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Portuguese Pages 494 [490] Year 2023
FRENTE A PORTUGUÊS 07 Capítulo 1 CONCEITOS GERAIS SOBRE LINGUAGEM 1 5 Capítulo 2 PATRIMÔNIO LINGUÍSTICO NACIONAL 2 1 Capítulo 3 VARIEDADES LINGUÍSTICAS DO PORTUGUÊS 39 Capítulo 4 FUNÇÕES DA LINGUAGEM 53 Capítulo 5 SEMÂNTICA
NOTA DO AUTOR Começamos agora nossa preparação para o estudo das linguagens em geral e da Língua Portuguesa, em particular. Aproveito este espaço para apresentar a você a forma como nossos estudos estarão organizados em 2022. A disciplina de Língua Portuguesa estará dividida em duas frentes (A e B). Nesta frente A, teremos como propósito ampliar a compreensão sobre o fenômeno da linguagem, e sobre como ela possibilita a criação de estruturas discursivas organizadas e com unidade lógica de sentido, chamadas textos. Você sabe que a interpretação textual é assunto recorrente em todas as provas. Em algumas bancas, ela chega a ser a essência do exame, como no caso da Unioeste, por exemplo. Em sua preparação para Medicina, você enfrentará múltiplas abordagens sobre os aspectos ligados às linguagens e, por isso, é importante que você saiba priorizar formas específicas de estudo. Não se aprende a interpretar textos sem que se leiam textos. Por isso, por mais exaustivo que possa parecer ao longo do ano, você deverá criar uma disciplina de estudos nesta frente, de forma a facilitar a leitura e a compreensão de textos nos vestibulares e no Enem. Enfrentaremos diferentes tipos e gêneros textuais, cada um com especificidades de linguagens, além de abordarmos temas recorrentes em provas como a do Enem, como a Educação Física e a Linguagem Corporal e as Tecnologias de Informação e Comunicação. A frente A aborda tudo aquilo que não entendemos como ligado à gramática tradicional. O que unifica nossos estudos, nesta abordagem, é a estrutura de textos e os elementos que constituem as línguas e as identidades, do ponto de vista linguístico. Quanto aos exercícios, recomendamos que os que constam no livro sejam resolvidos apenas no término de cada capítulo. Diferentemente do que ocorre em Matemática, as provas de Língua Portuguesa têm uma vocação para integrarem os conhecimentos acerca da língua (gramática e textos aparecem com abordagem quase sempre intrincada). Para o treinamento com testes periódicos, recomendo a você que use os SPPs como ferramenta de verificação da aprendizagem. Bons estudos! O Autor
CONCEITOS GERAIS SOBRE LINGUAGEM Introdução O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nomeia uma de suas áreas como LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS. Mas o que são linguagens? O que são códigos? De que forma os códigos e as linguagens possibilitaram o surgimento de tecnologias de informação e comunicação, capazes de gerar o desenvolvimento das sociedades e dar efetividade e celeridade ao processo comunicativo? Nosso ponto de partida é exatamente a comunicação. Ela é a essência e a razão pela qual as linguagens e os códigos surgem. A sociabilidade do ser humano exige que ele encontre meios efetivos de transmitir conhecimento, de expressar emoções, de atingir seus objetivos a partir da interação com o outro. As linguagens representam justamente esses meios. A partir do momento em que linguagens se estruturam e se convencionam como formas eficientes de comunicação, o ser humano passa a codificá-las. Alguns autores entendem que linguagens e códigos são sinônimos. Outros veem necessidade em diferenciá-los em situações específicas. Há ainda a necessidade de entendermos como se diferencia linguagem de língua, como este último conceito se especifica como forma sofisticada e complexa de linguagem. Nosso objetivo neste capítulo é iniciar nosso longo percurso no estudo das linguagens, conceituando elementos nucleares de nosso objeto de estudo. Tais conceitos não serão cobrados diretamente em provas, mas serão úteis para o entendimento de nossas futuras discussões. 1.
Capítulo 1
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Linguagem e código 2. Linguagem e língua 3. Língua e fala
LINGUAGEM E CÓDIGO
Linguagem e signo de linguagem
Na figura ao lado, a chanceler alemã Angela Merckel é representada em diversas posições que caracterizam uma linguagem corporal. O corpo e o vestuário comunicam algo.
O ser humano tem uma capacidade única e ilimitada para a linguagem. É graças à comunicação que o homem evoluiu em sociedade e foi capaz de formar sua cultura e repassá-la a seus descendentes. Nada disso seria possível, pelo menos não nas proporções vistas, sem a linguagem. O que é a linguagem, então? Pode-se definir linguagem como um conjunto organizado de signos que possibilitam a comunicação de ideias e de sentimentos. Trata-se de um conceito muito amplo, como se vê, e abrange as diversas formas da comunicação humana. Por outro lado, embora amplo, o conceito também parece ser um pouco limitado, porque é por meio dela que o ser humano dá forma àquilo que experiencia; portanto, a linguagem também carrega componentes culturais, sociais e históricos. PORTUGUÊS
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Há de fato um celular na imagem acima? Você pode vendê-lo ou usá-lo? Um signo faz presente um elemento que se deseja referir, mas que se encontra ausente.
Ao se falar em linguagem, abrange-se, por exemplo, a linguagem corporal, a linguagem falada, a escrita, a linguagem cinematográfica, a pictórica (pintura), a visual, enfim, um sem-número de sistemas com características específicas. À semiologia competirá o estudo da linguagem como fenômeno. Toda linguagem deve apresentar um conjunto de signos, que são elementos capazes de representar “algo que não está lá”. Se comparássemos a estrutura da linguagem à estrutura da matéria, o signo seria seu “átomo”, espécie de unidade fundamental, capaz de permitir a construção de tudo que se conhece no plano comunicativo. Pode-se conceituar signo como um ente físico intersubjetivo capaz de representar algo que não a si próprio. Embora o conceito pareça complexo num primeiro momento, decompô-lo e analisá-lo é tarefa simples. Por se tratar de ente físico, ele pode ser percebido na natureza, ou seja, é perceptível pelos sentidos (visão, audição...). Por ser intersubjetivo, ele situa-se entre dois sujeitos comunicativos (um que emite o signo, e outro que o recebe: são os sujeitos que vão se comunicar). Por representar algo que não a si próprio, o signo está presente para ficar no lugar de outra coisa. Por exemplo, quando se lê uma palavra, como casa, vê-se que se trata de um signo porque é capaz de representar uma ideia que não é propriamente o que ela é: em outras palavras, “casa” (o signo) não é casa (o edifício); se fosse, seria fácil construir casas para solucionar o problema da habitação – bastaria escrever “casa” tantas vezes quantas se desejasse. A palavra “casa” refere-se a uma ideia, que não é a palavra em si, e por isso é um signo. É possível, portanto, que, mesmo na ausência de uma casa no mundo real, ela se faça presente pelo mero fato de os sons da palavra “casa” serem pronunciados: o som passa a substituir a coisa que representa.
Dimensões do signo A Semiologia é uma ciência que se ocupa do entendimento das linguagens. Formula, a partir daí, uma teoria geral do signo, estabelecendo o que há de comum em todos eles, e o que os diferencia. Para alguns autores, o signo deve ser interpretado em múltiplas dimensões, todas devendo ser consideradas para efeito de atribuição de significado. Conceituamos no item anterior o signo como um ente físico intersubjetivo capaz de representar algo que não a si próprio. No complexo processo de significação, os entes físicos se relacionam entre si, ou seja, os signos se combinam: surge então uma dimensão formal na construção do significado, pois formas se associam a formas. A forma “casa” pode associar-se a outra forma, “amarela”, originando um agrupamento formal: “casa amarela”. Essa relação é denominada relação sintática. Uma linguagem se faz não apenas de signos isolados, mas da união de signos diferentes: basta que se una “casa” e “amarela” para se formar uma nova ideia comunicativa, “casa amarela”. A relação do signo com outros signos é objeto de estudo da Sintaxe. O signo também se relaciona com aquilo que ele quer representar, e essa relação se denomina relação semântica. O signo “casa” relaciona-se a algum conceito, a alguma ideia existente. Essa dimensão existencial é o objeto de estudo da Semântica. O signo se liga também ao enunciador do signo, que atua sobre o signo com suas impressões e concepções, e é dirigido a um receptor, que dará ao signo uma interpretação específica. A relação do signo com os sujeitos comunicativos é objeto de estudo da Pragmática. A Pragmática avalia como o falante faz uso, nas diversas situações discursivas, das palavras e dos enunciados, indo, portanto, à investigação das intenções do falante, e não apenas do significado que as palavras que compõem o enunciado têm. A título de exemplo, imagine-se uma situação em que um sujeito qualquer se encontre numa praia, diante de um restaurante, em cuja frente está colocada uma placa com o seguinte enunciado: É proibido entrar de sunga. Evidentemente, entenderá o leitor que deve fazer uso de trajes mais apropriados ao restaurante e colocará uma calça ou uma bermuda. A mesma interpretação não se daria caso tal placa fosse colocada na entrada de uma praia de nudismo. Outro exemplo é o de uma pessoa que, dentro de uma sala, enuncia: Está quente aqui. Poderá o ouvinte entender tal frase como meramente informativa de que o falante 08
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está com calor, ou, diferentemente, entender tal enunciado como um pedido para ligar o arcondicionado ou abrir a janela, por exemplo. Como se pode perceber, a avaliação da intenção do enunciador é importante para a apreensão exata daquilo que ele deseja comunicar. DIMENSÃO DO SIGNO
CONCEITO
EXEMPLO
dimensão semântica
relação entre o signo e a ideia que ele representa
Relação entre o signo “verde” e
dimensão sintática
relação entre o signo e outros signos
“quadro verde”
relação entre o signo e os sujeitos que se comunicam
“Está quente aqui.” (a frase pode ser meramente declarativa ou indicar um pedido ao interlocutor, a depender da situação em que um diz isso ao outro)
dimensão pragmática
Linguagem de trânsito em placas de sinalização.
Códigos O código é um conceito que se aproxima muito do próprio conceito de linguagem. A palavra é oriunda do latim, codex, que significa escrito ou registro ou livro. No campo da Semiologia, é um conceito que às vezes se vê substituído por outros, como o de linguagem em si. Mas há autores que fazem essa diferenciação, entre linguagem e código, pensando o segundo como um sistema de signos organizados de modo tal que possibilita a construção e a transmissão de mensagens. A palavra pode fazer referência, por exemplo, a um conjunto de prescrições (normas) que devem ser usadas na linguagem para que se permita a transformação de ideias em fragmentos de linguagem. Quando surgiu a escrita, foi necessária a criação de um sistema que transpusesse para o campo visual aquilo que se usava no plano sonoro. Quando crianças, aprendemos a falar a partir da interação acústica com os signos: escutamos tais signos e aprendemos a atribuir significado a eles e a organizá-los de forma a construir uma mensagem eficiente: aprendemos, portanto, um código sonoro. Mais tarde, na alfabetização, passamos a representar esses sons e suas combinações para que também os enxerguemos: ou seja, transpomos os sons para o campo da visão, e passamos a escrever (aprendemos, portanto, a codificar visualmente as palavras e seus sons). Provavelmente, dada sua origem, a palavra código fazia referência a essa possibilidade de transpor ideias que antes eram faladas e ouvidas para um sistema escrito. Hoje, confunde-se com a própria ideia da linguagem, servimo-nos mais ao propósito de compreender para que a linguagem serve (para que o emissor possa codificar o pensamento e para que o receptor possa decodificar a mensagem recebida, a partir das mesmas regras) do que como um conceito que deva ser memorizado.
Linguagem fotográfica: a sensibilização química do filme pela luz permite o registro visual do momento.
Impressão, nascer do sol, de Claude Monet. Linguagem pictórica: a combinação de técnica e materiais permite o registro da imagem em diferentes estéticas.
Tipos de signos Segundo a teoria de Charles Sanders Peirce, os signos podem ser agrupados em três tipos básicos: os símbolos, os ícones e os índices. Essa não é a única categorização possível dos signos, mas é uma das mais difundidas, além de já ter aparecido no Enem. A classificação leva em conta a relação entre o signo e o objeto tratado por ele. Símbolos seriam signos que não lembram em nada a ideia que buscam representar: simplesmente se aprendeu a associar uma ideia àquele signo: é o caso das palavras. Ninguém supõe que a palavra sol seja, de fato, um sol. De fato, em nada lembra tal palavra a ideia que busca representar. Por isso é um símbolo. Os símbolos guardam uma relação convencional com aquilo que representam. Por isso, o mesmo objeto pode ser chamado de formas muito diferentes em códigos distintos: cachorro, dog, Hund, perro, cane. PORTUGUÊS
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SÍMBOLO Observe os exemplos de signos ao lado. Em nenhum dos casos (tanto na palavra quanto na fotografia), você está vendo um cachorro de verdade. Esta página não late, não morde, não abana o rabo. Mas tanto a palavra quanto a fotografia são capazes de representar um cão. O símbolo faz isso de forma aleatória, convencionada: chamamos “cachorro” como poderíamos chamar “dog”. Já o ícone não: ele só representa por se assemelhar (nas formas visuais) os contornos de um cão.
ÍCONE
cachorro
Ícones são imagens, capazes de representar algo ausente por uma relação de semelhança que guarda com o ser representado. Quando se vê uma foto de alguém, é evidente que a foto, pela imagem, comunica algo; entretanto, não se pode dizer que uma pessoa está, de fato, numa foto, do contrário seria possível trazer pessoas mortas à vida pelo simples olhar de uma foto. Por mais poético que poderia soar, não é o que acontece realmente. A estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro é outro exemplo: não é o Cristo, o próprio, quem está lá no Corcovado, de braços abertos. Entretanto, o ícone o faz presente pela semelhança que guarda com ele. Índices são indicadores, capazes de, por uma relação de causa e efeito, substituir uma ideia. É fato que uma fumaça, por exemplo, é índice de fogo. Não é necessário ver o fogo, para que se saiba de sua ocorrência: a fumaça comunica isso. Outro exemplo é da prova indicial de um crime. A presença do sangue de uma segunda pessoa na cena do assassinato de alguém é um indício (significa algo) de que essa segunda pessoa esteve presente naquela cena de crime. Os índices são signos naturais. Tudo que existe pode apontar para alguma coisa: uma poça de água no chão pode apontar para a chuva que aconteceu; dentro de casa, pode apontar para uma goteira ou para um vazamento.
Linguagem verbal e linguagem não verbal
Em anúncios publicitários, é comum a associação das linguagens verbal e não verbal a fim de persuadir o público-alvo.
A linguagem se divide basicamente em duas espécies: a linguagem verbal e a linguagem não verbal. Importante frisar que verbum, em latim, em uma de suas acepções, tinha o sentido que hoje damos ao vocábulo “palavra”. Por isso, quando queremos referir linguagens que fazem uso de palavras, usamos a denominação linguagem verbal. Já as linguagens que não fazem esse uso são denominadas linguagens não verbais. Quando compomos os inúmeros sistemas de comunicação, é preciso levar em conta que as linguagens se comunicam e se complementam. Por exemplo, uma das maiores diferenças entre a escrita e a fala é que dificilmente a fala vem desacompanhada de outros elementos significativos. Nossos gestos, nosso tom de voz e nossa expressão fácil são capazes de complementar aquilo que dizemos. Por isso, os sistemas de comunicação são caracterizados pela complexidade. Quando lemos um anúncio publicitário, um cartaz, é provável que tenhamos de prestar atenção a diversos elementos: imagens, cores, disposição dos elementos visuais, texto verbal. Tirinhas e charges também costumam misturar linguagens, tornando os sistemas mais integrados.
Signo linguístico No estudo dos signos, vimos que os símbolos apresentam uma relação aleatória, convencionada, com o objeto representado. Alguns símbolos terão um interesse maior em nossos estudos sobre a língua portuguesa: as palavras. Signos linguísticos são palavras, e caracterizam-se por uma divisão clara entre dois componentes: o significante e o significado. O primeiro deles, o significante, nada mais é do que a imagem acústica que nosso cérebro tem da palavra (os sons dos fonemas, sua compreensão, no caso da palavra falada). Trata-se, o significante, do elemento tangível, material, do signo, aquele com o qual de fato entramos em contato. Com a criação do código escrito, passamos a representar no plano visual a imagem acústica da palavra, registrando o significante para a visão, com os símbolos das letras, por exemplo. 10
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O segundo componente, o significado, é aquilo que é externo ao signo, aquilo que passamos a associar aos sons que escutamos ou àquilo que lemos. Por exemplo, quando se ouve ou se lê a palavra casa, é possível distinguir claramente o que é significante e o que é significado. [ k ‘a z a ] → casa O significante pode ser escutado, e visto quando codificado na escrita. O significado depende de um conhecimento prévio sobre o que se convencionou associar ao significante. 2.
LINGUAGEM E LÍNGUA
O que define uma linguagem como língua é a função social, histórica e cultural que esta tem. Ora, toda língua é um sistema de linguagem, mas nem todo sistema de linguagem constitui uma língua. Por quê? Língua pode ser entendida como sendo todo sistema de linguagem usado como instrumento de comunicação entre uma coletividade. Fala-se em língua portuguesa, por exemplo, mas não se ouve ninguém falando “língua cinematográfica”. Isso porque a língua é um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos; é o meio pelo qual uma coletividade concebe o mundo que a cerca e sobre ele pensa e atua. Exatamente por pertencer a esta coletividade, a língua não é um instrumento imutável, pois deve atender às necessidades de seus usuários. É evidente que as necessidades comunicativas de hoje diferem das de um século atrás, e a língua reflete tais necessidades, transformando-se. O português é uma língua histórica adotada oficialmente em nove países: Brasil, Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Juntos, formam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP.
Mapa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Devido a uma série de fatores históricos e sociais, fala-se no Brasil o português, língua de origem latina que se especializou em parte da Península Ibérica e por aqui chegou, sem deixar de incorporar, aqui, elementos de outras línguas, como as indígenas e as africanas. Por isso, não se pode esperar que o português brasileiro seja exatamente igual ao português europeu. Tudo isso para dizer que uma língua não se manifesta de modo uniforme. Há inúmeros fatores que levam uma língua a se modificar. As principais são o tempo, o espaço em que os falantes se encontram, a situação social desses falantes e o contexto em que eles estão inseridos. 3.
LÍNGUA E FALA
Na teoria linguística, dois conceitos que precisam ser diferenciados, inclusive para nosso debate sobre a diversidade linguística do Brasil e as variedades linguísticas do português brasileiro, são os conceitos de língua e fala. Ferdinand de Saussure expunha uma importante dicotomia em seus estudos de Linguística. Para ele, a faculdade humana da linguagem seria anterior e condição necessária ao desenvolvimento da língua. PORTUGUÊS
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Ferdinand de Saussure (18571913) foi um importante filósofo e linguista, considerado o pai da Linguística como ciência autônoma.
Esta, por sua vez, só poderia ser o produto de uma construção coletiva, na medida em que a linguagem passa a ter uma unidade social, cristalizando e uniformizando os signos linguísticos e as regras para sua combinação, a fim de caracterizar-se como instrumento de comunicação de um grupo, de uma coletividade, de uma sociedade. Por isso, Saussure diferenciava o que era o uso concreto e individual da língua (o que ele denominou fala ou parole, em francês), em que o falante tem um papel ativo e criativo, e o que era a abstração e coletividade (o que ele denominou língua, ou langue, em francês), em que o falante tem um papel receptivo, passivo. No entanto, esses dois elementos não funcionam de forma separada. Por receber a língua, o falante é capaz de usá-la de forma individual e criativa, e, por isso, a fala é capaz de atualizar a língua, não individualmente, mas de forma coletiva. A língua caracteriza-se, portanto, pela unidade, pela homogeneidade, e este será o objeto de estudo da Linguística: compreender o conjunto de sistemas e normas que caracterizam uma língua natural e que garantem sua unidade estrutural. Já a fala caracteriza-se pela diversidade, pela heterogeneidade, e não interessa ao estudo da Linguística, para Saussure: é nela que o falante faz uso concreto da língua individualmente, de modo criativo, fazendo a língua evoluir. É importante observar que, para o Enem, essas distinções de natureza mais filosófica ou científica não precisam ser entendidas em tantos detalhes. O que precisamos de fato dominar é que existe uma unidade, a que chamaremos língua, e dentro dessa unidade, há a diversidade, o uso concreto, a que chamamos fala. Também é necessário frisar que não entendemos fala apenas a expressão oral da língua, mas ao uso concreto dela, seja de forma oral seja de forma escrita. Assim, a fala abrange o texto, e os mais variados contextos concretos da comunicação. EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (ENEM) Os signos visuais, como meios de comunicação, são classificados em categorias de acordo com seus significados. A categoria denominada indício corresponde aos signos visuais que têm origem em formas ou situações naturais ou casuais, as quais, devido à ocorrência em circunstâncias idênticas, muitas vezes repetidas, indicam algo e adquirem significado. Por exemplo, nuvens negras indicam tempestade.
Com base nesse conceito, escolha a opção que representa um signo da categoria dos indícios. (A)
(D)
(B)
(E)
(C)
Gabarito: B Os índices (ou indícios), como mencionado na questão, guardam com o objeto representado uma relação de causa e efeito. O próprio texto-base informa que nuvens são indícios de tempestade, e isso ocorre porque guardam com ela uma relação de causa e efeito. Entre as alternativas a única que se amolda é a B, por trazer a imagem de uma pegada, indício da passagem de alguém. No entanto, é importante observar que não estamos vendo a pegada em si, mas uma representação em imagem dela, razão pela qual a questão só está trazendo símbolos e ícones. 12
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. A linguagem verbal, como marca característica de determinados sistemas de comunicação, por vezes é suficiente para transmitir as ideias pretendidas pelo emissor do texto. Isso é o que ocorre, por exemplo, num sistema como: (A) a charge. (B) o anúncio publicitário. (C) uma resenha crítica. (D) uma tirinha em quadrinhos. (E) as representações cartográficas. 02. Segundo a teoria de Peirce, os signos comunicativos podem ser classificados como índices, ícones ou símbolos. As palavras da língua portuguesa são associadas a representações simbólicas porque: (A) buscam referir-se às ideias representadas por meio de relações de semelhança. (B) representam noções às quais se relacionam de modo convencionado. (C) podem conotar ideias diferentes a partir de figuras de linguagem. (D) não apresentam significado intrínseco. (E) se relacionam às ideias que representam como causas de tais ideias. 03. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) apresenta histórias e culturas muito diversificadas. O ponto comum, evidentemente, é a relação com o povo português, cuja supremacia sobre os mares levou à fundação de diversos entrepostos coloniais, onde a língua portuguesa se enraizou, fundindo-se aos idiomas locais. O texto acima exemplifica o seguinte processo: (A) relativismo cultural. (B) imperialismo de caráter exploratório. (C) patrimônio cultural material. (D) diversidade linguística. (E) extinção de idiomas minoritários. 04. (ENEM 2022)
Disponível em: https://viva-porto.pt. Acesso em: 24 nov. 2021 (adaptado).
A articulação entre os elementos verbais e os não verbais do texto tem como propósito desencadear a: (A) identificação de distinções entre mulheres e homens. (B) revisão de representações estereotipadas de gênero. (C) adoção de medidas preventivas de combate ao sexismo. (D) ratificação de comportamentos femininos e masculinos. (E) retomada de opiniões a respeito da diversidade dos papéis sociais.
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PATRIMÔNIO LINGUÍSTICO NACIONAL Introdução O português é a língua mais falada no Brasil, além de ser uma das línguas oficiais do país, junto à língua brasileira de sinais (Libras). Mas, apesar de falarmos predominantemente uma língua europeia – o que se justifica pela nossa própria história –, ela se distancia razoavelmente da língua falada pelos portugueses, ainda que consigamos identificar uma unidade sistemática entre o que se convencionou chamar de português europeu e português brasileiro. As matrizes que ajudaram a formar nossa nação foram, de forma dominante, a europeia (ibérica), a africana e a ameríndia. Essa é uma das razões pelas quais nosso falar apresenta especificidades em relação ao falar português. Embora alguns estudiosos cheguem a proclamar a existência de uma língua brasileira, parece um pouco apressada a conclusão. O patrimônio cultural pode ser material ou imaterial. É na última categoria, a dos bens imateriais, intangíveis, que as línguas se encontram. Compõem a essência de nossa cultura, por traduzirem o principal meio pelo qual nos expressamos e registramos nossa história, nossos hábitos, nosso conhecimento. Por isso, há uma necessidade de compreender como nosso patrimônio linguístico se situa nos dias atuais e como podemos valorizá-lo pensando nos interesses coletivos, nas gerações atuais e futuras, para a preservação da memória e da identidade nacional. Eis o objetivo deste capítulo. 1.
Capítulo 2
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Diversidade linguística do Brasil 2. A língua portuguesa, a formação da memória e da identidade nacional
H20 – Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional.
DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO BRASIL
No Brasil, existem duas línguas oficiais, o português e a Libras (Língua Brasileira de Sinais), esta última oficializada pela lei n. 10.436 de 2002. No entanto, estima-se que no país haja cerca de trezentas outras línguas minoritárias, a maior parte delas faladas por comunidades indígenas. Há ainda um problema maior que se apresenta nesse contexto: a falta de estudo sistemático dessas línguas e de registro de suas gramáticas dificulta sua preservação, e muitas delas correm sério risco de serem extintas. Apesar da hegemonia que o português exerce hoje no território nacional, nem sempre foi assim, nem mesmo na época da colonização. Os portugueses tiveram muita dificuldade em impor o idioma europeu e ensiná-lo aos nativos brasileiros. Catalogaram mais de mil idiomas distintos falados aqui, mas também perceberam uma base gramatical comum à maior parte deles. Dessa forma, os habitantes brasileiros até o século 18 falavam uma espécie de idioma misturado, com elementos do português e das línguas indígenas, conhecido como “língua geral”. Duas dessas "línguas gerais" tiveram maior influência no território brasileiro durante o período colonial: a língua geral paulista, que chegou a ser o idioma mais falado na porção centro-sul do Brasil e que tinha por base a língua dos tupinambás; e a língua geral amazônica, ou nheengatu, de tronco tupi, falada na porção norte do país. Somente a partir da gestão do Marquês de Pombal, no século 18, o português foi imposto como idioma oficial no território brasileiro, e o processo de aculturação e extermínio dos idiomas nativos passou a se acentuar. No caso da língua geral paulista, chegou a ser proibida, com punições severas a quem a utilizasse. As reformas pombalinas incluíam a proibição do ensino das línguas indígenas, em especial da língua geral de base tupi, que acabou desaparecendo. O nheengatu ainda é falado no Brasil, chegando a ser idioma majoritário em municípios do Amazonas: sua preservação passa pelo registro escrito, pelo estudo sistemático de sua gramática e pelo fato de ser uma língua ainda viva.
A banda Titãs chegou a nomear seu álbum de 2014 com o título Nheengatu. Com uma capa que representa a imagem de uma Torre de Babel, o álbum trazia referência a um mundo em conflito, em constante desentendimento. A palavra significa “língua boa”, em português.
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A proibição da língua geral e a imposição do português como único idioma permitido na colônia deu-se em 1757, com a edição e publicação do Diretório dos Índios. Em seu artigo sexto, dispunha: Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que conquistaram novos Domínios, introduzir logo nos povos conquistados o seu próprio idioma, por ser indisputável, que este é um dos meios mais eficazes para desterrar dos Povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes (...). Observando pois todas as Nações polidas do Mundo, este prudente, e sólido sistema, nesta Conquista se praticou tanto pelo contrário, que só cuidaram os primeiros Conquistadores estabelecer nela o uso da Língua, que chamaram geral; invenção verdadeiramente abominável, e diabólica, para que privados os Índios de todos aqueles meios, que os podiam civilizar, permanecessem na rústica, e bárbara sujeição, em que até agora se conservavam. Para desterrar esse perniciosíssimo abuso, será um dos principais cuidados dos Diretores, estabelecer nas suas respectivas Povoações o uso da Língua Portuguesa, não consentindo por modo algum, que os Meninos, e as Meninas, que pertencerem às Escolas, e todos aqueles Índios, que forem capazes de instrução nesta matéria, usem da língua própria das suas Nações, ou da chamada geral; mas unicamente da Portuguesa, na forma, que Sua Majestade tem recomendado em repetidas ordens, que até agora se não observaram com total ruína Espiritual, e Temporal do Estado.
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal foi secretário geral do Reino de Portugal, no período de 1756 a 1777.
Alóctone: que não é originário do país onde habita. Autóctone: que é originário do país onde habita.
O escudo do Palestra Itália e sua transformação para o escudo do Palmeiras, sem referência ao país inimigo do Brasil, em 1942.
A campanha de nacionalização foi intensificada após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1941, ao lado dos Aliados, contra as potências do Eixo. Com a campanha, o uso dos idiomas italiano e alemão foi proibido no Brasil, havendo inclusive registros policiais relatando crimes contra a pátria. Em 1942, por pressão do Governo Vargas, o Palestra Itália teve de abandonar as referências à Itália e tornou-se Palmeiras.
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Diretório dos Índios, 1757. Como se pode observar, o processo pelo qual determinados idiomas passam a imporse como majoritários nem sempre é pacífico ou natural. Existe uma manifestação de violência que tende a abolir práticas culturais, incluindo as linguísticas, e impor a visão de determinados grupos. Por isso, a unidade linguística que o Brasil tem hoje deve-se a uma imposição legal. Também a matriz africana contribuiu para a caracterização da língua portuguesa no Brasil, gerando influências na formação do léxico. Assim como a cultura dos negros trazidos como escravos ao Brasil fundiu-se à cultura local, somando-se à formação de nossa identidade, as línguas africanas, de forma específica, trouxeram novas matizes ao português brasileiro, distinguindo-o do europeu. Se no período colonial, a busca pela pureza da língua, como elemento “civilizador” passava pela perseguição e pelo extermínio dos idiomas nativos, em períodos posteriores da história, essa herança trazida pelo “mito da unidade linguística” ou pelo “mito da língua europeia superior” serviram para renegar a própria manifestação nacional brasileira do português, o que será discutido no próximo item. A violência e a perseguição de idiomas minoritários encontraram outros exemplos em nossa história. O processo de repressão às línguas alóctones atingiu novo ápice durante o Estado Novo, a partir de 1937, quando especialmente os idiomas alemão e italiano foram proibidos no território nacional, caracterizando um conjunto de medidas denominado campanha de nacionalização. Como se vê, o autoritarismo na imposição da “unidade linguística” não está tão distante de nossa realidade atual.
A LÍNGUA PORTUGUESA, A FORMAÇÃO DA MEMÓRIA E DA IDENTIDADE NACIONAL 2.
Nossa língua é o instrumento a partir do qual concebemos as ideias, e as apresentamos às demais pessoas. É com ela que transmitimos nosso legado cultural às gerações futuras. Por isso, o patrimônio linguístico nacional e sua valorização são elementos que contribuem para a preservação da memória e a construção de uma identidade nacional. Já discutimos no item anterior como a construção de um país unitário passou pela imposição de valores e práticas culturais de grupos dominantes, e como a língua exemplifica esse processo. Mas conhecer a fundo os elementos e as matrizes que contribuíram para a formação de uma língua portuguesa com características brasileiras pode ser útil no processo de resgate desses valores e culturas que, com o tempo, foram dominados ou excluídos da visão tradicional.
Olhemos, por exemplo, para o léxico. Caso você não saiba, o léxico é o conjunto de todos os signos linguísticos (palavras) que compõem a língua e que se encontram à disposição dos falantes para comunicarem-se e expressarem-se, oralmente ou por escrito. Há diferenças lexicais profundas entre o português europeu e o brasileiro. Entre essas diferenças, estão elementos que, para nós, representam a contribuição das línguas não europeias em nossa comunidade linguística. Há milhares de palavras, usadas no território brasileiro, que têm origem em línguas africanas. A maior delas são oriundas do quimbundo, língua do povo banto. Eis alguns exemplos, com seus significados: – bagunça: desordem, confusa, baderna, remexido. – batucar: repetir a mesma coisa insistentemente. – beleléu: morrer, sumir, desaparecer. – bunda: nádegas, traseiro. – cachaça: aguardente que se obtém mediante a fermentação e destilação do mel ou barras do melaço. – caçula: o mais novo dos filhos ou irmãos. – cafuné: ato de coçar, de leve, a cabeça de alguém, dando estalidos com as unhas para provocar o sono. – camundongo: ratinho caseiro. – capanga: guarda-costas, jagunço. – carimbo: selo, sinete, sinal público com que se autenticam os documentos. – gangorra: balanço de crianças, formado por uma tábua pendurada em duas cordas. – mandinga: bruxaria, ardil, mau-olhado. – minhoca: verme anelídeo. – moleque: menino, garoto, rapaz. – sunga: calção de criança.
De Angola, no continente africano, o quimbundu chegou ao Brasil, trazendo a influência das línguas do povo banto no português brasileiro.
Fonte: http://www.brasil.gov.br. Acesso em 16 de agosto de 2018.
E a influência das línguas africanas no léxico não para por aí: abadá, banguela, caçamba, cachimbo, cafofo, caxumba, corcunda, dengo, dengue, fubá, gibi, maconha, marimbondo, miçanga, muquirana, muvuca e xingar são outros exemplos. A contribuição das línguas africanas não se fez sentir apenas no léxico, mas a ausência de registros históricos sobre o assunto nos impede de traçar influências dessas línguas também na própria sintaxe portuguesa, que difere substancialmente no Brasil em relação a Portugal. Do tupi, herdamos muitos nomes de lugares: Ipiranga, por exemplo, veio da junção de y (rio, água) e pirang (vermelho); Iguaçu aglutina y e guasú (grande); Guaíba junta gua (grande), y (rio) e ba (lugar), significando algo como “lugar onde o rio fica grande”. Muitos dos alimentos nacionais são nomeados a partir do tupi também: açaí, abacaxi, jabuticaba, mandioca, tapioca são exemplos. Nomes de animais como jacaré, tamanduá, jiboia, jabuti ampliam essas influências. Podemos até crer que os nomes de elementos locais tradicionalmente entrariam no léxico, dada a grande influência que a língua geral teve no Brasil. Mas o interessante é ver como palavras portuguesas acabaram sendo substituídas localmente por palavras de origem tupi: guri, xará e pereba são ótimos exemplos. O caso de xará é interessante: no tupi, significa “meu nome”. O que todos esses exemplos nos mostram é que a diversidade da língua portuguesa no Brasil recebeu influências de outras matrizes linguísticas e tornou possível preservar a cultura e os elementos linguísticos de outros povos, que se somaram à formação da identidade nacional. Esse é um valor a ser cultivado: compreender a história brasileira como intimamente ligada à história da língua portuguesa no Brasil, sem esquecer a forma como ela acabou se impondo sobre as demais línguas, solidificando-se como principal língua nacional. Em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa ou “Estação da Luz da Nossa Língua” preserva uma parte da história do português brasileiro, com um acervo interativo que desnuda mitos e propicia o conhecimento a respeito de um dos aspectos mais relevantes da cultura nacional. Apesar do incêndio de 2015, encontra-se em processo de reconstrução, e seu acervo pode ser acessado pelo site.
Apesar do incêndio em 2015, o acervo do Museu da Língua Portuguesa pode ser acessado pelo site. Use a câmera do seu celular para conhecer o museu.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (ENEM) [Yeda Pessoa de Castro] — Durante três séculos, a maior parte dos ha-
bitantes do Brasil falava línguas africanas, sobretudo línguas angolanas, e as falas dessas regiões prevaleceram sobre o português. Antes se ignorava essa participação, se dizia que o português do Brasil ficou assim falado devido ao isolamento, à predominância cultural e literária do português de Portugal sobre os falantes negros africanos analfabetos. Eles realmente não sabiam ler ou escrever português, mas essas teorias eram baseadas em fatores extralinguísticos. Eu introduzi nessa discussão a prevalência e a participação dos falantes africanos, sobretudo das línguas níger-congo, que são cerca de 1 530 línguas. As mais faladas no Brasil foram as do Golfo do Benim e da região banto, sobretudo do Congo e de Angola. SCARRONE, M. Por que a participação da família africana (de línguas) é tão importante? Disponível em: www.revistadehistoria.com.br. Acesso em: 8 jun. 2015.
A importância das pesquisas linguísticas sobre a constituição do português do Brasil fica evidenciada nesse texto, porque registra a: (A) importância de aspectos extralinguísticos na formação da língua. (B) proximidade entre aspectos da língua portuguesa e de línguas africanas. (C) participação dos falares africanos na formação do português brasileiro. (D) predominância dos falantes africanos em território brasileiro. (E) supremacia do português de Portugal sobre os falares africanos. Gabarito: C O texto afirma explicitamente a participação dos idiomas africanos na formação do português do Brasil, uma contribuição antigamente ocultada no ensino linguístico, mas cada vez mais evidenciada pelas pesquisas históricas, como se vê em “Antes se ignorava essa participação” e “Eu introduzi nessa discussão a prevalência e a participação dos falantes africanos”.
2. (ENEM)
Pode um idioma considerado extinto e pouco documentado ser novamente parte ativa do patrimônio linguístico? A melhor maneira de saber como ocorre uma revitalização linguística é examinando um marco na luta indígena: a recuperação da língua pataxó. Eni Orlandi, da Universidade Estadual de Campinas, esteve na equipe que coletou e analisou evidências linguísticas que ajudaram a reconstituir a variante do pataxó falada mais ao norte da região de Porto Seguro (BA), a hãhãhãe. “Os pataxós viveram perseguições e movimentos de dispersão. A partir dos anos 1980, entretanto, conseguiram criar um espaço em que reivindicaram seu direito ao território tradicional que haviam perdido. Outras perdas acompanharam essa. Entre os bens perdidos, estava a língua. A posse da língua significa para eles o seu desejo de ser índio, em um momento de ameaça de extermínio”, diz a pesquisadora. “A pesquisa foi feita em condições difíceis: uma só informante, Baheta, muito idosa, sem interlocutores reais (só os da memória, imaginados), e experimentando dificuldades de lembrar; em condições de guerra à sua cultura; uma parte da identidade estigmatizada, já voltada ao esquecimento”, diz Orlandi no livro Terra à vista. Graças às reminiscências de Baheta, foram coletados dados suficientes para comparar as listas de palavras que já se possuía e estabelecer paralelos com línguas próximas. Disponível em: http://revistalingua.uol.com.br. Acesso em: 28 jul. 2012 (adaptado). 18
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O processo de busca de dados sobre a língua pataxó evidencia a importância da pesquisa voltada para a: (A) reconstituição da língua de um povo, por meio de dados históricos. (B) preservação da cultura de um povo, por meio do resgate de sua história oral. (C) comparação de línguas consideradas “mortas”, por meio de registros escritos. (D) catalogação do léxico de uma língua, por meio da recuperação de documentos. (E) valorização dos povos indígenas, por meio da tentativa de unificação de línguas próximas. Gabarito: B Embora a pesquisa explanada no texto faça um levantamento lexical da língua pataxó, sua principal finalidade é o resgate cultural, revitalizar uma língua que se perdeu, a fim de preservar a memória e a identidade de um povo.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo, assim, para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. A definição aponta para os elementos estruturantes do campo do patrimônio imaterial, no qual também se inclui a diversidade linguística. A língua, entretanto, difere dos demais bens culturais por sua natureza transversal e por seu papel de articulação e transmissão da cultura. Nenhuma prática, nenhuma representação, nem conhecimentos ou técnicas são passíveis de serem transmitidos entre as diferentes gerações senão através da mediação exercida pela língua. Inventário Nacional da Diversidade Linguística. Disponível em www. portal.iphan.gov.br. Acesso em 2 de janeiro de 2019.
O principal argumento usado no texto para diferenciar a língua dos demais bens culturais é: (A) a diversidade que ela apresenta, quando comparada aos demais bens culturais imateriais. (B) o sentimento de identidade e continuidade que ela gera nos falantes. (C) o fato de ser adquirida a partir do contato com o ambiente, a natureza e a história. (D) o reconhecimento que ela obtém dos falantes como elemento integrador de cultura. (E) o papel de mediador para transmissão de todos os demais bens culturais imateriais. Instrução: O texto a seguir refere-se às questões 02 e 03. Por parte do Estado, é muito recente a compreensão da diversidade linguística nacional como um valor. Mais do que isso, há um histórico de omissão, de desrespeito e mesmo de repressão aos falantes de outras línguas, sobretudo daquelas indígenas e de imigração. A construção de uma política específica para a diversidade linguística, assim como o próprio Censo 2010 do IBGE, são iniciativas que procuram justamente modificar essa atuação histórica do Estado, de modo que se busque a valorização da diversidade linguística no país. Atuar para a sustentabilidade da diversidade linguística, entretanto, exige articulação de produção de conhecimento, valorização e promoção 20
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das línguas tanto na dimensão local – nos contextos sociais onde as línguas são faladas – como na dimensão mais ampla, em nível nacional. As línguas que são faladas por grupos sociais minoritários requerem atenção especial de uma política de salvaguarda da diversidade linguística, pois elas se encontram em posição de maior vulnerabilidade linguística. Tal situação decorre não só do fato de essas línguas serem faladas por grupos sociais pouco numerosos no contexto populacional do país, mas também pela falta de conhecimento e valorização de/sobre elas. Colocar no mapa as centenas de línguas ainda ocultadas pela representação majoritária de um país com uma única língua – ou seja, pela ideia de que só falamos o Português – talvez seja a possibilidade mais significativa, em médio prazo, do alcance do reconhecimento das línguas como patrimônio cultural. Inventário Nacional da Diversidade Linguística. Disponível em www. portal.iphan.gov.br. Acesso em 2 de janeiro de 2019.
02. O texto aponta o papel ativo do Estado, por meio de políticas públicas, como necessário à preservação do patrimônio linguístico nacional. Tais políticas são caracterizadas por serem: (A) historicamente promovidas de maneira cautelosa, o que justifica a ampla diversidade linguística do Brasil. (B) incipientes, haja vista o descaso histórico com a preservação da diversidade linguística pelas políticas públicas no país. (C) suficientes, pois conseguem manter a diversidade linguística no Brasil, mesmo com a presença de uma língua majoritária. (D) desconhecidas, razão pela qual não têm recebido do Estado a atenção devida, sobretudo em relação às línguas indígenas. (E) compatíveis com a realidade linguística do Brasil, em razão de que o português, língua majoritária, apresenta mecanismos suficientes de valorização. 03. A posição de maior vulnerabilidade das línguas minoritárias no Brasil deve-se ao fato de que elas, além de serem faladas por grupos pouco numerosos: (A) enfrentam a concorrência com uma língua majoritária que acaba se impondo às demais. (B) não estão contempladas durante a pesquisa demográfica feita pelos órgãos estatais. (C) são pouco conhecidas e valorizadas pelas políticas públicas presentes na sociedade. (D) são reprimidas por meios legais e sociais, e acabam desaparecendo dos meios culturais. (E) não possuem representatividade suficiente para serem usadas em meios oficiais.
VARIEDADES LINGUÍSTICAS DO PORTUGUÊS Introdução Já citamos no capítulo anterior o mito da unidade linguística do Brasil, refutando-o. Nosso entendimento atual sobre o português, comum às línguas naturais vivas, é o da variedade dentro da unidade. Ou seja, há diversas características que permitem a identificação do português como uma língua em si, diferente do espanhol, do italiano ou do francês, por exemplo. Tais características são suficientes para estabelecer a identificação entre a língua dos portugueses e a dos brasileiros. É evidente, entretanto, que essa unidade comporta uma diversidade de manifestações, pois o português manifesta-se, concretamente, de forma diferente nas sociedades brasileira e portuguesa. Mas não é necessário que saiamos do Brasil para percebermos a riqueza de manifestações da língua portuguesa. Ao longo do tempo, conservamos características de nossa fala e alteramos outras. Nos diversos estratos sociais, a variação é perceptível. E ao observarmos as inúmeras situações em que fazemos uso da língua, também notamos essa diversificação do nosso falar. Por isso compreendemos o fenômeno da variação linguística como um fato da língua, isto é, é um dado, constatável, observável, mensurável. Não é possível conceber qualquer língua natural como estática. O dinamismo da língua é característico de seu funcionamento como organismo vivo: modifica-se em alguns aspectos, conserva-se em outros, enfim, evolui. Nosso objetivo neste capítulo é compreender os inúmeros fatores que levam à variação linguística e apresentar algumas variedades linguísticas do português, a fim de compreendê-lo em sua complexidade.
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Fatores que concorrem para a variação linguística 2. Níveis em que ocorre a variação línguística 3. Variação diatópica (geográfica) 4. Variação diacrônica (temporal) 5. Variação diastrática (social) 6. Variação diafásica (situacional) 7. Gramática natural e gramática artificial 8. Funções da norma-padrão da língua portuguesa 9. Preconceito linguístico
Competência de área 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.
FATORES QUE CONCORREM PARA A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA 1.
Já foi apresentado o caráter dinâmico das unidades linguísticas: a língua evolui dentro de sua unidade. Mas quais seriam os fatores que levam à variação? Ou por que as línguas apresentam variedades linguísticas? Há basicamente quatro elementos que atuam sobre a língua, de forma inexorável, fazendo-a variar: a passagem do tempo, a mudança de espaço, os fatores sociais (nível de instrução ou de escolaridade formal do falante; comunicação de grupos) e a situação comunicativa em que ele se encontra. O tempo é um fator importante para a língua: diferentes épocas apresentam tecnologias de comunicação distintas, necessidades comunicativas diferentes e contextos históricos diversificados. Por isso, é razoável supor, se a língua é instrumento que viabiliza a comunicação de grupos, que esse instrumento se adapte conforme a passagem temporal. A mudança de espaço pela distância geográfica que separa os falantes também afeta os inúmeros aspectos da língua. É simples imaginar que a realidade de um local se distingue da de outro, e inúmeros fatores contribuem para isso: diferenças culturais, territoriais, políticas, étnicas e históricas. O tipo de colonização que determinada região enfrentou pode afetar a forma como a língua se desenvolve em determinado local, por exemplo. Os níveis sociais e as realidades de classes e de grupos também contribuem para a variação linguística. É bastante razoável pensar que pessoas mais escolarizadas apresentam maiores chances de se aproximar de um modelo de língua ideal, verificado nos textos escritos de circulação geral com a variedade linguística prestigiada socialmente.
Os fatores que concorrem para que a língua varie são basicamente quatro: 1. Passagem do tempo. 2. Amplitude geográfica da língua. 3. Diversidade social. 4. Diferentes situações de interlocução.
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Mas a língua também é instrumento social, e os diversos grupos sociais se apropriam dela de forma muito pessoal, por meio de gírias, expressões próprias de determinada comunidade ou segmento social. Por fim, a situação comunicativa que cerca o falante obriga-o a adaptar-se para obter maior eficiência e aceitação no processo comunicativo. Em situações mais formais, usa-se uma linguagem mais monitorada; em situações mais descontraídas, permite-se um uso menos tenso da língua. É pela situação comunicativa que tendemos a escrever de um jeito diferente daquele que usamos para falar. Na sequência, você poderá observar as marcas que caracterizam as variedades linguísticas do português. Cada variação tem um fator específico que atua para que ela ocorra.
NÍVEIS EM QUE OCORRE A VARIAÇÃO LÍNGUÍSTICA 2.
Os níveis em que a variação linguística ocorre podem ser: 1. Nível fonético. 2. Nível ortográfico. 3. Nível morfológico. 4. Nível sintático. 5. Nível lexical.
Nesta edição de 1944, é possível verificar variantes ortográficas temporais do português brasileiro: Memorias Posthumas de Braz Cubas foi atualizado para Memórias Póstumas de Brás Cubas.
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Entendidos os principais fatores que levam a língua a suas variações, resta agora analisar em que níveis linguísticos podem se dar tais variações. A língua é um sistema que se organiza de forma muito complexa e intrincada: a língua falada depende de todo um arcabouço sonoro organizado para que os falantes organizem os signos linguísticos. Por isso, há organização num nível fonético. As combinações de sons, porém, não são aleatórias: quando se comparam palavras como amor, amar, amável e amoroso percebe-se que elas apresentam elementos que permitem associarmos a todos eles uma mesma base de significação. Essa é a razão de haver um nível morfológico de organização na língua. Ao combinarmos palavras, forma lo-fazê podemos aleatória de não (não podemos fazê-lo de forma aleatória): a língua se organiza num nível sintático. Também a representação escrita dos sons deve respeitar uma organização que os falantes reconheçam: por isso há um nível ortográfico. E por fim, o sentido das palavras vai absorvendo visões culturais que associam sons ou letras a determinadas ideias: surge um nível semântico que forma o léxico (conjunto de palavras, com significados identificáveis pelos falantes). Tratemos primeiramente do nível fonético: a pronúncia de uma palavra pode se alterar no tempo, no espaço... Tome-se a variação de pronúncia da palavra esperto, por exemplo. No Rio de Janeiro, se pronunciaria [i∫p’εRtu]; em algumas regiões do Rio Grande do Sul, se diria [esp’εrto]; já em outras, [isp’εrtu]. Em todos os casos, é possível ao falante reconhecer a mesma palavra, ainda que os sons sejam articulados de forma um pouco diferente. Ocorrem, portanto, mudanças na forma de pronunciar os sons que compõem as palavras. Outro nível em que as variações podem ocorrer é o ortográfico. O sistema ortográfico é uma mera convenção, e pode se alterar com o tempo. Exemplo disso é o novo acordo que entrou em vigor e que passou a definir a ortografia brasileira a partir de 2016. A palavra ideia, por exemplo, já foi grafada como idéa (até 1943), passou a idéia (até 2016), e agora se põe na forma ideia. Palavras como lingüiça, sagüi, agüentar, eqüestre, que antes de 2016 podiam ser grafadas com o trema, agora passam a ser escritas sem ele: linguiça, sagui, aguentar, equestre. No nível semântico (lexical), palavras que, em sua origem, significavam uma coisa, podem perfeitamente passar a assumir novos significados. A palavra legal, por exemplo, que se refere à lei na origem, passou na linguagem coloquial a se referir a alguma coisa boa, ampliando sua significação. Com o advento da internet, palavras que já tinham um significado na língua portuguesa passaram a assumir novos sentidos: navegar, rede, teclar e bate-papo são exemplos. A palavra tem uma vocação para a polissemia, ou seja, para referir múltiplos sentidos (primários, derivados, conotativos, especializados...). Isso explica por que uma palavra como cacetinho, no Brasil, pode apresentar significados diversos: no Rio Grande do Sul, é um inocente pão francês. No nível morfológico, as palavras também podem sofrer transformações. A palavra sarampo, por exemplo, vem de sarampão. O imaginário popular, por acreditar que a terminação -ão fosse um sufixo aumentativo, passou a se referir a ela “em seu grau normal”, surgindo a palavra sarampo, que é a que se usa hoje. Algumas palavras podem
acabar sofrendo processos de redução, para simplificarem-se: cinematógrafo já não se usa, e foi substituída por cinema; pneumático deu origem a pneu. No nível sintático, também se observam alterações da língua. Um português, por exemplo, utilizaria a construção frasal Estava cá a mirar-te, o que estaria bem distante dos pensamentos de um brasileiro, que optaria por algo como Tava aqui te olhando. As construções frasais podem variar mesmo se levarmos em consideração apenas o português brasileiro. Na fala, nenhum falante brasileiro se sentiria constrangido em usar Me espere; entretanto, numa situação que exigisse a modalidade padrão, o mesmo falante adaptaria sua sentença para Espere-me ou Espere por mim. 3.
VARIAÇÃO DIATÓPICA (GEOGRÁFICA)
Chamam-se diatópicas as variedades de manifestação da língua de lugar para lugar: tais variedades são geográficas, portanto, e também costumam ser chamadas dialetais. O português europeu e o brasileiro se diferenciam, por exemplo: um oceano inteiro separa duas nações que se relacionaram intimamente ao longo da história, mas que desenvolveram a língua portuguesa de forma distinta. Não é preciso, porém, cruzar oceanos para se encontrarem as variedades diatópicas. O português falado no Rio Grande do Sul, por exemplo, tem algumas características próprias: uso de palavras oriundas do espanhol (influência da ocupação hispânica desta região); manutenção do uso do tu para o interlocutor comum; uso de palavras, interjeições e de expressões não usadas em outras regiões. O texto abaixo é a letra da canção Laços, da banda portuguesa Toranja. Observe a seleção lexical: algumas das palavras usadas são incomuns no português brasileiro, ou apresentam sentido diferente em nosso país. Também as estruturas sintáticas diferem: a combinação das palavras e a disposição em que elas se encontram são incomuns mesmo em canções mais formais no Brasil. Além disso, percebe-se como o tratamento do interlocutor (tu) se mantém uniforme ao longo do texto. Andamos em voltas retas na mesma esfera Onde ao menos nos vemos porque o fumo passou A chuva no chão revela os olhos por trás Há que levar o restolho do que o tempo queimou Tens fios de mais a prender-te as cordas Mas podes vir amanhã acreditar no mesmo deus Tens riscos de mais a estragar-me o quadro. Se queres vir amanhã acreditar no mesmo deus
No plano lexical, é possível ver o uso de fumo para expressar fumaça. Observe também o uso do pronome tu e, no plano sintático, das ênclises, menos comuns no português brasileiro
Devolve-me os laços, meu amor! Devolve-me os laços... Andamos em voltas retas na mesma esfera Mas podes vir amanhã, se queres vir amanhã, podes vir amanhã. Tens riscos de mais a estragar-me a pedra Mas se vieres sem corpo à procura de luz Devolve-me os laços, meu amor! Devolve-me os laços... BETTENCOURT, Tiago. Laços. In: Toranja Segundo, Polydor/Universal, 2005.
Veja o clipe da música Laços, da banda portuguesa Toranja.
O texto seguinte, de Simões Lopes Neto, busca valorizar o falar regional gaúcho. Há nele uma série de palavras e expressões incomuns no falar do resto do país. O dialeto gaúcho caracteriza-se por um léxico influenciado pela língua espanhola, já que o Rio Grande do Sul foi palco de disputas territoriais frequentes entre portugueses e espanhóis no período colonial. PORTUGUÊS
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“Cuê-pucha!... é bicho mau, o homem! Conte vancê as maldades que nós fazemos e diga se não é mesmo!... Olhe, nunca me esqueço dum caso que vi e que me ficou cá na lembrança, e ficará té eu morrer... como unheiro em lombo de matungo de mulher. Foi na estância dos Lagões, duma gente Silva, uns Silvas mui políticos, sempre metidos em eleições e enredos de qualificações de votantes. A estância era como aqui e o arroio como a umas dez quadras; lá era o banho da família. Fazia uma ponta, tinha um sarandizal e logo era uma volta forte, como uma meia-lua, onde as areias se amontoavam formando um baixo: o perau era do lado de lá. O mato aí parecia plantado de propósito: era quase que pura guabiroba e pitanga, araçá e guabiju; no tempo, o chão coalhava-se de fruta: era um regalo! Já vê... o banheiro não era longe, podia-se bem ir lá de a pé, mas a família ia sempre de carretão, puxado a bois, uma junta, mui mansos, governados de regeira por uma das senhoras-donas e tocados com uma rama por qualquer das crianças. Eram dois pais da paciência, os dois bois. Um se chamava Dourado, era baio; o outro, Cabiúna, era preto, com a orelha do lado de laçar, branca, e uma risca na papada. Estavam tão mestres naquele piquete, que, quando a família, de manhãzita, depois da jacuba de leite, pegava a aprontar-se, que a criançada pulava para o terreiro ainda mastigando um naco de pão e as crioulas apareciam com as toalhas e por fim as senhoras-donas, quando se gritava pelo carretão, já os bois, havia muito tempo que estavam encostados no cabeçalho, remoendo muito sossegados, esperando que qualquer peão os ajoujasse. Assim correram os anos, sempre nesse mesmo serviço.”
João Simões Lopes Neto é considerado um dos maiores expoentes da literatura regional gaúcha.
Cuê-pucha!: interjeição que exprime admiração, espanto. Matungo: cavalo velho, manso. Regeira: corda usada para conduzir bois. Baio: cor de palha de milho. Jacuba: bebida preparada com leite, farinha de mandioca e açúcar ou mel.
LOPES NETO, Simões. O boi velho. In: Contos gauchescos e lendas do Sul.
4.
H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
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VARIAÇÃO DIACRÔNICA (TEMPORAL)
Chamam-se diacrônicas as variações da língua oriundas do tempo. Não se pode esperar que o português falado hoje seja idêntico ao português de Camões. Para ficarmos num exemplo, tomemos a evolução dos pronomes pessoais no Brasil. Os pronomes eu, ele, ela, eles e elas gozam de certa estabilidade histórica entre nós. Já o pronome tu, típico do tratamento familiar, foi desaparecendo na maior parte do território nacional, abrindo espaço para a forma de tratamento você, que perdeu, com o tempo, sua função de tratamento de cortesia, tamanho alargamento de seu uso. O pronome nós, que usamos frequentemente na linguagem formal, principalmente escrita, tem dado espaço cada vez mais à locução a gente. O pronome vós, por sua vez, desapareceu. A não ser em textos litúrgicos, dificilmente se fará uso desse pronome hoje. Há inúmeras expressões que caíram em desuso de poucas décadas para cá, e muitas novas surgem sem que um falante do século passado pudesse sequer ter ideia do que viriam a significar. Observe o texto abaixo, um anúncio publicitário do ano 1900: nele, é possível notar uma ortografia bem diferente da que usamos hoje, além de construções sintáticas e de seleção lexical incomuns nos anúncios publicitários atuais. O texto está transcrito ao lado da imagem.
LARGA-ME... DEIXA-ME GRITAR!... O XAROPE SÃO JOÃO É o melhor para tosse, bronchites e constipações. As pessoas que tossem... As pessoas que se resfriam e constipam facilmente – As que temem o frio e a humidade – As que por uma ligeira mudança de tempo ficam logo com a voz rouca e a garganta inflammada – As que sofrem de uma velha bronchite – Os asthmáticos e, finalmente, as creanças que são acommetidas de coqueluche poderão ter a certeza de que o seu unico remedio é o Xarope São João. É a unica garantia da sua saúde. O Xarope São João é o remedio scientífico apresentado sob a forma de um saboroso licor. É o unico que não ataca o estomago e os rins. (...) MUITA ATTENÇÃO – Somente os bons remedios são imitados; por isso pedimos com empenho ao publico que não acceite imitações grosseiras e exija sempre o verdadeiro Xarope São João.
Anúncio publicitário do ano 1900.
Anúncio Publicitário: Xarope São João, 1900. In: Revista da Semana.
Observe como Carlos Drummond de Andrade explora a variedade temporal, no nível lexical, em uma crônica intitulada Antigamente. Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé de alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água. (...) Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capade-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam. Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.
janota: elegante, embonecado. pé de alferes: ato de apaixonar-se ou de enamorar. ficar debaixo do balaio: esconder-se. levar tábua: apanhar tirar o pai da forca: apressar-se. cair de cavalo magro: dar-se mal. entrementes: meio tempo. passar a manta e azular: acovardar-se. dar às de vila-diogo: fazer-se de desinteressado. fazer o quilo: descansar. animatógrafo: primeiro nome do cinematógrafo, posteriormente cinema. alteia: caramelo de goma. meter-se em camisa de onze varas ou meter-se em calças pardas: estar em apuros. botica: farmácia. phtysica: tuberculose. gálico: sífilis. asthma: asma. capa de goma: sobretudo
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antigamente. In: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p.48.
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5.
H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
VARIAÇÃO DIASTRÁTICA (SOCIAL)
Chamam-se diastráticas as variações da língua oriundas das diferentes classes e dos grupos sociais. Pessoas com baixo nível de instrução e níveis mais básicos de leitura apresentam habilidade distinta da de pessoas que puderem frequentar uma escola, aprender a variedade linguística padrão, compará-la com as outras variedades, coloquiais ou não, e compreendem a diversidade linguística: pessoas nesse segundo perfil costumam adaptar melhor a variedade linguística à situação comunicativa em que se encontram. Algumas variações diastráticas, portanto, têm origem na desigualdade social e no acesso desigual aos bens culturais e à realidade diversificada da língua. Não se trata de regra rígida, mas é o que se verifica comumente. Pressupõe-se que, quanto mais assídua à leitura é a pessoa, maior é sua capacidade de se expressar em diferentes níveis de complexidade linguística. Assim, verificam-se diferenças no uso da língua, ainda que se tomem dois falantes de um mesmo tempo, de um mesmo lugar, mas de classes sociais diferentes. No entanto, é importante ressaltar também a realidade dos grupos sociais que usam determinada variedade linguística para construir seu próprio linguajar e, assim, ampliar suas possibilidades expressivas. Grupos sociais podem desenvolver socioletos, que nada mais são do que dialetos sociais usados em situações específicas de interlocução nos contextos de grupos. Tribos urbanas costumam constituir um linguajar próprio, até como forma de diferenciar-se e reforçar a própria identidade. É assim que a comunidade LGBT, por exemplo, cria suas gírias próprias. Nas comunidades dos morros cariocas, essa linguagem acaba ultrapassando as fronteiras dos grupos quando se popularizam pela representação do discurso da população das favelas em letras do funk carioca. No texto selecionado abaixo, Mario de Andrade, poeta modernista, busca, em uma canção, reproduzir o falar de um sertanejo pobre: observe que, além dos aspectos sociais, entram em jogo também os geográficos. Viola quebrada Quando da brisa no açoite a frô da noite se acurvou Fui s’incontrá co’a maroca, meu amor Eu tive n’arma um choque duro Quando ao muro já no escuro Meu oiá andou buscando a cara dela e não achou Minha viola gemeu Meu coração estremeceu Minha viola quebrou Teu coração me deixou
Mário de Andrade, poeta brasileiro, escreveu em sua vida uma única canção, Viola Quebrada, que acabou se tornando um marco da música caipira.
Minha maroca resorveu para gosto seu me abandonar Pruquê os fadista nunca sabe trabaiá Isso é besteira que das frô que bria e chera a noite inteira Vem dispois as fruita que dá gosto de saborear Pru causa dela eu sou rapaz muito capaz de trabaiá Os dia inteiro e as noite inteira capinar Eu sei carpir pruquê minh’arma ta arada e loteada Capinada co’as foiçada dessa luz do teu oiá ANDRADE, Mário de. Viola Quebrada.
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É possível observar, no plano fonético, a presença de rotacismos, em que as consoantes r e l são trocadas em encontros consonantais (frô, resorveu), além de iotização, quando o lh é pronunciado como semivogal (oiá, trabaiá, bria), e metátase, quando a letra r troca de posição na palavra (pruquê). No plano sintático, verificamos a concordância não padrão em Os dia inteiro, por exemplo, e Fui s’incontrá, com uso do pronome se para a 1ª pessoa. Com o exemplo dado, poderíamos acabar concluindo que as variações diastráticas envolvem, necessariamente, um grande afastamento da língua padrão. Entretanto, basta pensar nas linguagens dos grupos ou das tribos urbanas para concluirmos que ela não precisa necessariamente ser vinculada a aspectos fonéticos ou ortográficos dissonantes do uso padrão. No Enem 2018, uma questão abordou o que caracteriza o pajubá, socioleto usado na comunidade LGBT, como um dialeto que integra o patrimônio linguístico do português. A questão acabou sendo alvo de críticas de setores conservadores da sociedade brasileira. 6.
VARIAÇÃO DIAFÁSICA (SITUACIONAL)
Chamam-se diafásicas as variações da língua provenientes de diferentes situações comunicativas. Ora, mesmo quando se toma uma mesma pessoa, de uma classe social abastada, habitando um lugar específico em que se usa o português, é difícil imaginar que tal falante usará o português sempre da mesma forma. Só porque aprendeu a variedade linguística padrão, terá de usá-la em todas as situações discursivas? Evidente que não, pois, a depender do contexto, adaptará seu uso da língua: usará um português mais formal quando estiver falando em uma entrevista de emprego ou escrevendo uma dissertação e um português menos monitorado quando estiver em uma roda de amigos ou em uma conversa familiar. São diafásicas as variações decorrentes das diferentes faixas etárias, das diversas profissões e das situações contextuais distintas a que os falantes se expõem. Leia o seguinte fragmento da crônica Saudoso e-mail, de Martha Medeiros. Nesse gênero textual, a aproximação entre autor e leitor é buscada a partir dos temas ligados ao cotidiano. No plano da forma, é comum que os cronistas usem uma linguagem mais solta, menos monitorada, mais próxima da fala cotidiana.
H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.
Saudoso e-mail Quando o e-mail surgiu, foi considerado um meio prático, porém frio de se corresponder. Mas agora que o e-mail foi reduzido a pó por Face, WhatsApp & Cia, agora que ele sobrevive apenas para a troca de mensagens profissionais (e olhe lá), agora que ele respira por aparelhos, já podemos lembrar, nostálgicos, de como ele era refinado. O e-mail entrava discretamente na sua caixa de mensagens e ficava ali, quietinho, aguardando pacientemente o momento em que o destinatário pudesse lê-lo e respondê-lo. Havia todo o tempo do mundo para isso. A resposta podia ser bem articulada, revisada e enviada sem nenhuma aflição. Claro que não era agradável deixar alguém aguardando uma semana, mas na maioria das vezes não levava tanto tempo assim, o retorno geralmente era dado no mesmo dia ou no dia seguinte, e isso era suficiente para comemorar esta vibrante conexão virtual. Isso foi ontem. Anteontem. Um século atrás. Dá no mesmo. Agora, você troca mensagens instantâneas, um toma lá dá cá que faz todo mundo parecer meio esquizofrênico. A questão do corretor de texto é uma insanidade. “Oi, Patricia!” se transforma em “Ouviu, patife!” e o que era para ser um gentil cumprimento vira um insulto. Não preciso dar outros exemplos, você passa por isso todos os dias: corrigir com avidez as bananices que o corretor comete à revelia.
Observe como o texto usa uma linguagem próxima à linguagem cotidiana. a) expressões da fala: & Cia, e olhe lá, reduzido a pó, dá no mesmo, toma lá dá cá, tanto tempo assim; b) seleção lexical: bananices. c) estrutura sintática simplificada: (E) Claro que, aguardando (por) uma semana. d) despreocupação com a norma-padrão: lembrar de, respondê-lo. e) utilização metafórica ou hiperbólica de conceitos precisos: respira por aparelhos, um século atrás, esquizofrênico. Também é possível verificar o predomínio da coordenação em vez da subordinação; preferência pela próclise (se transforma).
MEDEIROS, Martha. Saudoso e-mail. In: http://clicrbs.com.br. Acesso em 28 de novembro de 2018. PORTUGUÊS
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O texto a seguir é um trecho de um editorial do jornal O Globo. O editorial é um gênero sóbrio, que apresenta o ponto de vista de um veículo de comunicação sobre fatos noticiados pelo veículo. Por se tratar da opinião do jornal, a linguagem que usa costuma ser mais séria, com respeito à formalidade e às regras da língua padrão. Acordo sobre redução de açúcar pode ajudar no combate à obesidade. A saúde dos brasileiros certamente sairá robustecida com o acordo assinado anteontem entre o governo federal e as indústrias de alimentos e bebidas. O objetivo é reduzir, em 144,6 mil toneladas, até 2022, o açúcar usado na produção de industrializados. Estima-se que esses produtos representem 36% do açúcar consumido pela população. Fazem parte do pacto, selado pelo Ministério da Saúde com empresas do setor, produtos de 23 categorias, divididos em cinco grupos: bebidas adoçadas, biscoitos recheados, bolos prontos e misturas para bolos, achocolatados em pó e produtos lácteos. Ou seja, guloseimas que cotidianamente estão à mesa de crianças, adultos e idosos em todo o país. (...) O acordo firmado pelo Ministério da Saúde com as indústrias de alimentos e bebidas tem o mérito de fixar metas a partir de um entendimento, e não de uma mera imposição do Executivo (...). Envolvendo governo, empresas e sociedade em torno de um mesmo objetivo, há chances de as metas terem vida longa.
Observe como o texto usa uma linguagem mais monitorada. a) seleção lexical: robustecida, selado, categorias, cotidianamente, firmado, mérito. b) preocupação com a norma-padrão: Estima-se, há chances de as metas terem. c) predomínio de subordinação: Estima-se que, guloseimas que, tem o mérito de, há chances de.
Editorial. O Globo. 28 de novembro de 2018.
MARCAS DA LINGUAGEM COLOQUIAL
MARCAS DA LINGUAGEM FORMAL ESCRITA
Períodos curtos, com predomínio de coordenação.
Períodos médios e longos com equilíbrio entre coordenação e subordinação.
Predomínio da construção da voz ativa.
Predomínio da construção da voz passiva e uso de impessoalizadores do discurso (se).
Seleção lexical simples: palavras de domínio geral e comuns no vocabulário médio.
Seleção lexical mais sofisticada: aparecem palavras menos frequentes na fala cotidiana.
Expressões idiomáticas e gírias.
Construções mais perenes e universais.
Despreocupação com alguns aspectos da língua padrão (colocação pronominal, regência, concordância).
Apego às normas da língua padrão, incluindo regras de ortografia e pontuação.
Recursos hiperbólicos e interpretações pragmáticas a partir do contexto.
Linguagem mais contida, com preocupação em relação ao entendimento do leitor.
Fala entrecortada, em razão da simultaneidade entre pensamento e produção do discurso.
Discurso organizado, devido à reformulação do pensamento para maior efetividade e clareza comunicativa.
GRAMÁTICA NATURAL E GRAMÁTICA ARTIFICIAL 7.
De tudo que se afirmou até aqui, resta o seguinte: a língua é um fenômeno dinâmico, e não estático. Exatamente por isso, é preciso compreender como as transformações pelas quais ela passa não são suficientes para descaracterizá-la. Isso só ocorre porque toda língua tem um sistema gramatical, um conjunto de ocorrências inerentes a ela, reconhecido por todos os seus falantes naturais. Note-se que nenhum falante do português construiria uma sentença como a seguinte: Mulheres as chamei que no estavam banheiro. 28
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E não a construiria por uma razão simples: é que tal enunciado contraria o sistema gramatical da língua. Normalmente, quando pensamos em erro gramatical, pensamos em ortografia, concordância, flexão verbal, entre outros. Mas não é da natureza da língua que casa seja grafada com a letra s, por exemplo. Se fosse grafada com a letra z, teríamos o mesmo resultado sonoro em sua leitura. Tanto “casa” quanto “caza” estariam de acordo com o sistema ortográfico da língua, portanto. Porém, sabemos que apenas uma dessas duas grafias é aceita no português padrão: casa. A razão disso é que, em algum momento, precisamos convencionar, estabelecer convenções culturais que envolvem o registro escrito. Caso não tenha se convencido ainda, pense que a palavra cançado, com essa grafia de causar pavor em muitas pessoas, foi assim grafada formalmente até 1943. A partir desse ano, com a adoção do Formulário Ortográfico da Língua Portuguesa, passou a ser grafada cansado. Qualquer uma dessas grafias atende, como se vê, ao registro sonoro da palavra, tanto que em algum momento se tornaram convenção de escrita; qualquer uma delas está, portanto, de acordo com o sistema ortográfico da língua portuguesa. Muitas das regras da língua a que nos apegamos são meramente convenções. Observe as frases abaixo: (a) As mulheres que chamei estavam no banheiro. (b) As mulheres que chamei tavam no banheiro. (c) As muié que chamei tava no banheiro.
Até 1943, o Brasil adotava um sistema ortográfico híbrido, com base fonética e base etimológica. Com a adoção do Formulário Ortográfico, em 1943, abandonamos as letras duplicadas (allemão, attenção, commissão...) com exceção do rr e do ss, que se mantiveram por razões fonéticas. As letras k, w e y tornaram-se consoantes auxiliares, usadas exclusivamente em estrangeirismos. As grafias de abysmo e systema foram alteradas, por exemplo. Também se abandonaram os dígrafos th e ph: orthographia e pharmacia, por exemplo, passou a ser grafada com t e f. O formulário também aboliu as letras que não eram pronunciadas, como em actor, optimo e psalmo. Como se vê, as bases da ortografia atual surgiram em 1943.
Conforme se pode notar, as três sentenças comunicam exatamente o mesmo conteúdo, mas não o fazem da mesma forma. Do ponto de vista da eficiência comunicativa, as três frases são gramaticais (e isso não significa que as três estejam de acordo com a norma-padrão da língua ou que possam ser usadas formalmente). O sistema linguístico é um conjunto de regras naturais que todo falante nativo domina e que lhe permitem comunicar-se, qualquer que seja a forma. Mesmo a frase (c), mais comum em grupos de pessoas menos escolarizadas, respeita tais regras naturais. Observe alguns exemplos dessas regras: (i) Mesmo sem fazer a pluralização de todos os elementos pertinentes, a ideia de número plural é transmitida pelo artigo (primeira palavra do agrupamento sintático). Veja que se trata de uma regra natural. Nenhum falante pluraliza de forma aleatória: a sentença com a pluralização apenas do segundo elemento, A muiés que chamei tava no banheiro, não é encontrada entre os falantes do português. (ii) O pronome relativo que precisa ser colocado após o núcleo cuja repetição se deseja evitar. Nenhum falante natural usaria uma colocação aleatória, como As muié tava no banheiro que chamei. Esses dois exemplos sugerem que o falante, mesmo quando se afasta do português padrão aprendido nas escolas, tem o domínio de alguns princípios básicos que o sistema linguístico permite. Chamamos esse conjunto de princípios de gramática natural da língua. Veja o que afirma sobre ela Celso Pedro Luft, em seu livro Língua e liberdade: A gramática dos falantes é sempre completa: sistema de “todas as regras” necessárias para se poder falar. Mesmo a criança de cinco ou seis anos já fala com desembaraço, e o mais humilde dos analfabetos, necessariamente dominam a gramática completa que preside seus atos da fala. Do contrário, não haveria como falar. Naturalmente, há variantes de gramática, conforme o grau de cultura ou nível sociocultural do falante; mas todas elas, mesmo a de nível mais baixo, são completas em si, dispõem de todos os elementos de que as pessoas necessitam para fazer frases e comunicar-se. LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade. 8ª ed., Fundamentos, Ática, 2003.
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Ao se observarem as frases (a), (b) e (c), ao lado, pode-se concluir que cada uma delas pode ser representativa de uma variedade linguística vistas da seguinte forma: (a) representativa da variedade linguística mais prestigiada socialmente: podemos chamá-la variedade padrão. (b) representativa de uma variedade linguística mais comum, mesmo em pessoas mais instruídas, em situações que exigem menor monitoramento da fala: poderemos chamá-la variedade informal. (c) representativa de uma variedade linguística menos prestigiada socialmente, e até malvista por uma boa parte dos falantes: poderemos chamá-la de variedade “iletrada”.
Se compreendemos o conceito de gramática natural, o que seria uma gramática artificial e de que forma ambas se distinguem? Voltemos às três frases que analisávamos há pouco. (a) As mulheres que chamei estavam no banheiro. (b) As mulheres que chamei tavam no banheiro. (c) As muié que chamei tava no banheiro. A fala das pessoas escolarizadas no Brasil tende a privilegiar a frase (b): o verbo estar não tem sua primeira sílaba comumente pronunciada. No entanto, as mesmas pessoas instruídas, quando se põem a escrever em situações mais monitoradas da linguagem, preferem a frase (a). Por que isso ocorre? Basicamente porque, de todas as variantes gramaticais que o sistema linguístico permite, existe uma mais prestigiada socialmente: aquela que costuma ser usada nos livros, nos textos da imprensa profissional, nos escritos científicos, por exemplo. Como ela não é natural (nenhum brasileiro saí por aí expelindo mesóclises nos churrascos), deve ser assimilada por meio de seu estudo específico. É aquela que aprendemos nas escolas, e que assimilamos ao lermos textos que a utilizam. Chamamos essa gramática artificial de gramática normativa, característica da língua padrão. A norma-padrão da língua portuguesa é aquele conjunto de regras definidas e selecionadas para comporem os textos oficiais e dificilmente é assimilada sem que seja detalhadamente estudada. A oposição entre gramática natural e língua portuguesa padrão já foi tema entre nossos escritores modernistas: Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido
Oswald de Andrade foi um dos poetas modernistas que mais defenderam a identidade linguística nacional.
Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro ANDRADE, Oswald de. Pronominais. In: Pau-brasil.
Vê-se que, ainda que o português padrão oriente o uso da ênclise (Dê-me) no início das orações, o mais natural a um falante do português brasileiro é a próclise (Me dá), embora ela não seja padrão. Disso, só se pode concluir que o português padrão é uma convenção, conhecida ou não, pelos falantes. Entender e estudar o português padrão (ou norma-padrão) não quer dizer que dela se fará uso nas diversas situações do dia a dia: apenas é uma forma de se conhecer mais um recurso da língua. Uma vez que é essa modalidade padrão que é cobrada em exames e é exigida na redação de textos mais formais, o domínio do padrão-língua se faz necessário como forma de ampliação das possibilidades linguísticas de cada usuário. Infelizmente, o português padrão está bem distante (e por isso mesmo às vezes soa anacrônico, ultrapassado, difícil e inútil) da forma como falam os cidadãos médios (e mesmo os mais instruídos) neste país. O que deve ficar, de toda essa discussão, é que há uma gramática natural (conhecida por todos os usuários da língua) e uma gramática artificial (norma-padrão), sendo que esta última é que costuma ser difícil aos estudantes. Deve-se evitar, dentro das concepções linguísticas mais modernas, a dicotomia português certo x português errado. O que há é uma modalidade padrão e diversas outras que se desviam desse padrão (desvios), mas que podem ser melhores, mais eficientes e mais comunicativas, a depender da situação linguística em que o falante se encontra. 30
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(a) As mulheres que chamei estavam no banheiro. (padrão) (b) As mulheres que chamei tavam no banheiro. (desvio) (c) As muié que chamei tava no banheiro. (desvio) Assim, nas três sentenças acima, diz-se que apenas (a) está dentro da língua padrão, ao passo que (b) e (c) são desvios, mais ou menos agudos, deste padrão. Evite-se dizer, pois, que (b) e (c) estão erradas: são apenas modalidades linguísticas diferentes da padrão.
FUNÇÕES DA NORMA-PADRÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA 8.
A necessidade de uma norma-padrão surge da busca de uma única variante linguística que tenha circulação por todo o território e conduza as transformações, unificando e neutralizando a variação, sem, no entanto, negá-la. A escolha da normapadrão no Brasil esteve fundamentada na escrita literária do século 19, sendo esta, por sua vez, inspirada na escrita literária dos autores portugueses. Dessa forma, a norma-padrão – que deveria ter por característica a facilidade de assimilação e de compreensão pelos segmentos médios da sociedade, sempre esteve ligada à escrita de uma elite intelectual que conduziu a formação do Estado brasileiro. Não à toa, ela também é chamada por alguns de “norma culta”, carregando uma visão implícita de que as outras normas linguísticas não totalmente guiadas por ela representariam algum tipo de falar inculto, ainda que cumprissem o papel de socialização e de comunicação. A norma-padrão teria, portanto, um papel de homogeneizar a variação, sobretudo na escrita, em que os comunicantes não têm à disposição mecanismos de esclarecimento que evitem o surgimento de ruídos na comunicação. Sinteticamente, ela deveria facilitar o efeito socializador da língua. Um dos problemas que se tem em relação aos aspectos normativos da língua padrão é seu distanciamento em relação à realidade quando confrontada com os fatos da língua. Tomemos alguns exemplos:
É comum que se denomine a norma-padrão da língua como “norma culta”. Tal expressão carrega uma visão de língua equivocada e sem embasamento científico. Pressupõe-se que a norma culta seria aquela usada por pessoas escolarizadas (cultas, portanto). Porém, já vimos que mesmo pessoas com bom domínio das regras da gramática artificial optam, conscientemente, por não usá-las em diversas situações. Provavelmente você já sabe que a próclise não é admitida no início de orações, como em “Me empresta o livro”, mas prefere continuar falando assim. É improvável que, após aprender esta regra na escola, você passe a dizer “Empresta-me o livro”. Você é inculto por isso? Provavelmente, também já sabe que haverá situações em que apenas a modalidade padrão deverá ser usada.
Regência do verbo assistir Nos estudos de regência verbal, aprende-se que o verbo assistir é transitivo indireto no sentido de “ver, presenciar evento como espectador”, exigindo uma preposição a em seu complemento e não admitindo voz passiva. Assim, seriam viciosas (ou incorretas) as seguintes construções: Assistimos um filme juntos ontem. (construção viciosa) O jogo foi assistido por milhares de espectadores. (construção passiva: viciosa) Tais construções deveriam ser substituídas pela preconizada pela norma-padrão vigente, da seguinte forma: Assistimos a um filme juntos ontem. (construção padrão) O jogo foi visto por milhares de espectadores. (construção passiva: padrão) Milhares de espectadores assistiram ao jogo. (construção padrão) Nas mesmas aulas de regência, sugere-se por vezes que assistir, quando usado sem preposição, teria o sentido de auxiliar, ajudar, amparar, prestar auxílio ou dar assistência e que, portanto, a ausência da preposição a poderia causar confusão ou falta de clareza no entendimento. Não apenas tal argumento está em dissonância com a realidade como passa a ser cada vez mais observado, mesmo na linguagem jornalística e científica, o uso da preposição a, sem que nenhum erro comunicativo ocorra. PORTUGUÊS
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uso do pronome reto como objeto Quando somos apresentados ao quadro de pronomes pessoais, aprendemos que os pronomes ele, ela, eles e elas são pronomes do caso reto, ou seja, devem ser usados como sujeito; e também que são pronomes oblíquos tônicos, isto é, que devem ser usados em construções sintáticas após preposições. Por exemplo: Ele estava na festa. (pronome reto: sujeito) Conversei com ele ontem. (pronome oblíquo tônico: objeto, após preposição) Observe agora a sentença abaixo. Encontrei ele na festa. O pronome ele está exercendo função de objeto direto (o sujeito é elíptico, eu), mas não está preposicionado. A norma-padrão condena esse uso, prescrevendo para tal situação a seguinte sentença, com um pronome átono: Encontrei-o na festa. Apesar da insistência da gramática normativa, os falantes (mesmo os mais escolarizados) continuam empregando o pronome sujeito na função de objeto, sem preposição (vi ele, cumprimentei ela, não trouxe ele, vou vender elas). Em qualquer ciência, quando determinada teoria não se sustenta ao ser confrontada com os fatos, ela precisa ser substituída por outra teoria, mais eficiente. É assim que os modelos atômicos foram evoluindo, por exemplo. No entanto, o que acontece quando as teorias sobre pronomes são confrontadas com a realidade dos fatos? Aprendemos que os fatos estão errados, e que a teoria está certa. Não há ciência que sobreviva a esse raciocínio. O modelo atômico de Rutherford, conhecido como modelo planetário, foi muito popular no início do século 20. Incapaz de explicar os fenômenos observados nas décadas seguintes, foi substituído pelo modelo quântico.
Por meio desses exemplos, nosso objetivo foi mostrar que existe uma discrepância entre como a língua é (fatos da língua) e como alguns defendem que ela deve ser (gramática normativa). É evidente que é papel da escola – e dos professores de língua portuguesa – ensinar a norma-padrão ao estudante, até para possibilitar-lhe acesso à modalidade linguística mais prestigiada socialmente. Mas isso não será feito com desprezo pelos fatos da língua, ou pela desconsideração da diversidade do patrimônio linguístico nacional. 9.
PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Para complementar nosso estudo sobre a variação linguística, é necessário que se entenda como a existência de um padrão linguístico não exclui as demais variedades que a língua admite. Já foi dito que inúmeros fatores contribuem para tal variação: tempo, espaço, sociedade e situação devem ser levados em consideração para compreendermos a complexidade do fenômeno linguístico. Entretanto, apesar da compreensão de que uma das variedades linguísticas, que denominamos norma-padrão, acaba recebendo maior prestígio socialmente, há outro lado perverso da imposição dessa norma em todas as situações sociais: o preconceito linguístico. Para ilustrar como ele se dá, vamos pensar em quatro situações diferentes:
Esta placa foi colocada na Igreja do Carmo, na cidade do Porto, em Portugal, antes da reforma ortográfica que ocorreu no país em 1911.
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a) Você está em Portugal e, de repente, depara com a seguinte frase: “Estudámos ontem fenómenos dos mais diversos géneros”. Antes de prosseguirmos é bom ressaltar que, apesar da existência de um Acordo Ortográfico que aproximou as grafias oficiais dos países lusófonos, tal acordo não unificou totalmente as ortografias. Na frase apresentada, é possível verificar algumas das distinções ortográficas entre o português europeu e o brasileiro que ainda persistem: os portugueses ainda distinguem as formas da 1ª pessoa do plural no presente do indicativo e no pretérito perfeito do indicativo – eu
amo, nós amamos; eu amei, nós amámos. Algumas vogais que pronunciamos com timbre fechado no Brasil recebem acento circunflexo: fenômenos, gêneros. Entretanto, os portugueses as pronunciam com timbre aberto, e por isso elas recebem o acento agudo: fenómenos, géneros. Qual das duas grafias (a europeia ou a brasileira) é correta? Faz sentido essa pergunta? Ou podemos dizer que ambas atendem ao propósito de registrar as palavras, variando apenas o espaço em que elas são usadas? b) Você está em 1808 e, ao abrir um jornal, depara com o seguinte texto: “O primeiro dever do homem em sociedade he ser util aos membros della; e cada um devem segundo suas forças Phisicas, ou Moraes, administrar, em beneficio da mesma, os conhecimentos, ou talentos, que a natureza, a arte, ou a educaçaõ lhe prestou. O individuo, que abrange o bem geral d’uma sociedade, vem a ser o membro mais distincto della: as luzes, que elle espalha, tîram das trevas, ou da illusaõ, aquelles, que a ignorancia precipitou no labyrintho da apathia, da inepcia, e do engano.” (Correio Braziliense, de junho 1808.) c) Em uma conversa por aplicativo de mensagens instantâneas, você lê a seguinte sentença: “Pq vc não tava lá? Preciso fala ctg”. d) Em um cartaz numa loja da periferia, você lê: “Liqidacão: agua de côco, melânsia e sebola pela metade do presso”. Em todas as situações acima, é possível verificar usos da ortografia que divergem daquele vigente, hoje, no Brasil. Na situação (a), percebe-se a variação geográfica da ortografia, que apresenta distinções em Portugal em relação à ortografia brasileira. Em (b), nota-se como a ortografia, aqui mesmo no Brasil, era diferente dois séculos atrás. Em (c), admitem-se, sem prejuízo ao entendimento do registro do pensamento, diferentes representações da ortografia, a depender da situação que envolve o falante. Por que, então, a variação ortográfica percebida na situação (d) é ridicularizada e as demais são aceitas como normais? Em outras palavras, por que aceitamos com facilidade que a ortografia possa variar no tempo, no espaço e nas situações comunicativas, mas não aceitamos sua variação social, se tal variação pode gerar um mesmo efeito comunicativo? Quando se diz “aceitar”, aqui, não se está falando sobre transformar a variedade vista em (d) em ortografia oficial, apenas em reconhecê-la como uma manifestação da diversidade de representações que o sistema ortográfico autorizaria. Ou seja, por que “cebola” é melhor do que “sebola”? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer: a grafia oficial “cebola” é a única aceita nas situações mais monitoradas de linguagem, porque está de acordo com a variedade padrão. Associamos normalmente uma visão negativa àquelas variedades linguísticas diversas das que habitualmente usamos. Em síntese, tudo bem grafar “por que” como “pq”, em algumas situações, mas “pruquê” já seria inaceitável. Por quê? Pq? Pruquê? Chamamos de preconceito linguístico a visão que ridiculariza, diminui ou nega as variedades linguísticas de qualquer falante que tenta se expressar por meio da língua. É uma forma de se manifestarem preconceitos sociais, geográficos ou geracionais. Até pouco tempo atrás, empregadas domésticas não podiam usar elevador social em vários edifícios no Brasil: somente poderiam usar o elevador de serviço, mesmo que não estivessem transportando carga. Nordestinos ainda sofrem com a xenofobia em algumas regiões do país: são caracterizados como preguiçosos, barulhentos, intelectualmente inferiores. Uma das formas de se manifestar o preconceito é por meio da língua. No Brasil, ainda é comum ouvirmos frases como “Ele fala tudo errado” ou “O sotaque nordestino é muito irritante”, “Fulano não sabe falar”, ou mesmo “Os portugueses é que falam o português certo”. Tais afirmações escondem uma visão apequenada sobre o fenômeno linguístico, que autorizaria a apropriação da língua por alguns poucos, negando-a em sua plenitude aos demais. Apontamos o “erro de português” do outro, como se fôssemos os puristas da língua, como se não disséssemos “Me dá isso” ou “Vou encontrar eles hoje”. É um preconceito que se volta contra o próprio falante, porque todos, em algum momento, se desviarão da norma prescrita como modelo ideal de língua.
Para saber mais sobre preconceito linguística, veja a entrevista do professor doutor em Linguística José Luiz Fiorin, dada para a Univesp TV em 2011, quando surgiu uma polêmica no país sobre um livro que tratava do assunto.
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É preciso compreender a realidade linguística em sua plenitude, para que reconheçamos as inúmeras variedades (sociais, regionais, temporais e situacionais) como formadoras do grande mosaico que é a língua portuguesa. A língua só tem a ganhar com esse reconhecimento, porque as variedades linguísticas não são isoladas: elas interagem, influenciam-se mutuamente, levando o português a uma direção de conservação do que é perene e de evolução do que é transitório. Dizer que as mesóclises (Encontrar-te-ei) são uma realidade permanente da língua é ignorar que as línguas – todas – conservam sua essência e abandonam o desnecessário. Em tempo: Te encontrarei não é português padrão; Encontrarei-te também não. Se não é a norma-padrão a modalidade exigida, que mal essas construções geram para a compreensão da frase? Para quem preferir uma linguagem menos científica: estão erradas; tão erradas (mas tão eficientes do ponto de vista comunicativo) quanto Tem menas gente na sala. Mas o erro do outro é sempre mais grave do que o que cometemos: é essa negação do falar “iletrado”, das pessoas menos escolarizadas, que precisa ser repensada e combatida. Porque “erros” todos cometemos. A língua portuguesa não pode ser apropriada por quem só faz vista grossa para seus próprios “erros”: não pode ser (mais um) instrumento de exclusão. EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (ENEM) Naquela manhã de céu limpo e ar leve, devido à chuva torrencial da noite anterior, saí a caminhar com o sol ainda escondido para tomar tenência dos primeiros movimentos da vida na roça. Num demorou nem um tiquinho e o cheiro intenso do café passado por Dona Linda me invadiu as narinas e fez a fome se acordar daquela rema letárgica derivada da longa noite de sono. Levei as mãos até a água que corria pela bica feita de bambu e o contato gelado foi de arrepiar. Mas fui em frente e levei as mãos em concha até o rosto. Com o impacto, recuei e me faltou o fôlego por alguns instantes, mas o despertar foi imediato. Já aceso, entrei na cozinha na buscação de derrubar a fome e me acercar do aconchego do calor do fogão à lenha. Foi quando dei reparo da figura esguia e discreta de uma senhora acompanhada de um garoto aparentando uns cinco anos de idade já aboletada na ponta da mesa em proseio íntimo com a dona da casa. Depois de um vigoroso “Bom dia!”, de um vaporoso aperto de mãos nas apresentações de praxe, fiquei sabendo que Dona Flor de Maio levava o filho Adão para tratamento das feridas que pipocavam por seu corpo, provocando pequenas pústulas de bordas avermelhadas. GUIÃO, M. Disponível em: www.revistaecologico.com.br. Acesso em: 10 mar. 2014 (adaptado)
A variedade linguística da narrativa é adequada à descrição dos fatos. Por isso, a escolha de determinadas palavras e expressões usadas no texto está a serviço da: (A) localização dos eventos de fala no tempo ficcional (B) composição da verossimilhança do ambiente retratado. (C) restrição do papel do narrador à observação das cenas relatadas. (D) construção mística das personagens femininas pelo autor do texto. (E) caracterização das preferências linguísticas da personagem masculina. Gabarito: B Uma vez que o texto está voltado para o retrato de um ambiente rural, a linguagem aproxima-se da realidade do ambiente, e manifesta-se numa variedade linguística regional e social: o retrato do ambiente rural por meio da linguagem das pessoas iletradas que nele vivem manifesta-se por elementos de linguagem (Num demorou nem um tiquinho, por exemplo).
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2. (ENEM)
Zé Araújo começou a cantar num tom triste, dizendo aos curiosos que começaram a chegar que uma mulher tinha se ajoelhado aos pés da santa cruz e jurado em nome de Jesus um grande amor, mas jurou e não cumpriu, fingiu e me enganou, pra mim você mentiu, pra Deus você pecou, o coração tem razões que a própria razão desconhece, faz promessas e juras, depois esquece. O caboclo estava triste e inspirado. Depois dessa canção que arrepiou os cabelos da Neusa, emendou com uma valsa mais arretada ainda, cheia de palavras difíceis, mas bonita que só a gota serena. Era a história de uma boneca encantadora vista numa vitrine de cristal sobre o soberbo pedestal. Zé Araújo fechava os olhos e soltava a voz: Seus cabelos tinham a cor / Do sol a irradiar / Fulvos raios de amor. / Seus olhos eram circúnvagos / Do romantismo azul dos lagos / Mãos liriais, uns braços divinais, / Um corpo alvo sem par / E os pés muito pequenos. / Enfim eu vi nesta boneca / Uma perfeita Vênus. CASTRO, N. L. As pelejas de Ojuara o homem que desafiou o diabo. São Paulo: Arx, 2006 (adaptado).
O comentário do narrador do romance “[…] emendou com uma valsa mais arretada ainda, cheia de palavras difíceis, mas bonita que só a gota serena” relaciona-se ao fato de que essa valsa é representativa de uma variedade linguística: (A) detentora de grande prestígio social. (B) específica da modalidade oral da língua. (C) previsível para o contexto social da narrativa. (D) constituída de construções sintáticas complexas. (E) valorizadora do conteúdo em detrimento da forma. Gabarito: A As “palavras difíceis” mencionadas no texto referem-se a uma das características da variedade linguística formal escrita, preocupada com o alinhamento com a norma-padrão e com uma seleção lexical mais refinada. Tal variedade, ainda que não compreendida pelos ouvintes na situação apresentada, é detentora de grande prestígio social, por denotar instrução, escolaridade e por ser associada às pessoas ditas cultas.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (ENEM) Falso moralista Você condena o que a moçada anda fazendo e não aceita o teatro de revista arte moderna pra você não vale nada e até vedete você diz não ser artista Você se julga um tanto bom e até perfeito Por qualquer coisa deita logo falação Mas eu conheço bem o seu defeito e não vou fazer segredo não Você é visto toda sexta no Joá e não é só no Carnaval que vai pros bailes se acabar Fim de semana você deixa a companheira e no bar com os amigos bebe bem a noite inteira Segunda-feira chega na repartição pede dispensa para ir ao oculista E vai curar sua ressaca simplesmente Você não passa de um falso moralista NELSON SARGENTO. Sonho de um sambista. São Paulo: Eldorado, 1979.
As letras de samba normalmente se caracterizam por apresentarem marcas informais do uso da língua. Nessa letra de Nelson Sargento, são exemplos dessas marcas: (A) “falação” e “pros bailes”. (B) “você” e “teatro de revista”. (C) “perfeito” e “Carnaval”. (D) “bebe bem” e “oculista”. (E) “curar” e “falso moralista”. 02. (ENEM 2021) Os linguistas têm notado a expansão do tratamento informal. "Tenho 78 anos e devia ser tratado por senhor, mas meus alunos mais jovens me tratam por você", diz o professor Ataliba Castilho, aparentemente sem se incomodar com a informalidade, inconcebível em seus tempos de estudante. O você, porém, não reinará sozinho. O tu predomina em Porto Alegre e convive com o você no Rio de Janeiro e em Recife, enquanto você é o tratamento predominante em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. O tu já era mais próximo e menos formal que você nas quase 500 cartas do acervo on-line de uma instituição universitária, quase todas de poetas, políticos e outras personalidades do final do século XIX e início do XX. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br. Acesso em: 21 abr. 2015 (adaptado).
No texto, constata-se que os usos de pronomes variaram ao longo do tempo e que atualmente têm empregos diversos pelas regiões do Brasil. Esse processo revela que: (A) a escolha de “você” ou de “tu” está condicionada à idade da pessoa que usa o pronome. (B) a possibilidade de se usar tanto “tu” quanto “você” caracteriza a diversidade da língua. (C) o pronome “tu” tem sido empregado em situações informais por todo o país. (D) a ocorrência simultânea de “tu” e de “você” evidencia a inexistência da distinção entre níveis de formalidade. (E) o emprego de “você” em documentos escritos demonstra que a língua tende a se manter inalterada.
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03. (IBMEC adaptada) Mais importante do que falar correto, é saber escolher a variante linguística adequada a cada situação concreta de comunicação. Assinale a alternativa em que a variante linguística não é compatível com o gênero do texto indicado entre parênteses. (A) “Nada pior para uma boa causa do que maus defensores: é o que ocorre com a ecologia.” (Introdução a um texto dissertativo) (B) “Tu que tá acostumado a esculachá os outro e ganhá os cara na manha, te manca, que a tua hora vai chegá.” (Ameaça feita por um morador de periferia a um desafeto da mesma região e classe social) (C) “Onde tem teatro, nós estamos por trás. Nos últimos quatro anos, a Volkswagen investiu R$ 27 milhões em projetos culturais como: teatro, música, exposições de arte, cinema e literatura. Não é favor, é nossa obrigação.” (Anúncio publicitário veiculado em revista de artes) (D) “A história que começou há cinco séculos, nestas praias de Porto Seguro, deu origem a uma das grandes nações do mundo. Um país que nos orgulha pelo que já é, e nos inspira e desafia por tudo aquilo que pode vir a ser. Como toda criança, eu imagino, foi a geografia, antes da história, que primeiro me deu o sentimento de grandeza do Brasil.” (Discurso de uma autoridade numa comunicação solene) (E) “Ontem, quando cheguei em casa, aborreci-me com a notícia de que não havia água. Como agravante, esclareça-se que já faziam cinco dias que o líquido precioso nos faltara. Custou-me conciliar com o sono sem o conforto de um banho.” (Fala de um senhor de estrato social elevado, apegada à rigidez gramatical) 04. (UNESP 2020)
Constituem exemplos de linguagem formal e de linguagem coloquial, respectivamente, as seguintes falas: (A) “Ah, estou morrendo de pena...” e “Ainda vou trabalhar a noite inteira no Iraque, meu rapaz.” (B) “Me adianta essa, vai...” e “É cedo para mim.” (C) “O importante é trabalhar com o que a gente gosta.” e “Posso lhe dar um emprego bem melhor...” (D) “É cedo para mim.” e “Posso lhe dar um emprego bem melhor...” (E) “Posso lhe dar um emprego bem melhor...” e “Me adianta essa, vai...” 05. (ENEM) Texto I Entrevistadora – eu vou conversar aqui com a professora A. D. ... o português então não é uma língua difícil? Professora – olha se você parte do princípio... que a língua portuguesa não é só regras gramaticais... não se você se apaixona pela língua que você... já domina que você já fala ao chegar na escola se o teu professor cativa você a ler obras da literatura. ... obras da/dos meios de comunicação... se você tem acesso a revistas... é... a livros didáticos... a... livros de literatura o mais formal o e/o difícil é porque a escola transforma como eu já disse as aulas de língua portuguesa em análises gramaticais. Texto II Entrevistadora – Vou conversar com a professora A. D. O português é uma língua difícil? Professora – Não, se você parte do princípio que a língua portuguesa não é só regras gramaticais. Ao chegar à escola, o aluno já domina e fala a língua. Se o professor motivá-lo a ler obras literárias, e se tem acesso a revistas, a livros didáticos, você se apaixona pela língua. O que torna difícil é que a escola transforma as aulas de língua portuguesa em análises gramaticais. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001 (adaptado).
O Texto I é a transcrição de uma entrevista concedida por uma professora de português a um programa de rádio. O Texto II é a adaptação dessa entrevista para a modalidade escrita. Em comum, esses textos
Malvados, 2008.
(A) apresentam ocorrências de hesitações e reformulações. (B) são modelos de emprego de regras gramaticais. (C) são exemplos de uso não planejado da língua. (D) apresentam marcas da linguagem literária. (E) são amostras do português culto urbano.
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06. (ENEM) A expansão do português no Brasil, as variações regionais com suas possíveis explicações e as raízes das inovações da linguagem estão emergindo por meio do trabalho de linguistas que estão desenterrando as raízes do português brasileiro ao examinar cartas pessoais e administrativas, testamentos, relatos de viagens, processos judiciais, cartas de leitores e anúncios de jornais desde o século XVI, coletados em instituições como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Público do Estado de São Paulo. No acervo de documentos que servem para estudos sobre o português paulista está uma carta de 1807, escrita pelo soldado Manoel Coelho, que teria seduzido a filha de um fazendeiro. Quando soube, o pai da moça, enfurecido, forçou o rapaz a se casar com ela. O soldado, porém, bateu o pé: “Nem por bem, nem por mar!”, não se casaria. Um linguista pesquisador estranhou a citação, já que o fato se passava na Vila de São Paulo, mas depois percebeu: “Ele quis dizer ‘nem por bem, nem por mal!’. O soldado escrevia como falava. Não se sabe se casou com a filha do fazendeiro, mas deixou uma prova valiosa de como se falava no início do século XIX.” FIORAVANTI, C. Ora pois, uma língua bem brasileira. Pesquisa Fapesp, n. 230, abr. 2015 (adaptado).
O fato relatado evidencia que fenômenos presentes na fala podem aparecer em textos escritos. Além disso, sugere que (A) os diferentes falares do português provêm de textos escritos. (B) o tipo de escrita usado pelo soldado era desprestigiado no século XIX. (C) os fenômenos de mudança da língua portuguesa são historicamente previsíveis. (D) as formas variantes do português brasileiro atual já figuravam no português antigo escrito. (E) as origens da norma-padrão do português brasileiro podem ser observadas em textos antigos. 07. (FUVEST) Um restaurante, cujo nome foi substituído por Y, divulgou, no ano de 2015, os seguintes anúncios: I
II
RESTAURANTE Y
EXECUTIVO DO FRANCÊS
A 10 anos, nosso Chef cria pra você 2 saborosas opções de entradas, 3 pratos e 2 sobremesas por ,75
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RESTAURANTE Y
EXECUTIVO DO FRANCÊS
46,75
Criações diárias do nosso Chef pra você 2 opções de entradas, pratos e sobremesas
A) Na redação do anúncio II, evitou-se um erro gramatical que aparece no anúncio I. De que erro se trata? Explique.
B) Tendo em vista o caráter publicitário dos textos, com que finalidade foi usada, em ambos os anúncios, a forma “pra”, em lugar de “para”?
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FUNÇÕES DA LINGUAGEM Introdução Nos capítulos anteriores, discutimos a linguagem e a língua como instrumentos sociais de comunicação. Já dissemos que a linguagem é uma das capacidades mais complexas do ser humano, e ela o auxilia a cumprir inúmeras finalidades. Nós a usamos para expressar nossos sentimentos, para interferirmos na esfera de ação ou de pensamento do interlocutor, para informar, para estabelecer contato com outras pessoas, para a expressão estética e mesmo para refletir sobre a própria linguagem. Por isso, dizemos que a linguagem apresenta funções, objetivos. Durante muito tempo, as teorias de funções da linguagem traziam apenas três funções reconhecidas: expressar emoções, persuadir e informar. No entanto, o desenvolvimento dos estudos linguísticos nos fez concluir que há outras atividades para as quais se volta a comunicação. Na leitura de um texto, é fundamental ser capaz de avaliar os objetivos do enunciador, o que ele deseja atingir com aquele texto que escolheu para se comunicar. Em razão disso, é necessário investigar as funções da linguagem que estão associadas ao enunciado, sobretudo aquelas que predominam, pois elas têm muito a nos dizer sobre o gênero textual, o tipo textual, e a informação veiculada. A fim de que se estudem as diversas funções da linguagem, precisamos analisar, previamente, os elementos da comunicação. É o que faremos neste capítulo: estudar os elementos da comunicação e analisar as funções da linguagem. 1.
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Elementos da comunicação 2. As funções da linguagem
ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO
Para que, de fato, se estabeleça a comunicação, é fundamental a presença de seis elementos: um emissor, um receptor, um referente, um canal de comunicação, um código e uma mensagem. Chamamos de emissor ao sujeito enunciador, àquele que deseja dirigir a outro ser alguma informação comunicada. Este, destinatário do enunciado, será o receptor. Trata-se de conceitos bem intuitivos. Numa carta, por exemplo, o remetente é o emissor, e o destinatário é o receptor. Numa aula tradicional, normalmente o professor é o emissor, e o aluno é o receptor. O referente é o contexto comunicativo, o conteúdo que o emissor deseja transmitir ao receptor. Pode-se escrever uma carta, por exemplo, cujo referente seja uma viagem que o emissor deseja relatar ao receptor. O canal de comunicação é o meio utilizado pelo emissor para se comunicar com o receptor. A fala é um canal possível, assim como a escrita, que pode se dar por meio de um bilhete, de uma carta, de um artigo à comunidade científica, para ficar em apenas alguns exemplos. O código é o conjunto padronizado de sinais, de signos, que deve ser compartilhado pelo emissor e pelo receptor. Na comunicação entre surdos ou deficientes auditivos, por exemplo, o código pode ser a língua portuguesa escrita, ou a língua brasileira de sinais. O fundamental é que tanto emissor quanto receptor compartilhem desse código, sob pena de a comunicação não se estabelecer. Por fim, após codificar o referente e transferi-lo ao receptor, haverá a formação de uma mensagem, que é, efetivamente, a informação transmitida. Não se confunde a mensagem com o referente, pois um mesmo conteúdo (referente) pode gerar mensagens bem diferentes.
Roman Osipovitch Jakobson (1896-1982) foi um importante pensador e linguista russo. Sua teoria dos elementos e das funções da comunicação é a mais difundida e cobrada nos exames seletivos.
Teu vovô bateu as botas agorinha. Teu avô faleceu faz pouco. Ainda há pouco, teu avô passou desta para uma melhor. PORTUGUÊS
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Note-se que há, na mensagem, um privilégio à forma, ao passo que, no referente, a ênfase é no conteúdo. Das informações acima passadas, pode-se esquematizar o processo comunicativo da seguinte forma: REFERENTE
O emissor dirigi-se a um receptor por meio de um canal comunicativo. Deseja comunicar algo (referente) e, para isso, elege um código que ambos compreendam, elaborando uma mensagem, entregue ao seu interlocutor.
EMISSOR
CANAL
MENSAGEM
RECEPTOR
CÓDIGO
ELEMENTO DA COMUNICAÇÃO
DESCRIÇÃO
emissor
aquele que usa a linguagem para comunicar alguma ideia.
receptor
aquele a quem o emissor se dirige; o destinatário da informação transmitida.
referente (ou contexto)
o assunto comunicado; a informação a ser transmitida; o conteúdo a ser informado.
canal
o meio físico que possibilita a interação entre emissor e receptor.
código
a linguagem ou a língua usada; um sistema de comunicação compartilhado por emissor e receptor.
mensagem
a forma dada ao referente; o fragmento de linguagem que chega ao receptor
Qual é o objetivo do conhecimento desses elementos da comunicação? É importante entender que, quando usamos a linguagem, por vezes, alguns elementos acabam se sobressaindo em relação aos outros. Por exemplo, o emissor pode, em determinado momento, usar a linguagem para expressar suas emoções, seus sentimentos, suas aspirações, e, neste caso, o emissor acaba ficando em evidência durante o processo comunicativo. Em outro caso, pode ser que o emissor se apague, e utilize uma linguagem bem precisa para comunicar um fato (numa reportagem de jornal, por exemplo), o que ressaltaria o referente em relação aos demais elementos comunicativos. Por isso, diz-se que, para cada elemento de comunicação, há uma função da linguagem associada. 2.
H19 – Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.
AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Do que dissemos até aqui, pode-se concluir que, se são seis os elementos do processo comunicativo, seis serão as funções da linguagem: emotiva (ou expressiva), conativa (ou apelativa), referencial (denotativa ou informativa), fática (ou de contato), metalinguística e poética (conotativa ou estética).Vamos estudá-las uma a uma.
Função emotiva (ou expressiva) A função emotiva (expressiva) da linguagem é aquela em que o emissor volta o processo comunicativo para si próprio com o objetivo de falar de si, de seus sentimentos, de suas emoções. Por isso, predomina uma linguagem subjetiva. Na teoria do conhecimento, costuma-se dizer que a informação é mais objetiva quando o foco está nas características próprias do objeto analisado. Quando se diz “A casa de meus pais tem 40
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uma fachada amarela”, prevalece a objetividade da informação, porque tais características são próprias do objeto analisado. Mas quando se diz “A fachada amarela da casa de meus pais me lembrava uma infância pálida que ali vivemos, resquícios daquela alegria que nunca sabemos mensurar quando está presente” a linguagem é subjetiva porque se foca mais no como os elementos externos afetam o interior do sujeito observador. É a função típica do texto lírico, isto é, do texto que traz o retrato das emoções de um eu lírico. Suas características principais são: presença da 1ª pessoa e de substantivos, adjetivos ou verbos que expressem sentimento. Está presente em muitas letras de música e poemas. FUNÇÃO EMOTIVA (OU EXPRESSIVA) Objetivo
Expressar sentimentos, impressões e emoções de quem fala
Elemento da comunicação evidenciado
Emissor
Marcas e características
1. Presença da 1ª pessoa do discurso. 2. Subjetividade de linguagem. 3. Substantivos, adjetivos e verbos relacionados a sentimentos e emoções. 4. Marcas emotivas (reticências, ponto de exclamação, interjeições).
Ocorrência frequente
Poesia lírica, canções, narrativas em tom memorialista, conversas sobre a vida pessoal.
Vejam-se exemplos de sua ocorrência: TEXTO 1 Meu pai dormia na rede, armada na sala enorme. Tudo é nebuloso. Paredes extraordinariamente afastadas, rede infinita, os armadores longe, e meu pai acordando, levantando-se de mau humor, batendo com os chinelos no chão, a cara enferrujada. Naturalmente não me lembro da ferrugem, das rugas, da voz áspera, do tempo que ele consumiu rosnando uma exigência. Sei que estava bastante zangado, e isto me trouxe a covardia habitual. Débil e ignorante, incapaz de conversa ou defesa, fui encolher-me num canto, para lá dos caixões verdes. Se o pavor não me segurasse, tentaria escapulirme: pela porta da frente chegaria ao açude, pela do corredor acharia o pé do turco. Só queria que minha mãe, sinhá Leopoldina, Amaro e José Baía surgissem de repente, me livrassem daquele perigo. Ninguém veio, meu pai me descobriu acocorado e sem fôlego, colado ao muro, e arrancou-me dali violentamente, reclamando um cinturão. Onde estava o cinturão? Impossível responder. Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as consequências delas me acompanharam. Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam os tímpanos com pontas de ferro. (...)
Observe como o texto se foca no plano subjetivo: o narrador, em 1ª pessoa, não se limita a narrar os fatos, mas traduz os efeitos das ações em seu plano interior. A expressividade da narrativa manifesta-se no viés intimista, subjetivo, pessoal e memorialista a que essa narrativa alude.
Adaptado de: RAMOS, Graciliano. Um Cinturão. In: Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. Org. MORICONI, Ítalo. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2000, p.144-146.
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TEXTO 2 Meu coração, não sei por quê, Bate feliz quando te vê E os meus olhos ficam sorrindo E pelas ruas vão te seguindo, Mas mesmo assim foges de mim.
Nessa canção, novamente o plano subjetivo é colocado em foco. O eu lírico expressa seu sentimento amoroso, revelando como a passagem do ser amado afeta seu plano interior. Aqui, é por meio do lirismo poético que a subjetividade da linguagem se manifesta.
Ah se tu soubesses Como sou tão carinhoso E o muito, muito que te quero. E como é sincero o meu amor, Eu sei que tu não fugirias mais de mim. PIXINGUINHA; BARRO, João de. Carinhoso. Canção.
Função conativa (ou apelativa) A função conativa (apelativa) da linguagem é aquela em que se evidencia o receptor, pois a linguagem é usada para obter dele algum comportamento, ou alguma mudança de comportamento. É chamada apelativa porque faz muito uso de verbos no imperativo, a fim de marcar as repreensões, as advertências, as ordens, os comandos, os pedidos, as súplicas, os apelos. Na função conativa, deseja-se que o receptor adote um novo comportamento ou que abandone comportamentos adquiridos. Por isso, a linguagem tem um tom prescritivo: prescreve-se, ou seja, comanda-se. Daí se associar normalmente o uso do imperativo. A linguagem conativa trabalha no plano do dever-ser: não se contenta em dizer como as coisas são, mas como o interlocutor deve conformar suas ações ou seu pensamento ao pedido, ao apelo do emissor. Suas características principais são: presença de vocativos, de verbos no imperativo, tirar da 2ª pessoa gramatical. É imprescindível no texto publicitário, por exemplo, ou ainda no texto injuntivo. FUNÇÃO CONATIVA (OU APELATIVA) Objetivo
Persuadir, interferir na esfera de ação ou de pensamento do interlocutor: fazê-lo fazer ou deixar de fazer, fazê-lo pensar ou deixar de pensar.
Elemento da comunicação evidenciado
Receptor.
Marcas e características
1. Presença da 2ª pessoa do discurso. 2. Linguagem prescritiva (comandos, ordens, passos, advertências). 3. Uso do imperativo e de outras formas verbais com sentido de imperativo. 4. Plano do dever-ser: como as coisas devem ser feitas, como o comportamento do receptor deve se conformar ao pedido do emissor.
Ocorrência frequente
Anúncios publicitários, textos instrucionais, textos argumentativos.
Textos injuntivos costumam vir acompanhados de etapas, procedimentos, passos que o receptor deve cumprir para que consiga atingir determinado objetivo. Em manuais de instalação, ou em receitas culinárias, é possível identificar os procedimentos discursivos injuntivos, também chamados instrucionais.
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RECEITA DE PUDIM DE LEITE CONDENSADO Ingredientes: 1 lata de leite condensado -1 lata de leite de vaca (medido na lata acima); 4 ovos inteiros. Modo de preparo: 1. Bata os ovos inteiros, muito bem. 2. Acrescente o leite condensado e o leite de vaca. 3. Bata novamente (rapidamente). 4. Coloque numa fôrma com calda queimada, que já deve estar pronta. 5. Coloque para assar em banho-maria.
Observe como os textos instrucionais buscam enumerar comandos para o interlocutor.
Disponível em: https://pt.wikibooks.org/wiki/Livro_de_receitas. Acesso em 29 de novembro de 2018.
Também o texto publicitário é muito lembrado quando se fala da função conativa ou apelativa da linguagem. O gênero caracteriza-se por tentar modificar comportamentos e hábitos do interlocutor e, para isso, faz uma série de sugestões, comandos, pedidos, convites. A linguagem apelativa e a publicidade estão praticamente geminadas.
Função referencial (informativa ou denotativa) A função referencial (denotativa ou informativa) é aquela em que o contexto informativo, isto é, o conteúdo (referente) é priorizado. Ao fazer uso dessa função, o enunciador tem por fim principal informar sobre fatos (reais ou não) e ideias. Como tem por foco o conteúdo, e não a forma, predomina nessa função a linguagem denotativa o teor informativo e, muitas vezes, utilitário. Por isso, está muito presente nos textos jornalísticos, nos textos didáticos, nas dissertações, nas narrativas não literárias. A linguagem referencial é caracterizada pela objetividade: o uso da 3ª pessoa põe em foco visões mais impessoais, o que confere também maior credibilidade à informação veiculada.Tal objetividade afasta a função referencial de usos mais conotativos e figurados, razão pela qual se busca a denotação na linguagem, isto é, o aproveitamento do sentido imediato da palavra, sem predomínio de passagens metafóricas ou figuradas, de sentido secundário, não imediato.
Em anúncios publicitários, a função conativa é muito presente. Observe as formas verbais e pronominais focadas no interlocutor (2ª pessoa do discurso: proteja-se, use, peque, sua).
FUNÇÃO REFERENCIAL (INFORMATIVA OU DENOTATIVA) Objetivo
Transmitir conhecimento, informar sobre acontecimentos reais ou não.
Elemento da comunicação evidenciado
Referente.
Marcas e características
1. Presença da 3ª pessoa do discurso. 2. Linguagem objetiva (foco na transmissão da informação, com sentido preciso e imediato nas palavras) com característica utilitária. 3. Prevalência da denotação. 4. Impessoalidade no discurso.
Ocorrência frequente
Texto jornalístico, texto científico, livros didáticos e discursos oficiais.
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Observe um exemplo de função referencial em textos científicos.
A função referencial da linguagem pode ser facilmente encontrada no texto ao lado: observe a precisão dos termos utilizados, a objetividade da linguagem e o foco na informação.
O princípio da incerteza consiste num enunciado da mecânica quântica formulado em 1927 por Werner Heisenberg. Tal princípio estabelece um limite na precisão com que certos pares de propriedades de uma dada partícula física, conhecidas como variáveis complementares (tais como posição e momento linear), podem ser conhecidos. Em seu artigo de 1927, Heisenberg propõe que em nível quântico quanto menor for a incerteza na medida da posição de uma partícula, maior será a incerteza de seu momento linear e vice-versa. O princípio da incerteza é um dos aspectos mais conhecidos da física do século XX e é comumente apresentado como um exemplo claro de como a mecânica quântica se diferencia das premissas elementares das teorias físicas clássicas. Isso porque na mecânica clássica quando conhecemos as condições iniciais conseguimos com precisão determinar o movimento e a posição dos corpos de forma simultânea. Ainda que o princípio da incerteza tenha sua validade restrita ao nível subatômico, ao inserir valores como indeterminação e probabilidade no campo do experimento empírico, tal princípio constitui uma transformação epistemológica fundamental para a ciência do século XX. Disponível em: https://pt.wikipedia.org. Acesso em 20 de novembro de 2018.
Função fática (de contato) A função fática (de contato) é aquela desprovida de conteúdo informativo imediato e serve, sobretudo, ao estabelecimento ou à ruptura da ligação entre emissor e receptor. Quando se cumprimenta alguém com um “bom dia!”, muitas vezes nem se pensa se o dia está bom ou não, e dificilmente o enunciador se vale da informação veiculada por essa frase. Sua intenção é, mormente, abrir um canal de comunicação, estabelecer contato com o interlocutor, sem lhe informar propriamente algo. Por isso, quando se sinaliza abertura do canal comunicativo (Oi! Olá! Como vai? Bom dia!...), manutenção desse mesmo canal por meio de palavras e de expressões de contato (né?, certo?, aham!, sim! Claro, claro!...) ou se fecha o canal (Até logo! Até mais! Tchau! Bom dia!...), está-se diante do uso dessa função da linguagem. Na fala é comum que se lance mão de diversos recursos com objetivo de manter o canal comunicativo aberto, ou mesmo de testar a permanência de sua abertura. Quando falamos, a interrupção do discurso (comum porque ele é elaborado simultaneamente ao pensamento) pode afastar o interlocutor: por isso, fazemos uso de instrumentos de preenchimento desses vácuos sonoros: “é...”, “ãh...”, “tipo...” são exemplos de muletas linguísticas, instrumentos que usamos para evitar a perda do canal comunicativo com o receptor: Ela (tipo...) veio com a mãe, e as duas (tipo...) estavam (meio que...) preocupadas, (sabe?), não sei com o quê, mas (sei lá...) elas (meio que...) não quiseram entrar em detalhes. Outro exemplo são os prolongamentos e estereótipos de apoio que visam a testar o canal, ou seja, verificar se o receptor está recebendo as informações ou se está em contato com o emissor. Eis alguns exemplos: né?, tá?, tá ok?, entendeu?. Muito comuns no discurso falado e eficientes na tentativa de manter a interação com o público-alvo, podem acabar se mostrando perniciosos quando usados em excesso, como quando um professor está dando aula e seus “nés” passam a ser o centro da atenção da aula. Nestas situações, é perceptível e evidente o deslocamento da linguagem de uma função referencial (o objetivo da aula deveria ser transmitir o conteúdo) para uma função fática (o foco passa a ser os testes de canal feitos pelo professor).
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FUNÇÃO FÁTICA (DE CONTATO) Abrir o canal comunicativo, mantê-lo aberto por reenchimento de lacunas discursivas, testar o canal, ou fechá-lo.
Objetivo Elemento da comunicação evidenciado
Canal.
Marcas e características
1. Função não informativa da linguagem (ou pobre de conteúdo informativo). 2. Estabelecimento de interações orais. 3. Muletas linguísticas, tiques discursivos, prolongamentos e estereótipos de apoio. 4. Interjeições de contato e de despedida.
Ocorrência frequente
Diálogos, palestras, aulas e exposições orais em geral.
Observe-se abaixo o uso da função fática em alguns trechos do diálogo. Ele: Pois é. Ela: Pois é o quê? Ele: Eu só disse pois é! Ela: Mas “pois é” o quê? Ele: Melhor mudar de conversa porque você não me entende. Ela: Entender o quê? Ele: Santa virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto e já! Ela: Falar então de quê? Ele: Por exemplo, de você. Ela: Eu!? Ele: Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala de gente. Ela: Desculpe, mas não acho que sou muito gente. Ele: Mas todo mundo é gente, meu deus! Ela: É que não me habituei. Ele: Não se habituou com quê? Ela: Ah, não sei explicar. Ele: E então? Ela: Então o quê? Ele: Olhe, eu vou embora porque você é impossível! Ela: É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que é que eu faço para conseguir ser possível?
Em A hora da estrela, Clarice Lispector apresenta a personagem Macabéa, jovem alagoana que vive no Rio de Janeiro. Apaixona-se por Olímpico, com quem trava o diálogo ao lado. Observe como a autora traduz o vazio comunicativo entre os dois, por meio de um diálogo em que se evidencia a função fática da linguagem.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela.
Função metalinguística A função metalinguística é aquela em que a linguagem é usada para informar algo de si mesma. O código usado fica em evidência por ser o próprio objeto de análise da linguagem. Enquanto se lê este texto, evidencia-se essa função, pois a linguagem, agora, não é usada senão para descrever a si própria. Qualquer linguagem que busca o entendimento da própria linguagem configura o que se denomina metalinguagem. Assim, quando um livro começa a falar de si mesmo; um filme passa a analisar a linguagem cinematográfica; a televisão começa a discutir, em um programa, o seu papel; um dicionário usa palavras para descrever as próprias palavras; uma frase busca analisar uma palavra ou expressão; enfim, em todos esses casos, tem-se a função metalinguística. Como se trata de uma das funções mais complexas da linguagem, é importante que se ressaltem algumas de suas características.Já dissemos que a linguagem é uma forma de codificarmos o mundo, de o trazermos conosco, sem a necessidade de transportarmos as coisas. Poderíamos pensar que a linguagem codifica a realidade e a ficção, permitindo-nos transmiti-las às demais
Em O autorretrato do pintor (1888), Vincent van Gogh deixa entrever a metalinguagem na pintura: observe como a tela evidencia o próprio processo de criação artística, fazendo referência explícita à arte de pintar e ao processo de elaboração da linguagem pictórica. PORTUGUÊS
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pessoas. Entretanto, esse é apenas um dos usos que a linguagem pode ter: é, principalmente, seu uso referencial. Linguagem como meio de traduzir a realidade e a imaginação. REALIDADE → LINGUAGEM Indo além, podem-se imaginar duas aulas distintas. Uma, de Biologia, em que o professor converte a realidade dos seres vivos para o plano da linguagem; situação perfeitamente enquadrada na descrição que fizemos até aqui. Outra, de Português, em que o professor analisa sintaticamente uma sentença. AULA DE BIOLOGIA
AULA DE PORTUGUÊS
“As tênias são platelmintos, vermes de corpo chato, triblásticos e acelomados.”
“As tênias são platelmintos, vermes de corpo chato, triblásticos e acelomados.”
A frase acima, numa aula de Biologia, cumpre função referencial, pois o professor usa a linguagem para referir-se a elementos da realidade objetiva: ao mundo das coisas reais ou imaginadas.
A frase acima, numa aula de Português, dificilmente aparecerá para que falemos especificamente sobre tênias. Mas poderá ser usada para explicar um verbo de ligação, ou o conceito de predicativo, ou ainda o de aposto.
REALIDADE → LINGUAGEM
LINGUAGEM → LINGUAGEM
O que diferencia essas duas aulas é o foco da análise. Na de Biologia, é a realidade objetiva que se quer estudar: em síntese, deseja-se saber algo sobre tênias. Na de Português, deseja-se saber algo sobre a linguagem em si, e pouco importa se a sentença envolve João e Maria indo ao colégio ou se abordará a ocorrência de um crime, pois não é no conteúdo informado que está o foco da discussão, mas na própria linguagem. Por isso, diz-se que se está usando a linguagem para falar dela mesma. LINGUAGEM → LINGUAGEM Sentimos, então uma necessidade de diferenciar as duas linguagens: a linguagem que se usa (linguagem meio) daquela que se está estudando (linguagem objeto). Ou seja, deseja-se compreender uma linguagem objeto usando para isso outra linguagem como instrumento para descrever a primeira. LINGUAGEM OBJETO → LINGUAGEM MEIO É esta linguagem meio, que se usa para descrever outra, que chamamos metalinguagem. A metalinguagem é usada para podermos compreender, descrever e analisar o fenômeno da linguagem e, entendendo-o melhor, podemos usá-lo de modo mais eficiente. FUNÇÃO METALINGUÍSTICA Objetivo Elemento da comunicação evidenciado
Código.
Marcas e características
1. Função informativa da linguagem (a informação, porém, é sobre o código, sobre a linguagem). 2. Definições, conceitos, significados de palavras e expressões. 3. Objetividade da linguagem. 4. Na metapoesia, pode haver uso de linguagem subjetiva.
Ocorrência frequente 46
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Descrever o código linguístico e seus elementos constituintes; falar sobre a linguagem por meio da linguagem; conceituar elementos e expressões da linguagem; discorrer sobre qualquer processo discursivo.
Gramáticas, glossários e dicionários.
Importante ressaltar que não é necessário que metalinguagem (linguagem que está sendo usada) e linguagem objeto (linguagem que está sendo descrita) coincidam. Observe os exemplos abaixo: SITUAÇÃO
METALINGUAGEM
LINGUAGEM OBJETO
Um professor de português explica, em português, a regência do verbo ASSISTIR.
Português.
Português.
Um cineasta descreve, em inglês, o funcionamento das metáforas e das elipses temporais no cinema.
Inglês.
Linguagem cinematográfica.
Um professor de inglês explica, em português, como funcionam os tempos verbais do passado no inglês.
Português.
Inglês.
Dicionário espanhol-português.
Português.
Espanhol.
Dicionário português-espanhol.
Espanhol.
Português.
Dicionário de sinônimos português-português.
Português.
Português.
A metalinguagem está presente em diversas formas de linguagem. Na prova do Enem, ela pode ser explorada como recurso de construção do texto literário (H16), ou mesmo como recurso de produção das artes plásticas (desenhos, pinturas e esculturas: H12). Muitos autores de nossa literatura exploram a metalinguagem, a fim de promover a reflexão sobre o próprio procedimento discursivo que realizam. Em poemas, além do lirismo poético e da expressividade subjetiva, aborda-se frequentemente o tema da construção da poesia. Nas mais diversas estéticas literárias, poetas se debruçaram sobre qual deve ser a forma do poema, ou ainda sobre quais devem ser seus temas. De tão frequente, a metalinguagem na poesia acaba merecendo um estudo à parte em diversos autores, como Carlos Drummond de Andrade, um de nossos poetas mais preocupados com a essência da forma e do sentido da literatura em verso. Vejamos um exemplo:
H12 – Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais. H16 – Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
Procura da poesia Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície inata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não aludes o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
Em Procura da poesia, Carlos Drummond de Andrade instrui aquele que deseja fazer poesia teorizando como o poema deve ser construído e de que forma o poeta encontra o conteúdo e a forma poética. Neste caso, metalinguagem e poesia caminham juntas, razão pela qual o procedimento discursivo é denominado metapoesia. Note também os traços da função conativa, revelando que, num mesmo texto, várias funções podem coexistir.
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: A Rosa do Povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.
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Machado de Assis é outro autor que também dedica várias passagens em seus contos e romances para refletir sobre o próprio processo de elaboração do texto ou ainda sobre o sentido das palavras que emprega. Também nas crônicas, é frequente que o cronista se volte para o próprio processo de construção da crônica, conforme se vê neste trecho de Vinícius de Moraes: O exercício da crônica Procedimento discursivo comum nas crônicas é o do cronista que analisa a própria crônica diante da falta de assunto para desenvolver. Observe como Vinícius de Moraes faz uso da metalinguagem com o intuito de discorrer sobre a escrita em si mesma.
Escrever prosa é uma arte ingrata. Eu digo prosa como se faz um cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante de sua máquina, olha através da janela e busca fundo em sua imaginação um fato qualquer, de preferência colhido no noticiário matutino, ou da véspera, em que, com as suas artimanhas peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instância, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado. MORAES, Vinícius de. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.
A Chegada, de Dennis Villeneuve, (2016): narra a história de uma linguista que, após o aparecimento de objetos voadores extraterrestres, é convidada a desvendar a complexa linguagem dos visitantes.
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No cinema, a metalinguagem está presente de forma recorrente. A linguagem cinematográfica e a própria história do cinema são assuntos frequentes para os cineastas. Filmes como Cinema Paradiso, A noite americana, 8 ½ e A rosa púrpura do Cairo tornaram-se clássicos da metalinguagem. Mais recentemente, a metalinguagem foi explorada em diversos filmes consagrados, como O artista, A invenção de Hugo Cabret, La la land e A forma da água. Caso bem interessante é o do filme A chegada, de Dennis Villeneuve, em que o cinema é usado como metalinguagem, para tratar de uma linguagem-objeto diferente: a de extraterrestres.
Função poética (estética ou conotativa) A função poética (estética ou conotativa) ocorre quando a linguagem volta seu estudo para a forma, isto é, longe de priorizar o conteúdo (que também é importante), privilegia a forma como esse conteúdo é passado, de um modo belo, criativo, diferente, original e inusitado. É a única função que tem por fim agradar aos sentidos, propiciandolhes o prazer da linguagem. Exatamente por isso, a função poética foge das construções típicas, normais, denotativas, comuns, e privilegia o uso criativo da linguagem, o qual necessitará de uma decodificação mais trabalhosa ao leitor ou ao ouvinte. É preciso que estes enxerguem além do superficial para atingir um sentido profundo da linguagem. Por isso, a função poética é a típica do texto literário, da arte em geral, do uso da linguagem para atingir o belo, algum ideal estético. A poesia existe em qualquer tipo de linguagem. Na língua, pode se dar tanto em verso (poema) quanto em prosa. A poética é a função que rompe o senso prático da linguagem. Enquanto a finalidade do foco no referente (conteúdo à função referencial) é a informação, o que caracteriza uma função utilitária, o fim do foco na mensagem (forma à função poética) é a beleza do fragmento de linguagem, o que caracteriza uma função que rompe o senso de praticidade da linguagem cotidiana. A fim de atingir esse senso estético, exploram-se recursos linguísticos diversos: as figuras de linguagem, marcas da conotação, retiram a objetividade da linguagem, levando-a a um plano subjetivo, polissêmico, com sentidos variados. Extingue-se a noção do texto pronto, e abre-se a possibilidade de reconstrução do seu sentido a partir da participação do leitor, que seleciona, entre as diversas interpretações que o texto permite, aquela que considera mais próxima de sua experiência. A licença poética também é comum, como uma de suas marcas: subvertem-se as regras do código, que fica em segundo plano, a fim de se explorarem ao
máximo as potencialidades da linguagem, o que permite romper tradições de linguagem (até mesmo regras) com o objetivo de focar na mensagem transmitida. FUNÇÃO POÉTICA (ESTÉTICA OU CONOTATIVA) Construir a mensagem de forma criativa, inusitada e propiciar o prazer estético pela contemplação da linguagem.
Objetivo Elemento da comunicação evidenciado
Mensagem.
Marcas e características
1. Subjetividade da linguagem. 2. Desapego à tradição da linguagem: inovação. 3. Figuras de linguagem e recursos estéticos. 4. Polissemia: pluralidade de interpretações. 5. Licença poética.
Ocorrência frequente
Texto literário, canções, anúncios publicitários focados na criatividade.
No texto seguinte, Guimarães Rosa inova a linguagem a fim de traduzir um falar regional próprio, poético e original, incorporando à literatura mecanismos e procedimentos discursivos coloquiais. Tivesse medo? O medo da confusão das coisas, no mover desses futuros, que tudo é desordem. E, enquanto houver no mundo um vivente medroso, um menino tremor, todos perigam - o contagioso. Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. O maior direito que é meu - o que quero e sobrequero -: é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim. ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas.
Observe o uso do modo subjuntivo sem oração principal (Tivesse medo), a conversão de menino em adjetivo para qualificar o tremor e a conversão de contagioso em substantivo, para criar um sinônimo para medo. Note ainda a prefixação inusitada em sobrequerer.
Observe como Mário Quintana explora as desinências verbais do futuro (passarão) para relacioná-las ao sufixo de aumentativo e traduzir a oposição entre eles e eu: as adversidades em oposição à liberdade e à plenitude; o gigante em oposição ao pequeno. Poeminho do contra Todos estes que aí estão Atravancando o meu caminho, Eles passarão. Eu passarinho! QUINTANA, Mario. Poeminho do contra. In: Prosa e verso.
A linguagem poética representa a busca, pelo artista, de um ideal estético. Conforme se pode observar, mesmo artes plásticas e cênicas trabalham com a poesia. Em Guernica (1937), Pablo Picasso denuncia o bombardeio da cidade homônima na Espanha pela aviação nazista. Poeticamente, a deformação dos elementos remete aos horrores da guerra: animais, pessoas mortas, uma mãe com uma criança nos braços, pedidos de súplica, e o pavor de quem vê, de fora, o massacre ocorrido durante a Guerra Civil Espanhola. A função poética é a estética em si mesma.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (UCPel)
Disponível em: http://www.al.es.gov.br/novo_portal/frmShowContent1.aspx?i=31241. Acesso em: 15 out. 2018. (adaptado)
A saúde mental é um assunto levado à discussão em sociedade, a fim de esclarecer seus fatores de risco. Levando em consideração os elementos da comunicação, o texto em questão possui: (A) a função referencial, pois tem como principal objetivo informar sobre os fatores de risco para o suicídio e a ênfase é dada ao contexto comunicativo. (B) a função expressiva, pois tem como principal objetivo transmitir os sentimentos do emissor quanto ao tema suicídio. A mensagem transmitida é subjetiva, conforme a visão do emissor. (C) a função conativa, tem como principal objetivo persuadir o receptor, sendo um apelo para que atente para os riscos de suicídio verificados pelo predomínio do uso de verbos no imperativo. (D) a função fática, pois tem como principal objetivo estabelecer um canal de comunicação, para iniciar a transmissão da mensagem ou para assegurar a sua continuação. A ênfase é dada ao canal comunicativo. (E) a função metalinguística tem como principal objetivo usar um determinado código para explicar esse próprio código, o que se percebe pelo uso da diagramação do texto em questão. Assim, a ênfase é dada ao código comunicativo. Gabarito: A O texto tem objetivo informativo: enumera fatores que podem levar uma pessoa a tentar o suicídio com o intuito de informar o leitor. Assim, a função predominante é a referencial, com ênfase ao referente (contexto).
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (ENEM 2021)
Estojo escolar
Rio de Janeiro – Noite dessas, ciscando num desses canais a cabo, vi uns caras oferecendo maravilhas eletrônicas, bastava telefonar e eu receberia um notebook capaz de me ajudar a fabricar um navio, uma estação espacial. […] Como pretendo viajar esses dias, habilitei-me a comprar aquilo que os caras anunciavam como um top do top em matéria de computador portátil. No sábado, recebi um embrulho complicado que necessitava de um manual de instruções para ser aberto. […] De repente, como vem acontecendo nos últimos tempos, houve um corte na memória e vi diante de mim meu primeiro estojo escolar. Tinha 5 anos e ia para para o jardim de infância. Era uma caixinha comprida, envernizada, com uma tampa que corria nas bordas do corpo principal. Dentro, arrumados em divisões, havia lápis coloridos, um apontador, uma lapiseira cromada, uma régua de 20cm e uma borracha para apagar meus erros. […] Da caixinha vinha um cheiro gostoso, cheiro que nunca esqueci e que me tonteava de prazer. […] O notebook que agora abro é negro e, em matéria de cheiro, é abominável. Cheira vilmente a telefone celular, a cabine de avião, a aparelho de ultrassonografia onde outro dia uma moça veio ver como sou por dentro. Acho que piorei de estojo e de vida. CONY, C. H. Crônicas para ler na escola. São Paulo. Objetiva, 2009 (adaptado)
No texto, há marcas da função da linguagem que nele predomina. Essas marcas são responsáveis por colocar em foco o(a): (A) mensagem, elevando-a à categoria de objeto estético do mundo das artes. (B) código, transformando a linguagem utilizada no texto na própria temática abordada. (C) contexto, fazendo das informações presentes no texto seu aspecto essencial. (D) enunciador, buscando expressar sua atitude em relação ao conteúdo do enunciado. (E) interlocutor, considerando-o responsável pelo direcionamento dado à narrativa pelo enunciador. 02. (ENEM) É água que não acaba mais Dados preliminares divulgados por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) apontaram o Aquífero Alter do Chão como o maior depósito de água potável do planeta. Com volume estimado em 86 000 quilômetros cúbicos de água doce, a reserva subterrânea está localizada sob os estados do Amazonas, Pará e Amapá. “Essa quantidade de água seria suficiente para abastecer a população mundial durante 500 anos”, diz Milton Matta, geólogo da UFPA. Em termos comparativos, Alter do Chão tem quase o dobro do volume de água do Aquífero Guarani (com 45 000 quilômetros cúbicos). Até então, Guarani era a maior reserva subterrânea do mundo, distribuída por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Época. Nº 623, 26 abr. 2010.
Essa notícia, publicada em uma revista de grande circulação, apresenta resultados de uma pesquisa científica realizada por uma universidade brasileira. Nessa situação específica de comunicação, a função referencial da linguagem predomina, porque o autor do texto prioriza: (A) as suas opiniões, baseadas em fatos. (B) os aspectos objetivos e precisos. (C) os elementos de persuasão do leitor. (D) os elementos estéticos na construção do texto. (E) os aspectos subjetivos da mencionada pesquisa.
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03. (ENEM) o::... o Brasil... no meu ponto de vista... entendeu? o país só cresce através da educação... entendeu? Eu penso assim... então quer dizer... você dando uma prioridade pra... pra educação... a tendência é melhorar mais... entendeu? e as pessoas... como eu posso explicar assim? as pessoas irem... tomando conhecimento mais das coisas... né? porque eu acho que a pior coisa que tem é a pessoa alienada... né? a pessoa que não tem noção de na::da... entendeu? Trecho da fala de J. L., sexo masculino, 26 anos. In: VOTRE, S.; OLIVEIRA, M. R. (Coord.). A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: www.discursoegramatica.letras.ufrj.br. Acesso em: 4 dez. 2012.
A língua falada caracteriza-se por hesitações, pausas e outras peculiaridades. As ocorrências de "entendeu" e "né", na fala de J. L., indicam que: (A) a modalidade oral apresenta poucos recursos comunicativos, se comparada à modalidade escrita. (B) a língua falada é marcada por palavras dispensáveis e irrelevantes para o estabelecimento da interação. (C) o enunciador procura interpelar o seu interlocutor para manter o fluxo comunicativo. (D) o tema tratado no texto tem alto grau de complexidade e é desconhecido do entrevistador. (E) o falante manifesta insegurança ao abordar o assunto devido ao género ser uma entrevista. 04. (UNIFESP) Estet inferno de amar - como eu amo! Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi? Esta chama que alenta e consome, Que é a vida - e que a vida destrói – Como é que se veio a atear, Quando - ai quando se há-de ela apagar? (Almeida Garret) Nos versos de Garrett, predomina a função: (A) metalinguística da linguagem, com extrema valorização da subjetividade no jogo entre o espiritual e o profano. (B) apelativa da linguagem, num jogo de sentido pelo qual o poeta transmite uma forma idealizada de amor. (C) referencial da linguagem, privilegiando-se a expressão de forma racional. (D) emotiva da linguagem, marcada pela não contenção dos sentimentos, dando vazão ao subjetivismo. (E) fática da linguagem, utilizada para expressar as ideias de forma evasiva, como sugestões.
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SEMÂNTICA Introdução No primeiro capítulo deste livro, vimos que a Semântica é a parte da Semiologia que estuda o signo linguístico e a referência deste com uma ideia externa a ele.As gramáticas tradicionais não costumam dedicar muito espaço ao estudo da Semântica. Entretanto, essa área do conhecimento mostra-se cada vez mais importante para o entendimento gramatical; por isso, vamos aprofundar um pouco nossos estudos semânticos. Um ponto importante que precisamos retomar é o conceito de signo, em linguagem. Conceituamos signos os elementos capazes de referirem-se a algo que não sejam eles mesmos. A Semântica preocupa-se com o estudo da relação entre a forma do signo e o seu conteúdo, ou seja, entre a parte física do signo, com a qual nossos sentidos entram em contato, e sua parte abstrata, a ideia que ele nos traz. Neste capítulo, faremos o estudo das relações significativas entre signos muito específicos, os signos linguísticos, ou seja, as palavras, identificando problemas que a Semântica nos ajuda a solucionar.Trata-se de um capítulo conceitual, num primeiro momento, e prático, em um momento posterior, com o estudo específico de parônimos e homônimos. 1.
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Signo linguístico 2. Relações semânticas entre palavras 3. Polissemia 4. Problemas de significação 4. Estudo dos parônimos e dos homônimos
SIGNO LINGUÍSTICO
Sendo o signo o objeto de estudo da Semântica, convém conceituá-lo de forma mais precisa. Vimos que um signo é um elemento capaz de referir-se a uma coisa que não seja ele mesmo. Quando se ouve o sino de uma igreja soando, na verdade, os sentidos só captam o som proveniente dele. No entanto, o dobrar dos sinos é capaz de fazer referência a uma ideia como “Venham à igreja”, ideia esta que, obviamente, não é um dobrar de sinos. Por isso se diz que o soar do sino pode ser um signo. Toda a linguagem se estrutura por meio de signos, elementos que passam a fazer referência a uma ideia específica. No estudo de uma língua, usa-se um conceito ainda mais preciso: o de signo linguístico, que é a palavra. Vimos que a palavra é um signo convencionado, simbólico. Do ponto de vista constitutivo, ela será formada por dois elementos. O primeiro deles é o que chamamos de significante, o qual nada mais é do que aquilo que nossos sentidos captam (os sons dos fonemas, no caso da palavra falada; os símbolos das letras, que representam os sons, no caso da palavra escrita). O significado é aquilo que é externo ao signo, a ideia que se convencionou associar a ele. Por exemplo, quando se ouve ou se lê a palavra casa, é possível distinguir claramente o que é significante e o que é significado.
signo linguístico = palavra 1. significante 2. significado
SIGNO LINGUÍSTICO: CASA 1. Significante: [k’aza] na fala; c+a+s+a na escrita. 2. Significado: a ideia a que esses sons ou letras assim dispostos se referem: um edifício para habitação, o lar... Ressalte-se que o significado de casa não está rigorosamente escrito acima, pois o significado é uma ideia e não outros signos linguísticos, referidos por metalinguagem. No entanto, como é impossível colocar uma casa nesta página (uma figura também seria um signo), só poderíamos ter acesso ao significado da palavra casa ao olharmos diretamente para uma. PORTUGUÊS
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RELAÇÕES SEMÂNTICAS ENTRE PALAVRAS 2.
Feitas essas análises primárias, foca-se agora o estudo semântico nas palavras, que são a unidade linguística em nosso estudo de língua portuguesa. Toda palavra é provida de significante e de significado e, quando se tenta verificar a relação que uma palavra pode assumir com outras, surgem algumas relações semânticas entre signos linguísticos. As principais são: sinonímia, antonímia, hiperonímia, homonímia, paronímia e polissemia.
Sinonímia
SINÔNIMOS 1. significantes distintos 2. significados iguais no contexto em que ocorrem
Diz-se que há sinonímia entre duas palavras quando, contextualmente, elas se equivalem. O conceito só pode ser contextual, pois não há sinonímia perfeita. Duas palavras podem se equivaler uma à outra num contexto, e isso não ser mais verdadeiro em outro. A sinonímia pode ser entendida como a identidade da significação, ou sua coincidência. Palavras que guardam entre si uma relação de sinonímia são chamadas palavras sinônimas, formadas com significantes distintos e significados iguais. Toda palavra tem um campo de significação e, quando duas palavras coincidem em seu campo significativo, elas tornam-se sinônimas naquela situação. Como já dissemos, o conceito é contextual. O diretor achou as provas dentro da gaveta. O diretor encontrou as provas dentro da gaveta. Nesse contexto, achar e encontrar são sinônimos. Nos contextos abaixo, elas não mais se substituem. Observe-se: O diretor achou difíceis as provas. O diretor não se encontrou com a professora ontem.
Antonímia
ANTÔNIMOS 1. significantes distintos 2. significados opostos no contexto em que ocorrem
Diz-se que há antonímia entre duas palavras quando, contextualmente, o significado de uma exclui o da outra, por serem opostos entre si. Também é uma relação a ser avaliada contextualmente, pois duas palavras podem ser antônimas em um contexto e não o serem em outro. A antonímia pode ser entendida como a incompatibilidade de significação. Palavras que guardam entre si uma relação de antonímia são chamadas palavras antônimas, formadas com significantes distintos e significados opostos. Assim como dissemos sobre a sinonímia, o conceito é contextual. As pessoas feias podem ter predicados que as bonitas não têm. Deveria substituir as folhas grandes pelas pequenas. Poderíamos pensar que grande e pequeno são antônimos por serem conceitos incompatíveis. Mas isso dependerá da acepção em que tomamos a palavra. Elas podem ser perfeitamente compatíveis em contextos como o seguinte. Comprou um livro pequeno, leu-o e considerou-o um grande livro.
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Hiperonímia Há relação de hiperonímia entre duas palavras quando o significado de uma delas acarreta o da outra, isto é, quando uma, de significado mais genérico (hiperônimo), engloba a outra, de sentido mais específico (hipônimo). A hiperonímia nada mais é do que o acarretamento de significação e ocorre quando a significação de uma palavra está contida no campo de significação da outra. É o que ocorre com fruta, por exemplo, que é hiperônimo para uva, pera, maçã, abacate... Note-se que é uma relação diferente da sinonímia, porque se pode dizer que uva é fruta, mas não se pode dizer que fruta é uva. A troca só comporta um sentido (do hipônimo para o hiperônimo). A mulher colocou a pera no refrigerador. A mulher colocou a fruta no refrigerador.
HIPERÔNIMO Palavra de significação ampla que abrange a significação de outras, mais específicas: gênero. HIPÔNIMO Palavra de significação menor incluída na de significação mais ampla: espécie.
Veja-se que, caso o primeiro enunciado seja verdadeiro, então o segundo também o é. Entretanto, o contrário não se pode afirmar.
Homonímia Ocorre homonímia entre duas palavras quando seus significantes se igualam, quer na pronúncia apenas (homofonia), quer na escrita apenas (homografia), quer em ambos (homonímia perfeita). A homonímia nada mais é do que a identidade do significante, e, quando ocorre, diz-se que as duas palavras são homônimas. Isso significa que seus significantes são iguais e seus significados são distintos. No caso de cessão, seção e sessão, por exemplo, os significantes só se igualam na pronúncia (homofonia); já no caso de corte (ô) e corte (ó), os significantes se igualam na escrita, mas não na pronúncia (homografia); por fim, as palavras são (=sadio), são (=santo) e são (verbo ser), igualam-se tanto na pronúncia quanto na grafia e, são, por isso, homônimas perfeitas.
HOMÔNIMOS 1. Significantes iguais. 2. Significados diferentes. TIPOS DE HOMÔNIMOS 1. Homógrafos (mesma grafia) 2. Homófonos (mesmo som) 3. Perfeitos (idênticos na grafia e no som).
Paronímia A paronímia, por sua vez, ocorre quando os significantes chegam a ser parecidos, mas jamais iguais, nem na pronúncia, nem na escrita. Entretanto, sua semelhança pode gerar confusões assim como as que ocorrem entre homônimos. É o caso de infligir (=aplicar) e infringir (=transgredir); ou de vultoso (=grande) e vultuoso (=com o rosto inchado).
PARÔNIMOS 1. Significantes parecidos. 2. Significados diferentes.
3.
POLISSEMIA
Por fim, a polissemia é a capacidade que um signo linguístico tem de assumir mais de um sentido. Não se trata, portanto, de uma relação entre duas palavras distintas, como ocorria nas relações vistas no item anterior, mas de uma capacidade que a palavra tem de se desdobrar em sentidos múltiplos, a partir de uma mesma base etimológica comum. É o que ocorre com o verbo sentir nos exemplos abaixo. Senti um calafrio quando ele contou a história. (=experimentei no corpo) Senti que ele estava mentindo. (=percebi) Senti que ela não pudesse vir. (=lamentei) Senti nela uma amiga. (=reconheci)
POLISSEMIA Capacidade que um mesmo signo linguístico tem de, sem descolar-se de sua base significativa original, apontar para mais de um sentido.
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Em anúncios publicitários, é muito comum recorrer à polissemia: no anúncio acima, exploram-se sentidos múltiplos para as palavras acabar e samba.
Como se observa dos exemplos acima, as variações no sentido podem ser bem tênues. O importante é observarmos que, na construção do sentido, importa o contexto e as nuances que as palavras assumem para os falantes. O signo linguístico, por estar vivo, passa a ser interpretado e transformado pelo falante nos contextos concretos de uso da língua. Assim, é possível imaginar que toda palavra tenha um surgimento “puro”, ligado a uma ideia primitiva que ela buscava representar. A partir desse uso, que podemos chamar de sentido denotativo (primário, básico), os falantes fazem associações, buscando relacionar um signo já existente a ideias semanticamente próximas, que passam a conotar outras ideias, relacionadas à primitiva – um sentido conotativo, figurado. É razoável pensar que a palavra gato tenha surgido para denominar um animal felino que conhecemos. Porém, conhecemos os objetos não apenas por seu nome, mas pelas características que eles apresentam. Assim, passamos a derivar a palavra gato para outros sentidos: por associarmos uma ideia de beleza ao animal, começamos a usar a palavra para nos referirmos a pessoas atraentes. A palavra derivou um sentido novo, a partir do primeiro. O que ocorre com a palavra gato ocorre praticamente com todas. Elas sofrem polissemia, porque dificilmente usamos uma palavra para referir uma ideia exclusiva: vamos associando-a a ideias novas relacionadas à primeira. Você pode até pensar em animais, mas é capaz de derivar sentidos novos para cachorro, lesma, burro, cavalo, leão e cobra, por exemplo. Também consegue imaginar qual característica desses animais está sendo realçada quando usamos tais palavras para nos referirmos a pessoas. Tais palavras podem, portanto, alterar seu sentido, sem perder totalmente a relação que possuem com o sentido primário. Há que se ter certo cuidado para não confundir a polissemia com a homonímia. Há vários critérios para diferenciação dos dois casos, todos eles sujeitos a críticas; porém, a combinação do conhecimento etimológico e do sentimento do falante pode desfazer as dúvidas. Quando se tomam, por exemplo, as palavras manga (a fruta) e manga (parte da camisa), está-se diante de um caso de polissemia ou de homonímia? Para resolver tal problema, é necessário investigar que relação possível haveria entre uma fruta e uma parte da camisa, o que parece improvável que exista. De fato, pelo critério etimológico, a manga (fruta) é proveniente do malaio, ao passo que manga (da camisa) provém do latim. Trata-se, pois, de palavras diferentes, portanto, homônimas perfeitas. Já com trabalho (emprego) e trabalho (tarefa), é possível perceber uma relação de sentido entre ambas, o que sugere um caso de polissemia da mesma palavra. 4.
PROBLEMAS DE SIGNIFICAÇÃO
A não atenção devida à semântica do texto pode levar a alguns problemas de natureza significativa. O deslize consiste na troca de uma palavra por outra, de outro significado, pelo fato de seus significantes serem próximos. É o que ocorre quando se confundem homônimos ou parônimos, por exemplo. A ambiguidade (ou anfibologia) é problema diverso que consiste em se permitir mais de uma leitura para um trecho.
Deslize semântico
DESLIZE DE SIGNIFICAÇÃO Na visão gramatical tradicional dos vícios de linguagem, o deslize dá-se quando se usa um significante associado a um significado que ele não assume.
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O deslize semântico ocorre quando pensamos no significado correto, mas erramos o significante que o representa. É considerado um vício de linguagem. Para evitarmos o deslize, é necessário aprimorar a qualidade da leitura, observando as palavras, pensando sobre seu significado e sobre sua grafia, por exemplo. Ela queria conhecer a cessão de brinquedos da loja. (deslize) O fuzil queimou, e as luzes se apagaram. (deslize)
Nos exemplos acima, o deslize ocorreu porque se fez uso de um significante que não remete à ideia pretendida. Ao confundir os homônimos cessão (ato de doar, de ceder) e seção (parte, departamento), acabou-se trazendo um problema semântico à frase. No segundo exemplo, foi o par de parônimos fuzil (arma) e fusível (instrumento de proteção de circuitos elétricos) o responsável pela ocorrência do deslize. Uma das formas de se evitarem deslizes de significação é estudar parônimos e homônimos, atendose à sua grafia e à sua significação.
Ambiguidade ou anfibologia A ambiguidade consiste na multiplicidade de interpretações para uma declaração, gerando um ruído comunicativo pelo não entendimento da ideia. É considerada um vício de linguagem e pode dar-se por inúmeros fatores. Ela disse a Pedro que seu filho era insuportável. (ambiguidade) Nesse primeiro exemplo, a ambiguidade ocorre pelo uso de um pronome possessivo com múltiplos referentes: o pronome seu (e flexões) é possessivo da 3ª pessoa do singular, da 3ª pessoa do plural, das formas de tratamento (você, Vossa Senhoria, etc.) e ainda fazem dêixis no texto. Por isso, seu uso requer atenção para as várias referências que ele pode acabar fazendo, dificultando o entendimento da frase. Esse primeiro tipo de ambiguidade pode ser chamado ambiguidade referencial.
AMBIGUIDADE Na visão gramatical tradicional dos vícios de linguagem, a ambiguidade dá-se quando um texto, de modo não intencional, permite mais de uma leitura, no plano da significação.
Nunca brinquei com o burro do meu primo. (ambiguidade) A vaca lambia as patas no lago. (ambiguidade) Nesses dois exemplos, a ambiguidade dá-se pela incapacidade de determinar o sentido ou o significado das palavras em destaque. No primeiro, a polissemia da palavra burro dificulta o entendimento sobre o sentido: não se sabe se é o denotativo (burro é um animal que pertence ao meu primo) ou se é o conotativo (meu primo é burro). No segundo, a ambiguidade ocorre porque há duas palavras homônimas na língua com a forma “pata”: uma refere-se ao feminino de pato; a outra refere-se à parte do corpo da própria vaca. Nos dois casos, ocorre ambiguidade lexical.
TIPOS DE AMBIGUIDADE a) referencial; b) lexical; c) sintática; d) pragmática.
Vi a mulher na praia com um binóculo. Nessa frase, a ambiguidade dá-se pela construção frasal, em particular pela colocação dos elementos na sintaxe. É o que se denomina ambiguidade sintática. Nesse caso, a ambiguidade desfaz-se pelo reposicionamento dos termos e pela reestruturação frasal. É possível perceber a existência de várias leituras para a frase acima: 1. Eu estava na praia, e usei um binóculo para ver a mulher. 2. Eu usei um binóculo para ver a mulher, que estava na praia. 3. Eu estava na praia, e vi uma mulher que carregava um binóculo. 4. Eu vi a mulher, que estava na praia e que carregava um binóculo. Por fim, há também a ambiguidade pragmática. Neste caso, é preciso investigar a intenção do falante porque a solução para o problema não reside na frase em si mesma, mas na interpretação que se dá a ela, normalmente pela falta de elementos mais detalhados que confirmem a intenção do falante. Observe: Não é permitido entrar de biquíni no bar. Contextualmente, há duas formas de interpretar a frase: ou se coloca uma peça de roupa cobrindo o biquíni, ou se tira o biquíni para entrar no bar. Normalmente, o contexto e a situação comunicativa desfazem a duplicidade de sentido.
H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. Normalmente, a ambiguidade é associada a uma ideia negativa, por isso é estudada como vício de linguagem. Entretanto, pode ser vinculada à polissemia com o intuito de enriquecer o texto com mais de uma leitura. Observe este trecho da canção Exagerado, de Cazuza: “E por você eu largo tudo: Carreira, dinheiro, canudo. Até nas coisas mais banais, Pra mim é tudo ou nunca mais.” O trecho sublinhado é normalmente apontado como ambíguo, porque pode se referir à formação acadêmica e à vida profissional ou até ao vício em drogas. Trata-se, evidentemente, de opção estilística do autor.
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A ambiguidade é estudada, normalmente, como vício de linguagem. Na prática, a ambiguidade só existe para o leitor, porque o emissor não teve intenção de construir uma frase ambígua: para quem fala, a fala estaria semanticamente bem estruturada. Por isso, é preciso cuidar para situações em que o efeito da duplicidade interpretativa foi calculado pelo emissor. Isso ocorre com frequência nos gêneros publicitário e literário, além de ser muito explorado em gêneros que fazem uso do humor (tirinhas, charges e memes).
ESTUDO DOS PARÔNIMOS E DOS HOMÔNIMOS 5.
A fim de aprimorar o conhecimento sobre palavras da língua que costumam ser cobradas em provas, é importante que você conheça uma lista básica de parônimos e homônimos, até para evitar deslizes semânticos. A lista a seguir não é exaustiva: há outros pares de parônimos e homônimos que podem aparecer em questões de provas. – acurado (feito com cuidado); apurado (seleto, refinado, fino; em apuros) Fizemos uma análise acurada do problema. Ele tem gosto apurado para vinhos. – amoral (indiferente à moral); imoral (contra a moral, devasso) A decisão dele será amoral: não levará aspectos morais em consideração. A atitude imoral do ministro foi repudiada pela sociedade. – arrear (pôr arreio); arriar (abaixar) O homem arreou o cavalo e partiu. O homem arriou as calças no meio do matagal. – apreçar (ver o preço); apressar (acelerar) Preciso apreçar um fogão novo para a cozinha. Preciso me apressar para o espetáculo. – ascender (subir); acender (ligar, atear fogo) Sua alma ascendeu aos céus naquele instante. O homem acendeu a lanterna imediatamente. – assoar (limpar – o nariz); assuar (vaiar); soar (fazer som); suar (transpirar) Assou o nariz várias vezes: estava gripado. A torcida assuava o jogador. O sino soa todos os dias às seis. Nem no verão aquele rapaz sua. A palavra célula tem a mesma raiz de cela: ambas são provenientes do latim. Enquanto cela significa aposento, quarto, câmara, célula é seu diminutivo erudito – pequeno quarto, pequena câmara. Outros diminutivos eruditos na língua: molécula → pequeno mol; corpúsculo → pequeno corpo; glóbulo → pequeno globo; partícula → pequena parte; retículo → pequena rede. 58
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– caçar (ir à caça); cassar (anular) Não era permitido caçar naquela região. O Senado Federal cassou o mandato do senador baiano. – cela (aposento); sela (arreio) Foi trancafiado numa cela fétida. A sela não estava bem afixada, e ele caiu do cavalo.
– censo (recenseamento); senso (sentido, razão) De acordo com o último censo, a população está diminuindo. É preciso ter bom senso nessas situações. – cerrar (fechar); serrar (passar a serra) Tinha medo de cerrar os olhos e não mais acordar. Serrei a tábua e terminei de montar o móvel. – comprimento (extensão); cumprimento (ato de cumprir ou de cumprimentar)
A palavra cerração, que significa nevoeiro espesso, tem sua origem no verbo cerrar, por estar ligada à ideia de fechamento do campo de visão.
Era preciso medir o comprimento da viga. O cumprimento do dever move nossa instituição. – consertar (reparar); concertar (combinar; harmonizar) Era preciso consertar o aparelho antes de ligá-lo. Aquele pianista era capaz de concertar sons inconciliáveis. – conserto (reparo); concerto (apresentação musical) O conserto do aparelho foi realizado ontem. O concerto da orquestra foi muito elogiado. – coser (costurar); cozer (cozinhar) A costureira começou a coser o vestido. O homem cozeu os legumes a vapor. – deferir (ratificar, aprovar, conceder); diferir (diferenciar) O projeto de lei foi deferido na comissão. Ela não consegue diferir o certo do errado. – degredar (exilar); degradar (estragar, rebaixar, decompor) Governos autoritários costumam degredar seus opositores. Nossas máquinas não conseguem degradar a substância. – delatar (denunciar); dilatar (estender, retardar) O preso prometeu jamais delatar seus comparsas. Materiais metálicos podem dilatar com o calor. – descrição (ato de descrever); discrição (qualidade do discreto) Começaram a fazer a descrição do suspeito. Ela agia com muita discrição nos assuntos da família. – descriminar (tirar o crime); discriminar (diferenciar) O parlamento argentino não descriminou a prática do aborto. Elas não conseguem discriminar o certo do errado.
A palavra discriminação é normalmente vista como tendo significado negativo, como ocorre na campanha acima. Entretanto, ela pode ter um sentido neutro, de diferenciação, discernimento.
– despensa (armazém); dispensa (ato de dispensar ou de ser dispensado) Foi até a despensa e pegou todo o necessário. Recebeu a dispensa do serviço militar e comemorou. PORTUGUÊS
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– despercebido (não notado, não percebido); desapercebido (desprovido, desprevenido) Alguns detalhes nos passam despercebidos. Era uma pessoa desapercebida de caráter. – discente (relativo ao aluno); docente (relativo ao professor) Os professores realizaram atividades lúdicas com os discentes. O corpo docente da escola declarou estado de greve. – eminente (ilustre); iminente (prestes a acontecer) Muitas gramáticas ainda mantêm a distinção entre estada e estadia. Alguns dicionaristas, porém, já consideram que tal distinção se perdeu. O Houaiss, por exemplo, aproxima as duas significações, sendo estada a permanência, e a estadia a permanência por um tempo limitado.
O eminente ministro votou pelo reconhecimento da união. Mesmo com o desastre iminente, não foi tomada providência. – estada (permanência de pessoa); estadia (tempo de permanência do navio num porto) Nossa estada em Paris foi muito breve. Pagou a estadia e retirou o navio do porto. – esperto (sagaz); experto (perito) Apesar de esperto, não conseguiu enganar os pais. A empresa buscava um engenheiro experto em edificações. – êxito (sucesso); hesitar (vacilar, reconsiderar) Exitou no concurso e comemorou com os amigos. Hesitava na hora de falar, e demonstrava muita insegurança. – espavorido (aterrorizado, amedrontado); esbaforido (ofegante) Espavorido após o assalto, não respondia a nada que lhe diziam. Esbaforido após a corrida, mal conseguia falar. – espiar (olhar, verificar); expiar (pagar por outrem, sofrer castigo ou punição)
Você deve conhecer a expressão bode expiatório: é empregada para referir aquela pessoa que acaba pagando por todos.
Comprou um binóculo para espiar os vizinhos. Não queria expiar os crimes do irmão. – estático (parado, imóvel); extático (em êxtase) Ficou extático diante do belíssimo espetáculo a que assistia. Estava estática, enquanto o irmão lhe confessava o crime. – flagrante (no ato, evidente); fragrante (relativo à fragrância) O criminoso foi preso em flagrante. Entrei no fragrante jardim de rosas que ela cultivava. – incipiente (iniciante); insipiente (que não sabe; ignorante) No processo seletivo, devemos priorizar profissionais incipientes. Insipiente que era, refutava qualquer argumentação racional.
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– intemerato (não corrompido, imaculado, puro); intimorato (destemido, valente) Intemerato, aquele parlamentar era admirado por todos. O soldado intimorato enfrentou os inimigos sozinho. – infligir (aplicar pena); infringir (violar, transgredir) O motorista havia infringido o código de trânsito, e o policial rodoviário infligiu-lhe severa multa. – laço (nó, ligação, amizade); lasso (frouxo, relaxado) Os laços que os ligavam foram tornando-se lassos. – lista (rol, relação); listra (linha, risco) A lista de passageiros não foi divulgada pela empresa. Comprou um terno com listras discretas. – lustre (candelabro, brilho); lustro (período de cinco anos) O lustre veio a baixo depois do terremoto. No próximo lustro, o tribunal será presidido por uma mulher. – mandado (ordem judicial); mandato (período de vigência de cargo público) Uma decisão do STF suspendeu o mandado de busca e apreensão na casa do deputado, que corre risco de perder o mandato. – paço (palácio); passo (caminhada, passada) O paço municipal está em reformas. O presidente não informou os próximos passos do projeto. – pleito (eleição, concurso, disputa); preito (cumprimento, homenagem) Após consagrar-se vencedor do pleito presidencial, recebeu os preitos de seus correligionários. – postar-se (posicionar-se, colocar-se de pé); prostrar-se (fazer cair, derrubar, cair de joelhos)
Paço da Liberdade, em Curitiba-PR.
Não sabia como postar-se em situações como aquela. O homem prostrou-se diante do altar e implorou por perdão. – preeminente (superior, ilustre, importante); proeminente (saliente, que se eleva) O preeminente ministro estava presente na reunião. Sentiu um nódulo proeminente sob o braço. – ratificar (confirmar); retificar (corrigir, explicar melhor) O presidente deve ratificar o nome de um médico para o ministério. O presidente retificou-se após o erro cometido durante o discurso.
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– seção ou secção (parte, corte); sessão (reunião durante um intervalo de tempo), cessão (ato de ceder, doação) Cuidado também para os derivados dos homônimos apresentados: intersecção ou interseção: região entre duas seções (partes). intercessão: ato de interceder, de intervir.
Fez a secção do cadáver sob supervisão de um policial. A seção de esportes do jornal estava mais enxuta ontem. Durante a sessão parlamentar, foi aprovada a emenda. A cessão do crédito à empresa não foi comunicada ao devedor. – sortir (abastecer, variar); surtir (causar, gerar) Comprei balas sortidas, o que surtiu efeito positivo sobre as crianças. – taxar (pôr imposto, atribuir qualidade ou defeito); tachar (pôr defeito em, censurar) O governo pretende taxar o setor agropecuário. Taxou de homem essencial o amigo ausente. Os alunos foram tachados de indisciplinados pelo professor. – tráfego (condução, trânsito), tráfico (comércio ilícito)
Muitas gramáticas ainda mantêm a distinção entre taxar e tachar. Alguns dicionaristas, porém, já consideram que tal distinção se perdeu um pouco. O Houaiss, por exemplo, aproxima as duas significações, sendo taxar mais amplo que seu homônimo. Recomendamos, porém, que você use taxar somente para relações com taxa e imporsto.
O tráfego piorou depois do fechamento do túnel. O tráfico de drogas deverá ser punido com penas mais severas. – viagem (ato de viajar); viajem (verbo) A viagem foi curta. Crianças devem portar autorização para que viajem sem os pais. – vultoso (grande, enorme); vultuoso (que está com o rosto inchado) Despendeu vultosas quantias para remediar o problema. Vultuoso, foi ao médico.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (ENEM)
TEXTO I Criatividade em publicidade: teorias e reflexões Resumo: O presente artigo aborda uma questão primordial na publicidade: a criatividade. Apesar de aclamada pelos departamentos de criação das agências, devemos ter a consciência de que nem todo anúncio é, de fato, criativo. A partir do resgate teórico, no qual os conceitos são tratados à luz da publicidade, busca-se estabelecer a compreensão dos temas. Para elucidar tais questões, é analisada uma campanha impressa da marca XXXX. As reflexões apontam que a publicidade criativa é essencialmente simples e apresenta uma releitura do cotidiano. DEPEXE, S D. Travessias: Pesquisas em Educação, Cultura, Linguagem e Artes, n. 2, 2008.
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TEXTO II
Os dois textos apresentados versam sobre o tema criatividade. O Texto I é um resumo de caráter científico e o Texto II, uma homenagem promovida por um site de publicidade. De que maneira O Texto II exemplifica o conceito de criatividade em publicidade apresentado no Texto I? (A) Fazendo menção ao difícil trabalho das mães em criar seus filhos. (B) Promovendo uma leitura simplista do papel materno em seu trabalho de criar os filhos. (C) Explorando a polissemia do termo “criação”. (D) Recorrendo a uma estrutura linguística simples. (E) Utilizando recursos gráficos diversificados. Gabarito: C Observe que o conceito de publicidade criativa do texto I ressalta a simplicidade e a releitura do cotidiano. Assim, ao fazer uma campanha para o dia das mães, reforça-se uma relação entre o ato de criar um filho e o ato de criar do publicitário. Explora-se, portanto, a polissemia do termo criação para relacionar a atividade do publicitário à mãe, figura homenageada pela campanha.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (FUVEST 2021)
QUINO, Mafalda. O efeito de humor presente nas falas das personagens decorre: (A) da quebra de expectativa gerada pela polissemia. (B) da ambiguidade causada pela antonímia. (C) do contraste provocado pela fonética. (D) do contraste introduzido pela neologia. (E) do estranhamento devido à morfologia. 02. (CÁSPER) “Para alguns trabalhos, esse esforço será preponderantemente físico; para outros, preponderantemente intelectual”. Assinale a alternativa correta quanto à relação que as palavras “físico” e “intelectual” estabelecem entre si. (A) Homonímia. (B) Sinonímia. (C) Paronímia. (D) Antonímia. (E) Polissemia. 03. Assinale a alternativa em que haja troca de uma palavra por seu parônimo: (A) A publicidade faz com que o governo não passe desapercebido. (B) Da administração direta emerge parte da publicidade governamental. (C) O cumprimento das promessas eleitorais é a melhor publicidade. (D) Os gastos com publicidade estavam discriminados na prestação de contas. (E) A verba de publicidade provém dos impostos pagos pela população.
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GABARITO CAPÍTULO 1 01.
C
02. B
03. D
02. B
03. C
02. B
03. E
04. B
CAPÍTULO 2 01.
E
CAPÍTULO 3 01.
A
04. E
05. E
06. D
07. A) A expressão “A 10 anos” do primeiro anúncio é incorreta, pois, na indicação de tempo decorrido, deve usar-se o verbo “haver”: “Há dez anos”. B) “Pra” é forma reduzida da preposição “para”. Pode ser utilizada na linguagem falada e como recurso de frases publicitárias com intenção de aproximar-se do público-alvo.
CAPÍTULO 4 01.
D
02. B
03. C
02. D
03. A
04. D
CAPÍTULO 5 01.
A
Lista de imagens DPA. Yhe body language of power. In: https://global.handelsblatt.com. Acesso em 25 de novembro de 2018. In: https://www.seton.net.au. Acesso em 25 de novembro de 2018. n: http://www.detran.se.gov.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. Art Gallery of Ontario. In: www.elpais.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. http://imgpng.ru/download/2413. Acesso em 9 de agosto de 2018. Ministério dos Transportes. In: http://www.brasil.gov.br. Acesso em 26 de novembro de 2018. In: https://www.sermosgaliza.gal. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. SomLivre. Fonte: https://www.lojatitas.com.br. Acesso em 26 de novembro de 2018. Fonte: Museu Nacional Soares dos Reis. From Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 5 de dezembro de 2012. http://www.palmeiras.com.br. Acesso em 26 de novembro de 2018. https://www.angop.ao. Acesso em 26 de novembro de 2018. http://www.robertomarinho.com.br. Acesso em 26 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Revista da Semana. In: https://www.propagandashistoricas.com.br. Acesso em 28 de novembro de 2018. Michelle Rizzo. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Manuel de Sousa. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. http://www.kitchme.com. Acesso em 29 de novembro de 2018. https://nacoesunidas.org. Acesso em 29 de novembro de 2018. Van Gogh Museum. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Sony Pictures Brasil. In: www.imdb.com. Acesso em 29 de novembro de 2018. https://www.museoreinasofia.es/coleccion/obra/guernica. Acesso em 29 de novembro de 2018. Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado. In: https://sbaitbrasil.wordpress.com. Acesso em 30 de novembro de 2018. http://portalarquivos2.saude.gov.br. Acesso em 30 de novembro de 2018. Kiko Correia. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 30 de novembro de 2018. PORTUGUÊS
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FRENTE B PORTUGUÊS 69 Capítulo 1 NÍVEIS DO CONHECIMENTO GRAMATICAL 75 Capítulo 2 SUBSTANTIVOS 8 1 Capítulo 3 ADJETIVOS 89 Capítulo 4 VERBOS (1a PARTE) 105 Capítulo 5 ADVÉRBIOS 1 1 3 Capítulo 6 PREPOSIÇÕES
NOTA DO AUTOR Começamos agora nossa preparação para os aspectos gramaticais da Língua Portuguesa. Neste espaço, apresento a você a forma como nossos estudos estarão organizados em 2022. Nesta frente B, teremos como propósito ampliar a compreensão sobre a metalinguagem, ou seja, sobre a linguagem que usamos para descrever a língua portuguesa, além de recorrermos aos temas gramaticais normativos (regras de uso padrão da língua) mais relevantes para a realidade do Enem e dos vestibulares. Existe uma tendência atual de a gramática ser abordada de forma aplicada, ou seja, observando os recursos gramaticais que escritores e autores utilizam para expressas as ideias pretendidas. Assim, embora nossos estudos estejam compartimentados em aspectos específicos da língua (estudo de substantivos, por exemplo), o vestibular e o Enem exigirão de você o reconhecimento desses aspectos de forma aplicada. A frente B aborda tudo aquilo ligado aos estudos da gramática tradicional. Optamos por uma ordem de assuntos que é redundante nos aspectos mais centrais da língua: assim, o estudo de orações e de conjunções, que se complementam, é feito mais de uma vez, a fim de que você tenha oportunidade de aprendizagem em etapas: do mais simples ao mais complexo. Isso implica que, ao longo dos quatro módulos, o nível de dificuldade tende a aumentar à medida que o conteúdo evolui. Além disso, dentro de um mesmo livro, os assuntos tendem a ficar mais complexos à medida que o livro avança. Isso sinaliza algo muito importante: caso não consiga absorver alguns conteúdos iniciais, você precisa saber que eles serão usados à medida que o livro avança. Não subestime a matéria, mesmo em seus conteúdos mais simples. Quanto aos exercícios, recomendamos que os que constam no livro sejam resolvidos apenas no término de cada capítulo. Diferentemente do que ocorre em Matemática, as provas de Língua Portuguesa têm uma vocação para integrarem os conhecimentos acerca da língua (gramática e textos aparecem com abordagem quase sempre intrincada). Para o treinamento com testes periódicos, recomendo a você que use os SPPs como ferramenta de verificação da aprendizagem. Bons estudos! O Autor
NÍVEIS DO CONHECIMENTO GRAMATICAL Introdução A Gramática é uma disciplina não científica. Pelo menos na forma como é tradicionalmente ensinada no Brasil. No colégio, estamos habituados a lidar com conceitos como orações subordinadas e coordenadas, por exemplo. E precisamos dominar certas regras gramaticais da língua padrão. Estuda-se, portanto, uma gramática descritiva, que tem por fim apresentar os fatos da língua e descrever seu funcionamento usando uma metalinguagem oficial (daí os nomes que precisamos dominar no estudo gramatical); e uma gramática normativa, cujo objetivo principal é prescrever comportamentos ideais da língua, normatizar um uso específico da língua portuguesa. O conhecimento enciclopédico passa a exigir do aluno a memorização de conceitos e de regras. Gostemos ou não dessa visão de gramática que predomina nos livros didáticos do Ensino Médio e nos principais exames de ingresso nas universidades, é a realidade que se apresenta a nós, e nosso objetivo a partir de agora é aprofundar nossos conhecimentos sobre a língua portuguesa e sua estrutura gramatical. Neste capítulo, vamos estudar os diversos níveis que compõem o estudo de uma língua. É um capítulo introdutório, conceitual, que formulará as bases para nossos estudos gramaticais posteriores. 1.
Capítulo 1
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Partes da Gramática 2. Nível semântico 3. Nível morfológico 4. Nível sintático 5. Classes de palavras e estudo morfossintático
PARTES DA GRAMÁTICA
Para se entender o comportamento da língua, seja ela falada ou escrita, é preciso organizar o entendimento gramatical que se tem dela. Sendo a gramática o conjunto das regras lógicas que regem o comportamento linguístico, é preciso analisá-las dentro dos diversos planos gramaticais envolvidos no processo comunicativo. Tradicionalmente, divide-se o estudo da Gramática da seguinte forma: 1. Fonologia: estudo dos sons da língua, da descrição desses sons e dos fenômenos fonológicos que ocorrem na fala. A Fonologia estuda a língua no plano sonoro, compreendendo as unidades que, combinadas, passam a permitir o entendimento sonoro da palavra. 2. Ortografia: estudo da grafia padrão vigente, a qual está sujeita a variações. 3. Morfologia: estudo das formas básicas da língua – as palavras – por meio da análise de seus elementos formadores, processos de formação e, por fim, de como agrupá-las em categorias com características semelhantes – as classes de palavras. 4. Sintaxe: estudo de como as palavras se dispõem junto às demais para a constituição de enunciados linguísticos complexos, como as frases, as orações, os períodos, os parágrafos.
fonologia: composição, do grego phone (som, voz) e logos (palavra, discurso, estudo). ortografia: composição, do grego ortho (correto, direito, reto) e grapho (registro, escrita). morfologia: composição, do grego morpho (forma) e logos. sintaxe: do grego suntaksis (ordem, organização).
Para nosso entendimento do português, ainda que venhamos a estudar a Fonologia e a Ortografia em momentos posteriores de nossos livros, interessam-nos mais as áreas da Morfologia e da Sintaxe. Estudaremos as palavras contextualizando-as nas frases e nos textos, seguindo a tendência de estudo morfossintático da língua. PORTUGUÊS
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Além disso, faremos uso dos conhecimentos de Semântica, necessários para que possamos aferir os significados e os sentidos que as palavras e as sentenças buscam alcançar. Assim, faremos o estudo da língua tomando como eixo de estudo três níveis básicos de conhecimento gramatical: a) semântico. b) morfológico / mórfico; c) sintático;
2.
A imagem acima não passa de um signo de linguagem, pois está apenas representando uma ideia existente. Você não pode habitar a imagem acima, simplesmente porque ela não é uma casa, mas uma representação dela.
NÍVEL SEMÂNTICO
A palavra é um ente linguístico abstrato, no sentido de que por si só não quer dizer nada: é apenas um conjunto de sons (na fala) ou de símbolos gráficos (na escrita), que nossos sentidos são capazes de captar. Entretanto, quando ouvimos – ou lemos – uma palavra, imediatamente somos reportados a uma ideia que essa palavra busca representar. Assim, quando entramos em contato com a palavra casa, a rigor, estamos apenas diante de um conjunto de sons produzidos no aparelho fonador (caso da fala) ou de “desenhos” de símbolos gráficos (caso da escrita). Esses sons ou esses “desenhos” constituem o que denominamos significante da palavra. O significado é a ideia à qual nos reportamos quando entramos em contato com aquele significante. Para que a palavra seja, de fato, palavra, ela deve se constituir necessariamente desses dois elementos: o significante e o significado. Sabemos que fazemos uma análise dos aspectos semânticos da língua, quando nossa investigação versa sobre encontrar, no mundo, as ideias às quais podemos relacionar aqueles sons ou desenhos captados por nossos sentidos.Toda linguagem pressupõe um nível semântico de análise: não podemos nos comunicar sem usar elementos chamados signos linguísticos (palavras), capazes de fazer menção a uma ideia que não é propriamente aquele signo. Tomemos um exemplo: quando ouvimos os sons [k ‘a z a] ou quando lemos o “desenho” casa, imediatamente somos reportados a uma ideia a respeito desses elementos, uma ideia que pode ser traduzida pela imagem ao lado. Veja-se que a figura em si não é uma casa (não podemos habitá-la, por exemplo), mas também ela não é um signo linguístico. Ela, porém, tem uma relação de semelhança com o objeto representado, diferentemente dos sons [k ‘a z a] ou das letras casa. Assim, quando se busca uma análise semântica do texto, o que se quer é a investigação de seus sentidos, de suas significações possíveis, de suas interpretações. A semântica relaciona-se ao significado, ao sentido das palavras e sentenças. Aquele homem chegou ao colégio pontualmente, preocupado com o filho. Do ponto de vista semântico, na frase acima, ocorrem palavras que remetem a algum elemento do nosso mundo conhecido. Conceitos como homem, chegar, colégio, pontualmente, preocupado e filho fazem parte das noções que observamos no universo extralinguístico. Tais palavras correspondem aos substantivos, aos verbos, aos advérbios e aos adjetivos. A rigor, são as únicas capazes de remeter a uma noção não gramatical. Por sua vez, as palavras aquele, ao, com e o pertencem ao plano gramatical, já que não são capazes de referir-se a elementos de nosso mundo conhecido. Às primeiras palavras chamamos lexicais, ao passo que, às segundas, chamamos-lhes gramaticais.
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PALAVRAS LEXICAIS
PALAVRAS GRAMATICAIS
- significação extralinguística
- significação intralinguística
- classes abertas: incorporam com frequência palavras novas e veem outras caírem em desuso
- classes fechadas: dificilmente incorporam novas palavras ou abandonam outras
- morfemas livres: fazem sentido quando faladas isoladamente
- morfemas presos: fazem sentido apenas quando associadas a outras palavras
- constituem-se em grande número
- constituem-se em pequeno número
- frequência baixa no texto: não costumam repetir-se com muita frequência num mesmo texto
- frequência alta no texto: costumam aparecer repetidas sem que isso gere problema no texto
As palavras lexicais podem ser representadas pelos substantivos, pelos adjetivos, pelos numerais, pelos verbos e por alguns advérbios, sobretudo aqueles derivados de adjetivos. As palavras gramaticais são as demais: artigos, pronomes, preposições, conjunções, interjeições e muitos advérbios.
Para ficar mais claro de que se fala, tomemos as seguintes palavras: falso, falsear, falsidade, falsamente.Tais palavras trazem, necessariamente, um elemento significativo comum, o qual permite que associemos essas palavras em seu sentido. Entretanto, caso se pense num artigo a, para acompanhar falsidade numa sentença, como em “A falsidade é um defeito abominável”, nota-se que esse artigo não é capaz de remeter a um conceito do mundo em que vivemos, embora nos informe algo, gramaticalmente: informa-nos, por exemplo, que o substantivo em questão é feminino e que referimos um conceito. Da mesma forma, uma preposição colocada diante do substantivo falsidade, poderia permitir que essa palavra passasse a equivaler a outras. Veja-se: Ele teve um ato de falsidade. (= falso) Ele agiu com falsidade. (= falsamente) É claro que essas preposições têm significado, porém sua significação se restringe ao fato de nos fazer conhecer algo sobre a palavra a que se antepõem, sem, entretanto, nos fazer lembrar de um elemento ou conceito presente em nosso mundo extralinguístico. O nível semântico de estudo da língua fará, portanto, uma investigação das diversas significações e dos papéis significativos que as palavras assumem para nós. 3.
NÍVEL MORFOLÓGICO
Cada palavra é uma unidade formadora da língua. A língua é um grande universo lexical, isto é, formado de palavras, as quais, por sua vez, não são tão distintas entre si – gramaticalmente falando – quanto se pode pensar. Quando olhamos duas palavras como amor e ódio, por exemplo, sabemos que se referem a sentimentos opostos do ponto de vista semântico. Entretanto, ambas essas palavras apresentam características gramaticalmente comuns: ambas podem ser tomadas como nomes de sentimentos, nomes de seres (em sentido amplo), caracterizando-se, portanto, como palavras a que chamamos substantivos. Mais que isso, ambas apresentam uma categoria gramatical chamada gênero, que é uma característica da palavra, independentemente de ter ou não sexo o ser a que ela se refere. Tanto amor quanto ódio são substantivos masculinos. Além disso, ambas aceitam a posposição de um sufixo -oso, o qual fará com que esses substantivos passem a se comportar como adjetivos: amoroso, odioso. O nível morfológico é o que busca o entendimento da palavra em seu plano formal, isto é, procura identificar a forma, a formação, os elementos formadores e o grupo no qual essa palavra, por suas características formais, pode ser inserida (substantivos, adjetivos, verbos...). Passemos então à análise das seguintes palavras: falso, falsear, falsidade, falsamente. Sabemos que, do ponto de vista semântico, elas fazem referência a uma mesma ideia no universo extralinguístico. O que faz, porém, uma delas ser adjetivo, uma ser verbo, outra ser substantivo e outra um advérbio? Se investigarmos seus elementos formadores, podemos ter uma ideia razoável de por que isso se dá dessa forma.
léxico: conjunto de todas as palavras que compõem a língua.
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Em falsear, o elemento significativo fals- recebe outro elemento tipicamente verbal: é próprio dos verbos as terminações -ar, -er, -ir, embora nem todas as palavras que assim terminam sejam verbos. Mas não é apenas essa característica verbal que falsear tem: falsear é capaz de sofrer flexões de tempo, de modo, de pessoa, de número, como observamos nas sentenças: Eu falseei o documento; Nós o falseamos; Se nós falseássemos mais... O que se quer dizer com isso é que falsear tem forma de verbo, pois suas características formais são típicas desta classe. Em falsidade, o elemento significativo fals- recebe um outro elemento típico de substantivo: o sufixo -dade é um dos que se apõem a adjetivos visando transformá-los em substantivos. Vários substantivos são oriundos de adjetivos por esse mecanismo: sério/ seriedade; austero/austeridade; feliz/felicidade; livre/liberdade; leal/lealdade; ruim/ruindade... Não apenas essa característica formadora típica de substantivo tem a palavra falsidade. O substantivo tem capacidade, por exemplo, de se flexionar no plural pelo acréscimo de um -s: falsidades. Com isso, pode-se afirmar que falsidade tem características formais típicas de substantivo. Já em falsamente, ao elemento significativo fals- agregou-se outro elemento, o sufixo -mente, cuja função típica é a de converter um adjetivo em advérbio. Do ponto de vista formal, o advérbio não tem capacidade de se flexionar em gênero ou em número – capacidades estas que o adjetivo falso tem (falso, falsa, falsos, falsas). Nas sentenças, ficará o advérbio falsamente invariável independentemente do ser que executa uma ação por ele modificada: Ele agiu falsamente; Ela agiu falsamente; Nós agimos falsamente; Elas agiram falsamente. 4.
NÍVEL SINTÁTICO
Por fim, o nível sintático é aquele em que avaliaremos a relação que as palavras passam a estabelecer entre si quando passam a constituir as sentenças, as frases, as orações, os períodos. Quando dizemos que o artigo determina o gênero do substantivo, por exemplo, estamos tratando de uma relação entre palavras; quando dizemos que o verbo tem um sujeito que executa aquela ação e um objeto sobre o qual recai a mesma ação, estamos falando de sintaxe. A palavra sintaxe vem do grego e quer dizer organização. Na avaliação da sintaxe da língua, levamos em conta três fundamentos:
Sintaxe de colocação As mulheres compraram bons livros na feira. A colocação é o princípio de sintaxe que regula a disposição das palavras na estrutura frasal.
Nessa estrutura (sintaxe), observamos pelo critério da colocação que não é possível, por exemplo, pospor o artigo as ao substantivo mulheres, pelo fato de isso ofender uma regra básica de organização do português. O mesmo princípio de colocação que proíbe essa disposição alternativa permite, por outro lado, que o adjetivo bons seja posposto ao substantivo livros. Ainda, o termo na feira poderia ser deslocado na sentença para algumas posições alternativas: Na feira, as mulheres compraram bons livros. As mulheres, na feira, compraram bons livros. As mulheres compraram, na feira, bons livros.
Sintaxe de regência
A regência é o princípio de sintaxe que estabelece hierarquia entre os elementos da estrutura.
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A regência é a relação hierárquica que passa a existir dentro da estrutura frasal. Alguns termos são, para a organização sintática, mais relevantes que outros. O termo na feira, por exemplo, faria menos falta na estrutura do que o termo bons livros. Isso porque bons livros exerce função de complemento de sentido do verbo (entendemos que quem compra precisa comprar algo), ao passo que na feira simplesmente indica o lugar em que a ação se passou, informação semanticamente relevante, mas sintaticamente prescindível.
Além disso, se tomarmos o artigo as em relação ao substantivo mulheres, notamos que este traduz uma informação nuclear na estrutura, ao passo que o artigo traz uma informação complementar; o mesmo se dá com o adjetivo bons em relação ao substantivo livros. Dessa forma, a estrutura se satisfaria com a seguinte forma: Mulheres compraram livros. Isso porque, agora, só restaram os termos principais, ou regentes na oração. Os demais seriam regidos por um desses três.
Sintaxe de concordância A concordância é o princípio de harmonia flexional entre termos relacionados entre si. Quando estruturamos uma frase segundo o português padrão, sabemos que a ocorrência de determinado termo nuclear no plural, por exemplo, exige que os elementos complementares a ele, caso se flexionem, também estejam no plural. Dessa forma, não diríamos, no português padrão, As mulher comprou bons livro na feira, mas diríamos As mulheres compraram bons livros na feira. Isso se dá porque o artigo as, que determina o substantivo mulher, deve com ele concordar em gênero e número, razão mesma que estabelece a necessidade de harmonização da flexão de bons e livros. Ainda, o verbo no português tende a seguir seu sujeito na flexão, concordando com ele em número e em pessoa.
A concordância é o princípio de sintaxe que estabelece o ajuste da flexão das palavras na estrutura frasal.
CLASSES DE PALAVRAS E ESTUDO MORFOSSINTÁTICO 5.
Do que se falou até aqui, deve-se ter em mente o seguinte: não há como estudar a língua e seu funcionamento sem que se racionalize o uso que fazemos dela. Por isso, faz-se necessário – apenas para fins didáticos – dividir os diversos níveis de análise da língua para que se possa melhor entender o fenômeno linguístico. No plano semântico, busca-se a relação da palavra com os elementos da realidade que ela busca representar (plano da significação). No plano morfológico, buscam-se os elementos componentes da palavra e sua categorização em classes para estudos de comportamentos comuns dessas classes (plano da formação e da classificação). No plano sintático, busca-se entender o funcionamento da palavra em relação às demais para a formação de estruturas complexas de comunicação (plano da organização frasal). Longe de se excluírem, essas análises se somam, conforme se verá a partir do estudo das classes de palavras, sua significação e seu funcionamento frasal. A Nomenclatura Gramatical Brasileira definiu como classes de palavras no português dez grupos: substantivos, adjetivos, artigos, numerais, pronomes, verbos, advérbios, preposições, conjunções e interjeições. As palavras que, por razões variadas, não se inserem em nenhuma dessas classes ficaram num grupo heterogêneo à parte, denominado de palavras denotativas, as quais, porém, não chegam a configurar uma décima primeira classe. Estudar as palavras isoladamente está fora de cogitação. Não é do ser humano com plena capacidade comunicativa enunciar estruturas simplificadas em que as palavras aparecem isoladamente. Exatamente por isso, fazer um estudo puramente morfológico da palavra é perder de vista o objetivo principal do conhecimento linguístico: entender como, de fato, a língua funciona. Dessa forma, iniciaremos o estudo das classes de palavras levando em consideração critérios variados: semânticos, sintáticos e morfológicos. Sem perder de vista o estudo semântico, a ser investigado mais detalhadamente em momento específico, focaremos nosso estudo na morfossintaxe: classes de palavras em seu contexto de uso e de estruturação frasal. De início ficaremos com as quatro classes lexicais principais: substantivos, adjetivos, verbos e advérbios. Em seguida passaremos ao estudo das demais (palavras gramaticais e numerais).
A Nomenclatura Gramatical Brasileira é um compêndio de nomes padronizados que devem ser usados no estudo da língua portuguesa no Brasil. Até 1958, cada livro, cada gramática criava sua própria terminologia no estudo do português: era comum que um mesmo fato da língua fosse chamado com nomes diferentes dependendo do livro. A simplificação e uniformização da terminologia foi adotada em 1958, a partir da proposta de um grupo de linguistas e gramáticos notáveis à época. Desde então, a NGB não foi reformulada ou revisada, e é comum que se façam críticas a suas contradições terminológicas, a seus excessos e a suas omissões. A NGB é um compêndio de nomes. Caso queira vê-la, acesse o Portal da Língua Portuguesa, apontando a câmera do seu celular para o QR Code abaixo.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (UFRGS) “Os críticos não negavam mérito a seus romances, mas afirmavam que em suas histórias faltava o cheiro do suor humano e da terra: achavam que, quanto à forma, eram tecnicamente bem escritas; quanto ao conteúdo, porém, tendiam mais para o artifício que para a arte, fugindo sempre ao drama essencial.”
Se substituíssemos Os críticos por A crítica, quantas outras alterações seriam necessárias, no texto, para fins de concordância? (A) 1. (B) 2. (C) 3. (D) 4. (E) 5. Gabarito: C Para resolver esse tipo de questão, não é necessário que você domine as regras específicas de concordância verbal ou de concordância nominal. Basta saber o que é o princípio da concordância e compreender que os elementos sintáticos se relacionam entre si de modo a adquirirem harmonia em suas flexões. Assim, a substituição levaria o texto a ser estruturado da seguinte forma: A crítica não negava mérito a seus romances, mas afirmava que em suas histórias faltava o cheiro do suor humano e da terra: achava que, quanto à forma, (as histórias) eram tecnicamente bem escritas; quanto ao conteúdo, porém, (as histórias) tendiam mais para o artifício que para a arte, fugindo sempre ao drama essencial.
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. A sintaxe do período é fator essencial à comunicação linguística, que depende da organização estrutural das sentenças para gerar os efeitos pretendidos pelo emissor. Nas sentenças abaixo, a modificação sintática na colocação das palavras destacadas pela troca de sua posição somente não afetaria o plano semântico em: (A) Mulheres com longos vestidos disputavam espaço na entrada do recinto. (B) Os alunos criticaram certas questões da prova. (C) Aqueles gestores legaram grandes obras à população. (D) Chegou ao colégio usando um simples vestido. (E) Tinha plena consciência de que algum homem haveria de respeitá-la. 02. Especifique qual tipo de análise gramatical é realizada nos casos a seguir. Siga o exemplo. EXEMPLO: O som de “s” pode ser marcado de maneiras diferentes no Brasil. => análise fonológica. (A) Usa-se “m” antes de “p” e “b”, como em “ambulância” e “importunar”, mas “n” antes das demais consoantes, como em “antes” e “infinito”. (B) O sujeito inexistente faz com que o verbo concorde no singular: “há pessoas na sala”. (C) Verbos podem conjugar em diversos tempos: “compro”, “comprei”, “comprava”... (D) “Expressão” é um termo que pode se referir a diferentes ideias, como “feição”, “fala”, “arte”, entre outros. (E) “Bastante” flexiona no plural quando for pronome adjetivo: “Bastantes pessoas chegaram”, mas permanece invariável quando for advérbio: “Elas são bastante bonitas”. 03. Complete: a) Classes de valor lexical: __________, __________, __________, __________, __________, __________. b) Classes de valor gramatical, relacional ou coesivo: __________, __________, __________, __________. 74
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SUBSTANTIVOS Introdução O substantivo é normalmente a primeira classe a ser estudada. Os livros mais tradicionais tendem a caracterizá-lo como “a palavra que dá nome aos seres”. A rigor, o conceito está corretíssimo, mas fundamenta-se num critério exclusivamente semântico e pressupõe o entendimento do conceito de ser, um conceito complexo de natureza filosófica. Compreendemos com facilidade que “cachorro” seja um ser, devido à sua concretude; mas temos mais dificuldades em compreender “percepção” como um ser, dada sua abstração. Por isso, o critério semântico deve dar espaço a outras caracterizações complementares, como as de natureza morfológica ou sintática. Podemos ter dificuldade em conceber “percepção” como um ser, mas compreendemos perfeitamente a possibilidade de ser anteposto de um artigo “a percepção”: o critério de combinar palavras é sintático, porém. Em razão disso, faremos um estudo sempre integrado das classes, contemplando a caracterização semântica, a morfológica e a sintática. 1.
ESTUDO SEMÂNTICO
Do ponto de vista semântico, o substantivo é a palavra por meio da qual designamos os seres em geral. Por “ser” entendemos tudo aquilo que existe ou que pode existir (na realidade ou na imaginação) e que, por isso, pode receber nome: José, cachorro, beleza, feiura, justiça, Igreja, clero, burguesia... Assim, os substantivos nomeiam os seres vivos e os não vivos, os concretos e os abstratos, os sentimentos, as noções, os processos, as ações, as instituições, os lugares.
Substantivos: concretos e abstratos Quanto ao tipo de ser que representa, o substantivo pode ser concreto ou abstrato. Substantivo concreto é aquele que designa um ser que pode ser definido em si mesmo, bastando sua existência (real ou imaginada) para que se defina: é o caso de substantivos como homem, cachorro, pedra, vento, fada e gnomo. Substantivo abstrato é aquele que, para que seja definido, precisa se manifestar em outro ser: é o caso de beleza, inteligência, nudez, compra e aprendizagem. Vejase que gnomo, por exemplo, não precisa existir na realidade para que seja concreto: não é isso que definirá se o substantivo é concreto ou não, mas o fato de só depender de sua existência (real ou não) para que se defina. O substantivo beleza, por sua vez, designa uma qualidade de um ser que é belo: não pode, portanto, ser definido sem que se manifeste em outro ser (o ser que apresenta a beleza); inteligência (qualidade do ser que é inteligente) segue o mesmo raciocínio; nudez é o estado daquele que se encontra nu – não havendo tal ser, não se pode definir a nudez; compra é uma ação, abstrata por só existir quando um ser a realiza; aprendizagem é um processo que só se define no ser que aprende.
Capítulo 2
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Estudo semântico 2. Estudo morfológico 3. Estudo sintático
substantivo: a palavra é proveniente do latim, substantivus, no sentido de substancial (substância, ser que existe).
Substantivos concretos: designam seres (existentes na realidade ou na imaginação) que se definem em si mesmos. Substantivos abstratos: designam seres que só existem quando se manifestam em outro ser. Obser ve a obra Davi, de Michelangelo. O substantivo estátua é concreto, por não precisar manifestar-se em outro ser. Já nudez ou perfeição são substantivos abstratos porque só existem quando se manifestam, por exemplo, na estátua.
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Substantivos concretos: comuns e próprios Os substantivos concretos, por sua vez, podem ser comuns ou próprios. Chamamos comuns os substantivos que designam um ser genérico e próprios os que apontam para um ser individualizado. São exemplos de comuns: cachorro, homem, empresa. São próprios: Rex, Pedro, Microsoft. 2.
É comum que se fale sobre gênero neutro. A palavra neutro vem do latim e significa nem um nem outro. Os gêneros gramaticais surgiram pela necessidade de categorizarmos as formas gramaticais a partir de elementos extralinguísticos: a maioria dos animais pode ser classificada como do sexo masculino ou do sexo feminino. Com o tempo, essa categorização biológica passou, em algumas línguas, a categorizar também as palavras. Assim, homem em português é um substantivo masculino, e mulher é feminino. No entanto, a classificação dos gêneros gramaticais passou a caminhar por si só, não dependendo de nenhum critério biológico para existir: por isso, cadeira é substantivo de gênero feminino e banco é masculino, sem que haja uma razão extralinguística para isso. O gênero neutro, existente em algumas línguas, é assumido no português quase sempre pelo masculino, que é um gênero menos específico que o feminino. Por isso, quando se diz “Os alunos estavam cansados” a frase pode referir-se a um grupo inteiro de alunos homens ou a um grupo misto. É importante não confundir o gênero gramatical com o gênero biológico: criança tem gênero gramatical feminino, mas refere-se aos dois sexos, por exemplo.
ESTUDO MORFOLÓGICO
Do ponto de vista morfológico, o substantivo é uma classe de palavras que apresenta, necessariamente, as categorias de gênero e de número. Quanto ao gênero, o substantivo no português é ou masculino ou feminino; quanto ao número, estará no singular ou no plural. Apresentar essas categorias não implica dizer que o substantivo sofrerá flexão. É fato que o substantivo pode sofrer flexões de gênero e de número, mas isso não quer dizer que todos eles sofrerão. Vejam-se os exemplos abaixo: o homem o menino
a mulher a menina
o osso o cantor
a carne a cantora
Gênero dos substantivos Todos os substantivos acima mencionados apresentam gênero, o qual pode ser informado com a ajuda do artigo. Entretanto, nem todos eles apresentam a flexão de gênero: a flexão de gênero no português é feita pela aposição ao masculino de uma desinência de gênero feminino, o -a. Assim, menino se flexiona para menina; cantor, para cantora, mas não há flexão de homem para mulher (trata-se de dois substantivos diferentes). Se o substantivo se referir a seres que apresentam sexo (gênero biológico), poderá ser uniforme ou biforme. Chamamos biforme o substantivo que se refere aos dois sexos, mas que apresenta uma forma para cada um deles. SUBSTANTIVOS BIFORMES (apresentam duas formas, uma para cada sexo) POR FLEXÃO
POR SUFIXAÇÃO
POR HETERONÍMIA
menino → meninA cantor → cantorA embaixador → embaixadora
papa → papISA embaixador → embaixaTRIZ ator → aTRIZ
homem → mulher boi → vaca peixe-boi → peixe-mulher
Já o substantivo uniforme se refere aos dois sexos, mas só apresenta uma forma para ambos os sexos, podendo distinguir o gênero ou não. Classificam-se em comuns de dois gêneros, sobrecomuns e epicenos. SUBSTANTIVOS UNIFORMES (apresentam uma única forma, para ambos os sexos)
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COMUNS DE DOIS GÊNEROS (uniformes com dois gêneros)
SOBRECOMUNS (uniformes com um só gênero)
EPICENOS (uniformes com um só gênero)
O estudante → A estudante O pianista → A pianista O dentista → A dentista
A criança O membro O cônjuge
A cobra (macho/fêmea) O jacaré (macho/fêmea) A zebra (macho/fêmea)
OBSERVAÇÕES: 1. personagem encaixa-se como sobrecomum (a personagem, para ambos os sexos), ou como comum de dois (o personagem e a personagem); 2. presidente encaixa-se como comum de dois (o presidente e a presidente) ou como biforme por flexão (o presidente → a presidentA). 3. embaixatriz: a esposa do embaixador; embaixadora: a mulher que exerce cargo máximo na embaixada. Além disso, vale destacar os substantivos de gênero vacilante, aqueles que os falantes costumam trocar o gênero, sobretudo na linguagem coloquial: o lotação (ônibus), o champanhe, o herpes, o dó, o guaraná, a alface, a mascote, a toalete, a patinete. Aceitam qualquer um dos dois gêneros: diabetes, agravante, usucapião, sabiá. Também se deve ressaltar o caso de substantivos que, com a mudança de gênero, mudam de significado, ou seja, trata-se de palavras diferentes: o cabeça (chefe) → a cabeça (parte do corpo); o lama (líder) → a lama (barro); o capital (investimento) → a capital (cidade); o caixa (atendente) → a caixa (recipiente).
Não se deve confundir a flexão para o plural com o plural em si. Todos os substantivos no português têm plural, embora nem todos sofram flexão.
Número dos substantivos Quanto ao número, o mesmo se verifica: o substantivo estará no singular ou no plural, porém nem todo substantivo se flexiona. Para deixar isso claro, tomemos o substantivo lápis. É fato que tal palavra pode se apresentar no singular (um lápis) ou no plural (dois lápis); no entanto, nos exemplos apresentados, quem indica o número é o numeral, já que o substantivo não sofre flexão de número: a flexão de número no português é feita pela aposição ao singular de uma desinência de número plural, o -s. o ônibus o menino
os ônibus os meninos
o pires o homem
E m 2 01 0, l eva nto u - s e u m a polêmica linguística a respeito da forma presidenta: o português admite duas formas para se referir a presidente, no feminino. São corretas “a ex-presidente” ou “a ex-presidenta”.
os pires os homens
Nos exemplos acima, portanto, menino e homem sofrem flexão de número, ao passo que ônibus e pires, que têm plural, não se flexionam do singular para o plural.
Grau dos substantivos Por fim, o substantivo apresenta, ainda, a categoria gramatical chamada grau. No caso do substantivo, pode aparecer em grau normal, em grau aumentativo ou em grau diminutivo. O substantivo está em grau normal quando se apresenta em sua forma primitiva, simples: casa, mulher, filme. O grau aumentativo serve ao propósito de indicar aumento na extensão do nome e pode aparecer em forma analítica (casa grande, filme grande...) ou em forma sintética, situações em que receberá sufixo (casarão, filmaço...). Ressalte-se, porém, que o aumentativo sintético, longe de indicar apenas aumento na extensão, serve também para valorar o substantivo, e, portanto, tem carga afetiva: apreciativa (filmão, mulherão, filmaço...) ou depreciativa/pejorativa (narigão, bocarra...). O grau diminutivo serve ao propósito de indicar diminuição na extensão do nome e pode aparecer em forma analítica (casa pequena, filme pequeno...) ou em forma sintética, situações em que receberá sufixo (casinha, casebre, filmeco...). Ressalte-se, assim como ocorria com o aumentativo, que o diminutivo sintético, longe de indicar apenas diminuição na extensão, serve também para valorar o substantivo, assumindo também certa carga afetiva: apreciativa (boquinha, narizinho...) ou depreciativa/ pejorativa (gentinha, gentalha, filmeco...).
O substantivo ônibus tem plural, mas sua forma plural é idêntica à sua forma singular. Por isso, dizemos que não sofre flexão para o plural. Se não tivesse plural, não teríamos como dizer “cinco ônibus”.
Há, nas gramáticas brasileiras, menção a um grupo de substantivos que são usados somente no plural. Seu uso singular é controverso ou apresenta sentido diferente. São designados pela expressão pluralia tantum, que significa “somente plurais”. Eis alguns exemplos: as núpcias as condolências os parabéns os pêsames as bodas as fezes as trevas os afazeres os anais os Alpes os Andes os óculos Alguns pluralia tantum sofrem singularização recente, mas ainda são mencionados nas gramáticas: as calças as cuecas as ceroulas as tesouras
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3.
ESTUDO SINTÁTICO
Do ponto de vista sintático, o substantivo tem um papel nuclear: significa que, em certos agrupamentos de palavras, ocupará a função principal. Esses agrupamentos de palavras dentro de uma estrutura frasal podem ser chamados sintagmas, e como o substantivo dá nome aos seres, o sintagma do qual ele é núcleo é chamado sintagma nominal. Assim, o substantivo se comporta na estrutura sintática como núcleo de algum sintagma nominal. Veja alguns exemplos de sintagmas nominais: uma linda mulher americana as luzes amarelas um belo artigo científico Como se pode observar, o substantivo é a palavra principal desses agrupamentos: quando se diz “Um belo artigo científico foi publicado por ele”, o que foi publicado é artigo e não belo, nem científico: as informações que circundam o substantivo são satélites, acessórias e, como se costuma dizer, o acessório segue o principal. Os sintagmas nominais podem ser exemplificados, sobretudo, pelo sujeito, que é o mais frequente sintagma nominal na língua. As belas histórias cativaram o público.
Títulos de filmes e de livros, como O filho eterno, costumam ser estruturados como sintagmas nominais: apresentam um núcleo substantivo que recebe determinantes e especificadores.
Entretanto, o mesmo sintagma nominal poderia ocupar outras funções: objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, entre outras. Note-se, ainda, que o público, na oração acima, exercendo função de objeto direto, também é sintagma nominal e poderia exercer função de sujeito. O público foi chegando aos poucos.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (UMESP) Assinale a alternativa em que há um substantivo cuja mudança de gênero não altera o significado.
(A) cabeça, cisma, capital (B) águia, rádio, crisma (C) cura, grama, cisma (D) lama, coral, moral (E) agente, praça, lama Gabarito: E A palavra agente, quando muda de gênero, referencia apenas o sexo da pessoa: o agente (um homem), a agente (uma mulher), não alterando, portanto, o sentido da palavra. Todas as demais são substantivos que apresentam um sentido no masculino e outro no feminino: o cabeça (líder) / a cabeça (parte do corpo); o cisma (divisão) / a cisma (ideia fixa); o capital (dinheiro) / a capital (cidade); o águia (pessoa notável) / a águia (ave); o rádio (instrumento) / a rádio (emissora); o crisma (óleo santo) / a crisma (sacramento católico); o cura (cuidador); a cura (tratamento); o grama (unidade de massa); a grama (relva); o lama (líder religioso) / a lama (barro); o coral (conjunto musical) / a coral (cobra); o moral (ânimo) / a moral (ética); o praça (militar de baixa patente) / a praça (local). 78
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (Unicamp 2021) Num mundo dominado por homens, a mulher é tratada como um ser diferenciado, que merece uma designação especial. Enquanto a expressão “o homem” pode equivaler a “o ser humano”, como na frase “O homem é mortal”, a expressão “a mulher” só se refere aos seres humanos do gênero feminino. A língua também revela um tratamento diferente dado à mulher na sociedade ao conter designações específicas para ela, inexistentes para o homem. Assim, a mulher de um chefe de governo é chamada de “primeiradama”, mas o marido de uma mulher que desempenha aquele cargo não é chamado de “primeiro-cavalheiro”. Conta-se que Cecília Meireles recusava a designação de “poetisa”, por achar que esse termo não tinha a mesma conotação de “poeta” (usado para os homens), ao contrário, soava até pejorativo. Por outro lado, Dilma Rousseff exigia que a tratassem por “presidenta” para enfatizar que quem ocupava o cargo de chefe da nação brasileira era finalmente uma mulher. Adaptado de Francisco Jardes Nobre de Araújo, O machismo na linguagem. Disponível em: . Acessado em 05/06/2020.
Segundo o autor de “O machismo na linguagem”, (A) o hábito de usar “o homem” para representar a humanidade faz com que o feminino se torne um gênero subalterno. (B) a prática da designação do gênero feminino na língua portuguesa leva ao fim do privilégio do masculino na linguagem. (C) o emprego de palavras no feminino evita o viés machista e incentiva uma menor diferenciação entre os gêneros. (D) a escolha de algumas palavras para marcar o gênero feminino pode se relacionar com a valorização social da mulher. 02. (UNIFESP) A ciência do palavrão Por que diabos m... é palavrão? Aliás, por que a palavra diabos, indizível décadas atrás, deixou de ser um? Outra: você já deve ter tropeçado numa pedra e, para revidar, xingou-a de algo como filha da …, mesmo sabendo que a dita nem mãe tem. Pois é: há mais mistérios no universo dos palavrões do que o senso comum imagina. Mas a ciência ajuda a desvendá-los. Pesquisas recentes mostram que as palavras sujas nascem em um mundo à parte dentro do cérebro. Enquanto a linguagem comum e o pensamento consciente ficam a cargo da parte mais sofisticada da massa cinzenta, o neocórtex, os palavrões moram nos porões da cabeça. Mais exatamente no sistema límbico. Nossa parte animal fica lá.
Os palavrões, por esse ponto de vista, são poesia no sentido mais profundo da palavra. Duvida? Então pense em uma palavra forte. Paixão, por exemplo. Ela tem substância, sim, mas está longe de transmitir toda a carga emocional da paixão propriamente dita. Mas com um grande e gordo p.q.p. a história é outra. Ele vai direto ao ponto, transmite a emoção do sistema límbico de quem fala diretamente para o de quem ouve. Por isso mesmo, alguns pesquisadores consideram o palavrão até mais sofisticado que a linguagem comum. (www.super.abril.com.br. Adaptado.)
No texto, o substantivo palavrão, ainda que se mostre flexionado em grau, não reporta à ideia de tamanho. Tal emprego também se verifica em: (A) Durante a pesquisa, foi colocada uma gotícula do ácido para se definir a reação. (B) Na casa dos sete anões, Branca de Neve encontrou sete caminhas. (C) Para cortar gastos, resolveu confeccionar livrinhos que cabem nos bolsos. (D) Não estava satisfeita com aquele empreguinho sem graça e sem perspectivas. (E) Teve um carrinho de dois lugares, depois um carro de cinco e, hoje, um de sete. 03. Identifique o trecho em que todos os termos destacados são substantivos ou palavras substantivadas. (A) Maria foi à feira e comprou um belo abacate. (B) Maria foi a Marte e quis ver a Terra. (C) Maria disse que o viver é belo. (D) Maria viu um anjo e pediu um conselho. (E) Maria esteve aqui e reclamou comigo. 04. Marque a alternativa em que não há nenhum substantivo abstrato (A) Deus, Curupira, Papel, Gaivota, Melão. (B) Amor, Carro, Lagarto, Mel, Água. (C) Pesca, Sensação, Homem, Anjo, Controle. (D) Mescla, Ambiguidade, Religião, Pequenez, Pequinês. (E) Bafo, Ar, Espera, Ruído, Minguante.
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ADJETIVOS Introdução O conceito de adjetivo mais frequente é o de que se trata da palavra que caracteriza ou que qualifica os substantivos. Dizer que o adjetivo expressa qualidades, modos de ser, estados ou defeitos é insuficiente, pois nudez é um estado, beleza é qualidade, mas tais palavras são substantivos. Por isso, é essencial que se conjuguem novamente as caracterizações semântica, morfológica e sintática a fim de se ter uma noção mais precisa do que seja o adjetivo. Etimologicamente, adjetivo é uma palavra de origem latina e significa “aquele que fica ao lado, que se junta a algo”. Só é possível conceber o adjetivo como uma palavra que se apõe a um elemento de natureza substantiva: assim, nu e belo podem apor-se (homem nu, quadro belo) mas nudez e beleza não (homem nudez, quadro beleza). Neste capítulo, vamos aprofundar nosso entendimento sobre os adjetivos, passando ao estudo morfossintático da segunda classe de palavras. 1.
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Estudo semântico 2. Estudo morfológico 3. Estudo sintático
ESTUDO SEMÂNTICO
Do ponto de vista semântico, o adjetivo é a palavra por meio da qual atribuímos aos substantivos características em geral: qualidades, defeitos, modos de ser, estados... O adjetivo qualifica sempre um substantivo ou um termo que, na oração, equivalha a ele. Pode traduzir para o substantivo um grande número de relações de sentido, mas todas elas no sentido de qualificá-lo. Assim, sendo, são exemplos de adjetivos: belo, feio, inteligente, preguiçoso, preocupado, inocente, verdadeiro, falso... Um adjetivo, ao qualificar um substantivo, pode particularizar esse substantivo ou não, isto é, pode delimitar o substantivo para uma especificação ou não. Comparem-se os usos do adjetivo fria nos dois exemplos abaixo: Costumava tomar banho com água fria. A neve fria que caía sobre a cidade deixou-a triste. É nítido que a retirada do adjetivo fria no primeiro exemplo comprometeria o sentido da frase, pois, neste caso, não basta a informação de que alguém costumava tomar banho com água: o adjetivo qualifica o substantivo água, delimitando-o, isto é, particularizando que não se trata de qualquer água, mas de água fria, o que exclui, por exemplo, água quente. Já no segundo exemplo, a retirada do adjetivo não comprometeria a compreensão da sentença, pois ele não tem mais o papel de particularizar um tipo específico de neve, mas apenas de apontar uma característica que ela tem. Costumava tomar banho com água fria. (adjetivo imprescindível) A neve que caía sobre a cidade deixou-a triste. (adjetivo prescindível) No primeiro caso, dizemos que a adjetivação é restritiva. No segundo, que é não restritiva, o que equivale a dizer que é explicativa. A distinção se dá, sobretudo, pelo fato de que se aumenta o grau de particularização do substantivo com o adjetivo restritivo, ao passo que o adjetivo explicativo não altera a generalização ou a particularização do substantivo. Vejam-se mais exemplos dessa diferenciação:
Os adjetivos costumam ser referidos como vilões nos textos científicos. Será que isso é verdade? A adjetivação pode estar vinculada a uma ideia objetiva ou a uma ideia subjetiva a respeito do substantivo. Entendemos como objetivo o conhecimento que não depende das impressões e das avaliações do sujeito que observa, e como subjetivo o conhecimento que se dá a partir das manifestações pessoais interiores. Aquele vestido é verde. (objetivo) Aquele vestido é bonito. (subjetivo) O texto científico caracteriza-se pela objetividade da linguagem. Não há problema algum em adjetivar no texto científico, portanto. Às vezes, maior objetividade pode ser dada quando o adjetivo estiver posposto e maior subjetividade quando ele estiver anteposto. Isso ocorre em adjetivos polissêmicos. É uma mulher pobre. (mais objetivo) É uma pobre mulher. (mais subjetivo) Em adjetivos não polissêmicos, essa distinção de colocação não costuma parecer: verdes olhos, olhos verdes.
Tu escreveste uma bela poesia. (adjetivo restritivo) A bela Porto Alegre amanheceu em festa. (adjetivo explicativo) PORTUGUÊS
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2.
ESTUDO MORFOLÓGICO
O adjetivo apresenta categorias de gênero e de número que se comportam de forma distinta das do substantivo. No adjetivo, tais categorias servem a um propósito sintático, qual seja o de estabelecer concordância com o substantivo. Assim, o adjetivo poderá flexionar-se em gênero e em número, mas apenas em razão de adjetivar um substantivo de gênero e número específicos.
Gênero e número dos adjetivos Do ponto de vista morfológico, o adjetivo é uma classe de palavras que apresenta, necessariamente, as categorias de gênero e de número. Entretanto, a flexão dos adjetivos não se dá por necessidade de se determinar um gênero específico para o substantivo, mas apenas pela concordância: é necessário que o adjetivo acompanhe, no gênero e no número, o substantivo que qualifica. Assim como ocorria com o substantivo, apresentar as categorias de gênero e de número não implica dizer que o adjetivo sofrerá flexão. Vejam-se os exemplos abaixo: O adjetivo nervoso, nos exemplos ao lado, é biforme em gênero: apresenta uma forma para o masculino e outra para o feminino. O adjetivo gentil é uniforme: apresenta uma única forma, comum aos dois gêneros. O adjetivo simples, além de ser uniforme em gênero, não se flexiona em número (tem plural, mas idêntico ao singular).
homem nervoso, gentil e simples mulher nervosa, gentil e simples. homens nervosos, gentis e simples mulheres nervosas, gentis e simples Note-se que o adjetivo nervoso sofre tanto a flexão de gênero quanto a de número; gentil não sofre a de gênero, mas sofre a flexão de número; simples, por sua vez, não sofre nenhuma flexão.
Graus dos adjetivos
Quem já leu o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, deve lembrar-se do personagem de José Dias, amante dos superlativos. Relembre: "Se soubesse, não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo... " José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases. (...) Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não aquele vagar arrastado se era dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um silogismo completo, a premissa antes da consequência, a consequência antes da conclusão. Um dever amaríssimo! ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
Ainda no plano mórfico, o adjetivo apresenta a categoria de grau, sendo o mais importante o grau superlativo absoluto sintético, que se faz por derivação sufixal a partir do adjetivo original. O sufixo mais comum é -íssimo. Os demais processos de gradação do adjetivo são sintáticos, já que pressupõem a combinação do adjetivo com outras palavras (artigos, advérbios, conjunções, preposições). GRAUS DO ADJETIVO normal comparativo
inteligente
de superioridade
mais inteligente (do) que
de igualdade
tão inteligente quanto
de inferioridade
menos inteligente (do) que
relativo superlativo absoluto
de superioridade
o mais inteligente
de inferioridade
o menos inteligente
analítico
muito inteligente
sintético
inteligentíssimo
Usualmente, o adjetivo forma seu superlativo absoluto sintético com o sufixo -íssimo. Vejam-se alguns exemplos: leve (levíssimo) / chato (chatíssimo) / novo (novíssimo) 82
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Entretanto, há adjetivos que formam o grau superlativo absoluto sintético e que, para tal, exigem mais transformações. Adjetivos terminados em -vel formam o superlativo em -bilíssimo; terminados em -m fazem -níssimo; em -z, -císsimo; em -ão, -aníssimo. amável (amabilíssimo) / comum (comuníssimo) capaz (capacíssimo) / feliz (felicíssimo) pagão (paganíssimo) / notável (notabilíssimo) Há, ainda, adjetivos que formam o superlativo absoluto sintético recorrendo a suas raízes latinas: são os chamados superlativos eruditos. livre (libérrimo) / nobre (nobilíssimo) / fiel (fidelíssimo) Coloquialmente, o grau superlativo do adjetivo ainda pode ser traduzido de outras formas, a saber: pela repetição do adjetivo; pelo uso de expressões hiperbólicas; pela prefixação com morfemas típicos para ligação com substantivos; pelo uso de diminutivos e aumentativos; por comparações breves; e pela expressividade no uso do artigo definido. Vejam-se os exemplos: Aquela música é feia, feia. Trata-se de um homem podre de rico. É uma resolução superinteressante para um problema megacomplicado. Aquela mulher é bonitona, tem umas pernas jeitosinhas. É burro feito uma porta, e feio que nem o diabo. Aquela mulher é “a” mulher. 3.
ESTUDO SINTÁTICO
Adjetivo: nuclear e acessório Do ponto de vista sintático, o adjetivo pode ser uma palavra nuclear, mas apenas em relação ao advérbio, já que, para o substantivo, sempre será uma palavra acessória, determinante. Assim, quando se forma, por exemplo, o sintagma nominal uma mulher muito inteligente, não há dúvidas de que o núcleo é mulher (substantivo); entretanto, poder-se-ia também encontrar, dentro desse sintagma nominal, um sintagma menor, muito inteligente, cuja informação principal é inteligente, já que poderíamos compor uma mulher inteligente, mas não uma mulher muito. Por isso, diz-se que o adjetivo é, para o substantivo, uma palavra acessória determinante; porém, para o advérbio, é palavra nuclear, dentro do que se denomina sintagma adjetival.
No título deste best-seller, o uso da expressão “podres de ricos” funciona como superlativo popular para as formas gramaticalmente p re s c r i t a s “mu i to r i co s” o u “riquíssimos”.
O adjetivo só é palavra nuclear em relação a um advérbio. Ao serem combinados, formam um sintagma chamado adjetival. Entretanto, se este sintagma adjetival for usado para qualificar um substantivo, forma-se um sintagma nominal, e o substantivo será a palavra nuclear. muito cruel
tão cruel pouco disposto extremamente cansado estranhamente preocupado
sintagma adjetival homem muito cruel sintagma nominal
Note-se que, nos sintagmas acima (adjetivais), o adjetivo ocupa a função nuclear. Ao se ligarem esses sintagmas adjetivais a substantivos, porém, pode-se ver o papel duplo do adjetivo: núcleo no sintagma adjetival, mas determinante do substantivo. mulher tão cruel estudante pouco disposto professor extremamente cansado pai estranhamente preocupado PORTUGUÊS
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Adjetivo: adjunto adnominal e predicativo Dito isso, cabe agora analisar a função sintática que o adjetivo exercerá na sentença quando qualificar o substantivo. Viu-se que o papel próprio do substantivo é o de núcleo de algum sintagma nominal. O adjetivo, por sua vez, exerce um papel próprio de qualificar um substantivo dentro de um sintagma nominal, o que o coloca como determinante do substantivo. Leia-se a seguinte sentença: O nobre professor elogiou o aluno esforçado. Encontram-se, nesta estrutura, dois sintagmas nominais: o nobre professor e o aluno esforçado. Nos dois casos, o núcleo é, como não poderia ser diferente, dado pelo substantivo, ao passo que o artigo definido e o adjetivo portam-se como determinantes do substantivo. Quando o adjetivo assim aparece, como determinante do substantivo, dentro do sintagma nominal, exerce sua função típica: a de adjunto adnominal. Porém, poderia se dar caso diferente. Observe-se: O nobre professor estava preocupado. Neste exemplo, têm-se dois adjetivos qualificando o núcleo professor. Porém, deve ser notada uma diferença: é que o primeiro adjetivo, nobre, exerce papel determinante dentro do sintagma nominal, ao passo que preocupado se encontra “solto”, fora de um sintagma nominal. Diz-se que, neste segundo caso, o adjetivo não está exercendo sua função própria, e funciona como predicativo. Comparem-se os dois exemplos abaixo: O marido apaixonado chegou do bar. O marido chegou apaixonado do bar. No primeiro caso, o sujeito (sintagma nominal) é o marido apaixonado, e o adjetivo se coloca, portanto, como determinante do substantivo dentro do sintagma nominal: função adjunto adnominal. No segundo caso, o mesmo adjetivo não faz parte do sujeito, representado pelo sintagma nominal o marido, ainda que qualifique este mesmo substantivo: função predicativo.
Adjetivo x substantivo Por fim, cabe comentar aqui a natureza da distinção entre substantivo e adjetivo no português. Já que qualidades podem ser tomadas como seres, e já que tanto substantivo quanto adjetivo podem flexionar-se em gênero e número, é comum que tais classes tenham uma distinção tênue, que só se fará, a rigor, no plano sintático. Quando se diz velho, toma-se tal palavra como a qualidade que um substantivo qualquer teria, como se observa nos seguintes exemplos: O velho caderno ainda era o mesmo. (adjetivo em função de adjunto adnominal) O caderno estava velho demais. (adjetivo em função de predicativo) É comum, em português, que adjetivos sejam convertidos em substantivos, sem alteração na forma, e vice-versa. Portanto, ver a forma da palavra não nos garante concluir como ela está de fato funcionando no contexto sintático.
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Entretanto, não se observa o adjetivo exercendo nenhuma dessas funções na sentença abaixo: O velho dirigiu-se à praça.
Neste caso, a palavra destacada exerce função de sujeito, e põe-se como núcleo do sintagma nominal o velho. Só pode, portanto, ser substantivo. Conforme se vê, um adjetivo pode converter-se em substantivo (e vice-versa) e, neste caso, não se dirá que o adjetivo velho exerce função de sujeito; antes se dirá que velho exerce função de sujeito por ter se tornado substantivo (tal processo é denominado conversão ou derivação imprópria). Note-se que o oposto ocorre nos exemplos abaixo. Uma única laranja tinha dado o gosto azedo ao suco. (substantivo) A camiseta laranja destacava-se na multidão. (adjetivo) A empresa laranja foi descoberta pela polícia. (adjetivo) É a mesma distinção que faz Machado de Assis em uma das passagens mais conhecidas de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas
Quando afirma não ser “um autor defunto, mas um defunto autor”, o narrador nega ser um escritor que morreu – de fato, Brás Cubas não tinha, quando vivo, o ofício de escritor –, e afirma ser, na realidade, um defunto autor, ou seja, um morto que decidiu escrever. No primeiro caso (autor defunto), a palavra autor funciona como substantivo e defunto como adjetivo; no segundo caso, é o contrário que ocorre.
Memórias Póstumas, de André Klotzel (2001): adaptação da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é muito elogiado por transpor a linguagem literária do escritor ao contexto da linguagem cinematográfica.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (UFPR) Há vários exemplos de substantivos que são usados como adjetivos. Os termos grifados das frases que seguem são exemplos disso, COM EXCEÇÃO DE:
(A) Ela arranjou um namorado gato. (B) Tenho um colega mala. (C) Ela sempre tem uma palavra amiga. (D) Precisa ser muito homem para comprar essa briga. (E) Ele tem um ar paternal. Gabarito: E A questão trata da conversão de substantivos em adjetivos. Os substantivos gato, mala e amiga estão sendo usados no interior de sintagmas nominais (um namorado gato, um colega mala, uma palavra amiga), cujos núcleos substantivos estão destacados: são usados, portanto, como adjetivos nesses sintagmas para qualificar os núcleos. Na alternativa D, a palavra homem forma um sintagma adjetival (muito homem), em função predicativo, sendo inclusive especificado por advérbio. Na letra E, paternal é empregado propriamente como adjetivo. A palavra não é substantivo, originalmente.
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Instrução: Para resolver a questão seguinte, indique o somatório das proposições corretas. 2. (UEPG) Assinale o que for correto quanto à classificação das palavras em destaque
nos excertos do texto.
(01) ...a partir daí entra em ação um freio automático, e os ricos deslizam de volta para o seu mundo psicológico particular. (adjetivo). (02) É possível... falar de assuntos comuns... (adjetivo). (04) ...os ricos deslizam de volta para seu mundo psicológico particular. (adjetivo). (08) ...os ricos deslizam de volta para seu mundo psicológico particular. (substantivo). Gabarito: 07 A proposição (01) está correta, pois o adjetivo automático qualifica o substantivo freio, especificando-o. O mesmo ocorre na proposição (02), em que o adjetivo comuns especifica assuntos. Em (04) e em (08), as duas palavras são adjetivos que qualificam o núcleo mundo. Está, portanto, correta a (04) e errada a (08).
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. As gramáticas conceituam adjetivo tradicionalmente como sendo a palavra que modifica um substantivo, atribuindo-lhe uma qualidade, um defeito, um modo de ser, um aspecto, enfim, uma característica em geral. Assinale a alternativa em que o uso do adjetivo destacado não segue tal conceito tradicional. (A) Professores qualificados foram contratados pela empresa. (B) Ninguém conseguiu encontrar uma solução distinta. (C) Deixaram os pratos sujos após o jantar. (D) Beber água é saudável. (E) O sucesso da ciência depende de pesquisadores obstinados. 02. Os adjetivos, quando se flexionam no grau superlativo absoluto sintético, costumam formar o adjetivo derivado com o acréscimo do sufixo íssimo. Entretanto, em alguns casos, pode ser que o adjetivo altere seu radical, retomando a raiz latina que o originou, formando o superlativo erudito. É o caso de todos os adjetivos abaixo, COM EXCEÇÃO DE: (A) nobre – nobilíssimo. (B) amigo – amicíssimo. (C) correto – corretíssimo. (D) célebre – celebérrimo. (E) magro – macérrimo. 03. Substantivos e adjetivos podem, a depender da forma como são usados contextualmente, transitar de uma classe para a outra. Chama-se conversão ou derivação imprópria ao processo pelo qual uma palavra, sem mudar de forma, altera sua classificação morfológica original. Isso ocorre com a palavra modelo em: (A) A modelo chamou atenção durante o desfile. (B) Preciso de um modelo estrutural para a próximo projeto. (C) A fim de pluralizar tal palavra, precisamos seguir o modelo proposto. (D) O texto escrito por ele não seguia as construções modelo. (E) Diferentes modelos foram usados para explicar o fenômeno.
04. (FUVEST) Examine este cartaz, cuja finalidade é divulgar uma exposição de obras de Pablo Picasso.
http://institutomieohtake.org.br
Nas expressões “Mão erudita” e “Olho selvagem”, que compõem o texto do anúncio, os adjetivos “erudita” e “selvagem” sugerem que as obras do referido artista conjugam, respectivamente, (A) civilização e barbárie (B) requinte e despojamento (C) modernidade e primitivismo (D) liberdade e autoritarismo (E) tradição e transgressão 05. (ESPM SP) CAPÍTULO IV / UM DEVER AMARÍSSIMO José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servir a prolongar as frases. Machado de Assis, Dom Casmurro.
No título “Um Dever Amaríssimo”, o termo em destaque significa: (A) amar demais (B) de amavios (sedução, feitiço, encanto) (C) amoroso (D) muito amaro (amargo) (E) de amante
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VERBOS (1ª PARTE) Introdução Em latim, verbo (verbum) significa “palavra, frase, sentença, pensamento”. É curioso que tenhamos dez classes de palavras e uma delas tenha exatamente o nome etimológico de “palavra”. Isso ocorre porque o verbo é a essência da oração, do enunciado linguístico mais comum em nosso dia a dia. É praticamente impossível a comunicação eficiente, em português, sem que o verbo esteja presente. É a classe de palavras mais complexa na língua portuguesa, porque varia muito suas formas para marcar categorias gramaticais diversas, como tempo, modo, número e pessoa. Por ser essência da oração, seu estudo exige muito esforço e atenção, pois a sintaxe também se estrutura em torno dessa palavra. Neste capítulo, faremos uma parte do estudo do verbo. Nossos esforços se concentrarão na morfologia dos tempos e na sintaxe dos tempos e dos modos verbais, num primeiro momento. Posteriormente, em momento oportuno, estudaremos a relação do verbo com os demais elementos da sintaxe. 1.
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Estudo geral dos verbos 2. Modos verbais e verbos auxiliares modais 3. Aspectos verbais e verbos auxiliares aspectuais 4. Vozes verbais e verbos auxiliares de voz 5. Locuções verbais: síntese 6. Sintaxe dos tempos verbais
ESTUDO GERAL DOS VERBOS
Estudo semântico
Vinícius de Moraes, nos anos de 1970.
O verbo é a palavra que dinamiza as ações na língua. Do que se viu até aqui sobre as classes de palavras, sabe-se que tanto substantivos quanto adjetivos representam classes estáticas, incapazes de se situarem no tempo. O verbo, ao contrário, é capaz de pegar as mesmas noções dadas pelos substantivos e pelos adjetivos e dinamizá-las. Quando se tomam os nomes chuva e chuvoso, por exemplo, o primeiro (substantivo) designa o fenômeno tomado como ser, e o segundo (adjetivo) é tomado como estado ou qualidade. O verbo chover, por sua vez, tem a possibilidade de se situar no tempo, o que dá uma novidade ao conceito extralinguístico presente nas três palavras (chuva, chuvoso e chover). Diz-se, portanto, com o verbo:
Vinícius de Moraes é um dos maiores poetas de nossa literatura moderna. No soneto O verbo no infinito ele sintetiza a vida humana a partir de uma sequência de infinitivos verbais.
Choveu bastante, e ainda chove; certamente choverá durante toda a semana. Assim, é incompleto dizer que o verbo é a palavra que indica ação, pois os nomes também podem indicar uma ação: a chegada, a saída, o pulo, o corre-corre são todos ações, tomados como seres e, portanto, são substantivos. Disso, decorre que, do ponto de vista semântico, o verbo é a palavra que situa no tempo as ações, os fenômenos, os estados, as mudanças de estado, os processos. A mulher saiu apressada. Trovejava sem parar naquela noite. O diretor do filme está em coma. O país ficou perplexo após a morte do jogador. Os alunos aprenderão o conteúdo lentamente.
O verbo no infinito Ser criado, gerar-se, transformar O amor em carne e a carne [em amor; nascer Respirar, e chorar, e adormecer E se nutrir para poder chorar Para poder nutrir-se; e despertar Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir E começar a amar e então sorrir E então sorrir para poder chorar. E crescer, e saber, e ser, e haver E perder, e sofrer, e ter horror De ser e amar, e se sentir maldito E esquecer tudo ao vir um novo amor E viver esse amor até morrer E ir conjugar o verbo no infinito... MORAES, Vinícius. O verbo no infinito. In: www.viniciusdemoraes.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2018.
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Estudo morfológico Do ponto de vista morfológico, o verbo é uma palavra lexical que apresenta categorias próprias: o tempo, o modo, o número, a pessoa, o aspecto e a voz. Destas categorias, as quatro primeiras, pelo menos, se põem como flexões a que o verbo está sujeito. Abaixo, tratar-se-á dessas flexões. Observem-se os elementos que se apõem ao radical (estud-) a fim de indicar as categorias consideradas. O verbo se flexiona em tempo por ser essa sua característica semântica própria. Dessa forma, estará o verbo no presente, no pretérito (passado) ou no futuro. Neste momento, ela estuda. (presente) Ontem, ela estudou. (pretérito) Amanhã, ela estudará. (futuro) O verbo se flexiona em modo porque, ao considerar a ação, o falante pode tomála segundo atitudes psicológicas distintas (a certeza, a dúvida, a vontade, o comando, a hipótese, o medo...), as quais atitudes serão impressas sobre o verbo. Nos exemplos abaixo, a ação destacada é tomada no mesmo tempo (presente), mas em modos distintos.
As principais categorias morfológicas do verbo são: 1. TEMPO: informa a relação da ação com o momento da fala. 2. MODO: informa a atitude psicológica do falante (grau de certeza ou sentimento). 3. ASPECTO: informa o ponto de vista que falante tem da ação verbal (início, meio, fim: será estudado em breve). 4. NÚMERO: informa a quantidade no sujeito da ação verbal (singular ou plural). 5. PESSOA: informa o elemento discursivo que o sujeito refere (emissor, receptor ou referente). Obs.: A VOZ é uma categoria sintática do verbo.
Estou certo de que ela estuda inglês. (atitude de certeza – modo indicativo) Duvido que ela estude inglês. (atitude de dúvida – modo subjuntivo) Estude inglês para sua viagem! (atitude de comando – modo imperativo) Flexiona-se o verbo em número porque pode se referir a um só ser ou a mais de um: no primeiro caso, estará no singular; no segundo, no plural. Eu estudarei no pátio da escola. (singular) Tu e eu estudaremos no pátio da escola. (plural) Por fim, o verbo se flexiona em pessoa, porque não se manifesta de modo uniforme nas diversas pessoas do discurso (quem fala, com quem se fala e de quem se fala). Eu estudo por este livro, tu estudas por aquele, mas ele não estuda por nenhum. Assim, o verbo é uma classe de palavras morfologicamente complexa, pois são muitos os elementos formadores que participam de sua formação e flexão.
Estudo sintático Do ponto de vista sintático, o verbo é a palavra que define uma estrutura denominada sintagma verbal ou oração. O aparecimento do verbo definirá a estrutura como oração independentemente de ter ou não sentido completo. Assim, quando se diz Ela disse que virá ao baile, necessariamente têm-se duas orações, pois duas são as declarações verbais presentes na estrutura. Além disso, um sintagma verbal pode conter nenhum ou até diversos sintagmas nominais, mas necessariamente conterá um verbo. SN: a infraestrutura aeroportuária brasileira SN: investimentos vultosos SV: a infraestrutura aeroportuária brasileira requer investimentos vultosos. O estudo sintático do verbo é razoavelmente complexo e será feito em momento oportuno.
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MODOS VERBAIS E VERBOS AUXILIARES MODAIS 2.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira considerou, para o estudo dos verbos, a existência de três modos verbais: o indicativo, o subjuntivo e o imperativo. Quando se fala em modo verbal, fala-se na atitude psicológica do falante diante da ação considerada. O modo, ou modalidade, é uma investigação do teor subjetivo por detrás da declaração verbal. Assim sendo, a ação pode ser tomada num plano meramente racional, declarativo, e nesse caso tem-se o modo indicativo; ou, de outra forma, ser tomada num plano envolvido de subjetividade, sensibilidade, e nesse caso tem-se o modo subjuntivo; ainda, pode a ação ser tomada no plano da vontade externada na forma de um comando, caso em que se falará em modo imperativo.
Modo indicativo e modo subjuntivo O modo indicativo é o modo das ações tomadas como certas, verdadeiras, verossímeis, racionalizadas, simplesmente declaradas. Por isso é o modo utilizado nas seguintes construções: Todo ano chove granizo nesta cidade. Estou certo de que ela saía com outros homens. É verdade que os médicos não podem curá-la. É fato que um dos dois sairá magoado. Tenho certeza de que eles estão vivos. O modo subjuntivo é o modo das ações sentidas, tomadas de modo não plenamente racional, mas afetadas por sentimentos e impressões subjetivas do falante: por isso, emprega-se tal modo nas expressões de vontade, desejo, esperança, expectativa, necessidade, hipótese, condição, simulação, dúvida, incerteza, receio, medo, pesar, alívio, surpresa, entre outros sentimentos semelhantes ou análogos. É por isso que se emprega em construções como: Talvez chova granizo nesta cidade. Não estou certo de que ela saísse com outros homens. Não é verdade que os médicos possam curá-la. Caso um dos dois saia magoado, haverá problemas. Duvido que eles estejam vivos. Preciso que vocês fiquem. Tive medo de que ele estivesse morto. Esperava que eles pudessem se entender. Comparem-se, portanto, as situações em que indicativo e subjuntivo se opõem. MODO INDICATIVO
MODO SUBJUNTIVO
Ele afirma que vem à festa.
Ele nega que venha à festa.
Creio que ela está bem.
Não creio que ela esteja bem.
Acredito que eles agiram mal.
Não acredito que eles tenham agido mal.
Além desses usos, é importante destacar que o subjuntivo é o modo próprio das orações subordinadas. Não quer dizer isso que toda oração subordinada traz verbo no subjuntivo, mas que, normalmente, o subjuntivo deverá aparecer dentro de uma oração subordinada. Há basicamente duas situações em que isso não acontece: nos casos em que o subjuntivo é regido pelo advérbio de dúvida talvez; e nas chamadas frases optativas (frases que exprimem desejo, sem, entretanto, trazer o verbo de desejo explicitamente).
Ao passo que na Nomenclatura Gramatical Brasileira são apenas três os modos verbais (indicativo, subjuntivo e imperativo), em Portugal fala-se em quatro modos: indicativo, conjuntivo (equivale ao nosso subjuntivo), imperativo e condicional (equivale ao nosso futuro do pretérito).
É comum que se oponham os modos indicativo e subjuntivo a partir das ideias de certeza e dúvida. Embora tal associação seja correta, ela não é completa. A verdadeira oposição entre indicativo e subjuntivo nasce da racionalidade em oposição ao sentimento. Observe: Está chovendo. É uma pena que esteja chovendo. Nestas duas frases, o falante não está opondo uma certeza que tem a uma dúvida, mas a mera declaração racional (indicativo) e uma sensação ou impressão que o fato lhe causa (subjuntivo).
O subjuntivo aparece, no português moderno, em duas situações: a) subjuntivo subordinado: Normalmente o subjuntivo é um modo que se restringe a orações subordinadas (daí seu nome, sub+juntar). Enquanto o indicativo aparece em qualquer tipo de oração, apenas nas subordinadas aparece o subjuntivo. b) subjuntivo independente: São as situações excepcionais, em que o subjuntivo aparece fora de orações subordinadas: quando regido por talvez; ou em frases optativas. PORTUGUÊS
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Vejam-se exemplos dos dois casos: Talvez estivessem cansados. (regido por talvez) Deus te abençoe! (frase optativa) Que o dia venha logo. (frase optativa) Nos demais casos, haverá de se falar em subjuntivo subordinado. Algumas conjunções adverbiais obrigarão a colocação do verbo no subjuntivo: concessivas, condicionais, finais. Outras farão uso do subjuntivo quando quiserem imprimir a ideia de simulação: proporcionais e temporais. Embora estivesse cansada, veio à aula. Estudou para que tirasse notas melhores. Podes ficar aqui, desde que fiques quieta. Quando chegou a hora, ela atirou no marido. (indicativo: ação certa) Quando chegasse a hora, ela atiraria no marido. (subjuntivo: ação simulada) À medida que estudava, aprendia a matéria. (indicativo: ação certa) À medida que estudasse, aprenderia a matéria. (subjuntivo: ação simulada) Por fim, ainda dentro da análise que opõe indicativo e subjuntivo, é preciso notar que os tempos verbais presentes em cada modo têm analogia entre si. Por isso, a partir do tempo de um modo, chegamos facilmente ao tempo de outro, mudando apenas a atitude que rege um modo para a atitude que rege o outro. Veja-se: Estou certo de que, neste momento, ela está no colégio. (presente do indicativo) Duvido que, neste momento, ela esteja no colégio. (presente do subjuntivo) Os tempos verbais do indicativo e do subjuntivo são usados de forma análoga. Isso significa que não é a linha do tempo que opõe o presente do indicativo, por exemplo, ao presente do subjuntivo (já que o tempo é presente em ambos os casos), mas a atitude psicológica do falante. Observe também que não é correto dizer que o subjuntivo não tem pretérito perfeito ou mais-que-perfeito: no subjuntivo, esses tempos se formam com locuções verbais.
Estou certo de que ela matou o marido ontem, às duas horas. (pretérito perfeito do indicativo) Duvido que ela tenha matado o marido ontem, às duas horas. (pretérito perfeito do subjuntivo) Estou certo de que, no ano passado, ela bebia todas as noites. (pretérito imperfeito do indicativo) Duvido que, no ano passado, ela bebesse todas as noites. (pretérito imperfeito do subjuntivo) Ontem eu estava certo de que, um dia antes, ele matara (havia matado) a mulher. (pretérito mais-que-perfeito do indicativo) Ontem eu duvidava que, um dia antes, ele tivesse matado a mulher. (pretérito mais-que-perfeito do subjuntivo) Cabe aqui uma observação final. Em alguns exemplos acima, viu-se que alguns verbos acabaram se manifestando em conjunto com os verbos ter e haver. Isso ocorre porque há tempos verbais formulados por meio de locuções verbais. A locução verbal é um conjunto de verbos que equivalem, do ponto de vista sintático, a apenas um, pois só há uma ação principal. Acima, viram-se locuções verbais em tenha matado, havia matado, tivesse matado.Tais locuções se formam por meio de um verbo auxiliar, ter ou haver, seguido do particípio passado do verbo principal. Tais auxiliares são, neste caso, desprovidos de significado lexical: seu significado é puramente gramatical. Não se espera que os verbos ter e haver traduzam alguma informação do universo extralinguístico como indicam, por exemplo, em: Talvez ele tenha um carro. (ter = possuir) Talvez houvesse mulheres lá. (haver = existir)
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No caso de tenha matado, por exemplo, o verbo ter é só um verbo que, gramaticalmente, possibilita a formação de um novo tempo para o verbo matar: o pretérito perfeito do subjuntivo. No português, há os seguintes tempos compostos: TEMPOS COMPOSTOS DO INDICATIVO E DO SUBJUNTIVO tenho estudado = pretérito perfeito composto do indicativo tinha estudado = pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo terei estudado = futuro composto do presente do indicativo teria estudado = futuro composto do pretérito do indicativo tenha estudado = pretérito perfeito composto do subjuntivo tivesse estudado = pretérito mais-que-perfeito composto do subjuntivo tiver estudado = futuro composto do subjuntivo
Na tabela ao lado, constroem-se os tempos compostos do verbo estudar. Um tempo composto sempre se forma a partir dos auxiliares ter ou haver acompanhados do particípio passado do verbo principal.
Modo imperativo O modo imperativo é o modo próprio para a externalização de uma vontade na forma de um comando. Evidentemente, tal comando pode assumir diversas tonalidades, podendo ir desde um simples pedido, passando por uma súplica, um conselho, uma advertência, e chegar a uma ordem mais ríspida. Por favor, ajude-me. Por amor de Deus, não me mates. Estude, se quiser aprovação em uma boa faculdade. Não comam alimentos gordurosos em excesso. Saia já daqui, imbecil! Exatamente pelo tom ríspido que muitas vezes lhe é inerente, é comum ver o imperativo substituído por outras formas verbais semanticamente equivalentes a ele, e também mais ou menos rudes, mas que não são imperativas. Vejam-se os exemplos: Circulando! Circulando! (gerúndio) Não fumar neste ambiente. (infinitivo) Parado! (particípio) Poderia me trazer uma xícara de chá? (futuro do pretérito do indicativo) Não matarás. Não cobiçarás a mulher do teu próximo. (futuro do presente do indicativo)
Em anúncios publicitários, o imperativo é muito recorrente, já que o gênero publicidade visa a interferir no comportamento do público-alvo.
Modalização do pensamento: verbos modais Em alguns casos é possível formar o que chamamos de locuções verbais com verbos chamados auxiliares modais. Diferentemente dos auxiliares de tempos compostos (ter e haver), os verbos auxiliares modais formam locuções agregando alguma modalidade ao verbo principal. Comparem-se as duas construções abaixo: É provável que chova amanhã. Deve chover amanhã. Na primeira a ação de chover é modalizada por uma atitude de incerteza do falante, marcada pela locução é provável. Vimos que tal atitude de incerteza condiciona normalmente o uso do modo subjuntivo. Porém, no segundo exemplo, traduz-se a mesma ideia, porém no modo indicativo. Quem possibilita tal transformação é o verbo auxiliar modal dever, que, no exemplo, serve para indicar que a ação principal (chover) deve ser tomada na modalidade da probabilidade, e não da certeza. Assim como os auxiliares de tempo composto (ter e haver), os verbos auxiliares modais formam, junto com o verbo que modalizam, uma locução verbal. A seguir, vejam-se alguns exemplos de auxiliares modais, com a respectiva modalidade por eles traduzida indicada entre parênteses.
O português apresenta várias formas de modalizar um enunciado, ou seja, de impor um grau de certeza ou um sentimento sobre aquilo que se declara. 1. É provável que chova amanhã. 2. Deve chover amanhã. 3. Provavelmente chove amanhã. Em 1, o uso de uma expressão modal (é provável) modaliza, na oração subordinada, o aparecimento do subjuntivo. Em 2, é possível traduzir a mesma ideia de probabilidade de chover por meio de um verbo modal (dever). Em 3, a modalização é traduzida por um advérbio modalizador. Na prática, as três frases informam a mesma coisa.
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O juiz sentenciou que você deve fazer o pagamento até amanhã. (obrigatoriedade, dever) Ela deve terminar o trabalho até amanhã para conseguir o prêmio. (necessidade, dever) Deve chover neste final de semana. (probabilidade) Pode chover neste final de semana. (possibilidade) O gerente alertou que animais não podem entrar nesta loja. (permissão) Ele terá de sair com urgência. (necessidade, dever) Quero comer massa, mas sem carne. (vontade) Ela tentou comprar o último exemplar do livro. (tentativa) Ela conseguiu comprar o último exemplar do livro. (consecução) Ele parecia gostar dela. (aparência, dúvida) Vou sair em um minuto. (movimento para realizar ação futura) Ele veio a se tornar Presidente da República. (resultado)
ASPECTOS VERBAIS E VERBOS AUXILIARES ASPECTUAIS 3.
Enquanto o modo avalia a atitude psicológica do falante, o aspecto mostra o ponto de vista que ele tem da ocorrência da ação: se a enxerga em curso, repetida, habitual, terminada, iminente. É possível visualizar, na linha do tempo, esse ponto de vista. Você encontrará essas visões em desenhos, nas próximas seções deste livro.
a) Conceito de aspecto verbal Diferentemente do modo, que avalia uma atitude subjetiva do falante em relação à ação verbal, o aspecto leva em consideração o ponto de vista pelo qual o falante enxerga essa ação. Assim sendo, pode o falante ver a ação basicamente de duas formas distintas: como uma ação pontual na linha do tempo, ou como uma ação prolongada na linha do tempo, casos em que o aspecto se confunde com a própria noção de duração da ação verbal. Ela falou sobre os filhos. Ela falava sobre os filhos.
perfeito: particípio passado de perfazer (acabar, concluir).
Por que usamos perfeito como adjetivo no sentido de algo muito bom? Uma obra de arte, por exemplo, é dita perfeita quando atinge uma estética intransponível. O adjetivo surge nesse sentido porque uma obra perfeita não deve ser mais mexida, porque está acabada, concluída.
Comparando-se as duas formas verbais acima, verifica-se que ambas estão situadas no tempo pretérito, e também ambas são declaradas como verdade pelo falante, o que caracteriza o modo como sendo o indicativo. Entretanto, há uma diferença razoável na informação veiculada pelas duas frases. O que as opõe não é o tempo nem o modo, mas o aspecto, ou seja, o ponto de vista que tem o falante relativamente a essas ações. No primeiro caso, a ação é vista pontualmente como algo que não se prolonga no tempo, mas que se conclui plenamente no próprio passado. No segundo caso, a ação é vista como algo que se prolonga ou que se repete no passado. Por isso, diz-se que falou é pretérito perfeito, ao passo que falava é pretérito imperfeito. A palavra perfeito, aqui, significa “que se perfez, que se completou, que se acabou”. Observe-se como o falante pode opor esses dois aspectos na mesma sentença para indicar que uma ação em curso (prolongada, imperfeita) é “interrompida” por outra, pontual (perfeita). Eu jantava quando o telefone tocou. O telefone tocava quando eu cheguei. Eu assistia a uma partida de futebol, quando o televisor explodiu.
Verbos auxiliares de aspecto Tomando a ação verbal como um processo, com princípio, meio e fim, podem-se ainda encontrar aspectos mais específicos, a serem traduzidos por verbos auxiliares. Caso se tome, por exemplo, a ação de chorar, podem-se estabelecer os seguintes aspectos para a ação: Mona Lisa ou La Gioconda (A Sorridente), de Leonardo da Vinci: considerada uma obra perfeita. 94
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Começou a chorar por causa de um susto que levara. (aspecto incoativo, de início) Estava chorando quando cheguei. (aspecto momentâneo, contínuo) Continuou chorando quando cheguei. (aspecto continuativo ou permansivo, contínuo)
Parou de chorar quando lhe deram chocolate. (aspecto conclusivo ou terminativo)
Quando se situa a ação de chorar na linha do tempo, pode-se encontrar uma ação passada, perfeita num ponto dessa linha. Entretanto, as ações podem se prolongar, e o falante pode querer priorizar determinados pontos de vista da ação. Por isso, caso se queira dar prioridade aos pontos de início, de continuidade, ou de término, pode-se recorrer a verbos auxiliares aspectuais.
Os agrupamentos de verbos que apareceram acima constituem o que chamamos de locução verbal: apesar de haver mais de um verbo na estrutura, o primeiro só tem uma função auxiliar em relação ao outro, chamado principal. Isso quer dizer que, quando se diz começou a chorar, só há uma ação ocorrendo, a ação de chorar, sendo ela vista no início de sua ocorrência: o verbo começar é apenas um verbo auxiliar aspectual, neste caso. Vejam-se abaixo outros exemplos de locuções verbais com auxiliares aspectuais: Estava para sair, quando chegaste. (iminência da ação) Estava telefonando para mim, quando a encontrei. (curso da ação) Deixou de fumar quando descobriram nele um câncer. (término da ação) Apesar do término de sua gestão, continuou presidindo a empresa. (continuidade da ação) Depois de meu pedido, passou a chegar cedo. (início da ação) Costumava chegar atrasado. (repetição da ação) Há ainda algumas considerações adicionais a se fazerem sobre o aspecto verbal. Quando se diz que o pretérito é perfeito ou imperfeito, leva-se em consideração apenas o verbo. Entretanto, há que se observar que os demais elementos da sentença podem acabar afetando o sentido usual daquele aspecto. Quando se diz cantou, por exemplo, no pretérito perfeito, parte-se do pressuposto de que a ação é concluída e pontual, porém pode-se acabar alterando a duração dessa ação. Veja-se: Ele cantou essa música em todas as noites de 2009. O aparecimento do segmento em todas as noites de 2009 modifica o sentido básico dado pelo aspecto perfeito (concluído, pontual) do verbo, já que tal termo indica repetição, prolongamento da ação.
VOZES VERBAIS E VERBOS AUXILIARES DE VOZ 4.
Quando se fala em voz verbal, leva-se em consideração o papel do sujeito diante da ação verbal. Sob esse prisma, o sujeito pode realizar a ação verbal, sofrê-la ou ainda ser alvo da ação que ele mesmo pratica. No primeiro caso, falar-se-á em voz ativa; no segundo, a voz será passiva; no terceiro, falar-se-á em voz reflexiva.Vejam-se os exemplos: A mulher viu os livros naquela loja. (voz ativa) Os livros foram vistos pela mulher naquela loja. (voz passiva) A mulher viu-se no espelho. (voz reflexiva) PORTUGUÊS
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Normalmente, a voz passiva analítica é formada a partir da combinação do verbo ser e o particípio passado de um verbo que admite tal construção.
No caso da voz passiva, conforme se verá em momento oportuno, é necessária a participação de um verbo auxiliar de voz, diferentemente do que ocorre na voz ativa e na voz reflexiva. O mais empregado é o verbo ser, mas, em alguns casos, pode-se ter voz passiva com outros auxiliares (estar e ficar, por exemplo). A esposa louca foi encontrada num bar. A rua estava tomada pelos manifestantes.
Mais raramente, podem ser usados outros auxiliares da voz passiva, como estar e ficar. A chamada voz passiva analítica de estado, porém, não é explorada em concursos vestibulares.
5.
LOCUÇÕES VERBAIS: SÍNTESE
Com isso, tem-se por ora esgotado o estudo das locuções verbais. Para caracterizálas, por fim, lembremos a necessidade de que haja pelo menos um verbo auxiliar e um único verbo principal (o último). O verbo auxiliar pode indicar para o principal um tempo composto (haver ou ter), a voz passiva (ser, estar ou ficar), uma modalidade (verbos modais) ou um aspecto (verbos de aspecto). O verbo auxiliar é o que se flexiona em tempo, modo, número e pessoa. O principal permanecerá no infinitivo, no gerúndio ou no particípio. Para sistematizar o assunto, observe o esquema seguinte. LOCUÇÕES VERBAIS No estudo da análise sintática, é importante que você saiba identificar locuções verbais, pois elas determinam a existência de apenas uma oração, embora haja um agrupamento de verbos.
VERBO AUXILIAR
VERBO PRINCIPAL
Informa uma categoria gramatical ao verbo principal (tempo, voz, modo, aspecto).
Informa a única ação verbal da locução.
Sofre as flexões de tempo, de modo, de número e de pessoa.
Fixa-se numa das formas nominais do verbo: infinitivo, gerúndio ou particípio.
TIPOS 1. AUXILIARES NA FORMAÇÃO DE TEMPO COMPOSTO: ter e haver. 2. AUXILIARES NA FORMAÇÃO DA VOZ PASSIVA: ser (raramente estar e ficar). 3. AUXILIARES MODAIS. 4. AUXILIARES ASPECTUAIS.
FORMAS NOMINAIS 1. INFINITIVO: pode aparecer nas modais e nas aspectuais. 2. GERÚNDIO: só aparece nas aspectuais. 3. PARTICÍPIO PASSADO: se antecedido de ter ou haver, forma tempo composto; se antecedido de ser, forma a voz passiva.
ESTRUTURA DAS LOCUÇÕES VERBAIS: a) TEMPO COMPOSTO: ter ou haver + particípio passado. b) VOZ PASSIVA: ser + particípio passado. c) MODAIS: verbo auxiliar modal + infinitivo. d) ASPECTUAIS: verbo auxiliar aspectual + infinitivo ou gerúndio. Obs: nas locuções que fazem uso de infinitivo, uma preposição pode ser necessária entre o auxiliar e o principal.
6. H18 - Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
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SINTAXE DOS TEMPOS VERBAIS
Presente O presente do indicativo é o tempo próprio para a indicação dos fatos que estão ocorrendo no momento da fala. Apesar disso, é comum que se distingam três aspectos básicos relacionados ao uso próprio deste tempo. No primeiro, o presente indica ações que ocorrem no momento da fala; no segundo, ações que, ainda que não estejam ocorrendo quando se fala, repetem-se frequentemente; no terceiro, indica ações previstas
universalmente, sendo válidas não apenas no momento da fala, mas “eternamente”. (Nos diagramas ao lado, na coluna do paratexto, MF representa o momento da fala). Estou com uma terrível dor de cabeça. (aspecto momentâneo) Saio de casa todos os dias às três. (aspecto habitual ou frequentativo) O quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. (aspecto durativo) Ainda que esses acima sejam seus usos próprios, o presente do indicativo pode substituir outros tempos verbais, o que só comprova que os tempos e modos verbais são dinâmicos no desenvolvimento da língua, e não estáticos. Observem-se os seguintes usos: Amanhã acordo às seis, pois viajo ainda de manhã. (substituto do futuro próximo) No dia 7 de setembro de 1822, D. Pedro I proclama a independência do Brasil. (presente histórico ou narrativo: substitui o pretérito e atualiza os eventos, tornando-os aparentemente mais próximos do presente) Você vai ao dentista amanhã, sim! (substituto do imperativo) Quer fechar a janela, por favor? (substituto do imperativo) Quanto ao uso, o presente do subjuntivo tem os mesmos aspectos do presente do indicativo. É possível que ele esteja com uma terrível dor de cabeça. (aspecto momentâneo) Duvido que ele saia de casa todos os dias às três. (aspecto habitual ou frequentativo) Ele duvida que o quadrado da hipotenusa seja igual à soma do quadrado dos catetos. (aspecto durativo) Ainda tem o presente do subjuntivo a possibilidade de substituir ações futuras tomadas como incertas ou sentidas, nas modalidades típicas do subjuntivo. Talvez ele amanhã viaje às cinco. É improvável que ele morra ainda nesta semana.
Em manchetes de jornais, o presente histórico ou narrativo é usado para atualizar os eventos, aproximando-os do presente e dando a sensação de frescor à notícia.
Pretérito perfeito O pretérito perfeito do indicativo, em sua forma simples, é usado para indicar ações concluídas no passado, que perfeitamente podem voltar a se repetir, mas que estão, quando ocorrem, perfeitamente delimitadas em seu final. Observem-se os exemplos: Comi um sanduíche antes de viajar. Ontem me encontrei com a namorada de Pedro. A que horas saíste de casa? Já o pretérito perfeito composto do indicativo se forma pela junção de uma forma presente dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, emprega-se sobretudo para indicar ação passada que, no entanto, volta a se repetir, chegando até o presente. Tenho comido sanduíche no jantar. Eles têm se encontrado conosco todas as noites. A que horas tens saído de casa? Conforme se observa, não traz a mesma informação que sua forma simples: o pretérito perfeito simples indica ação pontual, delimitada em seu término, concluída, ao passo que sua forma composta traz ação que volta a se repetir e que chega até o presente. PORTUGUÊS
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Há locuções verbais que podem substituir este tempo; nenhuma delas, entretanto, configura-se como pretérito perfeito, e são formas presentes com auxiliares modais. Venho comendo sanduíche no jantar. Eles estão se encontrando todas as noites. A que horas vens saindo de casa? A locução com o verbo vir seguido de gerúndio é sempre equivalente ao pretérito perfeito composto; porém, a locução com o verbo estar e gerúndio só consegue manter o sentido caso haja outros localizadores aspectuais dentro da sentença. Observem-se os pares abaixo, que comprovam tal afirmação. Ela tem estudado Geografia. Ela vem estudando Geografia. Ela está estudando Geografia. No último exemplo, pode-se entender a locução como indicadora de uma ação momentânea no presente. Agora, observem-se os exemplos abaixo. Ela tem estudado Geografia de uns tempos para cá. Ela vem estudando Geografia de uns tempos para cá. Ela está estudando Geografia de uns tempos para cá. Como se vê, a terceira sentença agora é capaz de manter o sentido que as outras duas traduzem, indiferentemente. O pretérito perfeito composto do subjuntivo se forma pela junção de uma forma subjuntiva presente dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, uma vez que o subjuntivo não tem forma simples para esse tempo, emprega-se tanto para ações pontuais quanto para ações repetidas. É possível que eu tenha comido um sanduíche ontem, no jantar. É possível que eu tenha comido sanduíche no jantar, nas últimas noites.
Pretérito imperfeito O pretérito imperfeito do indicativo é usado, sobretudo, para indicar ações pretéritas momentâneas (vistas de forma prolongada), habituais (que se repetiam ao longo do passado), ou durativas (que se prolongavam indefinidamente). Naquele momento, estava com uma terrível dor de cabeça. (aspecto momentâneo) Todos os dias, ele acordava às seis horas da manhã. (aspecto habitual) A rua ficava perto de uma igreja barroca. (aspecto durativo) Evidentemente, o pretérito imperfeito opõe-se ao perfeito porque este delimita claramente o término da ação, ao passo que aquele prolonga a mesma ação ou a faz repetir-se indefinidamente, sem que chegue ao presente. O fato é que, no pretérito imperfeito, não se enxerga claramente a cessação da ação. Comparem-se os usos dos dois tempos: Ela contemplou a obra de Vincent Van Gogh. (perfeito = concluído) Ela contemplava a obra de Vincent Van Gogh. (imperfeito = não concluído, prolongado) 98
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Correu os olhos por sobre a famosa obra de Van Gogh. Corria os olhos por sobre a famosa obra de Van Gogh. Exatamente por seu aspecto de prolongamento da ação, é que é o tempo preferido no início das narrativas. Era uma vez um príncipe que vivia num castelo... (imperfeito narrativo) Também se emprega o imperfeito como substituto de outros tempos verbais, a saber, do futuro do pretérito e do presente do indicativo, sobretudo com o verbo querer para indicar polidez no discurso.
A Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh (1889), clássico do expressionismo europeu.
Se ela me traísse, certamente eu a matava. (=mataria) Eu queria um refrigerante, por favor. (=quero) Por fim, registre-se ser próprio do imperfeito a indicação de um presente que deixou de ocorrer. Eu gosto de Beatles e, por isso, sempre saio para um bar onde tocam músicas deles. Eu gostava de Beatles e, por isso, sempre saía para um bar onde tocavam músicas deles. O pretérito imperfeito do subjuntivo é usado nas mesmas situações em que ocorreria o imperfeito do indicativo, agora condicionado ao aparecimento de alguma atitude típica do subjuntivo. Naquele momento, talvez ele estivesse com uma terrível dor de cabeça. (aspecto momentâneo) Era possível que, todos os dias, ele acordasse às seis horas da manhã. (aspecto habitual) Eu achava bom que a rua ficasse perto de uma igreja barroca. (aspecto durativo) Em algumas orações subordinadas, é o modo próprio quando a ação é simulada no pretérito. Se viessem mais cedo, seria melhor. (condicional) Embora ele fosse médico, não soube me medicar. (concessiva) À medida que ele estudasse, melhoraria as notas. (proporcional) Eu precisava encontrá-los antes que saíssem. (temporal) Quando é empregado em orações condicionais, pode indicar tanto hipóteses possíveis (embora improváveis), quanto hipóteses impossíveis de acontecer. Se eu morresse amanhã, morreria feliz. (possível, mas tomada como improvável) Se ele estivesse vivo, eu o beijaria. (impossível)
Pretérito mais-que-perfeito O pretérito mais-que-perfeito do indicativo serve para indicar que uma ação pretérita é anterior a outra também passada. Por isso, é comum que se caracterize tal tempo como “o passado do passado”. Observe-se: Chorara muito antes que o pai morresse, e agora já não tinha lágrimas. Não estava de todo feliz, mas decerto mais feliz do que quando a conhecera. PORTUGUÊS
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Os usos do pretérito mais-que-perfeito como substituto de outros tempos são mais literários e pouco são explorados na linguagem cotidiana. Por isso, não costumam aparecer em questões de vestibulares.
As ações destacadas acima estão no mais-que-perfeito exatamente porque se situam anteriormente às outras. Além desse uso, que lhe é próprio, o mais-que-perfeito pode substituir, mormente na linguagem literária, outros tempos verbais, a saber, o imperfeito do subjuntivo e o futuro do pretérito. Soubera eu quem ele é de verdade, não o temeria tanto. (=Soubesse) Se ele lançasse mais um olhar a minha mulher, eu o matara, ali mesmo. (=mataria) O pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo se forma pela junção de uma forma imperfeita dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, emprega-se com o mesmo valor da forma simples: indicar uma ação passada anterior a outra também passada. Note-se que, então, as formas simples e composta, neste tempo, equivalem-se. Tinha chorado muito antes que o pai morresse, e agora já não tinha lágrimas. Não estava de todo feliz, mas decerto mais feliz do que quando a havia conhecido. O prédio veio a baixo às onze horas; antes, ocorrera (tinha, havia ocorrido) uma explosão. O pretérito mais-que-perfeito composto do subjuntivo se forma pela junção de uma forma imperfeita (subjuntiva) dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, emprega-se com o mesmo valor usado no indicativo, agora, entretanto, motivado pelas noções típicas do modo subjuntivo. Era possível que, antes de entrar na igreja, tivesse sofrido uma crise nervosa. Não estavam lá quando chegamos: talvez houvessem saído muito tempo antes. O mais-que-perfeito do subjuntivo pode ser empregado nas orações condicionais para indicar fatos hipotéticos que não ocorreram (impossíveis, portanto). Se tivéssemos feito a lição, não repetiríamos o ano escolar. Chegariam cedo, se houvessem pegado o ônibus das duas.
Futuro do presente do indicativo
Na linguagem cotidiana, o futuro do presente vem sendo continuamente substituído por locuções verbais com o verbo ir. Tal uso, que se caracteriza como frequente na linguagem coloquial vem se insinuando na linguagem jornalística e na literária. Sairei com eles. (sair: futuro) Vou sair com eles. (ir: presente) Irei sair com eles. (ir: futuro)
O futuro do presente do indicativo, em sua forma simples, originou-se, no português, a partir da aposição ao infinitivo verbal do verbo haver: hei, hás, há, hemos, heis, hão. Por isso, qualquer verbo de qualquer conjugação apresentará tal elemento de composição no futuro. A título de exemplo, tome-se o verbo cantar: cantarei, cantarás, cantará, cantaremos, cantareis, cantarão. Quanto ao uso, emprega-se o futuro do presente para indicar ações que deverão ocorrer após o momento que se fala. Hoje à noite sairemos mais cedo. Eles viajarão por toda a Europa no ano que vem. Apesar de este ser seu uso próprio, emprega-se o futuro do presente também para substituir o imperativo, conforme já se viu. Não matarás; não cobiçarás a mulher do teu próximo. Também se emprega o futuro do presente em narrativas, para indicar ações que já ocorreram, mas que são futuras em relação ao presente narrativo. Em 1922, o Brasil vive a efervescência da Semana de Arte Moderna, em que se destacarão expoentes de nossa literatura, como Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira.
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O futuro do presente ainda tem emprego para indicar ação duvidosa, em atitude diversa da que é normal no modo indicativo. Normalmente, tal uso aparece em perguntas. Será verdade que ele foi demitido? Estarão os dois juntos novamente, contrariando os mais pessimistas? O futuro composto do presente do indicativo se forma pela junção de uma forma futura dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, emprega-se para a referência a ações futuras que serão, no entanto, anteriores a outra ação, também futura. Por isso se diz, em sua referência, futuro anterior. Serve, pois, para indicar ação futura perfeita em relação a outra ação futura. Quando chegares amanhã, eu já terei partido. Os diretores resolverão o problema, mas os acionistas já terão vendido as ações. Também se emprega o futuro composto com o objetivo de indicar dúvida sobre fatos passados, em atitude diversa da que é normal no modo indicativo. Normalmente, tal uso aparece em perguntas, assim como ocorria com a forma simples. Ela não veio: terá batido o carro novamente? Terá ele feito a lição antes de sair de casa?
Futuro do pretérito do indicativo O futuro do pretérito do indicativo, em sua forma simples, originou-se, no português, a partir da aposição ao imperfeito verbal do verbo haver: (h)ia, (h)ias, (h)ia, (h)íamos, (h)íeis, (h)iam. Por isso, qualquer verbo de qualquer conjugação apresentará tal elemento de composição no futuro. A título de exemplo, tome-se o verbo cantar: cantaria, cantarias, cantaria, cantaríamos, cantaríeis, cantariam. Quanto ao uso, emprega-se o futuro do pretérito para indicar ações que são futuras, mas não em relação ao presente, e sim em relação a um fato pretérito, imaginado ou real. Depois que se casou, ele dedicaria toda sua vida aos filhos. Se encontrasse uma pista do crime, certamente a seguiria.
Assim como já se disse sobre o futuro do presente, na linguagem cotidiana, o futuro do pretérito vem sendo continuamente substituído por locuções verbais com o verbo ir. Sairia com eles, se pudesse. (sair: futuro do pretérito) Ia sair com eles, se pudesse. (ir: imperfeito) Iria sair com eles, se pudesse. (ir: futuro do pretérito)
Comparem-se os futuros no português, do presente e do pretérito, ressaltandose o que opõe ambos os tempos é apenas o ponto de vista para o qual eles apontam. Se vieres amanhã, faremos uma festa. Se viesses amanhã, faríamos uma festa. Note-se ainda que o futuro do pretérito pode, fugindo à modalidade própria do indicativo, indicar uma ação presente sobre a qual não se tem plena certeza. Acreditamos que o governo estaria, neste momento, preparando um novo plano econômico. O futuro composto do pretérito do indicativo se forma pela junção de uma forma futura pretérita dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, emprega-se para a referência a ações futuras em relação ao pretérito, as quais, entretanto, são anteriores a outra ação pretérita. Indica, normalmente, ações futuras do pretérito que não foram realizadas e que não podem mais sê-lo.
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Se ela tivesse vindo ontem, teríamos feito uma grande festa. Também se emprega o futuro composto do pretérito para indicar ações pretéritas sobre as quais não se tem plena certeza. O Presidente teria passado, ontem, por uma pequena cirurgia no abdômen.
Futuro do subjuntivo O futuro do subjuntivo, em sua forma simples, não se emprega por analogia ao futuro do indicativo. Serve para caracterizar ações futuras em algumas orações subordinadas. À medida que fizerem os exercícios, aprenderão a matéria. (proporcionais) Se chegares cedo, avisa-me. (condicionais) Depois que trouxeres o livro, conversaremos sobre ele. (temporais) Farei o trabalho, conforme recomendares. (conformativas) As mulheres que vierem à reunião deverão usar roupa específica. (relativas hipotéticas) O futuro composto do subjuntivo se forma pela junção de uma forma futura subjuntiva dos verbos ter ou haver com o particípio passado do verbo que se deseja conjugar. Quanto ao uso, emprega-se nas mesmas orações subordinadas das formas simples, porém para indicar ações futuras anteriores a outras, também futuras. Se tiveres chegado até as seis, iremos à missa. Depois que houveres terminado a leitura do livro, conversaremos sobre ele.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (UFPR) A sentença “Ele anda ouvindo música” pode ser interpretada de duas formas: a) ele ouve música enquanto caminha – neste caso, o verbo “andar” funciona como verbo pleno, significando “caminhar”; b) a atividade de ele ouvir música tem se repetido ultimamente – neste caso, o verbo “andar” se esvazia de seu sentido pleno e funciona como elemento gramatical, um auxiliar. Podemos identificar no português outros verbos que podem ter esses dois usos: um com seu sentido lexical pleno e outro funcionando como elemento gramatical. Tendo isso em vista, considere os conjuntos de sentenças abaixo:
1. Ele chegou na festa e bagunçou o tempo todo. Ele chegou a interferir no processo, mas foi neutralizado. 2. Ela está querendo comer camarão. Ela está querendo ficar doente. 3. O que ela fez com a faca que estava no chão? Ela pegou e guardou na gaveta. Como ele agiu quando se deparou com o grupo? Ah, ele pegou e foi batendo em todo mundo. 4. Todos trabalham pela causa. Eles trabalham vendendo computadores.
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Em qualquer caso, independente do contexto, o verbo grifado pode ser interpretado com sentido lexical pleno em ambas as ocorrências: (A) do conjunto 3 apenas. (B) do conjunto 4 apenas. (C) dos conjuntos 1 e 4 apenas. (D) dos conjuntos 1 e 2 apenas. (E) dos conjuntos 2, 3 e 4 apenas. Gabarito: B O verbo trabalhar tem sentido lexical nas duas ocorrências em 4. Em 1, chegar tem sentido gramatical (auxiliar) na locução chegou a interferir, assim como querer em está querendo ficar doente. O verbo pegar em pegou e foi batendo em todo mundo é um cacoete linguístico que não aponta para nenhum sentido extralinguístico específico.
2. (PUCPR)
"O pai havia partido sem deixar nenhum recado ao filho, o que deixou sua mãe extremamente preocupada". Considerando o que está dito no enunciado acima, assinale a alternativa que contém uma afirmação FALSA: (A) As formas verbais havia partido e deixou expressam ações simultâneas. (B) A forma verbal havia partido expressa uma ação anterior à forma verbal deixou. (C) O enunciado é composto de duas orações que encerram uma relação de causa e consequência. (D) A forma verbal havia partido pode ser substituída por partira sem que, com isso, haja prejuízo do significado. (E) Há, no enunciado, uma ambiguidade gerada pela locução sua mãe. Gabarito: A A locução verbal havia partido, que se encontra no pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo, é usada para expressar anterioridade em relação a outra ação passada; no caso, em relação a deixou, o que invalida a afirmativa A. Vale lembrar que havia partido é equivalente à forma simples deixara.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFPR 2021) Considere o seguinte parágrafo:
Quais estão corretas?
Partilhar conhecimentos e bens é uma forma inovadora de reduzir o impacto negativo da informalidade, que achata a renda das famílias. Alguém que __________ consertar uma geladeira, por exemplo, talvez __________ de algum conhecimento seu. E você, assim, __________ a geladeira consertada em troca de suas habilidades.
(A) Apenas I e II. (B) Apenas II e III. (C) Apenas III e IV. (D) Apertas II, III e IV. (E) I, II, III e IV.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mariaines/2020/05/reconstrucao-do-consumo-exigira-colaboracao-e-desprendimento.shtml.
Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas na ordem em que aparecem no texto. (A) souber – precise – tivesse. (B) saberá – precisará – tem. (C) soubesse – precisasse – teria. (D) saiba – precisaria – tem. (E) soubesse – precisaria – terá. 02. (UFRGS) Considere as seguintes afirmações sobre a fala do soldado no último quadrinho.
03. (UFRGS) Considere os seguintes enunciados sobre a mesma tira da questão anterior. I. Acabo de salvar-lhe a vida. II. Acabo salvando-lhe a vida. III. Acabo por salvar sua vida. Quais são reescritas corretas, e equivalentes em termo de significado, da fala de Deus no último quadrinho? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas II e III. (E) I, II e III. 04. (FUVEST) Nasceu o dia e expirou.
LAERTE, Striptiras. Fonte: Zero Hora, 17 out. 2003, 2º Caderno, p. 3.
Observação: nessa tira, Deus, vestido como um combatente, é interpelado por um soldado na trincheira. I. A forma verbal e os sinais de exclamação indicam que o que o soldado está enunciando é uma súplica. II. No registro coloquial, em vez de mude poderia ter sido utilizada a forma muda. III. Se o soldado tratasse Deus por tu, de acordo com o padrão culto a forma verbal empregada deveria ser mudes. IV. Se o soldado tratasse Deus por vós, de acordo com o padrão culto a forma verbal empregada deveria ser mudeis.
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Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Correm lentas e silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da lua, que esperam a volta da mãe ausente. Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua vontade oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem loura dos castos afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes amores. Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro, e lhe entram n’alma. O cristão sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro. José de Alencar, Iracema.
É correto afirmar que, no texto, o narrador (A) prioriza a ordem direta da frase, como se pode verificar nos dois primeiros parágrafos do texto. (B) usa o verbo “correr” (2º parágrafo) com a mesma acepção que se verifica na frase “Travam das armas os rápidos guerreiros, e correm ao campo” (também extraída do romance Iracema). (C) recorre à adjetivação de caráter objetivo para tornar a cena mais real. (D) emprega, a partir do segundo parágrafo, o presente do indicativo, visando dar maior vivacidade aos fatos narrados, aproximando-os do leitor. (E) atribui, nos trechos “aqui lhe sorri” e “lhe entram n’alma”, valor possessivo ao pronome “lhe”.
ADVÉRBIOS Introdução Os advérbios formam uma classe muito importante para os estudos de sintaxe: traduzem no texto informações circunstanciais as mais diversas, referindo ideias acessórias como o tempo em que, o lugar em que, o modo como as ações ocorrem, entre outras. Sua função primordial é modificar o verbo, daí seu nome advérbio: do latim, aquele que se coloca junto ao verbo. Conforme veremos, os advérbios auxiliam na especificação das ações verbais, e até pode se dizer que estão para o verbo assim como o adjetivo está para o substantivo. Se o adjetivo serve para dar características, especificando os seres, o advérbio serve para dar circunstâncias, especificando as ações. Neste capítulo, estudaremos o advérbio no plano semântico, no plano morfológico e no plano sintático. Ao final desse estudo, as mais importantes classes lexicais terão sido estudadas, e estaremos prontos para o início do estudo da sintaxe. 1.
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Estudo semântico 2. Estudo morfológico 3. Estudo sintático
ESTUDO SEMÂNTICO
Do ponto de vista semântico, o advérbio é a palavra por meio da qual atribuímos aos verbos circunstâncias, ideias capazes de modificar ou restringir seu sentido fundamental. O advérbio é, por excelência, um modificador do verbo; no entanto, por extensão de uso, pode modificar também um adjetivo ou até mesmo outro advérbio. Observe-se: Ela saiu. Ela saiu discretamente. (advérbio de modo) Ela saiu agora. (advérbio de tempo) Observe-se que o advérbio modifica o verbo, no sentido de que pega uma ideia mais geral a respeito da ação (sair, por exemplo) e particulariza-a, num modo, num tempo, num lugar, enfim, em uma circunstância. Entretanto, o advérbio pode também traduzir circunstâncias a adjetivos, conforme se vê nos exemplos seguintes: Ela saiu preocupada. Ela saiu muito preocupada. (advérbio de intensidade) Ela estava especialmente bonita. (advérbio de modo) Também pode o advérbio modificar advérbios que, por sua vez, já estejam cumprindo uma função circunstancial para outra palavra. Ela saiu. Ela saiu discretamente. (advérbio de modo, modificando verbo) Ela saiu muito discretamente. (advérbio de intensidade, modificando advérbio de modo) Por fim, há também advérbios que não se referem apenas a uma palavra, mas a toda uma declaração verbal, o que chamamos de advérbios modalizadores de oração. Os modalizadores podem se referir ao grau de certeza que o falante tem sobre todo o conteúdo declarado ou a algum sentimento experimentado pelo falante enquanto declara.
Por excelência, advérbio modifica o VERBO, atribuindo-lhe circunstâncias. Estudei muito. Pode também modificar um ADJETIVO ou outro ADVÉRBIO. Saiu muito cansada. Saiu muito rapidamente. Há, ainda, advérbios MODALIZADORES, que modificam todo um conteúdo declarado indicando sentimento ou grau de certeza sobre o que se declara. Felizmente, será feriado. Provavelmente, será feriado.
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Felizmente, ela virá ao baile conosco. (advérbio modalizador de sentimento: alívio) Infelizmente, ela virá ao baile conosco. (advérbio modalizador de sentimento: lamento) Certamente, ela virá ao baile conosco. (advérbio modalizador de grau de certeza: certeza) Provavelmente, ela virá ao baile conosco. (advérbio modalizador de grau de certeza: probabilidade) Possivelmente, ela virá ao baile conosco. (advérbio modalizador de grau de certeza: possibilidade)
Classificação semântica dos advérbios Segundo a NGB, classificam-se os advérbios em sete tipos: advérbios de modo, de lugar, de tempo, de intensidade, de afirmação, de negação e de dúvida. ADVÉRBIOS
EXEMPLOS
modo
A maioria é derivada de adjetivos por meio do acréscimo do sufixo -mente, embora haja outros: discretamente, corretamente, acertadamente, alto, baixo, assim..
lugar
aqui, lá, acolá, cá...
tempo
hoje, amanhã, sempre, nunca, frequentemente, agora...
intensidade
muito, bastante, mais, menos, extremamente...
afirmação
sim, certamente, realmente, deveras...
negação
não, tampouco, absolutamente...
dúvida
talvez, quiçá, provavelmente, porventura....
Advérbios interrogativos Têm-se, ainda, como advérbios especiais os interrogativos, que servem ao propósito da determinação de um elemento desconhecido: lugar, modo, tempo, causa. Assim, são advérbios interrogativos: como, quando, onde e por que. Como saíste daquela sala trancada? (modo) Quando saíste de lá? (tempo) Onde ficaste hospedada? (lugar) Por que não ficaste quieta? (causa)
As frases interrogativas são diretas quando a pergunta aparece diretamente feita. São marcadas pelo ponto de interrogação. Onde está o livro? As frases interrogativas são indiretas quando aparecem no interior de uma frase imperativa ou declarativa. Perguntei onde está o livro. Diga-me onde está o livro.
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Servem tais advérbios tanto para as interrogativas do tipo diretas, como as dos exemplos acima, quanto para as interrogativas indiretas. As interrogativas indiretas são aquelas que têm tom declarativo ou imperativo, e não interrogativo, mas que trazem, internamente a essa declaração ou a esse comando, uma pergunta que poderia ser formulada como tal: Não sei como saíste daquela sala trancada. Diz-me quando saíste de lá. Responde onde ficaste hospedada. Perguntei por que não ficaste quieta. Como se observa, os mesmos advérbios que podem introduzir interrogativas diretas introduzirão as indiretas, as quais, por sua vez, podem ser perfeitamente substituídas por um pronome.
Não sei isso. Diz-me aquilo. Responde a algo. Perguntei isso. O advérbio interrogativo onde pode, por combinação ou contração, aliar-se a preposições regidas por verbos ou nomes, tornando-se aonde ou donde. Aonde vais, tão triste? Donde (De onde) vens, tão triste? 2.
ESTUDO MORFOLÓGICO
Do ponto de vista morfológico, o advérbio é uma classe de palavras invariável, incapaz de sofrer as flexões nominais típicas dos substantivos e dos adjetivos (gênero e número). Note-se que não terão de concordar com o verbo, quando a este modificam, ainda que ele vá para o plural. Ele agiu discretamente. Eles agiram discretamente. Por isso, é fácil identificar quando adjetivos, por derivação imprópria (conversão), convertem-se em advérbios sem receber sufixo -mente. Os adjetivos, quando se comportam como tal, flexionam-se, diferentemente de quando se tornam advérbios. Ele é um homem rápido. (adjetivo) Ela é uma mulher rápida. (adjetivo) Ele agiu rápido. (advérbio) Ela agiu rápido. (advérbio) Observe que as palavras destacadas nos exemplos abaixo são advérbios, e não adjetivos. Falou baixo, para ver se a mulher parava de falar alto. Aquelas duas me assustaram, ao agirem estranho perante meus pais.
A derivação imprópria já foi estudada quando adjetivos se convertem em substantivos, sem mudar de forma, e vice-versa. No anúncio ao lado, a palavra limpo (que tem forma de adjetivo), está atuando como advérbio. Os quadros estavam limpos. (adjetivo)
O advérbio é invariável e, assim, por mais que, nos exemplos abaixo, se possa notar certo teor semântico circunstancial (de modo) nos adjetivos destacados, jamais deixarão de sê-lo, pois advérbios não podem admitir flexão.
Meus amigos jogam limpo. (advérbio) Observe que, quando o adjetivo é convertido em advérbio, ele fica invariável.
Elas chegaram nervosas e saíram tristes.
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Uma vez que muitos advérbios são oriundos de adjetivos, herdam destes a categoria gramatical da gradação, admitindo os mesmos graus que esta classe admitia. Ela falou calmamente. (grau normal) Ela falou mais calmamente que eu. (grau comparativo de superioridade) Ela falou tão calmamente quanto eu. (grau comparativo de igualdade) Ela falou menos calmamente que eu. (grau comparativo de inferioridade) Ela falou o mais calmamente que pôde. (grau superlativo relativo) Ela falou o menos calmamente possível. (grau superlativo relativo) Ela falou muito calmamente. (grau superlativo absoluto analítico) Ela falou calmissimamente. (grau superlativo absoluto sintético) Quando seguidos de um particípio passado, os advérbios bem e mal não devem transformar-se em melhor e pior ao mudarem de grau. Estava mais mal vestida que o irmão. Ele foi mais bem educado que eu. Coloquialmente, alguns advérbios aceitam grau diminutivo, como os adjetivos e substantivos. Vejam-se os seguintes exemplos: Ela saiu agorinha. Chegaram cedinho. 3.
O advérbio só é palavra nuclear em relação a outro advérbio. Ao serem combinados, formam um sintagma chamado adverbial. Entretanto, se este sintagma adverbial for usado para modificar um verbo, forma-se um sintagma verbal, e o verbo será a palavra nuclear. muito cruelmente sintagma adverbial agiu muito cruelmente sintagma verbal
ESTUDO SINTÁTICO
Do ponto de vista sintático, o advérbio pode ser uma palavra nuclear, mas apenas em relação a outro advérbio, já que, para o verbo e para o adjetivo, sempre será uma palavra acessória, determinante de circunstância. Assim, quando se forma, por exemplo, o sintagma adjetival muito inteligente, não há dúvidas de que o núcleo é inteligente (adjetivo); ainda, poderíamos ter um sintagma verbal estudou muito, cujo núcleo é o verbo, e não o advérbio. Entretanto, no sintagma muito habilmente, há um advérbio ocupando a função nuclear (habilmente) e outro ocupando função acessória (muito). Por isso, diz-se que o advérbio é, para o verbo e o adjetivo, uma palavra acessória determinante; porém, em relação a outro advérbio, pode ser palavra nuclear, dentro do que se denomina sintagma adverbial. Ele agiu tão cruelmente. Saiu pouco discretamente. Saiu extremamente rápido. Dirigia estranhamente lento. Note-se que, nos sintagmas sublinhados acima (adverbiais), há um advérbio ocupando função nuclear e outro exercendo, para aquele, função acessória. Ao se ligarem a verbos, porém, pode-se ver o papel duplo dos advérbios nucleares em negrito: são núcleos no sintagma adverbial, mas determinantes dos verbos. Dito isso, cabe agora analisar a função sintática que o advérbio exercerá na sentença. Viu-se, por exemplo, que o papel próprio do substantivo é o de núcleo de algum sintagma nominal. O adjetivo, por sua vez, exerce ou uma função de adjunto adnominal ou uma função de predicativo. Já o advérbio exercerá, primordialmente, a função de adjunto adverbial, independentemente de se referir a verbo, a um adjetivo ou a um advérbio. Ela saiu discretamente. (adjunto adverbial) Ela saiu muito preocupada. (adjunto adverbial)
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Ela estava especialmente bonita. (adjunto adverbial) Ela saiu muito discretamente. (adjunto adverbial) Quanto à colocação, observe-se que o advérbio ocupa a posição em que melhor modifica o núcleo a que se refere. Há casos, como nos exemplos acima, em que o advérbio terá pouca mobilidade. Não se pode, por exemplo, reposicionar os advérbios destacados nos lugares abaixo indicados, sem que se espere uma alteração no sentido original. Ela muito saiu preocupada. Especialmente ela estava bonita. Ela muito saiu discretamente. Entretanto, quando se tratar de advérbio modalizador, é de se esperar seu deslocamento normal ao longo da estrutura frasal. Felizmente, ninguém saiu ferido durante o tiroteio. Ninguém, felizmente, saiu ferido durante o tiroteio. Ninguém saiu, felizmente, ferido durante o tiroteio. Ninguém saiu ferido, felizmente, durante o tiroteio. Ninguém saiu ferido durante o tiroteio, felizmente. Certamente, aquelas duas não são confiáveis. Aquelas duas, certamente, não são confiáveis. Aquelas duas não são, certamente, confiáveis. Aquelas duas não são confiáveis, certamente. Por fim, uma observação sobre a colocação sucessiva de advérbios de modo. Quando advérbios de terminação -mente estão coordenados entre si, pode-se repetir tal terminação ou, caso se queira evitar um eventual eco que soar desagradável, pôr tal terminação apenas no último advérbio. Ressalte-se que, do ponto de vista normativo, ambas as estruturas abaixo são corretas. Amava-o completamente, loucamente e incondicionalmente. Amava-o completa, louca e incondicionalmente. ANOTAÇÕES
O compositor Noel Rosa, com seu violão.
É comum ouvir que advérbios terminados em -mente devem ter seu acúmulo evitado. Observe, entretanto, a letra da canção Você só... mente, de Noel Rosa. Que efeito expressivo é pretendido com a repetição da terminação do advérbio? Você Só... Mente Não espero mais você Pois você não aparece Creio que você se esquece Das promessas que me faz E depois vem dar desculpas Inocentes e banais É porque você bem sabe Que em você desculpo Muitas coisas mais O que sei somente É que você é um ente Que mente inconscientemente Mas finalmente Não sei porquê Eu gosto imensamente De você Invariavelmente, sem ter o menor motivo Em um tom de voz altivo Você quando fala mente Mesmo involuntariamente Faço cara de contente Pois sua maior mentira É dizer à gente que você não mente ROSA, Noel; ROSA, Hélio. Você só... mente. 1933.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
Passo no rumo certo Na semana passada, a claque convocada para a inauguração de um aeroporto na cidade mineira de Uberlândia ouviu de Lula a seguinte frase: "Quero dizer que a crise é extremamente grave. Em horas de crise é preciso ter muita paciência para não tomar decisão precipitada, não se deixar levar pelo estado emocional, mas, sim, pela razão". Embora o presidente já tenha se manifestado a respeito da difícil situação política em diversas ocasiões (não raro para negar a sua realidade, como se tudo não passasse de uma alucinação coletiva promovida por prestidigitadores da elite, mas deixemos isso de lado), foi a primeira vez que ele uniu à palavra "crise" um advérbio de intensidade, "extremamente", e um adjetivo grandiloquente, "grave". O encadeamento de tais termos permite supor que Lula finalmente (no que pode ser considerado um advérbio de alívio) reconheceu a existência da fissura ética, política e criminosa que há mais de 100 dias se aprofunda mais e mais, levando o governo de cambulhada. Nessa hipótese, e não se quer aqui evocar o doutor Pangloss, aquele personagem de Voltaire para quem todos vivíamos no melhor dos mundos, é uma ótima notícia o presidente ter admitido que o horizonte anda carregado. Pelo simples motivo de que, para sanar um problema, qualquer que seja ele, é preciso antes de mais nada reconhecer sua existência. Caberia agora a Lula contribuir para que a resolução da crise seja efetiva, não deixando margem à impressão olfativa de que tudo terminará em pizza. O presidente volta e meia afirma que não tem como interferir no andamento das investigações e das punições. Não é verdade. Pelo peso de seu cargo, e sem extrapolar suas atribuições constitucionais, Lula pode, sim, proceder a que corrompidos e corrompedores, no Legislativo e no Executivo, sintam na carne e na biografia que não sairão impunes dos crimes de desvio de dinheiro público, formação de quadrilha e tráfico de influência. Ao empenhar-se com afinco nesse objetivo, movido pela razão e sem emocionalismos, o presidente prestaria ao mesmo tempo um grande serviço ao Brasil e a si próprio. VEJA, Editorial, 07 jul. 2005.
1. (UFPR) Ao fazer menção a um "advérbio de alívio", o autor cria uma classificação de advérbio inexistente na gramática tradicional para um advérbio que representa uma avaliação ou atitude do emissor do texto, no caso uma atitude de alívio. Qual dos advérbios a seguir, em vez de modificar algum termo da oração, denota uma avaliação ou atitude do emissor?
(A) Além de provocar uma fissura ética, a crise comprometerá gravemente a imagem do governo. (B) As atitudes presidenciais devem ser enérgicas para que a crise seja cuidadosamente resolvida. (C) A fala do presidente mostra que ele agiu precipitadamente e se deixou dominar pela emoção. (D) O presidente se demorou, infelizmente, a reconhecer a existência da crise. (E) A crise política provém do fato de alguns políticos terem agido criminosamente. Gabarito: D Em todas as demais afirmativas, o advérbio expressa circunstância de modo para o verbo, especificando o modo como a ação verbal ocorre ou deve ocorrer. Em D, porém, o advérbio é modalizador, revelando uma atitude psicológica do falante em relação àquilo que declara; especificamente, o advérbio felizmente revela sentimento de alívio em relação à declaração feita.
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFC) O vocábulo todo é advérbio na frase: (A) O mundo todo troca mensagens via internet. (B) O mundo dos negócios está todo conectado. (C) As pessoas retocam sua imagem o tempo todo. (D) Todo jovem quer ter um perfil nas redes sociais. (E) As imagens como um todo são sempre favoráveis.
05. Dê a classe gramatical e o significado da palavra “só” em cada uma das frases: a. Só João faltou à aula hoje. b. João saiu só. c. João faltou à aula só hoje. d. João foi só à aula.
02. (UNIVAP) Num jogo de palavras muito criativo, o texto abaixo trata sobre a velhice. Vejamos:
06. Classifique semanticamente os advérbios destacados a seguir.
“Síndrome de Velhice é quando as pessoas acreditam que é tarde para aprender. É preciso infundir nas pessoas a Síndrome da Juventude, ou seja, quando acreditam que nunca é tarde para aprender.”
a. Comi bastante ontem! b. Comi bastante ontem! c. Não quero ajuda de você. d. Ela chegou silenciosamente. e. Eu sempre vou à escola de mochila.
MARTINS, L. “Tenha a atitude de aprender sempre”. In: Superdicas para ensinar a aprender. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 135. Série Superdicas.
ANOTAÇÕES
A alternativa que apresenta o correto entendimento do emprego do advérbio nunca, no texto acima, é: (A) Analisando o texto cuidadosamente, percebemos o termo nunca como principal item de argumentação. (B) Com o termo nunca, o autor deixa claro que uma pessoa mais velha jamais irá aprender algo novo. (C) O autor apenas usa o termo nunca para dar efeito estilístico na frase. (D) O termo nunca é inerte no texto, ou seja, não tem função argumentativa na frase. (E) O autor se contradiz ao usar o termo nunca. 03. (UNIVAP adaptada) Leia a frase. Aquele que é bom assume por obrigação combater o mau. O momento atual, exige, mais do que nunca, buscar o bem para efetivamente afastar o mal de nossa sociedade. As palavras em destaque correspondem, sucessivamente, a (A) substantivo, advérbio, adjetivo, advérbio. (B) adjetivo, adjetivo, advérbio, advérbio. (C) substantivo masculino, advérbio, pronome, adjetivo. (D) adjetivo, substantivo, substantivo, substantivo. (E) substantivo masculino, adverbio, adjetivo, substantivo. 04. Identifique os casos em que as palavras destacadas são advérbios. a. Ganhou o Oscar de melhor filme. b. Sinto-me melhor agora. c. O animal soltou novamente o seu clamor aflito. d. O mundo reagiu aflito à notícia da guerra. e. Respirava fundo a brisa fresca que soprava da mata. PORTUGUÊS
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PREPOSIÇÕES Introdução As preposições são palavras gramaticais que cumprem a função de estabelecer entre os termos que elas conectam uma relação de regência, isto é, de subordinação. A preposição sempre introduz algum sintagma preposicionado, o qual deverá se ligar, obrigatoriamente, a outro termo, subordinando-se a ele. Num primeiro momento, alguns poderiam pensar que a preposição não traduz significado. No entanto, como se trata de uma palavra, deverá significar algo, pois é signo linguístico. Conforme foi mencionado no primeiro capítulo deste livro, algumas palavras apresentam significado gramatical, e não extralinguístico. É o caso das preposições, que podem explicitar relações entre os termos que ela conecta. Neste capítulo, estudaremos as preposições e o papel que elas desempenham na estrutura frasal, sobretudo para submeter algumas palavras a funções que normalmente não são suas. Ao final, estudaremos as locuções adjetivas e as locuções adverbiais para mostrarmos a importância da preposição nos contextos em que ocorre. 1.
Capítulo 6
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Estudo semântico 2. Estudo morfológico 3. Estudo sintático 4. Locuções adjetivas e locuções adverbais
ESTUDO SEMÂNTICO
Do ponto de vista semântico, a preposição poderá, ou não, estabelecer alguma relação de sentido entre os termos que ela conecta. Observe-se: Estava em casa. (relação semântica de lugar) Estava com o irmão. (relação semântica de companhia) Precisavam de atenção. (desprovida de valor semântico) Comparem-se os exemplos abaixo. Eles estavam vindo de Porto Alegre. Ele gosta de Porto Alegre. No primeiro caso, a preposição estabelece uma relação de lugar ao passo que, no segundo, apenas introduz o complemento do verbo gostar. Interessam, neste momento, apenas os casos em que as preposições agregam algum valor semântico mais expressivo. Já que toda preposição indica uma noção significativa básica em torno da qual se criam sentidos diversos, fala-se em polissemia da preposição. Para ficar mais claro do que se fala, tome-se como exemplo a preposição com, cujo significado básico é o da relação de copresença. Quando se usa tal preposição, busca-se dar a ideia da presença em conjunto do elemento que a preposição introduz. Vejam-se os exemplos: Explicou tudo com calma. Com medo, fugiu do local. Com muita paciência, chegarás à resposta. Saiu com uma amiga do colégio.
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Em todos os exemplos acima, a preposição indica a coparticipação do elemento por ela introduzido: no primeiro caso, busca-se dizer que calma esteve presente durante a explicação que se menciona; no segundo, o medo; no terceiro, a paciência; no último, a amiga. Porém, especifica-se essa relação em uma noção mais específica, a saber: modo, no primeiro caso; causa, no segundo; condição, no terceiro; e companhia, no último. Vamos analisar, portanto, as inúmeras relações de sentido que algumas preposições podem indicar, sem, entretanto, se pretender esgotar tais relações, tendo em vista que as preposições têm um uso bastante dinâmico, e os falantes reconhecem isso nas inúmeras construções que usam e que inventam.
Preposição a
Quando a preposição traduz uma relação de lugar, é comum que se especifique tal relação a partir da regência verbal. lugar aonde: quando o verbo rege a preposição a. lugar onde: quando o verbo rege a preposição em. lugar donde ou de onde: quando o verbo rege a preposição de. lugar por onde: quando o verbo rege a preposição por.
Vieram a Porto Alegre faz um ano. (lugar aonde) Estamos a duas horas do início do jogo. (tempo) Escreveu o texto a lápis. (instrumento ou meio) Gostava de viajar a cavalo. (instrumento ou meio) Agiu às escuras. (modo) A depender de mim, nada ocorrerá. (condição, hipótese) Ficaram a dez metros de nós. (lugar, distância) Sentou-se à mesa conosco. (lugar, proximidade) Encontrou o livro a dez reais. (preço) Tomou o pulso ao doente. (posse) Aquele menino saiu ao pai. (semelhança)
Preposição com
Por vezes, a preposição pode traduzir, no mesmo contexto, mais de uma relação de sentido, sem que isso signifique um problema semântico na frase. Com o fim do filme, todos saíram da sala. Neste exemplo, pode-se entender de duas formas a relação de sentido: Após o fim do filme... (tempo) Em razão do fim do filme... (causa)
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Saíram com o pai. (companhia) Com apenas um real, ele tornou-se milionário. (concessão) Com o fim do filme, todos saíram da sala. (tempo ou causa) Ela agia com muita discrição. (modo) Com o carro, chegaram rápido ao sítio. (meio) Com a ajuda que recebeste, tudo ficou bem resolvido. (causa) Com paciência, resolverás teu problema. (condição) Encontraram uma caixa com camisas dentro. (conteúdo)
Preposição de Vieram de Caxias do Sul. (lugar de onde) As belas meninas de Piracicaba estavam na festa. (naturalidade, origem) Comprou um crucifixo de prata. (matéria) Saíram levando consigo um livro de Machado de Assis. (autoria) O livro de Pedro foi encontrado rasgado. (posse, pertinência) Morreu de fome. (causa) Saiu de mansinho. (modo) Vamos falar de Teresa. (assunto) Deu-me água de beber. (finalidade) Compraram uma caixa de bombons. (conteúdo) Aqueles homens eram conhecidos de todos. (agente)
Preposição em Estavam em casa. (lugar onde) Em um ano, ninguém mais se lembrará disso. (tempo, prazo) Prefere pagar à vista ou em cheque? (meio) Pegou o ferro em brasa e marcou-a. (estado) Pedi a namorada em casamento. (finalidade)
Preposição para Para mim, ninguém estava certo. (opinião) Saiu de casa para encontrar a amante. (finalidade) Mudou-se para Manaus. (lugar aonde com ideia de maior duração)
Preposição por Saiu por uma porta oculta. (lugar por onde ou meio) Falou por metáforas, e não foi compreendido. (meio ou modo) Acabou levando gato por lebre. (substituição) Por tudo isso, deves ficar. (causa) Chorou por uma hora inteira. (tempo, duração) Os trabalhos foram feitos pelos estudantes. (agente) Comprou o livro por cinco reais. (preço)
2.
Ainda que o sentimento do falante, sobretudo no português oral, não seja este, as preposições a e para designam sentidos diferentes quando expressam lugar aonde. Vou a Madri. (ida transitória) Vou para Madri. (ida em caráter definitivo)
ESTUDO MORFOLÓGICO
Do ponto de vista morfológico, a preposição é um morfema preso, isto é, não é capaz de constituir, sozinha, um enunciado completo. Ainda, não sofre flexões. As preposições podem ser simples (uma única palavra) ou compostas (mais de uma palavra). As preposições simples, por sua vez, podem ser essenciais ou acidentais. PREPOSIÇÕES essenciais
a, ante, até, após, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre.
acidentais
durante, mediante, malgrado, exceto, salvo, menos, tirante, como (=na qualidade de), entre outras.
simples
compostas (locuções prepositivas)
abaixo de, acerca de, acima de, a despeito de, a fim de, além de, antes de, a par de, apesar de, a respeito de, atrás de, através de, de acordo com, debaixo de, em cima de, dentro de, depois de, diante de, embaixo de, em frente a, em vez de, graças a, junto a (junto de), para com, perto de, por cima de...
Alguns estudantes costumam trazer de cor, das aulas do colégio, as preposições essenciais. Entre elas, é comum que se memorize a preposição trás. Optamos por não incluí-la no rol das preposições modernas do português, pois ela deixou de ser usada, passando a ser substituída pela locução prepositiva atrás de. Em textos mais arcaicos, a construção abaixo era permitida: Eles estavam trás a casa. Hoje, optamos pela seguinte construção: Eles estavam atrás da casa. A palavra trás, em frases como “Eu pedi para que ele fosse para trás” é usada como advérbio de lugar.
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3.
ESTUDO SINTÁTICO
Do ponto de vista sintático ou funcional, a preposição sempre estabelecerá uma relação de regência do termo que introduz em relação a uma palavra nominal ou a uma palavra verbal. Ao fazê-lo, pode exercer o papel de transpositor ou ser apenas um índice de função sintática. Quando se tomam os substantivos homem e coragem, por exemplo, observase que, em tese, ambos têm a capacidade de exercer as funções próprias do substantivo, como sujeito, objeto direto, objeto indireto... Veja-se: Aquele homem tem coragem. O substantivo homem está exercendo a função de sujeito, ao passo que coragem exerce a função de objeto direto da oração, funções estas próprias do substantivo. Leia-se, porém, a sentença seguinte: Na sentença “Emagreça com saúde”, a preposição com permite ao substantivo saúde atuar em função adverbial para indicar o modo como se deve emagrecer: saudavelmente.
Um homem de coragem faria isso. Agora, porém, na relação entre os dois substantivos, observa-se que apenas homem está em função típica de substantivo (sujeito). O substantivo coragem exerce o papel de qualificar homem, função típica do adjetivo. O que permitiu que o substantivo passasse a exercer a função típica do adjetivo (adjunto adnominal) foi exatamente a preposição, que funciona, neste caso, como transpositor: transpõe a função do substantivo à do adjetivo. O mesmo ocorre no exemplo abaixo, em que o substantivo passa a exercer uma função típica do advérbio (adjunto adverbial). Veja-se: Aquele homem agiu com coragem.
São próprias do substantivo as seguintes funções sintáticas: a) sujeito; b) objeto direto; c) objeto indireto; d) complemento nominal; e) predicativo; f) aposto; g) agente da passiva.
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Em outros casos, pode-se dar que a preposição não altere a função típica do termo que lhe segue, servindo neste caso como mero índice de função sintática. Aquele homem precisa de coragem. Neste exemplo, a preposição apenas conecta o substantivo coragem, que exerce função típica de sua classe (objeto indireto) a seu verbo regente (precisar, que é transitivo indireto). Não transpõe, portanto, a função do substantivo, funcionando apenas como índice da função objeto indireto.
LOCUÇÕES ADJETIVAS E LOCUÇÕES ADVERBAIS 4.
Dentro do estudo das preposições, não se pode esquecer a importância destas na constituição das chamadas locuções adjetivas e locuções adverbiais. Conforme se viu anteriormente, a preposição pode se comportar como um transpositor de palavras, para que estas exerçam uma função sintática que não lhes é própria. Quando isso ocorrer, estáse diante de uma locução (conjunto de palavras com função equivalente à de uma única).
Locuções adjetivas Observe os exemplos seguintes: Ela era uma mulher sem medo. Era um cidadão de Petrópolis. Comprou uma estante de metal.
Locuções adjetivas são sintagmas preposicionados que cumprem a mesma função sintática de um adjetivo: qualificar um substantivo, determinando-o.
Em todos esses exemplos, a preposição é usada com o intuito de fazer o substantivo que lhe sucede determinar um substantivo antecedente, transpondo-o à função de adjunto adnominal, própria dos adjetivos. Esses sintagmas preposicionados, constituídos de preposições seguidas de substantivo, com função equivalente à de um adjetivo constituem o que se denomina locução adjetiva. Poderiam, facilmente, ser substituídas por adjetivos correspondentes. Ela era uma mulher destemida. Era um cidadão petropolitano. Comprou uma estante metálica. Entretanto, não é necessário que a locução adjetiva tenha um adjetivo correspondente ou que se conheça tal adjetivo, para que a locução esteja caracterizada. O que definirá ou não um sintagma preposicionado como locução adjetiva é o papel que ele exerce na estrutura oracional. Assim, também são locuções adjetivas as construções destacadas nos exemplos abaixo: Comprou uma camiseta de plástico. O relógio de Pedro estava em chamas. Por vezes, à estrutura da locução adjetiva se agregam outras palavras que não apenas a preposição e o substantivo. Era uma mulher sem temor algum. Note-se que a locução adjetiva pode estabelecer com o substantivo as mesmas relações que os adjetivos estabeleceriam: qualidades, defeitos, estados, modos de ser e, ainda, relações como a de tempo, a de lugar, a de procedência, a de matéria, entre outras. Quanto à função sintática, as locuções adjetivas, assim como os adjetivos, exercerão função tanto de adjunto adnominal quanto de predicativo, a depender se se posicionam dentro ou fora do sintagma nominal. O relógio de Pedro estava em chamas. Nesse exemplo, a primeira locução (de Pedro) exerce função de adjunto adnominal, ao passo que a segunda (em chamas) exerce a função de predicativo.
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Locuções adverbais Locuções adverbiais são sintagmas preposicionados que cumprem a mesma função sintática de um advérbio: expressar circunstâncias para especificar informação ao verbo.
Notem-se agora os seguintes exemplos: Aquela mulher agia sem medo. Ambos chegaram de Petrópolis. Falavam de Pedro quando ele chegou. Note-se que, neste caso, os termos destacados não estão mais qualificando substantivos, mas dando aos verbos alguma delimitação, o que é típico dos advérbios. No primeiro caso, o sintagma preposicionado indica ao verbo agir uma circunstância de modo; no segundo, indica o lugar de onde chegou o sujeito da oração; no terceiro, o assunto sobre o qual falavam. Sabe-se ser típico do advérbio fornecer circunstâncias aos verbos, o que significa que a preposição, nestes casos, também transpõe o substantivo para que exerça uma função que não lhe é própria, porém tal função, neste caso, é a de adjunto adverbial, típica função do advérbio. Aos sintagmas preposicionados destacados acima chama-se, portanto, locuções adverbiais. Assim como os advérbios, as locuções adverbiais podem traduzir circunstâncias diversas. Abaixo, listam-se algumas. Saíram de manhã e só voltaram à noite. (tempo) Chegaram de São Paulo ontem. (lugar de onde) Estavam em São Paulo ontem. (lugar onde) Foram a São Paulo ontem. (lugar aonde) Ele ainda não havia se recuperado por completo. (modo) Saíram à francesa. (modo) Com certeza, aqueles dois haviam se perdido. (afirmação) Ela não diria isso, em absoluto. (negação) Não paravam de falar de suas vitórias. (assunto) Apesar do calor, não tirava aquele casaco. (concessão) Com tanto calor, ninguém ousou sair às ruas. (causa) Sem determinação, não conseguirás fazer a prova. (condição) Ele dançava com a música, e estava sempre de bem com todos. (conformidade) Estudava para uma prova dificílima. (finalidade) Com o tempo, aprenderás a mexer na máquina. (proporcionalidade) Comprou o terno por cem reais. (preço) Fez o bolo com uma pá de madeira. (instrumento ou meio) Vieram de carro. (instrumento ou meio) Saíram com os pais. (companhia) Saíram sem os pais. (companhia/ausência) Como se observa, as circunstâncias adverbiais são muitas: sequer estão de todo relacionadas nos poucos exemplos acima. Note-se que a maioria das locuções adverbiais exige a presença da preposição (transpositora) e do substantivo; no entanto, há algumas que se configuram com preposição e adjetivo (caso de por completo). Ainda há locuções adverbiais cujo núcleo é um advérbio mesmo, antecedido de uma preposição que lhe confere melhor função ou designação. Até agora, não disseram nada. Desde cedo, não falavam em outra coisa. Talvez nos encontremos por lá. Por outro lado, há locuções adverbiais (sobretudo de tempo) que costumam dispensar preposição. Este ano, ele ainda não viajou. (=neste ano) O que você fez aquela noite? (=naquela noite) Do ponto de vista sintático, as locuções adverbiais só poderão exercer a função que for própria ao advérbio: a de adjunto adverbial.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (UEL) Perto de mil pessoas estiveram presentes ao festival de inverno.
As expressões em destaque na frase anterior são, respectivamente: (A) locução adverbial - adjetivo - substantivo. (B) advérbio - substantivo - locução adjetiva. (C) locução prepositiva - adjetivo - locução adjetiva. (D) locução prepositiva - adjetivo - locução adverbial. (E) locução adverbial - advérbio - substantivo.
Gabarito: C A locução perto de, sinônima de cerca de, introduz sintagmas, não tendo sentido completo e terminando em preposição simples essencial: trata-se, portanto, de locução prepositiva. A palavra presentes qualifica pessoas, indicando um estado, e funciona como adjetivo (exerce função predicativa por estar fora de um sintagma nominal). Por sua vez, a locução de inverno é um sintagma preposicionado, formado por uma preposição (de) que rebaixa o substantivo inverno para que este possa qualificar outro substantivo: atua, portanto, como locução adjetiva.
2. (UFSM) Analise as preposições destacadas nos seguintes contextos:
I. "... inconformado com as amarras da lei, fazia justiça com as próprias mãos." II. "... buscas formas de convivência com o narcotráfico." As preposições sublinhadas indicam, respectivamente, (A) causa - instrumento - companhia. (B) modo - modo - instrumento. (C) referência - causa - companhia. (D) instrumento - referência - causa. (E) companhia - causa - modo. Gabarito: A Observe como a preposição com, em sua primeira ocorrência apresenta sentido próximo a por causa de, em razão de; na segunda ocorrência, está ligada à ideia de fazer justiça usando as próprias mãos, como meio, como instrumento; no terceiro uso, pode ser compreendida como tendo sentido semelhante a “em companhia de”.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFC) Assinale a alternativa que apresenta uma locução adverbial e o seu respectivo valor semântico. (A) “que abandonassem o poleiro num ensaio de voo” – lugar. (B) “O seu primeiro contato com a tripulação do dirigível” – companhia. (C) “O marinheiro agitou-se todo com aquele adeus” – causa. (D) “deixou-a cair num gesto delicado” – conformidade. (E) “deliberadamente dessa vez, acenou com a toalha” – matéria. 02. (UNIVAP) Os advérbios são classificados de acordo com as circunstâncias que exprimem. Eles podem ser de afirmação, de negação, de modo, de lugar, de dúvida, de intensidade, de tempo e interrogativos. Já quando duas ou mais palavras (geralmente preposição + substantivo ou advérbio) formam uma expressão que equivale a um advérbio chamamos de locução adverbial. Na frase, “O jogador errou o gol de propósito, no jogo de domingo, à noite”, há: (A) advérbio de modo. (B) locução adverbial de modo. (C) advérbio de intensidade. (D) locução adverbial de intensidade. (E) advérbio e, consequentemente, locução adverbial. 03. Observe as locuções destacadas nas proposições abaixo. I. Pessoas com transtorno bipolar podem viver normalmente. II. Com a mudança da data, não pudemos fazer a prova. III. Milhares de pessoas morrem de fome diariamente naquela região. IV. As causas da fome vão além da questão de disponibilidade de alimentos.
04. (PUCRS MED 2021) A educação a.C. e d.C.: tudo vai ser diferente no ensino “depois da covid-19” FÁBIO ROQUE SBARDELLOTTO A sentença de Heráclito, filósofo pré-socrático e pai da dialética, no sentido de que ninguém pode entrar duas vezes no 1 mesmo rio porque, ao entrar pela segunda vez, já não encontra as mesmas águas 2, nunca se fez tão verdadeira como agora, tamanha gravidade do 3fenômeno 4pelo 5qual estamos 6 passando. Não haverá como resistir: sairemos diferentes de como entramos nesta pandemia. Os processos civilizatórios deverão ser reinventados na economia, na política, na vida familiar, na educação. Com o isolamento social, houve uma disrupção inesperada e muito traumática no ambiente educacional. Na educação pública, praticamente foram paralisadas as aulas. No ambiente privado 7, mantiveram-se sob a forma do ensino a distância, com tecnologias virtuais. Os alunos de instituições públicas permanecem com seu horizonte incerto quanto ao semestre e mesmo ao ano. O que esperar no ambiente educacional 8? Os conteúdos não 9se modificaram. O 10desafio está em vislumbrar a retomada 11dos processos educacionais pós coronavírus. Projetamos uma realidade na qual pouco do que se tinha antes será encontrado. E as instituições de ensino e seus educadores deverão se reposicionar – “não se passará mais pelo 12 mesmo rio”. A travessia será mais tranquila para 13aquelas instituições 14que já desenvolviam um ambiente educacional segmentado, embasado em uma relação humanista, que tinham o 15estudante 16no centro da relação aprendizagem/ ensino. Sairão exitosas as instituições educacionais que estavam preparadas e já planejavam o futuro de uma educação de excelência, apesar de existir crise econômica. Para essas, o processo apenas se acelerou, e as águas que as banharam já haviam filtrado boa parte do que agora se apresentou como desafio quase intransponível para as outras. Fragmento adaptado de: https://bit.ly/3f9OhuF. Acesso em: 30 abr. 2020.
Em quais locuções a preposição inicial traduz noção de causa?
Considere as afirmativas sobre a regência das preposições nas contrações de preposição mais artigo presentes no texto.
(A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas II e III. (D) Apenas III e IV. (E) II, III e IV.
I. Em “pelo” (ref. 4), a preposição é exigida pela forma verbal “passando” (ref. 6). II. Em “dos” (ref. 11), a preposição é exigida pelo substantivo “desafio” (ref. 10). III. Em “no” (ref. 16), a preposição é exigida pelo substantivo “estudante” (ref. 15). Está/Estão correta(s) apenas a(s) afirmativa(s) (A) I. (B) III. (C) I e II. (D) II e III.
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APÊNDICE (conjugação verbal)
Presente do indicativo e formas derivadas A tabela abaixo traz o paradigma da 1ª conjugação do presente do indicativo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: CANTAR
→ → →
PRESENTE DO IMPERATIVO INDICATIVO AFIRMATIVO cant-o cant-a-s → canta (tu) cant-a cante (você) cant-a-mos cantemos (nós) cant-a-is → cantai (vós) cant-a-m cantem (vocês)
PRESENTE DO IMPERATIVO SUBJUNTIVO NEGATIVO cant-e cant-e-s → não cantes (tu) cant-e → não cante (você) cant-e-mos → não cantemos (nós) → não canteis (vós) cant-e-is → não cantem (vocês) cant-e
Em verbos da primeira conjugação, a 1ª pessoa do singular (eu) origina o subjuntivo pela troca da desinência O por E. O imperativo negativo tem formas idênticas às do presente do subjuntivo. O afirmativo também, com exceção do tu e do vós, que copiam o presente do indicativo sem a letra s.
A tabela abaixo traz o paradigma da 2ª conjugação do presente do indicativo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: VENDER IMPERATIVO AFIRMATIVO
→
vende (tu) venda (você) vendamos (nós) vendei (vós) vendam (vocês)
→ →
PRESENTE DO INDICATIVO vend-o vend-e-s → vend-e vend-e-mos vend-e-is → vend-e-m
PRESENTE DO SUBJUNTIVO vend-a vend-a-s → vend-a → vend-a-mos → vend-a-is → → vend-a
IMPERATIVO NEGATIVO não vendas (tu) não venda (você) não vendamos (nós) não vendais (vós) não vendam (vocês)
Em verbos da segunda e da terceira conjugações, a 1ª pessoa do singular (eu) origina o subjuntivo pela troca da desinência O por A. O imperativo negativo tem formas idênticas às do presente do subjuntivo. O afirmativo também, com exceção do tu e do vós, que copiam o presente do indicativo sem a letra s.
A tabela abaixo traz o paradigma da 3ª conjugação do presente do indicativo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: PARTIR IMPERATIVO AFIRMATIVO
→
parte (tu) parta (você) partamos (nós) parti (vós) partam (vocês)
→ →
PRESENTE DO INDICATIVO part-o part-e-s part-e part-i-mos part-is part-e-m
PRESENTE DO SUBJUNTIVO part-a part-a-s → part-a → part-a-mos → part-a-is → → part-a
IMPERATIVO NEGATIVO não partas (tu) não parta (você) não partamos (nós) não partais (vós) não partam (vocês)
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Pretérito perfeito do indicativo e formas derivadas Nas três conjugações, a 3ª pessoa do plural (eles) origina os três outros tempos da tabela: Para formar o mais-que-perfeito do indicativo, basta tirar a letra M, de cantaram. Para formar o futuro do subjuntivo, basta tirar o AM, de cantaram. Para formar o imperfeito do subjuntivo, retira-se o RAM, e acrescenta-se SSE.
A tabela abaixo traz o paradigma da 1ª conjugação do pretérito perfeito do indicativo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: CANTAR PRETÉRITO MAIS-QUEPERFEITO DO INDICATIVO cantara cantara-s cantara cantára-mos cantáre-is cantara-m
PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO cant-e-i cant-a-ste cant-o-u cant-a-mos cant-a-stes cant-a-ram
FUTURO DO SUBJUNTIVO
PRETÉRITO IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO
cantar cantar-es cantar cantar-mos cantar-des cantar-em
cantasse cantasse-s cantasse cantásse-mos cantásse-is cantasse-m
A tabela abaixo traz o paradigma da 2ª conjugação do pretérito perfeito do indicativo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: VENDER PRETÉRITO MAIS-QUEPERFEITO DO INDICATIVO vendera vendera-s vendera vendêra-mos vendêre-is vendera-m
PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO vend-i vend-e-ste vend-e-u vend-e-mos vend-e-stes vend-e-ram
FUTURO DO SUBJUNTIVO
PRETÉRITO IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO
vender vender-es vender vender-mos vender-des vender-em
vendesse vendesse-s vendesse vendêsse-mos vendêsse-is vendesse-m
A tabela abaixo traz o paradigma da 3ª conjugação do pretérito perfeito do indicativo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: PARTIR PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO part-i part-i-ste part-i-u part-i-mos part-i-stes part-i-ram
PRETÉRITO MAIS-QUEPERFEITO DO INDICATIVO partira partira-s partira partíra-mos partíre-is partira-m
FUTURO DO SUBJUNTIVO
PRETÉRITO IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO
partir partir-es partir partir-mos partir-des partir-em
partisse partisse-s partisse partísse-mos partísse-is partisse-m
Infinitivo impessoal e formas derivadas A tabela a seguir traz o paradigma da 1ª conjugação do infinitivo e de suas formas derivadas. 122
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EXEMPLO: CANTAR INFINITIVO IMPESSOAL INFINITIVO PESSOAL cantar cantar-es cantar cantar-mos cantar-des cantar-em GERÚNDIO PARTICÍPIO PASSADO
cantar FUTURO DO PRESENTE DO INDICATIVO cantar-ei cantar-ás cantar-á cantar-emos cantar-eis cantar-ão cant-ando
FUTURO DO PRETÉRITO DO INDICATIVO cantar-ia cantar-ias cantar-ia cantar-íamos cantar-íeis cantar-iam
PRETÉRITO IMPERFEITO DO INDICATIVO cant-a-va cant-a-vas cant-a-va cant-á-vamos cant-á-veis cant-a-vam
Na primeira conjugação, o imperfeito do indicativo se faz com a desinência VA. Na segunda e na terceira conjugações, o imperfeito do indicativo se faz com a desinência IA.
cant-ado
A tabela abaixo traz o paradigma da 2ª conjugação do infinitivo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: VENDER INFINITIVO IMPESSOAL INFINITIVO PESSOAL vender vender-es vender vender-mos vender-des vender-em GERÚNDIO PARTICÍPIO PASSADO
vender FUTURO DO PRESENTE DO INDICATIVO vender-ei vender-ás vender-á vender-emos vender-eis vender-ão vend-endo
FUTURO DO PRETÉRITO DO INDICATIVO vender-ia vender-ias vender-ia vender-íamos vender-íeis vender-iam
PRETÉRITO IMPERFEITO DO INDICATIVO vend-ia vend-ias vend-ia vend-íamos vend-íeis vend-iam
vend-ido
A tabela abaixo traz o paradigma da 3ª conjugação do infinitivo e de suas formas derivadas. EXEMPLO: PARTIR INFINITIVO IMPESSOAL INFINITIVO PESSOAL partir partir-es partir partir-mos partir-des partir-em GERÚNDIO PARTICÍPIO PASSADO
partir FUTURO DO PRESENTE DO INDICATIVO partir-ei partir-ás partir-á partir-emos partir-eis partir-ão part-indo
FUTURO DO PRETÉRITO DO INDICATIVO partir-ia partir-ias partir-ia partir-íamos partir-íeis partir-iam
PRETÉRITO IMPERFEITO DO INDICATIVO part-ia part-ias part-ia part-íamos part-íeis part-iam
part-ido
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GABARITO CAPÍTULO 1 01.
A
02. a) análise ortográfica; b) análise morfossintática; c) análise morfossintática; d) análise semântica; e) análise morfossintática. 03. a) Substantivo, Adjetivo, Verbo, Advérbio. b) Preposição, Artigo, Numeral, Pronome, Conjunção, Interjeição.
CAPÍTULO 2 01.
D
02. D
03. D
04. A
02. C
03. D
04. E
02. D
03. A
04. D
02. A
03. D
CAPÍTULO 3 01.
D
05. D
CAPÍTULO 4 01.
C
CAPÍTULO 5 01.
B
04. a) adjetivo; b) advérbio; c) adjetivo; d) advérbio; e) advérbio 05. a) somente, apenas (advérbio); b) sozinho (adjetivo); c) somente, apenas (advérbio); d) sozinho (adjetivo). 06. a) intensidade; b) tempo; c) negação; d) modo; e) frequência.
CAPÍTULO 6 01.
C
02. B
03. C
04. A
Lista de imagens Fonte: http://www.iconarchive.com. Acesso em 19 de dezembro de 2017. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Presidência da República Federativa do Brasil. In: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. https://livraria.folha.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. https://www.saraiva.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. DICA DE FILME: Fonte: https://pt.wikipedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Créditos a: Superfilmes, Lumière e Europa Filmes. www.viniciusdemoraes.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. https://www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: https://acervo.oglobo.globo.com. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. URB Comunicação. In: http://newagecom.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repositor. In: https://commons.wikimedia.org. Acesso em 25 de novembro de 2018. In: http://www.combataobesidade.org.br. Acesso em 25 de novembro de 2018. 124
PORTUGUÊS
LITERATURA 127 Capítulo 1 TEORIA LITERÁRIA 151 Capítulo 2 CLASSICISMO PORTUGUÊS 163 Capítulo 3 QUINHENTISMO 173 Capítulo 4 BARROCO 183 Capítulo 5 ARCADISMO 193 Capítulo 6 ROMANTISMO
TEORIA LITERÁRIA
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução Toda forma de arte é uma forma de comunicação, verbal ou não, onde o artista partindo de experiências pessoais e sociais, recria a realidade de forma ficcional, predominando a sua imaginação e a sua criatividade. Por vezes a arte assume formas de denúncia social, de crítica à realidade circundante – dizemos, então, que se trata de uma arte engajada. Cada forma de arte trabalha com certos materiais. A pintura trabalha com a tinta, cores e formas; a música utiliza sons; a dança, os movimentos; a arquitetura e a escultura utilizam formas e volumes. O material utilizado pela literatura é a palavra escrita. 1.
LINGUAGEM ESCRITA
Na mensagem escrita, as palavras possuem duas camadas de significado: linguagem denotativa e linguagem conotativa.
Denotativa
Capítulo 1
• A palavra é apresentada de forma objetiva, com seu significado de dicionário. • O autor que utiliza a linguagem denotativa pretende reproduzir a realidade. Ex.: Artigo científico. Lua: “Astro que gira em torno da terra e é seu satélite”.
1. Linguagem escrita 2. Variações Linguísticas 3. Intertextualidade 4. Metalinguagem 5. Formas Literárias 6. Gêneros Literários 7. Figuras de Linguagem 8. Estilo
H1 – Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação. H3 – Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas. H4 – Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação. H18 – Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
• O significado da palavra é reinventado, dependendo basicamente da subjetividade e da criatividade do autor. • O autor que utiliza a linguagem conotativa esforça-se por recriar ficcionalmente a realidade. • A linguagem conotativa é a linguagem por excelência da literatura. Conotativa
Ex.: Romance, Conto, Novela, Poesia, etc. Lua: “Boião de leite Que a noite leva com mãos de treva, pra não sei quem beber. E que, embora levado Muito devagarinho, Vai derramando pingos brancos Pelo caminho”. (Cassiano Ricardo) ANOTAÇÕES
LITERATURA
127
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS: LINGUAGEM CULTA E COLOQUIAL 2.
Linguagem coloquial é aquela empregada no cotidiano, no colóquio, na fala, não obedecendo às regras da gramática, ao contrário da linguagem culta, que segue a gramática. A linguagem coloquial pode ser entendida como uma variação linguística em referência à língua padrão. As variedades linguísticas apresentam diferenças de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que são utilizadas. Todas as variedades linguísticas são corretas, desde que cumpram, com eficiência, o papel fundamental de uma língua, o de permitir a interação verbal entre as pessoas. Apesar disso, a norma culta ou norma padrão, tem maior prestígio social. É ensinada na escola, utilizada na maior parte dos livros, revistas e também em textos científicos e didáticos. As variedades linguísticas, como a regional, a gíria, o jargão de grupos ou profissões (a linguagem dos policiais, dos jogadores de futebol, dos surfistas, etc.) são chamadas genericamente de norma popular. PRONOMINAIS Oswald de Andrade Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro. NO MEIO DO CAMINHO Carlos Drummond de Andrade No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra 3.
INTERTEXTUALIDADE
É o diálogo estabelecido entre textos, é a influência que um texto exerce sobre a produção de outro. Essa influência pode ser explícita ou implícita, com a apropriação de elementos do texto, como a forma ou o conteúdo. A intertextualidade é realizada entre diferentes textos, de mesmas ou diferentes linguagens (visual, textual, etc.). A intertextualidade se manifesta em diferentes campos da arte: literatura, pintura, escultura, música, dança, cinema, etc. Há vários tipos de intertextualidade: paródia, paráfrase, epígrafe, citação, alusão, etc. As duas mais importantes são a paródia e a paráfrase.
128
LITERATURA
Paráfrase Diálogo entre dois textos, onde pode ocorrer a apropriação de ideias, palavras ou frases. As palavras e as frases podem apresentar pequenas variações, ou serem copiadas igualmente, mas as ideias do texto original permanecem de forma mais ou menos explicitas. Texto Original
Paráfrase
CONSTRUÇÃO
CONSTRUÇÃO
Um grito pula no ar como foguete. Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos. O sol cai sobre as coisas em placa fervendo. O sorveteiro corta a rua.
Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido
E o vento brinca nos bigodes do construtor. - Carlos Drummond de Andrade
Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego - Chico Buarque de Holanda
Paródia Diálogo que adota uma postura humorística em relação a outro texto, pode ou não, apresentar um fundo crítico. Pode ocorrer a apropriação de ideias, palavras ou frases. As palavras e frases podem apresentar pequenas variações. Texto Original
Paródia
MEUS OITO ANOS
MEUS OITO ANOS
Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais!
Oh que saudades que eu tenho Da aurora de minha vida Das horas De minha infância Que os anos não trazem mais Naquele quintal de terra! Da rua de Santo Antônio Debaixo da bananeira Sem nenhum laranjais
- Casimiro de Abreu
O poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu (1839-1860), escrito no século XIX, inspirou várias intertextualidades, como, por exemplo, a paródia “Meus oito anos”, de Oswald de Andrade, poema escrito no século XX.
- Oswald de Andrade
LITERATURA
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Paráfrase ou paródia? Algumas vezes é difícil identificar se a intertextualidade é uma paráfrase ou uma paródia. O artista T. F. Chen/ Tsing-Fang Chen (Coréia, 1936) apropria-se de elementos de obras de arte de pintores consagrados para criar várias intertextualidades. Sua obra abaixo, City Gleaners, seria uma paráfrase ou uma paródia.
A obra "City Gleaners" é o resultado do diálogo com elementos de outras duas obras: – "The Gleaners" (1857, J. F. Millet). – "And the Gold of their Bodies" (1901, Gauguin).
130
LITERATURA
4.
METALINGUAGEM
A metalinguagem ocorre quando a linguagem é utilizada para falar de si mesma, promovendo a descrição e a explicação de sua criação e de seu funcionamento. É empregada quando a preocupação do emissor está voltada para a reflexão do próprio código ou linguagem. A metalinguagem é um fenômeno que ocorre na literatura e em qualquer campo da arte. POESIA Carlos Drummond de Andrade Gastei uma hora pensando em um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira.
Meu verso é sangue.Volúpia ardente. . . Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. – Eu faço versos como quem morre.
DESENCANTO Manuel Bandeira
AUTOPSICOGRAFIA Fernando Pessoa
Eu faço versos como quem chora De desalento. . . de desencanto. . . Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto.
O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
abaixo:
A metalinguagem pode ocorrer também na pintura, como se observa no quadro
MAGRITTE, René (1898-1969). A perspicácia (1936). A cena descreve o autorretrato do artista surrealista pintando um pássaro e observando um ovo.
LITERATURA
131
5.
FORMAS LITERÁRIAS
A produção literária ocorre através da prosa e da poesia. Observa-se, porém, que esta forma de classificação é muito rígida, podendo em muitos casos, as duas formas se combinarem ou confundirem-se, surgindo daí, por exemplo, a prosa poética ou o poema em prosa.
Prosa Entende-se por prosa a escrita que é feita de forma contínua e organizada em parágrafos. São exemplos de prosa: romances, contos, crônicas, reportagens, etc. Ex.: Esaú e Jacó Machado de Assis Era a primeira vez que as duas iam ao Morro do Castelo. Começaram de subir pelo lado da Rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira. Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, confiava-me há muitos anos em Londres que de Londres só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da metrópole e do mundo.
Poesia A escrita é feita de forma fragmentada através de linhas descontínuas. Cada linha de um poema se chama verso, um grupo de versos se chama estrofe. O poema pode possuir ainda ritmo, rima e métrica. Ex.: ADMIRÁVEL EXPRESSÃO QUE FAZ O POETA DE SEU ATENCIOSO SILÊNCIO Gregório de Matos Largo em sentir, em respirar sucinto Peno, e calo tão fino, e tão atento, Que fazendo disfarce do tormento Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto. O mal, que fora encubro, ou que desminto, Dentro no coração é, que o sustento, Com que para penar é sentimento, Para não se entender é labirinto. Ninguém sufoca a voz nos seus retiros; Da tempestade é o estrondo efeito: Lá tem ecos a terra, o mar suspiros. Mas oh do meu segredo alto conceito! Pois não me chegam a vir à boca os tiros Dos combates, que vão dentro no peito. 132
LITERATURA
Prosa poética Alguns textos literários não podem ser enquadrados simplesmente em prosa ou poesia, pois misturam as duas formas literárias. Machado de Assis chamou o romance Iracema de prosa poética ou um poema em prosa por notar no texto elementos da poesia, como o ritmo, a musicalidade e a métrica. Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou pra me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo, as pontas dos meus dedos tocavam cheias de veneno a penugem incipiente do meu peito ainda quente; minha cabeça rolava entorpecida enquanto meus cabelos se deslocavam em grossas ondas sobre a curva úmida da fronte; deitei uma das faces contra o chão, mas meus olhos pouco apreenderam, sequer perderam a imobilidade ante o voo fugaz dos cílios [...]. NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica.
6.
GÊNEROS LITERÁRIOS
É o conjunto de características que permite classificar um texto literário em determinada categoria. Na Antiguidade, Aristóteles classificou os textos literários em três categorias ou gêneros: narrativo, lírico e dramático. É importante observar que poucos textos podem ser enquadrados inteiramente em apenas um dos gêneros.
Gênero narrativo
1. Em prosa: • Romance. • Novela. • Conto. • Crônica. • Fábula. 2. Em verso: • Epopeia (poema narrativo que trata de fatos notáveis, grandiosos, extraordinários de um povo, geralmente representado por um herói).
Gênero lírico
Gênero Dramático
1. Em verso: • Poema. 2. Em prosa: • Prosa poética. 1. Em forma de diálogos ou monólogos: • Tragédia. • Comédia. • Tragicomédia. • Auto / Farsa.
LITERATURA
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Gênero narrativo Entende-se por gênero narrativo uma história que é contada por um narrador que tem como função apresentar a ação dos personagens em um determinado tempo e espaço. Esta narrativa pode ser feita tanto em prosa quanto em verso.
• NARRATIVA EM PROSA A narrativa em prosa apresenta geralmente algumas características: – Narrador: responsável por contar a história, ou seja, a narrativa. A forma como o narrador vai se posicionar para apresentar a história se chama foco narrativo. Existem diferentes focos narrativos: 1º pessoa • narrador-personagem Caracteriza-se pelo narrador que está dentro da narrativa, geralmente interagindo com os outros personagens que são mencionados no decorrer da narrativa.
3º pessoa
• narrador-observador Caracteriza-se por estar fora da história que narra. Geralmente apresenta uma visão limitada dos acontecimentos, descrevendo os fatos do presente. • narrador onisciente Está fora da história que narra. É o narrador mais utilizado na literatura. O narrador domina todos os acontecimentos do presente, do passado e do futuro. Também tem acesso aos pensamentos e sentimentos dos personagens
– Enredo: é a estrutura da narrativa, é o próprio desenvolvimento dos acontecimentos. – Personagens: podem representar indivíduos ou tipos sociais (condição social, profissão, sexo, etc.). Dependendo do papel que desempenham no enredo da história são classificados basicamente como:
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LITERATURA
Protagonistas
Personagens centrais.
Antagonistas
Personagens que provocam o clima de tensão na história, geralmente opondo-se aos protagonistas.
Coadjuvantes ou secundários
Personagens de menor relevância para o desenvolvimento da narrativa.
– Espaço: local em que se desenvolve a narrativa, podendo ser físico ou psicológico. – Tempo: pode ser cronológico ou psicológico. Cronológico
Quando se refere ao tempo marcado pelo relógio, pelo real, pelo objetivo.
Psicológico
Caracterizado pelo subjetivo, pelo introspectivo.
– Discurso: é a forma como o narrador vai apresentar a fala dos personagens. O discurso pode ser direto ou indireto. Quando o narrador reproduz fielmente as falas dos personagens. Discurso direto
Discurso indireto
Ex.: O homem murmurava: – Estou perdido. Quando o autor reproduz com suas próprias palavras o que os personagens teriam dito. Ex: O homem murmurava que estava perdido.
– Tipos de narrativas em prosa: a narrativa em prosa pode ser desenvolvida de diferentes formas em função de sua estrutura. As principais formas de narrativa em prosa são: Romance: comparado à novela, apresenta um recorte mais amplo da vida, com situações mais densas e complexas e uma passagem de tempo mais lenta. O foco da narrativa pode estar no personagem, na ação ou no espaço. Em função disso, podemos ter romances de costumes, romances psicológicos, romances policiais, romances regionalistas, romances históricos, etc. Novela: é uma narrativa temporalmente menos abrangente do que o romance, apresentando também um número menor de personagens. Conto: narrativa centrada geralmente em um episódio da vida. Quanto à estrutura, caracteriza-se por ser curta e densa. Crônica: espécie intermediária entre a literatura e o jornalismo. O escritor registra suas impressões diante de fatos do cotidiano. Fábula: é uma breve narrativa que expressa uma mensagem de fundo moral. Os personagens das fábulas são geralmente animais cujas ações representam comportamentos humanos, daí seu caráter simbólico. Quando os personagens são objetos inanimados (árvores, pedras, estátuas, etc.), a narrativa costuma ser classificada como apólogo.
LITERATURA
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• NARRATIVA EM VERSOS A forma de narrativa em versos mais conhecida é a epopeia. A palavra epopeia vem do grego da fusão de épos (= verso) e poieô (= faço) e se refere à narrativa em forma de versos. » Características – Escrita em versos. – O assunto é sempre grandioso e heroico. – Os problemas abordados não dizem respeito a indivíduos, como acontece com o gênero lírico, mas a toda uma coletividade ou mesmo a toda humanidade. – O herói ao vale apenas como indivíduo, ele simboliza um povo, ou uma forma de ser humana. – A linguagem é grandiloquente e solene. – A estrutura: 1° - proposição 2° - invocação 3° - dedicatória 4° - narrativa 5° - epílogo Entre as epopeias já escritas, podem ser destacadas: – Ilíada e Odisseia (Homero, Grécia, sobre o cerco de Troia). – Eneida (Virgílio, Roma, sobre a fundação de Roma). – Paraíso Perdido (Milton, Inglaterra). – Orlando Furioso (Ariosto, Itália). – Os Lusíadas (Camões, Portugal, a fundação do império português). No Brasil podem ser citadas: – O Uraguai (Basílio da Gama). – Caramuru (Frei Santa Rita Durão). –Vila Rica (Cláudio Manuel da Costa).
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LITERATURA
Gênero Lírico A palavra lírico deriva de lira, um instrumento musical que era utilizado pelos gregos na Antiguidade. Nesse período dava-se o nome de lírico aos versos que eram entoados ao som da lira. Ao final da Idade Média, poesia e música foram separados.
• POESIA O gênero lírico pode se manifestar através da prosa ou da poesia, porém a forma que melhor se manifesta o gênero lírico é através da poesia, a qual apresenta frequentemente as seguintes características: – Eu lírico: diz-se que o texto pertence ao gênero lírico quando predomina nele a expressão do “eu”. Esse “eu” que fala no texto projeta seu mundo interior, revelando sentimentos, desejos e emoções. Esse “eu” pode ser chamado de “eu poético” ou “eu lírico”. É importante observar que nem sempre os sentimentos e emoções que o eu lírico expressa correspondem ao que o poeta está sentindo. ADEUS MEUS SONHOS Álvares de Azevedo
ISTO Fernando Pessoa
[...] Misérrimo! Votei meus pobres dias À sina doida de um amor sem fruto, E minh’alma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto.
Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração.
– Métrica: a tradição clássica prima pela regularidade métrica dos poemas. Ela impõe que todos os versos de um poema tenham um número igual de sílabas poéticas. O processo de contagem das sílabas poéticas chama-se escansão. Para se fazer a escansão deve ser levado em conta o ritmo e o som da sílaba, ignorando-se a separação silábica gramatical. Por vezes o poeta lança mão de alguns recursos para abreviar ou alongar as sílabas poéticas. A elisão, que consiste na eventual fusão de vogais no encontro de palavras, é um dos recursos mais utilizados. É importante lembrar que na escansão conta-se até a última sílaba tônica da última palavra que forma o verso. – Monossílabo: 1 sílaba. – Dissílabo: 2 sílabas. – Trissílabo: 3 sílabas. – Tetrassílabo: 4 sílabas. – Pentassílabo ou Redondilha Menor: 5 sílabas. – Hexassílabo ou Heróico Quebrado: 6 sílabas. – Heptassílabo ou Redondilha Maior: 7 sílabas. – Octossílabo: 8 sílabas. – Eneassílabo: 9 sílabas. – Decassílabo: 10 sílabas. – Hendecassílabo: 11 sílabas. – Dodecassílabo: 12 sílabas poéticas. – Bárbaro: 13 ou mais sílabas poéticas.
LITERATURA
137
As medidas mais usuais são:
5 sílabas poéticas: pentassílabo ou redondilha menor
7 sílabas poéticas: heptassílabo ou redondilha maior
10 sílabas poéticas: decassílabo (Heroico ou Sáfico)
Cor/dei/ ri/nha/ lin/da, 1 2 3 4 5 Como folgão povo Por que vossa vinda lhe dá lume novo! * Padre José de Anchieta – Di/zem /que /não /foi /a/ti/lho 1 2 3 4 5 6 7 nem punhal atravessado, mas veneno que lhe deram, na comida misturado. E que chegaram doutores, e deixaram declarado que o morto não se matara, mas que fora assassinado. * Cecília Meireles, "Romanceira da Inconfidência" “O/ra /(dir/eis) /ou/vir /es/ter/las!/ Cer/to 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... * Olavo Bilac, "Via-Láctea"
– Estrofes: são a separação dos versos dentro do poema. Por exemplo, no poema Os Lusíadas, todos os versos estão distribuídos em estrofes de oito versos. – Rima: quanto à rima deve-se saber que é uma homofonia, isto é, possui igualdade de fonemas que ocorre em duas ou mais palavras a partir de suas vogais tônicas. As rimas mais usuais são:
Emparelhadas ou paralelas
Alternadas ou cruzadas
Intercaladas ou interpoladas
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LITERATURA
(AABB) No rio caudaloso que a solidão retalha, na funda correnteza na límpida toalha, deslizam mansamente as garças alvejantes; nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes...” * Fagundes Varela (ABAB) Infinitos espíritos dispersos, inefáveis, edênicos, aéreos, fecundai o Mistério destes versos com a chama ideal de todos os mistérios. * Cruz e Sousa. "Antífona" (ABBA) Esta mãe universal, esta célebre Bahia, que a seus peitos toma, e cria, os que enjeita Portugal * Gregório de Matos. "Senhora dona Bahia"
É importante observar que um poema não precisa necessariamente apresentar todas essas características. Os modernistas, por exemplo, procuraram romper com a forma fixa. Nas suas reivindicações estavam a prática do verso livre (sem métrica) e o verso branco (sem rima). CONSIDERAÇÃO SOBRE O POEMA Carlos Drummond de Andrade Não rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra outono. Rimarei com a palavra carne ou qualquer outra, que todas me convêm. As palavras não nascem amarradas, elas saltam, se beijam, se dissolvem, no céu livre por vezes um desenho, são puras, largas, autênticas, indevassáveis. [...] – Alguns tipos de poemas: os poemas comumente são classificados quanto à forma ou à temática. Abaixo, seguem os tipos de poemas mais conhecidos. Soneto: composição poética de 14 versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos. Todos os versos apresentam a mesma métrica, sendo geralmente decassílabos ou alexandrinos. A palavra soneto significa originalmente pequeno som, e provavelmente foi usada pela primeira vez por Jacopo de Lentini, da Escola Siciliana no século XIII. Camões foi um dos principais sonetistas da língua portuguesa. No Brasil podem ser citados Gregório de Matos, Cláudio Manuel da Costa, Olavo Bilac e Vinicius de Moraes. SONETO Luis de Camões No mundo quis um tempo que se achasse o bem que por acerto ou sorte vinha; e, por experimentar que dita tinha, quis que a Fortuna em mim se experimentasse. Mas por que meu destino me mostrasse que nem ter esperanças me convinha, nunca nesta tão longa vida minha cousa me deixou ver que desejasse. Mudando andei costume, terra e estado, por ver se se mudava a sorte dura; a vida pus nas mãos de um leve lenho. Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado) já sei que deste meu buscar ventura, achado tenho já, que não a tenho. Balada: é composta por três estrofes de oito versos, seguidas por uma estrofe de quatro versos, todas terminas pelo mesmo verso.
LITERATURA
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Ode e Hino: os dois nomes vêm da Grécia e significam canto. Ode é um poema de exaltação e entusiasmo; Hino é um poema destinado a glorificar uma pátria ou louvar uma divindade. CANÇÃO DO EXÍLIO Gonçalves Dias Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá; As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam com lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas tem mais flores, Nossos bosques tem mais vida Nossa vida mais amores [...] Elegia: poema em tom triste, fala de acontecimentos tristes ou da morte de alguém. "Cântico do calvário", de Fagundes Varela, é a mais famosa elegia da literatura brasileira; o poeta escreveu o poema inspirado na morte prematura de seu filho. CÂNTICO DO CALVÁRIO FagundesVarela Eras na vida a pomba predileta Que sobre um mar de angústias condizia O ramo da esperança. – Eras a estrela Que entre as névoas do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, – a inspiração, – a pátria, O porvir de teu pai! – Ah! No entanto, Pomba, – varou-te a flecha do destino! Astro, – engoliu-te o temporal do norte! Teto, caíste! – Crença, já não vives! [...] Haicai: poema de origem japonesa que se caracteriza por ser breve. Teve como um de seus primeiros praticantes no Brasil, Guilherme de Almeida. Imigrantes japoneses no Brasil praticaram haicais de 3 versos, escritos em linguagem simples, sem rima, que somavam 17 sílabas poéticas (5 sílabas poéticas no primeiro verso, 7 no segundo verso 5 no último verso). Segundo esta corrente, o tema deveria se remeter a uma estação do ano, indicada por uma palavra. Paulo Leminski, um dos principais escritores de haicai no Brasil pensa diferente e não julga necessário a métrica e a referência à estação do ano. CHUVA DE PRIMAVERA Guilherme de Almeida Vê como se traem nos fios os pingos frios! E juntam-se. E caem.
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LITERATURA
Epigrama: poema breve, espirituoso ou satírico. AUTODIDATA Mario Quintana Autodidata é o ignorante por conta própria. Epitalâmio: poema feito em homenagem às núpcias de alguém. Idílio e écloga: poesias bucólicas e pastoris. Entende-se por bucolismo a exaltação da natureza pura, sábia e bela; o bucolismo é uma característica da literatura de tradição clássica; aparece bucolismo, por exemplo, no Classicismo e no Arcadismo (Neoclassicismo). A écloga difere da idílio por apresentar diálogos. ÉCLOGA I: OS MAIORAIS DO TEJO MONTANO, COREBO, LISE E LAURA Cláudio Manuel da Costa [...] Em uma tarde, quando Os músicos Pastores Ao som da acorde flauta recitando Estavam seus amores, Nas vozes, que afinavam, Deste modo a cantar se preparavam: COR. Já que estamos, Montano, neste monte, Sem outra companhia, enquanto o gado, Buscando as doces águas dessa fonte, Vem concorrendo dum, e doutro lado, Aqui deste salgueiro, Sentados junto à sombra, eu te requeiro, Torna-me a repetir aquela história, Que toda esta minha alma encheu de glória. MON. Dos nossos Maiorais a grande festa, Corebo, quem a viu jamais se farta De a contar: mas enquanto a fresca sesta A nós se chega, enquanto o Sol se aparta, Tomando a flauta doce, O caso contarei; mas ah! se fosse Minha voz tão suave, e tão divina, Como aquela que pede ação tão digna! [...]
LITERATURA
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Gênero dramático Drama em grego significa ação. Ao gênero dramático pertencem tanto os textos em prosa quanto os textos em poesia feitos para serem representados. O gênero dramático só alcança sua realização total quando é representado por atores. Geralmente existe uma história onde os acontecimentos não são contados por um narrador, mas interpretados pelos atores que representam os personagens, que interagem através de uma estrutura dialogada. Ex.: BOCA DE OURO Nelson Rodrigues BOCA DE OURO – Sabe que quando eu vejo falar em dor de dentes, fico besta? Nunca tive esse troço! DENTISTA – Lógico. BOCA DE OURO – Pois é, doutor. Agora vou me sentar, outra vez, porque eu queria um servicinho seu, caprichado doutor! DENTISTA – Na boca? BOCA DE OURO – Na boca. DENTISTA – Meu amigo, é um crime mexer na sua boca! BOCA DE OURO – Mas o senhor vai mexer, vai tirar tudo. Tudo, doutor! DENTISTA (no seu assombro) – Tirar os dentes? BOCA DE OURO – Meus dentes. Os 32 – são 32? –, pois é: os 32 dentes! O Gênero Dramático pode ser dividido em várias modalidades, entre elas:
• TRAGÉDIA É a representação de um fato trágico, suscetível de provocar compaixão e terror. Ex.: Édipo Rei, de Sófocles.
• COMÉDIA É a representação de um fato inspirado na vida e no sentimento comum, em geral, criticando costumes. Ex.: O juiz de paz na roça, de Martins Pena.
• TRAGICOMÉDIA Misturam-se tragédia e comédia. O tema geralmente é moralizante.
• AUTO Peça com uma montagem simples, em tom satírico, com raízes medievais, principalmente pelo tom moral e ético que apresenta, dentro da filosofia católica. Ex.: Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente; O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna; Morte eVida Severina, Auto de Natal Pernambucano, de João Cabral de Melo Neto.
• FARSA Muito semelhante ao Auto, diferenciando-se por dar menos ênfase a religiosidade; possui caráter ridículo e caricatural, criticando a sociedade e seus costumes. Ex.: Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente. 142
LITERATURA
7.
FIGURAS DE LINGUAGEM
Toda vez que uma palavra ou expressão for utilizada conotativamente com o objetivo de evidenciar uma ideia ou emoção ocorre uma figura de linguagem. As figuras de linguagem podem ser divididas em alguns grupos.
Figuras de palavras • COMPARAÇÃO SIMPLES É a comparação entre dois elementos de um mesmo universo. Ex.: A tulipa possui tanto esplendor quanto a rosa.
• COMPARAÇÃO METAFÓRICA (OU SÍMILE) É a comparação entre elementos de universos diferentes. Ex.: O meu olhar é nítido como um girassol (Alberto Caeiro)
• METÁFORA Pode ser entendida como uma comparação abreviada. Quando da utilização da metáfora as palavras ou expressões que estabelecem relação entre os termos comparados são suprimidos (como, feito, que nem, assim como, tal, tal qual, qual, etc.) Ex.: Eu sou uma ilha longe de você. (Fernando Brant)
• SINESTESIA Trata-se de relacionar na mesma expressão as diferentes sensações produzidas pelos órgãos de percepção (audição, visão, tato, odor). Ex.: Uma Melodia vermelha tomou conta da sala. sensação sensação auditiva visual
• CATACRESE Consiste no emprego de um termo figurado pela falta de outro mais próprio. Ex.: A perna da mesa quebrou.
• METONÍMIA É a substituição de um termo por outro, baseando-se em uma estreita relação de sentido. A metonímia apresenta muitas variações. – Emprego da causa pelo efeito ou vice-versa. Ex.:Venci a vida com o suor do meu rosto. (a palavra suor – efeito – está sendo usada no lugar de trabalho) – Emprego do abstrato pelo concreto ou vice-versa Ex.: O amor não vê defeitos. (o amor é algo abstrato, sendo empregado no lugar daquele que ama) Ex.: Ele tem cabeça. (cabeça é a coisa concreta; está substituindo a ideia de inteligência) LITERATURA
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– Emprego do continente pelo conteúdo. Ex.: Ela é capaz de comer vários pacotes de bolacha. (ela não como os pacotes e sim as bolachas) – Emprego do nome do lugar pela coisa nele produzida. Ex.: Compramos uma garrafa de legítimo porto (Porto é o nome da cidade onde é produzido o vinho) – Emprego do nome do lugar pela pessoa. Ex.: O Cidreira faltou hoje. – Emprego do nome do autor pela obra. Ex.: Acabei de lerVinícius de Moraes. (acabou de ler os poemas) – Emprego da marca pelo produto Ex.: Tomo Nescau todos os dias. (toma chocolate em pó)
Figuras de pensamento • ANTÍTESE Salienta a oposição entre palavras. Ex.: Nasce o Sol, e não dura mais que um dia. Depois da luz, se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura Em contínuas tristezas, a alegria (Gregório de Matos)
• PARADOXO Articula ideias opostas. Ex.: Amor é um contentamento descontente (Camões)
• IRONIA Consiste em dizer o oposto do que realmente se quer dizer, às vezes, se corre o risco de ser mal interpretado pelo interlocutor. Ex.: “A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar crianças.” (Monteiro Lobato)
• PERÍFRASE É a substituição de um nome comum ou próprio por uma expressão que o caracteriza. Ex.: AVeneza brasileira amanheceu inundada. (Veneza brasileira é Recife) Ex.: Última flor do Lácio. (língua portuguesa) Ex.: O poeta dos escravos. (Castro Alves) 144
LITERATURA
• EUFEMISMO Atenuar a expressão. Ex.: O homem sentiu que ia entregar a alma a Deus. Si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela [...]. (Mário de Andrade. Macunaíma)
• PROSOPOPEIA (OU PERSONIFICAÇÃO) Atribuição de características humanas a seres inanimados, irracionais ou abstratos. Ex.: O choro das águas. (objeto inanimado: águas) Ex.: A felicidade caminha pelo mundo. (objeto abstrato: a felicidade)
• HIPÉRBOLE Exagero intencional para dar mais expressividade ao pensamento. Ex.:Fazia quase um século que a gente não se via.
• APÓSTROFE Consiste em invocar ou chamar alguém ou alguma coisa real ou imaginária. Ex.: Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal (Fernando Pessoa) Ex.: Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! (Castro Alves)
• GRADAÇÃO Sequência de ideias ou palavras em ordem crescente ou decrescente. Ex.: O trigo... nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se. (Padre Vieira) Ex.: Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela, rota, baça, nojenta, vil Sucumbiu, [...]. (Raimundo Correia)
Figuras de som ou harmonia • ALITERAÇÃO Repetição de consoantes. Ex.: Que um fraco rei faz fraca a forte gente. (Camões) Ex.: Brancas bacantes bêbadas o beijam. (Cruz e Souza)
• ASSONÂNCIA Repetição de vogais ou sílabas semelhantes. Ex. Ó formas alvas, brancas, Formas claras. (Cruz e Souza)
LITERATURA
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• PLEONASMO Repetição de algum termo ou ideia na frase de forma redundante para a compreensão. Ex.: Morrerás morte vil na mão de um forte. (Gonçalves Dias) Eu nasci, há dez mil anos atrás. (Raul Seixas)
• PARANOMÁSIA Consiste no emprego de palavras parônimas, ou seja, palavras semelhantes no som, mas com significados diferentes. Ex.: Houve aquele tempo... E agora, que a chuva chora, ouve aquele tempo! (Ribeiro Couto)
• ONOMATOPEIA Palavra ou conjunto de palavras que representa um ruído ou som. Ex.: Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! (Fernando Pessoa) Ex.: Dos cerrados onde o guaxe passa rápido... Vvvvvv... passou. (Mário de Andrade)
Figuras de construção • ANÁFORA Repetição intencional de palavra ou grupo de palavras ano início das frases consecutivas. Ex.: É o pau, é a pedra, é o fim do caminho É um resto de toco, é um pouco sozinho É um caco de vidro, é a vida, é o sol É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol É peroba no campo, é o nó da madeira (“Águas de Março” de Tom Jobim)
• ELIPSE Ocorre quando há a omissão de um termo que fica subentendido no texto. Ex.: Na sala de aula, apenas cinco ou seis alunos. (verbo “haver” ocultado) No fim da noite, no chão, pessoas e garrafas. (verbo“haver” ocultado) Chegamos cedo hoje. (pronome “nós” ocultado)
• ZEUGMA É uma variação da elipse, consiste em um termo que já foi mencionado anteriormente e é omitido quando deveria aparecer pela segunda vez. Ex.: Ele gosta de música, eu de viagens (verbo “gostar” ocultado) Meus amigos adoram praia, e eu também. (verbo “adorar” ocultado)
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LITERATURA
• HIPÉRBATO Transposição ou inversão da ordem natural das palavras de uma oração. Ocorre uma transgressão da ordem direta dos termos na oração. A ordem natural ou direta: sujeito, verbo e complemento é alterada. Ex.: São como cristais suas lágrimas. (Suas lágrimas são como cristais) Batia acelerado meu coração. (Meu coração batia acelerado) Triste situação ele enfrenta. ou Situação triste ele enfrenta. (Ele enfrenta triste situação) 8.
ESTILO
A palavra estilo pode ser usada de diferentes formas, significando estilos individuais ou coletivos. Podemos falar em estilo de um dançarino, de um cantor, de um pintor, de um escultor, de um arquiteto, de um escritor – nestes casos designam um estilo particular, individual.
DA VINCI, Leonardo (1452-1519). Monalisa (1503). Óleo sobre tela, dimensão 77 cm x 53 cm, Museu do Louvre. A obra renascentista, ao longo dos séculos, tem inspirado muitas intertextualidades, realizadas por diversos artistas, dentro de estilos diferentes, como Marcel Duchamp (Monalisa, 1919), dentro do estilo dadaísta. Em 1919, quando se lembrava dos 400 anos da morte de Leonardo da Vinci, Duchamp adquiriu uma reprodução barata da obra e acrescentou bigodes, atitude de contestação ao conceito de arte tradicional. Já, o pintor Romero Brito (Mona today), emprega o estilo Pop Art, fazendo uma reprodução com cores berrantes. A popularidade da obra renascentista é tão grande que também chegou ao universo dos videogames, sendo reproduzida dentre do estilo do universo do jogo Minecraft.
LITERATURA
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Escolas literárias Ao longo da história, foram aparecendo diferentes escolas literárias na Europa e no Brasil. Geralmente as escolas literárias surgem na Europa para depois chegarem ao Brasil com certo atraso.
•
Fotografia de Eça de Queirós, um dos grandes escritores do Realismo português, autor de obras-primas, como O Crime do padre Amaro.
PORTUGAL
- Humanismo (séc. XV-XVI) - Classicismo (séc. XVI) - Barroco - Arcadismo - Romantismo - Realismo - Naturalismo -Simbolismo - Parnasianismo - Modernismo - Literatura Contemporânea
• BRASIL - Quinhentismo (séc. XVI) - Barroco (séc. XVII) - Arcadismo (séc. XVIII) - Romantismo (séc. XIX) - Realismo (séc. XIX) - Naturalismo (séc. XIX) - Parnasianismo (séc. XIX) - Simbolismo (séc. XIX) - Pré-Modernismo (1902-1922) - Modernismo (1922-...) - Literatura Contemporânea (séc. XX-XXI)
EXERCÍCIO RESOLVIDO
1 (UPF) Herdeiro da estrutura _______________ da ____________________, o _________________ – como é concebido hoje – surge na Europa, entre meados do século XVI e início do século XVII. No século XVIII, aos leitores de então, era já a mais apreciada de todas as formas literárias.
Assinale a alternativa cujas informações preenchem corretamente as lacunas do enunciado. (A) Narrativa, epopeia clássica, romance. (B) Métrica, poesia modernista, conto. (C) Narrativa, poesia modernista, teatro. (D) Métrica, epopeia clássica, conto. (E) Teatral, poesia modernista, conto. Gabarito: A O gênero literário narrativo caracteriza-se por um texto literário que enfatiza uma narrativa. São exemplos deste gênero a epopeia, que era a forma como se narravam as histórias na Antiguidade, o romance, a novela, o conto, etc. Especificamente sobre o romance não é possível determinar exatamente quando surgir, todavia acabou se difundindo muito no século XVIII como uma forma mais acessível de se narrar uma história, em oposição às narrativas em versos (epopeias). Tal difusão do romance está ligada à ascensão da burguesia ao poder (ex.: Revolução Francesa), camada social que procurou disseminar o saber (Iluminismo). O romance alcançará grande prestígio durante o Romantismo, movimento literário que começa na Europa, no final do século XVIII, e no Brasil, no decorrer do século XIX.
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LITERATURA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFV) Sobre o texto literário, é CORRETO afirmar que:
Considere o diálogo intertextual entre os dois poemas e assinale a alternativa correta.
(A) é plurissignificativo e sujeito a várias interpretações. (B) é constituído de linguagem objetiva para facilitar a compreensão. (C) não estabelece contato com a realidade factual na qual ele se insere. (D) estabelece uma correlação direta entre a vida e a obra do autor.
(A) O texto II parodia o texto I ao deslocar o tema da conectividade no meio digital para o elogio da marginalidade como ato heroico. (B) O texto I parafraseia o texto II ao chamar atenção para a posição marginal imposta a quem resiste à pressão de viver conectado às redes. (C) O texto II alude ao texto I para reforçar a equivalência entre as condições de ficar “off-line” e ser “marginal” em cada contexto. (D) O texto I parodia o texto II para situar como heroico e transgressivo o ato de se desconectar das
02. (ENEM)
Calvin apresenta a Haroldo (seu tigre de estimação) sua escultura na neve, fazendo uso de uma linguagem especializada. Os quadrinhos rompem com a expectativa do leitor, porque (A) Calvin, na sua última fala, emprega um registro formal e adequado para a expressão de uma criança. (B) Haroldo, no último quadrinho, apropria-se do registro linguístico usado por Calvin na apresentação de sua obra de arte. (C) Calvin emprega um registro de linguagem incompatível com a linguagem de quadrinhos. (D) Calvin, no último quadrinho, utiliza um registro linguístico informal. (E) Haroldo não compreende o que Calvin lhe explica, em razão do registro formal utilizado por este último. 03. (Unicamp) Texto 1
André Vallias, 2020.
Texto 2
Hélio Oiticica, Bandeira-poema: Seja marginal, seja herói (1968).
04. (UFJF) Do ponto de vista do gênero literário, é correto afirmar que tanto o poema "I-juca pirama", de Gonçalves Dias, quanto "Navio negreiro", de Castro Alves, representam o gênero: (A) cômico (B) lírico (C) dramático (D) romanesco (E) trágico 05. (UFV) Os longos poemas narrativos que exaltam os feitos heroicos das divindades ou de homens ilustres são chamados de: (A) Contos. (B) Epopeias. (C) Romances. (D) Fábulas. 06. (UFRGS) Considere as seguintes afirmações: I. O romance é um gênero literário em constante evolução que, na sua configuração atual, utiliza-se das técnicas mais variadas, provenientes, inclusive, de outras artes como o Cinema e a Pintura. II. O conto é uma narrativa em prosa de curta extensão, cuja trama, em geral, é construída com tempo, espaço e número de personagens reduzidos. III. A crônica moderna apresenta-se como um registro isento e distanciado de acontecimentos cotidianos presenciados pelo cronista. Quais estão corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas I e II. (D) Apenas II e III. (E) I, II e III. LITERATURA
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07. (UNESP) “Copérnico era, sem dúvida, um revolucionário conservador”, a expressão sublinhada constitui um exemplo de (A) eufemismo. (B) pleonasmo. (C) hipérbole. (D) metonímia. (E) paradoxo. 08. (UFMS) Leia os versos a seguir de Maurício Barros Mauro Sta. Cecília e Roberto Frejat. Por você Por você eu dançaria tango no teto Eu limparia os trilhos do metrô Eu iria a pé do Rio a Salvador Eu aceitaria a vida como ela é Viajaria a prazo pro inferno Eu tomaria banho gelado no inverno (...) Muitas vezes, quando buscamos um sentido mais expressivo para aquilo que dizemos ou escrevemos, usamos construções conotativas, ou seja, atribuímos-lhe o sentido figurado. Nesse sentido, a figura de linguagem que se aplica ao texto apresentado é: (A) antítese. (B) hipérbole. (C) metonímia. (D) comparação. (E) prosopopeia.
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LITERATURA
ANOTAÇÕES
CLASSICISMO PORTUGUÊS Introdução Podemos chamar o período inicial da literatura renascentista de Humanismo, mas com o amadurecimento das ideias renascentistas, influenciadas, principalmente, pela cultura greco-romana, constituiu-se outra vertente literária, o chamado Classicismo. A filiação com a Antiguidade se intensifica. As obras antigas tiveram seus princípios estudados e reutilizados de forma criativa, servindo de modelos para serem copiados ou servirem de inspiração. Os artistas buscaram conhecimento, inspiração e sugestão de temas nas obras antigas. As figuras mitológicas passaram a ser utilizadas como objetos puramente estéticos, desvinculadas de seu sentido religioso original.
Capítulo 2
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Características 2. Luís Vaz de Camões
H15 – Estabelecer relações entre o
texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 – Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 – Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. H20 – Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional.
1.
CARACTERÍSTICAS
– Antropocentrismo: valorização da engenhosidade humana, o homem renascentista sente-se capaz de dominar as coisas do mundo concreto, valorizando a vida terrena, a aventura, a confiança em sua própria capacidade e força.
Dois grandes destaques da arte da Antiguidade são as esculturas Discóbolo, de Myron e Vênus de Milo. As obras antigas tiveram seus princípios estudados e reutilizados de forma criativa, como modelos para serem copiados ou servirem de inspiração no renascimento.
– Racionalismo: a razão deveria predominar sobre o sentimento, isso não significa que o autor deixasse de expressar seus sentimentos, mas agora ele procura os racionalizar. – Universalismo: busca das verdades universais, consideradas absolutas. – Perfeição formal: no caso da literatura, para ordenar logicamente os pensamentos os escritores vão adotar formas pré-estabelecidas como o soneto e a epopeia. – Presença da mitologia: os classicistas vão se apropriar da mitologia no sentido alegórico, para simbolizar emoções, sentimentos, atitudes humanas e também conceitos abstratos, como razão, justiça e beleza.
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2.
LUÍS VAZ DE CAMÕES (1525-1580)
Camões é sem dúvida, o nome mais significativo do Classicismo português. O autor destacou-se tanto na poesia lírica quanto na poesia épica. A biografia do poeta é nebulosa, pois há poucos documentos sobre sua vida. Parece que descendia de família nobre, mas era pobre. Alguns biógrafos defendem que, por ter cultivado um amor impossível na corte, foi desterrado para Ceuta, onde, lutando contra mouros, acabou perdendo um olho. Voltando, desentendeu-se com um militar, ferindo-o, o que lhe rendeu nova prisão. Então, na tentativa de receber o perdão mais rápido, ofereceu-se para servir à marinha portuguesa nas Índias Orientais. Lá ficou vários anos, período em que escreveu Os Lusíadas, obra que trouxe acabada ao retornar a Portugal, publicando-a em 1572, oito anos antes de sua morte. A poesia de Camões é bem heterogênea, abordando diferentes temas. A biografia de Camões é repleta de lacunas. Ao que parece escreveu "Os Lusíadas", sua principal obra, durante a sua estada no Oriente, servindo ao Estado português.
"Luiz Vaz de Camões é um dos maiores poetas de língua portuguesa e um dos maiores da humanidade. É comparado a Virgilio, Dante, Cervantes e Shakespeare. Não é possível dizer nem onde nasceu, porque até os dias de hoje existem especulações não comprovadas quanto a seu nascimento. De família galega viveu em Chaves, Coimbra e Lisboa, localidades que reivindicam seu nascimento. [...] Ao regressar ao reino, em 1568 fez escala na ilha de Moçambique, onde, passados dois anos, Diogo do Couto o encontrou, como relata na sua obra, acrescentando que o poeta estava à míngua e vivia graças à ajuda dos amigos.Trabalhava então na revisão de Os Lusíadas e na composição do Paranaso lusitano, que uniu poesia lírica, filosofia e outras ciências. Diogo do Couto pagou sua viagem até Lisboa, onde Camões aportou em 1570. [...] Faleceu numa casa de Santana, em Lisboa, sendo enterrado numa campa rasa numa das igrejas das proximidades. Os seus restos encontram-se atualmente no Mosteiro dos Jerônimos." SANTOS, Juliana Oliveira dos. Camões, O renascimento e Os Lusíadas. http://www.filologia.org.br
Poesia amorosa É influenciado por duas correntes distintas: por autores medievais populares de cantigas (sofrimento e idealização amorosa e por autores da Antiguidade (reflexão sobre o sentimento): TRANSFORMA-SE O AMADOR NA COUSA AMADA Transforma-se o amador na cousa amada, Por virtude do muito imaginar; Não tenho logo mais que desejar, Pois em mim tenho a parte desejada.
Na pintura "Dama com arminho", Leonardo da Vinci representa uma bela aristocrata de Milão, a qual segura cuidadosamente nos braços um arminho, acariciando-o delicadamente. O animal representa a pureza e a modéstia.
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LITERATURA
Se nela está minha alma transformada, Que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, Pois consigo tal alma está liada. Mas esta linda e pura semideia, Que, como o acidente em seu sujeito, Assim como a alma minha se conforma, Está no pensamento como ideia; E o vivo e puro amor de que sou feito, Como matéria simples busca a forma.
AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER
ALMA MINHA GENTIL, QUE TE PARTISTE
Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;
Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste.
É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que e ganha em se perder;
Se lá no assento etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente Que já nos olhos meus tão puro viste.
É querer estar preso por vontade; É servir a quem se vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade.
E se vires que pode merecer-te Alguma cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contraditório é o mesmo Amor?
Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.
Poesia filosófica Camões vive em um momento histórico de profundas transformações com a Expansão Marítima, o Renascimento, o Mercantilismo, a Reforma Protestante, a Contrarreforma, etc.Tudo isso alimentou a sua lírica filosófica, resultando daí reflexões sobre a vida, o homem e o mundo: MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades Muda-se o ser, muda-se a confiança Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades.
AO DESCONCERTO DO MUNDO Os bons vi sempre passar No Mundo graves tormentos; E pera mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, só pera mim, Anda o Mundo concertado.
O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria. E em mim converte em choro o doce canto. E afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz, de novo espanto, Que não se muda como soía
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Natureza Camões faz uma descrição da natureza, relacionando-a ao estado sentimental do eu lírico. ALEGRES CAMPOS, VERDES ARVOREDOS Alegres campos, verdes arvoredos, claras e frescas águas de cristal, que em vós os debuxais ao natural, discorrendo da altura dos rochedos; silvestres montes, ásperos penedos, compostos em concerto desigual, Sabei que, sem licença do meu mal, já não podeis fazer meus olhos ledos. E, pois me já não vedes como vistes, não me alegrem verduras deleitosas, nem águas que correndo alegres vêm. Semearei em vós lembranças tristes, regando-vos com lágrimas saudosas, e nascerão saudades do meu bem.
Poesia épica Na poesia épica destaca-se Os Lusíadas, talvez a maior obra da literatura portuguesa, poema narrativo onde é descrita a viagem de Vasco da Gama às Índias Orientais, ocorrida no final do século XV.
GAMEIRO, Alfredo Roque (18641935). "A partida de Vasco da Gama às Índias Orientais em 1497". A imagem representa um dos momentos da famosa viagem de Vasco da Gama às Índias Orientais. É descrita a partida da esquadra de Vasco, dando início à viagem em 1497, a qual duraria aproximadamente dois anos.
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LITERATURA
• Resumo de Os Lusíadas Poema narrativo dividido em 10 cantos, onde são contadas as peripécias da viagem de Vasco da Gama, desde sua partida de Portugal até a chegada em Calicute, nas Índias Orientais. Depois é narrado o regresso para casa. Camões também insere no poema a história de vários reis de Portugal, os quais, na sua visão, foram importantes para a formação do império português, fato político fundamental para a realização da expansão marítima. ESTRUTURA - 10 cantos - 8.816 versos decassílabos - 1.102 estrofes - Oitava rima (ABABABCD) IMITAÇÃO DO MODELO ÉPICO CLÁSSICO 1 - Proposição. 2 - Invocação. 3 - Dedicatória. 4 - Narrativa. 5 - Epílogo. O poema começa de uma forma emocionante, exaltando a ousadia dos portugueses, os quais tiveram a ousadia e a coragem de se aventurarem em mares e terras desconhecidas. Também exalta a atitude dos reis portugueses. Afirma que a façanha dos portugueses com as viagens marítimas, superou gregos e romanos. No final, o poeta pede inspiração poética às tágides, as musas do rio Tejo. CANTO I As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram;
Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Netuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se levanta.
E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valorosos Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mi um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mi vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente, Por que de vossas águas Febo ordene Que não tenham inveja às de Hipocrene.
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Ganham destaque no poema algumas passagens nos cantos III, IV e V, onde são citados, respectivamente, os episódios de “Inês de Castro”, “O velho do Restelo” e “O gigante Adamastor”. CANTO III Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruto, Naquele engano da alma, ledo e cego, Que a fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuto, Aos montes ensinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas.
Tais contra Inês os brutos matadores No colo de alabastro, que sustinha As obras com que Amor matou de amores Aquele que depois a fez Rainha; As espadas banhando, e as brancas flores, Que ela dos olhos seus regadas tinha, Se encarniçavam, férvidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos.
COMTE, Pierre Charles (18231895). "Couronnement d’Inés de Castro em 1361 "(1849). Na pintura de Pierre Charles Comte ,é descrita a suposta coroação de Inês de Castro após a sua morte.
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CANTO IV
CANTO V
Mas um velho d'aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C'um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito:
Não acabava, quando uma figura Se nos mostra no ar, robusta e válida, De disforme e grandíssima estatura; O rosto carregado, a barba esquálida, Os olhos encovados, e a postura Medonha e má e a cor terrena e pálida; Cheios de terra e crespos os cabelos, A boca negra, os dentes amarelos.
—"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C'uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas!
Tão grande era de membros, que bem posso Certificar-te que este era o segundo De Rodes estranhíssimo Colosso, Que um dos sete milagres foi do mundo. Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso, Que pareceu sair do mar profundo. Arrepiam-se as carnes e o cabelo, A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo! [...]
Canto I
• PROPOSIÇÃO; INVOCAÇÃO; DEDICATÓRIA; NARRATIVA • Concílio dos deuses. • A narrativa inicia-se em media res (no meio da viagem de Vasco da Gama, no oceano Índico). • Acidentes atribuídos a Baco/ intervenção salvadora de Vênus. • Chegada a Mombaça.
Canto II
• Degredados enganados. • Intervenção de Vênus. • Profecia de Júpiter. • Em Melinde, o rei pede a Vasco da Gama que lhe conte a história de Portugal.
Canto III
• Vasco da Gama torna-se narrador do poema. • Conta a história dos reis de Portugal, do conde D. Henrique a D. Fernando. • Episódio de Inês de Castro.
Canto IV
• • • •
Canto V
• Partida de Lisboa. • Incidentes da viagem (costa ocidental da África). • Episódio do Gigante Adamastor.
Canto VI
• Partida de Melinde. • 2° Concílio dos deuses. • Histórias a bordo: - Os Doze de Inglaterra (episódio). • Tempestade marítima.
Canto VII
• Chegada a Calicute. • Descrição da Índia. • Visita do Catual.
Canto VIII
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Canto IX
• Viagem de Regresso: - A Ilha dos Amores (episódio).
Canto X
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"O manuscrito D’os Lusíadas rendeu a Camões a garantia de não precisar mais depender apenas da caridade dos amigos para se manter, pois após a publicação da obra D. Sebastião concede ao poeta uma terça trienal de quinze mil réis, por sua participação nas Índias e sua contribuição com a obra. Contudo esta terça correspondia a quarenta réis diários, um carpinteiro recebia cento e sessenta réis por dia, logo apesar desta terça o poeta continua até o fim de seus dias passando por privações." SANTOS, Juliana Oliveira dos. Camões, o Renascimento e Os Lusíadas. http://www.filologia.org.br
História dos reis de Portugal: de D. João I a D. Manuel. Sonho profético de D. Manuel. Preparativos da viagem (Belém). Episódio do Velho do Restelo.
Diálogo entre o Catual e Paulo da Gama: as bandeiras. Baco instiga os indianos contra os portugueses. Prisão de Vasco da Gama. Resgate.
- A Ilha dos Amores (continuação): O banquete das ninfas. Profecia de uma ninfa: os futuros feitos dos portugueses. Tétis mostra a Vasco da Gama a Máquina do Mundo. Regresso a Portugal. EPÍLOGO: - Lamentações e exortações do poeta.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
(FCM/SJC) Leia o poema de Camões para responder às questões 01 e 02. Na fonte está Leanor lavando a talha e chorando, às amigas perguntando: vistes lá o meu amor? Voltas Posto o pensamento nele, porque a tudo o Amor a obriga, cantava, mas a cantiga eram suspiros por ele. Nisto estava Leanor o seu desejo enganando, às amigas perguntando: vistes lá o meu amor?
O rosto sobre uma mão, os olhos no chão pregados, que, do chorar já cansados, algum descanso lhe dão. Desta sorte Leanor suspende de quando em quando sua dor; e, em si tornando, mais pesada sente a dor. Não deita dos olhos água, que não quer que a dor se abrande Amor, porque em mágoa grande seca as lágrimas a mágoa. Que depois de seu amor soube novas perguntando, d’emproviso a vi chorando. Olhai que extremos de dor! (Lírica, 1982.)
1 (FCM/SJC) Segundo o eu lírico, Leanor:
(A) dissimula a dor que está sentindo, a fim de que as amigas não percebam seu intenso sofrimento amoroso. (B) canta para suas amigas, pois dessa forma esquece completamente, embora por alguns momentos, sua dor real. (C) chora e canta ao mesmo tempo após receber a notícia de que seu amado morreu numa guerra distante. (D) suspende sua dor em alguns raros momentos no intuito de cantar e suspirar pela ausência do amado. (E) sofre intensamente pela ausência do amado, sofrimento este que é amenizado por suas lágrimas. Gabarito: E O eu lírico descreve o sofrimento amoroso de Leanor, que sofre pela ausência da figura amada: “Na fonte está Leanor/ lavando a talha e chorando”, “Posto o pensamento nele”. Sou sofrimento conhece alguns instantes de pausa, quando chora: “os olhos no chão pregados, que, do chorar já cansados,/ algum descanso lhe dão.”
158
LITERATURA
2 (FCM/SJC) O poema de Camões retoma um tipo de composição medieval em versos, a saber:
(A) cantiga de amigo. (B) cantiga de maldizer. (C) cantiga de amor. (D) romance de cavalaria. (E) cantiga de escárnio. Gabarito: A Apesar de Camões ser considerado um autor renascentista, o que implica em uma forte influência da cultura da Antiguidade Clássica em sua produção literária, não podemos ignorar que em vários de seus poemas são percebidos resquícios da literatura medieval, principalmente do Trovadorismo, com as cantigas de amor e de amigo. Nas cantigas de amor, são elencadas as qualidades da amada, onde o eu lírico se coloca em uma condição de submissão, sendo o principal tema o amor não correspondido. Já nas cantigas de amigo, a figura feminina sofre pela ausência da figura amada, são expostos os pensamentos e sentimentos da figura feminina, algo que está presente neste poema de Camões.
ANOTAÇÕES
LITERATURA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UNICAMP) Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança: Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve) as saudades.
O soneto é construído a partir do recurso reiterado (A) à hipérbole. (B) ao eufemismo. (C) ao pleonasmo. (D) ao paradoxo. (E) à personificação.
O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto.
03. (ENEM)
E afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía*.
Ouvia: Que não podia odiar E nem temer Porque tu eras eu. E como seria Odiar a mim mesma E a mim mesma temer.
*soía: terceira pessoa do pretérito imperfeito do indicativo do verbo “soer” (costumar, ser de costume). Indique a afirmação que se aplica ao soneto escrito por Camões. (A) O poema retoma o tema renascentista da mudança das coisas, que o poeta sente como motivo de esperança e de fé na vida. (B) A ideia de transformação refere-se às coisas do mundo, mas não afeta o estado de espírito do poeta, em razão de sua crença amorosa. (C) Tudo sempre se renova, diferentemente das esperanças do poeta, que acolhem suas mágoas e saudades. (D) Não apenas o estado de espírito do poeta se altera, mas também a experiência que ele tem da própria mudança. 02. (FCMSCSP) Para responder à questão, leia o soneto de Luís de Camões. AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. 160
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
LITERATURA
Texto I/HILST, H. Cantares.
Texto II/Camões. Sonetos. Transforma-se o amador na cousa amada Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Nesses fragmentos de poemas de Hilda Hilst e de Camões, a temática comum é (A) o “outro” transformado no próprio eu lírico, o que se realiza por meio de uma espécie de fusão de dois seres em um só. (B) a fusão do “outro” com o eu lírico, havendo, nos se, porém, nos versos de Camões, certa resistência do ser amado. (C) a dissociação entre o “outro” e o eu lírico, porque o ódio ou o amor se produzem no imaginário, sem a realização concreta. (D) o “outro” que se associa ao eu lírico, sendo tratados, nos Textos I e II, respectivamente, o ódio e o amor. (E) o “outro” que se associa ao eu lírico, sendo tratados, nos Textos I e II, respectivamente, o ódio e o amor.
04. (UFV) Leia o soneto camoniano, abaixo:
05. (FUVEST) Texto para a questão.
Alegres campos, verdes arvoredos, claras e frescas águas de cristal, que em vós os debuxais ao natural, discorrendo da altura dos rochedos;
Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruito (fruto) Naquele engano da alma, ledo e cego, (alegre) Que a Fortuna não deixa durar muito, (Destino) Nos saudosos campos do Mondego, (rio de Coimbra) De teus fermosos olhos nunca enxuito, (enxuto) Aos montes insinando e às ervinhas (ensinando) O nome que no peito escrito tinhas.
silvestres montes, ásperos penedos, compostos em concerto desigual, Sabei que, sem licença do meu mal, já não podeis fazer meus olhos ledos. E, pois me já não vedes como vistes, não me alegrem verduras deleitosas, nem águas que correndo alegres vêm. Semearei em vós lembranças tristes, regando-vos com lágrimas saudosas, e nascerão saudades do meu bem. Sobre o soneto camoniano, leia as seguintes afirmativas: I. O eu lírico estabelece um diálogo com a paisagem iluminada, viçosa e bela. A descrição do cenário explora sensações táteis e visuais, criando uma sugestão de movimento vital. II. A beleza e diversidade do cenário natural servem de consolação e alegria ao eu-lírico, porque a sua euforia contamina esse cenário agradável, materializando a realização do sentimento amoroso. III. É comum na poesia camoniana a ideia de que a sensibilidade do momento determina a percepção que o eu-lírico possui da natureza. Está CORRETO o que se afirma em: (A) I, apenas. (B) II e III, apenas. (C) I, II e III. (D) I e III, apenas.
CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas.
O trecho acima inicia o episódio de Inês de Castro, aquela que 'depois de ser morta foi rainha'. Sobre ele, aponte a alternativa incorreta: (A) Os versos correspondem à chamada 'medida nova' (decassílabos). (B) Os versos transcritos formam uma oitava-rima, que é a estrofe utilizada no poema. (C) Camões narra o fato como um episódio guerreiro dentro de Os Lusíadas. (D) Os três atributos destacados em Inês são a beleza, a juventude e a paixão. (E) A natureza é apresentada como solidária de Inês em seu amor por D. Pedro. 06. (UEL) Com base nos conhecimentos sobre Os Lusíadas, a falta de perspectiva crítica no relato de Vasco da Gama ao rei de Melinde pode ser explicada pelo fato de que (A) quem fala no poema precisa dos favores de El-Rei D. João VI. (B) Vasco da Gama precisa convencer o rei de Melinde a ir a Portugal. (C) Vasco da Gama critica a expansão ultramarina como o Velho do Restelo. (D) o eu-lírico constrói uma visão heroica dos feitos portugueses. (E) o eu-lírico mostra-se favorável ao comércio com as Américas.
LITERATURA
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QUINHENTISMO Introdução Quinhentismo é a denominação dada às manifestações literárias que marcaram os primeiros 100 anos de história do Brasil. Nesse período não se teve uma literatura propriamente dita, pois foram produzidos trabalhos de caráter documental, como mapas, relatórios, cartas e relatos escritos por colonos, viajantes e padres descrevendo a colônia em seu processo inicial de colonização e catequese.
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Literatura Informativa 2. Literatura de Catequese
H15 – Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 – Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 – Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.
SILVA, Oscar Pereira da (1865-1939). "Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro" (1900). A tela de Oscar Pereira da Silva, descreve a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil e o desembarque em Porto Seguro em 1500.
Vale ressaltar que esta literatura não é uma literatura brasileira, mas uma literatura sobre o Brasil, ou melhor, sobre a América portuguesa. Essa literatura pode ser dividida em Literatura Informativa e Literatura de Catequese. 1.
LITERATURA INFORMATIVA
Formada por textos (mapas, cartas, relatórios, diários de viagens, etc.) que informam sobre o processo de colonização e as potencialidades da terra. LITERATURA
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Autor
Obra Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil A carta de Caminha constitui o mais importante documento produzido nesse período. É um texto direcionado ao rei e aborda dois temas: a questão material e a questão espiritual.
A carta de Pero Vaz de Caminha. São Paulo: Moderna, 2002.
Pero Vaz de Caminha (1450- 1500)
A edição traz muitas ilustrações e comentários do crítico literário Douglas Tufano
“[...] topamos alguns sinais de terra [...] Dali avistamos homens que andavam pela praia [...] Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas [...]Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles. [...] Plantada a Cruz [...] ali disse missa o padre frei Henrique, [...] Ali estiveram conosco a ela obra de cinquenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós. [...] a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa [...] Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. [...] Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem [...] Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.”
Pero de Magalhães Gândavo (1540 - 1580)
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LITERATURA
Tratado da terra do Brasil (1570); História da Província de Santa Cruz que vulgarmente chamamos Brasil (1576) Pero de M. Gândavo, professor de humanismo e amigo de Camões. Deve-se ao autor as primeiras informações sistematizadas sobre o Brasil; informações colhidas provavelmente quando esteve no Brasil durante o Governo Mem de Sá. Seu texto é uma espécie de propaganda das riquezas da terra, buscando estimular colonos a estabelecerem-se no Brasil. “[...] dos moradores que por estas capitanias estão espalhados, ou quase todos, têm suas terras de sesmaria dadas e repartidas pelos capitães e governadores da terra. É a primeira coisa que pretendem adquirir são escravos para nelas lhes fazerem suas fazendas [...] para poder honradamente sustentar sua família, porque um lhe pesca, e outro lhe caça, os outros lhe cultivam e granjeiam suas roças.”
Tratado descritivo do Brasil (1587) Obra considerada pelos historiadores como uma das mais ricas fontes de informações sobre a colônia no século XVI. Gabriel S. de Sousa partilha com Gândavo o objetivo de informar Portugal sobre as potencialidades da terra, isto fica nítido no final da obra, quando menciona possíveis minas de ouro, prata e esmeralda. Sua observação sobre o comportamento dos indígenas vai da observação curiosa ao juízo moral negativo. Gabriel Soares de Sousa (1540-1591)
“Ainda que os tupinambás se dividiram em bandos, e se inimizaram uns com outros, todos falam uma língua que é quase geral pela costa do Brasil, e têm uns costumes em seu modo de viver e gentilidades; os quais não adoram nenhuma coisa, nem têm nenhum conhecimento da verdade, nem sabem mais que há morrer e viver; e qualquer coisa que lhes digam, se lhes mete na cabeça, e são mais bárbaros que quantas criaturas Deus criou. Têm muita graça quando falam, mormente as mulheres; são mui compendiosas na forma da linguagem, e muito copiosos no seu orar; mas faltam-lhes três letras das do ABC, que são F, L, R [...], coisa muito para se notar; porque, se não têm F, é porque não têm fé em nenhuma coisa que adorem [...]. E se não têm L na sua pronunciação é porque não tem lei alguma [...]. E se não têm esta letra R [...] é porque não tem rei que os reja, e a quem obedeçam, nem obedecem a ninguém, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai, e cada um vive ao som da sua vontade [...].”
Também fazem parte da Literatura Informativa relatos de viajantes que passaram pelo Brasil por variados motivos. Esses relatos eram facilmente editados na Europa porque os leitores estavam ávidos de curiosidade a respeito das novas terras do “além-mar”.
A imagem pertence a obra “Duas viagens ao Brasil”, de Hans Staden. A cena descreve o suposto ritual antropofágico entre os índios tupinambás. A obra de Hans Staden fez muito sucesso na época. Na contemporaneidade já recebeu muitas edições, inclusive uma versão infanto-juvenil de Monteiro Lobato. Também foi adaptada para o cinema algumas vezes, como, por exemplo: Como era gostoso meu francês e Hans Staden.
Os escritores, para aguçar a curiosidade dos leitores, concentravam-se em relatar o que havia de mais exótico a respeito da flora, da fauna e dos costumes indígenas em relação à Europa, como a nudez e o canibalismo.
LITERATURA
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Autor
Obra Singularidades da França Antártica (1557)
André de Thevét (1502-1590)
O autor, um frade franciscano, esteve no Brasil em 1555 acompanhando o almirante francês Villegagnon na tentativa de implantar um núcleo de colonização francês na baía da Guanabara, a chamada França Antártica. Nesta obra Thevét culpou os calvinistas pelo fracasso do projeto. História de uma viagem feita a terra do Brasil (1578)
Jean de Léry (1534-1611)
Obra escrita em resposta à obra de André de Thevét. O autor, um calvinista, esteve com outros missionários na França Antártica, um lugar que inicialmente deveria se prestar à tolerância religiosa, mas depois de alguns meses foram expulsos por Villegagnon. Enquanto esperavam um navio para voltar à Europa foram acolhidos por uma aldeia tupinambá. Deste contato Léry colheu preciosas informações sobre os costumes indígenas. Quando chegou à Europa e ficou sabendo do livro de Thevét, permitiu que seu diário fosse publicado em resposta a Thevét com o título de História de uma viagem... Duas Viagens ao Brasil (1557) O autor, Hans Staden, nasceu em Hessen, na Alemanha. Empreendeu duas viagens ao Brasil. Na primeira, embarcou como artilheiro em uma nau portuguesa, que veio para Pernambuco, em 1547, e retornou a Lisboa no ano seguinte. Na segunda, em 1550, veio participando de uma expedição que tinha como objetivo fundar um povoado em Santa Catarina e outro na embocadura do Rio da Prata, porém o navio naufragou nas imediações do litoral paulista. Os sobreviventes seguiram para São Vicente, onde o alemão empregou-se em um forte como canhoneiro.
Hans Staden (1525-1576)
No ano de 1554, Hans Staden foi aprisionado pelos índios tupinambás, permanecendo cativo entre meados de janeiro e outubro. Frequentemente ameaçado de morte e de ser devorado em um ritual antropofágico da tribo, conseguiu adiar a sua morte ao longo dos meses, até ser resgatado por um navio francês. Nele retornou à Europa, seguindo para sua terra natal. Em 1557, saiu a primeira edição de seu livro Duas viagens ao Brasil. Organizada com grande objetividade, a narrativa descreve a chegada de Hans Staden ao Brasil e sua captura pelos tupinambás. O autor descreve, com uma precisão etnográfica, os nativos e seu modo de vida, enfatizando a poligamia, o casamento e, principalmente, a antropofagia. “Quando trazem para casa os seus prisioneiros, as mulheres e as crianças os esbofeteiam. Enfeitam-nos depois com penas pardas; cortam-lhes as sobrancelhas; dançam em roda deles, amarrando-os bem, para que não fujam. Dão-lhes uma mulher para os guardar e também para ter relações com eles. Se ela concebe, educam a criança até ficar grande; e depois, quando melhor lhes parece, matam-na a esta e a devoram. Fornecem aos prisioneiros boa comida; tratam assim deles algum tempo, e ao começarem os preparativos [...].”
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LITERATURA
2.
LITERATURA DE CATEQUESE
A Igreja acabou se engajando na expansão marítima com a intenção de transformar os nativos das terras distantes em fiéis católicos. Esse processo se deu em meio à crise deflagrada pela Reforma Protestante.
SILVA, Oscar Pereira da (18651939). "Fundação de São Paulo" (1907). A imagem procura descrever uma relação harmoniosa entre jesuítas e indígenas. Tal relação foi em muitos casos conturbada, diferentemente da cena, pois muitos indígenas não aceitavam a imposição cultural promovida pelos jesuítas, os quais exigiam dos indígenas o abandono de suas práticas culturais.
Essa literatura reúne textos produzidos por padres, que abordam o processo de catequização do indígena, na América portuguesa. Ganham destaque as obras dos padre Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.
Padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) Padre que chefiou a missão que trouxe os primeiros jesuítas para a América Portuguesa, marcando o início oficial da catequese no Brasil. Suas cartas, enviadas às autoridades eclesiásticas ou companheiros de ofício, são ricas fontes históricas sobre os métodos empregados na catequese, as dificuldades enfrentadas e os resultados alcançados. Obras: Cartas do Brasil; Diálogo sobre a conversão do gentio. “Trabalhamos de saber a língua deles e nisto o padre Navarro nos leva vantagem a todos. Temos determinado ir viver com as aldeias, [quando] estivermos mais assentados e seguros, e aprender com eles a língua as orações e algumas práticas de Nosso Senhor e não posso achar língua que l’o saiba dizer, porque são deles tão brutos que [nem] vocábulos têm. Espero de as tirar o melhor que puder com um homem que nesta terra se criou de moço, o qual agora anda mui ocupado no que o governador lhe manda e não está aqui. Este homem com [...] seu genro é o que mais confirma as pazes com esta gente, por serem eles seus amigos antigos. Também achamos um principal deles já cristão batizado, o qual me disseram que muitas vezes o pedira, e por isso está mal com todos os seus parentes. Um dia, achando-me eu perto dele, deu uma bofetada grande a um dos seus por lhe dizer mal de nós ou cousa semelhante.” – Carta ao padre mestre Simão Rodrigues de Azevedo
LITERATURA
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Padre José de Anchieta (1534-1597) Nasceu nas Ilhas Canárias e ingressou na Companhia de Jesus em 1551. Chegou ao Brasil dois anos depois, antes de completar 20 anos. Só mais tarde conheceria Manuel da Nóbrega, de quem se tornaria particular amigo. Dedicou toda a sua vida à catequese, transformando-se, assim, em figura simbólica do trabalho dos missionários. Anchieta é responsável pela primeira gramática tupi-guarani, a Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil.
JESUS, Benedito Calixto de (18531927). "Poema à virgem Maria ou O poema de Anchieta" (1900). A imagem descreve Anchieta, durante a Guerra dos Tamoios, na condição de refém, escrevendo nas areias da praia de Iperoig (Ubatuba), seu famoso poema De Beata Virgine Dei Matre Maria, poema escrito em latim com mais de 6.000 versos. Supostamente, Anchieta teria memorizado o poema e transcrito para o papel depois de ser libertado e retornado para casa.
O “Apóstolo do Brasil”: além de cartas e relatórios de valor documental, Anchieta também escreveu poesia e teatro. O objetivo de Anchieta não era fazer “arte”, mas apropriar-se da arte como instrumento de catequese, o que determina uma função pedagógica e didática de sua obra. As temáticas são fundamentalmente religiosas e morais.
Em 1563, intermediou as negociações entre os portugueses e os indígenas reunidos na Confederação dos Tamoios, oferecendo-se Anchieta como refém dos Tamoios, enquanto o padre Manuel da Nóbrega retornou a São Vicente a fim de ultimar as negociações de paz entre os indígenas e os portugueses. Durante este tempo em que passou entre os gentios compôs o “Poema à Virgem”. Supõe que teria escrito o poema nas areias da praia para depois, já em São Vicente, transcrevê-lo para o papel. Em 1577, foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, função que exerceu por uma década, sendo substituído, em 1587, por sua própria vontade. Em 1595 obteve dispensa de suas funções, vindo a falecer logo em seguida. Obras: Arte da Gramática da Língua mais usada na costa do Brasil; Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões; De Beata Virgine Dei Matre Maria; Poemas (em português, espanhol, latim e tupi); Teatro (são conhecidos oito autos).
“[...] com tanta dureza de coração dos Brasis [índios brasileiros] que ensinamos, tão cerrados ouvidos à Palavra Divina, tão fácil renunciantes dos bons costumes, que alguns hão desaparecendo, tão pronto relaxo aos costumes e pecados de seus maiores, e finalmente são pouco e nenhum cuidado de sua própria salvação [...]” – Carta ao Padre Geral, de São Vicente, 1º de Junho de 1560.
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LITERATURA
EXERCÍCIO RESOLVIDO
1 (UECE) Leia atentamente o excerto a seguir.
A América é uma terra vasta. Lá existem muitas tribos de homens selvagens com muitas línguas diversas e numerosos animais esquisitos. Tem um aspecto agradável. As árvores estão sempre verdes. Existem também frutos terrestres e arbóreos dos quais se alimentam homens e animais. Os habitantes andam nus. É gente capaz, astuta e maldosa, sempre pronta a perseguir os inimigos e devorá-los. STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. A partir do texto acima, pode-se inferir corretamente que Staden: (A) revela-se constrangido e encantado com o que viu, e valoriza os costumes dos indígenas. (B) reconhece a superioridade das sociedades indígenas americanas em relação às europeias. (C) valoriza o patrimônio cultural indígena e entende que representam a infância da humanidade. (D) parece valorizar a exuberância da natureza e desprezar os costumes e hábitos seculares dos indígenas Gabarito: D Os textos produzidos nos anos de 1500 (Quinhentismo), referentes à América portuguesa, foram chamados de Literatura Informativa, uma literatura escrita por europeus com a intenção de informar sobre as coisas do Brasil, como o processo da colonização, as potencialidades da terra e os indígenas. Sobre os indígenas em especial, os autores frequentemente adotam uma postura negativa em relação aos indígenas e à sua cultura (eurocentrismo).
ANOTAÇÕES
LITERATURA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFRGS) Assinale com V (verdadeiro) ou F (Falso) as afirmações abaixo sobre a Literatura de Informação no Brasil (__) A carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei D. Manuel I, circulou amplamente entre a nobreza e o povo português da época. (__) Os textos informativos apresentavam, em geral, uma estrutura narrativa, pois esta se adaptava melhor aos objetivos dos autores de falar das coisas que viam. (__) Os textos que informavam sobre o Novo Mundo despertavam grande curiosidade entre o público europeu, estando Américo Vespúcio entre os mais divulgados no início do século XVI. (__) Pero de Magalhães Gandavo é o autor dos textos Tratado da Terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil. A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é (A) V – F – V – V (B) V – F – F – F (C) F – V – V – V (D) F – F – V – V (E) V – V – F – F 02. (UNESP) O dia em que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral levantou a cruz [...] era a 3 de maio, quando se celebra a invenção da Santa Cruz em que Cristo Nosso Redentor morreu por nós, e por esta causa pôs nome à terra que se encontrava descoberta de Santa Cruz e por este nome foi conhecida muitos anos. Porém, como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo o domínio que tinha sobre os homens, receando perder também o muito que tinha em os desta terra, trabalhou que se esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau assim chamado de cor abrasada e vermelha com que tingem panos [...]. Frei Vicente do Salvador, 1627. Apud Laura de Mello e Souza. O Diabo e a Terra de Santa Cruz, 1986.
O texto revela que (A) a Igreja católica defendeu a prática do extrativismo durante o processo de conquista e colonização do Brasil. (B) um esforço amplo de salvação dos povos nativos do Brasil orientou as ações dos mercadores portugueses. (C) os nomes atribuídos pelos colonizadores às terras do Novo Mundo sempre respeitaram motivações e princípios religiosos. (D) o objetivo primordial da colonização portuguesa do Brasil foi impedir o avanço do protestantismo nas terras do Novo Mundo. (E) uma visão mística da colonização acompanhou a exploração dos recursos naturais existentes nas terras conquistadas. 170
LITERATURA
03. (ENEM) A língua de que usam, por toda a costa, carece de três letras; convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e dessa maneira vivem desordenadamente, sem terem além disto conta, nem peso, nem medida. GÂNDAVO, P. M. A primeira história do Brasil: história da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
A observação do cronista português Pero de Magalhães de Gândavo, em 1576, sobre a ausência das letras F, L e R na língua mencionada, demonstra a (A) simplicidade da organização social das tribos brasileiras. (B) dominação portuguesa imposta aos índios no início da colonização. (C) superioridade da sociedade europeia em relação à sociedade indígena. (D) incompreensão dos valores socioculturais indígenas pelos portugueses. (E) dificuldade experimentada pelos portugueses no aprendizado da língua nativa. 04. (ENEM) TEXTO I Documentos do século XVI algumas vezes se referem aos habitantes indígenas como “os brasis”, ou “gente brasília” e, ocasionalmente no século XVII, o termo “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao status econômico e jurídico desses eram muito mais populares. Assim, os termos “negro da terra” e “índios” eram utilizados com mais frequência do que qualquer outro. SCHWARTZ, S. B. Gente da terra braziliense da nação. Pensando o Brasil: a construção de um povo. In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Senac, 2000.
TEXTO II Índio é um conceito construído no processo de conquista da América pelos europeus. Desinteressados pela diversidade cultural, imbuídos de forte preconceito para com o outro, o indivíduo de outras culturas, espanhóis, portugueses, franceses e anglo-saxões terminaram por denominar da mesma forma povos tão díspares quanto os tupinambás e os astecas. SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005.
Ao comparar os textos, as formas de designação dos grupos nativos pelos europeus, durante o período analisado, são reveladoras da
ANOTAÇÕES
(A) concepção idealizada do território, entendido como geograficamente indiferenciado. (B) percepção corrente de uma ancestralidade comum às populações ameríndias. (C) compreensão etnocêntrica acerca das populações dos territórios conquistados. (D) transposição direta das categorias originadas no imaginário medieval. (E) visão utópica configurada a partir de fantasias de riqueza. 05. (UEL) Leia o texto abaixo. Apesar dos diferentes níveis do sucesso nas capitanias, a política básica dos jesuítas foi a mesma em todo o Nordeste. Opondo-se à escravização do gentio, eles realizaram um programa de catequização nos pequenos povoados ou aldeias, onde tanto os grupos tribais locais quanto os índios trazidos do sertão pudessem receber instrução e orientação espiritual. Os índios eram educados para viver como cristãos, conceito que incluía não só a moralidade, mas também os hábitos de trabalho dos europeus. SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 48.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a política jesuítica implementada no Nordeste brasileiro durante os séculos XVI e XVII, é correto afirmar: (A) A defesa de uma política de catequização para as populações nativas revela o respeito dos jesuítas à cultura indígena, distanciando-se dos colonizadores que a concebiam como bárbara e inferior. (B) A atuação dos jesuítas foi decisiva para a manutenção das formas tradicionais de trabalho presentes nas comunidades indígenas. (C) Embora houvesse discordância entre jesuítas e colonos, ambos respeitaram as diferenças entre os grupos étnicos nativos e atuaram na pacificação das relações intertribais. (D) A ação dos jesuítas fundou-se no trabalho de catequização, que requereu a destribalização e conversão dos gentios ao catolicismo, práticas tão desintegradoras da cultura indígena quanto a escravização. (E) Os jesuítas, ao manterem alguns princípios essenciais das comunidades indígenas, como a poligamia e o canibalismo ritual, obtiveram a conversão integral dos gentios ao cristianismo.
LITERATURA
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BARROCO Introdução No Brasil, o Barroco literário se desenvolveu principalmente na Bahia, sede da administração colonial (Salvador) e a região mais lucrativa da colônia devido às lavouras de cana-de-açúcar. No plano das ideias, o século XVII é palco da Contrarreforma, inclusive com a criação de tribunais da Inquisição em áreas coloniais, como o Brasil.
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Características 2. Bento Teixeira 3. Gregório de Matos Guerra 4. Padre Antônio Vieira
H15 - Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 - Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. sociedades e ao conhecimento que elas produzem.
1.
CARACTERÍSTICAS
– Apresenta a tensão entre duas visões opostas de mundo: o teocentrismo (medieval, voltado para o céu, a fé, a alma, a virtude, a exaltação de Deus) e o antropocentrismo (renascentista, voltado para a terra, a razão, o corpo, o prazer, a valorização do homem). – O conflito entre as duas visões opostas de mundo condiciona os temas: dualidades, tensões, contrastes e o carpe diem.
Detalhe de CARAVAGGIO (15711610). O sepultamento de Cristo ou A deposição de Cristo (1603-1604). Óleo sobre tela, dimensão 300 x 203, Pinacoteca Vaticana. A cena, criada por um dos maiores mestres da pintura barroca, descreve o sepultamento de Jesus, algumas horas depois de sua morte. Caravaggio descreve um Jesus mais mundano, com a palidez da morte já em processo de decomposição. A temática religiosa permeia também permeia a literatura barroca.
– As figuras de linguagem mais utilizadas são: antíteses, paradoxos, hipérbatos, etc. – Linguagem rebuscada (cultismo e conceptismo). 2.
BENTO TEIXEIRA (1545-1605)
Escreveu a obra Prosopopeia (1601), considerada por alguns teóricos literários o marco inicial do Barroco no Brasil. A obra trata-se de um poema épico que louva Jorge Albuquerque Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco. Por outro lado, pode-se defender a ideia de que Prosopopeia não é uma obra barroca pelo fato de apresentar forte influência da épica camoniana tanto na estrutura quanto na utilização de mitologia clássica. LITERATURA
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GREGÓRIO DE MATOS GUERRA (1633-1696) 3.
O poeta é considerado um dos maiores expoentes da poesia colonial. Baiano, filho de senhor de engenho, foi estudar em Portugal onde se doutorou em Direito na Universidade de Coimbra. Depois de trabalhar alguns anos, advogando em Lisboa, voltou ao Brasil aos 29 anos para exercer o cargo de tesoureiro-mor da catedral de Salvador. Devido ao seu gênio, foi destituído do cargo um ano depois. A partir daí iniciou um processo de decadência profissional e social. Por suas críticas a vários homens importantes da Bahia, acabou processado e condenado ao degredo para Angola, onde ficou um ano, conseguindo retornar ao Brasil sob a condição de não voltar mais à Bahia. O poeta morreu em Recife. A obra de Gregório de Matos foi organizada postumamente, sendo publicado o primeiro volume somente em 1882. Poeta heterogêneo, sua poesia pode ser dividida em: filosófica, amorosa, religiosa e satírica.
Poesia filosófica A vida de Gregório de Matos é abordada no romance “Boca do inferno”, de Ana Miranda (1989). Salvador no século XVII é descrita como uma cidade de desmandos políticos e devassidão, onde os seus habitantes debatem-se entre os conflitos do prazer e do pecado, entre o céu e o inferno.
INCONSTÂNCIA DOS BENS DO MUNDO Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se é tão formosa a Luz, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância. ANOTAÇÕES
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LITERATURA
Poesia amorosa A MARIA DOS POVOS, SUA FUTURA ESPOSA Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos e boca, o Sol e o dia: Enquanto com gentil descortesia O ar, quer fresco Adônis te namora, Te espalha a rica trança brilhadora, Quando vem passear-te pela fria: Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trata a toda ligeireza, E imprime em toda a flor sua pisada. Oh não aguardes que a madura idade Te converta essa flor, essa beleza, Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. ADMIRÁVEL EXPRESSÃO QUE FAZ O POETA DE SEU ATENCIOSO SILÊNCIO Largo em sentir, em respirar sucinto Peno, e calo tão fino, e tão atento, Que fazendo disfarce do tormento Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto. O mal, que fora encubro, ou que desminto, Dentro no coração é, que o sustento, Com que para penar é sentimento, Para não se entender é labirinto. Ninguém sufoca a voz nos seus retiros; Da tempestade é o estrondo efeito: Lá tem ecos a terra, o mar suspiros. Mas oh do meu segredo alto conceito! Pois não me chegam a vir à boca os tiros Dos combates, que vão dentro no peito. RETRATO/ DONA ÂNGELA Anjo no nome, Angélica na cara, Isso é ser flor, e Anjo juntamente, Ser Angélica flor, e Anjo florente, Em quem, senão em vós se uniformara? Quem veria uma flor, que a não cortara De verde pé, de rama florescente? E quem um Anjo vira tão luzente, Que por seu Deus, o não idolatrara? Se como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu custódio, e minha guarda Livrara eu de diabólicos azares. Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda. LITERATURA
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Poesia religiosa ou sacra Gregório de Matos ficou famoso por suas andanças pelos engenhos do Recôncavo baiano, envolvendose em festas bebedeiras e aventuras amorosas e sexuais.
N.S.J.C. COM ATOS DE ARREPENDIMENTO E SUSPIROS DE AMOR Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade, É verdade, meu Deus, que hei delinqüido, Delinqüido vos tenho, e ofendido, Ofendido vos tem minha maldade. Maldade, que encaminha à vaidade, Vaidade, que todo me há vencido; Vencido quero ver-me, e arrependido, Arrependido a tanta enormidade. Arrependido estou de coração, De coração vos busco, dai-me os braços, Abraços, que me rendem vossa luz. Luz, que claro me mostra a salvação, A salvação pertendo em tais abraços, Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
A VÓS CORRENDO VOU, BRAÇOS SAGRADOS A vós correndo vou, braços sagrados, Nessa cruz sacrossanta descobertos, Que para receber-me, estais abertos, E, por não castigar-me, estais cravados. A vós, divinos olhos, eclipsados De tanto sangue e lágrimas abertos, Pois, para perdoar-me estais despertos, E, por não condenar-me, estais fechados. A vós, pregados pés, por não deixar-me, A vós, sangue vertido, para ungir-me, A vós, cabeça baixa p’ra chamar-me. A vós, lado patente, quero unir-me A vós, cravos precisos, quero atar-me, Para ficar unido, atado e firme.
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LITERATURA
Poesia satírica O poeta é satírico quando fala da sociedade de sua época, tanto da Bahia quanto de Lisboa, criticando todos os seus vícios. Ninguém escapa às suas críticas: autoridades eclesiásticas, juízes, governadores, fidalgos, populares, etc. Por esses poemas ficou conhecido como “O Boca do Inferno”. JUÍZO ANATÔMICO DOS ACHAQUES QUE PADECIA O CORPO DA REPÚBLICA, EM TODOS OS MEMBROS, E INTEIRA DEFINIÇÃO DO QUE EM TODOS OS TEMPOS É A BAHIA Que falta nesta cidade?... Verdade. Que mais por sua desonra?... Honra. Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha. O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha.
"Gregório de Matos", de Ana Carolina Teixeira Soares (2002), filme que apresenta o controverso p o e t a G re g ó r i o d e M a t o s caminhando pelas ruas de Salvador no século XVII, recitando os seus principais poemas.
AOS VÍCIOS Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos. [...] ROMANCE Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade, madrasta dos Naturais, e dos Estrangeiros madre. [...] A CIDADE DA BAHIA (I) Triste Bahia! oh quão dessemelhante Estás, e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vejo eu já, tu a mi abundante. A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado Tanto negócio, e tanto negociante.
AOS PRINCIPAIS DA BAHIA CHAMADOS CARAMURUS Há cousa como ver um Paiaiá Mui prezado de ser Caramuru, Descendente de sangue de Tatu, Cujo torpe idioma é cobé pá. A linha feminina é carimá Moqueca, pititinga, caruru Mingau de puba, e vinho de caju Pisado num pilão de Piraguá.
Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sangaz Brichote.
A masculina é uma Aricobé Cuja filha Cobé um branco Pai Dormiu no promontório de Passe.
Oh se quisera Deus, que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote!
O Branco era um marau, que veio aqui, Ela era uma Índia de Maré Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí.
LITERATURA
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CONTEMPLANDO NAS COUSAS DO MUNDO
DEFINIÇÃO DO AMOR - ROMANCE
Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, em mais carepa: Com sua língua ao nobre o vil decepa: O Velhaco mais sempre tem capa
O amor é finalmente um embaraço de pernas, uma união de barrigas, um breve tremor de artérias Uma confusão de bocas, uma batalha de veias, um reboliço de ancas, quem diz outra coisa é besta.
Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa. Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazo a tripa E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa. A UMA FREIRA QUE, SATIRIZANDO A DELGADA FISIONOMIA DO POETA, CHAMOU-LHE PICA-FLOR. Se pica-flor me chamais, Pica-flor aceito ser, Mas resta agora saber, se no nome, que me dais, meteis a flor, que guarda no passarinho melhor! se me dais este favor, sendo só de mim o pica, e o mais vosso, claro fica que fico então pica-flor. 4.
"Sermões, a história de Antônio Vieira", filme de Júlio Bressame (1989), aborda a conturbada vida de Antônio Vieira, mestre da retórica, defensor dos indígenas e perseguido pela Inquisição.
178
LITERATURA
PADRE ANTÔNIO VIEIRA (1608-1697)
Nasce em Lisboa e muda-se com seis anos para a Bahia. Estreia como orador aos 25 anos, um ano antes de sua ordenação sacerdotal. Voltando a Portugal torna-se Orador Real e ocupa cargos diplomáticos. Entre 1652 e 1661, chefia uma missão jesuítica ao Maranhão contra a escravidão indígena, conseguindo a promulgação da “Lei de Liberdade dos Índios”. Foi processado pelo tribunal da Inquisição e ficou recluso três anos (1665-1668), depois disso lhe cassaram o direito de proferir sermões. Inconformado, partiu para Roma, onde ficou seis anos defendendo-se das acusações do Tribunal, por fim, a sentença foi anulada. Passou os últimos 16 anos de sua vida na Bahia, organizando sua obra para publicação. Vieira, usando uma linguagem conceptista, tornou-se o maior orador sacro de nossa literatura, escrevendo cerca de 200 sermões. Procurou através de seus sermões mesclar temas religiosos a problemas sociais, como a denúncia dos maus tratos ao escravo africano ou a luta contra a escravidão do indígena.
Sermão
Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda (1640)
Resumo Em 1640, a cidade de Salvador aguarda a iminente invasão holandesa. Beatos organizam um ciclo de orações pedindo a Deus que proteja a cidade. Vieira, com 32 anos na época, resolve se engajar nos grupos de orações e pronuncia este sermão. Em um tom enfático, Vieira questiona Deus, exigindo que Este lhes proteja, pois são católicos e bons cristãos, ao contrário dos holandeses, que são protestantes e não são tão bons devotos. “Porém agora, Senhor, vemos tudo isso tão trocado, que já parece que nos deixastes de todo e nos lançastes de vós, porque já não ides diante das nossas bandeiras, nem capitaneais como dantes os nossos exércitos. [...] Os velhos, as mulheres, os meninos, que não têm forças nem armas com que se defender, morrem como ovelhas inocentes às mãos da crueldade herética, e os que podem escapar à morte, desterrando-se a terras estranhas, perdem a casa e a pátria.” Discurso proferido no Maranhão no auge da luta dos jesuítas contra a escravidão dos indígenas empreendida pelos colonos. Em tom satírico Vieira compara os vícios dos colonos a diferentes espécies de peixes.
Sermão de Santo Antônio ou Dos Peixes (1654)
Sermão da Sexagésima ou Do Evangelho (1655)
“Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber.” Na década de 1650, Vieira está no Maranhão lutando contra a escravidão do indígena, para isso vai a Portugal e consegue a promulgação da “Lei de Liberdade dos Indígenas”, em seguida pronuncia o Sermão da Sexagésima na Capela Real. O sermão fala sobre o papel do pregador, fazendo uma crítica direta ao cultismo. “Ecce exiit qui seminat, seminare". Diz Cristo que “saiu o pregador evangélico a semear” a palavra divina. [...] "Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam com pregar na Pátria.”
EXERCÍCIO RESOLVIDO
1
(UNIPAR) Assinale a alternativa correta sobre Gregório de Matos.
(A) No seu esforço de criação da comédia brasileira, realiza um trabalho de crítica que encontra seguidores no Romantismo e mesmo no restante do século XIX. (B) Sua obra é uma síntese singular entre o passado e o presente: ainda tem os torneios verbais do humanismo português, mas combina-os com a paixão das imagens pré-românticas. (C) Dos poetas arcádicos eminentes, foi sem dúvida o mais liberal, o que mais claramente manifestou as ideias do Iluminismo. (D) Sua famosa sátira à autoridade portuguesa nas Minas do chamado ciclo do ouro é prova de que seu talento não se restringia ao lirismo amoroso. (E) Teve grande capacidade em fixar os vícios, os ridículos, os desmandos do poder local, valendo-se para isso do engenho artificioso que caracterizava o estilo da época. Gabarito: E Gregório de Matos Guerra é o grande destaque da poesia barroca, desenvolvida no Brasil durante o século XVII. Poeta versátil, em sua poesia satírica desfere uma crítica impiedosa ao comportamento dos habitantes da Bahia, devido aos desvios morais e aos vícios. Suas críticas não fazem distinção de posição social ou financeira. Em sua poesia são encontrados elementos que caracterizam o estilo barroco, principalmente dentro da tendência cultista, como o emprego de antíteses e hipérbatos. LITERATURA
179
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFRGS) Leia o seguinte soneto de Gregório de Matos Guerra. Neste mundo é mais rico, o que mais rapa; Quem mais limpo se faz, tem mais carepa; Com sua língua ao nobre o vil decepa: O velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazo a tripa, E mais não digo, porque a musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa. Vocabulário: Carepa (caspa, sarna); Increpa (censura, acusa); Garlopa (instrumento de carpinteiro) Considere as seguintes afirmações sobre o soneto lido.
O mal, que fora encubro, ou que desminto, Dentro no coração é que o sustento: Com que, para penar é sentimento, Para não se entender, é labirinto. Ninguém sufoca a voz nos seus retiros; Da tempestade é o estrondo efeito: Lá tem ecos a terra, o mar suspiros. Mas oh do meu segredo alto conceito! Pois não me chegam a vir à boca os tiros Dos combates que vão dentro no peito. No soneto, o eu lírico: (A) expressa um conflito que confirma a imagem pública do poeta, conhecido pelo epíteto de “o Boca do Inferno”. (B) opta por sufocar a própria voz como estratégia apaziguadora de suas perturbações de foro íntimo. (C) explora a censura que o autor sofreu em sua época, ao ser impedido de dar expressão aos seus sentimentos. (D) estabelece, nos tercetos, um contraponto semântico entre as metáforas da natureza e da guerra. (E) revela-se como um ser atormentado, ao mesmo tempo que omite a natureza de seu sofrimento.
I. De acordo com o primeiro quarteto, quem se pretende mais limpo tem maior sujeira, mas quem é nobre trata de decepar as pretensões de quem é vil. II. No segundo quarteto, há uma receita de ascensão social, em que, por exemplo, quem tem menos autoridade mais acusa e quem tem riqueza obtém importância e prestígio. III. No último terceto, o poeta refere as rimas usadas ao longo do soneto e, do ponto de vista formal, abandona o decassílabo para lançar mão de versos de oito sílabas.
03. (UEPG) O Barroco é o primeiro movimento literário a ter repercussão no Brasil. Qual das características a seguir não lhe é própria?
Quais estão corretas?
04. (UEG) Leia o poema e observe a imagem para responder à questão.
(A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas I e III. (E) I, II e III. 02. (FUVEST) Leia o soneto abaixo de Gregório de Matos Guerra para responder à questão. Largo em sentir, em respirar sucinto, Peno, e calo, tão fino, e tão atento, Que fazendo disfarce do tormento Mostro que o não padeço, e sei que o sinto.
(A) Uso de metáforas e jogo de contrastes. (B) Descrição da vida campestre. (C) O homem entre céu e terra, atormentado pela ideia do pecado. (D) Produção satírica. (E) Tema da fugacidade da vida.
Pica-Flor Se Pica-Flor me chamais Pica-Flor aceito ser, Mas resta agora saber, Se no nome que me dais, Metei a flor que guardais No passarinho melhor! Se me dais este favor, Sendo só pra mim o Pica, E o mais vosso, claro fica, Que fico então Pica-Flor MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: UNESP, 2003. p. 275.
180
LITERATURA
MAGRITTE, René. Garota comendo pássaro (1927). Óleo sobre tela.
O poema, que apresenta um sujeito lírico irônico, dialoga com a pintura (A) no nível superficial da linguagem surrealista. (B) na composição de caráter gestual e simbólico. (C) na relação abstrata entre o pássaro e a garota. (D) no plano figurativo por meio da devoração da ave. (E) na afinidade entre a garota e o respeito pela ave. 05. (UNICAMP) “Repartimos a vida em idades, em anos, em meses, em dias, em horas, mas todas estas partes são tão duvidosas, e tão incertas, que não há idade tão florente, nem saúde tão robusta, nem vida tão bem regrada, que tenha um só momento seguro.” VIEIRA, Antonio. Sermão de Quarta-feira de Cinza (1673). In: A arte de morrer. São Paulo: Nova Alexandria, 1994, p. 79.
Nesta passagem de um sermão proferido em 1673, Antônio Vieira retomou os argumentos da pregação que fizera no ano anterior e acrescentou novas características à morte. Para comover os ouvintes, recorreu ao uso de anáforas. Assinale a alternativa que corresponde ao efeito produzido pelas repetições no sermão. (A) A repetição busca sensibilizar os fiéis para o desengano da passagem do tempo. (B) A repetição busca demonstrar aos fiéis o temor de uma vida longeva. (C) A repetição busca sensibilizar os fiéis para o valor de cada etapa da vida. (D) A repetição busca demonstrar aos fiéis a insegurança de uma vida cristã.
deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal! (VIEIRA, Antônio. Sermão de Santo Antônio.) O excerto acima é o início do “Sermão de Santo António aos Peixes” escrito por Antônio Vieira, que se imortalizou pela coerência lógica de seus textos, além de suas qualidades literárias. O texto trabalha fundamentalmente com duas metáforas: o sal e a terra, que representam, respectivamente, os pregadores (aqueles que deveriam propagar a palavra de Cristo) e os ouvintes (aqueles que deveriam ser convertidos). O tema central do texto é a reflexão sobre as possíveis causas da ineficiência dos pregadores. Para tanto, o autor levanta algumas hipóteses. Tendo isso em vista, considere as seguintes afirmativas: 1. Os pregadores não pregam o que deveriam pregar. 2. Os ouvintes se recusam a aceitar o que os pregadores pregam. 3. Os pregadores não agem de acordo com os valores que pregam. 4. Os ouvintes agem como os pregadores em vez de agir de acordo com o que eles pregam. 5. Os pregadores promovem a si mesmos na pregação ao invés de promover as palavras de Cristo. Constituem hipóteses levantadas pelo autor do texto: (A) 1 e 3 apenas. (B) 3 e 5 apenas. (C) 1, 2 e 4 apenas. (D) 2, 4 e 5 apenas. (E) 1, 2, 3, 4 e 5.
06. (UFPR) O texto a seguir é referência para a questão abaixo. Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não LITERATURA
181
ARCADISMO Introdução Com a decadência da economia açucareira do Nordeste e a descoberta de ouro na região das Minas Gerais, o eixo econômico da colônia se deslocou para o Centro-Oeste, provocando, inclusive, a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Vila Rica (atual Ouro Preto) e o Rio de Janeiro substituíram Salvador como centro cultural. Nesse contexto, jovens, filhos de colonos enriquecidos com a exploração do ouro em Minas Gerais, eram frequentemente enviados para estudar nas universidades da Europa, o que ocasionou o contato desses jovens com ideias políticas (Iluminismo) e artísticas (Neoclassicismo) que estavam em voga na Europa no século XVIII. Alguns desses jovens, ao regressarem para o Brasil, tornam-se expoentes artístico-literários na colônia. 1.
ILUMINISMO E ANTIGUIDADE
O Iluminismo foi um grupo de ideias que se caracterizou pela ênfase na crítica e na razão, questionando principalmente os privilégios feudais ainda existentes no século XVIII e a interferência da Igreja na produção do conhecimento científico. Essas ideias ao serem transpostas para a colônia vão fomentar ideias políticas separatistas, embasando movimentos como a Inconfidência Mineira. No século XVIII, também ocorre a descoberta de ruínas de cidades romanas, o que acaba provocando novamente o interesse pela cultura da Antiguidade. Semelhante ao Renascimento, os cânones clássicos voltaram a influenciar toda a produção artística, inclusive a literária. O Arcadismo no Brasil resulta da confluência das ideais iluministas e do encantamento que surge novamente pela cultura da Antiguidade, ocorrendo com mais força em Minas Gerais, na época, centro econômico e cultural da colônia à época.
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Iluminismo e Antiguidade 2. Catacterísticas 3. Autores Árcades Líricos 4. Autores Árcades Épicos
H15 - Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 - Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. sociedades e ao conhecimento que elas produzem.
HUNT, William Holman (18271910). "O pastor de Hireling" (1851). Os autores árcades, movidos por um ideal de vida simples, projetam-se nos textos na condição de pastores.
LITERATURA
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2.
CARACTERÍSTICAS
– Fugere Urbem. – Locus Amoenus (bucolismo/natureza idealizada). – Aurea Mediocritas (ideal de vida simples, pastoril). – Valorização da cultura da Antiguidade Clássica (Neoclassicismo). – Carpe Diem. – Inutilia Truncat (contra a linguagem rebuscada do Barroco). 3.
Detalhe de CANOVA, Antônio (17571822). "As três graças". Escultura em mármore, Museu Hermitage, Moscou. Escultura neoclássica, representando três filhas de Zeus. Em algumas gravuras, inspiradas na escultura, as figuras femininas foram identificadas da esquerda para a direita como: Euphrosyne (alegria), Aglaia (elegância) e Thalia (juventude e beleza). Na mitologia, tais figuras tinham a incumbência de entreter os convidados em banquetes e reuniões. Tais figuras também foram representadas por Sandro Botticelli, no Renascimento.
Mesmo levando uma vida pacata em Vila Rica acaba sendo acusado pela administração colonial de participar da Inconfidência Mineira (1789). Levado para interrogatório ,acaba sendo encontrado enforcado na cadeia.
AUTORES ÁRCADES LÍRICOS
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) Nasceu em Mariana, Minas Gerais, cursou Direito em Coimbra e regressou à terra natal para cuidar dos bens da família. O poeta inicia o Arcadismo no Brasil com a obra Obras Poéticas (1768), porém sua obra é Cláudio é considerada de transição entre o Barroco e o Arcadismo, pois seus poemas ainda estão ligados ao cultismo barroco. Sua obra constitui-se principalmente de sonetos e éclogas (composição poética descritiva e elogiosa da vida rural). Sob o pseudônimo de Glauceste Satúrnio, um pastor, escreveu sobre a paisagem de Minas Gerais e falou sobre o amor infeliz em referência à pastora Nise. Obras: Obras Poéticas; Vila Rica
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LITERATURA
SONETO IV
SONETO XIII
Sou pastor; não te nego; os meus montados São esses, que aí vês; vivo contente Ao trazer entre a relva florescente A doce companhia dos meus gados;
Nise? Nise? Onde estás? Aonde espera Achar-te uma alma que por ti suspira, Se quanto a vista se dilata e gira, Tanto mais de encontrar-te desespera!
Ali me ouvem os troncos namorados, Em que se transformou a antiga gente; Qualquer deles o seu estrago sente; Como eu sinto também os meus cuidados.
Ah! Se ao menos teu nome ouvir pudera Entre esta aura suave, que respira! Nise, cuido que diz; mas é mentira. Nise, cuido que ouvia; e tal não era.
Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia Firmes vos contemplastes, e seguros Nos braços de uma bela companhia;
Grutas, troncos, penhascos de espessura, Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde, Mostrai, mostrai-me a sua formosura.
Consolai-vos comigo, ó troncos duros; Que eu alegre algum tempo assim me via; E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
Nem ao menos o eco me responde! Ah! como é certa a minha desventura! Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?
SONETO LXII
SONETO XLVIII
Torno a ver-vos, ó montes; o destino Aqui me torna a pôr nestes oiteiros; Onde um tempo os gabões deixei grosseiros Pelo traje da Corte rico, e fino.
Destes penhascos fez a natureza O berço, em que nasci! oh quem cuidara, Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza!
Aqui estou entre Almendro, entre Corino, Os meus fiéis, meus doces companheiros, Vendo correr os míseros vaqueiros Atrás de seu cansado desatino.
Amor, que vence os tigres por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza.
Se o bem desta choupana pode tanto, Que chega a ter mais preço, e mais valia, Que da cidade o lisonjeiro encanto;
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano:
Aqui descanse a louca fantasia; E o que até agora se tornava em pranto, Se converta em afetos de alegria.
Vós, que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei; que Amor tirano, Onde há mais resistência, mais se apura.
Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810) O autor nasceu na cidade do Porto e morreu em Moçambique.Viveu alguns anos da infância em Portugal, depois veio morar no Brasil. Acabou regressando a Portugal para formar-se em Direito. De volta à colônia, iniciou a carreira de magistrado (ouvidor) em Vila Rica. Já quarentão, apaixonou-se por uma jovem de 17 anos, Maria Dorotéia Joaquina de Seixas. Inicialmente, a família da jovem opôs-se ao namoro. Quando finalmente as resistências contrárias ao relacionamento estavam contornadas, foi acusado de participar da Inconfidência Mineira (1789). Gonzaga foi preso e levado à Ilha das Cobras no Rio de Janeiro. Depois de um período de espera, acabou condenado ao exílio em Moçambique. No exílio casou-se com a filha de um traficante de escravos, terminando seus dias no continente africano. No poema Marília de Dirceu, Gonzaga cria algumas imagens em relação ao amor e à natureza próximas do que fez Casimiro de Abreu. Dessa forma, Gonzaga torna-se uma espécie de poeta pré-romântico. Obras: Marília de Dirceu; Cartas Chilenas.
• Resumo de Marília de Dirceu Obra dividida em três partes, formada por liras, onde o pastor Dirceu expressa diferentes momentos de sua vida, como o amor pela pastora Marília e a sua injusta prisão. PARTE I LIRA I Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’ expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!
LIRA VII Vou retratar a Marília, A Marília, meus amores; Porém como? Se eu não vejo Quem me empreste as finas cores: Dar-mas a terra não pode; Não, que a sua cor mimosa Vence o lírio, vence a rosa, O jasmim, e as outras flores.
LIRA XXII Tu não habitarás palácios grandes, Nem andarás nos coches voadores; Porém terás um Vate, que te preze, Que cante os teus louvores.
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PARTE II LIRA XV Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro, Fui honrado Pastor da tua aldeia; Vestia finas lãs, e tinha sempre A minha choça do preciso cheia. Tiraram-me o casal, e o manso gado, Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.
LIRA XIX Nesta triste masmorra, De um semivivo corpo sepultura, Inda, Marília, adoro A tua formosura. Amor na minha idéia te retrata; Busca extremoso, que eu assim resista À dor imensa, que me cerca, e mata.
LIRA XXXIII Olhos baços, e sumidos, Macilento, e descarnado, Barba crescida, e hirsuta, Cabelo desgrenhado; Ah! que imagem tão digna de piedade! Mas é, minha Marília, como vive Um réu de Majestade.
PARTE III LIRA IV Ainda que de Laura esteja ausente, Há de a chama durar no peito amante; Que existe retratado o seu semblante, Se não nos olhos meus, na minha mente.
LIRA VI Quantas vezes Lidora me dizia, Ao terno peito minha mão levando: – Conjurem-se em meu mal os astros, quando Achares no meu peito aleivosia!
• Resumo de Cartas Chilenas A obra é formada por 13 cartas construídas a partir de versos decassílabos brancos. Critilo (pseudônimo de Gonzaga), residente no Chile (Minas Gerais), especificamente na cidade de Santiago (Vila Rica), envia cartas ao amigo Doroteu (supostamente Cláudio Manuel da Costa), residente em Madri (Lisboa), narrando-lhe os desmandos e arbitrariedades do governador Fanfarrão Minésio (Luís da Cunha Meneses, então Governador de Minas Gerais), político apresentado como um homem sem moral, déspota e narcisista. A obra circulou em Vila Rica anonimamente pouco antes da Inconfidência Mineira. Esses poemas, em linguagem satírica e agressiva, tiveram sua autoria muito discutida. CARTA I
Durante algum tempo a autoria da obra foi contextada, contudo, após pesquisas baseadas em trabalhos de Afonso Arinos e Rodrigues Lapa, chegou-se à conclusão de que a obra pertence de fato a Tomás Antonio Gonzaga.
[...] Ah! pobre Chile, que desgraça esperas! Quanto melhor te fora se sentisses As pragas, que no Egito se choraram, Do que veres que sobe ao teu governo Carrancudo casquilho, a quem rodeiam Os néscios, os marotos e os peraltas! Seguido, pois, dos grandes entra o chefe No nosso Santiago junto à noite. A casa me recolho e cheio destas Tristíssimas imagens, no discurso, [...] CARTA II Só sei que o que te escrevo são verdades E que vêem muito bem ao nosso caso. Apenas, Doroteu, o nosso chefe As rédeas manejou, do seu governo, Fingir-nos intentou que tinha uma alma Amante da virtude. Assim foi Nero. Governou aos romanos pelas regras Da formosa justiça, porém logo Trocou o cetro de ouro em mão de ferro [...]
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Manuel Inácio Silva Alvarenga (1749-1814) Estudou no Rio de Janeiro e em Coimbra, de volta ao Brasil fixou-se no Rio de Janeiro como professor de Retórica e Poética. Fundou a Academia Literária do Rio de Janeiro, da qual foi membro ativo até ser preso por três anos acusado de defender as ideias da Revolução Francesa. Ao sair da cadeia, tornou-se um dos primeiros jornalistas do Brasil no jornal O Patriota. Em 1798, publicou uma obra lírica chamada Glaura, onde o pastor Alcindo Palmireno canta à pastora Glaura. É importante observar que a obra é estruturada a partir de rondós e madrigais. Obras: Glaura (1798) 4.
AUTORES ÁRCADES ÉPICOS MEDEIROS, José Maria de (18491925). "Lindoia" (1882). Óleo sobre tela, dimensão 54 x 81 cm, Coleção Cultura Inglesa, Rio de Janeiro. A pintura inspira-se no trecho do poema "O Uraguai", o qual descreve o suicídio da índia guarani Lindoia. Os autores arcades épicos inovam ao colocarem em seus poemas como personagens, os indígenas e, como cenário, a paisagem americana, em substituição ao modelo árcade de pastores e da arcádia grega.
Basílio da Gama (1740-1795) Nasceu na cidade de São José do Rio das Mortes, hoje Tiradentes, Minas Gerais. Filho de pai português e mãe brasileira. Estava estudando no Rio de Janeiro no Colégio dos Jesuítas como noviço quando estes religiosos foram expulsos das áreas pertencentes ao Império português (1759). Então, Basílio da Gama foi para Portugal e depois para Roma, onde participou da Arcádia Romana, escrevendo sob o pseudônimo de Termindo Sepílio. Voltando a Portugal, foi preso, acusado de jesuitismo (1768). Para escapar da prisão e do degredo para Angola, dedicou um epitalâmio à filha recém casada do Marquês de Pombal. A pedido da filha, o Marquês libertou Basílio da Gama. No mesmo ano, com 29 anos, publicou O Uraguai (1769): poema épico no qual defende a política pombalina e critica os jesuítas, seus antigos mestres. Na sequência tornou-se secretário de Pombal. Embora com a posterior queda de Pombal, continuou em situação confortável sob a proteção da rainha D. Maria. Obra: O Uraguai (1769) Tema A tomada dos 7 Povos das Missões por tropas luso-espanholas comandadas pelo governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade. LITERATURA
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Personagens - Sepé. - Cacambo. - Lindoia. - Tanajura. - Pe. Jesuíta Lourenço Balda. - Baldeta. - Gomes Freire de Andrade. Estrutura - Cinco cantos - Sem divisão estrófica - Versos decassílabos brancos (sem rima) CANTO I
A passagem ao lado é a proposição do poema.
Fumam ainda nas desertas praias Lagos de sangue tépidos, e impuros, Em que ondeiam cadáveres despidos, Pasto de corvos. Dura inda nos vales O rouco som da irada artilharia. Musa, honremos o herói, que o povo rude Subjugou do Uraguai, e no seu sangue Dos decretos reais lavou a afronta. [...] Tirando a linha de onde a estéril costa,
CANTO II Com a pistola lhe fez tiro aos peitos. Era pequeno o espaço, e fez o tiro No corpo desarmado estrago horrendo. Viam-se dentro pelas rotas costas Palpitar as entranhas. Quis três vezes Levantar-se do chão: caiu três vezes, E os olhos já nadando em fria morte Lhe cobriu sombra escura e férreo sono. Morto o grande Sepé, já não resistem As tímidas esquadras. [...] CANTO III Era alta noite, e carrancudo e triste Negava o céu envolto em pobre manto A luz ao mundo, e murmurar se ouvia Ao longe o rio, e menear-se o vento. Respirava descanso a natureza. Só na outra margem não podia entanto O inquieto Cacambo achar sossego. No perturbado interrompido sono (Talvez fosse ilusão) se lhe apresenta A triste imagem de Sepé despido [...] 188
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E o cerro de Castilhos o mar lava Ao monte mais vizinho, e que as vertentes Os termos do domínio assinalassem. Vossa fica a Colônia, e ficam nossos Sete Povos, que os Bárbaros habitam Naquela oriental vasta campina Que o fértil Uraguai discorre e banha. Quem podia esperar que uns rudes, Sem disciplina, sem valor, sem armas, Se atravessassem no caminho aos nossos, E que lhes disputassem o terreno! [...]
CANTO IV Este lugar delicioso e triste, Cansada de viver, tinha escolhido Para morrer a mísera Lindoia. Lá reclinada, como que dormia, Na branda relva e nas mimosas flores, Tinha a face na mão, e a mão no tronco De um fúnebre cipreste, que espalhava Melancólica sombra. Mais de perto Descobrem que se enrola no seu corpo Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Pescoço e braços, E lhe lambe o seio. [...] CANTO V Cai a infame República por terra. Aos pés do General as toscas armas Já tem deposto o rude americano, Que reconhece as ordens e se humilha, E a imagem do seu rei prostrado adora. [...] Apesar do herói da epopeia ser um português que representa o império, o poema permite aos vencidos, os indígenas, uma crítica à ação colonizadora. O Uraguai inova ao substituir as paisagens artificiais dos árcades pela natureza brasileira, e no lugar dos pastores colocar militares e indígenas. Os poemas épicos árcades, O Uraguai e Caramuru podem ser considerados precursores do indianismo na literatura brasileira, antecipando-se ao Romantismo.
Frei Santa Rita Durão (1722-1784) Nasceu em Capa-Preta, local próximo de Mariana, em Minas Gerais. Iniciou seus estudos no Rio de Janeiro com os jesuítas. Depois seguiu para Portugal, ingressando na ordem dos agostinianos. Peregrinou pela Espanha,Itália e França, só retornando a Portugal depois da queda do Marquês de Pombal. Foi prestigiado professor de Teologia na Universidade de Coimbra. Sua erudição transparece no Caramuru, poema épico publicado 12 anos depois de O Uraguai. Conta-se que o desgosto pela fria recepção que teve seu poema o fez destruir o restante de sua obra. Obra: Caramuru (1781) Subtítulo Poema épico do descobrimento da Bahia Tema
O descobrimento e a colonização da Bahia, auxiliada pelo náufrago português Diogo Álvares Correia, chamado pelos indígenas de Caramuru, o filho do trovão. Personagens - Diogo Álvares Correia. - Paraguaçu. - Moema.
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Estrutura - Dez cantos. - Estrofes de oito versos. - Versos decassílabos. O tema escolhido era muito reduzido para um poema de dez cantos, então, para preencher a obra, o autor faz longas narrações sobre a história do Brasil, desde o século XVI até o século XVIII; e também faz detalhadas descrições da flora, da fauna e dos costumes indígenas. Semelhante a literatura informativa do Quinhentismo, observa-se que a natureza é apresentada como lugar puro, isento de corrupção. Santa Rita Durão seguiu o modelo camoniano, mas não se utilizou de mitologia greco-romana, deixando transparecer apenas a ética e a moral católica.
MEIRELES, Victor (1832-1903). "A morte de Moema" (1866). A pintura interpreta a passagem do poema de Frei Santa Rita Durão, que descreve o afogamento de Moema, depois da frustrada a tentativa de alcançar o navio que levava o seu amado Diogo Álvares.
Quanto à questão do indígena, ao contrário de O Uraguai, que apresenta um índio que se revolta contra a ação do colonizar, em Caramuru, temos um indígena que aceita a religião do europeu e o ajuda no processo de colonização.
Ganham destaque no poema os versos que descrevem a morte de Moema, uma das indígenas apaixonadas por Diogo Álvares. Diogo Álvares escolheu a índia Paraguaçu para sua companheira e partiu rumo à Europa. Inconformadas, as outras índias, vendo seu amado afastar-se do litoral, atiraram-se desesperadamente nas águas, tentando alcançar o navio, mas ao constatarem a impossibilidade de sua empreitada, regressam à praia. Somente a índia Moema, tentou mais que as outras alcançar o navio e acabou morrendo afogada. CANTO VI Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Pálida a cor, o aspecto moribundo; Com mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar, que irado freme, Tornando a aparecer desde o profundo, – Ah! Diogo cruel! – disse com mágoa, E, sem mais vista ser, sorveu-se n’água.
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EXERCÍCIO RESOLVIDO
1 (UniEVANGÉLICA) INSTRUÇÃO: Leia o fragmento poético a seguir para responder à questão.
Minha bela Marília, tudo passa; A sorte deste mundo é mal segura; Se vem depois dos males a ventura, Vem depois dos prazeres a desgraça. Estão os mesmos deuses Sujeitos ao poder do ímpio Fado: Apolo já fugiu do céu brilhante, Já foi pastor de gado. [...] Que havemos d’esperar, Marília bela? Que vão passando os florescentes dias? As glórias, que vêm tarde, já vêm frias; E podem enfim mudar-se a nossa estrela. Ah! Não, minha Marília, Aproveite-se o tempo, antes que faça O estrago de roubar ao corpo as forças, E ao semblante a graça. GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Qual característica da estética árcade se verifica no fragmento apresentado? (A) Fugere urbem (B) Emotividade (C) Carpe diem (D) Mulher inatingível Gabarito: C Influenciado pelas ideias racionais da Antiguidade e do Iluminismo, o pensamento árcade apresenta uma concepção racional da vida, logo a beleza, a vitalidade física, a juventude, a vida são passageiras, por isso é pregado que se aproveite o momento presente (carpe diem) enquanto ele é favorável, justamente pela efemeridade das coisas. “Aproveite-se o tempo, antes que faça/ O estrago de roubar ao corpo as forças,/ E ao semblante a graça.”
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
Instrução: Leia o soneto “VII”, de Cláudio Manuel da Costa, para responder às questões de 01 a 03. Onde estou? Este sítio desconheço: Quem fez tão diferente aquele prado? Tudo outra natureza tem tomado, E em contemplá-lo, tímido, esmoreço. Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço De estar a ela um dia reclinado; Ali em vale um monte está mudado: Quanto pode dos anos o progresso! Árvores aqui vi tão florescentes, Que faziam perpétua a primavera: Nem troncos vejo agora decadentes. Eu me engano: a região esta não era; Mas que venho a estranhar, se estão presentes Meus males, com que tudo degenera! 01. (UNESP) O tom predominante no soneto é de (A) ingenuidade. (B) apatia. (C) ira. (D) ironia. (E) perplexidade. 02. (UNESP) Considerando o contexto históricogeográfico de produção do soneto, as transformações na paisagem assinaladas pelo eu lírico relacionam-se à seguinte atividade econômica: (A) indústria. (B) extrativismo vegetal. (C) agricultura. (D) extrativismo mineral. (E) pecuária. 03. (UNESP) O eu lírico recorre ao recurso expres-sivo conhecido como hipérbole no verso: (A) “Quem fez tão diferente aquele prado?” (1a estrofe) (B) “E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.” (1a estrofe) (C) “Quanto pode dos anos o progresso!” (2a estrofe) (D) “Que faziam perpétua a primavera:” (3a estrofe) (E) “Árvores aqui vi tão florescentes,” (3a estrofe) 04. (UFPR) O Uraguai foi publicado pela primeira vez antes da independência do Brasil, em 1769, e narra as disputas entre espanhóis e portugueses pelos territórios do sul do continente, envolvendo os índios e os jesuítas. No fragmento abaixo, podemos conferir um trecho da fala do comandante português: 192
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O nosso último rei e o rei de Espanha Determinaram por cortar de um golpe, Como sabeis, neste ângulo da terra, As desordens de povos confinantes, Que mais certos sinais nos dividissem. GAMA, Basílio da. Canto Primeiro. In: O Uraguai.
O talento de Basílio da Gama, que transforma o árido assunto em matéria literária, recebe, cem anos depois, o elogio de Machado de Assis. Ao compará-lo com seu contemporâneo, Tomás Antônio Gonzaga, o escritor afirma: “Não lhe falta, também a ele, nem sensibilidade, nem estilo, que em alto grau possui; a imaginação é grandemente superior à de Gonzaga, e quanto à versificação nenhum outro, em nossa língua, a possui mais harmoniosa e pura” ASSIS, Machado de. A nova geração. In. Obras completas.
Sobre o poema de Basílio da Gama, considere as seguintes afirmativas: 1. O contexto histórico trabalhado no poema de Basílio da Gama é fundamental para o seu entendimento: a descentralização do poder colonial, protagonizada pelo Marquês de Pombal, e a disputa de territórios coloniais entre Espanha e Portugal, mediada e pacificada pelos jesuítas, na segunda metade do século XVIII. 2. Ao longo dos cinco cantos de O Uraguai, compostos em decassílabos sem rima, podemos perceber a marca da epopeia, na narração da guerra e dos feitos dos heroicos portugueses, e a presença da sátira, na caricatura dos jesuítas, particularmente na figura do Padre Balda. 3. O grande destaque dado aos índios e à defesa da sua terra, a exaltação lírica da natureza e a centralidade do par amor/morte, presente na relação de Lindoia e Cacambo, deram ao poema de Basílio da Gama o lugar de inaugurador do romantismo em todos os manuais de história da literatura brasileira. 4. Para narrar acontecimentos reais da ação de portugueses e espanhóis na disputa dos territórios delimitados pelo rio Uruguai, que hoje correspondem ao noroeste do Rio Grande do Sul e ao norte da Argentina, Basílio da Gama toma o cuidado de inserir apenas personagens ficcionais no seu poema, para não se comprometer. Assinale a alternativa correta. (A) Somente a afirmativa 1 é verdadeira. (B) Somente a afirmativa 2 é verdadeira. (C) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras. (D) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras. (E) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras.
ROMANTISMO Introdução O Romantismo surgiu na Europa no final do século XVIII. As revoluções burguesas ocorridas na Inglaterra e França produziram transformações profundas na sociedade. Este processo marcou a ascensão da burguesia como classe dominante e o crescimento radical de algumas cidades, como Londres e Paris. A publicação do romance Os Sofrimentos do jovem Werther (1774) de Goethe, na Alemanha, marca o início do Romantismo na Europa. 1.
Capítulo 6
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Literatura e Política 2. Características 3. Poesia Romântica (1a geração) 4. Poesia Romântica (2a geração) 5. Poesia Romântica (3a geração) 6. Prosa Romântica 7. Prosa Romântica: Regionalista ou Sertanista 8. Prosa Romântica: Os costumes populares
LITERATURA E POLÍTICA
A história do Romantismo no Brasil confunde-se com a própria história brasileira da primeira metade do século XIX. Com a vinda para o Brasil da família imperial (1808) a colônia sofreu melhorias culturais: universidades, teatros, tipografias, imprensa periódica, museus, arquivos, a biblioteca nacional, etc. Essas melhorias criaram condições para o florescimento de um público leitor mais assíduo, mesmo que inicialmente fosse apenas de leitores de jornais. Logo ocorre a independência política, em 1822, fato que despertou na consciência de intelectuais e artistas nacionais a necessidade de criar uma cultura identificada com suas próprias raízes históricas, linguísticas e culturais. Fruto desse contexto surge a literatura romântica no Brasil.
H15 - Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político. H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário. H17 - Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional. sociedades e ao conhecimento que elas produzem.
Na literatura, o Romantismo estabeleceu uma reação contra o Neoclassicismo, dando uma conotação de movimento anticolonialista e antilusitano. É uma rejeição à literatura identificada com o período colonial que o país passou, logo uma rejeição aos modelos culturais portugueses.
M O U R E AU X , F r a n ç o i s - R e n é (1807-1860). "A proclamação da independência" (1844)
É um dos traços essenciais de nosso Romantismo é o nacionalismo, que, orientando o movimento, lhe abriu um rico leque de possibilidades a serem exploradas. Entre elas se destacam o indianismo, o regionalismo, a pesquisa histórica, folclórica e linguística, além da crítica aos problemas nacionais. A publicação da obra Suspiros poéticos e saudades (1836), de Gonçalves de Magalhães, tem sido considerado o marco inicial da literatura romântica no Brasil. A importância dessa obra, no entanto, reside muito mais nas novidades teóricas de seu prólogo, em que Magalhães anuncia a revolução literária romântica, do que propriamente na execução dessas teorias.
A cena descreve o momento em que D. Pedro I proclama a independência, ato que é aclamado pela multidão ao redor.
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“Não se pode lisonjear muito o Brasil de dever a Portugal sua primeira educação, tão mesquinha foi ela que bem parece ter sido dada por mãos avaras e pobres; contudo boa ou má dele herdou, e o confessamos, a literatura e a poesia, que chegadas a este terreno americano não perderam o seu caráter europeu.[...] A poesia brasileira não é uma indígena civilizada; é uma grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil [...] Em poesia requer-se mais que tudo invenção, gênio e novidade; repetidas imitações o espírito esterilizam, como a muita arte e preceitos tolhem e sufocam o gênio. [...] Tão grande foi a influência que sobre o engenho brasileiro exerceu a grega mitologia, transportada pelos poetas portugueses, que muitas vezes poetas brasileiros se metamorfoseiam em pastores da Arcádia, e vão apascentar seus rebanhos imaginários nas margens do Tejo, e cantar à sombra das faias [...] O homem colocado diante de um vasto mar, ou no cume de uma alta montanha, ou no meio de uma virgem e emaranhada floresta, não poderá ter por longo tempo os mesmos pensamentos, as mesmas inspirações, como se assistisse aos olímpicos jogos, ou na pacífica Arcádia habitasse.
ENDER, Thomas (1793-1875). "Vista do Rio de Janeiro" (1837). Em 1817, o artista vienense Thomas Ender chegou ao Brasil acompanhando a Missão Austríaca. A obra “Vista do Rio de Janeiro” é inspirada nos esboços que o pintor realizou ao acompanhar a Missão Austríaca. A cena descreve a baía de Guanabara, a partir de um perspectiva distante da cidade. O primeiro plano é preenchido por pessoas, animais e por uma vegetação diversa, enquanto a cidade parece estar afastada por uma névoa. A natureza exuberante e o indígena serão dois elementos incorporados pela literatura romântica para criar a identidade nacional para a jovem nação, o Brasil.
Se sobre tais pontos meditassem os primeiros poetas brasileiros, certo que logo teriam abandonado essa poesia estrangeira, que destruía a sublimidade de sua religião, paralisava-lhe o engenho, e o cegava na contemplação de uma natureza grandiosa, reduzindo-os afinal a meros imitadores. [...] Os acontecimentos notáveis da história do Brasil se apresentam neste século como espécies de contrapancadas ou ecos dos grandes fatos modernos da Europa. [...] O primeiro, como vimos, devido foi à Revolução Francesa; o segundo à promulgação da Constituição em Portugal, que apressa o regresso do rei D. João VI a Lisboa, deixando entre nós o herdeiro do trono. O Brasil já não podia então viver debaixo da tutela de uma metrópole, que de suas riquezas se nutrira, e pretendia reduzi-lo ao antigo estado colonial. A independência política tornou-se necessária; todos a desejavam, e impossível fora sufocar o grito unanime dos corações brasileiros ávidos de liberdade e de progresso. E quem pode opor-se à marcha de um povo que conhece a sua força, e firma a sua vontade? A independência foi proclamada em 1822, e reconhecida três anos depois.” – MAGALHÃES, Gonçalves de. Suspiros poéticos e saudades.
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2.
CARACTERÍSTICAS
– Nacionalismo. – Subjetivismo. – Sentimentalismo. – Idealismo. – Sonho e Fantasia. – Religiosidade. – Liberdade de criação. – Busca de uma arte brasileira. – Arte da burguesia.
3.
POESIA ROMÂNTICA (1ª GERAÇÃO)
Por falta de uma melhor definição, a poesia romântica é dividida em três gerações. A primeira geração traz como temas a idealização do índio, da natureza, a saudade da pátria e o amor impossível.
Gonçalves de Magalhães (1811-1882) Domingos José Gonçalves de Magalhães foi médico, professor, diplomata, político, poeta e ensaísta brasileiro, tendo participado de missões diplomáticas na França, Itália, Vaticano, Argentina, Uruguai e Paraguai. Recém-formado em Medicina, viaja para a Europa, onde entra em contato com as ideias românticas, fator essencial para a introdução do movimento no Brasil. Sua importância está no fato de ter sido o introdutor do Romantismo no Brasil, não obstante suas obras serem consideradas fracas pela crítica literária. Embora fosse voltado para a poesia religiosa, como fica claro em Suspiros poéticos e saudades, também cultivou a poesia indianista de caráter nacionalista, como no poema épico A Confederação dos Tamoios (esta obra lhe valeu agitada polêmica com José de Alencar, relativa à visão de cada autor sobre o índio), ambas bastante fantasiosas. Em contato com o romantismo francês, publicou, em 1836, seu livro Suspiros poéticos e saudades, cujo prefácio valeu como manifesto para o Romantismo brasileiro, sendo por isso considerado o iniciador dessa escola literária no país. Em parceria com Araújo Porto-Alegre e Torres Homem, lançou a revista “Niterói”, no mesmo ano. Introduziu ali seus principais temas poéticos: as impressões dos lugares que passou, cidades tradicionais, monumentos históricos, sugestões do passado, impressões da natureza associada ao sentimento de Deus, reflexões sobre o destino de sua Pátria, sobre as paixões humanas e o efêmero da vida. Ele reafirma, dentro de um ideal religioso, que a poesia tem finalidade moralizante, capaz de ser instrumento de elevação e dignificação do ser humano.
Apesar dos seus ideais românticos, o autor várias vezes os traiu por conta de sua formação neoclássica. O poema épico “Confederação dos Tamoios” foi escrito nos moldes de O Uraguai, retornando assim ao Arcadismo. Esse fato gerou grande polêmica, tendo sido atacado por José de Alencar e defendido pelo imperador Dom Pedro II.
Ao retornar ao Brasil, em 1837, é aclamado chefe da “nova escola” e volta-se para a produção teatral, que então era renovada com a produção de Martins Pena e os desempenhos de João Caetano. Escreve duas tragédias: Antônio José ou O poeta e a Inquisição (1838) e Olgiato (1839). Obras: Suspiros Poéticos e Saudades (1836); A confederação dos Tamoios (1866).
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FRIEDRICH, Caspar David (1774– 1840). "Em um veleiro" (18181820). Óleo sobre tela, dimensão 71 x 56, Ermitage, São Petesburgo.
“Seja qual for o lugar em que se ache o poeta, ou apunhalado pelas dores, ou ao lado de sua bela, embalado pelos prazeres; no cárcere, como no palácio; na paz, como sobre o campo da batalha, se ele é verdadeiro poeta, jamais deve esquecer-se de sua missão, e acha sempre o segredo de encantar os sentidos, vibrar as cordas do coração, e elevar o pensamento nas asas da harmonia [...] Quanto à forma, isto é, a construção, por assim dizer, material das estrofes, e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos; exprimindo as ideias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que, a igualdade dos versos, a regularidade das rimas, e a simetria das estâncias produz uma tal monotonia, e dá certa feição de concertado artifício que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados; cada paixão requer sua linguagem própria [...].” – MAGALHÃES, Gonçalves de. Prefácio. In: Suspiros Poéticos e Saudades.
Gonçalves Dias (1823-1864) É considerado o grande poeta dessa geração. O autor é responsável por consolidar o Romantismo no Brasil. Nasceu no Maranhão, filho de um comerciante português. Ainda jovem, foi estudar Direito em Portugal.Voltando conseguiu ocupar cargos públicos importantes, o que lhe possibilitou várias viagens à Europa. Em uma viagem que fazia de barco pelo litoral brasileiro, seu navio naufragou e o poeta acabou falecendo. Obras: Primeiros Cantos (1846); Segundos Cantos (1848); Sextilhas do frei Antão (1848); Últimos Cantos (1851).
FACCHINETTI, Nicolau (18241900). "Niterói" (1889). Óleo sobre tela, dimensão 53 x 86 cm, Masp.
“Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso, e as ideias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano - o aspecto enfim da natureza. Casar assim o pensamento com o sentimento – o coração com o entendimento – a ideia com a paixão – cobrir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia – a Poesia grande e santa – a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.” – DIAS, Gonçalves. Prólogo. In: Primeiros Cantos. 196
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Ganham destaque na obra do autor os temas: – Nacionalismo. – Indianismo. – Amor.
• POESIA NACIONALISTA Ressaltem-se a saudade da pátria, a valorização da natureza, marcada fortemente pela exaltação da flora e da fauna, em um tom de musicalidade. Canção do Exílio é o marco desse tema. CANÇÃO DO EXÍLIO Kennst du das Land, wo die Citronen blühen, Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen? Kennst du es wohl? — Dahin, dahin! Möchtl ich... ziehn. (Goethe)
A epígrafe do poema pertence a Goethe, um dos ícones do Romantismo na Europa. Tradução da epígrafe: "Conheces o país onde florescem as laranjeiras?/ Ardem na escura fronde os frutos de ouro.../Conhecê-lo? Para lá, para lá quisera eu ir!"
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar - sozinho, à noite Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem que ainda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
ANOTAÇÕES
LITERATURA
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• POESIA INDIANISTA A partir do mito do bom selvagem europeu, constrói-se o herói nacional, do qual a jovem nação pudesse orgulhar-se. Encontramos isso em poemas como Os timbiras, Canto do Piaga, Canção do Tamoio e I-Juca Pirama:
FLORENCE, Hercule (18041879). "Índios apiacas". Forence participou da Expedição Langsdorff, que percorreu o interior do Brasil de 1825 a 1829. Produziu desenhos e aquarelas de paisagens, fauna e flora e cenas cotidianas dos locais por ele visitados.
I-JUCA PIRAMA No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos – cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. [...] No centro da taba se estende um terreiro, Onde ora se aduna o concílio guerreiro Da tribo senhora, das tribos servis: Os velhos sentados praticam d’outrora, E os moços inquietos, que a festa enamora, Derramam-se em torno dum índio infeliz. Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto, Sua tribo não diz: – de um povo remoto Descende por certo – dum povo gentil; [...] Por casos de guerra caiu prisioneiro Nas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiro [...] Em fundos vasos d’alvacenta argila Ferve o cauim; Enchem-se as copas, o prazer começa, Reina o festim. O prisioneiro, cuja morte anseiam, Sentado está, O prisioneiro, que outro sol no ocaso Jamais verá! [...]
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LITERATURA
Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo tupi. Da tribo pujante, Que agora anda errante Por fado inconstante, Guerreiros, nasci; Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi. [...] Meu pai a meu lado Já cego e quebrado, De penas ralado, Firmava-se em mi: Nós ambos, mesquinhos, Por ínvios caminhos, Cobertos d’espinhos Chegamos aqui! [...] Eu era o seu guia Na noite sombria, A só alegria Que Deus lhe deixou: Em mim se apoiava, Em mim se firmava, Em mim descansava, Que filho lhe sou. Ao velho coitado De penas ralado, Já cego e quebrado, Que resta? – Morrer. Enquanto descreve O giro tão breve Da vida que teve, Deixai-me viver! [...]
MARABÁ
CANÇÃO DO TAMOIO
Eu vivo sozinha, ninguém me procura! Acaso feitura Não sou de Tupá! Se algum dentre os homens de mim não se esconde: — “Tu és”, me responde, “Tu és Marabá!”
Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos, Só pode exaltar. [...]
— Meus olhos são garços, são cor das safiras, — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; — Imitam as nuvens de um céu anilado, — As cores imitam das vagas do mar! Se algum dos guerreiros não foge a meus passos: “Teus olhos são garços”, Responde anojado, “mas és Marabá: “Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes, “Uns olhos fulgentes, “Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!” [...] Jamais um guerreiro da minha arazóia Me desprenderá: Eu vivo sozinha, chorando mesquinha, Que sou Marabá!
CANTO DO PIAGA
FLORENCE, Hercule (1804-1879). "Indio mandurucu" (1828). O desenho foi realizado pelo pintor dur ante a Expedição do Bar ão Langsdorff (1825-1829) ao interior do Brasil.
Ó Guerreiro da Taba sagrada, Ó Guerreiros da Tribo Tupi, Falam Deuses no cantos do Piaga, Ó Guerreiro, meus cantos ouvi. Esta noite – era a lua já morta – Anhangá me vedava sonhar; Eis na horrível caverna que habito, Rouca voz começou a chamar. [...]
• POESIA AMOROSA Seus poemas de amor são dedicados a Ana Amélia, o grande amor de sua vida. Sua poesia é marcada pela subjetividade, pela dor, pela impossibilidade de viver o amor, pela solidão, pela angústia. Dentre esses poemas merecem destaque: Seus olhos; Se se morre de amor; Ainda uma vez, Adeus.
SE SE MORRE DE AMOR Se se morre de amor! – Não, não se morre, Quando é fascinação que nos surpreende De ruidoso sarau entre os festejos; Quando luzes, calor, orquestra e flores Assomos de prazer nos raiam n’alma, Que embelezada e solta em tal ambiente No que ouve e no que vê prazer alcança! SEUS OLHOS São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tempo vai bonança; Uns olhos cor de esperança, Uns olhos por que morri; Que ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi!
ALMEIDA JUNIOR, José Ferraz de (1859-1899). "A moça com o livro".
AINDA UMA VEZ, ADEUS Enfim te vejo! – enfim posso, Curvado a teus pés, dizer-te, Que não cessei de querer-te, Pesar de tanto sofri. Muito penei! Cruas ânsias Dos teus olhos afastado, Houveram-me acabrunhado, A não lembrar-te de ti. [...] LITERATURA
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4.
POESIA ROMÂNTICA (2ª GERAÇÃO)
PHILLIPS, Thomas (1770–1845). "Lord Byron in Albanian dress" (1835). Óleo sobre tela, dimensão 76 x 63 cm; ODEVAERE, Joseph Denis (1775-1830). "Lord Byron no seu leito de morte" (1826). Óleo sobre tela, dimensão 166 x 234 cm. Duas Imagens representando Lord Byron (1788-1824), o qual foi um poeta inglês que exerceu enorme influência em toda uma geração de jovens na Europa. Ficou famoso com a obra "A peregrinação de Child Harold", onde conta suas andanças pela Europa. Antes de morrer começou a escreveu a obra "Don Juan", poema satírico onde apresenta uma nova leitura para o mítico personagem. Descreve-o não como um conquistador insaciável e inescrupuloso, mas como um homem facilmente seduzido pelas mulheres, lançandose aos seus braços por força das vicissitudes da vida e do destino. Lord Byron morreu de malária, em Missolinghi, participando da luta pela independência da Grécia contra os turcos otomanos.
FRIEDRICH, Caspar David (17741840). "O peregrino sobre o mar de névoa" (1818). Óleo sobre tela, dimensão 94 x 74 cm. A cena representa uma figura masculina solitária, contemplando uma imponente paisagem. A névoa sobre as montanhas dá ao cenário um ar de mistério. A personagem expressa uma posição de contemplação e reflexão.
Também conhecida por Ultrarromântica, Mal-do-século, Spleen, Individualista ou ainda, Byroniana, em referência a Lord Byron, um dos ícones dessa Geração. Seus temas vão girar em torno do egocentrismo, nostalgia, obsessão pela morte, melancolia, tédio e o amor não consumado.
“O fascínio pela morte, pela escuridão, pela doença fez com que muitos dos jovens escritores buscassem meios artificiais de fugir da realidade e conquistar o mundo dos sonhos. Drogas, como o ópio e o haxixe e bebidas fortes, como o absinto, eram alguns dos ‘paraísos artificiais’ a que recorriam. Como resultado da vida boêmia, muitos românticos morrem cedo, quase sempre vítimas da tuberculose, também conhecida como tísica. Esse comportamento autodestrutivo associado ao tédio e a depressão, passou a ser conhecido como Mal-do-Século.” – ABARRE, Maria L. M. Literatura Brasileira.
Álvares de Azevedo (1831-1852) Nasceu em São Paulo, mas mudou-se com a família para o Rio de Janeiro,depois voltou para São Paulo para cursar Direito. Provavelmente morreu de tuberculose. Nada publicou em vida. Sua obra se caracteriza por confissões íntimas, extravasamento do subjetivismo e inexperiência existencial. Obras: Noite na taverna (1855, contos); Macário (1855, Teatro); Lira dos vinte anos (1853, poesia)
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LITERATURA
SE EU MORRESSE AMANHÃ!
IDEIAS ÍNTIMAS
Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã!
Vou ficando blasé: passeio os dias Pelo meu corredor, sem companheiro, Sem ler, nem poetar... Vivo fumando. Minha casa não tem menores névoas Que as deste céu d’inverno... Solitário [...]
Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que dove n’alva Acorda a natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã... A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã! ADEUS, MEUS SONHOS Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro! Não levo da existência uma saudade! E tanta vida que meu peito enchia Morreu na minha triste mocidade! Misérrimo! votei meus pobres dias À sina doida de um amor sem fruto... E minh’alma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto. Que me resta, meu Deus?! Morra comigo A estrela de meus cândidos amores, Já que não levo no meu peito morto Um punhado sequer de murchas flores! LEMBRANÇA DE MORRER Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. [...] Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto o poento caminheiro... Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro... [...] Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz! e escrevam nela: – Foi poeta, sonhou e amou na vida. –
“SPLEEN” E CHARUTOS – POETA MORIBUNDO Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa!... Façam dela uma corda e cantem nela Os amores da vida esperançosa! [...] SONETO
Álvares de Azevedo – Em 1847, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (São Paulo), onde foi contemporâneo de José de Alencar e Bernardo Guimarães. Na faculdade alcançou rapidamente destaque por algumas produções literárias. Durante o período na faculdade, traduziu Otelo (Shakespeare) e Parisina (Lord Byron). Também nesse período iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos. Nas férias de 1851-52, desenvolveu a tísica (tuberculose). Sua situação de saúde foi agravada por conta de um tumor cerebral, provocado por uma queda, quando passeava a cavalo. O autor faleceu aos 20 anos. Influenciado por autores como Goethe, Dante Alighieri, Musset, Shakespeare e Byron, produziu obras como: Lira dos vint’anos; Macário; Noite na taverna. Devido a sua morte precoce e inesperada, todas essas obras foram publicadas após o seu falecimento.
Pálida, a luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! na escuma fria Pela maré das água embalada... – Era um anjo entre nuvens d’alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! o seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! VIRGEM MORTA [...] Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei, tu dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar ainda na ventura. Bem cedo, ao menos, eu serei contigo – Na dor do coração a morte leio... Poderei amanhã, talvez, meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio... E tu, vida que amei! pelos teus vales Com ela sonharei eternamente... Nas noites junto ao mar e no silêncio, Que das notas enchi da lira ardente!... [...]
VERNET, Emile Jean Horace (1789-
1873). "O anjo da morte" (1851). Óleo sobre tela, dimensão146 x 113, Museu Hermitage. “A temática da morte [...] muito cara à estética romântica, pode ser encontrada em diversos momentos da lírica moderna, reinterpretada e ressignificada em novos contextos, podendo adquirir contornos que a fazem ganhar novas conotações e relações.” CASTRO, Andrea Trench. Álvares de Azevedo e Mário de Andrade sob o signo da morte: solução ou completude?. Revista Trama, v. 9, n. 17, 2013, p. 49-66.
LITERATURA
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Casimiro de Abreu (1839-1860) Nasceu no Rio de Janeiro, filho de rico comerciante. Passou a infância em uma fazendo, de onde saiu para estudar em Nova Friburgo. O pai procurou iniciá-lo no comércio, mas o filho não se mostrou apto a esta profissão. Então foi enviado para Portugal, onde viveu por três anos; voltando ao Brasil, se tornou o poeta preferido do público da época. Morreu de tuberculose. Poeta de grande sentimentalismo, sua poesia é marcada por lembranças saudosas da infância, pela saudade da pátria e o lirismo amoroso. Obra: Primaveras MEUS OITO ANOS Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras, À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! [...] AMOR E MEDO
SOULACROIX, Fréderic (1858-
1933). "Secrets" (1825-1879). Óleo sobre tela, dimensão 241 x 187 cm. Semelhante a cena representada na pintura, a poesia de Casimiro de Abreu também descreve cenas da burguesia do século XIX, tais como reuniões sociais com visitas, passeios, bailes, danças, namoros, etc.
Quando eu te vejo e me desvio cauto Da luz de fogo que te cerca, ó bela, Contigo dizes, suspirando amores: “Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”
CANÇÃO DO EXÍLIO Se eu tenho de morrer na flor dos anos Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro Respirando este ar; Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo Os gozos do meu lar! [...] MINHA MÃE
[...] Nas horas caladas das noites d’estio Sentado sozinho co’a face na mão, Eu choro e soluço por quem me chaComo te enganas! meu amor, é chama mava Que se alimenta no voraz segredo, — “Oh filho querido do meu coração!” E se te fujo é que te adoro louco... És bela — eu moço; tens amor, eu — medo... — — Minha Mãe! — [...] [...]
Fagundes Varela (1841-1875)
O poeta revela-se eclético, apresentando traços das três gerações em suas poesias: indianismo, byronismo e condoreirismo.
Nasceu no interior do Rio de Janeiro, filho de fazendeiros. Foi estudar Direito em São Paulo, onde se atirou na boemia e aos excessos do álcool. Acabou casando ainda muito jovem com uma artista de circo. Em seguida, transferiu-se para a faculdade de Direito de Recife que logo também abandonaria. Teve um filho, que morreu ainda bebê, a esposa também faleceu prematuramente. Atormentado pelas mortes, voltou para a fazenda da família no interior do Rio de Janeiro. Obras: Noturna (1861); Vozes da América (1864); Anchieta ou o Evangelho das selvas (1875) O CÂNTICO DO CALVÁRIO Eras a pomba predileta Que sobre um mar de angústias conduzia O ramo da esperança. – Eras a estrela Que entre nevos do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime.
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LITERATURA
Eras a glória, – a inspiração, – a pátria, O porvir de teu pai! Ah! no entanto, Pomba, – varou-te a flecha do destino! Astro, – engoliu-te o temporal do norte! Teto – caíste! – Crença, já não vives! [...]
FLOR DE MARACUJÁ
O ESCRAVO
Pelas rosas, pelos lírios, Pelas abelhas, sinhá Pelas notas mais chorosas Do canto do sabiá Pelo cálice de angústias Da flor do maracujá! [...]
Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso Cujo dedo imortal Gravou-te sobre a testa bronzeada O sigilo fatal! Dorme! Se a terra devorou sedenta De teu rosto o suor, Mãe compassiva agora te agasalha Com zelo e com amor
Por tudo o que o céu revela! Por tudo o que a terra dá Eu te juro que minha alma está!... Guarda comigo este emblema Da flor do maracujá. [...]
5.
Ninguém te disse o adeus da despedida, Ninguém por ti chorou! [...] Sem defesas, sem preces, sem lamentos, Sem sírios, sem caixão, Passaste da senzala ao cemitério! Do lixo à podridão! [...]
POESIA ROMÂNTICA (3ª GERAÇÃO)
“A obra poética de Fagundes Varela discorre sobre os mais diversos temas cultivados ao longo do Romantismo brasileiro: o nacionalismo (nos poemas de "O Estandarte Auriverde", por exemplo); o bucolismo, às vezes, com oposição entre campo e cidade ("O Sabiá", "A Roça"); o pessimismo ("Desengano"); a preocupação social ("O Escravo"); e a religiosidade ("Cantos Religiosos"); entre outros. Tal diversidade desfavorece o consenso da crítica literária quanto ao traço mais marcante dessa produção. Assim, se Sílvio Romero (1851-1914) destaca a “morbidez inconsciente e irresistível”, Edgard Cavalheiro (1911-1958) ressalta a descrição da natureza e Antonio Ca n d i d o ( 1 91 8 -2 01 7 ) vê n o acentuado “lirismo social” um motivo para preferir situar Varela na terceira geração romântica, e não na segunda (individualista, de assinalado desajuste entre sujeito e meio social), na qual o poeta figura na maioria dos manuais de literatura.” FAGUNDES Varela. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Acesso em: 19 de Jan. 2021.
A imagem de Rugendas descreve o porão de um navio negreiro, do século XIX. A denúncia da escravidão no Brasil será um dos grandes temas de poesia romântica na 3ª Geração.
Também chamada Geração Condoreira. Foi influenciada por Victor Hugo, autor de Os miseráveis. Transpõe a temática individualista da dor e da angústia por questões sociais e humanitárias. Apresenta identificação com ideias republicanas e abolicionistas. ANOTAÇÕES
LITERATURA
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DEBRET, Jean-Batiste. "Voyage Pittoresque et historique au Bresil" (3v., 1834, 1835 e 1839). Duas imagens da obra do pintor Debret descrevendo imagens da escravidão no Brasil, envolvendo punições aos escravos africanos.
“Castro Alves destaca-se como a voz mais importante da terceira geração romântica, não só por ter sido consagrado o 'poeta dos escravos', mas, principalmente, pelo tom vigoroso de sua poesia, de versos ressonantes, indignados, expressivos. Inscreve-se na categoria de poeta condoreiro, cuja poesia é feita para ser declamada, gritada em praça pública – uma poesia de denúncia dos horrores da escravidão ou de defesa de interesses políticos. A poesia abolicionista de Castro Alves demonstra que ele aprendeu muito bem o que ensina o 'mestre' francês Victor Hugo: a possibilidade de registrar artisticamente não apenas o belo, mas também o grotesco. Nesse sentido, o condor francês lega ao condor brasileiro a audácia das imagens na luta engajada.” – CAMPEDELLI; SOUZA. Português, literatura...
Castro Alves (1847-1871) Cronologia do fim da escravidão no Brasil: - Lei Eusébio de Queirós (1850, proibiu a entrada de escravos africanos no Brasil). - Lei do ventre livre (1870, todos os filhos de escravos nascidos a partir desta data estavam automaticamente livres. Intensifica-se no Brasil a campanha abolicionista). - Lei dos Sexagenários (1885, a partir desta data, todos os escravos que atingissem 65, estavam automaticamente livres). - Le i Áu rea ( 1 888, f i m d a escravidão no Brasil). O Brasil foi um dos últimos países da América do Sul a terminar com a escravidão.
Detalhe de uma gravura de 1881 sobre a escravidão.
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LITERATURA
Nasceu no interior da Bahia, filho de um médico. Foi estudar Direito em Recife, foco de ideias abolicionistas e republicanas pelas quais acabou influenciado. Sua vida afetiva foi marcada pelo intenso romance que teve com a atriz Eugênia Câmara. Em uma caçada, feriu o pé, que teve de ser amputado. A inflamação na perna e a tuberculose levaram Castro Alves à morte aos 24 anos. Capistrano de Abreu (1853-1927), em referência aos poemas abolicionistas do autor, chamou a poesia de temática social de Castro Alves de condoreira, em alusão ao condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade. Obras: Os Escravos; A cachoeira de Paulo Afonso; Espumas Flutuantes.
VOZES D’ÁFRICA Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?... Qual Prometeu tu me amarraste um dia Do deserto na rubra penedia – Infinito: galé!... [...] NAVIO NEGREIRO Era um sonho dantesco!... o tombadilho, Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras, moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs!
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! [...] Quem são estes desgraçados, [...] São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão... [...]
Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d’amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar...
Na obra A cachoeira de Paulo Afonso, é narrado o amor entre Lucas e Maria, um amor impossível pelo fato de serem escravos. Não sendo possível viverem o seu amor, fogem e cometem suicídio na cachoeira de Paulo Afonso. A história, contada através de versos, apresenta um tom melodramático e faz belas descrições na natureza brasileira.
SCHUTE, E. F. Cachoeira de Paulo Afonso (1850). Óleo sobre tela, dimensões 118 x 153 x 3,5 cm, MASP.
LITERATURA
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Já a obra Espumas Flutuantes abandona a temática da escravidão para abordar outros temas. MURMÚRIOS DA TARDE Ontem à tarde, quando o sol morria, A natureza era um poema santo, De cada moita a escuridão saia, De cada gruta rebentava um canto, Ontem à tarde, quando o sol [...] BOA NOITE Boa-noite, Maria! Eu vou me embora. A lua nas janelas bate em cheio. Boa noite, Maria! É tarde... é tarde... Não me apertes assim contra teu seio. Boa noite!... E tu dizes – Boa noite. Mas não digas assim por entre beijos... Mas não mo digas descobrindo o peito – Mar de amor onde vagam meus desejos. Julieta do céu! Ouve... a calhandra Já rumoreja o canto da matina.
COLIN, Alexandre Marie (17981875). "Byron as Don Juan, with Haidee" (1831). A cena descreve Lord Byron na condição de um Don Juan, postura que também aparece em alguns poemas amorosos de Castro Alves, como, Boa Noite.
O “ADEUS” DE TERESA A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus... E amamos juntos... E depois na sala “Adeus” eu disse lhe a tremer co’a fala... E ela, corando, murmurou me: “adeus.” Uma noite... entreabriu se um reposteiro... E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... Era a pálida Teresa! “Adeus” lhe disse conservando a presa... E ela entre beijos murmurou me: “adeus!” 206
LITERATURA
Passaram tempos... sec’los de delírio Prazeres divinais... gozos do Empíreo... . . . Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse — “Voltarei!... descansa!... Ela, chorando mais que uma criança, Ela em soluços murmurou me: “adeus!” Quando voltei... era o palácio em festa!... E a voz d’Ela e de um homem lá na orquesta Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei! ... Ela me olhou branca ... surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa!... E ela arquejando murmurou me: “adeus!”
DELACROIX, Eugéne (1798-1863). "Mulheres de Argel" (1834) O orientalismo, identificado como exótico aos olhos dos europeus, esteve muito em voga no século XIX. Vários pintores, como Delacroix, apropriaram-se de elementos do Oriente para comporem suas obras. No poema "Mocidade e morte", de Castro Alves, percebe-se também a presença desses elementos.
MOCIDADE E MORTE Oh! Eu quero viver, beber perfumes Na flor silvestre, que embalsama os ares; Ver minh’alma adejar pelo infinito, Qual branca vela n’amplidão dos mares. No seio da mulher há tanto aroma... Nos seus beijos de fogo há tanta vida... Árabe errante, vou dormir à tarde A sombra fresca da palmeira erguida. Mas uma vez responde me sombria: Terás o sono sob a lájea fria. Morrer... quando este mundo é um paraíso, E a alma um cisne de douradas plumas: Não! o seio da amante é um lago virgem... Quero boiar à tona das espumas. Vem! formosa mulher – camélia pálida, Que banharam de pranto as alvoradas. Minh’alma é a borboleta, que espaneja O pó das asas lúcidas, douradas...
Joaquim de Sousa Andrade ou Sousândrade (1833-1902) Nasceu no Maranhão, filho de família rica. Na Europa, viajou por vários países, formando-se em Letras, na Sorbonne, e depois em Engenharia. Republicano convicto, mudou-se para os Estados Unidos, residindo neste país por algum tempo. Voltou para o Brasil somente depois da proclamação da República. No Brasil, terminou pobre e tido por muitos como louco. Sua obra permaneceu na obscuridade até os autores modernistas a recuperarem, por verem nela inovações literárias. Obra: O Guesa Errante
LITERATURA
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LEUTZE, Emanuel (1816-1868). "Storning of the Teocalli by Cortez and his trops" (1848). A v i o l ê n c i a e a ex p l o ra ç ã o econômica na América, durante o período colonial, marca o genocídio dos povos nativos, assunto que é abordado no poema de Sousa Andrade.
• Resumo de O Guesa errante O Guesa errante é um poema narrativo organizado em XIII cantos, dos quais quatro ficaram inacabados. O poema tem como foco narrativo a lenda indígena quíchua do Guesa Errante (o sem lar), criança roubada dos pais e oferecida em sacrifício ao deus do Sol. O Guesa antes de ser sacrificado faz uma peregrinação por várias partes do mundo e testemunha as transformações do mundo moderno: as máquinas, as grandes cidades, a bolsa de valores de Nova York, o capitalismo – visto pelo poeta como uma doença. O poema foge dos padrões românticos, escapando de uma visão simplesmente nacionalista, pois denuncia, através da história do Guesa, a exploração do latino-americano. 6.
PROSA ROMÂNTICA
ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de. (1850-1899). "Moça lendo" (1892). As grandes consumidoras dos romances românticos no Brasil são as moças da burguesia, as quais levavam uma vida ociosa, preparando-se para o casamento.
A prosa romântica surgiu através do romance, forma literária que já fazia sucesso na Europa. Essa produção literária servia para deleite da nova classe em ascensão, a burguesia. No Brasil também encontrou público leitor. Inicialmente, os romances europeus eram traduzidos e publicados nos jornais brasileiros em forma de folhetins, diária ou semanalmente. Os romances de folhetim eram escritos em linguagem fácil, com poucas abstrações e personagens superficiais. O primeiro romance romântico brasileiro foi O filho do pescador, de Teixeira e Sousa; entretanto foi a partir da publicação de A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, que se institui de fato o romance romântico no Brasil. 208
LITERATURA
Outros autores brasileiros também passam a produzir romances românticos. Pouco depois da publicação de A moreninha, aparecem no Rio Grande do Sul, A divina pastora e O corsário, de Caldre Fião. No Romantismo, brasileiro foram desenvolvidos basicamente 4 tipos de romances.
Romance urbano
Romance regionalista
Romance histórico
Romance indianista
Apresenta frequentemente como cenário a cidade do Rio de Janeiro, enfatizando a vida da burguesia na corte. Alguns textos abordam questões morais e socias. Ex.: José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Manuel Antônio de Almeida. Focalizado no interior do Brasil, descrevendo os costumes pitorescos e a paisagem geográfica. Ex.: José de Alencar, Alfredo de Taunay, Franklin Távora e Bernardo Guimarães. Procuram contar episódios da história brasileira de forma nacionalista. Ex.: José de Alencar; e Alfredo de Taunay. Valorização do indígena, salientando sua nobreza e coragem, em uma perspectiva de valorizá-lo como um dos fundadores da “raça” brasileira. Ex.: José de Alencar
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) Nasceu no Rio de Janeiro e formou-se em Medicina, mas não quis exercer a profissão, dedicando-se à literatura, à política e ao jornalismo. Copiou o modelo de romance europeu, ambientando-o no Brasil. Os cenários são as ruas e paisagens conhecidas do Rio de Janeiro e os personagens fazem parte da sociedade carioca. A fórmula do Dr. Macedinho, como era conhecido, obteve muito sucesso. Obras: A moreninha; O moço loiro; As mulheres de mantilha; Memórias da Rua do Ouvidor; A luneta mágica.
• Resumo de A Moreninha Seu romance inicial, A moreninha (1844), comoveu e encantou a burguesia carioca: o cenário principal do romance é a Ilha de Paquetá. A narrativa inicia-se com dois colegas de Medicina conversando, Filipe e Augusto, este último conhecido entre os amigos por sua volubilidade em relação às donzelas. Filipe convida Augusto para um final de semana na Ilha de Paquetá, afirmando que os ares do lugar fariam-no apaixonar-se por alguma moça. Combinaram que, caso Augusto se apaixonasse no decorrer de quatro finais de semana, ele deveria escrever um romance contando como se apaixonou, o que obviamente acontece no final do romance. Augusto se apaixona por Carolina (a moreninha), irmã de Filipe. Depois de alguns obstáculos, os dois terminam juntos.
LITERATURA
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José de Alencar (1829-1877) O autor, filho de família tradicional do Ceará, mudou-se ainda criança para a corte, onde se formou em Direito. Foi deputado no Ceará e Ministro da Justiça. Acabou falecendo de tuberculose no Rio de Janeiro. É o autor mais importante do Romantismo, fez os quatro tipos de romance. Através de seus romances procurou construir um painel da cultura brasileira; dentro do seu projeto nacionalista procurou criar uma linguagem literária brasileira. Acabou se desentendo com Franklin Távora por defender a manutenção da escravidão no Brasil. OBRAS
TEMAS
Romances indianistas: • O Guarani • Iracema • Ubirajara
A narrativa ocorre no passado; o índio é idealizado, semelhante ao cavaleiro medieval idealizado; descrição de hábitos culturais indígenas.
Romances históricos: • As minas de Prata • Alfarrábios • A Guerra dos Mascates
Transcorrem no Brasil Colonial; origens do Brasil como nação.
Romances urbanos: • Lucíola • Senhora • Diva • Encarnação
Centrados em personagens femininas; amores conturbados; soluções conservadoras adequadas à realidade cultural da sociedade.
Romances regionalistas ou sertanistas: • O Gaúcho • O tronco do ipê • Til • O sertanejo
Descrição dos costumes regionais; idealização dos personagens.
ANOTAÇÕES
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LITERATURA
PROSA ROMÂNTICA: REGIONALISTA OU SERTANISTA 7.
Aquarela do austríaco Thomas Ender, um dos pintores que participou da expedição Langsdorff, ao lado de Hercules Florence, Amadeu Taunay e Rugendas. A expedição, através de várias imagens, catalogou hábitos e costumes do cotidiano de grupos étnicos encontrados no interior do Brasil, em fazendas e aldeias indígenas.
Reúne autores do Romantismo que deslocam o cenário da cidade do Rio de Janeiro para regiões interioranas do Brasil. As narrativas procuram criar um painel de curiosidades culturais locais.
Bernardo Guimarães (1825-1884) Nasceu em Ouro Preto, foi estudar Direito em São Paulo, depois retirou-se para o interior de Minas Gerais na intenção de exercer o cargo de juiz. Escreveu na linha inaugurada pelo regionalismo de José de Alencar, empenhando-se em revelar o Brasil rural, distante do litoral. Existe na obra do autor uma intenção realista em descrever o interior, mas as obras não atingem profundidade. Seus romances oscilam entre um realismo superficial e um enredo melodramático. Nesta linha ainda podem ser citados Franklin Távora e Visconde de Taunay, são os chamados “sertanistas” românticos. Obras: O ermitão do Muquém (1864); O garimpeiro (1872); O seminarista (1872); A escrava Isaura (1875)
Alfredo E. Taunay ou Visconde de Taunay (18431899) Nasceu no Rio de Janeiro e formou-se na Escola Militar. Dedicou-se à vida política chegando a ser Senador; também participou da Guerra do Paraguai. Com a queda da Monarquia, abandonou a vida política. No romance Inocência, procura fazer uma descrição minuciosa da região. Obras: A retirada de Laguna (1871); Inocência (1872)
Franklin Távora (1842-1888) Nasceu no interior do Ceará, estudou Direito em Pernambuco. Depois se estabeleceu no Rio de Janeiro onde ocupou um cargo burocrático. Seus romances, ambientados no Nordeste, desfilam personagens como o vaqueiro, o matuto e o cangaceiro. Com o romance O cabeleira inaugura a temática do cangaço na literatura brasileira. Obras: O Cabeleira; O Matuto; Lourenço
LITERATURA
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PROSA ROMÂNTICA: OS COSTUMES POPULARES 8.
Duas imagens de Debret representando o cotidiano das ruas do Rio de Janeiro. Tal cenário também aparece nas peças de Martins Pena e no romance Memórias de um sartgento de milícias.
A prosa romântica se caracterizou fundamentalmente por apresentar romances urbanos ambientados na cidade do Rio de Janeiro, abordando os costumes da burguesia. Porém, o romance Memórias de um sargento de milícias apresenta uma inovação ao padrão romântico, pois a narrativa é ambientada na cidade do Rio de Janeiro, abordando a vida e os costumes dos humildes, dos pobres.
Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) Nasceu no Rio de Janeiro, apesar de ser filho de família pobre frequentou o curso de Medicina, o qual não pode seguir porque o jornalismo lhe absorvia quase todo o tempo. Escreveu um único romance aos 23 anos de idade. Morreu vítima de um naufrágio no litoral brasileiro. Obra: Memórias de um sargento de Milícias (1854-55)
• Resumo de Memórias de um sargento de milícias A história é ambientada no tempo de D. João VI. O autor faz uma espécie de crônica dos costumes populares do Rio de Janeiro do período apresentando: festas, danças, música, vida religiosa, vida familiar, organização policial, etc. O foco do romance está no personagem Leonardo (o Leonardinho), filho de Leonardo Pataca. O romance conta sua história desde o nascimento até a vida adulta, quando, depois de muitas peripécias, acaba se tornando sargento de milícias. Memórias de um sargento de milícias é um romance picaresco, onde o narrador onisciente e em 3° pessoa interfere na história com comentários cheios de humor, mas não moralizantes. Alguns personagens são “tipos”, como “o compadre” e “a comadre”. Leonardo é o primeiro anti-herói da literatura brasileira, é o malandro, que, através do “jeitinho” e da esperteza, se livra das encrencas em que se mete. A linguagem do romance se aproxima da coloquialidade. Alguns críticos veem neste romance um prelúdio do Realismo. ANOTAÇÕES
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LITERATURA
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UCS) Os poetas românticos têm uma vasta produção artística e são mais conhecidos pelas temáticas que desenvolvem. É o que se pode dizer, por exemplo, de Gonçalves Dias, que valoriza _______________; de Casimiro de Abreu, que enfoca _______________ da infância; e de Castro Alves, que apresenta _______________ e a defesa dos escravos.
Assinale a alternativa que preenche correta e respectivamente as lacunas acima. (A) o índio – a saudade – o amor mais carnal (B) o escravo – a vida boêmia – o amor platônico (C) o português – a dor da morte – o amor carnal (D) a natureza – o amor mais carnal – a dor da saudade (E) a noite – as lembranças – a vida boêmia Gabarito: A Gonçalves Dias, destaque da 1ª Geração da poesia romântica, canta em sua poesia a imagem do índio, da natureza; já Casimiro de Abreu, pertencente à 2ª Geração, destaca em sua poesia a saudade da pátria e da família; e Castro Alves, inserido na 3ª Geração, além da defesa da abolição e dos ideais republicanos, também cantou o amor, fugindo um pouco ao padrão de outros autores românticos, já que seu eu lírico, na condição de um verdadeiro Dom Juan, vive cenas amorosas picantes, mais carnais, como se vê no poema "O adeus de Teresa".
2 (UFRGS) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo, na ordem em que aparecem.
O primeiro romance brasileiro foi O Filho do Pescador, de Teixeira e Sousa. Foi, entretanto, _________________ o responsável pelo surgimento do verdadeiro romance brasileiro, com_____________. Ao fixar os costumes da sociedade carioca do seu tempo, atendendo às expectativas burguesas, este autor adequou o romance romântico________ aos cenários_______________ e às normas patriarcais. (A) Joaquim Manuel de Macedo – O Moço Loiro – brasileiro – urbanos (B) José de Alencar – Lucíola – europeu – locais (C) Visconde de Taunay – Inocência – brasileiro – rurais (D) Joaquim Manuel de Macedo – A moreninha – europeu – locais (E) José de Alencar – Senhora – europeu – urbanos Gabarito: D Apensar do romance A moreninha não ser o primeiro romance romântico brasileiro, foi a obra de Joaquim Manuel de Macedo que fixou as características da prosa romântica brasileira, tais como a ênfase da narrativa em cenas da burguesia carioca a partir de passeios, bailes, namoros e casamentos, os quais transcorrem dentro de um mundo idealizado e sentimentalista, características copiadas do Romantismo europeu e adaptadas aos cenários e personagens brasileiros.
LITERATURA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFPARÁ) Em relação ao Romantismo, é verdadeiro afirmar que foi uma corrente literária (A) da segunda metade do século XVII que se caracterizou pela total obediência às regras vigentes na época. (B) cujos seguidores eram contra o arrebatamento lírico e preconizavam a arte pela arte, o virtuosismo técnico e o primado da razão sobre o sentimento. (C) cujas principais características foram a liberdade de criação, a primazia da emoção sobre a razão, o subjetivismo, o culto da natureza, a evasão no tempo e no espaço. (D) surgida logo após a Primeira Guerra Mundial e caracterizada por obras em prosa profundamente marcadas pela angústia da existência e pelo absurdo da condição humana. (E) extremamente rica, que veio à luz na época do Renascimento e cujas primeiras manifestações revalorizavam os ideais clássicos de beleza, tais como: o equilíbrio, a harmonia e a clareza de expressão. 02. (UFPR) Leia o texto abaixo. Gonçalves Dias é um grande poeta, em parte por encontrar na poesia o veículo natural para a sensação de deslumbramento ante o Novo Mundo [...]. O seu verso, incorporando o detalhe pitoresco da vida americana ao ângulo romântico e europeu de visão, criou (verdadeiramente criou) uma convenção poética nova. Esse cocktail de medievismo, idealismo e etnografia fantasiada nos aparece como construção lírica e heroica, de que resulta uma composição nova para sentirmos os velhos temas da poesia ocidental. CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira.
Considerando o trecho citado e a leitura integral do livro Últimos Cantos, de Gonçalves Dias, assinale a alternativa correta. (A) A representação dos povos indígenas descreve as tradições coletivas dessas comunidades, mas pode, por vezes, apresentar os sentimentos individuais e particulares de alguns de seus membros. (B) Gonçalves Dias demonstra em sua poesia americana o interesse de se distanciar da tradição indianista, apresentando temas universais, nos quais o gosto pelo exótico e pela tematização do nacional não deveria predominar. (C) A tematização da miscigenação entre índios e brancos é considerada prejudicial, uma vez que apagaria os traços próprios da cultura indígena que deveriam ser preservados. (D) O emprego exclusivo de poemas narrativos longos demonstra que o livro pretende ser uma epopeia que cultua os valores heroicos e descarta a expressão lírica amorosa. 214
LITERATURA
(E) A diversidade de temas e de modelos formais se contrapõe ao emprego da mesma medida métrica em todos os poemas. 03. (UFG) Leia o fragmento do poema apresentado a seguir. SPLEEN E CHARUTOS I SOLIDÃO […] As árvores prateiam-se na praia, Qual de uma fada os mágicos retiros... Ó lua, as doces brisas que sussurram Coam dos lábios teus como suspiros! Falando ao coração que nota aérea Deste céu, destas águas se desata? Canta assim algum gênio adormecido Das ondas moças no lençol de prata? Minh'alma tenebrosa se entristece, É muda como sala mortuária... Deito-me só e triste, sem ter fome Vejo na mesa a ceia solitária. Ó lua, ó lua bela dos amores, Se tu és moça e tens um peito amigo, Não me deixes assim dormir solteiro, À meia-noite vem cear comigo! AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos.
Fenômeno recorrente na estética romântica, o processo de adjetivação permite ao eu lírico, no poema transcrito, (A) intensificar sua tristeza, ressaltando uma perspectiva pessimista da vida. (B) demarcar sua individualidade, expressando seu estado de espírito. (C) detalhar suas intenções amorosas, nomeando seus sentimentos. (D) descrever as coisas circundantes, apresentando uma visão objetiva da realidade. (E) revelar um sentimento platônico, enumerando as qualidades da amada
Instrução: Leia o poema O adeus de Teresa, de Castro Alves, da obra Espumas Flutuantes para responder às questões de 04 a 06. O ADEUS DE TERESA A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus... E amamos juntos... E depois na sala “Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala... E ela, corando, murmurou-me: “adeus.” Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... E da alcova saía um cavaleiro Inda beijando uma mulher sem véus... Era eu... Era a pálida Teresa! “Adeus” lhe disse conservando-a presa... E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!” Passaram tempos... séc’los de delírio Prazeres divinais... gozos do Empíreo... ... Mas um dia volvi aos lares meus. Partindo eu disse – “Voltarei!... descansa!...” Ela, chorando mais que uma criança, Ela em soluços murmurou-me: “adeus!” Quando voltei... era o palácio em festa!... E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa!... E ela arquejando murmurou-me: “adeus!” 04. (UEL) Sobre características do estilo de Castro Alves presentes no poema, considere as afirmativas a seguir. I. Presença de uma visão erotizada do amor e da mulher. II. Abandono da temática social presente nos poemas sobre os escravos. III. Confirma sua inserção na segunda geração do Romantismo. IV. Revela infiuência do sentimentalismo amoroso adulto. Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e IV são corretas. (B) Somente as afirmativas II e III são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. (E) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.
05. (UEL) Acerca do poema, é correto afirmar: I. A palavra “adeus” apresenta variações de significado. II. Na terceira estrofe, a ausência do eu-lírico é marcada por hipérboles. III. Há ruptura da idealização da figura feminina. IV. O amor espiritual sobrepõe-se ao amor carnal. Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas I e III são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. (E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 06. (UEL) Considerando os recursos de composição utilizados no poema, assinale a alternativa correta. (A) As reticências acentuam a emotividade do par amoroso e assinalam suspensões temporais. (B) O uso do verso decassílabo reproduz o ritmo da valsa que embala o casal durante todo o poema. (C) A alternância do comportamento de Teresa entre amor e ódio é marcada pelo refrão. (D) As inversões sintáticas são utilizadas para intensificar o sofrimento de Teresa. (E) O uso da comparação na primeira estrofe revela o caráter firme de Teresa. 07. (UEL) A imagem possibilita ainda comparar as estratégias de vendas atuais com aquelas usadas pelos jornais no Brasil do século XIX. Sobre o tema, leia o texto a seguir. A invasão maciça do folhetim traduzido do francês, que vai estender-se por anos a fio, nem por isso elimina o calouro romance nacional: ambos vão coexistindo em regime de alternância. O que não falta é a novela diária, exemplo seguido por todo novo jornal da capital e, pelo que vi rapidamente, da província. [...] E tal sucesso mostra igualmente [...] a existência no Brasil de um público consumidor de novelas já suficiente para constituir-se em elemento favorável de venda do jornal. MEYER, Marlyse. O Folhetim: uma história.
Com base no texto, é correto afirmar: (A) A associação entre a produção da literatura folhetinesca e o jornal ocupou um espaço reduzido no cenário cultural brasileiro oitocentista. (B) O campo editorial já era consolidado no Brasil do século XIX, característica que dificultou ao jornal aproximarse da literatura. (C) O jornal foi um veículo irrelevante para a divulgação de obras e escritores brasileiros no século XIX. (D) A publicação do romance-folhetim nos jornais permitiu a constituição de um público leitor interessado e efetivo. (E) A publicação da literatura em capítulos diários na imprensa restringiu o interesse do leitor, o que significou uma queda na comercialização dos jornais. LITERATURA
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08. (FUVEST) O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera? José de Alencar. Bênção Paterna. Prefácio a Sonhos d’ouro. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome, outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda e as tintas de que matiza o algodão.
10. (ENEM) Pobre Isaura! Sempre e em toda parte esta contínua importunação de senhores e de escravos, que não a deixam sossegar um só momento! Como não devia viver aflito e atribulado aquele coração! Dentro de casa contava ela quatro inimigos, cada qual mais porfiado em roubar-lhe a paz da alma, e torturar-lhe o coração: três amantes, Leôncio, Belchior e André, e uma êmula terrível e desapiedada, Rosa. Fácil lhe fora repelir as importunações e insolências dos escravos e criados; mas que seria dela, quando viesse o senhor?!...
José de Alencar. Iracema.
GUIMARÃES, Bernardo. A escrava Isaura.
Glossário: “ará”: periquito; “uru”: cesto; “crautá”: espécie de bromélia; “juçara”: tipo de palmeira espinhosa. 66 Com base nos trechos acima, é adequado afirmar:
A personagem Isaura, como afirma o título do romance, era uma escrava. No trecho apresentado, os sofrimentos por que passa a protagonista
(A) Para Alencar, a literatura brasileira deveria ser capaz de representar os valores nacionais com o mesmo espírito do europeu que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera. (B) Ao discutir, no primeiro trecho, a importação de ideias e costumes, Alencar propõe uma literatura baseada no abrasileiramento da língua portuguesa, como se verifica no segundo trecho. (C) O contraste entre os verbos “chupar” e “sorver”, empregados no primeiro trecho, revela o rebaixamento de linguagem buscado pelo escritor em Iracema. (D) Em Iracema, a construção de uma literatura exótica, tal como se verifica no segundo trecho, pautou-se pela recusa de nossos elementos naturais.
(A) assemelham-se aos demais escravos do país, o que indica o estilo realista da abordagem do tema da escravidão pelo autor do romance. (B) demonstram que, historicamente, os problemas vividos pelas escravas brasileiras, como Isaura, eram mais de ordem sentimental do que física. (C) diferem dos que atormentavam as demais escravas do Brasil do século XIX o que revela o caráter idealista da abordagem do tema pelo autor do romance. (D) indicam que, quando o assunto era o amor, as escravas brasileiras, de acordo com a abordagem lírica do tema pelo autor, eram tratadas como as demais mulheres da sociedade. (E) revelam a condição degradante das mulheres escravas no Brasil, que, como Isaura, de acordo com a denúncia feita pelo autor, eram importunadas e torturadas fisicamente pelos seus senhores.
09. (UFRGS) Considere as seguintes afirmações sobre romances do século XIX I. Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, narra as aventuras e desventuras de Leonardo Pataca e de seu filho Leonardo no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. II. A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, narra a história de uma escrava de pele clara que é assediada por vários pretendentes, inclusive o seu senhor, Leôncio, que a persegue durante quase toda a narrativa. III. Inocência, de Visconde de Taunay, narra o amor bem-sucedido do personagem-título por um jovem e prestigiado médico, cujo principal objeto na vida é retornar para o Rio de Janeiro e abandonar sua clientela acanhada e caipira. Quais estão corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas III. (C) Apenas I e II. (D) Apenas II e III. (E) I, II e III.
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LITERATURA
GABARITO CAPÍTULO 1 01. A
02. D
03. D
04. B
05. B
06. C
03. A
04. D
05. C
06. D
03. D
04. C
05. D
03. B
04. D
05. A
06. E
03. D
04. B
03. B
04. E
05. B
06. A
07. E
08. B
07. D
08. B
CAPÍTULO 2 01. D
02. D
CAPÍTULO 3 01. C
02. E
CAPÍTULO 4 01. B
02. E
CAPÍTULO 5 01. E
02. D
CAPÍTULO 6 01. C
02. A
09. C
10. C
LITERATURA
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GEOGRAFIA 221 Capítulo 1 GEODEMOGRAFIA 247 Capítulo 2 INDICADORES SOCIAIS 259 Capítulo 3 NOÇÕES ESPACIAIS 269 Capítulo 4 CARTOGRAFIA 283 Capítulo 5 ELEMENTOS DO UNIVERSO 299 Capítulo 6 FUSO HORÁRIO
GEODEMOGRAFIA Introdução A geodemografia é a ciência que estuda especificamente as populações humanas. Seu objetivo é analisar as variáveis, como o tamanho, a distribuição espacial, a estrutura e a composição das populações, devendo ressaltar que as variáveis não são estáticas, elas mudam em relação umas às outras. Precisamos notar que existem dois modos principais de tratar dados de população: estático e dinâmico. Estático – está relacionado ao tamanho e à composição de uma população. Dinâmico – envolve variáveis demográficas básicas que são suscetíveis a mudanças e relações mútuas que conferem multiplicidade aos resultados, como taxas de mortalidade, nascimento, migração, entre outros. A população foi mudando e se desenvolvendo durante os séculos. Vamos a um breve resumo da evolução da população na história. Segundo registros de filósofos gregos Platão e Aristóteles, que viveram nos séculos III e IV a.C., o aumento da população assegurava o território. Quando das migrações, direcionavam para áreas subpovoadas do território. Já com os romanos, devido à expansão do Império, as condições passaram a ser favoráveis ao crescimento da população, principalmente para a ocupação e a exploração do território. Estima-se que a população cresceu cerca de dez vezes, entre 114 a.C. e 28 d.C. A partir da queda de Roma, em 476, ocorreu a descentralização do poder e a concentração das pessoas nos feudos. Importante também lembrarmos que a sociedade era dividida em estamentos. Pouca mobilidade social. Com o comércio voltando a se tornar importante, após as cruzadas, notamos o surgimento do Estado e o desenvolvimento da burguesia , iniciando o período mercantilista. A explosão demográfica passou a aparecer com mais ênfase a partir do século XVIII, no momento da Revolução Industrial, onde passou a ser importante a mão de obra e o mercado consumidor. “Caracteriza a população do século XVIII até a atualidade como sendo das máquinas, tempo do relógio e da produtividade, quando o homem vive o conflito entre a natureza e sua exploração, com o incentivo cada vez maior ao consumo.” (Moreira, 2006)
FATORES CONJUGADOS DE OCUPAÇÃO 1.
A distribuição populacional humana não é uniforme, e há fatores físicos, naturais e econômicos que explicam a existência de áreas de grandes concentrações ao lado de grandes vazios populacionais.
Capítulo 1
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Fatores Conjugados de Ocupação 2. Dimensões Demográficas
Competência de área 6 - Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. H26 - Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 - Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e/ou geográficos. H28 - Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos. H29 - Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas. H30 - Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas
População: é o conjunto de pessoas que residem em determinada área, que pode ser um bairro, um município, um estado, um país ou mesmo o planeta como um todo. Etnia: é um grupo de pessoas que têm em comum algumas características socioculturais e biológicas. Nação: é um termo utilizado para se referir a um grupo de pessoas ou habitantes que compartilha de uma mesma origem étnica, de um mesmo idioma e de costumes relativamente homogêneos.
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GEOGRAFIA
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Fatores
Físicos ou Naturais
Elementos
Água (Hidrografia) Clima (Climatologia) Solo (Pedologia) Relevo (Geomorfologia)
Conjugação Ecúmenas: áreas mais favoráveis, por exemplo, as de clima temperado, os planaltos tropicais, as planícies; os vales e deltas fluviais. Anecúmenas: áreas desfavoráveis à ocupação humana. Dentre elas, estão as regiões polares, os desertos, as elevadas altitudes e as florestas equatoriais.
Históricos
Povoamentos mais antigos costumam ser mais habitados que povoamentos mais recentes. De fato, as maiores concentrações populacionais do mundo (Extremo Oriente: Oeste da China, Coreia e Japão; Ásia das Monções: Sul e Sudeste Asiáticos; Europa CentroOcidental).
Autóctone - Etnias que ali sempre habitaram; aborígine, indígena, nativo. Alóctone - Etnia que não é nativo do lugar que habita adaptadas.
Econômicos
Formas de produção espacial
Setores produtivos: agrícola, industrial e comercial.
A distribuição irregular da população está relacionada diretamente aos fatores conjugados de ocupação. As terras emersas limitam a ocupação humana.
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Terras Emersas
Oceanos, Mares e Rios
149 milhões de Km²
361 milhões de Km²
29%
71%
GEOGRAFIA
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Costa da Islândia, porção de terra emersa.
2.
DIMENSÕES DEMOGRÁFICAS
A divisão dimensional da demografia facilita e racionaliza o estudo da dinâmica populacional. Geodemografia Analítica
Indicadores demográficos Indicadores sociais
Geodemografia Teórica
Teorias demográficas
Geodemografia Política
Dinâmica migratória Controle de natalidade Planejamento familiar
Taxa: representa o volume de um dado específico em uma determinada população ou grupo num período de tempo. Como por exemplo, as taxas de natalidade e de mortalidade. Em outro momento, o termo taxa pode representar a soma do crescimento populacional. Razão: é a relação entre diferentes valores, como a diferença da quantidade de população entre homens e mulheres, a diferença entre faixas etárias, entre outras. Proporção: é a grandeza de um determinado dado que é originado do mesmo grupo populacional em relação ao seu total. Por exemplo, a proporção de crianças de 0 a 4 anos em relação ao total da população.
Geodemografia Analítica Produção e análise de indicadores demográficos e sociais, que permitem o reconhecimento evolutivo da população. Dados Demográficos
Descrição
Fonte
Unidades de enumeração
Estatística de Estoque
Contagem da população em um instante de tempo (Tamanho, distribuição e estrutura)
Censos demográficos Levantamentos amostrais periódicos
Indivíduos
Estatística de Fluxo (Eventos Vitais)
Contagem de eventos ao longo do tempo (nascimentos, óbitos e migração)
Registro civil
Eventos
Idade: corresponde à faixa etária dos indivíduos da população. A idade pode ser definida por ano, mês e dia. Nos levantamentos de dados e para algumas análises, é comum a formação de grupos etários que funcionam com agrupamentos de classes para que a dinâmica populacional possa ser mais facilmente interpretada, como a faixa entre 30 e 34 anos completos.
A geodemografia analítica exige o reconhecimento de algumas medidas demográficas. É necessário utilizar diferentes tipos de medidas, dentre as quais se destacam: Razão
Relação entre valores que pertencem a populações diferentes. Por exemplo, considere a relação entre o total de homens e o total de mulheres de uma população, geralmente chamada de razão de sexos.
Proporção
Relação entre grandezas que provêm de uma mesma população, ou seja, em que o numerador é parte do denominador.
Taxa
Representa a magnitude de um evento demográfico em uma determinada população ou parte dela, em um certo período de tempo.
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GEOGRAFIA
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Tipos de gráficos • Coluna
• Setorial
Evolução da dens 25
Concluintes por área de conhecimento -30°
-40°
habitantes/km2
3,14%
Ciências (Biológicas, Ambientais, da Terra, Química e Física), Matemática e Computação Humanidades e Artes
10
15,39%
5
Agricultura e Veterinária 15,94%
-30°
Serviços (Ciências Domésticas, Esportes, Hotelaria, Beleza, Segurança, Transporte e Turismo)
-30°
0
1940
1970
1960
1950
1980
1991
2000
2010
• Barra
• Linha Desmatamento na Amazônia - 2000-2014 30 000
60
80
100
120
5 000 0
00 Mulheres
Homens
06
40
Número de óbitos/100 000 habitantes
07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14
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05
0
6. Existem elementos gráficos desnecessários ou que dificultem a visualização da informação?
10 000
20
0a9
04
10 a 14
20
5. Existem “quebras” nos eixos que sejam difíceis de notar?
15 000
03
15 a 19
20 000
20
25 a 29 20 a 24
25 000
02
30 a 39
20
Faixa etária (anos)
40 a 49
01
50 a 59
20
60 e mais
20
3. Os eixos começam em zero ou não? 4. As escalas dos eixos são constantes?
Engenharia, Produção e Construção 41,14%
20
2. A fonte dos dados está explícita no gráfico, na figura ou no texto que a acompanha?
Saúde e Bem-Estar Social
20
1. Qual o título ou objetivo do gráfico?
Educação
13,12%
15
Taxa média de desmatamento (km2/ano)
Quando for analisar um gráfico, procure observar os seguintes pontos:
Ciências Sociais, Negócios e Direito
6,03%
20
Dicas Para Analisar Gráficos Estatísticos
-30°
2,61%
2,63%
Fonte: IBGE.
Indicadores Demográficos • População Absoluta População absoluta é o número total de habitantes de um determinado lugar. Pode também ser definido como uma população fixa, que tem suas casas ou moradias fixas em um lugar. Populoso – quando as pessoas ocupam todo o território em que estão inseridos, como leste asiático, leste da China, norte da Índia, nordeste dos EUA e o Japão. Pouco populoso – ao contrário do populoso, encontramos a Amazônia, a Patagônia, a Sibéria – regiões também denominadas de vazios demográficos. Se analisarmos os continentes, vamos notar que o asiático concentra o maior número de habitantes, abrangendo mais da metade de toda a população mundial. Somando somente a Índia e a China, temos aproximadamente 35% da população do planeta. Quanto ao Brasil, podemos observar que tem uma população absoluta alta, sendo um dos países mais populosos do mundo. No entanto, devido ao seu tamanho, encontramos vários vazios demográficos. Países mais populosos 2021 Classificação
Países
População total
1º lugar
China
1.425.893.465
2º lugar
Índia
1.407.563.842
3º lugar
Estados Unidos
336.997.624
4º lugar
Indonésia
273.753.191
5º lugar
Paquistão
231.402.117
6º lugar
Brasil
214.326.223
7º lugar
Nigéria
213.401.323
8º lugar
Bangladesh
169.356.251
9º lugar
Rússia
145.102.755
10º lugar
México
126.703.138
Estimativa da população do país em relação à população mundial (%) menos de 0,1 de 0,1 a 0,5 de 0,5 a 1,0 de 1,0 a 5,0
Fonte: IBGE.
mais de 5,0 sem dados
224
GEOGRAFIA
Fleming 2023
ESCALA 1:200 000 000 1 000
0
2 000 km
PROJEÇÃO DE ECKERT III
A população brasileira chega a 213,3 milhões de habitantes, estima IBGE O levantamento aponta que 21,9% da população está concentrada em 17 municípios com mais de 1 milhão de habitantes
A estimativa reforça a percepção de que os municípios pequenos (com até 20 mil habitantes) estão perdendo moradores, à medida que os médios estão crescendo e as maiores cidades estão se estabilizando em termos de crescimento populacional.
População brasileira chega a 213,3 milhões de habitantes, estima IBGE — Português (Brasil) (www.gov.br)
Fleming 2023
GEOGRAFIA
225
• População Relativa ou Densidade Demográfica População relativa corresponde à média de habitantes por quilômetro quadrado. Densamente povoado é o território que tem elevada densidade demográfica, como por exemplo, o delta do rio Ganges, na Índia, o Leste da China, a Europa como um todo e o Japão. E, fracamente povoado, quando tem baixa densidade demográfica, como é o caso do Canadá, Austrália e norte da Rússia. No Brasil é importante notarmos que cerca de 58% da população vive no litoral. Além disso, temos a região Sudeste do país com cerca de 44% da população total, sendo a região mais densamente povoada, com 84,21 hab/km2.
RR
AP
AM
PA
MA
CE PI
AC
TO
RO
SE BA
MT GO
DF MG
MS
ES SP
Faixa de 200 km do litoral que concentra cerca de 58% da população total do Brasil
RJ
PR SC
Escala 1: 60 000 000 0
RS
RN PB PE
300
600 km
AL
População total
Área total (km2)
Densidade demográfica (habitantes/km2)
Bangladesh
169.356.251
148.460
1.301,04
Índia
1.407.563.842
3.287.263
473,42
Paquistão
231.402.117
796.095
300,18
Nigéria
213.401.323
923.768
234,31
China
1.425.893.465
9.596.960
148,53
Indonésia
273.753.191
1.904.569
143,26
México
126.703.138
1.964.375
64,67
Estados Unidos
336.997.624
9.833.517
36,84
Brasil
214.326.223
8.510.345,540
25,64
Rússia
145.102.755
17.098.242
8,86
Projeção Policônica
Fonte: IBGE.
ESCALA 1:150 000 000 750
0
1 500 km
PROJEÇÃO DE ROBINSON
2
Baixo
226
GEOGRAFIA
Fleming 2023
) Alto
• Taxa Bruta de Mortalidade (TBM) Corresponde ao índice obtido por meio da relação entre o número de mortes ocorridos em um ano e a população absoluta. O resultado pode ser expresso por mil habitantes ou em porcentagem. Exemplo: Mortes (óbitos) em 1 ano: 1.900.000 População absoluta: 190.000.000 1.900.000 1 no de mortes ocorridas em 1 ano = 190.000.000 = 100 = 1% ou 10‰ (10 por 1000) população absoluta
• Taxas Específicas de Mortalidade (TEM) Corresponde ao índice obtido por meio da relação entre o número de mortes ocorridas em um ano e a população de uma faixa etária específica. Por exemplo, o número de mortes entre 0 e 5 anos. Expectativa de Vida TAXA DE MORTALIDADE DE MENORES DE CINCO ANOS NO MUNDO
A esperança de vida das mulheres chegou a 79,6 anos e continuou maior que a dos homens, que ficou em 72,5 anos. Indicadores superiores à média nacional
Mortes por mil 0 - 12 12 - 25 25 - 40 40 - 75 75 - 100 100 - 150 150 e acima sem dados
Grupo Interinstitucional da ONU para Estimativa da Mortalidade Infantil, acesso em 20/01/2023.
• Expectativa de Vida A expectativa de vida, também conhecida como esperança de vida ao nascer, é obtida a partir da análise compartimentada da população, com pesos diferentes para as diversas faixas etárias, ou seja, não é apenas uma média de vida, que é obtida a partir da soma das idades das pessoas mortas dividida pelo número de mortes no ano.
Santa Catarina
79,4 anos
Espírito Santo
78,5 anos
Distrito Federal
78,4 anos
São Paulo
78,4 anos
Rio Grande do Sul
78,0 anos
Minas Gerais
77,5 anos
Paraná
77,4 anos
Rio de Janeiro
76,5 anos
No outro extremo, com as menores expectativas de vida Piauí
71,2 anos
Maranhão
70,9 anos
• Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) Corresponde a incidência de um nascido vivo vir a falecer antes de completar 1 ano de idade. Usualmente, esta taxa é calculada como a relação entre os óbitos de menores de 1 ano ocorridos durante um ano calendário e o número de nascimentos do mesmo ano.
• Taxa Bruta de Natalidade (TBN) Corresponde ao índice obtido por meio da relação entre o número de nascimentos ocorridos em um ano e a população absoluta. O resultado pode ser expresso por mil habitantes ou em porcentagem.
IBGE, 2019.
INDICADORES DEMOGRÁFICOS Taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos 1940/2017 | Brasil 160 146,6 140 120 100 80 60 40
0
Exemplo: Nascimentos em um ano: 3.800.000 População absoluta: 190.000.000
12,8
20
1940
2017
Fonte: IBGE.
3.800.00 2 no de nascimentos ocorridos em 1 ano = 190.000.000 = 100 = 2% ou 20‰. população absoluta Fleming 2023
GEOGRAFIA
227
• Taxa Específica de Fecundidade (TEF) Refere-se ao quociente entre o número de nascidos vivos de mães de determinado grupo etário e o número de mulheres neste grupo etário.
• Taxa de Fecundidade Geral (TFG) Corresponde à relação entre o número de nascidos vivos e a população feminina em idade reprodutiva em determinado ano. Considera-se como estando em idade reprodutiva a população feminina entre 15 e 49 anos. TAXA TOTAL DE FECUNDIDADE POR PAÍS OU ÁREA, 2019
Nascido vivo por mulher 4 ou mais 2,1 - 4 1,5 - 2,1 Menos de 1,5 Sem dados
Fonte: Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, Divisão de População (2019). Perspectivas da População Mundial 2019.
TAXA DE FECUNDIDADE GERAL NO BRASIL 7,5 6,5
6,2
6,3
6,3 5,8
5,5 4,5
4,4
3,5 2,7 2,5 1,5
2,1
2,4 1,86
1940
1950
1960
1970
1980
1990
2000
2010 IBGE, 2019.
228
GEOGRAFIA
Fleming 2023
• Crescimento Vegetativo (CV) – Natural ou Vertical O crescimento vegetativo é o saldo natural obtido entre o número de nascimentos e óbitos em uma população.
Fonte: UN Population Division. World Population Prospects 2019. http://population.un.org/wpp/.
• Regime Demográfico O processo de transição demográfica é a passagem de uma situação de relativo equilíbrio (baixo crescimento), devido ao elevado nível da natalidade e mortalidade, para outra situação também de equilíbrio, caracterizada por níveis substancialmente mais baixos de natalidade e mortalidade. Evolução da população mundial
A transição demográfica
Taxas elevadas
6.000
Taxa de natalidade Taxa de mortalidade 2.000 1.000 500 250
Taxa de crescimento vegetativo Taxas baixas
Regime demográfico tradicional
1ª etapa em andamento Queda de mortalidade, aumento do crescimento vegetativo
Era Cristã
1.650
1.850
1.950
Início Séc. XXI
Habitantes
Transição demográfica 1ª etapa
2ª etapa iniciada Queda de fecundidade, crescimento vegetativo muito elevado
2ª etapa
2ª etapa avançada
Regime demográfico moderno
Era Cristã - 250 milhões
1.950 - 2 bilhões
1.650 - 500 milhões
Início século XXI 6 bilhões
1.850 - 1 bilhão
Transição finalizada
Fecundidade em queda constante, crescimento vegetativo moderado
Mortalidade baixa, fecundidae baixa, mas flutuante
PITTE, Jean R. A natureza humanizada.
Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), o co nt i n g e nte p o p u l a c i o n a l do planeta atingirá a marca de 9 bilhões de habitantes em 2050, ou seja, um acréscimo de aproximadamente 2,1 bilhões de habitantes, sendo a taxa de crescimento de 0,33% ao ano. Fleming 2023
GEOGRAFIA
229
• Inverno Demográfico
O inverno demográfico ou déficit demográfico é uma característica de territórios ou regiões com crescimento vegetativo negativo (CV-), ou seja, que apresentam taxas de mortalidade maiores do que as taxas de natalidade. Isso significa dizer, em termos mais simples, que ocorre uma redução populacional absoluta e natural. Essa situação se faz presente a partir do final do século XX.
• Classificação por Idade – Estrutura Populacional Existem duas formas de classificação. Tanto uma quanto a outra levam em conta, de forma aproximada, a relação que existe entre a idade biológica e a idade profissional: PEA (População Economicamente Ativa). Idade Biológica
População
Idade Profissional
Até 19 anos
Jovem
População em Idade Não Ativa - PINA
20 e 59 anos
Adulto
População em Idade Ativa - PIA
60 anos ou mias
Idoso
População em Idade Inativa - PII
• População Economicamente Ativa - PEA Compreende o potencial de mão de obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a população ocupada e a população desocupada. ''População ocupada é a população que, num determinado período de referência, trabalhou ou tinha trabalho mas não trabalhou (por exemplo, pessoas em férias). População desocupada são aquelas pessoas que não tinham trabalho, num determinado período de referência, mas estavam dispostas a trabalhar, e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva nos últimos 30 dias (consultando pessoas, jornais, etc)''. (IBGE) Distribuição da População Pelos Setores da Economia
230
GEOGRAFIA
Fleming 2023
Setor Primário
Exploração de recursos naturais, produção agropecuária, extrativismo vegetal e mineral. Exemplo: agricultura, mineração, pesca, pecuária, extrativismo vegetal e caça.
Setor Secundário
Transforma matérias-primas (produzidas pelo setor primário) em produtos industrializados. Exemplo: roupas, máquinas, automóveis, alimentos industrializados, eletrônicos.
Setor Terciário
Atividade econômica relacionada aos serviços. Exemplo: comércio, serviços, transportes, comunicações, administração pública.
Distribuição da População Economicamente Ativa ( Brasil ) - 2021 Setor Setor Primário Setor Terciário Secundário Comércio 17,8% 20,5 % 21,4% 58,1% Serviços 40,3%
Bônus Demográfico População residente, segundo o sexo (%)
51,1
48,9
Homens Mulheres
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2021.
O bônus demográfico é um momento da pós-transição demográfica caracterizado por expressiva redução da fecundidade e aumento da expectativa de vida de uma população. Assim, é possível identificar um aumento da proporção de pessoas em idade ativa em relação à população de pessoas em idade inativa. Consequências do bônus demográfico
(%) 80
– Redução da fecundidade; – Aumento da expectativa de vida; – Redução da razão de dependência; – Possível formação de poupança (Economia Interna).
70 60
Total Jovens (0-14/15-64) Idosos(65+/15-64)
50 40 30
Políticas do bônus demográfico – Políticas macroeconômicas de promoção do pleno emprego, investimento em formação de capital humano; – Acumulação de poupanças para financiamento de atividades produtivas; – Quanto maiores forem a geração de emprego e o grau de formalização da força de trabalho, maiores serão as chances de realização do bônus demográfico.
20 10 0 2000
2010
2020 2030 2040 2050 2060
A razão de dependência de uma população mede a razão entre a população economicamente dependente (PINA+PII ) e a população economicamente ativa (PIA).
• Pirâmide Etária – Histograma Etário É o mais usado e efetivo método de apresentação gráfica da população por sexo e idade. Consiste de dois histogramas vertical/inverso, um de costas para o outro. As barras representam grupos de idade em ordem crescente da menor para a maior idade. O número de homens ou mulheres em cada grupo de idade determina o comprimento das barras, partindo do centro. Conceitos Estrutura etária: composição da população por idade. Pirâmide etária: histograma que representa a estrutura etária da população (por idade e sexo).
Classe Oca ou Hiato demográfico – número de indivíduos inferior ao da classe etária seguinte Fleming 2023
GEOGRAFIA
231
Classe etária – grupo de indivíduos cujas idades se inserem em intervalos. Grupo etário – conjunto de indivíduos com idade semelhantes (Jovens, Adultos e Idosos). Evolução da estrutura etária brasileira (1980-2020) Idade Mulheres Homens (em anos)
Idade Mulheres Homens (em anos) 70 ou mais 65 a 69
1980
70 ou mais 65 a 69
1990
60 a 64 55 a 59
60 a 64 55 a 59
50 a 54
50 a 54
45 a 49
45 a 49
40 a 44 35 a 39
40 a 44 35 a 39
30 a 34
30 a 34
25 a 29
25 a 29
20 a 24
20 a 24
15 a 19
15 a 19
10 a 14 5a9
10 a 14 5a9
0a4 10
8
6
4
2
0a4 0
0
2
4
6
8
10
10
8
6
4
2
0
0
Milhões de habitantes Idade Mulheres Homens (em anos)
8
6
2020*
55 a 59
4
2
0
6
8
10
70 ou mais 65 a 69
60 a 64
60 a 64 55 a 59
50 a 54
50 a 54
45 a 49
45 a 49
40 a 44 35 a 39
40 a 44 35 a 39
30 a 34
30 a 34
25 a 29
25 a 29
20 a 24
20 a 24
15 a 19
15 a 19
10 a 14 5a9
10 a 14 5a9
0a4 10
4
Idade Mulheres Homens (em anos)
70 ou mais 65 a 69
2000
2
Milhões de habitantes
0a4 0
2
4
6
8
10
10
8
6
4
Milhões de habitantes
2
0
0
2
4
6
8
10
Milhões de habitantes *Estimativa.
Jovens
Adultos
Idosos
Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1998. Censo demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2001.
232
GEOGRAFIA
Fleming 2023
Idade da população 2010 -60º
-70º
-50º
-40º
Boa Vista
O
C
E
A
N
O
Macapá
0º
A
Equador 0º
T
L
Â
N T
Belém
I
C
O
São Luís
Manaus
Fortaleza
Teresina
Natal
João Pessoa Recife Porto Velho Rio Branco
-10º
Maceió
Palmas
-10º
Aracaju
Salvador
Cuiabá
BRASÍLIA Goiânia
Belo Horizonte
Campo Grande
Vitória
P A C Í F I C O
-20º
População de 65 anos ou mais (%)
Rio de Janeiro
São Paulo
A
T
L
Â
N
T
C
O
Trópico
de Capric
órnio
Curitiba
1,46 a 4,00 Florianópolis
C
E
A
N
O
O
4,01 a 6,00
O C E A N O
-20º
I
6,01 a 8,00
Porto Alegre
8,01 a 10,00
Escala 1: 25 000 000
-30º
125
10,01 a 20,42
0
-30º
250 km
Projeção Policônica Meridiano de Referência: -54º W. Gr Paralelo de Referência: 0 º
-70º
-60º
-40º
-50º
-30º
Composição da população residente, por sexo e idade - Brasil anos acima de 80
2010
0a4
(anos) 2000
75 a 79 70 a 74 65 a 69 60 a 64 55 a 59 50 a 54 45 a 49 40 a44 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 15 a 19 10 a 15 5a9
1991
Homens
8
6
Mulheres
4
2
0
2
4
6
8
%
% da população
• Piramide Etária da População Brasileira 2000 14,2 milhões de pessoas > 60 anos
HOMENS
MULHERES
2050 66,4 milhões de pessoas > 60 anos
HOMENS
MULHERES
Fleming 2023
GEOGRAFIA
233
Teorias Demográficas O crescimento demográfico, desde tempos mais remotos, sempre foi tema de debates e reflexões, estabelecendo sempre uma discussão entre as disponibilidades de recursos, número de habitantes e o desenvolvimento socioeconômico.
• A Teoria Malthusiana
Em 1798, Thomas Malthus publicou, de forma anônima, a primeira edição de “Ensaios Sobre o Princípio da População”. O livro nasceu como resultado das discursões de Malthus com seu pai, que influenciado pelo filósofo William Gowin, afirmava que a miséria era consequência do mau desempenho das instituições e que a terra só poderia alimentar a todos os seres humanos se houvesse melhoras na assistência pública à população pobre, para se conseguir uma maior igualdade social.
Thomas Robert Malthus foi um pastor e economista britânico, criador do primeiro grande postulado sobre o crescimento da população e suas possíveis consequências. No século XVIII, escreveu Ensaios sobre os princípios da população, em dois volumes, em que expressou sua enorme preocupação com o acelerado crescimento demográfico e as suas consequências danosas para a sociedade. Segundo a teoria demográfica de Malthus, se não ocorressem guerras ou epidemias, a população mundial dobraria, em média, a cada 25 anos, isto quer dizer que a população seguiria o ritmo de uma progressão geométrica. Ao mesmo tempo, a produção de alimentos não seguiria o mesmo padrão, justamente por possuir uma limitação: a disponibilidade de terras. Primeiro postulado de Malthus As guerras, os desastres naturais e as epidemias são um meio de controle do crescimento desordenado da população. Na falta de qualquer um desses eventos, a população tenderia a duplicar no período de 25 anos. Malthus explica que o crescimento seria em progressão geométrica: 2,4,8,16,32. E esse crescimento ocorreria sem parar, continuamente. Segundo postulado de Malthus Enquanto a população cresceria de maneira geométrica, a oferta de alimentos só ocorreria em progressão aritmética: 2,4,6,8,10. Ou seja, não haveria alimentos para todos. A principal consequência seria a fome. Para Malthus, além da escassa oferta de alimentos, era considerado o limite territorial. Segundo ele, haveria um momento em que toda a área agricultável do planeta estaria ocupada. E, com a população crescendo sem nenhuma forma de controle, o Planeta entraria em colapso sem alimentos. Como forma de evitar o problema, Malthus sugeriu que as pessoas tivessem filhos somente se pudessem ter áreas agricultáveis para os suportarem. Ele era um pastor anglicano e, na época, contra a aplicação de métodos anticoncepcionais. Por isso, seu conselho foi denominado sujeição moral. Crítica à teoria Na época em que foi elaborada, a teoria de Malthus resultou da observação de uma limitada área de comportamento rural. Não foi prevista a urbanização, a tecnologia aplicada à produção de alimentos e a distribuição irregular das riquezas do Planeta.
• Teoria da Transição Demográfica No ano de 1929, Warren Thompson propôs o conceito de transição demográfica como forma de contestar a teoria malthusiana. Desse modo, a ideia da existência de um crescimento acelerado da população mundial foi substituída pela de oscilações periódicas, ou seja, épocas de maior e de menor crescimento vegetativo.
234
GEOGRAFIA
Fleming 2023
Taxas elevadas Taxa de natalidade Taxa de mortalidade
Taxa de crescimento vegetativo Taxas baixas
Transição demográfica
1ª Fase - ocorrida em sociedades agrárias e exportadoras de matérias-primas, apresenta taxas de natalidade e mortalidade muito elevadas. 2ª Fase - já revela elevadas taxas de natalidade, mas com queda acentuada da mortalidade, o que se dá pela melhoria das condições de saneamento básico, pelo uso de antibióticos e pelo desenvolvimento tecnológico, ainda que em fase bastante inicial. 3ª Fase - na qual o Brasil se encontra, mostra significativa redução da natalidade, justificada pelo desenvolvimento urbano-industrial, pela maior participação da mulher no mercado de trabalho, por casamentos tardios e pela adoção de métodos contraceptivos. 4ª Fase - presente nas nações mais desenvolvidas do globo, apresenta taxas de natalidade e mortalidade muito baixas, ocorrendo, em alguns casos, o crescimento negativo. Alguns países europeus, por exemplo Alemanha, França e Suécia, oferecem compensações financeiras para os casais terem mais filhos. Tais estímulos têm como foco o aumento da natalidade e do crescimento vegetativo. Se a elevada natalidade, como a que ocorre em países africanos e do Sudeste Asiático, pode representar sérios problemas para os países pobres, a sua drástica redução, com crescimento vegetativo negativo, também causa problemas, como a falta de mão de obra jovem para o trabalho e os excessivos gastos com idosos.
• Atual Contexto Teórico Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por aquilo que se concebeu por explosão demográfica, quando a população mundial começou a aumentar de maneira vertiginosa. Essa taxa de crescimento manteve-se ativa principalmente nos países subdesenvolvidos, em que a população passou a contar, gradativamente, com melhorias sanitárias, que possibilitaram a elevação da expectativa de vida. Por esse motivo, muitos passaram a temer que as previsões de Malthus pudessem, de certo modo, concretizar-se com um eventual caos proporcionado pelo crescimento vertiginoso da população mundial. Em razão disso, muitos passaram a defender a utilização de métodos contraceptivos, afirmando que o nível de desenvolvimento das nações estaria relacionado com o crescimento das taxas de fecundidade. Vale ressaltar que essa é uma teoria demográfica que propõe o controle de natalidade como um dos requisitos fundamentais do desenvolvimento econômico. Retomando a tese de Thomas Malthus, seus defensores viram em uma política rigorosa de limitação de natalidade o recurso básico para evitar: A) o empobrecimento per capita e global da população, uma vez que o número de consumidores aumentaria em proporções sempre superiores ao produto nacional; Fleming 2023
GEOGRAFIA
235
B) a relação desfavorável entre a população global (crianças, adultos e idosos) e sua parcela economicamente ativa; C) a expansão do fator força de trabalho em detrimento da formação de capital, decisiva para o progresso tecnológico; D) a deterioração ecológica, isto é, a destruição do meio ambiente e o esgotamento dos recursos não renováveis do planeta. Teoria Neomalthusiana
Teoria Reformista
O Reformismo foi elaborado em resO Neomalthusianismo é uma teoria de- posta à Teoria Neomalthusiana. Segundo mográfica desenvolvida a partir da a teoria reformista, uma população reelaboração das ideias do pensador jovem e numerosa, em virtude de elevainglês Thomas Malthus (1736-1834). das taxas de natalidade, não é causa, mas Essa perspectiva, em linhas gerais, precoconsequência do subdesenvolvimento. niza a difusão de medidas governamen- Nos países desenvolvidos, onde o padrão tais para intensificar o controle do cresci- de vida da população é alto, o controle mento da população, principalmente em da natalidade ocorre paralelamente à países considerados subdesenvolvidos ou melhoria da qualidade de vida da populaperiféricos. ção e espontaneamente, de uma geração para outra. Ex: controle de natalidade chinês
Ex: planejamento familiar
O Ecomalthusianismo O ecomalthusianismo é uma teoria demográfica que questiona a relação de desequilíbrio entre o crescimento populacional e a disponibilidade de recursos naturais, além da capacidade de a natureza em resistir à crescente intervenção humana em função do aumento gradativo das populações.
• Crescimento Populacional (CP) • CP = Crescimento Vegetativo + Crescimento Horizontal
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• Crescimento Horizontal (CH) • CH = Imigração – Emigração
Migrações no Espaço Mundial O termo migração corresponde à mobilidade espacial da população. Migrar é trocar de país, de Estado, Região ou até de domicílio. Esse processo ocorre desde o início da história da humanidade. Os fluxos migratórios podem ser desencadeados por diversos fatores. Dentre os principais fatores que impulsionam as migrações podem ser citados os econômicos, políticos e culturais. Num abordagem mais prática, podemos entender que o migrante é aquele que se desloca de um local para outro, por determinado período de tempo, com objetivo que se difere de pessoa para pessoa. Assim como acontece o fenômeno da migração, o migrante também recebe algumas classificações de acordo com a OIM (Organização Internacional para as Migrações). Migrante Qualificado – É aquele cujas competências e qualificações (profissionais por exemplo) são um diferencial e interfere no seu ato de migrar. Migrante de curto e longo prazo – O migrante de curto prazo distancia-se de seu local de origem por, no mínimo três meses e, no máximo, um ano, enquanto que o migrante de longo prazo distancia-se do seu local de origem por pelo menos um ano.
• Tipos de Migração Entende-se por migração qualquer mobilidade espacial feita por sociedades humanas. A migração é um movimento que de um lado se configura em emigração, quando o movimento é de saída de um determinado país; e imigração, quando o movimento é de entrada em um determinado país. Com isso, temos países que são considerados países de emigração (aqueles onde predomina a saída de pessoas) e países de imigração (aqueles onde predomina a entrada de pessoas). Se levarmos em consideração o tempo de permanência do migrante, temos: Migração definitiva: quando a migração se dá sem que o migrante saia do local para onde foi, ou que não volte mais para o local de onde saiu. Migração temporária: quando a migração se dá por um tempo que pode ser determinado ou indeterminado.
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Se considerarmos a forma como se deu a migração, temos: Migração espontânea: quando ela se dá por vontade própria do migrante. Migração forçada: quando ela se dá por uma vontade externa ao interesse do migrante. Migração planejada: quando ela se dá de forma planejada a fim de cumprir um determinado objetivo. As migrações podem ser de vários tipos. Se Considerarmos o espaço de deslocamento temos: Migração internacional ou externa: aquela que se realiza de um país para o outro.
Territórios-fortaleza que desenvolveram fortes intrumentos legais de repressão para impedir o ingresso de migrantes Existência de centros de internação para todos aqueles que conseguirem escapar dos meios de controle Barreiras de proteção, dispositivo de vigilância nas fronteiras (alambrados, muros, campos minados, controles militares e policiais, vigilâncias eletrônica e térmica) Barreiras avançadas Zonas-tampão: cooperação militar, policial e técnica e acordos para a gestão dos movimentos transfronteirizados de migrantes ''Frentes secundárias'': regiões ou Estados que implementaram políticas de imigração protecionistas
Migração nacional ou interna: aquela que se realiza dentro do mesmo país. Se subdivide em: Migração inter-regional: aquela que se realiza de uma região para outra. Migração intra-regional: aquela que se realiza dentro da mesma região.
Décadas de 50 e de 60
Décadas de 60 e de 70
Décadas de 70 e de 80
Adaptado de SANTOS, Regina Bega. Migrações no Brasil. São Paulo: Scipione, 1994. Fonte: Inep, questão do ENEM, edição do ano 2000.
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Brasil Os fluxos migratórios no interior do Brasil foram motivados, em sua maioria, por fatores econômicos. A primeira grande onda migratória ocorreu a partir do final do século XVII, quando se descobriram jazidas de ouro no atual estado de Minas Gerais, fazendo com que muitos migrassem do Nordeste para o Sudeste. Com o fim da mineração e ascensão do cultivo do café (século XIX) no interior de São Paulo, este se tornou o principal destino dos migrantes no país. No século XX, o desenvolvimento industrial consolidou o sudeste como a região mais atrativa para os migrantes. Nos anos 1960, a construção de Brasília no centro-oeste e a criação da Zona Franca de Manaus no norte também criaram importantes rotas de migração para estas regiões. Atualmente o agronegócio e o desenvolvimento industrial têm atraído populações para estados do centro-oeste e norte do país, como Goiás, Mato Grosso e Tocantins.
Principais fluxos migratórios na década de 2000 ELABORAÇÃO, Simielli, 2009, com dados de ARAÚJO, Martins, 2006. ©2009, M. C. Simielli.
• Migrações Dentre as migrações internas temos os seguintes movimentos: Êxodo rural: tipo de migração que se dá com a transferência de populações rurais para o espaço urbano. Esse tipo de migração em geral tende a ser definitivo. Suas principais causas são: a industrialização, a expansão do setor terciário e a mecanização da agricultura. Retirantes: é uma pintura feita em 1944 pelo artista brasileiro Cândido Portinari. Foi produzida com a técnica de óleo sobre tela, possui dimensão de 180 x 190 cm e encontra-se no Museu de Arte de São Paulo (MASP).
Retirantes é uma pintura feita em 1944 pelo artista brasileiro Cândido Porti- nari. Foi produzida com a técnica de óleo sobre tela, possui dimensão de 180 x 190 cm e encontra-se no Museu de Arte de São Paulo (MASP). Nessa obra, Cândido Portinari expressa o tema da migração nordestina, realidade de uma parte da população brasileira, que deixa seu lugar de categoria Geográfica, em busca de melhores condições de vida em outras partes do país. Fleming 2023
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O êxodo rural está diretamente ligado ao processo de Urbanização.
Taxa de Urbanização - Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul (atlassocioeconomico.rs.gov.br)
Êxodo urbano: tipo de migração que se dá com a transferência de populações urbanas para o espaço rural. Hoje em dia, é um tipo de migração muito incomum. Migração urbano-urbano: tipo de migração que se dá com a transferência de populações de uma cidade para outra. Tipo de migração muito comum nos dias atuais. Migração sazonal ou temporária Transumância: tipo de migração que se caracteriza por estar ligada às estações do ano. É uma migração temporária em que o migrante sai de um determinado local em um determinado período do ano e, posteriormente, volta, em outro período do ano. É o que acontece, por exemplo, com os sertanejos do Nordeste brasileiro. Migração diária ou pendular: tipo de migração característico de grandes cidades, no qual milhões de trabalhadores saem todas as manhãs de sua casa em direção do seu trabalho e retornam no final do dia. Os momentos de maior aglomeração de pessoas são chamados de rush. Isso se dá em virtude da periferização dos trabalhadores que, muitas vezes, moram a vários quilômetros de distância de seu trabalho, em alguns casos até mesmo em outras cidades que passam a ser chamadas de cidades dormitório. Nesse tipo de migração, está incluído o commuting, movimentação diária de pessoas que moram em um país e trabalham ou vão buscar serviços em outro, os chamados transfronteiriços ou commuters. 240
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Movimento Pendular e Arranjo Populacional Um arranjo populacional é o agrupamento de dois ou mais municípios onde há uma forte integração populacional devido aos movimentos pendulares para trabalho ou estudo, ou devido à contiguidade entre as manchas urbanizadas principais. Para mensurar e, consequentemente, identificar os arranjos populacionais, utilizaram-se três critérios de integração:
1
– a partir dos dados da amostra do Censo DemográForte intensidade relativa fico 2010, levantou-se, por município, o número de dos movimentos pendula- pessoas que só estudam, o número de pessoas que res para trabalho e estudo só trabalham e o número de pessoas que trabalham e estudam.
2
Forte intensidade absoluta – quando o volume absoluto de pessoas que se desdos movimentos pendula- locam para trabalho e estudo, entre A e B, é igual ou res para trabalho e estudo superior a 10.000 pessoas
3
Contiguidade das manchas urbanizadas
– quando a distância entre as bordas das manchas urbanizadas de dois municípios é de até 3 km.
Foram identificados no país 294 arranjos populacionais formados por 953 municípios em 2010, que totalizam 106.246.994 pessoas ou 55,7% da população residente no Brasil naquele ano. Considerando que existem os Arranjos Populacionais Fronteiriços, formados não somente por municípios brasileiros, mas também por unidades político-administrativas equivalentes nos países vizinhos, esse contingente sobe para 107.167 .901 pessoas. Nomadismo: tipo de migração que se caracteriza pelo deslocamento constante de populações em busca de alimentos, abrigo, etc. Esse tipo de migração é típico de sociedades primitivas e, por conta disso, encontra-se em extinção. ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFRGS) Leia o segmento abaixo.
Segundo o IBGE, a partir de 2039, haverá mais idosos que crianças no país, e, em 2060, um em cada quatro brasileiros terá mais de 65 anos. Fonte: IBGE. Acesso em: 05 set. 2018.
O aumento do percentual de pessoas com mais de 65 anos, no total da população brasileira projetada, está relacionado: (A) à estagnação das taxas de migrações. (B) ao aumento da mortalidade infantil. (C) ao aumento das taxas de fecundidade. (D) à diminuição da expectativa de vida ao nascer. (E) à diminuição da natalidade. Gabarito: E A população brasileira tem apresentado uma tendência de queda da taxa de natalidade, diminuição da taxa de fecundidade e redução no crescimento vegetativo. Assim, o porcentual de jovens diminui. Em contrapartida, acontece uma elevação no porcentual de adultos e aumento no porcentual de terceira idade devido ao aumento da expectativa de vida. As mudanças estão relacionadas à urbanização, melhoria de acesso aos sistemas de saúde e educação, emancipação feminina e disseminação do acesso contraceptivos.
2 (UNESP) Em seu processo de transição demográfica, a população brasileira registrou mudanças relacionadas à revolução médico-sanitária. Essas mudanças provocaram:
(A) a redução da taxa de mortalidade e o aumento da expectativa de vida. (B) a ampliação da taxa de natalidade e o aumento da população relativa. (C) a redução da taxa de dependência e a diminuição do número de idosos. (D) a ampliação da taxa de fecundidade e a diminuição da quantidade de adultos. (E) a redução da taxa de fertilidade e a diminuição da população absoluta. Gabarito: A A alternativa [A] está correta, porque a revolução médico-sanitária – processo que levou aos investimentos em saúde pública, vacinação em massa, uso de antibióticos, dentre outros – resultou na redução da mortalidade do país, realidade que, em conjunto com a melhoria da condição de vida, leva ao aumento da expectativa de vida. As alternativas incorretas são: [B] e [D], porque ocorreu redução da taxa de natalidade e fecundidade; [C], porque ocorre aumento do número de idosos e, consequentemente, aumento da taxa de dependência; [E], porque não ocorreu diminuição da população absoluta.
ANOTAÇÕES
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3 (ENEM)
Composição da população residente urbana por sexo, segundo os grupos de idade - Brasil - 1991-2010
Composição da população residente rural por sexo, segundo os grupos de idade - Brasil - 1991-2010
BRASIL. IBGE. Censo demográfico 1991-2010. Rio de Janeiro,. 2011.
A interpretação e a correlação das figuras sobre a dinâmica demográfica brasileira demonstram um(a): (A) menor proporção de fecundidade na área urbana. (B) menor proporção de homens na área rural. (C) aumento da proporção de fecundidade na área rural. (D) queda da longevidade na área rural. (E) queda do número de idosos na área urbana. ,
Gabarito: A Entre 1991 e 2010, a população urbana e rural do Brasil atravessou um processo de queda da taxa de natalidade e de fecundidade acompanhada de uma elevação na expectativa de vida. Observa-se também que as mulheres apresentam maior longevidade que os homens. A base mais estreita da pirâmide urbana, quando comparada a pirâmide rural, indica que a taxa de fecundidade é menor nas cidades.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (PUC-RJ)
02. (ESPM) Observe o mapa a seguir:
Distribuição da população brasileira, segundo o Censo Demográfico Brasileiro de 1872
Brasil: migração (2000-2010)
10 milhões de habitantes 1 milhões 100 mil
Fonte: Maria Elena Simielli. Geoatlas. 13 ed. São Paulo: Ática, 2013, 9.35.
Disponível em: . Acesso em: 26 jul. 2017. Adaptado.
Com base nos dados fornecidos pelo Censo demográfico brasileiro de 1872 – o primeiro a ser realizado pelo então Estado imperial brasileiro – conclui-se que: (A) a ocupação do território brasileiro seguia a lógica colonial portuguesa na América do Sul, com a concentração demográfica no interior e aumento da população ao Leste. (B) as principais cidades brasileiras, em números de população absoluta, na segunda metade do século XIX, eram o Rio de Janeiro, Salvador e Recife. (C) as cidades do sul do país tinham a melhor distribuição de população entre elas, por serem as mais desenvolvidas naquela época. (D) o sertão nordestino vivia uma efervescência demográfica frente ao sucesso do cultivo da cana de açúcar e da mineração. (E) o interior do país tinha uma boa distribuição demográfica, reflexo das políticas de imigração do 2º Reinado.
No período indicado, destaca-se a: (A) forte migração para o sertão nordestino motivado por uma nova corrida do ouro. (B) migração de nordestinos para São Paulo motivada pela expansão da soja. (C) atração de migrantes sulistas para o sertão nordestino para atuar na fruticultura. (D) forte migração de retorno de nordestinos. (E) migração de vários pontos do país para a Amazônia motivada pela mineração. 03. (ENEM)
CALDINI, V. , ISOLA, L. Atlas geográfico. Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2009 (adaptado)
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O padrão da pirâmide etária ilustrada apresenta a demanda de investimentos socioeconômicos para a: (A) redução da mortalidade infantil. (B) promoção da saúde dos idosos. (C) resolução do deficit habitacional. (D) garantia da segurança alimentar. (E) universalização da educação básica. 04. (UEMG) O aproveitamento do “bônus demográfico”, em países que passam atualmente pelo processo de transição demográfica, NÃO será eficaz se: (A) os índices de qualidade de ensino permanecerem inalterados. (B) os anos de contribuição previdenciária forem estendidos. (C) os impostos diretos tiverem seus valores ampliados. (D) as taxas de natalidade forem reduzidas. 05. (FUVEST 2020) É de grande relevância aqui o fato de que uma grande proporção do trânsito de internet do mundo passa pelos Estados Unidos (...). Isso significa que a NSA (a agência de segurança nacional dos EUA) poderia acessar uma quantidade alarmante de ligações telefônicas simplesmente escolhendo as instalações certas. O que é ainda mais inacreditável: essas instalações não passam de alguns prédios, conhecidos como “hotéis de telecomunicação”, que hospedam os principais centros de conexão de internet e telefonia do planeta todo.
(D) o mapa representa, por meio do “trânsito de internet” e do fluxo de “ligações telefônicas”, uma globalização que integrou completamente tanto os norte-americanos quanto as populações da África. (E) a presença de fixos, como algumas instalações de armazenagem e conexão, influencia a orientação de fluxos e dá aos EUA uma posição de destaque no contexto geopolítico. 06. (UERJ) O Programa Fome Zero em seu primeiro ano (2003) quase dobrou a meta, atendendo 1,9 milhão de famílias. O Programa Bolsa Família, que também integra o Fome Zero, foi classificado pelo jornal americano The New York Times como o maior programa do mundo de transferência de renda. Esse programa atendeu cerca de 3,6 milhões de pessoas com uma bolsa de R$ 72,81 em média por mês. A distribuição de cestas básicas chegou a mais de 250 mil famílias, levando comida para cerca de 1,3 milhão de pessoas. Já as compras da agricultura familiar, além de garantirem a produção e a comercialização dos produtos, estão ampliando a renda de cerca de 6,4 mil famílias, beneficiando mais de 32 mil pessoas.Além disso, mais de 290 mil famílias estão incluídas nos programas de distribuição emergencial de água ou no programa de cisternas. Adaptado de correiodobrasil.com.br, 07/01/2004.
O Programa Fome Zero integrou ações governamentais destinadas à melhoria das condições de vida de segmentos específicos da sociedade brasileira. Um dos principais resultados desse programa, a médio prazo, foi: (A) redução da mortalidade infantil. (B) erradicação do desemprego rural. (C) estabilização da migração populacional. (D) redistribuição do operariado qualificado.
Stephen Graham, Cidades Sitiadas: o novo urbanismo militar, 2016. Adaptado.
A respeito da configuração espacial e geopolítica retratada no excerto e no mapa, é possível afirmar que: (A) essa é a razão do grande déficit econômico dos Estados Unidos atualmente, uma vez que a maior parte dos negócios e transações é feita pela internet. (B) essa situação explica o fato de que os Estados Unidos tenham, atualmente, a maior dívida pública do planeta, já que os custos com o tratamento de dados são muito altos. (C) em um mundo cada vez mais dependente dos fluxos imateriais de informação, a presença de objetos técnicos fixos torna-se irrelevante para a posição geopolítica dos Estados Unidos.
07. (FUVEST) O processo de industrialização que se efetivou em São Paulo a partir do início do século XX foi o indutor do processo de metropolização.A partir do final dos anos 1950, a concentração da estrutura produtiva e a centralização do capital em São Paulo foram acompanhadas de uma urbanização contraditória que, ao mesmo tempo, absorvia as modernidades possíveis e expulsava para as periferias imensa quantidade de pessoas que, na impossibilidade de viver o urbano, contraditoriamente, potencializavam a sua expansão. Assim, de 1960 a 1980, a expansão da metrópole caracterizou-se também pela intensa expansão de sua área construída, marcadamente fragmentada e hierarquizada. Esse processo se constituiu em um ciclo da expansão capitalista em São Paulo marcada por sua periferização. Isabel Alvarez. Projetos Urbanos: alianças e conflitos nareprodução da metrópole. Disponível em: http://gesp.fflch. usp.br/sites/gespfflch.usp.br/files/02611.pdf Acessado em 10/08/2015. Adaptado.
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Com base no texto e em seus conhecimentos, é correto afirmar que: (A) o processo que levou à formação da metrópole paulistana foi dual, pois, ao trazer modernidade, trouxe também segregação social. (B) a cidade de São Paulo, no período entre o final da Segunda Guerra Mundial e os anos de 1980, conheceu um processo intenso de desconcentração industrial. (C) a periferia de São Paulo continua tendo, nos dias de hoje, um papel fundamental de eliminar a fragmentação e a hierarquização espacial. (D) a periferização, em São Paulo, cresceu com ritmo acelerado até os anos de 1980, e, a partir daí, estagnou, devido à retração de investimentos na metrópole. (E) a expansão da área construída da metrópole, na década de 1960, permitiu, ao mesmo tempo, ampliar a mancha urbana e eliminar a fragmentação espacial. 08. (FUVEST) São objetivos do Plano Diretor - SP: promover melhor aproveitamento do solo nas proximidades do sistema estrutural de transporte coletivo com aumento na densidade construtiva, demográfica, habitacional e de atividades urbanas; incrementar a oferta de comércios, serviços e emprego em áreas pobres da periferia; ampliar a oferta de habitações de interesse social nas proximidades do sistema estrutural de transporte coletivo. Diário Oficial Cidade de São Paulo, 01/08/2014. Adaptado.
É correto afirmar que tais medidas visam a: (A) estimular a aproximação espacial entre moradia, emprego e serviços na cidade. (B) inibir a verticalização em áreas próximas a vias de circulação e nas periferias. (C) reduzir a densidade demográfica em áreas próximas ao sistema estrutural de transporte coletivo. (D) coibir a distribuição espacial do setor terciário em áreas pobres da periferia. (E) restringir a concentração espacial de habitações de interesse social a áreas periféricas da cidade.
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ANOTAÇÕES
INDICADORES SOCIAIS
Capítulo 2
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução Os indicadores sociais são aplicados como parâmetros para distinguir o grau de desenvolvimento socioeconômico regional e territorial de países, estados e municípios. Permitem a análise sistêmica da qualidade de vida, dos níveis de bem-estar social da família e de outros grupos sociais. Fundamentam a garantia de direitos humanos, do acesso a diferentes bens e serviços e de oportunidades que visam contemplar a heterogeneidade da sociedade humana. Assim, organismos internacionais, agentes governamentais, instituições independentes, como Organizações não Governamentais (ONG’s), a partir dos Indicadores Sociais, estabelecem metas, orientam ações, desenvolvem políticas afirmativas e o planejamento socioeconômico. Esses indicadores, na maioria dos países são pesquisados por órgãos oficiais do governo. No Brasil, quem faz esse trabalho é o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), criado em 1934 e instalado em 1936, no período do governo Getúlio Vargas. Esse órgão é responsável pela pesquisa e produção das estatísticas que compõem o sistema de indicadores sociais. As principais fontes de dados, são as pesquisas realizadas pelo instituto, como o Censo (censo demográfico e contagem populacional) e por amostragem de domicílio (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, PNAD) 1.
1. Sistema de Indicadores 2. Indicadores sociais 3. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
SISTEMA DE INDICADORES Tema
Subtema
Componentes da dinâmica demográfica e estatísticas vitais
População Trabalho remunerado Habitação Família Outras formas de trabalho Condições de vida Grupos populacioDespesa e consumo Educação nais específicos Gênero Pobreza e desigualdade
Rendimento mensal baixo O Brasil é um país que se caracteriza por apresentar uma das piores distribuições de renda, com uma grande parcela da população vivendo em situação de pobreza e miséria. No século XXI, a redução da inflação, a geração de empregos formais, o aumento do salário mínimo acima da inflação e os programas de inclusão social federais contribuíram para a ascensão social de um grande contingente de brasileiros. Porém, devido à pandemia do Covid-19, tivemos um aumento no número de pessoas em situação de pobreza.
Matriz de Referência de Ciências Humanas e suas Tecnologias Competência de área 6 - Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. H26 - Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 - Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e/ou geográficos. H28 - Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos. H29 - Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas. H30 - Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas. Fleming 2023
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Analfabetismo e baixo nível de instrução O problema da falta de escolaridade ou da baixa escolaridade educacional dificulta o acesso do indivíduo a uma melhor qualificação profissional ou impede que ele desempenhe bem o seu trabalho.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019.
A taxa de analfabetismo no Brasil, segundo o IBGE é cerca de 8,3%, em pessoas com 15 anos ou mais. Sabendo dessa taxa, notamos que esse grupo acaba tendo dificuldades em se colocar no mercado de trabalho. Parte desse analfabetismo pode ser analisado pelas crianças que deixam a escola para trabalhar e auxiliar na renda da família.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019.
Trabalho infantil O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) proíbe o desempenho de qualquer atividade laboral por menores de 16 anos, podendo o adolescente trabalhar como aprendiz a partir dos 14 anos. Mesmo existindo a lei, tanto nas cidades como no campo, acontecem fiscalizações e se encontra crianças trabalhando, inclusive com idade inferior a 10 anos. Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país.
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Domicílios e/ou Moradias Cabeça de Porco – Termo comumente usado como sinônimo de moradia coletiva e insalubre, mas muita gente desconhece a origem dessa expressão. Em meados de 1880, existiu um grande cortiço na região portuária do Rio de Janeiro com esse nome, que ficou famoso.
Domicílios, segundo as Grandes Regiões Tipo do domicílio (1 000) 72 395 61 991
Brasil 10 278 5 410
Norte
5 035 359
Saneamento Básico
6,6% 93,1% 18 959 17 276
Nordeste
31 519 25 322
Sudeste
9,2% 90,5 %
6 133
Sul
CentroOeste
O PNAD Contínua levantou informações sobre serviços de saneamento básico. Vamos ver a seguir: abastecimento de água, presença de banheiros e esgoto sanitário, destino do lixo e energia elétrica. A pesquisa feita pelo PNDA se torna importante para sabermos onde precisa ser investido para garantir melhores condições de vida e cuidados à saúde da população.
8,7% 91,1%
1 656
10 946 9 325 1 645
19,5 % 80,3% Total (1)
5 561 5 033 514
14,8 % 85,2%
Casa Apartamento
Condição de ocupação do domicílio (%) Brasil
6 6 ,4
6,1
1 8 ,3
7 4 ,1
Norte Nordeste
2 ,3
7 3, 6
Sudeste
3 ,1
6 2,3
Sul
7,5
6 6 ,5
CentroOeste
8 ,2
2 0 ,8
8 ,0
Próprio de algum morador, ainda pagando
8,9 10,3
15,0
8 ,3
5 7 ,6
Próprio de algum morador, já pago
1 3 ,2
9 ,1
1 7,4
7 ,5
2 3,0
1 1 ,1
Alugado
Cedido
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019. Nota: Domicílios particulares permanentes. (1) Inclui casa de cômodos, cortiço ou cabeça de porco.
Abastecimento de água Domicílios, por fonte de abastecimento de água, segundo as Grandes Regiões (%) 6,1
7,1 2,0 2,1 3,2
13,4 3,6 2,8
21,3
8,7 1,3 3,9
85,5
3,9 2,2
80,0
0,4 1,5 3,5
3,2 2,2
1,4
7,4
6,6
0,1
0,2
92,3
87,9
Sudeste
Sul
87,2
58,8
Brasil Rede geral de distribuição
Norte Poço profundo ou artesiano
Nordeste
Poço raso, freático ou cacimba
Fonte ou nascente
Centro-Oeste Outra forma de abastecimento
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019. Nota: Domicílios particulares permanentes.
Se analisarmos os dados do gráfico, podemos compreender que 85,5% dos domicílios contavam com a rede geral de distribuição como a principal fonte de abastecimento de água. Notamos também que as regiões com maior índice de distribuição são: Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
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Presença de banheiro e esgoto
Norte
Brasil
Nordeste
2016
65,1 66,0 66,8 68,7
Sudeste
2017
Sul
2018
54,9 52,6 55,6 60,0
19,6 20,7 22,2 27,4
46,1 46,0 45,6 47,2
66,9 66,6 66,8 68,3
89,3 89,0 88,7 88,9
Domicílios com rede geral ou fossa séptica ligada à rede geral, segundo as Grandes Regiões (%)
Centro-Oeste 2019
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019. Nota: Domicílios particulares permanentes.
Em 2019, 97,8% dos domicílios do Brasil (70,8 milhões) contavam com banheiro de uso exclusivo. Em 68,3%, o escoamento do esgoto era feito pela rede geral ou fossa séptica ligada à rede geral. Mas, notamos a partir do gráfico, que existe uma grande diferença nas regiões do país.
Destino do Lixo O principal destino do lixo dos domicílios brasileiros é feito por meio de coleta direta por serviço de limpeza diária. A pesquisa do PNAD Contínua mostra que essa coleta diária de lixo vem melhorando gradativamente: de 82,7%, em 2016, para 84,4%, em 2019. Outras modalidades, podemos descrever, a coleta feita por caçamba por serviço de limpeza (7,0%), a queima de lixo na propriedade (7,4%) e outros destinos (1,2%).
Energia Elétrica Posse de bens e serviços nos domicílios (%)
Geladeira 2016
98,2 2017
98,1 2018
98,0 2019
98,1
Máquina de lavar 2016
Podemos concluir pelos dados do PNAD de 2019, que quase a totalidade do país (99,8%) tinha acesso à energia elétrica. Em 72,2 milhões de domicílios (99,5%) a energia elétrica era fornecida pelo rede geral; e em 71,4 milhões (99,2%) esse abastecimento se dava em tempo integral. O percentual de acesso à energia elétrica se manteve elevado em todas as grandes regiões. A variação é de apenas 1,1% entre a Região Norte (98,8%) e as Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste (99,9%).
63,2 2017
63,9 2018
65,1
Domicílios, por posse de automóvel e motocicleta, segundo as Grandes Regiões (%)
2019
66,1
Brasil Norte
Motocicleta 2016
21,8 2017
22,4 2018
22,2 2019
22,9
Automóvel 2016
47,4 2017
47,7 2018
48,8 2019
49,2
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012/2019.
250
GEOGRAFIA
Nordeste
Fleming 2023
Sudeste Sul CentroOeste
49,2
22,9
11,7
28,1 31,8
9,0
28,9 30,4
8,7 11,7
56,4
17,0
68,5
19,7 15,6 16,9
Automóvel
59,8
28,8
Motocicleta
Ambos
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019. Nota: Domicílios particulares permanentes.
Elevadas taxas de mortalidade infantil A taxa de mortalidade infantil no Brasil vem caindo a cada ano, mas está longe de ser boa. Se analisarmos os dados do IBGE desde o ano 2000 até 2022, notaremos que partimos de 30 óbitos a cada 1000 nascidos para 13,3 a cada 1000. Sabemos que isso ocorre devido à dificuldade do acesso à saúde pública e também à subnutrição. 2.
INDICADORES SOCIAIS
Coeficiente de Gini - desigualdade de distribuição de renda O Coeficiente de Gini – também chamado de Índice de Gini – é um dado estatístico utilizado para avaliar a distribuição das riquezas de um determinado lugar. É comumente utilizado para calcular a desigualdade de distribuição de renda, mas pode ser usado para qualquer distribuição. O coeficiente de Gini varia de zero a 1,00. Zero significaria, hipoteticamente, que todos os indivíduos teriam a mesma renda e 1,00, mostraria que apenas um indivíduo teria toda a renda de uma sociedade.
• Representação gráfica do Coeficiente de Gini. O eixo horizontal representa a porcentagem de pessoas e o eixo vertical, a porcentagem da renda. A diagonal representa a igualdade perfeita de renda. Índice de GINI Proporção acumulada de renda
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Corrado Gini (23 de maio de 1884 - 13 de março de 1965) foi um estatístico, demógrafo e sociólogo italiano que desenvolveu o coeficiente de Gini, forma de medição da desigualdade de renda numa sociedade.
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Curva de Lorenz
Proporção acumulada da população
Índice de GINI (quanto mais próximo de 1,000, maior é o nível de desigualdade 0,62
0,6091 0,60
0,5957 0,5828
0,58
0,5902
0,56
0,54
0,5367 0,5304
0,52 1960
1970
1979
1990
2001
2010
0,5190 2012
Fonte: PNAD (IBGE)
Fleming 2023
GEOGRAFIA
251
Concentração de Renda - P90/P10 Em economia, concentração de renda é o processo pelo qual a renda converge para uma mesma empresa, região ou grupo. Um dos métodos usados para medir a concentração de renda é medir quanto o grupo formado pelos 10% mais ricos da população recebe em comparação ao grupo dos 10% mais pobres, conhecido como P90/P10 ou 10% mais ricos a 10% mais pobres.
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano Posição 1º 2º 2º 2º 5º 6º 7º 7º 9º 10º 10º 83º
País Noruega Irlanda Suíça Islândia Alemanha Suécia Holanda Austrália Dinamarca Finlândia Singapura Brasil
IDH 0,957 0,955 0,955 0,949 0,947 0,945 0,944 0,944 0,940 0,938 0,938 0,765
IBGE 2019
Índice de Desenvolvimento Humano(IDH) é utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento desde o ano de 1993. Este índice utiliza certos critérios de avaliação (renda, longevidade e educação) para medir o desenvolvimento humano em 177 países, podendo ser utilizado também, observando-se as modificações para adequá-lo, a núcleos sociais menores. Faixas de Desenvolvimento Humano 0
0,499 0,500
MUITO BAIXO
VIDA LONGA E SAUDÁVEL (longevidade)
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento O PNUD está presente em 166 países do mundo, colaborando com governos, a iniciativa privada e com a sociedade civil para ajudar as pessoas a construírem uma vida mais digna. Em todas as suas atividades, encoraja a proteção dos direitos humanos e a igualdade de gênero e raça.
252
GEOGRAFIA
Fleming 2023
0,599 0,600
BAIXO
ACESSO AO CONHECIMENTO (educação)
0,699 0,700
MÉDIO
0,799 0,800
ALTO
1
MUITO ALTO
PADRÃO DE VIDA (renda)
Ter uma vida longa e O acesso ao conhecimento saudável é fundamental é um determinante crítico A renda é essencial para para a vida plena. para o bem-estar e é acessarmos necessidades A promoção do essencial para o exercício básicas como água, comida desenvolvimento humano das liberdades individuais, e abrigo, mas também para requer que sejam da autonomia e da podermos transcender ampliadas as oportunidades autoestima. A educação essas necessidades rumo que as pessoas têm de é fundamental para a uma vida de escolhas evitar a morte prematura expandir as habilidades genuínas e exercício de e que seja garantido a elas das pessoas para que elas liberdades. A renda é um um ambiente saudável, possam decidir sobre meio para uma série de com acesso à saúde de seu futuro. Educação fins, possibilita nossa opção qualidade, para que possam constrói confiança, por alternativas disponíveis atingir o padrão mais confere dignidade e e sua ausência pode limitar elevado possível de saúde amplia os horizontes e as as oportunidades de vida. física e mental. perspectivas de vida.
Vida longa e saudável
Expectativa de vida ao nascer
Acesso ao conhecimento
Escolaridade da população adulta
Padrão de vida
Fluxo escolar da população jovem
Renda per capita
• Índice de Desenvolvimento Humano Adaptado à Desigualdade (IDHAD) O IDHAD aparece em 2010 para computar as perdas ao nível do desenvolvimento humano impostas pela existência de desigualdades nacionais em cada uma das três dimensões do IDH. Até agora, o IDH, ao apresentar médias, acabava por encobrir desigualdades entre os indivíduos de um determinado Estado. Em consequência, os níveis de desigualdade social no seio de uma nação em nada influem na sua pontuação global ao nível do IDH. O IDHAD, calculado para um conjunto de 139 países, repercute as desigualdades ao nível das dimensões do IDH, diminuindo os seus valores conforme o nível de desigualdade verificado num certo país em cada uma das três dimensões. Por conseguinte, no limite, o IDHAD assume valores iguais aos do IDH, se um país for completamente igualitário no que a cada uma das três dimensões diz respeito, diminuindo à medida que as desigualdades vão crescendo. Logo, o papel fundamental do IDHAD é o de relegar o IDH para um índice potencial, coerente com uma hipotética, e até à data nunca descoberta, igualdade máxima entre os indivíduos.
Em 1990, o PNUD introduziu universalmente o conceito de Desenvolvimento Humano, que parte do pressuposto de que, para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população, é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar três dimensões básicas: renda, saúde e educação. Esse conceito consiste na base do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), publicado anualmente pelo PNUD.
Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2010), hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2010/chapters/pt/
• Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) O Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) reflete desigualdades com base no gênero em três dimensões – saúde reprodutiva, autonomia e atividade econômica.
• Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) O IDH 2010 introduziu o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que identifica privações múltiplas em educação, saúde e padrão de vida nos mesmos domicílios.
1991
2010
Muito baixo Desenvolvimento Humano
Baixo Desenvolvimento Humano
Médio Desenvolvimento Humano
Alto Desenvolvimento Humano
Muito alto Desenvolvimento Humano
(0 a 0,499)
(0,500 a 0,599)
(0,600 a 0,699)
(0,700 a 0,799)
(0,800 a 1)
Fleming 2023
GEOGRAFIA
253
A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 3.
Um relatório da SDSN (Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável) de 2014 para o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, sob a direção do economista Jeffrey Sachs, elencou os seguintes desafios prioritários para o desenvolvimento sustentável: 1) eliminar a extrema pobreza, inclusive a fome; 2) promover o crescimento econômico e o emprego decente dentro dos limites do planeta; 3) assegurar o ensino para todas as crianças e jovens por toda vida; 4) alcançar a igualdade de gênero, inclusão social e direitos humanos para todos; 5) alcançar saúde e bem-estar para todas as idades; 6) melhorar os sistemas agrícolas e aumentar a prosperidade rural; 7) empoderar as cidades inclusivas, produtivas e resilientes; 8) deter a mudança do clima induzido pelos humanos e garantir energia limpa para todos; 9) assegurar segurança à biodiversidade e boa gestão da água, dos oceanos, das florestas e dos recursos naturais; e 10) transformar a governança e as tecnologias para o desenvolvimento sustentável. Em 2014, foi apresentado seu relatório final à Assembleia Geral das Nações Unidas propondo 17 ODSs (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável), cada qual com diversas metas que no total somavam 169, a maioria a ser alcançada até 2030. Esses ODSs se fundamentaram nos ODMs (Objetivo do Desenvolvimento do Milênio) visando concluí-los e responder a novos desafios. Porém, enquanto estes foram pensados para os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, os ODSs foram pensados para todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, o que é mais acertado, pois nesses países também há muita pobreza, desigualdade social, de gênero, analfabetismo, degradação ambiental. Ainda em 2014, um relatório síntese do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, denominado “O caminho para a dignidade até 2030”, defendeu a necessidade de uma agenda para o período 2016-2030 que incluísse os ODSs propostos pelo OWG e atendesse as muitas vozes que pediam uma agenda centrada nas pessoas e sensível ao planeta, a fim de assegurar dignidade humana, igualdade, proteção ambiental, economias saudáveis e liberdade de escolhas para todas as pessoas.
Os 5 Ps da Agenda 2030. PNUD Brasil. 254
GEOGRAFIA
Fleming 2023
1
ERRADICAR A POBREZA
7
ENERGIAS RENOVÁVEIS E ACESSÍVEIS
13
AÇÃO CONTRA A MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
2
ERRADICAR A FOME
3
SAÚDE DE QUALIDADE
4
8
TRABALHO DIGNO E CRESCIMENTO ECONÔMICO
9
INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURAS
10
REDUZIR AS DESIGUALDADES
11
CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
16
PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES
17
PARCERIAS E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO
14
VIDA NA ÁGUA
15
VIDA TERRESTRE
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
5
IGUALDADE DE GÊNERO
6
ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO
12
PRODUÇÃO E CONSUMO RESPONSÁVEIS
17 ODSs (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável). Nações Unidas no Brasil
ANOTAÇÕES
Fleming 2023
GEOGRAFIA
255
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEG) A finalidade primordial da agricultura é a produção de alimentos. Todavia, apesar dos avanços e das conquistas tecnológicas, o número de famintos no mundo continua alto.
COELHO, Marcos Amorim; TERRA, Lígia. Geografia geral: o espaço natural e socioeconômico 5. ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 349.
Com relação a esse tema, é CORRETO afirmar que: (A) a fome no mundo deve-se mais a fatores relacionados às condições naturais adversas, como secas prolongadas, excesso de chuvas, pobreza do solo, entre outras. (B) a existência da fome no mundo é reflexo do preço elevado dos alimentos, da falta de acesso à terra, do controle das multinacionais no mercado agrícola, entre outras causas. (C) a modernização da agricultura gerou oferta recorde e excedente de alimentos para alimentar toda a humanidade, debelando, assim, a fome nos países pobres. (D) nos países subdesenvolvidos, nos quais a principal atividade econômica é a agropecuária, o problema da fome é menor devido à produção de alimentos básicos.
(A) da grande presença de populações não nativas, que não têm tradição em lidar com eventos dessa natureza. (B) do relevo de planalto que caracteriza Moçambique, Zimbábue e Malaui, em especial na zona costeira. (C) da presença de rede hidrográfica e florestas que contribuem para a formação de ciclones dessa natureza e magnitude. (D) da presença de águas superficiais do oceano Índico, com temperaturas mais reduzidas que o habitual, em especial no Canal de Moçambique. (E) das características socioeconômicas da região com populações vulneráveis e reduzida capacidade do poder público em prestar atendimento à população. 03. (UNESP) A condenação à violência pode ser estendida à ação dos militantes em prol dos direitos animais que depredaram os laboratórios do Instituto Royal, em São Roque. A nota emocional é difícil de contornar: 178 cães da raça beagle, usados em testes de medicamentos, foram retirados do local. De um lado, por mais que seja minimizado e controlado, há o sofrimento dos bichos. Do outro lado, está nosso bem maior: nas atuais condições, não há como dispensar testes com animais para o desenvolvimento de drogas e medicamentos que salvarão vidas humanas. Direitos animais. Veja, 25.10.2013.
Sob o ponto de vista filosófico, os valores éticos envolvidos no fato relatado envolvem problemas essencialmente relacionados: (A) à legitimidade do domínio da natureza pelo homem. (B) a diferentes concepções de natureza religiosa. (C) a disputas políticas de natureza partidária. (D) à instituição liberal da propriedade privada. (E) aos interesses econômicos da indústria farmacêutica. 04. (FUVEST) Observe os mapas do Brasil.
02. (FUVEST 2020) O Ciclone Tropical Idai atingiu o litoral de Moçambique na noite de quinta-feira (21/03/2019), provocando grandes danos na cidade de Beira. Cerca de 500 mil pessoas ficaram sem energia, afetando também o setor de comunicações. Disponível em https://www.climatempo.com.br/. Adaptado.
Essa notícia refere-se ao Ciclone Tropical que atingiu principalmente Moçambique, Zimbábue e Malaui. Eventos dessa magnitude e superiores – o Ciclone Idai atingiu apenas a categoria 2 em uma escala de 1 a 5 – ocorrem em outros locais do planeta e não repercutem da mesma forma, com a perda de centenas de vidas. Isso ocorre em função:
256
GEOGRAFIA
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Considere as afirmativas relacionadas aos mapas.
I. Alta concentração fundiária e pouca diversificação da atividade econômica são características de um bolsão de pobreza existente no extremo sul do Brasil. II. A despeito de seus excelentes indicadores econômicos bem como de seu elevado grau de industrialização, a Região Sudeste abriga bolsões de pobreza. III. A biodiversidade da floresta assegura alta renda per capita aos habitantes da Amazônia, enquanto moradores da caatinga nordestina padecem em bolsões de pobreza. IV. Embora Brasília detenha alguns dos melhores indicadores socioeconômicos do país, o próprio Distrito Federal e arredores abrigam um bolsão de pobreza. Está correto o que se afirma em: (A) I, II e III, apenas. (B) I, II e IV, apenas. (C) II e III, apenas. (D) III e IV, apenas. (E) I, II, III e IV. 05. (UEG) Um dos temas mais debatidos no âmbito das ciências humanas é o de desigualdade social. A esse respeito, diversos sociólogos e filósofos dedicaram várias reflexões e pesquisas e a forma de compreensão desse fenômeno é diferenciada de acordo com a escola sociológica ou filosófica. Sobre isso, verifica-se que: (A) uma teoria sociológica bastante discutida sobre desigualdade é a de Marx, segundo a qual ela seria explicada pela exploração e pela luta de classes. (B) a abordagem filosófica da desigualdade que é mais popular é a de Max Weber, segundo a qual ela é fruto da racionalização do mundo ocidental. (C) a concepção sociológica de desigualdade mais conhecida é a de Rousseau, segundo a qual ela teria surgido com o aparecimento da propriedade privada. (D) a análise mais utilizada na filosofia sobre a questão da desigualdade é a de Descartes, segundo a qual ela é gerada pelo acesso ou não acesso ao saber racional.
I. Desacelera o fluxo migratório. II. Busca a integração financeira dos mercados mundiais. III. Impacta de forma negativa nos países subdesenvolvidos provocando a exclusão social. Em relação às afirmativas acima, marque a alternativa CORRETA. (A) Todas as afirmativas estão corretas. (B) Somente as afirmativas I e III estão corretas. (C) Somente as afirmativas II e III estão corretas (D) Somente as afirmativas I e II estão corretas (E) Somente a afirmativa I é correta. 07. (FUVEST) Ainda no começo do século 20, Euclides da Cunha, em pequeno estudo, discorria sobre os meios de sujeição dos trabalhadores nos seringais da Amazônia, no chamado regime de peonagem, a escravidão por dívida. Algo próximo do que foi constatado em São Paulo nestes dias [agosto de 2011] envolvendo duas oficinas terceirizadas de produção de vestuário. José de Souza Martins, 2011. Adaptado.
No texto acima, o autor faz menção à presença de regime de trabalho análogo à escravidão, na indústria de bens (A) de consumo não duráveis, com a contratação de imigrantes asiáticos, destacando-se coreanos e chineses. (B) de consumo duráveis, com a superexploração, por meio de empresas de pequeno porte, de imigrantes chilenos e bolivianos. (C) intermediários, com a contratação prioritária de imigrantes asiáticos, destacando-se coreanos e chineses. (D) de consumo não duráveis, com a superexploração, principalmente, de imigrantes bolivianos e peruanos. (E) de produção, com a contratação majoritária, por meio de empresas de médio porte, de imigrantes peruanos e colombianos.
06. (UFT) A nova onda são estratégias de integração regional, os novos subsistemas do capitalismo mundial. Integração articulada por governos e empresas, setores públicos e privados, conforme potencialidades dos mercados, dos fatores da produção, ou das forças produtivas, de acordo com o movimento do capital orquestrado principalmente pelas transnacionais. IANNI, O. Nação: província da sociedade global? In SANTOS, Milton; SOUZA, MariaAdélia; SILVEIRA, Maria Laura (orgs.) Território: globalização e fragmentação. São Paulo:Hucitec, 1994. (Adaptado)
Em relação à forma do capitalismo, em sua etapa avançada que chamamos de globalização, que, para alguns autores, substitui e torna o imperialismo uma página virada e, para outros, é a sua continuidade, é CORRETO afirmar. Fleming 2023
GEOGRAFIA
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NOÇÕES ESPACIAIS
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução A orientação espacial é a área do conhecimento responsável pela elaboração e estudo da espacialidade das representações cartográficas, incluindo mapas, plantas, croquis e cartas gráficas. Essa área do conhecimento é de grande importância para o desenvolvimento do conhecimento Geográfico, Histórico, Sociológico e abrange todas as formas de linguagem para expressar parcial ou totalmente a realidade.
1. Plano Horizontal 2. Plano Equatorial 3. Plano Polar 4. Ponto Antípoda
Existem, dessa forma, alguns conceitos básicos de Cartografia que nos permitem entender os elementos dessa área de estudos com uma maior propriedade. ANOTAÇÕES
Fleming 2023
GEOGRAFIA
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1.
PLANO HORIZONTAL
Esfera Celeste
Com o movimento de Rotação terrestre, os astros se movem aparentemente no céu, nascendo a leste e se pondo a oeste. Isso causa a impressão de que a esfera celeste está girando de leste para oeste, em torno de um eixo imaginário, que intercepta a esfera em dois pontos fixos, os Polos Celestes. O eixo de rotação da esfera celeste é o prolongamento do eixo de rotação da Terra e os polos celestes são as projeções, no céu, dos polos terrestres.
Pontos referenciais na esfera celeste
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GEOGRAFIA
Fleming 2023
Horizonte
Plano tangente à Terra no lugar em que se encontra o observador. Como o raio da Terra é desprezável frente ao raio da esfera celeste, considera-se que o Horizonte é um círculo máximo da esfera celeste, ou seja, que passa pelo centro da esfera, dividindo a esfera celeste em dois hemisférios, o das estrelas visíveis e o das invisíveis, naquele momento e naquele lugar.
Zênite
Ponto no qual a vertical do lugar (perpendicular ao horizonte) intercepta a esfera celeste, acima da cabeça do observador. A vertical do lugar é definida por um fio a prumo.
Nadir
Ponto diametralmente oposto ao zênite.
Equador Celeste
Círculo máximo em que o prolongamento do equador da Terra intercepta a esfera celeste.
Polo Celeste Norte
Ponto em que o prolongamento do eixo de rotação da Terra intercepta a esfera celeste, no hemisfério norte.
Polo Celeste Sul
Ponto em que o prolongamento do eixo de rotação da Terra intercepta a esfera celeste, no hemisfério sul.
Pontos de Orientação Os pontos de orientação tiveram origem nos astros, no Sol principalmente. O lado onde ele aparecia pela manhã seria o Leste ou nascente, o lado onde desaparecia a tarde seria o Oeste ou poente. O Norte e o Sul têm como referência outras estrelas como o Cruzeiro do Sul, ao Sul, e a Estrela Polar, ao Norte. Esses pontos, que servem de orientação para qualquer tipo de localização, são divididos em Cardeais, Colaterais, Subcolaterais, Intermediários e Inter-intermediários, totalizando 64 pontos. Todos esses pontos são distribuídos numa figura chamada Rosa dos Ventos, que, se fechada através da união de seus pontos, formará um círculo de 360º. Esses graus dentro da Rosa dos Ventos também servem para se localizar.
• Rosa dos Ventos Pontos cardeais 0º Setentrional 180º Meridional 90º Oriente 270º Ocidente
Norte – azimute (N) Sul (S) Leste (L) ou (E) Oeste (O) ou (W) Pontos Colaterais Nordeste (NE) Sudeste (SE) Noroeste (NW) Sudoeste (SW) Pontos Subcolaterais Norte-nordeste (NNE) Leste-nordeste (LNE) Leste-sudeste (LSE) Sul-sudeste (SSE) Sul-sudoeste (SSO) Oeste-sudoeste (OSO) Oeste-noroeste (ONO) Norte-noroeste (NNO)
Boreal Austral Nascente Poente
45º 135º 315º 225º 22,5º 67,5º 112,5º 157,5º 202,5º 247,5º 292,5º 337,5º
ANOTAÇÕES
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GEOGRAFIA
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• Campo Geomagnético O norte geográfico resulta do movimento de rotação da Terra, enquanto o norte magnético é o resultado do campo magnético gerado pelo movimento do núcleo externo em torno do núcleo interno da Terra. Os dois nortes, portanto, expressam fenômenos geofísicos diferentes. Usando esse princípio, os chineses inventaram a bússola, e os europeus se lançaram às grandes navegações.
Polo Sul Magnético
Polo Norte Geográfico
Polo Sul Geográfico
Polo Norte Magnético
Os polos magnéticos estão localizados nas extremidades do eixo magnético e próximos aos polos geográficos, ou seja, o polo sul magnético está próximo do norte geográfico e o polo norte magnético está próximo do sul geográfico. É importante salientar que o eixo magnético não coincide com o eixo de rotação da Tertra, sendo estes separados por aproximadamente 13º.
Polo Norte Geográfico
O funcionamento da bússola se baseia no fato de a agulha imantada (feita de um mineral magnético) ser capaz de captar o campo magnético terrestre e apontar sempre para a direção norte. Com isso, torna-se possível a localização de direções (norte, sul, leste, oeste).
Polo Sul Geográfico
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GEOGRAFIA
Fleming 2023
2.
PLANO EQUATORIAL
Equador é o maior dos paralelos, o círculo máximo, o único que pode dividir a Terra em duas partes iguais (hemisfério Meridional e Setentrional). A medida da Terra nas direções norte e sul tem como ponto de partida o círculo do Equador, por isso ele mede 0º (zero grau).
A Latitude significa a distância em graus entre paralelos, em qualquer ponto da Terra. As medidas latitudinais sempre serão Norte ou Sul e estarão sempre retratadas ao longo dos Meridianos. As latitudes sempre serão de 0º (Equador) a 90º (polos), pois a partir de 90º a contagem começa a reduzir novamente a 0º.
3.
PLANO POLAR
Os meridianos ligam os polos geográficos, são todos do mesmo tamanho e se unem nos polos formando um ponto. Os meridianos mais importantes são os que convencionalmente dividem a Terra em Leste e Oeste: o Meridiano de Greenwich (0º), que está no ponto inicial da divisão da Terra em Graus, e o antimeridiano de Greenwich, que está no ponto antípoda (contrário) do Greenwich (180º).
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GEOGRAFIA
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A longitude significa a distância em graus entre os meridianos da Terra. As medidas longitudinais sempre serão Leste ou Oeste. As longitudes sempre serão de 0º (Greenwich) até 180º (antimeridiano de Greenwich), pois representam a metade de um círculo.
As coordenadas geográficas são representações de latitudes e longitudes, paralelos e meridianos que se cruzam e caracterizam a localização absoluta de um ponto.
264
GEOGRAFIA
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17/01/2023 02:19
Google Earth
LATITUDES E LONGITUDES DA AMÉRICA DO SUL
1.000 km
Câmera: 12.005 km 20°44'46"S 53°31'48"W
Google Data SIO, NOAA, U.S. Navy, NGA, GEBCO Landsat / Copernicus IBCAO U.S. Geological Survey PGC/NASA INEGI
4.
PONTO ANTÍPODA
Antípoda se refere à qualquer lugar da superfície terrestre em oposição a uma coordenada geográfica, tanto longitudinalmente quanto latitudinalmente. Como calcular a antípoda: https://earth.google.com/web/search/brasil/@-20.68772752,-53.51976594,-843.8384511a,12005921.68296218d,35.00000992y,0h,0t,0r/data=Cigi… 1/1
Latitude – é a mesma, porém no hemisfério oposto, em relação à Linha do Equador. Longitude – é a subtração entre 180º e a longitude do local conhecido. Exemplo: Porto Alegre – latitude 30ºS e Longitude 51ºW Antípoda – latitude 30ºN e Longitude 129ºE (180 – 51 = 129)
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GEOGRAFIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFPR) Para se orientar na superfície do globo, o homem criou uma série de noções espaciais, entre elas a chamada Rosa dos Ventos, que dá as direções pelos pontos cardeais, colaterais, subcolaterais e intermediários. Utilizando-se de uma Rosa dos Ventos para analisar o alinhamento AB, marcado no cartograma a seguir, no qual 1 cm gráfico representa 65 km de terreno, é correto afirmar que a direção do alinhamento e a escala numérica fracionária do cartograma são, respectivamente:
(
) Por se tratar de equipamento de baixa precisão, as bússolas não devem ser utilizadas para determinar direções. ( ) Em geral, o leste geográfico diverge do leste magnético apontado pela bússola. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta, de cima para baixo. (A) F – V – V – F. (B) V – F – V – F. (C) F – F – V – V. (D) V – V – F – F. (E) V – F – F – V. 04. (UFRGS) Um grupo de exploradores está pesquisando em um sítio arqueológico, localizado nas coordenadas geográficas 0° e 120° leste.
(A) SSE paraWNW (Su-sudeste para Oes-noroeste) - 1/65. (B) SE para NNW (Sudeste para Nor-noroeste) - 1/6.500. (C) SSE para NW (Su-sudeste para Noroeste) - 1/650.000. (D) ESE para NW (Es-sudeste para Noroeste) - 1/65.000. (E) ESE para WNW (Es-sudeste para Oes-noroeste) 1/6.500.000. 02. (UEL) Leia a descrição seguinte: ___________ aponta a direção de um ponto localizado no horizonte ou de um corpo celeste, fornece ângulos que variam de 0° a 360°, sempre no plano horizontal, a partir do norte e no sentido horário. A expressão que preenche adequadamente a lacuna é:
(A) hemisfério norte. (B) continente asiático. (C) continente americano. (D) hemisfério ocidental. (E) continente africano. 05. (UNESP) 1. É o valor angular do arco de meridiano compreendido entre o equador e o paralelo do lugar de referência. Será sempre norte ou sul. 2. É o valor angular, junto ao eixo da Terra, do plano formado pelo prolongamento das extremidades do arco compreendido entre o meridiano de Greenwich e o arco do lugar de referência, considerando-se este plano sempre paralelo ao plano do equador. Será sempre leste ou oeste.
(A) O azimute. (B) A analema. (C) A declinação. (D) A latitude. (E) A longitude.
No excerto, 1 e 2 correspondem, respectivamente, a:
03. (UFPR) Um indivíduo situado em Porto Alegre (RS) observou, através de uma bússola, que, no inverno, a direção do nascer do sol não coincidia com a direção leste, mas sim com a direção nordeste. A respeito do assunto, identifique as afirmativas a seguir como verdadeiras (V) ou falsas (F).
(A) longitude e latitude. (B) latitude e longitude. (C) longitude e meridiano. (D) trópico e paralelo. (E) latitude e paralelo.
(
) No inverno, a direção do sol nascente não coincide com o leste geográfico. ( ) Bússolas são sensíveis a campos magnéticos locais, que desviam as direções, sendo este o fator que justifica a divergência entre a direção apontada por elas e a do nascer do sol.
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Sobre a localização desse sítio, é correto afirmar que se encontra no
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Paulo A. Duarte. Fundamentos de cartografia, 2008. Adaptado.
06. (FUVEST) Diz-se que dois pontos da superfície terrestre são antípodas quando o segmento de reta que os une passa pelo centro da Terra.
ANOTAÇÕES
Podem ser encontradas, em sites da internet, representações, como a reproduzida abaixo, em que as áreas escuras identificam os pontos da superfície terrestre que ficam, assim como os seus antípodas, sobre terra firme. Por exemplo, os pontos antípodas de parte do sul da América do Sul estão no leste da Ásia.
Se um ponto tem latitude x graus norte e longitude y graus leste, então seu antípoda tem latitude e longitude, respectivamente: (A) x graus sul e y graus oeste. (B) x graus sul e (180-y) graus oeste. (C) (90-x) graus sul e y graus oeste. (D) (90-x) graus sul e (180-y) graus oeste. (E) (90-x) graus sul e (90-y) graus oeste.
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CARTOGRAFIA
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução Técnica e a arte de produzir mapas, é a linguagem da Geografia. Mapas físicos, políticos e temáticos revelam os aspectos visíveis da paisagem ou as fronteiras políticas, espelham projetos de desenvolvimento regional ou contribuem para organizar operações militares. As tentativas de cartografar o espaço geográfico remontam aos povos antigos, que já registravam elementos da paisagem e fixavam pontos de referência para seus deslocamentos e expedições. A cartografia se desenvolveu paralelamente ao comércio e à guerra, acompanhando a aventura da humanidade. A cartografia é a representação da Terra num plano (o mapa), ou seja, trata-se de um "sistema plano de meridianos e paralelos sobre os quais pode ser desenhado um mapa" (Erwin Raisz. Cartografia geral. p. 58).
1. Elementos de um mapa 2. Projeção Cilíndrica 3. Projeção Cônica 4. Projeção Azimutal 5. Anamorfoses Cartográficas 6. Projeções Especiais 7. Isolinhas 8. Sensoriamento Remoto
Os termos mapa e carta são muitas vezes usados como sinônimos. No entanto, de maneira geral, os mapas correspondem às representações mais genéricas (como um planisfério), enquanto as cartas geográficas normalmente consistem em representações de espaços mais restritos e com maior grau de detalhamento, como as constantes do guia de ruas de uma cidade.
1.
ELEMENTOS DE UM MAPA
A confecção de um mapa é uma tarefa de certa complexidade. Abrange um conjunto de operações que vão desde os levantamentos no próprio terreno e a análise de documentação (fotos aéreas, por exemplo) até o estudo de expressões gráficas (legendas, etc.) e outros aspectos. Os mapas modernos são elaborados com o auxílio de instrumentos e recursos muito avançados, tais como fotografias aéreas, satélites artificiais e computadores. Principais Elementos Escala
A escala nos informa quantas vezes o objeto real (no caso a Terra ou parte dela) foi reduzido em relação ao mapa.
Projeções cartográficas
Projeção cartográfica é a representação de uma superfície esférica (a Terra) num plano (o mapa). Fleming 2023
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Escala Os cartógrafos trabalham com uma visão reduzida do território, sendo necessário indicar a proporção entre a superfície terrestre e a sua representação. Essa proporção é indicada pela escala. A escala representa, portanto, a relação entre a medida de uma porção territorial representada no papel e sua medida real na superfície terrestre. Escala gráfica: aparece sob a forma de uma reta dividida em várias partes, cada uma delas com uma graduação de distâncias. A sua utilidade é a mesma da escala numérica. Apresenta-se sob a forma de segmento de reta graduado. Por exemplo:
1000 m A escala gráfica é a representação gráfica de distâncias do terreno sobre uma linha reta graduada. É constituída de um segmento à direita de referência zero, conhecido como “escala primária”, e de outro à esquerda, denominado “talão” ou “escala de fracionamento”, dividido em submúltiplos da unidade escolhida, graduados da direita para a esquerda
500
0
Escala 1:25 000
1000
2000 m
1000 m
Escala 1:50 000 2000 0 1000
3000 m
2000 m
0
Escala 1:100 000 4000 2000
6000 m
5 km
0
Escala 1:250 000 5 10
15
20 km
Escala numérica: trata-se de uma fração ou proporção que estabelece a relação entre a distância ou comprimento no mapa e a distância correspondente no terreno. Por exemplo: se um determinado mapa estiver na escala 1:200.000 (um por duzentos mil), isso significa que cada unidade de distância no mapa (1 cm, por exemplo) corresponde a 200 mil unidades (200 mil cm, no caso) no terreno, ou seja, 1 cm no mapa é igual a 200 mil cm no terreno. Categoria Grande Média Pequena
Escala 1:50 000
Escala 1:100 000
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Os Tipos de Escala Escala Finalidade do mapa 1:50 / 1:100 Plantas arquitetônicas e de engenharia. 1:500 a 1:20.000 Plantas urbanas, projetos de engenharia. 1:25.000 a 1:250.000 Mapas topográficos. acima de 1:250.000 Atlas geográficos e globos.
Classificação das Projeções Diferentes projeções cartográficas (mapas e cartas) foram desenvolvidas para permitir a representação da esfericidade terrestre num plano, cada uma priorizando determinado aspecto da representação (dimensão, forma etc.). É importante ressaltar que não existe uma projeção cartográfica livre de deformações, devido à impossibilidade de se representar uma superfície esférica em uma superfície plana sem que ocorram extensões e/ou contrações. As projeções cartográficas são classificadas, principalmente, quanto à superfície de projeção: Projeção Cilíndrica
Projeção Cônica
Projeção Plana
Propriedades: podemos minimizar as deformações ocorridas pela planificação da superfície terrestre no que diz respeito às áreas, aos ângulos ou às distâncias, mas nunca aos três simultaneamente. Os exemplos abaixo mostram a possibilidade de alterar as projeções para o Brasil, de acordo com as propriedades. Equivalência Área
Propriedades Conformidade Forma
Equidistância Distância
Os ângulos não são conservados e as figuras não poderão ser semelhantes à esfera
Mesmo com alterações da escala, os ângulos são mantidos, mas o tamanho das áreas será comprometido
Conservam as distâncias do mapa proporcionais às distâncias contadas sobre a esfera, somente para algumas direções específicas
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2.
PROJEÇÃO CILÍNDRICA
Neste tipo de projeção, as deformações acontecem ao longo das médias e altas latitudes; é o tipo de projeção mais utilizada, principalmente no meio didático. As baixas latitudes apresentam-se respeitando as devidas formas.
PROJEÇÕES DE MERCATOR
PROJEÇÕES DE PETERS
A Projeção de Mercator reflete a hegemonia econômica e política exercida pelos europeus na época.
A Projeção de Peters foi criada em 1973 pelo historiador alemão Arno Peters, procurando representar o mais fielmente às áreas oceânicas e continentais. Este tipo de projeção procurou valorizar a autoestima dos países subdesenvolvidos.
Em 2021, o vestibular da FUVEST apresentou ambas as projeções: Projeção de Mercator
Apresentada pela primeira vez no século XVI.
Projeção de Gall-Peters
Elaborada pela primeira vez no século XIX.
ANOTAÇÕES
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3.
PROJEÇÃO CÔNICA
Muito boa para cartografar as altas latitudes, apresenta distorções ao longo das baixas latitudes. Um aspecto negativo da projeção cônica é o fato de representar áreas pouco extensas e apenas um hemisfério por vez.
– Apresenta paralelos circulares e meridianos radiais, isto é, retas que se originam de um único ponto; – É usada principalmente para a representação de países ou regiões de latitudes intermediárias, embora possa ser utilizada para outras latitudes. 4.
PROJEÇÃO AZIMUTAL
Resulta da projeção da superfície terrestre sobre um plano a partir de um determinado ponto (ponto de vista). De acordo com Erwin Raisz (famoso cartógrafo americano), as projeções azimutais são de três tipos: polar, equatorial e oblíqua. Elas são utilizadas para confeccionar mapas especiais, principalmente os náuticos e aeronáuticos.
ANOTAÇÕES
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5.
ANAMORFOSES CARTOGRÁFICAS São mapas esquemáticos, sem escala cartográfica.
São representações em que as áreas sofrem deformações matematicamente calculadas, tornando-se diretamente proporcionais a um determinado critério que se está considerando. Exemplo:
Também a FUVEST, em 2017, apresentou uma questão contendo duas anamorfoses cartográficas a partir do mapa mundial. A questão associava o mapa I à exportação de armas e o mapa II à importação de armas. No mapa I, EUA, Europa Ocidental e Rússia estão expandidos, enquanto América do Sul e África quase desaparecem. E no mapa II, você consegue identificar os países que mais importam armas?
6.
PROJEÇÕES ESPECIAIS
A Cartografia nos apresenta tipos mais especializados de projeções. Segue uma lista contendo 7 tipos. Nas turmas de turno integral, iremos comentar, em sala de aula, cada uma delas.
Projeção de Miller É uma projeção equivalente cilíndrica.
Projeção cilíndrica equidistante meridiana Os meridianos e paralelos são igualmente espaçados. Era muito empregada na navegação marítima, mas foi substituída pela projeção de Mercator.
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Projeção de Berhmann É uma projeção equivalente cilíndrica (não possui nenhuma superfície de projeção, porém apresenta características semelhantes às da projeção cilíndrica). Projeção de Robinson É uma projeção afilática (não é conforme ou equivalente ou equidistante) e pseudocilíndrica (não possui nenhuma superfície de projeção, porém apresenta características semelhantes às da projeção cilíndrica). Projeção de Eckert III Projeção pseudocilíndrica adequada para mapeamento temático do mundo.
Projeção Policônica É uma projeção afilática (não é conforme ou equivalente ou equidistante) e policônica (utiliza vários cones como superfície de projeção).
Projeção cilíndrica equatorial de Mercator É uma projeção conforme cilíndrica.
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7.
ISOLINHAS
Isolinha, "curva de contorno" ou " linha de mesmo valor" é o termo usado em cartografia que designa as linhas de um mapa que liga os pontos com os mesmos valores de uma ocorrência geográfica ou atmosférica
• Exemplos de isolinhas:
Isoterma: mesma temperatura
Isoieta: mesma precipitação pluviométrica num dado período
Isóbara: mesma pressão atmosférica.
Isóbata: mesma profundidade subaquática.
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Isalcina ou isoalina: mesma salinidade
Isoípsa ou curva de nível: mesma elevação ou altitude
Altimetria Todas as altitudes são contadas a partir do nível médio dos mares, determinado por medições feitas pelos marégrafos em diferentes pontos do litoral. Nos mapas, a altitude é representada por uma escala de cores que varia do verde (baixas altitudes) ao marrom (altitudes mais elevadas). São também utilizadas as curvas de nível, definidas por planos paralelos ao nível do mar que interceptam o relevo em intervalos regulares definidos a cada 20m, 50m etc., conforme os objetivos da representação cartográfica. Cada curva de nível traz o valor, em metros, da distância do plano de interseção ao nível do mar. Define-se a forma da Terra como geoide, que tem uma superfície irregular e, portanto, não corresponde a uma esfera. Mais precisamente, o geoide é uma superfície equipotencial do campo da gravidade, ou seja, sobre essa superfície o potencial do campo da gravidade é constante, coincidindo, portanto, com uma superfície de equilíbrio de massas d’água. Podemos visualizar, aproximadamente, essa superfície por meio do prolongamento do nível médio dos mares por dentro dos continentes. Como o geoide é uma superfície de características físicas complexas, os cartógrafos buscaram a figura geométrica matematicamente definida que mais se aproximasse do geoide, possibilitando assim a realização de cálculos relacionados a medições sobre a superfície terrestre (por exemplo, medições de coordenadas de pontos, distâncias, ângulos, áreas, etc.).
O relevo da superfície terrestre é uma feição contínua e tridimensional
ANOTAÇÕES
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Curvas de Nível são linhas que ligam pontos, na superfície do terreno, que tenham a mesma cota (mesma altitude). É uma forma de representação gráfica de extrema importância.
8.
SENSORIAMENTO REMOTO
O sensoriamento remoto é a técnica de obtenção de informações acerca de um objeto, área ou fenômeno localizado na Terra, sem que haja contato físico com ele. As informações podem ser obtidas por meio de radiação eletromagnética, gerada por fontes naturais (sensor passivo), como o Sol, ou por fontes artificiais (sensor ativo), como o radar. São apresentadas na forma de imagens, sendo mais utilizadas, atualmente, aquelas captadas por sensores óticos orbitais localizados em satélites.
Este sistema foi projetado para fornecer o posicionamento instantâneo e a velocidade de um ponto na superfície terrestre ou próximo dela, através das coordenadas geográficas.
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Landsat 7 faz tudo pouco mais de 14 órbitas por dia, sendo sua órbita sincronizada pelo sol. Em 16 dias completos, é coberto todas as áreas entre os intervalos acima.
Sistema de Informações Geográficas – SIGs
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UNESP) A escala cartográfica define a proporcionalidade entre a superfície do terreno e sua representação no mapa, podendo ser apresentada de modo gráfico ou numérico. 615
0
615
1230
03. (UERJ)
1645 km
A escala numérica correspondente à escala gráfica apresentada é: (A) 1:184.500.000. (B) 1:615.000. (C) 1:1.845.000. (D) 1:123.000.000. (E) 1:61.500.000. 02. (FGV) Examine a seguinte figura: WATTERSON, Bill. Calvin e Haroldo:Yukon ho!São Paulo: Conrad, 2008.
Na tirinha, Calvin e o tigre Haroldo usam um globo terrestre para orientar sua viagem da Califórnia, nos Estados Unidos, para o território do Yukon, no extremo norte do Canadá. Considerando as áreas de origem e destino da viagem pretendida, nota-se que o tigre comete um erro de interpretação no último quadrinho. Esse erro mostra que Haroldo não sabe que o globo terrestre é elaborado com base no seguinte elemento da linguagem cartográfica:
A figura acima contém diferentes representações da América do Sul extraídas de mapas-múndi. Isso se deve: (A) à existência de diversas formas de projeções cartográficas, que constituem a técnica variável de se trazer para o plano o que é curvo na realidade. (B) à multiplicidade de projeções cartográficas, todas igualmente precisas na representação das formas e dos tamanhos dos continentes. (C) à permanência das antigas projeções por costume problemático do sistema escolar, pois as tecnologias informatizadas tornaram as projeções obsoletas. (D) às escolhas marcadas por interesses dos cartógrafos que definem as projeções, visando a projetar imagens do mundo mais favoráveis aos países mais ricos. (E) à herança do passado das técnicas cartográficas, quando ainda não havia sido solucionado definitivamente a questão de como projetar o plano no curvo.
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(A) escala pequena. (B) projeção azimutal. (C) técnica de anamorfose. (D) convenção equidistante. 04. (FUVEST) Considere a tabela abaixo. Assassinatos de indígenas no Brasil e no Mato Grosso do Sul Ano
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012*
Total
Brasil
42
37
43
58
92
60
60
60
51
51
554
MS
13
16
28
28
53
42
33
34
32
31
310
MS%
31%
43%
65%
485
58%
70%
55%
57%
63%
61%
56%
*De janeiro a novembro de 2012. www.cimi.org.br. Acessado em 10/07/2013.
Com base na tabela e em seus conhecimentos, está correto o que se afirma em:
ANOTAÇÕES
(A) Mato Grosso do Sul é o estado que concentra o maior número de indígenas no país, segundo o Censo Demográfico 2010, o que explica o percentual elevado de sua participação no número total de indígenas assassinados. (B) a quantidade de indígenas assassinados no país diminuiu, principalmente, no Mato Grosso do Sul, em função do maior número de homologações de terras indígenas, efetivadas por pressão da bancada ruralista no Congresso Nacional. (C) no Mato Grosso do Sul, a maior parte dos conflitos que envolvem indígenas está relacionada com projetos de construção de grandes usinas hidrelétricas. (D) o grande número de indígenas assassinados no Mato Grosso do Sul explica-se pelo avanço da atividade de extração de ouro em terras indígenas. (E) no período abrangido pela tabela, a participação do Mato Grosso do Sul no total de indígenas assassinados é muito alta, em consequência, principalmente, de disputas envolvendo a posse da terra. 05. (UEG) Há uma relação direta entre a escala cartográfica e o detalhamento da informação representada num mapa. Sobre essa relação, verifica-se que representações de: (A) pequenas superfícies exigem uma pequena redução, o que resulta numa escala pequena e num grande quantitativo de detalhes. (B) vastas superfícies exigem uma grande redução, o que resulta numa escala pequena e num mapa com reduzido quantitativo de detalhes. (C) vastas superfícies exigem uma pequena redução, o que resulta numa escala grande e num mapa com reduzido quantitativo de detalhes. (D) pequenas superfícies exigem uma grande redução, o que resulta numa escala grande e num grande quantitativos de detalhes.
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ELEMENTOS DO UNIVERSO Introdução O objetivo do capítulo 5 é compreender o conjunto de estrelas, planetas, galáxias e outros objetos celestes inseridos no sistema espaço-temporal que obedecem às leis físicas conhecidas.
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Movimento dos Planetas 2. Planetas 3. A escala do Universo 4. Lua 5. Principais Movimentos da Terra
Competência de área 6 - Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. H26 - Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 - Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e/ou geográficos. H28 - Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico-geográficos.
1.
MOVIMENTO DOS PLANETAS
Os planetas estão muito mais próximos de nós do que as estrelas, de forma que eles parecem se mover, ao longo do ano, entre as estrelas de fundo. Esse movimento se faz, geralmente, de oeste para leste (não confundir com o movimento diurno, que é sempre de leste para oeste), mas em certas épocas o movimento muda, passando a ser de leste para oeste. Esse movimento retrógrado pode durar vários meses (dependendo do planeta), até que fica mais lento e o planeta reverte novamente sua direção, retomando o movimento normal. O movimento observado de cada planeta é uma combinação do movimento do planeta em torno do Sol com o movimento da Terra em torno do Sol, e é simples de explicar quando sabemos que a Terra está em movimento, mas fica muito difícil de descrever num sistema em que a Terra esteja parada.
H29 - Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas. H30 - Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas.
O modelo geocêntrico Apesar da dificuldade de compreender e explicar o movimento observado dos planetas do ponto de vista geocêntrico (a Terra no centro do Universo), o geocentrismo foi uma ideia dominante na Astronomia durante toda a Antiguidade e Idade Média. O sistema geocêntrico também é conhecido como sistema ptolomaico, pois foi Cláudio Ptolomeu, o último dos grandes astrônomos gregos (150 d.C.), quem construiu o modelo
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geocêntrico mais completo e eficiente. Ptolomeu explicou o movimento dos planetas através de uma combinação de círculos: o planeta se move ao longo de um pequeno círculo chamado epiciclo, cujo centro se move em um círculo maior chamado deferente. A Terra fica numa posição um pouco afastada do centro do deferente (portanto o deferente é um círculo excêntrico em relação à Terra). Para dar conta do movimento não uniforme dos planetas, Ptolomeu introduziu ainda o equante, que é um ponto ao lado do centro do deferente oposto à posição da Terra, em relação ao qual o centro do epiciclo se move a uma taxa uniforme.
O Modelo Heliocêntrico Em 1492, termina a ocupação árabe (mouros) da península ibérica, que se iniciou em 711, e começa a Renascença. Inicia-se a tradução dos textos árabes e gregos, trazendo para a Europa os conhecimentos clássicos de Astronomia, Matemática, Biologia e Medicina. Nicolau Copérnico representou o Renascimento na Astronomia. Copérnico (1473-1543) foi um astrônomo polonês com grande inclinação para a matemática. Estudando na Itália, ele leu sobre a hipótese heliocêntrica proposta (e não aceita) por Aristarco (≈ 300 a.C.) e achou que o Sol no centro do Universo era muito mais razoável do que a Terra. Copérnico registrou suas ideias num livro - De Revolutionibus- publicado no ano de sua morte. Os conceitos mais importante colocados por Copérnico foram: – introduziu o conceito de que a Terra é apenas um dos seis planetas (então conhecidos) girando em torno do Sol; – colocou os planetas em ordem de distância ao Sol: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno (Urano, Netuno e o planeta anão Plutão); – determinou as distâncias dos planetas ao Sol, em termos da distância Terra-Sol; – deduziu que quanto mais perto do Sol está o planeta, maior é sua velocidade orbital. Dessa forma, o movimento retrógrado dos planetas foi facilmente explicado sem necessidade de epiciclos. 2.
PLANETAS
Os principais elementos celestes que orbitam em torno do Sol são os oito planetas principais, cujas dimensões vão do gigante de gás Júpiter até ao pequeno e rochoso Mercúrio, com menos da metade do tamanho da Terra. A União Astronômica Internacional anunciou a descoberta de um novo planeta anão dentro do nosso Sistema Solar. Apelidado de 2015 RR245, o amigo de Plutão tem cerca de 700 quilômetros de diâmetro — para comparação, a Terra tem 12.756 km. Apesar de os astrômos encontrarem uma série de planetas do tipo no cinturão de Kuiper, que marca o limite do Sistema Solar, RR245 se destaca por seu tamanho e órbita — ele leva 700 anos terrestres para dar uma volta ao redor do Sol. Segundo os cientistas, trata-se do maior objeto localizado para além de Netuno, entre os 500 já encontrados. Os planetas do sistema solar são os oito astros que tradicionalmente são conhecidos como tal: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Todos os planetas têm nomes de deuses e deusas da mitologia greco-romana.
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3.
A ESCALA DO UNIVERSO
Nós estamos em algum ponto desta gigantesca estrutura que se expande. Ao olharmos em direção ao exterior do nosso planeta, podemos ver que o Universo é formado por estruturas sucessivamente maiores. A Terra é um dos oito planetas que gravitam em torno do Sol, e o Sol é uma das duzentas bilhões de estrelas na galáxia da Via Láctea. A Via Láctea é um membro extenso de um cúmulo (aglomerado de galáxias) conhecido como Grupo Local, que, por sua vez, é membro do Supercúmulo Local (um dos aproximadamente cinquenta cúmulos que formam, em conjunto, a maior estrutura conhecida do Universo).
O Sistema Solar É composto pelo Sol e todos os corpos celestes que orbitam ao seu redor, que incluem oito planetas e seus respectivos satélites naturais (como é o caso de nossa Lua), os planetas-anão (Plutão, Ceres, Makemake, Haumea e Eris) e seus satélites, bem como os asteroides, cometas e outras incontáveis partículas.
Planeta
Mercúrio
Vênus
Terra
Marte
Júpiter
Saturno
Urano
Netuno
UA
0,38
0,72
1
1,52
5,21
9,54
19,18
30,11
Orbita Estrutura
4.
Interna
Externa Terrestres ou Rochosos
Jupterianos ou Gasosos
LUA
Entre mais de 60 satélites do Sistema Solar, a Lua é o satélite natural da Terra, encontrando-se distante desta cerca de 384.000 km em média. A maior distância Terra – Lua (421.700 km) denomina-se Apogeu e a menor (353.700 km), Perigeu.
Origem A teoria da Grande Colisão ou teoria Big Splash: um planetesimal do tamanho de Marte (chamado de Theia) colidiu com a Terra, lançando grande volume de matéria. Um disco de material orbitante foi formado, esse material eventualmente condensou-se para formar a Lua em órbita ao redor da Terra.
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O mapa foi elaborado com o uso de imagens obtidas por uma câmera instalada na primeira sonda lunar chinesaa - a Chang'e 1 -, lançada em outubro de 2007, segundo a agência Xinhua (Nova China). Liu Xianlin, membro da Academia Chinesa de Cartografia, afirmou que o mapa em três dimensões permitirá aos cientistas estudar as características da superfície lunar e melhorar a compreensão de sua geologia e sua evolução
Características Sendo desprovida de atmosfera e água, a Lua possui temperaturas bastante variáveis entre o dia e a noite, podendo ser de 100 ºC ao meio-dia e –150 ºC à meia-noite, dando uma amplitude térmica de 250 ºC. O volume da Lua é 49 vezes menor que o da Terra e seu raio é de 1.738 km, equivalente a um quarto do raio terrestre.
Movimentos da Lua Ponto mais distante de sua trajetória ao redor da Terra - Apogeu
421.700 km
Ponto mais próximo de sua trajetória ao redor da Terra - Perigeu
353.700 km
Lua Cheia na distância do Perigeu: Superlua
Lua Cheia na distância do Apogeu: Minilua À medida que a Lua orbita em torno da Terra, completando seu ciclo de fases, ela mantém sempre a mesma face voltada para a Terra. Isso indica que o seu período de translação é igual ao período de rotação em torno de seu próprio eixo. Portanto, a Lua tem rotação sincronizada com a translação.
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• Rotação É o movimento que a Lua faz ao redor de seu próprio eixo. Rotação síncrona com a Terra. Esse movimento leva 27 dias, 7 horas e 43 minutos.
• Revolução É o movimento que a Lua faz ao redor da Terra. O tempo da Revolução é o mesmo que o da Rotação.
• Translação É o movimento que a Lua faz ao redor do Sol. Movimento feito junto com a Terra. A duração é aproximada de 365 dias.
Lunação - Fases da Lua As quatro principais fases da Lua (Nova, Quarto Crescente, Cheia e Quarto Minguante) ocorrem nessa ordem durante um mês sinódico ou lunação, cuja duração é de aproximadamente 29,5 dias. Lua
Posição
Fase
Hora do Nascente
Meridiano Celeste
Hora do Poente
1
Conjunção
Nova
6h
12h
18h
2
1º quadratura
Crescente
12h
18h
24h
3
Oposição
Cheia
18h
24h
6h
4
2º quadratura
Minguante
24h
6h
12h
A Esfera Celeste Ao obser var o céu temos a impressão de que estamos no meio de uma grande esfera. Isso inspirou, nos antigos gregos, a ideia do céu como uma Esfera Celeste, já que não conseguiam determinar as distâncias dos astros.
Eclipses Eclipse acontece sempre que um corpo entra na sombra de outro. Assim, quando a Lua entra na sombra da Terra, acontece um Eclipse Lunar. Quando a Terra é atingida pela sombra da Lua, acontece um Eclipse Solar. Quando um corpo extenso (não pontual) é iluminado por outro corpo extenso definem-se duas regiões de sombra:
Eclipse solar total
Umbra: região da sombra que não recebe luz de nenhum ponto da fonte. Penumbra: região da sombra que recebe luz de alguns pontos da fonte. O plano da órbita da Lua está inclinado 5,2° em relação ao plano da órbita da Terra. Portanto, só ocorrem eclipses quando a Lua está na fase de Lua Cheia ou Nova, e quando o Sol está sobre a linha dos nodos, que é a linha de intersecção do plano da órbita da Terra em torno do Sol com o plano da órbita da Lua em torno da Terra. Eclipse lunar penumbral
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Nas lunações (a) e (c), as fases Nova e Cheia acontecem quando a Lua fora do plano da eclíptica, e não acontecem eclipses. Nas lunações (b) e (d) as fases Nova e Cheia acontecem quando a Lua está nos pontos da sua órbita em que ela cruza a eclíptica, então acontece um eclipse solar na Lua Nova e um eclipse lunar na Lua Cheia.
A figura representa as configurações Sol-Terra-Lua para as fases Nova e Cheia em quatro lunações diferentes, salientando os planos da eclíptica (retângulo maior) e da órbita da Lua (retângulos menores).
Eclipse Solar
A – Eclipse Total • Posição: Conjunção • Fase: Nova • Distância: Perigeu B – Eclipse Parcial C – Eclipse Parcial D – Eclipse Anelar • Posição: Conjunção • Fase: Nova • Distância: Apogeu
Eclipse Lunar O eclipse lunar ocorre quando a Lua na fase Cheia alinha no nodo terrestre sombras Penumbra ou Umbra. O Eclipse Penumbral acontece quando a lua cheia é encoberta pela penumbra da Terra.
O eclipse parcial é quando parte do disco da lua cheia é encoberta pela Umbra, não completando um eclipse total. 288
GEOGRAFIA
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Em muitos desses casos, o eclipse nem é notado pelas pessoas, apenas por especialistas, pois a lua não chega a ser encoberta, mas apenas diminui o seu brilho.
O eclipse total ocorre quando toda a Lua Cheia é eclipsada pela Umbra da Terra.
Movimentos das Marés As forças que atuam sobre as marés ocorrem porque a Terra é um corpo extenso, e o campo gravitacional que é produzido pelo Sol ou pela Lua não é homogêneo em todos os pontos, pois tem alguns pontos da Terra que estão mais próximos e outros mais distantes destes corpos celestes. Esses campos gravitacionais provocam acelerações que atuam na superfície terrestre com diferentes intensidades. Dessa forma, as massas de água que estão mais próximas da Lua ou do Sol sofrem aceleração com intensidades maiores que as massas de água que estão mais afastadas desses astros. É essa diferença de pontos mais próximos e mais afastados do Sol e da Lua que dão origem às marés. Deformação na Terra, principalmente nos oceanos, devido às forças gravitacionais diferenciais exercida pela Lua e pelo Sol sobre a Terra
Monte Saint-Michel, localizado no noroeste da França
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Dados do marégrafo convencional Nível do mar (m)
8.5 8 7,5 7 6,5 6
12
18 24 Tempo (h)
6
Quadro de Maré
5.
Fase
6h
12h
18h
24h
Nova
Baixa
Alta
Baixa
Alta
Crescente
Quadratura
Quadratura
Quadratura
Quadratura
Cheia
Baixa
Alta
Baixa
Alta
Minguante
Quadratura
Quadratura
Quadratura
Quadratura
PRINCIPAIS MOVIMENTOS DA TERRA
Rotação O movimento de rotação da Terra é o giro ao redor do seu próprio eixo de oeste para leste. Esse movimento se faz no sentido anti-horário, Polo Norte Astronômico, e sentido horário, Polo Sul Astronômico. A Terra faz a sua rotação e tem uma inclinação de 23,5º em relação ao plano da órbita terrestre.
A Eclíptica é um círculo máximo que tem um inclinação de 23,5° em relação ao Equador Celeste. É esta inclinação que causa as Estações do ano.
• Duração do Movimento Dia civil = 24 horas. Dia sideral = 23 horas e 56 minutos
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• Consequências da rotação – Sucessão dos dias e das noites; – Forma da Terra: achatamento nos polos e abaulamento no Equador;
Diâmetro Equatorial – 12.756 Km
Diâmetro Polar – 12.723
– Dias de 24 horas (mais precisamente: 23h 56min e 04s);
– Circulação geral da atmosfera e das correntes marítimas com desvio para a direita no hemisfério norte e para a esquerda no hemisfério sul (força de coriolis);
Imagem da Nasa mostra correntes marítimas na região da África Austral (Foto: NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio)
correntes quentes
correntes frias
– Elevação do nível do mar no litoral leste dos continentes. Fleming 2023
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Ano Bissexto O ano bissexto acontece a cada quatro anos e tem duração de 366 dias, diferentemente dos demais que têm 365 dias. A inclusão de um dia foi feita para aproximar o calendário ao movimento de translação da Terra, tempo que o planeta leva para dar a volta no Sol, que é de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Essas horas que ultrapassam os 365 dias são compensadas a cada quatro anos, no dia 29 de fevereiro. O ano bissexto foi adotado na ditadura de Júlio César, cerca de 50 anos a.C., na Roma Antiga, para ajustar o ano civil ao ano solar. No entanto, a escolha do dia 29 de fevereiro para ser acrescido a cada quatro anos só passou a vigorar em 1582, com o calendário gregoriano.
Translação A translação se refere ao movimento da Terra em sua órbita elíptica em torno do Sol em 365d 5h e 46s (365 dias). A posição mais próxima ao Sol, o periélio, é atingido aproximadamente em 3 de janeiro e o ponto mais distante, o afélio, em aproximadamente 4 de julho.
• Consequências da translação – Ano bissexto; – Periélio; – Afélio; – Estações do ano - equinócio e solstício.
https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/ ano-bissexto.htm
Periélio Ponto da órbita em que o planeta está mais próximo do Sol. Afélio Ponto da órbita em que o planeta está mais afastado do Sol. Equinócio O equinócio representa o posicionamento médio do Sol em relação à Terra, isto é, nenhum dos hemisférios está inclinado em relação ao Sol, estando incindindo seus raios diretamente sobre a Linha do Equador, iluminando, então, igualmente os dois hemisférios. Esse fenômeno ocorre em dois momentos do ano, em março e em setembro. A ocorrência do equinócio dá início à primavera e ao outono. Em razão da mesma intensidade dos raios solares em ambos os hemisférios, os dias e as noites possuem a mesma duração.
Esquema que ilustra o movimento da Terra ao redor do Sol, em perspectiva. As distâncias entre a Terra e o Sol e suas dimensões estão fora de escala.
Solstício O solstício representa o posicionamento do Sol em seu limite máximo, isto é, o Sol estará em seu auge ao norte ou ao sul. Essa maior declinação do Sol em relação à Linha do Equador tem como consequência a maior iluminação de um dos hemisférios. Esse fenômeno ocorre em dois momentos do ano, em junho e em dezembro. Quando a incidência solar é maior em um dos hemisférios, ocorre o solstício de verão. Já quando a incidência solar é menor em um dos hemisférios, ocorre o solstício de inverno. O solstício de verão é caracterizado por ter os dias mais longos do que as noites. No solstício de inverno, as noites são mais longas do que os dias. https://brasilescola.uol.com.br/geografia/ solsticios-equinocios.htm
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Duração de luz do dia (horas)
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/ solsticios-equinocios.htm
14
13
12
11
10
jan.
fev.
mar.
abr.
maio
jun.
jul.
Meses do ano
ago.
set.
out.
Número de horas de luz solar na cidade de São Paulo em cada mês do ano (tempo entre o nascer e o pôr do sol).
nov.
dez.
Z r me
r ce ado equ
5 23 , o
ol od an idi
N
ar ug
leste
solstíco de inverno
equinócios
solstíco de verão
L
O
S
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFRGS) Ainda é 31 de dezembro no Brasil quando a televisão noticia a chegada do
ano Novo em diferentes países. Entre os países que comemoram a chegada do Ano Novo antes do Brasil, encontram-se a Austrália, a Nova Zelândia e o Japão. Este fato se deve? (A) à inclinação do eixo terrestre. (B) ao movimento de rotação terrestre. (C) ao movimento de translação terrestre. (D) à maior proximidade do sol no verão. (E) a diferença de latitude entre esses países e o Brasil. Gabarito: B Devido ao movimento de rotação, existem variações de horário quando nos deslocamos em longitude. O movimento de rotação da Terra segue de oeste para leste e, quando nos deslocamos para leste, a hora é adiantada e, em deslocamentos para oeste, a hora é atrasada, sempre no número de fusos correspondente à extensão longitudinal do deslocamento. A alternativa [A] é falsa, a inclinação do eixo de rotação em composição com o movimento de translação favorece as diferentes estações do ano. A alternativa [C] é falsa, a translação junto com a inclinação do eixo de rotação favorece a sucessão das estações do ano. A alternativa [D] é falsa, a maior proximidade do sol na translação corresponde aos equinócios, período de outono e primavera. A alternativa [E] é falsa, diferenças de latitude correspondem a variações climáticas.
2 (UFRGS) Considere as seguintes afirmações sobre os eclipses.
I. Os eclipses solares só acontecem durante a Lua Nova, quando a Lua fica entre a Terra e o Sol, pois, se os três corpos não estiverem alinhados perfeitamente, a Lua irá bloquear apenas parte do Sol, gerando solar parcial. II. O eclipse lunar acontece durante a Lua Crescente e quando a Lua penetra total ou parcialmente no cone de sombra projetado pela Terra. III. O eclipse lunar é uma evidência da esfericidade da Terra. Quais estão corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas I e III. (E) I, II e III. Gabarito: D O eclipse lunar acontece quando a Lua deixa de ter visibilidade durante parte da noite pois a sombra da Terra é projetada sobre o satélite natural totalmente ou parcialmente. O fenômeno costuma acontecer durante a Lua Cheia.
3 (ENEM) Na linha de uma tradição antiga, o astrônomo grego Ptolomeu (100-170
d.C.) afirmou a tese do geocentrismo, segundo a qual a Terra seria o centro do universo, sendo que o Sol, a Lua e os planetas girariam em seu redor em órbitas circulares. A teoria 294
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de Ptolomeu resolvia de modo razoável os problemas astronômicos da sua época. Vários séculos mais tarde, o clérigo e astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), ao encontrar inexatidões na teoria de Ptolomeu, formulou a teoria do heliocentrismo, segundo a qual o Sol deveria ser considerado o centro do universo, com a Terra, a Lua e os planetas girando circularmente em torno dele. Por fim, o astrônomo matemático alemão Johannes Kepler (1571- 1630), depois de estudar o planeta Marte por cerca de trinta anos, verificou que a sua órbita é elíptica. Esse resultado generalizou-se para os demais planetas. A respeito dos estudiosos citados no texto, é correto afirmar que: (A) Ptolomeu apresentou as ideias mais valiosas, por serem mais antigas e tradicionais. (B) Copérnico desenvolveu a teoria do heliocentrismo inspirado no contexto político do Rei Sol. (C) Copérnico viveu em uma época em que a pesquisa científica era livre e amplamente incentivada pelas autoridades. (D) Kepler estudou o planeta Marte para atender às necessidades de expansão econômica e científica da Alemanha. (E) Kepler apresentou uma teoria científica que, graças aos métodos aplicados, pôde ser testada e generalizada. Gabarito: E O matemático alemão Johannes Kepler descobriu que os planetas gravitam em torno do Sol em órbitas elípticas. O período orbital de cada planeta está matematicamente associado à distância média que o separa do Sol. A alternativa [A] é falsa. A astronomia, como as demais ciências, avança superando algumas ideias mais tradicionais, mudando paradigmas para alcançar estágios mais desenvolvidos. A alternativa [B] é falsa. O sacerdote e astrônomo polonês Nicolau Copérnico viveu bem antes (séculos XV e XVI) dos Luíses de França (século XVIII). A alternativa [C] é falsa. Nicolau Copérnico (1473 – 1543) viveu num período em que certas formas de pensamento consideradas muito hereges pela igreja eram perseguidas e seus elaboradores condenados. A alternativa [D] é falsa. Kepler viveu entre os séculos XVI e XVII e suas pesquisas astronômicas ocorreram num período pré-capitalista anterior à expansão econômica alemã que só irá acontecer no século XIX. 4 (ENEM) No Brasil, verifica-se que a Lua, quando está na fase cheia, nasce por volta das 18 horas e se põe por volta das 6 horas. Na fase nova, ocorre o inverso: a Lua nasce às 6 horas e se põe às 18 horas, aproximadamente. Nas fases crescente e minguante, ela nasce e se põe em horários intermediários. Sendo assim, a Lua na fase ilustrada na figura ao lado poderá ser observada no ponto mais alto de sua trajetória no céu por volta de:
(A) meia-noite. (B) três horas da madrugada. (C) nove horas da manhã. (D) meio-dia. (E) seis horas da tarde. Gabarito: E O ciclo lunar tem um movimento aparentemente regressivo em relação à trajetória solar. Desse modo, as fases da Lua vão se sucedendo do poente, oeste em direção ao nascente, leste. A Lua Nova estará no poente, oeste, e a Lua Cheia no nascente. A Lua, na ilustração, mostra-se voltada para o poente, estando em quarto crescente e atingindo, portanto, o polo mais elevado no céu às 18 horas. Fleming 2023
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFRGS) Observe as cidades A e B e suas posições geográficas em relação ao círculo de iluminação solar, a partir da dinâmica do movimento de rotação da Terra.
Fonte: Adaptado de: . Acesso en: 17 de set. 2013.
03. (PUCRS) A Lua, satélite natural da Terra, é o elemento cósmico mais próximo que influencia diretamente o cotidiano das pessoas. É correto afirmar, sobre essa influência, que: (A) os picos de marés altas ocorrem pela força gravitacional provocada pela Lua nas quadraturas. (B) os eclipses, fenômenos que auxiliam o estudo da Lua e do Sol, ocorrem nas fases crescente e minguante. (C) a Lua, na sua fase crescente, aparece no céu do hemisfério sul em forma de "C", devido à sombra que a Terra nela provoca, o que diminui o seu poder gravitacional sobre esta. (D) o movimento de translação da Lua proporciona as diferentes fases, as quais, pela posição em relação ao Sol e à Terra, modificam o poder gravitacional do nosso planeta. (E) o eclipse anelar, ou anular, ocorre na fase da Lua cheia, quando um "anel dourado" reflete os limites do Sol.
Considere as seguintes afirmações sobre as cidades. I. Os moradores da cidade B terão uma longa noite pela frente. II. Um morador da cidade A, ao amanhecer, prepara-se para as atividades do dia. III. Os moradores da cidade A têm os seus relógios adiantados em relação aos moradores da cidade B. Quais estão corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas I e II. (E) Apenas II e III. 02. (UFRGS) Considere as seguintes afirmações sobre os eclipses. I. Os eclipses solares só acontecem durante a Lua Nova, quando a Lua fica entre a Terra e o Sol, pois, se os três corpos não estiverem alinhados perfeitamente, a Lua irá bloquear apenas parte do Sol, gerando solar parcial. II. O eclipse lunar acontece durante a lua crescente e quando a Lua penetra total ou parcialmente no cone de sombra projetado pela Terra. III. O eclipse lunar é uma evidência da esfericidade da Terra. Quais estão corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas I e III. (E) I, II e III.
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04. (PUC MINAS) Ao dividir os 360 graus da esfera terrestre pelas 24 horas de duração do movimento de __________, o resultado é 15 graus. A cada 15 graus que a Terra gira, passa-se uma hora. Assim, cada uma das 24 divisões da Terra corresponde a um __________. Para que o texto fique ADEQUADAMENTE preenchido, as lacunas devem ser completadas, respectivamente, por: (A) translação e meridiano. (B) translação e paralelo. (C) rotação e círculo. (D) rotação e fuso horário.
ANOTAÇÕES
05. (ENEM) A característica que permite identificar um planeta no céu é o seu movimento relativo às estrelas fixas. Se observarmos a posição de um planeta por vários dias, verificaremos que sua posição, em relação às estrelas fixas, se modifica regularmente. A figura destaca o movimento de Marte observado em intervalos de 10 dias, registrado daTerra.
ANOTAÇÕES
Projecto Física. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980 (adaptado).
Qual a causa da forma da trajetória do planeta Marte registrada na figura? (A) A maior velocidade orbital da Terra faz com que, em certas épocas, ela ultrapasse Marte. (B) A presença de outras estrelas faz com que sua trajetória seja desviada por meio da atração gravitacional. (C) A órbita de Marte, em torno do Sol, possui uma forma elíptica mais acentuada que a dos demais planetas. (D) A atração gravitacional entre a Terra e Marte faz com que este planeta apresente uma órbita irregular em torno do Sol. (E) A proximidade de Marte com Júpiter, em algumas épocas do ano, faz com que a atração gravitacional de Júpiter interfira em seu movimento.
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FUSO HORÁRIO
Capítulo 6
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução O horário oficial, que tem como base o tempo solar, foi adotado em 1883, por acordo internacional, para evitar complicações nos horários de trens, já que cada comunidade empregava sua própria hora solar. A Terra foi dividida em 24 fusos horários, partindo do meridiano de longitude zero, que passa pelo Observatório Real de Greenwich (Londres); os fusos são numerados segundo sua distância a leste e a oeste de Greenwich.
1. Fuso horário teórico 2. Fuso horário brasileiro 3. Hora solar ou verdadeira
360º long → 24h 15º long → 1h 1º long → 4 min
1.
FUSO HORÁRIO TEÓRICO
A hegemonia econômica inglesa, após a primeira revolução industrial, foi fator determinante para que, em 1884, representantes de 25 países escolhessem o distrito de Greenwich, distrito do bairro de mesmo nome na região de Londres, como o fuso zero. Também decidiram que a longitude seria limitada entre o intervalo que varia entre 180° oeste e 180° leste. De modo lógico, como o globo tem 360° de longitude e o dia aproximadamente 24h, dividindo o primeiro valor pelo segundo, conclui-se que 15° de longitude equivalem a 1 hora. Ou seja, a Terra pode ser dividida em 24 fusos horários teóricos. 15° de longitude equivalem a 1 hora ANOTAÇÕES
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abaixo:
Cada hora teórica estará em um intervalo de 15°, de acordo com a ilustração Meridiano de Greenwich Leste
Oeste
Hora x –1 Fuso –12
Hora x + 1
Hora x
Fuso –1 –22,5o
Fuso +1 –7,5o
0o
7,5o
Fuso +12 22,5o
Longitudes
Mesma hora teórica (fuso zero) O detalhe ao qual é preciso ter atenção é que o Meridiano de Greenwich divide um dos fusos ao meio, tendo como extremidades as longitudes de 7,5° oeste e 7,5° leste. Decorre disso que, nos cálculos de fusos horários teóricos, a simples divisão por 15° poderá não ser eficaz. Exemplo 1 Uma cidade que está localizada na longitude 24°L está duas horas na frente de Greenwich. Exemplo 2 Um determinado ponto de Brasília localiza-se a 48°O, enquanto um restaurante numa das ilhas nas proximidades da Europa está na longitude 16°O. A diferença de fuso horário teórico entre as duas cidades é de duas horas.
O Antimeridiano de Greenwich Percorrendo o globo terrestre em 180° no sentido leste, a partir de Greenwich, se chegará no denominado Antimeridiano de Greenwich. Ocorrerá o mesmo se os 180° forem percorridos para oeste. Grosso modo, 12 horas para “frente” mais 12 horas para “trás” do fuso zero, resultarão numa diferença de 24 horas, ou seja, um dia. Por isto se convencionou que o Antimeridiano é a linha em que a data muda, em outras palavras linha internacional da data.
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2.
FUSO HORÁRIO BRASILEIRO
A hora fornecida pelo sistema de fusos, também chamada de hora legal, é adotada por quase todos os povos, sendo que países que possuem grandes extensões territoriais (E – W) são cortados por mais de um fuso, apresentando, em consequência, horas diferentes. É o caso do Brasil. A hora legal no Brasil está em vigor desde 01 de janeiro de 1914 (Lei nº 2.784 de 18/06/1913). Fusos horários adotados na Hora Legal Brasileira em referência ao Tempo Universal Coordenado (UTC): 4º
3º
2º
1º
75ºW
60ºW
45ºW
30ºW
15ºW
0º
-5h
-4h
-3h
-2h
-1h
Greenwich
-2h
-1h
Hora oficial do Brasil
+1h
+2h
+3h
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3.
HORA SOLAR OU VERDADEIRA
Essa hora se diferencia da legal por não ser oficial, ela marca a hora verdadeira, a hora em que o Sol incide em cada meridiano. Nessa contagem, há o registro da diferença em minutos. Para encontrarmos a hora solar, é preciso observar os seguintes passos: 1º - Encontrar a diferença em graus entre os pontos. Por exemplo, que horas serão em 63º Leste, se a 19º Oeste são 8 horas? Relógio solar no castelo do Monte Saint Michael, no Reino Unido
63º + 19º = 82º Se os hemisférios forem diferentes, deve-se somar os graus e, se forem iguais, deve-se diminuir. 19°
0o
63°
Relógios solares são compostos basicamente de uma "mesa", onde fica o mostrador do relógio, e um estilete, também chamado de "gnomon", cuja sombra projetada sobre o mostrador marca a passagem das horas.
= 82° Ao encontrar a diferença em graus, se tem uma noção da diferença em horas. 2º - Dividir a diferença em graus por 15º, para encontrar a diferença em horas, pois se sabe que a Terra anda 15º em 1º hora. Assim, quantas horas ela andará em 82º
Os 7º Long. que sobram devem ser multiplicados por 4 minutos, para transformar esses graus em minutos, pois a Terra vence 1º Long. em 4 minutos. 3º Somar essa diferença encontrada em horas se o ponto que desejarmos estiver a leste e diminuir se estiver a oeste. No exemplo citado no primeiro passo, o ponto que se deseja está a 63º Leste, assim deve-se somar a diferença. Oeste (-)
19°
8h
0o
63°
Leste (+)
13h28min
8h + 5h 28 min. = 13h 28 min. Em 63º leste são 13h 28 min. Ao mesmo tempo que em 19º Oeste são 8h. 302
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEG) Quando no fuso horário 60º leste forem 06h, nos fusos 90º oeste e 120º leste serão, respectivamente, (A) 06h e 22h15min. (B) 10h e 21h30min. (C) 20h e 10h. (D) 23h e 18h. 02. (PUCRS) Responda à questão com base na tabela e nas afirmativas. Cidade A B C D
Latitude 20O S 20O S 55O N 55O N
Longitude 13O E 31O W 18O E 62O E
(D) Um avião saiu às 4h da cidade A. Ele voou durante 4 horas até a cidade B. Quando chegou à cidade B, eram 13h no horário local. 04. (UERJ) De acordo com as anotações no diário de bordo, presume-se que o padre Caspar calculou sua localização a partir do meridiano que passa sobre a Ilha do Ferro, 18º a oeste de Greenwich. Para ele, seu navio estava no meridiano 180º. Adaptado de ECO, Umberto. A ilha do dia anterior Rio de Janeiro: Record, 2006.
Localização do meridiano da Ilha do Ferro
Com relação às informações dadas na tabela, afirma-se: I. A distância no sentido longitudinal, em quilômetros, entre as cidades A e B é maior que a distância no sentido longitudinal, em quilômetros, entre as cidades C e D. II. Entre as cidades A e B, há uma diferença horária de 7 horas. III. As cidades C e D estão situadas no mesmo fuso horário. IV. A sombra de uma pessoa que esteja na cidade B no dia 21 de junho, ao meio-dia, horário solar, será projetada para o sul. Estão corretas apenas as afirmativas (A) I, II e III. (B) I e II. (C) I e IV. (D) II e III. (E) II e IV.
O romance A ilha do dia anterior, de Umberto Eco, conta a história de um nobre europeu e de um padre, chamado Caspar, que participaram de duas expedições marítimas em meados do século XVII. O objetivo das expedições era tornar preciso o cálculo das longitudes. Tendo como referência o meridiano de Greenwich, a longitude do navio do padre Caspar corresponde a: (A) 158º leste. (B) 158º oeste. (C) 162º leste. (D) 162º oeste.
03. (UFSJ) Observe o gráfico abaixo. 45 30 15 0 15 30 45 60 75 o
Adaptado de www.nationalgeographic.com.
o
o
o
o
o
o
o
o
B A
C 2h 3h 4h 5h 6h 7h 8h 9h 10h
35o 30oo 25 20oo 15 10o 0o 10oo 15 20o
Assinale a alternativa CORRETA, com base nas coordenadas geográficas e nos fusos horários representados. (A) A cidade B, localizada ao norte da cidade C, está a oeste da cidade A. (B) Um avião saiu às 9h da cidade C. Ele voou durante 5 horas até a cidade A. Quando chegou à cidade A, eram 14h no horário local. (C) A cidade C está situada a sudoeste da cidade A e a sul da cidade B.
05. (UNICAMP) Dois amigos planejaram assistir à abertura da Copa do Mundo em Moscou. Eles partiram no dia 10 de junho de 2018 do Aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek (Brasília), situado a 45° de longitude oeste, às 16 horas, com destino ao Aeroporto de Heathrow (Londres), situado a 0° de longitude. O voo teve duração de 10 horas. Os dois amigos esperaram por três horas para partirem em direção ao Aeroporto Internacional Domodedovo (Moscou), situado a 60º de longitude leste, e o segundo voo durou quatro horas. Com base nessas informações e considerando que o continente europeu adota, neste período do ano, o horário de verão, que adianta os relógios em uma hora, indique o dia e a hora em que os dois amigos chegaram ao Aeroporto Internacional Domodedovo em Moscou. (A) 11 de junho, às 13 horas. (B) 11 de junho, às 16 horas. (C) 11 de junho, às 17 horas. (D) 10 de junho, às 16 horas. Fleming 2023
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GABARITO CAPÍTULO 1 01. B
02. D
03. B
04. A
05. E
06. A
07. A
03. A
04. B
05. A
06. C
07. D
03. E
04. B
05. B
06. B
03. A
04. E
05. B
03. D
04. D
05. A
03. D
04. C
05. C
CAPÍTULO 2 01. B
02. E
CAPÍTULO 3 01. E
02. A
CAPÍTULO 4 01. E
02. A
CAPÍTULO 5 01. B
02. D
CAPÍTULO 6 01. C
304
GEOGRAFIA
02. C
Fleming 2023
08. A
Frente A HISTÓRIA 307 Capítulo 1 INTRODUÇÃO À HISTÓRIA
345 Capítulo 6 ROMA ANTIGA
313 Capítulo 2 PRÉ-HISTÓRIA
357 Capítulo 7 IDADE MÉDIA ORIENTAL
319 Capítulo 3 EGITO E MESOPOTÂMIA
365 Capítulo 8 REINOS GERMÂNICOS
327 Capítulo 4 FENÍCIOS, HEBREUS E PERSAS 335 Capítulo 5 GRÉCIA ANTIGA
371 Capítulo 9 FEUDALISMO
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA Introdução Antes de iniciar os estudos de qualquer disciplina, faz-se mister indagar: do que se trata? Quais as possibilidades desta disciplina, quais são seus objetivos principais, como ela foi pensada no passado e como vem sendo pensada no presente? A partir desse primeiro contato, passamos a ter uma visão mais ampla do que vamos estudar, analisar e, até mesmo, indagar. Quais perguntas podemos fazer e quais são as possibilidades de obtermos resposta. A história é uma disciplina como as outras, pois tem o seu referencial teórico, suas metodologias e suas correntes analíticas, mesmo que toda a cientificidade fique na etapa investigativa, ou seja, na pesquisa. É importante ressaltar que a história não produz resultados científicos. É impossível reproduzir a Revolução Francesa num laboratório, por exemplo. Por isso, de posse de uma hipótese, com sólida argumentação teórica, embasada em referencial específico e com uma rigorosa crítica às suas fontes, o historiador pode elaborar a sua versão do evento estudado, evidenciando todas as etapas do seu estudo, para que sua narrativa ganhe credibilidade. No entanto, o resultado não é a exata reconstrução do passado. Mas uma versão profissional e comprometida com as fontes e com os fatos. Isto posto, é imperioso que, antes de estudar os principais eventos da História da Humanidade, façamos uma breve visita ao mundo do historiador. Devemos conhecer as suas ferramentas e entender as suas liberdades e os seus limites. Para isso, precisamos entender que existem alguns termos, algumas ferramentas e alguns detalhes que, se não forem abordados, comprometem o entendimento e a compreensão da disciplina. E são estes termos e ferramentas que estudaremos neste capítulo. 1.
O QUE É HISTÓRIA?
História é a área das ciências humanas preocupada com a investigação do passado dos seres humanos e das suas formas de interação social. Analisa as diversas sociedades, seus processos históricos e suas dinâmicas, além de suas organizações políticas e militares, seus conflitos e suas alianças, enfim, tudo aquilo que for determinado relevante por historiadores que atingiram reconhecimento e prestígio acadêmico, ou que sejam fatos fundamentais em essência, sendo inexoravelmente necessários para a memória de um grupo, de um país, da humanidade. O grego Heródoto é considerado o “Pai da História”, pois foi o primeiro que se preocupou em registrar acontecimentos considerados importantes, para que não fossem esquecidos. O seu livro, História, eternizou as Guerras Médicas – entre gregos e persas. Seu método não se caracterizou pela seleção rigorosa das fontes, tendo em vista que percebemos trechos baseados em mitos, ou em lendas populares. Outro nome importante para a origem da história é o de Tucídides. Este ateniense escreveu sobre a Guerra do Peloponeso, inaugurando um modelo diferente daquele de Heródoto. Tucídides foi mais criterioso com as suas fontes, buscando afastar dos seus escritos relatos baseados nos mitos ou de pessoas que não eram consideradas, por ele, confiáveis. Para os positivistas, Tucídides é o “Pai da História”. Durante o medievo, quase todo o conhecimento estava sob controle da Igreja – na Europa Ocidental –, o que permite compreender que os registros dos fatos e dos eventos históricos preservados foram, em grande monta, aqueles que se associavam aos
Capítulo 1
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. O que é História? 2. Calendários 3. Historiografia
Deve-se ressaltar que, ao longo da história, os profissionais da área deram prioridades diferentes para eventos, fontes, grupos sociais e, o resultado disso é uma significativa gama de possibilidades de abordar os mesmos temas, através de perspectivas diversas. Em alguns casos, a economia foi vista como protagonista dos estudos. Em outros, a política, as guerras, as grandes lideranças etc.
“História é uma palavra com origem no antigo termo grego “historie”, que significa “conhecimento através da investigação”. A História é uma ciência que investiga o passado da humanidade e o seu processo de evolução, tendo como referência um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo específico.” http://www.significados.com.br/historia/
Herótodo
Tucídides
HISTÓRIA
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Heródoto (484 a.C – 425 a.C), nascido em Halicarnasso na Ásia Menor, é considerado o “Pai da História”, pois foi o primeiro que, deliberadamente, dedicou a sua obra à preservação dos acontecimentos das Guerras Médicas (490 a.C – 448 a.C), para que não fossem esquecidos pelas gerações vindouras. Viajou por boa parte do Império Persa, Península Itálica, Macedônia e Grécia.
interesses dessa instituição. Na modernidade, o pensamento em relação à história vai estar de acordo com a euforia cientificista do período. Contudo, durante todas essas etapas, a história era entendida como literatura. Foi apenas a partir do século XIX que a História se tornou uma disciplina acadêmica – com pretensões científicas – e, para facilitar a organização dos seus estudos, foi dividida didaticamente em 5 grandes períodos: Pré-História, Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Contemporânea.
Tucídides (460 a.C – 395 a.C), nascido em Atenas, dedicou-se ao registro dos acontecimentos da Guerra do Peloponeso (431 a.C – 404 a.C). Ele era um general ateniense e, após ser derrotado na Batalha de Íon (424 a.C), foi considerado um traidor e exilado de Atenas por 20 anos. Neste período, tornou-se historiador.
Divisão marxista - Modos de Produção: Modo de Produção Comunista ou Primitivo – caracterizado pela ausência de propriedade privada. Neste período, os indivíduos dividiam tudo o que encontravam ou produziam, organizando-se de acordo com a função que cada um exercia na sociedade. Modo de Produção A siático – baseado na Servidão Coletiva, ou seja, quando todos os indivíduos sem poder social trabalhavam para os governantes (imperadores, reis ou sacerdotes) como servos, em obras públicas, nas épocas de plantios e de colheita. A propriedade concentrava-se nas mãos dessa elite governante e aristocrática. Modo de Produção Escravista – caracterizado pela ampla utilização de mão de obra escrava, conquistada em guerras ou por dívida. Neste período, a questão étnica não era relevante para definir quem seria escravizado. O comércio de escravos também era uma das principais atividades comerciais. Modo de Produção Feudal – baseado na Servidão Feudal, na economia de subsistência e no poder da Igreja e dos Senhores Feudais. O comércio e a vida urbana, neste período, foram quase nulos ou pouco relevantes para a sobrevivência da maioria da população europeia. Modo de Produção Capitalista – baseado nas relações capitalistas de exploração da força de trabalho dos proletários pela elite burguesa, que visava a mais valia. Existiu em um modelo Pré-Capitalista, baseado no comércio, na exploração comercial e na escravidão étnica; em um modelo Industrial, baseado na produção e no desenvolvimento tecnológico; e atualmente caracteriza-se por estar em uma fase de predomínio do Capital Financeiro.
Para saber mais 308
HISTÓRIA
Divisão Tradicional da História Esta forma de dividir a história, em grandes períodos que incluem processos históricos com características, aparentemente, semelhantes foi uma criação dos historiadores positivistas. Por mais que atualmente se entenda que essa divisão é limitada e, muitas vezes, limitante, por motivos didáticos ela ainda é utilizada nos livros escolares. No entanto, existem outras perspectivas no que se refere às fases da história. Para os marxistas, a história deve ser dividida em fases caracterizadas pela economia, ou seja, pelas formas como a humanidade produzia e pelas relações entre as classes sociais. Dessa forma, vamos analisar a divisão positivista abaixo, e a divisão marxista no detalhamento ao lado. – Pré-História: todos os acontecimentos ocorridos antes do desenvolvimento da escrita fazem parte deste período. O termo busca destacar justamente a separação entre a história (conhecida por documentos escritos) e o período anterior. Esta ideia não é mais moderna, sendo que os conhecimentos históricos são construídos a partir de fontes escritas e não escritas. A Arqueologia, a Antropologia, dentre outras disciplinas são essenciais para uma análise mais segura e criteriosa da História. No entanto, para fins didáticos, este período ainda representa os eventos da história da humanidade que são anteriores à escrita. Segundo as pesquisas mais modernas, a Pré-História vai de aproximadamente 7 milhões de anos antes do presente (A.P.) até mais ou menos 4000 a.C (se considerar a escrita cuneiforme) ou 3500 a.C (se considerar a escrita hieroglífica). Ou seja, do surgimento da humanidade à escrita. Antiguidade: na antiguidade estudamos diversas civilizações divididas em dois grandes grupos: Antiguidade Oriental e Antiguidade Ocidental. Da primeira, fazem parte o Egito, a Mesopotâmia, a Fenícia, Israel e a Pérsia; da segunda, fazem parte as civilizações grega e romana. Este período vai da escrita (± 4000 a.C) até a queda de Roma, em 476, no contexto das invasões bárbaras. Idade Média: neste período estudamos o Império Bizantino, o surgimento do Islã e sua expansão, os Reinos Bárbaros, o Feudalismo, as Cruzadas, a Crise do Feudalismo, o Poderio da Igreja Católica, além da Formação das Monarquias Nacionais. A duração foi de 476 até a queda de Constantinopla, em 1453, diante dos Turcos Otomanos. Idade Moderna: período iniciado pelo Renascimento Cultural, pelas Grandes Navegações e pela Reforma Protestante. Marca a ascensão do capitalismo – no seu primeiro formato, o Mercantilismo –, do Absolutismo e da Colonização. Em sua etapa final, é marcada pelas revoluções burguesas que questionam o poderio dos reis absolutistas e iniciam uma nova era de dominação burguesa.Vai de 1453 até 1789, início da Revolução Francesa.
Idade Contemporânea: marcada pelas guerras e revoluções do final do século XVIII e século XIX e pelas Guerras Mundiais no século XX, além da Guerra Fria e dos acontecimentos do século XXI. Vai de 1789 até os dias atuais. 2.
CALENDÁRIOS
Desde o surgimento das primeiras civilizações, os indivíduos buscaram controlar o tempo. Em essência, a busca desse conhecimento poderoso estava ligada à sobrevivência: saber a época de caçar determinados animais, de colher determinados frutos e raízes, enfim, saber para onde migrar, em épocas de nomadismo. Das formas mais primitivas, ou sofisticadas, a contagem do tempo sempre esteve associada a algum acontecimento chave, protagonizado por deuses ou salvadores, de acordo com as mais variadas crenças. Existem, até hoje, diversos calendários específicos e particulares, criados pelos ancestrais dos povos que ainda os utilizam, dentro de suas próprias fronteiras. No entanto, a maioria dos países de todo o mundo conhece e faz uso do Calendário Cristão Gregoriano.
3.
HISTORIOGRAFIA
Como analisamos na primeira parte deste capítulo, a história anterior ao século XIX era classificada como um ramo da literatura. No entanto, foi neste século que ela se tornou disciplina acadêmica e que os historiadores passaram a debater quais os melhores métodos de estudar a história e de reescrever (ou escrever, ou construir, ...) o passado. As principais correntes historiográficas que se preocuparam em analisar a História e a sua elaboração, desde o século XIX, são: Positivismo: influenciados pela filosofia de Auguste Comte, os historiadores positivistas entendiam que o seu papel era apenas descobrir documentos históricos e organizá-los cronologicamente. De acordo com Comte, as ciências estão elencadas em graus de sofisticação. Para ele, as ciências da natureza possuem métodos científicos que devem servir de base para outras disciplinas, em especial para as ciências humanas. Sendo assim, ao historiador cabe encontrar os documentos, selecionar os relevantes, organizá-los em forma cronológica e reescrever a história sem qualquer influência pessoal ou externa. No entanto, há uma contribuição importante dos positivistas para a história, no que se refere à crítica das fontes. Não são aceitos quaiquer documentos (apenas os escritos) e estes devem passar por rígida análise (vocabulário, material, estudo do contexto) crítica para que possam ser entendidos como seguros. Segundo Pedro Paulo Funari e Glaydson da Silva, a história positivista rompeu com a tradição literária, buscou melhores condições para criticar as fontes objetivava contar o que propriamente aconteceu. Foram também os historiadores positivistas os responsáveis por tornar a história uma disciplina acadêmica. Leopold von Ranke foi um dos mais destacados historiadores positivistas. O positivismo na história se notabilizou por eternizar os grandes feitos, as grandes guerras, os grandes eventos, tratados etc. Marxismo: Karl Marx e Friedrish Engels entendiam que a história não poderia ser bem compreendida apenas pela análise da sucessão dos processos políticos e religiosos. Para eles, a economia devia estar no centro da análise, principalmente dedicando-se ao estudo das formas pelas quais as sociedades produziram ao longo da história. Segundo Marx, a história é um processo dialético, ou seja, de antagonismos constantes e, justamente, são esses antagonismos que a movem. A luta de classes seria o motor da história. Sendo assim, em todos os tempos, houve um grupo dominante e opressor e outro dominado e oprimido. Segundo Marx e Engels, na época em que viveu, a burguesia era o grupo opressor e o proletariado o oprimido. Eles analisaram que, em todos os sistemas de produção, os mecanismos de dominação entram em crise, e essas crises levam a outro sistema. Geralmente, um sistema gera em si a própria contradição. Por exemplo, a crise do escravismo romano gerou o colonato que foi a base da servidão feudal; ou que foi na crise do feudalismo que surgiu a burguesia e o capitalismo, que iriam suceder o próprio feudalismo. Dessa forma, podemos afirmar que uma análise histórica marxista leva em consideração as relações eco-
Auguste Comte, conhecido como o fundador do Positivismo, influenciou várias gerações de pensadores, incluindo muitos historiadores. A Divisão da História em Pré-História, Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Contemporânea é baseada nas suas ideias
Escola Metódica: surgiu na França, após a derrota dos franceses na Guerra Franco-Prussiana, em 1871. Esta escola, foi “fundada” com a publicação da Revue Historique (1876), por Grabriel Monod e Gustave Fagniez, contudo seu texto mais influente foi o Introduction aux études historiques (1898) de Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos. Influenciados pelos positivistas alemães, como Ranke, defendiam a isenção dos historiadores, um apego extremo aos documentos e a valorização de temas nacionais que possibilitassem contar a grande jornada da nação. Existem evidentes semelhanças com o positivismo, mas as principais diferenças são que a História Metódica é mais nacionalista e essencialmente rígida com os métodos próprios. Ela representou a busca de uma nova identidade para os franceses humilhados pela Prússia. “Como todos os representantes de escolas intelectuais que se pretendem paradigmáticos, os metódicos buscam na crítica e no rompimento com aqueles que os precederam a fundamentação de seu modus faciendi, pleiteando a constituição de uma história não esvaziada de significado, na qual a existência de documentos – sobretudo os escritos –, a ausência da parcialidade e o rigor do método são os requisitos imprescindíveis da empresa e dos procedimentos científicos” (FUNARI e SILVA, 2008, p. 35).
Um dos pensadores mais influentes do século XX (apesar de ter vivido e escrito no século XIX), Marx acreditava que não havendo dialética social, não há história. Segundo suas concepções, o fim da luta de classes representaria o fim da história HISTÓRIA
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“Fonte Histórica” é tudo aquilo que, por ter sido produzido pelos seres humanos ou por trazer vestígios de suas ações e interferência, pode nos proporcionar um acesso significativo à compreensão do passado humano e de seus desdobramentos no presente. As fontes históricas são as marcas da história. Quando um indivíduo escreve um texto, ou retorce um galho de árvore de modo a que este sirva de sinalização aos caminhantes em certa trilha; quando um povo constrói seus instrumentos e utensílios, mas também nos momentos em que modifica a paisagem e o meio ambiente à sua volta – em todos esses momentos, e em muitos outros, homens e mulheres deixam vestígios, resíduos ou registros de suas ações no mundo social e natural. BARROS, José D’Assunção. Fontes Históricas: Uma Introdução aos seus Usos Historiográficos. ANPUH RJ, 2019. Disponível em: . Acesso em 09/01/2021.
nômicas e os interesses em oposição, o que Marx denominou de materialismo dialético. Segundo Marx e Engels os modos de produção que existiram na história foram: Comunista (equivale à Pré-História), Asiático (equivale à Antiguidade Oriental), Escravista (equivale à Antiguidade Ocidental), Feudal (equivale à Idade Média) e Capitalista (equivale à Idade Moderna e à Contemporânea). Escola dos Annales: a Escola de Annales, assim como a Escola Metódica, surge na França a partir de uma revista: Annales d’Histoire Économique et Sociale. Os historiadores responsáveis por fundar a revista, em Estrasburgo, no que se denomina na 1ª Geração da Escola de Annales (1929), foram Lucien Febvre e Marc Bloch. Diferente da sua antecessora, a geração de Annales buscou uma perspectiva histórica abrangente, através de um olhar mais social e menos personalista, ampliando os estudos políticos para questões de economia, sociedade, cultura, dentre outros. Essa ampliação dos temas a analisar promoveu uma significativa ampliação das fontes. Já na 2ª Geração (1945), Fernand Braudel busca associar os estudos históricos a outras disciplinas, como a Geografia, por exemplo. Passa-se a entender e analisar os processos históricos como processos de longa duração. Percebe-se que diversos povos e culturas desenvolvem-se em um mesmo território ao longo do tempo. A 3ª Geração (anos 1970) de Annales é frequentemente denominada de “Nova História”, desfazendo as fronteiras entre as disciplinas e consolidando a interdisciplinaridade dos estudos históricos. Essas são as principais escolas historiográficas que guiam os textos dos profissionais da área desde o século XIX. Atualmente, existem outras concepções, como a ideia que a história só existe no presente, ou mesmo os conceitos pós-modernos que rompem com os sujeitos universais e supervalorizam a linguagem. EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ENEM) O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) reuniu historiadores, romancistas, poetas, administradores públicos e políticos em torno da investigação a respeito do caráter brasileiro. Em certo sentido, a estrutura dessa instituição, pelo menos como projeto, reproduzia o modelo centralizador imperial. Assim, enquanto na Corte localizava-se a sede, nas províncias deveria haver os respectivos institutos regionais. Estes, por sua vez, enviariam documentos e relatos regionais para a capital. DEL PRIORE, M.; VENÂNCIO, R. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010 (adaptado).
De acordo com o texto, durante o reinado de D. Pedro II, o referido instituto objetivava (A) construir uma narrativa de nação. (B) debater as desigualdades sociais. (C) combater as injustiças coloniais. (D) defender a retórica do abolicionismo. (E) evidenciar uma diversidade étnica.
Gabarito: A Após a Independência, em 1822, o governo imperial buscava a construção de uma identidade nacional, baseada em uma narrativa oficial. Nesse sentido, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) teria, dentre outros, esse objetivo principal. D. Pedro II foi um grande incentivador desse projeto, contribuindo financeiramente para a sua concretização. Foi a partir desse instituto que Francisco Adolfo Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, escreveu sua obra História Geral do Brasil, publicada em dois tomos (1854 e 1857), destacando a herança lusitana da história nacional. Apesar de ultrapassada e essencialmente eurocêntrica, esta obra ainda é um dos maiores trabalhos realizados sobre o Brasil colonial.
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEL-2022) Leia o texto a seguir. Num lugar escolhido da biblioteca do mosteiro [de Ulm] ergue-se uma magnífica escultura barroca. É figura dupla da história. Na frente, Cronos, o deus alado. É um ancião com a fronte cingida; a mão esquerda segura um imenso livro do qual a direita tenta arrancar uma folha. Atrás, e em desaprumo, a própria história. O olhar é sério e perscrutador; um pé derruba uma cornucópia de onde escorre uma chuva de ouro e prata, sinal de instabilidade; a mão esquerda detém o gesto do deus, enquanto a direita exibe os instrumentos da história: o livro, o tinteiro e o estilo. RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed. UNICAMP, 2007, p. 67.
Segundo a mitologia grega, Clio, a musa da história, é filha de Zeus e de Mnemósine, a memória. Sobre memória e história, atribua V (verdadeiro) ou F (falso) às afirmativas a seguir. ( ( ( ( (
) A memória é a recordação das coisas que ficaram no passado, desvinculada do presente e da experiência histórica. ) A história é a forma de conhecimento que investiga aquilo que os seres humanos construíram no tempo e no espaço; neste sentido, ela é materialista. ) A memória é mais verdadeira que a história, porque se relaciona com a experiência vivida pelo indivíduo, e a experiência é mais fidedigna que a representação. ) A memória coletiva é aquela que, compartilhada por um grupo, substitui a história devido ao conceito de experiência. ) A história utiliza-se dos veículos de memória para garantir a objetividade necessária a toda forma de conhecimento.
Assinale a alternativa que contém, de cima para baixo, a sequência correta. (A) V, V, F, F, V. (B) V, V, V, F, F. (C) F, V, F, F, V. (D) F, F, V, V, F. (E) F, F, F. V. V. 02. (UFPR-2021) Leia o excerto a seguir, do historiador Jacques Le Goff, sobre o conceito de memória: A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje [...]. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder.
A partir dos conhecimentos sobre a Idade Moderna e a Idade Contemporânea, considere as seguintes afirmativas: 1. Em 2020, várias estátuas de Cristóvão Colombo foram derrubadas para se protestar contra o genocídio de povos americanos nativos. 2. A obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena objetiva valorizar a atuação de grupos e indivíduos marginalizados na história e na memória do nosso país. 3. Após a morte de Lênin (1924), Stálin coordenou o silenciamento da memória e das representações de Lênin nos países soviéticos. 4. No projeto “Brasil: Nunca Mais”, a memória das torturas dos presos políticos no período do Estado Novo foi recuperada. Assinale a alternativa correta. (A) Somente a afirmativa 3 é verdadeira. (B) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras. (C) Somente as afirmativas 2 e 4 são verdadeiras. (D) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras. (E) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras. 03. (UFU-2020) Cabe ao historiador distinguir os contextos, as funções, os estilos, os argumentos, os pontos de vista e as intenções do autor das fontes. Ou, colocando de outra forma, compete ao estudioso da História realizar a leitura crítica [...] do documento. Samara, Eni de Mesquita et. alli. História & Documento: metodologia de pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 123-4. (Adaptado)
De acordo com o texto acima, é INCORRETO afirmar que (A) fonte histórica é tudo aquilo que pode fornecer ao historiador informações sobre o passado. Todavia, de acordo com o objeto de estudo de um historiador, determinadas fontes podem ser apropriadas ou não para sua análise. (B) apesar de existirem vários tipos de fontes disponíveis ao historiador, as únicas que realmente são corretas e revelam o conhecimento histórico são as fontes escritas. (C) um documento não pode ser entendido como a realidade histórica em si, mas como veículo de porções ou de partes dessa realidade. (D) as fontes são sempre exploradas com os filtros do presente do pesquisador, de acordo com valores, preocupações, medos e conflitos do período em que estão sendo analisadas.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 5. ed., 2003, p. 469-470.) HISTÓRIA
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04. (UFSC) Sobre os artistas, cientistas, viajantes e exploradores europeus presentes no Brasil, assinale a(s) proposição(ões) CORRETA(S). (01) Desde o século XVI, os europeus deixaram registros sobre suas experiências nas Américas através de textos, gravuras e desenhos. (02) Hans Staden teve contato com os tupinambás no Rio de Janeiro, deixando o relato de suas memórias, onde elogia as práticas culturais destes indígenas. (04) Jean de Léry descreveu positivamente os índios tupinambás, que, no século XVI, favoreciam a presença francesa no Brasil. (08) O Brasil recebeu influência de pesquisadores europeus ao longo do século XIX. O naturalista Fritz Müller e Charles Darwin, por exemplo, trocaram correspondências sobre suas pesquisas. (16) Debret, desenhista e pintor francês, se interessava exclusivamente em retratar os hábitos e a gente de origem europeia que habitava o Brasil. (32) No século XIX, Auguste Saint-Hilaire viajou pelo Brasil, descrevendo a escravidão existente no território.
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HISTÓRIA
ANOTAÇÕES
PRÉ-HISTÓRIA Introdução A Pré-História é o período da História da Humanidade que vai do surgimento do Homem até o desenvolvimento da escrita. As datas para esses dois eventos variam bastante nos livros didáticos e nos artigos acadêmicos. A Pré-História é a fase histórica mais sujeita a novas descobertas, tendo em vista que a esmagadora maioria das informações sobre este período vem da arqueologia e da antropologia e que, atualmente, com auxílio da química e da biologia, a capacidade de explorar as informações de uma fonte pré-histórica foi potencializada. Dessa forma, uma nova descoberta, um novo estudo, ou até mesmo uma nova análise sobre as mesmas fontes podem alterar significativamente as informações que possuímos. Dito isto, inferimos que o surgimento dos primeiros hominídeos pode ter ocorrido entre 7 milhões de anos atrás – como apontam as pesquisas mais recentes analisadas no detalhamento ao lado – ou podemos ainda citar os mais tradicionais 4 milhões de anos atrás, baseados nas descobertas dos anos 1970, 1980 e 1990. Lucy era o fóssil de Australopithecus Afarensis mais antigo encontrado até pouco tempo atrás. Foi datado de 3,2 milhões de anos, tendo sido encontrado nos anos 1970. No final dos anos 1990 foi encontrado um fóssil mais antigo, no entanto as pesquisas e as revelações constatadas a partir dessas só foram divulgadas recentemente. “Little Foot”, como ficou conhecido, teria 3,8 milhões de anos. É evidente que, diante de datas e descobertas tão variadas e intensas, não é necessário deter-se a essas como definitivas. Para nossos estudos, a relevância dessas datas é pouco significativa. Nosso objetivo aqui é entender como surgiram os primeiros indivíduos, como estes se organizaram em grupos, como tais grupos se tornaram povos e civilizações. Quais as espécies de hominídeos que ocuparam o planeta antes de nós e porque não existem mais? Sendo assim, neste livro, vamos utilizar a datação mais tradicional, contudo as novidades e as novas descobertas não serão esquecidas. A Pré-História é o maior período da História da Humanidade e, também, é o que menos conhecemos. É o ponto de partida necessário para entendermos a condição humana. Mesmo sem escrita, nossos antepassados deixaram pistas e conhecimentos que vamos descobrindo aos poucos. E este capítulo é dedicado aos estudos dessas pistas e desses conhecimentos. Para saber mais 1.
DIVISÃO DA PRÉ-HISTÓRIA
Por motivos didáticos e organizacionais, convencionou-se dividir a Pré-História em períodos. Existem algumas divisões mais antigas, sendo algumas delas ainda utilizadas por elaboradores de provas de vestibular. Tais divisões da Pré-História são: Paleolítico, Mesolítico e Neolítico. Ou: Paleolítico Superior, Paleolítico Inferior, Mesolítico e Neolítico. Contudo, a divisão abaixo é a mais utilizada atualmente. Paleolítico (Pedra Lascada): 4 milhões – 10000 a.C; Neolítico (Pedra Polida): 10000 a. C – 6000 a. C; Idade dos Metais: 6000 a. C – 4000 a. C
Capítulo 2
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Divisão da Pré-História
Processo de Hominização Para compreendermos o processo que levou os hominídeos das cavernas às grandes civilizações, faz-se mister analisar o processo de hominização, ou seja, quais espécies foram as primeiras a habitar o planeta e quais foram as suas evoluções. Sem levar em consideração as descobertas do Sahelantropus e do Ardipithecus, o hominídeo mais antigo é o Australopithecus. Australopithecus: sua denominação significa “macaco do sul”. De forma geral, este hominídeo teria surgido na África, por volta de 4 milhões antes do presente. Vivia em pequenos grupos de no máximo 3 indivíduos, não se comunicava, não tinha habilidades para a caça, nem tampouco para a construção de ferramentas. Homo Habilis: por volta de 2,5 milhões de anos, o Australopithecus teria dado origem ao Homo Habilis. Surgido na África também, tendo sido o primeiro a elaborar ferramentas. É claro que não foram ferramentas sofisticadas, mas lascas de pedra que permitiam a ele cortar frutas, raízes e pedaços de carniça, encontrados em suas andanças. Segundo alguns autores, o Habilis teria gerado o Homo Ergaster e o Homo Erectus. Homo Erectus: o mais alto dos hominídeos até o Sapiens Sapiens. Chegava a 1,8 metros de altura. Surgiu na África, por volta de 1,8 milhões de anos antes do presente. Foi o primeiro a deixar o continente natal, indo para a Ásia e para a Europa. Vivia em, grupos maiores e era um bom caçador. Dominou o fogo, segundo os vestígios mais antigos, por volta de 1 milhão ou 800 mil anos antes do presente. Assim como os seus antecessores, não se comunicava. Homo Sapiens de Neandertal: surgiu na Europa, por volta de 500 mil antes dos dias atuais. Segundo alguns autores, teria sido o mais forte, fisicamente, dos hominídeos. Era um ótimo caçador, herdou o domínio do fogo e vivia em grupos de cerca de 20 indivíduos. Segundo descobertas arqueológicas, teria sido o primeiro hominídeo a enterrar os mortos com os seus pertences, o que demonstra a crença na vida espiritual. Tinha uma capacidade muito primitiva de comunicação.
HISTÓRIA
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Homo Sapiens Sapiens: surgiu na África, por volta de 190 mil anos atrás (segundo novas descobertas, essa data pode recuar para mais de 300 mil anos). Avançou para todos os continentes, ocupando o mundo inteiro. Assim como o Neandertal, o Sapiens Sapiens originou-se do Erectus. Por volta de 35 mil a.C iniciou as primeiras expressões artísticas, que denominamos de Arte Rupestre.
Processo de hominização.
Mesolítico: as pesquisas mais modernas dão conta de que este período da Pré-História ocorreu em apenas algumas regiões, principalmente aquelas que sofreram alterações mais significativas nas últimas glaciações. O Mesolítico seria uma espécie de transição entre o Paleolítico e o Neolítico, no qual os hominídeos tornam-se grandes caçadores (alguns autores dizem que o arco surgiu neste período) e quando os primeiros contatos com a agricultura ocorreram. Em termos de data, alguns autores afirmam que vai de 10.000 a.C até 5.000 a.C, já outros falam que vai de 15.000 a.C até 8.000 a.C.
Para uma visão mais específica do processo que levou os hominídeos das cavernas à escrita, devemos analisar cada um dos períodos em suas principais características.
Paleolítico Este período é denominado de Pedra Lascada, devido aos artefatos, produzidos pelos hominídeos, encontrados nas escavações arqueológicas. São pontas de lança, machados de pedra, dentre outros. Os indivíduos e os grupos do Paleolítico eram nômades, ou seja, viviam numa região até o esgotamento dos seus recursos, para posteriormente migrar em busca de uma nova região capaz de sustentá-los. Foi durante este período que houve o desenvolvimento das habilidades dos hominídeos como a caça, a pesca, a coleta, a vida em grupos, dentre outras. Houve também divisão do trabalho baseada no sexo e na idade dos indivíduos: os homens caçavam, pescavam; as mulheres e os jovens colhiam frutos e raízes e cuidavam das crianças. Segundo alguns autores, a descoberta do fogo ocorreu há 800 mil anos antes do presente. Contudo, pesquisas mais recentes apontam que essa data pode recuar para 1 milhão de anos atrás. O fogo foi descoberto pelo Homo Erectus e significou um grande avanço para os hominídeos. A partir do fogo, os alimentos poderiam ser cozidos, as cavernas iluminadas, os animais predadores afastados, os indivíduos se aqueceriam nas épocas frias, dentre outras funções. Arte Rupestre: é a primeira forma de manifestação artística dos hominídeos, ainda no Paleolítico, ou seja, anterior à escrita. Esta arte consiste em pinturas em paredes de cavernas feitas para registrar momentos da vida do grupo e para cerimônias religiosas. As pinturas mais antigas são datadas entre 40.000 a.C e 35.000 a. C e são encontradas, ainda nos dias de hoje, em diversos sítios arqueológicos espalhados pelo mundo. Destacam-se entre esses os de Altamira na Espanha e o de Lascaux na França. A Arte Rupestre foi exclusiva do Homo Sapiens Sapiens. Deve-se destacar que a Arte Rupestre teria surgido na Europa e na Ásia, quase que simultaneamente, pois os vestígios mais antigos, nos dois continentes, têm datas aproximadas.
Neolítico Biface Triangular - era utilizado como machado de mão
Bisão na Caverna de Altamira na Espanha
Gruta de Lascaux na França
Artefatos de Pedra Polida
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HISTÓRIA
Durante muito tempo, a passagem do Paleolítico para o Neolítico era entendida como revolucionária, muitas vezes denominada Revolução Agrícola ou Revolução Neolítica. Esta condição, provinha da ideia de que, ao descobrirem a agricultura, os hominídeos abandonaram as suas outras atividades, tais como a caça e a coleta. No entanto, ao longo do século XX, várias pesquisas demonstraram que as atividades da caça, da coleta e da agricultura coexistiram, tornando explícito que o processo não foi revolucionário ao ponto de mudar instantaneamente o modo de vida dos grupos que viviam no período. Na verdade, hoje a maioria dos pesquisadores acredita que o domínio sobre a agricultura desenvolveu-se de forma gradual. O que é consenso entre os historiadores é que o desenvolvimento da agricultura marca a passagem do Paleolítico para o Neolítico. O primeiro tipo de agricultura desenvolvida foi a de Coivara, que se utiliza das queimadas, para limpar e fertilizar o solo. No entanto, esse método não proporcionava o sedentarismo. O Sedentarismo só foi possível quando os indivíduos passaram a dominar a agricultura nas margens dos rios, pois ela técnica permite a renovação anual do solo, tendo em vista que com as cheias os rios transbordam e depositam nas margens o húmus, extremamente importante para a fertilidade do solo. Juntamente com a atividade agrícola ocorreu a domesticação de animais, que desempenhou um papel importante na sedentarização dos seres humanos. O cachorro foi o primeiro animal a ser domesticado ainda no paleolítico, segundo alguns autores. Pesquisadores afirmam que o cavalo, assim como o cachorro, teria sido domesticado no final do Paleolítico. No entanto, essa afirmação não é consenso entre os especialistas. As primeiras cidades surgiram no Neolítico. As cidades mais antigas da história tem suas datas de fundação entre 9.600 a.C e 9.000 a.C, ou seja, ainda dentro do período Neolítico. No entanto, a consolidação do processo urbano ocorreu durante a Idade dos Metais. Foi nas Margens dos Rios que elas surgiram.
As aglomerações populacionais foram se formando o que proporcionou uma nova dinâmica nas relações sociais. Alguns dedicam-se mais à agricultura, outros à domesticação de animais e outros ainda à construção de ferramentas. Com a especialização do trabalho, surgem as primeiras trocas, o que mais tarde levaria ao comércio. A atividade comercial também se consolidou na Idade dos Metais.
Idade dos Metais Os homens dominaram a metalurgia. A princípio os metais manipulados pelos homens eram o Cobre e o Estanho. Da fusão desses metais era forjado o Bronze, mais rígido e eficiente para a guerra (que teria surgido na Idade dos Metais). Posteriormente os homens dominaram o Ferro. Foi neste período que surgiu o Estado. A junção de algumas cidades, ou o desenvolvimento de cidades-estado teve início na Idade dos Metais. Surgem os primeiros governantes. Com o aumento da complexidade das relações políticas, sociais, comerciais, dentre outras, surgiu a necessidade do desenvolvimento de algum mecanismo para o registro das atividades, dos acordos comerciais, das regras de convivência do grupo, das crenças, enfim, a escrita tornou-se necessária.
Pré-História da América Os estudos acerca de Pré-História da América concentram-se em três eixos principais: I. analisar as teorias que explicam a chegada dos hominídeos neste continente; II. buscar fontes seguras para estipular uma datação aceitável; III. estudar os povos e as civilizações que viveram na América antes da escrita. Neste capítulo, vamos estudar os dois primeiros eixos, ou seja, as teorias de chegada dos hominídeos na América e as datações mais prováveis para essa chegada. Teoria Clovis: os hominídeos (Mongoloides) teriam vindo da Ásia, pelo estreito de Bering (na época congelado – Beríngia), por volta de 12.000 a.C. Essa data foi estabelecida de acordo com as descobertas arqueológicas no sítio de Clovis, nos Estados Unidos. Posteriormente, novos achados da arqueologia, no Chile e no Brasil, principalmente, provaram que a teoria Clovis não era totalmente correta, pelo menos no que se referia à data. As escavações na América do Sul proporcionaram descobertas de 30.000 e 50.000 anos atrás. A partir de então, alguns pesquisadores da área defendem a ideia que os grupos humanos foram chegando à América em migrações sucessivas. Talvez as descobertas que deram base à teoria Clovis possam representar uma destas últimas migrações. Atualmente, existem pesquisadores defendendo que os primeiros grupos humanos teriam chegado à América por volta de 50 ou 60 mil a.C. Contudo, ainda há uma parcela significativa de especialistas que acredita que os hominídeos chegaram à América por volta de 20 mil anos atrás e que deram origem a toda população do continente, ou seja, a Teoria Clovis segue forte. Esses vêm reforçando suas teorias através da utilização de DNA para comparar os fósseis encontrados na América, de Clovis à Lagoa Santa. Teoria da Vinda pelo Pacífico: achados arqueológicos, principalmente no Brasil, possibilitaram o desenvolvimento de uma teoria que afirmava a existência de Hominídeos Negroides na América pré-colombiana. Acredita-se que tenham vindo da Austrália, navegando pelo Oceano Pacífico. Contudo, novos achados arqueológicos indicam que esses grupos negroides poderiam ter vindo pela mesma Beríngia, pois seriam antecessores dos mesmos hominídeos que migraram para a Austrália. Contudo, a versão da migração pelo Oceano Pacífico é mais aceita no meio acadêmico. Essa nova teoria começou a ser desenvolvida a partir da descoberta do crânio de Luzia, uma mulher de 11,5 mil anos, pelo pesquisador Walter Neves, no sítio de Lagoa Santa, em Minas Gerais, durante os anos 1970. Recentes pesquisas com o crânio de Luzia, colocaram em dúvida a afirmação de que ela era negroide, o que, se for Para saber mais verdade, coloca em xeque a teoria do Pacífico.
Cultura Dolmênica: de sde o Neandertal, os hominídeos passaram a enterrar os seus mortos com os pertences, o que indica a crença numa vida após a morte e, talvez, certa religiosidade. No entanto, foi o Homo Sapiens Sapiens que construiu os primeiros locais de adoração aos espíritos e deuses que passaram a cultuar com o tempo. Segundo alguns autores, os primeiros templos, monumentos, ou conjuntos de construções rituais foram os “dolmens”. Feitos de pedras, enterradas verticalmente no solo, com outras colocadas sobre elas. Para que esses monumentos fossem construídos, especula-se que os indivíduos do período conhecessem o sistema de alavancas. Os conjuntos são formados por colunas de pedras, individualmente denominadas “menires”. Com a sobreposição das pedras, surgiram os dolmens. Trata-se de uma prática característica do Norte e do Oeste da Europa, com vários complexos ainda hoje remanescentes. Muitos autores afirmam que foram usados por celtas em cultos aos seus deuses, ou em cerimonias totêmicas ou culturais.
Stonehenge, Inglaterra
Anta da Cerqueira, Portugal
Luzia - Em novembro de 2018, dois artigos publicados pelo brasileiro André Strauss em uma parceria internacional entre pesquisadores da USP, de Harvard (EUA) e do Instituto Max Planck da Alemanha, afirmam que Luzia e os demais fósseis descobertos em Lagoa Santa eram descendentes dos mongoloides que chegaram à América pelo Estreito de Bering. Suas afirmações se baseiam em pesquisas com DNA.
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (FUVEST-2020) Pesquisadores do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, encontraram o crânio e uma parte do fêmur de Luzia, o esqueleto humano mais antigo descoberto na América que revolucionou as teorias científicas sobre a ocupação do continente. Os fósseis foram achados há alguns dias (não foi divulgado quando) junto aos escombros do edifício, parcialmente destruído por um incêndio em 2 de setembro. O crânio está fragmentado, porque a cola que mantinha os seus pedaços juntos se foi com o calor, mas a equipe está bastante otimista com suas condições. Júlia Barbon, Folha de São Paulo, Outubro/2018. Adaptado.
O esqueleto de Luzia, (A) adquirido por D. Pedro II em 1876, foi incorporado à sua coleção pessoal, a mesma que deu origem ao Museu Nacional no período republicano. (B) descoberto na década de 1970 em Minas Gerais, permitiu questionar a teoria de que a ocupação das Américas se deu por apenas uma onda migratória. (C) estudado por diferentes equipes de antropólogos, comprovou que grupos saídos diretamente da África foram os primeiros habitantes das Américas. (D) encontrado na atual Serra da Capivara, no Estado do Piauí, pertenceu à cultura que elaborou suas famosas pinturas rupestres. (E) mantido em uma coleção particular fora do país, estava exposto para comemoração dos 150 anos da passagem de Charles Darwin pelo Brasil.
Gabarito: B A descoberta do crânio de Luzia, em 1975, no município de Pedro Leopoldo, próximo a Lagoa Santa, em Minas Gerais. A descoberta feita pela arqueóloga franco-brasileira Annette Laming-Emperaire, foi amplamente analisada pelo biólogo Walter Neves que a batizou de Luzia. Nas suas pesquisas, Neves buscou comparer Luzia aos crânios que o naturalista Peter Lund havia encontrado em Lagoa Santa no século XIX. Para Neves, os traços de Luzia e dos crânios encontrados por Lund eram semelhantes e possuíam traços negroides. Esses traços indicavam que os ancestrais de Luzia poderiam ter vindo de regiões como a África e Austrália, devido à semelhança com os aborígenes. O provável rosto de Luzia foi reconstituído pela equipe da Universidade de Manchester no Reino Unido, o que reforçava a ideia dos traços negriodes. Essas descobertas foram fundamentais para a elaboração de uma nova possível rota que teria sido adotada pelos ancestrais de Luzia para chegar à América. Rota esta que teria o oceano Pacífico como caminho entre a Austrália e a América. Contudo, pesquisas recentes (2018), utilizando tecnologias novas (DNA) apresentaram uma contestação à essa tese. Para André Strauss, de acordo com essas novas pesquisas, Luzia não é negroide. Ela teria a mesma carga genética dos paleoíndios brasileiros, ou seja, teria traços mongoloides.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UNESP-2022) De 400 mil a 40 mil anos atrás, pequenos grupos de neandertais se distribuíram por uma região que hoje abrange a Europa, o oeste da Ásia e o Oriente Médio. Desde o sequenciamento do genoma neandertal em 2010, os dados genéticos sugerem com frequência que, em algumas das ocasiões em que se encontraram, H. sapiens e neandertais se reproduziram e deixaram descendentes férteis. Por essa razão, populações humanas atuais sem ancestralidade exclusivamente africana abrigam em seu genoma trechos de DNA neandertal – não há evidências de que neandertais tenham vivido na África. Os especialistas defendem que essa pequena contribuição [dos neandertais] tenha influenciado certas características dos seres humanos modernos.Vários estudos já associaram genes neandertais a traços mais vantajosos, como um sistema imune mais robusto [...], ou desvantajosos, como maior risco de desenvolver doenças como diabetes ou depressão. [...] A ideia de que H. sapiens tenham convivido com neandertais não é nova. Antes dos estudos de DNA antigo, já existiam evidências arqueológicas dessa coexistência no Oriente Médio e na Europa. Cavernas em Israel e na Jordânia guardam resquícios de ocupação em sequência das duas espécies. Além disso, alguns fosseis [...] apresentavam traços mistos de H. sapiens e neandertal.
desse gigantesco livro de imagens que são as galerias. A educação dos povos que desconhecem a escrita está baseada sobretudo na imagem e no som, no audiovisual.
Ricardo Zorzetto. “Laços de família”. In: Pesquisa Fapesp, maio de 2021.
Com base nessa hipótese, de origem única na África, assinale a alternativa que indica corretamente como ocorreu essa irradiação, em ordem cronológica, a partir do continente africano, para as diversas partes do mundo.
O texto apresenta resultados recentes de pesquisas sobre a evolução humana e destaca, entre outros aspectos, a (A) articulação de conhecimentos obtidos por meio de pesquisas científicas de áreas diferentes, na busca de explicações sobre as origens, a movimentação e a evolução dos ancestrais dos humanos. (B) combinação de exemplares de diferentes espécies como a origem apenas de problemas e desajustes genéticos, posteriormente transmitidos às novas gerações. (C) percepção da complexidade dos contatos entre os antepassados dos seres humanos e do isolamento rigoroso que havia entre os representantes das diferentes espécies. (D) hipótese mais provável de origem dos ancestrais humanos na África e a posterior circulação e transferência das várias espécies para os demais continentes. (E) limitação do conhecimento acerca das origens dos seres humanos, que continuam a ser objeto de especulação filosófica destituída de bases documentais. 02. (ENEM-2020) A arte pré-histórica africana foi incontestavelmente um veículo de mensagens pedagógicas e sociais. Os San, que constituem hoje o povo mais próximo da realidade das representações rupestres, afirmam que seus antepassados lhes explicaram sua visão do mundo a partir
Kl-ZERBO, J. A arte pré-histórica africana, In: KI-ZERBO, J. (Org.) História geral da África, I: metodologia e pré-história da África. Brasília: Unesco, 2010.
De acordo com o texto, a arte mencionada é importante para os povos que a cultivam por colaborar para o(a) (A) transmissão dos saberes acumulados. (B) expansão da propriedade individual. (C) ruptura da disciplina hierárquica. (D) surgimento dos laços familiares. (E) rejeição de práticas exógenas. 03. (UEL) Os indivíduos da espécie Homo sapiens “CroMagnon” foram os primeiros a domesticar animais e a deixar expressivas obras de arte, como pinturas em cavernas e figuras esculpidas de animais e de mulheres grávidas. Nas paredes da Caverna de Chauvet, por exemplo, estão as famosas pinturas do Paleolítico Superior. De acordo com a hipótese mais aceita atualmente, nossos ancestrais surgiram na África e daí teriam irradiado para outros continentes.
(A) Europa – Nordeste da Ásia – América do Norte – Indonésia – Austrália. (B) Sudeste da Ásia – Europa – Nordeste da Ásia – América do Norte – América do Sul. (C) Sudeste da Ásia – Europa – América do Norte – América do Sul – Austrália. (D) Europa – América do Norte – América do Sul – Austrália – Sudeste da Ásia. (E) Europa – Nordeste da Ásia – América do Norte – América do Sul – Oceania. 04. (UDESC) Em 1972, a equipe do arqueólogo Richard Leakey encontrou, nas imediações do Lago Turkana, o crânio e os ossos de um Homo rudolfensis de milhões de anos. Esta espécie teria coabitado o território africano ao mesmo tempo em que três outras; o Homo habilis, o Homo erectus e o Paranthropus boisei. Em 1974, pesquisadores descobriram, na Etiópia, um fóssil de milhões de anos, ao qual apelidaram de Lucy. Em 2017, foram publicadas pesquisas a respeito de fósseis de Homo sapiens encontrados no Marrocos, os quais contariam com cerca de mil anos. Disponível em www.bbc.com, acessado em 15 de março de 2018.
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Estas descobertas foram essenciais para o desenvolvimento de pesquisas, a respeito da evolução de espécies, pois elas poderiam ser referentes aos antepassados diretos da espécie humana. A este respeito, é correto afirmar: (A) A descoberta de 2017 refuta a teoria de que a origem da vida humana seria na África, deslocando-a para a península arábica. (B) Os seres humanos que habitam a África, a América e a Europa não fazem parte da mesma espécie. (C) É consensual, para a comunidade científica, a afirmação de que a espécie humana é originária do Continente Africano. (D) Não existem consensos a respeito de qual continente teria se originado a espécie humana. (E) O Homo sapiens é, evidentemente, anterior ao Homo rudolfensis.
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HISTÓRIA
ANOTAÇÕES
EGITO E MESOPOTÂMIA Introdução Antiguidade é o período da história que vai do desenvolvimento da escrita, por volta de 4.000 a.C, até a queda de Roma, em 476, diante dos hérulos, um dos povos germânicos (bárbaros). Entretanto, para facilitar os estudos e o entendimento deste período histórico, nós dividimos a Antiguidade em duas grandes partes: a Antiguidade Oriental e a Antiguidade Ocidental. Na Antiguidade Oriental, estudamos a história do Egito, os povos da Mesopotâmia, os Fenícios, os Hebreus e os Persas e, na Antiguidade Ocidental, nossos estudos se concentram em Grécia e de Roma antigas. Algumas das civilizações mais antigas fixaram-se às margens dos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, e do rio Nilo, no Egito. Estes rios foram fundamentais para a existência dos povos que ali habitaram. O Historiador grego Heródoto teria dito: “o Egito é uma dádiva do Nilo”. Percebe-se, claramente, que ele está se referindo ao fato de que os rios deram vida para regiões desérticas e inóspitas. Ao serem inundadas pelas cheias dos rios, as regiões costeiras fertilizavam-se, possibilitando que a agricultura fosse desenvolvida ano após ano. A região que engloba Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Síria, Canaã e Pérsia é chamada de Crescente Fértil, justamente por essa capacidade de manter o solo pronto para a produção. Algumas das cidades mais antigas da história surgiram no Crescente Fértil. A escrita, criação dos sumérios, surgiu na Mesopotâmia. As primeiras leis escritas foram registradas nessa região. Neste capítulo, vamos estudar a civilização egípcia e os povos que habitaram na Mesopotâmia, durante a Antiguidade. Vamos analisar suas experiências políticas, economias, suas culturas e seu legado, tão importante para a compreensão do mundo atual. 1.
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Egito 2. Mesopotâmia
Antiguidade Oriental – Crescente Fértil Crescente Fértil é a denominação atribuída à região que vai do Egito ao Irã, passando por Israel, Iraque, Kuwait, Síria, Líbano e uma parte da Turquia, de acordo com as fronteiras atuais. O termo fértil refere-se, principalmente, à presença de três rios importantíssimos para o nascimento das civilizações da região. Eles são os rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, e o Nilo, no Egito. Nesta região, durante a Antiguidade, viveram os egípcios, os povos da Mesopotâmia (sumérios, acádios, amoritas, assírios e caldeus), fenícios, hebreus e persas. São estes os povos que vamos estudar nas próximas linhas.
EGITO
A egiptologia, o estudo do Egito Antigo, surgiu a partir da descoberta da Pedra da Rosetta – um basalto com inscrições antigas encontrado no Delta do Nilo - pelas tropas de Napoleão Bonaparte, no ano de 1799. O general francês foi ao Egito em uma expedição de reconhecimento e pilhagem - sendo que dominar essa região era muito importante para o controle do comércio mediterrâneo - levando soldados e estudiosos. Em 1822, o professor de história Jean François Champollion finalmente decifrou as inscrições na pedra, provavelmente datadas de 196 a.C. Tratava-se de três sistemas de escrita distintos: o primeiro, chamado de escrita hieroglífica, também encontrado nas pirâmides e demais túmulos egípcios, uma escrita ideográfica, baseada em símbolos que representavam, ideias e imitavam sons, utilizada principalmente pelos antigos sacerdotes do Nilo; o segundo, denominado, demótico, seria uma simplificação da escrita hierática, essa última, utilizada pelos antigos escribas nos papiros oficiais do Estado; por fim, o terceiro sistema, o grego antigo, já conhecido de Champollion, a base linguística que lhe permitiu decifrar os demais.
Mapa do Crescente Fértil - denominação para a região que engloba os rios Tigre,Eufrates e Nilo, além do Golfo Pérsico
Divisão periódica e características dos períodos Período Pré-Dinástico: é todo o período que antecede a primeira unificação, ou seja, desde a formação das primeiras aldeias e povoados às margens do Rio Nilo, até a conquista de Menés, em 3200 a.C. As aldeias e os povoados viraram cidades. As cidades se
Pirâmides de Gizé - Construídas por volta de 2600 a.C, para servir de túmulo para os faraós Queops, Quefren e Miquerinos HISTÓRIA
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unificaram, dando origem a pequenos Estados, denominados Nomos. Os Nomos eram governados por Nomarcas. Esses pequenos reinos foram se formando, ao longo do IV milênio a.C, como uma alternativa que os habitantes da região encontraram para sobreviver. Juntos, os habitantes da região poderiam aproveitar melhor o Nilo, construindo diques, canais e barragens mais eficientes. Por volta de 3500 a.C, os Nomos se uniram e formaram dois reinos, o Alto Egito e o Baixo Egito. Na mesma época a escrita Hieroglífica foi desenvolvida pelos sacerdotes. Em 3200 a.C Menés, rei do Alto Egito, partiu com tropas do seu reino e conquistou o Baixo Egito, unificando o país. Era o fim do Período Pré-Dinástico.
• Período Dinástico: é dividido em 3 fases: • Antigo Império (3200 A.C – 2300 A.C)
A pirâmide mais antiga do Egito é a de Saqqara, mais conhecida como pirâmide de degraus. Ela foi construída para servir de túmulo para o faraó Djoser (Zoser), cerca de 150 anos antes das pirâmides de Gizé. O arquiteto responsável pela obra, foi o vizir do faraó, Imhotep. Essa construção serviu de base para as posteriores.
Pirâmide de Zoser - Primeira das grandes pirâmides do Egito
Menés, rei do Alto Egito, unificou o país em 3200 a.C, conquistando o Baixo Egito. Ele se tornou o Primeiro Faraó, dando início a um governo com características teocráticas. A primeira capital do Egito unificado foi Mênfis, localizada próximo ao Delta do Nilo. As principais características do Antigo Império foram: – Grandes Construções: as Pirâmides da Planície de Gizé. Construídas durante os governos dos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos, por volta de 2600 a.C. As pirâmides eram usadas como túmulos para os faraós, considerados deuses vivos pelos egípcios. Além destas, foram construídos palácios, templos, diques, canais, estradas, dentre outras obras, tendo como base da mão de obra, a Servidão Coletiva. – Servidão Coletiva: para construir as Pirâmides e os Templos, era utilizado o trabalho dos próprios egípcios. Todos os camponeses trabalhavam para o Estado, no plantio, na colheita e, nos intervalos destas atividades, na construção de obras públicas. Existiam poucos escravos durante o Antigo Império. Os existentes eram principalmente núbios, no entanto, pelo reduzido número, não eram muito expressivos economicamente, sendo mais utilizados em trabalhos domésticos. – Isolamento Territorial: o Egito tinha fronteiras de difícil acesso, principalmente quando se trata desse período. Dessa forma, houve pouco contato dos egípcios com povos vizinhos. Esse isolamento proporcionou o desenvolvimento de uma cultura idiossincrática, ou seja, única. – Por volta de 2300 a.C, o faraó Pepi II morreu, após 100 anos de governo, como indicam algumas fontes. Como ele viveu muito tempo, seus herdeiros já haviam morrido antes dele. Dessa forma, a sucessão acabou ficando comprometida, pois não houve consenso entre os nobres. Desentendimentos entre os antigos nomarcas acabaram levando à fragmentação política e ao fim do Antigo Império.
• Médio Império: (2000 A.C – 1580 A.C) Os hebreus foram escravos no Egito entre os séculos XVI a.C e XIII a.C
Mentuhotep II rei do Alto Egito unificou outra vez o país, por volta de 2000 a.C. A nova capital foi estabelecida em Tebas, no Alto Egito. No século XVIII a.C ocorreu a Invasão dos Hicsos, que só foi possível pela grande superioridade militar dos invasores, que dominavam a metalurgia do ferro, a montaria de Cavalos e a Roda. Foi neste período de dominação dos hicsos que ocorreu a chegada dos Hebreus ao Egito. Estes fugiam da seca na Palestina, buscando terras férteis. As relações entre hicsos e hebreus foram pacíficas, por isso os egípcios os viam como aliados dos invasores. Os hicsos concentraram a sua dominação no norte, na região do Delta do Nilo. Os egípcios se reorganizaram, passaram a dominar as técnicas militares dos invasores e, após dois séculos de dominação, expulsaram os hicsos do Egito. Era o fim do Médio Império.
• Novo Império: (1580 A.C – 1085 A.C) Máxima extensão do Império Egípcio - O Faraó Tutmés III ampliou as conquistas, tornando o Egito uma potência militarista 320
HISTÓRIA
Amósis I foi o primeiro faraó desse período. Os egípcios, a partir do belicoso contato com os hicsos, assumiram uma nova postura, caracterizada pelo militarismo, pela xenofobia, pelo expansionismo, pela expansão militar, comercial e marítima. Vamos analisar cada uma dessas características:
Militarismo: formação de um Grande Exército, com os seus contingentes recrutados entre os populares. Este exército assumia o caráter de força permanente. Xenofobia: o principal exemplo dessa condição é a Escravização dos Hebreus. Estes, identificados como inimigos, em função da sua aliança com os hicsos, foram escravizados pelo povo do Nilo. Os egípcios passaram a ter uma relação mais conflituosa com outros povos, buscando sempre consolidar a sua nova posição no Oriente Médio. Expansionismo: os egípcios conquistaram territórios, tais como a Palestina, parte da Síria e parte da Núbia. Na Fenícia, desenvolveram um protetorado. Essa expansão foi tanto territorial como comercial. Em parceria com os fenícios, o Egito ampliou suas práticas comerciais internas e externas. Navegação e Comércio: essas práticas foram possibilitadas a partir de uma grande parceria com os Fenícios, marcada pela troca de serviços de navegação e comércio, por proteção militar. Dessa forma, o Egito passava a comercializar com gregos, mesopotâmios, hititas, fenícios, dentre outros. Foi um período de grande interação cultural e econômica. Essa nova realidade transformou o Egito num país com características imperialistas. Eles escravizaram um outro povo e expandiram a sua cultura para muito além das antigas fronteiras.
O faraó Akhenaton, sua mulher Nefertiti e seu filho Tutankhaton (Tutankhamon), recebendo bênçãos do deus Aton. Este artefato encontra-se no museu Pergamon, em Berlim
• Principais faraós do Novo Império Durante o Novo Império, o Egito foi governado pelas XVIII, XIX e XX dinastias. No entanto, para nossos objetivos, vamos priorizar o estudo dos principais governos. São eles: Tutmés III: século XV a.C – responsável por ampla atividade militar e construtora. Na sua época o Egito dominava a Palestina, exercia um protetorado sobre a Fenícia e dominava terras até as fronteiras da Ásia Menor e da Mesopotâmia. Além disso as fronteiras no Sul também haviam sido expandidas, após conquistas sobre a Núbia. Amenófis IV / Akhenaton: século XIV a.C – Instaurou o Monoteísmo no Egito, ou seja, o culto a um único deus, Aton (representado pelo disco solar). O verdadeiro objetivo de Akhenaton era reduzir o poder dos sacerdotes (principalmente os do deus Amon), que muitas vezes, com a sua influência, acabavam destronando faraós e decidindo a política do Egito. Akhenaton construiu uma nova capital, Aketaton, que assim como o seu monoteísmo, não sobreviveu à sua morte. Tutankhamon, filho de Akhenaton, retomou o politeísmo após a morte do pai, tendo sido influenciado pelos sacerdotes de Amon. Ramsés II: século XIII a.C – foi durante o seu governo que os egípcios enfrentaram os hititas na Batalha de Kadesh 1285 a.C. Segundo alguns autores essa batalha foi vencida pelos egípcios, segundo outros ela acabou sem um vencedor definido. Contudo, os egípcios mantiveram os seus domínios sobre o Oriente Médio. Os hebreus fugiram do Egito nessa mesma época, liderados por Moisés, episódio que ficou conhecido como Êxodo. Após a morte de Ramsés o Egito começou a declinar politicamente. Entre 1085 a.C e 663 a.C várias famílias nobres disputavam a hegemonia no Egito, incluindo períodos de dominação estrangeira. Entre o século IX a.C e VIII a.C, os egípcios se submeteram a uma dinastia Líbia e, entre ± 750 a.C e 715 a.C, os egípcios foram dominados pelos núbios. Em 671 a.C, devido a fragmentação política do país dos faraós, os assírios invadiram e dominaram a região. Em 663 a.C os assírios foram expulsos por uma aliança entre os príncipes da cidade de Saís, do Delta do Nilo, liderados por Psamético I. Começava o denominado Renascimento Saíta (último período de autonomia do Egito na Antiguidade). O principal faraó desse período foi Necao (660 a.C - 593 a.C) que investiu no comércio e na parceria com os fenícios. Foi nessa época que ele financiou a circunavegação da África, visando estimular o comércio entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho. Em 525 a.C o Egito foi conquistado pelos Persas, que liderados por Cambises, venceram, a Batalha de Pelusa.
O Julgamento de Osíris Não importava se a pessoa fosse pobre ou rica, todas teriam que passar pelas mesmas etapas no mundo dos mortos. Primeiramente a pessoa morta precisava convencer o barqueiro Aken a levá-la pelo rio da morte. Então eles tinham que passar por doze portões que são vigiados por demônios e serpentes. Era um dos motivos de serem enterrados amuletos de proteção junto com o morto, que ajudariam a protegê-lo nessa hora. Depois o morto precisava convencer os 42 juízes de que não tinha cometido nenhum dos 42 pecados. Só depois dessas etapas o morto entraria no tribunal de Osíris. Na cena da próxima página vemos Anúbis levando Hunefer para a pesagem do coração na balança de Maat. O próprio Anúbis é quem faz os ajustes na balança. Thoth fica ao lado direito anotando tudo que está acontecendo e também a sentença final. Ammit, que é a Devoradora dos Mortos, fica aguardando uma pesagem que a favoreça. Com o resultado positivo na cena, Hórus conduz Hunefer ao encontro de Osíris. Na parte superior vemos Hunefer adorando alguns deuses. Já na parte onde está o trono de Osíris, a sua frente há uma flor de lótus com os quatros filhos de Hórus (alguns autores defendem que sejam 4 ushabits) e atrás de Osíris estão Ísis e Néftis. Fonte: https://antigoegito.org/mumificacao-rituais/
Características gerais da sociedade Religião: a religião dos egípcios era politeísta, e os deuses tinham representação Antropozoomórfica (Deuses com forma humana e animal no mesmo ser). A mumificação também era uma prática comum na sociedade egípcia. Na crença deste povo, o espírito só viveria no mundo dos mortos se o corpo fosse preservado na Terra.
Mumificação HISTÓRIA
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Para saber mais
Economia, sociedade e saberes do Egito Economia: a Servidão Coletiva foi a base da mão de obra no Egito Antigo. Mesmo no Antigo Império, quando a escravidão era largamente utilizada, a servidão do próprio povo foi superior. A Agricultura era a principal atividade econômica do Egito, pois a fertilidade do solo que margeava o Nilo favorecia essa atividade. O comércio era uma atividade secundária, devido a grande disponibilidade de recursos naturais no Egito, que necessitava de poucas trocas. O Artesanato, muito utilizado para o comércio, também adquiriu menor importância no Egito do que em outras civilizações coetâneas. Sociedade: a sociedade egípcia era rigidamente hierarquizada. O faraó e a sua família no topo, os sacerdotes, uma espécie de nobreza (nomarcas, militares, altos funcionários, ...) e os escribas fecham a parte de cima da pirâmide social. Na base, os camponeses (denominados Felás) e os escravos.
Saberes: os egípcios foram excelentes matemáticos, construtores e embalsamadores. Por isso, desenvolveram conhecimentos nas áreas da matemática, da arquitetura e da medicina. Eles realizavam pequenas cirurgias e faziam cálculos sofisticados. Como bons agricultores, também precisaram desenvolver o conhecimento de astronomia, fundamental para prever e antecipar mudanças climáticas que poderiam prejudicar a plantação.
Mapa da Mesopotâmia Antiga - Localização das principais cidades do período do apogeu dessas civilizações
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HISTÓRIA
O Julgamento de Osíris
2.
MESOPOTÂMIA
Região de fácil acesso, a Mesopotâmia tornou-se uma passagem obrigatória dos povos que partiam em direção ao extremo Oriente ou daqueles que retornavam de lá. Dessa forma, a região foi dominada por vários povos em diferentes períodos.
Sumérios Organizaram-se politicamente em cidades-Estado, tais como: Ur, Uruk, Lagash e Nippur. Essas cidades eram governadas por líderes denominados Patesís e estavam constantemente em guerra umas com as outras, disputando a hegemonia regional. Os Sumérios desenvolveram a Escrita Cuneiforme (composta por 350 caracteres). Para dominar a escrita, era necessária uma longa formação. A Edubba (Casa das Placas) era a Escola de escribas, na qual jovens oriundos de famílias ricas, pagavam para estudar. Essa escola tinha instrutores (os denominados “Irmãos Maiores”) e um Diretor, denominado Ummia. Além da escrita, os escribas aprendiam matemática, baseada no sistema sexagesimal (60), o que influenciou a divisão da hora, do minuto, da circunferência etc. Por volta de 2500 a.C, cerca de 500 mil pessoas viviam na Suméria. Destes, 4/5 viviam nas cidades. Os motivos das principais disputas entre os sumérios se resumiam à questão da exploração dos rios, sendo que um canal feito por uma cidade, poderia complicar o abastecimento da outra, mais abaixo no curso do rio. Os líderes eram chamados Lugal (ou Patesís, segundo alguns autores) e acumulavam os poderes político, militar, jurídico (entretanto o líder era auxiliado por um conselho de anciãos, que formavam uma espécie de corpo de jurados). O Líder também contava com o apoio de uma extensa burocracia, designada (pelo próprio rei) para ocupar cargos administrativos importantes. Com a necessidade de leis mais complexas e mais abrangentes, surgiram os primeiros códigos da história. O primeiro foi o Código de Urnamu (Ur-Namu), por volta do século XXI a.C, que teria sido consolidado no reinado de Shulgi, filho de Urnamu. Esse código era mais “humano”, se comparado ao de Hamurabi, tendo em vista que previa o pagamento de multas como punição a vários delitos. Mesmo antes do primeiro código, já haviam alguns escritos relacionados às questões jurídicas, em Lagash, na época do rei Urukagina, ou a Estela dos Abutres, em Uruk. Após Urnamu, por volta do século XX a.C, o Código de Eshnuna foi desenvolvido. As mulheres sumerianas podiam ter propriedade, fazer negócios e servir de testemunha em julgamentos, no entanto, eram considerados “cidadãos secundários”, pois ao marido era permitido vender a mulher, em caso de necessidade financeira, além de se exigir separação no caso de esposa estéril. Os maridos podiam ainda ter concubinas.
Babilônios (Amoritas) Os babilônios dominaram a região, após a vitória sobre os sumérios e desenvolveram um governo centralizador. O rei mais conhecido, e poderoso, dos Babilônios foi Hamurabi (1792 a.C – 1750 a.C). Ele consolidou a cidade da Babilônia como centro político e econômico regional, fundando o Primeiro Império Babilônico. A cidade tornou-se uma espécie de centro comercial da Mesopotâmia e de seus arredores. Comerciantes vinham de várias regiões, atraídos pelos produtos artesanais dos amoritas. Essa relevância comercial acabou trazendo certo protagonismo para o povo de Hamurabi. O poderio babilônico foi tão significativo que pode até ser conferido na Bíblia, pela história da “Torre de Babel”, uma das construções magníficas, feita com tijolos e em formato de zigurate. O rei também desenvolveu o Código de Hamurabi, um código de leis, baseado na “Lei de Talião”, um princípio jurídico que entende que a punição deve ser proporcional ao delito. A frase que melhor expressa esse princípio é “Olho por olho, dente por dente”. No entanto, o Código de Hamurabi respeitava a hierarquia social, ou seja, os grupos considerados inferiores sofriam com punições mais severas. Após a morte de Hamurabi, o Império Babilônio começou a sofrer com o assédio de povos como os cassitas e os hititas, que saquearam algumas cidades. Mesmo que tenha durado ainda alguns séculos, o império se ressentia da ausência de outro grande rei. Enfraquecidos e fragmentados, por volta do século XIV a.C, os babilônios foram dominados pelos assírios, que estenderam os seus domínios para toda a Mesopotâmia.
Assírios A condição de guerreiros dos assírios formou-se, por necessidade e sobrevivência, tendo em vista que sua terra ficava no meio de rotas comerciais que ligavam a Babilônia e a Anatólia (Ásia Menor). Dessa forma, para defenderam a sua terra e o seu povo, foram obrigados a se organizar militarmente. Dentre as cidades assírias, destacam-se Assur, Nínive, Erbil e Nimrod. Desde o início, os assírios desenvolveram uma tendência agressiva e cruel, que foi ampliada com o tempo. Em 1274 a.C, por exemplo, o rei Salmanasar I cegou 14 mil escravos. O rei Tukulti-Ninurta (1244 a.C – 1208 a.C) venceu Kashtiliash da Babilônia e a conquistou. Contudo a hegemonia dos assírios no Oriente ainda não havia sido consolidada, tendo em vista que, entre1200 a.C e 1100 a.C, hebreus, filisteus, cananeus, dentre outros povos, disputavam as terras da Síria ao Mediterrâneo. Os assírios temiam “espíritos maus e demônios”. Dentre os quais, Lamashtu, o demônio da febre, era um dos mais temidos: “ele era especializado em matar mulheres e crianças no parto”. Era identificado como um espírito feminino. Mesmo temendo os demônios, os assírios os consideravam facilmente enganáveis pelos Ashipu (sacerdotes exorcistas). Ainda que possuíssem crenças bem singulares, a religião dos assírios sofreu forte influência dos povos anteriores da Mesopotâmia. Eles “importaram” deuses dos sumérios e dos babilônios. Na justiça a situação foi semelhante. Suas leis eram baseadas no Código de Hamurabi. Os assírios valorizavam o que era antigo e abominavam as novidades, com exceção dos assuntos e tecnologias de guerra. Eles construíram estradas que permitiam aos seus exércitos se expandir e se locomover rapidamente para acabar com revoltas. Um sistema arcaico de correios também existia.
Estela de Hamurabi com detalhe da parte superior, onde aparecem as representações do rei dos babilônios e o deus Marduk
Domínio Acádio No século XXIV a.C (± 2370 a.C), Sargão I, aproveitando-se das constantes guerras entre as cidades sumérias, organizou um poderoso exército e dominou os sumérios. Ao subjugar os líderes sumerianos, ele unificou a Mesopotâmia, concentrando a administração e o poder em uma única cidade: a capital Agade. Durante o seu governo, intensificou-se o comércio, o que trouxe prosperidade à região. No entanto, o seu poder acabava assustando os povos vizinhos. Imaginava-se que, a qualquer momento, os acádios poderiam retomar a expansão. Dessa forma, alguns povos do entorno da Mesopotâmia começaram a fortalecer as suas tropas. Gutis, Mitanis, Assírios, dentre outros, eram alguns dos inimigos dos acadianos. No século XXIII a.C, os gutis invadiram a capital Agade e vencem os acadianos. Após cerca de 50 anos de disputas entre os povos acadianos e os gutis, os sumérios retomaram a hegemonia na região, aproveitando-se do enfraquecimento de ambos. Contudo, logo após retomar o controle do território, restabeleceram a sua antiga estrutura político-administrativa descentralizada e conflituosa. Hamurabi, rei dos babilônios, um dos povos que viviam na Mesopotâmia, por volta do século XVIII a.C, iniciou a dominação dos sumérios, inaugurando o Primeiro Império Babilônico. Era o fim do domínio sumério, mas não o de sua cultura. Os sumérios deixaram um imenso legado cultural para os povos mesopotâmicos.
• Principais Reis Assurnasirpal II (século IX a.C), Sargão II e Senaqueribe (século VIII a.C) foram alguns dos principais reis dos Assírios. Senaqueribe saqueou a Babilônia. Seu filho Assaradão, percebendo o erro do pai (que sofreu fortes críticas até dos próprios assírios), reconstruiu a cidade. Em 671 a.C, Assaradão conquistou o Egito. Com a morte dele, dois de seus filhos dividem o Império Assírio. Assurbaníbal vence seu irmão e retoma o Egito, que lutava para se libertar. Ele também construiu a Biblioteca de Nínive, que era cheia de placas
Tabela de Sinônimos, Biblioteca de Nínive - objeto produzido por volta dos últimos 300 anos do império Assírio HISTÓRIA
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Jardins Suspensos da Babilônia Teriam sido construídos por ondem de Nabucodonosor para sua esposa Amytis. No entanto, atualmente a crença na veracidade de uma construção dessa magnitude está sendo questionada por especialistas
Segundo vários assiriólogos (historiadores especialistas em Mesopotâmia), foram os povos desta região que, pela primeira vez, dividiram a semana em 7 dias, a hora em 60 minutos e o minuto em 60 segundos. Além disso, eles criaram o zodíaco e a astrologia. Pela sua crença, a vida de uma pessoa podia ser prevista pela posição dos astros no momento de seu nascimento. Acreditavam, também, que a natureza podia ser interpretada, ou seja, o voo dos pássaros, as entranhas dos animais sacrificados, enfim, podiam ser lidos pelos sacerdotes, o que, geralmente, interferia na decisão de um rei em declarar (ou não declarar) guerra, ou buscar fazer alianças com outros povos, por exemplo.
Para saber mais
cuneiformes que continham compilações dos rituais religiosos, orações, presságios, encantamentos e maldições, listas de deuses, dos antigos sumérios e babilônios. A maioria dos reis tratava os povos dominados com extrema violência. Além de massacrar revoltosos, mutilar prisioneiros, os assírios promoveram grandes deportações (migrações forçadas), obrigando, segundo alguns autores, mais de 4 milhões de pessoas a deixar suas terras. Isso teria sido um dos motivos do declínio dos assírios, juntamente com o aumento do número de soldados estrangeiros no exército. Em 612 a.C, Sinsariscun, último rei dos assírios, foi derrotado por Nabupalasar, líder dos Caldeus, que havia se aliado aos Medos (e aos Citas, segundo alguns autores).
Caldeus (Neobabilônios) Nabupalasar (Nabopolassar) morreu um ano depois da vitória sobre os assírios e foi sucedido pelo seu filho Nabucodonosor (Nabucodonosor II), que ampliou os domínios dos caldeus. Mais uma vez a Babilônia era o centro administrativo e econômico da Mesopotâmia. O Império Caldeu passou a ser chamado de Segundo Império Babilônico. Faria parte deste império a Mesopotâmia, a Síria, o Elam e a Palestina. No século VI a.C, o rei de Judá, Joaquim, não cumpriu o pagamento de impostos acertado com Nabucodonosor e este, invadiu Jerusalém e capturou 10 mil hebreus. Uma década depois, o novo rei dos hebreus, Zedequias, conspirou com o Egito contra os caldeus. Nabucodonosor então invadiu o reino de Judá, destruiu Jerusalém (e o Templo de Salomão) e levou todos os hebreus como escravos para a Babilônia, com exceção dos miseráveis. Esse episódio deu início ao Cativeiro da Babilônia. Nabucodonosor também construiu o templo de Marduk e os Jardins Suspensos da Babilônia, dedicados a sua esposa. O Segundo Império Babilônico não durou muito após a morte de Nabucodonosor. Em 539 a.C, Ciro I, o Grande, rei dos Persas, dominou toda a Mesopotâmia.
• Características gerais da sociedade Religião: politeísta. Havia a crença em vários deuses, principalmente Marduk, deus associado à Babilônia, Ishtar deusa da fertilidade e Assur, deus da guerra dos assírios. Economia: a agricultura era a principal atividade econômica, mas o comércio foi mais importante na Mesopotâmia do que no Egito. Da mesma forma que no Egito, os povos da Mesopotâmia se utilizavam da Servidão Coletiva, mesmo que a escravidão fosse mais intensa que no país dos Faraós. O artesanato também foi uma atividade muito importante, principalmente para complementar o comércio. Sociedade: a sociedade na Mesopotâmia, de modo geral, levando em consideração as características comuns aos diversos povos, era rigidamente hierárquica, assemelhando-se à egípcia. No topo estavam os governantes (reis, imperadores, patesis, ...) que eram considerados representantes dos deuses. Logo abaixo vinham os sacerdotes, os “nobres” (altos funcionários, militares de alta patente, comerciantes ricos, ...) e os escribas em um mesmo grupo. Na base da sociedade estavam os camponeses, que também se submetiam à Servidão Coletiva e, por fim, os escravos.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFRGS) Considere as afirmações abaixo, sobre a história das sociedades antigas.
I. O Egito faraônico caracterizava-se pela estrutura política horizontalizada, pela pouca estratificação social e pela economia centrada na piscicultura devido às cheias do rio Nilo. II. Os fenícios mantiveram uma estrutura social militarizada e terrestre, que permitiu a conquista de outros povos na região do Oriente Médio, culminando com o fim de rotas comerciais marítimas com a Ásia. III. A expansão do Império Persa, durante o governo de Dario I, foi marcada pela unificação dos sistemas tributário e monetário, pela implementação de um código jurídico e por uma rede de estradas e de comunicação. Quais estão corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas II e III. (E) I, II e III. Gabarito: C A afirmativa (I) está incorreta, tendo em vista que a estrutura política do Egito era vertical, concentrando amplos poderes na figura do faraó, considerado um deus vivo. Além disso, a sociedade era rigidamente hierárquica, inexistindo mobilidade social, salvo exceção. Sobre a economia, a agricultura era a atividade principal. A afirmativa (II) está incorreta porque os fenícios se destacaram como grandes comerciantes marítimos, dominando o Mar Mediterrâneo por vários séculos. No que se refere à militarização, a afirmativa também está incorreta. Os fenícios dedicaram todos os seus recursos para o mar, tendo uma estrutura militar pouco eficiente. Para se proteger de invasões e conflitos, os fenícios se aliavam a impérios militarmente mais poderosos, em troca dos seus inestimáveis serviços marítimos e comerciais. A afirmativa (III) está correta.
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (ENEM-2021) 196° – Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho. 197° – Se ele quebra o osso a um outro, se lhe deverá quebrar o osso. 198° – Se ele arranca o olho de um liberto, deverá pagar uma mina. 199° – Se ele arranca um olho de um escravo alheio, ou quebra um osso ao escravo alheio, deverá pagar a metade de seu preço. Código de Hamurabi. Disponível em: www.dhnet.org.br. Acesso em: 6 dez. 2017.
Esse trecho apresenta uma característica de um código legal elaborado no contexto da Antiguidade Oriental explicitada no(a) (A) recusa do direito natural para expressão da vontade divina. (B) caracterização do objeto do delito para a definição da pena. (C) engajamento da coletividade para a institucionalização da justiça. (D) flexibilização das normas para garantia do arbítrio dos magistrados. (E) cerceamento da possibilidade de defesa para preservação da autoridade. 02. (UFPR-2023) Considere o seguinte trecho: Economia e Sociedade no Egito Antigo O Reino Antigo compreende as dinastias IV a VIII, entre 2575 e 2134 [a.C.], com apogeu na primeira de tais dinastias, época da construção de enormes sepulcros, as três grandes pirâmides de Guiza, perto de Mênfis, pelos faraós Khufu (o Quéops dos gregos), Khafra (Quéfren) e Menkaura (Miquerinos); os dois primeiros, em especial, levantaram monumentos de tal magnitude que supõem um sistema tanto político quanto econômico muito bem-organizado. CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 51-52.
A partir do excerto acima e dos conhecimentos acerca da política e da economia do Egito Faraônico e das antigas sociedades africanas, é correto afirmar: (A) A escravidão era a base econômica do Antigo Egito, e a construção de pirâmides e outras obras públicas dependia do trabalho forçado. (B) À medida que a sociedade egípcia se tornou politicamente mais complexa, pirâmides deixaram de funcionar como sepulcros e se tornaram templos conhecidos como “zigurates”. 326
HISTÓRIA
(C) Na sociedade egípcia, o faraó era o único proprietário de terras, e essa concentração econômica permitia o gasto em obras monumentais como pirâmides e templos. (D) A aproximação política e econômica entre as dinastias egípcias do Reino Antigo e as Cidades-estados gregas trouxe as técnicas e o conhecimento arquitetônico necessário para a construção das pirâmides de Guiza. (E) A estrutura econômica egípcia permitia a contratação de trabalhadores assalariados para atuarem em construções públicas, como pirâmides e obras de irrigação. 03. (UEG) Leia o texto a seguir. Amanheces formoso no horizonte celeste, Tu, vivente Aton, princípio da vida! Quando surgiste no horizonte do oriente Inundaste toda a terra com tua beleza. [...] Ó Deus único, nenhum outro se te iguala! Tu próprio criaste o mundo de acordo com tua vontade, Enquanto ainda estavas só. HINO A ATON. In: PINSKI, Jaime. 100 textos de História Antiga. São Paulo: Contexto, 2009. p. 56-57.
O faraó Amenófis IV (1377-1358 a. C.), como parte de uma estratégia política que visava diminuir o poder da classe sacerdotal egípcia, realizou uma reforma religiosaque teve como principal tópico a: (A) adoção do Deus dos hebreus, que se encontravam escravizados no Egito, mas tendo José como um importante membro da corte. (B) definição de que o próprio faraó Amenófis IV, que adotou o nome de Akhenaton, seria o deus único dos egípcios. (C) imposição de deuses estrangeiros trazidos do Oriente, levados para o Egito por meio das rotas comerciais favorecidas pelo faraó. (D) imposição do monoteísmo, adotando o culto oficial a um deus único e proibindo adoração às outras deidades do panteão egípcio.
FENÍCIOS, HEBREUS E PERSAS Introdução Assim como os egípcios e os mesopotâmios, fenícios, hebreus e persas são povos da Antiguidade Oriental e dividiram com aqueles o Crescente Fértil. Interagiram, comerciaram, enfrentaram-se em guerras, escravizaram-se. Protagonizaram embates, alianças e tratados, produziram cultura e conhecimento. Cada um destes, a seu modo, legou para nossos dias, heranças culturais importantíssimas, permeando a contemporaneidade. O alfabeto e o artesanato dos fenícios, a religião e alguns ideais morais dos hebreus, o respeito à diversidade cultural de Ciro I, rei dos persas, enfim, o legado destes povos ainda está vivo no século XXI. É claro que, muitas dessas características culturais chegaram modificadas até nós. Foram sendo apropriadas pelos gregos, romanos, bizantinos, cristão medievais, ganharam sentidos diversos na modernidade e foram traduzidas para nossos dias, pelos anseios daqueles que acolhiam os ensinamentos do passado. Reviver a sua história é ampliar nosso arcabouço cultural, o que possibilita um melhor entendimento das relações sociais, das formas de governo e do desenvolvimento da economia em um período totalmente diferente do nosso, mas que nos serviu de ponto de partida. Neste capítulo, vamos estudar os Fenícios, os Hebreus e os Persas, suas formas de se organizar politicamente, suas principais características religiosas e culturais e as suas estruturas produtivas. Revisitar este momento histórico nos possibilitará ponderar sobre permanências e rupturas nas mais variadas faces civilizacionais.
1.
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Fenícios 2. Hebreus 3. Persas
FENÍCIOS
As principais características do povo Fenício estão ligadas a sua atividade econômica: o Comércio Marítimo. Eles dominaram o Mediterrâneo entre 1400 a.C e 600 a.C. O governo das cidades fenícias era controlado pelos comerciantes marítimos, que formavam uma espécie de conselho, liderado por um Sufete. Esse tipo de governo denomina-se Talassocracia. Sua organização política era descentralizada, ou seja, dividiam-se em Cidades-estados, tais como: Sidon, Biblos, Ugarit e Tiro, a principal.
HISTÓRIA
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A religião dos Fenícios era politeísta. Adoravam deuses denominados “Baal” (senhor), “Astarteia”, “Wshmun”, dentre outros. Uma das características mais marcantes de sua religião eram os Sacrifícios Humanos, geralmente realizados com crianças, o que não era muito comum em outras civilizações vizinhas. Na mitologia de outros povos coetâneos, encontramos passagens relacionadas aos sacrifícios humanos, tais como o sacrifício de Isaac, por Abraão, interrompido pelo anjo de Deus; e o sacrifício de Ifigênia, filha de Agamemnon e Clitemnestra, para que os gregos conseguissem liberar os ventos necessários que os levariam a Troia. No entanto, são nos mitos fenícios que tais casos repetem-se com maior frequência, tornando esta, uma prática comum entre os habitantes da Fenícia.
Como dominaram o Mar Mediterrâneo por muitos séculos, os fenícios foram fundando diversas colônias, ao longo do tempo, que lhes serviam como entrepostos comerciais. Muitas dessas colônias se tornaram grandes parceiras econômicas das cidades fenícias. A principal destas colônias era Cartago, fundada no século IX a.C, no norte da África, pelos comerciantes de Tiro. No século XIV, quando Alexandre, O Grande, estava cercando a cidade de Tiro na Fenícia, boa parte da população dessa cidade fugiu para Cartago. Os Fenícios eram também ótimos artesãos. Produziam navios, armas, joias, tecidos, dentre outros itens. O Tecido Púrpura foi o seu principal produto. Além da própria produção, comercializavam produtos dos seus aliados. Vinhos, cereais, pedras, azeite, tecidos e escravos, um de seus principais negócios. Criaram o Alfabeto com 22 letras (apenas consoantes). Essa nova forma de escrita favoreceu o comércio e acabou sendo adotada por vários povos que conviveram com os fenícios. Os gregos adotaram o alfabeto fenício, e o adaptaram, criando as vogais. Após vários séculos de autonomia, garantida pela relevância do seu comércio e pelas alianças com potências da região, os fenícios foram dominados, sucessivamente pelos assírios (século VII a.C), pelos caldeus (séc. VI a.C), Persas (século VI a.C – IV a.C), macedônios (IV a.C – I a.C – Tiro foi cercada pelas tropas de Alexandre, o Grande), romanos (século I a.C – IV), bizantinos (século IV – VII) e árabes (VII – até a dominação turca). 2.
HEBREUS
Primeiro Povo Monoteísta: desenvolveram o Judaísmo, a sua religião que adota o Torah, livro sagrado, formado pelos livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômios. Além do Torah, os judeus utilizam o Talmude, que reúne várias tradições orais, sendo subdividido em Mishnah, Midrashim, Targumin e Comentários. Ao longo de sua história, na antiguidade, os hebreus tiveram três tipos de organização política: Patriarcado, Juizado e a Monarquia.
Patriarcado
Existe um debate, no meio acadêmico, acerca da questão do pioneirismo hebraico no que se refere ao culto monoteísta. As fontes que dão conta da história dos hebreus, antes do Egito, são muitos escassas, principalmente àquelas anteriores a Moisés. Dessa forma, alguns estudiosos afirmam que os hebreus acabaram assimilando o monoteísmo de Akhenaton, ou, numa outra análise, redescobriram o culto a Jeová durante o governo em questão. Mesmo que haja controvérsias, os hebreus ainda são considerados os primeiros a cultuar um único deus, pelo menos entre os povos que deixaram relatos da sua história para a posteridade.
Abraão, Isaac, Jacó, Moisés. Foram eles os principais patriarcas. Os hebreus surgiram em Ur, na Mesopotâmia, mas por, volta do início do II Milênio a.C, partiram em busca da “Terra Santa”, Canaã. Nesta região, os hebreus estiveram sob o comando de Abraão, depois Isaac e, por fim Jacó, que mais tarde seria chamado de Israel e teria 12 filhos. Após um período em Canaã (durante o qual enfrentaram os Cananeus em disputa pela terra), os hebreus partiram para o Egito, sob a liderança de Jacó (Israel). A escassez de alimentos e o clima da região foram os principais motivos do abandono de Canaã. Quando chegaram ao Egito, o norte desse país estava dominado pelos Hicsos que, por questões de proximidade cultural, aceitaram pacificamente a chegada dos hebreus e o seu estabelecimento às margens do Nilo, como seus súditos. No entanto, quando os hicsos foram expulsos do Egito, os hebreus, vistos como seus aliados, foram escravizados e nesta condição permaneceram, por mais de três séculos (± 1580 a.C - ± 1270 a.C). Essas datas não são consenso entre os historiadores. Liderados por Moisés, os hebreus fugiram do Egito, num episódio conhecido como Êxodo. Durante alguns anos, os hebreus estiveram perdidos no deserto, conseguindo retornar a Canaã, segundo a Bíblia, após a morte de Moisés, por volta de 1230 a.C. Como permaneceram vários anos no deserto, Moisés apresentou aos hebreus um conjunto de leis religiosas (os 10 Mandamentos) e um conjunto de regras sociais, dentre as quais estavam a proibição de machucar escravos e a limitação da escravidão por um período de 7 anos. No curto período entre a morte de Moisés e a chegada à Canaã, os hebreus foram liderados por Josué, considerado o último patriarca.
Juizado Após o retorno à Palestina (Canaã), os hebreus se dividiram em 12 tribos, como já havia ocorrido no Egito entre a morte de Jacó e a ascensão de Moisés. Essas 12 tribos, descendem das famílias dos 12 filhos de Jacó (Israel), por isso ficaram conhecidas como 12 tribos de Israel. Cada tribo era governada por um Juiz, que concentrava as atribuições política, militar, religiosa e jurídica. Dentre os principais juízes, destacam-se Sansão 328
HISTÓRIA
(mais conhecido pelas histórias bíblicas que exaltavam sua força), Gideão, Josué, dentre outros. Algumas mulheres chegaram a ocupar este posto, por isso é correto afirmar que mulheres lideraram tropas hebraicas durante o juizado. O principal objetivo dos hebreus era reconquistar Canaã, que era ocupada pelos Filisteus. Este período durou de 1270 a.C até 1030 a.C, quando Saul proclamou-se rei.
Monarquia Os três primeiros e principais reis dos hebreus foram: *As datas abaixo são aproximadas, tendo em vista que há grande disparidade entre as fontes disponíveis. Saul (1030 a.C – 1006 a.C) – iniciou a unificação das tribos hebraicas, durante a guerra contra os filisteus. Davi (1006 a.C – 966 a.C) – concluiu a unificação das tribos hebraicas, conquistando a vitória sobre seus inimigos, o que é representado por uma alegoria bíblica da sua luta contra o gigante Golias. Expandiu o reino, conquistando territórios adjacentes e expandindo a influência de Israel. Além disso, construiu a capital Jerusalém. Salomão (966 a.C – 926 a.C) – expandiu as conquistas de Davi, seu pai. Construiu estradas e ampliou o Exército. Essas medidas atraíram caravanas comerciais para o território de Israel. A atividade comercial cresceu sensivelmente, tendo os fenícios como parceiros. Casou-se com várias princesas da região, para desenvolver uma pacífica diplomacia e, para demonstrar respeito pela cultura dos povos de suas mulheres, ordenou a construção de templos em honra de seus deuses. No entanto, a sua principal obra foi a construção do Templo de Jerusalém, ou Templo de Salomão. Os hebreus acreditavam que o próprio Deus viria morar no templo, onde ficaria guardada a Arca da Aliança, contendo as tábuas dos 10 Mandamentos. Após o governo de Salomão, o reino de Israel acabou sendo dividido em dois, num episódio conhecido como: Cisma Hebreu. Divisão: após a morte de Salomão, em 926 a.C (931 a.C segundo outros autores), o trono passou para o seu filho Roboão, mas o reino estava enfraquecido. Diante desse enfraquecimento, e do descontentamento das tribos do norte, ocorreu o Cisma Hebreu, na década de 920 a.C. Desse cisma, surgiram dois reinos: - Reino de Israel: formado por 10 das 12 tribos, com a sua capital na cidade de Samaria. Os habitantes deste reino tornaram-se, em grande maioria, Politeístas, influenciados pelos cultos que ingressaram no país na época de Salomão. O Reino de Israel foi dominado pelos Assírios no século VIII a.C. - Reino de Judá: formado por 2 das 12 tribos, mantendo a capital na cidade de Jerusalém. Garantiram também a manutenção do Monoteísmo. No século VI a.C foram levados como escravos pelos Caldeus. Cativeiro da Babilônia: em 598 a.C, o rei de Judá, Joaquim, não cumpriu o pagamento de impostos acertado com Nabucodonosor e este, invadiu Jerusalém e capturou 10 mil hebreus. Cerca de uma década depois, o novo rei dos hebreus, Zedequias, conspirou com o Egito contra os caldeus. Em 587 a.C, Nabucodonosor então invadiu o reino de Judá, destruiu Jerusalém (e o Templo de Salomão) e levou todos os hebreus como escravos para a Babilônia, com exceção dos miseráveis. O período no qual os hebreus estiveram na Babilônia, como escravos, ficou conhecido como "Cativeiro da Babilônia". Diáspora: em 539 a.C, os hebreus foram libertados do Cativeiro por Ciro I, rei dos Persas, sendo obrigados a se tornar súditos deste rei, mas livres da escravidão. Retornaram a sua terra e reconstruíram o Templo de Jerusalém. Após a dominação dos persas, foram dominados pelos macedônios (século IV a.C - século I a.C) e depois pelos romanos (século I a.C - século II d.C). Com os romanos os conflitos eram intensos, pois os hebreus se recusavam a cultuar o imperador como um deus. Entre 70 e 73 d.C, os hebreus foram massacrados em Massada e expulsos da Palestina pelo imperador Vespasiano e por seu filho Tito, comandante dos exércitos romanos na Judeia. O Templo de Salomão, que havia sido reconstruído pelos hebreus, foi destruído novamente. Em 132 d.C o imperador Adriano tentou recolonizar a Palestina com os hebreus, situação que acabou em outra revolta, entre 132 e 135. Neste ano, os últimos hebreus foram expulsos de Canaã.
As 12 Tribos de Israel - Estas descendem (segundo o mito judaico) das famílias dos 12 filhos de Jacó, denominado Israel por Deus
Reprodução do Templo de Salomão
O sábio Julgamento de Salomão
Prisioneiros hebreus sendo levados para o Cativeiro da Babilônia
Uma das últimas tentativas de expulsar os romanos de Israel, liderada pelos sicários (zelotes judeus), acabou em fracasso. Os rebeldes sicários fugiram para a Fortaleza de Massada, construída no litoral do Mar Morto e que, mais tarde, foi transformado em um templo. Os romanos cercaram o local, tornando impossível a fuga dos judeus. Segundo Flavio Josefo, historiador que relatou o cerco, os judeus cometeram suicídio em 73 d.C, para não cair em mãos romanas. Na verdade, segundo ele, os sicários foram matando uns aos outros, já que o judaísmo condena o suicídio, até que o último viu-se obrigado a cometê-lo. No entanto, pesquisadores contemporâneos afirmam que o relato de Josefo é "incompleto e incorreto", pois as escavações arqueológicas feitas no local, encontraram os restos mortais dos sicários, e não há indícios de suicídio coletivo. HISTÓRIA
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3.
Império Persa - o maior da Antiguidade Oriental
PERSAS
Os persas se constituíram como povo no planalto do Irã, uma região próxima ao Golfo Pérsico, que estava sob domínio dos Medos, povo originário da Média, uma região ao norte da Pérsia. Este domínio durou até o século VI a.C. No entanto, a unificação cultural dos persas foi tardia (dentre os povos da antiguidade), ocorrendo apenas no século VII a.C, através da religião, o Zoroastrismo. Zoroastro, seu fundador, andou pela Pérsia, convertendo as tribos que estavam disseminadas pela região, dando a elas uma unidade pela fé. Mas a unificação política e militar dessas tribos ocorreu apenas no século VI a.C, com Ciro I, o Grande. O Império Persa, no seu auge, teve grandes cidades, tais como Susa (a primeira capital) e Persépolis (construída para ser a grande capital do Império).
Ciro I (559 a.C – 529 a.C)
O Cilindro de Ciro, descoberto nas ruídas da Babilônia, em 1879, contém um texto, provavelmente de 539 a.C, data em que Ciro I, o Grande, conquistou a Babilônia. Além de conter uma história de exaltação ao rei dos persas, o texto afirma a libertação dos povos escravizados (e sua repatriação) e o respeito aos cultos religiosos diversos. Segundo alguns estudiosos, o Cilindro foi considerado como um documento precursor dos Direitos Humanos.
Unificou os persas (dando origem à dinastia aquemênida), venceu e dominou os medos e partiu para uma grande campanha expansionista, que culminou nas conquistas da Mesopotâmia, da Síria, da Fenícia, da Palestina, da Ásia Menor (onde ficava o reino da Lídia, governada pelo rico rei Creso) além de parte da Índia. Essas conquistas todas, com exceção da própria Pérsia e da Média, ocorreram em apenas 10 anos (539 a.C – 529 a.C). Em 529 a.C Ciro foi morto em combate. Uma das características mais marcantes de Ciro era o seu respeito pela cultura e pela religião dos povos dominados que, se pagassem tributos e contribuíssem com soldados para o Exército, teriam autonomia religiosa e econômica. Esta característica não foi percebida em seus sucessores.
Cambises (529 a.C – 522 a.C) Sucedeu Ciro e deu continuidade ao seu projeto expansionista. Conquistou o Egito, ao vencer a Batalha de Pelusa (525 a.C). Após essa vitória, buscou expandir suas conquistas sobre a Líbia, mas fracassou e seu Exército se perdeu no deserto. Muitos morreram de fome, mas Cambises conseguiu voltar ao Egito, onde se suicidou em 522 a.C.
Dario I (521 a.C – 486 a.C) Conta a lenda que Cambises, conhecendo a religião egípcia, ordenou que alguns animais, considerados sagrados pelos egípcios, fossem adestrados. Durante a Batalha de Pelusa (525 a.C), estes animais foram colocados entre as tropas persas, o que teria levado várias fortalezas egípcias a se render. Tal rendição, ocorreu porque os egípcios acreditaram que os deuses estavam favorecendo os persas.
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HISTÓRIA
Depois de um período de conflitos no qual várias regiões buscavam a independência, Dario foi escolhido como sucessor de Cambises e sua primeira ação foi conter as revoltas. Ele venceu todos os conflitos, pacificando o império. Dario percebeu que o império era grande demais para manter a mesma estrutura administrativa da época da ascensão de Ciro e, por isso, deu início à longa e importante Reestruturação do Império.
• Reestruturação: – Dividiu o Império em Satrapias (províncias) e designou Sátrapas para governá-las. Estes eram persas ou líderes locais, variando conforme a aliança do imperador com a região. Para manter os Sátrapas sob controle, Dario I nomeou fiscais que deviam percorrer o Império, de Satrapia em Satrapia, para verificar se o pagamento de impostos e a manutenção da ordem estavam de acordo com os interesses do Imperador. Esses fiscais ficaram conhecidos como "os olhos e ouvidos do rei". – Construção de estradas, visando a interligação do império, o que facilitaria as comunicações, o comércio e o deslocamento de tropas. A principal estrada ligava as cidades de Susa (na Pérsia) a Sardes (na Ásia Menor), com mais de 2.500 km. – Criou um sistema eficiente de Correios, com vários mensageiros e postos, o que reduziu de forma significativa o tempo entre as mensagens. – Impôs a utilização de moeda em todo o império – Dárico. –Além disso, reformulou e reorganizou o exército e partiu contra a Jônia, para conquistá-la. Essa situação levou os persas a guerras contra os gregos.
• Guerras Médicas A Expansão dos persas, sob o comando de Dario I, recaiu sobre a Jônia (litoral da Ásia Menor, formada por cidades-estado gregas, tais como Mileto, Halicarnasso, Éfeso, dentre outras), que buscou resistir. Nesta tentativa de resistência ao avanço persa, os jônios contaram com o apoio de Atenas. Mesmo com apoio ateniense, a vitória foi de Dario I. O apoio de Atenas às cidades da Jônia despertou o sentimento de revanche dos persas, que ampliaram a sua expansão em direção à Grécia, passando por Trácia e Macedônia, que foram submetidas, e invadindo a Grécia em 490 a.C. Era o início das Guerras Médicas (ou Guerras Greco-Pérsicas). Foram duas grandes invasões dos persas na Grécia.A primeira em 490 a.C, liderada por Dario I, comandando 50 mil soldados. Nesta, os persas avançaram até Maratona, quando foram derrotados pelos atenienses, que lutaram sozinhos contra os invasores. Em 480 a.C Xerxes I, filho de Dario (morto em 486 a.C, em consequência de ferimentos de guerra), invadiu a Grécia com, segundo alguns autores, 250 mil soldados. Desta vez as cidades-estado gregas precisaram se unir, em aliança militar (e não política), para derrotar os persas. As principais batalhas foram Salamina (480 a.C - naval) e Plateia (479 a.C - terrestre), ambas vencidas pelos gregos. Depois destas vitórias, os gregos avançaram sobre o enfraquecido exército persa, que estava desabastecido devido à derrota da marinha aquemênida para a marinha ateniense. O fim oficial do conflito ocorreu em 448 a.C, através da Paz de Cálias (ou Paz de Címon), durante o governo de Artaxerxes I, filho de Xerxes I, morto em 465 a.C. Após as derrotas para os gregos, o Império Persa entrou em declínio. No século IV a.C, Alexandre, o Grande derrotou as tropas de Dario III (336 a.C – 330 a.C) e conquistou todo o território do Império Persa.
Dárico, moeda criada por Dario I para facilitar e estimular as relações comerciais dentro e fora do Império Persa
Religião
A Batalha mais conhecida desse conflito foi a Batalha das Termópilas. Segundo a lenda, 300 soldados espartanos se posicionaram no desfiladeiro das Termópilas para tentar atrasar o avanço do Exército Persa, que contava com cerca de 250 mil soldados
A religião dos persas era o Zoroastrismo, também conhecida como masdeísmo. Esta é uma religião dualista (ou maniqueísta), ou seja, baseada na crença da existência de dois deuses, um do bem – Aura-Mazda ou Ormuz – e outro do mal – Ahriman. De acordo com a crença dos antigos persas, esses deuses eram entidades espirituais que controlavam outras. Aura-Mazda era líder dos espíritos bons, como Mitra. Já Ahriman comandava um ex é rc i t o d e d e m ô n i o s . P a r a os zoroastristas, após a morte corporal, o espírito segue vivendo. O seu destino no além-túmulo depende da forma como viveu sua vida. Os persas acreditavam em céu, purgatório (morada dos pesos iguais) e inferno.
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UPF 2020) Recentemente, a diplomacia brasileira envolveu-se numa grande polêmica, com a intenção do governo em transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Sobre Jerusalém, uma das mais antigas cidades do mundo, é correto afirmar: (A) Foi fundada pelos antigos Palestinos e esteve em poder desse povo até a Diáspora, quando o povo hebreu foi expulso da chamada terra prometida em virtude do expansionismo do Império Romano. (B) Foi fundada pelos romanos no contexto das lutas contra a ocupação israelense; a nomeação dos governantes Herodes e Pilatos aconteceu para garantir a preponderância do povo Hebraico sobre os Filisteus. (C) Salomão, o grande rei sábio hebreu, foi quem ordenou a construção de Jerusalém, para que, em torno de uma grande cidade, os Doze Povos de Israel pudessem se organizar como Estado e, dessa forma, fazer frente aos Filisteus. (D) Jerusalém na antiguidade era uma pequena aldeia, que foi destruída na luta entre Hebreus e Filisteus. A cidade foi refundada para garantir o domínio muçulmano na região do Oriente Médio. (E) Foi estabelecida como capital do povo de Israel pelo rei Davi, que derrotou o gigante Golias, representante dos Filisteus. Seu filho Salomão ergueu o primeiro templo, em cujo interior se encontrava a Arca da Aliança, que continha entre outros objetos as tábuas dos Dez Mandamentos.
Gabarito: E Jerusalém é uma cidade considerada extremamente importante por fiéis de três religiões monoteístas, a saber, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Na antiguidade, ela foi fundada pelos judeus, que na época do rei Davi, firmaram ali a sua capital. Salomão, filho e sucessor de Davi, ergueu na cidade o famoso Templo de Jerusalém (ou Templo de Salomão), no qual os judeus acreditavam que o próprio deus (Jeová) viria habitar e onde ficaria guardada a arca contento as tábuas dos Dez Mandamentos. O Muro das Lamentações é a única parte que restou do antigo templo. Para os cristãos, a santidade dessa cidade está associada à pregação e ao calvário de Jesus Cristo. Entre os séculos IV e VII a cidade esteve sob domínio cristão. A via sacra e o santo sepulcro são locais sagrados para os cristãos. Já os muçulmanos acreditam que a cidade é sagrada por ter sido o local de onde Maomé, em um sonho, subiu ao céu para conceber, sob supervisão de Alah, as práticas islâmicas. A Esplanada das Mesquitas e a Mesquita Al-Aqsa são sagrados para os muçulmanos.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (PUC-GOIÁS) O helenismo favoreceu o convívio das diferentes culturas e o processo de sincretismo religioso, mas, ao mesmo tempo, foi uma forma de dominação da cultura grega sobre as civilizações atingidas. Essa dominação, no entanto, não ocorreu sem resistência por parte de algumas civilizações. Assinale a alternativa em que corretamente se indica a civilização e a correspondente causa de resistência a tal forma de dominação: (A) Civilização egípcia, já que o sincretismo fortaleceu os exércitos do rico imperador Amenóphis IV contra a invasão macedônica de Alexandre Magno. (B) Civilização judaica, devido ao estrito monoteísmo que cultuava e ao sentimento de superioridade decorrente de se considerar o povo escolhido por Deus. (C) Civilização persa, por considerar seu rei a encarnação do deus Ahura Mazda e pela obediência a este como a única garantia contra a destruição apocalíptica, tentada perpetuamente pela divindade maligna Arimã. (D) Civilização romana, por não aceitar um governante considerado divino, a exemplo de Alexandre Magno. Assim, as legiões romanas passaram a lutar mais eficientemente do que as falanges macedônicas. 02. (UEL) As cidades antigas, construídas por diversas sociedades, expressaram através do tempo sua cultura, arquitetura, ciência e modo de vida. Muitas se tornaram monumentos ao ar livre, nos quais se desenvolveram pesquisas arqueológicas que abasteceram de objetos históricos as maiores coleções museográficas europeias. Relacione as cidades, na coluna da esquerda, com as suas respectivas sociedades, na coluna da direita. (I) Biblos (II) Chichén-Itza (III) Lagash (IV) Machu-Pichu (V) Pasárgada
(A) Suméria (B) Persa (C) Maia (D) Inca (E) Fenícia
Assinale a alternativa que contém a associação correta. (A) I-B, II-D, III-E, IV-A, V-C. (B) I-C, II-A, III-D, IV-E, V-B. (C) I-C, II-D, III-E, IV-B, V-A. (D) I-E, II-A, III-D, IV-B, V-C. (E) I-E, II-C, III-A, IV-D, V-B.
Nesse contexto, marque a alternativa INCORRETA sobre a religião dos hebreus: (A) Os hebreus consideravam Deus como soberano absoluto, fonte de todo o Universo e dono de uma vontade suprema. (B) O Deus hebreu era transcendente, não se identificava com nenhuma força natural; estava acima da natureza. (C) Os hebreus consideravam Deus bom e que fazia exigências éticas ao seu povo. Ao contrário dos deuses do Oriente Próximo, Deus não era atraído pela luxúria ou impelido pelo mal. (D) Deus para os hebreus era uno, soberano, transcendente e bom. (E) Para os hebreus o poder de Deus vinha de um poder preexistente, habitava a natureza e fazia parte dela. 04. (ENEM) Em seu discurso em honra dos primeiros mortos na Guerra do Peloponeso (séc.V a.C.), o ateniense Péricles fez um longo elogio fúnebre, exposto na obra do historiador Tucídides. Ao enfatizar o respeito dos atenienses à lei e seu amor ao belo, o estadista ateniense tinha em mente um outro tipo de organização de Estado e sociedade, contra o qual os gregos se haviam batido 50 anos antes e que se caracterizava por uma administração eficiente que concedia autonomia aos diferentes povos e era marcada pela construção de grandes obras e conquistas. PRADO, A. L. A., Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Livro I, São Paulo, Martins Fontes (com adaptações).
O “outro tipo de organização de Estado e sociedade” ao qual Péricles se refere era (A) o mundo dos impérios orientais, que rivalizava comercialmente com a Atenas de Péricles. (B) o Império Persa, que, apesar de possuir um vasto território, tentou, em vão, conquistar a Grécia. (C) o universo dos demais gregos, que não viviam sob uma democracia, já que esta era exclusividade de Atenas. (D) o Alto Império Romano, que, se destacava pela supremacia militar e pelo intenso desenvolvimento econômico. (E) o mundo dos espartanos, que, desconhecendo a escrita e a lei, eram guiados pelo autoritarismo teocrático de seus líderes.
03. (PUCPR) Na Antiguidade muitos povos consideravam que as doenças eram enviadas pelos deuses. No final do século VIII a.C., quando os assírios sitiaram a cidade de Jerusalém e ameaçaram invadi-la, uma epidemia virulenta acometeu o acampamento matando muitos soldados. Nessa ocasião, Ezequias, rei de Judá, considerou essa epidemia uma bênção de Deus. HISTÓRIA
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GRÉCIA ANTIGA Introdução A Grécia Antiga foi o berço da civilização ocidental. Foram os gregos que conceberam a filosofia, que pensaram e executaram modelos republicanos e democráticos de governo pela primeira vez, foram eles que, questionando os mitos, valorizaram a razão e que, problematizando as leis antigas, sofisticaram o direito. Os gregos inauguraram muitos dos questionamentos para os quais, ainda hoje, buscamos repostas. Ao estudarmos a Hélade, como os gregos denominavam o seu mundo, entramos em contato com conceitos tais como fronteira, civilizado, bárbaro, para citar apenas alguns. O mundo grego antigo não se resumia à Grécia geográfica, nem tampouco, ao Estado Grego dos dias de hoje. Quais eram as fronteiras desse mundo? Os helenos consideravam-se civilizados e denominavam os não-gregos de bárbaros. O que os gregos entendiam por bárbaro? Os Jogos Olímpicos foram uma das criações desta sociedade antiga. Eles paravam as guerras para a realização dos jogos. Os vitoriosos eram vistos como heróis, e a sua cidade de origem passava a ser respeitada, inclusive, militarmente. Com uma concepção de moral muito diferente dos cristãos, os gregos adoravam vários deuses e deusas, dentre os quais, o deus do vinho, Dionísio, e a deusa do amor, Afrodite, para os quais realizavam cultos que envolviam bebidas alcóolicas, práticas sexuais e extravagâncias alimentares. Os gregos são o tema dos nossos estudos neste capítulo. Vamos analisar a sua cultura, seus modelos políticos, sua economia e sua maneira de pensar e entender o mundo. 1.
GRÉCIA
A Grécia antiga era muito mais do que as suas fronteiras atuais. Seria mais correto falar em Mundo Grego, ou mesmo hélade, como os próprios gregos a denominavam. Composta por uma pequena porção continental da península Balcânica, por diversas ilhas do Mar Egeu e por colônias espalhadas pelo litoral do Mar Mediterrâneo, o mundo grego foi grandioso. Entretanto, a região de origem dessa civilização se caracterizava por ser, geograficamente, montanhosa e pouco propensa à agricultura extensiva. Essa condição favoreceu também a fragmentação política, que foi uma das principais características dos gregos, enquanto mantiveram a sua autonomia. As primeiras cidades-estado, os genos, as fratrias, os demos, as tribos e, por fim, as poleis, preservaram essa tendência. As dificuldades agrícolas foram agravadas pelo crescimento populacional do século IX a.C e acabaram levando à colonização. O modelo fragmentado acompanhou os colonos. O mundo grego, então, era um conjunto de cidades-estado ou pólis independentes, mas que mantinham um idioma, uma religião dedicada ao mesmo panteão e um intenso comércio.
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Grécia
Troia Filme Troia, de 2004. Direção de Wolfgang Petersen. O filme Troia retrata um conflito histórico, que durante muito tempo foi visto como apenas mitológico. A Guerra de Troia colocou de um lado os gregos, que expandiam as suas pretensões comerciais, e de outro Troia, uma imponente cidade de cultura grega, que ainda não havia se submetido ao domínio dos helenos e que dominava u m a e st raté g i c a p a s s a g e m marítima. Contudo, a maioria das informações sobre o evento ainda estão concentradas nos mitos. A preferência do diretor por desenvolver uma nova abordagem acabou modificando alguns dos eventos narrados por Homero.
Período Pré-Homérico Esse período também é conhecido como Creto-Micênico ou Minoico-Micênico. Isso porque foi caracterizado pelas hegemonias de Creta (entre ± 2.000 a.C e 1.400 a.C) e de Micenas (entre 1.400 a.C e 1.200 a.C), sucessivamente.
Mapa da Grécia Antiga
HISTÓRIA
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• Predomínio de Creta
Afresco cretense representando a Tauromaquia
Os cretenses desenvolveram uma civilização com diversas semelhanças em relação aos fenícios: Sua principal atividade econômica era o Comércio Marítimo e o modelo de governo das cidades era a Talassocracia. A mulher era mais valorizada na cultura cretense, tendo direitos econômicos, comerciais e jurídicos. Os cretenses eram amantes de esportes e festas tradicionais que tinham o touro como figura principal. Essa prática denomina-se Tauromaquia (a herança dessas atividades pode ser percebida nas touradas, por exemplo). Dominaram o Mar Mediterrâneo por quase 1.000 anos, hegemonia que acabou em 1.400 a.C, com a queda dessa sociedade. Alguns autores dizem que a sociedade cretense foi vencida em guerras, mas outros dizem que um evento natural teria destruído a região (como um Tsunami, por exemplo). A versão da guerra é a mais provável, levando-se em consideração o mito do Minotauro.
• Predomínio de Micenas
Troia exercia um importante controle das rotas comerciais entre o Mar Egeu (parte leste do Mar Mediterrâneo) e o Mar Negro
Micenas supera Creta como região Hegemônica, em 1.400 a.C. No início do século XIII a.C, Micenas estava em franca expansão comercial. Essa expansão tinha por objetivo o domínio das rotas terrestres e marítimas, principalmente entre o Mar Egeu e o Mar Negro. Ílion (o nome grego de Troia) era um entreposto muito rico e poderoso entre esses mares, mais especificamente no litoral do estreito de Dardanelos (na época Helesponto). As disputas entre a expansão grega e a resistência troiana levaram à Guerra de Tróia (± 1.200 A.C), vencida pelos gregos. Segundo a lenda (e as escavações arqueológicas), Troia foi destruída. Durante o período Pré-Homérico vários povos foram chegando na região e se estabelecendo, de forma pacífica ou belicosa. Estes povos chegaram em levas distintas e sucessivas à região. As invasões de povos indo-europeus (Dórios) levaram a população da Grécia, ou seja, os Pelasgos (população autóctone, que havia dado origem aos cretenses), os Aqueus, os Eólios e os Jônios a migrar para o interior do continente ou para outras regiões. Esse episódio ficou conhecido como: 1ª Diáspora Grega. Os invasores passaram a dominar todo o litoral do Peloponeso. Já os povos que fugiram, organizaram-se em pequenas estruturas familiares denominadas genos, no interior da Grécia Continental.
Período Homérico Homero é conhecido como o primeiro grande poeta grego, tendo vivido na Grécia, por volta do século IX ou VIII a.C. A ele são atribuídos dois grandes poemas épicos: a Ilíada e a Odisseia. Esses poemas contam histórias que, segundo a mitologia, teriam ocorrido no Período Pré-Homérico. No entanto, Homero viveu no Período Arcaico. Tais histórias foram sendo contadas por várias gerações de aedos (poetas cantores) até que Homero as compilou. Durante o Período Pré-Homérico, existiam dois sistemas de escrita: o Linear-A e o Linear-B. O primeiro era a escrita utilizada na ilha de Creta, e o segundo era utilizado no continente. Até os dias de hoje essas escritas não foram totalmente decifradas, o que amplia a importância das obras de Homero. Essa importância é ainda maior, quando sabemos que durante o Período Homérico não houve escrita entre os gregos. Ora, se nesses dois primeiros períodos 336
HISTÓRIA
O período Homérico caracteriza-se por uma sociedade em que a escrita foi abandonada, que vive em genos, geralmente isolados uns dos outros (com contatos mais belicosos do que pacíficos), tendo sua economia baseada na subsistência e a sua política concentrada nas mãos de um líder familiar denominado Pater. Os genos são a base estrutural da organização política desse período. Dessa forma, entendemos por genos: uma unidade familiar, base da organização política do período, que se inicia após as invasões dos Dórios, que tem o plantio de gêneros alimentícios e um comércio complementar à subsistência como bases da economia e uma política concentrada no Pater. Este era o general em guerra, o sacerdote nos cultos, o juiz nos desentendimentos internos e o líder máximo do geno. Por volta do século IX a.C, a população da Grécia começa a aumentar. Sabe-se que o aumento demográfico desestrutura uma economia baseada na subsistência. Os genos começam a sofrer com a superpopulação. Alguns genos se unem, formando fratrias. As fratrias, por sua vez, quando se unem viram tribos e estas quando unidas tornam-se um demos. São estes demos que, com o tempo, tornaram-se, as Poleis (cidades-estado gregas). Como já mencionado, com o aumento da população, ocorre uma crise da economia de subsistência, forçando os gregos a procurar novas terras. Os antigos Pater tornaram-se os novos donos da Grécia, passando de líderes comunitários para grandes proprietários de terras. Dessa forma, a população excedente era obrigada a deixar os genos (ou fratrias, tribos, demos, ...), e buscar terras para viver, fora da Grécia. Este fenômeno, conhecido como 2ª Diáspora Grega, acabou proporcionando o surgimento de várias colônias no litoral do Mar Mediterrâneo (principalmente no Sul da Itália –
Magna Grécia) e na costa do Mar Negro. Os gregos, que partiram em busca de novas terras, fundaram cidades nessas regiões que ocuparam. Estas cidades foram reconhecidas como colônias das poleis gregas. No entanto a relação da Grécia com as suas colônias foi totalmente diferente daquela entre as colônias americanas e suas respectivas metrópoles europeias, durante os séculos XV, XVI, XVII e XVIII. A colonização grega, todavia, é um fenômeno do período Arcaico.
Período Arcaico Com a colonização, iniciou-se um lucrativo comércio entre as cidades gregas e as suas colônias. Neste comércio, os produtos coloniais (uvas, azeitonas, grãos, dentre outros) invadiam o mercado da Grécia e, os produtos das poleis (vinho, azeite e, principalmente, cerâmica), eram muito requisitados nas colônias. A aristocracia da Grécia entrou em crise com a nova estrutura, pois a sua produção agrícola não conseguia competir com a qualidade dos produtos coloniais. Os pequenos proprietários e os trabalhadores livres sofriam também, pois sem condições de pagar as dívidas, acabavam virando escravos. O único grupo realmente beneficiado foi o dos comerciantes. Após a 2ª diáspora, a sociedade da maioria das cidades gregas ficou dividida assim: – Eupátridas: elite aristocrática, grandes proprietários de terras. – Georgoi: pequenos proprietários, ocupavam as piores terras. – Thetas: trabalhadores livres, sem qualquer propriedade. – Demiurgos: comerciantes enriquecidos, que traziam os produtos coloniais. Segundo alguns autores, as primeiras poleis surgiram no final do período Homérico. No entanto, a esmagadora maioria delas surgiu no período Arcaico. As principais eram: Esparta, Atenas, Corinto, Megalópolis, Tebas, Argos, dentre outras. Contudo, devemos aprofundar nossos estudos em apenas duas delas: Esparta e Atenas.
ou a escrita ainda não foi decifrada ou era inexistente, as obras de Homero são algumas das principais fontes de informação sobre tais períodos. - Ilíada: versa sobre o desentendimento entre o herói grego Aquiles e o líder dos exércitos gregos em Troia, Agamemnon, por causa da escrava Briseida. A chamada “Cólera de Aquiles”. A obra começa com esse conflito entre os gregos e termina quando Príamo, rei dos troianos, vai até o acampamento dos gregos buscar o corpo de seu filho Heitor, morto por Aquiles em um duelo. - Odisseia: aborda a tentativa do herói grego Ulisses (Odisseu) voltar para sua terra, a ilha de Ítaca, após a Guerra de Troia. Esta guerra durou 10 anos e Ulisses levou mais 10 para voltar para casa. Neste período ele enfrenta um ciclope (gigante de um só olho), Caribdes (a garganta do Mar), Cila (o monstro de seis cabeças) e sereias (hibrido de mulher com pássaro). Ao fim dos 10 anos, com ajuda da deusa Atena e dos feáceos (um povo), Ulisses retorna para casa e mata os pretendentes da sua mulher Penélope.
• Esparta Sociedade militarizada, com uma hierarquia social rígida e com uma economia que tinha na agricultura e na guerra as suas principais atividades. Dominada pela Oligarquia, Esparta possuía uma organização política e institucional que, teoricamente, havia sido criada por um lendário rei chamado Licurgo. Essa organização era a seguinte:
Diarquia – esparta tinha dois reis. Geralmente um cuidava da religião e o outro dos demais assuntos. Gerúsia (formada por 28 espartanos com mais de 60 anos e pelos dois reis) – conselho de Anciãos, tinha o poder de elaborar as leis espartanas. Apela (formada por espartanos maiores de 30 anos) – assembleia, tinha o poder de votar as leis criadas pela Gerúsia. Eforado – composto por cinco membros. Tinha a função de cuidar da educação das crianças e de fiscalizar os reis.
Os Hoplitas eram soldados de infantaria da Grécia Antiga, existindo em todas as cidades. Os de Esparta eram os mais temidos
A sociedade era dividida em grupos:
Espartanos (ou Esparciatas) – segundo alguns autores eram descendentes dos dórios. Os únicos que tinham direitos políticos. Deviam servir ao exército, dos 7 aos 60 anos e recebiam uma forte educação militar dos 7 aos 18. Eram os proprietários das melhores terras e os únicos que podiam usar o trabalho dos escravos. Periecos – segundo alguns autores eram descendentes dos Aqueus que se submeteram a dominação dos Dórios. Proprietários das piores terras, não tinham direitos políticos e não podiam utilizar o trabalho de escravos. Quando era necessário, eram convocados para o exército, mas não recebiam treinamento. Hilotas – segundo alguns autores, os Hilotas eram descendentes dos Aqueus que não haviam se submetido ao domínio dos Dórios e, por isso, teriam sido escravizados em guerra. No entanto, outros autores afirmam que os Hilotas eram Messênios, povo vizinho, dominado pelos espartanos durante o final do período Homérico e início do Arcaico. De acordo com as análises mais antigas eles eram definidos como servos. Todavia, os estudos mais modernos lhes atribuem o status de escravos da cidade.
Busto de um Hoplita Espartano que, segundo alguns autores, pode ser a representação de Leônidas
Para saber mais HISTÓRIA
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• Atenas
Filme 300, de 2007. Direção de Zack Snyder.
Sólon redigindo leis para Atenas, de autor anônimo, 1842. Sólon foi o legislador que mais estabeleceu leis para a Polis ateniense, estruturando as suas instituições políticas
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HISTÓRIA
Em 594 a.C, Sólon assumiu o cargo de legislador e promoveu mudanças significativas na política de Atenas. As instituições políticas do período eram:
O filme 300 busca retratar uma das batalhas mais famosas (e lendárias) da Antiguidade, a Batalha das Termópilas. Nela, o rei espartano Leônidas teria comandado apenas 300 soldados contra os mais de 200 mil persas que invadiam a Grécia. O seu objetivo era retardar o avanço Aquemênida em terras helênicas, mas como sua proposta (de levar todo o Exército Espartano para batalha) foi recusada pelas instituições políticas da cidade, ele partiu com um número mínimo de soldados, que esses, lutaram bravamente e atrasaram o avanço persa em alguns dias, o que representa uma façanha, diante da disparidade de forças.
Os novos proprietários da Grécia ficaram conhecidos como Eupátridas, os únicos com direitos políticos e com as principais vantagens econômicas. Os Demiúrgos, comerciantes que enriqueceram desenvolvendo o comércio entre a Grécia e as colônias, começaram a reivindicar a sua participação na política de Atenas. Além disso, como os produtos coloniais eram melhores e em maior quantidade que os da Grécia, houve grande importação destes, o que levou ao empobrecimento dos produtores locais. Muitos Georgoi perderam suas terras e, juntamente com os Thetas, acabaram sofrendo com a escravidão por dívida. Este contexto era de instabilidade política e social em Atenas, situação que forçou os eupátridas à viabilizar uma solução para a crise, pois segundo alguns autores, Atenas estava à beira de uma guerra civil. A solução foi a criação do cargo de Legislador. Quem ocupasse esse cargo deveria ampliar os direitos de participação política, lentamente, inserindo principalmente os demiurgos, mas sem causar traumas aos eupátridas. Percebe-se que a missão dos legisladores não era simples. O primeiro legislador foi Dracon (621 a.C), que acabou com a Vingança de Sangue (o que tirou dos eupátridas o direito de decretar a pena de morte) e determinou que as leis da cidade fossem escritas, possibilitando aos demiurgos conhecê-las. Além de possibilitar o conhecimento, a publicação das leis amplia a sua aplicação, ou seja, não há mais a possibilidade dos eupátridas distorcerem ou recriarem as leis. Isto acabou sendo um pequeno, mas importante passo no sentido da ampliação da cidadania. Destaca-se que as leis draconianas não eram democráticas, ou brandas, muito pelo contrário. No entanto, elas especificavam exatamente a quem deviam-se aplicar.
Areópago: conselho de Ares (deus da guerra). Era exclusividade dos Eupátridas. Durante o domínio da aristocracia, foi a principal instituição, determinando as leis, declarando guerras e decidindo os julgamentos. Na mudança de Sólon, acabou tendo seu poder reduzido para o de um conselho. Arcontado: uma espécie de Ministério. Os arcontes eram indivíduos que assumiam cargos públicos, como o de defensor da cidade, ou de administrador das finanças. Eram preenchidos apenas por eupátridas. No entanto, com a nova política de Sólon, perderam a importância e acabaram resumindo-se a questões menos decisivas, como as festas religiosas, por exemplo. Helieu: tribunal de Atenas. Criado pelos eupátridas, mas pouco acionado na época da aristocracia, devido ao poder do Areópago. No Helieu eram decidias as questões jurídicas, tais como julgamentos e aperfeiçoamento das leis. Tinha um júri formado, segundo alguns autores, por cerca de 6.000 pessoas. Bulé: espécie de Senado, criada por Sólon, tinha a função de crir as leis da cidade. As principais decisões eram elaboradas na Bulé, mas deviam ser aprovadas na Assembleia. Quando Sólon criou a Bulé, esta tinha 400 membros. Na época de Clístenes, foi ampliada para 500. Eclésia: assembleia de Atenas. Votava as leis criadas pela Bulé e determinava o que seria levado a debate no Areópago, ou a Julgamento no Helieu.
Além disso, Sólon acabou com a Escravidão por Dívida, de forma retroativa, ou seja, além de proibir que outras pessoas fossem escravizadas por este motivo, ele liberava aqueles que já haviam sido escravizados. Ele também mexeu na estrutura da participação política, tornando-a censitária, ou seja, o que determinava quem podia ou não participar da política era a renda e não mais o grupo social ao qual se pertencia. Esta medida favoreceu os demiurgos e desprestigiou os eupátridas mais pobres. Dessa forma, suas mudanças trouxeram agitação social, o que levou Atenas, novamente, à beira de uma guerra civil. Utilizando-se desta condição de instabilidade, Psístrato conseguiu o apoio do Exército e dos populares – incluindo alguns políticos influentes como o próprio Sólon – e instaurou uma ditadura em Atenas. Este período é denominado Tirania. Psístrato (561 a.C – 527 a.C), Hípias (527 a.C – 510 a.C) e Hiparco (527 a.C – 514 a.C) governaram Atenas como tiranos. Psístrato, que tinha sua base de poder nas camadas populares, pro-
moveu a distribuição de terras aos pobres, numa espécie de reforma agrária. Financiou diversas construções públicas, o que levou muitos atenienses a encontrar trabalho remunerado. É importante afirmar que durante os governos tirânicos, as instituições políticas reestruturadas por Sólon, foram mantidas. Com a morte de Psístrato, seus dois filhos assumiram o governo. Em 514 a.C, Harmodius e Aristogeiton assassinaram Hiparco, o que levou Hípias a desenvolver certa repressão contra a aristocracia ateniense, tendo em vista que os “tiranicidas” eram deste grupo social. Em 510 a.C, com a morte de Hípias, Iságoras assumiu como novo tirano. No Entanto, Clístenes, utilizando-se de um discurso pró-democracia, conseguiu derrubar o governo de Iságoras e a Tirania. Era retomado o caminho em direção à democracia de Atenas. Clístenes ficou conhecido como “Pai da Democracia”. Ele dividiu Atenas em 10 tribos, com o objetivo de acabar com as disputas regionais na cidade. Atenas era dividia entre o porto (Pireu), o campo e o núcleo urbano (onde ficavam a Acrópole e a Ágora). Cada tribo passou a contar com indivíduos das três partes da cidade. Ele ampliou a participação política, garantindo esse direito a todos os cidadãos. No entanto, os cidadãos eram apenas os homens, maiores de idade (alguns autores falam em 21 anos), atenienses e livres, ou seja, os que não eram cidadãos eram as mulheres, os menores de idade, os estrangeiros (Metecos) e os Escravos. Apenas ±10% da população participava da política. Estima-se que a população de Atenas nesse período era de, aproximadamente, 400 mil pessoas. Apenas 40 mil tinham acesso à política. Mas este acesso era direto e não feito por representação. Além disso, Clístenes criou o ostracismo, que é o exílio de Atenas, por 10 anos, para os políticos que estivessem concentrando muito poder. O grande objetivo de Clístenes era evitar o retorno da Tirania.
Período Clássico (Período das Guerras)
Harmodius e Aristogeiton assassinaram Hiparco por motivos pessoais. Clístenes deu uma conotação política ao crime, declarando os "tiranicidas" como herois de Atenas, pois lutavam pela isonomia
A votação para decidir quem deveria ser exilado (Ostracismo) era feita em cacos de cerâmica. Aqueles que fossem escolhidos deviam se afastar de Atenas por 10 anos, mas não perdiam os seus bens
• Guerras Greco-Pérsicas (Médicas) As Guerras Médicas (ou Greco-Pérsicas) foram os maiores conflitos entre civilizações até o momento. O que estava em jogo era a preservação do mundo grego, da democracia, das instituições políticas e a liberdade das poleis. Em oposição estava o maior império da Antiguidade Oriental, o Império Persa, reestruturado e em franca expansão. O motivo para o início do conflito foi o apoio de Atenas às cidades da Jônia, quando os persas se expandiam nessa região. A Jônia é o litoral da Ásia Menor, formado, à época, por diversas cidades gregas, muitas delas colônias e aliadas de Atenas. Após vencerem as cidades gregas da Jônia, os persas se voltaram contra a Grécia continental, imaginando que não teriam grandes dificuldades em dominar uma região fragmentada politicamente. Dessa forma, as Guerras Médicas se resumem a duas invasões dos Persas na Grécia. A primeira em 490 a.C, liderada por Dario I e a Segunda em 480 a.C, liderada por Xérxes I. Em ambas, os gregos venceram os persas. 490 a.C – 1ª Invasão: Dario I, comandando cerca de 50 mil soldados invade a Grécia, após conquistar a Trácia e a Macedônia. Os persas foram derrotados pelos atenienses na Batalha de Maratona. Dario I morreu antes de conseguir comandar uma nova invasão. Esta, todavia, foi comandada por seu filho, Xérxes I. 480 a.C – 2ª Invasão: Xérxes, liderando cerca de 250 mil soldados, invadiu a Grécia em 480 a.C. Desta vez as duas grandes poleis gregas se uniram contra os persas. Atenas comandou as operações no mar e Esparta por terra. Contudo, os persas conseguiram penetrar fundo no território grego, destruindo Atenas e empurrando os atenienses para o mar. Porém, com as vitórias nas batalhas de Salamina (no Mar Egeu) e de Plateia (por terra), os gregos começaram a vencer. A derrota da marinha persa em Salamina comprometeu o abastecimento das tropas em terra. Estas, por sua vez, foram derrotadas em Plateia, situação que determinou a derrocada da invasão Aquemênida. Desde então, os persas não tinham mais condições de vencer a guerra. Os gregos foram “empurrando” os persas de volta para o Oriente. Em 448 a.C (449 a.C, segundo alguns autores), os gregos impuseram aos persas um tratado denominado Paz de Cálias (ou Paz de Címon), pelo qual os persas reconheciam a hegemonia grega no mar Egeu e se comprometiam a não enviar tropas contra as cidades gregas, na Jônia, nas ilhas ou no continente. Era a consolidação das vitórias gregas.
Isonomia - Igualdade, condição dos indivíduos que são governados pelas mesmas leis. Isegoria - Princípio de igualdade de direito de participação em assembleias ou reuniões públicas, com o mesmo tempo de fala e o mesmo valor do voto para todos. Isocracia - Igualdade de acesso e exercício dos cidadãos aos cargos públicos.
HISTÓRIA
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Batalha de Salamina, a grande vitória naval dos gregos contra os persas, o que representou a destruição da capacidade dos inimigos em abastecer as suas tropas
• A Hegemonia de Atenas e a Formação das Alianças
Principais alianças na Guerra do Peloponeso
Principal templo de Atenas, dedicado à deusa Palas Atena, protetora da cidade. Construído durante o Governo de Péricles, auge do poderio ateniense
Alexandre, o Grande, viveu apenas 33 anos, entre 356 a.C e 323 a.C, mas as suas conquistas e os seus feitos foram eternizados pela história
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HISTÓRIA
Após a vitória sobre os persas, Atenas impõe-se como a grande potência do mundo grego. Essa hegemonia levou ao imperialismo ateniense, aplicado de duas formas: Expansão política e exploração econômica. No que se refere à expansão política, Atenas criou a Liga de Delos (em substituição à Liga Helênica, formada para a Guerra contra os Persas, mas que declinou em 478 a.C), uma aliança com outras poleis, que tinha por objetivo a defesa da Grécia contra uma nova (mas improvável) invasão persa. As cidades que faziam parte da Liga, foram pressionadas a adotar o modelo político ateniense, ou seja, a democracia. No que se refere à exploração econômica, Atenas criou na Ilha de Delos uma espécie de fundo, para o qual as cidades-estado participantes da liga eram obrigadas a contribuir com tesouros. A desculpa de Atenas era a criação de uma reserva que serviria para financiar uma nova guerra contra os persas. Na verdade, Atenas utilizava-se destes recursos, em benefício próprio. O auge da hegemonia ateniense deu-se durante o governo de Péricles, principalmente entre 444 a.C e 429 a.C. Ele foi o último dos grandes legisladores atenienses, responsável pela consolidação da democracia na polis. Péricles criou o Mysthos, ou a Mistoforia, que consistia no salário pago aos atenienses que ocupavam um cargo público. Este pagamento possibilitava que os cidadãos mais pobres exercessem o mandato quando fossem eleitos. Antes da Mistoforia, os mais pobres raramente podiam assumir os cargos, pois não possuíam meios para se sustentar. Dessa forma, percebe-se que a democracia de Atenas consolidava os mecanismos que garantiam a execução dos direitos de participação. Péricles foi o responsável, também, pela reconstrução e embelezamento de Atenas. Foi durante o seu governo que o Partenon, principal templo da Acrópóle de Atenas, foi construído. Por conta desse esplendor da sociedade de Atenas, o século V a.C ficou conhecido como século de Péricles. Esparta, principal rival de Atenas, via o crescimento ateniense como um alerta de perigo ao seu modelo político e social. Dessa forma, os espartanos criaram a Liga do Peloponeso, uma espécie de oposição à Confederação de Delos.Várias cidades da região de Esparta aderiram à aliança e, algumas cidades que estavam contrariadas na Liga de Delos, resolveram passar para a aliança espartana. Segundo Funari, no seu capítulo de Guerra do Peloponeso no livro História das Guerras (2006, p. 19 – 45), os motivos dessa guerra não podem ser resumidos ou simplificados. Havia uma clara oposição entre a democracia ateniense e a oligarquia espartana; além disso, o crescimento do poderio ateniense assustava as demais cidades, inclusive Esparta. Conflitos anteriores, nas décadas de 450 a.C e 440 a.C demonstravam a vantagem marítima ateniense e terrestre espartana. Mas entre 433 a.C e 431 a.C, desentendimentos entre Corinto (aliada de Esparta) e Córcira (aliada de Atenas) acabaram sendo o estopim do conflito.
• Guerra do Peloponeso (431 a.C – 404 a.C) A estratégia de Atenas era defensiva por terra e agressiva no mar. Já os espartanos receberam apoio persa para criar uma marinha que pudesse superar a de Atenas. Por mais que os persas tivessem sido derrotados pelos gregos em aliança, foram os atenienses que impuseram a derrota definitiva. Dessa forma, além de estimular a guerra
na Grécia, os persas poderiam auxiliar na derrota dos atenienses. As principais batalhas dessa guerra foram em Siracusa e Egos Pótamos, as duas no mar. Com o apoio persa e com o enfraquecimento de Atenas que perdia várias cidades para a aliança espartana, a Liga do Peloponeso venceu. Após a vitória espartana, a polis de Atenas foi ocupada e obrigada a abandonar a democracia, substituindo-a, seguindo determinação de Esparta, por um governo oligárquico. Este governo ficou conhecido, em Atenas, como Governo dos Trinta Tiranos e durou aproximadamente um ano. Os Atenienses, que se orgulhavam de sua democracia, rapidamente reergueram-na, com a permissão espartana.
• A Hegemonia de Esparta, de Tebas e a Vitória Macedônia Esparta seguiu o mesmo modelo de dominação ateniense: expansão do seu modelo político e exploração econômica dos aliados. Essa situação levou à insatisfação por parte da maioria das cidades gregas, dentre as quais Tebas, antiga aliada de Esparta e rival de Atenas. O status quo havia mudado e a maior ameaça a Tebas não era mais Atenas. Sendo assim, os tebanos organizaram a Liga da Beócia, no início da década de 380 a.C. Atenas, que reforçava suas defesas e resistia aos avanços espartanos, procurou uma aliança com Tebas. Em 371 a.C, o general Epaminondas de Tebas, liderando soldados da liga da Beócia, venceu os espartanos na batalha de Leuctras, determinando o fim da hegemonia espartana. Tebas utilizou-se dos mesmos recursos de Esparta e Atenas. O imperialismo era a marca da hegemonia. Isto levou as poleis gregas a lutas constantes e, em consequência disso, ao enfraquecimento mútuo. Este enfraquecimento favoreceu a dominação estrangeira: em 338 a.C, Felipe II, rei da Macedônia, venceu os gregos na batalha de Queroneia, iniciando o domínio macedônio sobre a Grécia.
Os gregos dominaram e desenvolveram a arquitetura de uma forma única, no mundo antigo. Os seus três estilos arquitetônicos eram o Dório, o Jônio e o Coríntio, representados na imagem, sendo o Dórico o mais acima, o Jônio o do meio e o Coríntio o mais abaixo
Período Helenístico
O Legado dos Gregos
Mapa da expansão de Alexandre, o Grande, sobre o Oriente. Ao longo da campanha expansionista, várias cidades foram fundadas, com destaque para as "Alexandrias"
Felipe II, rei da Macedônia, venceu os gregos na batalha de Queroneia e dominou a Grécia. Era a primeira vez que a Grécia era unificada, mas sob domínio estrangeiro. Felipe estava organizando seus exércitos para uma expansão sobre o Oriente, quando foi assassinado, em 336 a.C. Os autores debatem se sua morte foi por motivos pessoais ou políticos. O que ninguém discute é que seu sucessor o superou em conquistas e fama. Estamos falando de Alexandre, o Grande (ou Alexandre Magno). O governo de Alexandre durou de 336 a.C até 323 a.C. Ele assumiu o trono aos 20 anos e morreu aos 33. Ao longo de sua expansão, Alexandre venceu os persas e outros povos, em várias batalhas, sendo que as principais foram a de Grânico, em 334 a.C, na Ásia Menor; a Batalha de Isso e o cerco de Tiro, entre os atuais Síria e Líbano; a Batalha de Gaugamela, em 331 a.C, que foi a mais decisiva da campanha, pois as tropas de Dario III, último rei dos persas, foram derrotadas e quase aniquiladas. Até 325 a.C Alexandre levou seus exér-
Os gregos se notabilizaram por várias criações, pensamentos, ideias, invenções e concepções. Foram eles que desenvolveram a filosofia, as primeiras indagações filosóficas sobre política, direito, história, dentre outros. Preocuparam-se em organizar instituições políticas, padronizar sua arte, pensar e repensar o seu modo de existir. A arquitetura dos gregos é, até os dias de hoje, exemplo de conhecimento e beleza; suas esculturas inspiraram, e ainda inspiram, artistas do mundo todo; sua forma de ver o mundo (e perguntar ao mundo) ainda é revisitada. Talvez as principais indagações tenham sido feitas por eles. Ressalta-se, mais uma vez, que, admitir o legado e a importância dos gregos para a sociedade ocidental contemporânea, não significa reduzir a importância dos orientais, ou dos demais povos. O teatro foi uma das grandes heranças gregas para os tempos atuais. A tragédia e a comédia eram os estilos preferidos do público, que lotava os teatros do mundo grego. Sófocles (autor de Édipo Rei, Antígona e Electra), Ésquilo (autor de Sete contra Tebas, Prometeu Acorrentado e Agamêmnon) e Eurípedes (autor de Medeia, As Bacantes e Alceste) são os principais autores da tragédia grega. Já na comédia, o grande autor foi Aristófanes, que escreveu As Vespas, dentre outras. HISTÓRIA
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ORenascimentodosJogosOlímpicos Em 1894, 79 representantes de 13 países reuniram-se na Universidade de Sorbonne, em Paris, para um congresso internacional convocado por Coubertin. Aparentemente, seria discutida a situação do esporte amador, mas, na verdade, estava em pauta a ressurreição dos Jogos Olímpicos. O barão queria conquistar adeptos para a ideia que tivera dois anos antes, no mesmo local. Renascimento em Atenas A 23 de junho de 1894, foi decidido realizar novamente os Jogos Olímpicos, tendo Atenas como sede para sua primeira edição. No mesmo congresso também foram aprovados os princípios básicos da competição e fundado o Comitê Olímpico Internacional (COI). Dois anos depois, 295 atletas de 13 nações disputaram os jogos na capital grega. Tratava-se de uma mistura de amadores, esportistas de segunda categoria e equipes improvisadas — sem mulheres. Inicialmente, os Jogos Olímpicos da Idade Moderna não foram levados a sério pelas entidades esportivas nacionais. Mas os jogos seguintes, em Paris, e, sobretudo, em Londres, em 1908, ajudaram a consolidar a competição.
citos aos recantos mais longínquos da Índia, envolvendo-se em batalhas desnecessárias e que enfraqueciam cada vez mais suas tropas. Neste ano, os soldados resolveram não avançar mais, forçando Alexandre abandonar seu planos de chegar “ao fim do mundo”. Entre o final de 325 a.C e 324 a.C, eles retornaram para a Pérsia, com muitas mortes no caminho de volta. Alexandre transferiu a capital de seu império para a Babilônia, onde morreu em 323 a.C. Sua morte tem sido até hoje questão de debate entre os historiadores. Sabe-se que, logo após a sua morte, o império foi dividido entre os generais de Alexandre. Foram cerca de 40 anos de conflitos para que houvesse definição do destino do antigo império de Alexandre. Os Diádocos, seus sucessores, se enfrentaram em guerras que acabaram estabelecendo os domínios destes e a organização dos territórios nos quais se dividiu o império. A Batalha de Ipsus, ocorrida na Ásia Menor, em 301 a.C determinou a divisão do Império de Alexandre em 4 partes: o reino de Cassandro, composto pela Macedônia, boa parte da Grécia e territórios trácios; o reino de Lisímaco, composto pela Lídia, a Jônia, a Frígia, ou seja, quase toda a Turquia atual; o reino de Seleuco (Império Selêucida) composto por Pérsia, Mesopotâmia, Síria e alguns territórios centrais da Ásia; e o reino de Ptolomeu, composto pelo Egito. Na medida que avançou em direção ao Oriente, Alexandre Magno ergueu cidades que se caracterizavam pela coexistência entre gregos, macedônios, persas, mesopotâmios, enfim, diversos povos e culturas. O Imperador macedônio destacava-se por respeitar a cultura e a religião dos povos dominados. Dessa forma, como a cultura dos dominados foi preservada e a cultura grega (os macedônios assimilaram a cultura grega) foi levada pelos invasores, houve um sincretismo entre essas culturas, originando o Helenismo.
Fonte: https://www.dw.com/pt-br/1894-ressurgimen to-dos-jogos-ol%C3%ADmpicos/a-297888
Teatro grego de Mileto Divisão do Império de Alexandre
Religião e Jogos Olímpicos
Máscara teatral grega. Todos os atores do teatro grego eram homens que usavam máscaras para padronizar as interpretações
Cópia de uma estátua grega que representava uma das modalidades dos jogos olímpicos antigos 342
HISTÓRIA
Os gregos eram politeístas e cultuavam deuses antropomórficos, mas acreditavam também em entidades antropozoomórficas, como o Centauro e o Sátiro, por exemplo. Os deuses gregos viviam, de acordo com a mitologia, no Monte Olimpo e eram a “imagem e semelhança dos homens”. Os deuses gregos se apaixonavam, amavam, desejavam, sentiam raiva, ciúmes, traíam, ou seja, tinham sentimentos e ações humanas. Não havia deuses do bem ou do mal, mas sim o bem e o mal em todos os deuses, que agiam de acordo com suas paixões e simpatias. Os principais deuses gregos eram: Zeus, Hera, Apolo, Afrodite, Atena, Hefestos, Hermes, Dionísio, Ártemis, Áres, dentre outros. Os jogos olímpicos, no mundo antigo, foram realizados entre 776 a.C e 392 d.C. Eram jogos em homenagem a Zeus Olímpico, realizados na cidade de Olímpia, de 4 em 4 anos. Os gregos chegavam a interromper as guerras para a realização dos jogos, devido a sua importância. Aqueles que eram campeões olímpicos eram tidos em altíssima conta na Grécia, tornando-se verdadeiras celebridades. Suas despesas passavam a ser pagas pela cidade que representava. Os atletas participavam dos jogos, totalmente nus, em provas como corrida, luta olímpica, pugilismo, arremesso de dardo, arremesso de peso, salto em distância, arremesso de disco, dentre outros. A maioria das modalidades simulava a guerra, o que dava muito prestígio militar para uma cidade que obteve destaque nos jogos. Apenas homens podiam participar dos jogos olímpicos, existindo jogos dedicados às mulheres, como os jogos Heranos, segundo alguns historiadores. Os Jogos Olímpicos foram extintos pelo Imperador Teodósio, após tornar a religião cristã a oficial de Roma.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFPR 2021) Leia o seguinte excerto: Para nós, o ostracismo existe no sentido figurado, mas para os atenienses era uma medida concreta que marcava a vida do ostracizado. As escavações arqueológicas permitiram que se descobrissem cacos com diversos nomes [de ostracizados]. FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2002, p. 34.
Considerando os conhecimentos sobre Grécia Antiga, a principal função pensada para a implantação do ostracismo na sociedade de Atenas entre os séculos VI e V a.C. foi a de impedir que: (A) micênicos tivessem poder político e ameaçassem a aristocracia. (B) estrangeiros mobilizassem poder político e ameaçassem a oligarquia. (C) cidadãos concentrassem poder político e ameaçassem a democracia. (D) espartanos arregimentassem o poder político e ameaçassem a república. (E) cretenses conseguissem poder político e ameaçassem a tirania.
Gabarito: C As disputas entre os grupos sociais de Atenas, principalmente após o enriquecimento dos demiurgos (artesãos e comerciantes), tornaram-se uma ameaça. A cidade esteve à beira de uma guerra civil. Para evitar essa situação, os eupátridas (aristocracia dominante), passaram a nomear legisladores, que deveriam criar leis que diminuíssem o antagonismo social. Contudo, as mudanças foram muito drásticas, principalmente durante a legislatura de Solon, o que ampliou a instabilidade político-social em Atenas e abriu espaço para a ascensão de Pisístrato e da tirania. Este modelo de governo foi derrubado cerca de meio século depois, retomando-se o caminho que levaria à democracia com Clístenes. Para evitar o retorno da tirania, ou seja, o demasiado empoderamento de qualquer cidadão que pudesse retomar a ditadura e derrubar a democracia, Clístenes criou o Ostracismo, que consistia no exílio de Atenas por 10 anos, para aqueles que fossem escolhidos em votação. Os votos eram feitos em pequenos pedaços de cerâmica (cacos), nos quais se escreviam o nome daquele que se queria ostracizar.
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (ENEM-2020) Na Grécia, o conceito de povo abrange tão somente aqueles indivíduos considerados cidadãos. Assim é possível perceber que o conceito de povo era muito restritivo. Mesmo tendo isso em conta, a forma democrática vivenciada e experimentada pelos gregos atenienses nos séculos IV e V a.C. pode ser caracterizada, fundamentalmente, como direta.
(A) Os 12 trabalhos de Hércules, cujo protagonista destacou-se na Guerra de Tróia. (B) Ilíada, de Homero, cujo protagonista é o guerreiro Aquiles. (C) Os Lusíadas, cujo protagonista seria o próprio povo português. (D) Divina Comédia, cujo protagonista é o próprio autor.
MANDUCO, A. Ciência política. São Paulo: Saraiva. 2011.
04. (UEL-2021) No Período Clássico, a expansão das fronteiras geográficas das cidades gregas foi resultado de um processo histórico envolvendo as condições culturais, sociais, políticas e do conhecimento.
Naquele contexto, a emergência do sistema de governo mencionado no excerto promoveu o(a) (A) competição para a escolha de representantes. (B) campanha pela revitalização das oligarquias. (C) estabelecimento de mandatos temporários. (D) declínio da sociedade civil organizada. (E) participação no exercício do poder. 02. (UEM-2022) Sobre a Antiguidade grega, assinale o que for correto. (01) Atenas, além de ter sido um local onde se executavam as atividades de comércio, administração, cultura, religião e defesa, desenvolveu também a concepção de cidade como comunidade política, local de convivência, e de tomada de decisões coletivas. (02) Aquiles, herói da mitologia grega, foi um importante personagem da Ilíada, epopeia cuja autoria é atribuída a Homero, que narrou a guerra entre gregos e troianos. (04) O estadista Clístenes teve um importante papel no fim da democracia ateniense. Liderou uma rebelião que derrubou o último governante escolhido pelo areópago, conselho composto pelos cidadãos eupátridas, os bemnascidos, e conduziu Péricles ao poder. (08) Os gregos acreditavam em deuses que tinham formas e características humanas. Assim, os deuses gregos tinham fraquezas, paixões, virtudes. No entanto, eram imortais e tinham a capacidade de comandar o destino dos humanos. (16) O teatro foi uma das mais importantes manifestações culturais gregas. Entre suas tragédias, as mais conhecidas foram escritas por Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes. 03. (UEG) No conto “Lacoonte em negra água”, Marina Colasanti retoma, de modo intertextual, a história de Lacoonte, um sacerdote troiano que se posicionou contra a aceitação do famoso “Cavalo de Tróia”, deixado pelos gregos como suposta prova de rendição. Por sua atitude, Lacoonte foi morto por uma gigantesca serpente marítima, enviada por Poseidon, o deus dos mares do panteão grego, que estava do lado dos gregos. Esse grande conflito entre gregos e troianos foi registrado no poema épico: 344
HISTÓRIA
Adaptado de: //historiaica.files.wordpress.com.
Com base na figura e nos conhecimentos sobre o Período Clássico grego, assinale a alternativa correta. (A) No Período Clássico, a civilização grega teve seu domínio hegemônico da região do Mediterrâneo e Mar Negro, após vencerem o Império Macedônico. (B) A inauguração da democracia como regime político espartano, somada à escolha do rei Péricles, fortificou a união dos gregos. (C) Os socráticos criaram sua crença de domínio do mundo amparados no pensamento mítico, legitimando a autoridade do narrador e seu poder religioso. (D) Os gregos denominavam de bárbaros os habitantes das cidades-estados situadas na Magna Grécia, por estarem distantes da Grécia Continental e Peninsular. (E) A criação da pólis ateniense propiciou aos cidadãos um espaço público para defenderem, por meio do argumento oral, seus interesses, reforçando a gestão de seus poderes.
ROMA ANTIGA Introdução
Capítulo 6
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Roma
Como uma pequena cidade-estado, fundada pelos latinos, tornou-se a mais poderosa da Antiguidade? Roma, erguida às margens do rio Tibre, foi o centro de uma pequena Monarquia, a capital de uma expansionista República e a “Cidade Eterna” do maior império da história antiga. A mitologia que exalta a fundação da cidade é heroica. Dois irmãos, jogados no rio Tibre para não serem mortos, sobrevivem salvos por uma loba e, quando adultos, voltam para se vingar do usurpador do trono de seu avô. Ao restituir o trono de Alba Longa ao legítimo rei, Rômulo e Remo recebem autorização para fundar uma cidade, batizada por Rômulo com o seu nome. No entanto, deixando o mito de lado, Roma foi o centro de onde se expandiu uma civilização que, herdeira de latinos, sabinos, etruscos e gregos, construiu um mundo extraordinário e pujante, que se estendia da Península Ibérica à Mesopotâmia e do Egito ao Reino Unido, em sua maior extensão. O Mar Mediterrâneo foi transformado no “Mare Nostrum”, sendo caminho principal das rotas comerciais que abasteciam Roma e as suas províncias. Grandes guerreiros, os romanos conquistaram boa parcela do mundo conhecido de então. Ricos comerciantes, fizeram da sua capital o centro comercial do mundo antigo, levando para lá os mais diversos produtos disponíveis à venda. Exímios construtores, ergueram aquedutos, templos, teatros, termas, palácios e interligaram o seu mundo com estradas. Neste capítulo, vamos estudar Roma e a civilização que se formou, das origens da cidade ao auge do Império. 1.
ROMA
Segundo a mitologia, Roma foi fundada por Rômulo e Remo, dois irmãos que, logo após nascer, foram deixados no Rio Tibre, por sua mãe, numa tentativa desesperada de salvar suas vidas. Seu avô Numitor havia sido preso pelo irmão, Amúlio, usurpador de Alba Longa. Os bebês Rômulo e Remo foram salvos por uma loba, que os alimentou até serem encontrados por camponeses. Quando adultos, os irmãos retornaram a Alba Longa e, após vencer Amúlio, restituíram o trono ao seu avô Numitor. Este então, concedeu-lhes o direito de fundar uma cidade, Roma. Rômulo matou Remo e tornou-se o primeiro rei de Roma. Na verdade, Roma foi uma cidade fundada pelos Latinos, que habitavam às margens do Rio Tibre. Próximo aos domínios latinos, viviam os Sabinos e os Samnitas, povos italiotas, assim como os latinos. Ao norte, viviam os Etruscos e, ao sul, os Gregos. A sociedade romana se formou a partir da interação destes povos que influenciaram-se mutuamente.
Monarquia Durante esse período, Roma foi governada por sete reis, que se sucederam no poder. Os 4 primeiros eram latinos e sabinos (Rômulo, Numa Pompílio, Túlio Hostílio, Anco Márcio) e os 3 últimos eram etruscos (Tarquínio o antigo, Sérvio Túlio e Tarquínio o Soberbo), que invadiram a cidade.
A sociedade romana do período era dividida em: Patrícios: membros da elite aristocrática, proprietários das grandes terras e os únicos com direitos de participar do Senado e da Assembleia religiosa. Plebeus: livres e, em maioria, pobres. Não podiam participar das instituições, e possuíam, quando muito, pequenas terras. Na maioria eram trabalhadores urbanos e rurais livres. Clientes: parentes mais pobres dos patrícios e eram politicamente associados aos patrícios. Escravos: por dívidas ou por guerra. HISTÓRIA
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Os irmãos Rômulo e Remo sendo amamentados pela Loba
Neste período, o poder era bastante concentrado nas mãos do rei. Contudo, haviam duas instituições políticas das quais os patrícios faziam parte: o Senado e a Assembleia Curiata (religiosa). O Senado, formado por 300 patrícios mais velhos (conselho de anciãos), tinha a função de um conselho. Já a Assembleia Curiata votava as questões relacionada às festividades religiosas. Como os 3 últimos reis eram invasores, eles enfrentaram a oposição dos patrícios, grupo do qual haviam sido escolhidos os reis anteriores. Para se consolidar no poder, os reis etruscos buscaram aliança com os plebeus, desenvolvendo uma política centralizada e de expansão. A reação dos patrícios veio contra Tarquínio, o soberbo, em 509 a.C, que foi deposto. A monarquia caía e a sua representação em Roma também. A figura do rei passou a ser vista de forma negativa pelos romanos, ao ponto de um líder ser considerado um traidor quando acusado de governar como um rei.
República
Cícero denuncia Catilina, afresco de Cesare Maccari, pintado em 1889. Uma bela representação do Senado Romano
Prole: conjunto de filhos e filhas de um indivíduo, ou seja, a sua descendência
Filme Gladiador, de 2000. Direção de Ridley Scott. O filme resgata uma conturbada sucessão dinástica que marcou o Alto Império Romano, entre os anos de 180 d.C e 192 d.C. Cômodo, filho do Imperador Marco Aurélio, governou de forma despótica e cruel, e, por isso, foi alvo de uma conspiração palaciana. Após a morte do tirano, o Senado indicou um general para sucede-lo. Obviamente o enredo mescla eventos e personagens históricos com outros fic tícios, mas a representação do poderio militar romano, as vestimentas e a vida na “Cidade Eterna” foram bem reconstruídas pelo diretor. 346
HISTÓRIA
Com a deposição de Tarquínio, o Soberbo e com a ascensão dos patrícios ao poder, o Senado acabou se tornando a principal instituição política da República Romana. Era o Senado que criava as leis, os impostos, declarava guerra, decidia as estratégias e estruturas de poder, dentre outras funções. Num primeiro momento, o Senado era formado por 300 membros. Ao longo da República, o número de senadores aumentou para 600 e, na época de Júlio César, chegou a 900 membros. Independente do número de membros, as decisões do Senado não eram arbitrárias. Na verdade, as leis, os impostos, enfim, as criações do Senado eram amplamente debatidas nas Assembleias (Comícios), que votavam e sacramentavam o que devia ou não ser aplicado em Roma.
• Assembleias (Comícios) – Tribal: existiam duas assembleias tribais, a do Povo (com a participação de patrícios, plebeus e clientes) e a da Plebe (exclusiva dos plebeus). A Assembleia Tribal do Povo, em sua origem, contava com 21 tribos, mais tarde ampliadas para 35. A maioria das tribos eram formadas por habitantes do campo e algumas poucas com habitantes das cidades. Os patrícios eram distribuídos entre as mais numerosas tribos do campo e os plebeus concentrados entre as poucas tribos da cidade. Como cada tribo tinha direito a um voto e os patrícios tinham mais tribos, estes sempre venciam as votações tribais. – Centurial: Roma tinha 193 centúrias, que eram formações militares nas quais os próprios soldados arcavam com as despesas do seu armamento. Dessa forma, os patrícios se armavam melhor que os plebeus, e formavam mais centúrias com menos soldados. Além disso, as centúrias dos patrícios, como mais eficientes, tinham o direito de votar primeiro. Dessa forma, primeiro votavam as 18 centúrias dos equestres (cavaleiros), depois as 80 de primeira classe do Exército (centúrias de patrícios). Logo após votavam as centúrias dos plebeus e, por último, a centúria dos proletários, que eram os habitantes tão pobres, que só possuíam a sua prole. Na maioria das vezes, com os votos associados dos equestres e das primeiras centúrias, as demais nem precisavam votar. – Curial: assembleia religiosa dominada pelos patrícios. Decidiam as festas religiosas, os dias santos etc.
• Magistraturas Além do Senado e dos Comícios, as Magistraturas constituíam instituições importantíssimas na política romana. Os principais cargos eram: – Ditador: em caso de guerra ou calamidade, um ditador era escolhido para concentrar o poder por 6 meses, prorrogável por mais 6. Quem assumisse este posto tinha plenos poderes em Roma. – Cônsules: eram 2 de cada vez, ocupando o cargo por 2 anos no máximo. Os cônsules tinham funções semelhantes às dos antigos reis, contudo eram fiscalizados de perto pelo Senado. Eram eles que comandavam os exércitos, ordenavam as obras públicas, dentre outras funções.
– Tribunos da Plebe: eram 10 de cada vez e tinham o poder de vetar leis contrárias aos plebeus. No entanto, para obter o veto, os 10 tinham que ser unânimes. – Pretores: eram responsáveis pela justiça de Roma.Tinham poder para julgar, inclusive, sumariamente se achassem necessário. – Censores: apenas indivíduos de grande prestígio assumiam posto que, de forma contraditória, não era tão importante como os demais. Os censores realizavam o recenseamento em Roma, de 5 em 5 anos. O principal objetivo era conhecer a renda da população. – Edis: “vereadores” de Roma. Eram os administradores da cidade de Roma, cuidando do abastecimento de água, do corpo de bombeiros, dentre outras funções. – Questores: cuidavam das finanças. Como os cidadãos que exerciam cargos públicos deviam pagar as obras e as ações públicas com os próprios recursos, o erário era muito escasso, não sendo este um cargo de grande prestígio. Era geralmente o primeiro cargo ocupado por jovens patrícios, no início de suas carreiras políticas.
Erário: tesouro e bens do Governo para a administração do país
Pode-se inferir que apenas os patrícios mais ricos podiam exercer esses cargos e ascender aos postos mais altos. Cabe destacar que os mais pobres tinham o direito de cobrar dos mais ricos que cumprissem as funções do seu cargo, mesmo que a exigência dependesse dos recursos próprios do magistrado. Além disso, os romanos respeitavam os prazos máximos de cada cargo e tinham muito orgulho das suas instituições.
• A Expansão da Cidadania Como podemos perceber, apenas os patrícios tinham direitos políticos. Os plebeus, percebendo sua força coletiva e a necessidade de lutar para conquistar acesso ao poder, passaram a se mobilizar, forçando os patrícios a fazer concessões. Eles sabiam que, naquele momento, qualquer cidade com deficiência defensiva corria sérios riscos. Eram constantes os ataques de povos vizinhos à Roma, que só conseguia se defender usando todo o Exército. Por exemplo, em 387 a.C, os gauleses, liderados por Breno, invadiram e saquearam Roma, levando inclusive as mulheres de vários senadores como escravas para a Gália. Sendo assim, a manutenção da força militar integral era essencial para a sobrevivência. Os plebeus então, desde o início do século V a.C, entendendo a força coletiva que tinham, passaram a fazer “greves”, ou seja, desguarneciam a cidade de Roma e exigiam que fossem criadas leis que os favorecessem para retornarem ao Exército. Os plebeus iam para o monte Aventino (sagrado para os romanos). Foi assim que, no decorrer de quase 3 séculos, os plebeus pressionaram os patrícios para que ampliassem a cidadania, incluindo os plebeus.
• Leis Favoráveis aos Plebeus 494 a.C – Lei dos Tribunos da Plebe: foi esta lei que criou o cargo de Tribuno da Plebe, com o objetivo de vetar leis contrárias aos plebeus. 471 a.C – Lei da Assembleia da Plebe: foi criada a Assembleia Tribal da Plebe que, neste momento, podia criar leis válidas apenas para os plebeus. 450 a.C – Lei das Doze Tábuas: as leis romanas passaram a ser escritas. É importante ressaltar que os romanos enviaram alguns estudiosos à Grécia para analisar as suas leis. Eles voltaram de lá e elaboraram a Lei das Doze Tábuas, com rigidez característica das leis Draconianas. 445 a.C – Lei Canuleia: permitiu os casamentos mistos, ou seja, entre pessoas do grupo dos patrícios e do grupo dos plebeus. 387 a.C – Lei Licínia-Sextia: este é o conjunto de leis que mais ampliou a cidadania em Roma. A partir dessa lei, os plebeus passaram a ter direito de acesso ao Senado e às Magistraturas, inclusive determinando que um dos cônsules, devia ser, obrigatoriamente, plebeu. 329 a.C – Lei Poetelia: fim da Escravidão por Dívida. Diferente da lei de Sólon, em Atenas, esta lei não é retroativa, ou seja, não liberava aqueles que já haviam sido escravizados. 287 a.C – Lei dos Plebiscitos: as decisões da Assembleia da Plebe viravam lei de Roma. Esse conjunto de leis representa a conquista da cidadania plena pelos plebeus e, em função disso, a estabilidade no Exército Romano. A consequência mais direta, no que se refere às questões militares, é a expansão territorial.
Breno e a sua parte do espólio, obra do pintor francês Paul Jamin, de 1893. Esta imagem representa a prisão das mulheres romanas que foram levadas como escravas para a Gália
A Família em Roma “A família consistia para os romanos a base de sua organização social, ou seja, termo família não designava somente o pai, a mãe e os filhos, mas também a casa, os escravos e até os animais de sua propriedade. Nesse espaço o pai exercia o domínio sobre a mulher, os filhos e os escravos, tendo direito de decidir sobre o destino das crianças recém-nascidas. Ou seja, o fato de nascer não significava que a criança fosse aceita pela família, muitos filhos eram abandonados ou vendidos como escravos. Onema argumenta que na Roma antiga os pais tinham total poder de decisão sobre o que lhe era de sua propriedade, aos proprietários de terras, os patrícios, obtinham o direito de dizer o destino das mulheres e das crianças, que eram consideradas objetos de sua propriedade, assim como os animais e as plantações. O pai poderia, por exemplo, decidir sobre o casamento dos filhos e filhas e lhe era reservado o direito de matar os próprios filhos, mesmos já adultos, quando representavam ameaça a sua propriedade”. Fonte: http://www.ppe.uem.br/jeam/ anais/2007/trabalhos/030.pdf
HISTÓRIA
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Roma aliou-se a várias cidades-estado da península Itálica, incorporando algumas delas com o passar do tempo. Até a década de 270 a.C, a Etrúria e a Magna Grécia haviam sido anexadas. Ao anexar os domínios gregos no sul da Itália, os romanos dominaram parte da Sicília, dividindo a ilha com os cartagineses. Pela primeira vez as duas grandes potências do período disputavam um território. A República Romana em ascensão e o Império Marítimo Cartaginês protagonizaram as maiores guerras da Antiguidade, verdadeiras guerras mundiais para o período. Estamos falando das Guerras Púnicas.
Guerras Púnicas (264 a.C – 146 a.C)
Os cartagineses usavam elefantes treinados para a guerra
Batalha de Zama, do holandês Cornelis Cort, de 1567
Mapa de 264 a.C, antes das Guerras Púnicas e das conquistas romanas
Mapa de Roma após as conquistas realizadas nas Guerras Púnicas
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HISTÓRIA
Na verdade, foram três guerras entre Roma e Cartago. Cada uma destas tem suas características e seus motivos, por isso vamos analisá-las de forma pontual. Primeira Guerra Púnica (264 a.C – 241 a.C): romanos e cartagineses passaram a disputar a hegemonia sobre as ilhas do Mar Mediterrâneo, principalmente sobre as atuais Córsega, Sardenha e Sicília. O estopim da guerra foi o desrespeito romano ao tratado de “fronteira” comercial de Mesina, na Sicília. Esta foi uma guerra longa, com muitíssimas baixas para os dois lados e com gastos astronômicos. Contudo, a vitória foi romana, que passou a controlar as ilhas citadas acima. Segunda Guerra Púnica (218 a.C – 202 (201)a.C): esta foi a mais complicada das três guerras para Roma. O general cartaginês, Aníbal Barca, organizou um exército de, aproximadamente, 60 mil soldados e, partindo da atual Espanha e passando por montanhas e terrenos de difícil acesso, invadiu a Itália pelo norte. Alguns autores afirmam que Aníbal perdeu quase 20 mil soldados nessa travessia. Suas tropas eram compostas por cavalaria, elefantes, infantaria pesada, arqueiros e tudo que se pode imaginar para a época. Ele invadiu o norte da Itália e passou a vencer os romanos em sucessivas batalhas, transitando entre o norte e o sul da península, sem, contudo, tentar invadir Roma, que estava fortemente protegida. Os romanos imaginavam que um ataque de Cartago poderia vir pelo mar e não pelo norte, por isso suas ilhas estavam cheias de soldados ociosos, que não conseguiam desembarcar na península para enfrentar Aníbal. Foi então que os romanos executaram uma audaciosa campanha. Levaram suas tropas para Cartago e atacaram o território de Aníbal, que estava desprotegido. Sem alternativas, Aníbal Barca viu-se obrigado a voltar para Cartago, onde foi derrotado pelo general romano Cipião, o Africano, na batalha de Zama, em 202 a.C. Essa batalha decretou o fim da guerra e Cartago passou a ser um protetorado romano, sem direito a ter um exército próprio. Terceira Guerra Púnica (149 a.C – 146 a.C): os romanos precisavam de uma desculpa para atacar Cartago e transformá-la, definitivamente, em uma província. No entanto, os cartagineses cumpriam todas as imposições romanas. Foi então que os romanos estimularam os númidas a atacar Cartago. Os cartagineses organizaram a sua defesa e acabaram sendo atacados por Roma como represália. Os macedônios e os gregos, receosos do crescimento romano, resolveram apoiar Cartago, enviando tropas contra Roma. Foi o seu grande erro. Em poucos anos, os romanos venceram e anexaram Cartago, a Numídia e, entre 148 a.C e 146 a.C, conquistaram a Macedônia e a Grécia, que passaram a ser províncias da República Romana. Ao final das três guerras, Roma havia conquistado boa parte do Norte da África, a Península Ibérica, a Sicília, a Córsega e a Sardenha, além da Grécia e Macedônia. Deve-se imaginar que com todas essas guerras e conquistas, o número de terras e escravos sob domínio romano cresceram de forma sistemática. Além disso, a sociedade romana passou por algumas mudanças, o que não significa que a divisão entre patrícios, plebeus, clientes e escravos deixou de existir. Na verdade, surgiram outros grupos, que eram formados por patrícios e plebeus ricos. Tais grupos eram divididos pelas suas funções e atividade econômica. Tais grupos são: – Classe Senatorial: classe política, formada pelos senadores e magistrados, que não podiam ter terras fora de Roma, como estímulo para a dedicação ao cargo público. – Classe Equestre: inicialmente, os equestres eram cavaleiros, mas com a proibição dos políticos possuírem terras fora de Roma, estes que eram muito ricos, passaram a comprar as grandes terras nas províncias romanas. Dessa forma, a classe equestre tornou-
-se uma elite econômica ainda mais poderosa. Os membros da classe equestre também ocupavam cargos políticos importantes nas províncias. – Negotiatore: grandes comerciantes romanos, que eram responsáveis por interligar Roma e as suas províncias. Em Roma existia de tudo que se pudesse imaginar. Animais exóticos, temperos, alimentos dos mais variados, escravos, tecidos, joias, armas etc. Roma era o centro do mundo no seu apogeu. Além disso, os negotiatore emprestavam dinheiro a juros e compravam cereais em grande quantidade para especulação.
• Conflitos Sociais e a Guerra Civil
Mosaico romano do século II, representando escravos carregando jarras de vinho
Após vencer Cartago e conquistar tantas terras, a República começou a passar por um período de turbulência social e de questionamentos. Por mais que os plebeus tenham conquistado a cidadania, eles ainda eram, em maioria, indivíduos sem terras. Os patrícios aceitavam que os plebeus ricos comprassem as terras disponíveis, mas não toleravam a ideia de distribuir terras para os plebeus pobres, muito menos dividir aquelas que já eram de sua propriedade. Em 133 a.C, Tibério Graco (Tribuno da Plebe) desenvolveu um projeto de Reforma Agrária, pretendendo democratizar a distribuição de terras em Roma. Ele defendia que as terras de Roma não poderiam ser maiores que 125 hectares. Aqueles que possuíssem terras maiores do que o limite, teriam o excedente confiscado pelo Estado, que deveria redistribuir entre os plebeus sem terra.Tibério foi assassinado e o seu projeto derrotado. Dez anos depois, em 123 a.C o seu irmão, Caio Graco reviveu o projeto de Tibério e foi combatido de forma semelhante pelos patrícios. Caio foi, na verdade, além do projeto de seu irmão, pois criou a Lei Frumentária, pela qual o Estado subsidiava uma parte do preço do trigo, para torná-lo mais acessível aos pobres. Caio defendia que as novas terras conquistadas e as próprias terras de Roma deviam ter seu tamanho limitado e o excedente distribuído entre os sem terras. Perseguido como seu irmão, Caio ordenou que um escravo lhe cortasse os pulsos. Os plebeus, revoltados com as negativas dos patrícios, iniciaram um conflito interno. A Guerra Civil só foi amenizada com os governos de dois generais importantes:
Os Graco, de Eugène Guillaume
– Mario (100 a.C – 86 a.C): pertencia ao “Partido Plebeu”. Homem de muitas posses, foi ditador romano por vários anos, dando um golpe nas leis da República. Mario enfrentou e venceu uma revolta no Norte da África, liderada pelo númida Jugurta; enfrentou uma poderosa revolta dos povos italianos na Península Itálica e, só conseguiu acabar com esta revolta, ao conceder cidadania plena a todos os povos da península; Armou os proletários, ampliando o Exército romano; criou uma lei que concedia terras aos soldados após 25 anos de serviço (essa lei foi consolidada por César); criou o soldo, o salário do soldado. – Sila (83 a.C – 79 a.C): maior rival de Mario, Sila pertencia ao “Partido Patrício”. Buscou reverter algumas ações de Mario, excluindo alguns plebeus do Senado e de cargos de Magistratura. Sila venceu o poderoso rei Mitridates, do Ponto, antigo inimigo romano. Mario e Sila disputaram o poder em Roma, mas nunca chegaram a se enfrentar em batalha. Sila, em 79 a.C, decidiu retirar-se da vida política, deixando alguns herdeiros políticos, que conseguiriam se consolidar mais tarde. Nos anos 70 a.C, Crasso e Pompeu aliaram-se para controlar a República Romana. Alternavam-se entre os cargos de Governador de Província, Cônsules e Ditadores. Estes generais tornaram-se proeminentes nos conflitos destacados ao lado. Durante os anos 60 a.C, o herdeiro político e econômico de Mario, Júlio César, iniciou uma campanha militar brilhante, que rendeu a conquista da Gália pelos romanos. Ele enfrentou as tropas de Vercingetorix, que reconhecendo a superioridade militar de César, se entregou a este e lhe jurou a fidelidade do seu exército, após a sua execução. César, que havia cercado as tropas gaulesas aceitou a proposta, executou Vercingetorix e assumiu o comando de suas tropas. Em 60 a.C, Crasso, Pompeu e Júlio César, os mais poderosos generais de Roma, formaram o Primeiro Triunvirato (60 a.C – 53 a.C). A ideia era associar-se para manter o poder. A sistemática já era utilizada por Pompeu e Crasso, ou seja, eles iriam se alternar como Governadores, cônsules e ditadores. Em 53 a.C, Crasso morreu em batalha. Pompeu
Mario, vencedor dos Cimbrios. Pintura de Francesco Saverio Altamura, 1863
– Revolta de Escravos (73 A.C – 71 A.C): espártaco era um gladiador (escravo). Ele conseguiu fugir e liderar um grande contingente, de escravos fugidos, contra Roma. Acredita-se que cerca de 60 mil estiveram sob o comando de Espártaco. Durante dois anos ele venceu as tropas da República até ser derrotado por Crasso, um dos herdeiros de Sila. Dos rebeldes aprisionados, seis mil foram crucificados na Via Ápia (estrada que ligava Roma ao Sul da Península), dentre os quais, Espártaco, mesmo este já estando morto. A maioria foi escravizada novamente. É importante ressaltar que não havia consciência de classe entre os escravos, o que anula a possibilidade de uma revolta contra a escravidão em Roma. Era, na verdade, uma tentativa de cerca de 60 mil escravos, de conquistar a sua liberdade e fugir do mundo romano. – Guerra Sertoriana (80 a.C – 72 a.C): Pompeu se notabilizou por vencer Quinto Sertório e a revolta que ele liderou na Península Ibérica contra o domínio romano, sendo esta, uma das guerras civis mais violentas de Roma. Contudo, após 7 anos de conflito, as tropas lideradas por Pompeu venceram, e este conquistou notoriedade e poder. HISTÓRIA
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rumou para Roma e, em associação com o Senado, tentou dar um golpe e centralizar o poder. Os senadores pretendiam acabar com o poderio militar e consolidar um líder apenas, que seria mais facilmente manipulável. No entanto, Júlio César não aceitou a rendição que lhe havia sido imposta e levou seus exércitos contra a capital, num episódio conhecido como Marcha sobre Roma, em 49 a.C. Pompeu tentou fugir, mas foi capturado e morto, na Grécia, por aliados de César. Iniciava-se o Governo de Júlio César. A Morte de Espártaco, de Hermann Vogel, 1882
Vercingetorix se rende a César. Pintura de Lionel Royer, de 1899
• Governo de Júlio César: 49 a.C – 44 a.C Entre os anos de 49 e 44 a.C, César governou Roma sem consultar o Senado. Ele impõe aos nobres o seu poder, conferindo a si mesmo o cargo de Ditador Vitalício, comandante em chefe de todos os exércitos da República, único indivíduo a propor leis às assembleias, sem nem mesmo passar pela ratificação senatorial. César não empreendeu nenhuma reforma agrária na Itália nos moldes dos Graco, mas concedeu terras, na Gália, para seus veteranos, cometendo o equívoco de colocar dentro do Senado, seus partidários diretos, incluindo chefes gauleses que lutaram ao seu lado naquela região. César chegou a ampliar o número de senadores para de 600 para 900. Desses 300 senadores que ele nomeou, a maioria era formada por gauleses e plebeus. César relacionou-se com Cleópatra VII, que destronou seu irmão, Ptolomeu XIII e tornou-se rainha do Egito. Ela exerceu poderosa influência sobre César e depois Marco Antônio, sendo considerada perigosa pelos mais altos círculos romanos. Segundo alguns autores ela se utilizou dos romanos para empreender uma política de poder no Egito. Júlio César reeditou a Lei Frumentária, desta vez, distribuindo trigo aos mais pobres. Dizem que ele teria realizado espetáculos públicos, que, associados à Lei Frumentária, formariam um embrionário projeto de Pão e Circo. Mas isto não é unanimidade entre os autores. Alguns senadores mais tradicionalistas o viram como um pretendente à monarquia. Por isso, no ano de 44 a.C, organizaram uma conjuração para assassinar o ditador, convidando, inclusive Brutus, descendente do primeiro cônsul da República, o ancestral que havia expulsado o último rei etrusco de Roma. Quando César entrou na sessão do senado do dia 15 de março, foi brutalmente assassinado pelos senadores, inclusive por Brutus.
• 2º Triunvirato: Otávio, Lépido e Marco Antônio Busto de Júlio César, provavelmente o único remacescente de sua própria época
Para saber mais
Após o assassinato de César, o povo de Roma se revoltou contra os conspiradores. Eles foram obrigados a fugir da cidade e mais três homens eminentes, todos partidários do ditador assassinado, passaram a governar a República: Marco Antonio, general de César e cônsul indicado por ele no ano de seu assassinato; Lépido, mestre de cavalaria dos exércitos, uma espécie de segundo em comando; e, Caio Otávio, sobrinho neto de César, o herdeiro oficial de seu nome e riqueza. Novamente, formou-se um triunvirato, no qual os cesaristas dividiram a República entre eles. Lépido acabou ficando com a África, a exceção do Egito; O Egito e o restante das possessões orientais, ficaram de posse de Antonio; Já Otávio, comandaria o ocidente. Em 31 a.C, Otávio convocou Lépido a Roma e lhe concedeu o cargo de Sumo Sacerdote, em troca do seu poder político. Após assumir as atribuições de Lépido, Otávio partiu com suas tropas contra Marco Antonio e Cleópatra VII. Ainda no ano de 31 A.C, Otávio venceu as tropas de Antonio em Ácio (Itália), levando Marco Antonio e Cleópatra ao suicídio. Otávio tornava-se o líder supremo de uma República moribunda. Ele concentrou cada vez mais poderes em detrimento do Senado, iniciando formalmente o Império Romano. Entre 30 a.C e 27 a.C, ele recebeu do Senado os seguintes títulos: Princeps (primeiro cidadão), Augustus (divino) e Imperator (comandante supremo do Exército). Com todo esse poder, Otávio Augusto derrubou a República e instaurou o Império.
Império Ao proclamar o Império, Augusto não mudava apenas a forma de governo de Roma, mas dava início a uma grande revolução estrutural. As instituições políticas perderam poder, o Exército passou a ter força política ainda maior, a sucessão governamental não se fazia mais por escolha do senado, mas por indicação do imperador e consolidação das forças armadas. Pão e Circo para agradar os pobres e evitar rebeliões, expansionismo 350
HISTÓRIA
territorial para abastecer Roma de riquezas e escravos. O Império marcou o auge da civilização romana, mas também o início do seu declínio. Por isso, dividimos a história do Império em duas: Alto Império e Baixo Império.
• Alto Império (27 A.C – 235) O Alto Império foi marcado pela centralização política e pelo auge do imperialismo romano, caracterizado pela expansão territorial e pelo fortalecimento do Exército. Governo de Otávio Augusto – Início do Império (27 a.C – 14 d.C) Otávio reinou por mais de 40 anos. Seus atos consolidaram o governo centralizado imperial, de forma a acabar com os conflitos. Otávio diminuiu os poderes do Senado (reduzindo-o novamente para 600 membros), legislando dentro do próprio conselho por editos imperiais. Criou uma burocracia estatal para governar as províncias e o interior da cidade de Roma, um funcionalismo público que incluía os senadores mais eminentes, colocados sob sua tutela. Ele era ainda o chefe de todas as legiões, chamado pelas tropas e pelo povo de Imperator, a maior autoridade militar de Roma. Ao mesmo tempo, instituiu a política do Pão e Circo, baseada na lei frumentária, que consistia em distribuir trigo barato ou mesmo gratuito para a população mais pobre da cidade, além de oferecer jogos de gladiadores para divertir a plebe. Com a morte de Lépido, ocupou o cargo de Pontífice Máximo, o chefe da religião oficial romana. Por fim, no ano de 27 a.C, o senado ofereceu-lhe o título de Augusto, significando “o divino”, prenuncio da divinização de todos os soberanos romanos ao longo da história do Império. Augusto criou a Guarda Pretoriana, uma espécie de Elite do Exército, formada pelos soldados mais fiéis e experientes, sediados em Roma. Além disso, investiu em arte, literatura, história, dentre outras áreas. Destacam nesta época os escritos de Tito Lívio e os poemas de Virgílio, um dos principais poetas de língua latina. O Governo de Augusto foi centralizado, dando origem ao novo modelo de poder em Roma. Como ele era considerado divino (por isso adotou o título Augusto como nome), os seus sucessores passaram a se considerar deuses no poder e exigiam um culto especial. Após a dinastia Júlio-claudiana, os flavios chegaram ao poder. Vespasiano (69 – 79), Tito (79 – 81) e Domiciano (81 – 96) foram os imperadores desta dinastia. Foi neste período que os romanos expulsaram os judeus de Canaã, no episódio denominado Diáspora. Vespasiano era o Imperador, e Tito, o comandante militar, em 73, ano da Diáspora. Foi no governo de Domiciano que ocorreu a inauguração do Coliseu, um dos maiores destaques da arquitetura romana, local de diversos espetáculos e tragédias públicas, como as lutas de gladiadores e os massacres dos cristãos. Após a dinastia dos flavios, chegou ao poder a dinastia dos antoninos. Sob o governo de Trajano (98-117), o Império Romano atingiu seu maior limite territorial, controlando o Noroeste da África, a Província do Egito, a Ásia Menor, a Síria-Palestina, parte da Mesopotâmia, a Grécia, além dos atuais territórios da Espanha, França, Inglaterra e parte da Alemanha. Sob Adriano (117-138), o Império fixou limites (limes) em suas fronteiras, abandonando a política expansionista: Pax Romana. A tática imperial, a partir de então, foi manter e defender os territórios conquistados, impedindo revoltas e estabelecendo contatos comerciais com outros povos e civilizações. Prova disso foi a supressão das revoltas na Província da Judeia, quando Adriano havia tentado restabelecer a colonização judaica na Palestina. Contudo, os hebreus logo se revoltaram, o que levou o Imperador a expulsá-los novamente. Adriano ordenou a construção de uma muralha na Britânia (Muralha de Adriano), para dividir o mundo romano do “mundo dos bárbaros”. Ele construiu também o Panteão, templo que era dedicado ao culto de todos os deuses. Marco Aurélio (161-180) fora o último governante de ascensão, conhecido como o Imperador filósofo, seguidor das ideias de Platão. Ele enfrentou os povos germânicos nas fronteiras de Roma, vencendo-os em sucessivas batalhas. Importante destacar que foi logo no início do Império, sob Tibério (14 – 37), que um hebreu chamado Jesus foi crucificado depois de propagar concepções em torno da igualdade de todos os homens perante Deus. O cristianismo era inicialmente desconhecido de muitos romanos, considerado apenas uma forma ou mesmo uma dissidência do judaísmo. Os cristãos negavam-se a prestar culto aos Imperadores, considerados deuses
Com exceção de Augusto, os imperadores da primeira dinastia (Júlio-claudiana) foram todos assassinados: Tibério (14 – 37), Calígula (37 – 41), Cláudio (41 – 54) e Nero (54 – 68). Estes imperadores caracterizaram-se por governos tirânicos e com diversas demonstrações de abusos de poder. Por exemplo, Calígula nomeou seu cavalo como Cônsul e obrigou os senadores a prostituir suas mulheres; Nero teria colocado fogo em Roma para ver a reação das pessoas diante do desastre, ou para colocar a culpa nos cristãos e ampliar a perseguição a estes. Ele teria sido o primeiro imperador a perseguir, sistematicamente, os cristãos. Após a sua morte, os militares perceberam que o poder de um imperador era demasiado grande. Sendo assim, a Guarda Pretoriana passou a referendar a escolha dos imperadores, demonstrando a influência do Exército na política.
Nero perseguindo cristãos
Coliseu
Muralha de Adriano HISTÓRIA
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Panteão, exterior e interior
pelos romanos em vida e cultuados após a morte também. Tais negativas levaram os primeiros cristãos em Roma a serem perseguidos por Imperadores do porte de Nero (54 - 68) e Domiciano (81 - 96), o primeiro, acusando os cristãos de terem queimado Roma no ano de 64. Outro problema relacionado ao cristianismo é que suas concepções humanitárias eram contrárias a uma sociedade escravista, levando os cristãos a questionarem a instituição da escravidão. Muitos romanos, inclusive os membros das elites já haviam, desde o século I d.C, mudado algumas de suas atitudes perante seus escravos, tradando-os com um pouco mais de clemência do que outrora, influenciados pela filosofia estoica, extremamente moralista quanto aos deveres dos homens para com os outros. Nesse sentido, mesmo entre as elites, havia uma base moral que permitiu ao cristianismo se propagar, passando de uma religião de escravos para uma doutrina religiosa cada vez mais aceita pelos romanos.
• Baixo Império (235 – 476) O Baixo Império, ao contrário do período anterior foi caracterizado por crises sucessivas que levaram ao fim da centralização política, pelo menos na parte ocidental do Império. Vejamos alguns elementos dessas crises: A última prece dos mártires cristãos, por Jean-Léon Gérôme (1883), em alusão aos massacres de cristãos em Roma
Maior extensão do Império Romano
Para saber mais
- Fim da expansão territorial e fixação de limites para demarcar as terras imperiais, acabando com a principal fonte de aquisição de mão de obra das plantações, visto que a maioria dos escravos eram adquiridos mediante a guerra de conquista. - Esgotamento dos recursos imperiais para manter as tropas nas fronteiras, em territórios muitas vezes inóspitos, com pouca infraestrutura. - Críticas por parte dos cristãos à divinização dos Imperadores e ao próprio escravismo, no primeiro caso, um questionamento a um traço importante de legitimidade dos governantes. - Crises políticas intermitentes, devido ao fortalecimento dos comandantes militares provinciais, levando a disputarem o poder quando morria um Imperador. - Um forte período de estiagem nos campos da Germânia e da própria Itália ao longo do século II e III D.C, levando a baixa da produtividade e à fome nas cidades ocidentais do Império. - Forte inflação devido à emissão constante de moeda pelo Estado para manter os elevados custos das legiões alocadas nas fronteiras imperiais. Isso levou a uma sensação maior de crise, visto que além da falta de comida para todos os cidadãos, essa comida, quando existia nos mercados, era vendida a preços exorbitantes. Diante de todos esses elementos, que demonstram a ruína do Império, os romanos passaram a tentar solucionar o principal problema, a falta de mão de obra escrava para trabalhos pesados nos campos. A partir do século III d.C, os romanos começam a adotar uma nova forma de trabalho para auxiliar na produtividade de grãos: o colonato. Tratava-se de um sistema de servidão, ao qual os camponeses, em geral romanos ou camponeses germânicos fixados nas fronteiras imperiais, recebiam um pequeno lote de terra em troca de um trabalho obrigatório nas terras de um senhor. Temos aqui, a origem do trabalho servil, que substituiu a trabalho escravo, logo no início da Idade Média. A utilização dos germânicos como colonos demonstra um contato pacífico, o que determinou um certo fluxo de “bárbaros” para o interior do Império. Outras medidas para tentar solucionar a crise foram empreendidas por certos Imperadores do Baixo Império. Vejamos algumas: - Diocleciano (284 - 305 d.C): por meio de seu Edito Máximo, fixou preços e salários, visando conter a inflação. No campo político, criou a tetrarquia, a divisão de poderes no Império entre quatro soberanos, uma forma de tentar conter as disputas políticas entre os militares pelo poder. Por esse sistema, após a sua morte, o Império deveria ser governado por dois Augustos, auxiliados por dois Césares. Ao morrerem os Augustos, os Césares deveriam assumir, tornando-se Augustos e indicando os próximos Césares e assim sucessivamente. O sistema, na prática, não teve o menor êxito, já que com a morte de Diocleciano, recomeçaram as lutas pelo poder em Roma, voltando a ter apenas um único Imperador com Constantino.
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HISTÓRIA
- Constantino (305 - 337 d.C): por meio do Edito de Milão, de 313 d.C, Constantino concedeu liberdade de culto aos cristãos, uma forma de amenizar as disputas entre pagãos e cristãos, diminuindo as tensões religiosas internas. Convertido ao cristianismo, foi durante seu governo que ocorreu o Concilio de Nicéia (325 d.C), encontro eclesiástico que definiu a natureza trinitarista de Deus, entre Pai, Filho e Espírito Santo e os primeiros dogmas da Igreja Cristã. Foi Constantino quem mandou aumentar a infraestrutura da cidade grega de Bizâncio entre a Ásia e a Europa, mais tarde chamada de Constantinopla em homenagem ao Imperador. Em razão de suas fortes atividades comerciais, e por estar mais bem protegida do que Roma, a cidade tornou-se a capital imperial a partir de então. - Teodósio (378 - 395 d.C): esse Imperador, por meio do Edito de Tessalônica 380 d.C tornou o cristianismo, a religião oficial do Império. Isso se deu principalmente porque o cristianismo não parava de crescer, gerando uma unidade entre seus seguidores. Não podemos esquecer que o Imperador Caracala, em 212 d.C, havia concedido, a todos os habitantes do Império, a cidadania romana, como uma forma de garantir sua unidade. A oficialização do cristianismo, semelhante ao ato de Caracala, visava fortalecer a identidade romana, diante de um universo cosmopolita que era a realidade imperial. Por fim, Teodósio decidiu que, após a sua morte (em 395 d.C), o Império Romano deveria ser dividido em dois: Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente. Seus sucessores respeitaram sua decisão, e o Império foi realmente dividido. Constantinopla ficou como capital do Oriente e Milão, depois Ravena, situadas ao norte da Itália, tornaram-se, sucessivamente, as capitais da parte ocidental. Esta divisão foi uma tentativa de melhor administrar os territórios do Império, que estavam sob ataques constantes dos povos germânicos, denominados "bárbaros" pelos romanos.
• Invasões Bárbaras Mesmo diante de todas essas medidas, a crise interna não foi solucionada. Ela veio a se agravar em razão da pressão externa que sofria o Império Romano, principalmente sua parte Ocidental. Desde muito tempo, os romanos conviviam com os povos germânicos, tomando suas terras, escravizando-os e efetuando comércio com eles. Com a fixação das fronteiras, os germanos começaram a viver nessas terras e a comercializar produtos com os romanos. Mas muitas vezes, eles atacavam os territórios imperiais, devido ao fato de seus líderes viverem da guerra e da pilhagem. Ao longo do século III, muitos desses líderes começaram a atacar o Império, aproveitando-se da crise interna que mencionamos. Ao invés de somente expulsá-los, os Imperadores decidiram cooptar os líderes germânicos para que lutassem ao lado das legiões, aproveitando-se de suas táticas de guerra e de seu espírito guerreiro. Tais homens eram chamados de federatios, germanos a serviço do Império, em troca de terras, status e riquezas. Dessa forma, um Império Romano enfraquecido, utilizava-se de “bárbaros” como soldados para proteger suas fronteiras. No século V, outros povos, ainda mais militarizados do que os germanos, começaram a pressioná-los para o território do Império. Tratavam-se dos hunos (liderados por Átila), que atacavam tanto tribos germânicas como as cidades romanas, devastando os campos ocidentais. Os próprios germanos também voltaram a atacar Roma, muitas vezes liderados pelos federatios, que viam nisso a possibilidade de tomar o poder. Foi o caso de Alarico, líder dos visigodos e ao mesmo tempo federatio romano, que, no ano de 410, entrou em Roma com suas tropas, saqueando a cidade. Por fim, no ano de 476, outro germano, Odroaco, rei dos hérulos, atacou Ravena, matando o último Imperador oficial do Império Ocidental, Rômulo Augusto. Era o fim do Império Romano do Ocidente.
Divisão do Império Romano, em 395
Religião, Cultura e Sociedade Os romanos tiveram uma religião politeísta por quase toda a sua história, assumindo o cristianismo apenas no século IV d.C. os deuses romanos eram, em maioria, os mesmos deuses gregos com outros nomes. Por exemplo, Zeus era Júpiter, Atena era Minerva, Afrodite era Vênus, Posseidon era Netuno, Hermes era Mercúrio, e etc. As histórias eram as mesmas e, certamente, a personalidade dos deuses também. A partir da expansão da filosofia estoica e do cristianismo, a religião pagã (como os cristãos denominaram) começou a perder fieis. Em 380 a.C, Teodósio lançou o Edito de Tessalônica, tornando o cristianismo religião oficial. Os romanos eram essencialmente pragmáticos e, desenvolveram as suas obras e estruturas, de acordo com as necessidades. Por exemplo, os aquedutos eram obras arquitetônicas fantásticas, mas sua utilidade era ainda mais importante. Eles levavam água para as cidades romanas. A origem da sociedade romana era de rigidez estamental que, com o passar dos séculos e a partir das leis que favoreceram os plebeus, oscilou entre estamental e de classes, tornando-se algo entre os dois modelos. Ao nascer, os romanos eram ou patrícios, ou plebeus, mas as suas posses é que realmente determinavam o seu lugar na sociedade.
Aquedutos romanos
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ENEM 2020) Ao abrigo do teto, sua jornada de fé começava na sala de jantar. Na pequena célula cristã, dividia-se a refeição e durante elas os crentes conversavam, rezavam e liam cartas de correligionários residentes em locais diferentes do Império Romano (século II da Era Cristã). Esse ambiente garantia peculiar apoio emocional às experiências intensamente individuais que abrigava. SENNET, R. Carne e Pedra. Rio de Janeiro: Record, 2008.
Um motivo que explica a ambientação da prática descrita no texto encontra-se no(a) (A) regra judaica, que pregava a superioridade espiritual dos cultos das sinagogas. (B) moralismo da legislação, que dificultava as reuniões abertas da juventude livre. (C) adesão do patriciado, que subvertia o conceito original dos valores estrangeiros. (D) decisão política, que censurava as manifestações públicas da doutrina dissidente. (E) violência senhorial, que impunha a desestruturação forçada das famílias escravas.
Gabarito: D Até o século IV, os cristãos foram perseguidos no Império Romano em função da sua fé. A religião oficial era o antigo culto politeísta e as manifestações religiosas diferentes eram proibidas. No entanto, uma proibição mais extrema se aplicava aos cristão, pois estes não se submetiam a uma série de exigências romanas, tais como o reconhecimento da divindade do imperador. Sendo assim, a forma mais segura de manter a fé era no lar. Foi apenas com o Edito de Milão (313), que o culto cristão foi permitido e com o Edito de Tessalônica (380) que o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (ENEM) Os escravos tornam-se propriedade nossa seja em virtude da lei civil, seja da lei comum dos povos; em virtude da lei civil, se qualquer pessoa de mais de vinte anos permitir a venda de si própria com a finalidade de lucrar conservando uma parte do preço da compra; e em virtude da lei comum dos povos, são nossos escravos aqueles que foram capturados na guerra e aqueles que são filhos de nossas escravas. CARDOSO, C. F. Trabalho compulsório na Antiguidade. São Paulo: Graal, 2003.
A obra Institutas, do jurista Aelius Marcianus (século III d.C.), instrui sobre a escravidão na Roma antiga. No direito e na sociedade romana desse período, os escravos compunham uma: (A) mão de obra especializada protegida pela lei. (B) força de trabalho sem a presença de ex-cidadãos. (C) categoria de trabalhadores oriundos dos mesmos povos. (D) condição legal independente da origem étnica do indivíduo. (E) comunidade criada a partir do estabelecimento das leis escritas. 02. (UEG-2021) Leia o texto a seguir. Em Roma, os cristãos foram perseguidos pelo imperador Nero, que os transformou em bodes expiatórios para o grande incêndio que consumiu a cidade em 64. É possível que, depois disso, a perseguição se tenha estendido às províncias pelo exemplo, porque governadores romanos se baseavam no precedente de Nero, que dispensava aos cristãos o tratamento previsto para criminosos. FOX, Robin Lane. Bíblia: verdade e ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 320.
A principal acusação usada para justificar a perseguição aos cristãos foi (A) a realização de cerimônias noturnas à luz de tochas pelos cristãos dentro das catacumbas. (B) o ensinamento sobre caridade e humildade propagado pelos adeptos do cristianismo. (C) a transformação de um condenado à morte por cruz em divindade digna de culto. (D) a recusa dos adeptos da religião cristã em cultuar os deuses romanos e o imperador. (E) o local de origem da religião ter sido a rebelde e distante província da Judeia.
03. (UEM-2021) A História Antiga remete a uma época marcada pelo surgimento e pelo desenvolvimento das primeiras cidades. Considerando Roma nesse período histórico, assinale o que for correto. (01) No período da Monarquia, a sociedade romana era organizada por patrícios e plebeus, e não havia escravos. (02) Os latinos, assim como os sabinos, chegaram à Península Itálica por volta de 1800 a.C., mas ali já havia outros povos, como os gauleses e os etruscos. (04) A desagregação do Império Romano ocorreu por um motivo único: a invasão dos povos bárbaros. (08) Durante a República, os plebeus lutaram por maior participação política e conseguiram, entre outras vitórias, o fim da escravidão por dívidas e o direito de eleger os tribunos da plebe. (16) A crise do Império Romano foi acompanhada pela ruralização da sociedade e pela instituição do colonato. 04. (PUCRS-2021) Durante cerca de 600 anos, Roma impôs a sua hegemonia política, econômica e cultural numa vasta área ao redor do Mar Mediterrâneo. Considere as afirmativas sobre os fatores que contribuíram para a queda do Império Romano: I. O fim das guerras de conquista e do expansionismo romano, causando a crise do escravismo e sua substituição pelo regime do colonato. II. A insegurança urbana e a decadência do comércio e da indústria, causando a regressão econômica, a ruralização e um regime de trocas diretas de produto por produto. III. A pressão dos povos germânicos nas fronteiras do Império Romano com a aceitação de bárbaros no exército romano e nas áreas fronteiriças como pequenos agricultores. IV. O luxo excessivo e a decadência dos costumes entre as elites, que se traduziu em corrupção e intrigas políticas, minaram o consenso e a unidade do Império. Está/Estão correta(s) a(s) afirmativa(s) (A) I e III, apenas. (B) I e IV, apenas. (C) II e III, apenas. (D) I, II, III e IV.
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IDADE MÉDIA ORIENTAL Introdução A Idade Média é, constantemente, associada à ideia de atraso, de violência, de predomínio da ignorância, no qual as artes e a cultura inexistiram. Sabe-se, contudo, que os historiadores especialistas na área vêm, ao longo dos séculos XX e XXI, tentando desfazer esta mística infundada. O termo “Idade Média” foi cunhado pelos renascentistas que pretendiam indicar este período como intermediário entre o seu e a Antiguidade. Os artistas e pensadores do Renascimento viam a Idade Média como um período dominado pela Igreja Católica, totalmente controlado pela fé e que condenava quaisquer manifestações artísticas ou de pensamento que fugissem do tema religioso. A Igreja era realmente poderosa, mas os estudos mais recentes demonstram o contrário. Havia sim cultura, e não apenas aquela submetida aos padrões eclesiásticos. Na Idade Média, temos a arte bizantina, germânica, islâmica e africana, dentre outras. Quando analisamos o mundo, durante o período entre 476 e 1453, é importante recordar que a Europa Ocidental era uma espécie de “periferia do mundo”. Em contrapartida à ruralização, subsistência e baixo crescimento populacional da parte ocidental europeia, o mundo muçulmano vivia seu esplendor. Sendo assim, vamos analisar a Idade Média em seus pormenores, transitando entre o Oriente e o Ocidente, para que possamos ter uma visão mais conectada com os novos estudos e afastada dos mitos e tradições infundadas. Neste capítulo, vamos estudar o Império Bizantino e o surgimento do Islamismo, entre os Árabes. 1.
Capítulo 7
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Império Bizantino 2. Islã
IMPÉRIO BIZANTINO
O Império Bizantino é, na verdade, o Império Romano do Oriente. Criado com a divisão do Império em 395, pelo imperador Teodósio, a parte Oriental já se destacava como mais segura e próspera desde a primeira metade do século IV, quando Constantino, após contruir Constantinopla sobre uma antiga colônia grega chamada Bizâncio, levou a capital do Império para a nova cidade que levava o seu nome. Essa cidade se destacava pela posição estratégica e segura, sendo um entreposto comercial entre Ocidente e Oriente.
Constantinopla, atual Istambul, na Turquia, localiza-se em uma região estratégica, entre os mares Negro e Mediterrâneo
Entre os séculos IV e V, os bizantinos conseguiram conter o avanço dos povos germânicos (chamados de bárbaros pelos romanos), que avançavam contra suas fronteiras. A eficiência das defesas orientais e a melhor capacidade de disponibilizar recursos, econômicos e humanos, para essa defesa proporcionou um destino diferente daquele do imperio do Ocidente.
O Império do Oriente trazia, em sua cultura e prática cotidianas, vários aspectos da civilização romana. Os bizantinos tinham um Senado, com um poder limitado de conselho, mas uma instituição tradicional de Roma. Além disso, assim como os romanos tinham o Coliseu, grande palco de “espetáculos” públicos, os bizantinos tinham o Hipódromo. Como o Império Bizantino era cristão, as lutas HISTÓRIA
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de gladiadores não eram toleradas. Dessa forma, as corridas de cavalo as substituíram. Estas corridas eram tão importantes para os bizantinos, que eles chegaram a fundar associações esportivas. Na verdade, eram duas equipes que sempre estavam disputando a hegemonia no Hipódromo e, por vezes, na política. Tais equipes eram os Azuis e os Verdes. Assim como, no auge do Império Romano, os bizantinos desenvolveram a política do Pão e Circo, pelo menos enquanto o Egito foi parte do império, pois este foi o grande produtor de alimentos da Antiguidade e início da Idade Média.
Mosaico bizantino representando o Imperador Justiniano, localizado na Basílica San Vitale, em Ravena na Itália.
A Catedral de Santa Sofia, construída durante o governo de Justiniano, é considerada a principal obra arquitetônica do Império. Orgulho dos bizantinos, foi transformada em mesquita pelos Turcos Otomanos, após 1453
Justiniano ainda financiou a reconquista de vários territórios do antigo Império Romano do Ocidente, quais sejam: Sul da Península Ibérica, Norte da África e Península Itálica. O General Belisário partiu de Constantinopla com cerca de 80 mil soldados e venceu os vândalos no Norte da África, os visigodos no Sul da Península Ibérica, e os ostrogodos na Península Itálica, enfrentando um total de mais de 400 mil soldados inimigos. As façanhas de Belisário e Justiniano não duraram muito além de suas vidas, pois aos poucos esses territórios foram sendo perdidos.
Máxima extensão do Império Bizantino, após as conquistas de Justiniano 358
HISTÓRIA
Apesar de se considerarem romanos, o Império Bizantino era cosmopolita. Existiam romanos, gregos, árabes, partas, anatólios, dentre outros. Contudo, em Constantinopla, a maioria da população falava grego, que se tornou o idioma oficial do Império apenas no século VII, substituindo o latim. O cristianismo foi uma herança dos romanos, assim como o poder do imperador. No Império Bizantino, a influência oriental permitiu que esse poder fosse potencializado. O imperador exercia o poder político e uma grande influência sobre o poder religioso, sendo considerado o representante de Deus entre os homens. Essa condição de exercer os poderes político e religioso, no Império do Oriente, ficou conhecida como Cesaropapismo. Dessa forma, a partir de uma análise weberiana, essa associação de poderes, temporal e espiritual, legava ao imperador bizantino a responsabilidade pela sucessão imperial e o dever que guardar a verdadeira fé. Essa prática bizantina seria um dos motivos do cisma entre os cristãos. Para complementar esse apanhado inicial, cabe ressaltar que a arte bizantina foi uma das primeiras artes cristãs proeminentes. Os mosaicos bizantinos e a sua arquitetura são exemplos dessa arte. Os bizantinos preservaram muito dos gregos e dos romanos. Enquanto na Europa Ocidental a leitura de certos autores antigos era proibida, entre os bizantinos era considerada essencial.
O Governo de Justiniano (527 – 565) Considerado o maior de todos os imperadores bizantinos, Justiniano se destacou por ordenar a construção da grande catedral de Santa Sofia, uma das joias da arquitetura bizantina. Além disso, Justiniano enfrentou a Revolta Nika, em 532 (a revolta foi denominada Nika, porque os rebeldes gritavam “Nike”, que significa vitória em grego). Esta revolta iniciou-se no Hipódromo e depois tomou as ruas de Constantinopla. Os revoltosos reclamavam dos altos impostos e do alto custo de vida. Aconselhado por sua mulher, Teodora, Justiniano ordenou que o general Belisário acabasse com o movimento. Alguns autores afirmam que Justiniano estava prestes a fugir, o que não fez por imposição de Teodora. Belisário, seguindo as ordens de Justiniano e de Teodora, levou suas tropas para as ruas de Constantinopla e acabou com o conflito. Cerca de 30 mil pessoas foram mortas na repressão. Justiniano empreendeu uma compilação do Direito Romano que serve de base, até hoje, para o estudo deste direito. Juntamente com outros estudiosos do assunto, o Imperador elaborou o Corpus Júris Civilis, reescrevendo e revisando a legislação romana, adaptando-a às suas necessidade e realidade. Segundo alguns autores, coube a Triboniano, um jurista bizantino, a administração dos trabalhos que produziram o material jurídico, sendo este dividido em algumas partes: Códex Justiniano, Digesto ou Pandectas, Novelas e Institutas. Código de Justiniano (Códex): reunião das constituições imperiais editadas desde a época do imperador Adriano (117 a 138); Digesto ou Pandectas: reunião dos comentários dos grandes juristas romanos. Institutas: manual dedicado aos estudos daqueles que pretendiam se dedicar ao Direito; Novelas ou Autênticas: as novas leis, ou seja, as constituições elaboradas depois de 534.
Cisma do Oriente (1054) Em 325, o imperador Constantino presidiu o Concílio de Niceia. Esse foi o Concílio fundador da Igreja Católica estabelecendo, dentre outras coisas, quais seriam as lideranças do Igreja e onde seriam as sedes. As sedes seriam em Roma, Constantinopla, Alexandria, Jerusalém e Antióquia e em cada uma dessas, seria escolhido um patriarca, sacerdotes mais importantes que comandavam a cristandade. No século V, o Patriarca de Roma (ou Bispo de Roma) conseguiu que o imperador romano, Valentiniano III, emitisse um decreto, em 445, declarando a primazia do
patriarca de Roma sobre os demais. O patriarca de Roma passou a ser considerado Papa (Leão I, o Grande), o grande líder da cristandade. Essa autoridade do patriarca de Roma demorou a ser reconhecida pelas outras lideranças eclesiásticas, mas jamais foi aceita em Constantinopla. Na Capital do Império Bizantino, o Patriarca considerava o Imperador como o grande líder da Igreja e verdadeiro intérprete de Deus. Essa era uma das características do Cesaropapismo. Além disso, as diferenças culturais existentes entre os religiosos do ocidente e do oriente começaram a se transformar em disputas políticas e estas, propriamente ditas, aumentavam cada vez mais. O Papa romano não aceitava a intromissão do imperador bizantino em seus assuntos. Percebe-se que este foi o primeiro grande motivo para o Cisma. Para se livrar da intromissão do Imperador Bizantino em seus assuntos e, além disso, para se proteger em um mundo dominado pelos “bárbaros”, o papa Leão III coroou Carlos Magno, rei dos francos, como Imperador do Ocidente, no ano 800, situação que desagradou as lideranças bizantinas. A Igreja Católica sonhava com a reconstrução do antigo Império Romano do Ocidente e o Papa via em Carlos Magno o único em condições de liderar esse processo. No ano 800, o Império Bizantino tinha uma Imperatriz, Irene de Atenas (ou Irene de Bizâncio). Ela contestou a coroação de Carlos Magno, pois os bizantinos reivindicavam os direitos sobre os antigos territórios romanos. Este foi outro grande motivo para o Cisma. O Movimento Iconoclasta foi um dos motivos mais graves para a divisão: como uma das características da influência oriental, os bizantinos adoravam demasiadamente as imagens de santos, de Cristo, ou seja, imagens religiosas. O comércio desses ícones era muito lucrativo em Constantinopla, principalmente para os monges católicos, que eram os responsáveis por confeccionar essas imagens e vendê-las aos mais diversos grupos sociais. O imperador Leão III, em 730, com receio do fortalecimento desses monges devido ao enriquecimento oriundo no comércio de imagens, proibiu a veneração e a comercialização dos ícones. Milhares de imagens foram destruídas por aqueles que passaram a perseguir os iconólatras (adoradores de imagens). Esses perseguidores foram denominados iconoclastas. Com o passar do tempo, e, em função da existência de imperadores iconólatras, o movimento iconoclasta perdeu força. No entanto, em alguns governos mais centralizadores o movimento era reeditado. Em todas as vezes, a Igreja de Roma apoiou os monges que produziam as imagens, se posicionando contra os imperadores iconoclastas. Isso acabou afastando de forma muito significativa os dois polos da Igreja. Cabe ressaltar que os ícones foram adaptados e, alguns deles, aceitos posteriormente, sendo uma das características da Igreja Ortodoxa atual, principalmente na Rússia. Por fim, divergências litúrgicas levaram ao rompimento oficial entre as Igrejas. É claro que essas divergências litúrgicas não foram o motivo fundamental, mas, na verdade, foram o estopim. Ao longo dos séculos, os Bizantinos e os romanos se afastaram por causa do cesaropapismo, da coroação de Carlos Magno e do movimento iconoclasta. Em 1054, o papa Leão IX enviou o legado papal (uma espécie de ministro plenipotenciário) à Constantinopla para repreender Miguel Cerulário (Patriarca de Constantinopla), por suas condutas autoritárias, para unificar o discurso sobre o Espírito Santo, resolver as divergências litúrgicas e pedir ajuda de Bizâncio contra os Normandos. Nas discussões, o legado papal, Cardeal Humberto, excomungou o patriarca bizantino e este, por sua vez, excomungou o cardeal Humberto. O imperador bizantino nessa época era Constantino IX, que apoiou o patriarca. Este episódio marca o Cisma do Oriente, ou seja, a separação da Igreja Católica em duas: Igreja Católica Apostólica Romana e Igreja Católica Ortodoxa Grega.
Declínio e Queda O Império Bizantino passou quase toda a sua existência em guerra. No século V foram os germânicos, entre os séculos V e VI os inimigos eram os partas (ou persas), nos séculos VII, VIII e IX, os rivais mais perigosos foram os árabes, que conquistaram dos bizantinos o Egito, a Palestina, a Síria, a Fenícia, dentre outros territórios. Entre os séculos XI e XIII, os turcos seldjúcidas e, entre os séculos XIV e XV, os turcos otomanos foram os algozes dos bizantinos. Entre 1204 e 1261, os italianos tomaram e dominaram Constantinopla. A 4ª Cruzada, que tinha Jerusalém como objetivo, acabou se desviando para Constantinopla. Durante esse período, a capital bizantina foi Niceia, e a antiga capital, em mãos latinas,
Parte das muralhas de Constantinopla, construídas na época de Constantino e, posteriormente, Teodósio, que ainda estão preservadas atualmente, em Istambul
É interessante destacar que, para a Igreja Católica, o primeiro Papa teria sido São Pedro, apóstolo de Cristo, entre os anos de 33 e 67. Ao ser morto, Pedro passou a sua liderança para São Lino e assim foi feito até Leão I (440 – 461). Dessa forma, se analisarmos pela perspectiva religiosa, Leão I foi apenas mais um dos Papas. Já pela perspectiva histórica e política, ele foi aquele que conseguiu autoridade suficiente para se sobrepor aos demais patriarcas e bispos da Igreja.
Catedral Ortodoxa na Rússia
Monofisismo, a Heresia Bizantina O Monofisismo, heresia cristológica do V século provocada pelo arquimandrita Eutíquio, ao ensinar que em Cristo havia uma só natureza, foi condenado no Concílio Ecumênico de Calcedônia em 451. As decisões dogmáticas desse Concílio — dualidade das naturezas divina e humana unidas pelo mistério da união hipostática na pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem — foram pacificamente recebidas no Ocidente Cristão; recusadas, desvirtuadas, criticadas, entretanto o foram no Oriente, com a cumplicidade dos Patriarcas do Egito, Antióquia e Constantinopla. Época de transição em que o Império Romano, fragmentado, subsistia apenas no Oriente, enquanto que no Ocidente permanecia como o único remanescente do Império, esse Cristianismo, liderado pelo Papa que continuava pontificando em Roma. Fonte: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/ article/view/122122
HISTÓRIA
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Entrada do Sultão Mohammed II em Constantinopla, em 1453
era saqueada. Apenas em 1261, os bizantinos conseguiram reconquistar Constantinopla, mas a cidade não era mais rica como antes. Os longos períodos de guerra e a dominação latina (dos italianos) foram cruciais para o fim do império. Em 1453, os Turcos Otomanos, liderados por Mohammed II (Maomé II), cercaram as muralhas de Constantinopla. Eram 100 mil turcos contra apenas 7 mil defensores bizantinos. O Imperador Constantino XI havia buscado ajuda o Ocidente cristão, mas conseguiu muito pouco. A Igreja romana exigia que os bizantinos se submetessem ao Papa para enviar ajuda. O pouco auxílio veio do genovês Giovanni Giustiniani Longo, exímio defensor de muralhas. Ele, juntamente com 700 soldados que conseguiu recrutar, foram responsáveis por uma resistência árdua. Giustiniani foi ferido nos últimos dias do cerco e teve que ser levado de navio de volta para a Península Itálica. No dia 29 de maio de 1453 os turcos invadiram Constantinopla e destruíram o que ainda havia de resistência bizantina. Cerca de 2000 pessoas se refugiaram na Catedral de Santa Sofia, mas foram massacradas. O Império Turco estava em ascensão e dominar Constantinopla era fundamental para expandir-se em direção à Europa.
2.
Caaba, em Meca
ISLÃ (ÁRABES)
Antes do surgimento do islamismo, os árabes eram politeístas. Segundo alguns autores, os árabes cultuavam cerca de 360 deuses, os quais tinham suas representações iconográficas na Caaba, espécie de construção em forma de um quadrado, onde fica protegida uma pedra negra, provavelmente um meteorito. Nesta época, além da pedra, ficavam as imagens dos deuses. A maior parte da Península Arábica era composta por desertos e o seu litoral era mais povoado. Algumas cidades-estado consolidaram-se ali, tais como Meca eYatreb (que mais tarde virou Medina). A economia da região era baseada em atividades comerciais, além do nomadismo beduíno do centro da Península, através da exploração de oásis. A mais importante das cidades da península era Meca e era justamente lá que se localizava a Caaba. Dessa forma, Meca tornou-se uma espécie de centro de peregrinação e comércio para os povos que habitavam a Península.
Expansão do Império Islâmico
O Profeta e a Religião
Maomé recebendo a revelação do Anjo Gabriel
360
HISTÓRIA
Maomé nasceu em 570, em Meca. Era integrante do clã mais poderoso da cidade, o Coraixita, mas Maomé não fazia parte da elite do clã. Quando ele nasceu, sua mãe morreu. Seu pai teve que deixar Meca quando Maomé ainda era criança, tendo sido ele criado por um tio que era comerciante. O próprio Maomé foi condutor de caravanas comerciais, percorrendo toda a península e outras regiões também. Nestas viagens ele entrou em contato com judeus e cristão, muitos deles árabes convertidos. Aos 25 anos casou com Khadija, uma viúva de posses e, aos 40 anos, dedicou-se à meditação e à espiritualidade. Foi quando, segundo a crença, começou a receber as revelações. Ele teria recebido as revelações diretamente de anjos que ordenavam que ele as recitasse. Alcorão
quer dizer “a recitação”. Islamismo quer dizer submissão e muçulmanos são aqueles que seguem o islamismo. Surgia uma nova religião monoteísta dedicada ao culto de Alá. A pregação de Maomé e seus fiéis incomodou as lideranças de Meca. Estes temiam que a expansão do Islamismo pudesse lhes fazer perder os lucros gerados pelas peregrinações. Dessa forma, Maomé e seus seguidores começaram a ser perseguidos. No ano 622, Maomé fugiu de Meca para a cidade de Yatreb. Ele fugiu pois estava sendo perseguido, juntamente com seus seguidores. Este episódio é tão importante para os muçulmanos que a Hégira (como ficou conhecida essa fuga) passou a designar o ano 1 para o islamismo, dando origem a um calendário próprio. Yatreb passou a se chamar Medina. Lá ele consolidou a din (religião), ergueu a umma (comunidade muçulmana) e passou a construir a sunna (tradição ou modo de vida). Os muçulmanos passaram a viver de acordo com a sharia (lei baseada no Alcorão, criadas pelos intérpretes – ulemás). O Alcorão (ou apenas Corão) não era para ser um livro. De acordo com Maomé, as palavras sagradas eram para ser ditas, não escritas. Foi apenas sob o califado de Omar, o segundo líder após a morte de Maomé, que o Alcorão foi escrito, por volta de 650.
Conquista e Divisão Por várias vezes, Medina foi atacada pelas tropas de Meca e, em todas, os muçulmanos venceram. Maomé percebeu que estava na hora de conquistar Meca. Em 632, ele liderou os muçulmanos na conquista de Meca e de quase toda a península Arábica. Logo após tomar Meca, Maomé se dirigiu para a Caaba, onde promoveu a famosa destruição dos ídolos, preservando apenas a pedra negra. Logo após a conquista de Meca, Maomé morreu. Seu sucessor foi escolhido entre os mais respeitados membros da umma. Abu Bakr foi o sucessor. Contudo, havia uma parte dos muçulmanos que defendia a liderança de Ali Ibn Abi Talib, primo e genro de Maomé. Ali passou a disputar a liderança do Islamismo com outros fiéis seguidores de Maomé. Quando Abu Bakr morreu, foi sucedido por Omar e este, por Uthman. Somente após a morte de Uthman que Ali tornou-se o líder dos muçulmanos. As divergências nesse período eram já extremamente violentas, e Ali acabou sendo assassinado, em 661. Ali foi sucedido por Muawiyah, descendente de Uthman. Os seguidores de Ali, os xiitas, passaram a apoiar o seu segundo filho, Hussein. Este, liderando poucos xiitas, foi derrotado pelos comandados de Muawiyah, os sunitas. Deu-se aí a grande divisão na religião islâmica. Os sunitas acreditam que para ser seu líder, o indivíduo deve ser respeitado na comunidade, um exemplar seguidor do Corão e da Sharia. Para os xiitas, a liderança do grupo só pode ser exercida pelos descendentes de Ali e Hussein, por isso são chamados de radicais. A maioria do mundo muçulmano é formada por sunitas. Alguns autores afirmam que os sunitas representam 85% dos muçulmanos e os xiitas cerca de 13%. Os outros 2% são de pequenos grupos e seitas que não se associam a nenhum dos grupos hegemônicos.
Maomé transportando a Pedra Negra
Para saber mais
Império Entre 661 e 750 os muçulmanos se expandiram sob a dinastia Omíada. Neste período ocorreram as conquistas da parte leste do Norte da África e do Oriente Médio. Os árabes e os muçulmanos não árabes tinham tratamento diferente. Foram conquistados ainda sob a dinastia Omíada, a parte oeste do Norte da África, a Península Ibérica, várias ilhas do Mar Mediterrâneo, o Afeganistão e boa parte da Índia. O avanço árabe na Europa Ocidental só foi contido por Carlos Martel, líder dos Francos, na Batalha de Poitiers, em 732. Em 750, uma revolta dos não árabes levou ao fim da dinastia Omíada, dando início à dinastia Abássida, em que os não árabes (mas também muçulmanos) conquistaram os mesmos direitos dos árabes muçulmanos. Durante a dinastia Abássida a grande expansão do Império prosseguiu, com as conquistas do restante da Índia e do avanço que levou até a Indonésia. No século X, o império Árabe Muçulmano começou a se fragmentar politicamente. Em 909, o Egito tornou-se um califado, em 929 surgiu o Emirado de Córdoba, dentre outros. Entre o séculos XII, XIII e XIV, os árabes foram perdendo terras para os turcos, seldjúcidas e otomanos e para os safávidas (xiitas persas). Era o fim do Império Árabe.
Os 5 Pilares do Islã – Deveres do Fiel Os muçulmanos orientam a sua vida de acordo com os ensinamentos do profeta Maomé. E este deixou claras as condutas e as ações basilares do Islã: Shahada – Adorar apenas Alá (deus) e reconhecer apenas Maomé (último profeta); Salat – Rezar 5 vezes por dia com a cabeça na direção de Meca; Zakat – Praticar a caridade, doar aos pobres; Ramadan – Jejuar no mês do Ramadan, durante o dia; Haij – Peregrinar a Meca, pelo menos uma vez na vida.
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFPR) Para muitos pesquisadores, é correto assinalar que durante a Idade Média foram os árabes, não os cristãos, os herdeiros e sucessores da ciência helênica, uma herança que fez com que toda a extensão dos seus domínios, da Espanha ao Afeganistão, o mundo muçulmano, fosse cenário de uma atividade intelectual intensa, não só em filosofia, mas também em matemática, astronomia e medicina. Nem sempre conhecida ou traduzida no Ocidente, essa produção está preservada em uma grande quantidade de manuscritos. BISSIO, Beatriz. O mundo falava árabe. A civilização árabe-islâmica clássica através da obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 36.
Com base no texto acima e nos conhecimentos sobre o mundo muçulmano na Idade Média, assinale a alternativa correta. (A) Foi justamente em função do seu caráter religioso fragmentado que o mundo muçulmano e a sua civilização distinguiram-se mais vigorosamente do Ocidente cristão, fortemente homogêneo. A existência, no seio do Império Muçulmano, de numerosas tendências religiosas teve consequências consideráveis na produção de manuscritos. (B) Apesar da sua hegemonia nas ciências durante o período medieval, a civilização muçulmana era, afinal, um simples conjunto díspar de empréstimos culturais, o qual não conseguia refletir o novo universalismo e a nova ordem social que se instaurou com o surgimento do Islã. (C) Durante esse período, cidades como Córdoba, Bagdá e Alexandria, entre outras, se tornaram centros de intercâmbio de conhecimentos. Tratava-se de um circuito cosmopolita do qual a Europa, periférica e tragada por diversas crises religiosas, não participou. (D) A Idade Média foi um período caraterizado pelo domínio efetivo, militar e político, dos países muçulmanos sobre os países cristãos. Um domínio caracterizado, entre outras coisas, pela presença hegemônica da língua árabe nos espaços comerciais, políticos e acadêmicos da Europa. (E) Existe consenso entre a maioria dos historiadores que estudam o período de que a emergência do horizonte renascentista deve muito ao trabalho dos sábios e acadêmicos muçulmanos, conhecidos pelo mundo cristão, sobretudo, através da Península Ibérica. Gabarito: E Quando os cristãos viviam com medo em uma Europa Ocidental que avançava em direção ao feudalismo, os árabes-muçulmanos viviam o seu esplendor. A expansão do império árabe direcionou-se tanto para o Oriente, quanto para o Ocidente. No século VIII, a Península Ibérica foi dominada. Com todas essas conquistas, os muçulmanos passaram a conviver, dentro das fronteiras do seu império, com pessoas de diversas crenças e culturas, sendo tolerantes com as diferenças, principalmente se comparados aos cristãos. Muitos pensadores árabes se interessaram pelos textos e arte antigas, preservando-os em suas escolas e, em várias oportunidades, traduzindo-os para o árabe. Muitos desses textos e muitas dessas obras, que haviam sido “esquecidas” no Ocidente, só foram preservadas pelos árabes-muçulmanos, o que possibilitou que muitas delas chegassem (cópias árabes ou originais) até o Renascimento.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (ESPM) Observe a imagem, leia o texto e responda:
(D) O catolicismo ortodoxo tornou-se a religião oficial do império após a denominada querela das investiduras. (E) A catedral de Santa Sofia sintetiza a tradição artística bizantina com seus ícones e mosaicos. 03. (UEPG-2022) Apesar de suas origens orientais, o Islamismo, aqui compreendido não apenas como uma religião, mas como um conjunto de práticas culturais e comportamentais bastante peculiares, se encontra historicamente difundido por todo o mundo ocidental desde a Idade Média. A respeito dessa inserção do Islã no Ocidente, assinale o que for correto.
Depois da queda do Império Romano do Ocidente (476) Roma caiu num período de obscuridade enquanto Constantinopla permanecia o farol da civilização e da cultura, sendo constantemente embelezada por monumentos magníficos. Um deles, Santa Sofia, obra-prima da arquitetura, erguida no século VI e considerada pelos historiadores de arte como a oitava maravilha do mundo. Em 1453 Constantinopla foi submetida ao domínio de outro povo e o monumento passou por modificações exteriores e interiores. Assinale a alternativa que apresente, respectivamente, os responsáveis pela construção e pelas posteriores alterações em Santa Sofia: (A) gregos – persas; (B) gregos – turcos seljúcidas; (C) bizantinos – árabes muçulmanos; (D) bizantinos – turcos otomanos; (E) francos – hindus. 02. (UPE) A civilização bizantina foi muito mais original e criativa que, em geral, lhe creditam. Suas igrejas abobadadas desafiam em originalidade e ousadia os templos clássicos e as catedrais góticas, enquanto os mosaicos competem, como supremas obras de arte, com a escultura clássica e a pintura renascentista. ANGOLD, Michael. Bizâncio: A ponte da antiguidade para a Idade Média. Rio de Janeiro: Imago, 2002. p. 9. Adaptado.
(01) Em razão da presença árabe na Península Ibérica desde os tempos medievais, é possível afirmar que a cultura islâmica chegou ao Brasil junto com a colonização portuguesa. (02) Matemática, física, química e medicina são alguns campos científicos que tiveram avanços a partir de conhecimentos trazidos pelos árabes para o Ocidente. (04) O fundamentalismo religioso e o uso da violência como forma de expressão política não são comuns a todos os indivíduos e grupos islâmicos radicados no Ocidente. (08) “Jihad Islâmica” é a expressão que diz respeito ao processo de integração cultural e pacífica entre cristãos e islâmicos no Ocidente. Empregada com o objetivo de diminuir o preconceito ocidental, a palavra “Jihad” significa “união”. (16) A música e a dança flamenca, nascidas na região da Andaluzia, possuem elementos sonoros e gestuais marcadamente originários da cultura islâmica. 04. (UNESP-2022) A migração de Maomé e seus seguidores para Medina, em 622, marca a (A) conquista muçulmana da Terra Santa, após as lutas contra os cruzados europeus. (B) passagem da união familiar e clânica dos árabes para a constituição de uma religião coesa. (C) expansão política das oligarquias locais, por meio da imposição do islamismo a todos os árabes. (D) consolidação da primeira religião baseada na Bíblia, fora do âmbito do cristianismo. (E) transição do politeísmo imposto na Palestina para uma religião monoteísta institucionalizada.
Sobre o legado cultural bizantino, assinale a alternativa CORRETA. (A) Herdando elementos da cultura grega, os bizantinos desenvolveram estudos sobre a aritmética e a álgebra. (B) Negando a tradição jurídica romana, o império bizantino pautou sua jurisdição no direito consuetudinário. (C) A filosofia estoica influenciou o movimento iconoclasta, provocando o cisma cristão do Oriente no século XI. HISTÓRIA
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REINOS GERMÂNICOS Introdução No século V, o Império Romano, que se pretendia eterno, estava ruindo. Os povos germânicos invadiam os territórios de Roma para fugir dos hunos ou para se apoderar de grandes áreas até então inimagináveis para povos que ainda se dividiam em clãs e tribos. Esses povos não chegaram a constituir Estado, antes da invasão ao Império Romano. As alianças entre as tribos eram elaboradas por laços de parentesco, e os guerreiros aliavam-se entre si, através de mecanismos que mais tarde influenciaram as relações de suserania e vassalagem. Esses agricultores, sem Estado, tinham na guerra uma atividade fundamental, que inclusive fomentava suas crenças. Foram esses “bárbaros” que desmantelaram o Império Romano do Ocidente e deram origem ao processo que levou ao feudalismo. Os reinos formados por esses povos germânicos são o tema deste capítulo, com destaque para o reino dos francos. Estamos iniciando os estudos da Idade Média Ocidental. 1.
Capítulo 8
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Os Reinos Bárbaros 2. Os Francos
Para saber mais
OS REINOS BÁRBAROS
O principal reino germânico que se formou na Europa após a queda de Roma foi o Reino Franco. Contudo, antes de analisarmos os francos, vamos abordar, brevemente, outros reinos. Os vândalos ocuparam o Norte da África, principalmente, a região onde ficava Cartago. Em 455 eles saquearam Roma por 17 dias, agindo com tanta violência e destruição que os seus atos deram origem ao termo vandalismo. Converteram-se ao arianismo, o que facilitou a assimilação de algumas características da cultura romana. No século VI foram derrotados pelos bizantinos na expansão de Belisário, o que levou ao fim do reino. Os ostrogodos ocuparam a Península Itálica, tomando-a dos hérulos. Também convertidos ao arianismo, invadiram Roma após uma derrota para os hunos. Seu reino durou pouco porque no século VI a Península Itálica foi conquistada pelos bizantinos, na mesma expansão de Belisário, grande general do imperador Justiniano. Os visigodos, que haviam saqueado Roma em 410, estabeleceram-se na Península Ibérica. Tornaram-se arianos, ainda no século V, mas, a partir do século VII, aderiram ao cristianismo oficial. Esse foi um dos reinos que durou mais. Conseguiram resistir à expansão bizantina, perdendo apenas o sul da Península. Consolidaram o cristianismo na região, juntamente com um modelo político mais centralizador e guerreiro. Foram derrotados pelos árabes, na expansão destes, durante o século VIII, quando Musa, governante do Magreb, e seu general, Tarik, invadiram a Península em 711. Os anglos e os saxões ocuparam a antiga Britânia romana, o que hoje corresponderia à Inglaterra, Escócia e País de Gales. Venceram os povos que viviam na região e a dominaram até o século XI, quando foram derrotados pelos normandos de Guilherme, o conquistador. Todos esses povos caracterizavam-se por exercer relações de comitatus, beneficium, por ter leis que se baseavam no direito consuetudinário e por ter uma sociedade rigidamente hierarquizada, dividida em: líderes (reis), guerreiros (nobres), camponeses e escravos.
Arianismo: o Arianismo é uma derivação do cristianismo, criada por Ário, religioso egípcio que defendia apenas a essência humana de Cristo, negando assim sua parcela divina. A dualidade da essência de Cristo havia sido determinada pelo Concílio de Niceia, que se tornou oficial. Todas as afirmativas contrárias passaram a ser denominadas heresias. Ário e os seus seguidores foram perseguidos pelos católicos. Contudo, o arianismo serviu de facilitador para a expansão do cristianismo católico entre os “bárbaros”.
Representação de guerreiro Viking, um dos últimos povos germânicos a atacar a Europa
HISTÓRIA
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2.
Afresco do século XVI, representando a coroação de Carlos Magno
OS FRANCOS
O Reino Franco foi o mais poderoso e duradouro de todos os reinos bárbaros. Sua origem remonta a Meroveu, que liderou o avanço contra o Império Romano e estabeleceu seu povo na antiga Gália. Devido à expansão do cristianismo entre os francos, o rei Clóvis, converteu-se à religião de Cristo, em 496. Estes dois reis pertenciam à dinastia merovíngia. Os reis dessa dinastia eram conhecidos como reis indolentes. Essa denominação relacionava-se com o reduzido envolvimento dos reis nos assuntos de governo e estado. Estes acabavam sendo assumidos pelos Majordomus (intendente do palácio), uma espécie de Primeiro-ministro, ou seja, os verdadeiros administradores do reino. Este cargo foi criado no século VII. Em 679, Pepino de Heristal, nobre que havia conquistado o cargo de Majordomus, tornou hereditária a sucessão de seu cargo. Seu filho, Carlos Martel, venceu os árabes na Batalha de Poitiers, em 732. Os temidos árabes, principalmente por sua cavalaria pesada, foram bloqueados pela parede de escudos de Carlos Martel. Essa vitória foi muito significativa, pois aproximou os francos da Igreja Católica, que necessitava de defensores. Carlos Martel dividiu suas atribuições entre dois filhos: Pepino, o Breve e Carlomano. Estes deveriam dividir o cargo de majordomus. Pepino, o Breve, em 751, destituiu o irmão, Carlomano, e o rei merovíngio, Childerico III, tornando-se o novo rei. Ele deu início à dinastia carolíngia, e a um novo modelo de poder centralizado. Pepino construiu uma forte aliança com a Igreja Católica. Nesse sentido, ele doou à Igreja parte dos territórios na Itália que havia tomado dos Lombardos (a doação de Pepino, documento que a Igreja forjou e deu a ele a data do governo de Constantino). Esse território doado por Pepino constituiu o que se denominava Patrimônio de São Pedro. Essa aproximação com a Igreja era fundamental para o rei também, que era visto como um protetor da Igreja. Pepino, que governou até 768, foi sucedido por seu filho Carlos Magno (768 – 814).
Carlos Magno
Representação de Carlos Magno, num vitral de igreja na Bélgica.
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HISTÓRIA
Grande líder franco que ampliou as fronteiras do Império e consolidou um poder forte e centralizado. Para melhor proteger o seu império, acabou dividindo-o em Condados, Marcas e Ducados. Para verificar se os governantes locais estavam cumprindo as suas ordens, Calos Magno nomeou fiscais, os Missi Dominici (enviados do senhor), que controlavam de perto se os governos locais não estavam desviando recursos, escondendo revoltas, ou conspirando contra o Rei. Estes fiscais percorriam o Império 4 vezes por ano. Em 800, Carlos Magno foi coroado pelo papa Leão III como Imperador do Ocidente. O objetivo da Igreja era reconstruir o antigo Império Romano do Ocidente, e Carlos Magno era o único que tinha condições de realizar esse desejo do clero. Essa coroação tinha outros objetivos também. Primeiro, a Igreja queria proteção contra os bizantinos e os normandos, que se avizinhavam, tendo em vista que, ao coroar Carlos Magno, ele consolidaria a Igreja no seu Império, levando-a para as terras que conquistasse. No entanto, devemos lembrar que essa situação afastou a Igreja romana da Igreja bizantina. Mesmo sendo pouquíssimo letrado, Carlos Magno investiu em cultura e educação a partir da criação de escolas, incentivo a artistas, transcrição de textos antigos dentre outras coisas. Este período ficou conhecido como Renascimento Carolíngio, levando-se em consideração aquela ideia de que a cultura havia morrido com o mundo antigo. Qualquer valorização cultural foi entendida, pelos pensadores modernos, como renascimento. Deve-se, obviamente, destacar a importância de movimentos como este, mas não esquecer que a cultura medieval não morreu como os modernos afirmaram. Foi nessa época que surgiram o Trivium (Gramática, Lógica e Retórica) e Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música), os dois níveis de educação tradicionais da Idade Média. Com a morte de Carlos Magno, o império começou a ruir. Seu filho e sucessor, Luís, o Piedoso não tinha o mesmo controle sobre o Império. Sendo assim, os condes, marqueses e duques, além dos bispos e cardeais, passaram a ampliar sua influência. Após a morte de Luís o Piedoso, seus filhos iniciaram uma guerra pelo controle imperial. Esta guerra durou de 840 até 843, quando os irmãos assinaram o Tratado de Verdum, divi-
dindo o Império. Esta divisão favoreceu ainda mais a fragmentação do poder, pois os netos de Carlos Magno tiveram que fazer concessões aos nobres para montar seus exércitos. Surgiram, então, a França Ocidental (ficou com Carlos, o Calvo), a França Central ou Lotaríngia (ficou com Lotário) e a França Oriental (ficou com Luís, o Germânico). Lotário morreu em 855, e seus irmãos passaram a invadir a França Central. Os filhos de Lotário não conseguiram manter as suas possessões e, em 870, a França Central foi dividida entre Luís e Carlos. Entre o final do século IX e meados do século X, a parte ocidental, do antigo Império Carolíngio, daria origem à França e a oriental ao Sacro Império Romano Germânico. A fragmentação do Império favoreceu o empoderamento dos nobres. No final do século VIII, eles já deixavam as terras que administravam para seus filhos. Em 911, Carlos o Simples, não conseguiu conter o avanço dos Vikings, que saquearam o Norte da França, atingindo Paris. No lado oriental, as antigas possessões de Luís, o Germânico, vão dar origem ao Sacro Império Romano Germânico, que estudaremos no livro 2. Em 987, com a morte de Luís V, último rei carolíngio, a nobreza francesa escolheu Hugo Capeto, conde de Paris, como novo rei, dando início à dinastia capetíngia. Contudo, essa dinastia reinaria numa França feudal.
Os Vikings eram povos escandinavos, com uma cultura germânica. Cultuavam os mesmos deuses, como Odin e Thor, e entendiam que apenas os guerreiros mortos em batalha iam para o paraíso. Cabe salientar que, entre os séculos IX, X e XI, os Vikings se expandiram, invadindo a Inglaterra, a França, a Groelândia e, segundo alguns autores, chegando à América. A expansão e os ataques Vikings só cessaram quando estes foram, gradualmente, convertidos ao cristianismo.
Tratado de Verdum - Divisão do Império Carolíngio
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UEL) Embora a ideia de transformação seja uma característica da modernidade, nos períodos anteriores, na Europa, ocorreram diversas mudanças nos campos político, econômico, científico e cultural. Pode-se afirmar que, com o declínio do Império Romano na Europa Ocidental, constituíram-se novas relações sociais entre os habitantes desses territórios, momento que foi denominado pelos historiadores como Período Medieval. Com relação a esse período, considere as afirmativas a seguir. I. Carlos Magno libertou o seu império do poderio papal por intermédio de alianças militares realizadas com a nascente nobreza mercantil de Veneza. II. Os camponeses possuíam o direito de deixar as terras em que trabalhavam e migrar para os burgos pelo acordo consuetudinário com os suseranos. III. Os chefes guerreiros comandavam seus seguidores no Comitatus por meio de juramentos de fidelidade. Os nobres também realizavam esse pacto entre si. IV. O grande medo da população era ocasionado pelas invasões de bárbaros, pelas epidemias e pela fome. A crença em milagres se propagava rapidamente entre a população. Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas I e IV são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. (E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
Gabarito: C A afirmativa (I) está incorreta, porque, ao contrário do que se afirma, Carlos Magno estabeleceu uma forte aliança com a Igreja Católica e com o papa. Aliança essa que havia sido concebida pelo seu pai, Pepino, o Breve. A afirmativa (II) está incorreta, levando em consideração que o termo camponês não seria o adequado para se referir aos trabalhadores do campo. Além disso, não havia essa liberdade indicada na afirmativa. Sendo assim, a maioria dos trabalhadores eram servos e estavam vinculados às terras que trabalhavam, por herança de seus ancestrais. A afirmativa (III) está correta, pois o Comitatus era uma prática comum entre os guerreiros e os seus líderes, fortalecendo os vínculos de fidelidade e aliança militar. Esta prática era muito comum entre os povos germânicos e acabou influenciando as posteriores relações de suserania e vassalagem, no feudalismo. A afirmativa (IV) está correta. A população da Europa Ocidental viveu um longo período de medo na transição da antiguidade para a idade média. Os povos germânicos, denominados bárbaros pelos romanos, iniciaram uma onda de invasões ao Império Romano no século IV, estendendo-se até o século VII. Essas invasões levaram milhares de pessoas a fugir das cidades. Além das invasões, o alastramento de doenças e epidemias alarmava a população europeia, que se apegava em crenças mágicas e milagrosas para enfrentar os males.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEM-PAS) Os romanos chamavam de bárbaros os povos que viviam além das suas fronteiras e cujas culturas estranhavam profundamente. Apesar de a denominação esconder uma grande diversidade de culturas e povos (Vândalos, Ostrogodos, Visigodos, Burgúndios, Anglos, Saxões, Francos e muitos outros povos), eles tinham semelhanças na organização social, política e econômica, sobretudo porque, em sua grande maioria, tinham a mesma origem: a germânica. ARRUDA, José Jobson; PILETTI, Nelson. Toda a história: História geral e do Brasil. São Paulo: Editora Ática. 12 ed. 1. reimpressão. 2003. p. 97-98.
Sobre as comunidades germânicas na Idade Média, assinale o que for correto (01) Os povos germânicos transferiram para as terras ocupadas na Europa muitos aspectos do seu sistema econômico, baseados em trocas naturais e na exploração coletiva da terra, por meio de cultivo agrícola e da criação de rebanhos. Praticavam ainda a caça e a pesca. A guerra tinha importância fundamental na obtenção de riquezas. (02) Os hábitos dos germânicos eram semelhantes aos costumes dos romanos. Vestiam-se com peles de animais e tecidos grosseiros e moravam em cabanas rústicas. No tocante à religião, os germânicos eram cristãos e acreditavam num paraíso, onde virgens guerreiras, as valquírias, entretinham os guerreiros. (04) A sociedade germânica era patriarcal. Cabia ao chefe do grupo familiar as decisões mais importantes. A organização política tinha por base os grupos familiares, que formavam unidades maiores até chegarem às tribos. Independentes, essas tribos se reuniam apenas para determinadas finalidades, como a guerra. Essa autonomia dificultou a formação de um estado forte e centralizado. (08) As invasões mantiveram a dinâmica social dos povos germânicos. Os camponeses preservaram a sua independência, convivendo harmonicamente com chefes guerreiros e grupos armados. Com a posse da terra, os camponeses não precisavam trabalhar para a nova elite que se formou. Essa organização seria uma das características principais da economia feudal que se formava. (16) Entre os germânicos, o chefe deveria se comportar com justiça, e os guerreiros deviam obediência a ele. Em tempo de guerra, formava-se o comitatus, bando armado que se organizava temporariamente e se baseava nas relações de reciprocidade entre o comandante e o comandado. Essa relação de lealdade seria outra contribuição dos povos germânicos à sociedade feudal.
02. (PUCRS) Considere as afirmativas abaixo sobre as origens do feudalismo europeu entre os séculos V e VIII. I. Os confrontos militares provocados, no século V, pelas invasões sucessivas de povos germânicos, pressionados pelos Hunos desde o oriente, apresentavam características desconhecidas para os exércitos romanos, pois os variados contatos econômicos e culturais anteriores com os ditos bárbaros eram de caráter estritamente pacífico. II. Os reinos germânicos, até o século VII, em geral foram monarquias bastante frágeis, com regras de sucessão mal definidas e guiadas por dois sistemas legais diferentes: o romano, a que se submetiam os habitantes de origem romana; e o germânico, inicialmente um sistema oral e, depois, escrito. III. Os primeiros povos germânicos convertidos ao cristianismo eram seguidores da seita de origem oriental conhecida como arianismo, o que manteve sua religião diferente do cristianismo romano e concorreu para tornar mais lento o processo de fusão entre os dois povos até o século VIII. Está/Estão correta(s) a(s) afirmativa(s) (A) I, apenas. (B) III, apenas. (C) I e II, apenas. (D) II e III, apenas. (E) I, II e III. 03. (UFRGS) Sobre o período histórico denominado Alta Idade Média, considere as seguintes afirmações. I. Carlos Magno foi responsável pela unificação de grande parte do antigo território romano na Europa. II. As cidades permaneceram como importantes centros econômicos e culturais, devido, em parte, à reabertura do mar Mediterrâneo pelos cruzados. III. A Europa cristã, fragilizada pelo declínio do Império Carolíngio, foi vítima de inúmeras invasões, principalmente por parte dos povos escandinavos e dos sarracenos. Quais estão corretas? (A) apenas I (B) apenas II (C) apenas I e III (D) apenas II e III (E) I, II e III
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04. (UPF) O Medievo tem como marco inicial a migração de povos chamados bárbaros para a Europa Ocidental. Sobre esse processo de migração é incorreto afirmar: (A) Suas monarquias estavam baseadas na força militar. (B) Os reis “bárbaros” eram proprietários dos reinos comandados por suas dinastias, fracionando-os entre seus herdeiros quando da morte do rei. (C) Muitos grupos foram conduzidos a migrar devido à pressão do avanço dos hunos às planícies da Europa Oriental. (D) Os contatos anteriores com os romanos haviam estabelecido trocas culturais expressivas, como a adoção do arianismo, forma de cristianismo, e a adoção de elementos do direito romano por alguns dos grupos germânicos. (E) Sua noção de Estado era sólida, mas a concepção territorial previa mobilidade contínua até o esgotamento das riquezas de cada região de migração.
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HISTÓRIA
ANOTAÇÕES
FEUDALISMO Introdução A Europa foi palco de uma verdadeira sucessão de povos e culturas ao longo da Antiguidade e da Idade Média, o que proporcionou significativas heranças, daqueles que declinavam, àqueles que ascendiam, constantemente. Por isso, é impossível tratar do feudalismo sem pontuarmos as heranças deixadas por romanos e germânicos no âmago da cultura medieval. Além disso, a estrutura dos feudos, tanto em termos econômicos, quanto em termos políticos, é, deveras, peculiar. Os feudos eram voltados para a subsistência, e o poder local se sobressaía ao central, com exceção dos assuntos militares e religiosos. Por mais que em outras épocas e regiões as características do feudalismo possam ter sido notadas em outros povos, deve-se destacar que esse é um fenômeno europeu e ocidental. Neste capítulo, vamos estudar a estrutura dos feudos, a sociedade feudal, o poder da Igreja, as heranças deixadas por romanos e germanos, dentre outros pontos. 1.
A SOCIEDADE FEUDAL
As constantes invasões estrangeiras na Europa contribuíram para que a sociedade feudal fosse rural. Nos séculos IV e V os germanos invadiram o antigo Império Romano do Ocidente. No século VIII os árabes invadiram a Península Ibérica e dominaram o mar Mediterrâneo (denominado Lago Árabe neste período). Entre os séculos IX e X, os vikings atacaram e saquearam várias cidades do norte da Europa. As regiões que mais sofreram com os ataques foram as cidades. A população acabou fugindo para o campo, para se proteger desses ataques. Além disso, é importante lembrar que, durante a crise do Império Romano, as atividades comerciais declinaram e a população já estava migrando para o campo. Sendo assim, uma das principais características da sociedade feudal é a ruralização. Essa sociedade acabou se organizando em estamentos rigidamente estruturados e hierárquicos, praticamente inexistindo mobilidade social no período. No topo da sociedade, estavam dois estamentos: o Clero, formado pelos membros da Igreja; e a Nobreza, formada pelos grandes proprietários de terras e possuidores de poder social. Na base dessa sociedade estavam os Servos e os Vilões. Os servos eram trabalhadores vinculados aos feudos, por laços que remontam ao colonato. Os vilões eram livres, mas que podiam se associar a um senhor feudal para trabalhos esporádicos. Cada estamento tinha uma função na sociedade. Aos membros do clero cabia o dever de orar pela sociedade; os nobres eram responsáveis pela defesa; e os servos e vilões pelo trabalho manual. Dessa forma, o clero representava o grupo dos oratore, a nobreza o grupo dos belatore e os servos e vilões o grupo dos laboratore. Em resumo, aqueles que rezam, os que guerreiam e os que trabalham. O discurso da Igreja era importante para a manutenção dessa ordem. De acordo com os clérigos, Deus havia designado, pelo nascimento, a função de cada um na sociedade. Aqueles que não aceitassem a sua condição, estariam se revoltando contra Deus. A Igreja defendia a ideia que os três grupos eram igualmente importantes e suas funções complementares, em uma harmonia e unicidade semelhantes à Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Obviamente esse discurso era a maneira encontrada para conter, ou tentar conter, as revoltas dos servos, tendo em vista que estes formavam, juntamente com os vilões, o grupo menos privilegiado. Eram obrigados a trabalhar a vida inteira, apenas com as “folgas” religiosas, e a pagar pesados impostos. Como já mencionado, a economia era basicamente agrícola e voltada à subsistência. O comércio era praticado em pequena escala, não visado o lucro, mas como atividade complementar à subsistência. Os feudos precisavam ser autossuficientes, e o comércio era a forma de suprir as carências.
Capítulo 9
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. A Sociedade Feudal 2. O Feudo 3. O Poder da Igreja
Heranças dos Romanos e dos Germanos Dos romanos, a sociedade feudal herdou o cristianismo, as vilas e o colonato. A Igreja Católica, instituída durante o período tardo romano, tornou-se a grande instituição medieval, uma espécie de centro do mundo e do entendimento do mundo. As vilas eram as propriedades surgidas no declínio econômico romano, que deram origem às grandes propriedades rurais. E o colonato, ou seja, a utilização da mão de obra servil dos “bárbaros” e dos romanos empobrecidos em troca de um pedaço de terra cedido a estes, acabou se tornando a base da servidão feudal. Dos germanos, a sociedade feudal herdou o comitatus, o benefícium, o direito consuetudinário, a predominância agrícola e a propensão para a guerra. O comitatus e o beneficium deram origem às relações de suserania e vassalagem, que se tornaram a base das relações entre os senhores feudais e, em consequência disso, das relações de poder. O direito consuetudinário, ou seja, tradicional, respondeu às necessidades da época, sendo usado para consolidar o poder dos nobres através das inúmeras obrigações que os servos e os vilões lhes deviam. Uma sociedade voltada para a agricultura, voltada para a subsistência e a propensão para a guerra completam essa herança. A guerra era uma atividade tão constante entre os feudos, que a Igreja Católica teve que criar a denominada “Trégua de Deus”.
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2. Paz de Deus: começou a ganhar força entre os séculos X e XI, quando a Igreja passou a interferir de forma mais direta nos conflitos constantes entre cristãos. O principal argumento era que um cristão não podia matar outro cristão. A Igreja proibiu pilhagens, roubos, violências contra populações cristãs e contra suas propriedades. Ela chegou a determinar quais dias da semana seriam permitidos os combates e quais não.
O FEUDO
O Feudo era a grande propriedade medieval, dividida basicamente em três áreas: – O manso senhorial – as terras destinadas à plantação do Senhor Feudal; – O manso servil – as terras onde o servo plantava para si; – As terras comunais – Utilizada tanto por servos como pelo Senhor Feudal.
Representação Francesa de um Feudo: Onde se lê Reserve, entenda-se Manso Senhorial; onde se lê Tenures, entenda-se Manso Servil
Iluminura de um livro do século XIII representando os 3 estamentos sociais: o clero, a nobreza e os servos
Apesar de o manso comunal ser de uso coletivo, a caça, por exemplo, era exclusividade dos nobres. Os servos viviam em habitações precárias, com uma alimentação deficitária e submetidos a trabalho árduo e compulsório.
• Obrigações Feudais
Homens colhendo trigo, no início do século XIV
A cerimônia que confirmava a relação de suserania e vassalagem era denominada Homenagem e, após o vassalo jurar fidelidade ao suserano, sobre a Bíblia, selava-se o acordo com um beijo
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HISTÓRIA
A obrigação do Senhor Feudal, com a sociedade, era protegê-la. Em contrapartida, os servos deviam aos senhores uma série de obrigações: – Corveia: o servo era obrigado a trabalhar gratuitamente nas terras do Senhor (manso senhorial) por 3 dias da semana. – Talha: o servo devia entregar ao Senhor parte da produção desenvolvida no manso servil. O servo trabalhava 3 dias da semana no manso servil e devia entregar mais da metade de sua produção ao senhor feudal. –Banalidades: o servo devia pagar pela utilização do forno, do moinho, ou de qualquer outra estrutura ou ferramenta que tivesse necessidade e não possuísse. – Mão-Morta: imposto pago pela família do servo após a sua morte, para continuar usando as terras destinadas a ele. – Capitação: imposto pago relativo a quantidade de membros da família do servo. – Tostão de Pedro (ou dízimo): imposto pago à Igreja, referente à décima parte da produção. – Censo: Imposto pago apenas pelos Vilões, através da entrega de parte da produção. Este imposto é semelhante a Talha. Havia ainda alguns direitos que o senhor feudal tinha sobre seus servos. Por exemplo, durante boa parte da Idade Média existiu a formariage (ou la prima nocte), que dava ao senhor feudal, o direito de passar a noite de núpcias com as noivas do seu feudo. Como as técnicas agrícolas eram precárias, a produção era escassa. Para aproveitar melhor a terra, as áreas cultiváveis passaram, por volta do ano 1000, a serem divididas em três, num sistema denominado trienal, ou rotação de culturas. Das três partes, duas estavam sempre produzindo e uma descansando. No entanto, havia um rodízio entre as culturas e o descanso para preservar o solo.
• Relações de Suserania e Vassalagem De acordo com a Lei da Primogenitura, apenas o filho mais velho do senhor feudal poderia herdar o feudo. Dessa forma, os demais filhos do senhor, podiam ingressar
no clero, ou poderiam procurar um outro senhor para oferecer sua fidelidade militar. Deve ficar claro que as relações de suserania e vassalagem são relações exclusivamente entre nobres. Não há servos nessa relação, salvo exceção. Deve-se recordar que praticamente não há mobilidade social na Idade Média. As relações de suserania e vassalagem estruturavam as alianças entre os nobres na Europa Ocidental, pois como cada senhor feudal era todo poderoso em seu feudo, a área militar era a única que destoava um pouco desse mecanismo. Na guerra, os suseranos detinham poder e contavam com a fidelidade dos seus vassalos. As relações de suserania e vassalagem se estruturavam da seguinte forma: o nobre mais poderoso doava um feudo (ou direitos sobre estradas, por exemplo) a um nobre “sem terra” ou menos poderoso, e este devia jurar fidelidade e prestar serviço militar ao seu benfeitor em caso de guerra. O nobre que doava as terras tornava-se o Suserano e o que recebia o seu Vassalo. Um suserano poderia ter quantos vassalos as suas posses permitissem. Um vassalo poderia se tornar suserano de outro vassalo, no entanto, em tese, ele não poderia ter outro suserano, situação que não se confirmava na prática. Dessa forma, podemos perceber que, em termos políticos, o feudalismo se caracterizou pela fragmentação. Os feudos eram autônomos e autossuficientes e as alianças visavam a formação de exércitos. Como já mencionado, as guerras eram constantes, inclusive entre os nobres, o que levou a Igreja a interferir no assunto, a partir da “Trégua de Deus” e da “Paz de Deus”. Isso demonstra que a Igreja era uma instituição extremamente poderosa. 3.
O PODER DA IGREJA
A Igreja Católica era a maior instituição de toda a Europa Medieval. Desde o fim do Império Romano, ela passou a ser a grande referência em termos de poder, mesmo porque vários povos germânicos passaram a adotar o cristianismo. Sua aproximação com os francos legou não só o reconhecimento desse poder, mas a sua ampliação, principalmente após a aquisição dos Estados Pontifícios. A Igreja era a maior proprietária de feudos tendo, segundo alguns autores, por volta do ano 1000, 1/3 dos feudos da Europa. Para manter essa propriedade toda sob controle da Igreja, em 1073 o Papa Gregório VII, impôs o celibato clerical, tonando o matrimônio dos membros da Igreja herético. Essa medida impossibilitava a perda de algum território para herdeiros de algum padre, bispo, ou demais membros que não pretendessem seguir a carreira eclesiástica. Para manter todo esse poder, a Igreja fortaleceu os seus dogmas e condenou qualquer crença diferente da sua orientação. Estes que divergiam da Igreja passaram a ser denominados hereges e foram brutalmente perseguidos. Em 1184, foi criada a Inquisição no sul da França, para combater os cátaros ou albigenses. Contudo, o Tribunal da Inquisição só foi criado em 1229, pelo Papa Gregório IX. Em 1249, a Inquisição expandiu-se para a Península Ibérica, consolidando-se na Europa. Os condenados eram acusados de estarem sob influência demoníaca e eram torturados até assumirem o que a Igreja queria. Na esmagadora maioria dos casos, após confessarem os pecados, os hereges eram queimados vivos. O domínio Católico passou também pelo domínio do saber. Os mosteiros e as grandes catedrais eram os locais onde se guardavam os livros e a sua leitura, preservação e divulgação eram determinados pela Igreja. Por isso, muitas obras acabaram se perdendo para sempre, destruídas pelos líderes eclesiásticos. Os árabes e os bizantinos foram fundamentais para que a sociedade europeia dos séculos XIV, XV e XVI – no Renascimento Cultural – entrasse em contato com cultura antiga. A partir do século VI, começaram a surgir as ordens monásticas, como a de São Bento de Múrcia, por exemplo. Mais tarde surgiram outras, como a ordem dos franciscanos, dos agostinianos, a famosa Ordem de Cluny, dentre outras. Os membros do clero que viviam nos mosteiros e monastérios eram pertencentes ao Clero Regular, pois viviam sobre fortes regras monásticas. Já aqueles que viviam em contato com o mundo, formavam o Clero Secular, nomenclatura derivada de saeculum, ou seja, mundo.
O Nome da Rosa Filme O Nome da Rosa, de 1986. Direção de Jean-Jacques Annaud. O história que o filme representa se passa em um mosteiro na Itália, na primeira metade do século XIV, num momento de crise do sistema feudal. William de Baskerville, um sábio monge franciscano, vai até o mosteiro dominicano onde se realizaria uma audiência de membros da Igreja para decidir se as suas riquezas deviam, ou não, ser destinadas ao auxílio dos necessitados. No entanto, esse não era o assunto principal no mosteiro. Vários assassinatos estavam ocorrendo, e Baskerville, auxiliado pelo seu noviço Adso, começou a investigar tais crimes, que, para os dominicanos, era obra do demônio, mas, para o sábio franciscano, era coisa dos homens. Este filme proporciona um excelente entendimento do poderio da Igreja, através da Inquisição e do controle do conhecimento. Entende-se o ideário de algumas ordens monásticas e a sua relação com a população mais pobre. É uma reconstrução, muito embasada, do século de maior sofrimento para a população da Europa Ocidental, durante a Idade Média.
Roda de Despedaçamento, uma das formas de tortura utilizadas pelos inquisidores
Para saber mais HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UNIOESTE 2021) O processo de gestação do feudalismo foi bastante longo: remonta à crise romana do século II, passando pela constituição dos reinos germânicos nos séculos V-VI e pelos problemas do Império Carolíngio no século IX, para finalmente se concluir por volta do ano 1000. FRANCO JÚNIOR, Hilário. Feudalismo: uma sociedade religiosa, guerreira e camponesa. São Paulo: Moderna, 1996, p. 6.
Considerando os fenômenos políticos, sociais e culturais que contribuíram para a construção da sociedade feudal na Europa Ocidental Medieval, assinale a alternativa INCORRETA. (A) Desde os últimos séculos do Império Romano Ocidental observamos um processo de ruralização da sociedade, o qual nos remete ao desenvolvimento da instituição colonato. A grande propriedade rural era dividida em duas partes: a reserva senhorial, que se mantinha em mãos do proprietário, e os lotes, cedidos e vinculados aos camponeses. (B) As invasões levadas a cabo por diversos grupos germânicos contribuíram para a quebra da frágil unidade política do Ocidente no século V. Observamos, portanto, um processo de fragmentação do poder central no Império Romano Ocidental. (C) Verificamos no início da Idade Média um fortalecimento das relações pessoais em prejuízo das institucionais. O poder político centralizado, debilitado por uma economia essencialmente agrária e pelo crescente poder econômico, social e político dos grandes proprietários de terra, cada vez mais deixou de ser um intermediador entre os indivíduos. (D) O movimento de constituição de grupos armados particulares já ocorria entre grupos romanos e germânicos no período de transição entre a Antiguidade e a Idade Média, se intensificando no século IX com as invasões vikings, muçulmanas e húngaras aos territórios do Ocidente europeu. Como parte desse processo, surgiram diversos castelos e fortalezas na região. (E) Desde a cristianização do Império Romano no século I ocorreu a clericalização da sociedade. Porém, esse processo não pode ser considerado relevante, tendo em vista que a religião cristã não se tornou, naquele momento e depois, elemento de transformação na mentalidade ocidental, exclusivamente grega e racional. Gabarito: E Em primeiro lugar, é importante salientar que, apesar do cristianismo ser uma religião de significativo apelo popular, adotada por muitos pobres, escravos, etc, não é correto afirmar que o Império Romano tenha se cristianizado no século I. Além disso, a Igreja Católica tornou-se, principalmente após a queda de Roma, a maior instituição medieval, tendo grande destaque no feudalismo. No auge da idade média, as pessoas não se reconheciam como francesas ou inglesas, mas como cristãs. A vida era controlada pela fé e tudo que se almejava, obedecia ou esperava, estava relacionado com as determinações da Igreja. Dessa forma, não é correto afirmar que o cristianismo não tenha se tornado elemento de transformação da mentalidade ocidental.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UPF-2020) Observe a charge:
03. (UFRGS) Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações abaixo, sobre o período da chamada Idade Média. ( ( (
Disponível em: https://www.facebook.com/poemaPoliticaEconomicaDaMaioria/photos/a.21769406193620/516516375387300/ type=3&theater. Acesso em set. 2019.
A charge mostra os servos feudais advogando em favor dos senhores feudais e critica a teoria de que a redução da taxação sobre os mais ricos tem por consequência a distribuição de riquezas de forma mais eficiente entre os mais pobres. As afirmativas abaixo abordam a questão dos tributos no feudalismo. Assinale a alternativa incorreta. (A) O clero, enquanto classe privilegiada, também se dedicava à exploração do trabalho dos servos realizado em terras pertencentes à igreja, inclusive cobrando tributos. (B) As datas das atividades econômicas realizadas pelos servos e do pagamento de tributos por parte desses eram marcadas considerando as estações climáticas e as datas religiosas. (C) Os tributos pagos pelos servos ao senhor feudal eram constituídos apenas de pagamento em produtos, não havendo pagamento em dinheiro. (D) Além do pagamento de tributos, os servos eram obrigados a oferecerem coletivamente ao senhor alguns serviços, que caracterizavam a chamada corveia. (E) Não somente os servos eram obrigados a pagar tributos. Também proprietários menores tinham que pagar tributo ao senhor feudal para obter proteção. 02. (UFRGS) Sobre o sistema feudal na Idade Média, é correto afirmar que: (A) a economia é agrícola e pastoril, descentralizada e voltada para o mercado externo. (B) a sociedade estrutura-se como uma pirâmide, cuja base é formada pelos servos; o meio, pela nobreza; e a parte superior, pelo clero. (C) a burguesia é a classe social econômica e politicamente mais poderosa. (D) a Igreja Católica consolida seu poder após o declínio do feudalismo. (E) a suserania e a vassalagem constituem-se em relações políticas entre os servos e os membros do clero.
(
) A prática da vassalagem foi incorporada pelo império carolíngio e definiu uma das características principais do feudalismo. ) Os servos, de origem camponesa, eram submetidos aos vilões, indivíduos residentes nas cidades, para quem era devido o tributo conhecido como corveia. ) O chamado “movimento das cruzadas” articulou interesses religiosos da Igreja com motivações econômicas da nobreza feudal, na busca de riquezas e conquistas de territórios. ) O desenvolvimento dos núcleos urbanos e das práticas comerciais acarretou transformações nas formas da educação, com o aparecimento das primeiras universidades voltadas para a formação de profissionais em áreas como medicina e direito.
A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é (A) V – V – F – F. (B) V – F – V – V. (C) V – F – V – F. (D) F – F – V – V. (E) F – V – F – V. 04. (UEPG-2021) A respeito da presença e inserção da Igreja Católica no período feudal, assinale o que for correto. (01) Apesar de hegemônica, durante o feudalismo, a Igreja Católica estimulou o diálogo e a aproximação dos católicos com outras religiões não cristãs e promoveu práticas ecumênicas. (02) Beneditinos, Franciscanos e Dominicanos foram algumas das congregações católicas que atuaram na Europa durante o período feudal. (04) A Igreja afastou-se da vida educacional e cultural, durante o feudalismo, por compreender que tais campos eram ligados a uma perspectiva não espiritual ou religiosa. (08) Exerceu o papel de principal instituição da Europa, acumulou terras e outros bens materiais e orientou espiritual e politicamente os reis e senhores feudais.
HISTÓRIA
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GABARITO CAPÍTULO 1 01. C
02. B
03. B
04. 45
02. A
03. B
04. C
02. E
03. D
02. E
03. E
04. B
02. 27
03. B
04. E
02. D
03. 26
04. D
02. E
03. 23
04. B
02. D
03. C
04. E
02. B
03. B
04. 10
04. 01 + 04 + 08 + 32 = 45
CAPÍTULO 2 01. A
CAPÍTULO 3 01. B
CAPÍTULO 4 01. B
CAPÍTULO 5 01. E
02. 01 + 02 + 08 + 16 = 27
CAPÍTULO 6 01. D 03. 02 + 08 + 16 = 26
CAPÍTULO 7 01. D 03. 01 + 02 + 04 + 16 = 23
CAPÍTULO 8 01. 21 01. 01 + 04 + 16 = 21
CAPÍTULO 9 01. C 04. 02 + 08 = 10 376
HISTÓRIA
Frente B HISTÓRIA 379 Capítulo 1 FORMAÇÃO DE PORTUGAL E GRANDES NAVEGAÇÕES 387 Capítulo 2 POVOS PRÉCABRALINOS E PERÍODO PRÉ-COLONIAL 393 Capítulo 3 CAPITANIAS HEREDITÁRIAS E GOVERNOS GERAIS 399 Capítulo 4 ECONOMIA AÇUCAREIRA NO BRASIL COLÔNIA
407 Capítulo 5 UNIÃO IBÉRICA E AS INVASÕES ESTRANGEIRAS NO BRASIL 413 Capítulo 6 A EXPANSÃO PORTUGUESA NA AMÉRICA 421 Capítulo 7 O CICLO DO OURO E AS PRIMEIRAS REVOLTAS COLONIAIS 429 Capítulo 8 O MARQUÊS DE POMBAL
FORMAÇÃO DE PORTUGAL E GRANDES NAVEGAÇÕES
Capítulo 1
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução A História do Brasil está vinculada à História de Portugal, principalmente em suas origens. Muito embora seja necessário estabelecer a justa valorização das heranças culturais dos demais povos que contribuíram para a formação do Brasil – indígenas, africanos, dentre outros –, o legado português foi hegemônico. É aquele que explica o nosso idioma, que forneceu nosso primeiro entendimento como civilização e que serviu de modelo, em vários momentos, para a ressignificação nacional. Sendo assim, quando abordamos o início do processo histórico brasileiro, o conhecimento sobre a história de Portugal é basilar. A formação do Reino Feudal Português, associada à sua essência centralista, conduziu a uma unificação nacional precoce e sólida. A Monarquia Nacional pioneira, resultado desta unificação, favoreceu a vantagem no processo de expansão marítima, em comparação aos demais países europeus. A análise de todas essas fases é indispensável para a concepção de nosso processo histórico nacional, permitindo vislumbrar o caminho que a história forjou pelos mares até chegar ao Brasil. Dessa forma, neste capítulo, vamos estudar a formação de Portugal, como monarquia feudal, sua centralização política e a expansão marítima. Além disso, vamos analisar as disputas entre Portugal e Espanha pelas novas terras a serem descobertas e as principais viagens destes dois países, entre os séculos XV e XVI. Para saber mais
FORMAÇÃO DA MONARQUIA NACIONAL PORTUGUESA 1.
Com a Guerra dos Cem anos (1337 – 1453) e a Peste Negra (1347 – 1350), as rotas comerciais terrestres, que cortavam o centro da Europa, estavam prejudicadas. Novas rotas começaram a ser traçadas e, Portugal ganhou importância nesse novo contexto, tornando-se passagem obrigatória de uma das principais vias entre o Mediterrâneo e o Mar do Norte. Com isso, o comércio foi intensificado em Portugal, favorecendo à burguesia. As feiras multiplicaram-se e, as cidades cresciam no mesmo ritmo das feiras. Por outro lado, a vida no campo era bem diferente. Quem não sofria com a Peste, sofria com as guerras. Isso levou a um amplo êxodo rural. O Rei D. Fernando I, visando estancar o êxodo, criou a Lei das Sesmarias (1375), que determinava que os donos de terras não produtivas perdiam o direito sobre elas. Tal situação fez com que os nobres impedissem as grandes migrações para as cidades, garantindo a produtividade das terras e a manutenção do abastecimento dos centros urbanos com os produtos agrícolas. Essa medida desprestigiava a nobreza e demonstrava o apreço do rei pela burguesia. Em 1383, o rei D. Fernando I morreu, sem deixar herdeiros diretos.
Revolução de Avis Com a morte do rei, dois grupos passaram a disputar o futuro de Portugal: um era liderado pela viúva do rei, D. Leonor Teles, apoiada pela nobreza que desejava a união com Castela; e o outro que era liderado por D. João, Mestre de Avis, irmão ilegítimo de D. Fernando I, apoiado pela burguesia, pela nobreza militar e pelos populares (urbanos e
1. Formação da Monarquia Nacional Portuguesa 2. Expansão Marítima Portuguesa e as Grandes Navegações 3. Navegações Espanholas e os Tratados com Portugal 4. Descobrimento do Brasil
Formação de Portugal A monarquia feudal portuguesa é o resultado de um processo, inserido no contexto das Guerras de Reconquista (séculos VIII – XV), iniciado na virada do século XI para o XII, quando o Conde Henrique de Borgonha recuperou a região do domínio mouro, estabelecendo o Condado Portucalense, vinculado por relações de suserania e vassalagem, ao reino de Leão, do rei Afonso VI. No entanto, foi o filho de Henrique, que consolidou a formação do Reino de Portugal. Afonso Henriques enfrentou as tropas de sua mãe, Teresa de Leão, de seu tio, o rei Afonso VII de Leão, e dos mouros, que avançaram do sul. Em 1138, ele venceu os muçulmanos na batalha de Ourique. Em 1139, proclamou-se Afonso I, rei de Portugal. Todavia, foi apenas em 1143, a partir da assinatura do Tratado de Samora, que o rei de Leão reconheceu a autonomia lusitana. A Igreja Católica, principal instituição da Europa feudal, reconheceu a independência de Portugal na década de 1160, após o pagamento do Censo do Papa e da devolução de algumas terras para o rei de Leão. Em 1249, com a conquista de Algarves, pelo rei Afonso III, Portugal alcançava sua máxima extensão na Europa.
As Feiras medievais começaram a surgir, durante o século XI, devido às transformações demográficas e estruturais pelas quais a Europa passava. O crescimento populacional era incompatível com a estrutura econômica feudal, que visava a subsistência. Dessa forma, milhares de pessoas foram expulsas dos feudos, o que promoveu uma migração HISTÓRIA
379
significativa para as cidades. Nestas, o artesanato e o comércio eram as atividades mais importantes. Com o crescimento das cidades, o comércio entre elas se expandiu, levando à criação das feiras, ou seja, entrepostos comerciais destinados às trocas de produtos de regiões distantes. Com as Cruzadas e com o comércio de especiarias oriundo destas, as feiras se intensificaram, destacando-se as do centro da Europa, tais como Champanhe e Flandres e as de Portugal, principalmente no século XIV.
rurais – denominados “Arraia Miúda”), que pretendiam manter a autonomia de Portugal. Para a burguesia portuguesa, a união com Castela, que ainda vivia um forte feudalismo, seria um atraso, pois neste reino a nobreza era valorizada e os negócios burgueses desprezados. Portugal ocupava uma posição de destaque entre as monarquias europeias, em função do seu comércio dinâmico e bem estruturado. Por outro lado, para a nobreza, a união com Castela representava a restauração e a expansão de seus privilégios e costumes, retomando o predomínio social. A Guerra entre as tropas de D. João e D Leonor Teles ficou conhecida como Revolução de Avis (1383 – 1385). As forças de Castela invadiram Portugal para apoiar Leonor e anexar o reino lusitano. Contudo, com grande apoio das massas populares e com o significativo financiamento da burguesia, as tropas de D. João venceram o conflito. A principal vitória portuguesa foi na Batalha de Aljubarrota, em 1385, na qual o Exército lusitano derrotou definitivamente os nobres e os castelhanos. D. João foi coroado rei e deu início à dinastia de Avis. Portugal tornava-se o primeiro Estado Nacional. O primeiro a ter um governo centralizado, aliado à burguesia. Essa situação favoreceu o pioneirismo português nas Grandes Navegações.
EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA E AS GRANDES NAVEGAÇÕES 2.
Mapa de Portugal em 1360
Para o homem europeu, o oceano era um lugar perturbador, onde o reino da água excluía a vida humana. O homem podia percorrer os rios, navegar nos mares interiores, mas, quando as águas se estendiam a perder de vista, até distâncias completamente desconhecidas, como o caso do oceano Atlântico, então o mar transformava-se no reino de todos os monstros [...] Segundo Gaius Plinius, naturalista romano, autor da Naturalis Historia, a vida animal, no mar, não estava sujeita à ordem, mas à confusão e ao caos. A água era, entre os quatro elementos da natureza, o que tem a virtude de trazer a fecundidade à terra e, no baptismo, de lavar o homem do pecado. Torna-se, porém, quando acumulada em quantidade excessiva, numa grande massa amarga, com uma superfície lisa, ou encrespada por tempestades que levantam ondas como montanhas, mudando de cor conforme os ventos, como diz o mesmo autor e o secunda Camões. Por tudo isto, o oceano é o lugar onde o homem não pode subsistir. A tudo isto acrescenta-se a conotação negativa dada ao lugar onde o Sol se põe, associado que fica ao reino da morte, por oposição ao lugar onde ele nasce, local onde a começa a vida. [...] Fonte: http://www.arqnet.pt/portal/artigos/ jss_expansao2.html
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HISTÓRIA
Portugal foi o primeiro país ocidental a se expandir para o oceano, nos tempos modernos. Os chineses, comandados pelo almirante Zheng He, navegaram por quase todo o globo na primeira metade do século XV, mas acabaram desistindo das expedições, que nunca tiveram a colonização como objetivo. Os fenícios ficaram famosos por suas expedições de circunavegação da África, no século VI a.C. No entanto, as navegações portuguesas inauguravam uma nova modalidade de expedições, principalmente por sua clara intenção colonialista. Portugal era um país pequeno, carente de recursos e de possibilidades comerciais. Navegar era preciso. O feudalismo estava sendo suplantado pelo capitalismo, e as relações comerciais eram a base desse novo sistema. A burguesia portuguesa pressionava o rei para que um projeto de expansão fosse iniciado. A economia portuguesa não se sustentaria mais pela agricultura e as feiras portuguesas, ampliadas na primeira metade do século XIV, começavam a perder espaço diante da concorrência das feiras do centro da Europa, que recuperavam o seu protagonismo após o fim da epidemia de Peste Negra e da Guerra dos Cem Anos. Nesse período, a navegação oceânica apresentava-se como uma barreira, tendo em vista as crenças “terraplanistas” e míticas de monstros que habitavam as profundezas dos oceanos, além, é claro, da falta de tecnologias e de conhecimento. Ademais, um projeto desse porte exigia muitos recursos, inatingíveis para um senhor feudal, ou para uma burguesia restrita aos burgos. Todavia, era um projeto possível para um rei com poder (e impostos) centralizado, principalmente um rei que tivesse o apoio da burguesia nacional, que dependia da expansão para sua sobrevivência. Apenas Portugal conseguiu reunir esses atributos na primeira metade do século XV, na Europa. É importante destacar que a nobreza portuguesa não foi alijada deste processo. Muito pelo contrário, coube a ela a estruturação militar para as conquistas territoriais do reino. Dessa forma, configura-se uma associação de interesses da burguesia, com os dos nobres que se revigoravam, liderados pela figura de um rei com amplos poderes. Os nobres lideravam as expedições, as guerras de conquista e a dominação dos povos colonizados e a burguesia ampliava seus negócios e financiava uma expansão ainda maior. Os portugueses possuíam um objetivo específico: encontrar uma nova rota para as Índias, visando ingressar no comércio de Especiarias (noz moscada, cravo, canela, pimenta, sal, açúcar etc.). A rota tradicional era dominada pelas cidades italianas (principalmente Gênova e Veneza - no Mediterrâneo) e pelos Turcos Otomanos (por terra, Mar Vermelho e Oceano Índico). Cabe ressaltar que, ao longo dos séculos de comércio com os italianos e com os turcos, as reservas de metais preciosos da Europa quase se esgotaram. A expansão visava também a busca por riquezas, principalmente ouro e prata.
Encontrando uma nova rota, Portugal poderia comercializar as especiarias por valores bem inferiores aos das cidades italianas e, dessa forma, dominar o mercado.
Motivos do Pioneirismo Português Quando analisamos as condições que levaram Portugal a ser pioneiro nas Grandes Navegações, alguns pontos merecem destaque: centralização política, posição geográfica, conhecimento e disponibilidade de tecnologias. Neste momento, vamos analisar cada uma destas condições: Centralização Política: – permitia a concentração de recursos para investir nesse empreendimento muito custoso; – a burguesia, que buscava consolidar os seus negócios, era aliada dos reis, situação que facilitava intensos investimentos, a concessão de monopólios e a parceria público-privada, que proporcionaram a expansão marítima; Posição Geográfica: – Portugal fica na Península Ibérica, tendo apenas fronteiras com a Espanha (nessa época com Castela). Dessa forma, a única expansão possível, sem entrar em conflito com os vizinhos, era para o mar. Além disso, com um litoral totalmente voltado para o Atlântico, os portugueses já estavam acostumados a aventuras marítimas (ainda não tão ousadas). Escola de Sagres: – o Infante D. Henrique, o Navegador – filho do rei D. João I –, interessado em navegação, promoveu uma espécie de “congresso” de especialistas em assuntos relacionados com o mar. Cartógrafos, geógrafos, pescadores de alto mar, astrônomos, construtores de navios, dentre outros. Esses especialistas trocaram informações, gerando conhecimentos importantes para a navegação oceânica; – segundo alguns autores, a Escola de Sagres jamais existiu.
Astrolábio, quadrante, bússola, etc.
Caravelas de Vasco da Gama.
Novas Tecnologias: – bússola, Astrolábio, Quadrante, a Vela Triangular (Latina) e a Caravela. – essas criações (ou apropriações) proporcionaram o aperfeiçoamento das técnicas de navegação.
Périplo Africano O termo Périplo significa mapa descritivo, ou seja, é um mapa em formato de texto, com informações sobre a geografia dos locais percorridos pelos viajantes. Neste caso, Périplo Africano está designando todo o processo de expansão marítima de Portugal ao redor da África. Cada uma das expedições do Périplo permitira aos portugueses o domínio sobre o litoral africano, possibilitando, em 1498, a chegada à Índia. Principais Expedições: – 1415 - Conquista de Ceuta: comandada pelo próprio rei D. João I, esta viagem representou o início das Grandes Navegações. Ceuta era reduto muçulmano e a porta de entrada para o restante do litoral africano. A região recebia diversas caravanas comerciais que interligavam a África muçulmana, mas, devido à violenta conquista e dominação lusitana, os mouros cortaram o acesso a Ceuta. Os portugueses necessitavam expandir seus domínios e intensificar suas viagens. – 1434 - Cabo Bojador: expedição comandada por Gil Eanes, experiente navegador português. O Cabo Bojador era uma passagem importante para o sul da África, devido a sua dificuldade. O rei de Portugal nesta época era D. Duarte I. – 1446 - Costa da Guiné: chegar à Costa da Guiné proporcionou aos portugueses o acesso a metais preciosos, marfim e escravos, através da fundação de feitorias. Álvaro Fernandes era o navegador que descobriu este entreposto e o rei da época era D. Afonso V.
Feitorias eram edificações que serviam como local de armazenagem de produtos e, ao mesmo tempo, como fortalezas militares para proteger os portugueses e suas posses. Ao longo da expansão portuguesa pelo litoral africano, várias feitorias foram fundadas e o comércio, em algumas regiões, chegou a ser intenso. Os Portugueses buscavam na África ouro, marfim, escravos, temperos, dentre outros. A Conquista de São Jorge da Mina, por volta de 1469, proporcionou a ampliação do comércio na África. HISTÓRIA
381
Viagens de Vasco da Gama (azul) e Pedro Álvares Cabral (vermelho)
Para saber mais
Formação da Monarquia Nacional Espanhola Inserida no mesmo contexto histórico e geográfico de Portugal, a Espanha também teve como palco, para a formação da sua monarquia, as Guerras de Reconquista. Com o avanço, foram se formando reinos cristão, tais como Leão, Castela, Navarra e Aragão. Em função das guerras, casamentos, acordos, dentre outros motivos, esses reinos foram se unificando, existindo apenas dois, na segunda metade do século XV: Castela e Aragão. Em 1469, o casamento do rei de Aragão, Fernando II com a princesa de Castela, Isabel, estabeleceu uma condição de unificação total destes reinos. Após vencer forte oposição ao seu poder, Isabel assumiu o trono de Castela em 1479. A união das forças de Castela e Aragão conduziu à conquista de Granada, último território sob domínio muçulmano na Península Ibérica, em 1492. Esta data marca, oficialmente, a formação da Monarquia Espanhola.
Os Reis Católicos Fernando e Isabel
Uma légua equivale a, cerca de 5,6 km. No entanto, acredita-se, que na época, o valor era algo em torno de 6,1 km.
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HISTÓRIA
– 1456 - 1460 - cabo Verde: Esta região tornou-se uma referência ocidental para Portugal e seus domínios. O Rei ainda era D. Afonso V, e os navegadores foram Alvise Cadamosto (veneziano a serviço de Portugal, que teria descoberto a região em 1456), Diogo Gomes e Antônio de Nola (chegaram à região em 1460). O início da colonização, entretanto, ocorreu apenas em 1462. – 1488 - Cabo da Boa Esperança: em uma das principais viagens do Périplo, Bartolomeu Dias conseguiu ultrapassar as águas agitadas do “Cabo das Tormentas” – como era denominado pelos Portugueses até então – rebatizando-o de Cabo da Boa Esperança. Esta viagem representou a abertura do caminho às Índias. O rei de Portugal era D. João II. – 1498 - Chegada a Calicute, nas Índias: Vasco da Gama comandou os portugueses nesta que foi a primeira viagem às Índias, após 83 anos do início do Périplo. Essa viagem rendeu cerca de 6000% de lucro e a posse de regiões como Calicute, Goa, dentre outras. O rei de Portugal era D. Manuel I.
NAVEGAÇÕES ESPANHOLAS E OS TRATADOS COM PORTUGAL 3.
Cristóvão Colombo, navegador genovês, tinha uma teoria em relação às navegações oceânicas. Para ele, uma rota que considerasse o verdadeiro formato da Terra levaria mais brevemente ao seu destino. Segundo ele, ao navegar para o Oeste, chegar-se-ia ao Leste, pois a Terra sendo redonda, a navegação para um lado do globo levaria, inexoravelmente, ao outro lado. Colombo ofereceu os seus serviços a Portugal, no entanto, os portugueses estavam certos que o seu projeto era o mais realista e que faltava muito pouco para atingir o grande objetivo. Colombo, então, procurou os Reis Católicos. Isabel de Castela acabou cedendo às investidas de Colombo e entregando a ele três navios: Santa Maria, Pinta e Niña. Os Reis Católicos assinaram um contrato com Colombo, as Capitulações de Santa Fé, pelo qual concediam a ele os cargos de almirante, vice-rei, capitão geral e governador das terras descobertas por ele, ou por qualquer outro sob seu comando. Estes títulos deviam ser vitalícios e hereditários e lhe garantiam o recebimento do dízimo das riquezas que fossem encontradas nestas terras. Em 1492, Cristóvão Colombo partiu para sua viagem em busca das Índias, navegando para o Ocidente. Na verdade Colombo esperava chegar em Catai – atual China – e em Cipango – nome que Marco Polo havia dado ao Japão. Em 12 de outubro, descobriu a América, sem, no entanto, desconfiar. Para ele, sua viagem havia sido bem-sucedida, e as terras que encontrara seriam aquelas desejadas originalmente. Inclusive, conta a lenda que Colombo teria batizado os habitantes locais de índios, em função do seu engano. Colombo chegara à Ilha que chamou de San Salvador, mas que os indígenas denominavam Guaanani (ou Guanahani). As primeiras relações com os nativos foram pacíficas e amistosas, o que não se repetiria ao longo da colonização. O rei de Portugal, D. João II, reivindicou o Tratado de Alcáçovas-Toledo e a Bula Aeterni Regis, alegando que as descobertas da Espanha haviam ocorrido no seu hemisfério, levando em consideração que a Ilha de San Salvador localiza-se mais ao sul do que as Canárias. Entretanto, o Papa em 1492 era Alexandre VI (da família Bórgia, aliado da Espanha). Este propôs, para resolver a contenda Ibérica, a Bula Inter Coetera, em 1493. Esta bula propunha outra divisão do mundo, levando em consideração as novas conquistas. Esta divisão não deveria mais ser entre Norte e Sul, mas sim entre Leste e Oeste. O meridiano que serviria como divisor do mundo seria estabelecido a 100 léguas oeste de Cabo Verde. Os portugueses não aceitaram este acordo, porque sabiam que 100 léguas a Oeste era muito pouco para garantir qualquer domínio desconhecido. Sendo assim, portugueses e espanhóis assinaram o Tratado de Tordesilhas, em 1494. Por esse tratado, o mundo seria dividido, assim como na Bula Inter Coetera, por um meridiano, mas agora, a 370 léguas Oeste de Cabo Verde. Desta vez, os portugueses acreditavam que poderiam encontrar terras desconhecidas dentro do seu limite. Cabo Verde foi utilizado como referência por ser a possessão portuguesa mais ocidental. Mais tarde, em 1521, o Tratado de Saragoça determinou as posses de portugueses e espanhóis no hemisfério Leste.
As demais potências europeias, como França, Inglaterra, Holanda, não aceitaram nem respeitaram o Tratado de Tordesilhas. Em vários casos, conquistaram territórios na América (tanto de portugueses, como de espanhóis) e disputaram outros com os ibéricos. O rei da França, Francisco I (1494 – 1547), ironizou o Tratado de Tordesilhas, afirmando desconhecer o Testamento de Adão, ou seja, o documento que poderia dar o direito aos ibéricos de se apossar do mundo.
Bula Inter Coetera e Tratado de Tordesilhas
Tratado de Tordesilhas e Tratado de Saragoça Primeira Missa no Brasil, pintura de Victor Meirelles, 1860
4.
DESCOBRIMENTO DO BRASIL
Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal com o objetivo de chegar às Índias, mas acabou se desviando em direção ao Brasil, que foi descoberto em 22 de abril de 1500. Essa era a versão oficial contada pelos historiadores ao longo de muitos séculos. Contudo, documentos encontrados recentemente, comprovam que Cabral sabia muito bem para onde estava indo e que a “Descoberta do Brasil” não foi um acidente. Duarte Pacheco, integrante da expedição comandada por Cabral, já havia estado na costa brasileira em 1498, identificando os territórios que Portugal teria direito pelo Tratado de Tordesilhas. Assim que chegaram à terra nova, os europeus entraram em contato com alguns indígenas que viviam no litoral. Porto Seguro na Bahia foi o local do desembarque e da primeira missa. Pindorama (denominação indígena), Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz e por fim Brasil, essas foram as denominações pelas quais o nosso país foi chamado antes do nome atual se consolidar. O nome Brasil é atribuído à grande quantidade de pau-brasil existente em nosso território. Pero Vaz de Caminha foi o escrivão da viagem, responsável por descrever as características da Terra Nova e dos seus habitantes, com o objetivo de informar o rei D. Manuel I, de Portugal.
“Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa.” Carta de Pero Vaz de Caminha: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm
Para saber mais
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFU 2022) Quando Camões inventou seu título, salientou a importância da harmonia e da concórdia estabelecida entre os habitantes do reino que, em uníssono, deveriam assegurar a unidade do Império. [...] Não é de se estranhar, portanto, que o poeta tenha optado pelo título Os lusíadas, dispensando o singular Vasco da Gama. O louvor épico salienta a necessidade de harmonia do organismo social, independentemente do local ou do(s) herói(s) que a conduzem. A poesia cristã canta a coesão do corpo místico e, concomitantemente, o respeito às hierarquias. FELIPE, Cleber Vinicius do Amaral. (Nec) Plus Ultra: as epopeias antes e após as grandes navegações. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 40, n. 83, p. 24 e 25, 2020.
Sobre a expansão marítima e comercial europeia dos séculos XV-XVI, é correto afirmar que (A) foi um esforço realizado pela Igreja Católica, com o apoio do Estado monárquico, no intuito de frear a expansão acelerada do protestantismo e do islamismo nas colônias europeias nas Américas. (B) seu principal objetivo foi a constituição de mercados consumidores nas colônias. Para acelerar a formação desse tipo de mercado, os estados nacionais envolvidos aboliram a servidão e construíram os pilares do sistema assalariado de mão de obra. (C) aconteceu como uma empresa marítima mercantil que foi, inicialmente, organizada e dirigida pelos Estados Nacionais modernos, desempenhando um papel fundamental na acumulação primitiva de capitais na Europa Ocidental. (D) por meio do mercantilismo, enquanto política econômica, os estados nacionais implicados defendiam os interesses comerciais da nascente burguesia industrial de suas respectivas metrópoles. Gabarito: C A expansão marítima e comercial europeia, da qual Portugal foi pioneiro, foi um projeto das monarquias nacionais em sua expansão econômica. A Igreja, num primeiro momento, não apoiou integralmente o projeto europeu, no entanto, diante da perspectiva de expansão da fé, tornou-se uma incentivadora do processo, mesmo que não o tenha liderado. Havia grande interesse da burguesia e, mesmo que por outros motivos, a nobreza também estava de acordo com o movimento expansionista. Sendo assim, as Grande Navegações foram projetos nacionais, organizados e financiados pelos estados nacionais, com apoio das burguesias, visando o acúmulo de riquezas a partir da exploração de territórios colonizados, da descoberta de riquezas ou da intensificação das práticas comerciais.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (Uel) A organização do mundo medieval, concebida como harmônica, foi rompida no decorrer dos séculos X ao XV por um complexo processo histórico constituído por transformações e criações que mudaram a Europa Ocidental. Em relação à criação das monarquias ibéricas nesse contexto, considere as afirmativas a seguir. I. A nobreza portuguesa lutou de forma unificada contra o reino de Castela pela independência de Portugal, apoiando-se no retorno do Rei Dom Sebastião I. II. A reconquista da região ibérica, no século XIII, teve início com o Papa Urbano VII ao conceder o reino de Navarra a Dom Afonso Henrique. III. A reconquista espanhola equilibrou-se em uma centralização política, mas sem atingir uma unificação cultural pelas diversas identidades de seus habitantes. IV. Em Portugal, a Revolução de Avis, composta majoritariamente pelas camadas burguesas, fortaleceu a unificação política do reino. Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas I e IV são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. (E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 02. (UEM) Sobre a expansão marítima e a colonização realizadas por Portugal e Espanha, ao longo dos séculos XV e XVI, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). (01) A principal motivação da expansão marítima espanhola era de natureza científica, pois os reis da Espanha pretendiam derrotar os pensadores da Igreja e provar, com a viagem de Cristóvão Colombo, que o mundo era redondo. (02) A colonização das regiões descobertas, ou conquistadas, conduziu ao estudo de novas plantas, animais até então desconhecidos e minérios ainda não explorados, e isso resultou no desenvolvimento da História Natural. (04) A consolidação da unidade do Estado Português, ocorrida com a Revolução de Avis, no final do século XIV, influenciou diretamente os rumos da expansão marítima lusitana. (08) Os estímulos religiosos também foram importantes, pois havia, em Portugal e Espanha, um sentimento generalizado de que era preciso difundir a fé católica. (16) Para a realização das navegações, foram contratados, sobretudo na Península da Itália, pilotos, geógrafos, cosmógrafos, cartógrafos e outros profissionais que contribuíram decisivamente para o aprimoramento das técnicas de navegação e para a elaboração de mapas.
03. (UFRGS) Durante a Baixa Idade Média, ocorreu em Portugal a denominada Revolução de Avis (1383-1385), que resultou em uma mudança dinástica, cuja principal consequência foi (A) o enfraquecimento do poder monárquico diante das pressões localistas que ainda sobreviviam nas pequenas circunscrições territoriais do Reino. (B) o surgimento de uma burguesia industrial cosmopolita e afinada com a mentalidade capitalista que se instaura na Europa. (C) o início das grandes navegações marítimas, que resultaram no descobrimento da América e no reconhecimento da Oceania pelos lusitanos. (D) o início do processo de expansão ultramarina, que levaria às conquistas no Oriente, além da ocupação e do desenvolvimento econômico da América portuguesa. (E) o surgimento de uma aristocracia completamente independente do Estado, que tinha como projeto político mais relevante a expansão do ideal cruzadista. 04. (UNESP-2022) Depois do estabelecimento do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama em 1499, a Coroa portuguesa logo preparou nova expedição, tendo como base as informações recolhidas pelo navegante. E essa era mesmo a melhor saída para o pequenino reino português, que ficava justamente na boca do Atlântico. Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling. Brasil: uma biografia, 2018.
Além do motivo apresentado no excerto, contribuíram para que Portugal se lançasse à expansão marítima (A) o interesse por colonizar o litoral africano e a disposição militar para a reconquista ibérica. (B) a aliança política e comercial com a Coroa de Castela e a posição geográfica do país. (C) a busca pelas especiarias da América e o desenvolvimento de uma indústria bélica. (D) o desenvolvimento de instrumentos náuticos e a articulação entre interesses comerciais e religiosos. (E) a precoce unificação política e a necessidade de insumos para a nascente indústria têxtil.
HISTÓRIA
385
POVOS PRÉ-CABRALINOS
Capítulo 2
e Período Pré-Colonial
Introdução O Brasil foi descoberto apenas para os europeus, pois aqui viviam milhões de indígenas, que desbravavam estas terras (ainda não chamadas de Brasil), há muitos séculos. Os primeiros contatos entre os navegadores europeus e os nativos foram, de modo geral, pacíficos. Eram poucos portugueses e estes não aparentavam querer se apoderar de Pindorama – como os índios denominavam o Brasil. Pela perspectiva dos indígenas, as suas relações com os portugueses eram válidas, pois eles lhes propunham um trabalho esporádico (extrair o pau-brasil) e, em troca, lhes ofereciam recompensas interessantes: espelhos, colares, miçangas, facas, machados, tecidos, ou seja, tudo que não havia por aqui. Como a demanda era pequena, e os índios eram muitos, o escambo se fez sem maiores problemas. Alguns náufragos, degredados e indesejados andaram por essas bandas entre 1500 e 1530, conhecendo a cultura dos índios, se apropriando dela, ou sendo devorado pelos canibais. O Brasil era outro. Este encontro promoveu um dos maiores choques culturais de toda a história. Idioma, vestuário, gastronomia, crenças, entendimento moral, interesses, tudo isso, e muito mais, era completamente diferente nos dois mundos que se encontravam. No entanto, a busca pelo entendimento e pelo reconhecimento da cultura alheia nem sempre foi pacífica. Não podemos compreender a história de nosso país, sem conhecer os primeiros donos destas terras, sem analisar como viviam e o que resta de sua sociedade nos dias de hoje, lembrar como foram os primeiros contatos e as primeiras relações nos leva à reflexão. Na verdade, é preciso um olhar para nossas origens nativas, para a própria essência do Brasil. Sendo assim, neste capítulo estudaremos os índios que viviam em Pindorama, antes do Brasil Português. Vamos analisar suas práticas, suas relações e sua cultura. Num segundo momento, estudaremos o período Pré-Colonial, ou seja, os primeiros trinta anos desde a chegada dos portugueses. Neste período não houve escravidão indígena e as relações foram, via de regra, cordiais. Portugal não tinha muito interesse no Brasil, e os índios estavam mais curiosos do que com medo.
1.
PERÍODO PRÉ-CABRALINO
Sabe-se pouco sobre a história do Brasil antes da chegada dos portugueses, pois os índios que habitavam nestas terras não dominavam a escrita. As informações mais significativas sobre esse período foram obtidas através do contato que os europeus tiveram com os indígenas, a partir de 1500. Particularmente, muito nos é contato nos livros do alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery, que conviveram com os índios em meados do século XVI. Além disso, a contribuição dos estudos antropológicos e arqueológicos possibilitou uma significativa ampliação acerca do entendimento do período em questão. Especula-se que o número de indígenas existentes no Brasil, em 1500, girava em torno de 2 a 5 milhões, uma população muito maior que a de Portugal, que, na mesma época, contava com cerca de 1 milhão de habitantes. No entanto, os índios dividiam-se em inúmeras tribos e culturas, com centenas de dialetos e idiomas, estando muito longe de qualquer padronização sociocultural. As diversas nações indígenas brasileiras derivaram de dois troncos linguísticos básicos: o Macro-Jê e o Macro-Tupi. Este último deu origem às tribos tupi-guarani, que eram predominantes no litoral. E o Macro-Jê deu origem às tribos aruaques, jês e karib,
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Período Pré-Cabralino 2. Período Pré-Colonial
Estes livros podem ser encontrados gratuitamente na internet. Livro de Hans Staden: Duas Viagens ao Brasil
Livro de Jean de Lery: Viagem à Terra do Brasil
HISTÓRIA
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Aldeia no Parque do Xingu – Até hoje muitos índios buscam viver de forma semelhante a dos seus antepassados
Os índios viviam da caça, da pesca, da coleta de raízes e frutas e da agricultura (algumas tribos dominavam esta prática). Eram nômades (com poucas exceções sedentárias), moravam em cabanas (Ocas), que, em conjunto, formavam aldeias (Tabas). A população destes modestos agrupamentos girava em torno de 600 e 700 habitantes. As várias aldeias interligavam-se por meio de trilhas, facilitando o deslocamento entre o interior e o litoral. Algumas destas trilhas eram muito extensas, como, por exemplo, a do Peabiru, que servia de ligação entre o território do atual Peru e as regiões onde hoje se situam São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Segundo alguns autores, descobertas arqueológicas e relatos de aventureiros confirmam contatos entre os tupis-guaranis e os incas do Peru, sendo que foram encontrados objetos de cobre e de prata – originalmente confeccionados nos Andes – em sítios arqueológicos no Rio Grande do Sul e no Estado de São Paulo.
Dança dos Tapuias - Pintura de Albert Eckhout, século XVIII
Povos Indígenas no Brasil de 1500 - Fonte: No Amazonas é Assim (website).
que viviam mais para o interior do Brasil. O principal contato dos portugueses deu-se com os tupi, no litoral. Estes denominavam os índios do interior de tapuias, que significa “forasteiro”, “estrangeiro”, “inimigo”. Sendo assim, por muitas gerações, os índios brasileiros foram classificados em dois grupos: Tupis e Tapuias. Segundo alguns autores, quando da chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500, estima-se que os índios tupis ocupavam a região costeira que se estende do Ceará a São Paulo, e que os guaranis se espalhavam pelo litoral Sul do país e a zona do interior, na bacia dos rios Paraná e Paraguai. Os primeiros a entrarem em contato com os portugueses foram os tupiniquins, grupo indígena da família linguística tupi-guarani, pertencente ao tronco tupi. Neste período, habitavam o litoral do Espírito Santo e do sul da Bahia. Eram inimigos tradicionais de outro grupo tupi, os tupinambás. Diante da aproximação dos tupiniquins com os portugueses, os tupinambás buscaram aliança com os franceses, o que favoreceu o domínio francês sobre parte do litoral do Rio de Janeiro, entre 1555 e 1567. Havia grandes semelhanças entre os tupis e os guaranis. As aldeias e as tribos se formavam e se mantinham unidas principalmente pelos laços de parentesco, que também organizavam as relações desses mesmos grupos entre si. Agrupamentos menores, as aldeias, ligavam-se através do parentesco com unidades maiores, as tribos. Os indígenas desconheciam o capitalismo, por isso, sua economia era baseada na subsistência. Aqueles grupos que dominavam a agricultura tinham uma alimentação mais completa, incluindo mandioca, peixes (traíra, pacu, piava), carne de anta, tatu, veado, oriundos da caça, e os alimentos coletados eram cacau, jabuticaba, maracujá, dentre outros. Tudo era dividido entre os membros da aldeia. Estes grupos organizavam-se, no que se refere à estrutura social, através da divisão das tarefas. Os homens eram responsáveis pelo preparo da terra, pela caça e pesca, pela construção das habitações e pela proteção do grupo nas guerras, para as quais construíam arcos, lanças e flechas. As mulheres incumbiam-se da primeira educação das crianças, do plantio, da colheita, do preparo dos alimentos e da confecção do vestuário. Os índios que habitavam o Brasil manipulavam madeira, osso, barro, mas desconheciam os metais. O ouro era conhecido pelos índios, mesmo que sem o domínio da metalurgia. Na estrutura das tribos, o casamento era fundamental para a formação de alianças, sendo que novas relações de parentesco eram criadas, ou as existentes eram ampliadas. Geralmente, as mulheres se casavam com homens de outras aldeias ou tribos. A poligamia era uma atividade comum (poliândrica – mulheres com vários maridos – mais rara; e/ou poligênica – homens com várias mulheres – mais comum). Em algumas tribos, bons caçadores casavam-se com várias mulheres. Os índios tinham uma visão diferente daquela dos cristãos no que se refere à sexualidade. As relações sexuais anteriores ao casamento eram aceitas tranquilamente. A virgindade não era associada à “honra” das mulheres. As relações homoafetivas também eram aceitas normalmente pelos índios, existindo casos de homens e mulheres que exerciam papeis sociais inversos. As famílias eram muito valorizadas, não sendo aceitas relações extraconjugais, com algumas exceções. As crianças eram criadas com carinho e liberdade, fato que chamava a atenção dos europeus. No que se refere às relações de poder, os indígenas reconheciam duas grandes lideranças. O Xamã (ou Pajé), que se dedicava às questões religiosas e mágicas. Era considerado um curandeiro, além de ser o elo entre os vivos e os mortos. Passava por um longo aprendizado, conhecendo ervas medicinais, venenos, anestésicos, dentre outros. O Morubixaba (ou Cacique), que comandava as tropas e a defesa da tribo. É importante destacar que o Cacique não tinha poder despótico, devendo submeter-se ao conselho de anciãos e guerreiros. A guerra era uma atividade constante, que acontecia por razões materiais, como conquistar terras privilegiadas; morais e sentimentais, como a vingança da morte de parentes ou amigos por grupos adversários; ou ainda religiosas, vinculadas à antropofagia. 2.
Crenças religiosas, espírito e antropofagia Os tupi-guarani cultuavam, principalmente, duas entidades consideradas supremas: Monan (criador de tudo) e Maíra (natureza). Estes deuses eram 388
HISTÓRIA
PERÍODO PRÉ-COLONIAL
Os portugueses haviam estabelecido um lucrativo comércio com as Índias, pois a demanda por especiarias na Europa era muito grande. Calicute e Goa eram os principais domínios lusitanos na Índia. No entanto, os volumosos lucros do negócio começaram a atrair concorrentes, dentre os quais os espanhóis, os franceses, os holandeses e os ingle-
ses. Enquanto exerceram o monopólio sobre a nova rota, o Brasil acabou sendo relegado à segunda importância, servindo apenas para a extração de pau-brasil e para o exílio dos indesejados em Portugal. Em 1501, ocorreu a primeira expedição oficial portuguesa, com o objetivo de explorar a nova colônia. O comandante desta expedição foi o navegador Gaspar de Lemos, acompanhado de Américo Vespúcio. O primeiro mapa do litoral brasileiro foi elaborado nesta expedição que, além disso, investigou a existência de mais riquezas a explorar. Entretanto, a primeira expedição a levar uma carga significativa de pau-brasil para Portugal foi a expedição de Gonçalo Coelho (1503). Ele conseguiu perceber a presença de franceses no litoral do Brasil, que estavam se iniciando no mesmo negócio que os portugueses. É importante lembrar que os franceses não reconheciam o Tratado de Tordesilhas e, que o Rei Francisco I incentivava o contrabando. O monopólio sobre a exploração do pau-brasil pertencia a Portugal. Este monopólio era denominado Estanco. No entanto, o rei poderia conceder o direito de exploração a algum beneficiário, como ocorreu entre 1503 e 1505 com Fernando de Noronha. O monopólio foi concedido a ele, numa tentativa de terceirizar a exploração. Contudo, logo se percebeu que a atividade seria mais lucrativa se fosse assumida pela coroa. Como já mencionado, no princípio, os portugueses não tinham interesse na colonização efetiva do Brasil, em função do sucesso do Comércio com as Índias, mas também por causa do fracasso da tentativa de descobrir metais preciosos no Brasil, neste período. Além disso, cabe salientar que, em função da necessidade de ter que desviar recursos do comércio com as Índias – de lucros altos e garantidos – para investir em algum negócio no Brasil – de lucros incertos –, reforçou-se a ideia inicial de que a colônia portuguesa na América era, apenas, uma segunda opção. Sendo assim, os portugueses construíram Feitorias para explorar o pau-brasil, que era valorizado na Europa principalmente pela coloração extraída da madeira. A extração do pau-brasil era feita pelos indígenas, que recebiam “bugigangas” (espelhos, colares, facas etc.) em troca de seu trabalho. Essa prática denomina-se Escambo (troca), e foi a base da mão de obra no período. Os portugueses, devido à atividade esporádica e ao relativo desinteresse por estas terras, não impuseram escravidão aos índios durante o denominado período Pré-Colonial. Mas a realidade seria diferente após 1530.
O Perigo Francês Como se sabe, grandes potências europeias, como França, Inglaterra e Holanda, começaram a questionar o domínio Ibérico na América. Os franceses passaram a construir feitorias no litoral brasileiro e a explorar o pau-brasil da mesma forma que os portugueses, a partir do trabalho dos indígenas e do escambo. Essa presença francesa no Brasil representava um perigo para Portugal, que enviou ao Brasil as denominadas Expedições Guarda Costas (1516 – 1526), comandadas por Cristóvão Jacques. O seu objetivo era destruir feitorias e navios franceses e de outras nações, encontrados em domínios lusitanos na América. Jacques agiu com extrema violência quando encontrou estrangeiros, no entanto as suas expedições eram insuficientes diante das dimensões do litoral brasileiro. Diante disso, a coroa portuguesa, percebendo que poderia perder o Brasil, decidiu iniciar a colonização efetiva da colônia americana. Além do “perigo francês”, podemos citar como motivos para a colonização efetiva do Brasil o declínio do comércio com as Índias, em virtude da concorrência de outras potências como Holanda, França, Inglaterra e Espanha; e sucesso espanhol na exploração de metais preciosos na América, tendo em vista que, com a conquista dos Astecas, dos Maias e dos Incas, os espanhóis haviam encontrado uma quantidade inimaginável de ouro e prata. A nova rota para as Índias não era mais exclusividade de Portugal, e a ameaça de perder o Brasil também foi determinante para a decisão de colonizar a sua parcela da América, pois algumas das potências rivais de Portugal já desejavam se expandir por essas terras.
identificados com a origem do universo. No entanto, um dos deuses mais temidos e, ao mesmo tempo, admirado, era Tupã, o responsável pela inevitável destruição do mundo. Na crença indígena, esta destruição ocorre em eras sucessivas. Acreditavam também na vida após a morte, pois, para eles, após a morte, a alma parte em viagem para o Guajupiá, uma espécie de paraíso, onde o espírito encontraria os seus ancestrais e viveria eternamente. Segundo alguns autores, a prática da antropofagia poderia estar especialmente associada a essa viagem sobrenatural, sendo um ritual preparatório de passagem para a alma. Outros historiadores e antropólogos afirmam que o ritual antropofágico era dedicado a reverenciar os espíritos dos antepassados, além de vingar aqueles que foram mortos em combate. Os prisioneiros eram levados para a tribo dos vencedores, onde seriam hostilizados nas primeiras semanas. Com o passar do tempo, o índio capturado passava a conviver com os membros da tribo vencedora de forma pacífica, até o dia do ritual. Os índios derrotados não precisavam ficar presos, pois, para eles, era uma honra ser devorado pelos inimigos. De acordo com a crença, as habilidades dos devorados eram transferias aos devoradores durante o “banquete”. No dia do ritual o índio que seria devorado era pintado de vermelho, após ter todos os seus pelos raspados. Na hora da execução, ele era prostrado diante dos algozes, devendo proferir insultos. Um dos índios da tribo vencedora era responsável pela execução, batendo na cabeça da vítima com um bastão de madeira, o mais forte possível, para que não houvesse necessidade de outro golpe. Algumas partes eram devoradas imediatamente, contudo a maior parte do cadáver era desmembrada e assada. Todos os membros da tribo deviam participar do “banquete”. Boa parte dos detalhes sobre esse ritual, foi registrada por Hans Staden, que foi prisioneiro dos índios tamoios por nove meses.
Antropofagia
Perigo Francês
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ENEM 2022)
As línguas silenciadas do Brasil Para aprender a língua de seu povo, o professor Txaywa Pataxó, de 29 anos, precisou estudar os fatores que, por diversas vezes, quase provocaram a extinção da língua patxôhã. Mergulhou na história do Brasil e descobriu fatos violentos que dispersaram os pataxós, forçados a abandonar a própria língua para escapar da perseguição. “Os pataxós se espalharam, principalmente, depois do Fogo de 1951. Queimaram tudo e expulsaram a gente das nossas terras. Isso constrange o nosso povo até hoje”, conta Txaywa, estudante da Universidade Federal de Minas Gerais e professor na aldeia Barra Velha, região de Porto Seguro (BA). Mais de quatro décadas depois, membros da etnia retornaram ao antigo local e iniciaram um movimento de recuperação da língua patxôhã. Os filhos de Sameary Pataxó já são fluentes – e ela, que se mudou quando já era adulta para a aldeia, tenta aprender um pouco com eles. “É a nossa identidade. Você diz quem você é por meio da sua língua”, afirma a professora de ensino fundamental sobre a importância de restaurar a língua dos pataxós. O patxôhã está entre as línguas indígenas faladas no Brasil: o IBGE estimou 274 línguas no último censo. A publicação Povos indígenas no Brasil 2011/2016, do Instituto Socioambiental, calcula 160. Antes da chegada dos portugueses, elas totalizavam mais de mil. Disponível em: https://brasil.elpais.com. Acesso em: 11 jun. 2019 (adaptado).
O movimento de recuperação da língua patxôhã assume um caráter identitário peculiar na medida em que (A) denuncia o processo de perseguição histórica sofrida pelos povos indígenas. (B) conjuga o ato de resistência étnica à preservação da memória cultural. (C) associa a preservação linguística ao campo da pesquisa acadêmica. (D) estimula o retorno de povos indígenas a suas terras de origem. (E) aumenta o número de línguas indígenas faladas no Brasil.
Gabarito: B Durante a colonização da América, além dos milhões de indígenas assassinados, contaminados e explorados, constituindo um dos maiores genocídios da história, houve a morte de muitas culturas. Diversas tribos desapareceram por completo e, com elas, a sua memória e herança. Mesmo aqueles que sobreviveram, tiveram sua cultura fortemente influenciada pelo colonizador. A introdução do cavalo, do ferro, das armas de fogo, dos idiomas europeus, dentre outras características, marcou o processo de aculturação. A partir dessa perspectiva, é compreensível que se entenda que, a preservação do idioma, apresenta-se como uma espécie de resistência à morte da cultura e, por consequência disso, da identidade e a memória coletiva do seu povo originário.
ANOTAÇÕES
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UNESP-2022) Os povos que viviam nas terras conquistadas pelos portugueses na América
Considerando a história indígena no Brasil, a principal ideia contida no segmento é
(A) eram destituídos de interesses e práticas religiosas. (B) concentravam-se nas áreas litorâneas do território. (C) eram coletores ou praticavam agricultura rudimentar. (D) alimentavam-se prioritariamente de carne humana. (E) eram pacíficos ou dedicados a alianças e acordos entre grupos.
(A) negação da conquista europeia na América, em 1500. (B) ausência de transformação social nas sociedades ameríndias. (C) exclusão dos povos americanos da história ocidental. (D) estagnação social do continente sul-americano após a chegada dos europeus. (E) continuidade histórica do contato cultural entre ocidentais e indígenas.
02. (UNICAMP-2020) Na América Portuguesa do século XVI, a política europeia para os indígenas pressupunha também a existência de uma política indígena frente aos europeus, já que os Tamoios e os Tupiniquins tinham seus próprios motivos para se aliarem aos franceses ou aos portugueses. Adaptado de Manuela Carneiro da Cunha, Introdução a uma história indígena. São Paulo: Companhia das Letras/Fapesp, 1992, p. 18.
Com base no excerto e nos seus conhecimentos sobre os primeiros contatos entre europeus e indígenas no Brasil, assinale a alternativa correta. (A) A população ameríndia era heterogênea e os conflitos entre diferentes grupos étnicos ajudaram a definir, de acordo com suas próprias lógicas e interesses, a dinâmica dos seus contatos com os europeus. (B) O fato de Tamoios e Tupiniquins serem grupos aliados contribuiu para neutralizar as disputas entre franceses e portugueses pelo controle do Brasil, pelo papel mediador que os nativos exerciam. (C) Os indígenas, agentes de sua história, desde cedo souberam explorar as rivalidades entre os europeus e mantê-los afastados dos seus conflitos interétnicos, anulando o impacto da presença portuguesa. (D) As etnias indígenas viviam em harmonia umas com as outras e em equilíbrio com a natureza. Esse quadro foi alterado com a chegada dos europeus, que passaram a incentivar os conflitos interétnicos para estabelecer o domínio colonial.
04. (PUCRS) Sobre o período pré-colonial na História do Brasil, é correto afirmar que (A) foi estabelecida a escravidão indígena como forma de exploração do trabalho, devido à ausência de uma atividade econômica que financiasse o tráfico de escravos africanos para o Brasil. (B) a economia baseou-se na exploração de produtos naturais da terra, que não exigiam o estabelecimento da agricultura para serem extraídos, como o pau-brasil, o cacau e o látex. (C) promoveu-se a doação de porções da terra recémdescoberta para a aristocracia portuguesa, cujos membros ocupavam os principais cargos na administração pública reinol. (D) havia desinteresse na colonização imediata do território, tendo em vista que os principais recursos humanos e materiais portugueses estavam voltados para a exploração do rendoso comércio com as Índias. (E) foram enviadas ao litoral brasileiro as chamadas “expedições guarda-costas”, que visavam vigiar a nova descoberta portuguesa diante da possível invasão holandesa na região.
03. (UFRGS) Leia o segmento abaixo, do escritor indígena Ailton Krenak. Os fatos e a história recente dos últimos 500 anos têm indicado que o tempo desse encontro entre as nossas culturas é um tempo que acontece e se repete todo dia. Não houve um encontro entre as culturas dos povos do Ocidente e a cultura do continente americano numa data e num tempo demarcado que pudéssemos chamar de 1500 ou de 1800. Estamos convivendo com esse contato desde sempre. KRENAK, Ailton. O eterno retorno do encontro. In: NOVAES, Adauto (org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Funarte, Companhia das Letras, 1999. p. 25.
HISTÓRIA
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CAPITANIAS HEREDITÁRIAS E GOVERNOS GERAIS Introdução Logo que tomou posse do Brasil, a coroa portuguesa passou a se preocupar com a administração destas terras, que eram muito maiores do que o reino. Outra preocupação imperava: como povoar a imensa colônia americana, com uma população tão diminuta como a de Portugal e seus domínios? A primeira tentativa foi a repetição do modelo usado nas ilhas do oceano Atlântico, o sistema de Capitanias Hereditárias. Dessa forma, o Brasil foi dividido em 15 capitanias (segundo alguns autores foram 14, sendo que uma delas era dividida em 2 lotes), com extensos territórios. Aos capitães donatários cabia o povoamento e a colonização de sua capitania. Com o fracasso deste modelo, Portugal buscou replicar, na colônia, uma estrutura que conhecia bem: a centralização administrativa. Para tal, foi criado o posto de Governador-Geral do Brasil. Os três primeiros tiveram dificuldades em organizar a colônia e evitar a perda de territórios para estrangeiros. Assim, expedição fundadora da colônia, sistema de capitanias hereditárias e governos gerais, esses serão os temas abordados neste capítulo. 1.
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Início da Colonização 2. Capitanias Hereditárias 3. Governos Gerais
O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO
O marco inicial da colonização do Brasil foi a expedição de Martim Afonso de Souza, que partiu de Portugal em 1530 e esteve no Brasil até 1532. Ele foi enviado pelo rei D. João III, o Colonizador, que pretendia iniciar de forma efetiva a ocupação do território brasileiro. Tendo em vista a forte concorrência das grandes potências europeias no comércio com as Índias, o Brasil tornava-se prioridade. Entre tripulantes e colonos, Martim Afonso veio para o Brasil com cerca de 400 homens. Além disso, ele trouxe mudas de cana-de-açúcar, mudas de outras plantas, animais, ferramentas e alguns instrumentos agrícolas. D. João III concedeu a Martim Afonso o cargo de Capitão-Mor, devendo ele se responsabilizar pela expulsão de todos os estrangeiros que encontrasse. Havia se comprometido, também, a proteger o Brasil, aplicar a justiça, fundar vilas, começar uma estrutura de colonização, escolher alguns funcionários e procurar riquezas. Dessa forma, Martim Afonso fundou a vila de São Vicente, em 1532, localizada no litoral do atual estado de São Paulo; deu início ao cultivo de cana-de-açúcar, fundando o Engenho do Governador, o primeiro no Brasil; concedeu sesmarias aos colonos; estendeu sua expedição até o Rio da Prata e expulsou franceses do litoral. Martim Afonso de Souza e seu irmão, Pero de Souza, navegaram pelo litoral do Brasil para reconhecer as fronteiras e os limites do domínio lusitano na América. Além disso, reforçaram para Portugal, a ideia de remodelar o Tratado de Tordesilhas às fronteiras naturais, entre o rio Amazonas e o Rio da Prata, como se o Brasil fosse uma ilha. Para ocupar o território da colônia americana, o rei de Portugal, D. João III utilizou-se do modelo que era aplicado nas ilhas dominadas por Portugal no oceano Atlântico – Madeira, Açores, Cabo-Verde –, o sistema de Capitanias Hereditárias.
Martim Afonso de Souza - Obra de Leandro Manoel Afonso Mendes, 1932
Sesmarias: lotes de terras distribuídos do início da colonização do Brasil, até 1822, quando foi abolida. Estes lotes eram de terra inculta, justamente para que o beneficiário iniciasse o cultivo da terra e a apropriação do território colonial. Esta estrutura de colonização tem consequências até hoje, sendo uma das origens dos grandes latifúndios.
HISTÓRIA
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Mapa das Capitanias Hereditárias 1534-1536
Mapa das Capitanias Hereditárias, segundo pesquisa de Jorge Pimentel Cintra, 2014
– Carta de Doação: garantia a posse (e não a propriedade) da Capitania ao Capitão Donatário, o que não lhe garantia o direito de vender ou de dividir a capitania – Foral: especificava quais eram as obrigações e os direitos do Capitão Donatário. Ele seria o juiz da sua capitania, ou seja, deveria exercer a justiça; estava responsável pela defesa da capitania, exercendo liderança militar – ou atribuindo esta atividade a alguém de sua confiança; comprometia-se a fundar vilas e a doar sesmarias para atrair colonos e consolidar o domínio lusitano; era responsável pela cobrança de impostos, estipulados por ele, com o compromisso de enviar a parte correta da Coroa; tinha a permissão de escravizar indígenas, segundo alguns autores, respeitando um número pré-fixado de escravos; dentre outras funções.
Mapa de Luís Teixeira
A Capitania de Pernambuco era posse de Duarte Coelho que, juntamente com os Albuquerque, enfrentou a resistência dos indígenas – que atacavam as vilas de Olinda e Igaraçu – e consolidou o plantio da cana-de-açúcar na região, tornando-a próspera. Alguns autores afirmam que Duarte Coelho era tão poderoso que, em 1549, o Governador-Geral Tomé de Souza, antes de ir para a Bahia, passou por Pernambuco para observar o
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HISTÓRIA
2.
CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Para colonizar o Brasil, os portugueses utilizaram-se de um sistema que já era conhecido: o sistema de Capitanias Hereditárias. Nesse sistema, Portugal dividia o Brasil em faixas de terra e as cedia a alguns colonizadores particulares, para que eles se responsabilizassem pela colonização. Como já mencionado, foi assim que os portugueses haviam ocupado as suas ilhas do Atlântico. O Brasil foi, então, dividido em 15 Capitanias, que foram entregues a 12 Capitães Donatários. Martim Afonso de Souza ficou com 2 e seu irmão Pero de Souza ficou com 3. Os Capitães Donatários tinham 5 anos para dar início à colonização, que devia ser financiada com os recursos dos próprios donatários. Este acabou sendo um dos motivos do fracasso do modelo. Imagina-se que a maioria dos portugueses economicamente bem sucedidos não teria interesse em se lançar ao mar para colonizar uma colônia que, pelas informações que tinham, era uma grande floresta. Sendo assim, a maioria dos donatários que receberam as capitanias no Brasil não eram indivíduos de grandes fortunas. Além disso, Portugal era um país pequeno com no máximo 1 milhão de habitantes, o que dificultava ainda mais a colonização. Os capitães donatários vinham para o Brasil com alguns documentos especiais: a Carta de Doação e o Foral. A Coroa portuguesa era responsável pela moeda que circulava nas capitanias. Além disso, se fossem encontradas riquezas minerais, a exploração devia ser definida pela Coroa. Por todos os motivos relacionados anteriormente – dentre os quais, os altos custos da colonização, a pequena população disponível para colonizar, a carência de uma atividade de grandes lucros imediatos – além das dificuldades que se apresentaram durante o processo: conflito com os indígenas, desentendimentos internos, inexperiência, a falta de contato entre as capitanias, dentre outros podemos afirmar que o sistema de Capitanias Hereditárias, no que se refere à ocupação e colonização do território lusitano na América, não foi bem-sucedido. Apenas duas Capitanias prosperaram: Pernambuco - por conta da cana-de-açúcar ; e São Vicente - por conta da cana-de-açúcar e pelo Bandeirismo. Cabe ressaltar que nenhum representante da alta nobreza estava no grupo dos donatários, pois como já mencionado, o que restava dos negócios com a Índia e a exploração das ilhas oceânicas ainda eram mais atrativos. Por isso, a falta de recursos fez com que alguns Capitães Donatários não conseguissem condições para a viagem ao Brasil. Outros perderam tudo o que foi investido. Segundo o historiador Boris Fausto, “as capitanias hereditárias são uma instituição a que frequentemente se referem os historiadores, sobretudo portugueses, defensores da tese da natureza feudal da colonização. Essa tese e a própria discussão perderam hoje a importância que já tiveram, cedendo lugar à tendência historiográfica mais recente, que não considera indispensável rotular com etiquetas rígidas formações sociais complexas que não reproduzem o modelo europeu. Sem avançar nesse assunto, lembremos que, ao instituir as capitanias, a Coroa lançou mão de algumas fórmulas cuja origem se encontra na sociedade medieval europeia. É o caso, por exemplo, do direito concedido aos donatários de obter pagamento para licenciar a instalação de engenhos de açúcar; esse direito é análogo às ‘banalidades’ pagas pelos lavradores aos senhores feudais. Mas, em essência, mesmo na sua forma original, as capitanias representaram uma tentativa transitória e ainda tateante de colonização, com o objetivo de integrar a Colônia à economia mercantil europeia” (FAUSTO, 2006, p. 45). Dessa forma, o rei D. João III optou por centralizar a administração aqui no Brasil, a partir da criação do cargo de Govenador Geral, em 1548, o que alterava o modelo descentralizado das capitanias hereditárias. O novo modelo era baseado na estrutura política da metrópole. No entanto, as capitanias hereditárias não foram extintas. Elas passaram a ser partes administrativas da colônia. A Coroa começou a comprar as capitanias dos donatários, sendo apenas entre 1752 e 1754, que o Marquês de Pombal comprou as últimas, tornando-as todas públicas.
3.
GOVERNOS GERAIS
Tomé de Souza (1549 – 1553) Foi o primeiro Governador Geral do Brasil. Tinha experiência de comando na África e na Índia. Ele veio para o Brasil acompanhado de cerca de 1000 pessoas, dentre os quais, segundo alguns autores, 400 degredados. Além disso, ele trouxe um documento, denominado “Regimento de Tomé de Souza” com instruções para garantir a posse da colônia, efetivar a colonização e organizar as finanças. Tomé de Souza nomeou funcionários estratégicos que deviam incumbir-se: da proteção da Colônia (Capitão-Mor), das finanças (Provedor-Mor) e da justiça (Ouvidor-Mor). Esses funcionários agiriam como ministros, buscando maior eficiência na administração. Dentre as principais ações do governo de Tomé de Souza, podemos destacar: a criação de um sistema jurídico para a colônia; a fundação de Salvador (1549), a primeira capital do Brasil; a construção de prédios para a Câmara de Salvador, com a casa do próprio Governador-Geral a construção da Igreja Matriz; a vinda consigo dos primeiros jesuítas para o Brasil, dentre os quais, estava o padre Manuel da Nobrega; a criação do primeiro bispado da colônia, regido pelo Bispo Pero Fernandes Sardinha, que seria devorado pelos índios caetés em 1556; a construção de algumas fortalezas militares ao longo da costa brasileira e os investimentos na produção de açúcar, incentivando a agricultura de subsistência e a pecuária.
sucesso da capitania, mas foi proibido de sair de seu navio, em virtude das ordens de Duarte Coelho. Este não admitia nenhuma autoridade maior do que a sua em Pernambuco. A Capitania de São Vicente era posse de Martim Afonso de Souza, que permaneceu pouquíssimo tempo no Brasil. Os engenhos de açúcar e a atividade de aprisionamento de indígenas (bandeirismo) proporcionaram a prosperidade econômica da região e, em função disso, sua consolidação. Além disso, com a fundação do Colégio Jesuíta, em 1554, a ocupação avançou para o interior da colônia, desviando-se da colonização litorânea, que era o padrão adotado pelos portugueses.
Duarte da Costa (1553 – 1558) Duarte da Costa chegou ao Brasil num contexto de conflitos internos entre os colonos e os jesuítas e desses dois grupos com o Bispo Sardinha. O Bispo reclamava que os jesuítas concediam ampla liberdade aos indígenas, principalmente no que se refere ao vestuário, e que os colonos deleitavam-se, de forma promíscua, com as índias. Ora, a visão do Bispo, que devia zelar pela moral cristã na Colônia, divergia frontalmente da cultura dos índios e das práticas dos colonos (em grande maioria homens), que habitavam aqui. O Bispo chegou a exigir que órfãs portuguesas fossem trazidas ao Brasil para que os colonos as desposassem. As críticas que o Bispo fez a D. Álvaro Duarte, filho de Duarte da Costa, levaram o Governador a enviar uma carta ao rei D. João III, que convocou Sardinha a Portugal. Na viagem de volta, o navio do Bispo naufragou perto da Ilha de Fernando de Noronha. Ele e mais 97 portugueses que se salvaram do naufrágio, foram devorados pelos índios caetés. As disputas entre colonos e jesuítas resumiam-se na questão da escravidão indígena. Os jesuítas, reforçados pela chegada do padre José de Anchieta em 1553, reivindicavam o direito de catequizar os índios. Já os colonos pretendiam escravizá-los. Em 1554, os jesuítas Manuel da Nobrega e José de Anchieta, dentre outros, fundaram o Colégio de São Paulo (base da cidade de São Paulo), com o objetivo de catequizar os índios. Para os colonos, a captura de índios que compreendessem o português e que tivessem noção da cultura lusitana representava uma facilitação ao seu trabalho. Isso levou à ampliação dos ataques de bandeirantes contra as tribos protegidas pelos jesuítas. Em 1554, os índios que viviam no litoral dos atuais estados de São Paulo e Rio de Janeiro (goitacás, aimorés, tupinambás) se aliaram contra os portugueses. O objetivo era reagir às capturas, à violência e à escravidão impostas pelos colonizadores europeus. Os índios formaram a Confederação dos Tamoios, desafiando o domínio lusitano na região. Em 1555 a Baía da Guanabara, no atual Rio de Janeiro, acabou sendo invadida pelos franceses (liderados por Nicolas Durand de Villegaignon), que dominaram a região de 1555 até 1567. Os invasores fundaram uma colônia na região, denominada França Antártica. Essa ocupação francesa só foi possível pela aliança que tinham com os índios tamoios. Os franceses fundaram na França Antártica o forte Coligny e buscaram consolidar o domínio atraindo colonos para a ocupação do território. Essa colônia francesa foi destino de vários huguenotes que fugiam dos conflitos religiosos na Europa.
Mem de Sá (1558 – 1572) Mem de Sá assumiu o governo com o objetivo de expulsar os franceses, vencer os índios e resolver as disputas internas. Mém de Sá é um dos grandes responsáveis pela substituição da mão de obra indígena pela africana. Ele enriqueceu com o tráfico de escravos africanos, situação que amenizou as relações conflituosas entre colonos e jesuítas.
Tomé de Souza – Primeiro Governador-Geral do Brasil
França Antártica
Vilas e Cidades A primeira vila fundada no Brasil foi São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo, em 1532. Em 1549 foi fundada a primeira capital do Brasil, a cidade de Salvador. Em 1554, foi fundada pelos jesuítas a vila de São Paulo de Piratininga, durante muito tempo a única no interior do Brasil. Já em 1565, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada por Estácio de Sá. Para fundar uma vila, era necessário erguer um pelourinho, uma cadeia e uma Câmara Municipal (ou Senado da Câmara). A Câmara Municipal (ou Senado da Câmara) era o órgão de administração municipal. As Câmaras eram formadas e geri das pelos “homens bons”, os grandes proprietários de terra da região. Antes da União Ibérica, as Câmaras Municipais gozavam de ampla autonomia, inclusive enviando embaixadores para HISTÓRIA
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Portugal, para interceder por suas demandas. No entanto, após a União Ibérica, a administração lusitana tornou-se mais centralizadora, e as câmaras municipais das cidades ou vilas de maior importância passaram a ser administradas por um forasteiro (Juiz de Fora). Este poderia ser de outra região do Brasil, ou de Portugal. As câmaras municipais eram formadas por um grupo de “edis”, ou vereadores, e um juiz, ou prefeito. Os “homens bons”, ou seja, os proprietários de terra, escolhiam os edis e os juízes, o que significa um arcaico processo eleitoral no Brasil.
''O último tamoio", quadro de 1883 de Rodolfo Amoedo retratando o extermínio dos tamoios
Para enfrentar os indígenas e os franceses, o governador pediu auxílio a Portugal e aos jesuítas. De Portugal recebeu reforços e dos jesuítas a ajuda para negociar com os índios. Em 1563, por intermédio dos jesuítas Manuel da Nobrega e José de Anchieta, os colonizadores e os índios firmaram um acordo denominado Paz de Iperoig (atual Ubatuba). Na verdade, esse acordo foi a forma encontrada por Mem de Sá para ganhar tempo, até os reforços chegarem da Europa. Quando esses chegaram, o acordo com os índios foi rompido, e os tamoios foram derrotados pelos portugueses em 1567. No entanto, a resistência dos tamoios durou até 1575. Para enfrentar os franceses, Mem de Sá contou com a liderança militar de seu sobrinho, Estácio de Sá. Mem de Sá havia conseguido destruir a maior fortaleza francesa, o Forte Coligny, mas os franceses ainda resistiam duramente. No entanto, com a chegada de Estácio de Sá e dos reforços de Portugal, a guerra se encaminhou para a vitória lusitana. Em 1565, Estácio fundou a cidade de São Sebastiao do Rio de Janeiro, que serviu de base para a expulsão definitiva dos franceses, em 1567. Os portugueses contaram com o apoio dos índios terminimós e tupiniquins. Já os franceses eram aliados dos tamoios. Nas últimas batalhas pelo controle da baía da Guanabara, Estácio de Sá foi alvejado no rosto por uma flecha envenenada e acabou morrendo. Mesmo muito rico, Mem de Sá não estava satisfeito no Brasil. Havia perdido o seu filho e o seu sobrinho nas lutas contra os índios e os franceses e, em Portugal, sua mulher e sua filha haviam morrido também. Ele queria voltar para a metrópole, mas o navio que trazia o seu sucessor, Luís Fernandes de Vasconcelos, enviado pelo rei D. Sebastião, foi atacado por corsários franceses. Mem de Sá morreu em Para saber mais 1572, no Brasil.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UEM) A partir de 1534, a Coroa Portuguesa adotou o sistema de capitanias hereditárias ou de donatarias para viabilizar a colonização do Brasil. Sobre a divisão do território colonial brasileiro em capitanias, assinale a(s) alternativa(s) correta(s).
(01) O sistema de capitanias hereditárias se caracterizava pela doação de extensas faixas de terra a capitães-donatários, regulamentada pelas Cartas de Doação e Forais. (02) O donatário deveria colonizar a capitania, fundar vilas e proteger a terra e seus colonos contra os ataques de nativos e de estrangeiros. (04) Os forais estabeleciam os direitos e os deveres dos donatários em relação à exploração da terra, que recebiam não como proprietários, mas como administradores. (08) As capitanias hereditárias que mais prosperaram foram a de Santana, localizada ao sul do território brasileiro, e a do Maranhão, situada na parte setentrional da colônia. (16) O sistema de capitanias hereditárias foi adotado primeiramente na América Portuguesa e só depois implantado por Portugal em suas colônias das ilhas do Atlântico. Gabarito: 01 + 02 + 04 = 07 A afirmativa (01) está correta, pois as capitanias eram, realmente, grandes faixas de terras entregues aos capitães donatários (como posse), sobre as quais eles exerciam direitos e deveres estabelecidos na Carta de Doação (documento de posse) e no Foral (direitos e deveres do Capitão Donatário). A afirmativa (02) está correta, pois, dentre os deveres e os direitos do capitão donatário, estavam colonizar a capitania, protegê-la e fundar vilas. A afirmativa (04) está correta, destacando a função do foral e deixando claro que o capitão donatário não era o proprietário da capitania. A afirmativa (08) está incorreta, porque as duas capitanias que mais prosperaram foram as de Pernambuco e São Vicente. A afirmativa (16) está incorreta, porque o sistema de capitanias hereditárias havia sido implementado por Portugal primeiramente nas suas ilhas do Atlântico e, posteriormente, no Brasil. 396
HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UNESP-2022) [O rei D. João III] ordenou que se povoasse esta província, repartindo as terras por pessoas que se lhe ofereceram para as povoarem e conquistarem à custa de sua fazenda, e dando a cada um 50 léguas por costa com todo o seu sertão [...]; são sismeiros das suas terras, e as repartem pelos moradores como querem, todavia movendo-se depois alguma dúvida sobre as datas, não são eles os juízes delas, senão o provedor da fazenda, nem os que as recebem de sesmaria têm obrigação de pagar mais que dízimo a Deus dos frutos que colhem [...]. Frei Vicente do Salvador. História do Brasil (1500-1627). In: www. dominiopublico.gov.br.
O excerto, do século XVII, caracteriza a: (A) definição de rigoroso sistema tributário voltado aos interesses da Coroa portuguesa. (B) autorização para a instalação de sesmarias destinadas exclusivamente ao cultivo de algodão e tabaco. (C) constituição de um regime fundiário apoiado na pequena propriedade rural. (D) atribuição de poder político, econômico e jurídico aos senhores de engenho. (E) criação das capitanias hereditárias e a atribuição de direitos aos donatários. 02. (UEM-2021) Sobre o processo de ocupação do território brasileiro no século XVI, assinale o que for correto. (01) O sistema de Capitanias Hereditárias foi a solução para que a coroa portuguesa ocupasse a costa brasileira; o rei doava uma parte de terra a um súdito, que recebia o título de capitão donatário. (02) O litoral do Nordeste concentrava os investimentos portugueses por causa do ciclo canavieiro e da exportação de açúcar para a Europa. (04) Nas áreas coloniais do Sudeste, o principal meio de sobrevivência era a cultura da borracha, extraída no litoral e exportada para os Estados Unidos. (08) Por meio da criação de colégios, missões ou aldeamentos, os jesuítas se espalharam por vários domínios portugueses e espanhóis na América. (16) Os bandeirantes organizavam expedições em busca de jazidas de ouro e de pedras preciosas, e para aprisionamento de indígenas. 03. (ENEM-2020) A originalidade do Absolutismo português talvez esteja no fato de ter sido o regime político europeu que melhor sintetizou a ideia do patrimonialismo estatal: os recursos materiais da nação se confundindo com os bens pessoais do monarca.
Na colonização do Brasil, o patrimonialismo da Coroa portuguesa ficou evidente (A) nas capitanias hereditárias. (B) na catequização indígena. (C) no sistema de plantation. (D) nas reduções jesuítas. (E) no tráfico de escravos. 04. (UEL) Leia o trecho do poema a seguir. – Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. – É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe neste latifúndio. – Não é cova grande. é cova medida, é a terra que querias ver dividida. MELO NETO, J. C. Morte eVida Severina. Universidade da Amazônia, NEAD – Núcleo de Educação à Distância. p.21-13. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2017.
O poema trata da relação entre o homem e a terra no Brasil. Com base nos conhecimentos sobre propriedade e usos da terra, assinale a alternativa correta. (A) No decorrer do segundo Reinado, a Lei de Terras, promulgada em 1850, possibilitou o livre acesso das terras devolutas aos primeiros imigrantes europeus, garantindo-lhes a sobrevivência. (B) Na Colônia, as terras doadas como sesmarias garantiam privilégios aos senhores de engenho, mas restringiam a prática de certas atividades econômicas. (C) No Império, formaram-se os primeiros quilombos cuja propriedade dessas terras foi reconhecida legalmente durante a primeira República. (D) Em 1964, João Goulart realizou desapropriações das pequenas propriedades no entorno das metrópoles para o cultivo de sobrevivência por parte dos trabalhadores. (E) No governo de Fernando Henrique Cardoso (19952002), retomou-se a política econômica de estatização das propriedades agrícolas resultando em elevadas taxas de crescimento econômico.
LOPES, M. A. O Absolutismo: política e sociedade na Europa moderna. São Paulo: Brasiliense, 1996 (adaptado). HISTÓRIA
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ECONOMIA AÇUCAREIRA NO BRASIL COLÔNIA Introdução O açúcar foi o produto responsável por inserir o Brasil, definitivamente, no circuito econômico internacional. Considerado um produto de luxo, deixado como herança por famílias de posses, ou dado como bom dote entre nobres, o açúcar tornou-se um produto barato e popular a partir da produção brasileira. Esta produção concentrava-se no Nordeste e foi desenvolvida em uma região denominada Zona da Mata. Segundo alguns autores, o açúcar é uma cultura agrícola egoísta, enfraquecendo o solo onde é plantada. Em resumo, alguns dos problemas climáticos e ecológicos que o Nordeste enfrenta até hoje são herdeiros da produção mercantilista de cana-de-açúcar. Uma vez decidido o produto tropical a explorar, devia-se implementar a estrutura de exploração e essa estrutura constituiu-se no denominado Plantation: latifúndio, monocultura, mão de obra escrava e produção voltada à exportação. Num primeiro momento, a mão de obra escravizada foi a dos indígenas. Contudo, diante dos vultosos lucros obtidos com o tráfico de africanos para a América, a mão de obra do índio foi sendo substituída pela do negro. Neste capítulo, estudamos a montagem do sistema açucareiro e a utilização da mão de obra de indígenas e de africanos, suas características, os mecanismos de repressão e as formas de resistência, além da economia complementar ao açúcar. 1.
AÇÚCAR
A princípio, os portugueses não encontraram metais preciosos no Brasil e, por isso, passaram a buscar alternativas para lucrar na colônia. Dessa forma, Portugal decidiu desenvolver a plantação de cana-de-açúcar, porque já dominava a técnica desse plantio e porque sabia que esse seria um produto de grande aceitação na Europa. O açúcar foi levado pelos árabes à península Ibérica, mas foram os portugueses que introduziram essa cultura nas suas ilhas do Atlântico e no Brasil. O açúcar era um produto extremamente valorizado na Europa, sendo considerado um artigo de luxo. O açúcar, então, consolidou a participação do Brasil no circuito comercial mundial, nesse momento solidamente mercantilista. O clima do nordeste brasileiro era favorável a essa cultura, e o Brasil, de extensas terras, permitia a produção (monocultora) em larga escala. As primeiras mudas de cana-de-açúcar foram trazidas por Martim Afonso de Souza, mas foi em Pernambuco que a produção vingou. A estrutura da colonização era o sistema de plantation, ou seja, latifúndio, trabalho escravo, monocultura, voltada para a exportação. O açúcar movimentou de forma significativa a economia mundial. A maioria dos engenhos estavam em Pernambuco, mas o Nordeste se destacou de modo geral. A unidade de produção do açúcar era o Engenho, que englobava a casa-grande, a senzala, a plantação, a capela, áreas para criação de animais, extração de ervas e frutas, residência dos demais empregados, além, é claro, do engenho, a parte de produção do açúcar que dava nome a toda a propriedade. Depois de colhida, a cana era levada ao moínho, onde se extraía o caldo. Este era levado para a casa das caldeiras para ser transformado em melaço. Após essa fase, o melaço era levado para a casa de purgar, onde o processo era concluído, e o melaço era drenado e seco, para virar açúcar.
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Açúcar 2. Trabalhadores do açúcar 3. Formas de resistência à escravidão
Contexto Histórico As monarquias europeias deste período eram, em grande maioria, absolutistas, ou seja, o poder dos reis sobrepunha-se a quaisquer leis ou tentativas de limitação. Portugal foi o país que mais cedo adotou o modelo, logo após a Revolução de Avis, em 1385, mas Espanha, França, Inglaterra, dentre outros consolidavam o absolutismo através de conflitos internos e externos, marcados por guerras religiosas e disputas ultramarinas. Segundo o historiador Perry Anderson, “as monarquias absolutistas introduziram os exércitos regulares, uma burocracia permanente, o sistema tributário nacional, a codificação do direito e os primórdios de um mercado unificado” (ANDERSON, 2004, p. 17). O sistema econômico deste período era o Mercantilismo, caracterizado pela intervenção do Estado na economia, pelo protecionismo pela busca de uma balança comercial favorável, para gerar acúmulo de riquezas. Acumular riquezas era essencial para o sucesso de um Estado Absolutista, tendo em vista a manutenção de toda a estrutura centralizadora. Para garantir essa balança comercial favorável, a colonização e o Pacto Colonial foram fundamentais. O Pacto Colonial consistia no monopólio do comércio entre metrópole e colônia, garantindo, assim, a certeza de lucros para os colonizadores.
Engenho Século XVII HISTÓRIA
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A Holanda era a grande parceira de Portugal na comercialização do açúcar. Os investidores da região de Flandres (atual Bélgica) e da Holanda financiavam a produção, mas cabia aos holandeses o processo do refino e da comercialização. Diante da incapacidade da marinha mercante portuguesa dar conta de todo o negócio, os holandeses recebiam autorização para realizar parte do transporte do açúcar até a Europa, com rígido controle lusitano. Os holandeses acabavam lucrando muito com esse negócio, pois suas atividades econômicas ainda não incluíam os custos da produção nas colônias. 2.
TRABALHADORES DO AÇÚCAR
Indígenas
Pintura de Jean-Baptiste Debret representando a captura de indígenas
Em 20 de março de 1570, foi promulgada, pelo rei D. Sebastião I, a “Lei sobre a Liberdade dos Gentios”, que proibia a escravidão de indígenas, com exceção daqueles capturados em “Guerra Justa”. Aqui no Brasil, em 1574, a partir do debate entre Luís Brito de Almeida, Antônio Salema (governadores do Norte e do Sul, respectivamente) e o bispo Pedro Leitão, decidiu-se que os índios, prisioneiros de outros índios, poderiam ser escravizados também. Aqueles capturados em guerra considerada não justa deviam ser libertados.
Desde o século XIX, intelectuais brasileiros buscavam entender a sociedade e a história nacional por um prisma pseudocientífico e racista. As ideias de darwinismo social ainda estavam presentes nas análises que valorizavam o europeu e menosprezavam os componentes culturais de matriz africana e indígena na História do Brasil. Em 1933, Gilberto Freyre publicou o seu livro “Casa-Grande & Senzala” e deu início a uma outra perspectiva. Segundo ele a miscigenação não era o “problema do Brasil” como analisavam os pensadores anteriores, mas sim a essência do país. Herdeiro de portugueses, indígenas e africanos, o Brasil de Freyre era entendido como o resultado da mistura de grupos étnicos que tinham em sua origem o resultado de outras miscigenações. Ou seja, o Brasil não teria como ser diferente. No entanto, ele acreditava
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HISTÓRIA
A princípio, os índios foram utilizados como mão de obra nas lavouras de açúcar. Eles não aceitaram continuar com o Escambo para trabalho compulsório, sendo que não havia, entre os nativos, essa cultura. Dessa forma, os indígenas foram escravizados pelos portugueses. O auge da escravização de indígenas no Brasil foi de 1540 a 1580, mas a mão de obra escrava indígena se estendeu pelos séculos seguintes, principalmente nas regiões do Maranhão e da Amazônia, no século XVII. Entretanto, o tráfico de escravos africanos era um comércio extremamente lucrativo para Portugal e, por isso, a escravidão indígena foi proibida pela coroa portuguesa, ainda no século XVI, com certas exceções: – “Guerra Justa”: as tribos indígenas arredias, ou seja, que atacavam as vilas e as cidades, eram consideradas um problema pelos colonos. Neste caso, a luta contra estes índios fora permitida e a escravização dos prisioneiros autorizada; – “Salvação da Morte”: quando os colonos conseguissem destruir uma tribo indígena considerada arredia, o que devia ser feito com os prisioneiros desta tribo, que estavam sendo preparados para o ritual antropofágico? O entendimento das autoridades lusitanas no Brasil foi tal que permitiu a escravidão, pois já estavam condenados à morte e foram salvos pelos colonos. Durante muito tempo, se justificou a troca da mão de obra indígena pela africana dizendo que os indígenas eram “preguiçosos”, que não aceitavam o trabalho agrícola, porque seria “coisa de mulher”, ou ainda que os negros estavam acostumados com a escravidão e a aceitavam tranquilamente. Entre os indígenas, o trabalho nas lavouras era atribuição das mulheres. Além do mais, os índios prezavam por atividades de interação coletiva, de trocas de experiências e, por isso, passavam horas em conversas e atividades de lazer, o que poderia ser entendido como valorização do ócio. Deve-se destacar que os indígenas não tinham uma economia capitalista e não priorizavam o acúmulo de recursos, caçando, pescando e construindo suas habitações, ou defendendo a aldeia, quando necessário. No entanto, a escravidão nunca foi uma atividade aceita por povo algum. Ocorreram diversas revoltas de africanos no Brasil. Estas justificativas mais antigas, dão conta de reforçar uma explicação conivente e reconfortante do passado, visando desconectar a escravidão africana de uma imposição mercadológica. Contudo, a verdadeira explicação para a substituição do trabalho escravo do indígena pelo do africano foi a lucratividade do tráfico de escravos da África para o Brasil. Não podemos esquecer de que os jesuítas se opuseram à escravidão indígena e que, durante a ocupação holandesa no nordeste brasileiro, várias colônias portuguesas na África foram ocupadas também. Isso reduziu a disponibilidade de africanos cativos no Brasil português e, em função disso, acabou-se estimulando a busca por indígenas através das bandeiras de apresamento.
Africanos Havia escravidão na África antes da chegada dos europeus, no século XV. Deve ficar claro que as civilizações dos continentes africano e europeu já mantinham contato antes disso. Por exemplo, os romanos dominaram parte significativa do Norte da África. O Egito já se utilizava de escravos desde o Antigo Império, no entanto, essa prática cresceu, de
forma significativa, a partir do Novo Império. Além do Egito, outros reinos, tais como os de Daomé, Gana, Kush, Axum, Congo, dentre outros desenvolveram a escravidão. O modelo de escravidão mais utilizado era o denominado escravidão doméstica ou patriarcal. Mesmo sendo violenta, não tinha as mesmas características da escravidão comercial. Esse modelo baseava-se na escravização dos inimigos derrotados, utilizados em trabalhos agrícolas, geralmente. A escravidão não era a base da mão de obra. Os escravos dessa modalidade, normalmente, não podiam ser executados e, frequentemente, conquistavam a liberdade. Além da guerra, os africanos eram escravizados por cometer crimes. Ainda cabe ressaltar que, em algumas civilizações africanas, a escravidão era utilizada em larga escala, desencadeando na desvalorização do trabalho. No que se refere à escravidão comercial de africanos, os muçulmanos foram os pioneiros, levando escravos africanos para comercializar no Oriente Médio. Para esse negócio, foram fundamentais os berberes que, além de expandir a fé islâmica pelo continente, impulsionaram o negócio da escravidão. Na primeira metade do século VII, cerca de 300 mil escravos foram levados pelas caravanas do Saara. Calcula-se que, de acordo com informações de alguns autores, entre os séculos VII e XIX, aproximadamente entre 6 e 7 milhões de africanos foram submetidos a caravanas como essas, mas a maioria não sobreviveu ao deserto. Os muçulmanos não escravizavam apenas africanos, mas também turcos, indianos, chineses, dentre outros. Contudo, por volta do século IX, o número de africanos excedia os demais. Com a chegada dos europeus, o comércio de escravos tornou-se muito mais amplo. O eixo África-Oriente Médio foi expandido para o eixo África-América. Estima-se que foram trazidos para a América, cerca de 10 milhões de africanos escravizados, em pouco mais de 300 anos de tráfico. As formas pelas quais os europeus conseguiam os escravos na África eram diversas. Uma destas formas foi o comércio com os próprios africanos, que escravizavam seus inimigos, ou quaisquer outros povos, para trocar por armas, bebida, fumo, dentre outros produtos. Alguns autores afirmam que cerca de 3/4 de todos os africanos que vieram para a América como escravos foram vítimas desse negócio. Os Iorubás são um exemplo disso. Durante muito tempo, foram implacáveis caçadores de pessoas para escravizar. No entanto, no século XVIII, passaram a ser caçados, implacavelmente. Alguns reinos tradicionais africanos foram sucedidos por outros que se dedicavam às práticas da escravidão. O lucro do tráfico de escravos era extremamente alto, o que levou ao fim da escravidão indígena. Os escravos eram trazidos para o Brasil nos navios negreiros (apelidados de tumbeiros), que estavam sempre superlotados e com poucas condições de salubridade. Cerca de 20 a 35% dos escravos morriam na viagem. Os africanos eram tratados de forma terrível nas lavouras de cana-de-açúcar e posteriormente na exploração do ouro. Eram obrigados a trabalhar por muitas horas e, durante a noite, eram mantidos nas senzalas, em condições sub-humanas de higiene, e acorrentados para não fugir. Além disso, eram controlados constantemente pelo capitão do mato e pelo feitor, responsáveis por manter os escravos trabalhando e pelo resgate de escravos fugidos. As mulheres sofriam muito com a escravidão também, contudo eram geralmente usadas em trabalhos domésticos. Cozinheiras, arrumadeiras e até mesmo amas de leite foram comuns naqueles tempos da colônia. Ao longo da colonização, alguns escravos conseguiram comprar a sua liberdade (Carta de Alforria), contudo essa situação era mais exceção do que regra.
que o Brasil era um país com maior paz social se comparado a outros países onde houve escravidão. Tais argumentos favorecem a visão mitológica da democracia racial, em que portugueses, índios e negros tinham oportunidades semelhantes. Segundo ele, se somos fisicamente menores e mais fracos, isso seria o resultado da má alimentação da maioria da população em um país com significativa concentração de propriedade. Para Freyre, não somos racistas, somos tolerantes, e essa tolerância étnica foi o resultado da nossa formação histórica. Mais tarde, pensadores como Florestan Fernandes, Jesse Souza, Djamila Ribeiro e Silvio Almeida romperam com a ideia de democracia racial. Sabe-se que o Brasil é um país com herança colonial racista e que a escravidão aqui foi extremamente violenta. Sabe-se também que, por privilégios históricos de uma elite de ascendência europeia, a maioria dos negros e indígenas brasileiros passaram boa parte da história do país às margens da sociedade. O Racismo Estrutural, como afirmam Djamila Ribeiro e Silvio Almeida está inserido nas mais diversas estruturas da sociedade que, iludida pelo mito da democracia racial, exerce o racismo como se fosse algo normal e não perceptível.
FORMAS DE RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO 3.
A forma mais comum de resistência à escravidão era a fuga. Mesmo sabendo que, ao serem capturados, as punições seriam extremamente violentas, os escravos jamais cessaram de buscar a liberdade. Sabe-se, contudo, que punições violentas e públicas geram medo na maioria, o que permitiu a submissão de muitos. Todavia, muitos outros optaram pela resistência que podia variar entre a já mencionada fuga, o suicídio, o assassinato de senhores e as revoltas. A Capoeira era, de certa forma, um tipo de resistência, pelo qual
Johann Moritz Rugendas pintou essa representação de um navio negreiro, por volta de 1830
HISTÓRIA
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os escravos treinavam movimentos marciais – disfarçados de dança – para se defender das agressões do feitor. Dentre as punições mais comuns estavam o tronco, onde o escravo era açoitado; as peias, correntes de ferro para os tornozelos, presas a pesadas bolas de ferro, as calcetas; coleira de ferro no pescoço, marcação a ferro, vazar um olho, decepar o nariz, dentre outras.
Quilombo de Palmares
Zumbi dos Palmares - Considerado o principal líder do maior quilombo do período colonial. Zumbi teria lutado contra a destruição de Palmares
O Quilombo de Palmares era localizado na Serra da Barriga, atual Alagoas, mas na época, Capitania de Pernambuco. Na verdade, Palmares era uma espécie de confederação de Quilombos (também chamados Mocambos), que chegou, no auge, a contar com 20 mil habitantes. Sua máxima expansão territorial foi constituída entre as décadas de 1630 e 1650, justamente durante a ocupação holandesa em Pernambuco, o que dificultava o controle sobre os escravos. A organização e o sucesso do quilombo representavam ameaças para o escravismo na região, por isso, os governos que se sucederam (portugueses ou holandeses) enviaram várias expedições militares contra Palmares. Contudo, o quilombo resistiu a mais de 30 delas, mantendo-se firme por cerca de 80 anos. Diante de tantas derrotas, ao longo do século XVII, o governador de Pernambuco, Aires de Sousa, assinou um acordo com Ganga Zumba (Líder de Palmares). Esse acordo ficou conhecido como Acordo de 1678 ou Acordo de Recife. Por esse acordo, os portugueses reconheciam como livres os habitantes de Palmares e seus descendentes, contudo o quilombo tinha que se comprometer a não aceitar mais escravos fugidos. Ganga Zumba foi assassinado e substituído por Zumbi, que não aceitava negociar com as autoridades coloniais. Em 1692, Domingos Jorge Velho, bandeirante contratado para acabar com Palmares, inicia o ataque ao quilombo, que não conseguiu resistir. Em 1695, Zumbi, que havia conseguido fugir, foi capturado e morto por Jorge Velho. Segundo alguns autores, Zumbi não admitia que o quilombo perdesse sua essência, ou seja, a de receber aqueles que procuravam refúgio. Não eram apenas negros que viviam em Palmares. Índios, mestiços, fugitivos ou pobres, enfim, aqueles que precisavam se afastar dos centros de colonização também o procuravam. Alguns autores afirmaram, em trabalhos recentes, que Zumbi teria escravos dentro do quilombo, e que esta seria uma prática comum em Palmares. Essa afirmação é baseada em textos e obras mais antigas e suas conclusões orientam-se por inferências e conjecturas. Na verdade, não existem provas que sustentem tais informações, tampouco que provem o contrário. Sendo assim, uma pesquisa histórica que se pretenda séria, não pode apresentar conclusões sem provas. Zumbi tornou-se uma figura extremamente relevante nos debates atuais. Sua história simboliza a luta dos negros contra a opressão da escravidão, e por isso, o dia da sua morte, 20 de novembro, acabou sendo escolhido como o Dia da Consciência Negra. Cabe ressaltar que a figura de Dandara, suposta companheira de Zumbi e também líder de Palmares, é interpretada de formas diversas: alguns afirmam que ela realmente existiu e que era uma grande guerreira de Palmares, exímia capoeirista que teria lutado contra várias das investidas colonialistas a Palmares; já outros a veem como lenda, pois as informações existentes sobre ela são muitíssimo escassas.
Economia Complementar O açúcar era o principal produto da economia brasileira, contudo não era o único. Desenvolveram-se várias outras culturas e atividades na colônia portuguesa na América, tais como:
• Brecha Camponesa Família de escravos - pintura de Johann Moritz Rugendas, alemão que esteve no Brasil, no século XIX 402
HISTÓRIA
A viagem de Portugal ao Brasil era longa e, muitas vezes, naufrágios ampliavam o tempo de espera por produtos encomendados da metrópole. Dessa forma, a coroa portuguesa ordenou que no Brasil os colonos deveriam destinar uma parte (mesmo que
pequena) das grandes propriedades para o plantio de produtos de subsistência (mandioca, dentre outros), para não haver fome devido à falta de abastecimento. Os senhores de engenho, com o objetivo de cumprir a determinação portuguesa e de se livrar dos custos com o sustento dos escravos, liberaram partes de suas propriedades para o desenvolvimento do plantio de produtos alimentícios básicos, desenvolvido pelos escravos. Esses produtos serviriam para a alimentação dos próprios escravos, que também podiam vender os excedentes nas vilas próximas. Alguns escravos melhoraram um pouco a sua condição, e outros conseguiram comprar a carta de alforria – o que era uma exceção –, com essa atividade, contudo a mudança jamais foi significativa ao ponto de alterar a estrutura. Geralmente, os escravos tinham a liberação de um dia por semana para cuidarem de suas plantações. Dessa forma, o relaxamento na exploração da mão de obra era pouco expressivo. Deve-se destacar também que haviam camponeses no Brasil. Pequenos proprietários de terras que se dedicavam ao plantio de mandioca, feijão, milho, dentre outros produtos e que eram responsáveis por complementar o abastecimento das vilas e das cidades no Brasil Colônia. Estes foram, e ainda são, marginalizados pela nossa história, pois são raras as menções a sua existência. Contudo, esses camponeses, no verdadeiro sentido do termo, não podem ser associados à Brecha Camponesa.
Drogas do Sertão A extração das drogas do Sertão foi outro importante ramo da economia colonial. Ervas aromáticas, plantas medicinais, cacau, canela, baunilha, cravo, castanha e guaraná eram buscados pelos bandeirantes que circulavam as regiões do interior do Brasil e a região amazônica. Tais artigos eram consumidos no mercado europeu para o uso alimentício e medicinal. Os bandeirantes compravam dos jesuítas que se utilizavam do trabalho dos índios (que estavam sendo catequizados) para extrair as “drogas”. Esse negócio era percebido pelos portugueses, como uma forma de substituir a perda do comércio de especiarias na Índia. No entanto, assim como na Ásia, os lusitanos tiveram concorrência aqui na América também.
• Cachaça, Fumo (Tabaco) e Algodão Na região do Recôncavo Baiano, o fumo era plantado por pequenos lavradores que comercializavam a produção obtida com a metrópole portuguesa. Tal atividade era de suma importância na realização do escambo entre as tribos africanas que aprisionavam os escravos a serem comercializados no Brasil. Como o tráfico de africanos para o Brasil era uma das atividades mais lucrativas do período colonial, a produção de fumo (tabaco) ganhou destaque, tornando-se a segunda mais importante exportação brasileira, durante o auge do açúcar. A produção de aguardente (cachaça – extraída do bagaço da cana-de-açúcar) e rapadura foram outras duas atividades que também se desenvolveram com o objetivo de usar como moeda de troca na África. Eram produzidos nos próprios engenhos de açúcar, como uma atividade de menor expressão. O algodão (produzido principalmente no Maranhão), que era primordial para a confecção da vestimenta dos escravos, também passou a entrar na pauta de exportações da economia colonial. O advento das primeiras manufaturas e a posterior consolidação da indústria têxtil europeia foi responsável pela inserção do algodão entre as atividades de interesse da metrópole. Em dois momentos históricos, a produção de algodão cresceu de forma significativa no Brasil: no século XVIII, durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos; e durante o século XIX, durante a Guerra de Secessão. Nestes dois momentos, a Inglaterra substituiu as importações dos Estados Unidos pelas do Brasil.
Bandeiras e Entradas Expedições que partiam para o interior do Brasil em busca de metais e pedras preciosas, indígenas, dentre outros. As Entradas eram expedições financiadas e organizadas pela coroa portuguesa, e as Bandeiras eram organizadas pelo capital privado. As bandeiras eram geralmente formadas por colonos portugueses, mestiços, negros e índios. Os líderes eram colonos ou portugueses (ou mamelucos respeitados em São Vicente em pequeno número). A elite militar era formada por mestiços e a maioria da tropa era formada por indígenas, que eram fundamentais para encontrar os caminhos no meio da selva e para a sobrevivência. Os conhecimentos indígenas foram amplamente utilizados pelos colonos. São Vicente teria sido a capitania mais influenciada pela cultura indígena.
• Tipos de Bandeira - Prospecção: expedições que partiam para o interior do Brasil em busca de metais preciosos;
Pecuária A pecuária, que se tornou uma atividade típica nas regiões nordeste e sul, promoveu o surgimento de outras classes sociais e avanço da colonização em direção ao interior do Brasil. No Nordeste, o gado era criado em regiões fora das áreas de plantação açucareira. Criado de forma livre, o gado avançou em regiões do Maranhão, Ceará e ao longo do Rio São Francisco. No Sul, a inserção do gado pelos jesuítas do Paraguai propiciou o desenvolvimento da atividade pecuarista, que atingiu seu auge com o comércio do charque destinado às regiões mineradoras. Dessa forma, a pecuária era importante, pois do gado se extraía a carne para abastecer as vilas e as cidades, o couro e o transporte, sendo que o gado era utilizado, junto aos muares, como meio de transporte de cargas. Mas, além disso, a pecuária contribuiu com a interiorização do Brasil. Sabe-se que a colonização lusitana é essencialmente litorânea. Contudo, diante da necessidade de preservar o litoral para o açúcar, o gado passou a ser criado mais para o interior, o que levou vários indivíduos a ocupar regiões interioranas, indo atrás do gado. Obviamente, a atividade que mais contribuiu para a interiorização do Brasil foi o bandeirismo. A Pecuária ainda proporcionava que indivíduos pobres mudassem de vida e de grupo social, pois a maioria dos tropeiros e demais trabalhadores da área recebiam geralmente em gado, tornando-os pequenos proprietários. Essa atividade praticamente não utilizava escravos, devido às dificuldades de controle de fugas.
HISTÓRIA
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Segundo alguns autores, a vida das mulheres em São Vicente era diferente das outras regiões do Brasil, neste período. Rubim Aquino, por exemplo, afirma que, devido às longas ausências dos bandeirantes, as mulheres administravam suas propriedades e realizavam negócios, participando ativamente do mercado. No Nordeste, em oposição, as mulheres viviam sob a égide de uma sociedade rigidamente patriarcal, comandada pelos senhores de engenho, com poderes quase absolutos, dentro de suas propriedades. Não podemos imaginar que a vida das mulheres em São Vicente era livre ou que gozavam de direitos, iguais aos dos homens. Mas comparada à vida de mulheres de outras regiões do Brasil, as de São Vicente era relativamente melhor.
Para saber mais
- Apresamento: expedições que partiam para o interior do Brasil em busca de indígenas para escravizar; - Contrato ou Sertanismo: bandeirantes eram contratados também para destruir tribos de índios “arredios” e quilombos, pelo interior do Brasil. - Monções: expedições que navegavam os rios, do interior do Brasil, geralmente para levar mantimentos aos bandeirantes que se aventuravam pelo Mato Grosso e por Goiás. No século XVII, durante a ocupação holandesa no Nordeste, os portugueses tiveram sérios problemas para trazer africanos escravizados para trabalhar no Brasil. Isso se deu devido à concorrência com os holandeses também na África. Estes tomaram várias colônias lusitanas na costa africana, dentre as quais Angola e a Colônia do Cabo. Sendo assim, a busca por indígenas para escravizar voltou a ser uma atividade lucrativa para os bandeirantes. As missões jesuítas tornaram-se alvo dos ataques dos bandeirantes, pois nelas os índios já estavam habituados ao trabalho agrícola e já entendiam o português ou o espanhol, o que facilitava o entendimento com os escravistas. As missões do Guairá (ou Guaíra), no Paraná, e do Tape, no Rio Grande do Sul, foram alvos dos ataques de bandeirantes. No Guairá, Manuel Preto e Raposo Tavares, foram responsáveis por expedições e comercialização dos índios capturados nessas missões. Essas expedições bandeirantes contra o Guairá contaram com o apoio de autoridades do Paraguai. Segundo alguns autores, os bandeirantes conseguiram aprisionar, durante as expedições do século XVII, cerca de 500 mil indígenas, entre as missões do Paraná, Paraguai, Argentina e Rio Grande do Sul. Contudo, os índios e os jesuítas passaram a se organizar e reagir às investidas dos bandeirantes. Em 1641 os índios e os jesuítas venceram os bandeirantes em Mbororé, às margens do rio Uruguai. Segundo alguns autores, essa derrota dos bandeirantes representava o fim do bandeirismo de apresamento. EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ENEM 2020) Ao longo de uma evolução iniciada nos meados do século XIV, o tráfico lusitano se desenvolve na periferia da economia metropolitana e das trocas africanas. Em seguida, o negócio se apresenta como uma fonte de receita para a Coroa e responde à demanda escravista de outras regiões europeias. Por fim, os africanos são usados para consolidar a produção ultramarina. ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes. São Paulo: Cia. das Letras, 2000 (adaptado).
A atividade econômica destacada no texto é um dos elementos do processo que levou o reino português a (A) utilizar o clero jesuíta para garantir a manutenção da emancipação indígena. (B) dinamizar o setor fabril para absorver os lucros dos investimentos senhoriais. (C) aceitar a tutela papal para reivindicar a exclusividade das rotas transoceânicas. (D) fortalecer os estabelecimentos bancários para financiar a expansão da exploração mineradora. (E) implementar a agromanufatura açucareira para viabilizar a continuidade da empreitada colonial. Gabarito: E O trecho citado no enunciado da questão versa sobre o tráfico de escravos e a importância deste para a economia colonial lusitana. Na parte final do excerto, o autor afirma que “os africanos são usados para consolidar a produção ultramarina”. Percebe-se claramente que, a partir dessa citação, o autor faz referência ao trabalho escravo nas colônias, ou seja, que os africanos eram usados para consolidar a produção de além-mar. Esta produção, a que intensificou o tráfico de escravos, foi a de cana-de-açúcar, no Brasil, principal fonte de recursos para Portugal após o declínio do comércio com as Índias. 404
HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEPG-2022) Toda vez que se fala em escravidão no Brasil colonial, a figura do negro escravizado é lembrada como símbolo desse nefasto modelo de trabalho. No entanto, os indígenas brasileiros também foram feitos de escravos durante esse período histórico e sofreram agruras similares às dos africanos trazidos para a colônia. A respeito da escravidão indígena nos séculos coloniais, assinale o que for correto. (01) Devido à grande necessidade de mão de obra, muitos engenhos de açúcar do nordeste se valeram do trabalho escravo indígena. (02) Os jesuítas eram contrários à escravização dos indígenas. O objetivo dessa congregação era a catequização e a conversão desses povos ao cristianismo. (04) Indígenas escravizados pelos portugueses durante o século XVIII cumpriram um importante papel como mineradores na região das minas, superando, inclusive, o número de escravos africanos nessa atividade. (08) O fato de os indígenas serem mais resistentes às doenças trazidas pelos europeus para a América foi um dos motivos que levou os portugueses a escolherem estes em detrimento dos africanos para o trabalho escravo. 02. (UFMS-2022) Evento fundamental para a incorporação do extremo oeste do território português na América aos centros de poder, transpassou o território estadual de Mato Grosso do Sul de um lado a outro, descobriu novos caminhos, dilatou a fronteira, fez surgir vilas e povoados e permitiu a economia de exploração dos recursos naturais na região do Mato Grosso. Qual evento histórico está associado ao enunciado? (A) Monções. (B) Comissão Rondon. (C) Retirada da Laguna. (D) Caminho do Peabiru. (E) Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. 03. (UNESP-2022) Estátuas famosas da cidade de São Paulo como a do bandeirante Borba Gato, em Santo Amaro, na Zona Sul, e a de Bartolomeu Bueno da Silva, no Parque Trianon, na Avenida Paulista, ganharam um “adereço macabro” nas últimas semanas. Com o objetivo de ressignificar a história das figuras que elas representam, um grupo de manifestantes colocou caveiras em frente a essas estátuas e as fotografou. As fotos viralizaram nas redes sociais. Bandeirantes como Borba Gato desbravaram territórios no interior do país e capturaram e escravizaram indígenas e negros. Isso quando não os matavam em confrontos que acabaram por dizimar etnias, segundo historiadores.
Do ponto de vista histórico, a proposta de “ressignificar monumentos”, realizada pelo grupo, (A) é uma transferência para a história e a historiografia da prática de cancelamento de pessoas nas redes sociais. (B) entende a função da história como celebração dos mitos e heróis do passado. (C) representa uma análise crítica e um esforço de revisão da memória histórica. (D) demonstra uma percepção otimista e ufanista da identidade e do passado brasileiros. (E) mostra clara descrença na história e a valorização do trabalho de artistas consagrados. 04. (PUC-GOIÁS-2022) Conforme João Capistrano de Abreu, primeiro professor da disciplina História do Brasil no país, a ação das Bandeiras seria bem semelhante a: “[...] homens munidos de armas de fogo atacam selvagens que se defendem com arco e flecha; à primeira investida morrem muitos dos assaltados e logo desmaia-lhes a coragem; os restantes, amarrados, são conduzidos ao povoado e distribuídos segundo as condições em que se organizou a bandeira.” ABREU, João C. Capítulos de história colonial. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998, p. 109. Adaptado.
Assinale a única alternativa que indica corretamente outra ação comum dos bandeirantes de São Paulo, além da referida destruição das aldeias: (A) O ataque a quilombos, a exemplo do Quilombo dos Palmares localizado no território do atual estado de Alagoas. (B) O ataque aos invasores europeus, a exemplo dos franceses que buscaram expandir suas colônias dominando o território do atual estado do Maranhão. (C) O ataque aos contrabandistas, especialmente os que roubavam esmeraldas, atuando como policiais nos territórios dos atuais estados de Minas Gerais e de Goiás. (D) As expedições contra os argentinos, que fizeram ataques regulares buscando conquistar o território dos atuais estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Bárbara Muniz Vieira. “Crânios são colocados ao lado de monumentos de bandeirantes para ressignificar história de SP”. g1.globo.com, 27.10.2020. Adaptado. HISTÓRIA
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UNIÃO IBÉRICA
e as Invasões Estrangeiras no Brasil
Introdução D. Sebastião tornou-se rei muito jovem e, por isso, não pôde assumir, efetivamente, o trono português antes dos 14 anos. Nesse período, Portugal foi regido pelo seu tio avô, D. Henrique, que era cardeal da Igreja Católica. D. Sebastião era neto e sucessor de D. João III e assumiu Portugal em 1568, conduzindo o seu governo no sentido de retomar a expansão portuguesa. Leitor assíduo de Luís de Camões, o jovem rei pretendia reconstruir o antigo poderio lusitano, recolocando Portugal entre as grandes potências europeias. Para tal, ele preparou um poderoso exército de mais de 14 mil soldados e, em 1578, atacou Ceuta, no norte da África. D. Sebastião morreu na batalha de Alcácer Quibír, acabando com o projeto expansionista e com o sonho do ressurgimento glorioso de Portugal. Os portugueses não aceitaram a morte do rei, o que fez surgir o mito do seu retorno. De acordo com a crença, D. Sebastião viria para conduzir o seu povo à condição de grande potência mundial. Surgiu assim o Sebastianismo, ou seja, a crença messiânica no retorno do rei. D. Sebastião tinha 24 anos quando morreu. Ele não deixou herdeiros diretos. Seu tio avô, D. Henrique assumiu Portugal, mas, como já tinha idade avançada, acabou morrendo dois anos depois. Filipe II, rei da Espanha, que era viúvo de uma tia de D. Sebastião (Maria Manuela) e neto de D. Manuel I (rei de Portugal entre 1495 e 1521), articulou-se com a nobreza portuguesa e foi coroado como rei de Portugal, unificando as coroas Ibéricas, em 1580. Neste capítulo, vamos estudar a estrutura da União Ibérica, as tentativas estrangeiras de dominar parte do Brasil e o declínio da produção açucareira. 1.
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. União Ibérica 2. Invasões estrangeiras no Brasil 3. Ocupação holandesa no Brasil
UNIÃO IBÉRICA
D. Sebastião Domínios do rei Filipe II, por volta de 1598 - Este foi o primeiro rei da União Ibérica, que durou de 1580 a 1640. Os três reis deste período foram Filipe II, Filipe III e Filipe IV. O mapa acima destaca os locais efetivamente ocupados pelos ibéricos
É importante ressaltar que os portugueses tinham certo receio em relação à União Ibérica: seriam tratados como povo conquistado? O compromisso espanhol de que isso não ocorreria foi o Juramento de Tomar (1581), pelo qual o rei Filipe II garantia aos portugueses a manutenção do idioma como oficial juntamente com o espanhol, que os domínios lusitanos seriam administrados por portugueses e que haveria respeito às instituições tradicionais do país. Na prática, esse juramento não foi cumprido na totalidade, tendo as antigas possessões portuguesas recebido menor atenção.
Felipe II HISTÓRIA
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Invasão e Ocupação Francesa no Maranhão Os Franceses não haviam desistido de dominar parte do Brasil, mesmo após a sua expulsão do Rio de Janeiro, em 1567. Entre o final do século XVI e início do XVII, os portugueses frustraram as tentativas francesas de dominar as atuais regiões do Ceará, do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Contudo, no Maranhão, os franceses permaneceram até 1615. O início do interesse da França pela região ocorreu por volta da década de 1590, quando alguns franceses, náufragos, prisioneiros, dentre outros, se fixaram na região. Dentre estes, destacam-se Jacques Riffault e Charles des Vaux. Este último, ao regressar para o seu país natal, defendeu a ideia de se criar uma colônia francesa no Maranhão, pois essa região era, no início do século XVII, praticamente desabitada. Ente 1612 e 1615, os franceses, liderados por Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, fundaram a França Equinocial, no Maranhão, e construíram a cidade de São Luís, originalmente um forte. Alguns autores afirmam que os franceses iniciaram uma parceria com os índios no comércio das especiarias. Diante desta nova ameaça francesa, os portugueses se organizaram, a partir de Pernambuco, e iniciaram uma campanha militar para expulsá-los do Maranhão. Essa expulsão ocorreu em 1615, após um acordo firmado entre os franceses e os portugueses, que não cumpriram tal acordo. As tropas que derrotaram os franceses foram inicialmente comandadas por Jerônimo de Albuquerque e Martim Soares Moreno e posteriormente por Alexandre de Moura. Em 1616, os portugueses fundaram o Forte do Presépio, que mais tarde deu origem à cidade de Belém do Pará, com o objetivo de consolidar a posse da região.
Para saber mais
Máxima extensão da ocupação holandesa no Nordeste Brasileiro 408
HISTÓRIA
Além disso, os portugueses herdaram os inimigos da Espanha. Com um grande império colonial e com uma riqueza inigualável na época, os espanhóis rivalizavam com outras potências, dentre as quais algumas que eram aliadas de Portugal, como a Holanda. Dessa forma, diante da nova realidade, antigos aliados viraram inimigos. 2.
INVASÕES ESTRANGEIRAS NO BRASIL
Durante o século XVII, o Brasil foi alvo de invasões estrangeiras de franceses, ingleses e holandeses. O objetivo era se aproveitar da fragilidade da colônia durante o domínio hispânico, tendo em vista que os interesses da Espanha estavam voltados para a extração de metais preciosos, que ainda não haviam sido encontrados no Brasil. Destas rivalidades, aquela com a Holanda era a mais violenta, pois os países estavam em guerra desde 1581.
Invasões Holandesas no Brasil Com a União Ibérica, os espanhóis proibiram os holandeses de participar dos negócios do açúcar. Durante a Trégua dos 12 Anos, a Holanda foi autorizada a retomar o comércio com Portugal. Entretanto, em 1621, como a guerra havia renascido, a Espanha fechou outra vez os seus mercados para os holandeses. Em 1621, os holandeses criaram a WIC (West Indian Company) Companhia das Índias Ocidentais, uma empresa mercantilista que tinha por objetivo conquistar territórios na América, colonizá-los e fazê-los dar lucro. Em 1624, os holandeses (cerca de 3,5 mil) atacaram Salvador, comandados por Jacob Willekens. O objetivo era tomar a colônia do reino Ibérico. Contudo, em 1625, com a chegada de reforços da Espanha, os portugueses conseguiram retomar a capital do Brasil. Essa expedição de espanhóis e portugueses que vieram para Salvador expulsar os holandeses ficou conhecida como “Jornada dos Vassalos”. A expulsão dos holandeses da Bahia não foi o suficiente. Eles voltariam com mais força em 1630, na região mais importante para a produção do açúcar: Pernambuco.
OCUPAÇÃO HOLANDESA NO BRASIL (1630 – 1654) 3.
1630 - 1637 – Conquista Nova força de assalto da WIC, transportada por 56 navios, sob o comando de Diederik van Waerdenburgh e Henderick Lonck, conquista Olinda e Recife, na Capitania de Pernambuco. Contra a invasão holandesa, Matias de Albuquerque liderou a resistência luso-brasileira, concentrada no arraial de Bom Jesus. Com recursos inferiores, os luso-brasileiros resistiram a partir de táticas de guerrilha, que ficaram conhecidas como “companhias de emboscada”, formadas por grupos de 10 a 40 homens, que realizavam rápidos ataques e recuavam, com o objetivo de se reagrupar para o próximo ataque. Alguns senhores de engenho locais passaram para o lado holandês, o que foi fundamental para a vitória dos invasores. O mais destacado destes foi Domingos Fernandes Calabar, considerado traidor pela historiografia tradicional. Em 1635 os portugueses fizeram uma emboscada e capturaram Calabar. No dia 22 de julho de 1635, Domingos Fernandes Calabar – o “herói” flamengo e “traidor” lusitano – foi submetido à forca, teve seus restos mortais esquartejados e espalhados em praça pública. Apesar da resistência, os holandeses acabaram vencendo e dominando parte do nordeste brasileiro.
1637 – 1645 – Colonização Após a vitória, a WIC enviou para o Brasil o holandês Maurício de Nassau, que iniciou a ocupação. De destacada cultura, praticante da tolerância e de pensamento liberal, Maurício de Nassau permitiu a imigração de judeus, protestantes, dentre outros. A primeira sinagoga construída em território americano foi inaugurada no Recife durante a administração de Nassau. Buscou reorganizar a economia regional, enfraquecida pela guerra. Para isso, concedeu empréstimos aos produtores holandeses e luso-brasileiros. Essa condição proporcionou relações amigáveis entre os holandeses e os senhores de engenho brasileiros. Aqueles que lutaram contra o domínio holandês tiveram seus engenhos confiscados e leiloados em hasta pública.Trouxe para o Nordeste alguns artistas e cientistas da Holanda. Seu principal objetivo era embelezar a região e descobrir outras potencialidades econômicas. Além disso, esses cientistas trouxeram novidades tecnológicas que melhoraram a produção do açúcar. Durante sua gestão, os holandeses conquistaram algumas colônias portuguesas na costa africana, o que permitiu que o comércio de escravos, antes um domínio lusitano, passasse para domínio flamenco. Dessa forma, Pernambuco passou a contar com um número significativo de escravos. Em relação aos investimentos na estrutura do Recife, os holandeses foram muito importantes. Eles construíram jardins botânico e zoológico, pontes, canais, um museu e um observatório astronômico, dando ao Recife ares europeus. Era do Recife que Maurício de Nassau governava o Nordeste Brasileiro, denominando esta vila de “Cidade Maurícia”, ou Mauritland. Essa foi uma das primeiras regiões do Brasil a contar com um sistema de coleta de lixo e com um corpo permanente de bombeiros. Em 1644, A WIC passou a exigir o pagamento compulsório dos empréstimos feitos aos brasileiros e o aumento de impostos na região. Tais medidas eram necessárias para contribuir com o financiamento da marinha de guerra holandesa, envolvida em conflitos na Europa. No entanto, Maurício de Nassau sabia que estas medidas poderiam levar ao declínio das boas relações entre os novos senhores do Nordeste e os luso-brasileiros. Nassau acabou sendo retirado do cardo de administrador do Brasil.
1645 – 1654 – Insurreição Pernambucana Também conhecida como “Guerra da Luz Divina”, a Insurreição Pernambucana foi o conflito de expulsão dos holandeses do território brasileiro. Em função do envolvimento holandês em vários conflitos na Europa, houve a necessidade de cobrar a liquidação dos empréstimos, contrariando as orientações de Nassau, que havia deixado o Brasil em 1644, por determinação da WIC. Os brasileiros não se submeteram às exigências flamencas, nem tampouco a sua truculência. Era o início do conflito. Destacam-se como lideranças entre os colonos o senhor de engenho André Vidal de Negreiros, o negro Henrique Dias e o índio Felipe Camarão. Além desses, podemos destacar as lideranças do Capitão Antônio Dias Cardoso, do senhor de engenho João Fernandes Vieira, dentre outros. Todos eram indivíduos ligados à terra. Lutavam por ela. Eles venceram os holandeses nas duas Batalhas de Guararapes, a primeira em 1648 (principal) e a segunda em 1649. Foram vitórias significativas contra os holandeses, tendo em vista que as tropas brasileiras estavam em desvantagem de número, equipamentos e armamentos. O Exército Brasileiro considera as batalhas de Guararapes como seu marco fundador. Em 1651, os portugueses, com apoio inglês, enviaram navios e tropas para ajudar na luta contra os holandeses. Em 1654, os holandeses foram expulsos definitivamente. Após a expulsão dos holandeses, os portugueses se organizaram para recuperar algumas colônias na África, como Angola, que também havia sido dominada. Em 1661 foi assinado o Tratado de Haia (também conhecido como 2º Tratado de Haia), que estabelecia a paz entre Portugal e Holanda. Por esse tratado, a Holanda reconhecia o domínio português sobre o nordeste brasileiro, mas apenas a partir do pagamento de indenização (cerca de 63 toneladas de ouro), que Portugal pagou ao longo de 4 décadas. Essa demora na quitação da dívida fez com que Portugal, pressionado, entre-
Conflitos com os Holandeses Quando Filipe II assumiu Portugal, herdou as suas possessões de além mar, incluindo o Brasil. Assim como Portugal herdou os inimigos da Espanha, sendo que agora as suas relações diplomáticas, políticas e econômicas estavam entrelaçadas. Dessa forma, a Holanda, aliada dos portugueses no negócio do açúcar, tornou-se inimiga. Em 1556, Filipe II havia herdado parte do império de seu pai, Carlos V (da dinastia Habsburgo). Seus domínios correspondiam ao Sacro Império Romano Germânico, à Espanha, aos Países Baixos (Atuais Bélgica, Luxemburgo e Holanda) e ao Norte da Península Itálica. Filipe II ficou com a Espanha e com os Países Baixos. Quando assumiu a região, o rei Habsburgo criou novos impostos e estabeleceu tropas espanholas na região dos Países Baixos, com o objetivo de impor o seu absolutismo e o catolicismo na região. Essa situação acabou desagradando a população local, proporcionando o surgimento de uma perigosa oposição aos Habsburgos, o que deu início à guerra. Em 1581, as Províncias Unidas dos Países Baixos declararam a sua independência, intensificando as violências com os espanhóis e declarando oficialmente a guerra. No decorrer do conflito, as 10 províncias do sul (Bélgica - de confissão Católica) desistiram da luta e aceitaram se submeter à dominação espanhola, contudo as 7 províncias do Norte (Holanda - de confissão Protestante) seguiram o conflito. Em 1609, Espanha e Holanda assinaram um tratado, conhecido como "Trégua dos 12 Anos", que se estenderia até 1621. Foi uma tentativa de resolver a situação de forma pacífica. Contudo, ao final da trégua, Espanha e Holanda voltaram à guerra. Apenas em 1648, após o final da Guerra dos 30 Anos (1618 – 1648), a Espanha acabou reconhecendo da independência da Holanda.
Em 1640, Portugal deixava a União Ibérica, a partir da consolidação da dinastia de Bragança, na figura do Duque D. João, aclamado D. João IV. Contudo, os espanhóis não aceitaram a perda do domínio sobre Portugal, conduzindo os dois países à uma guerra de independência. Nesse contexto, sem condições de enfrentar dois inimigos ao mesmo tempo, Portugal assinou com a Holanda o Tratado de Haia, em 1641, o que representava uma trégua de 10 anos entre os dois países, que devia durar até 1651. Para Portugal, era fundamental essa trégua. Para a Holanda, envolvida em conflitos com a Inglaterra, também. Contudo, Portugal não poderia, até 1651, enviar tropas ou navios para auxiliar a luta de seus colonos contra a Holanda.
HISTÓRIA
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Engenho na Paraíba em 1645
gasse aos holandeses o Ceilão (atual Sri Lanka) e as Ilhas Molucas (na Indonésia) e alguns privilégios sobre o comercio açucareiro para a República Holandesa. Cabe ressaltar que os holandeses desrespeitaram o tratado várias vezes, consolidando-o apenas em 1663. Após a expulsão do Brasil, os holandeses passaram a produzir cana-de-açúcar nas Antilhas, na América Central, conseguindo um preço melhor que o do açúcar brasileiro. Essa produção flamenca seria a principal concorrência ao açúcar brasileiro, mas não a única. O açúcar de beterraba, desenvolvido na Europa, entrava definitivamente no mercado, reduzindo ainda mais as exportações brasileiras. Esses fatos, somados à falta de recursos para investir e recuperar toda a produção açucareira do Brasil, levaram à Crise do Açúcar Brasileiro. A concorrência holandesa foi o principal motivo da crise. Ainda assim, o açúcar continuou sendo, no montante das exportações, o produto mais lucrativo para Portugal, mesmo no auge do Ciclo do Ouro.
Batalha de Guararapes, Victor Meirelles, 1879
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ACAFE) “É verdade que antes da união das monarquias ibéricas, em 1580, ao manter uma boa relação com os portugueses, os flamengos frequentavam os portos brasileiros e a cidade de Lisboa carregando açúcar em suas urcas, levando-o a refinar em Flandres e distribuindo-o por via terrestre e fluvial por toda a Europa central. De sua embarcação tão características, ficou a lembrança na toponímia carioca, através do morro que evoca a sua forma.” PRIORI, Mary del. Histórias da gente brasileira: volume 1: colônia. São Paulo: Editora LeYa, 2016. Página 69.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o período colonial da história do Brasil é correto afirmar, exceto: (A) Durante a União Ibérica, holandeses e espanhóis formaram a Companhia das Índias Ocidentais e dividiram os lucros da comercialização do açúcar produzido no Brasil e levado para a Europa. (B) Com a União Ibérica acirraram-se os conflitos entre a Espanha e a Holanda. Com a proibição espanhola da parceria comercial entre holandeses e produtores de açúcar no Brasil, os flamengos invadiram o nordeste. (C) Maurício de Nassau, administrador holandês em Pernambuco, promoveu reformas urbanas e manteve uma boa relação com os senhores de engenho. (D) A revolta conhecida como Insurreição Pernambucana acabou determinando a saída dos holandeses do nordeste brasileiro e teve como consequência uma crise na empresa açucareira brasileira.
Gabarito: A Uma das principais consequências da União Ibérica para Portugal foi perder a sua principal parceira no comércio do açúcar, a Holanda (à época, um conjunto de províncias às margens do Mar do Norte e com ampla autonomia em relação ao Sacro Império. Contudo, desde 1581, esta região estava em guerra contra Felipe II, rei da Espanha e, em função disso, os espanhóis, senhores dos antigos domínios lusitanos (entre 1580 e 1640) proibiram o acesso dos holandeses ao açúcar brasileiro. Foi principalmente por este motivo que os holandeses fundaram a Companhia das Índias Ocidentais (WIC), invadiram o Recife e ocuparam a região por 24 anos.
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HISTÓRIA
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (FUVEST-2020) As tentativas holandesas de conquista dos territórios portugueses na América tinham por objetivo central (A) a apropriação do complexo açucareiro escravista do Atlântico Sul, então monopolizado pelos portugueses. (B) a formação de núcleos de povoamento para absorverem a crescente população protestante dos Países Baixos. (C) a exploração das minas de ouro recém�descobertas no interior, somente acessíveis pelo controle de portos no Atlântico. (D) a ocupação de áreas até então pouco exploradas pelos portugueses, como o Maranhão e o Vale Amazônico. (E) a criação de uma base para a ocupação definitiva das áreas de mineração da América espanhola. 02. (UFMS-2021) Considere o excerto a seguir. “Nos meados de seiscentos, a situação econômica portuguesa era de grade depressão.Numa consulta do Conselho da Fazenda, de 1657, descrevia-se a situação em traços sombrios: "A índia (...) acha-se hoje reduzida miseravelmente a seis praças principais que são: Moçambique, sem defesa; Goa, pouco segura; Diu, arriscada; Cochin, pendente da amizade do rei; Columbo,invadida pelos holandeses; Macau, sem comércio, desesperada (...) Angola, nervo das fábricas. A atividade do Brasil, necessita de prevenção contra os desejos que os castelhanos, ingleses e holandeses tem de nos tirarem os negros e os levarem às índias, às Barbadas e outras partes. A ilha de S. Tomé, onde se juntava o dinheiro de panos para engrossar o trato de Angola, se pôs em termos que já não parecem desta coroa, pois com ela não temos comércio nenhum.” Disponível em: . Acesso em: 09 dez. 2020.
O documento evidencia a situação econômica de Portugal em 1657, que se relaciona diretamente com: (A) o esgotamento do ouro em terras brasileiras e a decretação da derrama. (B) a manutenção do monopólio português sobre a produção do açúcar e a decadência do ciclo do PauBrasil. (C) o conflito entre França e Inglaterra pelo exclusivo domínio colonial no norte da América e pelo domínio marítimo. (D) a União Ibérica e a estrutura político-cultural lusitana, que impedia o desenvolvimento de atividades manufatureiras. (E) a substituição do comércio açucareiro pelas atividades lucrativas do tráfico de escravos africanos e as Guerras de Palmares. 03. (Uem) Em 1580, Felipe II da Espanha assumiu o trono de Portugal. A partir de então, e até 1640, os reis da Espanha eram, também, reis de Portugal. Este período da história
dos dois países é conhecido como o da União Ibérica. A esse respeito, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). (01) Com a União Ibérica, ocorreu uma fusão econômica e administrativa, pois tanto o reino de Portugal quanto suas colônias passaram a ser administrados diretamente pela nobreza da Espanha. (02) O império espanhol, sob o reinado de Felipe II, congregava a Península Ibérica, os Países Baixos e outras possessões na Europa. Suas possessões na América incluíam o México, ao norte, e, ao sul, os atuais territórios do Brasil, do Chile e da Argentina, além de possessões na África e na Ásia. (04) Inimigos dos espanhóis durante a União Ibérica, os ingleses percorreram, com seus navios, a costa brasileira pilhando navios carregados de açúcar. (08) A grande extensão territorial, a distância entre as possessões e os ataques de outros povos foram minando o império espanhol.A porção portuguesa desse império sofreu perdas territoriais até 1640, quando ocorreu a restauração dos Bragança ao trono português. (16) O Tratado de Methuen, de 1703, fir mado entre Portugal, Inglaterra e Espanha, marcou o reconhecimento efetivo, por parte da Espanha, da independência portuguesa e ao mesmo tempo deu início à influência inglesa sobre Portugal. 04. (PUCRS) A primeira metade do século XVII se caracterizou, na história da colonização portuguesa na América, pelas invasões holandesas no nordeste do Brasil. Sobre esse processo, é INCORRETO afirmar que (A) um dos motivos dessas invasões foi a proibição, estabelecida pela Espanha, de que a Holanda comercializasse o açúcar brasileiro na Europa, visto que, devido à União Ibérica (1580-1640), Portugal estava sob o domínio da coroa espanhola, rival dos holandeses. (B) as invasões foram ocasionadas pelo fato de a Holanda – principal parceira comercial do açúcar brasileiro na Europa antes da União Ibérica – pretender manter o fluxo desse produto, de cuja comercialização dependia parte de sua economia, para o mercado europeu. (C) a Holanda, que era uma aliada da Espanha por ambas pertencerem ao Império da família Habsbourg, invadiu o Brasil como parte da luta espanhola contra Portugal pelo controle da navegação no Oceano Atlântico, objeto de acirrada disputa entre as duas coroas ibéricas. (D) o período áureo dessa ocupação foi marcado pela administração de Nassau (1637-1644), quando os holandeses estenderam o seu domínio para o norte do Brasil – atingindo a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Maranhão – e a produção de açúcar foi reorganizada. (E) a administração do “Brasil Holandês” ficou a cargo de uma empresa privada, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC); além do negócio do açúcar, esta companhia exercia o monopólio do tráfico negreiro e tinha o direto de praticar a atividade de corso no Atlântico, o que lhe permitia boas fontes de lucro. HISTÓRIA
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A EXPANSÃO PORTUGUESA NA AMÉRICA Introdução A ocupação e colonização do Brasil se desenvolveu predominantemente no litoral, do Nordeste ao Sul. Foi a partir do litoral que, aos poucos, e em função de algumas atividades econômicas, os colonos foram avançando em direção ao interior. Nos capítulos anteriores, nós já analisamos os motivos da expansão lusitana para as regiões Norte e Nordeste do Brasil. Em primeiro lugar, a produção de cana de açúcar levou o Nordeste a ser a região mais populosa e desenvolvida durante o século XVII. Além do açúcar, a produção de alimentos de subsistência e a pecuária foram atividades intensas. Não podemos esquecer das Drogas do Sertão, que levaram os portugueses ao Norte, buscando produtos existentes na Amazônia. Entretanto, um dos motivos que mais promoveu a ocupação das regiões Norte e Nordeste foi a necessidade de defesa, evitando assim que parte da colônia caísse sob domínio de outras potências europeias. Estas regiões foram assediadas por holandeses e franceses e a construção de fortes foi uma das alternativas encontradas para consolidar o domínio lusitano. Neste capítulo, vamos estudar a expansão da colonização em direção ao Sul do Brasil, especificando algumas vilas importantes para o desenvolvimento da região e as relações estruturais e econômicas com o centro da colônia.
A Expansão para o Sul O atual estado do Paraná era, pelo Tratado de Tordesilhas, quase todo domínio espanhol. Apenas o litoral era português. No entanto, a parte norte pertencia à Capitania de São Vicente e a parte sul, à Capitania de Sant’Ana. Sendo assim, foram os espanhóis os primeiros a fundar vilas no território do Paraná. Teria sido D. Alvarez Nuñes Cabeza de Vaca o primeiro a tomar posse do território para a Espanha, por volta de 1541. O primeiro núcleo de povoamento, fundado em 1554 foi a vila de Ontiveros, transferida poucos anos depois para perto do rio Piquiri, sendo denominada Ciudad Real del Guairá. Entre 1570 e 1576, foi fundada a Vila Rica do Espírito Santo, no interior do Paraná. O primeiro povoado lusitano no Paraná foi Paranaguá, sendo, por volta de 1648, elevado à condição de vila. O primeiro grande ciclo econômico do Paraná foi o do ouro, sendo encontrado nesta região em meados do século XVII. No entanto, logo a região de minas tornou-se a principal neste ciclo. Os pioneiros na organização do povoamento da região foram Eleodoro Ébano Pereira (administrador das Minas do Sul) e Gabriel de Lara, a partir de 1647. Em 1693 Curitiba foi elevada à condição deVila, elegendo representantes para a Câmara Municipal. O Segundo ciclo econômico do Paraná foi o do Tropeirismo. Região localizada entre o Rio Grande do Sul (principal região criadora de gado do Sul na época) e Sorocaba, onde se localizava a principal feira do sul da colônia, o Paraná tornou-se rota dos tropeiros, que levavam o gado em direção a Sorocaba. Havia criação também nos campos de Curitiba, por volta de 1668. Com a abertura dos campos de Viamão, por volta de 1730, houve o estabelecimento de pousos, invernadas e freguesias como as de Sant’Ana do Iapó, de Santo Antônio da Lapa, que deram origem a várias cidades do Paraná. Essa atividade foi muito próspera para a região. Santa Catarina foi o destino de algumas expedições ainda no período Pré-Colonial, mas passou a ser ocupada de fato apenas no século XVII. Em 1658, foi fundada a primeira vila na região, atual São Francisco do Sul, contudo a maioria das vilas do estado surgiu em relação direta com os interesses lusitanos na Colônia do Sacramento. Para entender esse processo, é importante analisar a colonização do Rio Grande do Sul e do Uruguai.
Capítulo 6
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Colonização do Rio Grande do Sul e do Uruguai 2. Tratados de Limites
A atual região Centro-Oeste do Brasil era, em meados do século XVII, habitada por povos indígenas do tronco linguístico Macro-Jê, dentre os quais podemos citar os acroás, os xacriabás, os xavantes, dentre outros. Com a descoberta de ouro nas Minas Gerais, intensificaram-se as bandeiras de prospecção, o que acabou levando várias expedições para a região. Os bandeirantes tiveram sucesso já na primeira metade do século XVIII, quando Pascoal Moreira Cabral encontrou ouro em Mato Grosso (1719), e Bartolomeu Bueno da Silva descobriu ouro (1725) no que mais tarde seria a Vila Boa de Goiás (Vila Boa foi elevada a vila em 1736). Foi apenas em 1748 que a Capitania de Goiás foi separada de São Paulo. Em 1750, foi construída a primeira casa de fundição da região e, em 1753, D. Marcos Noronha chegou para ser o primeiro governador da capitania. Com o declínio da atividade mineradora, em fins do século XVIII, Vila Boa passou por importante redução demográfica e sua economia direcionou-se para o setor agropecuário.
HISTÓRIA
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COLONIZAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL E DO URUGUAI 1.
“No século XVIII o território do atual Rio Grande do Sul já deixara de ser apenas uma zona de passagem entre Laguna e Colônia do Sacramento. A riqueza de seus campos já fizera com que colonizadores aqui se fixassem. E, entre esses, inclusive um dos integrantes da frota de João de Magalhães, Cosme da Silveira, que já em 1725 se teria localizado em terras do atual município de Viamão. Em 1741, Francisco Carvalho da Cunha estabelece-se nos campos de Viamão, no sítio chamado Estância Grande, onde ergueu a capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição. Com a vinda de elementos açorianos, a quem foram doadas várias sesmarias, o povoamento recebeu grande impulso. Elevada à categoria de freguesia, em 1747, por ocasião da invasão castelhana (1766), instalava-se nela a sede do governo da capitania. [...] A importância histórica e social de Viamão iniciou quando foi sede das primeiras estâncias de criação de gado. Os grandes rebanhos de gado e cavalos, que existiam na campanha do Rio do Prata, transitavam por Viamão para serem comercializados em Laguna (SC). A partir de 1732, o Rio Grande de São Pedro - como era conhecido o Rio Grande do Sul - passou a atrair colonizadores que se radicaram na região de Viamão. O município, portanto, foi um dos primeiros núcleos de povoamento do Estado (formado por lagunenses, paulistas, escravos e portugueses). Só a apartir de 1752 chegaram os primeiros casais de imigrantes açorianos, que desembarcaram na região de Itapuã. Esses açorianos são os mesmos que colonizaram a região dos Porto dos Casais, atual capital do Estado. Além de Porto Alegre, a população de Viamão originou cidades como Santo Amaro, Triunfo, Rio Pardo, Taquari e as cidades do litoral norte. Os habitantes primitivos foram os índios mbyá-guaranis e kaingangs. Em 1763, a cidade recebeu o governo do RS, que tinha a sede na Vila do Rio Grande, e que a transferiu devido à invasão do estado pelos espanhóis. Viamão se conservou sede do governo até 1773. Nesta época, a sede foi transferida para Porto dos Casais (atual Porto Alegre). Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/riograndedosul/viamao.pdf
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HISTÓRIA
A colonização do Rio Grande do Sul iniciou-se tardiamente, se comparado ao restante da América Ibérica. Isso é uma consequência da indefinição da posse dessas terras. Pelo Tratado de Tordesilhas (1494), elas deviam pertencer à Espanha, mas eram reivindicadas pelos portugueses, que alegavam que a verdadeira fronteira deveria ser fixada de acordo com referências naturais, nesse caso, o “Rio da Prata”. Os primeiros a ocupar o território gaúcho, depois dos indígenas, foram os jesuítas espanhóis, oriundos do Paraguai. O seu objetivo era catequizar os indígenas da região. Eles ocuparam a parte central do Rio Grande do Sul, a partir de 1626. Nesse período, Portugal e Espanha eram governados pelo mesmo rei, ou seja, durante a União Ibérica (1580 – 1640), e as disputas com os holandeses tornavam-se cada vez mais intensas. Em 1630, os holandeses ocuparam Pernambuco e algumas colônias portuguesas na África, o que prejudicou muito o comércio de africanos no Brasil. Com a dificuldade de conseguir mão de obra, o rei fez “vista grossa” para a captura e escravização de indígenas na colônia americana. Os Bandeirantes passaram, então, a atacar, constantemente, as missões jesuíticas do centro do Rio Grande do Sul (Tape), forçando os jesuítas a retornar, com os índios catequizados, para o Paraguai, cruzando no sentido contrário, o rio Uruguai.
Mapa das principais vilas e fortificações fundadas por portugueses e espanhóis nas regiões dos atuais Uruguai e Rio Grande do Sul
Os jesuítas introduziram o gado bovino no território gaúcho e, quando retornaram ao Paraguai, o gado foi abandonado. A presença do gado no Rio Grande do Sul valorizou a região, que passou a atrair portugueses para essas terras. Em 1680, os portugueses fundaram Colônia do Sacramento, no atual Uruguai, bem em frente a Buenos Aires, que havia sido fundada em 1536 pelos espanhóis, mas foi abandonada logo em seguida. Em 1580, a cidade foi refundada por portugueses durante a União Ibérica, mas, depois de 1640, Buenos Aires foi fechada aos lusitanos. Sendo assim, com o objetivo de manter o acesso à bacia do Prata e de participar do contrabando de prata, muito intenso na região, os portugueses se estabeleceram na Colônia do Sacramento. Os portugueses capturavam o gado solto e comercializavam o couro.Tendo recebido ordens de Portugal para fundar a Colônia do Sacramento, D. Manuel Lobo organizou uma expedição com soldados, presidiários e índios, os primeiros habitantes da região. Os ingleses, interessados no acesso a essas bandas, apoiaram a expedição luso-brasileira. Foi na Colônia do Sacramento que chegaram os primeiros escravos africanos ao sul da América Lusitana. Nessa época, os espanhóis exploravam as minas de prata de Potosí, na Bolívia atual, que, na época, era parte do Vice-Reino do Peru. Essa produção era escoada pelos
rios Paraguai, Paraná e Uruguai, até o porto de Buenos Aires, de onde era enviada à Europa. Assim, o fluxo de prata na região era intenso. A fundação da Colônia do Sacramento pelos portugueses incomodou bastante os espanhóis, pois a disputa pelas terras próximas ao Rio da Prata tornou-se tensa após o fim da União Ibérica. A ideia dos portugueses era estender as suas possessões até às margens do Rio da Prata, mas para isso, fundou direto uma cidade nessa região. A vila portuguesa mais próxima da Colônia do Sacramento ficava no litoral de Santa Catarina e era a Ilha do Desterro. Portugueses e espanhóis sabiam que, sem o reconhecimento do Tratado de Tordesilhas (deixado de lado na União Ibérica), a definição das posses na região seria muito complicada. Dessa forma, as duas metrópoles passaram a povoar e fundar vilas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai atuais. Em 1682, os jesuítas espanhóis retornaram ao território gaúcho, fundando os Sete Povos das Missões, que se apresentava como território espanhol. Os sete povos eram: Santo Ângelo, São Nicolau, São Luís Gonzaga, São Lourenço, São João Batista, São Miguel Arcanjo e São Borja. Esses eram os povoados localizados no Rio Grande do Sul, mas faziam parte de um grupo maior, com missões no Paraguai e na Argentina. Alguns autores falam em cerca de 40 mil pessoas vivendo nos povoados de índios e jesuítas nas três colônias. Em 1684, os portugueses intensificaram a ocupação de Laguna, no sul de Santa Cataria, com o objetivo de servir como base militar e estratégica para a manutenção da Colônia do Sacramento. Os portugueses pretendiam ir colonizando o território de Laguna até a Colônia do Sacramento. De acordo com alguns autores, Laguna havia sido fundada em 29/07/1676, pelo bandeirante Domingos de Brito Peixoto. Esse, devoto de Santo Antônio, batizou a região de Santo Antônio dos Anjos de Laguna. No entanto, a verdadeira ocupação da vila se deu a partir de 1684, para servir de entreposto e fonte de abastecimento da Colônia do Sacramento. Em 1724, os espanhóis fundaram Montevidéu, seguindo com o objetivo de marcar posição na região. Em 1737, os portugueses fundaram Rio Grande (a primeira cidade portuguesa no território do Rio Grande do Sul e primeira capital do estado), com o mesmo objetivo de Laguna, servir como base militar e estratégica para a manutenção da Colônia do Sacramento. As disputas e os conflitos nessa região eram constantes, tendo em vista a importância dada a essas terras, pelos dois lados. Dessa forma, portugueses e espanhóis, buscando resolver estes conflitos, assinaram alguns tratados que visavam reorganizar as possessões na região e acabar com as ameaças fronteiriças. 2.
TRATADOS DE LIMITES
Em 1750, foi assinado o Tratado de Madri, entre Portugal e Espanha. Esse tratado foi idealizado e executado pelo brasileiro, Alexandre de Gusmão, ministro do rei D. João V. O seu objetivo era reorganizar a divisão das terras de Portugal e Espanha na América, depois da União Ibérica e do abandono do Tratado de Tordesilhas. Ele defendeu a tese do “Uti Possidetis”, ou seja, o direito de posse das terras para quem as usa (se as terras fossem habitadas por portugueses, elas seriam de Portugal, mas se fossem habitadas por espanhóis, seriam da Espanha). Dessa forma, o Brasil passaria a ter fronteiras muito parecidas com as atuais. Além disso, portugueses e espanhóis trocariam a Colônia do Sacramento, pelos Sete Povos das Missões, visando deixar a colonização mais racional. Os Sete Povos das Missões foram construídos pelos indígenas e pelos jesuítas, que mesmo com a ordem da coroa espanhola, não abandonaram a região. Pelo acordo com Portugal, os espanhóis tinham que entregar a região dos Sete Povos desabitada, para que os portugueses pudessem levar os habitantes da Colônia do Sacramento para lá. Espanhóis e portugueses uniram forças para enfrentar os indígenas. Os Índios receberam apoio e treinamento militar dos jesuítas (que eram geralmente ex-militares). Iniciava-se a Guerra Guaranítica (1753 – 1756). Essa guerra foi marcada pela superioridade militar dos europeus, mas também pela obstinação dos índios, que foram derrotados, mas não com facilidade. O difícil acesso à região e a organização militar dos índios prolongaram o conflito. O líder indígena mais destacado foi Sepé Tiaraju, que acabou sendo morto numa emboscada alguns dias antes da batalha decisiva. A batalha de Caboaté, ocorrida em
Ruínas de São Miguel - Um dos Sete Povos das Missões
1681 – Tratado de Lisboa: após a fundação da Colônia do Sacramento, a cidade foi invadida pelos espanhóis, que não aceitavam a dominação portuguesa na região. Contudo, em 1681, portugueses (apoiados pela Inglaterra) e espanhóis assinaram o Tratado de Lisboa, pelo qual a Espanha reconhecia que a Colônia do Sacramento era território português. 1713 – 1715 – Tratados de Utrecht e Ramstad: – 1713 – Portugal e França: determinava que o Rio Vicente Pinzón (Rio Oiapoqu(e), seria a fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa, ou seja, os franceses abriam mão da antiga França Equinocial. – 1715 – Portugal e Espanha: mais uma vez a Colônia do Sacramento retornava para domínio português, após ter sido invadida pelos espanhóis, em 1704.
Tratado de Madri e as fronteiras do Rio Grande do Sul em 1750
HISTÓRIA
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Guerra Guaranítica é o nome que se dá aos violentos conflitos que envolvem os índios guaranis e as tropas espanholas e luso-brasileiras no sul do Brasil, após a assinatura do Tratado de Madri, em 1750. Os índios guaranis da região dos Sete Povos das Missões recusam-se a deixar suas terras no território do Rio Grande do Sul e a se transferir para o outro lado do rio Uruguai, conforme ficara acertado no acordo de limites entre Portugal e Espanha. Com o apoio parcial dos jesuítas, no início de 1753, os índios guaranis missioneiros começam a impedir os trabalhos de demarcação da fronteira e anunciam a decisão de não sair da região dos Sete Povos. Em resposta, as autoridades enviam tropas contra os nativos, e a guerra eclode em 1754. Essa guerra foi um verdadeiro massacre, pois os portugueses e espanhois organizaram um forte exército, abastecido com armas de fogo e canhões. Os castelhanos, vindos de Buenos Aires e Montevidéu, atacam pelo sul, e os luso-brasileiros, enviados do Rio de Janeiro sob o comando do general Gomes Freire, entram pelo rio Jacuí. Juntando depois as tropas na fronteira com o Uruguai, os dois exércitos sobem e atacam frontalmente os batalhões indígenas, dominando Sete Povos. Em maio de 1756, chega ao fim a resistência guarani. Um dos principais líderes guaranis é o capitão Sepé Tiaraju. Ele justifica a resistência ao tratado em nome de direito legítimo dos índios em permanecer nas suas terras. Comanda milhares de nativos, até ser assassinado alguns dias antes da Batalha de Caiboaté, em fevereiro de 1756.
1756, levou à morte de cerca de 1200 indígenas e à vitória definitiva dos europeus. Os índios que restaram, derrotados, foram obrigados a se retirar da região. Entretendo, desde 1750 (logo após o Tratado de Madri), Portugal passou a ser comandado pelo Marquês de Pombal, que era ministro do rei José I e que tinha planos para a Colônia do Sacramento. Dessa forma, ele não concretizou o Tratado de Madri. Em 1761, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de El Pardo, que anulava o Tratado de Madri. Portugal saiu perdendo nesse acordo, mesmo que a proposta tenha partido do próprio Pombal. Inconformados com a manutenção da Colônia do Sacramento como território português, os espanhóis invadiram o sul da colônia portuguesa na América. Invasão Espanhola (1763 – 1776): os castelhanos avançaram sobre territórios dominados por portugueses e conquistaram: a Colônia do Sacramento, os Fortes (São Miguel, Santa Teresa, dentre outros, que haviam sido construídos pelos portugueses para reforçar a proteção contra os espanhóis), Rio Grande e a Ilha de Santa Catarina (atual Florianópolis). Ainda em 1763, iniciou-se a “Guerra de Reconquista”, desenvolvida por luso-brasileiros. Rafael Pinto Bandeira destaca-se nesse conflito, sendo um dos principais responsáveis pela retomada de Rio Grande. Em 1777, foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso, mais uma vez entre Portugal e Espanha. Como havia desacordo sobre as possessões portuguesas e espanholas, esse tratado baseou-se no “Uti Possidetis”, mas não o reconheceu totalmente. Ou seja, o antigo problema da demarcação de fronteiras nos territórios de Portugal conquistados pelos bandeirantes ainda não era completamente resolvido. Por esse tratado, a Espanha reconhecia a reconquista portuguesa de Rio Grande e devolvia a Ilha de Santa Cataria (Desterro) aos lusos. Em contrapartida, os espanhóis ficavam com a Colônia do Sacramento, com os Sete Povos das Missões e com os Fortes. Entre o Oceano Atlântico e a Lagoa Mirim, foi criado um território denominado Campos Neutrais (aproximadamente o atual território de Santa Vitória do Palmar e da reserva ecológica do Taim), que não deveria pertencer nem a Portugal, nem a Espanha. Se o Tratado de Madri representava uma vantagem para Portugal, o Tratado de Santo Ildefonso era vantajoso para a Espanha.
Fonte: http://penta2.ufrgs.br/rgs/historia/ GuerraGuaranitica.html
Em 1779, o português Pinto Martins instalava a sua primeira charqueada em Pelotas (na época Pelotas era uma feitoria de Rio Grande). Ele fugiu da seca que assolou o Ceará entre 1777 e 1778. Lá, Pinto Martins desenvolvia a produção de Carne de Sol, mas na região meridional do Rio Grande do Sul ele teve que desenvolver a produção do Charque (método de preservação da carne através da utilização de sal, muito utilizado pelos Incas). O charque era geralmente destinado a alimentar os escravos, e o Rio Grande do Sul acabou se inserindo na economia colonial, como uma região secundária, desenvolvendo uma produção voltada para o mercado interno brasileiro. O charque gaúcho era vendido, principalmente, para a região de Minas Gerais, onde se localizava a maioria dos escravos no Brasil. Além do charque, o Rio Grande do Sul vendia “gado em pé” (gado vivo) e “muares” (tropas de mulas) para o centro do país. Os produtos gaúchos eram levados pelo mar ou por terra, pelo interior, passando pelos Campos de Viamão (no Rio Grande do Sul), por Lajes (Em Santa Catarina) e por Curitiba (no Paraná), até chegar à feira de Sorocaba, em São Paulo, de onde seguiam para Minas. 416
HISTÓRIA
Charqueada gaúcha, litografia de Jean-Baptiste Debret, 1820
Em 1801, uma guerra entre Portugal e Espanha, na Europa, acabou afetando o sul da América. Os dois países europeus disputavam uma cidade fronteiriça denominada Olivença (esse episódio ficou conhecido como Guerra das Laranjas). Os espanhóis, com apoio francês, venceram os portugueses. Na época, as informações demoravam muito tempo para chegar da Europa à América. Somente após 3 meses após da conquista espanhola de Olivença, a informação do conflito chegou ao Rio Grande do Sul. Os gaúchos resolveram revidar a conquista espanhola, na Europa, atacando os Sete Povos das Missões (a essa altura, a guerra já havia terminado na Europa). Os luso-brasileiros, então, conquistaram os Sete Povos das Missões, obrigando os espanhóis a assinar com Portugal, auxiliado pela Inglaterra, o Tratado de Badajós, em 1801. Por esse Tratado, Portugal ficou com os Sete Povos das Missões, com os Campos Neutrais e ainda conseguiu que os espanhóis aceitassem plenamente o “Uti Possidetis”, ou seja, este tratado acabou com as indefinições de fronteira que imperavam desde o fim da União Ibérica.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFG) Leia o documento a seguir.
Este homem é um dos maiores selvagens com que tenho topado: quando se avistou comigo, trouxe consigo um intérprete porque não sabe falar português nem se diferencia do mais bárbaro Tapuia. Mesmo se dizendo cristão e sendo casado, lhe assistem sete índias concubinas. E daqui se pode inferir que, tendo em vista a sua vida desde que teve o uso da razão, se é que a teve, até o presente momento, se encontra a andar metido pelos matos à caça de índios e de índias, estas para o exercício de sua torpeza sexual, aqueles para a obtenção de seus interesses econômicos. RIBEIRO, Darcy; MOREIRA NETO, Carlos Araújo (Orgs.). A fundação do Brasil: testemunhos – 1500/1700. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 299. (Adaptado).
O documento apresenta a descrição feita pelo bispo de Pernambuco, D. Francisco de Lima, a respeito do chefe bandeirante Domingos Jorge Velho. Essa descrição indica um antagonismo entre religiosos católicos e bandeirantes na América Portuguesa durante o século XVII. Com base na análise do documento e de seu contexto histórico, conclui-se que tal oposição associava-se ao fato de a Igreja:
(A) condenar o enriquecimento por meio da escravidão, contrariando os citados “interesses econômicos” dos bandeirantes, que se firmavam como fornecedores de mão de obra escrava para diversas capitanias. (B) defender a catequização dos indígenas e sua organização em missões religiosas, condenando, assim, as bandeiras de apresamento, aludidas no trecho “andar metido nas matas à caça de índios e índias”. (C) desprezar a cultura nativista constituída na Capitania de São Vicente, onde foram rejeitados os costumes e a língua portuguesa, como destacado pelo bispo, ao afirmar que o bandeirante necessitou de intérprete. (D) repudiar a associação entre bandeirantes e Tapuias, implícita nos trechos em que o padre afirma que JorgeVelho não se diferenciava dessa etnia e que mantinha concubinato com tais índias. (E) considerar que os colonos eram desprovidos de raciocínio, como indicado pelo religioso, ao duvidar que o bandeirante possuía razão, por entender que esta é alcançada por meio de estudos eclesiásticos. Gabarito: B Os jesuítas entendiam-se responsáveis pela expansão do catolicismo entre os nativos americanos. Desde o início da colonização, o papel da Igreja foi fundamental, pois, devemos lembrar, a Igreja Católica era a maior instituição do mundo cristão naquela época. Os acordos intermediados pelo papa tinham muito mais valor do que outros sem o aval da Igreja. Desde que a Igreja reconheceu a Companhia de Jesus, em 1540, os jesuítas passaram a viajar para as regiões mais longínquas, para catequizar os nativos e facilitar a expansão cultural europeia, a partir da religião. A Igreja chegou a compactuar com a escravidão de africanos, mas não com a de indígenas. Estes eram vistos como puros e deviam ser convertidos ao catolicismo e iniciados na cultura dominante. Sendo assim, os jesuítas foram grandes opositores dos bandeirantes que, num primeiro momento, tinham nas bandeiras de apresamento a sua principal atividade. Não podemos esquecer que este conflito chegou ao seu auge no século XVII, quando os bandeirantes atacaram as missões do Guairá (PR) e do Tape (RS). Por isso, a única alternativa que responde corretamente a questão é a “B”, que explicita esse confronto.
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UFSC-2020) A colonização portuguesa não respeitou o Tratado de Tordesilhas, expandindo as fronteiras do Brasil por meio da ação de bandeirantes, jesuítas e pecuaristas. [...] Para fixar as novas fronteiras coloniais na América, vários tratados internacionais foram assinados entre os governos de Portugal, Espanha e França. COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 242.
Sobre a história da região Sul do Brasil e tratados de fronteiras, é correto afirmar que: (01) por sua posição estratégica, a Colônia do Sacramento foi disputada por espanhóis e portugueses; o Tratado de Madri, de 1750, determinou que a Espanha ficasse com a Colônia do Sacramento e que Portugal ficasse com a região dos Sete Povos das Missões, todavia a disputa territorial em torno das regiões permaneceu. (02) no século XVIII, a criação de gado era uma atividade econômica secundária da região; sua principal função era preparar a terra para o plantio da soja, destinada majoritariamente à exportação para os países do Prata. (04) a descoberta do ouro nos atuais estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso gerou o enfraquecimento da pecuária e o empobrecimento da região dos pampas, em função do grande volume de escravos deslocados para a área de mineração. (08) disputas de portugueses contra espanhóis, bem como de portugueses e espanhóis contra jesuítas e índios, foram uma realidade que gerou “fronteiras movediças”; para pacificar a região Sul e definir fronteiras, o governo português ampliou o direito dos indígenas à cidadania, o que fez com que os nativos catequizados pudessem votar e concorrer a cargos nas câmaras provinciais. (16) quando o território das Missões passou ao controle brasileiro, o extrativismo da erva-mate se constituiu como a principal atividade econômica da região; a erva-mate, transportada por tropas de mulas e comercializada na região das minas, também era artigo fundamental de exportação no conhecido “comércio triangular”. (32) as Missões apresentavam uma forma de dominação europeia diferente da utilizada na maioria dos territórios da América portuguesa porque os jesuítas eram contrários à escravização dos indígenas e, ao adaptarem o catolicismo às crenças dos nativos, buscavam convertê-los. 02. (UFRGS-2020) Leia o seguinte texto a respeito das disputas fronteiriças entre as coroas ibéricas no sul do continente americano, ao longo do século XVIII, e o protagonismo indígena no contexto de tais disputas.
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Durante um período de conflito agudo nas reduções, em meados do século XVIII, os Guarani escreveram intensamente, os documentos produzidos por eles permitem repensar as relações estabelecidas com o território missioneiro e, especialmente, suas formas de ação política. Esse conjunto de documentos indica uma discussão pouco referida pela historiografia dedicada ao tema, ou seja, a existência da defesa por escrito de um direito a resistir a uma ordem real injusta dos Guarani em redução [...]. A disputa pelas fronteiras na América do Sul, resultado da rivalidade entre as duas monarquias ibéricas, esteve caracterizada por uma ativa participação dos agentes locais. Diante das implicações dessa permuta, a elite indígena procurou estabelecer negociações que lhe garantissem o controle das terras orientais. NEUMANN, Eduardo Santos; BOIDIN, Capucine. A escrita política e o pensamento dos Guarani em tempos de autogoverno (c.1753). Revista Brasileira de História, v. 37, n. 75, 2017, p. 98.
Em relação a essas disputas, é correto afirmar que (A) a escrita serviu como importante fator de resistência e de negociação dos interesses indígenas e de mediação com os colonizadores europeus. (B) as rivalidades entre Portugal e Espanha, pelo controle das terras na região das Missões, desconsiderou a participação dos indígenas. (C) a historiografia sempre se referiu ao papel desempenhado pelas lideranças indígenas como parte da elite letrada na América do Sul. (D) os conflitos pela definição das fronteiras garantiram a completa submissão das populações indígenas às reduções jesuíticas. (E) as sociedades guaranis tinham o costume de resistir às ordens reais emitidas por escrito pelas coroas ibéricas. 03. (UEM-2022) Em meados do século XVIII, longe dos principais centros econômicos da América Portuguesa, na região sul, ocorreu a denominada “Guerra Guaranítica”, que se relaciona diretamente ao Tratado de Madri, firmado entre Portugal e Espanha. Sobre o assunto, assinale o que for correto. (01) O Tratado de Madri previa a demarcação das fronteiras entre as colônias daqueles países (Portugal e Espanha) na América. Segundo o acordo, os territórios dos Sete Povos das Missões, a leste do rio Uruguai, deveriam ser incorporados aos territórios portugueses na América. (02) Na Guerra Guaranítica, os índios Guarani, apoiados por tropas espanholas, recusaram-se a deixar a região e foram atacados pelas tropas portuguesas. (04) As fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Madri mantiveram-se inalteradas até os nossos dias. Dessa forma, os atuais limites territoriais entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai são aqueles determinados no século XVIII.
(08) Em meados do século XVIII, os territórios dos Sete Povos das Missões eram ocupados pelos índios Guarani, que viviam em missões organizadas pelos padres jesuítas. (16) Em regiões que atualmente pertencem, aproximadamente, aos estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, os jesuítas organizaram as Missões do Itatim e do Guairá.
ANOTAÇÕES
04. (ESPM) As incursões dos bandeirantes paulistas às missões dos jesuítas castelhanos do Guairá multiplicaram-se a partir do século XVII. Paulistas e guerreiros tupiniquins envereda-vam pelo Caminho do Peabiru, velha trilha tupi, rumo ao Guairá, território situado entre os rios Paranapanema, Iguaçu e Paraná. Nessa região de posse duvidosa, dado que os portugueses sempre consideraram que a linha de Tordesilhas passava pelo estuário do Prata, os jesuítas espanhóis haviam cria-do entre 1622 e 1628 onze missões. Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota. História do Brasil: uma interpretação.
Quanto ao assunto tratado no texto é correto assinalar: (A) as incursões dos bandeirantes às missões jesuítas visavam apresar indígenas aldeados em grupos numerosos e habituados ao trabalho rural; (B) nessas incursões não havia nenhuma participação de indígenas entre os integrantes das bandeiras; (C) o objetivo primordial dos bandeirantes paulistas era apresar “negros da terra” para a exportação dessa mão de obra para a Europa; (D) os ataques dos bandeirantes paulistas aos jesuítas castelhanos eram uma resposta contra a postura da Espanha que naquele momento apoiava a invasão holandesa ao Brasil; (E) as incursões dos bandeirantes paulistas contra as missões jesuíticas de Guairá e Tapes ocorreram após o Tratado de Madri.
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O CICLO DO OURO E AS PRIMEIRAS REVOLTAS COLONIAIS Introdução A União Ibérica acabou em 1640, com a denominada Restauração Portuguesa, liderada pelo Duque D. João de Bragança. Ele foi coroado como D. João IV. Contudo, os espanhóis não aceitaram a restauração da independência de Portugal e enviaram tropas para acabar com o movimento. Com apoio da Inglaterra (tropas e navios), os portugueses venceram os espanhóis em 1644. Porém, foi apenas em 1668, com a assinatura do Tratado de Lisboa, que a Espanha reconheceu a autonomia de Portugal e a autoridade do rei D. Afonso VI. Esse período de dominação espanhola acarretou vantagens e desvantagens para Portugal. As vantagens foram a liberdade para ultrapassar os limites do Tratado de Tordesilhas (que deixou de existir na prática), a ampliação dos domínios portugueses na América, tornando-os continentais. Em contrapartida, a inimizade e a rivalidade com a Inglaterra, a Holanda, dentre outros, a perda temporária ou permanente de colônias, ou parte delas, tanto na América e na África, quanto na Ásia, foram as desvantagens da União Ibérica. Neste capítulo, vamos analisar a necessidade portuguesa de encontrar uma nova fonte de riquezas, ou seja, um novo ciclo econômico que pudesse manter o seu status de potência, ainda que de grandeza menor. A descoberta de Ouro na região de Minas Gerais proporcionou aos lusitanos a realização de um antigo desejo, que havia surgido desde as primeiras incursões no litoral brasileiro. 1.
Capítulo 7
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Ciclo do Ouro 2. Impostos sobre o Ouro 3. Declínio da Exploração do Ouro 4. Revoltas Coloniais
CICLO DO OURO
Restaurada a independência de Portugal, mesmo enquanto ainda lutava por isso, o novo governo iniciou a reestruturação do reino e a busca de alianças com potências mundiais que pudessem ajudar os lusitanos a manter a sua autonomia. Dessa forma, em 1642 Portugal criou o Conselho Ultramarino (localizado em Lisboa), para controlar o seu império colonial. No mesmo ano assinou um tratado com a Inglaterra (alguns autores denominam Tratado de Londres 1642), garantindo aos ingleses liberdade comercial em Portugal e nas suas colônias. Além disso, esse tratado garantia amplos privilégios em domínios lusos, tais como isenção do pagamento de multas e de tributos alfandegários sobre produtos importados. Em 1654, Portugal assinou novo acordo com a Inglaterra governada por Oliver Cromwell (Tratado de Westminster), que confirmava os privilégios comerciais ingleses em Portugal e seus domínios, o direito de Cromwell nomear Cônsules e Juízes em Portugal e suas Colônias, a garantia de que nenhum inglês fosse preso por autoridades portuguesas e o direito à liberdade de consciência (esses dois últimos pontos deram aos ingleses o direito de Extraterritorialidade). A obsessão portuguesa para encontrar metais preciosos no Brasil era mais antiga, remontando ao início da colonização. A descoberta das minas de prata em Potosí, em meados do século XVI, na atual Bolívia, estimulou ainda mais o ímpeto dos portugueses. A centralização política, em 1548, com a criação dos Governos Gerais, foi estimulada pelo sucesso espanhol. Foram inúmeras Entradas que partiram da do litoral do Nordeste e do Sudeste para o interior. Contudo, as principais expedições eram dos vicentinos. Com um mísero apoio da coroa, Fernão Dias Pais partiu em 1674 para o sertão, onde permaneceu por seis anos, chegando ao Jequitinhonha. Porém, não encontrou nada de grande valor. Em 1681 achou ter encontrado esmeraldas, mas o alarme era falso. Con-
Você sabia que a aliança diplomática mais antiga do mundo é entre Inglaterra e Portugal? Tratado de Windsor – 1386 “A 9 de maio de 1386, os representantes do rei de Portugal, João I, e do rei de Inglaterra, Ricardo II, deram por terminadas as negociações entre as duas coroas e assinaram um tratado de amizade perpétua e mútua assistência entre os dois reinos. Nas suas 13 cláusulas constavam obrigações de socorro mútuo, em caso de ataque inimigo, auxílio militar e apoio diplomático e, também, uma declaração de livre circulação de pessoas e bens entre os territórios das duas coroas. O sucesso das negociações e a assinatura formal do tratado permitiu desencadear os preparativos para o ato destinado a selar o acordo, e que foi o casamento do rei de Portugal com D. Filipa, filha do Duque de Lencastre, o que veio a ocorrer a 11 de fevereiro de 1387”. Fonte:http://ensina.rtp.pt/artigo/o-tratado-de-windsor-a-mais-antiga-alianca-diplomatica-do-mundo/
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Pintura de Johann Moritz Rugendas de 1820-1825 retratando a mineração de ouro por lavagem perto do Morro de Itacolomi
O ouro, no Brasil, era encontrado principalmente na superfície, mas também em pequenas profundidades. Os veios dos rios concentravam as primeiras explorações; as margens, ou tabuleiros, eram explorados logo em seguida; e, por fim, as encostas, ou grupiaras, eram as últimas partes exploradas, pois eram mais profundas e de maior dificuldade. Dessa forma, podemos afirmar que no Brasil o ouro de aluvião foi o mais explorado durante a fase colonial. Esse ouro era encontrado nos rios, sem necessidade de grandes equipamentos. Diferente da exploração de ouro e prata nos domínios espanhóis, onde a exploração das minas foi predominante. A extração do ouro de aluvião era mais simples, portanto esgotava mais rapidamente. Dessa forma, a estrutura montada para a exploração, mesmo nas lavras, devia ser de tal forma que pudesse ser movida constantemente. Isso porque, quando o ouro de uma data acabava, a lavra devia ser montada em outro lugar. Por causa disso, os investimentos em estrutura não podiam ser muito altos, o que contrastava com os altos investimentos em escravos. Podemos concluir que as estruturas eram precárias e de fácil manejo, os gastos com mão de obra eram altos e a tecnologia de extração era muito baixa.
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tudo, durante os anos em que permaneceu no sertão, desbravou grande parte do interior das Gerais e abriu caminho para futuras descobertas de importância. Tradicionalmente o início da mineração e a descoberta do ouro são atribuídas a Antônio Rodrigues Arzão, em 1693, e Manuel de Borba Gato, em 1695, embora a verdadeira corrida do ouro tivesse começado, efetivamente, apenas com a descoberta das minas de Ouro Preto por Antônio Dias de Oliveira, em 1698. A notícia que chegou a Portugal através da correspondência dos governadores ao rei, já tinha se espalhado pelo Brasil. Aventureiros chegavam de diversas regiões do Brasil, ávidos por rápido enriquecimento. Mesmo de Portugal vieram, a cada ano, cerca de 10 mil pessoas, entre 1695 e 1765. Uma das primeiras consequências desse deslocamento maciço da população para as regiões das minas foram as faltas de produtos alimentícios e o desabastecimento da região em virtude disso. Essa situação se tornou catastrófica nos anos 1697 e 1698 e, novamente, entre 1700 e 1701. O jesuíta Antonil, que viveu nesse tempo, escreveu que os mineiros morriam à míngua, “com uma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento”. A coroa determinou que, juntamente com a exploração do ouro, fossem estabelecidas fazendas produtoras de gêneros alimentícios na região para evitar novas crises de fome. Em 1702, os portugueses criaram a Intendência das Minas, um órgão ligado à coroa (ao Conselho Ultramarino), o qual tinha como objetivo controlar toda a extração de ouro na região. Qualquer um que encontrasse ouro devia informar a Intendência das Minas, para que o local fosse demarcado e dividido em lotes, chamados de Datas. Essas Datas eram divididas da seguinte forma: a primeira e a segunda destinavam-se a quem encontrou ouro, as demais eram leiloadas e a última ficava com a coroa, que geralmente a vendia. As Datas leiloadas só podiam ser adquiridas por quem tivesse um número mínimo de escravos, visando a maior extração possível. Existiam dois tipos de “empresas” de mineração: a lavra (grande extração) e a faiscação (pequena extração). As lavras consistiam na grande produção, com a utilização de muitos escravos e, portanto, com investimentos altíssimos. Quando o ouro na lavra se tornava escasso, essa era vendida, porque como a estrutura era muito cara, não valeria a pena manter uma baixa produção. As lavras com baixa produção eram vendidas aos faiscadores, que tinham poucos ou nenhum escravo. Sua estrutura de exploração era barata e quaisquer lucros já eram relevantes. A base estrutural da economia colonial não chegou a sofrer grandes alterações. Mantinha-se a grande propriedade, o trabalho escravo, a exploração de um único produto, que era voltado para a exportação. Não podemos classificar como plantation, pois a mineração não provém da agricultura. Mas a estrutura que serviu de base ao plantation era muito semelhante em Minas Gerais. A descoberta do ouro foi um alento à economia colonial, tendo em vista a Crise do açúcar. Entretanto, a dependência portuguesa em relação à Inglaterra aumentava de forma significativa, assim como as vantagens inglesas sobre seu aliado. Em 1703, Portugal e Inglaterra assinaram o Tratado de Methuen, mais conhecido como Tratado de “Panos e Vinhos”. Por esse tratado, os tecidos ingleses (de algodão ou lã) entravam livremente em território português, enquanto a Inglaterra reduzia em um terço o imposto sobre o vinho português, que era exportado por ingleses. Ficava clara a diferença entre os aliados: Portugal era agrícola e a Inglaterra estava em processo de industrialização. Esse negócio era desfavorável para Portugal, que compensava o prejuízo, gerado pelo tratado, com o ouro do Brasil. Boa parte do ouro foi para a Inglaterra. Outra parte, também significativa, foi para Portugal, financiando a construção, por exemplo, do Palácio-Convento de Mafra, e a outra parte ficou no Brasil, proporcionando a diferenciação da região, das demais na colônia. A região de Minas tornou-se, economicamente, a mais importante da América portuguesa. Nesse sentido, em 1763 a Capital do Brasil passou a ser o Rio de Janeiro, que era mais ou menos do tamanho de Salvador, mas que diante da mudança do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste, tornou-se mais importante. A economia mineradora mudou bastante as antigas estruturas da colônia, sendo que gado e alimentos chegavam a Minas da Bahia, e do Sul chegavam gado vivo, charque, mas também mulas, muito utilizadas para carregar mercadorias. São Paulo tornou-se passagem obrigatória dos comerciantes, principalmente por causa feira de Sorocaba, o
que já foi analisado. Além disso, é fundamental destacar que a região de Minas Gerais se tornou a mais populosa da colônia e também a mais urbanizada. Com o dinheiro do ouro, várias vilas e cidades foram criadas ou modernizadas. Igrejas foram construídas e a arte foi estimulada, como podemos perceber pelo exemplo de Aleijadinho. Os ciclos econômicos deixam marcas indeléveis nas regiões onde ocorrem. O Nordeste foi a primeira região importante do Brasil, colhendo os frutos disso, principalmente em Olinda e Recife. Mas Minas Gerais teve uma economia mais dinâmica que Pernambuco, por exemplo, em virtude da facilidade de negociar o ouro extraído. 2.
IMPOSTOS SOBRE O OURO
A partir da Intendência das Minas, Portugal iniciou a taxação sobre a exploração do ouro no Brasil. Os impostos foram: – Quinto: um quinto (20%) de todo o ouro encontrado no Brasil deveria ser entregue a Portugal. Contudo, havia muita sonegação. Os brasileiros não declaravam todo o ouro encontrado, levando os portugueses a buscar outras alternativas. – Finta: nesse novo sistema, os exploradores das minas eram obrigados a repassar trinta arrobas (aproximadamente 450 quilos) anualmente. Contudo, o sistema foi considerado injusto, já que a capacidade produtiva de uma data poderia variar muito. – Capitação: o explorador das minas deveria repassar uma quantidade de ouro proporcional ao número de escravos que tivesse em sua propriedade. Desse modo, quanto mais escravos um explorador tinha, mais volumosos eram os impostos que devia pagar. Quando um produtor não era proprietário de escravos, ele deveria ainda assim pagar uma quantia proporcional à extração realizada por ele mesmo. Por volta de 1719, os portugueses criaram as Casas de Fundição. Todo o ouro encontrado deveria ser levado, obrigatoriamente, às Casas de Fundição, onde seria derretido e transformado em barras, marcadas com o selo da coroa. A parte do ouro que era propriedade dos exploradores já havia sido taxada em 20% referentes ao Quinto, ou seja, o ouro era entregue “quintado”. Essa situação levou a revoltas. Acreditava-se na época que as balanças das Casas de Fundição eram “viciadas”, ou seja, eram intencionalmente alteradas para favorecer Portugal. Nesta época, foi muito comum também o cargo de Contratador de Impostos. Este cargo era ocupado por aquele indivíduo que assumia a função de cobrar impostos e enviar um valor fixo (determinado pela coroa) a Portugal, ficando com o que excedesse. Contudo, se os impostos arrecadados fossem insuficientes, era o próprio Contratador que devia, com os seus recursos, completar a parte da coroa.
3.
Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho) foi um dos artistas mais destacados do período colonial brasileiro. Ele nasceu em Vila Rica, em 1738, filho de um mestre de obras português (Manuel Francisco Lisboa) com uma escrava (Isabel). Assim como seu pai, aventurou-se como entalhador, descobrindo nesta atividade a sua vocação. Além dos trabalhos com madeira, ele esculpia em pedra-sabão. Suas principais obras estão espalhadas pelas cidades de São João Del-Rei, Sabará, Morro Grande, Congonhas do Campo, Tiradentes e Ouro Preto. O estilo artístico de Aleijadinho era o Barroco e, segundo alguns autores, também o Rococó. Ele viveu a época de ouro em Minas Gerais e, por isso, teve bastante trabalho. Esculpiu obras sacras para várias igrejas locais, como por exemplo os Doze Profetas. Em 1777, ele começou a sentir os sinais da doença (lepra, lepra nervosa, ou sífilis), que lhe atrofiaram as mãos e os pés. Contudo, ele não parou de produzir suas obras, pois um ajudante amarrava o martelo e o cinzel em suas mãos, para que ele pudesse continuar entalhando e esculpindo. Segundo alguns autores, as obras produzidas antes da doença têm uma certa característica e aquelas produzidas depois têm outra. Deve-se destacar que, mesmo sofrendo muito com a doença e com o preconceito por ser filho de uma escrava, ele obteve sucesso pela sua genialidade. Aleijadinho morreu em 1814, na mesma Vila Rica em que nasceu.
DECLÍNIO DA EXPLORAÇÃO DE OURO
Como já mencionado, o declínio se deu pelo esgotamento das riquezas de fácil acesso, ou seja, do ouro de aluvião e dos diamantes mais acessíveis. Para seguir explorando, principalmente o ouro, seria necessária uma estrutura de extração em rochas, tecnologia que os portugueses não dominavam na época. Como as riquezas foram se tornando escassas, a coroa portuguesa criava mais impostos para compensar as perdas. A Capitação, por exemplo, criada em 1735, foi um imposto extra e não substitutivo. Em 1750, a coroa determinou que a região de Minas devia enviar, em impostos, o referente a 100 arrobas de ouro (± 1.500 kg de ouro) por ano para Portugal. Se esse valor não fosse enviado, a região ficava com uma dívida, que mais tarde seria cobrada. Em 1763, criou-se a Derrama, que é a cobrança compulsória dos impostos que estavam em atraso. Aqueles que não tivessem como pagar as suas dívidas, teriam suas terras confiscadas pela coroa.
Antiga Casa de Fundição, atualmente é o Museu de Iguape
HISTÓRIA
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Distrito Diamantino A exploração de diamantes no Brasil, iniciada em 1729, foi mais violenta e repressiva que a exploração aurífera. Entre 1729, quando os diamantes foram encontrados, e 1740, a exploração seguiu as regras e a estrutura do ouro. Os bandeirantes os procuravam, quando encontravam informavam à Intendência das Minas – e posteriormente à Intendência dos Diamantes, criada em 1734 –, a terra era dividia em Datas, e os exploradores pagavam o quinto. No entanto, diante da impossibilidade de utilizar-se das Casas de Fundição para a exploração de diamantes, Portugal encontrou outra alternativa para conter a sonegação: foi criado o sistema de Concessão e Contrato, ou seja, a exploração dos diamantes era transferida para um explorador, que devia pagar a Portugal um quinto de todo o diamante que encontrasse. Dessa forma, a fiscalização seria mais simples, pois haveria apenas um explorador para controlar. O mais conhecido contratador de diamantes foi João Fernandes de Oliveira, que viveu maritalmente com Chica da Silva, ex-escrava extremamente influente na região. Felisberto Caldeira Brant foi o contratador que o sucedeu.
Por volta dos anos 1760, o declínio da produção aurífera era preocupante. Portugal ainda não havia encontrado outra atividade econômica tão lucrativa na colônia. Foram ampliadas as produções de algodão, de açúcar, dentre outros produtos, numa espécie de “Renascimento Agrícola”. A exploração do ouro só voltou a crescer, a partir de 1824, já na época do Brasil independente, quando se concedeu o direito de prospecção a estrangeiros, que recomeçaram a explorar com melhores recursos técnicos e mão de obra barata. 4.
REVOLTAS COLONIAIS
A dominação portuguesa no Brasil foi, com o tempo, tornando-se cada vez mais efetiva e exploratória. Após a União Ibérica, Portugal contabilizava as perdas e, mesmo após os tratados de Haia (1661) e Lisboa (1668), assinados com Holanda e Espanha, respectivamente, percebia que elas (as perdas) aumentavam. As colônias perdidas, as indenizações pagas e por pagar e a perda de fontes de recursos foram fundamentais para o aumento da exploração do Brasil. Isso tudo acabou levando a conflitos com os colonos, que também tinham interesse nos recursos do Brasil. Os portugueses aumentaram os impostos, intensificaram o controle e criaram novas formas de absorver os recursos da sua principal colônia, desfavorecendo os colonos, que reagiram com guerras e revoltas. As primeiras revoltas não tinham a intensão separatista, por isso ficaram conhecidas como Revoltas Nativistas.
O declínio da exploração de diamantes se deu pelos mesmos motivos da exploração do ouro: esgotaram-se as riquezas de fácil acesso e Portugal não estava disposto a investir em novas tecnologias de extração. Em vez disso, passou a ampliar o controle e a exploração dos colonos, criando e cobrando cada vez mais impostos. Em 1771, o Marquês de Pombal acabou com o sistema de concessão e criou a Real Extração, transferindo o monopólio de exploração de diamantes para a coroa. O poder do Intendente (aquele que chefiava a Intendência dos Diamantes) era quase igual ao de um rei absolutista. Ele tinha o poder de decretar a pena de morte, de controlar a entrada e saída das pessoas no distrito e seu principal dever era eliminar a sonegação e o contrabando. Para isso, utilizava-se de métodos violentos e repressivos, principalmente no período de declínio da exporação.
Para saber mais
Aclamação de Amador Bueno – 1641 No contexto do fim da União Ibérica, os espanhóis que viviam na capitania de São Vicente, temendo perder os seus privilégios, resolveram rom424
HISTÓRIA
Mapa das Revoltas Nativistas
Revolta de Beckman – 1684 – Maranhão As disputas entre colonos e jesuítas, referentes à escravização dos indígenas, eram intensas no Maranhão. A coroa proibiu, em 1680 essa prática e entregou aos jesuítas a responsabilidade sobre os índios. Para piorar a situação dos colonos, Portugal criou em 1682 a Companhia do Maranhão, que tinha o monopólio sobre o comércio da região. Com este monopólio, a Companhia do Maranhão pagava pouquíssimo pelos produtos locais (cana-de-açúcar e algodão) e cobrava muito caro pelos seus (manufaturados, vinho, azeite, dentre outros). Havia ainda outro problema: se os colonos não podiam escravizar os índios, então eles precisavam comprar escravos africanos. A Companhia de Comércio do Maranhão havia se comprometido a trazer 500 escravos africanos por ano, mas não cumpriu. Dessa forma, os motivos dessa revolta são: – o monopólio do comércio exercido pela Companhia do Maranhão era extremamente prejudicial aos colonos, que pagavam muito caro pelos produtos de fora e recebiam muito pouco pelos seus;
– a carência de escravos, sendo que a promessa de 500 escravos por ano não estava sendo cumprida; – a proibição de escravizar indígenas, protegidos pelos jesuítas. Esses foram os motivos que levaram os irmãos Beckman (Manuel e Tomás), dentre outros, como Jorge Sampaio, a tomar o controle da região, expulsar os jesuítas e a saquear o depósito da Companhia do Comércio do Maranhão. Os líderes contaram com apoio popular, sendo que os mais pobres também sofriam com os altos preços. Formou-se uma junta de governo, liderada por Manuel Beckman. Além disso, foram enviados emissários a Portugal, dentre eles Tomás Beckman. A reação de Portugal foi imediata. Francisco Sá de Menezes foi substituído por Gomes Freire de Andrade no governo do Maranhão. Vários rebeldes foram presos e, vários outros, foram enforcados. Dentre os executados, destacam-se alguns dos principais líderes do movimento, como Manuel Beckman e Jorge Sampaio. Segundo alguns autores, Tomás Beckman teve sua pena comutada para “morte civil” (perda de todos os direitos inerentes à personalidade, sendo integralmente abolida a capacidade jurídica do réu). Em 1685, Portugal extinguiu a Companhia de Comércio do Maranhão, transferindo o controle do comércio dessa região para a Companhia de Comércio do Brasil.
per com Portugal (que se liberava da Espanha) e proclamar Amador Bueno da Ribeira, descendente de espanhóis, como rei. Muitos bandeirantes apoiavam essa medida, porque com a retomada da hegemonia portuguesa, a escravização e o comércio de indígenas entraria em colapso. Ele acabou recusando, temendo represália de Portugal, refugiando-se no convento dos beneditinos, em 1º de Abril de 1641. Amador Bueno ainda ajudou as autoridades a recuperar o controle da capitania, reconhecendo o poder de D. João IV, em Portugal. Uma missão oficial foi enviada a Portugal para expor os acontecimentos, com o objetivo de confirmar uma lei que expulsava os jesuítas da câmara de São Paulo. Amador Bueno utilizava-se do trabalho escravo de indígenas e se opunha aos jesuítas.
Guerra dos Emboabas – (1708 – 1709) – Minas Gerais Foram os bandeirantes (também chamados de paulistas ou vicentinos) que descobriram ouro na região de Minas Gerais, ainda no final do século XVII. Entretanto, a notícia da descoberta do ouro se espalhou e acabou atraindo uma grande quantidade de pessoas para as Minas. Essas pessoas vinham de outras capitanias do Brasil, ou mesmo de Portugal. Os bandeirantes, achando-se no direito, exigiram da coroa a preferência e o monopólio sobre a exploração das minas, o que não foi atendido. Cada vez mais pessoas chegavam à região (principalmente portugueses) e recebiam concessões de datas para explorar. Os bandeirantes, geralmente, utilizavam-se do trabalho de indígenas, ou, em caso de não possuírem escravos, trabalhavam eles próprios na extração de ouro. Já os portugueses, em contrapartida, utilizavam-se do trabalho dos africanos escravizados. Os paulistas chamavam os portugueses de forasteiros ou emboabas (comparação, pejorativa, com uma ave, que tinha penas até os pés, em alusão às botas e às calças usadas pelos portugueses). Os emboabas tornavam-se maioria, e o clima de animosidade atingiu o seu ponto máximo. Manoel Nunes Viana passou a liderar os emboabas contra os paulistas. Ele havia recebido muitas vantagens da coroa e destacava-se por representar os portugueses em algumas rusgas contra paulistas. O assassinato de dois emboabas, em 1708, deu origem a um boato de que os paulistas se preparavam para massacrar os portugueses. Esse boato levou à guerra. Borba Gato foi o líder dos paulistas. Devido ao apoio de Portugal e à superioridade numérica e estrutural, os emboabas venceram. No início de 1709, cerca de 300 paulistas foram cercados pelos portugueses. Sob a promessa de terem suas vidas poupadas, depuseram suas armas. Contudo, foram impiedosamente massacrados. Esse episódio ficou conhecido como Capão da Traição. Os paulistas ainda tentaram uma contraofensiva liderada por Amador Bueno da Veiga, mas acabaram recuando diante da notícia do avanço de tropas do Rio de Janeiro em apoio aos emboabas. Em novembro de 1709, foi criada a capitania de São Paulo e Minas de Ouro, separada do Rio de Janeiro. A cidade de São Paulo se tornou a capital da nova capitania. A coroa tentou amenizar a rivalidade, buscando reintegrar os paulistas. Contudo, estes acabaram deixando a região e partindo em busca de ouro em outros lugares. Em 1718, encontraram ouro em Mato Grosso e, logo em seguida, em Goiás, entre 1722 e 1725.
Guerra dos Mascates – (1710 – 1711) – Pernambuco Desde a expulsão dos holandeses, em 1654, a crise econômica, protagonizada pela crise do açúcar, solapava a região, atingindo, principalmente, a aristocracia rural de Olinda. Em contrapartida, os comerciantes portugueses, que viviam em Recife, viam
Aclamação de Amador Bueno - de Oscar Pereira da Silva, 1931
A Revolta da Cachaça – 1660 – 1661: A Cachaça é um produto genuinamente brasileiro e, em 1994, tornou-se “produto cultural”. Mas nem sempre foi assim. Era um produto colonial, que fora proibido por concorrer com a bagaceira, uma bebida portuguesa, produzida a partir do bagaço da uva. Mesmo proibida, a cachaça continuava sendo produzida. Salvador Correia de Sá e Benevides, governador do Rio de Janeiro, resolveu permitir a produção da cachaça, com o objetivo de taxá-la. Além da cachaça, Salvador de Sá resolver taxar a carne e os imóveis. Essas cobranças atingiram proprietários e populares. Em 1660, ao viajar para São Paulo, Salvador Sá deixou Tomé Correia de Alvarenga, seu parente, como governador substituto. Foi nesse momento que Jerônimo Barbalho Bezerra liderou uma revolta contra o governo do Rio e seus impostos. O Governo substituto foi derrubado e Agostinho Bezerra, irmão de Jerônimo, assumiu o governo. Sem habilidade política foi deposto e seu irmão assumiu o cargo. Salvador de Sá, com apoio militar, voltou ao Rio, reassumiu o cargo, prendeu Jerônimo e outros líderes da revolta e promoveu o julgamento. Jerônimo Bezerra foi condenado a forca. Sua cabeça foi exposta no pelourinho da cidade. O Governo de Portugal, ao saber do fato, condenou a violência da repressão, substituiu Salvador Sá e liberou a produção de cachaça. HISTÓRIA
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Um Mascate e seu Escravo - Obra de Henry Chamberlain, 1822
seus negócios florescerem. Empobrecidos pelas guerras e pela concorrência holandesa, os senhores de engenho necessitavam de empréstimos, contraídos junto aos mascates (como os olindenses chamavam os comerciantes lusitanos). Entretanto, os mascates, aproveitando-se da situação crítica dos senhores de engenho, exploravam os seus devedores, pagando menos pelo seu açúcar. Percebe-se que havia uma dependência econômica entre senhores de engenho e comerciantes. No que se refere à política, Olinda era a vila mais importante da região, e o Recife era uma freguesia, ou seja, os senhores de engenho de Olinda controlavam a política regional. A dominação política era o que restava aos senhores de engenho diante do poderio econômico mascate. Os portugueses, há algum tempo, exigiam a separação de Recife, que crescera muito durante a dominação holandesa, e, para isso, enviaram a Portugal, suas demandas de autonomia. Em 1710, uma Carta Régia tornava Recife uma vila, libertando-a de Olinda. Os mascates construíram um pelourinho (símbolo de autonomia de uma vila) e formaram a câmara municipal. Ao saber disso, os senhores de engenho de Olinda organizaram-se militarmente e invadiram Recife, derrubando o pelourinho e fechando a câmara municipal. Os olindenses controlaram a região por alguns meses. A contraofensiva lusa veio em 1711. Organizados e com apoio da coroa, os mascates avançaram, comandados pelo capitão João da Mata. A guerra só acabou com a chegada do novo governador de Pernambuco, Félix Machado (que se aliou aos mascates), em outubro de 1711. Muitos líderes foram presos (dentre eles Vieira de Melo, André Dias de Figueiredo, Antônio Bezerra Cavalcanti, Antônio Lima de Barbosa, José Tavares de Holanda, Pedro Ribeiro da Silva, João de Barros Rego e Leonardo Bezerra Cavalcanti), outros se refugiaram no sertão, mas foram perseguidos. Em 1712, Recife tornou-se a capital, e Olinda foi, aos poucos, perdendo prestígio. Alguns autores afirmam que Vieira de Melo havia proposto a construção de um governo independente de Portugal, sob a forma republicana, semelhante aos existentes em Veneza e na Holanda, o que seria uma proposta separatista. Outros autores defendem a tese que o termo república, no português da época, não tinha a mesma ideia de hoje. Todavia, a proposta não foi aceita e, durante o período de controle dos rebeldes de Olinda, o governo foi entregue ao bispo Manoel Alves da Costa, que se colocava como um mediador, mas tendendo aos olindenses.
Revolta de Vila Rica – (1720) – Minas Gerais
Julgamento de Filipe dos Santos pintura de Antônio Parreiras, 1923
“Entre outros participantes da revolta encontravam-se militares, religiosos, doutores, camaristas e comerciantes, bem como negros e índios flecheiros. Entre eles, encontrava-se Filipe dos Santos, tropeiro de origem portuguesa, que ganhava a vida trabalhando na troca de mercadorias proporcionada pelo comércio interno que se desenvolvia naquele período colonial, insuflado pela riqueza do ouro e a incipiente urbanização da região das Minas” (PINTO, 2018).
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HISTÓRIA
Também conhecida como Revolta de Filipe dos Santos. A necessidade de explorar cada vez mais ouro e de ampliar o controle de Portugal sobre os colonos intensificavam-se, quase na mesma medida. Para tentar conter o contrabando e, principalmente, a sonegação de impostos, os portugueses criaram as Casas de Fundição, numa lei de 1719. Essas casas seriam instalações destinadas a fundir todo o ouro encontrado na região, transformando-o em barras. Os colonos, indignados com as novas regras que elevariam os custos de vida, se revoltaram. Em 1720, a mobilização atingiu indivíduos das mais diversas camadas sociais. Das camadas mais altas às mais baixas. Esses setores, em conjunto, tomaram a cidade de Vila Rica, aproveitando-se da ausência do governador, o Conde de Assumar (D. Pedro de Almeida). Além de exigir a saída de Assumar do cargo, queriam a extinção das Casas de Fundição. Assumar, então, aceitou as reivindicações dos revoltosos apenas para ganhar tempo, pois mobilizava 1500 homens para acabar com os rebeldes. Em julho de 1720, as tropas leais a Portugal já haviam acabado com a revolta, e os líderes rebeldes foram perseguidos e presos. Filipe dos Santos foi considerado o maior agitador da revolta e representante das camadas populares. Ele foi arrastado pelas ruas de Vila Rica, foi enforcado e esquartejado. Sua punição tinha por objetivo servir de exemplo para os colonos. Em 1720, a capitania de Minas Gerais (Minas de Ouro) foi separada da de São Paulo, e a instalação das Casas de Fundição foi retardada, consolidando-se apenas em 1725.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UFMS 2021) Sobre a produção aurífera no Brasil e seus desdobramentos, é correto afirmar que:
(A) a mineração no Brasil só foi realmente efetivada após a confirmação da posse portuguesa sobre os territórios potencialmente viáveis para a exploração mineral (Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás), reconhecidos e legitimados pelos Tratado de Madri e de Petrópolis. (B) para o desenvolvimento da exploração aurífera em Cuiabá, capitania de Mato Grosso, foi criada uma estrutura de escoamento da produção que utilizava uma rota flúvio-terrestre denominada monções e que, posteriormente, deu origem a algumas localidades no sul da antiga capitania de Mato Grosso. (C) a produção aurífera nas Minas Gerais foi resultado do processo de investigação no interior do continente promovido por exploradores do Rio de Janeiro ligados à corte. Após instalada a rede mineradora em Ouro Preto e em Mariana, a produção era escoada pela estrada real Ouro Preto-Petrópolis. (D) a descoberta do ouro em Minas Gerais provocou uma série de contravenções relacionadas à tributação do metal precioso, buscando um caminho alternativo que ligava Minas Gerais até a província Cisplatina, contribuindo, posteriormente, para a independência dessa região da dominação portuguesa. (E) a exploração do ouro no interior do continente, no início do século XVIII, fez com que a capitania do Rio de Janeiro, visando a controlar a arrecadação de tributos provenientes da mineração, incorporasse os territórios de São Paulo, de Minas Gerais e de Mato Grosso à sua jurisdição até a década de 1860, quando esses territórios se tornaram independentes novamente. Gabarito: B A exploração aurífera no Brasil iniciou-se na última década do século XVII (por volta de 1693 – 1698) e atingiu seu auge na primeira metade do século XVIII. Dessa forma, o Tratado de Madri, assinado por portugueses e espanhóis em 1750 foi posterior. Os pioneiros na exploração de ouro foram os bandeirantes, também chamados de paulistas (ou vicentinos) pois vinham de São Paulo e não do Rio de Janeiro. Após a Guerra dos Emboabas, os paulistas partiram ainda mais para o interior do Brasil para procurar ouro, pois haviam sido derrotados pelos portugueses em Minas e temiam pela sua segurança na região. Em 1718, encontraram ouro em Mato Grosso e, em 1722, em Goiás. Para facilitar o escoamento do ouro, do Mato Grosso para o litoral, os bandeirantes utilizavam-se de uma rede de rios e caminhos por terra. As bandeiras que se dedicavam ao percurso dessas rotas ficaram conhecidas como monções. Isto posto, resta-nos apenas a alternativa “B” como correta.
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEM-2020) “Do seu calmo esconderijo, o ouro vem dócil e ingênuo; torna-se pó, folha, barra, prestígio, poder, engenho... É tão claro! – e turva tudo: honra, amor e pensamento.” MEIRELES, C. Romanceiro da inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1983.
Esses versos relatam a riqueza e as consequências da mineração na América Portuguesa. A respeito da economia mineradora, assinale o que for correto. (01) Houve três tipos principais de bandeirismo: as bandeiras de apresamento, as bandeiras de prospecção e o sertanismo de contrato, com destaque ao bandeirismo apresador, que se dedicou à procura de metais preciosos. (02) Com o Regimento de 1702 o governo português criou a Intendência das Minas, órgão com o objetivo de disciplinar a distribuição da atividade exploradora. As jazidas eram divididas em lotes, denominados “datas”. (04) A produção açucareira originou uma sociedade rural sob domínio dos senhores de engenho; nas Minas Gerais, a exploração do ouro propiciou a formação de uma sociedade urbana caracterizada pela concentração de riqueza. (08) A Coroa, diante da necessidade de manter sua autoridade e de arrecadar os recursos da exploração do ouro, criou dois tipos de tributos: o quinto e a capitação. (16) As tensões e os conflitos que marcaram o período de apogeu do ouro foram a Revolta dos Mascates contra os comerciantes, chamados pejorativamente de “homens de grandes negócios”, e a Revolta de Vila Rica, com o anúncio de que seriam instaladas Casas de Fundição na capitania. 02. (ENEM-2020) Uma sombra pairava sobre as tão esperadas descobertas auríferas: a multidão de aventureiros que se espalhara por serras e grotões mostrava-se criminosa e desobediente aos ditames da Coroa ou da Igreja. Carregavam consigo tantos escravos que o preço da mão de obra começara a aumentar na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. Ao fim de dez anos, a tensão entre paulistas e forasteiros, entre autoridades e mineradores, só fazia aumentar. DEL PRIORE, M.; VENÂNCIO, R. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Planeta, 2010.
No contexto abordado, do início do século XVIII, a medida tomada pela Coroa lusitana visando garantir a ordem na região foi a
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HISTÓRIA
(A) regulamentação da exploração do trabalho. (B) proibição da fixação de comerciantes. (C) fundação de núcleos de povoamento. (D) revogação da concessão de lavras. (E) criação das intendências das minas. 03. (UFMS) Compreendido como elemento constituinte da identidade de um povo, de caracterização de determinadas populações, além de atuar como registro da história e do costume de determinados grupos sociais, o patrimônio cultural enumera uma série de questões que devem ser consideradas para a preservação da história e da memória local. Analise as alternativas a seguir e assinale aquela que representa corretamente um patrimônio cultural brasileiro referente ao período colonial de nossa história. (A) As obras de artes apresentadas na Semana de Arte Moderna, da década de 1920, mas que tinham como motivação a identidade brasileira. (B) O complexo arquitetônico de Brasília, construído para representar a doma do interior do País e homenagear os primeiros colonizadores. (C) As canções de samba do início do século XX, patrimônio imaterial brasileiro que retoma o cotidiano de escravos e representa parte da história de formação da sociedade brasileira. (D) O complexo arquitetônico de igrejas em Minas Gerais, construídas durante o período da mineração e representativas desse ciclo econômico na história do Brasil. (E) A floresta amazônica, patrimônio natural brasileiro que confirma o compromisso do Brasil em preservar a biodiversidade desse ecossistema tão importante para as futuras gerações. 04. (FUVEST) A respeito dos espaços econômicos do açúcar e do ouro no Brasil colonial, é correto afirmar: (A) A pecuária no sertão nordestino surgiu em resposta às demandas de transporte da economia mineradora. (B) A produção açucareira estimulou a formação de uma rede urbana mais ampla do que a atividade aurífera. (C) O custo relativo do frete dos metais preciosos viabilizou a interiorização da colonização portuguesa. (D) A mão de obra escrava indígena foi mais empregada na exploração do ouro do que na produção de açúcar. (E) Ambas as atividades produziram efeitos similares sobre a formação de um mercado interno colonial.
O MARQUÊS DE POMBAL Introdução Portugal era um país atrasado em relação às grandes potências europeias, e um dos motivos desse atraso era a sua dependência da proteção Inglesa. Mas essa proteção carecia de uma contrapartida, ou seja, Portugal concedia privilégios à Inglaterra, que, por sua vez, protegia Portugal de França e Espanha e de outras potências. Contudo, os portugueses pretendiam limitar a crescente influência inglesa sobre o seu território e sobre a sua principal colônia, o Brasil. Em 1750, D. José I tornou-se rei de Portugal e nomeou, como ministro plenipotenciário, Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal. Este era um declarado admirador dos pensadores iluministas e um entusiasta das novas tendências. Nesse sentido, ele buscou implementar, em Portugal e seus domínios, o Despotismo Esclarecido. Na verdade, a sua administração mesclou preceitos do absolutismo ilustrado com aplicação de doutrinas mercantilistas. Como diria Boris Fausto, “a reforma constituiu uma peculiar mistura do velho e do novo, explicável pelas características de Portugal”. Neste capítulo, vamos estudar as ações do Marquês de Pombal para Portugal, mas principalmente para o Brasil e as suas consequências, bem como as conspirações e conjurações separatistas do final do século XVIII e início do XIX. 1.
Capítulo 8
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Período Pombalino
O Despotismo Esclarecido (ou Absolutismo Ilustrado) foi um modelo de governo das monarquias europeias do século XVIII. Na verdade, era uma mescla da manutenção do poder pelos reis absolutistas, com o conhecimento dos ideais iluministas acompanhado de certas concessões feitas à burguesia, objetivando evitar revoltas e conturbações sociais. Os principais déspotas esclarecidos foram: - José I de Portugal; - José II da Áustria; - Frederico II da Prússia; - Catarina II da Rússia; - Carlos III da Espanha.
PERÍODO POMBALINO – (1750 – 1777)
Pombal, através da criação de companhias de comércio, buscou restabelecer o controle português sobre comércio e exportação. Ele criou a Companhia Vinícola (ou das Vinhas) do Alto D’Ouro, que passou a usufruir do monopólio da exportação do vinho português, antes sob domínio inglês; criou a Companhia de Comércio Grão-Pará e Maranhão (1755) e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, com o objetivo de revitalizar a economia dessas regiões, através da exportação de cacau, cravo, canela, algodão, arroz, açúcar e da introdução de escravos africanos. Contudo, essas políticas não deram muito resultado, e os escravos acabaram sendo vendidos para o Mato Grosso, para serem utilizados na exploração das minas da região. Pombal prejudicou a economia local, mas inseriu os colonos em postos administrativos de certo destaque para evitar revoltas da elite local. O problema é que a crise econômica se agravava. O açúcar não conseguia recuperar os seus resultados, muito pelo contrário, e a exploração do ouro declinava nos anos 1760. Na medida em que se reduziam as fontes de arrecadação, cresciam os gastos, principalmente após o terremoto que destruiu Lisboa, em 1755, e a posterior reconstrução da capital lusitana. Além disso, Portugal e Espanha estavam em constantes enfrentamentos, tanto na América como na Europa. A forma encontrada, para tentar sair da crise, foi ampliar os impostos e o controle sobre o ouro. Após algumas idas e vindas, a capitação foi acrescida ao quinto. A partir de 1750, foi estipulado o mínimo de impostos devidos anualmente a Portugal: 100 arrobas (1500 kg de ouro). Como muitas vezes esse valor não era atingido, a colônia ficava com um débito em relação a Portugal. Pombal criou a Derrama, que consistia na cobrança da dívida compulsoriamente. Muitos acabaram perdendo suas propriedades para quitar a dívida. Em 1771, Portugal determinou o monopólio sobre a exploração do diamante e assumiu diretamente essa empresa.
Ilustrações de episódios notáveis do governo do Marquês de Pombal
HISTÓRIA
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Para tornar Portugal menos dependente das importações de produtos manufaturados e industrializados da Inglaterra, Pombal incentivou a criação de manufaturas em Portugal e até mesmo no Brasil. Tais manufaturas teriam apoio do Estado, com tarifas privilegiadas. Obviamente, essa postura autonomista de Pombal incomodava a Inglaterra, e ele começava a sofrer com a oposição externa dos ingleses e interna da parte da nobreza que era pró-Inglaterra. Em 1759, Pombal expulsou os jesuítas de Portugal e de seus domínios. Há uma série de causas que podem ter motivado essa ação de Pombal:
Demais medidas de Pombal: – acabou com o sistema de Capitanias Hereditárias, retomando o controle de Portugal sobre as antigas capitanias, através da compra das últimas que ainda estavam em posse de descendentes dos donatários; – transferiu a Capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, visando levar o centro administrativo colonial para mais perto do novo eixo econômico; – assumiu o cargo após o Tratado de Madri e, por ser contrário à entrega da Colônia do Sacramento aos espanhóis, desenvolveu a sua política na direção da anulação desse tratado. Assim, em 1761, foi assinado o Tratado de El Pardo, que anulava o de Madri.
Retrato de Maria I de Portugal – filha de José I, que passou para a história com a alcunha de “a Louca”. Segundo alguns autores, Maria I sofreu com as mortes do pai, do marido e do filho mais velho em um curto espaço de tempo.
Para saber mais
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HISTÓRIA
– o objetivo de ampliar a centralização política, expandindo sua autoridade para os domínios da Companhia de Jesus. Os jesuítas tinham por prática, a negligência com o cumprimento de certas determinações seculares, desenvolvendo uma espécie de governo autônomo. Um tipo de “Estado dentro do Estado”. Em 1760 Pombal baniu também, da região amazônica, a ordem dos mercedários, segunda em importância na região. – o confisco dos bens da Companhia de Jesus, que seriam bem vindos em uma época de crise. A maioria desses bens (principalmente terras), foi leiloada e arrematada por membros da elite colonial e comerciantes. As suas igrejas passaram para a administração de padres e bispos, não jesuítas, e alguns de seus colégios viraram palácios de governo ou hospitais militares. – o desejo de assimilar os nativos e integrá-los a civilização portuguesa, através de casamentos de colonos com índias e da utilização de índios nas milícias. Nesse sentido, a escravização de indígenas foi totalmente proibida em 1757. Muitas aldeias da Amazônia foram transformadas em vilas. Os jesuítas eram acusados de fomentar e auxiliar os indígenas na Guerra Guaranítica (ou Guerra dos Guaranis), na região dos Sete Povos das Missões (também conhecida como Sete Povos das Missões do Uruguai). Com a expulsão dos jesuítas, um vazio no deficiente ensino da colônia foi aberto. Ao contrário dos espanhóis (que fundaram universidades na América Espanhola, desde o século XVI), os portugueses temiam o surgimento de uma elite letrada colonial. Para suprir a ausência dos jesuítas, Pombal criou um imposto – o subsídio literário – para financiar o ensino, agora atribuição do Estado. Em Pernambuco, o bispo criou o seminário de Olinda, voltado para ciências naturais e matemática. Pequenos clubes de intelectuais surgiram na Bahia e no Rio de Janeiro, tais como a academia baiana dos “Renascidos” (1759) e no Rio de Janeiro a dos “Seletos” (1752) e a “Científica” (1772). A política pombalina contra os jesuítas fazia parte de um projeto de submissão da Igreja ao Estado Português. A sua influência foi sentida, quando a Igreja Católica (percebendo que os jesuítas, nesse período, davam mais problemas do que ajudavam) decidiu extinguir a Companhia de Jesus, em 1773, com o Papa Clemente XIV. A ordem só voltaria a existir oficialmente em 1814. Com a morte de José I, em 1777, sua filha, Dona Maria I, assumiu o trono. Imediatamente, Maria I destituiu Pombal de suas atribuições e promoveu uma mudança extrema na política lusitana. A mudança foi tão significativa que esse período ficou conhecido como “viradeira”. Maria I (que recebeu a alcunha de “a louca”) extinguiu as companhias de comércio, proibiu a produção manufatureira nas colônias (Alvará de 1785), com exceção as manufaturas que produziam tecidos destinados a confecção de roupas para escravos. A base política de Maria I era formada por indivíduos favoráveis à aproximação com a Inglaterra, por isso a extinção das companhias de comércio.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UEMG) Leia o fragmento a seguir:
“Então, quando o cabo do braçalote gemeu, encapelando-se no Cais da verga até os cotovelos do horizonte sem fim, sua memória também rangeu com os dentes da catraca, e pôde lembrar-se de quando estourara a notícia da prisão [...]: o outrora arguto Conde de Oeiras fora considerado traidor e condenado à morte. Subira ao trono [...] e com ela todo o desencanto com a monarquia.” Fonte: BARRETO, Antônio. A barca dos amantes. 4ª ed. Belo Horizonte [MG]: Lê, p. 27. 2018. [Fragmento: Adaptado]
O fragmento de Antônio Barreto, na obra “A barca dos amantes”, em suas lacunas, retrata personagens históricos como, EXCETO: (A) Sebastião José de Carvalho e Melo, vulgo Marquês de Pombal, pertencente à pequena nobreza portuguesa, homem que mudou o destino de Portugal e que foi preso conforme disposto no fragmento. (B) Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana, vulgo D. Maria I a louca, primeira mulher a assumir o trono Português. (C) D. José I, rei de Portugal, que teve um reinado glorioso, graças aos esforços, à iniciativa enérgica e à notável persistência de Sebastião José de Carvalho na administração de que se encarregara. (D) Marquês de Pombal, que muito conseguiu com sua administração enérgica, a despeito dos inimigos, da nobreza e da poderosa Companhia de Jesus que, por meio de muitas intrigas, tentavam acabar com seu prestígio junto ao rei. Gabarito: C O excerto se refere ao Marquês de Pombal, ministro do rei José I, entre 17501777. Pombal recebeu do rei José I o título de Conde de Oeiras em 1759, pela sua atuação na reconstrução de Lisboa após o terremoto de 1755. Mesmo com as reformas Pombalinas, o reinado de José I não foi glorioso, sendo que Portugal passou por grave crise econômica diretamente vinculada à crise da mineração no Brasil. A sucessora do rei José I, dona Maria, conhecida como “a Louca”, assumiu o reino em 1777 e governou até 1815.
ANOTAÇÕES
HISTÓRIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (PUCPR) "Foi o grande Pombal o único a perceber que a raça semítica, assim como os colaterais da orla oriental do Mediterrâneo, poderia fecundar a terra virgem do seu império americano... abriu a imigração aos muçulmanos que quisessem se transferir para o Brasil... Foi então que vieram os primeiros sírios, libaneses, persas, egípcios - quase todos nacionais do Mediterrâneo oriental, que o povo engloba sob o nome genérico de "turco"... Dornas Filho, João - "Aspectos da Economia Colonial "- Biblioteca do Exército-Editora, 1958, pág. 75.
Sobre a conjuntura política do século XVIII, Governo Pombalino e o texto, assinale a única alternativa INCORRETA. (A) O Marquês de Pombal, aplicando a filosofia Iluminista ao Absolutismo Real, se fez inserir na política denominada Despotismo Esclarecido. (B) Sírios e libaneses foram denominados "turcos" porque suas terras de origem, parte do Império Árabe, tinham sido dominadas pelos turcos e os passaportes eram expedidos pelo Governo Turco. (C) Os judeus, também de raça semítica, antecederam os islamitas no Brasil Colonial e os dois, preferencialmente, dedicaram-se ao comércio. (D) O Governo de Pombal, no que se refere ao Brasil, foi marcado pela transferência da capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro. (E) Tendo em vista diferenças religiosas e interesses econômicos, judeus, muçulmanos e seus descendentes tiveram constantes atritos no Brasil, na fase Colonial e Imperial. 02. (PUCRS) Considere o texto e as afirmativas que seguem. Depois de três séculos de exploração de uma das mais ricas áreas coloniais americanas, Portugal chega ao final do século XVIII como uma das metrópoles mais atrasadas da Europa. A propósito disso, o historiador Fernando Novais afirma: “o fato de a metrópole não se desenvolver paralelamente (à colônia) é que criou condições para os transladamentos dos tesouros. Em outras palavras: os estímulos da exploração colonial portuguesa iam sendo acumulados por outras potências”. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, Fernando Novais. 1986, p. 236.
I. A incapacidade de Portugal de aproveitar as riquezas que retirava do Brasil para o seu próprio desenvolvimento deveu-se ao fato de a Coroa Lusitana nunca ter conseguido constituir um estado forte e centralizado na Metrópole. II. Dentre os motivos que explicam essa situação, está a formação socioeconômica portuguesa, que privilegiava 432
HISTÓRIA
as atividades tradicionais voltadas ao cultivo da terra e à produção de vinho em detrimento do investimento em manufaturas. III. Um dos fatores que contribuiu para que Portugal continuasse um país eminentemente agrícola, não desenvolvendo um setor de manufaturas, foi o Tratado de Methuen, assinado com a Inglaterra, em 1703. IV. Dentre os problemas enfrentados pela Coroa Portuguesa estava a sua incapacidade de controlar tanto o contrabando de bens manufaturados para a sua colônia americana, quanto a fabricação desses bens no Brasil, cuja produção foi liberada pelo Marquês de Pombal quando Primeiro Ministro do rei D. José I. Estão corretas apenas as afirmativas (A) I e II. (B) II e III. (C) I, II e III. (D) I, III e IV. (E) II, III e IV. 03. (UFU) Considere as informações a seguir. Uma das figuras mais proeminentes da História Política de Portugal no século XVIII foi Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como marquês de Pombal, ministro de Dom José I. Sobre as políticas pombalinas, o historia- dor Boris Fausto diz o seguinte: “Sua obra, realizada ao longo de muitos anos (1750-1777), representou um grande esforço para tornar mais eficaz a administração portuguesa e introduzir modi¬ficações no relacionamento metrópole-colônia.” FAUSTO, B. “História concisa do Brasil”. São Paulo: Edusp / Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 59.
Em relação às políticas pombalinas que diziam respeito direta ou indiretamente ao Brasil, assinale a correta. (A) Pombal introduziu princípios do liberalismo no comércio do Brasil com vistas a recuperar a economia da colônia: extinguiu as companhias privilegiadas de comércio que existiam no Maranhão e em Pernambuco, flexibilizou o “pacto colonial” e permitiu a presença de companhias comerciais inglesas na região das Minas. (B) Um dos traços marcantes das políticas pombalinas no Brasil foi o confronto com a elite colonial. Os “brasileiros” foram impedidos de ocupar cargos políticos, jurídicos e administrativos na Colônia. Isso gerou muitas revoltas, como a de Felipe dos Santos, em Vila Rica, e a Guerra dos Mascates, em Pernambuco. (C) Dentre as principais características da política pombalina, pode-se destacar a forte adoção de princípios mercantilistas na economia e de ideais iluministas na educação. Os esforços de Pombal visavam tornar o
colonialismo português mais preparado para enfrentar a “crise do Antigo Regime”, como hoje a chamamos. (D) A política absolutista de Pombal baseava-se na origem divina do poder dos reis e de seus ministros. Por isso, ele buscou o total apoio da Igreja, favorecendo as ordens missionárias que atuavam no Brasil, como mercedários e jesuítas, às quais delegou responsabilidades sobre a tutela dos índios e sobre o ensino na colônia.
ANOTAÇÕES
04. (MACKENZIE) A expulsão da Companhia de Jesus de todos os territórios portugueses, em 1759, foi uma das medidas mais polêmicas tomadas por Pombal. Em geral, as justificativas para esse ato são a total incompatibilidade entre o controle das práticas pedagógicas adotadas pelos jesuítas e o projeto educacional iluminista pombalino. Todavia, é importante assinalar que tal expulsão também está relacionada (A) aos embates entre o Despotismo Esclarecido e as convicções dogmáticas da Igreja, que persistiram no governo de Pombal e de D. Maria I. (B) à imposição do catolicismo como religião oficial da colônia, fruto da subordinação da coroa portuguesa às decisões do papa. (C) ao controle do comércio de escravos africanos pelos jesuítas na região norte, impedindo lucros para a coroa portuguesa. (D) à influência da burguesia huguenote na corte de D. José I, exigindo o direito de educar os filhos dos colonos, até então monopólio dos jesuítas. (E) ao interesse em estabelecer o controle sobre as fronteiras da América portuguesa e sobre os recursos econômicos produzidos nessas regiões.
HISTÓRIA
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GABARITO CAPÍTULO 1 01. C
02. 30
03. D
04. D
02. A
03. E
04. D
02. 27
03. A
04. B
02. A
03. C
04. A
02. D
03. 14
04. C
02. A
03. 25
04. A
02. E
03. D
04. C
02. B
03. C
04. E
02. 02 + 04 + 08 + 16 = 30
CAPÍTULO 2 01. C
CAPÍTULO 3 01. E
02. 01 + 02 + 08 + 16 = 27
CAPÍTULO 4 01. 03 02. 01 + 02 = 03
CAPÍTULO 5 01. A 03. 02 + 04 + 08 = 14
CAPÍTULO 6 01. 33 01. 01 + 32 = 33 03. 01 + 08 + 16 = 25
CAPÍTULO 7 01. 14 01. 02 + 04 + 08 = 14
CAPÍTULO 8 01. E
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HISTÓRIA
FILOSOFIA 437 Capítulo 1 OS PRÉSOCRÁTICOS 447 Capítulo 2 SÓCRATES, OS SOFISTAS E A BUSCA PELA VERDADE 451 Capítulo 3 PLATÃO 465 Capítulo 4 ARISTÓTELES Física e Metafísica 479 Capítulo 5 OS PADRES APOLOGISTAS E A PATRÍSTICA
485 Capítulo 6 ESCOLÁSTICA
OS PRÉ-SOCRÁTICOS Introdução Neste capítulo estudaremos as principais teses filosóficas dos pensadores présocráticos no campo da metafísica. A metafísica é o estudo da estrutura da realidade e, no caso específico dos pré-socráticos, este estudo se dedica a duas questões fundamentais: o que deu origem à realidade e o que é o movimento. É por meio dos estudos destes homens que uma ciência natural irá florescer na região da atual Grécia e Turquia. Iniciaremos pela distinção entre pensamento mítico e racional. Em seguida apresentaremos as escolas de pensamento que se formaram no território mediterrâneo. 1.
A PRIMAVERA DA RAZÃO
“Muitos homens têm opiniões, mas poucos pensam” diz o estudioso Jonathan Barnes sobre os inícios da filosofia ocidental. De fato, rastrear os inícios da filosofia ocidental pede que busquemos diferenciar o que é o início da atividade filosófica propriamente dita e outras formas de discurso e conhecimento que buscam explicar a natureza e o homem. Essa passagem é conhecida como a transição entre as explicações mitológicas e explicações filosóficas. Mitos são narrativas que buscam explicar as perguntas que sempre angustiaram a humanidade. “Como o mundo teve início?”, “Quais as origens do homem?”, “Qual a origem da vida?” são alguns exemplos de questões que as mitologias indiana, guarani, grega e egípcia buscavam responder, por meio de histórias. Geralmente, nesses mitos os personagens carregam um significado preciso. Por exemplo, o mito de Prometeu, que ao roubar o fogo dos deuses e entregá-lo aos homens, teria sido condenado a ter seu fígado arrancado por uma ave por toda eternidade. Esse mito toma o fogo como metáfora para o conhecimento e, nesse sentido, guarda uma certa sabedoria sobre como o conhecimento é também uma condenação. Alguns mitos que ocorrem em quase todas as sociedades são:
Capítulo 1
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. A Primavera da Razão 2. Escola Milesiana 3. Escola de Éfeso 4. Escola da Samos 5. Escola Eleata 6. Escola Pluralista 7. Escola Atomista
Mythos: Narrativa explicativa da origem do cosmos. Logos: Argumento racional com finalidade explicativa. Arché: Primeiro Princípio. Ontologia: Estudo do Ser (do que existe). Physis: Reino Natureza.
Cosmogonias Narrativa que busca explicar o início do cosmo. Geralmente, tais mitos opõe a existência de nada a existência de algo. Essa explicação também mostra a origem da matéria ao narrar o modo como as estrelas, o Sol e a Lua surgiram. Ex.: Teogonia de Hesíodo
Mito do Herói Narrativas que buscam contar a história de um personagem que vive perigos e aventuras a fim de aprender valores morais. Tais histórias geralmente fundam a sabedoria e identidade de um povo, assim como ensinam aspectos da humanidade. Ex.: Prometeu Acorrentado
Mito de fim dos tempos Por vezes ocorre que uma cultura passa a prever seu próprio fim, então ela formula uma escatologia.Tais mitos falam sobre o fim da humanidade e buscam mostrar que homens bons e maus serão separados em uma grande cena de justiça. Ex.: Apocalipse Bíblico
O Prometeu acorrentado paga sua penitência por desobedecer aos Deuses
“sim bem primeiro nasceu Caos, depois também terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias e Eros: o mais belo entre deuses imortais.” – Teogonia, Hesíodo
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FILOSOFIA
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O abandono dessas formas narrativas de explicação do mundo é o que marca a transformação no pensamento ocidental ocasionada pelos filósofos pré-socráticos. Eles são, muitas vezes, tidos pelos alunos de ensino médio como senhores com crenças estranhas e teses que parecem injustificadas, mas a verdade é que eles tinham interesses em compreender o universo segundo critérios racionais. O pensamento mitológico dá lugar a um pensamento lógico e argumentativo por meio das teorias destes primeiros cientistas. Para eles a busca por primeiros princípios (arché) da natureza (physis) era uma missão lógica e não mais mitológica.
2.
ESCOLA MILESIANA
A escola Milesiana teve como filósofos Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Os três foram filósofos que apostaram em um princípio fundamental que funcionasse como explicação para as mudanças da matéria.
Tales de Mileto (625 a.C. – 558 a.C.) “Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água [o princípio] (e por este motivo também declarou que a terra está sobre a água), levando sem dúvida esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é úmido”. (Aristóteles, Metafísica, I, 3, 983 b.*)
Tales é reconhecido como o primeiro filósofo por ter sido o primeiro a colocar-se uma questão filosófica. Hegel acredita que sua tentativa de explicar o múltiplo da realidade através do conceito de unidade primordial é uma primeira tentativa filosófica.
Pouco sabemos sobre Tales de Mileto, pois seus escritos não chegaram até nós. Boa parte da informação que temos sobre ele vem dos escritos de Hípias e Aristóteles. Dentre as mais notáveis contribuições de Tales para o conhecimento humano estão seu teorema matemático, elaborado para medir a distância entre navios, a previsão de um eclipse que ocorreu durante a batalha entre Lídios e Persas e a descoberta de Ursa Menor. Há, contudo, uma contribuição que devemos examinar com mais cuidado: Tales foi um pesquisador dos primeiros princípios. Para ele, o princípio mais fundamental do mundo físico era a água. Entretanto, ele não escolheu tal elemento aleatoriamente. Suas razões principais para tomar a água como matéria mais simples eram: – A água encontra-se em três estados, podendo assumir diferentes formas e graduações em outros seres. – A água parece ser uma substância originária, não advindo de nenhuma outra. *Todas as citações de Aristóteles foram traduzidas das obras completas e de acordo com as marcações de paratexto de Barnes, Jonathan, ed. [The complete works]; The complete works of Aristotele. 1. Vol. 1. Princeton University Press, 1995.
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FILOSOFIA
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Como Tales não sabia que não somente a água, mas todas as substâncias e elementos da natureza têm temperaturas de mudança de estado, ele erradamente conclui que somente a água poderia ser esse primeiro princípio.
DOXOGRAFIA 1. ARISTÓTELES, Metafísica, I, 3. 983 b 6 (DK 11 A 12). a) Maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos, e de que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem, enquanto a substância subsiste mudando-se apenas as afecções, tal é, para eles, o elemento (stokheion), tal é o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destrói, como se tal natureza subsistisse sempre... Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as outras coisas se engendram, mas continuando ela a mesma. Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água [o princípio] (é por este motivo também que ele declarou que a terra está sobre água), levado sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo de que as coisas vêm é, para todos, o seu princípio). Por tal observar adotou esta concepção, e pelo fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza úmida; e a água é o princípio da natureza para as coisas úmidas. Alguns há que pensam que também os mais antigos, bem anteriores à nossa geração, e os primeiros a tratar dos deuses, teriam a respeito da natureza formado a mesma concepção. Pois consideram Oceano e Tétis os pais da geração e o juramento dos deuses a água, chamada pelos poetas de Estige; pois o mais venerável é o mais antigo; ora, o juramento é o mais venerável.
”παντα εξ υδατος εστιν (panta ex hudatos estin)”. Assim Tales de Mileto afirmou, segundo Aristóteles, que tudo vem da água.
2. SIMPLÍCIO, Física, 23, 22 (DK 11 A 13). Alguns dos que afirmam um só princípio de movimento – Aristóteles, propriamente, chama-os de físicos – consideram que ele é limitado; assim Tales de Mileto, filho de Examias, e Hipão, que parece ter sido ateu, afirmavam que água é o princípio, tendo sido levados a isto pelas (coisas) que lhes apareciam segundo a sensação; pois o quente vive com o úmido, as coisas mortas ressecam-se, as sementes de todas as coisas são úmidas e todo alimento é suculento. Donde é cada coisa, disto se alimenta naturalmente: água é o princípio da natureza úmida e é continente de todas as coisas; por isso supuseram que a água é princípio de tudo e afirmaram que a terra está deitada sobre ela. Os que supõem um só elemento afirmam-no ilimitado em extensão, como Tales diz da água. 3. ARISTÓTELES, Da Alma, 5, 422 a 7 (DK 11 A 22). E afirmam alguns que ela (a alma) está misturada com o todo. É por isso que, talvez, também Tales pensou que todas as coisas estão cheias de deuses. (Cf. Platão Leis, X, 899 B). Parece também que Tales, pelo que se conta, supôs que a alma é algo que se move, se é que disse que a pedra (ímã) tem alma, porque move o ferro.
Anaximandro (610 a.C. – 547 a.C.) “Se Tales foi o primeiro a indicar um campo intelectual, Anaximandro foi o primeiro a mapeá-lo” (Barnes, Jonathan. Os Filósofos Pré-Socráticos, p.14.) Anaximandro foi um pensador que buscou mapear a multiplicidade de objetos de estudo que havia. Primeiro pensador propriamente grego, pouco de sua obra sobreviveu ao tempo, mas nela podemos observar o desenvolvimento de múltiplos temas de investigação. Seu livro chamado Sobre a Natureza explorou a origem do cosmos, astronomia, geografia, meteorologia e biologia. Nesta última, Anaximandro teve muito destaque:
Anaximandro é um dos primeiros pré-socráticos a encontrar um princípio imaterial e ilimitado para a natureza. Fleming 2023
FILOSOFIA
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tratou de como o inorgânico dá origem ao orgânico, buscou tratar de botânica e zoologia, estudou a mente em suas sensações e desejos. Algo notável sobre a biologia de Anaximandro é o que os estudiosos de hoje chamam de proto-darwinismo. Ele acreditava que a vida humana deveria ter origem em outras formas de vida animal (provavelmente aquática), mas diferentemente do naturalista do século XIX, a mudanças das espécies ocorreu somente uma vez porque, segundo a interpretação das evidências fósseis da época, a terra teria secado a ponto de que surgisse o continente. Assim, para ele as espécies não estão imutavelmente fixadas em seu ambiente. (Aécio, A 30) Finalmente, para Anaximandro, o primeiro princípio do universo é o ἄπειρον (apeiron). Apeiron é um princípio ilimitado, imaterial e antecessor das coisas que existem. Tal coisa não é água, nem terra, nem fogo, nem ar, isto é, nenhum dos elementos conhecidos, mas causa eficiente de todas as coisas que existem. “É algo ilimitado que dá origem a todos os céus e mundos […] e também aquilo que causa a destruição” diz Simplício. Seu argumento é bastante claro: P1.É correto afirmar que cada coisa composta de um elemento pode tornar-se outra coisa feita de outro elemento. P2. Se uma coisa X pode transformar-se em Y e Y pode transformar-se em X, nenhum desses elementos é primordial. Logo, deve haver um elemento Z, primordial e subjacente a todas mudanças. Nietzsche viu uma genialidade maior nesse argumento de Anaximandro, pois seu argumento é precursor de uma ideia de criação ex-nihilo, algo como a de Deus criador que se ausenta da sua criação.
Anaxímenes (585 a.C. – 525 a.C.) Segundo Diógenes Laércio, Anaxímenes direcionou uma crítica a seu predecessor ao considerar o princípio do apeiron algo poético e vago. Para ele, o princípio primeiro deveria ser algo palpável e de existência certa, assim, tomou o ar (pneuma) como arché. Anaxímenes observou que podemos usar o ar quente para aquecer nossas mãos abrindo a boca para fazê-lo passar, enquanto, se sopramos com alta pressão, o ar sai frio da nossa boca. Isso o levou a considerar a generalização da hipótese de que, se frio e quente estavam em tudo, então tudo contém ar e o que determina a existência de algo é a densidade do ar em um determinado corpo. 3.
ESCOLA DE ÉFESO*
Heráclito (540 a.C. – 470 a.C.)
Heráclito (detalhe do afresco Escola de Atenas, Rafael Sanzio, 1511) é um dos mais celebrados pré-socráticos. Hegel aproveitou-se da dialética heraclitiana para formular sua teoria do tempo histórico.
Heráclito é uma figura central para a filosofia grega. Suas teses serão debatidas por Platão em O Sofista e, no século XIX, serão recuperadas por Hegel e Nietzsche. Parte da beleza dos versos de Heráclito está nas suas múltiplas interpretações. Seus paradoxos e estilo oracular causam estranheza em quem busca um texto claro e livre de ambiguidades, mas o espírito de Heráclito é precisamente o de explorar essas características da linguagem. Heráclito criou a teoria do fluxo. Ele acreditava ser inegável que todos os objetos do mundo estão em constante mudança (mesmo que imperceptível). O cosmos é o campo de batalha e sua faixada pacífica esconde uma luta constante entre vir-a-ser e vir-a-perecer. Essa mudança constante é o resultado da dialética de opostos: todo objeto que permanece no tempo é constituído pela oposição constante do seu ser presente e seu não-ser mais aquilo que foi no instante anterior. *Éfeso é chamado de Escola por Diogenes Laértius, mas quando tratamos do debate mobilistas x imobilistas, Heráclito pertenceu à Escola Jônica, juntamente com Tales, Anaximandro e Anaxímenes, aqui mencionados como pertencentes à Escola Milesiana.
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FILOSOFIA
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A oposição constante entre ser e não-ser é uma conclusão lógica, e nem sempre perceptível, derivada da passagem do tempo. Afinal, todo o conjunto de características de um objeto pode ser mantida, todas suas relações espaciais idênticas, mas o tempo de duração de um objeto se modifica e passa em eterno fluxo. Assim, todo ser é atualmente e não é potencialmente. O filósofo de Éfeso resumia sua tese através da famosa frase “Um mesmo homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio”. Por essa razão, Heráclito tomou o fogo como sendo o elemento correspondente ao primeiro princípio. Heráclito também respondia a uma só vez um problema que será caro aos estudiosos da physis: Qual a origem do movimento? Tal problema científico era na época disputado por aqueles que afirmavam que todo movimento era meramente aparente, pois a unidade do cosmos era estática. Esse problema ficará mais claro quando estudarmos o diálogo O Sofista, de Platão. 4.
ESCOLA DE SAMOS
Pitágoras (570 a.C. – 495 a.C.) “Os assim chamados Pitagóricos, tendo-se de dedicar às matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir. Dominando-as, chegaram à conclusão de que o princípio das matemáticas é o princípio de todas as coisas.” (Aristóteles. Metafísica 1, 5, 985b.) Os pitagóricos tinham um interesse muito grande em psicologia e na natureza humana. Esse tema deve surpreender aos estudantes que sempre pensaram em Pitágoras como o mestre da geometria, contudo a fama de matemático corre junto à fama de investigador da alma humana. Pitágoras tinha como pesquisa fundamental a unidade do psiquismo, um problema clássico que nos remete à noção de identidade pessoal. Tal problema é sintetizado pelo pitagórico Epicarmo no seguinte diálogo entre um devedor e seu credor. Devedor: Se você adicionar uma pedrinha a um número ímpar - ou a um número par se preferir - ou se você tirar uma pedrinha desse mesmo número, você crê que esse número é ainda o mesmo? (lembre-se que os gregos usavam instrumentos como pedrinhas nas demonstrações matemáticas) Credor: Claro que não Devedor: E se você adicionar alguma medida a um metro, ou cortar alguma medida de um metro, a medida inicial permanecerá a mesma? Credor: Não! Devedor: Ora, considere os homens desse modo, pois alguns estão crescendo, outros diminuindo. Todos estão mudando o tempo todo. E tudo que muda sua natureza nunca permanece o mesmo. Por esse argumento, você e eu somos diferentes do que éramos ontem e somos diferentes, agora, do que seremos amanhã. (88:23 B2)
O início da matemática na Grécia foi absolutamente vinculado ao desenvolvimento filosófico. A não separação das disciplinas será novamente importante na filosofia contemporânea que investiga consciência, inteligência artificial e ética aplicada à robótica.
Pitágoras acreditava que aquilo que era capaz de dar a unidade ao indivíduo não poderia ser seu corpo, mas teria de ser algo como uma alma. Para ele a alma, sim, era algo imutável, portanto, um dos princípios do ser. Analogamente, outras entidades imutáveis eram os números. Assim, qualquer candidato ao posto de primeiro princípio deveria ter uma natureza permanente e imaterial. Pelas razões acima citadas, Pitágoras também se tornou conhecido pela sua doutrina dos números. Essa tradição conhecida como os matematici era formada por alunos de Pitágoras que relatam serem os números o princípio de tudo. Essa forma de teorizar será herdada por Platão, como poderemos atestar logo mais.
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FILOSOFIA
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5.
ESCOLA ELEATA
Esta escola foi desenvolvida na península itálica e tem como característica a aposta em primeiros princípios imobilistas. Parmênides e Zenão são filósofos que defendem uma doutrina contrária ao mobilismo pregado por Heráclito, Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
Parmênides (530 a.C. – 460 a.C.) Parmênides é o primeiro monista da história. A afirmação de que tudo é uno reaparecerá em Espinoza.
Parmênides é um ponto de virada na história da filosofia. O gigante Eleata só será refutado por Platão no famoso diálogo O Sofista, mas até lá sua influência na lógica será determinante. Seus versos hexâmeros são de difícil apreciação, mas o coração de sua doutrina será tão debatido que fica difícil não perceber por quais vias argumentativas Parmênides queria andar. Para Parmênides a verdade deveria estar naquilo que é imóvel, racional e arredondado, pois tudo que é, permanece idêntico a si mesmo e somente o que não é se move, muda e tem “não-ser”. Além disso, tudo que é arredondado tende a ocupar a maior massa na menor porção de volume, assim o ser arredondado é aquilo que tem mais existência. O Eleata também irá teorizar a respeito do domínio da linguagem e como esta descreve o domínio do real. Um dos mais famosos fragmentos da sua investigação metafísica diz “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser. E o nada não é.” (Parmênides. Os Pensadores, p. 123) Nesse fragmento, Parmênides busca mostrar que não há como pensar o que não é, portanto, pensar o que tem não-ser é sem sentido. Assim, para ele, o “caminho correto” de investigação é aquele que busca falar o verdadeiro, pois é o que tem ser. Tal distinção ganhou o nome de via da opinião e via da verdade. A – Via da opinião: é o caminho da doxa (opinião) por isso é também o caminho da experiência sensorial. Essa via pode entregar conhecimentos cuja verdade é temporal, isto é, juízos que em um momento são verdades mas que, com o passar do tempo, se revelam falsidades. B – Via da verdade: é o caminho da aletheia (verdade). Parmênides acreditava que a verdade só poderia ser descoberta independentemente dos sentidos, ou seja, através do uso do intelecto. Afinal, a verdade imutável, única, indivisível, para além da aparência, só poderia ser conhecida por meio da razão. Alguns intérpretes de Parmênides acreditam que a base da sua confusão está na lógica do verbo ser. Ele teria confundido o “é” copulativo da oração predicativa com o “é” existencial. Pesquisas mais recentes buscam mostrar que o verbo estin no grego de Parmênides tem uma conotação próxima de “ser verdadeiro/conhecido”.
Zenão (490 a.C. – 430 a.C.) Zenão é um imobilista. Seu argumento do arqueiro só será finalmente refutado por Newton, mais de 2000 anos depois.
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Zenão de Eleia é conhecido por seu famoso paradoxo de defesa da imobilidade. Aristóteles escreve na Física que tal filósofo teria legado quatro argumentos estruturalmente muito semelhantes. Transcrevo aqui o primeiro deles: ”Há quatro argumentos de Zenão a respeito do movimento, que oferecem dificuldades a quem queira resolvê-las. No primeiro, a impossibilidade do movimento é deduzida do fato de que o móvel transportado deve chegar primeiro à metade antes de alcançar o termo; sobre isso discorremos nos argumentos anteriores (a saber, 2. 233 a 21): Por isso o argumento de Zenão supõe, sem razão, que os infinitos não podem ser percorridos ou tocados sucessivamente num tempo finito. Com efeito, a extensão e o tempo, e em geral todo conteúdo, chamam-se infinito em dois sentidos, seja em divisão, seja com relação aos extremos. Sem dúvida, os infinitos em quantidade não podem ser toados num tempo finito; mas os infinitos em divisão, sim, uma vez que o próprio tempo também é infinito dessa maneira. Por conseguinte, é no tempo infinito e não no tempo finito que se pode percorrer o infinito, e, se se tocam infinitos, é por infinitos, não por finitos". (Tópicos,VII, 8. 160 b 7: )
Pois temos muitos argumentos contrários à opinião comum, como o de Zenão, que não admite mover-se ou atravessar o estádio.” (Aristóteles. Física, VI, 9.) Zenão defende que o movimento é uma ilusão, pois não há como percorrer em instantes infinitamente divisíveis o espaço finito. 6.
ESCOLA PLURALISTA
Anaxágoras (500 a.C. – 428 a.C.) Anaxágoras foi o primeiro fundador de uma academia em Atenas. Protegido por Péricles, pode trabalhar na sua filosofia até o momento em que foi julgado ímpio por acreditar que o Sol era uma pedra incandescente e que a Lua era uma “outra terra”. Sua filosofia apresenta como novidade a noção de homeômero. Para ele os constituintes básicos da realidade são homeomerias (sementes muito básicas) que compunham os quatro elementos, o frio como o calor e as demais coisas. O que dava aos objetos sua identidade era a quantidade desses elementos. Sobre ele, Aristóteles diz: “Anaxágoras, de Clazômenas, anterior a Empédocles na idade, mas posterior na produção de obras, afirma que os princípios são infinitos. Quase todas as coisas, formadas de partes semelhantes (como a água e o fogo), diz ele que são geradas e destruídas unicamente por combinação e dissolução, e de outra maneira não são geradas nem destruídas, mas permanecem eternas." (Aristóteles. Do céu, III, 3, 302-28) Assim, após a deterioração da matéria, tais homeomerias passavam a constituir outros corpos - algo muito próximo da intuição de Lavoisier.
Empédocles (492 a.C. – 430 a.C.) Empédocles nasceu na cidade de Agrigento, atual Sicília. O filósofo ficou conhecido como um pluralista que sistematizou a tese de que a natureza é composta de 4 elementos: fogo, terra, ar e água. Tudo era uma composição desses elementos e, nesse sentido, nada deixava de existir. As coisas meramente voltavam a reencontrar seus elementos semelhantes: a água voltava à agua, o ar ao ar e assim por diante. Assim, por esse motivo, Empédocles acreditava que da existência era impossível passar a inexistência. 7.
ESCOLA ATOMISTA
Demócrito (460 a.C. – 370 a.C.) O conhecido atomista julgava que a matéria era composta de “partes simples indivisíveis”. Para ele a physis era formada por essas pequenas porções infinitas de matéria que compõem os fenômenos. No trecho a seguir, Aristóteles analisa as palavras de Demócrito: “Demócrito diz, na verdade, que cada um dos elementos indivisíveis é tanto pesado quanto maior”. (Aristóteles. Do Céu, IV, 2. 309 a 1:) Para os que dizem sólidos o primeiro elemento é mais admissível que o maior é o mais pesado deles. E dos compostos, já que cada um deles não parece ser assim, mas ao contrário observamos que muitos, menores em volume, são mais pesados, como por exemplo o bronze em relação ao algodão, alguns afirmam e julgam que a causa é outra. Pois dizem que o vazio, encerrado nos corpos, torna-os mais leves, e faz com que os maiores apresentem menos peso; pois têm maior número de vácuos. Falam, portanto, deste modo, mas é preciso acrescentar aos que assim discorrem que um corpo, quando mais leve, não apenas tem mais espaços vazios, mas também é menos sólido; pois, se o sólido exceder a proporção do vazio, o corpo não será mais leve.” (Aristóteles. Da Geração e Corrupção, 1, 8. 326 a 9.)
O átomo de Demócrito, retratado por José Ribera (1630), é um conceito cujo significado permaneceu útil até os dias atuais.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ENEM)
TEXTO I Fragmento B91: Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, nem substância mortal alcançar duas vezes a mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança, dispersa e de novo reúne. HERÁCLITO. Fragmentos (Sobre a natureza). São Paulo. Abril Cultural, 1996 (adaptado).
TEXTO II Fragmento B8: São muitos os sinais de que o ser é ingênito e indestrutível, pois é compacto, inabalável e sem fim; não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, uno, contínuo. Como poderia o que é perecer? Como poderia gerar-se? PARMÊNIDES. Da natureza. São Paulo: Loyola, 2002 (adaptado).
Os fragmentos do pensamento pré-socrático expõem uma oposição que se insere no campo das: (A) investigações do pensamento sistemático. (B) preocupações do período mitológico. (C) discussões de base ontológica. (D) habilidades da retórica Sofistica. (E) verdades do mundo sensível. Gabarito: C A Ontologia é a ciência que estuda o ser. No caso dos pré-socráticos, estudar o ser significa identificar os elementos que constituem a natureza. Isso lhes permitiria conhecer as causas do movimento ou se o movimento é uma ilusão. As posições que vemos destacadas na questão são opostas, pois Heráclito é um mobilista, enquanto Parmênides é um imobilista.
ANOTAÇÕES
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FILOSOFIA
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEL) Leia o texto a seguir. Assim, a epopeia e a poesia trágica, também a cômica, [...] são, [...] produções miméticas. [...] mas não há nada em comum entre Homero e Empédocles, exceto a métrica; eis porque designamos, com justiça, um de poeta, o outro de naturalista em vez de poeta. ARISTÓTELES. Poética. 1447 a15; 1447 b16-21. 2. ed. Edição bilíngue. Trad. Paulo Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora 34, 2017. p. 37 e 39; 43 e 45.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre Aristóteles, assinale a alternativa correta. (A) Homero e Empédocles, por usarem a metrificação e discursos miméticos, falam dos deuses e heróis da mitologia e da presença deles na natureza. (B) A escrita tanto de poetas trágicos como de filósofos naturalistas é definida pela métrica, ambos tratando racionalmente da natureza dos deuses. (C) Mesmo usando métrica, Empédocles é um dos primeiros filósofos que tratam da natureza, enquanto Homero narra os mitos da tradição grega. (D) Métrica e mimética de poetas e naturalistas expressavam o modo como os mitos explicavam o funcionamento da natureza e do cosmo. (E) Empédocles e Anaximandro, filósofos naturalistas, escreviam em métrica, explicando como os deuses controlavam a natureza. 02. (UFPR) De acordo com Tales de Mileto, a água é origem e matriz de todas as coisas. Essa maneira de reduzir a multiplicidade das coisas a um único elemento foi considerada uma das primeiras expressões da Filosofia, porque: (A) é um questionamento sobre o fundamento das coisas. (B) enuncia a verdade sobre a origem das coisas. (C) é uma proposição que se pode comprovar. (D) é uma proposição científica. (E) é um mito de origem.
ANOTAÇÕES
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SÓCRATES, OS SOFISTAS E A BUSCA PELA VERDADE Introdução Neste capítulo entenderemos a grande virada antropocêntrica provocada pelo surgimento de Sócrates no ambiente democrático ateniense. Tal virada é certamente uma virada metafísica, pois deixou de pautar os primeiros princípios da natureza como seu único objeto de estudo para focar-se no discurso e na linguagem do homem. Assim, se por um lado, a investigação pré-socrática concentra-se em uma descoberta do mundo, por outro, Sócrates será uma figura que coloca em cena o debate acerca da expressão humana da verdade e do conhecimento. Pela primeira vez na história a capacidade humana de conhecer é criticada e avaliada. 1.
Capítulo 2
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Sofistas 2. Sócrates
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
SOFISTAS
O florescimento de comunidades que adotavam formas democráticas de governo na Grécia Antiga, por volta do século V a.C. propiciou o nascimento de uma figura típica desse período: os sofistas. Os sofistas eram, segundo Sócrates e Platão, professores que ensinavam os jovens atenienses a arte de proferir discursos em ambientes de debate público visando o convencimento. Obviamente, a arte de convencer se utiliza de outras artes subsidiárias, como a arte retórica, a arte argumentativa e a oratória. Estas não são utilizadas necessariamente fazendo uso de argumentos verdadeiros e consistentes, pois os sofistas não faziam a distinção entre uma opinião verdadeira convincente e uma opinião convincente que seja falsa. A ebulição política e cultural de cidades como Atenas, nesse período, irá indiretamente apontar para a necessidade dessa distinção. É assim que o objeto de estudo filosófico passa pouco a pouco a se deslocar da natureza, para a linguagem humana. O grande objeto de estudo de sofistas como Protágoras de Abdera será a razão humana, no entanto o modo como ele a concebe, ao fim e ao cabo, nega a sua possibilidade. Será através das teses de sofistas que nascerá o relativismo filosófico, a posição segundo a qual não há verdades universais, mas somente verdades subjetivas.
Detalhe do afresco Academia de Atenas, de Rafael Sanzio. Sócrates conversa com Ésquines
Protágoras (490 a.C. – 415 a.C.) Protágoras é o mais famoso dentre os sofistas. A ele são atribuídos dois escritos: “Verdade” e “Sobre o Combate”. Nesses trabalhos ele teria ensinado técnicas argumentativas e teria enunciado sua tese de que “o homem é a medida de todas as coisas”. Muitos debates foram travados acerca de qual seria a correta interpretação desse enunciado, sendo o mais famoso aquele dado por Platão no Teeteto, onde Protágoras aparece como um relativista ou praticante do Dissoi Logoi (Discurso duplo). O relativismo teórico demanda um pouco de cuidado sobre o que exatamente é tomado como relativo. A primeira versão diz que “tudo que me aparece (minhas opiniões e percepções) como verdadeiro é verdadeiro”. Assim, se parece verdadeiro que o sol gira em torno da terra, então é verdadeiro que o sol gira em torno da terra. A verdade é o que parece ser. O problema com essa tese é que, se me parece errado que tudo que creio é verdadeiro, então essa tese seria facilmente auto refutada. Protágoras ainda poderia dizer que está tudo bem que eu não aceite essa tese, essa seria a minha verdade. Porém, nesse caso, parece que disputar verdades torna-se algo sem sentido.
É difícil dizer o que é a Retórica. Para Platão, no Fedro, ela é uma arte de convencimento, mas que não necessariamente atém-se à verdade. Já para Roland Barthes, ela é uma ciência que estuda os possíveis efeitos que a linguagem pode produzir quando articulada seja para argumentar, narrar ou fazer poesia. Fleming 2023
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Há, no entanto, há uma versão mais sofisticada do argumento, mas que deve ser mencionada para fazer justiça ao Sofista. Nessa versão o argumento sofista seria: Se o vento é frio para mim, e eu consequentemente acredito que ele é frio, então não há fato objetivo sobre se essa crença pode ser falsa. Logo, as crenças sobre minhas sensações só têm critério subjetivo de verdade. Nesse caso, Protágoras estaria tratando somente da subjetividade de certas sensações. Essa tese parece ser mais difícil de ser refutada, mas é realmente duvidoso que tenha sido essa sua intenção. O relativista é retratado por Platão como um defensor do subjetivismo universal. Assim, todo homem tem prioridade sobre as verdades que ele endossa. Essa postura será justamente alvo de crítica no diálogo Teeteto, onde debateremos o conceito de conhecimento.
Protágoras desafiava seus alunos a convencerem-no de qualquer ideia. Se não o fizessem, teriam de pagar pelos ensinamentos. Na imagem de Salvator Rosa (1663) vemos Protágoras ao centro e Demócrito sentado.
2. Sofisma: Argumento inválido que busca o convencimento. Sofista: Professor da arte do convencimento que usa da retórica e oratória. Verdade: Correspondência entre o pensamento e a realidade. Refutação: Demonstração do erro de um argumento. Dialética: Diálogo que reúne refutação e construção de argumentos.
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SÓCRATES
Vida de Sócrates Sócrates nasceu em Atenas em 469 a.C., aproximadamente. Sofronisco, seu pai, era escultor, e Fenarete, sua mãe, era parteira; ambos terão uma importância decisiva em conferir sentido à filosofia Socrática. Quando mais velho, Sócrates estudou astronomia e geometria, além de ter frequentado a escola de Anaxágoras. Será, contudo, durante a idade adulta que os fatos mais importantes da vida desse filósofo ocorrerão, pois o modo como Sócrates morreu é um símbolo maior do que podemos aprender com a filosofia. Na idade adulta, Sócrates foi a julgamento três vezes. Nos dois primeiros ele se recusou a cumprir ordens por entender que elas iam contra a lei da cidade. No terceiro foi acusado de corromper a juventude e de irreverência aos deuses da cidade. Este julgamento, ocorrido após Sócrates ser uma pessoa conhecida, tornou-se famoso, pois é nele que Sócrates irá traçar as linhas gerais do seu argumento sobre o que é “viver a vida bem vivida”. Pode parecer inesperado, mas Sócrates, ao encarar as razões da própria morte como um objeto de investigação racional, acaba colocando a vida humana no centro das preocupações filosóficas. Sua postura de não temer a morte precisamente porque sua preocupação maior era ter vivido uma vida fundada na busca da verdade aponta para essa virada temática que ocorre na filosofia grega. Será em função dessa mudança que os filósofos que o antecederam são chamados pré-Socráticos: estes ocupavam-se de investigar a physis e a arché, já Sócrates coloca no centro de suas preocupações o homem e a verdade. Para compreender a vida de Sócrates é importante compreender como ele se tornou a figura pública que conhecemos. A acusação sobre o filho de Fenarete é o resultado da insistente postura de levar até as últimas consequências as revelações do oráculo de Apolo em Delfos. Lá Sócrates teria pela primeira vez visto a inscrição que pede aos visitantes “Conhece a ti mesmo”, algo que ele tomou tão seriamente que ele afirmava buscar o autoconhecimento seguindo uma espécie de voz interna (um daimon) que dizia a ele o que devia e não devia ser feito. A busca por autoconhecimento de Sócrates tem como emblema a abertura ao diálogo. O filósofo era facilmente encontrado nos mercados, praças e áreas públicas conversando com escravos, homens livres, jovens, velhos, ricos, pobres, mulheres ou homens. Sua postura consistia em falar pouco de si mesmo e das coisas que vivera, buscando
sempre perguntar e permitir ao outro que falasse. Uma possível razão para esse comportamento vem da história de seu amigo, Querefonte, que teria ido ao oráculo de Delfos e perguntado qual o homem mais sábio que existia. O oráculo respondeu que Só crates era a pessoa referida, mas, estranhamente o filósofo não se sentia nessa posição. Ele pensava ser ignorante sobre os temas dos sábios e afirmava “somente saber que nada sabia”. Sua atitude imediata foi promover conversas com homens tidos como sábios pelos cidadãos de Atenas a fim de comprovar tal presságio.
O quadro ao lado, de Jacques Luis-David é tido por Erich Fried como uma expressão neoclássica excessivamente teatralizada, pois os personagens aparecem afetados em uma magnitude irreal. No padrão neoclássico a arte busca impactar e traduzir a humanidade em sua grandiosidade, por isso o recurso ao realismo no traço do pincel, mas o excesso na expressão.
A Ironia de Sócrates Sócrates – Então, explica-me, forasteiro, voltaria a falar: que é esse belo?
Conhecimento na concepção socrática
Hípias – Como assim, Sócrates? O autor dessa pergunta deseja saber o que é belo?
Sócrates travou diálogos que ficaram famosos. Os jovens de Atenas, entre eles Platão, assistiam avidamente os debates que buscavam por definições de conceitos como “o que é o justo?”, “o que é o belo?”, “o que é o conhecimento”. Tais diálogos por vezes terminavam com a destruição do suposto conhecimento do oponente de Sócrates e com a única certeza que fundava o diálogo socrático: a certeza de que Sócrates poderia não saber o que eram aquelas coisas, mas ele ao menos sabia não saber, enquanto os seus oponentes sequer reconheciam a própria ignorância. O método socrático de produção de conhecimento era o diálogo, uma espécie de dialética que confrontava padrões de pensamento com exemplos e situações. Sempre que passava pela situação de elenchos (refutação), Sócrates buscava propiciar ao seu oponente o reconhecimento da própria ignorância, mas muitas vezes os grandes sofistas e oradores negavam desconhecer o que professavam saber. A essa teimosia, Sócrates inúmeras vezes reage com ironia, fingindo ter aceitado um argumento claramente errôneo, mas logo em seguida tentando refutá-lo através de novas estratégias. No processo de descoberta dessa condição de ignorância, inúmeras ideias vão sendo descartas e declaradas errôneas. Ao final, o fundamental é realizar uma análise (quebra) do conceito em questão. Após esse passo, uma nova fase do diálogo iniciava. Os diálogos de Sócrates tinham por finalidade o parto das ideias, a conhecida maiêutica. A importância desse tipo de filosofia oral é a dinâmica de estar no presente, com aquilo que temos em mente, em debate. Depois de Platão, a filosofia tornou-se uma atividade essencialmente escrita e isso tornou sua prática muito diferente. A oralidade de Sócrates dava à filosofia uma espécie de vida, pois só era possível argumentar com base no que se consegue lembrar, raciocinar e intuir imediatamente.
Sócrates – Penso que não, Hípias; porém o que seja o belo. Hípias – E em que consiste a diferença? Sócrates – Achas que não há diferença? Hípias – Nenhuma. Sócrates – É certeza saberes melhor. Mas presta atenção, amigo. Ele não te perguntou o que é belo, porém o que é o belo. Hípias – Compreendo, bom homem, e vou responder a ele o que seja o belo, de forma que não possa refutar-me. Fica, então, sabendo, Sócrates, para dizer-te toda a verdade, que o belo é uma bela jovem. Sócrates – Ótimo, Hípias, pelo cão! Respondeste admiravelmente. Sendo assim, no caso de eu lhe falar dessa maneira, terei dado resposta certa à pergunta apresentada, sem que ninguém me possa contraditar?
O julgamento de Sócrates. Sócrates teria dito em seu julgamento que “A vida não examinada não vale a pena ser vivida” (Platão. Apologia, 38a). Ao ser julgado, Sócrates recebeu inúmeras propostas para negar diante do tribunal as acusações, também recebeu propostas para fugir enquanto esperava a execução da sentença. Incrivelmente, ele negou todas e manteve-se firmemente aceitando sua morte. Fleming 2023
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Busto de Sócrates mostra seu rosto quando já velho. Contudo, muito dos diálogos relatados por Platão figuram um Sócrates jovem recém retornado da Guerra do Peloponeso.
Para Sócrates encarar a morte foi a oportunidade de examinar a própria vida. Ao fazer esse exame, o filósofo convencera a si mesmo de que toda sua atuação em debates públicos fora nada mais que a busca incansável pela verdade. Portanto, como ele não via problema em reconhecer sua acusação, Sócrates também não tinha problemas em morrer por aquilo que ele acreditava ser a busca pela verdade. Assim, sem temer o que lhe aconteceria, entre suas palavras finais encontra-se aqui o momento que Sócrates debate o nascimento do ódio contra ele ao encontrar um sábio: “Eis aqui um mais sábio que eu, quando tu disseste que eu o era!” Submeti a exame essa pessoa — é escusado dizer o seu nome; era um dos políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me, então, a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não o era. A consequência foi tornar-me odiado dele e de muitos dos circunstantes.
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UEL) Sócrates, Giordano Bruno e Galileu foram pensadores que defenderam a liberdade de pensamento frente às restrições impostas pela tradição. Na Apologia de Sócrates, a acusação contra o filósofo é assim enunciada:
Sócrates [...] é culpado de corromper os moços e não acreditar nos deuses que a cidade admite, além de aceitar divindades novas (24b-c). Ao final do escrito de Platão, Sócrates diz aos juízes: Mas, está na hora de nos irmos: eu, para morrer; vós, para viver. A quem tocou a melhor parte, é o que nenhum de nós pode saber, exceto a divindade. (42a). PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. p. 122-23; 147.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a disputa entre filosofia e tradição presente na condenação de Sócrates, assinale a alternativa correta. (A) O desprezo socrático pela vida, implícito na resignação à sua pena, é reforçado pelo reconhecimento da soberania do poder dos juízes. (B) A aceitação do veredito dos juízes que o condenaram à morte evidencia que Sócrates consentiu com os argumentos dos acusadores. (C) A acusação a Sócrates pauta-se na identificação da insuficiência dos seus argumentos, e a corrupção que provoca resulta das contradições do seu pensamento. (D) A crítica de Sócrates à tradição sustenta-se no repúdio às instituições que devem ser abandonadas em benefício da liberdade de pensamento. (E) A sentença de morte foi aceita por Sócrates porque morrer não é um mal em si e o livre pensar permite apreender essa verdade. Gabarito: E Sócrates aceita sua pena de morte porque acredita ser fundamental a defesa de uma vida vivida segundo a verdade. O bem viver, tão preconizado por Sócrates, não pode conviver com a mentira, por mais que a mentira possa ser sedutora e facilitar nossas vidas. Morrer, segundo Sócrates, pode ser um bem, desde que essa morte seja ocasionada por algo verdadeiro e bom.
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PLATÃO Introdução Neste capítulo iremos estudar a filosofia de Platão. Este, que talvez tenha sido o maior filósofo de todos os tempos, é o grande delineador das grandes questões filosóficas que até hoje buscamos responder. Contudo, além de uma capacidade afiada de perceber problemas que dizem respeito a todos os seres humanos, Platão foi dono de um estilo único. Sua escrita na forma de diálogos irá marcar um modo dialético de investigação filosófica que até hoje influencia pensadores. O capítulo inicia pelo estudo da sua doutrina metafísica, onde conheceremos sua teoria das ideias. Posteriormente iremos estudar sua epistemologia e sua exploração do conceito de conhecimento. 1.
VIDA DE PLATÃO (428 a.C. - 448 a.C.)
Alfred North Whitehead, filósofo e lógico do início do século XX teria em dito, em certo momento de estupefação, que a história da filosofia ocidental é uma nota de rodapé à obra de Platão. Ainda que isso possa parecer exagero, existem razões para que tais elogios sejam feitos. Ora, obviamente a filosofia evoluiu desde Platão, pois a história da filosofia ocidental avançou inúmeras teses que Platão sequer poderia pensar, dado seu contexto. Contudo, Platão é um filósofo capaz de demarcar com elegância e precisão qual o campo próprio de investigação filosófica. A história de Platão não é tão conturbada como a de seu mestre Sócrates. Nasceu por volta de 427 a.C. em Atenas, quando todo homem jovem e rico deveria conhecer as artes da guerra, da música e da poesia. Teve a oportunidade de estudar com Crátilo, seguidor de Heráclito, e também de frequentar os meios da dramaturgia - arte que o arrebatou. Após sua decepção com a morte de Sócrates, viajou ao Egito onde encontrou um modelo político que o atraiu. Platão morreu em 347 a.C., aos 80 anos, quando uma febre tirou sua vida ao som da lira tocada por uma escrava.
2.
DOUTRINA METAFÍSICA
A doutrina de Platão foi escrita na forma de diálogos. Na primeira fase de seus diálogos eles tendem a terminar em aporias – não chegam a uma conclusão, são sem saída, e podem terminar recolocando o problema. Admirador do teatro, ele buscou na forma do diálogo teatral desenvolver suas ideias através do que ficou conhecido como a dialética socrática. A estrutura desses diálogos varia, mas constantemente podemos notar que a ironia era usada na refutação (elenchos) de teses que eram afirmadas pelos personagens. A dialética se invertia quando Sócrates, o filho de parteira, buscava fazer nascer na mente do seu oponente uma nova concepção acerca dos assuntos em pauta. Obviamente, a adoção de tal método teve influência de seu mestre, Sócrates, já que foi com ele que o método maiêutico, de parto de novas ideias, veio a se desenvolver plenamente. Em linhas gerais a doutrina platônica é apresentada em inúmeras passagens. A mais famosa está no livro VII da República, onde ele defende que a realidade que aparece aos nossos olhos contém imperfeições e está permeada de erros. Essa realidade teria sido
Capítulo 3
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Vida de Platão (c. 428 a 448 a.C.) 2. Doutrina Metafísica 3. Lógica e Metafísica 4. Epistemologia 5. "Conhecimento é Percepção" 6. Conhecimento é Juízo Verdadeiro Justificado 7. Justificação e Teoria das Ideias
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
Platão absorveu os ensinamentos de Parmênides sobre o conhecimento ter de ser de um objeto racional. Porém, como a realidade que acessamos pelos sentidos está em constante modificação e perecimento, Platão termina por trazer das crenças populares a existência de formas eternas que não habitam este mundo.
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criada por um Demiurgo, um Deus artista, que buscou copiar um outro mundo, mais real e perfeito, povoado por entidades (chamadas “formas” ou “ideias”) que são eternas e imutáveis.Tais entidades fornecem a estrutura e as características do mundo apresentado aos nossos sentidos. Essa tese é apresentada no mito da caverna, uma pequena história que narra o processo de libertação de uma pessoa que vivia acorrentada junto a outras duas dentro de uma caverna e que, ao liberar-se, consegue sair da caverna e aprender como de fato o mundo é. Aqui se faz necessário a leitura do texto platônico para que possamos ter uma dimensão de como tais ideias se estruturam.
Formas: Modelos atemporais pertencentes a uma realidade que serviram de molde desta realidade empírica. Aparências: Mundo fenomênico, que aparece aos nossos sentidos. Criado a partir das formas por um Demiurgo. Tese da Independência do ser ante o dizer: Tese que concilia a teoria de Heráclito e a teoria de Parmênides. Tese da Participação: As formas são models que explicam a universalidade dos conceitos. Elas participam do sentido dos objetos singulares.
SÓCRATES – Agora, representa da seguinte forma o estado de nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens em morada subterrânea, em forma de caverna, que tenha em toda a largura uma entrada aberta para a luz; estes homens aí se encontram desde a infância, com as pernas e o pescoço acorrentados, de sorte que não podem mexer-se nem ver alhures exceto diante deles, pois a corrente os impede de virar a cabeça; a luz lhes vêm de um fogo aceso sobre uma eminência, ao longe atrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa um caminho elevado; imagina que, ao longo deste caminho, ergue-se um pequeno muro, semelhante aos tabiques que os exibidores de fantoches erigem à frente deles e por cima dos quais exibem as suas maravilhas. GLÁUCO – Vejo isso. SÓCRATES – Figura, agora, ao longo deste pequeno muro homens a transportar objetos de todo gênero, que ultrapassam o muro, bem como estatuetas de homens e animais de pedra, de madeira e de toda espécie de matéria; naturalmente, entre estes portadores, uns falam e outros se calam. GLÁUCO – Eis um estranho quadro e estranhos prisioneiros! SÓCRATES – Eles se nos assemelham mas, primeiro, pensas que em tal situação jamais hajam visto algo de si próprios e de seus vizinhos, afora as sombras projetadas pelo fogo sobre a parede da caverna que está à sua frente. GLÁUCO – E como poderiam se são forçados a quedar-se a vida toda com a cabeça imóvel? SÓCRATES – E com os objetos que desfilam, não acontece o mesmo? GLÁUCO – Incontestavelmente. SÓCRATES – Se, portanto, conseguissem conversar entre si não julgas que tomariam por objetos reais as sombras que avistassem? GLÁUCO – Necessariamente. SÓCRATES – Considera agora o que lhes sobrevirá naturalmente se forem libertos das cadeias e curados da ignorância. Que se separe um desses prisioneiros, que o forcem a levantar-se imediatamente, a volver o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos à luz: ao efetuar todos esses movimentos sofrerá, e o ofuscamento o impedirá de distinguir os objetos cuja sombra enxergava há pouco. O que achas, pois, que ele responderá se alguém lhe vier dizer que tudo quanto vira até então eram vãos fantasmas, mas que presentemente, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê de maneira mais justa? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas passantes, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é isso? Não crês que ficará embaraçado e que as sombras que via há pouco lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que ora lhe são mostrados? GLÁUCO – Muito mais verdadeiras. SÓCRATES – Imagina ainda que este homem torne a descer à caverna e vá sentar-se em seu antigo lugar: não terá ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno sol? GLÁUCO – Seguramente sim. SÓCRATES – E se, para julgar estas sombras, tiver de entrar de novo em competição com os cativos que não abandonaram as correntes, no momento em que ainda
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está com a vista confusa e antes que seus olhos se tenham reacostumado, não provocará riso à própria custa e não dirão eles que, tendo ido para cima, voltou com a vista arruinada, de sorte que não vale mesmo a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar soltá-los e conduzi-los ao alto, e se conseguissem eles pegá-lo e matá-lo, não o matarão? GLÁUCO – Sem dúvida alguma. SÓCRATES – Agora, meu caro GLÁUCO, cumpre aplicar ponto por ponto esta imagem ao que dissemos mais acima, comparar o mundo que a vista nos revela à morada da prisão e a luz do fogo que a ilumina ao poder do sol. No que se refere à subida à região superior e à contemplação de seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma ao lugar inteligível, não te enganarás sobre o meu pensamento, posto que também desejas conhecê-lo. Deus sabe se ele é verdadeiro. Quanto a mim, tal é minha opinião: no mundo inteligível, a ideia do bem é percebida por último e a custo, mas não se pode percebê-la sem concluir que é a causa de tudo quanto há de direito e belo em todas as coisas; que ela engendrou, no mundo visível, a luz e o soberano da luz; que, no mundo inteligível, ela própria é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e que é preciso vê-la para conduzir-se com sabedoria na vida particular e na vida pública. GLÁUCO – Partilho de tua opinião na medida em que posso.
Essa doutrina ficou conhecida como a Doutrina das Ideias (eidos, em grego). Ela não aparece num momento em que Sócrates e Glauco falavam da estrutura da realidade, mas, sim, de uma questão política e pedagógica. Retornando às distinções ontológicas que nos interessam, podemos dizer que Platão é um dualista, pois concebe a realidade como existindo em dois planos. O primeiro plano é o mundo das ideias, povoado pelas essências: a humanidade, a bondade, a justiça, a mortalidade, etc. todas elas são gêneros de coisas que aparecem no mundo que habitamos como participando da composição da realidade. Nesse sentido, elas são formas que explicam por que o mundo das aparências – este mundo que habitamos - tem a forma que tem. Vale mencionar que o mundo das formas é hierarquizado. Em um nível superior, há formas mais difíceis de intuir porque são mais puras: a Bondade, Beleza, Igualdade, Grandeza, Unidade, Ser, Semelhança, Diferença, Mudança e Imutabilidade. Essas essências são o tema central em muitos diálogos e Platão vai ao longo das suas reflexões, pouco a pouco, unificando-as sob o conceito de Bem. Isso ocorre porque para ele, tudo que existe com algum grau de perfeição é revestido de bem e tudo que se direciona ao bem é verdadeiro, belo, único e justo: esse grupo de qualidades é o que ao fim e ao cabo a razão humana almeja conhecer. Fleming 2023
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O conhecimento (Epistéme) das essências, dá acesso à verdade (aletheia); já o pensamento que fica no âmbito das aparências é a mera opinião (doxa)
Tetrahedron
Tetrahedron
Octahedron
Cube
Icosahedron
Dodecahedron
Os sólidos de Platão são aqueles que tem todas as faces formadas por polígonos regulares e congruentes.
O segundo plano é o plano das aparências. Esse é o plano que habitamos, onde tudo que conhecemos se apresenta de modo sensível, e no qual nos encontramos primeiramente ignorantes sobre a existência da outra realidade. A conexão entre essas duas realidades só pode ser realizada pela intuição das formas, que, como dissemos, nos permitem entender a realidade sensível. Porém, parece justo perguntar-se como sabemos da existência separada dessas formas que modelam nosso mundo. Segundo Platão, o que nos dá conhecimento da existência desse mundo de formas é um mito antigo. Tal mito é o mito de Er, que narra a história de um homem cujo corpo não se decompõe depois da guerra. Tal façanha só é alcançada por aqueles homens de moralidade elevada, que tem uma vida honrada e virtuosa. O mito diz que logo antes de ser queimado na pira que queimaria seu corpo, Er acordou e contou o que vira no mundo dos mortos. Platão diz que segundo esse mito as almas podem reencarnar e na hora de retornar a uma nova vida neste plano é possível visualizar as formas eternas que justificam toda verdade. Entretanto, ao cruzar o rio Letes, que separa estes mundos, nossas almas esquecem tudo que viram. Assim, na hora de recobrar um corpo, nossa alma encarnada deixa de conhecer a verdade e passa somente à possibilidade de rememorá-la. Er, que só observou todos esses eventos, sem se banhar na água do rio, foi o homem que originou tal testemunho. Para melhor compreender como essas formas se relacionam com a realidade é interessante pensar tal como Platão. Poucos alunos entendem o impacto que a matemática teve sobre o ensino de Platão, mas é importante saber que para entrar na sua academia era altamente aconselhável ser conhecedor de matemática, pois a geometria era base do ensino de sua ontologia. Segundo a doutrina das ideias de Platão é possível distinguir a forma dos múltiplos objetos determinados pela sua definição. Dada essa definição sabemos o que é essencial a um objeto, assim podemos compreender por que os triângulos isósceles, escaleno e equilátero são em última análise triângulos, contudo nenhum deles representa sozinho a definição da propriedade de ser triângulo, já que são determinados por algo mais puro, a essência/ideia de triangularidade. Assim, podemos entender por que aquilo que percebemos é sempre menos perfeito que as essências e formas. Outro modo de compreender essa distinção seria perceber que ela coloca de um lado os objetos singulares e de outro seus universais. Os objetos singulares são esses objetos que encontramos no nosso dia-a-dia. Por exemplo: canecas, poltronas, pessoas, etc. Podemos usar pronomes demonstrativos e nomes para referir-nos a eles: este lápis, esta borracha, Paulo, Gabriela, etc. Para Platão, estes objetos só têm a forma que tem por que existe uma forma universal que confere a eles o seu aspecto. Objetos singulares não são possíveis de serem conhecidos na sua singularidade – somente o que é universal no singular pode ser conhecido. Por isso, as formas são aquilo que há de universal e essencial nos objetos deste mundo. É nessa conexão entre o particular e o formal – o universal – que Platão diz haver a participação do universal no particular. 3.
“Como ficou acordado ontem, Sócrates, aqui estamos obedientemente, e trazemos este estrangeiro de Eleia.” (Platão. Diálogos, 216a)
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LÓGICA E METAFÍSICA
O diálogo intitulado O Sofista é a primeira obra da fase madura de Platão. Tal obra condensa reflexões presentes em obras anteriores como os diálogos Parmênides e Teeteto, mas seu salto qualitativo é o que levara, segundo a opinião de alguns acadêmicos, à fundação da disciplina que conhecemos como Lógica. O Sofista, como podemos imaginar pelo título do trabalho, é uma investigação acerca do que é um sofista. Já estudamos anteriormente que o surgimento desses professores da arte do convencimento se dá por razões muito específicas, tais como o surgimento de um ambiente de debate democrático e uma problematização do conceito de verdade. Até o momento em que este diálogo platônico entra em cena tínhamos duas teorias concorrentes sobre a verdade: o dogmatismo de Parmênides e o relativismo de Heráclito.
O posicionamento do Parmênides de Eleia será abordado quando um personagem estrangeiro, vindo de Eleia, dialoga com um jovem matemático chamado Teeteto sobre o problema do erro e a questão do não-ser. O estrangeiro cita Parmênides e sua defesa da imobilidade do ser: “Jamais obrigarás o não-ser a ser; antes, afasta teu pensamento desse caminho de investigação.” O estrangeiro defendia uma postura positiva e afirmativa acerca da verdade. Para ele somente o ser é, e o não-ser não é. Isso significa dizer que somente sentenças verdadeiras dizem algo e são bem-sucedidas em significar algo, pois elas, sim, encontram referentes no mundo real. Essa tese negava a possibilidade de que orações negativas fizessem sentido e que pudessem ser verdade. Porém, perceba que se não é possível dar sentido a negações, então elas não podem ser nem verdadeiras nem falsas. Dessa maneira, Parmênides defendia que a única forma de comunicação que poderia fazer algum sentido era a afirmação daquilo que é verdade. O problema dessa concepção de sentido está em que, se um aluno de Parmênides dissesse “o cavalo não é azul” quando questionado sobre a cor de seu cavalo, Parmênides diria “Caro aluno, você disse coisa nenhuma, pois ‘não ser azul’ é indeterminado, é ser muitas coisas’”. O não-ser do cavalo não pode ser pensado, portanto, não faz sentido dizer o que as coisas não são. Para os leitores de Platão é neste diálogo que se arma uma enorme dificuldade: cria-se o Paradoxo do Falso. No paradoxo do falso percebemos que na teoria parmenídica é impossível falar o falso ou dizer algo negativo que seja verdadeiro.
Parmênides era de Eleia. Comumente referimo-nos a ele como “O Eleata”.
Parmênides dá esses argumentos buscando provar que o movimento não existe, pois é uma ilusão. Afinal, se o movimento pressupõe que as coisas que são de um modo em um momento, não sejam mais em outro, então, com a negação não fazendo sentido, torna-se impossível pensar a mudança. O problema é que essa maneira de pensar parece sacrificar demais a nossa compreensão da realidade, pois toma como verdadeiro que não há movimento e que frases negativas não fazem sentido. Assim, para escapar desse paradoxo, passamos por um momento que é, sem dúvida, um dos mais grandiosos da filosofia ocidental. É o momento em que o estrangeiro explica a Teeteto que o pensar é independente do ser. Se os pensamentos não fossem independentes da realidade, então tudo que pensamos seria real e, por isso, seria impossível pensar algo falso/irreal. Tal momento é chamado por Platão como o parricídio de Parmênides, já que Platão aceitava as teses racionalistas de Parmênides que desconsideravam o movimento como dotado de sentido. A Refutação da Tese de Parmênides inicia afirmando que “em certo sentido, o não-ser é; e que, por sua vez, o ser, de certa forma, não é.” Para compreender o que está em jogo aqui, o Estrangeiro evoca duas teses já discutidas por nós entre os pré-socráticos: os pluralistas (mobilistas) e os unitaristas (imobilistas). Os mobilistas admitem a alternância entre ser e não-ser, mas não reconhecem permanências. Já os imobilistas reconhecem somente o ser permanente, mas não reconhecem a alternância. A questão de fundo é tentar responder porque as coisas mudam, mas ainda assim responder por que conseguimos reidentificar essas coisas apesar da mudança. Dito de outro modo, a pergunta que esses filósofos se faziam era: Porque é possível que as coisas mantenham identidade e porque é possível falar de mudança, do que não é mais. Vejamos as suas breves refutações das suas teses: Fleming 2023
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P1. Se tudo fosse mudança, seria impossível algo ser o que é por mais de um instante. Nesse sentido, nada seria estável. Logo, usar uma mesma palavra duas vezes seria impossível, a linguagem perderia sentido e seria impossível até mesmo pensar. – Refutação de Heráclito P2. Se tudo fosse imóvel, então tudo seria uno. Assim, não faria sentido usar mais de uma palavra, pois tudo seria a mesma coisa. Portanto, a linguagem perderia o sentido e seria impossível pensar. – Refutação de Parmênides .:. Dado que não é possível que somente uma das teses esteja certa, mas ambas tocam aspectos da realidade, o ser deve ter, sob um aspecto, estabilidade e, sob outro, movimento. O segundo argumento, que termina por tornar o diálogo um dos momentos mais importantes da filosofia antiga, mostra como o pensamento se estrutura de acordo com a realidade. Para Platão, tanto movimento como permanência são conciliáveis. Em primeiro lugar, a estrutura da permanência é dada pelas formas imutáveis que encontramos na realidade suprassensível e que acessamos através do pensamento – no mito da caverna, esse seria o mundo livre dos grilhões. Já a estrutura da mudança está presente aos olhos. É este mundo onde nada é permanente e encontra-se em constante mudança. Assim, é possível através de orações predicativas mostrar que ser e não ser tem uma relação lógica que espelha a estrutura dupla da realidade – mundo de formas e mundo de aparências - e concilia a mudança e a permanência. Essas orações predicativas são usadas quando pensamos sobre fatos da realidade. Em geral, nossos pensamentos adquirem uma estrutura que podemos identificar como Sujeito + verbo ser + Predicado. Essa estrutura permite retratar os modos como o ser das formas se relaciona com o ser do mundo das aparências através de conceitos usados no pensamento. No caso abaixo, o conceito “urso”, que tem sua origem na forma eterna do urso, a ursidade, está copulado com o conceito “bom”, que tem sua origem na forma eterna da bondade. Para Platão isso significa que a propriedade de ser urso está unida a propriedade de ser bom neste ser. O ser urso pode aparecer em diferentes ursos, como o urso de um desenho animado, o urso do zoológico, etc. e a bondade pode aparecer junto a outros seres, como uma comida boa, um caráter bom, uma foto boa. Nesse caso, bondade é não-ser relativamente ao ser do urso, por isso ele aparece na posição de predicado, mas perceba que poderíamos ter a pergunta sobre se não seria a cor marrom que aparece transmutada na condição de urso, mas essa será a questão da prioridade que preocupará Aristóteles. Neste podcast você terá o professor Alexandre Luz, da UFSC, falando sobre epistemologia.
Ursidade
Bondade Mundo das Formas Mundo das Aparências
O urso é bom
Assim, podemos afirmar que a tese da independência do ser ante o dizer é a teoria que mostra ser possível falar tanto verdades como falsidades desde que essas sentenças sejam julgadas pela sua correspondência com o mundo. Nessa tese, o pensamento verdadeiro encontra as formas eternas no pensamento (tese que concede um ponto à Parmênides) e correlaciona essas formas ao que encontramos no mundo (ponto concedido a Heráclito), enquanto no falso o pensamento não corresponde ao mundo.
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4.
Essências
Define o que é
Critério de Parmênides
Fora da caverna Objeto racional
Aparências
É como algo se mostra
Critério de Heráclito
Dentro da caverna Objeto sensível
EPISTEMOLOGIA
O que é conhecimento? Essa pergunta, como tantas outras perguntas filosóficas, pode parecer à primeira vista de fácil resposta. Parece-nos fácil, pensar em inúmeros casos em que atribuímos conhecimentos a outros ou a nós mesmos. Se por um lado, há conhecimento das coisas do mundo, por outro há o autoconhecimento. Mas no que ele consiste? O que define algo como sendo conhecimento? É possível encontrar uma verdadeira definição para esse conceito? No diálogo Teeteto, Platão inicia uma conversa com um dos jovens discípulos do grande matemático Teodoro. Teeteto, é descrito como um jovem sagaz, mas não belo o suficiente para que a discussão se perca nos encantos da juventude. O jovem matemático aceita participar do processo maiêutico em busca de parir alguma ideia sobre o que possa ser conhecimento. É no momento em que Teeteto pela primeira vez se depara com uma questão propriamente filosófica que ele se admira: a possibilidade de uma investigação racional sobre o que é conhecer e sair da ignorância quanto ao que parece ordinário e comum, mas que se revela difícil e abstrato.
Conhecimento: capacidade de expressar de modo linguistico o que é verdade de modo a apoiar essa verdade em premissas verdadeiras. Percepção: Capacidade de ter por meio do sentidos uma experiência da realidade. Crença: Opinião tomada pelo sujeito como verdadeira. Teoria CVJ: Conhecimento é crença objetivamente verdadeira e justificada.
O diálogo Teeteto é um dos mais definitivos de Platão, pois o modo como formulou o problema do conhecimento é influente até os nossos dias.
Nesse diálogo, Sócrates, o filho de Fenarete, a parteira, irá conduzir-nos por duas diferentes teses. Primeiro cito-as, para depois analisá-las em detalhe: I. Conhecimento é Percepção II. Conhecimento é juízo verdadeiro justificado 5.
"CONHECIMENTO É PERCEPÇÃO"
A primeira definição de Teeteto defende que conhecimento é percepção. Afinal, diz ele, aquele que percebe, vê, toca, cheira e interage com aquilo que existe e assim conhece o que há no mundo. Nesse sentido, perceber é saber que é algo é o caso. Tal tese, contudo, passa por um filtro metafísico, pois a pergunta que naturalmente nos fazemos é: e como sabemos que sabemos o que é o caso? Para responder essa pergunta, Sócrates retorna a Protágoras, para quem “o homem é a medida de todas as coisas”. A tese do sofista Protágoras é extremamente engenhosa, pois parte de exemplos que parecem fortalecer sua formulação. Pense com Protágoras: Uma pedra de 10kg é leve para um homem forte, mas para uma criança de 1 ano, tal pedra será pesada. Outro exemplo seria o caso de um alimento salgado ou doce, que depende de como está a boca daquele que come. Logo, é correto dizer que Protágoras considera a subjetividade de cada indivíduo como fonte da verdade. Entretanto, a posição do sofista é apreciada a partir de pontos de vista mais radicais e será nesse ponto que ela apresentará insuficiências. Pode-se dizer que ao afirmar que o homem é a medida de todas as coisas a força dada a subjetividade faz com que toda percepção seja infalível.
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A percepção está em constante fluxo
O peso de algo é subjetivo, mas será que a percepção como um todo é subjetividade?
Uma consequência da tese da subjetividade é que nada pode ser afirmado enquanto objetivamente grande pequeno, pesado ou leve, e assim por diante. As coisas não são determinadas em si, mas pela relação que tem com alguém que as percebe. Desse modo, podemos afirmar que elas estão em constante fluxo. Nada é em sentido estrito. Tudo está tornando-se, em constante vir a ser. Tanto o objeto, que muda quando entra na relação de ser percebido, quanto o sujeito que percebe, que entra na relação de perceber. Na medida que o tempo transcorre inexoravelmente, tudo está em constante fluxo na percepção. Não há identidade pessoal e não há identidade do objeto. Se a tese de Protágoras define o homem como medida de todas as coisas e concede que todas as coisas mudam quando entram na relação de serem percebidas, então podemos dizer que as tese de Protágoras e de Heráclito são uma só.
A refutação de Protágoras A tese de Protágoras parece bem estruturada até o ponto em que vemos que ela está levando-nos a alguns absurdos. O primeiro absurdo vem do fato de que um objeto jamais pode ser reidentificado. Se isso é verdade, nunca podemos reconhecer um objeto. Somente conhecê-lo. Além disso, teríamos o problema de que nenhum homem pode ser mais sábio que outro, pois todos estariam em uma relação privada com o que lhe aparece. Isso tornaria absurda a própria ideia de ensinar algo a alguém. Finalmente, o que parece mais absurdo ainda é confundir o perceber o compreender. Sócrates dá como exemplo o caso de quando escutamos uma língua estrangeira. Quando escutamos alguém falando uma língua que não entendemos é comum ouvir somente sons, sem compreender o que a pessoa diz. Esse caso é exemplar para compreender a diferença entre perceber e compreender.
Defesa de Protágoras Sócrates ainda busca fazer uma defesa de Protágoras. Ele busca encarnar quais seriam as palavras do grande sofista e tentar dar aos ouvintes do debate uma réplica com argumentos protagóricos mais bem delineados. Nesse sentido, o primeiro argumento alçado defende que ainda que todas as percepções sejam verdadeiras, Protágoras defende que algumas são melhores que outras – sem jamais serem mais verdadeiras. É por isso que é possível ensinar algo a alguém. Afinal, Protágoras era um sofista que acumulara enormes quantias de dinheiro através da arte sofística e oratória. Seria um contraditório ele não defender seu próprio ofício.
Segunda Refutação de Protágoras Sócrates parte então para uma refutação final das teses protagóricas. Agora, ele mostrará que se o argumento do homem como medida de todas as coisas é tomado como verdadeiro, então nem mesmo a linguagem será possível. Afinal, nem um pensamento teria identidade consigo mesmo. Nem uma frase, ao final de sua expressão, teria mantido seu significado. Absolutamente nada pode manter-se estável quando a teoria do fluxo é casada com a tese do sofista Protágoras. ANOTAÇÕES
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CONHECIMENTO É JUÍZO VERDADEIRO JUSTIFICADO 6.
A definição platônica de conhecimento como Juízo Verdadeiro Justificado (JVJ) foi adotada por inúmeros filósofos desde Aristóteles até Wittgenstein. Apesar de famosa, nunca houve consenso sobre o que exatamente era a interpretação correta da tese platônica, mas as aproximações são bastante interessantes.
Juízo
Justificado
Conhecimento
Verdadeiro
Sobre o Juízo Na definição de Platão o conhecimento é expresso por um juízo. O juízo é a expressão assertiva de um estado de coisas no mundo. Ou seja, alguém que faz uma asserção compromete-se em retratar uma situação no mundo. É comum pensar que há percepções verdadeiras, mas percepções não são nem verdadeiras nem falsas. Não é uma propriedade delas serem verdadeiras ou falsas. Percepções são o material sobre o qual podemos julgar, mas nem todas as verdades são resultantes de percepções. As verdades matemáticas, por exemplo, não são resultado de percepções – ou alguém dirá que literalmente percebe que 1000 + 1000 = 2000? Assim, a definição de juízo é atrelada à de pensamento. Um juízo é um proferimento linguístico que retrata um estado de coisas, sejam essas coisas percepções ou não.
Sobre a Verdade Pode parecer banal, mas não há conhecimento falso. Todo conhecimento se define por ser verdadeiro. Os que muitas vezes tentam abalar esse tipo de definição são os relativistas e céticos. Os mais comuns são os céticos gregos que acreditavam serem todas as percepções dubitáveis, pois eram pertencentes a um sujeito. Ao contrário de afirmar que temos conhecimento do mundo, eles defendiam a tese de que o juízo deveria ser suspenso, pois só é possível viver conforme o que nos aparece. Outra questão importante sobre a definição de conhecimento como juízo verdadeiro é que, de acordo com essa definição temos uma concepção da verdade por correspondência. A linguagem deve corresponder às coisas para que se possa ter um juízo verdadeiro. Entretanto, você acredita que é suficiente meramente? Isso é conhecimento? Veja esse exemplo: O professor Léo tomou refrigerante e passou mal. Podemos dizer que temos conhecimento da doença do professor Léo? Podemos afirmar que foi devido ao refrigerante que ele passa mal? Podemos sequer afirmar que conhecemos as causas do que deixou ele mal? Aparentemente, não. A proposição, por mais verdadeira que seja, parece não expressar conhecimento em um sentido mais profundo. Se dissermos: Sempre que o professor Léo tomou refrigerante ele passou mal. Nesse exemplo temos uma relação de eventos que expressa correlação. Isso é algo diferente de causalidade, mas é muito comum confundir correlação com causalidade. A correlação vem do fato de que observamos uma constância entre dois eventos. Agora, por fim, veja este exemplo: Sempre que o professor Léo toma refrigerante, então ele passa mal, pois o gás lhe faz mal. O que há de diferente nessa concepção?
Podemos ter justificações que não são verdadeiras Podemos ter crenças que não são verdadeiras Podemos saber de verdades que não estão justificadas Pode haver verdades que não acreditamos Contudo, conhecer, para Platão é ter crença verdadeira justificada
TEORIA DA REMINISCÊNCIA DE MÊNON Sócrates: - Então, caro Mênon, presta bem atenção, e examina com cuidado se o que ele faz com meu auxílio é recordar-se ou aprender. Mênon: - Observarei com cuidado. Sócrates: - (Voltando-se para o escravo ao mesmo tempo que traça no solo as figuras necessárias à sua demonstração): Dize-me, rapaz: sabes o que é um quadrado? Escravo: - Sei. Sócrates: - Não é uma figura, como esta, de quatro lados iguais? Escravo: - É. Sócrates: - E estas linhas, que cortam o quadrado pelo meio, não são também iguais? Escravo: - São. Sócrates: - Esta figura poderia ser maior ou menor, não poderia? Escravo: - Poderia. Sócrates: - Se, pois, este lado mede dois pés e este também dois pés, quantos pés terá a superfície deste quadrado? Repara bem: se isto for igual a dois pés e isso igual a um pé, a superfície não terá de ser o resultado de uma vez dois pés? Escravo: - Terá. Sócrates: - Mas este lado mede também dois pés; portanto a superfície não é igual a duas vezes dois pés? Escravo: - É. Sócrates: - A superfície por conseguinte mede duas vezes dois pés? Escravo: - Mede. Sócrates: - E quanto iguala duas vezes dois pés? Conta e dize! Escravo: - Quatro, Sócrates. Sócrates: - E não nos seria possível desenhar aqui uma outra figura, com área dupla e de lados iguais como esta? Escravo: - Sim, seria. Sócrates: - E quantos pés, então, mediria a sua superfície? Escravo: - Oito. Sócrates: - Bem; experimenta agora responder ao seguinte: que comprimento terá cada lado da Fleming 2023
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nova figura? Repara: o lado deste mede dois pés, quanto medirá, então, cada lado do quadrado de área dupla? Escravo: - É claro que mede o dobro daquele. Sócrates: - (A Mênon): Vês, caro Mênon, que nada ensino, e que nada mais faço do que interrogá-lo? Este rapaz agora pensa que sabe quanto mede a linha lateral que formará o quadrado de oito pés. És da minha opinião? Mênon: - Sou. Sócrates: - Mas crês que ele de fato saiba? Mênon: - Não, não sabe. Sócrates: - Mas ele está convencido de que o quadrado de área dupla tem também o lado duplo, não é? Mênon: - Está, sem dúvida. Sócrates: - Observa como ele irá recordando pouco a pouco, de maneira exata. Responde-me (disse voltando-se para o escravo): tu dizes que uma linha dupla dá origem a uma superfície duas vezes maior? Compreende-me bem: não falo de uma superfície longa de um lado e curta de outro. O que procuro é uma superfície como esta, igual em todos os sentidos, mas que possua uma extensão dupla, ou mais exatamente, de oito pés.
A justificação Sócrates pergunta a Teeteto se não lhe parece necessário para todo aquele que compreende o que são sílabas que conheçam o que são letras. Teeteto concorda, pois, compreender o que são os componentes básicos de uma palavra é necessário conhecer as sílabas, e por sua vez, para conhecer estas é necessário conhecer o que são letras. As letras são as partes mínimas, após elas não regredimos em nada mais. Tal discussão serve aos propósitos de Sócrates no intento dele mostra que todo conhecimento é um juízo verdadeiro com uma explicação que permite que conheçamos as razões para fazer um juízo. Assim, coloca-se a pergunta: O que é justificar um juízo? Quando um juízo é justificado e verdadeiro ele torna-se conhecimento ou há justificativas melhores que outras? O modo como uma justificativa funciona para aqueles que desejam obter conhecimento deve ter uma conexão logicamente necessária com o juízo que expressa o conhecimento. Por isso que quando pensamos em Léo sofrendo pelos gases do refrigerante isso faz sentido contanto que seja a causa necessária do seu presente mal-estar. 7.
JUSTIFICAÇÃO E TEORIA DAS IDEIAS
No diálogo Parmênides, Platão reconhece que o conhecimento não pode basear-se nos objetos sensíveis, mas que deve ater-se aos objetos racionais. Para o discípulo de Sócrates, para reconhecer que alguém tem conhecimento é necessário que a pessoa relacione os conceitos contidos no seu juízo às formas ideais. Estas têm a pureza dos conceitos e podem reproduzir com perfeição a idealidade das formas, algo que o mundo perceptual não tem, já que o mundo percebido é um mundo de fenômenos – isto é, de coisas que o tempo corrompe e modifica. Assim, podemos concluir que o conhecimento na concepção platônica é, em última análise, justificado pelo conhecimento de essências que explicam e definem a natureza dos objetos de percepção e pensamento.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (ENEM) Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formavase em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).
O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? (A) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas. (B) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. (C) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis. (D) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. (E) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão. Gabarito: D O conceito de conhecimento de Platão nasce de uma concessão metafísica. Platão reconhece o que Parmênides pensava sobre a natureza do ser. Para este, somente o pensamento e razão faziam sentido, portanto, somente objetos racionais poderiam ter existência real e coerente. O mundo real é permeado de transitoriedade, portanto nele não deve haver algo capaz de ser em sentido absolutamente determinado. Platão reconhece esse conceito parmenídico e busca casar tais critérios com o ser aparente e transitório tão defendido pelos mobilistas. Contudo, somente a razão é aquela que definitivamente pode gerar conhecimento.
2 (UEM) No diálogo Teeteto, de Platão, lê-se a seguinte afirmação de Sócrates: “estou vendo, amigo, que Teodoro não ajuizou erradamente tua natureza, pois a admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem outra origem a filosofia.” (PLATÃO, Teeteto. Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, 1988, p. 20). A respeito da noção de admiração na filosofia platônica, assinale o que for correto.
(01) A admiração está presente no exercício filosófico de Platão sob um duplo ponto de vista: o filósofo é aquele que não sabe e se põe a caminho do saber. (02) A admiração pertence ao regime mítico, e não propriamente ao filosófico, pois o homem se maravilha com o poder sobrenatural dos deuses. (04) O verdadeiro ponto de partida da filosofia de Platão está na dúvida, e não na admiração. (08) É próprio do saber filosófico de Platão o seu aspecto teorético, explicitado como um olhar aberto à realidade. (16) Para Platão, o filósofo é aquele que tem a capacidade de amar a sabedoria, e não a capacidade de admirar-se. Gabarito: 01 + 08 = 09 Para Platão a razão humana tem o poder de admirar-se e amar o próprio conhecimento. Admiração e amor são atributos que o filósofo deve ter na sua investigação que começa sempre através do reconhecimento da própria ignorância e se dirige ao conhecimento das essências.
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3 (UFSC) No livro VII da obra A República, empregando a alegoria da caverna, Platão apresenta a diferença entre opinião (falso conhecimento) e ciência (verdadeiro conhecimento). Conforme essa alegoria, é correto afirmar que:
(01) a opinião consiste em ser enganado por aparências. (02) a opinião é fácil de superar. (04) a ciência consiste em atingir o inteligível. (08) os homens normalmente resistem a aceitar a ciência. (16) a opinião e a ciência são enfoques diferentes da mesma realidade. (32) a ciência baseia-se na opinião. (64) a opinião baseia-se na ciência. Gabarito: 01+ 04 + 08 = 13 A mera opinião é juízo sobre as aparências, mas sabemos que na definição platônica de conhecimento aquele que sabe, conhece as essências. Contudo, como as essências são um tanto abstratas e inacessíveis sem esforço e treino, elas geralmente são ignoradas pela maioria. Assim, o movimento que transforma a mera opinião em ciência é o conhecimento das justificativas, pois somente assim é possível conectar as aparências sobre as quais julgamos com as essências que estão na realidade do mundo das formas.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEL) Leia o texto a seguir. Quando o artista [demiurgo] trabalha em sua obra, a vista dirigida para o que sempre se conserva igual a si mesmo, e lhe transmite a forma e a virtude desse modelo, é natural que seja belo tudo o que ele realiza. Porém, se ele se fixa no que devém e toma como modelo algo sujeito ao nascimento, nada belo poderá criar. [...] Ora, se este mundo é belo e for bom seu construtor, sem dúvida nenhuma este fixará a vista no modelo eterno. PLATÃO. Timeu. 28 a7-10; 29 a2-3. Trad. Carlos A. Nunes. Belém: UFPA, 1977. p. 46-47.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Platão, assinale a alternativa correta. (A) O mundo é belo porque imita os modelos sensíveis, nos quais o demiurgo se inspira ao gerar o mundo. (B) O sensível, ou o mundo que devém, é o modelo no qual o artista se inspira para criar o que permanece. (C) O artífice do mundo, por ser bom, cria uma obra plenamente bela, que é a realidade percebida pelos sentidos. (D) O olhar do demiurgo deve se dirigir ao que permanece, pois este é o modelo a ser inserido na realidade sensível. (E) O demiurgo deve observar as perfeições no mundo sensível para poder reproduzi-las em sua obra. 02. (UEL) Leia o texto de Platão a seguir: Logo, desde o nascimento, tanto os homens como os animais têm o poder de captar as impressões que atingem a alma por intermédio do corpo. Porém relacioná-las com a essência e considerar a sua utilidade, é o que só com tempo, trabalho e estudo conseguem os raros a quem é dada semelhante faculdade. Naquelas impressões, por conseguinte, não é que reside o conhecimento, mas no raciocínio a seu respeito; é o único caminho, ao que parece, para atingir a essência e a verdade; de outra forma é impossível. PLATÃO. Teeteto. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973. p. 80.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria do conhecimento de Platão, considere as afirmativas a seguir:
IV. O raciocínio a respeito das impressões constitui a base para se chegar ao conhecimento verdadeiro. Assinale a alternativa correta. (A) Somente as afirmativas I e II são corretas. (B) Somente as afirmativas II e IV são corretas. (C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. (D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. (E) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 03. (UEL) “Quando é, pois, que a alma atinge a verdade? Temos de um lado que, quando ela deseja investigar com a ajuda do corpo qualquer questão que seja, o corpo, é claro, a engana radicalmente. - Dizes uma verdade. - Não é, por conseguinte, no ato de raciocinar, e não de outro modo, que a alma apreende, em parte, a realidade de um ser? - Sim. [...] - E é este então o pensamento que nos guia: durante todo o tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada com essa coisa má, jamais possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, esse objeto é, como dizíamos, a verdade.” PLATÃO. Fédon. Trad. Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 66-67.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de verdade em Platão, é correto afirmar: (A) O conhecimento inteligível, compreendido como verdade, está contido nas ideias que a alma possui. (B) A verdade reside na contemplação das sombras, refletidas pela luz exterior e projetadas no mundo sensível. (C) A verdade consiste na fidelidade, e como Deus é o único verdadeiramente fiel, então a verdade reside em Deus. (D) A principal tarefa da filosofia está em aproximar o máximo possível a alma do corpo para, dessa forma, obter a verdade. (E) A verdade encontra-se na correspondência entre um enunciado e os fatos que ele aponta no mundo sensível.
I. Homens e animais podem confiar nas impressões que recebem do mundo sensível, e assim atingem a verdade. II. As impressões são comuns a homens e animais, mas apenas os homens têm a capacidade de formar, a partir delas, o conhecimento. III. As impressões não constituem o conhecimento sensível, mas são consideradas como núcleo do conhecimento inteligível. Fleming 2023
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ARISTÓTELES Física e Metafísica
Introdução Neste capítulo estudaremos a metafísica Aristotélica. O cientista de Estagira era muito mais biólogo e físico que propriamente filósofo, se consideramos quanto dedicou-se a estudar o mundo natural. Veremos que, para ele, o mundo físico é a fonte única de seres que existem, pois ele não crê seja verdade que exista o mundo das ideias platônico. Após entender o argumento do terceiro homem, buscaremos compreender qual a concepção teleológica de natureza defendida pelo discípulo de Platão e qual a resposta ao problema dos primeiros princípios do ser dada por ele. 1.
Capítulo 4
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. A Vida de Aristóteles 2. Visão Geral da Obra de Aristóteles 3. As Categorias 4. Física 5. Metafísica 6. Tratado sobre a Alma 7. Aprendizado pelo Hábito e as Virtudes Intelectuais 8. Cálculo Lógico e as Virtudes Dedutivas e Indutivas
A VIDA DE ARISTÓTELES
Aristóteles era filho de médico, em uma época em que tal profissão era transmitida de pai para filho. Nascido em Estágira, o jovem Aristóteles fugiu da tradição, educou-se em Atenas, na academia de Platão. Ainda que fosse seu mais brilhante aluno, o estagirita acabou tornando-se um filósofo com outro temperamento e criou teses que acabavam por refutar boa parte do Platonismo. Aristóteles era um cientista, acima de tudo. Apaixonado por biologia, seus interesses espalharam-se pelas mais diversas áreas: meteorologia, psicologia, física, lógica, astrologia, ética e política. Preceptor de Alexandre, o grande, Aristóteles lançou as bases da cultura helenista que apareceria na antiguidade tardia. Seus ensinamentos refletem sobre uma cultura que está dilacerada pelas experiências traumáticas da guerra que causou a queda das pólis gregas.
Como conectar a participação das essências aos seres da realidade (às aparências)? Esse problema tornava a divisão Platônica menos aceita.
VISÃO GERAL DA OBRA DE ARISTÓTELES 2.
Aristóteles frequentou a Academia de Platão por aproximadamente 20 anos. Somente após a morte de seu mestre ele foi viajar para a região da atual Turquia – onde passou a investigar sobretudo biologia. Durante o período em que esteve na Academia, Aristóteles discordou de Platão, pois não adotou a teoria dualista e a metafísica do mundo das formas de seu mestre. Para ele, parecia confuso o argumento que dizia que conhecemos os particulares por meio de ideias eternas e perfeitas que estão na nossa mente. Uma das refutações desse argumento ficou conhecida como o problema do terceiro homem. A ideia básica consiste em perguntar-se como entendemos o homem real. Basicamente, Platão dirá que a compreendemos porque nela participa a forma eterna e perfeita do homem do mundo das ideias. Então, a ideia que temos na cabeça é comparável ao mundo real. Em ambas, deve haver a participação da forma perfeita da humanidade. Sendo assim, temos três seres em que participa a forma perfeita da humanidade: o homem real, a ideia que fiz em minha mente e uma terceira forma que unifica essas duas coisas. Aristóteles irá se perguntar o que unifica essas entidades e sua resposta será uma quarta idea de homem, ainda mais perfeita e inclusiva. Contudo, ao admitir isso, se gera sempre a necessidade de criar formas mais perfeitas e inclusivas. Infinitamente. A solução encontrada por Aristóteles Fleming 2023
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será a seguinte: deve haver a ciência que explica a permanência e a imutabilidade e deve haver a ciência que explica a mudança e o movimento. A ciência que explica a mudança e o movimento é a ciência natura: a física. A ciências que estuda a permanência se ocupa dos primeiros princípios imutáveis: a metafísica e a teologia racional. A razão humana pode pensar ambos os aspectos do ser. A mudança é pensada a partir das investigações que envolvem os sentidos e a observação empírica. Nesse caso, teríamos como ciências a botânica, a zoologia, a meteorologia, etc. Já a permanência é pensada a partir das formas lógicas da razão humana. Nesse caso, as ciências básicas seriam a astronomia, a matemática e a ciência dos seres enquanto ser, dedicada ao estudo da substância e dos princípios lógicos-ontológicos. 2.
AS CATEGORIAS
Os textos de Aristóteles que conhecemos são, na sua maioria, notas de aulas. Das obras que atravessaram a história e chegam até nós com certa garantia de terem sido escritas por ele restam somente a Ética a Nicômaco e a Política. Ambas preservadas no mundo árabe medieval e profundamente estudadas por Avicena e Averrois. Nesse sentido, o estudo de Aristóteles que proponho deve começar pelo entendimento da sua teoria da substância. Tal conceito será a peça fundamental na refutação de Platão e funcionará como o gancho para compreender todos os demais fundamentos da filosofia aristotélica. O segundo tratado que quero discutir brevemente é chamado As Categorias. Possivelmente trata-se de notas de aula, embora a sua doutrina seja extremamente importante para compreender o ápice da sua metafísica. Aristóteles inicia pela distinção entre homonímia, sinonímia e paronímia. Esses três termos serão definidos utilizando as noções de termo (nome lógico) e definição. Homônimos são termos iguais, mas com referentes diferentes. Ex: O animal que fala / O animal que relincha. Neste exemplo, podemos usar o termo animal para humano e para cavalo, mas humano é definido de modo diferente que cavalo. Assim, o termo animal é homônimo para humano e cavalo. Sinônimos são termos diferentes, mas com definições iguais. Ex: O búfalo é um animal / O humano é um animal Neste exemplo, podemos usar o termo animal de modo sinonímico, pois aqui ainda que búfalo e humano sejam conceitos diferentes, a palavra animal denota uma propriedade comum a ambos. Parônimos são termos com o significado derivado de outra palavra, mas que modificam sua terminação. Ex: o gramático / a gramática
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Aristóteles divide assim os termos para demonstrar que algumas orações predicativas têm o mesmo predicado funcionando como agrupamento de um gênero de coisas, ou seja, funciona como homonímia. O tratado das Categorias investiga o mais alto grau de generalidade de coisas que existem, então é preciso atentar aos modos de existência das coisas. Algumas coisas são propriedades, outras são propriedades de propriedades e outras são definidoras das coisas. Por exemplo: •
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Algumas coisas são propriedades que não podem existir separadamente - As cores são um gênero de propriedades das coisas. Elas não existem independentemente das coisas nas quais elas estão. Perceba que você só vê cor em objetos e não de modo independente. Algumas coisas são propriedades de propriedades - O conhecimento é uma propriedade de alguém, mas também recebe propriedades. Pense no seu conhecimento de gramática. Ele pode ser elevado. Nesse caso, podemos dizer, por exemplo, que Paulo conhece bastante gramática. Algumas coisas são propriedades definidoras. Nesse caso chamamos tais propriedades de inerentes, pois não poderiam estar ausentes e termos a identidade do ser em questão preservada. Por exemplo: ser homem, ser cavalo. Um cavalo que não tem a propriedade de ser cavalo simplesmente não é um cavalo. Não é uma variação de cavalo, mas, sim, é outra coisa.
Todas as divisões de Aristóteles são para mostrar o desacordo dele com Platão. Diferentemente de Platão, que acreditava que ser um urso marrom ou um marrom na forma de urso não poderia ser distinguido no mundo das formas, Aristóteles via formas de ser prioritárias. As propriedades definidoras de algo são a substância que algo é, já as propriedades mutáveis são os acidentes. As propriedades mais gerais do ser podem ser compartilhadas, como por exemplo “ter cor” ou “ser espaço-temporal”. Essas propriedades absolutamente gerais foram chamadas de as categorias do ser. Nesse tratado Aristóteles defende que há propriedades que se aplicam a um escopo amplo de seres, de modo que é possível perceber relações lógicas na própria realidade. A relação entre gênero e espécie, ou entre universal e particular, são exemplos de como a lógica permite captar relações entre de sinonímia, homonímia e paronímia entre os seres. Ex: Sócrates é homem. Todo homem é mortal. Portanto, Sócrates é mortal. Dado que a mortalidade é uma propriedade da definição de humanidade, todo aquele que é homem deve ser também mortal. A mortalidade, no entanto, não é propriedade só dos homens. Ela é parte das características dos animais e plantas. Essas propriedades organizam-se na forma de gênero e espécie, sendo um o gênero do qual o outro participa. Note que essas propriedades reais das coisas são refletidas na estruturação da linguagem. Aristóteles está de uma só vez mostrando que o modo como construímos afirmações ou negações usando a linguagem reflete o modo como a realidade se estrutura em relações que conectam os modos como as coisas existem. O modo como as coisas existem permitirá estabelecer a diferença entre qualidades inerentes e qualidades variáveis. Tais qualidades Aristóteles ordenou como a diferença entre uma substância e seus acidentes. A substância tem prioridade de existência sobre os acidentes, pois, ela é o “substrato de qualidades” que se for modificado, modificará a essência do ser. Já os acidentes são qualidades que podem aparecer ou não (ainda que seu gênero não possa deixar de estar presente. Por exemplo, algo pode aparecer em diversas quantidades, mas é impossível estar presente e não ter quantidade alguma) O homem é branco O homem é filho do pai. Os homens estão ao lado do cavalo
Substância + Acidente Substância + Relação Substância + Quantidade + Tempo + Espaço
O aluno de Platão dirá que ambas, substância e acidente têm ser, isto é, existem, ainda que de modo diferente. A substância existe independentemente, enquanto os acidentes existem de modo dependente.
MORTAL
Homem
Para Aristóteles a realidade é compartimentada segundo mecanismos de generalidade e especificidade. A linguagem consegue pensar a realidade porque ela tem um ordenamento apreensível pela mente. Por isso, costuma-se dizer que Aristóteles cortou a realidade nas suas juntas.
SER
substância
acidente
propriedade
relação
O ser existe de inúmeras maneiras, como cor (acidente), no espaço-tempo (relação), nos pensamentos, mas o sentido supremo no qual Aristóteles deseja compreender o ser é designado pelo conceito de substância – um algo em sua forma mais simples e pura.
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4.
Matéria
Forma
Potência
Ato
Finalidade
Segundo Aristóteles a compreensão global de um ser passar por uma análise completa de sua finalidade. A finalidade de um ser só pode ser compreendida se sua forma e matéria forem compreendidas através daquilo que coloca em ato o desenvolvimento das potências desse ser.
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FÍSICA
As investigações de Aristóteles acerca da origem do movimento, da forma e da matéria dos animais, plantas e objetos tornou-se o seu estudo da física. Para Aristóteles, a questão heraclitiana ainda não havia sido plenamente respondida: Afinal por que há movimento dos seres? Por que o movimento de uma arvore é o de crescer para cima? Por que um ser humano se move no sentido de crescer para cima e para os ambientes que ele percebe? Por que o movimento da Pedra é sempre para baixo? Aristóteles irá distinguir os seres entre aqueles que tem princípio de movimento interno (capaz de mover a si mesmos) e seres com movimento dependente (movidos por seres que tem capacidade interna de mover-se). Dado que Aristóteles não conhecia o princípio de inércia, para ele, um corpo só pode estar em movimento se uma força é aplicada sobre ele ou se ele consegue gerar movimento por si próprio. Algumas coisas interessantes podem aparecer aqui, pois para Aristóteles as pedras tinham um éthos (ἦθος) (lugar costumaz, finalidade natural), dado que elas sempre andavam na direção do chão se abandonadas a partir de uma certa altura. Perceba que éthos designa o comportamento da pedra e não um fenômeno causado por leis que regem a dinâmica dos corpos. Na antiguidade, a noção de causa era compreendida de outro modo. Uma causa é um constituinte de um objeto. A causa material, por exemplo, é um constituinte material de um corpo. Nos exemplos clássicos de Aristóteles, o homem tem como causa material seus ossos e sua carne, uma casa tem como causa material seus tijolos e cimento. Já uma causa formal, é o constituinte formal de um objeto. No caso do homem, a causa formal são seus braços, cabeça e pernas; já para uma casa, telhado e paredes bem anguladas são os constituintes formais. A forma ordena a matéria e dá a ela uma disposição. Além de compreender a constituição dos corpos segundo a causa material e formal, Aristóteles buscava entender os corpos físicos segundo raciocínios chamados teleológicos. Uma concepção teológica dos seres e objetos é aquela em que entende a definição dos seres segundo sua finalidade. Aristóteles chamou isso de causa final, pois é aquilo que constitui a identidade de algo, isto é, a sua definição e o que aquela coisa é na natureza. Assim, uma faca é um instrumento para cortar, uma cadeira um objeto para sentar-se. Essa concepção não apresenta maiores problemas quando o objeto em questão é manufaturado pelo homem. Afinal, todos nós sabemos para que serve uma faca. Contudo, quando o objeto em questão é um ser da natureza, tal concepção teológica apresenta dificuldades. Afinal, qual a finalidade da girafa? Qual a finalidade do homem? Aristóteles apresenta as Categorias com a esperança de que sua física adquira respostas a partir da estrutura lógica por ele analisada. A finalidade de um ser é estabelecida por aquilo que é sua característica específica. Em função disso surge a primeira definição do que é o homem, segundo Aristóteles. Para ele, somos animais racionais, pois nossa animalidade (propriedade geral e compartilhada) tem a propriedade específica de ser acompanhada pela racionalidade. A finalidade do homem na natureza é ser racional. A finalidade do leão é ser caçador da savana. O que dá ao ser sua finalidade é o modo específico pelo qual forma ordena a matéria. Pense num bolo. A massa do bolo não tem forma própria, mas tem a forma do recipiente no qual a colocamos. Analogamente, a matéria (que na química antiga eram misturas de água, fogo, terra e ar) assume a forma da humanidade, da leonidade, da faca, etc. A teoria das causas de Aristóteles deve ser compreendida à luz dos conceitos de ato e potência. A forma de um ser nos diz o que ele é em ato. A matéria de um ser nos diz sua potência. Segundo Aristóteles, a pedra é potencialmente escultura, carne e ossos são potencialmente um ser humano, ferro é potencialmente faca, etc. O que faz a potência tornar-se o ato é a forma que ordena a matéria. Portanto, a carne e ossos assumem a forma humana e ao assumi-la, o corpo humano com membros, olhos, boca, pernas, órgãos se desenvolve. O modo como Aristóteles compreende a existência dos seres foi chamado de teoria do hilemorfismo. Nessa teoria, matéria e forma são causas da existência do ser, mas elas só fazem sentido se compreendidas em interação. Uma mão humana decepada em uma guerra ou em uma escultura só é chamada de mão em sentido homonímico, pois para uma mão ser de fato uma mão ela deve ser capaz de desempenhar sua função (ergon) dentro de
um todo. Uma mão incapaz de pegar, de esmurrar ou de apoiar não é algo que Aristóteles chamaria de um ser que compõe funcionalmente o todo da natureza. Uma mão decepada é só um pedaço de carne e ossos, ou uma mão de uma escultura é pedra na forma de mão. Na teoria do hilemorfismo o todo dá sentido às partes e a soma das partes não é igual ao todo. O todo de matéria e forma, quando articulados propriamente segundo suas potencialidades em ato, dá origem a um ser qualitativamente diferente dos demais. Desse modo, se recolocamos a pergunta “Por que o homem anda?” Devemos responder que seus movimentos são causados pela finalidade da humanidade que é a realização da sua racionalidade no máximo da sua completude. O humano tem vontades, algo que para o estagirita é um princípio interno de movimento. A vontade humana é a causalidade do movimento que faz ele andar para saciar sua fome, seus desejos sexuais, a necessidade de diversão, de justiça, de conhecer, etc.
O filme A Árvore da Vida, de Terrence Malick (2011), é uma obra prima do cinema recente. A forma como o microcosmo espelha o macrocosmo nas cenas do filme é digna de uma analogia aristotélica sobre como a vida espelha em diferentes níveis suas potências e atualidades.
Assim, em uma visão mais profunda da obra de Aristóteles, ele irá conectar sua ética, sua física e sua metafísica ao mostrar que os movimentos do homem servem ao propósito do desenvolvimento pleno da sua racionalidade teórica e prática. 5.
METAFÍSICA
Ao terminar sua exploração dos fenômenos da physis, Aristóteles passou a interessar-se por um ponto que conectava sua teoria lógica e sua teoria física. Afinal, ao delimitar o que é o pensamento e o que a composição física das coisas do mundo, restava a ele ir em busca dos princípios mais fundamentais do ser e do pensar. Os livros que se dedicavam a exploração de coisas dessa natureza, o compilador das obras de Aristóteles chamou de “Além da física”, o que em grego chama-se “Metafísica”. Esses livros foram organizados e retratam o que é o ápice do descobrimento racional. A descoberta da estruturação de realidade. Tais escritos foram reunidos posteriormente ao incêndio da biblioteca de Alexandria e muito do que se reconhece como sendo os estudos de metafísica aristotélicos tem autoria duvidosa. Os livros são nomeados de acordo com as letras do alfabeto grego e resumo aqui brevemente o seu conteúdo. A (ALFA): “Todos os homens, por natureza, buscam conhecer. Sinal disso é a satisfação que obtemos por meio dos nossos sentidos; pois independentemente da sua utilidade, eles são amados por eles mesmos; e acima de todos amamos o sentido da visão. Com efeito, não somente em vista da ação, mas mesmo sem ter nenhuma intenção de agir, preferimos a visão a qualquer outra sensação. E o motivo está no fato de que a visão nos proporciona mais conhecimento do que todas as outras sensações e nos torna manifestas numerosas diferenças entre as coisas.” (Aristóteles, Livro A ) No livro A, a tese geral da metafísica aristotélica é mostrar que o conhecimento é um fim em si mesmo, pois a Sofia (sabedoria) é uma finalidade da racionalidade humana. Assim, conhecer o que há de mais racional e abstrato na existência (algo longe do mero conhecimento sensório, da experiência, da arte (techné) ou ciência) é o Fleming 2023
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que há de maior na realização da nossa humanidade. Aristóteles fala aqui que o conhecimento daquilo que é mais abstrato e mais geral a todos os seres é o conhecimento dos primeiros princípios (causas primeiras) do ser e isso é o que a Sofia deve buscar. 𝛂 (Alfa menor): Se a Sofia (sabedoria) é o que todos os homens buscam como ápice da realização da sua racionalidade, resta começar a definir qual o objeto de estudo desta ciência especial. Aristóteles afirma que conhecer os primeiros princípios é conhecer as causas primeiras – causas, no conceito aristotélico não significa a mera geração de efeitos, mas significa ser constituinte de algo. Ele definirá as causas do ser em: “Vi um anjo no bloco de mármore e simplesmente fui esculpindo até libertá-lo” teria dito Michelangelo (1475 – 1564) em uma visão teleológica do fazer artístico.
A substância é - Princípio da Realidade e do Conhecimento - Causa por excelência de tudo que existe - É o suporte de propriedades essenciais e acidentais - Essência, isto é, aquilo sem o qual algo deixa de ser o que é.
Conhecimento Intuitivo: imediato e autoevidente, sem necessidade de um processo dedutivo ou indutivo.
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•
Causa Final: É a finalidade da existência de algo – Para os seres naturais a causa final é entendida quando não mais é possível responder à pergunta: “Para que existe?” e para os artefatos a pergunta que responde a causa final é “Para que serve?” Exemplos: A finalidade do homem é conhecer a natureza. A finalidade de uma casa é servir de abrigo.
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Causa Formal: É a forma que organiza as partes constituintes de algum ser. Geralmente obtemos a causa formal ao investigar o “Como é” Exemplos: A forma do homem é um corpo com membros e cabeça. A forma de uma casa inclui paredes bem anguladas e telhado impermeável.
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Causa Material: É o material que constitui o ser. Encontramos a causa material aplicando a pergunta “Do que é feito?” Exemplos: O ser humano é feito de carne e ossos. Uma casa é feita de tijolos, cimento, água.
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Causa Eficiente: É o objeto ou pessoa que realiza a transformação da potência em ato. Encontramos a causa eficiente através da pergunta “O que fez existir?” Exemplos: O homem é feito do sangue da mulher e da semente do homem. O homem transforma tijolos e cimento em casa.
𝚪 (Gama): Para definir os primeiros princípios do ser, Aristóteles determinou no livro alfa menor as quatro causas constituintes do ser. Após esse movimento, Aristóteles acredita ser possível fazer um movimento de maior abstração. Ele deseja que a Metafísica seja a ciência que estuda o ser enquanto ser, isto é, não o ser de acordo com algum atributo especial ou acidental, mas segundo aquilo que o ser é essencialmente. O ser em sentido essencial é a substância e sua unidade é o que deve ser examinada. Se há um ser enquanto ser, saber da sua unidade existencial e lógica é o que filósofos chamam de “o problema do ser”. Também aquilo que é a negação a unidade (pluralidade) também cai sob o escopo da ciência metafísica. Assim, o estudo da negação, da diferença e da contradição são necessários. Aqui Aristóteles irá provar o famoso Princípio de Não-Contradição. Tal princípio é uma lei de todo pensamento que pretende ser verdadeiro. Ele diz na conclusão de seu argumento que “Algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto”, pois se seria impossível pensar algo com sentido que violasse esse princípio. Assim, qualquer pessoa que queira negar o princípio necessariamente incorre na sua utilização, validando-o. Obviamente, uma questão difícil se coloca na prova de tal princípio, pois prová-lo sem pressupô-lo é uma tarefa difícil, já que se o afirmássemos, estaríamos fazendo uso daquilo que desejamos provar; portanto, incorrendo em circularidade. Assim, Aristóteles busca dar provas indiretas desse princípio, mostrando que os princípios não podem ser conhecido dedutivamente, mas somente por meio da intuição.
Z (Zeta): No livro Zeta, Aristóteles finalmente enuncia o objeto que a ciência do ser enquanto ser deve estudar. Aquilo que absolutamente tudo deve em algum sentido ter para ser é: substancialidade. A substância (ousia, no grego) é aquilo que pode ter alguma finalidade (causa final) na natureza. Ela é, portanto, um substrato de propriedades, um hypokeimenon. 6.
TRATADO SOBRE A ALMA
Aristóteles fala em inúmeros lugares sobre o que é o conhecimento. O primeiro lugar que devemos abordar seja o tratado sobre a Alma, pois é nele que vemos um comentário extenso sobre qual a peculiaridade da alma humana em relação às demais almas. Para Aristóteles, tudo aquilo que é vivo tem alma. Assim, plantas, animais, e obviamente humanos, têm alma. Entretanto, o que chamamos aqui de alma pouco tem a ver com o termo cristão. O termo “alma” significa a essência de algo e ela, como já vimos, corresponde a um ergon, isto é, uma função natural. Sendo assim, podemos falar da alma vegetal, que tem como função primordial a nutrição. As plantas não se locomovem, portanto segundo Aristóteles, elas também não sentem e não pensam. Os seres que são capazes de fazer isso são os animais. Aqueles seres que têm alma animal têm a capacidade de perceber o mundo através dos 5 sentidos. O livro Sobre a alma é o primeiro tratado especificamente voltado a debater temas de psicologia e cognição humana.
Alma Humana Alma Animal Alma Vegetal
Alma Vegetativa
Alma Sensitiva
Alma Racional
Reprodução e Crescimento
Mobilidade e Sensação
Pensamento e Reflexão
Ciência: Conhecimento das causas. Sabedoria: Conhecimento dos primeiros principios.
A alma humana engloba as funções que outras formas de vida têm, contudo, ela apresenta também a função racional. As almas, Aristóteles nos diz “são a causa ou fonte do corpo vivo. [...] É a fonte do movimento, da finalidade, é a essência do corpo vivo.” (413b1) Assim, a racionalidade humana seria uma faculdade que permite ao homem uma reacomodação das almas vegetativas e animais, pois a nutrição humana e a sensibilidade humana terminam por ser capacidades que a racionalidade tem o poder de interferir. No caso do conhecimento, a percepção e a sensibilidade são modeladas pela razão, de modo que o perceber irá se relacionar com o pensar.
Lógica: Ferramenta de análise da validade dos raciocínios. Indução: Raciocínio lógico que generaliza uma tese a partir da experiência. (Das partes para o todo) Dedução: Raciocínio lógico que parte de conhecimentos dados para conhecer objetos particulares. (Do todo para as partes)
A percepção e a razão para Aristóteles Aristóteles nos diz que “A percepção de objetos do sentido é sempre livre de erro, e é encontrada em todos os animais, enquanto é possível pensar falsamente assim como verdadeiramente, e pensamento só é encontrado onde há discurso racional” . (Aristóteles, Da Interpretação) O sentido da declaração de Aristóteles é que a alma humana deve registrar aquilo que ela percebe para que possa pensar. Pensamento e percepção são nos dizeres do filósofo duas coisas diferentes: o pensar pode ser verdadeiro ou falso, ou seja, é bipolar. Já as percepções são do que é, portanto depende do contato do corpo com os objetos. O que Aristóteles diz no tratado sobre a alma sobre o conhecimento é que a capacidade de pensar torna a alma humana “o lugar das formas”. Isso é determinante na sua compreensão do conhecimento humano, pois mostra que o conhecimento é a compreensão da essência dos seres. Entretanto, agora resta-nos responder à pergunta: como Aristóteles acredita que a mente pode aprender ou descobrir essas formas? Fleming 2023
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APRENDIZADO PELO HÁBITO E AS VIRTUDES INTELECTUAIS 7.
Episteme: Conhecimento científico indutivo ou dedutivo Techné: Arte e habilidade técnica Produtição Phronesis: Prudencia ou Conhecimento Prático Nous: Inteligência e Apreensão de Primeiros Princípios da Ciência Sophia: Sabedoria conhecimento das Causas Primeiras do Ser
Como vimos no livro Metafísica, Aristóteles afirma que todos os homens desejam por natureza conhecer. Uma prova disso, diz ele, é o prazer que temos advindo dos nossos sentidos – em especial da visão. Apesar de que isso seja para nós algo definidor do que somos, há outros seres capazes de perceber o mundo. Entre os seres que são capazes de perceber há os que tem memória e os que tem audição. Estas são fundamentais para aprender, pois a memória permite guardar informações e a audição permite a transmissão dessas informações. Dado que os homens têm memória e audição, eles são capazes de ter experiências. Aristóteles chama de experiência aquilo que é no presente vivenciado a partir do acúmulo de memórias. Por sua vez, o acúmulo de experiências e a sistematicidade delas faz possível a arte (téchne). O que distingue a arte do mero acúmulo desorganizado de experiências é a formulação de juízos universais sobre objetos similares. Nesse sentido, a medicina do tempo de Aristóteles é uma arte, pois permite o reconhecimento de casos similares a partir de experiências repetidas. Sempre há diferenças de caso para caso, mas isso é algo individual e não é captado pela formulação dos juízos universais. As artes conduzem ao conhecimento da ciência, mas esta só é atingida se houver conhecimento das causas específicas do ser. As causas dos seres foram estudadas no capítulo anterior. Elas são as causas formal, final, eficiente e material. Essas causas são as causas que todos os seres apresentam, assim, aquele que tem ciência deve dominar e conhecer elas em um segmento específico. O geômetra conhece as causas da regularidade do quadrado, por exemplo. O biólogo conhece quando e como as plantas se reproduzem. O que um homem de ciência deve saber é o “o que são as coisas?” através da pergunta do “por que são as coisas desse modo?”. A sabedoria (sofia) é, como vimos no capítulo anterior, aquilo que define o ápice da realização da natureza humana. Ela é conhecimento teórico puro, em mais alto grau, dos primeiros princípios e das primeiras causas do ser. A sabedoria não é o saber de tudo, mas o saber sistemático, exato e geral. Ela é superior à ciência em abstração porque cada ciência lida com um aspecto do ser de modo que ainda mantém uma conexão com o mundo perceptível. O que vemos dentro do esquema aristotélico de ordenação do conhecimento é que ele permite uma sistematicidade. Tal característica será agora nosso alvo e interesse, já que ele organizou o conhecimento de acordo com critérios hierarquizantes que permitem conhecer melhor as motivações que o levaram a inventar a lógica. Campo de saber Experiência Arte Ciência Sofia
Epistemes Juízos singulares Juízos Universais tendo em vista atividades práticas Juízos Universais e conhecimento das causas Ciência mais abstrata e abrangente sobre o ser
CÁLCULO LÓGICO E AS VIRTUDES DEDUTIVAS E INDUTIVAS 8.
Como é que um homem passa da percepção e da memória à experiência? E mais, como ele passa da experiência à arte? Essas questões envolvem a percepção de uma forma de hierarquia que está na gênese do que Aristóteles acredita estar na fundação da sua lógica. Para compreender bem estas formas de conhecimento é necessário inspecionar os conceitos de indução, dedução e abdução, assim como conhecer algumas falácias. Aristó472
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teles acreditava que era impossível alguém genuinamente ter conhecimento se não fosse treinado e exercitado em procedimentos científicos que usam da lógica como sua matriz. Esses serão agora nossos temas de exploração.
Indução Aristóteles dedica-se muito pouco a abordar a natureza da indução. Ele a caracteriza como “o argumento que vai dos particulares para o universal”. Obviamente, para que seja racional fazer uma inferência do particular para o universal é necessário ser exposto a uma grande quantidade de particulares, pois somente assim pode-se obter algum grau de segurança em generalizar uma propriedade comum a todos os seres daquela espécie. Ademais, a indução é fundamental na exploração científica, pois propriedades de números, como “ser par”, não precisam ser testadas infinitamente para que a indução tenha uma boa margem de segurança. Além disso, em uma obra chama Segundos Analíticos, Aristóteles, ao explorar o conceito de ciência, afirma que os primeiros princípios, tal como o princípio de não-contradição, são indutivamente provados. Podemos observar que é impossível dar um salto da experiência para a arte sem termos boas capacidades indutivas, pois a experiência é baseada meramente na memória, mas sem um juízo universal. Somente a partir da coleção de experiências e da generalização que torna-se possível ter arte.
Observação 1 Observação 2
Observação 3
Observação 4 Observação 5
Observação 6 Observação 7
Observação 8
TODOS COELHOS TEM DUAS ORELHAS
Dedução Deduções são formas argumentativas fulcrais para Aristóteles e para sua explicação do conhecimento. Para Aristóteles um argumento dedutivo é aquele que “a conclusão se segue necessariamente das premissas”. Isto é, dadas as premissas falsas, é impossível que a conclusão seja verdadeira. Essa propriedade é conhecida como validade argumentativa e o papel que ela tem na ciência aristotélica fica claro na sua teoria do silogismo.
Teoria
Teoria
Predições
Hipótese
Experimento
Fatos e Observações
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• Silogismo Todo argumento começa com premissas. Uma premissa é uma asserção que pode ser verdadeira ou falsa. Segundo Aristóteles, toda premissa deve ter a seguinte estrutura: • Sujeito + Verbo de ligação + Predicado Além do sujeito podemos ter um quantificador que pode dar-nos a noção do escopo de aplicação do predicado ao sujeito. Os quantificadores são: • Todo • Algum • Nenhum Assim, ao fazermos descobertas científicas as propriedades comuns (termos médios) permitem que reconheçamos raciocínios que garantem necessidade às inferências. Para compreender isso, podemos analisar alguns exemplos. I. Exemplo Clássico
Alma Mortais
Imortais
Homens
P1.Todo homem é mortal P2.Todos os seres mortais têm alma .:.. Logo, todos os homens têm alma. Aqui temos um argumento com premissas universais. Dentro da ciência aristotélica, ter alma era o princípio de vida dos seres. Portanto, dentro do regime científico aristotélico todas as premissas são verdadeiras. Consequentemente, o argumento é válido. II. Exemplo de instanciação do universal
Mortais
P1.Todo homem é mortal P2. Sócrates é homem .:. Logo, Sócrates é mortal
Homens Sócrates
Este argumento conecta uma premissa maior a uma premissa menor. Vemos aqui o que chamamos de instanciação de uma propriedade geral em um singular. Neste caso, a propriedade “ser humano” é o que garante validade dedutiva à conclusão sobre a mortalidade de Sócrates III. Exemplo do termo médio
Mortais
P1.Todo homem é racional P2.Todo ser racional é mortal .:. Logo, todo homem é mortal.
Racionais Homens
Neste exemplo, temos um termo médio que garante a transitividade entre o sujeito da primeira premissa e o sujeito da conclusão. O argumento torna-se uma dedução exemplar da necessidade buscada no modo de operar da ciência aristotélica. IV. Exemplo de argumento inválido
Boa nota
Inteligente José ?
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José ?
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P1. Alguns alunos inteligentes foram bem na prova P2. José é um aluno inteligente .:. Logo, José foi bem na prova O argumento acima é inválido. A premissa maior não é universal, pois quantifica somente alguns alunos do total de alunos possíveis. Se José é um aluno inteligente, isso não o põe necessariamente no grupo dos alunos que foram bem na prova, pois há alunos inteligentes que não foram bem. Assim, a inferência não apresenta validade lógica.
• Quadro das Oposições Aristóteles sistematizou relações lógicas entre proposições, pois percebeu que determinadas formas de raciocínio não dependem do conteúdo dos pensamentos; isto é, dos objetos representado; mas somente do seu aspecto formal. Tal aspecto formal é observável se, ao invés de conceitos que representam objetos, pessoas e coisas do mundo, usássemos somente letras supondo que elas tivessem algum significado. Por exemplo: “Todo S é P” é refutado por “Algum S não é P”. A partir da constatação de relações como essa, Aristóteles montou o quadro de oposições.
P P
S
S
Con t
rad itór ia
s
Subalternas
Todo S é P
Subalternas
Contrárias Nenhum S é P
Subcontrárias P
S
Algum S é P
P
S
Algum S não é P
Abdução A abdução se assemelha à indução, porém é possível observar que nela há um raciocínio que apela ao que chamamos de “melhor explicação” ou “explicação mais plausível”. Um bom exemplo poderia ser: P1. Todos os feijões daquela saca são brancos. P2. Esses feijões são brancos. Logo, esses feijões são daquela saca (abdução). Perceba que a inferência mais provável sobre as origens dos feijões é que eles venham da saca, porém de fato eles poderiam vir de outras sacas. A possibilidade nesse caso é tomada como fraca e a inferência é tomada como válida pelo fato de que é uma boa explicação.
Estudo das Falácias 1. Ad hominem Exemplo: X: Sou a favor do casamento gay, pois o sentimento de amor é igual em qualquer ser humano. Y: Só mesmo um ignorante como você poderia ser a favor disso. Perceba que este diálogo se resume a um ataque pessoal à opinião de X. Em uma discussão sem falácias, os argumentos não são desqualificados em função de quem os profere. Trata-se do conteúdo das sentenças. 2. Falácia do Espantalho Exemplos X: Deveríamos ter leis menos rígidas em relação ao consumo de cerveja. Y: Não concordo, toda sociedade com acesso irrestrito a bebidas alcoólicas acaba perdendo qualquer senso ético e perdendo economicamente. Fleming 2023
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Perceba que neste argumento B não reconstrói corretamente o teor da proposição emitida por A. O ataque, nesse caso, faz uma espécie de espantalho do argumento de A. 3. Falso Dilema Exemplo: A: Marcos está atrasado. Então, ou dormiu demais ou seu carro quebrou. Ligamos para sua casa e ninguém atendeu. Logo, seu carro deve ter quebrado. Perceba que as duas hipóteses não são exaustivas e não eliminam outras possibilidades. Assim, ter de escolher entre uma ou outra é um falso dilema. 4. Petição de Princípio Exemplo: X: Como eu não estou mentindo, é claro que estou dizendo a verdade A petição de princípio geralmente faz aquele que raciocina presumir de maneira cíclica de modo a concluir exatamente o que suas premissas já afirmam. 5. Generalização Apressada Exemplo: X: Os franceses falam muito alto. O Pierre, por exemplo, fala aos gritos. Neste caso fica claro que X não fornece exemplos suficientes para afirmar algo sobre todo um universo de exemplos. Assim, a generalização depende de mais exemplos para que seja um raciocínio indutivo mais bem amparado. 6. Falácia Causal (post hoc ergo propter hoc) Exemplo: X: Nas últimas copas do mundo de futebol, toda vez que o cantor Mick Jagger vestiu a camisa da seleção brasileira ela foi derrotada. Portanto, para que que seleção brasileira seja campeã da copa do mundo, Mick Jagger deve parar de usar a camisa da seleção. A correlação de dois fatos é comumente confundida com causalidade. Contudo, dois fatos correlatos não têm necessariamente uma relação de causalidade. 7. Argumento de Autoridade O mundo Aristotélico é divido em sublunar e supralunar. No mundo sublunar tudo é feito de forma e matéria, já no mundo supralunar há formas puras sem matéria.
Exemplo: O pastor da igreja afirmou que não existe evolução, porque a Bíblia diz que Deus criou o mundo e as criaturas. Então, é claro que Darwin estava errado. O argumento apela a autoridade na justificação e não para as evidências. Conclusão Para Aristóteles a alma humana pode ser educada. A educação dela se dá através da ação, do erro e da prática, pois somente assim é possível despertar as virtudes para sua paulatina boa execução. Tais lições estão presentes fundamentalmente no seu livro Ética a Nicômaco, e será lá que a teoria de justa medida das virtudes será explorada. Aqui tratamos exclusivamente de algumas virtudes teóricas e intelectuais que são necessárias para a aquisição de ciência. Para concluir, é importante dizer que Aristóteles era um realista, ou seja, alguém que acredita que os objetos de conhecimento têm realidades em si e sentido em si mesmo. Não há um mundo de formas capaz de dar sentido ao mundo presente, pois as formas estão nas coisas. Desse modo, é correto dizer que Aristóteles não pressupunha outros mundos com realidades e entidades para explicar como era possível obter conhecimento deste mundo, tal como Platão o fizera. O que vimos é que somente pelo exercício lógico, pela concatenação dos predicados e pela percepção dos gêneros que os seres partilham em comum que é possível obter conhecimento no mundo sublunar de Aristóteles.
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 (UEL) “Todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Sinal disso é o prazer que nos proporcionam os nossos sentidos; pois, ainda que não levemos em conta a sua utilidade, são estimados por si mesmos; e, acima de todos os outros, o sentido da visão”. Mais adiante, Aristóteles afirma: “Por outro lado, não identificamos nenhum dos sentidos com a Sabedoria, se bem que eles nos proporcionem o conhecimento mais fidedigno do particular. Não nos dizem, contudo, o porquê de coisa alguma”. ARISTÓTELES, Metafísica de Leonel Valandro. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 36 e 38.
Com base nos textos acima e nos conhecimentos sobre a metafísica de Aristóteles, considere as afirmativas a seguir. I. Para Aristóteles, o desejo de conhecer é inato ao homem. II. O desejo de adquirir sabedoria em sentido pleno representa a busca do conhecimento em mais alto grau. III. O grau mais alto de conhecimento manifesta-se no prazer que sentimos em utilizar nossos sentidos. IV. Para Aristóteles, a sabedoria é a ciência das causas particulares que produzem os eventos. A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é: (A) I e II (B) II e IV (C) I, II e III (D) I, III e IV (E) II, III e IV Gabarito: A Para Aristóteles a Sofia é a ciência dos primeiros princípios do ser. Tais princípios são as causas fundamentais que explicam o que constitui os seres (finalidade, forma, matéria e eficácia). O homem na natureza teria seu desígnio alcançado se buscasse a Sofia – a ciência mais abstrata e que conhece o ser em seu mais alto grau de pureza.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEM) “Por natureza, todos os homens desejam o conhecimento. [...] a ciência que investiga causas é mais instrutiva do que uma que não o faz, pois é aquela que nos diz as causas de qualquer coisa particular que nos instrui. Ademais, o conhecimento e o entendimento desejáveis por si mesmos são mais alcançáveis no conhecimento daquilo que é mais cognoscível. Pois o homem que deseja o conhecimento por si mesmo vai desejar sobretudo o conhecimento mais perfeito, que é o conhecimento do mais cognoscível, e as coisas mais cognoscíveis são os princípios e causas primeiros; porque é através e a partir destas que outras coisas vêm a ser compreendidas.” ARISTÓTELES, Metafísica - livro I. In: MARCONDES, D. Textos básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 46-51.
A partir do texto citado, assinale o que for correto. (01) As coisas cognoscíveis não podem ser conhecidas pelo ser humano. (02) O homem deseja o conhecimento mais perfeito, e isso só é possível pela ciência que investiga as causas. (04) A ciência que investiga a causa das coisas e a ciência dos princípios das coisas são contraditórias. (08) O conhecimento não é natural nos seres humanos, mas um desejo que alguns têm, e outros, não. (16) O conhecimento científico fundamenta-se no conhecimento das causas e dos princípios das coisas. 02. (UEM) A lógica clássica, que teve início com as investigações de Aristóteles sobre silogismos, possui três princípios fundamentais para a construção correta dos argumentos: o princípio de identidade, o princípio de não contradição e o princípio do terceiro excluído. Sobre a lógica clássica, assinale o que for correto. (01) O princípio do terceiro excluído afirma que uma proposição é verdadeira ou falsa, não havendo outra possibilidade. (02) Falácias de equivocação são argumentos inválidos porque usam um mesmo termo com significados diferentes no mesmo argumento, contrariando o princípio de identidade. (04) O princípio de não contradição evita que, em um debate, duas pessoas tenham opiniões completamente contrárias, porque isso impediria chegar a um consenso. (08) Os argumentos que seguem os três princípios corretamente são sempre verdadeiros. (16) Os princípios da lógica clássica são válidos e não necessitam de demonstração, pois são em si mesmos evidentes.
ANOTAÇÕES
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OS PADRES APOLOGISTAS E A PATRÍSTICA Introdução Neste capítulo estudaremos o modo como o estudo do ser modificou-se durante a idade média. Devemos compreender o que foi o neoplatonismo, qual a posição da filosofia diante da teologia e reconhecer os principais argumentos oferecidos pela patrística.
VISÃO GERAL DA FILOSOFIA MEDIEVAL
Capítulo 5
ESTRUTURA DO CAPÍTULO 1. Visão Geral da Filosofia Medieval 2. Padres Apologistas 3. Patrística 4. Fé e Razão em Santo Agostinho. 5. Santo Agostinho e o Combate ao Ceticismo
1.
A adoção do cristianismo como religião oficial no império romano foi lenta e gradual. Cristãos foram perseguidos, oferecidos como brinquedo para os leões do coliseu, mas, por obra dos acasos da história, o cristianismo acabou tornando-se a religião oficial do império romano. Quando Constantino autoriza o culto cristão em Roma, já há inúmeros pensadores da doutrina cristã que nutrem suas filosofias de uma mistura de pensadores gregos e evangelhos. Algo que o aluno de filosofia irá reconhecer com facilidade é a capacidade da filosofia platônica em abraçar dogmas e tradições do cristianismo. Afinal, sua visão de política, de verdade e ética parecem encaixar-se com facilidade na estrutura hierarquizada da igreja, na visão de que há dois mundos dos quais somente um deles permite conhecer a verdade em estado puro e que há virtudes de caráter a serem constituídas. A tarefa inicial da filosofia nesse período foi a conciliação da fé e da razão. Ainda que aos nossos olhos contemporâneos essas coisas possam parecer contraditórias, aos olhos daquelas pessoas isso parecia possível. Assim, a racionalidade precisava batalhar para encontrar no seio da fé um apoio às suas limitações e a fé, no movimento contrário, buscar na razão a capacidade de falar uma linguagem universal. A Patrística irá entender diferentemente da Escolástica essa aproximação. O primeiro estranhamento para qualquer pessoa que estude em detalhe esse período é perceber que o cristianismo não tinha a centralidade na igreja de Roma. A doutrina era difusa e as assembleias (Ekklesias) foram os lugares onde diferentes pregadores disseminaram, por toda Europa e norte da África, os testemunhos e as mensagens de Jesus e seus 12 apóstolos. Nesse período do cristianismo primitivo, a bíblia ainda não tinha sua versão final e os fiéis não sabiam direito em que acreditar, quais as regras morais deveriam ser seguidas, como defender suas crenças ou como converter-se. Assim, os primeiros padres cristãos foram pouco a pouco construindo uma base para a igreja. 2.
H11 Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
“Eu sou cristão, glorio-me disso e, confesso, desejo fazer-me conhecer como tal. A doutrina de Platão não é incompatível com a de Cristo, mas não se casa perfeitamente com ela” Justino Mártir.
PADRES APOLOGISTAS
Os padres apologistas representam uma primeira tentativa de compreender (e ao mesmo construir) a fé cristã. Sua intenção era defender o cristianismo de críticas, mas ao defender sua fé, terminavam por gerar reflexão e versões da doutrina. Muitos deles iniciaram suas atividades quando Roma ainda os caçava e perseguia, por conseguinte, acabaram morrendo e transformando-se em mártires. Um dos mais famosos mártires desse período inicial foi Justino (100 - 167 d.C.). Justino escreveu suas obras chamadas Apologias, onde defendia uma conciliação entre o Platonismo e a seu Fleming 2023
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Livre-arbítrio: um dom dado ao homem por Deus; é a possibilidade de escolher conforme sua vontade; a liberdade é o bom uso do livre arbítrio de acordo com as orientações divinas. Onisciência: Característica de Deus que dá a ele o poder de tudo saber. Onipotência: Característica de Deus que dá a ele o poder de tudo poder. Onipresença: Capacidade de Deus que dá a ele o poder de estar em todo lugar. Teoria da Iluminação: Teoria que explica o conhecimento por recurso a uma metáfora platônica das formas. Presentismo: Tese de Agostinho que defende que somente o presente existe.
entendimento do cristianismo. Essa união era possível porque ambas filosofias apresentam respostas semelhantes às mesmas questões colocadas. Isso permitia que inúmeras pontes conectassem o cristianismo e o platonismo. Um dos melhores exemplos vem do diálogo intitulado O Timeu, onde é apresentada uma teoria do grande Demiurgo, um Deus criador do mundo das aparências à luz do mundo das formas. “Demiurgo” é o nome que Platão dá ao que os cristãos chamaram de Deus (Iavé ou Jeová em Hebreu) e ambos atendem às mesmas necessidades explicativas: a necessidade de distinguir entre criatura e criador na busca das origens do cosmos. Assim, mesmo entes não-vivos como pedras, água e outros tipos de seres precisavam ter sua origem explicada. Por outro lado, Tertuliano (155 d.C - 240 d.C), de Cartago, tomou as ideias de Paulo, em Coríntios 1, como proclamando que o cristianismo não é somente incompatível, senão ofensivo à razão natural. Para ele, Platão e Aristóteles são os pais dos hereges. Ele dirá que Jerusalém nada tem a ver com Atenas, do mesmo modo que a fé está contra e acima da razão. Portanto, o modo correto de ingressar na fé cristã seria pelo “Prorsus credibile est, quia ineptum est” (É certo porque é absurdo). Essa fase de profundo desencontro na doutrina cristã irá pouco a pouco chegar ao fim conforme os pais da igreja forem dando a ela uma forma mais unificada. Esse período será a Patrística. 3.
O gnosticismo é uma crença religiosa de origem cristã e judaica. Tal teoria espalhou-se pela Ásia, chegando até mesmo à China.
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PATRÍSTICA
A prática dos apologistas consagrou um tipo de reflexão que terminou por dar origem a um grupo de filósofos cristãos que buscou fazer tanto filosofia como teologia. Dentre estes o nome de maior destaque é Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona. Agostinho nasceu em 354 em uma província romana no norte da África, atualmente na Argélia, na cidade de Tagaste. Filho de um pai pagão e uma mãe cristã, Agostinho acabou convertendo-se em função da influência de sua mãe. Foi por ela que ele penetrou tão profundamente nas raízes do cristianismo, da teologia e da filosofia que se tornou o bispo de Hipona. Já velho, viu as invasões barbaras se intensificarem e morreu deixando um legado de inúmeros livros que permitem conhecer sua trajetória. O bispo de Hipona iniciou sua jornada aderindo ao maniqueísmo, teoria de Manés ou Maniqueus, filósofo gnóstico do século III, que afirma a existência de dois princípios opostos no universo. Esses princípios seriam o espírito, que é intrinsecamente bom, e a matéria, intrinsecamente má. Agostinho abandonou o Maniqueísmo após um episódio que o converteu ao cristianismo: a revelação de Ostia. Ao viajar para Milão, na Itália, Agostinho passou a ouvir os sermões de Santo Ambrósio. Com ele, o jovem Agostinho sentiu que algo lhe falava ao coração e decidiu abandonar o Maniqueísmo. Em primeiro lugar, a intepretação alegórica das sagradas escrituras era algo que o filósofo santo acreditava ser o modo correto de interpretar a bíblia, pois, para ele, o antigo testamento estava cheio de passagens que se tomados no sentido literal lhe afugentavam da fé cristã.Todavia, isso não lhe fizera adotar o catolicismo, doutrina que ele só aceitará quando sua mãe o encontrar adoecido, triste e abandonado. No livro Sobre a Doutrina Cristã, Agostinho irá defender que professores cristãos não só podem, mas devem usar escritores pagãos quando interpretando as escrituras. Se a ciência pagã estuda o que é eterno e imutável, então pode ser usado para iluminar a fé cristã. Esse é o caso de pensadores neoplatônicos como Plotino. Esses pensadores eram apreciados por Agostinho devido seu interesse pelas causas do ser, pelo Uno enquanto forma platônica e pelo rigor metódico. Na medida que adota o platonismo como doutrina, Agostinho cada vez mais defenderá a tese de que a filosofia é amor ao conhecimento, isto é, amor ao que é, segundo Platão, a forma do Bem, do Bom e do Verdadeiro. Contudo, como na sua visão cristã o verdadeiro conhecimento dessas três Ideias é o conhecimento de Deus, o verdadeiro amor é, ao fim e ao cabo, dirigido a Deus. Todas essas ideias são adotadas como fruto da tentativa agostiniana de elaborar racionalmente a doutrina cristã. É importante lembrar que nesse período a razão era submissa da fé, o que faz a primeira restringir-se aos domínios da segunda. Sobre isso, cabe um comentário mais detido.
4.
FÉ E RAZÃO EM SANTO AGOSTINHO
Na busca por conciliar os ensinamentos do neoplatonismo de Plotino e o evangelho de São Paulo, Agostinho irá defender que a filosofia platônica é uma espécie de preparação da alma para a adoção da verdade revelada por Cristo. O Patrístico é uma das mentes brilhantes que trabalha para fixar a doutrina cristã em bases racionais, mas o Platonismo é uma filosofia que só pode atuar com o auxílio daquilo que diz Isaías: Crer para entender e entender para crer. O que significa essa sentença? Para Agostinho a fé deve buscar entendimento (fides quaerens intellectum) e não o contrário. Contudo, crer é pensar com assentimento (credere est assensione cogitare). Portanto, crer não é determinado pela razão, mas pela vontade. O esforço é a parte que cabe à razão, mas o esforço da razão só não será vão se houver a escolha e uma vontade de colocar-se em um caminho inicial capaz de levar ao certo e verdadeiro. Assim, a relação entre fé e razão está no fato de que a fé fundamenta a capacidade da razão, o domínio da fé estabelece o campo da razão e o limita, enquanto a razão investiga o que a fé promove de modo à confirmá-la. Ainda que se busque uma conciliação entre fé e razão, os problemas que uma coloca à outra são inúmeros. Passamos agora ao estudo de algumas das famosas passagens de Agostinho onde ele coloca investigações que desafiam os limites da compreensão humana:
O problema do livre arbítrio O primeiro aparece na relação entre atributos divinos e a racionalidade humana. Afinal, se Deus é onipotente, onisciente e onipresente, e se uma alma racional é dotada de livre arbítrio, não seria o caso de dizer que Deus conhece o futuro e que, portanto, Deus já criou o futuro dentro da sua infinita capacidade? Se assim for, sou realmente livre para tomar minhas decisões? Não estaria Deus presente em todas as minhas tomadas de decisão? A racionalidade da busca do bem seria uma mera ilusão?
Plotino é um comentador das obras de Platão reconhecido por ter avançado teses platônicas sobre o tempo. Agostinho adotou de Platão as seguintes teses: A transcendência e imaterialidade de Deus A superioridade do imutável sobre o mutável A hierarquia ontológica de Deus, da alma e do corpo. A incorporiedade e imortalidade da alma. A dicotomia dos reinos inteligível e sensível. A presença causal de Deus na criação. A s formas inteligíveis estão localizadas na mente de Deus e funcionam como paradigmas para as coisas sensíveis.
A resposta de Agostinho vem nessa passagem: “Embora saiba pela presciência os que Nele crêem, Deus dá aos que querem e crêem, a faculdade de agir bem mediante o Espírito Santo, por quem a caridade de Deus se difunde em nossos corações. Sem dúvida isto é verdade, mas entendendo-se antes que o agir bem é de Deus porque prepara nossa vontade, mas também é nosso porque Deus não o leva a cabo sem o nosso querer.” AGOSTINHO. Epístolas aos Romanos
O problema da Origem do Mal Outro problema clássico colocado pela razão à fé diz respeito à origem do mal. Ora, se Deus tudo criou, e tudo pode destruir, por que existe o mal? Ainda, por que o mal ainda não foi destruído por Deus? “Se os nossos adversários, que admitem a existência de uma natureza não criada por Deus, o Sumo Bem, quisessem admitir que essas considerações estão certas, deixariam de proferir tantas blasfêmias, como a de atribuir a Deus tanto a autoria dosbens quanto dos males. pois sendo Ele fonte suprema de Bondade, nunca poderia ter criado aquilo que é contrário à sua natureza.” AGOSTINHO. A natureza do Bem.
Isaias 43:10 “Vocês são minhas testemunhas”, declara o Senhor, “e meu servo, a quem escolhi, para que vocês saibam e creiam em mim e entendam que eu sou Deus. Antes de mim nenhum deus se formou, nem haverá algum depois de mim.
A Filosofia Cristã, de Etienne Gilson (foto abaixo), é um clássico da História da Filosofia
Agostinho buscou dar um tratamento ao problema do mal. Para ele, a explicação da origem do mal deveria passar por um exame da conduta humana. Obviamente, somente coisas que tenham alguma bondade são capazes de se corromper. Assim, a bondade é uma propriedade, e não uma substância, como queriam os maniqueístas. Se o mal fosse uma substância, ele teria algum grau de bondade, pois tomado isoladamente, o melhor mal deveria ser o mal mais perfeito, portanto ter algum grau de bondade, o que é absurdo. Fleming 2023
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Desse modo, o mal não pode ser uma substância. Assim, se a bondade e a maldade são uma propriedade, e se Deus não poderia criar nada mal, então o bem e o mal se manifesta no homem enquanto qualidade. Porém, como essa qualidade se manifesta? Ora, se o homem que não é educado segundo as virtudes pode agir irracionalmente, então ele pode produzir uma ação má. Logo, a maldade, assim como a irracionalidade, é aquilo que afasta o homem de Deus, que por sua vez é essencialmente bom. Logo, a origem do mal está em afastar-se de Deus.
A Questão do Tempo Santo Augustine (Sant’Agostino, 2010) é um filme dirigido por Christian Duguay que narra a juventude de Agostinho no período de maior tormento e dúvida da sua vida. A invasão dos bárbaros e a queda de Roma são ricamente relatadas no filme.
“Que faria Deus antes da criação? Não é verdade que estão ainda cheios de velhice espiritual aqueles que nos dizem: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? Se estava ocioso e nada realizava”, dizem eles, “por que não ficou sempre assim no decurso dos séculos, abstendo-se, como antes, de toda ação? Se existiu em Deus um novo movimento, uma vontade nova para dar o ser a criaturas que nunca antes criara, como pode haver verdadeira eternidade, se n’Ele aparece uma vontade que antes não existia? O que é o tempo? O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente. De que modo existem aqueles dois tempos — o passado e o futuro —, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Isto agora é límpido e claro: nem as coisas futuras existem, nem as coisas passadas, nem dizemos apropriadamente ‘existem três tempos: o passado, o presente e o futuro’. Mas talvez pudéssemos dizer apropriadamente ‘existem três tempos: o presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes, o presente das coisas futuras’. Pois os três estão de alguma maneira na alma e eu não os vejo em outro lugar: o presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presentes é o olhar, o presente das coisas futuras é a expectativa”. AGOSTINHO, Confissões Agostinho é um presentista, isto é, um filósofo que acredita que o único tempo real é o presente. Esse tipo de concepção do tempo vai contra uma certa visão do tempo como existindo de modo concomitante no presente, no passado e no futuro.
SANTO AGOSTINHO E O COMBATE AO CETICISMO 5.
Agostinho de Hipona cunhou sua teoria do conhecimento com base na teoria platônica, mas acrescentou a ela a doutrina da igreja católica. 482
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O trabalho mais antigo de Agostinho que sobreviveu ao tempo chama-se Contra Acadêmicos. O tratado é endereçado aos céticos helenísticos que desacreditavam ser possível conhecer qualquer verdade sobre o mundo exterior, advogando ser tudo aparências subjetivas e pessoais. Agostinho, no período em que tais argumentos foram escritos, realizava sua conversão ao cristianismo e já se destacava como um pensador cristão. Seu alvo era combater os argumentos céticos utilizando adaptando as teorias platônicas à fé cristã. O argumento cético a ser combatido aqui era que a pessoa sábia jamais deveria estar totalmente convencida de que compreendeu a verdade, então ela irá constantemente retirar seu assentimento para não sucumbir a opiniões falsas e vazias. Agostinho deseja mostrar que ao menos um tipo de conhecimento pode ser forte o suficiente para que a dúvida cética sucumba.
Segundo Agostinho, o cético pode ser combatido com a ideia de certezas internas. “Estou certo de que algumas coisas aparecem para mim, mesmo que eu seja ignorante sobre se esta folha branca é realmente branca”, dirá Agostinho. Tais argumentos, não surpreenderiam um cético antigo, pois ele responderia que esse é exatamente o problema: só há verdades subjetivas. Contudo, o que Agostinho deseja iniciar aqui é um argumento de linhagem platônica que defende a existência e acessibilidade de formas eternas através dessas aparências. Vale lembrar o estudante que as formas eternas apresentadas por Platão são aquilo que normatiza e padroniza a estrutura da realidade, permitindo que nós a entendamos e valoramos como verdadeira, boa, justa, etc. Assim, o conhecimento não pode ser mais que derivado dos sentidos, sem ser jamais conhecimento da matéria. Sobre isso devemos aprofundar nosso conhecimento daquilo que Agostinho chamou de Teoria da Iluminação
Teoria da Iluminação [...] esta luz não é aquela luz que é Deus; com efeito, esta é criatura, aquela é o Criador; esta é feita, aquela quem fez; enfim, esta é mutável porque quer o que não queria, e sabe o que não sabia, e relembra o que havia esquecido, mas aquela persiste imutável vontade, verdade e eternidade e, então, para nós é o início do existir, a razão do conhecer, a lei do amar; então, para todos os seres animados e irracionais, é a natureza pela qual vivem, é o vigor pelo qual sentem, é o movimento pelo qual vão à busca. Então, também para todos os corpos é a medida para que subsistam, o número para que sejam embelezados, o peso para que sejam ordenados. Portanto, aquela luz é a Trindade inseparável, é o Deus Uno. (Contra Faustum manichaeum, XX, 7, grifos nossos) Na teoria de Agostinho temos a seguinte correspondência (leia somente as linhas): Deus é Trindade é Deus age no homem como Homem Deus age nos seres animados irracionais como A Trindade Imprime nos seres irracionais
Eternidade Pai
Vontade Espírito Santo
Vive
Verdade Filho Razão do Conhecer Sabe
Natureza pela qual vivem
Vigor pelo qual sentem
Movimento pelo qual vão à busca
Medida
Número
Peso
Início do Existir
Lei do amar Quer
A teoria da iluminação é uma teoria não empirista que explica o modo como Deus ilumina todas as criaturas e dá sentido e existência a elas. Ela é baseada na teoria neoplatônica da reminiscência e das formas, pois inicia com a apresentação de objetos sensíveis que permitem a nós alcançar o objeto inteligível e racional. Contudo, a conexão entre ambos aspectos do conhecimento se dá através de um recurso a Deus, que joga um papel essencial na cognição. Deus é a razão do nosso conhecer e a verdade final a ser conhecida. Observando a coluna do meio vemos que, se a condição de possibilidade do conhecimento se dá por um critério de verdade dependente de Deus, então na visão de Agostinho, o conhecimento tem por princípio um ser imaterial criador de tudo que é bom, criador das formas eternas. Essas formas eternas são iluminadas na mente humana pelo fato de que Cristo encontra-se nas nossas almas garantindo, como um professor, que a verdade e o entendimento sejam encontrados. Assim, Deus iluminaria os objetos inteligíveis com o “olho da alma” – eis aqui a teoria do homúnculo, que diz habitar dentro do homem uma espécie de ser racional. Tal teoria, encontrada no livro De Magistro, adapta a forma platônica de conhecimento através das formas eternas a um contexto cristão, no qual Deus joga um papel fundamental.
As formas Platônicas são criadas por um Deus (Demiurgo) e conhecê-las é a única forma de aproximar-se de Deus e da Verdade.
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Para concluir, podemos dizer que o aprendizado, nos dizeres de Agostinho de Hipona, seria a capacidade de pouco a pouco fazer Deus a fonte única da iluminação. Isso implica a progressiva adoção da fé e purificação da alma pelo conhecimento. Essa é mais uma das consequências do platonismo de Agostinho, pois, se para Platão conhecer o bem implica ser capaz de fazer o bem, então, para Agostinho conhecer Deus e aproximar-se dele, cada vez mais implica ser capaz de ser bom. EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1 A conhecida máxima “crer para compreender, compreender para crer”, afasta qualquer antagonismo entre saber racional e saber revelado [por Deus por meio da Bíblia] ao sublinhar a necessária complementariedade entre fé e razão. As relações entre razão e fé. In: FILOSOFIA 2. Sistema Ético de Ensino. Saraiva: São Paulo, p. 49.
Essa afirmação foi feita por: (A) Anselmo. (B) Agostinho de Hipona. (C) Paulo de Tarso. (D) Tomás de Aquino. (E) Justino de Roma. Gabarito: B Agostinho acreditava que a razão está a serviço da fé. Ambas se complementam.
2 (UEM). “Vi claramente que todas as coisas boas podem, entretanto, se corromper, e
não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, nem tampouco se não fossem boas. Se fossem absolutamente boas seriam incorruptíveis, e se não houvesse nada de bom nelas, não poderiam se corromper. […] Portanto, todas as coisas que existem são boas, e o Mal que eu procurava não é uma substância, pois se fosse substância seria um bem. Na verdade, ou seria uma substância incorruptível e então seria um grande bem, ou seria corruptível e, neste caso, a menos que fosse boa, não poderia se corromper. Percebi, portanto, e isto pareceu-me evidente, que criastes todas as coisas boas e não existe nenhuma substância que Vós [Deus] não criastes.” AGOSTINHO. O problema do mal. In: MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia. RJ: Ed. Zahar, 2007, p. 63.
A partir do exposto, assinale o que for correto. (01) Em todas as coisas existe algum bem. (02) Se tudo que existe foi Deus quem criou e o mal existe, logo Deus criou coisas más. (04) O mal existe no mundo e é um algo, uma substância. (08) Mal e bem, para Agostinho, não são juízos que os homens emitem sobre as coisas. (16) Para Agostinho, é impossível que Deus criasse algo que não fosse bom. Gabarito: 01 + 08 + 16 = 25 01. Como o bem é uma propriedade das coisas e em todas elas existe algum grau de ser. O ser que é criado por Deus tem algo de bom, necessariamente. 08. O mal e o bem não são juízos, juízos são verdadeiros ou falsos. Além disso, o mal e o bem são propriedades de coisas criadas. 16. Dada a natureza absolutamente boa de Deus, é impossível que ele crie algo mal. O mal está naquilo que nega Deus. 484
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ESCOLÁSTICA
ESTRUTURA DO CAPÍTULO
Introdução O mundo medieval estruturou-se a partir da fusão do legado greco-romano em união com a fé cristã. Agostinho é um pensador localizado no fim da antiguidade e no início da era medieval e, por isso mesmo, podemos dizer que seu pensamento ainda não realiza completamente o espírito medieval. Tal espírito atingirá seu nível mais avançado de organização ao longo dos séculos XI e XII, mas podemos dizer que o advento do Sacro Império Romano Germânico foi o marco fundamental. A formação do Sacro Império Romano-Germânico, no início do século IX, foi fundamental para que ocorresse uma nova leva de produção filosófica original. Em tal período organizou-se o Renascimento Carolíngio, fruto do investimento de Carlos Magno na criação de inúmeras instituições educacionais como Escolas Catedráis, bibliotecas e escolas. Será nesse ambiente que a escolástica florescerá. 1.
Capítulo 6
SANTO ANSELMO
Santo Anselmo (1034-1109) nasceu na Lombardia, Itália, mas trabalhou em Canteburry, na Inglaterra. O padre santo ficou conhecido como o pai da escolástica pela sua capacidade argumentativa a favor de uma prova racional da existência de Deus. Seu argumento ficou conhecido como o argumento ontológico pela existência de Deus. Premissa 1: Podemos conceber um ser do qual nada maior pode ser concebido. Premissa 2: O que quer que seja concebido existe no entendimento de quem o concebe.
1. Santo Anselmo 2. A Escolástica de São Tomás de Aquino 3. As Cinco Vias da Prova da Existência de Deus 4. Sobre a Origem do Mal 5. A Querela dos Universais
Carlos Magno foi o primeiro imperador a ser reconhecido no ocidente depois da queda do império Romano. Seu legado na educação nasce após observar os avanços Mouros na Península Ibérica. A valorização das artes, literatura e arquitetura, assim como o financiamento de mosteiros e centros de copistas estão como suas principais contribuições para o nascimento da Escolástica.
Premissa 3: Aquilo que existe no universo de quem o concebe e também existe na realidade é maior do que algo similar que existe apenas no entendimento de quem o concebe. Portanto, um ser concebido, do qual nada maior pode ser concebido, deve existir na realidade assim como no entendimento. Premissa 4: Deus é um ser do qual nada maior pode ser concebido. Conclusão: Deus existe na realidade. Anselmo define Deus como sendo um ser que reúne todas as perfeições. Obviamente, se existir é uma perfeição, Deus não pode não a ter. A crítica ao argumento de Anselmo pode ser apreciada em Kant, que buscou mostrar que existência não é uma propriedade observável e que esta não pode ser ontologizada. ANOTAÇÕES O argumento Ontológico de Santo Anselmo é um dos mais discutidos em filosofia, sua falácia coaduna a distinção entre epistemologia e ontologia. Fleming 2023
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2.
Um bom exemplo do modo como a ciência do século 13 funcionava está no livro Sentenças, de Pedro Lombardo. Na sua investigação acerca da origem da matéria que compõe os corpos humanos, ele buscou apresentar o Princípio da Multiplicação. As unidades básicas da matéria seriam os átomos que teriam o poder de se multiplicar pelo sopro divino de Deus que teria atingido Adão. Esse argumento não é empírico, pois ele vem de uma pressuposição feita a partir de dogmas da igreja sobre a criação.
As artes liberais, na escolástica, eram divididas entre trívio (a gramática, a retórica e a dialética) e quadrívio (a aritmética, a geometria, a astronomia e a música). Elas eram ensinadas de forma a dar uma educação integral aos homens.
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SÃO TOMÁS DE AQUINO
Tommaso D’Aquino, ou São Tomás de Aquino (1225 – 1274), viveu em uma época em que a Europa vivia ameaçada cultural e religiosamente pelo império Mongol do grande Kubilai Khan. Muitas vezes tomada como uma era de soberano controle cristão, esses anos foram na verdade um período de muito debate e desacordos em termos de ciência, fé e política. Os escritos de Aristóteles ainda que proibidos por serem excessivamente naturalistas, penetravam a Europa Ocidental por meio de comentadores árabes como Averróes e Avicenas. Estes filósofos árabes produziram na península ibérica um vasto corpo de comentários às principais obras da metafísica aristotélica e, desse modo, motivariam o jovem Tomás no estudo da fé e da razão. São Tomás de Aquino aliou as palavras da Patrística Agostiniana, o estudo dos evangelhos e a leitura atenta de Aristóteles para produzir uma vasta obra de conciliação da fé com a razão. A obra de Tomás parece estranha à primeira vista, pois ela simula debates orais que ocorriam nos mosteiros e escolas, contudo ela termina por dar uma estrutura clara do que é uma dialética argumentativa. A carreira de Tomás de Aquino decolou quando ele fez sua contundente crítica a dois argumentos. O primeiro era de Ibn Rushd (1126-98) que dizia que todas as almas eram na verdade uma só. Aquino sustentou a individualidade da alma sem a qual não seria possível um julgamento divino. Já o segundo argumento de Aquino corrigia a tese aristotélica da eternidade do mundo. O mundo não existiu sempre, como afirmava o discípulo de Platão. Segundo a Biblia ele foi criado. Nesse sentido, São Tomás afirmava que não é contraditório pensar que o mundo foi criado e que o tempo é eterno. O mundo e o tempo, mesmo sendo criados por Deus, não deixa de ser uma criação eterna, tal como a sequência de números naturais que tem um início, mas não tem um fim. Contudo, por mais que esses argumentos tenham sido contundentes, a verdadeira obra prima de São Tomás foi a Summa Theologiae (Summa Teológica). É nessa obra que o filósofo santo irá definitivamente encontrar um lugar para Aristóteles no corpo de filósofos aceitos pela igreja, pois foi aqui que ele adapta os conceitos de eudaimonia, sumo bem e sabedoria às necessidades de uma vida cristã. A eudaimonia segue sendo o centro da vida cristã, mas agora, além das 4 famosas virtudes aristotélicas da temperança, prudência, coragem e justiça; a fé, a esperança e a caritas aparecem. O sumo bem aparecerá como um projeto político teleológico, onde a monarquia será entendida como a forma de governo capaz de ordenar a vida dos cidadãos ao fim maior. Finalmente, a sabedoria, ciência do ser enquanto ser, será o estudo da Teologia, disciplina dedicada ao estudo racional da natureza de Deus. A Summa é divida em três partes, mas aqui nos interessa somente a primeira, pois será nela que Tomás irá expor a natureza do Deus cristão. Segundo Aquino, 5 vias argumentativas para a existência de Deus poderiam ser fornecidas. A primeira prova diz que (1) o movimento dos corpos no mundo é explicável somente se postulamos um primeiro motor imóvel; a segunda prova diz que (2) a cadeia de causas eficientes no mundo pressupõe uma causa não causada; na sequência, a terceira prova diz que (3) seres contingentes dependem de um ser necessário; (4) a quarta prova nos diz que (4) o graus de realidade e bondade no mundo só podem ser aproximações a um parâmetro autônomo e máximo de realidade e bondade; e, por fim, a ultima prova que afirma que (5) a teleologia de seres não-conscientes no universo implica a existência de um princípio universal inteligente. Aquino inicia a Suma Teológica ou Summa Theologica dizendo que “não sabemos o que Deus é, mas sabemos o que ele não é”. Nesse sentido, ele afirma que “Deus não é um corpo, portanto não é uma substância com acidentes. Deus não é um gênero, não é uma criatura, não é parte, ou propriedade, ele é como o agente em uma ação. Não sujeito ao tempo ou à mudança temporal. Nada é externo a Deus. Deus é simples.” Obviamente, essas afirmações preservam uma aura de mistério, pois vão definindo Deus pouco a pouco sem dizer totalmente o que ele é. Não será à toa que os filósofos modernos iniciarão um grande processo de crítica à obra de Aquino nos anos que viriam.
AS CINCO VIAS DA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS 3.
Neste momento iremos apreciar o texto de São Tomás, pois trata-se de um grande exercício argumentativo. "Por cinco vias pode-se provar a existência de Deus. A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido atual não pode ser simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor também se move, é necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão movidos pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de Deus." AQUINO, T. Suma Teológica.
Aqui, vemos Aquino lançar mão de uma estratégia aristotélica que investiga o movimento. Aristóteles chegara às mesmas conclusões quanto ao estudo da substância enquanto princípio de movimento.
O filme O nome da Rosa, de Jean-Jacques Annaud, (1986) trata de um dos episódios reais de recuperação de textos aristotélicos durante a idade Média em um mosteiro onde estranhos crimes ocorrem.
A segunda via procede da natureza da causa eficiente. Pois, descobrimos que há certa ordem das causas eficientes nos seres sensíveis; porém, não concebemos, nem é possível que uma coisa seja causa eficiente de si própria, pois seria anterior a si mesma; o que não pode ser. Mas, é impossível, nas causas eficientes, proceder-se até o infinito; pois, em todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é causa da média e esta, da última, sejam as médias muitas ou uma só; e como, removida a causa, removido fica o efeito, se nas causas eficientes não houver primeira, não haverá média nem última. Procedendo-se ao infinito, não haverá primeira causa eficiente, nem efeito último, nem causas eficientes médias, o que evidentemente é falso. Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de Deus. AQUINO, T. Suma Teológica.
O conceito de causa eficiente em Aristóteles refere-se ao objeto constituinte de uma transformação. Do mesmo modo que o ferreiro é causa eficiente da espada; o pedreiro, da casa; assim o é Deus de todos os seres. A terceira via, procedente do possível e do necessário, é a seguinte —Vemos que certas coisas podem ser e não ser, podendo ser geradas e corrompidas. Ora, impossível é existirem sempre todos os seres de tal natureza, pois o que pode não ser, algum tempo não foi. Se, portanto, todas as coisas podem não ser, algum tempo nenhuma existia. Mas, se tal fosse verdade, ainda agora nada existiria pois, o que não é só pode começar a existir por uma coisa já existente; ora, nenhum ente existindo, é impossível que algum comece a existir, e portanto, nada existiria, o que, evidentemente, é falso. Logo, nem todos os seres são possíveis, mas é forçoso que algum dentre eles seja necessário. Ora, tudo o que é necessário ou tem de fora a causa de sua necessidade ou não a tem. Mas não é possível proceder ao infinito, nos seres necessários, que têm a causa da própria necessidade, como também o não é nas causas eficientes, como já se provou. Por onde, é forçoso admitir um ser por si necessário, não tendo de fora a causa da sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros; e a tal ser, todos chamam Deus.
Assista aqui a opinião do físico de Grasse Tyson sobre fé e ciência.
AQUINO, T. Suma Teológica.
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Se aquilo que é criado depende de um criador, é necessário que algo jamais tenha sido criado, mas exista necessariamente. Caso não haja esse ser necessário, teríamos um sistema impossível de criaturas sem primeiro criador. Aqui, vemos mais uma vez o conceito aristotélico de existência necessária sendo aplicado para provar a existência de Deus.
Foi na bela Abadia de Monte Cassino que Tomás iniciou seus estudos. O conflito militar entre o imperador Frederico II e o Papa Gregório IX atingiu a abadia no início de 1239 e o fez ter de mudar-se.
A quarta via procede dos graus que se encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção maior e menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por consequente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus. AQUINO, T. Suma Teológica.
Se a perfeição é algo real, o que causa essa perfeição? Deus seria a razão de existirem coisas mais perfeitas que outras. Nesse sentido, a existência de Deus serve como uma espécie de régua para todas as coisas criadas que tem alguma perfeição. A quinta procede do governo das coisas — Pois, vemos que algumas, como os corpos naturais, que carecem de conhecimento, operam em vista de um fim; o que se conclui de operarem sempre ou frequentemente do mesmo modo, para conseguirem o que é ótimo; donde resulta que chegam ao fim, não pelo acaso, mas pela intenção. Mas, os seres sem conhecimento não tendem ao fim sem serem dirigidos por um ente conhecedor e inteligente, como a seta, pelo arqueiro. Logo, há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se ordenam ao fim, e a que chamamos Deus. AQUINO, T. Suma Teológica.
Supostamente, se toda natureza funciona com a perfeição de um relógio, então é porque Deus – uma inteligência única – assim o quis. Ao desejar tal ordem, Deus teria criado finalidades para todo o existir. Desse modo, Deus existe, porque é impossível que uma inteligência não tenha projetado o mundo.
Comentário aos argumentos da Existência de Deus Perceba que Tomás de Aquino está buscando provar racionalmente a existência de Deus. Essa prova é uma espécie de apelo à razão, que, se não conseguir provar que o argumento tem falhas, então terá de aceitar compulsoriamente a existência de Deus. As provas têm a mesma estrutura da prova aristotélica do primeiro motor. Elas analisam a composição dos seres e buscam neles os princípios de sua composição. Se não encontram neles, passam a buscar nas suas causas final, eficiente, material ou formal. Percebe a analogia que há entre a quinta prova e a análise da causa final, ou entre a quarta prova e a causa material. Assim, podemos dizer que as 5 vias são provas racionais inspiradas em métodos de prova já desenhados por Aristóteles. 4.
O dominicano São Tomás de Aquino escreveu uma obra extensa sobre inúmeros problemas de compatibilidade entre fé e razão. Ele é santo da Igreja Católica, p a d ro e i ro d o s a c a d ê m i co s, estudantes, teólogos e filósofos.
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SOBRE A ORIGEM DO MAL
É forçoso admitir-se que todo mal tenha, de certo modo, causa. Pois, o mal é a falta do bem natural ao ser e que este deve ter. Mas a deficiência de um ser, em relação à sua natural e devida disposição, só pode provir de alguma causa que o arrasta contrariamente à sua disposição; assim, um grave não pode mover-se para cima senão por uma causa que o impele; e a ação do agente só é deficiente, por algum impedimento. Ora, só o bem pode ser causa, porque nada é causa senão enquanto ser, e todo ser, como tal, é bom. E se considerarmos a natureza especial das causas veremos que o agente, a forma e o fim importam certa perfeição e se prendem à natureza do bem; e também a matéria, como potência para o bem, tem a natureza deste. E assim, do que já se disse antes, é claro que o bem é causa do mal, por meio da causa material; pois, se demonstrou que o bem é o sujeito do mal. Quanto à causa formal, o mal não a tem, pois ele é, antes, a privação da forma. E, semelhantemente,
nem causa final, sendo, pelo contrário, o mal a privação da ordenação ao fim devido; pois, não só o fim tem a natureza de bem, mas também o útil, que se ordena ao fim. Porém, o mal tem causa ao modo do agente, não certo por si, mas por acidente. Para cuja evidência deve saber-se que de um modo é causado o mal na ação e de outro no efeito. Na ação, o mal é causado por defeito de algum dos princípios dela, a saber, do agente principal ou do instrumental; assim, o defeito no movimento do animal pode provir da debilidade da força motora, como nas crianças, ou só na inaptidão do instrumento, como nos coxos. Porém, num efeito qualquer, o mal é causado ora pela virtude do agente, sem que o seja no efeito mesmo dele; ora por defeito do agente ou da matéria. Assim; é causado pela virtude do agente, quando, da forma visada pelo agente resulta necessariamente a privação de outra forma; p. ex., da existência da forma ígnea resulta a privação da forma do ar ou da água. Donde, quanto mais o fogo for perfeito em virtude, tanto mais perfeitamente imprimirá a sua forma e assim, também, tanto mais perfeitamente corromperá o seu contrário. Por onde, o mal e a corrupção do ar e da água resultam da perfeição do fogo. Mas isso por acidente, pois o fogo não visa privar a forma da água, senão imprimir a forma própria; mas, fazendo tal, causa a dita privação, por acidente. Porém, se houver defeito no efeito próprio do fogo, p. ex., que este seja deficiente no aquecer, tal se terá dado ou por defeito da ação, o que redunda no defeito de algum princípio, como ficou dito; ou por indisposição da matéria que não recebe a ação do fogo agente. Mas o fato mesmo da deficiência atinge o bem, ao qual é próprio, por si, agir. Por onde, é verdade que o mal de nenhum modo tem causa, a não ser por acidente. Assim, o bem é a causa do mal. AQUINO, T. Suma Teológica.
A origem do mal sempre intrigou filósofos e fiéis. Afinal, se Deus é um ser sumamente bom, infalível, onipotente e onipresente, então por que ele teria deixado o mal se espalhar pela terra? Se ele criou tudo, teria criado o mal? Esses e outros problemas estão na base da teologia e da ética de Aquino. O mal seria a má disposição das partes que ordenam o ser. Assim como vimos na análise do conceito de causa final de Aristóteles, uma casa bem constituída é aquela que tem paredes sem frestas, telhado vedado, janelas bem colocadas e portas que abrem e fecham com segurança. A construção de uma casa segue a forma de uma casa, mas se a construção é feita de modo descuidado, ou por um pedreiro que tenha pouco conhecimento, ela irá se afastar da forma de uma casa e sua má ordenação será a razão pela qual ela é uma construção mal feita. Analogamente, o caráter humano pode deixar de ser bem constituído, assim, a relação das suas partes pode constituir uma pessoa cuja tendência a se afastar do bem termina por fazer o mal. 5.
A QUERELA DOS UNIVERSAIS
“Ockham adota o nominalismo, posição inaugurada em uma versão mais radical por Roscelino (séc. XII), [que] afirma serem os universais apenas palavras, flatus vocis, sons emitidos, não havendo nenhuma entidade real correspondentes a eles”. (MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. A querela dos Universais nasce da recuperação de um filósofo do cristianismo primitivo chamado Boécio. Ele, ao questionar a doutrina Platônica, vira que restava uma dúvida quanto ao estatuto ontológico dos universais. Se por um lado Aristóteles acreditava que a universalidade era conferida pela forma (hyle) natural, por outro, a universalidade era uma imposição intelectual do pensamento ao mundo de aparências, segundo Platão. Guilherme de Ockham defendeu que a universalidade é imposta pela mente aos objetos, pois conceitos buscam representar universalmente coisas que na realidade são singulares. Desse modo, todo conceito representa de modo referencial, tal como nomes próprios.
H4 Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura.
ANOTAÇÕES
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EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. (ENEM) Ora, desde que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, sabemos, de imediato, que Deus existe. Com efeito, esta palavra designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior. Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento. Donde se segue que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no pensamento, desde que se entenda esta palavra, também existe na realidade. Por conseguinte, a existência de Deus é evidente. TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. Rio de Janeiro. Loyola.
O texto apresenta uma elaboração teórica de Tomás de Aquino caracterizada por: Alternativas (A) reiterar a ortodoxia religiosa contra os heréticos. (B) sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé. (C) explicar as virtudes teologais pela demonstração (D) flexibilizar a interpretação oficial dos textos sagrados. (E) justificar pragmaticamente crença livre de dogmas.
Gabarito: B Santo Tomás de Aquino acredita que a razão é a via que podemos adotar para compreender a existência de Deus. No texto acima, vemos o esforço de Aquino em provar que Deus é uma realidade cuja perfeição deve ultrapassar meramente o âmbito cognitivo, mas deve impor-se à realidade.
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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
01. (UEM 2020) “Se é verdade que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural. É um fato que estes princípios naturalmente inatos à razão humana são absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a ser impossível pensar que possam ser falsos. Tampouco é possível considerar falso aquilo que cremos pela fé, e que Deus confirmou de maneira tão evidente. Já que só o falso constitui o contrário do verdadeiro, [...] é impossível que a verdade da fé seja contrária aos princípios que a razão humana conhece em virtude de suas forças naturais. [...] Todavia, já que a palavra de Deus ultrapassa o entendimento, alguns acreditam que ela esteja em contradição com ele. Isto não pode ocorrer.” AQUINO, T. de. Suma contra os gentios. Apud ARANHA, M. L de. Filosofando. São Paulo: Moderna, 2ª ed. p. 103.
A partir do texto citado e de conhecimentos do pensamento filosófico de Tomás de Aquino, assinale o que for correto. (01) Fé e razão não se opõem, porque seus princípios são verdadeiros. (02) Tomás de Aquino tomou por tarefa compatibilizar, a partir da relação fé e razão, a filosofia aristotélica com a verdade cristã. (04) O âmbito do racionalmente demonstrável é restrito se comparado com a imensidão dos mistérios divinos. (08) Para Tomás de Aquino, o conteúdo da fé é revelado por Deus aos homens, segundo a sua sabedoria. (16) A existência de Deus para Tomás de Aquino é tão somente afirmada pela fé, jamais reconhecida pela razão. 02.(UFF) A grande contribuição de Tomás de Aquino para a vida intelectual foi a de valorizar a inteligência humana e sua capacidade de alcançar a verdade por meio da razão natural, inclusive a respeito de certas questões da religião. Discorrendo sobre a “possibilidade de descobrir a verdade divina”, ele diz que há duas modalidades de verdade acerca de Deus. A primeira refere-se a verdades da revelação que a razão humana não consegue alcançar, por exemplo, entender como é possível Deus ser uno e trino. A segunda modalidade é composta de verdades que a razão pode atingir, por exemplo, que Deus existe. A partir dessa citação, indique a afirmativa que melhor expressa o pensamento de Tomás de Aquino. (A) A fé é o único meio do ser humano chegar à verdade. (B) O ser humano só alcança o conhecimento graças à revelação da verdade que Deus lhe concede. (C) Mesmo limitada, a razão humana é capaz de alcançar certas verdades por seus meios naturais. (D) A Filosofia é capaz de alcançar todas as verdades acerca de Deus. (E) Deus é um ser absolutamente misterioso e o ser humano nada pode conhecer d’Ele.
ANOTAÇÕES
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GABARITO CAPÍTULO 1 01.
C
02. A
CAPÍTULO 3 01.
D
02. B
CAPÍTULO 4 01.
18
02. 19
01. 02 + 16 = 18 02. 01 + 02 + 16 = 19
CAPÍTULO 6 01.
15
02. C
01. 01 + 02 + 04 + 08 = 15
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03. A
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