicialmente por meio de escritura pública. Na separação e divórcio consensuais, se não houver filhos menores ou incapazes, o casal poderá processar o fim do vínculo conjugal também por meio de escritura pública. O intuito do legislador foi a simplificação e celeridade dos procedimentos quando as situações sejam tais que os herdeiros e os casais independam de aconselhamento judicial ou da atuação do representante do Ministério Público. Tanto no inventário quanto na separação e divórcio consensuais celebrados extrajudicialmente, todos os interessados deverão ser acompanhados por advogado comum ou individual, ou até mesmo por Defensor Público, aquele que o reivindicar (arts. 982, § 1º, e 1.124-A, § 2º, do CPC). A assinatura dos causídicos deverá constar do ato notarial. Tais procedimentos em sede extrajudicial são sempre facultativos. O legislador ao determinar novas redações aos arts. 982 e 1.124-A dispôs sobre uma faculdade ao utilizar o verbo “poder”. Assim, se qualquer dos herdeiros naturais ou cônjuges se sentirem desconfortáveis em celebrar o ato em sede extrajudicial, e neste desconforto estão abrangidas a lesão e/ou ameaça de lesão a seus direitos, o acesso
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ao Poder Judiciário estará franqueado e não poderia ser de outra forma (art. 5º, inciso XXXV, da CF). 8. Procedimento em grau superior Em ordem a ensejar a revisão dos pronunciamentos judiciais decisórios, cria a lei um sistema de recursos, para a respectiva impugnação, e, em certas hipóteses, chega a determinar que as decisões só produzam efeitos depois de tal revisão, ainda que ninguém as impugne (art. 475). A interposição de recurso ou a remessa obrigatória ao órgão superior, conforme o caso, acarreta o prolongamento da fase cognitiva do processo, até que, não cabendo mais recurso algum, ocorra o trânsito em julgado. Nesse prolongamento, praticam-se outros tantos atos processuais, em sequência que a lei, como é óbvio, também cuida de disciplinar. O procedimento recursal, porém, não varia em função dos mesmos fatores relevantes no primeiro grau de jurisdição. Para o processamento e julgamento de cada recurso, estabelece-se um rito próprio, que de modo geral independe da circunstância de haver-se proferido a decisão impugnada em causa de procedimento ordinário, sumário ou especial. Cumpre ressalvar as peculiaridades do procedimento sumário, que nunca passa, no tribunal, pelo crivo de um revisor (art. 551, § 3º) e deve ser julgado – o que na prática nem sempre acontece – dentro de 40 dias (art. 550). Das decisões de primeiro grau, nem só as que põem fim à fase cognitiva do processo (sentenças: art. 162, § 1º, conjugado com os arts. 267 e 269) são recorríveis: também as interlocutórias, isto é, as que resolvem questões incidentes (art. 162, § 2º). Como sempre se recorre (salvo exceção legal, como a dos embargos de declaração) para órgão superior ao que se pronunciou, a interposição de recurso contra decisão interlocutória dá lugar à bifurcação temporária do procedimento: o processo, que permanece uno, penderá simultaneamente no primeiro e no segundo graus de jurisdição. Fenômeno análogo poderia em tese ocorrer quando, contra diferentes capítulos de uma decisão ao mesmo tempo, fosse interponível mais de um recurso, para órgãos diversos: embargos infringentes quanto à parte não unânime, recurso extraordinário (ou especial) quanto à parte unânime de acórdão proferido em apelação ou em ação rescisória. Nesse caso, todavia, como os recursos se processam nos próprios autos, determina a lei que, interpostos os embargos, fique sobrestado até a intimação da respectiva decisão o prazo para interpor o recurso extraordinário e/ou especial (art. 498, caput, na redação da Lei n° 10.352, de 26.12.2001).
PROCESSO COMUM DE CONHECIMENTO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA (Primeiro Grau de Jurisdição)
PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Capítulo I
ETAPA POSTULATÓRIA
§ 1º – A Demanda I. Noções fundamentais Procedimento Ordinário
1. Chama-se demanda ao ato pelo qual alguém pede ao Estado a prestação de atividade jurisdicional. Pela demanda começa a exercer-se o direito de ação e dá-se causa à formação do processo. Só por exceção existe, em nosso direito, processo civil sem demanda que o instaure: é o princípio da iniciativa da parte (ne procedat iudex ex officio; nemo iudex sine actore), consagrado no art. 262. Através da demanda, formula a parte um pedido, cujo teor determina o objeto do litígio e, consequentemente, o âmbito dentro do qual toca ao órgão judicial decidir a lide (art. 128). Ao proferir a sentença de mérito, o juiz acolherá ou rejeitará, no todo ou em parte, o pedido do autor (art. 459, 1ª parte). Não poderá conceder providência diferente da pleiteada, nem quantidade superior ou objeto diverso do que se pediu (art. 460); tampouco deixar de pronunciar-se sobre o que quer que conste do pedido. É o princípio da correlação (ou da congruência) entre o pedido e a sentença (ne eat iudex ultra vel extra petita partium), só afastável ante exceção legal expressa (para um exemplo, v. infra, nº III, 2). Instrumento da demanda, no sistema do Código, é a petição inicial, em que o autor formula por escrito o pedido. A ação considera-se proposta desde que despa-
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chada pelo juiz a petição inicial, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de um órgão competente (art. 263). II. O pedido 1. Ao ajuizar a demanda, pede o autor ao órgão judicial que tome determinada providência: declare a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, anule este ou aquele ato jurídico, condene o réu a pagar tal ou qual importância, a praticar ou a deixar de praticar certo ato etc. Em termos gerais, é possível distinguir, no pedido, um objeto imediato e um objeto mediato. Objeto imediato do pedido é a providência jurisdicional solicitada (ex.: a condenação do réu ao pagamento de x); objeto mediato é o bem que o autor pretende conseguir por meio dessa providência (ex.: a importância x). O objeto imediato (de um pedido) é sempre único e determinado; não assim o mediato (infra, nº III, 1). 2. O pedido é juridicamente relevante: a) como elemento de identificação ou individualização da ação proposta, com importantes consequências em se tratando de apurar se é fundada a preliminar de litispendência ou de coisa julgada (art. 301, §§ 1º a 3º); b) para atribuição de valor à causa (arts. 259 e 260); c) para fixação do objeto do litígio (supra, nº I) e, por conseguinte, dos limites objetivos da coisa julgada, que não podem ultrapassar os do pedido (art. 468, combinado com o art. 128, 1ª parte). 3. Ao formular o pedido, nele precisa o autor, em regra, incluir de modo expresso tudo que pretende. O pedido interpreta-se restritivamente (art. 293, 1ª parte); se houver alguma omissão, poderá o autor aditá-lo antes de citado o réu (art. 294, com a redação dada pela Lei nº 8.718, de 14.10.1993). Aponta a lei os casos excepcionais em que o juiz, na sentença de mérito, deve pronunciar-se sobre itens não mencionados expressamente no pedido, sem que seja preciso cogitar, como às vezes se tem cogitado, de “pedido implícito”; é o que se dá quanto: a) aos juros legais (art. 293, fine); b) às prestações periódicas vencidas após a propositura da ação (art. 290); c) às despesas processuais antecipadas pela parte vencedora e aos honorários do seu advogado (art. 20). Noutras hipóteses, também taxativas, pode suceder que o órgão judicial inclua na sentença pronunciamentos a cujo respeito não é necessário que haja pedido: v.g., imposição de multa diária ao réu, conforme o art. 461, § 4º, na redação da Lei nº 8.952, de 13.12.1994. III. Espécies de pedido 1. Normalmente, segundo o art. 286, 1ª parte, “o pedido deve ser certo ou determinado”. A conjunção “ou” vale aí por “e”: o pedido deve ser certo e determinado. É ne-
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cessário precisar tanto o objeto imediato (a providência jurisdicional desejada) como o objeto mediato (o bem que se pretende conseguir) do pedido. Por exceção, admite a lei, em três hipóteses (art. 286, 2ª parte, incisos I a III), a indeterminação do objeto mediato (não do imediato!), ou seja, a formulação de pedido genérico; assim: I – nas ações universais, como a de petição de herança, quando não puder o autor individuar na inicial os bens pretendidos; II – quando impossível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato ilícito e, portanto, a extensão da responsabilidade dele decorrente; III – quando a fixação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu, v.g., na ação de prestação de contas proposta por quem as queira exigir (arts. 914, nº I, e 915). Nesses casos, e somente neles (art. 459, parágrafo único), se não for possível determinar o objeto mediato no curso do próprio processo de conhecimento, o juiz proferirá sentença ilíquida, cuja liquidação se realizará nos termos dos arts. 475-A e segs. (acrescentados pela Lei nº 11.232: infra, §§ 29 e 30). 2. O pedido é, em regra, fixo, ou seja, visa a um único objeto imediato e a um único objeto mediato. Poderá, porém, ser alternativo, isto é, ter dois ou mais objetos mediatos, “quando, pela natureza da obrigação, o devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo” (art. 288); ou, em termos mais exatos, quando a obrigação puder cumprir-se mediante uma de duas ou mais prestações (obrigações alternativas, obrigações com prestação facultativa ou com faculdade de substituição). Em tais hipóteses, quando a escolha, à luz do direito material, competir ao autor, cabe a este a opção entre formular pedido fixo, fazendo desde logo a escolha, ou pedido alternativo, reservando-se para fazê-la, se for o caso, ao promover a execução da sentença (art. 571, § 2º). Competindo ao réu a escolha, o pedido logicamente deve ser alternativo; ainda que o autor o formule fixo, os efeitos práticos serão os mesmos: o reconhecimento do pedido pelo réu poderá dirigir-se à outra prestação, a eventual condenação poderá ser alternativa (exceção ao princípio da correlação ou da congruência: supra, nº I) etc. É que não seria lícito a uma parte, unilateralmente, arrogar-se o ius eligendi pertencente à outra, tocando então ao órgão judicial velar pela preservação desse direito (art. 288, parágrafo único). 3. De acordo com o art. 289, faculta-se ao autor “formular mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não podendo acolher o anterior”. Trata-se aqui da modalidade de cumulação de pedidos denominada eventual (infra, nº V, 1). Ao pedido formulado para a eventualidade de rejeição de outro chama-se pedido subsidiário; àquele que se formula em precedência, pedido principal. Exemplo: o autor pede a restituição da coisa (pedido principal) ou, quando menos, o pagamento de perdas e danos (pedido subsidiário).
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4. Noutro sentido, fala-se de pedido principal (por oposição a pedidos acessórios) com relação à pretensão mais importante do autor, de cujo acolhimento depende o das outras. Exemplo: o autor pede a devolução da importância mutuada (pedido principal), mais juros de mora, custas processuais e honorários de advogado (pedidos acessórios). IV. Modificações do pedido Cabe distinguir entre modificações quantitativas (ampliação, redução) e qualitativas (alteração). 1. A ampliação do pedido só se permite antes da citação do réu, mediante aditamento da petição inicial, correndo por conta do autor as custas acrescidas (art. 294, na redação dada pela Lei nº 8.718). A redução do pedido pode resultar: a) de desistência parcial; b) de renúncia parcial ao direito postulado; c) de transação parcial, na pendência do processo; d) de convenção de arbitragem relativa a parte do objeto do litígio, na pendência do processo; e) da interposição, pelo autor, de recurso parcial contra a sentença de mérito desfavorável. 2. Quanto à alteração do pedido – isto é, à substituição do pedido originário por outro –, a lei a faculta: a) antes de citado o réu, pela simples manifestação do autor (art. 264, caput, a contrario sensu); b) após a citação (mas nunca depois de saneado o processo: art. 264, parágrafo único), mediante o consentimento do réu, exigível ainda na hipótese de revelia (art. 321) e insuprível pelo juiz. Ao réu, naturalmente, há de assegurar-se novo prazo para resposta, pois, alterado o pedido, a ação passa a ser diversa (art. 301, § 2º, a contrario sensu). Observados os requisitos acima, é lícita a alteração: a) do objeto imediato do pedido (exemplo: o autor pedia a declaração de um crédito, passa a pedir a condenação do réu ao pagamento); b) do objeto mediato do pedido (exemplo: o autor pedia a condenação à entrega de determinada coisa, passa a pedir a condenação à entrega de coisa diversa). V. Cumulação de pedidos 1. Há cumulação em sentido estrito quando o autor formula contra o réu mais de um pedido visando ao acolhimento conjunto de todos eles. A cumulação em sentido estrito comporta duas modalidades:
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a) cumulação simples – em que o acolhimento de um pedido não depende do acolhimento ou da rejeição de outro. Exemplo: cobrança simultânea de duas dívidas oriundas de fatos ou atos diversos; b) cumulação sucessiva – em que o acolhimento de um pedido depende do acolhimento de outro. Exemplo: investigação de paternidade e petição de herança. Em sentido lato, a cumulação abrange também as hipóteses em que o autor formula dois ou mais pedidos, ou um pedido com dois ou mais objetos mediatos, para obter um único dentre eles. Neste contexto podem surgir as figuras da cumulação alternativa (supra, nº III, 2) e da cumulação eventual (supra, nº III, 3). A primeira, aliás, só impropriamente pode ser considerada modalidade de cumulação de pedidos, pois a pluralidade que nela existe não é de pedidos, mas de objetos (mediatos) do pedido. Distinguem-se ambas, ademais, porque na cumulação alternativa, em caso de procedência, é a vontade da parte que determina qual dos possíveis resultados práticos se atingirá; na cumulação eventual, essa vontade é irrelevante, cabendo a determinação do resultado ao órgão judicial, que pode acolher o pedido principal, ficando prejudicado o subsidiário; ou, em rejeitando aquele, acolher o subsidiário, segundo sua convicção. A cumulação eventual é figura simétrica e oposta à da cumulação sucessiva. Hipótese especial de cumulação de pedidos, já no curso do processo, é a de requerer o autor, incidentemente, a declaração da existência ou inexistência de relação jurídica prejudicial (arts. 5º, 325; infra, § 11, nº II). 2. Os requisitos de admissibilidade da cumulação vêm indicados nos §§ 1º e 2º do art. 292: a) compatibilidade entre os pedidos; b) competência do mesmo juízo para conhecer de todos os pedidos, inclusive, eventualmente, por força de prorrogação, quando possível; c) adequação, a todos os pedidos, do mesmo tipo (comum ou especial) de procedimento, ou utilização para todos, pelo autor, do procedimento ordinário, se diversos os ritos em princípio aplicáveis aos pedidos cumulados, e desde que a natureza de algum pedido não reclame, por necessidade intrínseca, rito especial (por exemplo: o pedido de inventário e partilha é manifestamente incompatível com o procedimento ordinário e, portanto, insuscetível de cumulação com qualquer outro). Tomado em acepção lógica, o requisito da compatibilidade entre os pedidos só é exigível nos casos de cumulação em sentido estrito (simples ou sucessiva), em que o autor pode pretender o acolhimento de todos os pedidos cumulados. Na cumulação alternativa não há que cogitar de compatibilidade entre pedidos, pois, a rigor, como se viu, o pedido é único. Na cumulação eventual existe até, necessariamente, certa oposição entre o pedido subsidiário e o principal, que jamais se apresentam como acolhíveis ambos, sendo, pois, nesse sentido, incompatíveis: assim é que se pode pe-
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dir (e talvez obter) a condenação do réu, v.g., a restituir a coisa ou, se isso for impossível, a pagar o respectivo valor; não, porém, à restituição da coisa e ao pagamento do valor. A conexão entre os pedidos não é, em si, requisito de admissibilidade da cumulação (art. 292, caput, fine); mas a conexão entre ações (pelo fundamento) pode ser pressuposto necessário da cumulabilidade, no mesmo processo, dos pedidos a elas correspondentes, se tiver como efeito a prorrogação da competência e, assim, permitir a satisfação do requisito mencionado no art. 292, § 1º, nº II. A despeito da letra do art. 292, caput (“contra o mesmo réu”), não é requisito de admissibilidade da cumulação haver no processo um único réu, ou dirigirem-se os pedidos cumulados a um único dos corréus: existindo litisconsórcio passivo, de acordo com as normas que regem o instituto, podem cumular-se pedidos contra os vários litisconsortes, ou contra parte deles, desde que atendidos os §§ 1º e 2º do art. 292. 3. A cumulação de pedidos é provocável ex officio, pelo órgão judicial, como consequência da reunião de ações propostas em separado (art. 105), conexas pela causa petendi – e, portanto, com distintos pedidos. Também de ofício controlará o juiz a admissibilidade da cumulação voluntária. A falta do requisito da compatibilidade entre os pedidos (quando exigível) acarreta o indeferimento da petição inicial, por inepta (art. 295, nº I, e parágrafo único, nº IV). A incompetência, para algum dos pedidos, do órgão perante o qual se instaurou o processo, salvo prorrogação, torna impossível o processamento conjunto, mas o feito pode prosseguir no juízo em relação apenas ao pedido que caiba em sua competência, ressalvada ao autor, é claro, a possibilidade de formular o outro (ou os outros) perante o órgão competente. Quanto à adequação do procedimento, convém distinguir três hipóteses: a) o autor pretende cumular pedidos para os quais indica, corretamente, ritos diversos (erro concernente à cumulabilidade, não à indicação dos procedimentos adequados): é inviável o processamento conjunto, mas a inicial pode ser deferida em relação a um dos pedidos, restando ao autor – a quem se deve abrir a oportunidade de manifestar-se – destacar o outro para processamento em separado (infra, § 2º, nº III, 2); b) o autor pretende cumular pedidos a que deveriam corresponder ritos diversos, indicando para todos, entretanto, o mesmo rito não ordinário (erro concernente à indicação dos procedimentos adequados): a cumulação é inadmissível (art. 292, § 2º, a contrario sensu), cumprindo ao juiz indeferir a inicial no tocante aos pedidos a que corresponda rito diferente do indicado pelo autor (art. 295, nº V, 1ª parte), a menos que este concorde, sendo possível, em vê-los processar todos pelo rito ordinário (infra, § 2º, nº III, 2); c) o autor pretende cumular pedidos a que corresponderiam ritos diversos, indicando para todos o ordinário: se nenhum pedido for com este incompatível, admi-
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tir-se-á a cumulação; relativamente ao que o for, será indeferida a inicial (infra, § 2º, nº III, 2). VI. A causa petendi 1. Todo pedido tem uma causa. Identificar a causa petendi é responder à pergunta: por que o autor pede tal providência? Ou, em outras palavras: qual o fundamento de sua pretensão? Constitui-se a causa petendi do fato ou do conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito jurídico por ele visado. As mais das vezes, podem distinguir-se um aspecto ativo e um aspecto passivo na causa petendi; por exemplo, se o autor reclama a restituição de quantia emprestada, a causa petendi abrange o empréstimo, fato constitutivo do direito alegado (aspecto ativo), e o não pagamento da dívida no vencimento, fato lesivo do direito alegado (aspecto passivo). Não integram a causa petendi: a) a qualificação jurídica dada pelo autor ao fato em que apoia sua pretensão (v.g., a referência a “erro” ou a “dolo”, na petição inicial, para designar o vício do consentimento invocado como causa da pretendida anulação do ato jurídico); b) a norma jurídica aplicável à espécie. 2. Cada fato ou conjunto de fatos suscetível de produzir, por si, o efeito jurídico pretendido pelo autor constitui uma causa petendi. Haverá, portanto, pluralidade de causae petendi, sempre que se invoquem dois ou mais fatos ou conjuntos de fatos distintos, pouco importando que se trate: a) de fatos ou conjuntos de fatos distintos e homogêneos, isto é, de igual estrutura, com repercussão na esfera jurídica da mesma pessoa; por exemplo: A propõe em face de B ação de resolução de contrato, com fundamento em supostas infrações reiteradas da mesma cláusula contratual: cada infração alegada é uma causa petendi; b) de fatos ou conjuntos de fatos distintos e homogêneos, com repercussão nas esferas jurídicas de várias pessoas; por exemplo, A e B propõem, em conjunto, ação de perdas e danos em face de C, indigitado causador de acidente que teria danificado os automóveis de ambos os autores: os danos supostamente causados ao automóvel de A e os supostamente causados ao automóvel de B, ainda que porventura de igual natureza, constituem causae petendi autônomas. O acidente, em si, não é a causa petendi, porque a produção do efeito jurídico pretendido – obrigação de indenizar – não decorreria propriamente dele, como tal, mas, para cada um dos autores, individualmente, do fato de ter sido atingido, por culpa de C, o respectivo automóvel; c) de fatos ou conjuntos de fatos distintos e heterogêneos; por exemplo, A propõe em face de B ação de separação, com fundamento em conduta desonrosa e grave violação de dever conjugal: cada um desses fatos é uma causa petendi.
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3. A alteração da causa petendi só é admissível nos mesmos termos em que o é a alteração do pedido (supra, nº IV, 2): antes da citação, pela simples manifestação do autor (art. 264, a contrario sensu); depois da citação (mas, no máximo, até o saneamento do processo: art. 264, parágrafo único), mediante o consentimento do réu, exigível ainda na hipótese de revelia (art. 321) e insuprível pelo juiz, assegurando-se novo prazo para resposta, já que, também aqui, a ação se tornou diversa (art. 301, § 2º, a contrario sensu). Não há alteração da causa petendi, nem portanto necessidade de observar essas restrições, quando o autor, sem modificar a substância do fato ou conjunto de fatos narrado, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido: a) se limita a reformular a narração de circunstâncias acidentais, suprimindo, acrescentando ou modificando alguma – v.g., em ação de separação com fundamento em adultério, o autor, que já caracterizara substancialmente, na inicial, o fato das alegadas relações adulterinas, aduz ao propósito, no curso do processo, outros pormenores, sem que isso acarrete detrimento para o exercício do direito de defesa; b) passa a atribuir ao fato ou conjunto de fatos qualificação jurídica diferente da originariamente atribuída – v.g., chamando “dolo” ao que antes denominara “erro” (haveria, ao contrário, alteração da causa petendi se o autor passasse a narrar outro fato, quer continuasse, quer não, a atribuir-lhe a mesma qualificação jurídica); c) invoca em seu favor norma jurídica diversa da primitivamente invocada, desde que o efeito jurídico atribuído à incidência da nova norma sobre o fato ou o conjunto de fatos seja idêntico ao efeito jurídico atribuído na inicial à incidência da norma primitivamente invocada – v.g., a substituição da referência a um pela referência a outro dentre os dispositivos legais que autorizam a decretação do despejo. VII. A petição inicial 1. A petição inicial, instrumento da demanda, é a peça escrita na qual o autor formula o pedido ao órgão judicial. Deve ela indicar (art. 282): I – o juiz ou tribunal a que é dirigida; II – a individualização e qualificação (nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência) do autor e do réu, ou dos vários autores e réus; III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, isto é, a causa petendi (supra, nº VI) e o nexo que, ao ver do autor, existe entre ela e o efeito jurídico afirmado, ou, em outras palavras, a razão por que ao fato narrado se deve atribuir esse efeito; não é indispensável a especificação da norma jurídica que supostamente atribui o efeito ao fato (iura novit curia), nem é relevante o erro do autor na qualificação jurídica dada ao fato; IV – o pedido, com as suas especificações, identificando-se claramente, se for o caso, os respectivos objetos imediato e mediato, ressalvadas, no tocante a este, as
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hipóteses de admissibilidade de pedido genérico (supra, nº III, 1; quanto aos itens que devem ser apreciados na sentença independentemente de pedido expresso, v. supra, nº II, 3); V – o valor da causa do ponto de vista processual (infra, nº VIII); VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados, bastando a referência aos meios de prova, genericamente apontados (prova testemunhal, prova pericial etc.), não, porém, a alusão vaga a “meios de prova em direito admissíveis”, ou qualquer outra equivalente, e devendo a prova documental, em princípio, ser logo produzida com a inicial (art. 396); VII – o requerimento de citação do réu; VIII – a declaração do endereço em que o advogado, ou a parte, quando postular em causa própria, receberá intimação (art. 39, nº I). Se o autor pedir que o órgão judicial imponha ao réu abster-se de praticar algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer a cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória da tutela (art. 287, na redação da Lei n° 10.444). VIII. O valor da causa 1. A toda causa, ainda que sem conteúdo econômico imediato, será atribuído, segundo o art. 258, um valor certo. Aplica-se a regra a quaisquer causas, contenciosas ou não, principais ou acessórias, de procedimento disciplinado no Código ou em lei especial. A atribuição do valor à causa tem dupla relevância: processual e tributária. 2. Processualmente, importa o valor da causa: a) dentre as de procedimento comum, para a discriminação das que (além das arroladas no art. 275, nº II) obedecem ao rito sumário (art. 275, nº I), com ressalva das relativas ao estado e à capacidade das pessoas (art. 275, parágrafo único); b) para determinação da competência no primeiro grau de jurisdição, consoante o que dispuserem as normas de organização judiciária (art. 91); c) nas execuções fiscais, para a verificação do cabimento de apelação ou de embargos infringentes contra a sentença (Lei nº 6.830, de 22.9.1980, art. 34); d) como base do cálculo (ou limite) de certas prestações impostas pelo órgão judicial, a título de indenização (art. 18, § 2º, na redação da Lei nº 8.952, de 13.12.1994) ou de multa (arts. 14, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001; 424, parágrafo único; 488, nº II; 538, parágrafo único; 557, § 2º, na redação da Lei nº 9.756, de 17.12.1998); e) excepcionalmente, como fator determinante do critério de fixação dos honorários do advogado da parte vencedora (art. 20, § 4º, principio). O valor da causa é relevante por mais de um aspecto no processo perante os Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.099, art. 3º, nº I, e seu § 1º, nº II; art. 9º, caput; art. 15, fine; Lei nº 10.259, art. 3º, caput; Lei nº 12.153, de 22.12.2009 (Juizado Especial da Fazenda Pública), art. 2º).
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3. A fixação do valor da causa, para efeitos processuais, pode ser legal, nos casos dos arts. 259 e 260, ou voluntária (estimativa feita pelo autor), nos restantes. A lei predetermina o valor que deve ser atribuído à causa: a) na ação de cobrança de dívida, “a soma do principal, da pena e dos juros vencidos até a propositura” (art. 259, nº I); b) na ação referente à existência, à validade, ao cumprimento, à modificação ou à rescisão de negócio jurídico, “o valor do contrato” (art. 259, nº V), ou, mais exatamente, do negócio jurídico, porque pode tratar-se de negócio não contratual; c) na ação de alimentos, a soma de 12 prestações mensais, segundo o pedido (art. 259, nº VI); d) nas ações de divisão, de demarcação e de reivindicação, “a estimativa oficial para lançamento do imposto”, quando a houver (art. 259, nº VII); e) na ação em que se pedirem prestações vencidas e vincendas, o valor total de umas e outras, salvo se a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, casos em que o valor da causa será a soma dos valores de todas as prestações vencidas com o das vincendas no prazo de um ano (art. 260). Em todas as outras hipóteses, o valor da causa é fixado voluntariamente pelo autor, mediante estimativa do benefício visado, feita na inicial, em função da unidade monetária nacional ou de índice móvel acaso legalmente admitido. Havendo, entretanto, cumulação de pedidos, seja legal ou voluntária a fixação do valor de cada pedido, o valor da causa será: a) na cumulação simples e na sucessiva, a soma dos valores dos pedidos cumulados (art. 259, nº II); b) na alternativa, o maior dentre os valores dos objetos mediatos do pedido (art. 259, nº III); c) na eventual, o valor correspondente ao pedido principal (art. 259, nº IV). A fixação do valor da causa leva em conta o estado de fato e o regime jurídico do momento em que a ação é proposta; são irrelevantes as modificações porventura ocorrentes na pendência do processo. Por igualdade de razão, quando a lei, para atribuir qualquer efeito ao valor da causa, faz referência a índice móvel, entende-se que o toma no quantum correspondente ao momento da propositura. 4. Das hipóteses de modificação acima aludidas, perfeitamente se distingue a da correção, durante o processo, do valor erroneamente atribuído, de início, à causa. Corrigido que seja o valor, passam a produzir-se os efeitos da nova fixação. Não há que cogitar de correção pelo só fato de o valor fixado na sentença ou na respectiva liquidação diferir do indicado na inicial. O valor da causa é o que ela possui tal como ajuizada e independe do teor do julgamento; do contrário, na hipótese de improcedência total, reduzir-se-ia a zero. Tampouco se admite a indicação do valor, na inicial, a título provisório; qualquer ressalva nesse sentido é ineficaz.
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A correção do valor no curso do processo pode resultar: a) do acolhimento, pelo órgão judicial, de impugnação do réu, no prazo da contestação, à estimativa feita pelo autor, em caso de fixação voluntária; neste caso, o escoamento do prazo para contestar, sem impugnação do réu, torna preclusa a matéria e faz prevalecer em definitivo o valor estimado na inicial (art. 261 e seu parágrafo único, restritivamente interpretados, como se impõe); b) de pronunciamento do órgão judicial, emitido ex officio, ou por provocação do réu (sem a limitação de prazo estabelecida no art. 261, 1ª parte) ou do próprio autor, em qualquer das hipóteses de fixação legal: a indicação feita contra legem na inicial não afasta a incidência das regras cogentes dos arts. 259 e 260, subtraída ao poder dispositivo das partes; e, se cabe ao juiz restabelecer o valor correto, não teria sentido proibir as partes de requerer-lhe a correção. Disciplina o art. 261, caput, 2ª parte, o procedimento em caso de impugnação do réu, a qual deve ser autuada em apenso, ouvindo-se o autor no prazo de 5 dias; em seguida, sem suspender o curso do processo, o juiz decidirá dentro de 10 dias, servindo-se, quando necessário, do auxílio de perito. Por analogia, se o requerimento de retificação provém do autor, cumpre ouvir-se o réu no quinquídio, seguindo-se a decisão no subsequente decêndio. Em qualquer hipótese, cabe agravo (art. 522) contra a decisão sobre valor da causa, proferida ex officio ou por provocação de parte, no primeiro grau de jurisdição. Tornada irrecorrível, fica preclusa a decisão. 5. Do ponto de vista tributário, o valor da causa é relevante como base de cálculo em geral adotada para o lançamento da taxa judiciária. O critério será o previsto na regra de direito fiscal, editada pela União (para os processos de competência da Justiça Federal) ou pelo Estado (para os processos de competência da sua Justiça). Não coincide necessariamente esse critério com o adotado pelo Código de Processo Civil, de sorte que à mesma causa podem corresponder dois valores diferentes, um para efeitos processuais, outro para efeitos tributários. É ineficaz a declaração do autor, na inicial, de que indica o valor “apenas para fins fiscais”: se o valor indicado coincide com o que deve prevalecer para efeitos processuais, a cláusula restritiva há de reputar-se não escrita; se não coincide, falta à petição inicial o requisito do art. 282, nº V, com as consequências que oportunamente serão expostas (infra, § 2º, nº III, 1). IX. Ajuizamento e distribuição da petição inicial 1. A petição inicial deve ser apresentada, para despacho, ao órgão judicial competente. Onde houver, com competência concorrente, mais de um órgão, ou mais de um cartório ou repartição vinculados ao mesmo órgão, impõe-se a prévia distribuição, paritária e alternada, entre juízes e escrivães (art. 252). Distinguem-se a distribuição autônoma, que constitui a regra, e a distribuição por dependência, peculiar às causas de qualquer natureza, que “se relacionarem, por
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conexão ou continência, com outra já ajuizada” (art. 253, caput, nº I, conforme a Lei nº 10.358), igualmente obrigatória “quando, tendo sido extinto o processo, sem julgamento de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda” (art. 253, caput, nº II, na redação da Lei nº 11.280, de 16.2.2006), e bem assim “quando houver ajuizamento de ações idênticas” (nº III, acrescentado pela mesma lei). A distribuição por dependência é requerida ao próprio órgão judicial a que se distribuíra o feito anteriormente iniciado (o “juízo prevento”, na dicção do nº III, consoante a Lei nº 11.280). Incumbe ao juiz verificar a existência dos pressupostos legais, para deferir ou indeferir a distribuição por dependência; da decisão (que não se confunde com a de deferimento ou indeferimento da inicial) cabe agravo (art. 522). No caso de deferimento, incumbe ao distribuidor fazer a competente anotação, processando-se o novo feito em apenso aos autos do primitivo. É obrigatória também a anotação pelo distribuidor, à qual o juiz ex officio mandará proceder, da reconvenção e da intervenção de terceiro (art. 253, parágrafo único, aplicável igualmente, por analogia, à ação declaratória incidental: cf. infra, § 11, nº II, 1). A distribuição pode ser fiscalizada pela parte ou por seu procurador (art. 256) e tem como pré-requisito – quando não seja legal a representação, como a das pessoas jurídicas de direito público – o estar a inicial acompanhada do instrumento do mandato (art. 254), salvo: se o requerente postular em causa própria; se a procuração já estiver junta aos autos principais; ou se o advogado tiver de intentar a ação para evitar que se consume prescrição ou decadência, obrigando-se a exibir procuração no prazo de 15 dias, prorrogável por igual tempo (art. 254, nºs I a III, combinado com o art. 37). Quando exigível o instrumento do mandato, se por equívoco se fizer a distribuição, apesar da falta, caberá ao juiz determinar que ela seja suprida e, não o sendo no prazo, indeferir a inicial (infra, § 2º, nº III, 1). 2. Havendo erro na distribuição, ou faltando esta, incumbe ao juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, determinar a correção (art. 255). No caso de erro, tendo sido distribuída a petição inicial a órgão diverso daquele a que o autor se dirigia (v.g., a inicial indicava o Juízo de uma Vara Cível, e foi distribuída ao de uma Vara de Família), o órgão que a recebe há de devolvê-la para que se corrija a distribuição, antes mesmo de examinar (ainda que lhe seja possível fazê-lo ex officio!) a questão da competência: o erro a que a lei se refere é o da distribuição, não o da indicação, pela parte, do órgão que ela reputa competente. A solução é a mesma, do ponto de vista prático, se houve mero engano material no encaminhamento, apesar de corretamente distribuída a inicial. A correção do erro de distribuição acarreta naturalmente a necessidade de restabelecer-se a igualdade entre a situação do órgão que se desliga do feito e a do que o recebe, evitando-se a sobrecarga para este. Ordena a lei, por isso, que se proceda à compensação (art. 255, fine), na distribuição subsequente.
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3. No momento em que a inicial é distribuída, onde necessário, ou despachada pelo juiz, considera-se proposta a ação (art. 263, 1ª parte). É nesse momento, pois, em princípio, que se produzem os efeitos atribuídos à propositura, por quaisquer regras legais. Exemplos: fixação do critério de determinação da competência (art. 87, 1ª parte); possibilidade de prosseguirem os herdeiros do autor, após o falecimento deste, em certas ações propostas pelo de cujus (Código Civil, arts. 1.601, parágrafo único, 1.606, parágrafo único). Diz, porém, a lei que a propositura da ação “só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado” (art. 263, 2ª parte). Mais próprio seria considerar efeitos da citação os de que trata o art. 219 (cf. infra, § 3º, nº IV, 1). A terem de reportar-se à propositura, hão de entender-se subordinados à condição (legal) suspensiva da realização do ato citatório. 4. Tem o autor o ônus de preparar, no prazo de 30 dias – respeitadas as normas sobre custas e ressalvada a hipótese de gozo do benefício da gratuidade –, o feito distribuído, no cartório em que deu entrada. O dies a quo é o da chegada da inicial a cartório. A sanção para o descumprimento do ônus consiste no cancelamento da distribuição (art. 257), cessando os respectivos efeitos. Cumprirá, naturalmente, compensar a distribuição cancelada, para que se preserve o princípio da paridade (art. 252). § 2º – O Despacho Liminar I. Objeto do despacho liminar 1. Distribuída a petição inicial, se necessário, ou apresentada diretamente ao juiz, tem este o dever de proferir o despacho liminar, no qual decidirá se o réu há de ser ou não citado. Por intuitivas razões de economia processual, que impõem negar seguimento ao feito quando manifestamente inviável – ou seja, quando logo se puder perceber a impossibilidade de chegar-se ao julgamento de mérito –, determina a lei que o órgão judicial, desde esse primeiro contato com a postulação do autor, efetue o controle da regularidade formal do processo e da admissibilidade da ação. As questões relativas a ambos esses aspectos normalmente constituem, no seu conjunto, o objeto do despacho liminar, cabendo ao juiz, obviamente, examiná-las de ofício. Inicia-se, assim, a atividade de saneamento do feito. 2. Em certos casos a lei vai mais longe, atribuindo ao órgão judicial, no despacho liminar, a apreciação de questões de mérito, cujo desate pode até conduzir, de imediato, à declaração da improcedência do pedido; v.g., quando o juiz verificar desde logo que ocorreu decadência estabelecida em lei (art. 295, nº IV, combinado com o art. 210 do Código Civil) ou prescrição (art. 295, nº IV, combinado com o art. 219, § 5º, na redação da Lei nº 11.280, que revogou o art. 194 do Código Civil). Trata-se de ampliação excepcional do objeto do despacho liminar, que se converte, aí, em sentença (art. 162, § 1º). É possível que o mesmo aconteça, de acordo com o art. 285-A (introduzido pela Lei nº 11.277, de 7.2.2006), “quando a matéria controvertida for unicamente de
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direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos” (o plural indica que não basta um precedente só). Faculta-se então ao juiz (verbo “poderá”) deixar de mandar citar o réu e proferir sentença, reproduzindo – naturalmente, com os ajustes necessários – o teor das anteriores. Se o autor apelar, abre-se ao órgão judicial, pelo prazo de 5 dias, a opção entre manter a sentença ou não a manter e determinar o prosseguimento do feito (§ 1º), hipótese em que se procederá à citação do réu (§ 2º). É óbvio que a este, no caso de manutenção da sentença, se comunicará a interposição do recurso, para apresentar resposta (art. 518, caput). Nalgumas ações de rito especial toca ao juiz, no momento de despachar a inicial, proceder a uma cognição provisória do mérito. A citação do réu apenas será deferida se, ante os elementos constantes da inicial e os documentos que a instruírem, o órgão judicial se convencer, si et in quantum, da veracidade das alegações do autor e da provável procedência do pedido. É o que acontece, por exemplo, na ação de anulação e substituição de títulos ao portador (art. 909, verbis “Justificado quanto baste o alegado”). Eventualmente, poderá integrar o despacho liminar decisão do juiz sobre requerimento de antecipação da tutela (art. 273), formulado na inicial. II. Natureza do despacho liminar 1. A despeito da denominação tradicional, encampada pelo Código (v. art. 285, verbo “despachará”), o despacho liminar mal se harmoniza, por sua natureza, com o conceito de mero despacho. A lei claramente lhe dá conteúdo decisório, determinando ou permitindo que nele sejam resolvidas várias questões. O deferimento do pedido de citação do réu pressupõe, com efeito, que o órgão judicial haja apreciado (e resolvido no sentido afirmativo) todas as questões acima enumeradas, conquanto não se deva entender que fiquem elas desde logo preclusas. Não se trata de puro ato de impulso processual. O controle da regularidade formal e dos requisitos de admissibilidade da ação entra no conceito amplo de saneamento. Envolve a solução, no curso do processo, de questões incidentes (art. 162, § 2º). Quando o juiz defere a petição inicial (despacho liminar de conteúdo positivo), estará, pois, praticando ato que mais se aproxima de uma decisão interlocutória que de mero despacho. Quando a indefere (despacho liminar de conteúdo negativo), quer por defeito de forma ou falta de alguma condição do legítimo exercício da ação, quer por motivo de mérito, se possível (exemplo: decadência prevista em lei), ter-se-á verdadeira sentença, que põe termo ao processo no próprio nascedouro. Extingue-se o feito, em regra, sem resolução do mérito (art. 267, nº I), mas às vezes com resolução do mérito: assim, no caso do art. 295, nº IV, de onde se infere a existência de ressalva implícita no dispositivo antes citado (cf. art. 269, nº IV). III. Despacho liminar de conteúdo negativo 1. A técnica do Código é a de especificar as hipóteses em que a petição inicial deve ser indeferida. Essas hipóteses podem agrupar-se em três classes:
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1ª) indeferimento fundado em razão de ordem formal, a saber: a) inépcia da inicial (art. 295, nº I), resultante de faltar o pedido ou a indicação da causa petendi (art. 295, parágrafo único, nº I), de a conclusão não decorrer logicamente da narração dos fatos (art. 295, parágrafo único, nº II), ou de serem entre si incompatíveis os pedidos (art. 295, parágrafo único, nº IV) nos casos de cumulação em sentido estrito (cf. supra, § 1º, nº V, 2); b) escolha, pelo autor, de rito que não corresponda à natureza ou ao valor da causa, em sendo impossível a adaptação ao procedimento adequado segundo a lei (art. 295, nº V); c) inobservância de qualquer dos requisitos da petição inicial (arts. 282 e 283), ou existência de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, desde que, numa e noutra hipótese, o autor não emende ou complete a inicial no prazo de 10 dias que o juiz lhe deve abrir para tal fim (art. 295, nº VI, fine, combinado com o art. 284 e seu parágrafo único); d) falta de instrumento do mandato outorgado ao advogado do autor, quando exigível (art. 254), ressalvada também a possibilidade de suprir-se a omissão, como nos casos da letra c, pois a procuração se inclui entre os “documentos indispensáveis à propositura da ação” (art. 283), incidindo, portanto, a regra do art. 284, caput; e) falta de indicação do endereço em que o advogado do autor (ou o autor mesmo, quando postular em causa própria) receberá intimação, desde que a omissão não seja suprida no prazo de 48 horas que o juiz, para tal fim, deve abrir-lhe (art. 295, nº VI, 1ª parte, combinado com o art. 39, nº I e parágrafo único, 1ª parte); 2ª) indeferimento fundado na inadmissibilidade da ação, por falta de requisito do seu regular exercício, a saber: a) porque o autor, ou aquele cuja citação como réu se requer, é manifestamente parte ilegítima para a causa (art. 295, nº II); b) porque o autor não tem interesse processual (art. 295, nº III); c) porque o pedido é juridicamente impossível, hipótese que a lei inclui entre as de inépcia da inicial (art. 295, parágrafo único, nº III), mas que não se confunde com as hipóteses de inépcia formal (art. 295, parágrafo único, nºs I, II e IV); d) porque não está satisfeita alguma outra condição específica do exercício da ação; por exemplo: pagamento ou depósito das custas processuais e dos honorários advocatícios a que houver sido condenado o autor, em processo anterior de ação idêntica extinto sem julgamento do mérito (art. 268, 2ª parte, onde “despachada” está por “deferida”, sendo, aliás, aplicável a norma do art. 284); 3ª) indeferimento fundado em motivo de mérito, quando por exceção o permita a lei (art. 295, nº IV). 2. O indeferimento pode ser total ou parcial. Será parcial, em havendo cumulação de pedidos, quando: a) só em relação a um ou a alguns dos pedidos cumulados ocorra qualquer das razões acima, levando-se em conta, no tocante à adequação do rito, o disposto no art. 292, § 2º, que admite a cumulação, ainda quando a cada pedido corresponda um pro-
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cedimento, desde que para todos (sendo possível: cf., supra, § 1º, nº V, 2 e 3) se adote o ordinário; b) o órgão judicial seja absolutamente incompetente quanto a um ou alguns dos pedidos cumulados; c) a própria cumulação seja impossível, porque aos dois ou mais pedidos deveriam corresponder outros tantos procedimentos diversos, mas o autor os formula em conjunto apesar de não os reduzir todos ao ordinário. Nas hipóteses a e b, o juiz indeferirá a inicial no concernente ao pedido inviável ou aos pedidos inviáveis, deferindo-a no concernente ao outro ou aos outros. Na hipótese c, sendo todos os pedidos, em si, viáveis, embora insuscetíveis de cumulação, deve o juiz consultar o autor, para que diga, num decêndio (art. 284, caput, fine, aplicável por analogia), se aceita (quando possível!) vê-los processar pelo rito ordinário, sob pena de ser indeferida a inicial quanto ao(s) pedido(s) a que corresponda procedimento diferente do indicado pelo autor (cf. supra, § 1º, nº V, 3). É concebível, ainda, que o órgão judicial indefira a inicial apenas no tocante a uma (ou mais de uma) das pessoas cuja citação como rés o autor requereu. 3. São efeitos do despacho liminar negativo (indeferimento total da inicial): a) extinguir o processo, em regra sem resolução do mérito (art. 267, nº I), por exceção com resolução do mérito (art. 295, nº IV, combinado com o art. 269, nº IV); b) cancelar, ex tunc, os efeitos da propositura da ação nos casos em que a lei a considera ultimada com a simples distribuição (art. 263, 1ª parte, fine). 4. Contra o despacho liminar negativo (indeferimento total da inicial), que é na verdade sentença, pode o autor, normalmente, interpor apelação (art. 513). Com ressalva do disposto no art. 285-A (introduzido pela Lei nº 11.277), faculta-se ao juiz, no prazo de 48 horas, reformar a decisão, para deferir a inicial (art. 296, caput, na redação da Lei nº 8.952). Mantido que seja o indeferimento, encaminham-se os autos, de imediato, ao tribunal competente para julgar a apelação (art. 296, parágrafo único). Se a decisão for reformada, pelo juiz ou pelo tribunal, promover-se-á a citação do réu – no segundo caso, é óbvio, após a baixa dos autos. A reforma, ainda que por obra do órgão ad quem, não gera preclusão, para o réu, no tocante às questões de cujo exame dependia a admissão ou a rejeição da inicial: fica ele inteiramente livre de suscitá-las em defesa, tal como ficaria se houvesse o juiz deferido ab initio a petição. Do contrário, essas questões seriam definitivamente resolvidas sem a indispensável preservação da garantia do contraditório. Transitando em julgado o despacho liminar negativo, constituir-se-á em regra coisa julgada formal, e por exceção coisa julgada material, se o indeferimento se houver fundado em razão de mérito. IV. Despacho liminar de conteúdo positivo 1. Estando em termos a petição inicial – isto é, achando-se satisfeitos os requisitos dos arts. 282 e 283, e não ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 295, ou já
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tendo sido supridas as falhas ou corrigidos os defeitos e irregularidades no prazo de 10 dias fixado pelo art. 284, caput, fine –, o juiz deferirá o requerimento de citação do réu (art. 285). Com esse despacho liminar de conteúdo positivo, sempre que não haja prévia distribuição, é que a ação, no caso de deferimento da inicial, se considera proposta (art. 263, 1ª parte). Em tal momento operam-se os efeitos atribuídos pela lei à propositura (supra, § 1º, nº IX, 3), ressalvados os de que trata o art. 219, cuja produção se subordina à condição (legal) suspensiva da realização da citação (art. 263, 2ª parte). A interrupção do prazo prescricional (ou extintivo), porém, remonta ao próprio instante da propositura da ação (art. 219, § 1º, na redação da Lei nº 8.952; cf. o art. 202, nº I, do Código Civil, que prefere atribuir ao despacho o efeito interruptivo da prescrição), contanto que o autor promova a citação nos 10 dias subsequentes, não podendo prejudicá-lo a “demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário”, e admitida a prorrogação, pelo juiz, até o máximo de 90 dias (art. 219, §§ 2º e 3º, na redação daquela mesma lei). Caso não se efetue a citação com observância desses prazos, a prescrição não se terá por interrompida (ou a extinção do direito obstada) na data do despacho liminar (art. 219, § 4º), operando-se o efeito interruptivo ou obstativo apenas na data da própria citação, se ainda não se houver consumado a prescrição ou a extinção do direito (infra, § 3º, nº IV, 3). Produz também o despacho liminar de conteúdo positivo o efeito de prevenir a competência do órgão que o proferiu, para as ações conexas acaso propostas perante outros órgãos com igual competência territorial (art. 106). Se se tratar de órgãos dotados de competência concorrente, mas territorialmente diversa, a prevenção só se firmará com a primeira citação inicial válida: não incidirá, aí, a regra especial do art. 106, mas a regra geral do art. 219 (cf., infra, § 3º, nº IV, 2, letra b). § 3º – Citação do Réu I. Generalidades 1. O art. 213 define citação como “o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender”. Dela se distingue a intimação, pela qual “se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa” (art. 234). O próprio Código, entretanto, nem sempre se mantém fiel a essa delimitação de conceitos. No art. 999, v.g., usa a expressão “citar” com referência a pessoas e órgãos (como o Ministério Público) que não têm de que se defender no processo de inventário. Por outro lado, antes da Lei nº 11.382, de 6.12.2006, empregava o verbo “intimar”, no art. 740, para designar a comunicação, feita ao credor, da propositura, pelo devedor, da ação de embargos, na qual o primeiro é réu. 2. Salvo quando dispensada por expressa disposição legal (art. 285-A, introduzido pela Lei nº 11.277), a citação inicial do réu é requisito de validade de qualquer processo (art. 214); não apenas de conhecimento, aliás, mas também de execução ou cautelar. O comparecimento espontâneo do réu a juízo supre, entretan-
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to, a falta de citação (art. 214, § 1º); em tal hipótese, os efeitos que normalmente decorrem da citação válida (art. 219) só se produzem (desde que ainda possível!) a partir do comparecimento (infra, nº V, 1). Se o réu não citado permanece revel, o feito é todo nulo, e essa nulidade, decretável de ofício ao longo do processo de conhecimento, pode ainda ser argüida como fundamento de embargos à execução de sentença, no caso em que subsistem (art. 741, nº I). Nada importa que a execução seja definitiva: o vício escapa à eficácia preclusiva da coisa julgada. Da falta de citação cumpre distinguir a nulidade dela. A citação é nula quando feita “sem observância das prescrições legais” (art. 247), v.g., por edital, apesar de conhecido e encontrável o citando, salvo previsão legal expressa (art. 231, nºs I, II e III). Sendo nula a citação: a) se o réu comparece para arguir a nulidade, caso o juiz acolha a arguição, considerar-se-á feita a citação (ou seja, sanado o vício) na data em que o réu ou seu advogado for intimado da decisão (art. 214, § 2º), produzindo-se a partir dessa data (desde que ainda possível!) os efeitos previstos no art. 219 (infra, nº V; na hipótese de rejeição da arguição, entende-se que a citação fora validamente feita, e por conseguinte terá produzido ex tunc todos os efeitos legais); b) se o réu comparece para responder, sem alegar o vício, fica preclusa a arguição, de sorte que a validade do processo já não poderá ser impugnada por esse fundamento (arg. ex art. 214, § 1º, a fortiori: se o comparecimento supre a falta mesma da citação, deve suprir-lhe também a nulidade; a conclusão não se baseia na regra do art. 245, porque a nulidade da citação é pronunciável de ofício pelo juiz, incidindo, pois, o art. 245, parágrafo único); c) se o réu permanece revel, a consequência é idêntica à da falta de citação: nulidade do processo, decretável de ofício e arguível até, se for o caso, por meio de embargos à execução (art. 741, nº I). Inexistente, por fim, é a “citação” de pessoa natural falecida, ou de pessoa jurídica extinta – o que se concebe sem dificuldade no caso de edital. Falta ao ato elemento essencial; o vício é pronunciável ex officio, em qualquer fase do processo. II. Modalidades da citação 1. Quanto ao destinatário, a citação será: a) pessoal – quando, por qualquer das formas possíveis, se dirija ao próprio réu ou a seu representante legal; b) não pessoal – quando feita a procurador legalmente autorizado a recebê-la (art. 215, caput), isto é, expressamente investido de poderes para tanto, pelo réu (art. 38) ou por disposição legal, ou como tal presumido pela lei (art. 12, § 3º); ou a mandatário, administrador, feitor ou gerente (o que só se admite se a causa petendi é ato por qualquer destes praticado e o réu se encontra ausente: art. 215, § 1º); ou ainda ao administrador do imóvel do réu, encarregado do recebimento dos aluguéis (o que só se admite se a ação concerne a estes, o réu se ausentou do país e não cientificou o autor locatário de haver deixado no forum rei sitae procurador com poderes para receber citação, ainda que realmente o haja constituído: art. 215, § 2º).
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2. Quanto à forma, pode ser a citação: a) postal, admissível para qualquer comarca do País, exceto: nas ações de estado; quando o réu for incapaz ou pessoa jurídica de direito público; no processo de execução, se necessário (ex.: art. 475-N, nº II, introduzido pela Lei nº 11.232); quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; e quando o autor requerer que se pratique o ato por outra forma (art. 222, letras a a f). Nos termos do art. 223, “deferida a citação pelo correio, o escrivão ou chefe da secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz, expressamente consignada em seu inteiro teor a advertência a que se refere o art. 285, 2ª parte, comunicando, ainda, o prazo para a resposta e o juízo e cartório, com o respectivo endereço”. Acrescenta o parágrafo único que a carta será registrada para entrega ao citando, cabendo ao carteiro, ao entregá-la, exigir daquele que assine o recibo; se o réu for pessoa jurídica, valerá a entrega feita a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração. Pode acontecer que o destinatário não seja encontrado, ou que se recuse a receber a carta ou a assinar o recibo. Nestas hipóteses, o carteiro (que não é auxiliar do juízo, nem tem fé pública) simplesmente reterá a correspondência, para devolução ao remetente; b) por oficial de justiça, nos casos ressalvados no art. 222, e também quando se frustre a citação pelo correio (art. 224), mediante mandado, que deve conter: os nomes e os domicílios ou as residências das partes; o fim da citação, com todas as especificações constantes da inicial; a cominação, se houver (v.g., art. 287); o dia, hora e lugar do comparecimento, se for o caso; a cópia do despacho liminar; a indicação do prazo para o oferecimento de defesa; a assinatura do escrivão (ou chefe da secretaria) e a declaração de que subscreve o mandado por ordem do juiz (art. 225, n°s I a VII); a comunicação ao citando de que, não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos por ele, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor (art. 285, fine; cf. infra, § 12, nº III, 3). Se o autor entregar em cartório, com a inicial, tantas cópias desta quantos forem os réus, essas cópias, depois de conferidas com o original em cartório, farão parte integrante do mandado, dispensando-se em tal caso a inserção, neste, dos elementos já constantes da inicial (mandado “em breve relatório”: art. 225, parágrafo único). Incumbe ao oficial de justiça designado para a diligência procurar o réu no domicílio ou na residência indicada, e bem assim, se possível, noutro lugar em que saiba provável que ele se ache. Em se tratando de comarcas contíguas, de fácil comunicação (ainda que pertencentes a unidades federadas diversas), e nas situadas na mesma região metropolitana, permite o art. 230 que o oficial efetue a citação em qualquer delas. Onde encontrar o réu (com as ressalvas do art. 217, nºs I e II), entre as 6h e as 20h de dia útil (art. 172, caput, na redação da Lei nº 8.952) – salvo expressa autorização judicial para que o ato se realize fora desse horário ou em domingo ou
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feriado (art. 172, § 2º) –, o oficial o citará (arts. 216, caput, e 226). A diligência compreende: a leitura do mandado; a entrega da contrafé (cópia do mandado), devidamente certificada neste, bem como a eventual recusa do réu em recebê-la; a obtenção, no mandado, da declaração do réu de haver tomado ciência, ou a certificação de que ele não quis ou não pôde apor a nota de ciente (art. 226, nºs I a III). Modalidade especial da citação por oficial de justiça é a chamada citação com hora certa, que pressupõe três tentativas infrutíferas de encontrar o réu no domicílio ou residência e mais a suspeita de estar-se ele ocultando para frustrar a diligência. Não basta a tríplice procura, sem êxito, no domicílio ou residência; inexistindo razão de suspeita, cumpre ao oficial voltar outras vezes ou procurar o citando noutro local em que se afigure mais fácil encontrá-lo. Presentes os pressupostos acima, deve o oficial intimar qualquer pessoa da família – ou, em sua falta, algum vizinho capaz de transmitir ao citando o aviso – de que voltará no dia seguinte (ou, se não for possível, noutro dia marcado, tão breve quanto o seja), em hora fixada, a fim de efetuar a citação (art. 227). No dia e hora designados, independentemente de novo despacho, o oficial comparecerá ao domicílio ou à residência do citando, sob pena de, em faltando ou chegando com atraso ponderável, tornar-se necessária nova intimação de pessoa da família ou vizinho, com marcação de outro dia e hora. Duas hipóteses podem ocorrer: 1ª) o oficial encontra o réu, e neste caso procede à citação, com observância das disposições do art. 226; 2ª) o oficial não encontra o réu; cabe-lhe então informar-se das razões da ausência. Se concluir que para esta há motivo justo (v.g., o citando foi convocado para trabalho a que não podia furtar-se, ou hospitalizado em virtude de acidente etc.), fica sem efeito a marcação de dia e hora, mas, salvo quando o excluírem as circunstâncias, fará o oficial nova designação, na forma do art. 227. Se a ausência confirmar a suspeita de ocultação (e só neste caso, apesar da dicção genérica do art. 228, § 1º), o oficial dará por efetuada a citação, ainda que o citando se tenha deslocado para o território de outra comarca (art. 228, § 1º, fine), e deixará contrafé da certidão da ocorrência com pessoa da família ou vizinho do réu, declarando-lhe o nome (art. 228, § 2º). Não é preciso que se trate da mesma pessoa com quem fora deixado o aviso a que se refere o art. 227. Para melhor assegurar que a propositura da ação chegue efetivamente ao conhecimento do réu, determina a lei que, feita a citação com hora certa, o escrivão (ou o chefe da secretaria) lhe envie carta, telegrama ou radiograma, em que de tudo lhe dê ciência (art. 229). Se o réu citado com hora certa permanecer revel, o juiz dar-lhe-á curador especial ad litem, função que será exercitada, onde o houver, pelo representante judicial de ausentes (art. 9º, nº II e parágrafo único). c) por edital, quando desconhecido ou incerto o citando (art. 231, nº I); quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontre (art. 231, nº II), equipa-
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rando-se para tal fim à inacessibilidade o fato de recusar cumprimento de carta rogatória o país onde se ache o réu (art. 231, § 1º); e nos outros casos expressos em lei – v.g., quanto aos interessados no processo de inventário, não domiciliados nem encontrados na circunscrição judiciária onde este corra (art. 999, § 1º). São requisitos da citação por edital (art. 232, nºs I a V): 1º) nos casos dos incisos I e II do art. 231, a afirmação do autor (na própria inicial ou em petição apresentada posteriormente), ou a certidão do oficial de justiça, quanto às circunstâncias previstas naqueles dispositivos; 2º) a afixação do edital, na sede do juízo, certificada nos autos pelo escrivão ou chefe da secretaria, juntando-se a eles um exemplar do anúncio (art. 232, § 1º); 3º) a publicação do edital, dentro do prazo máximo de 15 dias, uma vez no órgão oficial e (salvo quando o autor goza do benefício da assistência judiciária: art. 232, § 2º) pelo menos duas em jornal local, onde houver, juntando-se igualmente aos autos um exemplar de cada publicação (art. 232, § 1º); 4º) a determinação, pelo juiz, do prazo, que poderá variar entre 20 e 60 dias e correrá da data da primeira publicação (art. 232, nº IV), considerando-se aperfeiçoada a citação no termo final desse prazo; 5º) a advertência a que se refere o art. 285, 2ª parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis. Quando o recurso à citação por edital se basear na inacessibilidade do lugar em que se encontre o réu, e na comarca houver emissora de radiodifusão, prevê a lei mais um requisito: a divulgação da notícia pelo rádio (art. 231, § 2º). A parte que requerer a citação por edital alegando dolosamente a ocorrência das circunstâncias mencionadas nos incisos I e II do art. 231 fica sujeita a multa no valor de 5 vezes o quantum obtido pela aplicação do índice legalmente previsto (art. 233), sem prejuízo da invalidação do ato (art. 247). Não se contenta a lei com a mera falsidade da alegação: se o alegante incidiu em erro, não incorre, só por isso, na sanção do art. 233. O dolo há de ficar comprovado por elementos constantes dos autos, não se excluindo que o órgão judicial o infira de indícios. A multa é aplicável pelo juiz ex officio ou a requerimento do interessado, isto é, do réu, em cujo benefício reverterá (art. 233, parágrafo único). Da decisão que imponha a multa, ou que lhe negue imposição, cabe agravo (art. 522). Tal qual sucede na citação com hora certa, ficando revel o citado por edital, dar-lhe-á o juiz curador especial ad litem, função que caberá, onde o houver, ao representante judicial de ausentes (art. 9º, nº II e parágrafo único). III. Impedimentos à citação 1. Razões de intuitiva compreensão levam a lei a proibir que a citação se efetue sob determinadas circunstâncias. Não se podem citar (art. 217, nºs I a IV, na redação da Lei nº 8.952), sob pena de nulidade (art. 247):
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I – quem quer que esteja assistindo a ato de culto religioso; II – o cônjuge ou qualquer parente ou afim do morto, em linha reta ou no segundo grau da linha colateral, no dia do falecimento e nos 7 dias subsequentes; III – qualquer dos noivos, ou ambos, nos 3 primeiros dias de bodas; IV – os doentes, enquanto grave o seu estado, em sendo presumivelmente transitória a situação. Esses impedimentos aplicam-se à citação feita por oficial de justiça e à citação por via postal, naturalmente excluída no caso do inciso I do art. 217. Em atenção à ratio legis, deve concluir-se que o impedimento do inciso III não prevalece quando se trata de ação proposta por um dos cônjuges contra o outro. Nenhum dos impedimentos prevalece quando for necessária a efetivação da citação “para evitar o perecimento do direito” (art. 217, caput), isto é, quando de outro modo houver o risco de esgotarem-se os prazos do art. 219, §§ 2º e 3º, deixando de produzir-se, em consequência, a retroação do efeito interruptivo ou obstativo à data da propositura da ação (supra, § 2º, nº IV, 1), e sem essa antecipação já não for possível citar o réu, mesmo fora daqueles prazos, a tempo de impedir a consumação da prescrição ou da extinção do direito. Aliás, em tal caso, a citação pode até ser feita, a título excepcional, durante as férias ou em dia feriado (art. 173, nº II). 2. Disciplina o Código à parte a citação do “demente” ou do que esteja “impossibilitado de recebê-la” (art. 218), devendo entender-se tal impossibilidade como a resultante de doença que se presuma permanente, ou, ao menos, de duração imprevisível (do contrário, incide o art. 217, nº IV). Afirmada a demência ou a impossibilidade pelo oficial de justiça, que passará certidão, descrevendo minuciosamente a ocorrência, o juiz nomeará um médico para examinar o citando, com prazo de 5 dias (prorrogável, naturalmente, por justo motivo reconhecido pelo órgão judicial) para apresentação do laudo (art. 218, § 1º). Se se concluir que não existe a demência nem a impossibilidade, determinará o juiz que o oficial realize normalmente a diligência. Na hipótese contrária, o juiz dará curador ao citando, salvo, é claro, se este for incapaz e já tiver representante legal, em cuja pessoa possa ser feita a citação (arts. 8º e 215). O curador especial será nomeado com observância das regras de preferência estabelecidas na lei civil e com efeitos limitados à atuação no processo (art. 218, § 2º). Citado o curador, incumbe-lhe a defesa do réu (art. 218, § 3º). IV. Efeitos da citação 1. Examinam-se a seguir os efeitos de ordem processual e de ordem material que se originam da realização do ato citatório. O teor do art. 263, 2ª parte, literalmente atribui vários deles, arrolados no art. 219, à propositura da ação, e não à citação em si, conquanto esclareça que apenas se operam, quanto ao réu, “depois que for va-
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lidamente citado”. Trata-se, a essa luz, de efeitos cuja produção se subordina a uma condição (legal) suspensiva (cf., supra, § 1º, nº IX, 3). Não se deve entender com rigor, por equívoca, a cláusula restritiva “quanto ao réu”. Alguns dos efeitos enumerados no art. 219, como o da constituição em mora, só mesmo ao réu podem dizer respeito, sendo, pois, supérflua a restrição. Por outro lado, é inconcebível, v.g., que a coisa se torne litigiosa, quanto a terceiros, em momento diverso daquele em que se torna tal para o réu, o que acarretaria sérias dificuldades quando se tivesse de apreciar a eficácia de atos de disposição porventura por este praticados entre a propositura da ação e a citação. 2. São efeitos processuais da citação válida: a) completar a constituição da chamada relação jurídica processual, que passa a envolver, além do autor e do juiz, também o réu; b) prevenir, nos casos de competência concorrente (v.g., arts. 94, §§ 1º, 2º, 3º, fine, e 4º; 95, 2ª parte; 100, parágrafo único), a do órgão judicial que a ordenou (art. 219, caput), quanto à ação proposta e a outras que perante ele hajam de correr, independentemente da precedência na distribuição e no despacho da inicial – ressalvada a hipótese de serem distribuídas ações conexas a dois ou mais órgãos com “a mesma competência territorial” (dois juízos de uma comarca ou seção judiciária), quando então incidirá a regra especial do art. 106, considerando-se prevento o órgão que houver despachado em primeiro lugar; c) produzir litispendência (art. 219, caput), ensejando, se for o caso, enquanto dure o processo, e desde que satisfeitos os requisitos do art. 301, §§ 1º e 3º, a arguição ou a pronúncia ex officio (art. 301, § 4º), no feito onde a citação haja sido posterior, da preliminar mencionada no inciso V do mesmo artigo, e a consequente extinção, sem resolução de mérito, do segundo processo (art. 267, nºs IV e V); d) tornar inadmissível a ampliação do pedido (art. 294) e, sem o consentimento do réu, a alteração daquele ou da causa petendi (art. 264, caput; supra, § 1º, nºs IV e VI); e) tornar inadmissível, salvo nos casos legalmente previstos, a mudança das partes do processo (art. 264, caput, fine). 3. São efeitos materiais da citação válida: a) fazer litigiosa a coisa (rectius: o direito deduzido em juízo) (art. 219, caput); b) constituir o réu em mora (art. 219, caput), desde que esta ainda não haja sido produzida por ato ou fato anterior à instauração do processo; c) interromper a prescrição (art. 219, caput) ou obstar ao escoamento do prazo extintivo (art. 220), retroagindo esse efeito à data da propositura da ação, nos termos do art. 219, §§ 1º a 4º, na redação da Lei nº 8.952 (o art. 202, nº I, do Código Civil prefere atribuir ao despacho do juiz o efeito interruptivo da prescrição, mas subordina-o ao fato de o interessado promover a citação “no prazo e na forma da lei processual”).
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Excedidos os prazos dos §§ 2º e 3º, a citação apenas surtirá o efeito interruptivo ou obstativo na data em que se realizar, desde que até então não se haja consumado a prescrição ou a extinção do direito: assim se deve entender a norma do art. 219, § 4º, onde melhor se diria “... haver-se-á por não interrompida na data da propositura da ação” (cf., supra, § 2º, nº IV, 1). 4. É parcialmente ineficaz a citação ordenada por juiz incompetente: do disposto na 2ª parte do art. 219, caput, infere-se que ela deixa de produzir (seja relativa ou absoluta a incompetência, pois a lei não distingue) os efeitos da prevenção, da litispendência e da litigiosidade. No tocante aos dois primeiros, quer isso dizer: a) que, não obstante efetivada com anterioridade, a citação determinada por órgão incompetente (na hipótese do art. 107, à luz de critério diverso do territorial!) não torna prevento o órgão que determinou a citação; b) que, ajuizada a mesma ação perante o órgão X, competente, e o órgão Y, incompetente, a circunstância de haver-se realizado em primeiro lugar a citação por este ordenada não autoriza a extinção (sem julgamento de mérito), por provocação da parte ou ex officio (art. 301, nº V e § 4º), do processo instaurado perante X: o outro, sim, é que deve extinguir-se – a menos que, nele, a competência de Y (quando possível!) se tenha prorrogado antes de feita a citação por ordem de X: assim, caso nesse ínterim, sendo relativa a incompetência de Y, se haja esgotado in albis o prazo para oferecer exceção. No entanto, a inidoneidade da citação para produzir litispendência não significa que, apesar da citação, o processo seja inexistente, ou mesmo nulo: da própria incompetência absoluta (e, a fortiori, da relativa) decorre a nulidade apenas dos atos decisórios, consoante a regra expressa do art. 113, § 2º. Todos os outros atos subsistem à declaração da incompetência, o que quer dizer que processo existia, e em grande parte válido. A dicção do art. 219, caput, não é rigorosamente técnica. Por isto, deve entender-se que a citação ordenada por juiz incompetente opera os efeitos previstos no art. 264, caput, muito embora se relacionem doutrinariamente com a litispendência; aliás, o texto legal não distingue (“Feita a citação...”). Cessam as restrições à eficácia desde o momento em que desapareça o vício da incompetência: quando ocorra a prorrogação, se possível, ou quando o feito seja assumido pelo órgão competente. Não há necessidade de nova citação: salvo outro motivo eventual de nulidade, a primeira (embora parcialmente ineficaz) é válida, conforme ressalta da própria redação do art. 219, caput, 2ª parte, onde a oração subordinada “ainda quando...” e as duas que se lhe seguem têm todas por sujeito o mesmo da principal: “a citação válida”. Aliás, a invalidade da citação teria de conceber-se como consequência da nulidade do despacho que a ordenou; a semelhante entendimento, porém, obsta o disposto no art. 113, § 2º, onde a palavra “somente” não faria sentido se a sanção (cominada, note-se, para o caso mais grave, o da incompetência absoluta) abrangesse aquele que – sem embargo do aspecto decisó-
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rio de que se revista (v. supra, § 2º, nº II, 1) – é, normalmente, o primeiro ato do juiz no processo. V. Momento de produção dos efeitos nos casos de falta e de nulidade da citação 1. Impende verificar o que se passa, com relação aos efeitos arrolados no art. 219, nas hipóteses do art. 214, § § 1º e 2º. Se o réu comparece espontaneamente, apesar de não citado, o seu comparecimento “supre a falta de citação” (art. 214, § 1º). A partir desse momento, portanto, operam-se em princípio os efeitos normalmente produzidos pelo ato citatório, com ressalva de algum que, nesse ínterim, se haja tornado improduzível. Idêntica é a solução se o réu, nulamente citado, comparece sem alegar o vício. O comparecimento espontâneo, que supre a falta da citação, a fortiori deve suprir-lhe a nulidade (cf. supra, nº I, 2, letra b); os efeitos, num caso e noutro, são os mesmos. Se o réu, nulamente citado, comparece para arguir a nulidade, e a arguição é acolhida, considera-se feita a citação na data em que ele ou seu advogado é intimado da decisão (art. 214, § 2º). Com a intimação, pois, é que em princípio se produzem os efeitos atribuídos à citação. Cabe aqui, todavia, ressalva análoga à que acima se fez, com referência ao caso do art. 214, § 1º, sobre a possibilidade de haver-se tornado improduzível, nesse meio-tempo, algum efeito. 2. Nas hipóteses acima analisadas, a nulidade da citação não gera a necessidade de ser ela repetida. Diverso é o regime quando, permanecendo omisso o réu – e não incidindo, por isso, nem o § 1º nem o § 2º do art. 214 –, decrete o juiz ex officio a nulidade; nesse caso, é indispensável promover nova citação: não se deve cogitar da aplicação analógica da norma do art. 214, § 2º, pois a pessoa nulamente citada a rigor não está no processo, e menos ainda tem nele advogado que a represente. As consequências podem ser aqui mais desfavoráveis ao autor, já que os efeitos previstos no art. 219 somente irão produzir-se a partir da nova citação (válida!); considere-se, todavia, em contrapartida, que o réu que entende nula a citação, abstendo-se de comparecer, arrosta os riscos gravíssimos da revelia (arts. 319, 322, 330, nº II), de maneira que se pode prever como regra o seu comparecimento, embora talvez unicamente para arguir a nulidade. 3. Exame à parte merece a hipótese da citação feita por ordem de juiz impedido. Sendo defeso a este “exercer as suas funções no processo” (art. 134), inclusive – se já existe o impedimento (v. infra, § 4º, nº III, 2, um caso excepcional, regido pelo art. 266, fine) – despachar a petição inicial, o descumprimento desse “dever de abstenção” (art. 137) faz nula a citação por ele determinada (não assim a determinada por juiz incompetente, que é válida, conquanto parcialmente ineficaz: cf. supra, nº IV, 4; nem a determinada por juiz suspeito, que é válida e eficaz). Mas, de um lado, há forma específica para a arguição do vício pelo réu (exceção de impedimento: arts. 304,
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312 e segs.; infra, § 4º, nº III); de outro, não se há de entender que o comparecimento do réu sem alegação da nulidade baste para regularizar o processo, pois a omissão da parte não faz cessar para o juiz impedido o dever de abster-se. Três casos podem configurar-se: a) o réu oferece exceção de impedimento. Acolhida que seja ela pelo tribunal, essa decisão equipara-se à de que trata o art. 214, § 2º, fine; a partir da respectiva intimação, pois, vão produzir-se os efeitos do ato citatório, que, inexistindo prejuízo (art. 249, § 1º), não precisará o substituto legal do juiz impedido mandar repetir, quando lhe forem remetidos os autos (art. 314, fine); b) o réu comparece e defende-se sem excepcionar o impedimento. O vício continua pronunciável ex officio pelo juiz, a quem não é lícito, a rigor, sequer receber a contestação (art. 134, verbis “exercer as suas funções”); cabe-lhe remeter os autos ao substituto legal (art. 313, 1ª parte), e a citação surtirá efeitos quando este assumir o processo, tendo-se então como oferecida a contestação, que o substituto despachará; c) o réu não comparece. Compete ao juiz declarar de ofício o impedimento e remeter os autos ao substituto legal, que nesta hipótese deve mandar repetir a citação, pois não se pode invocar a regra do art. 249, § 1º. Quer em a, quer em b, subsistindo a citação, apesar do defeito, por inexistência de prejuízo (art. 249, § 1º), incide a norma do art. 219, § 1º. VI. Repetição e renovação da citação 1. Do exposto nos itens anteriores, resulta que sempre se tem de repetir a citação – isto é, realizar outra em substituição à anterior: a) quando, nulamente feita a primeira, por motivo diverso do impedimento do juiz que a ordenou, o órgão judicial decrete de ofício a nulidade – o que só é possível caso o réu não tenha comparecido para alegá-la (hipótese em que incidiria o art. 214, § 2º), nem se haja simplesmente sanado o vício pelo comparecimento espontâneo (art. 214, § 1º, aplicável a fortiori); b) quando, nulamente feita por ordem de juiz impedido, não compareça o réu, e sejam os autos remetidos pelo juiz, ex officio, ao seu substituto legal. 2. Com os casos de repetição, acima indicados, não se confundem aqueles em que se tem de citar a mesma pessoa pela segunda vez, não obstante válida a primeira citação. Assim, quando o autor requeira incidentemente a declaração de relação jurídica prejudicial (ação declaratória incidental), inclusive na hipótese de revelia (art. 321; cf. infra, § 11, nº II, 3). § 4º – Resposta do Réu I. Generalidades 1. Citado, pode o réu assumir diferentes atitudes: reconhecer a procedência do pedido contra ele formulado (infra, nº V, e § 12, nº II, 1); manter-se omisso, isto é, re-
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vel (infra, nº V, e § 12, nº III, 3); ou responder. Esta última possibilidade desdobra-se em duas outras: ou o réu se limita a defender-se, ou contra-ataca, reconvindo (infra, nº IV). Enfim, quanto à defesa cabe ainda distinguir entre a relativa ao processo (v.g., incompetência do órgão judicial), a concernente à ação (v.g., falta de legitimação para a causa) e a atinente ao mérito: como se verá, no sistema do Código a primeira modalidade pode exteriorizar-se, conforme o caso, na contestação ou por meio de exceção (abstraindo-se daqueles em que a lei a permite mesmo fora da resposta: assim, por exemplo, quanto à incompetência absoluta, nos termos do art. 113, caput), ao passo que as duas outras modalidades nunca se manifestam através de exceção. 2. No procedimento ordinário, seja qual for a espécie de resposta (contestação, exceção, reconvenção), o prazo é sempre de 15 dias (art. 297); e, de acordo com o art. 241, começa a correr para o réu (quanto às hipóteses em que o autor pode excepcionar, e àquelas em que a exceção se funda em fato superveniente, v. infra nº III, 1): a) da data da juntada aos autos do aviso de recebimento (ou do último aviso, se houver vários réus) (art. 241, nºs I e III); b) da data de juntada aos autos do mandado cumprido (ou do último, se houver vários réus) (art. 241, nºs II e III); c) da data da juntada aos autos da carta de ordem, da carta precatória ou da carta rogatória, depois de realizada a diligência, quando feita a citação, por qualquer das formas possíveis, em cumprimento de alguma dessas cartas (art. 241, nº IV); d) do termo final do prazo marcado pelo juiz, na conformidade do art. 232, nº IV, quando feita a citação por edital (art. 241, nº V). Havendo litisconsórcio passivo, o prazo para a resposta é comum a todos (art. 298), mas conta-se em dobro se nem todos os litisconsortes tiverem o mesmo procurador (art. 191). O termo inicial será o dia do último fato a partir do qual, de acordo com as regras acima, houver de correr o prazo para algum deles. Pode acontecer que, depois de citados os outros réus, o autor desista da ação quanto a algum que ainda não o haja sido; nesse caso, para os citados, o prazo correrá da intimação do despacho que deferir a desistência (art. 298, parágrafo único). Havendo desistência, simultânea ou sucessivamente, quanto a mais de um réu ainda não citado, e tendo datas diversas as intimações aos citados, correrá o prazo da última intimação (ainda que não se refira ao último despacho de deferimento!). A regra especial do art. 298, parágrafo único, não prevalece sobre a do caput, se nem todos os réus ainda por citar são alcançados pela desistência. Nos termos do art. 188, computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar, quando a parte ré for a Fazenda Pública ou o Ministério Público. Visto que a reconvenção deve ser oferecida simultaneamente com a contestação (art. 299), há de entender-se que fica também quadruplicado, nestas hipóteses, o prazo para reconvir; não, porém, para excepcionar.
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Dispõe o art. 173, parágrafo único, para a hipótese de ter sido feita a citação em período de férias (onde subsistam as coletivas), ou em dia feriado, a fim de evitar o perecimento de direito, que “o prazo para a resposta do réu só começará a correr no primeiro dia útil seguinte ao feriado ou às férias”. Entende-se que o prazo não começará a correr antes desse dia; poderá, entretanto, começar a correr em dia posterior, v.g., se apenas depois for junto aos autos o mandado de citação cumprido. As normas acima aplicam-se a quaisquer respostas, inclusive nos processos de rito especial, desde que não haja disposição específica em contrário. Incidem, por exemplo, no caso de contestação à reconvenção, exceto quanto ao termo inicial, que será o dia da intimação ao reconvindo, na pessoa de seu procurador (art. 316), ou o da última intimação, se vários os reconvindos. Incidem também com respeito à impugnação do credor aos embargos opostos pelo devedor à execução (art. 740), pois tal impugnação tem a natureza de contestação. 3. A contestação e a reconvenção devem ser oferecidas simultaneamente, mas em peças autônomas (art. 299, 1ª parte); a ausência de contestação, salvo casos especiais (infra, nº IV, 2), não faz todavia inadmissível a reconvenção apresentada no prazo da resposta. A exceção processa-se em apenso aos autos principais (art. 299, 2ª parte). 4. O esgotamento do prazo para a resposta, ou a própria apresentação desta, antes de vencido o prazo, tem o efeito de tornar inadmissível a desistência da ação (não a renúncia ao direito, ou melhor, à pretensão!), por simples manifestação de vontade do autor. Será indispensável o consentimento do réu, ou daqueles, dentre os réus, em relação aos quais se queira desistir (art. 267, § 4º). Tal consentimento é insuprível pelo juiz. II. Contestação 1. Contestação é a modalidade de resposta em que o réu impugna o pedido do autor (art. 300), isto é, se defende no plano do mérito. Essa defesa pode ser: a) direta, quando o réu nega o fato constitutivo do suposto direito alegado pelo autor (v.g., sustenta que não concluiu o contrato de que se originaria a dívida cobrada), ou admite o fato, mas nega que ele produza o efeito jurídico pretendido (v.g., sustenta que a cláusula contratual invocada pelo autor não tem na verdade o sentido e as consequências que este lhe atribui); b) indireta, quando o réu, sem negar qualquer das afirmações contidas na inicial, argui, por sua vez, outro fato, supostamente impeditivo (v.g., alega que era absolutamente incapaz ao contratar), modificativo (v.g., alega que, mediante acordo posterior, se parcelou a dívida, por isso ainda inexigível in totum), ou extintivo (v.g., alega que já pagou a dívida, ou que o autor a remitiu) do direito deduzido, ou ao menos suscetível de tolher eficácia, em caráter temporário ou definitivo, à pretensão do au-
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tor (v.g., alega que este não pode exigir o cumprimento da obrigação porque ainda não cumpriu a que lhe toca, ou que ocorreu decadência convencional: art. 211 do Código Civil). A este último tipo de defesa indireta correspondem as chamadas exceções materiais ou substanciais (nos exemplos figurados, respectivamente, exceção de contrato não cumprido e exceção de decadência), as quais não devem ser confundidas com as exceções processuais, as únicas a que o Código aplica tal denominação (art. 304). Ao defender-se no plano do mérito, o réu tem o ônus de “manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na inicial” (art. 302, caput, 1ª parte), “expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor” (art. 300). Ao ônus da impugnação especificada não se submetem o advogado dativo, o curador especial nem o órgão do Ministério Público (art. 302, parágrafo único). O descumprimento desse ônus, pelo réu a ele sujeito, produz relevantes consequências, abaixo expostas (nº 4, II, letra b). A norma do art. 302, caput, 1ª parte, não preexclui o conhecimento ex officio, pelo juiz, dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos acaso provados nos autos (cf. o art. 131, verbis “ainda que não alegados pelas partes”). Diverso é o regime, todavia, no que concerne às exceções materiais, em relação às quais tem o réu o ônus da alegação. 2. Na contestação não há de limitar-se o réu, porém, à matéria de mérito. É nela, também, que lhe incumbe alegar preliminarmente, quando for o caso: a) as defesas pertinentes à ação – assim a perempção (art. 301, nº IV), a litispendência (nº V), a coisa julgada (nº VI), a convenção de arbitragem (nº IX, na redação da Lei nº 9.307, de 23.9.1996) a falta de caução ou de outra prestação exigida pela lei como pré-requisito da propositura (nº XI) e, em geral, a carência de ação, por não estar satisfeita qualquer das condições do regular exercício desta, como a legitimidade das partes, o interesse processual, a possibilidade jurídica do pedido (nº X, combinado com o art. 267, nº VI); b) as defesas concernentes a vícios do próprio processo não arguíveis por meio de exceção – inexistência ou nulidade da citação (art. 301, nº I), incompetência absoluta (nº II), inépcia da petição inicial por outro motivo que não a impossibilidade jurídica do pedido (nº III), incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização (nº VIII) – e ainda a conexão (nº VII). A impugnação do valor atribuído à causa, embora precise ser formulada (quando voluntária a fixação) “no prazo da contestação” (art. 261, caput, 1ª parte), não integra o corpo desta, já que tem de ser “autuada em apenso” (art. 261, caput, 2ª parte). Das preliminares suscitáveis na contestação, mesmo que o réu deixe de argui-las, deve o juiz conhecer de ofício, com exceção do compromisso arbitral, em relação ao qual tem o réu o ônus da alegação (arts. 301, § 4º, e 267, § 3º).
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3. Se bem que omisso o Código, hão de observar-se, na contestação, os requisitos do art. 282, incisos I e II, dispensando-se, porém, a qualificação das partes, se corretamente feita na inicial. Especificar-se-ão também as provas que o réu pretenda produzir (art. 300, fine); em se tratando de documentos, devem eles instruir, em princípio, a própria contestação (art. 396). Acompanhará igualmente a contestação, se antes desta não houver sido junta aos autos, a procuração outorgada ao advogado do réu, salvo nos casos excepcionais em que a lei não a exige. O advogado, ou a parte quando postular em causa própria, deve indicar na contestação o endereço em que receberá intimação (art. 39, nº I). 4. O oferecimento da contestação produz efeitos: I) no plano material: v.g., a preclusão da alegação do benefício de ordem pelo fiador de quem se cobra a dívida (Código Civil, art. 827, caput); II) no plano processual: a) preclusão das razões de defesa não alegadas na contestação, salvo quando (art. 303): relativas a direito superveniente (por exemplo: prestações periódicas vencidas posteriormente); sujeitas a conhecimento ex officio pelo órgão judicial (por exemplo, nulidade de negócio jurídico: Código Civil, art. 168, parágrafo único); ou admitidas em qualquer tempo por expressa disposição de lei (por exemplo, prescrição: Código Civil, art. 193); b) presunção de verdade quanto aos fatos narrados pelo autor e não impugnados especificamente, exceto: se não for admissível, a seu respeito, a confissão; se com a inicial (ou depois: art. 284, caput) não se houver juntado instrumento público que a lei considerar da substância do ato; ou se os fatos forem incompatíveis com a defesa, considerada em seu conjunto (art. 302, caput, 2ª parte). Isso significa que a presunção é relativa, resolvendo-se em dispensa do ônus da prova para o autor. O efeito de que se trata fica excluído quando for contestante advogado dativo, curador especial ou órgão do Ministério Público (art. 302, parágrafo único); c) responsabilidade do réu pelas custas de retardamento se não alegar na contestação (sendo esta a primeira oportunidade que tenha de falar no processo, e havendo, é claro, fundamento para a alegação) qualquer das matérias arroladas no art. 267, nºs IV a VI (art. 267, § 3º, fine); ou a responsabilidade integral pelas custas, da parte que, nas mesmas circunstâncias, não arguir a incompetência absoluta do juízo (art. 113, § 1º); d) responsabilidade do réu pelas custas a partir do saneamento do processo, e perda do direito a haver do autor porventura vencido honorários advocatícios, se a contestação for omissa quanto a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito postulado e tal omissão “dilatar o julgamento da lide” (art. 22). A abstenção de contestar tempestivamente caracteriza a revelia do réu, cujos efeitos serão indicados no lugar oportuno (infra, § 12, nº III, 3).
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Da decisão que recusar a juntada da contestação aos autos, que lhe determinar o desentranhamento, ou que rejeitar impugnação ao oferecimento dela (v.g., por intempestiva), cabe agravo (art. 522). III. Exceções 1. Conquanto verse o Código as exceções na Seção III do Capítulo intitulado Da resposta do réu, na verdade nem sempre se trata de modalidade de resposta: “a qualquer das partes”, com efeito, faculta o art. 304 o oferecimento de exceção. Note-se, todavia, que a exceção de incompetência não é oponível pelo autor: no sistema do Código, só a incompetência relativa pode ser arguida em exceção, como resulta da remissão feita pelo art. 304 ao art. 112, e ainda do disposto nos arts. 113 e 301, nº II (cf. supra, nº II, 2); ora, o vício da incompetência relativa é sanável pela prorrogação, se o réu não excepcionar (art. 114), e não se concebe que possa surgir no curso do processo. Certos fatos supervenientes (por exemplo, a intervenção de terceiro que tenha outro foro ou juízo privativo) podem, com efeito, tornar absolutamente incompetente o órgão judicial, mas nenhum fato superveniente é capaz de torná-lo apenas relativamente incompetente (cf. o art. 87, 2ª parte, que considera irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito, ocorridas após a propositura da ação, “salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”, gerando, pois, incompetência absoluta). A incompetência absoluta, que é vício insanável, pode sem dúvida ser alegada pelo autor, ainda quando a este mesmo se haja de imputar o endereçamento da demanda ao órgão incompetente; mas a alegação não se fará por meio de exceção (art. 113). A função ambivalente das exceções reflete-se na questão do prazo em que podem ser oferecidas. No que tange à de incompetência, privativa do réu, prevalecem as regras sobre prazo enunciadas, em termos genéricos, para a resposta (supra, nº I, 2). No tocante ao impedimento e à suspeição, verdadeiramente alegáveis, mediante exceção, por qualquer das partes, o prazo começa a correr, para uma e outra, do fato que tornar impedido ou suspeito o juiz (art. 305); mais precisamente, do dia em que a parte tiver ciência desse fato. Se o impedimento ou a suspeição existir desde o início, o prazo correrá, para o réu, segundo as regras gerais atinentes à resposta (supra, nº I, 2); quanto ao autor, cumpre distinguir: se se trata de inicial previamente distribuída, o prazo começa a fluir da distribuição ao órgão em que esteja em exercício o juiz impedido ou suspeito; se na comarca só existe um juiz competente, que esteja impedido ou seja suspeito, o autor há de levar-lhe a inicial acompanhada da exceção. Alude o texto legal também à incompetência; mas esta, quando relativa (e a absoluta, como já se viu, não fundamenta exceção), é sempre originária, não podendo resultar de fato superveniente, de modo que a alusão se torna letra-morta. Não obstante o teor literal do art. 305, é pouco razoável entender, quanto ao impedimento (motivo bastante até para a rescisão da sentença: art. 485, nº II), que o decurso inaproveitado do prazo de 15 dias faça precluir a alegabilidade pela parte.
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2. O recebimento de exceção produz a suspensão do processo, até que ela seja julgada (arts. 265, nº III, e 306).“Definitivamente julgada”, diz o segundo desses dispositivos; mas vale observar que o “definitivamente” aí não significa “por decisão irrecorrível”, pois o recurso cabível contra a decisão que julga a exceção é o agravo (v. infra, 4), que em princípio “não obsta o andamento do processo” (art. 497); ademais, o art. 311, que se refere ao procedimento no juízo a quo, é expresso em determinar que, julgada procedente a exceção, os autos sejam remetidos ao órgão competente. O art. 306 fala em julgamento “definitivo” por oposição ao pronunciamento liminar do juiz na exceção de incompetência (art. 310), deixando claro que o recebimento obsta ao prosseguimento do feito, até que a julgue o órgão perante o qual foi ela oposta. Note-se, porém, que, na exceção de impedimento ou de suspeição, o julgamento “definitivo” (no sentido do art. 306) é o do tribunal (arts. 313 e 314), até aí perdurando, portanto, a suspensão. Durante a suspensão não se pode praticar nenhum ato processual (art. 266, principio). Excetuam-se, é claro, os pertinentes ao processamento da própria exceção, e também os urgentes, destinados a evitar dano irreparável (art. 266, fine); por exemplo, quando a exceção de impedimento ou suspeição é oferecida pelo autor junto com a inicial, ordena-se e efetua-se desde logo a citação do réu, se indispensável para obstar à consumação da prescrição ou extinção do direito, embora o prazo para contestar não comece a correr. 3. Somente as três preliminares – incompetência relativa, impedimento e suspeição –, todas de ordem processual, podem ser suscitadas mediante exceção. Os casos de incompetência relativa são aqueles em que o critério determinante é o território ou o valor (arg. ex arts. 102 e 111), excetuando-se, quanto ao primeiro, os do art. 95, 2ª parte, fine, e os de foro privativo (v.g., art. 99 e parágrafo único). Os fatos geradores de impedimento estão arrolados nos arts. 134 e 136, os geradores de suspeição no art. 135; a enumeração destes é taxativa, enquanto à daqueles podem acrescentar-se, no concernente aos membros de tribunais de segundo grau, os casos previstos nos respectivos regimentos internos ou nas normas de organização judiciária. No sistema vigente, é impróprio o uso do vocábulo “exceção” para designar as preliminares de litispendência, de coisa julgada, de incompetência absoluta. Não se trata, com efeito, de exceções no sentido processual (o único relevante para o Código: cf. supra, nº II, 1), nem estão presentes as características suscetíveis de justificar, em plano puramente doutrinário, a designação: todas elas, notadamente, são apreciáveis de ofício pelo órgão judicial (arts. 113, caput; 267, § 3º; 301, § 4º). 4. O procedimento varia conforme se trate de exceção de incompetência, ou de alguma das outras duas. Em qualquer hipótese, oferecer-se-á a exceção em petição escrita, dirigida ao juiz da causa (art. 297) ou ao relator em órgão de segundo grau, fundamentada (arts. 307 e 312, 1ª parte) e, se for o caso, instruída com documentos
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(arts. 307 e 312, 2ª parte), e bem assim com o rol de testemunhas. A este a lei apenas se refere expressamente a respeito das exceções de impedimento e de suspeição (art. 312, fine), mas a disposição também se aplica à de incompetência, na qual é igualmente admissível a prova testemunhal (art. 309). Na exceção de incompetência deve o excipiente indicar o juízo para o qual declina (art. 307, fine). Pode a exceção de incompetência ser indeferida in limine, “quando manifestamente improcedente” (art. 310), e a fortiori quando inadmissível (v.g., por intempestiva). O indeferimento liminar é agravável (art. 522). Admitida que seja a exceção, mandará o juiz ouvir o excepto em 10 dias e decidirá em igual prazo (art. 308), salvo se houver necessidade de prova testemunhal, hipótese em que se designará audiência e a decisão será proferida dentro do decêndio subsequente (art. 309) – se não o for ao fim da própria audiência, é claro. Contra a decisão, num sentido ou noutro, cabe agravo (art. 522). Independentemente da interposição deste, se a exceção foi rejeitada, o feito retoma seu curso no mesmo órgão; se foi acolhida, remetem-se os autos ao órgão competente (art. 311): o agravo não suspende o andamento do processo (art. 497). Nas exceções de impedimento e de suspeição não se ouve a outra parte. Despachando a petição, o juiz, se reconhecer fundamento à exceção, mandará remeter os autos ao seu substituto legal; no caso contrário, dentro de 10 dias, declarará as razões por que a rejeita, acompanhadas, se necessário, de documentos e de rol de testemunhas, e ordenará a remessa dos autos ao tribunal competente (art. 313). Toca a este julgar a exceção, na forma do seu regimento interno (art. 265, § 4º, fine). Se ela for improcedente, o tribunal determinará o seu arquivamento; se procedente, condenará nas custas o juiz impedido ou suspeito e mandará remeter os autos ao respectivo substituto legal (art. 314). As regras procedimentais acima expostas incidem quanto a exceções formuladas em primeiro grau de jurisdição. Para as que o forem nos tribunais, o procedimento aplicável será o previsto nos respectivos regimentos internos (art. 265, § 4º). 5. Importa fixar, nas hipóteses de exceção apresentadas initio litis, as repercussões sobre o prazo para contestar e, eventualmente, reconvir. Nada impede o réu de apresentar contestação (e reconvenção) ao mesmo tempo que excepcione. Fora de tal caso, porém, como o recebimento da exceção suspende o processo (arts. 265, nº III, e 306), e durante a suspensão não pode o réu contestar nem reconvir (art. 266), cumpre verificar quando lhe será lícito fazê-lo. À luz do disposto no art. 180, fine, o prazo para a prática de semelhantes atos “será restituído por tempo igual ao que faltava para a sua complementação”, no momento em que o réu excepcionou. Esse prazo recomeça a correr, pelo tempo restante: a) se repelida a exceção de incompetência, a partir da data em que o réu for intimado da decisão; b) se acolhida a exceção de incompetência, a partir da data em que o réu for intimado do recebimento dos autos pelo órgão competente; não é necessária nova citação (supra, § 3º, nº IV, 4), mas tampouco basta o simples recebimento, isto é, a
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chegada dos autos ao juízo competente (que é mero fato material, sem relevância jurídica), cabendo a este, apesar do silêncio da lei, proferir despacho em que abra vista dos autos ao réu; c) se repelida a exceção de impedimento ou suspeição (pelo tribunal!), desde a data em que, baixados os autos ao órgão a quo, for o réu intimado do despacho que ordenar o cumprimento do acórdão; d) se acolhida a exceção de suspeição ou impedimento, da data em que o réu for intimado do recebimento dos autos pelo substituto legal do juiz suspeito ou impedido. IV. Reconvenção 1. Chama-se reconvenção à ação proposta pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo) no mesmo processo por este instaurado contra aquele. Embora tratada pelo Código como modalidade de “resposta do réu”, a reconvenção é verdadeira ação, distinta da originária. Como tal, subordina-se em seu exercício às condições genericamente exigíveis para o exercício de qualquer ação: legitimidade das partes, interesse processual, possibilidade jurídica do pedido, inexistência de litispendência, de coisa julgada, de perempção, de convenção de arbitragem etc. Impõem-se observações particulares: a) quanto à legitimidade. Só o réu (ou qualquer dos réus, no caso de litisconsórcio passivo) é legitimado a reconvir; só o autor (ou qualquer dos autores, no caso de litisconsórcio ativo) tem legitimação passiva para a reconvenção. Se, em relação à causa reconvencional, o litisconsórcio for necessário, de um lado ou de outro, na reconvenção terão de demandar todos os primitivos réus, ou de ser demandados todos os primitivos autores. As partes, na reconvenção, têm de figurar na mesma qualidade jurídica em que figuram na ação originária: é o que dispõe, com redação atécnica, o art. 315, parágrafo único (antigo § 1º), onde as expressões “em seu próprio nome” e “em nome de outrem”, ao contrário do que inculca o teor literal, não podem relacionar-se com os casos de representação, pois quem atua no processo em nome alheio (representante) não é parte (nem autor, nem réu), de modo que o caput do próprio art. 315 já bastaria para excluir a admissibilidade de reconvenção proposta pelo representante do réu contra o autor, ou pelo réu contra o representante do autor. Incidirá, entretanto, o parágrafo único nas hipóteses de substituição processual, ativa ou passiva, na ação originária: havendo substituição processual ativa, o réu só pode reconvir para postular direito que julgue ter contra o substituído, desde que para tal ação, é claro, subsista a legitimação extraordinária do substituto (autor reconvindo); havendo substituição processual passiva, o réu (substituto) só pode reconvir por suposto direito do substituído contra o autor, aqui sob a condição análoga de que a sua legitimação extraordinária o habilite à postulação;
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b) quanto ao interesse processual. Este requisito falta sempre que a matéria possa ser alegada, com idêntico efeito prático, em contestação. Por exemplo: não se pode reconvir para pedir simplesmente a declaração da inexistência do mesmo direito postulado na ação originária. Admite-se, porém, a reconvenção (que aí funciona como ação declaratória incidental: infra, § 11, nº II, 1), quando o réu pretenda obter a declaração, com força de coisa julgada, da inexistência de relação jurídica prejudicial daquela que o autor deduziu em juízo. 2. Além dessas condições genéricas, precisa a reconvenção, para ser admissível como tal, satisfazer alguns requisitos específicos: 1º) ser conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa (art. 315, caput). Exemplos do primeiro caso: no processo de ação de separação fundada, v.g., em adultério, pode a ré reconvir para pedir a separação com fundamento em injúria grave, ou em adultério do autor, ou em qualquer outro motivo legalmente previsto; no processo em que um dos contratantes reclama o cumprimento do contrato, o outro reconvém para pedir a resolução por culpa do reconvindo. Exemplos do segundo caso: no processo da ação de cobrança de dívida pecuniária, instaurado por A em face de B, este reconvém para, alegando crédito de maior valor, que por sua vez supõe ter contra A, pedir não apenas a compensação, mas a condenação de A ao pagamento do excesso; no processo em que A pleiteia de B indenização pelo suposto descumprimento de servidão, B reconvém para pedir a declaração da inexistência do ônus (reconvenção com substância de ação declaratória incidental). O conceito de conexão, no art. 315, é mais amplo que o do art. 103, conforme evidencia a circunstância de usar a lei, naquele dispositivo, a palavra “conexa” para indicar não somente a relação entre duas ações, mas também entre uma ação (a reconvenção) e “o fundamento da defesa”; 2º) estar pendente em primeiro grau de jurisdição o processo da ação originária no momento em que se oferecer a reconvenção, sendo irrelevante para a sorte desta a extinção superveniente do processo, quanto à ação originária (art. 317), e vice-versa, seja qual for o fato determinante da extinção (o dispositivo legal exemplifica com a desistência), salvo se comum a ambas; 3º) não ser de rito sumário o processo da ação originária: revogado embora o art. 315, § 2º, pelo art. 2º da Lei nº 9.245, a inadmissibilidade da reconvenção, por falta de interesse, infere-se do disposto no art. 278, § 1º, na redação da mesma lei; e, quando equivalente a ação declaratória incidental, da proibição expressa do art. 280; 4º) não ser o juízo da ação originária absolutamente incompetente para a reconvenção: apesar da letra do art. 109, deve entender-se, à luz do sistema do Código, que ao juízo da ação originária só é dado processar a reconvenção quando já seja para ela competente, ou se torne tal pela prorrogação, que entretanto ocorre apenas nos casos de incompetência relativa;
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5º) ser adequado a ambas as ações (a originária e a reconvenção) o mesmo tipo (ordinário ou especial) de procedimento: este requisito, que não figura nas disposições expressas concernentes ao instituto, emerge da necessidade de processamento conjunto e encontra apoio na aplicação analógica do art. 292, § 1º, nº III, já que com a reconvenção também se forma processo cumulativo; comporta, porém, atenuações: a) se a ação originária obedece ao rito ordinário, admite-se a reconvenção não só quando a esta seja igualmente adequado o procedimento ordinário, mas também quando, ainda que a lei lhe indique rito especial ou o rito sumário, o réu reconvinte aceite o seu processamento segundo o ordinário, e seja ele compatível com o pedido reconvencional (art. 292, § 2º, analogicamente aplicável); b) se a ação originária segue rito especial, admite-se a reconvenção caso o procedimento a esta adequado seja o mesmo, ou caso se torne igual nas fases subsequentes à postulatória – v.g., quando a ação originária é daquelas que, com a contestação, passam a seguir o rito ordinário, e a este obedece também a reconvenção (que, todavia, em semelhante hipótese, só será admissível se o réu contestar!). A admissibilidade da reconvenção não se subordina a nenhum outro requisito, quer atinente à natureza da providência jurisdicional pleiteada (pode haver reconvenção declaratória, constitutiva ou condenatória, indiferentemente), quer à relação jurídica de direito material deduzida na ação originária. A petição de reconvenção, porém, sempre escrita, dirigida ao juiz da ação originária (art. 297) e autônoma em relação à contestação, embora oferecida simultaneamente (art. 299), deve satisfazer, no que couber, os requisitos da petição inicial, sujeitando-se a controle judicial análogo ao exercido sobre esta, inclusive, se for o caso, a indeferimento liminar. Cabe ao órgão judicial mandar proceder, de ofício, à anotação da reconvenção (admitida) pelo distribuidor (art. 253, parágrafo único). 3. Se a reconvenção é admitida (não somente “oferecida”, como diz o art. 316), intima-se o autor, na pessoa do seu procurador, para contestá-la no prazo de 15 dias. Essa intimação, ainda que formalmente difira, tem a natureza e os efeitos de uma citação inicial (supra, § 3º, nº IV), do mesmo modo que o despacho pelo qual o juiz indefere ou admite a reconvenção produz, quanto a esta, os efeitos característicos, respectivamente, do despacho liminar de conteúdo negativo ou os da propositura da ação (supra, § 2º, nºs III e IV). O oferecimento de contestação à reconvenção opera, naturalmente, em relação à causa reconvencional, os efeitos normais (supra, nº II, 4). Processadas em conjunto, julgam-se as duas ações, em regra, “na mesma sentença” (art. 318), que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio, para fins de recorribilidade e de formação da coisa julgada. No tocante a ambos os capítulos devem observar-se os requisitos do art. 458; o relatório e os fundamentos comportam exposição conjunta, mas no dispositivo, sob pena de nulidade, o juiz há de julgar explícita e discriminadamente a ação originária e a reconvenção.
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V. Outras possíveis atitudes do réu Como de início se assinalou (supra, nº I, 1), o réu nem sempre oferece resposta, em qualquer de suas modalidades. Pode ele abster-se de contestar, e nesse caso diz-se que há revelia: o réu é revel. A revelia tem consequências importantes; entre elas, salvo casos excepcionais, a de pôr termo ao processo de rito ordinário, em ocasião anterior àquela em que ele normalmente se encerraria: o julgamento da lide, por meio de sentença, é antecipado (art. 330, nº II, combinado com o art. 319). Por isso versaremos o tema no capítulo consagrado às modificações do procedimento ordinário (infra, § 12, nº III, 3). Outra atitude do réu, menos frequente, consiste em “reconhecer a procedência do pedido do autor” (art. 269, nº II). Não se deve confundir esse ato com a confissão, meio de prova, pelo qual “a parte” (não apenas o réu!) “admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário” (art. 348). O reconhecimento não tem por objeto um ou mais fatos, mas o próprio pedido do autor. Também ele, à semelhança da revelia, provoca em regra a abreviação do processo de rito ordinário, que se extingue, com resolução do mérito (art. 269, nº II), antes da ocasião normal. O assunto será igualmente estudado no lugar próprio (infra, § 12, nº II, 1).
Capítulo II ETAPA DE SANEAMENTO
§ 5º – As Providências Preliminares Procedimento Ordinário
I. Generalidades 1. Designa o Código por “providências preliminares” certas medidas que ao órgão judicial cabe tomar imediatamente após a resposta do réu, ou o escoamento inaproveitado do respectivo prazo. Tais providências, em seu conjunto, constituem a primeira etapa da fase de saneamento (não da atividade de saneamento, inaugurada com o próprio despacho liminar: supra, § 2º, nº I, 1). Essa fase vai encerrar-se com a prolação de decisão que, em princípio, completa semelhante atividade e à qual tradicionalmente se chamava “despacho saneador” (antes da Lei nº 11.280, que, modificando o art. 338, caput, substituiu a expressão por “decisão de saneamento”) – ressalvadas as hipóteses em que o processo se abrevia, terminando desde logo, quiçá com resolução do mérito (infra, § 12), em vez de prosseguir em direção à audiência de instrução e julgamento. 2. É de 10 dias o prazo para a determinação, pelo juiz, das providências preliminares, e começa a correr da data em que lhe forem conclusos os autos, uma vez decorrido sem aproveitamento o prazo para a resposta do réu, ou logo depois de oferecida esta: apesar da letra do art. 323, não há razão bastante para aguardar-se o termo final, se antes dele o réu já houver respondido. Tem de levar-se em conta que, recebida exceção, o processo ficará suspenso até o respectivo julgamento (arts. 265, nº III, e 306); neste caso, os autos só serão conclusos ao juiz, para as providências preliminares, depois de oferecida a contestação, ou ao fim do prazo, decorrido in albis, para o seu oferecimento (supra, § 4º, nº III, 5). Se houver reconvenção, deve entender-se que a conclusão dos autos para as providências preliminares se tornará oportuna após a contestação do reconvindo, ou ao expirar inaproveitado o prazo do art. 316, fine. Em tal hipótese, as providências preliminares hão de referir-se a ambas as ações, levando-se em conta, na aplicação
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dos dispositivos pertinentes, que reconvinte e reconvindo são também, respectivamente, autor e réu. II. Enumeração das providências preliminares 1. As providências preliminares estão arroladas nos arts. 324 a 327 do Código. Segundo revela o exame sistemático desses dispositivos, os dois tipos mais frequentes de providências preliminares consistem na abertura de oportunidade para que fale o autor (o primitivo autor e, se for o caso, sucessivamente, o reconvinte) e na determinação a qualquer das partes de suprir irregularidades ou nulidades sanáveis porventura existentes. 2. Abre-se oportunidade ao autor: a) simplesmente para especificar as provas que pretenda produzir na audiência (desde que, entenda-se, não o haja feito na própria inicial), se, apesar de inexistir contestação, não tiver ocorrido o efeito da revelia (art. 324). O prazo para a especificação das provas, no silêncio do texto pertinente, é de 5 dias (art. 185); b) para requerer, se lhe aprouver, no prazo de 10 dias, a prolação de “sentença incidente” sobre a prejudicial de mérito acaso suscitada na contestação (art. 325): prevê-se aqui a propositura, pelo autor, de ação declaratória incidental (art. 5º), que pode provocar modificação no procedimento (infra, § 11, nº II); c) para replicar, igualmente num decêndio, à arguição de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu suposto direito, caso o réu a tenha formulado na contestação, eventualmente após reconhecer o alegado fato constitutivo (confissão, inconfundível com o reconhecimento do pedido!) (art. 326); d) para replicar, sempre no prazo de 10 dias, à arguição feita pelo réu ao contestar, de qualquer das preliminares enumeradas no art. 301 (art. 327, 1ª parte). Ocorrendo simultaneamente duas das hipóteses b, c, e d, ou todas elas – v.g., se o réu, na contestação, suscitar a prejudicial de mérito e opuser fato extintivo, ou fizer ambas as coisas e também arguir alguma preliminar do art. 301 etc. –, o decêndio para a réplica do autor é um só: em 10 dias ele há de pronunciar-se acerca de toda essa matéria. A lei permite expressamente a produção de prova documental, pelo autor, nas hipóteses c e d (arts. 326 e 327, 1ª parte): por prova documental entende-se aquela referente ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo, ou ao fundamento da preliminar arguida pelo réu. Também na hipótese b deve reconhecer-se ao autor a possibilidade de juntar documentos (atinentes à prejudicial), pois aí se trata da propositura de uma ação; o requerimento de sentença equipara-se, para este fim, a uma petição inicial, incindindo portanto os arts. 283 e 396, 1ª parte (cf. infra, § 8º, nº IV, 1, e § 11, nº II, 3).
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3. Toca ao juiz fixar o prazo para a correção de irregularidades ou suprimento de nulidades sanáveis, observadas, é claro, as prescrições dos arts. 243 e segs. especialmente do art. 249 e seus parágrafos. O prazo assinado à parte não excederá 30 dias (art. 327, 2ª parte). A persistência da nulidade após o termo final do prazo marcado pode dar causa à extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto do seu desenvolvimento válido e regular (art. 329, combinado com o art. 267, nº IV). 4. De acordo com o art. 328, cumpridas as providências preliminares, ou não havendo necessidade delas, os autos serão conclusos ao juiz, para proferir “julgamento conforme o estado do processo”. Significa isso, concretamente, que ao órgão judicial se abrem as seguintes possibilidades: extinguir o processo consoante o art. 329; julgar antecipadamente a lide (art. 330); designar audiência preliminar, se a causa versar sobre direitos que admitam transação (art. 331, caput, na redação da Lei n° 10.444; infra, § 12, nº IV); ou emitir decisão de saneamento (infra, § 6º). É desnecessária qualquer providência preliminar quando o réu haja contestado sem formular nenhuma das alegações previstas nos arts. 325 a 327, e inexista nulidade ou irregularidade que precise ser sanada. Nas hipóteses dos arts. 326 e 327, se o autor houver juntado à réplica prova documental, o juiz, antes de mais nada, mandará ouvir a respeito o réu, no prazo de 5 dias (art. 398). § 6º – A Decisão de Saneamento I. Conceito e natureza 1. No sistema do Código, o pronunciamento outrora denominado despacho saneador constitui uma das modalidades possíveis do “julgamento conforme o estado do processo”. É que, a esta altura da fase de saneamento, pode suceder que não haja necessidade ou utilidade em prosseguir o feito: não há necessidade, quando desde logo se torne viável a apreciação do mérito (infra, § 12, nº I), o que ocorre não apenas nas hipóteses de “julgamento antecipado da lide” (art. 330), mas também nas contempladas no art. 269, nºs II a V, e porventura até então verificadas (cf. art. 329); não há utilidade, quando a procedência de alguma preliminar suscitada pelo réu (art. 301) ou conhecível de ofício, ou a existência de nulidade insanável ou não sanada faça inadmissível a ação, ou inaproveitável o processo, de sorte que jamais se chegaria a julgar o mérito. Em casos tais, em atenção ao princípio da economia processual, abrevia-se o feito, que termina antes do momento normal. Existe mais uma possibilidade: a de que, nos termos do art. 331 (com a redação da Lei nº 10.444), se venha a realizar audiência preliminar: aí, obtendo êxito a tentativa de conciliação, também se abrevia o itinerário processual (infra, §12, nº IV). A decisão de saneamento tem lugar justamente nas hipóteses restantes, ou seja, naquelas em que, descabida a audiência preliminar, por inadmissível a transação, ou pela evidente improbabilidade da respectiva concretização, dadas “as circunstâncias da cau-
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sa” (art. 331, § 3°, na redação da Lei n° 10.444), o órgão judicial chega à convicção de que é necessário o prosseguimento do feito – porque ainda não pode ser resolvido o mérito –, e além disso é útil fazê-lo prosseguir – porque tudo indica que o mérito poderá ser resolvido. Configura-se, pois, a decisão de saneamento como o ato pelo qual o juiz, verificando ser admissível a ação e regular o processo, o impele em direção à audiência de instrução e julgamento, por não estar ainda madura a causa para a decisão de mérito. Importa assinalar que, quando se realiza audiência preliminar, mas não se logra o acordo das partes, não há necessidade de decisão escrita: deve o órgão judicial, na própria audiência, pronunciar-se sobre as questões pertinentes (art. 331, § 2º, na redação da Lei nº 8.952). É óbvio que a solução delas constará do termo da audiência. 2. Contêm-se na decisão de saneamento: a) um juízo positivo de admissibilidade relativamente à ação, no sentido de que o órgão judicial, quer examinando preliminares arguidas pelo réu, quer conhecendo ex officio da matéria – o que só não lhe é lícito fazer quanto à existência de compromisso arbitral (art. 301, § 4º, não alterado pela Lei nº 9.307) –, admite a concorrência das condições que tornam legítimo o respectivo exercício; b) um juízo positivo de validade do processo, quer por haver-se ele constituído e desenvolvido sem vícios, quer por terem sido oportunamente sanados (art. 327, 2ª parte; cf. supra, § 5º, nº II, 3) os que existiam, quer ainda porque os porventura existentes sejam irrelevantes à luz das regras insculpidas nos arts. 243 e segs. Trata-se, pois, de verdadeira decisão interlocutória, em que o juiz resolve questões incidentes (art. 162, § 2º). II. Objeto 1. Constituem o objeto da decisão de saneamento: a) as questões já suscitadas ou conhecíveis de ofício, com referência à ação e ao processo, quando sejam resolvidas no sentido da admissibilidade daquela e da validade deste (do contrário, não se profere decisão de saneamento, mas decreta-se a extinção do processo sem resolução do mérito: arts. 329 e 267); b) a questão concernente à realização de prova pericial, cabendo ao juiz deferir ou indeferir a requerida por qualquer das partes, ou determiná-la ex officio (art. 130), nomear o perito (art. 421, caput) e facultar às partes a indicação dos respectivos assistentes técnicos, dentro de 5 dias a contar da intimação (art. 421, § 1º, nº I); c) se necessário (art. 331, § 2°, fine), a designação da audiência de instrução e julgamento e a determinação das provas orais que nela se hão de produzir, a saber: as requeridas pelas partes (e deferidas) e as ordenadas de ofício pelo próprio juiz (art. 130). Não é dado ao órgão judicial, salvo quando expressamente lho faculte a lei, diferir para outra oportunidade o exame das questões que integram o objeto da decisão de saneamento. Além de contrariar o disposto no art. 331 (onde o “poderá” não expressa mera faculdade, mas dever), combinado com o art. 329, tal prática não se compadece com o sistema do Código, tão sensível ao princípio da economia processual.
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2. Ademais, conquanto não precise o juiz versá-las explicitamente na decisão de saneamento, o simples fato de proferi-lo revela (art. 331, caput, principio) que: a) as outras questões a que se referem os arts. 267 (salvo no inciso I) e 269, nºs II a V, foram resolvidas no sentido da inocorrência de qualquer dessas hipóteses de extinção do processo; b) também se resolveu no sentido negativo a questão da ocorrência de qualquer das hipóteses que, nos termos do art. 330, acarretariam o julgamento antecipado da lide. III. Eficácia preclusiva da decisão de saneamento 1. A decisão de saneamento produz a preclusão: a) de todas as questões decididas, ex officio ou mediante provocação da parte, pelo juiz, com ressalva da possibilidade, que sempre lhe fica, de determinar a realização de prova indeferida mas que lhe venha a parecer, mais tarde, necessária à instrução do feito (art. 130); e também b) das questões não decididas – desde que antes suscitadas ou simplesmente suscitáveis, ou apreciáveis de ofício – cuja solução cabia na decisão de saneamento, excetuadas apenas aquelas que, à luz de regra legal específica ou do sistema do Código, possam ser resolvidas posteriormente: assim, v.g., a da incompetência absoluta (art. 113, caput), a relativa a alguma nulidade que a parte prove não ter alegado antes em virtude de “legítimo impedimento” (art. 245, parágrafo único, fine). A preclusão não significa, no caso da letra b, que as questões devam considerar-se, por inútil ficção jurídica, “implicitamente decididas”, como às vezes se afirma: significa, sempre e apenas, que daí em diante já não é possível apreciá-las. A eficácia preclusiva da decisão de saneamento opera desde o momento em que esta se torne irrecorrível, pelo decurso in albis do prazo ou por qualquer outra causa; ou então, se contra ela se interpuser recurso admissível (agravo: art. 522), desde o trânsito em julgado do acórdão do órgão ad quem.
Capítulo III ETAPA INSTRUTÓRIA
§ 7º – O Procedimento Probatório em Geral Procedimento Ordinário
I. Noções introdutórias 1. O conceito de prova, o objeto da prova, o onus probandi, os meios de prova, suas classificações e requisitos de admissibilidade, os critérios de valoração da prova são temas que pertencem à teoria geral do processo civil. No presente contexto, tratar-se-á precipuamente, com referência ao rito ordinário, do procedimento probatório, isto é, dos atos pelos quais as provas são propostas, deferidas ou indeferidas, determinadas ex officio pelo órgão judicial e produzidas. 2. Como se assinalou oportunamente (supra, Introdução, nº 5), esses atos na verdade não se concentram, de modo exclusivo, numa etapa do processo de conhecimento de primeiro grau. Assim, a prova documental deve, em princípio, ser produzida pelas partes na etapa postulatória: pelo autor, com a petição inicial, e pelo réu, com a resposta (arts. 283 e 396); o depoimento pessoal de uma ou de outra parte pode ser determinado pelo juiz, de ofício,“em qualquer estado do processo” (art. 342) etc. Todavia, é na etapa que vai da decisão de saneamento (oral, no caso de conciliação frustrada na audiência preliminar: art. 331, § 2º, na redação da Lei nº 8.952; cf. supra, § 6º, nº I, 1) até a audiência de instrução e julgamento que normalmente se realizam, em sua maioria, os atos de produção de prova. Daí reservar-se a essa, feitas as ressalvas cabíveis, a denominação de fase instrutória, porque nela é que principalmente se procede à atividade de instrução. Diz aliás o art. 336, caput, em termos expressos, que, “salvo disposição especial em contrário, as provas devem ser produzidas em audiência”. II. Proposição, admissão e determinação de provas 1. Situam-se em regra fora da fase instrutória os atos de proposição de provas e os de deferimento ou indeferimento, ou de determinação ex officio da realização de provas. No tocante à proposição, observa-se o seguinte:
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a) o autor tem o ônus de indicar na petição inicial (art. 282, nº VI), enumerando-os (supra, § 1º, nº VII), os meios de prova de que se quer utilizar, sob pena de, caso não suprida a omissão nos termos do art. 284, ser indeferida a inicial (art. 284, parágrafo único; cf. supra, § 2º, nº III, 1). Ainda se lhe concede, numa hipótese (supra, § 5º, nº II, 2, letra a), a possibilidade de especificar, se não o houver feito na própria inicial, as provas que pretende produzir em audiência (art. 324, 2ª parte); b) ao réu abre-se uma única oportunidade para indicar as provas cuja produção lhe interessa: a da contestação (art. 300, fine). Essas regras só não prevalecem quando a lei permita expressamente à parte requerer, noutro momento, a realização de prova: por exemplo, no que concerne à inquirição de testemunhas referidas (art. 418, nº I), ou à inspeção judicial de pessoas ou coisas (art. 440). 2. Ressalvada a hipótese de conciliação frustrada, em que o órgão judicial deve pronunciar-se ato contínuo, oralmente, acerca da matéria (art. 331, § 2º, na redação da Lei nº 8.952), o pronunciamento sobre a admissibilidade das provas requeridas pelas partes integra a decisão escrita de saneamento com relação às provas indicadas na inicial (e eventualmente especificadas na forma do art. 324, fine) e na contestação. É naquela decisão, com efeito, que o juiz defere ou indefere a realização de exame pericial (cf. supra, § 6º, nº II, 1, letra b), bem como o depoimento pessoal da parte e a inquirição de testemunhas, na audiência (cf. supra, § 6º, nº II, 1, letra c); o julgamento antecipado da lide somente ocorre quando não haja necessidade de produzir prova alguma em audiência (art. 330, nº I, fine; cf. infra, § 12, nº III, 2). Nas hipóteses em que a lei consente às partes requerer a realização de prova depois da decisão de saneamento (v.g., art. 440), o órgão judicial terá o prazo de 10 dias para decidir sobre o requerimento (art. 189, nº II). 3. Em qualquer caso, cabe ao juiz determinar de ofício a realização de provas que julgue necessárias (art. 130). As regras particulares a respeito, como a do art. 342, devem considerar-se meramente explicitantes. Prevalece no sistema do Código o princípio da livre iniciativa oficial na atividade de instrução, embora não sem restrições: do confronto entre os arts. 381 e 382 resulta, por exemplo, que ao órgão judicial é lícito ordenar ex officio a exibição parcial de livros comerciais e documentos do arquivo, para deles extrair “a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas”, mas só a requerimento pode determinar, nas hipóteses previstas (art. 381, nos I a III), a exibição integral daqueles livros e documentos. O poder de ordenar de ofício a realização de provas subsiste íntegro mesmo que o juiz tenha anteriormente indeferido o requerimento da parte; não ocorre, para ele, preclusão.
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§ 8º – A Produção das Provas em Espécie I. Depoimento pessoal da parte 1. Cada uma das partes tem o dever de comparecer a juízo e responder ao que lhe for perguntado (art. 340, nº I), sempre que o seu depoimento pessoal for ordenado ex officio pelo juiz ou deferido por este a requerimento da outra parte (art. 343). Exclui-se o dever de depor quando se tratar de fatos criminosos ou torpes, imputados à parte, ou de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva ela guardar sigilo (art. 347, nºs I e II); mas a exclusão não subsiste nas ações de filiação, de desquite (hoje, separação) e de anulação (ou nulidade) de casamento (art. 347, parágrafo único). Com relação ao depoimento requerido (não ao determinado de ofício!), comina a lei sanção para o descumprimento do dever de comparecer e de depor. A sanção consiste na aplicação à parte, pelo juiz, da pena de confissão (art. 343, § 2º); isto é, presumem-se (rectius: fingem-se) confessados, nos termos do art. 343, § 1º, os fatos contra ela alegados. Sob pena de nulidade (art. 247), deve a respectiva cominação, ainda que não requerida, constar do mandado através do qual se intima pessoalmente a parte a comparecer para prestar depoimento (art. 343, § 1º). Se, entretanto, a parte intimada não comparecer por motivo justificado até a abertura da audiência, não se lhe imporá a pena, adiando-se, em vez disso, a audiência (art. 453, nº II). Apesar do “poderá” no caput do mencionado dispositivo, se foi a outra parte que requereu o depoimento do ausente, o adiamento é de rigor, pois a única alternativa seria a dispensa da prova, pelo juiz, mas essa não se deve entender possível senão quando a realização haja sido determinada pelo próprio órgão judicial, ou regra legal expressa o autorize a dispensá-la, a despeito do prévio deferimento (v. g., arts. 407, parágrafo único, 2ª parte; 414, § 1º, 3ª parte; 453, § 2º); incidirá, eventualmente, o art. 336, parágrafo único (v. infra, 2). Justificado que venha a ser o motivo do não comparecimento depois de realizada a audiência, cessam os efeitos da pena de confissão; se ainda não se proferiu a sentença, já não poderá o juiz, na fundamentação, tirar da ausência a conclusão prevista no art. 343, §§ 1º e 2º. Embora o art. 347 afaste apenas o dever de depor, em relação aos fatos nele contemplados, é intuitivo que a pena de confissão, quanto a esses fatos, é inaplicável inclusive à parte que nem sequer compareça. A recusa de depor tanto pode caracterizar-se pela negativa direta e frontal, como pela simples omissão em responder ou pelo recurso a evasivas, sem motivo justificado. Em casos tais, cabe ao órgão judicial, à luz das outras circunstâncias e elementos de prova disponíveis, verificar se a atitude da parte há de ser considerada como recusa de depor – hipótese em que, naturalmente, se lhe imporá a pena de confissão. Deve o juiz esclarecer na sentença as razões de seu convencimento a esse respeito (art. 345). 2. O depoimento pessoal da parte é, em regra, prestado em audiência (art. 336, caput): na de instrução e julgamento, quando requerido pela parte contrária (art. 343,
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caput); nela ou noutra especialmente marcada para esse fim, quando determinado de ofício pelo órgão judicial (art. 342). Por exceção, pode ser interrogada a parte, a requerimento da outra: a) antes da propositura da ação, ou na pendência do processo, mas antes da audiência, se tiver de ausentar-se e, por isso, for presumível que não possa comparecer a juízo por ocasião da audiência; ou ainda se, por motivo de idade ou de moléstia grave, houver justo receio de que ao tempo da audiência já não exista, ou esteja impossibilitada de depor (art. 847); b) em dia, hora e lugar designados pelo juiz, conforme as circunstâncias do caso, quando, por enfermidade ou por outro motivo relevante, estiver impossibilitada de comparecer à audiência, mas não de prestar depoimento (art. 336, parágrafo único). Na audiência de instrução e julgamento, depõem as partes depois das respostas do perito e dos assistentes técnicos aos quesitos de esclarecimento, se for o caso, e antes da inquirição das testemunhas. Primeiro presta depoimento o autor (ou os vários litisconsortes ativos que tenham de fazê-lo), em seguida o réu (ou os vários litisconsortes passivos que hajam de prestar depoimento) (art. 452, nº II). É defeso a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório de outra parte (art. 344, parágrafo único), inclusive do litisconsorte. 3. Compete ao juiz, direta e pessoalmente, tomar o depoimento das partes (arts. 446, nº II; 452, nº II; e 344, combinado com o art. 416, principio). Após formular ao depoente as perguntas que entender necessárias, permitirá o juiz que as formule, sempre por seu intermédio, o procurador da parte que houver requerido o depoimento; nenhuma pergunta será formulada diretamente ao depoente pelo procurador, e o juiz indeferirá as que lhe pareçam impertinentes ou irrelevantes, isto é, inúteis para esclarecer ou completar o depoimento (art. 344, combinado com o art. 416). Serão transcritas no termo da audiência as perguntas indeferidas, se o requerer, por meio do procurador, a parte que pediu o depoimento (art. 344, combinado com o art. 416, § 2º). Não comparecendo à audiência o procurador desta, pode o juiz dispensar o depoimento da parte contrária (art. 453, § 2º), ou restringi-lo às perguntas por ele próprio formuladas. Segundo o art. 346, principio, “a parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados”. Não se admite, pois, que as respostas sejam dadas através do procurador da parte, ou de pessoa estranha ao processo; se, porém, a parte for incapaz, prestará depoimento o representante, sem que fique afastada a possibilidade de, em casos especiais, inquirir-se o próprio incapaz. As pessoas jurídicas e as entidades não personificadas, mas dotadas de capacidade para ser parte, prestam depoimento por meio dos órgãos indicados no art. 12. Perguntas e respostas hão de ser formuladas no idioma nacional (art. 156). Se a parte não o conhecer, o juiz, quando o reputar necessário, nomeará intérprete, a quem tocará verter as perguntas para o idioma da parte e traduzir para o vernáculo as respostas que ela der (art. 151, nº II). Poderá o juiz entender desnecessária a nomeação de intérprete quando saiba, ele próprio, expressar-se em idioma conhecido do depoente e compreenda o que este utilize; nesse caso, porém, ainda em atenção à re-
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gra do art. 156, deve formular as perguntas, primeiro, em português, e traduzir as respostas, agindo como intérprete. De acordo com o disposto no art. 192 do Código de Processo Penal, aplicável por analogia, em se tratando de surdo, o juiz, após ler a pergunta em voz alta, apresentá-la-á por escrito à parte, que responderá oralmente; em se tratando de mudo, o juiz formulará oralmente a pergunta, e a parte dará resposta escrita, que será lida em voz alta pelo juiz; em se tratando de surdo-mudo, perguntas e respostas serão dadas por escrito – mas lendo-as sempre o juiz em voz alta –, ou então, quando isso não for possível, com o auxílio de intérprete que conheça a linguagem mímica do depoente (art. 151, nº III). É vedado à parte, no depoimento, dar respostas preparadas de antemão por escrito; não, porém, consultar notas breves, onde se contenham elementos úteis, que não seria razoável querer memorizados: por exemplo, datas de fatos não muito recentes, dados numéricos etc. (art. 346). Cabe ao juiz, de ofício ou por provocação da parte contrária, determinar a exibição de tais apontamentos, para verificar se se contêm nos limites devidos; no caso negativo, não permitirá que o depoente deles se utilize. Datilografado, ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será o depoimento assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores (art. 417, caput, na redação da Lei nº 8.952, aplicável por analogia). Faculta-se à parte, evidentemente, impugnar a exatidão de qualquer ponto, ou reclamar contra alguma omissão, incumbindo ao juiz, se for o caso, determinar a retificação ou a complementação necessária. II. Confissão 1. Chama-se confissão à admissão, pela parte, da verdade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao adversário (art. 348, 1ª parte). Não se confunde a confissão, que versa exclusivamente sobre fatos e pode ser feita por qualquer das partes, com o reconhecimento da procedência do pedido, que tem por objeto a própria pretensão do autor e só pode emanar do réu, ou de algum dos litisconsortes passivos. Os efeitos são também diferentes, num caso e noutro (infra, § 12, nº II, 1). 2. A confissão é judicial ou extrajudicial (art. 348, 2ª parte). A judicial pode ser real ou ficta, e a primeira subdivide-se em: a) espontânea, quando requerida pelo confitente, sendo admissível a qualquer tempo e podendo ser feita pela própria parte, pessoalmente, ou por procurador investido de poderes especiais (arts. 38 e 349, parágrafo único); deve ser reduzida a termo nos autos (art. 349, caput, 2ª parte); b) provocada, quando obtida mediante o interrogatório da parte, em seu depoimento pessoal (art. 349, caput, fine), na audiência de instrução e julgamento ou noutra especialmente designada para tomá-lo. Denomina-se confissão ficta a que resulta, como sanção, da recusa da parte, cujo depoimento foi requerido, a comparecer ou a depor (supra, nº I, 1). Equipa-
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ram-se à confissão ficta, em certa medida, a omissão do réu em contestar (revelia) e a omissão em impugnar, na contestação, algum ou alguns dos fatos narrados na inicial, sem embargo de diferenças na disciplina dada pelo Código a cada uma das três figuras. 3. O estudo dos requisitos de validade, da eficácia e da revogação da confissão, pertencente à teoria geral do processo civil, não cabe no presente contexto, onde só se cogita, como explicado, do procedimento probatório. III. Exibição de documento ou coisa 1. De ofício ou a requerimento de qualquer das partes, constante da petição inicial ou posteriormente formulado, pode o juiz determinar a exibição, pela outra parte, de documento ou coisa que se supõe estar em seu poder (art. 355). Sendo a exibição requerida por uma das partes, deve esta, no requerimento, individuar, tão completamente quanto possível, o documento ou a coisa; esclarecer a finalidade da exibição, indicando os fatos cuja verificação entende depender do exame do documento ou da coisa; expor os motivos pelos quais afirma que o documento ou coisa existe e se acha em poder da parte contrária (art. 356). Deferido o requerimento de exibição, intima-se o requerido, que dispõe de 5 dias para responder (art. 357, 1ª parte). Quatro hipóteses podem ocorrer: a) o requerido atende à intimação e exibe o documento ou a coisa, que, conforme o caso, o juiz mandará juntar aos autos, ou inspecionará pessoalmente, ou ordenará que se submeta a exame pericial; b) o requerido não exibe o documento ou a coisa e deixa passar, sem responder, o quinquídio; neste caso, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, o requerente pretendia provar (art. 359, nº I); c) o requerido, no prazo para a resposta, admitindo embora possuir o documento ou a coisa, recusa-lhe a exibição. A recusa pode fundar-se em (art. 363): ser o documento ou a coisa concernente a negócios da própria vida da família do requerido; poder a sua exibição violar dever de honra; provocar a publicidade do documento desonra ou perigo de ação penal para o requerido, ou para qualquer de seus parentes ou afins até o terceiro grau; acarretar a exibição a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva o requerido guardar segredo; enfim, outro motivo que o órgão judicial reconheça como suficientemente grave para justificá-la. Não será admissível a recusa (art. 358) se: o requerido tiver obrigação legal de exibir o documento ou a coisa; houver aludido, ele próprio, ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova; o documento, por seu conteúdo, for comum a ambas as partes. Caso o órgão judicial acolha a escusa, desaparecem os efeitos da intimação para exibir; caso a rejeite, por ilegítima, a consequência é igual à da letra, b, supra: serão admitidos como verdadeiros os fatos que, por meio da exibição, se pre-
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tendia provar (art. 359, nº II), a menos que o requerido, vendo rejeitada a sua escusa, proceda à exibição – possibilidade que sempre lhe resta, não se devendo cogitar aqui de preclusão, por amor ao interesse na apuração da verdade; d) o requerido, ao responder no quinquídio, nega que o documento ou a coisa esteja em seu poder. Neste caso, o juiz mandará ouvir o requerente, permitindo-lhe, por qualquer meio, provar que a negativa é falsa (art. 357, 2ª parte); em seguida, decidirá. Se a decisão for favorável ao requerido, desaparecem os efeitos da intimação para exibir; se for contrária, ainda uma vez a consequência é a admissão, como verdadeiros, dos fatos que se queria provar (art. 359, nº I, 1ª parte), com a mesma ressalva final que se fez supra (letra c). 2. Quanto a documento ou coisa que se suponha estar em poder de terceiro, dá o Código ao pedido de exibição estrutura de verdadeira ação incidente (o terceiro é citado: art. 360; o juiz profere sentença, em certos casos mediante a realização de audiência: art. 361); não se deve inferir, contudo, que fique excluída a possibilidade de determinar o órgão judicial, ex officio, a exibição, se lhe parecer necessário ao esclarecimento dos fatos o exame do documento ou da coisa (cf. arts. 130, 339 e 341, nº II). Quando a exibição for requerida por qualquer das partes, na inicial, na resposta ou em ocasião posterior, observar-se-ão os requisitos do art. 356, aplicável por analogia, devendo a petição conter também a qualificação do terceiro e o requerimento de citação deste. A petição pode ser indeferida liminarmente pelo juiz; se for deferida, far-se-á a citação do terceiro (art. 360), por alguma das formas admissíveis (supra, § 3º, nº II, 2). O terceiro tem o prazo de 10 dias para responder, obedecidas as regras comuns (supra, § 4º, nº I, 2) na fixação do termo inicial. Também aqui são concebíveis quatro hipóteses: a) o terceiro, no prazo da resposta, exibe o documento ou a coisa, caso em que se procederá como na hipótese de exibição pela própria parte intimada (v. supra, 1, letra a); b) o terceiro não exibe o documento ou a coisa e deixa passar, sem responder, o decêndio; este caso, não expressamente disciplinado na lei, deve receber o tratamento previsto no art. 362 (infra, letra c), pois a omissão equivale à recusa (tácita) de efetuar a exibição; c) o terceiro, no prazo da resposta, admitindo embora possuir o documento ou a coisa, recusa-lhe a exibição, negando a obrigação de exibir, ou invocando qualquer das escusas previstas no art. 363. Nesta hipótese, o juiz designará audiência especial, para ouvir o terceiro, as partes e, se necessário, testemunhas, decidindo em seguida (art. 361). Reconhecendo a inexistência da obrigação de exibir, ou a procedência da escusa invocada, o órgão judicial rejeitará o pedido de exibição. A recusa não será admitida se o documento, por seu conteúdo, for comum ao terceiro e à parte reque-
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rente (art. 358, nº III, aplicável por analogia). Verificando inexistir justo motivo para a recusa, o juiz condenará o terceiro, por sentença, a exibir o documento ou a coisa (art. 361, fine), ordenando-lhe que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de 5 dias, e impondo ao requerente que o embolse das despesas que fizer; se o terceiro descumprir a ordem, determinará o juiz, ex officio ou por provocação da parte, que se expeça mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade penal do terceiro por crime de desobediência (art. 362); d) o terceiro, ao responder no decêndio, nega que esteja em seu poder o documento ou a coisa. Neste caso, realiza-se a audiência, profere-se a sentença e, se for mister, promove-se-lhe a execução nos mesmos termos descritos para o caso anterior (supra, letra c). 3. Quer na hipótese de documento ou coisa em poder da parte, quer na de documento ou coisa em poder de terceiro, pode acontecer que qualquer das escusas previstas no art. 363 só diga respeito a uma parte do conteúdo do documento. Dispõe a lei, em tal emergência, que da parte restante se extrairá “uma suma para ser apresentada em juízo” (art. 363, parágrafo único). Estando o documento em poder de terceiro, a extração da suma será feita à vista do documento por ele próprio apresentado, ou apreendido na forma do art. 362, fine, restituindo-se-lhe, em seguida, o documento. Na hipótese de documento em poder de alguma das partes, todavia, não cogita o texto legal de apreensão: aí, a providência contemplada no art. 363, parágrafo único, só será viável se a parte voluntariamente apresentar o documento; no caso de recusa, incidirá o art. 359. 4. A sentença proferida na ação exibitória contra terceiro (art. 361, fine), quer acolha, quer rejeite o pedido, em regra é passível de apelação (art. 513). Daí se conclui, não obstante o silêncio da lei, que o incidente deve processar-se em apenso aos autos principais, subindo o apenso ao órgão ad quem, separadamente, se interposto o recurso. As outras decisões atinentes à matéria são todas agraváveis (art. 522). IV. Prova documental 1. Conforme anteriormente observado, é na fase postulatória que as partes, em princípio, hão de produzir prova documental: o autor, com a inicial; o réu, com a contestação (arts. 283 e 396). Fora daí, embora a prática judiciária costume tolerá-la com maior largueza, a rigor só se admite a juntada de documentos pelos litigantes: a) quando destinados a provar fato superveniente (art. 397); b) como prova contrária, isto é, para refutar outro documento junto aos autos (art. 397); c) por autorização expressa de regra especial (v.g., arts. 326, 327, 1ª parte).
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O requerimento de declaração da existência ou inexistência de relação jurídica prejudicial (art. 5º), que é petição inicial da ação declaratória incidente, pode sempre ser instruído com documentos (supra, § 5º, nº II, 2, e infra, § 11, nº II, 3). Toda vez que alguma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz abrirá vista à parte contrária, para falar a respeito no prazo de 5 dias (art. 398). Havendo impugnação à juntada, cabe ao juiz decidir, mandando desentranhar o documento, se acolher a impugnação. Da decisão, num sentido ou noutro, cabe agravo (art. 522). 2. Quando necessário, a requerimento ou ex officio, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, o órgão judicial requisitará às repartições públicas certidões destinadas a comprovar as alegações das partes, e bem assim os procedimentos administrativos relacionados com as causas “em que forem interessados a União, o Estado, o Município ou as respectivas entidades de administração indireta” (art. 399, nºs I e II). Na interpretação do inciso II, deve atender-se a que o interesse de qualquer das pessoas jurídicas mencionadas é inegável quando seja parte no processo; fora desse caso, cumpre que se lhe reconheça a possibilidade de, ante a requisição, alegar que não tem interesse na causa, pois a atividade administrativa corre o risco de ver-se injustificavelmente perturbada mediante requisições pedidas pelas partes como tentativas de envolvimento da Administração Pública em litígios privados. O propósito de reduzir ao mínimo possível essa perturbação, ainda quando inevitável, inspirou o § 1º (antigo parágrafo único) do art. 399, segundo o qual, recebido o processo administrativo, “o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de 30 dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas pelas partes ou de ofício; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem”. Incide, ocorrendo excesso, o art. 198. V. Prova testemunhal 1. Como o depoimento pessoal da parte, também o da testemunha é, em princípio, prestado na audiência de instrução e julgamento (arts. 336, caput, e 410). Por exceção, prestam depoimento: a) em audiência especial, antes da de instrução e julgamento, e eventualmente até da propositura da ação, as testemunhas que tiverem de ausentar-se e, por essa razão, se presuma que não poderão comparecer à audiência de instrução e julgamento; e também aquelas que, por motivo de idade ou de moléstia grave, se receie que já não existam, ou estejam impossibilitadas de depor ao tempo da realização daquela audiência (art. 410, nº I, combinado com o art. 847). Neste caso, à audiência em que se tomar o depoimento serão intimados a comparecer “os interessados” (art. 848, parágrafo único), isto é, as partes do processo, ou as pessoas que hão de figurar como tais no processo futuro;
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b) perante outro órgão judicial, as testemunhas inquiridas através de carta (art. 410, nº II); c) em dia, hora e lugar designados pelo juiz, as que, por enfermidade ou por outro motivo relevante, estiverem, ao tempo da audiência de instrução e julgamento, impossibilitadas de comparecer a juízo, mas não de depor (arts. 410, nº III, e 336, parágrafo único); d) em sua residência, ou onde exercerem suas funções, em dia, hora e local que designarem, por solicitação do juiz, instruída com cópia da inicial ou da defesa oferecida pela parte que os tenha arrolado: o presidente e o vice-presidente da República, o presidente do Senado e o da Câmara dos Deputados, os ministros de Estado, os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos (agora, do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a redação dada ao dispositivo pela Lei nº 11.382), do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal de Contas da União, o procurador-geral da República, os senadores e deputados federais, os governadores dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, os deputados estaduais, os desembargadores dos Tribunais de Justiça, os juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais, os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, e os embaixadores dos países que, por lei ou tratado, concedam idêntica prerrogativa aos agentes diplomáticos do Brasil (arts. 410, nº IV, 411 e parágrafo único). Contêm disposições análogas o art. 33, nº I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14.3.1979), quanto aos magistrados em geral, e o art. 40, nº I, da Lei nº 8.625, de 12.2.1993, com relação aos membros do Ministério Público. 2. Cumpre à parte interessada na produção da prova, no prazo fixado pelo juiz ao designar a data da audiência, ou, se ele se omitir, até 10 dias antes daquela data, depositar em cartório o rol de testemunhas, especificando-lhes o nome, a profissão, a residência e o local de trabalho (art. 407, caput, na redação da Lei n° 10.358). Essas indicações são indispensáveis mesmo quanto às testemunhas que hajam de depor fora da audiência; na hipótese de depoimento antecipado (arts. 410, nº I, e 847), devem constar do próprio requerimento a que alude o art. 848, integrando a justificação sumária da necessidade de antecipação, pois tal necessidade só se pode configurar e apurar em relação a pessoas determinadas (cf. art. 847, nºs I e II). Nos demais casos, explica-se a exigência legal como meio de ministrar ao juízo ou à parte contrária os elementos imprescindíveis para que verifiquem o cabimento ou não de medidas como as previstas no art. 409, no art. 411 e parágrafo único, no art. 412, § 2º, no art. 414, § 1º, 1ª parte. A cada uma das partes é lícito oferecer, no máximo, 10 testemunhas (art. 407, parágrafo único, 1ª parte); à luz do disposto nos arts. 48 e 52, qualquer dos litisconsortes e também o assistente podem arrolar, em separado, até 10 testemunhas. Para evitar, porém, a multiplicação excessiva do número de testemunhas, permite a lei que o órgão judicial dispense as restantes, quando qualquer das partes oferecer mais
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de 3 para a prova do mesmo fato (art. 407, parágrafo único, 2ª parte), desde que, é claro, os depoimentos das três primeiras habilitem o juiz a formar convicção segura acerca do fato. Com essa ressalva, a dispensa deve entender-se facultada inclusive em relação às testemunhas arroladas (para deporem sobre o mesmo fato!) pelos outros litisconsortes ou pelo assistente, se for o caso. Depois de apresentado o rol, a parte que indicou a testemunha só pode substituir-lhe o nome pelo de outra pessoa: se ela falecer; se por enfermidade não estiver, ao tempo da audiência, em condições de depor, mesmo fora da sede do juízo (na impossibilidade apenas do comparecimento, incide o art. 336, parágrafo único); e se, por haver mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça incumbido da intimação (art. 408, nºs I a III). Em qualquer dessas hipóteses, a substituição é admissível ainda após o 10º dia anterior à audiência, quiçá até o momento em que esta haja de iniciar-se. Pode acontecer que, sendo caso de alguma providência prévia (intimação, requisição), já não haja tempo de tomá-la; caberá então ao juiz, à vista das circunstâncias do caso, realizar a audiência, indeferindo a prova, se lhe parecer que a parte intenta protelar o julgamento, ou então adiar a audiência, aplicando, por interpretação extensiva, a regra do art. 453, nº II, se entender realmente necessário o depoimento da testemunha substituta. À testemunha arrolada é lícito requerer ao juiz que a escuse de depor, alegando algum dos motivos previstos no art. 406, a saber: que a divulgação do fato ou dos fatos sobre que se pretende inquiri-la acarretará grave dano, ou ao seu cônjuge, parente ou afim, em linha reta ou no segundo grau da linha colateral; ou que a respeito desse fato ou desses fatos, por estado ou profissão, se encontra obrigada a guardar sigilo (cf. art. 414, § 2º, principio). Ouvidas as partes, o juiz decidirá de plano (art. 414, § 2º, fine). Se a escusa aceita concernir apenas a um ou a alguns dos fatos, o interrogatório limitar-se-á ao restante, ou aos restantes. Quando for arrolado como testemunha o juiz da causa, este se declarará impedido de exercer suas funções no processo (não de depor!), se tiver conhecimento de fatos suscetíveis de influir na decisão; ou mandará excluir seu nome do rol, se nada souber (art. 409, nºs I e II). Na primeira hipótese, a parte que o arrolou não poderá desistir do depoimento (art. 409, nº I, fine); com essa proibição visa-se a evitar o arrolamento malicioso do juiz, somente para afastá-lo do feito. Refere-se o art. 409 apenas ao juiz que deva presidir a audiência, não ao que porventura haja funcionado em fase anterior; por outro lado, o juiz que deponha como testemunha fica impedido de exercer posteriormente qualquer função no processo (art. 134, nº II, fine). 3. O comparecimento da testemunha à audiência pode ser: a) espontâneo, isto é, independente de intimação (não sendo caso de requisição, que é obrigatória: art. 412, § 2º). Se a parte que arrolou a testemunha houver de-
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clarado que esta compareceria espontaneamente, e a testemunha faltar, presumir-se-á, nos termos do art. 412, § 1º, fine, que a parte “desistiu de ouvi-la” (rectius: o não comparecimento não justificará o adiamento da audiência, que se realizará sem o depoimento); b) provocado, mediante requisição ao chefe da repartição ou ao comando do corpo, quando se tratar, respectivamente, de funcionário público ou de militar (art. 412, § 2º); ou, nos demais casos, mediante intimação feita, com antecedência mínima de 24 horas (do contrário, não obriga a testemunha a comparecer: art. 192), por mandado de que constarão o dia, a hora e o local da audiência, os nomes das partes e a indicação da natureza da causa (art. 412, caput, 1ª parte). Se a testemunha tiver residência certa, poderá ser intimada pelo correio, sob registro ou com entrega em mão própria (art. 412, § 3º). Apesar da letra do art. 453, nº II, que parece limitar a possibilidade de adiamento à hipótese de falta por motivo justificado, infere-se do disposto no art. 412, caput, 2ª parte, que se deve adiar a audiência mesmo que a testemunha (intimada!) deixe de comparecer “sem motivo justificado”: em tal caso ela “será conduzida, respondendo pelas despesas do adiamento”; este, portanto, só não ocorrerá se a condução puder fazer-se de imediato (cf. infra, § 9º, nº III, 1). A lei não prevê a condução para a hipótese de ausência da testemunha requisitada; se o seu não comparecimento resulta do desatendimento à requisição, por parte do chefe da repartição ou do comando do corpo, existe, para ela, justo motivo de falta, incidindo, como em qualquer caso de motivo justificado, o art. 453, nº II, e seu § 1º, sem prejuízo das sanções eventualmente aplicáveis à autoridade que descumpriu a requisição. 4. Na audiência, a prova testemunhal é a última a ser tomada: ouvem-se as testemunhas depois do perito, dos assistentes técnicos e das partes (art. 452, nº III), separada e sucessivamente, primeiro as arroladas pelo autor, em seguida as arroladas pelo réu, velando o juiz para que uma não ouça o depoimento das outras (art. 413). As testemunhas arroladas pelo assistente depõem, se for o caso, após as arroladas pela parte assistida; as arroladas pelos vários litisconsortes, com observância da ordem em que estes figurem na inicial, como coautores ou corréus. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarando o nome por extenso, a profissão, a residência e o estado civil (art. 414, principio). Consoante a parte final desse mesmo dispositivo, declarará também a testemunha “se tem relações de parentesco com a parte” (entenda-se: com qualquer das partes), “ou interesse no objeto do processo”. Trata-se, aí, de verificar previamente se alguma circunstância torna a testemunha incapaz ou impedida de depor, ou suspeita para depor (cf. art. 405, § 2º, nº I, e § 3º, nº IV); por conseguinte, não apenas sobre os dois tópicos referidos, mas sobre todos aqueles de que possa originar-se incapacidade, impedimento ou suspeição
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(art. 405, § § 1º a 3º), deve a testemunha ser de antemão interrogada, caso não decline espontaneamente, desde logo, a existência de fato que a torne incapaz, a impeça de depor ou a faça suspeita. O controle da incapacidade, do impedimento e da suspeição compete ex officio ao juiz, pois as pessoas incapazes, impedidas ou suspeitas não podem depor (art. 405, caput), embora a lei permita, quanto às impedidas e às suspeitas, a tomada do depoimento em “sendo estritamente necessário”, com supressão do compromisso de veracidade (art. 405, § 4º). Fora desses casos especiais, a testemunha prestará, ao início da inquirição, o compromisso de dizer a verdade sobre o que souber e lhe for perguntado (art. 415, caput). Deve o juiz advertir a testemunha compromissada de que incorre em sanção penal quem faça afirmação falsa, cale ou oculte a verdade (art. 415, parágrafo único). 5. Se o órgão judicial não reconhecer a incapacidade, o impedimento ou a suspeição, de imediato, ante as declarações espontâneas ou provocadas da testemunha, faculta-se ao adversário da parte que a arrolou (havendo litisconsórcio, a qualquer dos adversários; havendo assistente, também a este) contraditar a testemunha. Chama-se contradita à arguição da incapacidade, do impedimento ou da suspeição (art. 414, § 1º). Sobre a contradita, ouve-se a testemunha. Se os fatos alegados pelo contraditante forem por ela confessados, ou se, embora contestados, puder o contraditante prová-los com documentos ou mediante o depoimento de outras testemunhas (que podem incluir-se ou não entre as arroladas, por qualquer das partes, para depor), até o máximo de três, apresentadas no ato e inquiridas em separado, o juiz acolherá a contradita e dispensará a testemunha (art. 414, § 1º, 2ª e 3ª partes). Não logrando o contraditante provar os fatos alegados e contestados pela testemunha, prestará ela normalmente o seu depoimento. Pode acontecer, todavia, que, a despeito de procedente a contradita, o depoimento da testemunha pareça ao órgão judicial “estritamente necessário” para o esclarecimento de algum fato relevante. Em tal hipótese, poderá ele ouvi-la, de acordo com o disposto no art. 405, § 4º. O depoimento será prestado independentemente de compromisso (supra, nº 4), acrescentando o texto legal que o juiz lhe atribuirá o valor que possa merecer – cláusula a rigor supérflua, pois a prova testemunhal, como aliás, qualquer prova, em princípio, sempre se submete à livre valoração judicial (cf. art. 131). No incidente da contradita tem óbvio interesse a parte que arrolou a testemunha; por isso, apesar do silêncio da lei, deve o órgão judicial ouvi-la, na pessoa do seu procurador, ou até diretamente, se achar útil para esclarecer-se. A inquirição das testemunhas apresentadas para depor sobre a contradita obedece, no que couber, às regras concernentes ao interrogatório das testemunhas arroladas para depor sobre os fatos relevantes para a solução do litígio; pode o juiz admitir a formulação de perguntas pelo contraditante, pela parte contrária e pela testemunha contraditada.
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6. Compete ao juiz, direta e pessoalmente, tomar o depoimento da testemunha (arts. 446, nº II, e 416, principio), interrogando-a sobre os fatos articulados, com ressalva da possibilidade de escusa quanto aos mencionados no art. 406. Depois de formular à testemunha as perguntas que entender necessárias, permitirá o juiz que as formulem, sempre por seu intermédio, e na medida em que visem a esclarecer ou completar o depoimento, o procurador da parte que arrolou a testemunha e em seguida o da parte contrária (art. 416, caput). Havendo litisconsórcio, podem formular perguntas os procuradores de todos os litisconsortes; e bem assim os dos assistentes de qualquer das partes (arg. ex art. 52), independentemente da circunstância de haver sido arrolada a testemunha pelo assistente ou pelo assistido. Nenhuma pergunta será formulada diretamente à testemunha pelo procurador, e o juiz indeferirá as que lhe pareçam irrelevantes, bem como as impertinentes, capciosas ou vexatórias (art. 416, § 1º). Serão transcritas no termo da audiência as perguntas indeferidas se, através do procurador, o requerer a parte que as houver formulado (art. 416, § 2º). Não comparecendo à audiência, sem motivo justificado, o procurador da parte que arrolou a testemunha, pode o juiz dispensar o depoimento (art. 453, § 2º), ou restringi-lo às perguntas formuladas por ele próprio e pelo procurador da parte contrária, bem como, se for o caso, pelos dos litisconsortes e dos assistentes. Ao interrogatório da testemunha aplicam-se, mutatis mutandis, as regras expostas, a propósito do depoimento da parte (supra, nº I, 3), quanto à forma de responder às perguntas, quanto ao idioma utilizado e à eventual participação de intérprete, quanto à inquirição do surdo, do mudo e do surdo-mudo (com ressalva do disposto no art. 405, § 1º, nº IV, consoante o qual o surdo é incapaz de depor quando a ciência do fato depender do sentido que lhe falta). Também se lhe aplica, por analogia, a norma do art. 346. O depoimento, datilografado, ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será subscrito pelo juiz, pela testemunha e pelos procuradores, facultando-se às partes a gravação (art. 417, caput, na redação da Lei nº 8.952). Aqui, de igual modo, pode o depoente denunciar inexatidões ou omissões, cabendo ao órgão judicial determinar, se for o caso, a retificação ou a complementação. Se da sentença houver recurso, ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento de parte, será datilograficamente transcrito o depoimento registrado por forma diversa (art. 417, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 8.952). 7. De ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode o órgão judicial, se necessário para o esclarecimento de algum fato, ordenar a inquirição de pessoas referidas nas declarações da parte ou da testemunha (art. 418, nº I). Essa providência normalmente acarretará a interrupção da audiência, para cujo prosseguimento marcará o juiz dia tão próximo quanto possível (art. 455, 2ª parte), levando em conta o tempo indispensável para a intimação ou requisição da testemunha referida, a menos
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que se trate de pessoa a ser interrogada mediante carta, ou então mencionada no art. 411, hipótese em que se lhe solicitará a designação de dia, hora e local para ser inquirida (art. 411, parágrafo único). 8. Quando sobre fato relevante divergirem as declarações de duas ou mais testemunhas entre si, ou as de alguma (ou algumas) delas das prestadas por qualquer das partes em depoimento pessoal, é lícito ao juiz, também ex officio ou a requerimento de parte, ordenar a acareação dos depoentes que divergiram (art. 418, nº II). A acareação far-se-á, em princípio, na própria audiência; se isso for impossível, por já se haver retirado algum dos depoentes, aplicar-se-á o art. 455, 2ª parte. Não disciplina a lei o procedimento da acareação. Pode aplicar-se por analogia o disposto no art. 229, parágrafo único, do Código de Processo Penal, aliás também bastante sucinto. Deve o órgão judicial, naturalmente, conduzir a diligência do modo mais eficaz para que se lhe atinja a finalidade: levar o depoente que fez declaração falsa, pelo confronto direto com o outro, a retratar- se; ou, quando menos, permitir que o juiz, pela observação das atitudes dos depoentes, colha elementos para descobrir em qual dos depoimentos conflitantes reside a verdade. VI. Prova pericial 1. Como oportunamente se assinalou (supra, Introdução, nº 5) é nos feitos onde se realiza prova pericial – consistente, nos termos do art. 420, “em exame, vistoria ou avaliação” – que mais nitidamente se desenha, como etapa individuada no perfil do procedimento ordinário, a fase instrutória. Ela ocupa em regra o período entre o despacho saneador e a audiência de instrução e julgamento, podendo estender-se até esta os atos relacionados com a perícia. Registre-se, de passagem, que o juiz indeferirá a perícia quando “a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico”, “for desnecessária em vista de outras provas produzidas” ou “a verificação do fato for impraticável” (art. 420, parágrafo único, nºs I a III). Também poderá dispensar a prova pericial “quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes” (art. 427) – hipótese que, a rigor, se inclui na de desnecessidade da perícia. Toca ao juiz nomear o perito (art. 421, caput), que será escolhido “entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente”, onde os houver (art. 145, caput e § 3º), e de preferência entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados, sempre que “o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento, ou for de natureza médico-legal” (art. 434). Às partes faculta-se, no quinquídio subsequente à intimação do despacho de nomeação (normalmente, o próprio saneador), indicar assistentes técnicos e apresentar quesitos (art. 421,
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§ 1º, nºs I e II), estes sem prejuízo dos suplementares, que podem ser formulados “durante a diligência”, cientificando-se a parte contrária da respectiva juntada aos autos (art. 425). No caso de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte indicar mais de um assistente técnico (art. 431-B, acrescentado pela Lei n° 10.358). A nomeação do perito e a indicação de assistentes técnicos, quando a prova houver de realizar-se mediante carta, poderá ser feita no juízo ao qual se requisitar a perícia (art. 428), ou no juízo de origem. Compreende-se que se se trata, por exemplo, de vistoriar imóvel situado noutra comarca, seja mais prático fazê-lo por meio de técnicos nela residentes, talvez desconhecidos do juiz que requisita a perícia. Na hipótese vertente, caberá ao órgão destinatário da carta o exercício de todas as funções relacionadas com a perícia – inclusive, portanto, fixar prazo para a entrega do laudo, decidir sobre impugnações e escusas etc. 2. O perito (não os assistentes técnicos: art. 422, 2ª parte) pode ser recusado pelas partes, nas mesmas hipóteses em que o juiz se tornaria impedido ou suspeito (arts. 138, nº III, e 423). À parte interessada incumbe arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e instruída, se for o caso, com documentos comprobatórios do fato alegado, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos (art. 138, § 1º, principio), ou seja, no prazo previsto no art. 421, § 1º. De acordo com o art. 138, § 1º, fine, o incidente processa-se em separado, “sem suspensão da causa”, ouvindo-se o arguido em 5 dias e facultando-se a este e ao arguente, quando necessário, a produção de outras provas (a documental deve ter sido oferecida com a arguição ou com a resposta do arguido: art. 396, aplicável por analogia). Julgada procedente a impugnação, o juiz nomeará outro perito (art. 423, fine). Pode o perito, ainda, escusar-se “alegando motivo legítimo” (arts. 146, caput, fine, e 423), dentro de 5 dias contados da intimação – ou, se se tratar de impedimento superveniente, no quinquídio seguinte à respectiva configuração. O decurso do prazo in albis acarreta preclusão, ou, como reza o art. 146, parágrafo único, faz que se repute “renunciado o direito” de alegar a escusa. A aceitação desta pelo juiz tem o mesmo efeito do acolhimento da impugnação: o órgão judicial nomeará outro perito, procedendo-se, é claro, a nova intimação. 3. Além das hipóteses de impugnação e de escusa acolhidas, a lei prevê mais duas de substituição do perito: a) a de carecer o nomeado ou o indicado de conhecimento técnico ou científico (art. 424, nº I); b) a de, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo assinado (art. 424, nº II), cabendo ao juiz, neste caso, impor-lhe multa fixada à vista do valor da cau-
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sa e do possível prejuízo decorrente do atraso na marcha do processo, além de comunicar a ocorrência à corporação profissional respectiva (art. 424, parágrafo único). O inciso I do art. 424 atribui implicitamente ao órgão judicial a aferição do conhecimento técnico ou científico do perito, se bem que fique aberta a qualquer das partes a possibilidade de provocar-lhe o pronunciamento a respeito. A hipótese de substituição por esse fundamento muito raro ocorrerá, pois a nomeação emana do próprio juiz (art. 421), que presumivelmente tem ciência prévia da habilitação do nomeado; pode suceder, porém, que, entre a nomeação e o compromisso, outro juiz passe a funcionar no processo e tenha opinião diferente sobre o ponto. 4. Os tópicos sobre os quais devem pronunciar-se os peritos e os assistentes técnicos são indicados nos quesitos, que as partes (arts. 421, § 1º, nº II, e 425) e o juiz (art. 426, nº II) formulem. Ao juiz cabe indeferir quesitos impertinentes acaso formulados por qualquer das partes (art. 426, nº I), de ofício ou mediante impugnação da outra. Cabe-lhe também fixar por despacho o prazo para a entrega do laudo (arts. 421, caput, e 433, caput), isto é, do documento que contém as respostas aos quesitos. Consoante se infere do art. 431-A, acrescentado pela Lei n° 10.358, a produção da prova pericial terá início em data e local designados pelo juiz ou indicados pelo próprio perito. De uma e de outro dar-se-á ciência às partes. Para cumprirem sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos em poder da parte ou de repartições públicas (art. 429, principio). O laudo e os pareceres dos assistentes técnicos poderão ser instruídos com plantas, desenhos, fotografias e outras peças esclarecedoras (art. 429, fine). 5. Deve o perito apresentar o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, cujo termo final tem de cair em data anterior pelo menos de vinte dias à audiência de instrução e julgamento (art. 433, caput). Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de dez dias, depois de intimadas as partes da apresentação do laudo (art. 433, parágrafo único, na redação da Lei n° 10.358). A inobservância do prazo pelo perito pode acarretar sua substituição (art. 424, nº II), bem como a imposição de multa pelo juiz, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, que ainda ordena ao órgão judicial comunicar a ocorrência à corporação profissional a que pertença o perito moroso. 6. Assim o perito como os assistentes técnicos devem comparecer à audiência, para prestar esclarecimentos, desde que intimados, a requerimento da parte (que desde logo formulará as perguntas, sob forma de quesitos), até cinco dias antes da audiência (art. 435 e parágrafo único), e também quando o próprio juiz ex officio lhes
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determinar o comparecimento. Aliás, conforme o disposto no art. 421, § 2º, “quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá consistir apenas na inquirição, pelo juiz, do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento, a respeito das coisas que houverem informalmente examinado ou avaliado”. No caso de requerimento da parte, se a intimação já ocorrer dentro do quinquídio anterior à audiência, o perito, ou o assistente técnico, embora não fique obrigado, sem dúvida pode comparecer; em o fazendo, será ouvido. A inquirição do perito e dos assistentes técnicos, na audiência, sobre os quesitos de esclarecimentos formulados por qualquer das partes (e sobre os que lhes formule o órgão judicial), faz-se em primeiro lugar, antes que se tomem os depoimentos pessoais das partes e os das testemunhas (art. 452, nº I). Permite o Código (art. 453, nº II) o adiamento da audiência na hipótese de não poder comparecer, “por motivo justificado”, o perito (não o assistente técnico!). Não incide o § 1º do art. 453, pois não pode caber ao advogado da parte o ônus de provar até a abertura da audiência o impedimento do perito. Nada diz a lei sobre as consequências do não comparecimento do perito sem motivo justificado; dispensar-lhe a prestação de esclarecimentos seria prejudicar a parte, sem negligência a ela imputável, ou – o que é pior – frustrar ao juiz mesmo o propósito de esclarecer-se. Por outro lado, o perito não pode ser conduzido, como a testemunha (art. 412, caput, 2ª parte). Nem se aplica o art. 455, 2ª parte, pois o perito é ouvido em primeiro lugar, no início da instrução. Deve concluir-se, apesar da letra do art. 453, nº II, que ao órgão judicial, se achar necessário, é lícito sempre adiar a audiência quando ausente o perito intimado ex officio ou a requerimento da parte. Resta a possibilidade, inafastável, de que o perito persista em descumprir a nova intimação; visto ser impossível constrangê-lo a comparecer e a prestar esclarecimentos, somente se lhe poderão impor as sanções cabíveis, inclusive penais. 7. Se, na audiência, ou mesmo antes dela, se verificar que a matéria da prova pericial não está suficientemente esclarecida, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, determinar a realização de nova perícia (art. 437), que se regerá pelas mesmas disposições aplicáveis à primeira (art. 439, caput). Nos termos do art. 438, a segunda perícia terá por objeto “os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira”; isso não significa, é claro, que a respeito deles não se possam formular novos quesitos, concernentes a aspectos anteriormente não examinados. Destina-se a segunda perícia a “corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados” a que conduziu a primeira (art. 438, fine), devendo interpretar-se o texto com a maior largueza possível, em atenção ao interesse (público!) na apuração da verdade; aliás, a ampla iniciativa instrutória assegurada ao juiz pelo art. 130 afasta qualquer entendimento restritivo (que seria inócuo) do art. 438. A determinação de nova perícia pode acarretar o adiamento ou a suspensão da audiência.
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VII. Inspeção judicial 1. O art. 440 autoriza o juiz, ex officio ou a requerimento de parte, em qualquer fase do processo, a inspecionar diretamente pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato relevante para a decisão da causa. Atende a lei à consideração de que, muitas vezes, só a observação pessoal é capaz de ministrar ao julgador elementos sólidos de convicção acerca de ponto duvidoso da matéria de fato. Como pode acontecer que, no curso da inspeção, necessite o juiz de explicações técnicas sobre aspectos que escapem ao âmbito de seus próprios conhecimentos, permite o art. 441 que, a seu critério, se faça ele assistir de um ou mais peritos, de sua nomeação. Isso não equipara, todavia, a inspeção à prova pericial, nem torna aplicáveis aqui as disposições que a disciplinam: não há oferecimento de quesitos, nem apresentação de laudo. Às partes não é dado indicar assistentes técnicos, se bem que possam, em princípio, fazer-se acompanhar de técnicos na diligência. O perito funciona como simples assessor direto do juiz no curso da inspeção. Evidentemente, nada impede que, diante da observação feita, venha o órgão judicial a convencer-se da necessidade de perícia propriamente dita e lhe ordene a realização, na forma adequada. 2. Não faz o art. 440 qualquer distinção quando alude às “pessoas ou coisas” que podem ser objeto de inspeção judicial. No tocante às pessoas, cumpre observar que à parte atribui a lei, expressamente, o dever de “submeter-se à inspeção judicial, que for julgada necessária” (art. 340, nº II); mas inexiste regra idêntica aplicável ao terceiro (v. art. 341). O preceito genérico do art. 339, consoante o qual “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”, não basta para estender ao terceiro um dever que o Código reputou indispensável criar em termos expressos para a parte. À vista do disposto no art. 5º, nº II, da Constituição da República, parece-nos que o terceiro não está obrigado a submeter-se à inspeção judicial; ela só se realizará com o seu consentimento. Mesmo quanto à parte, cabe reconhecer-lhe o direito de recusar-se à inspeção quando se relacionar com a prática de fatos criminosos ou torpes a ela imputados, ou a respeito dos quais, por estado ou profissão, deve guardar sigilo: se o art. 347, em casos tais, com a ressalva do parágrafo único, a dispensa de depor, é razoável que se aplique a norma, por analogia, em matéria de inspeção judicial. Ademais, admitindo o art. 363, nº V, que a parte se escuse de exibir documento ou coisa por “motivos graves que, segundo o prudente critério do juiz, justifiquem a recusa de exibição”, a fortiori impende reconhecer igual possibilidade no que tange à inspeção pessoal, em relação à qual, provavelmente, com maior frequência ocorrerão “motivos graves” de escusa; nessas hipóteses, porém, ao contrário do que se dá nas do art. 347, o juiz goza de discrição no apreciar a legitimidade da recusa.
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Ainda quando a parte se recuse sem justo motivo, não é possível constrangê-la pela força a submeter-se à inspeção. Configura-se, porém, “resistência injustificada ao andamento do processo” (art. 17, nº IV), com as consequências previstas a cargo do “litigante de má-fé” (arts. 16 e 18), sem prejuízo de outras sanções legalmente previstas, inclusive penais. Além disso, o juiz poderá tomar a recusa injustificada como elemento de convicção (indício) acerca do fato sobre o qual pretendia esclarecer-se: a atitude da parte faz supor que, no seu entendimento, o resultado da inspeção lhe seria desfavorável; tecnicamente, no entanto, não há confissão, nem sequer ficta. 3. No que respeita às coisas, quer estejam em poder da parte, quer de terceiro, deve considerar-se legítima a oposição do possuidor à inspeção judicial nos mesmos casos em que poderia ele escusar-se de exibi-las em juízo (art. 363, nºs I a V, por analogia). Atender-se-á, entretanto, igualmente ao que dispõe o art. 358, sobre a recusa ilegítima da parte. Ao contrário do que se disse sobre a inspeção da pessoa da parte, é dado ao juiz, respeitadas as normas constitucionais e legais, inspecionar a coisa, mesmo contra a vontade da parte, se considerar injustificada a oposição. Caso seja isso praticamente impossível, e sem prejuízo das sanções (inclusive penais) porventura cabíveis, poderá tomar a recusa como elemento de convicção em desfavor da parte. Também para o terceiro há o dever legal de exibir a coisa em seu poder (art. 341, nº II), com ressalva das hipóteses do art. 363. Segue-se que ao juiz é lícito igualmente, nas mesmas circunstâncias acima indicadas, inspecionar a coisa a despeito da recusa do terceiro. Não incide, porém, o art. 362, só aplicável em execução da sentença proferida no procedimento de exibição (art. 361). Se a oposição do terceiro impossibilitar a inspeção, apenas as sanções penais poderão ser impostas. 4. A inspeção pode efetuar-se na sede do juízo ou no local onde se encontre a pessoa ou a coisa. O art. 442 arrola três hipóteses em que o juiz deve comparecer a esse local: “quando julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar” (inciso I), quando “a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráveis despesas ou graves dificuldades” (inciso II), e quando ele próprio “determinar a reconstituição dos fatos” (inciso III). Não se deve considerar taxativa a enumeração: por exemplo, conquanto o inciso II apenas se refira a “coisa”, perfeitamente se concebe que a pessoa a ser inspecionada tenha grave dificuldade de comparecer a juízo, por doença ou por outro motivo relevante. Onde quer que se realize a inspeção, as partes, em princípio, por si ou por seus advogados, têm o direito de assistir a ela, prestando esclarecimentos e fazendo observações que lhes pareçam relevantes (art. 442, parágrafo único). Esse direito cabe também ao assistente, se houver (art. 52), bem como, sendo o caso, ao órgão do Ministério Público.
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Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, no qual se mencionará tudo quanto, a seu ver, for útil ao julgamento da causa (art. 443). O auto, que poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia (art. 443, parágrafo único), será subscrito pelo juiz e pelas outras pessoas que tenham intervindo na diligência (art. 169, 1ª parte, fine) e, naturalmente, junto aos autos do processo.
Capítulo IV ETAPA DECISÓRIA
§ 9º – Audiência de Instrução e Julgamento Procedimento Ordinário
I. Generalidades 1. Como já se assinalou, no sistema do Código nem sempre a resolução do mérito exige a realização de audiência; pode ocorrer sem ela, sob a forma: a) de decisão que extingue o processo (art. 329 combinado com o art. 269, nºs II a V), proferida na fase em regra destinada ao saneamento, ou, eventualmente, noutro instante (por exemplo: quando quer que, antes ou depois, se perfaça a transação); ou b) de “julgamento antecipado da lide”, nos casos do art. 330. c) excepcionalmente, de sentença proferida na ocasião do despacho liminar (arts. 269, nº IV, e 285-A, este introduzido pela Lei nº 11.277). Das duas primeiras hipóteses de abreviação do procedimento em primeiro grau oportunamente se tratará (infra, § 12). Fora delas – e sempre com ressalva do caso de conciliação na audiência preliminar (art. 331, § 1º, na redação da Lei nº 8.952) –, o juiz, ao declarar saneado o processo, deve logo, se necessário, designar dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, que, conforme indica a sua própria denominação, é ato misto, em parte destinado ainda à atividade instrutória, em parte à decisão. Nela, pois, sem solução de continuidade, pode passar-se da fase probatória à decisória. No presente contexto, o estudo da audiência como ato processual já não se deterá nos aspectos especificamente relativos à atividade de instrução, versados que foram no capítulo anterior, ao examinar-se a produção das provas que ali podem ser colhidas. II. Características e estrutura da audiência 1. A audiência é, em princípio, ato público (cf. Constituição da República, arts. 5º, nº LX, e 93, nº IX). Far-se-á, por exceção, a portas fechadas, quando o exigir o interesse público, ou se houverem de discutir matérias de especial delicadeza, nas quais a publicidade poderia acarretar constrangimento ou mesmo dano para as partes: assim
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nas causas relativas a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores (art. 444, combinado com o art. 155). Realiza-se a audiência no dia e hora marcados pelo juiz, dos quais devem ter sido as partes regularmente intimadas. A designação há de recair em dia útil, entre as 6h e as 20h, sem prejuízo da possibilidade de prosseguir-se, após esta hora, nos trabalhos da audiência antes iniciada (art. 172 e seu § 1º, na redação da Lei nº 8.952). Aliás, a audiência é, em princípio, una e contínua (art. 455, 1ª parte), e só se suspenderá pela morte do procurador (presente!) de qualquer das partes (art. 265, § 2º; não pela morte da parte ou de seu representante legal: art. 265, § 1º, fine), ou quando não for possível concluir, no mesmo dia, todas as etapas, caso em que o órgão judicial designará, para o prosseguimento, hora em dia próximo (art. 455, 2ª parte). A impossibilidade da conclusão poderá resultar, v.g., da necessidade de ouvir testemunhas referidas, ou de proceder à acareação entre depoentes que já não estejam todos presentes (supra, § 8º, nº V, 8), e assim por diante. 2. Na estrutura normal da audiência, podem distinguir-se os seguintes momentos: 1º) abertura pelo juiz, no dia e hora designados, apregoando-se as partes e seus advogados (art. 450); 2º) produção, na ordem do art. 452, das provas que hajam de realizar-se, sobre os pontos controvertidos que ao juiz, ouvidas as partes, cabe previamente fixar (art. 451); 3º) debates orais, mediante a concessão da palavra, pelo juiz, primeiro ao advogado do autor, depois ao do réu, e eventualmente ao órgão do Ministério Público (quando funcione como fiscal da lei), pelo prazo de 20 minutos para cada um, prorrogável por mais 10, a critério do órgão judicial (art. 454, caput). Havendo litisconsórcio, ou figurando terceiro que litigue junto ao autor ou ao réu, o prazo será dividido entre os do mesmo grupo, a menos que convencionem outra coisa, levando-se em conta, para efeito de divisão, a soma dos 20 minutos com os 10 da prorrogação (art. 454, § 1º). Caso haja oposição, ao advogado do opoente caberá sustentar suas razões em primeiro lugar, seguindo-se-lhe os dos opostos, cada qual por 20 minutos (art. 454, § 2º), sem prejuízo da aplicação, se couber, das regras sobre prorrogação e divisão do prazo; 4º) prolação da sentença pelo juiz (art. 456, verbis “desde logo”); 5º) lavratura pelo escrivão, sob ditado do juiz, do termo da audiência, que conterá, em resumo, o ocorrido nela – inclusive, por extenso, os despachos (ou as decisões interlocutórias) e a sentença proferida no ato –, será subscrito pelo juiz, pelos advogados, pelo órgão do Ministério Público, se for o caso, e pelo escrivão. Cabe a este trasladar para os autos cópia autêntica, e ao juiz rubricar as folhas do termo, quando datilografado, ordenando que sejam encadernadas em volume próprio (art. 457 e § § 1º a 3º); 6º) encerramento da audiência. 3. O esquema supra pode sofrer alterações: a) quando tiver lugar a tentativa de conciliação (infra, nº IV);
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b) quando, sem motivo justificado, deixar de comparecer à audiência o advogado de alguma das partes, caso em que se permite (não se impõe!) ao juiz dispensar a produção das provas por ela requeridas (art. 453, § 2º); c) quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, hipótese em que, a critério do juiz (a quem é lícito não somente rejeitar a alegação de complexidade, mas também entender que, a despeito de serem complexas as questões, a audiência pode completar-se normalmente), o debate oral poderá ser substituído pela apresentação de memoriais, em dia e hora que o órgão judicial, se determinar a substituição (ex officio ou a requerimento de qualquer das partes, que todavia não têm, insista-se, direito subjetivo à providência), desde logo marcará (art. 454, § 3º); d) quando o juiz não se sinta habilitado a julgar a causa, uma vez encerrados os debates, ou determine a substituição destes pelo oferecimento de memoriais, caso em que a sentença será proferida no decêndio subsequente ao encerramento da audiência ou ao dia designado para a apresentação dos memoriais, respectivamente (art. 456). III. Adiamento e antecipação da audiência 1. O art. 453 contempla apenas duas causas de adiamento da audiência: a) a convenção das partes, só admissível uma vez (inciso I); b) o não comparecimento, por motivo justificado, do perito, das partes, das testemunhas ou dos advogados (inciso II). Entende-se que a ausência do perito ou de qualquer das partes unicamente dará ensejo ao adiamento se o respectivo comparecimento houver sido determinado de ofício pelo juiz, ou se o ausente houver sido regularmente intimado, a requerimento de parte, para prestar na audiência, conforme o caso, esclarecimentos sobre o laudo (art. 435; cf. supra, § 8º, nº VI, 6) ou depoimento pessoal (art. 343; cf. supra, § 8º, nº I, 1). Quanto às testemunhas, somente a ausência das que tenham sido intimadas (art. 412, caput) ou requisitadas (art. 412, § 2º) é suscetível de justificar o adiamento; não a daquelas a que se refere o art. 412, § 1º (cf. supra, § 8º, nº V, 3). O não comparecimento do assistente técnico não justifica em hipótese alguma o adiamento da audiência. De acordo com o disposto no § 1º do art. 453, o adiamento depende de provar o advogado, até a abertura da audiência, o impedimento (isto é, o justo motivo) responsável pela ausência; do contrário, “o juiz procederá à instrução”. É óbvio que o § 1º só se relaciona com as hipóteses do inciso II; mesmo aí, porém, há de entender-se que o ônus da prova do impedimento não cabe ao advogado senão no tocante a ele próprio, à parte (quando necessária a presença desta) e às testemunhas que arrolou; não quanto ao perito. A norma do § 2º apenas incide quando o advogado deixa de comparecer sem motivo justificado: nesse caso, realiza-se a audiência, mas o órgão judicial pode (a regra não é cogente!) dispensar a produção das provas requeridas pela parte que o advogado faltoso representa.
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A despeito do silêncio do art. 453, ocorre também o adiamento, é claro, quando o juiz não compareça; e, ainda, quando, deixando de comparecer, sem motivo justificado, a testemunha intimada, não possa a condução fazer-se de imediato (art. 412, caput, 2ª parte; cf. supra, § 8º, nº V, 3). Ademais, pode ser adiada a audiência: a) em virtude da substituição de testemunha, nos casos em que a lei a permite (art. 408), se o adiamento for indispensável para que se proceda à intimação da substituta (supra, § 8º, nº V, 2); b) quando se tenha de marcar nova data para permitir que o prazo concedido ao perito termine antes do limite fixado no art. 433, caput (supra, § 8º, nº VI, 5); c) na hipótese de substituição do perito remisso (art. 433, parágrafo único, 2ª parte; cf. supra, § 8º, nº VI, 5); d) se o juiz determinar a realização de nova perícia, por não lhe parecer suficientemente esclarecida a matéria (art. 437); e) caso não compareça à audiência, mesmo sem motivo justificado, o perito que a ela devia estar presente (cf. supra, § 8º, nº VI, 6). As despesas acrescidas em consequência do adiamento correrão sempre por conta de quem lhe haja dado causa (art. 453, § 3º). 2. A audiência pode ser também antecipada, desde que a nova data seja compatível com a observância dos prazos que a tenham como dies ad quem (v.g., arts. 407, 433, 435, parágrafo único). Não pode a antecipação frustrar a realização normal da atividade instrutória anterior à audiência, nem a de qualquer ato preparatório desta. Determina o art. 242, § 2º (§ 3º, antes da Lei nº 8.952, que revogou o antigo § 2º), que, havendo antecipação, o juiz, de ofício ou a requerimento de parte, mande intimar pessoalmente os advogados, para ciência do novo dia e hora. Apesar do silêncio do texto, deve entender-se que precisam também ser intimadas as outras pessoas (perito, testemunhas, assistentes técnicos), cujo comparecimento à audiência se imponha. IV. A tentativa de conciliação 1. A tentativa de conciliação das partes na audiência de instrução e julgamento constitui incidente de ocorrência obrigatória, sob pena de nulidade, inclusive quando se haja realizado sem êxito a tentativa de conciliação na audiência preliminar (art. 331, na redação da Lei nº 8.952): a) nos litígios que versarem sobre direitos patrimoniais de caráter privado (art. 447, caput); b) nas causas relativas ao direito de família, nos casos e para os fins em que a lei admite a transação (art. 447, parágrafo único). Insere-se a tentativa de conciliação entre a abertura da audiência e o início da atividade instrutória que nesta se haja de realizar (art. 448, 1ª parte). Nos processos
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em que ela seja de rigor, cumpre ao órgão judicial, de ofício, determinar o comparecimento das partes, pessoalmente ou por procurador dotado de poderes especiais, ao começo da audiência (art. 447, caput, fine). Essa ordem será emitida, em princípio, na decisão de saneamento, mas, se esta for omissa, o juiz deve suprir, depois, a omissão, e é claro que qualquer das partes pode provocá-lo a tanto. Havendo litisconsórcio (ativo ou passivo), será ordenado o comparecimento de todos os litisconsortes; não, porém, dos assistentes, salvo dos “assistentes litisconsorciais”, cuja posição processual é a de litisconsortes (art. 54). Se houver oposição, o juiz determinará o comparecimento do opoente e dos opostos. Não é exigível, em qualquer caso, a intimação pessoal da parte: incidem as regras comuns dos arts. 236 e 237. A ausência de alguma das partes, por motivo justificado, até a abertura da audiência (art. 453, nº II e § 1º), acarreta o adiamento, transferindo-se a tentativa de conciliação para a nova audiência designada, a cujo início, mais uma vez, determinará o juiz que compareçam as partes. O não comparecimento sem motivo justificado torna impossível a tentativa de conciliação, prosseguindo nesse caso a audiência, em suas etapas subsequentes. Fora da hipótese do art. 47, a ausência de um só (ou de alguns) dos litisconsortes ativos ou passivos não obsta à tentativa de conciliação entre os litigantes presentes. 2. Compete ao órgão judicial tentar conciliar as partes (art. 448, 1ª parte), perguntando-lhes se estão dispostas a resolver amigavelmente o litígio, propondo a uma a solução alvitrada pela outra, ou sugerindo, ele próprio, uma ou mais de uma solução viável. É de extrema delicadeza o papel do juiz nesse momento: cabe-lhe envidar esforços no sentido da composição amigável da lide, abstendo-se, porém, de fazer pressão sobre qualquer das partes para que aceite um acordo em termos a que não se mostra disposta a anuir. Deve o juiz, especialmente, evitar que transpareçam de sua intervenção indícios de um prejulgamento da causa. A lei não minudencia a disciplina da tentativa de conciliação. Compreende-se que seria difícil fixar a priori normas rígidas. A condução da tentativa, a cargo do juiz, dependerá, caso por caso, da reação que tiverem as partes. Com elas deve o órgão judicial entender-se diretamente, e interpor-se toda vez que surja o risco de agastamento entre os litigantes. Os advogados podem presenciar a tentativa de conciliação, e às partes é lícito consultá-los reservadamente sobre quaisquer pontos a cujo respeito desejem esclarecer-se; não é necessária, porém, a mediação dos advogados no diálogo entre cada uma das partes e o juiz, que há de atender pessoalmente a todo pedido de esclarecimento que alguma delas prefira dirigir-lhe. 3. Caso as partes cheguem a acordo – mediante concessões recíprocas (transação) ou por abandono da pretensão (renúncia) ou da resistência (reconhecimento do pedido) –, mandará o órgão judicial tomá-lo por termo (art. 448, 2ª parte), que será assinado pelas partes e homologado pelo juiz (art. 449). Na hipótese contrária, pros-
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seguirá a audiência, com a produção das provas que houverem de realizar-se; a ocorrência da tentativa frustrada constará do termo da audiência (art. 457). Ao termo de conciliação, desde que homologado, atribui a lei “valor de sentença” (art. 449); mais precisamente, equipara-se à sentença (de mérito) o ato pelo qual o juiz homologa o acordo consubstanciado no termo (cf. o art. 475-N, introduzido pela Lei nº 11.232, nº III, que alude à “sentença homologatória de conciliação”). Quer isso dizer que, na medida em que for admissível a interposição de algum recurso (para impugnar não o conteúdo do termo, mas a sua validade, v. g., por tê-lo subscrito procurador sem poderes especiais), caberá em regra apelação (art. 513); que, na falta de cumprimento espontâneo do acordo pela parte obrigada a alguma prestação, terá a outra título judicial para a execução; que, uma vez passada em julgado a homologação, ficará coberta pela auctoritas rei iudicatae a solução dada ao litígio. Como, porém, o ato judicial é meramente homologatório, o acordo poderá eventualmente ser “rescindido” (rectius: anulado) por meio da ação de que trata o art. 486. V. O juiz na audiência de instrução e julgamento 1. Constituindo a audiência, normalmente, o ato culminante da atividade cognitiva, nela avulta, com relevo singular, a importância da atuação do órgão judicial. Compete-lhe a direção dos trabalhos da audiência (art. 446, nº I), na qual exerce múltiplas e variadas funções, agrupáveis em seis classes: a) funções decorrentes do poder de polícia, em cujo exercício cabe ao juiz manter a ordem e o decoro no recinto da audiência (art. 445, nº I); conceder ou negar licença para que os advogados intervenham ou aparteiem durante os depoimentos (art. 446, parágrafo único); advertir e, se necessário, ordenar que se retirem da sala os que se comportarem inconvenientemente (art. 445, nº II), podendo requisitar a força policial sempre que seja preciso para assegurar a efetividade das ordens emitidas (art. 445, nº III); b) funções relacionadas com a tentativa de conciliação, quando cabível (supra, nº IV); c) funções ligadas à atividade instrutória – fixação dos pontos controvertidos sobre os quais ela versará (art. 451); colheita direta e pessoal das provas que hajam de produzir-se (art. 446, nº II); ordem de condução da testemunha que, intimada, não comparecer sem motivo justificado (art. 412, caput, 2ª parte); determinação de que se interroguem testemunhas referidas (art. 418, nº I) ou de que se proceda à acareação (art. 418, nº II); dispensa da produção de alguma prova determinada ex officio ou (quando a lei lhe faculte dispensá-la) requerida pelas partes etc.; d) funções inerentes à presidência dos debates orais – concessão da palavra aos que hajam de usá-la (art. 454); exortação a que discutam a causa com elevação e urbanidade (art. 446, nº III); advertência ao advogado para que não persista no uso de
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expressões injuriosas, sob pena de ter cassada a palavra (art. 15, parágrafo único); fiscalização dos limites de tempo previstos no art. 454 e seus §§ 1º e 2º etc.; e) funções propriamente decisórias, que compreendem não apenas a prolação da sentença (quando não prefira o juiz deixá-la para um dos 10 dias subsequentes: art. 456, fine), mas também a solução das numerosas questões incidentes que podem surgir no curso da audiência: v.g., se esta deve ser adiada (art. 453), se é legítima a recusa da parte de depor sobre certo fato (art. 347), se devem ser dispensadas as testemunhas excedentes de três (art. 407, parágrafo único), se procede a contradita a alguma testemunha (art. 414, § 1º), se são admissíveis as perguntas formuladas pelas partes (art. 416 e § 2º), se o perito ou os assistentes técnicos estão obrigados a prestar esclarecimentos (art. 435, parágrafo único), se os debates orais devem ser substituídos pelo oferecimento de memoriais (art. 454, § 3º) etc. Todas essas são decisões interlocutórias (art. 162, § 2º) e, como tais, agraváveis (art. 522, caput), sob o regime da retenção nos autos (art. 523, § 3°, na redação da Lei n° 11.187, de 19.10.2005), para que não se tumultue o procedimento com a inútil subida em separado de um ou mais agravos, além da apelação que venha a ser interposta nos autos contra a sentença (art. 513); f) funções de documentação da audiência: ditado do termo ao escrivão; rubrica das folhas e ordem de encadernação, quando datilografado; subscrição (art. 457 e §§ 1º e 2º). 2. De ordinário, a causa deve ser julgada pelo mesmo magistrado que houver colhido provas em audiência, o qual estará, naturalmente, em melhores condições que qualquer outro para valorá-las (princípio da identidade física do juiz). É o que determina a primeira parte do art. 132. Em atenção, porém, a intuitivas razões de ordem prática, estabelece o mesmo dispositivo, na cláusula final, que, se o referido juiz “estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado”, se encaminharão os autos ao sucessor, a fim de que profira a sentença. Duas hipóteses são concebíveis: ou o sucessor considera suficiente, para formar convicção, a leitura das peças em que se registraram as provas colhidas, e nesse caso nada lhe resta fazer senão sentenciar, ou assim não entende, e então “poderá mandar repetir as provas já produzidas” (art. 132, parágrafo único). Apesar do silêncio do texto, é evidentíssimo que também o falecimento do juiz, bem como o seu desligamento definitivo (voluntário ou não) do cargo, após a audiência, abrem exceção à regra do art. 132, caput, principio. § 10 – Julgamento em Primeiro Grau I. Generalidades 1. A realização da audiência de instrução e julgamento pressupõe, além de outras coisas, que se haja verificado a existência dos requisitos de regularidade do pro-
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cesso e das condições do legítimo exercício da ação (supra, § 6º, nº I, 1). Em princípio, portanto, realizada a audiência, não deve haver obstáculo legal ao exame do mérito da causa pelo juiz. Por exceção, pode acontecer que só depois da oportunidade normalmente reservada à apreciação das preliminares se ponha ao juiz alguma questão dessa natureza: a) quando se origine de fato superveniente – v.g., dúvida sobre a legitimidade da pessoa que sucedeu a qualquer das partes após a decisão de saneamento; b) quando se origine de fato anterior, mas ainda suscetível de ser alegado ou tomado em consideração ex officio pelo juiz, porque não atingido pela eficácia preclusiva da decisão de saneamento (supra, § 6º, nº III). Em casos tais, convencendo-se da procedência da preliminar – isto é, entendendo impossível a apreciação do pedido –, compete ao órgão judicial, mesmo após a audiência, extinguir o processo sem resolver o mérito, mediante decisão que, no sistema do Código, se inclui na classe das sentenças (art. 162, § 1º, combinado com o art. 267) e é, pois, em regra apelável (art. 513). Fora deles, deve o juiz, a esta altura, e também por sentença, resolver o mérito da causa. 2. A sentença pode ser proferida: a) na própria audiência, após o encerramento dos debates; b) dentro dos 10 dias subsequentes, se o órgão judicial não se sentir habilitado a decidir de imediato (art. 456), lícito lhe sendo, nesse prazo, determinar a realização de alguma diligência que ainda lhe pareça necessária à formação do seu convencimento; c) no decêndio seguinte à data do oferecimento dos memoriais, se por estes houverem sido substituídos os debates (art. 456, combinado com o art. 454, § 3º). Quando proferida na própria audiência de instrução e julgamento, a sentença será ditada ao datilógrafo pelo juiz, que, depois de revê-la, a assinará; quando não, ao juiz incumbirá redigi-la, datá-la e assiná-la (art. 164). II. Publicação e intimação da sentença 1. A natureza da sentença como ato processual, a sua inserção no esquema geral de tais atos, a sua estrutura formal e substancial, as suas diversas classificações e os seus efeitos são temas cujo estudo pertence à teoria geral do processo. No presente contexto, cabem apenas indicações e observações acerca da sentença como elo da cadeia procedimental peculiar ao procedimento ordinário em sua estrutura normal (quanto às hipóteses em que o juiz a profere sem que o feito chegue até a audiência, v. infra, § 12). A sentença começa a existir juridicamente no momento em que é publicada, isto é, dado a público o conhecimento do seu teor. A publicação da sentença pode consistir aqui em sua prolação:
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a) na própria audiência de instrução e julgamento, mediante ditado do juiz ao escrivão, constando por extenso do termo lavrado (art. 457, caput, fine); b) dentro do prazo de 10 dias fixado no art. 456, a partir do encerramento dos debates ou da apresentação dos memoriais que os substituírem, observado o disposto no art. 164, 1ª parte. Na hipótese b, apesar do silêncio do art. 456 – e diversamente do que vem predominando na prática judiciária – deveria o juiz, a rigor, marcar dia e hora para a publicação da sentença em audiência. Consoante o art. 455, 2ª parte, não sendo possível concluir, num só dia, a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o prosseguimento da audiência para data próxima; ora, não abrindo exceção a lei para o caso de ser impossível, na audiência, apenas o julgamento, conclui-se que também aí se teria de designar outra audiência, que constituiria o prosseguimento da primeira. Ocorrendo a hipótese do art. 454, § 3º, caberia ao juiz marcar, desde logo, duas datas: uma para o oferecimento dos memoriais e outra, dentro do decêndio subsequente (art. 456, fine), para a publicação da sentença. Quanto ao texto do art. 506, nº II, fine, que manda contar “da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência”, o prazo para a interposição de recurso, seria ele aplicável aos casos de prolação da sentença sem realização da própria audiência de instrução e julgamento (assim nas hipóteses de que trata o número III, infra). 2. Com a publicação da sentença de mérito – qual será, normalmente, a proferida na audiência de instrução e julgamento ou depois dela –, exaure-se, em princípio, a competência funcional do órgão de primeiro grau, no tocante à apreciação da lide (art. 463). Desde que publicada (mesmo antes de intimada!) a sentença, pois – salvo disposição especial em contrário (assim, o art. 296, caput, do Código, na redação da Lei nº 8.952, e o art. 198, nº VII, da Lei nº 8.069, de 13.7.1990) –, é defeso ao juiz alterá-la, ainda que se convença de não ter julgado corretamente. Permite-se, entretanto, ao órgão judicial (art. 463, n°s I e II): a) corrigir, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, a todo tempo até a subida dos autos ao tribunal, inexatidões materiais (v.g., a troca do nome do réu pelo do autor, no dispositivo da sentença condenatória; a equivocada designação de um imóvel, consistente na troca do verdadeiro número, ou nome do logradouro, por outro), ou retificar erros de cálculo cometidos na própria sentença (v.g., se, acolhendo-se o pedido de compensação feito pelo réu, se indica na condenação quantum diverso do correspondente à diferença entre os dois créditos); b) dissipar obscuridade, resolver contradição ou suprir omissão da sentença (art. 535, nºs I e II, na redação da Lei nº 8.950, de 13.12.1994), desde que a parte interponha embargos de declaração (v. infra, § 22). 3. Da publicação distingue-se conceptualmente a intimação da sentença, ato pelo qual se dá conhecimento dela, especificamente, às partes, a fim de que possam, se for o caso, interpor algum recurso; o prazo de interposição conta-se da data da inti-
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mação (art. 242, caput; cf. infra, § 16, nº II, 1). Salvo quando se tratar do Ministério Público, que tem sempre de ser pessoalmente intimado (art. 236, § 2º), efetua-se a intimação pela simples publicação da sentença, na audiência de instrução e julgamento, ou na audiência especialmente designada para a publicação. A admitir-se a desnecessidade da audiência de publicação, a intimação se aperfeiçoará pela inserção da sentença no órgão oficial, desde que se trate do Distrito Federal, da capital de algum Estado ou Território, ou de comarca onde exista órgão destinado à divulgação dos atos oficiais (arts. 236, caput, e 237, 1ª parte); nas outras comarcas, mediante comunicação pessoal do escrivão aos advogados das partes, domiciliados na sede do juízo, e por carta registrada, com aviso de recebimento, aos domiciliados fora dos seus limites territoriais (art. 237, nºs I e II). III. Resolução do mérito em primeiro grau sem realização de audiência 1. Assim como pode ocorrer que, realizada a audiência, venha o juiz a extinguir o processo sem examinar o mérito (supra, nº I, 1), é também possível que o mérito seja resolvido sem fazer-se necessária a realização da audiência. Abstraindo-se do caso de audiência de conciliação frutífera (infra, § 12, nº IV), isso acontece em três das hipóteses disciplinadas pelo Código sob a rubrica genérica “Do julgamento conforme o estado do processo” (Cap. V do Título VIII do Livro I), a saber: 1ª) quando se verifique qualquer dos casos previstos no art. 269, nºs II a V – reconhecimento do pedido, transação, pronunciamento judicial da decadência ou da prescrição e renúncia do autor ao direito postulado (art. 329); 2ª) quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato (sobre o correto entendimento da cláusula, vide, infra, § 12, nº III, 2), não houver necessidade de produzir prova em audiência (art. 330, nº I); 3ª) em regra, quando ocorrer a revelia (arts. 330, nº II, e 319). As duas últimas hipóteses constituem, em conjunto, a figura que a lei denomina “julgamento antecipado da lide”, e que se exterioriza igualmente numa sentença, como de modo expresso diz o art. 330. A despeito do silêncio do art. 329, aliás, é também de sentença que se trata quando o órgão judicial, nos casos do art. 269, nºs II a V, extingue o processo com resolução do mérito (e ainda de sentença se trataria mesmo quando se extinguisse o processo sem resolução do mérito: cf. art. 162, § 1º, combinado com o art. 267). Nas hipóteses acima consideradas, sofre notável abreviação a estrutura do procedimento ordinário: a fase decisória insere-se naquela normalmente destinada ao saneamento do feito, suprimindo-se a fase instrutória autônoma. O fenômeno será objeto de exposição mais minuciosa no capítulo relativo às modificações estruturais do procedimento ordinário (infra, § 12, nºs II a IV).
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IV. Antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional Geralmente, precisa o autor aguardar a prolação da sentença para obter, caso se lhe reconheça fundamento à pretensão, a tutela jurisdicional pleiteada. A seu requerimento, contudo, e presentes certos pressupostos, pode o juiz, nos termos do art. 273 e seus parágrafos (na redação da Lei nº 8.952, com as alterações introduzidas pela Lei n° 10.444), antecipar, total ou parcialmente, os efeitos dessa tutela (por exemplo: suspender a eficácia do ato cuja anulação se pede). Para tanto, é necessário que: a) existindo prova inequívoca (isto é, prova cuja significação não sofra dúvida), se convença o órgão judicial da verossimilhança da alegação do autor; e, além disso, alternativamente; b) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou então c) fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Também se poderá antecipar a tutela quando incontroverso um ou mais dentre os pedidos cumulados, ou parte deles (art. 273, § 6°, acrescentado pela Lei n° 10.444). Exclui-se, em princípio, a possibilidade da antecipação quando houver perigo de mostrar-se irreversível a situação resultante da decisão antecipatória; mas é forte a tendência a atenuar, em casos graves, o rigor da proibição, sobretudo quando se afigurar também irreversível o dano a ser sofrido pela parte interessada, se não se antecipar a tutela. A decisão antecipatória será obrigatoriamente fundamentada “de modo claro e preciso” e sempre passível de revogação ou modificação. A efetivação observará, no que couber, o disposto nos arts. 475-O (introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 588, ao qual remetia o texto), 461, §§ 4° e 5°, e 461-A, conforme o teor da providência (art. 273, § 3°, na redação da Lei n° 10.444). Quer na hipótese de concessão, quer na de denegação, o pronunciamento do juiz, em primeiro grau, é impugnável por meio de agravo (art. 522). Naquela, como nesta, em princípio, prossegue o feito em sua marcha “até final julgamento”, isto é, até a sentença de mérito – salvo, entende-se, obstáculo superveniente. Tem-se admitido, entretanto, a concessão da tutela antecipada na própria sentença. É concebível que se requeira a antecipação da tutela na pendência de causa da competência originária de tribunal, ou na de recurso que a comporte. Será competente para decidir o respectivo relator, facultando-se ao interessado, naturalmente, impugnar a decisão perante o colegiado. V. Situação do processo após a resolução do mérito em primeiro grau 1. Existindo a possibilidade de interpor-se recurso contra a sentença, a resolução do mérito em primeiro grau não acarreta necessariamente o encerramento definitivo, aí, do processo de cognição: os dispositivos legais que se referem à extinção deste (como o art. 329) devem sempre entender-se como alusivos ao término da fase
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cognitiva do iter processual no próprio grau inferior de jurisdição. Aliás, mesmo assim, a rigor só se esgota esse itinerário: a) com a remessa dos autos ao órgão ad quem, se contra a sentença é interposta e recebida apelação, ou se a lei impõe a revisão pelo tribunal, independente de recurso (art. 475); b) fora daí, no momento em que, pelo decurso inaproveitado do prazo de interposição, ou por outra causa de inadmissibilidade, cessa a sentença de ser recorrível, transitando em julgado. Reza o art. 463, na redação da Lei nº 11.232, que, publicada a sentença, em princípio não pode o juiz alterá-la; mesmo a abstrair-se, porém, das exceções que o próprio dispositivo abre nos incisos I e II, e da eventual aplicação do disposto nos arts. 475-A e segs. (introduzidos pela mesma lei; vide, infra, §§ 29 e segs.) é fora de dúvida que o processo, após o julgamento, passa ainda por vários trâmites no juízo de primeiro grau, inclusive nos casos em que haja de subir ao tribunal por força da apelação. No sistema brasileiro, com efeito, o recurso não se interpõe diretamente perante o órgão ad quem, mas perante o juízo de que emanou a sentença (art. 514); a este se abre, por isso, a oportunidade de praticar outros atos, inclusive de conteúdo nitidamente decisório, além do recebimento ou não recebimento do recurso (v.g., reexame dos pressupostos de admissibilidade, depois da resposta do apelado: art. 518, § 2º, na redação da Lei nº 11.276; relevação da pena de deserção: art. 519, caput, idem). A nenhum desses atos, como é óbvio, aplica-se a regra que proíbe o juiz de inovar no processo quando recebida a apelação em ambos os efeitos, devolutivo e suspensivo (art. 521, 1ª parte). 2. Se a sentença, por qualquer motivo, se torna irrecorrível ainda no primeiro grau de jurisdição, a norma jurídica concreta nela contida recebe o selo da imutabilidade e da indiscutibilidade (art. 467). Em outras palavras: a sentença transita em julgado, formando-se – pois que o mérito foi decidido – a coisa julgada material. Com isso, alcança o seu termo normal e definitivo não somente o procedimento de primeiro grau, mas o processo de conhecimento, em sua fase propriamente cognitiva (cf. Introdução, nº 1). Por exceção, nalguns casos o trânsito em julgado jamais ocorre sem o reexame da causa pelo tribunal, ainda que se deixe de interpor apelação, ou seja inadmissível a apelação interposta, ou dela se venha a desistir. São, consoante a enumeração do art. 475 (na redação da Lei n° 10.352), incisos I e II, com as ressalvas dos §§ 2° e 3°, aqueles em que a sentença decide contra a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, ou as respectivas autarquias e fundações de direito público, e bem assim aqueles em que ela julga procedentes os embargos opostos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (hipótese a rigor contida na antecedente). Em tais casos, cumpre ao juiz ordenar a remessa dos autos ao órgão ad quem, quer se haja, quer não se haja apelado. Não havendo apelação, a remessa deve ser fei-
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ta logo após o esgotamento do prazo em que o recurso podia ter sido interposto; mas a eventual omissão é suprível a qualquer tempo. O próprio presidente do tribunal, de ofício ou mediante provocação do interessado, deverá avocar os autos, se o juiz de primeiro grau não os remeter (art. 475, § 1°). Sendo condenatória a sentença desfavorável à Fazenda Pública, se o vencedor intentar a execução, sem que se haja cumprido o disposto nesse parágrafo, caberão embargos com fundamento na inexigibilidade do título (art. 741, nº II). Descabe a revisão de que trata o art. 475 nas causas da competência do Juizado Especial Federal Cível (Lei nº 10.259, art. 13).
Capítulo V MODIFICAÇÕES DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
§ 11 – Cumulatividade Superveniente I. Generalidades Procedimento Ordinário
1. O processo cumulativo em regra o é desde a instauração: tal acontece quando o autor na inicial formula conjuntamente dois ou mais pedidos, gerando uma das várias figuras já estudadas de cumulação (supra, § 1º, nº V). Em alguns casos, porém, a cumulatividade é superveniente, ou seja, só se caracteriza na pendência do processo; assim se dá: a) quando o réu reconvém, já que a reconvenção é ação contraposta à originária (supra, § 4º, nº IV, 1) e com o seu oferecimento ficam sujeitos à cognição judicial ao menos dois pedidos, um formulado pelo autor-reconvindo em face do réu-reconvinte e outro por este em face daquele; b) quando o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, verificando haver conexão ou continência entre ações propostas em separado, ordena que sejam reunidas para decisão simultânea (art. 105); c) quando qualquer das partes requer ao juiz a declaração, por sentença, de relação jurídica prejudicial (isto é, de cuja existência ou inexistência dependa a solução do litígio), sobre a qual se manifeste controvérsia no curso do feito (art. 5º). 2. As peculiaridades procedimentais decorrentes do oferecimento de reconvenção foram expostas ao versar-se o instituto, que para o Código representa uma das modalidades de “resposta do réu” (supra, § 4º, nº I, 1). A reunião de ações nos termos do art. 105, se todas seguem o rito ordinário – única hipótese de que no presente contexto se cogitará –, é suscetível de acarretar o retardamento ou mesmo a paralisação temporária da marcha de alguma (ou de algumas), caso se achem, no momento da junção, em pontos diferentes do iter processual. Mais relevantes são as repercussões que pode produzir, na estrutura do procedimento ordinário, o requerimento a que concerne a hipótese c, acima. Trata-se da
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propositura da ação declaratória incidental, que por sua importância merece exame em separado. II. Ação declaratória incidental 1. No sistema do Código (arts. 468 e 469), só o pronunciamento judicial sobre o pedido é idôneo para adquirir a autoridade da coisa julgada. Esta não abrange a fundamentação da sentença, na qual se compreende a solução das questões atinentes às relações jurídicas prejudiciais, assim denominadas aquelas de cuja existência ou inexistência logicamente depende a da relação jurídica deduzida em juízo pelo autor, por meio da demanda que deu origem ao processo (exemplos: a dívida principal, quando se cobram juros; a servidão, quando se pleiteia indenização por suposto descumprimento do ônus; a relação contratual básica, quando se pede a condenação na multa convencional por inadimplemento da obrigação). Ministra a lei, entretanto, o meio de converter-se a questão prejudicial, se o quiser alguma das partes, noutra questão também principal, a par da que já fora de início submetida ao juiz. Tal expediente consiste precisamente no requerimento de que trata o art. 5º, e que por sua natureza constitui a petição inicial de uma ação, a ação declaratória incidental. Daí em diante, assim, a questão subordinada como a subordinante passam a integrar, em conjunto, o objeto do processo, e o pronunciamento judicial sobre ambas se revestirá, todo ele, da autoridade da coisa julgada (art. 470). Como à ação declaratória incidental se legitima “qualquer das partes” (art. 5º), a cumulatividade superveniente do processo, em razão de sua propositura, ora se caracterizará pela existência de dois pedidos orientados no mesmo sentido (isto é, ambos formulados pelo autor em face do réu), ora pela de dois pedidos orientados em sentidos opostos (um formulado pelo autor contra o réu, outro pelo réu contra o autor). No segundo caso, a ação declaratória incidental equipara-se substancialmente a uma reconvenção; aliás, a reconvenção pode ser utilizada com a finalidade típica da ação declaratória incidental, quer dizer, para ensejar o pronunciamento, com força de coisa julgada, sobre questão prejudicial da suscitada principaliter na ação do autor-reconvindo (supra, § 4º, nº IV, 2). Apesar, porém, dos pontos de contato e até de certa fungibilidade que entre eles às vezes se observa, os dois institutos são distintos nos seus requisitos de admissibilidade e na sua disciplina formal. Em todo caso, aplica-se por analogia à ação declaratória incidental o disposto, quanto à reconvenção, no art. 253, parágrafo único. 2. O art. 5º não estabelece qualquer limitação de prazo para o requerimento de declaração da existência ou inexistência da relação jurídica prejudicial, a não ser, implicitamente, o de que seja ele formulado no primeiro grau de jurisdição (verbis “que o juiz a declare por sentença”). Da norma contida no art. 325, todavia, resulta que, se o réu contestar a existência daquela relação, e o autor quiser vê-la declarada, terá 10 dias para requerer que o juiz sobre ela “profira sentença incidente”. Como a admissibilidade do requerimento se subordina à ocorrência de controvérsia sobre a prejudicial (art. 5º), e o
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réu, em princípio, não terá outra oportunidade de suscitá-la senão a da contestação (art. 303), segue-se que, em regra, a ação declaratória incidental só poderá ser proposta pelo autor no decêndio do art. 325. Todavia, nas hipóteses excepcionais em que ao réu se facultam novas alegações depois da contestação, concebe-se que apenas então venha a relação jurídica prejudicial a “tornar-se litigiosa” (art. 5º), por iniciativa do réu, que se omitira a respeito ao contestar. Exemplo: as nulidades do art. 166 do Código Civil são pronunciáveis ex officio pelo juiz (art. 168, parágrafo único), portanto é lícito ao réu argui-las posteriormente à contestação (art. 303, nº II); pois bem: se no processo em que se cobram juros, e apesar de haver silenciado sobre o ponto ao contestar, o réu mais tarde inquina de nulo o ato de que se teria originado a dívida principal, deve reconhecer-se ao autor a possibilidade de requerer a declaração da existência dessa dívida. Quanto à ação declaratória incidental proposta pelo réu, o princípio da igualdade das partes (art. 125, nº I) induz a cogitar-se, também para ele, da fixação de um prazo para a apresentação do requerimento a que alude o art. 5º. Considerações de ordem prática, ligadas à conveniência de evitar-se o tumulto processual, que poderia fornecer armas à chicana, aconselham a que não se estenda além da fase postulatória, ao menos como regra, a possibilidade de requerer o réu a declaração da existência ou inexistência da relação jurídica prejudicial. Ele o fará, em princípio, na mesma oportunidade da contestação, cumprindo, entretanto, aqui também, ressalvar as hipóteses de que cuida o art. 303. 3. O requerimento, por qualquer das partes, de declaração da existência ou inexistência de relação jurídica prejudicial é petição inicial de ação, e como tal se lhe aplicam, no que couber, as normas concernentes a qualquer petição inicial, inclusive quanto à juntada de documentos (arts. 283 e 396). Considera-se proposta a ação declaratória incidental quando o juiz despacha o requerimento (arg. ex art. 263, principio). Determina o art. 321 que o autor, ao demandar declaração incidente, promova nova citação do réu, ainda que ocorra revelia (a fortiori, se não ocorrer); deve entender-se, por analogia, que o autor precisa ser citado, se a ação declaratória incidental é proposta pelo réu. Ao citado, naturalmente, abre-se oportunidade para defender-se. O prazo para a resposta, aqui também, é de 15 dias (art. 321, fine). Embora o texto legal só aluda expressamente ao caso de requerimento de declaração formulado pelo autor, mais uma vez impõe-se a aplicação analógica da regra à hipótese inversa: se a declaração for requerida pelo réu, disporá o autor, citado, de 15 dias para responder. A disciplina da resposta, nos seus vários aspectos, é a mesma, em princípio, a que se submete a resposta do réu ao pedido veiculado na ação originária (supra, § 4º). 4. Falando o Código, no art. 325 em “sentença incidente”, dá a entender que, no caso ali previsto – o de requerer o autor a declaração por haver o réu suscitado, na contestação, controvérsia sobre a relação prejudicial –, ao juiz cabe decidir antecipadamente a respeito desta. Isso, porém, nem sempre poderá suceder, pois muito bem se concebe que haja necessidade de produção de provas em audiência para formar o convencimento ju-
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dicial no tocante à mencionada relação jurídica. Por outro lado, é possível também que o próprio pedido originário, logicamente subordinado, esteja em condições de ser julgado antecipadamente, nos termos do art. 330. Enfim, cumpre observar que, se desde logo se verificar a inexistência da relação prejudicial, inevitavelmente há de negar-se a existência da outra relação, não tendo sentido, assim, fazer prosseguir o processo, mesmo que, in abstracto, houvesse lugar para ulterior atividade instrutória quanto aos fatos discutidos na ação originária; se, contudo, existir a relação prejudicial, nem por isso existirá necessariamente a outra, e neste caso pode ser preciso realizar audiência. Combinando-se as várias hipóteses, constrói-se o seguinte esquema: a) se a ação declaratória incidental comporta o julgamento antecipado previsto no art. 330, uma de duas: a. 1) a relação jurídica prejudicial é desde logo declarada inexistente, e neste caso segue-se ato contínuo o julgamento (cujo teor fica predeterminado) do pedido originário; ou então: a. 2) a relação jurídica prejudicial é desde logo declarada existente, e aqui duas possibilidades ainda se concebem: a. 2.1) o pedido originário também comporta julgamento antecipado, e neste caso a mesma sentença desde logo decide ambas as causas, encerrando-se o feito; a. 2.2) o pedido originário não comporta julgamento antecipado e, neste caso, declarada a relação prejudicial pela “sentença incidente” de que fala o art. 325, continua o processo em direção à audiência; b) se a ação declaratória incidental não comporta o julgamento antecipado previsto no art. 330, prosseguirá o feito, para que ambos os pedidos sejam apreciados pela sentença que vier a proferir-se na audiência de instrução e julgamento ou no prazo do art. 456. A alternativa para a disciplina acima esquematizada consistiria em fazer julgar sempre na mesma sentença a ação declaratória incidente e a ação originária, à semelhança do que se dá, em regra (mas nem sempre: v. art. 317), no processo em que o réu ofereça reconvenção (art. 318). Assim se evitaria, no comum dos casos, com vantagem prática, o problema relacionado com a possível interposição de apelação contra a sentença proferida antecipadamente na ação declaratória incidental; não, porém, de maneira absoluta, pois sempre subsistirá a possibilidade de extinguir-se a declaratória incidental sem resolução do mérito, ainda no curso da outra ação – o que igualmente se concebe, aliás, no que tange à reconvenção (cf. supra, § 4º, nº IV, 2) –, e aí não haverá como excluir os inconvenientes procedimentais ligados à imediata recorribilidade da sentença, a não ser que se processe em autos apartados a declaratória incidental, a despeito de inexistir na lei disposição ao propósito. Por outro lado, a opção pelo julgamento sempre conjunto faz tábua rasa, por completo, do adjetivo “incidente”, no art. 325, e mal se harmoniza, ao nosso ver, com o preceito categórico do art. 330, cuja aplicabilidade se teria de considerar afastada, sem qualquer apoio no texto legal, quanto à ação declaratória incidente.
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§ 12 – Abreviação do Procedimento I. Resolução do mérito na fase de saneamento 1. Em atenção a considerações de economia processual, o Código abrevia em certos casos o itinerário do processo de cognição, antecipando a resolução do mérito para a oportunidade em que, normalmente, seria proferida a decisão de saneamento. Desaparece, então, a fase especificamente instrutória, que a este se seguiria, e deixa de realizar-se a audiência – uma e outra supérfluas. Decide-se a causa logo após as providências preliminares (supra, § 5º); quando delas não houver necessidade, logo após a conclusão dos autos ao juiz, com a resposta do réu (ou, existindo reconvenção, com a do reconvindo), ou, mesmo sem resposta, uma vez findo o prazo para o respectivo oferecimento (art. 328, combinado com o art. 323). São taxativas as hipóteses em que ocorre semelhante abreviação, que por outro lado é obrigatória em todas elas. Quer isso dizer que ao órgão judicial só é lícito proferir antecipadamente a sentença de mérito nos casos previstos expressis verbis, mas tampouco pode ele, nesses casos, deixar a seu talante de proferi-la antecipadamente: nenhuma discrição lhe concede a lei a respeito. É claro, todavia, que a resolução do mérito, mesmo antecipada, pressupõe sempre a concorrência dos requisitos indispensáveis à sua admissibilidade: o mérito jamais será julgado – antecipadamente ou não – sem o prévio controle da regularidade do processo e das condições do legítimo exercício da ação. Negativo que seja o resultado dessa verificação, e abstraindo-se de condenações acessórias, extinguir-se-á o processo sem resolução do mérito (art. 329, combinado com o art. 267). 2. As hipóteses de abreviação acham-se previstas no Capítulo V do Título VIII do Livro I, sob a rubrica “Do julgamento conforme o estado do processo”, Secções I (“Da extinção do processo”) e II (“Do julgamento antecipado da lide”). Convém notar que no art. 329, o único da Secção I, alude o texto a casos de extinção do processo com resolução do mérito (remissão ao art. 269, nºs II a V) e sem ela (remissão ao art. 267, a qual deve ser entendida com a ressalva de que, na hipótese do respectivo inciso VII, a decretação dependerá de provocação do réu: v. art. 301, § 4º). Apenas o primeiro desses dois grupos de casos, porém, apresenta relevância na perspectiva do presente parágrafo, onde não se tratará, por isso, da extinção do feito sem resolução do mérito – fenômeno cujo estudo melhor se enquadra na teoria geral do processo civil. Assim, das diversas classes de hipóteses contempladas pelo Código no Capítulo “Do julgamento conforme o estado do processo”, duas únicas serão agora objeto de exame: a das hipóteses de “extinção do processo” com resolução do mérito (art. 329, combinado com o art. 269, nºs II a V) e a das hipóteses de “julgamento antecipado da lide” (art. 330).
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II. Extinção do processo com resolução do mérito 1. O art. 329 faz remissão aos itens II a V do art. 269, onde justamente se arrolam os casos em que o processo se extingue com resolução do mérito. É explicável a exclusão do item I do art. 269, que se refere ao acolhimento ou rejeição do pedido: tal hipótese ou será de “julgamento antecipado da lide”, ou de sentença proferida normalmente, mediante realização de audiência. São quatro, pois, os casos em que o juiz, sem propriamente acolher nem rejeitar o pedido, deve, na ocasião em que de regra lhe caberia sanear o processo, encerrar-lhe a fase cognitiva, através de sentença que a lei (v. Introdução, nº 1) considera de mérito: 1º) quando o réu reconhecer a procedência do pedido (art. 269, nº II), isto é, anuir à pretensão do autor – ato que não se confunde com a confissão, isto é, com a mera admissão da verdade de fato ou fatos que o autor haja narrado na inicial (cf. supra, § 8º, nº II, 1). Pertence à teoria geral do processo o estudo da natureza, dos requisitos da validade, das espécies e da eficácia do reconhecimento; no presente contexto, é oportuno assinalar que ele só acarreta a extinção da fase cognitiva do processo quando total, ou seja, abrangente de todo o pedido; e que o juiz, na sentença, fica dispensado de outra fundamentação além da verificação de que o reconhecimento, para ele vinculativo, ocorreu validamente, devendo condenar o réu, ademais, ao pagamento das despesas processuais e honorários de advogado (art. 26); 2º) quando as partes transigirem (art. 269, nº III), aqui também desde que a transação abranja todo o objeto do processo. A sentença dividirá meio a meio pelas partes as despesas processuais, salvo se os próprios transatores houverem disposto diversamente (art. 26, § 2º); 3º) quando ocorrer decadência ou prescrição (art. 269, nº IV), caso o órgão judicial não a tenha pronunciado ex officio, de imediato, no despacho liminar (art. 295, nº IV, combinado com os arts. 219, § 5º, e 220, e ressalvado o disposto no art. 211 do Código Civil; cf. supra, § 2º, nº III, 1 e 3); 4º) quando o autor renunciar ao direito (rectius: à pretensão) postulado (art. 269, nº V), hipótese que não se confunde com a de simples desistência da ação, na qual o processo se extingue sem resolução do mérito (art. 267, nº VIII); naquela como nesta, contudo, incide a regra do art. 26, quanto à condenação nas despesas processuais e honorários advocatícios. 2. Se qualquer desses quatro casos se verificar depois do saneamento do processo, mas antes da audiência, o juiz proferirá imediatamente a sentença; a abreviação do procedimento será, então, de menor alcance. Não haverá abreviação alguma se o caso ocorrer na própria audiência: nesta hipótese, a sentença não se distinguirá, do ponto de vista formal, da que seria normalmente proferida, acolhendo ou rejeitando o pedido.
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III. Julgamento antecipado da lide 1. Em dois casos, previstos no art. 330, cabe ao órgão judicial “conhecer diretamente do pedido” – isto é, acolhê-lo ou rejeitá-lo – antes da oportunidade em que normalmente se proferiria a sentença (na audiência de instrução e julgamento ou depois dela): “quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência” (art. 330, nº I), e “quando ocorrer a revelia” (art. 330, nº II). De acordo com a rubrica da Secção II do Capítulo V, dá-se nesses casos o “julgamento antecipado da lide”. Vamos examiná-los, separadamente. 2. O inciso I do art. 330 abrange duas hipóteses: a) inexiste dúvida sobre os fatos relevantes para a solução do litígio, mas controverte-se acerca de questão de direito (v.g., da vigência da norma legal que se afirma aplicável à espécie, ou da interpretação que se lhe há de dar, ou da constitucionalidade dela): para decidir, deve então o juiz resolver unicamente a quaestio iuris; b) existe dúvida sobre um ou alguns dos fatos relevantes, mas essa dúvida é tal que se pode dissipar pelo simples exame da prova documental constante dos autos, ou mediante alguma atividade instrutória que dispense a realização de audiência (assim, a inspeção judicial de pessoa ou coisa). Ao contrário do que pode parecer à vista do teor literal do dispositivo (verbis “sendo de direito e de fato‘’), é irrelevante, nesta segunda hipótese, que haja também dúvida sobre a quaestio iuris, ou apenas sobre a quaestio facti: desde que a solução desta prescinda de ulterior atividade instrutória, que exigisse a realização de audiência (v.g., prova testemunhal, depoimento pessoal de parte), os efeitos são idênticos. 3. Ocorre a revelia quando o réu se abstém de contestar a ação. Nesse caso, em regra, reputam-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319), e julga-se antecipadamente a lide (art. 330, nº II), desde que satisfeitos, é claro, todos os pressupostos da apreciação do mérito (cf. supra, nº I, 1). A despeito do teor literal do art. 319, não fica o juiz vinculado, ao nosso ver, à aceitação de fatos inverossímeis, notoriamente inverídicos ou incompatíveis com os próprios elementos ministrados pela inicial, só porque ocorra a revelia; ademais, o pedido poderá ser declarado improcedente, v. g., em consequência da solução da questão de direito em sentido desfavorável ao autor. O resultado mais frequente na prática, todavia, será naturalmente a vitória deste sobre o revel. Toca ao órgão judicial verificar se se produziu o efeito da revelia previsto no art. 319 (arg. ex art. 324); no caso afirmativo, julgará antecipadamente a lide. Exclui
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o Código, em termos expressos, o efeito da revelia nas hipóteses enumeradas no art. 320, a saber: a) se, havendo litisconsórcio passivo, algum dos corréus oferecer contestação (inciso I); b) se o litígio versar sobre direitos indisponíveis (inciso II); c) se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento público que a lei considere indispensável à prova de ato jurídico afirmado pelo autor (inciso III). A enumeração do art. 320 não é, contudo, exaustiva. Não obstante o silêncio do texto, noutros casos tampouco produz a revelia o efeito do art. 319, nem enseja, por conseguinte, o julgamento antecipado da lide. Assim: d) quando oferecida contestação pelo curador especial do revel citado por edital ou com hora certa (art. 9º, nº II); e) quando terceiro houver ingressado no processo como assistente do revel, hipótese em que – na dicção do art. 52, parágrafo único – “será considerado seu gestor de negócios”. Configurado algum dos casos acima (letras a a e), apesar da revelia, o juiz só poderá apreciar desde logo o pedido se concorrerem os pressupostos do art. 330, nº I, cabendo-lhe, do contrário, marcar audiência preliminar, se a causa versar “sobre direitos que admitam transação” (art. 331, caput, na redação da Lei nº 10.444), ou proferir decisão de saneamento escrita (cf. infra, IV, 2). Mesmo, porém, que o réu tenha permanecido revel, exclui-se a possibilidade do julgamento antecipado da lide se, antes de o juiz sentenciar, o autor requerer a declaração incidente de relação jurídica prejudicial (ação declaratória incidental). Será então necessário fazer citar de novo o réu, a quem se assegura o direito de responder no prazo de 15 dias (art. 321), desaparecendo os efeitos da revelia primitiva. O julgamento antecipado da lide somente voltará a tornar-se cabível se, diante da nova citação, o réu persistir em manter-se revel (acerca das repercussões específicas da ação declaratória incidental sobre o procedimento, em tema de julgamento antecipado da lide, v. supra, § 11, nº II, 4). IV. Conciliação das partes na etapa de saneamento 1. Desde que presentes os pressupostos legais, podem as partes conciliar-se seja qual for o ponto em que se encontre o itinerário processual; aliás, constitui dever do juiz tentar conciliá-las “a qualquer tempo” (art. 125, nº IV, acrescentado pela Lei nº 8.952). Efetivada a conciliação, cabe ao órgão judicial homologá-la por sentença, que valerá como título executivo, se no acordo houver alguma condenação [art. 475-N (introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 584), nº III]. 2. A reforma efetuada pela Lei nº 8.952, todavia, criou momento por assim dizer privilegiado para a tentativa de conciliação no procedimento ordinário: instituiu com esse fim uma audiência específica, que o juiz deve designar sempre que não se
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verifique hipótese alguma das previstas nos arts. 329 e 330 e a causa verse sobre direitos que admitam transação, salvo se “as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável” que cheguem a acordo os litigantes (art. 331 e seu § 3º, acrescentado pela Lei nº 10.444). A audiência, que antes se chamava “de conciliação” e passou a denominar-se “preliminar” por força da Lei n° 10.444, realizar-se-á no prazo máximo de 30 dias, e a ela comparecerão as partes, pessoalmente ou por procuradores ou prepostos habilitados a transigir (art. 331, caput, na redação da Lei nº 10.444). Se obtida a conciliação, “será reduzida a termo e homologada por sentença” (art. 331, § 1º), com o efeito acima indicado. Também nesse caso, portanto, abrevia-se notavelmente o curso do procedimento. Frustrada que venha a ser, porventura, a tentativa de conciliação, “o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário” (art. 331, § 2º). Tais atos, cumpre ao juiz praticá-los oralmente, na própria audiência que se destinava de modo precípuo à tentativa de conciliação, tão logo se patenteie o respectivo malogro. Nessa hipótese, em princípio, não há lugar para saneamento por ato escrito; mas é óbvio que as decisões constarão do termo da audiência. Caberá, ao contrário, a prolação (nos autos) da decisão de saneamento, conforme oportunamente exposto (supra, § 6º), quando, por ocorrer qualquer dos dois casos indicados no art. 331, § 3°, principio, na redação da Lei n° 10.444 (inadmissibilidade de transação ou evidente improbabilidade da conciliação das partes), não houver audiência preliminar.
PROCEDIMENTO SUMÁRIO Capítulo Único
§ 13 – Âmbito de Incidência Procedimento Sumário
I. Delimitação O art. 275 (modificado pelas Leis nºs 9.245, 10.444 e 12.122) delimita, no Código, o âmbito de incidência do procedimento sumário (anteriormente denominado sumaríssimo), enumerando as causas que devem observá-lo. Adota a lei dois critérios diversos: o do valor e o da matéria. 1. Ratione valoris, seguem o procedimento sumário (art. 275, nº I) as causas cujo valor, determinado segundo as regras dos arts. 259 e 260, seja igual ou inferior a 60 vezes o do salário mínimo, na data da propositura da ação (cf. supra, § 1º, nº VIII, 2), isto é, naquela em que a inicial for distribuída ou, onde não houver distribuição, naquela em que a inicial for despachada (art. 263). Excetuam-se, porém, as ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas (art. 275, parágrafo único), bem como aquelas para as quais se prevê rito especial nas partes subsistentes do Código de 1939 (art. 1.218), em lei extravagante ou no Livro IV; algumas destas, como oportunamente se registrou (Introdução, nº 7), sob certas circunstâncias, recaem no procedimento ordinário, outras no rito característico do processo cautelar, mas nenhuma no procedimento sumário. Dispõe o art. 277, § 4º (na redação da Lei nº 9.245) que, na audiência de conciliação, o juiz “decidirá de plano a impugnação ao valor da causa” (ou, acrescente-se, fará de ofício a correção eventualmente cabível, quando o valor houver de ser fixado na conformidade de critério legal vinculativo: cf., supra, § 1º, nº VIII, 4). Pode acontecer que, em virtude da retificação, a causa, antes situada abaixo, passe a situar-se acima do limite estabelecido no art. 275, nº I: nessa hipótese, o órgão judicial determinará a conversão do procedimento sumário em ordinário. Conquanto não o diga a lei, procede-se de maneira análoga na hipótese inversa, isto é, quando, corrigida a fixação do valor, a causa fique abaixo do limite: o procedimento ordinário converte-se em sumário, observadas as normas genéricas do art. 250 e seu parágrafo único.
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2. Ratione materiae, independentemente do valor, observam o procedimento sumário (art. 275, nº II, na redação da Lei nº 9.245) as causas: a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio (não a cobrança, pelo locador, de encargos de condomínio devidos, nos termos de contrato escrito de locação, pelo locatário: a hipótese é de processo de execução, conforme o art. 585, nº V, fine); c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo; f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, com ressalva do disposto em legislação especial (por exemplo: a cobrança judicial de honorários de advogado, nos termos do art. 24, caput, da Lei nº 8.906, de 4.7.1994, far-se-á executivamente, segundo resulta da conjugação entre esse dispositivo e o art. 585, nº VIII, do Código); g) que versem sobre revogação de doação (Alínea acrescentada pela Lei nº 12.122, de 15.12.2009); h) nos demais casos previstos em lei, cabendo aqui notar que, embora o art. 3º da Lei nº 9.245 só se refira literalmente a “dispositivos do Código de Processo Civil”, deve entender-se que também na legislação extravagante a expressão “procedimento sumaríssimo” ficou substituída por “procedimento sumário”. Em consequência, aplica-se este procedimento a quaisquer causas até então submetidas àquele, por força de disposição especial: v.g., a ação revisional de aluguel (Lei nº 8.245, de 18.10.1991, art. 68), que antes previa a expressão rito sumaríssimo, com a modificação da Lei nº 12.122, de 15.12.2009, alterou expressamente a sua redação para rito sumário. Suscitando-se controvérsia sobre a natureza da causa, e em consequência sobre a adequação do procedimento sumário, o juiz procederá como na hipótese de impugnação ao valor da causa: decidirá a questão de plano na audiência de conciliação e, se for o caso, determinará a conversão do rito em ordinário (art. 277, § 4º, na redação da Lei nº 9.245). II. Exclusão do procedimento ordinário 1. Prevê o Código a aplicação subsidiária das disposições que regem o procedimento ordinário às causas que hajam de observar o sumário (art. 272, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 8.952); não contempla, todavia, a possibilidade de empregar-se o procedimento ordinário no lugar do sumário, em qualquer das hipóteses de cabimento deste. A rigor, é inadmissível a substituição do procedimento sumário pelo ordinário, quer por opção exclusiva do autor, quer mediante acordo das partes.
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Deve excluir-se antes de mais nada a possibilidade de optar o autor, a seu talante, pelo procedimento ordinário. É um equívoco pensar que tal substituição jamais cause prejuízo ao réu, simplesmente por assegurar-lhe maior amplitude de defesa. A essa suposta vantagem pode muito bem sobrepor-se o interesse, que tenha o réu, de ver rapidamente julgada a causa, a fim de liberar-se mais cedo dos inconvenientes da litispendência. Ainda, porém, quando exista consenso, sobreleva a consideração de que o procedimento sumário foi instituído menos no interesse particular dos litigantes que em atenção ao interesse público na célere composição dos litígios. A matéria escapa, assim, ao poder dispositivo das partes. Ademais, a redação do art. 275, caput, é imperativa (“Observar- se-á....”), e o art. 295, nº V, determina que a petição inicial seja indeferida “quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação”, sendo evidentíssimo que a cláusula grifada se refere à hipótese do art. 275, nº I. Consoante a parte final do dispositivo, só se evitará o indeferimento, sendo possível, mediante a adaptação da inicial “ao tipo de procedimento legal” (aqui, ao procedimento sumário). Por exceção, admite o Código, na hipótese de cumulação de pedidos, a utilização do procedimento ordinário, em vez do que normalmente seria cabível (inclusive o sumário), se assim preferir o autor (art. 292, § 2º; cf. supra, § 1º, nº V, 2). Ao ângulo que agora interessa, a regra apenas incide se, entre os pedidos que se quer cumular, houver algum (ou vários) a que em princípio se aplique o procedimento sumário, e outro (ou outros) a que seja adequado o ordinário; não, porém, se para todos eles previr a lei o sumário – caso em que poderá tornar-se aplicável, por outra razão, o procedimento ordinário, quando o valor da causa (apurado pela soma dos valores dos pedidos cumulados: art. 259, nº II) ultrapassar o limite do art. 275, nº I, e não ocorrer fundamento ratione materiae para a observância do rito sumário (cf. infra, § 14, nº II, 2). 2. Do exposto não se infere que o processo haja de ser forçosamente anulado, caso se tenha instaurado como ordinário, em hipótese de cabimento do rito sumário. Incide ainda aqui o art. 250, segundo o qual “o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais”. O aproveitamento ocorrerá sempre que a utilização do rito inadequado não houver causado prejuízo à defesa (art. 250, parágrafo único). Cumpre reconhecer, aliás, que a prática judiciária tem condescendido com certa largueza na utilização do procedimento ordinário em vez do sumário, sobretudo à vista da circunstância de que este, por diversas razões, nem sempre assegura de fato o julgamento mais rápido da causa.
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§ 14 – Estrutura do Procedimento I. Generalidades 1. Ao moldar o procedimento sumário, como é óbvio, teve o legislador em vista o escopo primordial da celeridade. Daí a simplificação do rito e o grau de concentração, maior que o do procedimento ordinário. No regime anterior à Lei nº 9.245, a diferença era mais sensível, notadamente no que concerne à divisão do itinerário processual em fases, cuja nitidez se atenuava muito no antigo procedimento sumaríssimo. Hoje, semelhante característica antes ressalta no procedimento perante os Juizados Especiais Cíveis (Leis nºs 9.099, 10.259 e 12.153) do que no sumário, tal qual resultou das reformas efetuadas. A preocupação da rapidez levou o Código, até, a assinar limites máximos de prazo – escassamente relevantes na prática – ao procedimento sumaríssimo em primeiro grau (90 dias: art. 280, na redação originária) e ao julgamento, no tribunal, dos recursos interpostos nas causas que o observam (40 dias: art. 550). O primeiro limite foi eliminado pela Lei nº 9.245. Subsiste o segundo, sem que, todavia, a respectiva ultrapassagem produza consequências de ordem processual: não se deve supor, por exemplo, que seja nulo o acórdão proferido após o termo final. A demora poderá acarretar a responsabilidade funcional do magistrado que lhe houver dado causa, apurada nos termos do regimento interno do tribunal (art. 199). O empenho de evitar incidentes capazes de retardar a marcha do processo reflete-se ainda na preexclusão da ação declaratória incidental e da intervenção de terceiros, “salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro” (art. 280, na redação da Lei n° 10.444). Adite-se que as causas de rito sumário se processam durante as férias e não se suspendem pela superveniência destas (art. 174, nº II, fine). 2. O Código não disciplina de modo exaustivo, no capítulo a ele consagrado, o procedimento sumário, em todos os seus pormenores. Limita-se, em geral, nos arts. 276 e seguintes (na redação da Lei nº 9.245), a fixar os traços peculiares a esse rito, em primeiro grau de jurisdição; quanto ao mais, entende-se, à vista do disposto no art. 272, parágrafo único, que se aplicam subsidiariamente as regras do procedimento ordinário, das quais, contudo, uma ou outra vem repetida no capítulo atinente ao sumário. Com referência ao processamento dos recursos no órgão ad quem, apesar do que preceitua o art. 550, a única diferença de rito, em confronto com o normalmente aplicável nas causas de procedimento ordinário, é a prevista no art. 551, § 3º, que exclui a revisão. Isso quer dizer que nenhuma diferença existe, v.g., no agravo, que jamais tem revisor (art. 551, caput, a contrario sensu).
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II. A demanda 1. Começa o processo, aqui como alhures, com o ajuizamento da petição inicial, considerando-se proposta a ação no momento em que a inicial é despachada pelo juiz ou, onde necessário, distribuída (art. 263). A inicial deve satisfazer os requisitos dos arts. 282 e 283. Ademais, se for o caso, o autor oferecerá desde logo o rol de testemunhas e, na hipótese de requerer perícia, formulará quesitos, podendo indicar assistente técnico (art. 276). Incidem ainda os arts. 39, nº I, e 287. 2. No que diz respeito ao pedido, à sua relevância jurídica, aos itens que precisam ou não precisam ser expressamente incluídos, às espécies de pedido, aplicam-se aqui as observações feitas acerca do procedimento ordinário (supra, § 1º, nºs II e III). Requerida a tempo a alteração, e nela consentindo o réu, como a ação passa a ser outra, naturalmente se deve reabrir o prazo para a preparação da defesa; a providência adequada será a designação de nova audiência, com observância do disposto no art. 277, caput, na redação da Lei nº 9.245. Análogo registro cabe no que concerne à alteração da causa petendi, aplicando-se aqui, no mais, tudo que a respeito já se expôs (supra, § 1º, nº VI, 3). Com referência à cumulação de pedidos, que naturalmente pressupõe os requisitos do art. 292 e seus parágrafos, importa atentar em que o valor da causa, quando simples ou sucessiva a cumulação, se fixa na soma dos valores dos pedidos cumulados (art. 259, nº II; cf. supra, § 1º, nº VIII, 2); ora, na hipótese do art. 275, nº I, a incidência do procedimento sumário depende de que o valor da causa não exceda o limite ali estabelecido. Significa isso que, se o autor quiser cumular contra o réu dois ou mais pedidos, só poderá usar o procedimento sumário – a menos, é claro, que este seja o adequado ratione materiae – caso a soma dos respectivos valores seja igual ou inferior a 60 vezes o valor do salário mínimo; superior que seja ela a esse quantum, o procedimento terá de ser o ordinário, pouco importando que a cada um dos pedidos separadamente pudesse adequar-se o sumário. 3. A distribuição da inicial não oferece qualquer peculiaridade; aplica-se aqui tudo que oportunamente foi dito ao propósito (supra, § 1º, nº IX). III. Despacho liminar e citação do réu 1. O despacho liminar tem, no procedimento sumário, objeto e natureza iguais aos que tem no ordinário (supra, § 2º, nos I e II). Nos mesmos casos que neste (supra, § 2º, nº III), cabe ao juiz indeferir a petição inicial. Nenhuma singularidade há que mencionar, tampouco, no que concerne aos efeitos do despacho liminar, quer de conteúdo negativo (indeferimento da inicial), quer de conteúdo positivo (deferimento da inicial) (cf. supra, § 2º, nºs III e IV). Incide, aqui também, o art. 285-A (acrescentado pela Lei nº 11.277).
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Cumpre observar que, se deferir a inicial, além de ordenar a citação do réu, deve o órgão judicial marcar desde logo a audiência de conciliação, a realizar-se no prazo de 30 dias, e determinar que a ela compareçam as partes. O prazo ficará duplicado quando for ré a Fazenda Pública (art. 277, caput, na redação da Lei nº 9.245). 2. O que anteriormente se expôs acerca do conceito de citação, da sua falta ou nulidade e respectivo suprimento, das várias modalidades por que se pode efetuar, das circunstâncias que lhe impedem a realização, dos seus efeitos processuais e materiais, da sua repetição (supra, § 3º, nºs I a VI), é aplicável, em princípio, ao procedimento sumário. Ressalve-se a referência (§ 3º, nº VI, 2) à necessidade de renovar-se a citação na hipótese de o autor requerer a declaração incidente de relação prejudicial: essa hipótese não se verifica no procedimento sumário, que não comporta ação declaratória incidental. O réu, entretanto, não é citado para responder em certo prazo, e sim para comparecer à audiência de conciliação, designada pelo juiz ao deferir a inicial. A citação (do réu único ou de todos os réus, na hipótese de litisconsórcio passivo) tem de consumar-se pelo menos 10 dias antes da data fixada para a audiência, prazo também duplicado quando ré a Fazenda Pública (art. 277, caput, na redação da Lei nº 9.245). Deve a data, à evidência, constar do instrumento citatório (carta, mandado ou edital; quanto ao segundo, aliás, é expressa a lei: art. 225, nº IV, aplicável por força do disposto no art. 272, parágrafo único). Dele também deve constar a advertência ao réu de que, caso deixe injustificadamente de comparecer, se reputarão verdadeiros os fatos alegados na petição inicial, salvo se o contrário resultar da prova dos autos (art. 277, § 2º, na redação da Lei nº 9.245). Se a citação só se houver consumado dentro do decêndio imediatamente anterior à audiência, esta será adiada, intimando-se ambas as partes da nova designação. A audiência porventura realizada sem observância do intervalo devido é, em princípio, nula; não se decretará, porém, a nulidade, se o réu comparece e atua, sem arguir o vício, entendendo-se que tivera tempo bastante para preparar a defesa e renunciara – ainda que tacitamente – à diferença de prazo, conforme permite o art. 186. Ademais, como nem mesmo nos casos de cominação expressa pode ser decretada a nulidade em benefício da parte que lhe deu causa (art. 243), é lícito concluir, a fortiori, que, em sendo imputável exclusivamente ao réu o retardamento da citação, sem o qual ficaria preservado o prazo, será válida a audiência, apesar de menor o intervalo: assim, por exemplo, se o decêndio ficou prejudicado em parte apenas porque a ocultação maliciosa do citando tornou necessário o recurso ao expediente da marcação de hora certa (arts. 227 e 228). IV. Tentativa de conciliação 1. Inexistindo impedimento legal, realizar-se-á no dia e hora marcados a audiência de conciliação, à qual hão de estar presentes as partes, pessoalmente ou por
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meio de preposto com poderes para transigir (art. 277, § 3º, na redação da Lei nº 9.245). A ausência injustificada de qualquer das partes, todavia, não é razão bastante para que se adie o ato (art. 453, nº II, a contrario sensu), embora naturalmente preexclua a possibilidade de acordo. Note-se que a lei não prevê intimação do autor para ciência da designação feita no despacho liminar: corre-lhe o ônus de informar-se a tal respeito. Na hipótese de adiamento, ambas as partes precisam ser intimadas da nova marcação, sem o que não será possível realizar a audiência, a menos que autor e réu compareçam e não se oponham à realização. 2. Ausente o réu sem motivo justificado, caberá ao órgão judicial proferir sentença desde logo (art. 277, § 2º, na redação da Lei nº 9.245). Se existir óbice irremovível à resolução do mérito (v.g., falta de alguma das condições da ação), o processo será extinto sem ela (art. 267). No caso contrário, o juiz apreciará o meritum causae, admitindo como verdadeiros os fatos alegados na inicial, a não ser que a prova dos autos (produzida pelo próprio autor) o leve à conclusão oposta; trata-se, pois, de presunção relativa. Semelhante efeito da revelia sofre, no procedimento sumário, as mesmas restrições que no ordinário. Valem aqui as observações feitas, quanto a este, a propósito do julgamento antecipado da lide (supra, § 12, nº III, 3). 3. Presentes os litigantes, tentará o órgão judicial conciliá-los, tarefa para a qual pode ser auxiliado por conciliador; obtido que seja o acordo, “a conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença” (art. 277, § 1º, na redação da Lei nº 9.245). Se a avença estipular alguma prestação exigível de qualquer das partes, a sentença homologatória constituirá, para esse fim, título executivo: art. 475-N (introduzido pela Lei nº 11.232), nº III. Frustrando-se a tentativa de conciliação, abre-se ensejo, em prosseguimento da audiência, à defesa do réu, que poderá apresentar resposta escrita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas. Se requerer perícia, o réu, na mesma ocasião, formulará quesitos e poderá indicar assistente técnico (art. 278, caput, na redação da Lei nº 9.245). V. Resposta do réu 1. A defesa do réu não sofre qualquer restrição de conteúdo: pode ele formular, no procedimento sumário, com a mesma amplitude, quaisquer alegações que entenda cabíveis, quer de ordem processual, quer relativas à ação, quer pertinentes ao mérito. A forma é que varia: todas essas possíveis alegações hão de ser formuladas, por escrito ou oralmente, na audiência em princípio destinada à conciliação, nada importando que se trate de matéria suscitável, no procedimento ordinário, em contestação ou por via de exceção. Vale o mesmo para a impugnação ao valor da causa, à qual aqui não se aplica a sistemática estabelecida no art. 261, caput. Incidem as normas dos arts. 300, 301, 302 e 303, lendo-se “resposta” onde o texto diz “contestação”.
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O réu instruirá a resposta, sendo o caso, com documentos e rol de testemunhas. Se requerer perícia, apresentará quesitos desde logo e poderá indicar assistente técnico (art. 278, caput, na redação da Lei nº 9.245). É lícito ao réu, na própria contestação, formular pedido em seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial (art. 278, § 1º, na redação da Lei nº 9.245). A contestação, nessa hipótese, fará, em substância, as vezes de reconvenção, sem necessidade de que o réu formalmente reconvenha. Apesar da revogação do art. 315, § 2º (Lei nº 9.245, art. 2º), deve pois entender-se que, sendo desnecessária, continua inadmissível (por falta de interesse) a reconvenção. A admissibilidade da ação declaratória incidental está expressamente excluída pelo art. 280 (na redação da Lei nº 10.444), onde também se veda a intervenção de terceiro, salvo assistência, recurso de terceiro prejudicado e intervenção fundada em contrato de seguro. 2. Não contém o Código regras especiais atinentes à arguição, no procedimento sumário, da incompetência relativa, do impedimento ou da suspeição do juiz. A oportunidade adequada é sem dúvida a audiência, onde o réu há de apresentar toda a defesa que tiver. Não se exigirá, contudo, petição escrita, ao contrário do que ocorre no procedimento ordinário (arts. 297, 307, 312, 2ª parte). Inexistindo, quanto ao mais, disciplina própria, é forçoso, de lege lata – até em obséquio ao disposto no art. 272, parágrafo único –, reconhecer como aplicável o rito previsto, em relação ao procedimento ordinário, para as exceções, adaptando-se às peculiaridades do sumário tudo que, de outro modo, com este não se compadeceria. De lege ferenda, a solução é insatisfatória, não somente pelas dificuldades que pode suscitar na prática, mas também porque, a adotar-se em suas linhas-mestras o procedimento dos arts. 303 e seguintes, ter-se-á consentido num fator de retardamento inconciliável com o espírito que anima o Capítulo III do Título VIII do Livro I. Melhor teria sido que a lei regulasse o incidente, no procedimento sumário, em termos expressos e com maior simplicidade. VI. Atividade de instrução 1. No capítulo atinente ao procedimento sumário, tal como vige por força da Lei nº 9.245, só se encontram referências específicas à prova documental, à testemunhal e à pericial. Os documentos devem ser oferecidos, pelo autor, com a inicial (art. 396, combinado com o art. 272, parágrafo único), e pelo réu, com a resposta, na audiência de conciliação (art. 278, caput, na redação da mencionada lei). Nas mesmas oportunidades, respectivamente, poderão as partes requerer a produção de prova testemunhal, apresentando cada qual o rol das testemunhas que pretende fazer ouvir (arts. 276 e 278, caput, sempre na redação da Lei nº 9.245). Quanto à perícia, também será requerida pelo autor na inicial e pelo réu na audiência de conciliação. Na oportunidade, a parte que a requeira formulará seus quesitos e poderá indicar assistente técnico (arts. 276 e 278, caput, na redação da Lei nº 9.245). De acordo com o art. 280, n° II, na redação da mesma lei, dispunha o perito de 15 dias para
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apresentar o laudo. Essa disposição, contudo, foi suprimida pela Lei n° 10.444, devendo entender-se, agora, que incide aqui o art. 433, na cláusula que atribui ao juiz a incumbência de fixar o prazo. Observe-se que, nos termos do art. 277, § 5º (sempre na redação da Lei n° 9.245), se for necessária “prova técnica de maior complexidade”, a critério do órgão judicial, este determinará a conversão do procedimento sumário em ordinário. 2. Nada diz o texto legal sobre o depoimento pessoal das partes. É claro, porém, que essa prova não está proscrita do procedimento sumário. Incidem os arts. 342 e 343 e seus parágrafos. Pode ainda ocorrer que o juiz resolva proceder à inspeção de pessoa ou coisa. As regras dos arts. 440 a 443 são aplicáveis sem maior dificuldade. Assim também as concernentes à exibição de documento ou coisa (arts. 355 a 363). 3. O capítulo relativo ao procedimento sumário não contém disposições acerca da forma dos atos probatórios, salvo as constantes do art. 279 (na redação da Lei nº 9.245). Reiterando em termos específicos regra genérica situada alhures (art. 170), o caput autoriza a documentação dos atos realizados em audiência mediante taquigrafia, estenotipia “ou outro método hábil” e faculta ao órgão judicial determinar, caso lhe pareça conveniente, a respectiva transcrição. De acordo com o parágrafo único, nas comarcas ou varas em que não for possível o emprego de nenhum daqueles métodos, “os depoimentos serão reduzidos a termo, do qual constará apenas o essencial”. As provas orais serão colhidas em audiência de instrução e julgamento, que o juiz, se houver necessidade, e não se verificar qualquer das hipóteses dos arts. 329 e 330, nºs I e II, designará, na audiência em princípio destinada à conciliação, uma vez frustrada a tentativa de acordo e oferecida a resposta do réu. Celebrar-se-á a audiência de instrução e julgamento em data próxima, dentro de prazo não superior a 30 dias, o qual poderá ser excedido caso se haja ordenado a realização de perícia (art. 278, § 2º, na redação da Lei nº 9.245). No tocante à forma de produção das provas orais, aplicam-se as normas expostas ao propósito, com relação ao procedimento ordinário (supra, § 8º, nºs I, II e V). No procedimento sumário, o juiz exerce poderes iguais aos que tem no ordinário, em tudo que diz respeito à atividade probatória. Compete-lhe deferir ou indeferir quaisquer provas, bem como determinar de ofício que se realizem as necessárias, embora não requeridas pelas partes, tudo nos termos do art. 130. VII. Julgamento da causa 1. No procedimento sumário, a causa pode ser julgada: a) em princípio, logo após a abertura da audiência de conciliação, se o réu, sem motivo justificado, não tiver comparecido (art. 277, § 2º, na redação da Lei nº 9.245); b) ao fim da audiência de conciliação, caso não se obtenha o acordo das partes e não seja necessário produzir prova oral ou ocorra qualquer das hipóteses previstas nos arts. 329 e 330 (art. 278, § 2º, na redação da Lei nº 9.245, a contrario sensu);
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c) na audiência de instrução e julgamento, ou nos 10 dias subsequentes, se ela houver de realizar-se, porque não verificado qualquer dos casos anteriores (art. 281, na redação da mesma lei). A hipótese c merece agora mais pormenorizado exame. 2. Tal como no procedimento ordinário, a audiência de instrução e julgamento é ato misto, em parte destinado à complementação da atividade instrutória, mas no qual se pode passar à decisão da causa. A ordem de produção das provas orais é a mesma que se adota naquele procedimento (art. 452). Finda a instrução, o juiz dará a palavra, sucessivamente, ao advogado do autor, ao do réu e, quando haja de funcionar, ao Ministério Público, para alegações finais, observando-se o disposto no art. 454 e seu § 1º. Não incide o § 2º, por não ser cabível oposição (art. 280, na redação da Lei nº 10.444); nem o § 3º, incompatível com a regra do art. 281 (na redação da Lei n° 9.245). 3. Normalmente, ao fim da audiência de instrução e julgamento, a causa estará madura para a decisão de mérito. Por exceção, pode acontecer que alguma preliminar suscitada pelo réu, ou não suscitada mas apreciável de ofício, não tenha ainda sido resolvida, hipótese em que, não estando preclusa, o órgão judicial há de examiná-la e, conforme o caso, decretar a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267), ou determinar outra providência porventura adequada (v.g., mandar suprir irregularidade ou nulidade sanável: art. 327, 2ª parte; ou remeter os autos ao juízo competente: art. 113, § 2º). A ocorrência de qualquer dos casos enumerados no art. 269, nºs II a V, ao contrário do que se dá com o procedimento ordinário (supra, § 12, nº II), não tem praticamente repercussão na estrutura do sumário. Ressalvada a eventualidade de indeferimento da inicial baseado em decadência ou prescrição (art. 295, nº IV), extingue-se a fase cognitiva do processo, com resolução do mérito, da mesma forma por que se extinguirá se o juiz tiver de decidir o litígio segundo sua convicção, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor (art. 269, nº I). 4. Em todas as hipóteses acima arroladas, quer haja, quer não, apreciação do mérito, cabe ao órgão judicial proferir sentença (arts. 281, na redação da Lei nº 9.245, e 162, § 1º, na redação da Lei nº 11.232). Caso realizada audiência de instrução e julgamento, o juiz sentenciará logo após o encerramento dos debates orais; ou, se não se sentir habilitado a decidir de imediato, no decêndio subsequente (art. 281, na redação da Lei nº 9.245), restando-lhe a possibilidade, nesse prazo, de determinar alguma diligência que ainda pareça necessária à formação do seu convencimento. Não se justifica a dilação de 10 dias nas hipóteses de reconhecimento do pedido, transação e renúncia, em que o órgão judicial naturalmente sentenciará tão logo se verifique a manifestação válida do ato dispositivo. Como no procedimento ordinário, incide o art. 164. Acerca da publicação e da intimação da sentença, aplicam-se aqui as observações anteriormente feitas (supra, § 10, nº II). Aplica-se, igualmente, quanto se disse sobre a situação do processo após
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a resolução do mérito em primeiro grau (supra, § 10, nº V): nenhuma diferença existe, a tal respeito, entre os casos de procedimento ordinário e os de procedimento sumário. VIII. Recursos 1. Conforme oportunamente se expôs (Introdução, nº 8), são pequenas as diferenças entre o procedimento sumário e o ordinário em matéria recursal. Os recursos cabíveis são os mesmos, nem variam os respectivos requisitos de admissibilidade. Contra qualquer decisão interlocutória, cabe agravo (art. 522, caput, na redação da Lei nº 11.187); contra a sentença, apelação (art. 513). Julgada esta, poderão caber, nos termos habituais, embargos infringentes, recurso especial e/ou extraordinário (infra, §§ 21, 24 e 25). Toda decisão, interlocutória ou final, é passível de embargos de declaração (infra, § 22, nº I, 1). O agravo observará a forma retida, “salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”. Nessas hipóteses, admite-se a interposição por instrumento (art. 522, caput, na redação da Lei nº 11.187; v., infra, § 20, n° III, 1, e nº IV, 2). 2. No segundo grau de jurisdição, há duas peculiaridades: nenhum recurso se submete à revisão (art. 551, § 3º, na redação da Lei nº 8.950); e o julgamento deve ocorrer no prazo de 40 dias (art. 550). Esta última disposição é, na prática, inane, frequentemente desrespeitada; aliás, nenhuma sanção específica se prevê para a respectiva inobservância.
RECURSOS Capítulo I GENERALIDADES
§ 15 – Conceito e Classificações Recursos
I. Os recursos como meios de impugnação das decisões judiciais 1. Não fica circunscrita, em regra, a um único pronunciamento a apreciação, pelo organismo investido da função jurisdicional, da matéria que lhe compete julgar. Com o propósito de assegurar, na medida do possível, a justiça das decisões, contempla a lei a realização de dois ou mais exames sucessivos, ao passo que, por outro lado, a fim de evitar que se sacrifique a necessidade de segurança, cuida de limitar o número das revisões possíveis. Em alguns casos, a existência de interesse público relevante torna obrigatória a reapreciação da causa julgada. É o que ocorre nas hipóteses do art. 475, por força do qual (na redação da Lei n° 10.352) se sujeitam em regra ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeitos senão depois de confirmadas pelo órgão superior, as sentenças proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município ou as respectivas autarquias e fundações de direito público, e as que julgam procedentes os embargos opostos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. Geralmente, porém, cinge-se o ordenamento a permitir que se provoque o reexame, dentro de determinados limites e mediante o atendimento de certas exigências. Abre-se às partes – e, por vezes, a outras pessoas – o ensejo de impugnar a decisão proferida, pleiteando a emissão de outra, emanada em regra de órgão diverso e, por exceção, do mesmo órgão que proferiu a anterior; ou ainda, em hipóteses menos frequentes, solicitando pura e simplesmente a eliminação do pronunciamento impugnado. Caso especial é o dos embargos de declaração, que não visam nem à reforma, nem à cassação da decisão atacada, mas tão só ao respectivo esclarecimento ou integração (v. infra, § 22, nº I, 1).
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Recursos
2. O exercício do direito de impugnação pode atuar de dois modos diferentes. No comum dos casos, ele tem como consequência fazer prosseguir o processo que até então vinha correndo, em geral com deslocamento da competência: do órgão que proferiu a decisão (órgão a quo) passa o feito àquele a que incumbe o reexame (órgão ad quem). Chamam-se recursos os meios de impugnação que assim atuam. Como, entretanto, o processo deve necessariamente terminar mais cedo ou mais tarde, são limitadas as possibilidades de impugnação por essa via. A lei trata de circunscrever o número de recursos utilizáveis, subordinando-os, ademais, a determinados requisitos de admissibilidade. A título excepcional, em hipóteses taxativamente previstas, admite o ordenamento que se impugnem decisões por outros meios. Aqui, porém, o oferecimento da impugnação não fará prosseguir o mesmo processo em que se proferira a decisão impugnada: dará lugar à instauração de outro processo, capaz, embora, conforme o seu resultado, de influir no do primeiro. Os meios de impugnação dividem-se, pois, em duas grandes classes: a dos recursos – assim chamados os que se podem exercitar dentro do processo em que surgiu a decisão impugnada – e o das ações impugnativas autônomas, cujo exercício, em regra, pressupõe a irrecorribilidade da decisão. No direito brasileiro, protótipo da segunda classe é a ação rescisória, eventualmente cabível para impugnar sentenças (de mérito) já transitadas em julgado (art. 485, caput). II. Classificações dos recursos 1. Concebe-se que as decisões judiciais em geral (e não apenas as sentenças, como restritivamente diz o art. 505) sejam objeto de impugnação “no todo ou em parte”. A rigor, nem sempre é possível impugnar a decisão toda; a lei às vezes restringe o conteúdo impugnável, como faz em relação aos embargos infringentes, por exemplo: se, no julgamento da apelação ou da ação rescisória, ocorreu divergência apenas parcial entre os julgadores, só a matéria em que ela se manifestou pode constituir objeto dos embargos (art. 530, 2ª parte; cf. infra, § 21, nº I, 1). A variável extensão da matéria impugnada permite distinguir entre recurso total e recurso parcial. Deve considerar-se total o recurso que abrange todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida (não necessariamente o seu conteúdo integral). Assim, v.g., serão totais os embargos infringentes relativos a tudo aquilo em que se verificou dissídio no julgamento da apelação ou da ação rescisória, nada importando que não digam respeito a outra(s) matéria(s), julgada(s) no mesmo acórdão, mas por deliberação unânime e, em consequência, fora do alcance dos embargos. Classificar-se-á como parcial o recurso que, em virtude de limitação voluntária, não compreenda a totalidade do conteúdo impugnável da decisão. Exemplo: o autor, que cumulara vários pedidos e os vira todos julgados improcedentes no primeiro grau de jurisdição, interpõe apelação exclusivamente quanto à parte da sentença referente a um (ou a alguns) dos pedidos. Se o recorrente não especificar a parte em que impugna a decisão, entender-se-á que o recurso é total.
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2. Sendo a decisão favorável em parte a um dos litigantes e em parte ao outro, podem ambos recorrer, normalmente, no prazo comum, impugnando cada qual a parte cuja anulação ou reforma lhe interesse. Os recursos serão, nesse caso, independentes. Se, porém, um dos litigantes se houver abstido de recorrer no prazo comum, disporá ainda de outra oportunidade para fazê-lo, ao ser intimado do recebimento do recurso interposto pelo adversário, em se tratando de apelação, de embargos infringentes, de recurso especial ou de recurso extraordinário (art. 500, nº II). Em tal hipótese, ao primeiro recurso (interposto no prazo comum) dá-se a denominação de principal; ao segundo, a de adesivo. Este será interponível no mesmo prazo de que dispõe a parte para responder ao recurso principal (art. 500, nº I, na redação da Lei nº 8.950). Como o recorrente só se resolveu a interpô-lo à vista de ter sido a decisão (na parte que o favorecia) impugnada pelo adversário, fica o recurso adesivo “subordinado ao recurso principal” (art. 500, caput, 3ª parte). Isso significa que, para chegar a ser apreciada pelo órgão ad quem a impugnação do recorrente adesivo, não basta que o seu próprio recurso preencha todos os respectivos requisitos de admissibilidade: é necessário, além disso, que também do recurso principal possa conhecer o órgão ad quem. Se o recorrente principal desistir do seu recurso, caducará o adesivo; se o recurso principal for julgado deserto (sobre este conceito, v. infra, § 16, nº II, 1) ou, por outra razão, inadmissível, tampouco se conhecerá do adesivo (art. 500, nº III). 3. A distinção entre recursos ordinários e recursos extraordinários, a que faz referência o art. 467, parte final, não tem no ordenamento brasileiro relevância teórica nem prática. A rigor, não existe entre nós uma classe de recursos a que se possa aplicar a denominação genérica de extraordinários: há, sim, um recurso assim denominado (v. infra, § 25), que tem – como, aliás, todos eles – as suas peculiaridades, mas insuficientes para fundamentar uma classificação de valor científico. À semelhança dos outros, o recurso extraordinário obsta, quando admissível, ao trânsito em julgado da decisão, consoante resulta da disposição expressa do próprio art. 467. É desprovido de efeito suspensivo, mas essa característica também se depara, v.g., na apelação interponível contra qualquer das sentenças arroladas no art. 520, 2ª parte, nºs I a VII (na redação da Lei n° 10.352, revogado o inciso III pela Lei nº 11.232). A circunstância de interpor-se para o Supremo Tribunal Federal não singulariza o recurso extraordinário: abstração feita de recursos admissíveis contra acórdãos já proferidos por aquele órgão, é para ele, igualmente, que se interpõe o “recurso ordinário” previsto no art. 102, nº II, a, da vigente Carta Federal. Em todo caso, a Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, introduziu novo e peculiar requisito de admissibilidade: a “repercussão geral das questões constitucionais discutidas” no extraordinário (§ 3º, acrescentado ao art. 102). § 16 – Admissibilidade e Mérito I. Distinção entre os conceitos 1. Como todo ato postulatório, a impugnação de decisão judicial por meio de recurso submete-se a exame sob dois ângulos diversos. Primeiro, cumpre verificar
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se estão satisfeitas as condições impostas pela lei para que se possa apreciar o conteúdo da postulação (juízo de admissibilidade); depois, e desde que o resultado tenha sido positivo – isto é, que o recurso seja admissível –, cumpre decidir a matéria impugnada através deste, para acolher a impugnação, caso fundada, ou rejeitá-la, caso infundada (juízo de mérito). Quando o órgão a que compete julgar o recurso (órgão ad quem) o declara inadmissível, diz-se que ele não conhece do recurso. Na hipótese contrária, diz-se que ele conhece do recurso. Em conhecendo do recurso, o órgão ad quem pode dar-lhe ou negar-lhe provimento, conforme seja ele fundado ou infundado. 2. O juízo de admissibilidade é, sempre e necessariamente, preliminar ao juízo de mérito. Negada que seja a admissibilidade do recurso, não há que investigar se ele é fundado ou não. Por outro lado, se o órgão ad quem apreciou o conteúdo da impugnação, quer lhe haja reconhecido fundamento, quer não, terá julgado o recurso no mérito. Pode acontecer que, por defeito de técnica, o órgão ad quem, ao proferir sua decisão, diga que não conheceu de um recurso por entender infundada a impugnação, apesar de satisfeitos todos os requisitos de admissibilidade. Corrige-se o equívoco por via de interpretação: a decisão do órgão ad quem, erroneamente rotulada como de não conhecimento, deve ser interpretada como de não provimento, e assim tratada para todos os efeitos práticos. II. Juízo de admissibilidade 1. Objeto do juízo de admissibilidade são os requisitos necessários para que se possa legitimamente apreciar o mérito do recurso, dando-lhe ou negando-lhe provimento. Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem classificar-se em dois grupos: requisitos intrínsecos (atinentes à própria existência do direito de recorrer) e requisitos extrínsecos (concernentes ao exercício daquele direito). São requisitos intrínsecos, além dos que alguma norma estabeleça no tocante a hipótese especial (exemplo: art. 538, parágrafo único, fine, na redação da Lei nº 8.950): a) Cabimento – Para que seja cabível o recurso, é preciso que o ato impugnado seja, em tese, suscetível de ataque por meio dele. Existem pronunciamentos judiciais que não comportam impugnação através de recurso algum (despachos: art. 504). Em relação às outras espécies de pronunciamentos, a lei discrimina os recursos cabíveis, conforme se exporá oportunamente (v. infra, § 18, nº II). À luz das diretrizes que informam o Código, sobretudo em matéria de nulidade dos atos processuais (v., notadamente, o art. 250), e a despeito da inexistência de regra expressa, deve entender-se aproveitável, em princípio, e processar-se como o cabível, o recurso impropriamente interposto no lugar deste; b) Legitimação para recorrer – Conforme resulta do art. 499, legitimam-se à interposição de recurso: em primeiro lugar, a parte, entendendo-se como tal o autor ou o réu, ou qualquer dos litisconsortes, bem como o interveniente (que,
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desde a intervenção, se tornou parte), inclusive o assistente, litisconsorcial ou simples – ressalvado, quanto a este, o disposto no art. 53 – , e ainda, no processo de execução, quem quer que haja assumido posição postulatória em algum incidente a que respeite o pronunciamento (v.g., o arrematante, com referência à decisão que anule a arrematação); ademais, o terceiro prejudicado – expressão que, não obstante a pouca clareza do art. 499, § 1º, ao nosso ver designa o estranho ao processo, titular de relação jurídica atingida (ainda que por via reflexa) pela sentença, isto é, o terceiro juridicamente prejudicado; enfim, o Ministério Público, quer em processo onde tenha a posição de parte, quer naquele em que oficie como fiscal da lei (art. 499, § 2º); c) Interesse em recorrer – Configura-se este requisito sempre que o recorrente possa esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada (utilidade do recurso) e, mais, que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcançar esse objetivo (necessidade do recurso). Em relação à parte, alude o art. 499 à circunstância de ter ela ficado “vencida” (sucumbência, conforme se costuma dizer em doutrina); o adjetivo deve ser entendido como abrangente de quaisquer hipóteses em que a decisão não tenha proporcionado à parte, ao ângulo prático, tudo que lhe era lícito esperar, pressuposta a existência do feito; d) Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer – É impeditivo do poder de recorrer o ato de que diretamente haja resultado a decisão desfavorável àquele que, depois, pretenda impugná-la; por exemplo, da sentença que homologa a desistência da ação não pode recorrer a parte que desistiu, exceto se se trata de impugnar a validade da desistência, manifestada por procurador sem poderes especiais. Enquadra-se o caso na figura da preclusão lógica, que consiste na perda de um direito ou de uma faculdade processual por quem tenha realizado atividade incompatível com o respectivo exercício. São fatos extintivos a renúncia ao direito de recorrer e a aceitação da decisão (ou aquiescência). Consiste a primeira no ato pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de não interpor o recurso de que poderia valer-se contra determinada decisão; a segunda, no ato por que alguém manifesta a vontade de conformar-se com a decisão proferida. Os efeitos práticos são, numa e noutra, idênticos, embora varie a direção da vontade manifestada. Ambas são atos unilaterais, não se condicionam ao assentimento da parte contrária (v., quanto à renúncia, a norma expressa do art. 502) e produzem efeitos independentemente da lavratura de termo e da homologação pelo órgão judicial (arg. ex art. 158). Ambas, igualmente, pressupõem publicada a decisão; mas, enquanto a renúncia há de ser anterior à interposição do recurso (no que se distingue da desistência, v. infra, § 17, nº II, 3), a aquiescência pode ser manifestada mesmo na pendência dele.
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Contempla o art. 503 duas modalidades de aceitação: a expressa e a tácita. Aquela há de manifestar-se, em regra, por escrito, podendo todavia exteriorizar-se verbalmente – v.g., na própria audiência de instrução e julgamento, logo após a prolação da sentença. Consiste a aceitação tácita na “prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer” (art. 503, parágrafo único): por exemplo, o pedido de prazo para cumprir a condenação, ou o cumprimento espontâneo de sentença ainda não exequível. São requisitos extrínsecos: a) Tempestividade – Todo recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei, cujo cômputo obedece às regras gerais sobre contagem de prazos processuais (art. 506, combinado com o art. 184 e seus parágrafos). Como resulta do exame das disposições contidas nos arts. 242 e 506, o termo inicial é a data da intimação da decisão, quer se trate de pronunciamento em primeiro grau de jurisdição – pois com a leitura em audiência, a que alude o art. 506, nº I, a sentença se reputa intimada (cf. art. 242, § 1º) –, quer se trate de acórdão, de que a publicação do dispositivo no órgão oficial (art. 506, nº III, na redação da Lei nº 11.276, de 7.2.2006) também vale por intimação. Apresenta peculiaridades a determinação do dies a quo para interposição de recurso especial e/ou extraordinário, quando o acórdão que se impugna resulta de deliberação tomada em parte por unanimidade e em parte por maioria de votos (v., infra, §§ 24, n° I, 2, e 25, n° I, 2). Ressalvado o disposto no art. 525, § 2º, “no prazo para a interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária” (art. 506, parágrafo único, na redação da Lei nº 11.276). O prazo de interposição pode ser suspenso, caso em que a fluência cessa temporariamente sem prejuízo do lapso já decorrido, ou interrompido, hipótese em que o prazo recomeça a fluir por inteiro. Dá-se a suspensão em virtude da superveniência de férias (art. 179); de obstáculo criado por outra parte (art. 180) ou pelo próprio juízo; de perda da capacidade processual de qualquer das partes ou do seu procurador (art. 265, nº I, combinado com o art. 180); e de oferecimento de exceção que seja ainda oportuna (art. 265, nº III, combinado com o art. 180; cf. o art. 305). Há interrupção quando, durante o prazo de interposição, sobrevenha o falecimento da parte ou de seu advogado (desde que não exista outro constituído nos autos), ou ocorra motivo de força maior que suspenda o curso do processo; em tais casos, será o prazo “restituído em proveito da parte, do herdeiro ou do sucessor, contra quem começará a correr novamente depois da intimação (art. 507, fine). Também interrompe o prazo para interpor outro recurso o oferecimento de embargos de declaração (art. 538, caput, na redação da Lei nº 8.950; cf., infra, § 22, nº II, 1). À Fazenda Pública e ao Ministério Público computa-se em dobro o prazo para recorrer (art. 188), seja qual for o recurso. O simples fato de haver litisconsórcio entre partes interessadas em recorrer não lhes aumenta o prazo, que é comum; todavia, se os li-
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tisconsortes tiverem diferentes procuradores, contar-se-á o prazo em dobro (art. 191). O terceiro prejudicado dispõe, para recorrer, de prazo sempre igual ao da parte. b) Regularidade formal – Como os atos processuais em geral, a interposição de recurso há de observar determinados preceitos de forma, que variam de uma para outra figura recursal. Requisitos constantes são o da forma escrita (exceção: art. 523 § 3º, na redação da Lei nº 11.187) e o da fundamentação do recurso na petição de interposição, o qual se deve considerar implícito nos poucos casos em que a lei não o formula expressamente. c) Preparo – Consiste este requisito no pagamento prévio das despesas relativas ao processamento do recurso. À sanção para a falta de preparo oportuno dá-se o nome de deserção. Não se confunde essa figura nem com a renúncia ao direito de recorrer (v. supra), nem com a desistência (v. infra, § 17, nº II, 3), que são manifestações de vontade pelas quais se abre mão do exercício do recurso – aquela, anterior, e esta, posterior à interposição. A omissão em preparar a tempo o recurso é causa puramente objetiva de inadmissibilidade, que prescinde de qualquer indagação sobre a vontade do omisso. Da falta do preparo cumpre distinguir a insuficiência do valor pago a esse título. Na segunda hipótese, só se consumará a deserção se o recorrente, intimado, não complementar o preparo no prazo de 5 dias (art. 511, § 2°, introduzido pela Lei n° 9.756). Pode a lei afastar a exigência do preparo em relação a determinados recursos, à luz de critério objetivo, ou de critério subjetivo. O primeiro atende à natureza do próprio recurso: assim, quanto ao agravo retido nos autos (art. 522, parágrafo único, na redação da Lei nº 9.139, de 30.11.1995), aos embargos de declaração (art. 536, fine). O segundo leva em conta a qualidade do recorrente: assim, no tocante aos recursos “interpostos pelo Ministério Público” (quer já fosse parte no processo, quer estivesse atuando como fiscal da lei), “pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal” (art. 511, § 1º, na redação da Lei nº 9.756), sendo irrelevante se qualquer dos beneficiários recorre como parte ou como terceiro prejudicado. Nas hipóteses de dispensa de preparo, é óbvio que não se pode cogitar de deserção. Tampouco é ela concebível nos casos em que o texto legal nem se refere ao preparo, nem o exclui em termos expressos (assim, quanto ao agravo do art. 532): os regimentos de custas podem formular a exigência; não, porém, cominar a sanção processual, que depende de previsão em lei. 2. De ordinário, reconhece-se ao órgão perante o qual se interpõe o recurso competência para verificar-lhe a admissibilidade; nega-se-lhe competência, ao contrário – salvo quando a lei expressis verbis preceitue diversamente –, para examinar-lhe o mérito. É claro que, atento à distinção entre os dois juízos, não deve o órgão
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de interposição indeferir o recurso por entendê-lo infundado: a procedência não é requisito de admissibilidade. Por outro lado, em princípio, a verificação feita por aquele órgão concerne apenas à existência ou inexistência dos requisitos no momento da interposição. Escapam a tal controle as causas de inadmissibilidade supervenientes ao recebimento do recurso. Vindo a faltar algum requisito depois de admitido este, conquanto ainda antes da subida, já não se lhe poderá negar seguimento: só ao juízo superior competirá a declaração de inadmissibilidade. No entanto, a regra especial do art. 518, § 2º, na redação da Lei nº 11.276, faculta ao juiz reexaminar os requisitos de admissibilidade da apelação, após a resposta do apelado. Outro princípio fundamental é o de que, seja qual for o recurso, pelo menos a questão da admissibilidade não deve jamais ser subtraída à apreciação do órgão ad quem. Por conseguinte, com ressalva de expressa exceção legal, nenhum recurso pode ser rejeitado como inadmissível pelo órgão perante o qual se interpõe, se contra essa decisão a lei não concede ao recorrente outro recurso, ou remédio análogo, para o juízo a que tocaria julgar o primeiro. A competência atribuída ao órgão perante o qual se interpõe o recurso, para aferir-lhe a admissibilidade, não exclui obviamente a competência do órgão ad quem no tocante a esse ponto. Daí resulta que, enquanto o mérito do recurso é, em regra, sujeito a uma única apreciação – a do órgão ad quem –, sua admissibilidade submete-se, em geral, a duplo controle, na instância inferior e na superior, e até, por vezes, a número maior de verificações, como nos casos em que o recurso, denegado pelo órgão a quo, veio a subir em virtude do provimento de outro recurso, interposto contra a decisão denegatória, e vai afinal ser apreciado pelo órgão ad quem. O controle da admissibilidade pode e deve ser feito de ofício pelo órgão competente. No que concerne ao juízo que lhe espelha o resultado, se positivo, pode e costuma ser implícito, salvo se alguma regra jurídica impõe que o órgão se pronuncie expressamente sobre a questão. Sempre que o órgão passou ao exame do mérito, entende-se que respondeu de modo afirmativo à questão da admissibilidade. O juízo negativo de admissibilidade, esse tem de ser explícito e fundamentado. 3. Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente declaratório. Ao proferi-lo, o que faz o órgão judicial é certificar se estão ou não satisfeitos os requisitos indispensáveis à legítima apreciação do mérito do recurso. A existência ou a inexistência de tais requisitos é, contudo, anterior ao pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece. Os efeitos do juízo de admissibilidade variam, naturalmente, conforme o órgão que o profere e o sentido da decisão. Proferido pelo órgão de interposição, se positivo, tem ele como efeito precípuo o de abrir ao recorrente a via de acesso ao órgão ad quem; se negativo, o de trancar-lhe essa via, ressalvada a possibilidade,
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que se abre ao recorrente, de interpor, para o órgão a que competiria o julgamento do recurso denegado, outro recurso, ou remédio análogo, contra aquela decisão. O juízo positivo de admissibilidade, proferido pelo órgão perante o qual se interpôs o recurso, não basta para assegurar ao recorrente, desde logo, a obtenção do novo julgamento pleiteado. Primeiro, porque pode sobrevir algum fato que torne inadmissível o recurso; ademais, porque, ainda fora dessa hipótese, não fica preclusa a reapreciação da matéria pelo órgão ad quem, onde se procederá livremente ao controle da admissibilidade, inclusive, se for o caso, para declarar insatisfeito algum (ou mais de um) dos requisitos que no órgão de interposição se tinham dado como cumpridos. Quanto ao juízo de admissibilidade proferido pelo órgão ad quem, se positivo, tem o efeito capital e imediato de ensejar a passagem ao exame do mérito do recurso; se negativo, o órgão ad quem não conhece do recurso (infra, § 17, nº III, 1). III. Juízo de mérito 1. Objeto do juízo de mérito é o próprio conteúdo da impugnação à decisão recorrida. Quando nela se denuncia vício de juízo (error in iudicando, resultante de má apreciação da questão de direito, ou da questão de fato, ou de ambas), pedindo-se em consequência a reforma da decisão, acoimada de injusta, o objeto do juízo de mérito, no recurso, identifica-se (ao menos qualitativamente, e salvo disposição especial em contrário) com o objeto da atividade cognitiva no grau inferior de jurisdição, com a matéria neste julgada. Quando se denuncia vício de atividade (error in procedendo), e por isso se pleiteia a invalidação da decisão, averbada de ilegal, o objeto do juízo de mérito, no recurso, é o julgamento mesmo, proferido no grau inferior. Ao examinar o mérito do recurso, verifica o órgão ad quem se a impugnação é ou não fundada (procedente) e, portanto, se lhe deve ou não dar provimento, para reformar ou anular, conforme o caso, a decisão recorrida (da hipótese excepcional do art. 515, § 3º, introduzido pela Lei nº 10.352, tratar-se-á no § 19, nº II, 2, infra). Ainda quando se denuncia error in iudicando, pode o objeto do juízo de mérito, no recurso, coincidir com o objeto do juízo sobre o mérito da causa, em grau inferior de jurisdição (v.g., quando o tribunal conhece de apelação tendente à reforma de sentença definitiva), ou consistir em matéria estranha ao mérito da causa (v.g., quando o tribunal conhece de agravo contra decisão, cujo conteúdo se impugna, sobre questão processual). Nas hipóteses de recurso interposto contra a decisão denegatória de outro, o objeto do juízo de mérito, no segundo recurso, é constituído por questão relativa à admissibilidade do primeiro recurso: por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal conhece de agravo contra o indeferimento do recurso extraordinário pelo presidente de outro tribunal. Ainda nesses casos, todavia, subsiste nítida, em relação a cada recurso, considerado per se, a distinção entre o juízo de admissibilidade
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e o de mérito: o Supremo Tribunal Federal pode, v.g., não conhecer do agravo, digamos por intempestivo, e em tais condições não lhe apreciará o mérito, isto é, a admissibilidade do recurso extraordinário indeferido. 2. Competente para o juízo de mérito, em regra, é exclusivamente o órgão ad quem. A título de exceção, no agravo, abre a lei ao próprio órgão que proferiu a decisão a possibilidade de reexaminá-la (juízo de retratação: arts. 523, § 2º, e 529). Quanto aos embargos de declaração, julga-os sempre o mesmo órgão de que emanou a decisão embargada; isso pode também acontecer, à luz das normas regimentais, com os embargos infringentes, e acontece com os cabíveis contra decisão de primeiro grau (infra, § 21, nº IV). Os efeitos do juízo de mérito serão expostos noutra oportunidade: v. infra, § 17, nº III, 2. § 17 – Efeitos dos Recursos I. Efeitos da interposição 1. Impedimento ao trânsito em julgado. Efeito comum e constante de todos os recursos, desde que admissíveis, é o de obstar, uma vez interpostos, ao trânsito em julgado da decisão. No direito brasileiro, a coisa julgada (material ou simplesmente formal – ao contrário do que pode parecer à vista do teor literal do art. 467, que só àquela se refere) jamais se constitui enquanto a decisão comporte algum recurso, seja qual for. Esse ponto é importante para a determinação da natureza da execução instaurável, por força de autorização legal, na pendência de recurso contra a decisão, inclusive do extraordinário. Tal execução é sempre provisória: arts. 521, 2ª parte, e 475-I (introduzido pela Lei nº 11.232), § 1º; cf. infra, § 25, nº II, 2. 2. Efeito suspensivo. Consiste este efeito, que não se confunde com o acima indicado, em fazer subsistir o óbice à manifestação da eficácia da decisão. A interposição não faz cessar efeitos que já se estivessem produzindo, apenas prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a decisão, pelo simples fato de estar sujeita à impugnação através do recurso. A denominação “efeito suspensivo”, por isso, apesar de tradicional, é a rigor inexata. O impedimento atinge toda a eficácia da decisão, e não apenas o efeito executivo que ela possa ter. Impróprio, destarte, conceituar a suspensividade em termos restritos, alusivos unicamente à impossibilidade de executar-se a decisão, que, aliás, por sua própria natureza, nem sempre comportaria execução em sentido técnico: assim, as decisões meramente declaratórias e as constitutivas.
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A regra é a de que os recursos são dotados de efeito suspensivo. Enquanto sujeita a recurso, a decisão, em princípio, não produz efeitos. Excepcionalmente, a lei, negando suspensividade ao recurso, permite que a decisão se torne eficaz antes de transitar em julgado. Essa antecipação pode concernir a toda a eficácia, ou só a alguns efeitos da decisão. Resulta necessariamente de texto legal expresso, ou de categórica imposição sistemática. No silêncio da lei, deve-se normalmente entender que o recurso tem efeito suspensivo; assim, v.g., quanto aos embargos infringentes (cf. infra, § 21, nº II, 2). 3. Efeito devolutivo. A interposição do recurso transfere ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. Podem variar, de recurso para recurso, a extensão e a profundidade do efeito devolutivo; aquela, porém, não ultrapassará os limites da própria impugnação: no recurso parcial (supra, § 15, nº II, 1), a parte não impugnada pelo recorrente escapa ao conhecimento do órgão ad quem. Quando a lei, a título de exceção, atribui competência ao próprio órgão a quo para reexaminar a matéria impugnada, o efeito devolutivo ou inexiste (embargos de declaração), ou fica condicionado a que não se reforme a decisão antes do julgamento do recurso: assim no agravo (art. 529). Fora dessas hipóteses, ao órgão a quo é vedado praticar qualquer ato que importe modificação, total ou parcial, do julgamento, ressalvada a possibilidade de corrigir, ex officio ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo (art. 463, nº I). 4. Extensão subjetiva dos efeitos. Em regra, a interposição do recurso produz efeitos apenas para o recorrente (princípio da personalidade do recurso): em relação a ele, e só a ele, é que a decisão deixa de transitar em julgado ao expirar o prazo de interposição, que a eficácia dela permanece tolhida, que o conhecimento se transfere ao órgão ad quem. Nas hipóteses de sucumbência recíproca, se um único dos litigantes parcialmente vencidos impugnar a decisão, a parte desta que lhe foi favorável transitará normalmente em julgado, não sendo lícito ao órgão ad quem exercer sobre ela atividade cognitiva – nem, por conseguinte, retirar ao recorrente único, no todo ou em parte, a vantagem obtida com o pronunciamento de grau inferior (proibição da reformatio in peius). O expediente de que dispõe o adversário, que não recorreu no prazo comum, para evitar essa consequência (em se tratando de apelação, embargos infringentes ou recurso especial ou extraordinário), consiste na interposição do “recurso adesivo”, dentro do prazo que se lhe concede para responder ao recurso principal (art. 500, nº I, na redação da Lei nº 8.950; cf., supra, § 15, nº II, 2). Havendo litisconsórcio entre dois ou mais litigantes vencidos, segundo reza o art. 509, caput, “o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”. A defeituosa fórmula legal deve ser
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entendida no sentido de que os efeitos da interposição de recurso por um (ou alguns) dos colitigantes se estendem aos demais, quando unitário o litisconsórcio, ou seja, quando o julgamento haja de ter, forçosamente, igual teor para todos os litisconsortes. Consiste a ratio legis na necessidade de evitar dualidade de regulamentação acerca da matéria versada no recurso, como aconteceria se este só produzisse efeitos para o(s) recorrente(s) e o pronunciamento do órgão ad quem viesse a discrepar do julgamento inferior, ao qual ficariam sujeitos os litisconsortes que não o tivessem impugnado. O parágrafo único do art. 509 determina que também se estendam aos codevedores solidários os efeitos do recurso por um deles interposto, “quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns”. Nos casos de extensão subjetiva, a interposição tempestiva de recurso, por qualquer dos litisconsortes, é eficaz para todos os outros, inclusive para aqueles que tenham desistido de recurso interposto, ou em relação aos quais haja ocorrido fato ordinariamente idôneo a tornar-lhes inadmissível a impugnação (escoamento inaproveitado do prazo recursal, renúncia ao direito de recorrer, aquiescência à decisão). Se não coincidem os prazos dos diversos colitigantes, porque as intimações não se fizeram na mesma data, a tempestiva interposição por um produz efeitos desde logo para os que já tenham deixado esgotar-se in albis os seus próprios prazos, e passa a produzi-los para os restantes, a partir do termo final dos prazos respectivos, porventura não aproveitados; nesse ínterim, é claro, subsiste para os que ainda disponham de prazo a possibilidade de, por sua vez, recorrerem. A extensão subjetiva da eficácia abrange todos os efeitos que a lei atribua ao recurso interposto. Para a totalidade dos colitigantes não apenas se obsta ao trânsito em julgado da decisão, mas também se devolve ao órgão ad quem o conhecimento da matéria litigiosa, nos lindes da impugnação oferecida; e ainda, quando suspensivo o recurso, permanece ineficaz (e portanto inexequível), si et in quantum, a decisão. Será provisória a execução acaso instaurada contra qualquer deles, na pendência de recurso sem efeito suspensivo. Devem considerar-se todos os litisconsortes como partes no procedimento recursal, inclusive os que porventura hajam aquiescido à decisão, ou renunciado ao recurso. Se, tendo havido sucumbência recíproca, a parte contrária “adere” ao recurso interposto por um único dentre eles, todos são recorridos e, como tais, hão de ser intimados e admitidos a oferecer impugnação ou contrarrazões, conforme o caso. Cabendo novo recurso contra o acórdão que não conheça do interposto por um ou por alguns dos colitigantes, ou que lhe negue provimento, qualquer dos outros, como o(s) recorrente(s), será legitimado a interpor, na qualidade de parte, o novo recurso. II. Cessação dos efeitos da interposição 1. Interposto e admitido o recurso, o normal é que, após percorrer as devidas etapas procedimentais, chegue a ser apreciado pelo órgão ad quem. Nesse meio-tempo, naturalmente, subsistem os efeitos da interposição.
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Determinados fatos, contudo, podem barrar o caminho da impugnação, deter-lhe a marcha, pondo termo precoce ao procedimento recursal e, com isso, fazer cessar os aludidos efeitos. Por sua importância, dentre essas possíveis causas de cessação antecipada dos efeitos da interposição, duas merecem exame específico: a deserção e a desistência. Ressalve-se que, à luz da redação dada ao art. 511 pela Lei nº 8.950, não deve sequer ser admitido, em princípio, o recurso interposto sem preparo prévio. Por outro lado, a insuficiência do preparo não acarreta desde logo a deserção: o recorrente tem a possibilidade de complementá-lo no prazo de 5 dias após sua obrigatória intimação (art. 511, § 2º, introduzido pela Lei nº 9.756). 2. Chama-se deserção, como já referido (supra, § 16, nº II, 1), à consequência da omissão em efetuar oportunamente o preparo. Quando cominada em texto legal, ela se produz de pleno direito, cabendo ao órgão judicial declará-la, de ofício ou por provocação do interessado. Deserto, o recurso torna-se ipso facto inadmissível: não será encaminhado ao órgão ad quem e, se o for, dele não deverá este conhecer. No tocante à apelação, prevê a lei, expressamente, a possibilidade de relevar-se a deserção ao apelante, desde que prove “justo impedimento”. Em tal caso, o juiz fixará prazo para efetuar-se o preparo, o qual começará a fluir do dia em que se intimar da relevação o recorrente (art. 519, caput, na redação da Lei nº 8.950). Se bem que silencie o Código acerca da relevação da deserção na disciplina dos outros recursos, o caso do art. 519, caput, não é senão um caso especial da figura contemplada no art. 183, caput, fine, que já abre à parte, em termos genéricos, a possibilidade de provar que não realizou o ato processual no prazo devido “por justa causa”, determinando o § 2º que, em semelhante hipótese, o juiz assine novo prazo para a prática do ato. Esse dispositivo sem dúvida incide, de modo geral, quanto ao preparo de qualquer recurso, sendo, portanto, sempre concebível a relevação da deserção. O conceito de “justo impedimento”, no art. 519, caput, coincide basicamente com o de “justa causa”, no art. 183, § 1º: é “o evento imprevisto, alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato” (no caso, de preparar o recurso) “por si ou por mandatário”. Como o preparo não é ato pessoal da parte nem do seu advogado, não basta, para justificar a relevação, que tivessem ficado ambos impedidos, desde que existente a possibilidade concreta de providenciar o preparo através de terceiro. O reconhecimento da “justa causa” (ou do “justo impedimento”) pelo órgão de interposição do recurso, com a consequente relevação da deserção, não vincula o órgão ad quem. Fica sempre ressalvado a este – sem necessidade de que a parte contrária recorra da relevação – o reexame da matéria (v., quanto à apelação, a regra expressa do art. 519, parágrafo único); se entender que não houvera motivo bastante, o órgão ad quem declarará subsistente a deserção, abstendo-se, por conseguinte, de conhecer do recurso.
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3. Desistência do recurso é o ato pelo qual o recorrente manifesta ao órgão judicial a vontade de que não seja julgado, e portanto não continue a ser processado, o recurso que interpusera. Vale pela revogação da interposição. Pode ser total ou parcial, desde que divisível a matéria da impugnação. Assim, por exemplo, o autor que pedira x + y e, nada obtendo no grau inferior de jurisdição, recorrera quanto a ambas as parcelas, é livre de desistir do recurso no tocante à soma, ou só a x, ou só a y. Ato que não depende da anuência dos litisconsortes nem da outra parte (art. 501), mas que o procurador há de ter poder especial para praticar (arg. ex art. 38), pode a desistência ocorrer desde a interposição do recurso até o instante imediatamente anterior ao julgamento (“a qualquer tempo”, segundo a fórmula legal). Em regra, será expressa, manifestando-se através de petição escrita, ou oralmente, na própria sessão de julgamento; hipótese de desistência tácita é a prevista no art. 523, § 1º, em relação ao agravo retido nos autos (v. infra, § 20, nº III, 6). É desnecessária, em qualquer caso, a lavratura de termo. Nem sequer exige o Código que a desistência do recurso seja homologada, conforme resulta do disposto no art. 158, caput: a exceção contemplada no parágrafo único apenas concerne à desistência da ação. O órgão judicial, tomando conhecimento da desistência do recurso e verificando-lhe a validade, simplesmente declarará extinto o procedimento recursal. A desistência não torna inadmissível o recurso: torna-o inexistente. Faz, com isso, transitar em julgado a decisão recorrida, caso o único obstáculo ao trânsito em julgado fosse o recurso do desistente. Ressalve-se que, nas hipóteses de sucumbência recíproca, se qualquer das partes interpusera recurso independente, no prazo normal, e dele desistira ainda perante o órgão a quo, mas vem a ser intimada, após a desistência, da interposição de recurso pelo adversário, pode agora renovar, “adesivamente”, a sua impugnação, que naturalmente se subordinará, em tal caso, ao recurso principal, interposto pela parte contrária (art. 500; cf. supra, § 15, nº II, 2). Efeito peculiar à desistência do recurso principal, como já se expôs (supra, § 15, II, 2), é o de tornar insubsistente o recurso adesivo. 4. Havendo litisconsórcio entre recorrentes, o fato que faz cessar os efeitos da interposição produz tal consequência para o recorrente em relação ao qual se tenha ele verificado (arg. ex art. 48, fine). Subsistem, para os outros, os efeitos da interposição dos respectivos recursos. Em se tratando, porém, de litisconsórcio unitário – isto é, caso a solução do litígio haja de ser uniforme para a totalidade dos litisconsortes –, ou a cessação se verificará em face de todos eles, ou de nenhum: do contrário, surgiria, aqui também, o risco de quebra da homogeneidade (cf., supra, nº I, 4). Por conseguinte, se o fato ocorre apenas com referência a um ou a alguns dos recorrentes, não faz cessar, nem mesmo para esse(s), os efeitos da interposição.
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A desistência do recurso, v.g., não faz aí transitar em julgado a decisão recorrida a não ser que todos os litisconsortes recorrentes desistam. Caso desista um só, ou desistam alguns, essa desistência surte efeitos unicamente no que concerne à responsabilidade pelas custas processuais e pelos honorários do advogado da parte contrária: confirmada a decisão do órgão a quo, ao(s) desistente(s) caberá parcela menor nas condenações acessórias, que em relação a ele(s) devem ser reduzidas em quantum proporcional ao que ocorreu após a sua manifestação. No mais, o(s) desistente(s) conserva(m) a posição de parte(s), e fica(m) sujeito(s) ao julgamento que venha a proferir o órgão ad quem. Se nem todos os litisconsortes unitários houverem recorrido, será plenamente eficaz a desistência do(s) recorrente(s). Ao(s) que se tenha(m) abstido de recorrer não é lícito insistir em que o procedimento recursal prossiga; sua anuência é desnecessária para que o(s) recorrente(s) desista(m) eficazmente. Manifestada por este(s) a desistência, a decisão recorrida transita em julgado (só então!) para todos. Se um dos litisconsortes unitários interpôs recurso antes que o fizesse qualquer dos outros, e em seguida desistiu, sendo ainda recorrível a sentença por algum dos restantes, o recurso que este porventura tempestivamente interponha produz efeitos, inclusive, para o que haja desistido do seu. Caso, ao contrário, nenhum outro recurso seja interposto, a decisão transitará em julgado com relação ao desistente no mesmo momento em que transitar em julgado quanto ao último dos colitigantes que poderia recorrer. Desde esse instante, e só a partir dele, haverá coisa julgada para todos os litisconsortes. Se, em relação aos diversos litisconsortes unitários, ocorrem fatos diferentes, suscetíveis de fazer cessar, cada um de per si, os efeitos da interposição, a cessação unicamente se produzirá, para todos os colitigantes, com a ocorrência do último fato. Por exemplo: sendo dois os litisconsortes recorrentes, um deixou de preparar o recurso no prazo, e o outro veio depois a desistir do seu; em relação a ambos, os efeitos da interposição cessam apenas a partir da desistência do segundo. III. Efeitos do julgamento 1. Quando o órgão ad quem, ao apreciar o recurso, dele não conhece, o julgamento proferido torna certo que o recurso era inadmissível. Quer isso dizer que a decisão recorrida terá transitado em julgado: a) na data de sua publicação, se originária a inadmissibilidade, isto é, se se tratava de decisão irrecorrível; b) no momento em que, antes ou depois da interposição, ocorreu o fato causador da inadmissibilidade (esgotamento in albis do prazo de interposição, renúncia
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ao direito de recorrer, aceitação da decisão etc.), desde que inexistente outro obstáculo ao trânsito em julgado – como poderia ser, v.g., a sujeição ex vi legis ao duplo grau de jurisdição (art. 475). 2. Quando o órgão ad quem julga o recurso no mérito, isto é, dele conhece, mais de uma possibilidade é concebível: a) nega-se provimento ao recurso, por entender-se infundada a impugnação; b) dá-se provimento ao recurso, por entender-se fundada a impugnação – caso este que se desdobra em dois: ou o órgão ad quem reforma a decisão recorrida, ou simplesmente a anula, conforme tenha reconhecido a presença, respectivamente, de error in iudicando ou de error in procedendo. Os efeitos do julgamento não são iguais em todas essas hipóteses. Caso se funde a impugnação na denúncia de error in iudicando, o objeto do juízo de mérito, no procedimento recursal, coincide com o objeto do juízo no grau inferior; em outras palavras, ambos os pronunciamentos (inferior e o superior) versam sobre a mesma matéria, ao menos do ponto de vista qualitativo, e sempre com ressalva de disposição especial em contrário (cf. supra, § 16, nº III, 1). Ora, não podendo subsistir duas decisões com o mesmo objeto, o julgamento proferido pelo órgão ad quem necessariamente substitui a decisão recorrida, nos limites da impugnação. É o que expressa a lei com a fórmula do art. 512, que só incide nas hipóteses aqui consideradas. A substituição pode dar-se por decisão de teor diverso daquele que tenha a inferior (caso de provimento do recurso) ou por decisão de igual teor (caso de desprovimento do recurso, em que se costuma dizer, de modo inexato, que a decisão inferior foi confirmada). Quando se dá provimento ao recurso para anular a decisão impugnada, por error in procedendo, o julgamento proferido pelo órgão ad quem não coincide, no objeto, com o do órgão a quo, nem por conseguinte o substitui: limita-se a cassá-lo, para que posteriormente se profira, no grau inferior, nova decisão. É o que sucede, por exemplo, na hipótese de prover-se apelação interposta contra sentença proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, ou com infração da regra que proíbe o julgamento extra petita (art. 460, caput). Sendo o recurso julgado no mérito, a decisão recorrida jamais chega a transitar em julgado; nem mesmo quando o órgão ad quem nega provimento ao recurso, “confirmando” (como vulgarmente se diz) aquela decisão. O que poderá transitar em julgado é, sempre, o pronunciamento do órgão ad quem. § 18 – O Sistema de Recursos: Visão de Conjunto I. Enumeração dos recursos 1. De acordo com o rol constante do art. 496, na redação da Lei nº 8.950, de 13.12.1994, contempla o Código oito recursos: a apelação, o agravo, os embargos
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infringentes, os embargos de declaração, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraordinário e os embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. O recurso ordinário, o especial e o extraordinário, aliás, têm assento constitucional (Constituição da República, art. 102, nºs II e III, e art. 105, nºs II e III) e escapam à possibilidade de supressão por lei. Das figuras recursais criadas pela nova Carta Federal, o recurso ordinário interessa ao processo civil no que concerne ao mandado de segurança, ao habeas data e ao mandado de injunção (arts. 102, nº II, a, e 105, nº II, b e c). Registre-se que, no caso do art. 105, nº II, c, o “recurso ordinário” a que alude a Constituição ora se equipara à apelação, ora ao agravo, conforme impugne, respectivamente, sentença ou decisão interlocutória (cf., quanto à segunda hipótese, o art. 539, parágrafo único, do Código, na redação da Lei nº 8.950). 2. Como enumeração dos recursos existentes em nosso processo civil, não é exaustiva a constante do art. 496 do Código. Além dos ali contemplados, cumpre mencionar o recurso, desprovido de denominação específica, interponível contra a sentença do Juizado Especial Cível (Lei nº 9.099, de 26.9.1995, art. 41); no Juizado Especial Cível Federal (Lei nº 10.259, de 12.7.2001, art. 5º) e no Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei nº 12.153, de 22.12.2009, art. 4º). Os embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei nº 6.830, de 22.9.1980, para a impugnação de sentenças proferidas nas execuções fiscais de pequeno valor, podem considerar-se abrangidos pela dicção genérica do inciso 496, nº III, do Código; analogamente, pela do inciso II, o agravo contra decisão do Presidente, de Seção, de Turma ou de Relator, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça (Lei nº 8.038, de 28.5.1990, art. 39, não revogado pela Lei nº 8.950). No tocante aos embargos de divergência a que aludiu, em dispositivos sobre competência, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 101, §§ 1º e 3º, letra a), a opinião predominante é a de que não chegaram a ser instituídos. II. Distribuição dos recursos conforme os atos impugnados 1. Contra decisões de primeiro grau de jurisdição, são interponíveis: a) a apelação, quando se trata de sentença (art. 513; cf. infra, § 19, I, nº I, 1), ressalvadas as hipóteses de cabimento de embargos infringentes (Lei nº 6.830, de 22.9.1980, art. 34) e a do Juizado Especial Cível (supra, nº I, 2); b) agravo, em se tratando de decisões interlocutórias (art. 522, caput; cf. infra, § 20, nº I, 1). Os despachos são irrecorríveis (art. 504, na redação da Lei nº 11.276, que em boa hora suprimiu o inútil e perturbador complemento “de mero expediente”). 2. Contra acórdãos – isto é, julgamentos proferidos por tribunais (art. 163) –, podem caber: a) embargos infringentes, nas hipóteses do art. 530 (cf., infra, § 21, nº I, 1);
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b) recurso extraordinário, nos casos previstos no art. 102, nº III, da Constituição da República (cf., infra, § 25, nº I, 1); c) recurso ordinário, nas hipóteses contempladas na Carta Federal (arts. 102, nº II, a, e 105, nº II, b; cf., infra, § 24, nº I, 1); d) recurso especial, nos casos enumerados no art. 105, nº III, da Constituição da República (cf., infra, § 23, nº I, 1); e) embargos de divergência, segundo o disposto no art. 546, na redação da Lei nº 8.950 (cf, infra, § 26, nº II). 3. De decisões proferidas individualmente por membros de tribunais (feita abstração de remédios porventura criados pelos regimentos internos) são interponíveis: a) o agravo contra o indeferimento dos embargos infringentes pelo relator do acórdão embargado (art. 532, na redação da Lei nº 8.950); b) o agravo contra o indeferimento do recurso extraordinário ou especial pelo presidente do tribunal de que emanou o acórdão recorrido (art. 544, na redação da Lei nº 12.322); c) o agravo do art. 545 (na redação da Lei nº 12.322) contra a decisão do relator que não conhecer do agravo do art. 544, lhe negar provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem; d) o agravo do art. 557, § 1º (também na redação da Lei nº 9.756), contra o pronunciamento do relator de outro recurso que lhe negar seguimento (caput) ou que o prover (§ 1º-A); e) o agravo contra decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça (Lei nº 8.038, art. 39). 4. Um recurso, enfim, pode caber contra qualquer decisão, seja qual for a sua espécie, o órgão de que emane e o grau de jurisdição em que se profira: são os embargos de declaração, regulados anteriormente em dois grupos separados de dispositivos, um referente aos embargos de declaração contra decisões de primeiro grau (arts. 464 e 465, revogados pela Lei nº 8.950), outro aos embargos de declaração contra acórdãos (arts. 535 a 538, onde hoje se concentra toda a disciplina do recurso, na redação da mesma lei: cf. infra, § 22, nº I, 1).
Capítulo II OS RECURSOS EM ESPÉCIE
§ 19 – Apelação Recursos
I. Requisitos de admissibilidade 1. A apelação é o recurso cabível contra a sentença (art. 513), isto é, contra o ato pelo qual o juiz põe fim à fase cognitiva do procedimento de primeiro grau, resolvendo ou não o mérito (art. 162, § 1º, combinado com os arts. 267 e 269), ou à execução (art. 795), ou ainda a processo cautelar; no primeiro caso, é indiferente que se observe o procedimento comum – ordinário ou sumário – ou procedimento especial. Tampouco se distingue, a este respeito, entre processos principais e acessórios, ou entre os procedimentos ditos de jurisdição contenciosa e os habitualmente chamados de jurisdição voluntária (cf., quanto a estes, o art. 1.110). Nada importa o valor da causa. Constituem exceções as hipóteses previstas na Lei nº 6.830, art. 34, e na Lei nº 9.099, art. 41. Nas execuções fiscais, quando o valor não exceda o de 50 antigas Obrigações do Tesouro Nacional (ou o que lhe corresponda), contra a sentença cabem, em vez da apelação, embargos infringentes para o mesmo órgão que sentenciou (v., infra, § 21, IV). Quanto à alçada para se dar prosseguimento às execuções fiscais ou recorrer de sentenças desfavoráveis à Fazenda Pública, no âmbito federal, a Lei nº 11.033, de 21.12.2004 alterou a redação do art. 20 da Lei nº 10.522, de 19.7.2002, que prevê que, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções fiscais com valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) podem ser arquivadas, sem baixa na distribuição. É com base neste valor que a Fazenda Pública Federal vem dirigindo seus interesses em dar continuidade a execuções fiscais e/ou recorrer de sentenças que deem procedência aos embargos do devedor. No procedimento perante o Juizado Especial Cível, a apelação é substituída por um recurso inominado, cujo julgamento compete a uma turma de três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição. Na prática, a turma de três juízes de primeiro grau tomou a terminologia de Turma Recursal. Tal designação foi confirmada pela recente lei que criou os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153, de 22.12.2009), ao utilizar-se expressamente do sintagma Turmas Recursais (art. 17).
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A caracterização do pronunciamento como “sentença” há de fazer-se à luz do conceito estabelecido no art. 162, § 1º (na redação, tecnicamente criticável, da Lei nº 11.232), prevalecendo esse critério sobre o puramente literal. Não haverá “sentença”, mesmo que a lei empregue o termo, nem portanto caberá apelação, quando o ato judicial se restrinja a encerrar um incidente do processo. Diverso é o caso, tecnicamente, quando o pronunciamento põe fim a verdadeiro processo incidente, como nas hipóteses de que cuidam os arts. 325 (sentença na ação declaratória incidental), 361 (sentença sobre o pedido de exibição de documento ou coisa em poder de terceiro), 395 (sentença na arguição de falsidade documental), 1.062, principio (sentença de habilitação), 1.067 (sentença na restauração de autos) etc.; mas as opiniões oscilam entre o cabimento da apelação e o do agravo. Disposição especial [art. 475-M (introduzido pela Lei nº 11.232), § 3º, fine] torna certo que é apelável a decisão proferida sobre impugnação ao cumprimento de sentença, “quando importar extinção da execução”. 2. Sem prejuízo do disposto nos arts. 188 e 191, a apelação é interponível no prazo de 15 dias, ex vi do art. 508, seja qual for o procedimento, salvo nos feitos da “Justiça da Infância e da Juventude”, em que se reduz a um decêndio (Lei nº 8.069, de 13.7.1990, art. 198, nº II). É preciso que dentro do prazo a petição de interposição seja protocolada em cartório ou pelo modo previsto em norma de organização judiciária (art. 506, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 8.950). À contagem, à suspensão ou à interrupção do prazo aplicam-se as regras gerais oportunamente expostas (supra, § 16, nº II, 1). 3. Interpõe-se a apelação por petição escrita (permitida a transmissão por fax, de acordo com a Lei nº 9.800, de 26.5.1999), perante o próprio órgão judicial que proferiu a sentença (art. 514, caput). Obrigatoriamente instruída com a comprovação do preparo, sempre que exigível, sob pena de deserção (art. 511, caput, na redação da Lei nº 8.950; atente-se, porém, na ressalva do § 2°, introduzido pela Lei n° 9.756), deve a petição conter “os nomes e a qualificação das partes”, “os fundamentos de fato e de direito” pelos quais se impugna a sentença e “o pedido de nova decisão” (art. 514, nºs I a III). “Partes”, no dispositivo sob exame, são o(s) apelante(s) e o(s) apelado(s). Compreende-se que a lei exija a discriminação dos respectivos nomes, para delimitar subjetivamente o recurso (sem prejuízo, é claro, da extensão de eficácia a outras pessoas, quando for o caso); pode acontecer que nem todos os litigantes da primeira instância sejam abrangidos, ativa ou passivamente, pelo recurso, como também pode acontecer que na apelação ingresse alguém que, até então, nem figurava no processo (terceiro prejudicado). A não ser nesta última hipótese, é excessivo o requisito da qualificação; aqueles que já eram partes estarão, naturalmente, qualificados nos autos. A omissão constituirá simples irregularidade, que não prejudica o recurso. As razões de apelação (“fundamentos de fato e de direito”), que podem constar da própria petição ou ser oferecidas em peça anexa, compreendem, como é intuitivo, a indicação dos errores in procedendo, ou in iudicando, ou de ambas as espécies, que ao ver
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do apelante viciam a sentença, e a exposição dos motivos por que assim se hão de considerar. Se o apelante suscita, em sendo possível (art. 517), novas questões de fato, cabe-lhe demonstrar que a decisão apelada se revela injusta à luz dos elementos agora trazidos aos autos, conquanto pudesse estar em harmonia com o material que o juiz a quo apreciou. Fora desse caso particular, admite-se que esteja satisfeito o requisito da fundamentação se o apelante se reporta, sem reproduzi-los por extenso, aos argumentos utilizados em ato postulatório do procedimento de primeiro grau. Por “pedido de nova decisão” não se entende necessariamente o pedido de que o tribunal desde logo emita pronunciamento que substitua o do órgão a quo. A apelação pode servir de veículo à impugnação da validade da sentença, e nesta hipótese tem apenas função rescindente: uma vez provida, suprime a decisão apelada, sem substituí-la; o processo volta ao juízo inferior, para novo julgamento. Nada obsta, porém, a que o apelante, depois de pedir a anulação da sentença, peça, a título subsidiário, a reforma dela, para o caso de não se acolher o primeiro pedido (princípio da eventualidade). Embora a lei silencie a respeito, quando o apelante, de acordo com o art. 517, suscita novas questões de fato, deve indicar, na petição, os meios de prova de que pretende valer-se com referência a essas questões. Aplica-se aqui, por analogia, o disposto no art. 282, nº VI. A indicação é dispensável se os fatos alegados ex novo forem objeto de prova exclusivamente documental, junta à petição de recurso. Nessa hipótese, e somente nela, é lícito ao apelante, que já era parte no processo, produzir documentos com a interposição do recurso. Documentos que se refiram a fatos já alegados perante o órgão a quo devem ter sido juntos aos autos pelas partes nas oportunidades próprias, consoante as regras dos arts. 396 e 397. O terceiro prejudicado que apela, naturalmente, pode sempre instruir o recurso com os documentos de que disponha: visto que não era parte, não teve qualquer oportunidade anterior de produzir prova, e contra ele não se operou preclusão. Dentro do prazo recursal, admite-se que o apelante supra os defeitos da petição. O juiz não deve, pois, indeferi-la antes do dies ad quem por falta de algum dos requisitos formais. 4. No tocante aos requisitos da legitimação, do interesse em recorrer, da inexistência de fatos impeditivos ou extintivos, nada há de peculiar à apelação, para a qual valem as afirmações feitas in genere a propósito dos recursos (supra, § 1º, nº II, 1). II. Efeitos da interposição 1. A interposição da apelação (desde que admissível) obsta naturalmente ao trânsito em julgado da sentença impugnada. Ademais, produz em regra o efeito suspensivo, com ressalva das hipóteses excepcionais previstas em termos expressos no próprio Código de Processo Civil ou em lei extravagante. No Código, os casos de apelação desprovida de efeito suspensivo são os arrolados no art. 520, nºs I a VII: apelação interposta contra sentença que homologar a divisão ou a demarcação; que condenar à prestação de alimentos; que
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decidir processo cautelar (com ressalva da sentença “proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional”: Lei nº 8.437, de 30.6.1992, art. 3º); que rejeitar liminarmente ou julgar improcedentes os embargos opostos à execução; que julgar improcedente o pedido de instituição de arbitragem (Lei nº 9.307); que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela (Lei n° 10.352). Foi revogado pela Lei nº 11.232 o inciso III, que se referia ao julgamento da liquidação da sentença; hoje, da decisão de liquidação cabe agravo de instrumento (art. 475-H, introduzido pela mesma lei). Às hipóteses do art. 520 deve acrescentar-se a do art. 1.184 (sentença que decreta a interdição), como ressalta da cláusula “produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação”, inserta na primeira parte do dispositivo. Mesmo nesses casos, pode o relator no órgão ad quem suspender a eficácia da sentença, se do respectivo cumprimento puder “resultar lesão grave e de difícil reparação” e for relevante a fundamentação do recurso (art. 558, parágrafo único, na redação da Lei nº 9.139, de 30.11.1995). Sendo condenatória a sentença, se a apelação não tiver efeito suspensivo, “o apelado poderá promover, desde logo, a execução” (art. 521, 2ª parte). A sentença torna-se exequível desde o recebimento da apelação unicamente no efeito devolutivo. Tal execução é provisória, conforme diz não só o art. 521, mas também o art. 475-I (introduzido pela Lei nº 11.232), § 1º, 2ª parte; submete-se, por conseguinte, às regras do art. 475-O. O art. 521 alude, na cláusula final, à extração da carta de sentença, cujos elementos se achavam discriminados no art. 590 e seu parágrafo único, todavia revogados pela Lei nº 11.232. Importa notar que a execução provisória recebeu nova disciplina com a Lei nº 11.232, e nomeadamente no art. 475-O, que ela introduziu, e onde não se fala de carta de sentença; a cláusula do art. 521 tornou-se, pois, letra morta. 2. O efeito devolutivo da apelação abrange, quanto à extensão, a “matéria impugnada”: tantum devolutum quantum appellatum (art. 515, caput). Como o apelante, à evidência, não pode impugnar senão aquilo que se decidiu, conclui-se desde logo que, em princípio, não se devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento do órgão inferior. Assim, se se houver posto fim ao procedimento de primeiro grau sem apreciar o mérito, não é lícito ao órgão ad quem ingressar no exame deste. Por exceção, em casos tais, convencendo-se do desacerto da sentença meramente terminativa, bem como da inexistência de outro óbice à apreciação do mérito, pode o tribunal, em vez de limitar-se a reformá-la e restituir os autos ao juízo a quo, “julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento” (art. 515, § 3°, introduzido pela Lei n° 10.352). Sendo inconcebível que no primeiro grau se tenha resolvido o mérito fora dos limites do pedido e da causa petendi, segue-se que o órgão ad quem fica adstrito a esses limites. Seria irrelevante a anuência do apelado na alteração: não incide aqui a disposição excepcional do art. 321, fine. Caso seja parcial a apelação, restringir-se-á a atividade
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cognitiva do tribunal à(s) parte(s) da sentença que haja(m) sido objeto de impugnação, valendo, ademais, a proibição da reformatio in peius (supra, § 17, nº I, 4). No que concerne à profundidade (art. 515, §§ 1º e 2º), o efeito devolutivo da apelação compreende todas as questões relacionadas com os fundamentos do pedido e da defesa: a) que tenham sido efetivamente resolvidas, na motivação da sentença, pelo órgão a quo; b) a cujo respeito o juiz não se manifestou, conquanto fossem examináveis de ofício: assim, por exemplo, a da nulidade absoluta do ato jurídico de que se teria originado o suposto direito do autor, e em geral as quaestiones iuris; c) que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes. Exemplos: 1º) o autor pediu a anulação do contrato por incapacidade relativa do agente e por erro substancial, sendo ambos os fundamentos impugnados pelo réu; o juiz julgou procedente o pedido apenas pelo segundo fundamento, silenciando sobre o primeiro (se o repelisse, cair-se-ia na hipótese a). Caso, a seu ver, o pedido mereça acolhida justamente pelo fundamento da incapacidade, e não pelo do erro, o tribunal negará provimento ao recurso do réu, “confirmando” a sentença na sua conclusão, mediante correção dos motivos. Se o juiz julgou improcedente o pedido, examinando só o primeiro fundamento e omitindo-se quanto ao segundo, a apelação do autor permite ao órgão ad quem julgar procedente o pedido, sendo o caso, quer pelo primeiro, quer pelo segundo fundamento; 2º) o réu opôs, em ação de cobrança, as defesas de remissão da dívida e de compensação, contraditadas pelo autor; o juiz julgou improcedente o pedido acolhendo uma única dentre elas. A apelação do autor devolve ao tribunal o conhecimento de ambas: o pedido poderá ser declarado improcedente, no julgamento da apelação, com base na defesa sobre a qual o órgão a quo não se manifestara (se se tratasse de defesa repelida na sentença, a hipótese seria a que se figurou sob a). Se o juiz julgou procedente o pedido, rejeitando a primeira defesa e omitindo-se quanto à segunda, a apelação do réu faculta ao tribunal, sendo o caso, julgar improcedente o pedido com apoio seja na remissão, seja na compensação. No que tange às questões não apreciadas no grau inferior, nem apreciáveis ex officio, não basta, convém frisar, que uma das partes as tenha arguido: é mister que a outra – abrindo-se-lhe oportunidade para tanto – haja impugnado a arguição (art. 515, § 1º, verbis “e discutidas”). Se o réu permaneceu revel, e, portanto, não discutiu questão alguma, na sua eventual apelação só terão relevância as questões efetivamente apreciadas pelo juiz e aquelas que, não o tendo sido, caiba ao tribunal apreciar de ofício. É claro que, nos casos do art. 320, não está o órgão ad quem, como não estava o órgão a quo, adstrito a considerar verdadeiros os fatos afirmados pelo autor; poderá rejeitá-los como inverídicos, mas, em relação ao revel, apenas em função das questões resolvidas na sentença ou suscetíveis de exame oficioso. A solução é análoga no tocante aos fatos que o réu, conquanto oferecesse contestação, deixou de impugnar.
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De acordo com o art. 516 (na redação da Lei nº 8.950), “ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas”. Essas questões, exatamente por não terem sido decididas, não poderiam haver constituído objeto de agravo, já que, inexistindo decisão, era inconcebível que se interpusesse recurso. Alcança-as então, desde que não estejam preclusas, o efeito devolutivo da apelação. Exemplo: a questão atinente ao valor da causa, em hipótese de critério legal vinculativo (cf. supra, § 1º, nº VIII, 3), não examinada pelo órgão inferior ex officio, nem mediante provocação da parte. III. Questões novas no juízo da apelação 1. Nos termos do art. 517, “as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”. Não se trata aqui de questões cujo conhecimento se transfere ao órgão ad quem, pelo efeito devolutivo da apelação, mas, ao contrário, de questões que, sem se terem submetido ao conhecimento do órgão a quo, entram diretamente a integrar o objeto da atividade cognitiva de segundo grau. O dispositivo unicamente incide, pois, quanto às questões de fato insuscetíveis de apreciação ex officio, suscitadas apenas no juízo da apelação por pessoa que já participava do procedimento de primeiro grau: quem apela como terceiro prejudicado obviamente não poderia haver suscitado questão alguma perante o órgão inferior. À parte (apelante ou apelado) em regra não se permite suscitar na apelação questões novas de fato (exclusão do ius novorum, ou do beneficium nondum deducta deducendi, nondum probata probandi). A título de exceção, ser-lhe-á lícito suscitá-las, contanto que prove que deixou de fazê-lo, no primeiro grau de jurisdição, “por motivo de força maior”. Abrange a cláusula: a) a superveniência do fato (agora invocado) ao último momento em que a parte poderia tê-lo eficazmente alegado perante o órgão a quo; b) a ignorância do fato pela parte, até o aludido momento; c) a impossibilidade objetiva em que, por circunstância alheia à sua vontade, se encontrava a parte de comunicar o fato (já conhecido) ao advogado, ou este de levá-lo, a tempo, à consideração do juiz. A exigência do “motivo de força maior” não prevalece diante de regra especial que, no tocante a alguma questão, permita irrestritamente a arguição a qualquer tempo (cf. o art. 303, nº III). 2. O motivo de força maior deve ser alegado nas razões que a parte ofereça como apelante ou como apelada; se apenas vier a cessar depois, no curso do procedimento em segundo grau, a parte o alegará em petição dirigida ao relator. A alegação há de vir acompanhada da prova do motivo de força maior, sob pena de não poder o tribunal apreciar a questão nova. Provado o motivo de força maior, abre-se naturalmente à parte o ensejo de produzir prova do(s) fato(s) a que se refere a arguição. Seria, com efeito, inócua a permissão de suscitar questões novas, em tal hipótese, sem a correlata e necessária autorização para a prática de atos instrutórios. Embora a lei não regule de modo ex-
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presso o procedimento que se há de observar nessa atividade de instrução, o problema não é difícil de resolver: se a prova for exclusivamente documental, o interessado juntará aos autos os documentos que tiver, ouvindo-se a respeito a parte contrária no prazo de cinco dias (art. 398); nos demais casos, aplicar-se-á por analogia o disposto no art. 492 com referência à ação rescisória, cabendo ao relator, se necessário, delegar competência ao juiz da comarca onde deva ser produzida a prova e fixar prazo de 45 a 90 dias para a devolução dos autos. Nenhuma cognição tem o órgão a quo sobre as questões novas que a parte alegue ao arrazoar o recurso, nem sobre a admissibilidade delas. Não lhe é lícito indeferir a apelação pelo fundamento de que o apelante estaria inovando ilegitimamente. Toda essa matéria fica reservada à apreciação do tribunal. IV. Procedimento no juízo a quo 1. Interposta a apelação, na forma do art. 514 (supra, nº I, 3), compete ao juiz a quo controlar liminarmente a respectiva admissibilidade. Faltando algum requisito, a apelação não será recebida. Tampouco o será “quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal” (art. 518, § 1º, acrescentado pela Lei nº 11.276). Desse pronunciamento, que não é simples despacho, cabe agravo (art. 522). Se o tribunal lhe der provimento, a apelação será processada nos termos legais. Por força do art. 518, § 2º, na redação da Lei nº 11.276), pode o órgão a quo, independentemente de agravo, reformar a decisão que houver deferido o recurso, em 5 dias após a resposta do apelado, que talvez lhe desperte a atenção para alguma causa de inadmissibilidade antes não percebida. Também comporta reforma ex officio, nas 48 horas subsequentes à apelação do autor, a decisão (verdadeira sentença) de indeferimento de petição inicial (art. 296, caput, na redação da Lei nº 8.950). Fora dessas hipóteses, no sistema do Código, uma vez recebido o recurso, já não é lícito ao juiz, salvo desistência, deixar de encaminhá-lo ao órgão ad quem. Como já se explicou (supra, § 16, nº II, 3), o recebimento pelo órgão inferior não vincula o superior. Em recebendo a apelação, deve o juiz declarar-lhe os efeitos: suspensivo e devolutivo, ou somente devolutivo, conforme o caso (art. 520; cf. supra, nº II, 1). Não lhe concede o Código margem alguma de discrição na matéria: ao declarar os efeitos, tem de cingir-se o órgão judicial, estritamente, ao que a lei estabelece. Na omissão do juiz, entende-se que recebeu a apelação no(s) efeito(s) legalmente previsto(s). O erro na declaração dos efeitos dá ensejo à interposição de agravo (art. 522), o que implica, para o juiz, a possibilidade de reformar o seu ato (art. 529). 2. No mesmo pronunciamento pelo qual receba a apelação e lhe declare os efeitos, mandará o juiz dar vista ao apelado para responder (art. 518, caput, na redação da Lei nº 8.950). O prazo para a resposta, em qualquer procedimento, é de 15 dias (art. 508) e começa a correr da data em que se intima o apelado da abertura de vista. Incidem as regras comuns sobre contagem, prorrogação e suspensão; não incide o art. 507, que cogita da interrupção apenas no tocante ao prazo para recorrer. É apli-
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cável o art. 191; não, porém, o art. 188, que também diz respeito unicamente ao prazo de interposição. Se ambas as partes apelaram no prazo comum, a cada qual deve abrir-se vista dos autos para responder ao recurso da outra. Os prazos de resposta são autônomos. Não se abre vista, para apresentar razões, a quem fora indicado como réu, na hipótese de indeferimento da inicial. Caso o juiz não reforme a decisão, ante a apelação do autor, encaminham-se desde logo os autos ao tribunal competente (art. 296, parágrafo único, na redação da Lei nº 8.952). Fora daí, a abertura de vista ao apelado é formalidade essencial. Se o juiz nega vista, ou recusa a juntada aos autos das razões do apelado, dispõe este de agravo (art. 522). Subindo os autos sem que tenha sido aberta a vista, determinar-se-á a realização de diligência, para sanar o vício. A resposta do apelado tem certa analogia com a contestação; não se lhe aplica, todavia, o ônus da impugnação especificada dos fatos (art. 302). Tampouco é indispensável que o apelado reitere de modo expresso os pedidos e as defesas que apresentou na primeira instância e já estão abrangidas pelo efeito devolutivo da apelação do adversário (cf., supra, nº II, 2). Precisa ele, ao contrário, suscitar nas razões, se for o caso, as questões novas que pretende ver apreciadas pelo órgão ad quem, juntando a prova de que deixara de fazê-lo, até então, por motivo de força maior – a não ser, é claro, que este ainda subsista e só venha a cessar durante o processamento subsequente da apelação, hipótese em que a arguição há de ser feita logo após a cessação do motivo de força maior. Suscitando questões novas ao arrazoar, deve o apelado juntar desde logo os documentos com que entende provar os fatos alegados, e indicar as outras provas cuja produção acaso lhe pareça necessária. Se ocorrer adesão do apelado – que pode manifestá-la dentro do prazo para responder ao recurso (art. 500, nº I, na redação da Lei nº 8.950) –, deve-se naturalmente abrir vista dos autos à outra parte, para responder à apelação adesiva. O prazo para essa resposta é também de 15 dias (art. 508). Incumbe ao órgão judicial mandar remeter os autos ao tribunal para o qual foi ela interposta. Ainda que lhe pareça ter-se equivocado o apelante na respectiva indicação, não é dado ao juiz corrigi-lo: só o órgão ad quem poderá declarar a sua própria incompetência para conhecer da apelação e encaminhar os autos àquele que repute competente (art. 113 e § 2º). 3. Se verificar que não foi feito o preparo, o juiz declarará deserta a apelação (sobre o conceito de deserção, v. supra, § 17, nº II, 2); no caso de mera insuficiência do valor pago, todavia, só o fará “se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias” (art. 511, § 2°, acrescentado pela Lei n° 9.756). A deserção é declarável ex officio, o que não impede a parte interessada – eventualmente, na resposta ao recurso – de provocar o pronunciamento do juiz. Ressalvado o disposto no art. 511, § 2°, não há necessidade de intimar-se o apelante: atribui-lhe a lei o ônus de comprovar o preparo no ato de interposição do recurso (art. 511, caput, na redação da Lei nº 8.950), sob pena de deserção, e semelhante efeito produz-se pleno iure (cf. o art. 183, caput).
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Ao apelante, contudo, abre-se a possibilidade de provar que não fizera o preparo na ocasião própria em virtude de “justo impedimento” (sobre este conceito, v. supra, § 17, nº II, 2). Toca-lhe, em tal hipótese, requerer a relevação da deserção dentro de cinco dias (art. 185). Se juntar documento, para comprovar o “justo impedimento”, é obrigatória a audiência da outra parte (art. 398). Ainda, porém, que isso não ocorra, parece-nos que o juiz deve sempre ouvir o apelado, que tem interesse em impugnar o requerimento. O prazo para que fale o apelado, em qualquer caso, é também um quinquídio (arts. 398 e 185). Provado o “justo impedimento”, o juiz relevará o apelante da deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo (art. 519, caput, na redação da Lei nº 8.950), o qual começará a correr da data em que se intimar o apelante. Preparado que seja, dentro dele, o recurso, remeter-se-ão os autos ao tribunal. Sem embargo do nítido conteúdo decisório que tem a relevação da deserção, a regra especial do art. 519, parágrafo único, tornando irrecorrível essa decisão, afasta a incidência do art. 522. A questão, contudo, não se torna preclusa: compete ao órgão ad quem reapreciar a matéria e, se entender que não ocorrera o “justo impedimento”, não conhecerá da apelação, que terá ficado deserta. Cabe agravo (art. 522) contra a decisão do juiz a quo que indefira o requerimento de relevação, por não considerar provado o “justo impedimento”. V. Procedimento no tribunal 1. Registrados no protocolo do tribunal (ou, se for o caso, no ofício de primeiro grau a que se haja delegado a atribuição, mediante descentralização do serviço: art. 547, parágrafo único, acrescentado pela Lei n° 10.352), no dia de sua chegada, os autos do processo, com a apelação e, eventualmente, com as razões do apelado, incumbe à secretaria, após verificar a numeração das folhas, ordená-los para distribuição a um dos órgãos fracionários competentes, se mais de um o for (art. 547). Observar-se-á o que dispuser a respeito o regimento interno, resguardados os princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio (art. 548). No interior do órgão fracionário a que se encaminhe a apelação (Câmara Cível, por exemplo), proceder-se-á a nova distribuição, ou seja, à escolha do relator do recurso, a quem serão conclusos os autos dentro de 48 horas (art. 549, caput). O relator é competente para negar seguimento à apelação, se for manifestamente inadmissível ou improcedente, estiver prejudicada ou contrariar a Súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de tribunal superior. Também o é para dar provimento à apelação, caso a sentença apelada esteja em “manifesto confronto” (leia-se “conflito”) com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. De tal decisão, em qualquer hipótese, cabe agravo, no prazo de 5 dias, para o colegiado; não ocorrendo retratação, o relator apresentará o processo em mesa e terá voto no julgamento. Provido que seja o agravo, no primeiro caso, dar-se-á seguimento ao recurso; por outro lado, se o agravo for manifestamente inadmissível ou infundado, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e dez por cento do valor corrigido da causa,
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ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao respectivo depósito (art. 557 e seus parágrafos, na redação da Lei nº 9.756). Feita abstração desses casos, depois de estudar os autos, o relator os restituirá à secretaria com o seu “visto” e com “uma exposição dos pontos controvertidos sobre que versar o recurso” (art. 549 e seu parágrafo único). Do prazo concedido ao relator para o estudo dos autos não cogita a lei: no seu silêncio, observar-se-á o que o regimento interno disponha a respeito. Havendo motivo justificado, pode o relator exceder o prazo, por igual tempo (art. 187). A não ser que se trate de causa sujeita ao procedimento sumário, de ação de despejo ou de indeferimento liminar da inicial (art. 551, § 3º, na redação da Lei nº 8.950), ou que alguma outra norma especial dispense a revisão, uma vez restituídos pelo relator, serão os autos conclusos a um revisor (art. 551, caput), funcionando como tal “o juiz que se seguir ao relator na ordem descendente de antiguidade” (art. 551, § 1º); se o relator for o juiz mais novo, será revisor o mais antigo. Vale quanto ao prazo para a revisão a observação feita acima a propósito do assinado ao relator. Ao revisor compete declarar-se de acordo com o relatório escrito, retificá-lo ou fazer-lhe os aditamentos que repute cabíveis. Terminado o exame dos autos, deve o revisor apor-lhes o seu “visto” e pedir dia para julgamento (art. 551, § 2º) – atribuição esta que, quando não houver revisão, tocará obviamente ao próprio relator. Apresentados os autos ao presidente do órgão, compete-lhe designar o dia em que se julgará a apelação, mandando incluí-la na respectiva pauta, que deve ser publicada no órgão oficial, obrigatoriamente, com a antecedência mínima de 48 horas, e afixada na entrada da sala onde se realizar a sessão de julgamento (art. 552 e §§ 1º e 2º). Não se incluirá em pauta a apelação (art. 559, caput) antes do agravo interposto no mesmo processo, mas que não tenha ficado retido nos autos (quanto à hipótese de retenção, v. infra, § 20, nº IV, 4). Se, por equívoco, o presidente incluir na pauta a apelação, a despeito de haver agravo pendente, a irregularidade será corrigida, ex officio ou por provocação de qualquer das partes ou de outro membro do corpo julgador, no prazo que mediar entre a publicação da pauta e a sessão de julgamento, ou no próprio curso desta, retirando-se da pauta a apelação, até que naquela se possa incluir o agravo. Nos termos do art. 559, parágrafo único, “se ambos os recursos houverem de ser julgados na mesma sessão, terá precedência o agravo”; pode aliás suceder que, dado provimento a este, fique sem objeto a apelação (exemplo: agravo interposto contra decisão que indeferiu o pedido de adiamento da audiência, irregularmente realizada, com subsequente prolação da sentença). 2. O julgamento da apelação, na sessão designada, constitui procedimento complexo, que se desdobra em várias etapas. Começa pelo anúncio, feito pelo presidente do órgão, de que será julgado o recurso. Em seguida, toma a palavra o relator, para “a exposição da causa” (art. 554), que não se restringe necessariamente à repetição do que consta do relatório escrito, podendo o relator acrescentar pormenores esclarecedores e devendo, se for o caso, proceder a retificações ou suprir omissões relevantes. A qualquer dos juízes participantes do julgamento é lícito solicitar esclarecimentos sobre algum ponto da exposição que lhe haja parecido obscuro ou con-
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traditório, ou mesmo, simplesmente, a confirmação de algum dado que não tenha conseguido reter ao ouvir a exposição. Faculta-se ao relator, nos termos do art. 555, § 1° (introduzido pela Lei n° 10.352), propor que, em vez de ser julgada pelo órgão fracionário a que foi distribuída, a apelação o seja por outro órgão (entenda-se: mais amplo), que o regimento indique, se a seu ver se configurar “relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência” entre órgãos do próprio tribunal. Acolhida que seja a proposta, naturalmente se suspende o julgamento e se remetem os autos ao outro órgão; rejeitada, prossegue o julgamento perante o mesmo órgão a que se distribuíra o recurso (cf. ao propósito, infra, o § 27, n° IV). Incumbe ao presidente do órgão franquear a palavra, sucessivamente, pelo prazo improrrogável de 15 minutos para cada um, aos procuradores de ambas as partes – primeiro, ao do apelante, e a seguir ao do apelado –, a fim de sustentarem as razões que possam invocar a favor do acolhimento do recurso ou contra ele (art. 554). É aplicável por extensão a regra do art. 191: se nem todos os litisconsortes (apelantes ou apelados) tiverem o mesmo procurador, o prazo será de 30 minutos, dividindo-se por igual entre os dois ou mais advogados, salvo se estes mesmos ajustarem outra divisão. Encerrado o debate oral, ou não o havendo, por não estarem presentes ou declinarem do uso da palavra os procuradores das partes, passa-se à tomada dos votos, manifestando-se, em primeiro lugar, o relator, e em segundo, o revisor: assim dispunha, expressamente, o art. 555, caput, antes da Lei n° 10.352, e assim deve continuar a entender-se, por intuitivas razões, apesar do silêncio atual do texto. A qualquer dos membros do colegiado que não se sentir habilitado a proferir de imediato o seu voto, faculta-se pedir vista dos autos, para esclarecer-se, ficando suspenso o julgamento até a sessão subsequente do órgão (art. 555, § 2°, na redação da Lei n° 10.352), na qual a apelação terá preferência sobre os outros recursos ou causas constantes da pauta (art. 562). Os julgadores podem modificar os votos já proferidos, até o instante em que o presidente do órgão anuncia o resultado do julgamento, salvo se diversamente dispuser o regimento interno. A admissibilidade da modificação não fica excluída pela circunstância de suspender-se o julgamento, v.g., em virtude de pedido de vista: reiniciado que seja ele na sessão seguinte, qualquer dos juízes que já tenham votado pode ainda retratar-se do seu pronunciamento. A Lei nº 11.276 aditou um parágrafo (4º) ao art. 515, com o seguinte teor: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”. O novo dispositivo nada de substancial acrescentou ao que já constava do art. 560, parágrafo único. Por “poderá determinar” há de entender-se “determinará”: não se concebe que, diante de nulidade sanável, opte o tribunal por … não saná-la (!). 3. Havendo questões preliminares – como, em primeiro lugar, a relativa à competência do órgão ad quem, e ademais todas as concernentes à admissibilidade do re-
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curso –, devem obrigatoriamente ser examinadas e resolvidas antes de apreciar-se o mérito da impugnação (art. 560, caput). Se várias as preliminares, têm de ser postas em votação separadamente, sob pena de falsear-se o resultado. Por exemplo: alega-se que o recurso é inadmissível por intempestividade, por falta de legitimação do recorrente e por existência de aceitação tácita da sentença; sendo três os julgadores, se cada qual acolhe apenas uma das preliminares e rejeita as outras, cada uma das preliminares foi rejeitada por dois votos contra um, o que significa que todas foram rejeitadas; o recurso é admissível e dele há de conhecer o órgão colegiado. Na decisão sobre a preliminar, podem ocorrer as seguintes hipóteses, disciplinadas nos arts. 560, caput, fine e parágrafo único, e 561: a) a preliminar era tal que, acolhida, impedia o exame do mérito, e o órgão julgador a acolheu. Neste caso, à evidência, o julgamento está findo, e o tribunal deve abster-se de qualquer pronunciamento de meritis; b) a preliminar, acolhida, versava sobre nulidade suprível; converte-se o julgamento em diligência, para sanar-se o defeito. Sendo necessário, ordena o órgão ad quem a remessa dos autos ao juízo de grau inferior; se viável o suprimento perante o próprio tribunal, aí se procede a ele, v.g., mediante a abertura de vista (que deveria ter havido, e não houvera) a alguma das partes, para arrazoar. Suspende-se o julgamento, que se reinicia depois de eliminado o vício, preferindo então o recurso aos demais contantes da pauta da sessão em que se reiniciar o julgamento (art. 562); c) a preliminar foi rejeitada, ou era tal que, em qualquer hipótese, comportava o prosseguimento da atividade cognitiva. Neste caso, passa-se à discussão e à votação do mérito. Os juízes vencidos na preliminar não ficam, por isso, impedidos ou sequer dispensados de pronunciar-se de meritis. Havendo preliminar já situada no plano do mérito (como a de prescrição), o tribunal deve apreciá-la antes da matéria restante. 4. Encerrada a votação, cabe ao presidente do órgão, nos termos do art. 556, apurar o pronunciamento da maioria e proclamá-lo como resultado do julgamento, vedada a partir daí qualquer modificação de voto. Incumbe-lhe também designar o relator do acórdão, isto é, o juiz incumbido de redigir a peça escrita que deverá registrar aquele resultado, e cujas conclusões hão de ser publicadas no órgão oficial (art. 564). Se tiver prevalecido o voto do relator da apelação, a designação recairá obrigatoriamente nele (art. 556). Assim será, mesmo que o relator haja ficado vencido em parte, a menos que se trate do capítulo principal da decisão. Neste último caso, bem como no de ter ficado o relator totalmente vencido, o presidente designará, para redigir o acórdão, “o autor do primeiro voto vencedor” (art. 556, fine), isto é, o juiz que, na sessão de julgamento, houver proposto em primeiro lugar a solução vitoriosa. Poderá ser ou não o revisor. Na conformidade do art. 165, a redação do acórdão deve obedecer – no que couber, é claro – ao preceituado no art. 458, onde se enumeram os elementos (“requisitos”, na dicção da lei) essenciais da sentença. A fundamentação há de indicar os motivos efetivamente adotados pela maioria; esses serão os fundamentos do acórdão, que podem não coincidir, no todo ou em parte, com os apontados no voto do res-
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pectivo relator. Nos termos do art. 563 (na redação da Lei nº 8.950), deve o acórdão conter um enunciado sintético da tese que ele esposa (ementa, em geral colocada acima do texto). Subscrito o acórdão pelos juízes que hajam participado do julgamento – ou só por aqueles cuja assinatura exija o regimento interno do tribunal –, publicar-se-ão no órgão oficial, dentro de 10 dias, as suas conclusões (art. 564), que hão de refletir com fidelidade o resultado do julgamento. Se a publicação for feita com omissão ou erro tal que enseje dúvida, e, portanto, possa causar prejuízo, será indispensável que se republiquem as conclusões do acórdão, por ordem dada ex officio ou a requerimento de algum interessado, correndo da data da nova publicação os prazos para interposição de outros eventuais recursos. Esgotado in albis o prazo para os recursos ainda possivelmente admissíveis contra o acórdão proferido no julgamento da apelação, “o escrivão ou secretário, independentemente de despacho, providenciará a baixa dos autos ao juízo de origem, no prazo de cinco dias” (art. 510). Compete ao presidente do órgão, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, verificar a ocorrência de excesso e, na falta eventual de motivo legítimo, mandar instaurar procedimento administrativo (arts. 193 e 194). § 20 – Agravo I. Requisitos de admissibilidade 1. Nos termos do art. 522, caput (na redação da Lei nº 11.187), e a menos que regra especial o exclua (por exemplo: art. 519, parágrafo único), o agravo é cabível contra as decisões interlocutórias proferidas em primeiro grau – no processo de conhecimento (de rito ordinário, sumário ou especial, de jurisdição contenciosa ou voluntária), na execução ou no processo cautelar –; em outras palavras, contra todas as decisões emitidas no curso do feito, para resolver questões incidentes. Não cabe contra pronunciamentos do juiz sem conteúdo decisório (despachos: art. 504). O critério de distinção é o da natureza do pronunciamento, não o da denominação legal: ainda quando o Código chame “despacho” a algum ato decisório (v.g., o que defere ou não a medida liminar na hipótese do art. 930, parágrafo único), cabível é o agravo. No elevadíssimo número de decisões agraváveis incluem-se, exemplificativamente: a) na fase cognitiva do processo – além das mencionadas acima, a que resolve sobre o pedido de assistência (art. 51 e seu inciso III), a que defere ou indefere a nomeação à autoria (art. 64), a que ordena ou nega a reunião de ações propostas em separado (art. 105), a que acolhe ou rejeita a arguição de incompetência absoluta (art. 113), a que aprecia impugnação ao valor atribuído à causa (art. 261), a que defere ou indefere requerimento de antecipação da tutela (art. 273), a que julga a exceção de incompetência relativa (art. 309), a decisão de saneamento (art. 331, § 2º), a que resolve sobre contradita a testemunha ou sobre escusa de depor (art. 414, §§ 1º e 2º), a que indefere quesitos na perícia (art. 426, nº I) etc.;
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b) na execução – a que impõe ao devedor multa pela prática de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 601, na redação da Lei nº 8.953, de 13.12.1994), a que aprecia impugnação à escolha da coisa (art. 630), a que defere ou indefere a alienação antecipada de bens penhorados (art. 670, parágrafo único), a que decide sobre a forma de exercício do usufruto forçado (art. 724, parágrafo único), a que decreta a prisão do devedor de alimentos (art. 733, § 1º), a que defere ou indefere o pedido de pensão para o devedor insolvente (art. 785) etc.; c) no processo cautelar – a que concede in limine medida cautelar (art. 804), a que decreta a substituição da medida pela prestação de caução ou outra garantia (art. 805, na redação da Lei nº 8.952), a que ordena a cessação da eficácia da medida durante o período de suspensão do processo principal (art. 807, parágrafo único), a que decreta a prisão por não restituição ou sonegação de título (art. 885 e seu parágrafo único) etc. Caso especial de agravo é o da denegação, pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, do recurso extraordinário ou especial (art. 544, na redação da Lei nº 12.322; v., infra, § 25, nº III, 2). 2. O prazo de interposição é de 10 dias (art. 522, caput). Sujeita-se às regras comuns sobre contagem, prorrogação, suspensão e interrupção. 3. Salvo quando impugne decisão interlocutória proferida na audiência de instrução e julgamento – hipótese em que se prescreve a interposição oral (art. 523, § 3º, na redação da Lei nº 11.187; cf., infra, nº IV, 2) –, interpõe-se o agravo por petição escrita, dirigida ao tribunal competente para o julgamento (art. 524, caput), e permitida a transmissão por fax, nos termos da Lei nº 9.800, ou por petição eletrônica, como estabelecido pela Lei nº 11.419, de 19.12.2006. Fora daquela hipótese, mesmo após a reforma levada a cabo pela Lei nº 11.187, que generalizou o cabimento da forma retida do recurso (infra, nº III, 2, e nº IV, 2), deve a petição conter sempre a exposição do fato e do direito (art. 524, inciso I) e as razões do pedido de reforma da decisão (inciso II); não fica excluída, todavia, a possibilidade de que as razões do recurso, em vez de constarem da própria petição, sejam oferecidas em anexo. No caso do art. 523, § 3º, as razões do agravante serão expostas “sucintamente” no termo da audiência, do qual constará o registro da interposição do recurso. Quando processado por instrumento o agravo (infra, nº III, 1, e nº IV, 1), a petição conterá os nomes e os endereços completos dos advogados, constantes dos autos (art. 524, nº III), e será obrigatoriamente instruída com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados das partes (art. 525, caput, nº I), e ainda com o comprovante do pagamento das custas e porte de retorno, quando devidos, de acordo com tabela publicada pelo tribunal (art. 525, § 1º). Faculta-se ao agravante juntar à petição outras peças que entenda úteis (art. 525, caput, nº II). A falta de cópia de peça obrigatória justifica o não conhecimento do agravo; a de peça facultativa, de modo algum: caso o tribunal (ou o próprio relator) a entenda necessária ao esclarecimento da matéria, deve determinar a respectiva juntada pelo agravante ou, se requisitadas informações, pelo juiz a quo.
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4. Acerca da legitimação, do interesse em recorrer, da inexistência de fatos impeditivos ou extintivos, nada de peculiar há que assinalar aqui, a não ser o caso especial de fato extintivo que contempla o art. 526, parágrafo único, introduzido pela Lei n° 10.352 e de incidência obviamente restrita ao agravo de instrumento: o descumprimento do ônus, imposto ao agravante, de juntar aos autos do processo cópia da petição do agravo e do comprovante da interposição, com a relação dos documentos anexados – omissão que, se arguida e provada pelo agravado, torna inadmissível o agravo. Aplica-se a este, no mais, o que se disse, em termos genéricos, para os recursos (supra, § 16, nº II, 1). II. Efeitos da interposição 1. O agravo tem efeito devolutivo restrito à questão decidida pelo pronunciamento contra o qual se recorreu; nada mais compete ao tribunal apreciar, em conhecendo do recurso. Sublinhe-se que a interposição do agravo não obsta em caso algum a que o órgão a quo reconsidere a decisão, no todo ou em parte, naturalmente enquanto não julgado o recurso: é o que evidencia, para o agravo processado por instrumento (infra, nº III, 1), o teor do art. 529, verbis: “Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo” (cf., para o outro regime, o art. 523, § 2º). 2. Quanto ao efeito suspensivo, a regra é a de que não o produz o agravo, como deflui do art. 497, 2ª parte. Ao contrário do que se poderia supor à vista da letra da lei, semelhante disposição, bem compreendida, não se refere exclusivamente ao “andamento do processo”, mas à eficácia da própria decisão agravada. Assim, se teria esta, justamente, a consequência de suspender a marcha do feito (v.g., art. 72, caput), e contra ela se interpõe agravo, a inexistência de efeito suspensivo significa que o processo continua paralisado apesar da interposição. Em certas circunstâncias, porém, dar cumprimento imediato à decisão agravada importaria, na prática, tornar inútil o eventual provimento do agravo. A lei por isso permite (não impõe) que o relator no tribunal suspenda a execução da decisão, a requerimento do agravante (não de ofício!), até o pronunciamento do colegiado competente para julgar o recurso (art. 558, caput). Tal providência é cabível nas hipóteses de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem prestação de caução idônea e em “outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação”. Configurado caso assim, se for relevante a fundamentação invocada pelo requerente, isto é, se tiverem suficiente consistência os argumentos com que o agravante impugna a decisão, tocará ao relator, deferindo o requerimento, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara. III. Regimes 1. Pode o agravo observar dois regimes diversos, entre os quais, em regra, antes da Lei nº 11.187, tocava ao agravante optar. Um era, até o advento da Lei nº 9.139, o tradicionalmente aplicável a esta figura recursal – que lhe deve, aliás, a multissecular denominação de “agravo de instrumento”, mantida pela Lei nº
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9.139 nos arts. 524 a 527 (este, como se verá, alterado em parte pela Lei nº 11.187) – e tinha como principais características: interposição perante o órgão a quo, subida ao órgão ad quem mediante formação de autos apartados (instrumento do agravo), com as peças necessárias, facultada antes ao próprio órgão a quo a reconsideração de seu pronunciamento (juízo de retratação). Tal regime foi muito modificado, a começar pela interposição, que passou a fazer-se diretamente no tribunal competente para o julgamento; sua nova fisionomia será exposta infra, nº IV, 1. Consoante a nova redação dada ao art. 522 pela Lei nº 11.187, o cabimento desta modalidade de agravo ficou restrito aos casos de “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”, aos de “inadmissão da apelação” e aos “relativos aos efeitos em que a apelação é recebida”, além, é claro, de outras hipóteses especificamente indicadas por norma especial, como a da decisão de liquidação e a da que resolve impugnação à execução, salvo quando extinga esta, caso em que cabe apelação (respectivamente arts. 475-H e 475-M, § 3º, introduzidos pela Lei nº 11.232). Por intuitivas razões, também será processado por instrumento o agravo contra decisões proferidas na execução, onde a retenção não faria sentido. 2. O outro regime (de que se tratará especificamente infra, nº IV, 2) atende a que, em certos casos, não há interesse na revisão imediata da decisão pelo órgão ad quem. Torna-se mais aconselhável, então, poupar às partes as despesas, e ao processo mesmo as delongas – agora, decerto, reduzidas – que implicam a formação e a tramitação do instrumento. Fica o recurso retido nos próprios autos do feito, com a função precípua de impedir a preclusão da questão resolvida. Encerrado o procedimento de primeiro grau, se da sentença se interpuser apelação, competirá ao tribunal, na ocasião em que for julgá-la, apreciar preliminarmente o agravo retido. A aplicação de tal regime, que constituía exceção, passou a ser a regra por força da nova redação dada pela Lei nº 11.187 ao art. 522, caput. Para tanto provavelmente contribuiu, além dos motivos acima indicados, a generalizada insatisfação dos tribunais de segundo grau com o aumento da carga de trabalho atribuído ao processamento do agravo por instrumento. IV. Procedimento 1. No regime do instrumento, a petição de agravo, com os requisitos já indicados (supra, nº I, 3), será, dentro do decêndio, protocolada no tribunal competente, ou remetida a este por via postal, sob registro com aviso de recebimento, ressalvada a possibilidade de “outra forma prevista na lei local” (art. 525, § 2º). Incumbe ao agravante, no prazo de 3 dias, requerer a juntada, aos autos do processo, de cópia da petição de agravo, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso (art. 526). O descumprimento desse ônus, desde que arguido e comprovado pela parte contrária, torna inadmissível o agravo (art. 526, parágrafo único, acrescentado pela Lei n° 10.352). Distribui-se incontinenti o agravo, no órgão ad quem, a um relator (art. 527, caput), ao qual é lícito negar-lhe seguimento, se for manifestamente inadmissível,
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improcedente, estiver prejudicado ou contrariar Súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (art. 527, n° I, na redação da Lei n° 10.352). Dentre as hipóteses em que fica prejudicado o recurso, a uma refere-se em termos expressos o art. 529: a de haver o juiz a quo, nesse ínterim, reformado inteiramente a decisão agravada – correndo-lhe, em tal caso, o dever de comunicar o fato ao relator. Este, por outro lado, como ocorre na apelação (cf. supra, § 19, n° V, 1), pode dar provimento ao agravo, se a decisão impugnada contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (art. 557, § 1°-A, introduzido pela Lei n° 9.756). Em qualquer desses casos, cabe novo agravo para o órgão colegiado (art. 557, § 1°, na redação da mesma lei). De acordo com a nova redação dada ao inciso II do art. 527 pela Lei nº 11.187, deve o relator converter o agravo de instrumento em retido, “salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa”, o qual naturalmente mandará apensá-los aos principais. Essa disposição, que se harmoniza com o teor atual do art. 522, caput, tem complemento (de discutível constitucionalidade) no novo parágrafo único do art. 527, consoante o qual a decisão do relator, salvo reconsideração por este, somente é passível de reforma por ocasião do julgamento do agravo. Nas hipóteses restantes, procederá o relator na forma do art. 527, com a redação da Lei n° 11.187, a saber: intimará o agravado – nas comarcas que sejam sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense seja divulgado no órgão oficial, por publicação nesse órgão; nas outras, por ofício dirigido ao advogado, sob registro e com aviso de recebimento –, para que responda no prazo de 10 dias, com observância do disposto no art. 525, § 2º, facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente (art. 527, inciso V), e depois mandará ouvir, se necessário, o Ministério Público, também num decêndio (inciso VI). Além disso, poderá o relator requisitar informações (eventualmente acompanhadas de cópias de quaisquer peças dos autos) ao juiz a quo, que as prestará em 10 dias (inciso IV), e atribuir ao recurso efeito suspensivo, nas hipóteses do art. 558 (supra, nº II, 2), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando a decisão ao órgão inferior (inciso III). Estudada a espécie, o relator pedirá dia para julgamento em prazo não superior a 30 dias a contar da intimação do agravado (art. 528). Não há revisão (art. 551, caput, a contrario sensu). O agravo de instrumento será sempre incluído em pauta antes da apelação interposta no processo, ou julgado antes dela, se ambos constarem da pauta da mesma sessão (art. 559 e parágrafo único) (cf., supra, § 19, nº V, 1). Não se concede aos procuradores do agravante e do agravado, na sessão de julgamento, oportunidade para sustentar oralmente suas razões (art. 554). Com essa ressalva, o julgamento comporta, mutatis mutandis, as etapas descritas a propósito da apelação (supra, § 19, nº V, 2 a 4). 2. O regime da retenção deve observar-se obrigatoriamente nas hipóteses não ressalvadas no caput do art. 522, segundo a redação dada pela Lei nº 11.187, ou em
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regra especial. Ao contrário do que ocorria antes, sua aplicação já não depende da vontade do agravante, que, ao interpor o recurso, perante o órgão a quo, requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação (art. 523, caput). Deve o relator do recurso no tribunal converter em agravo retido o interposto por instrumento, sempre com as ressalvas do art. 527, nº II, na redação da Lei nº 11.187. Como já se disse, nos termos do novo parágrafo único desse dispositivo (repita-se: de duvidosa constitucionalidade), é irrecorrível a decisão do relator, que – salvo reconsideração – só poderá ser reformada quando do julgamento do agravo. Em princípio, a forma de interposição é a escrita, com satisfação dos requisitos acima indicados (supra, nº I, 3); a petição, bem se entende, não precisa ser instruída com cópias de peças, nem com o comprovante do preparo, do qual está isento o agravo retido (art. 522, parágrafo único), por conseguinte não sujeito a deserção. De acordo com o art. 523, § 3º, contra as decisões interlocutórias emitidas na audiência de instrução e julgamento, interpõe-se oralmente o agravo retido, fazendo-se constar do termo a interposição, com a exposição sucinta das razões em que se funda o pedido de nova decisão. Proferida a sentença, se ninguém apelar, não chegará o agravo retido a ser julgado. Sobrevindo apelação (de qualquer das partes, do Ministério Público ou de terceiro prejudicado), uma de duas: ou o julgamento do agravo ainda interessa àquele que, vencedor ou vencido afinal, o interpusera, ou já não lhe interessa. No primeiro caso, o art. 523, § 1º, fine, impõe ao agravante o ônus de “requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação”, a apreciação do agravo pelo tribunal. No segundo caso, basta que o apelante ou o apelado, ao arrazoar, silencie a respeito: a omissão vale por manifestação de vontade de não ver julgado o agravo (desistência tácita). É intuitivo que a exigência da reiteração não vale para o apelante quando a decisão agravada seja posterior à interposição da apelação, nem para o apelado quando seja posterior à respectiva resposta. A reiteração, pelo agravante, de seu inconformismo com a decisão agravada, nas razões ou contrarrazões de apelação, não dispensa o órgão ad quem de examinar a admissibilidade do agravo em todos os seus aspectos, inclusive o do interesse, nem o impede de, eventualmente, negar-lhe conhecimento por falta desse ou de outro requisito. Já a omissão do agravante (ou, a fortiori, a desistência expressa) pré-exclui que se conheça do agravo: recurso de que se desistiu é recurso que não existe mais, e do qual, por conseguinte, não se pode conhecer. O agravo retido não chega ao conhecimento do tribunal se, depois de interposta, a apelação vê truncado seu curso, por qualquer motivo (deserção, desistência). Acontece o mesmo se o próprio juiz a quo reforma a decisão impugnada – o que se lhe permite fazer, após ouvida a parte contrária em 10 dias (art. 523, § 2º, na redação da Lei n° 10.352). É óbvio que esta poderá, por sua vez, agravar da nova decisão, se também interlocutória, em princípio segundo o regime que lhe aprouver.
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Havendo de ser julgado o agravo retido, caberá ao tribunal apreciá-lo “por ocasião do julgamento da apelação”, isto é, na mesma sessão, mas “preliminarmente” ao outro recurso (art. 523, caput). Não significa isso, convém frisar, que o julgamento do agravo retido se equipare a julgamento de preliminar da apelação: os dois atos são distintos, o que muito importa para determinados efeitos (v.g.: divergência na votação do agravo retido não enseja embargos infringentes: cf., infra, § 21, nº I, 1). Fora da hipótese de desistência tácita do agravante (art. 523, § 1º), não é lícito ao órgão ad quem julgar a apelação sem pronunciar-se previamente acerca do agravo retido, do qual, é evidente, deixará de conhecer se verificar a falta de algum requisito de admissibilidade. Tampouco se julgará o agravo retido, porém, se a própria apelação for inadmissível. 3. Do agravo cabível contra o indeferimento do recurso extraordinário ou especial pelo presidente do tribunal recorrido tratar-se-á noutros lugares (infra, § 25, nº III, 2, e § 23, nº III, 1). § 21 – Embargos Infringentes I. Requisitos de admissibilidade 1. De acordo com o disposto no art. 530 (em princípio, aplicável inclusive a processos regidos por leis especiais), cabem embargos infringentes contra acórdãos não unânimes, isto é, proferidos por maioria de votos, no julgamento: a) de apelação (não de agravo retido nos autos, julgado preliminarmente a esta), interposta contra sentença de mérito e provida, para reformar a sentença; b) de ação rescisória, em que se julgue procedente o pedido, no iudicium rescindens ou, se a ele se chega, no iudicium rescissorium (ou em ambos). Embora tecnicamente não se trate de julgamento de apelação, têm-se considerado cabíveis os embargos infringentes também contra acórdãos proferidos, sem unanimidade, em revisão obrigatória (art. 475), se reformada a sentença. Apura-se a falta de unanimidade pela conclusão de cada voto, não pelas razões invocadas para fundamentá-lo: a desigualdade de fundamentações não é suficiente para tornar embargável o acórdão. Por exemplo: no julgamento de ação de cobrança, em grau de apelação, um dos magistrados rejeita o pedido por entender que não ficara provado o fato constitutivo do suposto crédito, enquanto os outros o rejeitam por entenderem que ficara provado algum fato extintivo; não ocorre divergência que enseje a interposição de embargos, pois todos deram pela improcedência do pedido, ao contrário do que decidira o juiz a quo. Não se equipara a essa a hipótese de ter o próprio pedido mais de um fundamento, ou seja, de haver o autor cumulado ações conexas, com o mesmo objeto e diversas causae petendi. Então, têm-se de tomar em separado os votos dos julgadores, em relação a cada uma das causae petendi; e, havendo dissídio no concernente a qualquer delas, o acórdão será embargável – desde que presentes, é óbvio, os outros pressupostos do art. 530. Para a configuração do desacordo, basta que qualquer dos membros do órgão julgador emita voto diferente dos outros; não é necessário que vote no sentido oposto. A divergência pode indiferentemente verificar-se em qualquer dos pontos sobre
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que se haja de decidir no julgamento (de meritis) da apelação ou da rescisória, quer se trate do capítulo principal, quer de acessório (inclusive condenação em custas processuais e/ou honorários advocatícios). Sendo parcial o desacordo, seja do ponto de vista quantitativo, seja do qualitativo, “os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência” (art. 530, 2ª parte). Exemplos: se o pedido compreendia três parcelas, x, y e z, rejeitada a primeira por votação unânime e as duas outras por maioria, só quanto a y e/ou z é embargável o acórdão; se havia um pedido principal x e um pedido subsidiário y, formulado para a eventualidade de repelir-se o primeiro, acolhendo a maioria dos votantes o pedido x, e o voto vencido somente y, o acórdão é embargável pelo réu para pleitear que, no lugar de x, se profira condenação em y, menos gravosa, não, porém, para obter a declaração da improcedência, pois em tal sentido nenhum voto se proferiu. O dissídio no julgamento de uma das ações porventura cumuladas (inclusive nas hipóteses de reconvenção e de ação declaratória incidental) não torna cabíveis os embargos no que tange à(s) outra(s). Vale a mesma regra, mutatis mutandis, para o caso de haver apelação principal e apelação adesiva. 2. Os embargos infringentes são interponíveis no prazo de 15 dias, contados da publicação das conclusões do acórdão no órgão oficial (art. 506, nº III). Aplicam-se as regras comuns sobre contagem (também as dos arts. 188 e 191), prorrogação, suspensão e interrupção. 3. Dirige-se a petição ao relator do acórdão embargado – que não é, necessariamente, o próprio relator da apelação ou da ação rescisória: v. art. 556. Ela deve conter a identificação do embargante e do embargado, o pedido de novo julgamento (obrigatoriamente subordinado aos termos do voto vencido, cujo prevalecimento constitui o máximo que se pode pleitear) e, na mesma peça ou em anexo, a fundamentação de tal pedido. 4. Nenhuma peculiaridade ocorre no que concerne à legitimação, ao interesse em recorrer, à inexistência de fatos impeditivos ou extintivos; aplica-se aqui o que foi dito, genericamente, para os recursos (supra, § 16, nº II, 1). Se exigível o preparo, incide o art. 511, caput e § 2º. II. Efeitos da interposição 1. A despeito do colorido de retratação que em parte reveste os embargos, pode-se falar sem erro no seu efeito devolutivo, até porque não são julgados obrigatoriamente pelo mesmo órgão que proferiu a decisão embargada. Semelhante efeito, na extensão, fica limitado: a) necessariamente (e mesmo que o embargante, na petição, porventura as exceda!), pelas dimensões da divergência verificada no julgamento, de sorte que a extensão máxima da devolução se apura pela diferença entre o decidido no acórdão e a solução que preconizava o voto vencido, ou o mais favorável ao embargante, dentre os votos vencidos (arg. ex art. 530, 2ª parte). Exemplos: se o embargante pedira 100,
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e o acórdão embargado lhe dera 80, mas houve voto divergente, a acolher o pedido in totum, podem os 20 restantes ser pleiteados – e obtidos, no todo ou em parte – perante o órgão ad quem, ao qual será lícito negar provimento aos embargos (“confirmando” a concessão de 80), dar-lhes provimento total (concedendo os 100) ou dar-lhes provimento parcial (concedendo, v.g., 90); se o embargante pedira 100 e na apelação obtivera 80, com voto vencido que lhe concedia 85, os embargos não podem visar senão, quando muito, ao acréscimo dos 5, que correspondem ao plus do voto vencido sobre o pronunciamento da maioria, subsistindo para o órgão ad quem a possibilidade de manter a condenação em 80 (embargos desprovidos), elevá-la para 85 (embargos totalmente providos) ou fixá-la em quantum intermediário (embargos parcialmente providos); b) eventualmente, pela vontade do próprio embargante, que interponha recurso parcial (supra, § 15, nº II, 1), insistindo apenas em parte da vantagem adicional que lhe concedia o voto vencido (art. 515, caput, aplicável por analogia). Exemplo: negadas no julgamento da apelação, por maioria, duas das parcelas que se tinham pedido, se nos embargos se pleiteia uma única dessas parcelas, a outra escapa à devolução. Prevalece, em qualquer hipótese, a proibição da reformatio in peius: no julgamento dos embargos não se pode piorar a situação do embargante subtraindo-lhe algo que o órgão a quo lhe concedeu por unanimidade, ou mesmo por simples maioria, se a outra parte não embargou, por sua vez. Em profundidade, não fica o órgão ad quem adstrito aos motivos invocados no voto vencido: embora não lhe seja lícito ultrapassar as raias deste, pode dar provimento aos embargos acolhendo argumentos diversos (não outra causa petendi!) dos utilizados para lastrear, no julgamento da apelação ou da ação rescisória, o pronunciamento minoritário. 2. Quanto ao efeito suspensivo, entende-se, no silêncio da lei, que os embargos infringentes o têm (cf., supra, § 17, nº I, 2). A interposição dos embargos obsta, pois, à produção dos efeitos do acórdão embargado, quer proferido em grau de apelação, quer em ação rescisória. Não influi na eficácia da sentença apelada: se a apelação fora recebida somente no efeito devolutivo, e por isso (a título provisório) se tornara possível a execução [arts. 475-I (introduzido pela Lei nº 11.232), § 1º, 2ª parte, e 521, 2ª parte], tal exequibilidade provisória não se vê atingida pela interposição dos embargos. Caso se tenha recebido a apelação também no efeito suspensivo, este igualmente subsiste após essa interposição. É intuitivo que só se suspende a eficácia do acórdão naquilo que constitua objeto dos embargos. Desde logo se torna exequível, v.g., algum capítulo condenatório que escape ao âmbito destes – ou por nele ter havido votação unânime, ou por tê-lo excluído o embargante, voluntariamente, de sua impugnação. Na segunda hipótese, cabe execução definitiva (art. 475-I, § 1º, 1ª parte), pois o capítulo em que não ocorreu unanimidade, não comportando qualquer outro recurso além dos embargos, transita em julgado se estes não são interpostos; na primeira, em cabendo ainda recurso especial ou extraordinário, unicamente se poderá instaurar execução provisória (art. 475-I, § 1º, 2ª parte).
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III. Procedimento 1. Entregue a petição de embargos no protocolo do tribunal, incumbe à secretaria juntá-la aos autos do processo, independentemente de despacho ou de qualquer outra formalidade, e abrir vista ao embargado “para contrarrazões” (art. 531, 1ª parte, na redação da Lei n° 10.352), isto é, para responder aos embargos. O prazo é de 15 dias (art. 508) e tem como dies a quo a data da publicação da vista no órgão oficial. Aplicam-se-lhe as disposições comuns sobre contagem, prorrogação e suspensão; não a do art. 507, só atinente aos prazos de interposição de recurso. Incide o art. 191. A abertura de vista ao embargado é termo essencial. Se a secretaria, por equívoco, fizer conclusos os autos, sem cumprir a formalidade, o relator determinará que se supra a omissão. Perdurando o defeito até a sessão de julgamento, será este convertido em diligência, para a abertura da vista. Na resposta, poderá o embargado impugnar o recurso, quer do ponto de vista da admissibilidade, pleiteando que o órgão julgador não conheça dos embargos, quer no plano do mérito, pedindo que se lhes negue provimento. A petição deve ser dirigida ao relator do acórdão impugnado, nada importando que as razões do embargado venham expostas na mesma peça ou em anexo. O prazo para a resposta é o mesmo de que o embargado dispõe para, se for o caso, aderir aos embargos principais (art. 500, nº I, fine, na redação da Lei nº 8.950). 2. Em seguida, são os autos conclusos ao relator do acórdão embargado, a fim de que aprecie a admissibilidade do recurso (art. 531, fine, na redação da Lei nº 10.352). Aplicável, se se exige preparo, é a regra do art. 511, caput, bem como a do § 2º. Faltando algum requisito de admissibilidade, o relator indeferirá de plano os embargos. Contra essa decisão cabe agravo para o órgão a que compete o julgamento dos embargos (art. 532, na redação da Lei nº 8.950). Para interpô-lo, tem o embargante o prazo de 5 dias, contado da data da publicação do indeferimento no órgão oficial, incidindo, quanto à contagem, prorrogação, suspensão e interrupção, as mesmas normas aplicáveis aos outros prazos recursais, inclusive as dos arts. 188 e 191. A petição, no silêncio do Código, deve dirigir-se ao relator do acórdão embargado, que indeferiu os embargos, e ao qual não é lícito indeferir o agravo. Não há oportunidade para resposta do agravado. A entender-se, como parece razoável, que a Lei nº 8.950 não revogou o § 2º do art. 532 (vide o art. 3º da referida lei), na primeira sessão do órgão competente para apreciar os embargos, o relator (quer faça parte dele, quer não) põe o recurso em mesa, para julgamento, sem, contudo, participar da votação. 3. Recebidos que sejam, pelo relator do acórdão embargado, ou em virtude do provimento do agravo, os embargos têm de ser processados pelo órgão competente. O Código não cogitou dessa atribuição de competência, que pode variar, inclusive, em função da estrutura interna de cada tribunal. Devem consultar-se os respectivos regimentos internos. Se houver mais de um órgão com competência concorrente, procede-se à distribuição, incidindo o art. 548.
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O relator dos embargos, no órgão julgador, pode ser o mesmo do acórdão embargado, ou outro juiz, conforme disponha o regimento do tribunal. Na segunda hipótese, recairá a escolha, sempre que possível, em juiz que não haja participado do julgamento da apelação ou da ação rescisória (art. 534, na redação da Lei nº 10.352). Ao fazer-se o sorteio, portanto, devem excluir-se dele os magistrados que tenham tomado parte naquele julgamento, a menos que todos se encontrem nessa situação. Não proíbe a lei, em caso algum, que participem do julgamento dos embargos quaisquer juízes que hajam funcionado no da apelação ou no da ação rescisória. Procura apenas evitar, dentro das possibilidades existentes, que os embargos sejam relatados por algum participante no julgamento anterior, a não ser que, segundo o regimento, o mesmo relator conserve a atribuição. Quanto aos outros membros do órgão que vai julgar os embargos, é indiferente que hajam ou não proferido voto sobre a apelação ou a rescisória. 4. Diz o art. 533, em sua nova redação, que, “admitidos os embargos, serão processados e julgados conforme dispuser o regimento do tribunal”. Não se deve pensar, entretanto, que toda a matéria relativa ao processamento e ao julgamento dos embargos tenha agora por sede exclusiva o regimento. Nenhum sentido teria, por exemplo, supor que norma regimental pudesse dispensar a inclusão do recurso em pauta a ser publicada no órgão oficial, com a devida antecedência, como prescreve o art. 552, ou afastar a regra segundo a qual as questões preliminares serão resolvidas antes do mérito (art. 560). Ao nosso ver, o regimento sobrepõe-se às disposições deste capítulo que se refiram, de maneira específica, aos embargos infringentes. Assim, v.g., a norma regimental pode suprimir a revisão, excluindo a incidência do art. 551, ou a expedição de cópias prevista no art. 553. Adite-se que, no silêncio do regimento, e até que ele disponha sobre tais assuntos, permanecem aplicáveis as regras do Código. Nada impede, aliás, que aquele as incorpore expressis verbis, ou se contente em fazer remissão a elas. Nessa ordem de ideias, continuará a incumbir ao relator estudar os autos e depois devolvê-los à secretaria, com o relatório (art. 549 e seu parágrafo único); não se concebem outras alternativas que a de negar o relator seguimento aos embargos, nos termos do art. 557, caput, ou provê-los (art. 557, § 1º-A). A necessidade ou não de revisão, sim: fica a critério do regimento. Seja como for, os autos terão de ser encaminhados, mais cedo ou mais tarde, ao presidente do órgão, para os fins do art. 552. No julgamento dos embargos e nos atos que se lhe seguem, a par das normas regimentais, incidem os arts. 552, 554, 555, §§ 1° a 3° (na redação das Leis nos 10.352 e 11.280), 556, 557, 560, 561, 562, 563, 564 e 565. Convém ressaltar que ao colegiado só é lícito examinar quaisquer questões relativas ao processo e às “condições da ação” se e na medida em que puder conhecer dos embargos, por satisfeitos todos os requisitos de admissibilidade do recurso, inclusive e notadamente a divergência no seio do órgão a quo. Nesse caso (e nessa me-
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dida), contudo, antes de entrar na apreciação da matéria impugnada, o colegiado não apenas pode, mas deve proceder ao exame das aludidas questões, desde que, é claro, não estejam preclusas. Assim, por exemplo, quanto a eventuais nulidades que atinjam o feito de modo genérico (v.g., falta de intimação do Ministério Público, se era obrigatória: art. 246 e parágrafo único), ou que atinjam especificamente o acórdão embargado (v.g., incompetência absoluta do órgão a quo, julgamento ultra ou extra petitum na apelação ou na ação rescisória). De modo algum é preciso que no órgão a quo tenha ocorrido dissídio acerca dessas questões. Pode o colegiado entender inadmissíveis os embargos, e deles não conhecer, apesar de havê-los admitido o relator do acórdão embargado. Se, porém, os embargos, liminarmente indeferidos, se processaram em consequência do provimento do agravo previsto no art. 532, o caso muda de figura. A questão sobre a qual já se pronunciou o órgão ad quem está preclusa, não sendo lícito a este, agora, negar o requisito de admissibilidade que antes, ao prover o recurso, dera por satisfeito. Nada impede, entretanto, que o colegiado deixe de conhecer dos embargos por outra causa de inadmissibilidade, diversa da invocada na decisão liminar de indeferimento, e portanto não examinada ao julgar-se o recurso do art. 532. Havendo embargos adesivos, deles só conhecerá o órgão ad quem se também puder conhecer dos principais (art. 500, n° III), pouco importa se para provê-los ou desprovê-los. Não se exclui, é óbvio, a possibilidade de negar-se conhecimento unicamente aos embargos adesivos, por falta de algum dos seus próprios requisitos de admissibilidade. IV. Embargos infringentes contra decisão de primeiro grau 1. As Leis nºs 6.825 (art. 4º) e 6.830 (art. 34), de 22.9.1980, substituíram pelos embargos infringentes a apelação, como recurso cabível contra sentenças proferidas, respectivamente, em causas da competência da Justiça Federal, “em que interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes a União, autarquias e empresas públicas federais”, e nas execuções fiscais em geral, desde que, em qualquer caso, o valor da causa fosse igual ou inferior ao de cinquenta Obrigações do Tesouro Nacional. Revogada a primeira pela Lei nº 8.197, de 27.6.1991, subsiste a outra, embora atualmente despida de relevância prática. É de 10 dias o prazo de interposição desses embargos (Lei nº 6.830, art. 34, § 2º), os quais também por tal aspecto se afastam da sistemática do Código. Nada há de peculiar quanto aos outros requisitos de admissibilidade. 2. Os embargos infringentes contra sentença são interpostos perante o próprio órgão que a tiver proferido, em petição fundamentada, instruída ou não com documentos novos (Lei nº 6.830, art. 34, § 2º). Ouve-se o embargado no prazo de 10 dias (art. 34, § 3º). Em seguida, são conclusos os autos ao juiz, que rejeitará os embargos ou os acolherá, reformando a sentença, dentro de 20 dias (art. 34, § 3º). A lacunosa regulamentação legal tem de ser completada mediante recurso à analogia, aplicando-se subsidiariamente as disposições do Código relativas à apela-
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ção, da qual o recurso ora em foco é mero sucedâneo. Assim, por exemplo, apesar do silêncio dos textos, entende-se que a interposição dos embargos produz efeito suspensivo (art. 520, caput, 1ª parte), salvo se ocorrer alguma das hipóteses em que não o produziria a apelação. Contra o julgamento dos embargos infringentes, pelo mesmo órgão que proferiu a sentença, só se concebe que caibam, eventualmente, recurso extraordinário (cf. infra, § 25, nº I, 1) e embargos declaratórios. § 22 – Embargos de Declaração I. Requisitos de admissibilidade 1. Os embargos de declaração podem caber contra qualquer decisão judicial, seja qual for a sua espécie, o órgão de que emane e o grau de jurisdição em que se profira – não se limitando o cabimento, no primeiro grau, às sentenças, ao contrário do que pode sugerir o teor literal do art. 535, nº I (na redação da Lei nº 8.950), e muito menos às sentenças de mérito. Caberão estes embargos, segundo a dicção da lei: a) quando na decisão houver “obscuridade ou contradição” (art. 535, nº I, na redação da Lei nº 8.950, acertadamente suprimida a alusão, constante do texto primitivo do Código, à “dúvida”, que jamais pode existir na decisão, mas apenas ser gerada por ela, em razão da obscuridade ou da contradição); b) quando o órgão judicial se houver omitido quanto a algum ponto sobre que devia pronunciar-se – isto é, quanto a matéria pertinente e relevante, suscitada pelas partes ou pelo Ministério Público, ou apreciável de ofício. Merece exame específico a hipótese de contradição, que pode verificar-se: a) entre proposições da parte decisória, por incompatibilidade entre capítulos da decisão – v.g., declara-se inexistente a relação jurídica prejudicial (deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental), mas condena-se o réu a cumprir obrigação que dela necessariamente dependia; b) entre proposição enunciada nas razões de decidir e o dispositivo – v.g., na motivação reconhece-se como fundada alguma defesa bastante para tolher a pretensão do autor, e no entanto julga-se procedente o pedido; c) entre a ementa e o corpo do acórdão, ou entre o teor deste e o verdadeiro resultado do julgamento, apurável pela ata ou por outros elementos – v.g., em se tratando de anulação de ato jurídico, pleiteada por três diversas causae petendi, cada um dos três votantes, no tribunal, acolhia o pedido por um único fundamento, mas rejeitava-o quanto aos demais: o verdadeiro resultado é o de improcedência, pois cada qual das três ações cumuladas fora repelida por dois votos contra um; se, por equívoco, se proclamar decretada a anulação, e assim constar do acórdão, o engano será corrigível por embargos declaratórios. 2. São interponíveis os embargos de declaração no prazo de 5 dias, quer se dirijam contra decisão de primeiro grau, quer contra acórdão (art. 536, na redação da Lei nº
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8.950). No tocante à contagem, prorrogação, suspensão e interrupção, incidem as mesmas normas aplicáveis aos outros prazos recursais, inclusive as dos arts. 188 e 191. 3. A petição será endereçada, conforme o caso, ao juízo de primeiro grau ou ao relator do acórdão embargado (art. 536). Nos termos da parte final desse dispositivo, deve o embargante indicar “o ponto obscuro, contraditório ou omisso”. A falta da indicação torna inadmissível o recurso, embora se deva evitar excesso de formalismo na apreciação do requisito: o essencial é que, pela leitura da peça, fique certo que o embargante persegue na verdade objetivo compatível com a índole do recurso, e não pretende, em vez disso, o reexame em substância da matéria julgada. 4. Com relação aos demais requisitos de admissibilidade, o único ponto digno de registro é que os embargos de declaração não estão sujeitos a preparo (art. 536, fine, na redação da Lei nº 8.950). II. Efeitos da interposição 1. Interpostos sempre para o mesmo órgão que proferiu a decisão embargada, não têm os embargos de declaração efeito devolutivo. Produzem, contudo, efeito suspensivo, e com referência a este há que assinalar uma particularidade. Os embargos de declaração podem caber juntamente com outro recurso contra a mesma decisão. A sua interposição – desde que sejam admissíveis – interrompe (não suspende apenas) o prazo para a de quaisquer outros recursos (art. 538, na redação da Lei nº 8.950), reiniciando-se a fluência, por inteiro, a partir da intimação da decisão sobre os embargos. A interrupção não beneficia só o embargante: o texto legal, hoje, estende-lhe os efeitos, em termos expressos, a “qualquer das partes”, e a ratio legis permite incluir outros possíveis recorrentes (terceiro prejudicado, Ministério Público em função de fiscal da lei). Para atalhar manobras de procrastinação, estabelece o Código, no art. 538, parágrafo único, um contrapeso: quando os embargos de declaração forem “manifestamente protelatórios (...), o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de um por cento sobre o valor da causa”. Acrescenta o dispositivo, na redação da Lei nº 8.950: “Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até dez por cento, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo”. Com a palavra “reiteração” não se quer exigir que os novos embargos reproduzam ipsis verbis os anteriores: basta que aqueles, como estes, revelem de modo inequívoco intuito de protelação. III. Procedimento 1. Interpostos embargos de declaração na primeira instância, os autos serão conclusos ao juiz em 24 horas (art. 190), para apreciá-los. A lei não prevê abertura, à parte contrária, de oportunidade para falar. A decisão sobre os embargos deve ser proferida dentro dos 5 dias subsequentes à conclusão (art. 537, initio, na redação da Lei nº 8.950).
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2. Em grau superior de jurisdição, interpostos os embargos, terão como relator o mesmo do acórdão embargado. Aqui tampouco se contempla resposta da outra parte. Independentemente das formalidades do art. 552, que não incide, cabe ao relator pôr os embargos em mesa para julgamento, na primeira sessão subsequente (art. 537). Não há sustentação oral pelo embargante (art. 554). À exposição do relator segue-se a votação, da qual ele participa, manifestando-se em primeiro lugar. Proferidos os votos, o presidente anuncia o resultado do julgamento e designa para redigir o acórdão o próprio relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor (art. 556). São aplicáveis os arts. 563 e 564. A rigor, o eventual provimento dos embargos de declaração não poderá importar, no julgado, qualquer outra alteração além da consistente no esclarecimento, na eliminação da contradição ou no suprimento da omissão, com as repercussões acaso necessárias na matéria restante. Na prática judiciária, todavia, observa-se aqui certa tendência à flexibilidade, transpondo-se não raro esses limites. § 23 – Recurso Ordinário Constitucional I. Requisitos de admissibilidade 1. Emprega a Carta da República a denominação genérica de “recurso ordinário” com referência a uma série de remédios heterogêneos, da competência ora do Supremo Tribunal Federal (art. 102, II), ora do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, nº II). Dentre eles interessam ao processo civil os previstos no art. 102, nº II, a (salvo no que concerne ao habeas corpus), e no art. 105, nº II, b e c. Esta última letra diz respeito às “causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País” (texto agora substancialmente reproduzido no art. 539, nº II, b, do Código, na redação da Lei nº 8.950); mas o recurso a que aí se alude é equiparável, conforme o caso, à apelação ou ao agravo (supra, § 18, nº I, 1; v., quanto ao segundo, a disposição do art. 539, parágrafo único, sempre na redação daquele diploma legal), e sua admissibilidade se regerá pelas normas comuns respectivas (cf., no art. 540, a remissão expressa aos Capítulos II e III do Título “Dos recursos”). Restam, assim, os recursos ordinários a que aludem os arts. 102, nº II, a (no que tange ao mandado de segurança, ao habeas data e ao mandado de injunção), e 105, nº II, b – os únicos de que nos vamos ocupar doravante. Têm eles em comum a característica de apenas caberem contra acórdão proferido por tribunal “em única instância”, isto é, em processo de sua competência originária. Na hipótese do art. 102, nº II, a, o acórdão pode emanar de qualquer dos “Tribunais Superiores”; na do art. 105, nº II, b, de Tribunal Regional Federal ou de tribunal local. Além disso, é necessário que a decisão impugnada seja denegatória de mandado de segurança ou (no caso do art. 102, nº II, a) de habeas data ou mandado de injunção. De acordo com entendimento consolidado, a expressão “denegatória” compreende quer a decisão que rejeite o pedido no mérito, quer a que extinga o processo sem apreciação deste.
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2. É de 15 dias (art. 508, na redação da Lei nº 8.950) o prazo de interposição do recurso ordinário, seja nos casos de competência do Supremo Tribunal Federal (Constituição da República, art. 102, nº II, a; Código de Processo Civil, art. 539, nº I, na redação da Lei nº 8.950), seja nos de competência do Superior Tribunal de Justiça (Constituição da República, art. 105, nº II, b; Código de Processo Civil, art. 539, nº II, a). Incidem as regras comuns sobre contagem, prorrogação, suspensão e interrupção. No que tange aos outros requisitos de admissibilidade, o art. 540 do Código, na redação da Lei nº 8.950, remete às normas contidas nos Capítulos II e III do Título “Dos recursos”. A remissão não se afigura inteiramente precisa: há normas sobre a matéria localizadas alhures e aplicáveis ao recurso ordinário constitucional, em qualquer de suas modalidades (exemplo: art. 499). Pode-se dizer que nenhuma peculiaridade ocorre aqui no tocante à legitimidade, ao interesse em recorrer, à inexistência de fato impeditivo ou extintivo. II. Efeitos da interposição e procedimento 1. Desde que admissível, o recurso ordinário, como qualquer outro, obsta ao trânsito em julgado da decisão recorrida. Deve-se admitir que tenha, igualmente, efeito suspensivo, de acordo com o princípio geral (supra, § 17, nº I, 2), se bem que semelhante efeito assuma aqui escassa relevância, dada a natureza da decisão recorrida. Devolve o recurso ordinário ao órgão ad quem “o conhecimento da matéria impugnada” (art. 515, caput, aplicável por analogia). Ao contrário do que ocorre no recurso especial e no extraordinário, a devolução não se limita às questões de direito, mas abrange também as de fato. 2. O art. 540, na redação da Lei nº 8.950, manda aplicar aos recursos mencionados no art. 539, “quanto (...) ao procedimento no juízo de origem, o disposto nos Capítulos II e III” do Título X. Tal remissão soava mais natural no concernente aos recursos ordinários do art. 539, nº II, b (equiparáveis ora à apelação, ora ao agravo), do que com referência aos do art. 539, nº I, e nº II, a, pelos quais se impugnam acórdãos. Agora, impõe-se uma ressalva quanto ao agravo de instrumento, para o qual, desde a entrada em vigor da Lei nº 9.139, não há falar em “procedimento no juízo de origem”. Por outro lado, há normas situadas no Capítulo I do Título X que incidem de maneira genérica no procedimento de quaisquer recursos, sem exceção das várias figuras do recurso ordinário (exemplo: art. 507). Nos termos da parte final do art. 540, o procedimento do recurso ordinário, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, obedecerá aos respectivos regimentos internos. Recorde-se, entretanto, que nestes é de rigor a “observância das normas de processo e das garantias processuais das partes” (Constituição da República, art. 96, nº I, a).
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§ 24 – Recurso Especial I. Requisitos de admissibilidade 1. O recurso especial é uma inovação da Carta Federal de 1988, que lhe transferiu parte das funções anteriormente exercidas pelo recurso extraordinário, agora utilizável, com exclusividade, em matéria constitucional. Nos termos do art. 105, nº III, da Constituição em vigor (modificado pela Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004), compete ao Superior Tribunal de Justiça “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”. Por meio do recurso especial é possível impugnar acórdão proferido em causa da competência originária de algum dos tribunais mencionados no texto constitucional, ou no julgamento de outro recurso, ou ainda em hipótese de reexame obrigatório em segundo grau de jurisdição. Tal como se dá quanto ao recurso extraordinário, afigura-se correto entender que a decisão impugnada não precisa ser de mérito: assim, v.g., será impugnável pelo recurso especial acórdão que, ao extinguir processo sem exame do meritum causae, houver adotado, quanto à disposição da lei processual, entendimento diferente do consagrado em decisão de tribunal diverso. 2. É de 15 dias o prazo de interposição, comum ao recurso extraordinário porventura cabível contra o mesmo acórdão (art. 508, na redação da Lei nº 8.950). A fluência começa com a publicação das conclusões do acórdão recorrido (art. 506, nº III), aplicando-se as demais regras codificadas, inclusive as dos arts. 188 e 191. Entretanto, se contra o acórdão também couberem embargos infringentes, por haver parte unânime e parte não unânime, o prazo para interpor o recurso especial quanto à primeira terá sobrestado seu termo inicial “até a intimação da decisão nos embargos”, ou, se estes não forem interpostos, até o trânsito em julgado da parte não unânime (art. 498 e seu parágrafo único, na redação da Lei n° 10.352). A forma da interposição é a mesma do recurso extraordinário (art. 541, na redação da Lei nº 8.950; cf., infra, § 25, nº I, 3). Permite-se a utilização do fax, de acordo com a Lei nº 9.800. Nos termos do art. 541, parágrafo único (na redação da Lei nº 11.341, de 7.8.2006), quando o recurso se fundar em dissídio jurisprudencial (Carta da República, art. 105, nº III, c), a petição será instruída com a prova da divergência, feita por meio de “certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte”. Incumbe ao recorrente mencionar “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.
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A legitimação, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo não suscitam aqui problemas peculiares. II. Efeitos da interposição 1. À semelhança do recurso extraordinário, tem o especial efeito devolutivo (art. 542, § 2º, na redação da Lei nº 8.950), restrito à “questão federal” (infraconstitucional) em jogo. Não devolve ao Superior Tribunal de Justiça questões de fato, nem outras questões de direito estranhas ao âmbito constitucionalmente delimitado. O Superior Tribunal de Justiça, porém, é competente para “julgar (...) as causas” (Constituição da República, art. 105, nº III) – o que significa que, quando conheça do recurso especial, não se cingirá a fixar a tese jurídica a seu ver correta, mas a aplicará à espécie. Incide, então, o art. 512 do Código de Processo Civil, a não ser que se trate de error in procedendo, capaz de invalidar o acórdão recorrido (cf., supra, § 17, nº III, 2). São aplicáveis ao recurso especial, mutatis mutandis, as proposições relacionadas com o recurso extraordinário, no que tange à impugnação parcial e à dirigida contra decisão de preliminar (infra, § 25, II, 1). 2. Tal qual o extraordinário, o recurso especial não é dotado de efeito suspensivo (art. 542, § 2º, a contrario sensu; cf. o art. 497, 1ª parte). Se condenatório o acórdão recorrido, caberá desde logo execução provisória (art. 475-I, § 1º, 2ª parte, combinado com o art. 467, fine). Incide o art. 475-O, acrescentado pela Lei nº 11.232. O Superior Tribunal de Justiça pode, assinale-se, conceder efeito suspensivo ao recurso, a título cautelar (vide o art. 288 do Regimento Interno). III. Procedimento 1. O procedimento do recurso especial está regulado basicamente, nos mesmos termos que o do extraordinário, e em conjunto com este, nos arts. 541 e segs., na redação das Leis nº 8.950, 11.418 e 12.322. São comuns a ambos, assim, não somente as regras sobre forma de interposição (consoante já ficou dito: supra, I, 2), senão também as relativas ao contraditório entre as partes no tribunal a quo, à admissão ou não do recurso, à impugnação da eventual denegação mediante agravo. Para descrição pormenorizada, inclusive no que tange à retenção do recurso no órgão a quo (art. 542, § 3º), remete-se o leitor ao § 25, infra. Quanto ao procedimento no Superior Tribunal de Justiça, devem consultar-se especialmente as normas de seu Regimento Interno. A este faz expressa remissão o art. 544, § 2º, fine, na redação da Lei nº 10.352, relativamente ao agravo contra a denegação do recurso especial no tribunal recorrido. Nos termos da Resolução nº 4, de 30.11.2006, “antes da distribuição poderá o Presidente do Tribunal não conhecer (sic) do agravo de instrumento, manifestamente inadmissível, interposto de decisão que não admitir o recurso especial” (art. 1º). Da decisão “caberá, no prazo de 5 dias, agravo regimental a relator designado em distribuição” (art. 2º).
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A Lei nº 12.322, de 9.9.2010, alterou a redação do art. 544 do CPC, mantendo o mesmo regime da Resolução nº 4 sobre o não conhecimento do agravo. A nova redação do art. 544, § 1º, remete o interessado ao Regimento Interno de cada Tribunal. A Resolução nº 7, de 2010, do STF, manteve o a decisão de que é o Presidente do Tribunal o responsável pelo conhecimento prévio do agravo, optando pela negativa quando ele for manifestamente inadmissível ou não tiver atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada. A Lei nº 11.672, de 8.5.2008, introduziu no Código o art. 543-C, que contém disposições especiais relativas aos chamados “recursos especiais repetitivos”, isto é, a recursos especiais com fundamento na mesma questão de direito. Para regulamentar a matéria, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça editou a Resolução nº 8, de 7.8.2008, que reitera alguns dos dispositivos legais e estabelece outros. De acordo com o respectivo art. 1º, “havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, caberá ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido (CPC, art. 541) admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando os demais suspensos até o pronunciamento definitivo do Tribunal”, certificada nos autos a suspensão (§ 3º da resolução). A seleção observará o disposto no § 1º: “Serão selecionados pelo menos um processo de cada Relator e, dentre esses, os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial”. Ademais, “o agrupamento de recursos repetitivos levará em consideração apenas a questão central discutida, sempre que o exame desta possa tornar prejudicada a análise de outras questões arguidas no mesmo recurso” (§ 2º). Por força do § 4º, no Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais de que se trata serão distribuídos por dependência e submetidos a julgamento nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8. Recebendo recurso especial admitido com base no art. 1º, caput, da Resolução, o Relator submeterá o seu julgamento à Seção ou à Corte Especial, desde que, nesta última hipótese, exista questão de competência de mais de uma Seção (art. 2º). Nos termos do § 1º, “a critério do Relator, poderão ser submetidos ao julgamento da Seção ou da Corte Especial, na forma deste artigo, recursos especiais já distribuídos que forem representativos de questão jurídica objeto de recursos repetitivos”. “A decisão do Relator será comunicada aos demais Ministros e ao Presidente dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, conforme o caso, para suspender os recursos que versem sobre a mesma controvérsia” (§ 2º). Consoante o art. 3º, “antes do julgamento do recurso, o Relator poderá solicitar informações aos tribunais estaduais ou federais a respeito da controvérsia e autorizar, ante a relevância da matéria, a manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, a serem prestadas no prazo de quinze dias” (nº I), e dará vista dos autos ao Ministério Público por igual prazo (nº II).
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“Na Seção ou na Corte Especial, o recurso especial será julgado com preferência sobre os demais, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus” (art. 4º, caput). Prescreve o parágrafo único: “A Coordenadoria do órgão julgador extrairá cópias do acórdão recorrido, do recurso especial, das contrarrazões, da decisão de admissibilidade, do parecer do Ministério Público e de outras peças indicadas pelo Relator, encaminhando-as aos integrantes do órgão julgador pelo menos 5 (cinco) dias antes do julgamento”. Na conformidade do art. 5º, “publicado o acórdão do julgamento do recurso especial pela Seção ou pela Corte Especial, os demais recursos especiais fundados em idêntica controvérsia: I – se já distribuídos, serão julgados pelo relator, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil; II – se ainda não distribuídos, serão julgados pela Presidência, nos termos da Resolução nº 3, de 17 de abril de 2008”; III – se sobrestados na origem, terão seguimento na forma prevista nos §§ 7º e 8º do artigo 543-C do estatuto processual. A coordenadoria do órgão julgador expedirá ofício aos tribunais de origem com cópia do acórdão relativo ao recurso especial julgado na forma da Resolução nº 8 (art. 6º). O procedimento assim disciplinado aplica-se, no que couber, aos agravos interpostos contra decisão que não admitir recurso especial (art. 7º). Convém observar que, se interpostos e admitidos ambos os recursos (especial e extraordinário), primeiro se processa e julga o especial; só depois se remetem os autos ao Supremo Tribunal Federal, para julgamento do extraordinário, caso não esteja prejudicado. Todavia, “na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário”, ressalvada ao relator deste, por sua vez, a possibilidade de discordar e devolver os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial (art. 543 e seus parágrafos, na redação da Lei nº 8.950). 2. O julgamento do recurso especial obedecerá às regras gerais, contidas no Livro I, Título X, Capítulo VII, do Código, com as especificações do Regimento Interno (v. os arts. 256 e 257 deste). O Superior Tribunal de Justiça não conhecerá do recurso, se lhe faltar qualquer requisito de admissibilidade. Caso dele conheça, julgá-lo-á no mérito, dando-lhe ou negando-lhe provimento. Nessa hipótese, com a ressalva feita acima (nº II, 1), o acórdão do Superior Tribunal de Justiça substituirá o recorrido, no que fora objeto de impugnação (art. 512). Aquele, e não este, é que, eventualmente, transitará em julgado. Provido que seja o recurso especial, caso se haja promovido a execução provisória do acórdão recorrido, incidirá o art. 475-O (introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 588), nº II e § 1°. Nas hipóteses de não conhecimento e
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de desprovimento, desde que passe em julgado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, converte-se em definitiva a execução provisória. Se a turma, no julgamento de recurso especial, divergir de acórdão de outra turma, da seção ou do órgão especial, sua decisão será impugnável por embargos, aqui também à semelhança do que se dá no recurso extraordinário (v., infra, § 26, I, 1, a). O procedimento desses embargos de divergência é o previsto no Regimento Interno (art. 546, caput, nº I, e parágrafo único, na redação da Lei nº 8.950); consultem-se os respectivos arts. 266 e 267. § 25 – Recurso Extraordinário I. Requisitos de admissibilidade 1. O cabimento do recurso extraordinário está fixado, basicamente, no art. 102, nº III, letras a a d, da Constituição da República, cujo texto (com o acréscimo feito pela Emenda Constitucional nº 45) atribui competência ao Supremo Tribunal Federal para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância” – quer dizer, desde que já não caiba outro recurso (salvo embargos de declaração) – “quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face da Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”. A enumeração é insuscetível de ampliação ou restrição por norma infraconstitucional. Pode o recurso ter por objeto acórdão proferido em causa da competência originária de tribunal, no julgamento de outro recurso, ou ainda em qualquer dos casos de reexame obrigatório em segundo grau de jurisdição, mesmo que ninguém haja apelado. Não obstante fale o texto constitucional em “causas decididas”, o melhor entendimento é o de que o acórdão não precisa versar sobre o mérito. Ao contrário do recurso especial, o extraordinário pode caber até contra decisões de órgãos de primeiro grau não impugnáveis por outra via (v.g., a decisão da turma sobre recurso contra sentença do Juizado Especial Cível: Lei nº 9.099, art. 41, § 1º). 2. O recurso extraordinário é interponível no prazo de 15 dias (art. 508, na redação da Lei nº 8.950), que começa a fluir da publicação das conclusões da decisão recorrida (art. 506, nº III), com a ressalva decorrente do art. 498 e seu parágrafo único (na redação da Lei n° 10.352), nos mesmos termos expostos para o recurso especial (supra, § 24, n° I, 2). São aplicáveis as normas sobre contagem, prorrogação, suspensão e interrupção dos prazos recursais em geral, inclusive as dos arts. 188 e 191. 3. Interpõe-se o recurso por petição escrita, dirigida ao presidente ou ao vice-presidente (isto é, àquele, dentre os dois, competente segundo o regimento interno) do tribunal (não do eventual órgão fracionário) de que emane o acórdão recorrido (art. 541, caput, na redação da Lei nº 8.950). Permite-se a utilização do fax,
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nos termos da Lei nº 9.800 e da Resolução nº 179, de 26.7.1999, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, ou por petição eletrônica, como estabelecido pela Lei nº 11.419, de 2006, e pela Resolução nº 427, de 20.4.2010, que dispuseram sobre a matéria no respectivo âmbito. Se de primeiro grau a decisão recorrida (hipótese de que não se lembrou a referida lei), a petição será encaminhada ao presidente ou ao vice-presidente por meio do juiz que a tenha proferido. Deve a petição ser fundamentada, tocando ao recorrente fazer a “exposição do fato e do direito” e “a demonstração do cabimento do recurso interposto”, e indicar “as razões do pedido de reforma da decisão recorrida” (art. 541, caput, nºs I a III). Incumbe também ao recorrente “demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei” . O Supremo Tribunal Federal não conhecerá do recurso, caso dois terços de seus membros, pelo menos, entenderem que não está satisfeito esse requisito (art. 102, § 3º, da Carta da República, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45). O citado art. 102, § 3º, foi regulamentado pela Lei nº 11.418, de 19.12.2006, que acrescentou ao Código de Processo Civil os arts. 543-A e 543-B. Nos termos do § 1º do art. 543-A, para verificar a ocorrência de “repercussão geral”, “será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (§ 1º). A satisfação desse requisito deve ser demonstrada pelo recorrente, em preliminar do recurso, “para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal” (§ 2º) – o que significa que o presidente (ou o vice-presidente) do órgão a quo não pode negar seguimento ao recurso por não lhe parecer satisfeito o requisito. A “repercussão geral” deve ser reconhecida “sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal” (entenda-se: decisão que adote tese divergente de proposição consagrada numa ou noutra) (§ 3º). Caso a Turma a que haja sido distribuído o extraordinário reconheça a satisfação do requisito da “repercussão geral”, por quatro votos no mínimo, “ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário”; em tal hipótese, ressalvada a falta de outro requisito de admissibilidade, conhecer-se-á do extraordinário (§ 4º). Negada que seja a existência da repercussão geral, “a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica” (isto é, recursos em que se controverta a mesma federal question); tais recursos serão “indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno” (§ 5º). O relator do extraordinário poderá admitir, para análise do requisito, “a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado”, de acordo com o que se dispuser no Regimento Interno (§ 6º). A súmula da decisão sobre a ocorrência ou não de “repercussão geral” constará de ata, “que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão” – quer dizer, produzirá os efeitos de um acórdão (§ 7º). Pormenores da tramitação da matéria estão disciplinados no Regimento Interno do Tribunal. Cumpre atentar sobremaneira nas inovações consagradas nas Emendas Regimentais nº 21, de 30.4.2007; 23, de 11.3.2008; 27, de 28.11.2008; 31,
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de 29.5.2009; 42, de 2.12.2010, e 47, de 24.2.2012. O texto atual (arts. 322 e segs.) regula substancialmente o modo pelo qual o Relator se comunica com os outros Ministros, por meio eletrônico, para comunicar-lhes sua manifestação relativa ao requisito da repercussão geral, e deles colher os respectivos pronunciamentos acerca do requisito – tudo com o fito de apurar-se a existência de votos em número que determine o acolhimento ou a rejeição da arguição. Consulte-se o RISTF, art. 324, § 3º, com a redação dada pela ER nº 47/2012, sobre a inexistência de repercussão geral quando o relator declare que a matéria é infraconstitucional. De acordo com o art. 543-B, caput, “quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia” (isto é, pluralidade de extraordinários em que se suscite a mesma quaestio iuris), caberá ao tribunal de origem – pelo órgão competente segundo o regimento interno – “selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal” (§ 1º). Os outros recursos em que porventura se discuta igual questão ficarão sobrestados “até o pronunciamento definitivo da Corte” (§ 1º, fine). Se esta vier a negar a satisfação do requisito da “repercussão geral”, “os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos” (§ 2º). Uma vez julgado o mérito do(s) extraordinário(s) que havia(m) sido escolhido(s), “os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se” (§ 3º) – no primeiro caso, quando a tese jurídica de sua decisão coincidir com a do Supremo Tribunal Federal; no segundo, quando dela houver divergido. Nesta última hipótese, se porventura o órgão a quo mantiver a decisão divergente da tese abraçada pela Corte Suprema, e o recurso for admitido, poderá aquela, “nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada” (§ 4º). Em disposição visivelmente deslocada (§ 5º), que deveria integrar o art. 543-A, lê-se que o Regimento Interno disciplinará “as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral”. Além de mal situada, a disposição é ociosa, à vista do art. 3º da Lei nº 11.418, que genericamente confere ao Supremo Tribunal Federal competência para, no Regimento Interno, “estabelecer as normas necessárias à execução” do diploma legal. Pode acontecer que se queira interpor, contra o mesmo acórdão, recurso especial e recurso extraordinário. Nessa hipótese, embora comum o prazo, os dois recursos devem ser interpostos “em petições distintas”, sempre perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal a quo (art. 541, caput). Como já se expôs (supra, § 24, nº III, 1), o recurso especial, em princípio, será processado e julgado antes do extraordinário. 4. Nenhuma peculiaridade ocorre quanto aos requisitos da legitimação, do interesse em recorrer, da inexistência de fato impeditivo ou extintivo. Incidem as regras comuns aos recursos em geral.
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II. Efeitos da interposição 1. O recurso extraordinário tem efeito devolutivo (art. 542, § 2º, na redação da Lei nº 8.950), limitado à “questão federal” (aqui, constitucional) de que se trata. Não investe o Supremo Tribunal Federal de cognição quanto à matéria de fato, que já não comporta reexame, nem quanto a outras quaestiones iuris que não se contenham no âmbito demarcado pela Constituição. De acordo, porém, com alguns julgados da Corte, é possível conhecer-se de recurso extraordinário por fundamento diverso do invocado, desde que enquadrável também na moldura constitucional. Note-se que o Supremo Tribunal Federal, em conhecendo do recurso, não se restringe a censurar a decisão recorrida, mas, fixando a tese jurídica correta, aplica-a à espécie (vide o art. 324, fine, do Regimento Interno). Não se trata, pois, de simples cassação, senão de julgamento que, seja qual for o sentido que se profira, substitui a decisão contra a qual se recorreu, salvo quando a questão federal se relacione com error in procedendo que possa invalidá-la (cf. supra, § 17, nº III, 2): fora desta última hipótese, incide o art. 512 do Código de Processo Civil. Se o julgado do órgão a quo tiver sido impugnado apenas em parte, só no tocante a essa parte se devolve o conhecimento ao Supremo Tribunal Federal. Caso o acórdão recorrido se haja pronunciado sobre questão preliminar, o recurso interposto no concernente à questão principal não estende seus efeitos à preliminar. A menos que se recorra igualmente no que a esta diz respeito, não será lícito ao Supremo Tribunal Federal reexaminá-la, ainda que para tanto exista fundamento. Pode acontecer, por outro lado, que o julgamento do recurso extraordinário interposto em relação a uma parte do acórdão venha a repercutir sobre o restante. Mas isso não ocorrerá porque a cognição do Supremo Tribunal Federal se estenda a esse restante, e sim por causa do vínculo de subordinação necessária entre ele e a parte impugnada. Se, por exemplo, se recorreu extraordinariamente da decisão que rejeitou preliminar de não conhecimento do recurso especial, e o Supremo Tribunal Federal dá provimento ao extraordinário, é claro que não subsiste o julgado na parte em que apreciou o mérito do especial, independentemente de haver-se ou não interposto recurso extraordinário também quanto a ele. Recorrendo-se extraordinariamente da decisão que acolheu a preliminar e não conheceu do recurso especial, o recurso extraordinário só devolve ao Supremo Tribunal Federal a questão da admissibilidade do especial. Se der provimento àquele, não pode o Supremo Tribunal Federal passar ao exame do mérito do especial: os autos têm de baixar ao órgão a quo, para completar o julgamento, podendo eventualmente caber, depois, outro recurso extraordinário. 2. É desprovido de efeito suspensivo o recurso extraordinário (art. 542, § 2º, a contrario sensu, na redação da Lei nº 8.950). No tocante à exequibilidade da decisão recorrida, quando condenatória, o art. 497, 1ª parte, do Código de Processo Civil
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nega expressamente que o recurso extraordinário a impeça. A execução que se instaure na sua pendência será, contudo, provisória, como nitidamente resulta: a) da conjugação dos arts. 542, § 2º, e 475-I (introduzido pela Lei nº 11.232); b) do art. 475-I, § 1º, 1ª parte, à luz do qual é definitiva apenas a execução de decisão “transitada em julgado”, ao passo que o recurso extraordinário, como qualquer outro (art. 467, fine), obsta (desde que admissível!) ao trânsito em julgado da decisão recorrida (cf. supra, § 17, nº I, 1). A execução provisória da decisão obedecerá, naturalmente, às regras compendiadas no art. 475-O, introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 588. Ao requerê-la, o exequente instruirá a petição com cópias das peças arroladas no art. 475-O, § 3º, iniciando-se assim a formação dos autos próprios, correspondentes à antiga carta de sentença. À semelhança do que se dá no recurso especial, é possível atribuir efeito suspensivo ao extraordinário, a título cautelar.
III. Procedimento no tribunal recorrido 1. Embora dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal a quo, a petição de recurso não lhe é apresentada desde logo, mas entregue na secretaria e aí protocolada (art. 542, caput, na redação da Lei nº 8.950). Intima-se o recorrido, abrindo-se-lhe vista dos autos, pelo prazo de 15 dias, a começar da intimação, “para apresentar contrarrazões” (art. 542, caput, fine) impugnando o recurso, quer no plano da admissibilidade, quer no do mérito. A abertura de vista é termo essencial; o presidente (ou o vice-presidente) do tribunal não pode pronunciar-se sem que o recorrido haja impugnado o recurso, ou sem que tenha passado in albis a quinzena. Oferecida a impugnação, ou findo o prazo sem ela, são os autos conclusos ao presidente (ou ao vice-presidente), para que admita ou não o recurso, no prazo de 15 dias (art. 542, § 1º). A decisão, em qualquer sentido, tem de ser fundamentada, conforme diz expressamente o texto legal, e de resto teria de sê-lo mesmo que ele silenciasse, ex vi da Constituição da República, art. 93, nº IX. Não compete ao presidente (ou ao vice-presidente) examinar o mérito do recurso extraordinário, nem lhe é lícito indeferi-lo por entender que o concorrente não tem razão: estaria, ao fazê-lo, usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal; a praxe contrária, muito difundida, não encontra apoio em lei, a despeito de possíveis vantagens de ordem prática. Se o presidente (ou o vice-presidente) denega o recurso, pode o recorrente agravar para o Supremo Tribunal Federal (v., infra, nº 2). Se o admite, não há recurso, mas o pronunciamento do presidente (ou do vice-presidente), irrevogável, não é vinculativo para a Corte, à qual ficará livre conhecer ou não do extraordinário, oportunamente, inclusive acolhendo alguma alegação de inadmissibilidade porventura formulada na impugnação do recorrido e desprezada no tribunal a quo.
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2. Contra o indeferimento do recurso extraordinário pelo presidente (ou pelo vice-presidente) do tribunal cabe agravo nos próprios autos, no prazo de dez dias (art. 544, caput, na redação da Lei nº 12.322), o qual começa a correr da publicação do pronunciamento. A petição de interposição, dirigida à presidência do tribunal (art. 544, § 2º, na redação da Lei nº 10.352), há de conter os elementos arrolados no art. 524, nºs I a III (na redação da Lei nº 9.139), aplicáveis por analogia. Do agravo constarão as peças que forem indicadas pelas partes. No Supremo Tribunal Federal, o agravo é distribuído a um relator e processado nos termos regimentais. O relator tem competência para proferir decisão sobre o recurso (art. 545, na redação da Lei nº 12.322). Poderá o relator (art. 544, § 4º): “I – não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada; II – conhecer do agravo para: a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu o recurso; b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto [rectius: conflito] com súmula ou jurisprudência dominante no Tribunal; c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto [rectius: conflito] com súmula ou jurisprudência dominante no Tribunal.” Da decisão do relator caberá outro agravo para o órgão julgador, no prazo de cinco dias, aplicando-se-lhe as disposições do art. 557, §§ 1º e 2º (art. 545, na redação da Lei nº 12.322). 3. O recorrido pode aderir ao recurso interposto pelo litigante adverso, desde que satisfeitos os pressupostos do art. 500 do Código de Processo Civil e, naturalmente, os fixados na Constituição quanto ao cabimento do extraordinário. O recurso adesivo será interponível no prazo da resposta ao recurso principal (art. 500, nº I, na redação da Lei nº 8.950). À semelhança do recurso principal, submete-se o adesivo à impugnação do recorrido e ao juízo de admissibilidade do presidente (ou vice-presidente) do tribunal. Contra a respectiva denegação cabe igualmente o agravo de que trata o art. 544, na redação da Lei nº 12.322. 4. O recurso extraordinário sobe ao Supremo Tribunal Federal nos próprios autos do processo. Se houver também recurso especial admitido, remetem-se os autos, de início, ao Superior Tribunal de Justiça. Só depois de julgado esse recurso é que os autos vão ao Supremo Tribunal Federal, desde que não esteja prejudicado o extraordinário (art. 543, caput e § 1º, na redação da Lei nº 8.950). Pode acontecer, porém, que o relator do recurso especial, no Superior Tribunal de Justiça, entenda ser o extraordinário prejudicial daquele. Em tal hipótese, sobrestará o julgamento do recurso especial, por decisão irrecorrível, e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para julgamento do extraordinário. Fica ressalvada ao relator deste, no entanto, a possibilidade de, não lhe parecendo configurada a prejudicialidade, devolver os autos ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de que julgue, primeiro, o especial (art. 543, §§ 2º e 3º, na redação da Lei nº 8.950).
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IV. Procedimento no Supremo Tribunal Federal 1. Em princípio, nos termos do Regimento Interno em vigor desde 1º.12.1980, a competência para julgar o recurso extraordinário é de qualquer das Turmas (art. 9º, nº III), mediante distribuição feita de acordo com o disposto nos arts. 66 e segs. Se o recurso tiver subido em virtude de provimento de agravo, estará preventa para julgá-lo a competência da Turma que houver conhecido do agravo (art. 10). Ao Ministro-Relator cabe exercer as atribuições previstas no art. 21. Sem prejuízo delas, e depois de aberta vista, se for o caso, ao Procurador-Geral da República, por 15 dias, para emitir parecer (art. 50, § 1º), toca-lhe pedir dia para julgamento (art. 323; vejam-se, porém, o art. 38 da Lei nº 8.038, não revogado, e agora o art. 557 do Código, na redação da Lei nº 9.139, onde se atribui competência ao relator, em certos casos, para julgar, ele mesmo, o recurso). Não há revisão (art. 23, a contrario sensu). O exame da admissibilidade do recurso extraordinário tornou-se mais complexo em virtude da inclusão, entre seus requisitos, da “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (Carta da República, art. 102, § 3º, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45). A aferição do requisito da “repercussão geral” caberá, de início, à Turma do Tribunal a que for distribuído o recurso. Se ela reconhecer, por quatro votos no mínimo, a “repercussão geral”, “ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário” (art. 543-A, § 4°). Explica-se a dispensa: como o texto constitucional exige, para a recusa, o voto contrário de dois terços dos Ministros – isto é, de oito dentre eles –, já havendo quatro em sentido favorável, não se atingiria aquele número ainda que negassem o requisito todos os demais votantes. A Lei n° 11.418 deixou para o plano regimental, em máxima parte, a disciplina do procedimento a ser observado na Corte, cumprindo agora atentar nas alterações introduzidas pela Emenda Regimental nº 21. Abriu a lei ao Relator, por outro lado a possibilidade de admitir, “na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal” (art. 543-A, § 6°). Costuma-se designar como “amicus curiae” o terceiro que assim se manifesta, a favor do reconhecimento da presença da “repercussão geral” ou contra ele. A disciplina da matéria, vale repetir, é complementada pelo regimento interno do Tribunal, agora nos termos da Emenda nº 21. Assim: o Presidente indeferirá os recursos “que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, ou cuja matéria seja destituída de repercussão geral”, de acordo com a jurisprudência da Corte (art. 13, nº V, letra c); “quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o relator submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral, salvo se “o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal”, ou “impugnar decisão contrária a súmula ou
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a jurisprudência dominante”, hipóteses em que “se presume a existência de repercussão geral” (art. 323 e § 1º); “recebida a manifestação do(a) relator(a), os demais ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral” (art. 324, § 1º); “quando o Relator declare que a matéria é infraconstitucional, (...) a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, autorizando a aplicação do art. 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil, se alcançada a maioria de dois terços de seus membros” (art. 324, § 2º, com a redação dada pela ER nº 47/2012; o(a) relator(a) juntará cópia das manifestações aos autos, quando não se tratar de processo informatizado, e, uma vez definida a existência de repercussão geral, julgará o recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador-Geral, se necessária; negada a existência, formalizará e subscreverá decisão de recusa do recurso” (art. 325, caput); “o teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, que deve integrar a decisão monocrática ou o acórdão, constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso (art. 325, parágrafo único). Reza o art. 326 que “toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo(a) relator(a), à Presidência do Tribunal”. Entretanto, o art. 327 trata da recusa, pela Presidência, de “recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral”, ou daqueles “cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão”, estendendo a competência ao(à) relator(a) sorteado(a), quando o recurso não houver sido liminarmente recusado pela Presidência (art. 327, caput e § 1º); e o respectivo § 2º prevê o cabimento de agravo contra a decisão que, nesses termos, recusar recurso. Depara-se ainda no art. 543-A uma norma concernente aos efeitos do pronunciamento sobre o requisito: “Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal” (§ 5°). Reza o último parágrafo (7°) do art. 543-A: “A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão”. A decisão a que se refere o texto pode ser a da Turma, quando pelo menos quatro votos reconhecerem a relevância, caso em que se dispensa a remessa ao Plenário (4°), ou a deste, na hipótese de se haverem proferido na Turma menos de quatro votos no sentido do reconhecimento. Aí se terá de apurar se no mínimo dois terços dos Ministros (oito) entendem inexistente o requisito – quorum necessário para o não conhecimento do recurso por este fundamento. Se, v.g., nesse sentido houverem votado na Turma três Ministros, serão necessários mais cinco votos para que se negue conhecimento ao recurso por falta de relevância da questão constitucional.
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Pode acontecer que haja dois ou mais recursos extraordinários com invocação de igual fundamento. O assunto é objeto do art. 543-B, introduzido também pela Lei n° 11.418. Quis-se evitar que o Supremo Tribunal Federal precisasse apreciar repetidas vezes a repercussão geral das mesmas questões suscitadas pelos recorrentes. Adotou-se, então, procedimento a que não fica mal a denominação de “recursos extraordinários por amostragem”: “Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal”, para que este se manifeste sobre a presença ou ausência do requisito da repercussão geral, ficando nesse ínterim sobrestados os demais recursos, “até o pronunciamento definitivo da Corte” (art. 543-B, § 1°). O destino dos recursos sobrestados vai depender do sentido em que decida o Tribunal. Aqui, igualmente, optou o legislador por deixar ao Regimento Interno da Corte a disciplina minuciosa da matéria. O art. 543-B limita-se a enunciar as normas essenciais do modus operandi. Caso o Supremo Tribunal Federal negue a satisfação do requisito, “os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos” (art. 543-B, § 2°). Se, ao contrário, a Corte reconhecer que existe a repercussão geral – e estão satisfeitos todos os outros requisitos de admissibilidade –, julgará o mérito do(s) recurso(s) extraordinário(s) encaminhado(s) pelo órgão a quo, e tal julgamento influirá na sorte do(s) recurso(s) sobrestado(s). O desfecho, entretanto, não é automático: vai depender do que decida o órgão de origem, pelo qual aquele(s) recurso(s) ainda serão apreciado(s) (§ 3°, initio). Caso o Supremo Tribunal Federal haja negado provimento ao(s) recurso(s) encaminhado(s), isso significa que estão conformes o pronunciamento impugnado e o da Corte Suprema, e o órgão a quo pode declarar prejudicado(s) o(s) recurso(s) sobrestado(s); esse(s) recurso(s) fenecerão sem necessidade de que o Supremo Tribunal Federal volte a examinar a respectiva questão de mérito. Se a Corte houver dado provimento a algum do(s) recurso(s) encaminhado(s), haverá desconformidade entre os dois pronunciamentos; aqui se abre ao órgão a quo a alternativa entre retratar-se, para modificar sua decisão e aderir à tese da Corte Suprema, ou manter a própria decisão e admitir o recurso até então sobrestado (§ 3°, 2ª parte, e § 4°, initio). Em semelhante hipótese, todavia, “poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada” (§ 4°). Na sessão de julgamento do recurso extraordinário, após o relatório, podem usar da palavra os advogados do recorrente e do recorrido, para sustentação de suas razões (art. 131), cada qual pelo tempo máximo de 15 minutos (art. 132, caput). Incidem os §§ 1º a 3º do art. 132. 2. O julgamento obedece, quanto à forma, aos preceitos regimentais dos arts. 133 e segs. Deve o tribunal verificar, primeiro, se o recurso extraordinário é admissí-
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vel. Não o sendo, dele não se conhecerá; no caso contrário, julgar-se-á o recurso no mérito, resolvendo-se a questão federal suscitada e aplicando-se o direito à espécie. Com a ressalva oportunamente feita (supra, nº II, 1), em conhecendo do recurso o tribunal, seja para dar-lhe, seja para negar-lhe provimento, o acórdão proferido no julgamento do extraordinário substitui, no que fora objeto da impugnação, o acórdão recorrido extraordinariamente (art. 512). Não se limita o tribunal a cassar a decisão do órgão a quo. O trânsito em julgado que sobrevenha será do acórdão do Supremo Tribunal Federal, ainda que este haja “confirmado” o pronunciamento do tribunal inferior. Dado provimento ao recurso extraordinário, se se houver instaurado execução provisória, incide o art. 475-O (introduzido pela Lei nº 11.232), nº II e § 1º. Não conhecido ou desprovido o recurso, transitando em julgado o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a execução passa de provisória a definitiva. V. Recurso extraordinário (e/ou especial) retido A Lei nº 9.756, acrescentando um § 3º ao art. 542 do Código, trouxe novidade importante à sistemática do recurso extraordinário e do especial: criou-se modalidade retida de um e de outro, à semelhança (mas com sensíveis diferenças de regime) do agravo do art. 523. Partiu-se da mesma premissa: aqui também, é possível que, ao sobrevir o julgamento final, na instância inferior, da causa ou do recurso, já não interesse a quem antes interpusera o extraordinário ou o especial que este ou aquele tenha seguimento. Caso ainda haja interesse, o recorrente tem o ônus de insistir; omitindo-se, não se processará o recurso. Com isso, por outro lado, evitam-se manobras dilatórias armadas sobre impugnações pouco sérias. Ocorrerá a retenção quando o extraordinário ou o especial houver sido interposto “contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução”. Dois são, portanto, os pressupostos: um referente à decisão impugnada, outro à natureza do feito. Por “decisão interlocutória” entende-se aí não só a proferida por órgão colegiado em causa da competência originária de tribunal (v.g., sobre incidente relativo ao valor de ação rescisória), senão também o julgamento de agravo contra decisão pela qual tenha o juízo de primeiro grau resolvido questão incidente, e até essa própria decisão, se impugnável pela via extraordinária. Em nada influi o procedimento aplicável, que pode ser, no processo de conhecimento, comum (ordinário ou sumário) ou especial, regulado no Código ou em lei extravagante; estão abrangidas as causas de jurisdição voluntária. O dispositivo alcança a liquidação da sentença, sem dúvida situada na área da cognição. No processo cautelar, a decisão interlocutória há de dizer respeito à atividade cognitiva, não ao cumprimento de sentença. Os embargos à execução, fundada quer em título judicial, quer em título extrajudicial, também constituem processo (incidente) de conhecimento, e decerto foram especificamente nomeados para prevenir controvérsias. Por igualdade de razão, incide o art. 542, § 3º, em quaisquer outros processos cognitivos inci-
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dentes, v.g. o da verificação e classificação dos créditos na execução por quantia certa contra devedor insolvente (arts. 768 e segs.). Jamais tem relevância, aqui, a vontade do recorrente. Se é caso de retenção, ex vi legis, nada importa que o recorrente preferisse a subida imediata do recurso. Tem-se decidido, porém, que a incidência do § 3° possa ser afastada em situações nas quais seja nítida a conveniência prática de fazer subir desde logo o recurso, a fim de evitar transtornos graves que resultariam da demora do respectivo julgamento (por exemplo, em questões de competência ou de antecipação da tutela). A reiteração terá lugar “no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contrarrazões”. Conforme bem se compreende, normalmente o interessado reiterará o pedido no bojo do extraordinário ou do especial que venha a interpor (se cabível) contra a decisão final, ou na resposta a esse recurso. Tal como no agravo retido, não bastará a simples referência ao fato de haver-se recorrido contra a interlocutória: é mister que se manifeste em termos expressos a insistência no julgamento. § 26 – Embargos no Supremo Tribunal Federal I. Visão de conjunto 1. Cabem ao Supremo Tribunal Federal, dentro do âmbito do processo civil: a) os embargos de que trata o art. 546, nº II, do Código de Processo Civil (na redação da Lei nº 8.950), cabíveis contra decisão de turma que, “em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário na interpretação do direito federal” (Regimento Interno, art. 330; v. infra, nº II); b) embargos infringentes, com as características oportunamente expostas (supra, § 21), contra acórdãos não unânimes proferidos no julgamento de ação rescisória (art. 530; cf. o art. 333, nº III, do Regimento Interno); c) embargos de declaração (supra, § 22), contra quaisquer acórdãos, quando for o caso. A esse rol – sempre limitadamente ao campo civil – vinham acrescentar-se os embargos (também infringentes) previstos no art. 333, nº IV, do Regimento Interno, cabíveis contra a decisão não unânime do Plenário que julgasse a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, se houvesse três ou mais votos divergentes (cf. o art. 6º da Lei nº 4.337, de 1º.6.1964). Tal hipótese, contudo, não subsistiu à entrada em vigor da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, que revogou tacitamente a disposição regimental. 2. O procedimento aplicável a todas essas espécies (bastante heterogêneas) de embargos será o estabelecido no Regimento Interno da Corte, “com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes”, na conformidade do que preceitua o art. 96, nº I, letra a, da Carta Federal. Em qualquer caso, incidem supletivamente, no que couber, as disposições do Código de Processo Civil.
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II. Embargos de divergência 1. Para que sejam cabíveis os embargos de que ora se cuida, é necessário que se trate de decisão proferida por turma, no julgamento de recurso extraordinário, em divergência com julgado de outra turma ou do plenário. O art. 330 do Regimento Interno estendia o cabimento à hipótese de acórdão proferido sobre agravo de instrumento (entende-se: contra a denegação de recurso extraordinário); mas, ao dar nova redação ao art. 546 do Código, a Lei nº 8.950 não cogitou de tal hipótese, que a rigor se deve ter por excluída. É indiferente que o acórdão da turma haja deixado de conhecer do recurso extraordinário, ou que, dele conhecendo, lhe tenha dado ou negado provimento. O texto não distingue, e em qualquer dessas hipóteses é concebível o dissídio jurisprudencial. A divergência há de ocorrer na interpretação de alguma norma de direito federal. A decisão invocada como padrão, do plenário ou de outra turma (não da mesma!), precisa ter consagrado tese jurídica inconciliável com a daquela que se quer embargar. É irrelevante a existência, ou não, de discrepância na votação, quer numa decisão, quer noutra. Não se admitem os embargos de divergência quando a jurisprudência do plenário já estiver “firmada no sentido da decisão embargada” (R.I., art. 332, com a ressalva da parte final). 2. Segundo o Regimento Interno, os embargos de divergência opõem-se no prazo de 15 dias (que corre, naturalmente, da publicação da decisão embargada), perante a Secretaria, e são juntos aos autos, independentemente de despacho (art. 334). Interpostos os embargos, o Relator abrirá vista por 15 dias, para contrarrazões (art. 335, caput). Transcorrido esse prazo, o Relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do recurso (§ 1º). Se admitido, proceder-se-á à distribuição, nos termos do art. 76 (§ 3º). No caso contrário, da decisão de não admissão caberá agravo, em cinco dias, para o órgão competente, para o julgamento do recurso (§ 2º). Na sessão de julgamento, aplicam-se as normas pertinentes ao recurso extraordinário (art. 336, caput). Competente é o plenário (art. 6º, nº IV; veja-se, entretanto, o art. 38 da Lei nº 8.038, não revogado pela Lei nº 8.950). Verificando o Tribunal que realmente ocorrera o dissídio, assentará a tese jurídica correta e, em se tratando de embargos contra acórdão em recurso extraordinário, aplicará o direito à espécie: é o que quer dizer a norma do art. 336, parágrafo único, do Regimento Interno, verbis “julgará a matéria restante”.
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III. Embargos infringentes 1. Do cabimento destes embargos já se falou (supra, nº I, 1), nada havendo que mereça registro no tocante aos outros requisitos de admissibilidade. 2. Junta aos autos a petição de interposição independentemente de despacho pela secretaria do Tribunal (R.I., art. 334) procede-se à distribuição, excluindo-se dela o Ministro a quem houver tocado relatar o acórdão embargado (R.I., art. 76, fine). Se porventura o novo relator não admitir os embargos, caberá agravo regimental para o plenário (R.I., art. 317). Admitidos que sejam, a secretaria abre vista ao embargado, para responder (R.I. art. 335, caput). A competência para o julgamento é do Tribunal Pleno (R.I., art. 6º, nº IV; atente-se, contudo, aqui também, no que dispõe o art. 38 da Lei nº 8.038). Incidem em caráter supletivo as regras atinentes ao processo originário (R.I., art. 336, caput). IV. Embargos de declaração 1. Consoante o art. 337 do Regimento Interno, “caberão embargos de declaração, quando houver no acórdão obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas”. A alusão a “dúvida”, mutuada do texto primitivo do art. 535, nº I, do Código, deve entender-se insubsistente, aqui como lá, por força da Lei nº 8.950. O prazo de interposição é de cinco dias (R.I., art. 337, § 1º), dirigindo-se a petição ao relator do acórdão embargado, independentemente de distribuição e de preparo (R.I., art. 337, § 2º). Nada há de peculiar no concernente aos outros requisitos de admissibilidade. 2. Admitidos, interrompem os embargos de declaração, em regra, os prazos para interposição de outros recursos porventura cabíveis (R.I., art. 339, caput, no qual o verbo “suspender” tem de haver-se como substituído por “interromper”, em harmonia com a modificação consagrada pela Lei nº 8.950 no art. 538 do Código). O relator, sem qualquer outra formalidade, submetê-los-á a julgamento, na primeira sessão da turma ou do plenário, conforme o caso (R.I., art. 337, § 2º). Se o órgão julgador os declarar manifestamente protelatórios, o embargante será condenado a pagar ao embargado multa não excedente de 1% do valor da causa (R.I., art. 339, § 2º); ademais, ter-se-á como não produzido o efeito interruptivo (antes, suspensivo) de que trata o caput, como decorre de sua parte final.
Capítulo III INCIDENTES NO JULGAMENTO DE GRAU SUPERIOR
§ 27 – Uniformização da Jurisprudência Recursos
I. Generalidades 1. Dentre os vários incidentes capazes de ocorrer no julgamento de grau superior, mereceram disciplina específica, em capítulos próprios do Código, pela importância de que se revestem, o da uniformização da jurisprudência (Capítulo I do Título IX do Livro I) e o da declaração (incidenter tantum) da inconstitucionalidade de lei ou de outro ato normativo do poder público (Capítulo II do mesmo Título). Embora nenhum deles seja privativo do julgamento de recurso, podendo ambos verificar-se também no de causa da competência originária do tribunal, e ainda no de qualquer das que obrigatoriamente se submetem ao duplo grau de jurisdição (art. 475), cabe examiná-los, em termos sucintos, no presente contexto, para completar a exposição panorâmica do procedimento recursal, que é o seu mais extenso campo de manifestação. Neste parágrafo, pois, tratar-se-á do incidente de uniformização da jurisprudência; à exposição do mecanismo assim denominado acrescentar-se-á um item (n° 5) dedicado ao expediente análogo de que trata o art. 555, § 1°, introduzido pela Lei n° 10.352. O da declaração de inconstitucionalidade será objeto do § 28, infra. II. Pressupostos 1. Conforme resulta do disposto no art. 476, nºs I e II, pressupõe o incidente de uniformização da jurisprudência: a) que haja, perante Turma, Câmara ou Grupo de Câmaras de um tribunal, julgamento em curso sobre qualquer matéria, seja qual for a natureza do processo; b) que, “acerca da interpretação do direito”, isto é, sobre quaestio iuris de cuja solução dependa o teor do acórdão a ser proferido, se configure divergência: b.1) entre a decisão da qual se recorreu para a Turma, a Câmara ou o Grupo, e algum acórdão, anterior ou posterior àquela, de outra Turma, de outra Câmara, de
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outro Grupo, ou das Câmaras Cíveis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou b.2) entre o próprio julgamento em curso (a partir do instante em que, pelos votos já emitidos, se possa prever a interpretação que vai ser consagrada) e algum acórdão de outra Turma, de outra Câmara, de outro Grupo ou das Câmaras Cíveis reunidas, não reformado nem anulado no seio do tribunal; ou ainda b.3) entre dois acórdãos proferidos antes do julgamento por órgãos distintos do mesmo tribunal, e não reformados nem anulados no seio deste, podendo um deles ter emanado da própria Turma, da própria Câmara, ou do próprio Grupo de Câmaras em que se realiza o julgamento. 2. Nas circunstâncias acima expostas, pode ser requerido “o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito” (art. 476): a) por “qualquer juiz” que participe do julgamento, “ao dar o voto na Turma, Câmara ou Grupo de Câmaras” (art. 476, caput); b) por qualquer das partes, assim entendido também o Ministério Público, na hipótese de ter recorrido contra decisão em processo onde funcionasse, no grau inferior de jurisdição, como fiscal da lei. De acordo com o disposto no art. 476, parágrafo único, fine, a parte que quiser suscitar o incidente há de fazê-lo, “fundamentadamente”, “ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa”; a despeito da omissão do texto, deve entender-se que o requerimento é formulável na própria sessão de julgamento, quando tocar à parte a sustentação oral, se for o caso (art. 554). A fundamentação consistirá, é claro, na invocação de julgado (ou julgados) de outra Turma, de outra Câmara, de outro Grupo ou das Câmaras Cíveis reunidas, em que se concretize a divergência, provada por certidão do(s) acórdão(s) ou pela indicação do(s) número(s) e da(s) página(s) de repertório(s) de jurisprudência que o(s) tenha(m) publicado. III. Procedimento 1. Solicitado por qualquer juiz votante, ou requerido pela parte, o pronunciamento prévio do tribunal sobre a interpretação da regra jurídica, deve a Turma, a Câmara ou o Grupo deliberar a respeito, suspendendo-se, naturalmente, o julgamento. Cabe ao presidente do órgão submeter a votos a solicitação ou o requerimento. A deliberação (irrecorrível) será num sentido ou noutro, conforme se reconheça ou não a discrepância no tocante à quaestio iuris. Acolhendo-se a solicitação ou o requerimento, tem de lavrar-se acórdão (art. 477); incidem os arts. 556, 563 e 564. No caso contrário, segue-se, sem qualquer formalidade, a retomada do julgamento suspenso. 2. Acolhida a solicitação ou o requerimento, e lavrado o acórdão, remetem-se os autos ao presidente do tribunal (art. 477), para que este último se pronuncie sobre
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a quaestio iuris (cisão funcional da competência). É obrigatória a audiência do órgão do Ministério Público que funciona perante o tribunal (art. 478, parágrafo único). Devem aplicar-se as disposições do art. 552, caput, fine, e seus §§ 1º e 2º. O relator, na sessão de julgamento, será o mesmo do acórdão do órgão suscitante, a não ser que o regimento disponha de outro modo. De acordo com o caput do dispositivo, o tribunal, “reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser observada”. Isso significa que, preliminarmente, há de apreciar-se a questão mesma da existência do dissídio. Conclui-se que o tribunal não está adstrito ao juízo do órgão suscitante acerca de tal questão: muito embora haja a Turma, a Câmara ou o Grupo afirmado a discrepância de interpretação – sem o que não seriam os autos remetidos ao tribunal –, é livre a este reconhecê-la ou não, conforme o seu próprio convencimento. Se o tribunal não reconhecer a divergência, os autos serão restituídos ao órgão suscitante, onde prosseguirá normalmente o julgamento do recurso ou da causa. A Turma, a Câmara ou o Grupo resolverá, como melhor lhe pareça, a questão de direito, aplicando à espécie a interpretação adotada pelo voto da maioria dos seus membros. Reconhecida que seja a divergência, passa o tribunal a decidir a quaestio iuris, para fixar a interpretação que se deverá observar. Cabe a cada juiz “emitir o seu voto em exposição fundamentada”, pronunciando-se, em primeiro lugar, evidentemente, o relator. Incidem os arts. 556, 563 e 564. O tribunal há de limitar-se a assentar, dentre as teses jurídicas contrastantes, a que deve prevalecer. Não conhece de outras quaestiones iuris, estranhas ao objeto do incidente, nem de quaestiones facti, sejam quais forem; nem aplica à espécie a interpretação fixada: isso competirá ao órgão suscitante. A decisão do tribunal sobre a questão de direito é irrecorrível: qualquer recurso unicamente poderá caber, satisfeitos os respectivos pressupostos, contra o acórdão do órgão suscitante, que decidir a espécie à luz da interpretação assentada pelo tribunal, pois só com esse acórdão se completará o julgamento do recurso anterior ou da causa, cindido em virtude da suscitação do incidente. 3. Restituídos os autos, com o acórdão, à Turma, à Câmara ou ao Grupo, retoma-se, consoante o rito próprio, o julgamento que fora suspenso. O que já ficara decidido pelo órgão suscitante até o momento da suspensão, independentemente da questão de direito controvertida, subsiste intacto: assim, por exemplo, se havia mais de um capítulo na decisão recorrida, e sobre algum ou alguns deles se pronunciara a Turma, a Câmara ou o Grupo, antes do capítulo a cujo respeito se manifestou a divergência jurisprudencial, origem do incidente. No que tange à matéria que constitui objeto deste, a solução dada à quaestio iuris pelo tribunal incorpora-se no julgamento da espécie, como premissa inafastável: o órgão suscitante, fosse qual fosse a interpretação que se inclinaria a adotar por si, tem de aplicar à espécie a interpretação
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fixada pelo tribunal. Perdem toda e qualquer relevância os votos porventura já emitidos no órgão suscitante acerca da questão de direito. Pode acontecer que, além da matéria a cujo respeito se suscitou o incidente, tenha ainda a Turma, a Câmara ou o Grupo, prosseguindo no julgamento do recurso ou da causa, de enfrentar outra questão, a propósito da qual, igualmente, concorram os pressupostos enumerados no art. 476, mas que não haja sido incluída na suscitação. Nada impede que se torne a levar o feito à apreciação do tribunal, para pronunciamento sobre a quaestio iuris só agora suscitada. Teoricamente, pode o incidente reproduzir-se tantas vezes quantas forem as questões de direito que lhe deem ensejo; em atenção à economia processual, convém que o órgão suscitante desde logo submeta ao tribunal, de uma só vez, todas as quaestiones iuris relevantes para a decisão da espécie, nos seus vários aspectos, sobre as quais exista divergência. 4. Nos termos do art. 479, “o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência”. Não se deve entender o dispositivo no sentido de que exija quorum especial para a deliberação, nem no de que baste, para a incidência da regra, que hajam votado (em qualquer sentido) juízes em número superior à metade do total, senão no de que o particular efeito ali atribuído ao julgamento só se produzirá se houverem votado pela tese vitoriosa juízes em número superior à metade: na hipótese contrária, a interpretação fixada prevalecerá para o caso concreto, mas não será “objeto de súmula” nem consistirá “precedente na uniformização da jurisprudência”. Com ressalva do disposto, quanto ao Supremo Tribunal Federal, no art. 103-A da Carta da República (acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45), o fato de ser incluída em “súmula” não confere à tese jurídica a eficácia vinculativa própria das normas legais. Caberá ao regimento interno, no âmbito da competência de cada tribunal, e sempre nos limites compatíveis com a feição do nosso sistema constitucional, especificar os efeitos de semelhante inclusão – v.g., estatuindo que, mesmo reconhecido o dissídio jurisprudencial, seja rejeitável, de plano, pelo órgão fracionário, a solicitação de pronunciamento prévio do tribunal, se a respeito já houver tese constante de “súmula”. Os regimentos internos dos tribunais – que devem adaptar-se às disposições do Código (art. 1.214) – “disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante” (art. 479, parágrafo único), e bem assim, à evidência, sobre os restantes aspectos da matéria que necessitem de regulamentação. 5. É mister examinar a inovação trazida pela Lei n° 10.352 e consagrada no § 1° do art. 555, que ela introduziu. Aí se contempla incidente destinado a “prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal” sobre “relevante questão de direito”, que seja preciso resolver no julgamento em curso. Em semelhante hipótese, “poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regi-
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mento indicar”. Esse órgão, “reconhecendo o interesse público na assunção de competência”, julgará ele próprio o recurso. Trata-se de mais um expediente ordenado à uniformização da jurisprudência, que naturalmente se espera seja mais eficiente do que o regulado nos arts. 476 e segs. Uma vantagem prática decerto se manifesta aqui. O órgão a que se remete a matéria não se limita a enunciar a solução da quaestio iuris, mas procede ao julgamento que competia ao outro. Com a ressalva que oportunamente se fará, não há devolução ao órgão de origem: tudo se resolve naquele que recebe o recurso. Evita-se assim o vaivém, causa de maior demora. São pressupostos do incidente: a) que o julgamento esteja em curso, isto é, ainda não se tenha encerrado; b) que nele influa a solução da quaestio iuris; c) que tal questão, primeiro aos olhos do relator, depois ao ver do órgão que está deliberando, se afigure “relevante”, ao ponto de tornar conveniente que se previna ou componha divergência entre câmaras ou turmas do tribunal. A lei atribui ao relator a iniciativa do incidente, embora não se deva excluir a possibilidade de que a sugestão parta de outro membro do órgão e seja por aquele encampada. O relator obviamente formulará a proposta antes de votar; cabe ao órgão decidir se a acolhe ou se a rejeita. No segundo caso, o julgamento prosseguirá no mesmo órgão. No primeiro, a matéria será remetida ao “órgão colegiado que o regimento indicar”, naturalmente de composição mais ampla. Esse órgão não está, porém, obrigado a aceitar a remessa: incumbe-lhe verificar se existe “interesse público” no deslocamento da competência. Sendo afirmativa a resposta, procederá ao julgamento; sendo negativa, devolverá a matéria ao órgão de origem. A tese jurídica porventura adotada no julgamento do órgão que aceitar a remessa não se revestirá de eficácia vinculante: aplica-se aqui o que ficou dito supra, em o n° 4. Entretanto, não deixará de influir em casos análogos que venham a ser julgados por qualquer das câmaras ou turmas do tribunal. É oportuna uma última observação acerca do § 1°. Sua colocação sugere que o incidente só terá cabimento quando se estiver julgando apelação ou agravo. Iguais razões, contudo, militam em favor da respectiva utilização no julgamento de outros recursos, bem como no de causas sujeitas ao reexame necessário em segundo grau. Não é apenas quando se julga apelação ou agravo que surge questão de direito relevante, a cujo respeito seja conveniente prevenir ou compor divergência entre órgãos fracionários de um tribunal. § 28 – Declaração de Inconstitucionalidade I. Generalidades 1. No sistema constitucional brasileiro, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de outro ato normativo do poder público, em tese, por via principal, como objeto autônomo e exclusivo da atividade judicial cognitiva, cabe unicamente ao Supremo Tribunal Federal, mediante ação direta, proposta por algum legitimado (Constituição Federal, arts. 102, nº I, letra a, e 103), e aos Tribunais competentes dos Estados (Cons-
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tituição Federal, art. 125, § 2º). A qualquer órgão singular ou colegiado do Poder Judiciário, porém, é lícito apreciar, por via incidental, a questão da constitucionalidade no curso de processo relativo a caso concreto, como questão prejudicial, que se resolve para assentar uma das premissas lógicas do julgamento da lide. Sucede que, por força do disposto no art. 97 da Carta Federal, a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público só é declarável, em tribunal, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros – ou dos membros do “órgão especial” previsto no art. 93, nº XI, para os tribunais com mais de 25 juízes. Daí resulta, a nosso ver, que nenhum outro órgão fracionário de qualquer tribunal tem competência para a declaração da inconstitucionalidade. Mesmo que o número total de juízes, no órgão fracionário (v.g., Seção Civil), seja tal que possa permitir o atingimento do quorum constitucional, parece-nos, à luz da ratio legis, e ressalvada a hipótese de existir o “órgão especial”, que a legitimidade da declaração pressupõe necessariamente a votação em sessão plenária, a fim de que se abra a cada um dos membros do tribunal a possibilidade de manifestar-se, e assim de influir no resultado da votação – embora não seja indispensável que todos efetivamente se manifestem. 2. À semelhança do que ocorre no incidente de uniformização da jurisprudência (v. supra, § 27, nº III, 2), aqui também ocorre cisão da competência do ponto de vista funcional. Ao plenário (ou ao “órgão especial”) incumbirá, se for o caso, resolver a questão da constitucionalidade, e ao órgão fracionário julgar, depois, à luz dessa decisão, a matéria restante. Obedecer-se-á à sistemática estabelecida nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil, nada impedindo, contudo, que nos regimentos internos dos tribunais figurem normas supletivas, atinentes a pontos a cujo respeito seja omissa a lei processual (Constituição Federal, art. 96, nº I, a). Nos termos do parágrafo único do art. 481, acrescentado pela Lei nº 9.756, “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”. Ao nosso ver, deve entender-se a cláusula final como relativa apenas às decisões em que a matéria haja constituído objeto principal de julgamento pela Corte Suprema (ações diretas), não àquelas em que tenha ocorrido simples apreciação incidental da questão. Com efeito, no segundo caso – ao contrário do que ocorre no primeiro –, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal não é vinculativo para os outros tribunais e não tem a virtude de substituir ou dispensar o dos respectivos plenários (ou “órgãos especiais”), exigido pelo art. 97 da Carta da República. II. Pressupostos 1. Conforme reza o art. 480, trata-se da arguição da “inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público”. Estão aí compreendidos: a lei (no sentido
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formal) ordinária ou complementar, a emenda à Constituição, a lei delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução, o decreto regulamentar e quaisquer outros atos normativos, emanados de órgão do poder público (federal, estadual ou municipal), inclusive normas dos próprios regimentos internos dos tribunais. Não se distingue entre arguição baseada em regra da Carta da República e arguição fundada em dispositivo de Constituição Estadual. Igualmente irrelevante é que se trate de inconstitucionalidade formal ou substancial. Não basta, contudo, a arguição de ilegalidade para fazer incidir o art. 480, pois tampouco incide o art. 97 da Lei Maior. Embora o texto só aluda expressamente a arguição perante “turma ou câmara”, deve-se entender aplicável o procedimento previsto no Código, pelas razões expostas (supra, nº I, 1), também às arguições perante quaisquer outros órgãos fracionários de tribunais, como os Grupos de Câmaras e as Seções. Não assim, por motivos óbvios, quando o julgamento do recurso ou da causa já pertença à competência do plenário, ou do “órgão especial” de que cuida o art. 93, nº XI, da Constituição da República. 2. Legitimada à arguição, em primeiro lugar, é qualquer das partes do processo no qual se pretenda aplicar a lei ou o outro ato normativo do poder público; havendo litisconsórcio, qualquer dos autores ou dos réus, dos recorrentes ou dos recorridos. Não fica excluído o assistente, simples ou “litisconsorcial” (art. 54). O Ministério Público, quando parte – inclusive na hipótese de haver recorrido de decisão em feito no qual anteriormente funcionava como fiscal da lei –, naturalmente se legitima à arguição. Mas também se lhe deve reconhecer qualidade para formular a arguição em parecer que porventura haja de emitir, como custos legis. A arguição pode ainda ser feita ex officio, pelo relator, pelo revisor, se houver, ou por qualquer dos juízes componentes do órgão. Aplica-se aqui o princípio segundo o qual, em se tratando de questões de direito, a iniciativa oficial é sempre admissível. III. Procedimento 1. A parte pode arguir a inconstitucionalidade em qualquer peça do processo, inclusive petição avulsa que junte aos autos durante a tramitação perante o órgão fracionário, ou até, se for o caso, em sustentação oral, na sessão de julgamento. Não há preclusão em se tratando de quaestio iuris. A arguição pelo Ministério Público, quando parte, é cabível a qualquer momento em que lhe toque falar nessa qualidade. Como fiscal da lei, pode o Ministério Público fazê-la no parecer escrito que emita, ou, sendo o caso, ao pronunciar-se oralmente, na sessão de julgamento. Quanto à arguição ex officio, cabe naturalmente ao relator, ao eventual revisor ou a qualquer outro membro do órgão formulá-la na referida sessão. A arguição será admissível desde o início do julgamento até o encerramento da votação, enquanto não anunciado pelo presidente o resultado desta (art. 556). É intuitivo que a cada juiz tocará fazê-la ao proferir o seu voto; não há, entretanto, óbice legal a que o relator a faça, por amor à economia, ao fim da própria exposição da causa.
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A arguição porventura feita pela parte ou pelo Ministério Público, antes da sessão de julgamento, será nesta submetida ao órgão fracionário, pelo relator. Não se confunde tal caso com o da arguição formulada, ex officio, pelo próprio relator. 2. É obrigatória a audiência do Ministério Público. Excetua-se, é claro, a hipótese de ter sido formulada a arguição por ele mesmo, em parecer escrito ou oral; não, porém, aquelas em que o Ministério Público, através de outro órgão, haja arguido a inconstitucionalidade como parte, ou como recorrente contra decisão proferida em processo no qual funcionava, em grau inferior de jurisdição, na qualidade de custos legis. O pronunciamento do Ministério Público deve ser prévio à deliberação do órgão fracionário. Se a arguição já constar dos autos ao serem eles conclusos ao relator (art. 549), este abrirá vista, desde logo, ao Ministério Público para emitir parecer. Superveniente que seja a arguição, abrir-se-á vista dos autos ao Ministério Público logo que ela seja formulada. Se a arguição só for feita na sessão de julgamento, conceder-se-á prazo ao Ministério Público para pronunciar-se, suspendendo-se o julgamento nesse ínterim. 3. Submetida ao órgão fracionário a arguição da parte ou do Ministério Público, ou formulada a arguição, na própria sessão de julgamento, por algum dos juízes, deve naturalmente suspender-se o julgamento, para que o órgão delibere sobre a arguição. Silenciando o Código acerca da forma por que o órgão há de deliberar, cabe aos regimentos internos suprir a omissão. Se a maioria dos votantes se manifestar contra a arguição, esta se haverá como rejeitada. Em semelhante hipótese, não é necessário levar a questão ao exame do plenário (ou do “órgão especial”); o art. 97 da Lei Maior só se aplica à declaração da inconstitucionalidade; para a da constitucionalidade, não há exigência específica de quorum, nem atribuição de competência privativa a órgão algum. O órgão fracionário pode rejeitar a arguição por entendê-la inadmissível ou por entendê-la improcedente. É inadmissível, v.g., a arguição referente a ato que não tenha sido praticado por qualquer órgão do poder público; também é inadmissível a arguição impertinente, relativa a lei ou a outro ato normativo de que não dependa a decisão sobre o recurso ou a causa. Em casos tais, é lícito ao próprio relator deixar de observar o disposto no art. 480; mas cumpre-lhe, ao fazer “a exposição da causa”, na sessão de julgamento (art. 554), mencionar o ponto, porque a maioria dos membros do órgão fracionário pode ter entendimento diverso – hipótese em que obrigatoriamente se observará o procedimento previsto no Código, inclusive com abertura de vista ao Ministério Público, para pronunciar-se antes da deliberação. Improcedente será a arguição quando o órgão fracionário, pela maioria dos seus membros, não reconhecer a alegada incompatibilidade entre a lei ou o outro ato normativo e a Constituição. Manifestando-se a favor da arguição a maioria dos votantes – isto é, entendendo a maioria que existe a alegada inconstitucionalidade – , ter-se-á como acolhida a arguição. Não, é claro, no sentido de que o órgão haja declarado inconstitucional a
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lei ou o outro ato normativo, o que não lhe seria lícito fazer, mas no sentido de que a arguição será submetida ao tribunal pleno, ou ao “órgão especial”. É óbvio que a arguição pode ser acolhida ou rejeitada quer in totum, quer parcialmente: nada obsta a que o órgão fracionário entenda incompatível com a Constituição apenas uma parte da lei ou do outro ato normativo objeto da arguição. Também pode ocorrer, se se arguiu a inconstitucionalidade de mais de uma lei ou de mais de um ato normativo, que o órgão fracionário a acolha em relação a alguma ou algumas das leis, ou a algum ou alguns dos atos, e a rejeite quanto ao mais. Só se terá por acolhida a arguição naquilo em que a seu favor se manifeste a maioria dos votantes, e unicamente nesses limites será a arguição submetida ao tribunal. 4. Variam naturalmente os efeitos da deliberação (sempre irrecorrível), conforme o órgão fracionário rejeite ou acolha a arguição de inconstitucionalidade. Na primeira hipótese, reza o art. 481, “prosseguirá o julgamento”. A decisão sobre o recurso ou a causa será toda do órgão fracionário, que aplicará à espécie, se for o caso, a lei ou o outro ato normativo arguido de inconstitucional. Na segunda hipótese, “será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”, ou ao “órgão especial”, onde existir. A este caberá pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade, e ao órgão fracionário, depois, à vista do que se houver assentado, decidir a espécie. Suspende-se, portanto, o julgamento do órgão fracionário, sem prejuízo daquilo que já se tenha decidido, independentemente da arguição. Incidem, aqui também, os arts. 556, 563 e 564. 5. Uma vez acolhida a arguição, deve submeter-se a questão ao tribunal pleno (ou ao “órgão especial”). Silencia o Código acerca da forma pela qual ela há de ser levada ao conhecimento do plenário; na omissão da lei, prevalecerá a disciplina prevista no regimento interno do tribunal. Enviadas a todos os juízes cópias do acordão do órgão fracionário (art. 482), o presidente designará a sessão de julgamento, com observância do disposto no art. 552 e seus §§ 1º e 2º. 6. Incumbe ao plenário (ou ao “órgão especial”) pronunciar-se unicamente acerca da prejudicial de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do poder público, ou da parte de uma ou de outro, a cujo respeito lhe houver sido submetida a arguição pelo órgão fracionário. Dentro desses limites, contudo, é plena a cognição do tribunal, quer no exame da admissibilidade da arguição, que não fica precluso, quer, de meritis, no exame da constitucionalidade. Não está o plenário (ou o “órgão especial”) adstrito aos fundamentos indicados na arguição, isto é, a verificar a compatibilidade entre a lei ou o outro ato normativo e a determinada regra (ou as determinadas regras) da Constituição, com que o arguente afirma existir conflito. A arguição pode ter-se fundado na alegada incompatibilidade entre a lei ou o ato normativo e a regra x, e o tribunal declarar inconstitucional uma ou outro por incompatível com a regra y.
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Não há que cogitar de vinculação do tribunal a uma suposta causa petendi, até porque a arguição não constitui “pedido” em sentido técnico, e as questões de direito são livremente suscitáveis, ex officio, pelos órgãos judiciais, na área em que lhes toque exercer atividade cognitiva. Observe-se, porém, que, se o plenário (ou o “órgão especial”) aprecia por diversos fundamentos, já constantes ou não da arguição, a constitucionalidade da mesma lei ou do mesmo ato, os votos devem ser tomados e computados separadamente, em relação a cada fundamento. Para ter-se como declarada a inconstitucionalidade, é preciso que a maioria dos votantes a pronuncie no que tange, pelo menos, a um mesmo dos vários fundamentos. Se alguns dos votantes se pronunciam no sentido da inconstitucionalidade só pelo fundamento x, e outros só pelo fundamento y, não se podem somar os votos dos dois grupos para dar como atingida a maioria necessária à declaração. 7. O preceito da Constituição Federal, art. 97, não exige, para a validade do julgamento, que deste participem todos os membros do tribunal. Pode o plenário (ou o “órgão especial”) deliberar com qualquer número de votantes igual ou superior à maioria absoluta. O indispensável, para que se possa deliberar, é que votem juízes em número acima da metade do total. Se o número de votantes coincide exatamente com a maioria absoluta, e todos se pronunciam pela inconstitucionalidade, declarada está ela, validamente. Para que se declare inconstitucional a lei ou o ato normativo, já não basta que a maioria absoluta dos membros do colégio participe da votação: é necessário que essa maioria se manifeste pela inconstitucionalidade, ao menos com referência a um mesmo dentre os fundamentos invocados, se há mais de um. Por “maioria absoluta” entende-se qualquer número de votos superior à metade do número total de juízes – não necessariamente “a metade mais um”, como às vezes se afirma: se o órgão se compõe de 15 juízes, por exemplo, haverá maioria absoluta desde que concordem 8 votantes. Caso não se atinja esse quorum, não se declarará inconstitucional a lei ou o ato normativo, ainda que a maioria dos votantes (maioria simples) se pronuncie no sentido da inconstitucionalidade. Quer na hipótese de ser vitoriosa na votação (por maioria absoluta ou simples) a tese da constitucionalidade, quer na de ser vitoriosa, mas só por maioria simples, a tese da inconstitucionalidade, é idêntico o resultado prático. Incidem os arts. 556, 563 e 564. Tal como a decisão que fixa a interpretação a ser observada, no incidente de uniformização, também o pronunciamento do tribunal pleno (ou do “órgão especial”), declarando ou não a inconstitucionalidade, é irrecorrível: qualquer recurso unicamente poderá caber, satisfeitos os respectivos pressupostos, contra o acordão do órgão fracionário que decidir a espécie, pois só com esse acordão se completará o julgamento do recurso ou da causa, cindido em virtude do acolhimento da arguição.
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8. A decisão do plenário (ou do “órgão especial”), num ou noutro sentido, é naturalmente vinculativa para o órgão fracionário, no caso concreto. Mais exatamente, a solução dada à prejudicial incorpora-se no julgamento do recurso ou da causa, como premissa inafastável. Nenhuma regra legal, existe, porém, que a torne obrigatória ad futurum. Se a inconstitucionalidade foi declarada, o órgão fracionário não pode aplicar à espécie a lei ou ato normativo; mas, ressuscitada que seja a questão a propósito de outro recurso ou de outra causa, fica o órgão fracionário, à luz do Código, livre de entender constitucional a mesma lei ou o mesmo ato e, sendo o caso, aplicar este ou aquela à nova espécie. Se não se declarou a inconstitucionalidade, nenhum dispositivo do Código obsta a que, noutro feito, volte a arguição a ser suscitada, acolhida pelo órgão fracionário e, eventualmente, pelo próprio tribunal pleno, ou pelo “órgão especial”. A eficácia do pronunciamento é só intraprocessual. Não há que cogitar, quanto ao pronunciamento do plenário (ou do “órgão especial”), de auctoritas rei iudicatae. O Código expressamente limita a extensão objetiva da coisa julgada ao julgamento da lide (art. 468) e exclui desse âmbito “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo” (art. 469, nº III). A solução de prejudicial numa única hipótese torna-se idônea para adquirir a autoridade de coisa julgada: na de vir a ser objeto de ação declaratória incidente (arts. 5º e 470); esta, contudo, apenas se admite para a declaração da existência ou inexistência de relação jurídica (art. 5º), jamais para a da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou de outro ato normativo. 9. Publicado o acórdão do tribunal pleno (ou do “órgão especial”), restituem-se os autos ao órgão fracionário, ou comunica-se a este a decisão, conforme o procedimento que se tenha seguido para submeter àquele a questão da inconstitucionalidade. Retoma-se então, no órgão fracionário, consoante o rito adequado, o julgamento que fora suspenso. À semelhança, ainda aqui, do que se dá no incidente de uniformização da jurisprudência, subsiste intacto o que já ficara decidido pelo órgão fracionário, até o momento da suspensão, independentemente da prejudicial de inconstitucionalidade. No que a esta concerne, como já se assinalou, o órgão fracionário tem de acatar o pronunciamento do tribunal pleno (ou do “órgão especial”); se não se declarou inconstitucional a lei ou o ato, o órgão fracionário, sem embargo do seu entendimento diverso, manifestado no acolhimento da arguição, não poderá recusar aplicação a uma ou a outro, nem julgar, seja como for, em desarmonia com a premissa da respectiva legitimidade constitucional. Perdem toda e qualquer relevância as manifestações porventura já ocorridas no órgão fracionário sobre a questão da inconstitucionalidade.
LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DA SENTENÇA Capítulo I LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA
§ 29 – Cabimento e Características Gerais I. Cabimento e natureza 1. A sentença civil de procedência relativa a dívida pecuniária, em princípio, deve ser líquida, isto é, determinar o valor devido. Só quando for genérico o pedido (art. 286, nos II e III) é que o juiz poderá proferir sentença ilíquida (art. 459, parágrafo único): e, mesmo assim, desde que não se trate de causa de procedimento sumário, contemplada no art. 275, nº II, d ou e, casos em que toca ao órgão julgador, se for mister, “fixar de plano, a seu prudente arbítrio, o valor devido” (art. 475-A, introduzido pela Lei nº 11.232, § 3º). Ilíquida que seja a sentença, necessariamente se terá de proceder à respectiva liquidação, antes de dar-lhe cumprimento ou execução. Nos termos do art. 475-A, caput, “quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação”. Tal necessidade surge igualmente sempre que se queira promover execução, no âmbito civil, de sentença penal condenatória, para reparação do dano causado pelo crime (art. 475-N, também introduzido pela Lei nº 11.232, inciso II). Excepcionalmente, isso ainda poderá ocorrer em relação a sentença arbitral (art. 475-N, inciso IV) ou a sentença estrangeira homologada (art. 475-N, inciso VI). Outras hipóteses são previstas em disposições expressas; por exemplo, no art. 475-O, nº II, que se refere à reforma ou anulação da sentença, “restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento”. Pode ainda a necessidade de liquidação resultar do resultado positivo da revisão criminal, quando o tribunal reconhecer ao interessado “o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, a qual “será liquidada no juízo cível” (Código de Processo Penal, art. 630, caput e § 1º). Em casos especiais, a liquidação tem cabimento já no curso da execução (ex.: arts. 627, § 2º, e 633, parágrafo único). Necessária que seja a liquidação, sua falta acarreta a nulidade da execução (art. 618, nº I, conjugado com o art. 475-R, igualmente introduzido pela Lei nº 11.232). A
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iliquidez somente parcial da sentença, todavia, não impede a imediata execução da parte líquida, enquanto se processa a liquidação da outra parte (arts. 475-I, § 2º). 2. Os atos praticados com a finalidade acima referida têm natureza cognitiva, não executiva. Normalmente, constituem verdadeira complementação da atividade realizada até a prolação da sentença. Inadequada era, assim, a inserção das disposições a ela atinentes no Livro II do Código, sob a rubrica “Do processo de execução”. Bem andou a Lei nº 11.232 em deslocá-las para o Livro I; a colocação, porém, continua imprópria, já que a liquidação não é fenômeno peculiar ao procedimento ordinário, em cujo Título passou a figurar. A cognição, ressalte-se, aqui é limitada. Seu objeto consiste apenas na fixação do quantum devido. Expressamente o diz o art. 475-G (introduzido também pela Lei nº 11.232), verbis “É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou”. Não há cogitar do acréscimo de parcela nova, nem da subtração de parcela contemplada na sentença. Trata-se exclusivamente de revelar a expressão quantitativa do débito, nada mais. II. Características gerais 1. Cabe à parte interessada no cumprimento ou na execução da sentença requerer a liquidação desta. O requerimento poderá ser feito na pendência de recurso contra a sentença liquidanda, se não preferir o liquidante aguardar o trânsito em julgado. Na primeira hipótese, a liquidação processar-se-á “em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes” (art. 475-A, § 2º, igualmente introduzido pela Lei nº 11.232). Não pendendo recurso algum, far-se-á a liquidação nos próprios autos do processo. Do requerimento, normalmente, será intimada a outra parte, na pessoa de seu advogado (art. 475-A, § 1º), incidindo, pois, o art. 236. Entretanto, se não houver processo civil em curso, esse litigante precisará ser chamado a juízo pela forma solene da citação; é o que acontece nos casos do art. 475-N, nº II e, eventualmente, nos IV e VI. A citação obedecerá ao disposto nos arts. 214 e segs. Pode ser feita inclusive por via postal, já que a proibição do art. 222, d, respeita exclusivamente aos “processos de execução”, e a liquidação constitui mera complementação da atividade cognitiva. O procedimento varia, à evidência, de acordo com a modalidade da liquidação (infra, § 30). Aplicam-se subsidiariamente, no que seja compatível com a nova disciplina, as disposições concernentes à fase propriamente cognitiva do processo; exemplo de incompatibilidade é o dos arts. 315 a 318, atinentes à reconvenção, que não se admite na liquidação. Em qualquer das modalidades, porém, a decisão da liquidação é recorrível por meio de agravo de instrumento (art. 475-H, também introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 520, nº III, onde se indicava a apelação, sem efeito suspensivo, como o recurso cabível contra a então denominada “sentença”). Não obstante, uma vez que complementa a sentença liquidanda e a esta se incorpora, a decisão de liquidação é capaz de produzir coisa julgada material.
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§ 30 – Modalidades I. Generalidades Duas modalidades bem individuadas de liquidação contempla o texto reformado do Código: por arbitramento e por artigos. A Lei nº 8.898, de 29.6.1994, já havia abolido, como figura autônoma, a outra modalidade originariamente prevista, a liquidação por cálculo do contador, que tinha lugar quando, para determinar o valor indicado na sentença, bastasse uma operação aritmética. Hoje, nessa hipótese, cabe ao próprio credor, ao requerer o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-B (introduzido pela Lei nº 11.232), caput, instruir o pedido “com a memória discriminada e atualizada do cálculo”. Pode acontecer que a elaboração da memória do cálculo dependa de dados existentes na posse do devedor ou de terceiro. Então, a requerimento do liquidante, incumbe ao juiz requisitá-los (o “poderá” do § 1º expressa poder-dever), “fixando prazo de até 30 dias para o cumprimento da diligência”. Se os dados, sem motivo justificado, deixarem de ser oferecidos tempestivamente pelo devedor, “reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor” (art. 475-B, § 2º). Não se infira desse texto que o juiz fica necessariamente jungido a chancelar tais cálculos: é concebível que, ao examiná-los, lhe pareça haver excesso; em semelhante hipótese, recorrerá ao contador do juízo, para que confira os cálculos (§ 3º), decidindo em seguida, de acordo com seu convencimento – sem que lhe seja lícito, porém, majorar o quantum constante do cálculo do credor. Igual providência é cabível quando a parte gozar do benefício da assistência judiciária (§ 3º, fine) – o que atende à sua eventual impossibilidade de arcar com o custeio. No caso de omissão do terceiro em apresentar os elementos requisitados, proceder-se-á, consoante remissão expressa (art. 475-B, § 2º, fine), na forma do art. 362. Quer dizer: não justificada a recusa, o juiz ordenará ao terceiro que deposite os dados, no prazo de 5 dias, tocando ao requerente reembolsá-lo das despesas que fizer; descumprida que seja a ordem, expedir-se-á contra o terceiro mandado de apreensão, requisitando-se, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime de desobediência. Fica livre ao liquidante, como é natural, discordar dos cálculos feitos pelo contador (ou retificados pelo juiz). Nesse caso, “far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador” (§ 4º). À evidência, se houver decisão do juiz, o interessado poderá interpor contra ela o competente agravo. II. Liquidação por arbitramento 1. Além dos casos expressos em lei, como o do art. 18, § 2º, fine (na redação da Lei nº 8.952), far-se-á por arbitramento a liquidação quando o tiver determinado a sentença liquidanda ou o houverem convencionado as próprias partes, antes ou depois de proferida aquela (art. 475-C, nº I). Assim também quando “o exigir a natureza do objeto da liquidação” (art. 475-C, nº II), ou seja, quando a fixação do valor reclamar a apli-
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cação de conhecimentos técnicos especializados, conforme pode ocorrer em matéria de ressarcimento de dano, desde que não haja fato novo a alegar e provar (art. 475-E, a contrario sensu), por já constarem dos autos todos os elementos indispensáveis. Funciona aí como arbitrador o perito que ao órgão judicial compete nomear, uma vez deferida (e não apenas “requerida”, consoante se lê no texto legal) a liquidação por esta forma, assinando-se desde logo o prazo para a entrega do laudo (art. 475-D, caput). Aplicam-se, no que couber, as regras atinentes à prova pericial no capítulo específico (arts. 421 e segs.), tendo portanto as partes, v.g., o direito de indicar assistentes técnicos (art. 421, § 1º, nº I). Apresentado o laudo, abre-se aos litigantes a oportunidade de manifestar-se sobre ele no prazo de 10 dias (art. 475-D, parágrafo único, principio) – comum a ambos, se bem que não o diga a lei expressis verbis. 2. Esgotado o decêndio, com a manifestação das partes ou sem ela, o juiz, se estiver habilitado a fazê-lo, proferirá a decisão, dentro de 10 dias (art. 189, nº II). É possível, contudo, que lhe pareça necessário, por exemplo, obter esclarecimentos do perito, ou ouvir uma das partes, ou ambas. Poderá, então, designar audiência (art. 475-D, parágrafo único, fine). Incidirão, aqui também, as normas que regem a matéria no capítulo específico (arts. 444 e segs.). III. Liquidação por artigos 1. De acordo com o disposto no art. 475-E, recorre-se à liquidação por artigos, que é a mais complexa das modalidades, “quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo”. Alude o texto a fato que ainda não tenha constituído objeto de apreciação, logicamente por não ser relevante para a verificação da existência da obrigação (an debeatur), sem a qual não teria a sentença o teor que tem, mas tão só para a fixação do valor (quantum debeatur). Assim, v.g., não é alegável como “fato novo” na liquidação qualquer dos fatos que constituam pressupostos da ocorrência do dano, senão unicamente o que concernir à respectiva extensão. Por exemplo: em ação de ressarcimento de dano em prédio (art. 275, nº II, c), há de ter-se provado, na etapa própria do feito, que o prédio sofreu algum dano. Pode suceder, no entanto, que depois da sentença se manifestem desdobramentos, novas consequências nocivas do evento. A tais desdobramentos e consequências diz respeito o art. 475-E. Tem lugar, aí, a respectiva liquidação por artigos. 2. Preceitua o art. 475-F que, nesta modalidade de liquidação, se observará, “no que couber, o procedimento comum”. O emprego do adjetivo “comum”, desde a Lei nº 8.898, em vez de “ordinário”, deixa claro que se tornará admissível, na liquidação, o uso do procedimento sumário, quando se tratar de causa que lhe esteja sujeira, à luz do art. 275 ou de norma inserta em lei especial. Caso seja ordinário o procedimento adequado, incidirão, em princípio, as regras do Título VIII do Livro I do Código. A cláusula “no que couber” atende a que, dessas regras, algumas não são compatíveis com a liquidação. Assim, no exemplo já acima lembrado, os dispositivos concernentes à reconvenção, inadmissível na liquidação, inclusive na liquidação por artigos processada pelo rito ordinário.
Capítulo II CUMPRIMENTO DA SENTENÇA
§ 31 – Cumprimento da sentença nos casos de obrigação não pecuniária I. Generalidades 1. Conforme se expôs na Introdução (supra, nº 1), o sistema originário do Código de Processo Civil consagrava distinção formal nítida entre o processo de conhecimento e o processo de execução, quando a sentença não bastava para a satisfação efetiva da parte vitoriosa e por isso se fazia necessária uma atividade jurisdicional complementar, tendente à modificação do mundo exterior, sensível. Leis sucessivas foram alterando tal sistema, primeiro para o caso de procedência de pedido relativo a obrigação de fazer ou não fazer (arts. 644 e 461, na redação da Lei nº 10.444), depois para o de sentença de procedência de pedido de entrega de coisa (art. 461-A, introduzido por aquela mesma lei). Mais recentemente, a Lei nº 11.232 aboliu a referida distinção formal também para as hipóteses de obrigação por quantia certa, nas quais agora a execução se fará, sem solução de continuidade, no mesmo processo em que se proferiu a sentença. A atividade cognitiva e a atividade executiva passaram, assim, a representar fases de um único feito (processo “sincrético”). Reza no caput o art. 475-I, igualmente introduzido pela Lei nº 11.232: “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A (...), ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”. O legislador adotou aí conceito restrito de execução, circunscrevendo-o à hipótese de obrigação pecuniária; para os outros casos, não consagrou denominação específica, deixando-os sob o nomen iuris genérico de cumprimento. Criticável que se afigure, no plano doutrinário, a opção será respeitada na presente exposição. Começaremos, destarte, pelas hipóteses contempladas nos arts. 461 e 461-A, aos quais faz remissão o art. 475-I, caput. II. Cumprimento da sentença no caso de obrigação de fazer ou não fazer Reza o art. 461, caput: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático
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equivalente ao do adimplemento”. A redação é ruim: intuitivamente se percebe que a cláusula “se procedente o pedido” não diz respeito apenas ao que se lhe segue, senão também ao que a precede, pois é claro que o juiz só “concederá a tutela específica da obrigação” se acolher o pedido. Interessam aqui, em particular, os §§ 5º e 6º (na redação da Lei nº 10.444). Aquele enumera as providências que o órgão judicial, de ofício ou a requerimento do interessado, poderá determinar para que se efetive a tutela específica ou se alcance o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Eis o rol constante do dispositivo: “a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva”. É meramente exemplificativa a enumeração, conforme ressalta das palavras “tais como”. A parte final do parágrafo estabelece que, se necessário, o juiz requisitará força policial, à evidência para vencer a resistência do devedor ou de terceiro. Nos termos do § 6º, é lícito ao juiz, de ofício (a fortiori, a requerimento da parte interessada), “modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”. O teor literal do dispositivo (“se tornou”) não deve ser entendido como se restringisse a possibilidade da modificação à superveniência de fato capaz de justificá-la: pode o órgão judicial modificar o valor ou a periodicidade, ainda sem fato novo, se se convencer de que a fixação inicial não foi a mais razoável. A decisão modificativa será impugnável por agravo de instrumento. A execução referente a obrigação de fazer ou não fazer com fundamento em título extrajudicial não foi alterada pela Lei nº 11.232. Continuaram em vigor, aí, as regras constantes do Código, até o advento da Lei nº 11.382. Remete-se o leitor ao capítulo próprio da 2ª parte deste livro (§§ 3º e 4º). III. Cumprimento da sentença no caso de entrega de coisa Lê-se no art. 461-A (na redação da Lei nº 10.444): “na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação”. Ao contrário do que se dá no art. 461, a redação aqui deixa claro que a fixação do prazo só terá lugar, como é natural, se concedida a tutela específica, isto é, se julgado procedente o pedido. O texto legal não minudencia a disciplina do cumprimento da sentença. Estabelece o § 1º, em todo caso, que, se o devedor não cumprir a obrigação de entregar a coisa no prazo fixado, se expedirá em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão de posse, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel. O § 3º diz aplicável aqui o disposto nos parágrafos do art. 461; mas é intuitivo que nem todas as disposições deles constantes se mostram adequadas à entrega de coisa: por exemplo, o “impedimento de atividade nociva” (art. 461, § 5º, na redação da Lei nº 10.444). Não foi alterada pela Lei nº 11.232 a disciplina da execução para entrega de coisa fundada em título extrajudicial. Permaneceram em vigor, a respeito, as regras
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contidas no Código, agora com as modificações feitas pela Lei nº 11.382. Remete-se o leitor, aqui também, ao capítulo próprio da 2ª parte deste livro (§§ 1º e 2º). § 32 – Cumprimento da sentença no caso de obrigação pecuniária I. Generalidades A Lei nº 11.232, vale repetir, no art. 475-I, reservou o nomen iuris “execução” para o caso de cumprimento de sentença que julgue procedente o pedido em matéria de obrigação pecuniária. Todavia, o texto legal não regulou integralmente a execução: limitou-se, em sequência mal ordenada de dispositivos, a disciplinar-lhe a etapa inicial (art. 475-J), a impugnação do executado (arts. 475-L e 475-M) e a competência (art. 475-P); a enumerar os títulos executivos judiciais (art. 475-N); a traçar regras especiais para a execução provisória (art. 475-O) e para a hipótese de incluir-se prestação de alimentos na indenização por ato ilícito (art. 475-Q). A disciplina da execução, no restante, continuou a ser a prevista no Livro II do Código de Processo Civil. Lê-se no art. 475-R: “Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial”. Até a entrada em vigor da Lei nº 11.382, referente à matéria, essas normas eram as contidas do Código, com a óbvia ressalva dos dispositivos revogados, v.g. os arts. 570 e 605. Remete-se o leitor, ainda neste passo, à 2ª parte deste livro, dedicada ao processo de execução. 2. Intuitivamente se compreende que a sistemática consagrada pela Lei nº 11.232 pressupõe, para funcionar, a existência de processo civil anterior, no qual se haja proferido a sentença exequenda. Só então será possível fazer prosseguir a atividade jurisdicional no mesmo feito, conquanto em nova fase. A leitura do rol dos títulos executivos judiciais, constante do art. 475-N (também introduzido pela Lei nº 11.232), evidencia que isso nem sempre ocorre. Nos casos dos incisos II (sentença penal condenatória transitada em julgado), IV (sentença arbitral) e VI (sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça), não há processo civil anterior do qual o cumprimento da sentença possa constituir mero prosseguimento. Em tais hipóteses, portanto, se se houver de promover a execução (ou, quando necessária, a liquidação) da sentença, será mister instaurar processo dotado de individualidade própria. A sistemática terá de ser modificada para atender a semelhante necessidade. É o que explica a regra especial do art. 475-N, parágrafo único (cf., infra, nº III, 1). II. Início da fase executiva 1. Do fato de já não constituir a execução da sentença, em regra, processo formalmente individuado não se infere que possa promovê-la o próprio órgão judicial,
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ex officio, independentemente da iniciativa da parte vitoriosa. Ressalta o contrário, com absoluta clareza, da disposição constante do art. 475-J (também introduzido pela Lei nº 11.232), § 5º, de acordo com a qual, “não sendo requerida a execução no prazo de seis (6) meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte”. Também alude a “requerimento do credor” – é certo que para a expedição de “mandado de penhora e avaliação” – o caput do mesmo artigo. Justifica-se a subordinação do começo dessa fase à vontade do exequente. Pode acontecer que lhe pareça inútil intentar a execução quando não haja perspectiva concreta de resultado frutífero, v.g. por inexistência de bens sobre os quais ela possa recair. Além disso, se vingar a eventual impugnação do executado, ou vier a ser reformada ou anulada a sentença exequenda, o exequente terá de ressarcir os danos causados àquele (art. 574), e esse é risco que ele talvez não se disponha a correr. Prevalece, por conseguinte, a regra do art. 566, segundo a qual “podem promover a execução forçada: I – o credor a quem a lei confere título executivo; II – o Ministério Público, nos casos prescritos em lei” (v.g., Lei nº 4.717, de 29.6.1965, art. 16). Deve acrescentar-se o credor solidário daquele que figura no título, desde que lhe aproveite o julgamento, nos termos do art. 274, 2ª parte, do Código Civil. 2. Não é uniforme a terminologia empregada pelo texto legal para designar a peça apresentada pelo exequente. Ora se usa o termo “requerimento” ou palavra cognata (art. 475-J, caput, §§ 3º e 5º), ora “petição” (art. 475-O, § 3º, onde, curiosamente, antes também se fala em “requerer”). Destinatário é o tribunal ou o juízo competente segundo as disposições do art. 475-P, nos I a III e parágrafo único. A lei não regula em termos gerais a forma desse requerimento (ou petição). Cinge-se a indicar as peças cujas cópias devem instruí-lo caso se queira promover a execução provisória (art. 475-O, § 3º). Obviamente não é preciso que o requerimento satisfaça sempre as exigências do art. 282, relativo à petição inicial. Com a ressalva que virá no parágrafo subsequente, isso apenas é de rigor – e mesmo assim com as adaptações indispensáveis (v.g., quanto ao inciso VII, que se refere à “citação do réu”, aqui em regra desnecessária) – na hipótese de execução provisória, processada em autos distintos. Fora daí, a maioria dos elementos catalogados no art. 282 já se encontrarão nos autos do processo, mostrando-se ociosa a repetição. No que tange ao inciso VI, note-se que em princípio não haverá cogitar de provas destinadas a “demonstrar a verdade dos fatos alegados” senão na hipótese de requerer-se liquidação por artigos (art. 475-E, também introduzido pela Lei nº 11.232). O art. 475-J, caput, com a remissão expressa ao art. 614, nº II, exige “o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação”. O que ficou dito, porém, vale para os casos comuns, em que a execução é mera fase do mesmo processo onde se proferiu a sentença exequenda. Não assim naqueles em que ela constitui processo novo, perfeitamente individuado, como os do art. 475-N, nos II, IV e VI. Aí terá o interessado de apresentar verdadeira petição inicial,
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observando-se no que couber os incisos do art. 282, inclusive o de nº VII (o requerimento para a citação – aqui, do devedor: cf. o parágrafo único do próprio art. 475-N). Outras peças podem tornar-se necessárias em certas hipóteses. Elas estão indicadas em vários dispositivos, como o nº III do art. 614, que reclama a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo, no caso do art. 572. Outra disposição pertinente é a do art. 615, nº IV, a exigir do requerente a prova do adimplemento da contraprestação que lhe incumbia, ou de que assegura o respectivo cumprimento, na hipótese do art. 582, caput. Faculta-se ao requerente (não se lhe impõe!) “indicar desde logo os bens a serem penhorados”, no caso de deferir-se o requerimento (art. 475-J, § 3º). III. Despacho liminar 1. Compete ao juízo verificar se o requerimento (ou a petição inicial, nas hipóteses do art. 475-N, nos II, IV e VI) preenche os requisitos necessários. No caso negativo, pode ocorrer que o defeito seja sanável (v.g., falta de documento indispensável) ou que não o seja (v.g., a sentença não é exequível). Se o defeito é sanável, deve-se determinar a correção, no prazo de 10 dias (art. 284, caput), sob pena de indeferimento. Se não o é, indefere-se desde logo o requerimento (ou a petição inicial). Ao indeferir o requerimento, o juiz já não estará proferindo simples despacho, mas verdadeira sentença (art. 162, § 1º, conjugado com o art. 267, nº I), que extingue, no nascedouro, a liquidação ou a execução. O recurso cabível, portanto, será a apelação. 2. Na hipótese de deferimento, as consequências variarão segundo se trate de petição inicial (art. 475-N, nos II, IV e VI) ou de requerimento. Na primeira hipótese, terá de efetuar-se a citação do executado (art. 475-N, parágrafo único), observando-se as regras constantes do Título V, Capítulo IV, Seção III (arts. 215 e segs.). A citação pelo correio só fica preexcluída quando se cuide de execução (art. 222, letra d), mas pode ser utilizada se o caso é de liquidação. Deferido que seja o requerimento, outra é a maneira de proceder. Não há necessidade de citação, visto que não se está iniciando novo processo, senão apenas dando prosseguimento àquele em que proferida a sentença. Toca ao juízo mandar expedir “mandado de penhora e avaliação” (art. 475-J, caput, fine). IV. Procedimento subsequente 1. Nos casos de processo individuado (art. 475-N, nos II, IV e VI), o prosseguimento, após a citação, obedecerá às regras pertinentes, conforme se trate de liquidação ou de execução (art. 475-N, parágrafo único, 2ª parte). Por outro lado, nas hipóteses em que a execução se faz no mesmo processo onde se sentenciou, sendo líquida a sentença, ou já havendo sido liquidada, compete ao juízo ordenar a expedição de “mandado de penhora e avaliação” (art. 475-J, caput, fine). A Lei nº 11.232 não tratou de regular por inteiro o procedimento a ser observado nesses atos. A única disposição a respeito é a constante do art. 475-J, § 2º, da
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qual se infere que, em princípio, cabe ao oficial de justiça incumbido da diligência, além de efetuar a penhora, avaliar os bens penhorados; se, porém, não lhe for possível fazê-lo, por depender a avaliação de conhecimentos especializados, indicará tal circunstância no auto (que será só de penhora), e o juiz, “de imediato” – isto é, tão logo lhe seja presente o auto – “nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo” (art. 475-J, § 2º, fine). Torna-se necessário, em seguida, intimar o executado do auto de penhora e avaliação (ou, se for o caso, do auto de penhora e do laudo de avaliação). Far-se-á a intimação na pessoa do advogado do devedor, na forma prevista nos arts. 236 e 237 (aos quais remete expressamente o art. 475-J, § 1º), ou, na falta deste, ao respectivo representante legal, ou ao próprio executado, “pessoalmente, por mandado ou pelo correio”, segundo os dizeres do mesmo dispositivo. 2. Antes da Lei nº 11.382, que disciplinou a execução de título extrajudicial (aplicável à de sentença nos termos do art. 475-R), o mais que diga respeito à penhora (e, ajunte-se, ao depósito dos bens penhorados) continuou regido pelas disposições remanescentes do Livro II, Título II, Capítulo IV, Seção I, do Código. Elas somente deixaram de incidir naquilo que haja sido objeto de regramento diverso pela Lei nº 11.232. Note-se, de passagem, que a Lei nº 11.232 substituiu, no art. 1.102 c, relativo à ação monitória, a remissão ao “Livro II, Título II, Capítulos II e IV”, por estoutra: “Livro I, Título VIII, Capítulo X”. Já não ocorrerá, aqui, a nomeação de bens pelo devedor, para que sobre eles recaia a penhora. Cabe ao exequente, se quiser e puder, indicar desde logo tais bens (art. 475-J, § 3º). Omitindo-se ele, o oficial de justiça penhorará bens do devedor – que não sejam, é óbvio, impenhoráveis – “tantos quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios” (art. 659, caput). Deve o oficial, sempre que possível, observar a ordem prevista no art. 655. V. Cominação de multa 1. Reza o art. 475-J, caput, principio, que, “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze (15) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento”. Como ressalta do teor do dispositivo, a cominação vale exclusivamente para a execução de sentença condenatória, admita-se ou não o efeito executivo em qualquer outra espécie de sentença. Por outro lado, ela incide de pleno direito, sendo desnecessário que o exequente o requeira, ou que o juiz determine o acréscimo. A cominação tem o intuitivo escopo de incentivar o executado a pagar desde logo. Se isso acontecer, haverá ainda a vantagem de poupar ao órgão judicial o trabalho de fazer prosseguir a execução, e ao exequente as despesas necessárias a esse prosseguimento. O pagamento pode ser feito direta e pessoalmente ao credor, ou a quem tenha poderes para receber em seu nome. Se a oferta parecer insuficiente ao
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credor, este ficará livre de recusá-la (art. 581), restando ao executado a possibilidade de depositar a quantia no juízo da execução. É concebível, no entanto, que o credor opte por aceitar o pagamento parcial. Caso o executado o efetue, no prazo fixado, ou proceda ao respectivo depósito, a multa só incidirá sobre o valor remanescente (art. 475-J, § 4º). 2. Ponto de grande importância, mas a cujo respeito guarda silêncio a lei, é o do termo inicial para a incidência da multa. À primeira vista, parece lógico o entendimento de que esse termo inicial se localiza no próprio dia em que a sentença se torna exequível. Permitimo-nos aqui, todavia, uma ponderação. Em mais de um caso, pode surgir dúvida sobre o momento em que se configura a exequibilidade. Pense-se, por exemplo, na hipótese de coincidir esse momento com o do trânsito em julgado (execução definitiva). Se do último recurso interposto não conheceu o órgão ad quem, v.g. por intempestivo, no rigor da técnica a decisão impugnada terá passado em julgado quando o recurso se tornou inadmissível: no exemplo, o termo final do prazo de interposição vencido in albis (cf., supra, § 17, III, 1). Semelhante entendimento, porém, não é pacífico: há quem só admita o trânsito em julgado a partir do instante em que não penda qualquer recurso, admissível ou não. Outra hipótese controvertida é a de sentença objetivamente complexa, cujos capítulos se tornem irrecorríveis em diferentes momentos: ao nosso ver, o trânsito em julgado para cada qual ocorrerá em separado, mas boa parte da jurisprudência adota a tese de que aquele só se dá quando cesse a recorribilidade para todos os capítulos. Existem ainda hipóteses em que não há unanimidade acerca da produção de efeito suspensivo pela apelação e, portanto, acerca da possibilidade de promover-se desde logo a execução (provisória) da sentença. A interpretação acima exposta suscita, destarte, uma justificável incerteza acerca do começo da incidência da multa e, por conseguinte, do respectivo valor. Afigura-se preferível situar o dies a quo da incidência em momento inequívoco. Daí optarmos pela necessidade de intimar-se o executado – o que se harmoniza, por sinal, com o disposto no art. 240, caput, a cuja luz, “salvo disposição em contrário, os prazos para as partes (...) contar-se-ão da intimação”. VI. Impugnação do executado 1. Outra inovação relevante trazida pela Lei nº 11.232 consiste na modificação da via utilizável para impugnar a execução, em sua primeira etapa. Essa via era, em princípio, a dos embargos do devedor, verdadeira ação incidental, em que o executado passava a autor, e o exequente a réu. O grande inconveniente de tal sistemática residia no efeito, que surtia o recebimento dos embargos, de suspender o curso da execução, retardando-lhe o término. O mencionado diploma legal estatui que o executado, se quiser impugnar a execução, oferecerá simples impugnação, no prazo de 15 dias (art. 475-J, § 1º, fine). Péssima, diga-se de passagem, a redação do dispositivo, com cacofônica dualidade
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de gerúndios quase consecutivos: “podendo” e “querendo” – o segundo, por sinal, absolutamente supérfluo, pois jamais se conceberia que não seja voluntário o oferecimento de impugnação... De qualquer modo, é certo que o processo incidente dos embargos se converte aqui em mero incidente do processo unificado. Localiza-se o termo inicial do prazo de 15 dias na data da intimação do auto de penhora e avaliação, ou, eventualmente, desse auto e do laudo de avaliação (supra, nº III, 1). O prazo sujeita-se às regras constantes do Livro I, Título V, Capítulo III (arts. 177 e segs.). Havendo mais de um executado, corre separadamente para cada qual, afastada a incidência do art. 191, que pressupõe prazo comum aos litisconsortes. 2. Os possíveis fundamentos da impugnação estão indicados, em enumeração taxativa (art. 475-L, caput, verbo “somente”). A “falta ou nulidade da citação inicial, se o processo correu à revelia” (inciso I), diz respeito, no comum dos casos, à fase cognitiva do feito. Trata-se, por sinal, do único defeito dessa fase invocável para impugnar a execução. Para configurar-se, é mister que o devedor não haja oferecido defesa no prazo legal, nem passado a atuar depois no processo, por meio de procurador voluntariamente constituído, sendo irrelevante neste contexto a eventual atuação do curador especial a que se refere o art. 9º, nº II, fine. Todavia, na hipótese de execução de sentença estrangeira homologada (art. 475-N, nº VI), o vício só pode ser invocado quanto à citação para o processo de homologação, não para o processo realizado no outro país, onde se proferiu a sentença homologada: essa é matéria que já se terá examinado como requisito de homologabilidade, e está preclusa. Consideração análoga vale para a “revelia” a que alude o texto. Exemplos de inexigibilidade do título (inciso II) são: a pendência da condição ou do termo, no caso do art. 572; o inadimplemento da obrigação do exequente, quando sem isso não possa ele reclamar o implemento da obrigação do outro (art. 582, caput, com a ressalva da parte final). De acordo com o § 1º do art. 475-L, para o fim do inciso II, “considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal”, ou “em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”. Por “penhora incorreta” (inciso III, principio) entende-se não apenas aquela que se haja realizado com preterição de formalidade essencial (v.g., a feita por um único oficial de justiça, na hipótese do art. 661), senão também a que recaia sobre bem impenhorável. O mesmo inciso alude a “avaliação errônea”, nada importando que o erro haja sido do oficial de justiça ou do avaliador nomeado pelo juiz (art. 475-J, § 2º). Configura-se a ilegitimidade das partes (inciso IV), ativa ou passiva, respectivamente, quando a execução é promovida por quem não esteja autorizado a tanto, segundo os arts. 566 e 567 (vide ainda o caso mencionado na parte final do § 32, nº II, 1, supra), ou em face de quem não tenha responsabilidade executiva, primária ou secundária (arts. 568 e 592).
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O excesso de execução (inciso V) consiste em pleitear o exequente quantia superior à do título, caso em que cumpre ao executado “declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação” (§ 2º). Das outras hipóteses arroladas no art. 743, as dos nos II e III não se aplicam aqui; as dos nos IV e V antes nos parecem suscetíveis de enquadramento na figura da inexigibilidade do título. Refere-se, por fim, o inciso VI a “qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à penhora”. A redação é parcialmente imprópria, porque não se concebe a ocorrência superveniente de causa impeditiva da obrigação: se a sentença reconheceu a existência desta, ou o órgão judicial repeliu a alegação de fato impeditivo, ou tal alegação deixou de ser feita e está preclusa; o que pode configurar-se é alguma causa impeditiva da execução singular, não da obrigação, como a falência do devedor (Lei nº 11.101, de 9.2.2005, art. 6º). Quanto às causas modificativas ou extintivas, é exemplificativa (verbo “como”) a enumeração legal. No caso de execução de julgamento estrangeiro homologado, a “sentença” a que faz menção a parte final do dispositivo é a alienígena: basta a superveniência do fato à decisão que se homologou; não é necessária – embora suficiente – a superveniência à decisão homologatória. Com efeito, aí, a apuração do possível fato impeditivo, modificativo ou extintivo não constituiu, nem poderia ter constituído, objeto do juízo de homologação; cuida-se de matéria nova, suscitável (pela primeira vez) na impugnação à execução. 3. Em princípio, a impugnação não produz o efeito de suspender o curso da execução. Poderá o juiz, no entanto, atribuir-lhe tal efeito, inclusive ex officio, “desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação” (art. 475-M, caput). Ainda nessa hipótese, contudo, o exequente logrará fazer prosseguir o processo executivo, se oferecer e prestar caução que o juiz repute “suficiente e idônea”. Ela será arbitrada pelo órgão judicial e prestada nos próprios autos (art. 475-M, § 1º). No que tange à incompetência absoluta do juízo a que se requer a execução, incide o art. 113, caput, à luz do qual ela “deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição”. Nada obsta a que o executado a suscite na impugnação. A incompetência do órgão que proferiu a sentença exequenda é matéria própria de fase anterior do processo (Título VIII, Capítulo II, Seção III, Subseção I), e a esta altura estará preclusa. Se a execução for suspensa, a impugnação será instruída e processada nos mesmos autos. No caso contrário, processar-se-á em autos apartados (art. 475-M, § 2º), a fim de não tumultuar os da execução, que prossegue. A decisão que acolher ou rejeitar a impugnação é recorrível por agravo de instrumento, salvo quando acarretar a extinção (total) da execução, hipótese em que ca-
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berá apelação (art. 475-M, § 3º). No primeiro caso, ter-se-á típica decisão interlocutória; no segundo, verdadeira sentença. Modificação alguma sofreu, por força da Lei nº 11.232, a disciplina dos embargos do devedor cabíveis na etapa de expropriação (art. 746). Essa disposição permaneceu em vigor, mas veio a ser modificada pela Lei nº 11.382. Remete-se o leitor, ainda aqui, à 2ª parte deste livro, consagrada à execução de título extrajudicial (§§ 18 e segs.).
2ª PARTE PROCESSO DE EXECUÇÃO
INTRODUÇÃO 1. Processo de execução Processo de Execução – Introdução
Enquanto o processo de conhecimento visa em substância à formulação, na sentença definitiva, da regra jurídica concreta que deve disciplinar a situação litigiosa, outra é a finalidade do processo de execução, a saber, atuar praticamente aquela norma jurídica concreta. Bem se compreende que seja diversa a índole da atividade jurisdicional realizada num e noutro processo. No de conhecimento, ela é essencialmente intelectiva, ao passo que no de execução se manifesta, de maneira preponderante, através de atos materiais, destinados a modificar a realidade sensível, afeiçoando-a, na medida do possível, àquilo que, segundo o direito, ela deve ser. No sistema originário do Código de Processo Civil, essa atuação prática da norma jurídica concreta era, em regra, precedida da respectiva formulação pelo órgão judicial; o processo de execução, embora distinto e autônomo, pressupunha o de conhecimento. Em certas hipóteses, contudo, especificamente previstas, tornava-se (e continua a tornar-se) desnecessária a prévia atividade cognitiva: a lei confere eficácia executiva a certos títulos, considerando que neles já se acha contida a norma jurídica disciplinadora das relações entre as partes, com suficiente certeza para que o credor se tenha por habilitado a pleitear, desde logo, a realização dos atos materiais tendentes a efetivá-la. Conforme exposto na 1ª parte deste livro (Introdução, nº 1), a sistemática originária viu-se modificada por leis sucessivas, que aboliram, total ou parcialmente, a distinção formal entre a sequência de atos cognitivos e a sequência de atos executivos, convertendo esta em prosseguimento daquela, praticamente sem solução de continuidade. Tal evolução ocorreu, primeiro, nos casos de obrigação de fazer ou não fazer e nos de entrega de coisa, estendendo-se mais recentemente aos de obrigação pecuniária, por força da Lei nº 11.232. O antigo processo de execução, consecutivo ao de conhecimento, perdeu a autonomia e transformou-se em mera fase de um processo “sincrético”. A Lei nº 11.232, entretanto, não regulou por inteiro a fase executiva desse processo. Permaneceram em vigor muitas disposições do Livro II do Código, sob a rubrica “Do processo de execução”, aplicáveis não só à mencionada fase, senão também à execução de títulos extrajudiciais – matéria que precisou esperar, para ser
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regulada, a Lei nº 11.382. Registre-se que o termo “execução”, no que concerne aos títulos judiciais, ficou reservado às hipóteses de sentença de teor pecuniário; para as que julguem procedente, em processo de conhecimento, pedido relativo a obrigação de fazer ou não fazer e a entrega de coisa, a Lei nº 11.232 emprega a denominação genérica de “cumprimento” (cf. § 31, nº I, supra). Seja como for, no campo das obrigações por quantia certa constantes de título judicial, se nos ativermos à linguagem legal (doutrinariamente discutível), só cabe falar, agora, de processo de execução, como figura nitidamente individuada, nos casos do art. 475-N, nos II, IV e VI. O art. 475-R, introduzido pela Lei nº 11.232, previu a aplicação subsidiária, à execução de título judicial (rectius, consoante o teor literal do dispositivo, ao “cumprimento da sentença”), das disposições que viesse a conter lei destinada a reger a execução de títulos extrajudiciais. Tal foi a Lei nº 11.382, que assim passou a disciplinar não só essa espécie de execução, mas também, “no que couber”, a execução de títulos judiciais – ressalvada, em qualquer caso, a “execução por quantia certa contra devedor insolvente”, para a qual permanecem em vigor os arts. 748 a 786. Uma observação importante: não é absoluta, quando cabível, a diferenciação em fases dedicadas à atividade cognitiva e à executiva. No terreno coberto por uma delas não raro se inserem atos pertinentes à outra. Subsiste, porém, a distinção ontológica entre as duas atividades. Em qualquer caso, o processo de execução atinge a sua consumação normal desde que se estabeleça a correspondência, tão perfeita quanto possível, entre a situação real e a indicada na norma jurídica concreta. Assim, por exemplo, quando se reembolse o credor da importância que lhe era devida, ou se realize o fato a cuja prestação se obrigara o devedor. Razões de ordem vária podem todavia obstar ao conseguimento desse resultado, seja barrando a marcha da execução, porque se mostre ela juridicamente inviável (v.g.: a obrigação já se extinguira, mesmo sem pagamento, após a emissão da sentença exequenda), seja frustrando-a pela impossibilidade prática de alcançar-se o fim colimado (v.g.: não se encontram, no patrimônio do devedor, bens de que se possa lançar mão para satisfazer o crédito exequendo). 2. Espécies de execução a) A execução pode basear-se em título judicial, o que ocorre quando ela pressupõe processo de conhecimento, ou em título extrajudicial a que a lei confira tal eficácia. A natureza do título executivo e o lugar que se lhe deve reservar na construção dogmática da execução constituem temas cujo tratamento encontra sede própria na teoria geral do processo. No presente contexto, nada mais cabe que enumerar os títulos dotados de eficácia executiva. São títulos executivos judiciais (art. 475-N, introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 584): a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia (nº I), incluí-
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da nesse conceito a parte condenatória de qualquer sentença – seja qual for a natureza do capítulo principal (assim, a condenação do litigante vencido a pagar ao vencedor as despesas por este antecipadas e os honorários do seu advogado: art. 20, caput); a sentença penal condenatória transitada em julgado (nº II), a qual é civilmente exeqüível contra o réu (não contra o mero responsável civil!), para reparação do dano causado ao ofendido (cf. Código de Processo Penal, art. 63); a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo (nº III), em qualquer caso desde que se imponha prestação a alguma das partes, ou a ambas – e, por igualdade de razão, a despeito do silêncio da lei, a sentença que homologue o reconhecimento, pelo réu, de pedido condenatório (art. 269, nº II); a sentença arbitral, também quando imponha prestação (nº IV; cf. o art. 31, fine, da Lei nº 9.307, que emprega o termo “condenatória”); o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado em juízo (nº V); a sentença estrangeira devidamente homologada (nº VI); em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos outros sucessores, o formal e a certidão de partilha, nada importando que a sucessão seja a título universal ou singular (nº VII). São títulos executivos extrajudiciais (art. 585, na redação decorrente da Lei nº 11.382): a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque (nº I); a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor, ou o documento particular firmado pelo devedor e por duas testemunhas, bem como o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores (nº II); os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como de seguro de vida (nº III); o crédito decorrente de foro e laudêmio (nº IV); o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio (nº V), devendo entender-se a última cláusula como referente à hipótese de dívida de locatário para com locador, e não à de dívida de condômino para com o condomínio, a qual se rege pelo art. 275, nº II, letra b (na redação da Lei nº 9.245); o crédito de serventuário da justiça, de perito, de intérprete ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial (nº VI); a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei (nº VII); todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir eficácia executiva (nº VIII) – assim, v.g., a cédula de crédito rural (Dec.-lei nº 167, de 14.2.1967, art. 41); o crédito garantido por alienação fiduciária em garantia (Dec.-lei nº 911, de 1º.10.1969, art. 5º); os créditos dos órgãos criados por lei federal para controlar o exercício de profissão (Lei nº 6.206, de 7.5.1975, art. 2º); o crédito por honorários advocatícios, ajustados em contrato escrito, ou judicialmente fixados ou arbitrados (Lei nº 8.906, de 4.7.1994, art. 24). Não é dado às partes, ainda que concordes, criar outros títulos executivos extrajudiciais. Ao contrário do que se dá com as sentenças (art. 483), não dependem de homologação, para terem eficácia em nosso território, os títulos executivos extrajudiciais
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oriundos de Estado estrangeiro. Devem, contudo, satisfazer os requisitos de formação exigidos pela lei do país onde se constituíram e indicar o Brasil como o lugar de cumprimento da obrigação (art. 585, § 2º). Judicial ou extrajudicial, o título há de corresponder a obrigação “líquida, certa e exigível” para que possa fundamentar execução legítima (art. 586). Dessa regra decorre a necessidade, quando a sentença exequenda não houver determinado o valor do débito, de proceder-se previamente à respectiva liquidação (art. 475-A, introduzido pela Lei nº 11.232; sobre a liquidação, vide, supra, §§ 29 e 30). Contendo a sentença parte líquida e parte ilíquida, é lícito ao credor promover desde logo a execução daquela, ao mesmo tempo que a liquidação desta [art. 475-I (também introduzido pela Lei nº 11.232), § 2º]; em tal caso, uma correrá nos autos principais e a outra em autos apartados. b) Chama-se definitiva a execução fundada em título extrajudicial ou em sentença transitada em julgado, isto é, insuscetível de impugnação por qualquer recurso [art. 475-I (introduzido pela Lei nº 11.232), § 1º]; denomina-se provisória a execução de sentença ainda pendente de recurso, obviamente desprovido de efeito suspensivo (ou – o que é o mesmo – recebido só no efeito devolutivo), inclusive o recurso especial e o extraordinário (arts. 475-I, § 1º, e 542, § 2º). A 2ª parte do art. 587, na redação da Lei nº 11.382, trouxe uma inovação, a nosso ver infeliz: averba também de provisória a execução instaurada na pendência de “apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo”. A execução provisória, que se baseia sempre em sentença judicial civil, pode ser promovida a partir do recebimento do recurso no efeito meramente devolutivo (como no caso do art. 521, 2ª parte), e não difere da definitiva, em substância, pelo modo como se processa (art. 475-O, caput, igualmente introduzido pela Lei nº 11.232, que revogou o art. 588), mas, fundamentalmente, por sua menor estabilidade, devida à circunstância de estar ainda sujeito o título em que se funda à anulação ou à reforma pelo órgão competente para julgar o recurso. Sobrevindo tal decisão, anulatória ou reformatória, de grau superior, a execução provisória “fica sem efeito”, como reza o art. 475-O, caput, nº II, “restituindo-se as partes ao estado anterior”; no caso contrário, ela se converte em definitiva – o que sucederá se não se chegar a julgar o recurso (v.g., em virtude de desistência), ou se o julgamento do órgão ad quem “confirmar” a sentença exequenda e transitar em julgado. Nesta última hipótese, a execução passará a ter por título o acórdão, e não mais a decisão recorrida, que ele substituiu (art. 512). Essas observações valem, mutatis mutandis, para a hipótese de anulação ou reforma parcial da sentença exequenda, em que a execução provisória “fica sem efeito” na parte correspondente ao que se houver anulado ou reformado (art. 475-O, § 1°), e se torna definitiva quanto ao restante. Justamente porque suscetível de desfazer-se, a execução provisória “corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente” (art. 475-O, nº I, principio), que pode optar entre promovê-la, assumindo o risco, e aguardar o trânsito em julgado da sentença, para executá-la em caráter definitivo. No primeiro caso, obriga-se o exequente “a repa-
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rar os danos que o executado haja sofrido” em razão dos atos executivos provisoriamente realizados (art. 475-O, caput, nº I, fine); trata-se de responsabilidade puramente objetiva, pois de modo algum se pode conceber como ilícita a execução provisória. Esta, ademais, não comporta, sem caução idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos, “o levantamento de depósito em dinheiro” pelo exeqüente, nem “a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado” (art. 475-O, caput, nº III). Pode ser dispensada a caução “quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade”, ou “nos casos de execução provisória em que penda agravo junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação” (art. 475-O, § 2º, nos I e II). Nos termos do art. 589, a execução definitiva far-se-ia nos autos principais, e a provisória nos autos suplementares, onde houvesse, “ou por carta de sentença, extraída do processo pelo escrivão e assinada pelo juiz”. O art. 590, por sua vez, enumerava os “requisitos” (rectius: elementos) da carta de sentença. Ambos os dispositivos, todavia, foram revogados pela Lei nº 11.232, embora subsistam referências à carta de sentença nos arts. 484, atinente à execução da sentença estrangeira homologada, e 521, relativo à execução provisória da sentença impugnada por apelação sem efeito suspensivo. Hoje, ao requerer a execução provisória, o exequente deve instruir a petição com cópias das peças arroladas no art. 475-O, § 3º, a saber: sentença ou acórdão exequendo (inciso I), certidão da interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo (inciso II), procurações outorgadas pelas partes (inciso III), decisão de habilitação, se for o caso (inciso IV) e, facultativamente, de “outras peças processuais que o exequente considere necessárias” (inciso V). Poderá o advogado declarar a autenticidade das peças, sob sua responsabilidade pessoal. c) De acordo com a natureza da prestação devida, distinguia o Código (na redação originária), disciplinando-as separadamente: a execução para a entrega de coisa (arts. 621 e segs.); a execução das obrigações de fazer e de não fazer (arts. 632 e segs.) – consideradas de modo particular, entre aquelas, as obrigações de emitir declaração de vontade (arts. 639 a 641) –; e a execução por quantia certa, que por sua vez se desdobrava em duas modalidades perfeitamente diferenciadas, dependendo de ser solvente (arts. 646 e segs.) ou insolvente (arts. 748 e segs.) o devedor. No âmbito da execução por quantia certa, mereceram regulamentação especial o caso de crédito pecuniário contra a Fazenda Pública (arts. 730 e 731) e o de prestação alimentícia (arts. 732 e segs.). Cumpre ressaltar que o regime previsto nos arts. 621 e segs., atualmente, só é aplicável quando se cuida de título executivo extrajudicial (v. a cláusula expressa do
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art. 621, na redação da Lei n° 10.444). Tratando-se de sentença, a disciplina própria é a estabelecida no art. 461-A (introduzido pela mesma lei), de acordo com a qual, ao julgar procedente o pedido no processo de conhecimento e conceder ao autor a tutela específica, o juiz mesmo fixa o prazo para o cumprimento da decisão e, se o réu não a cumprir nesse prazo, faz expedir em favor do autor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme seja móvel ou imóvel a coisa, respectivamente (art. 461-A, caput e § 2°, na redação da supramencionada lei). Caso necessário, pode o órgão judicial valer-se das providências contempladas no art. 461, incidindo as disposições de seus §§ 1° a 6° (art. 461-A, § 3°, sempre na redação da Lei n° 10.444). Análoga advertência cabe a propósito das obrigações de fazer e não fazer: o regime dos arts. 632 e segs. vale para as hipóteses de título executivo extrajudicial, ao passo que, se judicial o título, o respectivo cumprimento obedecerá ao disposto no art. 461, observando-se subsidiariamente as normas do correspondente capítulo do Título II do Livro II (art. 644, na redação da Lei n° 10.444). Quanto à execução por quantia certa, passou a reger-se pelas disposições dos arts. 475-J e segs., introduzidos pela Lei nº 11.232 (vide a remissão expressa do art. 475-I, caput, fine) e, em caráter subsidiário, “no que couber”, pelas normas relativas ao processo de execução extrajudicial” (art. 475-R) – solução criticável do ponto de vista técnico, que provavelmente não deixará de gerar dificuldades práticas e divergências de interpretação. Ademais, subsistem ainda dispositivos do Código não revogados nem modificados (ex.: art. 572). Tende a execução a proporcionar ao credor, em princípio, resultado prático igual ao que ele obteria se o devedor cumprisse a obrigação; e isso não apenas do ponto de vista quantitativo, mas também do qualitativo. Em outras palavras, a execução deve ser específica. Hipóteses ocorrem, todavia, em que, por impossibilidade material (exemplo: perecimento da coisa devida), o credor só pode ser satisfeito mediante a entrega do equivalente pecuniário; e nalguns casos (v.g., art. 627, caput, fine) a lei lhe reconhece a possibilidade de preferir o recebimento de importância em dinheiro, em vez da prestação originariamente exigível. Quer isso dizer que, sob determinadas circunstâncias, execução de outro tipo vem a converter-se em execução por quantia certa. Em tal perspectiva, costuma chamar-se genérica a esta execução, por oposição às restantes espécies. d) Inadimplente o devedor, a execução de título judicial torna-se realizável, em regra, logo que a sentença passe em julgado ou contra ela seja recebido recurso de efeito meramente devolutivo. Em certas hipóteses, contudo, a exequibilidade fica retardada, cabendo falar-se aí de execução diferida. É o que acontece quando a exigibilidade da prestação depende do implemento de condição (suspensiva) ou do advento de termo, caso em que “o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou que ocorreu o termo” (art. 572); e também quando o próprio credor está obrigado a uma contraprestação e por isso impossibilitado de exigir o cumprimento da obrigação do devedor antes de cumprir, ele próprio, a sua.
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Nessa hipótese, “não se procederá à execução, se o devedor se propõe satisfazer a prestação, com meios considerados idôneos pelo juiz, mediante a execução da contraprestação pelo credor e este, sem justo motivo, recusar a oferta” (art. 582, caput); é lícito ao devedor, ademais, exonerar-se da obrigação, mediante o depósito da prestação em juízo, “caso em que o juiz suspenderá a execução, não permitindo que o credor a receba, sem cumprir a contraprestação que lhe tocar” (art. 582, parágrafo único). 3. O procedimento no processo de execução Ao processo executivo é estranha a distinção, fundamental no de conhecimento, entre procedimento comum e procedimentos especiais, bem como, a fortiori, a subdivisão do primeiro em procedimento ordinário e procedimento sumário. Não quer isso dizer que na execução seja sempre igual a maneira por que se realizam e se sucedem os atos processuais; bem ao contrário. O tipo de procedimento adequado depende essencialmente, porém, da prestação que em princípio se visa a proporcionar ao credor, de acordo com o determinado no título executivo. A cada espécie de prestação corresponde um tipo de procedimento, inexistindo qualquer paradigma geral a que os vários tipos comportem referência. No Título II (“Das diversas espécies de execução”), Capítulos II a IV, disciplina assim o Código, separada e sucessivamente: o procedimento da “execução para a entrega de coisa” (arts. 621 e segs.); o da “execução das obrigações de fazer e de não fazer” (arts. 632 e segs.); o da “execução por quantia certa contra devedor solvente” (arts. 646 e segs.). Peculiaridades dignas de nota explicam que se haja regulado à parte, no Capítulo V, a “execução de prestação alimentícia”, que do ponto de vista conceptual não deixa de inserir-se no quadro da execução por quantia certa; aliás, no próprio Capítulo IV, consagrou-se um grupo de normas especiais à “execução contra a Fazenda Pública”, também divergente do padrão em certos pontos. Inteiramente destacada desse contexto é a disciplina da “execução por quantia certa contra devedor insolvente”, a que o Código preferiu dedicar um Título inteiro (IV) do Livro II (arts. 748 e segs.). A execução fiscal (para cobrança da “dívida ativa” da Fazenda Pública) é regulada por lei especial (Lei nº 6.830, de 22.9.1980), aplicando-se-lhe subsidiariamente as disposições do Código. Não obstante chamar-se genérica à execução por quantia certa, tal expressão apenas denota o fato de que, sob determinadas circunstâncias, nela se pode converter execução de outra espécie (supra, nº 2, c). O procedimento prescrito para a execução por quantia certa não constitui, no entanto, modelo a que se reportem os das restantes espécies de execução. Unicamente dentro do âmbito da “execução por quantia certa contra devedor solvente” é que se pode reconhecer uma relação análoga à existente, no processo de conhecimento, entre o procedimento comum e os especiais: a que se configura entre o procedimento previsto nos arts. 646 e segs. (com as modificações introduzidas pela Lei nº 11.382), de um lado, e os procedimentos da “execução contra a Fazenda Pública” e da “execução de prestação alimentícia” (além da execução fiscal), de outro lado.
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As sentenças e decisões interlocutórias proferidas no processo de execução comportam impugnação através dos mesmos recursos admissíveis no de conhecimento. Naquele também incide, ademais, a norma do art. 475, que faz obrigatória, em certos casos, a revisão pelo órgão judicial superior, mesmo na ausência de impugnação. Todavia, os atos que se praticam nesse prolongamento voluntário ou necessário do processo de execução não dependem, quanto à sua ordenação procedimental, da espécie de execução em que surgiu o pronunciamento recorrido ou sujeito à revisão ex vi legis. Estranho que é ao processo da execução, conforme se assinalou, o conceito de procedimento sumário, nem sequer há cogitar, aqui, das particularidades que, no processo de conhecimento, marcam o itinerário recursal quando submetida a causa àquele procedimento: inexistência de revisor no tribunal (art. 551, § 3º), fixação de prazo máximo para o julgamento (art. 550). Nenhuma dessas regras incide em se tratando de recurso contra pronunciamento do juízo da execução. 4. Instauração do processo de execução A diversidade do procedimento nas várias espécies de execução não exclui que seja basicamente comum a todas elas a maneira por que se inicia o processo. Revogado pela Lei nº 11.232 o art. 570, que admitia a instauração por iniciativa do devedor, incumbe ao credor requerer a execução (art. 566, nº I), ou, nos casos legalmente previstos (v.g., Lei nº 4.717, de 29.6.1965, art. 16), ao Ministério Público (art. 566, nº II). Acrescente-se ao rol qualquer dos cocredores solidários, quando lhes aproveite o julgamento favorável no pleito só de um ou alguns deles (Código Civil, art. 274, 2ª parte). A execução, no sentido próprio, jamais é promovida ex officio pelo órgão judicial; prevalece aqui também, como no processo de conhecimento, o princípio da iniciativa da parte (arts. 2º e 262, combinados com o art. 598). A petição inicial da execução, dirigida ao juiz ou tribunal competente, será instruída com o título executivo extrajudicial (art. 614, nº I); se se tratar de sentença, constará ela dos próprios autos do anterior processo de conhecimento. Instruirá igualmente a petição, no caso de execução por quantia certa, o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação (art. 614, nº II, acrescentado pela Lei nº 8.953); no do art. 572, a prova de já se ter verificado a condição ou ocorrido o termo (art. 614, nº III), e bem assim, no do art. 582, principio, a prova de haver sido adimplida a contraprestação que cabia ao credor, ou a de que este lhe assegura o cumprimento (art. 615, nº IV). Na petição inicial deve o credor indicar a espécie de execução que prefere, quando por mais de um modo puder efetuar-se (art. 615, nº I), e pedir (se judicial o título executivo, apenas nos casos do art. 475-N, parágrafo único, introduzido pela Lei nº 11.232) a citação do devedor (art. 614). Na execução de título extrajudicial, existindo na comarca mais de um juízo competente, ou mais de um cartório ou secretaria vinculados ao mesmo juízo, sujei-
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ta-se a petição inicial à distribuição, em termos iguais aos previstos para o processo de conhecimento (arts. 251 e segs.; cf. 1ª Parte, § 1º, nº IX). Na execução de título judicial, ressalvados os casos do art. 475-N, nºs II, IV e VI, em que pode haver pluralidade de órgãos com competência concorrente para processá-la, em regra não tem lugar a distribuição, submetendo-se a petição ao juízo competente. Toca ao órgão judicial examinar a petição inicial de execução, em atividade de controle análoga à exercida no processo de conhecimento. Verificando que ela está incompleta, ou não se acha acompanhada dos documentos indispensáveis, determinará que o credor a corrija, no prazo de dez dias, sob pena de ser indeferida (art. 616). Também a indeferirá em qualquer das hipóteses do art. 295 aplicáveis ao processo executivo. A ação de execução reputa-se proposta quando o juiz defere a petição inicial, ou, sendo o caso, no momento da distribuição (art. 263, 1ª parte, combinado com o art. 598). Em todas as hipóteses de execução de título extrajudicial (quanto às de execução de título judicial, só nas indicadas no art. 475-N, parágrafo único), ao deferimento segue-se naturalmente a citação do executado, imprescindível à validade do processo (art. 214, caput, combinado com o art. 598, e 618, nº II). Validamente efetuada a citação, produzem-se, no que for cabível, os efeitos a que se refere o art. 219. Entre eles, o de interromper a prescrição tem a peculiaridade de considerar- se operado no dia em que se houver proposto a execução, desde que observados os prazos do art. 219, §§ 2º e 3º; do contrário, a prescrição só se interromperá (sendo ainda possível!) na data da própria citação válida. É quanto resulta da norma do art. 617, que, aliás, em paralelismo parcial com o disposto no art. 263 para o processo de conhecimento (e no art. 202, nº I, do Código Civil), atribui o efeito interruptivo à “propositura da execução, deferida pelo juiz”. 5. Execução de obrigação alternativa Exame à parte reclama o modo por que se instaura a execução, quando alternativa a obrigação cujo cumprimento se quer obter do devedor, não tendo ocorrido a fixação em anterior processo de conhecimento. Se, de acordo com o direito material, cabe a escolha ao credor, este a fará na própria petição inicial, indicando a prestação que quer receber (art. 571, § 2º), ressalvada ao devedor a possibilidade de impugná-la, com fundamento em disposição legal (v.g., Código Civil, art. 252, § 1°, aplicável por analogia) ou contratual, mediante embargos. Caso o exequente não se pronuncie, entende-se que renunciou ao ius eligendi, tocando ao executado realizar a prestação de sua escolha. Quando a escolha competir ao devedor, será ele citado “para exercer a opção e realizar a prestação dentro em dez (10) dias, se outro prazo não lhe foi determinado em lei, no contrato ou na sentença” (art. 571, caput). Aqui se concebe mais de uma hipótese:
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a) o executado escolhe e cumpre a obrigação tempestivamente, ou realiza uma das prestações, o que vale por escolha tácita: com isso a execução se encerra, salvo prosseguimento quanto a alguma prestação acessória porventura ainda devida; b) o executado manifesta no prazo a opção, mas não presta: passa-se aos atos propriamente executivos, com referência à prestação escolhida; c) o executado nada faz no prazo, deixando-o correr in albis: devolve-se o ius eligendi ao credor (art. 571, § 1º), a quem tocará indicar a prestação de sua preferência, para que a execução prossiga quanto a ela, mediante intimação do devedor, que não precisa ser novamente citado.
EXECUÇÃO PARA A ENTREGA DE COISA Capítulo Único
§ 1º – Entrega de Coisa Certa Execução para a Entrega de Coisa
I. Generalidades 1. Embora o Código trate em Seções distintas da execução para a entrega de coisa certa (arts. 621 a 628) e da execução para a entrega de coisa incerta (arts. 629 a 631), na verdade o procedimento estabelecido para a primeira é também aplicável, no essencial, à segunda, como, aliás, dispõe expressamente o art. 631. Em se tratando de coisa incerta, pode sobrevir o incidente regulado no art. 630 (impugnação, por qualquer das partes, da escolha feita pela outra); se não o houver, ou desde que decidido, prevalecerá basicamente o itinerário traçado na lei para a execução tendente à entrega de coisa certa. 2. O art. 621, na redação da Lei nº 10.444, limita a aplicabilidade da disciplina estabelecida no capítulo à execução fundada em título extrajudicial, como pode ser o do art. 585, nº II. Se se trata de sentença que julgue procedente pedido de entrega de coisa, incidem o art. 461-A e seus parágrafos (introduzidos pela Lei n° 10.444), mas também aí se aplicam, subsidiariamente, “no que couber”, as regras atinentes ao processo de execução de título extrajudicial (art. 475-R, introduzido pela Lei nº 11.232). A distinção essencial entre os dois regimes consiste em que, cuidando-se de sentença, não há necessidade de um processo de execução diferenciado. Não é o autor vitorioso que tem o ônus de tomar a iniciativa: o próprio órgão judicial, de ofício, trata de efetivar a decisão. Outra dessemelhança, menos relevante, reside em que, na execução propriamente dita (isto é, nos casos de título extrajudicial), o prazo para o cumprimento da obrigação está fixado na lei mesma (10 dias: art. 621, caput, na redação da Lei n° 10.444), enquanto nas hipóteses de procedência do pedido em ação cognitiva, compete ao juiz, na sentença, fixar o prazo (art. 461-A, caput, introduzido pela citada lei).
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Execução para a Entrega de Coisa
Não divergem, contudo, os traços básicos do procedimento, numa e noutra área. Há sempre um prazo para que o devedor cumpra voluntariamente a obrigação, após o qual, subsistindo a omissão, se passa à satisfação coativa do credor, mediante a expedição, em seu favor, de mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel (v. arts. 625 e 461-A, caput e § 2°, na redação da Lei n° 10.444). II. Linhas fundamentais do procedimento 1. Ajuizada e deferida a petição inicial, procede-se à citação do devedor (excluída a via postal: art. 222, d), para entregar a coisa no prazo de dez dias (art. 621, caput). O decêndio começa a correr, quando efetuada a citação por oficial de justiça, da juntada aos autos do mandado cumprido; quando promovida através de carta de ordem ou precatória, da juntada desta, uma vez realizada a diligência; quando feita por edital, desde que finda a dilação assinada pelo juiz. É lícito a este, ao despachar a inicial, “fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo” (art. 621, parágrafo único, na redação da Lei nº 10.444). Contra a decisão que altere o valor cabe agravo de instrumento (cf. supra, 1ª parte, § 20, nº III, 1). Se o executado, dentro do prazo, fizer a entrega, lavrar-se-á o respectivo termo e, transferida a coisa para as mãos do exequente, dar-se-á por encerrada a execução, mediante sentença (arts. 794, nº I, e 795). Fica ressalvado o caso de correr ao devedor, além da obrigação de entregar a coisa, outra de natureza pecuniária: pagamento de frutos, ressarcimento de perdas e danos (art. 624). Em semelhante hipótese, insatisfeito o credor, prosseguir-se-á nos termos da execução por quantia certa, procedendo-se previamente, quando necessário, à liquidação do valor. O prosseguimento, que se faz nos mesmos autos, pode visar ainda à cobrança das custas e dos honorários advocatícios. 2. É possível que o executado queira impugnar a execução, mediante embargos (infra, § 18). Antes da Lei nº 11.382, o oferecimento de embargos tinha como pressuposto necessário o depósito da coisa (art. 621, caput, conjugado com o art. 737, nº II), e o decêndio para oferecê-los contava-se a partir do termo de depósito (art. 738, nº II). Aquele diploma legal, porém, revogou todo o art. 737 e os incisos do art. 738. Ademais, conforme o art. 736, na nova redação, “o executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos”. Eliminou-se, destarte, o pressuposto. O prazo para o oferecimento de embargos passou a ser de 15 (quinze) dias, “contados da data da juntada aos autos do mandado de citação” (art. 738, caput, sempre na redação da Lei nº 11.382). Não se lhe aplica o disposto no art. 191, que prevê a duplicação de prazo na hipótese de litisconsórcio, quando diferentes os procuradores dos litisconsortes (art. 738, § 3º). Se houver mais de um executado, “o prazo para
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cada um deles embargar conta-se a partir da juntada aos autos do mandado de citação, salvo tratando-se de cônjuges” (art. 738, § 1º). “Nas execuções por carta precatória, a citação do executado será imediatamente comunicada pelo juiz deprecado ao juiz deprecante, inclusive por meios eletrônicos”, e o prazo para embargos contar-se-á “da juntada aos autos de tal comunicação” (art. 738, § 2º). Do procedimento e julgamento dos embargos tratar-se-á no lugar próprio (infra, § 19). 3. Pode acontecer que permaneça totalmente omisso o executado: citado, deixa passar in albis o decêndio do art. 621, sem entregar a coisa, bem como o prazo para oferecer embargos. Nos termos do art. 625, expedir-se-á, em favor do exequente, mandado de imissão na posse, quando imóvel a coisa, ou de busca e apreensão, quando móvel. Entretanto, à semelhança do que em termos expressos se previu (art. 624, caput, fine), com referência à entrega voluntária da coisa pelo executado, pode suceder que a execução haja de continuar para pagamento de frutos ou ressarcimento de perdas e danos, e bem assim no tocante a custas e honorários. Isso naturalmente se fará de acordo com o procedimento próprio da execução por quantia certa, precedido, se necessário, de liquidação. Cumpridos de modo satisfatório todos os atos cabíveis, o juiz, por sentença, declarará extinta a execução (art. 795). III. Casos especiais 1. É concebível que não se encontre a coisa nas mãos do executado, por havê-la este alienado. Se a alienação tiver ocorrido depois que a coisa se tornara litigiosa, e a pretensão do credor se fundar em direito real, a hipótese é de fraude à execução (art. 593, nº I). Em tal caso, muito embora possa valer entre o devedor e o terceiro adquirente, o ato de alienação é ineficaz em face do credor, de modo que o bem continua sujeito à execução, como se ainda integrasse o patrimônio do executado (art. 592, nº V). Permite a lei, por isso, que o exequente reclame a coisa do terceiro; apesar da redação do art. 626, que sugere imperatividade, aqui se trata de mera faculdade outorgada ao exequente, a quem é lícito preferir uma alternativa: recebimento do valor da coisa, mais perdas e danos (cf. art. 627). A opção é livre ao exequente; se este o requerer, expedir-se-á mandado contra o terceiro adquirente, que não “será ouvido” – isto é, não poderá legitimamente oferecer embargos – sem antes depositar a coisa (art. 626). 2. Outra dificuldade concebível é a de não ser entregue nem encontrada a coisa, quer nas mãos do executado, quer nas de terceiro, v.g., por haver perecido. Em semelhante hipótese, torna-se materialmente impossível a execução específica, restando
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a possibilidade de convertê-la em execução genérica (pecuniária). A igual solução recorre-se quando a coisa se tiver deteriorado e, por isso, o exequente se recuse a recebê-la; e bem assim quando, alienada a terceiro, não venha aquele a reclamá-la deste (art. 627, caput). Em todos esses casos, segundo reza o mesmo dispositivo, “o credor tem direito a receber, além das perdas e danos, o valor da coisa”. O montante das perdas e danos terá naturalmente de ser determinado através de liquidação. Quanto ao valor da coisa, será o constante do título, se nele indicado; do contrário, ou também se apurará mediante liquidação, ou, “sendo impossível a sua avaliação”, caberá ao próprio exequente fazer-lhe a estimativa, sujeitando-se, porém, ao arbitramento judicial, o que significa que ao juiz é lícito reduzir o valor estimado. É quanto deflui do disposto no art. 627, §§ 1° e 2°, na redação da Lei n° 10.444. Após a fixação do valor, proceder-se-á na forma do art. 475-J, na redação da Lei nº 11.232. 3. Consoante a norma do art. 628, 1ª parte, “havendo benfeitorias indenizáveis feitas na coisa pelo devedor ou por terceiros, de cujo poder ela houver sido tirada, a liquidação prévia é obrigatória”. Não pode o exequente pretender que a coisa lhe seja entregue sem antes satisfazer o eventual contracrédito que da realização de benfeitorias haja surgido para aquele em cujas mãos ela se encontra; daí a necessidade da liquidação, em que se apurará, mediante o procedimento adequado – por arbitramento (arts. 606 e 607) ou por artigos (arts. 608 e 609) –, o valor das benfeitorias. É concebível, por outro lado, que o exequente, além do direito a haver a coisa, tenha contra a parte adversa créditos pecuniários (por frutos, por danos). Liquidado o valor das benfeitorias indenizáveis, procede-se, então, se for o caso, à compensação. De acordo com o disposto na 2ª parte do art. 628, existindo saldo em favor do executado – ou do terceiro, acrescente-se, para suprir a omissão do texto –, deve o exequente depositá-lo, ao requerer a entrega da coisa; na hipótese inversa, isto é, de saldo favorável ao próprio credor, “este poderá cobrá-lo nos autos do mesmo processo”, naturalmente através do procedimento da execução por quantia certa. Em qualquer hipótese, quando haja benfeitorias indenizáveis, a execução para a entrega da coisa, propriamente dita, só se torna viável após a liquidação. Movida que seja ela sem o prévio cumprimento dessa exigência, será lícito ao devedor impugná-la através de embargos, nos quais oporá ao credor o seu direito de retenção (art. 745, nº IV, na redação da Lei nº 11.382; cf. infra, § 19, nº II, 3). Ao exequente fica ressalvada, contudo, a possibilidade de imitir-se, a qualquer tempo, na posse da coisa, desde que cumpra as exigências do art. 745, § 2º. § 2º – Entrega de Coisa Incerta I. Generalidades 1. Esta Seção do Código, composta dos arts. 629 a 631, diz respeito às hipóteses em que o objeto da prestação devida se constitui de “coisas determinadas pelo
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gênero e quantidade”, como ressalta do teor do primeiro daqueles dispositivos. Para que se possa realizar a atividade propriamente executiva, aqui, é necessária a prévia individualização. Esta, no entanto, se em regra compete ao devedor, pode também caber ao credor (Código Civil, art. 244, 1ª parte); daí a necessidade de regulamentação processual que atenda a essa dualidade de situações configuráveis. Por outro lado, ainda quando a escolha toque ao devedor, este “não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor” (Código Civil, art. 244, 2ª parte), regra aplicável, mutatis mutandis, aos casos de escolha pelo credor. Nasce assim a possibilidade de desacordo entre as partes, a respeito da coisa escolhida por uma delas, surgindo, em consequência, incidente processual, que a lei cuida de disciplinar. 2. Não há identidade conceptual entre “coisa incerta”, no sentido em que tal expressão figura na rubrica da Seção, e “coisa fungível”, ou seja, a coisa móvel que se pode substituir por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade (Código Civil, art. 85). Entre coisas fungíveis, nem sequer se põe a questão da escolha, porque a qualidade de todas elas é sempre a mesma, de sorte que a satisfação do credor não fica na dependência de ser-lhe entregue esta ou aquela: a individualização é irrelevante. Em princípio, pois, a execução para a entrega de coisa fungível (ou de coisas fungíveis) pode seguir, sem dificuldade, o procedimento traçado para a execução tendente à entrega de coisa certa, sendo desnecessário recorrer às normas dos arts. 629 e 630. Se não tem sentido, aí, cogitar de escolha, tampouco o tem, a fortiori, cogitar de impugnação da escolha. Na hipótese de a coisa entregue ou apreendida não coincidir com a devida, quanto à espécie, à qualidade e à quantidade, terá o exequente a faculdade de recusá-la (art. 581, verbis “se ela não corresponder ao direito ou à obrigação”) ou, respectivamente, o executado a de oferecer embargos por excesso de execução (art. 745, nº III, principio), conquanto não mantida na Lei nº 11.382 a disposição do antigo art. 743, nº II, que expressamente incluía entre os casos de excesso de execução o de recair esta “sobre coisa diversa daquela declarada no título”. II. Procedimento 1. Em se tratando de “coisas determinadas pelo gênero e quantidade”, se a escolha couber ao exequente, este a manifestará na própria petição inicial; se couber ao executado, o credor há de requerer-lhe a citação não apenas para escolher, mas desde logo para proceder à entrega da(s) coisa(s), obviamente individualizada(s). Ao examinar a inicial, deve o juiz verificar a quem compete a escolha, segundo o título, e indeferir a citação do devedor para entregar a(s) coisa(s) acaso indicada(s) pelo exequente, se não é este, mas aquele, que tem o direito de escolher. Dispõe o executado de dez dias para entregar a(s) coisa(s) escolhida(s) pelo exequente ou por ele próprio, conforme o caso (art. 621, aplicável por força da remissão feita no art. 631). Contudo, se não estiver de acordo com a escolha manifesta-
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da pelo exeqüente, tem o executado 48 horas para impugná-la (art. 630, principio); o esgotamento in albis do prazo acarreta preclusão. Embora não o diga o texto, a impugnação tempestiva suspende o curso do decêndio para a entrega, até que o incidente seja resolvido. Por outro lado, entregando o executado a(s) coisa(s) no prazo de dez dias, faculta-se ao exequente, também em 48 horas, e igualmente sob pena de preclusão, impugnar a escolha. Neste caso, a coisa permanecerá sob depósito até que se resolva o incidente. 2. Disciplina a solução do incidente, em termos sucintos, a parte final do art. 630, consoante a qual “o juiz decidirá de plano, ou, se necessário, ouvindo perito de sua nomeação”. Não se realiza audiência. Pode o juiz, todavia, proceder à inspeção direta da(s) coisa(s), se a considerar útil para esclarecer-se (art. 440, aplicável por analogia). A decisão é agravável por instrumento. 3. Feita abstração das peculiaridades acima descritas, rege-se o procedimento, no que couber, pelas normas da execução para a entrega de coisa certa (art. 631). Assim, cabendo a escolha ao devedor, se este entregar a coisa no decêndio, e não houver impugnação do credor, ou o juiz a rejeitar, dar-se-á por encerrada a execução, com ressalva do eventual prosseguimento nos termos do art. 624, fine. Se a coisa não for entregue, deve entender-se, por aplicação analógica do art. 571, § 1º, que o direito de escolha se devolve ao exequente, em cujo favor, conforme o caso, se expedirá mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão da coisa que ele designar (art. 625). Tocando a escolha, desde o início, ao credor, que há de tê-la indicado na petição inicial (art. 629, fine), tudo se passa essencialmente do mesmo modo, caso não haja impugnação do executado. Se houver, após a decisão do incidente é que recomeçará a correr o prazo para a entrega; quanto ao mais, inexistem particularidades que devam ser mencionadas. Caso o exequente não manifeste sua opção na inicial, entende-se que renunciou ao ius eligendi, podendo o executado liberar-se pela entrega da coisa que preferir. É concebível o incidente previsto no art. 628, e bem assim – ao menos quando feita a escolha pelo credor – os contemplados nos arts. 626 e 627. As soluções são as anteriormente expostas (supra, § 1º, nº III).
EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER Capítulo I MEIOS DE SUB-ROGAÇÃO
§ 3º – Execução das Obrigações de Fazer Execução das Obrigações de Fazer e de Não Fazer
I. Generalidades 1. Também esta modalidade de execução é peculiar, hoje, aos casos de título extrajudicial (v.g., documento com as características do art. 585, nº II, onde se estipule obrigação de fazer). Consoante estatui o art. 644, na redação da Lei nº 10.444, se se trata de sentença que tenha julgado procedente o pedido em ação cujo autor reclama o cumprimento de obrigação de fazer (ou não fazer), aplicável é o regime do art. 461. Cita-se o devedor para praticar o ato no prazo fixado no título executivo. Se este não o fixar, caberá ao juiz determiná-lo (art. 632, 2ª parte), ao despachar a inicial, devendo constar do mandado executivo a respectiva indicação. O mesmo vale para a hipótese de interessar ainda ao credor o cumprimento específico da obrigação de fazer, embora já esgotado o prazo legal ou convencional. 2. Se o executado praticar o ato dentro do prazo fixado, a execução se extinguirá (art. 794, nº I), tocando ao juiz declará-lo por sentença (art. 795). Fica ressalvado o eventual prosseguimento quanto a alguma prestação ainda devida (v.g., custas, honorários de advogado). É lícito ao executado, em vez de cumprir, embargar a execução, no prazo de 15 dias subsequente à juntada do mandado aos autos (art. 738). Recebidos os embargos com efeito suspensivo, não se poderá prosseguir enquanto penderem de julgamento, ficando suspensa a execução (art. 791, nº I, na redação da Lei nº 11.382); mas, se o juiz os declarar improcedentes, não haverá necessidade, para o prosseguimento, de
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aguardar o trânsito em julgado da sentença, pois a apelação que contra esta se interpuser terá efeito meramente devolutivo (art. 520, nº V). Caso o executado não cumpra tempestivamente a obrigação, e inexistam ademais embargos pendentes a tolher a atividade executiva, esta naturalmente prossegue. Cabe examinar em separado as hipóteses de obrigação passível de ser satisfeita mediante ato de terceiro e as de obrigação que só o próprio devedor possa satisfazer. II. Execução das obrigações com prestação fungível 1. Em muitos casos de obrigação de fazer, o direito do credor pode ser cabalmente satisfeito mediante a prática do ato por pessoa diversa do devedor. Costuma-se falar, a propósito, em “obrigações com prestação fungível”; por exemplo: a de consertar aparelho, a de caiar parede ou muro, a de capinar terreno, a de transportar mercadorias, a de demolir edificação, a de instalar peças destinadas a reduzir o nível da poluição produzida por atividade industrial, e outras tantas em que ao credor normalmente interessa o resultado da atividade, e não a identidade de quem a realize. Nessas hipóteses, recalcitrando o executado em cumprir a obrigação, faculta a lei ao exequente requerer que o ato seja praticado por terceiro, à custa daquele (art. 634, caput). A decisão do juiz, que defira ou indefira o requerimento, é agravável (art. 522). Se o requerimento for deferido, a execução obedecerá ao disposto nos arts. 634 e seguintes. Passamos a expor esse procedimento, complexo (apesar da simplificação efetuada pela Lei nº 11.382) e sujeito a incidentes – a cujo emprego, por isso mesmo, se o título resultou de processo de conhecimento, em que se concluiu pela procedência do pedido, a Lei n° 10.444 preferiu mandar aplicar o regime previsto no art. 461 (art. 644, na redação do citado diploma legal). 2. A realização do ato por terceiro, no sistema originário do Código, reclamava, salvo convenção entre as partes, a escolha do executor através de licitação, sob a forma de concorrência pública. Para tanto, depois de fazer avaliar por meio de perito o custo da prestação do fato, mandava o juiz expedir edital, com prazo máximo de trinta dias (art. 634, § 1º). Do edital constariam, além de outros elementos, as características da obra ou serviço a executar, bem como o valor estimado na perícia, o dia, lugar e hora em que se abririam as propostas e o quantum estabelecido pelo juiz a título de caução. No salutar propósito de tornar mais singelo e ágil o procedimento, a Lei nº 11.382 eliminou a necessidade de concorrência pública. Entretanto, a nova disciplina resultou demasiado lacônica, para não dizer incompleta. O atual parágrafo único do art. 634 limita-se a estabelecer: “o exequente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado”. E o novo parágrafo único do art. 637 alude à “apresentação da proposta pelo terceiro”, do que se segue que cabe ao terceiro interessado (e não ao próprio exequente) o ônus da apresentação.
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Além disso, nos termos do art. 637, caput, “se o credor quiser executar, ou mandar executar, sob sua direção e vigilância, as obras e trabalhos necessários à prestação do fato, terá preferência, em igualdade de condições de oferta, ao terceiro”. E o parágrafo único, na redação nova, acrescenta que tal direito “será exercido no prazo de 5 (cinco) dias, contados da apresentação da proposta pelo terceiro”. Tem-se a nítida impressão de que o legislador só cogitou da hipótese de haver um único terceiro interessado e, por conseguinte, uma única proposta. Isso, porém, não acontece fatalmente, nem aliás se afigura desejável: a pluralidade de propostas tem a manifesta vantagem de permitir a escolha de uma capaz de mostrar-se mais satisfatória. Ademais, deixar a indicação do terceiro à pura discrição do juiz é solução obviamente nada isenta de riscos, sobretudo o de indevido favorecimento pessoal. Ora, para que se possibilite a apresentação de mais de uma proposta, é imprescindível que mais de um terceiro porventura interessado tome ciência da situação – para o que, a nosso ver, não basta a publicação, no órgão oficial, da decisão que defira o requerimento do exequente (art. 634, caput), visto o círculo restritíssimo de pessoas dadas a semelhante leitura. Mais eficiente parece a adoção de providências como as mencionadas no § 2º, 2ª parte, do art. 687, inclusive – e principalmente – a divulgação da notícia por meios eletrônicos. Por outro lado, o art. 637, parágrafo único, na redação da Lei nº 11.382, segundo o qual “o direito de preferência será exercido no prazo de 5 (cinco) dias, contados da apresentação da proposta pelo terceiro (art. 634, parágrafo único)”, igualmente pressupõe que se apresente uma só proposta, esquecido da hipótese de pluralidade. Melhor, no particular, era a solução originária do Código, onde o parágrafo único do art. 637 mandava contar “da escolha da proposta” o quinquídio para exercício do direito de preferência. Com efeito, uma vez que duas ou mais propostas, diversas no conteúdo, podem ser apresentadas em dias diferentes (embora dentro do prazo que o juiz terá fixado), não é concebível que o exequente se veja forçado a exercer o direito de preferência antes de conhecer o teor de todas elas. O dispositivo sob exame, pois, somente comporta aplicação literal no caso de haver proposta única no termo final do prazo de apresentação: aí, sim, ciente dos respectivos termos, tem o exequente como resolver se exercerá ou não o direito de preferência. Nos outros casos, afigura-se mais razoável aguardar o momento em que se dê ciência das várias propostas ao exequente, para que este manifeste a vontade de exercer o direito de preferência, no prazo de cinco dias. O quinquídio deve ser havido como prazo peremptório, no sentido de que, escoado in albis, em princípio decai o exequente do direito de preferência, e a matéria fica preclusa.
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As decisões de escolha da proposta, de deferimento ou indeferimento da preferência requeridos pelo exequente são todas impugnáveis por agravo de instrumento. 3. Dando o executor por concluída a prestação do fato, deve o órgão judicial ouvir as partes, num decêndio. Caso não haja impugnação, declarará a obrigação cumprida e extinguirá por sentença a execução (art. 795). Se houver impugnação, o juiz decidirá (art. 635). Tendo sido realizada a obra ou o serviço de modo incompleto ou defeituoso, e bem assim na hipótese de não haver o contratante prestado tempestivamente o fato, abre-se ao credor a possibilidade de requerer ao órgão judicial, no prazo de dez dias, que o autorize a proceder, ele próprio, à conclusão ou reparação (ou ainda à realização, compreende-se, no caso de inadimplemento total), agora por conta do contratante inadimplente (art. 636, caput). Ouvido este em cinco dias, o juiz decidirá, podendo valer-se, é claro, de inspeção pessoal ou do auxílio de perito, se disso precisar para formar sua convicção; a ser fundada a impugnação, mandará avaliar o custo das depesas necessárias e condenará o contratante a pagá-lo (art. 636, parágrafo único). Note-se que o exequente não é obrigado a requerer a autorização de que cuida o art. 636, caput. Trata-se de mera faculdade, entendendo-se que ao credor é lícito, se lhe parecer preferível, deixar que a obra ou o serviço fique sem conclusão, ou com o defeito existente, e até mesmo que não se realize. III. Execução das obrigações com prestação infungível 1. Existem casos em que, ao contrário do que se dá nos examinados acima (nº II), a satisfação do credor apenas pode resultar do cumprimento da obrigação por determinada pessoa: são as denominadas “obrigações com prestação infungível”. Isso acontece, antes de mais nada, na hipótese expressamente prevista no art. 638, caput, verbis “quando for convencionado que o devedor a faça pessoalmente”; em outras palavras, quando o ato jurídico que constitui fonte da obrigação houver sido celebrado intuitu personae, tendo em vista qualidades individuais do devedor, de sorte que ao credor não interessa a prestação por terceiro: assim, v.g., a contratação de pintor famoso para retratar alguém, a de artista célebre para dar um recital, a de cientista notável para pronunciar conferência sobre assunto de sua especialidade etc. A infungibilidade pode também decorrer, por outro lado, de circunstâncias particulares que tornem impossível, jurídica ou até materialmente, a prestação por outra pessoa que não o obrigado. Pense-se, por exemplo, em ato que só ao devedor permite a lei praticar, em serviço público de que é concessionária exclusiva certa empresa, em informação que ninguém senão o devedor está em condições de prestar, por ser o conhecedor único do ponto, e assim por diante. Conquanto não os abranja o teor literal do dispositivo, esses outros casos naturalmente se submetem à mesma disciplina aplicável aos antes mencionados.
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2. Se, citado para cumprir a obrigação em certo prazo (arts. 632 e 638, caput), o executado se recusar a fazê-lo, ou simplesmente se omitir até o termo final, a execução específica torna-se inviável. Ao órgão judicial, com efeito, não é dado constranger o executado, pela força, à prestação a que se obrigara; por outro lado, descabe aqui o expediente de fazer praticar o ato por outrem, à custa do executado, inexistindo qualquer outra possibilidade de proporcionar ao exequente resultado prático equivalente ao que decorreria do adimplemento. Abstraindo-se do uso dos meios de coerção (infra, §§ 5º e 6º), nenhuma solução resta, pois, senão a de converter-se a obrigação pessoal do devedor em perdas e danos, conforme reza o art. 638, parágrafo único. Por conseguinte, a execução também se transforma: de específica passa a genérica, isto é, pecuniária (cf. Introdução, nº 2, c). Incide o disposto no art. 633, caput, fine (ao qual, aliás, remete expressis verbis o art. 638, parágrafo único), e no respectivo parágrafo único. Quer dizer: mediante liquidação, promovida pelo exequente, apura-se o valor das perdas e danos que o inadimplemento lhe causou. Em seguida, poderá ele cobrar do executado o montante fixado, através do procedimento da execução por quantia certa. A liquidação será desnecessária caso se haja estipulado multa de natureza compensatória. É oportuno ressalvar que, citado, tem o executado o prazo de 15 dias a que alude o art. 738, caput (na redação da Lei nº 11.382), para oferecer embargos. Se o fizer, a transformação da execução específica em execução pecuniária somente se tornará possível caso sejam eles declarados improcedentes. Não se terá de aguardar, porém, que a sentença transite em julgado, porque a apelação eventualmente interposta só produzirá efeito devolutivo (art. 520, nº V). IV. “Execução” das obrigações de emitir declaração de vontade 1. As obrigações de emitir declaração de vontade incluem-se por natureza entre as de prestação infungível, pois só o devedor, em princípio, pode declarar a sua própria vontade, sendo inconcebível que disso se venha a encarregar qualquer terceiro, como poderia acontecer se se tratasse, v.g., de consertar aparelho ou demolir edificação. Todavia, as obrigações de que agora se cuida têm um ponto comum com as de prestação fungível: o interesse do credor não se dirige à atividade do devedor, considerada em si mesma, senão ao resultado dela, isto é, à produção do efeito (aqui jurídico, em vez de material, como nos outros casos referidos) que de semelhante atividade resultaria. Para dizer de maneira diversa: o que o credor quer conseguir – e isso o satisfará por completo – é a formação de situação jurídica igual à que surgiria se o devedor emitisse a declaração de vontade a que estava obrigado. Daí deflui a possibilidade de proporcionar-se ao credor – diferentemente do que sucede nas restantes hipóteses de obrigação com prestação infungível – o benefício especificamente visado, e não apenas uma vantagem substitutiva, representada
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pelo equivalente em dinheiro da prestação devida. Em determinadas circunstâncias, assegura-lhe a lei aquele resultado, através de expediente que torna prescindível a colaboração do devedor: atribui à própria sentença, pela qual haja sido ele condenado a emitir a declaração de vontade, os mesmos efeitos que normalmente só esta poderia surtir. 2. Consagrava o Código tal sistema nos arts. 639 a 641, por sinal bem mal ordenados, pois se começava por disposições especiais, para só no fim enunciar-se a geral. Na verdade, inexistia nessas hipóteses verdadeira execução – e, a fortiori, processo de execução. Tudo se passava (e se passa) no plano cognitivo. Louvavelmente, a Lei nº 11.232 deslocou os dispositivos para o Livro I, onde eles aparecem, agora, em sequência mais lógica, sob a forma dos arts. 466-A, 466-B e 466-C, correspondentes, respectivamente, aos antigos arts. 641, 639 e 638. Trata-se, na verdade, de efeitos produzidos pela própria sentença, sem necessidade alguma da posterior prática de atos destinados a modificar o mundo exterior, sensível, menos ainda do emprego de meios de coerção. A mudança da situação jurídica – que é a única alterada – decorre ipso iure do trânsito em julgado da sentença de procedência do pedido. Adequada, portanto, a nova localização dos dispositivos, no Capítulo sob a rubrica “Da sentença e da coisa julgada”, mais precisamente da Seção I (“Dos requisitos e dos efeitos da sentença”). § 4º – Execução das Obrigações de Não Fazer I. Generalidades 1. A obrigação de não fazer pode resultar de negócio jurídico (contrato, no comum dos casos) ou de outro ato ou fato a que alguma norma jurídica atribua tal efeito. É defeituosa a redação do art. 642, que põe a lei em pé de igualdade com o contrato como fonte da obrigação de não fazer: a obrigação jamais decorre direta e exclusivamente da lei, mas sim da incidência desta sobre um esquema de fato nela previsto, em termos abstratos, como suscetível de gerar a obrigação, quando ocorra in concreto. Por exemplo: a situação de vizinhança entre dois prédios cria para cada um dos proprietários confinantes a obrigação de não encostar à parede divisória aparelhos ou depósitos capazes de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho (Código Civil, art. 1.308). Espécie do gênero obrigações de não fazer é a obrigação de tolerar, isto é, de não oferecer resistência a fato natural, ou à atividade de outrem, ou a resultado desta ou daquele. Assim, v.g., a obrigação, atribuída ao dono do prédio inferior, de “receber as águas que correm naturalmente do superior” (Código Civil, art. 1.288), e a obrigação, que tem qualquer proprietário de imóvel, de tolerar que entre no seu prédio, e dele temporariamente use, mediante prévio aviso, o vizinho, quando indispen-
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sável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa (Código Civil, art. 1.313, n° I). A prestação negativa pode ser instantânea (exemplos: obrigação de não perturbar certa manifestação, de não passar pelo local x, em dia e hora determinados, de não se exibir no espetáculo teatral ou no programa de televisão marcado para o próximo domingo) ou permanente (exemplos: obrigação de não explorar determinado ramo de comércio, de não erguer construção, de não impedir a passagem de animais alheios pelo próprio terreno). A distinção é relevante no que concerne às consequências do inadimplemento: uma vez descumprida a obrigação de prestação negativa instantânea, é impossível cogitar de desfazer-se o que foi feito, de modo que o credor só poderá haver uma reparação pecuniária; já quando contínua a prestação, torna-se viável, em regra, a exigência de que cesse a violação ou se desfaça o que se fez descumprindo a obrigação. Nesta última hipótese, em vez da obrigação originária de não fazer, surge para o devedor outra obrigação derivada, de natureza diversa: a obrigação de desfazer, que no fundo se reduz a uma obrigação de fazer (v.g., de demolir a construção). 2. No Livro II, Título II, Capítulo III, Seção II, cogita o Código, precipuamente, da execução fundada em título (extrajudicial) que consagre obrigação de não fazer com prestação permanente; apenas o parágrafo único do art. 643 é aplicável ao caso de obrigação de não fazer com prestação instantânea, e assim mesmo pressupõe que ela já tenha sido descumprida, ou seja, que o devedor já haja realizado o ato de que tinha de abster-se. Mas não se pode abstrair da possibilidade de que uma pessoa seja condenada previamente a não fazer algo, a manter comportamento omissivo (cf. o art. 287, principio), sobretudo quando, sendo instantânea a prestação, ao credor interesse, de modo essencial, que o ato não seja praticado, e existam sinais inequívocos de que o devedor está na iminência de praticá-lo. A disciplina expressa na Secção é, pois, lacunosa, e tanto mais quanto omissa no que respeita à citação do devedor – indispensável, entretanto, à luz das normas gerais que regem a matéria. Observe-se que o art. 738, caput, na redação da Lei nº 11.382, autoriza o oferecimento de embargos, pelo executado, no prazo de 15 dias, contados da juntada do mandado citatório aos autos, sem excetuar a execução das obrigações de fazer e de não fazer. Cumpre ao intérprete, portanto, preencher as lacunas do texto, recorrendo às normas de incidência genérica nas diversas espécies de execução. II. Procedimento 1. Procede-se, como de regra, à citação do devedor. Em princípio, este será citado para não praticar o ato de que há de abster-se. Se, porém, já o praticou, o exequente poderá desde logo requerer ao juiz que lhe assine prazo para desfazê-lo, caso possível (art. 642).
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Em qualquer hipótese, é lícito ao executado oferecer embargos, no prazo a que alude o art. 738, caput, na redação da Lei nº 11.382. Os embargos, em regra, não têm o efeito de suspender a execução (art. 739-A, caput, introduzido pela mesma lei). Se tal efeito lhes for atribuído pelo juiz, nos termos do § 1º, ficará suspensa a execução (art. 791, nº I, sempre na redação da Lei nº 11.382); mas, se o órgão judicial os declarar afinal improcedentes, não é necessário aguardar o trânsito em julgado, pois a apelação que se interpuser terá efeito meramente devolutivo (art. 520, nº V). 2. Caso o devedor cumpra a obrigação, encerra-se o processo executivo, salvo quanto a alguma outra prestação porventura ainda devida (v.g., custas, honorários de advogado). Caso não a cumpra no prazo marcado, nem se dê efeito suspensivo a seus embargos, prossegue a execução. Abre-se aqui mais de uma possibilidade. Se a obrigação era de prestação negativa contínua, sendo suscetível de desfazimento a obra ou trabalho que o executado realizou e não se dispõe a desfazer, mandar-se-á que se desfaça à sua custa, sem prejuízo das perdas e danos por que responda aquele (art. 643, caput), cobráveis pelo procedimento da execução por quantia certa, mediante prévia liquidação, quando necessário. O desfazimento a expensas do executado obedece ao disposto nos arts. 634 a 638: como acima se observou (nº I, 1), agora já não se está diante da obrigação originária de não fazer, mas da obrigação derivada, que tem por prestação um fazer contrário (desfazer). Sendo fungível essa prestação, incidem naturalmente as regras traçadas pelo Código para a atribuição a terceiro (ou, eventualmente, ao próprio exequente) da tarefa que ao devedor se impunha (supra, § 3º, nº II). Pode acontecer, porém, que o ato seja insuscetível de desfazimento (o que sempre ocorre quando instantânea a prestação negativa), ou que não haja obra ou trabalho a desfazer, mas atividade que se prolonga no tempo e que o executado se recusa a cessar. Em semelhantes hipóteses, tornando-se impossível o prosseguimento da execução específica, resolve-se a obrigação descumprida em perdas e danos (art. 643, parágrafo único) com a consequência, para o exequente, de precisar instaurar execução por quantia certa, após fixado o quantum, se necessário, através de liquidação.
Capítulo II MEIOS DE COERÇÃO
§ 5º – Generalidades I. Razão de ser e natureza 1. O processo de execução visa, em princípio, a proporcionar ao credor resultado prático igual ao que ele obteria se o devedor cumprisse a obrigação. Todavia, circunstâncias diversas impossibilitam por vezes a consecução desse objetivo. Conforme se viu, ao longo da exposição precedente, um dos remédios com que a lei sói acudir a tal emergência é o de substituir a prestação específica devida por equivalente pecuniário, exigível pelo credor mediante o procedimento da execução por quantia certa (execução genérica: vide Introdução, nº 2, c). Mas pode acontecer que essa solução não se mostre satisfatória, notadamente por dirigir-se o interesse do credor, de modo exclusivo ou preponderante, à prestação in natura. Vale-se então o ordenamento jurídico de outros expedientes. Um deles consiste em colocar à disposição do credor meios de exercer pressão sobre a vontade do devedor, a fim de que este se resolva a adimplir. Além da prisão do devedor de alimentos, a que se aludirá oportunamente (infra, § 11, nº II, 3), pode recorrer-se, no direito brasileiro, à ameaça de dano pecuniário (multa), grave bastante para que o devedor, na contingência de optar entre sofrer o dano e cumprir a obrigação, seja levado a escolher o segundo termo da alternativa, razão pela qual não há cogitar necessariamente de proporcionalidade entre o valor de um e o de outra. 2. O emprego desses meios de coerção não constitui atividade propriamente executiva. A execução forçada, em sentido técnico, tem como característica a virtude de atuar praticamente a norma jurídica concreta, satisfazendo o credor, independentemente da colaboração do devedor, e mesmo contra a sua vontade, que se despe de qualquer relevância. Aqui, bem ao contrário, em vez de prescindir-se da atividade do devedor, o que se procura é influenciá-lo psicologicamente, para que se disponha a realizá-la, ele próprio.
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Atividade executiva autêntica pode, sim, vir a realizar-se, quando se for cobrar do devedor, pelo procedimento da execução por quantia certa, o montante da multa em que porventura incorra, pelo atraso no cumprimento da condenação principal. Fora daí, o mecanismo que ora se estuda é menos uma execução propriamente dita do que um sucedâneo da execução. II. Campo de aplicação 1. O campo de aplicação por excelência dos meios de coerção é o das obrigações com prestação infungível. Realmente, sempre que é possível proporcionar ao credor, sem a colaboração do devedor, o resultado prático que lhe interessa, não há tanta necessidade de exercer pressão sobre a vontade do segundo, para que cumpra ele mesmo a obrigação. Infungível pode ser a prestação nas obrigações de fazer, o que ocorre quando só o cumprimento pelo devedor, pessoalmente, é capaz de satisfazer o credor (supra, § 3º, nº III). É ainda infungível a prestação em quaisquer obrigações de não fazer: se determinada pessoa está obrigada a abster-se de algum ato, evidentemente não poderá satisfazer o credor a abstenção de outra(s) pessoa(s) – nem sequer a de todas as outras pessoas! –, caso o devedor pratique o ato. Por conseguinte, nessas espécies de obrigação é que maior utilidade revelam os expedientes coercitivos, e com maior frequência a eles se recorrerá. 2. A lei, entretanto, não restringe aos casos acima indicados a admissibilidade dos meios de coerção. Segundo transparece da rubrica da Seção III e do teor do art. 645, caput, principio (na redação da Lei nº 8.953), são eles eventualmente utilizáveis, não havendo outra solução, em qualquer hipótese de obrigação de fazer (com prestação fungível ou infungível), ou de obrigação de não fazer. É oportuno aditar que a fixação de “multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação” também pode ocorrer, com caráter de cominação, na execução para entrega de coisa certa, fundada em título extrajudicial (art. 621, parágrafo único, introduzido pela Lei n° 10.444). § 6º – Modo de Atuação I. Aplicabilidade conforme o caso 1. Consoante ressalta do exposto até aqui, no terreno executivo, a imposição de multa pelo eventual atraso do devedor só cabe em se tratando de execução por título extrajudicial, para entrega de coisa certa (art. 621, parágrafo único, introduzido pela Lei n° 10.444) ou para cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer (art. 645, caput, na redação da Lei n° 8.953). O juiz fará a cominação ao deferir a petição inicial da execução, independentemente de pedido do credor.
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Os outros casos legalmente previstos não dizem respeito ao processo de execução, mas ao “cumprimento da sentença” (art. 475-I, caput, introduzido pela Lei nº 11.232). São os do art. 461-A, § 3°, combinado com o art. 461, §§ 4° e 5° (sempre na redação da Lei n° 10.444), para a entrega de coisa, e do art. 644, combinado também com os §§ 4° e 5° do art. 461 (na mesma redação), para as obrigações de fazer e de não fazer. Neles, toca ao órgão judicial fixar a multa na sentença que julgue procedente o pedido. 2. O valor da multa (que não coincide necessariamente com o valor da obrigação descumprida, nem o tem por limite) pode já constar do título executivo extrajudicial, ou estar previsto em lei, ou em negócio jurídico. Se assim for, o juiz naturalmente atenderá à estipulação; do contrário, fixará o valor no quantum que lhe pareça bastante para produzir o efeito psicológico desejado. De acordo, porém, com o parágrafo único do art. 645, o valor constante do título poderá ser reduzido, pelo órgão judicial, se lhe parecer excessivo. Não se contempla aí a possibilidade inversa, isto é, a da elevação do valor, na hipótese de insuficiência. A regra difere da constante do art. 461, § 6°, aplicável ao “cumprimento de sentença”, a cuja luz “o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”. II. Procedimento 1. Citado, pode acontecer que o devedor cumpra a obrigação no prazo marcado. Não há cogitar, então, da cobrança de multa. Continuando inadimplente o devedor, a multa começa a incidir desde o dia fixado. Não existe limite para a incidência: a cada dia que passa, eleva-se o montante da multa, até que seja praticado o ato, ou cesse de o ser, ou se desfaça o que foi feito, conforme o caso; ou então, se resolvida a obrigação em perdas e danos, até que o exequente embolse o respectivo quantum, como equivalente pecuniário da prestação originariamente devida. 2. A partir do dia em que comece a incidir a multa, faculta-se ao credor exigi-la, através do procedimento da execução por quantia certa. Se o devedor, citado, pagar no tríduo a que se refere o art. 652, caput (na redação da Lei nº 11.382), mas permanecer inadimplente no que tange à obrigação de fazer ou não fazer, a multa continuará incidindo. Poderá o exequente, a qualquer tempo, requerer a atualização do cálculo e promover nova execução pelo valor acrescido.
EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA Capítulo I EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE
§ 7º – Generalidades Execução por Quantia Certa
I. Campo de aplicação 1. Já se disse que o processo de execução visa, em princípio, a proporcionar ao credor resultado prático igual ao que ele conseguiria se o seu direito não sofresse lesão (ou não ficasse na iminência de sofrê-la). Explicou-se também, por outro lado, que nem sempre é possível atingir esse objetivo; em tal emergência, procura-se ao menos obter para o credor uma compensação pecuniária, que substitua a prestação diversa, originariamente devida. É o que acontece, v.g., quando a coisa pretendida não lhe pode ser entregue por haver perecido (art. 627, caput; cf. supra, § 1º, nº III, 2). Noutras hipóteses se abre igualmente ensejo à cobrança executiva de uma soma em dinheiro, quer alternativamente à exigência da prestação específica (por exemplo, quando a coisa devida foi alienada a terceiro depois de tornar-se litigiosa; art. 627, caput, fine, combinado com o art. 626), quer cumulativamente a ela (por exemplo, quando, além da coisa, tem direito o credor ao pagamento de frutos ou ao ressarcimento de perdas e danos: art. 624, fine), quer ainda como meio de coerção, destinado a compelir o devedor ao adimplemento (arts. 644 e 645). 2. Em todos esses casos, do ponto de vista prático, os termos em que se põe a questão passam a ser os mesmos em que ela se poria desde o início, se o devedor estivesse obrigado a pagar determinada importância. O desaguadouro comum é o processo de execução por quantia certa, que assim exerce dupla função: serve, naturalmente, de meio para a atuação prática da norma jurídica concreta, quando se trata de dívida pecuniária ab origine; e também de expediente destinado a proporcionar ao credor prestação substitutiva.
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Execução por Quantia Certa
Na primeira hipótese, a execução por quantia certa é específica, tal como qualquer outra execução que tenda a obter para o credor, independentemente da vontade e da colaboração do devedor, a própria prestação, in natura, que este se achava obrigado a realizar. Na segunda hipótese, ela assume caráter subsidiário; e, visto que pode funcionar como sucedâneo, in genere, de qualquer outra espécie de execução, comumente se lhe aplica a designação de genérica (Introdução, nº 2, c). Ressalva importante: sob certas condições, é lícito ao credor optar por satisfazer-se mediante a aquisição de bens do devedor (adjudicação), em vez do recebimento da quantia devida. Ao que tudo faz crer, quando da recente reforma do Livro II, esse caminho mereceu a preferência do legislador; daí a prioridade dada, consoante a nova seriação dos dispositivos, àqueles que tratam da adjudicação (arts. 685-A e 685-B, introduzidos pela Lei nº 11.382). Em igual sentido aponta o teor dos arts. 685-C e 686, caput (na redação da mesma lei), os quais evidentemente atribuem posição subsidiária à alienação dos bens penhorados a terceiro, para obtenção de numerário destinado ao pagamento do credor. II. Modalidades e estrutura 1. Optou o Código por estabelecer disciplina especial, consagrando-lhe todo o Título IV do Livro II, para a execução por quantia certa, quando insolvente (rectius: insolvável) o devedor, isto é, quando o montante das dívidas excede o valor total dos bens integrantes do seu patrimônio, que respondem pelo pagamento (art. 748). Também na presente exposição se versará em separado essa matéria (infra, Capítulo II). Sob a rubrica “Da execução por quantia certa contra o devedor solvente” cuida a lei de fixar um procedimento-padrão (Seções I e II do Capítulo IV, do Título II) e, nos últimos dispositivos (Seção III, arts. 730 e 731), trata da variante da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Embora regulado noutro Capítulo (V) do mesmo Título, inclui-se igualmente no quadro da execução por quantia certa a movida contra devedor de prestação alimentícia, à qual, aliás, são em princípio aplicáveis as normas do procedimento-padrão (cf. a remissão feita no art. 732, caput, ao Capítulo IV), sem prejuízo de peculiaridades que serão expostas no lugar próprio (infra, § 11, nº II). Consoante já se registrou, a execução fiscal está hoje regulada pela Lei nº 6.830. Oportunamente se indicarão os traços específicos mais importantes do procedimento (infra, § 11, nº III), ao qual se aplicam subsidiariamente as disposições do Código. 2. Com a ressalva feita acima (nº I, 2), a execução por quantia certa, em princípio, tem por escopo a entrega, ao credor, de uma soma em dinheiro. Feita abstração das características singulares que o processo necessariamente reveste, quando deve-
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dora a Fazenda Pública, ou que pode revestir, quando se trata de dívida de alimentos, o esquema básico do procedimento decorre intuitivamente da própria consideração do alvo que se tem em mira. Com efeito: se o devedor não paga, cumpre tomar providências para que o credor seja satisfeito sem a sua colaboração, e mesmo contra a sua vontade. A fim de atingir esse objetivo, recorre-se ao patrimônio do devedor, que responde por suas dívidas (art. 591), e dele procura-se retirar os recursos necessários à satisfação do credor. Se se encontra, desde logo, numerário suficiente, o mecanismo executivo fica naturalmente muito simplificado, bastando que se transfira para as mãos do exequente o dinheiro apreendido. No caso contrário, ou seja, quando os bens encontrados são de diversa natureza, o remédio tradicional implica a necessidade de convertê-los em dinheiro, sempre com ressalva da possibilidade (priorizada pela Lei nº 11.382) de que o credor se satisfaça com o recebimento de outro bem (ou de outros bens), no lugar da importância devida (adjudicação: vide, infra, § 10, nº II), ou ainda com os frutos que venham a ser produzidos por algum desses outros bens (usufruto forçado de móvel ou imóvel; vide, infra, § 11, nº III). Fora dessas hipóteses, torna-se preciso recorrer ao expediente de alienar os bens apreendidos, para com o produto da alienação embolsar-se o exequente. De qualquer modo, procede-se à expropriação (total ou parcial) de bens, em regra do próprio devedor, e excepcionalmente de terceiro sujeito à responsabilidade executiva (art. 592, nºs II, IV e V). Essa expropriação, todavia, a despeito do teor do art. 646, não constitui o “objeto” da execução por quantia certa, mas simples meio de realizar a satisfação do credor; representa uma etapa, que não é ainda necessariamente a derradeira, do itinerário da execução. 3. À vista do exposto, podem distinguir-se, na trajetória complexa e por vezes acidentada deste processo, três fases principais, levando-se em conta o curso por ele seguido com maior frequência. Os passos iniciais são comuns em substância aos vários tipos de execução (Introdução, nº 5). De acordo com o art. 615-A (acrescentado pela Lei nº 11.382), permite-se-lhe obter, no ato da distribuição, “certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou outro de bens sujeitos à penhora ou arresto” (caput). As averbações hão de ser comunicadas ao juízo, no prazo de 10 dias (§ 1º). Omisso o texto quanto à consequência da inobservância do prazo, mas não sendo razoável supor que inexista sanção para o descumprimento do dever de comunicar, há de entender-se que, escoado in albis o decêndio, a averbação perde o efeito, cessando a presunção de fraude à execução referida no § 3º. Uma vez realizada a penhora sobre bens suficientes, o juiz determinará o cancelamento das averbações relativas aos que não tenham sido penhorados (§ 2º). “O exequente que promover averbação manifestamente indevida indenizará o executado, nos termos do art. 18, § 2º, processando-se o incidente em autos apartados” (§ 4º). A primeira fase essencial é a da apreensão de bens, e comporta desdobramento em dois momentos capitais: a apreensão, propriamente dita, e o depósito. A segunda
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é a da expropriação dos bens apreendidos, a qual pode consistir na respectiva alienação ao próprio exequente (adjudicação) ou a terceiro, por iniciativa particular, ou mediante licitação pública (arrematação). A última (eventual) é a do pagamento ao exequente, com o produto da alienação a terceiro dos bens apreendidos e expropriados. As hipóteses mais óbvias de simplificação do esquema ocorrem quando: a) desde logo se apreende dinheiro, o que permite passar de imediato à última etapa, sem necessidade de recorrer-se à técnica da conversão; b) o credor recebe o próprio bem (ou os próprios bens) sobre o que recaiu a apreensão (adjudicação), caso em que a segunda e a terceira etapa se superpõem, importando a expropriação, por si mesma, o pagamento do exequente. Outra modificação possível é a que consiste em atribuir-se ao credor o direito de perceber os frutos produzidos pelo bem que se apreendeu, durante o tempo necessário à satisfação do crédito (usufruto de móvel ou imóvel). 4. Às etapas acima indicadas naturalmente há de preceder a instauração do processo de execução (vide, supra, Introdução, nº 5). Deferida a petição inicial – ocasião em que o juiz fixará de plano os honorários advocatícios a serem pagos pelo executado (art. 652-A, introduzido pela Lei nº 11.382, caput) –, promove-se, como em qualquer espécie de execução de título extrajudicial, sob pena de nulidade (art. 618, nº II), a citação do devedor – aqui, para que, no prazo de 3 dias, efetue o pagamento da dívida (art. 652, caput, na redação da Lei nº 11.382). É inadmissível a via postal (art. 222, d); no comum dos casos, o devedor será citado por oficial de justiça, mediante mandado. Pode acontecer que não se encontre o executado. Nesse caso, sem necessidade de observar o disposto nos arts. 227 e 228, e ressalvada obviamente a hipótese de não existirem bens penhoráveis, o oficial procederá ao arresto de tantos quantos haja, suficientes para garantir a execução (art. 653, caput), quer dizer, para assegurar, em princípio, a satisfação integral do credor. O arresto é providência de índole cautelar, não ainda executiva; seu fim é preservar ao menos parte do patrimônio que responde pela dívida, pondo-o a salvo de desvios, ocultações, dilapidações, de modo que fique resguardado e destinado, desde logo, a servir de objeto à atividade propriamente executiva. Efetivado o arresto, o oficial de justiça, dentro do decêndio subsequente, procurará o devedor três vezes, em dias distintos. Caso o encontre, citá-lo-á; não o encontrando, devolverá o mandado, com a certidão do ocorrido (art. 653, parágrafo único). O exequente deve ser intimado da realização do arresto, concedendo-lhe o art. 654, 1ª parte, o prazo de dez dias para requerer a citação do executado por edital, com observância do disposto no art. 232; como é intuitivo, semelhante providência faz-se desnecessária se, nesse ínterim, o devedor houver sido encontrado e citado. Conquanto omisso o texto legal, há de entender-se, ao nosso ver, que, esgotado in albis o decêndio, perde eficácia o arresto: tal nos parece a consequência mais razoável do descumprimento do ônus imposto ao credor, existindo patente analogia
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entre essa hipótese e outras em que o Código assim lhe sanciona a inércia (art. 808, nºs I e II). Citado que seja, após o arresto, pelo oficial de justiça ou por edital, tem o executado 3 dias para efetuar o pagamento. O termo inicial é a juntada aos autos do mandado cumprido, ou o dies ad quem do prazo marcado no edital (art. 232, nº IV), conforme o caso. Se o executado pagar, levanta-se o arresto; no caso contrário, este se converte em penhora (art. 654, 2ª parte), independentemente de qualquer formalidade. Não exclui a citação por edital, quando cabível, o mero fato de não se terem achado bens arrestáveis. Só depois dela é que se poderá cogitar da suspensão do processo com base no art. 791, nº III. § 8º – Apreensão de Bens I. Penhora: conceito e objeto 1. Denomina-se penhora o ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo. Podem constituir objeto da penhora bens pertencentes ao próprio devedor ou, por exceção, pertencentes a terceiros, quando suportem a responsabilidade executiva. A lei, contudo, torna imunes à execução (e, portanto, à penhora), em caráter absoluto ou relativo, determinados bens, ditos impenhoráveis. A razão disso ora consiste na inutilidade da apreensão, por haver obstáculo legal a que esses bens sejam alienados; ora, na consideração de que não é razoável privar o devedor do estritamente necessário para que subsista com sua família, nem de bens que só para ele, por motivos personalíssimos, tenham valor apreciável; ora, ainda, no propósito de evitar perturbação excessiva, ou mesmo embaraço total, a atividades vistas como socialmente relevantes ou merecedoras de especial reverência. Em disposição manifestamente supérflua, redundante, que bem poderia haver sido eliminada na reforma, diz o art. 648 que “não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis”. As hipóteses de impenhorabilidade – absoluta ou relativa – estão, basicamente, previstas nos arts. 649 e 650 (na redação da Lei nº 11.382). A Lei nº 11.694, de 12.6.2008, acrescentou o inciso XI ao rol do art. 649. São absolutamente impenhoráveis os bens arrolados no art. 649, a saber: os inalienáveis e os declarados, por ato voluntário (v.g., testamento), não sujeitos à execução (nº I); os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida (nº II); os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor (nº III); os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo
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e os honorários de profissional liberal (nº IV), salvo se se trata de pagamento de prestação alimentícia (§ 2º); os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão (nº V); o seguro de vida (nº VI); os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas (nº VII); a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família (nº VIII); os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social (nº IX); até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança (nº X); os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político (nº XI). São relativamente impenhoráveis, isto é, podem ser penhorados “à falta de outros bens” (art. 650), os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia. A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem (§ 1º). Há outros casos de impenhorabilidade, além dos previstos no Código. De acordo com o art. 5º, nº XXVI, da Constituição da República, “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva”. O bem de família é impenhorável nos termos da Lei nº 8.009, de 29.3.1990, e do art. 1.711 do Código Civil. Também o é a parte do produto dos espetáculos reservada ao autor e aos artistas (Lei nº 9.610, de 19.2.1998, art. 76). Os bens objeto de penhor ou hipoteca constituído pela cédula de crédito rural não são penhoráveis na execução de outras dívidas (Dec.-lei nº 167, de 14.12.1967, art. 69). 2. Impenhoráveis são apenas os bens que a lei taxativamente enumera como tais: a regra é a da penhorabilidade, e as exceções têm de ser expressas. Não são impenhoráveis, em particular, os bens gravados por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto; é indispensável, somente, que se proceda, conforme o caso, à intimação do credor pignoratício hipotecário ou anticrético ou do usufrutuário (art. 615, nº II), sob pena de não produzir efeitos, em relação à pessoa que devia ter sido intimada, a eventual alienação do bem no curso do processo executivo (art. 619); aliás, como ressalta do teor desse dispositivo, a mesma consequência ocorre quanto ao senhorio direto, cuja intimação é também necessária, na hipótese de penhorar-se bem aforado. Tampouco ficam imunes a nova penhora bens acaso já penhorados; incide a norma do art. 613, conservando cada credor penhorante o seu título de preferência, segundo a ordem cronológica das penhoras (art. 711, fine; cf. infra, § 11, nº II, 2). Caso interessante de verdadeira impenhorabilidade provisória é o previsto no art. 594: se o exequente estiver, por direito de retenção, na posse de coisa pertencente ao executado, os outros bens deste (e, a fortiori, os de terceiro sujeito à responsabilidade executiva) não poderão ser penhorados “senão depois de excutida a coisa” que se acha em poder do exequente – na eventualidade, é claro, de não bastar esta para a satisfação do crédito. Deve entender-se, porém, que a proibição não prevale-
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cerá se, avaliada a coisa sob retenção, o quantum se revelar inferior ao crédito exeqüendo, inclusive acessórios (art. 685, nº II). Ademais, a regra é dispositiva, cedendo ante a concordância do executado em que desde logo se penhore outro bem. 3. Feita abstração das hipóteses de impenhorabilidade, quaisquer bens do devedor podem ser, em princípio, penhorados, quer se encontrem em suas mãos, quer nas de terceiro (arts. 592, nº III, e 659, § 1º, na redação da Lei nº 11.382). Por “bens do devedor” entendem-se aqui não só os pertencentes à pessoa que como tal figure no título executivo (art. 568, nº I), mas também os de todo aquele que porventura lhe haja sucedido, causa mortis, ou por ato inter vivos, na posição de sujeito passivo da relação jurídica obrigacional (art. 568, nºs II e III), pois esse é, agora, o devedor. No caso de sucessão causa mortis, convém observar que “o espólio responde pelas dívidas do falecido; mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas na proporção da parte que na herança lhe coube” (art. 597). No que concerne aos bens de terceiro, pode a penhora incidir sobre eles quando a lei atribua responsabilidade executiva ao respectivo dono. É o que se dá: com o fiador judicial (art. 568, nº IV); com o responsável tributário, assim definido na legislação própria (art. 568, nº V; cf. os arts. 128 e segs. do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25.10.1966); com o sócio, nas hipóteses legalmente previstas (art. 592, nº II), ressalvado o direito, que lhe assiste, de “exigir que primeiro sejam excutidos os bens da sociedade”, desde que os nomeie, “sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito” (art. 596, caput, fine, e § 1º); com o cônjuge do devedor, “nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida” (art. 592, nº IV); com o adquirente de bem alienado em fraude de execução (art. 592, nº V, combinado com o art. 593; cf., agora, o art. 615-A, introduzido pela Lei nº 11.382, por força de cujo § 3º se presume em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação de que trata o caput), convindo sublinhar que tal alienação é válida e produz efeitos entre as partes do contrato, embora permaneça relativamente ineficaz, no sentido de não obstar a que o bem seja atingido pela execução. Os bens do fiador contratual (civil ou comercial) só ficam sujeitos à execução – por conseguinte, à penhora – quando haja ele sido condenado, em se tratando de execução de título judicial, ou quando figure, como solidariamente responsável, no título executivo extrajudicial. Ainda assim, sempre lhe tocará, salvo renúncia, o benefício de ordem, por força do qual “poderá nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor” (art. 595, caput, 1ª parte), penhorando-se os do fiador apenas “se os do devedor forem insuficientes à satisfação do direito do credor” (art. 595, caput, 2ª parte). O benefício de ordem é extensivo ao fiador judicial: o dispositivo citado nenhuma distinção consagra a tal respeito. O fiador que pagar a dívida, registre-se, poderá executar o afiançado, nos mesmos autos, pela importância que desembolsou (art. 595, parágrafo único); a regra também se aplica, aliás, ao sócio (art. 596, § 2º).
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4. A lei estabelece a ordem que se deve observar, de preferência (não obrigatoriamente!), quanto aos bens a serem penhorados. Ela consta dos incisos do art. 655 (na redação da Lei nº 11.382): dinheiro, em espécie ou em depósito; ou aplicação em instituição financeira (nº I); veículos de via terrestre (nº II); bens móveis em geral (nº III); bens imóveis (nº IV); navios e aeronaves (nº V); ações e quotas de sociedades empresárias (nº VI); percentual do faturamento de empresa devedora (nº VII); pedras e metais preciosos (nº VIII); títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado (nº IX); títulos e valores mobiliários também com cotação em mercado (nº X); outros direitos (nº XI). Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá, de preferência, sobre a coisa dada em garantia (art. 655, § 1º, principio, também na redação da Lei nº 11.382). É concebível que a penhora incida sobre bem indivisível de casal, e que um dos cônjuges seja alheio à execução; a meação desse cônjuge recairá sobre o produto da alienação do bem (art. 655-B, introduzido por aquela lei). “Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado”; no mesmo ato, pode determinar a respectiva indisponibilidade, até o valor indicado na execução. As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até esse valor (art. 655-A, introduzido pela Lei nº 11.382, caput e § 1º, respectivamente). Jamais se admitirá que o bloqueio exceda o valor da execução; se isso ocorrer, o órgão judicial, de ofício ou a requerimento do interessado, ordenará de imediato a liberação do quantum excedente, sem prejuízo, eventualmente, da oposição de embargos pelo executado, com base em excesso de execução (art. 745, nº III, principio, igualmente na redação daquela lei). A Lei nº 11.694 acrescentou o parágrafo 4º ao art. 655-A para regrar a forma de penhora de dinheiro ou aplicação financeira dos fundos partidários. A autoridade judicial somente poderá requisitar informações ao agente financeiro sobre a disponibilidade de valores em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida ou seja responsável pela violação do direito ou do dano causado a terceiros. O que se quis foi, expressamente, recusar a extensão da responsabilidade das dívidas contraídas pelos órgãos partidários aos membros da direção do partido. O dispositivo sobeja. No polo passivo de uma execução somente pode figurar aquele que contraiu a obrigação por contrato, ou cuja responsabilidade advém de expressa disposição legal. Se a obrigação foi assumida apenas pelo órgão partidário, não há falar em responsabilidade de seus membros, a não ser que sejam coobrigados ou tenham agido ilegalmente, utilizando-se da aparência jurídica do partido em benefício próprio. Convém registrar, ademais, que, no tocante a quantias depositadas em conta-corrente, se ressalva ao executado a possibilidade de comprovar que elas correspondem à hipótese do art. 649, nº IV (sempre na redação da mencionada lei), ou se enquadram noutra de impenhorabilidade (art. 655-A, introduzido pela mesma lei, § 2º). Em tal caso, poderá também o executado oferecer embargos à execução, com fundamento no inciso II (penhora incorreta) do art. 745 (ainda aqui, na redação da citada lei).
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II. Procedimento da penhora 1. Conforme se viu (supra, nº II, 4), quando se houverem arrestado bens do executado, por não o ter encontrado o oficial de justiça (art. 653), efetuando-se por edital a citação (art. 654), o arresto converte-se de pleno direito em penhora, se o executado não pagar no prazo devido (art. 654, fine). Não há necessidade de nova apreensão: a providência cautelar transmuda-se em executiva. O § 5° do art. 659 (acrescentado pela Lei n° 10.444) aponta caso em que a penhora se realiza por termo nos autos: o de penhorar-se imóvel de cuja matrícula se apresente certidão, independentemente do lugar onde se situe; do termo intima-se o executado, pessoalmente ou através de seu advogado, ficando aquele, ipso facto, constituído depositário. Deve entender-se que o § 5° é regra especial em relação ao § 4° (na redação do mesmo diploma legal): trata este, em termos genéricos, da penhora de imóveis, e o outro dispositivo, em termos específicos, daquela que incide sobre imóvel “quando apresentada certidão da respectiva matrícula”. É o que explica a alternativa constante do § 4° (“auto ou termo de penhora”): a efetivação da penhora por termo condiciona-se à apresentação da certidão da matrícula; não sendo esta apresentada, torna-se necessária a lavratura de auto. Ao exequente, sem prejuízo da intimação do executado, na forma do art. 652, § 4º (introduzido pela Lei nº 11.382), corre o ônus de providenciar a averbação da penhora no ofício imobiliário, independentemente de mandado judicial (art. 659, § 4º, fine, na redação da Lei nº 11.382, a qual substituiu por “averbação” a referência a “registro” constante da Lei nº 6.015, de 31.12.1973, art. 167, nº I, 5). Fora de tais hipóteses, torna-se preciso, em regra, proceder à apreensão pelo oficial de justiça, a quem compete, não dispondo a lei de outro modo, realizar, mediante determinação do juiz, os atos executivos (art. 577; cf., quanto à penhora, o art. 143, nº I). Caber-lhe-á, então, apreender tantos bens, dentre os que forem achados (desde que penhoráveis), “quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios” (art. 659, caput, na redação da Lei nº 11.382). Excetuam-se, naturalmente, os bens porventura arrestados (art. 653), sem que o executado efetue o pagamento no prazo – o que acarreta, de pleno direito, sem qualquer formalidade, a conversão do arresto em penhora (art. 645, fine). Para facilitar a tarefa do oficial de justiça, pode o exequente, na petição inicial, apontar bens a serem penhorados (art. 652, § 2º, introduzido pela Lei nº 11.382). De outra banda, deve o executado, se lho ordenar o juiz, de ofício ou a requerimento do exequente (art. 652, § 3º, também introduzido por aquela lei), “indicar onde se encontram os bens sujeitos à execução, exibir a prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus, bem como abster-se de qualquer atitude que dificulte ou embarace a realização da penhora (art. 656, § 1º, na redação da mesma lei). O art. 600, nº IV (igualmente nessa redação), inclui entre os “atos atentatórios à dignidade da justiça” a omissão do executado em indicar “quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores”. Nota-se, porém, desarmonia entre esse texto e o do art. 656, § 1º, no que respeita ao prazo que se concede ao exe-
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cutado para cumprir a determinação do órgão judicial: ali, fala-se de “5 (cinco) dias”, enquanto aqui se alude ao “prazo fixado pelo juiz”. Há um modo de conciliar os dispositivos: entender que é dado ao órgão judicial marcar o prazo a seu ver mais adequado às peculiaridades da espécie; caso não o faça, então valerá a fixação num qüinqüídio. Tal interpretação consona com a norma do art. 185. Segundo a remissão expressa do art. 656, § 1º, fine, ao art. 14, parágrafo único, o executado omisso fica sujeito às sanções neste previstas. Se, apesar de tudo, não se encontrarem quaisquer bens penhoráveis, ou ficar patente que o eventual produto dos encontrados será totalmente absorvido pelo mero pagamento das custas da execução, o oficial de justiça abster-se-á de realizar a penhora (art. 659, § 2º). Ao certificar a ocorrência, descreverá os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do devedor (art. 659, § 3º), para possibilitar o controle do incidente pelo órgão judicial. Inexistindo, na verdade, bens suscetíveis de penhora, ficará suspensa a execução (art. 791, nº III), até que porventura passe a havê-los. Deve a penhora efetuar-se em dia útil, entre as 6h e as 20h, podendo concluir-se depois, se o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano (art. 172 e § 1º, na redação da Lei nº 8.952). Em casos excepcionais, mediante autorização expressa do juiz, será possível realizá-la em domingo ou feriado, ou em dia útil, mas fora do horário acima indicado, observando-se sempre o disposto no art. 5º, nº XI, da Constituição da República (art. 172, § 2º); e até durante as férias forenses (art. 173, nº II). 2. A hipótese mais frequente é a de serem apreendidos bens corpóreos. Poderá o oficial penhorá-los onde quer que se encontrem, desde que localizados no foro onde corre o processo executivo: ao oficial, com efeito, não se permite efetuar a penhora alhures, inaplicável aqui a regra do art. 230, de incidência restrita à citação. A residência do devedor, naturalmente, é o lugar onde, com maior probabilidade, se acharão bens penhoráveis. Dirigindo-se a ela o oficial de justiça, se o executado fechar as portas, a fim de obstar à diligência, o fato será comunicado ao órgão judicial, com a solicitação de ordem de arrombamento (art. 660). Deferida que seja esta, tornam-se necessários dois oficiais de justiça para cumprir o mandado (art. 661), requisitando o juiz, sempre que se fizer preciso, força policial, a fim de auxiliá-los na penhora e, eventualmente, na prisão de quem resistir à ordem (art. 662). É lícito fazer constar do mandado, em caráter preventivo, a cláusula de arrombamento, para a hipótese prevista no art. 660. Os oficiais poderão arrombar portas, móveis e gavetas, desde que o julguem imprescindível para alcançar bens penhoráveis, tomando obviamente as cautelas aconselháveis, a fim de não causarem prejuízo excessivo ao devedor. Duas testemunhas hão de presenciar a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado, que elas assinarão (art. 661, fine), junto com os oficiais. Tendo havido resistência, o auto será lavrado em duplicata, cabendo aos oficiais de justiça entregar uma via ao escrivão do processo executivo, para ser junta aos autos, e a outra à autoridade policial, a quem entregarão a(s) pessoa(s) acaso presa(s). Do auto constará o rol de testemunhas, com a respectiva qualificação (art. 663 e parágrafo único).
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3. Nos termos do art. 664, caput, “considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia”; e, consoante o parágrafo único, “havendo mais de uma penhora, lavrar-se-á para cada qual um auto”. Deve o auto de penhora conter: a indicação do dia, mês, ano e lugar em que foi feita, sendo, aliás, aconselhável que se consigne também a hora, relevante à luz dos arts. 612, 613, 711 e 712; os nomes do exequente e do executado – ou, eventualmente, do terceiro, sujeito à responsabilidade executiva, sobre cujos bens haja incidido a penhora; a descrição dos bens penhorados, com os respectivos característicos; a nomeação do depositário dos bens (art. 665, nºs I a IV), que deve assiná-lo, assim como o oficial de justiça. Os bens penhorados depositar-se-ão, de preferência: as quantias em dinheiro, as pedras e metais preciosos e os papéis de crédito, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, ou em banco de que o Estado-membro da União tenha mais de metade do capital integralizado, ou ainda, em falta de tais estabelecimentos, ou de agências suas no lugar, em qualquer estabelecimento de crédito, designado pelo juiz, devendo “as joias, pedras e objetos preciosos”, em qualquer desses casos, “ser depositados com registro do valor estimado de resgate” (art. 666, § 2º, introduzido pela Lei nº 11.382); os móveis e os imóveis urbanos (com ressalva do disposto no art. 677), em poder do depositário judicial; os demais bens, em mãos de depositário particular (art. 666, nºs I a III). É claro que, onde não houver depositário judicial, também os móveis e os imóveis urbanos serão entregues a depositário particular, nomeado pelo órgão judicial. Se o exequente concordar de forma expressa, ou os bens forem de difícil remoção, poderão eles ser depositados em mãos do próprio executado (art. 666, § 1º, igualmente introduzido pela Lei nº 11.382) – caso em que este assume as responsabilidades inerentes à posição, tornando-se passível das mesmas sanções aplicáveis, quando for o caso, a qualquer outro depositário. Entretanto, note-se, o Supremo Tribunal Federal, na “Súmula Vinculante” nº 25, estabeleceu que “é ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”. 4. Se o objeto da penhora consistir em crédito do executado contra terceiro, é claro que o procedimento não pode obedecer ao modelo acima descrito. Considera-se feita a penhora pela intimação ao terceiro, para que não pague ao executado, e a este, para que não pratique ato de disposição do crédito (art. 671, de redação desnecessariamente tortuosa). Sendo o crédito representado por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á a penhora pela apreensão do documento, esteja ou não em poder do executado. Se o título não puder ser apreendido, mas o terceiro confessar a dívida, será havido como depositário da importância e só se exonerará da obrigação mediante o depósito desta em juízo. Caso o terceiro negue o débito, em conluio com o executado, considerar-se-á em fraude à execução, não produzindo efeitos em face do credor, a quitação que o executado porventura der ao terceiro. Para a apuração dos fatos, prevê a lei a realização, a requerimento do exequente, de audiência especial, em que o juiz tomará os depoimentos do executado e do terceiro, decidindo a seguir se houve ou não conluio e, portanto, fraude à execução (art. 672 e seus parágrafos).
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Incidindo a penhora em “direito e ação” do executado – na antiquada terminologia do art. 673, caput, corrigida no art. 655, nº X, onde a Lei nº 11.382 em boa hora substituiu a expressão por “outros direitos” (atual inciso XI) –, abre-se ao exequente a alternativa entre sub-rogar-se no direito daquele até a concorrência do seu crédito, para depois exigir do terceiro o respectivo quantum, ou então promover a alienação judicial do direito penhorado. Dispõe o exequente do prazo de dez dias, a partir da realização da penhora, para optar pela segunda solução, entendendo-se naturalmente o seu silêncio como manifestação de preferência pela primeira, que porém só se consumará em não havendo embargos, ou após a eventual rejeição destes. Note-se que, se o exequente, apesar da sub-rogação, não conseguir receber do terceiro, no vencimento, a importância devida, poderá, nos mesmos autos, prosseguir na execução contra o executado, penhorando-lhe outros bens (art. 673 e seus parágrafos). Caso o direito penhorado esteja sendo pleiteado em juízo pelo executado, averbar-se-á a penhora no rosto dos autos, a fim de efetivar-se mais tarde nos bens que forem adjudicados ou vierem a caber àquele, de acordo com o resultado do processo (art. 674); no inventário, sem prejuízo dessa norma, “é lícito aos herdeiros, ao separarem bens para o pagamento de dívidas, autorizar que o inventariante os nomeie à penhora no processo em que o espólio for executado” (art. 1.021). Quando a penhora recair sobre direito em virtude do qual haja o executado de receber pagamentos sucessivos de terceiro (dívidas de dinheiro a juros, de direito a rendas, de prestações periódicas em geral), o terceiro – que para tanto será intimado –, em vez de pagar ao executado, irá depositando em juízo as quantias respectivas, nas datas de vencimento de cada prestação; e o exequente poderá levantá-las, à medida que forem depositadas, abatendo-se do crédito exequendo parcelas correspondentes às importâncias recebidas, conforme as regras civis da imputação em pagamento (art. 675). Se o objeto da penhora consistir em direito do executado à entrega ou à restituição de coisa determinada, intimar-se-á o terceiro, obrigado a entregá-la ou a restituí-la, para que, no vencimento, a deposite em juízo, passando assim a correr sobre ela a execução (art. 676). É esse terceiro o “devedor” mencionado no texto legal, onde não há como enxergar referência ao executado: de modo algum teria sentido penhorar-se direito do exequente contra ele. Noutras regras, ainda, contempla o Código aspectos particulares que a penhora pode assumir, em razão da natureza do bem sobre o qual recaia. São os dispositivos da Subseção V (arts. 677 a 679), que, todavia, dizem antes respeito ao destino dos bens penhorados do que propriamente ao procedimento a observar-se na realização da penhora. Por essa razão, a matéria será examinada adiante (infra, nº VI, 2). 5. É mister intimar da penhora o executado. Como é óbvio, pressupõe-se que este haja sido validamente citado e não tenha pago a dívida no tríduo a que se refere o art. 652, caput (na redação da Lei nº 11.382). Estatui o § 1º desse dispositivo que, “não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado”. Far-se-á a intimação na pessoa do respectivo advoga-
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do, se o houver constituído nos autos; quando não, ter-se-á de intimar pessoalmente o executado (§ 4º). A cláusula “na mesma oportunidade” há de receber interpretação que a flexibilize: é concebível que, por mais de uma razão, não se possa cumprir à risca o texto. Reconhece-o com toda a clareza o § 5º, onde se lê que, “se não localizar o executado para intimá-lo da penhora, o oficial certificará detalhadamente as diligências realizadas, caso em que o juiz poderá dispensar a intimação ou determinará novas diligências”; apesar da ordem adotada na parte final, a dispensa da intimação há de constituir o último recurso. Quando a penhora incidir sobre imóveis, “será intimado também o cônjuge do executado” (art. 655, § 2º, sempre na redação da Lei nº 11.382). Nada importa o regime de bens do casamento. Outra pessoa que precisa ser intimada é o “terceiro garantidor”, se lhe pertencer a coisa dada em garantia, sobre a qual haja incidido a penhora, na execução de crédito garantido por hipoteca, penhor ou anticrese (art. 655, § 1º, ainda na redação daquela lei). As disposições atinentes à intimação da penhora devem ser entendidas e aplicadas com as adaptações indispensáveis, nas hipóteses em que o ato constritivo não é praticado por oficial de justiça (cf., supra, nos 1 e 4). III. Efeitos da penhora Produz a penhora efeitos de ordem processual e de ordem material. 1. São efeitos processuais da penhora: a) individualizar o bem ou os bens (do devedor ou, excepcionalmente, de outrem) que vão suportar, in concreto, a responsabilidade executiva – suscetível de abranger, in abstracto, a totalidade dos referidos bens, salvo as restrições legais (cf. art. 591); b) garantir o juízo da execução, assegurando, na medida do possível, a eficácia prática da atividade executiva (função cautelar da penhora, que nem por isso se reduz à condição de providência essencialmente cautelar); c) gerar para o credor, enquanto não se verifique a insolvência do devedor (art. 612, principio), preferência no recebimento do produto da alienação dos bens, em relação a outros eventuais credores que só depois hajam conseguido penhorá-los. Essa preferência não se equipara a direito real sobre os bens penhorados, nem se sobrepõe às preferências acaso fundadas em título legal (privilégio ou direito real: Código Civil, art. 958) anterior à penhora. É o que resulta da interpretação sistemática dos arts. 612, 613, 709 e 711. 2. São efeitos materiais da penhora: a) privar o executado, mediante o depósito, da posse direta dos bens penhorados, ou pelo menos alterar-lhe o título da posse, quando fique ele próprio como depositário (art. 666, § 1º, introduzido pela Lei nº 11.382); b) tornar ineficazes em relação ao credor penhorante (não nulos, nem anuláveis) os atos de disposição dos bens penhorados que porventura venha o devedor a praticar, permitindo que a atividade executiva continue a realizar-se sobre eles.
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IV. Modificações da penhora 1. No comum dos casos, uma vez realizada, a penhora subsiste, com o mesmo objeto, até que se consume a expropriação do bem (ou bens) sobre que incidiu. Como é óbvio, havendo vício que lhe acarrete a anulação, ter-se-á de proceder a uma segunda penhora (art. 667, nº I), que aliás será, para todos os efeitos, a única, visto que invalidada a primeira. Em certas hipóteses, porém, admite a lei que se modifique o objeto de penhora validamente feita. Cabe distinguir aqui entre modificações quantitativas (redução, ampliação) e modificações qualitativas (substituição do primitivo objeto da penhora por outro bem). 2. Tem lugar a redução quando, após a avaliação, se verificar que o valor dos bens penhorados é consideravelmente superior ao crédito exequendo, inclusive acessórios (art. 685, nº I), e for possível restringir a incidência da penhora a bem ou bens que baste(m) para a satisfação do exequente. Ao contrário, torna-se cabível a ampliação se, avaliados os bens, for o montante inferior àquele crédito (art. 685, nº II), e houver outro bem (ou outros bens) que, penhorado(s), perfaça(m) com os anteriores o quantum suficiente. Num caso e noutro, exige-se requerimento do interessado (executado, na redução; exequente, na ampliação) e audiência da outra parte (art. 685, caput). Em qualquer hipótese, a decisão do juiz comporta agravo de instrumento. É concebível ainda a redução como consequência de acolhimento de embargos à execução, fundados no art. 745, nº III, principio, na redação da Lei nº 11.382 (cf., infra, § 21, nº II, 1). A substituição pode ocorrer por iniciativa do exequente ou do próprio executado. É lícito ao exequente requerê-la: a) quando se descobrir que os bens penhorados são litigiosos, ou estavam gravados por penhora anterior, arresto ou outro ônus – hipótese em que a lei permite ao exequente desistir dessa penhora (art. 667, nº III) e pleitear que ela recaia sobre outro bem (ou outros bens), desde que, naturalmente, algum exista, penhorável e sem gravame; b) quando tiverem valor insuficiente os bens penhorados – hipótese em que, como alternativa à ampliação, faculta-se ao exequente requerer, sendo possível, a transferência da penhora para outro bem (ou outros bens) mais valioso(s) (art. 685, nº II); c) apesar do silêncio do texto, quando o bem penhorado perecer, ou, em virtude de outro fato superveniente (v.g., desapropriação), já não puder suportar a atividade executiva. Pode o executado requerer a substituição: a) do bem ou dos bens penhorados por outro(s), que baste(m) à execução, como alternativa à redução da penhora, quando o valor do(s) primeiro(s) for consideravelmente superior ao crédito exequendo, inclusive acessórios (art. 685, nº I);
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b) em termos genéricos, no decêndio subsequente à intimação da penhora, “desde que comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exequente e será menos onerosa” para o requerente (art. 668, caput, na redação da Lei nº 11.382). Nesse caso, incumbe ao executado, quanto aos bens oferecidos em substituição: se imóveis, “indicar os respectivos registros, situá-los e mencionar as divisas e confrontações”; se móveis, “particularizar o estado e o lugar em que se encontram”; se semoventes, “especificá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se encontram”; se créditos, “identificar o devedor e qualificá-lo, descrevendo a origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento”; em qualquer das mencionadas hipóteses, “atribuir valor aos bens indicados à penhora” substitutiva (art. 668, parágrafo único, nos I a V, também na redação da Lei nº 11.382. Em se tratando de imóvel, o executado só poderá oferecê-lo eficazmente em substituição “caso o requeira com a expressa anuência do cônjuge”, seja qual for o regime de bens do casamento (art. 656, § 3º, introduzido pela mesma lei). O art. 656, na redação dada pela Lei nº 11.382, arrola sete hipóteses em que “a parte poderá requerer a substituição da penhora”: I – “se não obedecer à ordem legal” (art. 655); II – “se não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o pagamento” (ex.: art. 655, caput); III – “se, havendo bens no foro da execução, outros houverem sido penhorados”; IV – “se, havendo bens livres, a penhora houver recaído sobre bens já penhorados ou objeto de gravame”; V – “se incidir sobre bens de baixa liquidez”; VI – “se fracassar a tentativa de alienação judicial de bem”; VII – “se o devedor não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações a que se referem os incisos I a IV do parágrafo único do art. 668”. Não obstante o emprego, sem especificação, da palavra “parte”, no início do caput, o exame dos incisos evidencia que, ao menos na grande maioria dos casos, o interesse na substituição cabe aí ao exequente, e a ele caberá, por conseguinte, a iniciativa do requerimento de substituição. Com muito menor frequência interessará esta ao executado, como é concebível na hipótese de inobservância da ordem legal (art. 655). Tal qual ficou à vista das inovações trazidas pela Lei nº 11.382, afigura-se complexa e fragmentária a disciplina da matéria. Para formar conjunto sistemático, é necessário agora conjugar três textos: os arts. 656, 668 (ambos na redação nova) e 685, modificado apenas no parágrafo único, aqui irrelevante. Há superposições inúteis e pouco harmoniosas: o art. 656, nº VII, principio, permite à “parte”, sem marcação de prazo, requerer a substituição da penhora “se o devedor não indicar o valor dos bens”; o art. 668 subordina o requerimento “do executado”, fixando-lhe o prazo de 10 dias, à satisfação do ônus apontado no inciso V do parágrafo único, a saber, o de “atribuir valor aos bens indicados à penhora” (substitutiva). Talvez por isso, a segunda parte do nº VII do novo art. 656 se reporta apenas à omissão do executado no tocante a “qualquer das indicações a que se referem os incisos I a IV do parágrafo único do art. 668”, silenciando acerca do inciso V, que diz respeito justamente à indicação, pelo executado, do valor dos bens oferecidos em substituição. Por outro
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lado, mal se compreende a supressão da regra do antigo art. 668, que autorizava o devedor (ou o responsável), “a todo tempo, antes da arrematação ou da adjudicação, requerer a substituição do bem penhorado por dinheiro”, caso em que a execução passaria a correr sobre a quantia depositada. É certo que se pode enquadrar semelhante hipótese na moldura do atual caput daquele dispositivo, partindo-se da premissa de que a substituição de outro bem por dinheiro será normalmente incapaz de acarretar prejuízo ao exequente; mais difícil, porém, é o enquadramento nos incisos do parágrafo único, e nenhuma vantagem existe em limitar a possibilidade ao prazo de 10 dias fixado no caput. Caso especial é o do art. 656, § 2º (introduzido pela Lei nº 11.382), que permite – naturalmente, a requerimento do executado – a substituição da própria penhora (não apenas do respectivo objeto) “por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento)”. Ocioso notar que o juiz, em qualquer hipótese, deve ouvir a parte contrária, antes de decidir sobre o requerimento de substituição. A decisão é agravável por instrumento. V. Destino dos bens penhorados 1. Destinando-se os bens penhorados, em princípio, à expropriação, para satisfação do credor, permanecem, enquanto ela não se realize, sob a “guarda e conservação” do depositário (art. 148). Exerce este relevante função de “auxiliar da Justiça”, em razão de cujo exercício faz jus: à remuneração que o juiz fixar, “atendendo à situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução” (art. 149, caput); e ao reembolso das importâncias legitimamente despendidas no cumprimento do encargo (art. 150, fine). Em contrapartida, responde pelo prejuízo que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo ademais a remuneração arbitrada (art. 150, 1ª parte) – o que não exclui a incidência de outras sanções porventura cabíveis. Acerca da prisão civil, impõe-se observar o que se segue. Nos termos do art. 666, § 3º, acrescentado pela Lei nº 11.382, ela seria decretável “no próprio processo independente de ação de depósito”. Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fixou-se no entendimento de que “descabe a prisão civil do depositário judicial infiel” (Súmula nº 419). A questão ficou superada à vista da “Súmula Vinculante” nº 25, do Supremo Tribunal Federal, a cuja luz, de modo genérico, “é ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”. Chegando o momento próprio, entregará o depositário a quem de direito os bens que lhe foram confiados. Se, todavia, estiverem sujeitos a deterioração ou depreciação, ou existir, por qualquer motivo, manifesta vantagem em aliená-los desde logo (art. 670), cumpre ao depositário informar da situação o órgão judicial e requerer-lhe que ordene a alienação antecipada. O requerimento poderá ser feito igualmente por qualquer das partes. No segundo caso, antes de decidir, o juiz ouvirá a outra parte (art. 670, parágrafo único); no primeiro, por igualdade de razão, deve ouvir ambas as partes. Nos termos do art. 1.113, caput, ao próprio órgão judicial é lícito, até de ofício, determinar que se alienem em leilão os bens depositados, quando “forem de fácil de-
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terioração, estiverem avariados ou exigirem grandes despesas para a sua guarda”. Aplicam-se, no que couber, as normas dos arts. 1.113, §§ 1º a 3º, e seguintes. Referência especial merece a do art. 1.116, caput, por força da qual, efetuada a alienação e deduzidas as despesas, depositar-se-á o preço, ficando nele sub-rogado o vínculo da penhora, que incidia sobre os bens alienados. Tal regra, que se aplica na hipótese do art. 670, contempla caso particular de substituição do objeto da penhora. 2. Pode a penhora recair sobre bem economicamente produtivo, que mereça tratamento especial, quanto à respectiva administração, para que, assegurado o normal funcionamento, não se deixem de obter, durante o período da constrição, os frutos que dele se esperam. É o caso de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de semoventes (um rebanho, por exemplo), de plantações – bens em relação aos quais a lei se preocupa de maneira particular com o modo por que serão administrados, e consequentemente com a escolha do depositário, estabelecendo disciplina específica, também aplicável, por intuitiva semelhança de razões, aos edifícios em construção. Nos termos do art. 677, caput, ao nomear o depositário – entendendo-se que a nomeação deve recair em pessoa tecnicamente habilitada –, o juiz lhe determinará que “apresente em dez dias a forma de administração” planejada para o bem. Ouvidas as partes, decidirá o órgão judicial (art. 677, § 1º), aprovando, ou não, o plano de administração apresentado e, no segundo caso, ordenando as alterações que lhe pareçam necessárias, sem prejuízo da possibilidade, que sempre lhe resta, de substituir o depositário nomeado. Consente a lei, no entanto, que as próprias partes, de comum acordo, ajustem a forma de administração que julgarem mais conveniente e escolham o depositário-administrador, na pessoa de alguém que goze da confiança de ambas. Nessa hipótese, o juiz homologará a indicação, por meio de pronunciamento a que o art. 677, § 2º, chama “despacho”. Quando se tratar de empresa que funcione mediante concessão ou autorização (ou ainda permissão, acrescente-se) do poder público, o juiz nomeará depositário, de preferência, um dos respectivos diretores (art. 678, caput, fine), de sorte que se garanta a continuidade administrativa. Se a penhora houver recaído apenas sobre a renda, ou sobre determinados bens, “o depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pag amento, observando-se, quanto ao mais, o disposto nos arts. 716 a 720” (art. 678, parágrafo único, 1ª parte); se penhorado for todo o patrimônio, prosseguirá a execução nos termos comuns, mas obrigatoriamente se ouvirá, antes da arrematação ou da adjudicação, a pessoa jurídica de direito público que tiver outorgado a concessão, a autorização ou a permissão (art. 678, parágrafo único, 2ª parte). Incidindo a penhora sobre navio ou aeronave, poderá o devedor, autorizado pelo órgão judicial, continuar a explorar um ou outra, até a alienação; mas será pressuposto necessário da autorização que se faça o seguro usual contra riscos, sem o qual não permitirá o juiz que o navio saia do porto, ou a aeronave do aeroporto (art. 679). Não nos parece que, no caso desse artigo, inexista depósito: apenas, as funções de depositário caberão ao próprio executado, com as responsabilidades a elas inerentes.
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§ 9º – Avaliação I. Generalidades Os bens penhorados destinam-se em princípio, repita-se, a ser alienados, para satisfação do exequente. Afigura-se intuitivo, porém, que antes se faça necessário fixar-lhes o valor. É relevante a avaliação para: a) fixar o preço mínimo a ser oferecido pelo exequente que requerer a adjudicação dos bens penhorados (art. 685-A, caput, introduzido pela Lei nº 11.382); b) dar ensejo à alienação pelo maior lanço, nos termos do art. 686, caput, nº VI (na redação da Lei nº 8.953), se nenhum houver, na hasta pública, superior ao montante em que se avaliou o bem; c) autorizar a dispensa da publicação de editais relativos à hasta pública (art. 686, § 3º, na redação da Lei nº 11.382); d) determinar, nesse caso, o limite mínimo do preço a ser pago pelo arrematante (idem); e) estabelecer o limite mínimo da proposta a ser feita pelo interessado em arrematar imóvel a prestações (art. 690, § 1º, na redação da mesma lei); f) fixar o quantum mínimo pelo qual se poderá alienar em praça imóvel pertencente a incapaz, a saber, 80% do montante estimado, adiando-se a alienação se não houver oferta bastante (art. 701, caput); g) determinar o valor da caução a ser prestada por qualquer pretendente, durante o prazo do adiamento, a fim de que o juiz ordene a volta do imóvel do incapaz à praça (art. 701, § 1º); h) servir de base de cálculo da multa de 20% a ser imposta pelo órgão judicial, em benefício do incapaz, ao pretendente que se arrepender (art. 701, § 2º). Pode ainda a avaliação, eventualmente, produzir consequências relacionadas com o objeto da penhora, ensejando-lhe, conforme o caso, a redução, a ampliação ou a transferência para outro bem, ou para outros bens (art. 685, nos I e II). II. Procedimento 1. A avaliação será feita, em princípio, pelo oficial de justiça incumbido da citação do devedor (art. 680, conjugado com o art. 652, § 1º, ambos na redação da Lei nº 11.382). Coerentemente, a mesma lei acrescentou um inciso (V) ao art. 143, que enumera as atribuições do oficial, para conferir-lhe também a de “efetuar avaliações”. Deve a avaliação constar do auto a ser lavrado, e dela, como da penhora, ser intimado, “na mesma oportunidade”, o executado (art. 652, § 1º, conjugado com o art. 681, caput, 1ª parte, sempre na redação da mencionada lei; veja-se, no entanto, a observação constante do § 8º, nº II, 5, sobre a interpretação da cláusula aspeada). Ressalva o art. 680, 1ª parte, fine, “a aceitação do valor estimado pelo executado”, e remete ao art. 668, parágrafo único, inciso V. Igual ressalva faz o art. 684, nº I.
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Todavia, a primeira disposição referida diz respeito ao dever do executado de atribuir valor aos bens indicados à penhora, se requerer a substituição do bem penhorado (cf. o caput e a cláusula inicial do parágrafo único, verbis “Na hipótese prevista neste artigo”, igualmente na redação daquela lei). Já o art. 684 arrola casos em que se dispensa a avaliação. Para harmonizar os textos, deve entender-se que em qualquer caso prevalecerá a estimativa do executado, desde que aceita pelo exequente, e ainda que o oficial já tenha procedido à avaliação, como lhe compete. Pode acontecer que, para avaliar algum bem penhorado (obra de arte, joia antiga etc.), sejam necessários conhecimentos especializados, de que não disponha o oficial de justiça. Em tal caso, o juiz nomeará avaliador, marcando prazo não superior a 10 dias para a entrega do laudo (art. 680, também na redação da Lei nº 11.382). O laudo da avaliação, se feita pelo oficial, integrará o auto de penhora (art. 681, caput, 1ª parte, ainda na redação daquela lei); se feita pelo avaliador nomeado, conterá: “I – a descrição dos bens, com os seus característicos, e a indicação do estado em que se encontram; II – o valor dos bens” (art. 681, nos I e II). Nos termos do parágrafo único deste último dispositivo, sempre na redação da mencionada lei, quando se tratar de imóvel suscetível de cômoda divisão, “o avaliador, tendo em conta o crédito reclamado, o avaliará em partes, sugerindo os possíveis desmembramentos”. O laudo do avaliador sujeita-se forçosamente à apreciação dos litigantes, aos quais é lícito impugná-lo (cf. o art. 683, nº I, ainda na redação da Lei nº 11.382). A decisão do juiz sobre a impugnação é passível de agravo de instrumento. 2. Além da hipótese de aceitação, pelo exequente, da estimativa feita pelo executado (art. 684, nº I, igualmente na redação da Lei nº 11.382), outra existe em que se dispensa a avaliação. É a indicada no inciso II do mesmo dispositivo, verbis “se tratar de títulos ou de mercadorias, que tenham cotação em bolsa, comprovada por certidão ou publicação oficial”. Ademais, consoante o art. 682 (que repete em parte o anteriormente citado), “o valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação do dia”, aqui também “provada por certidão ou publicação no órgão oficial”. 3. Uma vez feita, a avaliação em regra não se repete. Pode suceder, entretanto, que a parte interessada (exequente ou executado) a impugne, arguindo erro na avaliação ou dolo do avaliador (art. 683, nº I, ainda na redação da Lei nº 11.382). Nesse caso, se acolher a impugnação, ordenará o juiz que o bem seja de novo avaliado. Outra hipótese em que a lei prevê a repetição (art. 683, nº II, sempre naquela redação) é a de verificar-se, depois da avaliação, “que houve majoração ou diminuição no valor do bem”. De novo com remissão expressa, de discutível propriedade, ao art. 668, parágrafo único, inciso V (relativo, como já se observou, ao caso de requerer o executado a substituição do bem penhorado), acrescenta o inciso III do art. 683 (também na redação da Lei nº 11.382) que se admite nova avaliação quando “houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem”.
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A nova avaliação não será feita, é óbvio, pelo oficial de justiça, nem necessariamente pelo mesmo avaliador que a efetuou no caso de pressupor conhecimentos especializados. Há até uma hipótese em que, à evidência, o juiz deve nomear outro avaliador: a da ocorrência de dolo do primeiro (art. 683, nº I, fine). § 10 – Expropriação I. Generalidades 1. Os bens apreendidos no patrimônio do devedor ou no de terceiro sujeito à responsabilidade executiva ficam afetados a uma destinação específica: a satisfação do credor, com a qual se atuará praticamente, nos casos de dívida pecuniária, a norma jurídica concreta aplicável à situação. Se se apreendeu dinheiro, é claro que a operação se simplifica: passa-se diretamente ao pagamento. Se a apreensão foi de bem diverso (ou de bens diversos), mais de uma possibilidade vai configurar-se: o credor pode dispor-se a receber em pagamento os próprios bens apreendidos, ou pelo menos um ou alguns deles, o que a lei lhe faculta sob determinadas condições (adjudicação: infra, nº II); é também viável, em certos casos, atribuir-se-lhe a fruição do bem apreendido, a fim de que se pague embolsando, durante o tempo necessário, o que ele render (usufruto de móvel ou imóvel: infra, § 11, nº III). Fora desses casos, todavia, há que entregar ao credor uma soma em dinheiro; e o modo de converter nelas o bem ou os bens apreendidos consiste em aliená-lo(s) a terceiro(s) (alienação por iniciativa particular ou arrematação: infra, nos III e IV). Em qualquer dessas situações, o Estado, através do órgão jurisdicional, dispõe de bem (ou bens) pertencente(s) ao devedor – ou, sendo o caso, a outra pessoa que suporte a execução. Trata-se, pois, de privar o dono, ou da propriedade, ou pelo menos de faculdades que a integram. Daí falar-se em expropriação, que pode ser total, como em relação a bem adjudicado ou alienado a terceiro, ou parcial, como no tocante a móvel ou imóvel sobre o qual se constitui usufruto. Uma ressalva: assegura a lei ao devedor, a qualquer tempo, antes de alienados os bens, a possibilidade de remir a execução, “pagando ou consignando a importância da dívida, mais juros, custas e honorários advocatícios” (art. 651). A remição da execução nada mais é, na substância, que o pagamento do débito, conducente à exoneração do executado e à satisfação integral do exequente, cuja concordância é, por isso, desnecessária. Inexistiria qualquer interesse no prosseguimento do processo executivo, que exauriu a sua função e atingiu a sua finalidade. Cabe ao juiz extinguir, por sentença, a execução (art. 795, combinado com o art. 794, nº I). Por tratar-se de pagamento, deve entender-se, apesar do silêncio da lei, que pode remir a execução não somente o próprio devedor, mas qualquer pessoa legitimada a pagar, segundo as regras de direito material.
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2. Não obstante o traço comum às modalidades de expropriação, elas não se equiparam integralmente na maneira por que servem aos fins da execução. Quando o credor adjudica bem (ou bens) apreendido(s), e o respectivo valor basta para a satisfação do seu crédito, o processo executivo atinge, com isso, o alvo a que tendia; quando se lhe atribui o usufruto de móvel ou imóvel, a satisfação ocorrerá paulatinamente, à medida que o credor for embolsando os frutos e rendimentos, mas desde logo lhe passam às mãos os meios necessários para satisfazer-se; quando, enfim, se aliena(m) a terceiro o bem (ou bens) apreendido(s), fica ainda a cargo do órgão judicial uma derradeira etapa da atividade executiva, consistente na entrega do produto ao credor, que só assim se satisfaz. Vê-se que não é constante, nos três casos, a relação entre o ato expropriatório e o resultado prático a que visa a execução: ora aquele conduz de imediato a este, ora não. Sem dúvida, a expropriação é sempre instrumental: não constitui fim em si mesma, senão apenas meio de atuar praticamente a norma jurídica concreta, satisfazendo o credor. Mas, na adjudicação, o uso do instrumento leva, ato contínuo, à consecução do fim; no extremo oposto está a alienação a terceiro, em que se torna bem sensível a distância entre esses dois momentos; em posição intermediária situa-se o usufruto de móvel ou imóvel. II. Adjudicação 1. Sob certas condições, permite a lei que o exequente, caso lhe interesse, receba, para satisfação (total ou parcial) do seu crédito, o bem penhorado ou, se vários o foram, algum deles, ou mais de um, ou mesmo todos (art. 685-A, introduzido pela Lei nº 11.382, cujo texto usa a expressão “os bens penhorados”, no plural, sem que no entanto fiquem excluídas as outras possibilidades). Igual faculdade é conferida ao credor com garantia real, aos credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem e ao cônjuge, descendentes ou ascendentes do executado (art. 685-A, § 2º). Antes da reforma efetuada pela Lei nº 11.382, a adjudicação tinha caráter subsidiário: só se tornava possível se não tivesse êxito a hasta pública (“Finda a praça sem lançador...”, lia-se no começo do art. 714). A Lei nº 11.382 preferiu trazer ao primeiro plano essa modalidade de expropriação, conforme ressalta, antes de tudo, da colocação dos arts. 685-A e 685-B, por ela introduzidos: os novos dispositivos inserem-se no texto imediatamente após o art. 685, parágrafo único (na redação daquela lei), ou seja, após a disciplina da penhora, à qual dizem respeito as “providências” aludidas no texto reformado (“Uma vez cumpridas essas providências, o juiz dará início aos atos de expropriação de bens”). Outra inovação relevante: no primitivo sistema do Código, apenas imóveis podiam ser objeto de adjudicação, como evidenciavam a referência à “praça” no antigo art. 714 e a própria rubrica da subseção dedicada à matéria (“Da adjudicação de imóvel”). Já o regime consagrado pela Lei nº 11.382, que por sinal revogou toda essa
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subseção, eliminou a exigência concernente à natureza do bem penhorado: o novo art. 685-A fala, em termos genéricos, de “bens penhorados” – portanto, sejam eles quais forem. A ajudicação tem certa semelhança com a dação em pagamento, na qual também consente o credor “em receber prestação diversa da que lhe é devida” (Código Civil, art. 356). Todavia, aquela independe da vontade do devedor, que de maneira alguma se há de considerar “representado” pelo juiz. Este, ao adjudicar o bem ao requerente, pratica ato jurisdicional de execução forçada; nada existe aí de contratual. 2. Para obter a adjudicação, precisa o exequente (ou qualquer outro legitimado) oferecer preço “não inferior ao da avaliação” (art. 685-A, introduzido pela Lei nº 11.382, caput). Se esta houver sido repetida ou retificada, o montante oferecido naturalmente deve ser o que daí resultou. Nas hipóteses de dispensa da avaliação (arts. 682 e 684, nº I, este na redação da Lei nº 11.382), o limite mínimo será o indicado em tais dispositivos. De acordo com o art. 685-A, § 1º, igualmente introduzido pela Lei nº 11.382, se o valor do crédito for inferior ao dos bens adjudicados, o adjudicante depositará de imediato a diferença, que ficará à disposição do executado. No caso contrário, “a execução prosseguirá pelo saldo remanescente”. Resta a possibilidade de que coincidam os valores; ainda na ausência de previsão expressa, deve entender-se, normalmente, que o processo executivo terá alcançado o seu alvo e será encerrado, mediante sentença (art. 795). 3. É concebível que haja um único pretendente à adjudicação, ou que haja mais de um. Na primeira hipótese, o órgão judicial, verificando o concurso de todos os pressupostos legais, deferir-lhe-á o requerimento, determinando que se lavre o respectivo auto. Não se deixa ao juiz qualquer discrição na matéria: ou falta algum pressuposto, e a adjudicação tem de ser negada, ou concorrem todos, e ela tem de ser concedida. O § 3º do art. 685-A (também introduzido pela supracitada lei) regula o modus faciendi no caso de haver mais de um pretendente. Deve proceder-se à licitação entre eles; “em igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, descendente ou ascendente, nessa ordem”. Silencia o texto quanto à hipótese de nenhum destes requerer a adjudicação, igualando-se, por outro lado, as ofertas do exequente e de credor com garantia real ou concorrente com penhora sobre o mesmo bem (art. 685-A, § 3º). A nosso ver, em tal caso, a preferência caberá ao credor com garantia real. Se apenas outros credores penhorantes se candidatarem à adjudicação, parece razoável adotar-se, sempre em igualdade de condições, o critério da prioridade da penhora, consentâneo com a sistemática legal (cf. os arts. 711 e 712).
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Na hipótese de haver-se penhorado quota de sociedade (obrigatoriamente intimada: art. 685-A, § 4º, igualmente introduzido pela Lei nº 11.382) por iniciativa de credor alheio a ela, terão os sócios preferência para a adjudicação (§ 4º, fine). Não diz o texto se essa preferência se sobrepõe às previstas no § 3º, em igualdade de condições. A resposta, a nosso ver, há de ser negativa: o intuito de permitir que o bem permaneça no patrimônio familiar deve prevalecer sobre a possível conveniência da sociedade. Não se afigura despropositado, com efeito, enxergar nas disposições do § 2º, fine, e § 3º, 2ª parte, uma espécie de compensação para o desaparecimento do instituto da remição de bens, que tinha justamente aquela finalidade (vide os revogados arts. 787 e 789). Atente-se em que o cônjuge, o ascendente e o descendente do executado se legitimavam à remição (antigo art. 787, caput); agora, o caminho que se lhes abre é o da adjudicação. Por outro lado, é claro que, se nem o cônjuge, nem descendente ou ascendente do executado requererem a adjudicação, mas vier a fazê-lo mais de um sócio, a solução será a indicada do § 3º, 1ª parte: licitação entre os requerentes. As disputas relativas à preferência pode dar ensejo a questões incidentes, que ao juiz, evidentemente, compete resolver. Acerca da hipótese de licitação, aludia o texto primitivo do Código, no art. 715, § 2º, a uma “sentença de adjudicação”. A expressão era manifestamente imprópria, e a Lei nº 11.382 bem andou em abandoná-la. O atual § 5º do art. 685-A simplesmente se refere a “eventuais questões”, decididas pelo órgão judicial. Essas decisões classificam-se como interlocutórias e são impugnáveis por agravo (de instrumento). Verdadeira sentença só terá lugar no caso de coincidirem o valor do crédito cobrado e o preço oferecido pelo requerente vitorioso, do que resultará, de ordinário, a extinção da execução (art. 795; cf., supra, nº 2). 4. Atribui-se o bem ao único requerente, ou àquele que obteve a preferência, por meio do auto de ajudicação, que o juiz mandará lavrar, após a resolução de todas as questões suscitadas ou apreciáveis de ofício (art. 685-A, § 5º, também introduzido pela Lei nº 11.382). O auto será assinado pelo juiz, pelo adjudicante, pelo escrivão e, se estiver presente, pelo executado. Com a lavratura e assinatura do auto, considera-se “perfeita e acabada” a adjudicação (art. 685-B, caput, igualmente acrescentado por aquela lei). De maneira alguma quer isso dizer que ela não possa desfazer-se, consoante ressalta claro do disposto no art. 746 (na redação da mesma lei), que abre ao executado a possibilidade de oferecer embargos à execução, com fundamento em nulidade desta ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora. Acolhidos que sejam os embargos, obviamente se desconstituirá a adjudicação. Não é essa, porém, a única hipótese de desfazimento. Algum outro interessado pode tachar de viciado o ato: por exemplo, o titular de preferência que não se haja respeitado, a sociedade que não tenha sido intimada no caso do § 5º. O remédio de que dispõem
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esses outros interessados, no entanto, não é o dos embargos à execução, mas o agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias pertinentes. Ultimada que seja a adjudicação, expede-se ao adjudicante a respectiva carta, se imóvel o bem, ou mandado de entrega em seu favor, se móvel (art. 685-B, caput, fine). No primeiro caso, a carta constitui título hábil para o registro imobiliário (Lei nº 6.015, art. 167, nº I, 26), com o qual se transfere ao adjudicante a propriedade do bem. Deve a carta conter “a descrição do imóvel, com remissão a sua matrícula e registro, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão” (art. 685-B, parágrafo único, também introduzido pela Lei nº 11.382). 5. São efeitos da adjudicação: a) constituir o título para aquisição do domínio do bem pelo adjudicante, por meio da tradição ou do registro, conforme se trate de móvel ou imóvel; b) gerar, para o adjudicante, o direito de imitir-se na posse do bem adjudicado, obrigando o depositário a entregar-lho; c) extinguir a hipoteca inscrita sobre o bem adjudicado (Código Civil, art. 1.499, nº VI), quer a execução seja movida pelo próprio credor hipotecário, quer não, desde que, no segundo caso, tenha ele sido regularmente intimado (art. 698 e Código Civil, art. 1.501). III. Alienação por iniciativa particular 1. A alienação dos bens penhorados por obra de particular ocupava lugar modestíssimo no sistema originário do Código de Processo Civil. Na subseção dedicada à arrematação, o art. 700 autorizava o juiz a atribuir a intermediação no ato, sob certas condições, a corretor de imóveis inscrito na entidade oficial da classe. Nada mais se previa no texto codificado em matéria de alienação por particular, conquanto a figura haja sido contemplada em diplomas legais extravagantes, anteriores e posteriores ao Código, por exemplo os relativos à alienação fiduciária em garantia (Dec.-lei nº 911, de 1º.10.1969, art. 2º, e Lei nº 9.514, de 20.11.1997, art. 27). A Lei nº 11.382 revogou em termos expressos todo o art. 700 e ampliou enormemente o âmbito dessa modalidade de alienação. De acordo com o novo art. 685-C, caput, “não realizada a adjudicação dos bens penhorados, o exequente poderá requerer sejam eles alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária”. Como se vê, a despeito da maior relevância dada agora ao instituto, a alienação por obra de particular conserva posição subsidiária, em confronto com a adjudicação: só se torna possível caso esta não se realize, por desistência do exequente, ou de outro legitimado titular de preferência; acrescente-se a hipótese, sobre a qual silencia o texto, de vir a invalidar-se a adjudicação, sem que a substitua outro ato da mesma espécie.
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Do fato de levar-se a cabo por iniciativa particular essa modalidade de alienação de modo algum se segue, entretanto, que o órgão judicial a ela permaneça totalmente alheio. Ao contrário: o novo art. 685-C, § 1º, confere-lhe diversas atribuições: a de fixar o prazo em que a alienação deve ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo a ser pago pelo pretendente (não inferior ao da avaliação, consoante decorre da remissão expressa ao art. 680, na redação da Lei nº 11.382), as condições de pagamento e as garantias a serem oferecidas pelo adquirente, bem como, se for o caso, a comissão de corretagem. 2. O § 2º do art. 685-C, introduzido pela Lei nº 11.382, estabelece a maneira pela qual se ultima a operação. Uma vez que as partes cheguem a acordo, com observância das instruções do juiz, a alienação será formalizada “por termo nos autos”. Assinarão o termo o juiz, o exequente, o adquirente do bem e, caso esteja presente, o executado. Se o bem for imóvel, expedir-se-á em favor do adquirente carta de alienação para o devido registro imobiliário: embora a hipótese não figure expressamente na enumeração do art. 167, nº I, da Lei nº 6.015, há de dar-se interpretação extensiva à disposição do nº 29, que se refere à compra e venda. Com o registro, a propriedade do imóvel transferir-se-á ao adquirente. Se o bem for móvel, bastará a expedição, em favor daquele, de mandado de entrega. 3. É apenas esquemática a disciplina legal da matéria; há aspectos de que ela não cuida. Reza ao propósito o § 3º do art. 685-C: “Os Tribunais poderão expedir provimentos detalhando o procedimento da alienação prevista neste artigo, inclusive com o concurso de meios eletrônicos”, e regulando “o credenciamento dos corretores, os quais deverão estar em exercício profissional por não menos de 5 (cinco) anos”. Duvidosa, no mínimo, é a constitucionalidade de tal disposição. À luz do art. 96, nº I, da Carta de 1988, os tribunais são competentes para “elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (letra a), e bem assim para “organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva” (letra b). Nada se lê na Constituição que autorize os tribunais a legislar – que de outra coisa não se cogita aqui – sobre procedimento estranho a tais matérias e concernente à execução. Os regimentos internos, é evidente, só podem versar assuntos internos aos tribunais, como a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos, isto é, dos órgãos integrantes dos próprios tribunais. Tampouco se trata aqui de organizar “serviços auxiliares” dos juízos a eles vinculados – a não ser que, com boa vontade, se considerem tais os corretores.
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IV. Arrematação 1. É concebível que malogre a adjudicação, não só porque ninguém a requeira, como se prevê no art. 686, caput, principio (na redação da Lei nº 11.382), mas também porque, eficazmente impugnada, ela venha a desfazer-se (cf., supra, nº II, 4). Pode ainda acontecer que, malograda a adjudicação, tampouco se efetue a alienação por iniciativa particular. Feita abstração do usufruto forçado (infra, § 11, nº III), cumpre, a esta altura, utilizar outro meio de converter em dinheiro os bens penhorados, para com o produto pagar-se o exequente. Tal meio consiste na tradicionalmente chamada arrematação – nomen iuris que a Lei nº 11.382, na rubrica da subseção dedicada à matéria, preferiu trocar por “alienação em hasta pública”. Semelhante alienação, que em princípio se realiza através de licitação pública, não tem natureza contratual. Prescinde-se de qualquer colaboração por parte do executado (ou da outra pessoa que suporte a responsabilidade executiva), a quem pertencem os bens. O juiz não está investido da representação (convencional ou legal) do proprietário, nem há por que recorrer ao inútil e descabido expediente dogmático de considerar “fictamente” manifestada a vontade do devedor ou do responsável. A expropriação forçada na execução, em qualquer de suas modalidades, é ato jurisdicional e bem se integra no conceito geral da atividade executiva, cuja essência consiste, precisamente, em dar efetividade prática à regra jurídica concreta que deve disciplinar a situação, independentemente, tanto quanto possível, daquela vontade, e até, quando preciso, contra ela. 2. O procedimento da arrematação desdobra-se em três etapas essenciais. Cabe distinguir a publicação de edital, a licitação – que pode assumir mais de uma forma – e a assinatura do auto, com a qual a arrematação se perfaz (art. 694, caput, fine). A publicação de edital tem por finalidade óbvia assegurar a prévia divulgação da notícia de que os bens serão alienados. Trata-se, como é intuitivo, de providência indispensável ao bom êxito da licitação: quanto maior o número de pessoas advertidas, tanto maior a probabilidade de comparecerem interessados em número bastante para assegurar resultado verdadeiramente compensador. Enumera o art. 686, nºs I a VI (na redação da Lei nº 11.382), os elementos que devem constar do edital: a descrição do bem penhorado, com suas características e, tratando-se de imóvel, a situação e divisas, com remissão à matrícula e aos registros; o valor do bem; com referência a móveis, veículos e semoventes, o lugar onde se encontram; no que tange a “direito e ação” (na antiquada expressão do Código, por sinal abandonada na nova redação do art. 655, nº XI), a indicação do processo em cujos autos se procedeu à penhora; o dia e a hora da praça, se imóvel o bem, ou o local, dia e hora do leilão, se móvel; a menção, se for o caso, da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados; a comunicação de que, se não houver lanço superior ao quantum da avaliação, será o bem alienado a quem mais oferecer (com a ressalva do art. 692,
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caput, na redação da Lei nº 8.953), em segunda licitação desde logo marcada, inclusive quanto à hora, para dia compreendido entre o décimo e o vigésimo seguintes. Se os bens tiverem cotação em mercado (art. 655, nos IX e X, na redação da Lei nº 11.382), “constará do edital o valor da última cotação anterior à expedição deste” (art. 684, nº II, na redação da Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). O edital será afixado “no local do costume” e publicado, em resumo, pelo menos uma vez, com antecedência mínima de 5 dias, em jornal de ampla circulação no lugar (ou, se o credor for beneficiário da justiça gratuita, no órgão oficial). Far-se-á a publicação, de preferência, “na seção ou local reservado à publicidade de negócios imobiliários”. Atendendo ao valor dos bens e às condições da comarca, pode o juiz “alterar a forma e a frequência da publicidade na imprensa, mandar divulgar avisos em emissora local e adotar outras providências tendentes a mais ampla publicidade da alienação”. Também é lícito ao órgão judicial determinar a reunião de publicações em listas referentes a mais de uma execução (art. 687, caput e §§ 1º a 4º, na redação dada pela Lei nº 8.953). Em cláusula final, introduzida no § 2º pela Lei nº 11.382, autoriza-se o recurso a “meios eletrônicos de divulgação”. Quando os bens penhorados não excederem o valor correspondente a sessenta vezes o maior salário mínimo vigente na data da avaliação, será dispensada a publicação de editais. Neste caso, o preço da arrematação não pode ser inferior ao da avaliação (art. 686, § 3°). Consoante reza o art. 688, caput, não se realizando, “por motivo justo”, a licitação, mandará o juiz publicar na imprensa local e no órgão oficial a nova data (e hora) que designar em substituição. É óbvio, porém, que tal publicação, com ressalva do disposto no art. 686, nº VI, se impõe em qualquer caso de adiamento, haja ou não ocorrido “motivo justo” para a transferência. A falta de justificação pode ser relevante para a incidência do parágrafo único, onde se faz responsável pelas despesas da nova publicação o escrivão, o porteiro ou o leiloeiro que culposamente houver dado causa ao adiamento, facultando-se ainda ao juiz, à vista das circunstâncias, aplicar-lhe a penalidade de suspensão por cinco a trinta dias. Não terá a virtude de dispensar a nova publicação, que deve obedecer às mesmas regras da primeira. 3. De modo algum basta, porém, a divulgação genérica da licitação por meio dos editais. Em atenção a razões diversas, determina a lei que certas pessoas sejam especificamente cientificadas, o que se faz através da competente intimação. São elas: a) o executado, que “terá ciência do dia, hora e local da alienação judicial por intermédio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por meio de mandado, carta registrada, edital ou outro meio idôneo” (art. 687, § 5º, na redação da Lei nº 11.382); b) o senhorio direto, se o bem for enfitêutico; o credor pignoratício, hipotecário ou anticrético, ou o usufrutuário, se pesar sobre o bem qualquer desses ônus (arts. 619 e 698, na redação da Lei nº 11.382, onde se proíbe a alienação de bem do executado sem a prévia cientificação, por qualquer meio idôneo e com antecedência míni-
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ma de 10 dias; o senhorio direto, o credor com garantia real ou com penhora anteriormente averbada, “que não seja de qualquer modo parte na execução”); c) a União, o Estado e o Município em que estiver o bem, caso haja sido objeto de tombamento por seu valor histórico ou artístico (Dec.-lei nº 25, de 30.11.1937, art. 22, § 4º). Na hipótese da letra a, não obstante o silêncio do texto legal, há de entender-se que a arrematação é nula, incidindo o art. 694, § 1º, nº I, se o devedor não for intimado. Também é essa a consequência de não se haver intimado, no caso da letra c, antes da expedição do edital, qualquer das pessoas jurídicas de direito público mencionadas no art. 22, § 4º, do Dec.-lei nº 25, que o exige sob cominação expressa de nulidade. Quanto à hipótese da letra b, é mister conciliar o disposto no art. 619, que qualifica somente de “ineficaz” em relação à pessoa não intimada a alienação do bem enfitêutico ou sujeito a algum dos ônus ali referidos, com a regra do art. 694, parágrafo único, nº VI, que, por força da expressa remissão, entre parênteses, ao art. 698, torna a arrematação passível, em termos genéricos, de “ser tornada sem efeito”, quando realizada a licitação sem a oportuna intimação das pessoas mencionadas no texto (ambos os dispositivos na redação da Lei nº 11.382). Evidentemente, ser ineficaz em relação a determinadas pessoas (art. 619) não é o mesmo que “ser tornada sem efeito” (art. 694, § 1º, nº VI, combinado com o art. 698, sempre na redação da Lei nº 11.382). Parece-nos razoável admitir que qualquer dos indicados no art. 698, uma vez ciente da arrematação realizada em desobediência a esse dispositivo, pode requerer-lhe o desfazimento nos autos do processo executivo (por hipótese, não encerrado), voltando o imóvel à licitação pública; mas, ainda que não o requeira, a alienação do bem, mesmo perfeita e válida para o adquirente, não produzirá efeitos em face do credor pignoratício, hipotecário ou anticrético (continuando gravado o imóvel, em vez de sub-rogar-se no preço o ônus), ou do senhorio direto, em cujo favor subsistirá, pois, a preferência que lhe confere o direito material: Código Civil, art. 2.038, caput, conjugado com o art. 689 do antigo Código. Teria sido melhor prever apenas a ineficácia relativa como consequência da não intimação, já que, com ela, fica totalmente preservado o interesse das pessoas mencionadas no art. 698 (também na redação da Lei nº 11.382), não sendo necessário o desfazimento da arrematação, que provoca inútil desperdício de atividade, tempo e dinheiro. 4. A forma da licitação pública varia de acordo com a natureza do bem. Conforme ressalta do disposto no art. 686, nº IV, ainda na redação da Lei nº 11.382, em se tratando de imóvel, ela se faz em praça; de móvel, em leilão, excetuadas as hipóteses em que, por lei, a atribuição de alienar é privativa dos corretores da Bolsa de Valores (art. 704, sempre na redação da Lei nº 11.382). Diferem a praça e o leilão em que: a) aquela se realizará no átrio do edifício do fórum; este, onde estiverem os bens, ou no lugar designado pelo juiz (art. 686, § 2°);
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b) ao contrário do que sucede na primeira, são obrigatoriamente apregoados os bens, no segundo, por leiloeiro público, indicado pelo exequente (art. 706, na redação daquela lei), correndo-lhe certas obrigações e responsabilidades peculiares: publicar o edital, anunciando a alienação; realizar o leilão onde se encontrem os bens, ou no lugar designado pelo juiz; expor aos pretendentes os bens ou as amostras das mercadorias; receber do arrematante a comissão estabelecida em lei ou arbitrada pelo juiz; receber e depositar, dentro em 24 horas, à ordem do juízo, o produto da alienação; e prestar contas ao órgão judicial, nas 48 horas subsequentes ao depósito (art. 705, nºs I a VI); c) as despesas com a praça são todas carregadas ao devedor, ao passo que, no leilão, é ao arrematante que incumbe pagar a comissão estabelecida em lei ou arbitrada pelo juiz para o leiloeiro (art. 705, nº IV). É evidente, ademais, que alguns dispositivos concernentes à arrematação não incidem senão quando se tratar de praça: assim os arts. 701 e 702, que só se referem a imóveis. No mais, a disciplina é substancialmente uniforme para ambas as modalidades de hasta pública. Comum a ambas, em especial, é a possibilidade, aberta pelo art. 689-A (introduzido pela Lei nº 11.382), de que o procedimento previsto nos arts. 686 e 689 seja substituído, “a requerimento do exequente, por alienação realizada por meio da rede mundial de computadores, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em convênio com eles firmado”. Nos termos do parágrafo único do art. 689-A, “o Conselho da Justiça Federal e os Tribunais de Justiça, no âmbito das suas respectivas competências, regulamentarão esta modalidade de alienação, atendendo aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital”. Semelhante dispositivo é de discutível constitucionalidade, por motivos análogos aos expostos supra (nº III, 3). 5. Deve a licitação realizar-se em dia útil, no horário do expediente forense. Se a noite sobrevier sem que o bem (ou todos os bens) haja(m) sido arrematado(s), suspendem-se os trabalhos, prosseguindo a praça ou o leilão no primeiro dia útil, à mesma hora em que teve início, independentemente de novo edital (art. 689). Suspende-se, outrossim, a hasta pública se o imóvel pertencente a incapaz não alcançar em praça ao menos 80% do quantum da avaliação, caso em que o juiz o confiará à guarda e administração de depositário idôneo, adiando a licitação por prazo não superior a um ano (art. 701, caput), e podendo autorizar a locação do imóvel durante esse período (§ 3º). O imóvel voltará à hasta pública: findo o prazo do adiamento, para ser alienado a quem mais der (§ 4º); ou então se, nesse ínterim, algum pretendente assegurar, mediante caução idônea, o preço da avaliação (§ 1º), sujeitando-se o pretendente que se arrepender à imposição de multa de 20% sobre a importância da avaliação, em benefício do incapaz, por decisão que valerá como título executivo
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(§ 2º). Reza o art. 692, parágrafo único, introduzido pela Lei nº 8.953, que também será “suspensa” a licitação, tão logo se obtenha, com a alienação dos bens, numerário suficiente para o pagamento do credor; nessa hipótese, porém, o que ocorre não é propriamente a suspensão, mas o encerramento da praça ou do leilão, cujo prosseguimento não teria razão de ser: a expropriação já atingiu sua finalidade. Por outro lado, se o imóvel penhorado admitir “cômoda divisão”, ordenará o juiz, a requerimento do executado, que ele seja alienado só em parte, “desde que suficiente para pagar o credor”. Se não houver lançador para a parte, entretanto, “far-se-á a alienação do imóvel em sua integridade” (art. 702 e seu parágrafo único). Não se concebendo prejuízo para o exequente, é desnecessária a concordância deste com o requerimento do executado. A regra do art. 702 inspira-se no princípio geral de que a satisfação do exequente deve ser perseguida com o mínimo possível de detrimento para o executado (cf. o art. 620). 6. Legitimam-se a formular lanços, de modo geral, quaisquer pessoas que estejam na livre administração de seus bens, exceto: os tutores, os curadores, os testamenteiros, os administradores, os síndicos ou liquidantes, quanto aos bens confiados à sua guarda e responsabilidade; os mandatários, quanto aos bens de cuja administração ou alienação estejam encarregados; o juiz, o membro do Ministério Público e da Defensoria Pública, o escrivão e demais servidores e auxiliares da Justiça (art. 690-A, na redação da Lei nº 11.382). O próprio credor, que move a execução, pode licitar, conforme evidencia o parágrafo único desse mesmo dispositivo. Sendo dois ou mais os bens apregoados, e havendo mais de um licitante, dar-se-á preferência àquele que se propuser a adquirir a totalidade, contanto que ofereça, para os que não encontrarem lançador, preço igual ao da avaliação, e para os demais o do maior lanço formulado (art. 691). A proposta de arrematação global pode ser feita até o encerramento da hasta pública, e nunca antes que se verifique, em relação a cada um dos bens, se existe outro pretendente, e quanto oferece. Na primeira licitação não se aceita lanço que não exceda o quantum da avaliação; na segunda, o bem será alienado “pelo maior lanço” (art. 686, nº VI), a menos que este ofereça “preço vil” (art. 692, caput, na redação da Lei nº 8.953). 7. O arrematante deve pagar à vista o quantum do seu lanço vitorioso; mas, contanto que preste desde logo caução idônea (real ou fidejussória), ser-lhe-á concedido prazo de até 15 dias para efetuar o pagamento (art. 690, caput, na redação da Lei nº 11.382). Em se tratando de imóvel, o preço pode ser pago em prestações. Quem estiver interessado em adquiri-lo assim apresentará por escrito sua proposta, nunca inferior à avaliação, oferecendo pelo menos 30% (trinta por cento) dela à vista e garantindo o restante por hipoteca sobre o próprio imóvel. As propostas, que serão juntadas aos autos, devem indicar o prazo, a modalidade e as condições de pagamento
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do saldo. Por ocasião da praça, levando em conta as diversas ofertas, se as houver, o juiz decidirá. Quem fez proposta por escrito não fica impedido, só por isso, de lançar, caso queira superar outro lanço. Será atribuído o imóvel àquele que tiver apresentado, de acordo com os critérios legais, a oferta (lanço ou proposta) mais conveniente. Os pagamentos que forem sendo feitos pelo arrematante caberão ao exequente até o limite do seu crédito, e os subsequentes ao executado (art. 690, §§ 1º a 4º, sempre na redação da Lei nº 11.382). Se foi o próprio exequente quem arrematou, não está obrigado a exibir o preço. Pode suceder, todavia, que o valor do bem (ou dos bens) arrematado(s) exceda o do crédito exequendo; nesse caso, terá o exequente de depositar, dentro de três dias, a diferença, para oportuno levantamento pelo executado, sob pena de desfazer-se a arrematação, por decisão do juiz, proferida ex officio ou a requerimento do devedor, procedendo-se então a nova licitação, agora à custa do exequente (art. 690-A, parágrafo único, igualmente na redação da Lei nº 11.382). Estabelece o art. 695 que, se o arrematante ou seu fiador não pagar o preço no prazo do art. 690, caput (ambos na redação da Lei nº 11.382), o juiz lhe imporá, a favor do exequente, a perda da caução e determinará a volta dos bens a nova praça ou leilão. Nessa licitação “não serão admitidos a participar o arrematante e o fiador remissos”. Ao segundo, no entanto, concede a lei a possibilidade de requerer que a arrematação lhe seja transferida, mediante o pagamento do valor do maior lanço (ou proposta): é o que reza o art. 696, não revogado, mas no qual a alusão à “multa” já não tem razão de ser, pois a nova redação do art. 695 a aboliu, substituída que foi aquela penalidade pela perda da caução. A ordem dos dispositivos, nessa matéria, está longe do ideal. Para ficarmos num exemplo, o atual art. 695 devia situar-se logo após o novo art. 690, caput, já que comina a sanção para o descumprimento da obrigação neste prevista. Foi pena que a reforma não haja aproveitado a oportunidade para proceder a uma arrumação melhor do texto. 8. A arrematação não se consuma com a mera realização da hasta pública, em praça ou leilão. Determina a lei que se lavre auto, “de imediato”, isto é, logo depois do encerramento da licitação, mencionando-se nele “as condições pelas quais foi alienado o bem” (art. 693, caput, sempre na redação da Lei nº 11.382). Uma vez assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo porteiro ou leiloeiro, a arrematação considera-se perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os eventuais embargos do executado (art. 694, caput, ainda na redação da Lei nº 11.382). Quer isso dizer que o arrematante, com a ressalva abaixo (nº 9, c), não pode arrepender-se; caso descumpra a sua obrigação, sofrerá as consequências previstas no art. 695. Não produz a assinatura do auto o efeito imediato de transferir ao arrematante a propriedade do bem, que ele só adquirirá pela tradição ou pelo registro, conforme se trate, respectivamente, de móvel ou de imóvel.
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9. A despeito de aperfeiçoada, pode a arrematação vir a “ser tornada sem efeito”: a) “por vício de nulidade” (art. 694, § 1º, nº I), expressão que se deve entender como abrangente de quaisquer defeitos suscetíveis de tornar inválida a arrematação, quer em si mesma, quer por força da invalidade (não necessariamente total) do processo executivo em que ela se insere. Os motivos concebíveis são inúmeros: inobservância dos requisitos de publicidade (art. 687 e §§ 1º a 3º, na redação da Lei nº 8.953), falta de intimação do executado (art. 687, § 5º), impedimento do arrematante para licitar (art. 690-A, sempre na redação da Lei nº 11.382) etc.; b) se, não sendo pago tempestivamente o preço, voltar o bem à hasta pública (art. 694, § 1º, nº II, principio, combinado com o art. 695, caput; cf. supra, nº 7); ou, ainda, se o auto de arrematação houver sido indevidamente assinado sem prévia prestação de caução pelo arrematante, a quem se concedeu o prazo de 15 dias para pagar (art. 694, § 1º, nº II, fine, combinado com o art. 690, caput, fine, todos igualmente na redação da Lei nº 11.382); c) caso o arrematante prove, no quinquídio subsequente à assinatura do auto, a existência de ônus real sobre o bem, omitido no edital (art. 694, § 1º, igualmente na redação da Lei nº 11.382, nº III; cf. art. 686, nº V, principio); d) a requerimento do arrematante, se oferecidos embargos à arrematação (art. 694, § 1º, nº IV, conjugado com o art. 746, §§ 1º e 2º, todos na redação da Lei nº 11.382; e) quando realizada por preço vil (art. 694, § 1º, nº V, conjugado com o art. 692); f ) noutras hipóteses previstas no Código: assim a do art. 698, ao qual faz expressa remissão o art. 694, § 1º, nº VI (vide, porém, quanto à primeira, o exposto em o nº 3, supra). A invalidação da arrematação (art. 694, § 1º, nº I) pode ser pleiteada através de embargos do executado, nos casos do art. 746, de embargos de terceiro (art. 1.048) ou, eventualmente, de ação anulatória autônoma (art. 486), sem prejuízo da decretação pelo juízo da execução, quando possível. Nas restantes hipóteses de desfazimento (art. 694, § 1º, nº IV, nºs II a VI), basta requerimento do interessado, nos próprios autos do processo executivo, desde que ainda não se lhe haja posto fim, cabendo da decisão agravo de instrumento. 10. Esgotados os prazos das possíveis impugnações, ou não tendo efeito suspensivo a que houver sido formulada, expede-se em favor do arrematante a carta de arrematação, que deve conter: a descrição do imóvel, com remissão a sua matrícula e registros; a cópia do auto de arrematação; e a prova de quitação do imposto de transmissão (art. 703, nos I a III, na redação da Lei nº 11.382). Em se tratando, contudo, de execução de hipoteca de vias férreas, não se expedirá a carta de arrematação ao licitante vitorioso sem a prévia intimação do representante da União ou do Estado, conforme o caso, de acordo com o direito material, para remir a estrada de ferro, se quiser, numa quinzena, pagando o preço da arrematação (art. 1.505 do Código Civil, subsistente apesar da revogação, pela Lei nº 11.382, do
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art. 699 do Código de Processo Civil). Só depois de escoados in albis os quinze dias é que poderá o lançador obter a carta. Constitui a carta de arrematação o documento comprobatório do direito do arrematante, servindo de título, se imóvel o bem, para o respectivo registro (Lei nº 6.015, art. 167, nº I, 26), mediante o qual se transferirá ao arrematante a respectiva propriedade (Código Civil, art. 1.245 e § 1°). 11. Além da obrigação de pagar o preço, já referida (supra, nº 7), são efeitos da arrematação: a) constituir o título para aquisição do domínio do bem pelo arrematante, através da tradição ou do registro, conforme se trate de móvel ou de imóvel; b) gerar, para o arrematante, o direito de imitir-se na posse do bem arrematado, obrigando o depositário a entregar-lho; c) transferir, do bem arrematado para o preço pago, o vínculo que sobre aquele se criara em virtude da penhora, passando a responder pela satisfação do credor a importância depositada à disposição do juízo, com ressalva da hipótese prevista no art. 690-A, parágrafo único, na redação da Lei nº 11.382; d) extinguir a hipoteca inscrita sobre o bem arrematado (Código Civil, art. 1.499, n° VI, que se deve entender como abrangente da alienação por iniciativa particular), quer a execução seja movida pelo próprio credor hipotecário, quer não, desde que, no segundo caso, tenha ele sido regularmente intimado (art. 698 e Código Civil, art. 1.501; vide, supra, nº 3), sub-rogando-se, então, o ônus no preço da arrematação; e) produzir a sub-rogação, no preço, dos créditos tributários incidentes sobre o imóvel arrematado (Código Tributário Nacional, art. 130, parágrafo único). Se o bem licitado não pertencia na verdade ao devedor (ou ao responsável), a arrematação não produz o efeito indicado sob a, nem atinge o direito do verdadeiro proprietário, que poderá a qualquer tempo – ainda que não haja oferecido embargos de terceiro, ou que os haja oferecido sem êxito – reivindicar o bem, por meio de ação autônoma. O arrematante, porém, terá direito regressivo contra o devedor (ou o responsável); não por força da garantia pela evicção, consagrada no art. 1.107 do antigo Código Civil, inaplicável à arrematação, que não é “contrato oneroso” (cf., supra, nº 1; vide, porém, o art. 447, 2ª parte, do novo Código Civil), mas por aplicação do princípio geral que veda o enriquecimento sem causa: o devedor, com efeito, exonerou-se da obrigação perante o credor que o executou, à custa de bem que não lhe pertencia, isto é, sem que nenhuma diminuição real tivesse sofrido o seu patrimônio. Posto que a coisa arrematada venha a revelar-se portadora de vício oculto, bastante para torná-la imprópria ao uso a que se destine, ou diminuir-lhe o valor, não surge para o arrematante o direito à redibição, nem ao abatimento no preço [Código Civil antigo, art. 1.106, onde “vendida” estava por “alienada”; o novo não reproduz o dispositivo, mas pode entender-se que a conclusão permanece válida, ante a ausên-
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cia, na seção consagrada aos vícios redibitórios (arts. 441 e segs.), de cláusula correspondente à do art. 447, 2ª parte, relativa à evicção]. § 11 – Pagamento ao Credor I. Generalidades 1. O processo de execução atinge seu fim (na dupla acepção de término e de objetivo) com a satisfação do credor, que representa a efetivação da norma jurídica concreta aplicável à situação. Na execução por quantia certa, isso se dá mediante o pagamento, no sentido estrito da palavra. Conforme exposto, realiza-se o pagamento à custa do devedor (ou, eventualmente, de terceiro responsável), de cujo patrimônio retira o órgão jurisdicional a porção bastante ao reembolso do credor. Na maioria dos casos, pretende este que se lhe entregue determinado quantum; então, ou se utiliza a soma em dinheiro que já se apreendera originalmente, ou nela se convertem, por meio da expropriação forçada e da alienação a quem os queira adquirir, os bens de outra natureza porventura apreendidos. Pode também acontecer – possibilidade a que a Lei nº 11.382 deu especial relevo – que o exequente prefira, em vez da quantia a que faz jus, receber os próprios bens penhorados, ou parte deles; ou então, que ele se vá pagando pouco a pouco, com o produto da exploração do bem sobre que haja recaído a penhora. São essas as três hipóteses a que alude o art. 708, quando enumera, como modalidades do pagamento ao credor: a “entrega do dinheiro” (nº I), a “adjudicação dos bens penhorados” (nº II) e o “usufruto de bem imóvel ou de empresa” (nº III, em redação que a lei supracitada deixou subsistir, embora haja passado a discrepar da nova rubrica da subseção IV, aliás de todo o respectivo texto, onde se fala sempre de usufruto “de móvel ou imóvel”). 2. Entre as duas primeiras modalidades e a terceira há uma diferença importante. Naquelas, o credor satisfaz-se instantaneamente: no próprio momento em que recebe a quantia obtida, ou em que adquire o bem adjudicado, extingue-se o seu crédito, e fica exonerado o devedor, sem prejuízo do disposto nos arts. 667, nº II, e 685-A, § 1º, fine, introduzido pela Lei nº 11.382. A entrega ou a adjudicação efetua-se pro soluto. O mesmo não ocorre quando se constitui, em benefício do exequente, usufruto sobre móvel ou imóvel do devedor (ou do responsável). O gozo e fruição do bem, pelo tempo necessário, irá paulatinamente extinguindo o crédito e liberando o devedor, na exata medida das parcelas que se forem apurando com a exploração do bem. A execução, portanto, a rigor se prolonga até que o produto dessa exploração atinja o quantum devido ao exequente – principal e acessórios (cf. o art. 717, fine). Não é propriamente a constituição do usufruto, em si, que vale por “pagamento”: ela é instrumental e faz-se pro solvendo.
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II. Entrega de dinheiro 1. Já se tendo cuidado da adjudicação (supra, § 10, nº II), cabe agora tratar das duas outras modalidades, começando pela entrega de dinheiro. O primeiro caso que cumpre examinar é o de ter sido movida a execução por um único credor. Bem simples é aqui o procedimento. Assiste ao exequente o direito de receber, da importância originariamente apreendida (penhorada ou depositada “para segurar o juízo”, como diz o art. 709, caput, que esqueceu a primeira hipótese), ou do produto da alienação de outro bem (ou de outros bens), o suficiente, se houver, para a satisfação integral do crédito. O juiz, por conseguinte, autorizá-lo-á a levantar o depósito, até esse limite, desde que não exista sobre o bem algum privilégio, ou preferência, fundada noutro título, anterior à penhora (art. 709, caput e inciso II). Nos termos do parágrafo único do citado dispositivo, “ao receber o mandado de levantamento, o credor dará ao devedor, por termo nos autos, quitação da quantia paga”. Tal quitação não importa necessariamente, é óbvio, exoneração integral do executado, porque pode suceder que o quantum levantado seja inferior ao crédito exequendo, incluídos os acessórios. Por outro lado, não se deve preexcluir a eventualidade oposta, isto é, a de exceder a importância em depósito ao montante do crédito (incluídos os acessórios), caso em que o saldo, naturalmente, será restituído ao devedor (ou ao responsável), conforme estatui o art. 710. É desnecessário o recurso ao procedimento acima descrito quando, arrematados os bens pelo próprio exequente, tiver havido coincidência entre o preço da alienação e o valor do crédito; ao nosso ver, a quitação ao devedor nos autos há de ser dada, aí, por ocasião do recebimento da carta de arrematação. Também assim na hipótese de excesso do preço da alienação sobre o crédito exequendo, em que, ademais, se restitui ao executado (artigo 710, aplicável por analogia) a diferença depositada pelo exequente em obediência ao preceito do art. 690-A, na redação da Lei nº 11.382. 2. Torna-se mais complexo o procedimento, se incide sobre o bem alienado alguma preferência (privilégio ou direito real) constituída antes da penhora, e se o mesmo bem foi penhorado por iniciativa de mais de um credor. É que as preferências anteriores, nascidas de acordo com o direito material, se sobrepõem à que resulta, em prol do exequente, da efetivação da penhora (art. 612, fine); e, quando se realizam duas ou mais penhoras sobre um único bem, a requerimento de credores diversos, cada qual conserva o seu título de preferência (art. 613), na ordem cronológica das penhoras. Daí ser impossível autorizar-se, pura e simplesmente, o levantamento, por um só credor, da importância depositada, até o limite do seu crédito. Faz-se necessária a verificação prévia da situação de cada qual, a fim de que sejam respeitadas as preferências: primeiro, as fundadas em título legal; depois, sucessivamente, as decorrentes das penhoras, consoante a respectiva ordem. Se não houver título legal de preferência, rece-
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berá antes o credor que tiver promovido a primeira penhora, e em seguida os demais, observando-se sempre “a anterioridade de cada penhora” (art. 711). 3. Para que o órgão judicial possa apurar a ordem em que terão de ser pagos os credores, instaura-se neste ponto da execução um processo incidente de conhecimento, do qual não participa o devedor (concurso de preferências). Os credores formulam suas pretensões, requerendo, se for o caso, as provas que se houverem de produzir em audiência (art. 712, 1ª parte). Cabe ao juiz decidir, estabelecendo a ordem dos pagamentos, de acordo com a convicção que tiver formado acerca das preferências, resultantes ou de título legal ou da prioridade da penhora. Essa é, aliás, a única matéria sobre que pode versar, no concurso, a discussão entre os credores (art. 712, 2ª parte). A decisão será proferida em audiência, após o encerramento do debate (art. 713), ou fora dela, se desnecessária por inexistirem provas a ser oralmente produzidas (art. 330, nº I). Contra a decisão cabe agravo de instrumento. 4. Convém acentuar que a preferência consequente à penhora apenas subsiste enquanto se tratar de execução contra devedor solvente (art. 612, principio). Aqui se pressupõe, destarte, que o produto baste para a satisfação integral de todos os credores concorrentes; e, se isso realmente se der, não haverá, em regra, do ponto de vista prático, diferença muito considerável entre a situação do credor preferente e a dos restantes, reduzindo-se tudo a uma questão de prioridade na obtenção do mandado de levantamento, sem que haja, porém, redução na importância devida a cada credor – nem, a fortiori, exclusão de qualquer credor por insuficiência dos meios de pagamento. Pode acontecer, todavia, que justamente a esta altura se verifique ser o produto da execução inferior, no montante global, à soma dos créditos concorrentes. Assim se configura o pressuposto da declaração de insolvência do devedor (art. 748), a qual, entretanto, não é pronunciável de ofício pelo juízo da execução; nem, por outro lado, prevê o Código a transformação, de pleno direito, do mero concurso de preferências em processo de execução contra devedor insolvente. Ora, se se proceder ao pagamento de acordo com as preferências, pelo menos o último credor será prejudicado, pois não encontrará saldo que baste à sua satisfação. Nessa emergência, incumbirá ao(s) credor(es) interessado(s), quer dizer, ao(s) que esteja(m) na iminência de não ser integralmente satisfeito(s), pedir – atendidas as exigências legais – a declaração judicial da insolvência do devedor. E, para que a iniciativa tenha assegurada a sua eficácia prática, tocar-lhe(s)-á requerer ao juiz que suspenda o processamento da execução, invocando, por analogia, a regra do art. 791, nº III. 5. Feita abstração da hipótese examinada no item anterior, desde que preclusa a decisão a que alude o art. 713, determinará o órgão judicial que se expeçam manda-
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dos de levantamento em favor dos credores concorrentes, na ordem fixada, à luz das prelações que se houverem reconhecido. Os recebimentos só se poderão fazer nessa mesma ordem; do contrário, haveria desrespeito às preferências, concebendo-se até que, no caso de insuficiência do produto, algum credor preferente se visse prejudicado por ter outro dos concorrentes, sem qualquer título de prelação, recebido antes a importância total do seu crédito. Incide o art. 709, parágrafo único; mas é claro que a quitação dada ficará sem efeito se o credor, afinal, deixar de satisfazer-se, por insuficiência do produto, supervenientemente apurada. Aplicável é também, havendo saldo, a norma do art. 710. III. Usufruto de móvel ou imóvel 1. Quer recaia a penhora sobre móvel ou imóvel, há outra possibilidade, a par das anteriormente examinadas: atribuir-se ao credor – no lugar da propriedade do bem (adjudicação) ou de uma soma em dinheiro, obtida mediante a respectiva alienação a terceiro (por iniciativa particular ou em hasta pública) – o direito de gozá-lo e fruí-lo, para ir-se satisfazendo paulatinamente com o produto da respectiva exploração. A esta figura chama o Código “usufruto”, sem que tal denominação haja de fazer supor uma identidade de características entre o instituto e o que recebe igual denominação no direito material. São pressupostos da constituição do usufruto sobre o bem objeto de penhora: a) a manifestação de vontade do exequente, nesse sentido, antes da realização da praça, em se tratando de imóvel (art. 721); b) a audiência do executado (art. 722, principio, na redação da Lei nº 11.382), o qual pode ter alguma razão para impugnar o requerimento do exequente, mas cuja eventual concordância não torna contratual o usufruto, deixando intacta a sua natureza de ato jurisdicional executivo, pois a constituição nem mesmo assim resultará de acordo entre as partes, mas de decisão do juiz; c) a superioridade in concreto deste modo de satisfação do credor em confronto com os outros possíveis (adjudicação, arrematação ou alienação por iniciativa particular, seguida de entrega do dinheiro), por “menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento da dívida” (art. 716, fine), a critério do órgão judicial, que deve fundamentar seu convencimento. Contrariamente ao que parece insinuar o teor literal do art. 716, isolado do contexto, não se deve entender possível a decretação ex officio do usufruto, pelo juízo da execução. 2. Após ouvir o executado, o juiz nomeará perito para avaliar os frutos e rendimentos do bem e calcular o tempo necessário à extinção do crédito exequendo (art. 722, caput, também na redação da Lei nº 11.382). Aplicam-se à perícia as disposições pertinentes do Livro I. Apresentado o laudo, ouvem-se as partes, que naturalmente poderão impugná-lo, cabendo ao órgão judicial decidir.
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Ao pronunciamento pelo qual o juiz decreta a constituição do usufruto chamava o Código, no texto originário, “sentença” (arts. 718, 719, 722, §§ 1º e 2º), se bem que, a rigor, não se encerre com ele a execução (supra, nº I, 2) – o que destoava da antiga definição constante do art. 162, § 1º (modificado pela Lei nº 11.232). A alusão a “sentença” subsiste no art. 719, principio, em que a Lei nº 11.382 se absteve de tocar, certamente por desatenção do legislador. Já no art. 718 aquela palavra foi substituída por “decisão”, e o mesmo sucedeu nos §§ 1º e 2º do art. 722. O recurso cabível é o agravo de instrumento. Deferindo o requerimento do exequente, o juiz nomeará administrador, “que será investido de todos os poderes que concernem ao usufrutuário”; a nomeação poderá recair sobre qualquer das partes, se a outra consentir (art. 719 e seu parágrafo único). Em favor do exequente expedir-se-á a carta de constituição do usufruto, da qual constarão cópias do laudo e da decisão, bem como, se for o caso, a identificação do imóvel. Em tal hipótese, a carta servirá de instrumento para averbação no registro imobiliário (art. 722, §§ 1º, fine, e 2º, sempre na redação da Lei nº 11.382). 3. Produz a constituição do usufruto os seguintes efeitos: a) perda, pelo devedor, do gozo e fruição do bem, “até que o credor seja pago do principal, juros, custas e honorários advocatícios” (art. 717) – o que significa que o usufruto é temporário, devendo extinguir-se quando estiver o credor integralmente satisfeito, ainda que, na perícia de que trata o art. 722, caput, se tenha prefixado prazo diverso (maior ou menor); b) colocação do bem sob a gestão de um administrador, nomeado na decisão concessiva do usufruto (art. 719 e seu parágrafo único). Não obstante a revogação do art. 729 pela Lei nº 11.382, é indubitável que se aplicam ao administrador as disposições dos arts. 148 a 150, no tocante aos respectivos direitos e deveres. O usufruto pode recair sobre quinhão de condômino; em tal hipótese, o administrador exercerá os direitos que, no condomínio, cabiam ao executado (art. 720, na redação da Lei nº 11.382). Por força do disposto no art. 718 (na redação da mesma lei), os efeitos da constituição do usufruto, quer em relação ao devedor, quer a terceiros, produzem-se “a partir da publicação da decisão que o conceda”, não dependendo, assim, quanto aos imóveis, do registro da carta. 4. Pode acontecer que esteja alugado o bem objeto do usufruto; nesse caso, o locatário deverá pagar o aluguel ao exequente, constituído usufrutuário, “salvo se houver administrador” (art. 723), ou melhor, salvo se tiver sido nomeado terceiro para administrar o bem, não significando a cláusula transcrita que fique afastada, aqui, a incidência do art. 719, caput, nem que seja concebível a inexistência de administrador. O texto quer naturalmente referir-se à hipótese prevista no art. 719, parágrafo único, nº II; daí a exceção aberta na parte final.
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Reza o art. 724 (ainda na redação da Lei nº 11.382) que “o exequente usufrutuário poderá celebrar locação do móvel ou imóvel”, aludindo obviamente tanto à possibilidade de não estar alugado o bem, quanto à de extinguir-se, durante o prazo do usufruto, a relação locativa porventura preexistente. Em qualquer caso, porém, será preciso consultar o executado; se este concordar, desde logo se poderá concluir o contrato; se não concordar, decidirá o juiz “a melhor forma de exercício do usufruto” (art. 724, parágrafo único, igualmente na redação da Lei nº 11.382). 5. A constituição do usufruto não importa, é evidente, transferência da propriedade do bem ao credor, nem priva sequer o dono do seu poder de disposição. Daí serem válidos os atos tendentes à alienação do bem, acaso praticados pelo devedor, com a ressalva de que não produzem, em face do usufrutuário, qualquer efeito capaz de prejudicá-lo: quem quer que adquira o bem, adquiri-lo-á com o gravame imposto e terá de suportá-lo, com todas as suas consequências, até que o exequente se satisfaça in totum. Por igualdade de razão, o fato de haver-se constituído o usufruto não impede que, em execução movida por outro credor contra o devedor comum, se penhore e se leve à hasta pública o bem, fazendo-se constar do edital, naturalmente, a existência do ônus (art. 686, nº V). Mas é claro que o eventual arrematante não poderá obstar ao usufrutuário o exercício pleno dos poderes inerentes à situação deste: durante o tempo que for ainda necessário, continuará o bem afeto ao gozo e fruição do credor, até que se extinga a dívida. § 12 – Modalidades Especiais de Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente I. Execução contra a Fazenda Pública 1. Na execução por quantia certa contra a União, os Estados, os Territórios, o Distrito Federal, os Municípios, e outras entidades da administração cujo patrimônio esteja sujeito ao regime dos bens públicos, não se pode utilizar o procedimento consistente na apreensão e expropriação forçada, justamente porque os bens que lhes pertencem não são suscetíveis de alienação, salvo nos casos e pela forma previstos em lei. Daí submeter a própria Constituição da República a disciplina especial, no art. 100, o pagamento ao credor, para o qual, não se contando com o produto da alienação, como em regra sucede, é necessário recorrer a outros meios. Ficam as entidades de direito público, por isso, obrigadas a reservar, nos respectivos orçamentos, dotações suficientes para atender, em cada exercício financeiro, aos pagamentos dos débitos que lhes sejam comunicados até o dia 1º de julho do exercício anterior (Constituição Federal, art. 100, § 5º). A fixação dessa data explica-se pelo propósito de possibilitar a adoção das providências relacionadas com a elaboração orçamentária, a que se procede no segundo semestre. As dotações e os créditos abertos são consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias à repartição competente (§ 6º, princípio).
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2. A estrutura do processo executivo, portanto, modifica-se aqui de modo considerável. Despachada a inicial, procede-se, como sempre, à citação do devedor; inexiste, todavia, a cominação de penhora para a hipótese de não pagamento em três dias, pois à pessoa jurídica de direito público, ainda que o quisesse, não seria lícito pagar de imediato, e os seus bens são impenhoráveis. A citação (que não pode ser feita pelo correio: art. 222, c e d) é indispensável à validade do processo; e a partir da juntada do mandado aos autos (art. 241, nº I) começa a correr o prazo de 30 dias, dentro do qual se poderão oferecer embargos (art. 730, caput, na redação da Lei nº 9.494). Não sendo embargada a execução, ou desde que rejeitados os embargos, o órgão judicial requisitará o pagamento, através de precatório dirigido ao presidente do tribunal que houver proferido a decisão exequenda (art. 730, nº I; cf. o art. 100, § 6º, da Constituição da República). Ficam ressalvados os casos de “obrigações definidas em lei como de pequeno valor”, a que se refere o § 3º, inserido pela Emenda Constitucional nº 30, de 13.9.2000, e cujo conceito foi fixado, “até a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação”, no art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 37, de 12.6.2002). Com essa ressalva, toca ao presidente determinar que se paguem as dívidas, segundo as possibilidades do depósito, na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos respectivos créditos, conforme estatui o Código no art. 730, nº II, em consonância com o disposto no art. 100, § 6º, da Carta Federal. 3. A observância da ordem é de rigor. Proíbe o texto constitucional (art. 100, caput, fine) “a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais” abertos com a destinação acima exposta. Há sanção expressa para a violação desse preceito. Se algum credor for preterido na precedência que lhe cabe, poderá requerer ao presidente do tribunal que, ouvido o chefe do Ministério Público, ordene o “sequestro” do quantum necessário à satisfação do crédito (Constituição da República, art. 100, § 6º, fine; cf. o art. 731 do Código). Tal medida não tem índole cautelar, mas executiva; a importância “sequestrada” será entregue ao credor preterido. O “sequestro”, a nosso ver, deve recair sobre a(s) quantia(s) indevidamente paga(s) ao(s) credor(es) cujo(s) precatório(s) haja(m) sido apresentado(s) posteriormente ao daquele que se preteriu; não sobre o dinheiro público, que, sendo impenhorável, é também insuscetível desta modalidade de apreensão, salvo inequívoca disposição de lei em contrário. Leve-se em conta, ademais, que, a não ser assim, ficaria o erro sem correção, subsistindo a inobservância da ordem prescrita. Observe-se, finalmente, que a EC nº 62/2009 acrescentou uma segunda possibilidade de sequestro, notadamente quando não for realizada a alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito (Constituição da República, art. 100, § 6º, fine).
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II. Execução de prestação alimentícia 1. A execução de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia obedecerá, em princípio, à sistemática comum da execução por quantia certa contra devedor solvente: é o que dispõe o art. 732, caput, onde se faz remissão expressa ao Capítulo IV do Título II (arts. 646 e segs.). Apenas, recaindo a penhora em dinheiro, o oferecimento de embargos não impedirá que o credor levante mensalmente a importância correspondente à prestação (art. 732, parágrafo único). Podem, todavia, ocorrer variantes. Uma delas consiste na possibilidade de receber o exequente as quantias que lhe sejam devidas mediante desconto em folha de pagamento. Esse expediente, prático e vantajoso para o credor, porque dispensa as formalidades e percalços inerentes ao procedimento da apreensão e expropriação forçada de bens, não encontra dificuldade quando o devedor tiver a situação de funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, empregado sujeito à legislação do trabalho, ou outra equiparável, não se devendo considerar taxativa a enumeração do art. 734, caput: o essencial é que se trate de pessoa remunerada periodicamente, de maneira constante, por trabalho ou profissão que exerça. Em todas essas hipóteses, o juiz determinará à autoridade, à empresa ou ao empregador, por ofício, que, em vez de pagar integralmente ao devedor o vencimento, soldo, salário etc., desconte do respectivo quantum a importância a que faz jus o exequente, entregando-a diretamente a este. Do ofício constarão os nomes do credor e do devedor, o montante da prestação e o tempo durante o qual ela será devida (art. 734 e seu parágrafo único). A comunicação equipara-se à penhora. Eventualidade análoga é a contemplada no art. 17 da Lei nº 5.478, de 25.7.1968, não revogado pelo Código, nem pelas leis que o reformaram. De acordo com esse dispositivo, não sendo possível o desconto em folha, “poderão ser as prestações cobradas de alugueres de prédios ou de quaisquer outros bens do devedor, que serão recebidos diretamente pelo alimentado ou por depositário nomeado pelo juiz”. Semelhante procedimento, e bem assim o de que antes se tratou, preferem, sendo viáveis, ao da execução expropriatória mediante penhora e alienação de bens. Algo de semelhante acontece ainda quando, oriunda de ato ilícito a dívida alimentar, houver o órgão judicial ordenado ao devedor a constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão (art. 475-Q, introduzido pela Lei nº 11.232, caput). Aí, também, o credor irá satisfazer-se mediante o recebimento direto da renda produzida por aquele capital, que deve consistir em imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, sendo inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação (art. 475-Q, § 1º). Assinale-se que “o juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real”, em valor que o próprio
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órgão judicial arbitrará de imediato” (art. 475-Q, § 2º). Uma vez extinta a obrigação de prestar alimentos, “o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas” (§ 5º). Só então, na verdade, é que se encerrará a execução – o que deve ser declarado por sentença (art. 795). 2. No art. 733 e seus parágrafos, contempla o Código não uma particular modalidade de procedimento executório, mas um meio de coerção (vide, supra, § 5º), tendente a conseguir o adimplemento por obra do próprio devedor: a prisão civil, autorizada a título excepcional pela Constituição da República (art. 5º, nº LXVII) e totalmente despojada de caráter punitivo, a despeito do uso impróprio da palavra “pena” do § 2º do dispositivo processual. De tal expediente só parece cogitar o Código em se tratando de “execução de sentença ou decisão, que fixa os alimentos provisionais” (art. 733, caput, principio), isto é, de pronunciamento definitivo (“sentença”) ou liminar (“decisão”) em processo cautelar (arts. 852 e segs.); no entanto, o art. 19, caput, da Lei nº 5.478, de 25.7.1968, não derrogado nesse ponto pelo Código, nem alterado por lei posterior, autoriza a decretação da prisão, em termos genéricos, “para o cumprimento do julgado ou do acordo” que porventura hajam as partes celebrado, no processo (principal) da ação de alimentos. A imposição da medida coercitiva pressupõe que o devedor, citado, deixe escoar o prazo de três dias sem pagar, nem provar que já o fez ou que está impossibilitado de fazê-lo (art. 733, caput, não revogado, nem modificado, por qualquer das leis que reformaram o Código, e subsistente incólume, inclusive quanto à exigência da citação). Omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor, por tempo não inferior a um nem superior a três meses (art. 733, § 1º, derrogado aqui o art. 19, caput, fine, da Lei nº 5.478). Como não se trata de punição, mas de providência destinada a atuar no ânimo do executado, a fim de que realize a prestação, é natural que, se ele pagar o que deve, determine o juiz a suspensão da prisão (art. 733, § 3º), quer já tenha começado a ser cumprida, quer no caso contrário. Por outro lado, e coerentemente, o cumprimento da prisão não exonera o devedor da obrigação de pagar as prestações vencidas e vincendas (art. 733, § 2º; cf. o art. 19, § 1º, da Lei nº 5.478). Note-se, ainda, que o art. 52 da Lei nº 6.515, de 26.12.1977, suprimiu, no texto do art. 733, § 2º, do Código, a cláusula que vedava ao órgão judicial impor segunda prisão no caso de mora superveniente. A decisão que mandar prender o devedor comporta agravo (art. 522, caput; cf. o art. 19, § 2º, da Lei nº 5.478). “A interposição do agravo não suspende a execução da ordem de prisão”, reza o § 3º deste último dispositivo, na redação dada pelo art. 4º da Lei nº 6.014; mas é cabível o requerimento de suspensão com base no art. 558, caput, do Código.
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Não pagando o executado, a despeito de tudo, os alimentos provisionais a que o condenou a sentença, fica assegurada ao credor a possibilidade de promover a execução, observando-se, também nesta hipótese, o procedimento traçado no Capítulo IV do Título II (art. 735). III. Execução fiscal 1. A execução “para cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias” está hoje regulada pela Lei nº 6.830. Esse diploma, entretanto, não disciplina a matéria de modo exaustivo: ocupa-se precipuamente dos tópicos em relação aos quais se entendeu conveniente estabelecer regime específico, distinto do previsto no Código para a execução por quantia certa. As disposições codificadas, todavia, permanecem aplicáveis em caráter subsidiário (Lei nº 6.830, art. 1º, fine). Por outro lado, nem todas as normas da lei especial dizem respeito ao procedimento: trata ela, por exemplo, da caracterização da “dívida ativa” (art. 2º), da legitimação passiva para a execução fiscal (art. 4º), da competência (art. 5º) etc. Adiante só cuidaremos dos aspectos procedimentais dessa modalidade de execução. Nem descreveremos o procedimento, aliás, em todos os seus pormenores: vamos limitar-nos a apontar as peculiaridades mais importantes, isto é, a indicar os principais pontos em que a sistemática difere da consagrada no Código. Os dispositivos a seguir citados e não ressalvados são os da Lei nº 6.830. 2. De acordo com o art. 578 do Código, “a execução (...) será proposta no foro do domicílio do réu; se não o tiver, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado” (a remissão entre parênteses, após a palavra “fiscal”, deve hoje ser entendida como referente ao inciso VII, e não ao inciso VI, do art. 585, por força da Lei nº 11.382). Entretanto, nos termos do parágrafo único, “a Fazenda Pública poderá escolher o foro de qualquer um dos devedores, quando houver mais de um, ou o foro de qualquer dos domicílios do réu; a ação poderá ainda ser proposta no foro do lugar onde se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida, embora nele não mais resida o réu, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida deles se originar”. A petição inicial só precisa mencionar o juiz a quem se dirige, o pedido e o requerimento de citação, figurando o mais na certidão da dívida ativa, que deve instruí-la; podem ainda ambas constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico (art. 6º e §§ 1º e 2º). Se o órgão judicial deferir a petição, seu despacho importará ordem não apenas para a citação, mas também: para a penhora, se não for paga a dívida nem garantida a execução; para o arresto, se o executado não tiver domicílio ou se ocultar; para o registro de uma ou de outra medida e para a avaliação dos bens apreendidos (art. 7º). Ao próprio despacho atribui-se o efeito de interromper a prescrição (art. 8º, § 2º; cf. o art. 174, parágrafo único, nº I, da Lei nº 5.172, Código Tributário Nacional, na redação dada pela Lei Complementar nº 118, de 9.2.2005.
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Salvo quando a Fazenda Pública a requerer por outra forma, far-se-á pelo correio, com aviso de recepção, a citação do devedor, para em 5 dias pagar ou garantir a execução. Ter-se-á como citado o devedor na data da entrega da carta no respectivo endereço; ou, se omisso quanto à data o aviso de recepção, 10 dias após a entrega da carta à agência postal. Contudo, se o aviso não retornar dentro de 15 dias, a citação será feita por oficial de justiça ou por edital. Também se realizará por edital a citação do devedor ausente do país. O edital será afixado na sede do Juízo e publicado uma só vez no órgão oficial (art. 8º, incisos I a IV e § 1º). Poderá o devedor garantir a execução mediante nomeação de bens à penhora, seus ou oferecidos por terceiro e aceitos pela Fazenda Pública; depósito em dinheiro, à ordem do Juízo, em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; ou fiança bancária. O depósito ou a fiança produz os mesmos efeitos da penhora, que, não ocorrendo pagamento, nem garantia da execução, se efetivará em qualquer bem do executado, salvo os declarados absolutamente impenhoráveis por lei, de acordo com a ordem indicada no art. 11, caput (arts. 9º e 10). Far-se-á a intimação da penhora ao devedor por meio da publicação, no órgão oficial, do ato de juntada do termo ou do auto de penhora, salvo se, realizada a citação pelo correio, o aviso de recepção não contiver a assinatura do próprio devedor ou de seu representante legal. Nas comarcas do interior, a intimação poderá ser feita mediante a remessa, ao devedor, de cópia do termo ou auto de penhora. Recaindo esta sobre imóvel, intimar-se-á o cônjuge do devedor, segundo a forma prevista para a citação (art. 12 e seus parágrafos). Registra-se a penhora ou o arresto no ofício próprio se se tratar de imóvel ou bem equiparado a imóvel; na repartição competente para emissão de certificado de registro, se for veículo; na Junta Comercial, na Bolsa de Valores, e na sociedade comercial, se forem ações, debêntures, partes beneficiárias, cotas ou quaisquer outros títulos, créditos ou direitos societários nominativos (art. 14). Os bens penhorados serão removidos para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública, sempre que esta o requerer (art. 11, § 3º). Não se procederá à avaliação formal, a não ser que alguma das partes, antes de publicado o edital de licitação, impugne a avaliação que deve constar do termo ou auto de penhora. Avaliados que sejam os bens, por avaliador oficial ou outra pessoa que o juiz nomear, e apresentado o laudo, o órgão judicial decidirá de plano sobre a avaliação (art. 13 e seus parágrafos). Pode o devedor oferecer embargos à execução, no prazo de 30 dias a contar do depósito em dinheiro, da juntada da prova da fiança bancária ou da intimação da penhora, conforme o caso. Nos embargos formulará o devedor todas as alegações que tiver, requererá provas e juntará aos autos os documentos e o rol de testemunhas, até três (ou, a critério do juiz, até o dobro desse número). Não esclarece o texto se os embargos suspendem ou não a execução; hoje, ante a aplicabilidade subsidiária das disposições do Código, e à vista do art. 739-A deste (acrescentado pela Lei nº 11.382), optamos pela resposta negativa. Incidem, em todo caso, os parágrafos do art. 739-A. Recebidos os embargos, intimar-se-á a Fazenda Pública, para impugná-los em 30
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dias. Eles serão decididos mediante audiência de instrução e julgamento, salvo se versarem apenas sobre matéria de direito, ou se a prova for exclusivamente documental, casos em que o juiz sentenciará dentro de 30 dias (arts. 16 e 17). A sentença que acolher os embargos fica obrigatoriamente sujeita a reexame em segundo grau de jurisdição (art. 475, nº II, do Código, com as ressalvas dos §§ 2º e 3º). Não embargada a execução, ou rejeitados os embargos, passa-se à expropriação dos bens, tomando-se, porém, a cautela, se prestada garantia por terceiro, de intimá-lo para, em 15 dias, remir o bem, na hipótese de garantia real, ou pagar o valor da dívida, com acessórios, na de garantia fidejussória, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos mesmos autos (art. 19). A arrematação será feita sempre em leilão público, no lugar designado pelo juiz, cabendo ao arrematante o pagamento da comissão do leiloeiro e demais despesas indicadas no edital, que deve ser afixado na sede do juízo e publicado uma só vez, em resumo, no órgão oficial, não podendo ser superior a 30 dias, nem inferior a 10, o prazo entre as datas da publicação e da hasta pública. É obrigatória a intimação pessoal do representante da Fazenda Pública (arts. 22 e 23). Poderá a Fazenda adjudicar os bens penhorados: antes do leilão, pelo preço da avaliação, se não houver embargos, ou forem estes rejeitados; depois dele, ainda pelo preço da avaliação, caso não haja licitante, ou em igualdade de condições com a melhor oferta, no prazo de 30 dias. Se o quantum da avaliação ou o da melhor oferta, conforme a hipótese, for superior ao do crédito exequendo, o juiz só deferirá a adjudicação caso a diferença seja depositada pela credora, à ordem do juízo, dentro de 30 dias (art. 24 e seu parágrafo único). Das sentenças proferidas em execuções fiscais de valor igual ou inferior ao de 50 antigas Obrigações do Tesouro Nacional (ou ao que agora lhe corresponda), não caberá apelação, mas unicamente embargos infringentes (que lhe fazem as vezes: vide, supra, 1ª parte, § 21, nº IV) e, é óbvio, embargos de declaração (art. 34).
Capítulo II EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR INSOLVENTE
§ 13 – Generalidades Execução por Quantia Certa
I. Pressupostos 1. O Código estabelece distinção nítida, no âmbito da execução pecuniária, entre as hipóteses de solvabilidade ou insolvabilidade do devedor. Diz-se solvável o devedor, quando tem bens de valor suficiente para o pagamento de todas as suas dívidas; insolvável (ou “insolvente”, como reza a lei com menor propriedade), no caso contrário. O art. 748 conceitua a “insolvência” como a situação que ocorre “todas as vezes que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”; em outras palavras: quando, no patrimônio do devedor, o passivo exceder o ativo. Conforme se verá, o devedor insolvável fica sujeito a um tipo de execução bastante diverso daquele cuja estrutura anteriormente se expôs. Ele se caracteriza pela universalidade, quer do ponto de vista objetivo – por atingir necessariamente não apenas um determinado bem, ou alguns, mas a totalidade dos bens do devedor, suscetíveis de excussão (art. 751, nº II) –, quer do ponto de vista subjetivo – por não ser promovida em benefício de um único credor, ou de alguns, mas de todos os credores (art. 751, nº III), convocados a participar do processo, a fim de receberem os quinhões que no produto lhes venham a tocar. 2. O conceito de insolvência, ministrado pelo art. 748, é econômico, refletindo uma situação de desequilíbrio no patrimônio do devedor. Não basta, porém, a ocorrência de tal situação para automaticamente submetê-lo à execução universal. Faz-se necessária a declaração judicial de que a insolvência está configurada. É concebível que certa pessoa se encontre, de fato, em estado de insolvabilidade, e apesar disso nunca venha a sofrer execução universal, se nenhum dos legitimados requerer que a sua insolvência seja declarada pelo juiz – tanto mais que não lhe corre o dever, mas a simples faculdade, de requerê-lo ela própria.
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Ao lado, portanto, do pressuposto econômico apontado no art. 748, a execução universal tem outro pressuposto, este jurídico: a declaração, por sentença, da insolvência do devedor. II. Estrutura geral 1. Do que se disse até aqui é fácil concluir que a atividade jurisdicional, nesta matéria, comporta necessariamente desdobramento em dois aspectos bem distintos. Embora, numa perspectiva finalística, o de que se cuida seja de executar, isto é, de praticar atos materiais, tendentes a atuar praticamente a regra jurídica concreta, mediante a satisfação dos credores (na medida do possível), a aplicabilidade do regime peculiar da execução fica obrigatoriamente condicionada à verificação prévia da situação econômica que a legitimará. Como desde logo se compreende, semelhante verificação há de realizar-se por meio de atividade não executiva, mas cognitiva. Por isso, bem examinadas as coisas, não se limita o Título IV do Livro II a disciplinar uma espécie de execução. A análise do texto evidencia, de início, duas etapas claramente diferenciadas no iter processual: a primeira tende à declaração da insolvência e tem natureza assimilável à de um processo de conhecimento; a segunda é a execução propriamente dita, conquanto no seu curso ainda haja lugar, segundo se explicará nos lugares adequados, para o exercício, incidente ou complementar, de atividade cognitiva pelo órgão judicial. 2. A estrutura do Título IV do Livro II abrange nove capítulos. Os quatro primeiros regulam o processo da declaração da insolvência; os três seguintes tratam precipuamente da atividade executiva, realizada para a satisfação dos créditos contra a pessoa declarada insolvente, através da arrecadação dos respectivos bens, da alienação destes e da repartição do produto entre os credores concorrentes. Quanto aos demais capítulos, o VIII disciplina o modo por que se extinguem as obrigações do devedor, ao passo que o IX reúne disposições de caráter vário, aglutinadas um pouco ao acaso. § 14 – Declaração da Insolvência I. Pressupostos 1. Nos termos do art. 786, pode ser declarada a insolvência de qualquer devedor civil (não comerciante), inclusive das “sociedades civis, seja qual for a sua forma”. É mister adaptar o texto aos novos conceitos adotados pelo Código Civil, especialmente ao de “sociedade empresária” (art. 982), que se sujeita à falência (Lei nº 11.101, art. 1º). Em se tratando de pessoa falecida, é suscetível da declaração da insolvência o respectivo espólio (arg. ex arts. 753, nº III, e 759). De acordo com o disposto no art. 749, “se o devedor for casado e o outro cônjuge, assumindo a responsabilidade por
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dívidas, não possuir bens que bastem ao pagamento de todos os credores, poderá ser declarada, nos autos do mesmo processo, a insolvência de ambos”. Fora dessa hipótese, havendo comunhão, a execução universal só atingirá a meação do cônjuge declarado insolvente. 2. Legitimam-se a requerer a declaração da insolvência: a) qualquer credor quirografário, munido de título executivo judicial ou extrajudicial (art. 753, nº I, combinado com o art. 754, fine), de obrigação certa, líquida e exigível (arg. ex art. 586, caput, na redação da Lei nº 11.382); b) o próprio devedor (arts. 753, nº II, e 759); c) o espólio do devedor, através do respectivo inventariante (arts. 753, nº III, e 759), salvo se dativo. Não é lícito ao juiz, em caso algum, declarar ex officio a insolvência. 3. A insolvência é declarável, naturalmente, com base na real situação de desequilíbrio econômico do devedor, e o requerente, ao pleitear a declaração, pode invocar como fundamento essa circunstância, cuja ocorrência (ou não) será apurada no curso do processo. A lei, todavia, leva em conta que, as mais das vezes, é difícil ao credor reunir elementos de informação acerca do estado patrimonial do devedor, para concluir com segurança que ele se acha insolvável; e, de outro lado, que certos fatos constituem sintomas muito veementes da existência daquela situação de desequilíbrio, de tal sorte que se torna razoável considerá-los bastantes para lastrear o pedido do credor. Daí contemplar o Código hipóteses de insolvência presumida, ressalvando ao devedor a possibilidade de alegar e provar que, a despeito dos fatos que a geram, o seu ativo é superior ao passivo (art. 756, nº II). Trata-se, portanto, de presunções relativas (iuris tantum). Presume-se a insolvência (art. 750, nºs I e II): a) quando o devedor, contra quem se instaurou execução singular, “não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora” – o que não significa que não possam incidir duas (ou mais) penhoras sobre o mesmo bem, pois o segundo credor penhorante pode conformar-se com a situação, deixando de requerer a declaração de insolvência, máxime se o valor do bem for suficiente para responder por ambos os créditos; b) quando o devedor tiver arrestado algum bem (ou mais de um), em qualquer dos casos do art. 813. II. Insolvência requerida por credor 1. Nos termos do art. 754, “o credor requererá a declaração de insolvência do devedor, instruindo o pedido com título executivo judicial ou extrajudicial”. O re-
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querimento é petição inicial de ação, aplicando-se-lhe, como tal, as disposições pertinentes do Livro I, no que couber. Sobre ele exerce o juiz controle idêntico ao exercitável sobre qualquer petição inicial. Incidem, mutatis mutandis, os arts. 284, 285, 295 e 296. Deferida que seja a petição, cita-se o devedor. Prevalecem aqui, com os necessários ajustamentos, as observações feitas na 1ª Parte, § 3º, a propósito da citação do réu. 2. Citado, tem o devedor o prazo de dez dias para defender-se, mediante embargos (art. 755, 1ª parte), inconfundíveis com os “embargos do devedor” de que trata o Título III do Livro II (vide, infra, §§ 17 a 19), embora naqueles possa o devedor discutir matéria idêntica à que deduziria para impugnar a execução (art. 756, nº I, onde as remissões ficaram em parcial dissonância com os textos do Código, na redação da Lei nº 11.382). Mas pode também, naturalmente, alegar que o seu ativo é superior ao passivo (art. 756, nº II), ou seja, que não é insolvente – destruindo, se for o caso, qualquer das presunções a que se refere o art. 750. Em vez de oferecer embargos, faculta-se ao devedor ilidir o pedido de declaração de insolvência, depositando, dentro do decêndio, a importância do afirmado crédito, “para lhe discutir a legitimidade ou o valor” (art. 757). É claro que não fica excluída a hipótese de o devedor, pura e simplesmente, pagar a dívida para com o credor requerente. 3. Encerrada a fase postulatória, incumbe ao órgão judicial verificar se deve ou não realizar-se audiência. A conjugação dos arts. 755, 2ª parte, e 758 revela sistemática análoga à adotada no procedimento ordinário (com ressalva da audiência de conciliação, que a Lei nº 8.952 introduziu lá, mas não aqui): a lide será decidida antecipadamente, sem necessidade de audiência de instrução e julgamento, se o devedor não tiver embargado (nem exercido – acrescente-se – a faculdade que lhe confere o art. 757), e bem assim quando, mesmo havendo embargos, não for preciso colher ainda provas que reclamem a realização da mencionada audiência, porque só de direito a controvérsia, ou porque bastantes as outras provas para dilucidar as questões de fato. Na hipótese de julgamento antecipado, o juiz proferirá a sentença no prazo de dez dias (art. 755, 2ª parte), que corre desde a conclusão dos autos, após a manifestação do devedor, ou o termo final do decêndio, escoado in albis. Sendo caso de audiência, incidem, mutatis mutandis, as disposições pertinentes do Livro I, inclusive quanto à publicação da sentença. 4. Se o devedor houver oferecido embargos, uma de duas: ou o juiz os rejeita e declara a insolvência, ou então os acolhe, com consequências variáveis, conforme o fundamento, podendo indeferir no mérito o pedido de declaração de insolvência
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(v.g., se fundados os embargos na superioridade do ativo sobre o passivo), julgar o requerente carecedor de ação (v.g., porque lhe falta legitimidade), reconhecer a incompetência do juízo e remeter os autos ao competente, e assim por diante. Caso tenha o devedor efetuado o depósito, jamais poderá ser declarada a insolvência. Caberá ao órgão judicial dirimir a controvérsia suscitada acerca da legitimidade ou do valor do crédito do requerente. Legítimo o crédito, a sentença determinará o levantamento do depósito pelo requerente, até o limite do respectivo quantum; o saldo eventual naturalmente reverterá ao devedor. Ilegítimo o crédito, terá direito o devedor ao levantamento do total depositado. Equiparar-se-á o resultado prático, de certo modo, ao que sobreviria em ação de cobrança. Resta a hipótese de haver ficado omisso o devedor, não oferecendo embargos, nem depositando a importância do alegado crédito. O desfecho mais comum será, obviamente, a declaração da insolvência, mas cumpre ressalvar a possibilidade de ocorrer alguma circunstância suscetível de apreciação ex officio e bastante para excluir o acolhimento do pedido do credor – por exemplo, nulidade do título extrajudicial. III. Insolvência requerida pelo devedor ou seu espólio 1. O devedor (ou o respectivo espólio, se falecido aquele) tem a faculdade (não o dever!) de requerer, a qualquer tempo, a declaração de sua própria insolvência (art. 759). Legitima-se a tanto qualquer pessoa física ou jurídica cuja insolvência pudesse ser declarada a requerimento de algum credor. Não há necessidade de que já tenha ocorrido mora: basta a situação de desequilíbrio econômico, caracterizada pela insuficiência de meios para o pagamento de todas as dívidas. De acordo com o art. 760, o foro competente é o da comarca onde o devedor tem domicílio. Além de satisfazer os requisitos do art. 282, no que couber, a petição conterá: a) a relação nominal de todos os credores, com a indicação do domicílio de cada um, bem como da importância e da natureza dos respectivos créditos (art. 760, inciso I); b) a individuação de todos os bens do devedor, com a estimativa do valor de cada qual (inciso II); c) o relatório do estado patrimonial do devedor, com a exposição das causas que determinaram a insolvência (inciso III). 2. Não prevê a lei a citação dos credores, nem a instauração de contraditório. Toca ao juiz, mediante o exame dos elementos ministrados pelo requerente, decidir se é ou não caso de ser declarada a insolvência. Naturalmente se lhe faculta ordenar a produção de outras provas, além dos documentos juntos à inicial, e a realização de qualquer diligência que lhe pareça indispensável à formação do seu convencimento.
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De modo algum se há de supor que ele fique vinculado a acolher o pedido de declaração da insolvência. A sentença pode ser proferida independentemente de audiência de instrução e julgamento. É lícito ao requerente desistir, sem necessidade da anuência de quem quer que seja. O processo extinguir-se-á sem resolução de mérito (art. 267, nº VIII). IV. A sentença e seus efeitos 1. Se o juiz indeferir o requerimento, por entender que não concorrem os pressupostos da declaração de insolvência, tal sentença, ainda passada em julgado, não impede, em princípio, que qualquer credor (inclusive o requerente repelido) promova, frutiferamente, execução singular contra o devedor, e nem sequer que se renove, por iniciativa de outro credor, ou com outro fundamento, o pedido de declaração da insolvência. Na hipótese do art. 757, porém, as consequências são diversas. Reconhecida a inexistência do crédito, que autoriza o levantamento do depósito pelo devedor, contra este já não poderá o credor promover, com êxito, execução singular fundada no mesmo título que lhe instruíra o requerimento. Reconhecida, ao contrário, a existência do crédito, o depósito será levantado pelo credor, até o limite do quantum devido, e portanto se extinguirá a obrigação, afastando-se, também aqui, a viabilidade de nova execução frutífera, com base no mesmo título: intentada que porventura fosse, poderia o executado embargá-la (art. 745, na redação da Lei nº 11.382). 2. A despeito do emprego reiterado, no texto legal, do termo “declaração”, a sentença que acolhe o pedido, formulado pelo credor ou pelo próprio devedor, não é meramente declaratória: o desequilíbrio econômico sem dúvida lhe preexiste, mas esse é mero fato, que funciona como razão de decidir; com ele não se confunde o estado jurídico de insolvência, criado pela sentença, com profundas repercussões na situação do devedor. A sentença – que, como tal, comporta apelação (art. 513) – é, pois, preponderantemente constitutiva. Produz ela os seguintes efeitos: a) faz vencer antecipadamente todas as dívidas da pessoa declarada insolvente (art. 751, nº I); b) retira do devedor, “até a liquidação total da massa” (rectius: até a declaração, pela sentença do art. 782, de estarem extintas as suas obrigações), o direito de administrar seus bens e o poder de disposição sobre eles (art. 752), deixando-o livre, contudo, de praticar quaisquer outros atos da vida civil; c) sujeita à arrecadação, para posterior alienação, todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, quer os já existentes em seu patrimônio no momento da declaração da insolvência, quer os eventualmente adquiridos no curso do processo (art. 751, nº II);
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d) acarreta a instauração da “execução por concurso universal” dos credores (art. 751, nº III), o que se traduz na universalidade do juízo da insolvência, ao qual concorrerão todos os credores do devedor comum (art. 762, caput), desde que munidos de título executivo (arg. ex arts. 761, nº II, fine, e 768, 1ª parte, fine). Devem ser remetidos àquele juízo os autos das execuções singulares que porventura estejam correndo, perante outros órgãos, contra a pessoa declarada insolvente (art. 762, § 1º). Ressalve-se a hipótese de já haver, em algumas dessas execuções, dia designado para a praça ou o leilão: em tal caso, proceder-se-á à hasta pública, mas o produto não poderá ser entregue ao exequente, entrando, em vez disso, a integrar a massa (art. 762, § 2º). Cessam quaisquer preferências decorrentes da ordem das penhoras (art. 612, principio). 3. Na própria sentença que declarar a insolvência, deve o juiz: a) nomear, dentre os maiores credores, um que se incumba de administrar a massa, com as atribuições enumeradas no art. 766 (art. 761, nº I); b) mandar expedir edital, convocando os credores para que apresentem, no prazo de vinte dias, as declarações de crédito, acompanhadas dos respectivos títulos (art. 761, nº II). Incidem, quanto ao edital, as normas do art. 232, nºs II e III, e § 1º; adite-se que ele também será publicado, se for o caso, nos órgãos oficiais dos Estados onde o devedor tenha filiais ou representantes (art. 786-A, acrescentado pela Lei nº 9.462, de 19.6.1997). § 15 – A Execução Universal I. Generalidades 1. A execução universal do devedor declarado insolvente desdobra-se em três operações essenciais: a apreensão de todos os seus bens suscetíveis de penhora, substituída esta pela arrecadação; a alienação desses bens, mediante expropriação forçada; o pagamento dos credores concorrentes, através do rateio do produto, na proporção das respectivas quotas, observadas as preferências legais. Todos esses atos têm natureza propriamente executiva. Ao lado deles, faz-se porém necessário que o órgão judicial verifique e classifique os créditos postulados, a fim de preparar a partilha, assegurando a sua correta realização. Tal atividade, que é de natureza cognitiva, desenvolve-se paralelamente à executiva; não é preciso que esta aguarde o término daquela, para iniciar-se. A própria alienação dos bens do executado pode ser promovida ao mesmo tempo que se cuida de organizar o quadro dos credores a serem pagos. Só não é possível, à evidência, distribuir o produto da alienação antes de fixar-se o quantum a que faz jus cada credor. Assim, a última etapa da execução (pagamento) pressupõe a aprovação do esquema da partilha; mas os atos que servem de base à determinação das quotas
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vão sendo praticados enquanto, de outro lado, se vão arrecadando e eventualmente alienando os bens do devedor – retido à disposição do juízo, é claro, o preço que se apurar. 2. Bem se compreende que alguém haja de incumbir-se de arrecadar os bens cujo produto se rateará entre os credores concorrentes; e, como é inevitável que certo tempo se passe entre a arrecadação e a alienação, mister se faz também que exista quem, enquanto isso, os guarde e administre, encarregando-se ademais das providências tendentes à alienação. Essas atribuições e outras conexas defere a lei a um administrador nomeado pelo juiz, segundo já se registrou, dentre os maiores credores na própria sentença que declara a insolvência (art. 761, nº I). O credor escolhido será intimado pelo escrivão a assinar, dentro de 24 horas, termo de compromisso de desempenhar bem e fielmente o cargo (art. 764). Ao assiná-lo, entregará sua declaração de crédito, acompanhada do título executivo; se este não se achar em seu poder, juntá-lo-á no prazo de vinte dias concedido aos credores para se habilitarem (art. 765, combinado com o art. 761, nº II), sob pena de, não o fazendo, ser destituído. São complexas as atribuições do administrador, que as exerce “sob a direção e superintendência do juiz” (art. 763, fine), podendo indicar a este, para nomeação, um ou mais prepostos que o auxiliem (art. 149, parágrafo único). Compete ao administrador, de acordo com o art. 766: arrecadar todos os bens (penhoráveis!) do devedor, onde quer que estejam, requerendo para esse fim as medidas judiciais acaso necessárias (nº I); representar a massa, ativa e passivamente, contratando advogado, cujos honorários serão previamente ajustados e submetidos à aprovação do juiz (nº II); praticar todos os atos conservatórios de direitos e de ações, bem como proceder à cobrança das dívidas ativas da massa (nº III); promover, mediante autorização judicial, a alienação dos bens arrecadados, em praça ou leilão (nº IV), conforme se trate de imóveis ou de móveis, respectivamente. Enquanto não alienados, ficam os bens da massa “sob a custódia e responsabilidade” do administrador (art. 763), que deve prover a sua “guarda e conservação” (art. 148). Faz ele jus a uma remuneração, que o juiz fixará, atendendo às circunstâncias do caso, particularizadas em termos não inteiramente coincidentes nos dois dispositivos que tratam da matéria: o art. 767 alude à diligência do administrador, ao trabalho, à responsabilidade da função e à importância da massa, ao passo que o art. 149, caput, se refere à situação dos bens, ao tempo do serviço, e às dificuldades de sua execução. Em contrapartida, responde o administrador pelos prejuízos que causar por dolo ou culpa, perdendo, nesse caso, a remuneração arbitrada; mas tem o direito de haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo (art. 150). 3. Consoante o disposto no art. 785, 1ª parte, “o devedor, que caiu em estado de insolvência sem culpa sua, pode requerer ao juiz, se a massa o comportar, que lhe ar-
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bitre uma pensão, até a alienação dos bens”. Antes de decidir, o órgão judicial abrirá oportunidade aos credores habilitados para se pronunciarem, no prazo que assinar ou, se não o fizer, no de cinco dias (art. 185). Normalmente, a concessão do benefício será viável se da massa constarem bens que produzam frutos ou rendimentos, dos quais se deduzirá o montante que vier a ser fixado. A decisão, seja qual for, é agravável (art. 522, caput). Embora não o diga a lei, compete ao administrador fazê-la cumprir, efetuando o pagamento da pensão ao devedor insolvente, nas épocas próprias. A modificação dos pressupostos de fato autoriza, a qualquer tempo, a revisão do pronunciamento, por iniciativa do devedor ou de algum credor concorrente, quer para conceder-se a pensão antes negada, quer para decretar-se a cessação do benefício, quer simplesmente para alterar-se o quantum. II. Verificação e classificação dos créditos 1. Findo o prazo de vinte dias de que dispõem os credores para se habilitarem (art. 761, nº II), o escrivão, no quinquídio seguinte, ordenará as declarações apresentadas, autuando cada uma com o respectivo título (art. 768, 1ª parte). Em seguida intimará, por edital, os credores para, em novo prazo de vinte dias, comum a todos, “alegarem as suas preferências, bem como a nulidade, simulação, fraude, ou falsidade de dívidas e contratos” (art. 768, 2ª parte). Incide, quanto ao edital, o art. 786-A, acrescentado pela Lei nº 9.462. Nesse mesmo prazo, é lícito ao devedor impugnar quaisquer créditos (art. 768, parágrafo único), excluída, contudo, a reedição de alegações porventura já feitas (e repelidas) nos embargos do art. 755, em face do credor que requerera a declaração da insolvência: trata-se de matéria preclusa. Com essa ressalva, entende-se que, em relação aos credores munidos de título extrajudicial, a impugnabilidade é ampla, podendo o executado suscitar qualquer das matérias deduzíveis como defesa em processo de conhecimento; se se tratar, porém, de título judicial, as alegações do devedor ficam limitadas ao âmbito das que poderiam fundamentar embargos à execução da sentença. 2. Varia o procedimento subsequente conforme tenha ou não ocorrido impugnação tempestiva, do devedor ou de qualquer credor concorrente. Na hipótese negativa, simplifica-se a marcha do processo. Remetidos os autos pelo escrivão ao contador, este “organizará o quadro geral dos credores, observando, quanto à classificação dos créditos e dos títulos legais de preferência, o que dispõe a lei civil”; se todos os credores forem quirografários, o contador organizará o quadro “relacionando-os em ordem alfabética” (art. 769 e parágrafo único). Nos termos do art. 770, caso já tenham sido alienados os bens da massa, “o contador indicará a percentagem” que deve caber, no rateio, a cada credor; mas entende-se que no quadro já figurará o montante das diversas quotas, pois é conhecido o produto a dividir, e não
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teria sentido deixar para outra oportunidade o cálculo dos quinhões: a indicação dos meros percentuais só se justifica se ainda não se souber em quanto orça o total, por subsistir algum bem não alienado. Sobre o quadro têm oportunidade de manifestar-se, no prazo comum de dez dias, “todos os interessados”, isto é, o devedor e os credores concorrentes (art. 771, principio). Não se levará em conta, porém, qualquer alegação referente a matéria que houvesse de ser suscitada no prazo do art. 768, caput, 2ª parte, toda ela preclusa. As impugnações apenas podem versar sobre a classificação dos créditos e os erros materiais porventura contidos no quadro, notadamente de natureza aritmética. Consoante o teor literal do art. 771, uma vez ouvidos os interessados, “o juiz proferirá sentença”. Entende-se que, se não houver objeção alguma, ou se lhe parecerem infundadas as que se formularem, ele aprovará por sentença o quadro organizado pelo contador; no caso, porém, de reconhecer fundamento a qualquer objeção, determinará que se retifique o quadro, e só depois sentenciará, homologando a partilha. A sentença é apelável (art. 513) em ambos os efeitos. 3. Mais complexo é o procedimento quando o devedor ou algum dos credores concorrentes impugna crédito(s). Nessa hipótese, instaura-se um contraditório incidente, sobre o(s) crédito(s) impugnado(s), e ao órgão judicial naturalmente incumbe pronunciar-se a respeito através de sentença. Não havendo mister de outra(s) prova(s) além dos documentos que tenham instruído as impugnações, o juiz proferirá a sentença no decêndio (art. 189, nº II) subsequente à conclusão dos autos, findo o prazo de vinte dias de que trata o art. 768, caput, 2ª parte. No caso contrário, deferirá – ou determinará ex officio, acrescente-se – a produção das provas necessárias, sentenciando em seguida (art. 772, caput). Se houver necessidade de colher prova oral, designará audiência de instrução e julgamento (art. 772, § 1º), à qual se aplicarão as disposições pertinentes do Livro I, no que couber. Com audiência ou sem ela, uma vez transitada em julgado a sentença, recai-se no procedimento descrito em o nº 2, supra: remessa dos autos ao contador, organização do quadro geral dos credores, abertura de prazo para que os interessados sobre ele se manifestem, e prolação de nova sentença, homologatória da partilha, depois de apreciadas as eventuais impugnações (art. 772, § 2º, combinado com os arts. 769 a 771). 4. Permite expressamente o art. 783, 1ª parte, que o devedor, após a aprovação do quadro geral dos credores, entre em acordo com estes, propondo-lhes determinada forma de pagamento dos débitos. Sobre a proposta deve abrir-se oportunidade aos credores concorrentes para que se pronunciem (art. 783, 2ª parte, principio), cabendo ao órgão judicial, no silêncio da lei, fixar-lhes prazo para tal fim; se não o fizer, incidirá o art. 185.
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Não é necessário que todos os credores concorrentes manifestem concordância expressa: a omissão em impugnar tempestivamente a proposta vale por assentimento tácito. Basta, porém, que um deles se oponha, para que já não se possa aprovar a proposta. O texto legal só autoriza o juiz a aprová-la “se não houver oposição”, e não contempla a hipótese de rejeição desta pelo órgão judicial; nem sequer exige, aliás, que a oposição seja fundamentada. Inexistindo qualquer impugnação, o juiz aprovará a proposta por sentença (art. 783, 2ª parte, fine), de natureza meramente homologatória. III. Pagamento dos credores 1. Ao ser homologada a partilha, tanto podem já ter-se alienado os bens da massa, como restar algum, ou vários, ou mesmo todos. Na primeira hipótese, conforme se explicou (supra, nº II, 2), o contador deve ter indicado no quadro os valores das quotas atribuídas no rateio aos diversos credores concorrentes. Assim, nada mais há que fazer senão expedir, em favor de cada qual, mandado de levantamento da importância correspondente. Se os bens da massa, no todo ou em parte, não houverem sido ainda alienados, determinará o juiz que se realize a praça, quanto aos imóveis, e o leilão, no que tange aos móveis. O produto – que eventualmente se somará ao porventura antes apurado – vai destinar-se, é claro, ao pagamento dos credores (art. 773), levantando cada um deles o montante que lhe tocar. Feito isso, o órgão judicial, por sentença, declarará encerrado o processo de insolvência (art. 795). 2. Em regra, semelhante rateio não bastará para satisfazer integralmente a totalidade dos credores: é uma consequência natural do estado de insolvabilidade do executado. Este, porém, não se exonera: continua obrigado pelo saldo (art. 774), respondendo com quaisquer bens penhoráveis que venha a adquirir, até que se lhe declare a extinção das obrigações (art. 775). Enquanto isso não ocorrer, portanto, o processo da execução universal pode ser reaberto, a todo tempo, por iniciativa de qualquer dos credores contemplados no quadro, que requererá ao juiz a arrecadação dos bens adquiridos, para posterior alienação e distribuição do produto, na proporção dos saldos subsistentes (art. 776). Esses atos naturalmente observarão em tudo a mesma disciplina acima exposta (nºs I, II e III, 1). O procedimento é suscetível de repetir-se tantas vezes quantas couber, na medida das possibilidades práticas que se configurarem, e enquanto for necessário para satisfazer eventuais créditos remanescentes. IV. Situação dos credores retardatários 1. Denominam-se retardatários os credores que, estando em condições de fazê-lo, contudo não se habilitaram no prazo de vinte dias a que alude o art. 761, nº II.
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O credor retardatário não fica necessariamente excluído do rateio final: é o que se depreende do disposto no art. 784, segundo o qual, antes desse rateio – e portanto para que dele possa beneficiar-se –, lhe é assegurado o direito de disputar, por ação direta, a prelação ou a quota proporcional ao seu crédito. A limitação temporal não teria sentido se não se pretendesse dar ensejo a que o credor retardatário, porventura vitorioso, seja devidamente contemplado na distribuição do produto. É óbvio, entretanto, que não basta a mera propositura da “ação direta” para garantir a participação no rateio: este pode sobrevir antes que seja aquela julgada por decisão irrecorrível, já que a lei não atribui ao ajuizamento da ação pelo credor retardatário o efeito de suspender o curso da execução universal. Para não frustrar o propósito que inspirou o art. 784, deve entender-se que, ao intentar sua ação, ou no curso dela, estando iminente a partilha, cabe ao credor retardatário requerer ao juiz a reserva do montante que lhe haja de tocar. O crédito, por conseguinte, é levado em conta na divisão do produto, e o quinhão correspondente fica em depósito, à disposição do juízo, até que passe em julgado a sentença na “ação direta”: nessa ocasião, ou se permite o respectivo levantamento ao credor retardatário, acaso vencedor, ou se procede à sobrepartilha do quantum reservado, entre os credores concorrentes, na hipótese de ter-se decidido que o retardatário não fazia jus a recebê-lo. 2. Embora não o diga o texto, extremamente lacônico, do art. 784, deve a “ação direta”, por meio da qual o credor retardatário postula a sua prelação ou quota, ser proposta perante o juízo da execução universal, instruindo-se a inicial com o título executivo. Citam-se o devedor e todos os credores concorrentes, sendo lícito àquele e a estes formular as alegações e impugnações que poderiam ser levantadas, nos termos do art. 768, caput, 2ª parte, e parágrafo único, caso o retardatário se houvesse tempestivamente habilitado. A desvantagem prática sofrida pelo retardatário, como sanção da sua inércia no prazo do art. 761, nº II, consiste em que não lhe é facultado impugnar, por sua vez, qualquer outro crédito, nem apresentar objeções ao quadro organizado pelo contador. Essa a diferença essencial entre a situação do retardatário e a dos credores concorrentes. Omisso é o Código no que respeita ao procedimento da “ação direta”. Aplicando-se por analogia os dispositivos pertinentes à verificação dos créditos disputados pela forma comum, entende-se que, se nenhuma impugnação houver, por parte do devedor e dos outros credores, o órgão judicial proferirá desde logo a sentença; caso exista alguma, decidirá após a produção das provas necessárias, realizando audiência na hipótese de ter-se de colher prova oral. O recurso cabível é o de apelação (art. 513), no duplo efeito. Reconhecido o crédito, uma de duas: ou ainda não se rateou o produto da execução, ou já foi ele distribuído. No primeiro caso, o credor retardatário receberá o que lhe caiba, na mesma oportunidade em que o fizerem os outros; no segundo, será ele autorizado a levantar a quota que deve ter ficado em depósito, aguardando a deci-
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são. Se o crédito não for reconhecido, dividir-se-á proporcionalmente entre os demais credores o quinhão que tocaria ao retardatário, eventualmente através de sobrepartilha. § 16 – Extinção das Obrigações I. Generalidades 1. Segundo se explicou, pode acontecer – e normalmente acontecerá – que o produto da alienação dos bens arrecadados não baste para a satisfação integral dos credores concorrentes. Subsistem saldos, pelos quais respondem os bens que venham a ingressar no patrimônio do devedor. Seria concebível, destarte, que este permanecesse por longo tempo sujeito a sucessivas reaberturas da execução universal e às restrições decorrentes da declaração de sua insolvência. Nos termos do art. 777, “a prescrição das obrigações, interrompida com a instauração do concurso universal de credores, recomeça a correr no dia em que passar em julgado a sentença que encerrar o processo de insolvência”. Mas, a cada vez que se reabrisse o processo, na forma do art. 776, ocorreria nova interrupção do prazo prescricional. O devedor só se veria a salvo de inquietações a partir do dies ad quem do prazo referente à última obrigação que viesse a prescrever, após o trânsito em julgado da sentença de encerramento. Ora, a possibilidade de subsequentes interrupções, por força das reaberturas sucessivas do processo de insolvência, a que acima se aludiu, poderia protelar indefinidamente, em tese, a consumação da prescrição. 2. Para evitar esse resultado, excessivamente gravoso para o devedor e inconveniente do ponto de vista social, fixa a lei um limite máximo de tempo, cujo transcurso acarreta a exoneração do devedor em relação a todas as obrigações que foram ou poderiam ter sido cobradas na execução universal. A despeito do teor literal do art. 778, só essas é que se extinguem; não as que, embora já nascidas, não eram ainda exigíveis naquela oportunidade, nem (a fortiori) as contraídas posteriormente. Contudo, a omissão do credor em habilitar-se não lhe imuniza o crédito à extinção, desde que ele estivesse em condições de participar do concurso. O prazo extintivo é de cinco anos, “contados da data do encerramento do processo de insolvência”, ou melhor, do trânsito em julgado da sentença que o encerrou; se porventura ele foi reaberto (art. 776) uma ou mais vezes, a sentença que se tem em vista é a do último encerramento. Ao devedor interessa ver judicialmente declarada a extinção de suas obrigações, até porque só com tal pronunciamento é que ele ficará de novo “habilitado a praticar todos os atos da vida civil” (art. 782). Ora, sendo óbvio o interesse dos credores em opor-se à declaração da extinção, prevê o Código a realização de um processo especificamente destinado a ensejar o contraditório sobre a matéria, culminando com a prolação de sentença que acolha ou rejeite o pedido de
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declaração. Trata-se, à evidência, de um processo de conhecimento, por sua natureza, embora complementar e acessório do processo da execução universal. II. Procedimento 1. Incumbe ao devedor requerer ao juízo da insolvência a declaração da extinção das obrigações (art. 779, 1ª parte); o órgão judicial não pode declará-la de ofício. O requerimento do devedor, que se equipara a uma petição inicial, observará, no que couber, as imposições legais a esta concernentes e submeter-se-á, nos mesmos termos, ao controle do magistrado. Na hipótese de deferimento, ordenará o juiz a publicação de edital, com prazo de trinta dias, no órgão oficial e em outro jornal de grande circulação (art. 779, 2ª parte). É desnecessária, pois, a citação dos credores por outra forma. Incidem o art. 232, nº II, e seus parágrafos, bem como o art. 786-A, acrescentado pela Lei nº 9.462. O prazo corre da primeira publicação (art. 232, nº IV, aplicável por analogia). 2. Dentro dos trinta dias, pode impugnar o pedido qualquer dos credores que participaram do concurso, ou que dele poderiam haver participado, embora não se tenham habilitado: estes e aqueles, com efeito, são os interessados em obstar a declaração de estarem extintas as obrigações. Os outros credores não correm o risco de ser atingidos, de maneira alguma, pela declaração, e portanto não têm interesse em impugnar o pedido. Assim se deve interpretar, à luz da ratio legis, o caput do art. 780. As alegações suscitáveis na impugnação podem referir-se: a) à falta do pressuposto temporal, isto é, ao fato de que ainda não decorreram cinco anos desde o trânsito em julgado da sentença que encerrou o processo da insolvência (art. 780, nº I); b) à existência de bens penhoráveis, adquiridos pelo devedor nesse ínterim, e por conseguinte sujeitos a arrecadação (art. 780, nº II) – o que enseja nova abertura ou reabertura da execução universal, para distribuição aos credores concorrentes, na proporção de seus respectivos saldos, do produto que se apure com a alienação de tais bens. 3. Três hipóteses são concebíveis: a) nenhum legitimado impugna tempestivamente o pedido do devedor; profere-se, então, a sentença, no decêndio subsequente à conclusão dos autos (art. 189, nº II), após o escoamento do prazo de trinta dias; b) há impugnação regular, sobre a qual tem o devedor o prazo de dez dias para manifestar-se (art. 781, 1ª parte); mas não é necessária produção de prova em audiência, razão pela qual a sentença deve ser proferida no decêndio que se seguir à conclusão dos autos, com o pronunciamento do devedor (ou sem ele, uma vez esgotado o prazo de que dispunha);
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c) há impugnação regular e, concedida ao devedor a oportunidade de falar sobre ela em dez dias, convence-se o órgão judicial da necessidade de colher prova em audiência; cabe-lhe, naturalmente, designar dia e hora para a respectiva realização (art. 781, 2ª parte), na qual serão observadas, no que couber, as regras pertinentes do Livro I. III. A sentença e seus efeitos 1. Se entender fundada alguma impugnação ou verificar (mesmo que nenhuma seja apresentada) que ainda não se completou o quinquênio do art. 778, incumbe ao juiz rejeitar o pedido do devedor. Fazendo-o por acolher a alegação referida no art. 780, nº II, nem por isso decretará o órgão judicial, desde logo, que se reabra o processo de insolvência: limitar-se-á a recusar a declaração de estarem extintas as obrigações. A execução universal não é suscetível de reabertura ex officio: cumpre que algum credor o requeira (art. 776); ora, por hipótese, houve apenas oposição ao pedido do devedor. Evidentemente, em regra, o credor impugnante tratará de formular também (à parte) o requerimento de reabertura da execução; mas, de qualquer sorte, importa frisar que, sem ele, não é dado ao juiz promovê-la. Caso se rejeite o pedido por falta do pressuposto temporal, nada impedirá que o devedor o reitere e que o órgão judicial o acolha, uma vez transcorrido o quinquênio. Não haverá ofensa à coisa julgada, porque o segundo pedido vem fundado em fato novo. 2. Inexistindo impugnação fundada, e desde que na verdade já se tenha escoado o prazo do art. 778, o juiz acolherá o pedido do devedor e declarará extintas as obrigações que hajam ou pudessem haver sido cobradas na execução universal. Neste caso, como no do nº 1, supra, cabe apelação (art. 513) no duplo efeito. Uma vez passada em julgado, a sentença será publicada por edital, ficando o devedor habilitado a praticar todos os atos da vida civil (art. 782). Quer isso dizer que cessam as restrições decorrentes da declaração da insolvência (art. 752). Incide aqui também, quanto ao edital, o art. 786-A, acrescentado pela Lei nº 9.462.
EMBARGOS DO DEVEDOR Capítulo Único
§ 17 – Generalidades Embargos do Devedor
I. Conceito e natureza 1. O título executivo, judicial ou extrajudicial, proporciona a quem dele dispõe a possibilidade de instaurar o processo de execução. Neste, não terá o exequente necessidade de convencer o órgão judicial da efetiva existência do seu crédito; nem se lhe abrirá normalmente oportunidade para isso. Com efeito, ao contrário do que se dá no processo de conhecimento, não se visa aqui à emissão de uma sentença, para a qual fosse indispensável ao órgão judicial exercer atividade cognitiva, a fim de certificar-se de que assiste razão àquele que veio a juízo. Inexiste norma jurídica concreta a ser formulada; antes se trata de atuar a norma concreta já enunciada em prévio processo de conhecimento ou expressa em documento a que a lei confere semelhante eficácia. De um lado, porém, não deve a execução ter curso, se o crédito atribuído ao exequente no título porventura não subsiste; e, de outro, fica a sua realização, em qualquer caso, sujeita a minuciosa disciplina, da qual não se há de afastar. Cuida o ordenamento de dispensar ao executado a proteção imprescindível, resguardando o seu legítimo interesse de não se submeter à atividade executiva, quando tenha deixado de haver razão para que ela se desenvolva, ou quando o seu desenvolvimento porventura transborde os estritos limites em que deve conter-se. É natural que se faculte ao executado, em hipóteses do gênero, impugnar a execução; não propriamente defendendo-se, mas contra-atacando, com o fito de tirar eficácia ao título, e portanto deter a atividade executiva, desfazendo a que já se houver realizado, ou, pelo menos, reduzi-la às justas proporções. A via própria ao exercício dessa pretensão é, na linguagem do Código, a dos “embargos do devedor” (vide a rubrica do Título III). No regime anterior, vinha-se admitindo que certos vícios, cuja prova não reclame dilação probatória, fossem alegados pelo devedor independentemente do ofere-
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cimento de embargos, mediante simples petição dirigida ao juízo da execução. Falava-se ao propósito, com expressão imprópria, em “exceção de pré-executividade”. A razão essencial dessa tolerância consistia em evitar que o executado ficasse sempre sujeito a atos de constrição (e ao conseqüente prejuízo) como pressuposto necessário ao oferecimento de embargos. Agora, porém, tal razão não subsiste, pois o art. 736 (na redação da Lei nº 11.382) aboliu o pressuposto, permitindo que o executado embargue a execução “independentemente de penhora, depósito ou caução”. Em todo caso, se existir vício suscetível de conhecimento ex officio, deve admitir-se que o executado o argua, em petição dirigida ao órgão judicial. 2. Não constituem os embargos, tecnicamente, um meio de defesa, assimilável à resposta (ou, em termos específicos, à contestação) do réu no processo de conhecimento. Neste, o contraditório é instaurado por iniciativa de quem vai a juízo; no de execução, verifica-se o contrário: ao sujeito passivo é que toca o ônus de tomar, eventualmente, aquela iniciativa. Têm os embargos, pois, a natureza de ação, distinta da que se está exercitando no processo executivo, embora intuitivamente conexa (em sentido lato) com ela, e tendente a destruir o aludido processo, ou a cortar-lhe os excessos. Como se verá oportunamente (infra, § 18, nº II, 2), num caso excepcional, podem visar os embargos à invalidação do próprio processo de conhecimento onde se proferiu a sentença que serve de título à execução. O oferecimento dos embargos dá ensejo à formação de novo processo, que não se confunde com o executivo, e tem a natureza de um processo de cognição. Nele, invertem-se as posições das partes: autor é o executado embargante, réu é o exequente embargado. Salvo regulamentação específica, aplicam-se ao embargante todas as disposições legais concernentes ao autor, e ao embargado todas as concernentes ao réu. O ponto tem grande relevância prática, v.g., no que concerne à distribuição do ônus da prova: assim, é ao embargante que incumbe provar a alegada insubsistência do crédito exequendo, e não ao embargado provar-lhe a subsistência. Passamos a expor a disciplina dos embargos no sistema do Código tal como resulta das modificações introduzidas pela Lei nº 11.382. Na execução fiscal, regulada pela Lei nº 6.830, há algumas peculiaridades (vide, supra, § 12, nº III, 2), aplicando-se subsidiariamente as normas codificadas. II. Requisitos de admissibilidade 1. Sendo uma ação, devem os embargos, naturalmente, preencher as condições genéricas do legítimo exercício de qualquer ação (legitimidade das partes, interesse processual etc.), para que o juiz possa apreciar-lhes o mérito. No que tange à legitimidade, convém assinalar que, não obstante a denominação adotada na rubrica do Título III do Livro II, não é só o “devedor”, assim designado no título executivo, que se habilita ao oferecimento de embargos, senão também aquele que porventura suporte a responsabilidade executiva, apesar de não figurar na relação jurídica de direito material. A quem se veja atingido em seu patrimônio por atos executivos, mas não
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reconheça aquela responsabilidade, a via que se abre para impugnar semelhantes atos será a dos “embargos de terceiro” (art. 1.046). 2. A par dessas condições genéricas, os embargos devem satisfazer outros requisitos: a) precisam ser oferecidos dentro de certo prazo: em regra, de 15 dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação; havendo mais de um executado, o prazo para qual conta-se a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges. Fica excluída em termos expressos a incidência do art. 191. Nas execuções processadas mediante carta precatória, a citação do executado será imediatamente comunicada pelo juízo deprecado ao deprecante, inclusive por meios eletrônicos, e o prazo contar-se-á a partir da juntada dessa comunicação aos autos do processo executivo (art. 738 e seus parágrafos, na redação da Lei nº 11.382). Consoante a regra especial do art. 746 (na redação da mesma lei), após a expropriação de bens do executado, poderão ser oferecidos embargos no prazo de 5 dias, contados da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação; deve entender-se que, no primeiro e no terceiro casos, o termo inicial é o da assinatura do respectivo auto, já que nesse momento é que o ato se perfaz (arts. 685-B e 694, caput, sempre na redação daquela lei), ao passo que, no segundo caso, o dies a quo é o do termo nos autos, que formaliza a alienação (art. 685-C, introduzido pela Lei nº 11.382, § 2º); b) o embargante deve invocar algum (ou alguns) dos fundamentos previstos na lei, a saber: na execução contra a Fazenda Pública, os arrolados, em enumeração taxativa, no art. 741; nos outros casos, os indicados no art. 745, se os embargos forem opostos no prazo do art. 738; ou ainda os listados, também taxativamente, no art. 746, se os embargos sobrevierem à adjudicação, à alienação por iniciativa particular ou à arrematação. Note-se a flexibilidade existente (só) na segunda hipótese, mercê da cláusula geral do art. 745, nº V (cf. infra, § 18, nº II, 3). Ao contrário do que ocorria no regime anterior à Lei nº 11.382, não constitui requisito de admissibilidade dos embargos a prévia “segurança do juízo” mediante penhora ou depósito (antigo art. 737, nos I e II). Unicamente para a atribuição de efeito suspensivo aos embargos é que “a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes” (art. 739-A, § 1º, fine, na redação da mencionada lei). III. Juízo competente 1. Por intuitivas razões, o princípio geral nesta matéria é o de que a ação de embargos há de ser processada e julgada pelo mesmo órgão perante o qual corre o processo executivo. Confirma-o o preceito do art. 736, parágrafo único, principio, sempre na redação da Lei nº 11.382; segundo o qual os embargos “serão distribuídos por dependência”.
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Bem se compreende que assim seja, uma vez que ao recebimento dos embargos se pode atribuir o efeito de suspender o curso da execução (arts. 739-A, § 1º, e 791, nº I, ambos na redação da Lei nº 11.382), e o seu acolhimento pode ter o de desfazê-la ou reduzi-la. Ademais, na generalidade dos casos, o juízo da execução é que está em melhores condições para apreciar os fundamentos invocados pelo embargante. 2. Às vezes acontece que os atos executivos precisam ser praticados em foro diverso daquele em que se instaurou o processo de execução (por quantia certa), visto não ter o devedor bens neste, ou serem insuficientes os aí situados, caso em que se procederá à expedição de carta, para que os bens sejam penhorados, avaliados e alienados no forum rei sitae (art. 658). Põe-se aí o problema da competência, que a Lei nº 8.953, ao dar nova redação ao art. 747, veio resolver com clareza inexistente no texto primitivo. Os embargos podem ser oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado; mas a competência para julgá-los pertence, em princípio, ao primeiro, salvo se os embargos “versarem unicamente vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens”. Subjaz à regra a ideia de que, tratando-se de tais atos, praticados no juízo deprecado, este se encontra em condições mais favoráveis que o deprecante para apreciar a matéria. A semelhante construção já se havia chegado, na jurisprudência e doutrina predominantes, mesmo antes da reforma de 1994. § 18 – Espécies e Fundamentos I. Espécies de embargos 1. A disciplina dos “embargos do devedor” sofreu profunda alteração com o advento da Lei nº 11.382. Antes dela, o Código regulava em capítulos distintos os “embargos à execução fundada em sentença”, os “embargos à execução fundada em título extrajudicial”, os “embargos à arrematação e à adjudicação” e os “embargos na execução por carta”. Agora, depois do Capítulo I, intitulado “Das disposições gerais”, vêm um dedicado aos “embargos à execução contra a Fazenda Pública” (Capítulo II), outro com a simples rubrica “Dos embargos à execução” (Capítulo III) e um último referente aos “embargos na execução por carta” (Capítulo IV). O tratamento dos antigos “embargos à arrematação e à adjudicação” foi inserido no Capítulo III (art. 746 e seus parágrafos), com redação adaptada ao novo regime da execução, na ordem em que as modalidades de expropriação passaram a constar do Capítulo IV do Título II do Livro II: “adjudicação, alienação” (entenda-se: alienação por iniciativa particular) “ou arrematação”. A atual sistemática é criticável do ponto de vista da nomenclatura e da arrumação da matéria. Salta aos olhos, desde logo, a impropriedade da terminologia utiliza-
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da. Afigura-se estranhável a adoção da rubrica “Dos embargos à execução” para o Capítulo III: a denominação é ampla demais, já que os embargos de que trata o Capítulo II também são embargos à execução, conceptualmente distintos dos outros apenas pela qualidade da embargante (a Fazenda Pública). Ademais, se tal classe de embargos recebeu disciplina específica, diferente em vários pontos da consagrada no Capítulo III, esta deveria, para observar a boa técnica, preceder aquela: deve-se partir do geral para o particular, e não ao contrário. Por outro lado, não constitui uma espécie de embargos o requerimento do executado a que aludem o art. 745-A (acrescentado pela Lei nº 11.382) e seus parágrafos. Aí se estabelece que, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de 30% do respectivo valor, inclusive custas e honorários de advogado, pode o executado propor o pagamento do restante em até 6 parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% ao mês. Deferido que seja o requerimento, o exequente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; no caso de indeferimento, seguir-se-ão tais atos, mantido o depósito (§ 1º). O não pagamento de qualquer das prestações acarretará, de pleno direito, o vencimento das subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, impondo-se ao executado multa de 10% sobre o valor das prestações não pagas e ficando-lhe vedada a oposição de embargos (§ 2º). Essas disposições estão visivelmente mal localizadas em capítulo sob a rubrica “Dos embargos à execução”. Elas não regulam a matéria indicada na rubrica, mas instituto diverso. O requerimento de que se trata e o oferecimento de embargos são até reciprocamente excludentes. Os únicos pontos comuns residem no prazo, que é o mesmo dos embargos (art. 745-A, caput, principio), e na consequência, por sinal drástica, do não pagamento de qualquer das prestações, a saber, o impedimento à oposição de embargos pelo executado inadimplente (§ 2º, fine). 2. Seja como for, podem distinguir-se no Título III, consoante o regime instituído pela Lei nº 11.382, três espécies de embargos – feita abstração dos previstos no Capítulo IV (“embargos na execução por carta”, cuja única peculiaridade, aliás, diz respeito à competência [art. 747 (cf. supra, § 17, nº III, 2)]: a) os embargos regulados no art. 745, oponíveis na fase inicial da execução e denominados, pura e simplesmente, “embargos à execução”; b) os embargos disciplinados no art. 746 e seus parágrafos, oponíveis após a expropriação, em qualquer de suas modalidades, e também colocados sob a rubrica “Dos embargos à execução”, não obstante as peculiaridades que apresentam, em confronto com os anteriores; c) os “embargos à execução contra a Fazenda Pública”, de disciplina mal situada nos arts. 741 a 743 (sempre na redação da Lei nº 11.328). Seria de presumir que a todas essas espécies se aplicassem as regras constantes do Capítulo “Das disposições gerais”. Não é o que sempre acontece: por exemplo, o
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prazo de 15 dias para o oferecimento dos embargos, fixado no art. 738, caput, não incide, quanto à duração, nas hipóteses acima designadas por b e c: naquela, reduz-se a 5 dias (art. 746), nesta, amplia-se para 30 dias (art. 730, caput). Regra que só se aplica a uma única das espécies não é, logicamente, disposição geral. Registre-se, ainda, a existência de alusão a embargos, fora do Título III, no parágrafo único do art. 732, atinente à execução de prestação alimentícia. O texto não esclarece a disciplina aplicável; parece, em todo caso, à vista do respectivo teor, que aí o oferecimento de embargos pressupõe a penhora. II. Fundamentos dos embargos 1. Como já se expôs, o título executivo autoriza o ingresso nas vias executivas independentemente da demonstração de que subsiste o direito nele corporificado. Em se tratando de título judicial, pressupõe-se feita essa demonstração no prévio processo de conhecimento. Não precisará fazê-la, porém, o interessado que disponha de título extrajudicial, constante do rol do art. 585 (na redação da Lei nº 11.382) ou previsto em lei especial. Tocará então ao executado a iniciativa de tentar demonstrar o contrário, por meio da ação incidente de “embargos do devedor”, na qual poderá também arguir vícios da própria execução. É bastante defeituoso, diga-se logo, o tratamento dado à matéria pela Lei nº 11.382. Os possíveis fundamentos dos embargos são enumerados em três dispositivos, os arts. 741, 745 e 746. Insere-se o primeiro no Capítulo II, que versa sobre os “embargos à execução contra a Fazenda Pública”; os outros dois, no Capítulo III, sob a simples rubrica “Dos embargos à execução”. Poder-se-ia supor que a cada espécie de execução correspondesse uma lista distinta de fundamentos. Na verdade, todavia, há fundamentos comuns a mais de uma espécie. Assim, o “excesso de execução” e a “cumulação indevida de execuções” estão contemplados tanto no Capítulo II quanto no Capítulo III, variando somente (sem razão perceptível) a forma da indicação: no art. 741, mencionam-se as duas hipóteses, na ordem acima referida, em incisos diferentes (IV e V), ao passo que no art. 745 figuram ambas no mesmo inciso (III), se bem que na ordem inversa. Curiosamente, define-se o “excesso de execução” em dispositivo inserto no Capítulo II, embora o vício não seja peculiar à execução contra a Fazenda Pública, podendo também ser invocado como fundamento dos embargos previstos no art. 745 (inciso III, principio). Deve-se entender que valha igualmente para este a definição do art. 743; contudo, seria de desejar maior apuro técnico. 2. No Capítulo II, relativo à execução contra a Fazenda Pública, o art. 741 admite como fundamentos dos embargos, em enumeração taxativa, os seguintes: a) “falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia” (inciso I). Suprimiram-se, no texto da Lei nº 11.382, as palavras “de conhecimento”, que antes figuravam no dispositivo correspondente; mas é óbvio que não se concebe a ocorrência da hipótese no próprio processo de execução, no qual inexiste “revelia”, menos que tudo no prazo de 30 dias fixado no art. 730, caput, para o oferecimento dos embargos;
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b) “inexigibilidade do título executivo” (inciso II), por exemplo se ainda não se verificou a condição ou não adveio o termo (arts. 572 e 618, nº III), cumprindo registrar que, nos termos do parágrafo único do art. 741, “para efeito do disposto no inciso II (...), considera-se também inexigível o título fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”; c) “ilegitimidade [ativa ou passiva] de qualquer das partes” (inciso III), ocorrente quando a execução é promovida por quem não esteja autorizado a tanto, segundo os arts. 566 e 567, ou em face de quem não tenha responsabilidade executiva, primária ou secundária (arts. 568 e 592); d) “cumulação indevida de execuções” (inciso IV), v.g. por não serem idênticos para todos os procedimentos adequados (art. 573, fine, a contrario sensu); e) “excesso de execução” (inciso V), configurável nos casos arrolados no art. 743, a saber: “quando o credor pleiteia quantia superior à do título” (nº I); “quando [a execução] recai sobre coisa diversa daquela declarada no título” (nº II); quando ela se processa “de modo diferente do que foi determinado na sentença” (nº III); “quando o credor, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento da do devedor” (nº IV, combinado com o art. 582); “se o credor não provar que a condição se realizou” (nº V – hipótese a rigor compreendida na fórmula do inciso II do art. 741, já que crédito sujeito a condição não é exigível antes do respectivo implemento); f) “qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença” (inciso VI), onde a menção a “sentença” remete a um anterior processo de conhecimento, no qual – e só no qual – pode, a esta altura, haver sido proferida “sentença”; g) “incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz” (inciso VII). Cumpre harmonizar tal disposição com a do 742, segundo a qual “será oferecida, juntamente com os embargos, a exceção de incompetência do juízo, bem como a de suspeição ou de impedimento do juiz”, pois não é a mesma coisa servir de fundamento aos embargos e oferecer-se “juntamente” com eles. No que tange à incompetência, deve entender-se que, se absoluta, pode ser alegada nos próprios embargos, não sendo necessária a exceção (arg. ex art. 113, caput, conjugado com o art. 598), reservada esta última apenas aos casos de incompetência relativa (arts. 112 e 304). No que respeita à suspeição e ao impedimento, a maneira de conciliar os dois textos parece consistir em ter como cabível a exceção quando o devedor queira embargar a execução por outro(s) fundamento(s), hipótese em que apresentará a exceção “juntamente com os embargos”, ao passo que, se a única alegação do executado for a de suspeição ou impedimento do juiz, não precisará ele excepcionar, bastando-lhe formulá-la nos próprios embargos. Seja como for, é pena que não se
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haja aproveitado a oportunidade da reforma para esclarecer cabalmente o ponto, eliminando um dos dispositivos. 3. Os possíveis fundamentos dos embargos ditos, simplesmente, à execução (Capítulo III), acham-se enumerados em dois dispositivos: o art. 745, atinente aos oponíveis no prazo de 15 dias a partir da juntada aos autos do mandado de citação (art. 738), e o art. 746, concernente aos oponíveis no quinquídio posterior à adjudicação, à alienação (por iniciativa particular) ou à arrematação, conforme o caso (art. 746). No art. 745, mencionam-se: a) “nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado” (nº I). Observe-se que no art. 618 constam outras causas de nulidade da execução; aqui, entretanto, não tem consequência prática a omissão dessas outras causas no art. 745, inciso I, porque elas estão compreendidas na fórmula genérica do inciso V; b) “penhora incorreta ou avaliação errônea” (nº II). A referência à penhora talvez pareça estranha, uma vez que a respectiva efetivação já não constitui pressuposto necessário da admissibilidade dos embargos; é concebível, porém, que apesar disso ela se realize antes de findo o prazo para o respectivo oferecimento. Pense-se, por outro lado, na realização de penhora já fora do prazo fixado no art. 738, caput, por exemplo na efetivada em substituição à primeira (art. 656), ou na levada a cabo em qualquer das hipóteses do art. 667; c) “excesso de execução ou cumulação indevida de execuções” (nº III) – repetição, sob forma diversa, do disposto no art. 741, nos IV e V, remetendo-se o leitor às considerações feitas em o nº II, letra e, supra); d) “retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa (art. 621)” (nº IV). Em semelhante hipótese, poderá o exequente requerer a compensação do valor das benfeitorias com o dos frutos ou danos porventura devidos pelo executado, cumprindo ao juiz, para a apuração dos respectivos montantes, nomear perito e fixar-lhe “breve prazo para entrega do laudo” (§ 1º); por outro lado, também se permitirá ao exequente “ser imitido na posse da coisa, prestado caução ou depositando o valor das benfeitorias ou resultado da compensação” (§ 2º); e) qualquer matéria que seria lícito ao executado deduzir como defesa em processo de conhecimento (nº V) – amplitude justificável pela circunstância de não ter havido prévia atividade cognitiva, ao contrário do que se dá na execução de sentença. O art. 746, caput, lista, por sua vez, os fundamentos admissíveis nos embargos oferecidos nos 5 dias subsequentes à adjudicação, à alienação (por iniciativa particular) ou à arrematação: a) nulidade da execução, em consequência de vício ocorrido entre a penhora e a expropriação, ou na realização desta; b) causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora, remetendo-se aqui o leitor à enumeração constante do art. 741.
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§ 19 – Procedimento I. Fase postulatória 1. A petição inicial, distribuída por dependência e autuada em apartado, será instruída com cópias das peças processuais relevantes (art. 736, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 11.382), aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 544, § 2º. Peça obrigatória é o título executivo extrajudicial (art. 614, nº I, também na redação daquela lei). Submete-se a petição inicial ao despacho liminar do juiz. O art. 739 (igualmente na redação da referida lei) enumera três hipóteses em que os embargos devem ser rejeitados liminarmente: a) quando forem intempestivos, isto é, oferecidos, conforme o caso, fora dos prazos fixados nos arts. 730, caput, 738 e 746, caput, também na redação da Lei nº 11.382. Levar-se-ão em conta as disposições dos arts. 738, § 1º, verbis “Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges”, e § 2º, de acordo com o qual, nas execuções por carta precatória, o prazo para embargos se contará a partir da juntada aos autos da comunicação, que o juiz deprecado deve fazer ao deprecante, inclusive por meios eletrônicos, da citação do executado. Adite-se que aos embargos não se aplica o disposto no art. 191, isto é, o prazo não se duplicará ainda que os vários embargantes tenham diferentes procuradores (art. 738, § 3º, sempre na redação da citada lei); b) quando inepta a petição inicial, a saber, nas hipóteses do art. 295, ao qual o art. 739, nº II, faz expressa remissão, cabendo atentar, ademais, na exigência da “memória do cálculo”, cuja falta igualmente acarreta a rejeição liminar (art. 739-A, § 5º); c) quando os embargos forem “manifestamente protelatórios” (ainda na redação da Lei nº 11.382), v.g., o embargante invocar fundamento não incluído entre os admissíveis. Nesse caso, “o juiz imporá, em favor do exequente, multa ao embargante em valor não superior a 20% (vinte por cento) do valor em execução” (arts. 739, nº III, e 746, § 3º, sempre na redação da supracitada lei). 2. O recebimento dos embargos não produzirá, em regra, o efeito de suspender a execução (art. 739-A, acrescentado pela Lei nº 11.382). Entretanto, “o juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos, quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficiente” (§ 1º). Essa decisão, quer acolha, quer rejeite o requerimento do embargante, poderá, a pedido
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da parte (exequente ou executado, conforme o caso), “ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram” (§ 2º). Fica evidente, apesar do silêncio da lei (mas por força até de preceito constitucional: art. 93, nº IX, que alude a “todas as decisões”), que também deve ser fundamentada a decisão sobre o requerimento de atribuição do efeito suspensivo aos embargos; a utilização de conceitos jurídicos indeterminados (fundamentos “relevantes”, “grave dano”, “difícil ou incerta reparação”) não confere aí poder discricionário ao órgão judicial. Em qualquer hipótese, caberá agravo de instrumento. Cuida a lei da extensão objetiva e subjetiva da decisão que concede o efeito suspensivo. No que tange à primeira, contempla a possibilidade de que os embargos só digam respeito a parte do objeto da execução, hipótese em que esta “prosseguirá quanto à parte restante” (§ 3º). No concernente à segunda, estabelece que “a concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante” (§ 4º). Duas outras disposições contêm-se no art. 739-A. Uma é a do § 5º, atinente aos embargos fundados em excesso de execução – caso em que, repita-se, o conceito respectivo se encontra no art. 743, inserto no capítulo “Dos embargos à execução contra a Fazenda Pública”, mas é aplicável também aos previstos no Capítulo III, sob a simples rubrica “Dos embargos à execução”, visto que aí se contempla igualmente o “excesso de execução” como possível fundamento dos embargos: nessa hipótese, “o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento”. Outra é a do § 6º, de acordo com a qual “a concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens”. 3. Recebidos que sejam os embargos, sem que o juiz lhes atribua efeito suspensivo, ouvir-se-á o exequente-embargado, que poderá impugná-los no prazo de 15 dias (art. 740, caput, na redação da Lei nº 11.382). Essa impugnação assimila-se, em substância, a uma contestação; incidem, no que couberem, mutatis mutandis, os arts. 300 e segs. Tratando-se de embargos fundados em direito de retenção por benfeitorias, faculta-se ao exequente “requerer a compensação de seu valor com o dos frutos ou danos considerados devidos pelo executado”. Em tal hipótese, cumpre ao órgão judicial nomear perito, para a apuração dos respectivos valores, marcando-lhe breve prazo para a entrega do laudo (art. 745, § 1º, igualmente na redação da mencionada lei). Todavia, poderá o exequente, a qualquer tempo, ser imitido na posse da coisa, desde que preste caução ou deposite o valor devido pelas benfeitorias ou resultante da compensação (§ 2º).
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II. Julgamento dos embargos 1. O julgamento dos embargos comporta duas modalidades. É possível que reclame a realização de audiência, ou sobrevenha sem ela – caso que se equipara ao “julgamento antecipado da lide”, previsto no art. 330, ao qual, de resto, faz expressa remissão o art. 740, caput (sempre na redação da Lei nº 11.382). Aqui, na dicção legal, “o juiz julgará imediatamente o pedido”, o que ocorrerá sempre que se discutir exclusivamente matéria de direito, ou a matéria de fato porventura controvertida puder ser apreciada à luz das provas já constantes dos autos. A audiência é “de conciliação, instrução e julgamento”, mas concebe-se que ocorra qualquer das hipóteses contempladas no art. 331, § 3º, a preexcluir a possibilidade de conciliação. Isso não basta para dispensar a realização da audiência, já que a finalidade do ato não se esgota na tentativa de conciliação. Em havendo audiência, aplicar-se-ão as mesmas regras que a disciplinam no procedimento ordinário (supra, 1ª parte, § 9º). O juiz tem o prazo de 10 dias para proferir a sentença (art. 740, caput, fine, ainda na redação da Lei nº 11.382). 2. A sentença pode extinguir o processo incidente dos embargos com resolução do respectivo mérito ou sem ela. Ocorre o segundo caso em qualquer das hipóteses aplicáveis do art. 267. A elas deve acrescentar-se a especial prevista no art. 569, parágrafo único, a, a saber, a de que o exequente desista da execução: a consequência é a extinção dos embargos que versarem apenas sobre questões processuais, tocando ao exequente pagar as custas e os honorários advocatícios. Extinguir-se-á o processo incidente com resolução do mérito nos casos do art. 269, mutatis mutandis. Em qualquer dessas hipóteses enquadra-se a sentença no conceito, por sinal esdrúxulo, do art. 162, § 1º, na redação da Lei nº 11.232. O recurso cabível é sempre a apelação (art. 513), que em regra suspende a eficácia da sentença. Por exceção, ela terá efeito meramente devolutivo quando rejeitar liminarmente os embargos (art. 739, sempre na redação da citada lei) ou os julgar improcedentes (art. 520, nº V). Contudo, se o juiz houver atribuído aos embargos o efeito de suspender a execução (art. 739-A, acrescentado pela Lei nº 11.382, § 1º), a apelação contra a sentença de improcedência converterá em provisória, durante a respectiva pendência, aquela execução, que a princípio era definitiva (art. 587, 2ª parte, na redação da mesma lei), aplicando-se-lhe, por força do art. 598, as disposições do art. 475-O (também acrescentado pela referida lei). Não deixa de ser curiosa semelhante conversão de uma execução iniciada como definitiva em provisória: o normal é que algo provisório possa converter-se em definitivo, não o contrário...
3ª PARTE PROCESSO CAUTELAR
INTRODUÇÃO
Processo Cautelar – Introdução
1. Processo cautelar: noção A atividade cognitiva, tendente à formulação da norma jurídica concreta que deve reger determinada situação, e a execução, por meio da qual se atua, praticamente, essa norma jurídica concreta, têm um denominador comum: visam uma e outra à tomada de providências capazes de, conforme o caso, preservar ou reintegrar em termos definitivos a ordem jurídica e o direito subjetivo ameaçado ou lesado. Por isso se diz que constituem modalidades de tutela jurisdicional imediata ou satisfativa. A ambas se contrapõe, em tal perspectiva, o processo cautelar, cuja finalidade consiste apenas, segundo a concepção clássica, em assegurar, na medida do possível, a eficácia prática de providências quer cognitivas, quer executivas. Tem ele, assim, função meramente instrumental em relação às duas outras espécies de atividade, e por seu intermédio exerce o Estado uma tutela jurisdicional mediata. A necessidade do processo cautelar, que lhe justifica a existência, resulta da possibilidade de ocorrerem situações em que a ordem jurídica se vê posta em perigo iminente, de tal sorte que o emprego das outras formas de atividade jurisdicional provavelmente não se revelaria eficaz, seja para impedir a consumação da ofensa, seja mesmo para repará-la de modo satisfatório. Isso explica o caráter urgente de que se revestem as providências cautelares, e, simultaneamente, o fato de que, para legitimar-lhes a adoção, não é possível investigar, previamente, de maneira completa, a real concorrência dos pressupostos que autorizariam o órgão judicial a dispensar ao interessado a tutela satisfativa: ele tem de contentar-se com uma averiguação superficial e provisória, e deve conceder a medida pleiteada desde que os resultados dessa pesquisa lhe permitam formular um juízo de probabilidade acerca da existência do direito alegado, a par da convicção de que, na falta do pronto socorro, ele sofreria lesão irremediável ou de difícil reparação. 2. Características gerais Nesta obra de exposição sistemática do procedimento não cabe sequer aflorar os inúmeros problemas de ordem teórica e dogmática relacionados com o processo
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cautelar. Além das expostas em o nº 1, supra, limitar-nos-emos às noções indispensáveis para a compreensão do modo por que atua, praticamente, a tutela acautelatória. O que ficou dito basta para que se perceba a feição necessariamente ágil e expedita do processo cautelar. Tratando-se de conjurar riscos sérios e iminentes, é intuitivo que o aparelho judiciário precisa funcionar aqui com especial celeridade, sob pena de frustrarem-se os esforços para evitar a lesão. A lei procura, assim, desembaraçar o procedimento de quaisquer formalidades supérfluas, capazes de retardar a efetivação da providência cabível; chega mesmo ao ponto de permitir que ela seja determinada, sob certas condições, sem prévia audiência da parte, quando imprescindível para assegurar-lhe a eficiência (arts. 797, 804, 889, parágrafo único). A necessidade da providência cautelar pode surgir antes da instauração de processo cognitivo ou executivo, e também durante a respectiva pendência (art. 796). Mas, em qualquer caso, desde logo se compreende que ela não se destina a durar indefinidamente; só se justifica enquanto subsistam as razões que a determinaram, e de modo particular enquanto não se dispense a tutela satisfativa. Por sua própria natureza, é uma medida provisória; e o texto legal cuida de disciplinar-lhe a duração da eficácia, contemplando ainda a possibilidade da respectiva revogação ou modificação (arts. 807 e 808). 3. Estrutura do Livro III O Livro III do Código de Processo Civil, consagrado ao processo cautelar, compõe-se de um Título único (“Das medidas cautelares”), dividido em dois capítulos. Contém o primeiro as disposições gerais atinentes à matéria, ao passo que o segundo disciplina, um por um, diversos procedimentos específicos, contemplando ainda, na Seção derradeira (XV), certo número de providências em relação às quais se julgou dispensável regulamentação própria minuciosa. Aliás, convém observar que, à luz do disposto no art. 798, e apesar da discriminação literalmente restritiva inserta, sem necessidade, no art. 799, o melhor entendimento não considera exaustivo o rol das medidas cautelares, individualmente previstas no texto legal: admite a utilização de outras, que se revelem adequadas, diante das características e circunstâncias do caso concreto, a despeito de não referidas em termos expressos. Por outro lado, nem todas as providências de que se cuida no Capítulo II têm na verdade natureza cautelar: algumas, como a ação de atentado (Seção XIII), estão aí, visivelmente, deslocadas. Deparam-se no Capítulo I, conforme bem se compreende, normas de incidência genérica, aplicáveis em princípio a todas as figuras contempladas nas várias Seções do Capítulo II, inclusive às que não são realmente medidas cautelares (art. 812). Essa aplicabilidade, entretanto, cede ante a existência de regra específica, que estabeleça disciplina particular para o ponto, no tocante a esta ou àquela providência: assim, por exemplo, com referência às medidas arroladas no art. 888, a concessão sem
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prévia audiência do requerido encontra regulamentação especial no art. 889, parágrafo único, o que afasta a incidência do art. 804 (coerentemente, o caput do art. 889 só diz aplicáveis as disposições dos arts. 801 a 803, excluindo da remissão o art. 804). Ademais, também deixam de incidir as normas do Capítulo I quando incompatíveis com a índole da providência específica, ou com as linhas básicas da estrutura adotada para o respectivo procedimento em qualquer das Seções do Capítulo II. Exemplificativamente: a regra segundo a qual cessa a eficácia da medida cautelar, se a ação principal não for intentada dentro dos trinta dias subsequentes à efetivação (art. 808, nº I, combinado com o art. 806), é inaplicável, à luz de sua ratio, a medidas como a produção antecipada de provas (Seção VI), que nenhum gravame criam para o requerido e perderiam em muitos casos a utilidade prática se se subordinassem à mencionada restrição. Do ponto de vista que interessa no presente contexto – isto é, ao ângulo procedimental –, pode-se traçar distinção análoga à que o próprio Código expressamente faz no que concerne ao processo de conhecimento, estremando, de um lado, o procedimento comum, disciplinado no Capítulo I, e, de outro, os procedimentos especiais, peculiares às providências para as quais cogitou a lei de modelá-los, nas Seções do Capítulo II. Destes últimos não nos ocuparemos aqui; nossa exposição limitar-se-á ao procedimento comum, cuja regulamentação, além de constituir – repita-se – fonte (ao menos subsidiária) da disciplina dos especiais, também se aplicará, em princípio, às medidas cautelares não contempladas, expressamente, no texto legal.
PROCEDIMENTO COMUM Capítulo Único
§ 1º – Estrutura do Procedimento Procedimento Comum
I. Características gerais 1. O procedimento cautelar comum, tal como regulado no Capítulo I do Título Único do Livro III, tem a estrutura básica de um processo cognitivo. Isso se explica pelo fato de que, no processo cautelar, não obstante se possam praticar atos de feição executiva, existe em regra um pedido que se submete à apreciação do órgão judicial, e a cujo respeito tem este de pronunciar-se, para deferi-lo ou indeferi-lo: visa-se, pois, à emissão de uma sentença. Daí haver lugar para a realização dos tipos fundamentais de atividade característicos da fase cognitiva do processo de conhecimento: atividade postulatória, atividade instrutória, atividade decisória. Assim se podem passar as coisas não apenas quando a providência cautelar é requerida antes de instaurado o processo principal, ou quando ela o é durante o curso de um processo cognitivo, mas também quando se pleiteia a medida na pendência de uma execução. De qualquer modo, seja embora sempre acessório, o processo cautelar não deixa de ser distinto do processo principal (seja qual for a respectiva natureza); os atos que o compõem, a despeito das recíprocas e naturais interferências, desenvolvem-se em sequência própria, inconfundível com a sequência dos atos que integram o processo principal. A observação vale quer para o procedimento em primeiro grau de jurisdição, quer para o recursal: as decisões proferidas no processo cautelar, interlocutórias ou finais, comportam impugnação específica, através de recursos que a elas dizem respeito, conquanto se trate das mesmas figuras utilizáveis com relação às decisões emitidas no processo cognitivo ou em execução, e sejam substancialmente iguais, em cada caso, os requisitos de admissibilidade. 2. A estrutura do procedimento cautelar comum, mantém, de certo modo, correspondência com a do ordinário do Livro I, sem prejuízo da simplificação do iter
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processual, inclusive com fixação de prazos mais breves. Ajunte-se que, havendo necessidade de providências concretas, materiais, para efetivar a medida, elas se realizam sem solução de continuidade. Tal qual acontece com o procedimento ordinário (cf. 1ª parte, § 12), este que agora se examina oferece a possibilidade de uma variante desde já merecedora de registro: a abreviação do processo, sob certas circunstâncias, atingindo-se a fase decisória logo após o encerramento da postulatória. Nessas hipóteses, não haverá fase instrutória diferenciada. A circunstância de reproduzir, nos traços essenciais, o itinerário característico de um processo cognitivo explica que o rito previsto no Capítulo I do Título Único do Livro III sirva de desaguadouro a alguns procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, regulados no Título I do Livro IV. É o que ocorre com os embargos de terceiro (art. 1.053), com a habilitação (art. 1.058) e com a restauração de autos (art. 1.065, § 2º). Por outro lado, se bem que não se depare no Livro III disposição expressa a tal respeito, é indiscutível que as normas do Livro I, no que couber, constituirão fonte subsidiária da disciplina do processo cautelar, desde que com este compatíveis: assim, por exemplo, as concernentes à capacidade das partes e aos modos de suprir-lhe a falta, à contagem dos prazos, à forma de produção das provas, e outras tantas. II. A demanda 1. Inicia-se o processo cautelar, como qualquer outro, com o ajuizamento da petição inicial. Se estiver em curso o processo principal, requerer-se-á a providência ao órgão perante o qual ele pende; se já se houver interposto apelação contra a sentença – ou, em termos mais exatos, se os autos já tiverem subido com o recurso –, diretamente ao tribunal (art. 800, caput, 1ª parte, e parágrafo único, na redação da Lei nº 8.952). Caso ainda não se haja intentado a ação principal – isto é, sendo preparatória a medida cautelar –, a competência é do mesmo órgão a que tocará conhecer daquela (art. 800, caput, fine); existindo mais de um na comarca, proceder-se-á à distribuição, de acordo com os arts. 252 e segs. Considera-se proposta a ação cautelar no momento em que a petição inicial é despachada ou, quando necessário, distribuída (art. 263). 2. Arrola o art. 801 os elementos que devem constar da inicial: a designação da autoridade judiciária a que se dirige (nº I), o nome e a qualificação (estado civil, profissão, residência) do requerente e do requerido (nº II), a exposição sumária do direito ameaçado e das razões pelas quais se receia a lesão (nº IV), a relação das provas que o requerente pretende produzir (nº V) e ainda, quando preparatória a medida, a indicação da lide a ser submetida à cognição do juiz no processo principal, com o
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respectivo fundamento (nº III, combinado com o parágrafo único). É intuitivo que o autor deve também especificar o pedido e requerer a citação do réu. Nem fica afastada, aliás, a necessidade de atribuir-se valor à causa (arg. ex art. 258). A petição inicial há de ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283), inclusive, se for o caso, com os destinados a provar as alegações do requerente (art. 396). Será autuada em apenso aos autos do processo principal, se já em curso este (art. 809). III. O despacho liminar 1. Submete-se a petição inicial ao controle do órgão a que se dirige, em termos análogos aos expostos para o processo de conhecimento (1ª parte, § 2º). São aplicáveis, mutatis mutandis, as regras dos arts. 284, 285 e 285-A (introduzido pela Lei nº 11.277), e bem assim, quanto ao indeferimento da inicial, as dos vários incisos do art. 295. Incide também o art. 296. 2. Antes mesmo de ordenar a citação do réu, pode o juiz, ao despachar a inicial ou mediante justificação prévia, conceder liminarmente a medida cautelar. Alude o art. 804, como fundamento do ato, à possibilidade de que o réu, sendo citado, torne ineficaz a providência; mas deve entender-se que a concessão liminar se legitima sempre que, nas circunstâncias, se mostre necessária para preservar o suposto direito ameaçado, quer parta do réu, quer não, a ameaça, configurável até em fato da natureza. Não exige a lei, por outro lado, requerimento do autor. Como podem revelar-se afinal injustos os danos causados ao réu pela concessão liminar, faculta-se ao juiz (não se lhe impõe!) que, ao decretá-la, determine ao requerente prestar caução real ou fidejussória, a qual responderá pelo eventual ressarcimento (art. 804, 2ª parte). Em tal caso, não se executará a medida, é claro, antes de prestada a caução. A concessão liminar da providência é agravável (art. 522), iniciando-se o prazo para recorrer no dia em que o réu tiver ciência dela. Também comporta agravo o indeferimento da medida liminar requerida pelo autor. IV. Citação e defesa do réu 1. Nos termos do art. 802, citar-se-á o requerido “para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir”. A propósito, vale aqui tudo que se expôs, quanto ao processo de conhecimento, no tocante à falta ou nulidade da citação e respectivo suprimento, às diversas modalidades por que se pode efetuar e às circunstâncias que lhe impedem a realização (1ª parte, § 3º). No que concerne aos efeitos mencionados no art. 219, convém observar que a citação para o processo cautelar só interrompe a prescrição da pretensão a ser futura-
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mente deduzida quando a providência, requerida como preparatória, deva obrigatoriamente preceder à propositura da ação principal, que se faria inadmissível sem a prévia adoção daquela medida. 2. Nos termos do art. 802, parágrafo único, nº I, o prazo para o oferecimento de defesa começa a correr da juntada aos autos do mandado de citação – entenda-se: quando feita esta por oficial de justiça (cf. o art. 241, nº II). Com as ressalvas do art. 222, não fica excluída a possibilidade de citação por via postal, hipótese em que o prazo terá início na data da juntada do aviso de recebimento (art. 241, nº I). Poderão também incidir, quando for o caso, as disposições dos itens III a V do mesmo artigo. Se, entretanto, a providência cautelar houver sido concedida liminarmente, ou mediante prévia justificação, o prazo fluirá desde a execução da medida (art. 802, parágrafo único, nº II), uma vez que dela tenha ciência o réu. Não se torna ipso facto desnecessária a citação: o art. 811, nº II, prevê até a responsabilidade do requerente, pelo prejuízo que causar ao requerido a execução da providência cautelar, se, obtida esta nos casos do art. 804, o primeiro não promover a citação do segundo dentro de cinco dias. Conta-se em quádruplo o prazo quando a providência cautelar for requerida em face da Fazenda Pública (art. 188). Se houver pluralidade de réus, com diferentes procuradores, o prazo será dobrado (art. 191). 3. A única modalidade de resposta a que a lei se refere aqui em termos expressos é a contestação (arts. 802 e 803). Ela naturalmente se rege, no que couber, pelas disposições pertinentes ao Livro I, aplicáveis mutatis mutandis. Todavia, apesar do silêncio do texto, não há como preexcluir, no processo cautelar, o cabimento de exceção, nos casos do art. 304 (incompetência relativa, impedimento, suspeição). A fim de preservar a sistemática do Código, à luz da qual o prazo para excepcionar é igual ao prazo para contestar, deve entender-se, ao nosso ver, que também para oferecer exceção dispõe o réu de um quinquídio, ao qual se aplica o disposto no art. 802, parágrafo único. A exceção processar-se-á em apenso aos autos do processo cautelar (art. 299, 2ª parte), que ficará suspenso, até que ela seja definitivamente julgada (art. 306). Não há cogitar, evidentemente, de reconvenção. V. Procedimento após a fase postulatória 1. O art. 803 traça de maneira lacônica o itinerário a ser seguido após a fase postulatória. A lacunosa regulamentação deve ser completada mediante a aplicação, no que couber, das disposições contidas no Livro I. Entre as providências preliminares previstas no Capítulo IV do Título VIII daquele Livro, pelo menos a contemplada no art. 327, 2ª parte, será em muitos casos
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imprescindível. Se de nenhuma houver necessidade, ou já cumprida a que se tiver determinado, o órgão judicial procederá de forma semelhante à prescrita nos arts. 329 e segs., emitindo pronunciamento que corresponde, em substância, ao “julgamento conforme o estado do processo”, em qualquer das suas três modalidades, de acordo com as características da espécie. Examinaremos a seguir, em particular, as hipóteses de “julgamento antecipado da lide” e de “saneamento do processo”. 2. A lide deduzida no processo cautelar será antecipadamente julgada: a) quando o réu deixar de oferecer contestação tempestiva, isto é, ficar revel, caso em que se reputarão aceitos por ele, como verdadeiros, os fatos narrados na petição inicial com referência ao pedido de providência cautelar (art. 803, caput, 1ª parte, combinado com o art. 319) – ressalvadas, como no processo de conhecimento, as hipóteses do art. 320 e outras que decorram do sistema do Código (1ª parte, § 12, nº III, 3); b) quando, embora haja o réu contestado, não seja necessária a realização de audiência, por inexistir prova que nela se deva colher (art. 803, parágrafo único, a contrario sensu). Nesses casos, o órgão judicial proferirá a sentença no prazo de cinco dias (art. 803, caput, fine), a contar da conclusão dos autos, após o oferecimento da contestação, ou vencido in albis o quinquídio do art. 802, caput, ou ainda depois de cumpridas as providências preliminares porventura determinadas. 3. Se o réu tiver oferecido contestação tempestiva, e houver necessidade de prova oral, “o juiz designará audiência de instrução e julgamento” (art. 803, parágrafo único). Esse pronunciamento corresponde à decisão de saneamento do procedimento ordinário: nele compete ao juiz declarar saneado o processo cautelar, não havendo vício ou falha a ser suprida; se for o caso, decidir as questões processuais pendentes e determinar as provas que ainda serão produzidas, inclusive, se necessário, exame pericial, desde logo nomeando, então, o perito, além de fixar o dia e a hora em que deverá realizar-se a audiência. Trata-se aqui, em verdade, como no processo de conhecimento, não de mero despacho, mas de decisão interlocutória, suscetível de impugnação por meio de agravo (art. 522). A reforma do Código efetuada em 1994 não contemplou em termos expressos a realização de audiência de conciliação no processo cautelar. Se o texto do art. 803 se cingisse a remeter à disciplina do procedimento ordinário, nenhuma dúvida caberia sobre a aplicabilidade, aqui, da inovação; mas não é o caso. Seja como for, o juiz sempre poderá valer-se do disposto no art. 125, nº IV (acrescentado pela Lei nº 8.952) para tentar conciliar as partes, se necessário mediante a convocação de audiência com esse fim específico.
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VI. Fase decisória 1. Abstraindo-se dos casos de extinção pura e simples do processo cautelar, bem como daqueles que se equiparam ao “julgamento antecipado da lide”, a decisão de primeiro grau postula a realização de audiência de instrução e julgamento, cujas características e estrutura não diferem aqui, substancialmente, das expostas a propósito do procedimento ordinário no processo de conhecimento (1ª parte, § 9º, nº II). Valem as observações feitas acerca do adiamento e da antecipação da audiência (1ª parte, § 9º, nº III). Pode haver lugar, nesta, para a tentativa de conciliação, nos termos do art. 447. 2. O pronunciamento decisório do juiz no processo cautelar, aprecie ou não o respectivo mérito, é sentença (art. 162, § 1º, combinado com os arts. 267 e 269), a respeito de cuja prolação, publicação e intimação se aplica, mutatis mutandis, o que ficou dito com referência ao processo de conhecimento (1ª parte, § 10, nºs I e II). Contra essa sentença cabe, em regra, apelação sem efeito suspensivo (art. 520, 2ª parte, nº IV), cujo processamento nenhuma peculiaridade oferece; no entanto, se concedida a providência cautelar (quando cabível) contra a União, o Estado ou o Município, a sentença fica obrigatoriamente sujeita ao duplo grau de jurisdição e não produz efeitos enquanto não confirmada pelo tribunal (art. 475, nº I, com as ressalvas dos §§ 2º e 3º). § 2º – Questões Particulares I. Substituição, modificação e revogação da medida cautelar 1. Consoante o art. 805 (na redação da Lei nº 8.952), “a medida decretada poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente” (rectius: assegurar-lhe a integral reparação). Em atenção ao princípio do contraditório, se a providência for requerida por uma das partes, deve ouvir-se a outra, a quem é dado impugnar a pretendida substituição, com fundamento em que a caução (ou a outra garantia) seria, na espécie, inadequada ou insuficiente. 2. À possibilidade de modificar-se a providência cautelar alude também o art. 807, caput, fine, que a admite “a qualquer tempo”. Requerida a modificação por uma das partes, é indispensável a audiência da outra. Cabe distinguir entre modificações qualitativas e modificações quantitativas. A modificação qualitativa pode consistir:
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a) na conversão de determinada medida em outra; o conceito abrange, pois, a substituição de que trata o art. 805 (supra, nº 1), embora compreenda outras hipóteses, como, por exemplo, a do arrolamento de bens por sequestro; b) na mudança do objeto sobre que incide a providência cautelar – v.g., do bem arrestado, à semelhança do que se pode dar com a penhora, na hipótese do art. 667, nº III, aplicável em virtude da remissão feita pelo art. 821; c) na alteração parcial das características da medida, por exemplo, em matéria de “obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida” (art. 888, nº I), ou de “guarda e educação dos filhos” (art. 888, nº VII). As modificações quantitativas são a redução e a ampliação do objeto da medida cautelar: v.g., extensão do arresto a outro bem (ou a outros bens) do requerido, ou exclusão de bem ou bens primitivamente arrestado(s). 3. Igualmente “a qualquer tempo”, consoante o art. 807, caput, pode ser revogada a providência cautelar. Tal como a substituição e as outras formas de modificação, pressupõe a revogação, quando requerida por uma das partes, a audiência da outra. II. Duração da eficácia da medida cautelar 1. Abstraindo-se, embora, da eventualidade de revogação, as medidas cautelares, conforme oportunamente exposto (supra, Introdução, nº 2), destinam-se, em regra, por sua própria natureza e finalidade, a existência temporária. A provisoriedade é uma de suas notas dominantes, ao menos no comum dos casos. Decretada que seja a medida antes de instaurar-se o processo principal, e caso o indefinido prolongamento da eficácia se mostre capaz de prejudicar o requerido, estabelece a lei um limite de duração para a hipótese de não ser proposta a ação principal; em outras palavras, cria para o requerente o ônus de propô-la dentro de certo prazo (trinta dias, contados da efetivação da providência: art. 806), sob pena de cessar a respectiva eficácia. Uma vez cumprido esse ônus, perdurarão os efeitos da medida até o momento em que a subsistência se revele desnecessária (porque já atendido, em termos definitivos, o requerente) ou injusta (porque verificado inexistente o suposto direito a cuja salvaguarda se ordenava a providência): é como se há de entender a norma do art. 807, caput, 1ª parte. Ocorrerá o mesmo quando se conceder a medida no curso do processo principal. 2. Contemplam os incisos do art. 808 três hipóteses de cessação de eficácia da providência cautelar (às quais se deve acrescentar a da respectiva revogação: vide, supra, nº I, 3): a) o decurso do prazo de trinta dias, a partir da efetivação da medida (inclusive, se for o caso, por decisão liminar), sem que a ação principal seja proposta, e desde
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que a subsistência dos efeitos cause detrimento ao requerente (v.g., nos casos de medida constritiva, como o arresto ou o sequestro); b) o decurso do prazo de trinta dias, a começar da respectiva decretação (liminar ou final), sem que ela seja executada; c) a extinção do processo principal, ou da fase cognitiva, com resolução do mérito ou sem ela, ressalvada implicitamente a hipótese de ser favorável ao requerente a sentença definitiva no processo principal (de conhecimento) e ainda permanecer necessária a medida cautelar, para assegurar a satisfação do direito (v.g., o arresto, até converter-se em penhora: cf. o art. 818). O primeiro caso (letra a) diz respeito a providências deferidas e executadas como preparatórias, isto é, anteriormente à instauração do processo principal. Concerne o segundo (b) a providências deferidas, mas não executadas, quer antes de instaurado o processo principal, quer no curso deste. O terceiro (c), enfim, apanha quaisquer providências, preparatórias ou incidentes, só deferidas ou já executadas. III. Relações entre o processo cautelar e o principal 1. Não obstante acessório, o processo cautelar é distinto daquele a que acede. O desenvolvimento de um não afeta o do outro, salvo disposição especial em contrário; mas pode haver interferências recíprocas, que se explicam pela íntima vinculação entre ambos. 2. A suspensão do processo principal não atinge a eficácia da medida cautelar, a menos que o juiz assim decida (art. 807, parágrafo único). Já a extinção do processo principal, com a ressalva acima registrada (nº II, 2, c), faz cessar os efeitos da providência cautelar. O indeferimento da medida cautelar, em regra, nenhuma influência tem na marcha do processo principal acaso já pendente, nem obsta à respectiva instauração posterior (art. 810, principio). Tampouco influi no julgamento da ação principal, que pode ser favorável ao requerente, apesar de indeferida a providência cautelar. A única exceção é a prevista no art. 810, fine, verbis, “acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor”: por aí se vê que essa matéria – cuja apreciação ficaria, em princípio, reservada à atividade cognitiva no processo principal –, se sujeita, por motivos de economia processual, à cognição do juiz no processo cautelar. Sendo acolhida a alegação, e por isso indeferida a providência cautelar, já não poderá o autor, se antecedente esta, intentar depois com êxito a ação principal, ou, se incidente, ver atendida naquela a sua pretensão. Em outras palavras: quer antecedente, quer incidente o processo cautelar, forma-se a preclusão sobre a solução que nele se der à questão da prescrição ou da decadência, não se admitindo o respectivo reexame no processo principal.
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Acrescente-se que, não obstante o teor literal do dispositivo, dispensam alegação e devem ser declaradas de ofício, se for o caso, a decadência prevista em lei e a prescrição (respectivamente: Código Civil, art. 210, e Lei nº 11.280, que revogou o art. 194 do mesmo Código). IV. Peculiaridades do processo cautelar quando requerido o Poder Público A Lei nº 8.437 estabeleceu disciplina especial, em vários pontos, para o processo cautelar em que seja requerido o Poder Público. Assim: não cabe liminar, quando providência semelhante não puder ser concedida, por força de proibição legal, em processo de mandado de segurança (art. 1º, caput), nem liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação (art. 1º, § 3º); exclui-se a possibilidade de obter, em juízo de primeiro grau, providência cautelar inominada, em caráter final ou in limine, “quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal” (art. 1º, § 1º); a liminar e a própria sentença concessiva da medida cautelar (enquanto não transitada em julgado) podem ter suspensa a execução por ato do presidente do tribunal a que competir o conhecimento do recurso, “a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” (art. 4º, caput), cabendo agravo do “despacho” (rectius: decisão) que conceder ou negar a suspensão (art. 4º, § 3º). Acrescenta o art. 3º que “o recurso voluntário ou ex officio, interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo”. A referência a “recurso ex officio” deve ser entendida como alusão atécnica às hipóteses de reexame obrigatório da sentença em grau superior de jurisdição (art. 475 do Código ou regra análoga). Não é este o lugar próprio para discutir a questão, que o texto suscita em mais de um aspecto, da compatibilidade entre as disposições nele contidas e a Constituição da República, notadamente com o princípio da igualdade perante a lei e a garantia insculpida no art. 5º, inciso XXXV.
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO Os n meros re erem se s p ginas o n mero em it lico indica o lugar principal em ue o assunto tratado
Ação – de alimentos – 20 – de anulação e substituição de títulos ao portador – 7, 24 – de consignação em pagamento – 7 – de demarcação – 7, 20 – de depósito – 7 – de divisão – 7, 20 – de prestação de contas – 13 – de resolução de venda a crédito com reserva de domínio – 7 – de usucapião de terras particulares – 7 – declaratória incidental – 22, 36, 45, 50, 92, 93, 94, 98, 104, 106, 108, 132, 150, 155 – identificação ou individualização da – 12 – incidente de exibição – 61, 132 – possessória – 7 – propositura da – 12, 23, 25, 26, 27 – rescisória – 7, 9, 114, 149, 172 – revisional de aluguel – 102 – universal – 13 Acareação – 69, 78, 82 Aceitação da decisão – 117, 128 Acórdão – 142, 143, 177, 208 Adjudicação – 234, 235, 236, 252, 253, 258, 266, 277, 297, 298, 302 – carta de – 256 – efeitos da – 256 – pressupostos da – 254, 269 Agravo – 21, 31, 41, 42, 43, 53, 63, 83, 87, 104, 111, 122, 129, 130, 137, 138, 140, 143, 152, 181, 191, 274, 315, 317 – de instrumento – 134, 145, 147, 158, 174, 190, 194, 201, 251, 255, 264, 268, 270 – regimental – 160, 175 – retido nos autos – 111, 119, 126, 140, 149, 173
Alienação por iniciativa particular – 252, 256 Alienações judiciais – 8 Antecipação da tutela – 6, 19, 24, 87, 143 Apelação – 18, 26, 62, 82, 83, 88, 94, 111, 114, 115, 120, 123, 125, 128, 129, 131, 147, 148, 149, 151, 154, 181, 190, 202, 222, 225, 228, 277, 284, 290, 293, 305, 318 – adesão à – 138 – efeitos da – 133, 305, 318 – prazo de interposição – 138 – prazo para a resposta – 137 – procedimento no juízo a quo – 137 – procedimento no tribunal – 139 – questões novas na – 136 – requisitos de admissibilidade – 131 Arrecadação – da herança jacente – 8 – de bens de ausentes – 8 – de coisas vagas – 8 – na execução por quantia certa contra devedor insolvente – 173, 206, 279 Arrematação – 117, 236, 252, 258, 277 – atos preparatórios – 258 – carta de – 264 – de bem aforado ou gravado – 238, 260 – de bem tombado – 260 – efeitos da – 265 Arresto – em processo cautelar – 321 – na execução fiscal – 275 – na execução por quantia certa – 233 Assistente técnico – 52, 70, 71, 72, 73, 192 Ato processual – decisório – 5, 8, 83 (V. também Decisão, Sentença) – instrutório – 5, 82 (V. também Prova) – postulatório – 5
324 Audiência – preliminar – 6, 51, 52, 55, 77, 80, 87, 98, 109 – de instrução e julgamento – 6, 52, 57, 58, 64, 72, 77, 83, 86, 94, 109, 110, 144, 148, 282, 288, 318 Auto – de adjudicação – 255 – de arrematação – 263 – de penhora – 243 Avaliação – 250 Carta de sentença – 134, 167, 209 Caução – 209, 222, 262, 263, 264, 297, 302, 303, 304, 315, 318 “Causa petendi” – 17, 25, 27, 33, 135, 151, 186 – alteração da – 18, 33 Citação – 14, 18, 23, 27, 46, 93, 106, 190, 213, 236, 272, 276, 282, 283, 300, 315 – efeitos da – 23, 28, 32, 35, 106, 213, 315 – falta da – 28, 35, 39, 200, 300 – impedimentos à – 31 – modalidades da – 28 – nulidade da – 28, 35, 39, 200, 300 – renovação da – 36, 93 – repetição da – 36 Coisa julgada – formação da – 4, 88, 122, 127, 128 – formal – 26 – limites objetivos da – 12, 92, 187 – material – 26, 88, 190 – preliminar de – 12, 39, 42 Competência – prevenção da – 27, 33 Compromisso: V. Convenção de arbitragem Concurso – de preferências – 257, 268 – universal de credores – 291 Conexão – 16, 27, 39, 45, 91 Confissão – 50, 57, 59, 74, 96 Contestação – 38, 43, 50, 56, 60, 93, 98, 108, 304, 316 Continência – 91 Convenção de arbitragem – 14, 39, 44 Cumulação – de pedidos – 14, 20, 25, 91, 103, 105 Curador especial – 30, 31, 32, 98 Custas processuais – 12, 14, 23, 25, 40 Decadência – 23, 39, 86, 96, 110, 320 Decisão de saneamento – 6, 49, 51, 52, 53, 55, 81, 84, 95, 98, 99, 143, 317
Índice Alfabético-Remissivo Decisão interlocutória – 8, 24, 52, 83, 143, 144, 148, 172, 202, 212, 313 Declaração de inconstitucionalidade – 181 – ação direta de – 173, 181 – pressupostos – 182 – procedimento – 183 Defesa – 5, 37, 107, 315, 316 Demanda – 4, 11, 105, 314 Depoimento pessoal – 6, 55, 57, 109 Depósito – na execução para a entrega de coisa – 215 – na execução por quantia certa – 248 – para ilidir o pedido de insolvência – 282, 283 Deserção – 88, 119, 125, 132, 138, 148 – relevação da – 88, 125, 139 Desistência – da ação – 14, 37, 38, 96, 117, 126 – do recurso – 119, 126, 127, 148 Despacho – 24, 116, 129, 143 – liminar – 23, 49, 77, 96, 105, 197, 303, 315 Despesas processuais: V. Custas processuais Distribuição – da petição inicial – 21, 25, 105, 213, 314 – de recurso – 139, 153, 168 Embargos – de declaração – 9, 85, 111, 113, 118, 122, 129, 130, 155, 163, 173, 175, 277 – de divergência – 129, 130, 163, 174 – de terceiro – 7, 217, 264, 265, 297, 314 – infringentes – 9, 19, 111, 115, 122, 123, 128, 130, 131, 149, 159, 173, 175, 277 Embargos do devedor – 27, 131, 202, 282, 295 – à execução contra a Fazenda Pública – 272, 300 – à execução das obrigações de fazer ou não fazer – 221, 231 – à execução de prestação alimentícia – 273, 300 – à execução fiscal – 275 – à execução para a entrega de coisa – 301, 302 – à execução por quantia certa – 255, 264, 297, 299, 300, 302 – ao pedido de declaração de insolvência – 282 – competência para os – 297 – de retenção por benfeitorias – 302, 304 – efeitos – 303, 304 – fundamentos – 300 – natureza – 295, 296 – procedimento – 303 – requisitos de admissibilidade – 296
O Novo Processo Civil Brasileiro Especialização da hipoteca legal – 8 Exceção – 41, 316 – de impedimento – 35, 41, 42, 43, 44 – de incompetência – 41, 42, 43, 143 – de preexecutividade – 296 – de suspeição – 41, 42, 43, 44 – em sentido material – 39 Execução – contra a Fazenda Pública – 211, 271 – das obrigações de emitir declaração de vontade – 225 – das obrigações de fazer e não fazer – 211, 221 – de obrigação alternativa – 213 – de prestação alimentícia – 211, 213, 234, 273 – de testamentos e codicilos – 8 – definitiva – 151, 163, 199, 209, 305 – diferida – 210 – espécies de – 206 – específica – 210, 234 – excesso de – 300, 301, 302, 304 – fiscal – 19, 88, 129, 131, 154, 211, 275, 296 – fraude à – 217, 235, 239, 243 – genérica – 210, 211, 234 – para a entrega de coisa – 211, 215 – por quantia certa contra devedor insolvente – 211, 234, 268, 279 – por quantia certa contra devedor solvente – 211, 233 – provisória – 122, 124, 134, 151, 160, 161, 163, 167, 172, 195, 196, 208, 209, 305 Exibição – de documento ou coisa – 60, 73, 132 – de livros comerciais e documentos de arquivo – 56 Expropriação forçada – 235, 252 Habilitação – 7, 71, 132, 209, 314 Homologação – de sentença estrangeira – 7, 189, 195, 200 – de reconhecimento do pedido, renúncia, transação – 3 Honorários de advogado – 12, 14, 19, 25, 40, 102, 207, 236 Impugnação do executado – 199 Insolvência – administração da massa – 286 – credores retardatários – 289 – declaração da – 268, 280 – encerramento – 289 – extinção das obrigações – 291 – verificação e classificação dos créditos – 287
325 Inspeção judicial – 56, 73, 109, 224 Interdição – 8 Interesse – em recorrer – 117 – processual – 45 Intervenção de terceiro – 22, 104, 108, 117 Intimação – 27, 38, 46, 65, 66, 71, 72, 81, 118, 259 Inventário – 7, 15 Juizado Especial – 4, 19, 89, 104, 129, 131, 163 Juízo – de admissibilidade – 52, 116, 120, 121 – de mérito – 116, 121 Julgamento – antecipado da lide – 6, 47, 51, 53, 56, 77, 86, 96, 97, 98, 305, 317, 318 – conforme o estado do processo – 51, 86, 95, 317 – extra petita – 128 Jurisdição – contenciosa – 7, 131 – duplo grau obrigatório de – 8, 88, 113, 128, 177, 212, 318, 321 – voluntária – 8, 131 Leilão – 260, 261, 263, 277 Legitimação – para a causa – 25, 44 – para recorrer – 116 Liquidação – 13, 20, 134, 189, 218, 225, 228 Litisconsortes – 16, 37, 59, 68, 81, 98, 106, 119, 124, 126, 127, 141 Litispendência – 33, 39, 40, 42, 44 – preliminar de – 12, 39, 42 Medida cautelar – 160, 167 – eficácia – 311, 319 – modificação – 318 – revogação – 318, 319 – substituição – 318, 319 (V. também Processo cautelar) Meios de coerção – 229, 274 Memoriais – 79, 83, 84, 85 Multa – 12, 19, 31, 71, 156, 194, 198, 216, 225, 230, 231, 303 Nomeação, remoção e dispensa de tutor ou curador – 8 Objeto do litígio – 11, 12, 14, 92
326 Ônus – da alegação – 39, 138 – da impugnação especificada – 39, 138 Oposição – 78, 81 Organização e fiscalização das fundações – 8 Pagamento ao credor – 266, 299 Pedido – 4, 12, 17, 23, 33, 103, 105 – acessório – 14 – alternativo – 13, 14 – cumulação de pedidos – 14, 20, 25, 26, 91, 103, 105 – espécies de – 12 – fixo – 13 – genérico – 13, 19, 189 – interpretação do – 12 – modificações do – 14 – objeto imediato e mediato do – 12, 14, 18 – possibilidade jurídica do – 25, 39, 44 – principal – 13, 14 – subsidiário – 13 Penhora – 237 – ampliação da – 246 – bens impenhoráveis – 237 – conceito – 237 – efeitos da – 245 – nomeação de bens à – 276 – objeto – 238 – procedimento – 241 – redução da – 246 – substituição do bem penhorado – 246 Perempção – 39, 44 Perícia – 52, 69, 72, 73, 80, 108, 143, 269 (V. também Prova pericial) Perito – escusa do – 70 – nomeação do – 70 – recusa do – 70 – substituição do – 70, 71, 80 Petição de herança – 13 Petição inicial – 11, 18, 21, 50, 55, 56, 60, 92, 93, 98, 105, 106, 108, 197, 212, 303, 314 – ajuizamento da – 21 – indeferimento da – 16, 21, 25, 137, 138, 140, 224, 315, 320 – inépcia da – 16, 25, 39 Praça – 250, 260, 261, 263 Precatório – 272
Índice Alfabético-Remissivo Preparo – 119, 125, 132, 138, 139, 148, 150, 156, 175 Prescrição – 23, 27, 32, 33, 34, 40, 42, 86, 96, 110, 142, 201, 213, 275, 291, 301, 315 Princípio – da correlação entre o pedido e a sentença – 11, 12 – da identidade física do juiz – 83 – da iniciativa da parte – 4, 11, 195 – da iniciativa oficial na instrução – 56 – do contraditório – 5 Prisão – 144, 145, 229, 242, 274 Procedimento – abreviação do – 6, 47, 77, 86, 95, 314 – bifurcação do – 9 – comum – 4, 8, 11, 15, 19, 131, 192, 211, 311, 313 – especial – 4, 7, 8, 15, 38, 46, 101, 131, 211, 311 – no processo cautelar – 313 – no processo de conhecimento – 4, 5 – no processo de execução – 209 – ordinário – 4, 5, 7, 8, 11, 15, 16, 46, 47, 84, 91, 102, 103, 104, 108, 131, 192, 211, 282, 314 – sumário – 4, 6, 7, 19, 45, 101, 131, 140, 192 – sumaríssimo – 4 Processo – cautelar – 7, 101, 131, 144, 309 – cumulativo – 46, 91 – de conhecimento – 3, 11, 143, 172, 193, 205, 208, 292, 295, 296, 313, 315 – de execução – 3, 117, 144, 190, 205, 229 – extinção com resolução de mérito – 23, 33, 52, 96, 107, 110, 320 – extinção sem resolução de mérito – 23, 26, 47, 51, 94, 96, 110, 284, 320 Prova – 5, 6, 19, 52, 55, 309, 311 – depoimento pessoal – 6, 55 – documental – 6, 7, 19, 50, 55, 62, 97, 108 – pericial – 6, 19, 52, 56, 69, 108, 192, 317 (V. também Perícia) – testemunhal – 6, 43, 56, 63, 66, 108 (V. também Testemunha) Providências preliminares – 6, 49, 95, 316 Reconhecimento do pedido – 3, 36, 47, 50, 81, 86, 96, 110 Reconvenção – 5, 22, 37, 38, 43, 44, 46, 49, 91, 92, 94, 95, 108, 150, 192, 316 Recurso – 9, 88, 111, 113, 212 – adesivo – 115, 123, 126, 168 – cabimento do – 116, 163 – e ação impugnativa – 114
O Novo Processo Civil Brasileiro – efeito devolutivo – 88, 123 – efeito suspensivo – 88, 122 – especial – 9, 111, 129, 130, 144, 149, 159, 162, 166, 167 – extensão subjetiva dos efeitos – 123 – extraordinário – 9, 111, 115, 122, 129, 130, 144, 149, 155, 158, 159, 160, 162, 163 – independente – 115 – ordinário – 115 – ordinário constitucional – 115, 129, 130, 157, 159 – parcial – 14, 114 – principal – 115, 123, 126 – total – 114 Recursos repetitivos – 161 “Reformatio in peius” – 123, 135, 151 Remição – da execução – 252 Renúncia – ao direito deduzido em juízo – 3, 33, 38, 81, 86, 96, 110 – ao direito de recorrer – 117, 119, 126 Repercussão geral – 164, 169, 171 Representação – 44 Resposta do réu – 36, 41, 91, 93, 95, 107, 109, 316 Restauração de autos – 7, 132, 314 Revelia – 6, 14, 28, 31, 35, 40, 47, 50, 60, 86, 93, 97, 107, 135, 200, 317 Saneamento do processo – 6, 14, 24, 40, 49, 56, 77, 96, 99 (V. Também Decisão de saneamento) Sentença – 9, 24, 26, 41, 46, 47, 61, 62, 77, 78, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 91, 93, 95, 96, 97, 107, 110, 111, 113, 129, 131, 132, 189, 193, 212, 284, 285, 286, 288, 293, 305, 313, 318 – cumprimento da – 132, 195
327 – de mérito – 3, 5, 11, 85, 86, 95, 96, 97, 155 (V. também Processo – extinção com resolução de mérito) – ilíquida – 13, 189, 208 – incidente – 93, 94, 108 – intimação da – 84, 85, 110 – liquidação da – V. Liquidação – publicação da – 84, 85, 86, 110 Separação judicial – 8 Sequestro – 272, 319, 320 Substituição processual – 44 Taxa judiciária – 21 Tentativa de conciliação – 6, 51, 78, 80, 81, 82, 98, 106 (V. também Audiência preliminar) Testamento – execução de – 8 Testemunha – acareação – 69, 82 – contradita – 67, 83, 143 – incapaz, impedida ou suspeita – 66 – substituição de – 65, 80 – (V. também Prova testemunhal) Título executivo – extrajudicial – 207, 210, 215, 221, 230, 231, 300 – judicial – 82, 170, 200, 206, 210, 300 Transação – 3, 14, 77, 80, 81, 86, 96, 98, 99, 110 Trânsito em julgado – V . Coisa julgada Uniformização da jurisprudência – 177 – pressupostos – 177 – procedimento – 178 Usufruto de móvel ou imóvel – 236, 252, 253, 266, 269 Valor da causa – 12, 19, 25, 39, 101, 107, 131, 143
Editora
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