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MANUAL DE SOCIOLOGIA JURÍDICA
CONFLITOS, INTEGRAÇÃO E MUDANÇAS SOCIAIS
responder às verdadeiras necessidades sociais dos países “subdesenvolvidos” e de conseguir uma mudança na sociedade através da aplicação de um “outro” direito, gerado espontaneamente no seio dos movimentos sociais e suhstituindo paulatinamente o “opressor” direito do Estado. Esta tendência é muito forte no Brasil. Existe extensa bibliografia sobre o tema e mesmo programas de ensino universitário de “direito alternativo” (Arruda Júnior, 1993, pp. 178 e ss.). Encontramos também numerosas decisões de tribunais que fazem um uso alternativo do direito, decidindo a favor da parte mais fraca, mesmo quando isto impõe uma interpretação do direito tecnicamente duvidosa. Exemplos: absolvição de um lenhador que furtou uma moto-serra para utilizá-la como instrumento de trabalho; negação do pedido de restituição de posse a proprietários de terras ocupadas por trabalhadores “sem-terra” e de prédios invadidos por pessoas “sem-teto”.’3 Em sua versão mais radical o direito alternativo apresenta-se como um sistema que se distancia deelaradamente das normas estabelecidas pelo Estado: “é o contra legem — que pode atuar, explícita ou implicitamente, em nome da justiça social” (Souto e Souto, 1997, p. 242). Reivindica-se assim a legitimidade de novos sujeitos coletivos, que surgem dos movimentos sociais e poderiam atuar na solução de conflitos, fora e além do direito do Estado. Os princípios norteadores destes novos legisladores e juizes seriam a satisfação das necessidades da população, a democracia participativa e descentralizada, o desenvolvimento de uma ética de solidariedade e o desenvolvimento de uma nova racionalidade, visando a emancipação (Wolkmer, 1993, pp. 228-229; 1997, pp. 207-254). Em poucas palavras, o verdadeiro direito alternativo é um “direito achado na rua”, um “direito comunitário”, “vivo” ou mesmo um “direito insurgente” e “rebelde”, que resulta do “poder popular” e exprime valores libertários,’4 Deparamo-nos assim com duas versões da concepção do direito como fator de mudança social. Ambas partem da tese que é possível usar o direito como propulsor do processo de mudança social, diferenciando-se no grau de intensidade desta mudança. O uso alternativo do direito tenta, de acordo com o significado dado ao mesmo na Europa, mudar o direito “por dentro”, respeitando as normas jurídicas em vigor e
tentando introduzir a mudança através da atuação dos poderes constituídos (mudança de baixa intensidade). Por sua vez, o direito alternativo, no significado latino-americano do termo, tenta elaborar um novo sistema jurídico (novos sujeitos, novas normas), que seria antagônico ao direito do Estado (mudança de alta intensidade). Um segundo elemento comum às duas versões da alternância jurídica é que se objetiva alterar (com menor ou com maior intensidade) o conteúdo da lei através da prática judicial. Isto cria uma série de problemas políticos, colocando a questão se os juízes e os doutrinadores do direito possuem a legitimação social e a capacidade prática de realizar uma mudança radical do direito. Além disto, devemos pensar que o direito alternativo não é sempre progressista. Aceitando a possibilidade de mudar o direito através da interpretação jurídica, podemos também cair em uma concepção autoritária do direito alternativo: osjuízes poderiam erguer-se em justiceiros acima dos vai ores jurídicos de sua função, vetando direitos sociais, reprimindo os desviantes e impondo interesses dos poderosos. De fato, a experiência italiana dos anos 70 e 80 demonstrou que muitos doutrinadores, juízes e promotores interpretavam as leis penais de forma extensiva ou mesmo ilegal, para combater as organizações de Esquerda acusadas de terrorismo. Um outro exemplo de “direito alternativo” conservador constitui o direito muçulmano tradicional, que em muitos países islâmicos voltou a ser aplicado pelos juízes, mesmo contra o direito estatal, após a vitória política de grupos fundamentalistas (Losano, 2000, pp. 1.053-1.054). Atualmente, também vivenciamos uma aplicação alternativa do direito no Brasil por parte de promotores ejuízes que, preocupados com os índices de criminalidade,interpretam a lei penal de forma extensiva. Exemplo: considerar que a utilização de armade brinquedo em um assalto deve ser equiparada ao emprego de arma de fogo. Esta interpretação prevale“ ceu na jurisprudência por muitos anos, tendo sido abandonada pelo Superior Tribunal de Justiça em 24.10.2001 (REsp 213 .054-SP).
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