O coronelismo - uma política de compromissos 8511020136, 9788511020137


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O coronelismo
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
HOMEM DE VALOR, HOMEM DE POSIÇÃO: COMPROMISSOS COM AS ORIGENS
SUBORDINAÇÃO DO DOMINIO: COMPROMISSOS COM A REPÚBLICA
BÊNÇÃO, PADRINHO: COMPROMISSOS SOCIAIS
JANUS RURAL: COMPROMISSOS COM O PASSADO E COM O FUTURO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O coronelismo - uma política de compromissos
 8511020136, 9788511020137

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O coronelismo uma política de compromissos Maria de Lourdes Monaco Janotti 2a edição

Copyright © M. de Lourdes Monaco Janotti

Capa: ■ 127 (antigo 27) Artistas Gráficos

Foto de capa: Carlos Amaro

Caricaturas: Emílio Damiani

Revisão: José E. Andrade

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editora brasiliense s.a. 01042 — rua barão de itapetininga, 93 são paulo - brasil

ÍNDICE

Introdução .................................................... Homem de valor, homem de posição: compromis­ sos com as origens ................................................ Subordinação do domínio: compromissos com a república .............................................................. Bênção, padrinho: compromissos sociais .......... Janus rural: compromissos com o passado e com o futuro .................................................................. Considerações finais ............................................ Indicações para leitura ........................................

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INTRODUÇÃO

De forma genérica, entende-se por coronelismo o poder exercido por chefes políticos sobre parcela ou parcelas do eleitorado, objetivando a escolha de can­ didatos por eles indicados. O Coronel é sempre alguém de reconhecida au­ toridade e prestígio que possui, potencialmente, pos­ sibilidades de atender às demandas de sua clientela, sejam elas públicas ou privadas. A maioria dos autores associa o crescimento do poder coronelístico à força eleitoral que os coronéis desempenharam na República. O auge de sua in­ fluência coincide com o período que se estende da Presidência de Campos Salles às vésperas da revolu­ ção de 30. Logo após, entra em franca decadência, restringindo-se às áreas economicamente inexpres­ sivas. Entretanto, as raízes do coronelismo já estavam sedimentadas no Império e, com a República, o Co­

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ronel apenas amplia o seu papel dentro da nova estrutura política. Somente com o desenvolvimento da urbanização e da industrialização, o poder coronelístico entra em declínio, isto por volta dos anos 40, sem contudo poder-se falar em seu desaparecimento. O estudo do coronelismo não envolve unica­ mente aspectos políticos da dominação de classes, mas abrange inúmeras implicações ao longo processo histórico no qual se forma a sociedade brasileira. Com muita propriedade, Maria Isaura Pereira de Queiroz, em seu trabalho O Coronelismo numa Interpretação Sociológica, afirma: “... o aspecto político é o que mais chama atenção, ao atentarmos para as facetas que compõem a figura do Coronel; não é porém o único e sim um entre muitos. Consi­ derá-lo apenas sob este aspecto é mutilar um con­ junto complexo, empobrecendo-o../’ Ê comum, nos meios de comunicação, apresen­ tar o Coronel como um fazendeiro rústico, autori­ tário, brutal, ignorante, dispondo da vida dos demais habitantes do lugarejo em que reside. Este é um este­ reótipo que vem sendo consagrado e, comumente, ridicularizado. Mas todo estereótipo é restritivo, empobrecedor, embora contenha um fundo de verdade. Ao retratar a figura do Coronel, a literatura oferece ao historiador enorme contribuição, explo­ rando o tema com riqueza de nuanças regionais. Nesse sentido, José Cândido de Carvalho, em seu livro O Coronel e o Lobisomem, mostra o Coronel desmoralizado, sem nenhum poder, vivendo da fama de seus antepassados, ao criar a cômica figura de

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos

Ponciano de Azeredo Furtado. Fazendeiro em Sobradinho, no Estado do Rio, orgulha-se este de sua pa­ tente de Coronel, considerando-se homem de armas, sem nunca haver lutado. Ambicionando ser esti­ mado, envolve-se na cidade de Campos com toda sorte de aproveitadores, que despojam-no de sua for­ tuna. Diante da realidade que vive, transforma-se em um D. Quixote rural. Ilude-se com seus “feitos*’, fantasiando suas humilhações em sucessos. Apesar de ter sido literalmente escorraçado de um escritório de advocacia, ainda afirma: “Diante do meu charuto muito doutor de lei ficou menor do que um anão de circo de cavalinho...” Seria o Coronel um tipo social vivo apenas na memória popular? Sua força política teria se eviden­ ciado unicamente no passado, num Brasil retrógrado e arcaico? Pretende-se responder a estas questões, bem como, ao rastrear as origens e a evolução do ‘coronelismo, apontar o seu papel na política de dominação, juridicamente estruturada pelo Estado brasileiro. Os coronéis podem ser vistos como represen­ tantes da oligarquia agrícola-mercantil que controla o poder público e orienta suas decisões no sentido de afastar as demais classes do poder e de manter seus privilégios. Mas é bom que se diga que, embora o Estado sempre represente os interesses dos grupos econômi­ cos mais poderosos, é um raciocínio simplista admi­ tir que todos os atos das esferas do poder atendam solicitações comuns a todos os membros desses gru-

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O grupo dirigente que define a política gover­ namental constitui a burocracia do Estado. Saído das classes dominantes, movimenta-se num espaço livre que só ele conhece, por ser o único manipulador de mecanismos jurídicos específicos, que acionam o exercício da administração. Por esta razão, apesar de alguns coronéis terem conseguido reconhecimento nacional de seu prestígio, como Pinheiro Machado, a maioria restringe seu raio de ação à política local, sem acesso às esferas decisórias. Além disso, é ilusória e limitada também a capacidade de decisão da burocracia do Estado, na medida em que, como muito bem interpreta o histo­ riador Caio Prado Júnior, o Brasil, fornecedor de matérias-primas, vinculado à economia de exporta­ ção, sempre dependeu da política dos grandes cen­ tros capitalistas. Durante a vigência do sistema colonial, a depen­ dência de Portugal em relação à Inglaterra foi funda­ mental para o encaminhamento das decisões polí­ ticas que se aplicaram no Brasil. O predomínio inglês continuou, apesar da Independência, por todo o Im­ pério, mantendo-se inalterável o caráter básico da economia monocultora-escravista-exportadora. Ape­ sar das modificações introduzidas pelo trabalho livre, pela Abolição e pela República, os vínculos de de­ pendência não se romperam. Acentuaram-se e diversificaram-se, em direta relação com o capitalismo financeiro e monopolista, com preponderante influ­ ência norte-americana.

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos

Por mais poderosa que seja a ação das classes dominantes, suas aspirações e projetos submetem-se, em grande parte, a um mecanismo econômico não controlado por elas próprias. Subjugam os que lhe estão próximos, mas não conseguem desenvolver um projeto político nacional. A situação de dependência se reproduz na socie­ dade civil de perfil paternalista e na acentuada dife­ rença econômica entre as classes sociais. A domina­ ção é exercida através de um encadeamento hierár­ quico rígido, no qual o Coronel representa o poder local, imediatamente superior ao do pai de família. O papel do Coronel só é compreensível quando í; se distinguem as bases econômico-sociais que lhe Í conferem autoridade, quando se precisa a posição / que ocupa na hierarquia política e quando se expli/ cita a função que exerce dentro das classes proprie‘ tárias. Várias razões justificam o título deste trabalho, O Coronelismo: uma Política de Compromisso. O j coronelismo se expressa num encadeamento rígido Ide tráfico de influências. Sua prática política está muito bem estruturada num sistema eleitoral, onde é possível reconhecer todos os seus passos, localizando' os no tempo e no espaço. Forma-se uma pirâmide de compromissos recíprocos entre o eleitorado, o Coro! nel, o poder municipal, o poder estadual e o poder * federal. No primeiro capítulo, procura-se detectar o compromisso que o coronelismo tem com suas ori­ gens. Estas são identificadas no processo de forma­

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Maria de Lourdes Monaco Janotti ção da riqueza das classes rurais e comerciantes. O poder pessoal, decorrência linear do econômico, se fortalece desde a Colônia, onde o poder público não se estrutura plenamente. A antiga expressão “Homem de valor, homem de posição” contém implicitamente a aceitação da autoridade social do poder privado. O exercício do mando político desde a segunda metade do século XIX pelo Coronel é necessário e fundamental para o regime republicano. Encon­ trando as áreas de influência eleitoral definidas, revi­ taliza-as para servir principalmente aos desígnios da burguesia agrofinanceira das áreas cafeeiras, nova senhora do Estado. O Coronel, auto-suficiente em seu município, é atrelado a novos compromissos, subordinando-se a uma organização partidária mais complexa ou, em sua ausência, a um jogo político bem mais sofisticado. Estas relações são expostas no segundo capítulo, intitulado “Subordinação do do­ mínio: compromissos com a República”. “Bênção, padrinho!” é uma designação nada usual para capítulo de um livro de história, mas é bem conotativa das relações sociais que se entre­ laçam no cotidiano da vida do Coronel. Não é apenas no momento das eleições que se delineia sua força. Seus compromissos sociais obrigam-no a ser o factó­ tum da cidade e dos bairros rurais. Aparentemente é apenas servido, mas, realísticamente, pode-se afir­ mar que também é servidor. Com um grande número de dependentes e precisando sempre mantê-los sob sua tutela, ocupa-se ele das questiúnculas e das

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos “grandes decisões”. O terceiro capítulo, pois, referese aos compromissos sociais do coronelismo. Não se poderia encerrar este volume sem cogitar no declínio do coronelismo e ao mesmo tempo consi­ derar algumas diretrizes presentes na historiografia sobre o tema. A imagem do deus romano Janus, de dupla face, uma voltada para o passado e outra para o futuro, simbolizando o conhecimento interior e o exterior, presta-se corretamente ao que se quer explicar: a dupla face do coronelismo — o seu poder no passado e seu fim no futuro; o fato e a interpretação histórica. O “Janus rural” refere-se a questões ainda em aber-

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HOMEM DE VALOR, HOMEM DE POSIÇÃO: COMPROMISSOS COM AS ORIGENS

O poder pessoal, sobre o qual se assenta o coronelismo, é uma herança colonial, cujas coordenadas econômicas se acham no sistema mercantilista e na lavoura de exportação. No Brasil, desde o início, reduzido completamente ao estreito universo do se­ nhor e do escravo, a sociedade reconheceu o poder pessoal como representante e não opositor ao poder do Estado. Enquanto nas Metrópoles o processo de for­ mação do Estado Moderno se desenvolvia em detri­ mento dos privilégios feudais, nas Colônias o poder privado garantia os vínculos econômicos e políticos da dependência. A administração colonial se exercia tanto por intermédio de funcionários metropolitanos, quanto

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos de colegiados, como Senados ou Cámaras, que re­ presentavam o poder municipal. As Câmaras possuíam funções legislativas, exe­ cutivas e judiciárias. Suas atribuições não estavam, porém, muito bem definidas, daí, comumente, exor­ bitarem de sua esfera de poder, chocando-se com a Metrópole. Documentos da época colonial atestam que al­ gumas Câmaras recolhiam taxas sobre o trabalho de índios e artífices, sobre gêneros alimentícios e até sobre produtos importados. Em algumas Vilas os vereadores chegavam mes­ mo a regulamentar o comércio, a agricultura e a navegação, além de muitas outras medidas significa­ tivas. Os historiadores não se mostram concordes quanto à importância das Câmaras coloniais. João Francisco Lisboa atribuía a elas grande independên­ cia, considerando-as como instituições autônomas e todo-poderosas. Discordando dessa interpretação, Capistrano de Abreu, no seu livro Capítulos da História Colonial, assim se expressava: “Nada confirma a onipotência das Câmaras Municipais, descoberta por João Fran­ cisco Lisboa e repetida à porfía por quem não se deu ao trabalho de recorrer às fontes”. Na realidade, porém, Lisboa considerava as Câ­ maras instrumentos de opressão da “nobreza colo­ nial”; as aparentes divergências entre suas resoluções e as da Metrópole eram motivadas pelo desconheci­ mento das reais condições do Brasil, observáveis nas

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Ordenações vindas de Portugal. Tanto os funciona­ rios reais, quanto as Câmaras tendiam a exagerar suas atribuições, exercendo sufocante dominio sobre o restante da população. De inicio, os cargos de vereadores só podiam ser providos pelos “homens bons’’ — em geral, colonos de fortuna — ou por aqueles que tivessem exercido cargos públicos, desde que de irrepreensível probi­ dade. Constituíam a elite econômica local, sendo em sua maioria proprietários de terras. Convém salien­ tar que a terra em si não era um bem a que se atri­ buía muito valor. O que lhe conferia valor econômico era o montante de sua produção e o número de es­ cravos empregado em sua lavoura. A notória desorganização da administração me­ tropolitana e a precariedade das comunicações, alia­ das à venalidade do funcionalismo real, abriam es­ paços consideráveis para o crescimento do poder pri­ vado. As ordens do Estado chegavam ao conheci­ mento do Senado com grande atraso e, muitas vezes, ultrapassadas. Nesta medida, as Câmaras assumiam encargos e deliberavam resoluções que normalmente pertenciam ao âmbito central da administração colo­ nial. O Estado personificava-se, assim, nos momen­ tos em que se fazia necessária a tomada de decisões imediatas, nos homens de posse. Estes eram os potentados locais, ligados à grande propriedade açucareira, onde o senhor de engenho tinha autoridade máxima sobre os moradores da unidade produtiva. Eram, pois, “homens de valor”, por possuírem ri­ queza, e, por conseguinte, “homens de posição”, por

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos integrarem o govemo das Vilas e poderem dispor de um instrumento de repressão, como a Milicia. Florescia, assim, precocemente, nas regiões açucareiras, a privatização das funções públicas, o des­ respeito à lei e à justiça. Cada senhor era absoluto em seu engenho, encontrando seus pares quando ia à Vila para acertos necessários. A Vila colonial era acanhada, sendo simples reprodutora das relações do autoritarismo agrário. Nela não se desenvolviam funções especificamente urbanas. Cumpre observar que o despotismo do proprie­ tário sobre uma população local não é exclusivo da história do Brasil. Encontra-se ele presente em todas as sociedades onde se registra um predomínio do rural sobre o urbano, onde há maior concentração da propriedade fundiária e onde as relações de produ­ ção capitalista não chegam a se implantar ou a se desenvolver completamente. Nas regiões de mineração, no século XVIII, ó poder pessoal não se revestia das mesmas caracte­ rísticas da sociedade açucareira. Os laços de solidariedade da grande família pa­ triarcal e sua clientela foram amenizados nas socie­ dade mineradora. Nas áreas de extração, o Estado se fazia mais presente, estabelecendo aí um rígido sistema de con­ trole sobre a sociedade civil, com o objetivo de asse­ gurar o monopólio sobre o ouro e diamantes. A rigo­ rosa legislação então estabelecida exigia a presença permanente de funcionários da Coroa, impedindo a

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personificação do poder do Estado nos ricos mineradores. Havia estreita aliança entre estes e a administração das minas, mas os árbitros das relações sociais eram, em última instancia, os representantes do Estado. As cidades da área de mineração foram adqui­ rindo uma divisão de trabalho mais diferenciada, ao mesmo tempo que se estabeleciam atividades comer­ ciais mais intensas. Evidenciava-se, assim, uma so­ ciedade urbana mais permeável às transformações, onde o prestígio pessoal ainda permanecia, aquila­ tado, porém, em função de novos valores. O despotismo do Estado (atenuado na sociedade agrária pelos vínculos pessoais) provocava nas Minas a eclosão de movimentos de insatisfação e mesmo de contestação, como a revolta de Felipe dos Santos e a Inconfidência Mineira. Manifestações contrárias à opressão do Estado monopolista ocorreram, igualmente, nas regiões dominadas pela economia agrária. Embora menos freqüentes, elas se dirigiram principalmente contra co­ merciantes e companhias de comércio, que se cons­ tituíam nos intermediários do sistema. A revolta de Beckman, em 1684, no Maranhão, expressa bem tal situação. No fim do período colonial a produção açucareira já havia consagrado o mando do senhor de en­ genho; a criação de gado, no sertão, cristalizara a autoridade do criador; o financiamento das safras e as operações de exportação aumentavam a riqueza do comerciante e a dependência do senhor de terras

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em relação aos capitalistas. Os grandes proprietá­ rios, aliados aos grandes comerciantes, vinham for­ mando, neste processo, a futura classe dominante do Brasil independente. Os fundamentos econômicosociais do mando pessoal estavam, portanto, bem definidos e exercia-se ele sobre uma população es­ crava ou livre, completamente sujeita, entretanto, às decisões de potentados locais e à predominância do agrarismo. A independência trazia consigo a necessidade de uma organização do novo Estado que permitisse a absorção de nova composição de forças e ajustamentos. Os senhores rurais não conseguiram de imediato^ ascender aos postos burocráticos e políticos de direção do Estado. A forte campanha contra D. Pedro I, culminada na abdicação, tinha como meta o controle do Estado pelos latifundiários brasileiros. Um novo componente introduzia-se na vida política do país com a Constituição de 1824: eleições para escolha dos membros componentes dos Conse­ lhos Gerais nas Províncias e da Assembléia-Geral, ,t dividida em Câmara dos Deputados e Senado. Ape­ sar das várias reformas eleitorais que se efetuaram, até o fim do segundo Reinado, o voto era censitário e capacitário. O sufrágio, por conseqüência, não era universal, estando restrito aos cidadãos que possuís­ sem propriedades ou determinada renda. Até a im­ plantação da Lei Saraiva (1881) as eleições eram indiretas, havendo distinção entre votantes e elei­ tores. A qualificação dos cidadãos, feita em nível

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municipal, ficava sob inteiro controle dos mandatá­ rios locais, traço este bastante característico do coronelismo. . O autoritarismo local, mais a força eleitoral, fazem com que já se identifiquem várias atividades tipicamente coronelísticas, nos inícios do segundo Reinado. Durante o período Regencial, as lutas políticas se travavam em torno de questões atinentes à auto­ nomia provincial e municipal. Neste momento, o particularismo regional pretendia emancipar-se do poder central. Nas intrincadas disputas que se suce­ deram, afirmavam-se, nas Províncias, os grandes grupos familiares detentores do poder que integra­ riam as oligarquias regionais. Com a criação de forças de repressão, como as Guardas Municipais e a Guarda Nacional, e a apli­ cação do Ato Adicional (em 1834), criavam-se meca­ nismos oficiais que institucionalizavam a participa­ ção dos proprietários no governo da municipalidade e da Província. De estrutura militar, subordinada ao Ministério da Justiça, mas efetivamente submetida à sociedade civil, era a Guarda Nacional empregada para coibir movimentos revolucionários da época, juntamente com o exército, e submeter tanto os escravos quanto os diferentes grupos sociais aos interesses dos senho­ res de terras. Os postos de oficiais da Guarda Nacional foram ocupados, quase que exclusivamente, por mandatá­ rios locais. Majores, tenentes e coronéis eram títulos

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos muito cobiçados. A patente de coronel, urna das mais valorizadas, deixou aos poucos de se relacionar estritamente ao exercício de uma função militar ou policial, passando popularmente a ser empregada para distinguir os chefes políticos. O excessivo poder que poucos usufruíram re-" pousou, sem dúvida, na fraqueza da estrutura admi­ nistrativa do Estado, que, embora autoritária e des­ pótica, não tinha condições de atender a todas as instâncias de atribuições que lhe eram adstritas. Desta forma, os potentados locais continuavam a ser vistos pelos cidadãos como seus intermediários nas relações com o Estado. Oficiais da Guarda Nacional tinham sob sua autoridade batalhões permanentes e de reserva, cujo recrutamento era controlado por eles próprios, pois o mesmo era de competência do poder municipal. O recrutamento para o exército também se constituía numa arma de violência, empregada pelo grupo da situação, contra os adversários caídos em desgraça, seus parentes e dependentes. Estes eram enviados para servir em outras Províncias. Durante a Regência de Feijó, o difícil equilíbrio dos principais grupos políticos nas Províncias se manifestava em constantes distúrbios, tornando o governo bastante vulnerável. Os partidários de Feijó foram depostos com a guinada centralizadora, repre­ sentada pelo acesso ao poder do grupo de regresso. O Ato Adicional havia criado as Assembléias Provinciais, outorgando-lhes poder legislativo e, em decorrência, conferindo-lhes maior autonomia. Os

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mais importantes mandatários ampliaram considera­ velmente sua influência: “Terminava a convergência para o ponto central único representado pela capital; em seu lugar se instalava, em cada Província, um ponto de convergência particular para a vida muni­ cipal. Mas o chefe local poderoso continuaria, ele próprio, a ditar as ordens no setor político, porque os presidentes da Província iam e vinham, ele é que estaria ali, permanente, representado pelas Assem­ bléias Provinciais, com ele deviam tratar os presi­ dentes para poder governar em paz a Província” (Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira). O novo governo, interessado em “frear o carro revolucionário”, a fim de conter o “excesso de inde­ pendência”, adotava uma série de medidas visando a centralização administrativa e política. Através da “Lei dos Prefeitos” e pelo projeto da Lei de Inter­ pretação do Ato Adicional — proposto em 1837 e apenas aprovado em 1840 — o governo central pro­ curava ampliar sua jurisdição sobre os municípios. O Juiz de Paz, funcionário da confiança dos senhores locais, que até então acumulava extensas atribuições, teve cerceada sua atuação. Novos funcionários eram encarregados da repressão à criminalidade e da administração da Justiça. A aplicação destas leis, nem sempre uniforme e regular, passou a suscitar agitações prolongadas em diversas Províncias. Os novos funcionários, prefeitos, subprefeitos, delega­ dos e subdelegados, eram responsabilizados por abu­ so de poder por aqueles que sempre o haviam prati-

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/ cado. Reações dos liberais (assim denominavam-se os anticentralistas) contra a centralização desenca­ dearam nas Províncias movimentos engrossados pe­ los grupos marginalizados da sociedade. Jagunços, vaqueiros sem ocupação e negros quilombados misí turavam-se aos gritos da imprensa liberal. Neste pro| cesso, a Cabanagem no Pará e a Balaiada no Ma­ ranhão tiveram grande importância, pois assumi­ ram, rapidamente, o caráter de revoltas populares. O clima de insurreição e revanchismo havia se instaurado; regressistas e liberais engalfinhavam-se nas Províncias. Entretanto, contavam os “senhores liberais” poder desarmar, no momento adequado, as forças populares, usando-as apenas como instru­ mento de facções. Quando aquelas se tornaram ameaçadoras às classes dominantes, como um todo, usaram a repressão para sufocá-las violentamente. Governo e oposição uniram-se ante o inimigo co­ mum. A Guarda Nacional se revelava incapaz de impor a ordem, tendo o exército sido empregado nessa missão. Aos poucos os diversos movimentos foram exterminados. O temor de que uma verdadeira revolução modificasse as estruturas econômico-sociais exigia prudência. Estava selado o início de uma aliança de com/promissos entre o poder central e o poder local. O ' Estado usava o exército e a força particular para i manter a ordem escravocrata e a integridade territorial, fechando os olhos aos abusos perpetrados pelo I poder local. As classes dominantes uniam-se ao su­ focar discordancias ou rebeliões, das classes domi-

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nadas, que denunciassem a asfixiante atmosfera ; dessa sociedade injusta e violenta. í Desse modo, impunha-se que as divergências de , opinião dentro da oligarquia fossem resolvidas enj j conchavos políticos, golpistas ou não, violentos oú I pacíficos, usando somente como aliados as forças dS repressão e, se possível, o exército, mas alijandoi í sempre as perigosas manifestações populares. I Mesmo que o aparato centralizador se voltasse diretamente contra o poder municipal, não havia diminuído o poder do chefe local. j / Os partidos monárquicos, tanto o liberal quantol 11 o conservador, arregimentavam, sob seu débil comando, somente membros das classes abastadas ou seus representantes, o que lhes facilitava a passagem/ de um para outro partido, sem maiores empecilhos, h Não mantinham as mesmas posições políticas em todas as Províncias e seus membros nem ao menos se identificavam pelos mesmos designativos. O histo­ riador e jornalista maranhense do século XIX, João Francisco Lisboa, em seu Jornal de Timón, assim se expressava sobre os “partidos” do segundo reinado: “Nesta heróica província, a contar da época em que nela se inaugurou o sistema constitucional, os par­ tidos já não têm conta, peso, ou medida; taes, tantos, de todo o tamanho, nome e qualidade têm eles sido (...) As aves do céu, os peixes do mar, os bichos do mato (...) já não podem dar nomes que bastem a designá-los, a eles e aos seus periódicos, os Cangambás, Jaburus, Bacuraus, Morossócas, Papistas, Sururus, Guaribas e Catingueiros. Assim os partidos os

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vão buscar nas suas pretendidas tendencias e prin­ cipios, nos ciúmes de localidades, na influencia deste ou daquele chefe, desta ou daquela família, e eis aí a rebentar de cada club ou coluna de jornal, como do cérebro de Júpiter, (...) o partido liberal, o partido conservador, o centralizador, o nortista, o sulista, o provincialista, o federalista, o nacional, o antilusi­ tano, o antibaiano, o republicano, o democrático, o monarquista, o constitucional, o...” Esta instabilidade partidária^xlaramente^apontada por João FrançiscQ,.Lisboa^ssim„CQinXL-a^sua indelével relação com a autoridade de chefes políticos e famílias influentes, é, também, salientada em significafívoFdocumentos “dãTSpõcaT que relatam ricos exemplos do “põder“5prpndfefe século XIX. Õ prestígio coronelístico nem sempre foi atri­ buto masculino. Ê curiosíssima a história da ma­ triarca maranhense D. Ana Jânsen Pereira, que a partir de 1839 tomou-se chefe da facção liberal mais influente na Província. Era ela rica proprietária de fazendas e de prédios em São Luís. Como próspera comerciante abastecia a capital de água potável, em­ pregando tropa de burros. “Não houve Jânsen, no seu tempo, que lhe fugisse à tutela. Todos, legítimos ou bastardos, consanguíneos ou afins, obedeciam-lhe cegamente.“ Por ocasião da Balaiada, Donana havia fardado e municiado, com seu próprio dinheiro, um Batalhão da Guarda Nacional que, comandado por seu filho, o tenente-coronel Izidoro Jânsen Pereira, conseguiu ocupar a vila de Icatú, de onde os revol-

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Maria de Lourdes Monaco Janotti tosos, acantonados, ameaçavam a capital. Este su­ cesso abriu-lhe ainda mais as portas da política. Inimiga ferrenha dos cabanos (conservadores), por questões pessoais, Donana financiou sórdida cam­ panha contra seus membros veiculada pelo jornal Guajajára. A sorte continuou de seu lado, pois sua sobrinha casara-se com o presidente da Província João Antonio de Miranda. Aliada do presidente, im­ pôs às demais facções bem-te-vis (liberais) o seu co­ mando. Não hesitou em usar o recrutamento para silenciar e afastar seus inimigos. Em apenas um ano Miranda recrutou 1 944 homens e enviou 909 para o sul do país. Sucederam-se violências de toda ordem; empastelamento de jornais, assassinatos, espancamentos e fraudes eleitorais. Contra seus concorrentes no co­ mércio de água potável — a “Companhia das Águas do Rio Anil”, que havia construído condutores do rio Anil até chafarizes distribuídos pela cidade — usou os mesmos métodos criminosos; desde a contamina­ ção dos poços de água até o assassinato de guardas encarregados de vigiar os encanamentos. A Compa­ nhia lutou em vão, falindo logo a seguir. Donana interveio continuamente nos arranjos político-partidários, não medindo as conseqüências de suas imposições. Sob a presidência de Franco de Sá, em 1846, os liberais pretenderam promover um congraçamento das forças políticas da Província, com a criação da Liga Liberal Maranhense; os Jânsen aderiram. Por ocasião da escolha dos membros que integrariam a chapa dos novos deputados à As­

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos sembléia Legislativa, o nome de Izidoro Jânsen Pe­ reira foi preterido. Donana insistiu em incluí-lo. Alertada de que sua insistência provocaria sérias dis­ sidências, não recuou. O pleito havia de se realizar com todas as implicações comuns a situações como estas. A traição de Franco de Sá custaria muito caro. O presidente, comprometido com o Ministro Alves Branco, procurou controlar, por meios ilícitos, as eleições, para que fosse eleito o candidato Lisboa Serra, apoiado pelo Ministro. Por seu lado, Donana precavia-se comprando eleitores e distribuindo cace­ tadas. Izidoro foi eleito e Lisboa Serra não. Esta dis­ puta entre coronéis valeu a demissão de Franco de Sá da presidência da Província, mas Donana cum­ prira sua palavra empenhada em juramento público, num tatibitatear muito próprio: “Cute o que cutá; Sinhô Izidoro há de sê deputá” (Jerônimo José de Viveiros, A Rainha do Maranhão).

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SUBORDINAÇÃO DO DOMINIO: COMPROMISSOS COM A REPÚBLICA

A centralização administrativa foi sempre a ten­ dência predominante da evolução do Estado no Bra­ sil. Desde a época colonial até a atualidade, obser­ vam-se momentos em que a centralização foi contes­ tada com maior veemência. A defesa do federalismo constitui-se numa das tônicas das posições políticas mais avançadas durante o Império. A descentrali­ zação preconizada pelos republicanos a partir de 1870 vinha encontrando eco nas dissidências liberais e conservadoras. Quando a crise do modo de produ­ ção escravista se acentuou, nas províncias, vozes des­ contentes responsabilizavam o demasiado centra­ lismo do Estado pela derrocada econômica do país, pelo atraso dos meios de comunicação, pela rapacidade dos impostos, venalidade administrativa e toda sorte de infortúnios. Sempre foi comum valorizar-se o passado, atribuindo aos “bons tempos” os valores

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desejados no presente. Assim, no final do século XIX, os descontentes propalavam ter havido uma época em que as Câmaras Municipais gozavam de plena autonomia, disso resultando harmonia política e prosperidade econômica. Igualmente projetavam estes valores no presente, idealizando a Federação Norte-Americana como modelo para países que re­ centemente haviam conquistado sua independência. Esqueciam-se que a aceitação da Constituição NorteAmericana não tinha sido nada pacífica. A elite ilustrada norte-americana buscara cami­ nhos que contemporizassem os interesses dos dife­ rentes grupos sociais. A questão da escravidão não havia sido sequer tocada. Permanecia como futuro ponto de divergências profundas. Sucessivamente proteladas, até que uma parte da Nação Norte-Ame­ ricana se sentisse suficientemente forte para enfren­ tar a luta pela abolição da escravidão em seu pro­ veito. A Lei Magna dos Estados Unidos, em sua pri­ meira forma, sequer incluía a Declaração de Direi­ tos, em seu preâmbulo, o que, juntamente com inú­ meros dispositivos cerceadores da liberdade dos es­ tados, havia provocado violentos protestos nas As­ sembléias Regionais que deviam aprová-la. Tam­ bém, no século XIX, após a Guerra de Secessão, a imprensa norte-americana e os representantes dos estados sulistas denunciavam a ditadura do Norte, ou "seja, do governo federal. Mas, no Brasil, não se cogi­ tava nos defeitos, antes, nas excelentes qualidades da República do Norte.

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Apresentava-se o federalismo como a alavanca de Arquimedes que ergueria o país do atraso em que o Império centralista o mergulhara. O último gabinete monárquico, chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, propôs uma série de refor­ mas político-administrativas, na qual incluíam-se maiores liberdades para as Assembléias Provinciais e principalmente para os Municípios. Mas já não havia mais tempo para contemporizações. A esse respeito Víctor Nunes Leal comenta: “Afirma-se que a preocupação do velho liberal era revigorar a monarquia pelo fortalecimento dos municípios; o que equivale a dizer: pelo enfraquecimento político das províncias (...) Fossem, porém, quais fossem as perspectivas de êxito da política de Ouro Preto, sua posição confirma a suspeita de queunosso movimento federalista, desde as concessões que lhe fez o Àtõ Adicional, não se assentaria no robustecimento político do município; ao contrário, as unidades maiores se consolidariam com o sacrifício da autonomia municipal, expediente eficaz na homogeneização política da Província e, mais tarde, do Estado” (Coronelismo, Enxada e Voto). Entretanto, as razões que levaram os republi­ canos ao poder não se atinham apenas a problemas relativos à autonomia regional. O fim do escravismo, o início da imigração, as novas áreas cafeeiras, a insatisfação dos novos empresários do café, aliados ao desenvolvimento da urbanização, à insatisfação do exército e ao crescimento da classe média, foram responsáveis, juntamente com a ideologia do pro-

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gresso e da modernização, pelo desencadeamento da crise monárquica. Não houve um movimento revolucionário repwA blicano, na medida em que as classes populares fo­ ram alijadas do processo político, pela aliança da ' burguesia do café com o alto comando do exército. ? Nos primeiros tempos republicanos, identificó' ram-se setores da classe média com o jacobinismo florianista. A ditadura de Floriano Peixoto foi erronea­ mente vista como um período no qual os militares I abraçaram as causas populares e submeteram, pela ^primeira vez, os orgulhosos proprietários. Nesta vi­ são simplista, a República Velha teve um único go­ verno democrático, paradoxalmente, o do Marechal de Ferro. A Capital Federal, agitada como nunca pela movimentação de tropas, afluência de políticos, ameaças de restauração, modificava seus hábitos pa­ catos. Muitas mudanças na administração permi­ tiam o acesso a cargos públicos de novos funcioná­ rios. O nacionalismo e o entusiasmo popular multi­ plicaram os “Viva a República”. A política do Encilhamento, aplicada pelo Governo Provisório, ainda animava os negócios e a classe média imaginava po­ der enriquecer facilmente. A ilusão de se viver mo­ mentos de grandes transformações foi muito retra­ tada pelo romancista Lima Barreto, no seu livro Policarpo Quaresma. Nos demais estados, excluídos os participantes da Revolução Federalista, as agitações eram de or-

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dem bem diversa. Multiplicavam-se acordos e con­ chavos políticos para que não houvesse mudanças sociais e políticas que viessem a inquietar os detenj tores do poder. A força de Floriano foi, na realidade, II usada para impedir o retorno da monarquia, a inde| pendência de alguns estados e a cizânia dentro do I exército. Não fez sequer seu sucessor, sendo o poder entregue à burguesia cafeicultora, na pessoa de Pru­ dente de Moraes, primeiro presidente eleito por su­ frágio universal. A Constituição de 1891 consagrou o princípio federativo, permitindo a descentralização adminis­ trativa, estabelecendo as prerrogativas dos estados e resguardando a autonomia municipal, cabendo, en­ tretanto, regular esta última matéria por lei especial: a Lei Orgânica dos Município^'. Todavia, a plenitude i do princípio federativo não íoi exercida na prática i devido à política das oligarquias, que dele se utilij zavam de acordo com os seus interesses. A interi venção federal nos estados foi uma constante na hisj tória republicana, mais comum nos momentos eleij torais em que se decidia a distribuição do poder entre s os grupos oligárquicos. Como a regulamentação referente aos municí­ pios foi entregue a cada um dos estados, não houve uniformidade, no país, quanto à situação jurídica dos mesmos. Em geral, os municípios ficaram com rendas ínfimas e, portanto, com pouca autonomia. O poder privado continuava a ter significativo espaço na vida municipal. As comunidades dos pequenos centros urbanos não exerciam qualquer tipo de ativi-

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dade pubhca que de longe pudesse evocar uma parti­ cipação democrática. Só haveria uma autêntica federação democrá­ tica se tivessem ocorrido transformações estruturais. Mas, permanecendo o Brasil como um país essencial- í mente agrário, a centralização existente no regime/ r monárquico continuou sob nova roupagem, agora / estadualista, dirigida pela burguesia rural e finan-\ ceíra. ARepública, assim, atendeu a uma nova re-l partição do poder, onde permaneceram as antigas 1 oligarquias e se introduziram as novas, representa- l das, em São Paulo, pela composição entre os antigos \ proprietários de terra, banqueiros e comissários de^J café. A centralização das decisões, portanto, inerente 11 à própria estrutura económico-social, firmou-se por IA um compromisso de poderes, cuja base se assentava y \ no coronelismo: “O fenômeno coronelista não é novo. Nova será sua colocação estadualista e sua emancipação no agrarismo republicano, mais liberto j das peias e das dependências econômicas do patri- j monialismo central do Império” (Raymundo Faoro, I Os Donos do Poder). O governo de Prudente de Moraes foi extrema­ mente conturbado. A situação interna estava aba­ lada pela Revolução Federalista, pela questão de Ca­ nudos e pela superprodução cafeeira, acompanhada da queda do preço do produto no mercado interna­ cional. Pairava sobre o Estado uma dívida externa muito grande de difícil administração. Acumulavamse os juros, temendo-se as atitudes que os credores

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pudessem vir a tomar. Com o intuito de estabilizar as relações de crédito com o exterior, Campos Salles, já eleito, mas não empossado como Presidente da Re­ pública, empreendeu viagem à Inglaterra, cujo resul­ tado foi consubstanciado no acordo com o Banco Rothschild denominado Funding-Loan: consolidava os empréstimos anteriores de 1883,1888, 1889 e 1895, no valor total de 37 735820 libras. O Funding-Loan planejara o escalonamento do pagamento da dívida externa brasileira, e de seus juros, a longo prazo. Como garantia, respondería a receita da Alfândega do Rio de Janeiro e, se esta não fosse suficiente, a dos demais portos. A este compromisso externo correspondeu o encadeamento de outros tantos compromissos. O go­ verno interveio no câmbio, estabelecendo uma taxaouro determinada por saca de café, e procurou racio­ nalizar a produção. Estas medidas, a longo prazo, descontentaram os produtores, levantando celeuma sobre elas, por não garantirem a almejada estabi\ lização dos preços. Envolveram elas ainda compro1 missos dc ordem política que atingiram o ponto mais desejado pelas oligarquias: a estabilização de deterU minados grupos estaduais no poder. Cabia agora definir, de uma vez por todas, a repartição dos poderes na República: o que cabería * ao executivo federal, ao estadual, às instituições ¿.legislativas, ao município e aos coronéis. Já havia o texto constitucional, mas à estrutura político-jurídica estavam subjacentes, ainda, os resquícios do patrimonialismo.

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Campos Salles (1898-1902) sacramentou o pacto do poder pela aplicação da “Política dos Governa­ dores’’: “No lugar do presidente de provincia todo­ poderoso, viría instalar-se o todo-poderoso governa­ dor de Estado (...) A concentração de poder conti­ nuava a processar-se na órbita estadual exatamente como sucedia na esfera provincial durante o Império; | mas, como a eleição do governador de Estado não dependia tão puramente da vontade do centro, como outrora, a nomeação do presidente da provincia, o chefe do governo federal só tinha duas alternativas: ,, ou declarar guerra às situações^ estaduais, ou com4 ' por-se com elas num sistema de compromissos quel simultaneamente, consolidasse o governo federal e os\ governos estaduais’’ (Victor Nunes Leal, Corone- n lismo, Enxada e Voto). CampQ^_Salks„ necessitava de um Congresso^f" ’W»-'*’**"* obediente que lhe ratificasse os tratados com o exte­ rior, assegurasse a implantação de nova política fi­ nanceira e que permitisse a estabilização do regime republicano nas mãos dos civis, pois as dissidências dentro do Partido Republicano continuavam a ser a grande ameaça de uma volta à ditadura militar. Os governos estaduais se ressentiam dos mesmos problemas, principalmente São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, que apresentavam um desenvolvi­ mento econômico superior aos demais. Em São Paulo, direto beneficiário desta nova política, os desajustes do Partido Republicano deve­ ríam, momentaneamente, ser esquecidos pelo direto acesso à gerência dos negócios do país e à estabi­

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lização econômica. Minas Gerais, sendo o Estado mais populoso do Brasil e possuindo a maior ban­ cada no Legislativo Federal, precisava compor-se com os cafeicultores paulistas. O Rio Grande do Sul adquiria uma fisionomia toda própria, na medida em que sua Constituição, de inspiração positivista, não seguia a Constituição Federal. Devido aos perigos da Revolução Federalista e às constantes desavenças políticas entre os estancieiros gaúchos,' ogoverno federabaque a oligarquia, re­ presentada.por Júlio de Casü organizasse no poder, segundo suas próprias jnormas. O progresso econômico do Estado, na produção e comercializa­ ção do charque, e sua posição estratégica, foram as molas desse acordo sempre oscilante, por não satis­ fazer os demais grupos oligárquicos. Os demais estados tinham pouco peso decisorio, excetuando-se a Bahia, que muitas vezes atuava como fiel da balança. A política dos Governadores tinha como obje• tivo, portanto, harmonizar os interesses dos estados / 5 mais ricos, fortalecer as situações estaduais e asse­ gurar nas urnas resultados eleitorais favoráveis. Não havia partidos políticos que pudessem difi­ cultar esses desígnios, o próprio presidente retratou a conjuntura política: “Os agrupamentos políticos que encontrei, já o disse, eram facções do Partido Repu­ blicano Federal, que não era propriamente um par­ tido político, senão apenas uma grande agregação de elementos antagônicos (...) Não me achei, portanto, entre partidos opostos, mas simplesmente entre fac­

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mesmo local. Ao lado dessa massa flutuante de trabalhadores, que muitas vezes circulava pelas mesmas proprie­ dades de uma região, havia tanto aqueles que migra­ vam para os grandes centros urbanos, como os que se fixavam em uma determinada propriedade. Compondo decisivamente o cenário social, onde evoluiu o coronelismo, destacavam-se, ainda, os pe­ quenos proprietários dos bairros rurais e os habi­ tantes dos centros urbanos, ambos constituindç^e na maior parte do eleitorado rural. /■ Nas pequenas cidades, sem atividades economicas diversificadas, não se desenvolveram funções eminentemente urbanas. O fraco comércio, o limitado mercado de consumo, as reduzidas exigências das A necessidades do cotidiano, a ausência quase absoluta \ da produção industrial conferiam-lhes uma fisiono-’ j mia rural. Pontos de encontro entre proprietários e comerciantes, onde lavradores vinham vender ou trocar seus produtos, estas cidades foram reprodutoras das relações agrárias, muito mais do que cen­ tros impulsionadores de transformações progressistas. c-_ j —.. Os historiadores não chegaram a um consenso no que diz respeito às relações entre a autano-mia. municipal e a autoridade coronelística. Victor Nunes Leal defende a posição de que quanto mais fraca a autoridade municipal, mais forte era o poder coro- / nelístico. A total autonomia municipal só pode ser cogi­ tada teoricamente. Mesmo que a cidade gerisse a

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totalidade da arrecadação de seus impostos, admi­ nistrasse a justiça e resolvesse todos os seus proble- * mas internos, com seus próprios recursos, pelo fato de ela fazer parte de uma federação de estados teria que se submeter aos acordos aduaneiros, tarifários, educativos, econômicos, jurídicos que existissem en­ tre eles. Esse modelo pode ser encontrado em teó­ ricos do republicanismo, como Alberto Salles, mas não objetivamente no desenrolar da evolução histó­ rica brasileira. A própria estrutura do regime repu­ blicano impunha a submissão do município à Cons­ tituição Federal e à Estadual. Como a divisão em estados é arbitrária, a realidade concreta é o muni­ cípio, mas, paradoxalmente, este tem que ceder suas pretensões ante a própria necessidade de aglutinação dos múltiplos interesses intermunicipais, coordena­ dos pelo Estado. Durante toda a República os debates em torno da autonomia municipal sempre estiveram presentes. As razões dos desentendimentos foram de ordem variada. Os políticos sempre defenderam, aparentemente, a autonomia municipal, não importando a que facção estivessem adstritos. Na realidade, os legisladores diminuíram sempre a capacidade deci­ soria dos municípios. Explica-se esta dubiedade pela importância elei­ toral que os municípios possuíam. Interessava a to- . dos aparentar “boas intenções” em conceder maiores à prerrogativas, especialmente em matéria de impos- Ik tos, mas, na medida em que as oligarquias tinham p um projeto de domínio do país, baseado na centra- 1

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos lização, convinha tornar o menos possível explícitos os direitos municipais e bem evidente a sua depen­ dência das concessões estaduais e federais: “Sem recursos para ocorrer às despesas que lhes são pró­ prias não podia deixar de ser precária sua autonomia política. O auxílio financeiro é, sabidamente, o veí­ culo natural da interferência da autoridade superior no governo autônomo das unidades políticas meno­ res. A renúncia, ao menos temporária, de certas prerrogativas costuma ser o preço da ajuda, que nem sempre se inspira na consideração do interesse pú­ blico, sendo muitas vezes motivada pelas conveniên­ cias da militância política” (Victor Nunes Leal, Coro­ nelismo, Enxada e Voto). O desinteresse no fortalecimento do executivo municipal evidencia-se na legislação do início da República. Na maior parte dos estados, tal função era delegada a um dos vereadores, escolhido por seus pares, sem mandato regulamentado e com atribui­ ções bastante vagas. A intenção era não possibilitar o surgimento de um novo poder. No Estado de São Paulo, de 1898 a 1907, a função de administrador da capital foi exercida por prefeito nomeado pelo governador. A partir de 1908 esse exercício decorreu de sufrágio direto, por maio­ ria de votos, na mesma ocasião da eleição da Câmara Municipal. Tal medida restringia-se à Capital, San­ tos e Campinas. Mas este exemplo não pode ser tomado como regra. Cada um dos estados adotava medidas pró­ prias. Enquanto as eleições das Câmaras Municipais

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Maria de Lourdes Monaco Janotti se mantiveram uniformemente, também surgiram novas instituições como os Conselhos Distritais, mas de duração efêmera. Somente em 1946 houve regulamentação da ma­ téria para todo o território nacional. A elegibilidade dos prefeitos foi uma prolongada e difícil conquista democrática, que consagrou, na realidade, nos pe­ quenos centros, a supremacia de um chefe político sobre os demais: “O Coronel dos coronéis”, que vencia nos diferentes distritos. I . Os cargos públicos mais importantes, como os de I Juiz de Direito, de Promotor Público e o de Delegado de Polícia, estavam adstritos à esfera estadual. Por todas estas questões, avulta para a vida municipal a importância das boas relações entre o Coronel e os chefes políticos estaduais. Através do -é chefe político é que o município pleiteava e recebia . reforços para sua minguada receita. ’■ z " Nas áreas de economia frágil, como no sertão^ jí/úordestino, a autoridade pessoal revestia-se mais das / antigas prerrogativas do patriarcalismo, enquanto / que nas zonas cafeicultoras o poder econômico-fina1 ceiro foi um dos maiores responsáveis pelo estabe- j ; lecimento dos vínculos sociais. \ Como já se observou, o coronelismo define-se por uma ascendência política, econômica e social, primeiramente em nível local, podendo ir aumen­ tando sua influência a círculos cada vez mais amplos. Nem todos os coronéis tinham acesso ou participação nas decisões das oligarquias governantes. Os peque­ nos coronéis limitavam-se a gerir a política do luga-

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos rejo e a seguir sempre o situacionismo no plano esta­ dual e federal. Muito se glozou o situacionismo coronelista, sem contudo, levar-se na devida consideração que, na ausência do municipalismo forte, o chefe político dependia, e com ele a comunidade, do governo es­ tadual. Ora, a luta entre coronéis era comum, mas entre Coronel e Governador teria conseqüências bem mais amplas; por isso imperava o bom senso, evi­ denciado pelas palavras do Coronel pernambucano Manuel Inácio: “O governo mudou, mas eu não mudo: fico com o governo” (Ulisses Lins de Albu­ querque, Um Sertanejo e o Sertão). Ao Coronel ligavam-se extensa clientela política, numerosa parentela e dependentes de ordem diversa. A clientela política de um Coronel variava de acordo com sua área de influência, os compromissos locais e seu prestígio pessoál. O Coronel poderia ter controle direto ou indireto sobre o eleitorado. Havia o Coronel que visitava grande parte de seus eleitores com muita freqüência, assim controlando direta­ mente seus votos. Também era comum enviarem “cabos eleitorais”, que repassavam as ordens do chefe. Subindo, um pouco, na hierarquia, encontra-se o Coronel que tem sob compromisso outros chefes locais que dominam diferentes distritos. No ápice desta superposição de autoridades situam-se os che­ fes das oligarquias nas Comissões Diretoras do Par­ tido Republicano. Jean Blondel, em Condições da Vida Política no

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Mana de Lourdes Monaco Janotti Estado da Paraíba, identificou também uma forma de dominação coronelística ‘.‘colegial”, na qual di­ versos membros de uma família submetem cada par­ te do eleitorado. O colegiado divide entre si os postos públicos e privados de maior importância. O eleitorado alfabetizado era bem pequeno, ainda mais nas antigas regiões agropastoris, e em geral no interior da maioria dos estados. Apesar de pequeno, era o eleitorado que qualificava os mem­ bros das oligarquias para exercerem o monopólio dos cargos públicos. As relações dos eleitores com os chefes políticos variavam também com a evolução histórica. Nos inícios da república o voto significava vínculos afetivos, morais, de dependência diversa. Com o desenvolvimento das relações capitalistas, passou a ser mercadoria negociável. O papel que desempenhava o Coronel no pro­ cesso eleitoral garantia a sobrevivência de um sis­ tema político que alijava as classes populares. O processo eleitoral regulado pela Constituição estabelecia prazos para a inscrição dos eleitores. A cada eleição deveria ser feita nova lista de eleitores. Desde esse momento inicial configurava-se a influên­ cia do Coronel. Trazendo pessoas do campo para a cidade, oferecia transporte, almoços, roupas, calça­ dos, etc. Promovia quermesses e diversões. Na im­ possibilidade de trazê-las, enviava-lhes o formulário de inscrição, desrespeitando as normas estabeleci­ das. O alistamento dos eleitores passava então a ser composto pela Junta Eleitoral presidida pelo Juiz de

O Coronehsmo: Uma Política de Compromissos Paz e posteriormente por outros juizes da Comarca. Na elaboração dessas listas havia pouco escrúpulo, sendo incluídos cidadãos analfabetos, menores de idade e até pessoas falecidas. É interessante lembrar que a Constituição não fazia nenhuma referência a impossibilidade do voto feminino; no entanto, nem se cogitava em solicitá-lo. Durante a elaboração da lista definitiva, seus responsáveis se encarregavam de excluir determina­ dos eleitores, omitindo seus nomes da relação, por estarem em posição política oposta à do Coronel. No dia das eleições, a Mesa Receptora dos Votos interferia em todos os sentidos sobre o eleitorado. Quando apresentava-se um analfabeto para vo­ tar, os próprios componentes da Mesa preenchiam as cédulas e assinavam as listas de presença. Aos inde­ sejáveis, sob qualquer alegação, mandavam prender. A alegação de desacato era a mais comum. A inter­ ferência policial era notória e os amedrontados elei­ tores faziam muitas vezes questão de mostrar clara­ mente a quem se destinava seu voto, para evitar futuras complicações. Dessa forma, nada havia de livre ou de secreto na maneira de votar; quanto sem­ pre existiu a coerção, inclusive com a presença ma­ ciça de capangas do Coronel. O momento da apu­ ração se constituía no mais privilegiado para favo­ recer determinados candidatos; sob o mínimo pre­ texto anulavam-se cédulas ou acrescentavam-se vo­ tos, sem a mínima fiscalização da oposição, impe­ dida de entrar no recinto. Deve-se às discordancias entre coronéis e/ou entre o Coronel e o governo do

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Maria de Lourdes Monaco Janotti estado o aparecimento de candidaturas de oposição, raramente, porém, aparecendo um candidato inde­ pendente. Nestes casos, algumas vezes, eram eleitos candidatos de oposição ao governo estadual, ha­ vendo, como represália, cortes de verba aos muni­ cípios e conseqüentemente o desprestígio do grupo que o apoiava. Quando a oposição se apresentava fortalecida, o Coronel usava de vários expedientes para impedir sua eleição. Ameaçava o eleitorado e por vezes impe­ dia a própria formação da Mesa Eleitoral. A apuração dos votos para deputados e senado­ res era feita por uma junta composta pelo juiz de direito (havendo mais de um, pelo mais antigo), pelo promotor público e pelo presidente da Câmara Muni­ cipal. A Junta só somava os votos, afixava os resul­ tados e enviava a lista dos mais votados e do respec­ tivo número de votos para a sede da Comarca (Lei 956 de 26/09/1905) — Regulamentada por Decreto — 1411 de 10/10/1906). O reconhecimento dos eleitos ficava a critério das Comissões Verificadoras de Poderes, do Legisla­ tivo Estadual e do Congresso Federal. Embora o procedimento eleitoral tenha sofrido alterações no decorrer da República Velha, as elei­ ções a “bico de pena’’ continuaram a ser empre­ gadas. O policiamento municipal, além de insuficiente para manter a ordem por ocasião das eleições, era controlado pelos coronéis. O cargo de delegado de polícia, até 1906, era exercido voluntariamente e sem

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remuneração, logicamente por pessoa de confiança do Coronel. A partir daquela data, a indicação era do âmbito do governo estadual e exigia-se o título de bacharel em direito para o cargo. A leitura dos “Relatórios dos Secretários de Jus­ tiça e dos Chefes de Polícia do Estado de São Paulo, entre 1892 e 1929“, revela: “Uma constante nos Re: latórios analisados foram as evidências de tensões político-sociais, coincidentes com a realização de pleitos municipais, em localidades do interior do Es­ tado. A incidência de assaltos às secções eleitorais, de destruição de urnas e livros de registro, de aten­ tados a autoridades locais e de rixas entre situacio­ nistas e oposicionistas determinou freqüente inter­ venção por parte de destacamentos policiais da Capi­ tal e a designação de delegados auxiliares para pro­ moverem o restabelecimento da ordem. Ao se avizinharem as eleições, a partir de 1903, Chefes de Polícia e Secretários passaram a recomen­ dar (...) que se mantivesse aquartelada a força poli­ cial, no dia da eleição. Esta só poderia sair após o término dos trabalhos e apenas deveria intervir se fosse requisitada pela mesa (...). Tal medida visava garantir ao povo ‘a liberdade de voto e assegurar a verdade eleitoral’, segundo observa o Secretário da Justiça, em 1907. Pode-se conjecturar que uma força policial aquartelada possibilitasse a setores políticopartidários divergentes campo livre para a agitação“ (Zita de Paula Rosa). As numerosas denúncias de fraudes não tinham maiores conseqüências, após o período eleitoral. So­

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mente nos anos vinte as classes médias urbanas e o tenentismo adotaram como reivindicações o voto secreto e, naturalmente, a garantia de eleições livres. Discute-se muito a natureza da violência e da barganha no domínio do Coronel. Querem alguns pesquisadores circunscrever às regiões de monocultoras tradicionais decadentes, e às áreas de pasto­ reio, as formas de coerção violentas, acreditando que nas “áreas mais progressistas” do sul do país a bar­ ganha substituiría na exigência da disciplina polí­ tica. Esta teoria não é facilmente comprovável. A dominação oligárquica sempre foi violenta, podendo assumir tanto as formas mais sutis de coerção, quan­ to procedimentos da maior crueldade, variáveis de acordo com o lugar e a ocasião. De forma genérica, pode-se aceitar que nos Es- > tados mais prósperos equilibram-se os interesses in­ dividuais e coletivos pela preponderância do Partido sobre as famílias oligárquicas, ao contrário do que sucede nos estados mais pobres, onde o poder local é soberano (Edgard Carone, A Primeira República). Isto é tanto mais válido, quanto mais próximo se está dos fins da Primeira República. Todavia, houve casos em que pesaram tanto as exigências de salvaguardar a imagem do partido, quanto a incolumidade do prestígio familiar. O trabalho de Rodolpho Telarolli corrobora a não aceitação rígida de uma geografia regional dos tipos de violência. Em seu livro Poder Local na República Velha, o autor estuda um episódio de violência coronelística na próspera cidade de Arara-

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quara, situada na rota da expansão cafeeira pelo centro-oeste do Estado de São Paulo. Em 1897, o município dividia-se em duas facções políticas, que mantinham acirradas disputas sob qualquer pretex­ to, chegando a situação a explodir quando foram perpetrados crimes de grande repercussão. Rosendo de Souza Brito, jovem sergipano, assassinou o Co­ ronel Antonio Joaquim de Carvalho, presidente do diretório local do Partido Republicano. O assassino e seu tio foram presos, e logo a seguir linchados com requintes de crueldade. Este fato valeu à cidade o apelido de “Linchaquara”, tornando-se até objeto de trovas de violeiros de Mato Grosso: ‘‘Veja o povo de Araraquara Eta povo marvado Lincharo tio e sobrinho Quando um só era curpado.” Como esclarece Telarolli, o acontecimento nada tem de excepcional no contexto da política coronelística, mas seu “significado transcendeu, como se verâ, o meramente policial”. No processo instaurado pela invasão da cadeia e linchamento dos presos, foi acusado, entre outros, o Dr. Teodoro Dias de Car­ valho Júnior, ex-Chefe de Polícia e secretário da Agricultura do governo de Bernardino de Campos. O fato do processo ter chegado a júri, sem ser inter­ rompido no inquérito policial, como era comum acontecer, prendia-se à conjuntura do governo de Campos Salles no Estado de São Paulo. A imprensa

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oposicionista explorou fartamente a “selvagem oli­ garquia”, obrigando o governo a tomar atitudes para satisfazer a opinião pública. Para o PRP não era conveniente interferir na livre administração da Jus­ tiça, quando Campos Salles negociava sua candida­ tura à Presidência do país. No pacto de compro­ missos o poder local sujeitou-se ao mais forte: o poder estadual. Os implicados foram às barras do tribunal; aí sim, os compromissos não se romperam. Compareceram proceres do PRP, houve profusão de testemunhos enaltecedores das elevadas qualidades dos réus, substituição do juiz e do promotor, obs­ trução do trabalho dos advogados da família das vítimas, irregularidades na escolha do corpo de jura­ dos, arruaças, intimidação e desaparecimento de testemunhas, etc. Todos os réus foram absolvidos. “Até 1907 o Dr. Teodoro permaneceu ativo na polí­ tica de Araraquara.” Interpretando todos estes fatos o autor adota inteiramente as posições de Victor Nunes Leal, que define o “coronelismo como um sistema político dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortale­ cido”. A submissão da polícia local ao grupo político dominante, a participação de inúmeros familiares e dependentes do chefe político neste episódio, suge­ rem que se indague sobre a natureza dos compro­ missos sociais do coronelismo. Um dos pontos interessantes de serem notados é o reconhecimento tácito que a comunidade tem da

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos autoridade do Coronel. Abandonada pelos poderes públicos no que se refere à saúde, à justiça e à ins­ trução, pois o município não tinha condições de atendê-la, via o Coronel como protetor natural. As instituições públicas e administrativas, em seu caráter impessoal, estavam longe de ser com­ preendidas pelo homem do campo. Os poderes da República eram personificados no presidente, no go­ vernador, nos deputados. Assumia o coronelismo uma conotação de “direito natural” do mais forte e do mais rico. Ser rico entre os pobres, não era ser rico no sentido absoluto. Dependendo dos recursos eco­ nômicos da região, o Coronel podia ser apenas um pequeno fazendeiro, ou um latifundiário cuja sólida fortuna provinha de atividades bancárias ou mercan­ tes. Solidamente enraizada na proteção e na leal­ dade, a sociedade rural repousava na troca de favo­ res, de homem para homem. O Coronel oferecia pro­ teção e exigia irrestrita adesão. Em algumas locali­ dades isoladas, o chefe comportava-se como um pe­ queno senhor feudal, chegando alguns a ter força armada própria e até a cunhar moedas. As relações de compadrio tão difundidas no coronelismo “suavizam as distâncias sociais e econô­ micas entre o chefe e o chefiado”. “O compadre recebe e transmite homenagens, de igual para igual, comprometido a velar pelos afilhados, obrigados es­ tes a respeitar os padrinhos” (Raymundo Faoro, Os Donos do Poder). O cumprimento habitual que a “gente do Coronel” lhe dispensa é uma expressão já

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usada na sociedade escravocrata: ‘"Bênção, padri­ nho”, acompanhada quase sempre pela resposta: “Deus te abençoe, meu filho” (ou, meu cabra, meu homem, meu negro). De um lado reconhece-se a au­ toridade paterna, e, por outro lado, o direito sobre o outro, pelo uso do possessivo meu. Os funcionários da administração estadual, muitas vezes indicados pelo próprio Coronel, isola­ dos da capital, por grandes distâncias, viam-se su­ jeitos às injunções da política local. O Coronel lhes garantia condições de permanência no cargo e até facilidades no cotidiano da vida privada. O problema de moradias de aluguel foi sempre agudo nos pe­ quenos centros. Eram as propriedades dos chefes políticos que abrigavam juizes, delegados ou profes­ soras e muitas vezes abasteciam suas despensas. De natureza diversa era a ligação com o funcio­ nalismo municipal. Todos deviam seus cargos ao chefe, haviam sido indicados ou eleitos por ele; pre­ feitos, vereadores, soldados, contínuos, escriturários, etc. Sobre toda pequena sociedade desce seu véu “protetor”; o chefe da estação, o telegrafista, o ta­ belião, o pároco, o farmacêutico, o comerciante, o médico, o advogado sofrem, direta ou indiretamente, o jugo de seu prestígio. Na área rural exercia sua prepotência mais di­ reta sobre seus moradores, “sua gente”, habitantes de suas terras (quando o Coronel era fazendeiro). Os sitiantes, tradicionalmente homens livres,* pequenos proprietários, que compunham a maior parte do elei-

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos torado rural, geralmente estavam ligados ao Coronel por relações de compadrio, por necessitarem de sua influencia para conseguir financiamento das safras. Comumento o Coronel era procurado para re­ solver questões referentes a limites de propriedades, a heranças, a pagamentos atrasados, à venda de ani­ mais, a casamentos complicados, à educação de crianças, e tantas outras que lhe aparecessem. Iam-se acumulando, destarte, o número de de­ vedores dos seus bons oficios, por ser ele o interme­ diario privilegiado na distribuição da produção local. Convém salientar que em todas as manifestações do poder coronelístico estava subjacente a violencia que presidia essa sociedade, mesmo que aparentemente se revestisse de uma feição benemerente e cordial. A não ser em época de eleições, o Coronel, na maior parte das vezes, não necessita despender capital para atender aos solicitantes. Soluciona dissídios forçando o “acordo” entre as partes, o seu prestigio é o aval da “sentença”. A garantia é dada, segundo o dito popu­ lar, “pelo fio de sua barba”, isto é, a palavra do Coronel substitui o contrato escrito. Estabeleceu-se, assim, uma interminável teia de compromissos que pode ter como pólos extremos um vaqueiro e um governador de Estado. O caso de “Pinheirinho” é elucidativo dessa cadeia de ligações: vaqueiro, acusado de homicídio, pediu proteção a “Ioiô Pequeno da Várzea Nova” (personagem central e título do livro de Mário Leónidas Casanova); este, concedendo-lhe abrigo, procura logo seu amigo dele­ gado. Expôs a questão, recebendo como resposta:

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Maria de Lourdes “Não se tema, que eu não mando prender o seu rapaz...” Algum tempo mais tarde, Ioiô Pequeno tornou-se delegado e o juiz municipal, seu inimigo, denunciou o acontecido ao Chefe de Polícia do Es­ tado. O fazendeiro demitiu-se imediatamente do car­ go, mas foi chamado à capital, Aracaju, para explicar-se. Em amigável entrevista com o governador declarou-se contra o adágio popular “a justiça boa é aquela que começa em casa”. Desembargadores que estavam presentes riram de sua opinião, lembrando que também seu pai, que havia sido Chefe de Polícia do Estado, dizia a mesma coisa. O governador então declara: “O senhor não vai ser demitido. A sua his­ tória está certa! 1 (...) Quero que o recomendado de Seu Agesilao (nome de Ioiô) seja absolvido”. Mu­ dando o rumo da conversa, solicitou ao fazendeiro sementes de cedro, pois desejava construir um horto em Aracaju, recomendando-lhe: “Conhece Sancho Moura, de Paracatuba, nosso deputado estadual?... Entregue a ele, que ele se encarrega de trazer”. Resultam dessas transações, em todos os esca­ lões, favores e obrigações que implicam no favori­ tismo, na cobrança da lealdade, na impossibilidade do rompimento de vínculos e na violência como alter­ nativa da desobediência. A lei do Coronel imperava tanto na roça quanto na cidade, ele possuía uma polícia própria, denomi­ nados seus membros, segundo a região, de capangas, jagunços, “gente do Coronel”, camaradas ou ca­ bras... Aos renitentes às ordens e aos desejos do mandatário aplicavam-se penas diversas como: a ex­

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos pulsão das terras da fazenda, destruição de bens, espancamento e até a morte. Diversos critérios de “persuasão” eram empregados. Usava-se punir para servir de exemplo um agregado, um dependente, um capataz, ameaçando assim aos demais. Na cidade, igualmente, jornais eram empastelados, armazéns queimados, estoques comerciais destruídos. Empre­ gava-se como principal arma a desmoralização pes­ soal, a calúnia, o corte de crédito, até a agressão e expulsão. Sob o ponto de vista psicológico a violência manifesta-se da forma mais crua e brutal possível nas regiões mais pobres e longínquas. O homem comum não tinha saídas, nem opção por novos caminhos, mesmo a fuga representava, quando possível, ligar-se a outro Coronel. As únicas saídas possíveis foram, por muito tempo, o misticismo e o cangaço, ambas vistas, pelos críticos, como formas primitivas de pro­ testo social. Tal soma de poderes arbitrários pode levar a pensar, indevidamente, que o Coronel não tinha a quem prestar contas de seus atos, podendo, por­ tanto, entregar-se àinércia. Nada mais falso. A cada privilégio que desfrutava correspondia uma série de obrigações que devia cumprir e delas prestar contas aos seus dependentes, aos demais proprietários e aos outros coronéis. O seu prestígio era constantemente posto à prova frente à sua clien­ tela, que podia se deslocar para a área de controle de seu adversário. O Coronel devia constantemente se esforçar

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para não diminuir sua capacidade em arranjar em­ pregos, e atender a reivindicações. Representante do poder público, suas ligações na esfera do poder es­ tadual deviam estar sempre no auge das possibili­ dades de conseguir os melhoramentos que o muni­ cípio exigia. O pequeno chefe precisava obedecer aos grandes oligarcas, como condição básica da manu­ tenção de sua força local. O governo estadual jogava constantemente com os coronéis de menor importân­ cia, retirando-lhes o apoio de acordo com suas con­ veniências e transferindo-o aos seus rivais. Em re­ giões mais amplas, em que vários coronéis compar­ tilhavam o poder, faziam-se e desfaziam-se alianças com freqüência, provocando verdadeiras guerras pri­ vadas: “Toda a história da Primeira República é for­ mada por lutas desse tipo, muito mais pela opressão dos coronéis a seus inferiores. Os oprimidos eram principalmente os inferiores do Coronel contrário...” (Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Coronelismo numa Interpretação Sociológica). Relações políticas conflituosas marcavam a vida da localidade. Divididos por um sistema maniqueísta, os chefes eram da “situação” ou da “oposição”, do bem ou do mal. Para os da situação pão e para a oposição pedra. A “situação” dominava todos os cargos públicos e a “oposição” amargava esperando sua desforra. Não eram muito diferentes os procedimentos políticos nas esferas estadual e federal. O Partido Republicano era o único no país, apesar de terem surgido, por ocasião de dissidências, partidos ocasio-

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos nais natimortos. O PR não tinha um ideario defi­ nido, identificando-se menos pelos principios, do que pelas figuras exponenciais de seus chefes estaduais. As candidaturas de oposição, que surgiam no seio do próprio partido, determinavam os grupos da situação e da oposição oligárquica do momento. Com a faci­ lidade com que surgiam, as dissidências eram absor­ vidas por uma nova composição de forças internas do partido. Reinavam, sob as fórmulas institucionais de poder, as brigas entre poderosas famílias e sua numerosa parentela. O continuismo no poder de membros de determinadas famílias, apesar das sensí­ veis transformações após 1930, representavam a soli­ dez e a permanência da influência do grupo familiar, na história contemporânea do Brasil. O estudo dos grupos de parentela realizados por Maria Isaura Pereira de Queiroz esclarecem muitos dos aspectos das relações sociais do sistema coronelista. Os coronéis de maior expressão eram comumente os chefes de numerosa parentela, unida entre si tanto pela ascendência ou descendência (legal ou bastarda) quanto por compadrio ou casamentos. Nem sempre a parentela possui o mesmo sobre­ nome, mesmo que tenha ligações consangüíneas. Desde os tempos coloniais os vínculos de paren­ tesco se estabeleceram no Brasil por linha materna ou paterna. As famílias nucleares que constituíam a parentela habitavam residências isoladas, mas mes­ mo separadas por grandes distâncias mantinham vínculos de obrigações mútuas. A estrutura interna da parentela poderia variar desde o igualitarismo,

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entre as diversas familias, até diversos tipos de estratificação, de acordo com as condições econômicas da região. “Nas parentelas estratificadas, a solidarie­ dade vertical é tão forte quanto a horizontal, e une indivíduos de níveis sócio-econômicos muito diver­ sos, (...) é mais fácil surgirem conflitos rachando de alto a baixo a parentela em dois grupos adversários, do que entre camadas no interior da mesma.” Em geral esses conflitos manifestavam-se no âmbito da política local, surgindo grupos rivais que pretendiam manobrar as eleições a seu favor, “parecendo que tais grupos eram tanto mais profundamente inimigos quanto maior fora a união anterior”. Uma parentela podería ser chefiada por vários coronéis, o que tornava sua fragmentação muito mais fácil, ficando cada Coronel com uma parte da antiga parentela com a qual formava no tronco de ligações. Os membros de uma parentela socorriam-se mutuamente em suas necessidades econômicas e se beneficiavam, mesmo que indiretamente, com o enri­ quecimento das camadas superiores. Embora os rompimentos fossem usuais, paradoxalmente, ser­ viam para cimentar a solidariedade no interior das novas e antigas parentelas (O Coronelismo numa Interpretação Sociológica). A solidariedade política sedimentava-se na soli­ dariedade familiar; o Coronel preferia repartir equi­ tativamente os cargos públicos e os votos entre candi­ datos pertencentes à sua parentela, pois estaria asse­ gurando, assim, a estabilidade de sua permanência na chefia política.

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Não estavam muito distantes os senhores do go­ verno estadual, do Coronel do interior. A confusão entre a coisa pública e a particular eram inerentes ao patrimonialismo da Primeira República. Bom exem­ plo da extensão do controle oligárquico da família Acioli no Ceará, é o quadro de distribuição de cargos e funções que se segue: — Presidente do Estado — Nogueira Acioli — Secretário do Interior — José Acioli — Diretor de Secção — Lindolfo Pinto, sobrinho do presidente — Deputados Estaduais — Benjamin Acioli, Rai­ mundo Borges e Jorge de Souza (genros do pre­ sidente), Jovino Pinto, José Pinto, Pinto Brandão, Padre Vicente Pinto (primos do presidente), Antonio Gadelha (cunhado de um filho de Acioli) — Academia de Direito — — Diretor — Nogueira Acioli — Vice-Diretor — Tomaz Pompeu (cunhado de Acioli) — Lente de Direito Internacional — Tomaz Acioli — Lente de Direito Civil — Antonio Acioli — Lente de Economia Política — Tomaz Pom­ peu (cunhando de Acioli) — Lente de Medicina Legal — Jorge de Souza (genro de Acioli) — Liceu —Professores — Tomaz Acioli, Benjamin Acioli, Jorge de Souza (genro de Acioli)

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Maria de Lourdes Monaco Janotti — Escola Normal — Tomaz Acioli, José Acioli, e mais sobrinho, sobrinha e irmão do presidente — Intendencia Municipal — — Secretário — Antonio Gardelha (cunhado de um filho de Acioli) — Cámara Municipal — — Secretário — Jovino Pinto (sobrinho de Acioli) — Procurador Fiscal — Antonio Acioli — Batalhão do Exército — — Comandante — Capitão Raimundo Borges (genro de Acioli) — Senadores Federais — Tomás Acioli e Francisco Sá (filho e genro de Acioli) — Deputados Federais — João Lopes (primo de Acioli), Gonçalo Souto (tio de urna ñora de Acio­ li)

E mais Aciolis em cargos das seguintes repar­ tições: Higiene Pública, Correios, Inspeção Veteri­ nária, Escola de Aprendizes de Artífices, etc., etc.,... “E quem afirmar que no Ceará há uma oligar­ quia, é porque é muito maldizente” (Martim Soares, O Babaquara, citado por Edgard Carone, A Pri­ meira República. Texto eContexto).

JANUS RURAL: COMPROMISSOS COM O PASSADO E COM O FUTURO

O típico chefe político do passado era o fazen­ deiro. O Coronel bonachão ou com fama de valente era obedecido sem nenhuma contestação. Suas fa­ zendas possuíam poucas condições de conforto, cer­ cando-se de algumas raras inovações tecnológicas, como o rádio, o ventilador, o jipe. A mecanização, na fazenda, era quase inexistente. Entre o Coronel e sua gente estabeleciam-se ligações paternalistas e patro­ nais. A vida cotidiana desses coronéis se assemelhava muito à vida de qualquer fazendeiro da região. O Coronel Baptista Gomes tinha recebido a pa­ tente da Guarda Nacional por D. Pedro: “tinha far­ da, tinha espada, tinha boné — dois bonés! —, tinha chapéu da Guarda Nacional, arreios de animais, etc.; abrida, o cabeção e as esporas eram de prata, e

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a estribeira de latão (...)”. Nasceu na beira do Rio São Francisco, no brejo da Punça, onde seu pai era proprietário. Através de casamento, herança e novas aquisições vai formando a Fazenda Várzea Nova. Lá, todas as noites, Ioiô, como era conhecido o Coronel Baptista Gomes, reunia toda a sua gente para rezar o terço. “Calculo umas trinta ou mais, porque só den­ tro da casa moravam umas quarenta e tantas. (...) Quem era vaqueiro saía para o campo de madrugada e não ia para o terço, mas os outros todos iam. Es­ cravo, escrava, vaqueiro, trabalhador, menino, negrinho, etc., todos ajoelhados no chão, até os netos acadêmicos.” Ioiô começava: “— Agora, lábio meu dizei, anunciai dos gran­ des louvores da Virgem, mãe de Deus...” Os outros iam respondendo. Ioiô puxava o terço e permeava as preces com observações referentes ao andamento dos trabalhos na fazenda. “— Padre Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome... O Maurício! Aquele homem que veio oferecer uma vaca, tu sabe quanto foi que ele pediu? “— Nhor Sim! Ele pediu trinta mil réis pela vaca.” Dindinha, mulher de Ioiô, dava um sinal para a reza continuar. Ao término desta todo mundo to­ mava a bênção dele, do morador ao escravo, do negrinho ao neto. Quando o dia acabava, Ioiô ia ler o jornal à luz da lamparina. (Mario Leônidas Casanova, Ioiô Pequeno da Várzea Nova).

u uoronetismo: uma Política de Compromissos à medida que se desenvolviam as funções ur­ banas do município, sua importância econômica, e, conseqüentemente, eleitoral, também crescia. O po­ der coronelístico passava, então, a ser exercido por pessoas que não detinham, necessariamente, a posse da terra. Embora muitos autores observem que os antigos chefes políticos perderam seu prestígio para advo­ gados, jornalistas, médicos, delegados e prefeitos, as pesquisas históricas revelam que não houve uma sim­ ples substituição de dirigentes, antes define-se uma nova composição de forças, entremeada de novas si­ tuações econômicas. Os profissionais liberais, em geral, faziam parte da parentela ou da clientela do Coronel. Falando com desenvoltura, conhecendo os trâmites legais, quase sempre bem informados, traziam eles o Coro­ nel para o presente e dele necessitavam, pois os votos lhes advinham dos compromissos passados. Exer­ ciam, pois, sua autoridade, escorados pelos antigos donos da situação e só se rebelavam quando velhos compromissos, entravando acordos políticos, afeta­ vam novos interesses econômicos. Quando aparecia, na região, um político que nela não possuía raízes familiares, para obter êxito e prestígio tinha ele que granjear para suas fileiras o grupo de oposição e representar os interesses de no­ vos grupos econômicos. No romance de Jorge Ama­ do, Gabriela, Cravo e Canela, a ação principal enfa­ tiza as rivalidades entre o Coronel Ramiro Bastos e o exportador de cacau, Mundinho Falcão, um arrivista

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Maria de Lourdes Monaco Janotti em Ilhéus. Na verdade, a luta que se travou entre ambos era a luta dos velhos plantadores contra a supremacia dos exportadores. Em nome do pro­ gresso, da modernização, da não violencia, rapida­ mente Mundinho galvanizava a sociedade local. Ti­ nha a seu serviço a imprensa de oposição e os grupos rivais do Coronel Ramiro. Os eleitores citadinos mos­ travam^ sua nítida preferencia pela candidatura do exportador a deputado federal. Criavam-se, assim, condições para uma luta renhida entre as facções, apresentando sérios empecilhos para os plantadores: “— Fazer eleição aqui, a bico de pena, já tá meio difícil, constatava o Coronel Melk Tavares.” Enquanto a pretensão de Mundinho se ativesse a um cargo federal, a situação não estava de todo perdida, pois aos plantadores interessavam mais os postos de Intendencia Municipal e das Câmaras de Vereança. Conseguindo superar todos os obstáculos, com a morte de Ramiro Bastos, Mundinho torna-se o maior chefe político de Ilhéus. Os interesses dos exporta­ dores venceram em toda a linha. O declínio dos velhos coronéis do cacau retrata­ se, perfeitamente, no diálogo entre o Coronel Amâncio Leal e o exportador Mundinho: 44— Seu Mundinho, todo esse tempo combatí o senhor. Fui eu quem mandou tocar fogo nos jornais. Fui eu também quem mandou atirar em Aristóteles. Estava preparado para virar Ilhéus do avesso. Os jagunços estavam de atalaia, prontos para obedecer. Os meus e os de outros amigos, para acabar com a

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eleição. Agora tudo acabou. Fiquei contra o senhor, porque para mim o compadre (Ramiro Bastos) era mais que um irmão, era como se fosse meu pai. (...) Depois o compadre morreu. Fui para a roça, comecei a pensar. Quem vai ficar no lugar do compadre? (...) Fiquei matutando e só vi em Ilhéus um homem para substituir o compadre. Esse homem é o senhor.” Mundinho respondeu-lhe: “— Coronel, eu lhe agradeço. Eu admirava Co­ ronel Ramiro. Mas não concordávamos a respeito do futuro de Ilhéus. Nós também estávamos com os nossos jagunços preparados. (...) Agora tudo isso acabou para mim também. Coronel, esse pilantra de Víctor Mello não será deputado por Ilhéus. Mas, tirando ele, pode ser qualquer um, quem o senhor quiser. Diga um nome e retiro o meu, boto o que o senhor indicar e o recomendo a meus amigos. O se­ nhor mesmo? O senhor, eu o vejo melhor na cadeira, que foi do Coronel Ramiro, no Senado da Bahia.” Amâncio, recusando as propostas de Mundi­ nho, preferia retirar-se da política, não sem antes deixar um caminho aberto: “Política lá em casa, só depois que meu filho formar...” Esta mudança de dirigentes locais não repre­ sentou nenhuma alteração profunda no comporta­ mento da população para com o novo chefe. A Mun­ dinho também passaram a tomar-lhe a bênção. No Estado de São Paulo, onde o café fizera brotar a elite política republicana, a autoridade coronelística foi exercida normalmente pelos troncos fa­ miliares mais importantes.

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Os grandes proprietários preferiam residir na Capital, onde estavam mais próximos da atividade bancária e exportadora. Foram considerados, du­ rante muito tempo, senhores da República, e as cisões do PRP, em regra, eram absorvidas por nova composição de forças na direção do partido. É dos mais interessantes o caso do Coronel Zacharias Nicolau, imigrante libanês que chefiava a política de Cássia dos Coqueiros. Nas regiões de imigração sem­ pre houve profundos ressentimentos entre os “orgu­ lhosos senhores brasileiros’’ e os imigrantes, o que torna casos como estes dignos de pesquisas apro­ fundadas. Zacharias Nicolau, cujo verdadeiro nome era Al Dehy, chegou ao Brasil por volta de 1910 com 16 anos de idade, na cidade de Mocóca. Começou como mascate, até se estabelecer com um grande armazém na vila Cássia dos Coqueiros, do Município de Cajuru. Tornou-se benquisto no local, travando sólidas amizades entre os pequenos fazendeiros. Adiantava mercadorias aos colonos, facilitando-lhes as compras por intermédio de vales. Em 1920, já possuía três fazendas na região. Suas atividades se diversificaram; passou a comprar e vender café, logo dedicando-se à exportação. Serrinha, que era a sua maior propriedade, em 1926 tinha 30000 pés de café, cereais e gado. Em política, sempre foi contra o PRP, que dominava Cajuru, na pessoa do Coronel Palma. Na década de 20, as oposições ao Partido Repu­ blicano já estavam em franco desenvolvimento nos

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diversos estados. O Coronel Zacharias pertencia ao “Partido Constitucionalista”, que congregava a opo­ sição local do PRP no período de 1926 a 1929. Lutou ao lado dos paulistas em 1932, para logo a seguir ser instado a apoiar Getúlio Vargas (Depoimento de Salma Nicolau). O poder do Coronel Zacharias correspondeu às várias mudanças que já se processavam no País e em São Paulo: a ascensão econômica de alguns imigran­ tes, o fastígio do café, o fortalecimento da oposição partidária e a formação da classe média. Embora a origem de sua fortuna fosse o co­ mércio e a exportação, o Coronel Zacharias, ao ad­ quirir fazendas, legitimou o seu poder junto à socie­ dade rural. Não há dúvidas quanto ao fato de que houve co­ ronéis que chegaram a esta posição sem serem fazen­ deiros. Por outro lado, a maioria acabou por se tor­ nar proprietário de terra. Se o poder coronelístico afirma-se na relação direta da fraqueza do poder municipal, suas bases agrárias são quase imprescin­ díveis. Religiosos também chegavam a coronéis. O mais célebre de todos foi o Padre Cícero Romão Baptista, hoje venerado como santo, em todo o nordeste. De personalidade carismática, adquiriu logo reputação de milagreiro. Romarias se sucediam em Juazeiro, beatas, penitentes, jagunços, cangaceiros buscavam sua proteção. Estreitamente ligado à oligarquia Acioli, e ao médico deputado federal Coronel Floro Bartolomeu

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da Costa, exerceu considerável influencia no sertão do Ceará, onde também era fazendeiro. Na época das "‘salvações” hermistas, os coronéis do Cariri enfrentavam o govemo do estado com um verdadeiro exército sertanejo, chegando a ameaçar a capital, Fortaleza. Esta luta nasceu de divergências em âmbito federal entre o General Pinheiro Macha­ do e alguns grupos hermistas. Pinheiro Machado havia conseguido, com hábeis alianças no norte e nordeste, eleger para a presidência o Marechal Her­ mes da Fonseca, vitoriando-se sobre os estados de Minas e São Paulo. A palavra do momento era o “salvacionismo”; salvar o Brasil do atraso e das oli­ garquias. Nos estados há uma reviravolta nos qua­ dros dirigentes, e, momentaneamente, antigas oli­ garquias se viram no ostracismo e diversos estados sob intervenção federal. No ímpeto das “salvações”, parecia que os militares hermistas queriam afastar também Pinheiro Machado das decisões centrais e diminuir sua força política. Atingiram-no em suas bases tradicionais, isto é, em seus acordos com deter­ minados grupos oligárquicos. Os hermistas depuse­ ram o Dr. Antonio Nogueira Acioli da presidência do Ceará, pretendendo com isso desfechar duplo golpe no General Gaúcho: retirar-lhe as bases políticas nordestinas e cortar suas aspirações à sucessão de Hermes da Fonseca. Surgiram dois candidatos, ambos do exército: o Coronel Franco Rabelo, apoiado pelos antiaciolistas, e o Coronel Bezerill Fontenelle, apoiado por Pinheiro Machado. Não foi possível a realização de eleições

O Coronelismo: Uma Política de Compromissos em clima regular. Violências de ambas as partes. A minoria consegue “empossar” Franco Rabelo. Instaurava-se,a Guerra do Cariri. A Assembléia Legislativa se transfere para Jua­ zeiro, “depõe” Franco Rabelo e entrega a presidên­ cia do estado ao Coronel Floro Bartolomeu, com total apoio do Padre Cícero. Fanáticos, jagunços, beatos e cangaceiros inves­ tem contra Fortaleza. O governo federal impede a luta no estado enviando como interventor o Coronel Setembrino de Carvalho, neutro na situação. Floro Bartolomeu retira suas tropas e Pinheiro Machado vai retomando o antigo prestígio, e com ele a oligarquia Acioli novamente vai se firmando. O Cariri sempre foi palco de sangrentas lutas entre coronéis. O governo ora apoiava um grupo, ora outro, aplicando a política de “dividir para reinar”. Ameaçados nos primeiros momentos do “salvacionismo”, os coronéis do sertão do Ceará, sob co­ mando do Padre Cícero e do Coronel Floro Bartolo­ meu, estabelecem um original pacto de paz, subme­ tendo-se ao oligarca Antonio Pinto Nogueira Acioli. Este documento intitulado “Ata da sessão polí­ tica realizada na Vila de Juazeiro do Padre Cícero”, de 4 de outubro de 1911, é original em seus termos e disposições. Compareceram 17 chefes políticos e tornaram explícitos os limites das áreas de seu domínio. Entre eles havia “coronéis”, “majores”, padres, juizes de direito e delegados. O Padre Cícero, tomando a presidência, falou

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cm nome do "egregio chefe político, excelentíssimo senhor Doutor Antonio Pinto Nogueira Acioli, que sentia dalma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal.se estabelecesse definitivamente uma solidariedade polí­ tica entre todos..." O grupo concordou com nove "artigos" que se­ riam cumpridos por todos, para manter o pacto. Em síntese, dispunham sobre o respeito aos privilégios conseguidos; o uii possidetis da população sertaneja. Alguns artigos sào bem incisivos: §2? — Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese. §3? — Havendo cm qualquer dos municípios reações, ou, mesmo, tentativas contra o chefe ofi­ cialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros muni­ cípios in teñirá nem consentirá que os seus municí­ pios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação. — Em casos tais só poderá intervir por ordem do governo para manter o chefe e nunca para depor. Sói1 — (...) quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvirse-á o governo, cuja ordem e decisão será respeitada e estritamente obedecida. §7? — Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a canga­ ceiros, não podendo protegê-los e nem concernir que

Marta de Lourdes Nfonaco Jariuttí

os seus municípios, seja sob que pretexto for. os pro­ tejam. dando-lhes guarida e apoio. §9? — Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o excelentíssimo Doutor Antonio Pinto Nogueira Acioli. (Irincu Pinheiro, O Juazeiro de Padre Cícero e a Revolução de 1^14, citado por Edgard Curone, A Primeira República). Esse pacto coronelístico foi logo rompido. O Cariri continuou a ser o principal foco dos grupos ar­ mados do sertão cearense. Esta situação de belige­ rância constante foi manipulada nas revoltas milita­ res dos anos 20. especial mente por ocasião dos movi­ mentos da coluna Prestes. Neste jogo entre passado e futuro emerge a fi­ gura de Delmiro Gouvêa, cognominado o "Coronel dos coronéis". Foge ele de qualquer definição rígida que se queira construir sobre o poder coronelístico. De espírito empreendedor, pioneiro, tanto no comér­ cio quanto na indústria, é perseguido pela oligarquia Rosa e Silva, internando-se no sertão, perto da Ca­ choeira de Paulo Afonso. Constrcii uma hidrelétrica no São Francisco e passa a fabricar linhas de coser da marca “Estrela", empreendimento este que não so­ brevive ao seu criador